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Pyr Marcondes

_ Uma História da.


Propaganda
Brasileira
As m e l h o r e s c a m p a n h a s • G é n i o s d a c r i a ç ã o • P e r s o n a g e n s

2a Edição
Prefácio .8 ClpltuloB-Talent.il 7 Capitulo 4 • Veja .192
Introdução .10 ClpItulolO-Almap.119 Capitulo 5 • Cadê .195
Capítulo 6 - UOL .197

Parte 1 - Um Pouco de História Parte 4 - Grandes Nomes


Parte 7 - Os Grandes Personagens
Capítulo 1 - O anúncio .14 Capitulo 1 - Washington Olivetto .124
Capítulo 2 • A agência de propaganda .18 Capitulo 2 - Petrônio Corrêa .126 Capítulo 1 • O garoto do teste 57 .202
Capítulo 3 - A cara e a voz .24 Capitulo 3 - Eduardo Fischer .128 Capítulo 2 - Sebastian C&A .207
Capítulo 4 - A W .31 Capitulo 4 • Geraldo Alonso .131 Capítulo 3 - Basset da Cofap .209
Capítulo 5 - Estereótipos .33 Capitulo 5 - Alex Periscinotto .133 Capítulo 4 - Fernandinho .211
Capítulo 6 - Acelerando uma nova década .39 Capitulo 6 • Christina Carvalho Pinto .136 Capítulo 5 - Baixinho da Kaiser .213
Capítulo 7 - Propaganda e caserna .44 Capitulo 7 - Roberto Duailibi .138 Capítulo 6- Casal Unibanco .215
Capítulo 8 - As décadas de ouro .48 Capitulo 8 • Marcello Serpa .140
Capítulo 9 - Globalização no quintal .55 Capítulo 9 • Nizan Guanaes .141
Parte 8 - Campanhas
Capitulo 10 -Júlio Ribeiro .143
Capltuloll • Mauro Salles .145 Capítulo 1 - Não é assim nenhuma
Parte 2 - Grandes Momentos
Capitulo 12 - Márcio Moreira .149 Brastemp .220
Capítulo 1 • W sai da DPZ .62 Capitulo 13- João Daniel .152 Capítulo 2 - Bichinhos Parmalat .223
Capítulo 2 • Nizan deixa a W/Brasil .66 Capitulo 14 • Assis Chateaubriand .154 Capítulo 3 - Uma boa ideia .225
Capítulo 3 - A dupla de criação .68 Capítulo 4 - A morte do orelhão .227
Capítulo 4 - Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada .72 Capítulo 5 - Vem pra Caixa você também .229
Parte 5 - Anunciantes
Capítulo 5 - O Brasil virou Primeiro Mundo .74 Capítulo 6 - Banheiro .230
Capítulo 6 - CCSP .81 Capitulo 1 • Souza Cruz .158 Capítulo 7 - Calvin Klein .232
Capítulo 7 - A máquina do tempo chamada Macintosh .84 Capitulo 2 • Unibanco .161 Capítulo 8 - Formigas da Philco .233
Capítulo 8 • Ibope .86 Capitulo 3 • Itaú .163 Capítulo 9 - O primeiro soutien .235
Capítulo 9 - As cinco leis que mudaram a propaganda Capitulo 4 - VW.165 Capítulo 10- Hitler.238
brasileira .87 Capitulo 5 • Gessy Lever .167 Capítuloll - Mãe e f ilha .240
Capitulo 6 - Parrrçalat .169 Capítulo 12- Semana .242
Capitulo 7 • Kaiser .171
Parte 3 - As Maiores e Melhores Agências
Capitulo 8 - Brastemp .173 Epílogo
Capítulo 1 - Sem a DPZ, não ia dar certo .92 Capitulo 9 - Bombril .175
Vamos chegar juntos ao fim? .245
Capítulo 2 - F/Nazca .97 Capitulo 10 - C&A .178
Capítulo 3 - DM9 .100
Capítulo 4 - W/Brasil .104
Parte 6 - Veículos
Capítulo 5 - MPM .107
Capitulo 6 - Contemporânea .110 Capitulo 1-SBT.182
Capítulo 7 - McCann .112 Capitulo 2 • A Globo .185
CapítuloS- Fischer .114 Capitulo 3 • MTV .189
T

Washington Olivetto Exagerando no glamour, aumentando o tamanho dos talentos,


transformando fatos em feitos.
Por incrível que pareça, Pyr conseguiu fazer tudo isso sem distorcer
a verdade. Apenas retocando a verdade.
cê Boa parte da história dos nossos melhores profissionais, das nossas
melhores agências e dos nossos melhores anunciantes está aqui.
Num retrato da moderna publicidade brasileira, exageradamente
favorável a quem participa dela, ligeiramente injusto para com quem
veio antes e indiscutivelmente interessante para quem vier depois.
Um livro que, no seu eventual descomedimento, fica extremamen-
te parecido com a criatura publicidade e os criadores publicitários.
Também descomedidos, também exagerados, também apaixonados.
Todos, sem exceção, em busca de um reconhecimento maior do
que única e exclusivamente o econômico-financeiro.
Alguns acreditando obsessivamente que a possibilidade desse reco-
nhecimento esteja na feitura de um trabalho que extrapole a sua obri-
yr Marcondes me pede um prefácio e eu me sinto

P
gatória função de vendas e invada a cultura popular.
escrevendo um/yilyjjériojí Personagens devem se Outros, de maneira mais ingénua, se conformando com o reconhe-
restringir ao seu papel de personagens como na cimento dos colegas e críticos nas premiações e festivais.
maioria dos bons livros, jamais devem ser transformados Mas todos, sem exceção, em busca de situações que aplaquem
em prefaciadores como me exige o Pyr. seus egos eventualmente massageados e cotidianamente destruídos
Não me sinto confortável. numa atividade que se utiliza da arte, mas na verdade é comércio.
Mas, pasmem, talvez essa aberração inicial seja uma Esse trabalho de exaltação, manutenção e preservação da auto-esti-
boa síntese do que esse livro tem como sua grande qua- ma, junto com a busca de uma documentação histórica consistente des-
lidade e seu maior defeito: a absoluta falta de isenção. sa atividade que, de um jeito ou de outro, faz parte do Brasil que deu
Pyr não abre mão da oportunidade de ser pródigo pa- certo, está aqui neste "Uma História da Propaganda Brasileira".
ra com a publicidade e os publicitários, e faz isso cons- Um livro que merece ser lido por olhos bem menos envolvidos e
cientemente, agrade a quem agradar. críticos do que os meus, mas no mínimo tão atentos e generosos
Decididamente foi isso que me fez aceitar o desafio de quanto os do autor.
escrever este prefácio, mesmo correndo o risco de avalizar
elogios que eu certamente não mereço, e que outros per-
sonagens também possivelmente não mereçam.
A verdade é que, apaixonado pela atividade que
exerceu durante anos como homem de agência e de-
pois como editor de revista especializada, Pyr resolveu
contar essa história muito mais do jeito que ele gosta-
ria que tivesse ocorrido do que do jeito que verdadei-
ramente ocorreu.
Um Pouco
de História
Este não é um livro de história.

Não nasceu com essa pretensão.

Mas tem, sim, o objetivo de traçar uma

linha do tempo, em que se sucedem os principais

momentos da propaganda brasileira e

sua relação com nossa sociedade,

uma influenciando a outra, e as duas

influenciando todos nós.


lojoeiros, guias e escrivães, descreviam suas habilidades. Ou seja: a
O anúncio propaganda nasceu prestando serviços, na forma que poderíamos
A primeira forma de comunicação chamar de primórdios dos classificados modernos.
Do ponto de vista estrutural, ela surgiu como braço informativo do
publicitária conhecida nasce de uma
sistema económico em que se inseria, num tempo em que as cidades
colagem do jornalismo com a arte. cresciam e as populações começavam a passar de centenas de milha-
res. A vida urbana se sofisticava em opções e as pessoas deixavam de se
conhecer pelo nome e sobrerfome. Contar aos outros transformou-
se em comunicar alguma coisa ao mercado.
Além da mídia impressa, havia já na época os cartazes, os painéis
pintados, os panfletos avulsos (flyers). Cada um deles teria história e
vida próprias. Mas o jornal dominou a comunicação publicitária do fi-
nal do século XIX e de, pelo menos, um quarto do século XX.

Poesia e propaganda

"Quem quiser cobrir o lanço (lance) de 7005000 Antes ainda do final do século XIX, uma nova série de serviços e
réis, que já se dá pela Pescaria exclusiva da Alagoa produtos começa a se incorporar ao elenco de artigos que se anun-
(lagoa) denominada de Rodrigo de Freitas, dirija-se à ciam. Lojas, hotéis, remédios e alguns produtos importados, trazidos
casa do Tesoureiro do Cofre de Pólvora." por caixeiros-viajantes ou famílias ricas, passam a ocupar seu espaço.
Na maioria dos casos, os
er a concessão oficial e exclusiva de pesca na lagoa anúncios consistiam em

T Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, como exem-


plifica a passagem do jornal A Gazeta do Rio de Ja-
neiro, no final do século XIX, era apenas uma das muitas
texto puro, mas datam já
dessa época as primeiras
Ilustrações - trabalho origi-
GRANDE HOTEL DA PAZ
ofertas que poderíamos encontrar nos jornais da época, nal de artistas plásticos da
nos quais ficaram registradas as primeiras manifestações época, que se transforma-
da propaganda comercial brasileira. ram assim no primeiro con-
A propaganda nasce como expressão de uma neces- tato produtivo entre arte e
sidade de informação diversa daquela que o jornalismo propaganda.
começava a suprir tão bem. Comércio, indústria e gente Essa relação se aprofun-
em geral precisavam transmitir a outros comércios, in- dará um pouco mais à me-
dústrias e gente em geral uma série de impressões e dida que o século chega ao
informações. O veículo preferencial, além do boca a bo- seu final e textos de autores
ca - o mais eficaz veículo de propaganda jamais inven- conhecidos, incluindo aí al-
tado -, era o jornal. Nele, anunciavam-se escravos e pro- gumas poesias curtas de ri-
priedades rurais e urbanas. Informavam-se leilões e mas fáceis, vão também se R^aEoSABAEsNSTiDÁlaS-PAUL°
F.xcmlcDtíi» tpospotM, acfceio. coiish» de pnmeirs ordem, prompthta no ntimcy,
cota ida & ioÍ» a hora.
aulas particulares. Profissionais independentes, como re- iiuorporando à linguagem
publicitária. Em 1908, é realizado um concurso (possivelmente o pri- origem que se transformará, por si próprio, num ícone cultural da so-
meiro) de cartazes publicitários, com a utilização de poesias, para o ciedade moderna e da comunicação de massa.
Bromilum, xarope contra tosse. Participa dele, entre outros poetas co- No final do século XIX, essa evolução apenas começa. Os anúncios
nhecidos, Olavo Bilac. deixam de ser meros classificados para assumirem uma personalidade
O anúncio, formato tão habitual na mídia impressa contemporâ- mais parecida com a que conhecemos hoje. Crescem de tamanho e
nea, nasce assim de uma colagem de recursos e manifestações pre- ganham qualidade gráfica.
existentes e conhecidos. Da literatura e do jornalismo, a publicidade No início de 1900, aparecem no país as primeiras revistas, menos
importou o texto; do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações - voltadas à notícia clássica e mais a crónicas sociais, sátiras, charges,
dando origem a algo diverso e novo, mas de certa forma já incorpora- sonetos, fatos diversos comentados. Aí vamos encontrar os primeiros
do ao universo conhecido das pessoas. Uma armadilha para assegurar anúncios de páginas inteiras, com ilustrações apuradas, em até duas
eficácia aos objetivos publicitários de comunicar e vender. cores. Também o espírito do anúncio já é outro, bem mais leve (como
Ao longo de sua história, no entanto, o anúncio publicitário vai ga- o veículo no qual se insere e a sociedade para a qual se dirige), irreve-
nhar tal personalidade e independência em relação a suas formas de rente, solto, eventualmente com um toque de humor e a primeira pre-
sença daquilo que mais tarde se chamaria de criatividade publicitária:
não mais a mensagem com forma e conteúdo de um comunicado di-
reto, mas embrulhada num pacote de elementos, que requerem a par-

LiiBA-MB... DEIXA ticipação inteligente e a cumplicidade do consumidor para decifrá-los.

17
A agência de
propaganda
Um modelo importado de comunicação
comercial invade o Brasil.

O
s registros históricos dão conta de que a primeira
agência de propaganda brasileira, surgida especifi-
Antárctica: o mais importante dos
camente com o fim de produzir comunicação co- anunciantes nacionais
mercial, foi fundada um pouco antes da Primeira Guerra nos primeiros anos do século XX
uma campanha, com peças em sequência e
Mundial, por volta de 1913, em São Paulo. Chamava-se objetivo estratégico planejado.
Eclética. Depois da guerra, havia já outras quatro em Também a General Motors começa a se
funcionamento. profissionalizar e mantém um departa-
Dos anunciantes nacionais que conhecemos hoje, o mento de propaganda em operação ^

mais importante dos primeiros dez anos do século XX é desde 1925. Credita-se a ela um im-
a cervejaria Antárctica, que produziu no período peças portante passo na profissionalização
de qualidade, com espírito e forma inspirados no art- da propaganda feita no Brasil naque-
nouveau. São todas feitas pela própria companhia e pro- le período.
duzidas internamente. Genericamente, os anúncios das
Nesse primeiro quarto do século passado, surgem companhias internacionais são já de
também os primeiros grandes anunciantes multinacio- melhor padrão do que a maior parte
nais, entre eles Mappin & Webb (nosso conhecido e da comunicação das empresas brasilei-
extinto magazine que, embora estivesse no país há al- ras. Importam know-how e técnicas de-
gum tempo, começa a anunciar apenas nesse período), senvolvidas nos Estados Unidos, onde a
Nestlé, Colgate-Palmolive, General Electric, Souza Cruz publicidade consolidou modelos e pro-
(British American Tobacco) e Ford. A Bayer faz um tra- cessos comprovadamente eficazes desde o
balho de destaque, concebendo propaganda não co- inicio de sua história. Fazem algumas (poucas)
mo um conjunto de mensagens eventuais, mas como adaptações locais e publicam.
Sem jeito de Brasil

Por ser assim, a propaganda das empresas estrangeiras, embora


correta para os padrões da época, não tem muito a ver com a cultura
brasileira, nem com os hábitos de consumo nacionais. Funcionava
porque a comunicação publicitária tende a gerar resultados, mesmo
não sendo de alta qualidade e mesmo não respeitando a cultura local

'T (campanhas publicitárias de baixa elaboração ou campanhas globali-


Iv. ff zadas, elaboradas nos grandes centros, acabam por produzir, ainda
assim, algum efeito sobre o público-alvo). O consumidor brasileiro de-
senvolveria seu repertório particular anos depois (nas décadas de
1960 e 1970, mais propriamente), a partir do interesse de alguns

Em 1916, a
Nestléjá faz
propaganda de
sua farinha láctea

í'-!""

O consagrado presíigío das afamadas meias

l ne"
náo se Iteifa somcwfe á» aristocráticas reumdfes dos grandes
o«de «tias já eonquiafaram um togar1 proeminente e definido.
Mesmo nos bosques ou «as florestes a sua radiante belleza WH
fascinar; de ums forma irrssisfjvel. a cançflíío i«gé»úldad«.
simp!«a e rudes camponezes

21
anunciantes e do trabalho específico de algumas agências (e profis-
sionais de criação) nacionais, que tentarão, teimosamente, descobrir
como é que se faz propaganda - um formato de comunicação impor-
tado - com sotaque de Brasil.
Por volta de 1930, chega ao país a primeira agência de propagan-
da norte-americana, a Ayer, que vem para atender a Ford, seu cliente
internacional, roubando a conta publicitária da pioneira Eclética. Tam-
bém a GM faz seu movimento, trazendo ao Brasil sua parceira mun-
com dial, a J. W. Thompson, a mais antiga agência de propaganda hoje em
operação no país. Mesmo assim, não estamos ainda diante de um ne-
gócio constituído. A propaganda não é, como viria a ser chamada
depois, uma "indústria". Até porque a indústria de verdade, base de
sustentação e razão da existência da publicidade, apenas se insinua no
Brasil, como um setor. Estamos, portanto, diante de uma atividade
embrionária, que vai sofrer nesse período - como, de resto, toda a
economia e o país - o baque da crise de 1929, a revolução getulista
de 1930 e a constitucionalista de 1932.
CALÇA AMERICANA Aos poucos, no entanto, vai evoluir sem parar.

Em novo tipo especial de

aum\m-m mmi
|.'Andar pelo mato... Bondar a cavalo...
. pescarias, èxcorsões, piqueniques,,. Fenos!...
g Um par das maéicis Alpiargatas. Roda '
"nos pés, calças arnericanas bem fortes e
• confortáveis... e "deixe o barco correr".)

; kmmtmào suos moios... não esqueço


'f.. Alpargatas Roda e Calças .
.: Americanos For-West!
§•''' * grtançes
l' Boas para as férias...
boas para (Mo oeasiõol
Rua Ot, AlmeWa Uma, 1130 - SSo Paulo
Rua Belo, t223 - B e C — Rb de janeiro
da SÃO PAULO 41PAR6ATAÍS i A. Rua do» AhaVadas, 1409- — Porto Alegre
Suo Imperial, 343 - Recfo

23
A cara e a voz
As primeiras fotos e a chegada do rádio
mudam o rosto da propaganda no Brasil.

(WARNER)

m
atam dessa época turbulenta as primeiras fotos -

D não mais apenas ilustrações a traço - dos anúncios


brasileiros. Tanto a Ayer como a J. W. Thompson
começam a utilizar o recurso, já consagrado em seu pafs
de origem.
Uma vez mais, a propaganda incorpora os avanços e as
conquistas da sociedade, e os coloca a serviço da comu-
nicação comercial. A evolução das técnicas e dos recursos
da fotografia produz um impacto enorme na sociedade.
O jornalismo incorpora rapidamente esses avanços e, em
pouquíssimo tempo, tem sua própria forma de aborda-
gem fotográfica, o fotojornalismo. A propaganda ainda
não. Utiliza fotos padrão, pré-produzidas, ainda com mo-
delos norte-americanos. Algo como as fotos de arquivo
(stock photos) que a propaganda usa hoje.
Iríamos começar a nossa produção fotográfica com
jeito, caras e cores de Brasil ainda nesse início de década,
mas a grande inovação para o país e para a propaganda
seria a chegada do rádio, que se insinuou no final da dé-
cada de 1920 e oficializou-se no início dos anos 1930.
Veículo de difusão da informação e da cultura alter-
nativo ao onipresente jornal, o rádio não experimentaria
uma evolução paulatina e gradual, como os veículos impressos. Cres-
Ctrla de forma vertiginosa, numa velocidade até então desconhecida,
O idílio cxcric
• arrebataria, em suas ondas, gerações de fãs, constituindo a primeira griindf / ( js</n/o
audiência de massa do século. Para a propaganda, isso significou o sobre J vida
brasileira desde
maior impacto de desenvolvimento de sua ainda incipiente história. os anos 1930,
lançando artistas
Representou, também, um desafio inovador sem precedentes, até e exercendo o

com o Novo e porque, a partir daquele momento, a propaganda teria voz. E teria
pape! de primeiro
grande veiculo de
comunicação de
•ERFUMADfSSfMO lons. E tocaria música. Teria, portanto, que aprender a falar e a tocar, massa

Como na vida real e


Sabonete Lever nos discos.
A propaganda, a

sabe, poij el« tunbcm um bem da verdade, não


Inbonete «k bete* A» estrflas. time Contribuiria com novas
i M» teu «tonce, o novo Leva envolve descobertas, nesse iní-
Unte perfume,
t sais mdorável, m»i$ adviote, ClO de história do rádio
i noite ««mói D* «MMiiM pureza • como meio de comuni-
i Und* ettb*I*gem to», «m sempre com cação no Brasil. Iria,
fi€QHÒiilÍ€K*
i heitKf alo bí «tbooete anis •OS poucos, incorporar
, tuxaoto e pMchMclo do que is conquistas de forma
l QOTO t*K*i. Agor» «aã 2 «UBaãfco». t linguagem que ele
descobriria por conta
própria ou importaria
-v da Europa e dos Esta-
dos Unidos.
O rádio por aqui seria, em seu início, um grande palavrório.
Noticiários, crónicas, posteriormente radionovelas e, claro, música.
A propaganda foi tímida e, em seu primeiro movimento, apenas
reproduziu na nova mídia os mesmos textos desenvolvidos para os jor-
nais e as revistas. Sem graça e sem imaginação.

As empresas falam

«V-*-^
Em dois ou três anos, contudo, a linguagem publicitária no rádio
criaria seus primeiros formatos próprios: os spoís (peças com textos
Interpretados, acompanhados ou não de música) e os jingles (trilhas
wnoras curtinhas, desenvolvidas especificamente para o anunciante).
Ambos os formatos foram importados dos Estados Unidos, onde já
VOC5 poder» cativi-to haviam provado seu poder de comunicação.
com um» cúd» »UTC «
deliciosamente pírfun.d.. S<(m
«i ctuttv: u»e Uvw « xji
*tft >doriv«l tnm nolt». 27
No rádio, as grandes indústrias já presentes na economia brasileira
encontrariam espaço privilegiado para sua comunicação. Os mesmos
de mar;
nomes encontrados nos jornais e revistas, seguidos de outros que
chegariam aos poucos (Coca-Cola, entre eles), estariam também pre-
Gessy: uma das sentes no novo meio, utilizando-se não só dos recém-chegados spofs
primeiras marcas
anunciadas em e jingles como, também, de uma nova modalidade de presença co-
jornais e revistas
que se torna
grande beneficia-
mercial na mídia: o patrocínio. As novelas Gessy e o Repórter Esso se Urabs
da com a chega- transformariam em marcos dessa nova fórmula, em que o anunciante
da do rádio
(ver também
página seguinte)
apresenta e oferece aos telespectadores o conteúdo editorial e/ou ar-
tístico da programação do veiculo. Ficaram décadas no ar, sendo que
de
— com são
Sua «punw, »t

o primeiro migrou com absoluto sucesso para a TV, assim que ela se
instalou no país.
Já se sabia então que, quanto mais próximo estiver o nome do
anunciante do conteúdo veiculado no meio, mais eficaz tende a ser a
comunicação comercial. O patrocínio, citado sempre que o programa
ia ao ar e ao longo de toda a sua duração, registrava com eficácia na
mente do consumidor a imagem da marca, com simpatia e seriedade.
Foi nesse momento, em que a comunicação ganhava voz, que o
som da Segunda Guerra Mundial fez calar todo o mundo. Ela causaria
grande impacto na economia brasileira no final dos anos 1930 e na

28
Um dos primeiros
anúncios de
Coca-Cola: a
ATV
mares americana
invade não só as Ela transforma tudo. E nunca mais seríamos
publicações,
como também o
meio radiofónico
os mesmos.

C
omo acontecera nos Estados Unidos, a TV revolu-
cionaria - mais que o rádio - a cultura, o com-
portamento, a economia e, consequentemente, a
publicidade brasileira de uma forma como nunca havía-
mos visto.
No dia 18 de setembro de 1950, com atraso de duas
horas, às 22h, em São Paulo, nasceu a primeira emisso-
ra de W do Brasil, a PRF-3, ou a TV Tupi. O país seria o
quarto do mundo a transmitir imagens de televisão.
E o responsável pela façanha foi Assis Chateaubriand,
proprietário dos Diários Associados, a maior e mais im-
portante rede brasileira de rádios e jornais.
Se, com a chegada do rádio, o desafio era dar voz às
mensagens publicitárias, agora se tratava do desafio fi-
nal: dar imagem. E em movimento.
primeira metade da década seguinte. A propaganda, apesar de conti-
Assim como no rádio, contudo, o início foi apenas ex-
nuar sua natural evolução no país, aprimorando linguagem e técnicas,
perimental, e a propaganda criou uma figura básica de
também seria afetada. Os volumes investidos cairiam, e o setor experi-
comunicador, a garota-propaganda (sempre mulher, já
mentaria uma estagnação considerável, como negócio e nos números
que as mulheres eram o público-alvo preferencial da pu-
de seu desempenho comercial.
blicidade em geral), cuja função era demonstrar, como
numa conversa doméstica com a consumidora, as mara-
vilhas dos produtos anunciados.

30
A propaganda financia Estereótipos
Como não havia VT (videoteipe), as imagens iam ao ar ao vivo. São A adoração do macho cede espaço aos
folclóricos os esquecimentos, os incidentes - produtos que teimam maios apertadinhos.
em não funcionar diante das câmeras - e toda sorte de surpresas que
se perderam ao longo da história.
Os fatos novos que acompanham a chegada da W ao país são es-
trutural e historicamente marcantes para a evolução da propaganda
brasileira. Em primeiro lugar, são os patrocinadores reunidos pela ou-
sadia empresarial de Chateaubriand que viabilizam os altos investi-
mentos necessários, inicialmente para os equipamentos e, depois, pa-
ra a produção dos primeiros conteúdos da televisão.
Assim, foi vital o aporte de anunciantes como os da seguradora Sul
América, da cervejaria Antárctica, da laminação Pignatari e do Moinho
Santista. Eles garantiram contratos de um ano à TV Tupi. Tudo de que
ela precisava para decolar.
tom confidencial das garotas-propaganda, seu jei-

O
O outro fator importante foi que, definitivamente, a indústria bra-
sileira entra na década de 1950 numa acirrada fase de competição, to doméstico de conversar com as donas-de-casa,
sem registro na história comercial do país. As mensagens publicitárias sua linguagem coloquial são um pequeno avanço
tiveram, até ali, a função básica de informar a existência deste ou em relação aos apelos formais e sem sal da publicidade
daquele produto ou serviço, algumas de suas vantagens e seus bene- feita até então. Mas são também a expressão acabada e
fícios. Mas a partir daquele momento, tratava-se de brigar por fatias eletrônica do conservadorismo da telespectadora média,
de mercado e, diretamente, pela preferência do consumidor, que aquela com poder aquisitivo para comprar uma TV no
passa a ter a sua disposição várias marcas de um mesmo tipo de pro- Brasil dos anos 1950.
duto para escolher nas gôndolas dos supermercados (que chegam ao É essa mulher, correta e careta no lar, que vai susten-
Brasil em 1953). tar a grande tendência da comunicação nesse início de
década. Ela no papel coadjuvante, carente e submissa, a
que venera e admira.
O culto ao corpo e a adoração à beleza masculina,
importados das telas de Hollywood (onde os galãs têm
mais vez que as estrelas), colocam o homem em estado
de graça e adoração. É senso comum que ele - e não
elas - deve ser o centro das atenções.
A propaganda vai reproduzir fielmente esses valo-
res, escolhendo modelos de porte atlético e colocando
os homens, sempre que possível, em primeiro plano
nas imagens dos anúncios e dando-lhes mais impor-
tância na comunicação.

32
Às mulheres cabe ficar em casa, conversando com as garotas-pro-
A VIDA PARECE paganda, enquanto seu adónis não vem. Ou, ainda, ir ao paraíso das
compras, o supermercado, que introduz grandes novidades da culi-
nária norte-americana, como os alimentos enlatados e os de preparo
Instantâneo.
A versão de mulher moderna da época é a da que sabe fazer com-
,
pras, domina o uso dos mais novos lançamentos eletroeletrônicos (ba-
»tedeiras, enceradeiras, liquidificadores, todos novos personagens da
[.cozinha) e... atualiza-se sobre as novidades, via garotas-propaganda.
Mas lá fora, nas ruas das grandes metrópoles que começam a sur-
r no mapa do Brasil, principalmente nos bailes vespertinos e notur-
fftos, uma importante mudança de comportamento começa a aconte-
ICêr. Uma jovem rebeldia ocupa espaços, num cenário social até então
previsível e bem-comportado.

Tipões...

São os homens que vão começar a quebrar os primeiros tabus.


darlon Brando e James Dean são os modelos da nova raça, que es-
•nja virilidade, adora velocidade e não respeita o status quo. São no-
los rebeldes sem causa. Mas as mulheres vão se apaixonar por eles.
De seu canto, também elas irão em busca de um comportamento
O •nos servil. Para desespero dos pais e da moral vigente, passam a
Br calças compridas justas no corpo, pintam-se com maquiagem im-
Drtada, usam ousados maios nas praias (alguns feitos já com as no-
IS fibras sintéticas, o náilon e o rayorí), além de andarem lado a lado
9m os "brilhantinados" garotões em seus carrões.
Todos vão, juntos, rebolar ao som de um novo ritmo, que mudará
l história da juventude para sempre: o rock and mil. Elvis Presley é o
fiodelo e, no requebro de sua cintura, dezenas de anos de compos-
|ura e correção irão bailar. Garotos e garotas nunca mais serão os
ismos. Adeus, inocência perdida.
No Brasil, na mesma época em que o rock destrói modelos de com-
Brtamento com sua batida que parece buscar inspiração na violên-
íll, um outro movimento, totalmente intimista, ocupa as salas bem
(licoradas das classes mais ricas. É a bossa nova de João Gilberto, que
l adicionar um toque de Jazz, samba e violão ao agitado cenário mu-
IICll dos anos 1950.
PANHIA E MA

35
Todas essas imagens são, é claro, um grande estereótipo - que, no
entanto, têm o didatismo e o poder de síntese dos valores e costumes
Você percebe, B» hora, qiw s» ttftte A /l/í///, (/(/i 1 vitt.t
da época.
!STE CASAL ", de um «asai roper-avançudo,
t Sempre pronto a lançar ideia» novas,
ou um desenho totalmente inédito.
Uma vez mais, a propaganda vai reproduzir todas essas mudan-
,1 se/ ,i ni.iitn d//
torci (},) Anu"1!!! ,i
Latino, (oni(\.i

IASCEU EM ou uma cAr mais arrojada.


t somente em duas coisas Pste easal te
f (HMístao de manter a twdiçftw,
ças um pouco depois. A publicidade da época cuida de venerar o
bom-mocismo dos homens e difundir os padrões convencionais da
SUd <3tUit(,J<) (OD)
o lançamento do

iLUMENAUJ f (Is padtm»$ tím qu<" ser Impecáveis.


cores <Ja toalha dête.tèm que comWnar dona-de-casa-modelo para as
Pato Donalcí

CATARINA. perfeitamente com as


cores e os desenhos
da toalha cielt.
mulheres. Sexo antes ou fora
. Como acontece com do casamento, nem pensar.
lodo» os casai» d»
nova colecto Anunciavam-se já os recém-in-
Artex El» & El*'.
juarrmx
ventados absorventes higiéni-
llÉ
cos femininos (Modéss), mas
não se dizia claramente para
que eles serviam. Confiava-se
na sutileza e na capacidade de
dedução das moças.

...e seus carrões

A industrialização toma con-


ta do país no governo Juscelino
Kubitscheck, que prometeu (e
tm boa medida cumpriu) 50
inos em 5. O espírito desenvol-
Vlmentista invade as empresas,
•S cidades, a casa e o compor-
tamento das pessoas. Um pla-
no de metas ousado tem como
foco a infra-estrutura da eco-
nomia (energia, transportes, in-
dústria de base). Enquanto os
costumes eram abalados pelos novos modismos do consumo e do
comportamento mais liberal, JK tratava de mudar o Brasil por baixo e
por dentro.
O presidente também planeja e constrói Brasília, símbolo concreto
p expressão estética de uma modernidade planejada. Mas o grande
expoente dessa nova dinâmica nacional é, sem dúvida, a indústria au-
tomobilística, que vê sua planta industrial crescer e se sofisticar, além

37
de acompanhar um volume de produção multiplicado em quantidade
e em variedade de novos modelos.
Acelerando uma
Apesar da presença no Brasil de poderosas montadoras norte-ame- nova década
ricanas, como a Ford e a GM, esse grande boom verificado no setor
será capitaneado pelas empresas europeias instaladas no país, como i Mudaram a velocidade do mundo e nada
a alemã Volkswagen e a francesa Simca, sem falar na Vemag, nacio- ! Vai fazê-lo parar.
nal com tecnologia importada. A Willys - que, além do utilitário Jeep,
tem acordo operacional para a fabricação dos modelos de passeio da
francesa Renault - igualmente conquista participação importante.
A publicidade viverá o que se pode chamar de seu maior momen-
to de expansão, como setor que ainda luta por sua consolidação. Em
1957, acontece o 7° Congresso Brasileiro de Propaganda, o início de
um programa de institucionalização e regulamentação da atividade.
Nele, aprovam-se as bases do código de ética da profissão, que seria
oficializado em 1960. Os veículos de comunicação se sofisticam. W e
rádio evoluem em tecnologia e na sua forma de fazer programação.
Bí<
É na década de 1950 que as grandes revistas que fariam época, como

O
s avanços agora assumem uma velocidade desco-
Manchete e O Cruzeiro, irão aparecer. Há o boom no setor dos gibis nhecida. A rapidez das mudanças; o volume cres-
e, liderando tudo isso, aquela que viria a ser a maior editora da América cente da informação; a chegada do homem à lua;
Latina, a Abril - que começa suas operações no Brasil lançando o l pílula anticoncepcional revolucionando os costumes e
desastrado Pato Donald. lexo; os shopping centers como os grandes templos
Num cenário assim, como seria de se esperar, as verbas da pro- l consumo do século; a integração nacional e interna-
paganda crescem. Todo o setor salta de patamar. A linguagem publici- ílOnal por meio dos satélites e das comunicações; os
tária passa, então, a incorporar as liberdades e a sensação de progres- ROVlmentos culturais de vanguarda, que se multiplicam
so que toda a sociedade nacional está respirando. O tom ufanista e a õmente para questionar os modelos estéticos vigentes;
tónica da modernização se fazem presentes em praticamente todas as l ruptura como um motor do pensamento e da arte; a
mensagens que a propaganda emite nessa época. A publicidade Industrialização que se acelera em todos os setores -
começa a ter na sociedade o papel que exerce tão bem hoje: de espe- Infim, o mundo engatou uma segunda, deixando para
lho no qual todos nos olhamos e onde temos uma referência aceita e Irás a velocidade de cruzeiro em que viajava até ali.
comum de quem somos, o que andamos fazendo de bom, o que é Na tentativa de registrar esse mosaico de realidades
moderno e o que não devemos perder de jeito nenhum, sob o risco J pue n3o param no lugar, as artes visuais - e, com elas, al-
de ficarmos por fora dos avanços da história. 10umas peças publicitárias - lançam mão das colagens. A
j lObreposição de imagens aparentemente sem nexo é a
j forma que melhor expressa o espanto: o mundo, agora,
| lio muitos. Essa é a linguagem gráfica dos anos 1960.
Na música é o mesmo. O tropicalismo é isso. Tudo, a
Um só tempo, agora. A poesia é feita de imagens e forte
•pelo visual. Uma das melhores canções do período,

38
Alegria, alegria, de Caetano Veloso, composta em 1967 para um dos
famosos festivais da música popular, levados ao ar ao vivo do audi-
tório da W Record, em São Paulo, sintetizaria a década e sua confu-
são: "O sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas..."
A TV (são várias as redes nacionais, agora) se transforma no grande
veículo de comunicação e cultura, uma cultura diversa da académica,
que receberia o nome de cultura de massa. "De massa" porque não
mais difundida para poucos, nos bancos da escola, mas para muitos,
de forma homogénea e nivelada pela média (para muitos, pela medio-
cridade). Uma cultura não mais voltada para o saber, mas para o pro-
saico e o cotidiano. Não mais para construir conhecimento, mas para
entreter e divertir.
O novo veículo, assim como a técnica já evoluída da publicidade,
servirá como uma luva para o movimento militar, que tomou o poder
no país, em 1964. O ufanismo nacionalista, a ideologia progressista,
a busca pela criação de um sentimento pátrio profundo são temas e
conceitos aos quais 8 propaganda vai aderir, mais ou menos, depen-
dendo da ocasião, da importância política do interlocutor ou do tama-
nho da verba do anunciante.
O governo, aliás, com toda a sua estrutura centralizada de poder -
, e suas ramificações, como estatais, autarquias, ministérios, secreta-
rias, pois todos querem dizer algo à população brasileira -, transfor-
ma-se no maior anunciante do país (e assim o é até hoje). Graças a
ele, muitas empresas do setor de comunicação progredirão. A propa-
ganda, como negócio, vai crescer.

A lei que criou a propaganda

As agências de propaganda tinham então uma força que perde-


riam substancialmente anos depois. Reuniram-se com quem decidia
as regras do jogo e, usando seu poder de pressão, fizeram aprovar,
em 1965, a Lei 4.680 - marco importantíssimo da história da propa-

ALMANAQUE ganda brasileira. Ela definia que a remuneração-base das agências


saltaria dos 17,65%, pagos até então sobre as verbas investidas
pelos anunciantes na mídia, para 20%. Esse pequeno percentual
e a força da Lei 4.680/1965 construíram as bases para a expansão e a
consolidação da propaganda como um setor de negócios de verdade
no país.

41
A mudança nas regras do negócio publicitário é apenas mais uma, TV. Pode-se dizer que o VT foi diretamente responsável pela impor-
numa década de transformações radicais. tante expansão dos negócios publicitários no período. Ele permitiu
KiilH-iln ( .M/m r'
Nas ruas e nos auditórios, o Brasil trata de gerar sua versão para o ainda que os comerciais entrassem numa nova fase. Não mais depoi- <) Jovem Cuv./íí/.l
inauguiiini o
movimento internacional da juventude transviada dos anos 1960, a mentos ao vivo, com seus erros e sustos, mas precisão nas mensa- marketing
segmentado
Jovem Guarda. Bem comportada, é verdade, mas também expressão gens, com textos e imagens mais bem trabalhados e precisos. no Brasil

da mesma rebeldia que sacudiria o inundo e toda uma época. Data da época a sofisticação
Coube à Jovem Guarda inaugurar o marketing segmentado no Bra- de técnicas e ferramentas do
sil. Até então, as mensagens eram genericamente destinadas a ho- marketing, que passam a ser tra- -<*> "for* >'

mens ou mulheres, com pequenas variações de tratamento para pou- balhadas de forma integrada: íjtájtfc
cas faixas etárias. promoção, vendas, publicidade. "fe->;
O movimento liderado por Roberto e Erasmo Carlos, além da inspi- Todo esse cenário era campo
ração roqueira, baseou-se numa bem planejada estratégia mercado- fértil para o desenvolvimento da
lógica, que deu origem a marcas e produtos próprios, que venderiam propaganda no país. O número
como água. de agências cresce, seu fatura-
Mais uma da propaganda: apropriação indébita do culto, para de- mento também. E, dentro delas,
volver aos devotos seu objeto de adoração, na forma de anúncios e outra pequena, mas significativa,
comerciais. Não é pecado. É uma dinâmica e uma inteligência, em mudança: o departamento de
busca da eficácia comercial e em prol do bom funcionamento da eco- criação ganha força, até então
nomia de mercado. concentrada nas mãos do plane-
A propaganda fez isso durante toda a década de 1960: com os mo- jamento e da mídia. É apenas o
vimentos estudantis que tomaram conta do mundo em 1968; com a Inicio do que seria uma revolu-
guerrilha rural e urbana no Brasil, com seus líderes Mão Tsé-Tung e ção. Diretores de arte e redato-
Che Guevara; com as cores e os ícones das manifestações hippies con- res, até então atuando em de-
tra o establishment. partamentos separados e estan-
Andy Warhol transformava hambúrgueres e sopas enlatadas em ques, passam a atuar na mesma
arte. A propaganda subvertia a realidade, transformando-a em arma sala.
de venda. Em meados da década, Alex
A liderança da W no período se deu por uma série de motivos. O Periscinotto, sócio e diretor de
l
meio tinha, desde sua origem, vocação para a onipresença. Mas o de- criação da Alcântara Machado e
senvolvimento promovido pela estrutura de telecomunicações monta- Periscinotto, hoje Almap/BBDO,
da no país pela Embratel vai favorecer essa vocação. traria para o Brasil um novo formato norte-americano de trabalho na
O advento do VT, que começa a ser usado pelas emissoras brasi- área: a dupla de criação (diretor de arte trabalhando diretamente com
leiras já no início da década, transforma a televisão, definitivamente, o redator). Foi um avanço histórico. O formato permanece até hoje
num paraíso para todos os envolvidos em sua realização. Agora, era (aliás, no mundo todo).
possível errar. E aí refazer, gravar de novo. Para a propaganda, os frutos dessa nova conformação viriam em
Era possível ainda enviar as fitas para vários locais, para exibição breve, na forma de maior qualidade da mensagem final, maior afi-
posterior. Isso ampliou consideravelmente o alcance do meio e possi- nação entre textos, conceitos e imagens, maior inventividade e origi-
bilitou a anunciantes atingirem audiências até então não tocadas pela nalidade em tudo.

42 43
64" dos chamados "terroristas", que lutavam na clandestinidade con-
Propaganda e caserna tra os militares.
O setor publicitário assume a ditadura O Brasil conquistou o tricampeonato mundial de futebol no Mé-
Xlco, prato cheio para o discurso triunfalista das Forças Armadas. O
como se fosse sua. E vai bem, obrigado.
' Congresso estava fechado e, na falta de outros palanques políticos,
! fel na arte que a nação exprimiu-se melhor. Aí conviveram os movi-
ffientos de vanguarda, que bebiam do casamento da realidade com a
lintasia e faziam das imagens e das analogias sua arma de linguagem
aguda. Como era proibido dizer as coisas diretamente, em fun-
flo da censura, falava-se por códigos e metáforas. O "milagre bra-
|||«lro", como convencionou-se chamar essa fase inicial dos anos
J970, ia a todo o vapor, expresso em índices espantosos de cresci-
Mnto do PIB, da indústria e do comércio. Foi a época das obras gran-
Ssas, como o projeto Jari, a hidrelétrica de Itaipu, a ponte Rio-Niterói
11 Transamazônica.

princípio de ruptura e descontinuidade pelo qual •otas, que te quero botas

O passou a história a partir dos anos 1960 só vai


aprofundar-se na década de 1970. Antes, havia
uma linha, uma aparente lógica causal entre os fatos e
ÍA relação entre a propaganda e os militares foi íntima, nessa época,
preciso embalar a ideologia da expansão numa forte mensagem
o seu desenrolar. Nos anos 1970, talvez pelo efeito le- l Otimismo e valorização de feitos e conquistas nacionaisjTÃ~econo-
tárgico das drogas, talvez pela liberação do sexo, talvez I do Estado passou a concorrer diretamente com a economia priva-
pelo som ensurdecedor do rock and roll, viveu-se um f a controlar, de fato, a maior parte da economia.
pouco de todas as experimentações. < Assim, era preciso anunciar. O governo investiu substancialmente
Os jovens, entusiasmados com as novidades, po- publicidade para consolidar sua obra e difundir seus valo-
diam ser divididos em dois grupos: os que estavam I,Transformou-se então - e é até hoje - no maior anunciante do país.
preocupados em "se descobrir" (tomando drogas, ÍUbe aos publicitários darem imagem e voz a esse discurso oficial.
claro) e os que estavam engajados na luta por "endu- |f)io resta dúvida de que o setor saiu-se muito bem, ora desenvol-
recerse, pêro s/n perder Ia ternura jamás". Os primei- fldo peças aparentemente inocentes, mas carregadas de ideologia,
ros, herdeiros de Jimi Hendrix. Os segundos, órfãos frontalmente comunicando os princípios da dominante doutrina
de Che Guevara. l Caserna.
No Brasil, as durezas do governo militar complemen- A classe média entra no paraíso. A produção de bens de consumo -
tariam uma década, e tivemos a euforia dos anos do na- l duráveis e os descartáveis - cresce, diferencia-se e se sofistica. Nos
cionalismo exacerbado sob o slogan-criado pela propa- irmercados e nos shopping centers, que expandem sua presença
ganda - " Pra frente, Brasil". A propaganda criaria outros grandes cidades, os astros e as estrelas são os eletrodomésticos
conceitos importantes, como "Ontem, hoje, sempre, ira "a mulher moderna". Rádio, geladeira, fogão, ferro elétrico, li-
Brasil". Ou ainda: "Brasil, ame-o ou deixe-o", contra-re- llldlflcador, esses artigos são definitivamente incorporados ao coti-
ferência aos movimentos de resistência ao "golpe de Ifio do lar médio brasileiro, transformando o perfil do consumo e do

45
comportamento das famílias. O crédito está mais fácil, e comprar O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, instrumen-
utensílios domésticos vira mania nacional. Nessa onda, o mais impor- to de autocontrole das mensagens publicitárias, que significaria, na
tante eletrodoméstico da casa, a televisão, lidera em vendas e se prática, o início da extinção da censura oficial à propaganda brasileira.
incorpora - agora definitivamente - ao cenário médio do lar brasileiro. Toda a expansão do consumo e o desenvolvimento da indústria no
Em 1972, é oficializada no Brasil a TV em cores. período também servirão como base da melhoria da qualidade criati-
Graças a essa expansão de posse e sofisticação tecnológica, tam- va da propaganda brasileira em geral.
bém o negócio da comunicação que dependia dela vai crescer. Um
anúncio da General Electric dizia: "Portáteis GE fazem sua mulher du-
rar muito mais."
A felicidade se expressava na posse de bens, como diria na época
o publicitário Celso Japiassu.
O marketing ganha grande impulso, com técnicas importadas dos
Estados Unidos, onde a explosão do consumo era fato havia anos e o
desenvolvimento de novos modelos de abordagem do mercado foi
competente e eficaz.
Curioso ressaltar que a propaganda, como setor, engajava-se co-
mercial e empresarialmente no movimento liderado pelos militares e
no seu modelo económico, mas parte dos profissionais do setor orga-
nizou-se para, do jeito que a época permitia, levantar-se contra o po-
der estabelecido. - —.
• No 1" Encontro Nacional de Criação, lideranças mais aguerridas di-
riam: "A propaganda tem o poder de alienar as pessoas, desinformar,
anestesiar, esterilizar e imbecilizar as massas. Criamos desejos. É preciso
; que nos preocupemos em como as pessoas podem satisfazê-los." Foi
jum publicitário quem disse - Pedro Galvão, presidente do Conselho Na-
icional dos Clubes de Criação. Mas, dito por um representante dos movi-
Imentosde_e5ciuerda da época, cairia também como_uma_luva;/
Em outro congresso da época, o mais importante da história da
propaganda brasileira, o 3° Congresso Brasileiro de Propaganda, rea-
lizado em abril de 1978, Jujig Ribeiro, já_então empresário - no futuro,
um d^s_mais_jmpailajit£s__nojiies^da pubHcidade brasileira -,_djria;
/Num pãTsW"põucã"gente ricã7urn grande número de pobres e uma
(enorme quantidade de miseráveis, a propaganda é um instrumento de
^desagregação social. Os publicitários devem acabar com a fantasia
de que são cavalheiros da prosperidade, quando são, na verdade, ja-
jjunçosdo poder económico." í~ - - -
Como resultado direto dessa ativa participação de parte dos profis-
sionais da propaganda na defesa de seus ideais, em 1978 é aprovado

46 47
delicadeza, franqueza, humor, caráter indefeso -, o personagem tem
As décadas de ouro imediato sucesso.
Os anos 1970 e 1980 colocaram a O Garoto Bombril foi criado em 1978, por Washington Olivetto e
Francesc Petit, ambos da DPZ, e está no ar até hoje, mais de 25 anos
criatividade brasileira no cenário mundial,
depois, tendo se transformado no mais antigo personagem publicitá-
de onde ela nunca mais saiu. rio de todos os tempos, em todo o mundo.
A relação da propaganda com sua principal consumidora, a mulher
de classe média brasileira, se dará, como sempre, de forma conser-
vadora. O movimento feminista e algumas de suas conquistas da épo-
ca vão expressar-se na comunicação publicitária de forma atenuada e
adaptada às leis do mercado. Mulher independente fuma tal cigarro.
Mulher moderna compra para o seu marido tal roupa, que não amas-
sa e ela não precisa passar. Mulher inteligente tem em casa tal marca
de eletrodoméstico. Mulher liberada usa tal marca de absorvente
higiénico. Ou, ainda, mulher prática usa a palha de aço que lhe ofere-
ce mais de mil vantagens domésticas.
o final dos anos 1970 e parte dos anos 1980, a

N propaganda experimentará sua fase de ouro,


do ponto de vista da imaginação e da originali-
dade. Vai destacar-se na cena internacional para,
Abismos no caminho

Guerra do Líbano, conflito Ira versus Iraque, revolta na praça da Paz


anos depois, ser considerada como uma das três Celestial, em Pequim... Os anos 1980 seriam de pouca paz e muita
mais criativas do mundo. Em 1972, o Brasil consegue l agitação no Oriente Médio e no Extremo Oriente. Na Europa, o mapa
pela primeira vez ter um representante no principal Ideológico internacional seria redesenhado. As ideias sociais e econó-
festival publicitário internacional, o da Screen Awards micas da doutrina marxista, colocadas no papel no último quarto do
Association (Sawa), tradicionalmente realizado na ci- léculo XIX e de pé no início do século XX, ficariam de joelhos e cai-
dade balnearia francesa de Cannes. É Alex Perisci- Lflam como prática ao longo da década. Em torno da inglória luta entre
notto (o mesmo que trouxe a dupla de criação para iOS sistemas capitalista e socialista, havia gravitado a história política
o Brasil). ído homem por mais de cem anos. Mas fecha-se o ciclo com a queda
Em 1974, o Brasil ganhará pela primeira vez um Leão |do muro de Berlim.
de Ouro, prémio de destaque do Festival de Cannes Outra guerra, económica, seria travada no coração do mercado de
(com o comercial "Homem com mais de 40 Anos", de [consumo norte-americano, com uma invasão arrasadora de produtos
Washington Olivetto, na DPZ, na época). •japoneses. No final da década, 11 entre as 15 maiores empresas mun-
Um dos marcos dessa época é o primeiro comercial diais eram do Japão, que, nos Estados Unidos, comprariam pratica-
do Garoto Bombril, primeiro personagem masculino a i ffltnte toda a indústria de som e imagem do país, teriam o controle
anunciar um produto destinado à mulher, inicialmente IClonário da RCA, da Columbia Pictures, do Rockefeller Center e da
para outros produtos da marca, como Bril, Limpol e Sa- CBS Records, entre outros símbolos do poder capitalista da América.
pólio Radium, e, posteriormente, para a palha de aço do S8o mudanças estruturais de peso, que se refletiriam no Brasil de
mil e uma utilidades. Com suas características únicas - forma indireta e sem grande impacto. Na verdade, a década de 1980

49
--->:?*.

Com o movimen- seria classificada por muitos como "a década perdida". Nela, quatro
to feminista, a
mulher conquista planos económicos mirabolantes e as oscilações inflacionárias foram a
espaço e busca
assumir marca registrada na economia, enquanto uma falta de inventividade
uma posição
independente em geral contagiava os guetos criativos do país.
relação ao
homem No entanto, de onde menos se costuma esperar inovação, ou seja,
(ver também a
página seguinte) da política, foi de onde vieram os mais vigorosos sinais de mudança e
avanço. Em 1982, o país realizou as primeiras eleições diretas para o
Executivo desde Jango, na década de 1960, e a nação elegeu em
massa governadores do mais forte partido de oposição: o PMDB, nu-
ma clara demonstração de repúdio aos anos da ditadura militar.
Em 1984, teve início nas ruas das grandes cidades brasileiras o
movimento pelas Diretas já, campanha pela eleição direta também
para presidente da República. Dois dos mais expressivos líderes do
movimento, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, iriam às praças pú-
blicas para defender nosso direito ao voto, mas nos intervalos dos co-
mícios era articulada uma transição de gabinete com o Congresso,
que empossou Tancredo, sem nenhum brasileiro ter votado nele, de
forma direta.

50
Tancredo morreria antes de tomar posse, o que levaria ao cargo Jo-
não mudou o destino nem o desempenho da propaganda brasileira
sé Sarney. Ulysses também morreria sem ter visto um presidente eleito na década.
pela via direta desde sua juventude, mas a ideia das Diretasjá sobrevi-
Em 1984, a Exclam Propaganda, de Curitiba (PR), cria um slogan
veria aos dois e, antes do final da década, em 1989, o país erraria nas
que vai tomar conta do país: Diretasjá. Seria a contribuição publici-
urnas (falta de prática) elegendo Fernando Collor de Mello.
tária para o movimento contra as eleições de gabinete que imperavam
Em 1988, outro avanço no campo político faz nascer uma nova
no Brasil desde os governos militares. O levante pelas Diretasioi o fato
Constituição, mais liberal e moderna. Numa década, passamos de tute- político mais marcante da década.
lados a maus eleitores. Mas é assim mesmo. Uma coisa explica a outra.
Mas ao longo da década de 1980, porque o setor não soube criar
t alternativas para um crescimento sustentado ou talvez porque havia
No buraco, mas criativamente
lógica histórica no que se sucederia, as agências de propaganda, lí-
deres e principais representantes da comunicação publicitária perde-
Os trancos da economia vão se refletir na propaganda de maneira
riam irremediavelmente o poder político de que desfrutaram nos anos
inequívoca, e o setor vai apenas sobreviver nos dez anos seguintes.
Í militares. Os anunciantes - que, afinal, sempre pagaram a conta - e
Nos períodos de alta inflacionária, os anunciantes recuavam e as ver-
OS veículos de comunicação - que é onde, afinal, acontece a propa-
bas publicitárias praticamente desapareciam. Nos períodos de alguma
ganda - passaram a dominar a cena publicitária nacional.
retomada do consumo, os anunciantes apenas mantinham seus inves-
Pode-se explicar isso de algumas formas: as pressões económicas
timentos de sustentação publicitária, já que para o mercado não era
que fizeram o bolo dos investimentos em propaganda permanecer es-
indispensável fazer propaganda. Triste sina.
tagnado por tantos anos; o crescente profissionalismo e a agressividade
Mas era preciso ir adiante. A propaganda continuava a montagem
comercial dos veículos de comunicação; e, ainda, a queda nos inves-
de sua estrutura institucional. Em 1980, é oficializada a existência do
timentos em comunicação do governo. Esses foram alguns dos fatores
Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), ' que realinharam a ordem das coisas na publicidade brasileira.
que defenderia o consumidor da propaganda ruim e a boa propa-
A proximidade do poder nos anos 1960 e 1970, numa economia
ganda de possíveis avanços da censura ou de possíveis exageros da centralizada pelo Estado, garantiria às agências posição estratégica na
sociedade civil.
divisão dos investimentos governamentais. Mas o afastamento defini-
Mesmo nesse cenário adverso, duas novas concessões de TV são tivo dos militares do centro das decisões, a partir da democratização
emitidas, em 1981, pelo governo federal. Tratava-se de desmontar e
; do país, com a consequente redução dos investimentos na propagan-
vender o que restava do império de Assis Chateaubriand e da sua i da governamental, teve forte efeito no seu desempenho empresarial.
Rede Tupi. Saíram vencedores os grupos Manchete, da família Bloch,
A publicidade brasileira viveria, contudo - contra-senso do contra-
e Silvio Santos, do mais famoso apresentador de programas de audi-
senso -, alguns dos seus mais ricos e instigantes momentos criativos
tório do país. A Rede Manchete iria ao ar três anos depois. O SBT, exatamente nessa década, tão cheia de dificuldades e incertezas para
num gesto de ousadia, transmite direto e ao vivo a cerimónia de sua O setor.
própria concessão.
O Brasil conquistaria, por três anos consecutivos (1981, 1982 e
Em 1982, apesar dos pesares, o reconhecimento da importância 1983), a posição de segunda nação mais premiada no Festival de Can-
da propaganda brasileira seria traduzido na realização, em São Paulo, nes, sendo que exatamente as agências nacionais, que perdiam força
do 28° Congresso Mundial de Publicidade, evento anualmente pro- representativa dentro do país, seriam consideradas as grandes revela-
movido pela maior associação de propaganda do mundo, a Inter- ções da época e as mais criativas em todo o mercado internacional.
national Advertising Association (IAA), e que poucas vezes havia sido
É verdade que, a partir de 1984, quando o faturamento publicitário
feito fora dos Estados Unidos. Foi um marco importante, mas que começa a sofrer suas maiores reduções, também a criação brasileira

52
53
não consegue manter seus feitos com tal destaque e impacto. Mas a
verdade é que, a partir dos anos 1980, com_cr[se ojj jem ela,_o_B_ra_sil llobalização no quintal C-D

nunca mais deixaria de ser reconhecido como um dos países; mais cria- i tconomia e a propaganda
tivos da propaganda mundial. Comerciais como Morte do Orelhão
flilleira atrelam seus destinos ao
(1981), da DPZ para a Telesp, sobre vandalismo contra os orelhões, e !

Primeiro Soutien (1978), da W/GGK para a Valisère, sobre a emoção ipltal internacional.
de uma menina ao ganhar seu primeiro soutien, ficariam registrados
como alguns dos melhores comerciais brasileiros de todos os tempos.
O Primeiro Soutien extrapolou, sendo relacionado entre os cem co-
merciais mais criativos do mundo, em todos os tempos.

fato mais importante dos anos 1990 é a consoli-


dação da World Wide Web, a internet para todos.
Mas o cenário internacional também é agitado por
l novo e amplo mapeamento da Europa, pós-queda
muro de Berlim. Fragmentam-se em novas nações
i como lugoslávia, Bulgária e Tchecoslováquia.
parece toda a União das Repúblicas Socialistas So-
as (URSS), com a conquista da independência de
"repúblicas".
'lnquanto novos países surgem e antigas nações se
im, a economia internacional nos anos 1990 é
ada pela fusão e pela aquisição de empresas em
i o mundo. Gigantes conglomerados dos mais di-
OS setores se unem para formar megacorporações
«K num movimento de aglutinação do poder
nômico cujo porte se desconhecia até então. O fe-
tno da globalização se multiplica, tendo como
df seus motores um forte excedente da poupança
rna nos Estados Unidos, provocado pela expansão
iconomia norte-americana nos anos da gestão
, O capital intensivo globalizado se consolida
•pícentros da economia internacional e busca

54
mercados ascendentes, com potencial de expansão e estabilidade. sumo, a redução ao mínimo dos investimentos em mídia foram deci-
O Brasil é uma das mais promissoras apostas para esses megain- sivos para um péssimo desempenho da publicidade no segundo (e
vestidores de final de século. É a terceira maior democracia do mun- último) ano do governo Collor.
do, a quinta economia em capacidade de consumo, a maior potência Com o impeachment de Collor em 1992, assume o vice-presidente
entre os países em desenvolvimento, com PIB duas vezes maior que o Itamar Franco. E, em 1993, os negócios começam a voltar a um ritmo
da Rússia e quase do tamanho da China. Tudo isso resulta no fato de mais próximo do normal. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso se
que os investimentos dos Estados Unidos no Brasil são cinco vezes os torna o segundo presidente eleito pós-ditadura e põe em marcha não
realizados na China, a maior potência em expansão do mundo con- um plano económico, mas uma nova ideologia económica no poder,
temporâneo. além de uma nova moeda, o real. A estratégia económica de FHC
O país também decide, por sua vez, abrir as até então fechadas consegue, via redução da inflação e leve realinhamento dos ganhos
portas ao capital estrangeiro. Essa abertura se inicia pelas mãos do pri- das classes C e D, revigorar o poder de consumo de parcelas até então
meiro presidente eleito pelo voto direto desde o golpe militar de excluídas do mercado. Inicia-se aí uma nova e muito importante fase
1964, Fernando Collor de Mello. Seria, talvez, seu maior e melhor le- para a propaganda brasileira. Certamente a mais madura.
gado à nação, antes de ter seu mandato cassado dois anos depois. O A retomada dos investimentos em propaganda, a competição acir-
início de sua gestão foi marcado, no entanto, pelo lançamento do Pla- rada com a chegada ao país de produtos importados e de um sem-
no Económico Brasil Novo, que congelou os preços e confiscou toda número de novos fabricantes internacionais fazem da propaganda
a moeda circulante no país, deixando cada cidadão com 50 mil cruza- náo mais uma arma de comunicação, mas um componente empre-
dos novos. Collor assumiu em março. Em abril, ninguém sabia se che- sarial estratégico para a conquista de novos mercados e a garantia de
garíamos a maio. desempenho para as empresas.
O impacto do quarto plano económico da década, certamente o Como de resto toda a economia brasileira, também a publicidade
pior, foi enorme no Brasil como um todo, mas alguns setores sentiram vai viver sua fase mais forte de internacionalização. O ranking do ne-
mais do que outros. gócio de agências (publicado por Agências & Anunciantes, da Editora
M & M) aponta para uma forte inversão em sua composição: enquan-
Confisco na propaganda to nos anos 1980 eram apenas três as agências multinacionais entre as
15 maiores do país, na década de 1990 esse número se transformou
Para a propaganda, os meses que se seguiram a março foram dra- têm dez. Os maiores grupos internacionais de comunicação comercial
máticos. Setores de prestação de serviços tiveram mais dificuldades do jidesembarcam finalmente no Brasil, numa mudança estrutural histórica
que os que tinham, por exemplo, contato direto com o consumo de coloca a maior parte do setor nas mãos do capital global.
bens de primeira necessidade, como o varejo - especificamente os Outra mudança estrutural histórica foi o desaparecimento, em
supermercados. 1997, da Lei 4.680/1965, que por mais de trinta anos havia regula-
Em abril, as agências de propaganda começaram a reduzir seus qua- Lffientado a remuneração do setor. As agências de propaganda deve-
dros. Idem as emissoras de W e rádio. Os anunciantes do setor privado Iflim receber uma taxa de 20% sobre os valores investidos em mídia
cortaram suas verbas a zero. O mesmo fizeram as várias instâncias do anunciantes, mais 15% sobre os valores investidos na produção
governo. Em volume de novos negócios, a propaganda parou. 0IS peças publicitárias. A lei, protecionista na essência, viabilizou a
Mas o ano seguinte seria novamente dramático para o setor, que (prosperidade da propaganda brasileira. Mas leis protecionistas num
encolheria uma vez mais, crescendo em 1991 ainda menos que o j a flircado de forte concorrência internacional perdem seu sentido. Ou
ruim ano de 1990. Veio o Plano Collor 2, que congelou novamente os rltlhor: o capital investidor estrangeiro prefere as regras da livre ne-
preços. A escassez de moeda circulante, a retração esperada do con claçâo às normas rígidas de um documento legal que ficou para

57
trás e que, na prática, já não era observado pela esmagadora maioria Durante toda a década, salvo exceções, a criatividade publicitária
do mercado. Os anunciantes foram intransigentes em pressionar pela Clonal vai ocupar novamente o lugar de destaque que ocupou es-
extinção da lei - e ela foi, assim, extinta de fato. (radicamente nos anos 1980. Desta vez, de forma mais sólida e,
Um acordo posterior, celebrado sob os auspícios da Associação pirentemente, mais consistente e duradoura. Em 1993, o país ganha
Brasileira das Agências de Propaganda (Abap), com apoio (restrito) da i primeiro Grand Prix no Festival de Cannes, com um anúncio de
Associação Brasileira dos Anunciantes (ABA), estabeleceu patamares ircello Serpa e Nizan Guanaes, da DM9, para o guaraná Antárctica
mínimos para a livre negociação, na tentativa de proteger, ao menos, |f, Foi a maior premiação da propaganda brasileira.
as pequenas e médias agências, que se tornaram vulneráveis pela ex- i Brasil é considerado, desde então, a terceira potência mundial
tinção pura e simples da lei. O acordo está em vigor até hoje. Algum l criação publicitária, pelo volume de prémios que conquistou (e se-
sangue foi estancado. Não se sabe por quanto tempo. I conquistando) nos festivais internacionais do setor e pelos elogios
Num contexto em que o capital internacional ganha grande pre- l recebe até mesmo de países do Primeiro Mundo, donos de uma
sença na economia e num país em que a evolução económica se •já sem tamanho.
reinstala aos poucos, depois de anos sem receber muita atenção, o
consumidor começa a ser um pouco mais respeitado. Em 1990 é pro-
mulgado o Código Nacional de Defesa do Consumidor, o qual, para
espanto de muitos, passa a ser observado por uma parcela importan-
te das empresas em operação no Brasil. Entidades civis e estatais re-
presentativas do consumidor começam a surgir e passam a operar
em bases permanentes. É um luxo, num mercado em que o consu-
midor foi sempre tratado como lixo.

Criativos no poder

Para finalizar, marcante também na década foi a mudança da im-


portância do profissional de criação na hierarquia de poder dentro das
agências e no negócio da propaganda, de modo geral.
Tido durante anos como um profissional pouco confiável e meio
maluco, ao longo de décadas os criativos foram adquirindo maior
maturidade, competência e consciência da propaganda como ne
gócio. Passaram a discutir estratégias de mercado com sabedoria e
informação, a observar e respeitar as pesquisas. E passaram, em
contrapartida, a ser mais respeitados como interlocutores pelos anun
ciantes.
Todas essas transformações resultaram na ascensão do homem de
criação aos mais altos postos dentro das agências de propaganda e,
mais que isso, na estrutura económica do negócio, já que os grandes
nomes da área passaram, em sua maioria, a ser sócios ou donos exclu
x
< sivos de suas próprias empresas.
s

58"
_ _ Grandes .
Momentos
Toda história é um emaranhado de fatos e personagens.

Eles não acontecem como num livro, onde cada capítulo separa

um assunto do outro. Na verdade, não se separam nunca.

Mas vale a pena olhá-los de perto, um por um. Nesta e nas demais

partes deste livro, você vai acompanhar alguns dos momentos

de maior destaque da história da propaganda brasileira.

com lente de aumento. E conhecer seus personagens como se eles

fossem únicos. Até porque, num certo sentido, são mesmo.


W sai da DPZ
Washington Olivetto deixa a agência em
que trabalhou por 14 anos para inaugurar
a nova história da propaganda brasileira.

O
destino sempre prega peças até hoje nos seus ro-
teiros urbanos, na imensa São Paulo. É por isso que
ele às vezes ainda passa em frente ao prédio mais
importante da sua vida. O prédio continua lá, branco co-
mo sempre, com aquelas três letrinhas na porta, que pa-
ra a maioria dos que circulam por ali não significam
grande coisa, mas que para ele tinham sido todo um al-
fabeto e todo um aprendizado.
É por isso que, ainda hoje, quando pára no sinal de
trânsito da esquina, não consegue controlar a emoção.
É mais forte. A DPZ é mais forte que ele.
Mas ele engata a marcha, e o prédio branco vai fican-
do no retrovisor. Foi onde passou a estar desde aquele
almoço nos Jardins, bairro nobre paulistano, anos antes;
no retrovisor e na história.
A cara amassada de sono, o passo meio trôpego até
o banheiro do imenso apartamento, a ajeitada sem jeito
nos cabelos desgrenhados enganariam o observador
afoito. Ele estava bem. Tinha dormido muito bem. Não
se lembrava dos sonhos daquela noite, mas também
não costumava se lembrar muito bem de sonho nenhum.
O importante naquele dia não eram os sonhos, mas
aquela tão sonhada realidade. Aquela mesma que havia traçado com Quando entrou no carro e percorreu as ruas nobres dos Jardins,
cuidado e obstinação, e que iria enfrentar dali a pouco. Bastaria para não estava nada preocupado com isso. O vidro fechado deixava o
isso entrar no carro e percorrer o mesmo caminho que havia percor- movimento surdo da cidade ali do lado de fora, o que era perfeito
rido por anos, até a agência. O caminho seria o mesmo, mas nunca para ajeitar na mente os pensamentos de, digamos, seis anos de vi-
tão diferente como naquele dia. da. Não sabia ao certo quando havia começado a ter aquela ideia
A pasta de dentes tinha gosto de pasta de dentes. O banho tinha maluca. Anos depois, diria a amigos chegados que foi desde o dia
jeito de banho. A roupa... Bem, a roupa nunca tinha cara de roupa. em que entrou na DPZ: "Comecei a sair da DPZ no dia em que en-
Era mais uma indumentária. O terno Parachute, grife-mãe da Comme trei na DPZ. Só que nem eu nem eles sabíamos disso." Ninguém po-
dês Garçons, seria o cinza. A camisa cor-de-rosa fechada até o queixo deria mesmo saber.
contrastaria com a gravata extravagante, sua própria marca registra- Quando entrou na sala, encontrou reunidos Roberto Duailibi, Flávio
da, uma assumida e gozada caricatura de si mesmo. E os ténis. Ténis Conti (diretor-geral), José Negrini (diretor financeiro) e José Carlos Pie-
com terno, outra marca registrada e outra gozação. dade, também membro do board. O Petit estava viajando e o Zarago-
Saiu às dez da manhã, lembrando a conversa por telefone com 2a pode ter pensado que o encontro era mais um daqueles do
o dono do restaurante onde fizera a reserva para o almoço daque- Washington. Talvez por isso não tivesse ido.
le dia: - É o seguinte, gente - ele diria sem rodeios. - Eu adoro vocês, mas
- Zé Victor, eu preciso do teu restaurante no dia 8 de julho e não estou indo embora hoje. Foi maravilhoso estarmos juntos esses anos
me pergunte por quê. Se você me perguntar, eu vou responder, mas todos. Espero que dê tudo certo para a agência, mas eu vou embora.
você vai ter que ficar quieto. Se não perguntar, não precisa ficar quie- E foi. Assim, indo mesmo.
to. Então, é simples: me recebe no teu restaurante e pronto. Fez aquilo inspirado na técnica do band-aid: se puxar devagar, dói
José Victor Oliva foi impecável. Optou pela segunda alternativa e demais. Preferiu o comunicado seco. Arrancou o passado da sua fren-
concordou com um direto e económico: "Tá feito, Washington." te e encerrou ali 14 anos de um dos relacionamentos mais produtivos
Washington Olivetto. Era ele mesmo. O grande nome. Um nome C originais de uma agência com seu pupilo talentoso.
conhecido onde interessa, na cidade toda. Um nome com o poder de Saiu da DPZ e foi para o Manhattan, o restaurante do Zé Victor
provocar inveja, ira e admiração, no tempo rápido que se percorre do Oliva. Ali estavam a revista Veja, a Folha de 5. Paulo, O Estado de S.
W ao O. O enfant gâté da publicidade brasileira. Um necessário. Paulo, a Rede Globo de Televisão, algumas rádios, enfim, a imprensa
A agência esperava por ele, mas não esperava o que iria acontecer. toda. Foi uma coletiva fulminante, que sairia na capa dos principais
Imaginavam por lá que seria mais uma daquelas reuniões que o jornais do país, no Jornal Nacional e ocuparia, na semana seguinte,
Washington vinha promovendo há algum tempo, para discutir a DPZ, quatro páginas da Veja. Ele estava em todos esses lugares com o ter-
a mãe de todas as agências criativas do Brasil. no, a gravata, a camisa e os ténis de sua própria autoria. Dizendo a
O tempo andava frio nas ruas, mas quente na cabeça dos donos da todos que não estaria mais no lugar onde sempre esteve nos últimos
DPZ. Como pano de fundo do enigmático encontro, costurava-se um 14 anos. Era a primeira vez em nossa história que um publicitário ga-
acordo que poderia ter mudado a história da propaganda brasileira, nhava tanto espaço na mídia, inaugurando ali uma atenção da im-
como a conhecemos: a McCann-Erickson, a poderosa multinacional prensa aos profissionais da propaganda, que se tornaria uma espécie
do Grupo Interpublic, tinha feito uma oferta de compra para a DPZ. de vício. Da imprensa e dos publicitários.
E o D , o P e o Z estavam pensando seriamente no assunto. Seria o ne- Quando tudo terminou, saiu do restaurante, entrou no carrão, li-
gócio da década. A mais criativa agência do país, comprada, com gou o motor e olhou pelo retrovisor. Curioso, não viu o Manhattan.
Washington e tudo, pela maior agência estrangeira do Brasil. O D, o Por instantes, jurou ter visto o prédio branco da DPZ, que não ficava
P e o Z estavam preocupados com isso. Ele não. longe, mas não caberia ali, naquela imagem, naquele momento.

64 65
Nizan deixa a W/Brasil W/GGK. Eram então parceiros e amigos. A relação entre os dois pas-
saria por um estremecimento definitivo tempos depois, mas isso não
O baiano mais veloz do mundo volta pra é importante para a história da propaganda recente. Importante é que
Bahia, para voltar para o mundo. Nizan voltou para a DM9, recusando numerosos convites nacionais e
internacionais. Dizia que o Duda Mendonça havia oferecido a ele mais
que uma sociedade: centenas de quilómetros de praia, centenas de
igrejas e ladeiras, mais de quatrocentos anos de história. Duda lhe
havia proposto toda a Bahia. Foi irrecusável.
Ao sair e iniciar sua vida de empresário na terra do acarajé, Nizan
estava dando, sem querer e sem saber, continuidade a um novo mo-
delo de agência e a um novo jeito de se criar propaganda no país: o
jeito inaugurado por Washington, que daria filhotes e geraria
herdeiros, dos quais Nizan seria sempre o mais ilustre. O herdeiro com
luz própria, que montou a sua própria DM9 e escreveu uma das mais
avassaladoras histórias de sucesso empresarial e criativo desses últi-
mos vinte anos.
epois de Jorge Amado, ele provavelmente é o baia-

D no mais internacional do mundo. Sem deixar de ser


o baiano mais baiano da Bahia (talvez nesse quesi-
to perca, na chegada, para António Carlos Magalhães).
Foi por causa dessa baianidade toda que seguiu à risca
a letra de Gilberto Gil, que diz: "Eu vim da Bahia, mas
eu volto pra lá."
Depois de anos entre o Rio de Janeiro e São Paulo,
anos após ter deixado a terra santa, onde começou na
DM9 de Duda Mendonça como estagiário, depois de
haver passado pela Artplan, pela DPZ e pela W/GGK, ele
voltou pra Bahia, em 1988.
Essa volta e sua saída da W/GGK são o segundo epi-
sódio mais importante da moderna propaganda brasi-
leira. Nizan saiu deixando saudades na agência do então
amigo Washington, que fez para ele um anúncio cujo
título era exatamente "Eu vim da Bahia, mas eu volto
pra lá". No final, assinava assim: "Querido Nizan. Você
voltou pra lá. Mas ficou aqui: dentro do nosso coração."
Nizan havia saído da DPZ junto com a redatora ainda
principiante Camila Franco, convidados para acompa-
nhar Washington naquela nova aventura, chamada
A dupla de criação
O modelo que hoje é padrão em qualquer
agência do mundo passou a existir na
publicidade apenas na década de 1950.
E mudou tudo.

m 1982, a Almap, de Alex Periscinotto, um dos res-

E ponsáveis pela introdução das duplas de criação no


Brasil, decidiu acabar com elas em sua agência, que
na época tinha nada menos do que 15. Derrubou as
baias onde elas se isolavam e abriu o departamento de
criação, o qual, sem paredes, passou a operar em equi-
pes. A MPM fez o mesmo, naquele ano.
A derrubada das paredes, a instituição das equipes, a
criação em grupo, sem dúvida, quebraram o antigo mo-
nopólio da dupla como formato único para se criar
propaganda. Isso, no entanto, não fez as duplas desapa-
recerem de vez. E é muito possível que isso jamais venha
a acontecer. Rapidinho, no entanto, vale contar como é
que elas chegaram ao Brasil.
Júlio Cosi ir., um dos nomes de peso da criação bra-
sileira nos anos 1950 e 1960, na época na Standard, foi
o primeiro publicitário brasileiro a colocar os pés na Ma-
dison Avenue, em Nova York, na agência mais impor-
tante de propaganda de todos os tempos: a DDB. Nela
estava acontecendo uma revolução desde o final dos
anos 1940. Uma revolução liderada pelo génio da raça,
Bill Bernbach. Bernbach introduziu humor, charme, põe-
sia e sedução na publicidade. Deslocou o discurso publicitário do seu de que se tem notícia na história das duplas de criação no Br.isil.

eixo central, que era a enumeração pura e simples dos atributos e di- O anúncio dizia: "NEIL QUERIDINHO: VOLTA PRA CASA. TUDO ES1Á

ferenciais do produto, introduzindo técnicas de envolvimento, graça e PERDOADO." E assinava com o Z do Zorro. O Z de Zaragoza.

emoção nas mensagens. Os textos passaram a conter raciocínios inte- Eles criaram juntos o Baixinho da Kaiser, o Leão do Imposto de Ren-

ligentes e sutis, conversando com o consumidor. As ilustrações pas- da, o filme do orelhão depredado da Telesp, o menino de olhos ven-

saram a ceder espaço à fotografia. Os anúncios deixariam de ser des- dados da Sadia. Neil voltou. Ficou mais um tempinho e abandonou a

critivos de marketing, com caráter meramente informativo, para se propaganda de agência, como a conhecemos, para continuar aten-

transformarem em peças de convencimento e indução à compra. Ele dendo a alguns clientes seus, de forma independente.

praticamente "criou" a criação publicitária como a conhecemos hoje. Certa vez, foi o próprio Neil quem comparou, para a Revista da
Foi na DDB também que se consolidou a experiência inédita das Criação, o trabalho em dupla com o ato de escrever, parafraseando

duplas de criação. Antes, como o leitor provavelmente sabe, o lay- Ernest Hemingway: "É como transar: ou é fácil ou é impossível."

outman trabalhava num estúdio à parte e quem criava tudo era o re- Washington Olivetto e Petit formaram outra das duplas históricas

dator. Na DDB, eles passaram a atuar em dupla, e Júlio Cosi Jr. viu isso da propaganda brasileira. Washington chegou praticamente garoto

acontecer na sua frente, voltando para o Brasil deslumbrado. na DPZ e encontrou um diretor de arte estrangeiro já bastante expe-

O próximo a visitar a DDB seria Alex Periscinotto - que na época era riente, que com quarenta anos de idade era dono do seu próprio ne-

layoutman do departamento de propaganda do Mappin - e seria tam- gócio. A ligação dos dois começou cedo e perdurou até mesmo após

bém o próximo a voltar com a cabeça virada de Nova York. Peris- o W sair da agência, 14 anos depois (em 1995, fizeram juntos a cam-

cinotto se transformaria em sócio da Almap, e Cosi continuaria na panha dos cinquenta anos da Sadia, conta da DPZ, quando o

Standard. Nelas, os dois implantariam o organograma de operação da Washington tinha já sua W/Brasil na estrada havia sete anos). Ambos

DDB, com destaque para as duplas na criação. Mas foi na Almap que definem a razão maior de sua afinação como empatia à primeira vista.
Com Petit, Washington queimou etapas como profissional de cria-
a revolução se deu.
ção. Teve o professor que muitos gostariam de ter. De sua parte,
soube aprender. E doou para a relação uma inteligência rápida e um
Duplas em dose dupla
espírito criativo que sempre fascinaram Petit. O P da DPZ revelou
Trabalhar em dupla, muitas vezes já se fez essa comparação óbvia, também à Revista da Criação que foi graças ao W que ele acabou per-
dendo seu medo de avião.
é como casamento. Não é verdade. Quem trabalha em dupla convive
mais com o parceiro do que qualquer casal "casado". Uma analogia O processo criativo dos dois era muito peculiar. Petit tinha ideias
melhor é a do Alexandre Gama, Chief Executive Officer(CíO), ou di- à noite, em casa. Sempre com registros visuais (esboços, rabiscos,

retor-geral, da Neogama, que vê uma dupla de criação como uma desenhos), chegava à agência e mostrava tudo para o seu duplo.

dupla de ténis. Essa versão é mais precisa: o objetivo da dupla de ténis Washington, nas palavras de Petit, bicava tudo feito passarinho e aca-

é conquistar pontos, jogar em conjunto e vencer (infelizmente, nem ba sempre achando filões para grandes campanhas. Entre as muitas
criadas pela dupla, está toda a série dos anos 1980 do Garoto Bombril.
todos os casamentos são assim...).
Neil Ferreira e José Zaragoza fizeram uma das duplas talvez mais Eles nem precisavam ter feito mais nada.

carinhosas da propaganda brasileira. Estiveram juntos na DPZ, entre


idas e vindas, por 17 anos.
Quando o Neil saiu da agência e acabou indo para a Salles,
Zaragoza fez um anúncio (desta vez sozinho, texto e layouf) em que
chamava seu duplo de volta, na maior mensagem de amor e respeito

70
C-D
Liberdade é uma calça ses dos muros foram traduzidas para o inglês e interpretadas por fony
Osanah, então integrante do grupo de música latino-americana Raices
velha, azul e desbotada de America.
O disco vendeu 500 mil cópias.
Um simples jingle para uma calça jeans
Sérgio Mineiro, autor da peça em conjunto com o compositor de
atinge as paradas de sucesso e se MPB e também sócio da produtora, Renato Teixeira, chamava a aten-
Ção para algo, no mínimo, curioso: "Não citamos o nome do produ-
transforma num marco: a propaganda
to em nenhum momento da letra, e o jingle obteve o maior índice de
vira música popular brasileira. reca//que a Levi's registrou para seus comerciais até hoje."
A lição que fica é sintetizada por Sérgio Campanelli, o C da MCR:
"Quando você tiver qualquer dúvida sobre o que dizer em sua cam-
panha, cante."

ingle é coisa comercial. Uma peça fonográfica, criada

J por profissionais do meio publicitário, para vender


produtos. É um recurso da propaganda para con-
vencer o consumidor, cantando no seu ouvido. Algo, por-
tanto, que é veiculado nos espaços comerciais das emis-
soras de rádio, ou como pano de fundo do filme, na TV.
Muitos deles fazem sucesso entre o público. Muitos
são cantarolados nas ruas e nos ônibus, como se fossem
canções de autoria de ídolos populares.
Mas a música tema do filme Graffiti (criado em 1980,
pela DPZ, para seu cliente Levi's), da produtora MCR, foi
um fenómeno à parte. Alcançou, literalmente, as paradas
de sucesso. Saiu dos espaços comerciais para entrar de
cabeça no espaço artístico das emissoras de rádio, que
passaram a programá-la como um hit musical qualquer.
O sucesso foi acontecendo aos poucos, e o jingle teve
que ser gravado em disco. (Um compacto simples, quem se
lembra deles?) O compacto ficou meses na lista dos mais
executados nas rádios AM e FM de São Paulo. Fez sucesso,
embora menor, também em outros estados brasileiros.
A letra da música era uma colagem de grafites das
ruas de São Paulo, reunidas por um òoyda MCR. As fra-
'P*1
O Brasil virou Primeiro
Mundo
De como quem não era nada virou uma das
mais respeitadas nações criativas do
"Planeta Propaganda".

n, t* i

iver neste país - concorde comigo, caro leitor - às

V vezes desanima. Mas há vezes - é raríssimo - em


que a gente até sente orgulho de ser brasileiro.
Isso acontece, para citar o óbvio, quando vemos a se-
leção em campo e ela ganha (tem sido raríssimo, mas
acontece). Mesmo que o Brasil perca, torcendo nos
transformamos na tal pátria de chuteiras, o que é uma
experiência única.
Foram as grandes nações que inventaram os prémios internacionais O primeiro Leão
Infelizmente, não temos muitas sensações assim. In- de Ouro do Brasil
da propaganda, para comparar o desempenho dos mercados publici- em Cannes, em
felizmente, há pouca coisa que podemos esfregar na 1971: Homem
tários ao redor do mundo. Na verdade, elas inventaram as premiações com mais de 40,
cara do mundo e dizer com orgulho: isso aqui fomos da DPZ
internacionais para premiarem a si mesmas, tamanha sua excelência
nós que fizemos.
publicitária.
Pois temos algo assim com a propaganda brasileira.
Mas desde a década de 1970, expressivamente na década de 1980
Do ponto de vista económico, o Brasil é um dos dez
e, com mais destaque ainda, dei 995 a 2000, em todos esses festivais e
maiores países do mundo. Do ponto de vista do volume
premiações, o Brasil costuma ir muito bem, obrigado.
de negócios, nossa propaganda está entre as seis
No maior e mais representativo desses eventos, o festival da Screen
maiores. Mas quando se fala em qualidade criativa da
Awards Association (Sawa), realizado em Cannes todos os anos,
nossa publicidade, nos sentamos ao lado dos Estados
temos nos consagrado há pelo menos duas décadas - sendo que nos
Unidos e da Inglaterra, com o restante das nações lá
últimos cinco anos do século XX ficamos entre os três países mais pre-
atrás, só olhando como é que pode. Trata-se de um
miados do mundo. E quem outorga os prémios são eles, não nós.
orgulho mais que justificado. Pense comigo: por que
Há um começo para este que parece ser um grande final feliz.
seria assim?

/b
Parece conto de fadas Em 1989, final desse período, portanto, conquistamos 16 Leões em
Cannes. Ninguém deixou de notar. A média de cinco Leões, obtida
O Festival de Cannes existe desde 1953. A participação brasileira desde 1980, dava uma subida considerável.
começou a ser digna de algum registro nos anos 1970, quando algu- Na verdade, o desempenho criativo e produtivo da propaganda bra-
mas agências nacionais passaram a enviar seus filmes, inicialmente só sileira em Cannes refletia também, como seria inevitável, o desenvolvi-
para ver no que dava. O Brasil ganhou alguns Leões, então. A DPZ mento da indústria publicitária no Brasil, que amadurecia como negócio.
levou o primeiro, em 1971, e seria costumeiramente bem premiada, É da década de 1980 o surgimento dos primeiros movimentos de
com destaque ainda para a MPM e a Almap - aliás, as três agências defesa do consumidor e a consolidação, como prática comum, dos
brasileiras mais criativas daquela década. serviços de atendimento ao cliente (praticamente inexistentes na dé-
Mas foi nos anos 1980 que o Brasil começou a marcar alguma pre- cada anterior).
sença e a ser notado como nação emergente. Inicialmente, mais como Produtos e serviços começaram a se sofisticar e a se diferenciar.
folclore do que como algo para ser levado efetivamente a sério. Durante anos, o consumidor brasileiro teve como opção, salvo exce-
Uma das formas de medirmos essa participação é a clássica: o nú- Ções, linhas de produto menos elaboradas dos grandes fabricantes
mero de Leões ganhos. Na década de 1980, o Brasil começou a con- mundiais, sendo que a indústria nacional nunca foi craque em inova-
quistar mais de cinco Leões por festival, de forma sistemática. Em ne- ções e avanços.
nhum ano da década trouxemos para o Brasil menos do que cinco. Esse era um desafio à criatividade do publicitário brasileiro, que ti-
Como sempre, no entanto, nosso material era pobre, quando se rava leite de pedra na hora de anunciar coisas que nada tinham de
analisava mais detidamente o seu nível de produção. Nossos comer- novo e que pouca diferença apresentavam em relação ao produto
ciais eram mal fotografados, mal sonorizados e mal copiados para exi- concorrente.
bição na mostra - virou histórica a fase das cópias esverdeadas, que A economia começou a mudar, idem a publicidade.
exibimos em Cannes anos seguidos. Ainda assim, as ideias sustenta-
vam o desempenho brasileiro. Ideias instigantes que, apesar de serem Não vem que não tem
apenas mensagens publicitárias, com todos os cuidados da propa-
ganda comercial, mostravam surpreendentemente a cara do país. Os Em 1991, o Brasil sofre um revés definitivo, que deixaria clara a re-
filmes brasileiros premiados na década de 1980 não foram aqueles gra para todos os anos 1990 e dali em diante. O Festival de Cannes,
em que tentamos mostrar personagens levando uma maravilha de vi- anglo-saxão, fechou as portas à ascensão sul-americana, o Brasil na
da, em cenários falseados para parecer realidade. O Brasil ganhou ponta. Ali, o sonho acabou. O júri do festival foi duríssimo com os tra-
prémios por expor, aos olhos destreinados de europeus e norte-ameri- balhos do país, e a plateia de cerca de 4 mil publicitários presentes ao
canos, um país meio simplório, mas que fazia dessa simplicidade algo Ralais du Festivais (onde se realiza a mostra de comerciais) vaiou todas
sempre publicitariamente surpreendente. Em geral, com pitadas de as peças brasileiras.
um humor que não tinha nada a ver com o refinado humor inglês, Num primeiro mundo em que, na época, o baixo desempenho eco-
nem com a franqueza inteligente e rápida do humor norte-americano. nómico e o acirramento da concorrência colocavam contra a parede
Éramos gozados também, mas do jeito brasileiro. Assim o país foi agências e anunciantes de grande porte, não fazia sentido um país do
abrindo espaço e conquistando respeito. Terceiro Mundo continuar realizando boas performances, sob os aus-
A DPZ cedeu lugar à W/GGK como a agência de maior destaque da pícios da elite mundial da publicidade.
década. Washington Olivetto terminou os anos 1980 como o mais Ganhar prémios em Cannes sempre foi um grande negócio. Um
premiado publicitário brasileiro, com alguns corpos de vantagem bom desempenho no festival pode ser a pedra de toque na con-
sobre os demais. quista de novas contas, notadamente no mercado europeu. Assim,

11
a década de 1990 quebrou o encanto. Nunca mais Cannes teria o
frescor de antes.
O Brasil teria - como todas as demais nações sul-americanas, aliás
- que mostrar seu talento, apesar da má vontade dos países líderes.
Em 1992, no entanto, foi introduzida no festival uma inovação que
auxiliaria o Brasil, embora poucos pudessem então supor que seria
assim. Criou-se o Festival de Mídia Impressa, o Press & Póster Festival,
que começou sem graça, com poucas inscrições e baixa representati-
vidade, mas que se firmou já no ano seguinte.
No primeiro ano, o Brasil não foi bem. Na verdade, com exceção
dos trabalhos da DPZ e de muito poucas outras peças, a publicidade
brasileira não detinha grande história gráfica. Certamente, não havia
como nos compararmos aos europeus e aos norte-americanos, donos
de uma indiscutível excelência histórica nas artes gráficas.
Apesar disso, no ano seguinte, começamos a criar uma história de
grandes conquistas para a propaganda brasileira na mídia impressa.
Com um trabalho de Marcello Serpa e Nizan Guanaes para o guaraná
Antárctica Diet (da nova agência de Nizan, a DM9), o Brasil conquis-
tou nada menos que o Grand Prix do Press & Póster. Foi o primeiro
Grana Pm brasileiro em Cannes, em toda a sua história.
Fizemos mais. Como agora estava em jogo um número maior de
Leões (soma dos dois festivais), começamos uma escalada permanen-
te - e, aparentemente, sem volta - para um novo estágio de nossa
participação. O país trouxe 12 Leões, sendo seis para filmes e seis para
mídia impressa.
Mas o Grand Prix seria mesmo o grande marco. Se o Brasil vinha
crescendo em ritmo lento ao longo dos anos 1980, a expansão na R orno cão Diet Pepsi:
mídia impressa mostrou que, além das boas ideias, fazia-se por aqui
um trabalho gráfico de indiscutível qualidade. Neste caso, qualidade
v ocê bebe
que poderia começar a ser comparada com as escolas mais sofisti- e não
cadas do mundo.
Em 2000, o país se supera e atinge a marca dos 36 Leões conquis-
'gan ha nada,
tados em Cannes, seu maior e melhor desempenho desde sempre (o wer'
melhor resultado anterior havia sido em 1998, com 35 Leões). É um ESCOlU l Agoi
pelo «>»'
sabor l»
marco histórico.
E aí voltamos ao início, quando dissemos que o Brasil é hoje a ter-
ceira maior potência mundial da criatividade publicitária. Os números
de toda a década de 1990 atestam isso com clareza.

78
Mas para não ficarmos no "achismo", um estudo preparado com
rigor técnico definiu essa posição internacional com absoluta clareza:
CCSP
o Gunn Report. O Clube de Criação de São Paulo é a pedra
de toque na valorização do profissional de
A terceira melhor propaganda do mundo
criação e da memória da propaganda
Donald Gunn é diretor de criação da Leo Burnett, de Chicago, nos criativa brasileira.
Estados Unidos, e um estudioso da criação publicitária internacional.
Ele produz, há décadas, uma lista anual com os 700 Melhores
Comerciais de Todos os Tempos, ranking considerado em todo o
mundo como uma espécie de placar oficial do setor, atualizado perio-
dicamente e contendo filmes desde 1963.
Os primeiros - e únicos, durante um bom tempo - comerciais bra-
sileiros a figurar nessa seleta lista foram Hitler, da W/GGK para a
Folha de 5. Paulo, que faturou o Leão de Ouro em Cannes em 1989
(dirigido por Andres Bukowisnki), e Primeiro Soutien, também da
W/GGK, para a Valisère, Leão de Ouro em Cannes, em 1987 (dirigido profissional de criação só é gregário na crítica.
por Julinho Xavier).
Mais recentemente, Donald Gunn expandiu seu levantamento para
algo até então inédito na propaganda internacional. Reuniu análises
O A maior crítica que se pode fazer a ele é que não
é, como todo homem, um ser social. É autóctone.
Raramente se reúne pelos interesses do grupo. Grupo?
de desempenho de dezenas dos mais importantes festivais publici- Que grupo?
tários do mundo para produzir o que poderíamos chamar de "a lista Numa categoria assim, uma sociedade que sobrevive
das listas", mas que ele preferiu chamar de Gunn Report. há mais de 25 anos, como é o caso do Clube de Criação
O primeiro desses estudos foi publicado com exclusividade pela de São Paulo (CCSP), mereceria, no mínimo, um livro in-
Revista da Criação no Brasil, em 1999. Era a reunião dos resultados teiro à parte. Por sua teimosa vocação à imortalidade.
dos festivais realizados em 1998 e 1999 em todo o mundo. No segun- O CCSP nasceu em 1974, fruto do descontentamen-
do estudo, publicado em 2000, o Brasil aparece como a terceira nação to dos criativos locais com as coisas do Brasil. Fazia-se
mais criativa do mundo, e São Paulo, como a segunda cidade mais propaganda, aqui, como se ela fosse feita para ser con-
premiada internacionalmente (atrás de Londres, mas na frente de No- sumida em Nova York. Traduziam-se títulos em inglês, a
va York). direção de arte desconsiderava o universo estético do
Assim, para quem duvidar, o Gunn Report confirma: o Brasil pro- país, os conceitos de comunicação eram para a classe
duz a terceira mais criativa propaganda do mundo. Afinal, algo de média norte-americana.
que se orgulhar. Paradoxalmente, um dos mais revoltados contra esse
modelo importador foi um importado: José Zaragoza, o ca-
talão Z, da DPZ. Ele e muitos outros, inconformados com
esse estado de coisas, resolvem criar uma entidade que
discutisse critérios e padrões. Principalmente que criasse
os seus próprios, em vez de ficar discutindo os dos outros.
Clube não é sindicato anuário, privilegiando os elementos estéticos dos trabalhos, e nun<d
mais se ouviu falar dele.

Desde o início, o clube seria um reduto para se pensar a profissão, Assim, fica aqui o registro aos méritos da única entidade de profis-

sua linguagem, sua postura diante do consumo e da sociedade em que sionais de criação com muita história para contar. A principal delas é o

ela atua. Seria ainda a entidade porta-voz dos profissionais. Defenderia exemplo mais vivo de como a união dos profissionais de criação pode

seus interesses e os da criação publicitária, sem se confundir com um não só acontecer como também dar certo e produzir coisas importantes.

sindicato ou órgão de classe. Por isso chamou-se clube.


Também desde o começo, o CCSP editou um anuário, sua maior
contribuição permanente à memória da propaganda e ao trabalho
dos profissionais que a realizam.
Como se isso não bastasse, o CCSP inspirou outros CCs. Muitos
proliferaram nos anos 1980, no interior de São Paulo e pelo resto do
país. A maioria, infelizmente, desapareceu como surgiu: num espasmo.
O do Rio de Janeiro mantém atividade permanente e é, também,
bastante atuante em seu mercado regional. Entre outros méritos, está
o de publicar seu jornal periódico e o de, em 1994, ter realizado o 4°
Encontro Nacional de Criação, no qual as mazelas da profissão foram
debatidas em profundidade, apesar da ausência do CCSP e de seus
associados.
Nos anos 1970, o CCSP engajou-se em causas claramente políticas,
numa época em que respirar era um ato de sobrevivência e, portan-
to, um ato político. Opôs-se firmemente à ditadura, figurando como
mais uma entre as numerosas entidades da sociedade civil organizada
que se mobilizaram contra o regime militar.
Em 1987, na gestão de Raul Cruz Lima, o clube impôs-se a tarefa
de reforma e inauguração de sua sede própria, um património de
indiscutível significado para a união dos criativos de São Paulo. O bar
da sede foi, durante anos, importante ponto de encontro da classe.
(Depois de extinto o clube, a sede adquiriu um perfil meramente
administrativo, perdendo o sentido aglutinador que antes a identifi-
cava.) No casarão do bairro do Bexiga, em São Paulo, importantes reu-
niões foram - e continuam sendo - realizadas.
Um outro clube, o dos Diretores de Arte, de duração curta, existiu
em São Paulo de 1988 a 1989. Surgiu como uma dissidência do
CCSP, uma vez mais, instigado por Zaragoza. Ele e os profissionais
reunidos na nova entidade diziam-se insatisfeitos com os critérios do
CCSP, que, segundo alegavam, não valorizava como devia o trabalho
visual de diretores de arte e fotógrafos. Esse clube lançou um bonito

82 H:J
sua empresa pouco serviriam, mas seriam peças-chave na direção de arte
A máquina do tempo e na produção gráfica das agências de propaganda, suas clientes. Não te-
chamada Macintosh ve dúvida: começou a importar vários Macintosh e cedê-los para as agên-
cias, que inicialmente não pagaram nada por eles.
O poder de transformação do A W/Brasil foi a primeira a integrar-se ao sistema. Aos poucos, chegou
computador da Apple na propaganda a dez máquinas. Começou em 1989 e não parou mais.
Burti não só colocava as máquinas na agência como também treinava
brasileira da última década. diretores de arte e operadores para utilizá-las. Se necessário, fornecia seus
próprios operadores. E ainda acoplava ao computador uma workstation
completa, com direito a scanners e impressoras. Orientava também na
compra dos softwares mais indicados para o trabalho gráfico em pro-
paganda, como o Quark-X-Press (para editoração eletrônica), o Adobe
Photoshop (para tratamento de imagens) e o Free-Hand (para ilustrações).
Logo depois da W/Brasil, entraram na rede Burti a Norton, a DPZ, a Al-
map, a CBBA, a Standard e a DM9. Depois, praticamente todas as outras.
O Macintosh mudou tudo na criação publicitária. Para começar,
culpado foi Luís Carlos Burti, dono da Gráficos mudou o tempo das coisas. Na W/Brasil, na época, um anúncio de opor-

O Burti. Na moita, com seu discurso manso e envol-


vente, foi aos poucos trazendo para o Brasil e colo-
cando para funcionar, de graça, nas agências de propa-
tunidade para O Boticário, aproveitando a visita do príncipe Charles ao
Brasil, estava criado na agência às quatro da tarde; seguiu por fax para
aprovação do cliente, em Curitiba; três horas após estava na gráfica e
ganda, os primeiros Macintosh. Não sabíamos ao certo na quatro horas depois no jornal, para ser publicado no dia seguinte. Hoje,
época, mas estávamos entrando na máquina do tempo, esse processo seria ainda mais rápido e muito mais sofisticado.
que em pouco mais de cinco anos nos levaria a um futuro O Macintosh mudou também a relação entre as duplas. Ele virou um
inimaginavelmente distante. terceiro elemento, o que, para muitos, só contribuiu para afastar o reda-
Burti não fez isso porque é bonzinho, embora seja bon- tor do diretor de arte. (Alexandre Gama defende essa tese e chegou a tirar
zinho. Ele fez isso porque foi o empresário do setor gráfico o Macintosh da mesa de suas duplas, para que elas voltassem a conver-
que enxergou o que ninguém viu. Ele viu que o fotolito de sar outra vez e a criar juntas.)
alta resolução era o passo necessário e sem volta na evo- Mas tudo bem. Nenhuma dupla morreu de Macintosh, ainda. Com a
lução do seu setor. Viu ainda que as agências de propagan- chegada dessas maravilhas nas agências, o primeiro momento foi de des-
da trabalhariam integradas com as empresas de fotolito, o lumbre absoluto. O segundo foi de masturbação visual, com os diretores
que viria um dia a ser feito inclusive com o envio de ima- de arte se lambuzando feito loucos com a riqueza de recursos do com-
gens e arquivos digitais a distância, via rede fechada de co- putador e dos seus programas. Da metade dos anos 1990 para cá, esse
municação por satélite, uma extranet. Com essa visão, foi frisson diminuiu. E ficou do tamanho que tem hoje, o tamanho da maturi-
lá fora e trouxe os primeiros hardwares e os primeiros equi- dade no uso da máquina.
pamentos para viabilizar essa loucura toda. Eles entraram Mas o que o Macintosh fez de melhor foi ter auxiliado a criação bra-
no Brasil em 1988. sileira na fantástica tarefa de chegarmos onde chegamos, no padrão estéti-
No entanto, para todo esse avançado sistema funcionar co e criativo da nossa mídia impressa, uma das três melhores do mundo. O
como deveria, seriam necessários os Macintosh, que para Macintosh foi nossa máquina do tempo, nossa nave rumo à modernidade.

85
Ibope As cinco leis que
O maior e mais importante instituto de mudaram a propaganda
pesquisas do país deu tamanho às coisas. brasileira
Sem ele, não haveria a dimensão da
Os grandes momentos da legislação
indústria da comunicação.
publicitária nacional.

uando quem não é do ramo quer dizer que um

Q
alar de lei é sempre chato. Se a gente não é do ramo,
programa de televisão teve boa audiência, diz que
deu um bom Ibope. Não é nenhum pecado. O pri-
meiro, maior e mais renomado instituto de pesquisas do
F costuma ser de pouco interesse. Leigos como nós
tratamos legislação como uma espécie de mal ne-
cessário. Sabemos que, sem as leis, não há convívio social
Brasil é mesmo sinónimo daquilo que faz. Ele surgiu em possível. Ainda assim, são muito chatinhas e tediosas de
1942, para medir a opinião das pessoas sobre uma série entender. Vamos, portanto, ser rápidos aqui.
de temas. Utilizado desde sempre por políticos e pela Há quem possa discordar, mas cinco leis fizeram a história
política, o Ibope norteou em décadas o comportamento da propaganda no Brasil. A primeira e a mais importante
das campanhas dos candidatos. Orientou também os delas foi a 4.680, que regulamentou a atividade na econo-
destinos de outro tipo de campanhas, as publicitárias, mia brasileira. Foi criada em 1965 e, sem ela, não haveria
ouvindo consumidores sobre comerciais, produtos e ser- comunicação publicitária como a conhecemos. Após um tra-
viços. É até hoje o mais sólido e respeitado índice de balho de mérito das lideranças do setor, a maioria citada
avaliação sobre o desempenho de audiência dos veícu- neste livro, foi ela que instituiu as bases de remuneração
los de comunicação eletrônicos. comercial, que viabilizaram o negócio das agências de propa-
É ele que orienta boa parte dos investimentos publici- ganda brasileiras. A 4.680 rezava que 20% dos investimen-
tários feitos no país. Seu presidente em 2001, Paulo tos feitos pelos anunciantes em mídia e 15% dos aplicados
Montenegro, foi assessor direto de José Sarney, em produção de peças publicitárias deveriam ser repassados,
Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando respectivamente, pelos veículos e pelos fornecedores às
Henrique Cardoso, os quatro últimos presidentes da agências de propaganda. Tratava-se de uma lei, em espírito,
República e os quatro primeiros pós-abertura democráti- protecionista. Mas foi ela que garantiu o estofo financeiro
ca. "Desde Getúlio Vargas, todos os homens públicos necessário para que as agências pudessem ser viabilizadas
recorreram ao Ibope", orgulha-se. como atividade - e que elas, por sua vez, pudessem carrear
para os veículos de comunicação as verbas que os alimentariam e garanti- Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), em 1980.
riam sua sustentação comercial ao longo de muitas décadas. O código nasceu, para todos os efeitos, com o propósito de ser a auto-res-
A segunda lei mais importante nessa história, por incrível que possa pa- posta e a autoprevenção do setor publicitário com relação a seus próprios a-
recer, foi a de desregulamentação da propaganda brasileira, ou seja, a lei busos. Um arcabouço corporativo que, em muitos momentos, foi uma res-
que colocou por terra exatamente a 4.680, em junho de 1997. Ao longo posta do setor à censura dos tempos do governo militar, mas que também
de mais de trinta anos de uso, a lei que viabilizou o negócio caiu em desu- funciona como estrutura de autodefesa do negócio a ingerências indesejáveis,
so. Na prática, entre agências de propaganda e anunciantes, havia mesmo como a de setores organizados mais radicais da sociedade civil, que enxergam
era a livre negociação. Quando muito, levavam-se em conta as taxas cria- na publicidade uma atividade nociva à igualdade e aos interesses comuns.
das por ela, mas fundamentalmente para desobedecê-las. A pressão dos A outra dessas leis foi a abrigada sob o Código de Defesa do Consu-
anunciantes por melhoria no rendimento de seus investimentos no setor midor. Visto pela perspectiva de hoje, o código, que nasceu em 1990, é
publicitário fez com que as agências tivessem que ceder mais e mais. E os algo com que se convive com certa intimidade. A sociedade ainda não o
20% e 15% tornaram-se página do passado. conhece por inteiro e ignora, em sua maioria, o que ele pode representar
Com a desregulamentação, o mercado deixou de ser tutelado e entrou na defesa de seus interesses. Mas ninguém se assusta mais quando ouve
numa fase em que as regras - às vezes brutas - do capitalismo passaram dizer que uma entidade ou um cidadão qualquer lançou mão de suas
a comandar o jogo. Ou seja: o mais forte leva. Na linha de sucessão dessas prerrogativas. Até porque proliferaram no país numerosas organizações
mesmas leis nasceu então, em janeiro de 2001, o código que instituiu as que, à sombra da lei, defendem o ainda desavisado consumidor.
normas padrão. As normas padrão vieram para recuperar, em espírito, um Mas nem sempre foi assim. Quando se debatia a entrada em vigor da
pouco da Lei 4.680. A desregulamentação absoluta colocou em risco os nova lei, no final da década de 1980, o setor publicitário, em seus momen-
elos mais frágeis da cadeia publicitária, as pequenas e médias agências. As tos mais histéricos, chegou a alertar para a total inviabilidade do segmen-
negociações diretas fizeram a margem de rentabilidade dessas empre- to, caso o código fosse implantado no país. Foi uma choradeira que expôs,
sas retroceder dramaticamente e, uma vez mais, a publicidade pediu em triste revelação pública, o despreparo do setor que, sempre que pre-
socorro ao protecionismo. O órgão criado pelo setor para defender cisa provar sua utilidade e posicionar-se institucionalmente diante da socie-
seus interesses, o Conselho Executivo das Normas Padrão (CENP), dade, das leis e da comunidade da qual depende para sobreviver, invaria-
obteve sucesso na aprovação das novas leis que reintroduziram uma velmente "pisa no tomate". Em vez de se colocar ao lado do consumidor,
base de referência nas negociações entre agências e anunciantes, a quem deveria defender, a publicidade brasileira entrou em estado de
ainda que não com a força de antes. Cabe ressaltar que os anunciantes alerta. Lideranças importantes foram à imprensa, em artigos e em entrevis-
reconheceram parte das reivindicações das agências porque o setor de tas, para emitir um razoável conjunto de bobagens e escrever um dos
comunicação, em seu todo, começou a dar sinais de enfraquecimento. maus momentos da propaganda brasileira.
Solapar completamente o chão sobre o qual grandes empresas constróem O fato é que o código foi implantado e a propaganda nem se arranhou.
importante parte de suas metas mercadológicas, aquelas que dependem Grandes abusos foram coibidos, e só. Muitos outros, em contrapartida, per-
da comunicação publicitária para serem atingidas, não interessava a sistem, e nem o Conar nem o código têm sido eficazes no sentido de elimi-
ninguém. Assim, depois de quase quatro anos de intensa negociação entre ná-los. Campanhas de anunciantes que, ainda hoje, preferem desrespeitar
agências, anunciantes e veículos de comunicação - com papel importan- o consumidor brasileiro - notadamente o de baixa renda - vão ao ar todos
tíssimo desempenhado aí pelo governo, o maior anunciante do país -, os dias. O número de casos diminuiu, mas os (maus) exemplos continuam.
reconheceu-se a necessidade das normas padrão, hoje em vigor. O fato é que nem a propaganda acaba com a sociedade, nem a socie-
dade acaba com a propaganda. Legislações à parte, no sistema económi-
O respeito ao consumidor (sempre que possível) co em que sobrevivemos, uma depende da outra. E isso parece que ainda
Outra lei vital na história da comunicação publicitária foi a que criou o vai continuar assim, por um bom tempo.
As Maiores
e Melhores
Agências
A propaganda, em toda parte, é feita por gente. São personagens

vivos, de carne e osso, que constróem - ou destroem - a profissão

e sua arte. Mas uma outra entidade divide o centro do palco e da

imaginação criativa da publicidade: a agência de propaganda.

Sem ela, os personagens centrais dessa história não

exerceriam o melhor de seu talento. Embora elas não sejam

gente, é como se fossem. Cada qual com sua personalidade,

carreira e sucesso muito próprios.


Sem a DPZ,
não ia dar certo
Ela foi a primeira agência brasileira a
apostar na criação como diferencial de
negócio. Mais de trinta anos depois,
continua ganhando dinheiro assim.

gora vamos fazer a história andar para trás. E este

A capítulo começa como muitos trabalhos na propa-


ganda: copiando.
Vou copiar aqui um trecho do texto de um anúncio
da DPZ sobre ela mesma, publicado em julho de 1988,
ano em que a agência comemorava duas décadas de
fundação e acabava de receber o prémio de Melhor
Agência dos Últimos 20 Anos.
A peça mostrava uma seleção do trabalho criativo da
DPZ naquele período e falava um pouco de como tudo
tinha começado: "Nestas fotos, vinte anos desabarão
sobre sua cabeça como se fossem segundos. Tudo co-
meçou no dia 1° de julho de 1968, fundação da DPZ.
Em plena década onde Neil Armstrong passeava na lua,
o livro vermelho de Mão virava a China de cabeça para
baixo, os estudantes faziam barricadas nas ruas de Paris,
Kennedy morria no Texas e a minissaia florescia pernas
acima. O mundo estava a todo o vapor. Quem ficasse
patinando no obscurantismo que assolava o Brasil não ia
muito longe. Mas, em vez de olhar para as tesouras da
época, a DPZ preferiu olhar para a tesoura de Mary
Quant. E acreditar na criatividade, esta arma que deu à
cando a propaganda brasileira, pela primeira vez, numa vitrine onde cl.i
DPZ o prémio de Melhor Agência dos Últimos 20 Anos. Pois é, caro
nunca havia sido exibida antes. É da DPZ o primeiro Leão de Ouro do
leitor deste fotográfico Informe Publicitário, ninguém pode negar o
Brasil no Festival de Cannes, com o comercial Homem com mais de 40
que a criatividade é capaz de fazer pelos clientes de uma boa agên-
anos. São dela os primeiros personagens da propaganda nacional, assim
cia. Espere, então, pelos próximos vinte anos. Eles serão ainda mais
repletos de emoções!" como são dela alguns dos mais notáveis personagens de toda a nossa
propaganda, como o Garoto Bombril e o Baixinho da Kaiser.
O "obscurantismo" e as "tesouras" citados no texto são referên-
cias algo gentis ao período do governo militar brasileiro, que mergu-
Nasce um estilo
lhou o país, por duas décadas, numa ditadura ainda mais violenta que
a de Getúlio Vargas. Foi nesse berço histórico que nasceu a DPZ.
A história do nascimento da DPZ muita gente sabe. Primeiro, existia
Em 1998, ela completou trinta anos e seria, sem dúvida, eleita nova-
um estúdio de comunicação visual chamado Metro 3. Nele, trabalha-
mente como a melhor agência destas três décadas, caso alguém tivesse
vam o Petit e o Zaragoza, os artistas gráficos catalãos que introduziram
instituído o prémio. Aliás, a DPZ seria a agência do século, para a his-
na propaganda brasileira sofisticados conceitos estéticos europeus e,
tória da moderna propaganda criativa brasileira. Sem ela, como João
ao mesmo tempo, foram os responsáveis pelos primeiros fundamentos
Gilberto para a bossa nova e Pele para o futebol, muita coisa não seria
de uma linguagem genuinamente brasileira na direção de arte publici-
a mesma. A DPZ foi a primeira agência brasileira a se destacar porque
tária. O Metro 3 tinha um freelancerde peso: na época, o melhor reda-
acreditava que o melhor que a propaganda pode fazer para seus clien-
tor do país, Roberto Duailibi (trabalhando na Standard). A empatia
tes é ser inovadora, original e inquieta. Numa palavra, criativa.
entre os três era total. Deu no que deu.
Na DPZ, a relação entre o diretor de arte e o redator foi levada a
Um produto chamado criação
sério. O conceito de dupla de criação - uma novidade introduzida no
Brasil por Alex Periscinotto, da Almap, e Júlio Cosi, da Standard - foi
Washington Olivetto, apenas um dos numerosos talentos que pas-
exercido numa plenitude até então inexistente. O diretor de arte pas-
saram por ela, afirma sobre a DPZ e sua própria agência, a W/Brasil:
sou a raciocinar criativamente junto com o redator, deixando de ser
"Sem a DPZ, não teria havido nunca a W/Brasil."
apenas um realizador de layouts. Em muitas outras agências, o forma-
A DPZ é tudo isso porque "manteve-se fiel, até hoje, ao seu grande
to em que o diretor de arte funcionava como mero executor, excluí-
diferencial, que sempre foi a criatividade", afirma sempre um de seus
do da concepção original da campanha, perdurou ainda por muitos
fundadores, Roberto Duailibi.
anos. Talvez por isso sejam da DPZ duas das duplas de criação mais
Na época em que a DPZ virou a DPZ, a propaganda brasileira era
respeitadas da propaganda brasileira: Neil Ferreira & Zaragoza e
dominada por um modelo publicitário que reproduzia o caráter mais
Washington Olivetto & Petit.
conservador da propaganda norte-americana. As grandes multinacio-
A preocupação visual da DPZ sempre foi um de seus segredos e
nais instaladas no país a partir da década de 1950 - pedra inaugural
um de seus melhores momentos. Você até pode, embora seja difí-
de toda a história da moderna propaganda no Brasil - desenvolviam
cil, achar um anúncio da DPZ não muito bom; dificilmente vai en-
já um trabalho de nível profissional, mas absolutamente convencional.
* contrar um feio. Zaragoza e Petit são uma escola. Ambos mantêm
Competente, mas careta. Nenhuma delas colocava, como seu primei-
ro produto, a criação. até hoje uma atividade artística paralela, com exposições que vão
da pintura à escultura, sempre bastante respeitadas por quem en-
A DPZ rompeu com isso. Foi a primeira a usar humor em comerciais,
a primeira a fazer filmes coloridos - isso quando a TV ainda era em preto- tende do assunto.
Por toda essa formação e por acreditar que beleza é fundamental,
e-branco (numa ideia maluca de Roberto Duailibi). Também foi pioneira
Zaragoza foi um dos fundadores do Clube de Criação de São Paulo e
em ter seus trabalhos reproduzidos em publicações internacionais, colo-

94
seu primeiro presidente. Fez isso porque achava, na época (1975), que
a propaganda brasileira se resumia a reproduzir a propaganda norte-
F/Nazca
americana, sem nenhum senso crítico e sem nenhuma identidade com A agência de Fábio Fernandes construiu
a cultura e o consumidor brasileiros. Como contou à Revista da Cria-
justificada fama de criadora de grandes
ção, "se a campanha da Ford no mundo era Ford in Action, aqui ela
virava Ford em Ação". cases de recall. Com ela, as marcas não
Zaragoza fundou o clube para buscar a língua e desenhar a cara de saem da cabeça do consumidor.
uma propaganda com mais jeito de Brasil: "O Clube de Criação pas-
sou a premiar não pelos anúncios, mas uma mentalidade brasileira de
propaganda, que tem tudo a ver com o jeito brasileiro de ser, com o
humor e a irreverência do país."
Zara foi ainda mais fundo nessa busca por uma propaganda legiti-
mamente tupiniquim. Anos depois, em 1988, descontente com o fato
de o clube que havia fundado estar privilegiando títulos e textos, em
detrimento dos aspectos visuais da propaganda, fundou o Clube dos
Diretores de Arte (CDA), a exemplo de muitos clubes do género, exis-
tentes na Europa e nos Estados Unidos. (O CDA funcionou um ano, uando completou seis meses de vida, ainda no
editou um anuário e desapareceu )
É possível que toda essa sua preocupação tenha estimulado a pu-
blicidade brasileira a prestar um pouco mais de atenção a sua forma
Q mesmo ano de sua fundação, 1994, a F/Nazca
Saatchi & Saatchi havia conquistado dez contas,
dentre elas algumas importantes, como Motorola, Phil-
gráfica. O fato é que o Brasil é hoje um dos países reconhecidamente co, Phytoervas e Banco Sudameris. Um ano e meio de-
mais festejados e premiados pela excelência da sua direção de arte, pois, entre outros clientes de peso, conquistaria a Skol,
considerada de Primeiro Mundo em qualquer festival internacional. cuja verba de US$ 20 milhões faria a agência saltar de
patamar e subir vários degraus no ranking publicitário
brasileiro. O fato é que, com dois anos de vida, a
F/Nazca Saatchi & Saatchi tinha vinte clientes de porte
(além dos já citados, entrariam para a agência por ali-
nhamento internacional a Johnson & Johnson e a Hew-
lett-Packard), vários prémios conquistados (Leão de Ou-
ro em Cannes, Profissionais do Ano, Caboré, entre outros)
e uma sólida posição entre as vinte maiores agências de
propaganda do país. No ano seguinte, a entrada das
contas da Cevai e da Brahma, entre várias outras, colo-
caria a agência entre as 15 maiores nacionais, lista da
qual não sairia mais.
Trata-se de um sucesso rápido, construído sobre um
trabalho criativo de ponta. Estão no consciente coletivo
de todos nós, por exemplo, os slogans "A cerveja que

96
pois uma unidade de negócios independente, para o atendimento de
empresas pontocom. Fez memoráveis campanhas para o Submarino e
para a então Zip.net. Criou uma estrutura interativa que, ao contrário
da maioria das agências brasileiras, resultava da percepção de que a
internet é maior do que apenas mais uma alternativa de mídia. É todo
um novo mercado de comércio e comunicação.
Em 2000, Fábio Fernandes foi eleito o empresário do ano, pelo
Prémio Caboré, o mais respeitado do mercado para empresas e pro-
fissionais da comunicação. E em 2001, a F/Nazca deixou o Festival
de Cannes com o invejadíssimo e almejadíssimo prémio de Agência
do Ano.
7 Um criativo brilhante, uma agência genial, um empresário re-
conhecido pela comunidade em que atua. Se quisessem parar, Fa-
binho e a F/Nazca já poderiam. Ainda bem que isso nem passa pela
cabeça deles.

Skoí, "a cerveja desce redondo", para a Skol, e "Refresca até pensamento", para a
que desce redon-
do": campanha Brahma. O mérito de tudo isso é de um time de primeira, numa agên-
de grande apelo
da F/Nazca. cia de espírito jovem, onde a ousadia é sempre bem-vinda. Mas, ine-
gavelmente, cabem ao F os maiores méritos. Fábio Fernandes, um dos
mais importantes nomes da criação brasileira nos anos 1990, recor-
rente ganhador de Leões no Festival de Cannes, mostrou-se um em-
preendedor esperto, ágil e com a consistência necessária para não só
conquistar grandes clientes como também cativá-los. Seu trabalho de
alto impacto na mídia transformou o índice de recall (memorização)
das duas marcas de cerveja a que atende num fenómeno. Semanas
após semanas, ambas as marcas figuraram entre as mais lembradas
pelo consumidor brasileiro. Para qualquer anunciante, um património
quase sem preço.
Fabinho, carioca peitudo, que não leva desaforo para casa, recusa-
se a conduzir um negócio que não tenha brilho, não gere boas ideias
ou não seja berço da inovação. Sua agência foi das primeiras no Brasil
a enveredar pelo mundo digital, criando inicialmente uma divisão, de-

98
99
O modelo Nizan
DM9
A agência que Nizan Guanaes criou já foi A DM9 de Nizan seria muito mais parecida com a W/GGK - depois
W/Brasil - de Washington do que com a DM9 de Duda Mendonça.
considerada, mais de uma vez, como a
Seria uma agência de um grande nome, sim, mas com um número
Melhor Agência do Ano em todo o mundo. enorme de outros grandes talentos na criação, trabalhando de igual
para igual. Seria também uma agência franca, de espaços abertos, de
espírito aberto, comandada pela criatividade e não apenas pelos as-
pectos financeiros do negócio - embora o comando da criatividade
fosse, exatamente, sua principal e infalível estratégia na conquista de
grandes negócios.
Foi justamente essa estratégia que acabou por conduzi-la, pouco
tempo depois, à condição de uma das maiores agências do país.
Nizan aprendeu com Washington que o trabalho criativo de uma
agência é potencializado se todo mundo, todas as ações, absolutamen-
te tudo na agência for comandado pelo espírito criativo. Como afirmou
izan Guanaes costuma explicar a DM9 como a sín- na época em que saiu da W/GGK, 80% do seu trabalho criativo pode-

N tese de sua relação com o publicitário e empresário


baiano Duda Mendonça, com quem aprendeu o
ofício, ou seja, as técnicas da propaganda, a arte de la-
ria ser creditado ao ambiente propiciado pelo Washington e pela agên-
cia "mais criativamente administrada do Brasil".
Na sua DM9, seria assim também.
pidar a frase e criar o roteiro do filme. Se dentro da agência o privilégio é todo da criação, da agência para
Com Roberto Medina, na Artplan, aprendeu que pode fora, a DM9 afirma-se toda negócios. No princípio, seu diferencial para
fazer o que quiser na profissão. Nas palavras do empre- conquista de mercado foi sempre a excelência criativa. De anos para cá,
sário, "sonhar o impossível". Com Washington, aprendeu o discurso ganhou um novo tom, em que o domínio do ofício, aquele
o mercadológico, a adequação da publicidade às necessi- que aprendeu com Duda - o fazer, as técnicas, a linguagem -, continua
dades do cliente, a pertinência da comunicação e o maior vital para a excelência dos serviços que presta, mas apenas quando es-
amor que se pode ter pela profissão. Nizan garante que tiver subordinado aos objetivos de negócio do cliente.
essa é a maior escola que alguém poderia desejar. Olhan- A rapidez com que Nizan fez de sua agência uma das mais deseja-
do para ele hoje, não há como discordar. das pelos clientes e mais invejadas pelos empresários rivais foi impres-
Ao associar-se a Duda Mendonça na sua volta à Bahia, sionante. Em um ano, havia conquistado trinta novas contas e um fa-
em 1988, Nizan não imaginava que retornaria a São Pau- turamento de US$ 20 milhões. Em poucos anos, saltou da 93a posição
lo em muito pouco tempo. Mestre e discípulo acabaram no ranking Agências & Anunciantes, divulgado por Meio & Mensa-
por divergir do modo como exercer o ofício. Em princí- gem, para o segundo posto, em 1999.
pio, imaginaram uma saída estratégica, em que Nizan
comandaria o escritório da DM9 em São Paulo. Assim fi- Sequência de fatos avassaladora
zeram. Mas a separação foi inevitável. E Nizan ficou com
a marca DM9 - que, depois de algum tempo no merca- Entre uma data e outra, Nizan, seus sócios e sua equipe na DM9
do paulista, tinha já sua força e seu carisma. recheiam a vida da agência com uma sequência de fatos estonteante.

101
Em 1993, Nizan e Marcello Serpa (ainda na DM9) criam juntos dois
anúncios para o Guaraná Diet, da Antárctica, e faturam o primeiro
Grand Prix brasileiro no Festival de Cannes.
Em 1994, a campanha desenvolvida com seu sócio (já falecido)
Geraldo Walter, na unidade institucional da DM9, ajuda a colocar Fer-
nando Henrique Cardoso na presidência da República. Ainda naquele
ano, a DM9 conquista a conta da Parmalat, um marco importante na
história da agência. Com a campanha Mamíferos, realizada dois anos
depois, em 1996, e todos os demais trabalhos desenvolvidos para a
marca, Nizan constrói seu talvez mais expressivo e completo case de
marketing e comunicação. Os filmes, anúncios e outdoors com as
crianças vestidas de animais conquistam o país. Seu índice de recall
bateu seguidamente o da Coca-Cola, o qual, segundo levantamento
periódico do jornal Meio & Mensagem, havia ficado na liderança entre
os mais lembrados por anos.
Também em 1996, Nizan inventa uma novidade e cria um fato no-
vo, anunciando seu afastamento dos prémios publicitários por um ano.
Era o "Ano Sabático", numa referência ao costume religioso judaico
de retiro e meditação aos sábados.
Em 1997, Nizan faz o segundo mais importante negócio da sua vi-
da empresarial: vende parte de suas ações e de seus sócios Affonso
Serra, João Augusto Valente, Tomás Lorente e Banco Icatu, na DM9,
para o grupo DDB Needham. A DDB era então a maior agência dos
entre as mais criativas do Brasil mas agora também como referência en- Anjos, série de
Estados Unidos e a quinta do mundo. A DM9DDB nascia como a quar- tre as mais criativas do mundo.
anúncios da nova
safra de jovens
ta do país. criativos da
Para terminar o ano, pessoalmente envolvido na campanha de Fer- DM9DDB.
Ainda em 1997, após o "Ano Sabático", volta à velha forma, nando Henrique, elege de novo o presidente.
conquistando a terceira posição entre as agências mais premiadas
Em 1999 e 2000, a DM9DDB é considerada, em Cannes, a Melhor
do Festival de Cannes, a mais premiada do Festival Ibero-Americano Agência do Ano de todo o mundo. Também em 2000, outro fato
de Propaganda (Fiap) e do Anuário do Clube de Criação de São Pau-
marcante muda a história da agência: Nizan Guanaes sai e assume a
lo. Também nesse ano, inaugura uma unidade de varejo, a DM9,99, presidência do portal iG de internet.
que é um sucesso comercial e mercadológico imediato. Em seis me-
Ainda assim, sua ex-agência (na qual ainda mantém participação
ses, passa a atender contas de vinte clientes.
acionária) fecha o ano na terceira posição do ranking nacional do se-
Em maio de 1998, Nizan é convidado para fazer parte do board
tor. Tudo indica que seu espírito ainda é visto por lá vez por outra, co-
internacional do grupo DDB, que deixou de ter apenas as suas tra-
mo demonstram alguns trabalhos que a agência continua brilhante-
dicionais 15 cadeiras e criou a 16a, especialmente para ele se sen-
mente produzindo, como as campanhas Anjos, para o Seguro Itaú, e
tar nela.
Génio, para o Guaraná Antárctica.
Foi nesse ano também que a DM9DDB se consagrou como a
Mesmo com a nova geração no poder, esse espírito ainda estará
Agência do Ano em Cannes, consolidando sua posição não somente por lá durante muitos anos.

102
W/Brasil incorporou os espaços abertos. Aí foi só acrescentar a ousadia, o hu-
mor, a quebra de padrões e a busca insana pela inovação, que viu
A agência que criou o moderno modelo acontecer em toda a história da Doyle, Dane & Bernbach.
de agência criativa brasileira. Essa é a casca do modelo W. Mas ninguém faria o modelo W
como W fez.
Ele próprio costuma dizer que é o melhor Washington Olivetto, na
categoria Washingtons Olivettos.

O segredo revelado

O segredo da W é toda a história de seu sócio maior e toda a quí-


mica que consegue montar em torno de si mesmo. Trabalhando
sempre com equipes fortes e zelando pelo padrão criativo como
quem nina um bebé, o modelo W atrai clientes que buscam ousadia.
Quem não quer planejamento estratégico como arma fundamental
de ação no mercado não passa nem na porta da sua agência. Ele
ashington Olivetto saiu da DPZ um pouco antes costuma lembrar que Javier Lussá é um génio do planejamento es-
da hora do almoço do dia 8 de julho de 1986. tratégico, lançando, como empresário, a Yopa no Brasil, o que é tu-
Saiu já associado a uma multinacional suíça, a do verdade.
GGK, que no Brasil tinha uma operação ainda pequena. O modelo W contempla, claro, um planejamento bem pensado:
O nome de sua nova agência seria W/GGK. Tinha como tem pesquisa, mídia criativa e é competente na negociação. Afinal, ele
clientes as contas já pertencentes à GGK no Brasil, mas compra os bons profissionais de todas essas áreas com sua marca, seu
ganharia rapidamente a Grandene e a Bombril, ambas carisma e algum dinheiro.
da DPZ. Chamaria para sócios - além dos gringos - seus Mas o modelo W instituiu a supremacia maior e definitiva da cria-
companheiros Javier Lussá e Gabriel Zellmeister, que es- ção sobre todas as outras atividades da agência. Foi isso que marcou
tão com ele até hoje. época e mudou o caminho da história.
Tomava forma, assim, a ideia longamente acalentada E não foi apenas isso. Washington esteve sempre atrás da criação
de uma agência em que a criação é a grande alavanca de campanhas que se confundissem com a vida. Acredita que a me-
dos negócios. Mais que isso, uma agência de criação em lhor propaganda é aquela que se transforma em mote popular, como
todos os seus departamentos. Onde todos os funcioná- um refrão de Jorge Benjor, seu ídolo e amigo. Por isso, há décadas vi-
rios ganham acima da média de mercado e onde traba- ve criando ícones para todos nós, como o Garoto Bombril, o Casal
lha gente de talento em todas as áreas. Um modelo que Unibanco, o cachorrinho da Cofap, a zebra dos Postos São Paulo, o
é o somatório de tudo que Washington Olivetto aprendeu ratinho da Folha de S. Paulo, os garotos DDD.
sobre como fazer agências com aquilo que aprendeu so- Mais recentemente, o trabalho conduzido por Washington trouxe
bre como não fazê-las. para o Brasil o primeiro Grand Prix de filmes de nossa história, con-
Sobre como fazer uma agência de boa índole, apren- quistado no Clio Awards com o comercial Semana para a revista Épo-
deu na DPZ. Lá também aprendeu que só pagando mui- ca. A direção de criação é de Washington, mas a dupla responsável é
to bem iria ter os melhores do mercado. Da Chiat Day formada por Alexandre Machado e Jarbas Agnelli. Foi o primeiro

105
Grand Pm, em toda a história de 42 anos do Clio Awards, não en-
tregue para um filme anglo-saxão.
MPM
Do ponto de vista empresarial, o modelo W contempla ainda baixa Ela veio do Sul e tomou o país, para
rotatividade de seus clientes. Esse é seu ponto de equilíbrio. A base de
construir uma história sem precedentes
faturamento da agência está lá há mais de dez anos. É a trinca Gran-
dene, Bombril e Grupo Unibanco. Há ainda a Folha de 5. Paulo e O Bo- na propaganda brasileira.
ticário. Recentemente, houve a Antárctica, que ficou oito anos e saiu.
E o SBT, que, depois dos regulares dez anos, foi trocado pela Globo.
Mas a maioria vai ficando. E a rentabilidade do negócio também.
Washington inaugurou um modelo que teria seguidores de mon-
tão. Profissionais de criação em busca de poder e de um sonho pes-
soal. Muitos quebraram a cara. Poucos dariam tão certo como ele.

seudónimos, códigos secretos, encontros sigilosos,

P viagens internacionais às escondidas. Os ingredien-


tes pareciam mais parte de um thri/lerde suspen-
se do que de uma transação empresarial.
No dia 20 de janeiro de 1991, conta a história, uma
conversação sem compromissos mantida durante um
almoço no restaurante Paddock, no centro de São
Paulo, teria dado origem à maior fusão entre agências
da propaganda brasileira.
Três pessoas presentes ao encontro: Petrônio Corrêa,
presidente da MPM, maior agência brasileira; seu sócio
Luiz Macedo, chefe da operação carioca do grupo; e
Ivan Pinto, presidente da Lintas: Brasil, braço nacional de
um dos maiores grupos da propaganda mundial.
No almoço, contam as versões publicadas na impren-
sa, uma frase aparentemente casual dita por um dos
presentes deu início a um longo e esquivo processo de
negociações, que duraria dez meses. O conteúdo exato
se perdeu, mas a frase teria o seguinte sentido: já imagi-
nou se nossas duas empresas se fundissem?
O sinal verde da Lintas: Worldwide para que o ne-
qócio seguisse adiante viria dez dias depois e, desse

106
momento em diante, Ivan Pinto se transformou no dr. Carlos e a história de pioneirismo e liderança invejáveis. A decisão de excluir o
operação ganhou nomes misteriosos, como Projeto Perplexidade nome da porta da agência foi tomada pela multinacional - que, aliás,
(pelo espanto do diretor financeiro da MPM quando soube do an- já no ano seguinte à fusão, não mais conseguiria manter a agência no
damento das negociações), Líder (porque se tratava de montar o primeiro posto do mercado.
maior grupo de publicidade do Brasil) ou ainda Abap Líder (porque O nome MPM pode ter sumido da cena publicitária nacional. Po-
um repórter viu os três almoçando e julgou tratar-se da sucessão de rém, a história da agência que pelo maior número de anos consecuti-
Petrônio Corrêa na presidência da entidade que congrega as agên- vos foi a líder dos negócios da propaganda no Brasil não vai sair nunca
cias brasileiras). mais da história.
Às 18h45 do dia 17 de novembro, a transação seria concluída.
E nascia a MPMLintas, o maior conglomerado brasileiro de publicida-
de, na maior transação que o mercado já viu até hoje.
A história dessa fusão é, sem dúvida, um dos capítulos mais impor-
tantes da vida da MPM, uma agência que nasceu e cresceu na contra-
mão da lógica. Saiu de Porto Alegre e, ao contrário das outras, que
nascem no Rio ou em São Paulo para conquistar os demais estados,
migrou para os maiores mercados brasileiros, criando o maior grupo
de comunicação publicitária do país durante muitos anos.
O feito se deve a Mahfuz, Petrônio e Macedo, os nomes das con-
soantes da MPM, que ousaram deixar o Rio Grande para vencer no
resto do Brasil.
Com seu faturamento fundado basicamente em duas contas locais,
a Ypiranga e as lojas Renner, a MPM atingiria o topo do ranking
da propaganda em 1974, onde ficaria até a data da fusão. Foram
18 anos de liderança, um marco sem igual no mercado publicitá-
rio brasileiro.
Macedo foi o homem da ação política; Petrônio, o homem com vo-
cação para a liderança empresarial (presidiu, além da própria MPM,
numerosas associações nacionais do setor publicitário); e Mahfuz, o
homem do Rio Grande, de onde nunca saiu e onde manteve as ori-
gens da empresa, em sempre próspera operação.
Macedo soube vender os serviços da MPM para Jango, todo o go-
verno militar pós-64 e alguns que vieram depois dele. Petrônio soube
conduzir o conglomerado à expansão nacional (a agência chegou a
ter operações em uma dezena de cidades do interior de São Paulo) e
internacional (Chile). Mahfuz ampliou os negócios da empresa para
toda a região Sul do país.
A MPM iniciou suas operações em 1957, e seu nome desapareceu
do mapa da propaganda brasileira em 1996, deixando para trás uma

108 109
Contemporânea
Uma das poucas agências cariocas a
disputar a liderança da criação nacional,
a Contemporânea é exemplo de
personalidade e génio imaginativo. •

*»*

«wC w. ^

á um quadro na parede da sala de reuniões da a- ** jtr

H gência, daqueles oferecidos aos ganhadores de


Leões no Festival de Cannes, em que o diretor de cria-
ção e o redator da peça premiada são, respectivamen-
r

te, pai e filho. É um trofeu, muito provavelmente, iné- putado diretor de criação, devidamente incorporado à paisagem me- você, premiada
campanha
dito no mundo. Ninguém tem. Silvio, o filho, aparece tropolitana da Grande São Paulo e VP (vice-presidente) de Criação da desenmMda peia
M f- n j. i , , Contemporânea
como redator, e Mauro, o pai, como diretor de criação. NewComm Bates -, como também para pelo menos duas outras gê-
Esse é apenas um indicador da agência, quando estamos rações anteriores a ele. Globo

na Contemporânea. A Contemporânea extrapolou as fronteiras de seu mercado regio-


Em janeiro de 1984, ao sair de seu cargo de diretor nal, fechou parceria com a SLBB, de São Paulo, em 1996, para ganhar
técnico da Propaganda Estrutural, Armando Strozenberg porte internacional em 1998, com a venda de seu controle acionário
fundaria sua própria agência, a Comunicação Contem- ao Grupo Interpublic.
porânea, que teria também como sócio Mauro Mattos, o Nesse novo patamar de operação, a agência passou definitivamen-
homem de criação da dupla. te a figurar entre as vinte maiores do país, sem ter deixado nunca de
A Contemporânea nascia ali para se projetar como uma estar entre, pelo menos, as dez mais criativas nacionais.
referência obrigatória da criatividade carioca e brasileira. Ao
longo desses 18 anos de atuação, ganhou uma dezena de
Leões em Cannes, além de outros prémios internacionais e
nacionais. É, sem dúvida, a agência com a mais permanen-
te e consistente performance criativa do Rio de Janeiro.
Mauro Mattos se transformou não somente em mo-
delo para o próprio filho, Silvio Mattos - hoje um dis-

111
Goodyear, Gilette, Souza Cruz, Yamaha, Nabisco, Mastercard, Uorénl,
McCann Gessy Lever, Nestlé, Lufthansa, Henkel, Martini & Rossi e Quaker,
Aprenda a construir a maior entre outros anunciantes.
Seu grande comandante no Brasil, o tanque dinamarquês Jens
agência brasileira.
Olensen - também o responsável pela operação do grupo na América
Latina -, é considerado um dos mais agressivos e bem-sucedidos
executivos de agência do país (se não o maior de todos). Graças a sua
competência e à forma como conduz a operação da agência no Brasil,
a McCann está no topo do ranking do mercado publicitário nacional
desde 1994.
De lá, saiu às compras em 1998. E apontou o foco para as áreas
conexas à publicidade convencional. Adquiriu 60% da Sight, uma das
mais importantes empresas brasileiras de marketing promocional; a
Sun, outra destacada agência de marketing direto; e também a Con-
temporânea para o Grupo Interpublic, do qual a McCann faz parte.
Tudo isso torna a operação brasileira a quarta mais importante da
primeira Coca-Cola, o primeiro Bombril, a primei- rede mundial.

A ra margarina, o primeiro café solúvel. Tudo isso


quem lançou com pioneirismo no Brasil foi a Mc-
Cann-Erickson.
A atuação da McCann-Erickson no Brasil esteve sempre fortemente
calcada em avanços técnicos e na introdução de inovações metodoló-
gicas e operacionais, principalmente na área de mídia. Ela trouxe, por
O sr. McCann existiu mesmo. Ele trabalhava na Esso exemplo, os primeiros estudos de análise de audiência em rádio, com
Standard Oil norte-americana e saiu de lá para montar, o lançamento do Program Analyzer. Implantou novas técnicas de ava-
em 1911, um escritório de atendimento publicitário pa- liação e otimização de mídia por computador. Sempre, enfim, com
ra a companhia petrolífera. Essa ligação, até hoje, conti- forte desenvolvimento na área de tecnologia de mídia.
nua viva em todo o mundo. Onde há Esso, há McCann. O sr. McCann, que já não está entre nós, deve contudo continuar
E foi graças a ela que a McCann no Brasil foi também bastante orgulhoso do que anda fazendo essa sua tão valorosa filial,
pioneira no patrocínio e no estímulo ao desenvolvimen- que chegou ao país em 1935 e fala nossa língua como se fosse a sua.
to do jornalismo de rádio e televisão. O Repórter Esso é
um marco das transmissões de notícias pelos veículos
eletrônicos. Levado ao ar durante quarenta anos, era si-
nónimo de credibilidade e informação.
Foi ainda a McCann, para seu cliente Kolynos, uma das
primeiras a investir no desenvolvimento das novelas de te-
levisão, formato de programação televisiva, importado do
rádio, que se transformaria num dos principais momentos
de lazer e entretenimento de toda a população brasileira.
São de autoria da McCann todas as campanhas que
conhecemos de Anakol, General Motors, Coca-Cola,
rou um conjunto de comerciais cuja linguagem não era parecida com
Fischer nada que se havia visto até então: um tratamento cru, de textos e ima-
Um modelo único: Fischer by Fischer. gens, em que a juventude aparecia expressando inquietação e ques-
tionando padrões sociais. Num dos comerciais, uma modelo fica
completamente nua, ao som de Carmen, de Bizet. E, no final, atira a
calça (ou seja, o produto) para a plateia. Chocou.
A tendência comportamental ficou no ar até 1987.
Um dos grandes momentos da agência, por contraditório que
possa parecer, foi quando a Fischer vendeu a Fischer um ano antes,
em 1986.
Fischer e Justus resolveram vender uma parte da participação acio-
nária da agência ao grupo Young & Rubican, que andava em busca
de uma parceria local para lhe dar maior personalidade nacional. Ape-
sar de estar operando no Brasil há anos, o grupo norte-americano res-
sentia-se de identidade. Adquirir um pedaço da Fischer e promover
uma fusão dos dois negócios fazia sentido. Fazia sentido também
Fischer nunca adotou qualquer modelo de negócio para Eduardo e Roberto. O negócio durou quatro anos. Não foi bem

A que não fosse o seu. Em compensação, nenhuma


outra agência seguiu o modelo Fischer, nunca. A
agência, aliás, nasceu sem modelo algum, em 1982.
porque duas culturas empresariais tão diversas dificilmente convivem
sem estresse. E, muitas vezes, sem dissolução.
Aí, outro grande negócio da Fischer foi receber a Fischer de volta
Pode ser que Eduardo Fischer e seu sócio Roberto Jus- da Young & Rubican, maior e mais valorizada.
tus tivessem muitas ideias na cabeça, mas numa agên- O processo que se seguiu foi o de montagem de um modelo que
cia sem clientes fica consideravelmente difícil implantar refutaria severamente qualquer outra associação com o capital estran-
qualquer modelo. geiro. Eduardo passou a ser um intransigente defensor das agências
O que havia de sobra na Fischer era muita vontade de legítima e exclusivamente nacionais. Mais que isso: elaborou um for-
vencer. E uma capacidade de fazer negócios que, àquela al- mato em que a Fischer, ela sim, seria uma multinacional brasileira. Se-
tura, nem mesmo os dois sócios imaginavam que tivessem. de: São Paulo. Mercado: a América Latina. Depois, lançamento de
O primeiro cliente foi a camisaria Pietro Garlan. Pri- ações na Bolsa de Nova York.
meiro de centenas. E assim foi sendo construído o império Fischer. A agência partiu se-
Eduardo Fischer foi o aparente motor ativo da empre- riamente para uma série de aquisições e fusões, tanto no mercado
sa. Durante anos, como líder da criação da agência, bus- brasileiro como na América Latina. Lá fora, em 1995, associou-se à
cou imprimir um padrão diferenciado a tudo que fazia. Quintana, de Buenos Aires, e à Nõlck, de Caracas. Esse braço do ne-
Foi dele a introdução no Brasil do que se convencionou gócio ganhou o nome de FischerAmerica.
chamar de propaganda comportamental. Fischer criou Em 1996, o braço nacional mudou sua razão social de Fischer, Jus-
dezenas de comerciais para o jeans Calvin Klein, em que tus para Fischer Justus Comunicação Total. A mudança expressava
o apelo era menos o produto - que mal aparecia - e uma crença dos dois sócios: propaganda é uma parte do negócio. Uma
mais o comportamento de quem o usava. O novo con- parte legal, mas ainda assim uma parte. Ambos sentiam que os clien-
ceito deu origem a um estilo de fato inovador, que ge- tes desejavam mais que apenas publicidade. Queriam outros ser-

115
viços da comunicação e do marketing. Um serviço completo. Um
serviço... total.
Talent
No Brasil, em 1997, o Grupo Total montou mais uma agência, a O talento de uma agência onde
UpGrade. E mais uma, a Newcomm (fruto da incorporação da S, ética é produto.
A&A). E aí "o bicho começou a pegar".
As divergências entre Eduardo e Roberto quanto à internacionali-
zação da empresa atingiu níveis insustentáveis. Roberto queria que a
Newcomm se associasse a um grupo multinacional. Eduardo insistia
no modelo centrado no Brasil.
Em 1998, Roberto Justus deixou a sociedade de 17 anos com
Eduardo Fischer, dessa vez com a Newcomm embaixo do braço (faria
associação com a Bates um mês depois).
No mesmo ano, a agência perderia a conta de seu maior cliente, a
Brahma, a que atendia há oito anos.
Dois baques surdos no desempenho da empresa.
Mas Eduardo seguiu firme e forte suas próprias determinações.
unca atender a nenhuma conta dos setores de

N
Ainda em 1998, adquiriu a D+, no Rio; a Dez, em Porto Alegre; e a
Sette Graal, em Brasília. Em 1999, a Heads, de Curitiba. Era o Grupo bebidas, cigarros e governo, além de se manter
Total caminhando para uma expansão inevitável. fechada à participação do capital estrangeiro
A conquista de grandes contas do setor de telecomunicações, como até hoje, num mercado virtualmente globalizado. Es-
Telesp Celular (a campanha do Baby, celular pré-pago da operadora, sas são algumas das linhas estratégicas de ação do
foi sucesso nacional, com seu bebé que fala), Telefónica Celular (Rio de Grupo Talent (que é composto por Talent, Talent Biz,
Janeiro e Rio Grande do Sul), além da Global Telecom, fez de 1999 um Qg, de promoção e incentivo; e Tríade, de web), um
ano de reforço de caixa, e em 2000 a agência ficou no ranking nacio- sucesso empresarial com um código de ética inigua-
nal na sétima posição. lável no setor.
Em 2001 trouxe para o Brasil um prémio criativo inédito, o Grand "Não é assim nenhuma Brastemp", para a Brastemp,
Prix do Festival de Nova York, com os anúncios Garoto e Mulher para "Os nossos japoneses são mais criativos que os japone-
o Banco de Olhos. ses dos outros", para Semp-Toshiba, e "Bonita camisa,
Para quem começou sem cliente algum, uma história de expansão, Fernandinho! ", para camisas US Top, são alguns dos
ousadia criativa e inovação empresarial de fazer inveja. clássicos da Talent para a história da propaganda bra-
sileira (o grupo atende ainda a O Boticário, Açúcar
União, cafés Caboclo e Pilão, HSBC, margarina Delícia,
Petróleo Ipiranga, Grupo O Estado de S. Paulo, Lojas Ame-
ricanas, Net e Sky, entre outros).
Todos esses clientes chegam à Talent em busca de
duas coisas, fundamentalmente: criatividade e planeja-
mento de alta performance. Júlio Ribeiro, o idealizador
do modelo e principal acionista, é considerado unanime-

116
Almap
A história da agência que trouxe a
dupla de criação para o Brasil e nunca
mais parou de crescer.

A
conta publicitária da Volkswagen mudou a história
da Alcântara Machado Propaganda, Almap para os
íntimos. A Almap, por sua vez, mudou a história da
propaganda brasileira, porque foi nela que nasceram as
primeiras experiências com as duplas de criação no país.
Não é
assim nenhuma
mente no mercado publicitário brasileiro como o génio do planeja- E quem mudou a história das duas foi um freelancer
Brastemp:
mento estratégico. Por sua vez, é sábio o suficiente para ter perce- contratado por José Alcântara Machado, então único
série clássica
da Talent bido, ao longo de sua extensa carreira de sucesso, que planejamento sócio da agência. O free lancer tinha a missão de criar,
sem criação de primeira linha funciona, mas funciona menos. Assim, em 1960, uma campanha para a conquista da conta da
pela Talent têm passado alguns dos mais destacados nomes da cria- empresa automotiva alemã. E assim uma coisa foi levando
ção publicitária brasileira, sempre sob o comando de Ana Carmem à outra: Alex Periscinotto, o free lancer, ajudou a Almap a
Longobardi, sócia e diretora de criação da agência. São eles, funda- ganhar a conta da Volks; José de Alcântara Machado con-
mentados no planejamento inteligente de Júlio Ribeiro, que vêm vidou-o a ser sócio em 15% da Almap; Alex tornou-se o
transformando a propaganda da agência numa das mais bem elabo- principal executivo da agência; a agência tornou-se uma
radas e consistentes do mercado. das principais empresas da propaganda brasileira; e, tem-
pos depois, a propaganda brasileira seria uma das melho-
res do mundo.
Se foi exatamente com essa ordem de peso e importân-
cia que as coisas aconteceram, fica difícil dizer. Mas não se
escreve a história das agências de propaganda no Brasil
sem o merecido destaque à Almap - que, aliás, atende à
conta da Volks até hoje, mais de quarenta anos depois.

118
Esse longo e profícuo relacionamento teve apenas um hiato, quando ganda nem se iniciara. Em 1993, de olho no futuro do negócio, Alex

Otto Scherb, outro sócio de José Alcântara Machado, deixou a agência convida para fazerem parte do comando executivo da agência três dos

para montar a Proeme e levou consigo, além de vários profissionais, a grandes nomes da propaganda na época: dois dos criativos de maior

conta da VW. Não ficaria com ela muito tempo. José e Alex a trariam destaque da geração dos anos 90, Marcello Serpa e Alexandre Gama, e

de volta dois anos depois, e ela não deixaria a agência nunca mais. Na José Luís Madeira, homem de atendimento, planejamento e negócios.

reconquista da VW, aliás, Alex ganharia mais 15% da sociedade. Todos então no time de Nizan Guanaes, na DM9. Os três se encarrega-

Alguns dos clientes da Almap, a exemplo da Volks, gostam tam- riam de colocar a Almap - então num período de baixa criativa - de novo

bém de ficar por ali durante anos. É o caso da Kibon e da Danone, por no topo do ranking de predileção dos anunciantes brasileiros.

exemplo, clientes por décadas. Juntos, Marcello e Gama, os dois criativos da sociedade e dos

A agência nasceu em 1954, da associação dos irmãos José e Caio Al- maiores talentos da criação brasileira na época, criariam campanhas

cântara Machado. O segundo abandonou logo a sociedade para mon- memoráveis, como o relançamento do Fusca, o lançamento do Audi,

tar sua empresa de eventos e promoções, sucesso até hoje. O outro, re- diversas peças para a Pepsi.
conhecido bom negociador, soube exercer a arte de realizar os grandes
lances de bastidores e emprestar a frente do palco ao seu sócio criativo
e inovador. A associação com Alex, em 1960, trouxe também o espíri-
to da Doyle, Dane & Bernbach, a DDB, revolucionária agência norte-
Buracos, voltei.
americana, que Alex conhecera ao vivo e em cores, em Nova York.
Na bagagem, além das duplas de criação, viriam o humor e a inteli-
gência, numa época em que propaganda era atividade de comunica-
ção pura e simples dos atributos dos produtos.
Ponto alto desse período, as campanhas da Almap para o Fusca (a
exemplo das criadas pela DDB, nos Estados Unidos) mudariam o jeito
de se fazer propaganda no Brasil. E justo o Fusca, um carro refrigera- VOLKSWAG
do a ar, num mercado dominado pela refrigeração a água: "Aviso a
todos os carros refrigerados a água: hoje começa o verão", dizia um
anúncio de oportunidade da época. Em 1996, Alexandre Gama deixaria a agência, mas isso não altera- A campanha de
relançamento do

Brincando, brincando, a Almap se transformaria numa das maio- ria a rota de sucesso do negócio. A baixa maior aconteceria em 1998, Fusca, o desafio
f era superar

res agências de propaganda do Brasil, não somente em criatividade quando Alex sairia da agência que ajudara a construir. Ele soube fazer os brilhantes
momentos da
como também em volume de negócios. Chegou à segunda posição tudo direitinho. Inclusive sair. genial DDB
norte-americana.
no ranking de Meio & Mensagem e ficou entre as dez maiores agên- A Almap decolaria novamente, nas asas da associação com a BBDO

cias brasileiras desde então. e da nova administração. Em 1998, exatamente no ano da saída de

Três outros fatos importantes marcariam a história da agência, Alex, a agência conquistaria o maior número de Leões em Cannes pa-

anos depois. Um ocorrido em 1988, outro em 1993 e outro ainda em ra o Brasil, além de deixar o festival daquele ano consagrada como a

1998. Vamos a eles. terceira melhor agência do mundo.


Em 1988, Alex, então líder dos negócios da agência, associou-se à Na Almap/BBDO, Marcello Serpa se transformaria - e seria interna-

BBDO, vendendo à agência norte-americana 20% de suas ações. Isso cionalmente reconhecido assim - num dos maiores diretores de arte

transformou a Almap numa operação de porte internacional, numa épo- do mundo. E a agência, nos anos seguintes, passaria a ser o que é: a o
•t
ca em que o inevitável processo de globalização do negócio da propa- mais premiada e criativa agência brasileira da atualidade. 5

120 121
Grandes
Nomes
Eles são, basicamente, diferentes entre si.

Talvez exatamente por isso compõem

um bom painel da publicidade brasileira,

em que originalidade é indispensável.

Mas há um ponto em comum:

em cada um deles, a história da propaganda

fez esquina e foi por onde não vinha.


Washington criou o roteiro do primeiro comercial brasileiro a con
Washington Olivetto quistar o Leão de Ouro no Festival de Cannes, Homem com mais de
Ele revolucionou a moderna 40 anos, sobre o problema da falta de emprego na meia-idade. Criou
ainda, com Francesc Petit, o Garoto Bombril, personagem mais dura-
propaganda brasileira.
douro da propaganda mundial. E tem também dois filmes relaciona-
dos entre os cem maiores comerciais de todos os tempos, Primeiro
Soutien e Hitler. É o criativo mais premiado no maior e mais importan-
te festival da publicidade, o de Cannes, no qual já ganhou 48 Leões.
É diretamente dele ou de agências em que trabalhou uma seleção dos
melhores personagens da publicidade brasileira. Além do Garoto Bom-
bril, há o cachorrinho basset, da Cofap, a dupla de frentistas dos Postos
São Paulo, o Casal Unibanco e o rato da Folha de S.Paulo, entre outros.
Dois anos depois, por US$ 3,5 milhões, Washington traz da Suíça
os 50% que faltavam para a compra integral da W/GGK. E cria a
W/Brasil, uma das mais importantes agências do mercado nacional.
No entanto, a mais inusitada ousadia de Washington e seus sócios,
afirmação é forte, mas ele é o mais importante pro- no cenário empresarial, foi ter comprado a fábrica de bebidas popula-

A fissional de criação da propaganda brasileira de to-


dos os tempos. E não é só isso. Depois de ter marca-
do época com um trabalho memorável na DPZ durante
res Dubar, recuperado o negócio e lançado no Brasil a Lautrec, marca
de absinto, bebida proibida pelas leis brasileiras.
Ele explica que a compra da Dubar teve por objetivo a construção
17 anos, em 1986 Washington resolveu mudar de vida. de um case de marketing e posicionamento, para provar, na prática,
Deixou a agência, associou-se à (inexpressiva) sueca GGK que uma agência de propaganda competente pode muito bem geren-
e fundou a W/GGK, transformando-se em dono do seu ciar não só determinada marca como também uma indústria.
próprio negócio. Na verdade, Washington não precisa mais provar nada a ninguém.
Ele não foi o primeiro profissional da área de criação
a montar sua própria empresa. Antes dele, muitos outros
- o melhor exemplo é o dos próprios Duailibi, Petit e
Zaragoza, da agência que o consagrou - ousaram mos-
trar ao mercado que criativos podem ser empresários e
continuar produzindo um excelente trabalho. Podem se
revelar competentes administradores de empresas - a
seu estilo, claro - e conviver, harmonicamente, com os
desafios estratégicos do comando dos negócios e a ori-
ginalidade que a criação exige permanentemente.
O mérito de Washington foi ter inaugurado uma ten-
dência, para a qual o mercado, tudo indica, estava ple- 5
O
namente preparado: que os criativos assumissem o po- Z

der no negócio de agências de propaganda no Brasil.

125
que um dia lideraram o ranking nacional eram sempre de São Paulo).
Petrônio Corrêa Nunca foram chegados aos holofotes. Costuravam nos bastidores.
Um líder sem o qual seria difícil a Petrônio começou esse negócio de associações sendo presidente
de uma delas em seu estado, a Associação Rio-Grandense de Propa-
propaganda chegar onde chegou.
ganda (ARP). Pegou gosto e emplacou em seguida uma entidade já de
porte nacional, a Federação Brasileira de Propaganda (Febrasp). Em
abril de 1979, foi eleito presidente da Associação Brasileira de Pro-
paganda (Abap), dando a ela uma estrutura e uma representatividade
nunca vistas. Em 1980, tornou-se também presidente do Conselho
Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), cargo para o
qual foi reeleito quatro vezes. Deu à entidade conformação jurídica e
uma infra-estrutura profissional que a entidade mantém até hoje.
Voltou à presidência da Abap - fato inédito na entidade, essa sua re-
eleição - dez anos depois da primeira gestão.
E - fato inédito uma vez mais - voltou ao cargo pela terceira vez,
quando intermediou a complexa e demorada negociação entre anun-
ciantes, agências, veículos de comunicação e governo, para criar as

H
ouve um tempo na propaganda brasileira que foi o
das entidades. Tudo se discutia nelas ou por meio chamadas normas padrão do setor publicitário.
delas. Muitos hoje duvidam, mas a indústria da co-
municação como a conhecemos hoje deve sua existên-
cia a esse tempo. E a maior parte dessas entidades deve
um pedaço da sua história a Petrônio Corrêa. Das gran-
des lideranças históricas, quando a publicidade se for-
mava como setor, Petrônio talvez tenha sido o mais
atuante e aquele que maior número de cargos ocupou
nesses órgãos representativos do negócio. Ele é gaúcho
- e quem sabe está nas veias a característica de tomar a
pulso as situações e as conquistas.
Foi peitando um mercado ainda pequeno e em ex-
pansão, o do Rio Grande do Sul, que Petrônio e seus
dois sócios, António Mahfuz e Luiz Macedo, em Porto
Alegre, deram início à MPM, em 1957. Cerca de 18
anos depois, a MPM atingiria o topo do ranking das
agências brasileiras e ficaria por lá uma década inteira.
Se fosse uma agência do Nordeste, alguém diria que isso
é que coisa de "cabra-macho". Mas Petrônio e seus só-
cios nunca fizeram alarde desse feito inédito para uma
agência de fora da capital paulista (todas as agências

127
Como criativo, foi sempre polémico. Os clientes achavam-no óti-
Eduardo Fischer mo. Os criativos achavam-no péssimo. Ele trouxe ao Brasil uma ten-
Oi O talento para os negócios e o dência que chamou de "comportamental", inspirada na comunicação
de moda dos anos 1980 da Europa, em que as grifes falavam com seu
poder da reinvenção. público por meio de comerciais cheios de manias da vida. Cada mania
revelava um caráter e uma postura diante da sociedade. Quem se
identificava com aquilo tenderia a se identificar com a marca. Funcio-
na em moda até hoje. Mas foi chamado de invencioneiro.
Durante anos, bateu de frente com Washington Olivetto para ga-
nhar o trofeu de melhor criativo do país. Não levou o trofeu, mas foi
instigante o suficiente para ganhar prémios, muitas contas e ser indi-
cado como representante brasileiro no júri de Cannes duas vezes con-
secutivas. Nenhum outro brasileiro conseguiu isso até hoje.
Contam -faz parte do folclore da participação brasileira em Can-
nes - que, desavisadamente, numa festa na cidade, Fischer subiu ao
palco e revelou o Grana Pm do Festival, segredo sempre guardado
duardo Fischer foi, raramente, uma unanimidade em a sete chaves. Alguém lhe disse que o anfitrião havia pedido sua

E sua trajetória profissional. Tentou começar sua car-


reira publicitária pelo caminho tradicional, fazendo
faculdade de comunicação e, depois, procurando estágio
presença no palco para contar a todos qual o ganhador do evento e
ele contou. Foi uma grande gafe. O Brasil sofreu por isso, anos de-
pois. Fischer, não. Não se considerou culpado; apenas maldosamen-
nas agências. Foi rejeitado em todas as tentativas. De- te enganado.
pois, trabalhando na Rede Globo, acabou demitido por- Em 1989, separou-se da Y&R, ganhou mais dinheiro com isso e
que seu diretor imediato não via nele o menor talento. começou a montar a empresa da sua vida, a Fischer Justus Comuni-
Resultado: teve que caminhar sozinho. cação Total. Seu conceito abrangente, em que a agência de propa-
Abriu sua primeira agência de propaganda em 1976, ganda tem que atender o cliente em todas as suas necessidades de
numa salinha de 49 m2, alugada, em São Paulo, com apoio comunicação, incomodou muitos criativos e donos de agência du-
financeiro do pai. E aí começou a dar certo. rante anos. Fischer se propunha a fazer - e faz -, além da propagan-
Em 1982, montou a Fischer, Justus, com seu sócio da, promoção, merchandising, rótulos e embalagens, ações de
e amigo de anos Roberto Justus. Fischer é hoje dono apoio às vendas e à logística de distribuição do cliente etc. Agências
de uma das maiores agências do país, uma agência de propaganda não gostam e não sabem, em geral, fazer tudo isso.
que teria a conta publicitária de Nizan Guanaes, se- E não sabem como garantir rentabilidade nesse tipo de atividade
gundo o próprio Nizan, caso ele tivesse alguma conta não convencional para elas. Por isso, Fischer não conquistava a sim-
para entregar. patia de ninguém.
Aos 29 anos, quando sua agência tinha só cinco de Quando ele pregava esse posicionamento nos anos 1980, muitos o
vida, ele fechou um contrato de fusão com a Young & chamavam de bobão. Hoje, todo mundo procura fazer o mesmo, porque
Rubicam. Colocou seu nome na frente do da multinacio- é exatamente isso que o cliente quer. Ou melhor, o que ele exige.
nal, como viriam a fazer também alguns criativos brasi- Não tem jeito. Fischer é e sempre será um publicitário diferente.
leiros anos depois, e ganhou bastante dinheiro. Deu início à primeira rede de agências latino-americanas com sede no

129
Brasil, a FischerAmerica Comunicação Total. Em 1998, a perda de seu
sócio e a de uma de suas mais importantes contas, a da cerveja Brahma
Geraldo Alonso
(a que atendeu com competência durante oito anos), foram um ba- Contraditório, sem dúvida.
que, e o processo de latinização deu uma parada.
Mas quem se importa?
Mas ele se refez. Anunciou a conquista de novas contas em 1999
e já retomou o rumo planejado de crescimento para se transformar Um líder nato.
na primeira companhia de capital aberto dentre as agências brasi-
leiras, em 2002.
Muitos podem questioná-lo. Poucos duvidam de que fará.

atólico, conservador, moralista crítico do erotismo na

C publicidade, defensor de uma raça brasileira pura, na-


cionalista convicto, apólogo do regime militar que go-
vernou o Brasil de 1964 a 1986, inflexível em seus pontos
de vista, duro na argumentação e, principalmente, duro na
queda. Com esse perfil, difícil imaginar que ele tenha sido
uma das mais importantes lideranças de um mercado como
o da propaganda, do qual se tem a imagem de liberal e
avançadinho. Pois nem o mercado é tão liberal assim, nem
Geraldo Alonso, nascido em Pedreiras, interiorzão de São
Paulo, foi um líder tão mordaz que dele a publicidade pre-
cisasse se resguardar. Muito pelo contrário, a propaganda é
também uma atividade conservadora, e Geraldo Alonso foi
um de seus mais importantes pilares, num momento vital de
seu desenvolvimento - o início de sua modernização empre-
sarial -, quando pilares era tudo de que ela precisava. Dele,
a propaganda tem muito o que se orgulhar.
Sócio fundador de uma das mais antigas agências
brasileiras, fundada em 1946, a Norton Propaganda -
empresa absorvida pelo grupo europeu Publicis - Geral-
dão, como era conhecido, foi um dos fundadores da nova
agência de propaganda brasileira. "Nova" quer dizer em-

130
presarialmente consistente, voltada com absoluta seriedade para o re-
sultado de seus clientes. Mais que isso, introduziu o acompanhamento
Alex Periscinotto
de consultoria de negócios como praxe na administração da Norton, Ele enxergou antes um pouco de
algo até hoje inusitado para muitas agências brasileiras.
tudo que seria modelo na
Geraldão foi também sábio o suficiente para defender e lutar pela im-
plantação do Conar, o órgão de autodefesa da propaganda contra as in- propaganda brasileira.
certas investidas da censura e, não nos enganemos, de alguns pontos de
Vista contrários à atividade e aos valores do setor, vindos da própria
sociedade como um todo. Ele foi seu primeiro presidente, em 1988.
Carismático descendente de espanhóis, dono de um vozeirão arrasa-
quarteirão, Geraldo Alonso, mesmo conservador, soube abrir espaço em
sua agência para o desenvolvimento do departamento de criação, onde
habitavam os barbudinhos, como ele chamava os profissionais da área.
Na década de 1970, anos duros do governo militar, contratou alguns dos
grandes nomes da criação publicitária da época (entre eles, Neil Ferreira
e José Fontoura da Costa, responsáveis cada um por alguns dos belos
momentos da criatividade nacional) e deixou que eles próprios se deno-

A
produção de patos de madeira deve estar uma
minassem "os subversivos" - uma deliciosa e permissiva afronta aos ho- maravilha por esses dias. Afinal, após deixar a
mens da caserna no poder. agência que dirigiu por 38 anos depois de ter
Geraldão foi ainda um dos primeiros empresários da publicidade bra- sido, em sua carreira de mais de 45 anos, um dos mais
sileira a manter forte e íntimo contato com o setor da propaganda nos importantes inovadores do negócio publicitário, Alex
Estados Unidos e na Europa. Importou modelos de gestão e representou Periscinotto, sétimo filho de um carpinteiro vêneto,
no país a International Advertising Association (IAA), entidade que con- deve estar esculpindo uma peça atrás da outra. Talen-
grega e representa o negócio das agências de propaganda no mundo. toso artesão de objetos de madeira, com destaque pa-
Tinha fazendas, chegou a comandar quatro dos mais sofisticados res- ra os patos, ele continua como consultor de negócios e
taurantes de São Paulo, mas o que mais soube fazer e o que de mais atuando ativamente na Secretaria das Comunicações,
importante deixou para as gerações que vieram e ainda virão depois dele em Brasília. Prossegue contribuindo com ideias inova-
foi a lição de que um setor da economia que busca ser representativo e doras para os poderes constituídos, como a que deu re-
respeitado no mundo dos negócios precisa se organizar, lutar por inte- centemente ao ministro da Marinha, para que que-
resses comuns, saber defender politicamente seus valores e, antes de tu- brasse a formalidade das mensagens publicitárias da sua
do, ser um corpo empresarial que se dê ao respeito. arma e buscasse conversar com os jovens sobre alista-
Quando sua agência completava 42 anos de uma existência de suces- mento, numa linguagem que eles entendessem melhor.
so, em maio de 1988, Geraldo Alonso morreu de problemas cardíacos, Talvez Alex nunca mais pare de ser o que sempre
na UTI do Hospital do Coração, em São Paulo. Sem saber que muitas das foi, um inquieto inovador. Desde as primeiras mode-
novas gerações de publicitários se esqueceriam completamente de seus los vivas que colocou nas vitrines do Mappin, na dé-
ensinamentos, que as entidades do setor passariam por um enfraqueci- cada de 1950, para promover uma liquidação de
mento atroz e que, ele sim, poderia ter sentido vergonha do ne -"ócio que meias femininas, até os primeiros anúncios do Fusca
tanto ajudou a construir. no Bra--il, que causaram uma das importantes revolu-

132
coes na criação publicitária brasileira, ele não parou de pensar em São grandes, de fato, as coisas que poderiam ser ditas sobre Alex.
coisas novas. Mas é no título de um de seus livros que talvez esteja algo que sirva
Alex Periscinotto tem em seu currículo uma série de conquistas aqui como registro final: Mais Vale o que se Aprende que o que Te
como profissional e empresário. Talvez a mais significativa delas te- Ensinam.
nha sido trazer para o Brasil as duplas de criação. Todos sabemos A vida dele é o que ensinam. Cabe, a quem quiser, aprender o
que o formato de trabalhar em duplas, um diretor de arte e um re- que ele deixou.
dator, lado a lado, era algo inusitado até os anos 1950, quando a Os patos. A produção de patos deve estar maravilhosa por esses dias.
Doyle Dane & Bernbach, a DDB de Nova York, idealizou o modelo
então inovador, que funciona com sucesso até hoje. No Brasil, até
que Alex viesse com a novidade e a colocasse em funcionamento nu
sua Almap, ninguém tinha ideia do que fosse aquilo. O valor dessa
importação não está apenas na novidade em si, mas naquilo que ela
geraria. A produtividade, a interação e a mudança no padrão de
qualidade que as duplas imprimiram na criação publicitária brasileira
é que foi a grande coisa. O grande marco.
Mas seria um injusto exercício de redução falar do Alex apenas co-
mo alguém que trouxe algo que viu lá fora. Como desenhista (uma das
profissões que começavam a surgir na propaganda brasileira na década
de 1950) passou pela Sears e depois, já como gerente de publicidade,
foi ao Mappin (das meias), para finalmente entrar de vez nas agências
de propaganda. Passou pela Standard e, em seguida, foi para uma tal
Alcântara Machado, na qual entrou como diretor de criação e passou <i
sócio, em 1960, de onde só sairia quase quatro décadas depois.
Paulista de Mococa, líder das principais batalhas de consolidação
do negócio da propaganda no Brasil, em 1988 venderia 20% dri
Almap para a norte-americana BBDO, num dos primeiros grandes
acordos que resultariam na definitiva globalização do setor no país
Alex continuou na presidência do grupo até 1997, quando incorpo
raria como novos sócios Marcello Serpa, Alexandre Gama e José Luís
Madeira, egressos todos da DM9.
Foram dois gestos emblemáticos: primeiro, a internacionalização,
em seguida, a passagem de bastão para as novas gerações. Depois,
ainda, a saída da empresa que construiu durante 38 anos.
Haveria muito mais a dizer sobre Alex Periscinotto: que começou
a trabalhar lavando pratos e talheres na pensão da sua mãe; que foi
presidente da Bienal; ou ainda que foi considerado, em 1988, pelo
júri do Prémio Colunistas, como o Melhor Publicitário dos Últimos
20 Anos, por exemplo.
Christina Carvalho Pinto vez tudo tenha começado aí), além de ter sido a mais premiada profis-
sional de criação do país, foi aquela com a mais projetada - nacional
O mundo dos negócios é masculino. e internacionalmente - carreira executiva da publicidade brasileira.
Ela nunca esteve muito aí para isso. Nos anos 1970, foi das cabeças pensantes mais ativas dentre os pro-
fissionais de criação da época. Líder natural, defendeu com unhas e
Venceu com talento, que não tem sexo. dentes a importância do profissional de criação na estrutura das agên-
cias e no negócio da propaganda como um todo.
Passou pelas agências Thompson, Salles, McCann-Erickson, FCB/
Siboney e CBBA. Deu uma virada criativa na Norton, quando a agên-
cia de Geraldo Alonso precisava de novo sangue criativo. E como fun-
cionária dos outros, terminou sua carreira na Young & Rubican, onde,
durante sete anos, foi membro do board internacional do grupo,
chairman (ou chairwomarí) da agência no Brasil, além de ter participa-
do da Gang of Twelve, reunião dos 12 mais criativos profissionais da
agência em todo o mundo. Aí ganhou mais um Leão de Cannes para
sua coleção, com o filme Halterofilistas, para a Singer.
a década de 1970, ela andava descalça nos corredo-

N
Em 1996, num episódio conturbado (ela pediu demissão, mas diri-
res da agência, vestindo batas indianas e desfilando gentes da agência declararam que ela teria sido afastada da presidên-
uma incómoda segurança feminina naquele mun- cia para ser substituída por Alexandre Gama, ex-sócio da Almap), dei-
do de machos. As batas cederam lugar a elegantes mo- xou a Y&R para trabalhar para si mesma. Fundou sua própria agência,
delos internacionais, mas o desfile da segurança num ce- a Full Jazz, comandando tudo e todos, sempre com indiscutível com-
nário onde os homens, apesar de todas as mudanças, petência. Mulheres e, claro, homens.
ainda mandam, continua. Christina Carvalho Pinto talvez
já soubesse algo sobre essa sua faceta quebradora de ta-
bus quando saiu de Dois Córregos, interior de São Paulo.
Talvez não. Mas é mesmo possível que sim, porque disse
aos pais que ia para a capital, aos 17 anos, sozinha, e que
seria - ora vejam - redatora de propaganda.
Veio, foi e venceu.
Esqueceu-se de avisar que viria para ser também a mais
importante figura feminina da propaganda brasileira.
Poucas mulheres, infelizmente, se destacaram na profis-
são. Houve - e há - Maggy Imorbedorf, dketora de arte,
artista plástica e primeira mulher presidente de agência
no mercado brasileiro. Houve - e há - Ana Carmem Lon-
gobardi, também diretora de arte e vice-presidente de
uma das mais talentosas agências brasileiras, a Talent.
Mas Christina, quinta de seis irmãos, quatro homens (tal-

l li/
Roberto Duailibi
Por que o D, da DPZ, é muito mais do
que apenas o D, da DPZ.

maioria dos textos sobre Roberto Duailibi começa

A dizendo que ele é o D da DPZ. A maioria deles po-


deria terminar por aí. Ser qualquer uma das três
letras da DPZ seria suficiente para qualquer um. Na for-
ma sucinta das três consoantes estão resumidos vários
dos capítulos mais instigantes da história da propagan-
da no Brasil. como a Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil (ADVB), o Con- Cena de um dos
inúmeros
Só para constar, vamos em frente aqui para registrar selho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) e a Asso- comerciais
criados pela DPZ
que esse "turquinho de Mato Grosso", como ele mes- ciação Brasileira das Agências de Propaganda (Abap). Foi Publicitário para seu eterno
cliente Itaú.
mo se definiu muitas vezes, foi bastante além de ser o D do Ano, Empresário da Propaganda do Ano e Líder Empresarial do
da DPZ. Duailibi esteve sempre por volta quando foram Ano diversas vezes, por vários anos.
discutidas algumas das questões básicas para o desen- A história institucional e política do setor publicitário no Brasil tal-
volvimento do negócio publicitário brasileiro: a auto-re- vez não fosse a mesma sem Duailibi. Como Alex Periscinotto, saltou
gulamentação da publicidade nacional, a eterna polémi- da área da criação para o comando empresarial de sua agência, em-
ca das taxas de remuneração das agências ou o roteiro bora nunca tenha deixado de conduzir trabalhos criativos em toda a
das histórias em quadrinhos que escrevia para uma pe- sua carreira. Numa agência como a DPZ, isso não é só diletantismo.
quena editora do bairro da Vila Maria, em São Paulo, Outros pedaços da história desse turquinho você pode ler no capí-
onde morou depois de migrar de Campo Grande. tulo sobre a DPZ. Porque, entre outras coisas, afinal de contas, Duailibi
Momentos históricos como esses foram muitos na vi- é o D da DPZ.
da de Duailibi, que foi comunista, mas abandonou a
vida de comer criancinhas para se dedicar à liderança de
algumas importantes entidades da comunicação no país,

Ill II
Mareei Io Serpa Nizan Guanaes
Metros e metros de genialidade. "Em tempos de crise, há os que
choram e os que vendem lenços.
Prefiro vender lenços."

om mais de dois metros de altura, ele é o maior dire-

C
ssa é apenas uma das centenas de grandes frases
tor de arte da propaganda brasileira. Seria, ainda as-
sim, com a estatura que fosse. Na verdade, muitos
(principalmente gente que não mora no Brasil) conside-
E que Nizan Guanaes tem dito ao longo de sua vida.
Mas esse bom baiano, filho de pai médico, é bom
em muitas outras coisas, além de belas frases. Por exem-
ram-no um dos maiores diretores de arte do mundo. plo: sabe vender bichinhos de pelúcia como ninguém.
Ele é mesmo. Não por outro motivo, foi convidado para Fez isso na cola de uma das mais memoráveis campanhas
presidir os festivais de Cannes (o maior festival publicitário da nossa publicidade, Mamíferos, para a Parmalat, e fez
do mundo), o de Londres e o de Nova York, os outros dois isso de novo com o cachorrinho do ÍG, personagem sím-
mais importantes. Foi ele quem ganhou o primeiro Grand bolo do portal de internet que ajudou a criar e presidiu.
Prix para o Brasil e para a América Latina, em Cannes, em Em ambos os casos, os bichinhos eram apenas para re-
1993, com uma campanha para o Guaraná Diet, da An- forçar a consolidação e difusão da imagem das duas mar-
tárctica. É o diretor de arte brasileiro mais premiado no Art cas. Transformaram-se em fenómenos de venda.
Directors de Nova York. Volta e meia também é chamado Aliás, para ser justo com sua história e com o que
para fazer campanhas internacionais para entidades euro- sempre diz de si mesmo, o que Nizan melhor faz na vi-
peias e norte-americanas. Graduado em comunicação vi- da mesmo é vender. Ele vende lenços para os que cho-
sual e artes gráficas na Alemanha, depois de conquistar ram e leite, refrigerantes, cervejas, carros, serviços ban-
vários prémios na DPZ do Rio e de São Paulo e na DM9, cários, seguros de vida e eletrodomésticos, entre ou-
ganhou o prémio de sua vida: ser sócio da Almap/BBDO. tras tantas coisas, para todo mundo. É um camelo mo-
Aí, além de ter ajudado a levar seu negócio à condição de derno, um mascate da comunicação de massa. E uma
um dos mais bem-sucedidos do país na década de 1990, das mais carismáticas, envolventes, criativas e impor-
continuou ganhando prémios e mais prémios. Por essas e tantes personalidades da propaganda brasileira dos
outras, Marcello Serpa é grande. Muito grande. últimos 25 anos.
Nizan defende a tese de que a propaganda não é futebol, é basque-
te. É preciso ganhar de 46 a 32 e não de dois a um. Quer dizer, é preci-
Júlio Ribeiro
so fazer trinta, quarenta ou cinquenta alternativas diferentes para uma O maior planejador da
mesma campanha ou anúncio. É preciso esgotar a fundo o poço das
propaganda brasileira.
possibilidades. É necessário se virar do avesso e se entregar, horas a fio,
ao raciocínio criativo. Só assim se atinge o melhor. Certa vez, para mos- Mas não só.
trar que sabe fazer, rápido e criativamente, chegou de madrugada na
DM9 e, sozinho, fez todos os trabalhos pendentes, de todas as duplas
da agência, antes mesmo de elas acordarem para ir ao trabalho.
Sua vida tem sido um ir-e-vir constante no eixo Salvador-São Pau-
lo-Cannes. Deixou o estágio na DM9 - originalmente, a agência baiana
de um de seus mestres, Duda Mendonça - em 1978 para se aventurar
na propaganda carioca, na Artplan de Roberto Medina, outro de seus
ídolos na profissão. Foi para a DPZ e depois, a convite de Washington
Olivetto, para a W/GGK. E aí voltou para a Bahia, como vice-presidente
da mesma DM9, de onde saíra como estagiário dez anos antes. Não
saiu mais da DM9, até porque montou em São Paulo um escritório da "Existe um certo prazer em comprar. É um sentir-se bem

agência, inicialmente associado a Duda Mendonça, para, após ter trans- que não depende da utilidade que o objeto da compra tem ou

formado sua empresa numa das maiores e mais bem-sucedidas agên- não. O fato de comprar uma coisa acaba sendo mais importan-
cias do país, vender 49% do capital ao grupo DDB. te do que ela mesma."
Nesse meio tempo, juntamente com Marcello Serpa, criou a campa-
sso não é frase de publicitário. É frase típica de soció-

I
nha que daria ao Brasil seu primeiro Grand Pm no Festival de Cannes,
a do Guaraná Diet, da Antárctica, em 1993. No ano seguinte, foi o pri- logo. Pois não é que seu autor é os dois? E não é que,
meiro brasileiro a presidir o júri do Festival de Cannes (o de Press & apesar de ter feito sociologia, ser formado em direito
Póster) e, em 1997, bateu o recorde de prémios brasileiros em uma só e ter sonhado, um dia, ser diplomata, acabou mesmo
edição do evento (ganhou nove Leões). como um dos mais renomados empresários da propa-
Em 1999, fez um ousado movimento em sua carreira: picado pela ganda brasileira?
mosca da internet, mudou-se de mala e cuia para o ÍG, portal pioneiro Júlio Ribeiro, criador e principal acionista da Talent,
no lançamento do acesso gratuito no país e um dos últimos a desistir uma das mais representativas agências brasileiras, tem
do modelo, que deu com os burros n'água. frases de análise estrutural da atividade publicitária que
Mesmo que Nizan não tenha ido bem como empresário no mundo são antológicas. Uma delas, durante o 3° Congresso Bra-
web - feito que, aliás, não lhe é exclusivo -, o bom baiano marcou de sileiro de Propaganda, em 1978: "Num país de pouca
tal forma sua passagem pela publicidade brasileira que não há como es- gente rica, um grande número de pobres e uma enor-
quecê-lo. Aliás, quando o leitor estiver acompanhando este relato, me quantidade de miseráveis, a propaganda é um ins-
Nizan provavelmente estará na condução de mais um grande empreen- trumento de desagregação social. Os publicitários de-
dimento. Sua DM9 ou, quem sabe, a prefeitura de Salvador. vem acabar com a fantasia de que são cavaleiros da
prosperidade, quando são, na verdade, jagunços do po-
der económico."

142
Esse agudo analista da propaganda apaixonou-se por ela na década
de 1960, quando começou na McCann-Erickson. Passou pela Denison
Mauro Salles
e pela Alcântara Machado (Almap) para, então, iniciar sua carreira de O mais versátil e articulado
empresário, montando com Armando Mihanovich a agência que le-
líder da publicidade no Brasil.
vava o nome dos dois. Com a entrada do criativo Sérgio Graciotti, a
empresa se transforma na Casabranca, que seria comprada pela maior E muito mais.
agência do Brasil na época, a MPM.
Nesse período, era já o que viria a ser para o resto da vida: o mais
respeitado profissional de planejamento da propaganda brasileira. Os
conselhos de Júlio eram e são ouvidos por grandes empresários e exe-
cutivos como verdades absolutas - agudas e precisas como as análises
estruturais que faz da propaganda. Aliás, planejadores e sociólogos
têm muito em comum, com a diferença de que o planejador precisa
mostrar resultados concretos de suas análises aos clientes, sob pena de
perder o cliente e, de quebra, o emprego.
Com seu prestígio e sua experiência em alta, e a vontade de poder
aliar de forma mais intensa e inteligente planejamento e criação, Júlio "- Doutor Roberto, eu não quero ficar só nesse negócio de
fundou a Talent, em 1980. Sua agência nunca fez propaganda nem ser seu funcionário. Quero ser seu sócio.
de cigarros, nem de bebidas, nem de empresas ou órgãos governa- - Mas Mauro, nem meus filhos são meus sócios. E você é o
mentais. Um caso raríssimo, já que ainda hoje único na história da pu- maior salário da empresa.
blicidade no país. - Não basta. Acho que está na minha hora, quero ser seu sócio.
Em 1994, Júlio lançou um livro autobiográfico chamado Fazer acon- - Ah, Mauro, deixa de besteira!"
tecer, Ed. Cultura, cujo subtítulo era a melhor parte: Algumas coisas
que aprendi em propaganda investindo L/55 1 bilhão de grandes em- ais ou menos com essas frases, em 1965, ocor-
presas. Nele, o autor conta com bom humor e pertinência uma traje- reu esse diálogo, insólito até certo ponto. Os
tória low profile, que tem mais de três décadas de sólida duração. protagonistas: de um lado, Mauro Salles, então
Apesar do sucesso, em 1999 Júlio confessou à imprensa que o diretor de redação de O Globo e membro do comité
avanço acelerado das transformações do final do milénio havia atro- de estudos para formatação da Rede Globo; do ou-
pelado seu saber; estava tendo de aprender tudo de novo e, para ele, tro, ninguém menos do que Roberto Marinho, dono
a única saída diante das inevitáveis transformações era a postura de de tudo.
eterno aprendiz. Mauro Salles sempre se anima quando conta essa his-
Júlio se repetia. Havia dito isso cinco anos antes, com a mesma tória, uma das muitas que tem para contar. Talvez por-
ênfase, na época do lançamento do seu livro. O que, nem de longe, que ela revele uma face de si mesmo que ele gosta de
é falta de imaginação, mas uma irrepreensível coerência. É baseado revelar: a de ousado empreendedor.
nela que o eterno aprendiz tem servido de modelo para gerações, in Afinal, ele poderia ter sido bem-sucedido como
clusive de concorrentes. corredor de carros, algo que tentou na juventude,
Talvez disso Júlio não saiba, mas ensinou muito mais do que pó mas não funcionou. Sua paixão pelos automóveis
de aprender. nunca o abandonaria, mas ele acabou correndo em

144
outras competições, tendo a seu lado, por vezes, jornalistas; por ou- A Salles-lnteramericana chegou ao segundo posto no ranking das
tras, políticos; e por outras, ainda, empresários. Até porque ele agências brasileiras para figurar sempre entre as maiores, por dé-
deixou a redação de O Globo e, depois, o cargo de primeiro di- cadas. A conta da Willys iria embora em 1968, no dia em que a Ford
retor de jornalismo e programação da Rede Globo para ser dono comprou a companhia. Mas voltaria para a Salles vinte anos depois,
do seu próprio negócio, uma agência de propaganda, a então conquistada numa concorrência que Mauro conduziu pessoalmente
Salles-lnteramericana. E a política sempre esteve no sangue. Filho e cuja vitória comemorou com o mesmo entusiasmo que comemora-
do articulado e matreiro barão político de Pernambuco, ministro ra a conta da Willys.
da Agricultura do segundo governo Vargas, Apolônio Salles, Para o lançamento do Ford Corcel, Mauro pegou um avião e foi
Mauro viu parte do jogo político de seu estado acontecer muito a Detroit conversar com Henry Ford II, que se opunha a aprovar o
perto dele. uso do nome da família - ou seja, a marca Ford - na designação do
A história do surgimento de sua agência de propaganda é a mes- modelo (nenhum dos modelos da companhia leva o nome Ford).
ma da conversa com Roberto Marinho, só que dessa vez com Mauro Mauro convenceu-o do contrário.
conseguindo seu intento. No início da década de 1970, o mesmo Ford visitaria o Brasil, para co-
A paixão pelo automobilismo e seu conhecimento do setor fa- nhecer o carnaval. Mauro - com quem circulou boa parte do tempo -
ziam-no assinar uma coluna sobre o assunto em O Globo. Como insistiu em um passeio inédito, que acreditava muito mais original:
colunista, foi acompanhar o lançamento de um novo modelo da fazer um dos maiores industriais norte-americanos andar de ônibus,
Willys Overland do Brasil, que deveria se chamar Aero-Willys. Mau- no Rio de Janeiro. Para horror do seu esquema de segurança, Ford to-
ro viu a campanha publicitária que os diretores da empresa estavam pou. Mauro costuma brincar que deve ter sido a única vez em que um
analisando e, sem hesitar, disse que estava tudo errado; que, se Ford andou de Mercedes.
eles permitissem, em dez dias traria a grande campanha de Mauro Salles exerceu numerosos cargos de diretoria e presidência
lançamento do carro. nas mais importantes entidades da publicidade brasileira. É conside-
Seus argumentos foram fortes o suficiente para ganhar o tempo rado um dos grandes responsáveis pela consolidação do negócio pu-
e a oportunidade. blicitário no país e o homem que forjou a expressão "indústria da
Num quarto do Hotel Jaraguá, juntamente com seu irmão, Luís propaganda", que daria ao setor um conceito de solidez bastante
Salles, Mauro elaborou suas ideias e, em dez dias, apresentou-as aos importante em sua expansão na economia brasileira.
diretores da Willys. Fomos direto pelo lado empresarial da vida de Mauros Salles
Essa história não estaria sendo contada aqui se, claro, Mauro porque é desse assunto que estamos falando aqui. Mas vamos
não tivesse ganho a concorrência que ele mesmo criara. Ficou com voltar só um pouco, para percorrer rapidamente outro braço igual-
a conta não só daquele modelo - que mudou o nome para Itama- mente empreendedor e bem-sucedido da vida desse pernambu-
raty - mas também de toda a companhia. Isso porque, num novo cano "cabra-da-peste".
gesto de ousadia, disse que a companhia poderia ficar com a cam- Aos 25 anos, foi secretário do gabinete parlamentarista de
panha de graça do Itamaraty, mas que ele só trabalharia para im- Tancredo Neves; aos 28, ministro da Indústria e Comércio de João
plementá-la se saísse da reunião com toda a conta da Willys, então Goulart, para, contraditoriamente, apoiar o golpe militar em
a quinta do país. Levou. 1964, que afastaria Jango do poder e colocaria o país sob um re-
O quarto do Hotel Jaraguá foi, assim, o primeiro escritório da pri gime ditatorial durante vinte anos. Auxiliou o controvertido mi-
meira agência brasileira que não existia quando seu dono ganhou nistro Golbery do Couto e Silva, homem de comunicação dos ge-
sua primeira conta. Era 1966, um ano depois de Mauro ter feito <i nerais, e o general João Baptista Figueiredo, outro presidente
oferta de sociedade a Roberto Marinho. da ditadura.

146 147
Com 52 anos, coordenou a vitoriosa campanha de Tancredo
Neves à presidência da República pelo colégio eleitoral. Com a
Márcio Moreira
morte de Tancredo e a posse de Sarney, foi chamado para asses- O mais bem-sucedido executivo
sorar o novo presidente. Não aceitou. Voltou à propaganda e aos internacional da publicidade brasileira.
automóveis. E para uma posição das mais destacadas no negócio
da propaganda brasileira.
Padrão de qualidade em Nova York.

iação Garcia e muito medo. São essas as duas lem-

V branças ainda guardadas na memória de Márcio


Moreira sobre o dia em que seu pai, o administra-
dor de fazendas Joaquim Pedro Moreira, colocou-o no
ônibus em Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Pau-
lo, com destino à capital. Ele voltaria algumas vezes à ci-
dade natal. Seu destino, nenhum dos dois sabia ainda
então, não era só a maior cidade do Brasil mas, em pou-
co tempo, uma outra: a mais importante do mundo. E,
nela, o maior cargo mundial da criação, no qual dirigiria
as campanhas internacionais da Coca-Cola e uma equi-
pe de criativos espalhados em mais de 120 países, trans-
formando-se no publicitário brasileiro com a mais desta-
cada carreira internacional do setor.
Márcio morou num quarto de pensão, na Associação
Cristã de Moços, foi office-boy e estudou ali perto, no
Mackenzie. Ali perto também conheceu muita gente da
classe artística e teatral. Participou, quem diria, do espe-
táculo O processo, de Franz Kafka, como integrante do
Teatro de Arena. Ficou amigo de Chico Buarque e do crí-
tico musical Tárik de Souza. Foi com este último que co-
locou os pés, pela primeira vez, na McCann-Erickson,

14B
cuja sede também era ali pelas redondezas da Rua Maria Antônia, no comandado, como seu cargo pedia, todo o planejamento, a criação e
centro de São Paulo. Ambos haviam sido indicados pelo pai de Tárik, a produção do projeto.
Emil Farhat, presidente da agência, para uma entrevista com um dos A saída foi manter no mercado a fórmula tradicional, com a desig-
diretores da empresa, Geraldo Santos. O diretor gostou muito de nação de Coke Classic, e deixar a New Coke à própria sorte. Ou seja,
Márcio Moreira. E Márcio Moreira gostou muito da McCann, que fica- o esquecimento.
va ali tão perto de tudo que ele conhecia tão bem. Antes de se tornar um viajante profissional, no Brasil, Márcio foi
A McCann seria uma ponte sem volta para lugares bem distantes. responsável pela conta da GM, outro gigante mundial e um dos mais
Para encurtar a história, Márcio viaja, hoje, 70% do seu tempo e para importantes clientes internacionais da McCann. Lançou aqui o Opala
todo o mundo. Talvez com um pouco mais de frequência para os paí- e a Caravan, tendo ainda criado conceitos bastante conhecidos nos-
ses da Ásia e do Pacífico, pois comanda atualmente toda a operação sos, como "Veja o país num Chevrolet, seja feliz num Chevrolet" e
da McCann nessas nações - 19 ao todo, com trinta escritórios na re- "Me descobri num Chevrolet".
gião - que ficam bem para lá de Santa Cruz do Rio Pardo, muito dis- Numa rápida mas curiosa passagem por Hollywood, pôde conhecer
tantes de São Paulo, longe também de Nova York, cidade onde mora de perto o mundo do cinema internacional. Como a Coca é uma das
há pelo menos vinte anos. Quer dizer, do outro lado do mundo. acionistas da Columbia Pictures, em 1987, emprestou Márcio para
Márcio entrou na McCann em 1967 e nunca conheceu outro em- conduzir o marketing da companhia cinematográfica. Lá trabalhou
prego desde então. Dentro da empresa, teve uma carreira meteórica diretamente com seu presidente mundial, o controvertido inglês David
de ascensão, que o levou, em 1988, a membro do board mundial da Puttnam, que não fez lá uma grande gestão e foi afastado do cargo
companhia, nas invejáveis posições de vice-chairman e chief creative oito meses depois de assumir.
officer. (Este último cargo é simplesmente o posto mais alto dentro da Em Hollywood, Márcio morou numa casa hollywoodiana, natural-
agência no departamento mundial de criação, no qual trabalhou dire- mente, em Sunset Boulevard. Confessa que curtiu, mas prefere mes-
tamente com marcas como Chevrolet, Goodyear, Nestlé e Martini, mo sua New Jersey e o caminho que o leva todos os dias à Lexington
entre dezenas de outras.) Avenue, no centro de Manhattan - onde fica, no 10e andar, sua sala
Antes de chegar a ele, no entanto, passou pelo comando do Inter- no prédio da McCann-Erickson Worldwide.
national Jeam de criação da Coca-Cola, onde permaneceu 11 anos, De lá, quando ele estica os olhos, consegue ver o telhado do casa-
durante a década de 1980 e parte da de 1990. Aí foi responsável pelo rio de Santa Cruz do Rio Pardo.
planejamento criativo de um dos mais importantes e maiores anun-
ciantes mundiais. Além do comando geral do time, era pessoalmente
sua a tarefa de traduzir para as diversas línguas as campanhas interna
cionais da Coca. Graças à sua experiência europeia atuando em pra
ças como Londres, Lisboa, Frankfurt e Copenhague, de 1971 a 1974,
Márcio consegue criar em inglês, espanhol, italiano, francês e, claro,
em português.
Em meio a tanto sucesso, um momento de incerteza: ele foi um
dos responsáveis pelo planejamento e pelo estímulo ao cliente Qx,i
no lançamento da New Coke, uma aventura estratégica malsucedid.i
da maior companhia produtora de refrigerantes do mundo, que, pnr,i
combater a Pepsi, resolveu alterar a mística fórmula tradicional da Co
ca, tornando-a um pouco mais doce. Foi um fracasso - e Márcio

IbU 151
conquistou seu primeiro Leão, quando a sede da empresa era ainda
João Daniel em sua cidade de origem, o Rio de Janeiro. Foi lá que a produtora nas-
ceu, com mil dólares emprestados pelo irmão. Mas foi em São Paulo,
O mais premiado e internacionalmente
para onde se mudou em 1979, aos 28 anos de idade, que sua carreira
reconhecido diretor do cinema decolou, para transformá-lo numa das grandes preferências nacio-
publicitário nacional. nais, entre agências e anunciantes.
Em 1988, de uma só vez, conquistou seis Leões em Cannes, marco
até hoje inigualável. Em 1990, decidiu assumir de vez seu potencial in-
ternacional e mudou-se para Barcelona, com mulher e filho, para co-
mandar de lá as operações do Brasil, de Portugal e as representações
que tinha ainda em Nova York e na Suécia. Já no primeiro ano de atua-
ção na Espanha, sua produtora local foi considerada a quarta mais re-
presentativa, num dos mercados mais competitivos da Europa.
A queda pelo cinema começou nas salas de projeção que frequen-
tou, desde cedo, com seu pai, o cossaco Daniel Tikomiroff, um legíti-
mo moscovita que chegou ao Brasil em 1922, depois de servir o exér-
cito inglês e de uma rápida passagem pelos Estados Unidos.
uem diz que o cinema brasileiro não faz sucesso l,'i

Q fora é porque não conhece João Daniel Tikomiroll


Ele é o cineasta publicitário brasileiro mais premi,i
do no exterior. Relacionado mais de uma vez entre o-,
O velho Tikomiroff acabou se transformando no representante lo-
cal da Universal Pictures, e o pequeno João cresceu assistindo a
Hitchcock, Godard, Alain Resnais e Ingmar Bergman, para depois apri-
morar seus conhecimentos em cursos com os nacionais Arnaldo Jabor
melhores do mundo em sua profissão por publicaçói-,
e Joaquim Pedro de Andrade, no Museu de Arte Moderna (MAM) do
de peso e acima de qualquer suspeita, como as ingles,r,
Rio de Janeiro.
Campaign e Shots, João tem na bagagem 37 Leões,
Seu primeiro curta, Rugas, ganhou o festival carioca do género e
uma coleção do mais alto prémio do mais importanlr
festival de cinema publicitário do mundo, o de Canru", teve reconhecimento elogioso do Lê Monde.
Entre suas grandes obras - e entre os grandes momentos da publi-
Poucos diretores internacionais, mesmo alguns b,r,
tante reconhecidos, conquistaram tantos trofeus l/i cidade brasileira - estão Mãe e filha, da Deck Propaganda, para a sei-
va de Alfazema; Passeata, da W/Brasil, para ojeans Staroup; Feia, tam-
João é chamado, com frequência, para dirigir comerc i,n>.
bém da W/Brasil, para Max Factor; Leds, da Young & Rubican, para
tanto em países próximos, da América do Sul, como no1.
Gradiente; Estátuas, da W/Brasil, para Mappin; Crianças Famosas, da
Estados Unidos - passando, sem problemas, pela Euio
pá. (Experiência curiosa é vê-lo, pequeno e agitado, < , i DM9, para Lego Brasil; Latas, da Standard, para Latasa, todos Leões de

minhar pela Cote d'Azur, ao lado de um de seus mrim Ouro em Cannes.


Esse brasileiro com nome russo, obra internacional e um ainda per-
rés amigos, outro dos melhores diretores de comerei,ir.
ceptível sotaque carioca é, na verdade, um pequeno grande génio do
do mundo, o gigante Joe Pitcka, com mais de dois me
tros de altura.) cinema publicitário mundial. Um talento brasileiro que nunca soube o
que era respeitar fronteiras.
Sua carreira internacional começou cedo. Antes me-,
mo de possuir uma produtora reconhecida no merc.uln
brasileiro - como é hoje e já há trinta anos a sua Joddl ,

153
Assis Chateaubriand 1917, como repórter do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil até
comprar seu próprio jornal, em 1924: O Jornal.
Um génio autoritário e visionário, que O Jornal'foi, assim, o primeiro veículo dos Diários Associados, o pri-
meiro grande império de comunicação da história do setor no Brasil
mudou a história da cultura no Brasil.
(maior que ele, só as Organizações Globo, de Roberto Marinho). Os
Associados chegaram a reunir 34 jornais em 18 estados e 23 cidades
do país. Mais tarde, a cadeia estendeu-se para o rádio e, finalmente,
para a W. Chegou a congregar 36 estações de rádio e 18 de televisão,
além de algumas revistas, entre elas dois dos mais importantes títulos
brasileiros da primeira metade do século passado: A Cigarra e O Cru-
zeiro, além de 16 revistinhas infantis.
Intempestivo, reacionário, amante do poder, Chateaubriand tam-
bém fundou o Museu de Arte de São Paulo (Masp), o mais importante
museu brasileiro de arte. E poderíamos concluir por aqui, uma vez
mais, este pequeno resumo da história desse homem que mudou a
história brasileira, ao mudar por completo a história da comunicação
le trouxe a televisão para o Brasil. E poderíamos

E
e da cultura nacionais. Aliás, é melhor mesmo ficar por aqui. O tudo
concluir por aqui o capítulo Assis Chateaubriand, que ele fez não cabe em livro algum.
num livro sobre a comunicação no Brasil. Até por-
que não dá para imaginar algo mais importante do que
isso nessa história. A W, aliás, é o fato cultural mais i m
portante da história moderna, no Brasil ou em qualquoi
outro lugar. Então, dizer que foi ele o responsável pot
ela devia bastar.
Mas vale a pena ir só um pouquinho além - quem qui
ser saber mais sobre essa figura mítica e vital na evolução
dos meios de comunicação e no jornalismo brasileiros
não pode deixar de ler Chato, de Fernando Moraes, d.i
Editora Companhia das Letras, obra que registra tudo -
para contar que, antes de ele inaugurar a W Tupi, em
São Paulo, em 1950, era já o mais importante homem de
comunicação na história brasileira.
Paraibano de Umbuzeiro, nascido em 1891, Francisco
de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo formou-se em
direito em Pernambuco. Já durante os estudos, iniciou
sua carreira jornalística como foca no Diário de Pernani
buço (o qual compraria anos depois). Essa trajetória se
ampliou quando ele se mudou para o Rio de Janeiro, em

155
Anunciantes
Eles pagam a conta. E que conta.

Sem eles não existiria propaganda. E que propaganda.

Não há livro sobre publicidade

sem a publicidade de quem justifica a

existência da propaganda.

Um minuto para os nossos comerciais.

Com vocês, os maiores e mais criativos

anunciantes brasileiros.
Souza Cruz
Marketing, distribuição e
promoção cultural a serviço da
história da marca.

udo começou com um português, o seu Albino. O

T homem tinha vindo lá de Santo Tirso, norte de


Portugal, para o Brasil, para trabalhar numa fábri-
ca de tabaco do então renomado produtor de fumo '" '
na Europa, conde de Agrolongo. Albino chegou aos
14 anos, aprendeu o ofício e, em 1903, resolveu mon-
tar seu próprio negócio, uma fábrica de cigarros já en-
rolados em papel, que levou, claro, seu sobrenome,
A marca
centemente, Derby transformaram-se em líderes sem rivais desse
Souza Cruz. Hollywood foi
um dos carros-
mercado, que teve grande expansão no país na década de 1970.
Albino foi dono do negócio até 1914, quando acei- chefes da Souza
Hollywood, por exemplo, nascida no Brasil, pode hoje ser encontra- Cruz, empresa
tou a oferta da British American Tobacco (BAT) - que que está na lista

se instalava no Brasil - para vender sua indústria. Fe? da em todo o mundo. dos mais fortes
anunciantes
A Souza Cruz é dona de mais de 90% do mercado brasileiro de no Brasil
isso, mas continuou na presidência até 1962, quando
cigarros. É assim há décadas. Essa liderança se deve não só ao pio-
retornaria definitivamente a Portugal, com mais de no-
neirismo de seu Albino, mas também aos avanços tecnológicos e de
venta anos de idade, e uma vigorosa sensação de pa-
distribuição implantados pela companhia no país.
pel cumprido.
Parte importante nessa história avassaladora de sucesso, a co-
A fabriquinha do seu Albino transformou-se, como
municação comercial da Souza Cruz soube sempre aliar, em boa
todos sabemos, na maior companhia produtora de ci-
medida, investimentos pesados na mídia de massa (com franco des-
garros do Brasil. E num dos maiores e mais ativos
taque para a TV, até antes das leis restritivas à veiculação de comer-
anunciantes do país.
ciais de cigarros antes das 22 horas) com material de ponto-de-
Marcas como Continental (que foi o cigarro mais ven
venda e merchandising, que encontramos tanto nos megacentros
dido do Brasil durante 42 anos), Hollywood e, mais ro

159
de compra de grandes capitais como nos mais distantes botequins
das vilas do interior do Brasil.
Unibanco
A empresa soube ainda criar atributos de valor associados a al- A coragem de acreditar na comunicação.
gumas de suas marcas, apostando em eventos culturais ligados à
música e à dança, como é o caso do Hollywood Rock, do Free Jazz
Festival e do Carlton Dance.
É difícil hoje elogiar uma companhia de cigarros, por motivos ób-
vios. Mas não seria justo deixar de reconhecer que a Souza Cruz,
enquanto isso não "transgredia" os códigos vigentes, teve a com-
petência de construir uma das mais competentes histórias de mar-
keting e comunicação do Brasil.

Unibanco não figura com frequência entre os

O maiores anunciantes brasileiros. É um anunciante


de porte médio, mas de uma competência de ti-
rar o chapéu no aproveitamento de sua verba de mar-
keting e comunicação.
Ele é hoje o terceiro maior banco do país. Chegou aí
porque a família Moreira Salles é extremamente talen-
tosa na condução de seus negócios - e também porque
a publicidade foi uma arma utilizada com sabedoria,
principalmente nos últimos dez anos, quando a conta
de propaganda da instituição foi entregue à W/Brasil e
à Propaganda Registrada, empresas sob o comando
criativo e a marca do talento de Washington Olivetto.
O Casal Unibanco é um marco da nossa publicida-
de. Idem esse nome, que começou a ser construído
em 1975, quando a União de Bancos Brasileiros - ins-
tituição derivada da original Seção Bancária Moreira
Salles, criada pela família controladora do banco em
1924 - transformou-se em Unibanco.
Foi com o auxílio da propaganda que o banco lan-
çou com sucesso, em 1992, a primeira agência 30 ho-
ras do país, instituindo o conceito de 24 horas por dia,

160
sete dias por semana, nos serviços bancários. A família de produtos Itaú
30 horas - como o Pocket 30 Horas, o Micro 30 Horas e o Fax 30
horas - se expandiria, sempre com forte suporte publicitário em sua Mesmo nas crises,
divulgação e na consolidação de conceito. anunciar é sempre preciso.
Foi também o hábil controle das ferramentas do marketing e da
comunicação que auxiliou a corporação na superação dos desen-
O caso do anunciante que
tendimentos na compra, em 1995, do Banco Nacional, envolvido nunca parou.
na época em denúncias sobre sua saúde financeira.
O Unibanco tem sido uma prova de que nem sempre são ne-
cessárias verbas gigantescas para se construir um caso de excelên-
cia e comunicação. Basta uma administração competente.

edra preta. É assim que se chama o segundo

P maior banco do Brasil. Um nome indígena para


uma instituição financeira de avançada estatura
tecnológica. Sua marca tem sido mesmo uma pedra
de toque na história do Itaú no Brasil. Por um simples
motivo: é a corporação do sistema financeiro brasi-
leiro que mais vem investindo em propaganda nas úl-
timas décadas. O grande condutor dessa agressiva es-
tratégia de comunicação e marketing, o diretor da
área, Jacinto Matias, costuma afirmar que o banco
não entende seus investimentos nessa área como algo
que deva ser administrado ao sabor do sobe-e-desce
da economia, mas como uma política permanente de
presença e relacionamento com o consumidor, faça
chuva ou faça sol.
Nenhum outro banco pensou ou pensa assim. Ou pe-
lo menos não expressa uma postura semelhante na prá-
tica do mercado. O Itaú tem figurado insistentemente
entre os maiores investidores de mídia e publicidade
brasileiros no ranking Agências & Anunciantes, o mais
representativo e respeitável levantamento de desempe-
nho do setor, elaborado pela editora M&M.
vw
Ousadia e fé na criatividade como
armas de mercado.

«•

A
VW não é só um dos maiores anunciantes da his-
tória moderna-da propaganda brasileira. É um mar-
co da indústria brasileira (de cada dois carros que
l circulam no país, um é produzido pela empresa), um íco-
ne da publicidade internacional e um símbolo de ousa-
O Itaú Mas não é apenas essa expressão quantitativa que demonstra a so- dia em nossa propaganda. Foi a VW do Brasil que apro-
é a instituição
financeira lidez e o arrojo da postura de comunicação mercadológica do Itaú. O vou as peças brasileiras que davam continuidade aqui às
brasileira que
mais vem leitor certamente conhece tão bem quanto qualquer publicitário bem revolucionárias campanhas da Doyle, Dane & Bernbach,
investindo em
propaganda nas informado o trabalho de propaganda dessa marca, que está presente a inquieta DDB dos anos 1960, que criou uma nova lin-
últimas décadas
na vida de todos nós de forma sempre elegante e próxima, mesclan- guagem e um novo formato de se fazer propaganda em
do de maneira tão equilibrada tecnologia e seres humanos. É essa a todo o mundo. Por aqui, a Almap, sob a condução cria-
fórmula de sucesso que dá inveja em todos nós, quando não somos tiva de Alex Periscinotto, importava essa mesma ousadia
um cliente Itaú. Há outras (como a DM9DDB, por exemplo), mas tem para construir a marca que, até hoje, é sinónimo de
sido a DPZ a agência de propaganda que é a grande parceira na his- automóvel como nenhuma outra, no Brasil.
tória de construção e consolidação dessa marca. Juntas há mais de Em 1988, a VW chegou a ocupar o topo do ranking
vinte anos, as duas empresas vêm criando e colocando no ar campa- dos anunciantes brasileiros. Ela esteve também, nos últi-
nhas publicitárias de um bom gosto e um apelo de simpatia impe- mos anos, entre os maiores investidores do setor publici-
cáveis. Tinha uma pedra no meio do caminho. Uma pedra preta. Que tário nacional. Mas o grande destaque para a história de
se colocou no caminho da história da publicidade brasileira e de lá não comunicação dessa marca fica mesmo para sua qualida-
vai sair mais. de criativa. Além dos primeiros anúncios da fase DDB,
não dá para esquecer a brilhante campanha de relança-
mento do Fusca no Brasil. Num trabalho de recuperação

164
Gessy Lever
O poder gigante.

Na.. á mais de uma década na liderança dos investi-

prova H mentos publicitários no Brasil, a Gessy Lever é a


mais destacada representante de um modelo de
posicionamento mercadológico e de uso do marketing
em que a eficácia, o planejamento e a busca técnica
A Volkswagen é da mesma linguagem e irreverência dos anúncios (principalmente na por resultados são as grandes estrelas. As campanhas
uma das maiores
anunciantes de mídia impressa) da agência de Bill Bernbach, a dupla de diretores de publicitárias desse que é um dos maiores fabricantes de
toda a história da
propaganda criação brasileira Marcello Serpa e Alexandre Gama repetiu a dose alimentos, produtos de limpeza, higiene e beleza do
brasileira
num conjunto de peças que, além de numerosos prémios nacionais e mundo dificilmente subirão ao palco das premiações
internacionais, nos deu um saboroso gostinho de revival daqueles ve- internacionais de criatividade. Mas têm a competência
lhos e bons tempos. de garantir ao conglomerado uma sólida e histórica
Double Check, comercial criado por Marcello Serpa para a VW, em presença na mente das donas-de-casa brasileiras.
que o V e o W da marca são graficamente reproduzidos numa lista de Um dos traços marcantes dessa estratégia vencedora
checagem de qualidade da companhia, valeu para o Brasil um Leão de da companhia é a destinação, ano após ano, da esma-
Ouro em Cannes. gadora maioria de suas verbas de mídia para a W. A Gessy
Sua mais recente campanha de varejo (outro ponto forte da Lever é o maior anunciante brasileiro do meio de comuni-
marca), a da CPI do Gol - "Preços tão baratos que vão querer inves- cação da W também há uma década.
tigar" -, é a melhor campanha do varejo brasileiro, do ponto de vista Talvez com raras exceções, qualquer pesquisa realizada
criativo, em muitos anos. entre a classe média feminina no país trará como resposta
Não há como não reconhecer. Se você fizer um double check da uma lista considerável de marcas e produtos da Gessy Le-
publicidade nacional, a companhia alemã vai passar pelo teste de con- ver. Atuando sempre com um pool de agências que se
trole de qualidade sem o menor arranhão. modifica ao longo da história (mas sempre com a sólida
presença de multinacionais, como McCann-Erickson, J. W. Thompson,
Lintas e Ogilvy & Mather), a Gessy Lever é responsável pela maior e mais
Parmalat
duradoura campanha testemunhal de donas-de-casa do mundo, a de Acreditando na sensibilidade
Orno, que garante a presença da marca na mídia há décadas.
do consumidor.
Além da marca líder e sinónimo de sabão em pó no Brasil, ela fabri-
ca produtos como Comfort, Minerva, Impulse, Dove, Rexona, Pond's,
Close-up, Axe e sabão Brilhante. A companhia incorporou ainda, em
1995, a brasileira Cica - optando por extingui-la -, mantendo operantes
apenas marcas mais tradicionais, como o extrato de tomate Elefante.
O fabricante é um dos maiores geradores de produtos do mercado
de consumo brasileiro, lançando ou relançando nas gôndolas dos
supermercados cerca de cinquenta marcas todos os anos.
Por qualquer ângulo que se olhe para essa corporação e para essa
marca - que na verdade é um dos maiores conjuntos de marcas do
mercado brasileiro -, o que se vê é uma faceta de sua grandiosidade.
Por trás dela, uma companhia que acredita, investe e faz crescer a cul-
tura mercadológica em que estratégia, planejamento e grandes inves- Parmalat, maior empresa de laticínios do mundo, é
timentos publicitários, certamente, são o caminho seguro para a cons-
trução de um império, versão moderna. A uma história de ousadia italiana no Brasil. Do pon-
to de vista empresarial, essa ousadia e a conse-
quente expansão da empresa no país são marcadas
pela aquisição fulminante de pequenos e médios laticí-
nios em todo o território nacional, desde 1989, quando
o grupo optou por diversificar suas operações. De fabri-
cante de leite e derivados, a empresa partiu para os
segmentos de biscoitos, extratos de tomate e carne
industrializada. Em dez anos, incorporou 19 empresas,
entre elas marcas tradicionais no mercado brasileiro, co-
mo Etti, Mococa, Duchen, Batavo e Neugebauer. Não
deu muito certo. O resultado financeiro do grupo nos úl-
timos anos da década de 1990 e em 2000 obrigou os
acionistas a limpar a área, excluindo de seus quadros pre-
sidente, vice-presidentes e superintendentes, poderosos
e importantes executivos nesses anos todos de presença
da companhia no Brasil.
No setor publicitário, no entanto, sua curta mas mar-
cante história deixará registrado ao menos um dos gran-
des momentos da nossa propaganda: Mamíferos. A
avassaladora campanha da DM9DDB para a marca ré-
presentou o ingresso da criatividade publicitária brasileira numa área
em que ela nunca se sentira muito bem, a do caráter singelo. Anun-
Kaiser
ciantes e agências brasileiras que se aventuraram nesse difícil campo Por que investir num baixinho
da abordagem publicitária geralmente se deram mal. Produziram mo-
deu tão certo.
mentos pífios, bobões e patéticos, numa clara demonstração de que
a propaganda brasileira não sabia conviver com o delicado momento
dramático da sutileza e das mensagens de carinho que não caíssem
na baboseira.
A DM9DDB e a sensibilidade da Parmalat produziram então, em
1996, Mamíferos, um conjunto de anúncios, comerciais, peças de
ponto-de-venda, promoções e merchandising que não só tomou con-
ta do Brasil como também invadiu dez outros mercados internacionais
onde a Parmalat atua. Os bichinhos foram lançados em pelúcia e se
transformaram em desejo de consumo de dez entre dez crianças do
país. A empresa teve que montar uma operação de importação e dis-
tribuição que se transformou, durante meses, numa estrutura pratica-
mente independente do grupo. Um fenómeno da comunicação de Kaiser não tem uma longa história na propaganda
massa que não evitou que a companhia vivesse momentos de dificul-
dade no mercado nacional, mas permitiu que a criatividade publi-
citária no Brasil pudesse se despir de preconceitos e se deliciar com o
A brasileira. Tem uma pequena, mas graaaande história,
baseada num pequeno, mas graaaande personagem.
O Baixinho da Kaiser mudou a imagem da marca e
gato, o porco e o leão. mostrou que campanhas de cerveja não precisam ser
feitas apenas de mulheres gostosas, bundas, sambão e
mesa de bar. E o slogan "graaaaande Kaiser" tomou
conta da história da publicidade nacional, conquistando
para o Brasil ao menos um grande prémio internacional,
um Leão de Ouro, no Festival de Cannes, em 1987. Foi
assim que o Baixinho, obra de Francesc Petit e Washing-
ton Olivetto, da DPZ, se transformou num dos mais ca-
rismáticos personagens da propaganda nacional.
A empresa é relativamente jovem. Nasceu em 1982
da visão empresarial de um empreendedor mineiro, Otá-
vio Possas Gonçalves, engarrafador de produtos Coca-
Cola. Foi com os engarrafadores do mais vendido refri-
gerante do mundo que Otávio montou sociedade, que
tem hoje participação ainda da Heineken e da própria
Coca-Cola Company.
A Kaiser se transformou, na década de 1990, no
grande fenómeno de vendas e na maior novidade desse

170
mercado de cervejas, durante décadas dominado pela Brahma e pela
Antárctica. Em meados da década de 1990, transformou-se definitiva-
Brastemp
mente na terceira maior cervejaria do Brasil. Por que investir numa poltrona
Em 1996, a companhia aprovou para o rádio, inicialmente, uma deu tão certo.
campanha da mesma DPZ, que criava um novo bordão radiofónico
para a marca: "Dá pra tomar uma Kaiser antes?". Os personagens da
campanha, sempre envolvidos em situações difíceis e bem-humora-
das, antes de enfrentá-las pediam: "Dá pra tomar uma Kaiser antes?".
Outro grande momento da marca no cenário da propaganda e da co-
municação na mídia.
A Kaiser, originalmente uma pequena empresa do interior das Mi-
nas Gerais, graças a seu arrojo mercadológico e a sua excelente rela-
ção com a publicidade, transformou-se numa grande empresa. E, sem
dúvida, numa graaaaande cerveja.

uem tem mais de quarenta anos hoje deve se lem-

Q brar do esquimó que, durante muitos anos, foi o


personagem-símbolo da marca Brastemp nos anos
1970. O bonequinho esteve na mídia impressa e na W,
ajudando a construir a imagem da marca que esteve
sempre na disputa da liderança do mercado de refrige-
radores e eletrodomésticos da linha branca no Brasil.
O Grupo Brasmotor, fabricante dos produtos Bras-
temp, desde seu início, adotou a propaganda como
uma das suas armas de expansão e consolidação de
mercado. Cerca de vinte anos depois de ter colocado o
bonequinho, digamos, na geladeira, ele voltou à mídia,
em julho de 2000, para protagonizar uma série de vi-
nhetas da Brastemp, como patrocinadora das transmis-
sões das Olimpíadas da Rede Globo. E voltou porque
pesquisa da empresa apontava ainda considerável ín-
dice de recall e simpatia com o esquimó, anos após ele
ter saído de circulação.
A Brastemp mereceria destaque entre os grandes
anunciantes brasileiros por toda a sua estreita relação
com a comunicação publicitária, mas merece lugar de
maior destaque ainda por ter aprovado, certo dia, em

172
1990, a primeira série de comerciais da antológica campanha Não é Bombril
nenhuma Brastemp, de criação da Talent e que ficou no ar dez anos
consecutivos.
Por que investir num envergonhado
Outro dos mais famosos e duradouros bordões da história da pro- deu tão certo.
paganda, o "Não é nenhuma Brastemp" invadiu o cotidiano de todos
nós, transformando-se em sinónimo de coisas que, ao contrário da
Brastemp, são uma porcaria.
Adquirida pelo grupo norte-americano Whirpool, a Brasmotor foi
responsável pela criação da mais hilariante série de comerciais da pro-
paganda brasileira. Uma boa decisão, uma decisão que foi assim...
uma Brastemp.

identidade da marca Bombril vem se confundindo

A com a imagem do Garoto Bombril há décadas. Mas


é pouco reduzir a Bombril ao Garoto Bombril, mes-
mo que o mais antigo personagem da história da propa-
ganda mundial seja tão grande e tão importante. Ainda
assim, a Bombril é maior do que ele.
A história dessa marca mereceria um livro à parte
(Washington Olivetto lançou o livro Soy Contra Capas de
Revista, Ed. Negócio, sobre o personagem e a história
publicitária do Garoto, mas ainda assim falta um sobre
essa marca). Outras mereceriam livros à parte, mas o que
faz da Bombril um momento especial para a propagan-
da brasileira é sua coragem e sua capacidade em trans-
formar uma verba publicitária que raras vezes esteve
entre as maiores da publicidade nacional num projeto de
sucesso para a marca, que figura entre as mais lembra-
das pelo consumidor brasileiro, em qualquer pesquisa
que se faça.
É claro que o talento das agências que trabalharam
para a Bombril tem seu peso nisso. DPZ, W/Brasil e, mais
recentemente, a Almap/BBDO reforçam a tese de que
um trabalho de publicidade consistente constrói e refor-

174
ça a imagem das marcas na cabeça do consumidor. É verdade que o Pouco tempo depois, com a morte do seu fundador, em 1981, <i
Mesmo antes da talento do ator Carlos Moreno contribuiu muito para tudo isso tam-
participação do
empresa passa às mãos do grupo italiano Feruzzi e, dez anos depois,
ator Carlos bém. Contribuíram os diretores dos comerciais, os fotógrafos dos às mãos de outro grupo italiano, o Cragnotti & Partners. Em 1997, a
Moreno, os
"reclames" da anúncios, enfim, todo o rol de profissionais que se envolveram na Bombril compra 80% da participação acionária da empresa de produ-
Bombril já eram
bem-humorados cuidadosa confecção das peças publicitárias e de todas as campa- tos alimentícios Cirio no Brasil, passando a operar sob a designação
nhas da Bombril, em todas de Bombril-Cirio, numa operação para captação de recursos na Bolsa de
essas décadas. Nova York.
Mas foi a própria Bombril Toda essa história, no entanto, não seria a mesma se não fosse o
a responsável maior pela respeito e a competência da Bombril na gestão de sua política de co-
condução de uma política de municação e publicidade. Bombril é o anunciante ao qual toda agên-
marketing e comunicação, cia de propaganda gostaria de atender.
que é uma verdadeira histó-
ria de homenagem à força e
à eficácia da publicidade.
A Bombril nasceu, em
1948, da iniciativa do em-
presário Roberto Sampaio
Ferreira, com o lançamento
de seu único produto, a pa-
lha de aço Bom Bril. O suces-
so foi imediato e gigante.
Bom Bril virou sinónimo de
palha de aço. Na verdade,
mesmo com a sofisticação
da concorrência nesse seg-
mento de mercado, é ainda
hoje. Os resultados empresa-
riais da operação permitiram
a Roberto Sampaio ocupar
outros espaços no mercado
de limpeza doméstica. Em 1961, a Bombril compra a marca líder de
saponáceos no país, Radium. Passa à liderança também do segmento
de detergentes líquidos, com o lançamento de Limpol anos depois, já
em 1978. Nesses anos todos, a Bombril investiu em publicidade, mas
não havia feito da propaganda uma de suas grandes armas na con-
quista de mercado. Data exatamente desse ano a criação do Garoto
Bombril, que inicialmente surgia para assegurar o sucesso dos demais
produtos da marca Bombril, com exceção da palhinha de aço.

176
abordagem fora dos padrões. É de responsabilidade dele também ,\o da política da em
C&A
Um negro como ícone de marca. os serviços de uma agência de propaganda de mercado. A sua house
agency, a Avanti, tem sido a grande orquestradora dessa política de
Se isso não é ousadia,
comunicação inusitada, tornando-se responsável pelo planejamento e
ousadia é o quê? pela mídia, além de reunir em torno de si os mais diversos profissionais
de criação, que são chamados para fazer as campanhas da empresa,
no regime de freelance. É de um deles, Woody Gebara, por exemplo,
a criação do Sebastian, o alegre e bailarino personagem da marca, que
protagoniza seus principais comerciais há mais de dez anos.
Em 2001, Sebastian dividiu seu espaço exclusivo com um avião, a
modelo Gisele Bundchen, que recebeu cerca de US$ 2,5 milhões para
protagonizar comerciais e peças impressas da nova campanha do gru-
po no Brasil. Gisele fez com que todas as peças iguais às usadas por
ela simplesmente desaparecessem, em poucos dias, das prateleiras das
65 lojas da rede, espalhadas pelo país, num fenómeno de vendas não
varejo e a propaganda no Brasil - aliás, no mundo -

O
esperado pela companhia.
têm uma relação de amor e ódio. Os grandes É o preço que se paga por investir em um pouco de originalidade
anunciantes do setor adoram propaganda, inves- e ousadia.
tem pesado nela, mas nunca acreditaram muito nessa
coisa de propaganda com criatividade. Preferem colocar
suas fichas em comerciais e anúncios em que as ofertas
e sua agressiva política de preços são os apelos centrais.
Nada de inovações ou ideias muito originais. Preço é o
que vende. E pronto.
Há louváveis exceções nessa história, como as campa-
nhas da Mesbla, na década de 1970. í existe a muito
particular história da C&A: o anunciante do varejo bra-
sileiro que, sem dúvida, mais investiu na originalidade e
na ousadia publicitárias.
Desde 1975 a empresa holandesa está presente na
mídia de forma sempre diferenciada. Faz as mesmas
ofertas que os demais anunciantes do varejo fazem, as
mesmas campanhas em que o preço é o grande des-
taque, mas sem abrir mão da coragem criativa.
O responsável por essa política que deu certo, Ralph
Choate, diretor responsável pelo marketing e pela co-
municação da empresa, foi sempre um entusiasta dessa

179
Veículos
Há milhares de veículos de comunicação

na história da publicidade brasileira.

Há centenas muito importantes.

Há dezenas realmente de peso.

E há alguns excepcionais, cuja história

em nada se parece com as outras.

Esse o mérito.
que mudou os rumos e os sofisticados planos de todos que viviam do
SBT negócio da TV no Brasil e investiam nele.
Do nada, contra a crítica, O SBT era, do ponto de vista operacional, uma empresa ainda por
fazer. Seus equipamentos seriam substituídos por outros, mais moder-
nos braços da galera, para a liderança nos, em futuro breve. Novos técnicos e profissionais da área artística
absoluta do segundo lugar. seriam contratados, para formar um casting e uma equipe de traba-
lho das melhores da W. Isso estava por fazer e seria feito.
Foi exatamente assim, com tudo ainda por fazer, que o SBT chegou
ao segundo lugar de audiência em pouquíssimo tempo de atuação.
Desbancou redes com anos de vida e de história nas costas.
Seu maior desafio mercadológico, no entanto, foi transformar essa
audiência em receita. Sua programação, assumidamente popularesca,
deliciava as plateias, mas afastava, como o diabo da cruz, agências e
anunciantes. O faturamento da rede não espelhava sua vice-liderança
de audiência.
As estratégias adotadas foram duas: fazer migrar, aos poucos, o
ão foi com pompa, muito menos com circunstância, popularesco para o tão-somente popular e, ao mesmo tempo, incor-

N a solenidade de implantação do Sistema Brasileiro de


Televisão (SBT). Mas foi, certamente, com a ousadiri
típica de seu empreendedor, Senor Abravanel, ou o popu-
porar alguns nomes que pudessem servir de âncora aos formadores
de opinião e de aval de qualidade para quem desejasse investir no
SBT, como mídia publicitária.
lar Silvio Santos, que o SBT entrou no ar: transmitiu, ao vi- Foi assim que o jornalismo da rede se fortaleceu no final da déca-
vo, a assinatura oficial da sua concessão de operação, no da de 1980 e no início dos anos 1990, para finalmente ter na figura
dia 19 de agosto de 1981, direto de Brasília. de seu anchorman (âncora - conceito da TV americana, em que o
Feito talvez inédito em todo o mundo, o SBT transmi- apresentador, geralmente um jornalista, empresta sua credibilidade
tiu seu próprio nascimento para nada menos que 85% ao noticiário que vai ao ar), Boris Casoy, um dos nomes mais respei-
dos domicílios com W no país. Era a marca registrada do táveis da TV no país, a âncora da virada.
arrojo, que sempre acompanharia a vida da rede. Na mesma linha, outra contratação de peso (com perdão da piada):
Colocando no ar uma programação de perfil popu- Jô Soares sairia da Globo, onde estivera por anos, para realizar um an-
lar, o SBT chegava debaixo do nariz torcido da concor tigo sonho seu, o de conduzir um talk show nos moldes de David
rência, do desprezo dos críticos de TV e do desdém da Letterman na CBS.
mídia especializada em comunicação (o registro da so- Viria ainda Hebe Camargo para reforçar a área de shows. Isso sem
lenidade ganhou um quase nada de espaço nas publi- contar a importação, também da Globo, do principal executivo de
cações do trade). vendas da rede líder, Ricardo Scalamandré, que se transformaria no
Mas nada disso adiantou. O SBT chegava também homem forte da área comercial do SBT.
sob o mais acalorado e franco entusiasmo das eternas À medida que essa estratégia foi se consolidando e o SBT se dife-
"colegas de trabalho" do maior animador de programas renciando, as vozes de críticos, intelectuais e de muitos concorrentes
da história da televisão brasileira. Foi esse toque de Mi foram também se calando. A rede implantou-se de forma sólida pri-
das, de uma parcela semimarginalizada da audiência, meiro em São Paulo, depois em vários estados brasileiros. Em dois
anos, esse conjunto de mudanças transformou o SBT no segundo
maior negócio, em faturamento, da W brasileira, o que é até hoje.
A Globo
Os índices de audiência, que caíram vários pontos com a mudança No início, era quase o caos.
na programação, voltaram lentamente a subir ao longo dos últimos
E de como a Globo virou a Globo,
anos, e a rede apresenta hoje vários momentos em que bate a líder.
Por tudo isso, não é exagero dizer que a entrada do SBT no palco numa história de supremacia sem
da televisão brasileira foi um show. O brilho da paupérie. precedentes na comunicação brasileira.

m misto de amadorismo, desconhecimento da lin-

U guagem, falta de estrutura e uma programação


absolutamente indefinida foi ao ar, na forma de
W, ao som de Moon River, em 26 de abril de 1965. Era
a mais nova emissora do Brasil. Chamava-se Canal 4, co-
bria apenas o Rio de Janeiro e, como seria de se esperar,
liderou a lanterninha da audiência local, não impressio-
nando ninguém quando surgiu.
Embora aquele início não denunciasse isso, a empresa
controladora do Canal 4 contava com o apoio de capital
internacional, do grupo Time-Life, o que seria fundamen-
tal para sua consolidação e seu desenvolvimento nos pri-
meiros anos de atuação. Esse suporte financeiro não era
permitido pela legislação das telecomunicações brasileiras
(não é até hoje), por isso o grupo norte-americano teve
que deixar seu investimento no Brasil à própria sorte, a
partir de 1971. Mas o primeiro impulso fora dado.
Talvez tenha sido isso. Talvez tenha sido o espírito
empreendedor do dr. Roberto. Talvez o talento da pri-
meira equipe - Walter Clark, Boni, João Saldanha e
Armando Nogueira - contratada para transformar aque-
la iniciativa num projeto vitorioso. Talvez tudo isso junto,

184
com um pouco de sorte. Talvez muita sorte. Quem sabe muita com- São Paulo, em 1967, com a compra do Canal 5 (antiga TV Paulista);
petência. Quem sabe a proximidade com os governos militares da depois, em 1968, em Belo Horizonte, com a compra do canal da fa-
época. Quem sabe ainda muito talento, num momento que nunca mília J. B. Amaral.
mais se repetirá, na história da comunicação do Brasil. Em setembro de 1968 entra no ar o Jornal Nacional, claramente
Quem tiver a resposta certa escreva para a Rede Globo de Televisão, inspirado no modelo de telejornalismo norte-americano, apresentado
Projeto Memória, que está levantando o mais amplo volume de dados pelo âncora Cid Moreira. O Jornal Nacional- cujas primeiras edições
sobre o maior fenómeno de massas do país. Eles vão gostar. iriam ao ar sob o controle da censura militar, que mantinha uma equi-
O mais provável, no entanto, é que ninguém saiba ao certo quan- pe de plantão dentro dos estúdios da Globo - transformou-se numa
to se deve ao destino, à história e ao mundo dos negócios o fabuloso das principais referências da TV brasileira. É ele que inicia o chamado
sucesso da Rede Globo de Televisão. "horário nobre", o mais valorizado da grade de programação da TV
A Globo tem mais de três décadas de vida e transformou-se numa no país; é ele que modela todos os outros programas jornalísticos -
referência internacional. Mas figurar entre as cinco redes de W mais hard news - da TV brasileira; é ele que tem o poder de aglutinar a
representativas do planeta talvez seja menos importante do que estar maior fatia da audiência televisiva nacional na frente do vídeo. Enfim,
em primeiro lugar entre as cadeias de televisão aqui mesmo, no Brasil, por essas e muitas outras razões, o JN é, por si só, um marco dentro
onde ela foi um exemplo de competência empresarial. E teve, princi- da história da Globo.
palmente, o poder de transformar por completo o imaginário e o uni- Para a história comercial da rede, o JN significou um avanço estra-
verso cultural do país. tégico definitivo. Foi nele que a Globo introduziu a primeira veicula-
Muitos a criticam exatamente por isso: ter nivelado tudo pelo seu ção em cadeia de seus horários comerciais em todo o país: o chama-
padrão, um padrão que poderia ser diferente. A Rede Globo de cada do intervalo nacional, com geração única, tempo padrão de duração
um de nós não seria a mesma da do dr. Roberto Marinho. Para acabar e recepção simultânea em todo o Brasil. O JÁ/foi, assim, responsável
com as dúvidas, é simples: basta montar uma cadeia de emissoras que pelos primeiros passos da ocupação nacional da Globo, introduzindo
atinja 98% dos municípios e lares brasileiros e, aí, comparar. um novo formato e um padrão comercial que seria repetido em vários
Enquanto ninguém consegue, o modelo da Rede Globo conti- outros programas da própria rede (como as novelas e o Fantástico,
nua imbatível. por exemplo), bem como imitado por todas as emissoras concorrentes
ao longo dos anos.
Inovando sempre Essa ordem no tempo de veiculação, bem como no tempo de du-
ração dos comerciais, estruturou a base da programação da rede, que
Nos primeiros seis meses, o que se tentava era colocar no ar uma não mais colocaria no ar programas com duração variável, nem fora
cópia de alguns modelos norte-americanos de fazer W. Sem sucesso dos horários acertados com os anunciantes. Seriam criados, assim, os
A experiência seguinte foi aproximar a programação da audiência lo- primeiros esboços do que hoje se conhece como "grade de progra-
cal, com coberturas jornalísticas e programas mais populares, que in- mação", em que tudo tem seu lugar e a contagem do tempo se dá
cluíam programas de auditório, novelas, teleteatro (Dercy Gonçalves em milésimos de segundos.
vem do teatro de revista para começar sua carreira na W) e humor
(Chacrinha vem do rádio para dar início a uma carreira de décadas no No Brasil e no mundo
vídeo). Isso começou a dar certo. A mudança foi introduzida e coman
dada pelos nomes já citados (Boni, Walter Clark, João Saldanha e Ar A Rede Globo seria pioneira em muitas outras coisas, como a pri-
mando Nogueira) e, aos poucos, o que dava certo para o Rio de Já meira transmissão ao vivo de uma Copa do Mundo de futebol, a da
neiro começou a dar certo também em outras praças. Primeiro em Inglaterra, em 1966; a primeira transmissão via satélite, que foi a do

186 187
lançamento da Apoio IX, em 1968; o advento da cor, em 1972, e a
MTV
estreia de uma programação inteiramente nacional, em 1975.
Esses últimos avanços foram conquistados graças aos grandes in- Fazer uma TV jovem,
vestimentos que a rede fez em tecnologia a partir dos anos 1970, tan-
para o jovem e pelo jovem.
to em seus equipamentos como em sua infra-estrutura de rede. Nos
anos 1980, com uma efetiva ligação via microondas, a transmissão E fazer dar certo.
dos sinais gerados no Rio passaram a ser, efetivamente, recebidos em
tempo real do outro lado do país.
Das grandes conquistas da Globo, aquelas que mais projetaram a
rede internacionalmente foram, sem dúvida, a qualidade e a quanti-
dade de suas novelas. A telenovela nasceu, praticamente, com a TV
no Brasil, não tendo sido mérito da emissora a sua criação. Mas foi na
Globo que o género atingiu maturidade, transformou-se em mania
nacional e deu ensejo à criação de um núcleo de produção cujo pa-
drão e cujo produto final são reconhecidos hoje em todo o mundo.
As novelas globais são consumidas em boa parte da Europa, da
África, da Ásia e dos Estados Unidos - ao todo, 123 países, sendo que fato mais importante da música popular brasileira,
em quarenta deles há sempre, ao mesmo tempo, uma delas no ar (ou-
tros programas também são exportados hoje, como foi o caso de Vo-
cê decide). Na China, estima-se que os capítulos de Escrava Isaura -
O depois dos festivais da Record, na década de 1970,
foi gerado pela maior rede internacional de W seg-
mentada do mundo, uma companhia norte-americana
cuja intérprete, Lucélia Santos, foi recepcionada no país com honras com sede em Nova York. A companhia norte-americana
de heroína - tenham sido vistos, simultaneamente, por cerca de 870 - você já adivinhou - é a Music Television, ou MTV,
milhões de telespectadores. É, provavelmente, a maior audiência de inaugurada nos Estados Unidos em 1981 e traduzida em
um programa ocidental em terras comunistas. versão brasileira em 1990, por iniciativa pioneira do Gru-
Para produzi-las e a uma série de outros programas próprios, em po Abril.
1999 o grupo concluiu, no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, A MTV quebrou uma série de tabus e implantou um
a construção do maior centro de produção televisiva do continente, o modelo absolutamente original. Quebrou o tabu de que
Projac, situado numa área de 1,3 milhão de metros quadrados, sendo televisão só funciona se for para grandes massas e con-
120 mil de área construída. No mesmo ano, inaugurou também, em solidou um modelo então inovador, com programação
São Paulo, o mais moderno estúdio de telejornalismo da América La- voltada exclusivamente para o jovem, 24 horas por dia
tina, com um investimento de US$ 200 milhões. (no início, na verdade, eram apenas 18 horas; em 1995
Os momentos históricos são muitos. Não caberiam aqui. Por isso, seriam 24).
para concluir, é importante registrar duas coisas: a primeira é que não Quando chegou, foi muito criticada por quem via ne-
há nada mais importante na história da cultura popular brasileira do la uma frente avançada da cultura pop norte-americana,
que o fenómeno da TV; a segunda é que não há nada mais importan- já que só tocava clipes internacionais. Não estavam de
te na história da W do que a Rede Globo. todo errados os críticos.
A MTV nasceu nos Estados Unidos de uma genial
ideia de John Lack, um dos vice-presidentes da Warner-
Amex Satellite Entertamment Co. Ele imaginou um modelo de TV seg- nal que a MTV não tinha. Tratava-se de descobrir a nova música popu-
mentada, em que só seriam veiculados clipes das gravadoras. Ou seja, lar brasileira, ou o pop nacional, com qualidade o suficiente para aten-
não seriam necessários altos investimentos em produção para manter der às exigências do público jovem e encantar também os anunciantes.
a emissora no ar. As gravadoras fariam esse investimento empres- Em 1995, além de a emissora passar a transmitir 24 horas ininter-
tando seu material de divulgação - que, de resto, já produziam mes- ruptas de programação, a MTV lança o seu 1a Vídeo Music Brasil, uma
mo. A propaganda seria a própria programação. Não é preciso dizer espécie de Oscar nacional do videoclipe - que, a exemplo do que
que deu bastante certo. E que, de quebra, a MTV é responsabilizada ocorreu nos Estados Unidos, estimulará as gravadoras a se mexerem
no país pelo levantamento da indústria fonográfica local, que vivia e produzirem um material de divulgação de melhor qualidade. O pré-
momentos ruins após as baixas nas vendas dos anos 1970. mio vai destacar não somente a arte do vídeo mas também incentivar,
Em 1984, a MTV dos Estados Unidos seria comprada pelo conglo- no contrapeso, diversas tendências da música brasileira. Além disso,
merado Viacom, a quem pertence até hoje. algumas categorias de base propositalmente incluídas entre as de
Assim, a MTV Brasil não era outra coisa quando chegou aqui: um maior destaque acabarão estimulando o aparecimento, ano após ano,
canal de publicidade travestido em emissora voltada ao público jovem. de novos talentos.
Registre-se que ela seria, desde o início, um marco na linguagem Demorou, mas, em 1997, a MTV tornou-se uma operação lucrati-
televisiva e um dado novo na estética da comunicação de massa que va. E isso só ocorreu porque se transformou em fórum da cultura jo-
se fazia por aqui até aquele momento - introduzindo não só a novida- vem brasileira (ao menos a que pode assistir à W). Além dos clipes
de em si, que eram os clipes e sua edição nada linear, como também nacionais e da inclusão de novos ritmos que não sejam só rockou pop
um conjunto estonteante de novas vinhetas, além de um jeito todo (axé, pagode etc), a emissora partiu para uma diversificação conside-
novo de falar e de se comunicar com o público espectador. A MTV fa- ravelmente sofisticada de géneros na sua programação. A MTV reno-
lava para a tribo, na língua da tribo. Ninguém fazia igual. vou-se constantemente. Fugiu da fórmula exclusiva dos videoclipes e
Mas alguns probleminhas marcariam o início do projeto no país. A migrou para outros géneros, incluindo o comportamento jovem como
emissora na qual a Abril investira R$ 20 milhões ia ao ar em UHF, um alternativa em sua grade de programação. Entre essas novidades es-
sistema nada tradicional no Brasil. Além disso, sua programação im- tavam, entre outros, VJ por um dia, Erótica MTV e 20 poucos anos,
portada fazia a cabeça de um segmento específico do público jovem, encantando até mesmo os produtores da matriz, que visitaram a sede
deixando de fora muita gente. da emissora em São Paulo - no mesmo prédio, aliás, em que nasceu
O resultado é que, se essa programação era elogiada por poucos, os a TV no Brasil, no bairro da Pompéia, zona oeste da capital - mais de
índices de audiência eram criticados por dez entre dez homens de mídia uma vez, para ver o que é que a MTV Brasil tem.
do país. Baixos em demasia para justificar a presença dos anunciantes. A MTV transformou-se ainda em celeiro de jovens craques, que as
O projeto manteve-se no ar graças aos chamados anunciantes-fun- demais emissoras acabaram importando para injetar sangue jovem
dadores (Alpargatas, Bamerindus, Brahma, Nestlé e Philips) e aos in- em sua programação. Foi o caso de Astrid, Cazé, Zeca Camargo, Gas-
vestimentos do Grupo Abril. tão, Maria Paula e Babi, entre outros.
Em um ano, a MTV era uma rede com transmissoras em 11 estados Ou seja, a rede é um modelo e um caso único na história da TV no
brasileiros, mas sua audiência média era ainda muito baixa. país. Inimitável. Ainda bem.

Pop nacional

Nessa época, sua diretora-geral, Fátima Ali, resolveu começar a mu-


dar o posicionamento da emissora, em busca de uma identidade nacio-

190 191
revista. Mino Carta. Já haviam sido descartados 13 números experi-
Veja mentais, antes da versão final.
A maior, mais importante Victor Civita, fundador do Grupo Abril e, na prática, editor máximo
de Veja, disse anos depois sobre aquela escolha editorial: "Não gostei.
e muito mais do que isso -
Poderia parecer que estávamos fazendo propaganda do comunismo."
publicação brasileira. Seja como for, a palavra da redação parece ter falado mais alto, a
capa da foice e do martelo virou história - e Veja um sucesso edito-
rial, que comercialmente demorou para se consolidar.
Durante cinco anos, a revista foi deficitária. Veja começou funcio-
nando com uma redação de cem pessoas, tinha distribuição nacional
relâmpago, uma estrutura de correspondentes em todo o mundo,
um sistema operacional e de produção complexo e moderníssimo pa-
ra a época.
Na seção Carta ao leitor do primeiro número, Victor Civita disse o
seguinte, a respeito do pioneiro sistema de distribuição da revista:
"Onde quer que você esteja, na vastidão do Território Nacional, estará
maior revista brasileira de todos os tempos nasceu lendo estas linhas praticamente ao mesmo tempo em que todos os

A uma semana depois de o então presidente do Bra-


sil, o general Costa e Silva, haver decretado o AI-5,
um dos maiores aleijões legislativos da história política
demais leitores do país."
De fato, apesar dos esforços da Polícia Federal, cerca de 650 mil exem-
plares foram distribuídos em praticamente todas as bancas do Brasil.
no país, no século passado.
O AI-5 era, entre tantas outras barbaridades, a ex- Da aventura à consolidação
pressão acabada, em forma de lei, da ditadura militar.
Restringia todos os direitos civis do cidadão brasileiro. Veja era uma aventura incerta em todos os seus primeiros anos.
Entre eles, o da livre expressão, com a instituição da cen- Como costuma contar Roberto Civita, presidente do Grupo Abril: "Fa-
sura prévia aos meios de comunicação. zíamos reuniões sobre Veja de três em três meses, para saber se
Lançar uma revista semanal de interesse geral, co- aguentaríamos mais três. A circulação e a publicidade estavam sem-
mo fez a Editora Abril com Veja, no dia 9 de setembro pre abaixo do que desejávamos."
de 1968, era um ato de coragem editorial e de ousa- Nascida quando a televisão e o rádio brasileiros não tinham a pene-
dia empresarial. tração e a pulverização que têm hoje, a revista cumpria um papel fun-
O primeiro número da revista tinha como título de ca- damental na informação do leitor brasileiro, mesmo estando sob cen-
pa "O grande duelo do mundo comunista", para uma re- sura desde sua fundação até 1976. Nesse período, foram vetadas na
portagem que falava sobre os descaminhos da doutrina íntegra sessenta reportagens, 44 fotografias, vinte desenhos e char-
de Marx e Engels no mundo. Trazia como ilustração a ges, além de quatro anúncios publicitários.
foice e o martelo, ícones do sistema. Não era, mas parecia Em 1972, a Editora Abril dá início, com Veja, a um dos maiores e
uma afronta. Foi recolhida das bancas pela Polícia Federal. mais sofisticados projetos de assinaturas da história editorial brasileira.
Aquele primeiro exemplar tinha sido fruto de meses No final da década de 1970, tinha 250 mil exemplares. Seu gráfico de
de trabalho sob o comando do primeiro editor-chefe da crescimento vinha sendo constante desde 1973, não somente no nú-

193
mero de assinaturas como também no número de exemplares em Cadê
banca. A publicidade também crescia (como cresceria sempre), para
se transformar na área responsável por cerca de 40% do faturamen- Pioneiro na rede e nos lucros.
to da revista (aproximadamente 50% vêm das assinaturas, e apenas
10% das vendas em banca).
Em 1978, quando Veja completou dez anos, Roberto Civita disse:
"Os próximos dez anos serão bem mais fáceis."
Sem censura e tendo passado a operar no azul do sexto ano de
existência em diante, de fato as coisas pareciam mais fáceis a partir
dali. Se não foram, certamente o dono da Editora Abril não se en-
ganava na previsão de sucesso indiscutível que Veja teria nas duas dé-
cadas seguintes.
Em 1984, circularia o primeiro número de outro projeto pioneiro de
Veja, o das edições regionais. Era a Veja São Paulo, ou Vejinha, como
é chamada hoje. Atrás dela, viriam mais dez edições segmentadas pa-
ra várias capitais e regiões do Brasil.
Cadê é, até hoje, um fato inédito na internet bra-

O
Em 1992, a revista vai trazer como matéria de capa um de seus
principais furos jornalísticos, uma entrevista com Pedro Collor de sileira: é a única operação comercial da web no
Mello, na qual o irmão do então presidente Fernando Collor conta de- país que funciona há anos no azul. Ou seja, dá lu-
talhes do esquema de corrupção em andamento no Palácio do Planal- cro. Mas o Cadê é, sozinho, uma série de outros marcos
to. Pela primeira vez, vendeu mais de um milhão de exemplares. importantes na internet brasileira. Ele é o pioneiro servi-
Veja é a mais importante fonte impressa semanal de informação do ço de busca nacional.
país, e seu jornalismo vigoroso e competente compara-se ao que de Implantando no Brasil o bem-sucedido modelo do
melhor se produz em qualquer outro canto do mundo. Circula hoje Yahoo norte-americano (mas com abordagem de pro-
com mais de 1,5 milhão de exemplares semanalmente e é a quarta re- duto, tecnologia e conteúdos totalmente nacionais),
conseguiu fazer com que o modelo de venda de publici-
vista do mundo. Indiscutivelmente, um dos momentos de maior rele-
dade como grande fonte de faturamento e sustentação
vância da comunicação brasileira.
comercial na web desse certo. Com seu layout simples e
um serviço básico e eficiente, o Cadê é o líder em tráfe-
go e número de buscas em todo o país. Foi também
uma das primeiras propriedades genuinamente brasi-
leiras a serem adquiridas por um grande portal de pre-
sença internacional.
O Cadê foi comprado pela StarMedia em abril de
1999 (a StarMedia havia comprado, meses antes, outro
serviço de busca, bem menor, mas também bastante
inteligente, o Zeek!) por alguns milhões de dólares. Seus
criadores, os engenheiros de sistema cariocas Gustavo

194
Viberti e Fábio Oliveira, tornaram-se diretores da StarMedia e, dois UOL
anos depois da aquisição, como rezava o contrato de compra, aban-
donaram o Cada e constituíram um fundo de investimento para apoio Pioneiro na rede e na construção do maior
a iniciativas brasileiras de internet. fenómeno da internet brasileira.
Mesmo sendo um serviço específico de busca, o Cadê é hoje o
quarto maior endereço on-line em volume de tráfego do país, dis-
putando acirradamente com portais de grande nome - como UOL,
BOL e Terra - uma posição de liderança na preferência dos inter-
nautas brasileiros.

ara muitos internautas brasileiros, UOL é sinóni-

P mo de internet. Não é por acaso. Ele foi o pri-


meiro e é o maior de todos os portais da inter-
net no país. Maior em tudo: tráfego, faturamento,
número de páginas, volume de conteúdo, número
de parceiros - enfim, em praticamente todos os ín-
dices costumeiramente observados, quando se quer
medir algo na web. Nascido em 1986 de uma inédi-
ta parceria de dois gigantes do mercado da comuni-
cação no Brasil, Grupo Folha e Editora Abril, o UOL
é a mais importante e, historicamente, representati-
va operação de internet no país, comparada em vo-
lume de tráfego a alguns dos mais destacados por-
tais do mundo.
O modelo do UOL criou um paradigma no Brasil: o
de que os conteúdos editorial e jornalístico são o es-
teio da internet e o grande foco de interesse do in-
ternauta. De fato, parte dos usuários iniciantes da
internet no Brasil começou sua experiência consul-
tando notícias e matérias provenientes das pode-
rosas editorias da Folha e das revistas da Abril. Aos
poucos, esse interesse foi se diferenciando e se sofis-

196
ticando. E o UOL soube responder a essa demanda, introduzindo Para a história, no entanto, quase nada de todos esses nú-
pioneiramente, por exemplo, o bate-papo (chat) como um de seus meros será importante, no futuro. Liderado por Caio Túlio Costa,
serviços e criando aí a maior comunidade on-line do país (na ver- comandante-em-chefe do UOL desde sempre, importante terá
dade, a maior parte do tráfego do UOL vem de sua operação de sido o fato de o UOL introduzir, pioneiramente, uma parcela da
chat). Foi ainda pioneiro nas primeiras experiências com streaming população brasileira no mundo interativo da internet, num proje-
vídeo e TV na internet brasileira. to cuja qualidade não se discute.
Empresarialmente com os números em ordem até 1999, deste
ano em diante, no entanto, o UOL passou a vivenciar um drama pa-
recido com o de todo negócio da internet no mundo: o do caixa no
vermelho. Uma série de fatores contribuiu para isso: queda dos in-
vestimentos publicitários (maior fonte de receita dos portais),
aumento da concorrência no mercado brasileiro de internet, vulto-
sos investimentos realizados (em propaganda, parcerias e compra
de conteúdo) para enfrentar essa concorrência, tentativa (nunca
bem-sucedida) de expansão de suas atividades para a América La-
tina, tudo sempre em busca de criar massa de negócios para fazer
o primeiro lançamento público de ações na Bolsa de Nova York (o
processo de IPO, Initial Public Offer, como é conhecido no mercado
de capitais). Em outubro de 1999, lançou o BOL.
No início de 2001, enquanto os negócios da internet brasileira
passavam por letárgica fase de recessão, o UOL surpreendia uma
vez mais, fechando estratégico acordo com a PT multimidia.com,
braço digital do Grupo Portugal Telecom. Com isso, a empresa de
telefonia portuguesa adquiria 17,93% do UOL. Em troca, teve
que alocar US$ 100 milhões na operação e entregar ao parceiro o
controle do Zip.net, site que adquirira um ano antes no Brasil por
US$ 365 milhões (a maior transação da web brasileira até então).
O Grupo Folha comprometeu-se ainda, na ocasião, a aportar de
sua parte mais US$ 100 milhões. O caixa da empresa havia sido
engordado anteriormente em outros US$ 200 milhões, provenien-
tes de duas outras operações: aporte de US$ 100 milhões de um
pool de investidores internacionais, liderados pelo Morgan Stan-
ley, e a venda da sua operação de provimento de acesso por ou-
tros US$ 100 milhões, meses antes.
É muito dinheiro colocado no caixa num curto período de tem-
po. Não se sabe, no entanto, se suficiente para enfrentar os sub-
sequentes prejuízos trimestrais da empresa, que atingiram picos
de US$ 40 milhões em 2000.
Os
s Grandes
uranaes
Personagens
Eles são a ponta mais visível da comunicação.

São eles que nos conquistam,

em nome das empresas.

Caso típico de "me engana que eu gosto".

Amor à primeira vista.

Em alguns casos, para a vida toda.


O garoto do teste 57
Tímido, desajeitado e o
mais antigo do mundo.

arota-propaganda é uma expressão cunhada

G quando a TV ainda era em preto-e-branco e os


comerciais eram chamados de "reclame". Dizia-
se "reclame" porque as mensagens publicitárias entra-
vam no meio da programação e as pessoas reclamavam
disso. E dizia-se "garota-propaganda" porque a maior
nejada, características desejáveis à imagem daquela marca ou aos atri- Carlos Moreno:
parte dos comerciais era ao vivo - ainda não havia o o Garoto
butos daquele produto. Os personagens começaram a ser fabricados. Bombrií em cerca
VT - e quem anunciava os produtos eram apresenta-
de trezentos
A propaganda é uma fábrica infinita de personagens para a moder-
doras, as garotas da propaganda ou, simplesmente, comerciais
na comunicação de massas. Perde só para Hollywood. Pesquisas e
garotas-propaganda.
mais pesquisas são feitas antes, durante e depois que uma persona-
Algumas delas ficaram famosas no Brasil, e sua ima-
gem é veiculada na televisão. Antes, para compor sua personalidade
gem se identificava com os produtos que anunciavam.
com as características que agradem ao público consumidor; durante,
Mais do que vendedoras, elas eram amigas das consu-
para ver como foi a recepção da audiência; depois, para checar se está
midoras. Podiam morar ali, no bairro. Tinham com seu
tudo bem com a imagem da personagem criada, se ela já cansou a
público uma identidade e uma intimidade invejáveis.
beleza de seu público destinatário ou se precisa de correções de rota
Gente de marketing percebeu, anos depois, que toda
no seu "caráter".
essa empatia, esse tipo de comunicação (em que alguém
Personagens facilitam a comunicação e economizam a verba de
fala alguma coisa, de frente para a câmera, dirigindo-se,
propaganda do cliente, pelo efeito cumulativo que produzem no te-
olhos nos olhos, ao consumidor) poderia ser usado inten-
lespectador. Quando a personagem aparece no vídeo, o consumidor
cionalmente a favor da marca. Como um aval.
já sabe que produto ou marca estará sendo anunciado. E se a perso-
A evolução natural no uso desse "comunicador oficial"
nagem lhe é simpática, a tendência é que receba aquele comercial
foi a criação de personagens que reunissem, de forma pla-
com simpatia também. Isso encurta distâncias entre o fabricante e seu
público. Economiza apresentações, uma vez que todo mundo já se co-
l Deram-lhe três textos, para que decorasse um. Em dez minutos, ele
nhece. Poupa explicações e poupa investimentos. decorou os três. Memória de computador, numa interpretação cheia de
Algumas dessas personagens são parte importante da propaganda, delicadeza. Um gentleman popular. Ninguém duvidou: era ele.
porque marcam uma época. As que ficam para a história são sempre E tem sido ele há quase trezentos comerciais e outra dezena de
um achado. E a mais importante da propaganda brasileira é o Garo- anúncios, na mais duradoura vida de um personagem em toda a
to Bombril. história da propaganda internacional. É recorde no Guinesse tudo o
que tem direito.
1.001 achados O que tem garantido ao Garoto Bombril vida tão longa é sua rela-
ção com a realidade de todos nós. Ele reproduz, com a simplicidade de
Se personagens são um achado, o Garoto Bombril representa 1.001 seu personagem, meia figura atrás de um balcão, os mais cotidianos
achados juntos. Ele nasceu de dois pais, um catalão e outro brasileiro, dramas nacionais e internacionais. Já foi Cidadão Kane e Bill Clinton.
Petit e Washington Olivetto. Foi criado e mimado por um polonês, An- Falou do verde das nossas florestas ("as que sobraram") e recomendou
drés Bukowinski. E foi dado à vida por um ator de teatro muito tími- detergente biodegradável para deixar a cozinha "e a consciência" lim-
do e muito legal, o Carlos Moreno. pas. Concordou que a comida andava cara, mas ponderou que lavar as
A primeira vez que essa química funcionou foi em 1978, meio por panelas com Bombril continuava barato. Colocou uma máscara com a
obra do acaso. cara do ator Carlos Alberto Ricelli e disse que, se as donas-de-casa não
Petit e Washington criaram um personagem que era como uma iam com a cara dele, agora não tinham mais desculpa.
caricatura das tais garotas-propaganda de antigamente. Era um garoto- Na linha de gente famosa, contracenou com vários outros persona-
propaganda, na verdade. Só que diferente. Era um anti-herói. O produ- gens da propaganda, como o apresentador do Bamerindus, o dançari-
to que eles precisavam anunciar era um detergente, o Bril, da Bombril, no Sebastian, da C&A, o Fernandinho das camisas US Top, a gerente
para lavar louça. Seu público-alvo, portanto, era a dona-de-casa. das Lojas Marisa, a Galinha Azul da Maggi, o Bond Boca da Cepacol,
Em vez de criarem um tipo bonitão, imaginaram um delicado, que o Elefante da Cica e até com uma animação dele mesmo. Na guerra
conversasse com as donas-de-casa como as garotas-propaganda fa- Mon Bijou (da Bombril) versus Comfort (Gessy-Lever), colocou o pro-
ziam no início. O personagem imaginado pela dupla era um amigo duto concorrente explicitamente no vídeo e conversou com ele, dizen-
confiável, que desse à consumidora conselhos confiáveis também. do que ele era muito bom, mas que o Mon Bijou era melhor. A Gessy
Tudo isso estava escrito num papel, que saiu da antiga Olivetti do entrou no Conar contra a propaganda comparativa. O Garoto voltou
Olivetto. Era uma fantasia publicitária, que precisava virar realidade. ao ar com o Comfort embaixo de um capuz, dizendo que ele havia se
Chamaram o premiado diretor de comerciais Andrés Bukowisnki, comportado muito mal e que não ia mais aparecer na televisão.
com quem já haviam trabalhado diversas vezes. Contaram tudo a ele, No lançamento de Bombril Jr., palha de aço com a metade do ta-
e o diretor saiu à procura de um ator para o personagem. Em sua pro- manho do Bombril tradicional, apareceu num número de mágica,
dutora, a ABA, realizou testes com 56 candidatos. Nenhum caía no sendo serrado ao meio. Mas o auge da popularidade se deu quan-
gosto de todos. do ele surgiu dizendo que o patrão o tinha mandado embora, por
Certo dia, em pleno processo de seleção, o sócio de Andrés, Oscar causa do seu jeitinho - que era meio assim, assim. Que ele não ia
Carbonari, foi assistir a uma peça do grupo Pod Minoga, engraçada mais fazer os comerciais da Bombril. Isso foi em 1981. No próximo
trupe de bons atores, sucesso em São Paulo nos anos 1980. Carlos Mo- filme da campanha, aparecia um machão metido a galã, dizendo
reno fazia parte do grupo e muitas vezes roubava a cena. Oscar con- que iria substituir o antigo apresentador. As consumidoras protesta-
tou a Andrés o que vira. E Carlos Moreno foi chamado para fazer o ram em massa: ao vivo, na frente da fábrica da Bombril; por telefo-
teste de número 57. ne, congestionando o PABX da empresa; por cartas, entupindo o

204 205
correio com reclamações. Ele, claro, voltou. Mais popular do que
nunca. Como em uma campanha gráfica também genial, na qual já
Sebastian C&A
incorporou de Che Guevara à Tiazinha. Dançando, ele faz a festa de sucesso
Sua mais recente versão televisiva é, na verdade, um boneco digital.
com a sua marca.
Depois de ficar afastado da W por dois anos, o ator Carlos Moreno
volta para interpretar o Garoto na defesa do market share da palha de
aço Bombril, que enfrenta forte concorrência da nova marca da 3M,
Assolan. Uma sobrevida virtual inacreditável.
Se deixarem, ele pode nunca ter fim.

Alguns monólogos do garoto prodígio

"Para limpar vidros sem riscar, ainda não inventaram nada melhor do que o
nosso querido Bombril. Basta a gente pegar Bombril, ir no lugar onde tem vidro
e ir passando, passando Bombril no lugar onde tem vidro. O lugar onde tem
vidro fica tão limpinho, mas tão limpinho, que a gente nem percebe que tem
vidro no lugar onde tem vidro. " le surgiu sorrindo, quando negros nem surgiam di-

"Me mandaram aqui para falar do principal produto lá da companhia, o


Bombril. Só que me mandaram dizer umas coisas que a senhora já está careca
E reito na W. Sebastian, o alegre e agitado persona-
gem símbolo da C&A, é o único negro que sustenta
com sua imagem a imagem de um grande anunciante
de saber: que o Bombril limpa tudo, que custa pouquinho, que tem T.001 utili- na mídia brasileira. Alguns outros - não muitos - já
dades. Por isso, eu resolvi não dizer nada do que e/es mandaram. Agora, por estiveram no ar, mas desapareceram quando a cam-
favor, a senhora não deixa de comprar, porque senão eles vão dizer que eu não panha que protagonizavam chegou ao seu final. Se-
fiz a propaganda direito e aí eu perco essa boquinha. " bastian, não. A ousadia da C&A, que encontrou nele
um ícone mais do que adequado para modernidade,
"Para lavar copos, nem o Einstein inventaria coisa melhor que Bombril. A moda e agitação, tem sido premiada desde 1988,
gente pode até ter uns copos de geléia, que passando Bombril eles ficam pare- quando ele estreou na TV, com vendas sempre garanti-
cendo cristal. E se a senhora tiver de cristal, aí nem se fala: Bombril não risca, das, cada vez que uma nova campanha entra no ar. Ele
deixa os copos transparentes, que nem os da rainha da Inglaterra. Um brinde dança, já cantarolou um pouco, faz seus trejeitos com
para esse génio que inventou Bombril e que, casualmente, é o meu patrão. " olhos arregalados para a câmera e ajuda a construir
uma imagem para a marca que, apesar de holandesa,
ficou com a cara do Brasil.
Ralph Choate, o diretor da C&A responsável pela
coragem do anunciante, adotou um estilo inconfun-
dível de fazer comunicação, aliando bom gosto, dire-
ção e roteiros arrojados em que a estética manda,
com ofertas e preços sempre apresentados com criati-
vidade e, claro, o Sebastian. Em 2001, Sebastian ga-

206
nhou a companhia de Gisele Bundchen, num outro gesto de ousa-
dia e pertinência, que fez com que todas as roupas usadas pela en-
Basset da Cofap
tão top model brasileira mais famosa do mundo tivessem suas ven- Ele freia na hora.
das esgotadas em poucos dias.
E sempre leva a melhor.
Gisele foi embora, pode ser que volte. Mas o Sebastian está lá, com
sua simpatia, garantindo o sucesso da C&A há mais de dez anos.

le inaugurou uma nova categoria. Em vez de ga-

E roto-propaganda, cachorro-propaganda. O cãozinho


da Cofap, um basset tipo salsicha - insuporta-
velmente semelhante a um amortecedor - conquis-
tou espaço na mídia e na mente dos consumidores
desde o primeiro dia em que apareceu na televisão,
em 1991.
Criação de Washington Olivetto, Tetê Pacheco, Jar-
bas Agnelli e Ruy Lindenberg, o personagem conseguiu
criar para a marca todo o agregado de segurança e con-
fiabilidade que qualquer fabricante de amortecedores
desejaria. Durante três anos, o cachorrinho fugiu de ca-
chorros maiores, enfrentando terríveis perseguições, das
quais saía sempre ileso, enquanto seus inimigos se es-
borrachavam contra paredes ou terminavam a corrida
mergulhando num lago. Uma analogia explícita sobre o
que pode acontecer na vida real com quem não usa
amortecedores Cofap.
A marca ficou fora da mídia durante quatro anos,
para voltar à tela sem que sua imagem tivesse sido es-
quecida pelo consumidor. Durante esse período de
ausência da TV, muitas pesquisas de preferência regis-

208
l Fernandinho
Que bonita a camisa,
a ideia e a história que
ficou para contar.

E
le é meio envergonhado, tem uma cara comum,
mas engraçada, simpático, sem dúvida, facilmente
confundível com o funcionário bobão do escritório.
Mas de bobão não tem nada. Usando as camisas US Top
ele se diferencia dos outros, que usam sempre as cami-
sas iguais às do chefe. Para azar do coro de puxa-sacos,
O basset da
travam a simpatia do consumidor pela marca, como se ela estivesse o chefe gosta das camisas do Fernandinho. E em todos
Cofap associa
segurança e no ar. Tudo por causa do personagem. os comerciais da marca, não passa sem exclamar: "Bo-
confiabilidade aos
amortecedores, Os três primeiros filmes da campanha foram considerados por Do- nita camisa, Fernandinho!" É graças a ela que o Fernan-
esbanjando
simpatia nald Gun, da Leo Burnett de Chicago, autor do mais respeitado e con- dinho vai ficando cada vez mais perto do chefe, na mesa
fiável ranking de criatividade da propaganda internacional, como os de reunião, até que todos no escritório não resistem e
melhores da categoria de produtos automotivos da época. Mais um imitam a novidade.
sucesso com a marca da W/Brasil e de Washington Olivetto, sem dúvi- Fernandinho é o sucesso da firma. E um dos persona-
da um dos mais competentes criadores de personagem da propagan- gens marcantes da história da publicidade brasileira. Ele
da brasileira. teve cinco anos de vida, de 1985 a 1990, mas foi res-
ponsável, já no primeiro ano, pelo aumento em 30%
das vendas da marca, pertencente à Alpargatas.
Seu criador, um dos mais destacados nomes da cria-
ção brasileira, Ruy Lindenberg, na época atuando na Ta-
lent, criou também o cachorrinho da Cofap, o hilariante
comercial 560 quilómetros, para a Varig, além de Colhe-
res, para a Kibon e - com Christina Carvalho Pinto -

210
Baixinho da Kaiser
Ele começou fazendo xixi.
E criou fama sem falar nada.
rxíSM
& ?f; i^??*'
'*•$•"<

E
le é pequenino, mas criou um graaaande conceito
para a marca que representa. Ele não fala, mas sua
imagem tem valido para a Kaiser, ao longo desses
mais de 15 anos de vida - é o segundo personagem mais
Depois da
expressão Halterofilistas, para a Singer, estes dois vencedores de Leões em Can- antigo da propaganda brasileira -, mais que um milhão
"Bonita camisa,
Fernandinho!", nes. Fernandinho faz parte, portanto, de uma família nobre, descen- de palavras. Todas boas. O Baixinho trouxe já um Leão de
nunca mais os dente da pena de Lindenberg. Ouro, de Cannes, para a publicidade brasileira e exce-
puxa-sacos foram
os mesmos
A expressão "Bonita camisa, Fernandinho!" caiu no uso popular lentes resultados para a cervejaria que o emprega. O Leão
em todo o Brasil e é usada até hoje, mais de 15 anos depois, para elo- veio em 1986, primeiro ano de vida do personagem, com
giar o bom gosto da camisa de alguém. É o máximo que qualquer o comercial Banheiro, em que aparece num banheiro
campanha, publicitário ou anunciante pode desejar: ser transformado masculino, ao lado de outros homens, fazendo xixi. Todos
em ditado popular no país inteiro. terminam e, antes de sair, se espantam com o Baixinho,
Em 1990, o fabricante tinha dados de pesquisa que apontavam pa- que fica sozinho por ali, fazendo o seu enoooorme xixi!
ra o cansaço do slogan (não do personagem). Preocupado com isso, O xixi de uma grande cerveja.
tirou o Fernandinho do ar. Talvez não pudesse supor que a imagem A Kaiser se projetou no mercado nacional de cerve-
da sua marca, o slogan e o personagem sobreviveriam muito bem à jas com ele, a partir de 1986, quando a briga acirrada
decisão, permanecendo no imaginário do consumidor mais de uma entre Antárctica e Brahma não deixava espaço para
década e meia depois, sempre associado à qualidade e ao bom gosto. mais ninguém. Pois o Baixinho - talvez por ser baixinho
Bonito papel, Fernandinho! - infiltrou-se no meio das duas e, nos primeiros dez
anos de atuação, ajudou a conquistar para o produto
12% de participação no segmento. Um graaande fei-
to, sem dúvida.

212
Casal Unibanco
Um casal que são muitos.
Sempre na mente do consumidor.

E
les nasceram de uma coisa que não existe até hoje:
í *- interatividade na W. Explico. A W/Brasil foi a primeira
agência brasileira a usar a TV e sua força para esco-
lher os personagens de uma campanha publicitária. Isso
aconteceu em 1993, para o concurso de um casal" que
seria o porta-voz publicitário do Unibanco. A agência se-
lecionou e colocou no ar comerciais com dois finalistas,
para a audiência escolher. Os telespectadores enviavam a
O Baixinho da
Kaiser, sem ser Os criadores do personagem são, também eles, dois clássicos da resposta para a empresa e uma auditoria contava os vo-
ator profissional,
é um sucesso
propaganda brasileira, Washington Olivetto e Francesc Petit, da DPZ. tos. O primeiro Casal Unibanco entrou no ar no mesmo
absoluto em A dupla, criadora também do Garoto Bombril, imaginou um perso- ano e, de lá para cá, ao longo de praticamente uma dé-
termos de
personagem de nagem que, aparentemente, não faz quase nada para aparecer nos cada, foi a imagem da marca na mídia.
campanha
publicitária comerciais. Ao contrário, parece um coadjuvante, sem falas. Mas é Um dos pontos fortes da W/Brasil é a criação de per-
exatamente esse sujeito calado, que só faz tomar uns goles, com sonagens. A agência e particularmente seu fundador,
imenso prazer, de Kaiser, que transformou a imagem da marca na- Washington Olivetto, acreditam profundamente na for-
quilo que se desejava: uma grande opção entre as grandes. Ela sim, ça de imantação e personalização que os personagens
uma grande cerveja. podem exercer para a marca. E sofisticou essa crença
conseguindo, antes mesmo de a campanha entrar no ar,
o aval dos consumidores, que terminaram escolhendo o
primeiro casal.
A agência - e o cliente - teve ainda, ao longo des-
se período, a sabedoria e a flexibilidade suficientes

214
A fórmula do casal deu à agência vários prémios e ao Unibanco
um patnmônio inestimável: o carinho e a eficácia de personagens
publicitários que ajudaram a conquistar novos clientes, cativaram
os já existentes e conseguiram sustentar a marca, com suas carac-
terísticas de banco moderno com atendimento humanizado
O Casal umbanco é um dos melhores momentos de nossa publi-
cidade. No caso, em dose dupla.

l
para trocar o casal, de quando em vez. Isso garantiu a fórmula de
sucesso e manteve ainda a instituição Casal Unibanco no ar, com as
vantagens da renovação.
Foram quatro casais até hoje - os três primeiros, encarnados
por atores de comerciais, mas não propriamente conhecidos do
grande público. O quarto era formado por Débora Bloch e Luís
Fernando Guimarães, numa campanha em que o humor era o
ponto-chave.

216
Campanhas
Os memoráveis anúncios, filmes e

campanhas que marcaram época.

Você, certamente, faria

uma lista diferente.

Não faz mal.

Esta também é bem legal.


Não é assim
nenhuma Brastemp
Os diálogos e a interpretação num dos mais
altos momentos da propaganda brasileira.

eia boca, quebra-galho, mais ou menos, médio.


Durante a década de 1990 praticamente inteira,
quem quisesse dizer que qualquer objeto, fato ou
situação não era lá essas coisas, em vez das expressões
mais popularmente utilizadas para isso, mandava: "Não
é assim nenhuma Brastemp." E pronto, resolvida a ques-
tão. Todo mundo entendia. E ria. (O bordão tornou-se tão
popular quanto um outro, da mesma Talent, o "Bonita
camisa, Fernandinho!".)
Seu autor, o premiado redator e diretor de criação
Ricardo Freire, conta que cada pedaço dos fantásti-
cos diálogos ou monólogos que foram criados para
os primeiros comerciais da campanha, em 1991, saiu
da vida real. Quer dizer, das discussões com consu-
midores, nas pesquisas de grupo que a agência
promoveu, para entender qual a real avaliação que os
compradores faziam das máquinas de lavar roupas
Brastemp. Esses estudos revelaram que os consumi-
dores inventavam desculpas por não terem comprado
Brastemp. A marca transmitia um padrão de qualida-
de que as concorrentes não tinham. Não eram assim
nenhuma Brastemp.
Contado desse jeito, parece ter sido fácil criar um dos maiores
conjuntos de bons textos de humor da propaganda brasileira (em Bichinhos Parmalat
certos momentos, comparáveis aos do Garoto Bombril). Mas não de-
Ser singelo também dá resultado.
ve ter sido nada fácil. Há um requinte de detalhes em cada um que
revela pesquisa e concentração. E há a manutenção do alto padrão
de qualidade, ao longo dos anos, mesmo com a mudança de redato-
res e de diretores dos comerciais.
Nos comerciais, não existem, praticamente, cenários: uma poltro-
na, fundo infinito, mesinha com vaso de flor. Só. O que deixa tudo por
conta do texto, da direção e da interpretação dos atores. Ou seja, ris-
co sempre alto de sair ruim.
A mais famosa dupla da campanha, a primeira e mais frequente,
composta pelos atores Wandi Doratiotto e Arthur Kóhl - os mesmos
nomes dos personagens que interpretam -, criou também um padrão
de relacionamento em cena, que mistura um jeito natural e despacha-
do de conversar, com uma interpretação propositalmente caricata dos
seus personagens. Tudo num molho de humor permanente.

Q
ueriam que eu fizesse a vaquinha, mas eu não
De conceito antes exclusivo das lavadoras de roupa, o "Não é assim
quis. O gambá era mais legal. Tinha um rabão",
nenhuma Brastemp" migrou com louvor para toda a linha de produ-
explica tecnicamente Renata Pati, do alto dos seus
tos da marca. Sempre - como mostraram as pesquisas da Talent -
três anos de idade, a sua opção artística na campanha
com 95% de aceitação dos consumidores.
Mamíferos, da DM9DDB, para a Parmalat. Renata é a
A campanha ganhou Leão no Festival de Cannes, além de todos os
autora da frase mais marcante da campanha: "Tomou?",
prémios nacionais e sul-americanos existentes. É de Ana Carmem Lon-
pergunta ela ao pequenino João Victor, o gatinho do
gobardi, diretora de criação da campanha esses anos todos, o inegá-
filme, que nas filmagens não queria pegar o copo de
vel mérito de ter mantido a bola lá no alto, sempre. E é da Brastemp
leite, com o produto do anunciante. A pergunta não es-
o mérito de ter aprovado uma campanha que, no papel, é sem dúvi-
tava no script, mas transformou-se num hit. nesse que
da muito difícil de imaginar como ficaria depois de produzida.
é um dos marcos da criação de personagens da propa-
À Talent e às duplas de criação que tiveram o prazer e a competên-
ganda brasileira.
cia de levar adiante um mito, fica o mérito da autoria de um conjun-
Mamíferos, aliás, é um marco por vários motivos.
to de peças da comunicação comercial que merece, como as obras de
Porque mobilizou o país, crianças e adultos, em torno da
arte, uma exposição.
mais simpática família de bichinhos que a propaganda
criou, numa catarse nacional; porque gerou uma pro-
moção paralela, que se transformou numa verdadeira
operação de guerra. Editada duas vezes, distribuiu mais
de dois milhões de bichinhos - o primeiro milhão em
sessenta dias, exigindo uma reposição vinda da China,
em meia dúzia de aviões de carga. Mamíferos é ainda
um marco porque conseguiu fazer uma linha de comer-

222
ciais e anúncios em que a delicadeza, o doce tom da ingenuidade e
da espontaneidade infantis, tudo embalando singelas mensagens de
Uma boa ideia
respeito ao "bicho" humano que somos nós, não resvalou para a pie- Uma sacada que dura décadas.
guice, nem para a chatice.
A propaganda brasileira é uma das mais criativas do mundo, mas
em apenas raros momentos consegue ser delicada. Prefere ser ousa-
da, inusitada, bem-humorada, escrachada - enfim, nada que venha
da família das sutilezas. Pois a família de bichinhos Parmalat conse-
guiu superar essa barreira cultural e comover até mesmo o mais ma-
landro dos brasileiros espertos.
A origem de tudo foram as imagens que o fotógrafo norte-ameri-
cano Tom Arma produziu para uma campanha do Greenpeace em
defesa de animais em extinção. Tom usava crianças de oito meses a
três anos para sensibilizar as pessoas com o drama das espécies amea-
çadas. As fotos caíram nas mãos de Erh Ray, diretor de arte da DM9.
Ehr mostrou-as a Nizan Guanaes, e ambos perceberam ali a adequação
e a oportunidade daquele trabalho para seu cliente Parmalat. O passo

M
esmo no país da cachaça, é difícil encontrar
seguinte foi contratar o próprio Arma para produzir nos Estados Uni- campanhas memoráveis da bebida mais popular
dos, ainda com crianças norte-americanas, as primeiras peças impres- do Brasil. Há milhares de marcas no mercado. A
sas da campanha. Os comerciais seriam feitos no Brasil, sob assesso- maioria delas, é verdade, nem frequenta a mídia. São
ria de Arma e direção de Dodi, da produtora TVC, um dos melhores marcas regionais, cuja propaganda mais eficaz é mes-
diretores de nossa publicidade. mo o boca a boca, o copo a copo. Mas isso não tem
Entre muitos profissionais de criação brasileiros, a DM9 foi critica- muita importância nesse caso. Mesmo que a concor-
da por não ter sido original e se apropriar de uma ideia já existente. rência na comunicação fosse mais acirrada, em qual-
Purismo bobinho. A propaganda não cria nada. Transforma referên- quer circunstância o conceito da Caninha 51 seria uma
cias sociais em anúncios. Foi isso que Ehr e Nizan fizeram uma vez boa ideia.
mais. Com uma doçura sem precedentes. O desafio que moveu Maggy Imorbedorf e Joaquim
Mamíferos é bem mais que apenas o uso de belas imagens de um Pereira Leite, da Lage & Maggy, na criação do slogan foi
fotógrafo dos Estados Unidos. É uma competente associação concei- exatamente o de criar um diferencial publicitário que
tuai entre os símbolos criados pelas crianças em pele de bichos, com destacasse o produto dos milhares de concorrentes, a
as ideias de preservação da espécie e alimentação saudável, transfe- esmagadora maioria sem personalidade ou atributo es-
rindo para a marca simpáticos e duradouros agregados de qualidade. pecial de percepção em relação ao consumidor.
É a técnica publicitária dominada por inteiro. A marca da aguardente parecia, ela própria, ter esse
É isso que transforma a campanha e seus adoráveis personagens - potencial. O número 51 era um diferencial, e para tudo
juntamente com os produtos Parmalat - num dos raros momentos da ficar perfeito, era necessário que ele fosse associado a si-
nossa propaganda. Sacou? tuações cotidianas, que remetessem a sua lembrança.
Foi daí que nasceram os primeiros comerciais da cam-
panha, em 1978, todos eles mostrando momentos do

224
dia-a-dia em que o número 51 estivesse presente. Todos eles bem-hu- A morte do orelhão
morados e assinados com "Caninha 51, uma boa ideia".
Telefone também é gente, sim.
A campanha, apesar de extremamente brasileira, lançando mão de
um apelo muito próprio da nossa cultura popular, ganhou prémios Embora exista quem pense diferente.
internacionais, como foi o caso do Festival Ibero-Americano de Publi-
cidade (Fiap). Transformou-se, como outros exemplos de campanhas
populares citados neste livro, em ditado e chavão de uso disseminado
em todo o país. A glória para qualquer ideia publicitária. O máximo
para essa que é, definitivamente, uma boa ideia, que já completou
mais de vinte anos no ar.

elefone público não é gente. Por isso, não morre. Se

T não é gente e não morre, não merece atenção espe-


cial. Afinal, por quê? É apenas uma peça do mobiliá-
rio urbano, sem muita importância. Está ali, tudo bem.
Mas se não estiver, tudo bem, também.
Difícil imaginar, mas há quem pense assim. Quando os
orelhões começaram a ser instalados nas grandes cida-
des, na década de 1970, um grupo considerável de pes-
soas pensava assim. E por pensar assim, de quando em
vez detonava um orelhão. Por esporte, lazer ou outra
desconsideração qualquer. Transformou-se num peque-
no drama social. O Estado investia, um pouco que fosse,
na infra-estrutura de comunicação das cidades e uma
parte da população municipal ia lá e... matava o orelhão.
Morte do orelhão, como ficou conhecido, ou Vanda-
lismo, seu nome original de batismo, foi o comercial cria-
do em 1980 por Neil Ferreira, José Zaragoza e Nelo Pi-
mentel, todos da DPZ, para a Telesp, com o objetivo de
denunciar o problema e tentar sensibilizar os autores
das depredações. Difícil imaginar que tais autores se
sensibilizariam com essa pequena obra-prima da propa-
ganda nacional. Havia entre eles, certamente, represen-
Vem pra Caixa
você também
Quando a Caixa Económica Federal
fez um sucesso federal.

'et!

Q
uase não dá para descrever com entusiasmo, de tão
simples, a fórmula que levou ao sucesso a campanha
da Caixa Económica Federal, criada pela Artplan, ou
mais propriamente por Nizan Guanaes em sua época de
Morte do Artplan. Um repórter pára as pessoas na rua, pergunta para
orelhão, ou
tantes da classe média, que têm televisão na sala. E, certamente tam-
Vandalismo; a elas onde é que aplicam suas economias e elas respondem
bém, um sem-número de desgarrados sociais, que a classe alguma per-
depredação de
que aplicam na Caixa. O comercial é assinado pelo conceito
um telefone tencem e que nunca tiveram a oportunidade de assistir ao trabalho
público desperta
"Vem pra Caixa você também". É isso. Dito assim, sem gra-
sentimentos desses mestres tão dedicados. Mas o que fazer? Nem tudo é perfeito.
e provoca ça. Vistos com a atuação do então ator-revelação Luís Fer-
comovidas Ou melhor, o comercial é. Morte do ore/hão tem uma sensibilidade
reações de quem nando Guimarães e os textos e as situações criados por
passa pela rua inédita para a época em função de sua direção (do mago dos efeitos
Nizan, os comerciais são impagáveis. O talento e o achado
especiais daqueles anos 1970, Domingos Utimura).Tratar o telefone
criativo estão na soma dessas duas coisas.
público como se fosse gente é a grande sacada. Enquanto ele vai defi-
Nizan assistiu a Luís Fernando nas encenações teatrais do
nhando na tela, as pessoas na rua vão passando e esboçando as rea-
grupo em que o ator iniciou sua carreira (com Regina Case e
ções usuais que esboçariam quando assistem a uma pessoa caída na
outros), Asdrúbal Trouxe o Trombone. E viu nele algo único.
calçada: uns indiferentes, outros fingem que não vêem, há os que re-
Sem o Luís Fernando, a campanha não teria o apelo de humor
pudiam, os que acendem vela, os que cobrem o corpo com um jornal
que teve. Sem os textos, a imaginação e o senso de oportu-
e os que se desesperam. Não há como ficar indiferente ao comercial,
nidade de Nizan, os filmes não teriam o efeito que tiveram.
que por seu caráter comunitário e sua linguagem internacional che-
Houve ainda a contribuição do também criativo diretor dos co-
gou a ser exibido na TV Educativa de Tóquio.
merciais, Chico Abréia. Assim, a imagem antiga e desgastada
Um orelhão feito gente. Para emocionar gente. Aqui ou do outro
de uma instituição federal como a Caixa renovou-se. E a pro-
lado do planeta.
paganda ganhou um de seus grandes e hilariantes momentos
Banheiro
O grande xixi do Baixinho.

sse é só um destaque dentre tantos bons momen-

E tos da campanha protagonizada pelo Baixinho da


Kaiser, um dos nossos mais simpáticos persona-
gens. Banheiro traz o Baixinho em seu melhor momen-
to, quando entra para fazer xixi num banheiro público.
Enquanto vários outros personagens entram e saem,
concluindo sua tarefa no tempo habitual que se leva pa-
ra fazer essas coisas, o Baixinho fica lá, fazendo xixi. Coi-
sas que só uma graaande cerveja pode proporcionar,
para uma certa inveja de quem observa aquele enorme
xixi, que não acaba mais.
Sem texto, sem diálogos, só com o tema musical sen-
do entoado pelo personagem principal. Banheiro ganhou
ouro no Festival de Cannes em 1987. Foi o comercial que
acabou por definir o Baixinho como o personagem cen-
tral de todas as campanhas da cervejaria. A criação é de
José Zaragoza e Neil Ferreira. O ator não era um ator
profissional, mas um achado da produção, o motorista
José Valion, uma peça rara, que não fala, mas vem emo-
cionando os consumidores de cerveja e os telespecta-
dores em geral por décadas. E imaginar que tudo co-
meçou num banheiro...
..IS"

Calvin Klein Formigas da Philco


Nudez, censura e ousadia têm nome. Elas entraram nas nossas mentes voando e
se esborrachando. Mas nem elas nem nós
vimos qualquer problema nisso.

á falamos aqui, ao descrever a carreira de Eduardo Fis- las são as primeiras personagens com técnicas de

J cher e de sua agência, dessa campanha que marcou


época por sua ousadia e pelo seu estilo direto de abor-
dar temas pouco usuais na propaganda. A campanha, que
E animação em 3D a conquistarem público e crítica.
Surpreendentes, aparecem correndo pelo chão e,
em seguida, após um baque surdo, surgem voando pe-
teve várias fases, cada uma delas com uma novidade de lo alto do vídeo, até se esborracharem do outro lado
enfoque ou de abordagem cinematográfica, esteve no ar da sala, muito contentes com tudo. Tão contentes que
de 1981 a 1987. A todo esse ciclo, Eduardo Fischer cha- fazem tudo de novo, mais felizes ainda.
mou de fase "comportamental" da sua carreira como dire- As formiguinhas dos comerciais da Philco, uma cria-
tor de criação. ção de Fábio Fernandes, com realização da Vetor Ze-
Ele conta que o estilo surgiu de uma conversa com o pró- ro, encantaram não somente as plateias brasileiras
prio Calvin Klein, em que o estilista dizia que não fazia mo- como também as de todos os festivais internacionais
da, mas traduzia o comportamento dos jovens em roupas. dos quais participaram. Fábio Fernandes foi responsável
Daí Fischer buscou a inspiração para criar comerciais em que, pela criação de algo, de fato, inovador para aquele
por exemplo, assistimos a um bebé sendo parido de uma momento da publicidade mundial. As formiguinhas
calça jeans ou jovens falando para a câmera sobre ódio, eram diferentes de tudo. E se transformaram na mar-
amor, raiva, tristeza, comportamento sexual e relacionamen- ca da marca.
to entre eles, sempre numa abordagem nada ortodoxa. Identificadas com a Philco desde o primeiro mo-
O primeiro nu total da publicidade brasileira aconteceu mento, voltaram protagonizando uma segunda ver-
nessa campanha, que teve um de seus comerciais, o Vaga- são da campanha, agora de capacete, para amenizar
bundo, em que um jovem descreve como não liga para a queda. Mas sempre felizes com o impacto das cai-
nada na vida, proibido pela censura. Ousadias que a pro- xas do aparelho de som, que as arremessava longe.
paganda não faz mais há bastante tempo. Afinal, como dizia a assinatura dos comerciais, Philco

L
O primeiro soutien
Aquele que a gente nunca
mais vai esquecer.

oucas vezes, muito poucas mesmo, a propaganda

P imita a vida com sucesso. Isso ocorre porque, na


maioria das vezes, a propaganda não tem a menor
intenção de imitar a vida. Nem sempre essa é a fórmula
para vender mais ou comunicar melhor. Ocorre também
As formigas
"curtem um
não é um som. É um tapa na orelha. porque todos os envolvidos na criação e na produção de
som " e ganham A campanha da Philco teve o mesmo efeito em todos que pude-
"um tapa na
peças publicitárias sabem bem que é muito difícil imitar
orelha" da ram assistir a ela. Um tapa na imaginação, provocado por um tapa a vida em publicidade e fazer alguma coisa distante do
Philco. Na ver-
dade, um "tapa" de criatividade. piegas e do falso. Propaganda não é vida e pronto. Assu-
de criatividade
mindo-se como é, a propaganda faz coisas memoráveis
e que funcionam para o seu devido fim.
Muito bem. Não é este o caso. O Primeiro soutien é
um dos poucos (pouquíssimos) achados em que a pro-
paganda imitou a vida, reproduziu com sensibilidade e
beleza suas verdades e, de quebra, ainda emprestou-lhe
um cuidado estético, que resultou no melhor filme da
história da propaganda brasileira (na opinião deste hu-
milde autor).
O Primeiro soutien é a história da menina que come-
ça a virar mulher, vê as amigas já usando soutien e se
entristece porque ainda não chegou lá. Ou melhor, é a
história do dia em que ela chega em casa e abre um pré-

234
la aprovado, enfim; e Júlio Xavier, para muitos o mais competente e
completo diretor do cinema publicitário brasileiro. É dele a sutil e ele-
gante direção da protagonista da história, da fotografia sobre a qual
aparentemente há um véu (os semióticos interpretariam como o (cone
do onírico) e a escolha da música final, do gran finale, melhor dizendo.
O filme é de 1987 e ganhou, além do Leão de Ouro em Cannes,
todos os prémios que um comercial pode desejar. Mas isso é pouco
importante quando se está diante de uma obra-prima.

O primeiro
soutien a gente sente deixado em cima da sua cama: é o primeiro soutien. Ou, ainda,
nunca esquece.
Muito menos a
é a história do dia seguinte, quando ela sai à rua e chama imediata-
campanha mente a atenção dos rapazes que passam. Sobe, em primeiro plano
vitoriosa em
Cannes, com o no áudio, uma ópera de Puccini. É seu momento de glória. Dela e de
Leão de Ouro
toda a propaganda brasileira.
Duas mulheres criaram o comercial, Camila Franco e Rose Ferraz.
Duas excelentes profissionais de criação. Camila, particularmente, é
um dos grandes nomes da atividade. Certamente por isso é que o
filme não é "uma visão" sobre o tema. É o tema, real como ele ocor-
re na vida, tratado com linguagem publicitária. Homem não teria
feito aquilo.
Para ser "justo" com a categoria, pelo menos dois homens foram
importantes nessa história: Washington Olivetto, diretor de criação da
W/Brasil, o primeiro a babar diante da ideia e senhor do mérito de tê-

236
Hitler
De como transformar um grande
humanista no maior canalha de todos os
tempos em um minuto.

e você deseja realizar o feito, a fórmula é de

S Washington Olivetto. Pode copiar, ele não vai recla-


mar (até porque muitos já tentaram, sem sucesso).
Para transformar uma aparente grande figura huma-
na num canalha, siga os passos: 5. Para terminar, você assina o comercial dizendo que há uma noer & integrou
a lista dos
forma bastante eficaz de contar mentiras, que é construí-las com cem melhores
comerciais de
1. Enalteça as qualidades indiscutíveis da figura base em um monte de verdades. todos 05 tempos
em questão. Não exclua nada, tentando diminuí-las. 6. Para encerrar de vez, você assina com o nome do produto -
2. Não mostre imediatamente de quem você está no caso, Folha de S.Paulo, ou outro produto que você queira
falando. Feche bem o enquadramento da câmera colocar no lugar e que dependa de credibilidade para ser consu-
(estamos brincando de fazer um filme, certo?) na fo- mido - e diz que ele é um jornal absolutamente comprometido
to do dito-cujo, para que a audiência veja apenas al- com a verdade, coisa e tal. Matador, não é?
guns pontos pretos e outros brancos (a retícula, para
quem sabe o que é uma ret(cula). Pode tentar fazer aí em casa. Ou no escritório. Mas, não querendo
3. Continue enaltecendo o grande homem, di- desanimá-lo, sei não. Acho difícil você conseguir. Hitler é antológico.
zendo que ele é um pintor, um poeta, um cara E é único. Figurou na lista mundial dos Cem melhores comerciais de
cheio de dotes pessoais etc. E comece a afastar a todos os tempos durante muitos anos.
câmera, iniciando uma sutil revelação de quem es- É um comercial para vender jornal. Mas, para quem quiser enxer-
tamos falando. gar algo a mais, é também um exemplo de como a propaganda pode
4. Continue nessa brincadeira até o fim e, nos úl- estar a serviço de algo socialmente relevante (imprensa, direito de ex-
timos segundos, revele o cara: é o Hitler!!! (Você po- pressão, liberdades democráticas etc.) com a mesma competência -J
de substituir por outro canalha qualquer.) com que vende desodorante. E olha que vende de montão. í

239
Mãe e filha mido apenas por senhoras de meia-idade para cima. Durante anos
(cinquenta, para ser mais exato), foi anunciado estampando como
Duas mulheres peladas num banheiro. modelos mulheres maduras e idosas. Resultado: após tanto tempo ba-
E é um dos mais sensíveis e belos tendo nessa tecla, a consumidora acreditou. E nunca aconselhou para
suas filhas o seu uso.
comerciais da propaganda brasileira. O destino de um produto num estágio assim é a morte, certo?
Sem sacanagem nenhuma. Com o fabricante junto.
O comercial revigorou a imagem da marca ao colocar a menina en-
cantada com os cuidados da mãe ao som de /'// never be the same, can-
tada por Billie Holiday. E a Phebo não desapareceu, tendo sido comprada
depois pela Procter & Gamble.
Os criadores são Wander Cairo Levy e Tião Bernardes, ambos "co-
brões". A direção impecável - a quem se deve creditar, no mínimo,
metade do mérito pelo sucesso do filme - é de João Daniel Tikomiroff.
O comercial foi ouro em Cannes, entre outras coisas. Infelizmente,
caro leitor, só vendo mesmo para entender que maravilha é.
uas mulheres peladas num banheiro. E você acaba

D de ler a pior descrição do comercial Mãe e filha,


que alguém jamais escreveu. Embora, reconheça-
se, seja exatamente isso o que vemos no comercial. Mãe
e filha, nuas, num banheiro. A mãe cuidando da pele
com Seiva de Alfazema da Phebo (o produto), e a filha
acompanhando os gestos da mãe, com curiosidade e
admiração. Ninguém fala nada. Não há locução. É só
isso. E acabou.
E você acaba de ler, uma vez mais, uma das piores
descrições que alguém pode fazer sobre o filme Mãe
e filha. Até porque ele é só isso mesmo e porque é
impossível de ser descrito em qualquer lugar. Só ven-
do, mesmo.
Como não podemos fazer isso aqui, quem não viu
tem de acreditar que é legal. E que é de uma sutileza e
de uma beleza e sedução raramente encontradas na
propaganda brasileira. Por isso, afinal, ele é citado neste
livro. Momento imprescindível, sem dúvida.
Para quem gosta de mais informação, vale dizer que
Mãe e filha tinha como objetivo estratégico mudar a
imagem do produto, considerado envelhecido e consu-

l 9Í1
Semana
Um comercial fora dos padrões, feito a
partir de uma colagem de fotos, dá ao
Brasil o Grand Prix do Clio Awards,
o maior prémio internacional em mídia
eletrônica da propaganda brasileira.

ma sequência de imagens em preto-e-branco vai

U sendo apresentada na tela, enquanto sobre elas


vamos lendo um letreiro aparentemente sem ne-
xo, constituído de raciocínios aparentemente soltos.
Prix em filmes da nossa história, o do Clio Awards. É o maior prémio
da publicidade brasileira.
Só para registrar, os festivais publicitários nasceram como mostras
Semana: trofeu
para Washington
Olívetto no Clio
Awards

Por exemplo: "... para um doente, mais sete dias...", exclusivamente de filmes. Mais tarde, foram incluídas as peças impres-
ou "... para uma rosa, a morte...", ou ainda "... para o sas. Para boa parte dos publicitários da área de criação, ganhar pré-
otimista, sete oportunidades..." Tudo, é claro, tem ne- mios em mídia impressa é muito importante. Mas ganhar em filmes é
muito mais.
xo, sim. E está na linha que liga os fatos e aconteci-
mentos ao tempo das coisas. A medida de tempo do Por isso. Semana é um dos marcos mais importantes de nossa histó-
comercial é a semana - aliás, o tempo que uma nova ria publicitária. Aliás, trata-se de um feito particularmente importante
edição da revista Época, para a qual a W/Brasil fez o fil- na história do próprio Clio Awards, já que foi o primeiro trabalho não-
me, chega às bancas. Um tempo em que muita coisa anglo-saxão a conquistar o prémio em 42 anos de existência do festival.
acontece. E uma soma de tempos em que, digamos, Washington Olivetto, sócio e diretor de criação da W/Brasil, subiu
tudo aconteceu até hoje. ao palco para receber o trofeu emocionado como uma criança. Ou co-
Filosofias à parte - o filme provoca a gente, é um mo se, mesmo tendo ganho centenas e centenas de outros, aquele
emaranhado ontológico de dramas e situações huma- fosse seu primeiro prémio na vida.
nas, do qual não se escapa sem pensar numas boba- Quebrar um bloqueio de 42 anos tinha que ter algum efeito colate-
ral. Deu no que deu.
gens mais sérias -, o comercial foi feito a partir de
imagens existentes ou especialmente produzidas de
fotos em preto-e-branco. Concebido por Alexandre
Machado e Jarbas Agnelli, ganhou Leão de Ouro em
Cannes e, finalmente, deu ao Brasil o primeiro Grand

243
Vamos chegar nhas angústias e meus fins de semana na Cote d'Azur. Nada mais,
não é certo?
juntos ao fim? Antes fosse assim.
O.k., concordo com você, pode estar parecendo um pouco ridícu-
lo. Dizer que a propaganda é inseparável das nossas vidas é uma afir-
mação, no mínimo, meio esdrúxula. Para muitos ela será, certamente,
reacionária. Para outros, ainda, digamos, simplória.
Antes fosse assim.
Continue me acompanhando. Estamos falando aqui de uma enti-
dade, um fenómeno, algo enfim que mobiliza massas e envolve bi-
lhões; algo que, apesar de estar no seu segundo século de vida, en-
contra-se em pleno gozo de sua exuberância; algo que, por fim, ao
contrário de nós, parece que não vai ter fim. E aqui vai outro teste:
imagine quando foi a última vez que a propaganda não influenciou
você. Pense novamente. Dessa vez, sem mentir.
Outro teste, um pouquinho mais difícil: afirme, com absoluta
propaganda é um dos mais significantes ícones da

A
certeza, quanto do que você faz na sua vida não tem nenhuma in-
cultura contemporânea. E você com isso? Bom. Si- fluência da propaganda. Vamos lá. Agora, você já percebeu que
ga meu raciocínio e veja se concluímos, juntos, al- paramos de brincar e começamos a falar um pouco mais a sério
guma coisa. Para juntos, também, concluirmos o livro. por aqui.
Com exatidão, é difícil precisar quando a propa- Mas vou facilitar a vida para você. Esta pergunta é fácil. Afinal,
ganda surgiu. A não ser para os registros da história, você é uma pessoa instruída, lúcida e esclarecida, que está lendo um
isso pouca importância deve ter. No entanto, será cer- livro sobre propaganda e acha os universitários do Show do Milhão
tamente impossível determinar quando (e se) ela vai uns ignorantes: quando foi que você entrou pela última vez numa loja
ter fim. E aí - opa! - isso parece merecer um pouco para comprar algo por exclusiva vontade própria? Isso mesmo. Sem
mais da nossa atenção. Tal tempo de permanência, influência alguma de qualquer mensagem publicitária. Você, que é
sem ocaso - para quem, como nós, tem começo, meio mais você e "não abre", foi lá e... puf! Comprou! Imune que sou, de
e fim, reconheça -, é algo que deveria merecer de minha própria autoria, entrei e comprei!
nossa parte uma atenção especial. Como a propagan- Várias vezes? Você está certo disso? Posso perguntar?
da vai ficando, assim, e eu, um dia, vou? Não me ve- Antes fosse assim.
nha com dúvidas existenciais! A propaganda está lá e Na sociedade de valores e trocas na qual vivemos, à parte o fato de
pronto! E ponto! ser uma atividade comercial que desempenha papel-chave na eficácia
Antes fosse assim. económica, a propaganda injetou-se nas nossas veias de uma forma
Aqui vai um desafio. Olhe-se no espelho e afirme pa- difícil de explicar e impossível de mensurar.
ra si mesmo: "A propaganda é inseparável da minha vi- Sendo assim, já que é injetável e inevitável, melhor relaxar. E
da." Tente de novo. Agora, sem morrer de rir. conviver com a fatalidade de que temos no país uma das melhores
Eu já fiz o teste e confesso: dá medo pensar nela atividades publicitárias do mundo. Da maior qualidade e da mais al-
dessa forma. Afinal, inseparáveis são o meu ego, mi- ta criatividade.
No meu modo de entender, menos mal. Aliás, como já afirmei, isso
até me dá um grande orgulho. É algo que, como nação, fazemos
Agradecimentos
bem, e isso me alegra.
Foi movido por esse orgulho e como uma espécie de homenagem,
em troca dessa alegria, que resolvi contar as histórias que você leu aqui.
Só para registrar, antes de concluir, é bastante certo que este livro
sobre a propaganda brasileira deva ter seus muitos momentos não só
de ouro como também de prata e bronze. De latão, quem sabe. Quer
dizer: devo ter me esquecido de um monte de fatos, pessoas e obras.
Ou, simplesmente, não os coloquei porque achei que não era o caso.
Fazer o quê? Firulas do autor.
A intenção, no entanto, posso garantir, foi a mais nobre possível. No-
bre mesmo. De contar e registrar os momentos que me pareceram mais
valiosos desse significante ícone da cultura contemporânea, que está
em você, como está em mim e que, parece, vai sobreviver a nós dois. Gostaríamos de agradecer às agências DM-9 DDB Pu-
E você com isso? blicidade Ltda., Standard Ogilvy & Mather Ltda., Talent
Bom, se você não descobriu até aqui, não sou eu quem vai lhe contar. Comunicação S/A., W/Brasil Publicidade Ltda., DPZ-
Duailibi Petit Zaragoza Propaganda, Almapbbdo Comu-
nicações Ltda., Fnazca S&S Publicidade Ltda. e Contem-
porânea Ltda; todas fundamentais para a construção
desta história.
Agradecemos também a Silvio Matos (presidente de
criação da Agência de Publicidade Bates do Brasil), pela
gentil cessão de direitos de reprodução da Campanha
de Doação de Córneas, do Banco de Olhos do Estado de
São Paulo.
À TVC Televisão e Cinema Ltda., agradecemos a au-
torização para a publicação de Alpher Gatas; e à 02
Produções Artísticas e Cinematográficas, pelos direitos
de reprodução de todos os anúncios apresentados.
Por gentilmente nos autorizarem a publicação de
suas imagens, agradecemos a Neide da Silva Ribeiro,
Mariana Du Bois, Wanderley Doratiotto, Arthur Kohl,
Graziella Oretto Figueiredo, Cláudia Missura, Eleonora
Rocha Martins, Luis Felipe Santos Penteado, Nello de
Rossi, Daniel David Roland Pinto, Ana Paula Trabulsi,
Paula Schettino Perim, alem dos fotógrafos Maurício
Nanas e J.R. Duran.

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