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01 | Comunicação, Linguagem e Fala: Será tudo a
mesma coisa?

“É impossível não comunica (…) tudo é comunicação, e todo


o comportamento humano transmite uma mensagem.”
Paulo Watzlawick, 1967

O desenvolvimento do bebé tem tanto de entusiasmante como


de angustiante para os pais. Surgem sempre muitas dúvidas, sobre quando
e como o bebé se irá desenvolver. Muitas vezes é uma realidade nova
e desconhecida, e por isso surgem as comparações.
Perceber o desenvolvimento do bebé permite aos pais estarem mais seguros
e alertas sobre o mesmo.

Um dos grandes marcos de desenvolvimento é a fala. FALAR é das


conquistas mais esperadas e aguardadas pelos pais, é sem dúvida dos
marcos mais emocionantes. Falar resulta de uma construção
de competências, que muitas vezes nem nos apercebemos! Muitas vezes,
os pais apenas tomam consciência das mesmas, quando o bebé não fala
no timing que era esperado. É aqui, que o conhecimento é a chave
do desenvolvimento. Se tu, mãe ou pai, souberes exatamente o que
esperares do teu bebé para que ele entre os 12 e os 15 meses, comece
a dizer as primeiras palavras, quando houver uma competência que não
seja adquirida, estarás em alerta para que haja uma intervenção atempada!

Falar é como chegar à meta! Antes disso, o teu bebé irá comunicar
e irá adquirir linguagem. Deves estar a pensar: “comunicar, como assim?”.
A comunicação é a intenção de transmitir uma informação, e o teu bebé
começa a fazer isso de diversas formas. Inicialmente, de um modo muito
inconsciente, mas depois com uma intenção clara de comunicar contigo,
sem que esteja a falar contigo. A primeira forma de comunicação é o choro,
o choro começa a tornar-se diferente nas primeiras semanas de vida do teu
bebé. Existe o choro de fome, o choro de sono, o choro de precisar de mimo…
Cada um dos tipos de choro, é uma forma de comunicação, e será uma das

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primeiras formas do teu bebé comunicar contigo. À medida, que o teu bebé
se desenvolve, começam a surgir outras formas de comunicação, o olhar
para o que quer, o apontar, o puxar-te, que se vão tornando cada vez mais
eficazes no que ele pretende dizer-te! Falar uma das formas
de comunicação que o teu bebé irá utilizar. Lembra-te sempre, primeiro o teu
bebé terá de comunicar e só depois, ele irá falar contigo com a intenção.
Um bebé que não evolui na comunicação, é um sinal de alerta! Há dois
cenários que podem acontecer, ou o teu bebé irá falar mais tarde, ou a fala
não será funcional. Comunicar é a base da fala, sem comunicação, a fala
não tem valor!

Mas… Entre a comunicação e a fala, há mais uma competência


essencial que o teu bebé terá de adquirir: a linguagem! Comunicar
é a intenção de transmitir uma informação. Falar é uma das formas de
comunicação, composta por palavras e cada palavra composta por sons.
Para o teu bebé falar, tem de saber o que irá dizer. É esta aprendizagem da
representação do mundo, dos conceitos e da organização dos mesmos, que
se chama de linguagem. A linguagem, de uma forma simplificada,
é a representação mental de tudo o que rodeia o teu bebé. Antes, do teu
bebé dizer “maçã”, ele irá olhar para a maçã, sempre que o tu falares da
maçã. O teu bebé irá conhecer os nomes daquilo que faz parte do seu dia a
dia. Depois, irá começar a perceber quando
tu combinas dois nomes, e assim sucessivamente, até perceber tudo o que
lhe dizes sem necessidade de simplificar. É, durante este processo, que o teu
bebé irá dizer as primeiras palavras.

Assim, o teu bebé irá aprender a comunicar, progressivamente


começa a conhecer o que o rodeia, em que cada objeto, pessoa, situação
tem um nome, e na fase seguinte, ele irá começar a falar. Falar, é o que nós,
pais, mais ansiamos, é uma competência que estamos todos muito alerta
para o seu surgimento, mas existe um grande desconhecimento sobre tudo
o que é necessário acontecer primeiro para que a fala surja! Lembra-te
sempre, a comunicação e a linguagem são inseparáveis da fala. Quando
olhares para o teu bebé, questiona-te sobre a intenção que ele tem
de comunicar e sobre aquilo que ele já sabe do seu dia-a-dia.

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02 | Desenvolvimento da comunicação, linguagem
e fala dos 0 aos 36 meses

“Para participar no jogo da comunicação são precisos dois ou três”


Joana Rombert, 2017

Ao longo do desenvolvimento comunicativo, quanto mais competente


o bebé for a comunicar as suas necessidades e desejos e quanto mais
competente for o seu interlocutor a descodificação das suas mensagens,
melhor se irá estabelecer a comunicação.

Os bebés comunicam de forma espontânea e natural desde que


nascem. Todos nascem com um dispositivo de linguagem, estando
predispostos para comunicar, falar e compreender qualquer língua
do mundo.

Assim, vamos conhecer o que é esperado que o teu bebé adquira


ao longo da primeira infância e alguns sinais de alerta.

Dos 0 aos 3 meses:


Cada bebé é único e especial, com o seu temperamento, desejos
e necessidades específicas. Por isso, também podem ser diferentes
na forma de comunicar. Uns bebés utilizam mais a expressão facial
e corporal, outros o contacto ocular, outros o choro e outros o sorriso.

Eles começam por demonstrar as suas necessidades através


de reflexos. Quando têm fome, mexem a cabeça à procura de alimento
e sugam. Quando têm cólicas, ficam com os braços e as pernas tensas.
Quando estão cansados bocejam e os soluços aparecem. Por norma, cada
um destes reflexos tem sons associados. Assim, estar atento aos reflexos
e aos sons, vai facilitar-te na hora de perceber o que o teu filho quer
comunicar.

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Os primeiros sons que o teu bebé irá produzir é o grito, no qual
aprende a coordenar a respiração em função da intensidade e da duração;
o que é essencial para a produção da fala.

Por volta das três ou quatro semanas, o teu bebé irá começar a sorrir
intencionalmente. Quando sorrires para ele, ele irá corresponder.

Aos dois meses, irá virar a cabeça à procura do som, conseguindo


exprimir-se através do sorriso, guinchos e palreio.

Quando chegar aos três meses, o teu bebé será capaz de vocalizar
para te responder. Tu falas para ele, paras e ele vocaliza em resposta,
começando a descobrir o que é a tomada de vez.

À medida que fores respondendo às necessidades do teu bebé,


estiveres atento às suas ações e reflexos, esperares, não teres pressa para
responder, escutar atentamente os seus sons, irás ajudar o teu bebé
aprender a comunicar.

Quais os sinais de alerta que deves estar atento?


● Dificuldades de sucção
● Não reage à luz
● Não reage aos sons nem à voz
● Não se assusta com um som alto
● Não segue a face humana
● Não sorri para as pessoas
● Não movimenta a cabeça na direção do som nem reage à voz
dos pais
● Não segue a cara dos pais
● Não tem interesse em olhar para as pessoas
● Não se acalma quando pegam nele ao colo, apresenta muita
irritabilidade

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Dos 3 aos 6 meses:
Nesta idade, o teu bebé começará a ser mais curioso, mais consciente
de si e do que vê. Será capaz de conhecer e antecipar algumas rotinas.
Nas rotinas é essencial que os pais falem sobre as mesmas, sobre as ações,
as emoções e aprendam a interpretá-las e nomeá-las. O choro irá diminuir,
tornando-se cada vez mais diferenciado e o sorriso intensifica-se.

O teu bebé explorará e levará objetos à boca e irás observar que ele
faz bolas de saliva, vibra os lábios, faz cliques na garganta, sopra, cospe,
tosse ou espirra quando quer chamar à atenção.

Observarás que o teu bebé irá balbuciar, experimentar novos sons


e será capaz de iniciar, de forma autónoma, a comunicação com vocês.
Podem surgir sílabas, mas não as diz com intenção.

Compreensão Expressão

Conhece a ordem da rotina do seu dia Balbucia para comunicar


a dia

Entende o discurso de uma maneira Balbucia repetidamente sons


geral, discurso de aviso ou zanga como “mamamama”

Mantém-se mais atenção nos sons Vocaliza quando gosta de um


familiares, objetos e atividades brinquedo, quando quer brincar,
preferidas. chamar a atenção

Começa a compreender palavras como Imita alguns sons, ações, gestos


“não” e “adeus”, mas associadas aos simples ou expressões faciais
gestos de virar a cabeça e acenar divertidas

Mostra interesse nas pessoas e caras Grunhe, rosna ou faz sons


novas específicos para protestar

Responde a ordens como “vamos Sopra, grita ou sussurra


embora”, levantando os braços

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Quais os sinais de alerta que deves estar atento?
● Não sorri nem ri;
● Não emite vogais nem consoantes;
● Deixa de palrar;
● Não responde quando ouve a voz do pai ou da mãe;
● Não localiza o som ao nível do ouvido;
● Não vocaliza quando falam com ele;
● Não olha ou evita o contacto ocular;
● Não segue um objeto com os olhos;
● Não faz sons consoante/vogal como “pa” ou “ma”.

Dos 7 aos 9 meses


O teu bebé estará cada vez mais seguro, chamará por ti e olhará
à sua volta como se fosse dono do mundo. Será capaz de gritar num tom
de voz exigente, fará novos gestos, esconderá a cara e seguirá com o olhar
antes de pedir atenção. Será capaz de exprimir intencionalmente o que
quer. Começará a apontar, bater palmas acenas e dizer adeus, através
da imitação. Surgirá a atenção conjunta.

Ao nível da compreensão, será capaz de compreender o “não”,


mas ainda estará a aprender como dar resposta. Reconhecerá o seu próprio
nome e compreenderá palavras ou expressões comuns como “bola”, “cão”
ou “adeus”. Ele vai começar a direcionar o olhar para o que lhe disseres.

O teu bebé será capaz de combinar diferentes sons e sílabas. Irá


inventar palavras para objetos ou pessoas, mas sem correspondência
à palavra real. Falará sozinho, como se fosse uma conversa estrangeira
sem sentido.

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Compreensão Expressão

Compreende ordens como “vem cá”, Ri ou dá gargalhadas quando está


“adeus” e responde de forma contente
consistente ao “não” parando o que
está a fazer;

Demonstra interesse por imagens Balbucia três ou mais sílabas,


de um livro repetindo sons que emitiu

Compreende nomes de objetos Grita para chamar a atenção


e pessoas familiares

Reage rapidamente a sons perto Vocaliza para os brinquedos


e longe de si e localiza sons acima quando brinca
e abaixo do nível do ouvido.

Antecipa várias atividades. Usa gestos como apontar, agarrar


ou dizer “não” com a cabeça

Responde ao seu nome quando Pode dizer “bo” para “bola”


o chamam

Reconhece bem o pai e a mãe

Estende os braços para cima para


que peguem nele

Quais os sinais de alerta que deves estar atento?


● Não se senta com apoio;
● Não demonstra interesse por sons;
● Não reage ao seu nome nem ao nome de familiares;
● Não balbucia;
● Não chama a atenção usando sons;
● Não usa monossilábicos “pa”, “ma”;
● Vocaliza de forma monótona ou deixa de vocalizar;
● Não dá sinais de agrado ou desagrado;
● Engasga-se facilmente.

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Dos 10 aos 12 meses
O teu bebé irá começar a compreender progressivamente mais
palavras, responderá frequentemente à linguagem. Responderá a um
pedido do adulto, seguindo-o com o olhar ou apontará para objetos perto
ou longe de si e quando lhe dizem a palavra “gato”, compreenderá que esta
se refere a um animal de quatro patas.

A primeira palavra é sempre uma grande expectativa. A escolha


da primeira é determinada pelo significado que esta tem para si. Além disso,
depende da frequência com que a ouve no seu dia-a-dia. Para ser
considerada uma palavra, é necessário que seja utilizada com intenção
e que o bebé a compreenda.

Compreensão Expressão

Compreende uma média de 10 Pode usar palavras inventadas


palavras ou reais

Escuta atentamente quanto falam Produz frases de uma frase


com ele e responde a pedidos como:
“anda cá”, “pára”, “bate palminhas”
ou “diz adeus”

Responde a perguntas como “Queres Aponta e olha para os pais,


mais?”, “Vamos tomar banho?”, pedindo a sua a atenção
ou “Vamos à rua?”.

Identifica imagens, quando Responde oralmente quando


nomeadas pelo adultos (prato, meia, alguém lhe pede que fala e imita
bola, livro ou água) palavras que lhe são ditas

Identifica uma ou duas partes do Repete os sons ou gestos quando


corpo quando nomeadas (por alguém se ri do que fez
exemplo, “mostra o nariz”)

Faz “não” com a cabeça

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Quais os sinais de alerta que deves estar atento?
● Não se senta com apoio;
● Não demonstra interesse por sons;
● Não reage ao seu nome nem ao nome de familiares;
● Não balbucia;
● Não chama a atenção usando sons;
● Não usa monossilábicos “pa”, “ma”;
● Vocaliza de forma monótona ou deixa de vocalizar;
● Não dá sinais de agrado ou desagrado;
● Engasga-se facilmente.

Dos 12 aos 18 meses


A partir dos 12 meses, surge a primeira palavra. O teu bebé irá
expressar-se através de enunciados de uma só palavra, usando uma
palavra-chave para transmitir uma ideia completa.

A entoação começará a ser mais ajustada, parecendo finaliza-la com


um ponto final. É através do contexto, que vais conseguir perceber o que
o teu bebé pretende transmitir, conseguindo diferenciar algumas funções
comunicativas, como comentar, pedir, brincar ou recusar.

O teu bebé irá compreender muito mais palavras do que aquelas


é que capaz de expressar.

Por volta dos 18 meses, vai haver uma explosão de vocabulário,


conseguindo dizer e utilizar muitas mais palavras.

É através das experiências do dia-a-dia e do uso da palavra nos


diferentes contextos que vai adquirindo as particularidades que definem
cada palavra.

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Compreensão Expressão

Dá o objeto a pedido Diz uma média de 40 a 50


palavras

Compreende uma média de 100 Expressa todas as vogais


palavras

Ajuda os pais a vesti-lo ou quando Expressa três partes do corpo


lhe dão banho, dá o pé ou a mão

Compreende questões simples “onde Faz os sons dos animais


está?” e “o que é?” preferidos

Identifica três ou mais palavras Protesta emitindo a palavra


do corpo e o nome de objetos “não”
familiares

Aponta para várias imagens comuns Fala mais e recorre menos


quando nomeadas ao gesto

Usa simbolicamente: põe uma meia Ocasionalmente pode unir duas


na cabeça do urso a fazer de chapéu palavras

Responde a pedidos do dia-a-dia: Produz os sons “p”, “b”, “m”, “t”, “d”,
“traz as meias do pai” e “n”

Associa palavras por categorias


(animais ou alimentos)

Quais os sinais de alerta que deves estar atento?


● Não faz trocas de turno vocalizando;
● Não faz sons variados;
● Não responde à pergunta “onde está”;
● Não aponta nem tenta usar o gesto como suporte
à comunicação;
● Não imita qualquer som do adulto;
● Não compreende nem responde a pedidos simples: “não”
ou “anda”;
● Não faz qualquer tentativa para pedir ajuda ou atenção;
● Não tenta deslocar-se e não explora o ambiente.

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Dos 18 aos 24 meses
O teu bebé passará a ser capaz de utilizar a linguagem não só para
ter o que quer, mas para descrever e organizar experiências. Ele vai continuar
a adquirir palavras a um ritmo muito acelerado. Nem sempre a palavra vai
ser percetível.

A partir de agora, o teu bebé começará a ser capaz de combinar duas


palavras, de diferentes categorias, o que significa um marco significativo
no seu desenvolvimento e lhe confere um novo poder a nível expressivo.
Quando organizar as palavras numa determinada ordem, está a aplicar
algumas regras gramaticais da sua língua, não o fazendo de forma
arbitrária. Ele vai começar a fazer-te perguntas, mas ainda não seleciona
corretamente as palavras para tal.

O teu bebé gostará de imitar as pessoas que ama e que fazem parte
da sua vida, usando a brincadeira de forma intencional para encenar os
seus diálogos, expressões ou ações.

Compreensão Expressão

Compreende nomes e verbos Produz 50 ou mais palavras

Compreende a diferença entre Imita sons ambientais


o “eu” e o “tu”

Cumpre ordens de duas ou três Faz perguntas, dá respostas ou faz


competências pedidos

Está atento a uma história simples Produz novas palavras todas


as semanas

Compreende “ela” e “ele” Quer contar as suas experiências

Entende o significado de novas Pode juntar duas ou três palavras


palavras rapidamente

Relaciona as palavras com as suas Refere-se a si pelo nome


vivências

Compreende frases mais complexas Emite sons “k”, “b”, “m”, “t”, “d”, “n”,
como: “A menina vai comer um pão “nh”, “p”, g” e raramente “f”, “v”, “s”.
e beber um sumo”

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Quais os sinais de alerta que deves estar atento?
● Não usa palavras isoladas (média de 6);
● Não emite qualquer palavra percetível;
● Não faz várias tentativas para expressar o que quer;
● Não compreende nem obedece a pedidos simples;
● Não responde a perguntas;
● Não gosta de jogos sociais e rotinas sociais;
● Não se põe de pé, não anda.

Dos 24 meses aos 36 meses


Dos 2 aos 3 anos, o teu bebé irá dar um grande salto de linguagem,
com um aumento significativo do vocabulário, conseguindo aprender 60
palavras por semana. Passará o tempo a falar, será um verdadeiro tagarela.
Nomeará e descreverá constantemente objetos pela função. Começarão
a surgir as frases mais completas e complexas.

Ao nível da compreensão, compreenderá tudo o que lhe dizem. Estará


mais atento aos contos, entoará canções infantis e narrará histórias. Surgirão
os porquês, estando repetidamente a colocar essa questão. Conseguirá
manter um diálogo durante mais tempo.

Ele será capaz de adequar, modificar e introduzir novos tópicos


de conversa, mantendo um diálogo por mais tempo.

O bebé irá exprimir-se de forma cada vez mais perceptível,


não só para familiares como para estranhos. Quando chegar aos três anos,
apesar de não dizer os sons todos, toda a gente será capaz de perceber
o que ele diz.

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Compreensão Expressão

Compreende uma média de 200 a 500 Manifesta uma explosão


palavras de vocabulário ativo. Diz o nome,
sexo, idade

Identifica imagens de ações, cores, Usa frases de duas ou três


plurais ou adjetivos palavras “dá pato”, “mãe
dá água”

Identifica opostos e conceitos Usa nomes, verbos, alguns


de espaço: dentro/fora, plurais, adjetivos, advérbios
grande/pequeno, frio/quente... e o pronome “eu”

Reconhece objetos pela função Faz frases simples na afirmativa,


negativa e interrogativa

Entende pedido mais longos de duas Usa uma grande variedade de


ou três ideias “pega no urso e arruma sons, mas pode reduzir palavras
no saco grande”

Responde a questões “quem”, “onde” Fala de modo quase inteligível


e “o quê?” para familiares e 50% inteligível
para estranhos

Escuta e memoriza histórias com Emite sons “p”, “b”, “m”, “t“, “d”, “n”,
imagens “nh”, “k“, “g”, “f”, “v”, “s“,

Faz jogo simbólico Pode hesitar no discurso


ou repetir sílabas.

Quais os sinais de alerta que deves estar atento?


● Não parece compreender o que lhe dizem;
● Não emite nenhuma palavra percetível;
● Não produz palavras nem frases;
● Não cumpre ordens;
● Não explora os objetos, deita-os fora e não constrói nada;
● Não se interessa pelo meio, nem pelas pessoas;
● Mostra frustração excessiva a expressar as suas necessidades;
● Faz birras desajustadas sem motivo aparente.

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03 | O meu filho não fala, e agora?

O teu filho já tem mais de 15 meses e ainda não diz nenhuma palavra?
Tem um palrar pouco diversificado? São, de facto, motivos para estares
alerta, mas não entres em desespero! Esta é a idade chave para perceber
o que o está a impedir de falar e intervir!

Quando te dizem que cada criança tem o seu tempo, é verdade! Mas…
não tem todo o tempo do mundo! Pensa que o desenvolvimento
da linguagem, é todo um contínuo. Não é apenas começar a falar.
A linguagem continuará a desenvolver-se ao longo da infância. Uma criança
que começa a falar mais tarde, aos seis anos, tem muitas probabilidades
de não estar ao mesmo nível das outras crianças. E, aos seis anos, já não
podemos dizer que cada criança tem o seu tempo! As aprendizagens
escolares são iguais para os que começaram a falar aos 12 meses e para
os que começaram a falar aos 36 meses. Assim, é essencial intervir o mais
precocemente possível. Lembra-te, a partir dos 15 meses não falar é motivo
de estares atento.

Por outro lado, podes achar que o teu bebé é só “preguiçoso”, será?
Será que ele controla as palavras e não fala, só porque não quer! A vida dele
não seria mais interessante se falasse? Se achas que, ele sente que não
precisa de falar, então dificulta-lhe a vida. Organiza o dia-a-dia dele, para
que ele sinta necessidade em falar. Ser preguiçoso e acomodado não
é justificação para um atraso na fala. Alguma coisa terá de mudar na vossa
rotina, para que ele sinta necessidade em falar. Falar é essencial, em todos
os contextos! Não falar, não pode ser uma opção.

Descartadas as opções do tempo e da preguiça, é importante


perceber como realmente podes ajudar o teu filho!

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A fala está muito ligada à qualidade auditiva, por isso é importante
que o teu bebé seja avaliado em otorrinolaringologia. Deves descartar
a possibilidade de ele não estar a ouvir bem. Não ouvir bem, é diferente
de não ouvir! O teu bebé pode estar a ouvir, mas não exatamente com
a mesma qualidade que nós, os sons podem ficar distorcidos, podem haver
sons que ele não ouve. As alterações auditivas justificam, muitas vezes,
os atrasos na fala.

Após a avaliação de otorrinolaringologia, é importante uma avaliação


em terapia da fala. Deves procurar um terapeuta da fala, com experiências
com bebés. Os terapeutas da fala são os especialistas da área
da comunicação, linguagem e fala e, por isso, podem dizer-te exatamente
em que ponto do desenvolvimento o teu filho está, quais as competências
que ainda não se encontram desenvolvidas e, que podem justificar o atraso
na fala. Podes pensar que ele é muito pequeno, não vai colaborar!

As consultas nesta idade são baseadas em brincadeiras que os bebés


gostam, e são muito centradas na família. Conversar com a família, perceber
quais são as dificuldades e as competências que o bebé utiliza no dia-a-dia.

As consultas são muito sobre transmitir à família como potenciar


o desenvolvimento do seu bebé. Não esperes por um treino altamente
específico, sobre movimentos de boca para que ele diga os sons. Espera sim,
aprender a olhar para a comunicação do teu filho, de outra perspetiva. Vais
perceber quais as funções que ele já utiliza para comunicar, o que precisa
de melhorar! Irás sem dúvida, aprender muito sobre a comunicação e, tudo
aquilo que fazemos no nosso dia-a-dia, que nem nos apercebemos, mas
que numa criança é essencial para começar a falar! Nas consultas
de terapia da fala, irás brincar com o teu bebé e levarás muitas estratégias
para o teu dia-a-dia.

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Assim, nas consultas de terapia da fala, iremos olhar para o teu bebé
e tentar perceber se ele já tem estas competências: aponta para pedir, faz
atenção conjunta, compreende o que lhe dizes, vocaliza e como
é a mastigação dele. Estas 5 competências estão muito interligadas
e são pilares essenciais para a fala. Estas são as competências que devem
ser avaliadas para perceber o que está a limitar o surgimento da fala.

O teu bebé tem mais de 15 meses e ainda não fala? Não entres
em desespero, age! Quanto mais cedo agires, mais cedo surgirão
as primeiras palavras. Não estás sozinha! Estamos aqui para te ajudar
neste processo, para o facilitar, para te ouvir e compreender e sobretudo,
para ajudar o teu bebé.

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04 | As 5 melhores atividades para
potencializarmos a fala do teu filho
Estimular o teu filho não tem de ser uma dor de cabeça. Não precisas
de tirar um tempo específico para o fazer. As rotinas são ótimas para
o estimulares. O importante, não é apenas estimular, é saber exatamente
o que estimular. Uma atividade pode ter diferentes objetivos e deves ter
em mente o que queres para o teu filho. Por outro lado, não deves desistir
apenas porque não correu bem da primeira vez. Deves ser mais persistente,
deves pensar nas estratégias que utilizaste e o que podes modificar para
que ele colabore contigo. Além disso, não deves impor uma brincadeira,
deves sim ampliar as brincadeiras que o teu pequeno já faz. Terás mais
resultados, se olhares para o que ele gosta de brincar e a partir daí criares
novas oportunidades para estimular a interação, linguagem e fala.

Bolas de sabão:
As bolas de sabão são ótimas para trabalhar o contacto ocular.

Como podes fazer:


1. Sopras as bolas de sabão;
2. Esperas que ele rebente todas a bolas;
3. Ele vai dirigir-se a ti e aguardas que ele olhe para ti. Podes questionar:
“queres mais?”; E, o contacto ocular, poderá ser uma forma de
resposta válida.

Podes também utilizar as bolas de sabão para trabalhar pedidos:


1. Deixas as bolas de sabão por perto e esperas que o teu filho pegue
nelas.
2. Depois de ele tentar abrir, vai-te entregar e ficar expectante de que
as abras;
3. Deves questionar: “queres que abra?” e depois pode validar diferentes
tipos de resposta, como o sorriso, vocalizações, o “sim”, o “abre” ...

São também úteis para trabalhar o apontar:


1. Colocas as bolas de sabão, visíveis, mas não acessíveis;

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2. Esperas que o teu filho te peça. Podes validar diferentes formas de
pedidos: pegar na tua mão para a levar ao objeto, braço esticado
com a mão aberta, apontar com o dedo indicador. Em função
da forma como ele pedir, podes modelar a forma como ele pede,
aproximando do apontar com o dedo indicador.
3. Depois de soprares as bolas de sabão, podes ajudar o teu filho
a rebentá-as com o dedo indicador.

Ainda pode ser utilizada para trabalhar os turnos de comunicação:


1. Primeiros sopras tu e aguardas que todas estejam rebentadas;
2. Depois questionas: “quem é agora?”;
3. Ajudas o teu filho a dizer que é ele.
4. Depois repete a brincadeira, alternando em quem sopra as bolas
de sabão.

Apesar de conseguires utilizar uma brincadeira simples de diferentes


formas, não tentes fazer tudo de uma vez. Foca-te numa competência
de cada vez, tendo em conta, o nível em que o teu filho se encontra.

Livros:
Escolher um livro pode ser uma tarefa difícil. Mas… mais uma vez pensa
no desenvolvimento do teu filho!

Podes explorar um livro para aumentar o vocabulário do teu filho. Tens


os livros de imagens que são ótimos para tarefas de linguagem, que podes
utilizar da seguinte forma:
1. Perguntar ao teu filho “onde está o cão?”;
2. Aguardas a resposta. Podes validar o olhar, o apontar e a verbalização
“está aqui”, por exemplo.
3. Pode também perguntar “o que é?”
4. E, aguardas que a criança tente nomear, mesmo que sejam só
vocalizações ou onomatopeias numa fase inicial. Caso, ele não
responda, podes dar o modelo da palavra.
5. Nestas tarefas, é importante que o teu filho intercale o olhar entre

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a imagem que estão a falar e os teus olhos. É muito importante, pois
estamos a falar de atenção conjunta que é uma competência
essencial para o desenvolvimento da linguagem.

Através dos livros, também, podes trabalhar o contacto ocular. Utiliza livros
com abas e poucas imagens por folha.
1. Cria um momento de suspense, através do tom de voz que utilizas.
2. Associa a abertura das abas sempre à mesma expressão, por
exemplo “cucu”.
3. Pergunta “E agora?” e aguarda em silêncio.
4. Muitas vezes a chave, é aguardar em silêncio. Se vires que o teu filho
desiste, volta a repetir de forma mais entusiasta.

Por fim, partilho contigo a possibilidade de utilizares os livros para


desenvolveres os turnos comunicativos. Utiliza livros que tenham linhas
de repetição, ou seja que tenham falas repetidas em todas as páginas.
1. Começa por mostrar o livro ao teu pequeno;
2. Associa um gesto às linhas de repetição;
3. Depois de surgir a 3ª linha de repetição, aguarda para ver se o teu filho
participa;
4. Incentiva o teu filho a utilizar a linha de repetição, tocando-lhe no peito
levemente;
5. Aguarda em silêncio, para dares tempo ao teu filho de participar.
6. Valida as pequenas tentativas que ele faça, mesmo que não sejam
exatamente o que tu esperas.

O teu filho gosta de livros? Então, pensa na competência que queres


desenvolver para trabalhar com ele a interação.

Caso, ele não goste de livros, existem livros engraçados; deixa-os


disponíveis pela casa e lê-os tu quando ele estiver por perto. Sê o modelo.

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Masterchef:
A atividade Masterchef é pensada para envolveres o teu pequeno
na preparação das refeições. Podes eleger determinados momentos para
que o possas estimular, durante uma rotina diária. Existem diferentes formas
de o fazer e diferentes objetivos associados.

Durante uma salada de fruta, podes aumentar o vocabulário do teu filho.


1. Questiona-o sobre que frutas podem colocar na salada de frutas;
2. Desenhem as frutas numa folha, mesmo que sejam “rabiscos” é uma
forma de expressão e de aumentar o número de vezes e situações em
que utilizadas os conceitos;
3. Pede-lhe que vá buscar as frutas. Em função do nível, em que ele
estiver a utilizar apenas a informação verbal ou combina com
o desenho que fizeram.
4. Durante o momento de fazer a salada de fruta, vai-lhe pedindo para
te entregar as frutas e dizer o nome delas.
5. No final, confirmem se colocaram as frutas todas que tinham previstas
no início da atividade.

Outra atividade que podes fazer, é confeccionar um bolo. Nesta tarefa, podes
trabalhar a atenção conjunta do teu pequeno.
1. Coloca os ingredientes todos visíveis e de preferência pela ordem que
os vão adicionar;
2. No momento de pôr o primeiro, deita-o de forma a ser “engraçado”,
por exemplo, a uma distância maior do recipiente para que cause um
efeito visual. Durante esse momento, podes usar expressões como
“uauuu”. Espera que o teu filho olhe para ti depois de olhar para
o ingrediente.
3. Podes não deitar tudo de uma vez, assim, ele terá a necessidade de
olhar para ti.
4. Repete o procedimento em todos os ingredientes.
5. No momento de mexer, podes usar a mesma estratégia. Associa um
movimento exagerado e um som. Vai parando e mexendo de novo,
em função do teu filho intercalar o olhar entre ti e a massa do bolo.

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Quando fizeres a sopa podes estimular a capacidade de imitação do teu
pequeno.
1. Dá-lhe uma panela e uma faca (das que não cortam
verdadeiramente);
2. Tu ficas exatamente uns utensílios iguais;
3. Coloca à disposição dos legumes que irão utilizar na sopa;
4. Começa por escolher um legume, e descasca-o.
5. Não dês a ordem do teu filho fazer igual. Espera que ele tome essa
iniciativa.
6. Se ele não o fizer, ajuda-o. E diz-lhe “agora é a tua vez. Vamos
descascar a tua batata” (por exemplo).
7. Na vez seguinte, volta a repetir os passos anteriores. Tentando sempre
que ele te imite.

Ainda te sugiro, que trabalhes as escolhas limitadas. Envolve o teu filho


na tomada de decisão do que ele vai lanchar, almoçar ou jantar.
1. Apresenta-lhe duas opções e espera que ele escolha.
2. Valida a forma como ele escolher, desde que apenas agarre, olhe
ou aponte para 1 das opções;
3. Dá-lhe o que ele escolher.
4. Tentar utilizar imagens ou os alimentos reais para que seja mais fácil
para ele.

Na cozinha, existem uma infinidade de atividades que podes realizar


com o teu filho com o objetivo de o ajudar a comunicar e a desenvolver
a fala. Não precisam de ser extensas. Podem ser simples e de curta duração,
desde que sejam objetivas.

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Caixa Surpresa:
As caixas surpresas costumam suscitar o interesse dos mais
pequenos. Coloca numa caixa objetos e brinquedos que o teu filho goste,
não precisam de ser muitos (entre 5 a 10). Embrulha a caixa e deixa-a visível,
mas não acessível.

Podes aproveitar o momento em que ele descobre a caixa para trabalhar


os pedidos. O teu filho irá querer a caixa, e por isso, terá de ta pedir.
1. Se ele te levar até ao local, tenta que ele alterne o olhar entre ti
e a caixa;
2. Se ele te levar e alternar o olhar, incentiva-o a tentar esticar o braço
nessa direção;
3. Se ele te levar e esticar o braço, incentiva-o a apontar;
4. Se ele te levar e apontar, dá-lhe o modelo da palavra “caixa” e valida
qualquer tentativa de vocalização;
5. Se ele te levar e disser caixa, dá-lhe o modelo de “quero a caixa”.

Mesmo depois de terem explorado a caixa, podes voltar a colocá-la


num local visível para que possas repetir o processo anterior.

No momento de explorar a caixa, podes trabalhar as onomatopeias:


1. Podes dizer vou tirar um objeto ou animal e fazes o som ao qual podes
associar um gesto;
2. Esperas que ele tente repetir;
3. Tiras outro e repetes o processo.
4. Mesmo que o teu filho não as repita de imediato, dá-lhe esse modelo
e tempo para que ele tente produzir. Podes tentar cativá-lo a olhar
para tua boca fazendo uma articulação exagerada e aproximando
o objeto dessa zona.

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Ainda, podes trabalhar a tomada de vez:
1. Retiras um objeto;
2. Dizes ao teu filho que é a vez dele e esperas;
3. Depois indicas ou questionas “quem é?”, para assumires tu a retirada
do próximo;
4. Se o teu filho tentar ocupar a tua vez, toca-lhe no peito para lhe
indicar que deve esperar. A velocidade com que tu ocupas a tua vez,
tens de gerir de acordo com a aceitação dele em seres tu a participar.

Festa de aniversário:
A maioria das crianças gosta de cantar os parabéns e do momento
soprar as velas. A forma como participa, depende do seu nível de
desenvolvimento. É uma atividade que eles costumam participar com
bastante envolvimento.

Podes aproveitar para trabalhar a imitação:


1. Prepara toda a festa.
2. Coloca as velas e canta os parabéns.
3. Depois sopra, dando o modelo.
4. Espera que o teu filho tenha essa iniciativa.
5. Podes dar-lhe alguma ajuda nas bochechas para que ele
possa soprar.

Outra competência que pode ser trabalhada é o jogo simbólico:


1. Podem preparar o bolo com plasticina para “fazer de conta.
2. Podem ir buscar os peluches dele para serem os convidados.
3. Podem colocar palitos para fazer de velas.
4. Depois de cantar os parabéns, podem cortar o bolo e dar aos
convidados para eles comerem.

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Outra competência é o contacto ocular:
1. Utiliza o momento de cantar os parabéns para estabelecer o contacto
ocular;
2. Sempre que o teu filho deixar de estabelecer contacto ocular, pára
de cantar e espera que ele volte a olhar;
3. Se ele parecer que perde o interesse, recomeça a cantar para chamar
a sua atenção;
4. Podes utilizar a mesma estratégia, para apagar as velas, no momento
de soprar, cria a expectativa.

Mais importante do que a atividade, é conseguires pensar no que


pretendes com cada brincadeira. Mesmo que à primeira vez não resulte, não
desistas! Pensa na estratégia e tenta modificar para envolver o teu filho.
Lembra-te não o forces, não uses a autoridade. A comunicação
e a interação têm de ser espontâneas e prazerosas, caso contrário não vais
ver resultados! E, por fim, nunca te esqueças antes de falar, é necessário
comunicar!

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05 | Histórias de sucesso

Vou partilhar contigo, três histórias de sucesso. O sucesso não é meu.


O sucesso é o somatório de todas as tentativas que as famílias fizeram das
estratégias que foram transmitidas! O maior segredo não são as consultas
de terapia da fala, são o trabalho de equipa que se realiza com as famílias.
Por isso, ter consultas de terapia da fala ou consultorias direcionadas para
a comunicação, não é apenas o necessário para o teu filho começar a falar.
Ele precisa de ti e das oportunidades na rotina diária. Vou dar-te a conhecer
três crianças que acompanhei, e que tiveram resultados BRUTAIS.

A história do João:
O João (nome fictício), tinha 2 anos e 3 meses. Era o primeiro filho.
A mãe é professora primária e o pai é assistente social. Frequentava a
creche desde os 6 meses.

Em relação ao desenvolvimento dele:


- Adorava enfileirar os carrinhos;
- Odiava mudanças na rotina.
- Não falava;
- Não respondia ao nome;
- Não cumpria ordens;
- Não fazia contacto ocular, com frequência;
- Dava os melhores sorrisos do mundo, mas não gostava de beijos nem
abraços.

A família estava desesperada. Já tinham ido a médicos,


e o diagnóstico de autismo estava em cima da mesa. Depois de avaliar o
João, percebi, em conjunto com a família, que havia um conjunto de
competências que deviam estar desenvolvidas para que a fala pudesse
surgir. A família queria muito ouvi-lo falar e trabalhar outras competências
que não parecessem que estávamos a “puxar” por ele, foi difícil.

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Precisamos de nos sentar várias vezes, para traçar a meta, e para
descansar o coração deles, que antes de falar havia outras competências.
Depois de algum tempo, começou a fazer sentido para a família. Um dos
pais sempre esteve presente nas consultas e por vezes, apenas fazia
consultas com os pais para ajustarmos estratégias.

Começamos por procurar coisas simples da rotina, mas que


deixavam o João envolvido. Os pais começaram a procurar em que
momentos o João estaria disponível para a interação. Por exemplo, ele
adorava saltar dos degraus das escadas. Utilizamos esta atividade que ele
repetia vezes sem conta para trabalhar o contacto ocular, turno
comunicativo e pedido de recorrência. Ao invés de o ajudarem a saltar,
começaram a utilizar a contagem “1,2,3” e a esperar pelo contacto ocular
do João, quando ele fazia contacto ocular davam-lhe as mãos. Quando esta
etapa ficou adquirida, começamos a perguntar “outra vez” e esperamos pela
resposta dele. Numa fase inicial, aceitamos o olhar, as vocalizações como
resposta. Ainda incluímos, nesta atividade, fazer a contagem só “1,2,3”,
contacto ocular e dizíamos iupi. Nem sempre ele esteve disponível, nem
sempre ele fez contacto ocular. Não foi na primeira nem na segunda, vez que
vimos respostas. Mas na consistência, conseguimos resultados.

Outro dos gostos do João era correr, entre as portas e os armários.


Então surgiu mais uma oportunidade de estimular outras competências dele.
Selecionamos um conjunto de imagens que colocamos na porta, com fita
cola. Pedimos-lhe que escolhesse um animal, por exemplo, que ele queria
levar. Primeiro deixamos que ele simplesmente agarrasse, depois
progredimos para o apontar. Quando ele fazia esta atividade de forma
automática. Começamos nós a fazer pedidos, “leva o cão”. Conseguimos
que ele desenvolvesse o apontar, as escolhas e a compreensão.

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Com todo o trabalho de base que desenvolvemos, surgiram as
primeiras palavras. Não foi no final da primeira semana. Mas, no somatório
de todas as competências desenvolvidas, a fala surgiu. A partir daí,
continuamos a trabalhar para chegar às frases, ao diálogo, ao recontar…
a todas as funções comunicativas em que podemos utilizar a fala.

Hoje, o João tem 10 anos. Está no 5º ano. Acompanha o grupo escolar,


participa em várias atividades. Tem algumas características do autismo,
mas tem uma comunicação totalmente funcional. Ele fala, expressa-se
e comunica com qualquer pessoa.

A História da Matilde:
A Matilde tinha 3 anos quando a mãe marcou a consulta de terapia
da fala. A Matilde é a segunda filha e, por isso, a mãe sabia que alguma
coisa não estava bem. O pediatra dizia-lhe para não se preocupar, que cada
criança tinha o seu tempo. Os familiares diziam-lhe que ela era preguiçosa,
mas o coração de mãe dizia-lhe que não podia esperar mais, que a Matilde
precisava de ajuda.

De forma resumida, a Matilde:


- Dizia algumas palavras, mas não se percebia nada;
- Não tentava responder a perguntas;
- Pouco ou nada fazia do que lhe pediam;
- Usava fralda;
- Apenas gostava de brincar com carrinhos;
- Recusava a maioria das atividades que lhe eram propostas;
- Tinha uma alteração visual (já corrigida com óculos), mas que lhe
tinha condicionado o desenvolvimento motor;
- Estava em avaliação auditiva;
- Era descrita como “preguiçosa”, “com mau feitio” e “difícil”.

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A primeira etapa foi desmistificar estes rótulos que a Matilde tinha
“preguiçosa”, “mau feitio” e “difícil”. Pode parecer muito simples, mas aceitar
que uma criança apenas não está a fazer diferença porque não é capaz,
é um longo processo que as famílias têm de ultrapassar. Este é o primeiro
passo, para que todos estejam verdadeiramente envolvidos para ajudar
a criança. Começamos por identificar todas as tarefas que a Matilde fazia
com sucesso; quais eram as suas áreas fortes. Isso ajudou-nos
a desconstruir e a começar a trabalhar o que a Matilde precisava.

Descartamos as questões auditivas e não havia alterações. A Matilde


tinha muitas dificuldades em imitar, em estar atenta aos nossos movimentos
de boca. E, começamos exatamente por aí, com as poucas brincadeiras que
ela gostava (uma pista de carrinhos). De cada vez que o carrinho descia,
a Matilde tinha de tentar imitar um som, por exemplo o “mmmmm” que
acompanhava o movimento do carrinho. Aumentamos o número de sons
que ela era capaz de produzir. Em simultâneo, começamos a expandir
a brincadeira da Matilde, os carros iam para a garagem e associamos as
sílabas ao movimento das portas da garagem a fechar e a abrir.

No dia-a-dia, a mãe também começou a implementar estratégias


para diversificar o número de sons. Por exemplo, no banho, começaram
a produzir o som do “chhh”, quando abriam o chuveiro. Antes de dormir,
criaram a rotina de “meditar” para fazerem o “mmm”. Assim, conseguimos
diversificar os sons que a Matilde produzia. Introduzir também pequenas
tarefas que ela tinha de fazer, por exemplo “vai buscar a vassoura”, “leva
o iogurte para o lixo”, “arruma os carrinhos”. A informação auditiva não era
suficiente, então a mãe começou por fazer com ela, mostrou-lhe como
se fazia e, gradualmente, foi diminuindo as ajudas que lhe dava, até ela
conseguir cumprir as ordens sozinha. Isto melhorou a compreensão
da Matilde e, ela começou a ser mais responsiva à interação com os outros.
A Matilde não compreendia, por isso não fazia. Ela conhecia algumas rotinas
e nessas, ela era eficaz, nos outros momentos parecia que ela simplesmente
não queria fazer. Na realidade, ela não sabia o que lhe estavam a pedir.

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Com o tempo, começamos a introduzir as sílabas. Necessitamos de
pistas visuais, como o movimento da mão para ajudar a Matilde a perceber
como tinha de colocar a boca para produzir as sílabas. Em paralelo, sempre
trabalhamos para diversificar as brincadeiras dela, para estimular outras
formas de brincar a partir do que ela gostava.
Hoje, a Matilde tem 6 anos e vai entrar na escola primária, no próximo
ano letivo. Ela é uma tagarela, ainda precisa de aprender dois ou três sons,
mas participa em várias atividades com agrado e já propõe fazer tarefas
diferentes. A Matilde agora ARGUMENTA, não ficou sem o rótulo de “mau
feitio”, porque ela agora diz o que pensa e os motivos dela. Ela é muito
comunicativa e nunca está calada.

A História da Leonor:
A Leonor tinha 2 anos e 9 meses, quando a mãe agendou consulta.
A Leonor tem dois irmãos mais velhos. Viveu os primeiros 2 anos de vida, com
as restrições do COVID. Havia queixas da creche que referiam que ela não
falava. Em casa, ele falava imensas palavras. Os pais, por um lado, estavam
ansiosos. Por outro lado, pensavam que seria uma questão de tempo até
que ela começasse a falar na escola.

Quando marcamos a avaliação, de facto a Leonor falava, mas não


comunicava. Ela falava, mas muitas vezes não era contextualizado. A fala
dela, não era para responder a questões simples como “o que queres?”.
A Leonor repetia as falas dos vídeos que via. Centrava-se nela própria, mas
não na interação com as pessoas. Os pais sentiam que ela também não
tinha necessidade de comunicar mais, a vida era-lhe facilitada.

Assim, a Leonor era uma menina que:


- Não fazia pedidos, agarrava nas coisas;
- Não apontava;
- Puxava os pais para o local que queria, mas não indicava nada;
- Repetia falas de desenhos animados;
- Sabia português e inglês;
- Chorava quando era contrariada;
- Não pedia mais comida, ficava a olhar;

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- O contacto ocular era pobre;
- A atenção conjunta não existia;
- Era rígida na forma como brincava;
- Usava a fala quando ela queria, e numa perspetiva muito centrada
nela própria.

O primeiro passo, foi explicar à família a diferença entre comunicar


e falar. Conversamos sobre todas as competências comunicativas que
a Leonor teria de apresentar. Percebemos que ela repetir o que lhe pediam,
também não era comunicar. Foi necessário compreender que a Leonor teria
de aprender a interagir e a comunicar, para que a fala fosse funcional. Foi,
sem dúvida, o passo mais difícil da intervenção, principalmente aplicar estes
princípios no dia-a-dia.

A Leonor é uma criança que gosta de brincar, de montar puzzles


e de plasticina. Utilizamos os puzzles para estimular as escolhas, ela tinha
de apontar para o puzzle que queria para poder montar. Em casa,
estimulamos o apontar, colocando a chupeta num local que ela visse, mas
que não conseguisse pegar. Foi necessário demonstrar, moldar e incentivar
para que ela começasse a apontar. Começamos por aceitar apenas o olhar,
depois a tentativa de agarrar, chegamos ao apontar e, mais tarde,
chegamos ao pedido com a fala. Foi uma conquista que impulsionou vários
pedidos. A Leonor começou a generalizar para outras coisas que ela
também queria.

Ela não percebia muito bem o que eram os turnos comunicativos.


Falava, mas não esperava pela resposta do outro; e nem sempre respondia
quando falavam com ela. Ela adora livros e histórias, mas para uma
observação muito rígida. Começamos por partilhar o livro, e deixou de ser
um objeto para ela própria. Depois com histórias com linhas de repetição
e abas, começamos a trabalhar a troca de turnos, em que ela participava
utilizando a linha de repetição. A Leonor adorou esta interação, conseguimos
que ela olhasse para nós quando era a vez dela e participava de forma
ajustada. Isto permitiu-nos chegar a pequenas perguntas e respostas.

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Hoje, a Leonor tem 5 anos e utiliza a fala de forma funcional. Ainda não
constrói frases de forma fluída, mas é capaz de nos responder, é capaz
de nos questionar. A fala, por repetição e centrada nela própria, diminuiu
drasticamente. A rigidez em tudo, diminuiu e consegue aceitar melhor todas
as propostas que lhe fazemos.

Três histórias de sucesso, mas poderiam ser mais de cem. Em todas


elas, a fala era o foco do problema, mas em todas elas havia outras
questões que teríamos de analisar. Nem sempre é fácil, não estarmos
a trabalhar diretamente no que é preocupação da família. Nem sempre
as famílias percebem e aceitam. Mas… falar é muito mais do que articular
palavras. Falar é uma forma de comunicação. Antes de falar, a criança tem
de comunicar.

Tu também podes ter uma história feliz para contar sobre o teu filho!
Não precisas de te sentir desamparada no processo. Não precisas de achar
que estás sozinha e todos relativizam as tuas preocupações. Rodeia-te das
pessoas certas e aprende a interagir com o teu filho. Por mais difícil que
possa parecer, há sempre um caminho para chegarmos ao teu filho. Há
sempre uma forma de começar a interação, para chegarmos à fala.

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