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CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA – DISCIPLINA DE PIANO

ACOMPANHAMENTO PIANÍSTICO NO SAMBA

Rafael Tomazoni Gomes


rafaeltomazoni@hotmail.com

A proposta da atividade acompanhamento pianístico do samba, é trabalhar a montagem de acordes a


partir do sistema de cifragem adotado em gêneros de música popular (por exemplo Dm7 - G7 9 13 → C7M),
a partir de padrões rítmicos características do samba.
Este pequeno manual, cujo objetivo é servir de apoio à atividade de sala de aula, está organizado em
três partes: 1) Nas considerações preliminares, serão apresentados alguns exemplos que tratam do aspecto
rítmico do samba, bem como a proposta de realização da cifragem harmônica. 2) Na segunda parte,
proponho exercícios de acompanhameto pianístico no samba em ordem crescente do nível de dificuldade. 3)
São apresentadas três peças no formato lead sheet (melodia e cifra), adequadas à aplicação da atividade.

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1.1 Ritmo
Como referência para o ritmo, podemos nos basear nos padrões rítmicos realizados pelos
instrumentos de percussão no samba. Ao piano, a abordagem mais comum é a mão direita realizando os
ritmos associados ao tamborim, e na mão esquerda as células rítmicas associadas ao tambor-surdo.

Figura 1“Ciclo do tamborim” segundo Sandroni (2002, p. 34)

As três principais características deste padrão são: 1) o ciclo ocorre sobre 16 pulsações elementares,
que na escrita corresponde à 16 semicolcheias, dois compassos binários. 2) Imparidade rítmica: a
acentuação das pulsações elementares ocorrem predominantemente nas partes ímpares das pulsações
elementares, o que explica a forte ocorrência de síncopes, pausas, ligaduras e outros. 3) O ciclo é suscetível
à variações.
Bolão (2003, p.34) sugere aos estudante de tamborim seis variações deste padrão:
Figura 2 Exemplos do ciclo do tamborim

A mão esquerda por sua vez realiza uma figuração rítmica associada ao tambor-surdo, instrumento
de percussão responsável pelo registro grave. Nas escolas de samba, muitas vezes são utilizados dois
instrumentos, sendo um mais forte em relação ao outro. O exemplo abaixo sugere uma nota de curta duração
no primeiro tempo, enquanto o segundo tempo é acentuado:

Figura 3 Padrão rítmico elementar do tambor-surdo

Algumas variações sobre este padrão podem ser observadas abaixo:

Figura 4 Variações do padrão rítmico do tambor-surdo

Além dos exemplos citados, sugiro aos interessados criarem suas próprias variações e verificarem a
manifestação de tais padrões rítmicos em gravações e/ou apresentações musicais deste contexto. É
importante, por exemplo, verificar o comportamento do ciclo do tamborim através dos vários instrumentos
(violão, cavaquinho, instrumentos de percussão ou mesmo em orquestrações nos arranjos). A sonoridade
associada ao tambor surdo pode ser verificada em instrumentos de registro grave, como o contrabaixo ou
violão de sete cordas.
1.2 Harmonia

Iniciaremos com a mão esquerda tocando as fundamentais dos acordes e a mão direita conduzindo
terças e sétimas, como nos mostra Levine (1989, p.17). A estrutura, apresentada na tonalidade de dó maior,
pode ser aplicada em qualquer tonalidade.

Figura 5 Condução a três vozes

No exemplo acima, verifica-se a progressão IIm7 – V7 → I7M em dó maior, em que os acordes são
conduzidos em três vozes: fundamental, terça e sétima, que são notas estruturais dos acordes. As
fundamentais dos acordes realizam um movimento de quarta acedente (ré, sol e dó), enquanto sétimas são
conduzidas ou encadeadas para as terças e as terças são conduzidas para as sétimas. Terças e sétimas se
intercalam: a nota dó, que é a sétima do acorde do acorde Dm7, é conduzida para a nota si, terça do acorde
G7, que por sua vez é mantida no acorde C7M, sendo a sétima deste acorde.
Os exercícios da segunda parte deste manual - passo a passo do acompanhamento pianístico do
samba- serão apresentados conforme a o exemplo da figura 5 (condução em três vozes). No entanto, uma
vez assimilada esta estrutura, a proposta é experimentar outras conduções de vozes para as progressões
harmônicas. A figura 6 apresenta sugestões de montagem de acordes nas tonalidades de dó maior (C:) e fá
maior (F:), onde as colunas 1, 2, 3, 4, 5 e 6 apresentam níveis progressivos de complexidade. A figura
também inclui indicações de dedilhado:
Figura 6 Condução de vozes em progressões harmônicas
Na primeira coluna, a progressão IIm7 – V7 →I7M inicia com a sétima sendo a nota mais grave do
acorde IIm7 (abertura de sétima). Já na segunda coluna, a mesma progressão inicia com a terça sendo a nota
mais grave (abertura de terça). Num nível mais elementar, os exercícios deverão ser realizados com
aberturas de sétima e com aberturas de terça (coluna 1 e 2 da figura acima). O passo seguinte é a coluna 3,
que acrescenta a quinta no acorde IIm7 (nota lá na tonalidade de dó maior), que passa a ser a nona no acorde
V7 e é conduzida para a quinta do acorde I7M (nota sol na tonalidade de dó maior). Na coluna 4 observa-se a
mesma condução da coluna 3 porém invertida. A coluna 5 já apresenta uma estrutura a cinco vozes,
incluindo a nona do acorde IIm7 (nota mi na tonalidade de dó maior), que passa a ser a décima terceira do
acorde V7 e é conduzida para a nona do acorde I7M).
Outra possibilidade é realizar as terças e sétimas na mão esquerda e as tensões dos acordes na mão
direita. Nesta disposição a nota fundamental é omitida:

Figura 7 Condução a quatro vozes sem fundamental

2 O “PASSO A PASSO” DO ACOMPANHAMENTO PIANÍSTICO NO SAMBA

Após breves considerações sobre o ritmo e a montagem dos acordes, é hora de realizar o
acompanhamento propriamente dito. Esta seção tem como objetivos listar pequenos exercícios organizados
em ordem progressiva de nível de dificuldade. Tais exercícios são apenas sugestões para o início da prática
do acompanhamento pianístico no samba, de modo que foram priorizadas as estruturas mais elementares
para que sejam ferramentas de fácil utilização e tragam resultados imediatos.
Cada aluno deve avaliar seu grau de proficiência na prática da leitura de cifragem harmônica ao
teclado e reconhecer, nas figuras 5, 6 e 7, qual nível de dificuldade é mais apropriado para a realização dos
exercícios, pois estes serão apresentados na forma mais simples (como na figura 5). Reforço também que as
estruturas apresentadas são apenas sugestões, representam algumas das inúmeras possibilidades de leitura do
sistema de cifragem harmônica.
Abaixo, a lista de exercícios. Cada exemplo deve ser praticado individualmente (ser for o caso, em
mãos separadas para depois juntar ambas as mãos) e, em seguida, praticar a passagem de um exemplo ao
outro, de modo que a tarefa se torne fluente e natural. No mais, fiquem à vontade criar variações: variações
rítmicas, acrescentar ou subtrair notas no baixo, experimentar outras formas de conduzir os acordes, explor
tensões harmônicas fora do diatonismo, tocar os modos da escala maior, criar melodias, contrapontos e etc.
1 Exemplo inicial

2 Variação rítmica (1) na mão direita (m.d)

3 Variação rítmica (2) na m.d

4 Exemplo inicial com o baixo acentuando a quinta do acorde no segundo tempo

5 Variação rítmica (1) na m.d, com o baixo acentuando a quinta do acorde no segundo tempo

6 Variação rítmica (2) na m.d, com o baixo acentuando a quinta do acorde no segundo tempo
7 Exemplo inicial, com baixo acentuado a quinta do acorde, e uma semicolcheia como “nota fantasma”

8 Variação rítmica (1) na m.d e baixo igual ao exemplo anterior

9 Variação rítmica (2) na m.d e baixo igual ao exemplo anterior

3 REPERTÓRIO

Com o objetivo de aplicar os exercícios praticados acima, foram selecionadas três peças que
apresentam acordes em comum. Dessa forma, os acordes praticados na primeira peça servirão para a
segunda, que também serão praticados na terceira peça. Por essa razão, sugere-se que o repertório seja
estudado na sequência em que são apresentados aqui.

1 - Só danço Samba : Explora a progressão IIm7-V7→I7M nas tonalidades de dó maior, fá maior (ver figura
6) e sol maior. Além dessas progressões, podemos observar o acorde D7, dominante da dominante da
tonalidade principal.

2 - Blue Bossa: Apresenta lá menor como tonalidade principal, portanto temos a presença do acorde meio-
diminuto na progressão IIm7b5 – V7→Im7. Além desta progressão, nesta música oferece a oportunidade de
praticar a progressão Cm7 – F7 → Bb7M.

3 - Tune Up – É um tema standard do jazz, composto por Miles Davis. A versão apresentada aqui traz uma
adaptação do gênero jazz para o samba, através de uma variação rítmica na linha melódica, alterada em
relação a versão original. Além das tonalidades de dó maior e si bemol maior (que já ocorreram nas peças
anteriores), Tune Up traz a progressão IIm7-V7→I7M na região tonal de ré maior.

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