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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária

Departamento de Patologia Clínica Veterinária Relatório de


Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03/121)
http://www.ufrgs.br/bioquimica Caso Clínico

IDENTIFICAÇÃO
o
Caso Clínico n 2016/1/14 Espécie: Canina Ano/semestre: 2016/1
Raça: Shih-Tzu | Idade: 6 ano(s) | Sexo: fêmea | Peso: 3,2 kg
Alunos(as): Camila Alves da Silveira, Gabriela Behnck dos Santos, Isabela Jardim Beltrame, Shaiane Castro
de Oliveira
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Mariana de Jesus de Souza

ANAMNESE
Na consulta do dia 02/03/16 (Dia 0), o proprietário relatou que o paciente apresentava sinais de
hematúria, disúria e polaquiúria. Os tutores já haviam levado o animal em outro veterinário que
constatou presença de cálculo vesical. O cão não comia há três dias e apresentava vômitos amarelados.
Residente de uma casa, juntamente com mais dois cães hígidos, e com acesso somente ao pátio, o
paciente não apresenta antecedentes mórbidos nem histórico de vacinação. A vermifugação foi realizada
há um ano e o animal não era medicado com qualquer tipo de fármaco.

EXAME CLÍNICO
O exame clínico na consulta do Dia 0 (02/03/16) apresentou:
- Mucosas: normocoradas;
- Hidratação: desidratado;
- Temperatura retal: 38,3°C (VR. 37,5 – 39,5°C)¹;
- Frequência cardíaca: 140 bpm (VR. 60 – 160 bpm)¹;
- Frequência respiratória: 24 mpm (VR. 18 – 36 mpm)¹;
- Tempo de preenchimento capilar: menos de 2 segundos (VR. 1 – 2 segundos)¹.

EXAMES COMPLEMENTARES
No Dia 0 (02/03/16):
Ultrassonografia: o laudo ultrassonográfico mostrou fígado, pâncreas, baço e aparelho intestinal sem
alterações. Os rins se apresentavam assimétricos e alterados, sendo que o rim direito estava aumentado
(Figura 1). O rim esquerdo apresentava características compatíveis com cálculo ou mineralização na
região da pelve. O rim direito apresentou-se com pontos ecogênicos, aumento de ecogenicidade e
formação de sombra acústica posterior compatíveis com cálculo. O ureter proximal direito estava
irregularmente dilatado, com formação de sombra acústica e presença de estruturas ecogênicas, sendo
possíveis indicativos de cálculos (Figura 2). A bexiga urinária apresentou-se distendida e com
características de cistite (Figura 3). Presença de diversas imagens compatíveis com cálculos vesicais,
renais e ureterais.

Exame bacteriológico: no material enviado para diagnóstico (secreção purulenta encontrada no ureter
direito durante realização de cirurgia de nefrectomia direita e cistotomia), o cultivo aeróbico resultou no
crescimento de Staphylococcus sp. coagulase positiva e negativa, sensível para diversos antimicrobianos.

No dia 16 (18/03/16):
Exame de PCR: PCR positivo para Rangelia sp.
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URINÁLISE
Método de coleta: micção natural Obs.: Pós-nefrectomia Data: 07/03/2016 (Dia 5)
Sedimento urinário* Exame químico
 Células epiteliais: escamosas (2-4), de transição  pH: 6,0 (5,5-7,0)
(1-2) e caudatas (1-2)  Corpos cetônicos: negativo
 Cilindros: ausente  Glicose: negativo
 Hemácias: aglomerados  Bilirrubina: negativo
 Leucócitos: aglomerados  Urobilinogênio: n.d. (<1)
 Bacteriúria: ausente  Proteína: traços
 Outros:  Sangue: negativo
Exame físico
 Densidade específica: 1,018 (1,015-1,045)  Consistência: fluida
 Cor: amarelo  Aspecto: límpido
*número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado

BIOQUÍMICA SANGUÍNEA
Amostra: soro | Anticoagulante: | Hemólise: ausente Data: 02/03/2016 (Dia 0)
 Proteínas totais: g/L (54-71)  Cálcio: mg/dL (9,0-11,3)
 Albumina: 33 g/L (26-33)  Fósforo: mg/dL (2,6-6,2)
 Globulinas: g/L (27-44)
 Fosfatase alcalina: U/L (<156)
 Bilirrubina total: mg/dL (0,10-0,50)  AST: U/L (<66)
 Bilirrubina livre: mg/dL (0,01-0,49)  ALT: 35 U/L (<102)
 Bilirrubina conjugada: mg/dL (0,06-0,12)  CK: U/L (<125)
 Glicose: mg/dL (65-118)  : ( )

 Colesterol total: mg/dL (135-270)  : ( )

 : ( )
 Ureia: 163 mg/dL (21-60) ↑
 : ( )
 Creatinina: 1,33 mg/dL (0,5-1,5)
Observações:

HEMOGRAMA
Data: 02/03/2016 (Dia 0)
Leucócitos Eritrócitos
 Quantidade: 20.300/µL (6.000-17.000) ↑  Quantidade: 5,92 milhões/µL (5,5-8,5)
 Tipos: Quantidade/µL %  Hematócrito: 43 % (37-55)
 Mielócitos 0 (0) 0 (0)  Hemoglobina: 14 g/dL (12-18)
 Metamielócitos 0 (0) 0 (0)  VCM: 72,6 fL (60-77)
 Neutrófilos bast. 203 (<300) 1 (<3)  CHCM: 32,6 % (32-36)
 Neutrófilos seg. 14.819 (3.000-11.500) ↑ 73 (60-77)  RDW: % (14-17)
 Basófilos 0 (0) 0 (0)  Reticulócitos: % (<1,5)
 Eosinófilos 0 (100-1.250) ↓ 0 (2-10) ↓ Observações: Proteínas Plasmáticas Totais
 Monócitos 2.842 (150-1.350) ↑ 14 (3-10) ↑ por refratometria: 102 g/L (VR. 60 a 80)
 Linfócitos 2.436 (1.000-4.800) 12 (12-30)
 Plasmócitos (_) (_)
Observações:

Plaquetas
 Quantidade: 165.000/µL (200.000-500.000) ↓ | Observações:
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TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Primeira internação:
Dia 0 (02/03/16): Foi realizada ecografia e decidido pela internação e procedimento cirúrgico, no qual foi
efetuado nefrectomia direita e cistotomia. Na ocasião foi coletado secreção purulenta do ureter para
exame bacteriológico, que resultou no cultivo de Staphylococcus sp. coagulase positiva e negativa,
sensível para diversos antimicrobianos.
Durante o período de internação da paciente foram administrados os seguintes fármacos: Ringer
lactato (solução isotônica, alcalinização e reposição eletrolítica), Cloridrato de tramadol (analgésico),
Cloridrato de ondansetrona (antiemético), Citrato de maropitant (antiemético), Dipirona sódica e
Butilbrometo de escopolamina (antipirético, antiespasmódico e analgésico), Cloridrato de ranitidina
(inibidor da secreção de ácido clorídrico), Enrofloxacin 2,5% (antimicrobiano), Metronidazol
(antimicrobiano), Cefalotina sódica (antibiótico), Cloridrato de metadona (analgésico).
Dia 2 (04/03/16): Foi interrompido o tratamento com Citrato de matopitant e foi iniciada a utilização de
um suplemento vitamínico mineral. Foi mantido o restante do tratamento.
Dia 5 (07/03/16): O tratamento com Ceftriaxona sódica (antibiótico) e Ampicilina sódica
(antimicrobiano) foi iniciado.
Dia 6 (08/03/16): O uso de Cloridrato de ondansetrona, Enrofloxacin 2,5 e Cefalotina sódica foi
interrompido.
Dia 8 (10/03/16): O animal recebeu alta.

Segunda internação:
Dia 16 (18/03/16): Reconsulta. A tutora relatou que o animal apresentava quadro febril e parou de se
alimentar dois dias após seu retorno para casa, o que levou a perda de peso. Estava apática e dormindo
mais que o normal. O tratamento com o antibiótico receitado (Amoxicilina triidratada com Clavulanato
de potássio) foi corretamente realizado.
O animal foi novamente internado, e após realização de hemograma foi suspeitado da presença de
hemoparasita. O exame PCR foi positivo para Rangelia vitalii. Foi iniciado o tratamento com Ringer
lactato, Amoxicilina triidratada com Clavulanato de potássio, Dipirona sódica, Dipropionato de imidocarb
(endoparasiticida) e Cloridrato de ranitidina.
Dia 17 (19/03/16): Foi iniciado tratamento com Omeprazol (antiulceroso).
Dia 20 (22/03/16): O animal recebeu alta.

Dia 30 (01/04/26): Na reconsulta, a paciente apresentou-se ativa. Foi relatado ganho de peso,
normalidade ao urinar e boa alimentação. Foi aplicado a segunda dose de Dipropionato de imidocarb.

Tabela 1. Avaliação sanguínea – Primeira internação


02/03/16 04/03/16 07/03/16 10/03/16
PARÂMETRO AVALIADO (VAL. REFERÊNCIA)
DIA 0 DIA 2 DIA 5 DIA 8
HEMOGRAMA
Eritrograma
Eritrócitos (5,5-8,5 Milh/µL) 5,92 3,20 ↓ 2,22 ↓ 2,93 ↓
Hemoglobina (12-18 g/dL) 14 7,4 ↓ 5,0 ↓ 6,8 ↓
Hematócrito (37-55 %) 43 25 ↓ 18 ↓ 23 ↓
V.C.M. (60-77 fL) 72,6 78,1 ↑ 81,1 ↑ 78,5 ↑
C.H.C.M. (32-36 %) 32,6 29,6 ↓ 27,8 ↓ 29,6 ↓
RDW (14-17 %) - - - -
Metarrubrícitos (/100 leu) - - - 2
Observações: - * ** ***

Leucograma
Leucócitos totais (6.000-17.000/µL) 20.300 ↑ 43.000 ↑ 49.500 ↑ 29.700 ↑
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Mielócitos (zero) 0 0 0 0
Metamiolócitos (zero) 0 0 0 0
Neutrófilos bastonetes (0-300/µL) 203 0 0 0
Neutrófilos segmentados (3.000-11.500/µL) 14.819 ↑ 35.690 ↑ 43.065 ↑ 26.433 ↑
Eosinófilos (100-1.250/µL) 0 430 990 297
Basófilos (raros) 0 0 0 0
Monócitos (150-1.350/µL) 2.842 ↑ 3.870 ↑ 495 1.188
Linfócitos (1000-4.800/µL) 2.436 3.010 4.455 1.782

Outros
Proteínas Plasmáticas Totais (60-80 g/L) 102 ↑ 60 76 82 ↑
Plaquetas (200.000-500.000/µL) 165.000 ↓ 432.000 613.000 ↑ 728.000 ↑
Contagem reticulócitos canino (0-1,5 %) n.d. 1,0 0,44 5,4

BIOQUÍMICA
Albumina (26-33 g/L) 33 n.d. n.d. n.d.
ALT (<102 UI/L) 35 n.d. n.d. n.d.
Creatinina (0,5-1,5 g/L) 1,33 0,92 0,87 0,78
Ureia (21-60 mg/dL) 163 ↑ 54 n.d. n.d.
* Presença de excentrócitos (1+), codócitos (1+), policromasia (1+), anisocitose (1+) e hipocromasia (1+).
** Hipocromasia (2+), codócitos (1+), policromasia e anisocitose (1+).
*** Presença de policromasia (2+) e anisocitose (2+). Hipocromasia (2+).
n.d.: não determinado.

Tabela 2. Avaliação sanguínea - Segunda internação


18/03/16 21/03/16
PARÂMETRO AVALIADO (VAL. REFERÊNCIA)
DIA 16 DIA 19
HEMOGRAMA
Eritrograma
Eritrócitos (5,5-8,5 Milh/µL) 1,93 ↓ 1,97 ↓
Hemoglobina (12-18 g/dL) 4,4 ↓ 4,5 ↓
Hematócrito (37-55 %) 15 ↓ 15 ↓
V.C.M. (60-77 fL) 77,7 ↑ 76,1
C.H.C.M. (32-36 %) 29,3 ↓ 30,0 ↓
RDW (14-17 %) - -
Metarrubrícitos (/100 leu) - 20
Observações: * **

Leucograma
Leucócitos totais (6.000-17.000/µL) 7.500 13.700
Mielócitos (zero) 0 0
Metamielócitos (zero) 0 0
Neutrófilos bastonetes (0-300/µL) 75 685 ↑
Neutrófilos segmentados (3.000-11.500/µL) 5.775 9.179
Eosinófilos (100-1.250/µL) 0 0
Basófilos (raros) 0 0
Monócitos (150-1.350/µL) 825 137 ↓
Linfócitos (1000-4.800/µL) 825 ↓ 3.699
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Outros
Proteínas Plasmáticas Totais (60-80 g/L) 72 60
Plaquetas (200.000-500.000/µL) 40.000 ↓ 200.000
Contagem reticulócitos canino (0-1,5 %) 0,42 1,8 ↑

BIOQUÍMICA
Albumina (26-33 g/L) 28 n.d.
ALT (<120 UI/L) 71 n.d.
Creatinina (0,5-1,5 g/L) 0,84 n.d.
Ureia (21-60 mg/dL) 73 ↑ n.d.
*Presença de codócitos (1+), Hipocromasia (2+), Corpúsculos de Heinz,
Policromasia (1+), Anisocitose (1+) e Corpúsculos de Howell-Jolly (1+).
**Presença de rubrícitos, anisocitose e policromasia 1+. Macroplaquetas.
n.d.: não determinado.

Tabela 3. Avaliação urinária


07/03/16 18/03/16
PARÂMETRO AVALIADO (VAL. REFERÊNCIA)
DIA 5 DIA 16
EXAME FÍSICO
Método de coleta micção natural cistocentese
Cor amarelo amarelo escuro
DEU (1,015-1,045) 1,018 1,024

EXAME FÍSICO
pH (5,5-7,0) 6,0 7,0
Proteínas (57-71 g/L) traços ausente

EXAME FÍSICO
Células escamosas 2-4 ↑ 0-2 ↑
Células de transição 1-2 ↑ ausente
Células caudatas 1-2 ↑ ausente
Leucócitos aglomerados não observados
Eritrócitos aglomerados <5
Bactérias raras ausente
Relação proteína/creatinina n.d. 0,54
n.d.: não determinado.

NECROPSIA E HISTOPATOLOGIA
Após remoção cirúrgica, foi enviado para biópsia o rim e ureter direito.
Dia 1 (03/03/16): o laudo histopatológico mostrou na descrição macroscópica dilatação cística na pelve
renal, da qual flui moderada quantidade de líquido viscoso roseado. Havia acentuada dilatação do ureter
(Figura 4). Na descrição histológica, o rim apresentou acentuada diminuição da camada medular com
intenso infiltrado de neutrófilos com distribuição multifocal, onde observa-se miríades bacterianas
cocobacilares. Há ainda proliferação de tecido conjuntivo e necrose do epitélio de transição de pelve
renal. Diagnóstico: piolonefrite surupurativa e hidronefrose.
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DISCUSSÃO
Ultrassom:
Foi observado na imagem da ecografia que o rim esquerdo apresentava padrão corticomedular
levemente diminuído, além de pequenas mineralizações na região pélvica. Já no rim direito, o padrão
corticomedular não era mais observado, com presença de diversas regiões de mineralização. O ureter
direito também apresentou padrões característicos de litíases. Devido a isso, foi decidido pela
nefrectomia e ureterectomia direita, pois o rim não desempenhava mais sua função.

Hemograma
Primeira internação:
Eritrograma
No Dia 0 (02/03/16), o eritrograma não apresentou alterações, entretanto, devido à desidratação,
esses valores não são confiáveis. A proteína plasmática total está acima da referência, uma possível
causa seria a desidratação que o animal apresentava. Trombocitopenia foi devido ao consumo pela
inflamação. O processo cirúrgico para a retirada dos rim e ureter foi realizado. No Dia 2 (04/03/16), o
animal apresentou anemia macrocítica e hipocrômica não regenerativa, por consequência da operação
realizada e do processo inflamatório em curso. As causas extrínsecas de anemia não regenerativa
incluem doenças inflamatórias, insuficiências renais, distúrbios endócrinos e, raramente, deficiências
nutricionais5. Inicialmente, os processos inflamatórios levam a uma anemia não regenerativa que com o
tratamento adequado, torna-se uma anemia regenerativa, como foi relatado nos exames posteriores
(Dia 5 (07/03/16) e Dia 8 (10/03/16)). No Dia 6 (08/03/16), foi realizado transfusão sanguínea, o que
pode ter colaborado com o aumento do hematócrito. Trombocitose foi relatada nos Dias 5 (07/03/16) e
8 (10/03/16), decorrente de redistribuição ou aumento da produção. A maioria das trombocitoses é
reativa ou secundária, induzida por processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos, em
consequência à liberação de citocinas9.

Leucograma
No Dia 0 (02/03/16), a paciente apresentou leucocitose, neutrofilia e monocitose. A inflamação é a
principal causa da resposta leucocitária. A maioria das lesões inflamatórias resulta em algum grau de
neutrofilia. Monocitose é uma alteração relativamente insignificante e pode acompanhar respostas
inflamatórias agudas e crônicas. Nesses casos, a monocitose é interpretada como uma resposta à maior
demanda por células mononucleares nos tecidos7.
No Dia 2 (04/03/16) e Dia 5 (07/03/16), houve um aumento na leucocitose, achado comum após a
realização de processos cirúrgicos em focos inflamatórios.
No Dia 8 (10/03/16), o tratamento mostrou eficácia, pois os leucócitos totais reduziram apesar da
persistência da leucocitose.

Segunda internação:
No Dia 16 (18/03/16), o resultado do eritrograma apresentou um quadro de anemia macrocítica
hipocrômica não regenerativa. A principal causa de macrocitose é o aumento da quantidade de hemácias
imaturas, que se apresentam policromatofílicas no esfregaço. Essas células imaturas são achadas em
casos de perda de sangue e destruição de hemácias; nesse caso, a medula óssea tenta compensar essa
diminuição liberando precocemente novas células. A policromasia também pode apresentar hemácias
hipocrômicas, porque a sua concentração de hemoglobina é menor do que a normal devido ao maior
volume8. Para esse paciente, a ocorrência da anemia hemolítica foi provocada por hemoparasita. Em seu
estudo, Soares et al. (2011) encontraram que cães infectados com Rangelia vitalii tinham uma doença
hemolítica, intra ou extravascular e exclusivamente de origem imunomediada. Outra possibilidade seria
uma anemia da inflamação ou anemia da doença crônica. Corpúsculos de Howell-Jolly e Corpúsculos de
Heinz foram descritos. O Corpúsculo de Howell-Jolly está geralmente associados a anemia regenerativa,
esplenectomia e supressão da função esplênica e o Corpúsculo de Heinz é resultado de uma
desnaturação oxidativa da hemoglobina, e sua presença reduz a deformabilidade da célula, tornando-a
mais susceptível à hemólise intra e extravascular, em grandes quantidades pode haver anemia
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hemolítica grave8. Apesar dos achados serem compatíveis com uma anemia regenerativa, o animal
apresentou contagem de reticulócitos no intervalo esperado para cães, ou seja, não está ocorrendo
regeneração ativa das células sanguíneas. As anemias apresentadas na rangeliose são, geralmente, de
carácter regenerativo, com macrocitose e hipocromasia. Outras são exceções, nos quais a macrocitose e
a hipocromasia não são evidentes, mas nesses casos é possível observar anisocitose e policromasia. Em
algumas ocasiões, as anemias desenvolvem-se de forma muito aguda. Nesses animais, os sinais de
regeneração levam tempo para se manifestar3. Ou seja, a paciente apresentava anemia devido a ação
direta do hemoparasita, mas a regeneração da medula óssea ainda não se manifestava. As anemias
observadas na rangeliose têm causas por ação direta do parasito, processo inflamatório, sequestro
esplênico, hemorragias ou de caráter imunomediado3. A trombicitopenia severa é uma das alterações
evidentes achadas na rangeliose. A etiologia da plaquetopenia observada na rangeliose pode estar ligada
ao processo inflamatório, mas principalmente ao consumo de plaquetas devido às lesões que o parasito
provoca no endotélio vascular3. Por conta desses achados característicos de rangeliose, realizou-se um
exame PCR para confirmação da presença desse hemoparasita, o qual resultou positivo. Sendo assim,
iniciou-se o tratamento com dipropionato de imidocarb, fármaco de eleição para esse caso.
Quanto ao leucograma, apresenta-se inconsistente em infecções por R. vitalii, assim como em outras
piroplasmoses. Enquanto alguns animais apresentam uma redução na contagem de leucócitos, outros
manifestam leucocitose, ou ainda podem não apresentar alterações na contagem total. Isso ocorre,
provavelmente, pela estimulação antigênica prolongada3. Linfopenia foi observada nesse caso,
possivelmente tendo como causa a inflamação aguda que estava em processo.

No Dia 19 (21/03/16), o animal ainda apresentava um quadro de anemia, mas dessa vez normocítica e
hipocrômica regenerativa com a presença de rubrícitos, metarrubrícitos, anisocitose e policromasia.
Rubrícitos e metarrubrícitos são células progenitoras eritróides, que quando presentes na circulação
indicam que está ocorrendo resposta da medula óssea frente a uma redução da massa eritrocitária,
confirmada pela contagem de reticulócitos que está acima da referência, caracterizando uma anemia
regenerativa. Essas alterações hematológicas são indicativos de que o tratamento iniciado está causando
efeito na parasitemia e os valores do eritrograma estariam se encaminhando para a normalidade. O valor
da contagem de plaquetas retornou ao intervalo de referência e foi observado a presença de
macroplaquetas, provavelmente presentes por conta do alto consumo de plaquetas que ocorre na
rangeliose, ou seja, resquícios da trombopoiese.
Quanto ao leucograma, uma monocitopenia foi observada. Os monócitos migram para os tecidos onde
continuam a se desenvolver, atingindo a forma de macrófagos6. Fagócitos mononucleares podem
fagocitar bactérias, grandes microrganismos complexos (por exemplo, fungos e protozoários), células
danificadas, restos celulares e resíduos de partículas estranhas6. Apesar da monocitopenia não ser muito
relevante, acredita-se que houve um recrutamento para os tecidos, a fim de remover o protozoário
daquele local. No intervalo entre os Dias 16 (18/03/16) e 19 (21/03/16), os resultados dos leucogramas
indicaram um aumento dos neutrófilos bastonetes, caracterizando um desvio à esquerda, mas sem
apresentar neutrofilia. Devido à inflamação, houve um grande estimulo neutrofílico para debelar os
resquícios parasitários, o que se manteve alto pelo curso da doença.

Análise bioquímica:
No Dia 0 (02/03/16) o paciente apresentou uremia, por duas prováveis causas. Diminuição do fluxo
renal, pois um dos ureteres estava obstruído. A reabsorção de ureia no túbulo está relacionada de forma
inversa com o fluxo de urina2. Outra causa seria pela anorexia que se encaminhava haviam três dias;
pois, a deficiência energética na dieta aumenta o catabolismo proteico e aumenta o nível de ureia no
plasma2. Foi feito uma estimativa do valor de globulinas presentes, o qual indicou valores acima da
referência (69 g/L – VR: 27-44), indicando que há um elevado número de imunoglobulinas na circulação,
característico de uma inflamação em curso.
No Dia 16 (18/03/16), o animal apresentou leve uremia, provavelmente por conta da anorexia que
apresentava há seis dias.
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Urinálise:
No Dia 5 (07/03/16), a presença dos aglomerados de eritrócitos e leucócitos foi devido ao processo
cirúrgico e inflamatório. As células escamosas, de transição e caudatas foram decorrentes da reação
causada pelas urolitíases. Os traços proteicos foram resultantes das células do sedimento.
No Dia 16 (18/03/16), a presença de eritrócitos tem como provável causa a contaminação da coleta. É
normal encontrar de 0 a 3 eritrócitos por campo de 400x2.

CONCLUSÕES
Os resultados dos hemogramas, urinálise, ultrassom, cultura microbiológica e histopatológico
sugeriram urolitíases e infecção bacteriana possivelmente secundária. Posteriormente, o quadro clínico
do animal, associado aos valores do hemograma e resultado do PCR, se mostraram compatíveis com a
presença do hemoparasito Rangelia vitalii.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. FEITOSA, F. L. F. Exame Físico Geral ou de Rotina. In: ______. Semiologia Veterinária - A arte do
diagnóstico. 2. ed. São Paulo: Roca, 2008. Cap. 4. p. 77-102.
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clínica veterinária. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Cap. 8. p. 342-354.
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Protozoários em Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Rubia, 2015. Cap. 13. p. 93-101.
4. SOARES, J.F. et al. Experimental infection with Rangelia vitalii in dogs: Acute phase, parasitemia,
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UFRGS / Faculdade de Veterinária / Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas - Caso Clínico 2016/1/14 Página 9

FIGURAS

Figura 1. Aspecto do rim direito e esquerdo na Figura 2. Aspecto do ureter na ultrassonografia.


ultrassonografia. Rins assimétricos. Rim direito Ureter com presença de sombra acústica
com ausência do padrão corticomedular e áreas compatível com cálculos. (© 2016 Fabíola Peixoto
esbranquiçadas compatíveis com mineralização. da Silva Mello)
Rim esquerdo com leve mineralização na pelve e
padrão cortico medular diminuido. (© 2016
Fabíola Peixoto da Silva Mello)

Figura 3. Aspecto da bexiga na ultrassonografia. Figura 4. Aspecto macroscópico do rim. Dilatação


Bexiga com presença de sombra acústica cística na pelve e acentuada dilatação do ureter.
compatível com corpos sólidos. (© 2016 Fabíola (© 2016 Saulo Petinatti Pavarini)
Peixoto da Silva Mello)

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