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Comosurgimentodafaseinauguradapelosideaispóspositivistas,
novos valores foram inseridos na comunidade jurídica, exercendo fortes
inuênciasnaatividadedeaplicaçãododireitoaoscasosconcretosquese
apresentam.
Antes de mais nada, passouse a priorizar não mais a letra fria e
estanquedaleiqueoutroraeraidolatrada,massimacompreensãodanor
ma,queestáalémdotextoescrito.
Assim,opapelexercidopelosjuízesganhouumamaiorrelevância.
Diante da agrante impotência do legislador em regular todos os
casos sociais que a toda hora reclamam a aplicação do direito e exigem
do Poder Judiciário uma resposta, foram criadas as regras de integração
previstasnoart4ºdaLei4.657/422(LeideIntroduçãoaoCódigoCivil),
repetidascommelhortécnicanoart.126doCódigodeProcessoCivil3.
Oscitadosartigosexpressamavedaçãoaononliquetouseja,tendo
emmãosumcasoaresolveredeparandoseomagistradocomlacunaou
obscuridadedalei,nãopoderáinvocálaparaseeximirdedespachar,deci
dirousentenciar.Deverárecorreràanalogia, aoscostumeseaosprincípios
geraisdedireito.
1JuizdeDireitoTitulardaVaradaInfância,JuventudeedoIdosodaComarcadeNiterói.
2Art.4ºdaLei4.657/42–“Quandoaleiforomissa,ojuizdecidiráocasodeacordo comaanalogia,oscostumes
eosprincípiosgeraisdedireito.”
3Art.126doCPC–“Ojuiznãoseeximedesentenciaroudespacharalegandolacunaouobscuridadedalei.No
julgamentodalidecaberlheáaplicarasnormaslegais,nãoashavendo,recorreráàanalogia,aoscostumeseaos
princípiosgeraisdedireito.”
SérieAperfeiçoamentodeMagistrados11tCursodeConstitucionalNormatividadeJurídica
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A analogia consiste na aplicação de norma prevista para um caso
semelhante.
O costume se consubstancia em uma conduta socialmente aceita
queserepeteaolongodotempo.
Osprincípiosgeraissãoasregrasque,emboranãoestejamescritas,
servemcomomandamentosqueinformamedãoapoioaodireito,utiliza
doscomobaseparaacriaçãoeintegraçãodasnormasjurídicas,respalda
dospeloidealdejustiça.
Na lição do mestre Orlando Gomes “A generalibus júri principiis,
daqualdeveserextraídaadecisãojudicialquandoaleiforomissa,falhe
aanalogiaenãoexistamcostumesadequados,temcomodeterminante
o ‘espírito da ordem jurídica’, que se manifesta através de ‘valoração da
camadadirigente’,comoultimumrefugiumdoJuiz”4.
“Éprecisoantesdetudodeixarclaroquenãocoincidemexata
menteosconceitosdeprincípiosgeraisdedireitoedeprincípios
constitucionais.Bastaveroseguinte:estabeleceoart126doCPC
que,diantedeumalacunadalei,deveráojuizsevalerdaanalo
gia,nãohavendonormaquepossaseraplicadaanalogicamente,
ojulgadorsevalerádoscostumese,porm,nãohavendocostume
que se aplique ao caso, será a decisão baseada nos princípios gerais
doDireito.Ora,aseaceitaraideiadequeesseprincípiosgerais
sãoosprincípiosconstitucionais,terseiadeadmitirqueosprin
cípiosconstitucionaissãoaplicadosemúltimolugar,depoisdalei
edasdemaisfontesdeintegraçãodaslacunas.Isto,porém,não
corresponde à verdade. Os princípios constitucionais devem ser
aplicadosemprimeirolugar(enãoemúltimo),oquedecorreda
supremaciadasnormasconstitucionaissobreasdemaisnormas
jurídicas.Entendeseporprincípiosgeraisdedireitoaquelasre
grasque,emboranãoseencontremescritas,encontramsepresen
tesemtodoosistema,informandoo.Éocasodavelhaparêmia
segundoaqual“odireitonãosocorremosquedormem”5.
ciaisnãobusquemunicamenteaestritalegalidade,masqueutilizemalei
emcotejocomoutrosvaloresqueconduzemadecisõesjustasporserem
razoáveis.
Aprioridadeabsolutadosdireitosdacriançaedoadolescente,prin
cípioinsculpidonoart227daCartaMagna6,vemestabelecerqueos me
noresdevemserprotegidosemprimeirolugaremrelaçãoaqualqueroutro
gruposocial,emrazãodesuacondiçãopeculiardepessoaemdesenvolvi
mento.
Atítulodeenriquecimento,transcrevoosensinamentosdeAndréa
RodriguesAmimsobreotema:
“Tratasedeprincípioconstitucionalestabelecidopeloartigo227
daLeiMaior,comprevisãonoartigo4ºdaLei8.069/90.Esta
beleceprimaziaemfavordascriançasedosadolescentesemtodas
asesferasdeinteresses.Sejanocampojudicial,extrajudicial,ad
ministrativo,socialoufamiliar,ointeresseinfantojuvenildeve
preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o
interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi rea
lizadapelanaçãoatravésdolegisladorconstituinte.Assim,seo
administradorprecisardecidirentreaconstruçãodeumacreche
edeumabrigoparaidosos,poisambosnecessários,obrigatoria
mente terá de optar pela primeira. Isso porque o princípio da
prioridadeparaosidososéinfraconstitucional,poisestabelecido
noartigo3ºdaLei1.0741/03,enquantoaprioridadeemfa
vordascriançaséconstitucionalmenteassegurada,integranteda
doutrinadaproteçãointegral.”7
6Art.227daContituiçãoFederal:“Édeverdafamília,dasociedadeedoEstadoasseguraràcriançaeaoadoles
cente,comabsolutaprioridade,odireitoàvida,àsaúde,àalimentação,àeducação,aolazer,àprossionalização,
àcultura,àdignidade,aorespeito,àliberdadeeàconvivênciafamiliarecomunitária,alémdecolocálosasalvode
todaformadenegligência,discriminação,exploração,violência,crueldadeeopressão.”
Hemenêuticajurídicaéaciênciaquevisaacompreenderaaplica
bilidadedasleis,norteandooexercíciodosoperadoresdodireito,princi
palmente,dosmagistrados,quetêmafunçãodeaplicaranormajurídica
aocasoconcreto.
SegundoCarlosMaximiliano,“Éahermenêuticaquecontémregras
bemordenadasquexamoscritérioseprincípiosquedeverãonorteara
interpretação.Hermenêuticaéateoriacientícadeinterpretar,masnão
esgotaocampodeinterpretaçãojurídicaporserapenasuminstrumento
parasuarealização.”8
Certoéqueanormatividadejurídicatemíntimarelaçãocomaher
menêutica,umavezqueanormadevesempresercompreendidaeinter
pretadadentrodeumsistemajurídicoenãoisoladamente.
Nãosepodeolvidarqueainterpretaçãodaleidevecorresponderàs
necessidadesatuaisdecarátersocial,nãopodendosermeramenteformale
sim,antesdetudo,real,humanaeútil,devendooJuizsempreoptarpela
interpretaçãoquemaisatendaasaspiraçõesdaJustiçaedobemcomum.
Apósasbrevesnoçõesaquiconsignadas,peçovêniaparatrazeràbai
laumtemaprático,atual,relacionadoaodireitodacriançaeadolescente,
quereclama,aomeuver,aaplicaçãodetodooabordadolinhasacima.
Tratase da adoção intuito personae, também denominada adoção
dirigida, que, por não ter tido previsão no novel diploma regulador do
assunto,Lei12.010/2009,érepudiadaporpartedadoutrina.
Valeressaltarqueestamodalidadedeadoçãosediferenciaporhaver
aintervençãodospaisbiológicosnaescolhadafamíliasubstitutaqueirá
acolherseulho,composteriorsubmissãodoatoao juiz.
Diante da lacuna da lei, há que se perguntar se deve persistir tal
modalidadedeadoção.
Arespostaéaomeuverpositivaporinúmerosmotivosquepassoa
exporsucintamentesemapretensãodeesgotálos.
Em primeiro lugar, devem ser considerados os malefícios psicoló
gicos de se deixar um infante em acolhimento institucional à espera da
adoçãoquepodenuncaviraacontecer,lembrandoqueopróprioestatuto
atribui preferência ao acolhimento familiar.
Emsegundolugar,nãoháquesedesprezaroinstintomaternalou
paternal que inclina os genitores a quererem o melhor para os lhos e,
consequentemente,aentregaremacriançaaquemconam.
Nãosepodeaindaolvidarqueoatopassarápelominuciosocrivo
judicial,bemcomodeoutrosprossionaishabilitadosqueirãoaferirseos
interessesdomenorestarãopreservados.
Valenestepontoressaltarque,concatenandoasideiasacimaprodu
zidas,venhodizerqueadecisãodeconcederaadoçãointuitopersonaedeve
levaremconsideraçãoaexistênciadeumalacunanalei,quenãoprevêo
instituto,devendoomagistradoprocederasuaintegração,visitandoainda
todososprincípiosconstitucionaisacimaelencados,quaissejam,odara
zoabilidadeeproporcionalidade,odadignidadedapessoahumana,bem
comoodaabsolutaprioridadedosdireitosdacriançaeadolescente.
Eparaodesfecho,tragoàcolação,poroportuno,acórdãosobreo
assuntoque,atravésdahermenêuticaeaplicandoosprincípiosconstitu
cionaisoraabordados,utilizousedaanalogiaparaosuprimentodalacuna
dalei.OpresentejulgadoéderelatoriadoDesembargadorNagibSlaibi
Filho,aquemrendoasminhashomenagens.
ADOÇÃODIRIGIDAOUINTUITOPERSONAE
CADASTRODEADOCAO
REQUERENTESHABILITADOS
ORDEMCRONOLÓGICA
INOBSERVÂNCIA
INEXISTÊNCIADEILEGALIDADE
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DireitoCivil.Adoção.Mãeeavómaternaquedesconheciamo
estadogravídicodaprimeira.Descobertaapenasquandodopar
to.Paidesconhecido.Gravidezfrutoderelacionamentopassagei
ro.Adoçãointuitopersonaecongurada.Decisãodagenitorae
desuamãedeentregaremalhaparaadoção.Interessedaautora
emterobebêrecémnascidocomoseulho.Convivênciaestabele
cida desde os cinco dias do nascimento. Concordância da família
biológicaapósconhecerapretensaadotante,quejáseencontrava
cadastrada para adoção. Laudo da assistente social armando
estar a criança bem cuidada e adaptada ao lar onde é criada
pelaadotanteepelolhodesta.Larharmoniosoeemperfeitas
condiçõesparaoplenodesenvolvimentodacriança.Aplicaçãodo
art.227daConstituiçãodaRepública:Édeverdafamília,da
sociedadeedoEstadoasseguraràcriançaeaoadolescente,com
absolutaprioridade,odireitoàvida,asaúde,àalimentação,à
educação,aolazer,àprossionalização,àcultura,àdignidade,
aorespeito,àliberdadeeàconvivênciafamiliarecomunitária,
alémdecolocálosasalvodetodaformadenegligência,discrimi
nação,exploração,violência,crueldadeeopressão.“Enada,ab
solutamentenadaimpedequeamãeescolhaquemsejamospais
deseulho.Àsvezeséapatroa,àsvezesumavizinha,emoutros
casosumcasaldeamigosquetêmumamaneiradeveravida,
umaretidãodecaráterqueamãeachaqueseriamospaisideais
paraoseulho.Éoquesechamadeadoçãointuitupersonae,
quenãoestáprevistanalei,mastambémnãoévedada.Aomis
sãodolegisladoremsededeadoçãonãosignicaquenãoexiste
talpossibilidade.Aocontrário,bastalembrarquealeiassegura
aospaisodireitodenomeartutoraseulho(CC,art.1.729).E,
seháapossibilidadedeelegerquemvaicarcomolhodepois
damorte,nãosejusticanegarodireitodeescolhaaquemdar
emadoçao”(DIAS,MariaBerenice.Adoçãoeaesperadoamor.
Disponívelem:www.mariaberenice.com.br)“Cuidase,naespé
cie,daadoçãodemenornaqualamãeeocasal,oraagravado,
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assinaramtermodedeclaraçãonoqualháexpressamanifestação
devontadedoprimeiroemconsentiradoaçãodeumalhaaos
agravados,tendoojuizaquoautorizadoapermanênciadame
norcomocasalpeloprazodetrintadias.Posteriormente,passa
dosoitomeses,oTribunalaquodeterminouaguardadamenor
aosagravantesporconstaremdocadastrogeral,sobofundamento
de que uma criança com menos de um ano não poderia criar
vínculocomocasale,considerandoaformalidadedocadastro,
poderiaserafastadadocasalagravado.ATurmaentendeuqueo
critérioaserobservadoéaexistênciadevínculodeafetividadeda
criançacomocasaladotante.Deverseia,preponderantemente,
vericaroestabelecimentodovínculoafetivodacriançacomos
agravados,que,sepresente,tornalegítima,indubitavelmente,a
adoção intuito personae. Assim, negou provimento ao agravo”
(STJ, AgRg na MC 15.097MG, Rel. Min. Massami Uyeda,
julgadoem5/3/2009).ParecerdoMinistérioPúblicoentendendo
porviávelaadoção.Sentençadeprocedência,tendodesconstitu
ídoopoderfamiliardagenitoraedeferidoopedidodeadoção.
AlegaçãodoMinistérioPúblicodeburlaaocadastropúblicopara
adoção,bemcomoausênciadevínculosocioafetivoequehouve
‘venda’dacriança.Ausênciadeprovanessesentido.Parecerdo
Ministério Público em segunda instância entendendo pelo des
provimentodorecurso.Desprovimentodorecursocommanuten
ção da sentença. APELAÇÃO 000637174.2009.8.19.0061.
DES. NAGIB SLAIBI Julgamento: 05/05/2010 SEXTA
CÂMARACÍVEL.
CONCLUSÃO
Assim,podemosconcluirqueseamplioualiberdadedomagistrado
narealizaçãodaatividadejurisdicionalquenãomaisseencontraacorren
tadapelainterpretaçãolimitadaepositivistadalei.Entretanto,aexibi
lidade advinda da implementação dessa nova mentalidade não é ampla
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eirrestrita,poisdeveestarlimitada,sobretudo,pelabuscaincessanteda
promoçãodosdireitosfundamentaisdapessoahumana.Sóassimserealiza
atãopreconizadajustiça.♦
REFERÊNCIAS