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JANUS 2013

1.19 • Conjuntura internacional


Sudão do Sul: independente e inevitavelmente ligado
ao Sudão Alexandra Magnólia Dias

O Sudão do Sul é o segundo caso de criação O Acordo de Paz Global (APG) de 2005 marcou o eliminou da equação a probabilidade de recur-
de um Estado soberano em África no pós-Guerra fim do segundo conflito e iniciou o período de rência de conflito entre Juba e Cartum ou de envol-
Fria tornando-se o 193 membro da sociedade transição até que se decidisse o rumo do Sudão vimento por parte do Sudão do Sul nos conflitos
internacional a 9 de Julho de 2011. O primeiro do Sul. Até à morte em Julho de 2005 do carismá- do Estado vizinho (Sudão) que continuam a opôr
foi a antiga colónia italiana, a Eritreia, que no pós- tico líder, John Garang de Mabior, do Exército de o centro às regiões periféricas e/ou marginalizadas.
Segunda Guerra Mundial tinha sido incorporada Libertação do Povo Sudanês/Movimento (ELPS/M,
na Etiópia. A exemplo do procedimento seguido SPLA/M em inglês) a secessão não era inevitável. O Sudão do Sul e o Sudão são viáveis
no Sudão do Sul, a Eritreia na sequência de um John Garang apoiava a criação de um “Novo Sudão”, economicamente?
referendo obteve o reconhecimento formal da em que o Árabe permanecesse enquanto a língua Com a independência, o Sudão do Sul tornou-se
sua independência a 24 de Maio de 1993. Tal oficial mas baseado num projecto político em um País sem acesso directo ao mar. Apesar de
como no caso da Eritreia e da Etiópia, as relações que a multiplicidade de religiões e de etnias fosse mais de 80% das reservas de recursos petrolíferos
entre o Sudão e o Sudão do Sul longe de estarem reconhecida enquanto constituinte da identidade se situarem no território sob soberania do Sudão
normalizadas, são caracterizadas por retrocessos nacional e as clivagens entre o Norte e o Sul do Sul, o Estado sucessor continuou dependente
e avanços relativamente às negociações sobre fossem reconhecidas e mitigadas. O sucessor do Sudão em termos das infra-estruturas: oleo-
as questões pendentes: a partilha dos recursos, de Garang e actual Presidente do Sudão do Sul, duto, refinarias e dos serviços do Porto Sudão para
a questão fronteiriça, a questão monetária e a Salva Kiir Mayardit, representava a facção dentro acesso ao mercado internacional para exportação
definição e direitos de cidadania. Este ensaio do SPLA/M que apoiava a secessão do Sul. de petróleo. A fronteira internacional entre o Sudão
pretende focar um conjunto de questões e e o Sudão do Sul perfaz 2.000 quilómetros, com
ssenciais para o enquadramento e entendimento a República Centro-Africana 1.360 quilómetros,
da trajectória do Sudão do Sul, de região do Esta- com a Republica Democrática do Congo 630 quiló-
do sudanês ao mais recente Estado soberano [...] as duas guerras civis que metros, com o Uganda 435 quilómetros, com o
em África e, dos desafios e dilemas da relação en- Quénia 232 quilómetros e com a Etiópia 1.000
opuseram o Norte ao Sul [...]
tre o Estado sucessor e predecessor, entre o Esta- quilómetros. Contra todas as expectativas devido
do e a sociedade pós-conflito e entre o novo Esta- tiveram na génese outras causas à escalada de rivalidades e de desconfiança entre
do e os Estados vizinhos. para além da causa económica os governos de Juba e de Cartum, o Sudão do Sul
relativa à partilha e distribuição decidiu encerrar de forma abrupta a exploração
A separação entre o Sudão do Sul de grande parte dos poços de petróleo em Janeiro
e o Sudão era inevitável?
de receitas de exploração
de 2012, interrompendo o escoamento de petró-
A questão do Sudão do Sul constitui a excepção
do petróleo. leo pelo oleoduto do Sudão devido ao desacordo
mais do que a regra ao princípio do uti possidetis entre as partes relativamente ao valor cobrado
(o respeito pelas fronteiras herdadas do colonialis- por Cartum por este serviço. Esta interrupção da
mo) aplicado à criação de Estados soberanos O referendo de 9 de Janeiro de 2011 consagrou produção de petróleo por um período de nove
em África no período pós-colonial. Com efeito, a a vontade da maioria de viver num Sudão do Sul meses teve um prejuízo mensal estimado em
Eritreia foi uma colónia italiana seguindo uma tra- independente. A capital do novo Estado é Juba 650 milhões, uma perda para além da capacidade
jectória separada da Etiópia ( entre 1890-1935 e o Sudão do Sul está dividido em diversas uni- do récem-Estado do Sudão do Sul já que 98% das
administrada separadamente enquanto a Etiópia dades administrativas: dez estados, 79 municípios receitas do governo são geradas a partir da explo-
permaneceu independente e durante o período (counties em inglês) que agrupam unidades ad- ração de petróleo. Os custos estimados de cons-
de ocupação italiana da Etiópia (1936-1941) sob a ministrativas ao nível da vila e aldeia, payams e trução de um oleoduto alternativo para a África
mesma administração). O Sudão foi administrado bamas respectivamente. No entanto, o Governo Oriental, eventualmente ligando o Sudão do Sul
enquanto condomínio anglo-egípcio entre 1899-1956, do Sudão do Sul passados dois anos de indepen- ao porto de Lamu (Quénia), Djibouti ou Kinshasa
deste período data a criação de uma força militar dência, e face ao legado de 22 anos de guerra (RDC), rondam os 1,5 mil milhões de dólares
regional (o Corpo da Equatória do Sul). A partir da civil, continua confrontado com os desafios de e este será sempre um projecto de médio a longo
independência do Sudão em 1956 o Norte e o Sul reconstrução do Estado ao nível de infra-estrutu- prazo. A dependência mútua subsiste para além
foram administrados conjuntamente; de forma au- ras básicas (estradas, escolas, hospitais); de ex- do comércio no sector petrolífero, incluindo o
tónoma entre 1972 e 1983 durante a vigência dos tensão das instituições e agentes do Estado para comércio de outros bens, o movimento de pesso-
Acordos de Addis Abeba; e a partir de 1983 o Sul além da capital e de normalização das relações as, nomeadamente os movimentos sazonais de
foi novamente administrado de forma conjunta com Cartum. O Sudão depois da secessão do grupos pastoralistas em busca de água e de pasto
com o Norte com a abolição por Nimeiry da região Sudão do Sul passou de 26 Estados federados nas áreas fronteiriças ou no Sudão do Sul.
autónoma do Sul e da imposição de uma política de para 16 Estados federados. Para o Sudão, os dile- A interrupção de produção de petróleo por parte
islamização forçada. Este período, de 1983 a 2005, mas de resolução de conflitos internos no seio do Sudão do Sul conduziria à escalada da crise
tornaria o Sudão o palco de uma das guerras civis do partido no poder, o Partido Nacional do Con- até quase ao ponto de reiniciar a guerra entre
com maior durabilidade conduzindo a dois mi- gresso, entre este e os partidos da oposição e de o Sudão e o Sudão do Sul. Em Março de 2012,
lhões de vítimas provocadas pela guerra civil e pela conflitos entre o centro e as regiões marginaliza- o Sudão do Sul decidiu ocupar Heglig, uma das
fome e a quatro milhões de deslocados. A primeira das (de Darfur, do Nilo Azul, de Kordofan do Sul, poucas áreas sob jurisdição do Sudão aonde se
guerra que durou da independência até 1972 do Sudão Oriental) tornam a transição para o produz petróleo. Tal resultou na interrupção da
provocou 500.000 vítimas. Com efeito, desde a pós-conflito incerta e sujeita a retrocessos com produção de petróleo do Sudão. Sob pressão
independência do Sudão apenas a década de 1972 ramificações para o Sudão do Sul. internacional o Sudão do Sul retirou as suas for-
a 1983 foi caracterizada por um contexto de paz. A criação do novo Estado do Sudão do Sul não ças de Heglig mas as negociações entre as partes

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só foram retomadas em Addis Abeba em Junho da sociedade do Sudão. Com efeito, no Estado dualidade de cidadania. No caso do Sudão os cida-
de 2012. Em Setembro de 2012, um conjunto de Sudanês falavam-se 134 línguas, sendo o Árabe dãos expatriados devem pagar imposto especial
acordos foram assinados abarcando: as questões a primeira língua para metade da população e a de saída do País e não permite dualidade de cida-
de segurança, o enquadramento do estatuto de maioria era bilingue. Em termos de formação dania. Para os refugiados Sudaneses em países
residentes estrangeiros; questões fronteiriças social, apesar da diversidade étnica, desde os vizinhos a questão coloca-se aquando do regres-
incluindo demarcação; comércio e outros assuntos Beja, Fours, os Dinka (estes últimos constituiam so. No Quénia estima-se a presença de 96.000
neste âmbito; enquadramento para cooperação 40 por cento das Províncias do Sul, tradicional- refugiados originários do Sudão.
no sistema central bancário; enquadramento do mente eram apoiantes do SPLM/A e actualmente
pagamento de benefícios pós-serviços; assuntos constituem o grupo étnico que detém maior con- As relações com os Estados
económicos; petróleo e questões económicas trolo do Estado do Sudão do Sul), os Nuer, os vizinhos contíguos
relacionadas e cooperação bilateral. Para além Shilluk, o controlo do Estado foi continuamente Para o Sudão do Sul as relações com o Quénia,
da questão da partilha de recursos, a questão da assegurado por parte dos Sudaneses Árabes com o Uganda e com a Etiópia são primordiais.
dívida de 40 mil milhões continua pendente. gerando descontentamento junto dos restantes Ainda antes da independência o Quénia, o Egipto
Qual a parte que eventualmente será imputada grupos do Sudão e contribuindo para o acentuar e o Uganda (desde 2005) tinham aberto repre-
ao Sudão do Sul? A questão da moeda também de clivagens regionais. sentações de ligação em Juba e em outras cidades
acarreta um conjunto de desafios. Durante o pe- Relativamente aos princípios de definição de cida- no Sudão do Sul. Da sua parte, a primeira repre-
ríodo de transição vigora uma União Monetária dania até que ponto o Acordo de Quatro Liberda- sentação do SPLM e do Sudão do Sul no estran-
e um modelo de Regulação Conjunta da política des de 2006 celebrado entre o Sudão e o Egipto geiro foi aberta no Quénia (em Nairobi), no
monetária e cambial. Será que o Sudão do Sul é extensível ao Sudão do Sul? Este acordo pressu- Uganda conta com duas representações em Kam-
exclui a opção futura de uma moeda própria? põe a liberdade de residência, de trabalho, de pala e Gulu desde 2007 e tem representações
Juba deve assegurar reservas externas para assegu- movimento e de aquisição de propriedade. Três no Egipto, na Etiópia, na Eritreia, na República
rar moeda própria; Cartum, pela sua parte, terá milhões de Sudaneses residem no Egipto. Pode Democrática do Congo, na África do Sul e no
de concordar com troca de Libras sudanesas este acordo servir como modelo face ao impera- Zimbabwe. Para além dos Estados da região, os
por moeda forte. tivo de determinar o estatuto dos cidadãos origi- Estados-membros da União Europeia ou no qua-
O estatuto de Abyei também permanece por nários do Sul no Norte do Sudão e vice-versa. De dro multilateral ou bilateral estão fortemente
determinar, bem como outros pontos de conten- acordo com as estimativas do Alto Comissariado empenhados na reforma do sector de segurança
ção relativamente à fronteira. Abyei é uma zona das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) (particularmente o Reino Unido). Os Estados
fronteiriça sob disputa não obstante a Decisão de até ao referendo 800.000 cidadãos originários Unidos prestam apoio quer no plano bilateral
2009 do Tribunal Permanente de Arbitragem que do Sul continuavam a residir no Norte do Sudão. quer por intermédio de Fundações e de Institu-
reconheceu a jurisdição do sul sobre uma área Antes do referendo estima-se que 200.000 tenham tos em diversos programas de apoio à democrati-
menor. O Conselho de Segurança das Nações regressado ao Sul. Relativamente a formações de zação. Por sua vez a China que com o mandato
Unidas (CSNU) através da Resolução 1990 (2011) diáspora estima-se em 6.000 o número de origi- de captura emitido ao Presidente do Sudão Omar
de 27 de Junho de 2011 autorizou a criação da nários do Sudão do Sul. Na sua maioria quando al-Bashir pelo Tribunal Penal Internacional se
Força Interina de Segurança das Nações Unidas partiram do Sudão sairam enquanto cidadãos su- tinha tornado num aliado estratégico para a manu-
para Abyei (UNISFA), que aí permanece até ao daneses. No caso do Sudão do Sul é permitida tenção deste último no poder, não hesitou em
presente, sendo a Etiópia o País que mais contri- seguir os passos da companhia petrolífera da Ma-
bui com tropas. lásia, Petronas, e negociou directamente com o
A mediação sobre os pontos de contenção e Governo do Sudão do Sul as condições das con-
Abyei tem sido liderada pela União Africana por cessões de petróleo à Corporação de Petróleo
intermédio do Painel de Mediação de Alto Nível Nacional da China. A interrupção de exploração
da União Africana (PMALUA). Este último, foi res- LÍBIA EGIPTO de petróleo decretada por Juba no início de 2012
ponsável pelo mapa administrativo e de segurança foi criticada pelos chineses, entre outros investi-
que estipulou uma Zona Fronteiriça de Seguran- dores estrangeiros a operarem no território.
ça e Desmilitarizada que implicou uma retirada NÍGER
das forças dos beligerantes de 10 quilómetros ERITREIA Conclusão
CHADE SUDÃO
a partir da linha central. As lições a retirar da Etiópia e da Eritreia para o
JIBUTI
Sudão e Sudão do Sul são, por um lado, a de que
Qual o projecto político do SPLA/M ETIÓPIA as fronteiras uma vez aceites só serão alteradas
REP. SUDÃO
para os cidadãos do Sudão do Sul? CENTRO-AFRICANA DO SUL com elevado custo e, por outro lado, as trajectó-
É importante sublinhar que as duas guerras civis SOMÁLIA
rias de separatismo não obliteram dependências
UGANDA
que opuseram o Norte ao Sul e culminaram no CONGO QUÉNIA mútuas e o isolamento do Estado sucessor relati-
REPÚBLICA
APG e secessão do Sul tiveram na génese outras DEMOCRÁTICA vamente ao Estado predecessor e vice-versa com-
RUANDA
causas para além da causa económica relativa à DO CONGO porta elevados custos para os diversos grupos na
BURUNDI
partilha e distribuição de receitas de exploração TANZÂNIA sociedade e, em particular, para os grupos trans-
do petróleo. As relações entre o Centro (Cartum) fronteiriços. O encerramento do espaço de nego-
e a região do sul são essenciais para entender a ANGOLA ciação encerra a viabilidade do projecto político
emergência do movimento de insurreição e a sua ZÂMBIA MOÇAMBIQUE de reconciliação e torna o processo de paz e de
legitimidade face aos cidadãos do Sul. Com efei- normalização refém das intransigências entre as
ZIMBÁBUE MALAWI
to, a marginalização da região, a exígua presença NAMÍBIA lideranças. As opções políticas das lideranças de
de serviços associados ao Estado na região e a BOTSUANA Juba e de Cartum face à normalização de relações
imposição forçada de um projecto de islamiza- entre os Estados soberanos ditará o retorno à
ção ao Sul catalizaram a oposição armada de SUAZILÂNDIA
guerra ou a manutenção da paz. 2015 constituirá
Juba vis-à-vis Cartum. Com maior incidência a ÁFRICA um marco importante com a realização de elei-
DO SUL LESOTO
partir de 1983, o projecto de imposição do Árabe ções no Sudão e o anúncio de Omar al-Bashir
e do Islão a todas as regiões do Sudão foi avan- de planos para a sua retirada da competição
çando excluindo a diversidade étnica e religiosa Sudão do Sul. Fonte: OBSERVARE (adaptado). eleitoral.■n

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