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PSICOLOGIA

DA EDUCAÇÃO

Caroline Costa Nunes Lima


O desenvolvimento do
“eu” e da moralidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as características de dois aspectos formadores do “eu” no


desenvolvimento infantil: autoestima e identidade.
 Relacionar corretamente o aspecto da autoestima ao desempenho
dos estudantes e listar um conjunto de componentes identitários do
desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes.
 Reconhecer as duas abordagens sobre o desenvolvimento moral — a
teoria de Piaget e a de Kohlberg — e as principais críticas feitas à última.

Introdução
Neste capítulo, você aprenderá a respeito de aspectos formadores do
“eu” e da moralidade. Também, identificará as principais características
e especificidades da formação da autoestima e construção da identi-
dade no desenvolvimento infantil, assim como alguns outros elementos
constituintes desses processos, tais como o autoconceito e as três fases
construtivas da identidade pelas quais as crianças passam entre as faixas
etárias de quatro a sete anos.
Em seguida, conhecerá algumas relações existentes entre a autoestima
e o desempenho dos estudantes, identificando que as vivências em
diferentes ambientes que crianças e adolescentes experimentam afetam
positiva ou negativamente em seu desenvolvimento socioemocional.
Por fim, você conhecerá duas das abordagens que resultaram em
teorias a respeito do desenvolvimento moral dos pesquisadores Piaget
e Kolberg, assim como algumas críticas que o criador da segunda abor-
dagem sofreu a partir de suas concepções.
2 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

A autoestima e a identidade no
desenvolvimento infantil
O desenvolvimento humano, objeto de estudo de diferentes áreas, envolve
variados aspectos que se entrelaçam, tais como os fenômenos biológicos,
físicos, cognitivos e emocionais dos indivíduos — de acordo com as experi-
mentações, primeiro, nas interações na formação da vida intrauterina e, após
o nascimento, com as relações que essa nova vida vai estabelecendo com o
ambiente que a cerca.
Se observarmos as pessoas com quem nos relacionamos e, até mesmo,
se fizermos uma autoanálise, verificaremos o quanto elas se diferenciam
em temperamento, personalidade e identidade. Conhecemos pessoas que se
apresentam diferentes: umas demonstram ser inseguras, outras autoafirma-
tivas, extrovertidas, tímidas, inibidas, comunicativas, etc. E você, como se
identifica? Quais experiências fizeram com que, hoje, você tenha se tornado a
pessoa que é quanto à personalidade, aos gostos, comportamentos e à estima
por si mesma?
Para nos aprofundarmos nessa temática, partindo da formação da autoestima
e da identidade no desenvolvimento infantil, apresentaremos alguns conceitos
importantes para compreendermos alguns desses fenômenos. De acordo com
Santrock (2009, p. 97):

De acordo com o dramaturgo italiano Ugo Betti, do século 20, quando as


crianças dizem “Eu”, elas querem se referir a algo singular, que não deve
ser confundido com qualquer outra coisa. Os psicólogo freqüentemente se
referem ao “eu” como o self. Dois aspectos importantes do self são autoestima
e identidade [...]. A autoestima se refere à visão global do indivíduo sobre si
mesmo. Autoestima também se refere à autovalia ou autoimagem. Por exemplo,
uma criança com autoestima elevada deve perceber que ela não é somente
uma pessoa, mas uma pessoa boa.

Contemporaneamente presente em nossas falas e reflexões, o conceito


desenvolvido sobre autoestima se originou do psicoterapeuta Carl Rogers,
que defendeu que o principal motivo de uma baixa autoestima está relacio-
nado à falta de apoio emocional adequado e a experiências de desaprovação
no ambiente social (SANTROCK, 2009). De acordo com Rogers (1961), à
medida que as crianças cresciam e lidavam com falas, tais como “você não
fez o certo/deveria agido melhor/como você pode ser tão idiota?”, traziam
consequências para formação de sua identidade. Outro termo importante para
O desenvolvimento do “eu” e da moralidade 3

esse momento de nossos estudos, o autoconceito, é explicitado por Papalia e


Feldman (2013, p. 284):

O autoconceito é o nosso quadro total de nossas capacidades e traços. É uma


construção cognitiva [...] um sistema de representações descritivas e ava-
liativas sobre a nossa pessoa”, que determina como nos sentimos sobre nós
mesmos e orienta nossas ações (HARTER, 1996, p. 207). O senso de identidade
também tem um aspecto social: a criança incorpora em sua autoimagem a
crescente compreensão de como os outros a vêem. O autoconceito começa a
se formar na fase dos primeiros passos, à medida que a criança desenvolve
a autoconsciência. Ele torna-se mais claro à medida que a pessoa adquire
capacidades cognitivas e lida com as tarefas de desenvolvimento da infância,
adolescência e idade adulta.

Quanto à formação da identidade, trazemos, no Quadro 1, as três fases


significativas em que a criança vivencia na faixa etária entre os quatro e sete
anos.

Quadro 1. Formação de identidade, primeiras fases

As representações são únicas. Suas declarações sobre si


mesmo são unidimensionais (“eu gosto de pizza”; “eu sou
muito forte”). Seu pensamento salta de um detalhe para
outro, sem conexões lógicas. Nesse estágio, ele não pode
imaginar ter duas emoções ao mesmo tempo (“você não
1ª fase — aos pode ser feliz e ter medo”) porque ele não pode considerar
quatro anos diferentes aspectos de si mesmo ao mesmo tempo. Seu
pensamento sobre si mesmo é tudo ou nada. Ele não
consegue reconhecer que sua identidade real, a pessoa que
ele é na verdade, não é a mesma que sua identidade ideal,
a pessoa que ele gostaria de ser; então, ele se descreve
como um modelo de virtude e habilidade.

A criança passa para a segunda fase, onde as associações


são representativas. Começa a fazer associações lógicas
entre um aspecto de si mesmo e outro (“eu posso correr
2ª fase —
rápido e posso subir bem alto”; “eu também sou forte”;
aproximadamente
“posso jogar a bola bem longe, um dia vou entrar em um
aos cinco e
time!”) (HARTER, 1996, p. 215). Entretanto, sua imagem de si
seis anos
mesmo ainda é expressa em termos totalmente positivos
de tudo ou nada. Não consegue ver como ele poderia ser
bom em algumas coisas e não em outras.
(Continua)
4 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

(Continuação)

Quadro 1. Formação de identidade, primeiras fases

3ª fase — Nessa fase, os sistemas são representacionais, quando as


aproximadamente crianças começam a integrar aspectos específicos de sua
aos sete anos identidade em um conceito geral e multidimensional. À
medida que o pensamento do tipo tudo ou nada declina,
as autodescrições se tornam mais equilibradas e realistas
(“eu sou bom no hóquei, mas sou ruim em aritmética”).

Fonte: Case (1985, 1992 apud PAPALIA; FELDMAN, 2013) e Fischer (1980 apud PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Agora que você pôde se aprofundar nas fases importantes de construção


da identidade, daremos continuidade aos aspectos formadores do “eu”. Para
que se desenvolva uma autoestima favorável na criança, é fundamental tratá-la
com respeito, cuidado, educação e refletir sobre os exemplos e valores que
transmitimos. Partindo dessa base, sua infância se desenvolverá de acordo
com o que aprenderá por meio de suas vivências (BARRETO, 2015).
Isso significa afirmar que, no cotidiano, essas relações se estabelecerão
e formarão a identidade e autoestima da criança, como esclarece Barreto
(2015, p. 75):

A autoestima é desenvolvida nos primeiros anos de vida, através das mensagens


que a mãe e o pai transmitem aos filhos. Quando as mensagens são positivas,
ou seja, quando enfatizam as conquistas das crianças e são transmitidas
com afeto, irão gerar nos mais pequenos um sentimento de segurança que é
fundamental nas várias etapas da sua vida. Através deste processo, a criança
desenvolverá uma autoestima positiva, que lhe dará confiança em si mesma
e bases emocionais para enfrentar problemas. Um ponto chave dentro do
desenvolvimento da autoestima é a aceitação da criança tal como ela é. Ou
seja, aceitar com as suas características particulares, quer sejam físicas ou
emocionais, o que significa aceitar as suas qualidades, defeitos e interesses.

Além da importância da aceitação plena, citada no fragmento acima, e da


demonstração de estima, outro importante ponto a ser enfatizado diz respeito
ao fato de que, segundo Katz (2006, p. 10),
O desenvolvimento do “eu” e da moralidade 5

[...] muitas aptidões para os sentimentos são inatas, como as aptidões de sentir
medo, ansiedade ou alegria. Mas muitos sentimentos são aprendidos com
a experiência, por exemplo, sentimentos de pertença, de não pertença, de
competência elevada ou baixa, de confiança elevada ou baixa [...].

Assim, para que, desde seus primeiros anos de vida, as crianças superem
alguns sentimentos, tais como o medo do abandono, são necessárias de-
monstrações que lhes transmitam o quanto são importantes e insubstituíveis
(CORDEIRO, 2007). Como os ambientes que frequentarão transitam entre seus
lares e suas instituições infantis, é necessária uma integração entre família e
educadores, tal como Alcântara (2000, p. 83) enfatiza:

A família é a principal modeladora da criança, sendo múltiplas as razões que


a definem como fundamento de toda a estrutura comportamental da pessoa.
Contudo, também não se pode afirmar que a formação das atitudes básicas
seja privilégio único da instituição familiar. A contribuição dos profissionais
da educação é indeclinável.

Desse modo, consideramos que educar exige atenção em palavras, gestos,


atitudes e valores e todos esses elementos devem estar em sintonia para que a
criança encontre a base adequada para se desenvolver e construir sua identidade
e autoestima. Os adultos que se destinaram a fazer parte do desenvolvimento
de uma criança devem estar conscientes de sua responsabilidade, cujas expe-
riências partilhadas serão refletidas por toda uma vida.
Deve-se oportunizar a criança a uma educação permeada por relações
pautadas em respeito, diálogo e transparência, fortalecendo sua autoestima e,
consequentemente, ampliando suas condições de desenvolver de modo integral,
nas relações com seus pares e nos processos de ensino e aprendizagem das
etapas escolares percorridas.

As relações entre a autoestima e


o desempenho escolar
Assim como as experiências que a criança e o adolescente refletem na formação
de sua identidade e autoestima, elas também têm relação direta no desempenho
escolar e desenvolvimento socioemocional desses educandos.
6 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

Ao observar algum comportamento não condizente com os considerados positivos,


como alguma apatia excessiva, agressividade de um aluno, há de se buscar investigar
quais são as raízes que justifiquem tais circunstâncias. Os reflexos de experiências
influenciadoras da formação da autoestima do educando são identificáveis por meio
de seu desempenho escolar e socioemocional.

Na escola, a criança passa por estímulos e momentos destinados ao brincar,


que favorecem a interação social e a aprendizagem, sendo essencial o respeito
mútuo ao seu modo de ser, estar e às formas de se expressar (Figura 1).

Figura 1. Relações entre a autoestima e o desempenho escolar.


Fonte: Suzanne Tucker/Shutterstock.com.
O desenvolvimento do “eu” e da moralidade 7

De acordo com Cavalcanti (2003 apud SANTOS, 2017), o aluno adequada-


mente estimulado tem mais oportunidade de se sentir incentivado na realização
das atividades propostas, e a autoestima e aprendizagem se entrelaçam, visto
que as dificuldades de aprendizagem podem trazer baixa autoestima, desva-
lorização pessoal e desajustes como consequência.
Assim, para Souza (2002 apud SANTOS, 2017), autoestima, família e
escola estão relacionadas ao desenvolvimento humano no que tange aos as-
pectos físicos, cognitivos e, destacadamente, afetivos, tendo em vista que os
indivíduos precisam de um ambiente que lhes acolha e valorize. Essas relações
farão com que o estudante desenvolva uma visão de si mesmo, como afirma
Jesus (2013 apud SANTOS, 2017, p. 15):

Com isso, constatamos que quando o estudante se enxerga de modo negati-


vo, pode adotar um comportamento desviante, agressivo ou extremamente
introspectivo, comprometendo assim, seu desempenho e desenvolvimento
socioemocional. Apesar de alguns desses sinais só virem à tona tardiamente,
o autoconceito que o aluno constrói de desacreditar em sua capacidade e
competência pode estar relacionado a um ambiente familiar onde a criança
passou por um processo de queda de sua autoestima por passar por experiências
negativas que afetaram sua formação.

De acordo com pesquisas, foi constatado que a autoestima sofre mudanças


nas fases de desenvolvimento da criança (GALAMBOS; BARKER; KRAHN,
2006). Por meio de estudos, descobriram que, na infância, meninos e meninas
apresentaram elevada autoestima, porém, no período do início da adolescência,
houve uma queda (ROBINS et al., 2002). Além das diferenças apresentadas na
mudança de fases, também puderam ser constatadas diferenças entre meninos
e meninas, como você pode observar na Figura 2, a seguir, de acordo com
Santrock (2009).
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Figura 2. O declínio da autoestima nos adolescentes.


Fonte: Santrock (2009, p. 97).

É possível verificar que Kling et al. (1999) e Major et al. (1999) a autoestima
das meninas sofre uma queda maior que a dos meninos ao longo do período
da adolescência. Um dos motivos apontados diz respeito a mudanças físicas
da puberdade, às expectativas no desempenho escolar, ao apoio inadequado
dos responsáveis e educadores.
Outras variantes da autoestima dos educandos estão relacionadas a aspectos
como o acadêmico, a aparência e as habilidades sociais Ou seja, o aluno pode
apresentar uma autoestima favorável em sua atuação como estudante e desfa-
vorável quanto às suas habilidades físicas e sociais (HARTER, 1996, 2006).
Quanto à formação de sua identidade e às relações estabelecidas com seu
desenvolvimento socioemocional e desempenho escolar, listaremos, a seguir,
no Quadro 2, o resultado de um estudo realizado por Marcia (1980, 1998) a
respeito da existência de um conjunto de componentes identitários envolvendo
conceituações a respeito de exploração e compromisso.
O desenvolvimento do “eu” e da moralidade 9

Quadro 2. Processos que envolvem a formação de identidade

Ocorre quando os indivíduos ainda não experienciaram


uma crise (isto é, eles ainda não exploraram alternativas
significativas) e nem assumiram um compromisso.
Difusão de identidade
Eles estão não somente indecisos quanto a escolhas
ocupacionais e ideológicas, mas também demonstram
pouco interesse em tais assuntos.

Ocorre quando indivíduos assumem um compromisso,


mas ainda não experienciaram uma crise. Isso ocorre
mais frequentemente quando os pais entregam
Exclusão de compromissos a seus adolescentes, muitas vezes,
identidade de modo autoritário. Nessas circunstâncias, os
adolescentes não têm oportunidades adequadas de
explorar diferentes abordagens, ideologias e vocações
por si mesmos.

Ocorre quando os indivíduos estão no meio de uma


Moratória de
crise, mas seus compromissos estão ausentes ou,
identidade
ainda, vagamente definidos.

Aquisição de Ocorre quando os indivíduos passaram por uma crise


identidade e assumiram um compromisso.

Fonte: Marcia (1980, 1998 apud SANTROCK, 2009, p. 99-100).

Como você pôde observar no Quadro 2, existem diferentes processos


complexos que envolvem a formação da identidade de crianças e adolescentes,
onde eles podem se defrontar com diferentes questões, como aponta Santrock
(2009, p. 100): “[...] tais como vocacional, religiosa, intelectual, política, sexual,
de gênero, étnica e de interesses [...]”.
Assim, é natural que passem por conflitos em seus processos de amadu-
recimento, necessitando de apoio, compreensão e respeito por seu modo de
se desenvolver e enxergar a vida, suas escolhas, se posicionar e se aceitar,
aprendendo com as experiências inerentes de cada fase do desenvolvimento
humano.
Levando em consideração que se tratem de experiências vivenciadas em
períodos tão complexos quanto os existentes na transição da infância para a
adolescência, com suas inerentes mudanças biológicas, fisiológicas e psico-
lógicas, há de se conscientizar que esses educandos terão mais condições de
desenvolvimento tendo um apoio familiar e escolar frente aos desafios.
10 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

O desenvolvimento da moral por meio das


teorias de Piaget e Kohlberg
O desenvolvimento humano envolve variados aspectos, tais como o biológico,
cognitivo, físico e socioemocional. A cada etapa de evolução do indivíduo,
novas aprendizagens e maturações de diferentes áreas vão assumindo novas
potencialidades.
Assim como você acompanhou, além dos processos de construção do “eu”
e da identidade, também existem outros aspectos relacionados ao desenvolvi-
mento humano, como o que veremos agora: o senso de moralidade (Figura 3).
Pesquisadores deste tema, tais como Jean Piaget e Lawrence Kolberg, buscam
desenvolver aportes teóricos capazes de elaborar processos orientadores que
definam valores dos indivíduos em diferentes cenários que habitam e se
relacionam interpessoalmente.

3,90

3,80

3,70
Autoestima

3,60 Meninos

3,50
Meninas
3,30

3,20

3,10
9–12 13–17 18–22

Figura 3. Desenvolvimento da moralidade.


Fonte: jennythip/Shutterstock.com.
O desenvolvimento do “eu” e da moralidade 11

Aspectos envolvendo a moralidade, inerentes a indivíduos de diferentes


épocas e sociedades, lidam com o entrelaçamento de fatores históricos, cultu-
rais e socioafetivos, impulsionando pesquisadores a desenvolverem diferentes
teorias. Uma das que você verá agora foi concebida por Jean Piaget, que passou
a observar estudantes, tendo como o foco questões moralizantes e realizando
entrevistas, indagações, testes para observar suas reações (PIAGET, 1932).
Concebendo que o desenvolvimento moral está associado ao respeito de re-
gras e às convenções partilhadas por pessoas que interagem, o pesquisador,
por meio dessas investigações, formulou uma teoria organizada por meio de
estágios, conforme demonstrado no Quadro 3.

Quadro 3. Moralidade heterônoma versus Moralidade autônoma.

É o primeiro estágio do desenvolvimento moral de Piaget.


Ele dura aproximadamente dos 4 aos 7 anos de idade.
Nesse estágio, a justiça e as regras são concebidas como
propriedades imutáveis do mundo, que as pessoas não
podem controlar. (...)
Moralidade O pensador heterônomo também acredita na justiça
heterônoma imanente: o conceito que diz que se uma regra é violada,
a punição é imposta imediatamente. As crianças jovens
acreditam que a violação da regra está, de alguma forma,
automaticamente associada à punição. Elas sempre olham
à sua volta de uma maneira preocupada após cometer uma
transgressão, esperando o castigo inevitável.

No segundo estágio do desenvolvimento moral de Piaget, que


se atinge com aproximadamente 10 anos de idade ou mais, a
criança se torna ciente de que as regras e leis são criadas pelas
pessoas e, ao julgar uma ação, tanto a intenção do autor como
as consequências devem ser consideradas. As crianças de 7 a
Moralidade
10 anos de idade estão em transição entre os dois estágios e
autônoma
apresentam algumas características de ambos. (...) As crianças
mais velhas, sendo autônomas moralmente, reconhecem
que o castigo é socialmente mediado e ocorre apenas se
uma pessoa relevante testemunha o delito e, mesmo assim,
ele não é inevitável.

Fonte: Piaget (1932 apud SANTROCK, 2009, p. 102).


12 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

Ainda sobre a teoria de Piaget, o pesquisador afirma que a moral evolui


por meio de relações mútuas, onde crianças e seus pares partilham de regras
e dialogam no estabelecimento de acordos e discordâncias. Na presença de
adultos em acordos com crianças, há uma tendência de esse desenvolvimento
ser enfraquecido devido ao modo como essas regras são estipuladas autorita-
riamente (PIAGET, 1932).
Outra abordagem a respeito da formação da moralidade se denomina teoria
de Kohlberg, formulada pelo mesmo autor que dá nome a ela (KOHLBERG,
1976, 1986). A concordância com Piaget se dá em conceber que o desenvol-
vimento da moral também ocorre por meio de fases. Por meio de entrevistas
com grupos de pessoas em diferentes períodos de vida, refletiu sobre diversas
problematizações, que resultaram na formulação dos seguintes estágios, ex-
plicitados no Quadro 4 (KOHLBERG, 1976, 1986 apud SANTROCK, 2009,
p. 104).
Além da proposta dos estágios, o pesquisador Kohlberg (1976, 1986)
evidenciou que as transformações essenciais no desenvolvimento cognitivo
resultam em um pensamento moral aprimorado, e as crianças, ao passarem
pelos estágios, são capazes de construir seus raciocínios ativamente na rela-
ção com o outro, partilhando de seus pensamentos e estabelecendo relações
mútuas com seus pares.
Ao ser analisada por outros pesquisadores, a teoria de Kohlberg recebeu
algumas significativas críticas a respeito de alguns pontos de sua proposta. De
acordo com Gibbs (2003), Lapsley e Narvaez (2006), Nucci (2004), Shweder
et al. (2006) e Turiel (2006), diferente do que Kohlberg enfatizou, mais o
pensamento moral que o comportamento moral. Assim, abre-se espaço para
que a razão moral abarque um comportamento imoral.
Uma nova crítica a essa teoria aponta a ideia de que Kohlberg propôs
concepções individualistas. A partir da visão de Gilligan (1982, 1998), essa
teoria adota um enfoque de justiça com foco nos direitos que, individualmente,
tomam decisões de cunho morais, deixando à margem a perspectiva do cuidado
que tem uma visão voltada para os relacionamentos e a preocupação com o
próximo.
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Quadro 4. Três níveis e seis estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg

Nível 3
Nível 1 Nível 2
Nível pós-
Nível pré — Nível convencional —
convencional —
-convencional — Internalização
Internalização
Sem internalização intermediária
completa

Estágio 1 Estágio 3 Estágio 5


Moralidade heterônoma Expectativas Contrato social ou
interpessoais mútuas, utilidade e direitos
As crianças obedecem relacionamentos individuais
porque os adultos e conformidade
lhes dizem-lhes interpessoal Os indivíduos
para obedecer. As raciocinam que os
pessoas baseiam suas Os indivíduos valorizam valores, direitos e
decisões morais no a confiança, o cuidado princípios fortalecem
medo da punição. e a lealdade com os ou transcendem a lei.
outros como a base para
julgamentos morais.

Estágio 2 Estágio 4 Estágio 6


Individualismo, Moralidade de Princípios éticos
propósito e troca sistemas sociais universais

Os indivíduos Os julgamentos A pessoa desenvolve


perseguem seus morais são baseados julgamentos morais
próprios interesses, na compreensão da que são baseados
mas permitem que de ordem, lei, justiça nos direitos humanos
os outros façam o e dever sociais. universais. Quando
mesmo. O que é certo se confronta com
envolve troca igual. um dilema entre lei e
consciência, segue-se
uma consciência
pessoal individualizada.

De todo modo, discussões como essas são naturais e fundamentais para que
novas investigações e propostas de teorias surjam. Analisando pontos de vista
partindo do contexto em que tais abordagens foram concebidas e os resultados
apresentados, identificaremos, com o passar do tempo, as contribuições para
estudos acerca do desenvolvimento humano que esses pesquisadores nos
forneceram.
14 O desenvolvimento do “eu” e da moralidade

Piaget (1932) e Kohlberg (1986), por meio de suas pesquisas, construíram


estruturas baseadas em circunstâncias contextuais, tendo como foco a análise
de indivíduos em diferentes fases a partir da infância, elencando critérios
passíveis de serem empregados em diferentes sociedades, de acordo com a
visão de juízo moral concebido por tal grupo e época.

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