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ESTRATÉGIA

SINOPSE

• Estratégias ruins proliferam no atual


panorama dos negócios. Definições
vazias de missão, visão e valores, elas
buscam acomodar muitos interesses,
por vezes conflitantes, e tendem a ser
superficiais, a confundir metas com
estratégia, a traçar metas inadequadas,
como uma lista de tarefas.
• Boas estratégias, por sua vez, não
Fotos: Divulgação

saltam de uma ferramenta de gestão


qualquer, e sim dependem da presença
de um líder que faça escolhas e garanta
que a estrutura básica da estratégia seja
contemplada: diagnosticar o desafio, ter
uma política-guia e agir para realizá-la.
• Exemplo de boa estratégia é a
da NVIDIA, que, de start-up em
dificuldades, tornou-se líder do
mercado de tecnologias de computação
visual, e tudo começou com o correto
diagnóstico do desafio: “Estamos
perdendo a corrida por desempenho”.
De estratégias ruins sobram exemplos,
por incapacidade de enfrentar o
problema, como ocorreu com a
International Harvester, ou fazer
escolhas, como a Digital Equipment,
que havia sido líder na revolução dos
microcomputadores nas décadas de
1960 e 1970 e paralisou-se diante de
três caminhos a seguir, entre outras
motivações.

ESCOLHAS
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E FOCO HSMManagement 89 • novembro-dezembro 2011 hsmmanagement.com.br
A incapacidade de escolher e o planejamento do tipo formulário
fazem proliferar estratégias ruins no mundo empresarial, alerta
Richard Rumelt, professor da UCLA, oferecendo exemplos a não
seguir, como digital equipament e international harvester

A
vitória de lorde Nelson, tuação e concentra neles suas iniciati- ineficiente e esse problema não po-
oficial da Marinha bri- vas e recursos. Uma boa estratégia faz deria ser resolvido com a compra de
tânica, em Trafalgar, mais do que nos colocar na direção de equipamentos ou pela pressão sobre
litoral da Espanha, é uma meta ou visão. Ela reconhece os os gestores para aumentarem a par-
um clássico exemplo desafios que enfrentamos e fornece ticipação no mercado.
de boa estratégia. Em uma abordagem para superá-los. Como cortou despesas administrati-
1805, a esquadra armada de franceses vas, a companhia teve lucros por um
e espanhóis, a serviço de Napoleão Bo- MARCOS DA ESTRATÉGIA RUIM ou dois anos. Mas, após uma desastro-
naparte, pretendia invadir a Inglaterra. Desde a primeira vez que usei a ex- sa greve de seis meses, entrou em co-
Em vez de entrar no combate tradicio- pressão “estratégia ruim”, em 2007, em lapso e teve de vender muitos negócios.
nal, que era posicionar-se de frente para um seminário sobre segurança nacio- Esse caso deixa claro: se você não
os navios inimigos e atacar (e ser atin- nal em Washington, venho conversan- identifica e não analisa os obstácu-
gido), Nelson decidiu dividir a esquadra do sobre o tema com muitos executivos los, não tem uma estratégia. Você tem
britânica em duas colunas e atingiu a seniores. Com base nisso, condensei os talvez apenas uma lista de coisas que
frota napoleônica perpendicularmente. principais marcos da estratégia ruim gostaria que acontecessem.
Fora do esquema convencional, fran- em quatro pontos:
ceses e espanhóis, que estavam em 2. Confusão entre metas e estratégia
maior número do que ingleses, mas 1. Não enfrentamento do problema Poucos anos atrás, fui contratado para
não eram mais experientes ou mais A estratégia é uma abordagem para orientar uma equipe de designers so-
bem treinados, perderam 22 navios. A superar um obstáculo. Se o desafio bre pensamento estratégico. O CEO
Inglaterra não perdeu nenhum. não for definido, torna-se difícil ou da empresa explicou que seu objetivo
Em retrospecto, a boa estratégia pa- impossível avaliar a qualidade da es- geral era simples, e ele o denominou
rece simples e óbvia, mas ela não salta tratégia. Se não se pode avaliar, não “plano 20/20”. O faturamento deveria
de alguma ferramenta de gestão estra- se pode rejeitar a estratégia ruim ou aumentar 20% ao ano e a margem de
tégica. Muitos líderes organizacionais aperfeiçoar a boa. lucro deveria ser 20% mais alta. Ele
dizem ter uma estratégia, quando não A International Harvester apren- sentia que era um plano muito agres-
a têm. Na verdade, têm uma “estratégia deu isso da pior maneira. Em julho sivo, mas que o segredo do sucesso
ruim”, que ignora o poder da escolha de 1979, elaborou um plano estra- residia em ter objetivos ambiciosos e
e do foco e tenta acomodar uma série tégico que era uma amálgama de pressionar as pessoas para atingi-los.
de demandas e interesses conflitantes. cinco planos estratégicos, criados Eu lhe disse: “Quando uma em-
Uma estratégia ruim é encoberta pela separadamente pelas divisões ope- presa dá a espécie de salto de desem-
linguagem de metas amplas, ambições, racionais. O documento era muito penho que você vislumbra, tem, em
visão e valores. Tais elementos são im- detalhado, e o que se buscava, no ge- geral, uma força fundamental em que
portantes, mas, em si, não substituem ral, era aumentar a participação da se basear ou há uma mudança no
o trabalho duro que a estratégia exige. empresa em cada mercado, reduzir setor que abre novas oportunidades.
O líder talentoso identifica um ou de custos nas unidades e, com isso, Você pode esclarecer qual o ponto de
dois pontos fundamentais de uma si- fazer crescer faturamento e lucros. alavancagem de sua empresa?”.
Mas o plano não mencionava as Ele ficou frustrado, pegou uma fo-
instalações de produção altamente lha de papel e apontou o texto mar-
Richard Rumelt é professor de negó- ineficientes da empresa ou o fato de cado. “É isso que Jack Welch fala:
cios e sociedade na Anderson School of que ela tinha a pior relação com os ‘Descobrimos que, ao buscar o im-
Management, da University of Califor- funcionários na indústria dos Esta- possível, que realmente fazemos o
nia em Los Angeles (UCLA), e autor do dos Unidos. Em resultado, a margem impossível”. A leitura de meu cliente
livro Estratégia boa, estratégia ruim: de lucro da Harvester era a metade era seletiva, porque Welch também
descubra suas diferenças e importân- da de seus concorrentes. Sua or- dizia: “Se você não tem vantagem
cia (ed. Campus/Elsevier). ganização de trabalho se mostrava competitiva, não compita”.

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Um líder pode mesmo pedir para Outro tipo comum de objetivo es- óbvio e usar doses generosas de cli-
sua equipe “mais um esforcinho”, tratégico fraco é aquele que simples- chês e jargões que são confundidos
mas seu trabalho é maior do que isso. mente reafirma, com outras pala- com conhecimento.
Seu trabalho é também criar condi- vras, a situação desejada ou o desafio O documento de um grande banco
ções que farão com que o estímulo enfrentado. Isso evita encarar o fato de varejo diz: “Nossa estratégia fun-
seja eficaz, isto é, conceber uma es- de que ninguém tem ideia de como damental é intermediação centrada
tratégia que mereça tal dedicação. chegar lá. Um líder pode identificar o no cliente”. “Intermediação” significa
desafio principal e propor uma abor- que se trata de um banco, isto é, que
3. Objetivos estratégicos ruins dagem geral para lidar com o desa- aceita depósitos e empresta dinheiro.
Outro sinal de uma estratégia ruim fio. Mas, se os objetivos estratégicos O clichê “centrada no cliente” po-
são os objetivos confusos. Uma longa forem tão difíceis de atingir quanto é deria significar que o banco oferece
lista de tarefas para fazer, que, com o desafio original, a estratégia agrega condições e serviços melhores do
frequência, são rotuladas equivoca- muito pouco valor. que seus concorrentes, mas um exa-
damente de estratégias ou objetivos, A boa estratégia, por outro lado, me de suas políticas não revela qual-
não é uma estratégia. Essas listas cos- concentra energia e recursos e um ou quer diferença nesse sentido. A frase
tumam ser resultado de reuniões de bem poucos objetivos principais que, “intermediação centrada no cliente”
planejamento nas quais uma varieda- alcançados, liberarão uma cascata de é pura bobagem. Remova o que está
de de stakeholders sugere metas que resultados favoráveis. Ela também sobrando e veja que a estratégia fun-
gostariam de ver realizadas. Em vez faz a ponte entre o desafio crítico que damental do banco é “ser um banco”.
de focar poucos itens importantes, o está no centro da estratégia e as ações.
grupo transporta essa coleção de su- Portanto, os objetivos definidos pela POR QUE TANTA ESTRATÉGIA RUIM?
gestões para o plano estratégico, mas boa estratégia têm grande probabili- A estratégia ruim tem muitas raízes,
toma o cuidado de nomeá-las de obje- dade de ser realizados com os recur- mas focarei duas delas: a incapacida-
tivos de longo prazo, o que deixa claro sos e as competências existentes. de de escolher e o planejamento do
que não têm de ser cumpridos hoje. tipo formulário, para “completar as
Um exemplo dessa confusão era o 4. Superficialidade lacunas”.
plano da prefeitura de uma pequena Um marco final da mediocridade e
cidade norte-americana, que conti- da estratégia ruim é a abstração su- Incapacidade de escolher
nha 47 estratégias e 178 ações. A ação perficial que mascara a ausência de Se envolve foco, a estratégia significa
122 era “criar um plano estratégico”. pensamento. Trata-se de reafirmar o deixar de lado certos objetivos em favor
de outros. Quando isso não é feito, tem-
-se uma estratégia fraca.
rumelt citA o bom exemplo dA NVIDIA Em 1992, participei de uma discussão
estratégica entre executivos seniores da
o primeiro produto da nvidiA, uma placa de vídeo, áudio e 3d para microcompu- Digital Equipment Corporation (DEC),
tador, foi um fracasso comercial. em 1995, a concorrente e também iniciante 3dfx que havia sido líder na revolução dos
interactive assumiu a liderança em atender à florescente demanda por chips 3d microcomputadores nas décadas de
rápidos e, em paralelo, havia rumores de que a gigante do setor, intel, pensava 1960 e 1970. A empresa estava perdendo
introduzir um chip 3d. então, a nvidiA adotou o tripé estratégico básico. terreno fazia muitos anos.
o diagnóstico foi: “estamos perdendo a corrida por desempenho”. diante dele, Um dos executivos disse que a DEC
o ceo, jen-hsun huang, percebeu que lançar um novo chip cada seis meses, em sempre tinha sido uma empresa de
vez de na taxa-padrão do setor, que é de 18 meses, faria diferença considerável. computadores e deveria continuar
surgiu a política-guia de“lançar um chip mais veloz e melhor, três vezes mais integrando hardware e software em
rapidamente que a norma do setor”. para atingir esse ciclo de lançamento ace- sistemas. Outro deles afirmou que a
lerado, a companhia enfatizou diversas ações coerentes: formou três equipes de DEC poderia tirar proveito de seu di-
desenvolvimento, que trabalharam em agendas que se sobrepunham; investiu em ferencial em relações com clientes e
simulação em massa e capacidade de emulação para evitar atrasos na fabricação propôs uma estratégia de “soluções”
de chips e no desenvolvimento de drivers para softwares. aos clientes. Um terceiro executivo
na década seguinte, a estratégia funcionou brilhantemente. A intel introduziu defendia que o coração do setor era a
seu chip 3d em 1998, mas não acompanhou o ritmo, saindo do negócio um ano tecnologia de semicondutores e que
depois. no ano 2000, credores da 3dfx iniciaram procedimentos de falência contra a DEC precisaria focar o desenvolvi-
a empresa. em 2007, a forbes considerou a nvidiA a “empresa do ano” e ela é a mento de chips melhores.
líder do mercado de tecnologias de computação visual. Uma escolha era, assim, necessária.
O CEO, Ken Olsen, cometeu o erro de

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No início dos anos 2000, a justaposição


estilo “formulário”, de liderança guiada pela visão com o

RETÓRICA VAZIA
trabalho estratégico produziu um sis-
tema de planejamento estratégico que
se parece com o preenchimento de um
se procurar na internet, você encontrará os seguintes templates com orientações formulário. Basta digitar “visão missão
errôneas, segundo richard rumelt: estratégia” no sistema de busca na in-
ternet que se encontram milhares de
1 A visão exemplos dele [veja quadro ao lado].
escreva sua visão sobre o que a empresa/escola/nação será no futuro. Algumas Adotado entusiasticamente, esse
visões populares são ser a melhor, ou a líder, ou a mais reconhecida. estilo de planejamento é a mais pura
obviedade apresentada como insight
2 A missão decisivo. O enorme problema que isso
escreva uma declaração impactante, politicamente correta, sobre o propósito de cria é que alguém que de fato deseje
sua empresa/escola/nação. inovação, progresso humano e soluções sustentáveis conceber e implementar uma estra-
são elementos populares em declarações de missão. tégia eficaz estará rodeado de retórica
vazia e maus exemplos.
3 Os valores
crie uma declaração que descreva os valores da empresa. certifique-se de que não O NÚCLEO DA BOA ESTRATÉGIA
causem controvérsias. palavras-chave incluem “integridade”, “respeito” e “excelência”. Ciente das gritantes diferenças entre
uma estratégia boa e uma ruim, observe
4 As estratégias que as boas estratégias têm uma estru-
escreva as aspirações e os objetivos, mas chame-os de “estratégia”. por exemplo, tura básica:
“investir em um portfólio de negócios de desempenho que criem valor para nossos
acionistas e crescimento para nossos clientes”. 1 Um diagnóstico: explicação da na-
tureza do desafio. Um bom diagnós-
tico simplifica a complexidade da
pedir ao grupo um consenso –não im- atrasados. O novo CEO conseguiu de- realidade ao identificar os principais
portava qual das três opções fosse con- ter as perdas por um tempo, mas não aspectos da situação.
siderada, uma maioria sempre preferia pôde acompanhar a onda dos compu-
algo diferente. O filósofo francês Nicolas tadores ainda mais poderosos que es- 2 Uma política-guia: a abordagem
de Condorcet apontou a possibilidade tava atropelando a empresa. Em 1998, geral escolhida para superar os obs-
de tal paradoxo e o economista Kenneth a DEC foi adquirida pela Compaq, que, táculos apontados no diagnóstico.
Arrow ganhou o Prêmio Nobel mos- por sua vez, foi comprada pela Hew-
trando que o Paradoxo de Condorcet lett-Packard três anos depois. 3 Ações coerentes: passos que são
não se resolve por votação. coordenados para apoiar a realiza-
O grupo, então, chegou a termos em Estratégia “formulário” ção da política-guia.
torno da declaração: “A DEC se com- A fala de Jack Welch acerca de buscar
promete com a oferta de produtos e ser- o que parece ser o impossível é argu- Para tornar o tripé bem tangível, leia
viços de alta qualidade e com a lideran- mento motivacional padrão, usado por o caso real do quadro na página 132.
ça no processamento de dados”. Essa centenas de palestrantes. Essa fasci- Estratégia não é ambição, liderança,
declaração superficial e amorfa não era nação pelo pensamento positivo aju- visão ou planejamento; é uma ação
uma estratégia, é claro. Era um resul- dou a inspirar ideias sobre liderança coerente apoiada em um argumento.
tado político alcançado por indivíduos carismática e o poder de uma visão E o trabalho do estrategista é sempre
que, forçados a chegar a um consenso, compartilhada, reduzindo-os a uma descobrir os fatores cruciais de uma si-
não puderam concordar em quais inte- fórmula cujo esquema geral diz que o tuação e saber coordenar e focar ações
resses e conceitos deixar para trás. líder transformacional: para lidar com eles.
O CEO Olsen foi substituído, em ju-
nho de 1992, por Robert Palmer, que 1 desenvolve ou tem uma visão;
havia liderado a engenharia de semi- 2 inspira as pessoas ao sacrifício (à HSM Management
condutores na empresa. Palmer deixou mudança) para o bem da organiza- © McKinsey Quarterly
claro que a estratégia seria a dos chips ção; e Reproduzido com autorização.
–um ponto de vista tinha, afinal, ven- 3 dá poder às pessoas para conquistar Todos os direitos reservados
cido. Entretanto, já estavam cinco anos a visão. (www.mckinseyquarterly.com).

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