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Da identificação projetiva ao

conceito do terceiro analítico de


analítico de Thomas Ogden

Marina F R Ribeiro

2021
Matrizes e modelos


Figueiredo & Coelho Júnior

❧ Matriz freudo-kleiniana – Bion

❧ Matriz ferencziana – Winnicott

❧ Atravessamentos de paradigmas:

psicanálise transmatricial de Ogden


O pensamento de Thomas Ogden está na
intersecção entre Bion e Winnicott, entre as duas
matrizes, tornando esse autor um dos
psicanalistas representantes da psicanálise
contemporânea transmatricial, entre outros
citados, como Green, Ferro, Roussillon, Bollas e


Alvarez.

A capacidade de apresentar detalhadamente a
sua experiência clínica, e de forma imagética,
tornou-se uma referência marcante na sua obra.
Ogden tem a habilidade de narrar os detalhes
da experiência emocional vivida na sessão
analítica, em especial, como duas mentes
pensam juntas. Ogden conduz o leitor à
intimidade da sala de análise, fazendo com que
a leitura seja, em si, uma experiência
transformadora.

Na entrevista de 2013, Ogden diz que
raramente usa o termo identificação projetiva,
pois cada um tem uma definição e
compreensão do conceito, ele prefere descrever
o fenômeno. Relata que aquilo que tem em
mente quando fala em identificação projetiva é
a mãe e seu bebê criando uma terceira mente.
Sendo que a experiência emocional é
transformada na vivência do terceiro. Aqui
temos a evidência, declarada pelo próprio
autor, da passagem do conceito de identificação
projetiva para o conceito de terceiro, ou seja,
como duas pessoas pensam a partir de uma
terceira mente que se constitui no encontro.
Ogden (1994/1996, p. 7) escreve que …
“Considera o conceito kleiniano de identificação
projetiva um passo monumental na ampliação
do entendimento analítico da natureza e das
formas da tensão dialética subjacente à criação
do sujeito”.


A partir dessa constatação vamos examinar
detalhes dessa transição, da identificação
projetiva ao conceito de terceiro analítico, em
alguns textos do autor.
ZICHT, S. R. The interpersonal tradition: the origins of
Psychoanalytic subjectivity. By
Irwin Hirsch. The Psychoanalytic Quarterly, v. 85, n. 1, p.
225-234, 2016.
Trata-se de uma metáfora fantástica para a compreensão
desse fenômeno intersubjetivo. A água é criada pelo
encontro, a água é o terceiro elemento criado e que,
concomitantemente, produz efeitos nos dois elementos
iniciais.


O terceiro analítico é criado e recriado ativa e
continuamente por cada um dos parceiros, sendo que
cada um tece, então, o seu próprio terceiro analítico que
entra em relação com o terceiro analítico do outro.
O elemento fluído água seriam as emoções que circulam
produzidas por esse terceiro elemento; ou seja, algo que é
produzido pelo encontro, o terceiro elemento água, mas que
passa, também, a produzir novos efeitos, em um processo
contínuo.


Outra imagem que podemos ter em mente para
compreender o conceito é a do Rio Negro que se encontra
ou colide como o Rio Solimões no Estado da Amazônia:
águas escuras e águas barrentas caminham por
quilômetros com suas cores diversas, criando, conforme
a correnteza segue, uma água comum, de cor singular,
que não é mais Negro nem Solimões, uma terceira água se
forma com formas únicas e irrepetíveis.

Vinheta clínica: Antonino Ferro, 2003:

“Eu estava com um paciente muito violento, muito agressivo.


Tentava interpretar essa agressividade, mas de qualquer forma
que o fizesse a sua agressividade só aumentava.


...
Eu estava desesperado porque não conseguia, de forma
alguma, fazer diminuir a violência que havia na sala. Até que,
num certo momento, eu lhe disse (porque foi a imagem que
tive): ...
“Eu tenho a impressão, com o senhor, de estar como num
daqueles filmes de ‘faroeste’, no qual cai um copo e todos
sacam as pistolas e começam a atirar. E todos ficam, o
tempo todo, com terror desse tiroteio que pode acontecer a
qualquer momento.


E essa foi a primeira vez que eu vi ele sorrir, se
tranquilizar, e por um bom tempo prosseguimos
falando, justamente por meio dos filmes de faroeste.”
Ogden faz articulações da identificação projetiva,
tanto com a teoria de Winnicott, quanto com a


teoria de Bion.

A partir de Winnicott, mesmo que esse autor pouco


se refira ao conceito, Ogden escreve que a
identificação é uma forma transicional de
relacionamento e constitui um tipo primitivo de
relação objetal, um modo básico de ser com o
objeto ainda não separado.
Ogden (1979/2012) escreve que Bion
compreende o conceito como uma interação
interpessoal, e que este autor aproxima a
experiência da identificação projetiva da ideia
de um pensamento sem pensador, um
pensamento em busca de um pensador; no
sentido de que ser um continente, é pensar um
pensamento ainda não pensado. Destaca a
compreensão de Bion de que quando não há
uma mente continente para a identificação
projetiva, isso provoca um impacto
desorganizador, tanto na relação mãe-bebê,
como na relação analista-paciente.
Ogden aborda um tema ainda hoje delicado: o
analista é um ser humano, com passado,
repressões, conflitos, medos e dificuldades
psicológicas próprias.


A principal ferramenta do analista, nos diz Ogden
em 1979, é sua habilidade em entender seus
próprios sentimentos e, também, o que está
acontecendo entre o analista e o paciente. O
analista precisa ter competência de formular de
maneira clara e precisa sua compreensão...
A gravura de Escher parece ser uma
imagem exitosa da unidade
dialética analista-analisando:


A gravura evidencia a permeabilidade entre
as mentes, podemos pensar que o terceiro é
a gravura na sua totalidade, a cena do
encontro analítico. As bolas que circulam a
dupla, parece ser uma boa representação dos
objetos analíticos...
A rêverie como o próprio sentido da palavra
revela, é o sonho acordado, o devaneio. A
capacidade imaginativa da mente é a reverie;
implica a permeabilidade e a disponibilidade
mental e emocional à comunicação do outro.
Grande parte do movimento psíquico de uma
sessão implica a capacidade de rêverie do analista e
a possibilidade do seu uso nas interpretações.
No entanto, essa experiência, muitas vezes, é
desorganizadora, pois é vivida como algo
extremamente pessoal e íntimo, compreendida
inicialmente mais como uma falha técnica do que
como algo que emerge do encontro entre as duas
mentes presentes na sala. Se pudermos fazer uso
dela, a reverie funciona como uma verdadeira
bússola, indicando nortes do campo emocional
gerado pelo encontro de duas mentes, do analista e
do analisando
E, afinal, como podemos compreender o
conceito de identificação projetiva hoje?


“ Considera a identificação projetiva
uma dimensão de toda a
intersubjetividade, às vezes como
qualidade predominante da experiência,
outras somente como um sutil pano de
fundo.”
O terceiro e o campo analítico, breves
apontamentos


O campo analítico

O conceito de campo analítico do casal Baranger
consiste em considerar o encontro das duas
subjetividades, analista e analisando, em constante
interação. As duas subjetividades geram tanto novos
pensamentos como, também, levantam defesas
inconscientes, os denominados baluartes, formados a
partir de uma fantasia inconsciente da dupla. Tudo o
que acontece no campo analítico é fruto do
funcionamento tanto da mente do analista como da
mente do analisando em complexa interação.
Ogden, considera os conceitos, metáforas que
enfatizam diferentes aspectos do
funcionamento mental.


A metáfora do terceiro analítico enfatiza
a criação de uma terceira mente,
irredutível à soma de duas mentes. O
campo analítico enfatiza as forças
criadas pela experiência consciente e
inconsciente da dupla, podemos dizer
que tem um caráter espacial.
Os dois conceitos se sobrepõem, não existindo
uma clara distinção entre eles.

Devemos facultar uma certa imprecisão


aos conceitos.
Campo analítico: setting

Terceiro analítico: rêverie


Ogden tende a usar o conceito de campo
analítico vinculado a questões que envolvem o
setting. O conceito de terceiro analítico
vinculado a rêverie, ou seja, o modo como esse
fenômeno expressa uma produção do terceiro,
e não uma criação exclusiva do analista ou do
paciente
Ogden diz que em pouco tempo, ambas as
metáforas, terceiro analítico e campo
analítico, se tornarão obsoletas e outras terão
de ser inventadas, ou seja, a teoria
psicanalítica, assim como a análise, é uma
sonda que expande o próprio campo que
investiga (Bion), uma obra aberta.
Cabe a nós, como estudiosos e
pesquisadores da psicanálise, historicizar e
articular os conceitos, atravessando
paradigmas com rigor e ética, nesse universo
transmatricial criativo da psicanálise
contemporânea.

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