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Nos últimos dias, a grande repercussão do

caso envolvendo o estudante de medicina


veterinária em Brasília picado por uma naja,
cobra nativa do continente africano e asiático,
acendeu debates na mídia sobre o tráfico internacional
de animais silvestres. A cobra, que não possui registro de
entrada no país, teria chegado ao Brasil por meio de uma rede de
comercialização ilegal de animais. Ocorrências como essa no Brasil são comuns: o tráfico
de animais silvestres é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo,
movimentando cerca de 10 a 20 bilhões de dólares por ano, e o Brasil, por concentrar
aproximadamente 14% da biota mundial, constitui um alvo fácil. O que pouca gente sabe é
que a genética forense pode ajudar a combater essa modalidade de crime ambiental, por
meio da identificação genética de espécies e subprodutos animais de difícil identificação,
como penas, couro, ovos e carne.
A técnica da biologia molecular mais utilizada para identificação de espécies e subprodutos
animais é baseada no conceito de Barcode genético – ou código de barras de DNA. Para
entender o que é um DNA barcode, é necessário recorrer a conceitos básicos da genética.
Gene é uma unidade de informação, formado por sequências de DNA (ácido
desoxirribonucleico) presente nas células; por sua vez, o conjunto de sequências de DNA
contido em uma determinada espécie é denominado Genoma. O genoma pode ser
classificado como de origem nuclear (DNA contido no núcleo celular) ou mitocondrial (DNA
contido nas mitocôndrias, organelas presentes no citoplasma dos eucariotos). Existe
uma diversidade de sequências de DNA entre os genomas de diferentes espécies, e
essa diversidade pode ser explorada para identificar os táxons. Assim, seria possível
identificar certas sequências que funcionariam como um verdadeiro código de barras
universal para cada espécie.
A técnica de identificação genética de espécies animais mais utilizada atualmente foi
criada por Hebert et al. (2003) e é denominada DNA barcoding. Ela utiliza sequências
de regiões alvo – cerca de 650 pares de base – do DNA mitocondrial, especificamente
do gene codificador do citocromo oxidase subunidade I (COI). Algumas
características próprias do DNA mitocondrial (mtDNA) o qualificam como ideal para
essa tarefa: não possui íntrons, que são sequências de DNA não codificantes;
apresenta baixa taxa de recombinação, pois é quase que exclusivamente proveniente
de herança materna e haplóide; é fácil de se isolar, pois há várias cópias de mtDNA
por célula; essas características são importantes para amplificação de rotina por
reação em cadeia da polimerase. Já o COI é a região indicada para identificação pois
é encontrado em todos os organismos aeróbicos e sua variabilidade interespecífica
(entre espécies) é maior que a intraespecífica (dentro de espécies).
O procedimento de identificação pelo barcode consiste em extrair o DNA de uma
amostra de organismo/tecido e amplificar o gene COI por PCR (Reação em Cadeia de
Polimerase). PCR é uma técnica muito utilizada na biologia molecular para produção
de múltiplas cópias de uma sequência desejada de DNA, e baseia-se no mecanismo
de Replicação que naturalmente ocorre nas células durante a divisão celular. Após o
PCR, o produto obtido é sequenciado e comparado com outras sequências
disponíveis num banco de dados genético, como o Barcode of Life (BOLD) para uma
possível identificação da espécie.
Apesar de muito recente no Brasil, o DNA barcoding já foi utilizado com sucesso no
âmbito pericial, permitindo a identificação de espécies de aves silvestres por meio da
análise de penas e de espécies da fauna brasileira vendidas como carne. Porém, a
limitação de estrutura e recursos da grande maioria dos laboratórios forenses limita
sua utilização de forma rotineira e sistêmica, uma realidade que pode mudar em um
futuro não tão distante, com a pressão cada vez maior da sociedade em relação
à problemática ambiental.
Bibliografia consultada

Botteon, V. W. Genética Forense contra a Biopirataria – Ciência Contra o Crime.


Recuperado 24 de julho de 2020, de
https://cienciacontraocrime.com/2018/09/19/genetica-forense-contra-a-biopirataria/

Hebert, P. D. N., Cywinska, A., Ball, S. L., & DeWaard, J. R. (2003). Biological
identifications through DNA barcodes. Proceedings of the Royal Society B:
Biological Sciences, 270(1512), 313–321.

Joaquim, L. M., & El-Hani, C. N. (2010). A genética em transformação: crise e


revisão do conceito de gene. Scientiae Studia, 8(1), 93–128.

Luo, A., Zhang, A., Ho, S. Y. W., Xu, W., Zhang, Y., Shi, W., Cameron, S. L., & Zhu,
C. (2011). Potential efficacy of mitochondrial genes for animal DNA barcoding: A
case study using eutherian mammals. BMC Genomics, 12.

Maia, R. T. DNA Barcode: o código de barras da vida. Recuperado 24 de julho de


2020, de http://www.cdsa.ufcg.edu.br/cdsa/categorias/386-dna-barcode-o-código-
de-barras-da-vida.html

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