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PNUD 2017 Movimentovida-Atividadesfsicaseesportiva 240214 015957
PNUD 2017 Movimentovida-Atividadesfsicaseesportiva 240214 015957
Relatório Nacional de
Desenvolvimento Humano do Brasil Empoderando vidas.
2017 Fortalecendo nações.
CC BY-NC 2017
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD
Casa da ONU, Setor de Embaixadas Norte, Quadra 802, Conjunto C, lote 17
Brasília, DF, Brasil
ISBN: 978-85-88201-49-1
CDU 796:316
Relatório Nacional de
Desenvolvimento Humano do Brasil
MOVIMENTO É VIDA:
ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS
PARA TODAS AS PESSOAS
Publicado pelo
Programa das
Nações Unidas para
o Desenvolvimento –
PNUD
APRESENTAÇÃO PRÓLOGO
No âmbito da Agenda 2030 para o Desenvol- Copa do Mundo FIFA de 2014, os Jogos Mundiais Melhorar a qualidade de vida ou o bem-estar. de uma série de dimensões e de habilidades já
vimento Sustentável o esporte é reconhecido Indígenas 2015 e os Jogos Rio 2016), é oportu- É o que motiva grande parte dos praticantes de existentes nas crianças e adolescentes.
como um facilitador importante do desenvol- no afirmar que a pauta das atividades físicas e Atividades Físicas e Esportivas (AFEs) no Brasil. Todas as ações programáticas do PNUD vi-
vimento e da paz. Sua promoção favorece a esportivas é permanente e seguirá cobrando a A importância das AFEs para a melhoria da vida sam promover o desenvolvimento, reduzindo a
tolerância e o respeito entre as pessoas, empo- atenção ininterrupta de todos os responsáveis das pessoas e para o seu desenvolvimento é, desigualdade – com destaque para a de gênero
derando especialmente as mulheres, os jovens, por tornar possível a prática de AFEs junto à em geral, reconhecida pela população brasileira. e a de raça –, contribuindo para a erradicação
os indivíduos e as comunidades. O esporte tem população. No entanto, e atualmente, a liberdade de esco- da pobreza, garantindo a igualdade, a dignida-
muito a colaborar com os Objetivos de Desen- Dentre as mensagens principais do relatório lha sobre a prática encontra-se limitada: não há de, vidas prósperas e plenas e sociedades justas
volvimento Sustentável como um todo, e em está o entendimento de que praticar AFEs é um igualdade nas oportunidades de acesso para os e inclusivas. Com os projetos sobre AFES não
particular com aqueles relacionados com a saú- direito das pessoas (não um dever) e de que as diversos grupos sociais. Mesmo reconhecendo poderia ser diferente. Daí a decisão de manter
de, a educação e a inclusão social. AFEs estão em sintonia com o desenvolvimen- essa potencialidade das AFEs, muitas pessoas e ampliar esse campo programático dentre os
Em consonância com esse reconhecimento, to humano quando sua realização tem por base continuam a experimentá-las de maneiras mui- objetivos de nosso escritório para o ciclo de
a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 7 de uma decisão livre e consciente, não limitada to distintas e desiguais. As AFEs têm se consti- 2017 a 2021.
Dezembro de 2016, adotou uma resolução em por falta de tempo, de recursos ou de oportu- tuído como um vetor de desenvolvimento hu- Acreditamos que o Relatório “Movimento é
sua 71ª Sessão sobre o esporte como meio de nidades. O quadro de iniquidade no acesso às mano para quem? Em que cenários elas não se Vida” tem o potencial de contribuir para este
promoção da educação, saúde, desenvolvimen- AFEs também é abordado, fazendo um chama- traduzem em uma real expansão da liberdade desenvolvimento universal e inclusivo, por meio
to e paz. De acordo com esta resolução, os Esta- do para que as políticas públicas e iniciativas na das pessoas? das recomendações apresentadas no campo da
dos-membros, as entidades do sistema da Orga- área ampliem as oportunidades para as mulhe- Com o intuito de problematizar e evidenciar educação, saúde e gestão pública, capazes de
nização das Nações Unidas (ONU), as federações res, os idosos, as pessoas em situação de vul- essas e outras questões centrais ao desenvol- subsidiar a elaboração de uma nova geração de
e associações esportivas, os atletas, a mídia, a nerabilidade social, os negros, as pessoas com vimento via AFEs no Brasil, o Programa das Na- políticas públicas bem como de iniciativas pri-
sociedade civil, a academia e o setor privado de- deficiência e com baixa escolaridade. ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vadas na área. A força dessas recomendações
vem colaborar para promover maior conscien- Ao refletir sobre a situação das AFEs no país, vem construindo desde 2015 este Relatório do está justamente em sua construção democrá-
tização e ação de modo a integrar a agenda do o relatório ainda aponta caminhos e faz reco- Desenvolvimento Humano no Brasil sobre as tica e participativa. Não por acaso, muitas vozes
esporte para o desenvolvimento e a paz com a mendações concretas no âmbito da promoção AFEs, que traz um debate sério sobre o seu lugar e pontos de vista foram ouvidos e verdadeira-
agenda de desenvolvimento dos países. da saúde, da transformação das escolas no sen- hoje no país e sobre onde se quer chegar num mente considerados, e demandas muito con-
Quatro princípios são lembrados para fazer tido de que se tornem mais ativas, bem como futuro próximo. Com este trabalho selamos um cretas foram contempladas.
com que essa integração se torne concreta: a) no contexto do sistema que organiza as ativi- ciclo de ações engendradas pelo PNUD, que tra- As sólidas parcerias firmadas ao longo do
ampliar a conscientização das pessoas, definir dades esportivas no país. Nesse sentido, advoga duziram para a vida das pessoas os benefícios processo de elaboração do Relatório, com o se-
uma visão comum e um conjunto de priorida- por uma nova visão para o Sistema Nacional de concretos do legado da década do esporte. tor público, setor privado, terceiro setor e acade-
des; b) apoiar a integração do esporte nas po- Esportes que, além de promover o esporte de Dentre essas ações destacam-se os Jogos mia, saem com a tarefa de direcionar seus esfor-
líticas de crescimento e bem estar dos países; alto rendimento (onde hoje estão concentrados Mundiais dos Povos Indígenas, de 2015, que va- ços, projetos e ações para a concretização dessa
c) promover mecanismos inovadores de mobi- os recursos na área), fomente as AFEs para to- lorizaram o aspecto cultural, identitário e histó- nova visão. O PNUD também atuará no mesmo
lização de recursos financeiros; e d) facilitar a das as pessoas. rico do esporte de povos tradicionais; o Premio sentido e espera seguir colaborando para pro-
construção de instrumentos de monitoramen- Esperamos que este documento contribua Mais Movimento, que procurou dar visibilidade e mover as AFEs como um componente essencial
to e avaliação das iniciativas adotadas, incluindo verdadeiramente para que a adesão às ativida- reconhecer práticas inovadoras e com impacto para melhorar os índices de desenvolvimento
definição de indicadores de acompanhamento des físicas e esportivas aumente e se qualifique no campo da atividade física no Brasil, além de humano sustentável no país, especialmente jun-
e desagregação de dados por renda, sexo, idade, no país, de modo a oportunizar patamares mais estimular e disseminar ações no campo da ativi- to aos grupos mais vulneráveis, já que ninguém
raça, dentre outros. elevados de desenvolvimento humano para to- dade física que criem experiências positivas para pode ser deixado para trás.
Alinhado com esses propósitos, o escritório das e todos. crianças desde cedo e/ou integrem a atividade
do PNUD no Brasil traz ao púbico este Relatório física ao dia a dia das pessoas; e o Projeto e a
de Desenvolvimento Humano sobre Atividades Pesquisa das Escolas Ativas, que vêm advogando
Físicas e Esportivas (AFEs), o primeiro em nível para tornar os ambientes escolares mais ativos,
mundial sobre o tema. Uma vez terminada a dé- melhorando não só o rendimento curricular dos
cada do esporte no Brasil (que teve início em Niky Fabiancic alunos, mas impulsionando o desenvolvimento Didier Trebucq
2007 com os XV Jogos Pan-Americanos, no Rio Coordenador Residente do Sistema das Nações Unidas Diretor de País do PNUD no Brasil
de Janeiro, e teve marcos importantes como a no Brasil e Representante Residente do PNUD no Brasil.
FICHA TÉCNICA
Conversatório 2015: Ailton Oliveira (UFS), Alex Branco GT de Esporte da ONU 2015: Fábio Eon (Unesco), Governo: Cássia Damiani (Ministério do Esporte), Instituto Nacional de Geografia e Estatística
Fraga (UFRGS), Alexandre Rezende (UnB), Alice Gismonti Fernanda Daltro (Pnuma), Maria Teresa Fontes Evandro Roman (Deputado Federal – Comissão de (IBGE): Roberto Olinto, Cimar Azeredo,
(Nike), André Calixtre (Ipea), Andréa Bolzon (PNUD), (PNUD), Pedro Souza (RCO), Rodrigo Fonseca Esporte na Câmara), Humberto Panzetti (Secretário Maria Lúcia Vieira, Leonardo Quezado
Andréa Ewerton (Ministério do Esporte), Antonio Carlos (Unicef), Vinicius Monteiro (UNFPA). Municipal de Esportes de Indaiatuba – Associação Museu Nacional Honestino Guimarães: Wagner
Bramante (UnB), Celi Taffarel (UFBA), Edison J. Manoel Nacional de Secretários Municipais de Esportes e Barja, João Bastos, Marcelo Libânio
(USP), Eduardo Uhle (Sesc), Fábio Eon (Unesco), Fernando Reunião Anual da Rede Esporte para a Mudança Social Lazer), Marcio Jardim (Secretário de Estado do Esporte Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Jaime González (Unijuí), Fernando Mascarenhas (UnB), 2015: Associação Pró-Esporte e Cultura, Atletas pelo e Lazer do Maranhão – Associação de Gestores (PNUD): Erica Mássimo Machado, Haroldo Machado,
Gisele Balbino A. Rodrigues de Sá (Ministério da Saúde), Brasil, Capital Feminina, Coletivo Briza, Fundação Estaduais de Esporte e Lazer), Marcio Marinho Juliana Wenceslau Biriba dos Santos, Juliana
Isadora Vasconcelos (PNUD), Jacob Said Netto (PNUD), EPROCAD, Futebol de Rua, Hurra!, Instituto Barrichello (Deputado Federal Comissão de Esporte na Câmara). Soares, Ismália Afonso da Silva, Maria Teresa
Jorge Chediek (PNUD), Jorge Steinhilber (Confef), Kanaan, Instituto Desportivo da Criança, Instituto Fontes, Moema Dutra Freire, Ieva Lazareviciute,
Juliana Soares (PNUD), Lino Castellani (Unicamp), Esporte Mais, Instituto Guga Kuerten, Instituto Academia: Ailton Oliveira (UFS), Antonio Carlos Luciano Milhomem, Renata Ramos Ribeiro,
Louise Bezerra (REMS), Maria Teresa Fontes (PNUD), Joaquim Cruz, Instituto Juventude, Instituto Reação, Bramante (UnB), Celi Taffarel (UFBA), Fernando Jorge Chediek, Jonathan Hall, Selim Jahan
Maristela Baioni (PNUD), Mauro Betti (Unesp), Nilcéa Instituto Rumo Náutico, Luta pela Paz, Nike, Passe de Mascarenhas (UnB), Lino Castellani Filho (Unicamp), Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte
Lopes (Instituto Ayrton Senna), Paula Korsakas (USP), Mágica, PLAN International, Programa das Nações Marcelo Pedroso (USP), Suraya C. Darido (Unesp). (Prodhe) - Universidade de São Paulo (USP)
Ricardo Jatobá (PNUD), Samantha Dotto Salve (PNUD), Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Programa de Universidade Federal do Rio Grande
Suraya C. Darido (Unesp), Timóteo Araújo (Celafiscs), Desenvolvimento Humano pelo Esporte (PRODHE), Sociedade civil organizada: Berivaldo Araújo (Instituto do Sul (UFGRS): Flavio Comim
Valter Bracht (UFES), Vanessa Gomes Zanella (PNUD). Projeto Vida Corrida, Promundo, Rede Esporte pela Alpargatas), Daniela Castro (Atletas pelo Brasil),
Mudança Social (REMS), Serviço Social do Comércio Flavio Canto (Instituto Reação), Louise Bezerra (Rede PARCEIROS INSTITUCIONAIS
Reunião Design to Move 2015: Alice Gismonti (Nike), (SESC), URECE Esporte e Cultura para Cegos. Esporte para a Mudança Social – REMS), Luis Carlos Banco do Nordeste
Andréa Bolzon (PNUD), Ariela Simoni (Ápice), Daniela de Oliveira (Celafiscs), Nilcéa Lopes (Instituto Ayrton Furnas
Rodrigues dos Santos (Caixa), Eduardo Uhle (Sesc- Semana Internacional de Esporte para a Mudança Senna), Ricardo Paes de Barros (Instituto Ayrton Ministério da Educação
SP), Eliane Furuyama (Nike), Fernando Vieira do Social 2016, Seminário Internacional Move Brasil Senna), Silvia Gonçalves (Atletas pelo Brasil), Timóteo Petrobras
Nascimento (Caixa), Ines Hotte (EY), Juliana Soares 2016, Reunião do Code – Fiesp 2017, Reunião Araújo (Celafiscs), Victor Matsudo (Celafiscs). Sebrae
(PNUD), Louise Bezerra (REMS), Maria Luiza Souza do Conselho da Associação pela Indústria e
Dias (Sesc-SP), Marta Obelheiro (WRI Brasil Cidades Comércio Esportivo - Ápice Brasil 2017. Setor privado: Alice Gismonti (Nike), Ariela Simoni APOIO
Sustentáveis), Maykell Carvalho (Cepeusp), Nilcéa Lopes (Ápice), Beatriz Azeredo (Rede Globo), Marcia Frizzo Secretaria de Políticas de Promoção da
(Instituto Ayrton Senna), Paula Korsakas (Cepeusp), (Rede Globo), Marcio Atalla (Casa do BemStar), Marina Igualdade Racial (Seppir) - Ministério dos
Renata Justi (Néctar Comunicação), Samantha Salve Carvalho (Ápice), Raphael Vandystadt (Rede Globo) Direitos Humanos - Governo Federal
(PNUD), Silvia Gonçalves (Atletas pelo Brasil), Thaís Ministério da Justiça - Governo Federal
Vitória Olivetti Silva (Instituto Bola pra Frente), Sistema S: Anderson Dalbone (Sesc), Andrea Ferreira Nike Inc.
William F. B. de Oliveira (REMS), Wolfram Stolz (GIZ). Leite (Sesi), Antonio Eduardo Muzzi Machado (Sesi),
Bruno dos Santos (Sesc), Eduardo Uhle (Sesc-SP), APOIO INSTITUCIONAL
João Canêdo (Sesc), Renata Maria Braga Santos (Sesi), Banco do Brasil
Rosimeri Pavanati (Sesc), Sergio Jamal Gotti (Sesi). Caixa Econômica Federal
Faculdade de Educação Física da
Organizações de classe: Jorge Steinhilber Universidade de Brasília
(Conselho Federal de Educação Física – Confef), Secretaria de Governo da Presidência da República
Lars Grael (Comissão Nacional de Atletas). Secretaria de Estado de Esporte, Turismo
e Lazer do Distrito Federal
Museu Nacional Honestino Guimarães - Secretaria
de Estado de Cultura do Distrito Federal
Governo de Brasília
LISTA DE SIGLAS E ACRÔNIMOS
Acad Associação Brasileira de Academias Fasfil Fundações Privadas e Associações Minc Ministério da Cultura do Comércio
ACM Associação Cristã de Moços sem Fins Lucrativos MS Ministério da Saúde Senai Serviço Nacional de
AFEs Atividades Físicas e Esportivas Fiesp Federação das Indústrias do MTC Minas Tênis Clube Aprendizagem Industrial
Apae Associação de Pais e Amigos Estado de São Paulo Nasf Núcleo de Apoio à Saúde da Família Senar Serviço Nacional de
dos Excepcionais FJP Fundação João Pinheiro ODS Objetivos de Desenvolvimento Aprendizagem Rural
APO Autoridade Pública Olímpica FNDE Fundo Nacional de Sustentável Senat Serviço Nacional de
Bireme Biblioteca Regional de Medicina Desenvolvimento da Educação OFSS Orçamento Fiscal e da Aprendizagem do Transporte
BNCC Base Nacional Curricular Comum Fundeb Fundo de Manutenção e Seguridade Social Seppir Secretaria de Políticas de
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Desenvolvimento da Educação OMS Organização Mundial da Saúde Promoção da Igualdade Racial
CBC Confederação Brasileira de Clubes Básica e de Valorização dos ONGs Organizações Não Governamentais Sesc Serviço Social do Comércio
CBF Confederação Brasileira de Futebol Profissionais da Educação ONU Organização das Nações Unidas Sescoop Serviço Nacional de Aprendizagem
CBMM Companhia Brasileira de Fundo Aeroviário Fundo Vinculado ao Ministério PAC 2 Programa de Aceleração do Cooperativismo
Metalurgia e Mineração da Aeronáutica do Crescimento Sesi Serviço Social da Indústria
CDSS Comissão sobre Determinantes GIZ Deutsche Gesellschaft Für Pdel Plano Decenal de Esporte e Lazer Sest Serviço Social de Transporte
Sociais da Saúde Internationale Zusammenarbeit PEC Praças de Esporte e da Cultura SND Sistema Nacional de Desporto
Celafiscs Centro de Estudos do Laboratório de GTSNE Grupo de Trabalho do Sistema Pelc Programa Esporte e Lazer da Cidade Snear Secretaria Nacional de Esporte
Aptidão Física de São Caetano do Sul Nacional do Esporte PeNSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de Alto Rendimento
Cemig Companhia Energética IAS Instituto Ayrton Senna PF Pessoa física SNELIS Secretaria Nacional de Esporte,
de Minas Gerais IBGE Instituto Brasileiro de PIB Produto Interno Bruto Educação, Lazer e Inclusão Social
Cepeusp Centro de Práticas Esportivas Geografia e Estatística PJ Pessoas Jurídicas SUS Sistema Único de Saúde
da Universidade de São Paulo IDH Índice de Desenvolvimento Humano PME Programa Mais Educação TCT Teoria Clássica dos Testes
CEUs Centros de Artes e IDHM Índice de Desenvolvimento PNAD Pesquisa Nacional por TCU Tribunal de Contas da União
Esportes Unificados Humano Municipal Amostra de Domicílios TRI Teoria de Resposta ao Item
CIE Centro de Iniciação ao Esporte IHRSA International Health, Racquet PNE Plano Nacional de Educação UERJ Universidade Estadual
CMVM Círculo Militar da Vila Militar e Sportsclub Association PNE Política Nacional do Esporte do Rio de Janeiro
CNE Conferência Nacional do Esporte Incra Instituto Nacional de Colonização PNS Pesquisa Nacional de Saúde UFBA Universidade Federal da Bahia
CNE Conselho Nacional do Esporte e Reforma Agrária PNUD Programa das Nações Unidas UFES Universidade Federal
COB Comitê Olímpico Brasileiro Inep Instituto Nacional de Estudos e para o Desenvolvimento do Espírito Santo
Code-Fiesp Comitê da Cadeia Produtiva da FIESP Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira PNUMA Programa das Nações Unidas UFRGS Universidade Federal do
COI Comitê Olímpico Internacional IPC Comitê Paralímpico Internacional para o Meio Ambiente Rio Grande do Sul
Compass Coordinated Monitoring of Ipea Instituto de Pesquisa PPA Plano Plurianual UFS Universidade Federal de Sergipe
Participation in Sports Econômica Aplicada PPAs Planos Plurianuais UnB Universidade de Brasília
CONFEF Conselho Federal de Educação Física IPM Instituto Passe de Mágica Prodhe Programa de Desenvolvimento UNDP United Nations Development
CPB Comitê Paralímpico Brasileiro IR Imposto de Renda Humano pelo Esporte Programme
Cras Centro de Referência em JMM Jogos Mundiais Militares Programa Vamos Programa Vida Ativa Unesco Organização das Nações Unidas para
Assistência Social LDB Lei de Diretrizes e Bases Melhorando a Saúde a Educação, a Ciência e a Cultura
DEED Diretoria de Estudos Educacionais LDOs Leis de Diretrizes Orçamentárias PST Programa Segundo Tempo Unesp Universidade Estadual Paulista
Diesporte Diagnóstico Nacional do Esporte LIE Lei de Incentivo ao Esporte RCO Residente Coordinator UNFPA United Nations Population Fund
DPC Diretoria de Portos e Costas LOAs Leis de Orçamento Anuais Office United Nations Unicamp Universidade Estadual de Campinas
do Ministério da Marinha Lotex Loteria Instantânea Exclusiva RDH Relatório de Desenvolvimento Humano Unicef Fundo das Nações Unidas
EAR Esporte de Alto Rendimento LRFE Lei de Responsabilidade Rems Rede Esporte pela Mudança Social para a Infância
ECA Estatuto da Criança e Fiscal do Esporte RNT Rede Nacional de Treinamento USP Universidade de São Paulo
do Adolescente MAPS Mainstreaming, Acceleration, SAEVP Sistema de Avaliação em Estilo Vigitel Vigilância de Fatores de Risco e
EEA Escala de Escola Ativa Policy Support de Vida e Produtividade Proteção para Doenças Crônicas
EELIS Esporte, Educação, Lazer MD Ministério da Defesa SBD Sistema Brasileiro de Desporto por Inquérito Telefônico
e Inclusão Social MDSA Ministério de Desenvolvimento Scielo Scientific Library Online
EF Educação Física Social e Agrário Sebrae Serviço Brasileiro de Apoio às
EPC Esporte Clube Pinheiros ME Ministério do Esporte Micro e Pequenas Empresas
EY Ernst Young MEC Ministério da Educação Senac Serviço Nacional de Aprendizagem
Sumário Apresentação
Prólogo
Ficha Técnica
Agradecimentos
Lista de Siglas e Acrônimos
16 RESUMO EXECUTIVO
27 Notas
28 CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
30
31
Atividades físicas e esportivas para todas as pessoas
O lugar das atividades físicas e
esportivas no mundo atual
34 Atividades físicas e esportivas
como um fim em si mesmas
36 O propósito e a estrutura do relatório
38 Notas
40 CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO HUMANO: BEM-ESTAR,
EMPODERAMENTO E JUSTIÇA
41 Introdução
44 Possibilidades e limites da liberdade de escolha
50 Acesso equitativo às oportunidades e
igualdade de direitos e deveres
51 Equidade de gênero
92
178 Conclusão
CAPÍTULO 4 181 Notas
ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS NO BRASIL
184
93 Introdução CAPÍTULO 6
94 As dificuldades de definir quem pratica ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS E SEU
e quem não pratica AFEs PAPEL NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
97 Iniquidade da prática de AFEs no Brasil
97 Pessoas adultas 185 Introdução
103 Jovens escolares 191 Como a saúde de crianças e adolescentes
é beneficiada com a prática de AFEs
106 Frequência e continuidade anual da prática de AFEs 193 Como a saúde de adultos e idosos é
112 Tipos de AFEs no Brasil beneficiada com a prática de AFEs
118 Por quais motivos as pessoas praticam AFEs? 195 As estratégias em uso para fomentar a prática de AFEs
122 Motivos pelos quais não se pratica esporte 196 Abordagens informacionais e de campanha de massa
125 Prioridades de investimento do poder 198 Abordagens comportamentais e sociais
público na perspectiva das pessoas 204 Abordagens ambientais e políticas
126 Conclusão voltadas à comunidade
130 Notas
207 Considerações sobre o processo dinâmico
das AFEs na promoção da saúde
211 Conclusão
212 Notas
214 314
CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 9
ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS E SEU PAPEL A PROMOÇÃO DAS ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS
NA CONSTRUÇÃO DE ESCOLAS ATIVAS E SEU ALINHAMENTO COM A AGENDA 2030 PARA
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
215 Introdução
221 O modelo conceitual de Escola Ativa sob a 315 Introdução
ótica do desenvolvimento humano 318 O caráter universal da Agenda 2030
228 Os cenários das escolas do Brasil e as oportunidades 319 A produção de dados e a centralidade do planejamento
de promoção de Escolas Ativas 321 Para fazer mais e melhor: gestão eficiente, valores
231 Escolas brasileiras sob a lente das Escolas Ativas compartilhados, intersetorialidade e controle social
235 Por um Escola Ativa no Brasil: entre o 325 Um novo instrumental a ser explorado
desejado, o legal e o possível 330 Conclusão
331 Notas
251 Fazer das escolas Escolas Ativas
332
251 Há uma condição vital latente: as
crianças e jovens são ativos CAPÍTULO 10
CONCLUSÃO
253 Mudanças na arquitetura que fazem grandes diferenças
256 Conclusão 334 A relevância das AFEs para o desenvolvimento humano
257 Notas 334 AFEs e o campo conceitual do desenvolvimento humano
335 A centralidade do lazer
258
335 Condicionantes do envolvimento das pessoas com AFEs
CAPÍTULO 8
A ESTRUTURA GOVERNAMENTAL, AS LEIS E O FINANCIAMENTO: 337 A iniquidade do acesso às AFEs
O QUE JÁ ESTÁ SENDO CUIDADO E O QUE PRECISA DE ATENÇÃO 338 AFEs como elemento central da prática
da promoção da saúde
259 Introdução 340 AFEs como elemento central de um novo
260 A constituição do setor das AFEs e seus atores modelo de escola: Escolas Ativas
260 A escolarização de conteúdos no âmbito das AFEs 340 Escala de Escola Ativa (EEA)
263 A construção da cultura associativa do esporte brasileiro 340 Fazer das escolas Escolas Ativas
264 As relações entre o Estado e o esporte no Brasil
266 A participação do terceiro setor e o mercado das AFEs 342 A organização do Sistema Nacional de Esporte
269 A organização sistêmica do esporte 343 A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável e as relações com as AFEs
275 Programas governamentais em tempos de megaeventos 343 Nota
276 A Rede Nacional de Treinamento
278 Os programas do Ministério do Esporte
284 Os programas de outros ministérios 346 Bibliografia
375 Anexo EstatÍstico
286 Os modos de financiamento do esporte
286 As fontes de financiamento do esporte na esfera federal
288 O esporte no financiamento da União
292 O direcionamento dos gastos orçamentários
298 Os recursos extraorçamentários e
indiretos para o esporte
302 Para além dos recursos da União
304 Conclusão
312 Notas
RESUMO
EXECUTIVO
O valor intrínseco da prática de atividades central ao conceito de desenvolvimento hu-
físicas e esportivas (AFEs), bem como a relação mano, se exprime de forma mais efetiva nas
positiva entre as mesmas e a saúde, a sociabili- práticas realizadas no tempo livre do que nas
dade, a cognição, a produtividade e a qualidade demais, além de serem entendidas como parte
de vida como um todo, já está bem estabeleci- dos direitos sociais de todo e qualquer cidadão.
do. Ainda assim, a maioria das pessoas não está Nessa trilha, o relatório denomina como ati-
envolvida com essas práticas. Esse Relatório vidades físicas e esportivas o conjunto de prá-
Nacional de Desenvolvimento Humano pressu- ticas que exige significativo envolvimento e
põe que as AFEs têm o potencial de enriquecer movimentação corporal ou esforço físico, que é
a vida e ampliar a liberdade de escolha de cada realizado predominantemente sem fins produ-
uma e de cada um, constituindo um direito das tivos do ponto de vista econômico e ao qual os
pessoas, e não um dever. Portanto, advoga for- praticantes conferem valores e sentidos diver-
temente que os governos adotem políticas pú- sos (e por vezes sobrepostos), ligados às dimen-
blicas condizentes com a importância das AFEs sões da saúde, aptidão física, competição, so-
para o desenvolvimento humano, bem como ciabilidade, diversão, risco e excitação, catarse,
prescreve que o setor privado e as organiza- relaxamento e beleza corporal, dentre outras1.
ções da sociedade civil promovam iniciativas no As análises realizadas a partir dos dados dis-
mesmo sentido. poníveis sobre a prática e a organização das
Sem negar o vasto campo das AFEs que AFEs no Brasil levaram este relatório a propor
acontecem por motivos de deslocamento, ati- seis princípios centrais que devem orientar as
vidades ocupacionais e domésticas, o relatório ações na área, de modo a aumentar e qualificar
toma partido ao escolher as práticas realiza- o envolvimento das pessoas com as mesmas:
das no tempo livre, em contextos de lazer, para
traçar as relações com o desenvolvimento hu-
mano. Entende-se que o caráter de liberdade,
17
Resumo executivo
1. As AFEs são um vetor de desenvolvimento humano quando sua prática tem 2. As políticas de promoção de AFEs e as estratégias para aumentar e
por base uma decisão livre e consciente, que não seja limitada por falta de qualificar a adesão devem ser elaboradas e implementadas na perspectiva
tempo disponível, de recursos materiais e financeiros e/ou de oportunidades. do direito ao acesso às AFEs, e a responsabilidade pela situação atual,
e pelo que se pretende para o futuro, deve ser compartilhada entre
população, setor público, iniciativa privada e terceiro setor.
Mover-se é uma capacidade valorosa para Três condições são entendidas como cen- As políticas públicas são a principal ferra- Um modo simples de advogar a favor da
o desenvolvimento humano e se expressa por trais para definir o grau de liberdade presente menta da sociedade para influenciar na criação implementação de políticas públicas e outras
meio de diversos funcionamentos (caminhar, nas escolhas das pessoas quanto à pratica de das capacidades das pessoas. As políticas vigen- iniciativas no campo das atividades físicas e
dançar, praticar esporte, brincar, pedalar etc.), AFEs. A primeira delas é o tempo, ou seja, a re- tes nas diversas áreas, durante os períodos de esportivas é mostrar o seu retorno claro em
com significados diferentes para as pessoas em lação direta entre poder escolher uma dessas crise ou de estabilidade, ampliarão ou reduzirão termos dos indicadores de desenvolvimento
suas vidas. Todas as pessoas têm o potencial de práticas e o tempo livre disponível para exercê- as oportunidades de que dispõem as pessoas humano. A ligação entre a prática de atividades
mover-se e praticar AFEs, por isso, essa capaci- -la. Em segundo lugar, destaca-se a necessida- para eleger o modo de vida que desejam e valo- físicas e esportivas e o desenvolvimento huma-
dade deve ser garantida e enriquecida ao longo de de condições materiais e financeiras para a rizam. Além dos governos, a sociedade civil por no da população brasileira pode ser evidencia-
de toda a vida, para que elas desenvolvam tal prática de AFEs. A disponibilidade de recursos meio de ONGs, as associações comunitárias, os da na relação entre o percentual da população
potencial e usufruam da mesma (com agência) para usufruir das opções privadas ou a dispo- sindicatos, os grupamentos religiosos, os gru- que pratica AFEs e o Índice de Desenvolvimento
para tornar suas vidas mais dignas e com mais nibilidade de condições materiais públicas (que pos indígenas, as associações empresariais, as Humano Municipal (IDHM) das Unidades da Fe-
qualidade. vão desde os equipamentos esportivos até a associações profissionais, entre outras, também deração (UF). Observam-se variações positivas
Há uma multiplicidade de práticas de AFEs iluminação e a segurança pública) são indispen- intervêm na escolha e implementação de novos entre o percentual da população que pratica
e de sentidos atribuídos a essas práticas pe- sáveis para a prática de AFEs. A terceira tem ca- cursos de ação públicos. AFEs e o IDHM: conforme aumenta o percen-
las pessoas. Sem buscar estabelecer uma rela- ráter simbólico e cultural. O valor de ser ativo No campo das AFEs não é diferente: políticas e tual da população que pratica atividades físicas
ção hierárquica entre razões mais utilitaristas está intrinsecamente relacionado às dinâmicas iniciativas dos mais diversos atores devem incidir e esportivas nas UFs brasileiras, aumenta tam-
(como o benefício à saúde) e razões de âmbi- culturais locais, o que impacta – e muitas ve- no modo como os serviços e as oportunidades bém o seu IDHM.
to pessoal (como o prazer), o relatório afirma a zes limita – o tipo de AFEs que são observadas são oferecidos às pessoas. A realização das Con-
importância de construir condições objetivas e como práticas valoráveis pelas pessoas. A ideia ferências Nacionais do Esporte em 2004, 2006 e Gráfico RE.1 Percentual da população que pratica atividades físicas
simbólicas para que as AFEs possam ser aces- aqui é que a valoração das práticas seja dada 2010, é um exemplo de iniciativa que construiu e esportivas e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
sadas por todas as pessoas, pelas mais diversas por uma decisão livre e consciente da pessoa, um espaço de diálogo público para a discussão (IDHM) das Unidades da Federação (UF) brasileiras, em 2015
razões, tratando-se então efetivamente de uma afetada em menor medida por uma imposição das políticas relacionadas com o esporte. A par-
IDHM
escolha, tão autônoma quanto possível. cultural ou midiática. ticipação de todos os interessados permite criar
círculos virtuosos de desenvolvimento, ancora-
dos no respeito à diversidade e na justiça social.
A característica distintiva das iniciativas ba-
seadas no enfoque do desenvolvimento huma- 0,9
no é o reconhecimento da multidimensionali- DF
dade da vida humana e, em concordância com SP
TO MS
campo das AFEs deverão incluir, em nome da AP
RN
PE CE
AC PB
multidimensionalidade, os setores tradicional- BA
AM
19
18
Ainda que seja complexo definir um percen- Assim, existem relações claras entre a possi- Gráfico RE.2 Perfil de praticantes de atividades físicas e esportivas, no Brasil
tual único de praticantes de AFEs no Brasil, pois bilidade de uma pessoa praticar AFEs e o grupo
79,6%
o dado pode variar significativamente de acor- social ao qual pertence, segmentado por marca- 80
% de prática
76,6%
do com os parâmetros utilizados (frequência de dores como sexo, raça, idade, nível de instrução,
prática, período de referência, quantidade de rendimento mensal domiciliar per capita e suas 72,5% 72,2%
71,3%
tempo etc.), uma conclusão geral é possível: o combinações. Esses marcadores, de distintas
70
percentual é baixo, em torno de 30% ou menos. formas e em proporções diferentes, modulam 69,8%
66,3%
67,7%
Somado a isso, as disparidades existentes tanto a possibilidade de praticar AFEs como a
no Brasil em termos de raça, gênero, situação frequência de realização da prática, a modalida-
59,7% 63,2%
econômica, nível de instrução etc. são refleti- de praticada e os motivos que a impulsionam. 60
das também no problema do acesso às AFEs no Os dados analisados reforçam a compreen- 56,9%
53,5% 56,7%
país. Características como ser jovem, homem, são de que realizar AFEs não se restringe so- 53,6%
branco, de alto nível socioeconômico e alto grau mente a uma decisão individual, mas é também 53,6%
50 48,6%
de instrução estão frequentemente vinculadas produto de como a sociedade pauta a vida cole-
46,9%
a um nível mais alto de prática das AFEs, ao pas- tiva. Isso significa que aconselhar os indivíduos 43,6%
so que características como ser idoso, mulher, a praticarem mais AFEs, sem criar oportunida- 45,7%
41,3%
negro, de baixo nível socioeconômico ou baixo des efetivas para as pessoas se engajarem com 40 39,4% 37,8%
grau de instrução estão frequentemente vincu- as práticas, nem enfrentar os condicionantes 37,5%
ladas a um nível mais baixo de prática de AFEs. sociais que limitam o envolvimento, dificilmente 33,5%
23,4%
22% 21,7% 24,2%
20
17,7%
17,7%
12,1%
Faixa Etária
10
% 15 a 17 anos % 18 a 24 anos % 25 a 39 anos % 40 a 59 anos 60 anos ou mais
21
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Resumo executivo
4. É preciso ampliar a compreensão do papel das AFEs como
ferramenta para melhorar a saúde: o foco deve ser a promoção da
saúde, e não somente o tratamento e a prevenção de doenças. A
cooperação entre o nível de escolha individual e o nível de escolha
coletiva deve garantir esse novo modo de funcionamento.
As AFEs têm sido tradicionalmente entendi- orçamentos etc.), de maneira que os comporta- Figura RE.1 Exemplo de promoção das atividades físicas e esportivas
das como uma importante estratégia para pre- mentos individuais e coletivos atuem em con- para a saúde como processos interconectados e dinâmicos
venir e tratar doenças. Há significativa evidência junto para a promoção da saúde.
científica da relação positiva entre a prática de Ainda pensando em impulsionar o envolvi- Reforçam
AFEs e a saúde óssea, mental, neurológica, car- mento da população com as AFEs, o relatório
diovascular e, mais recentemente, também com apresenta algumas estratégias possíveis para
o desempenho cognitivo. Estimativas apontam fomento da prática. De modo geral, as estraté-
ais
que em torno de 5% das mortes prematuras no gias estão organizadas em três grandes abor-
Am
idu
entos Indiv
bient
país são decorrentes da inatividade física2. Es- dagens: Agência Estrutura
tudos também analisam o impacto na produti- Prática de Locais
es promoto
vidade das pessoas e nos gastos públicos com • Informacional e campanhas de massa: estra- Nível operativo AF de lazer públicos
de prática
ortam
saúde. Calcula-se que 15% dos custos do Siste- tégias para mudar conhecimentos e atitudes
ma Único de Saúde (SUS) com internações em da comunidade por meio de campanhas de
res
mp
2013 são atribuíveis à inatividade física3. massa pela mídia (mensagens ou propagan-
Co
Dessa forma, o relatório reconhece os vín- das em jornais, rádio ou televisão) ou mensa-
culos inegáveis entre as AFEs e a saúde e en- gens de incentivo à prática de AFEs em am-
tende que é preciso fortalecer e ampliar a com- bientes estratégicos, como escola e trabalho.
D e s e nv o lve m
preensão do papel das mesmas nesse campo. • Comportamental e social: estratégias para
Para isso, propõe que o foco seja a promoção ensinar habilidades para mudar e manter
da saúde, e não somente o tratamento e a comportamentos (como aconselhamento Cria Reforça
prevenção de doenças. Entende a questão da individual) e criar ambientes sociais e orga-
saúde desde uma perspectiva sistêmica, rela- nizacionais que facilitem essas mudanças Fortalece
cionando a promoção das AFEs e da saúde em (como planejamento de metas para adoção
processos interconectados e dinâmicos, que se de comportamentos saudáveis na comuni-
reforçam mutuamente. dade escolar).
Po
Assim, para que seja possível atingir o objetivo • Ambiental e políticas voltadas à comunidade:
líti
cas
de aumentar o número de praticantes de AFEs, estratégias múltiplas de tomada de decisão Agência Estrutura
comunitária
promotoras da s
Participação Diretrizes, leis,
é necessário pensar em políticas nos níveis de visando melhorar a acessibilidade, comodi-
Nível da Comunitária Orçamentos
agência (capacidade dos indivíduos agirem) e de dade e segurança dos locais para a prática
escolha coletiva
estrutura (conjunto de regras e recursos que é de AFEs, aliadas a ações de cunho físico, or-
Ação
produzido pela agência dos indivíduos). Ou seja, ganizacional e educacional (por exemplo, ar-
aúd
as políticas devem estar focadas não só nos ele- ticulação intersetorial, mudanças físicas no
e
mentos relacionados à agência (prática de AFEs, ambiente de prática de AFEs e fomento de
participação comunitária etc.), mas também em estratégias educacionais para melhoria de
elementos estruturantes (locais de prática, leis, aspectos como acessibilidade e segurança).
Facilita m
23
22
O espaço escolar tem papel central na cons- Gráfico RE.3 Distribuição das Falar de Escolas Ativas não implica em tratar
trução dos conhecimentos e hábitos da popu- escolas públicas e privadas na Escala somente de aspectos normativos, de mudança
lação no que diz respeito às AFEs. Por isso, só de Escolas Ativas, no Brasil de leis e regras, ou ainda somente da Educação
será possível aumentar e qualificar o envolvi- Física escolar. Para que se construa uma Escola
mento da população com as AFEs se houver Ativa é necessário advogar em favor das AFEs
uma abordagem diferenciada nas escolas. O re- para toda a comunidade escolar (gestores, pro-
latório apresenta uma proposta de Escola Ativa, fessores, funcionários, estudantes, famílias), na
baseada na problematização da distribuição do escola e fora dela, tendo como pressupostos
tempo na escola, da arquitetura e do mobiliário básicos:
dos espaços escolares, das regras de conduta
da escola e da relevância das AFEs no desenvol- • Fomentar e celebrar o mover-se na escola
vimento humano dos estudantes. como expressão das individualidades e cons-
A proposição da Escola Ativa, defendida na trução das relações sociais.
perspectiva do desenvolvimento humano, trata • Considerar as necessidades diárias de ativi-
de fazer da escola um local em que o mover-se dade física preconizadas para crianças e jo-
seja compreendido como uma capacidade hu- vens, diante das evidências da sua relação
mana valorosa na vida das pessoas e, por isso, com a saúde, bem-estar e desenvolvimento.
deve se concretizar como uma oportunidade • Promover a experiência e a aprendizagem de
central a ser garantida na vida dentro da escola. 38,56% Insuficiente e sobre as AFEs que permitam a autonomia
Para isso, deve permear todas as suas rotinas, e liberdade da comunidade escolar quanto
tempos e espaços, para que as pessoas tenham 49,60% Elementar à atuação individual e social em relação às
liberdade de serem ativas na direção de seu ple- práticas corporais na sua vida e na sua co-
no desenvolvimento humano. 11,29% Intermediário munidade.
Buscando alcançar a situação concreta do • Garantir a participação democrática da co-
0,52% Avançado
sistema escolar brasileiro, o relatório propõe munidade escolar no esforço para tornar a
uma Escala de Escola Ativa (EEA) para mensurar 0,03% Pleno escola mais ativa.
a qualidade de “ser ativa” das escolas. A escala
varia do Nível Insuficiente, que caracteriza es-
Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa
colas com condições bastante precárias para a
PNUD-INEP de 2017 sobre Escolas Ativas.
promoção das AFEs, até o Nível Pleno, que carac-
teriza escolas com uma cultura e infraestrutura
instituída de valorização e promoção das AFEs. Para o enfrentamento dessa situação, o rela-
Entre os diversos resultados demonstrados tório ressalta: 1) há uma condição vital latente,
pela escala, e também pela análise de pesquisas a de que as crianças e jovens são ativos, o que
nacionais relacionadas ao tema, destaca-se que é um ponto de partida muito vantajoso ao se
somente 0,55% das escolas brasileiras podem pensar em como oportunizar mais movimento
ser consideradas Escolas Ativas (estão no Nível nas escolas; e 2) muitas adaptações podem ser
Pleno e Avançado), enquanto 38,56% das esco- feitas na arquitetura escolar de modo a impactar
las estão no Nível Insuficiente. a ampliação das possibilidades de movimento.
25
24
População Atendida
100%
Aprendizagem esportiva para jovens
e adultos e recuperação
A população brasileira entende que o poder da população brasileira que pratica AFEs. Sendo
Fundamentação Esportiva
foco deveria ser a população em geral e não so- Nacionais do Esporte, o relatório advoga no
mente o esporte de alto rendimento. Ainda há sentido de que o país construa um novo Sis- Esporte
Vivência Esportiva
no setor público uma ideia amplamente dissemi- tema Nacional de Esporte, composto por uma de lazer
nada de que o investimento no esporte de alto estrutura aberta e descentralizada, que permi- Atividade
rendimento, por meio da emergência de “heróis ta a implementação de políticas intersetoriais física
esportivos”, incentiva a população em geral a pra- para o fomento das AFEs. Esse sistema deve-
ticar AFEs. Evidentemente, os heróis esportivos rá ainda garantir a existência de mecanismos Esp
são inspiração para muitas pessoas, não somen- democráticos de participação, com práticas
orte
com
te para a realização de novas modalidades es- robustas de monitoramento, avaliação, trans- pet
itiv
portivas, mas também em termos de superação, parência e controle social. o
disciplina, força de vontade. São matéria de or- O fortalecimento do Sistema Nacional do Es-
gulho e eventualmente fazem a diferença já que porte é entendido como elemento necessário
em alguns casos as pessoas passam a praticar para a garantia do direito ao esporte, conforme
esportes que antes não praticavam, ampliando o exposto na Constituição Federal, cuja determi- Especialização Aperfeiçoamento Alto
seu repertório. No entanto, essa visão precisa ser nação é de que o fomento público deve ser di- esportiva esportivo rendimento 5
ampliada na direção de um novo Sistema Nacio- recionado principalmente ao esporte educacio- Formação Esportiva Excelência Esportiva Progressão etária
nal de Esporte que reconheça que o fomento ao nal. A Constituição também preza pelo fomento Crianças e Adolescentes 80 anos ou mais
esporte de alto rendimento e a promoção de ati- ao lazer, como forma de promoção social, e,
Fonte: Ministério do Esporte. Proposta de Sistema Nacional do Esporte, 2015.
vidades físicas e esportivas para todas as pesso- diante disso, fortalece-se a importância do es-
as possuem lógicas distintas, mas precisam ser porte de participação, com ações direcionadas
tratadas de maneira integrada, complementar, a todo o ciclo de vida das pessoas, permitindo educação, as desigualdades sociais, a cultura e NOTAS
sem que um se sobreponha ao outro. uma pluralidade de práticas. Nessa perspectiva, o lazer, ou ainda com as necessidades básicas e 1 Desse modo, as atividades físicas e esportivas
Em geral, o investimento público não tem o fomento ao esporte deveria se voltar para a proteção social. Assim, aumentar e qualificar ocupacionais, realizadas por atletas e outros
profissionais, bem como as domésticas, não
como objetivo diminuir a desigualdade no aces- sua manifestação mais democrática, aquela que a prática de AFEs pode ser fundamental para a são objeto de reflexão deste relatório.
so às AFEs entre os grupos sociais, ao contrário, atende à satisfação das necessidades e melho- promoção dos ODS, tanto quanto promover os 2 REZENDE et al., 2015.
tende a aprofundá-la. Tradicionalmente o maior ria das condições de vida da população, seja por ODS pode ser decisivo para aumentar e qualifi- 3 BIELEMANN et al., 2015.
4 IBGE, 2017.
investimento público se concentra nos jovens, meio da escola ou da prática do lazer. car o envolvimento das pessoas com as AFEs.
5 No sistema atual, todos os investimentos
nos homens e nas pessoas já envolvidas (espor- Desde setembro de 2015, quando a Agenda Nesse cenário, de mudanças que se fazem se concentram nessa faixa azul clara.
tistas), enquanto os setores que mais necessita- 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com necessárias em nível global e nacional, as AFEs
riam do apoio do poder público são os que me- seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten- podem e devem ser cada vez mais objeto de re-
nos recebem, como no caso das pessoas idosas, tável (ODS) foi lançada, o mundo conta com um flexão e de ações planejadas na perspectiva do
das mulheres e dos não esportistas. novo marco para o desenvolvimento global. desenvolvimento humano. É fundamental que as
O Sistema Nacional de Desporto (SND) atual, O relatório entende que as AFEs fazem parte pessoas possam, partindo de uma decisão livre e
cuja finalidade é promover as práticas esporti- dessa agenda: seja como elemento central para consciente, envolver-se com a prática que mais
vas de alto rendimento, concentra a quase tota- alcançar o Objetivo 3 – Saúde e Bem-Estar; seja tem razão para valorar, ampliando dessa forma
lidade de recursos públicos destinados às AFEs, como instrumento para facilitar o alcance de suas capacidades e possibilidades de escolha.
mesmo respondendo por apenas 7,6% do total outros objetivos, como os relacionados com a
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27
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Resumo executivo
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
29
Capítulo 1
Introdução
©Thiago Zenero/ PNUD Brasil
ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS O LUGAR DAS ATIVIDADES
PARA TODAS AS PESSOAS FÍSICAS E ESPORTIVAS
NO MUNDO ATUAL
A despeito de existirem no âmbito das AFEs de educação básica, cabe ao componente cur- Como se chegou ao quadro acima descri-
importantes desigualdades no acesso a essas ricular Educação Física o papel de proporcionar to? Historicamente, à medida que a riqueza
práticas determinadas pela faixa etária, gêne- às crianças e aos jovens experiências positivas produzida socialmente permitiu que se crias-
ro, classe social, cor e etnia, deficiência, entre no envolvimento com as AFEs, bem como os sem condições para satisfazer as necessidades
outros, o envolvimento com as AFEs vem se conhecimentos que permitam aos mesmos mais básicas da maioria da população (como
consolidando como elemento relevante da vida estabelecer uma relação consciente e crítica alimentação e moradia), foram gerados novos
urbana contemporânea, participando como com as mesmas ao longo da vida. Isso porque interesses e novas necessidades. As AFEs como
componente importante para identificar a qua- o conjunto das experiências do movimentar-se práticas de lazer, antes reservadas às elites,
lidade de vida das pessoas. vividas na infância e no início da juventude irá passaram a fazer parte das reivindicações e das
Os propósitos atribuídos pelas pessoas ao influenciar, em grande parte, a adesão dos in- expectativas de usufruto de outros grupos so-
seu envolvimento com as AFEs variam: saúde, divíduos às AFEs, e nesse sentido elas precisam ciais. Para isso, concorreram a diminuição his-
controle do estresse, sociabilidade, divertimen- ter significados para que sejam valorizadas e, tórica das horas dedicadas ao trabalho8, a con-
to etc.3 Um indicador disso é o fato de que “ser eventualmente, incorporadas às suas vidas. quista das férias remuneradas e o aumento da
ativo fisicamente” e/ou “ser esportivo” apresen- O crescimento da população de idosos5, com capacidade de consumo das camadas menos
tam-se como atributos bastante valorizados o aumento da esperança de vida ao nascer, privilegiadas da população9.
socialmente, constituindo, muito frequente- também impacta as AFEs. A superação da visão Aos poucos, o Estado foi instado a reconhe-
mente, o que se chama de “estilo de vida ativo”. da velhice como um momento da vida marcado cer que o lazer e as práticas de AFEs são direitos
Hoje, a noção de que uma boa qualidade de pela inatividade, pela reclusão, pela resignação das pessoas. Cada vez mais, o tempo livre de
vida também envolve alguma forma de prática e pelo convívio restrito ao seio familiar impli- trabalho e as atividades possíveis nesse tempo
de AFEs está fortemente ancorada no imaginá- cou que as práticas de AFEs fossem crescente- são tomados como indicadores de bem-estar
rio das sociedades contemporâneas. A prática mente demandadas por esse grupo geracional e mesmo como uma questão de justiça social,
das AFEs é cada vez mais estimulada e perce- como elemento central de sua qualidade de sendo as férias remuneradas e folgas semanais
bida como um direito de todas as pessoas, ao vida. Esse grupo social tem demandado do po- consideradas um direito básico. Isso acaba se
longo de toda a vida. É amplamente conhecido der público e da iniciativa privada o oferecimen- refletindo na incorporação desse direito não só
e reconhecido pela Pedagogia e pela Psicologia to de equipamentos e serviços próprios e es- no âmbito das políticas públicas mas também
do Desenvolvimento o importante papel das pecíficos para as práticas de AFEs6. Do mesmo nas próprias leis maiores das nações, ou seja,
AFEs no desenvolvimento das crianças. As dife- modo, as pessoas com deficiência envolvem-se nas Constituições. Em muitos países, as Car-
rentes formas do movimentar-se (brincadeiras, cada vez mais com as AFEs, na medida em que tas Magnas, principalmente a partir da década
jogos, danças, esportes etc.) são componen- também passaram a ter seus direitos de cidada- de 1970, passaram a reconhecer as práticas de
tes da cultura infantil e constituem a primeira nia e participação reconhecidos e valorizados7, AFEs como um direito social do cidadão, indi-
e mais básica forma de comunicação com o demandando políticas públicas dos governos cando explicitamente o dever do Estado em
mundo, sendo fundamental para os processos nas diversas esferas. Os Jogos Paralímpicos Rio prover as condições necessárias para tanto10.
de socialização e desenvolvimento corporal e 2016 foram acontecimentos emblemáticos des-
psíquico4. se processo em nosso país.
A valorização social das AFEs na infância é
bastante perceptível na profusão de “escolinhas
de esporte” e no oferecimento de atividades
físicas específicas nas academias. Nas escolas
30
31
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 1
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Introdução
Caixa 1.1 Esse também é o caso da atual Constituição trabalho, permitir experiências de sucesso, re-
As relações rural-urbano e capital-trabalho Brasileira, em seus Artigos 24 e 217. O caput do conhecer e fomentar potencialidades corporais.
determinaram o surgimento dos modelos de AFEs atuais Artigo 217 da Constituição da República Federa- Em resumo, as AFEs podem constituir-se em
tiva do Brasil, promulgada em 1988, impõe que instância de enriquecimento da vida das pesso-
“É dever do Estado fomentar práticas desporti- as para além do mundo do trabalho.
Uma série de práticas culturais da popula- classe trabalhadora. Esse movimento foi des- vas formais e não formais, como direito de cada A valorização dessas experiências, entenden-
ção rural que se urbanizava, particularmente mantelado durante a Segunda Guerra Mundial um”, e o inciso IX do Artigo 24 inclui o “desporto” do-as como elementos importantes da vida e
jogos e festejos, passaram durante a Revolu- e não mais retomado. como um dos objetos de competência legisla- do desenvolvimento humano, vem sendo pos-
ção Industrial na Inglaterra (o berço do esporte No Brasil, apesar de uma tímida iniciativa do tiva da União, dos Estados e do Distrito Federal. sível em função de uma série de mudanças em
moderno) por processos de adaptação à nova movimento da classe trabalhadora do início do E, desde a sua primeira versão, o Artigo 6º desse curso na sociedade contemporânea, que vem
ordem social (espaços e tempos definidos por século 20, as organizações da classe trabalha- texto constitucional prevê o “lazer” como direi- provocando a relativização do trabalho como
jornada ou tempo de trabalho delimitados). dora não deram grande destaque à promoção to social. A própria existência de um Ministério única e soberana instância geradora de senti-
Essa “adaptação dos costumes” teve como refe- das AFEs como um elemento da cultura especí- no governo federal (Ministério do Esporte), que do para a vida humana. Estamos passando da
rência as necessidades do mundo do trabalho e fica de classe. A partir, principalmente, da criação se ocupa especificamente do desenvolvimento égide da ética do trabalho para uma estética do
do lazer, este como função daquele. As classes do Sesi (Serviço Social da Indústria) e do Sesc esportivo do país, é já indicador da importância consumo12, o que quer dizer, entre outras coi-
dirigentes adotaram uma série de iniciativas no (Serviço Social do Comércio), organizações pa- social das AFEs. sas, que, para além do trabalho, outras práticas
sentido de canalizar essas práticas para ocupa- tronais paraestatais, as AFEs, como práticas de Do mesmo modo, a Declaração Universal dos sociais, entre elas as AFEs e, num sentido mais
ções “saudáveis” e “úteis”. Particularmente na In- lazer, passam a ser promovidas e organizadas Direitos Humanos, em seu Artigo 24, reconhece amplo, o lazer, passam a usufruir de dignidade e
glaterra, vai ser o esporte, com destaque para o para os trabalhadores por essas organizações. que “Todo ser humano tem direito ao repouso relevância social próprias.
futebol, que irá transformar-se na atividade de e ao lazer, inclusive à limitação razoável das ho-
divertimento ou lazer também da classe traba- ras de trabalho e a férias remuneradas periódi-
lhadora. A versão moderna dos Jogos Olímpicos cas”, dentro do qual pode ser incluído o direito
promovida pelo Barão de Coubertin não deixa a praticar AFEs como parte das atividades reali-
de ser uma “ação pedagógica” visando promo- zadas no tempo livre de trabalho. Sendo assim,
ver valores que estariam sendo deturpados ou as AFEs formam parte dos direitos inalienáveis
corrompidos. Num contexto em que o conflito das pessoas.
entre capital e trabalho se acirrava, o controle Esses desenvolvimentos sociais concretos e é dever do Estado
das atividades dentro e fora do espaço de tra- a adoção do conceito de Desenvolvimento Hu-
balho ganhava importância. O forte movimento mano como proposto pelo PNUD11, justificam fomentar práticas
da classe trabalhadora dos séculos 19 e 20 na
Europa, com sua crescente organização sindical,
que as AFEs sejam entendidas como um dos
fatores que podem participar e promover tal
desportivas formais
também colocou entre suas preocupações as desenvolvimento no contexto das sociedades e não formais, como
atividades culturais de lazer, incluindo aí as AFEs. contemporâneas.
Em alguns países europeus, a classe trabalha- As práticas de AFEs podem participar do de-
direito de cada um
dora criou um movimento ginástico-esportivo senvolvimento humano na medida em que são
alternativo ao da classe burguesa, inclusive fun- valorizadas pelas pessoas e, às mesmas, ligam-
dando no início do século 20 uma Internacional Figura 1.1 Cartaz da primeira Olimpíada -se uma série de atributos como, por exemplo,
Socialista da Cultura Corporal que, entre outras Internacional da Classe Trabalhadora contribuir para uma vida mais saudável, promo-
ações, promoveu três olimpíadas específicas da (Frankfurt, Alemanha, 1925). ver sociabilidade, contribuir para a coesão so-
cial, potencializar a qualidade da aprendizagem
Fonte: Elaboração própria. nas escolas, conferir sentido às horas livres do
33
32
Aqui é importante fazer uma demarcação: é a relação das pessoas com as AFEs muito mais O termo lazer (licere no latim, leisure em in- Os diferentes divertimentos, festas etc., pas-
preciso entender as práticas de AFEs como uma como uma quase-obrigação do que como um glês, loisir em francês) surgiu no século 14 com o sam por reconfigurações a partir de uma lógi-
opção das pessoas para o enriquecimento de direito a ser usufruído. Antes de recriminar essa sentido de “oportunidade de fazer algo” ou “ser ca urbano-industrial. Incluem-se aí as diferen-
suas vidas, ou seja, admitir que essas práticas perspectiva, o que se quer é chamar a atenção permitido” ou “lícito”. Mas o conceito moderno tes práticas populares, bem como as das elites
têm sentido e dignidade próprias, são um fim para uma outra: a de que às AFEs, como prá- de lazer sistematizou-se a partir de meados do (aristocracia e burguesia). É também nesse con-
em si mesmas. Esse conceito é muito diferen- ticas de lazer e como opções valiosas para as século 18, quando se iniciaram mudanças estru- texto que se desenvolve o esporte, bem como
te de sua instrumentalização para fins como o pessoas, é conferido um valor próprio, ligado ao turais que forjaram a sociedade capitalista in- um amplo mercado de bens culturais.
“afastamento dos jovens das drogas”, ou “o ofe- divertimento, ao festejar, à vivência de experi- dustrial na modernidade e criaram as condições Esse entendimento de lazer, no sentido das
recimento de uma opção de trabalho aos jovens ências prazerosas (propiciadas pelo movimento para sua emergência. práticas realizadas no tempo livre, relaciona-
pelo esporte profissional”, dentre outros simila- corporal, pelo convívio com colegas e amigos Essas mudanças configuraram uma ver- -se, mas não se confunde, com “cultura”. Lazer
res. Tais fins são frequentemente invocados por etc.) que podem ter também repercussões po- dadeira ruptura com o passado e envolveram e cultura podem ser relacionados de duas for-
entidades públicas e privadas, bem como pelos sitivas nas esferas da saúde, da educação e do a articulação entre o desenvolvimento de um mas: por um lado, o termo cultura, num sentido
meios de comunicação, para justificar o valor trabalho. novo modelo econômico (produção fabril), nova mais amplo, contém o de lazer, ou seja, o lazer
social e educativo das AFEs, em especial para Assim, do ponto de vista do desenvolvimen- organização política (Estado-Nação), novas po- compreende práticas que são culturais (teatro,
grupos vulneráveis, como crianças e jovens em to humano, é importante destacar que as AFEs sições acerca da vida em sociedade (em decor- esporte, música, dança etc.); por outro lado, a
situação de pobreza. Contudo, a instrumentali- praticadas no contexto do lazer colocam a pos- rência do iluminismo e do liberalismo) e outra cultura, num sentido mais restrito (entendido
zação das AFEs para esses fins lhes confere uma sibilidade de os praticantes usufruírem de um conformação das classes sociais (aumento do basicamente como as manifestações artísticas,
função social distinta daquela que as elevou à “tempo para si”, um tempo para serem sujeitos poder da burguesia e surgimento da classe sejam eruditas ou populares), são práticas de
condição de um direito de cidadão. Como direito do próprio desenvolvimento. operária)13. lazer, ou seja, situam-se em seu interior. Ob-
de cidadania, trata-se de uma opção das pesso- Evidentemente, as AFEs, e mais amplamente Entre os distintos processos sociais aí en- serve-se que em função da profissionalização
as, que tem como pano de fundo uma condição o consumo, são “dependentes” ou condiciona- volvidos, destacamos dois pela sua importân- de muitas práticas culturais (dançarinos, atores,
social que lhes permite usufruir das AFEs como das pelo desenvolvimento no âmbito produtivo, cia particular no advento do lazer: a criação escritores, pintores, atletas profissionais, entre
uma opção de lazer, uma opção valiosa para as já que essas práticas são “improdutivas” no sen- do tempo de trabalho abstrato e a crescente outros) a produção cultural não é para seus
suas vidas. No caso dos fins instrumentais, não tido de não entregarem bens de valor e de con- urbanização da população. A paulatina desvin- protagonistas uma prática de lazer, apresenta-
se trata propriamente de uma opção das pesso- sumo, pois, do ponto de vista do praticante, são culação dos tempos de trabalho dos ciclos da -se muito mais como trabalho embora com ca-
as envolvidas (crianças e jovens, por exemplo), consumidas enquanto praticadas. Todavia, para natureza e outras práticas sociais e a mensu- racterísticas específicas. Assim, o lazer refere-se
mas daquelas que veem nas AFEs (principal- além de seu valor próprio como experiência hu- ração do tempo de trabalho (advento do reló- ao usufruto, ao consumo, ao fruir por parte das
mente no esporte) qualidades intrínsecas que mana, as AFEs acabam por repercutir sobre as gio), que passou a servir como referência para a pessoas, em seu tempo disponível (não produti-
supostamente poderiam contribuir para a supe- atividades produtivas, e isso não só porque sua sua remuneração, tiveram como consequência vo), dos bens culturais produzidos.
ração de condições de vida adversas. realização demanda bens e serviços (ou seja, uma delimitação mais forte dos tempos diários Em síntese, o lazer se compõe de um con-
Em muitos casos, as AFEs têm sido objeto constitui-se num grande mercado consumidor), destinados ao trabalho e daqueles destinados à junto de práticas que são realizadas no tempo
de atenção do poder público a partir de suas mas porque as pessoas envolvidas, pelos seus reprodução da força de trabalho e outras obri- disponível das pessoas, ou seja, depois de cum-
funções sociais, particularmente aquelas liga- possíveis efeitos benéficos, estarão em melho- gações sociais, originando a ideia moderna de pridas as obrigações e/ou necessidades relati-
das à saúde, à educação e à produtividade no res condições de participar dos processos pro- tempo livre de trabalho. Concomitantemente, o vas ao trabalho, aos compromissos familiares,
trabalho. Essa perspectiva, que legitima e orien- dutivos e de consumo. processo de industrialização promove um êxo- entre outros. Tem ainda como característica ser
ta a intervenção do Estado no setor, concebe do rural e o aumento do número e do tamanho uma atividade voluntária, buscada basicamente
das cidades. como forma de divertimento, de prazer, de sen-
timento de realização pessoal.
Fonte: Elaboração própria com base em DUMAZEDIER, 1979; MARCELLINO, 1987 e MELO, 2010.
35
34
1 Além desses grandes eventos, foram realizados na sua formação continuada, bem como ao
outros de menor porte: Jogos Pan-Americanos em aumento da oferta de possibilidades de consumo
2007, Jogos Mundiais Militares em 2011, Copa das (de diferentes tipos, entre elas as próprias AFEs),
Confederações em 2013, Jogos Mundiais Escolares assim como ao aumento da velocidade dos
em 2013, Jogos Mundiais Indígenas em 2015. processos sociais, fez surgir a sensação paradoxal
2 O termo “comum” utiliza-se aqui para da “falta de tempo”. Além disso, é notório que a
diferenciar essas pessoas de atletas que têm partir da década de 1990 a jornada de trabalho
o esporte como atividade profissional. formal não tem mais regredido e, em muitos
3 Esses sentidos, na maioria das vezes, encontram-se casos, conjunturalmente, tem até aumentado.
combinados, embora possa haver a preponderância Outrossim, mais uma vez é preciso ressaltar a
de um ou outro. Por exemplo, um idoso pode distribuição desigual do tempo livre entre as
buscar um grupo de dança sênior em função diferentes classes sociais e os diferentes gêneros.
de uma indicação médica, mas a partir do seu 9 É importante ressaltar que a maior disponibilidade
envolvimento outros sentidos, como a convivência de tempo também foi condição importante
e fazer amizades, podem ganhar relevância para o aumento do consumo, o que, por sua
e mesmo sobrepor-se ao motivo inicial. vez, foi condição para o aumento do mercado
4 No Brasil, a Lei 8.069/1990, que dispõe sobre e consequentemente da própria produção de
o Estatuto da Criança e do Adolescente, bens e serviços, incluindo as AFEs, constituindo-
inclui como direito desse grupo social: se essas num importante nicho de mercado.
brincar, praticar esportes e divertir-se. 10 Entre as AFEs, o esporte sempre recebeu um
5 Esse segmento representa um desafio crescente tratamento diferenciado. Isso se deve ao fato
para as políticas públicas já que, como alerta dessa manifestação ter alcançado uma grande
o IBGE, “o segmento populacional que mais proeminência e, na forma de espetáculo, ter a
aumenta na população brasileira é o de idosos, capacidade de mobilizar grandes contingentes
com taxas de crescimento de mais de 4% ao ano da população (no Brasil, destaque para o futebol).
no período de 2012 a 2022. A população com Outra característica é a de que as competições
60 anos ou mais de idade passa de 14,2 milhões, internacionais fizeram associar ao esporte um
em 2000, para 19,6 milhões, em 2010, devendo sentimento nacionalista, fazendo com que o
atingir 41,5 milhões, em 2030, e 73,5 milhões, em Estado se interessasse pela representação
2060. Espera-se, para os próximos 10 anos, um nacional nesses eventos. Assim, é importante
incremento médio de mais de 1,0 milhão de idosos perceber a diferença entre o inicial interesse
anualmente. Essa situação de envelhecimento de intervenção do Estado no esporte com
populacional é consequência, primeiramente, da vistas a melhorar as representações nacionais
rápida e contínua queda da fecundidade no país, e o contexto contemporâneo em que as
além de ser também influenciada pela queda da AFEs se constituíram em direito do cidadão
mortalidade em todas as idades”. (IBGE, 2015) que reclama então atenção do Estado.
6 O Estatuto do Idoso (Lei Nº 10.741/2003) garante 11 “O desenvolvimento humano é a ampliação
os direitos dos idosos brasileiros, incluindo o das liberdades das pessoas para que tenham
lazer e a prática de esportes e de diversões. vidas longas, saudáveis e criativas, para que
7 No Brasil, a Lei Nº 13.146/2015 (Estatuto da antecipem outras metas que tenham razões
Pessoa com Deficiência) assegura a participação para valorizar, para que se envolvam ativamente
das pessoas com deficiência em jogos e na definição equitativa e sustentável do
atividades recreativas, esportivas e de lazer, desenvolvimento num planeta partilhado. As
em igualdade de condições com as demais pessoas são, ao mesmo tempo, os beneficiários
pessoas, inclusive no sistema escolar. e os impulsores do desenvolvimento humano,
8 A jornada de trabalho (dos trabalhadores formais, tanto individualmente como em grupos”
com emprego regulamentado com benefícios (UNDP, 2010, p. 24, tradução nossa).
trabalhistas), se considerarmos o longo prazo 12 BAUMAN, 1999.
(do início da Revolução Industrial aos nossos 13 MELO, 2010.
dias), diminuiu de quase 80 para cerca de 40 a 14 Para uma discussão sobre o significado do
48 horas semanais. No entanto, uma série de conceito de capacidades no âmbito da teoria do
desenvolvimentos recentes ligados à flexibilização desenvolvimento humano, ver o próximo capítulo.
e precarização dos vínculos de trabalho, ao
aumento da necessidade de o trabalhador investir
Capítulo 2 INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
HUMANO: BEM-ESTAR,
EMPODERAMENTO No decurso da história, vão sendo construí- necessárias para alcançar uma vida valiosa e ple-
41
Capítulo 2
Desenvolvimento humano: bem-estar, empoderamento e justiça
©Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge/ Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.
a medida do desenvolvimento deixa
de ter em conta apenas os resultados
dos indicadores econômicos e
passa a considerar “as coisas que as
pessoas podem ser e fazer em suas
vidas, tanto agora como no futuro
medida em que permitem contar com recursos Além disso, as pessoas podem valorizar ativi-
para ampliar o espectro de opções de vida e dades que não são determinadas diretamente
alcançar um maior bem-estar, desde conseguir pela renda, como o contemplar de um entar-
alimentos e uma habitação, até ter um trabalho decer, expressar livremente seu pensamento,
gratificante ou desfrutar de tempo livre de acor- caminhar na orla da praia, andar de bicicleta ou
do com suas preferências, como, por exemplo, sentir-se parte de uma comunidade.
praticando AFEs. No entanto, embora se reco- Nesse sentido, o desenvolvimento humano
nheça a importância da dimensão propriamente leva em conta todos os aspectos da vida hu-
econômica como fator condicionante do desen- mana, pelo que possui um caráter multidimen-
volvimento em outras esferas, nega-se que exis- sional. A ampliação do enfoque do desenvolvi-
ta uma relação automática entre o crescimento mento humano para questões como o acesso
econômico e o desenvolvimento humano. ao conhecimento, melhor nutrição e serviços
Isso acontece porque, por um lado, a distri- de saúde, maior segurança frente à violência
buição dos recursos e dos rendimentos é desi- física, mais tempo livre e maiores opções de
gual, fazendo com que nem todos tenham aces- lazer, liberdades políticas, culturais, religiosas
so à mesma quantidade de recursos materiais. e sexuais e participação política e comunitária
Por outro lado, Amartya Sen argumenta que as faz com que não apenas a satisfação das assim de oportunidades para cada indivíduo, já que o ênfase dos programas de desenvolvimento tem
pessoas têm diferentes taxas de conversão do chamadas necessidades básicas seja o alvo. mercado não se encarrega de eliminar as de- implicações muito importantes no desenho e
rendimento em oportunidades ou em maior Em suma, os resultados econômicos perdem sigualdades que existem na sociedade e, ao avaliação das políticas públicas. Por exemplo,
bem-estar. Isto é: a mesma soma de dinheiro seu caráter de finalidade e são deslocados pela contrário, pode aumentá-las. Ademais, é preciso uma política que promova o emprego na indús-
ou um mesmo bem não asseguram ou propor- preocupação com as pessoas. Mais importante considerar as gerações futuras, de maneira que tria a partir da ótica tradicional será concebida
cionam o mesmo bem-estar a todas as pessoas. do que ampliar os processos produtivos é me- cabe ao Estado o papel de zelar pelas oportuni- e avaliada segundo a quantidade de postos de
As necessidades e valorações também va- lhorar a vida das pessoas. Já que a economia de dades e direitos dessas gerações. trabalho que aporte, o valor dos produtos gera-
riam de maneira importante de acordo com a mercado, por si só, não promove uma distribui- Nesse sentido, uma das implicações mais dos, sua contribuição às exportações nacionais
idade das pessoas, com o gênero, com os pa- ção equânime da riqueza produzida, reconhe- importantes ao se mudar o centro de atenção e ao PIB etc. Diferentemente, se considerar-
péis sociais assumidos, com o lugar de residên- ce-se que sua distribuição, a questão da justiça para o bem-estar das pessoas é analisar quais mos o enfoque do desenvolvimento humano,
cia, com os costumes ou a cultura, o nivel socio- social, deve ser tema da política e da econo- são as políticas mais idôneas para alavancar o seu desenho terá que considerar de manei-
econômico, entre outros fatores. Isso quer dizer mia política, demandando uma reestruturação desenvolvimento dos países, assim como o pa- ra intrínseca aspectos como: as condições de
que as pessoas, segundo as características es- maior do poder econômico e político3. pel a ser desempenhado pelo Estado. trabalho (incluindo um nível salarial adequado,
pecíficas de suas vidas, podem necessitar de Seguindo o princípio da justiça social, o de- Para além de ampliar a renda, as políticas de uma jornada de trabalho de duração razoável,
quantidades de rendimento diferenciadas para senvolvimento humano preocupa-se com o desenvolvimento deveriam avançar em outras férias, ambiente de trabalho propício); oportu-
conseguir um nível similar de bem-estar. Algu- bem-estar de todas e de cada uma das pesso- frentes de maneira simultânea, como ampliar os nidades equitativas para homens e mulheres,
mas pessoas, inclusive, poderiam não chegar a as, tanto da atual geração como das futuras. serviços de saúde e educação, os direitos po- pessoas idosas ou com deficiências; respeito ao
desfrutar da mesma qualidade de vida que ou- Nesse cenário, faz-se necessário que o Estado líticos e humanos, sempre tendo como meta meio ambiente; e a satisfação pessoal que esse
tras, mesmo que tivessem renda ilimitada. promova ações que assegurem o mesmo grau final o bem-estar humano. Essa mudança de emprego pode gerar, entre outros.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 2
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Desenvolvimento humano: bem-estar, empoderamento e justiça
o desenvolvimento humano
apresenta a sua cultura,
os seus valores e as suas
prioridades atuais de uma
forma que reflete escolhas
©Thiago Zenero/ PNUD Brasil.
democráticas inclusivas
egocêntricos quanto sejam compatíveis com a qual resulta de que meus propósitos são promo- e as suas prioridades atuais de uma forma que podiam desejá-las. O desafio do poder rela-
liberdade de todos os demais cidadãos. vidos pelos propósitos do outro 17. reflete escolhas democráticas inclusivas”. ciona-se com o perigo de que o processo de
Entre os muitos problemas desse entendi- Essa noção de liberdade denominada “liber- Uma das críticas que o enfoque das capaci- debate interno não seja amplamente participa-
mento de liberdade, cabe ressaltar que: se para dade social”, tem como consequência a revisão dades tem recebido é o seu caráter “incomple- tivo, resultando em que os grupos mais pode-
alcançar a liberdade é suficiente atuar/agir sem do entendimento tradicional de justiça, pois o to”. Amartya Sen deixa deliberadamente aberta rosos sejam os que identifiquem e imponham
limitação externa, então os sujeitos podem ser que “nas sociedades modernas significa ‘justo’ a identificação das capacidades e liberdades o conjunto de capacidades que mais se ajuste
pensados como suficientemente livres já an- não pode medir-se simplesmente pelo fato de valiosas que devem ser levadas em considera- aos seus interesses, talvez contrários aos dos
tes de toda integração numa ordem social16. que todos os membros de uma sociedade pos- ção nos planos para o desenvolvimento. Suge- grupos que não têm representação20.
Ou seja, ficam de fora desse entendimento as suem ou não liberdades negativas, nem em que re que, a partir de um debate participativo, as Para deixar mais claro tanto o desafio da
condições sociais as quais tornam possível o extensão o façam, mas, sim, que devem antes sociedades e grupos, guiados por seus valores omissão quanto o do poder, são discutidos a
exercício da liberdade em cada caso, já como satisfazer o padrão de outorgar a esses sujeitos e princípios, deveriam acordar internamente seguir aspectos sociais nos quais os mesmos
componentes da liberdade. Ao contrário, se em igual medida a oportunidade de participar quais são as capacidades prioritárias a serem se apresentam de forma exemplar. O objetivo é,
considerarmos essas condições sociais como em instituições de reconhecimento”18. atendidas, por exemplo, em uma estratégia na- também, tornar evidentes os desafios das po-
imanentes à liberdade, então “livre”, em última Nessa perspectiva, ganha importância a luta cional de combate à pobreza ou em um plano líticas públicas para o setor das AFEs que daí
instância, o sujeito seria somente quando, no democrática pela ampliação e reconhecimento de desenvolvimento nacional. emergem, na perspectiva do desenvolvimento
contexto de práticas institucionais, se encontra dos direitos. É por meio dessa luta que direitos Porém, esse enfoque enfrenta os desafios humano.
com uma contraparte à qual se conecta numa são reconhecidos e ampliados, incorporando-se da omissão e do poder. O desafio da omissão
relação de reconhecimento mútuo, porque à cultura. Lembra-se que, conforme afirmado no refere-se à possibilidade de que, durante esse
pode ver nas metas deste uma condição da re- RDH Global 2010,19 “países, comunidades e indi- exercício de debate sobre as capacidades mais
alização das próprias metas. víduos diferentes darão importância a dimen- relevantes, as sociedades omitam algumas ca-
Liberdade quer dizer a experiência de uma fal- sões e princípios diferentes. O desenvolvimento pacidades importantes sem se dar conta disso,
ta de coerção e de uma ampliação pessoal, da humano apresenta a sua cultura, os seus valores ou porque não tinham conhecimento de que
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 2
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Desenvolvimento humano: bem-estar, empoderamento e justiça
EMPODERAMENTO INDIVIDUAL E
COLETIVO PARA PROTAGONIZAR
PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
Existem evidências de que a educação das A desigualdade baseada no gênero nos O princípio da equidade vincula-se à capaci- O empoderamento está relacionado à capa-
mulheres melhora a qualidade de vida de toda âmbitos econômico e social pode lesionar dade de agência que as pessoas têm para par- cidade de agência das pessoas e é parte funda-
a família. Quanto maior é o nível educacional al- consideravelmente o desempenho ticipar do processo de desenvolvimento. O em- mental do desenvolvimento humano, posto que
cançado, menores são as taxas de gravidez na global em numerosas e diversas áreas, poderamento é o processo individual e coletivo permite às pessoas agirem sobre a distribuição
adolescência, menor é a taxa de mortalidade afetando variáveis demográficas, médicas, de adquirir poder para ter a capacidade de optar de poder em uma sociedade, constituindo-se
materna, menor é o percentual de meninos e econômicas e sociais; o fortalecimento por aquelas coisas que são valorizadas. As pes- como agentes políticos efetivos na busca por
meninas nascidos de maneira prematura, me- das capacidades das mulheres e sua soas se empoderam quando adquirem capaci- uma distribuição equitativa deste poder. Uma
nor é a taxa de mortalidade infantil, e menor é a consequente habilitação, graças à dades por meio da educação, boa saúde, acesso estratégia de desenvolvimento sem empode-
taxa de prevalência de enfermidades de trans- escolaridade, às oportunidades de a nutrição, emprego remunerado, desfrute do ramento levará à reprodução e potencialização
missão sexual. A nutrição da mulher e dos filhos emprego etc., produz efeitos de maior tempo livre, oportunidades de participar, de ex- dos desequilíbrios de poder já existentes entre
também melhora, para mencionar alguns enca- alcance na vida de todos os envolvidos: pressar suas crenças e pensamentos etc. os setores da sociedade.
deamentos relacionados com a educação. homens, mulheres e crianças. Empoderadas, as pessoas podem ter uma Do mesmo modo que a equidade, o empo-
Avançar em termos de equidade de gênero é participação cada vez maior nos mecanismos deramento tem um valor constitutivo e um va-
crucial para o desenvolvimento humano. Diver- Para avançar na equidade de gênero, é ne- institucionais formais ou informais, a fim de to- lor instrumental. Empoderar as pessoas tem um
sos documentos das Nações Unidas apontam cessário incluir políticas públicas afirmativas mar as decisões e escolher as opções que lhes valor por si mesmo (valor constitutivo) porque
que somente com a igualdade entre homens e em todos os setores, junto com uma trans- permitam melhorar sua situação de vida. Exis- lhes permite realizar seu potencial, melhorando
mulheres é possível garantir a sustentabilidade formação nas atitudes culturais, de maneira a tem duas dimensões de empoderamento, cuja sua autoestima, sua capacidade e suas possibi-
do desenvolvimento humano. Como assinala modificar os estereótipos tradicionais sobre o promoção é fundamental no processo de de- lidades de dar uma maior contribuição à socie-
Amartya Sen23: papel das mulheres na sociedade e suas supos- senvolvimento: dade. Porém, também permite acelerar a estra-
tas limitações. “Avançar na direção da igualda- tégia de desenvolvimento (valor instrumental),
de de condição dos gêneros não é uma meta • Empoderamento individual: relaciona-se com já que contribui para modificar a institucionali-
tecnocrática, e sim um processo político. Dito as capacidades pessoais e a autovalorização; dade, alterar o desenho de políticas, criar opor-
as políticas públicas processo requer um novo tipo de pensamento, permite a cada pessoa buscar o tipo de vida tunidades e corrigir déficits sociais.
no qual os estereótipos de mulheres e homens que deseja e valoriza, assim como participar
são a principal sejam substituídos por uma nova filosofia que na comunidade e nos assuntos de interesse
ferramenta da considere que todas as pessoas, seja qual for nacional.
seu gênero, são agentes imprescindíveis das • Empoderamento social: vincula-se às capa-
sociedade para transformações.24” cidades adquiridas como grupo e requer o
das capacidades
das pessoas
53
52
Como abordar os problemas do desenvol- Além dos governos, a sociedade civil por uma economia forte, porém, é igualmente im- A ligação entre a prática de atividades físicas e esportivas e
vimento? Por meio de quais mecanismos se meio de ONGs, as associações comunitárias, os portante garantir o funcionamento de institui- o desenvolvimento humano da população brasileira também
pode produzir mudanças na sociedade? Quais sindicatos, os grupamentos religiosos, os gru- ções com capacidade de regular os mercados e pode ser evidenciada na relação entre o percentual da popu-
são as ferramentas mais eficientes, equitativas pos indígenas, as associações empresariais, as de prover bens públicos a toda a população. O lação que pratica atividades fisicas e esportivas e o Índice de
e participativas? associações profissionais, entre outras, também empoderamento e capacidade de agência das Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)25 das Unidades
As políticas públicas são a principal ferra- intervêm na escolha e implementação de novos pessoas são a base que permite criar círculos da Federação (UF) (Gráfico 2.1). Observam-se variações posi-
menta da sociedade para influenciar na criação cursos de ação públicos. No campo das AFEs, virtuosos de desenvolvimento, respeitando a tivas entre o percentual da população que pratica AFEs e o
das capacidades das pessoas. As políticas vi- a realização das Conferências Nacionais do Es- diversidade e ancorados na justiça social. Além IDHM. Ou seja, conforme aumenta o percentual da população
gentes nas diversas áreas, aquelas que se apli- porte, em 2004, 2006 e 2010, é um exemplo de disso, a perspectiva do desenvolvimento huma- que pratica atividades físicas e esportivas nas UFs brasileiras,
cam (ou não se aplicam) durante os períodos de iniciativa que construiu um espaço de diálogo no considera o bem-estar da atual geração sem aumenta também o seu IDHM.
crise, ampliarão ou reduzirão as oportunidades público para a discussão das políticas relaciona- perder de vista a conservação do meio ambien-
de que dispõem as pessoas para eleger o modo das com o esporte. te e de outras espécies de vida, nem as liber- Gráfico 2.1 Percentual da população que pratica
de vida que desejam e valorizam. A característica distintiva de uma análise dades reais que terão as gerações futuras. Em atividades físicas e esportivas e o Índice de
Usualmente se associa o termo políticas pú- baseada no enfoque das capacidades e no de- suma, permite orientar o desenho de interven- Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) das
blicas às medidas tomadas pelo governo. No senvolvimento humano é o reconhecimento da ções que permitirão às sociedades se aproxima- Unidades da Federação (UF) brasileiras , em 2015
entanto, o caráter público das políticas públi- multidimensionalidade da vida humana e, em rem de um presente mais justo, solidário e com
IDHM
cas é dado pelo âmbito de ingerência ou inter- concordância com isso, promove-se a busca do maiores oportunidades de sustentar, também
venção de uma medida orientada a melhorar a bem-estar das pessoas em todos os aspectos e para as futuras gerações, os avanços alcança-
qualidade de vida das pessoas. Utiliza-se o ter- de maneira simultânea. A abordagem do desen- dos para cada pessoa e para a sociedade em
mo público em oposição ao conceito de priva- volvimento humano é de caráter multidimen- seu conjunto.
do, vinculado a uma decisão ou ação pessoal ou sional e sistêmico. Isto é, a busca do bem-estar, Assim, novas iniciativas deverão incluir, em
familiar. Na medida em que o desenvolvimento o princípio da justiça e equidade, o empodera- nome da multidimensionalidade, a questão da 0,9
humano é o processo de ampliar o rol de opor- mento e a participação são elementos consti- participação das pessoas nos processos de de-
tunidades que as pessoas têm, toda interven- tutivos do enfoque e, por esse motivo, devem cisão, além de ações para diminuir as desigual-
DF
ção para favorecê-lo recai no âmbito público. estar presentes em todas as análises e propos- dades na participação (por gênero, raça e etnia,
SP
tas. Também se deve reconhecer as limitações faixa etária, entre outros). Do mesmo modo,
que existem na busca do desenvolvimento, tan- futuras políticas deverão partir do princípio de SC
PR
empoderadas, as pessoas to em termos de recursos econômicos como que a prática de AFEs deve ser uma eleição das
0,8
RJ
MT
ES
RS
institucionais, ambientais e sociais. Nesse sen- pessoas, mas a realização desse direito não é
podem ter uma participação tido é que se deve traçar um caminho a seguir apenas o resultado dessa decisão ou vontade
MG GO
RR
MS
mecanismos institucionais
AM
BA
sociedade. secamente o resultado de ações coletivas, vale 0,7 RO
PA SE
formais ou informais, a
PI
O enfoque do desenvolvimento humano dizer, de um determinado arranjo social. No
AL
MA
é um marco analítico e pragmático capaz de próximo capítulo, após uma exposição sobre os
fim de tomar as decisões permitir uma visão crítica da realidade. Permite sentidos das palavras que usamos para desig-
focar nas capacidades individuais e traçar uma nar as próprias atividades físicas e esportivas,
e escolher as opções que estratégia de intervenção mais urgente, voltada será aprofundada a reflexão sobre os fatores
30 40 50 60
lhes permitam melhorar para as pessoas e grupos que sofrem as maio-
res privações, de modo ajustado às suas parti-
condicionantes do envolvimento das pessoas
com as AFEs.
percentual de prática
sua situação de vida cularidades e metas. É importante contar com Fonte: PNUD, Ipea e FJP, 2017; Suplemento PNAD, 2015. Elaboração: própria
55
54
OS MUITOS
SENTIDOS DAS O campo das atividades físicas e esportivas
é complexo, dinâmico e diversificado. No Brasil,
desde pelo menos a década de 1970, as AFEs
Basta olhar ao redor para constatar esse
fenômeno. Pessoas caminham, correm, exerci-
tam-se nas ruas, praças, parques, praias, com ou
ATIVIDADES FÍSICAS
experimentaram rápida expansão e transfor- sem orientação profissional1. Em muitas cida-
mação, envolvendo simultaneamente diversifi- des, aparelhos de ginástica ao ar livre são dispo-
cação, especialização, heterogeneidade e con- nibilizados pelas Prefeituras em espaços públi-
corrência das suas práticas, associadas ao que cos. As corridas de rua têm adesão de dezenas
NO CENÁRIO
to de vista dos sujeitos praticantes. de são as academias de ginástica4, que podem
ser encontradas em grande parte das cidades
Quadro 3.1 brasileiras, inclusive em bairros de camadas so-
A combinação de dimensões variadas cioeconômicas mais baixas5. A despeito da sua
CONTEMPORÂNEO
no campo das AFEs tem como resultado denominação, não se restringem às práticas gi-
complexidade e riqueza de possibilidades násticas e de musculação. Em verdade, ofertam
amplo conjunto de AFEs que incluem esportes,
Lógicas internas: práticas individuais ou coletivas, de danças, natação e lutas, e caracterizam-se por
competição ou cooperação, com maior ou menor mo- pertencerem predominantemente à iniciativa
vimentação corporal, com ou sem implementos, dentre privada.
outras. Embora tenha havido iniciativas pioneiras,
Espaços: clubes, centros esportivos públicos e priva- em especial no Rio de Janeiro e São Paulo, bem
dos, escolas, academias, espaços públicos (praças, parques como registros de academias especializadas
etc.), instituições militares, dentre outros. de judô, jiu-jitsu e capoeira desde a década de
Tempos: ciclos de vida (infância, juventude, idade adul- 19206, foi a partir da década de 1940 que se ini-
ta, idosos), sociais (trabalho, lazer). ciou o delineamento do modelo de academia
Intencionalidades/ sentidos/ valorações: saúde, diver- de ginástica atual7, mais eclética, embora com
timento, sociabilidade, competição, catarse, relaxamento, ênfase na ginástica e musculação.
combate ao estresse, contato com a natureza, risco e ex-
citação, trabalho.
59
Capítulo 3
Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
Figura 3.1 Década de 1960, São Paulo/SP
Quadro 3.2
A multiplicidade de ofertas nas academias como reflexo de um mercado
que demanda novos produtos todos os dias para atrair a clientela
eram pessoas interessadas em desenvolver for- existentes para um público mais ampliado, quer ballet infantil forró master local taekwondo
ça e massa muscular. com uma formatação esportiva, ou adaptada ao
basquete fortalecimento muscular muay thai taekwondo olímpico
A partir de 1950, as academias iniciaram ex- modelo de fitness das academias. É importan-
pansão para outras capitais e cidades médias te destacar a efemeridade dessas e de outras basquete aquático full contact musculação tai chi chuan
do interior do país, sendo o halterofilismo e as práticas, como ilustrado no Quadro 3.2. Muitas bike futsal natação treinamento funcional
artes marciais japonesas os propulsores desse delas surgem e desaparecem ao sabor do mer-
bike class gap (glúteos, abdome, pernas) natação adulto vôlei
crescimento8. Acompanhando a demanda do cado e da necessidade econômica de criar no-
bike indoor ginástica natação adulto com fobia yoga
público frequentador, a expansão das acade- vas formas de consumo.
mias acelerou-se nas décadas de 1970 e 1980, Outro modelo alternativo que ganhou desta- bioboxe ginástica localizada natação infantil yoga power
impulsionada pelo modismo da ginástica. que no Brasil a partir da década de 1990 abrange body balance ginástica para terceira natação para bebês yoga sênior
A seguir, novos modelos de fitness9, impor- as chamadas “atividades físicas de aventura na
body systems idade pilates yoguilates
tados de outros países, e maquinários mais so- natureza” (ou apenas “atividades de aventura”),
fisticados dominaram as salas de musculação. ou ainda “esportes radicais”. São exemplos: voo boxe glúteos pilates mat zumba
Simultaneamente, as academias racionalizaram livre, mountain bike, rafting, rappel, skate. Carac- capoeira hapkido pilates ball zumba gold
a administração e diversificaram a oferta de terizam-se por serem atividades que proporcio-
cardio hidroginástica pilates studio zumba toning
práticas para além das tradicionais ginásticas nam sensações de risco e vertigem, exacerbação
e musculação. A partir daí, o modelo de acade- controlada das emoções e, em muitos casos, in- cardio jump jam power jump
mias baseado nos interesses pessoais e história teração com a natureza13.
Fonte: Elaboração própria com base em SAMPA ONLINE, s. d.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 3
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
O LINGUAJAR COTIDIANO E A
LINGUAGEM ESPECIALIZADA
Tabela 3.1
Frequência dos termos em dois buscadores da web
atividade física
pelos grupos interessados. de uso nos artigos publicados em periódicos
“Atividade física”, “esporte”, “exercício”, “prá- científicos, onde é suplantado pelos termos
esporte
ticas corporais”, “cultura corporal”, “cultura de “atividade física” e “educação física” (ver Tabela
movimento”, “cultura corporal de movimento”: 3.2 e Figura 3.3). Dado a proximidade conceitual cultura corporal / de movimento / corporal de movimento
mais do que nomes, expressam conceitos, quer e semântica, se somarmos os termos “ativida-
dizer, concepções, ideias, pontos de vista, con- de física” e “exercício físico” nas Tabelas 3.1 e 3.2,
vicções14. Portanto, a escolha de determinado esse conjunto apresenta-se como o terceiro re-
termo não é neutra, traz consequências e re- sultado de ocorrências na web, e o primeiro nos
percussões, pois reflete opções por sentidos artigos científicos. Note-se ainda que “atividade
e valores, e por fim objetiva a consolidação ou física” e “esporte” são termos já presentes nos
idealização de projetos para o campo das AFEs. artigos científicos desde as décadas de 1960 e
1970, em especial nos periódicos de interesse práticas corporais
educação física
biomédico.
exercício fisíco
Fontes: GOOGLE e BING 2016.
63
62
Ano Ano
Todos os 2011- Artigo mais Todos os Artigo mais Todos os
PALAVRAS-CHAVE anos 2015 antigo anos 2011-2015 antigo anos
Cultura corporal
18 10 1999 52 31 1993 70
nas bases de dados (Tabela 3.2 e Figura 3.3), mas artigos publicados em periódicos
5 3 1999 8 4 2001 13
de movimento 24 14 64 38 88 que não deixam de ser expressivas, tendo em
vista que o uso desses termos é mais recente
científicos, onde é suplantado
Cultura de
movimento
1 1 2012 4 3 2010 5
e restrito ao contexto educacional-escolar e pelos termos “atividade
acadêmico-universitário. Do mesmo modo, o
Fontes: Scientific Library Online e Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Biblioteca Regional de Medicina).
* Bases do Brasil, Artigos, Título, Resumo. termo “práticas corporais” apresenta, compa- física” e “educação física”
** Bases Internacionais e Bases do Brasil, Artigos, Título, Resumo. rativamente, baixa frequência na web e ocupa
a penúltima posição nos periódicos científicos.
Figura 3.3 Proporção dos termos com o total da frequência dos Mas seu uso também é expressivo, pois é de uso
termos encontrada em duas bases de dados on-line mais recente, embora presente de modo difuso
nos campos da saúde, humanidades e artes.
exercício fisíco
É importante notar que, conforme demons-
esporte
tra a Tabela 3.2, mais da metade das ocorrências
das palavras-chave “educação física”, “práticas
corporais”, bem como do somatório de “cultura
corporal/cultura corporal de movimento/cul-
práticas corporais
tura de movimento“ nos periódicos científicos
referem-se ao período 2011-2015, fato que não
atividade física
ocorre com as demais. Constituem, portanto,
terminologia cujo uso (exceto “educação física”)
tende a ser mais recente.
educação física
cultura corporal / de movimento / corporal de movimento
Fontes: Scientific Library Online e Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Biblioteca Regional de Medicina).
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A disputa pelos significados dos diferentes Assim está em jogo no campo das AFEs di- mesmo para designar atividades que não com- Caixa 3.1
termos que circulam no campo tem dificultado versas nomeações, que concorrem entre si ou partilham características das práticas espor- A espetacularização do esporte
o diálogo entre os atores nele presentes. Abrir se complementam. Em seguida, um rápido mer- tivas, como competição, busca da vitória e do
o diálogo é crucial para tecer reflexões mais gulho nos sentidos de esporte, atividade física, recorde etc. Exemplo simbólico são os “espor- A espetacularização resulta da construção de uma
profícuas que permitam, de um lado, compre- exercício físico, cultura (corporal) de movimen- tes radicais”, que se tornaram objeto de aten- realidade textual-imagética relativamente autônoma
ender de modo mais global as experiências das to, educação física e práticas corporais esclare- ção nos programas televisivos brasileiros desde face à prática “real” do esporte por meio da codifi-
pessoas nas AFEs e, de outro, facilitar a reco- ce escopos e ajuda a construir a base para as a década de 199016. cação e mediação dos eventos esportivos efetuadas
©Centro de Memória Inezil Penna Marinho – EEDF/ UFRJ
mendação de ações sistêmicas para promover análises vindouras. Então, sob a influência da televisão e outras pelo enquadramento das câmaras, edição das ima-
mudanças desejáveis no campo, tendo em vista mídias, “esporte” e “praticar esporte” passaram gens, comentários, sons e efeitos gráfico-computa-
a promoção do desenvolvimento humano. a designar, no linguajar cotidiano, um amplo cionais que se acrescentam a elas, e que estabelecem
A clareza, mesmo que relativa, do que se quer ESPORTE conjunto de práticas, como caminhar, correr, condições para a interpretação do telespectador.
dizer quando se utiliza esta ou aquela denomi- praticar musculação, jogar futebol ou nadar, Tal realidade textual-imagética pode ser denomi-
nação possibilitaria a ampliação da comunicação A maciça presença do esporte no cotidia- em diferentes níveis de regularidade e intensi- nada “esporte telespetáculo”. O esporte é uma “ma-
entre os interessados no campo das AFEs. Toda- no explica-se, para além do seu apelo lúdico e dade, envolvendo diferentes intencionalidades, téria-prima” bastante favorável ao processo de es-
via, a linguagem dos acadêmicos é mais especia- agonístico, pela sua capacidade de agregar inte- sentidos e valores para os sujeitos praticantes. petacularização televisiva, pela sua imprevisibilidade,
lizada que o linguajar cotidiano e o senso comum, resses econômicos e políticos, que o levaram a Ou seja, “esportista” torna-se denominação que beleza, velocidade, pelo drama humano que enseja a
o que impõe algumas dificuldades em um campo obter hegemonia no campo das AFEs15. não mais se aplica apenas aos atletas. É o fe- vitória e derrota, dentre outras qualidades. Portanto,
que envolve muitos atores sociais e interesses Os meios de comunicação, a televisão em nômeno linguístico e sociológico que se tornou pode-se dizer que o interesse principal da televisão (e
diversos, das associações populares às confede- especial, movidos pela necessidade de incorpo- conhecido como polissemia do esporte17, o qual dos meios de comunicação de modo geral) é “vender”
rações esportivas, do usuário de academias de rar aos seus conteúdos as novas práticas cor- caminha ao lado do processo de espetaculari- o esporte como espetáculo, e não incentivar a prática
ginástica ao atleta profissional, dos profissionais porais que surgiram (e continuam a surgir) na zação do esporte capitaneado pela televisão esportiva.
da Educação Física aos gestores públicos, dos dinâmica sociocultural, as associaram com algo (Caixa 3.1).
Fonte: BETTI, 1998.
jornalistas aos professores universitários. que o grande público já conhece – o “esporte” –,
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 3
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
ao tratar das potenciais
contribuições do esporte para
Caixa 3.2
Múltiplas acepções de “esporte” em
o desenvolvimento e a paz, e
dicionários de língua portuguesa* considerando que o esporte é
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de S. Dicionário Houaiss
Já para o sistema do esporte federativo, a
generalização da denominação “esporte” favo-
físico”, quando praticados com método, com re-
gularidade. Note-se que a vinculação com “com-
um direito de todas as pessoas,
da Língua Portuguesa. São Paulo: Instituto Antônio Hou- rece o posicionamento das práticas ao alcance petição” não aparece na maioria das acepções a ONU adotou uma definição
aiss, Objetiva, 2009. do seu controle e domínio, sob a égide da buro- presentes nos dicionários consultados.
1. Prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou cratização e racionalização. Em suma, o linguajar cotidiano alarga o sig- ampla: inclui todas as formas de
qualquer atividade que demande exercício físico e
destreza, com fins de recreação, manutenção do
A arquitetura das escolas e de muitos cen-
tros esportivos e de lazer revela um aspecto da
nificado (“a ginástica é um bom esporte”); a
linguagem especializada dos acadêmicos o de-
atividade física que contribuem
condicionamento corporal e da saúde e/ou compe- esportivização no campo das AFEs. A “quadra limita mais rigidamente, atribuindo-lhe caracte- para a aptidão física, bem-estar
tição. poliesportiva” é o equipamento que tradicional- rísticas necessárias, como a competição, a bus-
2. Atividade lúdica ou amadora; hobby, passatempo. mente ocupa grande espaço físico nessas ins- ca pela vitória ou recorde, regras pré-definidas,
mental e interação social
tituições, em detrimento de possibilidades que institucionalização, racionalização, dentre ou-
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio da Lín- estimulem e viabilizem a prática de outras AFEs. tras. Já as opções terminológicas das entidades
gua Portuguesa. 3ª ed. Curitiba: Positivo, 2004. Isso significa que o espaço físico tende a induzir e sistemas interessados no esporte – seja no ou modo de organização e prática do esporte,
1. O conjunto dos exercícios físicos praticados com a prática esportiva convencional. âmbito do chamado sistema formal ou “fede- a lei refere-se a características como compe-
método; individualmente ou em equipe. Todavia, a despeito da ênfase do esporte rado”19, seja nas instituições ligadas ao campo tição e competitividade, desenvolvimento dos
2. Entretenimento, prazer. moderno na competição, busca da vitória e do do lazer, nos organismos internacionais, nos ór- indivíduos, cidadania, lazer, voluntariedade, inte-
recorde, racionalização, especialização e buro- gãos governamentais ou nas organizações não gração à vida social, promoção da saúde, pro-
NOVA CULTURAL. Grande Dicionário Larousse Cultural da cratização, a etimologia da palavra e sua dicio- governamentais – parecem oscilar entre esses moção da educação, preservação do meio am-
Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999. narização indicam pistas da sua transformação polos, de acordo com seus princípios, finalida- biente, obtenção de resultados, integração de
1. Atividade cuja finalidade é a melhoria da condição ao longo da história, na qual transitou do jogo des e interesses. Ora se alarga, ora se reduz o pessoas e comunidades, fomento e aquisição
física. (lúdico) ao esporte formalmente codificado. que se entende por “esporte”, quais práticas o de conhecimentos esportivos. Ora, como mui-
2. Conjunto dos exercícios físicos que se apresentam Na língua portuguesa, “esporte” vem do in- termo alcança e o quanto se diferencia de ou- tos desses aspectos podem estar presentes (e
sob a forma de jogos individuais ou coletivos e dão glês “sport” (séc. XV), que por sua vez provém do tras denominações. efetivamente estão) em várias ou em todas as
vez à competição, praticados sob regras preestabe- francês antigo “disport” e “déport” (séc. XII), que Por exemplo, documento da ONU intitulado formas de manifestação do esporte, o resultado
lecidas. significavam “recreação, passatempo, lazer”. Em “Sport for Development and Peace”20, ao tratar é uma certa imprecisão conceitual na termino-
Portugal, registram-se, no século 16, os vocábu- das potenciais contribuições do esporte para o logia utilizada.
MELHORAMENTOS. Novo Dicionário Brasileiro Melhora- los “deporte” e “deporto” (de onde derivam “des- desenvolvimento e a paz, e considerando que A viabilização do diálogo e melhor comuni-
mentos Ilustrado. 5ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1969. porte” e “desporto”), também com as acepções o esporte é um direito de todas as pessoas, cação entre os atores presentes no campo das
1. Passatempo, divertimento de “recreação, divertimento”. Mas foi o vocábulo adotou uma definição ampla: inclui todas as AFEs exige esclarecer em cada discurso de qual
2. Prática metódica dos exercícios físicos, que consis- inglês, “sport”, que se disseminou nas línguas la- formas de atividade física que contribuem para esporte se fala: se no sentido ampliado, o que
tem geralmente em jogos competitivos entre pes- tinas ao longo do séc. XIX. a aptidão física, bem-estar mental e interação inclui outras práticas a rigor não esportivas; ou
soas, ou grupos de pessoas, organizados em parti- Em que pese a transição ocorrida, do jogo social, como jogos, recreação, esporte organiza- no sentido restrito, que abrange apenas as prá-
dos. para o esporte, em muitas práticas esse vínculo do, informal ou competitivo, e jogos e esportes ticas contempladas pelos critérios presentes
originário do esporte com a recreação, a brin- indígenas. na definição clássica de esporte: competição,
AULETE, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Por- cadeira, a diversão – enfim, com a dimensão Já a lei maior do esporte no Brasil (Lei busca da vitória ou recorde, burocratização,
tuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Delta, 1964. lúdica da cultura – encontra eco nos dicioná- 9.615/1998, conhecida como “Lei Pelé”) defi- quantificação, racionalização, universalização
1. Prática metódica dos exercícios físicos. rios da língua portuguesa, como se pode ver na niu o esporte em várias dimensões, mediante das regras, dentre outros. Esse cuidado poderia
Caixa 3.2. diferentes adjetivações: formal e não formal; evitar que o esporte espetáculo, de alto rendi-
Fonte: Elaboração própria com base em dicionários de língua portuguesa18.
Embora o aspecto lúdico permaneça nas profissional e não profissional; educacional, de mento, pela hegemonia econômica e política de
acepções listadas, “esporte” é significado em pri- rendimento, de participação, de formação. Ao que desfruta, deixe à sombra outros formatos e
meiro lugar como “atividade física” e “exercício discriminar a que se refere cada manifestação lógicas presentes no campo das AFEs.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 3
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
Caixa 3.5
Quais as potencialidades e dificuldades do
Caixa 3.4 Esporte de Alto Rendimento para promover o
O lugar e o sentido de cada expressão desenvolvimento humano no cenário brasileiro?
CULTURA CORPORAL, CULTURA os esportes, as danças, as lutas etc. são cons- Cultura corporal Há muitos exemplos de como o Esporte de
DE MOVIMENTO, CULTURA truções históricas, não consequências “naturais” “[...] acervo de formas de representação do Alto Rendimento (EAR) pode ferir a perspectiva
CORPORAL DE MOVIMENTO de uma suposta evolução humana, pois apre- mundo que o homem tem produzido no de desenvolvimento humano: corrupção, doping,
sentam sentidos e significados advindos dos di- decorrer da história, exteriorizadas pela desigualdade de gênero, “coisificação” dos atle-
A abordagem culturalista tem sua gênese, ferentes contextos em que foram e continuam expressão corporal: jogos, danças, lutas, tas etc. Para evidenciar o potencial do EAR para
no Brasil, na década de 1980, no contexto dos sendo produzidos por homens e mulheres. exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, o desenvolvimento das pessoas é preciso girar o
debates e da produção intelectual da área da A abordagem culturalista irá, então, buscar contorcionismo, mímica e outras, que caleidoscópio de significados que é o esporte con-
Educação Física, e em simultaneidade com o fundamentos teóricos nas Ciências Humanas podem ser identificados como formas de temporâneo. O foco do produto (a performance es-
declínio do regime militar, o início do processo e Sociais, em contraposição aos fundamentos representação simbólicas de realidade portiva) deve ser deslocado para a pessoa do atle-
de redemocratização, a anistia aos perseguidos da concepção biologista, que se fundamen- vividas pelo homem, historicamente ta e seus processos formativos em todas as fases
políticos e o fim da censura aos meios de co- ta nas Ciências da Natureza. O pano de fundo criadas e culturalmente desenvolvidas”. de sua carreira, alcançando inclusive o período de
municação, com o consequente aumento da dessa disputa é, do ponto de vista filosófico, a pós-carreira.
liberdade de expressão. ambiguidade entre “natureza” e “cultura” como Cultura de movimento O processo de tornar-se atleta pode ser compa-
No âmbito das universidades, emergiram as fundantes da condição humana. Somos seres “A Educação Física deve estudar o homem que tível com o processo de desenvolvimento humano,
críticas à política então vigente de educação fí- determinados pela natureza ou pela cultura? se movimenta, relacionado a todas as formas na medida em que favorece o protagonismo, auto-
sica e esporte, caracterizada pela ênfase no es- Do ponto de vista político, trata-se da disputa de manifestação desse se movimentar, tanto -conhecimento, busca da superação, potencializa a
porte de alto rendimento e na subordinação a de dois grupos pela hegemonia no campo, em no campo dos esportes sistematizados, como expressão pessoal e as relações interpessoais, den-
este por parte da educação física na escola e do termos discursivos, de poder, de prestígio, de no mundo do movimento, do mundo vivido que tre outras possibilidades.
esporte praticado como lazer. Novas possibili- recursos financeiros. não abrange o sistema esportivo [...]. Assim, No cenário esportivo brasileiro destaca-se a
dades e finalidades pedagógicas foram aponta- para Dietrich/Landau (1990, p. 88), todas essas presença de centros de treinamento em vários es-
das para a educação física – na sua condição de atividades do movimento humano, tanto no tados da federação (embora com infraestrutura e
área acadêmico-profissional que propõe inter- Caixa 3.3 esporte como em atividades extraesporte (ou recursos humanos deficitários) e de atletas com
venções no campo das AFEs – influenciadas por O que é mesmo “CULTURA”? no sentido amplo de esporte) e que pertencem atributos pessoais excepcionais. Já a formação de
concepções socioculturais do corpo e do mo- ao mundo do se movimentar humano, o que atletas de base, o apoio e suporte ao atleta de EAR
vimento, mais preocupadas com o desenvolvi- O entendimento de cultura de Clifford o homem por esse meio produz ou cria, de e a formação de treinadores são as fragilidades
mento humano e a democratização das AFEs Geertz, referência importante nos estu- acordo com sua conduta, seu comportamento, mais evidentes. O atleta de EAR no Brasil convive
do que com o desenvolvimento do esporte de dos antropológicos, foi assim sintetizado e mesmo as resistências que se oferecem a com carências e não tem uma estrutura organiza-
alto rendimento, e mais focadas na transforma- por John B. Thompson: essas condutas e ações, ‘tudo isso podemos da para sustentar sua prática. Resultados expressi-
ção do que na conservação do status quo social. definir como a cultura do movimento’”. vos tendem a ser fruto de ações isoladas de clubes
O ponto comum às várias vertentes da abor- “Cultura é o padrão de e outras entidades, e não de programas e políticas
dagem culturalista é a crítica à concepção bio- significados incorporados nas Cultura corporal de movimento públicas articuladas.
logista que considera o corpo apenas como formas simbólicas, que inclui “[...] formas culturais que se vêm historicamente Os limites destacados reforçam a necessidade
substrato biológico, um dado exclusivamente ações, manifestações verbais e construindo, nos planos material e simbólico, de fomentar ações que potencializem os atributos
vinculado à natureza, depreciando assim as vin- objetos significativos de vários mediante o exercício (em geral sistemático e pessoais dos atletas, produzam melhores ambien-
culações das AFEs com as dinâmicas culturais tipos, em virtude dos quais os intencionado) da motricidade humana – jogo, tes de treino e competição, e invistam em relações
que as formataram ao longo da história. Porque indivíduos comunicam-se entre esporte, ginásticas e práticas de aptidão interpessoais capazes de fomentar o desenvolvi-
“todas as manifestações corporais humanas são si e partilham suas experiências, física, atividades rítmicas/expressivas e dança, mento humano.
geradas na dinâmica cultural, [...] expressando-se concepções e crenças”. lutas/artes marciais, práticas alternativas.”
Fonte: Elaboração própria com base em GALATTI, 2017.
diversificadamente e com significados próprios no
contexto de grupos culturais específicos”29. Assim, Fonte: THOMPSON, 1998. Fonte: COLETIVO DE AUTORES, 1992; KUNZ, 1994 e BETTI, 2003.
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seus horários para viabilizar a prática; ou seja, a e pedagógica dos exercícios físicos e jogos que
prática de alguma atividade física ou esportiva compunham a então chamada “ginástica”, de tal
ocupa lugar de importância em seus interes- modo que passa a ser vista como instrumento
ses, sobretudo no tempo livre. A apetência ou para a saúde e a educação34, caracterizando en-
relação subjetiva diz respeito aos sentimentos tão uma “educação física” com forte conotação
e/ou sensações experimentados pelos sujeitos moral35, mesclada com interesses de prepara-
quando se envolvem com uma determinada ção militar e fortalecimento de valores patri-
prática, e que variam do prazer ou paixão ao óticos no contexto de beligerância da época.
aborrecimento ou desgosto, passando pela in- Esses valores e intencionalidades também es-
diferença. A regularidade é a quantificação da tarão presentes no Brasil nas primeiras décadas
realização da prática pela pessoa em um deter- do século 20, quando a Educação Física foi in-
Segundo Pich30, a denominação cultura (cor- Uma dificuldade de natureza teórico-concei- minado período de tempo (frequência); assim, troduzida nos currículos escolares.
poral) de movimento tem raízes geográficas tual da proposição culturalista reside na adjeti- pode-se falar que uma pessoa pratica pouco, Na atualidade, a Lei 9.394/1996, que estabe-
e acadêmicas em duas fontes: (i) cultura física vação “corporal”, já que a “cultura corporal” seria ou muito, ou de forma irregular, segundo certos lece as diretrizes e bases da educação nacional,
(tradição soviética) e cultura corporal (Körperkul- mais ampla do que o inventário de conteúdos critérios. Opera-se então a hipótese de que o no parágrafo 3º do Art. 26, prevê a Educação
tur), da corrente progressista da Educação Física de que se ocupa a Educação Física na escola, compromisso e a apetência impulsionariam a Física como componente curricular obrigatório
alemã, vinculada à tradição marxista; e (ii) cultura e incluiria tudo o que de algum modo contri- regularidade do envolvimento. na educação básica, de modo integrado à pro-
de movimento (Bewegungskultur), também da bui para configurar o corpo, da morfologia física Nessa perspectiva, a cultura, então, seria o posta pedagógica da escola. Contudo, estabele-
mesma corrente, porém vinculada à tradição fe- às formas simbólicas, ou seja, “todas as formas contexto complexo e dinâmico em que se dá ce também inúmeros casos em que sua “práti-
nomenológica e antropológica. Direta ou indire- adquiridas de se relacionar corporalmente do o envolvimento ou não de uma pessoa com as ca” é facultativa aos alunos36, o que reflete um
tamente, essas correntes influenciaram o modo homem com o exterior e consigo mesmo”32: téc- AFEs, envolvimento esse condicionado por vari- descompasso em relação aos avanços pedagó-
como a Educação Física no Brasil introduziu em nicas e hábitos de representação corporal, ali- áveis sociais como classe ou camada social, ní- gicos da Educação Física, e finda por caracteri-
seu discurso a noção de cultura. No país também mentares, sexuais, lúdicos ou sanitárias; ideais vel de escolarização, etnia, gênero/sexo etc., as zá-la apenas como prática de exercícios físicos.
se forjou a expressão “cultura corporal de movi- morais presentes nas simbologias somáticas, quais se entrecruzam com as histórias pessoais. No período compreendido entre as décadas
mento” como uma tentativa de estabelecer uma emotividade do corpo (pudor, vergonha), pode- de 1960 e 1980, operou-se uma ruptura nessa
ponte entre as noções de cultura corporal e cul- res sociais exercidos desde e sobre o corpo. tradição pedagógica da educação, e o discurso
tura de movimento, já que “corpo” e “movimento” Frente a essas considerações e ao inevitável EDUCAÇÃO FÍSICA científico ascendeu como referência central. Na
conferem especificidade à Educação Física, área grau de simultânea abstração/generalização e Europa e na América do Norte, difundiram-se
que tem nas atividades corporais de movimento pluralidade que o conceito de “cultura” neces- A expressão “educação física”, pela obvieda- as proposições que tratam a Educação Física
simultaneamente seus meios e fins, ou seja, bus- sariamente invoca, uma alternativa seria consi- de das palavras que a compõe, tende a ser as- como uma “disciplina acadêmica” ou mesmo
ca educar para elas e por meio delas. derar o envolvimento concreto das pessoas com sociada a uma intencionalidade educacional ou uma “ciência aplicada”, mesmo que se valendo
A abordagem culturalista, ao problematizar a as AFEs – que só pode se dar, evidentemente, pedagógica que visa a dimensão física ou corpo- de outras denominações, como “Ciências do
concepção biologicista-mecanicista do corpo e em um cenário sociocultural, embora com sen- ral dos indivíduos. Ao seu lado, portanto, deveria Esporte” (em inglês, Sport Sciences; em alemão,
do movimento, levou ao abandono da “crença tidos diferentes para cada praticante ou grupo haver uma “educação intelectual”, uma “educação Sportwissenschaft), “Cinesiologia” ou “Estudos
de que seria possível orientar uma prática cor- de praticantes. moral” etc. A expressão é também tradicional- do Movimento”. Concorreu decisivamente para
poral apenas com base em princípios técnicos, O envolvimento das pessoas nas AFEs, con- mente associada à instituição escolar. Ora, tal re- esse processo a importância social e política
sem qualquer orientação pedagógico-política”, forme González33, abrangeria então três dimen- ducionismo foi abandonado já há algum tempo, alcançada pelo esporte na segunda metade
e se pode entendê-la “como uma tentativa de sões: compromisso, apetência e regularidade. ao menos no plano das concepções teóricas. daquele século; o esporte foi, direta ou indireta-
reincorporar ou reconciliar o corpo e o movi- O compromisso supõe que uma pessoa está Historicamente, a expressão difundiu-se no mente o primeiro objeto da investigação cien-
mento com a simbologia que neles comunica o envolvida com uma prática quando ela “pré- século 19, a partir da Europa, em decorrência tífica nos moldes então propostos, com vieses
homem com o seu mundo”31. -ocupa” a pessoa, como, por exemplo, planejar da sistematização científica (de viés biológico) biomecânicos e fisiológicos.
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Essa tendência de “cientifização” da Educação A esses dois soma-se o entendimento de ciências humanas em geral, incluindo aí estudos • Preocupação com os significados e senti-
Física, que passou a concorrer com sua tradição que a Educação Física é uma profissão de nível com preocupações de ordem pedagógica40. dos atribuídos pelos sujeitos praticantes (de
pedagógica (e de algum modo contribuiu para superior, que já obteve algum reconhecimento modo individual e coletivo), e não só com os
enfraquecê-la) também repercutiu no Brasil des- social e que abriga profissionais com formação efeitos orgânicos.
de pelo menos o final da década de 1980, conco- acadêmico-universitária especializada. A figura PRÁTICAS CORPORAIS • Crítica à organização da vida social contem-
mitante à expansão do sistema de pós-gradua- do “professor de Educação Física” está presente porânea e seus desdobramentos no corpo.
ção e dos laboratórios de pesquisa na área. há muito tempo, inicialmente vinculado à Edu- Tributário da abordagem culturalista oriunda • Destaque às diferenças e contrastes entre
Sobretudo no bojo da abordagem cultura- cação Física Escolar e a algumas funções no es- do campo da Educação Física, o uso do termo práticas corporais orientais e ocidentais.
lista, na década de 1990, houve um movimento porte. Com a progressiva expansão do campo “práticas corporais” é mais recente e encontra- • Indicação de finalidades voltadas para a sen-
de “repedagogização” da Educação Física brasi- das AFEs, simultânea à valorização social dos -se em expansão. Na literatura acadêmica, os sibilidade, educação estética, promoção da
leira, com base em fundamentos das Ciências sentidos de saúde e lazer que nele emergiram, significados atribuídos ao termo são variados, saúde, desenvolvimento do lazer, sociabilida-
Humanas e Sociais mediados por um discurso esse profissional passou a ocupar outros espa- dispersos, e podem ser encontrados em di- de, cuidado com o corpo.
pedagógico que remete o entendimento de ços de trabalho. Do ponto de vista formal e legal, versas disciplinas no campo das humanidades,
Educação Física a uma prática pedagógica que tivemos no Brasil, em 1998, a regulamentação como educação, antropologia, educação física, As significações correntes de “práticas cor-
se concretiza sobretudo na instituição escolar, e da profissão, por intermédio da Lei 9.696/1998, estudos do lazer, saúde coletiva, nutrição, den- porais” ainda apontam que se tratam de ma-
que tematiza – com determinadas teorizações que exige a formação em curso de Educação Fí- tre outras. Apresenta-se como uma noção po- nifestações culturais lúdicas, que em geral
e intencionalidades educacionais – elementos sica como requisito obrigatório para a atuação lissêmica, cuja definição conceitual transita da ocorrem no tempo livre ou disponível, caracte-
da cultura corporal de movimento37. profissional no campo específico. ausência e negação à positivação de suas su- rizando-se, portanto, como atividades de lazer.
A expressão “Educação Física” passa então, Observe-se então que, nos três casos, já não postas qualidades intrínsecas41. Ademais, implicam um certo grau de dinamici-
no Brasil, a designar uma matriz científica e uma se trata mais de definir idealmente o que a Edu- Embora ainda careça de maiores esforços dade corporal e colocam em jogo o conjunto
matriz pedagógica38. A matriz científica caracte- cação Física é, mas o que ela e seus profissio- em busca de conceituação mais consensual, é dos órgãos e sentidos humanos, possibilitando
riza a Educação Física como uma área de co- nais fazem em nome dela. E o que fazem são possível indicar alguns elementos argumenta- a fruição de uma experiência sensível esquecida
nhecimento, de estudos científicos, preocupa- tentativas de imprimir “direções pedagógicas” tivos no uso do termo “práticas corporais”, nos em decorrência da excessiva racionalidade que
da em compreender/explicar certa parcela do no campo das AFEs, as quais mudam de acordo quais estão fortemente presentes conhecimen- guia a sociedade ocidental contemporânea.
real, representada pelo objeto de estudo que com os contextos históricos. tos oriundos das Ciências Humanas e Sociais42: As práticas citadas pela literatura que opera
constrói para si própria (e há diferentes enten- Nesse sentido, a área parece ressentir-se de com o conceito de “práticas corporais” incluem:
dimentos de qual seria esse objeto: movimento um desequilíbrio na produção e veiculação de • Compreensão das práticas corporais como esporte, ginástica, danças, lutas, jogos, tai chi
humano, atividade física, esporte etc.). A matriz conhecimentos, sobretudo no hoje volumoso manifestações culturais que se explicitam chuan, ioga, atividades de aventura na nature-
pedagógica considera que em primeiro lugar a sistema de pós-graduação e nos periódicos prioritariamente por meio do corpo. za, antiginástica, biodança, eutonia, massagens,
Educação Física é uma prática pedagógica, o científicos que os publicitam. Nos programas de • Compreensão do “corpo” como fenômeno meditação, relaxamento, capoeira, atividades
que seria fundamental para que se identifique pós-graduação, predominam linhas de pesqui- que pode ser interrogado no entrecruza- circenses43.
o “tipo de conhecimento, de saber necessário sa orientadas pelos parâmetros oriundos das mento de fronteiras disciplinares.
para orientá-la e para o reconhecimento do ciências biológicas; em consequência, a quan-
tipo de relação possível/desejável entre a Edu- tidade de estudos nessa perspectiva é muito
cação Física e o ‘saber científico”39. superior aos que se valem dos referenciais das
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Ao nomear em termos gerais, ao tempo em Muitas práticas corporais podem ajustar-se a Quando se busca nomear algo com exces- É o que aponta, por exemplo, a “Carta Interna-
que amplia as manifestações ou conteúdos esse entendimento, contudo nem sempre são siva precisão, há o risco de matar aquilo que cional da Educação Física, da Atividade Física e do
propostos pela teorização da abordagem cul- consideradas, por tradição, parte do conjunto é nomeado47; por outro lado, são necessários Esporte” (Unesco, 2015)49, ao abordar a educação
turalista, a definição do termo “práticas corpo- de práticas no campo das AFEs, ou ainda do novos entendimentos para acompanhar a dinâ- física, a atividade física e o esporte sob a ótica
rais” poderia eventualmente ser impossível44. conjunto de práticas com o qual a Educação Fí- mica da velocidade e profusão dos fenômenos dos seus benefícios em várias dimensões indi-
Contudo, esforço produtivo nessa direção foi sica se ocupa no campo da intervenção profis- que surgem na sociedade atual. Um conceito viduais e sociais, e como um direito de todas as
empreendido por González45 que, partindo da sional, como, por exemplo, as práticas próprias ou definição, mesmo que tenha pretensão de pessoas, sem ocupar-se em definir os termos.
premissa de que as práticas corporais são ma- do erotismo cultivado e de rituais religiosos universalidade (no sentido de circunscrever um O já aqui citado documento da ONU, Sport for
nifestações culturais historicamente construí- sustentados em práticas corporais46, ou, ainda universo que o explica), nunca abarca todas as Development and Peace50, vale-se de um concei-
das e presentes nos mais diferentes grupos so- como exemplo, as práticas corporais de que se facetas de um fenômeno, seus contornos são to ampliado de esporte e privilegia considerá-
ciais, as entende como “um conjunto de práticas vale a Fisioterapia como área profissional. irregulares, não são fechados em si mesmos e -lo como direito social e como ferramenta para
sociais com envolvimento essencialmente motor, Uma crítica possível ao termo “práticas cor- devem abrir-se a permanente revisão e diálogo promover o desenvolvimento e a paz. A United
realizadas fora das obrigações laborais (profissio- porais” é que ele poderia invocar, por oposição, com outros, incluindo a possibilidade de sobre- Nations Office on Sport for Development and
nal ou voluntária), domésticas, higiênicas, religio- a existência de práticas “não corporais” (intelec- posição e justaposição.48 Peace (UNOSDP) considera também esse con-
sas, realizadas com propósitos específicos, não tuais, por exemplo), autorizando, portanto, uma É nessa direção que se inscreve a preocupa- ceito alargado ao propor como o esporte pode
instrumentais”. São elementos comuns a todas interpretação dualista do ser humano. É a mes- ção deste relatório ao esclarecer o que se en- contribuir para alcançar os objetivos do desen-
elas: (i) o movimento corporal; (ii) uma organiza- ma crítica que eventualmente se poderia apre- tende por atividades físicas e esportivas: tornar volvimento sustentável propostos pela Agenda
ção interna pautada por uma lógica específica; sentar ao termo “atividade física”. minimamente claros seus contornos e ordenar 2030 da ONU51.
e (iii) são produtos culturais vinculados ao lazer. Ademais, o entendimento de “práticas cor- com coerência, em meio à profusão de termos Já há razoável consenso de que as AFEs po-
Busca-se aí evidenciar que as “práticas corpo- porais”, por associar-se à noção de lazer, não e interesses que os sustentam, algumas expli- dem contribuir positivamente para o desenvol-
rais” são aquelas atividades físicas que têm fim inclui as atividades físicas envolvidas nas ati- cações que o justificam. vimento humano, em cenários de prática que
em si mesmas, excluindo-se, portanto, as ativi- vidades domésticas ou laborais, ou, ainda, os Mesmo na área acadêmica da Educação Físi- atendam a parâmetros que, embora passíveis
dades físicas compulsórias, como as realizadas deslocamentos demandados por exigências do ca, onde se têm desenvolvido grandes esforços de debate e polêmica, já foram identificados.
no trabalho. A organização interna (de maior ou cotidiano (caminhar até o local de trabalho, ou teóricos, a proclamada oposição entre natureza Dentre esses parâmetros pode-se citar: fre-
menor grau) refere-se a uma lógica específica, ao supermercado etc.), os quais, como já vimos, e cultura parece dificultar diálogos, avanços e quência e grau de envolvimento com a práti-
que torna possível identificar codificações pe- poderiam, sob outro entendimento, enquadrar- obstruir as interações possíveis entre os co- ca, adequação às singularidades das pessoas
culiares e relativamente estáveis, que permitem -se na definição de “atividade física”. nhecimentos gerados nas Ciências Biológicas, e grupos sociais, pertinência dos significados/
diferenciá-las das atividades físicas cotidianas, Humanas/Sociais e Exatas. Ao mesmo tempo, sentidos construídos pelas pessoas e grupos
bem como diferenciar as práticas corporais diferentes grupos interessados no campo das nas suas relações com as AFEs, acesso a equi-
entre si. Por exemplo, determinado sistema de AFEs lutam por impor cada qual seu próprio en- pamentos e orientação profissional, e formação
gestos caracteriza este ou aquele esporte, que, tendimento, de modo a viabilizar seus projetos escolar que contemple a Educação Física como
por sua vez, se diferenciam das danças, assim de intervenção social. componente curricular capaz de conjugar prá-
como determinados passos e coreografias per- Contudo, esses impasses e disputas não têm tica e reflexão crítica com as AFEs.
mitem identificar uma certa dança e a distinguir inibido a intervenção profissional, o reconhe- Em outra vertente, pode-se deslocar o olhar
de outras. cimento social e a implementação de políticas do objeto para as singularidades do sujeito pra-
públicas no campo das AFEs, em especial na sua ticante, pois colocar-se como guardião desta ou
interação com os campos da saúde e educação. daquela concepção enfraquece o encontro e a
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construção com os sujeitos, repletos de inten- tempo um grande conjunto dessas práticas, Uma das características da cultura contem-
cionalidades e sentidos de vivência corporal his- como os jogos, as ginásticas, as danças, os es- porânea em relação às AFEs, como já foi tratado
tórica e de representações culturais52. portes e as lutas, sobretudo na sociedade mo- anteriormente neste capítulo, é a diversidade e
Assim, não se pode dizer que subir escadas derna em decorrência do advento do lazer. Na a dinâmica de criação e abandono de diferen-
ou fazer faxina em casa são atividades físicas medida em que podem contribuir para o desen- tes tipos de práticas, bem como, uma grande
que necessariamente contribuem com o desen- volvimento humano, as AFEs devem ser enten- pluralidade de sentidos, sem que se possa esta-
volvimento humano, na medida em que esse é didas como direito social e expressão cultural, belecer uma hierarquia entre os mesmos. Todos
entendido como o desenvolvimento das capa- como uma escolha que as pessoas podem fazer esses sentidos expressam as expectativas dos
cidades humanas, para que as pessoas tenham para o enriquecimento de suas vidas. praticantes quanto aos benefícios que esperam
mais escolhas e mais meios para realizar os va- O que neste relatório é denominado como auferir das AFEs para a sua vida.
lores que escolhem, e assim enriqueçam suas “atividades físicas e esportivas” é o conjunto de Observe-se a seguinte notícia:
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 3
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
Notícias como essa são frequentes na mídia. LAZER, TEMPO LIVRE E e não possam ser definidos claramente, sendo AFEs, ou seja, as pessoas precisam ter tempo
Elas consolidaram no imaginário social a noção TEMPO DISPONÍVEL muitas vezes recortados um pelo outro (os es- disponível para poder usufruir das AFEs como
de que as AFEs são um grande antídoto para paços de trabalho que haviam se deslocado do lazer – isto é, como opção voluntária – e com
uma série de doenças modernas, principal- Uma das características das AFEs como de- âmbito privado para o público, agora parecem isso enriquecer ou melhorar qualitativamente
mente aquelas decorrentes do sedentarismo, e finidas neste relatório é que são atividades hu- em alguma medida retornar ao âmbito privado). as suas vidas. Atividades como as anteriormen-
reforçam a ideia de que o sujeito que não as manas não produtivas, não geram uma renda. Surge então uma sensação ambígua ou parado- te sugeridas, embora possam ter algum efeito
pratica, além de não cuidar de si e, portanto, ser Isso não significa, entretanto, que não tenham xal: mesmo nos casos em que se tem um menor positivo, não podem e não devem ser coloca-
responsável por seu adoecer, não se preocupa importância econômica. Apenas diz que são tempo de trabalho formal, a sensação é de falta das como substitutivas das AFEs realizadas
com a sociedade, uma vez que irá gerar gastos praticadas com um objetivo que não é mone- de tempo. Com a aceleração da vida, parece fal- como atividades de lazer às quais as pessoas
extras que irão impactar outras demandas so- tário, e sua prática, para aqueles que as reali- tar tempo para tudo que se gostaria/precisaria têm direito.
ciais e prejudicar a coletividade. zam, possui um valor em si mesmo em forma fazer, inclusive para o consumo e a prática de Sob o prisma do entendimento de desenvol-
A partir dessa perspectiva, seria possível di- de bem-estar ou prazer. Nesse caso, refere-se AFEs. Daí a oferta de serviços de AFEs estender vimento humano, é também bastante diferente
zer, então, que as AFEs são fator de desenvolvi- às AFEs na condição de práticas de lazer, ou e flexibilizar seus horários: academias que fun- alguém aderir às AFEs por uma indicação médi-
mento humano já que colaboram para uma vida seja, exclui-se a prática das AFEs como trabalho cionam 24 horas por dia, personal trainers que ca, tendo que abandonar para isso outras ativi-
mais saudável. Mas tal perspectiva acaba por remunerado (atletas, treinadores físicos, profes- atendem em diferentes horários em função da dades prementes para sua condição de vida e de
enfatizar uma visão utilitarista das AFEs, no sen- sores de Educação Física, trabalhadores braçais disponibilidade do cliente etc. sua família, do que alguém aderir às AFEs porque
tido de que deveriam ser realizadas pelas pesso- etc.). São práticas que pressupõem que a pes- Na verdade, uma boa parte da população ter- decidiu realizar no seu tempo disponível uma
as apenas para minimizar riscos, evitar maiores soa que faz a opção por elas tem disponibili- mina por contentar-se com o tempo disponível prática que lhe trará prazer, alegria e, portanto,
gastos com a saúde, em vez de enfatizar a di- dade e escolhe utilizar o seu tempo livre para dos finais de semana para satisfazer seus dese- um retorno positivo também no plano da saú-
mensão voluntária da adesão a essas práticas a dedicar-se a uma atividade “gratuita” no sentido jos e necessidades de praticar AFEs. No entanto, de. Todavia, é preciso reconhecer que a prática
partir de motivos não diretamente “úteis” como de que não produzirá uma mercadoria com va- esses “atletas de fim de semana” muitas vezes de AFEs por indicação médica, inicialmente vi-
o prazer, o divertimento, o encontro com outros lor de uso. Em princípio, esse tempo disponível são alertados para os riscos da realização de venciada como obrigação, pode posteriormente
e o contato com a natureza, que podem tam- para trabalhadores assalariados refere-se ao grandes esforços físicos em apenas um dia da descortinar a essa pessoa outros sentidos.
bém enriquecer a vida das pessoas. Não se trata tempo livre de trabalho, incluindo aí férias peri- semana. Uma sugestão frequentemente apre-
de contrapor uma perspectiva à outra, e sim de ódicas e remuneradas, ao menos para aqueles sentada pelos incentivadores das AFEs, com
conciliá-las, mesmo porque as AFEs realizadas que usufruem de emprego formalizado. foco no combate ao sedentarismo e suas con-
com prazer tendem a ter, também sob o prisma No entanto, uma distinção clara entre tempo sequências, é que a falta de tempo livre e dispo- boa parte da população
da saúde, melhores resultados. de trabalho e tempo de não trabalho torna-se nível seja compensada pela realização de ativi-
Trata-se, então, de construir condições obje- cada vez mais difícil em função de uma série dades físicas em momentos do cotidiano como, termina por contentar-se
tivas para que as AFEs possam ser acessadas de transformações que vem ocorrendo nas úl- por exemplo, o do deslocamento para o traba-
lho. A perspectiva é a de que atividades como
com o tempo disponível
por todas as pessoas, pelas razões as mais di- timas décadas no mundo do trabalho, entre as
versas, e desse modo sua prática seja efetiva- quais, baixa formalização, rotatividade e terceiri- essas não exigiriam tempo adicional e, portanto, dos finais de semana
mente uma escolha, a mais autônoma possível.
Assim, a perspectiva adotada por este relató-
zação. Além disso, com o desenvolvimento tec-
nológico, cresce o número de pessoas que não
seriam factíveis mesmo em situação de ausên-
cia de tempo disponível. Esse tipo de sugestão,
para satisfazer seus
rio é a de que as AFEs podem contribuir com o têm local de trabalho fixo e também não preci- se feita desde uma perspectiva que considera desejos e necessidades
desenvolvimento humano das pessoas sempre sam fixar um tempo de trabalho. As dificuldades apenas a dimensão quantitativa do gasto ener-
que realizadas de forma voluntária e conscien- de mobilidade urbana das grandes cidades ou gético e seus efeitos biológicos, reforça uma vi- de praticar AFEs
te56. Serão analisadas a seguir algumas dessas metrópoles têm tomado um tempo maior para são reducionista dos sentidos das AFEs.
condições objetivas, ambientais e simbólicas os deslocamentos em direção ao trabalho. Para defender as AFEs como direito das pes-
capazes de definir o grau de liberdade dessas Tudo isso faz com que os limites dos tem- soas, é preciso considerar a dimensão qualita-
escolhas. pos de trabalho e de não trabalho variem muito tiva e não somente quantitativa e utilitária das
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©Paula Caldas
impactam nas condições materiais para o usu- gradativamente de direito do cidadão para a es-
fruto desse direito. fera do direito do consumidor.
Embora a constituição brasileira determine Em suma, a renda das pessoas é fator regu-
que o lazer é um dever do Estado, é notório que lador das possibilidades de acesso às oportuni-
a explosão das AFEs nas últimas décadas se dades de consumo no âmbito das AFEs e das a se ancorar no corpo. Coerentemente com os agir sobre as razões (culturais) desse consumo.
deu no contexto da expansão de um mercado possibilidades de escolha nesse campo. Como desenvolvimentos do mundo do trabalho e do A prática esportiva como lazer é uma ativi-
em que são oferecidos e consumidos inúmeros consequência, as pessoas de renda inferior es- lazer, o corpo passa da condição de “produtor” dade majoritariamente das camadas médias ur-
serviços e produtos a elas relacionados; isso tão mais sujeitas às ofertas do setor público para, também, a de “consumidor”. Essa transfor- banas, ou seja, faz parte da cultura dessas clas-
tudo baseado preponderantemente na iniciati- (equipamentos, espaços, serviços públicos). Isso mação é resultado e causa, simultaneamente, ses envolver-se com as AFEs. Como vimos, essa
va privada, a partir das regras de mercado. Isso não indica, no entanto, que as AFEs que foram da proliferação e da ascendência das AFEs nas classe média copiou das elites (aristocracia e alta
significa que o acesso a uma boa parte das AFEs eleitas a partir de um leque maior de escolha sociedades contemporâneas. burguesia) suas atividades de ócio. Hoje temos
está condicionado pela capacidade financeira sejam necessariamente melhores sob o pris- Como esse campo mais amplo dos cuidados uma nova expansão, agora em direção às ca-
dos consumidores desses serviços. A partir da ma qualitativo. Indica, porém, que as possibili- do corpo estrutura-se basicamente a partir da madas mais vulneráveis na hierarquia social: ser
lógica do mercado são oferecidos serviços dife- dades de escolhas e acesso e as possibilidades lógica do mercado, da mercadoria, as pessoas esportivo e manter-se ativo são valores que se
renciados para diferentes públicos. Por exemplo, de usufruir das AFEs são, em nossa sociedade, são consideradas consumidores em potencial. expandiram para outros estratos sociais.59
as academias de ginástica das áreas periféricas desigualmente distribuídas. Nesse sentido, é fundamental, para uma pers- Embora continuem a existir diferenças no
das grandes cidades oferecem preços menores pectiva de desenvolvimento humano, conside- âmbito das AFEs marcadas por um corte de
do que as academias cujo público alvo são as rar não apenas o tema da ampliação ou das res- classe social, os traços de classe tendem a di-
classes médias e altas. DIMENSÕES CULTURAIS E SIMBÓLICAS trições de acesso a esses “serviços e produtos” minuir sua importância frente à mercantilização
As Associações Esportivas (clubes sociais e mas também o significado que esse consumo e midiatização das manifestações culturais em
esportivos) baseadas no trabalho voluntário, Como já foi dito, a ascendência das AFEs no pode ter para a qualidade de vida dessas pesso- escala global. Mesmo as manifestações rela-
que constituíam a base do sistema brasileiro de mundo globalizado se deve a um conjunto de as. Pode-se questionar, por exemplo, se o con- tivas a grupos sociais não hegemônicos e/ou
esportes e da atividade física57, estão hoje em mudanças, como o advento do “tempo livre” e sumo não estaria guiado por um ideal de beleza periféricos, também no caso das AFEs, ten-
crise. Quem tem recursos para adquirir serviços o processo de urbanização da população. No criado a partir de interesses econômicos e que dem a ser submetidas aos processos massifi-
relacionados às AFEs tende a preferir a agilidade entanto, é preciso destacar também mudanças é inalcançável pela maioria da população, de tal cadores da cultura hegemônica. Muitas mani-
do mercado e a compra da última novidade na simbólicas relacionadas ao status social e onto- maneira que é exatamente o não alcance desse festações (práticas específicas de AFEs) foram
academia mais próxima à sua casa. lógico da corporeidade, ou seja, da nossa rela- ideal, a não satisfação desse desejo, que impul- criadas por grupos vulneráveis, mas acabaram
Por outro lado, num trabalho compensatório ção com o “corpo”. Nas últimas décadas, cons- siona o consumo58. Outro exemplo é a utilização por ser apropriadas pelo mercado, ressignifi-
que busca a equidade, o poder público é de- truiu-se uma cultura somática na qual o corpo de anabolizantes que fazem aumentar a massa cadas e transformados em mercadoria global.
mandado e estabelece políticas de ampliação passa da condição de “natureza” a ser domina- muscular por parte de jovens que frequentam Da mesma forma, manifestações próprias das
dos espaços públicos para atividades de lazer, da/controlada (o corpo visto como um objeto academias de ginástica, mas que oferecem ris- elites também foram apropriadas por pessoas
particularmente para aqueles que não têm con- útil do qual posso dispor) à condição de “sujeito” cos à saúde. A questão não é só proibir o ofere- em situação de vulnerabilidade, ressignificadas
dições de adquirir esses serviços na iniciativa ou base da identidade pessoal: o Eu (self) passa cimento e o consumo dessas substâncias, mas e, posteriormente, também submetidas aos
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códigos e valores hegemônicos. Como exem- produto cultural é concebido para produzir um Denomina-se neste relatório como “ativida- vimento, as AFEs se configuram hoje como um
plos, podem ser citados o próprio futebol, que impacto máximo e cair em desuso de imediato”61. des físicas e esportivas” o conjunto de práticas reconhecido direito das pessoas e, por esse mo-
no Brasil, inicialmente, foi atividade da elite, mas Alguns desses produtos adquirem caráter que exigem envolvimento e esforço físico, rea- tivo, elas deveriam ter a possibilidade de esco-
que foi apropriada pelas camadas populares e internacional/global, como o neozelandês Body lizadas sem fins produtivos do ponto de vista lher a prática das AFEs para compor um modo
depois transformada num ícone da cultura na- System, vendido por meio de franquias no mun- econômico, sendo, portanto, mais associadas de vida valioso e valorado por elas próprias. O
cional; por outro lado, temos a capoeira, que ini- do todo. Nesse contexto, encontramos uma ao tempo livre e ao lazer, e às quais os pratican- desenvolvimento humano é resultado da am-
cialmente foi uma prática de resistência da po- controvérsia que se situa num possível efeito tes conferem motivações diversas, ligadas às pliação desse conjunto de opções à disposição
pulação negra, mas passa hoje por um processo homogeneizador da cultura global ou mundial, dimensões da saúde, aptidão física, competição, das pessoas, bem como da liberdade de poder
de disseminação, não sem conflitos e contra- com possível prejuízo para a diversidade cultu- sociabilidade, diversão, risco e excitação, catar- escolhê-las. No marco das AFEs, o que deve ser
dições, que envolve todas as classes sociais e ral e a autonomia local. Posição contrária indica se, relaxamento, beleza corporal etc. assegurado por parte do Estado é que todas as
que tende a ser entendida também como uma que as culturas locais tendem a se apropriar de É fato que muitas AFEs são praticadas fora pessoas, sem importar sua condição social e
manifestação da cultura nacional brasileira. forma idiossincrática e a ressignificar esses pro- do contexto do lazer, seja por serem compul- econômica, possam ter a possibilidade de prati-
O esporte é hoje também um produto global. dutos sem prejuízo para a diversidade/riqueza e sórias, como aquelas que fazem parte do trei- car AFEs. Também é papel do Estado promover
Como produto a ser vendido e consumido, pas- autonomia local. Bauman entende diversamen- namento militar, seja por estarem inseridas no a conscientização desse direito e esclarecer sua
sa a ser produzido com essa finalidade. Práticas te, que o que caracteriza a cultura globalizada é mundo do trabalho, como é o caso dos traba- importância do ponto de vista dos benefícios
corporais esportivas já existentes são merca- exatamente a imperiosidade da mudança. Para lhos braçais e do esporte profissional. Há ainda adicionais advindos de sua prática.
dorizadas, assim como são criadas práticas já Bauman62, “a difusão cultural que foi um evento as aulas de Educação Física, obrigatórias para as Assim, as AFEs estão em sintonia com o de-
como mercadoria. O modelo do associativismo perturbador na cotidianidade das culturas, con- crianças e jovens inseridos no sistema escolar senvolvimento humano quando sua realização
(como forma de suprir as necessidades de práti- verteu-se agora em seu modo diário de exis- na condição de alunos. É importante ressaltar tem por base uma decisão livre e consciente,
ca esportiva) vem sendo substituído pela oferta tência”. Assim, “a ideia de difusão ou intercâmbio que o esforço analítico empreendido no pre- ou seja, que essa opção não esteja limitada pela
privada do mercado; isto foi possível, por um transcultural não ajuda a compreender a cultura sente relatório não abarca essas AFEs compul- falta de recursos financeiros, inviabilizada pela
lado, pela valorização cultural da “esportividade”, contemporânea (...) O traço mais conspícuo da sórias, com exceção da Educação Física escolar, falta de tempo disponível, nem pela ausência,
do “ser ativo” e, por outro, pelo recuo do Estado, fase cultural atual é que, a esta altura, a gênese e que será objeto de uma reflexão propositiva no entorno do domicílio das pessoas, de opor-
que acompanha o recuo da importância das es- a distribuição de produtos culturais adquiriu um mais adiante. tunidades (equipamentos, programas e servi-
feras públicas de decisão frente à esfera priva- alto grau de independência em relação às comu- Assim, a vinculação que aqui se estabelece ços) oferecidos pelo poder público para essas
da, com a ampliação do espaço privado. nidades institucionalizadas e, particularmente, com o lazer justifica-se na medida em que as práticas.
Com a intensificação da lógica do mercado em relação às politicamente territoriais”63. AFEs são práticas que tiveram sua gênese e si- Ressalta-se que a opção livre, antes que atri-
nesse espaço, instalou-se aquilo que vem sendo A cultura urbana incorpora crescentemen- tuam-se hoje predominantemente no âmbito buir ao indivíduo total e isoladamente a respon-
chamado de “cultura do efêmero” ou esporte/ te as AFEs de diferentes formas e lhes confere do lazer, e é nesse contexto que elas obtêm sabilidade pela adesão ou não às AFEs, significa
cultura moda60. Novas práticas corporais/ es- diferentes e plurais sentidos. Embora existam adesão da maioria dos praticantes. Outros ter- que essa liberdade pode e deve ser ampliada
portivas são produzidas (como novidades) para diferenças de classe, gênero e geracionais, é mos poderiam também denominar esse en- por processos educativos e pelas condições so-
o consumo e têm vida efêmera para dar lugar flagrante a incorporação do “ser ativo” e da “es- tendimento. Contudo, a expressão “atividades ciais que são produzidas por toda a sociedade.
a uma nova (novidade) que exercerá atração portividade” como valores compartilhados pe- físicas e esportivas” parece ser mais eficiente Quer dizer, a democratização das AFEs no Bra-
irresistível no consumidor, que, ao consumi-la, las pessoas que habitam (não só) as cidades. A como estratégia de comunicação social, já que sil demanda melhorias estruturais relacionadas
como vimos, não terá seu desejo satisfeito, im- questão que se coloca então é: em que medida o binômio “atividade física-esporte” tem gran- com os fatores condicionantes antes identifica-
pulsionando o mercado a produzir novas práti- e sob quais condições o desenvolvimento hu- de presença no linguajar cotidiano e nas mídias, dos (tempo, condições materiais e financeiras e
cas e assim por diante. mano pode se dar como resultado das pessoas bem como nos documentos de organismos in- questões simbólicas).
Aqui encontramos uma característica da cul- exercerem a liberdade de praticar AFEs? ternacionais, e permite, por parte de um público Ainda, a ideia de democratizar as AFEs ultra-
tura contemporânea que é a flexibilização dos mais alargado de leitores, uma associação inicial passa o aumento do acesso a essas práticas, na
vínculos. Estar em movimento é o imperativo. ao objeto efetivamente tratado neste relatório. perspectiva de que mais crescimento não signi-
Conforme expressão de George Steiner, “todo No que tange aos condicionantes do envol- fica, necessariamente, mais desenvolvimento. A
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 3
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Os muitos sentidos das atividades físicas e esportivas e sua presença no cenário contemporâneo
opção livre e consciente é fundamental e pres- podem ser introduzidos de forma pedagogi-
supõe que aqueles que optam por incorporar camente responsável ao universo das AFEs, ou
as AFEs às suas vidas disponham de conheci- seja, podem vivenciar uma iniciação às AFEs
mentos, inclusive técnicos, que permitam avaliar que desenvolva sua capacidade de agir crítica
quais impactos efetivos essas práticas podem e autonomamente em relação a essas práticas
ter em suas vidas, tanto em termos de prática o que envolve: a) adquirir a capacidade técnica
como de consumo. Alguns exemplos: a) ter um compatível para participar das mais diferentes
melhor conhecimento das técnicas e das táticas formas de AFEs ampliando o seu repertório, do
utilizadas num determinado esporte pode tornar qual poderá lançar mão na vida adulta nos seus
©Sandro Vox
o espectador de TV mais capaz de usufruir do momentos de lazer; b) adquirir conhecimen-
conteúdo; b) um jovem frequentador de acade- tos a respeito dos possíveis benefícios dessas
mia com o conhecimento dos efeitos fisiológicos práticas para sua vida, bem como dos riscos e
de substâncias como os esteroides anabólicos cuidados necessários para que essas práticas futebol. Mais recentemente, expandiu-se a prá-
tende a estar menos vulnerável ao envolvimento sejam efetivamente enriquecedoras; c) adquirir tica de andar de bicicleta em grupos, inclusive
com esse tipo de prática e, assim, ter maior pro- conhecimentos a respeito da dinâmica social no período noturno, servindo de motivo para se o protagonismo das pessoas
babilidade de afastar os seus efeitos nocivos64. das AFEs, inclusive para reconhecê-las como di- reivindicar maior segurança e mais ciclovias nas
Nesse aspecto, é importante ressaltar que reito das pessoas e, com isso, agir nessa esfera. cidades. é fundamental para que as
o envolvimento com AFEs pode ser resultado Embora o modelo associativista tenha perdi- Portanto, não obstante a força do merca- AFEs estejam alinhadas com
de um processo de “sedução” que muitas vezes do terreno em relação ao consumo de serviços do e da indústria cultural, continuam a existir
não passa por processos de mediação cogniti- relativos às AFEs oferecidos pela iniciativa priva- diferentes formas de vivenciar as AFEs, já que o desenvolvimento humano,
va (isso tanto em relação à prática quanto ao
consumo); atuam, muitas vezes, diferentes for-
da de orientação comercial, existem muitas ini-
ciativas de grupos no sentido de organizar prá-
os grupos sociais podem se apropriar delas de
forma singular e própria. Nessa direção, podem
as aulas de Educação Física
mas de mobilização e conformação dos desejos ticas em espaços públicos ou mesmo privados ser citados também os grupos de capoeira podem desempenhar um papel
que podem inibir um certo distanciamento crí- sem fins de lucro financeiro. Essas iniciativas in- existentes no Brasil que resistem à esportivi-
tico frente às ofertas65. Nesse sentido, é preciso dicam uma forma de prática em que as pesso- zação, ou seja, à absorção da capoeira pelos fundamental nesse cenário
pensar numa forma de mediação pedagógica as são as principais protagonistas e devem ser códigos da cultura hegemônica. Também sob
para o envolvimento com determinadas formas amparados e incentivadas pelo poder público. essa tensão (entre a preservação da tradição e
de AFEs. Uma ação que pode contribuir nesse Do mesmo modo, apesar da forte tendên- a adaptação aos códigos dominantes), estão as
sentido é melhorar a qualidade das aulas de cia à homogeneização e mercadorização das práticas corporais tradicionais indígenas.
Educação Física no sistema educacional. AFEs, como descrito anteriormente, é possível
Se o protagonismo das pessoas é funda- identificar muitas situações em que essa lógi-
mental para que as AFEs estejam alinhadas ca é tensionada. Em muitos contextos, é pos-
com o desenvolvimento humano, as aulas de sível identificar grupos de prática esportiva
Educação Física podem desempenhar um papel auto-organizados que privilegiam o encontro, o
fundamental nesse cenário. Crianças e jovens divertimento, com destaque para a prática do
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1 Segundo dados da Pesquisa Nacional por 15 O que pode ser explicado, além das propriedades 29 DAOLIO, 2004, p. 2.. 57 Conforme o Diagnóstico da Educação Física
Amostra de Domicílios (PNAD-2015), realizada intrínsecas da prática esportiva, por fatores econômicos 30 PICH, 2014. p. 163-165. e do Esporte de 1970, p. 158. (COSTA, 1971)
pelo IBGE, a “caminhada” é o primeiro tipo e políticos. O esporte criou um mercado de consumo 31 Idem, 2014. p. 165. 58 “Como dicen Mark C. Taylor e Esa Saarinen, ‘el deseo
de AFEs mais citada como prática pelos para além da prática propriamente dita, como a 32 PEDRÁZ, 2014. p. 175. no desea la satisfacción’. Por el contrario, ‘el deseo
brasileiros, sendo também o primeiro entre assistência televisiva e o consumo de produtos 33 GONZÁLEZ, 2013. desea el deseo’, en todo caso, así funciona el deseo
as mulheres, com larga vantagem sobre os associados (vestuário, suplementos nutricionais 34 SOARES, 1984. de un consumidor ideal.” (BAUMAN, 1999, p. 47)
demais. Conferir no Capítulo 4 deste relatório. etc.); tornou-se “assunto de Estado”, pois em sua 35 BRACHT, 1999, p. 15-26. 59 Conforme ficará claro no Capítulo 4, ainda
2 Conferir em BARBERÍA, 2016. forma de alto rendimento e espetáculo, o esporte 36 São eles: aluno trabalhador, maior de 30 é menor o nível de prática de AFEs entre as
3 Segundo dados da Pesquisa Nacional por possibilita retorno em termos de capital político. anos; que tenha prole; que esteja prestando pessoas em situação de vulnerabilidade social, as
Amostra de Domicílios (Pnad-2015), realizada pelo 16 BETTI, 1999, p. 74-91. serviço militar; gestante a partir do 8º mês e mulheres, os negros, os idosos, dentre outros.
IBGE. Conferir no Capítulo 4 deste relatório. 17 Idem, 1998. doenças previstas em legislação específica. 60 LIPOVETSKY, 1994.
4 “Academia de ginástica” é expressão corrente 18 Transcrição não exaustiva das acepções 37 BRACHT, 1999, p. 15-26. 61 STEINER apud BAUMAN, 1999, p. 50.
no Brasil desde a década de 1980. Equivale ao presentes nos dicionários consultados. 38 BETTI, 1996, p. 73-127. 62 Idem.
que, na língua inglesa, é denominado Health 19 Quer dizer, regulado por normas nacionais e 39 BRACHT, 1993, p. 111-118. 63 ldem, p. 79.
Club ou Fitness Club, ou ainda Gyms Club. internacionais e pelas regras de prática desportiva 40 ROSA, 2010, p. 121-34; MANOEL e CARVALHO, 64 Estudos têm mostrado que é bastante usual
5 Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de cada modalidade, aceitas pelas entidades de 2011, p. 389-406; ROSA e LETA, 2011, p. 7-18. a utilização de anabolizantes, particularmente
de Domicílios (PNAD-2015), realizada pelo IBGE, administração do desporto (federações, confederações, 41 DAMICO e KNUTH, 2014, p. 329-350. por parte de jovens, entre frequentadores de
“Fitness/Práticas de academia” e “Musculação” ligas), nos termos da legislação brasileira. 42 LAZAROTTI FILHO e ANTUNES et al., 2014, p. 522-528. academias de ginástica. Parece haver uma
foram citadas por 17,5% dos brasileiros praticantes 20 NU, 2003. 43 Trata-se de uma listagem não exaustiva, predominância do uso por parte de indivíduos do
de AFEs. Conferir no Capítulo 4 deste relatório. 21 CASPERSEN; POWELL; CHRISTENSON, 1985, P. 126. pois muitas outras práticas corporais sexo masculino entre 15 e 25 anos e a motivação
6 CAPINUSSÚ, 2006, p. 61-62; 22 Idem, p. 128. poderiam ser adicionadas na medida em que central é a busca de um corpo mais bonito.
BERTEVELLO, 2006, p. 63-64. 23 MALINA; LITTLE, 2008, p. 373-391. atendam às características delimitadas. 65 Não se quer com isso eliminar das AFEs a sua
7 CAPINUSSÚ, 2006, p. 61-62. 24 Idem. 44 DAMICO e KNUTH, 2014, p. 329-350. dimensão emotiva, estética, como também o
8 BERTEVELLO, 2006, p. 63-64. 25 GABRIEL; MORROW; WOOLSEYL, 2012, p.11-18. 45 GONZÁLEZ, 2015, p. 137. caráter arrebatador e apaixonado que muitas vezes
9 Forma simplificada de “physical 26 NETTLETON e GREEN, 2014, p. 239-251. 46 Idem. caracteriza o envolvimento, por exemplo, com
fitness”, aptidão física. 27 Idem. Nettleton e Green fundamentam-se na “teoria 47 MAFFESOLI, 2001. o esporte. O que se sugere é que os indivíduos
10 FURTADO, 2009, p. 1-11. da prática” do sociólogo francês Pierre Bordieu. 48 DELEUZE e GUATTARI, 2007. possam construir e dispor de instrumentos
11 Literalmente, “bem-estar”. 28 O primeiro conjunto de críticas chama a atenção 49 UNESCO, 1978. cognitivos (competências/capacidades) que
12 No âmbito internacional, outros modelos para o fato de que essa compreensão estreita das 50 NU, 2003. permitam também uma reflexão sobre essas
alternativos se posicionaram no campo das AFEs se interessa por construir uma abordagem 51 UN, 2014. experiências estéticas, conferindo às mesmas uma
AFEs desde a década de 1970, e no Brasil mais conveniente para os estudos epidemiológicos que 52 DAMICO e KNUTH, 2014, pp. 329-350. maior qualidade na medida em que permite melhor
acentuadamente a partir da década de 1990. Em avaliam os níveis de atividade física na população (e 53 Muitas pessoas podem valorizar fazer a limpeza avaliá-las e situá-las nas opções de suas vidas.
contraste com o “tempo veloz”, o treinamento classificam as pessoas em “ativas” ou “sedentárias”), de suas casas e podem não dispor de tempo para
exaustivo, o resultado objetivado pela quantificação não levando em conta os sujeitos e limitando-se a fazê-lo, o que seria uma limitação em suas opções
(como na musculação), surgiram movimentos analisar os cruzamentos das variáveis envolvidas. de vida. Da mesma forma, subir escadas em vez de
culturais que propõem práticas corporais A intervenção profissional, seja nas instituições tomar o elevador pode ser preferência de algumas
caracterizadas por uma “nova vagarosidade e que escolares, de saúde ou lazer, reproduz os protocolos pessoas, que valorizam essa opção, seja por razões
transferem a experiência corporal do produto para recomendados pelos especialistas. A contrapartida da ecológicas, por sofrerem de claustrofobia, ou por
o “Eu” (ver EICHBERG, 1995). Tais práticas abrangem “atividade física”, ou seja, o “sedentarismo”, é também sentirem que lhes proporcionam um movimento
técnicas corporais orientais, terapias bioenergéticas, problematizado. Questionam-se os critérios de físico gratificante. Contudo, ressalta-se aqui que
antiginástica, pilates, dentre outras. Várias delas classificação das pessoas em “ativas” e “sedentárias” fazer faxina e subir escadas por falta de opção
foram posteriormente absorvidas e reformatadas (e também a definição do que é atividade física leve/ dificilmente podem ser considerados meio de
pelas academias (como por exemplo, o power moderada), já que o uso de diferentes critérios ampliação de desenvolvimento humano.
ioga). Em outra direção, danças e ritmos originários leva a diferentes conclusões sobre prevalências de 54 DAMICO e KNUTH e KNUTH, 2014.
da cultura popular e da cultura juvenil foram inatividade física na população. O segundo conjunto 55 O texto jornalístico informa que retirou esses dados
adaptados ao modelo de fitness e adentraram as de críticas repousa sobre a responsabilização de um estudo publicado na revista científica Lancet.
academias, como o afrovibe, o street dance e o individual das pessoas pelo sedentarismo, ignorando 56 Em relação ao caráter “consciente” das escolhas
cardio funk, ou, ainda, elaborados já tendo em vista a importância da transmissibilidade ou contágio é preciso dizer que isso depende de um processo
o mercado das academias, como a zumba fitness. dos fatores de risco associados à saúde. Assim, educacional que propicie ao indivíduo os
13 PIMENTEL, 2013, p. 687-700. fatores como o círculo de amigos, a família e o conhecimentos necessários sobre as AFEs nos
14 Observe-se que a origem etimológica da ambiente são decisivos para compor cenários seus mais diferentes aspectos: conhecimentos
palavra “conceito” na língua portuguesa favoráveis ou desfavoráveis para a condição ativa técnicos de como realizá-la, mas, também,
relaciona-se com a noção de germinação, ou inativa fisicamente das pessoas e grupos. Por conhecimentos sobre seus efeitos fisiológicos,
fruto, feto. Conferir em HOUAISS, 2001. fim, uma terceira direção de críticas envereda pela além de conhecimentos e reflexões sobre as
biopolítica e denuncia o caráter moralizador dos relações dessas práticas com a economia, com
estudos epidemiológicos sobre atividade física/ a política, com a cultura, com o consumo. Esse
sedentarismo, na medida em que culpabiliza o indivíduo é o papel fundamental da Educação em geral
“sedentário” e faz pesar sobre ele um fardo moral. e da Educação Física escolar em especial.
Capítulo 4 INTRODUÇÃO
ATIVIDADES
FÍSICAS E
ESPORTIVAS
NO BRASIL
Embora tenha sido verificada uma queda na Essas desigualdades têm um peso decisivo
desigualdade social no Brasil desde meados da na distribuição da prática de atividades físicas
década de 1990, quando se analisam as pessoas, e esportivas (AFEs) na população do Brasil. Os
assim como as regiões geográficas, o país conti- marcadores sociais, da mesma forma que con-
nua sendo caracterizado por marcadas dispari- dicionam outras dimensões da vida da popula-
dades. Dados de 2016, publicados pelo Relatório ção, afetam o envolvimento com essas práticas.
Global de Desenvolvimento Humano do PNUD, Nesse contexto, cabe questionar: Como dife-
colocam o Brasil entre as dez nações, de um rentes variáveis sociais condicionam a prática de
conjunto de 143 países, com maior índice de de- AFEs no Brasil? Quais caminhos podem ser trilha-
sigualdade social do mundo1. dos para explicar esse fenômeno? Os dados e as
Marcadores sociais como sexo, idade, raça, informações resultantes do Suplemento da Pes-
renda, nível de instrução e região do país dife- quisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
renciam a população em grupos bem distintos. 2015 sobre a prática de esporte e atividade física
O pertencimento a um ou outro desses grupos produzido pelo IBGE e publicado em 20173 serão
afeta drasticamente as oportunidades e ex- a base a reflexão deste capítulo. Contudo, tam-
periências que uma pessoa pode ter ao longo bém serão mobilizadas informações de outras
de sua vida no Brasil. Por exemplo, em 2010 o duas pesquisas em que foram coletados dados
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal vinculados com as AFEs: Pesquisa Nacional de
(IDHM) dos brancos era 12,6% superior ao dos Saúde (PNS)4, de 2013, a Pesquisa Nacional de
negros, e a renda das mulheres era 28% infe- Saúde Escolar (PeNSE)5, de 2015.
rior a dos homens, mesmo apresentando níveis
educacionais mais elevados2.
93
92
Quando se busca objetivar qual é a propor- praticantes (maiores de 18 anos) no Brasil se- a comparação de resultados entre países des- esporte e atividade física, mas esclarecer que a
ção da população que pratica AFEs, enfrenta-se gundo diferentes critérios de frequência e de sa região do mundo7. No Brasil, por exemplo, a pesquisa vai investigar a prática de esporte e,
um impasse. As pesquisas nesse campo utili- tempo de prática, a partir das perguntas da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 passou a usar, depois, de atividade física, ambas realizadas no
zam diferentes parâmetros para classificar uma Pesquisa Nacional de Saúde 2013. O Gráfico 4.2 no que refere às AFEs, as mesmas perguntas da tempo livre”. Ou seja, foram realizadas duas per-
pessoa como praticante ou não praticante de mostra como varia o percentual da população pesquisa Vigilância de fatores de risco e prote- guntas sucessivas e independentes em relação
AFEs, vinculados à frequência de prática (uma praticante de AFEs dependendo do critério uti- ção para doenças crônicas por Inquérito Telefô- à pratica de AFEs.
vez por mês, uma vez por semana, duas vezes lizado na sua definição. nico (Vigitel) do Ministério da Saúde8. Não foi o Nesse contexto, os resultados da pesquisa,
por semana), período de referência (conside- Uma revisão de relatórios sobre o tema caso da PNAD 2015, que desenvolveu uma pes- quando apresentam os dados de esporte e de
rando-se a última semana, os últimos 30 dias, permite constatar que os critérios temporais quisa com seus próprios parâmetros, o que não atividade física, não conseguem diferenciar com
os últimos três meses, o último ano) e a quan- utilizados para parametrizar a prática de AFEs permite uma comparação direta com os resulta- precisão a proporção de pessoas que se en-
tidade de tempo dedicado à atividade (20 mi- pela população são dos mais variados. Esse fato dos dos outros levantamentos. volvem com uma ou outra prática segundo os
nutos, 40 minutos, uma hora)6. Essa dificuldade gera a necessidade de uma leitura cautelosa Quando se utilizam as informações do su- conceitos discutidos no capítulo 3. Por exemplo,
é ilustrada pela discussão sobre a participação dos resultados que descrevem o envolvimento plemento da PNAD 2015 sobre a prática de uma proporção importante de pessoas afirmou
esportiva na União Europeia comparando como da população com essa prática. esporte e atividade física, deve ficar claro que, ter praticado esporte e, quando indagada sobre
são diferentes os resultados sobre o nível de Outra dificuldade derivada do uso de parâ- para essa pesquisa, a prática desenvolvida pelo qual era a modalidade, responderam “caminha-
participação esportiva da população europeia, metros temporais diferentes vincula-se às evi- entrevistado foi classificada como esporte ou da”. Outras, por outro lado, responderam não
dependendo do critério temporal utilizado para dentes limitações para comparar os estudos e atividade física de acordo com o entendimen- praticar esporte, mas sim atividade física; con-
incluir ou excluir as pessoas entrevistadas no suas respectivas interpretações. Nessa linha, há to da própria pessoa. Nesse sentido, o caderno tudo, quando indagadas sobre o tipo de prática,
grupo dos praticantes (Gráfico 4.1). alguns anos, particularmente em países euro- orientador do pesquisador para desenvolver a resposta foi também “caminhada”. O futebol é
Nesse sentido, uma leitura similar pode ser peus, busca-se o desenvolvimento de metodo- a entrevista enfatiza: “[...] o entrevistador não outro exemplo. A modalidade é tanto menciona-
realizada sobre o percentual de pessoas adultas logias e instrumentos de pesquisa que permitam deve definir para a pessoa o que entende por da como esporte quanto como atividade física.
Gráfico 4.1 Percentual da população da União Europeia envolvida em práticas Gráfico 4.2 Percentual da população brasileira adulta (18 anos ou mais) envolvida
esportivas segundo diferentes critérios de frequência ou tempo de prática com AFEs segundo diferentes critérios de frequência e tempo de prática
Exercícios ou esportes praticados esporadicamente Praticou algum tipo de esporte nos últimos 3 meses
60% 31,5%
Exercícios ou esportes, praticados pelo menos 1 vez por mês Pratica pelo menos 1 vez por semana independente do tempo
49% 30,5%
Exercícios ou esportes, praticados pelo menos 1 vez por semana Pratica pelo menos 20 min semanais
38% 30,1%
Exercícios ou esportes, praticados pelo menos 3 vezes por semana Pratica pelo menos 40 min semanais
17% 27,1%
Atividade física vigorosa, superior a 6 horas por semana Pratica pelo menos 150 min semanais ou 75 min de atividades físicas vigorosas
5% 22,5%
10 20 30 40 50 60 5 10 15 20 25 30 35
Percentual de cidadãos da UE Percentual da população brasileira adulta (18 anos ou mais)
Fonte: Elaboração própria com base em Bottenburg, Rijnen e Sterkenburg (2005). Fonte: Elaboração própria com base na PNS 2013 (IBGE, 2014).
95
94
Este Relatório Nacional de Desenvolvimento certos setores da população para praticar AFEs,
Humano alerta para a necessidade de fornecer bem como o quanto é preciso avançar no com-
suporte para iniciativas orientadas a promover bate às desigualdades presentes nesse cam-
uma maior equidade no setor das AFEs. Isso in- po. Por outro lado, é importante destacar que
clui auxiliar todos os envolvidos em propiciar o o fato de um grupo estar acima da média não
acesso às atividades físicas e esportivas a ob- significa que está tudo resolvido, já que a média
ter uma melhor compreensão do nível de desi- da participação é menor que a que se espera
©PNUD Brasil
gualdade que caracteriza a prática das AFEs de para um país ativo. O índice apenas explicita as
jovens e pessoas adultas no Brasil, bem como diferenças de envolvimento de diferentes seto-
fornecer ferramentas que possam ajudar a for- res da população a fim de ajudar na tomada de
mular políticas pertinentes e alinhadas ao de- decisão em relação às prioridades no setor.
Dessa forma, para poder responder a per- Assim, é importante salientar que os dados senvolvimento humano nesse campo.
guntas sobre a proporção de pessoas que pra- coletados pela PNAD 201515 permitem incluir O Índice de Iniquidade da Prática de AFEs
ticam AFEs no Brasil, o IBGE precisou combinar entre os praticantes, pessoas que tenham re- aqui proposto tem como base a proposta do PESSOAS ADULTAS
as respostas de perguntas realizadas separada- alizado algum tipo de prática esportiva ou de Sport England16 – órgão do governo da Inglater-
mente e convertê-las em um único indicador atividade física no período de referência de 365 ra que se ocupa do esporte de participação. A Tomando como parâmetro os dados da
“esporte ou atividade física”. Assim, os resul- dias, ainda que a mesma tenha sido eventual análise baseia-se em diferentes pesquisas reali- PNAD 2015, temos que o percentual de brasi-
tados dessa pesquisa têm que ser avaliados a (por exemplo, apenas uma vez no período de zadas no Brasil em relação ao tema e nos mar- leiros de 15 anos ou mais que praticou esportes
partir dos parâmetros específicos de sua elabo- um ano). Isso pode superestimar o conjunto cadores sociais sexo, cor ou raça17, idade, defici- ou atividades físicas no ano de referência da
ração, de modo que não sejam feitas análises dos praticantes, especialmente se são consi- ência, nível de instrução e rendimento mensal pesquisa19 foi de 37,9%. A mesma pesquisa ainda
e/ou comparações incompatíveis com suas ca- derados parâmetros mais estritos (como o das domiciliar per capita. permite afirmar que a proporção da população
racterísticas. outras pesquisas mencionadas) do que se con- As taxas de participação foram convertidas que praticou AFEs no mínimo uma vez por se-
Em relação ao parâmetro temporal, vale di- sidera uma pessoa praticante. em índices que revelam a proporção de prati- mana, durante pelo menos seis meses no ano
zer que as perguntas do Suplemento da PNAD Na análise a seguir, serão citadas diferentes cantes de AFEs de diferentes grupos sociais em de referência foi de 25.3%.
utilizaram como referência “um ano”9. Outras pesquisas, as quais utilizaram critérios distintos comparação com o percentual da população No entanto, é importante notar que o per-
pesquisas realizadas no Brasil têm utilizado para produzir os dados, o que explica a diferen- como um todo, representada com o valor 10018. centual de praticantes muda substancialmen-
períodos menores: “três meses” nos casos da ça entre algumas informações apresentadas. Os Os índices informam quais grupos na população te quando considerados diferentes grupos da
PNS10 e Vigitel11, e a “semana anterior” ao inqué- percentuais foram convertidos em índices, a fim têm um percentual de participação acima da taxa população brasileira recortados com base nos
rito no caso da PeNSE12. Em nível internacional, de marcar a iniquidade da prática de AFEs no média e quais participam abaixo da média, e, por- marcadores sociais. A Tabela 4.1 evidencia que
o relatório do Eurobarometer 201313, não utiliza Brasil de diferentes grupos sociais. tanto, quais grupos precisam de maior atenção as diferenças de acesso às AFEs estão forte-
um período específico e indaga as pessoas so- para aumentar a possibilidade de praticar AFEs. mente atreladas às desigualdades que caracte-
bre a prática no momento da entrevista; já o Os índices também fornecem indicações so- rizam o Brasil.
Sport England 200514 utiliza um mês. bre o grau de dificuldade experimentado por
96
97
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 4
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
Tabela 4.1
Pessoas adultas (15 anos ou mais)
que praticaram AFEs no período de Caixa 4.1
referência de 365 dias – Grupos globais. Outras Pesquisas Nacionais
Proporção de praticantes comparada
com a média da população (37,9%) Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 permi-
tem estimar que a prática de AFEs, pelo menos uma vez
Índice de por semana, da população de 18 anos ou mais de idade,
Iniquidade A Tabela 4.1 indica que o grupo com o maior vimento com as AFEs 3,31 vezes maior do alcançava na época 30,5%.
Grupo (2015)
índice de prática de AFEs no período de refe- que o menos escolarizado. Os microdados da pesquisa Vigitel, realizada pela Se-
Rendimento mensal domiciliar per 171 rência (365 dias) foi o constituído pelas pessoas • O percentual de praticantes de AFEs decres- cretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saú-
capita de 5 salários mínimos ou mais
que têm rendimento mensal domiciliar per capi- ce segundo a idade. Os mais novos têm um de, permitem aferir que, no conjunto das 27 capitais, a
Ensino Superior Completo 150 ta superior a cinco salários mínimos. Isso signi- envolvimento 42% superior à taxa da popu- frequência da prática de AFEs, pelo menos uma vez por
15 a 17 anos 142 fica que esse segmento tem um envolvimento lação considerada (142), enquanto entre as semana, no ano de 2014, foi de 47,9%.
71% superior com a prática de AFEs do que a pessoas com 60 anos ou mais a proporção Por outro lado, o Ministério do Esporte desenvolveu
Ensino Superior Incompleto 136
população total com mais de 15 anos. é 27% menor que a média (73). Isso significa sobre o tema outra pesquisa no ano de 2013. O denomi-
18 a 24 anos 123 O índice apresentado na referida tabela tam- que a proporção de pessoas mais jovens pra- nado Diagnóstico do Esporte (Diesporte) estimou que a
Ensino Médio Completo 113 bém demonstra, entre outros aspectos, que: ticantes de AFEs é quase o dobro das pesso- proporção de população que praticava AFEs, pelo menos
as mais idosas. uma vez por semana, era de 44,4%.
Homens 113
• Existe uma marcada associação entre o • Entre a população branca a proporção que
25 a 39 anos 109 Fonte: BRASIL, 2015; BRASIL, 2016; IBGE, 2014.
rendimento mensal domiciliar per capita e pratica AFEs é 6% maior do que da taxa da
População Branca 106 a prática de AFEs. A proporção de pessoas população (106), ao passo que entre a popu-
localizadas no estrato social com maior ren- lação negra o percentual é 6% menor (94).
Rendimento mensal domiciliar per capita 104
de mais de 1 até 2 salários mínimos dimento domiciliar per capita dobra quando • Entre os grupos com menor proporção de Caixa 4.2
comparada com a proporção de praticantes praticantes de AFEs encontram-se o das pes- E em outros países?
Sem deficiência 102
localizados no estrato inferior de renda. soas adultas sem instrução (46), com defici-
• Pessoas com alguma deficiência (intelectual, ência (49) e idosos (73). Uma pesquisa desenvolvida na Comunidade Europeia
Norma (Média)
física, visual ou auditiva) têm um índice de 49 em 2013 – Eurobarometer, 2013 – constatou que 41% dos
Todas as pessoas adultas (37,9%) 100
contra 102 daqueles que declararam não ter Os dados possibilitam afirmar que a estru- europeus praticam esportes pelo menos uma vez por se-
Ensino Fundamental Completo 97
deficiências ou estas não serem limitantes tura social do Brasil – de modo semelhante ao mana. No entanto, também verificou uma marcada dife-
População Negra 94 de suas atividades habituais20. Entre as pes- que acontece em outros países22, porém mais rença entre os 28 países da comunidade, com destaque
Mulheres 88
soas com deficiência, são aquelas com defici- acentuado pelo nível de desigualdade existente para o alto percentual de praticantes nos países nórdicos.
ência intelectual (10,3%) e física (10,5%) as que – imprime uma dinâmica de funcionamento à De um modo geral, os cidadãos da parte norte da
40 a 59 anos 88
menos praticam AFEs. vida das pessoas que leva a indivíduos localiza- União Europeia são os que mais praticam AFEs. A propor-
Rendimento mensal domiciliar per 83 • Homens têm um índice de prática de 113 dos nos estratos socioeconômicos superiores a ção de pessoas que praticam esporte, pelo menos uma
capita de menos de ½ salário mínimo
enquanto as mulheres de 88. Dessa forma, incluírem a prática de AFEs em seus estilos de vez por semana, é de 70% na Suécia, 68% na Dinamarca,
Ensino Fundamental Incompleto 75 apenas por pertencer a um ou outro grupo, vida em maior proporção que aqueles que se 66% na Finlândia, 58% nos Países Baixos e 54% em Luxem-
60 anos ou mais 73
a probabilidade de uma pessoa praticar AFEs encontram em estratos inferiores. Essa relação burgo. Os níveis mais baixos de participação estão agru-
difere em 28,4%21, a favor do grupo masculino. está vinculada a diferentes fatores e, entre os pados nos países do Sul do continente. Na Bulgária (78%),
Com deficiência 49
• A parcela de praticantes cresce de for- mais importantes, destacam-se o tempo livre, o Malta (75%), Portugal (64%), Roménia (60%) e Itália (60%), a
Sem instrução 46 ma consistente na medida em que o grau capital econômico e o capital cultural23. maioria dos inquiridos afirmaram que nunca se exercitam
educacional é maior. Proporcionalmente, o É importante mencionar que as diferenças ou praticam esporte.
Fonte: Elaboração própria com base na PNS 2013
e PNAD 2015 (IBGE, 2014 e IBGE, 2017). segmento mais escolarizado tem um envol- se ampliam entre os grupos na medida em que
Fonte: DIRECTORATE-GENERAL FOR EDUCATION AND CULTURE, 2014.
99
98
os que mais praticam ção abaixo da taxa média da população. Entre 15 e 17 anos com renda domiciliar per capita
sem rendimento a menos de ½ salário mínimo
136 Mulheres com 60 anos ou mais
72
• Mulheres classificadas nos estratos de ren-
AFEs. Apenas os grupos dimento mensal domiciliar per capita mais Homens com ensino médio completo 132
Mulheres com renda domiciliar per capita 68
121
sem rendimento até ½ salário mínimo
101
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 4
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
os dados da PeNSE (2015)
permitem estimar que 65,7%
dos adolescentes brasileiros que
frequentam o 9º ano do Ensino
subgrupos), proporção inversa aos subgru- diminui bem menos, quando consideradas as com a AFEs nas faixas de idade mais avançadas
pos de homens (4 dos 17). mesmas faixas etárias (uma em cada quinze). diminui de forma acentuada. Usando o mesmo
Fundamental, com idades entre
• Mulheres brancas têm uma taxa de prática Destaca-se também a variação na proporção parâmetro para o grupo de maior rendimento e 13 e 16 anos, praticam AFEs pelo
de AFEs (97) muito próxima ao do conjunto de praticantes quando se consideram as faixas considerando apenas as faixas extremas de ida-
da população, enquanto a das mulheres ne- de rendimento mensal domiciliar per capita. O de (15 a 17 anos e 60 anos ou mais), a diminuição menos um dia na semana
gras é 21% menor (79). Gráfico 4.4 apresenta o resultado de apenas é um pouco maior, de duas a cada três pessoas.
• Os grupos que têm menor percentual de dois grupos: (a) sem rendimento a menos de
praticantes de AFEs são os de baixo nível meio salário mínimo, e (b) cinco salários míni-
de instrução (independentemente do sexo), mos ou mais. A proporção de praticantes do JOVENS ESCOLARES
os de menor rendimento e de idade mais grupo de cinco ou mais salários mínimos situa-
avançada. -se acima da média da população em todas as Os dados da PeNSE 2015 permitem estimar Incompleto; Ensino Médio Incompleto; Superior
faixas etárias, ainda que apresente oscilações, que 65,7% dos adolescentes brasileiros que fre- Incompleto e Superior Completo) e escore de
Um destaque importante nesses dados é a mas com diminuição menos acentuada que em quentam o 9º ano do Ensino Fundamental, com bens e serviço (EBS) (categorizado em quintos
variação na proporção de homens e mulheres outros setores sociais. Considerando apenas as idades entre 13 e 16 anos, praticam AFEs pelo da distribuição observada na amostra estuda-
que praticam AFEs nas faixas etárias conside- faixas dos extremos (15 a 17 anos e 60 anos ou menos um dia na semana. Diferentemente da da). Compuseram o escore os seguintes itens:
radas. O Gráfico 4.3 explicita que a diferença no mais), a diminuição na proporção de praticantes pesquisa considerada na análise com as pes- posse de televisão, geladeira, fogão, micro-on-
percentual de homens e mulheres envolvidos é de uma a cada quatro pessoas. Por sua vez, soas adultas, o parâmetro utilizado é o relato das, máquina de lavar, telefone fixo, telefone ce-
com AFEs se dá quando mais jovens. Ao avançar o grupo classificado na faixa da população sem sobre o realizado na semana anterior ao mo- lular, aparelho de DVD, computador, automóvel,
a idade, particularmente na faixa compreendida rendimento a menos de meio salário mínimo, mento de responder o questionário26. presença de banheiro dentro de casa e presen-
entre os 41 e 59 anos, a diferença desaparece, apresenta uma proporção de praticantes acima Além das variáveis demográficas sexo e fai- ça de empregada doméstica em cinco dias ou
dada a marcada diminuição na proporção de da média da população apenas entre os dois xa etária (13, 14; 15; 16 anos), foram estudados mais por semana27. Também foi estudada a de-
praticantes homens (um em cada dois). Diferen- grupos mais jovens (50,6% entre 15 a 17 anos, como marcadores de nível socioeconômico pendência administrativa da escola (categoriza-
temente, a proporção de mulheres praticantes e 41,4% entre 18 e 24 anos), e o envolvimento a escolaridade materna (Ensino Fundamental da em pública ou privada).
Gráfico 4.3 Proporção de praticantes de AFEs segundo a idade e sexo, no Brasil Gráfico 4.4 Proporção de praticantes de AFEs segundo as faixas de
80 rendimento mensal domiciliar per capita e idade, no Brasil
80
70
70
60
60
50
50
40 40
30 30
20
20
% 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos ou +
10
Homens Mulheres
% 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos ou +
Sem rendimento a menos de ½ salário mínimo 5 salários mínimos ou mais
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015).
Fonte: Elaboração própria com base na PNAD 2015 (IBGE, 2017).
103
102
EBS 4 103 (EBS), utilizado para estimar o nível socioeco- referência. Os grupos recortados pelo nível de Homem jovem de escola privada 121
nômico. Quando se considera o subgrupo com escolaridade da mãe – ensino superior comple-
13 anos de idade 102 Homem jovem com 13 anos de idade 117
maior escore no indicador (EBS 5), a taxa de pra- to (123) e pela dependência da escola, privada
ticantes é 14% superior à média da população, (121) – apontam na mesma direção. Homem jovem de escola pública 114
Norma (Média)
ao passo que no subgrupo de escore socioeco- Por outro lado, são as mulheres jovens, par- Homem jovem com mãe com 112
Todos os jovens escolares (65,7%) 100
nômico mais baixo (EBS 1) é 8% menor. Isso sig- ticularmente as de maior idade (16 anos) e com ensino fundamental incompleto
Mãe com ensino fundamental 99
nifica que um estudante classificado no grupo indicadores de nível socioeconômico menor Homem jovem com 16 anos de idade 110
incompleto
EBS 5 tem 22% a mais de chance de praticar (EBS 1), as que apresentam o índice mais baixo
Escola pública 99 Homem jovem com ebs 1 109
AFEs do que um estudante incluído no EBS 1. de prática de AFEs (75). Nesse sentido, é impor-
EBS 3 98 Da mesma forma que entre as pessoas adul- tante salientar que apenas o grupo de mulheres, Mulher jovem com ebs 5 102
16 anos de idade 96 tas, as diferenças entre os grupos considerados com indicadores de nível socioeconômico alto, Mulher jovem com mãe com 101
se ampliam à medida que os critérios de inclu- apresenta um índice de prática de AFEs acima ensino superior completo
EBS 2 96
são se fazem mais exigentes. Se considerarmos da média da população. Os grupos de mulheres
EBS 1 92
o nível mínimo de práticas recomendado pela com um EBS 5 (102) e/ou com mãe com ensino Norma (média)
Mulher jovem 85 OMS para as “atividades físicas de lazer”, a média superior completo (101) superam o índice médio Todos os jovens escolares 65,7% 100
Fonte: Elaboração própria com base na PeNSE 2015. (IBGE, 2016). dos escolares do 9º ano ficaria em 34,5%28, sen- populacional. Ainda assim, nenhum dos grupos Mulher jovem de escola privada 95
do que a diferença entre homens e mulheres que se encontra abaixo da média populacional
Mulher jovem com 13 anos de idade 91
passaria de 35% (uma vez por semana) para 73% é composto por homens jovens.
(nível OMS) a favor dos meninos. Em outras pa- A diminuição do índice de prática também Mulher jovem de escola pública 87
lavras, com critérios mais exigentes de inclusão, tem uma relação com a idade: quanto mais ve- Mulher jovem com ebs 1 84
a média dos escolares ativos baixa, e a taxa de lhos os grupos, a proporção de praticantes é me-
Mulher jovem com 16 anos de idade 80
participação feminina (25,4%), comparada com nor. Contudo, são as mulheres que apresentam a
Mulher jovem de 16 anos 75
a masculina (44,1%), baixa ainda mais, ampliando maior redução proporcional de praticantes entre
de idade com ebs 1
a iniquidade entre esses grupos. O comporta- os 13 e 16 anos (16%); sendo que a menor entre
mento das taxas de participação dos demais os homens na mesma faixa etária é de 7%. Fonte: Elaboração própria com base na PeNSE 2015 (IBGE, 2016).
grupos vai no mesmo sentido.
105
104
ao analisar a frequência de
prática daqueles que declaram
Além de ter praticado ou não AFEs em um maioria (30,9%). Essas frequências, no entanto, A mesma análise em relação à idade (Gráfico ter praticado esporte ou
período de tempo específico, um ano no caso
da PNAD 2015, é importante analisar com que
não se distribuem de forma homogênea nos di-
ferentes grupos sociais.
4.5) também mostra diferenças, contudo a ten-
dência é inversa ao observado na participação.
atividades físicas no último ano,
frequência essa prática se realiza, bem como a Quando se compara a proporção de pratican- Pessoas de mais velhas declaram praticar AFEs observa-se que 92,4% o fez pelo
continuidade da mesma no período de referên-
cia. No caso da pesquisa mencionada, pergun-
tes segundo o sexo, encontramos que homens
estão menos representados entre aqueles que
com mais frequencia que as mais novas. To-
mando como referência praticar duas ou mais
menos uma vez por semana,
tas específicas foram incorporadas em relação praticam AFEs com mais frequência. O Gráfico vezes por semana, observa-se que a proporção sendo que, nesse grupo,
a esses temas.29 4.5 mostra que pelo menos 84,3% das mulheres de jovens (15 a 17 anos: 73,1%; 18 a 24 anos 70,9%)
Ao analisar a frequência de prática daqueles praticam duas ou mais vezes por semana AFEs, é inferior à das pessoas com mais idade (60 aqueles que se envolveram
que declaram ter praticado esporte ou ativida-
des físicas no último ano, observa-se que 92,4%
enquanto a proporção de homens com no mí-
nimo essa frequência semanal é de 68,0%. Isso
anos ou mais: 83,8%), ficando as faixas de idade
intermédia também com percentuais intermé-
entre quatro e sete vezes por
o fez pelo menos uma vez por semana, sendo significa que o percentual de homens que pra- dios (25 a 39 anos: 72,8%; 40 a 59 anos: 78,2%). semana foram a maioria (30,9%)
que, nesse grupo, aqueles que se envolveram ticam AFEs uma ou menos vezes por semana
entre quatro e sete vezes por semana foram a (32,0%) é o dobro das mulheres (15,7%).
15 a 17 18 a 24 25 a 39 40 a 59 60 anos
anos anos anos anos ou mais
2,9% Menos de uma vez por mês 3,4 2,3 3,0 2,7 3,1 3,1 1,8
16,9% Uma vez por semana 22,8 10,1 19,4 20,4 19,1 14,3 11,1
19,4% Duas vezes por semana 19,1 19,8 23,1 18,3 18,9 18,6 21,0
25,2% Três vezes por semana 21,6 29,5 21,5 22,8 24,7 28,1 26,1
30,9% Quatro a sete vezes por semana 27,3 35,0 28,5 29,8 29,2 31,5 36,7
107
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 4
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
Tabela 4.5
Percentual da população que praticou
AFEs em meses, segundo sexo
Por sua vez, quando a frequência de prática resultado aponta que a população que praticou que o grupo com 60 anos ou mais tem a menor Meses Homens Mulheres Total
é estratificada por níveis de rendimento men- AFEs se manteve envolvida, em média, durante taxa de praticantes que não ultrapassa os seis 1 1,9 4,7 3,2
sal domiciliar per capita (continuação do Gráfi- 9,15 meses por ano, acumulando o maior per- meses de atividade, quando comparado com os
2 3,4 6,0 4,6
co 4.5, abaixo), as porcentagens acumuladas de centual aqueles que declaram ter participado grupos das demais faixas (frequência acumulada
duas ou mais vezes por semana se avolumam da prática ao longo de todo o ano (48,9%). de 1 a 6 meses, 60 anos ou mais: 21,8%), e simul- 3 4,1 6,9 5,4
nos setores com maiores rendimentos. Nes- A análise da continuidade da prática de AFEs taneamente é o que concentra o maior percen- 4 2,9 4,8 3,7
sa linha, os resultados apontam que entre as durante o ano também aponta diferenças entre tual de praticantes ao longo de 12 meses (56,7%).
5 3,0 4,2 3,6
pessoas classificadas na primeira faixa de ren- homens e mulheres. Como apresentado na Ta- O número de meses durante os quais as pes-
dimentos (sem rendimento a menos de meio bela 4.5 uma menor proporção de mulheres que soas praticaram AFEs também varia quando se 6 6,9 8,9 7,8
salário mínimo per capita) o percentual totaliza de homens ultrapassa os seis meses de prática examina o rendimento mensal domiciliar per ca- 7 1,6 1,9 1,7
68,5%, enquanto entre os que se encontram na (frequência acumulada de 1 a 6 meses, homens, pita. Nesse caso, as pessoas com maior renda
8 4,3 4,6 4,4
faixa mais elevada de rendimento, o percentual 22,1%; mulheres, 35,4%). Também as mulheres estão menos representadas entre aqueles que
é de 89,2%. têm uma representação menor entre aque- não superam os seis meses de prática (16,5%), 9 2,6 2,4 2,5
No que se refere à continuidade ou regula- les que praticaram 12 meses no ano (homens, e mais representadas entre aqueles que prati- 10 6,9 5,4 6,2
ridade da prática de AFEs ao longo do ano, a 53,9%; mulheres, 43,2%). caram durante o ano todo (59,1%). Nessa linha,
11 8,6 7,2 8,0
PNAD 2015 permite estimar quantos meses os Em relação à idade, a continuidade da prática a Tabela 4.7 permite calcular que o grupo com
brasileiros que praticaram esporte ou ativida- de AFEs durante o ano aponta uma diferença a menor renda, com uma frequência de prática 12 53,9 43,2 48,9
de física se mantiveram ativos durante o ano. O favor dos idosos. A Tabela 4.6 permite visualizar Fonte: Elaboração própria com base na PNAD 2015 (IBGE, 2017).
Tabela 4.6
Sem rendimento ½ a menos 1 a menos 2 a menos 3 a menos 5 salários Percentual da população que praticou AFEs em meses, segundo idade
a menos de ½ de 1 salário de 2 salários de 3 salários de 5 salários mínimos
salário mínimo mínimo mínimos mínimos mínimos ou mais 60 anos
Meses 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos ou mais Total
Menos de uma 3,8 3,3 2,6 1,9 2,7 1,0
vez por mês 1 2,7 3,3 3,7 3,0 2,6 3,2
Uma vez por 21,4 18,5 17,1 15,7 10,6 8,2 5 2,7 3,9 4,2 3,5 2,5 3,6
semana
6 7,5 8,6 8,5 7,2 6,9 7,8
Duas vezes 19,1 19,2 18,6 19,2 22,3 22,0 7 1,2 2,0 2,2 1,4 1,2 1,7
por semana 8 4,5 5,2 4,8 4,3 3,0 4,4
109
108
Tabela 4.7 Gráfico 4.6 Percentual de jovens escolares (13 a 16 anos) que praticaram AFES. Divisão por frequência.
Percentual da população que praticou AFEs em meses, segundo 5 dias mais sábado e domingo, nos últimos 7 dias
faixa de rendimento mensal domiciliar per capita 12%
2 5,9 5,2 4,4 3,8 3,9 1,7 4,6 4 dias nos últimos 7 dias
31,6%
3 5,8 5,8 5,8 5,1 4,0 3,4 5,4
4 4,3 4,1 3,8 2,9 3,4 2,4 3,7 3 dias nos últimos 7 dias
41,7%
5 4,9 4,0 3,3 3,5 2,6 1,7 3,6
6 8,6 8,1 7,7 7,8 7,7 5,8 7,8 2 dias nos últimos 7 dias
54,1%
7 1,9 1,6 1,8 1,6 1,8 1,4 1,7
8 4,2 5,1 4,4 4,1 3,9 4,5 4,4 1 dia nos últimos 7 dias
65,7%
9 2,4 2,8 2,4 2,0 2,5 2,3 2,5
11 7,0 7,8 7,9 8,2 8,8 10,0 8,0 Fonte: IBGE, microdados da PeNSE, Amostra 1, 2015.
12 44,4 45,6 49,6 52,6 52,7 59,1 48,9
111
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
TIPOS DE AFES NO BRASIL
©Santiago José Asef/ Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge/ Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros
A Tabela 4.8 apresenta uma relação das AFEs É importante salientar que esses quatro
mais citadas. Originalmente o questionário per- primeiros conjuntos reúnem quase 80% da Tabela 4.8 Tabela 4.9
mitia nomear 186 modalidades, as quais foram totalidade de AFEs aludidas pelos entrevista- Percentual do tipo de AFEs Percentual do tipo de AFEs mais
reunidas em 30 grupos para melhor análise30. dos. Assim, as outras 10 modalidades de AFEs mais praticadas no Brasil praticadas no Brasil, segundo o sexo
No entanto, de todas essas possibilidades, ape- mencionadas (incluindo “outras práticas”) dis-
nas 14 foram citadas por pelo menos 1% dos tribuem-se nos cerca de 20% restantes. Chama AFEs % AFEs Homens (%) Mulheres (%)
entrevistados, de modo tal que esses grupos atenção a pouca diversificação de modalidades Caminhada 37,6 Caminhada 24,8 52,5
reúnem 97% de todas as AFEs mencionadas. esportivas.
Futebol 23,6 Futebol 41,4 2,7
A caminhada é o tipo de prática que se des- Para estabelecer relações entre o tipo de
taca quando comparada às demais – acumula AFEs e grupos estratificados com base em di- Fitness/Práticas de academias 12,7 Fitness/Práticas 8,0 18,2
de academias
mais de 37,6% de todas as citações. Na catego- ferentes marcadores sociais, é necessário ana- Musculação 4,8
ria ampla de “futebol”, que inclui o futebol de lisar de forma independente os grupos mas- Musculação 4,9 4,7
Outras modalidades esportivas 2,8
campo, de areia, society e futsal, o percentual culino e feminino, pois estes apresentam um Outras modalidades 2,7 3,0
é de 23,6%. Dessa forma, é citado duas vezes envolvimento diferente com as AFEs. Tomando Andar de bicicleta 2,7 esportivas
mais do que a prática que se segue, Fitness/ como referência as práticas mais mencionadas Outras atividades físicas 2,2 Andar de bicicleta 3,5 1,8
Academias (12,7%) que inclui 15 práticas diferen- (caminhada e futebol), é possível observar as
Corrida/Cooper atividade física 1,9 Outras atividades 1,4 3,1
tes, como hidroginástica, yoga, aeróbica, pilates, diferenças na Tabela 4.9. As mulheres têm um
físicas
entre outros exercícios físicos. Em quarto lugar, envolvimento muito reduzido com o futebol Luta/Artes marciais 1,7
Corrida/Cooper 2,8 0,8
aparece prática associada à anterior – a muscu- (em suas variadas formas), enquanto que, entre Ginástica esportiva 1,7
atividade física
lação –, citada por 4,8% dos praticantes. os homens, é uma das práticas mais comuns.
Ciclismo 1,7
Inversamente, as mulheres praticam caminhada Luta/Artes marciais 2,2 1,2
Fonte: Elaboração própria com base na PNAD 2015 (IBGE, 2017). Dança 0,4 2,2
113
112
decisiva no caso da caminhada, mas com um sendo que a partir da faixa dos 25 a 39 anos
20
comportamento inverso. Já a de praticantes a caminhada passa a ser a mais comum. É in-
das denominadas práticas de fitness e outras teressante notar que, considerando a primeira 10
AFEs, tendem a permanecer estáveis nas dife- faixa etária, a categoria “outras AFEs” se impõe
rentes faixas etárias (Gráfico 4.7). sobre as demais, e a prática do futebol aproxi- % 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos ou +
O Gráfico 4.8 apresenta a variação do tipo ma-se bastante do conjunto de práticas reuni- Futebol Caminhada Fitness + nadar, correr e pedalar Outras AFEs
de AFEs realizada pelo grupo masculino, estra- das sob a denominação de fitness (mais nadar,
tificado segundo o nível de rendimento men- correr e pedalar). Por outro lado, na faixa dos 18 Fonte: Elaboração própria com base na PNAD 2015 (IBGE, 2017).
sal domiciliar per capita. Nele pode-se obser- aos 24 anos, fitness é a prática preponderante,
var uma diferença marcante na proporção de perdendo espaço para a caminhada à medida Gráfico 4.8 Percentual de homens por tipo de AFEs praticada e
praticantes nas quatro grandes categorias de que aumenta a idade. nível de rendimento mensal domiciliar per capita, no Brasil
AFEs. O futebol é a prática proporcionalmente 70
mais importante nos grupos de menor rendi-
mento (até meio salário mínimo: 62,2%) e vai 60
diminuindo na medida em que a renda aumen-
50
ta, até alcancar a menor proporção na faixa de
maior rendimento (cinco salários mínimos ou 40
mais: 11%). Inversamente, os demais tipos de
30
20
10
115
114
10
117
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
POR QUAIS MOTIVOS AS
PESSOAS PRATICAM AFES?
Os motivos que levam as pessoas a realiza- mulheres na proporção. Para os primeiros, esse vo que, ao avançar a idade, vai perdendo força,
rem AFEs são diversos. Além disso, podem mu- No entanto, quando essas preferências são motivo alcança 25,5%, ao passo que, para as alcançando seu menor nível na última faixa etá-
dar com o tempo e a experiência. Uma pessoa segmentadas a partir do tipo dos marcadores mulheres, chega a 41,5%. ria considerada (60 anos ou mais).
pode iniciar a prática de AFEs por recomenda- sociais, observa-se uma variação das prioridades. No que diz respeito ao motivo “melhorar ou Entre os mais velhos (60 anos ou mais), “me-
ção médica, mas, a partir da experiência, passar No caso da segmentação por sexo, apresen- manter o desempenho físico”, é o único com lhorar a qualidade de vida ou o bem-estar” é o
a realizá-la pelo prazer que desperta o envolvi- tada na Tabela 4.10, nota-se uma inversão na níveis similares entre homens e mulheres. Em motivo mais mencionado para justificar a práti-
mento com a mesma. De maneira semelhante, ordem. Entre os homens, “relaxar ou se divertir” ambos os grupos essa resposta alcançou em ca de AFEs (38,9%), sendo uma resposta indica-
pode iniciar a prática por razões vinculadas à passa da segunda posição, quando considerada torno de 22% (homens: 21,9%; mulheres: 22,1%). da com mais frequência a partir da faixa inter-
competição esportiva e depois prosseguir pela a população em geral (22,2%), para o primeiro Em ambos os grupos, o “gostar de competir” mediaria de idade (25 a 39 anos, 34%). Também
convivência e pelas amizades construídas no lugar (31,1%). Inversamente, o motivo “indicação situa-se entre os últimos motivos para justifi- se destaca, após os 60 anos, a opção “indicação
contexto de sua prática. médica”, cai uma posição entre os homens, pas- car o envolvimento com AFEs. Apesar disso, a médica” (34,8%), bastante baixa nas outras faixas
O Suplemento da PNAD 2015 questionou sa do quarto (13%), para o quinto lugar (7,4%). proporção entre os homens (9,2%) é quase qua- etárias, exceto na imediatamente anterior (40 a
sobre os motivos da prática31 e na Tabela 4.10 A ordem de classificação dos motivos entre tro vezes maior que entre as mulheres (2,3%). 59 anos).
se apresentam os resultados para as respostas as mulheres varia no sentido contrário ao dos Um comportamento similar se verificou com O gosto por competir não é prioridade em
vinculadas com o “esporte ou atividade física”. homens. No grupo de mulheres, “relaxar ou se a alternativa “para socializar encontrando com nenhuma das faixas etárias, contudo é mais co-
Ordenados do mais para o menos frequente, divertir” passa da segunda posição, quando se amigos ou fazendo novas amizades”. Ainda que mum entre os mais jovens (15 a 17 anos: 16,5%).
observa-se que os motivos vinculados a uma considera a população em geral, para o quar- com um percentual baixo, a alternativa foi mui- O “socializar” tem um comportamento similar,
ideia ampliada de benefícios de AFEs (“Para to lugar (11,9%). Enquanto o motivo “indicação to mais escolhida por homens (4,4%) que por é mencionado, em poucas oportunidades, mas
melhorar a qualidade de vida ou o bem-estar”: médica” passa do quarto (13%) para o terceiro mulheres (1,6%).
32,7%; “Para relaxar ou se divertir”: 22,2%) desta- lugar (19,6%). A idade também modula os motivos pelos
cam-se sobre outros três de caráter mais espe- Por sua vez, “melhorar a qualidade de vida ou quais as pessoas praticam AFEs (Tabela 4.11).
cífico (“Para melhorar ou manter o desempenho o bem-estar” continua sendo um dos principais Entre os mais jovens (15 a 17 anos) “relaxar ou
físico”: 22%; “Por indicação médica”: 13% e “Por motivos para todos os entrevistados; contu- se divertir” é mais mencionado (40,8%). Moti-
gostar de competir”: 6,1). do, há uma marcada diferença entre homens e
119
118
15 a 17 18 a 24 25 a 39 40 a 59 60 anos
anos anos anos anos ou mais Total
Para melhorar a qualidade de vida ou o bem-estar 14,2 23,9 34,0 39,7 38,9 32,7
no setor com menor renda, o motivo Para melhorar ou manter o desempenho físico 17,2 26,7 26,9 19,5 13,1 22,0
mencionado com mais frequência é Por indicação médica 2,3 3,0 6,6 19,6 34,8 13,0
“relaxar ou se divertir” (31,3%). Essa Por gostar de competir 16,5 9,9 5,7 3,0 1,5 6,1
proporção diminui na medida em que Para socializar encontrando com amigos 7,3 4,4 2,9 2,0 1,3 3,1
com rendimentos acima de cinco Fonte: Elaboração própria com base na PNAD 2015 (IBGE, 2017).
está mais presente entre os mais novos. Outros (24,1%) entre aqueles com menor rendimento. sem
motivos, além dos citados, são pouco mobiliza- “Por gostar de competir”, como motivo para rendimento a ½ a menos 1 a menos 2 a menos 3 a menos 5 salários
menos de ½ de 1 salário de 2 salários de 3 salários de 5 salários mínimos
dos para explicar o envolvimento com as AFEs, a prática de AFEs, tem uma baixa representação salário mínimo mínimo mínimos mínimos mínimos ou mais Total
indiferente da idade. (6,1%) no conjunto das outras opções. Contudo,
Por indicação médica 11,1 13,7 13,4 13,8 14,6 12,0 13,0
A condição socioeconômica também influen- há uma marcada diferença quando se compara
cia os motivos declarados para justificar a prá- a frequência que a menção alcança nos diferen- Para melhorar ou manter 18,3 21,4 22,9 23,9 26,9 23,7 22,0
tica de AFEs (Tabela 4.12). No setor com menor tes estratos de renda. Entre os que têm meno- o desempenho físico
renda, o motivo mencionado com mais frequ- res rendimentos, o motivo da competição che-
Para melhorar a 24,1 27,6 34,7 39,7 41,6 49,4 32,7
ência é “relaxar ou se divertir” (31,3%). Essa pro- ga a 9,2%, diminuindo ao longo dos outros cinco qualidade de vida
porção diminui na medida em que aumenta o estratos, até alcançar seu menor valor (2,5%) no ou o bem-estar
rendimento, alcançando a menor representação setor com maiores rendimentos.
no grupo com rendimentos acima de cinco sa- O motivo “socializar encontrando com ami- Por gostar de competir 9,2 6,5 5,9 4,4 2,7 2,5 6,1
lários mínimos per capita (10,6%). Inversamente, gos ou fazendo novas amizades” apresenta um
no grupo com maior renda predomina a indica- padrão similar. Ainda que pouco declarado, ten- Para relaxar ou 31,3 26,0 19,8 15,9 12,8 10,6 22,2
se divertir
ção do motivo “melhorar a qualidade de vida ou de a ser mais frequente entre os estratos de
o bem-estar” (49,4%), e sua menção diminui pro- menor renda (4,7%) que entre os de maior (0,6%). Para socializar 4,7 3,8 2,7 2,0 1,0 0,6 3,1
gressivamente até chegar à menor frequência encontrando com
amigos ou fazendo
novas amizades
121
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
MOTIVOS PELOS QUAIS NÃO
SE PRATICA ESPORTE
A PNAD 2015 incorporou uma pergunta es- Assim sendo, a Tabela 4.13 apresenta os re- com a prática esportiva concentra-se entre Entre as pessoas com mais de 60 anos, a al-
pecífica32 orientada a conhecer o motivo pelo sultados sobre os motivos para não praticar adultos jovens (25 a 39 anos: 52%), sendo que ternativa de maior frequência é a dos “proble-
qual o entrevistado, no período de referência, esporte. Destaca-se assim a “falta do tempo” alcançam proporções elevadas (42,9%) também mas de saúde ou de idade” (53,9%). Esse motivo
não praticou esporte no seu tempo livre. No (38,3%) como o maior impedimento para a prá- nas faixas etárias adjacentes (18 a 24 anos; 40 a para não praticar esporte é pouco mencionado
entanto, é importante salientar que a pergun- tica de AFEs. Além disso, outro motivo para não 59 anos). Por outro lado, essa alternativa perde nas três primeiras faixas de idade, que vão dos
ta não abrange as “atividades físicas”33, apenas se envolver em práticas esportivas é “por não espaço entre os mais jovens (15 a 17 anos) e os 15 aos 39 anos, mas cresce quase três vezes na
“esporte”. gostar ou não querer” (34,7%). Em proporção um mais velhos (60 anos ou mais), alcançando 19,5% faixa de 40 a 59 anos (18,3%), até que, na última,
Dada essa característica do questionário e pouco menor, aparece como motivo para a não e 14,6%, respectivamente. converte-se no principal motivo.
buscando preservar conhecer o motivo daque- prática de esportes os “problemas de saúde ou Por outro lado, “não gostar ou não querer”
les que simultaneamente não praticam esporte de idade” (20,2%). praticar esporte é o motivo mais citado entre
nem atividade física, os dados apresentados a Esses resultados não apresentaram dife- os mais jovens (15 a 17 anos: 59,3%) que decla-
seguir excluem as respostas daqueles que res- renças significativas quando segmentados por raram não ter envolvimento com esportes. Essa
ponderam não praticar esporte e explicaram sexo, mas sim quando se faz por idade. Nesse justificativa perde força à medida que avança a
seus motivos, mas na sequência afirmaram pra- último caso, observa-se que a falta de tempo idade, alcançando o menor percentual entre as
ticar alguma atividade física. como motivo justificador do não envolvimento pessoas mais velhas (27,2%).
Tabela 4.13
Percentual da população segundo o motivo para não praticar esporte segundo a idade, no Brasil
19,5
anos
42,9
anos
52,2
anos
42,9
ou mais
14,6
Total
38,3
para a prática de AFEs. Além disso,
outro motivo para não se envolver em
Por não gostar ou não querer 59,3 43,7 33,7 33,4 27,2 34,7
práticas esportivas é “por não gostar ou Por problemas de saúde ou de idade 4,9 3,8 6,6 18,3 53,9 20,2
pouco menor, aparece como motivo para Por problemas financeiros 4,0 2,6 2,1 1,5 0,7 1,7
a não prática das AFEs os “problemas Por não ter companhia para praticar esporte 3,4 2,3 1,7 1,0 1,1 1,5
de saúde ou de idade” (20,2%)
Outro 1,0 1,7 1,3 1,1 1,3 1,3
123
122
No caso dos motivos para o não envolvimen- os setores de menor renda os que pontuam
to com a prática esportiva período de referên- mais (39,4%) enquanto os de maiores rendimen-
cia, a segmentação com base no rendimento tos apresentam os menores percentuais (de
mensal domiciliar per capita não mostrou va- três a menos de cinco salários mínimos: 29,1%;
riações importantes, comportamento diferente cinco salários mínimos ou mais: 30,8%).
quando se considerou a idade. Ainda assim, ob- Não praticar esporte por “problemas finan-
serva-se (Tabela 4.14) que a explicação do não ceiros” é um dos motivos menos relatados por
envolvimento por “falta de tempo” se avoluma aqueles que não praticaram esportes no perío-
nos setores com maior rendimento (cinco salá- do de referência (1,7%). No entanto, esse motivo
rios mínimos ou mais – 45,8%), particularmente aparece com frequências variadas nos estratos
quando comparada com a de menor rendimen- por rendimentos, estando mais presente entre
to (até meio salário mínimo – 35,1%). aqueles de menor renda (até meio salário mí-
Uma tendência inversa é percebida no moti- nimo: 2,6%) e diminui acentuadamente nos de A PNAD 2015 solicitou que os entrevistados to público para o desenvolvimento de AFEs na
vo “não gostar ou não querer”. Nesse caso, são maior renda (0,5%). se manifestassem sobre a possibilidade de o vizinhança. De forma bastante modesta, foram
poder público investir no desenvolvimento de os estratos com maior renda os que propor-
AFEs na vizinhança. As respostas apontaram cionalmente se mostraram mais favoráveis ao
que 73,3% das pessoas entrevistas são favorá- investimento34.
veis ao investimento estatal para o desenvol- Para aqueles que tiveram uma opinião po-
Tabela 4.14 vimento dessas atividades, 14,7% são contrárias sitiva sobre o investimento público, apresen-
Percentual da população segundo o motivo para não praticar esporte e o nível de rendimento, no Brasil e 12% não têm opinião formada sobre o tema. tou-se uma questão sobre qual deveria ser
A opinião sobre investimento não é influen- a prioridade35: 1) as atividades esportivas para
Sem ciada pelo sexo do entrevistado, mas sim pela formação de atletas; 2) as atividades físicas ou
rendimento 1 a menos 2 a menos 3 a menos sua idade e faixa de renda. No caso da idade, esportivas para pessoas em geral; ou 3) outra.
a menos de ½ a menos de 2 de 3 de 5 5 salários
½ salário de 1 salário salários salários salários mínimos são as pessoas mais velhas as que entendem A resposta foi contundente: 91,1% das pessoas
mínimo mínimo mínimos mínimos mínimos ou mais Total em maior proporção que o investimento não é entrevistadas entendem que a prioridade do in-
Falta de tempo 35,1 35,5 41,8 43,7 47,8 45,8 38,3
necessário, sendo os jovens os mais favoráveis vestimento deve ser nas AFEs para as pessoas
(15 a 17 anos: 78%, 18 a 24 anos: 78%; 25 a 39 comuns, ficando apenas em 8% os que opinam
Por não gostar ou não querer 39,4 34,8 31,6 31,1 29,1 30,8 34,7 anos: 76%; 40 a 59 anos: 73%; 60 anos ou mais: que o investimento deveria ser na formação de
65%). Ainda assim, em todas as faixas etárias, há atletas.36 Essa opinião é praticamente a mesma
Por problemas de saúde ou de idade 16,6 23,3 20,8 19,8 17,9 18,9 20,2 ampla maioria de pessoas a favor de que o Es- para homens e mulheres, pessoas com diferen-
tado invista no setor das AFEs. tes idades e localizadas em estratos de renda
Por falta de instalação esportiva 3,6 2,2 1,5 1,4 1,4 0,5 2,3 Quando a análise se faz por segmentos de distintos. Lembra-se que o Capítulo 8 deste re-
acessível ou nas proximidades rendimentos, observa-se que todos os setores latório faz uma exaustiva análise do investimen-
Por problemas financeiros 2,6 1,6 1,4 0,9 1,1 0,5 1,7 são majoritariamente favoráveis ao investimen- to público no setor do esporte.
Por não ter companhia 1,4 1,3 1,7 1,7 1,2 1,9 1,5
para praticar esporte
125
124
As análises desenvolvidas neste capítulo per- de rendimento mais baixo, ainda considerando
mitem afirmar que existem relações claras en- a mesma faixa etária (25 a 39 anos de idade)
tre a possibilidade de uma pessoa praticar AFEs para ambos os grupos (69,4% e 15,4% respecti-
e o grupo social ao qual pertence, segmentado vamente). Nesse sentido, é possível afirmar que
por marcadores como sexo, raça, idade, defici- a posição socioeconômica influencia o acesso e
ência, nível de instrução, rendimento mensal disponibilidade de meios importantes associa-
domiciliar per capita e suas combinações. Esses dos à prática de AFEs, como tempo, recursos fi-
marcadores, de distintas formas e em propor- nanceiros e capital cultural; essa associação ofe-
ções diferentes, modulam tanto a possibilidade rece indicativos claros sobre como as condições
de praticar AFEs como a frequência de realiza- materiais e simbólicas relacionadas à na posição
ção da prática, a modalidade praticada e os mo- socioeconômica afetam a prática de AFEs.
tivos que a impulsionam. Os dados analisados Estudos indicam que vir de uma família em
auxiliam a reforçar a compreensão que realizar melhores condições socioeconômicas favorece
ou não AFEs não se restringe meramente a alcançar um nível educacional mais elevado, o
©Iaflor/istock.com
uma decisão individual, mas é também produ- que aumenta a possibilidade de ter um empre-
to de como a sociedade pauta a vida coletiva. go mais qualificado e melhor renda. Isso, por sua
Isso significa que aconselhar os indivíduos a vez, permite morar em locais que têm melhor
praticarem mais AFEs, sem criar oportunidades transporte, bem como instalações recreativas,
efetivas para as pessoas se engajarem com as praças, parques, todos os quais promovem a re-
práticas, nem enfrentar os condicionantes so- alização de atividade física38. Além disso, a renda confirmam que, desde cedo40, existe despro- mais baixos de todos os conjuntos de pesso-
ciais que limitam o envolvimento, dificilmente pode determinar se um indivíduo vive ou não porção nítida de praticantes entre mulheres e as analisados. Dificuldades de acesso a espaços
mudará o cenário37. em uma casa ou em um bairro mais seguro. Os homens, sendo o grupo masculino o que tem adequados, bem como a falta de clareza da po-
Nessa perspectiva, os dados apresentados bairros periféricos geralmente não têm lugares o maior envolvimento com a prática de AFEs pulação em geral sobre as possibilidades e ne-
permitem identificar acentuadas discrepân- seguros para a prática de AFEs, bem como ten- em quase todas as segmentações aqui analisa- cessidades dessas pessoas no que diz respeito
cias na proporção de indivíduos de diferentes dem a carecer de infraestrutura como calçadas, das. Isso significa que, ainda que essa diferença às AFEs, dificultam fortemente o vínculo desse
setores socioeconômicos em relação à prática ciclovias e ruas bem iluminadas que incentivem seja influenciada pela condição socioeconômi- coletivo com esse universo42.
de AFEs. As pessoas pertencentes aos estra- a prática de atividades físicas e esportivas. Ter ca, pelo nível educacional e pela idade (quanto Nesse sentido, entende-se que a análise
tos mais elevados têm um envolvimento pro- mais educação e um trabalho melhor remune- mais elevados, menor a discrepância), a desi- apresentada neste capítulo pode ser uma fer-
porcionalmente maior, mesmo em idades mais rado também está vinculado com os tipos de gualdade de gênero é persistente nos mais va- ramenta importante para permitir identificar os
avançadas, do que pessoas em estratos infe- apoio social que valorizam a participação na riados estratos. A conhecida atribuição desigual grupos que, por condicionamentos sociais atre-
riores. Isso significa que a possibilidade de uma atividade física, além de possibilitar recursos das tarefas domésticas, consolidada entre as lados aos diferentes marcadores aqui descritos,
pessoa praticar AFEs diminui conforme esta econômicos para afrontar os custos implica- mulheres adultas na forma da dupla jornada de necessitam de especial atenção dos agentes
ocupa posições mais baixas na estratificação dos em criar condições para envolver-se com trabalho, bem como uma tradição perversa que promotores da prática de AFEs para a popu-
social, sendo que essa redução se acentua com AFEs como, por exemplo, pagar a mensalidade e coloca em segundo plano o direito desse gru- lação em geral. Contudo, focar naqueles gru-
o aumento da idade e a condição de ser mulher. o deslocamento para o clube e/ou academia, a po social de usufruir das mesmas oportunida- pos que estão abaixo da linha que representa a
Assim, por exemplo, a proporção de praticantes alimentação fora de casa, contratar serviço do- des de praticar AFEs que a contraparte, ajuda a taxa média de praticantes de AFEs no país não
de AFEs do grupo de homens, brancos, com en- méstico para dispor de mais tempo livre, entre compreender a origem social dessa diferença41. significa desconhecer que todos os grupos ne-
sino superior completo e localizados no estrato outros.39. É também fundamental salientar o quanto cessitam ser levados em conta no esforço de
de rendimento mais alto é 4,5 vezes superior a Há também uma marcada diferença na pos- está deprimida a participação das pessoas com conseguir que essas práticas façam parte do co-
do grupo de mulheres, negras, com ensino fun- sibilidade de as pessoas praticarem ou não AFEs deficiência nas AFEs. Os dados mostram que tidiano das pessoas, e sim que essa priorização
damental incompleto e localizadas no estrato a partir da sua condição de gênero. Os dados o índice de prática desse grupo está entre os pode facilitar que contingentes importantes da
126
127
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 4
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades Físicas e Esportivas no Brasil
sociedade, historicamente excluídos desse (e de demandam investimento financeiro para usar ainda mais o engajamento da futura população independentemente de as
outros) direito(s), possam, se assim o desejarem, instalações e serviços, como atividades nas aca- adulta com esse universo, como consequência
incorporar às suas vidas a prática de atividades demias e nos clubes. A pequena participação do fato de não ter tido a oportunidade de de- pessoas praticarem ou não AFEs,
físicas e esportivas. dos setores com menor capacidade econômica senvolver suas capacidades nesse campo na ju-
ventude o que se refletirá assim na menor pro-
bem como de pertencerem
Em relação ao tipo de AFEs realizadas, per- poderia ser explicada por essa demanda mone-
cebeu-se que o gênero tem um impacto maior tária, porém caminhada e corrida – que podem babilidade de as pessoas escolherem a prática a um ou outro grupo social,
sobre a modalidade praticada que aqueles re-
presentados por outros marcadores sociais.
ser praticadas ao ar livre, sem custos – também
possuem uma menor adesão das camadas de
de AFEs como parte de sua vida cotidiana.
Finalmente, é importante salientar que, inde-
majoritariamente entendem
Em comparação com os homens, as mulheres menor renda. A maior preocupação com a saú- pendentemente de as pessoas praticarem ou que é necessário que o Estado
envolvem-se menos com esportes, destinando de mostrou uma inclinação bastante acentuada não AFEs, bem como de pertencerem a um ou
a maior parte de seus esforços a práticas mais no que se refere aos setores com rendimentos outro grupo social, majoritariamente entendem invista no campo das AFEs
próximas dos exercícios físicos. Os homens, ao mais elevados, quando comparados aos demais. que é necessário que o Estado invista no cam-
contrário, preferem modalidades esportivas, Entre as mulheres, notou-se que há maior di- po das AFEs. Mais especificamente, investir na
notadamente o futebol, embora também se de- versidade de AFEs entre as posições mais abas- vizinhança onde vivem. Entretanto, não é qual-
diquem aos exercícios como forma de melhorar tadas, particularmente quando mais jovens. quer investimento, trata-se de aplicar recursos
ou manter o condicionamento físico. Aquelas dos setores com menos recursos eco- nas atividades físicas e esportivas para pessoas
Aspecto importante com relação à prática nômicos concentram-se em caminhadas e têm em geral, e não para a formação de atletas43. Em
do futebol é sua forte associação com a idade, presença reduzida entre as AFEs que envolvem outras palavras, é possível afirmar que a popula-
da mesma forma que a caminhada, mas com custos, como uma mensalidade. ção compartilha a ideia que é importante que o
tendências inversas. No primeiro, a prática é Além das preferências, homens e mulheres poder público tenha uma participação ativa na
muito mais comum entre os mais jovens; e na expressam diferenças importantes quanto aos ampliação das possibilidades para que todas as
segunda, entre as pessoas de mais idade. motivos declarados para explicar o envolvimen- pessoas tenham maior acesso às condições ne-
Por haver diferenças tão marcadas pelo gê- to com AFEs. Na distribuição das justificativas, cessárias para poder eleger se incorporam ou
nero, é insuficiente falar de preferências dos se- as mulheres apontam a qualidade de vida ou o não as AFEs à forma de vida que desejam levar.
tores socioeconômicos sem distinguir homens bem-estar, a melhora ou manutenção do de-
e mulheres. A análise em separado permite afir- sempenho físico e os cuidados médicos como
mar que o condicionamento pela localização principais motivos. Para os homens, diversão é
socioeconômica perde força quando se trata a motivação predominante, seguida da ideia de
do tipo de prática realizada, ainda que seja pos- qualidade de vida ou o bem-estar e da manu-
sível notar tendências associadas a essa condi- tenção do desempenho físico.
ção. Por exemplo, evidenciou-se que os homens Outro dado que chamou a atenção é que,
pertencentes aos estratos socioeconômicos entre os mais jovens, o motivo que mais foi
mais favorecidos têm menos envolvimento levantado para justificar o não envolvimento
com a prática de futebol, dedicando-se mais a com a prática de esporte foi não gostar ou não
outras AFEs, com destaque aos exercícios físi- querer praticar AFEs. Ainda que essa tendência
cos, mais vinculados à saúde e/ou à melhora ou necessite ser examinada de modo mais apro-
manutenção do desempenho físico. fundado em outras pesquisas, o que ela apon-
Quanto à diversidade de práticas, evidenciou- ta deveria acender uma luz de alerta entre os
-se que pessoas de setores socioeconômicos agentes responsáveis pela promoção das AFEs
mais elevados têm maior envolvimento com no país. A ausência de valoração intrínseca da
exercícios físicos, especialmente aqueles que prática de AFEs (o “não gostar”) pode dificultar
129
128
1 Relatório de Desenvolvimento 13 DIRECTORATE-GENERAL FOR 27 Para calcular o EBS, cada item recebeu um peso 33 P20. No período de 27 de setembro de 2014 a 26 de
Humano 2016 (UNDP, 2016). EDUCATION AND CULTURE, 2014. que equivaleu ao inverso da frequência de posse setembro de 2015, ___ praticou alguma atividade física,
2 PNUD, 2017. 14 SPORT ENGLAND, 2005. ou presença no total da amostra estudada. O que não considera esporte, no seu tempo livre (fora do
3 Trata-se de um suplemento da Pesquisa 15 IBGE, 2017. escore de cada adolescente foi obtido somando-se horário do trabalho ou da Educação Física na escola)?
Nacional por Amostra de Domicílios 2015, com 16 SPORT ENGLAND, 2005. os pesos dos respectivos itens. A distribuição do 34 Até ½ salário mínimo –71%; ½ a menos de 1
36 perguntas específicas sobre as práticas 17 No capítulo, adotamos o termo “cor ou escore foi dividida em quintos, respeitando-se as salário mínimo – 71,8%; 1 a menos de 2 salários
de esporte e atividade física (IBGE, 2017). raça” utilizado pelo IBGE (2017). formações estruturais da amostra, sendo o EBS 5 mínimos – 74,4%; 2 a menos de 3 salários mínimos
4 A PNS analisou temas de saúde em 1998, 2003, 18 Tomando como referência o resultado da PNAD pertencente ao grupo socioeconômico de renda – 76,8%; 3 a menos de 5 salários mínimos –
2008 e 2013. O levantamento de 2013 foi uma 2015 (IBGE, 2017), a média de participação em AFEs mais elevada, e EBS 1 ao grupo de renda inferior. 77,8%; 5 salários mínimos ou mais – 78,7%.
pesquisa de base domiciliar, de âmbito nacional, é de 37,9%, correspondendo ao valor 100 e as taxas 28 PNS 2013 (IBGE, 2014). 35 Pergunta: Esse investimento, na vizinhança
com uma amostra aproximada de 60 mil pessoas de participação dos grupos considerados foram 29 Perguntas e respostas específicas: – P3. Com em que ___ reside, deveria ser primeiramente:
adultas (acima de 18 anos) sobre a situação convertidas em valores proporcionais à média. Por que frequência ___ costumava praticar esporte, Nas atividades esportivas para formação de
de saúde e os estilos de vida da população exemplo, a participação de 50% de um determinado no período de 27 de setembro de 2014 a 26 de atletas; Nas atividades físicas ou esportivas
brasileira, resultado de uma parceria entre o grupo populacional é convertida num índice igual setembro de 2015? Alternativas de resposta: 1) para pessoas em geral; Outra (especifique).
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a 132 (produto do cálculo: 50/37,9 * 100) e 20% de Menos de uma vez por mês; 2) Pelo menos uma 36 O restante 0,8% escolheu outra alternativa.
(IBGE) e o Ministério da Saúde (IBGE, 2014). participação de outro grupo em 53 (20/37,9 * 100). vez por mês, mas não toda semana; 3) Uma vez por 37 McNEILL, 2006.
5 A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 19 Período de 27 de setembro de 2014 semana; 4) Duas vezes por semana; 5) Três vezes 38 HASSON et al. (2017). Sobre o tema,
é resultado de um convênio celebrado com o a 26 de setembro de 2015. por semana; 6) Quatro a sete vezes por semana. – recomendamos ler os background papers
Ministério da Saúde e apoio do Ministério da 20 Foram incluídas pessoas que responderam P4. Nesse período, em quantos meses ___ praticou “AFEs e as cidades”, de Simone Rechia; e “AFEs e
Educação, avalia as características de saúde da à pergunta “Em geral, em que grau a esporte com essa frequência? Resposta em infraestrutura”, de Emanuel Péricles Salvador.
população adolescente brasileira e contribui deficiência limita as atividades habituais?” meses (de 00 a 12). – P22. Com que frequência ___ 39 O aumento substancial na proporção de praticantes
com informações para o Sistema de Vigilância nos seguintes níveis: Moderadamente, costumava praticar atividade física, no período de de AFEs entre as mulheres localizadas nos setores
de Fatores de Risco de Doenças Crônicas Não intensamente ou muito intensamente. 27 de setembro de 2014 a 26 de setembro de 2015? socioeconômicos mais altos está também vinculado à
Transmissíveis, do Ministério da Saúde (IBGE, 2015). 21 Diferença relativa, o índice das mulheres (88) Alternativas de resposta: 1) Menos de uma vez por possibilidade de contratarem empregados e/ou serviços
6 BOTTENBURG; RIJNEN e STERKENBURG, 2005. deveria crescer 28,4% para alcançar o índice que mês; 2) Pelo menos uma vez por mês, mas não toda para realizar o trabalho doméstico (GONZÁLEZ, 2013).
7 Compass – Coordinated Monitoring of Participation hoje tem o grupo constituído pelos homens (113). semana; 3) Uma vez por semana; 4) Duas vezes 40 Nos dados analisados neste capítulo, a partir dos
in Sports –, projeto que tem como objetivo 22 Entre outros: SEIPPEL (2015); DEMAREST et al. por semana; 5) Três vezes por semana; 6) Quatro 13 anos de idade. No Capítulo 5 deste relatório,
principal procurar acordos entre os países do (2014); CERIN e LESLIE (2008); WARDE (2006); a sete vezes por semana.– P23. Nesse período, em encontra-se uma discussão específica sobre essa
bloco europeu para monitorar a participação FERRANDO (2006); STEMPEL (2005); SCHEERDER quantos meses ___ praticou atividade física, com problemática no universo de crianças e adolescentes.
esportiva da população nos diferentes Estados. et al. (2005); WILSON (2002); MARIOVET (2001). essa frequência? Resposta em meses (de 00 a 12). 41 Sobre o tema, recomendamos ler os background
8 BRASIL, 2015. 23 COLLINS, 2014; GONZÁLEZ, 2013 30 As perguntas foram: P7. Qual foi o (principal) papers “AFEs e mulheres no Brasil”, de Helena Altmann;
9 Perguntas específicas no questionário: 1) No 24 Para as pessoas adultas (maiores de 18 anos): 150 esporte que ___ praticou, no período de 27 e “AFEs e mulheres negras”, de Djamila Ribeiro.
período de 27 de setembro de 2014 a 26 de minutos de atividades moderadas ou 75 minutos de setembro de 2014 a 26 de setembro de 42 Sobre o tema, recomendamos ler o background paper
setembro de 2015, ___ praticou algum esporte de atividades vigorosas por semana (OMS, 2014). 2015? P25. Qual foi a (principal) atividade “AFEs e pessoas com deficiência”, de Marcia Greguol.
no seu tempo livre (fora do horário do trabalho 25 Percentual calculado a partir da física que ___ praticou nesse período? 43 Sobre como tem sido a lógica do investimento
e da Educação Física na escola)? 14) No período PNS 2013 (IBGE, 2014). 31 Pergunta: P2. Por que motivo (principal) ___ público no setor das AFEs, sugerimos ler o Capítulo
de 27 de setembro de 2014 a 26 de setembro 26 Pergunta do questionário: NOS ÚLTIMOS 7 praticou esporte no período de 27 de setembro 8 deste relatório, “A estrutura governamental,
de 2015, além de todas as atividades de esporte DIAS, sem contar as aulas de Educação Física da de 2014 a 26 de setembro de 2015? P21. Por que as leis e o financiamento: o que já está sendo
a que ___ se dedicou, praticou alguma outra escola, em quantos dias você praticou alguma motivo (principal) ___ praticou atividade física cuidado e o que precisa de atenção”.
que considerava somente como atividade atividade física, como esportes, dança, ginástica, no período de 27 de setembro de 2014 a 26 de
física no seu tempo livre (fora do horário do musculação, lutas ou outra atividade? Alternativas setembro de 2015? Alternativas de resposta, para
trabalho e da Educação Física na escola)? de resposta: Nenhum dia nos últimos 7 dias (0 ambas as questões: Por indicação médica; Para
10 Pergunta do questionário: P34. Nos últimos três dia); 1 dia nos últimos 7 dias; 2 dias nos últimos 7 melhorar ou manter o desempenho físico; Para
meses, o(a) sr(a) praticou algum tipo de exercício dias; 3 dias nos últimos 7 dias; 4 dias nos últimos melhorar a qualidade da vida ou o bem-estar; Por
físico ou esporte? (Não considere fisioterapia). 7 dias; 5 dias nos últimos 7 dias; 5 dias mais gostar de competir; Para relaxar ou se divertir;
11 Pergunta do questionário: Q42. Nos últimos sábado, nos últimos 7 dias; 5 dias mais sábado e Para socializar encontrando com amigos ou
três meses, o(a) sr.(a) praticou algum domingo, nos últimos 7 dias; Não informado. fazendo novas amizades; Outro (especifique).
tipo de exercício físico ou esporte? 32 P15. Por que motivo ___ não praticou esporte
12 Pergunta do questionário: “NOS ÚLTIMOS 7 no seu tempo livre, no período de 27 de
DIAS, sem contar as aulas de Educação Física setembro de 2014 a 26 de setembro de 2015?
da escola, em quantos dias você praticou
alguma atividade física, como esportes, dança,
ginástica, musculação, lutas ou outra atividade?
Capítulo 5 INTRODUÇÃO
CENÁRIOS DE
DESENVOLVIMENTO
HUMANO Existe um conjunto de cenários brasileiros
E ESPORTIVAS
multaneamente, incidem no enriquecimento e
na ampliação das potencialidades de vida das
pessoas.
Este capítulo visa oferecer elementos para
que se possa saber “o que dizem” as pesquisas
sobre as AFEs e o desenvolvimento humano
publicadas no território brasileiro. Explora assim
as condições de realização e desenvolvimento
dessas práticas pelas pessoas: crianças, adoles-
centes, jovens, adultos e idosos.
A base para sua elaboração constituiu-se
num conjunto de análises e interpretações na
forma do que se denomina retratos de desen-
volvimento humano em cenários de atividades
físicas e esportivas. Ao referir-se a cenário, trata
de situações e contextos onde acontecem AFEs
praticadas por diferentes pessoas e grupos, os
quais lhes atribuem diversos significados, inse-
rindo-as em suas vidas de várias formas e com
uma diversidade de características. Ao referir-se
a retratos, aponta para o foco em determinadas
particularidades identificadas nesses cenários,
com as quais é possível estabelecer relações
com o desenvolvimento humano1.
133
Capítulo 5
Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
O ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS,
ADOLESCENTES E JOVENS
Ao analisar as AFEs praticadas por crianças, contextos psicossociais que lhes dão sentido. É desenvolvimento, em termos de padrão natural Caixa 5.1
adolescentes e jovens2, percebe-se que essas nessa amálgama que se propicia (ou não) o en- de crescimento das crianças. Essas ideias conti- Os jovens entendem a relação entre
acontecem em cenários que podem ou não riquecimento da vida das crianças, adolescentes nuaram ao longo do século XX, até que na déca- saúde e AFEs de modo questionável
propiciar oportunidades para meninos e me- e jovens que delas participam. Mas que enrique- da de 1970 a saúde consolidou-se como um ve-
ninas enriquecerem suas vidas. Tanto os ato- cimentos? Os mais diversos, como melhora da tor importante para justificar a prática das AFEs Uma pesquisa realizada na Inglaterra com
res principais na conformação desses cenários, aptidão física e das capacidades psicomotoras, a nas primeiras etapas da vida, agora vinculada alunos adolescentes e jovens entre 11 e 15 anos
professores e técnicos, como os demais agen- oportunidade de promover e criar novas amiza- à preocupação com a aptidão física (incluindo constatou as suas concepções sobre saúde, fit-
tes envolvidos na sua configuração (pais, diri- des, a melhoria no desempenho escolar, o estí- exercícios aeróbicos, treinamento em circuito e ness e atividade física. O que os pesquisadores
gentes, gestores) têm responsabilidade sobre o mulo ao convívio social, a construção da autoes- provas de aptidão). constataram foram conceitos confusos, limita-
que lá acontece. tima positiva, entre outros. Os argumentos começaram a mudar nova- dos e algumas associações equivocadas. Entre
O nível de obrigatoriedade/voluntariedade Contudo, é fundamental lembrar que os mente, na década de 1980, deslocando as preo- os exemplos das visões dos adolescentes e jo-
da participação estabelece três grandes cená- benefícios vinculados com as AFEs não se de- cupações com a aptidão para os impactos dos vens encontradas na pesquisa estão:
rios: a) aulas de educação física escolar; b) pro- senvolvem automaticamente. Apenas cenários comportamentos sedentários sobre a saúde.
jetos de AFEs; e c) AFEs em grupos informais. com configurações adequadas podem efetiva- Concomitantemente, a saúde também passou a • Associação entre ser ativo fisicamente e ser
O primeiro cenário é formado a partir da dis- mente oportunizar desenvolvimento humano. ser considerada em uma perspectiva mais am- saudável, ou seja, toda pessoa ativa é saudável.
ciplina Educação Física, caracterizando-se pelo Junto a cada uma dessas dimensões que, po- pla, vinculada aos aspectos psicológicos, como • Pouca associação dos aspectos sociais e psi-
desenvolvimento de aulas no ambiente escolar, tencialmente, podem promover o desenvolvi- a motivação e as percepções pessoais4. cológicos (como dormir bem, estar com os
ministradas por professor especialista. Na esco- mento humano, é possível encontrar valores Em meados da década de 1990, a atividade amigos, relaxar etc.) com saúde.
la, as AFEs manifestam-se por meio de práticas negativos, que são colocados em circulação física regular ao longo da vida tornou-se uma • Associação entre aparência física, estética
corporais como jogos e brincadeiras, esportes, pelos próprios atores que configuram os con- preocupação de saúde pública e permanece corporal e peso com saúde.
ginásticas, danças e lutas. O segundo cenário é textos de prática das AFEs. no centro das atenções políticas desde então. • Associação entre ser saudável e fitness com
constituído por projetos de atividades físicas e Nesse movimento, cresceram os estudos que, ser bom em esportes.
esportivas e caracteriza-se por ensinar AFEs a além de considerar os efeitos da prática sobre Alguns poucos alunos que participaram da
crianças, adolescentes ou jovens que participam RETRATOS DE PROMOÇÃO aspectos orgânicos, preocuparam-se em esta- pesquisa demonstraram concepções mais pro-
por opção, própria ou dos pais, e contam com DA SAÚDE E MELHORA NO belecer como promover o engajamento com as fundas, como:
a presença de um adulto responsável pelo de- DESENVOLVIMENTO MOTOR AFEs para toda a vida. Essa linha inclui a ideia • Relações entre felicidade e emoções com
senvolvimento das atividades. Podem ocorrer e/ de que os jovens precisam adquirir o conheci- saúde.
ou ser oferecidos nas escolas como atividades Há razoável consenso sobre a contribuição mento apropriado, compreensão e habilidades • Relação entre atividade física e possíveis me-
extracurriculares, em secretarias de esportes, das AFEs para a promoção da saúde da popu- de comportamento para garantir que as AFEs lhoras no desempenho cognitivo.
clubes, praças, centros comunitários e institu- lação em geral, não sendo diferente quando se tornem uma prática regular e cotidiana em
tos de atendimento especializado em projetos. se pensa em crianças e jovens. No entanto, o suas vidas (Caixa 5.1). O comportamento saudável dos alunos
O terceiro cenário é aquele em que as AFEs se entendimento sobre como essa contribuição Esse movimento geral, registrado na litera- também foi questionado durante a pesquisa e
realizam em contextos informais, geralmente acontece tem mudado ao longo do tempo. A tura internacional, também aparece nas pesqui- aqueles que não se consideram ativos justifica-
em grupos, sem a figura de um professor ou partir de uma revisão internacional sobre os sas no Brasil. No cenário das aulas de Educação ram suas atitudes por “serem preguiçosos”, “por
condutor da prática. Caminhar, brincar, andar de benefícios atribuídos à prática de esportes e Física, os estudos5 revelam uma preocupação ser muito difícil ser saudável” e “por ser mais fá-
bicicleta, nadar com os amigos no final de sema- exercícios físicos de crianças e jovens3, depre- com as aprendizagens dos alunos sobre a re- cil e rápido não ser saudável”.
na, jogar bola com os vizinhos no quintal, na rua, ende-se que o entendimento da contribuição lação entre AFEs e saúde, como essas aprendi-
Fonte: Elaboração própria com base em HARRIS et al., 2016.
nos condomínios e praças esportivas, entre ou- dessas práticas à saúde passou por etapas. zagens podem mudar seus hábitos nesse cam-
tras possibilidades, exemplificam esse cenário. Inicialmente, no final do século XIX, os be- po, e quanto a prática nas aulas contribui para
Em cada um desses cenários, os agentes en- nefícios atribuídos às AFEs estavam vincu- alcançar os níveis recomendados de atividades
volvidos em sua configuração proporcionam lados ao funcionamento eficiente do corpo, físicas entre crianças e jovens.
experiências específicas com AFEs, a partir de à correção de más posturas e ao auxílio do
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minam/influenciam o envolvimento com as Além disso, fica claro que o envolvimento com dicam que o desenvolvimento depende da
AFEs. Os resultados apontaram que as ativida- AFEs, para além de propiciar o desenvolvimento qualidade do oferecimento das experiências do
des de lazer fisicamente passivas (ver TV, jogar motor com vistas ao engajamento com essas ambiente.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 5
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
RETRATOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO feminilidade exigidos – fragilidade, dependência, também sinalizam que há necessidade e que é Caixa 5.2
DE MENINAS E MENINOS passividade etc. – à prática esportiva, que tende possível tensionar esses estereótipos possibili- As mulheres no esporte podem
a enfatizar a agressividade, competitividade, in- tando a emergência de outras formas de pen- quebrar estereótipos vigentes
O “núcleo central” da definição de gênero re- dependência, entre outros. sar o movimento na dança, ampliando as possi-
pousa numa conexão entre duas proposições: Os resultados dos artigos analisados18 indi- bilidades de escolha dos jovens20. O Programa das Nações Unidas para o De-
“o gênero é um elemento constitutivo de rela- cam duas perspectivas: na primeira, os resul- Em outro estudo21, sobre a prática de tênis, senvolvimento (PNUD), em seu Informe Global
ções sociais baseadas nas diferenças percebi- tados mostram que há efetivamente diferen- fica evidente que a dimensão que mais moti- sobre Desenvolvimento Humano (PNUD, 2016),
das entre os sexos e gênero é uma forma pri- ças culturais na participação entre meninos e va as e os tenistas é o prazer em praticar tê- fala sobre a importância da atenção à saúde,
mária de dar significado às relações de poder”17. meninas na prática de AFEs; e na segunda, que nis, seguido, respectivamente, pelas dimensões: educação, proteção social, empoderamento
O contexto das AFEs costuma reproduzir uma é possível tensionar essas relações, quando há competitividade, saúde, sociabilidade, estética e legal, não discriminação e trato igualitário em
cultura sexista, tendo como modelo o masculi- intenção de discutir essas desigualdades. As- controle de estresse. Entretanto, todos os valo- relação à mulher como aspectos cada vez mais
no. Estudos sobre a participação da mulher re- sim, docentes, escolas, projetos esportivos ou res nominais das médias foram superiores nos cruciais para alcançar a estabilidade social e po-
velam um declínio das AFEs com a idade, parti- diferentes agrupamentos podem simplesmente atletas do sexo masculino, ou seja, os meninos lítica dos países.
cularmente durante a adolescência (como visto reforçar estereótipos de gênero ou podem esti- se mostraram mais motivados para a práti- Segundo a ONU, há fortes evidências de que
no capítulo anterior). Nesse estágio da vida, há mular experiências e relacionamentos distintos ca do esporte. O estudo apontou que apenas a participação feminina em esportes pode aju-
um grande número de garotas que desistem e entre crianças, adolescentes e jovens por meio cerca de 25% dos inscritos nas federações de dar a quebrar estereótipos de gênero, melhorar
se tornam adultas não praticantes de AFEs, o de palavras, atitudes e debates. É possível en- tênis são mulheres. De acordo com os autores a autoestima das mulheres e contribuir para o
que impede que usufruam diretamente dos be- gendrar intervenções pedagógicas relevantes da pesquisa, a cultura tende a apoiar mais os desenvolvimento de habilidades de liderança.
nefícios que essas práticas podem trazer ao seu quanto às questões de igualdade de gênero, atletas profissionais do sexo masculino, seja em Muitos países desenvolvidos vêm incentivando
desenvolvimento. que são fundamentais e transformadoras para função do prêmio em dinheiro, seja em função a prática de esportes, por parte das mulheres,
Tem-se afirmado que, embora a situação em a prática pedagógica. do investimento na estrutura dos espetáculos como forma de amplificar suas vozes e derru-
relação à participação da mulher nas AFEs pos- Assim, algumas investigações demonstram esportivos etc. bar as barreiras de gênero.
sa ter mudado nas últimas décadas, a sociedade que há manutenção de estereótipos construí- Aparentemente, a busca dessa atividade por Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro tive-
ainda percebe as AFEs como um conjunto de dos socialmente com relação à questão de gê- parte da mulher é resultado mais de um esforço ram como um dos temas-chave a igualdade de
práticas orientadas e dominadas pelo homem. nero na dança, por exemplo19. Jovens, ainda hoje, individual ou de pequenos grupos (de mulhe- gênero. Adicionalmente, foi promulgada a Lei
Por essa razão, muitas mulheres praticantes reproduzem papéis historicamente representa- res e também de homens) do que de políticas 13.272/2016, que instituiu o ano de 2016 como o
podem sentir que seus papéis de mulher e atle- dos por homens e mulheres, mesmo quando a públicas de inclusão de mulheres no âmbito Ano do Empoderamento da Mulher na Política
ta estão em conflito; elas, então, enfrentam o motivação inicial é a de transgressão desses ou esportivo e de lazer. Essa configuração de es- e no Esporte, abrindo um caminho sem prece-
problema de conciliar os comportamentos de a de “simplesmente dançar”. Em contraponto, porte acaba por excluir as meninas, pois ainda dentes para o fortalecimento dos direitos femi-
tem características de um esporte masculino. ninos no país.
Assim, conclui que o tênis segue a concepção
Fonte: Elaboração própria com base em PNUD
do esporte de alto rendimento e que contêm
tem-se afirmado que, embora a situação elementos mantenedores da relação social de
2016 e dados do Senado Federal.
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Bonecas são para meninas e bolas são para dinheiro e não ligou para os preconceituosos,
meninos. Na prática, o costume é esse para pre- que chegaram a chamá-la de “mulher-macho”.
sentear crianças. Mas Formiga, desde a infância, Dos campinhos do subúrbio de Salvador, foi
não se limitava aos padrões. Aos sete anos, ga- para São Paulo e, de lá, rodou o mundo. Chegou
nhou dos padrinhos uma boneca. E viu o irmão cedo à Seleção, atuou na Suécia e nos Estados
ser presenteado com uma bola. De imediato, ar- Unidos e ganhou títulos.
rancou a cabeça da boneca, a deixou de canto e Com a camisa amarelinha, tem três meda-
foi se divertir com o presente do irmão. Rebel- lhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos (2003,
dia? Não. Apenas instinto. 2007 e 2015), duas pratas nas Olimpíadas (2004
Única filha mulher da família, Formiga, como e 2008) e o título do Sul-Americano de 2010. Por
diz a mãe da jogadora, “nasceu pedindo bola”. clubes, são várias conquistas. Recentemente,
No subúrbio de Salvador, na Bahia, deu os pri- com a camisa do São José Esporte Clube (SP),
meiros chutes nos campinhos do local. Muitos foi campeã mundial de clubes em 2014 e tricam-
desses chutes, escondidos dos dois irmãos peã da Libertadores (2011, 2013 e 2014). Títulos RETRATOS DE INCLUSÃO DE MENINAS A noção de inclusão surgiu para atender as
mais velhos. importantes, que coroam a carreira. Mas, se a E MENINOS COM DEFICIÊNCIA pessoas com deficiência e, somente após um
Chegou ao ponto de eu apanhar algumas carreira fosse construída no futebol masculino, período de consolidação, alargou-se o sentido
vezes. Acredito que não era nem por preconcei- o reconhecimento seria maior. Infelizmente. O acesso de pessoas com deficiência às AFEs do termo e o olhar dirigiu-se para outros gru-
to, mas acho que tinham medo que eu me ma- Temos que pensar que são realidades diferen- nem sempre ocorreu de forma satisfatória. Na pos que também sofrem exclusão, como ne-
chucasse, que alguém fizesse alguma maldade. tes. A visibilidade é bem maior que a nossa. É cla- educação formal, por exemplo, as pessoas com gros, homossexuais, mulheres, idosos, obesos,
Quando eles me viam jogando bola, eu tinha que ro que quando chega em um nível que estou, com deficiência passaram por um processo nítido entre outros22. Não há dúvida que é preciso in-
correr para casa e me esconder até a minha mãe 20 anos, com fé em Deus vou para a minha sex- de exclusão da instituição escolar. A partir das cluir as pessoas, uma vez que o ambiente esco-
chegar. Senão, eu apanhava pra caramba – re- ta Olimpíada, é legal ter um reconhecimento de três últimas décadas, intensificaram-se em di- lar se constitui como um espaço democrático
cordou. tudo o que você fez. [...] financeiramente, estamos versos países, inclusive no Brasil, movimentos e e de direito de todos, conforme rege a Lei de
Esse era apenas o primeiro obstáculo que bem longe do masculino. Mas, às vezes, o finan- propostas de democratização da educação no Diretrizes e Bases da Educação23. Assim, passou
teria que enfrentar para entrar em um mundo ceiro não é tão importante. Porque nós sabemos: sentido de torná-la acessível para todas e to- a se consolidar a proposta de educação inclu-
dominado por homens. Mas, como ela mesmo com mais visibilidade, apoio, as coisas vão cres- dos. Termos como diversidade, diferença, igual- siva, alterando o procedimento de atendimen-
ressalta, quanto mais dificuldades, mais vontade cendo, aparecendo devagar. Nosso objetivo maior dade, deficiência e inclusão foram discutidos e to adotado até então, que encaminhava esses
de atingir o objetivo. E vontade de jogar fute- é mudar a cabeça de quem está dirigindo e dar teorizados. estudantes para instituições especializadas e
bol é o que não falta para ela. Driblou a falta de esse apoio para nós – comentou. classes especiais.
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
Caixa 5.4 Dessa forma, a Educação Física deve possi- a ser utilizado nas atividades, tais como: taco, Caixa 5.5
Marcos legais da inclusão educacional bilitar, a partir das adaptações necessárias nas barbante, bolas de borracha, arcos, entre outros, Os números da inclusão nas escolas brasileiras
atividades, nos materiais e no espaço físico, que fazendo com que o estudante tivesse uma di-
No campo da inclusão educacional, mais o estudante com deficiência possa apreender mensão do material a ser utilizado nas tarefas. O Censo Escolar da Educação Básica de 2014 aponta
especificamente quanto aos estudantes defi- os conteúdos a que tem direito. Também se adaptou o material. Por exemplo, as que 54,8% das escolas brasileiras têm alunos com defici-
cientes, há marcadores ao longo do tempo que A maioria dos estudos nesse campo discute bolas eram colocadas dentro de sacolas plásti- ência incluídos em turmas regulares. Em 2008, esse per-
contribuíram para o processo de fortalecimen- como promover a inclusão de estudantes com cas para, a partir da emissão do som, facilitar a centual era de apenas 31%. A evolução está em sintonia
to do movimento no Brasil, destacando-se: diferentes deficiências em diversas faixas etá- identificação do deslocamento da mesma pelo com os desafios propostos pelo Plano Nacional de Edu-
rias. Em parte dos trabalhos24 analisados, verifi- aluno com deficiência visual grave. Já para o cação (PNE), que prevê a universalização desse segmento
• Declaração Universal dos Direitos Humanos cou-se que as AFEs favoreceram o processo de aluno com baixa visão, mostrou-se eficiente a da população de 4 a 17 anos preferencialmente na rede
(1948) inclusão, por diferentes razões: a) encaminham utilização de bolas com cores chamativas. regular de ensino.
• Ano Internacional das Pessoas com Deficiên- a possibilidade de aprendizagem mútua entre Procedimentos como os mencionados an-
cia (1981) os alunos que apresentam e os que não apre- teriormente, podem ser considerados simples, Evolução do número de matrículas na educação
• Declaração de Salamanca (1994) sentam deficiência25; b) atuam tanto no sentido entretanto propiciam possibilidades efetivas de especial por rede Brasil – 2008/201432
• Convenção da Guatemala (1999) da ampliação de seus movimentos como nas participação dos alunos. O ponto fundamental
Matrículas na educação especial
• Convenção de Montreal (2001) vivências do brincar26; c) têm efeito no esta- passa pela necessidade de se olhar para esses
• Conferência Internacional de Educação belecimento de condições efetivas de comuni- alunos com deficiência e implementar estraté- Classes Classes
especiais comuns
(2008) cação e de relacionamento com professores e gias que lhes deem condições de apreender os e escolas (alunos
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1971) colegas27. diferentes tipos de AFEs a partir de suas possi- Rede Ano Total exclusivas incluídos)
• Constituição Federal (1988) Em um dos trabalhos28, a questão da valo- bilidades. Privada 2008 228.612 205.475 23.137
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) rização na relação interpessoal mostrou-se Resultados como esses contemplam aspectos
2010 169.983 142.887 27.096
• Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) determinante para que houvesse aspectos po- que compõem o alargamento das possibilidades
• Plano Nacional de Educação (2001) sitivos no processo de inclusão nas aulas de de desenvolvimento humano, como bem-es- 2012 178.589 141.431 37.158
• Diretrizes Nacionais para a Educação Espe- Educação Física, conforme o relato de uma alu- tar, capacidade e agência, justiça31, promovendo 2014 179.695 136.302 43.393
cial na Educação Básica (2001) na deficiente visual: melhorias na vida dos alunos com necessidades
% 2008/2014 -21,4 -33,7 87,5
educacionais especiais, bem como na vida dos
A Declaração de Salamanca (1994) é conside- Percebo que eles são meus amigos, que demais colegas, na medida em que desenvolvem Pública 2008 467.087 114.449 352.638
rada um divisor de águas na questão da inclu- eles me ajudam, até porque, às vezes, capacidades vinculadas com a alteridade e o re- 2010 532.620 75.384 457.236
são, devido à abrangência e contundência que tem coisas que eles querem aprender conhecimento da diferença.
2012 641.844 58.225 583.619
a tornou referência para o tema, como também comigo pra eles poderem me ajudar29. Em contrapartida, um conjunto de pesquisas
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), constatou que aulas de Educação Física escolar 2014 707.120 51.745 655.375
que desencadeou um processo de mudanças Em outro estudo , também referente à in-
30
podem assumir configurações que comprome- % 2008/2014 51,4 -54,8 85,8
no cenário do sistema educacional brasileiro e clusão de alunos deficientes visuais, o profes- tem as possibilidades de desenvolvimento hu-
consolidou a proposta de educação inclusiva, sor adotou algumas estratégias para que fosse mano de crianças com deficiências. Os estudos
Fonte: MEC/INEP/DEED, 2015.
na qual as pessoas deficientes deveriam partici- efetivado o processo de inclusão, a partir dos basicamente verificaram que, em muitas opor-
par em iguais condições do processo educativo temas selecionados. Para o trato dos conteú- tunidades, no momento de trabalhar as AFEs
nas escolas regulares. dos conceituais, foi utilizada a estratégia da lei- nas aulas, os estudantes com deficiências não
tura em voz alta para toda a turma ou solicita- são incluídos nas atividades com os demais. A
Fonte: SEABRA JR., 2012.
do que um dos alunos fizesse a leitura para o forma que isso se dá e as razões são diversas.
aluno deficiente. Outra estratégia foi possibilitar
que o aluno deficiente visual tateasse o objeto
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©richvintage/istock.com
do preconceito do toque corporal e promover tanto dos espaços quanto nos jogos
amizades entre os participantes37. [...]. A negociação nos ajustes das regras
Estudos38 também revelaram a avaliação que por meio de verbalizações proporciona
alunos, pais, profissionais e outros envolvidos a aprendizagem da convivência porque
faziam de projetos sociais de AFEs. Em linhas proporciona certa estabilidade emocional
gerais, se constatou que a forma que as AFEs aos jogadores, além de estar estimulando
RETRATOS DE SOCIABILIDADE, Nesse sentido, a intervenção do professor eram desenvolvidas nesses projetos favorecia a as capacidades criativas e reflexivas41.
AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO é fundamental no direcionamento da dinâmi- sociabilidade dos alunos. As amizades e a com-
DA MORAL ca coletiva, a fim de viabilizar a participação e panhia dos colegas foram destacadas como im- Os jogos praticados por crianças e jovens
garantir a aprendizagem de todos os alunos. portantes fatores para a participação no proje- nos espaços informais, de modo espontâneo e
O elevado grau de excitação despertado Gradualmente, ao longo desse processo, as to social, como observa-se nas falas: auto-organizado, sem a intervenção do adulto
pela prática de AFEs, a expectativa de prazer e crianças, os adolescentes e os jovens poderão ou da institucionalização esportiva, possuem
satisfação, bem como a possibilidade de extra- compreender as AFEs como potencializadoras Gosto. [...] É por causa que aqui eu grande riqueza sociocultural. Nesse sentido, a
vasar energia, configuram um contexto em que da sociabilidade nas relações com o outro. tenho mais amigas, né? (Aluna) prática de alguns tipos de AFEs requerem de
sentimentos diversos de alegria, êxito, tristeza, A escola é por si um palco para o desen- seus praticantes a capacidade de adaptar as
frustração, medo, vergonha, entre outros, são volvimento da sociabilidade. As aulas de Edu- A amizade conta. Eles estão pela regras, o espaço e os materiais das atividades,
vividos e expressos de maneira intensa. cação Física são um espaço particularmente amizade e se eles não tivessem aqui eles capacidade de conviver e resolver conflitos. Ou
O envolvimento com essas práticas se cons- rico para o desenvolvimento desses proces- estariam em casa fazendo o quê? [...] seja, constituem oportunidades ricas para que
titui em palco onde os sujeitos se veem desa- sos, uma vez que propiciam que os alunos es- Aqui eles vão estar com amigos (Mãe) os atores dessas práticas possam interagir, de-
fiados a lidar com essas situações e atitudes em tabeleçam relações entre si que estão menos senvolver habilidades sociais e ainda desfrutar
espaços compartilhados com outros, devendo presentes em outros componentes curricula- O convívio com outros participantes é um das AFEs. Daí a importância de políticas públicas
aprender a canalizá-las de forma positiva. Em res. Dessa forma, o trabalho com AFEs, quando fator importante para o envolvimento com as que valorizem essas situações investindo nos
espaços institucionalizados, mediante um tra- conduzido de forma adequada, possibilita que AFEs, ou seja, para muitas crianças, adolescen- espaços de prática de AFEs nas cidades.
tamento pedagógico adequado, as situações os alunos se envolvam em negociações para tes e jovens, participar de projetos de AFEs sig- No campo da autonomia e desenvolvimen-
geradas pela prática de AFEs permitem abor- conseguir atuar de forma coletiva e estabe- nifica estar entre amigos39. to da moral, cabe lembrar que o conceito de
dar temas e desenvolver habilidades vinculadas lecer acordos para jogar, usem a palavra para Nos grupos informais, não é diferente40: as autonomia é polissêmico. Um sentido possível
com sociabilidade, como a necessidade de ouvir manifestar-se em relação às situações viven- aprendizagens sociais relacionadas à ocupação vincula-se à ideia de liberdade, quer dizer: é au-
os colegas, participar e integrar-se a grupos de ciadas, entrem em contato com o corpo dos dos espaços públicos, à negociação do uso des- tônomo quem tem liberdade, seja porque suas
pares, defender direitos, relacionar-se com figu- colegas, todas situações que fecundam os pro- ses espaços e das regras dos jogos estão no ações não são decorrentes de uma forma de
ras de autoridade etc. cessos de sociabilidade. centro dos ganhos em termos de sociabilidade: poder exterior ao próprio sujeito, seja porque
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
o objetivo do ensino da Educação Física é
tematizar as práticas corporais concebendo-
não são determinadas por forças internas O desenvolvimento da autonomia moral é
sobre as quais a vontade não exerce influência confirmado pelo envolvimento com as AFEs em as como um conjunto de práticas sociais
alguma. O outro sentido vincula-se com a ideia
de autoridade: é autônomo quem legitima re-
muitas fontes48, pois essas práticas estão inti-
mamente relacionadas à afetividade e à racio-
centradas no movimento, realizadas fora
gras, princípios e valores morais sem alusão a nalidade. Nesses cenários, ocorrem situações das obrigações laborais, domésticas,
uma fonte que é externa, sem referência, por- que permitem uma intensa mobilização afetiva
tanto, as figuras ou instâncias de autoridade42. e de interação social, pois se apresentam como higiênicas, religiosas, nas quais os sujeitos
A autonomia é a meta do desenvolvimento
moral. A moral autônoma é uma superação da
ambiente propício para a vivência, explicitação,
discussão e reflexão das atitudes e valores con-
se envolvem em função de propósitos
moral heterônoma, ambas essenciais para o siderados éticos ou antiéticos para si e para os específicos, sem caráter instrumental
desenvolvimento moral das crianças. A crian- outros.
ça só chega ao estágio da autonomia após
passar pelo estágio da heteronomia43. Essas Por outro lado, há defensores da ideia de que Ao contrário, este relatório entende que a
duas morais não são inatas, resultam de um RETRATOS SOBRE AS RELAÇÕES praticar AFEs serve de “meio” para aprendizagens aprendizagem das AFEs é fundamental para
processo que se constrói na relação do sujeito COM O DESEMPENHO COGNITIVO de aspectos ditos mais relevantes para o desen- o alargamento das possibilidades de escolha
com o ambiente, ou seja, são construídas du- volvimento cognitivo, como por exemplo, para consciente dos sujeitos. Não se nega as pos-
rante o desenvolvimento da criança. Pelo menos dois vínculos podem ser arrola- potencializar a alfabetização ou para fortalecer síveis “consequências” positivas que AFEs pro-
Nessa linha, há uma compreensão de que dos quando se procura relacionar as AFEs e a as noções lógico-matemáticas. Assim, o movi- piciam em outras esferas do desenvolvimento
as AFEs, desenvolvidas em cenários orienta- melhoria no desempenho acadêmico. Uma pri- mento físico seria um instrumento para facilitar a humano, contudo, elas não podem ser vistas
dos a tais propósitos, têm o potencial para meira possibilidade está relacionada ao fato de aprendizagem de conteúdos diretamente ligados como sua finalidade principal. Sua função não
gerar experiências sociais que favoreçam o haver intensa mobilização do sistema nervoso ao aspecto cognitivo/acadêmico. Recentemente, é desenvolver capacidades que auxiliem a alfa-
desenvolvimento da autonomia moral44, pois quando a pessoa executa um movimento. Na foram ampliadas as possibilidades de considerar betização e o pensamento lógico-matemático,
permitem que crianças, adolescentes e jo- execução de qualquer tarefa motora, primeiro o as AFEs como “meio” de aprendizagem devido embora tais aprendizagens possam ocorrer
vens participem de atividades que promovem indivíduo observa o ambiente, estabelece uma aos estudos na área de neurociências. como um subproduto dessas práticas. Na es-
grande interação. De fato, os pesquisadores meta, faz a verificação do seu plano por meio De acordo com um desses estudos49, as AFEs cola, por exemplo, o objetivo do ensino da Edu-
sustentam que são os processos sociais e da execução motora, avalia o resultado e decide auxiliam no desenvolvimento cognitivo uma vez cação Física é tematizar as práticas corporais
educacionais em que as práticas das AFEs são sobre correções no plano ou sobre a formula- que estimulam os fatores envolvidos na plasti- concebendo-as como um conjunto de práticas
vivenciadas, e não o tipo de prática em si, os ção de novos planos. Esse conjunto de ações cidade e no desenvolvimento do cérebro. Assim, sociais centradas no movimento, realizadas fora
que efetivamente propiciam condições para o envolve todo um processamento de informa- o exercício aumenta a formação de neurônios das obrigações laborais, domésticas, higiênicas,
desenvolvimento moral45. Dessa forma, o pa- ções que ocorre no sistema nervoso. Assim, e a concentração de substâncias chamadas de religiosas, nas quais os sujeitos se envolvem em
pel de quem ministra as aulas é reconhecido a prática de AFEs estimula o sistema nervoso fatores neurotróficos, que têm papel crucial na função de propósitos específicos, sem caráter
como uma peça-chave desse processo. afetando positivamente o desenvolvimento performance intelectual. Além disso, a atividade instrumental50. Nessa explicação, fica evidencia-
Os estudos46 constatam como fatores po- cognitivo e, por consequência, o desempenho física melhora o fluxo de sangue e a oxigenação do que as AFEs propiciam ao sujeito o acesso
sitivos que as aulas de Educação Física per- acadêmico. Numa segunda possibilidade, de- do cérebro. Por isso, o exercício é benéfico para a uma dimensão de conhecimentos e de ex-
mitem aos estudantes exercitarem a tomada fende-se que a prática de AFEs pode ocasionar a atenção, o processamento de informação e periências à qual ele não teria de outro modo.
de decisão, o diálogo, a compreensão crítica, mudanças de atitude no indivíduo estimulando- a memória. Segundo esse estudo, a Educação Assim, entende-se que a vivência das AFEs não
todos elementos essenciais da autonomia. -o e motivando-o a estudar mais. De qualquer Física aumenta o rendimento escolar, havendo são um meio para se aprender outros conteú-
Os resultados mostram também que, quanto modo, nos dois casos é importante aprender evidências que comprovam essa correlação em dos, mas sim, uma forma de gerar um tipo de
maior o tempo de exposição a ações educa- sobre as AFEs e praticá-las como um fim em si exames de ressonância magnética e em tes- conhecimento muito particular e insubstituível.
cionais desse tipo, maiores parecem ser os mesmas e, como consequência, obter possíveis tes de QI. Assim, o estudante fisicamente ativo Alguns dos estudos51 revisados demonstra-
benefícios para os estudantes envolvidos47. melhorias no desempenho acadêmico. aprende melhor. ram, por exemplo, que existe um alto índice de
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©Sandro Vox
ral. Dependendo do grau, a insatisfação corpo- ao futsal. Com essa mudança na minha
ral percebida pela criança pode afetar aspectos vida, eu pude perceber que tudo estava
relacionados ao seu comportamento alimentar, melhorando, nunca mais ninguém tinha
autoestima e desempenho psicossocial, físi- brigado comigo (...). Só recebia elogios
co-motor e cognitivo, afetando diretamente a e todos queriam ser meus amigos. Outro trabalho54 buscou elementos para Se a gente trazer as tarefas que eles
aprendizagem no contexto escolar. compreender o desempenho acadêmico a passam na escola, eles ensinam a gente
Os alunos reprovados apresentaram risco de A extensão da jornada escolar deve ser partir da opinião de diferentes atores: mães, a fazer aqui, né? Porque em casa, às
sobrepeso corporal, um alto nível de insatisfa- acompanhada de outros aspectos necessários pais, professores e diretores, sobre a influên- vezes, não tem ninguém que ensinar,
ção com a imagem corporal, uma baixa motiva- para promover a formação integral de crianças cia das AFEs no desempenho dos participan- mas aqui tem. (Criança participante)
ção e um grande déficit nos níveis de atenção. e jovens. Os resultados desse estudo mostra- tes. A seguir, alguns depoimentos que ilustram
Frente a esses achados, na opinião dos autores, ram que as crianças apresentaram melhoras a importância desses projetos para os partici- Melhoraram bastante. [...] Bem mais
a atuação do professor de Educação Física se em relação à ampliação do conhecimento so- pantes, mães e professores: rebeldes é o que eles eram. [...] Não
faz pertinente nos anos iniciais do ensino fun- bre novas modalidades esportivas e alargaram queriam participar de nada dentro de casa,
damental, uma vez que o estímulo à prática de os seus conhecimentos sobre as AFEs numa Eu gosto que eles aprendem mais era só na rua. [...] Daí depois começou a
atividade física influencia positivamente o perfil dimensão conceitual. O modelo adotado pela as coisas, né? Aprendem a ser mais, mudar. [...] Esse fim de ano então, [...] nem
físico das crianças, melhorando a percepção da educação integral envolvendo atividades como a [pausa], a ter educação com as tem reclamação no colégio, também estão
imagem corporal, além de atuar sobre aspectos ginástica rítmica, dança, handebol e futsal, mú- pessoas assim. Aprendem coisas novas, superbem. (Mãe de crianças participantes)
de motivação, ansiedade e atenção. sica e informática, pode resultar em avanços né? (Mãe de criança participante)
O impacto da educação integral em prati- positivos tanto para as crianças como para a Em suma, os estudos nessa dimensão mos-
cantes de AFEs também é destaque em alguns comunidade escolar por meio da melhora do Tem complemento do colégio, né? [...] Estar traram que mesmo com diferentes abordagens
estudos53. O depoimento de um dos alunos que desempenho escolar, do respeito, da socializa- auxiliando ele no colégio porque, quando de pesquisa, considerando as AFEs como meio
teve condições de participar do esporte na es- ção e convivência entre professores e alunos tem dificuldade e passa pra alguém que ou como fim, no cenário das aulas de Educação
cola integral ilustra as potencialidades das AFEs e melhora na alimentação das crianças. Sendo saiba um pouquinho mais, eles estão Física, como dos projetos sociais, reforçam-se
para a motivação do estudante, indicando a ne- assim, as atividades realizadas na escola integral ajudando. (Mãe de criança participante) as vantagens do envolvimento com as AFEs
cessidade da ampliação desse tipo de oferta: promoveram melhor aproveitamento do tempo sobre o desempenho acadêmico na escola, em
durante o contraturno das crianças. diferentes perspectivas e de acordo com a opi-
nião de diferentes atores.
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
O ENVOLVIMENTO DE ADULTOS
E IDOSOS EM AFES
Este tópico visa oferecer elementos para o corpo amplia-se, difunde-se e ramifica-se em Já quebrei a clavícula numa apresentação escoriações e traumas
que se possa saber “o que dizem” as pesquisas inúmeras possibilidades de ser/viver/expressar. de caratê que a gente fez. [...] Em
sobre AFEs e desenvolvimento humano sobre No campo da performance, o esporte foi o campeonato, eu já quebrei o nariz várias físicos, com o passar do
essas práticas e a sua realização por pessoas
da população adulta e idosa. Como já descrito,
ponto de maior convergência entre os estudos
analisados, situando-o como uma significativa
vezes. Todos os Jogos Abertos que eu
fui... Sempre saio “torto”. Todos eles57.
tempo, passam a ser
foram construídos “retratos” de desenvolvimen- pedagogia do corpo. Mas, mesmo que o esporte experiências “naturalizadas”,
to humano mediados pelas AFEs que ocorriam se destaque como uma atividade humana que A formação subjetiva dos atletas, dos baila-
em diferentes cenários. Ao realizar esse esfor- traz consigo um conjunto de conhecimentos, de rinos e dos lutadores realiza-se assim pela ar- “normais” e, muitas
ço, precisou-se fazer algumas escolhas, o que
significou limitar o foco em direção a algumas
técnicas e discursos legitimados para o controle
do corpo55, outras AFEs também seguem nessa
ticulação entre a técnica, a dor e o sofrimento. vezes, expressam um
Mas as possibilidades de pensar/viver o
pesquisas que ajudaram a buscar as relações direção, como o balé clássico. corpo no contexto de atletas, bailarinos e ca- sentimento de orgulho
pretendidas. No contexto dos esportes de alto rendimen- ratecas podem ser expandidas para diferen-
to e no balé clássico, o risco pode ser o trei- tes contextos onde são vivenciadas AFEs, não
namento extremo, condição necessária para necessariamente motivadas pela competição,
AFES, CORPO E DESENVOLVIMENTO que atletas/bailarinos obtenham os resultados mas sim pela busca do corpo ideal. Essa bus-
HUMANO: AMBIVALÊNCIAS pretendidos. A construção de um tipo de corpo ca produz, por vezes, novos sentidos inclusive
E PARADOXOS que busca a performance pauta-se no treina- para essas práticas, as quais são utilizadas com
mento, no disciplinamento, na superação e na fins estéticos, quando muitos esforços passam
Em meio à diversidade de estudos sobre o dor. Seja na academia de dança, no atletismo ou a ser os meios para a perda de peso e redução
envolvimento de adultos e idosos, observa-se em um dojo de caratê56, fica evidente que a exi- de medidas.
dois grandes grupos recorrentes nas investiga- gência de levar o corpo até o limite pressupõe Num cenário como o do balé, onde a anato-
ções. Um deles tematiza a pessoa que se co- submetê-lo a um longo processo de intenso mia, a técnica e a expressão são fundamentais,
necta à performance e ao desempenho (pau- trabalho físico, que se pauta pela obediência a os cuidados com o peso corporal ocupam um
tado pela necessidade de oferecer respostas às um conjunto de regras que o tornem capaz de lugar de centralidade, o que torna um pré-re-
perspectivas hegemônicas da sociedade atual, atingir o que dele se espera. quisito que o corpo seja esguio, magro, longilí-
e carrega consigo as marcas da superação) da Nessa perspectiva, a construção dos atletas/ neo. Esse ideal é reforçado pelas companhias
transformação, do risco e da idealização. O ou- bailarinos/caratecas encontra-se fortemente profissionais que permitem a ascensão de bai-
tro coloca no centro da discussão a pessoa em relacionada à capacidade de enfrentamento e larinos e bailarinas “perfeitas”. Conforme relatos:
sua relação com o prazer, o divertimento e o superação dos danos físicos que a prática ex-
bem-estar – em contraposição aos padrões he- tenuante das diferentes AFEs propiciam com Eu acho que existe (corpo ideal) dentro
gemonicamente estabelecidos e distanciado da vistas a um máximo desempenho atlético. Os das características das companhias
busca da produtividade corporal e das exigên- acidentes são inevitáveis e, nesse viés, o cor- que a gente vê hoje. Sempre foi
cias estéticas “normalizadoras”. po é construído pelo discurso da superação de muito cobrado nos festivais que eu
A construção e o forjamento dos corpos, em traumas, luxações, escoriações, o que se mate- estivesse dentro de um peso58.
um ou outro cenário, acontecem por meio do rializa nas rotinas e no modo de viver dos sujei-
uso de determinadas “pedagogias”. Essa cons- tos. Escoriações e traumas físicos, com o passar Denominando o medo de engordar de “li-
trução é parte de processos de socialização pe- do tempo, passam a ser experiências “naturali- pofobia”, outra investigação59 visou entender
los quais passam todas as pessoas em aprendi- zadas”, “normais” e, muitas vezes, expressam um como é produzido e perpetuado esse compor-
zagens sociais que ocorrem não só em espaços sentimento de orgulho: tamento relativo ao corpo. Em academias de
formais mas também na vida cotidiana. Assim, ginástica, as mulheres, nesse caso, reportavam
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e mulheres que frequentavam semanalmente práticas, muitas vezes colocando no campo da quanto os churrascos após os jogos. Vou RETRATOS MARCADOS PELA QUESTÃO
o Parque da Rua do Porto, na cidade de Pira- saúde questões que alguns especialistas de até próximo do quiosque e reconheço DE GÊNERO NAS PRÁTICAS DE AFES
cicaba, São Paulo, um reconhecido espaço de áreas médicas teriam dificuldade em fazer. outros jogadores, preparando o churrasco81.
lazer daquela população local, para práticas de Um retrato dessa situação foi apresentado Muitas das pesquisas revisadas se ocuparam
corridas, caminhadas e alongamentos77. Os re- na pesquisa sobre as apropriações no tempo A “cervejada do futebol” aparece como um em problematizar, descrever e refletir sobre as
sultados e as interpretações desse estudo su- livre do Clube Rodhia, na Vila Holândia, distrito valor positivo nas manifestações dos interlocu- maneiras com que as pessoas praticantes de
blinham a experiência de bem-estar, conforme de Barão Geraldo, município de Campinas, São tores e da autora do estudo, mas não seriam AFEs vivenciam e são interpeladas pelas generi-
mostram alguns excertos das entrevistas com Paulo78. Os frequentadores, ao justificarem suas estranhas manifestações ao contrário, na dire- ficações que historicamente marcam determi-
os frequentadores, ao serem inquiridos sobre a práticas naquele local, afirmaram a preocupa- ção de que o uso de álcool é um problema de nadas práticas. Fica evidenciado que as pessoas
saúde e os benefícios das práticas no parque: ção com a saúde, a qualidade de vida, o bem- saúde. Isso significa que há, nos cenários das passam a ampliar suas possibilidades de esco-
-estar, a recuperação de lesões. Entretanto, afir- AFEs, questões não valiosas, do ponto de vis- lhas quando, a partir de suas vinculações com
Saúde é o estar bem, me sentir mou a pesquisadora, “[...] ao observarmos esse ta dos grandes acordos acadêmico-científicos determinadas AFEs, rompem com expectativas,
bem comigo mesma, com o meu espaço e outros, foi possível notar que os mora- sobre a saúde e a qualidade de vida, mas que resistem e enfrentam inúmeras barreiras para
corpo, e estar vivendo bem. dores usufruem dos mesmos na perspectiva da aparecem como valor positivo na vida cotidia- se manterem na condição de praticantes; ou,
sociabilidade”79. E, conforme relatos de alguns na das pessoas. O estudo sobre a percepção ainda, quando as generificações dessas práticas
No bem-estar, alivia também o frequentadores, um dos principais universos de de qualidade de vida e de saúde negativados, são questionadas e resignificadas.
estresse do trabalho, acho que é isso, a sociabilidade no clube era o futebol: “Para mim, quando relacionados com os exercícios físicos Grande parte dos estudos que problemati-
coordenação motora do dia a dia que o futebol é a possibilidade de relaxar, de divertir, com finalidades estéticas, mobiliza essa mesma zam a questão do gênero voltam seus olhares
a gente utiliza pra fazer as coisas. de ter qualidade de vida. Nele, também encon- controvérsia. É exatamente aí que se torna fun- para as mulheres. Na vida delas essas questões
tro com os amigos. Não consigo ficar sem jogar damental a compreensão da sociabilidade no são pertinentes no que se refere ao desenvol-
Influencia no meu bem-estar, na realização [...] no futebol, vejo os amigos, distraio e ponho contexto das práticas das AFEs. vimento humano, especialmente em relação
de outras atividades fora daqui. para fora toda a tensão do trabalho, não fico Não se trata de diminuir a importância de ao que experimentam em seus cotidianos. Em
sem jogar [...] Para mim, o clube é um local para estudos baseados em instrumentos de medi- relação as AFEs, sobressaem-se aquelas práti-
Melhoria da autoestima, um pique de rever os amigos, jogar futebol e relaxar”80. da da percepção. Não há dúvidas de que eles cas hegemonicamente consideradas masculi-
trabalho legal, uma forma de pensar Em tal cenário de saúde-sociabilidade – ain- são relevantes na compreensão das AFEs como nas no Brasil, como boxe, futebol e esportes de
mais consciente, ou seja, eu consigo da que pudesse parecer contraditório numa vi- tempos/espaços de desenvolvimento. Não se aventura.
ter um raciocínio mais calmo, porque são apenas centrada no corpo-indivíduo –, não trata, igualmente, de condenar a “cervejada” As investigações aqui consideradas aten-
eu desestresso durante a corrida, pode foi surpresa que depois dos jogos ocorressem como parte “do futebol”, tão importante na con- tam para mulheres que lutam boxe, que jogam
parecer que não, alguns sim, outros “as cervejadas”, como descreve a pesquisadora, figuração do bem-estar social, nem, tampouco, futebol, que surfam e que mergulham. Tra-
não, mas a gente desestressa, é um trazendo um trecho do seu diário de campo: de reificá-la. O importante é constatar que a tam de mulheres vinculadas aos esportes de
contexto bem legal, isso ajuda pra saúde e a qualidade de vida podem ser com- alto rendimento que vivenciam essas AFEs na
caramba na sua vida cotidiana. Minutos após o jogo, vou para a cantina preendidas a partir do olhar dos grupos sociais condição de profissionais. A ênfase dada pelas
e reconheço lá alguns participantes que vivenciam as AFEs, nos quais se manifes- pesquisas para essas praticantes é relevante,
As práticas associadas ao bem-estar, no la- e também alguns moradores da Vila tam diferenças. Assim, entende-se a sociabilida- já que essas práticas já foram proibidas para
zer-saúde, são implicadas por engajamentos Holândia que jogaram. À medida que de como espaço de negociação que possibilita mulheres no Brasil. O Decreto-lei nº 3.199 de
e permanências fortemente autodetermina- vão chegando, combinam como será a mediações ou retraduções do que significa o 14 de abril de 1941 trazia, no seu Artigo 54, a
dos. Além disso, esses espaços/tempos são “cervejada” – termo utilizado por um deles bem-estar social. declaração de que “às mulheres não se permi-
bastante férteis na constituição de redes de –, quem pagará e como. Comentam que tirá a prática de desportos incompatíveis com
sociabilidades, as quais, segundo suas histórias, há um grupo também fazendo churrasco as condições de sua natureza, devendo, para
suas lógicas de reciprocidade e de solidarieda- no quiosque. O dono da cantina comenta esse efeito, o Conselho Nacional de Desportos
de singulares, operam formas de vivências das que isso é comum, tanto o tomar cerveja, baixar as necessárias instruções às entidades
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todas as pessoas (cisgêneras ou
transgêneras) devem poder escolher
praticar balé ou futebol (ou qualquer outra
atividade física e esportiva que desejarem)
sem sofrer restrições e discriminações,
seja no dia-a-dia, seja profissionalmente
de ações para que a igualdade entre homens presentes em muitas AFEs quando praticadas
e mulheres seja alcançada nos cenários de de- por mulheres (como é o caso das lutas e do fu-
senvolvimento humano construídos por essas tebol no Brasil), ou por homens (como é o caso
práticas. das danças).
Não se pode restringir “feminino e masculi- Além disso, virilidade, agressividade, força e
no” a uma compreensão hegemônica, e sim plu- suavidade são características que não estão Caixa 5.8
ralizar essa compreensão. Conforme o relato de “nos movimentos em si”, mas nas intenciona- O mundo esportivo tem acolhido a população LGBTI?
uma boxeadora, a sua feminilidade é construída lidades e sentidos, historicamente atrelados
e vivenciada a partir de características que lhe a determinadas formas de ser homem e ser Imaginemos que um grupo de mulheres e colocam o central de lado: o elemento subjeti-
fazem sentir bem: “Eu não sou nem um pouco mulher. Mas, quaisquer que sejam as AFEs, elas homens esteja jogando futebol em uma quadra vo. A exemplo disso, até 2003 não era permiti-
sutil. Eu sou feminina, mas eu não sou delicada. podem ter diferentes sentidos, assim como po- comunitária. Qual é o comportamento usual- do que mulheres e homens trans competissem
Eu nunca fui delicada, entendeu, já é um traço dem ser vividas de diferentes formas, tanto por mente esperado das/os jogadoras/es? Muitos nos Jogos Olímpicos e após essa data a habili-
da minha personalidade. Eu não sou uma mu- homens quanto por mulheres. diriam: espera-se que as mulheres não joguem tação para participar da competição era restriti-
lher leve, eu sou uma mulher densa”88. De ma- muito bem, e daquelas que demostram domi- va: a/o atleta deveria passar por tratamento de
neira semelhante, mulheres que optaram por nar a técnica, espera-se um comportamento reposição hormonal, possuir reconhecimento
fazer ginástica em uma academia exclusiva para RETRATOS RELACIONADOS ÀS AFES E “masculinizado”. Dos homens, uma postura viril legal do gênero e realizar cirurgia reconstrutiva
mulheres atribuem a sua escolha por conta de AO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO e heteronormativa. Comumente, o “masculino” genital. Em 2015, outro relatório do COI foi pu-
lá se sentirem bem em relação às maneiras que e o “feminino” são caracterizados no mundo blicado, e para os Jogos Rio-2016 as restrições
vivenciam suas feminilidades: “Se precisar, a gente mesmo dá aula”90. Esse do esporte (mas não somente e não por coin- foram reduzidas: menos tempo de tratamento
excerto parte de um depoimento de uma se- cidência), por uma divisão binária, uniformizada hormonal para mulheres trans, nenhuma res-
É muito bom não precisar ir toda nhora, participante de um projeto de lazer e e padrão, que valida o processo competitivo. A trição aos homens trans e prescindibilidade da
combinando, toda bonita, sem me atividades físicas voltado para idosos. Essa ma- existência de corpos não normativos, da alte- cirurgia reconstrutiva. Histórias como as de Re-
preocupar em suar e atrapalhar nifestação ocorreu numa situação em que o ridade implicada pela diversidade sexual e de nee Richards, Mack Baggs, Caster Semenya, Du-
cabelo ou maquiagem. Lá a gente fica projeto mencionado corria o risco de perder a gênero, muitas vezes incomoda o mundo do tee Chand, Chris Mosier, Maria Patiño, Edinanci
à vontade, sem ter homem para ficar sua continuidade, tendo em vista que o convê- esporte, e esse incômodo se traduz em con- Silva, Tiffany Abreu, Isabelle Neris, e tantas/os
reparando se você está bem, ou mal. nio do município com o Ministério do Esporte trole, restrições e preconceito, tanto no esporte outras/os atletas92 vêm contribuindo para alte-
Se é para homem ver, que veja você estava em vias de finalizar. Naquele momento, de alto rendimento quanto na prática cotidiana, rar essa lógica e para inspirar pessoas a verem
bonita e não toda avacalhada, cansada, uma das possibilidades que surgia para garantir nas comunidades e nas escolas. Com escusas no esporte um espaço de prática da alteridade
desarrumada e suada [informante o prosseguimento do projeto era contar com de se evitar fraudes ou vantagens entre compe- e de concretização de direitos humanos, ainda
praticante de ginástica em uma a colaboração de cada uma das participantes. tidoras/es, durante décadas atletas transexuais que muitos avanços sejam necessários. Todas
academia exclusiva para mulheres]89. Conforme o relato de uma delas: e intersexuais foram excluídas/os de grandes as pessoas (cisgêneras ou transgêneras) de-
competições, ou então, tiveram que passar por vem poder escolher praticar balé ou futebol (ou
Compreender que há feminilidades e mascu- A gente se organizou sim, isso foi na época testes cromossômicos, físicos ou hormonais qualquer outra atividade física e esportiva que
linidades “no plural” é uma maneira de ampliar as que acabou o contrato da professora, para comprovar seu gênero, e ainda, por cirur- desejarem) sem sofrer restrições e discrimina-
possibilidades de escolhas de como se quer ser mas nós não queríamos que parasse gias e outras intervenções e garantias legais, ções, seja no dia-a-dia, seja profissionalmente93.
mulher ou homem. Ao não se restringir a uma a aula, então cada uma contribuiu procedimentos muitas vezes vexatórios e que
única maneira de ser feminina ou masculino, é um pouquinho, para ela continuar,
possível colocar em destaque os preconceitos até ela formar outro contrato91. Fonte: Elaboração própria.
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©João Moura
de sociabilidade bastante enriquecedores. vência de idosos são espaços importantes para
Essas considerações vão ao encontro de uma o acesso dessas pessoas às AFEs. Mas nesses
pesquisa que trata de fatores que influenciam na locais, além da possibilidade de praticar aquilo
adesão a atividades físicas por parte de idosos: que gostam e que lhes faz bem, com o acom-
panhamento de especialistas – algo valorizado
no transcorrer da pesquisa, buscou-se pelos idosos e referido numa das pesquisas –, RETRATOS DE INCLUSÃO SOCIAL Nessa perspectiva, torna-se compreensível
evidenciar o que estimulava a pessoa os idosos têm a oportunidade de estar com os que algumas pessoas, para terem uma vida dig-
longeva a fazer AF. Foram obtidas várias seus pares, interagindo e compartilhando pro- Nas últimas duas décadas, foram inúmeros na, busquem ter acesso àquilo que a sociedade
respostas, como: gostar, sentir necessidade jetos individuais e coletivos. Dessa forma, se o os projetos sociais esportivos que emergiram a que pertencem valoriza e oferece. É, então,
de fazer, ter força de vontade, ter e fazer foco for a noção de desenvolvimento humano, com objetivos voltados para a inclusão social. importante questionar: quem precisa ser incluí-
novas amizades, ver e comunicar-se faz pouco sentido pensar nas atividades físicas No meio acadêmico, nesse mesmo período, do? O que dizem os trabalhos acadêmicos sobre
com as pessoas, sair de casa, ter mais para idosos tratando separadamente aquilo que, também é visível a proliferação de produções possibilidades de inclusão social tendo as AFEs
disposição, saúde, preencher o tempo livre, quando se materializa no cotidiano dos sujeitos, científicas oriundas da Educação Física que se como mediadoras? Em que medida o acesso a
não ficar sozinha em casa, ter amor pela ocorre em cenários multidimensionais. ocupam dessa temática. Os esforços para vin- essas atividades traz consequências positivas
vida. Essas colocações mostram que os E se nesses projetos acontece a busca do cular as AFEs à possibilidade de inclusão social, no que se refere ao desenvolvimento humano?
motivos vão ao encontro de uma vida de convívio com outras pessoas da mesma ida- portanto, são recorrentes, e os esforços para Os processos de inclusão social que pos-
qualidade. Elas afirmaram: “[...] vontade de de, há também relações com outras gerações, compreendê-los já resultaram em um conjun- suem as AFEs como mediadoras pertencem
viver [...] necessidade de ficar bem [...] ver que é o caso do contato com os profissionais. to de conhecimentos específicos e críticos so- a dois grupos. O primeiro, constituído de pes-
gente, estar em forma, não ficar na mesma Chama atenção no projeto “de lazer” Vida Ati- bre a maneira como isso vem sendo estabele- soas com algum diagnóstico de deficiência ou
[...] respirar outros ares, ver a natureza [...] va, em Minas Gerais104, os laços de sociabilidade cido nas diversas realidades brasileiras. de transtornos psicológicos; e o outro grupo é
é bom para a cabeça, para termos lucidez mediados pela ginástica e pela dança que ocor- Dentre esses conhecimentos, destaca-se a formado por pessoas que habitam em bairros
[...] a gente se sente bem melhor103. riam entre mulheres participantes e entre elas compreensão dialética das práticas de inclusão periféricos, considerados pobres, sem infraes-
e as professoras. Essas situações eram valori- e exclusão social105. Ao referir-se à noção de in- trutura e serviços mínimos. Pouquíssimos tra-
A maior parte dos trabalhos foram realiza- zadas pelas idosas, que visualizavam as práticas clusão social dialoga-se com os processos de balhos se ocupam em compreender ações di-
dos com pessoas participantes de grupos de oferecidas como possibilidades de atenuar as exclusão social que atravessam a vida das pes- recionadas para o segundo grupo de pessoas106.
convivência de idosos. Independente das AFEs marcas do envelhecimento e de encontrar uma soas. Assim, ao atentar-se para os cenários em Reconhecem que as principais limitações para a
praticadas por essas pessoas e presentes nes- vida saudável e criativa. Mas isso ocorria mes- que AFEs e inclusão social se cruzam, no intui- prática de AFEs por pessoas habitantes de bair-
ses cenários – caminhada, câmbio, atividades de mo que também se revelassem conflitos gera- to de proporcionar ampliação das possibilida- ros periféricos das cidades concernem à preca-
aventura, danças, ginástica, alongamento, e ou- cionais, o que apontou, inclusive, para os limites des de escolhas das pessoas frente ao que elas riedade e mesmo à falta de espaços disponíveis
tras –, os trabalhos evidenciaram positivamen- da formação profissional em Educação Física no pretendem “ser” e “fazer”, considera-se proces- para essas práticas e também aos custos que
te a presença dessas atividades nas vidas das que se refere ao atendimento a essa população. sos de restrições e limitações dos direitos so- essas práticas podem requerer. Essas dificul-
pessoas. Como já enfatizado, isso se identifica ciais, além de diversos mecanismos de exclusão dades acabam resultando em processos de
tanto por razões instrumentais, relativas aos que se materializam no cotidiano. exclusão em diferentes esferas da sociedade,
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inclusive de direitos que elas, na qualidade de Nessa fala está explícita que a deficiência zados que tiveram ao longo do projeto, assim Caixa 5.9
cidadãos, deveriam ter. visual não impede os jogadores de operarem como a ampliação de possibilidades do que são No Censo de 2010 (IBGE), quase 18 milhões
Já entre as pessoas com deficiência, são ob- com a noção de distância durante o jogo, uma capazes de fazer. Os vínculos que estabelece- de brasileiros declararam apresentar
servados diferentes esforços no sentido da in- vez que essa passa a ser medida pelas percep- ram nas aulas de capoeira lhes permitiram ex- alguma deficiência severa
clusão vinculados à oferta de atividades como ções sonoras e não pelas percepções visuais. perimentar e desenvolver habilidades que até
danças, ginásticas e atividades físicas e espor- As adaptações realizadas nas regras, técnicas e aquele momento não eram por eles acessadas. Pessoa com deficiência é aquela que apresenta limita-
tes adaptados. Goalball, futebol para cegos, ca- táticas não buscam enfatizar as limitações que Mas, além de práticas corporais e esportes ção em um ou mais domínios funcionais, como resulta-
poeira, rugby, handebol e danças em cadeiras acometem os deficientes visuais, mas sim vol- voltados especificamente para essas pessoas, do da interação de fatores pessoais, ambientais e sociais,
de rodas são as práticas que as pessoas diag- tam-se para explorar capacidades que muitas há exemplos de projetos que oferecem natação, o que as torna mais vulneráveis ao desenvolvimento de
nosticadas com alguma deficiência se vinculam. vezes eles não imaginavam que poderiam ter. danças, lutas, musculação, ginástica e ioga para algumas doenças crônicas não transmissíveis. No Brasil,
Em meio a esses diversos esforços no sentido Fato semelhante também foi percebido nas a comunidade e que são apresentados para as há um aparato legal que garante o direito dessas pesso-
de inclusão, todas essas AFEs foram criadas e/ aulas de capoeira ofertadas em um projeto de pessoas com deficiência: elas podem escolher as aos serviços de educação, saúde e práticas esportivas,
ou modificadas baseadas em regras, técnicas e extensão universitária para “deficientes intelec- de qual/quais querem participar. São feitos “ar- mas as condições efetivas de acesso e participação dei-
táticas que potencializam as habilidades/possi- tuais”108. Durante as aulas, houve um direcio- ranjos pedagógicos”111 durante as aulas para que xam muito a desejar, e as ações efetivamente implemen-
bilidades dessas pessoas. namento para os aspectos rítmicos presentes essas contemplem as características de todas tadas pelo Estado são tímidas.
No caso do futebol para cegos, por exemplo, na capoeira uma vez que “a alegria, o nível de as pessoas que fazem parte das turmas. Dife- As Atividades Físicas e Esportivas (AFEs) podem contri-
as referências sonoras são fundamentais e es- excitação e de vibração dos participantes com rente das ações anteriores, que visam adaptar buir de modo importante para a melhoria das condições
tão materializadas na bola utilizada, a qual con- as atividades mediadas pela musicalidade se ex- e mesmo criar práticas próprias para determi- de crianças, jovens, adultos e idosos com deficiências (in-
tém um guizo, nas falas dos goleiros e técnicos plicitavam de maneira latente nas suas expres- nados tipos de deficiências, os pesquisadores telectuais, motoras, auditivas ou visuais), ao fomentarem
e na própria movimentação dos praticantes em sões corporais”109. A partir desse encaminha- do artigo destacam que, nesse caso, o “princípio a independência funcional, oferecerem oportunidades de
quadra. Conforme o relato de um jogador, são mento das intervenções pedagógicas os alunos norteador não é criar projetos exclusivos para lazer e integração social, reduzirem comorbidades e me-
as escutas dos diferentes sons presentes no passaram a aprender a tocar instrumentos mu- pessoas com deficiência, que na nossa compre- lhorarem a autoestima.
jogo que o possibilita saber onde ele está na sicais da capoeira e com isso desenvolver capa- ensão fugiriam do paradigma inclusivo”112. A par- Contudo, a prática de AFEs tem incidência menor en-
quadra e onde estão os demais jogadores: cidades que até então não haviam vivenciado. tir desse ponto de vista, tratar e “atender” essas tre as pessoas com deficiências em comparação com o
Na descrição de uma dessas aulas, pode-se ver pessoas de forma separada não garantiria a conjunto da população brasileira. Muitas barreiras inibem
[...] o DV [pessoa com deficiência visual], o protagonismo de uma aluna e dois alunos na sua inclusão quando fossem levadas a conviver o envolvimento com as AFEs para as pessoas com defi-
ele sabe onde ele tá. [...] Se ele ouve a voz prática de um instrumento musical: com outros membros pertencentes à mesma ciência, destacando-se a (in)acessibilidade arquitetônica,
do goleiro adversário ele sabe se tá longe sociedade, em outras situações. a pequena quantidade de programas especializados ou
do gol, se tá perto. Se ele ouve a nossa A aluna Mirela e o aluno Tales foram A partir dessa diversidade de projetos e da inclusivos e de profissionais com formação adequada. Por
voz, a voz de nosso goleiro, ele sabe se tocar o atabaque. Antes de a música maneira com que são planejados e realizados, sua vez, o baixo nível de informação sobre as pessoas com
tá longe ou se tá perto, ele... nem precisa começar, a aluna Mirela começou a bater chama a atenção o quão tênue pode ser a se- deficiência contribui para o preconceito e aumenta a ex-
falar; às vezes, ele mesmo sabe aonde que no atabaque o toque do início da música paração de ações que visam excluir ou incluir. clusão, gerando desigualdade social.
ele tá dentro de quadra, né? Às vezes, ele com muita facilidade. Aproveitamos Assim, ao mesmo tempo que as atividades Uma série de medidas são necessárias para reverter
tem a noção completa. Ah! Peraí, eu tô a esse momento e começamos a ensaiar. adaptadas podem potencializar capacidades esse quadro: capacitação de profissionais, adequação dos
uns 5 metros da banda, eu tô a 10 metros Os alunos estavam bem integrados, das pessoas com deficiência, elas podem res- espaços e transporte públicos, disseminação de informa-
da banda, eu tô a 10 metros do gol. Ele batendo palma e cantando. Thiago, tringir o convívio e as possíveis aprendizagens e ções, acesso a materiais adaptados e tecnologia assistiva,
sabe mais ou menos... Ele sabe essa... essa como sempre, se mostra muito contente vivências que essas pessoas poderiam ter com dentre outras.
distância. O ouvido já te dá essa distância por estar tocando o atabaque110. outras sem deficiência, bem como estas com
Fonte: elaboração própria com base em GREGUOL, 2017.
[...]. Ele já faz a... a medida da distância, aquelas. Essa ambiguidade também se faz pre-
né? O próprio ouvido do deficiente, A iniciativa de Mirela, Tales e Thiago, ao se dis- sente quando esses indivíduos acessam práti-
que é o que ele depende muito107. porem a tocar o atabaque, expressa os aprendi- cas que não possuem adaptações específicas
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para suas limitações, as quais podem ser uma Em outra direção, que vai além das melhorias
forma de reforço a essas mesmas limitações, “físicas” dos praticantes de AFEs, sensações de
em vez de favorecer o desenvolvimento de ou- bem-estar e de felicidade também foram iden-
tras capacidades. Tais constatações direcionam tificadas por diversas pessoas que vivenciaram
para uma compreensão de inclusão social que as atividades voltadas para a inclusão. No caso
extrapola a proposição de ações e esforços di- de uma mulher, diagnosticada com transtorno
recionados a indivíduos com deficiência, enfati- bipolar, as vivências corporais lúdicas propor-
zando, principalmente, a necessidade de se re- cionaram a ela diversas mudanças benéficas,
pensar uma organização social que contemple, conforme relata: “hoje até minha expressão mu-
respeite e valorize a diversidade humana. dou. Aquela fisionomia pesada, amarrada, saiu de
Independente das limitações e dificuldades mim e agora você percebe uma expressão facial
que marcam a trajetória dessas pessoas, ao se melhor, eu consigo sorrir, eu consigo brincar”116.
inserirem em ações que buscam incluí-las na vida De maneira semelhante, os participantes de
Fonte: MELLO et al, 2014.
social mais ampla, alguns relatos mostram que um projeto de capoeira também perceberam
elas passaram a vivenciar importantes mudan- que as aulas lhes proporcionavam alegrias, o
ças em várias esferas de suas vidas particulares. que expressaram num desenho que elabora- Eu que não vejo, eu pra mim fazer um Enfim, seja a partir de melhoras do corpo e
Diversas pesquisas destacaram modificações ram durante o projeto e no nome que escolhe- esporte numa praia ou numa coisa, eu da capacidade de se movimentar, seja a partir
benéficas em relação aos aspectos físicos e ha- ram para identificar o seu grupo (Figura 5.1). De aprendo que seguinte, que quando eu de sensações de bem-estar, felicidade e alegria,
bilidades motoras dos participantes de diferen- acordo com os autores, “no desenho, vê-se uma vou eu ando até sem bengala, eu corro seja por conta de encontrar um lugar na vida
tes ações de AFEs voltadas para a inclusão das pessoa sorrindo, segurando o berimbau. […] na beira da praia e seguindo a água, eu social, fazer parte de ações que visam à inclusão
pessoas. A prática do goalball, por exemplo, pro- Quanto ao nome, duas sugestões empataram uso a referência da água, não bengala, parece favorecer condições concretas para as
porcionou melhora na locomoção diária e me- na preferência dos participantes: linda e alegria. então eu corro sem bengala mesmo, eu pessoas ampliarem suas escolhas do que po-
lhoria na mobilidade nas atividades cotidianas Esses dois nomes foram escolhidos para repre- uso só, vou pisando descalço lá na água dem “fazer” e mesmo do que podem “ser”. A au-
de deficientes visuais113. Já, os alunos da Apae sentar o grupo”117. e vou embora, corro dois quilômetros118. tonomia e autoconfiança adquiridas permitem
(Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), Nessa perspectiva, chama a atenção a auto- vivenciar experiências que anteriormente não
ao participarem de um projeto de extensão que nomia e a autoconfiança que algumas pessoas Já no caso de uma mulher cadeirante que seriam possíveis.
ofertava práticas psicomotoras, tiveram avan- passam a adquirir. Outro homem, por exemplo, começou a participar de uma companhia de
ços significativos relacionados à coordenação após participar de atividades de lazer ofereci- dança, as aprendizagens que teve durante as
motora global114. Ainda vale sublinhar o relato das por um clube, voltadas para a inclusão de aulas e ensaios e, principalmente, as apresen-
de um homem de 21 anos com lesão medular e pessoas com deficiência visual, passou a realizar tações e espetáculos dos quais participou, lhe
praticante de handebol em cadeira de rodas. Ao outras atividades “de divertimento”, de maneira permitiram construir uma nova identidade:
refletir sobre as suas limitações físicas, afirmou: mais autônoma e confiante. Diz ele: “hoje as pessoas me conhecem como dançarina,
“Se eu fosse uma pessoa sedentária, meu proble- elas poderiam me conhecer como aquela moça
ma seria maior”115. deficiente na cadeira de rodas”119.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 5
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Cenários de desenvolvimento humano marcados por atividades físicas e esportivas
o reconhecimento social, o
compartilhamento de valores, a
nutrição de lógicas de reciprocidade, de
solidariedade e de empatia conduzem
RETRATOS DE IDENTIDADE,
PERTENCIMENTO E CIDADANIA
O reconhecimento social, o compartilhamen-
to de valores, a nutrição de lógicas de reciproci-
à formação dos grupos de práticas
dade, de solidariedade e de empatia conduzem de AFEs, estando isso diretamente
As dinâmicas sociais relacionadas aos per- à formação dos grupos de práticas de AFEs, es-
tencimentos em grupos, às construções de re- tando isso diretamente associado à sua coesão associado à sua coesão e durabilidade
presentações de identidades e à participação e durabilidade. Neles, as pessoas engajadas não
cultural podem ser significativas para o desen- terão dificuldades para dizer que se sentem “em os elementos das análises ficou evidente que as conhece! Pelo contrário, você quer ser
volvimento humano nos cenários das AFEs. casa”, que aquilo reflete um verdadeiro “círculo pessoas declaravam maior motivação quando simpático, quer criar amizade, um laço
Ainda que inicialmente muitas pessoas se de amizades” e até mesmo, em muitos casos, as práticas englobavam músicas folclóricas, es- forte no local. Na escalada, por mais
vinculem aos cenários das AFEs em face de di- corresponde a “outra família”. pecialmente aquelas que fizeram parte de suas que seja rápido, que dure só um dia,
nâmicas muito distintas (relações de vizinhança, Foi o caso de grupos de jogadores de fute- trajetórias de vida, o que acabava impactando às vezes um segundo ao menos, mas
coleguismos, procedências, parentescos, convi- bol retratados num circuito varzeano da região nas disposições para se organizar e vivenciar as que pode estar sua vida nisso125.
tes e convocações oriundos de programas ou metropolitana de Porto Alegre122. Ao estudar a próprias atividades, qualificando sobremaneira
projetos de órgãos públicos, privados ou do organização dos times, a pesquisa mostrou que as suas experiências naquele lugar. O estudo desse grupo de montanhismo en-
terceiro setor etc.), a vivência cotidiana nesses os jogadores membros de “um grupo” eram Há, portanto, condições razoáveis para sus- sina que enfrentar junto com outras pessoas
arranjos sociais passa a envolver produções mais do que parte de “um time de futebol”, pois tentar o entendimento de que os grupos de os desafios das rochas e picos envolve um tipo
vinculadas aos seus pertencimentos. Isso signi- era fácil acompanhar os mesmos arranjos em AFEs, como lugares de enriquecimento da vida, de desenvolvimento que requer: 1) reconheci-
fica que tais cenários são aquilo que se pode festas, em bares, em locais de trabalho. Mesmo são aqueles nos quais as pessoas constituem e mento e respeito à experiência daqueles que
chamar de lugares sociais, resultado de cons- distantes dos campos e fora das temporalida- afirmam seu pertencimento. Esse é um aspec- já escalam há mais tempo; 2) tratar a rocha e
truções culturais, históricas e relacionais, nos des das partidas de futebol, entre aqueles que to bem marcado na pesquisa que investigou o os seus riscos com seriedade; 3) preocupar-se
quais o movimento de “tornar-se parte” é muito faziam parte “dos grupos-famílias”, foram no- Grupo de Escalada Esportiva e Montanhismo com os parceiros de escalada, zelando pela se-
importante. tados cumprimentos como “e aí meu goleiro”, da Unicamp, caracterizado como aberto, autô- gurança; 4) prezar pelo bom convívio entre gru-
Nesses lugares, as pessoas se reconhecem, “meu zagueiro”, “meu lateral” ou “meu goleador”. nomo e autogestionado, formado por dezenas pos e pelo respeito à natureza; e 5) investir em
aprendem a fazer parte dos contextos de in- Esses grupos circulavam em diferentes times e de praticantes, a maior parte estudantes uni- tempos, estudos e equipamentos, mostrando
terações que igualmente os constituem como campos da cidade, indicando claramente que o versitários, que encontravam na escalada um comprometimento. Essa lista de etiquetas cer-
sujeitos sociais. Um pouco disso está represen- lugar social construído não podia ser reduzido importante vetor de lazer124. Numa das seções tamente é apenas uma pequena amostra da-
tado numa investigação que procurava saber a a questões esportivas ou a um conjunto de re- do trabalho, está descrita a importância da saí- quilo que é importante para “se tornar” parte do
respeito da assiduidade de idosos em grupos de gras e padrões de comportamentos institucio- da da parede artificial e da ida para as rochas e universo das escaladas, as quais, na maioria das
práticas de atividades físicas em Unidades Bá- nalizados. As redes e as tramas de relações se picos mais visitados, sendo esse um momento vezes, são compartilhadas e coproduzidas de
sicas de Saúde da cidade de Londrina/PR120. Na tornavam mais densas e o pertencimento ex- que modifica as relações entre os escaladores. maneira não formal e pela oralidade. As práticas
pesquisa, fica claro a importância da noção de trapolava as lógicas do futebol, ao mesmo tem- Um pouco dessa transformação pode ser nota- no âmbito do lazer carregam essa caracterís-
grupo, como descreve uma das pessoas consi- po em que as envolvia. do no depoimento de um dos praticantes: tica de uma socialização ou de educação não
derada muito assídua. Segundo relato, ela gosta- Outros trabalhos trouxeram mais elementos formal, mas igualmente importante na vida das
va muito de participar “[...] não só pela atividade sobre isso, reforçando que, ao se engajarem nos [...] não é porque é da mesma tribo, [mas] pessoas.
física, mas pelo fato de que o grupo fez camisetas, grupos de AFEs, as pessoas não se destituem eu sinto pelo menos que a gente começa Além disso, é preciso sublinhar que os grupos
colocou nome no grupo, foi muito importante das suas trajetórias e constroem, naqueles ar- a agir com benevolência. Começa a agir das AFEs, segundo suas singularidades históri-
para mim”. Ela também salientou que “todos que ranjos, as histórias e memórias coletivas que se pensando que você pode precisar da cas, concretas e simbólicas, estabelecem posi-
estão no grupo me apoiam e eu apoio todo mun- inscrevem nas práticas corporais. Um estudo outra pessoa que está compartilhando ções a respeito das quais os pertencimentos se
do. Quando faço alguma coisinha errada, o meu buscou compreender a motivação de pessoas o mesmo ambiente, é como se mudar constituem. As habilidades corporais, embora
amigo já vai lá e me ajuda, me corrige, com isso, idosas para a participação num grupo de ati- para uma casa nova, sabe? Você não sejam muito significativas no posicionamen-
fico muito contente também”121. vidades físicas (danças e brincadeiras)123. Entre vai maltratar seu vizinho que você nem to de uns em relação aos outros, não são as
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As AFEs são formas particulares de viver o vida em sociedade, não se pode atribuir a elas Nessa direção, há relações positivas entre de pessoas que valorizam e se motivam pelo
corpo, o qual é pensado e vivido dentro de uma apenas valores positivos140. AFEs e desenvolvimento humano materializa- envolvimento em AFEs que são praticadas “com
pluralidade de sentidos que se materializam No caso das pesquisas sobre adultos e ido- das em situações/contextos nos quais as pes- os outros”.
em diferentes sociedades e contextos, quando sos, dois eixos de análise sobre como o corpo soas estavam juntas com outras, em circuns- Essa disposição coletiva pode ser explicada
praticados por pessoas e grupos sociais parti- é/pode ser vivido pelas pessoas foram identi- tâncias onde viviam intensas relações do que se porque as AFEs mobilizam, materializam e se
culares. No caso dos cenários sobre crianças, ficados: um deles vinculado a pretensões de denomina de “sociabilidade”. Se a sociedade tem somam às dinâmicas de pertencimentos em lu-
adolescentes e jovens, a maioria dos estudos performance, produtividade e “modelagem” cor- uma dimensão concreta, que indica um conjun- gares/grupos sociais onde se evidencia a cons-
analisados apresenta resultados potencializa- poral, dentro de padrões estabelecidos; e outro to de indivíduos socializados que formam redes trução de identidades e a participação cultural
dores do desenvolvimento humano no cenário pautado pela busca de prazer, divertimento, li- identificáveis no espaço e no tempo, ela tam- no sentido de cidadania. Observa-se isso: a)
das aulas de Educação Física e dos projetos de berdade e até contraposição aos modelos he- bém se constitui por lógicas simbólicas de reci- nas ações coletivas de mulheres que “insistem”
AFEs, sobretudo no campo da saúde e do de- gemônicos relativos ao corpo. procidade que conferem materialidade a essas em buscar o direito de praticar as AFEs que
senvolvimento motor, das habilidades sociais, Poucos trabalhos, tendo como referência a redes, na forma de modos e padrões visíveis de lhes convém; b) quando idosos “clamam” pela
da autonomia e desenvolvimento da moral e primeira perspectiva, estabeleceram relações relacionamento, que ocorrem em determina- manutenção de um projeto social; c) quando
do desenvolvimento cognitivo. positivas entre AFEs e desenvolvimento huma- dos círculos de convívio social. pessoas defendem as AFEs “alternativas” e cri-
Os trabalhos indicaram a importância do no. É difícil olhar “positivamente” para a vida de Nessas configurações de encontro em que ticam as AFEs “tradicionais”; d) quando pessoas
planejamento do docente em situações de in- atletas e bailarinas submetidas a treinamentos ocorrem relações entre as pessoas, os partici- advogam a favor da “inclusão” dos “excluídos”;
tervenção, não podendo ser oferecida qualquer duros, que conduzem ao esgotamento físico e pantes estão “com”, “para” e/ou “contra” os ou- e) quando grupos defendem práticas conside-
prática. Os benefícios das AFEs para o desen- psicológico, e também a lesões repetidas; posi- tros, interagindo pautados por “jogos” de regras radas das culturas das periferias etc.
volvimento humano dependem em grande me- ção que se repete ao olhar para mulheres que implícitas que findam por criar unidades, gru- Observar a realidade dos parques e praças pú-
dida de como as mesmas são tratadas peda- sofrem de lipofobia e tentam manter o corpo pos, segmentos e identidades, os quais acabam blicos das grandes cidades brasileiras nos finais
gogicamente. O esporte – nesse caso as AFEs de acordo com padrões esperados. Ainda assim, por ter suas próprias histórias. Orientados por de semana permite identificar o quanto diferen-
– por si só não é necessariamente uma ferra- é importante frisar que, desde o ponto de vista uma infinidade de interesses, desejos, anseios, tes grupos sociais investem energia e tempo em
menta educativa139. A prática esportiva também do desenvolvimento humano, as pessoas de- visões de mundo, gostos, se constituem, enfim, atividades de lazer. Além do consenso acerca da
pode ensinar comportamentos contrários aos vem ter opções de escolher o modo de vida que processos particulares de associação, cujo sig- relevância do lazer enquanto fenômeno social, há
discursos e objetivos das aulas de Educação Fí- desejam e valorizam, ainda que isso implique nificado não é fixo, mas emergente da própria convergência sobre o fato de que essa dimensão
sica e dos projetos de AFEs. Assim, a interven- em fazer treinamentos intensivos. De qualquer interação. Esses processos microssociais tam- da vida está alicerçada em “lógicas de oposição”,
ção do professor é fundamental para mediar forma, tais decisões precisam vir acompanha- bém podem ser identificados numa extensão identificadas por duas possibilidades: uma delas
os conflitos, questionar, promover reflexões, in- das de reflexões feitas a partir de conhecimen- alargada, identificada em redes mais amplas acerca da dimensão conceitual do lazer e outra
centivar ou desencorajar determinados tipos de tos, de modo a expressar a autonomia da pes- de relacionamento atravessadas por dinâmicas relativa ao que o lazer pode (ou poderia) oferecer
comportamentos que surgem durante a prática soa que decide trilhar esse caminho. que envolvem parentesco, vizinhança, mundo para a vida das pessoas.
dessas atividades. Contrariamente, não foram poucos os exem- do trabalho, tempo/espaço do lazer, associati- O lazer pode ser definido como uma dimen-
Em muitos casos, interpreta-se que os sen- plos de AFEs que eram vividas de forma lúdica, vismos diversos e também instituições e ma- são da vida que se contrapõe às obrigações do
tidos atribuídos às AFEs são atributos próprios sem exigências de resultados, pautadas pela li- croestruturas abrangentes, entre elas, as ins- cotidiano, relacionado fundamentalmente ao
e naturais delas. Numa caricatura dessa visão, berdade de escolha, em práticas adaptadas aos tâncias governamentais. descanso, ao divertimento, à recreação e entre-
as AFEs são compreendidas como um ente, aci- interesses e possibilidades de cada grupo social. Em geral, as práticas realizadas em coleti- tenimento, mas também ao desenvolvimento141.
ma das relações que as pessoas estabelecem, Nesse contexto, encontram-se idosos pratican- vo potencializam as relações entre AFEs e de- Enquanto momento de “desenvolvimento”, ele
portador de uma essência que independeria do AFEs em grupos de convivência, deficientes senvolvimento humano. Mesmo em contextos também precisa ser “desinteressado”142 e assim
de contextos históricos e culturais e, portanto, vivendo AFEs adaptadas às suas possibilidades, onde a saúde “física” aparece como algo a ser a oposição entre tempo/espaço do lazer e ou-
dos sentidos que os sujeitos lhe conferem. No pessoas praticando AFEs alternativas, pessoas perseguido e de práticas que poderiam ser tros tempos/espaços da vida fica delimitada
entanto, mesmo que se acredite que as AFEs cujas práticas de AFEs são motivadas pela in- realizadas individualmente (caminhada, por pela noção de “(des)obrigação” e por uma atitu-
possibilitam a vivência de valores “úteis” para a tenção de viver “com os outros”. exemplo), não foram poucos os depoimentos de “(des)interessada”.
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1 Foram revisados 4.007 artigos publicados entre 32 Não inclui matrículas em turmas de
2011 e 2015, em 13 periódicos classificados nos atendimento complementar e atendimento
extratos A1, A2, B1 e B2 no Qualis/Capes. Desses, educacional especializado (AEE).
foram selecionados 200 artigos por sua interface 33 CHICON; MENDES e SÁ, 2011.
com a perspectiva do desenvolvimento humano. 34 Ibid. p. 192.
Foram então analisados em profundidade 55 35 DAL CIN e KLEINUBING, 2015;
artigos sobre crianças, jovens e adolescentes MARQUES; SURDI e KUNZ, 2013.
e 145 artigos sobre adultos e idosos. 36 As barreiras estão relacionadas especialmente
ao espaço físico, metodologia, planejamento
A lógica de oposição também é identificável etc., o lazer perde a sua complexidade enquan- 2 Para os efeitos deste trabalho, considerou-
se: crianças – de 3 a 10 anos; adolescentes e apropriação do conhecimento por parte do
quando o lazer é pensado em relação à sua re- to fenômeno social e acaba sendo visto como professor, além das questões de gênero.
– de 11 a 14 anos; e jovens – até 18 anos.
levância para a vida das pessoas. Algumas pers- uma dimensão da vida separada das demais. 3 BAILEY, 2013. 37 DAL CIN e KLEINUBING, 2015.
pectivas ressaltam, de forma crítica, os limites Diferente disso, nas situações expostas há uma 4 O próximo capítulo, sobre o papel das AFEs 38 CASTRO e SOUZA, 2011.
na promoção da saúde, traz uma discussão 39 Ibid; SILVA e SILVA, 2014.
que perpassam as vivências de lazer, especial- complexidade de relações que ocorrem simul- 40 SOARES; GOMES DA SILVA e RIBAS, 2012.
mais aprofundada sobre essa questão.
mente aquelas pautadas pelo mero consumo taneamente nos tempos/espaços de lazer, sen- 5 SPOHR et al., 2014, p. 300-313; CARDOSO et al, 2014, 41 Ibid. p. 178.
de determinadas práticas, um lazer que repro- do esses tempos/espaços tão profundamente p. 147-161; SOARES e HALLAL, 2015, p. 588-597. 42 LA TAILLE; SOUZA e VIZIOLI, 2004.
6 SPOHR et al., 2014. 43 PIAGET, 1994.
duz desigualdades e posições conservadoras, ligados a outras dimensões da vida cotidiana 44 BRASIL, 1997.
7 CARDOSO et al, 2014, p. 156.
um lazer pouco crítico e pouco criativo, e um que se tornam sua continuação. 45 Ibid.
8 SPOHR et al., 2014.
lazer “alienado” e passivo, no que se refere à Pensado dessa forma, os retratos apresenta- 9 SOARES e HALLAL, 2015. 46 LEITÃO e OSÓRIO, 2014; MOLINA;
FREIRE e MIRANDA, 2015.
participação das pessoas na sua construção. Ao dos levam a entender que o lazer se articula, se 10 DA SILVA, BIANCHINI, NARDO JUNIOR
(2013); WEIS, ROMANZINI e CARVALHO 47 Ibid.
ressaltar as desigualdades sociais, sublinha “as comunica e se constrói a partir e em relação a 48 LEITÃO et al., 2011; CAETANO, 2014;
(2011); ARAUJO et al. , 2012, p. 14-26.
faltas” que se materializam no pouco acesso ao outras instâncias das vidas dos indivíduos, sen- 11 ARAUJO et al., 2012, p. 14-26. LEITÃO e OSÓRIO, 2014; MOLINA; FREIRE
lazer que têm significativas parcelas de diferen- do um universo cultural que – com suas singu- 12 PEREIRA DA SILVA, 2012. e MIRANDA, 2015; NOGUEIRA, 2015.
13 GALLAHUE e OZMUN, 2005. 49 AZEVEDO, 2016.
tes populações e grupos sociais. Em contrapon- laridades – se relaciona (mas não se opõe) com 50 BRASIL, 2016.
14 NAZARIO e VIEIRA, 2014; APOLONI,
to a isso, são encontradas ênfases que apontam a vida cotidiana. O lazer pode, então, ser conce- LIMA e VIEIRA, 2013. 51 SILVA et al., 2012, p. 142-150; PESERICO;
o lazer como um direito social e posições que bido a partir de redes de sociabilidades que lhe 15 Ibid. KRAVCHYCHYN e OLIVEIRA, 2015, p. 260-
16 PNUD, 2016. 277; FERRARI et al., 2014, p. 37-46.
defendem um lazer que seja capaz de contri- conferem substância na forma de práticas e uso 52 NUNES et al., 2014.
17 SCOTT, 1995.
buir para a superação dessa mesma realidade, de equipamentos apropriados para a diversão, 53 SILVA D. et al., 2012.
18 BALBINOTTI et al., 2012, p. 728-734; MARQUES;
vinculado à realização de práticas críticas, cria- nessa dimensão da vida que não é totalmen- SURDI e KUNZ, 2013, p. 153-167; KLEINUBING; 54 CASTRO e SOUZA, 2011.
55 SOARES, 2008, p. 296.
tivas, reflexivas, emancipatórias e participativas, te íntima/privada, nem totalmente impessoal/ SARAIVA e FRANCISCHI, 2013, p. 71-82; ALTMANN;
MARIANO e UCHOGA, 2012, p. 285-301; 56 GONÇALVES; TURELLI e VAZ, 2012, p. 141-158.
quanto à sua produção. pública, mas um universo dado a misturas de 57 Idem.
SILVESTRIN e SARAIVA, 2012, p. 38: 75-88.
Quando analisado por essas lógicas de opo- intimidade e impessoalidade, de elementos da 19 KLEINUBING; SARAIVA e MELO, 2012. 58 ANJOS; OLIVEIRA e VELARDI, 2015, p. 439-452.
sição – obrigação/desobrigação, interesse/de- vida privada e pública, não configurando, assim, 20 Idem. 59 TEIXEIRA; FREITAS e CAMINHA, 2012, p. 590-601.
21 BALBINOTTI et al., 2012, p. 728-734. 60 Idem.
sinteresse, crítico/não crítico, emancipatório/ um espaço “entre parênteses”. 61 Idem.
22 SEABRA JR., 2012.
reprodutivista, participativo/não participativo 23 BRASIL, 1996. 62 Idem.
24 MAZZARINO; FALKENBACH e RISSI, 2011; CHICON 63 MOURA e HENRIQUES, 2014, p. 63-68.
e SÁ, 2013; FIORINI; DELIBERATO e MANZINI, 2013. 64 Idem.
25 MAZZARINO; FALKENBACH e RISSI, 2011. 65 PAIXÃO, 2011, p. 1-17.
26 CHICON, SÁ e FONTES, 2013. 66 SILVA P. et al., 2011, p. 206-210.
27 FIORINI; DELIBERATO e MANZINI, 2013. 67 MOURA e HENRIQUES, 2014, p. 63-68.
28 MAZZARINO; FALKENBACH e RISSI, 2011. 68 SANTOS et al., 2011, p. 1-24.
29 Ibid. p. 96. 69 Idem.
30 FIORINI; DELIBERATO e MANZINI, 2013. 70 Idem.
31 PNUD, 2010. 71 Conferir a discussão sobre prevenção e
promoção da saúde e AFEs no Capítulo 6.
180
ATIVIDADES FÍSICAS
E ESPORTIVAS
E SEU PAPEL
NA PROMOÇÃO As AFEs têm sido evidenciadas como um im-
portante elemento da promoção da saúde da
população. Contudo, o que se entende como
doença ou enfermidade”2. No entanto, durante
o século 20, essa concepção tem sido repensa-
da por não se afastar da ideia de “ausência de
185
Capítulo 6
Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
Ser sadio significa não apenas ser normal Um bom começo para a mudança é com- envolver a participação da própria população as ações preventivas buscam
em uma situação determinada, mas ser, preender que “uma sociedade saudável é muito na tomada de decisões e no planejamento es-
também, normativo, nessa situação e mais do que uma comunidade em que as cau- tratégico das ações. um distanciamento das
em outras situações eventuais. O que sas da doença são minimizadas”7. O “muito mais” O termo “promoção da saúde” se consoli- doenças, enquanto as ações
caracteriza a saúde é a possibilidade de pode ser compreendido a partir da percepção dou mediante contínuos acontecimentos que,
ultrapassar a norma que define o normal que cada pessoa ou comunidade tem sobre o a partir da década de 1960, têm impulsionado de promoção buscam uma
momentâneo, a possibilidade de tolerar
infrações à norma habitual e de instituir
viver bem e com qualidade, dentro do que se
pode ser, ter ou tornar-se, naquele momento.
uma nova compreensão sobre saúde e políticas
públicas de saúde. As organizações e os espe-
aproximação com a saúde
normas novas em situações novas5. Nesse contexto, surge a necessidade de cialistas na área da saúde incitaram novos de-
compreender como a promoção da saúde bates em várias partes do mundo argumentan-
Com relação à ideia de alcançar um estado ocorre e se distingue da prevenção dos proces- do a favor da forte influência dos determinantes
de completo bem-estar, compreende-se que a sos de doença. No campo teórico, os enfoques sociais e econômicos na condição de saúde da Primária em Saúde, criação de políticas e servi-
saúde não é uma constante de satisfação, mas de prevenção e promoção da saúde se distin- população, porque manter um paradigma de ços adicionais para atendimento a populações
“[...] uma margem de tolerância às infidelidades guem com mais facilidade do que as ações que saúde centrado no tratamento da doença não específicas (indígenas, população em situação
do meio [...], sendo suas infidelidades exata- deles derivam8. Enquanto a definição literal de atendia aos novos entendimentos sobre saúde. de rua, quilombolas, pacientes com doença re-
mente seu devir, sua história”6. Assim, o fato de promover é “dar impulso a, fomentar, originar, Durante a primeira Conferência Internacional nal e diabetes, entre outras) e estratégias para
não alcançar um completo estado de bem-es- gerar”, a de prevenir é “preparar, chegar antes sobre Promoção da Saúde, realizada em 1986 na tornar as cidades um ambiente saudável.
tar não distancia o indivíduo da possibilidade de de, impedir que se realize”9. No campo prático, cidade de Ottawa, foi dada uma ênfase positiva A Política Nacional de Promoção da Saúde,
ser saudável e de viver bem na completude de o desenvolvimento de ações de prevenção e ao processo de saúde. Desse marco histórico, instituída em 2006 e atualizada em 2014, tam-
suas capacidades. Pessoas passam por abalos de promoção caminha de modo complemen- obtém-se a seguinte definição: bém avança em uma perspectiva ampliada de
ao longo da vida, por diferentes razões, como tar10. Contudo, pode-se dizer que a promoção saúde, ao reconhecer que mudanças nos mo-
mudanças inerentes ao processo de envelheci- vai além de uma necessidade de antecipar uma Promoção da saúde é o nome dado ao dos de viver não se restringem à vontade ou
mento ou aos diversos eventos presentes no ação para reduzir agravos à saúde, ou ainda, de processo de capacitação da comunidade liberdade individual, mas também englobam à
viver, como situações no emprego ou de outras uma preocupação com a recuperação da saúde. para atuar na melhoria de sua qualidade forma como os indivíduos e a sua coletividade
naturezas. Essas mudanças, de certo modo, po- A promoção caminha pelo fortalecimento de de vida e saúde, incluindo uma maior elegem determinadas opções de vida, como
dem contribuir para que a concepção de saúde capacidades para lidar com os inúmeros condi- participação no controle desse processo. criam oportunidades e possibilidades para sa-
seja reajustada frente às novas possibilidades cionantes de saúde11. Para atingir um estado de completo bem- tisfazer necessidades e interesses pertencen-
de ser, sentir-se e tornar-se saudável. Enquanto a prevenção tem como foco evitar estar físico, mental e social, os indivíduos e tes à ordem coletiva, e como organizam suas
A saúde se conecta com o desenvolvimento o surgimento de enfermidades, a promoção é grupos devem saber identificar aspirações, escolhas14.
humano de forma contínua e recíproca, por com- focada na saúde propriamente dita. Assim, as satisfazer necessidades e modificar Ao reconhecer que a saúde é fortemente in-
partilhamento de concepções, valores, significa- ações preventivas buscam um distanciamento favoravelmente o meio ambiente. A saúde fluenciada pelas condições sociais, a OMS criou,
dos e atitudes construídas ou reconstruídas nas das doenças, enquanto as ações de promoção deve ser vista como um recurso para a em 2005, a Comissão sobre Determinantes
vivências individual e social. Essa engrenagem buscam uma aproximação com a saúde12. vida, e não como objetivo de viver13. Sociais da Saúde – CDSS15. Em 2006, foi imple-
favorece a troca de saberes e de experiências Assim, promover saúde transcende a oferta mentada no Brasil a Comissão Nacional sobre
que constituem a cultura de saúde e abre a pos- de assistência à saúde e caminha em direção Durante as quase três décadas após a cria- Determinantes Sociais da Saúde16. Desde então,
sibilidade para que transformações do conceito aos múltiplos aspectos que influenciam os mo- ção do Sistema Único de Saúde (SUS), o Bra- reduzir as injustiças na saúde tem sido reconhe-
de saúde e de sua apropriação aconteçam em dos de viver. Do mesmo modo, tem-se com- sil alcançou avanços importantes no que diz cido enquanto aspecto moral e compromisso
conformidade com as situações vividas, e com preendido que a saúde envolve o engajamento respeito à promoção da saúde e redução das político, sendo orientadas prioridades e metas
o momento histórico e de desenvolvimento no de diferentes setores públicos relacionados ao vulnerabilidades sociais, ampliando seu esco- globais para melhorar o bem-estar das pessoas
qual a sociedade se encontra. bem-estar social e, prioritariamente, deveria po de ações com o fortalecimento da Atenção e promover a equidade em saúde.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
Em 2010, a CDSS publicou um relatório sobre população e redução das desigualdades por Caixa 6.1
a redução das desigualdades no período de uma meio de políticas públicas e ações voltadas para Avanços e recuos em alguns determinantes e condicionantes de saúde no Brasil
geração, com foco na compreensão de como os a melhoria da distribuição de renda, em espe-
determinantes sociais influenciam a saúde da cial para redução da mortalidade infantil21 e da Indicadores ligados aos determinantes sociais Indicadores ligados aos estilos de vida e saúde
população e que ações poderiam reduzir essas violência22. (Pnad, 2004 e 2014)27 (Vigitel: 2006 – 2014, população residente nas
desigualdades que afetam diretamente a saú- Um reflexo positivo das medidas de erradi- • Média da renda domiciliar per capita: de R$ 26 capitais e no Distrito Federal)29
de17. No ano subsequente, o Brasil sediou a Con- cação da pobreza e universalização da saúde 549,83 para R$ 861,23. • Proporção de fumantes: de 16,2% para 10,8%.
ferência Mundial sobre Determinantes Sociais no Brasil se encontra na saúde materno-infan- • Coeficiente de Gini: de 0,570 para 0,515. • Proporção do consumo abusivo de bebidas
da Saúde, no Rio de Janeiro, que culminou com til, onde as taxas de mortalidade infantil reduzi- • Taxa de pobreza extrema segundo critérios alcóolicas: de 20,2% para 16,5%.
a publicação da Declaração Política do Rio so- ram-se significativamente a partir da década de do Plano Brasil Sem Miséria (R$ 77,00/mês): • Proporção do consumo de frutas e horta-
bre Determinantes Sociais da Saúde, centrada 198023, em função do amplo acesso da popula- de 6,7% para 2,48%. liças em 5 ou mais dias/semana: de 23,5%
na necessidade de se promover equidade so- ção aos serviços de saúde (Estratégia de Saúde • Cobertura previdenciária da população ocu- para 36,5%.
cial e saúde a partir de ações sobre os deter- da Família) e ao programa de transferência con- pada de 16 a 64 anos: de 63,4% para 72,9%. • Proporção de inativos fisicamente no tempo
minantes sociais da saúde e do bem-estar com dicional de renda (Bolsa Família)24. Por outro lado, de lazer: de 56,0% para 64,7%.
foco no entendimento de “saúde para todos” e a violência urbana tornou-se uma das principais Indicadores ligados às condições de saúde • Proporção de autoavaliação do estado de
de “todos pela equidade”18. Além desses aconte- causas de morte externa no Brasil, posicionan- (Censos 2000 – 2010)28 saúde como ruim ou muito ruim: de 4,9% em
cimentos, outros encontros e conferências im- do-nos com uma das maiores taxas de homicí- • Expectativa de vida ao nascer: de 68,6 para 2009 (ano de inclusão desta questão) para
portantes marcaram esses avanços, com desta- dio do mundo, tendo os jovens, negros e pesso- 73,9 anos. 4,4%.
que à 22ª Conferência Mundial de Promoção da as em situação de pobreza como as principais • Taxa de mortalidade de crianças com menos
Saúde da União Internacional de Promoção da vítimas da violência comunitária25. Experiências de cinco anos: de 37 para 19 casos por 1.000 Indicadores ligados aos fatores de risco para
Saúde e da Educação19. comunitárias de revitalização de espaços públi- crianças nascidas vivas. a saúde (Vigitel: 2006 – 2014, população resi-
Em todos esses momentos, o ponto central cos e programas de auxílio aos dependentes de • Taxa de mortalidade infantil: de 31 para 17 ca- dente nas 26 capitais e no Distrito Federal)30
de discussão tem sido promover maior equida- álcool e outras drogas têm modificado esse re- sos por 1.000 crianças nascidas vivas. • Proporção de pessoas com excesso de peso
de social e redução das iniquidades em saúde. trato em comunidades carentes das metrópoles (Índice de Massa Corporal ≥ 25 kg/m2): de
Esses avanços passam pelo reconhecimento e do país26. 46,1% para 52,5%.
controle dos determinantes estruturais (con- De modo geral (veja a Caixa 6.1), observa-se • Proporção de pessoas com obesidade (Índice
texto socioeconômico e político, que retrata melhoria nas condições de vida no país, com de Massa Corporal ≥ 30 kg/m2): de 12,6% para
governança, políticas, cultura e valores sociais, declínio das taxas de mortalidade e melhora 17,9%.
compreendendo distribuição de renda, educa- da renda média domiciliar per capita, dos indi- • Proporção de pessoas com hipertensão: de
ção e classes sociais) e intermediários (retratam cadores de educação e da expectativa de vida. 21,4% para 24,8%.
as condições de vida, como condição de mora- No entanto, registrou-se aumento na prevalên- • Proporção de pessoas com diabetes: de 5,2%
dia, trabalho, alimentação, entre outros; fatores cia dos fatores de risco à saúde associados ao para 8,0%.
comportamentais, biológicos e psicossociais; e diabetes e à obesidade, dados que chamam a
o próprio sistema de saúde) da saúde, os quais atenção para a necessidade de políticas de saú- Fontes: CALIXTRE e VAZ, 2015; IBGE, 2016a; IBGE, 2016b; BRASIL, 2007 e BRASIL, 2015b.
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A concepção de uma relação positiva entre (maior densidade óssea e redução do risco de
AFEs e saúde tem sido construída ao longo da lesões), mental (redução de sintomas depres-
história humana. Um exemplo é o acervo histó- sivos e ansiedade), cardiovascular (redução da
rico do American College of Sports Medicine35, síndrome metabólica) e ao desempenho cog-
que inclui quase uma centena de títulos que nitivo (memória e desempenho acadêmico)42.
fazem menção à importância das AFEs para a Esses resultados fundamentaram as recomen-
saúde e para a vida humana, com publicações dações internacionais de AFEs para a saúde ge-
ao longo de mais de 200 anos. ral dessa população (pelo menos 60 minutos de
Contudo, a consolidação de evidências cien- AFEs de intensidade moderada a vigorosa dia-
tíficas sobre a importância das AFEs para a saú- riamente)43.
de ocorreu principalmente no século 20, com Em outra revisão, dados de 162 estudos de 31
estudos pioneiros nas décadas de 1950 e 1960 países foram analisados, encontrando fortes e
focados na relação entre as AFEs e morbimor- consistentes evidências de relações favoráveis
©Adriano Araújo talidade por doenças cardiovasculares. O corpo entre AFEs (medida objetivamente) e adiposida-
de evidências foi fortalecido ao longo de várias de, marcadores cardiometabólicos (como coles-
Tanto a Agenda 2030 para o desenvolvimen- O grande desafio é erradicar os problemas décadas, consolidando o reconhecimento das terol, pressão arterial e glicemia), aptidão física
to sustentável, proposta pelas Nações Unidas31, de saúde e as morbidades que deles resultam, AFEs como importante fator de saúde36. Em (aptidão aeróbica, força muscular e resistência)
como o projeto Saúde Brasil 203032 e o docu- em grande parte, reduzindo desigualdades so- particular, são reconhecidos não somente os e saúde óssea. Houve moderada evidência de
mento de discussão da OMS para diminuição de ciais e iniquidades em saúde, para que o desen- benefícios individuais (biológicos e mentais) das relação favorável entre AFEs e qualidade de
diferenças na prática das políticas sobre os de- volvimento sustentável se configure em um di- AFEs mas também sua contribuição em dife- vida, bem-estar, habilidades motoras e aspec-
terminantes sociais de saúde33 têm a preocupa- reito de todos. Isso pode gerar mais incertezas rentes aspectos de uma sociedade (como eco- tos psicológicos (como sintomas depressivos), e
ção de assegurar uma vida saudável e promo- do que convicções, pois esse resultado exige nômicos, sociais e ambientais), onde todos se limitadas evidências para indicadores de saúde
ver o bem-estar da população, sugerindo que mudanças contínuas nas políticas e nas ações, beneficiam e beneficiam a sociedade por meio mental, social e cognitivo. Quase todos os estu-
o país: a) alcance cobertura universal de saúde avanços no conhecimento científico e nas ino- das AFEs37. dos analisados relataram as AFEs em diferentes
e garanta aos cidadãos e cidadãs o acesso a vações tecnológicas, bem como consolidação A saúde de crianças e adolescentes pode ser ambientes (por exemplo, casa, escola, comuni-
serviços de qualidade; b) melhore as condições da rede de atenção básica em saúde34. beneficiada pela prática de AFEs tanto no cam- dade) e contextos (por exemplo, jogo, recreação,
de vida cotidianas; c) melhore a distribuição de po da prevenção de doenças38 como na promo- esporte, transporte ativo), indicando a impor-
poder e recursos nas diferentes esferas do go- ção da saúde39. Essas contribuições podem ser tância de um modo de vida ativo para a saúde44.
verno; d) quantifique os problemas de saúde e observadas durante a infância e adolescência40 Algumas revisões sistemáticas investigaram
avaliação das ações; e) alargue a base de co- e podem também permanecer na vida adulta41. a relação entre AFEs e aspectos psicossociais
nhecimento; e f) promova uma maior consciên- Uma síntese de 86 publicações acerca dos e mentais da saúde. Uma delas45 sintetizou o
cia pública sobre o tema. benefícios das AFEs em indicadores de saú- efeito de intervenções de AFEs sobre indicado-
de em crianças e adolescentes observou que res psicossociais em adolescentes (11 a 18 anos
a prática de AFEs (em intensidade moderada) de idade). Os resultados mostraram efeitos
esteve favoravelmente associada à saúde óssea pequenos e moderados das intervenções de
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
COMO A SAÚDE DE ADULTOS E IDOSOS
É BENEFICIADA COM A PRÁTICA DE AFES
AFEs sobre situações de externalização e inter- da fala). O consenso para essa faixa etária é de
nalização de problemas, melhoria do autocon- oferecer tantas AFEs quanto possível, não limi-
ceito e desempenho acadêmico. Outra revisão46 tar a prática de AFEs, mas aumentar a consciên-
focou em analisar a relação entre AFEs, função cia dos pais ou responsáveis em relação à im-
cognitiva (cognição, aprendizagem e cérebro) e portância das AFEs e do ambiente seguro para
desempenho acadêmico em crianças (de 5 a 13 a prática. No entanto, a quantidade de AFEs
anos de idade). A maioria das pesquisas apoia necessárias para o crescimento e desenvolvi- A influência positiva das AFEs sobre diversas • Redução de risco de doenças cardiovascula-
a hipótese de relação favorável das AFEs (por mento integral saudável de crianças mais novas dimensões da saúde de adultos e idosos vem res, como acidente vascular encefálico, do-
meio da aptidão física, episódios únicos de AFEs ainda carece de evidências50. sendo estabelecida há bastante tempo. Atual- enças coronarianas e hipertensão arterial.
e intervenções de AFEs) no funcionamento Dados de levantamentos com adolescentes mente, tem-se a inclusão das AFEs em diversos • Redução de risco de doenças metabólicas,
cognitivo das crianças. brasileiros também destacaram essa relação documentos voltados à promoção da saúde ou como diabetes tipo 2, dislipidemias e síndro-
No entanto, são inconsistentes os compo- das AFEs com a saúde. A Pesquisa Nacional de prevenção de doenças elaborados por entida- me metabólica.
nentes da relação dose-resposta (tipo, quanti- Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2009, des nacionais e internacionais, como o Plano • Melhoria da aptidão física relacionada à saú-
dade, frequência e tempo) entre AFEs e esses 2012 e 2015, mostra como as AFEs têm relação Global de Prevenção e Controle das Doenças de (capacidade aeróbia, força muscular, flexi-
indicadores. Outra revisão47 sintetizou evidên- inversa com o tabagismo51 e consumo de dro- Crônicas Não Transmissíveis da OMS, que esta- bilidade e composição corporal).
cias sobre os benefícios psicossociais da prática gas ilícitas na vida (por exemplo, maconha, co- beleceu a meta de reduzir em 10% a inatividade
esportiva em crianças e adolescentes (de 5 a 18 caína e cola)52. Outros estudos relevantes foram física ao redor do mundo até 202560. Mais recentemente, estudos também têm
anos de idade). Pesquisadores relataram haver publicados, como o estudo longitudinal da co- As evidências mais contundentes vêm de es- apontado redução do risco de mortalidade por
evidências suficientes para justificar o incentivo orte53 de nascimentos de Pelotas, que monitora tudos analisando a relação entre AFEs e morta- câncer decorrente da prática de AFEs. Uma
ao esporte comunitário como forma de lazer aspectos de saúde de crianças nascidas nos pe- lidade precoce por todas as causas. Estima-se meta-análise contendo 71 coortes identificou
ativo nessa população, em um esforço não só ríodos da coorte (1993, 2004 e 2015). Nele, têm que níveis de AFEs abaixo do recomendado (isto uma redução de risco em torno de 20% entre
para melhorar a saúde física mas também para sido observados os benefícios das AFEs durante é, 150 minutos semanais de AFEs de intensida- adultos e idosos fisicamente ativos, tanto na
melhorar a saúde psicossocial (autoestima, in- a adolescência na pressão arterial54, na função de moderada ou 75 minutos semanais em in- população em geral como entre pessoas que já
teração social e redução dos sintomas depres- pulmonar55 e em indicadores de saúde mental56, tensidade vigorosa) são responsáveis por em haviam sobrevivido à doença64.
sivos). bem como na saúde óssea durante a vida adul- torno de 10% das mortes prematuras por todas A influência das AFEs sobre aspectos que
Na análise das evidências previamente apre- ta57. Publicações oriundas de intervenção com as causas em todo o mundo61. Duas meta-aná- envolvem a saúde mental de adultos e idosos
sentadas e das recomendações de atividade fí- foco nas AFEs e em outros componentes do es- lises62 com estudos de coorte apontaram que também tem sido investigada. As evidências
sica à saúde da OMS48, observa-se que pouco tilo de vida saudável mostraram que a mudança o risco de mortalidade precoce por todas as sugerem um efeito favorável65, apesar de ha-
tem sido observado e proposto para crianças nas AFEs após a intervenção foi relacionada fa- causas é em torno de 20% a 30% menor em ver um menor tamanho de efeito em relação
mais jovens (até os 5 anos de idade). Essas con- voravelmente com a autoavaliação da saúde58 e adultos e idosos fisicamente ativos em compa- ao que se observa nos benefícios físicos. Por
clusões foram alinhadas com uma revisão49 so- da imagem corporal60 em adolescentes. ração aos inativos. Não obstante, observou-se exemplo, estima-se que aproximadamente 4%
bre as evidências da relação entre AFEs e saúde que a maior parte da redução do risco de mor- dos casos de demência no mundo são atribu-
em crianças de até 4 anos de idade. Embora o talidade precoce ocorre quando se passa da ídos à inatividade física66.
nível de evidência tenha variado de baixo a alto, inatividade física para baixos níveis de prática, e Com relação às doenças neurodegenerati-
em geral foi demonstrada a relação da prática que reduções adicionais podem ser alcançadas vas, uma revisão sistemática com seis estudos
de AFEs com uma menor prevalência de obe- com o aumento do volume ou da intensidade de coorte observou redução do risco de inci-
sidade, menos fatores de risco cardiovascular das AFEs. dência de demência e doença de Alzheimer em
(pressão arterial, lipídios, glicose e insulina, bem Outros benefícios físicos também decorrem adultos e idosos inicialmente saudáveis e que
como parâmetros inflamatórios), melhores ha- da prática de AFEs. Fortes e consistentes evi- praticavam AFEs regularmente, quando compa-
bilidades motoras, saúde óssea e desenvolvi- dências existem com relação à63: rados aos fisicamente inativos. Esse efeito foi
mento cognitivo (incluindo o desenvolvimento observado mesmo quando o volume de AFEs
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De modo geral, a Política Nacional de Pro- da saúde exige que ela seja entendida de for-
moção da Saúde contempla uma visão contem- ma complexa e reconhecida como prioridade
porânea da promoção das AFEs para a saúde. por todos os elementos da sociedade. O desa-
Contudo, ainda há um distanciamento na cons- fio (não tão) atual é que pesquisadores, gover-
tituição das ações e no modelo de avaliação e nantes, agências de fomento à pesquisa, pro-
de intervenção realizados em diferentes seto- fissionais de saúde pública, organizações não
res e escalas. governamentais e a sociedade civil busquem
Ao menos duas razões explicam esse dis- estratégias para uma vida saudável e mais sus-
tanciamento. Primeiro, porque se desconsidera tentável80.
o conceito amplo das AFEs (para além do gas- Há esforços para organizar evidências que
©alffoto/istock.com
to energético) em algumas ações, ao rotular orientem as decisões políticas voltadas à cons-
as pessoas em ativas ou inativas, restringir os trução de cidades saudáveis. Na literatura, mais
seus repertórios de prática ou esquecer os seus de 100 revisões foram publicadas sobre estraté-
modos de viver e a forma como se organizam gias de promoção das AFEs para a saúde, em di-
na sociedade. Segundo, porque algumas ações ferentes contextos (escola, trabalho, comunida-
praticado foi pequeno67. Outra revisão investi- arterial, hipercolesterolemia, obesidade e a pre- focam, prioritariamente, em mensagens sobre de, entre outros), apontando possibilidades de
gou a influência da prática de AFEs sobre a de- sença concomitante de duas ou mais doenças, adoecimento ou morte precoce pela ausência práticas baseadas em evidências, assim como
pressão68, com base em 30 estudos de coorte. principalmente em homens73. Dados da Vigilân- da AFEs. de iniciativas originadas na vivência prática81.
Desse montante, 25 estudos observaram redu- cia de Fatores de Risco e Proteção para Doen- Ao considerar que as AFEs podem ser um Ainda, a ampliação da investigação de experi-
ção do risco de incidência de depressão entre ças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) fenômeno transformador da realidade social, ências não divulgadas pelos meios acadêmicos
as pessoas fisicamente mais ativas. Há também apontaram uma associação inversa entre práti- assume-se que o seu papel é promover saúde, tradicionais demonstra o interesse por expe-
indícios de que a prática regular de AFEs reduza ca regular de AFEs e síndrome metabólica74, hi- bem-estar e melhor qualidade de vida da popu- riências promissoras de promoção das AFEs
o risco de incidência de ansiedade69, embora es- pertensão arterial75, obesidade e autoavaliação lação. Assim, é importante incentivar as pessoas para a saúde, porém de difícil acesso, com o
tudos de melhor qualidade metodológica preci- negativa da saúde76. Os resultados da Pesquisa a manter uma relação agradável e satisfatória intuito de estabelecer evidências baseadas em
sam ser realizados para se obter uma resposta Nacional de Saúde, realizada em 2013, também com a prática das AFEs em suas vidas, bem práticas82.
mais acurada. apontam uma associação inversa entre prática como fomentar ações para reduzir e erradicar Diversas estratégias de promoção de AFEs
Estudos de coorte no Brasil, apesar de es- de AFEs e autoavaliação negativa da saúde77. determinantes que condicionam a sua prática. para a saúde têm sido implementadas e testa-
cassos, também apontam o papel positivo das Por fim, estimativas do impacto da inativida- Por muito tempo, o ponto de discussão das, com o intuito de avaliar mudanças em ele-
AFEs na redução de mortalidade precoce por de física sobre a população brasileira também central na relação entre AFEs e a promoção mentos que compõem diferentes níveis de im-
todas as causas em homens idosos70, de trigli- estão disponíveis. Em torno de 5% das mortes da saúde foi direcionado a responder por que plementação: individuais (como conhecimento
cérides em homens adultos71 e de peso corporal prematuras por todas as causas no país são um indivíduo ou comunidade que pratica AFEs sobre a importância das AFEs para a saúde ou
em mulheres72. Entre as evidências de inquéri- decorrentes da inatividade física78. Ademais, es- tende a ser saudável. Atualmente, um dos ques- preferências por práticas de AFEs), interpessoais
tos em nível nacional, um estudo com 47 mil tima-se que 15% dos custos do SUS com inter- tionamentos prioritários nessa relação é “como (como apoio da família e dos amigos), ambien-
trabalhadores adultos apontou associação dire- nações em 2013 foram atribuíveis à inatividade promover AFEs para a saúde?”. O olhar para a tais (como bairros com maior conectividade
ta entre a falta de AFEs no lazer e hipertensão física79. promoção de AFEs e o seu papel na promoção entre as ruas, presenças de calçadas, ciclovias,
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS No contexto escolar, a promoção da saúde Caixa 6.3
E SOCIAIS na população jovem pode ser facilitada, dada as EXEMPLO BRASILEIRO DE AÇÃO DIRECIONADA AO CONTEXTO ESCOLAR
ligações indissolúveis entre saúde e educação.
Essas estratégias englobam ações com o Contudo, a compreensão holística da relação
intuito de estimular a mudança do compor- entre AFEs e saúde não permite acreditar que O Programa Saúde na Escola é uma ação
tamento em saúde com o enfoque em apoio uma disciplina (no caso, a Educação Física) ou dos Ministérios da Saúde e da Educação que
Até 2013, o Programa
social e reforço comportamental, por meio da uma estratégia específica e isolada (como pro- foi instituída em 2007 e integra a Política
Saúde na Escola estava
resolução de problemas, percepção da capa- mover brincadeiras no recreio escolar) seriam Nacional de Promoção da Saúde. O programa
implantado em cerca de
cidade de adotar um modo de vida ativo, au- suficientes no estímulo às AFEs na perspectiva visa contribuir para a formação integral dos
torrecompensa e outros elementos que estão de promoção da saúde. estudantes por meio de ações de promoção,
em um nível proximal à prática de AFEs. Orien-
tações individualizadas (pessoalmente ou por
A proposta de uma escola promotora de
saúde deve ser integrativa, dinâmica e coletiva,
prevenção e atenção à saúde. As ações têm
como público beneficiário os estudantes da 87%
telefone) são um exemplo de estratégia nessa pois é uma responsabilidade comum à comuni- Educação Básica e toda a comunidade escolar.
abordagem93. dade escolar. A promoção de AFEs para a saúde dos municípios
Essas estratégias têm apresentado baixo no contexto escolar passa por estratégias que: brasileiros
alcance em nível populacional e tornam-se de 1) dialoguem com políticas públicas; 2) conside-
O PROGRAMA SAÚDE
baixa viabilidade e alto custo para implemen- rem os interesses dessa comunidade para AFEs; As ações de promoção de
NA ESCOLA PRIORIZA
tação em grande escala. Ainda, as evidências 3) garantam aspectos estruturais e materiais AFEs pelas Equipes de Saúde
CINCO COMPONENTES
sobre a efetividade dessas estratégias parecem relacionados às AFEs (oportunidades e espaços da Família variam de
DE AÇÕES
insuficientes para permitir a sua recomendação seguros, instalações e equipamentos); 4) incen-
como um único componente de intervenção94. tivem a prática de AFEs de modo individual e 34,6%
Contudo, algumas estratégias que têm apre- coletivo (apoio e modelo social); 5) considerem Nordeste
Avaliação das condições de
sentado resultados promissores são as práticas as demandas sociais e de saúde na integração 1 saúde do público escolar;
de AFEs na comunidade (por exemplo, Programa curricular (disciplinas que articulem conteúdos
Academia da Saúde, ginástica para terceira ida- com temas de saúde na perspectiva transdisci-
Promoção da saúde e de 24,3%
de, entre outros)95. Esses programas oferecem plinar); e 6) envolvam a família no processo de 2 atividades de prevenção; Sul
instrução de condicionamento físico e aulas educar em saúde97.
de ginástica aeróbica ou de práticas esportivas No Brasil, há um fortalecimento das políticas sendo um dos temas de
Educação permanente e promoção da saúde menos
sem custo para os participantes e, muitas ve- públicas voltadas à promoção das AFEs para a 3 capacitação dos profissionais
zes, ocorrem em locais públicos, como parques, saúde no contexto escolar, buscando uma in- tratados nas ações reportadas.
da educação e da saúde
escolas, centros comunitários, locais de trabalho tersetorialidade nas ações que contemplem
e formação de jovens;
e instalações desportivas comuns. Essas ativi- não somente o monitoramento das condições O Plano de Ações Estratégicas para o
dades tendem a ser mais frequentes em locais de saúde do público escolar mas também fo- Enfrentamento das Doenças Crônicas
Monitoramento e avaliação
Não Transmissíveis no Brasil 2011-2022
com poucos espaços públicos de lazer e são quem na promoção da saúde e na formação 4 da saúde dos estudantes;
apresenta como meta a universalização
bastante relevantes para as populações em si- dos profissionais da educação e da saúde, bem
tuação de vulnerabilidade, como as mulheres e como de jovens para atuar na promoção das do acesso ao Programa Saúde na Escola a
Monitoramento e
pessoas de baixo nível socioeconômico. A gra- AFEs. Um exemplo no cenário brasileiro é o Pro- 5 todos os municípios brasileiros.
avaliação do programa.
tuidade permite que essas estratégias também grama Saúde na Escola, que retrata uma política Ainda não há resultados de efetividade.
contribuam para uma redução das disparidades instituída em 2007, com articulação de ações do
de acesso96. Ministério da Educação e da Saúde (Caixa 6.3).
Fontes: Malta (2014); Machado (2015).
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No contexto da atenção primária em saúde, • Utilizar diferentes técnicas de mudança o que é De acordo com a meta estabelecida
uma análise das evidências sobre a efetividade comportamental (estabelecimento de obje- Programa do Ministério da Saúde, integrado no Plano Plurianual 2011-2015, o
de intervenções e os seus benefícios à saúde tivos, feedback, entre outras), com a presença à rede de Atenção Básica, que visa promover Ministério da Saúde deveria habilitar
indicou que ações na comunidade são efetivas de um profissional de saúde durante o de- modos saudáveis de vida e a produção do meta
na redução de fatores de risco cardiovasculares, senvolvimento das ações100. cuidado, por meio de ações culturalmente 4.800 polos
prevenção de quedas e melhora no autocuida- • Ter foco no ambiente de grupo ou comuni- inseridas e adaptadas aos territórios até o final de 2015
do98. Para a promoção de AFEs, as intervenções tário, como grupos de AFEs (caminhadas, ofi- locais. Lançado em 2011, baseou-se nas
nesse contexto tendem a ter um aumento pe- cinas de esporte) para a população em geral, experiências em Recife e outras cidades habilitados
queno a moderado na prática de AFEs99. seja com a finalidade de vivenciar o movi- que obtiveram resultados favoráveis quanto relatório de maio de 2015
Sendo assim, as evidências de efetividade su- mento, de buscar novos desafios ou perma- ao seu alcance, satisfação e modificação 4.240 polos
gerem que a promoção das AFEs para a saúde necer inserido em alguma prática específica. da prática de AFEs de seus participantes. em 2.849 municípios
deve integrar estratégias como: • Formar grupos direcionados a outras finali-
em funcionamento
dades, como alcançar subgrupos com menor para quem
envolvimento em práticas de AFEs (mulhe- O público-alvo do programa são todas 856 polos
res, pessoas idosas, com certas doenças ou as pessoas do território brasileiro. As em 782 municípios
a compreensão holística em situação de vulnerabilidade social)101. atividades do Programa são desenvolvidas
Entre os polos em
em torno de oito eixos, entre os quais estão
da relação entre AFEs É importante ressaltar que as intervenções as práticas corporais e atividades físicas funcionamento, 96%
oferecem práticas corporais
e saúde não permite na atenção primária em saúde têm sido cres- (incluindo educação em saúde e práticas
e atividades físicas.
centes, mas, de um modo geral, são articuladas corporais/exercícios físicos estruturados).
acreditar que uma disciplina com outras políticas de promoção de AFEs e
às AFEs na perspectiva do cuidado em saúde como pilar na Estratégia o apoio financeiro e técnico do Ministério
de Saúde da Família, ampliando o escopo das da Saúde e das Secretarias de Saúde Ainda, uma grande parcela afirmou
de promoção da saúde ações de cuidado em saúde no contexto comu- estaduais. Além de profissionais próprios que estava sendo capaz de garantir
nitário. A instituição da Política Nacional de Prá- dos polos, profissionais que atuam na as contrapartidas municipais:
ticas Integrativas e Complementares no SUS, Estratégia Saúde da Família e nos Núcleos
em 2006, permitiu a incorporação de práticas de Apoio à Saúde da Família podem Manutenção dos polos 89%
integrativas complementares (como Qi Gong, Tai desenvolver atividades nesses espaços. Materiais permanentes 83%
Chi Chuan e Lian Gong) que envolvem aborda- Consumo 87%
gens para além da medicina tradicional no pro-
cesso de prevenção de agravos e recuperação Ainda não há resultados de efetividade.
Fontes: BRASIL, 2016a; BRASIL, 2013b e SÁ, 2016.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
no contexto ocupacional,
a promoção de AFEs para
a saúde é um processo
interativo entre sociedade-
trabalho-trabalhador, promoção de AFEs e saúde devem ser acessíveis
e sustentáveis, bem como devem considerar os
mental de promoção de AFEs para a saúde. No
Brasil, a Política Nacional de Saúde do Trabalha-
Por isso, essa política poderia se integrar ao Pro-
grama Academia da Saúde, com a implemen-
em que o trabalhador é interesses e o protagonismo dos trabalhadores dor e da Trabalhadora tem como um dos ob- tação de sessões de exercícios físicos (cami-
no planejamento e na implementação das estra- jetivos desenvolver estratégias de comunica- nhadas, ginásticas, dentre outras modalidades)
um sujeito possuidor de tégias106. Algumas estratégias, quando utilizadas ção e educação em saúde nessa população109. gratuitos em espaços públicos e que podem
direito e participativo de forma integrada entre si, têm demonstrado
efetividade na promoção das AFEs e saúde no
As AFEs são pautadas como estratégias para
a promoção de ambientes e processos de tra-
ser realizados em horários que se adequem às
rotinas de trabalho. Dessa forma, não se encon-
contexto ocupacional, como107: balho saudáveis que venham a subsidiar con- tra no contexto ocupacional um espaço isolado,
dutas terapêuticas preventivas, de proteção e mas, sim, dinâmico e interativo, de promoção de
• Espaços relacionados à prática de AFEs de recuperação da saúde no ambiente de trabalho. AFEs para a saúde.
lazer (chuveiros e vestiários, grupos de cami-
nhada, clubes desportivos, dentre outros) e
da saúde, por meio de escuta acolhedora e de- ao descanso no ambiente ocupacional. Caixa 6.5
senvolvimento do vínculo terapêutico103. • Material informativo com mensagens sobre A saúde de trabalhadores pode ser promovida por meio de AFEs no contexto da produção
No contexto ocupacional, existem diversas saúde e incentivo a comportamentos saudá-
ações de promoção das AFEs para a saúde vol- veis e pausas no tempo sedentário. Soluções em estilos de vida saudáveis no trabalho
tadas à população adulta. Nesse contexto, in- • Eventos e atividades educativas (boletins,
cluem-se a ginástica laboral ou o incentivo a festivais) que envolvam a família e que fo- O programa, desenvolvido pelo Serviço So- nutricional, programas de exercícios físicos e
formas ativas de deslocamento. A promoção mentem estratégias de mudança de com- cial da Indústria (Sesi) desde 2006 e inicialmen- esportivos corporativos (academia, pilates, ioga,
das AFEs realizadas no lazer também ganha portamento individual (orientações de esta- te denominado de Lazer Ativo, apresenta dire- clube do vôlei, da corrida etc.), ginástica laboral,
destaque. Para que a contribuição ao lazer ativo belecimento de metas e autocontrole). trizes de gestão e desenvolvimento de resposta gestão de eventos, gerenciamento de estresse,
aconteça, a perspectiva da promoção de AFEs adequada (solução) às demandas e necessida- atendimento psicossocial.
deve transcender as ações com foco em as- Portanto, a promoção de AFEs para a saúde des de indústrias e seus trabalhadores em re- Anualmente, são atendidos cerca de 2.700
pectos físicos e econômicos inerentes ao con- é um processo interativo entre sociedade-tra- lação ao estilo de vida e produtividade, com empresas e 2 milhões de trabalhadores em to-
texto ocupacional, contemplando a promoção balho-trabalhador, em que o trabalhador é um abrangência nacional. Seu objetivo é informar, dos os estados brasileiros e Distrito Federal.
sob uma perspectiva social e de bem-estar. O sujeito possuidor de direito e participativo no motivar, reduzir barreiras e criar oportunida- Dados da efetividade do programa mostraram
suporte teórico para essa concepção pode ser processo, mas não seu único responsável108. Um des para que trabalhadores possam aumentar que houve um pequeno, gradual e sistemático
observado em um estudo com trabalhadores bom exemplo disso é como lidar com uma das o controle sobre sua saúde e adotar estilos de aumento (ano após ano) no Índice Geral de Es-
da indústria brasileira, o qual mostrou que a principais barreiras para a prática de AFEs nos vida saudáveis e para que empresas possam tilo de Vida (escore que varia de zero a dez e
percepção de satisfação com a vida reduz em trabalhadores: a falta de tempo (pela jornada ex- gerenciar seu investimento em saúde e obter indica a simultaneidade de fatores do estilo de
trabalhadores que relatam desempenhar fre- cessiva de trabalho). Nesse particular, o trabalha- impactos no seu desempenho organizacional vida, incluindo a prática de AFEs no lazer e no
quentemente atividades físicas moderadas e vi- dor não pode ser o único foco das estratégias. como produtividade, clima e redução de custos. deslocamento: 2012 – 6,75; 2013 – 6,79; 2014 –
gorosas (pesadas) no trabalho, no deslocamen- Deve-se, de fato, efetivar um ambiente que pro- O programa tem como beneficiários os tra- 6,84; 2015 – 6,89) e redução na proporção de
to e em casa. Por outro lado, eram as AFEs no porcione horas de trabalho flexíveis, que permita balhadores e as indústrias onde trabalham. O trabalhadores com perfil de risco, ou seja, que
tempo de lazer que estavam positivamente as- aos trabalhadores oportunidades de lazer antes, programa está focalizado em cinco dimensões: mantêm 5 ou + fatores de risco concomitantes
sociadas à satisfação com a vida nesse grupo104. durante ou depois do trabalho, como vincular as atividade física, alimentação, gerenciamento de em seu estilo de vida (2012 – 15,6%; 2013 – 15,3%;
Dessa forma, o contexto ocupacional pode empresas a serviços locais de AFEs em horários estresse, relacionamentos e comportamentos 2014 – 14,9%; 2015 – 13,9%). Os melhores resul-
incluir estratégias que desenvolvam a prote- alternativos aos do trabalho. Um exemplo de ini- preventivos. É composto de Sistema de Avalia- tados são obtidos com mulheres, pessoas entre
ção e educação em saúde, bem como redu- ciativa brasileira pode ser visto na Caixa 6.5. ção em Estilo de Vida e Produtividade – SAEVP 40 e 60 anos, casados e de maior escolaridade.
ção de estresse e satisfação com o trabalho105, Essa flexibilização permite, inclusive, a parti- e portfólio de serviços dentre os quais: oficinas
sob uma perspectiva do lazer. Intervenções de cipação em outras políticas de nível governa- práticas de alimentação, atendimento clínico
Fonte: SESI; DN, 2015.
203
202
205
204
Ambiental e políticas A diversidade de experiências e resultados prévios limitam as evidências de efetividade. Estratégias
voltadas à comunidade promissoras podem incluir ações ambientais aliadas às mencionadas em outras abordagens, como:
• Políticas e planejamentos comunitários que incluam ações como implementação de ciclovias, melhoria do
sistema de transporte público e coletivo, aumento da conectividade das ruas e segurança na cidade.
• Estratégias para melhorias de acesso aos locais (parques e centros de recreação) e a oferta (grupos de exer-
cício físico sem custos para os participantes) de diferentes tipos de AFEs.
Fontes: HEATH, 2012; HOEHNER, 2013; OMS, 2009; BAKER, 2015; CONN, 2009; LANGFORD, 2014 e SANCHEZ, 2015.
206
207
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
a necessidade de criar ou melhorar
Figura 6.1 Exemplo de promoção das atividades físicas e esportivas ambientes que promovam e possibilitem
para a saúde como processos interconectados e dinâmicos a prática de AFEs pode ser encarada
Reforçam como uma oportunidade para reforçar
a agência no nível da escolha coletiva,
por meio da participação comunitária
ais
Am
idu
entos Indiv
bient
Agência Estrutura
Prática de Locais
es promoto
Nível operativo AF de lazer públicos
de prática
ortam
Em geral, as ações de promoção das AFEs encarada como uma oportunidade para reforçar
res
mp
usam uma lógica acíclica e focada no nível ope- a agência no nível da escolha coletiva, por meio
Co
rativo. Por exemplo, muitas ações buscam criar da participação comunitária. Uma participação
ou melhorar ambientes que promovam e pos- comunitária mais efetiva fortalece a estrutura
sibilitem a prática de AFEs (estrutura, nível ope- institucional necessária para que as mudanças
D e s e nv o lve m rativo), com o intuito de aumentar a quantidade ambientais no nível operativo ocorram. Ao mes-
de pessoas que se envolvem em tais práticas mo tempo, a participação comunitária facilita e
Cria Reforça (agência, nível operativo). Essas ações depen- garante os mecanismos pelos quais a comuni-
dem de uma estrutura institucional (diretrizes, dade pode influenciar a estrutura institucional
Fortalece orçamentos etc. – estrutura, nível da escolha no futuro.
coletiva) que garanta as condições necessárias Voltando ao nível operativo, uma vez que
para que as mudanças ambientais ocorram. No se criem as condições para as mudanças
entanto, as ações de promoção das AFEs costu- ambientais necessárias, essas mudanças aju-
Po
mam encarar essa necessidade de estruturação dam a desenvolver a agência individual, que por
líti
cas
Agência Estrutura institucional somente como mais uma etapa sua vez reforça a necessidade de ambientes
comunitária
promotoras da s
Participação Diretrizes, leis, ou uma condição para que a mudança no nível promotores de AFEs. Essas necessidades da co-
Nível da Comunitária Orçamentos
operativo se efetive, não como um produto das munidade reforçam as ações no nível da esco-
escolha coletiva ações. lha coletiva, fechando um ciclo dinâmico.
Ação
Ao assumir que a promoção das AFEs pode Pelo menos três implicações decorrem da
ser um veículo para fortalecer a adoção dos adoção dessa perspectiva:
aúd
munidade, o caráter da ação é outro, mesmo • Apesar de o objetivo primário continuar sen-
que o objetivo principal – que a prática de AFEs do o mesmo, o caráter das ações (ou seja, o
Facilita m esteja presente no cotidiano de mais pessoas e que as compõem, como são implementadas,
que essa prática influencie positivamente a vida o papel da comunidade no seu planejamen-
e a saúde delas (agência, nível operativo) – seja o to, execução e continuidade etc.) é outro.
Fonte: Elaboração própria com base em RÜTTEN e GELIUS, 2011.
mesmo. Partindo do exemplo anterior, a neces- • Entendendo o processo como um ciclo di-
sidade de criar ou melhorar ambientes que pro- nâmico, as mudanças no nível da escolha co-
movam e possibilitem a prática de AFEs pode ser letiva deixam de ser somente uma etapa ou
209
208
condição prévia e passam a ser componen- transposto para outros aspectos da promoção A promoção da saúde é compreendida por As AFEs promovem saúde e se promovem
tes da ação, com o mesmo status das mu- da saúde, uma vez que existe uma multiplicida- meio de suas estratégias, que criam, desenvol- pela promoção da saúde. Portanto, o desenvol-
danças no nível operativo. Isto é, os efeitos de de sistemas semelhantes que se intersec- vem e reforçam o empoderamento da comu- vimento humano sustentável só pode ser al-
desejados devem ser expandidos para além cionam, mas que tratam de temas distintos119. nidade para atuar na melhoria de sua qualida- cançado por meio de uma promoção da saúde
das mudanças no nível operativo. Ao se reforçar a participação comunitária so- de de vida, do seu bem-estar e de sua saúde. que também aponte para a promoção das AFEs.
• O foco deixa de ser somente nas mudan- bre uma ação de promoção das AFEs, essa ca- Assim, os diferentes atores desse processo (in- As ações de promoção de AFEs precisam, cada
ças dos elementos que compõem o sistema pacidade reforçada de participação pode ser divíduos, sociedade, gestores e políticos) inte- vez mais, vincular-se com a ideia de promoção
(agência e estrutura nos níveis operativo e aplicada para se tratar sobre outros assuntos ragem para potencializar as ações à promoção da saúde individual e coletiva e estarem menos
da escolha coletiva), mas também nos laços importantes para a comunidade, como equida- das AFEs para a saúde. Desse modo, as pessoas focadas na prevenção e tratamento de doen-
que os relacionam (reforçam, criam, fortale- de de gênero ou habitação, por exemplo. Essa e a sociedade podem incorporar as AFEs em ças, sem desconsiderá-las. Sendo assim, torna-
cem, facilitam e desenvolvem). transposição e acumulação de recursos entre suas vidas porque estas representam os seus -se necessário incentivar as pessoas a manter
sistemas também podem ocorrer com outros modos de viver, e de modo intencional ou não, uma relação agradável e satisfatória com a prá-
É evidente que esse ciclo dinâmico é virtu- elementos caros à promoção da saúde, como o promovem saúde. Por outro lado, se as pessoas tica de AFEs em suas vidas e, quando oportuno,
oso, já que tem potencial para continuar in- controle social, o empoderamento e a constru- se aproximam das AFEs para alcançar uma fina- incluir novas experiências.
fluenciando positivamente a incorporação e a ção de mecanismos mais amplos de formula- lidade específica, como recuperar a sua saúde,
manutenção das AFEs no cotidiano das pesso- ção de políticas promotoras da saúde. estas poderão ser somente temporárias.
as e da comunidade ao longo do tempo. Mas Esse processo de transposição entre siste-
como esse ciclo dentro da promoção das AFEs mas interseccionados é dinâmico, e em longo
influenciaria a promoção da saúde, em um ca- prazo as ações de promoção das AFEs podem
ráter mais amplo? se beneficiar das transposições que elas pró-
Quando as ações de promoção das AFEs for- prias iniciaram e usufruir das transposições que
talecem a agência, a estrutura e os laços rela- agora os demais sistemas geram, em um ciclo
cionais entre elas, esse fortalecimento pode ser virtuoso.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 6
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na promoção da saúde
NOTAS
ESPORTIVAS E
Escola Nova, redigido por Fernando de Azevedo que se opõe ao sedentarismo, o que, de certo
e assinado por Anísio Teixeira, entre outros inte- modo, é paradoxal diante do fato que a imagem
lectuais da época. mais representativa da escola atual são alunos
O Manifesto defendia a universalização de sentados imóveis durante longos períodos.
SEU PAPEL NA uma educação pública, laica e gratuita, e em Apesar dessa obviedade, entretanto, um olhar
síntese propunha abordagens pedagógicas vol- mais atento às formas existentes de Escola Ativa
tadas para que os alunos aprendessem a con- no mundo revela, além de semelhanças, também
viver em uma sociedade democrática, contra- diversidades, e essas características podem ser
ESCOLAS ATIVAS
informações. AFEs em suas rotinas surge no final do século XX
Havia principalmente a preocupação de criar como uma resposta às políticas de Saúde Públi-
um ambiente de aprendizagem onde a criança e ca voltadas para o combate ao sedentarismo na
o jovem aprendessem por meio da experiência população mundial. Iniciativas nessa direção são
com o fenômeno estudado, o que, obviamente, encontradas em propostas de Escolas Ativas em
pede um sujeito “ativamente envolvido no pro- diferentes países. Elas são orientadas para a pro-
cesso de aprendizagem”. A “Escola Ativa”, nessa moção de AFEs não só no âmbito das aulas de
perspectiva, refere-se a uma visão de educação Educação Física, mas no cotidiano escolar (nos
em que os alunos ocupam papel central como intervalos entre aulas, nas pausas ativas duran-
sujeitos/agentes de aprendizagem, que reco- te aulas em sala, nos recreios etc.) e para além
nhece a indissociabilidade entre teoria e prática, dele (com estimulo à mobilidade ativa para ir e
e que privilegia a aprendizagem por intermédio vir escola-casa, a envolvimentos em práticas es-
de ações baseadas na busca de soluções para portivas regulares em clubes e parques etc.). Em
problemas concretos e cotidianos da comunida- alguns desses programas, a preocupação se es-
de escolar. Pode-se dizer que o modelo de Escola tende a toda comunidade escolar e não somen-
Ativa instaura uma pedagogia da investigação em te aos alunos.
contraposição a uma pedagogia da memorização. Como resultante da preocupação com os al-
Sem prejuízo dessa orientação, no presente ca- tos níveis de sedentarismo da população mun-
pítulo, a atualização do termo Escola Ativa com dial, manifestada em documentos da Organiza-
referência às AFEs compreende também um es- ção Mundial de Saúde (OMS), várias iniciativas de
forço em outras direções. constituição de escolas ativas são encontradas
Se, inicialmente, a Escola Ativa era aquela onde em países industrializados, onde o sedentarismo
o aluno aprendia fazendo e experimentando, nas é um problema de saúde pública mais premente.
últimas décadas, o termo ganhou um novo sig- Assim, na Tabela 7.1 são identificados programas
nificado e passou a ser também utilizado para se na América do Norte e Europa, com suas metas,
referir a uma escola comprometida em garantir a justificativas e principais ações.
prática de AFEs no cotidiano escolar. A expressão
215
Capítulo 7
Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
Tabela 7.1
O que propõem as Escolas Ativas pelo mundo
Action Canadá 2002 Integrar Atividade física Combate a Aulas de Educação Atividade física Ambiente Atividades para Estímulo a parcerias
Schools! e alimentação saudável inatividade, Física de qualidade para diária e atividades escolar alunos, famílias com as famílias e
(2002)2 na escola e manter maus hábitos alcançar os resultados sobre alimentação desenhado e comunidades comunidades para
parcerias com a escola nutricionais e prescritos pelo saudável em sala. para tornar se envolverem encorajar a prática
e a comunidade. obesidade infantil Ministério da Educação as escolhas com uma vida de atividade física
e riscos de para a disciplina. saudáveis saudável antes e e a alimentação
doenças crônicas. mais fáceis. depois da escola. saudável.
Active Escócia 2002 Oferecer mais Atua em conjunto com Apoia a transição Atua com parcerias
Schools3 e melhores o departamento de do esporte escolar em rede, junto a
oportunidades para as Educação para garantir para o clube, órgãos do governo
crianças praticarem 2 horas de aulas de divulgando as e organizações
esporte, antes e depois Educação Física por oportunidades nas privadas.
da escola, durante os semana nas escolas comunidades locais.
intervalos, recreios primárias e 2 vezes por
e finais de semana. semana nas secundárias.
Flag Active Irlanda 2009 Incentivar escolas Mínimo de 1 hora Currículo abrangente Promoção de Instalações Oferta diversificada Estimulo ao Incentivo aos Estabelecimento Incentivo Participação Qualificação
Schools4 do Norte que constroem semanal de EF nas e constantemente AFEs durante e recursos de atividades transporte profissionais de parcerias, para parcerias dos alunos dos
comunidades escolas primárias, atualizado. intervalos e materiais extracurriculares ativo para se mobilização das com órgãos nas decisões e profissionais
escolares fisicamente de acordo com recreios. disponíveis e inclusivas individuais (bicicletas, envolverem famílias e da governamentais, escolhas sobre da escola
educadas e ativas. recomendação adequados para e em grupo. a pé). com Atividade comunidade, e clubes esportivos os programas para a
do departamento as atividades. física durante organização de etc., para promoção de AFEs. promoção
de Educação. o horário de eventos para de AFEs. de AFEs.
trabalho. promoção de
Atividade físicas.
Finish Finlândia 2010 Estabelecer uma Ligação entre Atividade física ajuda Aumento das aulas Métodos de Instalações para Mobiliário “ativo” Estimulo ao Participação
School on cultura fisicamente Atividade física a aprender melhor. na semana. aprendizagem que os alunos (ex.: bolas de transporte ativo dos alunos
the Move5 ativa nas escolas, e bem-estar Momentos de aula ativa, pausa proponham ginástica no lugar de (bicicletas, a pé). nas decisões
tornando-as mais dos alunos. e intervalos mais para Atividade Atividades cadeiras, estações e escolhas
ativas e prazerosas: prazerosos e pacíficos. física. Alunos físicas divertidas. de estudo em sobre os
aumentar o tempo em pé e/ou Intervalos mais pé), infraestrutura programas
ativo e reduzir o em movimento longos com e jardins que de AFEs.
tempo sentado. durante as aulas. Atividade física. estimulem
Atividade física.
Let’s Move Estados 2013 Incrementar as Melhora: Ensino de habilidades Salas de aula criativas Atividade física Estimulo aos alunos Estimulo ao Atividade física Fazer da escola um
Active Unidos oportunidades de frequência e e conhecimentos incluindo Atividade antes e depois para se envolverem transporte como prioridade centro de Atividade
Schools6 Educação Física e notas escolares, de maneira inclusiva física, pausas para das aulas. com prática de ativo para todos os física comunitário.
Atividade física para comportamento e divertida. Atividade física. Atividade física (bicicletas, funcionários.
os alunos, Integrando em sala de aula. e/ou esporte. a pé).
Atividade física antes, Reduz obesidade
durante e depois das infantil e incentiva
aulas por pelo menos hábitos saudáveis.
60 minutos diários.
Fonte: Elaboração própria.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
Assim, as propostas de Escola Ativa sintetiza- ma de combater o estilo de vida sedentário. Desse argumento é que deriva o segun- a prática de atividade
das têm como base dois argumentos principais: Em geral, as propostas de Escola Ativa que do eixo em torno do qual propostas de Esco-
1) AFEs como meio de combate ao sedentaris- enfatizam a dimensão da saúde preocupam-se la Ativa têm sido elaboradas: o entendimento física aeróbia de baixa para
mo; e 2) AFEs como meio de aprimorar o de- primordialmente com a quantidade total de ati- de que a atividade física se constituiria num média intensidade (como
sempenho acadêmico. vidade física praticada pelas crianças e jovens, e meio (estímulo) para aprendizagem de outras
O primeiro argumento diz respeito à Saúde apresentam a meta de que atinjam, no mínimo, dimensões comportamentais: cognitiva, afetiva uma caminhada a passo
Pública. Os estudos mais antigos encontrados
que fazem menção à Escola Ativa relacionada
60 minutos de atividade física diária. Reformas
curriculares propondo o aumento da carga ho-
e social. É a ideia de que haveria uma “educação
por meio do movimento”. Esse eixo sempre ge-
rápido) facilita operações
a esse aspecto coincidem com o período em rária semanal das aulas de Educação Física10, a rou controvérsias já que as promessas de que de atenção, memória
que o sedentarismo passou a ser considerado inclusão de exercícios físicos regulares como um “bom” desenvolvimento motor redundaria
um fator de risco primário e independente para componente curricular obrigatório e a intro- numa melhoria do desenvolvimento global da e tomada de decisão,
doenças cardiovasculares7. A partir daí, as evi-
dências a favor de uma vida ativa foram se acu-
dução da educação para a saúde como tema
transversal são exemplos de estratégias utili-
criança nunca se confirmaram no rigor do mé-
todo científico.
também conhecidas como
mulando rapidamente e forçaram a proposição zadas para promover atividade física na escola Mais recentemente, esse eixo ganhou alento funções executivas
de políticas públicas para promoção de AFEs por meio do componente curricular Educação a partir de estudos de psicologia experimental e
em muitos países. Daqui decorre a ideia de um Física. Desse ponto de vista, a Educação Física de neurociências que mostraram de forma mais
estilo de vida ativo em que as pessoas se en- assume um papel central no fomento da prática convincente que a prática de atividade física
gajem em AFEs aumentando os níveis de gasto de AFEs pelos alunos11. Em uma análise crítica12 aeróbia de baixa para média intensidade (como
energético para além dos valores considerados da efetividade dessas intervenções, foram en- uma caminhada a passo rápido) facilita opera-
sedentários. contrados indícios de que as alterações curri- ções de atenção, memória e tomada de decisão,
No que concerne à gênese da atividade fí- culares na Educação Física têm sido realmente também conhecidas como funções executivas.
sica como um exercício físico, pode-se dizer importantes para elevar o nível de atividade físi- Tais funções incidiriam diretamente no desem-
que “durante a maior parte da história huma- ca praticada pelos alunos no ambiente escolar e penho acadêmico como também na disposição
na e fora do primeiro mundo nos dias de hoje, melhorar a aptidão física dos mesmos, mas não e atitude dos alunos perante as responsabili-
a comida tem sido relativamente escassa e o foram encontradas evidências do impacto sobre dades sociais no convívio escolar (por exemplo,
esforço físico abundante; é só quando se dá a o aumento dos níveis de atividade física fora da capacidade de se controlar, de inibir emoções e
inversão dessas duas condições que o ‘exercício’ escola. Tampouco foram identificadas correla- agressividade).
faz sentido”8. É sabido que a história biológica e ções significativas entre a oferta de aulas sobre De fato, é possível encontrar propostas e
cultural das pessoas, no que diz respeito à dieta educação para a saúde e o aumento da prática programas para escolas com base nessas pes-
e atividade física cotidiana, impacta sobre a saú- de AFEs. quisas com impactos positivos da atividade físi-
de nos dias de hoje. Por exemplo, é consenso Outro aspecto importante nesse contexto ca tanto nas funções cognitivas e emocionais,
no campo científico9 que a baixa movimentação é um número crescente de estudos na última como no desempenho escolar14. Contudo, tais
corporal que caracteriza o estilo de vida moder- década que tem priorizado mostrar que a ati- esforços, ainda que válidos isoladamente, refor-
no é um dos principais responsáveis por desen- vidade física tem uma relação direta e positiva çam o dualismo mente-corpo ainda presente
cadear mudanças no perfil epidemiológico da com o funcionamento do cérebro. Na medida na escola em que se estabelece uma superio-
população na direção de um grande aumento em que se defende que o funcionamento do ridade da mente em relação ao corpo. O valor
das doenças crônico-degenerativas. Sensíveis cérebro está associado ao desempenho acadê- da atividade física só passa a ser reconhecido
a essa questão, todos os programas de Escola mico, tem ganhado força entre os membros da quando ela se mostra instrumental (não tem
Ativa analisados almejam, com maior ou menor comunidade da Educação o fato de que a ativi- valor per se). A atividade física é importante por-
ênfase, criar cenários que elevem as oportuni- dade física pode afinal ter um papel importante que ajuda em algo, é um meio para, e de pre-
dades de prática das AFEs na escola como for- a cumprir dentro da escola13. ferência a finalidade tem que ser intelectual,
219
218
posto que todas as argumentações favoráveis o conceito de Escola Ativa para além da visão A escola é um ambiente típico (e compulsó- da dimensão educação na composição do IDH
à atividade física como um instrumento de pro- do aumento de gasto energético diário e da rio) da infância e de parte da juventude, espaço está presente nos próprios documentos do
moção da saúde também não demonstraram atividade física sendo subsidiária de funções em que crianças e jovens passam grande par- PNUD. O argumento central para a inclusão da
ser suficientemente fortes para imprimir mu- executivas e, por conseguinte do desempenho te do tempo de suas vidas, como também têm Educação para a composição do IDH é descrito
danças na cultura escolar. acadêmico. nele uma salvaguarda, um amparo, um ambien- como:
Seja pelo combate às doenças, seja pelo im- Assim, a Escola Ativa, vista de uma perspec- te de socialização como pessoa, como cidadãs
pacto positivo no desenvolvimento cognitivo, tiva do desenvolvimento humano, abre-se em e cidadãos. Na escola, a criança e o jovem am- O acesso ao conhecimento é um
o que se constata é que, em ambas as pers- outras direções para além das atualmente en- pliam sua rede de relações sociais, experimen- determinante crítico para o bem-
pectivas, as AFEs em si não têm valor. A própria fatizadas. Como pode ser notado nos próprios tam diferentes papéis, têm oportunidades de estar e é essencial para o exercício das
Educação Física é vista como um componente programas de Escola Ativa apresentados, o realizações e, ao mesmo tempo, são colocados liberdades individuais, da autonomia e da
apenas acessório do currículo, sua presença ou termo “ativa” remete a outros significados que, diante de valores, costumes e conhecimentos autoestima. A educação é fundamental
ausência pouco afeta o processo educacional. juntos, enriquecem a vida escolar. Apontam para requeridos pela sociedade em que vivem. As- para expandir as habilidades das
Assim, sem negar a relevância dos dois eixos um reconhecimento das AFEs como um aspecto sim, a escola é a instituição onde a sociedade, pessoas para que elas possam decidir
mencionados – o papel das AFEs atuando na substantivo da tradição humana e, consequen- de forma sistemática e com base em uma de- sobre seu futuro. Educação constrói
promoção da saúde e na melhoria do desempe- temente, da vida dos alunos. Apontam também terminada visão de si própria, exerce uma ação confiança, confere dignidade e amplia os
nho escolar –, mas alertando para o reducionis- para o reconhecimento de que mover-se poten- de socialização sobre os novos membros. Como horizontes e as perspectivas de vida15.
mo de tais abordagens, busca-se aqui ampliar cializa o aprender e o viver plenamente. a concepção de sociedade é alvo de disputa po-
lítica, a própria escola é um território de emba- No que se refere às Escolas Ativas, o conheci-
tes em torno de qual processo de socialização mento sobre AFEs e o conhecimento nas AFEs
deve ser implementado por meio de seu currí- (prático/encarnado) caracterizam-se como res-
sem negar a relevância do culo. Por isso, a escola é um território pleno de ponsabilidade da Educação Física escolar e esse
ambiguidades e dilemas. Por um lado, a escola conhecimento, tanto encarnado como simbóli-
papel das AFEs atuando na almeja formar indivíduos conscientes, capazes co, caracteriza-se como possibilidade de reno-
promoção da saúde e na de melhorar a sociedade em que vivem. Mas, vação e transformação de práticas escolares.
por outro lado, a escola também pode imprimir Além da educação, a escola tem relação fun-
melhoria do desempenho e reforçar um modo de pensar e viver em con- damental com outro componente do desenvol-
221
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
na escola uma vida que considere a história mente ativa. Essa concepção é hegemônica na os espaços continuam os mesmos, como de- Figura 7.1 Disposição da sala de aula no
natural e cultural do corpo. A aproximação das escola e faz com que não haja disposição para notado na figura ao lado. As carteiras, embora século XIX (a) e nos dias atuais (b)
AFEs com o desenvolvimento humano, permite acolher no seu cotidiano o valor intrínseco do mais leves, continuam a restringir a postura de
ampliar o conceito de AFEs nas escolas, as quais mover-se expresso nas várias dimensões com- trabalho ou estudo à posição sentada. Esse le-
passam a ser vistas como um território onde preendidas nas atividades físicas (deslocamen- gado do modelo jesuíta de ensino – também
seus alunos (como também os outros atores to, lazer e tempo livre, ocupacionais etc.). Em conhecido como escolástico – tem sua ênfase
da escola e comunidade) experimentam uma vez de garantir a liberdade para os corpos-su- no aprendizado intelectual, acadêmico. Nele, o
liberdade para viver a sua corporeidade. Nessa jeitos dos alunos e alunas, as estruturas e prá- corpo tem pouco a “dizer”. De fato, quanto me-
perspectiva, cabe resgatar o que já foi antevisto ticas escolares parecem atuar sobre o controle nos ele participar melhor. A escola que irá vice-
por Anísio Teixeira: dos corpos-objetos por meio de vários dispo- jar é a que trata o corpo separado do intelecto.
sitivos existentes na maioria das escolas, entre Ainda que esse corpo importe, seja para pro-
[...] o sentido preparatório da escola, na eles: 1) a arquitetura dos espaços da escola; 2) cessar os sinais sensoriais, matéria-prima para
“escola parque”, nome que se conferiu o mobiliário da escola; 3) as técnicas corporais a construção das ideias, é um corpo selvagem
ao conjunto de edifícios de atividades de que constituem a Educação Física na escola; e imoral que necessita ser domado e civilizado.
©benoitb/istock.com
trabalho sociais, de educação física e de 4) a organização do cotidiano escolar; e 5) as Ainda hoje, a escola constrange o mover-se
arte, predomina o sentido de atividade regras de conduta no espaço escolar. dos seus alunos, levando até a um desafeto pelo
completa, com as suas fases de preparo Tais elementos, em conjunto, declaram as corpo, manifestado por meio de um conjunto a
e de consumação, devendo o aluno concepções e intenções da educação formal. de crenças acerca do papel (na verdade, uma
exercer em sua totalidade o senso de A arquitetura do espaço escolar, por exemplo, falta de papel) do corpo na experiência de estu-
responsabilidade e ação prática, seja no desvela as intencionalidades de quem “ensina” dar. A escola “acredita” que as posturas estáticas
trabalho, que não é um exercício mas para com quem se ensina, como uma pedago- são as mais eficientes para promover a atenção
a fatura de algo completo e de valor gia “invisível”17 que “[...] destaca a propriedade dos alunos durante as aulas e que atividades
utilitário, seja nos jogos e na recreação, que o edifício escolar tem de expressar e refletir “excitantes” atrapalham a rotina de estudos da
seja nas atividades sociais, seja no teatro para além de sua materialidade, podendo ser escola. Expressões muito frequentes na escola
ou nas salas de música e dança, seja na considerado uma forma silenciosa de ensino, como “todos quietos”, “não corram”, “não pode
biblioteca, que não é só de estudo mas de um currículo invisível ou o terceiro professor”18. brincar na quadra”, “não quero ver ninguém se
leitura e de fruição dos bens do espírito16. Isso pode ser ilustrado pela disposição dos alu- sujando”, “quem se mexer eu tiro ponto” (duran-
nos nas salas de aula, cada um numa mesa, em te a aplicação de um exame) são um claro in-
O entendimento que se estabelece aqui na fileiras que se voltam para o púlpito onde está dício de que o mover-se corporalmente não é
aproximação das AFEs com o Desenvolvimen- o professor, fonte principal, senão única, de es- bem-vindo.
to Humano na escola coloca como desafio li- tímulos (Figura 7.1).
dar com o dualismo mente-corpo. Na escola O mais surpreendente é que, apesar de todo
©Pedro Russo
tradicional, o corpo é considerado como obje- avanço tecnológico nos recursos disponíveis à
to, nada além de um suporte passivo para uma didática escolar ocorrido nos últimos 200 anos,
b
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222
©CALVIN AND HOBBES © 1995 Watterson. Reprinted with permission of ANDREWS MCMEEL SYNDICATION. All rights reserved.
disciplina, do controle e da moral. Nessa escola, Necessita, portanto, ser parte presente e cons-
o corpo está distante do ato de conhecer, se- tante do cotidiano escolar. Mover-se permeia
não divorciado. O corpo é o território a ser de- o cotidiano de todos e garante desde as inte-
marcado com rígidas muralhas do que é proibi- rações mais básicas à vida até as produções e
do fazer em vez do que é possível criar. A escola manifestações da cultura humana. A Escola Ati-
moderna de tradição cartesiana e como aparato va engendra um processo de socialização: de
do Estado moldou uma Educação Física cons- crianças, jovens e professores como sujeitos de
trangedora de corpos, além de criar espaços conhecimento; do mover-se com o conhecer;
escolares onde a interdição do corpo é a regra. do indivíduo com seu desenvolvimento.
A escola contemporânea mudou pouco esse A Escola Ativa concebe a capacidade de mo-
conceito, se é que o mudou minimamente de ver-se como central na existência humana, para
fato. O avançado para uma escola contemporâ- além das suas funções instrumentais. Assim o
nea está no acesso às redes de informação vir- papel da escola é potencializar a capacidade hu-
tuais em sítios da internet. O corpo ainda é um mana de “mover-se” assim como outras capaci-
estranho nesse território. Cada vez mais os es- dades que emergem de um maior movimento.
paços da escola são policiados para que o cor- O “ativa” da Escola Ativa significa a condição de
po da criança tenha pouca chance de manifes- liberdade de mover-se que se expressa por di-
tação. Isso ocorre seja pela quantidade de horas ferentes funcionamentos:
que a criança e o jovem permanecem sentados
e confinados numa sala, seja pelo controle que 1. Como forma de aprender sobre todas as coi-
é exercido sobre a movimentação corporal das sas de maneira interativa e participativa, de
crianças e jovens nos intervalos entre aulas e acessar e apreender as AFEs para apreciá-las
no recreio. e recriá-las ao longo da vida e como expres-
Na escola onde o corpo é apenas tolera- crianças e incutir nelas hábitos saudáveis, além Daí a necessidade de uma outra perspecti- são das identidades individuais e coletivas.
do, vemos que a Educação Física vai assumir o de prepará-las para o eventual exercício mili- va de escola, a favor de uma Escola Ativa em 2. Como experiência estética.
papel de normalização de corpos (Figura 7.2). A tar. No Brasil Colônia do século XIX, a ginásti- que o mover-se é uma capacidade fundamental 3. Como linguagem corporal e ação comunica-
sociedade europeia dos séculos 18 e 19 proje- ca como higienização dos hábitos e costumes para o desenvolvimento humano, e na qual a tiva.
tou um modelo de escola onde se preconiza- foi vista também como meio para disciplinar a escola se efetiva como um espaço em que os 4. Como meio de viver no presente o estilo de
va retidão de posturas e hábitos saudáveis19. A grande maioria do povo brasileiro, tido como estudantes sejam agentes do seu próprio de- vida ativo que se preconiza para a fase adul-
ginástica na escola tornou-se um instrumento “desleixado” e ao qual faltava a disciplina e o senvolvimento. Quando o estudante se torna ta, na medida em que a escola, por meio do
para: a) civilizar o corpo das crianças (em oposi- vigor físico, atribuído à grande miscigenação. consciente de sua agência no mover-se, ele tem exercício da liberdade, estende esse estilo de
ção à sua natureza); b) controlar e domar o corpo Nascia assim a vinculação da ginástica escolar a chance de assumir que as AFEs constituem vida ativo para além da fase escolar.
das crianças (em oposição à sua irracionalidade com a eugenia como um projeto de purificação espaços para o exercício de sua individualidade,
e imoralidade); e c) disciplinar o corpo individual das raças20. em diálogo com os outros e com o mundo. Assim, parte-se do pressuposto de que as
(obedecer a comandos de forma apropriada) e O esporte é outra prática introduzida nas au- Dessa forma, as AFEs se tornam práticas AFEs devem ser vividas amplamente na escola.
coletivo (agir em sincronia com outros corpos las de educação física no século XIX na Inglater- de significação, de construção e reconstrução A expressão “Escola Ativa” ressalta a associação
sob um comando desejável considerando as fi- ra, pelo seu potencial de desenvolvimento do de significados (ressignificação), de fabricação do mover-se com a aprendizagem escolar. In-
nalidades de preparação militar). caráter e da moral21. Ambos, ginástica e espor- da realidade22. Por isso, a Escola Ativa assume centivar ou simplesmente permitir que alunas
Assim, a ginástica na escola foi concebida te, foram práticas implementadas tendo como que mover-se é uma capacidade essencial da e alunos movam-se durante as aulas, mesmo
como um meio para se controlar a moral das finalidade educacional precípua o exercício da vida da criança e do jovem, e de todo indivíduo. que não associado ao conhecimento escolar
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
OS CENÁRIOS DAS ESCOLAS DO
BRASIL E AS OPORTUNIDADES DE
PROMOÇÃO DE ESCOLAS ATIVAS
Tabela 7.2
Escala de Escola Ativa (EEA)
Para além do debate conceitual, é importante dados, a etapa seguinte foi elaborar um instru- sucesso em diversas áreas, em razão de van- Nível da escala Classificação Descrição
operacionalizar o modelo proposto de maneira a mento estruturado com base no modelo con- tagens25 que, para o propósito dessa pesquisa,
Menos de 45 Insuficiente As escolas deste nível possuem no máximo
criar meios de acessar e intervir na realidade das ceitual de Escola Ativa para realizar uma sonda- eram muito favoráveis por: (< 45) as seguintes características: expectativa de
escolas brasileiras pela ótica dessa Escola Ativa. gem telefônica em 572 escolas brasileiras23. aprendizagem definidas para a disciplina
O primeiro passo para isso foi analisar as bases Os dados obtidos na sondagem telefônica • Permitir construir uma escala para avaliar as de Educação Física, área coberta para
a prática das AFEs (pátio ou quadra) e
de dados nacionais que avaliam a Educação no foram tratados estatisticamente com o intuito propriedades psicométricas das questões do organiza eventos para promover AFEs.
Brasil, como o Censo Escolar e a Prova Brasil, por de balizar a construção de uma medida de Es- instrumento (itens, no vocabulário da TRI) e o
Pelo menos 45 Elementar Além das características do nível anterior,
portarem inúmeras variáveis ligadas à prática de cola Ativa para o Brasil. A criação de uma medi- desempenho das escolas respondentes em ≥ 45 a < 60 as escolas classificadas neste nível
AFEs nas escolas. Em geral, tais variáveis expres- da justifica-se por permitir um diagnóstico para uma mesma escala. começam a apresentar as seguintes
sam preocupações com os recursos humanos e prover um contínuo melhoramento em uma • Possibilitar obter características das ques- características: o professor de Educação
Física é responsável pelas aulas de
materiais disponíveis para sua oferta, com ênfa- determinada área e/ou prática; nesse caso, no tões do instrumento, identificando aquelas EF/movimento e a escola participa
se em dados sobre infraestrutura. Outra base de quão “ativas” as escolas são e podem vir a ser. A que realmente contribuem para avaliação do de eventos externos de AFEs.
dados considerada foi a Pesquisa Nacional sobre intenção, então, foi elaborar uma escala – uma modelo proposto de Escola Ativa. Pelo menos 60 Intermediário Além das características do nível anterior,
Saúde do Escolar (PeNSE), por abarcar aspectos régua de Escola Ativa – que pudesse situar as • Permitir acompanhar o desenvolvimento das ≥ 60 a < 70 as escolas classificadas neste nível
relativos à frequência com que os alunos se en- escolas brasileiras em relação ao modelo con- escolas respondentes ao longo do tempo. começam a apresentar as seguintes
características: possui diretriz específica
gajam nas AFEs dentro e fora da escola. Além ceitual proposto. • Permitir comparar a dificuldade das ques- para promoção de AFEs, oferece programas
dessas bases servirem como estratégia de mo- Na criação de escalas usualmente tem sido tões (itens). regulares de AFEs extracurriculares e abre
aos finais de semana para que os alunos,
nitoramento da qualidade da educação brasilei- utilizada a Teoria Clássica dos Testes (TCT), em
famílias e comunidade pratiquem AFEs.
ra, seus indicadores, em certa medida, também que se obtém um score de desempenho resul- Portanto, com a aplicação da Teoria de Res-
refletem a visão da política educacional que as tante dos valores atribuídos às questões de um posta ao Item (TRI), foi possível construir uma Pelo menos 70 Avançado Além das características do nível anterior,
≥ 70 a < 75 as escolas classificadas neste nível
sustenta e, portanto, desvendam o que os seus dado instrumento. Uma das críticas em relação régua prototípica, mas que, não obstante, per- começam a apresentar as seguintes
propositores consideram relevante sobre as es- à TCT é o fato de que seus resultados depen- mitiu estimar e escalar parâmetros para o cons- características: parcerias com outras
instituições para viabilizar a prática de
colas brasileiras no tocante às AFEs. dem do conjunto particular de questões que tructo de Escola Ativa. O principal resultado da
AFEs pelos alunos, oferece programas
O contraste dos indicadores dessas bases compõem o instrumento de medida, por isso as aplicação dessa metodologia é a apresentação de AFEs para os alunos aos finais de
com o constructo preliminar de Escola Ativa, análises e interpretações estão sempre associa- de uma escala, interpretada nos níveis de Escola semana, possui vestiários para banho, e
as famílias participam do planejamento
cunhado para dar início à pesquisa empírica, das ao instrumento como um todo24. Essa de- Ativa (Tabela 7.2). e gestão das AFEs para a comunidade.
logo apontou uma perspectiva, de certo modo pendência implica que diferentes instrumentos,
75 ou mais Pleno Além de todas as descritas nos níveis
limitada, com que as AFEs são analisadas na criados para medir uma mesma característica,
≥ 75 anteriores, as escolas classificadas neste
educação no país e, ao mesmo tempo, descor- podem gerar medidas diferentes não compará- nível começam a apresentar as seguintes
tinou lacunas a serem ocupadas com novos veis diretamente, uma vez que na TCT a medida características: possui infraestrutura
variada para a prática de AFEs como
indicadores que pudessem favorecer uma com- gerada pode ser maior ou menor, dependendo bicicletário, piscina e sala multiuso
preensão mais integrada do papel que as AFEs do grau de dificuldade dos itens. (musculação, dança, ginástica, lutas).
tem a desempenhar na formação de crianças Nas últimas décadas, a Teoria da Resposta ao
Fonte: Elaboração própria.
e jovens na educação formal a partir da noção Item (TRI) foi proposta como uma alternativa às
de Escola Ativa aqui sugerida. De posse desses limitações da TCT e vem sendo utilizada com
229
228
Fonte: Elaboração própria. Margem Nível de % Margem Nível de confiança de 95% Fonte: Elaboração própria.
de erro confiança de 95% de erro
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
Gráfico 7.2 Distribuição das escolas no Brasil na especialmente a Educação Infantil. Dentre as es- Com relação à Educação Infantil, por exemplo, por exemplo, que o “mover-se” como uma ca-
EEA segundo a dependência administrativa26 colas públicas 42,8% estão nesse nível; já nas há também uma menor ocorrência de progra- pacidade a ser oportunizada aos alunos pela
escolas privadas, 24,16% estão no mesmo nível. mas de atividades extracurriculares, uma vez escola é muito mais presente nos anos iniciais,
Com relação à distribuição das escolas nas que esse professor é o responsável, na maioria notadamente na Educação Infantil, e diminui
Pública Privada grandes regiões (Tabela 7.3), a região Norte pos- das vezes, pelo oferecimento dessas atividades. progressivamente em direção ao Ensino Médio.
% % 61,34% sui 61,85% de suas escolas no nível Insuficiente, Isso aponta para uma limitação do instrumento, Provavelmente porque o movimento, as brin-
Margem Margem 8,42%
ao tempo em que possui 0,68% de escolas no abrindo a possibilidade de que sejam empreen- cadeiras e os jogos corporais são considera-
de erro de erro
nível Pleno ou Avançado. A maioria das escolas didos novos esforços para melhorá-lo. dos importantes recursos pedagógicos para a
da região Nordeste estão no nível Elementar Paralelamente, observações do cotidiano es- aprendizagem e o desenvolvimento das crian-
(47,6%), com presença igualmente importante colar realizadas em pesquisa de campo27 mos- ças, inclusive para a aquisição da linguagem e
de escolas no nível Insuficiente (43,6%). Nas re- traram a tendência de os processos pedagógi- o raciocínio matemático, ao passo que os pro-
giões Centro-Oeste, Sudeste e Sul há concen- cos da escola valorizarem mais os movimentos cessos de ensino nos anos finais da Educação
46,10%
tração de escolas no nível Elementar. Na região corporais no início da Educação Básica em de- Básica tendem a enfatizar atividades predomi-
6,23% Centro-Oeste chama a atenção o percentual de trimento dos anos finais. Os dados revelaram, nantemente intelectuais e pouco ativas, por
42,84% escolas no nível Avançado (2,27%), bem acima
6,15%
da média nacional, bem como chama a atenção
a inexistência, na região Sudeste, de escolas nos
níveis Pleno e Avançado. Gráfico 7.3 Distribuição das escolas no Brasil na EEA segundo o nível de ensino28
O Gráfico 7.2 sugere que há algumas diferen-
ças entre as escolas públicas e privadas, sendo Educação Ensino Ensino Ensino
que apenas as privadas possuem escolas nos Infantil Fundamental I Fundamental II Médio
níveis avançado e pleno de Escola Ativa. Entre-
12,78%
tanto, os percentuais nos outros níveis da esca-
24,16% la são próximos ao se comparar as escolas pri-
7,14% Insuficiente 37,16%
vadas com as escolas públicas. Isso desmistifica, 39,6%
46,13%
ao menos no contexto analisado, a crença de
que as escolas particulares possuem melhores
condições do que as escolas púbicas para serem
ativas. Essa crença pode ser vista como um erro 58,65%
12,08% indutivo, ao generalizar as excepcionais condi-
11,05% 5,45%
3,36% ções de algumas poucas escolas particulares Elementar
para toda a categoria “escola particular”. 48,79%
Com relação aos níveis de ensino, os resul- 47,98%
tados sugerem que as escolas se tornam mais 49,51%
2,26% ativas à medida que avançam os ciclos de esco-
2,23%
0% 0% 0,15% larização. Isso se deve ao peso de alguns itens
- - 0,29% 28,01%
do instrumento que não são comuns devido às
próprias características da Educação Infantil e 13,23%
Elementar
Elementar
Insuficiente
Intermediário
Avançado
Pleno
Insuficiente
Intermediário
Avançado
Pleno
12,19%
do Ensino Fundamental I, como uma infraestru- Intermediário 3,75%
Avançado 0,61% 0,24% 0,71% 0,56%
tura diversificada e a existência de um professor Pleno 0% 0% 0,12% 0%
de Educação Física responsável pela disciplina.
Fonte: Elaboração própria. Fonte: Elaboração própria.
233
232
235
234
20,2% 24,2 14,8 23,9 20,4 31 10 18,8 26,2 41,3 16,3 21,4 16,7 25,6
escolas que abrem aos
finais de semana para
prática de AFEs
16,2% 18,4 12,8 14,5 16,7 25,7 8,1 20,8 16,3 26,8 17,5 15,8 12,1 19,1
escolas que oferecem
programas regulares de
AFEs pela escola aos
finais de semana
24,5% 24,5 28,9 16 19,6 30,5 18,5 21,9 33,1 26,6 13,8 22,7 26,9 28,3
escolas em que há
participação de pais/
responsáveis no
planejamento e gestão das
atividades para a comunidade
39,1% 41,7 34 25 46 50,4 24,5 42,9 44,2 59,5 55,8 34,1 28,4 39,4
escolas que oferecem
AFEs extracurriculares
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 7.4 Quando se analisa o número de escolas que convidando-os a participar não só das AFEs em de uma escola ser ativa, paradoxalmente, a vio- semana para evitar que as crianças
Percentual de não apenas disponibilizaram suas instalações, si mas também da elaboração de propostas que lência pode levar a uma valorização da escola e entrem. As crianças da comunidade,
envolvimento das mas que também possuem oferta de progra- fortaleçam aquelas AFEs que fazem parte da di- suas atividades (aí incluídas as AFEs). Em algumas mesmo assim, pulam o muro e usam
escolas com algumas mas de AFEs aos finais de semana para os alu- nâmica cultural da comunidade local. escolas visitadas foram observadas situações de os brinquedos. Esse é o motivo pelo
ações que propiciam nos, o percentual é ainda menor, caindo para A Tabela 7.4 também evidencia que o engaja- violência e, principalmente, de risco social. Nesses qual os brinquedos do parquinho estão
a prática de AFEs por cerca de 16%. mento das famílias nos programas de AFEs nas casos, a escola apresentou-se como um dos pou- todos quebrados. A quadra antes ficava
região geográfica, O que se constata é que o uso das escolas para escolas também não é comum no Brasil. Em cos (ou único) espaços seguros e confiáveis para trancada, mas as crianças fizeram diversos
nível de ensino, tipo prática de AFEs aos finais de semana é pouco co- menos de 25% das escolas, há participação da as crianças e jovens. Talvez, por esses fatores, o buracos na grade para conseguirem usar
de estabelecimento mum nas escolas no Brasil. Lamentavelmente, família no planejamento e gestão das AFEs. comparecimento dos estudantes a essas escolas e, então, eles desistiram de trancar.
e localização. esse índice é muito baixo quando se considera Cabe aqui analisar também quais são as bar- fora do horário de aula era relativamente eleva-
as restrições de acesso da população brasileira reiras que dificultam que mais escolas ofereçam do, mesmo quando havia restrição à entrada. Por Ainda assim, como foi observado em campo, a
às AFEs e o potencial do papel da escola em pro- programas e disponibilizem suas instalações outro lado, a violência também se apresentou escolha voluntária dos alunos e da comunidade
mover um estilo de vida ativo junto aos alunos e para iniciativas comunitárias de AFEs aos finais como um fator limitante para as escolas serem pelo uso da escola como espaço de socialização
à comunidade. A abertura da escola nos fins de de semana, uma vez que o contexto mais amplo mais ativas. Uma das escolas visitadas, em razão e lazer para além das atividades escolares reve-
semana é viável na medida em que a escola e a onde se localiza a escola e se desenrola a vida da violência presente no seu entorno, optou por la uma oportunidade para a instituição escolar
comunidade dialoguem, pois é essencial que a pública também afeta a possibilidade de que os fechar os portões aos sábados e domingos, o que fortalecer-se diante da comunidade, inclusive
comunidade se sinta representada na escola, que alunos e a escola sejam mais ativos. Questões impossibilitava a ocorrência de atividades cultu- se tornando mais ativa por meio da canalização
ela aja como corresponsável pela escola. como mobilidade e violência foram aspectos rais no fim de semana, inclusive de AFEs. Segue- dessa contingência para o envolvimento com
Como decorrência, uma ação interessante identificados nos estudos que afetam as esco- -se um trecho de um relato do campo: práticas de lazer ativo, como é o caso das AFEs.
que a escola pode adotar é a proposição de AFEs las diretamente, ou por intermédio dos alunos Do exposto, fica claro como o espaço esco-
que se vinculam às práticas sociais e culturais que ela atende. Ela [a coordenadora] falou que lar e a cidade são parte de um mesmo tecido
daquela comunidade. Sendo assim, é importante A violência foi um aspecto identificado na disponibiliza os espaços para as crianças de relações e que, portanto, se interpenetram.
que a unidade escolar explicite a valorização da pesquisa de campo que, uma vez existente, per- aos fins de semana, no entanto, ela Foge do escopo desse capítulo demonstrar
identidade pessoal e cultural dos estudantes, das meia todas as relações de uma comunidade. mesma e outras pessoas já me falaram como essas relações ocorrem e quais os seus
famílias e da comunidade no entorno da escola, Particularmente com relação às oportunidades que o prédio fica trancado aos fins de efeitos para a instituição escolar como um todo,
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
mas é possível apontar como o contexto local macrocampos disponíveis para composição da dessas atividades são, majoritariamente, as mo- A Escola Ativa advoga a favor das AFEs para
limita ou oportuniza modos de vida mais ativos grade de atividades, tem se destacado. Em 2014, dalidades esportivas tradicionais como vôlei, todos os envolvidos com a escola, tanto den-
para a comunidade escolar. 49,3% das escolas públicas de Ensino Funda- futebol, basquete e handebol e, como as esta- tro como fora do currículo. Corroborando essa
A promoção de AFEs no contraturno como mental haviam aderido ao PME, sendo o macro- tísticas já indicaram, oferecidas principalmente meta, a LDB em seu Artigo 26, parágrafo 3, faz
atividades educativas complementares é um campo Esporte e Lazer o mais ofertado pelas para os anos finais da Educação Básica, nota- referência ao componente curricular de educa-
importante elemento para a realização de uma escolas participantes, além de ocupar o segun- damente o Ensino Médio. As diferenças de gê- ção física e estabelece34:
Escola Ativa, uma vez que oferece a oportunida- do lugar em número de alunos envolvidos32. nero também apareceram como um marcador
de de envolvimento voluntário dos alunos com Por se tratar de atividades fora da grade importante evidenciado na oferta de atividades § 3º A educação física, integrada à proposta
essas práticas. Entretanto, o sistema da Educa- horária curricular exigida, as escolas não têm extracurriculares, delimitando as AFEs que a co- pedagógica da escola, é componente curricu-
ção Básica no Brasil abrange escolas que, em obrigatoriedade de oferecê-las e, portanto, a munidade escolar julga “apropriadas” para me- lar obrigatório da Educação Básica, sendo sua
sua grande maioria, atendem seus alunos em presença dessas atividades em certo grupo de ninos e meninas, além de indicar que é comum prática facultativa ao aluno:
meio período, apesar das proposições de políti- escolas sugere que essas reconhecem o valor encontrar mais oportunidades de práticas de
cas de educação integral já estarem em debate das AFEs na formação dos alunos. Como pode AFEs no contraturno oferecidas para meninos. I. Que cumpra jornada de trabalho igual ou su-
há décadas e, inclusive, constarem de docu- ser visto na Tabela 7.4, 39,1% das escolas afirma- Além disso, de acordo com dados da PeNSE perior a 6 (seis) horas.
mentos como a LDB e os Planos Nacionais de ram oferecer AFEs extracurriculares. Há de se apresentados na Tabela 7.5, os estudantes de- II. Maior de 30 (trinta) anos de idade.
Educação estabelecidos para os períodos 2001- notar que essa ocorrência aumenta progres- monstram uma atitude positiva diante do enga- III. Que estiver prestando serviço militar inicial
201130 e 2014-202431 visando estabelecê-la como sivamente ao longo dos níveis de ensino da jamento em programas de AFEs, caso a escola ou que, em situação similar, estiver obrigado
um direito universal. Educação Básica, saindo de 24,5% da Educação os oferecesse. à prática da educação física.
Estratégias do governo federal como o Infantil para 59,5% no Ensino Médio.. Apenas 5,9% dos estudantes teriam a atitude IV. Amparado pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de
Programa Mais Educação (PME) (ver quadro Para além dos números, o olhar microscó- de não fazer atividade física, mesmo se fosse outubro de 1969.
8.7) têm gerado avanços na implementação pico da pesquisa de campo revelou outras nu- oportunizado. Dito de outro modo, entre os es- V. (Vetado)35.
de escolas de tempo integral por todo o país ances que orbitam em torno da presença das tudantes que não praticam, 90% relataram que VI. Que tenha prole.
e o macrocampo Esporte e Lazer, dentre os AFEs no contraturno escolar. Os conteúdos fariam atividade física se tivessem oportunida-
de. Essa atitude é semelhante quando se con-
sidera as diferentes regiões do país. Cabe reto-
mar a questão dos conteúdos oferecidos em
Tabela 7.5 tais atividades que, por privilegiarem as ativida-
Estimativas do total e percentual de estudantes em relação à atitude que teriam se des esportivas em detrimento de outras prá-
tivessem oportunidade de fazer AFEs na maioria dos dias da semana no Brasil. ticas corporais, restringem sua capacidade de
despertar o interesse de mais alunos e alunas.
ATITUDES Número de estudantes Percentual de estudantes Com esse conjunto de informações, pode-
Não faria mesmo assim 186.540 5,9
-se perceber que iniciativas da própria escola,
implicando em baixos custos, podem impactar
Faria atividade física em alguns dias da semana 939.933 29,9
no envolvimento dos alunos e alunas na prática
Faria atividade física na maioria dos dias da semana 918.179 29,2 de AFEs, bem como da comunidade não esco-
Já faço atividade física em alguns dias da semana 444.475 14,1 lar. Mais ainda, considerando-se que a extensa
maioria dos alunos brasileiros frequenta a es-
Já faço atividade física na maioria dos dias da semana 654.704 20,8
cola apenas em meio período, identifica-se aqui
Total no Brasil 3.143.831 100 um aspecto ainda pouco explorado para se efe-
tivar práticas relacionadas às Escolas Ativas no
Fonte: ANDRADE, 201533.
contraturno.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
Caixa 7.2 como eles têm sido desenvolvidos, especialmen- Entre as escolas entrevistadas para essa Tabela 7.7
A Educação Física na escola40 te no Ensino Médio pode evidenciar certo de- pesquisa, pouco mais de 55% reportaram que Distribuição percentual de docentes
sequilíbrio entre conteúdos teóricos e práticos, as aulas de Educação Física são ministradas por atuantes em escolas públicas e privadas
Aninha criticou bastante o professor e as au- uma vez que desmerecem as experiências práti- profissional licenciado na área. Esse número é que possuem curso de licenciatura ou
las de Educação Física e, coincidentemente, sua cas como forma de aprendizagem (Caixa 7.2). maior na rede privada (73,6%) em comparação bacharelado com complementação
filha é Soraya, a menina obesa que havia sofri- Uma Escola Ativa, primeiramente, depende com a rede pública (50,7%), o que parece ser in- pedagógica na mesma área da disciplina
do um certo constrangimento durante as aulas. do compromisso da instituição escolar com a fluenciado pela menor presença desses profis- que leciona, segundo o nível de ensino
Aninha comentou que a escola adota uma pos- centralidade das AFEs na vida cotidiana dos alu- sionais nas escolas rurais (31,1%) em todas as re-
tura bastante leniente com algumas atitudes nos na escola e no processo de escolarização. giões e, especialmente, nas regiões Norte (11,7%) Nível de Ensino Porcentagem
do professor, que, segundo ela, apenas desen- Ela precisa de profissionais com formação ade- e Nordeste (24,8%), uma vez que o percentual Educação Infantil 44,6 %
volve o futebol e não explora todo o potencial e quada para planejar e executar ações de pro- de escolas públicas urbanas (70,8%) se aproxima
Ensino Fundamental I 57,5 %
interesses das crianças. Ambas disseram achar moção de AFEs nas disciplinas (não somente das privadas. Chama a atenção que bem me-
um absurdo que seja oferecido um trabalho na Educação Física) e fora delas: no recreio, no nos da metade das escolas nas regiões Norte Ensino Fundamental II 48,9 %
teórico para os alunos que não tenham obtido recesso escolar, no fim de semana e nas ativida- (29,4%) e Nordeste (36,8%) tenham professores Ensino Médio 58,9 %
nota satisfatória na disciplina de Educação Físi- des de contraturno. Isso requer um corpo pro- de Educação Física, enquanto nas regiões Sul e
ca, o que seria contraditório para a promoção fissional qualificado e preparado para planejar e Sudeste esse percentual está acima de 80%. Fonte: INEP; MEC 2016 - Censo Escolar 2015.
de um estilo de vida saudável e ativo. No en- implantar uma dinâmica escolar que constitua Em relação aos níveis de ensino, observa-se
tanto, quando lhes perguntei sobre a ausência uma Escola Ativa. Para essa responsabilidade de a tendência de aumento progressivo de profis- Tabela 7.8
de aulas de Educação Física regulares dentro “fazer acontecer” uma Escola Ativa, os docentes sionais de Educação Física da Educação Infantil Distribuição percentual de docentes atuantes
da grade horária da manhã para os alunos do (particularmente, os de Educação Física) têm (37,2%) para o Ensino Médio (95,4%). Essa mes- em escolas públicas e privadas que possuem
Ensino Médio não houve muita indignação, pois um papel proeminente. ma tendência aparece nas diferentes regiões curso superior, segundo o nível de ensino
os alunos mais velhos não “demonstrariam in- Na Tabela 7.7, apresenta-se dados do estudo brasileiras, exceto na região Norte, em razão do
teresse de qualquer forma”. do Inep41 com base no Censo da Escolar 2015 baixo percentual de escolas públicas rurais com Nível de Ensino Porcentagem
sobre os docentes com curso de licenciatura ou professor de Educação Física reportado no En- Educação Infantil 63,8 %
bacharelado com complementação pedagógica sino Fundamental II (8,3%). Vale ressaltar que é
Ensino Fundamental I 74,6 %
na mesma área da disciplina que lecionam, se- prerrogativa das legislações estaduais definir a
uma Escola Ativa, gundo o nível de ensino que atuam na Educa- exigência ou não de profissional de Educação Ensino Fundamental II 85,4 %
ção Básica. Física nos diferentes níveis de ensino.
primeiramente, depende do Como se verifica, esse panorama ainda está Alguns dos impactos da falta de um profes-
Ensino Médio 93,1 %
escolar com a centralidade formação específica de nível superior para to- campo. A ausência de um profissional especia-
dos os docentes da Educação Básica, obtida em lizado na área era uma justificativa muito co-
das AFEs na vida cotidiana curso de licenciatura na área de conhecimento mum para explicar a não oferta da disciplina:
dos alunos na escola e no em que atuam, no prazo de 1 (um) ano de vi-
gência do PNE. Muito embora parcela significa-
“Não tem Educação Física, pois não tem profes-
sor”. Em um caso emblemático, constatou-se
processo de escolarização tiva dos docentes da Educação Básica possua que, recentemente, uma rede municipal havia
formação em curso superior (vide Tabela 7.8), incluído a disciplina na grade curricular, mas não
é de reconhecimento geral que a formação havia contratado professores especialistas para
específica na área de ensino em que se atua é lecioná-la. Consequentemente, a inexistência
fundamental para a qualidade da educação. de professores de Educação Física em muitas
243
242
Tabela 7.9
Distribuição do total e percentual de escolas públicas e privadas em relação à existência
de quadra de esportes coberta e descoberta segundo a região geográfica
Quadra
Quadra coberta descoberta
Norte 21.047 (89,5%) 2.472 (10,5%) 21.844 (92,9%) 1.675 (7,1%) 23.519 (100%)
Nordeste 68.601 (92,8%) 5.332 (7,2%) 66.969 (90,6%) 6.964 (9,4%) 73.933 (100%)
Sudeste 42.153 (69,8%) 18.251(30,2%) 47.176 (78,1%) 13.228 (21,9%) 60.404 (100%)
Sul 18.032 (70,5%) 7.546 (29,5%) 18.831 (73,6%) 6.747 (26,4%) 25.578 (100%)
Centro-Oeste 7.649 (74,7%) 2.588 (25,3%) 7.759 (75,8%) 2.478 (24,2%) 10.237 (100%)
Brasil 157.482 (81,3%) 36.189 (18,7%) 162.579 (83,9%) 31.092 (16,1%) 193.671 (100%)
247
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
Caixa 7.4 claro que a organização dos espaços das aulas damental I (70,5%); e em escolas privadas (73,5%). Caixa 7.5
Usos do espaço na escola48 está bem distante do pensamento da aprendi- A maior frequência reportada na Educação Infan- Movimento, prêmios e castigos49
zagem ativa facilitada por mobiliário e outros til e no Ensino Fundamental I parece estar rela-
“As crianças, acompanhadas pela professora, recursos que permitam que os alunos estejam cionada à infância em si, em que as brincadeiras “Saí da sala e fui para a quadra acom-
estavam brincando na área arborizada próxima em movimento, inclusive enquanto aprendem corporais são inerentes ao processo de sociali- panhar um momento de recreação com
ao portão. O motivo era que o ar-condiciona- conteúdos teóricos. O trecho relatado na Caixa zação, ao passo que se observa a tendência de o 3º ano. Cinco alunos já estavam lá. O
do estava quebrado e um técnico estava vin- 7.4 denota uma situação positiva nesse senti- menor envolvimento espontâneo dos alunos restante vinha aos poucos. Perguntei-
do consertar – apesar de cedo, já estava muito do, mas que aconteceu como uma solução para com esse tipo de atividade nos tempos livres da -lhes onde estavam os outros e eles
quente e realmente parecia inviável ficar em remediar a impossibilidade de estarem em sala. escola conforme seguem em direção à adoles- disseram: ‘A professora só deixa descer
uma sala de aula fechada. Após alguns minutos Para além de julgar que a ausência de uma cência. O fato é que a disponibilização de espa- quem fica bem caladinho’. Eu: ‘E como é
de brincadeira, a professora decidiu que daria infraestrutura completa e adequada seja o ços e materiais por si só não é suficiente para isso?’. ‘É assim: quem fica mais caladinho,
sua aula do lado de fora mesmo. As crianças maior problema, vale destacar que há uma difi- garantir que os alunos se engajem nesse tipo ela manda descer’. ‘E os outros?’ ‘... Vão
ficaram superanimadas. Pegaram seus livros culdade de racionalizar o uso ativo dos espaços de atividade. Mais ainda, percebe-se que parece descendo um por um’.”
para fazer a tarefa e ocuparam os mais diversos da escola. Mesmo em escolas com boa infra- haver mecanismos de controle implícitos e explí-
espaços: alguns subiram na árvore para fazer a estrutura, os espaços são pouco explorados ou citos geridos pelos adultos da escola, que atuam
lição, três meninas deitaram em uma tábua que poderiam ser mais bem ocupados para práticas para inibir essas práticas (Caixa 7.5). séria”, em contraponto aos comportamentos
estava jogada no gramado, dois meninos bus- diferenciadas. Assim, independente da infraes- Um achado interessante das investigações “bonitos”, “direitos”, em um processo de domes-
caram as cadeiras – o que gerou indignação de trutura escolar, revela-se a necessidade de uma em campo foram as explicações mobilizadas ticação de corpos e gestos.
uma aluna: ‘pra que pegar a cadeira? Ela dói a nova relação com a corporeidade das crianças e pelos atores que justificam o esforço consta- Em diversas situações, pôde-se perceber que
bunda! É melhor ficar na árvore!’ Ficaram falan- jovens, na qual a Educação Física teria um papel tado nas escolas para tentar manter os alunos a grande preocupação era com a preservação
do para a professora que queriam que tivesse mediador fundamental, mas que também desa- quietos e sem maiores movimentações, inclusi- da integridade física dos estudantes, com a
aula do lado de fora toda semana, porque era fia as rotinas e práticas pedagógicas de todas ve nos recreios e intervalos, quando diferentes proposta de orientar a realização de atividades
ruim ficar na sala. Para a alegria de todos, a pro- as disciplinas. funcionários supervisionam os estudantes, que corporais de uma forma mais “segura”, e assim
fessora, então, concordou que poderiam ter as Os intervalos, recreios e outros pequenos são repreendidos principalmente quando cor- evitar que eles se machucassem nas depen-
aulas de artes no espaço externo. Ela comentou momentos em que os alunos têm a possibilida- rem. Para esse fim, existem diversos discursos dências da escola. Se algumas manifestações
comigo que acha bom fazer atividades fora da de de se envolver com a prática de AFEs espon- de controle. São acionadas várias justificativas, corporais podem levar a acidentes – como cor-
sala de aula, mas quase nunca é possível.” tâneas são um bom “termômetro” do valor que como: “não pode porque pode machucar”, “por- rer, brincar e jogar –, as escolas buscam inibi-las
elas possuem na cultura escolar. que é a regra” ou ainda “porque é preciso res- de diferentes modos, restringindo atividades,
Quando as escolas foram questionadas sobre peitar o outro”. Professores e funcionários ofe- freando movimentos tidos como exagerados,
a disponibilidade de espaços e materiais adequa- recem, ainda, prêmios a quem cumpre as regras. estimulando o uso de equipamentos. Assim, o
dos para a prática de AFEs em intervalos e re- Especialmente as atividades físicas – correr, pu- controle dos movimentos era justificado pelo
creios, a extensa maioria respondeu afirmativa- lar etc. – são objeto de vários regramentos, com perigo que algumas atividades trariam ao aluno,
mente, com percentuais ficando acima de 90%, justificativas que variam de acordo com a esco- que poderia se machucar.
independentemente do nível de ensino, região la, o gênero e a idade, como a preocupação com Monitores inclusive propunham atividades
ou tipo de estabelecimento (público ou privado). que os estudantes não se sujem na terra. São no recreio – momento das manifestações mais
Por outro lado, ao responderem sobre a real prá- utilizados também argumentos de ordem “esté- espontâneas – para as crianças não correrem e
tica de AFEs durante intervalos e recreios pelos tica”: birras, gritos e posturas erradas são “feios”, “assim não se machucarem”. Por isso, a constan-
alunos, ela foi confirmada por 64,6% das escolas e cobra-se que os alunos sejam “bonitinhos” ao te preocupação em disciplinar os estudantes e
entrevistadas, sendo mais frequente na região sentar corretamente, seguir as orientações e impedi-los de contrariar as regras, mesmo em si-
Sul (76,6%) e nos níveis de ensino relacionados cumprir as regras de convivência. Uma deter- tuações ou movimentos, a princípio, inofensivos
ao começo da vida escolar: Infantil (69,3%) e Fun- minada atividade pode ser “feia”, “perigosa”, “não para os estudantes. Se alguém levanta durante a
249
248
refeição, logo é repreendido e volta para o lugar. tada para a aprovação nas provas e alheia a As AFEs constituem uma dimensão impor- ativa. Tal condição vital refere-se às crianças e
Tais mecanismos de controle também estão “distrações”, como as AFEs para alguns. Nesse tante do Desenvolvimento Humano, assim jovens. Todos os relatos fazem menção à alta
ligados às expectativas de comportamento as- caso específico, tal direcionamento, além dos como contribuem para que ele ocorra. No frequência e intensidade com que crianças,
sociadas a cada faixa etária. Um termo bastante prejuízos à saúde dos alunos, ignora evidências presente capítulo, o conceito de Escola Ativa principalmente, se movimentam nos períodos
ouvido pelos pesquisadores para caracterizar robustas do efeito positivo das AFEs sobre as foi ampliado por entender que a aproximação de chegada e saída da escola, nos intervalos en-
os anos finais da Educação Básica é “maturi- funções executivas do cérebro, e dessas sobre entre as AFEs e o Desenvolvimento Humano tre aulas, nos recreios e, até mesmo, nas salas
dade” que se traduz na expectativa de que os o desempenho acadêmico. demandava pensar numa escola que vá além de aula. Os relatos que descrevem os movimen-
alunos mais velhos não brinquem, não corram No que diz respeito à apropriação dos espa- do incentivo de um estilo de vida ativo, como tos de chegada e saída da escola indicam que
e não se envolvam com formas de lazer ativo ços, se os estudantes mais velhos se interessam a Escola Ativa foi originalmente pensada nos os alunos buscam se engajar em movimentos
durante o cotidiano escolar. Para os estudantes mais pela quadra, domínio da dimensão espor- últimos 20 anos. Após cumprir o itinerário de corporais, seja com deslocamentos individuais
do Ensino Médio, por exemplo, certos compor- tivizada das AFEs, os mais novos demonstram pesquisa exposto serão agora apresentados in- ou em grupo, com corrida e caminhada, em jo-
tamentos identificados como “postura inade- preferências por espaços de domínio do lúdico, dícios do que pode ser tomado como recomen- gos como pega-pega e brincadeiras turbulen-
quada”, como gritar e correr, são interpretados como playground, parquinhos, jardim etc. Se dações, posto que seria incoerente defender a tas, entre outras. Isso ocorria apesar da escola
como “falta de maturidade”. Aquilo que já deve- correr e brincar são as principais práticas cor- agência e a liberdade de escolha de um e de se organizar para que os alunos formassem e
ria ter sido internalizado e, se não foi, reflete a porais espontâneas dos estudantes mais novos, todos e, ao final, delimitar uma lista de reco- mantivessem filas organizadas por classe no
imaturidade, ou seja, uma formação incompleta. por meio de uma dinâmica de deslocamento mendações fechadas e, portanto, normativas a pátio ou quadra.
A proximidade do vestibular e do Enem, carac- pelos espaços da escola, os mais velhos adotam respeito de como tornar uma escola ativa. De Na observação dos intervalos entre aulas, ou
terísticas dos anos do ensino médio, também uma postura mais estática, voltada à sociabili- pronto, pode-se dizer que há vários caminhos em situações em que os alunos e alunas saíam
pressionam para uma vida mais “madura”, vol- dade e conversas em grupos. para tornar ativa uma escola, principalmente da sala de aula (por exemplo, para ir ao banhei-
uma escola que se beneficie das AFEs em seu ro) é frequente o relato de que corriam sempre
cotidiano para formar melhor. que podiam para ir de um espaço a outro. Os re-
creios foram relatados como amplamente ati-
mecanismos de controle também HÁ UMA CONDIÇÃO VITAL LATENTE:
vos, isto é, com um grande número de crianças
e jovens em movimento constante, exercitando
estão ligados às expectativas de AS CRIANÇAS E JOVENS SÃO ATIVOS uma diversidade de práticas mesmo diante de
limites de espaço físico impostos. Há registros
comportamento associadas a cada faixa A aplicação da Escala de Escola Ativa para de crianças que simplesmente correm o tem-
etária. Um termo bastante ouvido pelos medir a realidade das escolas no Brasil indi- po todo, sozinhas ou com um companheiro.
ca que a presença de escolas ativas é mínima. Há ainda os jogos individuais como pega-pe-
pesquisadores para caracterizar os anos Apenas 0,55% das escolas pode ser denomina- ga, os jogos coletivos que variam da queima-
finais da Educação Básica é “maturidade” da Ativa, em um universo de mais de 200 mil es-
colas espalhadas pelo Brasil. Ao mesmo tempo,
da ao futsal. No geral, há um ímpeto para mo-
ver-se amplamente. As escolas, na pessoa dos
que se traduz na expectativa de que a pesquisa de campo detectou um elemento gestores (direção e coordenação pedagógica)
comum em todos os locais visitados: há uma buscam dispositivos para exercer um controle
os alunos mais velhos não brinquem condição vital latente para toda escola se tornar sobre o mover-se dos alunos. A preocupação
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251
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 7
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Atividades físicas e esportivas e seu papel na construção de Escolas Ativas
é restringir a movimentação a um conjunto de O principal balizador do mover-se dos alunos Figura 7.3 Espaços físicos das salas de aula que
práticas com menos deslocamentos pelo espa- e alunas continua sendo a ação dos gestores se tornam mais livres o movimento corporal
ço. A gestão da escola busca de todas as formas escolares. Se alguma recomendação pode ser
minimizar as possibilidades de acidentes dentro tirada desses indícios é a de que a escola, iden-
do espaço escolar. O argumento dos gestores tificada na pessoa, de diretoras e diretores, co-
é o de que alunos e alunas que se movimen- ordenadoras e coordenadores pedagógicos e
tam muito, frequente e intensamente, estariam professoras e professores deve capitalizar essa
mais propensos a cair, a trombar com outros, potência de mover-se que as crianças e jovens
entre outras possibilidades. Evidentemente que já trazem para o ambiente escolar. Isso reforça
as questões de segurança são legítimas e mais que uma escola para se tornar ativa necessita
do que justificáveis, todavia, acidentes não se incorporar o valor do mover-se em sua carta
previnem proibindo o mover-se, mas orientan- constituinte – o projeto político-pedagógico.
do as pessoas em seu mover-se pelos espaços,
assim como tornando esses espaços mais se-
253
252
Figura 7.4 Diferentes disposições de uma sala de aula: tradicional (a); tradicional
reorganizada (b); orientada aos vínculos sociais e motores (c)
a b c
255
254
NOTAS
A ESTRUTURA
GOVERNAMENTAL,
AS LEIS E O No cotidiano, são múltiplas as possibilidades ordenamento legal e normativo. Reconstituir
SENDO CUIDADO
não fazer por meio de programas, suportes ou políticas públicas voltadas para o setor no país.
apoios voltados para setores específicos da so- Nesse ínterim, é importante também saber
ciedade, o que pode envolver diversos atores, como o esporte se insere no aparelho do Es-
não somente governamentais. Resultam, assim, tado e no desenho institucional do governo. A
E O QUE PRECISA
das atividades dos governos que agem direta- partir daí, interessa mapear quais são, na atua-
mente ou por meio de delegação sobre deter- lidade, as políticas governamentais dirigidas ao
minado domínio da vida dos cidadãos. As AFEs setor, bem como caracterizar sua base de finan-
constituem um desses domínios, mas é preciso ciamento. Ao identificar as fontes, a magnitude
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Capítulo 8
A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
A CONSTITUIÇÃO DO SETOR
DAS AFES E SEUS ATORES
Os atores envolvidos com o setor das AFEs conhecida. No entanto, recuperá-las rapida-
representam distintas organizações com di- mente auxilia na identificação de atores cole-
© Sandro Vox
ferentes interesses, conformando grupos de tivos de destaque no segmento das AFEs ainda
pressão e poder que buscam influenciar os nos dias de hoje.
formuladores de políticas e tomadores de de- Estudos1 sobre a função social da Educa-
cisão. Assim, a identificação dos atores que se ção Física na sua inserção na escola europeia, narrativa construída tão somente pela influên- militarista, na transição entre as décadas de
desempenham direta ou indiretamente no se- durante o século XIX, apontaram três tarefas cia das instituições médica e militar4. Tais prin- 1930 e 40 durante o período estado-novista, ve-
tor demanda, ainda que sucintamente, uma fundamentais, particularmente em relação às cípios legitimaram-se por meio de um projeto rificou-se que o conteúdo ginástico cedeu lugar
reconstrução histórica da sua constituição na crianças de origem operária e campesina: dis- político-social fundamentado pelo nascedou- progressivamente ao esporte7. Como consequ-
vida nacional. ciplinarização e aculturação ao modo de vida ro de estudos sociológicos e psicológicos que ência, a Educação Física escolar experimenta
Para esse exercício, serão abordados cinco urbano e aos valores burgueses; preparação de se ocupavam, naquele período, da construção um processo de esportivização.
processos inter-relacionados, quais sejam: 1) mão de obra para as transformações impostas do que deveria ser o povo brasileiro, permea- Entre os diferentes grupos de interesse en-
a escolarização de conteúdos no âmbito das pela organização do trabalho fabril; e repro- do pela tentativa de integração nacional. Em volvidos nesse processo ganha destaque o em-
AFEs pela Educação Física; 2) a construção da dução da força de trabalho, compensando os conformidade com esse projeto, as Constitui- penho e a liderança dos militares, que elegem
cultura associativa no âmbito do esporte, arti- efeitos nocivos da extenuante jornada laboral ções de 1934 e 1937 reconheceram o caráter a Educação Física como o espaço para concre-
culada à criação e organização das entidades de sobre o corpo. centralizador da ação do Estado na promoção tização de sua presença no sistema educacio-
administração e prática esportiva; 3) as relações A difusão da ótica higienista conforma-se das orientações eugênicas e higiênicas, com- nal. Posteriormente, como consequência da
entre o esporte e a estrutura estatal, incluindo por meio de sua incorporação aos projetos po- preendidas como partes constitutivas de um esportivização, outros sujeitos coletivos pas-
a formação de organizações colaborativas à líticos pedagógicos da ginástica e da Educação modelo de educação cívico e moral da popu- sam a construir interlocução com a Educação
administração do Estado no campo das AFEs, Física no contexto escolar. As preocupações lação brasileira. Esse projeto foi introduzido por Física escolar. Refere-se à presença do sistema
por exemplo, as entidades do Sistema S; 4) as higiênicas, impulsionadas pelo movimento mi- componentes curriculares estratégicos, dentre esportivo organizado junto à escola, influência
relações do esporte e terceiro setor e a consti- gratório de um continente que se transformava os quais, localizava-se a Educação Física, cuja ligada à adoção de uma lógica de organização
tuição do mercado das AFEs; e 5) a organização rapidamente de agrário em urbano e industrial, obrigatoriedade é determinada pelo artigo 131 matizada pela ideia de pirâmide esportiva (Cai-
sistêmica do esporte. consolidando as modernas bases de sua eco- da Constituição de 1937. xa 8.1), tão difundida nas décadas de 1970 e 80
nomia, construíram o início de uma relação du- A responsabilização do Estado Novo de agir no contexto da ditadura militar. Nesse mode-
radoura entre o campo da saúde e o setor das sobre a Educação Física e promover a educação lo há uma ligação entre as diferentes camadas
A ESCOLARIZAÇÃO DE CONTEÚDOS AFEs. No século XIX, na Europa, foi decisiva a eugênica da Nação, com ações focalizadas na da pirâmide, de maneira que as inferiores dão
NO ÂMBITO DAS AFES influência das instituições militares nas origens infância e juventude, foi acompanhada por uma suporte às superiores. Para isso, a seletividade
escolares da Educação Física2. Na realidade bra- gradativa aproximação entre entes estatais e constitui o princípio fundamental e a crença de
A análise da escolarização dos conteúdos sileira, a história da Educação Física “se confun- setor esportivo, consolidando o esporte como que a quantidade de praticantes é a variável in-
das AFEs a partir de uma perspectiva históri- dindo em muitos de seus momentos com a dos projeto de matriz organicista do Estado5. Nesse dependente fundamental para se obter a quali-
ca, nos remete à gênese da própria Educação militares”3, evidencia uma certa simbiose entre sentido, até a década de 1940, a relação entre dade desejada. Desse modo, o esporte torna-se
Física no país. A influência das instituições mé- a instituição militar e o setor das AFEs. as AFEs e a Educação Física escolar no Brasil o conteúdo central das aulas de Educação Físi-
dica e militar nesse momento, bem como suas Os objetivos higiênicos e eugênicos, dissemi- caracterizou-se pelo predomínio da prática da ca escolar, tendo como modelo as normas e os
orientações higiênicas e eugênicas, é bastante nados durante a década de 1930, não são uma ginástica6. Inclusive, como reflexo da orientação padrões do esporte de alto rendimento8.
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
Caixa 8.1 Mais recentemente o esporte escolar e uni- pertencimento grupal perderam importância
PIRÂMIDE ESPORTIVA versitário ganharam destaque, o que reflete a diante das transformações sociais e no modo
retomada de um discurso previsível e recorren- de produção11 (Caixa 8.2).
te acerca da valorização da Educação Física em
A pirâmide esportiva é uma momentos marcados pela presença de grandes Caixa 8.2
representação simbólica erigida competições esportivas. No caso do Brasil, o Associação
pela ótica da massificação contexto de realização dos megaeventos es-
esportiva. Trata-se de uma figura portivos nesta atual década – em especial, dos Associação refere-se à “formação livre
na qual o ambiente escolar é Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 – con- e consciente de sociedades democráticas
transformando em lócus prioritário figurou o cenário ideal para esse tipo de narrati- para melhorias e defesa social – era a fór-
de desenvolvimento do esporte de va. A disseminação dessa ideia toma a Educação mula mágica da época liberal12; por meio
base que deve estar a serviço do Física e o Esporte como sinônimos, causando dela, até os movimentos trabalhistas que
ápice representado pelo esporte de Elite uma confusão conceitual que desconsidera os iriam abandonar o liberalismo se desenvol-
alto rendimento ou espetáculo. desportiva valores ético-políticos perseguidos pela insti- veram. [...] As fronteiras daqueles setores da
tuição escolar e, simultaneamente, desprezan- classe operária que iriam ser reconhecidos
do os demais conteúdos possíveis no âmbito como forças sociais e políticas coincidiam
das AFEs9. com o mundo dos clubes – sociedades de
ajuda mútua, ordens fraternas de beneficên-
cia, clubes de esportes e ginástica e mesmo
Esporte de massa: A CONSTRUÇÃO DA CULTURA associações religiosas voluntárias num ex-
Lazer / recreação, ASSOCIATIVA DO ESPORTE BRASILEIRO tremo e associações políticas e de trabalho
condicionamento / saúde no outro”.
Para fazer referência às entidades que cons-
Fonte: HOBSBAWN, 1988.
tituem o sistema esportivo organizado, aqui
entendido como o conjunto restrito de enti-
dades de administração e prática esportiva de Nessa linha, se identifica a instauração de
alto rendimento profissional e não profissional, uma cultura associativista (clubes) no país a par-
torna-se necessário localizar outros atores vin- tir da influência das comunidades imigrantes de
Educação física culados ao segmento das AFEs. Essa tentati-
va conduz ao segundo processo histórico de
alemães, em especial, na região sul do Brasil13. O
exemplo mais significativo seria a criação das
e Esporte escolar constituição das representações das AFEs: o “sociedades ginásticas”, cujo objetivo principal
associativismo. estaria na preservação de tradições culturais,
O associativismo é resultado de um segun- artísticas e esportivas em suas coletividades14.
do processo de institucionalização do esporte Posteriormente, os imigrantes ingleses seriam
como consequência da difusão das práticas es- responsáveis por disseminar uma cultura es-
Figura 8.1 Organização do esporte no Brasil no período da ditadura militar. portivas das instituições de elites para os clu- portiva como instrumento de formação do ho-
bes, associações e ligas independentes10. Esse mem burguês e da sociabilidade das elites que
processo de agrupamento cumpriu uma função integravam, principalmente, no Sul e Sudeste,
de identificação coletiva de pessoas de status regiões do país onde a urbanização e industria-
equiparado, uma vez que os antigos critérios lização avançavam com mais força. Nessas re-
Fonte: BUENO, 2008. para demarcar fronteiras de classe, status e giões, também contribuiu para a popularização
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
No que se refere às relações entre esporte Não obstante a falta de confiabilidade e Olhando para os processos históricos de es- o primeiro governo Vargas no Estado Novo. A
e mercado, destaca-se que o capitalismo con- exatidão das informações, ressalta-se que, em colarização da Educação Física, associativismo edição desse instrumento legal inaugura um
temporâneo criou um mercado mundial de 2003, conforme dados da International Health, e modernização esportiva, constata-se uma padrão tutelar de relacionamento entre esfe-
bens simbólicos, levando a limites insondáveis Raqueth e Sportsclub Association (IHRSA), com- arquitetura para a qual concorrem um amplo ra estatal e setor esportivo, modelo de relação
a cultura do consumo22. Essa dinâmica faz-se pilados no Atlas do Esporte no Brasil23, compa- conjunto de atores coletivos, o que confirma o que permaneceu sem modificações significati-
igualmente presente no campo esportivo, pres- rativamente, o Brasil figurava atrás apenas dos crescimento do segmento das AFEs. Entretanto, vas até o início do processo de redemocratiza-
crevendo ao esporte o signo da mercadoria e EUA em número de academias, com aproxima- é importante acentuar que essas dinâmicas e ção do país26. Somente nos anos 1990 ocorre
afirmando-o como objeto voltado majoritaria- damente 20 mil estabelecimentos. Já de acordo o próprio aumento desse setor específico são o rompimento com a ação tutelar do Estado
mente à esfera da circulação de serviços e de com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e fenômenos que se articulam a um processo no esporte. Nesse momento histórico, a legis-
bens materiais e simbólicos. Nesse contexto, Pequenas Empresas (Sebrae), entre os anos de mais amplo de alterações globais. A diversifica- lação esportiva deixa manifesta sua finalidade
verifica-se o abandono do esporte como direito 2007 e 2012, ocorreu um crescimento de 133% ção dos serviços e produtos do mercado das de atender aos interesses de mercado e regular
do cidadão, baseado nos princípios do bem-es- no volume de academias de ginástica no país, AFEs, o crescimento da participação do ter- seus conflitos, ao passo que se afasta das de-
tar social e nos preceitos consignados na Cons- saltando de 9.300 estabelecimentos para 21,7 ceiro setor nas políticas esportivas e de lazer, mandas das pessoas relacionadas às AFEs.
tituição Federal de 1988 para a condição de um mil. Informações da Associação Brasileira de acompanhada pela desresponsabilização esta- Cabe ressaltar que, embora abstenha-se de
bem ou serviço ligado ao direito ao consumo, Academias (Acad) destacam que o faturamento tal, são sintomas diferentes de processos que um papel mais proeminente de organização e
como exposto no Capítulo 2. do setor passou de R$ 1,5 bilhão em 2006 para têm transformado as relações contemporâneas controle da estrutura esportiva, o Estado não
As transformações sofridas pelo setor es- R$ 3,2 bilhões em 201224. Sem dúvida, os núme- entre Estado, sociedade e mercado. No caso do se retirou por completo, mantendo-se na con-
portivo se estendem para outros setores do ros apontam para um aumento da chamada In- mercado, sua diversidade se associa às novas dição de principal financiador dos eventos e
segmento das AFEs, especialmente a partir dos dústria do Fitness no Brasil, com impacto direto relações e modos de produção e organização modalidades esportivas de rendimento, bem
anos 1980, quando se constata o surgimento de no segmento das AFEs. do mundo do trabalho que são personalizadas, como assumindo a reponsabilidade pela pro-
um mercado crescente que opera pela expan- Além do segmento das academias de ginás- fragmentadas, transitórias, mais flexíveis e, por moção das políticas e projetos sociais esporti-
são e diversificação de uma série de serviços ticas, novos espaços de mercado são abertos conseguinte, menos estáveis. vos do país.
ligados às práticas de AFEs, tendo como expo- em função da expansão e diversificação de uma A despeito da expansão e diversidade da Atualmente, a normativa responsável por or-
ente marcante a chamada Indústria do Fitness série de serviços e produtos ligados às AFEs. oferta de bens e serviços ligados às AFEs, a ganizar o esporte é a Lei Pelé (9.615/1998). Essa
(ver Caixa 8.4). Um dos exemplos desse impacto é o cada vez interlocução do Estado com o setor se apre- lei dispõe sobre os princípios, as manifestações
mais popular circuito de corridas de ruas. Atual- senta com maior nitidez dentro de determina- esportivas, as finalidades do esporte, o Siste-
Caixa 8.4 mente, tais eventos mobilizam um contingente da parcela desse universo, o setor específico ma Brasileiro do Desporto (sistema que abran-
Indústria do Fitness expressivo de pessoas que buscam aderir a um do esporte. Portanto, considerando a história, ge o Sistema Nacional de Desporto), a prática
estilo de vida mais ativo. Segundo a pesquisa tradição e peso do esporte no setor das AFEs, desportiva profissional, e a ordem e a Justiça
A noção de Indústria do Fitness, vinculada ao “Muito além do Futebol: Estudos sobre espor- prioriza-se a análise sobre esse fenômeno que Desportiva. As manifestações esportivas estão
processo de produção e distribuição das práti- tes no Brasil”, de setembro de 2011, produzida captura maior atenção por parte do Estado, organizadas nos termos do que a legislação
cas corporais nas academias de ginástica, é des- pela empresa Deloitte Touche Tohmatsu Limited, aprofundando as problematizações acerca do projetou como Sistema Brasileiro de Desporto
dobrada aqui do conceito de Indústria Cultural, com o percentual de 17%, a corrida ocupava sistema esportivo organizado no Brasil. (SBD) e Sistema Nacional de Desporto (SND). O
vinculada ao processo mais geral de padroniza- lugar de destaque, depois do futebol, entre os primeiro, mais abrangente, incorpora o segun-
ção e racionalização das técnicas de produção esportes mais praticados pelos brasileiros. Nes- do, juntamente com o Ministério do Esporte
e distribuição dos bens e serviços culturais mer- sa mesma direção, dados sobre as práticas das A ORGANIZAÇÃO SISTÊMICA (ME), o Conselho Nacional do Esporte e os sis-
cantilizados. AFEs da Pesquisa Nacional por Amostra de Do- DO ESPORTE temas de desporto dos estados, do Distrito Fe-
micílios (PNAD) de 2015, do IBGE, apresentados deral e dos municípios, que devem se organizar
Fonte: PASQUALI et al, 2011.
no Capítulo 425, revelam que a caminhada é o A primeira tentativa de estabelecer as bases de forma autônoma e colaborativa, conforme
tipo de prática que mais se destaca em frequ- de organização do esporte em todo o país ocor- demonstra a Figura 8.2.
ência entre os brasileiros. reu por meio do Decreto-Lei 3.199/1941, durante
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
Figura 8.3 Principais fluxos de recursos para o esporte de alto rendimento
Ministério do Esporte
© Vitor Garcia
desempenho
Aprovação
CDMB
Comissão
Desportiva
Essa incongruência se materializa em um fontes de financiamento do setor é de longe Militar
atendimento privilegiado ou prioritário do Es- o EAR, representado pelo SND, a manifestação do Brasil
COB
tado a essas entidades, o que pode ser verifi- esportiva que mais se beneficia do fundo públi- Comitê
cado na legislação esportiva infraconstitucional, co. Conforme relatório do TCU, tais recursos são Olímpico
na própria conformação do SBD e SND e no di- aportados às entidades esportivas sem qual- do Brasil
Convênios
recionamento e prioridades do financiamento quer tipo de direcionamento estratégico. Confederações
público para o setor. O Tribunal de Contas da De acordo com dados do mesmo relatório, CPB
União (TCU), em auditoria realizada em 2014 no período entre 2010 e 2014, os atores que inte- Comitê
Paralímpico
referente ao repasse de verbas públicas para gram o SND movimentaram juntos 7,7 bilhões de Brasileiro
as entidades de administração e de prática do reais, sendo que, desse total, perto de 7,5 bilhões Convênios
Clubes
esporte, aponta que o SBD e o SND não apre- (97,3%) foram recursos provenientes de fontes CBC
sentam dispositivos que definam claramente públicas e apenas algo em torno de 200 milhões Comitê
os papéis e competências de cada um de seus (2,7%) foram contabilizados como patrocínios de Brasileiro
de Clubes
integrantes, comprometendo uma organização, empresas privadas, recursos próprios e repasses
de fato, sistêmica e convergente30. Posto que o do programa Solidariedade Olímpica do Comitê
conceito de sistema pressupõe a existência de Olímpico Internacional (COI)31.
interação entre seus componentes para agir de É sabido que existem discussões em curso
Lei Agnelo Piva Patrocínios Lei de
forma convergente, a ausência detectada pelo no Legislativo Federal sobre um novo Plano incentivo
órgão de controle demonstra deficiência de in- Nacional do Desporto e de um novo Sistema Repasse de recurso ao Esporte
terlocução dos membros do SND e entre esses Nacional do Esporte buscando endereçar essas Recursos
e o SBD. questões. No entanto, essas propostas ainda
Atualmente, como se observa na Figura 8.3, estão em tramitação e, por ainda não terem
ao considerar os principais fluxos de recursos sido aprovadas, não têm impacto na estrutura
Caixa Econômica Federal Outros Entes Empresas Estatais Empresas Privadas
direcionados ao esporte a partir das variadas sistêmica vigente (ver Caixa 8.6).
273
272
Em 2015, foi instituído pelo Ministério do Es- O sistema está pensado em três níveis dis-
porte um grupo de trabalho responsável por tintos: formação esportiva, excelência esportiva
discutir uma proposta de Lei de Diretrizes e Ba- e esporte para toda a vida, que podem ser me-
ses do Sistema Nacional do Esporte. lhor observados na Figura 8.4.
A proposta define uma estrutura organizati- Cabe dizer ainda que o sistema e o fundo fo-
va do esporte, sob níveis e sistemas, delineando ram pensados a partir dos resultados das três
as responsabilidades, agentes e competências edições das Conferências Nacionais do Esporte.
dos entes públicos, privados e do terceiro se- A proposta atualmente encontra-se em análise
tor, bem como propõe a criação de um Fundo no Senado Federal.
Nacional do Esporte, para garantir o acesso às
práticas de AFEs pela população ao longo de
sua vida.
O esporte, assim como os demais direitos públicas é o esporte de alto rendimento. A com-
Figura 8.4 Visão do Novo Sistema Nacional de Esporte consignados na Constituição Federal de 1988, petição, as marcas, as normas etc. são alguns
é objeto de políticas públicas nas três esferas dos princípios que influenciam a organização
Esporte para toda vida Jovens, Adultos e Idosos
de governo. No âmbito federal, desde 2003, a e os conteúdos dos programas esportivos no
População Atendida
100%
Aprendizagem esportiva para jovens centralidade das ações de promoção do espor- país. Essa tônica é reforçada a partir do ciclo de
e adultos e recuperação te está no Ministério do Esporte, porém, os mi- realização dos megaeventos que se inaugura
nistérios da Saúde, da Educação, da Defesa e da em 2007 com os Jogos Pan-Americanos e se
Cultura também desenvolvem ações de promo- encerra com os Jogos Rio 2016. Nesse contexto,
ção. A diversidade de programas desenvolvidos os programas e ações governamentais de es-
Aprendizagem da prática Esportiva
por essas pastas, ao passo que pode ampliar as porte e lazer orbitaram em torno do objetivo
possibilidades de acesso às práticas esportivas, de se fazer do Brasil uma potência esportiva.
Fundamentação Esportiva
Esporte também expressa a dificuldade enfrentada pelo Para o Ministério do Esporte, isso significou
Vivência Esportiva
de lazer governo de trabalhar de forma intersetorial, realizar um conjunto de ações que envolveu
Atividade com ações articuladas e não sobrepostas. tanto a melhoria dos resultados olímpicos e pa-
física A intervenção do Estado no campo espor- ralímpicos do país, a qualificação de treinado-
tivo pode ocorrer por diversos motivos, tais res, árbitros e equipes multidisciplinares, a pro-
Esp como a integração nacional, educação cívica, fissionalização da administração das entidades
orte preservação da saúde e melhoria da qualida- esportivas, o trabalho de base esportiva, quanto
com de de vida, oferecimento de atividade de lazer, o alinhamento e estruturação dos centros de
pet
itiv entre outros34. Observa-se que, invariavelmen- treinamento nacionais, estaduais, municipais e
o te, o modelo de esporte que baliza as políticas privados em funcionamento.
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© Adriano Araújo
Programa Atleta na escola;
Programa Segundo Tempo / Mais Educação; Iniciação esportiva
Forças no Esporte;
Programa Esporte e Lazer na Cidade e outros
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Caixa 8.8
Categorias do Bolsa Atleta
I. Categoria Atleta de Base, destinada àque- IV. Categoria Atleta Internacional, destinada
les que participem com destaque das ca- aos competidores de eventos interna-
tegorias iniciantes, a serem determinadas cionais integrando a seleção brasileira ou
pela respectiva entidade nacional de ad- representando o Brasil em sua modalida-
ministração do esporte, em conjunto com de, reconhecida pela respectiva entidade
o ME. internacional e indicada pela entidade na-
II. Categoria Estudantil, destinada aos atletas cional de administração da modalidade.
que tenham participado de eventos nacio- V. Categoria Atleta Olímpico ou Paralímpico,
nais estudantis, reconhecidos pelo ME. destinada aos atletas que tenham partici-
III. Categoria Atleta Nacional, destinada aos pado de Jogos Olímpicos ou Paralímpicos
atletas que participam de eventos em e cumpram os critérios fixados pelo ME.
âmbito nacional, indicada pela respectiva VI. Categoria Atleta Pódio, destinada aos atle-
© Washington Alves/Exemplus/COB
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
Caixa 8.9 Destaca-se que a Lei 12.395/2011 alterou o ou pan-americanos. Observa-se, portanto, que população do país, mas que também são his-
Conferência Nacional de Esporte Programa Bolsa Atleta ao garantir que os atle- a destinação dos recursos das bolsas para os toricamente beneficiadas com infraestrutura
tas com patrocínio privado também tivessem o atletas já prontos revela que a prioridade dessa esportiva. Os municípios que foram seleciona-
O princípio da democracia participativa, de- direito de pleitear e receber o apoio do progra- política têm sido apoiar aqueles que já estão em dos para fazer parte do programa escolheram
finido pela Constituição Federal de 1988, prevê ma. Além disso, a referida lei limitou em 15% o condições de participar das competições nacio- entre três modelos de CIEs (1.600m2, 2.750m2 ou
vários mecanismos que possibilitam a interven- valor total a ser repassado para os atletas de nais e internacionais dos esportes olímpicos e 3.700m2), conforme o tamanho do terreno dis-
ção da população na gestão pública, tanto para modalidades que não são olímpicas e paralím- paralímpicos, estando próximo do topo da pirâ- ponibilizado para abrigar as instalações. A maio-
participação nas decisões das políticas quan- picas. Com essa medida, garantiu-se a priori- mide esportiva. ria dos projetos aprovados (60%) foram no mo-
to para exercer o controle social. Dentre elas, dade do Bolsa Atleta para aqueles esportistas Os Centros de Iniciação ao Esporte consti- delo III, o mais completo, que contempla ginásio,
destacam-se: o orçamento participativo, con- que tinham condições de disputar os Jogos Rio tuem uma ação do ME que se insere na segun- arena e pista de atletismo, e pode atender até
ferências e conselhos gestores. Esse preceito 2016 a fim de contribuir para que o país se po- da edição do Programa de Aceleração do Cres- 16 modalidades esportivas olímpicas e seis pa-
constitucional passa a ser percebido em âmbito sicionasse entre os 10 primeiros colocados no cimento (PAC 2) e pretendeu erguer em todo ralímpicas. O modelo I, que conta somente
federal na área de esporte e lazer quando o Mi- quadro de medalhas, conforme definido na III o país ginásios poliesportivos e área de apoio com ginásio poliesportivo, pode contemplar
nistério do Esporte promove três Conferências Conferência Nacional do Esporte realizada em e, de acordo com o modelo selecionado pelo até 13 modalidades olímpicas e também seis
Nacionais do Esporte: 2010 (ver Caixa 8.9). município, agregam também quadra externa e paralímpicas.
Em 2015, o Programa distribuiu 6.093 bolsas, pista de atletismo. Os CIEs estão entre a base e o intermédio da
• 2004: “Esporte, Lazer e Desenvolvimento sendo que, no período de 2005 a 2012, foram ao O CIE conta com uma previsão de investi- pirâmide da RNT, juntamente com os espaços
Humano”. todo 24 mil bolsas. O número de atletas favo- mento de R$ 960 milhões, recursos do Orça- dos clubes, Sistema S e as unidades militares,
• 2006: “A criação do Sistema Nacional de Es- recidos ano a ano foi em média de 3.069, bem mento Geral da União46. Conforme a Portaria como pode ser observado na Figura 8.5. Foram
porte e Lazer”. abaixo do potencial existente no país, que é 2% nº 298/2013, serão instalados 285 CIEs em 260 concebidas para ser a ponte entre os progra-
• 2010: “Por um time chamado Brasil: Plano De- da população total43. Sobre isso, a Comissão cidades. Elas foram selecionadas seguindo os mas de iniciação esportiva e os centros regio-
cenal de Esporte e Lazer – 10 pontos em 10 de Educação do Senado Federal concluiu que seguintes critérios: municípios das 13 regiões nais de treinamento das diferentes modalidades
anos para projetar o Brasil entre os 10 mais”. a abrangência do Programa “[...] ainda é ampla- metropolitanas do PAC 2; cidades do Norte, que também estão sendo construídos no país.
mente insuficiente para o potencial e para as Nordeste e Centro-Oeste com mais de 70 mil
Fonte: BRASIL, 2006, BRASIL, 2010a e BRASIL, 2010b.
demandas do Brasil no campo esportivo, mas habitantes; cidades da região Sul e Sudeste
é importante registrar que o Bolsa Atleta, com com mais de 100 mil habitantes.
suas diversas categorias, representa um dos Destaca-se que metade desses espaços
maiores avanços na história do apoio ao espor- estão sendo construídos na região Sul (10%) os principais
te de alto rendimento no Brasil”44. e Sudeste (40%), onde estão a maior parte da
Os principais beneficiados com o Bolsa Atleta beneficiados com
são aqueles que já disputam competições na-
cionais ou internacionais. Em 2015, por exemplo,
o Bolsa Atleta são
86% dos atletas contemplados estavam nessas aqueles que já disputam
categorias45. Destaca-se que para um atleta na
categoria nacional conseguir uma bolsa, deve
competições nacionais
estar entre os três melhores no ranking nacio- ou internacionais
nal ou ficar entre os três melhores no evento
principal da modalidade no país. Já para ter o
direito a uma bolsa na categoria atleta interna-
cional, um atleta precisa ficar entre os três pri-
meiros colocados nos mundiais, sul-americanos
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O segmento esportivo depende diretamen- Esse quadro reúne o ordenamento legal que Quadro 8.1
te do Estado para que possa ser desenvolvido sustenta a base atual de financiamento públi- Dispositivos legais vigentes do financiamento da política pública de esporte no Brasil
no Brasil, tendo sido ele ao longo do tempo seu co do esporte no país, cujas fontes podem ser
principal financiador. Historicamente, o espor- agrupadas conforme a seguinte classificação:
te se constituiu legalmente como um direito Fontes orçamentárias, aquelas cujos recursos Legislação Descrição
no Brasil a partir da Constituição Federal de transitam pelo orçamento federal: recursos or-
Decreto-lei nº 594/1969 Instituiu a Loteria Esportiva Federal.
1988, pois, ao declarar como dever do Estado dinários do orçamento federal e contribuições
o fomento às práticas esportivas, a Constitui- sobre loterias e concursos prognósticos. Lei nº 8.242/1991 Criou o Conselho e o Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
ção – no artigo 217 – passou a prever a reali- Fontes extraorçamentárias, aquelas cujos re- Lei nº 9.532/1997 Alterou a Legislação Tributária Federal que contém dispositivos sobre benefícios
zação de investimentos públicos para sua pro- cursos não transitam pelo orçamento federal, fiscais concedidos às entidades esportivas sem fins lucrativos.
moção. O fato é que o tema do financiamento sendo repassados diretamente às entidades Lei nº 9.615/1998 Conhecida como “Lei Pelé”, instituiu normas gerais sobre o esporte. Seus dispositivos relativos
se apresenta como essencial para o debate em esportivas: repasses sobre loterias e concursos ao financiamento foram alterados pelas Leis: 9.981/2000, “Lei Maguito”; 10.264/2001, “Lei Agnelo-
Piva”; 10.672/2003, “Lei da Moralização do Esporte”; 12.395/2011, “Lei do Atleta”; 13.146/2015, “Lei
torno das políticas públicas de esporte. Am- prognósticos, patrocínios dos órgãos e entida- Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência”; e 13.155/2015, “Lei de criação da Lotex”.
plamente utilizadas e reconhecidas em outras des da administração federal, e contribuição so-
Portaria MPOG nº 42/1999 Estabeleceu a função 27 – “Desporto e Lazer” ligada a AFEs, bem como as subfunções
áreas de conhecimento e setores de atuação bre salários e sobre as transferências de atletas 811 – Desporto de Rendimento; 812 – Desporto Comunitário; e 813 – Lazer.
estatal, as pesquisas sobre o financiamento de profissionais pagos pelas entidades de prática
políticas públicas no setor esportivo ainda são esportiva para a assistência social e educacional Lei nº 10.451/2002 Alterou as leis relativas ao Imposto de Importação e IPI, isentando a importação de
equipamentos e materiais esportivos voltados ao desenvolvimento do esporte de
incipientes. da categoria.
alto rendimento. Foi alterada pelas Leis 11.116/2005, 11.827/2008 e 12.649/2012.
Vale dizer que a base de financiamento do Fontes indiretas, aquelas cujos recursos são
Lei nº 11.345/2006 Conhecida como “Lei da Timemania”, dispõe sobre a instituição de concurso de
esporte é diversificada, contando com variadas provenientes de desoneração tributária e isen-
prognóstico destinada a injetar receita nos clubes de futebol para a quitação
fontes de recursos. Para analisar o financiamen- ção fiscal: patrocínios e doações de pessoas de seus débitos tributários. Foi alterada pela Lei nº 11.505/2007.
to público federal do esporte, serão utilizados físicas e jurídicas no apoio direto ao esporte,
Lei nº 11.438/2006 Conhecida como “Lei de Incentivo ao Esporte”, dispõe sobre incentivos e benefícios
os seguintes indicadores: fontes de financia- a título de isenção fiscal; desoneração das en- fiscais para fomentar atividades esportivas. Foi alterada pela Lei 11.472/2007.
mento, magnitude do gasto e direção do gasto. tidades esportivas sem fins lucrativos; isenção
Decreto nº 6.555/2008 Dispõe sobre as ações de comunicação dos órgãos e entidades da
de impostos na importação de equipamentos e administração federal, o que envolve o patrocínio esportivo.
materiais esportivos; isenção de impostos nas
Decreto nº 6.759/2009 Regulamentou as atividades aduaneiras e a tributação do comércio exterior, concedendo isenção
AS FONTES DE FINANCIAMENTO DO importações de bens recebidos como premia- de impostos nas importações de bens recebidos como premiação em evento esportivo realizado
ESPORTE NA ESFERA FEDERAL ção em evento esportivo realizado no exterior no exterior, ou para serem consumidos, distribuídos ou utilizados em evento esportivo no país.
ou de bens para serem consumidos, distribuí- Lei nº 12.035/2009 Conhecida como Ato Olímpico, concede garantias à candidatura da cidade do Rio de
Em relação à fonte de financiamento do dos ou utilizados em evento esportivo no país; Janeiro a sede dos Jogos de 2016 e estabelece regras especiais para a sua realização.
setor, ou seja, a origem dos recursos públicos, e desonerações voltadas à realização dos gran-
Lei nº 12.663/2012 Conhecida como Lei Geral da Copa, dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações
apresenta-se no Quadro 8.1 a legislação fede- des eventos esportivos. FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude 2013.
ral que constitui sua base. É interessante notar A partir das diferentes fontes de financia-
Lei nº 13.155/2015 Criou a Loteria Exclusiva (Lotex), destinada aos clubes de futebol.
que a maior parte da legislação federal em vigor mento federal do esporte, apresenta-se em
pertinente ao tema foi produzida no cenário seguida os principais recursos que são direcio-
Fonte: Elaboração própria com base em BRASIL, Portal da Legislação. s. d.
pós-1988, em especial, a partir da Lei Pelé (Lei nados ao setor, iniciando pelo principal, isto é, o
9.615/1998) – atual Lei Geral do Esporte. orçamento.
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
o gasto orçamentário é a O ESPORTE NO FINANCIAMENTO Caixa 8.10 Caixa 8.11
DA UNIÃO PPA – Planos Plurianuais APO: Autoridade Pública Olímpica
expressão mais visível do
fundo público, tendo em O gasto orçamentário é a expressão mais O PPA é uma peça técnica e política A APO foi constituída pela Lei
visível do fundo público, tendo em vista garan- que baliza todo o governo de um pre- 12.396/2011 na forma de um consór-
vista garantir concretude tir concretude à ação planejada do Estado, es- sidente, tendo impacto direto sobre o cio dos governos municipal, estadual e
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MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
O DIRECIONAMENTO DOS em vez de organizar a política de esporte pelos Educação, Lazer e Inclusão Social” (EELIS); 2) foi vinculado à construção, ampliação ou mo-
GASTOS ORÇAMENTÁRIOS programas finalísticos, como ocorria nos PPAs “Esporte de Alto Rendimento” (EAR); 3) Megae- dernização de equipamentos esportivos. Dessa
anteriores, o PPA “Plano Brasil Mais” correspon- ventos; e 4) Gestão. As categorias EELIS e EAR forma, na Tabela 8.1, apresenta-se o direciona-
Para categorizar os gastos orçamentários de aos objetivos de um único programa temáti- estão articuladas à denominação da estrutura mento da execução orçamentária federal do
federais com esporte, toma-se como referên- co, tendo sido unificados os programas de ges- organizacional do Ministério do Esporte que in- esporte, partindo das categorias: Gestão, EAR,
cia o PPA “Plano Brasil Mais” (2012-2015), para tão. O controle das ações passa a ser feito por clui a Secretaria Nacional de Esporte, Educação, EELIS, Infraestrutura e Megaeventos.
estabelecer comparações com os outros PPAs. meio de Planos Orçamentários que detalham Lazer e Inclusão Social (Snelis) e Secretaria Na-
O PPA 2012-2015 tem inovações em relação aos cada atividade a ser desenvolvida. Essa nova or- cional de Esporte de Alto Rendimento (Snear).
anteriores, pois foi organizado em dimensões ganização gera dificuldades para o acompanha- Além disso, há a categoria “Infraestrutura”, pois,
(estratégica, tática e operacional), sendo deter- mento das políticas públicas esportivas desen- no momento da consolidação dos dados, nota-
minado pela Presidência da República o limite volvidas por categorias como: alto rendimento, -se que um percentual significativo de recursos
de um Programa Finalístico e um Programa de escolas, comunidades, faixas etárias específicas
Gestão e Manutenção para cada área setorial. e grupos com condições especiais de saúde.
Uma comparação das políticas de esporte nos Dessa forma, partindo do PPA 2012-2015 – es-
três PPAs pode ser vista no Quadro 8.2. Assim, pecificamente do programa temático “Esporte Quadro 8.2
na política esportiva, a atuação governamental e Grandes Eventos” e do “Programa de Gestão e Comparação entre as ações governamentais voltadas ao esporte
passou a se organizar pelo programa temá- Manutenção do ME” – delineia-se de início qua- consignadas nos PPAs 2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015
tico “Esporte e Grandes Eventos” e “Programa tro categorias para análise do direcionamen-
de Gestão e Manutenção do ME”. Dessa forma, to do orçamento federal das AFEs: 1) “Esporte, PPA 2004-2007 PPA 2008-2011 PPA 2012-2015
Total 553 823 1331 2444 1591 1809 2219 2902 554 583 962 715 Rumo ao Pan 2007 (2004-2007). Sem correspondência. Sem correspondência.
Fonte: Elaboração própria com base em SENADO FEDERAL, s. d. Portal SIGA Brasil. Fonte: Elaboração própria com base em CÂMARA DOS DEPUTADOS, s. d.
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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Elaboração própria com base em SENADO FEDERAL, s. d. Portal SIGA Brasil.
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Pan Rio
categoria Comitê Organizador dos Jogos Rio
2016, foram inscritos gastos com a organização
organizador
dos Jogos 7,4 bi
2007 1,49 bi 1,53 bi do evento. Já na categoria Matriz de Respon-
Rio 2016
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
Caixa 8.14
Copa do Mundo FIFA 2014 OS RECURSOS EXTRAORÇAMENTÁRIOS prática desportiva do futebol. A partir dessas le- Gráfico 8.5 Magnitude e direcionamento dos recursos
E INDIRETOS PARA O ESPORTE gislações, vê-se no Gráfico 8.5 a magnitude e extra orçamentários de concursos prognósticos e loterias
O Brasil foi eleito como sede da Copa do Mundo Fifa direcionamento dos recursos provenientes de encaminhados ao esporte – Série 2011-2015 (Valores
2014 em outubro de 2007. Para sua concretização foram As loterias têm sido utilizadas como fonte concursos prognósticos e loterias direcionados arrecadados; valores deflacionados pelo IGP-DI em R$ milhões)
mobilizados diferentes atores públicos e privados. Esse de recurso para financiar áreas sociais em dife- ao esporte.
megaevento foi realizado em 12 capitais brasileiras, tendo rentes países, dentre elas o esporte. Isso ocorre, Pode ser percebido que ao longo do perío- 73
68
impactado diferentes áreas, como segurança, mobilidade por exemplo, na Inglaterra, Finlândia, Alemanha, do houve aumento de recursos de concursos 46
44
urbana e turismo. A partir de dados do Siga Brasil, a Copa Espanha e Noruega. Dessa forma, o uso de lote- prognósticos e loterias para o esporte. Quem 94
42 116
do Mundo Fifa 2014 teve valores liquidados apenas com rias para financiar o esporte se configura como mais se beneficiou dessa fonte de recursos foi o 39
39
39
duas ações no que se refere a função “Desporto e Lazer” uma tendência da qual o Brasil faz parte. Por ME, o que se justifica por ser o órgão que deve 60 84
78
e suas subfunções: a) implantação de controle de acesso aqui, parte dos recursos de concursos prognós- implementar as políticas públicas de esporte. 260
e monitoramento nos estádios de futebol para seguran- ticos e loterias são destinados ao orçamento e O segundo maior beneficiário foi o COB e em 249
217 217
ça do torcedor (R$ 0,03 bilhões); e b) apoio a realização parte é fonte extraorçamentária. quarto a CPB, entidades de administração es- 222
da Copa do Mundo Fifa 2014 (R$ 0,18 bilhões). No entanto, A principal legislação que destina recursos portiva responsáveis pelo esporte de alto ren-
nem todos os valores gastos com a Copa do Mundo Fifa ao esporte é a Lei Pelé, a qual estabelece que dimento, o primeiro para atletas olímpicos e o
2014 foram realizados pelo orçamento federal, pois foram 10% da Loteria Esportiva devem ser destina- segundo para atletas paralímpicos. Chama aten-
realizadas ações que contaram com a parceria dos go- dos às entidades de práticas desportivas, pelo ção também o direcionamento para entidades
vernos federal, estaduais e municipais, além de clubes de uso de suas denominações, marcas e símbolos. esportivas vinculadas ao futebol – o futebol pra- 564 555 532 573 608
futebol. Assim, foram realizadas as ações: estádios (R$ 4,54 Além disso, foi estabelecido que anualmente a ticado profissionalmente é o esporte que mais
bilhões), mobilidade urbana (R$ 3,60 bilhões) e desenvol- renda líquida total de um dos testes da Loteria recebe recursos extraorçamentariamente. Por
vimento turístico (R$ 0,84 bilhões). Dessa maneira, a partir Esportiva Federal deve ser destinada ao Comi- fim, a Confederação Brasileiras de Clubes (CBC),
de dados do Siga Brasil e do Portal da Transparência, fo- tê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paralímpico responsável pela formação de atletas olímpicos,
ram gastos com a Copa do Mundo Fifa 2014 cerca de R$ Brasileiro e nos anos de realização de Jogos também é beneficiária desses repasses54.
9,18 bilhões. Olímpicos e Jogos Pan-Americanos, a renda lí- Dessa maneira, as entidades esportivas aca-
quida de um segundo teste da Loteria Esporti- bam sendo uma das principais definidoras e im-
va Federal deve ser destinada ao COB. Também plementadoras de políticas esportivas voltadas 2011 2012 2013 2014 2015
50% 4,54bi foi estabelecido que 2,7% da arrecadação bruta ao esporte de alto rendimento, uma vez que re- ME COB Clubes de Futebol CPB CBC
Estádios
dos concursos de prognósticos e loterias fede- cebem significativos recursos que não transitam Fonte: Elaboração própria com base em CEF, s.d.
39% 3,60bi rais e similares devem ser direcionados ao COB pelo orçamento federal. Assim, o Estado acaba
Mobilidade urbana
e CPB, na proporção de 62,96% e 37,04%, res- participando desse processo muitas vezes ape- Gráfico 8.6 Gasto das estatais federais com patrocínio
9% 0,84 bi pectivamente. nas como financiador e não organizador de polí- ao esporte – Série 2004-2015 (Valores pagos; valores
Desenvolvimento turístico
Outras legislações que direcionam recursos ticas públicas para essa dimensão esportiva. deflacionados pelo IGP-DI em R$ milhões)
2% 0,18 bi extraorçamentários de concursos prognósticos Outra fonte de recurso para o esporte que
Apoio a realização do evento
e loterias para o esporte foram a Lei da Time- não transita pelo orçamento é o patrocínio
0% 0,03 bi mania e a Lei 13.155/2015, que instituiu a Loteria dos órgãos e entidades da administração. Le-
Controle de acesso e 1274 816 669 244
monitoramento nos estádios Instantânea Exclusiva (Lotex), loteria com mar- galmente, ele tem base no Decreto 6.555/2008 mi mi mi mi
cas e símbolos de clubes de futebol. A primeira que dispõe sobre as ações de comunicação do
Fonte: Elaboração própria com base em BRASIL, 2016
estabelece que 22% da arrecadação deve ser Poder Executivo Federal. Assim, no Gráfico 8.6,
e SENADO FEDERAL, s. d. Portal SIGA Brasil.
direcionada a entidades desportivas da moda- apresentam-se as quatro estatais federais que Caixa Econômica Petrobras Correios Eletrobras
Federal
lidade futebol; já a segunda, dispõe que 2,7% da mais aportaram recursos no esporte por meio
Lotex deve ser encaminhada para entidades de de patrocínio no período de 2004 a 2015. Fonte: Elaboração própria com base em BRASIL, s. d. Sistema
Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão.
299
298
estatal com maior gasto com patrocínio para nio e doação de pessoas físicas (PF) e jurídicas trocinaram a LIE, é perceptível a hegemonia do
o esporte, tendo mais que triplicado seu gasto (PJ) ao esporte por meio de isenção fiscal. Tal di- setor financeiro, pois, das 10 maiores doadoras/ 150
em 2014 e 2015 em relação aos anos anteriores. tame (Lei 11.438/2006) autorizou que no período patrocinadoras, cinco empresas são desse se-
Já a Eletrobras patrocinou apenas em 2009 cer- de 2007 a 2015 – posteriormente foi prorrogada tor: Bradesco (R$ 195,71 milhões), Itaú (R$ 96,92
100
ca de R$ 161 milhões. até 2022 –, fossem deduzidos do Imposto de milhões), Banco Nacional do Desenvolvimento
Em 2012, o ME lançou o Plano Brasil Meda- Renda (IR) valores despendidos por PF (até 6%) (BNDES) (R$ 52,06 milhões), Banco do Brasil (34,14
lhas, cujo objetivo era dar melhores condições e PJ (até 1%), a título de patrocínios ou doações milhões) e Cielo (R$ 32,47 milhões). Além disso, há 50
aos atletas e confederações esportivas para a projetos esportivos e paraesportivos. empresas petrolíferas – Petrobras (R$ 138,88 mi-
que o Brasil atingisse a meta de se posicionar A LIE é uma forma simplificada de uso dos re- lhões) –, mineradoras – Vale (R$ 107,98 milhões), 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
entre os 10 melhores países nos Jogos Olímpi- cursos do fundo público, já que não se submete Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração
Participação Alto Rendimento Educacional
cos Rio 2016 – o Brasil ficou na 13ª posição – e aos trâmites e controles orçamentários, pois é (CBMM) (R$ 29,66 milhões) –, empresa do setor
entre os cinco melhores nos Jogos Paralímpicos executada por organizações não governamen- energético – Companhia Energética de Minas
104 mi ECP
Rio 2016 – o Brasil ficou na 8ª posição. De 2012 tais ou entes governamentais fora da esfera Gerais (Cemig) (R$ 44,85 milhões) – e de sanea-
Esporte Clube Pinheiros
a 2015, por exemplo, a Caixa Econômica Federal federal55. No período analisado (2007-2015), as mento básico – Sabesp (R$ 24,37 milhões). Den-
direcionou R$ 865 milhões e os Correios dire- contribuições foram realizadas quase que exclu- tre as 10 maiores doadoras/patrocinadoras, seis
70 mi MTC
cionaram R$ 453 milhões, o que representa 68% sivamente por empresas. Entretanto, em 2012, o são empresas privadas – Bradesco, Vale, Itaú, Ce-
Minas Tênis Clube
do total investido no esporte por ambas esta- número de contribuições de PF (1.090) foi maior mig, Cielo e CBMM –, três são empresas estatais
tais em todo o período de 2004 a 2015. Embora que o de PJ (1.077). No Gráfico 8.7, apresentamos federais – Petrobras, BNDES e Banco do Brasil –
54 mi IPM
as estatais federais já participassem do patro- o volume de recursos captados pela LIE. e uma é empresa estatal estadual – Sabesp.
Instituto Passe de Mágica
cínio a diversas modalidades esportivas, essa Em relação ao direcionamento dos recursos
captados da LIE, conforme pode ser notado no
52 mi COB
Gráfico 8.7 Recursos captados pela LIE – Série 2007-2015 (Valores Gráfico 8.8, a maior parte dos recursos foram
Comitê Olímpico Brasileiro
captados; valores deflacionados pelo IGP-DI em R$ milhões) encaminhados para o esporte de alto rendimen-
to em todos os anos. No período, foram dire-
52 mi CMVM
cionados para o esporte de rendimento R$ 1,39
Círculo Militar da Vila Militar
bilhões (67% dos recursos totais captados), en-
quanto para o esporte educacional e de partici-
pação foram encaminhados R$ 0,68 bilhões (33%
dos recursos totais captados), isto é, os recursos
82% 12% 3% 2% 1%
captados da LIE foram dirigidos, sobretudo, para
88 135 164 280 304 268 284 291 264
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 a manifestação esportiva com maior visibilidade Sudeste Sul Centro-oeste Nordeste Norte
perante o público, além de ser aquela que mais
Fonte: BRASIL, 2017. Fonte: BRASIL, 2017.
recebe recursos de fontes orçamentárias.
300
301
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
Em relação aos proponentes, os dois maiores Desse modo, a LIE tem contribuído pouco Conforme pode ser visto no Gráfico 8.9, o medida que o poder público não oferece con-
captadores no período foram clubes esportivos para a democratização do acesso ao esporte pico de gasto orçamentário com esporte no dições para fruição das atividades esportivas, as
– Esporte Clube Pinheiros (ECP) e Minas Tênis no país, sobretudo naquelas regiões que mais governo federal em 2011 também ocorreu nos famílias direcionam recursos do orçamento do-
Clube (MTC). O terceiro maior foi uma organi- necessitariam. estados, Distrito Federal e municípios. Além méstico para esse fim, fortalecendo o mercado
zação não governamental – Instituto Passe de Registra-se que nem todos os recursos apli- disso, em 2010 e 2011, os gastos orçamentários ligado às AFEs.
Mágica (IPM). O quarto foi o COB e, nesse caso, é cados no esporte foram mapeados. Entretanto, federais foram superiores aos estaduais, do Dis- Os gastos dos clubes e associações espor-
interessante notar que essa organização espor- de maneira geral, pode-se dizer que os recursos trito Federal e municipais, com a situação se in- tivas foram os segundos maiores gastos pri-
tiva conta com outras fontes de financiamento federais públicos para o esporte demonstraram vertendo em 2012 e 2013. vados no período analisado. No Brasil, há uma
público além da LIE, como loterias e estatais. que de 2004 a 2010, a principal fonte de finan- Além do financiamento público federal, es- forte presença de clubes na promoção do es-
Já o quinto maior captador foi uma instituição ciamento público do esporte foi o orçamento tadual, distrital e municipal, há o financiamento porte, conforme apresentado. Entretanto, tem
pública ligada às forças armadas, isto é, o Cír- federal. Entretanto, a partir de 2012 a centrali- privado do esporte. Considera-se financiamen- havido um forte crescimento de associações
culo Militar da Vila Militar (CMVM). O montante dade passou a ser os recursos extraorçamen- to privado do esporte aquele realizado pelas esportivas, que em sua maioria fazem parte do
captado por essas cinco organizações foi de R$ tários provenientes de loterias e concursos famílias, clubes e associações esportivas e em- “terceiro setor”, promovendo atividades espor-
331,70 milhões, tendo correspondido a 16% do prognósticos. presas privadas. Conforme pode-se observar a tivas, oferecidas principalmente aos jovens de
total captado no período analisado. partir do Gráfico 8.10, no financiamento privado comunidades carentes espalhadas pelo Brasil,
No que tange às regiões brasileiras, o desta- há destaque para o ano de 2011, como maior dando a possibilidade de acesso ao esporte
que é o Sudeste, que ficou ao longo do tempo PARA ALÉM DOS RECURSOS DA UNIÃO gasto, acompanhando assim o ano de maior àqueles que não podem pagar e/ou não con-
com 82% dos recursos captados, enquanto a gasto do setor público. seguem acessar o setor público. Além disso, há
região Norte ficou com apenas 1%. Assim fica Além dos recursos públicos federais enca- Pode ser notado que o maior gasto com os gastos das empresas privadas com esporte,
clara a concentração de recursos nas regiões minhados ao esporte das diferentes fontes, há esporte foi realizado pelas famílias – em mé- que cresceram muito nas últimas décadas, so-
com melhores Índice de Desenvolvimento Hu- aqueles provenientes dos estados, do Distrito dia 90% do gasto privado – com atividades bretudo com a proliferação das academias de
mano Municipal (IDHM) – Sudeste e Sul –, em Federal e dos municípios, bem como os recur- recreativas, de ensino e de educação vincula- ginástica e outras práticas de AFEs.
detrimento das piores – Norte e Nordeste. sos privados56. das diretamente ao esporte. Dessa maneira, à
Gráfico 8.9 Montante de recursos direcionados para o esporte Governo Gráfico 8.10 Financiamento privado do esporte por categoria – Série 2010-
Federal, pelas Secretarias Municipais e Estaduais+DF de Esporte – Série 2013 (Valores gastos; valores deflacionados pelo IGP-DI em R$ bilhões)
2010-2013 (Valores deflacionados pelo IGP-DI em R$ bilhões) 2,02 1,94 2,13
1,94
2,90 3,17 4,04 4,00
2,64
2,62
2,31 2,37
2,22
1,56
1,46 1,46 51,50 53,60 52,49 51,98
1,31 1,39
0,56 0,59
303
302
O amadurecimento de qualquer democra- aprimoramento das políticas públicas e da or- táculo que tem como razão primeira a obten- o fato é que se as políticas
cia faz com que o Estado seja cada vez mais ganização do setor. ção de resultados, porque é dessa forma que o
questionado no desempenho de suas funções, Apesar da ausência de uma cultura estatísti- retorno em termos de capital político se efetiva públicas voltadas ao segmento
uma máxima que vale também para o segmen- ca, é possível identificar e problematizar algumas para quem governa61. devem se desdobrar em ações
to das AFEs. Isso equivale dizer que quanto mais tendências quanto à abrangência e alcance das Outro problema que decorre dessa visão diz
transparente e maior a abertura para o controle políticas dirigidas às AFEs no país. Algo que me- respeito à focalização das políticas esportivas visando a apropriação crítica
democrático, mais efetivas serão as ações do
Estado para mudar a realidade do setor no país.
rece ser discutido, por exemplo, é a concentra-
ção de gastos públicos dirigidos ao Sistema Na-
para a população infantil e jovem. É necessá-
rio implementar políticas públicas destinadas à
e criativa das AFEs como um
Nesse sentido, ganham importância os es- cional de Desporto e seu subsistema do esporte infância e juventude, inclusive aquelas ligadas direito de todo cidadão, faz-
tudos das políticas públicas, os quais devem olímpico, cuja finalidade é promover e aprimorar às AFEs. Entretanto, sob o discurso da inclusão
abarcar desde os motivos que justificam de- as práticas esportivas de alto rendimento. Esse social, do enfrentamento da pobreza e da pre- se essencial a existência de
terminada intervenção, seu planejamento, os
atores envolvidos, a normatização necessária, o
sistema integra o Sistema Brasileiro de Des-
porto, do qual fazem parte o Comitê Olímpico
venção do delito, tal como estão organizadas, as
políticas para a infância e juventude legitimam
um sistema de avaliação
financiamento, até a avaliação de seus efeitos e Brasileiro, Comitê Paralímpico Brasileiro, confe- estratégias de regulação social como resposta à ancorado numa cultura de
possíveis impactos. derações, federações, clubes e ligas. Como se suposta ameaça e suposto risco representados
O fato é que se as políticas públicas voltadas verificou, se são esses os atores que, a partir de por essa parcela da população. A criação de pro-
estatísticas, de controle e
ao segmento devem se desdobrar em ações vi- variadas fontes, concentram o recebimento de jetos sociais esportivos para o controle social monitoramento para a sua
sando a apropriação crítica e criativa das AFEs recursos destinados ao esporte por parte do do tempo livre das crianças e jovens, destinados
como um direito de todo cidadão, faz-se es- poder público, o percentual de brasileiros que especialmente aos moradores dos chamados formulação, implementação,
sencial a existência de um sistema de avaliação
ancorado numa cultura de estatísticas, de con-
pratica esportes vinculados a essas instituições
é de apenas 4,4%, o que significa que 95,6% dos
territórios vulneráveis, segue essa lógica.
Num contexto de desigualdades e carência
execução e acompanhamento
trole e monitoramento para a sua formulação, brasileiros que praticam esporte o fazem sem de oportunidades escolares e profissionais, a
implementação, execução e acompanhamento. vínculo com as instituições citadas, ou seja, sem esperança de mudar de vida, de obter ascensão
Essa advertência é necessária porque há ca- qualquer vínculo ou cobertura do SND60. social por meio do esporte, desperta a aspira-
rência de estudos censitários, diagnósticos e de Ocorre que os parceiros de interação do Es- ção dessas crianças e jovens que vislumbram
sistemas de indicadores de monitoramento de tado para assuntos ligados às AFEs, bem como um futuro melhor para si e para sua família. Mas
programas voltados ao setor das AFEs. A partir a estrutura e ordem definidoras das políticas aí operam a seletividade e a distinção, princípios
dos estudos e pesquisas já realizados no Brasil, públicas para o segmento, são dados pela orga- do esporte de rendimento que, salvo exceções,
fica evidente a ausência de periodicidade dos nização de um sistema verticalizado a partir das não tardam em frustrar suas expectativas.
mesmos. É certo que existem outras fontes e entidades de administração e prática do espor- Partindo da compreensão de que as políti-
subsistemas de estatísticas sociais. Todavia, te, ou seja, a partir do SND. cas universais deveriam direcionar os recursos
considerando a descontinuidade e as diferen- Há, portanto, uma enorme dificuldade por públicos a todos os cidadãos, cabe problemati-
tes metodologias e objetos das pesquisas es- parte dos atores estatais de articularem outras zar a focalização das políticas esportivas para
pecíficas sobre as AFEs, ainda que mais recen- organizações da sociedade civil como parceiras a infância e juventude – predominantemente,
temente tenham sido produzidas e divulgadas na formulação das políticas. Assim, a definição para a infância e juventude em situação de po-
pesquisas como o Diagnóstico Nacional do de prioridades que caracteriza a intervenção breza – em contraposição à necessidade de se
Esporte (Diesporte)58 e o suplemento Práticas ou interação do Estado com a organização das fomentar a prática das AFEs para toda a popula-
de Esporte e Atividade Física da Pesquisa Na- AFEs é sempre decorrente do setor esportivo, ção, de todas as idades, sobretudo, ao levar em
cional por Amostra de Domicílios (PNAD)59, po- em particular, da concepção de esporte inscri- conta a mudança na estrutura etária brasileira.
de-se dizer que o país está longe de conseguir ta no seio do aparelho de Estado, cuja visão se Se tomamos como referência os progra-
estruturar uma base de dados para o efetivo limita ao esporte de alto rendimento e de espe- mas do governo federal, desde a base, onde se
305
304
voltada para o esporte de alto Essa foi a aposta do governo federal como
legado esportivo de nacionalização dos efeitos
no país, tampouco às AFEs de modo mais amplo.
A população adulta e idosa, por exemplo, embo-
público deve incentivar o lazer, como forma de
promoção social. Nessa perspectiva, o fomen-
rendimento e de espetáculo e, dos Jogos Rio 2016. Ocorre que dessa ação, que ra crescente, por variados motivos e, também, to ao esporte deveria se voltar para sua mani-
engloba quase todos os programas de governo, por falta de políticas públicas, se vê obrigada a festação mais democrática, aquela que atende
por outro lado, desassistida em fica de fora o atendimento à população madura abandonar a prática das AFEs à medida que sua à satisfação das necessidades e melhoria das
termos de programas e ações e idosa. De modo residual e muito limitado em
termos de abrangência, com um pouco mais de
idade avança.
Como a definição de prioridades que carac-
condições de vida da população, seja por meio
da escola ou da prática do lazer.
para a prática das AFEs em sua 30 mil usuários, o Vida Saudável, vinculado ao teriza a intervenção do Estado com a organi- Ainda quanto à estrutura legal, a Lei Pelé de-
zação das AFEs está voltada para o esporte de fine o esporte a partir de quatro manifestações:
dimensão do lazer, a maioria Programa Esporte e Lazer da Cidade, é o úni-
co programa do Ministério do Esporte volta- alto rendimento e de espetáculo e, por outro o esporte educacional, o esporte de participa-
das pessoas interessadas do para esse segmento da população, ou seja, lado, desassistida em termos de programas e ção, o esporte de rendimento e o esporte de
adultos maduros e idosos. ações para a prática das AFEs em sua dimensão formação.
em AFEs se vê obrigada a O IBGE contou mais de 206 milhões de pes- do lazer, a maioria das pessoas interessadas em Ocorre que as noções de esporte educacio-
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
O esporte de formação é um adendo legal governo. Os programas de EELIS do ME, confor- No cotidiano, são múltiplas as motivações o Estado deve respeitar
acrescentado mais recentemente ao texto da me já assinalado, possuem dotação orçamentá- que justificam a adesão das pessoas à prática
Lei Pelé por meio da Lei nº 13.155/2015, referen- ria limitada e abrangência restrita, além de orbi- das AFEs, inclusive a competição, mas a condi- a especificidade de cada
te à Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte tarem a RNT, portanto, subordinando-se à noção ção física, o contato com o outro, isto é, a socia- uma das manifestações do
– LRFE, que estabelece princípios e práticas de convencional de esporte dada pelo EAR. bilidade, o relaxamento, o equilíbrio psíquico e,
responsabilidade fiscal e financeira e de ges- Cabe reconhecer o valor pedagógico do principalmente, a qualidade de vida e o bem-es- esporte sem subordiná-las
tão transparente e democrática para entidades
desportivas profissionais de futebol, criando
esporte para a formação e o desenvolvimen-
to humano. O esporte constitui uma prática
tar são as motivações mais comuns. Assim, uma
compreensão mais ampliada do esporte deve
umas às outras, integrando
o Programa de Modernização da Gestão e de educativa das mais privilegiadas para fruição e ser o ponto de partida para a estruturação das um projeto de elevação da
Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro e exercício dos sentidos e das emoções, favorá- políticas para o setor.
dispondo sobre a gestão temerária no âmbito vel à criação, ao engajamento corporal, ao pra- Com efeito, não só a prática tradicional do participação social e esportiva
das referidas entidades.
Em verdade, tal definição responde às neces-
zer do movimento, ao exercício da confiança,
ao desafio do pensamento, ao desenvolvimen-
esporte, com suas modalidades e disciplinas
olímpicas e não olímpicas, mas também a ca-
da população, também para
sidades exclusivas do futebol, balizando a cer- to da autoestima, enfim, à satisfação de aces- minhada, a corrida de rua, o andar de bicicleta, o alto rendimento, mas,
so e apropriação da cultura. Assim, as políticas a ginástica, a malhação na academia, a dança, a
tificação dos clubes formadores e seu direito a
ressarcimento pela formação do atleta. Trata-se públicas devem fomentar os múltiplos poten- capoeira, as lutas, o skate, os esportes radicais
principalmente, na direção
do mecanismo de solidariedade instituído pelo ciais que têm as AFEs, buscando viabilizar a de aventura e ação, enfim, todo o universo de do lazer e da fruição
regulamento da Fifa e pelo artigo 29-A da Lei democratização do acesso a crianças, jovens, práticas que envolve e define as AFEs merece
Pelé – incluído pela Lei 12.395/2011 – que pre- adultos, idosos e pessoas com deficiência ou atenção do poder público.
veem a partilha de até 5% do valor referente com necessidades especiais, valorizando seus Isso significa dizer que as políticas públicas de
aos valores pagos pelas transações de atletas aspectos educativos, lúdicos, de qualidade de esporte devem ser, em verdade, políticas centra-
reservado para indenizar os clubes que partici- vida e também de performance. das no lazer e voltadas para toda a população e
param de sua formação. Para tal, como já indicava a II Conferência Na- todo o conjunto das AFEs, não só o EAR. Ao se
A Constituição Federal de 1988 inovou não cional do Esporte em 2006, o Estado deve orga- tomar tais manifestações como referência, o es-
só em relação à constitucionalização do direito nizar a oferta de suas diferentes manifestações porte educacional, o esporte de formação, o es-
ao esporte mas também em relação ao sentido de modo autônomo e articulado, ou seja, deve porte de alto rendimento e o lazer, deve-se ter
que lhe atribuiu, extrapolando a noção conven- respeitar a especificidade de cada uma das ma- diferentes níveis de atendimento à população,
cional de esporte a partir de outros sentidos, nifestações do esporte sem subordiná-las umas organizados de forma autônoma e articulada.
associados à prática recreativa, ao lazer e ao às outras, integrando um projeto de elevação O que se defende, portanto, é a necessida-
divertimento. A palavra de ordem do artigo 217 da participação social e esportiva da população, de de reformulações ou, até mesmo, de uma
é educar pelo esporte, isto é, buscar por seu também para o alto rendimento, mas, principal- nova lei geral para o esporte, incorporando o
intermédio o desenvolvimento humano, a pro- mente, na direção do lazer e da fruição65. sentido social e educativo que lhe foi dado pela
moção da saúde, do lazer e do bem-estar64. Na Se a palavra de ordem da Constituição Fe- carta constitucional. É preciso reconhecer que
Lei Pelé, é a manifestação do esporte de partici- deral de 1988 é educar pelo esporte, há de se o valor social atribuído ao esporte não se limita
pação, equivalente ao que se pode chamar de la- educar todas e todos e para toda a vida. Isso às conquistas de nossos atletas. Sem ceder ao
zer esportivo, desinteressado em relação à per- requer que as políticas públicas reconheçam o ufanismo patriótico que, em termos de capital
formance e com possibilidade de ser vivenciado fenômeno esportivo em sua totalidade, como político e simbólico, é o que mobiliza as ações
por todos que o acessem, a que melhor parece uma produção social e histórica ligada às ne- governamentais e a narrativa da grande mídia,
encarnar o caráter social dado ao esporte pelo cessidades do movimentar humano, que se é preciso admitir que tais conquistas ocupam
dispositivo constitucional. Todavia, na prática, o amplificou e que nos dias de hoje extrapola o um papel importante na construção da iden-
lazer esportivo é residual quanto às ações de sentido da competição. tidade cultural e memória afetiva do país. Não
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 8
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A estrutura governamental, as leis e o financiamento: o que já está sendo cuidado e o que precisa de atenção
NOTAS
1 NOGUEIRA, 1990; CASTELLANI 39 BRASIL, 2016c. 56 Alguns dados referentes a magnitude dos
FILHO, 1988 e SOARES, 2012. 40 BRASIL, Ministério da Educação, s. d. recursos provenientes de tais fontes foram
2 Idem. 41 BRASIL, 2011. reunidos a partir dos estudos de Kasznar (2015).
3 CASTELLANI FILHO, 1988, p. 34. 42 CASTELLANI FILHO, 2007; MASCARENHAS, 2007; 57 Os valores das Secretarias Municipais
4 LINHALES, 1996. FERES NETO, VIEIRA e ATHAYDE, 2012; MATIAS, 2013. correspondem a uma amostra de 200 municípios
5 Idem. 43 COSTA, 2005. dentre os 5.570 municípios brasileiros.
6 BETTI, 1991. 44 SENADO FEDERAL, 2015, p. 47. 58 BRASIL, 2015a.
7 BRACHT, 1997. 45 BRASIL, 2013. 59 IBGE, 2017.
8 BUENO, 2008. 46 TCU, 2014 60 IBGE, 2017a.
9 MASCARENHAS, 2012. 47 BRASIL, 2015c. 61 BRACHT, 2005; MANHÃES, 2002.
10 DAMO, 1998. 48 BRASIL, 2015d. 62 IBGE, 2013 s. d.
11 Idem. 49 BRASIL, 2016d. 63 IBGE, 2017a.
12 HOBSBAWM, 1988, P. 238. 50 SALVADOR, 2012. 64 BULOS, 2007.
13 VERONEZ, 2005. 51 Para identificação da execução orçamentária 65 BRASIL, 2006.
14 Idem. federal do esporte, utilizamos a classificação 66 Idem.
15 DAMO, 1998. funcional-programática vigente no Brasil, em que 67 BRASIL, 2006.
16 MANHÃES, 2002. há uma área ou função denominada “Desporto
17 REQUIXA, 1977. e Lazer”, além das subfunções “Desporto de
18 LINHALES, 1996. Rendimento”, “Desporto Comunitário” e “Lazer”.
19 CASTELLANI FILHO, 2008. Nem todas as despesas relacionadas ao esporte
20 IBGE, 2012. são alocadas na função “Desporto e Lazer”, haja
21 MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010. vista as subfunções supracitadas não se vincularem
22 NETTO E BRAZ, 2009. exclusivamente àquela função. A partir de 2005,
23 COSTA, 2005. essas subfunções se agregaram às funções
24 Entre 2006 e 2012, a inflação no Brasil (medida “Educação”, “Direitos da Cidadania”, “Defesa Nacional”
pelo IPCA) oscilou entre 3,14% e 6,5% ao ano. e “Cultura”, sendo executadas, respectivamente,
25 IBGE, 2017a. pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
26 LINHALES, 1996; Manhães, 2002. da Educação (FNDE), Fundo Nacional para a
27 Atualmente o Comitê Olímpico Brasileiro é Criança e o Adolescente (FNCA), Ministério da
chamado de Comitê Olímpico do Brasil e o Defesa (MD) e Ministério da Cultura (Minc).
Comitê Paraolímpico Brasileiro é chamado 52 BRASIL, 2010b.
de Comitê Paralímpico Brasileiro. 53 A Rede CEDES — Centros de Desenvolvimento de
28 BRASIL, 1998. Esporte Recreativo e de Lazer — foi implantada
29 Idem. como ação programática do Ministério do Esporte,
30 Tribunal de Contas da União, 2014. gerenciada pelo Departamento de Ciência e
31 Idem. Tecnologia do Esporte, da Secretaria Nacional
32 No sistema atual, todos os investimentos de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social.
se concentram nessa faixa azul clara. 54 Cabe registrar que os recursos de concursos
33 Grupo de Trabalho do Sistema Nacional do prognósticos e loterias destinados ao ME
Esporte, que atuou entre abril e dezembro de transitam pelo orçamento, agregando recursos
2015, no âmbito do Ministério do Esporte. ao orçamento. Os recursos de concursos
34 BRACHT, 2005. prognósticos e loterias que constituem fonte
35 BRASIL, 2016b. extraorçamentária são aqueles repassados
36 BRASIL, 2016b, p. 3. diretamente pela Caixa Econômica Federal
37 REIS, 2015. ao COB, CPB, clubes de futebol e CBC.
38 BRASIL, Ministério da Educação, s. d. 55 MATIAS et al, 2015.
Capítulo 9 INTRODUÇÃO
A PROMOÇÃO DAS
ATIVIDADES FÍSICAS
E ESPORTIVAS E
SEU ALINHAMENTO
COM A AGENDA
2030 PARA O
DESENVOLVIMENTO
O mundo conta com um novo marco para acordo com o parâmetros estabelecidos no
o desenvolvimento desde setembro de 2015, documento final da Conferência Rio +20) se-
quando a Agenda 2030 para o Desenvolvi- jam concentradas em cinco eixos: 1) Pessoas; 2)
mento Sustentável, contendo 17 Objetivos de Planeta; 3) Prosperidade; 4) Paz e 5) Parcerias
315
Capítulo 9
A promoção das atividades físicas e esportivas e seu alinhamento com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
Figura 9.1 Os cincos eixos da Agenda 2030 Figura 9.2 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030
PLANETA
PROSPERIDADE
Proteger os recursos
naturais e o clima
do nosso planeta
para as gerações
Desenvolvimento prósperas
Garantir vidas
e plenas,
futuras
Sustentável a natureza
em harmonia com
PARCERIAS
Implementar a agenda
por meio de uma
P
AZ
Promover sociedades
parceria global sólida pacíficas, justas e
Empoderando vidas.
inclusivas Fortalecendo nações.
A multiplicidade e complexidade dos desa- As Atividades Físicas e Esportivas (AFEs) atra- O fato é que todas as iniciativas no campo anteriormente. Foi visto como a continuidade
fios atuais do planeta, que incluem pobreza, vessam ou tangenciam vários desses objetivos da promoção das AFEs, em nível municipal, es- ou descontinuidade de programas públicos de
mudança global do clima, guerras, padrões de e metas, sem que haja, contudo, menção explí- tadual ou nacional, terão maiores chances de promoção das AFEs relaciona-se com as diretri-
produção e consumo obsoletos, desigualdades cita a elas3. Mesmo sem essa alusão direta às sucesso se forem elaboradas e implementadas zes do planejamento orçamentário. Também foi
sociais marcantes, entre outros, explica a gran- AFEs na Agenda 2030, é possível construir múl- como parte de uma estratégia maior sustentá- mostrado que é fundamental para as políticas e
de quantidade de Objetivos (17) e Metas (169) tiplas pontes de mão dupla entre elas e cada vel. Uma política ou programa isolados podem programas considerar e dialogar com as especi-
da Agenda (Figura 9.2). Essa profusão de objeti- um dos Objetivos de Desenvolvimento Susten- ter um efeito positivo sobre um conjunto de ficidades dos grupos sociais atendidos, incluin-
vos e metas também demonstra o seu caráter tável. Assim, aumentar e qualificar a prática de pessoas, por um determinado tempo. Mas o do todas as pessoas em cada tipo de atividade
ambicioso e ressalta que ela é válida para to- AFEs pode ser fundamental para a promoção que garantirá a permanência dessa política ou desenvolvida.
dos os países, não somente para aqueles com dos ODS, tanto quanto promover os ODS pode programa, e a consequente geração de resulta- À continuação, serão apresentados e anali-
maior quantidade de pessoas em situação de ser decisivo para aumentar e qualificar o envol- dos concretos e duradouros, é a sua viabilidade sados alguns elementos capazes de auxiliar na
vulnerabilidade. vimento das pessoas com as AFEs. econômica, social e ambiental. construção de contextos mais favoráveis à ela-
Alguns elementos-chave que poderiam aju- boração e implementação de políticas de pro-
dar a constituir essa sustentabilidade no cam- moção de AFEs que sejam mais sustentáveis.
po da promoção das AFEs foram explorados
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 9
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A promoção das atividades físicas e esportivas e seu alinhamento com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
O CARÁTER UNIVERSAL A PRODUÇÃO DE DADOS E A
DA AGENDA 2030 CENTRALIDADE DO PLANEJAMENTO
Uma das características centrais da Agenda Incluir é especialmente difícil quando se con- A elaboração, implementação, monitoramen- Além disso, para além das tecnicalidades e
2030 é sua natureza universal, integradora e in- sideram os grupos em situação de maior vul- to e avaliação de políticas públicas e de outras obrigações existentes no escopo da gestão
clusiva. O universalismo faz referência ao fato nerabilidade. Um esforço adicional é necessário iniciativas para aumentar e qualificar a adesão pública em termos da construção de PPAs, da
de que os objetivos e metas propostos são os para reprogramar o olhar e enxergar pessoas das pessoas às AFEs deverão lançar mão, cada elaboração das Leis de Diretrizes Orçamentárias
mesmos para todos os atores. O caráter inte- invisibilizadas pelo hábito coletivo de não as vez mais, da produção e uso de dados, bem como (LDOs) e das Leis de Orçamento Anuais (LOAs),
grador lembra a necessidade de equacionar as considerar sujeitos desse tipo de direito. Mulhe- da utilização de instrumentos de planejamento. que certamente devem ser cumpridas, é preci-
três dimensões do desenvolvimento sustentá- res e meninas de famílias de baixa renda, idosos, Para planejar, é preciso que se tenha infor- so que os gestores, e outros atores responsá-
vel (social, ambiental e econômica) e a questão trabalhadoras e trabalhadores das zonas rurais mação de boa qualidade. Só assim há como veis pela proposição de iniciativas nesse campo,
da inclusão faz um chamado para que ninguém etc. podem conformar alguns dos grupos que construir um bom diagnóstico, definir priorida- conscientizem a sociedade sobre o problema a
seja deixado para trás em termos de desenvol- precisam de especial atenção. des e metas, estabelecer uma linha de base e ser resolvido, bem como articulem parcerias ins-
vimento)4. Dentre as barreiras que dificultam o avanço trabalhar com a certeza de que os resultados titucionais amplas que ajudem a equacioná-lo.
Assim, em um dado território, o conjunto de uma perspectiva mais universal e inclusiva, alcançados ao longo do processo poderão ser Esse engajamento extenso dos responsáveis
das ações para promover o envolvimento das que é também a base da Constituição Federal medidos e ajustados conforme a necessidade. pela gestão pública com outras instituições e
pessoas com as AFEs deve ter como horizonte de 1988, podem ser citadas: 1) a intolerância, o No caso dos municípios, onde a materiali- organizações é vital para garantir sintonia com
todos os grupos sociais que ali vivem, consi- racismo e a exclusão (ancorados em práticas dade das iniciativas públicas ou privadas pode os grupos sociais para os quais as ações pla-
derando suas especificidades e dando especial violentas que podem ser explícitas ou não); 2) ser apreciada com mais facilidade, é fundamen- nejadas serão endereçadas. O estabelecimento
atenção àquelas relacionadas com o seu nível a captura das instituições pelos interesses das tal que sejam elaborados Planos Municipais de de prioridades e metas de modo participativo
socioeconômico e as fases da vida em que se elites; e 3) o baixo poder de barganha dos gru- promoção das AFEs. Os governos locais têm a pode ser um aliado poderoso nesse processo, já
encontram. Só assim essas ações poderão ter pos desfavorecidos5. grande responsabilidade de promover a elabo- que permite a customização das propostas de
um caráter de aderência à Agenda 2030. Para ir além dessas barreiras, é preciso cons- ração desses planos, que devem contar com a ação desde o seu nascimento para o contexto
Como visto, há uma marcada desigualdade truir um marco que esclareça, em cada caso, participação ampla de instituições interessadas real onde as intervenções se darão. E quanto
no acesso às AFEs no Brasil. Isso significa que quem está sendo deixado para trás e quais são da sociedade civil e do setor privado. Uma vez maior a participação, quanto mais inclusivo o
muitas pessoas se veem privadas do direito de os determinantes dessa situação. A resposta elencadas, as ações previstas pelos Planos Mu- processo, maior a possibilidade de atender ao
envolver-se com AFEs sendo, na prática, deixa- deve trazer elementos suficientes para uma nicipais devem ser integradas aos Planos Plu- interesse público.
das para trás em termos dos ganhos que po- atuação precisa, capaz de reverter as desigual- rianuais (PPAs) das cidades, de modo a garantir Ainda assim, vale ressaltar que mesmo um
deriam ter com esse envolvimento para o enri- dades no acesso às AFEs. a previsão de recursos no orçamento público planejamento participativo e bem elaborado do
quecimento de suas vidas. para sua execução. No caso dos estados e da ponto de vista das exigências constitucionais
União, como prevê a Constituição Federal, o pode resultar em ações mal focalizadas e de
mesmo caminho deve ser seguido. baixo resultado para os grupos vulneráveis. Isso
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 9
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS A promoção das atividades físicas e esportivas e seu alinhamento com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
para que a gestão de um programa de fomento a sociedade que podem contribuir para podem também se sobrepor nas localidades. o controle social operacionaliza
às AFEs ocorra dentro de um padrão de exce- consolidar uma nova institucionalidade Além do desperdício de recursos, essas sobre-
lência, é preciso disseminar um saber capaz de em relação a temas distintos8. posições podem concentrar atenção em de- um compartilhamento do
direcionar as atividades dos prestadores desse
serviço da forma como foi previamente estabe- Aqui a pergunta a ser respondida é: em que
terminados públicos ao passo em que deixam
de lado outros potenciais usuários de um dado
poder de decisão entre Estado
lecida. Nesse sentido, é importante garantir que medida tanto os propositores das iniciativas no serviço. e sociedade, tornando-se
o conhecimento necessário para operar o pro-
grama, o projeto ou a iniciativa esteja padroni-
campo das AFEs como os beneficiários dessas
iniciativas compartilham das mesmas ideias e
Não apenas no Brasil, mas em toda a Améri-
ca Latina, a ação intersetorial em políticas pú-
assim uma expressão de
zado e seja distribuído por toda a rede incluída concepções a respeito da prática de AFEs como bicas enfrenta dificuldades relacionadas com democracia e cidadania
na operação. um direito social que pode ser exercido por to- elementos da cultura institucional vigente. Em
Cabe uma atenção extra aos procedimen- das as pessoas? Esse alinhamento é fundamen- primeiro lugar, é mais fácil analisar um proble-
tos utilizados e às adaptações feitas por cada tal para dar sustentação às propostas, já que ma desde uma única perspectiva, elaborando
operador, já que importam tanto as tecnologias imaginários coletivos não alinhados podem ter como resposta soluções necessariamente par-
transferidas a eles como as tecnologias produ- como resultado um descompasso generalizado ciais por processar apenas um lado da equação.
zidas por eles em seu dia a dia. O processo de entre todos os atores envolvidos inviabilizando Em segundo lugar, o controle verticalizado da
transmissão e de sistematização desses conhe- a continuidade das atividades. implementação do que foi programado, bem
cimentos também requer cuidado: quais são os A defesa da intersetorialidade é quase unâ- como o estabelecimento de orçamentos e de
mecanismos disponíveis de capacitação para a nime entre os especialistas consultados9, uma protocolos, é mais simples no âmbito de um implementado e acompanhado pela popula-
operação da ação? Como eles são acionados e vez que os problemas sociais são complexos, único setor. Em terceiro lugar, programas in- ção tem chances muito maiores de entregar os
qual a sua eficácia na produção dos resultados exigindo a interpretação e a elaboração de res- tersetoriais demandam negociação, tomada de resultados esperados, mediante o uso correto
esperados? A resposta a essas questões garan- postas igualmente complexas. Nenhum setor decisão e construção coletiva entre atores nem dos recursos necessários.
te um funcionamento operacional contínuo e isoladamente pode dar conta do desafio de sempre habituados a dialogar. Finalmente, nas O controle social operacionaliza um compar-
de excelência que não sofrerá interrupções por fomentar o envolvimento das pessoas com as administrações públicas, a repartição dos temas tilhamento do poder de decisão entre Estado
falta de operadores formados. AFEs. Esse é um tema da educação, da saúde, e problemas (e dos orçamentos para lidar com e sociedade, tornando-se assim uma expressão
No campo dos valores compartilhados por da assistência social, do planejamento e da fa- eles) é feita em base a uma distribuição de po- de democracia e cidadania12. Essa nova forma
prestadores e usuários, é importante frisar que zenda, do esporte, das cidades dentre muitos der que fica confusa quando uma iniciativa ul- de tomar decisões encontra barreiras que vão
além do aspecto operacional de um progra- outros. Assim, a gestão intersetorial apresenta- trapassa os limites tradicionais, deixando turvo desde a existência de uma cultura política au-
ma, que diz respeito ao modo de execução dos -se como uma abordagem essencial ao apontar o cenário de quem ganhará ou perderá capital toritária, ainda vigente no país, até as dificulda-
seus mecanismos de atuação, há uma camada uma visão integrada dos problemas sociais e de político em função dos resultados alcançados11. des enfrentadas pelas pessoas mais vulneráveis
de ideias que amalgama todas as ações reali- suas soluções, otimizando os recursos e poten- Finalmente, o papel da participação social para acessar os espaços de participação.
zadas. Segundo Lobato (2009), as políticas e os cializando os impactos das ações. é essencial quando consideradas iniciativas O fato é que a tendência de ampliar os es-
programas pautam a vida social, mudando ou A forma como essas iniciativas chegam ao bem-sucedidas no campo das políticas púbi- paços de participação e incluir as pessoas em
reproduzindo concepções profundas, de cará- território, considerando que as propostas po- cas. No campo das AFEs, a realização de três todo o ciclo das políticas públicas é irreversível.
ter conceitual, relacionadas com o tema da in- dem ser feitas desde um nível federal, estadual Conferências Nacionais sobre o tema (em 2004, Assim, para efetivar o exercício do controle so-
tervenção. Para a autora: ou municipal, também deve ser objeto de aten- 2006 e 2010) constituiu um marco muito impor- cial, a sociedade precisa conhecer seus direitos
ção10. Do mesmo modo que a atuação setorial tante no que tange à participação das pessoas. e ocupar os espaços abertos (como conselhos,
Políticas públicas são, assim, parte pode causar sombreamentos, quando uma po- Aqui é fundamental lembrar que no médio e comitês, consultas públicas) para que o diálogo
importante da institucionalização de lítica de AFEs feita pela área da saúde é imple- longo prazo a participação e o controle social de fato ocorra. Já do lado dos Governos, é prio-
valores e regras da vida coletiva. Elas mentada sem articulação com uma política de serão os grandes responsáveis por uma nova ritário o comprometimento com uma gestão
orientam concepções, definem estratégias, AFEs pensada pela área da educação, progra- forma de gerir o interesse público. Um progra- democrática que invista recursos no estabele-
alocam recursos e distribuem valores para mas elaborados em diferentes níveis de gestão ma qualquer que tenha sido concebido, seja cimento de canais de diálogo permanentes.
323
322
Quadro 9.1
Elementos da abordagem Maps
MAPS
Produção e análise de dados: reforçar capacidades em termos de produção de dados para a tomada de decisões.
325
324
Adaptação dos ODS para o contexto nacional Orçamentos para o futuro Fomento à proteção Garantia de justiça social Promoção da educação Garantia do
a) rever planos existentes; a) fazer um balanço dos mecanismos social, saúde e ao e segurança institucional inclusiva, equitativa e de trabalho decente
b) identificar gaps e fazer recomendações; de financiamento existentes; bem-estar qualidade
c) definir metas relevantes nacionalmente; b) apoiar orçamentos participativos
d) compatibilizar o planejado com e voltados para resultados;
Planejar os recursos existentes. Implementar c) integrar ODS nos orçamentos.
Curto prazo Médio prazo Acesso igualitário a oportunidades de prática das AFES
Monitorar Acompanhamento Avaliação
a) desenvolver indicadores e a coleta de dados; a) prover um marco geral de
b) desagregar dados; governança adaptativa;
c) estabelecer sistemas de monitoramento; b) identificar e gerir riscos;
Redução das Fortalecimento de Promoção do Redução dos impactos Garantia de
d) rever processos e mecanismos. c) planejar por meio de cenarizações. desigualdades socias parcerias e desenvolvimento ambientais e preservação assentamentos humanos
monitoramento econômico sustentável da biodiversidade e infraestrutura inclusivos
Fonte: Elaboração própria com base em UNDG, 2017.
A utilização desse instrumental para a lo- exemplo, uma prioridade local como “promover 5.1 Acabar com todas as formas 17.17 Promover parcerias 12.b Monitorar os impactos do 13.1 Reforçar a resiliência e a 11.2 Proporcionar o acesso a 11.6 Reduzir o impacto
de discriminação contra todas públicas, público-privadas e desenvolvimento sustentável capacidade de adaptação a sistemas de transporte seguros, ambiental negativo das cidades,
calização da Agenda 2030 tem o potencial de ações para tornar as escolas mais ativas” pode as mulheres e meninas com a sociedade civil eficazes que gera empregos, promove acessíveis e sustentáveis, com dando atenção à qualidade do
riscos relacionados ao clima
nortear os esforços em cada um dos ODS, mas ser ligada a várias metas de diferentes objeti- cultura e produtos locais especial atenção para pessoas ar e gestão de resíduos
em situação de vulnerabilidade municipais
também é útil ao estabelecer um marco comum vos, o que já abre caminho para que se entenda
5.5 Garantir a participação 17.18 Aumentar 13.2 Integrar medidas da
no desenvolvimento das políticas de promoção com quais setores essa prioridade terá que dia- plena e efetiva das mulheres e significativamente a mudança do clima nas políticas,
das AFEs como um todo. Assim, as iniciativas no logar na fase de implementação das políticas a a igualdade de oportunidades disponibilidade de dados de alta 11.3 Aumentar a urbanização 11.7 Proporcionar o acesso
estratégias e planejamentos
para liderança em todos os qualidade, atuais e confiáveis e inclusiva e sustentável e a universal a espaços públicos,
campo das AFEs terão maiores possibilidades ela subjacentes. Uma prioridade nacional como nacionais
desagregados por renda, gênero, gestão participativa, integrada e seguros, inclusivos, acessíveis e
níveis de tomada de decisão
de criar sinergias com as demais políticas uma “promover a igualdade no acesso às AFEs” tam- idade, raça, etnia, status sustentável dos assentamentos verdes
migratório, deficiência, humanos
vez pensadas a partir de uma mesma matriz or- bém pode ganhar muito ao mapear todos os 10.2 Empoderar e promover a geográfica e outras 13.3 Melhorar a educação,
ganizacional. setores envolvidos para efetivá-la. inclusão social, econômica e características relevantes em aumentar a conscientização e a
política de todos contextos nacionais capacidade humana e 11.4 Proteger e salvaguardar o
Vale notar que o exercício de desenhar po- A modo de exemplo, na Figura 9.4 foram ma- institucional sobre mitigação da patrimônio cultural e natural do
líticas e iniciativas que sejam intersetoriais peados objetivos e metas, no âmbito da agenda mudança do clima mundo
pode nutrir-se da modelagem de um sistema 2030, que receberiam um impulso à sua con- 10.3 Garantir a igualdade de
interconectado de objetivos e metas. Para isso, secução caso fosse efetivada a promoção de oportunidades e reduzir as
15.1 Assegurar a conservação,
desigualdades de resultado,
é fundamental mapear as múltiplas conexões oportunidades igualitárias de acesso às AFEs. recuperação e o uso
por meio da eliminação de sustentável de ecossistemas
de uma prioridade socialmente definida, cons- Em outras palavras, a pergunta que se tenta leis, políticas e práticas
truindo redes que tornem aparentes as mútuas responder com esse tipo de exercício é: como a discriminatórias
dependências entre temas, metas e objetivos promoção das AFEs pode ajudar no alcance dos 15.5 Reduzir a degradação de
de desenvolvimento sustentáveis. A modo de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável? habitats naturais e deter a
perda de biodiversidade e a
extinção de espécies
ameaçadas
Fonte: Elaboração própria com base em UNDG, 2017; ISPAH, 2016 e PNUD, 2016.
326
329
Capítulo 9
A promoção das atividades físicas e esportivas e seu alinhamento com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
CONCLUSÃO
NOTAS
CONCLUSÃO
333
332
Ainda que as AFEs não sejam com frequência AFES E O CAMPO CONCEITUAL DO significados diferentes para as pessoas em suas físicas e esportivas” é o conjunto de práticas que
lembradas como dimensão estruturante do de- DESENVOLVIMENTO HUMANO vidas (meio de transporte, cuidado com a saú- exigem significativo envolvimento e movimen-
senvolvimento humano – mais comumente re- de, lazer e diversão, aprendizagem etc.); e que 2) tação corporal ou esforço físico, que são reali-
conhecido pela tríade saúde, educação e renda Quanto à relação teórica, como se sabe, a todas as pessoas têm o potencial de mover-se e zadas predominantemente sem fins produtivos
– este relatório apresenta diversos fatores que abordagem das capacidades, central ao concei- praticar AFEs, por isso, essa capacidade deve ser do ponto de vista econômico (e, ao se diferen-
confirmam a grande relevância das AFEs como to de desenvolvimento humano, está alicerçada garantida e nutrida ao longo de toda a vida para ciarem do trabalho, ganham a possibilidade de
uma capacidade básica para o desenvolvimento em três termos: funcionamento, capacidade e que elas desenvolvam tal potencial e usufruam se associarem mais à ocupação do tempo livre
nacional e para o desenvolvimento humano das agência. O funcionamento refere-se ao que os da mesma (com agência) para tornar suas vidas e ao lazer) e às quais os praticantes conferem
cidadãs e dos cidadãos brasileiros. indivíduos podem valorizar fazer ou ser. Já a ca- mais dignas e com mais qualidade. valores e sentidos diversos (e por vezes sobre-
De maneira breve, cabe ressaltar: a) a inten- pacidade relaciona-se à liberdade, às liberdades postos), ligados às dimensões da saúde, aptidão
sidade da presença das AFEs na vida concreta “substantivas” que permitem à pessoa levar a física, competição, sociabilidade, diversão, risco
das pessoas em nossa sociedade; b) o reconhe- vida que tem razão em valorizar. A capacidade A CENTRALIDADE DO LAZER e excitação, catarse, relaxamento e beleza cor-
cimento das AFEs como direito constitucional; é algo que faz com que os funcionamentos es- poral, dentre outras.
c) o entendimento do papel das AFEs como tejam disponíveis para o usufruto da pessoa. A Sem negar o vasto campo das AFEs que
aliadas importantes na promoção de relações liberdade referente aos funcionamentos é fun- acontecem por motivos de deslocamento, tra-
que fomentam a amizade e a paz entre grupos, ção tanto da expansão dos estados (no sentido balho e atividades domésticas, o relatório toma CONDICIONANTES DO ENVOLVIMENTO
povos e nações; d) a realidade nacional de baixo de propriedade/recursos para ação) da pessoa partido ao escolher as práticas realizadas no DAS PESSOAS COM AFES
grau de democratização das AFEs com número quanto das condições do contexto em que ela tempo livre, ou seja, as práticas realizadas no la-
total de praticantes abaixo do desejável e gran- está imersa. Por último, agência refere-se ao fato zer, para traçar relação com o desenvolvimento Uma das características destacadas para o
des desigualdades de acesso determinadas pela de que a pessoa é sujeito do seu desenvolvi- humano. Entende-se que o caráter de liberda- fenômeno contemporâneo das AFEs é a mul-
classe social, sexo, cor da pele e idade; e) A im- mento. Sem desconsiderar o papel do ambiente de, central ao conceito de desenvolvimento hu- tiplicidade de práticas existentes e a multiplici-
portante participação das AFEs no lazer e seu sócio/cultural e mesmo físico, o reconhecimen- mano, é mais bem pronunciado nas práticas de dade de sentidos dados a essas práticas pelas
potencial impacto na saúde, educação e eco- to da agência é o reconhecimento de que uma tempo livre, além de serem um aspecto da vida pessoas. Sem buscar estabelecer uma relação
nomia; f) o destaque que o esporte ganhou no pessoa tem potência para agir no mundo. de todo e qualquer cidadão, diferentemente das de hierarquia entre razões mais utilitaristas
Brasil na presente década (com a realização de Assim, o relatório entende que: 1) mover-se práticas de deslocamento e trabalho, focadas (como o benefício à saúde), ou razões de âm-
grandes eventos) e g) a realização das Conferên- é uma dessas capacidades valorosas para o de- em grupos específicos. Dessa maneira, o con- bito mais privado ou pessoal (como o prazer),
cias Nacionais do Esporte e as discussões atuais senvolvimento humano e se expressa por meio ceito de AFEs elaborado para o relatório traz a o relatório pretendeu afirmar a importância de
em curso para a criação de um Sistema Nacional de diversos funcionamentos (caminhar, dan- seguinte formulação: construir condições objetivas para que as AFEs
do Esporte e de um Plano Nacional do Desporto. çar, praticar esporte, brincar, pedalar etc.) com O que aqui é denominado como “atividades possam ser acessadas por todas as pessoas,
335
334
Após uma análise conceitual dos condi- nível socioeconômico ou baixo nível de ins-
cionantes que levam à prática das AFEs ou as trução estão frequentemente vinculadas a um
dificultam, o relatório buscou nas bases nacio- nível mais baixo de prática. De acordo com os
nais indicadores que permitissem visualizar um cruzamentos realizados, chegou-se, por exem-
retrato do perfil do praticante brasileiro. Ainda plo, ao dado de que jovens de 15 a 17 anos com
©Thiago Zenero/ PNUD Brasil
que seja complexo definir um percentual exa- alto nível socioeconômico (renda média domici-
to de praticantes de AFEs no Brasil – o dado liar per capita maior que cinco salários mínimos)
pelas mais diversas razões, tratando-se então a segurança pública) são indispensáveis para a pode variar significativamente de acordo com chegam a praticar 106% mais AFEs que a média
efetivamente de uma escolha, a mais autônoma prática de AFEs. Por fim, ressalta-se também o os parâmetros utilizados: frequência de prática, da população brasileira.
possível. poder simbólico e cultural. O valor de ser ativo período de referência, quantidade de tempo etc. Os problemas gerados pela desigualdade
Para poder observar como são geradas es- está intrinsecamente relacionado às dinâmicas –, uma conclusão geral é possível: a proporção estão vastamente documentados e os Objeti-
sas escolhas, o relatório explora três condições culturais locais, inclusive impactando – e muitas é bastante baixa, em torno de 30% ou menos. vos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), por
entendidas como centrais para definir o grau de vezes limitando – que tipo de AFEs são obser- Somado a isso, as disparidades existentes no meio do ODS 10 (Reduzir a desigualdade den-
liberdade presente nessas escolhas. A primeira vadas como práticas valoráveis pelas pessoas. Brasil em termos de cor da pele, sexo, situação tro dos países e entre eles) principalmente, já
delas é entendida como o tempo, ou seja, a rela- A ideia aqui é que a valoração das práticas seja econômica, nível de instrução etc. também sur- pontuam a necessidade de se pensar ações e
ção direta entre poder escolher uma dessas prá- dada por uma decisão livre e consciente da pes- gem na análise dos dados de práticas de AFEs e políticas que reduzam as brechas entre os dife-
ticas e o tempo livre disponível para exercê-las. soa, afetada em menor medida por uma impo- complexificam ainda mais o problema do aces- rentes grupos sociais. O relatório, durante todo
Em segundo lugar, destaca-se a necessidade de sição cultural midiática. Dessa forma, afirma-se so às AFEs no Brasil. Pelo analisado, percebeu-se o seu texto, busca problematizar as razões para
condições materiais e financeiras para a prática que as AFEs são um vetor de desenvolvimento que características como ser jovem, homem, a baixa prática de AFEs e para a desigualdade de
de AFEs. A disponibilidade de recursos para usu- humano quando sua prática tem por base uma branco e de alto nível socioeconômico estão acesso no país e apresenta, nos seus capítulos
fruir das opções privadas ou a disponibilidade decisão livre e consciente, que não seja limitada frequentemente vinculadas a um nível mais alto finais, propostas de políticas que promovam a
de condições materiais públicas (que vão desde por falta de recursos financeiros, de tempo dis- de prática das AFEs, ao passo que característi- igualdade.
os equipamentos esportivos até a iluminação e ponível e/ou de oportunidades. cas como ser idoso, mulher, negro e de baixo
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 10
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Conclusão
AFES COMO ELEMENTO CENTRAL DA
PRÁTICA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE
As AFEs têm sido tradicionalmente eviden- o número de praticantes de AFEs, é necessá- e criar ambientes sociais e organizacionais que Dessa maneira, as políticas de promoção de
ciadas como uma importante estratégia para rio pensar em políticas nos níveis de agência facilitem essas mudanças (como planejamen- AFEs, a elaboração e divulgação de informações
prevenir e tratar doenças. Uma série de estu- (capacidade dos indivíduos de agir) e estrutura to de metas para adoção de comportamentos e as campanhas de comunicação para aumen-
dos revisitados por este relatório apontou que (conjunto de regras e recursos que se produz e saudáveis na comunidade escolar). tar a adesão devem ser elaboradas e implemen-
a prática das AFEs tem sido relacionada positi- que é reproduzido pela agência dos indivíduos). Ambiental e políticas voltadas à comunidade: tadas na perspectiva do direito ao acesso às
vamente com saúde óssea, mental, neurológica, Ou seja, as políticas devem estar focadas não só estratégias múltiplas de tomada de decisão vi- AFEs, e a responsabilidade pela situação atual e
cardiovascular e também com o desempenho em elementos estruturantes (locais de prática, sando melhorar a acessibilidade, comodidade pelo que se deseja no futuro deve ser compar-
cognitivo. Já existem estimativas que afirmam leis, orçamentos etc.) mas também nos elemen- e segurança dos locais para a prática de AFEs, tilhada entre população, setor público, iniciativa
que em torno de 5% das mortes prematuras no tos relacionados à agência (prática de AFEs, par- aliadas a ações de cunho físico, organizacional privada e terceiro setor.
país são decorrentes da inatividade física1. Tam- ticipação comunitária etc.), de maneira que os e educacional (por exemplo, articulação interse-
bém são frequentes os estudos que analisam comportamentos individuais e coletivos atuem torial, mudanças físicas no ambiente de prática
o impacto disso na produtividade e nos gastos em conjunto para a promoção da saúde. de AFEs e fomento de estratégias educacionais
públicos com saúde. Estima-se que 15% dos Ainda pensando em impulsionar o envolvi- para melhoria de aspectos como acessibilidade
custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com mento da população com as AFEs, o relatório e segurança).
internações em 2013 foram atribuíveis à inati- apresenta algumas estratégias possíveis para Muitas dessas estratégias têm sido utiliza-
vidade física2. fomento da prática. De modo geral, as es- das ao longo dos últimos anos, mas o impacto
Dessa forma, o relatório reconhece os vín- tratégias estão organizadas em três grandes efetivo disso no número de praticantes de AFEs
culos inegáveis entre AFEs e saúde, e entende abordagens: ainda é insuficiente. O relatório entende que tal
que é preciso fortalecer e ampliar a compreen- Informacional e campanhas de massa: estra- situação se deve ao fato de que as estratégias
são do papel das AFEs nesse campo. A proposta tégias para mudar conhecimentos e atitudes da estão baseadas em princípios que funcionaram
feita neste relatório afirma que o foco deve ser comunidade por meio de campanhas de mas- por um tempo, mas chegaram ao seu limite.
a promoção da saúde, e não somente o trata- sa pela mídia (mensagens ou propagandas em Para propiciar o envolvimento de um novo e
mento e a prevenção de doenças. Para isso, en- jornais, rádio ou televisão) ou mensagens de significativo contingente de pessoas com a prá-
tende-se a questão desde uma perspectiva sis- incentivo à prática de AFEs em ambientes es- tica de AFEs é preciso deixar claro para todas e
têmica, relacionando a promoção das AFEs e da tratégicos, como escola e trabalho. todos que mais movimento tem o potencial de
saúde em processos interconectados e dinâmi- Comportamental e social: estratégias para enriquecer a vida e ampliar a liberdade de esco-
cos, que se reforçam mutuamente. Assim, para ensinar habilidades para mudar e manter com- lha de cada uma e de cada um, fortalecendo o
que seja possível atingir o objetivo de aumentar portamentos (como aconselhamento individual) vínculo entre desenvolvimento humano e AFEs.
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O espaço escolar, ainda que difira do restante ativa” das escolas. A escala varia do nível insu-
do relatório que privilegia os espaços de prática ficiente, que caracteriza escolas com condi-
de lazer, tem papel central na construção dos ções bastante precárias para a promoção das
hábitos e costumes da população. Por isso, o re- AFEs, até o nível pleno, que caracteriza escolas
latório entende que só será possível aumentar com uma cultura e infraestrutura instituída de
e qualificar o envolvimento da população com valorização e promoção das AFEs. Entre os di-
as AFEs se houver uma abordagem diferenciada versos resultados interessantes demonstrados
nas escolas. O relatório, então, apresenta uma pela escala e também pela análise de diversas
proposta de escola, chamada Escola Ativa, ba- pesquisas nacionais relacionadas ao tema, des-
seada na problematização da distribuição do taca-se que somente 0,03% das escolas brasi-
tempo na escola, da arquitetura e do mobiliário leiras podem ser consideradas Escolas Ativas,
dos espaços escolares, das regras de conduta enquanto 38,56% das escolas estão ainda no
©wundervisuals/istock.com
da escola e da relevância das AFEs no desenvol- patamar insuficiente.
vimento humano dos estudantes.
A proposição de Escola Ativa defendida na
perspectiva do desenvolvimento humano, trata FAZER DAS ESCOLAS ESCOLAS ATIVAS
de fazer da escola um local em que o mover-se
como expressão da dimensão incorporada do Para contornar essa realidade, o relatório
ser humano é compreendido como uma capa- emerge com dois pontos centrais para pensar o pressupostos básicos: 1) fomentar e celebrar o
cidade humana valorosa na vida das pessoas e, problema: 1) há uma condição vital latente, a de mover-se na escola como expressão das indi-
por isso, deve se concretizar como uma opor-
tunidade central a ser garantida na vida dentro
que as crianças e jovens são ativos, o que é um vidualidades e construção das relações sociais; para que se construa uma
ponto de partida muito vantajoso ao se pen- 2) considerar as necessidades diárias de ativi-
da escola, permeando todas as suas rotinas, sar em como oportunizar mais movimento nas dade física preconizadas para crianças e jovens, Escola Ativa é necessário
tempos e espaços, para que as pessoas tenham
liberdade de serem ativas na direção de seu ple-
escolas; e 2) muitas adaptações podem ser fei-
tas na arquitetura escolar de modo a impactar
diante das evidências da sua relação com a saú-
de, bem-estar e desenvolvimento; 3) promover
que se advogue, então,
no desenvolvimento humano. a ampliação das possibilidades de movimento. a experiência e a aprendizagem de e sobre as em favor das AFEs para
Falar de Escolas Ativas não se trata somente AFEs que permitam a autonomia e liberdade da
de aspectos normativos, de mudança de leis e comunidade escolar quanto à atuação individu- toda a comunidade
ESCALA DE ESCOLA ATIVA (EEA) normas, ou ainda somente da Educação Física
escolar. Para que se construa uma Escola Ativa
al e coletiva em relação às práticas corporais na
sua vida e na sua comunidade; e 4) garantir a
escolar (gestores,
O relatório, buscando fazer uma ponte entre é necessário que se advogue, em favor das AFEs participação democrática da comunidade esco- professores, funcionários,
a análise teórica e a situação concreta do siste- para toda a comunidade escolar (gestores, pro- lar no esforço para tornar a escola mais ativa.
ma escolar brasileiro, propõe uma Escala de Es- fessores, funcionários, estudantes, famílias), se
estudantes, famílias)
cola Ativa (EEA), baseada na Teoria de Resposta valorize e promova o seu engajamento com as
ao Item (TRI), para mensurar a qualidade de “ser AFEs na escola e fora dela, e que se tenha como
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL Capítulo 10
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Conclusão
A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA A AGENDA 2030 PARA O
NACIONAL DE ESPORTE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
E AS RELAÇÕES COM AS AFES
As políticas públicas voltadas ao segmento AFEs para toda a população brasileira, de todas O mundo conta com um novo marco para O relatório entende que as AFEs fazem parte
estudado devem se desdobrar em ações vi- as idades, ainda mais considerando a mudan- o desenvolvimento desde setembro de 2015, dessa Agenda; seja como elemento central para
sando a apropriação crítica e criativa das AFEs ça na pirâmide etária brasileira. Esse cenário é quando a Agenda 2030 para o Desenvolvimen- alcançar o Objetivo 3: Saúde e Bem-Estar, ainda
como um direito de todo cidadão, tendo a sua confirmado pelos dados apresentados sobre o to Sustentável, com seus 17 Objetivos de De- que as AFEs não estejam literalmente citadas
avaliação ancorada numa cultura de estatís- envolvimento da população na prática de AFEs senvolvimento Sustentável (ODS), foi lançada. nas metas; seja como instrumento para facili-
ticas, de controle e monitoramento, essencial e a queda significativa de prática entre adultos Adotada pela Assembleia Geral das Nações Uni- tar o alcance de outros objetivos, como os re-
para a formulação, implementação, execução e idosos. das, a Agenda condensa uma visão comparti- lacionados com desigualdades sociais, trabalho,
e acompanhamento das políticas e ações pú- Sendo assim, o relatório aporta no sentido lhada por 193 Estados Membros da ONU sobre educação, cultura e lazer, ou ainda necessida-
blicas. Um dos resultados do trabalho apresen- do país propor a construção de um novo Sis- quais devem ser as prioridades globais de de- des básicas e proteção social. Assim, aumentar
tado neste relatório é a percepção da carência tema Nacional de Esporte, composto por uma senvolvimento até 2030. e qualificar a prática de AFEs pode ser funda-
de estudos censitários, diagnósticos e sistemas estrutura aberta e descentralizada, que permita A Agenda 2030 busca renovar o compromis- mental para a promoção dos ODS, tanto quanto
de indicadores de monitoramento periódicos e a elaboração de políticas intersetoriais para ga- so das nações com um desenvolvimento que promover os ODS pode ser decisivo para au-
consistentes voltados ao setor das AFEs. Lem- rantir o direito ao acesso às AFEs e o fomento seja viável do ponto de vista econômico e que mentar e qualificar o envolvimento das pessoas
bra-se que o fortalecimento da democracia das mesmas. Esse sistema deverá ainda garantir também seja socialmente inclusivo e ambien- com as AFEs.
passa pela necessidade de sistemas de contro- a existência de mecanismos democráticos de talmente responsável. Isso implica em garantir Por fim, este relatório pretende influenciar os
le social e mecanismos de transparência, como participação, com práticas robustas de moni- a satisfação das necessidades básicas de todas debates de modo que as AFEs sejam cada vez
podem ser os sistemas de indicadores. toramento, avaliação, transparência e controle as pessoas hoje existentes, sem comprometer mais objeto de reflexão e de ações planejadas a
Apesar dessa ausência, é possível identificar e social. O fortalecimento do Sistema Nacional a capacidade das gerações futuras de satisfazer partir da perspectiva do desenvolvimento hu-
problematizar algumas das tendências das polí- do Esporte é entendido como elemento ne- as suas próprias necessidades. mano, de modo a promover iguais oportunida-
ticas dirigidas às AFEs no país. O Sistema Nacio- cessário para a garantia do direito ao esporte, des de acesso a elas para toda a população, e
nal de Desporto (SND) atual, por exemplo, cuja conforme exposto na Constituição Federal, cuja que a pessoa assim possa, com base em uma
finalidade é promover as práticas esportivas de determinação é de que o fomento público deve decisão livre e consciente, envolver-se com a
alto rendimento, concentra a quase totalidade ser direcionado principalmente ao esporte edu- prática que mais tem razão para valorar.
de recebimento de recursos públicos destina- cacional. A Constituição também preza pelo fo-
dos às AFEs, mesmo respondendo por apenas mento ao lazer como forma de promoção social,
7,6% do total da população brasileira que pratica e, diante disso, fortalece-se a importância do es-
AFEs. Para entender a complexidade dos repas- porte de participação, com ações direcionadas a
ses de recursos nesse tema, o relatório faz uma todo ciclo de vida das pessoas e que permitam
análise detalhada do sistema de financiamento uma pluralidade de práticas. Nessa perspectiva,
das AFEs no país. o fomento ao esporte deveria se voltar para
Outra questão, ainda vinculada com o foco sua manifestação mais democrática, aquela que
da política brasileira no alto rendimento, é a atende à satisfação das necessidades e melho-
concentração de políticas esportivas para a in- ria das condições de vida da população, seja por
fância e juventude – na lógica da seletividade meio da escola ou da prática do lazer.
e especialização para a formação de talentos NOTAS
– em contraposição à necessidade de, na con-
dição de política pública, fomentar a prática de
1 REZENDE et al., 2015.
2 BIELEMANN et al., 2015.
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OPORTUNIDADES
REAIS DE VIVER
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Piauí 41,4 38,8 44,1 Fundamental incompleto ou equivalente 28,4 25,0 31,8
Ceará 34,7 31,0 38,8 Fundamental completo ou equivalente 36,6 30,3 42,6
Rio Grande do Norte 40,6 36,2 45,6 Médio incompleto ou equivalente 43,9 33,2 54,8
Paraíba 42,7 37,8 48,1 Médio completo ou equivalente 43,0 36,9 50,0
Pernambuco 31,3 27,9 35,1 Superior incompleto ou equivalente 51,9 45,7 59,5
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Amapá 37,6 37,0 40,1 Fundamental incompleto ou equivalente 28,4 28,9 27,6
Tocantins 33,1 31,6 37,0 Fundamental completo ou equivalente 36,6 36,5 36,7
Maranhão 38,3 38,4 37,7 Médio incompleto ou equivalente 43,9 43,9 43,6
Piauí 41,4 40,7 44,5 Médio completo ou equivalente 43,0 42,6 43,4
Ceará 34,7 32,8 40,0 Superior incompleto ou equivalente 51,9 50,9 52,8
Rio Grande do Norte 40,6 38,9 43,2 Superior completo 56,7 55,9 57,1
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Brasil 53,6 36,6 69,3 46,9 33,1 60,3 41,3 35,6 47,3 33,5 34,4 32,5 27,6 27,9 27,2
MACRORREGIÃO
Norte 57,8 37,9 75,1 47,3 31,6 62,5 39,9 30,8 49,5 29,0 28,3 29,6 19,3 18,4 20,3
Nordeste 53,7 35,6 70,5 47,0 32,2 61,9 38,6 33,1 44,6 31,7 34,7 28,2 23,9 25,5 21,7
Sudeste 50,3 34,3 65,5 45,6 32,4 58,5 42,2 37,0 47,6 33,3 33,0 33,6 28,6 28,4 28,9
Sul 57,8 45,4 69,4 49,9 38,0 61,1 44,8 38,0 51,6 36,2 37,8 34,5 32,3 31,5 33,2
Centro Oeste 57,2 35,1 75,6 46,8 33,4 60,1 41,8 38,3 45,6 39,2 40,5 37,8 31,6 32,8 30,2
UNIDADES DA
FEDERAÇÃO
Rondônia 37,4 28,3 47,1 42,3 23,8 58,8 33,1 29,2 37,5 28,9 34,9 23,0 20,2 15,7 24,2
Acre 59,2 38,6 83,2 48,4 32,0 63,3 39,1 33,8 44,6 27,2 24,5 30,2 9,9 8,8 11,0
Amazonas 62,6 48,5 75,5 50,1 34,7 65,1 47,5 39,1 56,4 28,5 25,6 31,6 24,2 18,2 30,1
Roraima 54,6 44,0 65,5 47,6 36,0 57,2 39,4 38,2 40,7 32,4 38,5 25,6 29,6 29,2 29,8
Pará 60,9 33,9 80,9 46,8 31,5 62,2 39,5 26,9 53,2 29,2 27,1 31,2 16,3 17,5 15,1
Amapá 62,5 41,9 85,9 45,0 28,6 61,6 36,6 26,2 46,7 32,8 32,3 33,3 21,5 14,9 28,2
Tocantins 53,2 38,7 66,1 48,2 31,2 62,8 32,5 30,7 34,1 26,8 29,1 24,1 23,8 28,5 19,5
Maranhão 52,4 25,6 71,2 50,5 35,7 67,8 42,0 31,4 53,1 31,0 36,9 24,8 22,2 26,9 16,1
Piauí 60,5 35,7 82,8 55,4 38,2 73,2 45,8 44,0 47,9 30,6 34,9 26,5 30,0 37,6 21,0
Ceará 56,2 37,9 69,8 44,8 30,7 60,3 37,6 32,9 42,6 27,7 32,5 22,4 24,2 24,6 23,8
Rio Grande do Norte 59,6 46,2 81,7 54,6 47,0 60,4 42,8 42,0 43,7 34,2 30,9 38,3 27,7 24,1 32,6
Paraíba 48,3 42,9 57,4 50,6 35,9 63,1 47,6 40,6 54,7 40,8 41,2 40,2 28,6 27,4 30,2
Pernambuco 49,4 35,5 61,6 37,8 22,2 52,2 30,0 24,7 35,9 29,8 33,7 24,8 24,3 25,3 23,1
Alagoas 31,6 12,4 55,6 48,4 27,7 67,3 31,2 26,1 36,4 24,8 28,5 20,4 18,1 19,5 16,3
Sergipe 57,1 43,0 70,7 53,4 43,6 62,6 41,9 37,4 46,7 32,1 38,7 23,7 20,0 17,1 23,7
Bahia 58,8 39,4 76,5 46,7 31,4 63,1 39,3 33,7 45,5 33,8 35,6 31,7 22,3 25,8 17,8
Minas Gerais 60,4 46,8 72,4 48,2 31,9 63,4 44,6 40,9 48,7 34,5 35,4 33,5 29,7 32,3 26,5
Espírito Santo 52,3 40,3 65,4 42,8 36,6 49,4 42,6 35,9 49,6 34,7 35,0 34,3 32,3 36,1 27,7
Rio de Janeiro 45,0 28,4 61,2 44,0 28,8 58,5 36,0 29,2 43,2 27,9 27,3 28,5 22,7 20,6 25,4
São Paulo 46,2 29,2 62,9 45,3 33,5 57,0 43,1 38,2 48,4 34,6 33,9 35,4 30,3 29,3 31,6
Paraná 57,2 47,6 66,7 45,5 36,7 54,2 43,7 38,2 49,4 33,2 35,2 30,9 29,8 29,2 30,6
Santa Catarina 52,5 43,2 62,6 48,3 35,3 58,7 42,2 37,9 46,1 35,2 37,6 32,5 32,0 33,4 30,0
Rio Grande do Sul 61,5 44,6 75,3 55,9 41,0 70,3 47,8 37,8 57,4 40,0 40,4 39,4 34,3 32,3 37,1
Mato Grosso do Sul 52,9 33,3 65,6 41,3 28,0 54,6 41,6 38,7 44,8 40,7 43,2 38,0 35,7 42,9 28,1
* Pessoas de 15 anos ou mais de idade que praticaram algum esporte ou atividade física, no período de referência de 365 dias Continua »
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Anexo EstatÍstico
TABELA 3
Mato Grosso 58,8 30,4 87,1 42,5 30,7 53,5 36,3 36,2 36,5 28,3 33,8 22,5 25,7 27,7 23,8
Goiás 55,0 35,3 72,4 48,1 32,3 63,2 40,5 36,5 44,8 38,7 40,3 37,1 28,8 27,0 30,8
Distrito Federal 62,4 41,5 77,7 53,7 43,2 65,6 50,8 44,0 58,5 50,1 44,9 56,6 40,9 41,7 39,8
COR OU RAÇA
Branco 53,5 39,3 66,8 48,6 37,3 59,9 43,6 38,9 48,7 37,8 38,9 36,5 30,3 30,0 30,8
Negro 53,6 34,9 70,9 45,7 29,9 60,9 39,4 32,7 46,2 29,6 30,1 29,1 24,2 25,1 23,3
NÍVEL DE INSTRUÇÃO
Sem Instrução 49,2 15,0 74,7 33,5 15,6 42,7 23,2 20,6 25,2 16,3 17,7 14,9 15,2 15,3 15,0
Fundamental incompleto 55,0 34,9 69,8 38,4 17,6 51,7 27,0 19,1 33,7 24,4 26,0 22,8 25,8 26,6 24,8
ou equivalente
Fundamental completo 55,3 37,7 71,1 39,9 22,1 53,4 33,0 27,1 38,3 30,9 30,5 31,3 32,7 33,6 31,6
ou equivalente
Médio incompleto 52,4 38,3 68,3 48,2 29,7 64,7 36,7 28,5 44,5 33,0 35,4 30,2 27,9 31,2 24,3
ou equivalente
Médio completo ou equivalente 45,9 35,2 60,9 48,0 33,4 63,4 43,0 36,3 50,6 40,4 39,7 41,3 38,7 38,1 39,7
Superior incompleto - - - 53,3 46,3 63,6 54,1 46,6 62,2 43,4 40,4 46,9 55,3 60,4 51,5
ou equivalente
Superior completo - - - 57,0 50,9 67,2 60,2 54,7 67,9 53,8 51,8 56,8 54,2 55,1 53,2
NÍVEL DE RENDIMENTO
Até ¼ salário mínimo 51,4 27,2 72,5 39,7 23,4 59,7 28,2 22,0 37,9 19,8 21,7 17,7 15,2 12,1 17,7
Mais de ¼ até ½ salário mínimo 49,5 34,3 65,2 40,2 25,8 57,8 30,5 26,1 36,0 23,5 25,0 21,9 18,0 19,0 16,7
Mais de ½ até 1 salário mínimo 53,0 36,5 68,1 42,7 28,4 57,2 36,6 31,9 41,6 26,0 27,4 24,4 20,4 21,5 18,9
Mais de 1 até 2 salários mínimos 54,8 38,4 70,8 52,7 39,3 63,1 44,3 37,7 50,3 35,7 36,3 35,0 28,0 27,9 28,1
Mais de 2 até 3 salários mínimos 68,6 57,0 80,3 57,5 50,1 64,4 57,9 56,4 59,2 45,0 45,1 44,9 35,6 33,0 39,0
Mais de 3 até 5 salários mínimos 68,3 67,6 68,7 61,8 59,0 64,8 63,7 57,3 69,9 51,9 53,4 50,2 45,2 45,1 45,2
Mais de 5 salários mínimos 78,0 79,6 76,6 70,0 67,7 72,2 70,6 69,8 71,3 64,8 63,2 66,3 56,8 56,7 56,9
383
382
Brasil 17,3 16,5 18,2 28,4 25,0 31,8 36,6 30,3 42,6 43,9 33,2 54,8 43,0 36,9 50,0 51,9 45,7 59,5 56,7 53,4 61,4
MACRORREGIÃO
Norte 15,2 10,0 19,4 29,8 20,2 37,8 38,9 27,5 48,6 46,0 32,5 59,7 40,7 32,7 50,5 53,3 48,9 59,0 51,1 48,0 55,9
Nordeste 16,9 17,9 16,0 30,2 26,1 34,3 39,9 29,5 49,4 44,2 33,7 55,6 44,3 37,7 52,8 53,1 47,3 61,8 56,9 53,5 63,7
Sudeste 18,0 15,3 21,9 25,9 24,0 27,9 33,7 29,1 38,3 40,2 30,4 50,8 41,6 35,9 48,1 51,8 43,9 60,0 55,5 52,0 59,9
Sul 15,3 14,1 17,1 29,7 27,1 32,5 38,6 35,3 41,8 48,9 39,4 56,6 46,3 39,8 52,8 51,0 47,9 54,9 61,2 58,5 64,9
Centro Oeste 23,6 24,5 22,6 30,4 26,6 33,7 37,5 32,0 43,1 51,0 38,0 62,9 43,6 40,0 47,7 50,2 43,1 60,5 58,5 55,1 63,4
UNIDADES DA
FEDERAÇÃO
Rondônia 12,8 8,8 16,9 22,8 22,0 23,5 37,1 36,2 38,0 43,4 35,0 49,6 35,0 26,2 44,0 49,2 41,1 62,7 45,7 41,6 53,0
Acre 18,9 10,4 26,2 30,4 20,2 39,0 36,8 19,6 49,8 37,4 26,3 52,4 46,4 40,5 52,9 43,7 35,0 58,7 47,9 43,2 56,5
Amazonas 18,5 15,4 21,3 36,0 22,5 47,2 43,0 34,9 51,4 50,1 37,6 60,7 41,9 32,7 52,0 50,0 46,1 54,7 53,0 49,8 57,5
Roraima 18,1 22,5 15,4 29,5 27,8 30,6 31,4 25,9 36,3 42,6 38,4 46,8 46,5 41,9 52,3 55,1 60,0 50,7 43,9 42,4 46,5
Pará 13,6 6,3 19,2 30,5 19,7 39,6 39,5 22,0 52,2 47,7 30,4 67,6 40,3 32,2 51,4 60,9 58,7 64,1 50,8 48,6 53,9
Amapá 14,4 4,1 22,0 31,5 12,7 45,1 35,0 31,2 38,7 40,3 30,6 53,0 42,1 29,0 55,9 41,1 43,0 38,2 58,4 54,1 64,4
Tocantins 15,6 17,2 14,4 20,6 17,4 23,4 35,0 28,0 40,2 38,6 32,6 44,1 39,7 36,6 43,5 57,2 46,6 66,4 54,6 51,2 60,6
Maranhão 12,2 15,0 9,7 32,1 24,2 39,1 42,4 25,5 56,7 46,9 30,8 65,1 51,0 44,1 61,3 72,0 72,4 71,5 55,5 51,4 62,5
Piauí 19,1 23,7 15,8 37,5 34,2 40,3 46,5 31,6 63,0 45,5 35,3 57,1 51,5 48,7 55,4 65,7 52,8 83,8 59,8 55,5 72,4
Ceará 18,6 20,9 16,7 26,6 25,5 27,7 41,5 31,3 50,1 41,1 23,0 58,1 41,6 34,4 50,8 45,1 38,3 59,4 58,8 56,9 62,4
Rio Grande do Norte 17,2 20,0 14,3 34,6 24,8 44,6 40,5 25,3 56,0 52,7 52,4 53,1 50,8 47,9 54,0 59,8 58,6 61,2 48,8 46,5 52,7
Paraíba 24,6 21,0 28,6 36,3 28,4 43,9 47,4 42,5 52,5 48,1 44,2 52,6 47,8 41,8 53,7 58,0 49,7 67,5 68,4 64,0 79,1
Pernambuco 15,2 16,9 13,7 25,3 23,0 27,7 28,6 23,0 35,1 40,6 34,3 47,1 36,9 30,6 44,9 46,3 35,7 57,4 49,1 46,3 54,4
Alagoas 11,4 8,0 15,4 24,2 21,8 26,8 26,5 13,6 40,9 48,0 38,9 55,3 35,0 28,6 42,4 56,7 50,8 65,3 58,2 50,1 70,0
Sergipe 17,0 21,7 12,7 32,0 27,6 36,7 44,7 34,5 54,3 48,3 41,7 57,5 47,9 45,6 50,5 47,3 30,3 63,0 63,7 61,1 69,1
Bahia 17,0 17,5 16,6 31,6 28,2 35,0 43,0 34,6 49,4 42,4 30,5 55,2 45,4 36,8 56,9 51,7 50,7 53,6 58,5 54,4 68,6
Minas Gerais 18,0 16,8 19,3 30,1 27,9 32,1 39,7 36,6 42,4 49,4 41,7 57,5 46,0 40,2 52,8 61,4 49,6 73,1 59,9 57,4 64,1
Espírito Santo 22,2 23,1 21,0 30,6 27,8 33,4 35,7 32,2 39,4 40,9 31,9 51,2 42,4 40,1 44,6 56,3 49,8 63,8 57,5 55,1 61,6
Rio de Janeiro 16,4 9,0 27,6 21,0 16,6 25,7 27,4 22,8 32,4 33,8 19,0 49,6 33,0 26,8 40,5 49,2 42,5 55,5 52,1 51,0 53,4
* Pessoas de 15 anos ou mais de idade que praticaram algum esporte ou atividade física, no período de referência de 365 dias Continua »
385
384
São Paulo 18,1 16,1 21,6 24,4 23,9 24,8 33,7 28,6 38,8 38,1 29,2 48,0 43,1 37,6 49,3 49,0 41,9 56,6 55,2 50,2 60,9
Paraná 13,4 13,0 13,8 26,8 23,9 29,8 38,2 37,2 39,3 49,0 44,2 52,8 44,5 38,8 50,5 49,9 50,7 48,9 56,4 56,0 57,0
Santa Catarina 17,0 18,0 15,5 27,0 26,9 27,1 36,0 38,5 33,8 40,2 22,2 50,9 42,4 39,0 45,3 47,3 37,9 57,9 63,5 60,5 67,8
Rio Grande do Sul 17,6 13,4 24,1 33,3 29,6 37,0 40,7 31,2 49,1 54,0 42,8 64,7 51,0 41,5 61,3 53,7 50,6 57,8 65,0 59,6 74,4
Mato Grosso do Sul 27,3 28,0 26,3 31,9 31,5 32,3 37,6 31,8 43,0 46,6 26,8 63,3 45,7 44,4 47,0 54,5 43,5 69,6 58,2 61,0 53,7
Mato Grosso 23,5 25,4 21,7 23,9 17,5 28,8 32,7 29,0 35,4 44,4 35,8 53,4 38,2 39,6 36,7 44,6 42,7 48,3 49,0 46,5 52,5
Goiás 23,5 22,4 24,5 30,5 26,2 34,1 37,1 32,4 42,4 52,6 39,4 65,7 44,0 39,5 49,2 49,6 40,2 63,0 53,6 50,3 58,7
Distrito Federal 19,6 23,7 13,8 37,8 32,7 43,5 45,7 34,7 61,3 59,3 48,5 66,4 47,3 38,8 57,4 52,2 48,4 57,1 68,2 61,8 75,7
COR OU RAÇA
Branca 19,0 16,3 22,6 27,6 26,8 28,5 36,7 33,2 40,3 43,6 34,0 53,2 43,4 38,4 49,3 52,8 46,9 59,4 57,1 54,0 61,5
Negra 16,5 16,6 16,5 28,9 23,6 33,8 36,5 27,7 44,5 43,9 32,6 55,6 42,6 35,4 50,8 50,9 44,3 59,9 55,9 52,2 61,4
NÍVEL DE RENDIMENTO
Até ¼ salário mínimo 15,5 15,7 15,3 27,7 18,7 37,8 35,3 23,8 49,7 39,6 24,8 59,2 38,3 30,6 50,9 42,4 35,3 56,4 46,8 42,6 54,3
Mais de ¼ até ½ salário mínimo 16,1 15,0 17,1 28,0 22,9 33,3 36,2 29,2 43,7 37,0 28,3 49,3 35,6 29,6 45,1 46,5 44,4 50,9 41,8 38,5 46,8
Mais de ½ até 1 salário mínimo 15,4 15,3 15,4 26,9 24,1 29,5 33,9 27,3 40,0 42,2 31,7 52,6 39,4 33,5 47,2 44,1 41,6 48,2 41,9 38,3 50,4
Mais de 1 até 2 salários mínimos 21,3 17,7 25,5 29,6 28,9 30,3 37,5 32,9 41,5 48,1 37,6 56,8 45,1 38,7 51,4 50,1 41,7 60,4 49,1 44,8 56,3
Mais de 2 até 3 salários mínimos 26,4 22,0 34,5 33,2 31,3 35,1 43,3 41,4 45,0 61,0 59,3 62,2 49,3 45,4 53,0 58,1 53,6 62,7 57,7 55,5 60,5
Mais de 3 até 5 salários mínimos 24,5 14,7 36,0 37,3 35,2 39,3 45,2 45,3 45,1 53,7 45,4 58,6 55,8 53,1 58,2 59,9 54,3 64,8 60,3 59,0 62,4
Mais de 5 salários mínimos 48,6 57,0 37,2 30,9 35,1 27,1 48,8 53,3 44,3 66,7 67,2 66,2 62,3 57,1 67,5 63,8 67,5 60,7 68,7 67,1 70,4
GRUPOS DE IDADE
15 a 17 anos 49,2 15,0 74,7 55,0 34,9 69,8 55,3 37,7 71,1 52,4 38,3 68,3 45,9 35,2 60,9 - - - - - -
18 a 24 anos 33,5 15,6 42,7 38,4 17,6 51,7 39,9 22,1 53,4 48,2 29,7 64,7 48,0 33,4 63,4 53,3 46,3 63,6 57,0 50,9 67,2
25 a 39 anos 23,2 20,6 25,2 27,0 19,1 33,7 33,0 27,1 38,3 36,7 28,5 44,5 43,0 36,3 50,6 54,1 46,6 62,2 60,2 54,7 67,9
40 a 59 anos 16,3 17,7 14,9 24,4 26,0 22,8 30,9 30,5 31,3 33,0 35,4 30,2 40,4 39,7 41,3 43,4 40,4 46,9 53,8 51,8 56,8
60 anos ou mais 15,2 15,3 15,0 25,8 26,6 24,8 32,7 33,6 31,6 27,9 31,2 24,3 38,7 38,1 39,7 55,3 60,4 51,5 54,2 55,1 53,2
386
387
PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Anexo EstatÍstico
Tabela 5
Até ¼ salário mínimo Mais de ¼ até ½ salário mínimo Mais de ½ até 1 salário mínimo Mais de 1 até 2 salários mínimos Mais de 2 até 3 salários mínimos Mais de 3 até 5 salários mínimos Mais de 5 salários mínimos
Prática de Atividades
Físicas e Esportivas por Total Mulher Homem Total Mulher Homem Total Mulher Homem Total Mulher Homem Total Mulher Homem Total Mulher Homem Total Mulher Homem
categorias sociais 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2015
Brasil 30,4 22,5 40,0 30,8 25,8 36,7 32,2 28,1 36,8 39,5 35,1 44,1 48,7 45,8 51,6 55,1 53,2 57,3 65,2 64,0 66,3
MACRORREGIÃO
Norte 35,2 23,7 48,0 32,5 23,5 42,6 33,9 26,1 41,3 39,9 35,0 44,5 44,9 40,3 49,0 53,9 51,7 56,3 62,1 59,2 64,6
Nordeste 30,0 22,6 38,5 33,5 29,5 38,1 33,5 30,0 37,3 42,1 38,8 45,5 52,8 48,3 58,3 59,7 59,4 60,2 70,0 65,6 74,5
Sudeste 29,0 21,3 39,2 27,8 22,5 34,2 30,5 27,0 34,7 37,5 32,5 42,6 46,9 44,0 49,9 53,6 51,4 56,1 64,3 63,5 65,1
Sul 28,7 21,5 39,4 24,0 20,4 28,1 32,2 27,1 37,8 42,1 38,2 46,0 50,8 49,2 52,4 56,9 55,8 58,1 65,5 64,6 66,6
Centro Oeste 32,3 24,6 42,3 33,4 29,5 38,7 34,5 30,7 38,5 40,8 36,5 44,8 50,0 47,3 52,8 53,5 48,8 58,5 64,8 65,2 64,4
UNIDADES DA
FEDERAÇÃO
Rondônia 21,0 20,0 22,3 28,1 26,4 30,5 27,1 22,7 31,5 34,4 31,5 36,9 41,9 46,9 37,0 47,0 37,4 55,4 64,0 60,0 67,1
Acre 34,5 15,0 52,1 33,7 26,7 41,3 32,5 26,3 40,2 38,4 40,1 36,7 44,5 32,3 54,5 44,7 36,7 56,1 71,0 58,2 85,0
Amazonas 45,8 37,8 54,7 37,1 27,3 47,6 37,2 26,7 46,7 43,6 36,9 50,4 43,0 32,5 50,4 57,2 61,1 51,4 54,3 48,6 63,5
Roraima 35,0 34,6 35,4 30,0 27,4 33,8 35,3 34,1 36,3 37,8 40,9 34,9 54,1 55,7 53,0 65,8 63,0 68,6 47,6 25,0 62,4
Pará 31,2 17,6 45,8 31,6 20,7 43,7 35,4 26,7 43,3 41,2 33,1 48,6 42,9 37,0 49,9 56,3 53,0 59,7 71,4 74,9 68,6
Amapá 39,0 12,9 68,6 38,9 26,4 51,2 27,9 19,0 37,2 40,6 38,1 43,6 48,1 47,8 48,4 47,3 55,5 41,2 64,6 46,5 75,7
Tocantins 31,1 17,2 46,6 25,5 23,8 27,6 29,5 26,5 32,3 35,6 38,8 32,6 54,5 54,5 54,5 51,7 47,8 56,0 56,4 67,6 48,2
Maranhão 34,0 21,7 50,0 39,2 33,6 45,2 36,1 34,7 37,5 40,6 37,8 43,8 51,4 43,9 56,3 62,5 55,5 68,0 73,6 65,9 77,6
Piauí 31,6 19,5 43,7 39,6 32,0 47,1 41,7 43,2 40,1 42,7 45,1 39,9 62,2 62,0 62,4 61,2 66,5 56,7 77,7 73,2 81,9
Ceará 28,3 22,8 34,1 32,1 29,6 34,9 32,2 27,7 36,7 41,7 38,5 45,4 47,4 46,3 49,2 64,6 63,3 65,9 71,7 71,3 72,2
Rio Grande do Norte 36,8 25,9 48,7 32,8 28,2 37,8 41,5 40,4 42,8 43,1 35,4 51,5 51,1 46,2 57,2 56,2 58,7 52,6 71,6 79,2 65,9
Paraíba 32,0 21,6 45,2 38,9 36,8 41,7 36,2 30,3 42,2 58,7 55,3 62,0 45,0 41,2 48,1 67,6 70,1 65,4 74,3 75,1 72,9
Pernambuco 27,7 21,3 35,0 26,0 24,2 28,2 27,9 24,6 31,2 36,3 29,6 44,1 53,2 53,7 52,4 55,3 52,6 59,1 64,6 64,1 65,2
Alagoas 25,9 18,2 34,8 24,9 17,5 33,9 24,3 21,8 27,1 41,8 41,4 42,2 55,1 41,3 65,7 62,6 71,7 46,5 77,1 60,2 83,9
Sergipe 29,2 29,1 29,4 33,4 34,0 32,7 39,9 34,7 45,8 44,9 40,1 49,1 75,7 68,2 85,2 38,5 45,5 29,9 57,1 41,5 75,9
Bahia 28,7 24,4 33,8 36,5 31,3 42,2 33,8 28,9 39,5 40,8 39,3 42,2 53,0 45,5 63,0 61,4 60,6 62,8 68,6 59,1 80,7
Minas Gerais 27,2 21,5 34,7 34,2 27,0 42,1 35,6 34,3 37,0 40,8 36,5 44,9 52,2 51,2 53,2 57,8 53,9 62,0 63,2 65,8 60,6
Espírito Santo 26,5 19,3 34,2 33,1 28,7 37,9 31,3 30,7 32,1 42,9 39,1 46,3 48,6 44,1 54,5 52,3 54,1 49,4 61,7 60,5 63,0
Rio de Janeiro 21,7 7,6 42,0 21,2 13,7 30,5 25,6 20,5 32,1 32,4 27,1 38,0 38,7 32,9 44,4 47,9 48,8 46,8 60,3 59,4 61,3
São Paulo 33,9 26,9 43,1 25,9 23,4 29,3 29,5 25,3 34,5 37,4 32,4 42,9 47,2 44,5 50,0 54,2 51,2 57,4 66,5 64,7 68,1
Paraná 25,6 17,7 36,6 22,0 18,1 26,1 29,7 26,1 34,0 40,7 38,4 42,9 52,4 49,5 55,4 54,2 56,0 52,3 65,6 66,4 64,7
Santa Catarina 26,8 22,8 35,8 17,0 18,3 15,5 30,1 26,0 34,9 39,0 37,3 40,7 46,6 45,1 48,1 58,0 60,1 56,1 60,3 61,8 59,0
Rio Grande do Sul 31,9 24,4 42,6 29,2 23,6 35,5 36,0 28,9 43,6 45,2 38,5 52,3 52,6 52,0 53,1 58,6 52,3 65,8 68,7 64,3 73,6
Continua »
* Pessoas de 15 anos ou mais de idade que praticaram algum esporte ou atividade física, no período de referência de 365 dias
389
388
Mato Grosso do Sul 31,4 34,8 28,0 32,4 34,9 28,9 35,9 32,5 39,7 39,9 36,4 43,3 48,8 49,4 48,3 56,5 54,3 58,3 63,2 71,2 54,2
Mato Grosso 26,4 19,6 37,9 35,0 30,9 39,3 27,9 25,0 30,9 33,5 32,7 34,2 49,1 54,8 44,1 46,9 38,3 56,5 58,6 73,2 49,3
Goiás 34,9 26,8 45,3 33,6 28,9 41,0 35,6 32,2 39,2 43,0 37,0 48,3 48,4 44,5 52,9 46,5 46,4 46,6 52,0 51,2 52,5
Distrito Federal 33,7 18,0 51,2 31,0 22,1 41,9 38,9 32,1 47,1 45,4 40,2 51,6 54,2 45,5 63,4 62,4 54,1 71,4 72,3 66,7 78,4
COR OU RAÇA
Branca 30,4 24,3 38,6 29,0 25,4 33,6 31,9 29,1 35,4 39,5 35,4 44,0 48,6 46,4 51,1 56,0 54,2 58,0 64,8 64,5 65,1
Negra 30,5 21,9 40,6 31,5 26,0 38,0 32,3 27,3 37,6 39,6 34,6 44,2 48,9 44,8 52,5 53,7 51,1 56,3 65,3 60,9 69,0
GRUPOS DE IDADE
15 a 17 anos 51,4 27,2 72,5 49,5 34,3 65,2 53,0 36,5 68,1 54,8 38,4 70,8 68,6 57,0 80,3 68,3 67,6 68,7 78,0 79,6 76,6
18 a 24 anos 39,7 23,4 59,7 40,2 25,8 57,8 42,7 28,4 57,2 52,7 39,3 63,1 57,5 50,1 64,4 61,8 59,0 64,8 70,0 67,7 72,2
25 a 39 anos 28,2 22,0 37,9 30,5 26,1 36,0 36,6 31,9 41,6 44,3 37,7 50,3 57,9 56,4 59,2 63,7 57,3 69,9 70,6 69,8 71,3
40 a 59 anos 19,8 21,7 17,7 23,5 25,0 21,9 26,0 27,4 24,4 35,7 36,3 35,0 45,0 45,1 44,9 51,9 53,4 50,2 64,8 63,2 66,3
60 anos ou mais 15,2 12,1 17,7 18,0 19,0 16,7 20,4 21,5 18,9 28,0 27,9 28,1 35,6 33,0 39,0 45,2 45,1 45,2 56,8 56,7 56,9
NÍVEL DE INSTRUÇÃO
Sem Instrução 15,5 15,7 15,3 16,1 15,0 17,1 15,4 15,3 15,4 21,3 17,7 25,5 26,4 22,0 34,5 24,5 14,7 36,0 48,6 57,0 37,2
Fundamental incompleto 27,7 18,7 37,8 28,0 22,9 33,3 26,9 24,1 29,5 29,6 28,9 30,3 33,2 31,3 35,1 37,3 35,2 39,3 30,9 35,1 27,1
ou equivalente
Fundamental completo 35,3 23,8 49,7 36,2 29,2 43,7 33,9 27,3 40,0 37,5 32,9 41,5 43,3 41,4 45,0 45,2 45,3 45,1 48,8 53,3 44,3
ou equivalente
Médio incompleto 39,6 24,8 59,2 37,0 28,3 49,3 42,2 31,7 52,6 48,1 37,6 56,8 61,0 59,3 62,2 53,7 45,4 58,6 66,7 67,2 66,2
ou equivalente
Médio completo ou equivalente 38,3 30,6 50,9 35,6 29,6 45,1 39,4 33,5 47,2 45,1 38,7 51,4 49,3 45,4 53,0 55,8 53,1 58,2 62,3 57,1 67,5
Superior incompleto 42,4 35,3 56,4 46,5 44,4 50,9 44,1 41,6 48,2 50,1 41,7 60,4 58,1 53,6 62,7 59,9 54,3 64,8 63,8 67,5 60,7
ou equivalente
Superior completo 46,8 42,6 54,3 41,8 38,5 46,8 41,9 38,3 50,4 49,1 44,8 56,3 57,7 55,5 60,5 60,3 59,0 62,4 68,7 67,1 70,4
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PNUD RELATÓRIO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DO BRASIL
MOVIMENTO É VIDA: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS PARA TODAS AS PESSOAS Anexo EstatÍstico
Este relatório foi composto com
a tipografia Branding, em papel
Couché Fosco 115g/m2 com
tiragem de 1.000 exemplares.
Empoderando vidas.
Fortalecendo nações.