Você está na página 1de 1000

/

IRURGIA PLÁSTICA
FUNDAMENTOS E ARTE

Cirurgia Reparadora de
Cabeça e Pescoço

GUANABARA
KOOGAN
abdr
Kespeíte o direito autora!

Cirurgia Plástica
Fundamentos e Arte

Cirurgia Reparadora de
Cabeça e Pescoço
Cirurgia Plástica
Fundamentos e Arte
Cirurgia Reparadora de Cabeça e Pescoço

EDITOR

José Marcos Mélega


Diretor do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz - SP
Responsável pelo Serviço de Cirurgia Plástica da Casa di Cura Sant'Elena - Cagliari - Itália
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

EDITORES ASSOCIADOS
Seção de Deformidades de Lábio e Palato
Diógenes Laércio Rocha
Mestre e Doutor em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da USP
Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras da Faculdade de Medicina da USP
Cirurgião Plástico do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

Seção de Cirurgia Craniomaxilofacial


Silvio A. Zanini
Cirurgião-dentista Especializado em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial
Médico Especializado em Cirurgia Plástica
Sócio Titular e Honorário da Sociedade Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial
Sócio Titular e Emérito da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Criador e Responsável pelo Centro de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniomaxilofaciais da Universidade de São Paulo - Campus de Bauru - São Paulo

Seção deCirurgia de Cabeça ePescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos dePescoço)


Robert Thomé
Doutor pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da USP
Professor do Curso de Especialização em Voz do Centro de Estudos da Voz
Membro da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

*** &
NEDSi #1 GUANABARA
KOOGAN
Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus
melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no
textoestejam emacordo comos padrões aceitos à épocadapublicação, e todos osdados foram
atualizados pelos autores até a datada entrega dosoriginais à editora. Entretanto, tendo em
conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o
constantefluxode novas informaçõessobreterapêuticamedicamentosa e reaçõesadversasa
fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes
fidedignas, demodo a secertificarem dequeasinformações contidas neste livro estão corretas
e dequenãohouve alterações nasdosagens recomendadas ounalegislação regulamentadora.

Os autorese a editoraempenharam-separacitar adequadamente e dar o devidocréditoa todos


os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a
possíveis acertos caso,inadvertidamente, a identificação de algumdelestenhasidoomitida.

Direitos exclusivos para a língua portuguesa


Copyright© 2002 by
MEDSI Editora Médica e Científica Ltda.
EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA.
Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional
Reservados todos osdireitos. Éproibida aduplicação oureprodução deste volume, notodo ou
em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da Editora.

Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040-040
Tel.: 21-3543-0770/ 11-5080-0770
Fax:21-3543-0896
gbk@grupogen.com.br
www.editoraguanabara.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C526

Cirurgia plástica: fundamentos e arte: cirurgia reparadora de cabeça e pescoço / editor José
Marcos Mélega ; editores associados Diógenes Laércio Rocha, Silvio A. Zanini, Robert
Thomé. - [Reimpr.] - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.
il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-277-1415-0

1. Cirurgia plástica. 2. Cabeça - Cirurgia. 3. Pescoço - Cirurgia. I. Mélega, José Marcos.

10-4155. CDD: 617.95


CDU: 616-089.844
Cirurgia Plástica
Fundamentos e Arte
Cirurgia Reparadora de Cabeça e Pescoço

COORDENADORES

Seção I - Deformidades de Lábio e Palato


Antenor Bonatto Jr.
Lídia VAgostino

Seção II - Cirurgia Craniomaxilofacial


Jason César Abrantes de Figueiredo
Paulo Roberto P. Câmara
André Gonçalves de Freitas

Seção III - Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)


Adalberto Tadokoro
Hélio Kawakami

Seção IV - Reconstruções Faciais nas Deformidades Congênitas e Adquiridas


Paulo Roberto Mello Gomes
Luis Roberto Perez Flores

Assistente de Coordenação
Lilia Galvão Bueno Gonçalves
"Em relação à face devemos treinar nossa
mente para analisá-la e reconhecer os pontos
desarmônicos, e mentalmente determinar o
método científico que melhor resultado traria
para equilibrá-la".

"O cirurgião que aprendeu a lidar com as


osteotomias e a projetar os resultados
adquiriu uma visão ampla da cirurgia estética
e da possibilidade de auxiliar seu paciente na
obtenção de resultados melhores."

Jorge Miguel Psillakis


Sumário

SEÇÃO I. DEFORMIDADES DE Cap 5. Crescimento Craniofacial nas


LÁBIO E PALATO, 1 Fissuras Labiopalatais, 39
Vera Lúcia Nocchi Cardim
Rodrigo de Faria Valle Dornelles
Cap 1. Introdução ao Estudo das Fissuras Rolf Lucas Salomons
Labiopalatais, 3
José Carlos Ronche Ferreira
Cap 6. Tratamento Odontológico Precoce
Eliza Minami
em Fissuras Labiopalatais, 47
Mareia André
Margareth Torrecillas Lopez
Cap 2. Anatomia Patológica nas Fissuras
Labiopalatais, 8
Cap 7. Abordagem Interdisciplinar no
Douglas Jorge
Tratamento das Fissuras
Labiopalatais, 59
Leopoldino Capelozza Filho
Cap 3. Princípios de Fonoaudiologia Ornar Gabriel da Silva Filho
Aplicados aos Portadores de
Fissuras Labiopalatais, 14
Lídia D'Agostino Cap 8. Fissuras Labiais, 89
Liliane Pereira Machado Jason César Abrantes de Figueiredo
André Gonçalves de Freitas

Cap 4. Distúrbios da Comunicação em Cap 9. Fissuras Palatais, 110


Portadores de Fissuras Eudes Soares de Sá Nóbrega
Labiopalatais: Aspectos
Foniátricos, 23 Cap 10. Fissura Labiopalatal Unilateral, 126
Alfredo Tabith Júnior Antenor Bonatto Jr.
Cap 11. Fissura Labiopalatal Bilateral, 140 Cap 22. Principais Métodos de
Belmino Corrêa de Araújo Netto Imobilização das Fraturas
Maxilomandibulares, 309
Cap 12. Tratamento Primário da Rolf Rode
Deformidade Nasal do Ana Christina Claro Neves
Fissurado, 166 Mônica César Patrocínio
José Lauro Soares da Fonseca Sigmar de Mello Rode
Cap 13. Insuficiência Velofaríngea, 178 Cap 23. Próteses Bucomaxilofaciais, 317
Diógenes Laércio Rocha Rolf Rode
Nuno Filipe D'Almeida
Cap 14. Nariz de Fissurado, 197
Ana Christina Claro Neves
Paulo Roberto Mello Gomes
Luiz Alberto Plácido Penna
Elódia Ávila
Sigmar de Mello Rode
José Marcos Mélega
Cap 24. Implantes na Reabilitação
Cap 15. Deformidades Secundárias e
Bucomaxilofacial, 325
Seqüelas de Fissuras
Edson Luiz Pelucio Câmara
Labiopalatais, 213
Marcus Vinícius Martins Collares
Parte 2. TRAUMATOLOGIA, 336
Luis Carlos Acevedo Rangel
Cap 25. Fisiopatologia das Fraturas
Cap 16. Osteotomias Faciais nos Portadores
Faciais, 336
de Fissuras Labiopalatais, 229
Júlio Wilson Fernandes
Nivaldo Alonso
Wilson CintraJr. Cap 26. Atendimento Inicial e Exame Físico
do Traumatizado de Face, 347
Hélio Kawakami
SEÇÃO II. CIRURGIA Carlos Henrique Frõner Souza Góes
CRANIOMAXILOFACIAL, 235 Henrique Lopes Arantes
Mateus C Kawasaki
Parte 1. PRINCÍPIOS GERAIS, 237 José Marcos Mélega

Cap 17. Embriologia e Desenvolvimento Cap 27. Lesões de Partes Moles -


da Face, 237 Atendimento Primário e Reparo, 358
Vera Lúcia Nocchi Cardim Carlos Henrique Frõner Souza Góes
Rolf Lucas Salomons Mateus C Kawasaki
Rodrigo de Faria Valle Dornelles José Marcos Mélega

Cap 18. Anatomia Cirúrgica da Face, 256 Cap 28. Traumatismos Oculares, 369
Fernando Giovanetti Morano Nilva S. B. Moraes
Rubens BelfortJr.
Cap 19. Estudo por Imagem da Face, 277
Rainer G. Haetinger Cap 29. Traumatismo
Encefalocraniano, 378
Cap 20. Métodos de Fixação e Imobilização Mirto N. Prandini
em Cirurgia Craniofacial, 291 Santino N Lacanna
Jason César Abrantes de Figueiredo
Henrique Lopes Arantes Cap 30. Traumatismos Dentários, 385
José Marcos Mélega Vicente Peres Infante

Cap 21. Princípios de Fonoaudiologia Cap 31. Fratura Nasal, 389


Aplicados à Cirurgia Alexandre Barreto do Amaral
Craniomaxilofacial, 298 Henrique Cardoso Tardelli
Lídia D'Agostino Gustavo Enrique Guarín Figueroa
Rejane A. de Lima José Marcos Mélega
Cap 32. Fraturas da Região Orbitária, 400 Cap 43. Atrofia Facial Progressiva
Paulo Hvenegaard (Síndrome de Romberg), 545
Carolina Souza Amando Costa Luiz Francisco Souza da Fontoura
José Marcos Mélega
Cap 44. Fissuras Craniofaciais Raras e a
Cap 33. Fraturas de Maxila, 414 Classificação de Tessier, 552
Paulo Roberto Mello Gomes Nivaldo Alonso
Henrique Lopes Arantes Wilson Cintra Jr.
Mateus C Kawasaki
Cap 45. Hiperteleorbitismo, 560
Cap 34. Fraturas de Mandíbula, 430 Vera Lúcia Nocchi Cardim
Adalberto Tadokoro Rodrigo de Faria Valle Dornelles
Luís Roberto Perez Flores Rolf Lucas Salomons
Henrique Cardoso Tardelli
Cap 46. Displasia Óssea, 577
Cap 35. Fraturas Complexas da Face, 454 Cassio Menezes Raposo do Amaral
Ricardo Lopes da Cruz Celso Luiz Buzzo
Paulo Affonso Castelo Rita Mancebo Blanco
Júpiter Neewler Duarte
Cap 36. Trauma de Face em Criança, 463 Clariane Viero Vargas
André Bezerra de Menezes Reiff Valdenize Tiziani
Nilson Yovani Rimarachín Díaz Andréa Roberta Clemente
José Marcos Mélega
Cap 47. Distração Osteogênica
Cap 37. Seqüelas dos Traumatismos Craniofacial (DOC), 582
de Face, 480 Rômulo Guerrero
Sérgio Moreira da Costa Adriana Salazar
Gustavo Moreira Costa de Souza
Renato Corrêa Gontijo Cap 48. O Presente e o Futuro da Cirurgia
Craniofacial, 616
Parte 3 - MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS Silvio A. Zanini
CRANIOMAXILOFACIAIS, 498
Parte 4 - CIRURGIA ORTOGNÀTICA, 625
Cap 38. Cranioestenoses e
Craniofaciestenoses, 498 Cap 49. Preparo Ortodôntico Pré-cirúrgico
Nivaldo Alonso e Controle Pós-cirúrgico, 625
Wilson Cintra Jr. Paulo Roberto P. Câmara

Cap 39. Disostoses Craniofaciais, 506


Cap 50. Avaliação Fonoaudiológica e
Marcus Vinícius Martins Collares
Terapia Miofuncional Orofacial
Pedro Dogliotti
Cervical, 636
Luís Carlos Acevedo Rangel
Lídia D'Agostino
Cap 40. Seqüência de Pierre Robin, 522
Lídia D'Agostino Cap 51. Correção das Deformidades
Maxilares, 651
Henrique Cardoso Tardelli
Marcos Roberto Pelosi
Cap 41. Síndrome de André Gonçalves de Freitas
Beckwith-Wiedemann, 530 José Marcos Mélega
Lídia D'Agostino
Carolina Souza Souto Amando Costa Cap 52. Correção das Deformidades
Mandibulares, 663
Cap 42. Síndrome de Mõebius, 539 Max Domingues Pereira
Fausto Viterbo de Oliveira Neto Eduardo Fausto de Andrade Filho
Wagner Targa Ripari Lydia Massako Ferreira
Cap 53. Cirurgia Ortognática nas Cap 61. Traqueotomia: Indicações,
Deformidades Técnicas e Complicações, 782
Maxilomandibulares, 683 Robert Thomé
José Marcos Mélega Daniela Curti Thomé
Paulo Roberto Mello Gomes Hélio Kawakami
Henrique Cardoso Tardelli
Cap 62. Traumatismo do Pescoço, 799
Cap 54. Patologias da Articulação Robert Thomé
Temporomandibular, 694 Daniela Curti Thomé
Wagner de Oliveira
Cap 63. Tumores Ósseos de Cabeça e
Pescoço, 812
Luiz Paulo Kowalski
SEÇÃO III. CIRURGIA DE CABEÇA E Fábio de Abreu Alves
PESCOÇO (TUMORES, CISTOS E Addah Regina da Silva Freire
TRAUMATISMOS DE PESCOÇO), 711
Cap 64. Tumores Orbitários, 831
Cap 55. Anatomia Cirúrgica de Cabeça e Cassio Menezes Raposo do Amaral
Pescoço, 713 Paulo Henrique Facchina Nunes
Robert Thomé Marco Antônio Camargo Bueno
Adalberto Tadokoro Rita Mancebo Blanco
Daniela Curti Thomé Clariane Viero Vargas
Tatiana Novais Silva
Cap 56. Princípios Gerais da Cirurgia
Plástica de Cabeça e Pescoço, 728 Cap 65. Exoftalmo Endócrino, 839
Robert Thomé Marcus Castro Ferreira
Hélio Kawakami Paulo Tuma Jr.
Daniela Curti Thomé Márcio Paulino Costa
Adalberto Tadokoro Alexandre Wada

Cap 57. Diagnóstico Diferencial das


Massas do Pescoço, 738 SEÇÃO IV. RECONSTRUÇÕES FACIAIS
Robert Thomé
NAS DEFORMIDADES CONGÊNITAS E
Daniela Curti Thomé
ADQUIRIDAS, 843
Hélio Kawakami

Cap 66. Reconstrução de Couro Cabeludo e


Cap 58. Câncer do Lábio, 756
Calota Craniana, 845
Paulo A. L. Pontes
Diógenes Laércio Rocha
Erich C. M. Melo
Alexandre Mendonça Munhoz

Cap 59. Tumores da Cavidade Oral e da


Faringe, 761
Cap 67. Reconstrução da Região Frontal e
Carlos Neutzling Lehn do Supercílio, 861
Abrao Rapoport
Parte A. Reconstrução da Região
Frontal, 861
Luis Roberto Perez Flores
Cap 60. Tumores das Glândulas Parte B. Reconstrução do
Salivares, 769
Supercílio, 869
Robert Thomé
Milton Peruzzo Jr.
Daniela Curti Thomé
Hélio Kawakami
Rodrigo Antônio Cataldo de Ia Cortina Cap 68. Reconstrução Palpebral, 873
Adalberto Tadokoro Roberto Sebastiá
Cap 69. Ptose Palpebral, 897 Cap 75. Diagnóstico, Tratamento Clínico e
Henri Friedhofer Conduta na Fase Aguda da
Renata Rita Oliveira Paralisia Facial, 1007
Luiz Ubirajara Sennes
Cap 70. Reconstrução do Nariz, 912
Ricardo Ferreira Bento
Marco Wiilians B. Destro

Cap 71. Reconstrução Labial, 930 Cap 76. Paralisia Facial - Tratamento
José Kogut Cirúrgico Tardio, 1023
Juliano Carlos Sbalchiero José Y. Tariki
Paulo Roberto Leal José Carlos Marques de Faria
Marcus Castro Ferreira
Cap 72. Reconstrução Mandibular, 949
Mário Sérgio Lomba Galvão Cap 77. Paralisia Facial - Tratamento
Juliano Carlos Sbalchiero Cirúrgico Tardio - Técnica
Pessoal, 1041
Cap 73. Reconstrução de Orelha — Antônio Tomaz Marcondes Nassif
Deformidades Congênitas, 963 Chang Yung Chia
Parte A. Microtia, 963
Augusto César Teixeira Cap 78. Retalhos Perfurantes em Cirurgia
Parte B. Reconstrução Auricular de Cabeça e Pescoço, 1046
nas Microtias - Técnica Pessoal, 972 Luis Henrique Ishida
Juarez M. Avelar Luiz Carlos Ishida
Alexandre Mendonça Munhoz
Cap 74. Reconstrução Auricular Júlio Morais
Pós-traumatismo, 994
Juarez M. Avelar índice Remissivo, 1051
Cirurgia Plástica
Fundamentos e Arte
Cirurgia Reparadora de
Cabeça e Pescoço
Deformidades de
Lábio e Palato
Introdução ao Estudo
das Fissuras Labiopalatais

José Carlos Ronche Ferreira


Eliza Minami

INTRODUÇÃO do familiar acompanhante quando dos deslocamentos


a pontos distantes do seu domicílio. Assim, os centros
As fissuras labiopalatais representam a anomalia con de tratamento de deformidades labiopalatais devem ser
gênita mais freqüente na face, e as múltiplas alterações centrados na família e baseados na comunidade. Esta
anatômicas envolvidas despertam interesse científico assertiva justifica a criação de centros regionais de tra
e enfoque terapêutico multidisciplinares. O tratamen tamento e implica a formação e o treinamento de no
to dessa deformidade vai do nascimento ao final da vos profissionais, visando ao atendimento multidisci-
puberdade, congregando profissionais de diferentes áre plinar global do paciente. Definitivamente, a alta com
as e especialidades. Os procedimentos cirúrgicos são plexidade dessa anomalia não admite a realização de
realizados em etapas subseqüentes do desenvolvimen "mutirões cirúrgicos" ou atividades semelhantes.
to cefálico, e o tratamento complementar e concomi
tante dos distúrbios da fala, da oclusão, do desenvol
vimento gnático, das eventuais infecções do trato au
INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA
ditivo, do comprometimento do afeto e da sociabili-
dade determina seguimento contínuo e de longo pra As fendas labiopalatais apresentam incidência que va
zo. Os protocolos de tratamento devem ser delinea ria com a raça e com o sexo. As fendas palatais isoladas
dos e seguidos por toda a equipe e constantemente (pós-forame) apresentam características diferentes das
reavaliados, com documentação científica que permi labiopalatais, tanto na freqüência como na associação
ta acompanhamento e realização de estudos retrospec com síndromes mais complexas.
tivos e prospectivos. As fendas labiais ou labiopalatais apresentam a
Se, por um lado, a centralização permite ou permi seguinte distribuição, segundo a raça:
tiu a determinados grupos ou centros especializados a
aquisição de grande experiência clínica, por outro lado Brancos americanos: 1 1.000 nascidos vivos
ela dificulta e até mesmo impossibilita a adoção dos Negros americanos: 0,4 a 0,5 1.000 nascidos vivos
tratamentos complementares, de observação e atuação Asiáticos: 1,8 a 2,0 1.000 nascidos vivos
continuadas. Acrescentem-se a isso o alto custo finan População em geral: 1,3 1.000 nascidos vivos
ceiro aos cofres públicos e o absenteísmo profissional Fenda palatal isolada: 0,5 1.000 nascidos vivos
Deformidades de Lábio e Palato

As fendas labiopalatais são mais freqüentes no sexo importância na estética labial. Sua técnica rapidamen
masculino (60% a 80%), e as fendas palatais isoladas, te se popularizou e é ainda hoje a mais utilizada em
nas mulheres. Dentre os indivíduos acometidos, as fen todo o mundo, com algumas modificações introduzi
das labiais (pré-forame) representam 21%, as palatais das posteriormente pelo próprio Millard e por outros
(pós-forame) 33%, e as labiopalatais (transforame) res autores.

pondem por 46% dos casos. As fissuras unilaterais são Passou a ser manobra obrigatória a reorientação
duas vezes mais freqüentes no lado esquerdo e nove das fibras do músculo orbicular dos lábios, que de
vezes mais comuns do que as bilaterais. vem ser identificadas, desinseridas de sua posição anô
Com relação à etiologia, fatores mesológicos e ge mala e unidas às fibras da outra margem, refazendo-se
néticos podem estar envolvidos. Embora exista estrei a cinta muscular, de modo a permitir a correta função
ta relação com a exposição a agentes teratogênicos, esfincteriana desse músculo.
como álcool, anticonvulsivantes, corticóides e isotre-
tinoína, há pouca evidência de que fissuras labiopala
tais isoladas possam advir de qualquer uma dessas dro TIMING DA QUEILOPLASTIA
gas. Apenas o anticonvulsivante fenitoína apresenta
uma relação causai direta, pois seu uso na gravidez Vários trabalhos experimentais demonstraram que le
aumenta em dez vezes a incidência de fendas labiais. sões realizadas no feto podem curar-se sem formação
As mulheres fumantes, por sua vez, apresentam inci de cicatriz. Isto se deve ao fato de não haver processo
dência de filhos acometidos duas vezes maior do que inflamatório nos tecidos fetais, ocorrendo regenera
as não-fumantes. ção em vez de reparação. Para cada espécie animal exis
As fissuras labiais ou labiopalatais são etiologica- te um período gestacional ideal, conhecido como "scar-
mente distintas das fendas palatais isoladas (pós-fora less window", para que tal fenômeno aconteça.
me), sendo estas mais freqüentemente associadas a qua A cirurgia fetal implica histerotomia, que, em gran:
dros sindrômicos do que as primeiras. de número de casos, desencadeia trabalho de parto
prematuro, com fetos ainda inviáveis. Por esta razão,
ela só é indicada e aceita terapeuticamente para os ca
sos de anomalias fetais graves que não podem ser cor
EVOLUÇÃO DA QUEILOPLASTIA rigidas no período pós-natal. Por outro lado, a cirur
O primeiro procedimento cirúrgico descrito na litera gia fetal endoscópica apresenta menor morbidade e
tura para correção da fenda labial refere-se a um cirur reduzida taxa de indução de trabalho parto, a ponto
gião chinês desconhecido que operou um pobre me de ser potencialmente indicada para o tratamento de
nino camponês, no século IV da Era Cristã. O pacien anomalias não-associadas a alto risco de morte neona-
te tornou-se, quando adulto, o governador geral das seis tal. Pode-se, portanto, inferir daí que o tratamento das
províncias chinesas, demonstrando, queremos crer, a fendas labiopalatais venha, em futuro não muito dis
importância e o provável bom resultado da operação! tante, a ser executado antes do nascimento, com o
Durante mais de mil anos a cirurgia labial não beneficio da ausência da cicatriz.
sofreu modificações importantes além da cauterização O tratamento pós-natal da fenda labial adotou,
e simples aproximação das margens da fenda. Yperman, por muito tempo, e ainda é amplamente adotado, a
no século XIV, realizava incisão das margens da fissura preferência pela idade de 3 meses, segundo a "regra
labial, cruzamento de agulhasentre asvertentes e aproxi dos dez": dez libras de peso corpóreo, dez gramas de
mação com fios externos dispostos em oito14. Em 1843, hemoglobina e dez semanas de vida. No entanto, alguns
Malgaigne10 iniciou o uso de retalhos locais, seguido serviços adotam hoje uma cronologia bem mais pre
por Mirault14, com técnica de avanço de retalho lateral. coce, realizando a queiloplastia nos primeiros dias de
Blair e Brown2 e Brown e McDowelP, entre 1930 e vida. Seus defensores acreditam que, com o avanço da
1945, utilizaram retalhos triangulares. Le Mesurier18, anestesiologia e da neonatologia, a morbidade cirúrgica
em 1949, e Tennison19, em 1952, propuseram retalhos é praticamente a mesma que a dos 3 meses. Esta con
dirigidos para a parte inferior do lábio, de formato duta favorece a aceitação dos pais, que "levarão para
quadrangular e triangular, respectivamente. casa uma criança operada, e não um bebê defeituoso".
Em 1955, Ralph D. Millard Jr.12 introduziu a téc Outros autores defendem a realização da adesão
nica de avanço e rotação dos retalhos labiais, com cica- labial preliminar com o objetivo de diminuir a tensão
triz resultante mimetizando a crista filtrai e respeitan nos retalhos por ocasião da queiloplastia e melhor
do o arco de cupido, detalhes anatômicos de suma posicionar os segmentos alveolares. Millard13 acredita-
Introdução ao Estudo das Fissuras Labiopalatais
va que o correto posicionamento dos segmentos alveo-
lares permitiria aconfecção de um túnel periosteal (gcn- casos, o seguimento tardio demonstrou que quase to
givopenosteoplastia), que propiciaria a osteocondjção dos os pacientes desenvolveram fonação inaceitável.
a partir das extremidades ósseas e a erupção dental no As técnicas cirúrgicas mais antigas, como a de von
sitio da antiga fenda. Aadesão labial prévia foi pro Langenbeck'-', implicavam amplo descolamento subpe-
posta por Johanson e defendida por Randall na déca nosteal, deixando área óssea desnuda a cicatrizar por
da de 1960"'. Os opositores dessa conduta argumen segunda intenção. Essa técnica foi criticada posterior
tam que a cicatriz resultante do procedimento interfe mente por Veau, por produzir palatos curtos, fibróti-
re no resultado da queiloplastia subseqüente. cos e com má qualidade de fala. A técnica conhecida
como Veau-Wardill-Kilner^ utiliza um retalho em V-Y
que promove alongamento posterior do palato, co
nhecido como efeito em push-back. Éainda hoje utili
IMPORTÂNCIA DA PALATOPLASTIA zada por muitos cirurgiões. Outros autores propuse
Se, por um lado, a queiloplastia tem uma finalidade ram modificações técnicas, visando aalongar o palato,
como Bardach1 e Furlow5.
basicamente estética, acorreção cirúrgica da fenda pala-
tal tem um compromisso funcional muito importante Um dos passos mais importantes na palatoplastia
em promover uma fala inteligível ea mais próxima pos foi dado por Otto Kriens7, em 1969, ao propor o re
sível do normal, evitando, ao mesmo tempo, adicionar posicionamento anatômico do músculo elevador do
fatores restritivos ao crescimento maxilar. véu palatino, que se encontra inserido na margem pos
Os problemas relacionados ou decorrentes da fis terior do palato duro, com as fibras longitudinalmen
sura do palato apresentam-se, já por ocasião do nasci te direcionadas, nos pacientes com fissura palatal. A
mento, na dificuldade que causa à correta amamenta desinserção das fibras e seu posicionamento em senti
ção e no potencial comprometimento das vias aéreas do transversal, unindo-as com as fibras do outro lado
^periores. Nessa fase, a participação da enfermagem, da fissura, permite a função esfineteriana eelevadora da
cia pediatria e da fonoaudiologia é de capital impor musculatura palatina, necessária para a oclusão orona-
tância no atendimento multidisciplinar do pequeno sal, indispensável para fonação e deglutição corretas.
Em 1978, Leonard Furlow5 apresentou a técnica
paciente. A confecção de placas obturadoras de acríli da dupla plástica em Z, mantendo o músculo aderido
co peh orrodontista promove a separação das cavida à mucosa oral de um lado da fissura e à mucosa nasal
des oral e nasal, facilitando a sucção e evitando o mau do outro lado, diminuindo a ocorrência de fístulas e
posicionamento da língua. promovendo o alongamento do palato. Embora haja
A ocorrência de fenda palatal associada a quadros ainda muita discussão em relação à técnica de Furlow
sindrômicos, como a seqüência de Pierre Robin, por versus a velomioplastia de Kriens, ambas adicionaram
exemplo, é relativamente freqüente e determina, em efetivo avanço na prevenção da incompetência veloíá-
alguns casos, o atendimento em caráter emergencial, ríngea.
por vezes com necessidade de tratamento cirúrgico
imediato.
Muita controvérsia ainda persiste sobre a ideal
INSUFICIÊNCIA VELOFARÍNGEA
oportunidade cirúrgica (timing) para realização da pala-
toplastia. De um lado, e muito importante, está a preo Alguns pacientes, mesmo depois da queilo e da pala
cupação com a fonação correta; nesse sentido, a pala- toplastia, poderão desenvolver quadro de insuficiên
toplastia realizada antes do início da fala tem a maio cia velofaríngea (IVF), que se apresenta, em maior ou
ria dos autores como defensores. No entanto, dentre em menor grau, com hipernasalidade, articulações com
estes, muitos a preferem executada entre os 6 e os 12 pensatórias de vocábulos, escape nasal, incapacidade
meses de idade, enquanto outros a realizam entre os de emissão de consoantes e movimentos faciais aber-
12 e 18 meses de idade. Por outro lado, a preocupação rantes. A avaliação fonoaudiólogica é obrigatória para
com Odesenvolvimento correto da maxila levou alguns todos os pacientes fissurados, visando ao diagnóstico
autores a postergarem o fechamento do palato duro. preciso da IVF e à correção cirúrgica, quando indica
Schweckendiek17 preconizava o fechamento do palato da. Novos métodos diagnósticos não-invasivos têm sido
mole aos 6 meses de idade, junto com a queiloplastia, modernamente desenvolvidos, como a ressonância
e operava o palato duro por ocasião da puberdade, magnética em 3-D, cuja utilização em escala clínica
deverá estar disponível nos próximos anos2". Ortico-
«m os 12 eoslá im Emteta essa conduta KT chea15 propõe a correção do esfmcter vdoCarmçco aos
Deformidades de Lábio e Palato

2,5 anos de idade, para que acriança possa falar corre


precoce e preventiva, assim como a fonoaudiologia,
ambas hoje de atuação nos primeiros dias de vida do
tamente.
paciente.
Os novos materiais disponíveis para a cirurgia
maxilofacial permitem a realização de cirurgias mais
AVANÇO DA RINOPLASTIA NOS complexas e mais seguras, mediante utilização de pla
FISSURADOS cas e parafusos metálicos de excelente aceitação pelo
Nas condutas clássicas, a rinopiastia era executada após organismo, além de placas eparafusos absorvíveis, apro
apuberdade porque se acreditava que a manipulação priadas ao esqueleto facial da criança. Aexperiência
das cartilagens nasais na infância pudesse interferir no adquirida com os bancos de ossos permitiu aelabora
seu crescimento. Nas fissuras labiais bilaterais, o alon ção dos substitutos ósseos, já disponíveis para uso cli
gamento da columela era realizado por volta dos 4 nico, confeccionados com polímeros que replicam a
microestrutura tridimensional óssea e liberam fatores
anos de idade, utilizando-se retalhos cutâneos do lá de crescimento, do tipo BMP, enquanto são absorvi
bio superior, sem o tratamento das cartilagens. dos, reproduzindo os fenômenos de integração do
Essa preocupação com a idade mostrou-se desne
cessária, ea rinopiastia passou a ser executada precoce- enxerto ósseo.
Os estudos experimentais de Weinzweig et ai.
mente, ao mesmo tempo em que a queiloplastia pri
mária, entre os 2 e os 6 meses de idade. McComb permitiram arecente criação de um modelo congêni
propôs uma técnica de reposicionamento da carrua to de fenda palatal que certamente substituirá os mo
gem lateral inferior do lado fissurado mediante inci- delos iatrogênicos e permitirá que conclusões sobre
são infracartilaginosa, descolamento amplo entre a car- determinada terapêutica sejam mais adequadas às situa
tilagem e a pele e ancoragem desta cartilagem, com ções clínicas. Ainda no campo experimental, e<k *p>Vv
pontos captonados, àcarruagem contralateral eàpar- cação clínica imediata, os resultados da distração osteo-
te superior do nariz.
gênica sutural do palato, tanto no sentido transversal
Tajima18 propôs a realização da rinopiastia a céu como no longitudinal, abrem novas esperanças para 0
aberto, com tratamento das cartilagens nasais, em pro fechamento das fendas palatais em todos os planos,
cedimentos secundários, apresentando bons resultados sem a necessidade de descolamento dos retalhos mu-
tanto em fissurados unilaterais como em bilaterais. coperiosteais e com a possibilidade do avanço posterior
Trott e Nohan21, em 1993, utilizaram-se da rinopiastia do palato, reduzindo certamente o número e a gravi
aberta, executando-a ao mesmo tempo que a queilo dade das seqüelas9. A descoberta de agentes iatrogêni
plastia primária, com o tratamento das cartilagens na cos capazes de provocar fendas labiais e palatais em
sais, a exemplo do que é realizado nas rinoplastias aber animais de experimentação, de forma controlada e
tas secundárias. Em 1999, Thomas e Mishra20 apresen previsível, fornecerá material de estudo à medicina fe
taram sua experiência com 69 pacientes submetidos a tal e oxalá traga subsídios para a prevenção. O grande
rinopiastia aberta precoce, discutindo detalhes técni avanço da imageologia, com os modernos recursos da
cos e táticos para obtenção de melhores resultados. ultra-sonografia intravaginal, permite diagnóstico pré-
Assim, segundo Kirschner et ai.", postergar o tratamen natal das deformidades faciais e propicia o preparo
to do nariz, dissociando-o da queiloplastia, não é mais psíquico dos pais para maior aceitação do filho e atu
uma conduta apropriada. ação precoce da equipe multidisciplinar que atenderá
Como vimos, as fissuras labiopalatais oferecem o neonato.
excelente material de estudo e pesquisa, tanto clínica Todos estes fatos justificam a inclusão deste capí
como experimental. O tratamento cirúrgico evoluiu tulo em um compêndio de Cirurgia Plástica, e a esco
da simples adesão das margens da fenda labial para a lha dos experientes profissionais convidados certamen
queiloplastia com reorientação da musculatura orbi- te oferecerá ao leitor um excelente material de apren
cular e confecção do filtro e do arco de cupido, do dizagem e atualização.
fechamento da fenda palatal para a palatomioplastia
funcional, da rinopiastia corretiva tardia para a rino
piastia primária e precoce, realizada ao mesmo tempo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
que a queiloplastia, e das osteotomias corretivas para
as distrações osteogênicas, com a participação efetiva i. Bardnch ), Morris HJ. O/m WH Lite r«„l« „c •
cio odontólogo no campo cirúrgico. A ortodontia
correnva rardia evoluiu para a ortopedia funcional, -'• Bl.„r VP, B,„w„ ,B M "" ^ "»«WR
«wO;r;^S;:topcra,,on,0ri»*i,1re/iMWi,
Introdução ao Estudo das Fissuras Labiopalatais

3. Brown JB, McDowelI F. Simplified design for repair of single 15. Orticochea M. The timing and management of dynamic mus
cleft.lip. Surg Gynecol Obst \9A5;80A2. cular pharyngeal sphincter construction in velopharyngeal in-
4. BurtJD, Byrd HS. Cleftlip unilateral primary deformities. Plast competence. BrJ Plast Surg 1999;5285.
Recontr Surg 2000;105:1.043. 16. Randall P. A lip adesion operation in cleft lip surgery. Plast
5. FurlowJr LT Double-reversing Z-plasty forcleft palate. In: Mill Reconstr Surg 1965;J5:371.
ardJr RD (ed.). Cleft Craft - The Evolution oflts Surgery. III: 17. Schweckendiek V. Speech development after two stage closure
Alveolar and Palatal Deformities. Boston: Little Brown, of cleft lip and palate. In: Bekeher T, Slongo B, Grof et aí.
1980:519. (eds). Long Term Treatment of Lip and Palate. Bem: Hano
6. Kirschner RE, Randall P, Wang J etaí. Cleft palate repair at 3 to Huber, 1981.
7 months of age. Plast Reconstr Surg 2000; 105:2.127. 18. Tajima S. Follow-up results ofthe unilateral primary cleft lip
7. Kriens OB. An anatomical approach to veloplasty. Plast Recon operation with special reference to primary nasal correction by
str Surg \969;43:29. the author's method. Facial Plast Surg 1990;7:97.
8. Le Mesurier AB. Method of cutting and suturing lip in com 19. Tennison CW. The repair of unilateral cleft lip by the stencil
plete cleft lip. Plast Reconst Surg 1949;41. method. Plast Reconst Surg 1952;£115.
9. Liu C, Song R,Song Y. Sutural expansion osteogenesis for man- 20. Thomas C,Mishra P. Opentip rhinoplasty along with therepair
agement of bonytissue defect in cleft palate repair: Experimen of cleft lip in cleft lip and palate cases. BrJPlast Surg 2000;53:l.
tal studies in dogs. Plast Reconstr Surg 2000; 105:2.012. 21. Trott JA, Mohan N. A preliminary report on open tip rhino
10. Malgaigne JF. Manuel de Medicine Operatoire. 7 ed. Paris: plasty at the time of lip repair in unilateral cleft lip and palate:
Gernier Bailliere, 1861. the Alor Setar experience. BrJ Plast Surg 1993;46363.
11. McComb H. Primary correction of unilateral cleft lip nasal 22. von Langenbeck BRK. Operation der angeborenen totale spal-
deformity. A 10-year review. Plast Reconstr Surg 1985;75:791. tung des harten gaumens nach einer neue methode. Dtsch
Kíinik 1861;7J:231.
12. Millard Jr DR. A primary camouflage of the unilateral hare-
look. In:Skoog T (ed.). Transactions ofthe First International 23. Wardill WM. The technique of operation for cleft palate. BrJ
Congress of Plastic Surgery. Baltimore: William & Wilkins, Surg 1937;25:117.
1957:160-6. 24. Weinzweig J, Panter KE, Pantaloni M. The fetal cleft palate: I -
13. Millard Jr DR, Lathan R, Huifen X, Spiro S, Morovic C. Cleft Characterization of a congenital model. Plast Reconstr Surg
lipandpalate treated bypresurgical orthopaedics gingivoperios- 1999; 103:419.
teoplasty and lip adhesion method: A preliminary studyof seri 25. Weinzweig J, Panter KE, Pantaloni M. The fetal cleft palate: II
al dental casts. Plast Reconst Surg 1999; 103:1.630. - Scarless healing after in utero repair of a congenital model.
14. Mirault G. Deux lettres sur 1'operation du bec-de-Iièvre consid Plast Reconstr Surg 1999,104:1356.
eredans ses divers etats desimplicité et decomplication. JChir 26. Witt PD, Marsh JL, McFarlane EG, Riski JE. The evolution of
1844;2:256. velopharyngeal imaging. Ann Plast Surg 2000;45:665.
Anatomia Patológica nas
Fissuras Labiopalatais

Douglas Jorge

O termo palatino(a) é usado para distinguir estru


INTRODUÇÃO
turas como ossos, nervos, forames, artérias etc. Entre
As fissuras labiopalatais são deformidades que com tanto, quando nos referimos à deformidade que as en
prometem em grau variável as partes moles centrais volve, parece ser mais correto o emprego de palatal
do terço médio da face como também, nas mais am (fissura palatal) - relativo ao palato.
plas, as estruturas esqueléticas. Em extensão variável,
podem incluir lábio, palato ósseo, palato mole e nariz.
O grau de hipoplasia determina a intensidade das
alterações morfológicas observadas nas fissuras. Nas LÁBIO
incipientes, podem se apresentar como uma assime
Pele, Vermelhão e Mucosa
tria de ponta nasal com alargamento do assoalho nari-
nário e implantação lateral da base alar ou como uma Nas fissuras mínimas, a pele que recobre a área da fis
dissociação da musculatura orbicular do lábio superior sura pode estar desprovida de anexos. A medida que o
perceptível apenas com a dinâmica labial ou ainda como grau de hipoplasia se acentua observa-se um progressi
um sulco raso no arco alveolar ou uma úvula bipartida. vo afastamento dos segmentos mediai e lateral, onde a
Nos graus mais acentuados a deformidade é evidente crista filtrai torna-se indefinida e a linha de transição
demonstrando falta de tecido, distorções e deslocamen epitelial (arco do cupido) se dissocia, perdendo a con
tos das estruturas que compõem essa região. tinuidade, tomando uma direção oblíqua ascendente
Sua anatomia patológica foi amplamente estuda nos sentidos mediai e cranial. Nas fissuras bilaterais a
da no início do século XX, mas algumas descrições pele do prolábio é desprovida das cristas e do filtro,
posteriores foram acrescentadas e merecem ser com apresentando-se plana ou até elevada. O vermelhão
preendidas e aplicadas no tratamento da deformida progressivamente se adelgaça na proximidade da fen
de. Embora a nômina anatômica atual não utilize no da terminando em um afunilamento que define um
mes próprios para definir as estruturas, em anatomia ponto de transição com a pele e a mucosa, o que pode
patológica podem ser empregados para identificar de ser observado mais claramente nas fissuras unilaterais
terminadas características. principalmente no segmento lateral. Nas fissuras bila-
Anatomia Patológica nas Fissuras Labiopalatais

terais o vermelhão do prolábio é estreito, continuan- provido de musculatura (Fig. 2-2). Os feixes mediais
do-se internamente com uma mucosa de pequena al do músculo depressor do subssepto são hipoplásicos
tura o que determina um sulco gengivolabial raso ou nas fissuras unilaterais e ausentes nas bilaterais. A ban
ausente e não há freio labial. da cutânea de Simonart contém fibras musculares que
A mucosa dos segmentos laterais em geral mos podem contribuir na ação sobre o esqueleto.
tram-se bem desenvolvidas com definição adequada
do sulco gengivolabial. O tubérculo mediano pode
estar presente nas fissuras de menor grau tornando-se Vasos e Nervos
progressivamente menos evidente conforme aumenta A artéria orbicular do lábio superior perde sua conti
a extensão da fissura até inexistir nas bilaterais. Em
nuidade nas fissuras labiais de maior amplitude, de
alguns casos de fissuras labiais completas observa-se forma que as anastomoses entre os segmentos lateral e
uma ponte cutânea que une os dois segmentos na por mediai se fazem por ramos menores nas fissuras in
ção superior do lábio, conhecida como banda de Si-
completas. Nas completas os ramos terminam nas
monart que, sendo mais ou menos desenvolvida, pode margens da fenda (Figs. 2-3, 2A). A banda de Simonart
influir no posicionamento das lâminas palatinas. pode apresentar um ramo calibroso comunicando os
dois segmentos. O prolábio das fissuras bilaterais apre
Músculos senta uma rica vascularização que provém da- artéria
nasoplatainal (Fig. 2-5). A inervação motora dos mús
Nas fissuras labiais incipientes a dissociação das fibras culos do lábio superior provém dos ramos terminais
musculares às vezes só é percebida com a dinâmica do nervo facial e a sensitiva dos ramos terminais do
labial. Contraindo-se o músculo orbicular formam-se nervo infra-orbital (ramo do trigêmeo) para os segmen
espessamentos lateralmente a uma linha de depressão tos laterais e dos ramos terminais do nervo nasopalati-
que corresponde a fissura onde as fibras musculares no para o prolábio.
são interpostas por trabéculas de tecido conjuntivo.
Conforme acentua-se a amplitude da fissura, a dissoci
ação das fibras progride e estas se posicionam obliqua-
PALATO DURO
mente no sentido cranial podendo as mais inferiores
terminarem livremente nas margens da fenda. Sendo a
fissura labial completa as fibras musculares do segmen Mucoperiósteo
to lateral, que são mais desenvolvidas, terminam jun O mucoperiósteo pode apresentar-se com uma depres
to ao periósteo da maxila ou perdem-se no subcutâ- são ao nível da fissura em toda sua extensão sendo
neo da base da asa nasal. Nas fissuras unilaterais as fi mais facilmente perceptível ao nível do arco alveolar.
bras musculares do segmento mediai, menos desen Conforme amplia-se, a fenda estabelece continuidade
volvidas, terminam junto ao periósteo da espinha na entre as superfícies nasal e a oral nas suas bordas. Nas
sal anterior ou perdem-se no tecido conjuntivo da base fissuras unilaterais o mucoperiósteo do lado não com
da columela (Fig. 2-1). Nas fissuras bilaterais que com prometido continua-se com o do vômer em extensão
prometem toda a extensão do lábio, o prolábio é des ântero-posterior variável. Nas fissuras bilaterais com-

Fig. 2-1. Representação esquemática da musculatura na fissura Fig. 2-2. Representação esquemática da musculatura na fissura
labial unilateral. labial bilateral.
10 Deformidades de Lábio c Palato

pletas o mucoperiósteo oral c o nasal estabelecem con


tinuidade mediai em toda a extensão das lâminas pala-
tinas laterais e o mucoperiósteo da pré-maxila conti
nua-se com o do vômer bilateralmente. Ao nível da
sutura pré-maxilovomeriana o periósteo é firmemente
aderido ao esqueleto, devendo a sua separação ser cui
dadosa.

Ossos

Anteriormente ao forame incisivo o plano ósseo pode


estar dissociado uni ou bilateralmente em extensão
variável. Quanto maior o grau de dissociação maiores
são os desvios observados. Nas fissuras unilaterais pré-
Fig. 2-3. Disposição das artérias no paciente não-fissurado.
forame completas ou transforame ocorre um desali-
nhamento do arco alveolar com projeção anterior e
rotação látero-superior do segmento mediai no senti
do da fenda, fato relacionado à ausência de ação da
musculatura labial associada ao potencial de crescimen
to esquelético na vida embrionária. Nas fissuras pré-
forame completas ou transforame bilaterais os desvi
os ósseos são mais evidentes com uma projeção anteri
or acentuada da pré-maxila e possibilidade de rotação
para um dos lados. As lâminas palatinas laterais, ainda
que com graus variáveis de hipoplasia, geralmente se
encontram bem posicionadas com alinhamento ade
quado dos arcos alveolares em relação ao arco inferior,
embora algumas vezes sejam observados desvios de
rotação cranial dos segmentos mediais determinando
uma oclusão aberta. No segmento ósseo posterior ao
forame incisivo as lâminas palatinas podem estar dis
sociadas entre si e do vômer caracterizando uma fissu
Fig. 2-4. Disposição dos vasos no paciente com fissura labial ra transforame bilateral ou pós-forame completa ou
unilateral.
então uma delas manter continuidade com este osso
em extensão variável ântero-posterior, o que permite
caracterizar a fissura como unilateral, evidentemente
do lado contrário ao da fusão.
Nas fissuras submueosas a borda óssea posterior
do palato duro ao nível da espinha nasal posterior pode
apresentar uma chanfradura perceptível ao toque.
Outras vezes as lâminas palatinas podem se apresentar
desviadas cranialmente, o que determina maior ampli
tude da fenda. Esta alteração pode ser influenciada pela
ação da língua, como ocorreria na seqüência de Pierre
Robin. Nas fissuras transforame, o forame palatino
anterior não existe pois é formado pela união dos sul
cos palatinos anteriores dos processos palatinos da
maxila com a pré-maxila.
O forame palatino posterior maior é formado pela
Fig. 2-5. Disposição dos vasos no paciente com fissura labial união dos sulcos do osso palatino medialmente e pelo
bilateral. sulco da lâmina palatina da maxila lateralmente, en-
Anatomia Patológica nas Fissuras Labiopalatais 11

contrando-se ao nível do terceiro molar no adulto e minam em conexão com pequenos ramos ao nível do
no vértice mediai de um triângulo eqüilátero forma arco alveolar na presença de uma fissura. Nas fissuras
do com a tuberosidade da maxila e o hâmulo pterigói- transforame unilaterais, a artéria nasopalatina, ramo
deo na criança. Posteriormente ao forame palatino terminal da esfenopalatina, pode estabelecer anasto-
posterior maior encontra-se o forame palatino poste moses com os ramos da artéria palatina descendente
rior menor. Durante a dissecção em plano subperios- no lado não fissurado. Nas fissuras transforame bilate
tal da região do forame palatino posterior, com fre rais as artérias nasopalatinas não se unem para formar
qüência observamos cristas (espículas) ósseas que mar a artéria palatina anterior que emerge pelo forame in
geiam um sulco correspondente ao leito do trajeto do cisivo, e seus ramos terminais se dirigem ao mucoperi-
feixe vasculonervoso palatino posterior as quais po óseo da pré-maxila. A inervação do palato duro poste
dem ser ressecadas para ampliar a mobilidade do feixe rior se faz através do nervo palatino maior, ramo do
vasculonervoso. plexo faríngeo, que emerge pelo forame palatino pos
terior maior. Anteriormente, a inervação se faz pelo
nervo palatino anterior, ramo do nervo nasopalatino,
Vasos e Nervos
que atravessa o forame incisivo ou termina no muco
Os pedículos vasculares principais do palato duro periósteo da pré-maxila na falta deste.
emergem pelo forame palatino posterior maior sendo
constituídos pelas artérias palatinas descendentes, ra
mos das artérias maxilares internas e pelas veias palati PALATO MOLE
nas, tributárias do plexo pterigóideo (Fig. 2-6). Pene
Mucosa
tram nos tecidos moles do palato através dos forames
palatinos posteriores. O ramo menos calibroso, atra O palato mole é constituído apenas por aponeurose,
vés do forame palatino posterior menor, dirige-se ao músculos com seus feixes vasculonervosos e revesti
palato mole; e o mais calibroso, através do forame mento mucoso nas superfícies nasal e oral. Quando
palatino posterior maior, projetando-se em plano su- ocorre a fissura pode haver comprometimento somente
praperiostal mediai e anteriormente inicialmente em no plano muscular (fissura submueosa) ou envolver
direção oblíqua e a seguir paralelamente à superfície também a mucosa (fissura propriamente dita) em ex
mucosa. Seus ramos anteriores, que normalmente fa tensão ântero-posterior variável. Nas primeiras apenas
zem anastomose com os da artéria nasopalatina, ter a úvula costuma apresentar-se separada, e as mucosas

Fig. 2-6. Disposição dos vasos e musculatura do véu (? - tensor do véu palatino e 2 - elevador do véu palatino) no paciente não-fissurado
(A) e com fissura palatal (B).
12 Deformidades de Lábio e Palato

oral e nasal se continuam medialmente a este nível. que suas fibras se continuem com as dos outros mús
Anteriormente, a fusão epitelial demonstra uma mem culos do véu. Ocupa a porção mais oral entre os mús
brana mucosa translúcida. Conforme aumenta a ex culos do palato mole e sua função se opõe a do eleva
tensão da fissura esta união progride anteriormente dor. Na presença de uma fissura suas fibras mediais se
até o limite do palato duro. dirigem mais anteriormente inserindo continuando-
se com a aponeurose palatina. O músculo pahtofarín-
geo tem origem na rafe posterior da faringe e apresen
ta três porções das quais a mais anterior ou palatina
Músculos
forma o pilar amigdaliano posterior e dirige suas fi
Na fissura submueosa as fibras musculares que nor bras ântero-medialmente, que se inserem na aponeuro
malmente se cruzam na linha média apresentam-se dis se palatina sob as fibras do músculo elevador. Atua
sociadas, posicionando-se anatomicamente em direção estreitando o istmo faringonasal aproximando as pa
transversal mas não se unem. A úvula bífida, associada redes laterais e tracionando o palato mole póstero-in-
a chanfradura na região da espinha nasal posterior, a feriormente. As outras duas porções, pterigofaríngea e
mucosa transluzente e a dissociação muscular caracte salpingofaríngea, promovem o estiramento da faringe
rizam os sinais da fissura oculta (Calnan). O músculo durante a deglutição e facilitam a dilatação da tuba
elevador do véu tem importância maior na determina auditiva. É pouco desenvolvido nas fissuras do palato
ção da competência velofaríngea. Tem origem na por mole e suas fibras posteriores podem acompanhar as
ção petrosa do osso temporal e na porção posterior da do músculo elevador até atingirem a úvula. Na parede
cartilagem da tuba auditiva. Dirige-se ínfero-medial- posterior da faringe suas fibras correm superficialmente
mente ocupando a porção mais posterior do palato às do constritor superior, e ao se contraírem formam
mole onde suas fibras se cruzam sem formar aponeu- uma prega que se projeta anteriormente conhecida
rose. Atua tracionando o palato mole para cima e para como anel de Passavant.
trás e tende a fechar o orifício da trompa mas também O músculo constritor superior da faringe não faz
atua em sinergismo com o músculo tensor do véu di parte dos músculos do palato mole, originando-se na
latando o seu óstio. rafe pterigomandibular, suas fibras se dirigem posteri
Nas fissuras, as fibras são hipoplásicas e suas bor ormente sob o músculo palatofaríngeo, com o qual se
das mediais terminam nas margens da fenda (ver Fig. entrelaçam. Sua contração aproxima as paredes late
2-6). As mais anteriores inserem-se lateralmente à espi rais da borda posterior do palato mole. Nas fissuras
nha nasal posterior na borda óssea do palato duro. do palato, as inserções anômalas dos músculos não
Nas fissuras parciais do palato mole podem se cruzar a permitem sua função adequada. O palatoglosso e o
frente do limite anterior da fenda. O músculo tensor palatofaríngeo devido às suas inserções mais anterio
do véu tem origem na fossa escafóide, base da lâmina res dão suporte à base da língua e à parede da faringe.
pterigóidea mediai e face ântero-lateral da tuba auditi O elevador e o tensor do véu, em situação menos fa
va. Dirige-se anteriormente formando uma alça tendi- vorável, tendem a atrofiar. O hámulo pterigóideo pode
nosa no hámulo pterigóideo continuando-sc ântero- estar hipertrofiado devido ao aumento da tensão das
medialmente para constituir a aponeurose palatina que bandas aponeuróticas. O palatofaríngeo e o constri
ocupa o terço anterior do véu e insere-se no periósteo tor superior da faringe procuram compensar a dimi
da borda livre do palato duro. Traciona o palato para nuição da função do elevador e o anel de Passavant
nivelá-lo com o hámulo e determina a dilatação do tende a ser mais desenvolvido que nos não-fissurados.
orifício da tuba auditiva. Sua aponeurose perde a con
tinuidade na linha média nas fissuras do palato mole
mantendo entretanto a inserção anterior (ver Fig. 2-6).
Vasos e Nervos
O músculo palatoestnfilino ou uvuhir origina-se na
aponeurose palatina ao nível da espinha nasal posteri Além da irrigação pelos ramos das artérias e veias pala
or e dirige-se posteriormente até o estroma da úvula tinas descendentes o palato mole recebe irrigação das
constituindo o mais nasal dos músculos palatinos. Sua artérias e veias palatinas ascendentes, menos calibrosas
contração tende a encurtar o palato mole formando e dificilmente identificáveis em uma cirurgia, respecti
uma projeção na base da úvula do lado nasal conheci vamente ramos e tributárias das artérias e veias faciais.
da como "eminência velar". O músculo pahitoglosso Na eventualidade da lesão do pedículo vascular des
origina-se na porção póstero-lateral da língua, forma o cendente, esses vasos menores podem ser suficientes
pilar amigdahano anterior e dirige-se medialemnte para para manter a vascularização do palato incluindo o
Anatomia Patológica nas Fissuras Labiopalatais 13

mucoperiósteo situado anteriormente. A inervação do maxila que determina falta de sustentação óssea às es
palato mole sefaz pelos ramos do plexo faríngeo (glos- truturas que compõem a base alar. Alterações mais sig
sofaríngeo, vago e hipoglosso). nificativas podem estar presentes na cartilagem alar e
no septo nasal. Nas deformidades unilaterais, as carti
lagens alares apresentam dimensão semelhante ao lado
NARIZ não fissurado ou então mostram-se hipoplásicas. Ocorre
alteração da sua forma e posição. Seu joelho demons
Pele tra um ângulo mais obtuso e encontra-se lateralizado
com conseqüente diminuição da amplitude do segmen
O assoalho narinário pode apresentar graus variáveis to mediai. O segmento lateral torna-se mais lateraliza
de comprometimento, desde uma depressão e maior do e deslocado caudalmente. A convexidade dorsal
amplitude transversal até sua ausência, como ocorre
habitualmente observada no componente lateral se
nas fissuras transforame ou pré-forame completas. modifica, tornando-se menos evidente, plana ou mes
Conforme aumenta a amplitude da fissura a implanta mo côncava. Ainda assim seu pericôndrio mantém a
ção da base alar se faz progressivamente mais lateral e
continuidade ligamentar que se extende ao periósteo
inferiormente. A columela é aparentemente mais cur da maxila. O septo nasal pode estar centralizado, como
ta do lado da fenda e apresenta-se desviada para o lado se observa nas fissuras bilaterais, ou com graus variá
não fissurado por falta de sustentação da cruz mediai
veis de desvios observados freqüentemente nas fissuras
na espinha nasal. Pode estar ausente nas fissuras bilate unilaterais. Nestas, quando de maior amplitude, a cauda
rais, fato relacionado à rotação cranial da pré-maxila do septo projeta-se para o vestíbulo narinário do lado
devido ao encurtamento do ligamento pré-maxilossep- não fissurado e sua porção mais cranial, estabelecendo
tal. Na margem superior do vestíbulo, observa-se uma continuidade ligamentar com a crista vomeriana, cur
prega cutânea que se estende à base da abertura piri- va-se para a cavidade nasal do lado fissurado.
forme. Em conseqüência dessas alterações o orifício
narinário assume uma forma progressivamente mais
ovalada com maior eixo tendendo a transversal e o
teto do vestíbulo aproxima-se do assoalho. A base alar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
forma um ângulo com a pele da região maxilar pro
gressivamente mais obtuso conforme aumenta a am 1. Bardach JA,Salyer KE. Surgical techniques in cleftlip and palate.
Year Book Medicai Publishers, Inc. 1987.
plitude da fissura.
2. Fará M. The musculature of cleft lip and palate. In: McCarthy
As outras alterações do revestimento cutâneo da
JG. Plastic Surgery. W.B. Saunders Co. 1990;42.598-696.
ponta nasal ou do vestíbulo narinário estão intima
3. Jackson IT. Secondary deformities of cleft lip, nose and cleft
mente relacionadas às do esqueleto cartilaginoso que palate. In: McCarthy JG. Plasic Surgery. W.B. Saunders Co.
recobre. 1990;4:2.771-7.
4. Lathan RA. Anatomy of the facial skeleton in cleft lip and
palate. In: McCarthy JG. Plasic Surgery. W.B. Saunders Co.
Ossos e Cartilagens 1990;4:2.581-97.
5. Sanvenero-Rosselli G. La divisione congênita dei labbro e dei
Alterações dos ossos próprios do nariz e apófises na palato. Casa Editrice Luigi Pozzi, Roma. 1934.
sais da maxila podem existir nas fissuras mais amplas 6. Trier WC (ed.). Cleft lip and clef palate. Clinics PlasticSurgery.
onde apresentam desvios associados a graus variáveis WB. Saunders Co. 1985;12(4).
de hipoplasia. Observam-se laterorrinias, hipertrofias 7. Veau V. Division Palatine. Masson Et Cie Éditeurs, Paris, 1931.
dos cornetos inferiores e hipodesenvolvimento da 8. Veau V. Bec-de-lièvre. Masson Et Éditeurs, Paris, 1938.
Princípios de Fonoaudiologia
Aplicados aos Portadores
de Fissuras Labiopalatais

Lídia DAgostino
Liliane Pereira Machado

Até a década de 1960, a literatura internacional


INTRODUÇÃO
focava a descrição dos distúrbios fonoarticulatórios, e
Pela complexidade do quadro das fissuras labiopalatais autores como McWilliams, Bzoch e Morris destacaram-
(FLP), no qual as principais estruturas craniofaciais en se, contribuindo enormemente para a compreensão dos
volvidas nas funções vitais, como respiração, degluti mecanismos compensatórios da fala314""'. Nesse momen
ção, mastigação e fala, estão comprometidas, há sempre to, consideravam-se a disfunção velofaríngea, a perda
a necessidade de uma abordagem interdisciplinar. auditiva condutiva e os desvios dentais e oclusais de
A formação de uma equipe especializada conta terminantes dessas alterações. Contudo, a visão que se
basicamente com o cirurgião plástico, o fonoaudiólo- tinha estava ligada diretamente à fonética, decorrente
go e o cirurgião-dentista, sendo necessários acompanha de estudos comparativos com a população não-fissu-
mentos pediátrico, psicológico, genético ou otorrino- rada. Esses autores chegaram à conclusão de que os
laringológico no decorrer do tratamento. sons de fala que requeriam maior pressão intra-oral
Do ponto de vista fonoaudiologia), o acompanha seriam os mais afetados, enquanto os sons nasais e as
mento inicia-se ao nascimento, seguindos etapas do tra semivogais seriam os menos afetados e a produção dos
tamentos proposto pela equipe, com intervenções ade mecanismos compensatórios, como o golpe de glote e
quadas a cada fase do desenvolvimento da criança. a fricativa faríngea, mascarariam a avaliação da voz,
conceitos considerados até hoje.
Na década de 1960 surgiram os primeiros cursos
de graduação superior em fonoaudiologia no Brasil, e
HISTÓRICO
assim como em outros centros internacionais, a avalia
No estudo das FLP, as alterações de fala e voz são as ção da função velofaríngea era realizada utilizando-se
características mais evidentes da patologia e durante a fala conectada, baseando-se no julgamento percepti
muitos anos foram as únicas a serem valorizadas, pois vo-auditivo do avaliador. Apesar de fundamental e
o estudo c a intervenção fonoaudiológica ocorriam bastante relevante na avaliação da ressonância vocal e
somente após a palatoplastia. A fonoaudiologia não do escape nasal, o julgamento perceptivo-auditivo não
fazia parte do diagnóstico, e geralmente a criança era fornece informações quantitativas que possam orien
encaminhada em idade escolar. tar a conduta e a escolha da técnica cirúrgica mais

14
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados aos Portadores de Fissuras Labiopalatais 15

adequada ao caso. Atribuía-se ao fonoaudiólogo a res


ponsabilidade pelo sucesso do tratamento da qualida TÉCNICAS CIRÚRGICAS E
de de voz; uma visão equivocada, pois não considera CRONOLOGIA FAVORÁVEIS DO PONTO
va o fator anatomofuncional do esfíncter velofarín- DE VISTA FONOAUDIOLÓGICO
geo (EVF) como determinante da hipernasalidade e Não é nosso objetivo eleger técnicas cirúrgicas, mas abor
do escape nasal.
dar os resultados observados na nossa experiência clíni
No final da década de 1970, a visão fonológica tor ca junto aos portadores de FLP. A cronologia depende
na-se dominante em relação à visão fonética. Isso quer da filosofia e da experiência de cada equipe. Na crono
dizer que, além dos mecanismos fisiológicos de produção logia clássica, a queiloplastia é realizada em torno dos 3
de fala, passou-se a valorizar como a criança organiza os ou 4 meses, a palatoplastia anterior, aos 12 meses e a
mecanismos que produzem a fala. A Lingüística contri palatoplastia posterior, até os 18 meses de idade. A nos
buiu com autores como Jakobson e Ingram, que descre sa experiência está vinculada a essa cronologia; contu
veram modelos de aquisição de fala baseados em traços do, tivemos oportunidade de acompanhar vários casos
distintivos e regras fonológicas, enfatizando que a aquisi com uma abordagem cirúrgica precoce, sem observar
ção do sistema de sons da língua é particular a cada crian ganhos significativos do ponto de vista do desenvolvi
ça, com base em suas próprias experiências, possibilida mento da fala, da ressonância da voz e da audição. O
des de produção da fala, insights e percepção das estrutu resultado da cirurgia reparadora primária do palato de
ras da linguagem0". Passou-se a dar importância ao acom pende substancialmente de quatro variáveis: tipo de fis
panhamento da criança portadora de FLP mesmo antes sura, timing, experiência do cirurgião e tipo de técnica
do início de sua fala, ou seja, no período pré-lingüístico. cirúrgica empregada17. Acrescentamos ainda as condi
Por outro lado, o advento de novas técnicas de diag ções individuais e ambientais do paciente e a atuação
nóstico por imagem, como a videofluoroscopia e a naso- fonoaudiológica em momento oportuno.
fibroscopia, possibilitou a mensuração do fechamento As abordagens cirúrgicas que podemos considerar
do EVF, que antes era realizada de forma subjetiva. precoces e positivas são as baseadas na técnica combina
Nesse momento houve maior entrosamento en da de lábio e asa do nariz1'. Além de melhorarem a condi
tre a Fonoaudiologia e a Cirurgia Plástica na discussão ção estética, permitem a manutenção da respiração nasal,
da melhor conduta para cada caso, ou seja, priorizando- favorecendo assim o crescimento facial, o selamento la
se o tratamento, funcional ou cirúrgico, e elegendo-se a bial, a coaptação da língua no palato e o tono muscular
técnica cirúrgica mais adequada, levando a melhores orofacial. Todos estes aspectos são importantes na aquisi
resultados. Com uma nova abordagem das estruturas ção das praxias orais e na estabilidade dos resultados ci
envolvidas, principalmente da musculatura do palato rúrgicos, ortodônticos e funcionais (Figs. 3-1 e 3-2).
mole, técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas, visan-
do-se à reorientação das fibras musculares, o que pro
porcionou o fechamento cirúrgico da fenda sem gran
des descolamentos mucoperiostais, diminuindo-se as
seqüelas, como cicatrizes hipertróficas, fístulas, deis-
cências e restrição da mobilidade do véu palatal. Essa
conduta tem sido bastante favorável ao tratamento
fonoaudiológico.
Na última década, a Fonoaudiologia e a Cirurgia
Plástica buscaram novos parceiros com o objetivo de
trazer melhores resultados na redução da hipernasali
dade e do escape nasal. Apareceram as próteses de fala,
que vieram contribuir na solução de casos específicos,
como aqueles que não se beneficiavam exclusivamen
te do procedimento cirúrgico. Os procedimentos te
rapêuticos estão atualmente mais definidos, à propor
ção que evoluem as técnicas cirúrgicas primárias e se-
CUndáruiS. Não \\i ssaà& dúvidas quanto à prioridade
do tratamento, funcional ou cirúrgico, assim como à
Fig. 3-1. Fissura transíorame unilateral esquerda. Pós-operatório
necessidade desta parceria para a obtenção de bons de 1 ano, queiloplastia. Nota-se ausência de selamento labial
resultados. sugestivo de respiração bucal ou mista.
16 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 3-2. Fissura transforame unilateral esquerda. Pós-operatório Fiq. 3-3. Fissura labial cicatricial de Keith. Lãbios em repouso.
de 1 ano, queilo e rinopiastia. Técnica combinada de McComb.
Nota-se selamento labial sugestivo de respiração nasal.

Abordagens cirúrgicas que reconstroem a cinta


muscular dos orbiculares geralmente proporcionam
condições anatomofuncionais favoráveis a movimen
tos de protrusão, distensao e pressão labial, levando a
melhores resultados de fala e postura oral.
Dentre as fissuras labiais mais raras, destacamos a
fissura labial cicatricial de Keith, que geralmente traz
dúvidas quanto a uma abordagem cirúrgica. Do ponto
de vista funcional, é interessante o redirecionamento
cirúrgico das fibras musculares dos orbiculares e poste
rior intervenção fonoaudiológica (Figs. 3-3 e 3-4).
Quanto às abordagens cirúrgicas dos palatos duro
e mole, o conhecimento da anatomia e da fisiologia da
região velofaríngea é fundamental na abordagem e tra Fig. 3-4. Fissura labial cicatricial de Keith. Lábios em protrusão.
tamento das fissuras palatais. Todas as técnicas cirúrgi Note a falta de continuidade das fibras musculares do músculo
orbicular.
cas que permitam um bom desenvolvimento transver
so do palato, o alongamento do palato mole e o corre
to direcionamento da musculatura obviamente são as
que oferecem bons resultados anatomofuncionais para
o trabalho fonoaudiológico. Deve-se dar atenção espe
cial às fissuras mais amplas, para que a região da sutura
não fique sob tensão, levando ao risco de fístulas,
deiscências e restrição da mobilidade velar (Fig. 3-5).
Alguns casos apresentam resultados anatomofun
cionais restritos, apesar da eleição da técnica cirúrgica
adequada e da experiência do cirurgião. Possivelmente
isto ocorre devido às características intrínsecas do tecido
muscular ou das características individuais do paciente.
Dentre as fissuras palatais mais raras, aparecem as
fissuras submueosa"' e submueosa oculta12. Geralmen
te o diagnóstico é tardio, com base na queixa da quali Fig. 3-5. Fissura palatal corrigida cirurgicamente. Note oadequa
dade de voz. No lactente, a presença de refluxo é fre- do d.reaonamento das fibras musculares e o comprimento do
palato mole.
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados aos Portadores de Fissuras Labiopalatais 17

qüentemente atribuída a outras patologias, e a investi de adenóides favorece o fechamento velofaríngeo, por
gação não inclui suspeita de fissura. O critério básico outro acarreta uma perda auditiva condutiva, extre
para a indicação cirúrgica tem sido a qualidade da res mamente prejudicial ao desenvolvimento da fala e do
sonância vocal e suas implicações na fala. Na presença aprendizado escolar. A conduta adotada deve sempre
de hipernasalidade e escape nasal audível, há indicação priorizar o estado de saúde geral da criança. A família
cirúrgica. Caso apresente distúrbios articulatórios com deve estar informada dos eventuais riscos de hiperna
pensatórios, o mais indicado seria uma abordagem salidade pós-adenoidectomia e dos recursos cirúrgicos,
funcional anterior à cirúrgica, podendo até mesmo não protéticos e fonoaudiológicos disponíveis para reso
ser necessária a intervenção cirúrgica após o tratamen lução favorável do caso.
to fonoaudiológico, ficando a critério do fonoaudió-
logo o momento oportuno para o encaminhamento à
cirurgia plástica (Figs. 3-6 e 3-7).
CUIDADOS COM O BEBÊ PORTADOR
Alguns casos de fissura palatal não apresentam
DE FISSURA LABIOPALATAL
hipernasalidade e/ou escape nasal audível devido à
presença de hipertrofia de adenóides. Nesse momen O fonoaudiólogo, o neonatologista e o corpo de en
to, a discussão entre cirurgia plástica, otorrinolaringo fermagem do berçário onde está alojado o recém-nas
logia, pediatria e fonoaudiologia torna-se fundamen cido (RN) portador de FLP devem formar uma im
tal na conduta do caso. Se, por um lado, a hipertrofia portante parceria no que concerne à alimentação, à
orientação à família e ao encaminhamento aos servi
ços especializados. O momento no qual a família rece
be a notícia da malformação é um momento delicado
e muito difícil de ser aceito pelos pais e familiares de
vido ao desconhecimento da patologia e à frustração
pela perda de um filho idealizado. O sentimento de
rejeição existe, o vínculo mãe-filho não está formado e
dele dependem funções vitais do RN, como a amamen
tação. A mãe deve ser auxiliada na elaboração da rejei
ção e na criação de vínculos positivos com o RN, para,
assim, colaborar efetivamente com o tratamento0.
O fonoaudiólogo elabora uma anamnese conten
do informações sobre gestação, condições do nasci
mento e eventuais intercorrências no parto, anteceden
Fig. 3-6. Fissura submueosa. Note a chanfradura mediai e a zona
translúcida no palato. tes familiares e estado emocional da mãe. O RN é sub
metido a uma avaliação clínica anatomofuncional para
que sejam verificadas as condições de alimentação por
via oral. Na viabilidade de alimentação por via oral, a
postura mais adequada é a vertical, prevenindo-se o
refluxo nasal e a aspiração broncopulmonar. O ideal é
o aleitamento materno, mas, diante da dificuldade do
RN na alimentação ou da mãe em lidar com a situa
ção, adota-se a mamadeira, preferencialmente com bico
ortodôntico de látex, podendo-se, ainda, adotar ou
tros formatos de bico, no caso de dificuldades de acei
tação daquele preconizado (Figs. 3-8 e 3-9).
O uso da sonda nasogástrica ou orogástrica fica
restrito a casos especiais, como na seqüência de Pierre
Robin nos primeiros dias de vida, nas síndromes que
acometem o SNC e nas cardiopatias, evitando-se situa
ções de estresse e esforço, com conseqüente perda de
peso e risco de vida (Fig. 3-10).
Fig. 3-7. Fissura submueosa oculta. Note a depressão mediai na
região da úvula, durante a fala, em investigação nasolaringos- Nesse período, observam-se a evolução do caso, o
cópica. estado geral do RN e a segurança da mãe em alimenta-
18 Deformidades de Lábio e Palato

do ocorrem dificuldades constantes e na presença de


refluxo em jato, convém encaminhar o bebê para uma
avaliação diagnostica de outras patologias associadas.
Caso a FLP esteja associada a síndromes genéticas
ou a outras patologias, elegemos a patologia princi
pal, visando a hierarquizar os tratamentos, relegando a
FLP a um segundo plano e procurando estratégias que
proporcionem ao bebê a possibilidade de alimentação
por via oral, principalmente nas patologias que afe
tam o sistema nervoso central.
Fig. 3-8. Bicos de mamadeira ortodônticos: látex e silicone.

PROCEDIMENTOS
FONOAUDIOLÓGICOS PRÉ E
PÓS-CIRÚRGICOS
O fonoaudiólogo acompanha o neonato portador de
FLP desde o nascimento, com especial atenção à ali
mentação e à orientação familiar. O aleitamento ma
terno, quando possível, é estimulado; contudo, a com-
plementação da mamada utilizando-se mamadeira, pre
ferencialmente com bico ortodôntico e de látex, será
necessária frente às necessidades nutricionais e de ganho
Fig. 3-9. Bico ortodôntico com tamanho de furo ideal. Note o
de peso nesse período pré-cirúrgico.
gotejar do leite.
A atuação fonoaudiológica está basicamente divi
dida em três etapas:

• De 0 a 2 anos: nesse período, que compreende as


cirurgias primárias de lábio e palato, visa-se à ali
mentação e ao desenvolvimento cognitivo, da audi
ção e da linguagem, em orientações mensais à família.
• De 3 a 6 anos: nesse período, que compreende a
terapia fonoaudiológica propriamente dita, visa-se
à adequação da audição, da linguagem e da fala, em
sessões semanais.
• A partir dos 7 anos: nesse período, que corresponde
ao período escolar, visa-se ao acompanhamento do
aprendizado da leitura e escrita, ao tratamento orto
dôntico e à adequação da ressonância da voz, em ses
sões semanais, de acordo com o caso (Quadro 3-1).

Fig. 3-10. Fissura transforame associada à holoprosencefalia.


Queiloplastia
No período pós-cirúrgico imediato, a mãe é orientada
Io e em fazer a higiene intra-oral, visando-se a dar ao a suspender o uso de bicos de mamadeira e chupeta
RN alta do berçário e encaminhá-lo aos serviços espe por um período de 15 a 20 dias, substituindo-os por
cializados. colher e/ou copo. Após 30 dias de pós-operatório, o
Por meio de uma orientação adequada, a alimenta fonoaudiólogo deverá observar o resultado cirúrgico
ção por via oral é possível, e no prazo de aproximada quanto aos aspectos da cicatriz e mobilidade do lábio.
mente duas semanas o bebê já ingere o volume de leite A mãe é orientada a iniciar as massagens e os exercícios
prescrito para a idade. Na seqüência de Pierre Robin, de mobilidade na região da cicatriz, assim que a cica-
esse período é de aproximadamente dois meses. Quan trização permitir. As massagens são circulares, realiza-
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados aos Portadores de Fissuras Labiopalatais 19

Quadro 3-1. Atuação fonoaudiológica nas etapas cirúrgicas


chupeta. Écomum a manutenção da dieta líquida por
parte da família, seja por receio ou mesmo por facilita-
Queiloplastia Palatoplastia Correção da IVF ção, gerando graves problemas nutricionais e altera
ções musculares que interferem na deglutição, masti
gação e fala.
Avaliação Avaliação Avaliação A avaliação fonoaudiológica é realizada 30 dias após
pré e pós-cirúrgica pré e pós-cirúrgica pré-cirúrgica a palatoplastia, observando-se o resultado anatomofun-
cional do palato. Realizamos acompanhamento fonoau
diologia) a cada 4 ou 6 meses, caso o desenvolvimento
Terapia da linguagem esteja dentro dos padrões de normalida
fonoarticulatória
de. Se o desenvolvimento da linguagem não estiver den
tro da normalidade, o acompanhamento será mensal,
Avaliação
com atividades para estimulação da linguagem.
pós-cirúrgica Nos casos em que a palatoplastia ocorre após a
idade de aquisição da fala, a qualidade vocal e a articu
lação são reavaliadas, ficando a critério do fonoaudió
Terapia logo a conduta terapêutica a ser adotada.

INSUFICIÊNCIA VELOFARÍNGEA
A função velofaríngea alterada, com excessivo escape
nasal ou hipernasalidade, é um sinal característico dos
portadores de FLP. Em adição aos aspectos articulató-
rios e fonológicos, as alterações de ressonância da voz
são freqüentemente observadas na avaliação do falan
te portador de FLP.
A atuação do fonoaudiólogo faz-se necessária no
pré e no pós-cirúrgico.

Atuação Pré-cirúrgica
Fig. 3-11. Massagem em cicatriz labial. O fonoaudiólogo realiza uma avaliação clínica que tem
por objetivo detectar:
das no sentido da cicatriz com pressão firme e suave, • hipernasalidade, utilizando-se o teste de ressonân
utilizando-se creme hidratante. Com este procedimen cia Cul-de-sac3.
to, ameniza-se a hipertrofia da cicatriz, promovendo a
• Escape de ar nasal, utilizando-se o espelho de Glat-
mobilidade labial, que compreende protrusão, disten zel.
sao, selamento e pressão" (Fig. 3-11). • Distúrbios articulatórios, pela avaliação do sistema
fonêmico.
• Mímica nasal.
Palatoplastia
No período pós-cirúrgico imediato, os bicos de ma Na presença de distúrbios articulatórios compen
madeira e a chupeta são substituídos por colher e/ou satórios, a terapia fonoarticulatória deverá ser a condu
copo. A alimentação deve ser preferencialmente lí ta eleita, pois os distúrbios articulatórios podem ser
quida ou passada na peneira e em temperatura ambi indícios da presença de IVF, assim como mascará-la. Se
ente, por um período de 15 a 20 dias, considerando- rão considerados indícios de IVF somente na persistên
se uma cicatrização normal. Após 20 dias, a mãe deve cia do quadro após terapia fonoarticulatória adequada.
ser orientada quanto à introdução gradativa de ali A terapia fonoarticulatória corrige os distúrbios
mentos semi-sólidos e sólidos, sem misturar os sabo fonoarticulatórios compensatórios, que são os com
res, e aconselha-se o abandono da mamadeira e da ponentes secundários da IVF. A terapia fonoarticula-
20 Deformidades de Lábio e Palato

Quadro 3-2. Atuação fonoaudiológica Joint Committc on Infant Hearing1. A presença da


fenda palatal implica um mal funcionamento da tuba
Berçãrio auditiva, que não consegue equilibrar a pressão atmos
férica interna com a externa, levando ao acúmulo de
líquidos na cavidade da orelha média. Geralmente, a
i'

> 7 Anos
perda auditiva decorrente do quadro de otite média
0 a 2 Anos 3 a 6 Anos
secretora é condutiva e de grau leve. Apesar de reversí
-a -a J3- vel após a palatoplastia, nem sempre isso ocorre, le
Avaliação e Terapia Terapia
orientação familiar semanal fonoaudiológica vando a criança a permanecer com uma perda auditiva
mensal por longos períodos de tempo.
-a Carvallo et ai} avaliaram um grupo de indivíduos
Tratamento
ortodôntico portadores de FLP com idades entre 2 meses e 12 anos
J3-
Terapia de voz
c identificaram 76% deles com achados imitanciomé-
tricos sugestivos de alteração condutiva, independen
temente da correção cirúrgica do palato. A maior con
tória não corrige a IVF, sendo necessária uma aborda seqüência da perda de informações acústicas num pe
gem cirúrgica. ríodo importante do desenvolvimento da linguagem
De acordo com os sinais clínicos descritos, detec é o atraso ou distúrbio de fala e linguagem, além do
ta-se a presença da IVF, sendo necessária uma avaliação prejuízo na maturação das vias auditivas, o que acarreta
do padrão de fechamento velofaríngeo18 e do grau da uma desordem do processamento auditivo. Estudos
IVF, utilizando-se uma avaliação objetiva, como a na- realizados com crianças nos três primeiros anos de vida
sofibroscopia ou a videofluoroscopia. Essa avaliação sugerem que a otite média e as perdas auditivas flutuan
determinará a técnica cirúrgica mais adequada ao caso. tes podem afetar o desenvolvimento da linguagem7 e,
Desde que Hynes8, em 1950, introduziu o concei possivelmente, o bom desenvolvimento fonológico1".
to de faringoplastia "funcional", que visava à recons André et ai.1 avaliaram 19 indivíduos portadores
trução de um EVF dinâmico, os profissionais envolvi de fissura palatal cirurgicamente corrigidos, com idades
dos com o tratamento dos portadores de FLP desenvol entre 5 e 20 anos e sem acompanhamento fonoaudio-
veram técnicas mais adequadas e, com o advento dos lógico. Realizaram avaliação audiológica básica e do
exames objetivos, chegaram a técnicas mais assertivas. processamneto auditivo das tarefas de localização nas
O entrosamento entre o otorrinolaringologista, cinco direções, memória seqüencial verbal e não-ver-
o fonoaudiólogo e o cirurgião plástico é muito im bal e reconhecimento de sentenças na presença de
portante no planejamento do tratamento e na eleição mensagem competitiva ipso e contralateral (testes PSI/
da técnica mais adequada a cada caso. Quando estas SSI). Quanto à avaliação da audição periférica, 78,94%
normas não são respeitadas, os resultados são frustran dos indivíduos apresentaram alterações condutivas.
tes para o paciente e para os profissionais envolvidos Quanto à avaliação do processamento auditivo, 73,68%
no processo terapêutico.
apresentaram alteração em uma ou mais das habilida
des auditivas envolvidas.
Atuação Pós-cirúrgica A criança portadora de fissura palatal pode apre
sentar dificuldades de linguagem e de aprendizado
O fonoaudiólogo avalia o paciente aproximadamente
relacionadas com a perda auditiva condutiva e com o
45 dias após a correção cirúrgica, quando o edema já
transtorno do processamento auditivo, uma vez que
cedeu, e retorna à terapia fonoarticulatória, se necessá
a sua capacidade cognitiva geralmente está dentro da
rio (Quadro 3-2).
normalidade.

OTITES DE REPETIÇÃO E SUAS


CONSEQÜÊNCIAS SEQÜELAS CIRÚRGICAS QUE
A criança portadora de fissura palatal, associada ou COMPROMETEM A FALA
não à fissura labial, é considerada de risco para o de O fonoaudiólogo algumas vezes se depara com seqüe
senvolvimento de perdas auditivas, de acordo com o las, tanto de partes moles quanto de partes ósseas, que
Princípios deFonoaudiologia Aplicados aos Portadores deFissuras Labiopalatais 21

inviabilizam um bom resultado funcional. Muitas des A técnica cirúrgica eleita e a habilidade do cirur
sas seqüelas são passíveis de correção cirúrgica, pro gião ao empregá-la são de importância crucial para o
porcionando meios favoráveis à terapia fonoarticula estabelecimento da função velofaríngea. Caso ocorram
tória. seqüelas, como as cicatrizes hipertróficas ou o mau
direcionamento das fibras musculares, a atuação do
fonoaudiólogo ficará restrita à correção do padrão de
Lábi o s
articulação dos sons da fala, com grande limitação na
A presença de cicatrizes hipertróficas, a perda de subs adequação do equilíbrio da ressonância da voz.
tância e a falta de continuidade do músculo orbicu
lar oral prejudicam a função dos lábios, principal
mente de selamento, necessária na produção dos sons Seqüelas de Partes Ósseas
plosivos.
Nesses casos, a atuação do fonoaudiólogo no pe Nas seqüelas de partes ósseas, o volume do esqueleto
ósseo é menor que o normal, determinando uma de
ríodo pré-cirúrgico limita-se à avaliação da condição
funcional e, eventualmente, a exercícios na região da formidade ântero-posterior. Esse tipo de deformidade
cicatriz hipertrófica. confere uma cavidade nasal menor, decorrente da hi
poplasia do terço médio da face, interferindo direta
No pós-cirúrgico, a avaliação deverá ser realizada
mente no desenvolvimento do diâmetro transverso do
30 dias após a intervenção, seguindo-se o mesmo pro
palato e, conseqüentemente, na conformação das arca
cedimento do período pós-queiloplastia primária.
das dentárias, levando à alteração dos pontos de arti
culação dos sons de fala linguoalveolares e da postura
Palato Anterior oral.
Muito se discute sobre os efeitos negativos das
As fistulas localizadas no palato duro devem ser avalia cirurgias primárias no crescimento do terço médio da
das em conjunto com o ortodontista. face. As seqüelas cirúrgicas que levam a deformidades
Suas conseqüências limitam-se ao retorno de ali nasais, como as alterações no crescimento do septo
mentação pela cavidade nasal, sendo imprescindível cartilaginoso, a columela curta, a horizontalização e o
manter a higiene da região. Não apresentam grande estreitamento da narina fissurada, causam obstrução
influência na ressonância da voz, podendo, contudo, nasal e alteração no padrão da respiração. A respiração
acentuar o escape nasal, tornando-o audível. bucal deverá serconsiderada importante fator agravante
das alterações de crescimento do terço médio da face
em indivíduos portadores de FLP. A presença da respi
Palato Posterior
ração bucal interfere desfavoravelmente no crescimen
As fistulas são avaliadas quanto a localização, diâme to facial. Dessa forma, o cirurgião deverá estar atento
tro e suas conseqüências na alimentação e na ressonân à amplitude das seqüelas nasais, visando a uma abor
cia da voz. Na presença de fistulas menores que 5mm, dagem precoce, preferencialmente primária, da asa do
consideradas assintomáticas, observa-se apenas o esca nariz, permitindo assim que um padrão de respiração
pe de líquidos, sem conseqüências na ressonância da nasal possa ser instalado e mantido.
voz. A conduta cirúrgica deve ser bem avaliada quan Na abordagem cirúrgica tardia das deformidades
do a fístula estiver no palato mole, uma vez que novas do terço médio da face, devem ser considerados os
cicatrizes podem comprometer a mobilidade do véu efeitos do avanço da maxila na função velofaríngea,
palatino. fazendo-se necessária uma avaliação criteriosa das reais
Na presença de fistulas maiores que 5mm, consi condições de se manter a função inalterada, utilizan
deradas sintomáticas, observa-se tanto o escape de lí do-se os recursos da nasofibroscopia ou videofluoros
quidos e alimentos como o escape nasal audível du copia na orientação do planejamento cirúrgico.
rante a produção de fala, considerando-se a função O paciente portador de FLP nos proporciona uma
velofaríngea. vivência rica, tanto do ponto de vista técnico-científi
Diagnosticando-se uma insuficiência velofaríngea co como humano. Cabe a cada membro da equipe
(IVF), o ideal seria que a correção da fístula e da IVF conhecer profundamente os recursos terapêuticos da
ocorresse num único tempo cirúrgico, evitando-se, as sua área e ter noção das possibilidades de atuação dos
sim, duas hospitalizações e o estresse do paciente e demais membros, propiciando-se, assim, uma melhor
dos familiares. qualidade de vida ao indivíduo.
22 Deformidades de Lábio e Palato

9. Ingram D. Fronting in child phonology. / Child Lang 1974a;


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7:49-64.

1. American Academy of Pediatrics: Joint Committee on Infant 10. Ingram D. Phonological rules in young children. / Child Lang
Hearing-Position statement. Audiology Today 1994;6:6-9. 1974b;7:233-41.
2. André M, Machado LP, Carvalho RMM. Implicações da otite 11. Jakobson R (ed.). Fonema e Fonologia. Rio de Janeiro: Livraria
média secretora no processamento auditivo de indivíduos Acadêmica, 1972.
portadores de fissuras labiopalatinas. In: IICongresso Brasileiro 12. Kaplan EN. The occult submucous. ClefiPalateJ 1975;72:356-68.
de Cirurgia Craniomaxilofacial. São Paulo:Anais, 1996.
13. McComb H. Treatment of the unilateral cleft lip nose. Plast
3. Bzoch KR. Articulation proficiency and error patterns of Reconstr Surg 1975;55:596.
preschool clefpalate and normal children. Cleft PalateJ1965;
14. McWillians BJ. Articulation problems of a group of cleft palate
2:340-9.
adults. J Speech Hear Res 1958;7:68-74.
4. Calman JS. Submucous cleft palate. BritJ Plast Surg 1954;6:
264.
15. Morris HL. Communication skills of children with cleft lips
and palates. J Speech Hear Res 1962;5:79-90.
5. Carvalho RMM, Machado LP, André M, Figueiredo ES. Achados
imitanciométricos em pacientes portadores de fissuras labiopala 16. Morris HL. Etiological bases for speech problems. In: Spri-
tinas. In:11-Reunião daSociedade Brás Otologia. BeloHorizonte: estersbach DC, Sherman D (eds.). Clefi Palate and Commu
Anais, 1995.
nication. New York: Academic Press, 1968: 119-68.

6. D'Agostino L, Machado LP, Lima R. Fissuras labiopalatinas e 17. Rovich R, ByrdS. Optimal timing of cleft palate closure:speech,
insuficiência velofaríngea. In: Lopes Filho O (ed.). Tratado de facial growth and hearing consideration. Clin PlastSurg1990;
Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 1997: 829-60. 77:1.

7. Freil-Patti S, Finitzo-Hieber T, Coint G, Brown KC. Language 18. Skolnick ML, Mccall GN, BarnesM. The sphincteric mechanism
delay in infant associated with middle ear disease and mild of velopharyngeal closure. Clefi Palate J 1973;7ft286-305.
flutuating hearing impairment. Pediatr Infect Dis 1982;7:104-9. 19. Taden EP, Novak MA, Beiter AL. Predictors of phonological
8. Hynes W. Pharyngoplasty by muscle transplantion. BrJ Plast inadequacy in young children prone to otitis media. / Speech
Surg 1950;5:128-35. Hear Dis 1987;52:32-242.
Distúrbios da Comunicação
em Portadores de
Fissuras Labiopalatais:
Aspectos Foniátricos

Alfredo Tabith Júnior

INTRODUÇÃO comunicação verbal, de grande complexidade e de ex


trema variabilidade. Estão relacionadas, em primeiro
Foniatria é a especialidade médica que atua no campo plano, com as alterações morfológicas e funcionais dos
dos distúrbios da linguagem. Um de seus objetivos é órgãos envolvidos na produção dos sons da fala. Por
colaborar para o entendimento abrangente de situa influencia desse defeito anatômico e de outras causas
ções clínicas nas quais estão presentes distúrbios da ainda pouco conhecidas, está o fissurado sujeito à ocor
linguagem. Estas incluem os distúrbios psíquicos; as rência de otites médias prolongadas ou de repetição,
alterações do sistema nervoso central que podem mani as quais são de difícil tratamento. Essas otites têm in
festar-se por meio de sintomatologia ampla ou restrita, fluência no desenvolvimento da linguagem, principal
esta última fundamentalmente através da linguagem; mente na aquisição do sistema fonológico, porque a
as patologias centrais e periféricas do sistema auditi perda auditiva que acarretam interfere na percepção
vo; e as patologias do sistema fonatório, que incluem dos traços distintivos dos fonemas.
as malformações craniofaciais. Participa, com ações mé A presença de outros comprometimentos associa
dicas, na elaboração de programas terapêutico-educa- dos à fissura, principalmente em casos sindrômicos,
cionais, os quais devem estar em acordo com a com pode ser responsável por dificuldades adicionais àque
preensão inteira de cada caso las decorrentes da deformidade. Em muitos casos são
Neste fazer estabelecem relações com a otorrino mais importantes que a própria malformação facial e
laringologia, a neurologia e a psiquiatria especialida responsáveis por um prognóstico reservado. Aqui se
des que trabalham com situações patológicas que têm incluem as síndromes que se acompanham de com
repercussões sobre a linguagem. Por outro lado, faz prometimento intelectual significativo ou distúrbios
interfaces com outras disciplinas que se dedicam ao comportamentais importantes.
estudo teórico da linguagem ou que atuam clinicamen O nascimento de uma criança com deformidade
te na área da linguagem. Entre estas estão a lingüística, pode gerar alterações na estrutura familiar que modifi
a fonoaudiologia e a psicologia. cam profundamente as relações entre seus membros e
As fissuras labiopalatais têm despertado o interes com a criança. O choque inicial, a rejeição, a não-acei-
se dessas disciplinas, inclusive da foniatria, porque es tação são freqüentemente responsáveis pela falta de
tão freqüentemente "acompanhadas de alterações na trocas afetivas já ao nascimento e terão uma influên-

23
24 Deformidades de Lábio e Palato

cia negativa no desenvolvimento da criança. É impor do estão presentes desde a segunda metade da gesta
tante considerar, também, a importância da estética ção, já que o feto apresenta uma maturação funcional
facial para o desenvolvimento e a adaptação social do precoce da face, como preparação para algumas fun
indivíduo58. Estas considerações introdutórias revelam ções vitais13.
a complicada rede de fatores que permeiam o desen A importância do desenvolvimento craniofacial
volvimento de uma criança portadora de fissura labio para as funções vitais de respiração, sucção e degluti
palatal. Por isso, é necessária uma equipe interdiscipli- ção, bem como para o desenvolvimento da fala, funda
nar de profissionais para melhor atendê-las, para criar menta a necessidade do atendimento precoce da crian
condições que condicionem um desenvolvimento nor ça fissurada. Desde o nascimento, por meio de orienta
mal ou o mais próximo possível do normal e para ções seguras e constantes à família, vamos viabilizar o
evitar que as marcas de sentimentos de rejeição e de desenvolvimento de háL* ^>s, principalmente alimenta-
diferenças possam formar-se em suas personalidades. res, capazes de minimizar os efeitos deletérios da mus
Um objetivo real para a maioria das crianças nascidas culatura sobre o crescimento craniofacial. Dificuldades
com fissuras labiopalatais deve ser a obtenção de fala e alimentares mais acentuadas são encontradas em fissu
uso da linguagem normais no momento em que esti ras bilaterais completas, acompanhadas de grande ante-
verem no período escolar32. riorização da pré-maxila ou em fissuras muito amplas.
A cirurgia corretiva é um outro fator que pode
trazer como conseqüência importante comprometi
NATUREZA DAS FISSURAS mento do crescimento facial. Após a cirurgia,ao restabe
lecer a continuidade anatômica tecidual, observam-se
LABIOPALATAIS
tendência ao colapso mediai da maxila, inibição do
As fissuras labiopalatais são deformidades congênitas crescimento ântero-posterior e encurtamento vertical
incluídas no grupo das displasias. Há um erro na fu do terço médio da face. Por outro lado, o trauma ci
são dos processos embrionários faciais decorrente de rúrgico da matriz osteogênica e o desenvolvimento
alteração na velocidade de migração dorsoventral das de tecido cicatricial retrátil interferem no desenvolvi
células da crista neural. Essas células, ao encontrarem mento ântero-posterior e látero-lateral da arcada alveo-
o envoltório ectodérmico distendido pela intensa pro lar. As primeiras intervenções cirúrgicas para corrigir
liferação mesodérmica, provocam a lise desse envoltó fissuras do lábio e do palato trouxeram conseqüências
rio e o extravasamento mesodérmico promove a fu graves para os pacientes. Com o desenvolvimento de
são dos processos. técnicas mais adequadas e instrumental cirúrgico mais
Quando as células neuroectodérmicas de uma elaborado, foi possível reduzir o trauma sobre as es
determinada área de fusão migram com atraso e en truturas operadas e minimizar os efeitos sobre o cres
contram o envoltório ectodérmico não-distendido, cimento facial. Por outro lado, o fechamento precoce
pela fusão em outras áreas, perdem a função lítica, a do véu traz resultados melhores para o desenvolvimen
fusão não ocorre, e a conseqüência é uma fissura na to da fala, porque dá à criançaa oportunidade de iniciar
quela área. Nesta linha de pensamento, acredita-se que suas práticas articulatórias com as estruturas faciais
a embriopatogenia da anomalia de Robin envolve uma corrigidas. Considerando-se esses dois aspectos, crono
migração anormal da crista neural romboencefálica, e logias cirúrgicas precoces têm sido utilizadas para a
por isso a micrognatia e os distúrbios funcionais da correção de fissuras labiopalatais com resultados ani
deglutição são fatos proeminentes nessa condição36. madores quanto ao desenvolvimento da fala e da lin
Este processo de formação das fissuras permite a ela guagem e sem grande interferência na morfologia cra
boração de algumas conclusões importantes. Nele, não niofacial7,44"46.
há perdas celulares, alterações enzimáticas com com
prometimento de matrizes formadoras de osso ou de
estruturas formadoras de tecido. Têm as estruturas fa
ciais do fissurado potenciais de crescimento normais.
DISTÚRBIOS AUDITIVOS
As deformidades, tão importantes nessa condição, re Os distúrbios da função auditiva constituem um dos
sultam, primeiramente, da descontinuidade das estru aspectos mais importantes no estudo das alterações da
turas faciais e, secundariamente, da ação, sobre elas, de comunicação em portadores de fissuras labiopalatais.
uma musculatura que, apesar de descontínua, tem con- Têm uma freqüência significativa, oferecem algumas
tratilidade normal. Essas duas condições que promo dificuldades para o tratamento e podem ter influência
vem alterações no crescimento craniofacial no fissura sobre o desenvolvimento da linguagem. A patologia
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 25

mais freqüente é a otite média, inflamação da mem Perdas auditivas do tipo condutivo são típicas
brana mucosa da tuba auditiva e orelha média, acom dessa condição, com gap entre os limiares de condu
panhada ou não de efusão da orelha média. A otite ção aérea e óssea, de graus variáveis. São decorrentes
média com efusão está universalmente presente em de alterações na condução sonora através dos ossícu-
crianças portadoras de fissuras palatais antes dos 4 me los da orelha média.
ses de idade e esta incidência é pouco reduzida com a Muitas alterações otológicas e da audição são des
cirurgia do palato18. A tuba auditiva e a orelha média critas em indivíduos portadores de fissuras labiopala
formam-se embriologicamente a partir da primeira tais15. Existem opiniões controvertidas entre os auto
bolsa branquial. A tuba auditiva tem três funções bási res sobre melhoras da audição e da função tubária após
cas: (1) ventilação da orelha média e conseqüente equi- a correção cirúrgica do palato. Estudo da função tubá
libração de sua pressão com a pressão atmosférica; (2) ria de crianças portadoras de fissuras palatais mostra
proteção da orelha média contra agentes patogênicos, uma melhora da função passiva da tuba após a palato
variações de pressão e sons provenientes da faringe; (3) plastia, enquanto a função ativa que mede a dilatação
eliminação de fluidos e substâncias estranhas, pela ação tubária induzida pela atividade muscular foi pouco
do sistema mucociliar. As alterações musculares, hipo modificada com a cirurgia19. Melhora de função tubá
plasia e menor contratilidade, na vigência de fissura ria é relatada após a correção cirúrgica do palato56. Afir
palatal, principalmente do músculo tensor do véu pa ma-se, também, que a prevalência de otite média com
latino, não promovem a abertura da tuba auditiva. efusão é pouco influenciada pela cirurgia18. Cuidados
Nessas condições, não há ventilação adequada da ore intensivos cada vez mais elaborados, dispensados às cri
lha média, a qual estará submetida a uma pressão nega anças com fissuras labiopalatais desde o nascimento, po
tiva constante, em face da absorção dos gases nela con dem ter contribuído para a redução da prevalência de
tidos. Por mecanismo compensatório, poderá ocorrer doenças do ouvido médio nessa população25.
uma passagem de líquidos do espaço intracapilar para As dificuldades encontradas para o tratamento das
o extracapilar, provocando acúmulo de líquido na ca alterações do ouvido médio em portadores de fissuras
vidade timpânica. labiopalatais sugerem que, além das alterações morfo-
A universalidade da otite média em crianças com funcionais da tuba auditiva e do defeito da válvula
fissura palatal pode ser devida às anormalidades mor- velofaríngea, outros fatores predisponentes para otite
fofuncionais da tuba auditiva e à inadequação da vál média devem ser considerados. São abordados, entre
vula velofaríngea, com alterações nas relações aerodi estes, fatores congênitos e hereditários, presença de
nâmicas e hidrodinâmicas na parte nasal da faringe e bactérias na parte nasal da faringe, grupo sangüíneo e
porções proximais da tuba auditiva39. Alterações his- marcadores genéticos de imunoglobulinas, prematuri-
tológicas que indicam desenvolvimento inadequado dade, idade em que ocorre o primeiro episódio de oti
da tuba auditiva em fetos com fissura palatal são acha te média, freqüência de outras infecções do trato res
dos que podem contribuir para a alta incidência de piratório, fatores sociais, tempo de amamentação e
otites em crianças com fissura palatal35. tabagismo passivo43.
O exame do orifício faríngeo da tuba, por meio Perdas auditivas sensorioneurais, embora sejam
do exame endoscópico, em 300 pacientes com fissura menos freqüentes do que as perdas auditivas conduti-
palatal, mostrou o orifício deslocado em direção pós- vas, podem ser encontradas em pessoas com malfor
tero-inferior e, além disso, a alça do músculo levanta- mações craniofaciais. Em geral, são congênitas e não-
dor do véu palatino preenchia o orifício tubário, o progressivas, decorrentes de alterações estruturais da
qual era ocluído pelo levantador nas atividades de de orelha interna, gânglio espiral e estria vascular ou oita
glutição e de fala21. vo par craniano64. Perdas auditivas progressivas são
Do ponto de vista da otoscopia, são encontrados eventuais, e perdas auditivas mistas, ou seja, associação
graus variáveis de retração da membrana timpânica, de componente condutivo e componente sensorioneu-
aumento da vascularização, alterações de mobilidade ral, podem ser encontradas, como ocorre na síndrome
e, eventualmente, uma coloração amarelada indicativa de Treacher Collins.
da presença de secreção. Timpanosclerose e perfura
ções timpânicas são menos freqüentes. Há uma redu
ção considerável da complacência da membrana, pres
sões negativas em graus variáveis na cavidade timpâni DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM
ca e ausência de pico indicativo de pressão, quando há Os problemas do desenvolvimento da linguagem têm
secreção na orelha média. recebido menos atenção dos pesquisadores do que os
26 Deformidades de Lábio e Palato

distúrbios relacionados à voz e à articulação. Um dos As perdas auditivas condutivas, principalmente


primeiros estudos nessa área foi realizado por meio quando são prolongadas ou de repetição, têm impor
da comparação do vocabulário, da extensão de frases tância no desenvolvimento global da criança. Quando
e da complexidade estrutural da linguagem de crianças associadas a outros fatores, orgânicos e funcionais,
entre 3,5 e 8,5 anos de idade, portadoras de fissuras labio os quais freqüentemente estão presentes nas crianças
palatais, com crianças normais da mesma faixa etária. portadoras de deformidade craniofacial, podem in
Esse estudo revelou diferenças significativas em exten fluenciar negativamente o desenvolvimento social,
são frasal e vocabulário expressivo57. Estudo semelhan cognitivo e da linguagem. Por último, precisamos con
te, estendendo a faixa etária para 2 a 15,5 anos de idade, siderar a possibilidade da associação de outros com
revelou que as crianças acima de 8 anos de idade porta prometimentos associados à fissura labiopalatais, prin
doras de fissuras palatais tinham uma produção estatis cipalmente variações na integridade neural e atrasos
ticamente menos adequada do que as normais em ex no desenvolvimento intelectual, como fatores capa
tensão de frases, complexidade estrutural, variedade de zes de interferir na aquisição da linguagem. As carac
vocábulos utilizados e habilidade articulatória37. terísticas da comunicação encontradas na síndrome
Estudo interessante, apesar de utilizar uma amos de Smith-Fineman-Myers sugerem que o significati
tra limitada, foi realizado por meio da análise trans- vo atraso de linguagem deve ser considerado um dos
formacional da produção de linguagem de três crian aspectos característicos da síndrome26.
ças com fissura labiopalatal e de três crianças normais,
na faixa etária de 4 a 6 anos. São descritas como imatu
ras as produções das crianças portadoras de fissuras27.
Atrasos no desenvolvimento da linguagem têm DISTÚRBIOS NA PRODUÇÃO DOS
sido encontrados em crianças portadoras de fissuras SONS DA FALA
labiopalatais, e estes atrasos tendem a melhorar com a Distúrbios na produção dos sons da fala constituem a
idade, especialmente em crianças que não apresentam mais freqüente e mais chamativa das alterações encon
sinais sindrômicos64. Existem também indicativos de tradas na comunicação verbal de sujeitos portadores
que muitas das dificuldades de produção da fala nes de anomalias craniofaciais. São menos incidentes nas
sas crianças não são puramente de origem fonética, crianças não-sindrômicas e nas crianças submetidas a
mas envolvem um componente fonológico20. Sugere- cuidados precoces, cirurgia corretiva em tempo e com
se, assim, que há uma falha na habilidade de organizar técnicas adequadas. É o distúrbio de fala mais comu-
e representar as unidades sonoras e o sistema de lin
mente visto em pessoas com fissuras de palato61. To
guagem64. Estudo em pré-escolares, com e sem fissuras
davia, afirma-se que 80% das crianças nascidas com
labiopalatais, permitiu concluir que existe um atraso
fissura palatal não-sindrômicas e submetidas à cirur
inicial no desenvolvimento fonológico nas crianças
gia corretiva aos 18 meses de idade desenvolvem uma
com fissuras14. Atraso na linguagem expressiva, com
fala livre de distúrbios articulatórios compensatórios,
linguagem receptiva essencialmente normal, é encon
trado em crianças com fissuras labiopalatais, havendo sem qualquer intervenção terapêutica23. Este não é o
uma tendência a melhorar com a idade11. resultado observado nos centros que atuam com cri
Um aspecto importante na origem do atraso no anças portadoras de anomalias craniofaciais em nosso
meio.
desenvolvimento da linguagem é a pobre estimulação
que ocorre em função das reações dos pais. Sentimen Os distúrbios para a produção dos sons da fala
tos de culpa e de rejeição podem gerar uma dificulda podem ter diferentes origens. Distúrbios articulató
de na interação mãe-criança e, conseqüentemente, preju rios de desenvolvimento, que podem estar presentes
dicar os desenvolvimentos emocional e da linguagem. em crianças com fissuras labiopalatais, são aqueles que
As hospitalizações e cirurgias freqüentes, as dificulda também acometem crianças sem qualquer anomalia.
des alimentares, a deformidade facial e a falta de con São denominados distúrbios fonológicos, nos quais
tatos sociais por atitude dos pais podem privar a criança não há somente uma simples inabilidade motora pe
de experiências psicossociais que são importantes para riférica, mas ocorre porque o falante apresenta uma
a construção da linguagem. Relato das reações dos pais falta de conhecimento do sistema sonoro da língua e
de crianças nascidas com malformações e considera das regras que o organizam. São observadas, nesse caso,
ções sobre a importância da orientação dos profissio produções sonoras próprias de crianças de menos
nais para a obtenção de um bom desenvolvimento idade. Redução de encontros consonantais é um
foram descritos na literatura47. exemplo típico dessa alteração. Algumas crianças com
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 27

anomalias faciais apresentam maior risco de atrasos Fricativa Velar


no desenvolvimento da fala e da linguagem. Entre
estas estão as portadoras da síndrome velocardiofaci- Neste caso, a aproximação da base da língua deencontro
al, que apresentam, em geral, atraso no desenvolvimen ao véu palatino é o ponto articulatório utilizado para
to cognitivo, e portadoras da síndrome de Treacher- obter a fricção característica dos sons fricativos /s/, /z/,
Collins, que apresentam perdas auditivas de graus mo /s/e/i/.
derado e severo24,49.
Distúrbios articulatórios compensatórios são tí
Fricativa Nasal Posterior
picos dos malformados craniofaciais e não são encon
trados em crianças normais. Nesse caso ocorre uma Neste caso, o véu palatino e a úvula aproximam-se da
manobra articulatória atípica, envolvendo a glote e a parede posterior da faringe. A base da língua pode es
faringe, para compensar a falta de pressão intra-oral na tar elevada para auxiliar o fechamento velofaríngeo. A
emissão de plosivas e fricativas, na presença de uma fricativa nasal posterior é utilizada em substituição aos
disfunção velofaríngea. Nessas produções há uma subs sons orais de pressão - plosivos, fricativos e africados.
tituição do ponto articulatório dos fonemas orais e
de pressão por pontos articulatórios mais posteriores
no trato vocal. Podem estar acompanhados de resso Fricativa Laríngea
nância hipernasal, emissão nasal de ar e fraca pressão Utilizada em substituição à fricativa /s/, caracteriza-se
na emissão de consoantes orais. Muitas vezes, o ponto por um ponto de articulação situado na laringe, em
de articulação normal está preservado, casos em que um estreito espaço entre a epiglote e as aritenóides29
há uma co-articulação, e não uma substituição de fo Distúrbios articulatórios obrigatórios, que também
nema. Os distúrbios articulatórios compensatórios fo podem estar presentes em indivíduos com fissuras la
ram estudados e descritos por vários autores23,61,62 e biopalatais, são aqueles diretamente relacionados às al
serão discutidos a seguir. terações anatômicas dos articuladores e podem ser
autocorrigidos com a resolução do defeito. Compre
endem a emissão nasal ou fraca pressão intra-oral, de
Golpe de Glote
correntes de insuficiência velofaríngea ou fistulas e
A pressão necessária para a obtenção de plosão carac distorções articulatórias na vigência de más oclusões.
terística dos sons plosivos é gerada na glote. O golpe
de glote é utilizado para substituir os fonemas plosi
vos /p/ /b/, /t/, /d/, /k/, /g/ e, com menos freqüência, DISTÚRBIOS DA VOZ
para substituir sons fricativos e africados. Pode ser
utilizado em co-articulação. Os diferentes graus de comunicação entre a parte oral
e a parte nasal da faringe que podem estar ainda pre
sentes após a palatoplastia primária geram importan
Plosiva Faríngea tes modificações na fisiologia da produção da voz. A
conseqüência direta dessa comunicação é a ocorrência
A pressão necessária para a obtenção da plosão carac
da hipernasalidade. Nessa alteração do timbre vocal,
terística dos sons plosivos velares é obtida pelo conta
os sons orais ficam nasalizados e os sons nasais têm
to da base da língua com a parede posterior da farin
sua nasalidade aumentada. Nem sempre há uma cor
ge. Nesse caso, o ponto articulatório está situado en
respondência exata entre as alterações morfofuncio-
tre a articulação correta e o golpe de glote.
nais do palato e a intensidade do comprometimento
da voz, pois ocorrem acomodações e compensações
Fricativa Faríngea que nem sempre são previsíveis. Outras alterações vo
cais não-relacionadas à hipernasalidade podem também
A fricativa faríngea é utilizada para substituir, na maioria ser encontradas. A introdução da parte nasal da farin
das vezes, consoantes fricativas e africadas. A articulação ge na produção da voz tem algumas conseqüências. O
é realizada pela aproximação da base da língua à parede tubo fonatório torna-se mais longo do que o normal,
posterior da faringe. A passagem de ar nesse ponto de o qual produz freqüências de ressonância relativamen
constrição resulta em uma fricção que caracteriza o modo te mais graves. Por outro lado, há a introdução das
dearticulação dos fonemas /f/, /v/, /s/, /z/, /s/ e/z/. Pode anti-ressonâncias nasais no espectro sonoro, além de
ocorrer em co-articulação. significativa absorção de energia do sinal acústico na
28 Deformidades de Lábio c Palato

cavidade nasal, especialmente nas freqüências agudas, indivíduos com fissuras palatais do que na população
as quais terão registro mais débil . de crianças sem defeitos craniofaciais9-10.
A unidade funcional do mecanismo fonatório
pode estar comprometida quando há uma disfunção
velofaríngea. A redução do loudness e as modificações DISFUNÇÃO VELOFARÍNGEA
do pitch, decorrentes dos mecanismos já descritos e
também do enfraquecimento da energia sonora fona A função velofaríngea normal realiza a separação en
tória que se divide entre as cavidades oral e nasal, po tre as partes oral e nasal da faringe por meio da ação
dem provocar o desenvolvimento de mecanismos com de um complexo neuromuscular bastante elaborado.
pensatórios, alterando toda a dinâmica fonatória. Uma Assegura o funcionamento adequado dos processos
conseqüência importante é a alteração cinética glotal, de deglutição, fala, canto, sopro, respiração e aeração
responsável por alterações estruturais das pregas vo do ouvido médio. Disfunção velofaríngea, que signifi
cais, entre as quais estão as laringites crônicas, os ede ca a não-separação entre a cavidade oral e a parte nasal
mas e nódulos das pregas vocais. E de fundamental da faringe, está sempre presente em crianças nascidas
importância considerar ainda a freqüente presença de com fissuras labiopalatais e pode persistir após a pala
distúrbios articulatórios compensatórios, principal toplastia primária. Essa disfunção caracteriza-se poruma
mente o golpe de glote, o qual se produz por um fe diversidade de sintomas, e na área da fala são encon
chamento abrupto e forte das pregas vocais para subs tradas alterações articulatórias, redução da pressão in
tituir sons plosivos, e alterações estruturais das pregas tra-oral, alterações nos fluxos aéreos oral e nasal e res
vocais podem surgir nessa circunstância. sonância hipernasal. Para que se possa fazer uma indi
Crianças portadoras de fissuras palatais e rouqui cação adequada de terapia de fala, tratamento cirúrgi
dão crônica têm grande probabilidade de apresentar co ou protético, em casos de disfunção velofaríngea é
patologias das pregas vocais, principalmente nódulos, essencial a aquisição de conhecimentos da morfofisio-
e esta associação leva à suspeição da presença de defici logia normal do mecanismo velofaríngeo e dos padrões
ência funcional do esfíncter velofaríngeo. Por outro normais e anormais do fechamento velofaríngeo40.
lado, a alteração do loudness pode ser um mecanismo O fechamento velofaríngeo para a fala se faz pelo
compensatório para mascarar a nasalidade, com a uti movimento craniodorsal do palato mole e por movi
lização de uma voz fraca e aspirada. Alterações da voz mentos de medialização e anteriorização, respectiva
por malformações da laringe podem ser encontradas mente, das paredes laterais e posterior da faringe. Al
em casos de fissuras labiopalatais associadas a outras guns músculos têm a função específica de movimen
anomalias em quadros sindrômicos59 (Fig. 4-1). tar o palato mole —músculo levantador do véu palati
É fundamental relatar que alguns autores não têm no, músculo palatoglosso, músculo tensor do véu pa
encontrado uma porcentagem de disfonias maior em latino, músculo palatofaríngeo (feixe paratireóideo) e

Fig. 4-1. Alterações laríngeas na disostose acrofacial (síndrome de Richieri-Costa Pereira). Ausência de epiglote, espessamento das
pregas ariepiglóticas que se medializam durante a fonação. (De Tabith JrA, Bento-Gonçalves MCG.)
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 29

músculo da úvula. Outros são responsáveis pelos mo • Circular com prega de Passavant — há movimento
vimentos das paredes da faringe —músculo constritor igual ao do palato mole e das paredes laterais da
superior da faringe, músculo palatofaríngeo (feixe faringe e formação da prega de Passavant. Padrão
horizontal) e músculo salpingofaríngeo. Vários tipos de fechamento esfineteriano. Encontra-se em 19%
de fechamento velofaríngeo foram descritos, e a inci dos normais e 24% dos patológicos.
dência dos diferentes tipos cm indivíduos normais e
patológicos foi estudada16,35 (Fig. 4-2). A tonsila faríngea desempenha importante papel
no fechamento velofaríngeo durante a infância. Da
• Coronal —há um movimento do véu palatino em dos sugestivos de uma relação direta entre a persistên
direção à parede posterior imóvel da faringe. As cia de ressonância hipernasal após a palatoplastia e o
paredes laterais da faringe fazem um movimento de tamanho relativo da tonsila faríngea foram encontra
medialização e aproximam-se das margens laterais dos em crianças com fissuras palatais22. Exame das
do véu. Encontra-se em 55% dos indivíduos nor condições do véu palatino deve ser realizado quando
mais e 45% dos patológicos (Fig. 4-3).
• Sagital —há medialização das paredes laterais que se
tocam na linha média. O véu posterioriza-se e apro
xima-se das paredes laterais medializadas. Encontra-
se em 16% dos normais e 11% dos patológicos.
• Circular —há movimento igual ao do véu palatino
e das paredes laterais da faringe. Encontra-se em 10%
dos normais e 20% dos patológicos (Fig. 4-4).

Fig. 4-3. Fechamento transverso.

Fig. 4-2. Tipos de fechamento velofaríngeo coronal (A),sagital (B),


circular (C), circular com prega de Passavant (D). Fig. 4-4. Fechamento circular.
30 Deformidades de Lábio e Palato

há indicação de ressecção cirúrgica da tonsila faríngea. rar as dificuldades alimentares por problemas respira
A disfunção velofaríngea pode também ocorrer na au tórios que são vistos na seqüência de Pierre-Robin, a
sência de fissuras do palato, associada a alterações neu- qual é caracterizada por micrognatia, fissura do palato
romusculares, congênitas ou adquiridas, e a restrições em forma de U e obstrução respiratória por glossop-
dos movimentos de suas estruturas pela presença de tose. Muitas dessas crianças, nas quais a dificuldade
tumores ou hipertrofia das tonsilas palatinas ou por respiratória não se resolve com cuidados clínicos e
anormalidades funcionais60. sonda nasofaríngea, necessitam de atendimento cirúr
gico através da glossopexia ou traqueostomia.
A presença de alterações neurológicas também
pode interferir de maneira crucial na alimentação da
PROBLEMAS ASSOCIADOS criança. Esses casos incluem a hipotonia da muscula
A obtenção de uma estrutura oral adequada é crucial tura envolvida na alimentação, como ocorre na sín
para a produção dos sons da fala. A presença de fissu drome velocardiofacial, ou outros casos sindrômicos
ras do lábio, alvéolo e palato pode provocar diferen nos quais as atividades reflexas alimentares estão mui
tes graus de deformidades, especialmente do andar to atenuadas ou mesmo ausentes. Na vigência de difi
médio da face, pela ação da musculatura facial sobre culdades respiratórias e de complicações neurológicas,
essas estruturas descontínuas. Por outro lado, após o muitas vezes é preciso recorrer ao uso de sonda naso
tratamento cirúrgico, os pacientes podem apresentar ou orogástrica ou à instalação de gastrostomia.
algumas anormalidades estruturais, que incluem a pre
sença de fistulas palatais ou alveolares, atresia maxilar,
dentes mal posicionados, desproporção maxiloman- AVALIAÇÃO
dibular e insuficiência velofaríngea. Essas alterações
Crianças nascidas com deformidades craniofaciais apre
estruturais trazem dificuldades significativas para a
sentam dificuldades em várias áreas do desenvolvimen
articulação dos sons da fala e, em conseqüência, geram to e necessitam de uma equipe de profissionais para
distúrbios articulatórios. Freqüentemente, para adap que recebam avaliação adequada e melhor atendimen
tar a produção da fala nesse ambiente oral inadequa to. Os primeiros cuidados com a criança devem ser
do, articulações compensatórias são desenvolvidas. tomados logo após o nascimento, ainda em berçário,
Estas duas condições podem provocar uma fala com para uma avaliação inicial do tipo e extensão da mal
significativo prejuízo de inteligibilidade. formação craniofacial, indícios de outros comprome
Dificuldades de alimentação estão freqüentemen timentos, estado geral e habilidades para a alimenta
te presentes em crianças portadoras de fissuras labio ção. A família deve receber orientações cuidadosas so
palatais ou palatais isoladas. As fissuras de lábio, em bre o que é a fissura, suas causas, cronologia cirúrgica e
geral, não trazem dificuldades significativas, uma vez prognóstico. Com esses cuidados podem melhor ela
que o vedamento anterior em torno do mamilo ou do borar a crise gerada pelo advento do filho com pro
bico da mamadeira pode ser realizado pela ponta da blemas, durante a qual diversos sentimentos vivencia-
língua e pelo rebordo alveolar. Todavia, a fissura do dos podem intervir e prejudicar as relações familiares
palato não possibilita um vedamento posterior, impe e o investimento na criança. Devem receber orienta
dindo a criação de pressão negativa nessa região, difi ções sobre as dificuldades alimentares trazidas pela fis
cultando a extração do leite do seio ou da mamadeira. sura e como enfrentá-las, através de técnicas corretas e
Por outro lado, na fissura do palato posterior não há escolha de utensílios mais adequados para as condi
uma separação entre a via nasal respiratória e a via oral ções da criança1,54. Com essa atenção, na qual o pedia
digestiva. Estes fatos, associados a dificuldades de co tra e o fonoaudiólogo são fundamentais, a alimenta
ordenação entre respiração e alimentação, provocam ção pode ser realizada de maneira tranqüila, sem trau
aumento significativo do tempo de alimentação, re- mas para a mãe e para a criança, e terá um curso que
fluxo nasal de alimento, redução da ingesta, influên deverá ser o mais próximo possível dos estágios ali
cia no estado nutricional da criança e redução de peso mentares da criança nascida sem problemas.
corporal. Na primeira visita ao centro para atendimento de
Problemas adicionais para a alimentação podem indivíduos com malformações craniofaciais, a criança
ser encontrados quando existem dificuldades respira precisa da atenção do cirurgião plástico para a defini
tórias provocadas por estreitamento ou anomalias das ção dos procedimentos cirúrgicos para correção da
vias respiratórias. Neste particular, é preciso conside malformação. Em conjunto devem intervir o foniatra
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 31

e o fonoaudiólogo, para abordar aspectos relaciona ção delas, a compliance da membrana timpânica per
dos com o desenvolvimento da linguagem, disfunção mite obter informações sobre o funcionamento da
velofaríngea e produção dos sons da fala e, finalmen orelha média. Os dados do reflexo estapediano po
te, o ortodontista, para a abordagem do crescimento dem servir para a predição dos limiares e para o diag
craniofacial e oclusão. No decorrer do atendimento, nóstico topográfico, quando há comprometimento
outros especialistas da medicina e odontologia, psicó auditivo. Em crianças maiores, podem ser utilizados
logos, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeu- testes formais para a determinação dos limiares audi
tas, enfermeiras, entre outros, são necessários para o tivos. A criança deve ter acompanhamento otorrino
atendimento ideal desses pacientes. laringológico constante, também, para prevenção e
Os profissionais que têm a responsabilidade do tratamento de afecções das vias respiratórias, as quais
atendimento do indivíduo portador de deformidade não são incomuns nessa população e trazem conse
craniofacial devem estabelecer trocas constantes sobre qüências importantes para a alimentação e o desen
os achados de suas avaliações e o desenvolvimento da volvimento geral da criança.
criança. Todos os profissionais terão igual autoridade, A avaliação das habilidades de comunicação deve
cada qual em sua área de atuação, para negociar o que ser objeto de investigação cuidadosa. Em crianças
é melhor para o desenvolvimento do paciente. Nessa muito pequenas, a observação da interação mãe-bebê
equipe interdisciplinar há uma interação profissional pode fornecer alguns dados sobre o comportamento
cooperativa. Pode ocorrer outra forma de interação comunicativo dessa díade. Nesse momento pode ha
profissional que transcende a interdisciplinaridade, na ver uma intervenção do profissional, no sentido de
qual cada profissional deve conhecer aspectos da ou ajudar a família a criar naturalmente, por meio de ori
tra especialidade para que ocorra uma relação verda entação, um ambiente apropriado para a aquisição da
deiramente cooperativa de troca de conhecimentos50. fala e da linguagem. A partir do momento em que a
Nessa relação transdisciplinar é desejável que o cirurgião criança inicia a emissão verbal, esta servirá de base para
conheça o quanto possível sobre a fala e que o fonia- a avaliação do desenvolvimento da fala e da lingua
tra e o fonoaudiólogo conheçam o que pode o cirur gem, confrontando os dados obtidos com o que é es
gião plástico realizar para melhorar a fala. Nessas con perado para crianças não-comprometidas e da mesma
dições, podem decidir em interação verdadeiramente faixa etária. A habilidade para a produção dos sons da
cooperativa sobre os procedimentos mais indicados a fala e a presença de distúrbios articulatórios merecem
cada paciente. a atenção do profissional. O inventário preciso das
A audição sensorial e o desenvolvimento da fun alterações articulatórias tem importância crucial para
ção auditiva são fundamentais para a aquisição da fala a elaboração do plano terapêutico. Devem ser registra
e da linguagem. Como vimos anteriormente, as crian dos os distúrbios articulatórios de desenvolvimento,
ças nascidas com deformidades craniofaciais estão em os compensatórios e os obrigatórios, para que sejam
situação de risco para comprometimentos da função abordados por métodos e técnicas adequadas e pos
auditiva. Perdas auditivas condutivas por disfunção sam ser eliminados.
tubária e otite média são as mais freqüentemente en A avaliação da voz é fundamental não só no senti
contradas. Comprometimento sensorioneural também do de anotar a presença de hipernasalidade e quantifi
pode estar presente, principalmente em quadros sin- cá-la, mas também para surpreender outros compro
drômicos. Exame otorrinolaringológico e avaliação da metimentos vocais, que se manifestam por meio de
audição são cuidados a serem tomados muito cedo na alterações do loudness e do pitch da voz.
vida dessas crianças. Existem condições para a avalia A avaliação das condições morfológicas e funcio
ção da audição de crianças muito pequenas, por meio nais das estruturas do sistema fonatório oferece ao
de dados comportamentais obtidos junto à família e profissional os dados necessários para decisões impor
com a avaliação do comportamento auditivo. Em ca tantes sobre prioridades terapêuticas. Alterações mui
sos mais difíceis, e quando a avaliação clínica deixa to acentuadas dessas estruturas, até mesmo após a cor
dúvidas, testes objetivos e que prescidem da colabora reção cirúrgica, podem inviabilizar a possibilidade de
ção da criança podem ser utilizados, entre os quais es melhores produções de fala com o uso de procedi
tão o registro dos potenciais evocados do tronco cere mentos terapêuticos fonoaudiológicos. Esses casos fre
bral e as emissões otoacústicas. qüentemente necessitam de tratamento cirúrgico ou
A imitanciometria é uma avaliação fundamental ortodôntico prévio ou concomitante.
nessas crianças. Pressões e variações de pressão são in É importante considerar que a criança não deve
troduzidas no conduto auditivo externo e, em fun ser avaliada somente quanto aos aspectos específicos
32 Deformidades de Lábio e Palato

dos distúrbios da audição, da voz e da linguagem. participação da tonsila faríngea, localização e quanti
Concomitantemente, é preciso investigar as condições dade dos movimentos das paredes laterais da faringe,
físicas, o desenvolvimento físico e neuropsicomotor, os quais são importantes para estabelecer o plano tera
o comportamento social, as habilidades neuropsicoló- pêutico. Estas razões justificam a utilização dos exa
gicas, os sentimentos presentes na família e as condi mes instrumentalizados.
ções do ambiente em que vive a criança. Estes dados
servirão de base para os encaminhamentos que se fize
rem necessários. EXAMES INSTRUMENTALIZADOS

O exame instrumental da função velofaríngea pode


ser realizado por intermédio de procedimentos dire
Avaliação da Função Velofaríngea tos e indiretos. Nos prii. "iros, obtém-se uma visão
Alteração da função velofaríngea está sempre presente direta do esfíncter velofaríngeo por exame endoscópi-
em crianças nascidas com fissuras palatais e pode per co ou por imagens. Nos indiretos, a função é avaliada
sistir após a palatoplastia primária. A presença de dis por meio de algum tipo de artefato ou produto dela
função velofaríngea é constatada essencialmente pelo resultante, e entre eles estão as avaliações da ressonân
exame clínico. A percepção acústica de hipernasalidade cia (nasometria), do fluxo de ar (fluxo aéreo, rinoma-
é o indicativo mais importante. Testes de nasalidade nometria ou manometria) e exames da função muscu
muito simples podem ser utilizados para confirmá-la lar (eletromiografia). No Quadro 4-1 estão descritas as
e quantificá-la. Podemos observar o embaçamento de diferentes técnicas de avaliação da função velofarín
um espelho colocado sob as aberturas narinárias, pelo gea.
escape nasal de ar, durante a emissão de vários sons da
fala e no sopro. No teste de oclusão nasal, ou cul de
NASOFARINGOSCOPIA
sac, observamos mudanças sonoras provocadas por
oclusÕes súbitas do nariz, enquanto o indivíduo emi Instrumento rígido, de visão lateral, foi utilizado pela
te prolongadamente as vogais /i/, /u/ e /a/. Um este- primeira vez em 1969, para o estudo das alterações do
toscópio sem campânula colocado na narina permite esfíncter velofaríngeo42. Posteriormente, instrumentos
auscultar o escape nasal durante a emissão de sons fri flexíveis de visão lateral e terminal foram utilizados
cativos e sopro. Podem estar presentes distúrbios arti com a mesma finalidade34,51. Nessa técnica, obtém-se
culatórios compensatórios. uma visualização do fechamento velofaríngeo com o
Para a abordagem terapêutica da disfunção velo uso de um endoscópio flexível introduzido pelo na
faríngea é fundamental que se tenha uma exata defini riz, sem interferir na produção da fala.
ção de sua extensão e de suas características. O exame O exame é realizado após anestesia tópica da
por via oral, realizado somente durante a emissão da mucosa nasal com solução aquosa de neotutocaína
vogai /a/ não oferece dados suficientes. Não permite a 2%, associada ou não a vasoconstritor. O instru
observar a movimentação do véu e das paredes da fa mento é introduzido pela fossa nasal mais livre, pre
ringe na emissão dos diferentes sons da fala e, conse ferencialmente pelo meato médio. Após ultrapassa
qüentemente, definir os tipos de fechamento. Não das as coanas, o endoscópio é alocado em boa posi
oferece dados sobre a localização e o grau da disfunção, ção para análise da região velofaríngea em repouso

Quadro 4-1. Técnicas de avaliação da função velofaríngea

Diretos
nVisualização da faringe e Nasofaringoscopia
I funçãovelofaríngea Videofluoroscopia

Fluxo aéreo nasal


Medidas instrumentais Fluxo aéreo oral
Nasalância
Indiretos
Avaliação qualitativa ou quantitativa de
produtos da função velofaríngea Hipernasalidade
Avaliação comportamental Testes de nasalidade
Dist. art. comp.
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 33

e durante a emissão de sons da fala, observando-se vá


rios aspectos:

• Face nasal do palato —na porção mediai há uma


saliência que aumenta durante a produção da fala,
provocada pela massa do músculo da úvula. A au
sência dessa elevação indica falta ou hipoplasia do
músculo da úvula encontradas na fissura submueo
sa oculta.
• Tonsilas —presença de tonsila faríngea e sua partici
pação no fechamento do esfíncter e hipertrofia das
tonsilas palatinas, que pode provocar falha de fe
chamento do esfíncter.
• Exame da abertura faríngea da tuba auditiva.
• Paredes laterais da faringe em repouso e seus movi
mentos na fala, os quais podem ser localizados e Fig. 4-5. Posições para o estudo da função velofaríngea (videofluo
quantificados. roscopia).
• Parede posterior da faringe e seu movimento de
anteriorização com formação da prega de Passavant.
• Definição do tipo de fechamento. pela espessura reduzida durante a fala e (4) análise
• Na vigência de falha de fechamento, observação da dos movimentos da língua durante articulação dos
localização e da extensão da mesma. sons da fala e posições compensatórias associadas a
• Pós-faringoplastia, que permite verificar a eficácia falhas de fechamento.
do retalho de faringe —nível e largura do retalho, • Posição frontal —estudo dos movimentos de media
permeabilidade dos orifícios laterais e seu fechamen lização das paredes laterais da faringe essenciais para
to durante a fala. decisões sobre posição e largura do retalho, quando
• Observação de indícios de anormalidades vascula há indicação de confecção cirúrgica de retalho de
res que significam risco cirúrgico na confecção de faringe.
retalho de faringe, como é o caso da ectopia da ca • Posição basal —para visão axial do fechamento que
rótida, que pode ser encontrada na síndrome velo- pode servisto por inteiro. Difícil de ser realizada, pode
cardiofacial33. ser dispensada quando se tem disponível o exame
endoscópico.
• Posição oblíqua —esta incidência mostra a relação
VIDEOFLUOROSCOPIA entre a parede lateral da faringe e a borda do palato
Esta técnica radiológica dinâmica é atualmente utili do mesmo lado. Tem sido sugerida para o estudo
zada porque permite o monitoramento das imagens de fechamentos velofaríngeos assimétricos3.
durante o decorrer do exame, tem nitidez suficiente
para uma boa avaliação e provoca menor exposição
TÉCNICAS INDIRETAS
do paciente à radiação. Pode ser realizada em qualquer INSTRUMENTALIZADAS
unidade fluoroscópica equipada com sistema de tele
visão e utiliza o sulfato de bário para contrastar os Procedimentos aerodinâmicos utilizam o estudo da
tecidos moles da faringe e do palato. O esfíncter velofa dinâmica do ar durante o ato da fala ou a análise do
ríngeo pode ser estudado em vários ângulos, na depen sinal acústico da fala. Por meio dessas avaliações é pos
dência do direcionamento do feixe de raios X (Fig. 4-5). sível inferir sobre a adequada separação das cavidades
oral e nasal durante o ato da fala. Equipamentos po
• Posição lateral —estudo do palato em repouso e dem ser utilizados para a medida dos fluxos aéreos
seu movimento durante a fala. Permite levantar sus oral e nasal e para análise do sinal acústico da fala e,
peitas de: (1) inserção anômala dos levantadores do nesta última, a nasalância é calculada pela proporção
véu palatino, no caso de um joelho muito anterio- entre as energias acústicas captadas por microfones
rizado; (2) paresias, paralisias ou fatores restritivos à colocados na boca e no nariz do paciente.
movimentação, quando houver alteração na eleva Com uma avaliação clínica cuidadosa e com o uso
ção velar; (3) anormalidade do músculo da úvula dos exames instrumentalizados, principalmente dire-
34 Deformidades de Lábio e Palato

tos, podemos realizar um diagnóstico preciso da dis cia a necessidade de uma equipe interdisciplinar para
função velofaríngea para que procedimentos terapêu o atendimento.
ticos possam ser selecionados. A presença de nasalida A decisão terapêutica para a correção de disfunções
de não-intensa no exame clínico, fechamento margi velofaríngeas que persistem após a cirurgia primária
nal, falha de fechamento assistemático ou seletivo para deve ser tomada com base em um conjunto de da
alguns fonemas indica uma falha de fechamento sem dos obtidos pelo exame clínico, associado ao exa
comprometimento estrutural, a qual denominamos me direto da disfunção realizado com técnicas en-
incompetência velofaríngea. A presença de nasalidade doscópica e radiográfica.
significativa, falha de fechamento consistente em to
das as emissões, presença de fissura ou fistulas, fissura
submueosa clássica ou oculta, inserção anteriorizada ATENDIMENTO AOS DISTÚRBIOS DA
dos elevadores ou de outras condições orgânicas indi VOZ, FALA E LINGUAGEM
ca uma falha de fechamento por comprometimento
estrutural, a qual denominamos insuficiência velofa Devemos assegurar um bom desenvolvimento da lin
ríngea. Decisões terapêuticas só podem ser tomadas guagem, fomentando a criação de um lar com muita
após a definição do tipo de anormalidade da fala que estimulação, por meio de apoio e aconselhamento
está presente por meio da avaliação comportamental e constantes aos pais e à família. Se os pais estão consci
da visão direta da falha de fechamento com o uso da entes das potencialidades da criança, dos resultados
endoscopia e da fluoroscopia52. O estudo das disfun- estéticos que podem ser obtidos com tempos cirúrgi
ções velofaríngeas de grau leve e da dinâmica das alte cos adequados e atendimento de outros profissionais,
rações articulatórias pode ser adequadamente realiza do papel que têm no processo de desenvolvimento da
do com o uso simultâneo da nasofaringoscopia e da criança, estarão mais preparados para as dificuldades
videofluoroscopia29. que terão de enfrentar, em conjunto com os profissio
nais, e poderão realizar um investimento significativo
no filho. Irão desenvolver naturalmente, com a crian
ça, uma relação desprovida de qualquer função peda
FUNDAMENTOS TERAPÊUTICOS EM
gógica e pautada por uma relação de interlocução, nas
MALFORMAÇÕES CRANIOFACIAIS diversas atividades da vida diária, na qual há uma mo
• O tratamento deve ser abrangente e atender a todas tivação para o desenvolvimento da linguagem.
as áreas da comunicação verbal comprometidas e, Crianças que apresentam atrasos no início e no
portanto, deve estar fundamentado em uma exten desenvolvimento da linguagem devem ser avaliadas pe
sa avaliação clínica. los profissionais da equipe. É importante surpreender,
• O atendimento aos pais e à família é um dos proce o mais cedo possível, a existência de fatores de risco
dimentos básicos para o tratamento das crianças para o desenvolvimento da linguagem, associados à
nascidas com malformações craniofaciais. O apoio malformação, entre os quais estão o comprometimen
e a orientação dos pais podem garantir atitudes que to morfofuncional do sistema auditivo, os distúrbios
favorecem o desenvolvimento global da criança. psíquicos, os comprometimentos do sistema nervoso
• Muitos procedimentos que estão sendo utilizados central, que podem manifestar-se por sintomatologia
antes das correções cirúrgicas, como é o caso das abrangente, como é o caso das encefalopatias crônicas,
orientações sobre a alimentação do bebê e os meios ou por sintomatologia restrita à comunicação verbal,
de estimulação no lar, são importantes para a aqui como é o caso de situações incluídas no rótulo distúr
sição e desenvolvimento da linguagem. bio específico do desenvolvimento da fala e da lingua
• O resultado terapêutico no que diz respeito à co gem. Procedimentos terapêuticos comuns a essas situ
municação verbal está na dependência de vários fato ações devem ser adotados o mais cedo possível.
res, entre os quais: atendimento precoce à criança e à Um aspecto importante do atendimento precoce
família, procedimentos cirúrgicos com técnicas e desses pacientes é a prevenção do desenvolvimento de
tempo adequados, cuidados com crescimento cra distúrbios articulatórios compensatórios e sua correção
niofacial através da ortodontia, cuidados gerais de assim que se fizerem presentes. A abordagem terapêu
saúde e com o bem-estar socioemocional. tica deve ser realizada com programas de orientação
• A multiplicidade e a heterogeneidade dos compro familiar, intervenção e acompanhamento. Os pais po
metimentos que acometem a criança nascida com dem ser treinados para ouvir as articulações compen
malformação craniofacial trazem como conseqüên satórias e para utilizar ações que podem evitá-las e
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátricos 35

modificá-las. No atendimento dos distúrbios articula dimento das alterações vocais em pacientes portado
tórios compensatórios, temos que buscar a aquisição res de disfunções velofaríngeas são descritas na litera
do ponto correto de articulação das oclusivas orais, tura6.
com eliminação do golpe de glote, e o ponto correto
de articulação das fricativas e sibilantes, com elimina
ção das fricativas faríngea e laríngea. Éimportante, para
ATENDIMENTO DOS DISTÚRBIOS
a criança e para a família, conhecer a produção da fala
DA AUDIÇÃO
normal e das articulações compensatórias. Atividades
de estimulação sensoriomotora oral, propostas para o Cuidados preventivos relacionados aos riscos de ocor
tratamento de distúrbios articulatórios que ocorrem rência de problemas auditivos em crianças nascidas com
em crianças sem anormalidades craniofaciais, podem malformações craniofaciais são fundamentais. As orien
ser também aplicadas a esses pacientes. tações básicas sobre a alimentação, os acompanhamen
Algumas técnicas podem ser utilizadas para a eli tos pediátrico e otorrinolaringológico e as cirurgias
minação das interrupções do fluxo aéreo em locais em tempos adequados são fundamentais para a pro
inadequados, possibilitando a obtenção de posturas moção da saúde geral e das vias respiratórias, impor
articulatórias corretas. Entre estas estão: treinamento tantes para o funcionamento da tuba auditiva e aera-
articulatório de múltiplos sons, terapia articulatória ção do ouvido médio, prevenindo, assim, a ocorrência
de fluxo aéreo bucal e terapia articulatória sussurra- de otites prolongadas ou de repetição.
da2,12-30. Muitas pistas facilitadoras, fonéticas, auditi Processos patológicos do ouvido médio devem
vas, visuais táteis e verbais podem ser utilizadas, isola receber tratamento adequado, com uso de antibióti
damente ou em conjunto, para provocar a produção cos, antiflogísticos e medidas que combatem o com
dos sons, e sua efetividade varia para cada paciente. prometimento das fossas nasais e parte nasal da farin
Na maioria das vezes, a hipernasalidade, sintoma ge. Alguns casos mais rebeldes ao tratamento clínico
central da disfunção velofaríngea, necessita de tratamen podem necessitar de intervenção cirúrgica. A remoção
to cirúrgico. Todavia, pode melhorar com o tratamento da tonsila faríngea e a instalação de microtubos de
clínico fonoaudiológico e com redução da intensida ventilação do ouvido médio são procedimentos que
de da falha de fechamento, a qual irá exigir um trata precisam ser utilizados em muitos casos. Casos mais
mento cirúrgico com menos obstrução. Várias técni severos de perfuração e destruição da membrana tim
cas propostas no passado para melhorar a hipernasali pânica, que não são regra, requerem tratamento mais
dade, entre as quais as massagens palatais, o sopro, o agressivo por meio das várias técnicas de timpanoplas-
reflexo de vômito, a deglutição e a sucção, não têm tia. A indicação da remoção da tonsila faríngea deve
efetividade terapêutica. O uso de emissão prolongada ser avaliada e discutida pela equipe de profissionais,
de fricativas e sibilantes tem sido proposto como me tendo em conta o papel que ela desempenha no desen
dida facilitadora no tratamento fonoaudiológico des volvimento da fala em crianças portadoras de fissuras
palatais22.
ses pacientes53. Melhora ou modificação do fechamen
to velofaríngeo e, conseqüentemente, da hipernasali
dade pode ser obtida com o uso da nasofaringoscopia
durante a terapia. A visualização dos movimentos das TRATAMENTO CIRÚRGICO DA
estruturas velofaríngeas, em tempo real, possibilita essa DISFUNÇÃO VELOFARÍNGEA
melhora. Outras técnicas instrumentais de retroalimen-
A disfunção velofaríngea persistente após palatoplas
tação podem ser utilizadas como facilitadoras nas te tia primária, na dependência de sua extensão e caracte
rapias que visam a melhorar a hipernasalidade, como é rísticas, necessita de correção por cirurgia. Nesse caso
o caso do uso do nasômetro17.
estão as disfunções acompanhadas de hipernasalidade
Alterações da voz não diretamente relacionadas mais acentuada e decorrentes de alterações estruturais
com a malformação e que se manifestam principal do esfíncter velofaríngeo.
mente por meio de alterações do loudness e do pitch Os distúrbios articulatórios compensatórios de
devem fazer parte do planejamento terapêutico. De vem ser tratados clinicamente, antes da indicação do
vem ser atendidas por programas de terapia vocal ade procedimento cirúrgico. Na vigência de distúrbios ar
quadamente equacionados para cada caso e procedi ticulatórios compensatórios, principalmente golpe de
mentos de saúde vocal obtidos com uma constante glote, encontramos disfunções velofaríngeas de grau
orientação à família. Técnicas adequadas para o aten severo. A eliminação das alterações articulatórias é fre-
36 Deformidades de Lábio e Palato

qüentemente acompanhada de melhora dos movimen terais da faringe, para que o cirurgião possa tomar
tos das estruturas da região velofaríngea, e cirurgias decisões sobre a largura e o posicionamento do re
com necessidade de menor obstrução podem ser reali talho.
zadas.
O diagnóstico adequado da falha de fechamento Em função da possibilidade de complicações, prin
só pode ser obtido com o uso das técnicas diretas de cipalmente respiratórias, com o uso do retalho de fa
avaliação da função velofaríngea. A nasofaringoscopia ringe, outras técnicas cirúrgicas de retalho têm sido pro
e as técnicas por imagens, aliadas aos resultados do postas para a correção da insuficiência velofaríngea4,38.
exame comportamental, permitem dimensionar com Podemos encontrar casos em que a hipernasalida
precisão a falha de fechamento. A radiografia simples de é decorrente de uma hipertrofia das tonsilas palati
e a videofluoroscopia em lateral podem quantificá-la. nas. Em geral, há uma hipernasalidade leve ou inter
Quando a videofluoroscopia é utilizada, é preciso que mitente, acompanhada de dificuldades respiratórias,
se faça uma correção da distância obtida na tela do problemas de deglutição e projeção anterior da língua
monitor, através de uma fórmula, para que se possa na articulação dos sons da fala. O exame endoscópico
ter a medida real da falha de fechamento63. Também é e a videofluoroscopia são fundamentais para a indica
fundamental a definição da presença, extensão e altu ção de tonsilectomia. Hipernasalidade e alterações ar
ra dos movimentos das paredes laterais da faringe, para ticulatórias, caracterizadas pela presença de plosiva
os casos aos quais estiver indicado o tratamento cirúr dorsomediopalatal e fricativas palatais ou faríngeas, são
gico por meio da confecção de retalho de faringe. encontradas na presença de fistulas do palato, e o tra
Várias técnicas cirúrgicas podem ser utilizadas para tamento preconizado é a correção cirúrgica da fístula,
promover uma obstrução da falha de fechamento, seguida de terapia fonoaudiológica, para a eliminação
obter uma correção da disfunção velofaríngea e corre das articulações incorretas.
ção da hipernasalidade. A decisão por uma dessas téc
nicas é feita com base na observação da extensão e
mobilidade do palato mole, posição de inserção dos PRÓTESES
músculos levantadores, extensão da falha de fechamen
As próteses mais comumente utilizadas são as eleva-
to e movimentos das paredes laterais da faringe48.
doras e o bulbo de fala. Nas primeiras, a porção poste
• Avanço da parede posterior da faringe —Indicado rior tem o objetivo de elevar o palato na direção da
em casos caracterizados por um palato longo e com parede posterior da faringe, em casos de alterações di
boa mobilidade, músculos levantadores bem posi nâmicas. No bulbo de fala, a extensão posterior termi
cionados e falhas de fechamento pequenas, pode ser na em forma de bola ou estrutura elíptica, a qual deve
realizado com a inclusão de substâncias inertes na ser adaptada para preencher a falha de fechamento, ou
parede posterior ou faringoplastia do tipo Hynes28. para estimular a movimentação das estruturas da re
• Retroposicionamento do palato —Técnicas cirúrgi gião velofaríngea. Indivíduos portadores de paralisias
cas que levam o véu palatino para uma posição pos do véu palatino, de causas diversas, podem alcançar
terior podem ser utilizadas quando há um palato significativas melhoras na fala com o uso de próteses
de média extensão e com boa mobilidade, inserção elevadoras41.
normal dos levantadores e falha de fechamento com
extensão intermediária (até 15mm).
• Mobilização dos músculos levantadores - Os casos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
que mostram uma inserção anteriorizada dos levan
1. Altmann EBC, Vaz ACN, Paula MBS de, Khoury RBF. Trata
tadores, decorrente da não-correção da inserção da mento precoce. In: Altmann EBC (org.). Fissuras Labiopalati
musculatura na palatoplastia primária, podem ser nas. Carapicuíba (SP): Pro-Fono, 1992:281-312.
corrigidos pela mobilização dos elevadores ou fa 2. Altmann EBC. Tratamento fonoaudiológico. In:Altmann EBC
ringoplastia intravelar8,31. (org.). Fissuras labiopalatinas. Carapicuíba (SP): Pro-Fono;
• Retalhos de faringe —A confecção de um retalho 1992:349-84.

miomucoso da parede posterior da faringe e que 3. Argamaso RV, Levandowski GT, Golding-Kushner KJ, Schprint-
zen RJ. Treatment of asymmetric velopharyngeal insufficiency
será unido ao véu palatino é utilizada nas falhas de with skewed pharyngeal flap. Cleft Palate Crânio FacJ 1994;31:
fechamento mais extensas. É importante definir, por 287-94.
meio da nasofaringoscopia e videofluoroscopia, a 4. Bardach J. Secondary surgery for velopharyngoal insufficiency.
posição e extensão dos movimentos das paredes la In: Schprintzen RJ, Bardach J. Cleft Palate Speech Manage-
Distúrbios da Comunicação em Portadores de Fissuras Labiopalatais: Aspectos Foniátr 37

ment: A Multidisciplinary Approach. St. Louis: Mosby 1995- RJ, Bardach J (eds.). Cleft Palate Speech Management. St. Louis:
277-94.
Mosby, 1995:327-51.
5. Behlau MS, Pomes PAL Desordens vocais no paciente com 24. Gorlin RJ, Toricllo HV, Cohen MH. FlereditaryHearingLossand
inadequação velofaríngea. In: Altmann EBC (org.). Fissuras Its Syndromes. New York: Oxford University Press, 1995:62-5.
Labiopalatinas. Carapicuíba (SP): Pro-Fono, 1994:401-16.
25. Gould HJ. Hearing loss and cleft palate: the perspective oftime.
6. Behlau MS, Gonçalves MJR. Terapia para as desordens vocais Clefi Palate J 1990;27:36-9.
propriamente ditas. In: Altmann EBC (org.). Fissuras Labiopa
latinas. Carapicuíba (SP): Pro-Fono, 1992:401-8. 26. Guion-AImeida ML, Tabith Jr A, Kokitsu-Nakata NW, Zechi
RM. Smith-Fineman-Myers Syndromc in apparently mono-
7. Bertcn JL, Swennen G, Dempf R, De Mcy A, Malevez C. Eva- zygotic twins. Am J Mcd Genet 1998;79:205-8.
luation ofmidfacial growth in UCLP patients treated with dife
rem surgical procedures. [abstracts]. / Cranio-Maxillo Fac Surg 27. Horn L. Language developmcnt ofthecleft palate child. JSAfr
Speech I-lear Assoc 1972;19:17-29.
2000; 2ff(Suppl 1): 7-8. [Presented ofthe cleft 2000 meeting of
the International Cleft Lip Palate Foundation). 28. Hynes W. Pharingoplasty by muscle transplatation. BritJPlast
Surg 1950;5:128-35.
8. Braithwaite F, Maurice DG. The importante oi" levator palati
muscle in cleft palate closure. BrJ Plast Surg 1968;21:60-2. 29. Kawano M, Isshiki N, Honjo 1 ei aí. Rccent progress in trea-
9. Bressmann T, Sader R. Awan SN, Zeilhofer HF, Morich HH. ting patients with clefi palate. Folia Phoniatr Logop 1997;
49:117-38.
Voice disorders in patients with cleft lip and palate: results from
two studers [abstract). J Cranio-Maxillofacial Surg 2000; 28 30. Kawano M, Isshiki N, Hagio F, Tanoguchi F, Yamadi M. Basic
(Suppl 1): 12. [Presenteei ofthe cleft 2000 meeting ofthe Inter guideline for reabilitation of patients with cleft palate. Phono-
nacional Cleft Lip Palate Foundation]. log Stud 1982;16:26-36.
10. Brooks A,Shelton Jr RL Incidence of voice disorders others than 31. Kriens OB. Fundamental anatomic ííndings for an intravclar
nasality in cleft palate children. Cleft Palate Buli 1963;/5:634. veloplasty. Cleft Palate J 1970;7:27-36.
11. Bzoch KR. Clinicai asscssmcnt, evaluation and management 32. Kuehn DP, Moller KT The statc ofthe art: speech and language
of 11 catcgorical aspects of cleft palate speech disorders. In: issue in the cleft palate population. Cleft Palate CraniofacialJ
Bzoch KR (ed.). Communicative Disorders Related to Cleft Lip 2000;57:348.
and Palate. 4 ed., Austin: Pro-Ed, 1997:261-311. 33. Mackenzie-Stepner K, Witzel MA, Stringer DA et ai. Abnor-
12. Bzoch KR. Rationale, methods and techniques of cleft palate mal carotid arteries in the velo-cardio-facial syndrome: a report
speech thcrapy. In: Bzoch KR. Communicative Disorders Rela of three cases. Plast Reconstr Surg 1987;50:347-51.
tai to Cleft Lipand Palate. 4 ed., Austin: Pro-Ed, 1997:441-64. 34. Matsuya T, Miysaki T, Yanaoka M. Fiberscopic examination of
13. CardimVLN. Crescimento craniofacial. In: Altmann EBC(org.). velopharyngeal closure in normal individuais. Cleft Palate J
Fissuras Labiopalatinas. Carapicuíba (SP): Pro-Fono, 1992:31-8. 1974;//:286-91.

14. Chapman KL. Phonologic processes in children with cleft pala 35. Maue-Dickson DW, Dickson D. Rood S. Anatomy of the
te. Cleft Palate-Craniofacial J 1993;50:64-72. custachian tubcand related estruetures in age matched human
fetuses with and without cleft palate. Transactions ofthe Ame
15. Costa Filho OA, Piazentin SMA. Aspectos otológicos. In: Alt
rican Academy of Ophtalmology and Otolaryngology 1976;
mann EBC (org.). Fissuras Labiopalatinas. Carapicuíba (SP): Pro- 52:159-63.
Fono, 1994:481-96.
36. Montoya P, Montoya F, Delestan C ei .;/. Lc syndrome de P.
16. Croft CB, Schprintzcn RJ, Rekoff S. Patterns of velopharyngeal
Robin: cmbryopathologie et prisc cncharge thepapeutique. Ann
valving in normaisand cleft palate subjects: a multiview video-
Pcdiatrie 1994;47:287-302.
fluoroscopic and nasendoscopic study. Laryngoscope 1981;?/:
265-71. 37. Morris HL. Communication skills of children with cleft lips
and palates. / Speech Hear Disord 1962;5:79-80.
17. Dalston MR. The use of nasometry in the asscssmenl and
remediation of velopharyngeal inadequacy. In: Bzoch KR (ed.). 38. Orticoechea M. Construction of a dynamic muscle sphincter
Communicative Disorders Related to Cleft Lip and Palate. 4 in cleft palates. Plast Reconstr Surg 1968;-//:323-7.
ed., Austin: Pro-Ed, 1997:331-46. 39. Paradise JL. Otites média in infants and children. Pediatrícs
1980;65:917-43.
18. Dhillon RS. Themiddle earin clcft-palate children préand post
palatal closure. J Royal Soe Mcd 1988;57:710-3. 40. Pegoraro-Krook M I, Gcnaro K F. Communicative disorders in
19. DoyleWJ, ReillyJSJardini L, Rounak S. Effcct of palatoplasty craniofacial malformations. BrazilJ Dysmorphol Speech-Hear
Disord 1997; 7:35-40.
on the funetion of the custachian tubc in children with cleft
palate. Cleft Palate J 1986;25:63-8. 41. Pegoraro-Krook M I. Avaliação da fala de pacientes que apre
20. Estrem TL, Brocn PP. Early speech produetion of children with sentam inadequação velofaríngea e que utilizam prótese de pa
cleft palate. / Speech Hear Res 1989;52:12-23. lato [tese]. São Paulo: UNIFESP; 1995.
21. Gcreau SA, Schrpintzen RJ. Structural and Functional Eusta- 42. Pigot R\V. The nasendoscopic appcarancc ofthe normal pala-
topharyngeal valve. Plast Reconstr Surg \969;43:19-24.
cliian Tube Abnormalities in Patients with Palatal Clefts. Ame
rican Cleft Palate Association Meating Program.Williamsburg: 43. Prellner K. Factor disposing for otitis media. Sem Hear 1995;
VA, 1988. 761-19.

22. Gereau SA, Schprintzcn RJ, Bronx NY. The role ofadenoids in 44. PsauméJ, Malek R, Moussct MR, Trichct CH, Martinez H.
the developmcnt of normal speech following palate repair. La- Technique et resultats du traitment total precoce des fentes
labiopalatines. Folia Phoniatr 19S6;5-/: 176-220.

culaúon and resonance


45. Psaumé J. La precoce de ~*£fcg^ * *"»"""*'
RStomatol Chir Maxtttofac 1987,41225-7.
.7w«áNH ImS&çru**»
á«
38 Deformidades de Lábio e Palato

46. Randall P,La Russa DD, Pakrace SM,Cohen M. Cleft palate 56. Smith LT, Di Ruggier DC, Jones KR. Recovery of eustachian
closure at 3 to 7 months of age: a preliminary report. Cleft tube funetion and hearing outeome in patients with cleft pala
Reconstr Surg 1983;77:624-8. te. Otolaringol-Head Neck Surg 1994;777:423-9.
47. Rego JD. Assistência aos pais de recém-nascidos doentes e/ 57. Spriestersbach DC, Darley F, MorrisHL Language skills in chil
ou malformados. In: Miranda LEV, Lopes UMA (coord.). dren with cleft palates. J Speech Hear Disord1958;7:279-85.
Manual de Perinatologia. Rio deJaneiro: Soe Brás Pediatria; 58. Tabith Jr A. Distúrbios da comunicação em pacientes portado
103-11. resde fissura labiopalatina. In:Carreirão S, Lessa S, Zanini SA,
48. Rocha DL. Tratamento cirúrgico da insuficiência velofaríngea. (ed.). Tratamento das Fissuras Labiopalatinas. Rio de Janeiro:
In:Altmann EBC (org.). Fissuras Labiopalatinas. Carapicuíba Revinter, 1996:261-9.
(SP): Pro-Fono, 1992:185-202. 59. Tabith Jr A, Bento Gonçalves, CGA. Laryngeal malformations
49. Schprintzen RJ et ai. A new syndrome envolving cleft palate, in the Richieri-Costa and Pereira form of acrofacial dysostosis.
cardiac anomalies, typical facies, and learning disabilities - velo- AmJMed Gen 1996;ó'£399-402.
cardio-facial syndrome. Clefi Palate J 1978;75:56-62. 60. TabithJr A. Contribuição ao estudo da insuficiência velofarín
gea [dissertação]. São Paulo: PUC-SP; 1989.
50. Schprintzen RJ. A new perspective on clefting. In: Schprintzen
RJ, Bardach J. Clefi Palate Management: A Multidisciplinary 61. Trost-Cardamone JE, Bernthal JE. Articulation assessment
Approach. St. Louis: Mosby, 1995:1-15. procedures and treatment decisions. In: Moller KT, Starr CD
(eds.). Cleft Palate: Interdisciplinary Issues and Treatment. Aus
51. Schprintzen RJ, Lewin ML, Croft CB et ai. A comprehensive
tin: Pro-Ed, 1993:307-56.
studyof pharyngeal flap surgery: tailor made flaps. Cleft Palate
J 1979;76:46-55. 62. Trost-CardamoneJE. Diagnosis of specific cleft palate speech
error patterns for planning therapy or physical management
52. Schprintzen RJ, Golding-Kushner KJ. Evaluation of velopha
needs. In: Bzoch KR (ed.). Communicative Disorders Related
ryngeal insuffic. Otolaryngol. Clin North Am 1989;22:519-36.
to Cleft Lip and Palate. Austin: Pro-Ed, 1997:313-30.
53. Schprintzen RJ. Research revisited. Cleft Palate J 19S9;26: 63. Willians WN, Henningsson G, Pegoraro Krook MI. Radiogra-
148-9.
phic assessmentof velopharyngeal funetion in speech. In: Bzo
54. Sidoti EJ, Schprintzen RJ. Pediatric care and feeding of new- ch KR (ed.). Communicative Disorders Related to Cleft Lip
born with a cleft. In: Schprintzen RJ, Bardach J. Clefi Palate and Palate. 4 ed., Austin: Pro-Ed, 1997:342-86.
Management: A Multidisciplinary Approach. St. Louis: Mosby, 64. Witzel MA. Communicative impairment associated with clef
1995:63-74.
ting. In:Schprintzen RJ, BardachJ (eds.). Clefi Palate Manage
55. Skolnick ML.Velopharyngeal funetion in cleft palate. ClinPlast ment: A Multidisciplinary Approach. St. Louis: Mosby, 1995:
Surg 1975;2285-97. 137-66.
Crescimento Craniofacial
nas Fissuras Labiopalatais

Vera Lúcia Nocchi Cardim


Rodrigo de Faria Valle Dornelles
Rolf Lucas Salomous

INTRODUÇÃO cesso facial embrionário e provocam sua fusão com o


processo adjacente, aliviando a pressão interna do
As fissuras labiopalatais são deformidades congênitas mesoderma. Com isso, a membrana exodérmica norma
classificadas entre os grupos das displasias, caracteri- liza sua tensão, deixando de ser vulnerável à ação lítica
zando-se, portanto, como erros de fusão dos proces das células do neuroectoderma. Quando estas enfim
sos faciais embrionários. alcançarem o ponto determinado para a fusão, não
No mecanismo específico de formação das fissu mais encontrarão uma membrana ectodérmica favorá
ras, observamos uma alteração de velocidade migrató vel à lise, e com isto se estabelece a fissura. As células
ria das células da crista neural encarregadas de coman do neuroectoderma que chegaram atrasadas, apesar de
dar o fenômeno de fusão das proeminências faciais, não terem cumprido sua missão lítica fundamental,
entre a sexta e oitava semanas de vida embrionária. Os permanecem presentes no processo embrionário, de
brotos mesodérmicos migram centripetamente na face sempenhando suas inúmeras funções plásticas junta
pelo progressivo aumento de pressão interna provoca mente com o mesoderma.
do pela intensa mitose celular, que distende o envol Como vemos, nesse processo não há perdas celu
tório ectodérmico a ponto de transformá-lo em uma lares, nem mesmo mutações enzimáticas que compro
camada unicelular tensa e instável (Fig. 5-1). Nesse metam de alguma forma o desempenho das matrizes
momento devem chegar às células da crista neural (ou osteogênicas ou de qualquer outra estrutura básica de
células neuroectodérmicas) e parear com as margens, formação tecidual. Isto nos leva a concluir que as es
sofrendo fusão. As células do neuroectoderma possu truturas faciais de um fissurado contêm potenciais
em ação lítica específica contra as células ectodérmicas de crescimento absolutamente normais, tendo apenas
tensas, as quais, ao serem destruídas, permitem o extra- a deformá-las a falta de continuidade do complexo
vasamento mesodérmico que resultará na fusão dos maxilar1". A este fator primário da deformidade irá se
processos embrionários. somar um fator secundário (e talvez o mais importan
Nos casos de fissuras labiopalatais, temos um atra te), que consiste no desequilíbrio das forças muscula
so de migração das células do neuroectoderma em uma res aplicadas às estruturas ósseas descontínuas. Estan
área específica de fusão. Outras células neuroectodérmi do a musculatura interrompida, porém com sua força
cas chegam a outros pontos predeterminados do pro e contratilidade normais, irá provocar distorções das

39
40 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 5-1. Mecanismo de formação das fissuras


(f) por atraso na chegada das células da crista
neural (ene) junto ao ectoderma (ec).
A. Pareamento dos processos faciais (m)
mesoderma. B. Lise focai do ectoderma com
extravasamento do mesoderma. C. Fissura
formada, com estabilização do ectoderma, que
não é mais atingido liticamente.

estruturas faciais potencialmente normais ao longo do CRESCIMENTO FACIAL NAS FISSURAS


período de crescimento. Como o feto apresenta uma
NÃO TRATADAS CIRURGICAMENTE
maturação funcional precoce da face (como prepara
ção para as funções vitais de respiração, sucção, deglu
tição e choro, imediatamente após o nascimento), suas
Fissuras Labiopalatais Unilaterais Completas
estruturas mediofaciais já são submetidas ao desequilí O recém-nascido portador de fissura labiopalatal uni
brio da musculatura descontínua durante toda a se lateral completa apresenta uma falha tecidual de maxi
gunda metade da gestação. Isto faz com que, ao nas la tanto na região alveolar como na palatal.
cer, o fissurado já apresente uma somatória dos dois Como o crescimento da região alveolar depende
fatores deformantes: o primário (a fissura) e o secun da presença dos germes dentários, a ausência destes
dário (as distorções pelas forças musculares). influi diretamente no volume e projeção do rebordo
Nos casos de fissuras incompletas, uni ou bilate alveolar adjacente à fissura.
rais, em que permanece uma ponte de continuidade Os ossos palatinos geralmente se apresentam hi-
óssea em-alguma área, a distorção torna-se praticamen potróficos, pois a fissura permite a acomodação da
te nula. Mesmo quando a ponte tecidual é formada língua ente suas margens, impedindo seu crescimento
apenas por tecidos moles (como, por exemplo, a "ban mediai e sua aproximação centrípeta.
da de Simonart", nas fissuras incompletas de lábio), A principal característica desse tipo de fissura é a
podemos observar distorções muito mais leves, parti rotação da maxila para o lado não-fissurado, aumen
cularmente em relação ao nariz, cuja asa mantém um tando assim a largura da fissura, o desvio septal e a
posicionamento quase normal. deformidade da asa nasal.
Crescimento Craniofacial nas Fissuras Labiopalatais 41

Fig. 5-2. Distribuição das forças


modeladoras na fissura labiopalatal
unilateral completa, segundo Ross16.
[tm - tração da musculatura; pg -
pressão dos tecidos genianos; csn -
crescimento do septo nasal; pi -
pressão da língua).

Esta rotação é provocada pela força da muscula Se for permitido à criança fissurada crescer sem
tura geniana e labial do lado não-fissurado que, traba tratamento, sua face na vida adulta manterá o terço
lhando sobre um estrutura sem continuidade, a deslo médio alargado, o que pode comprometer a oclusão
ca para o lado de predomínio dos vetores de força interdentária no sentido látero-lateral (o arco superior
(Fig. 5-2). O lado fissurado da maxila é hipodesenvol- muito mais largo do que o arco inferior). A relação
vido por suportar anteriormente a implantação de uma ântero-posterior, no entanto, costuma estar normal.
asa nasal distendida pela fissura, e principalmente por O crescimento vertical da face é normal, sem ne
ter a musculatura geniana e labial desestabilizada pela nhuma evidência de insuficiência de comprimento do
fissura, isto é, prejudicada em sua força e função pela terço médio. A maxila cresce pelos mesmos princípios
falta de inserção no local da fissura. Outra importante
razão para o hipodesenvolvimento do lado fissurado
àa maxila é a sua falta de comunicação com o septo
nasal, cuja função como indutor do crescimento ma
xilar é reconhecidamente dominante durante a vida
fetal. É compreensível que essa força de crescimento
do septo nasal, suficiente para impulsionar o avanço
de todo* o complexo nasomaxilar, quando aplicada a
apenas metade da maxila (o lado não-fissurado), pro
voque um estímulo excessivo10, o qual se traduzirá por
projeção exagerada da região incisiva (Fig. 5-3).
A largura da face nos recém-nascidos com fissura
unilateral completa está ligeiramente aumentada, de
vido às forças expansivas aplicadas a uma maxila de
sestabilizada pela fissura1-7. Até mesmo a região orbitá-
ria apresenta uma tendência ao alargamento1215, que
raramente atinge medidas compatíveis com o hiperte- Normal Fissurado
leorbitismo verdadeiro. Os ossos zigomáticos, as pla
Fig. 5-3. Rotação anterior da pré-maxila na fissura labiopalatal
cas pterigóides do esfenóide e a base do crânio estão bilateral completa, segundo Ross'6. Nas fissuras unilaterais, a pro
absolutamente normais4. jeção anterior é semelhante, não tão intensa.
42 Deformidades de Lábio e Palato

de uma maxila normal (crescimento alveolar e remo- CRESCIMENTO FACIAL NAS FISSURAS
delagem palatal), a despeito dos distúrbios os dentes TRATADAS CIRURGICAMENTE
erupeionam à procura de seus antagonistas mandibu-
lares e são guiados a uma posição funcional pela atua Relatos demonstram que as dimensões lineares cranio-
ção das partes moles adjacentes, acomodando a maxi faciais em todos os tipos de fissura, incluindo aqueles
la a uma posição essencialmente normal em relação à pacientes não-operados, são menores do que na popula
mandíbula, com exceção da área da fissura. ção de não-íissurados5''816, apresentando também retar
do do estirão de crescimento na puberdade e prolonga
mento desse período, especialmente na mandíbula.
Fissuras Labiopalatais Bilaterais Completas
Não obstante, a face fissurada tem uma potencia
Se na fissura unilateral já observamos um septo nasal lidade de crescimento essencialmente normal, com
hiperestimulante por estar suportando não a resistên padrões similares na análise tardia, tanto na fissura
cia dos dois lados da maxila, mas de apenas um, no unilateral como na bilateral. A deformação que apre
caso das fissuras labiopalatais bilaterais completas o senta é devida ao fator primário da descontinuidade
crescimento do septo nasal aparece em toda a sua po estrutural, onde não há deficiência tecidual9, e ao fa
tencialidade, pois não há continuidade estrutural al tor secundário da atuação das forças musculares sobre
guma da maxila com o septo, que se desenvolve livre as estruturas descontínuas. Diante desses fatos, seria
mente, deixando para trás as duas metades do comple lógico pensar que, após uma cirurgia que restabeleces
xo maxilar que deveria impulsionar, não fosse a presen se a continuidade anatômica dessas estruturas, nenhu
ça da fissura. O crescimento liberado do septo nasal é ma razão haveria para que esta face não se desenvolves
reforçado pela pressão lingual e, se houver uma acomo se exatamente como uma face normal. A realidade, no
dação preferencial da língua em um dos lados da fissu entanto, foge bastante deste raciocínio simplista. O
ra, teremos, além da exagerada projeção anterior da pré- que vemos em um fissurado operado é uma maxila
maxila, uma rotação dessa estrutura central para o lado com forte tendência ao colapso mediai e sérias inibi-
oposto ao da fenda onde se posiciona a língua. ções ao crescimento ãntero-posterior, com desdobra
A grande variação no tamanho da pré-maxila ao mento do corpo mandibular em direção ao prognatis-
nascer é proporcional ao número de germes dentários mo, com o terço médio da face bem mais curto verti
que nela estejam contidos, pois são eles os responsá calmente do que o normal.
veis pelo crescimento desse broto alveolar. Existe, enfim, um grande comprometimento do
Os segmentos laterais da maxila se desenvolvem crescimento facial em resposta ao tratamento da fissura,
da mesma forma que o lado fissurado da maxila em e a gravidade desse comprometimento varia proporcio
uma fissura unilateral, isto é, apresentam uma tendên nalmente à técnica utilizada na abordagem cirúrgica
cia ao alargamento (pelas forças expansoras das partes da deformidade.
moles) e uma inibição do deslocamento anterior devi Conforme enfatizamos no início do capítulo, a
da à descontinuidade com a pré-maxila, ponto de re face fissurada não-operada tem crescimento normal
cepção e distribuição da força expansora do septo na porque, no processo de formação da fissura, não hou
sal cartilaginoso. ve comprometimento plástico ou enzimático das ma
No adulto com fissura bilateral não-operada, a pro trizes osteogênicas mesodérmicas, as quais mantêm seus
jeção da pré-maxila se mantém pela força expansora potenciais de crescimento inalterados. A cirurgia, no
da língua e pela falta da cinta muscular do lábio. O entanto, dá ao fissurado o fator de que a natureza o
desenvolvimento dos segmentos laterais da maxila é havia poupado: o trauma da matriz osteogênica. A partir
satisfatório por manter uma boa relação com a mandí daí, o estabelecimento da continuidade das partes
bula, apesar das alterações anteriores da arcada dento- moles, que teria um ótimo efeito regulador do cresci
alveolar. Não há encurtamento evidente do terço mé mento de um osso normal, passará a exercer pressão
dio no sentido vertical, embora se observe uma discre demasiada sobre a estrutura óssea instável e envolta
ta hipoplasia maxilar anterior, vizinha às fossas piri- em um periósteo entremeado de bandas fibróticas re
íormes alteradas. trateis e inextensíveis.
A mandíbula é razoavelmente bem-proporciona-
da, a não ser pela extrusão e rotação vestibular dos
incisivos causadas pelo posicionamento anteriorizado
Efeitos da Quciloplastia
da língua, que tenta compensar a ausência de oclusão A correção cirúrgica da fissura labial costuma ser be
labial. néfica em qualquer tipo de fissura labiopalatal e seu
Crescimento Craniofacial nas Fissuras Labiopalatais 43

efeito inibitório sobre o crescimento maxilar é tanto


menor quanto menos manipulação houver sobre o
periósteo do rebordo alveolar. O estabelecimento da
continuidade do músculo orbicular e dos bucinado-
res proporciona uma favorável redistribuição das for
ças estimuladoras do crescimento maxilar.
A influência da queiloplastia no crescimento do
complexo maxilar pode ser considerada em termos de
efeito sobre duas estruturas independentes da maxila:
o osso basal e o dentoalveolar.
Na fissura labiopalatal unilateral, a queiloplastia
corrige a rotação da maxila para o lado não-ííssurado,
de forma a proporcionar uma boa relação do arco
maxilar com o arco mandibular por ocasião da erup
ção dentária.
Embora a queiloplastia externamente restabeleça
a linha média maxilar, o septo nasal permanece sempre
com um desvio anterior de sua base para o lado não-
fissurado, bem como a espinha nasal anterior (Fig. 5-4). Fig. 5-5. Áreas de influência da queiloplastia sobre a maxila. J.
Toda a queiloplastia que for feita sem afetar ne Áreaque influencia diretamente o osso basal da maxila (8). 2. Área
que influencia diretamente as estruturas dentoalveolares (DA).
nhum centro de crescimento maxilar irá permitir um
desenvolvimento normal da maxila, pois a cinta mus
cular irá corrigir o alargamento facial que existia pelo tante da porção dentoalveolar, sem interferir na espi
afastamento das margens da fissura, resultando uma nha nasal anterior e no osso basal da maxila. Se o lábio
arcada superior em perfeita oclusão com a inferior. resultar curto demais, irá exercer muita força sobre a
Nas fissuras labiopalatais bilaterais completas, o espinha nasal anterior, inibindo o crescimento do osso
estabelecimento da continuidade da cinta labial tam basal e, ao mesmo tempo, irá deixar livre a porção den
bém normaliza o arco alveolar. Como a falha tecidual toalveolar da pré-maxila. Sem a retrusão necessária, a
é duplamente maior do que nas fissuras unilaterais, erupção dos dentes da pré-maxila se fará fora do eixo
não é raro observarmos lábios excessivamente tensos, vertical que os levaria ao antagonismo com os dentes
exercendo pressão demasiada sobre a pré-maxila e o inferiores e, além da protrusão dentoalveolar da pré-
septo nasal (Fig. 5-5). maxila, haverá extrusão dos dentes.
Nas técnicas que utilizam a medialização e sutura As distorções da porção dentoalveolar da pré-ma
xila devidas a lábios muito curtos ou muito tensos
nas margens laterais do lábio sobre a pré-maxila, tere
mos um lábio superior excessivamente tenso em sua são de difícil correção após a infância, e por isso é
porção inferior, o que provocará uma retrusão impor- válido que se utilizem equipamentos ortopédicos pré-
operatórios para alinhar a pré-maxila e proporcionar
uma queiloplastia com menos tensão e com um com
»j ke-. primento adequado ao alinhamento da porção dento
alveolar.

Efeitos da Palatoplastia
As técnicas mais empregadas para o fechamento do
palato posterior são aquelas em que se levantam reta
lhos do mucoperiósteo palatino para, medializando-
os e posteriorizando-os, alongar o palato a fim de via
bilizar uma melhor função de obliteração da nasofa-
Pré-operatório Pós-operatório ringe na fonação. Isto cria uma área de osso denudado
junto ao arco alveolar que, ao cicatrizar, provocará a
Fig. 5-4. Fissura labiopalatal unilateral completa antes e depois
da queiloplastia; apesar da redução parcial do desvio da linha
formação de uma faixa cicatricial retrátil que influen
média, o septo nasal permanece desviado16. ciará o colapso da arcada alveolar tanto no sentido
44 Deformidades de Lábio e Palato

ântero-posterior (Fig. 5-6) quanto no sentido látero- maxilar possa estar bem posicionada em relação à base
lateral (Fig. 5-7). Se durante a palatoplastia houver le do crânio, costuma haver uma retroposição global do
são tecidual e/ou fratura do hamulus na área da jun terço médio, incluindo os malares e os rebordos infe
ção pterigopalatomaxilar, o tecido cicatricial formado riores da órbitas19 (Fig. 5-8).
nessa área de crescimento irá inibir o movimento an A relação ântero-posterior entre as arcadas é satis
terior da maxila. Quanto mais precoce esta cirurgia, fatória, havendo, portanto, uma adaptação do cresci
maior a inibição provocada no crescimento maxilar211. mento mandibular à retrusão da maxila: a mandíbula
Quanto menos traumática a cirurgia, menos nociva é rodada, apresentando um ângulo goníaco muito
será ao desenvolvimento do terço médio4. aberto, com ramo ascendente curto e tendência à mor
Nos casos de deiscência, as reintervenções ou pro dida aberta anterior. O mento é longo no eixo verti
cedimentos múltiplos costumam provocar graves efei cal, sem projeção anterior.
tos sobre o crescimento maxilar. Esse tipo de alteração do crescimento mandibu
Nas fissuras palatais isoladas, a maxila é curta tan lar é comum tanto às fissuras palatais puras como às
to no eixo vertical quanto ântero-posteriormente, e fissuras labiopalatais unilaterais. Nas bilaterais, a man
esta característica torna-se progressivamente mais acen díbula é praticamente normal e, quando está alterada,
tuada até a maturidade14. O crescimento vertical pos obedece também às mesmas tendências de deforma
terior da maxila é deficiente e, embora a tuberosidade ção descritas.

Normal

Fissurado

1M

Fig. 5-6. Efeito da retração cicatricial


retroalveolar (c) resultante da mobilização
posterior dos retalhos de mucoperiósteo
palatal'6 (f - fissurado; a - normal).
Crescimento Craniofacial nas Fissuras Labiopalatais 45

Normal

4 anos 14 anos

Fissurado

Fig. 5-7. Colapso látero-lateral


da arcada alveolar do fissurado
operado com mobilização de
retalhos do mucoperiósteo
palatal16.

Fig. 5-8. Comparação dos traços cefalométricos normais (linha Fig. 5-9. Comparação dos traços cefalométricos normais (linha
contínua) com os traçados cefalométricos da fissura palatal isola contínua) com os traçados da fissura labiopalatal unilateral com
da, após tratamento cirúrgico (linha poniilhada). pleta tratada cirurgicamente (linha pontilhada).

A maxila, nas fissuras labiopalatais unilaterais com relação à base craniana) até a puberdade, tornando-se
pletas, é retrusa e mais encurtada posteriormente, em normal na vida adulta31318-20. A angulação vestibular
bora não tão intensamente quanto nas fissuras pala dos incisivos superiores é menor do que o normal,
tais puras (Fig. 5-9). mas a relação interdentária é aceitável e a mandíbula
Nas fissuras labiopalatais bilaterais completas, os apresenta um crescimento quase normal (Fig. 5-10).
segmentos laterais da maxila são retrusos, apesar de Para evitar ao máximo os efeitos inibitórios ao
seu tamanho ser normal. A pré-maxila é protrusa (em crescimento do terço médio da face trazidos pela pala-
46 Deformidades de Lábio e Palato

principais fontes de estímulos normais ao crescimen


to maxilomandibular.

fj y REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Aduss H, Pruzansky S.Width of cleft at levei of the tuberosities
in complete unilateral cleft lip and palate. Plast Reconstr Surg
1968;47:113-7.
V jr . 1 2. Bernstein L. The effect of timinh of cleft palate operatinos
A»C and subsequent growth of the maxilla. Laryngoscope 1968;
V /vVa 7&1.510-23.
\\ \ v\
\\ 3. Birch J, Ross RB, Linsay WK. The end result of growth and
* xA
\\ — =-WN treatment in bilateral complete cleft lip and palate. Panminer-
va Med 1967;9:391-402.
\\
^^ \íl
11
4. Bishara SE, Iverson WW. Cephalometric comparisons of the
cranial base and face in individuais with isolated clefts of the
^^-^•^ .
palate. Cleft Palate J 1974;77:162-71.
5. Dahl E. Craniofacial morphology in congenital cleftsof the lip
^^ and palate. An x-ray cephlometricstudy of young adult males
(Dissertation). Acta Odontol Scand \97Q;28 (Suppl 57).
6. Drillien CM, Ingram TTS, Wilkinson EM. The Causes and
Fig 5-10. Comparação dos traços cefalométricos normais (linha Natural History of Cleft Lip and Patate. Edinburgh: E & S
contínua) com os traçados da fissura labiopalatal bilateral comple Livingstone, 1966.
ta tratada cirurgicamente (linha pontilhada).
7. Harding RL, Mazaheri M. Growth and spatial changes in the
arch form in bilateral cleft lip and palate. PlastReconstr Surg
1972;50:591-9.
toplastia, existe uma tendência cada vez maior de fe 8. Jensen BL, Dahl E, Kreiborg S. Longitudinal study of body
char precocemente o palato mole sem atuar sobre o height, radius length and skeletal maturity in Danish boyswith
mucoperiósteo do palato anterior e, principalmente, cleft lip and palate. ScandJ Dent Res 1983;97:473-81.
sobre as tuberosidades maxilares17. Esta cirurgia, reali 9. Kuijpers-Jagtman AM. Maxillary arch dimensions from birth
zada aos 3 meses, irá posicionar a língua mais anterior to 18 months in complete unilateral clefts. / Dent Res 1983;
£2:461.
mente, induzindo melhor o posicionamento maxilo-
10. Latham RA, Burston WR. The effect of unilateral cleft lip
mandibular, e irá tracionar mais precocemente a mus
and palate on maxillary growth pattern. BrJ PlastSurg 1974;
culatura palatal inserida nas tuberosidades maxilares, 77:10-32.
estimulando sua aposição óssea. A fissura palatal ante 11. Longacre JJ. Cleft Palate Deformation. Springfield-Illinois:
rior tem sua tendência ao colapso (pelo fechamento Charles C. Thomas, 1970:349-73.
do anel muscular do lábio e do palato) impedida pelo 12. Moss ML. Hypertelorism and cleft palate deformity. ActaAnat
uso de placas palatais ortopédicas, e somente será fe (Basel) 1965;07:547-51.
chada cirurgicamente por volta dos 2 anos de idade, 13. Narulla J, Ross RB. Facial growth in children with complete
quando já existir uma estabilização dos estímulos nor bilateral cleft lip and palate. Cleft PalateJ 1970;7:239-51.

mais de crescimento. 14. Osborne HA. A serial cephalometric analysis of facial growth in
adolescent cleft palate subjects. Angle Orthod 1966;J6211-23.
Mais do que pelo respeito às matrizes osteogêni-
15. PsaumeJ. Àpropôs des anomalies faciales associées à des divisi-
cas da maxila, essa moderna cronologia de tratamento ons palatines. Ann Chir Plast 1957;£3-29.
das fissuras se reveste de importância especial devido 16. Ross RB,Johnston MC. Cleft Lip and Palate. Baltimore: Willi
ao seu efeito de normalização precoce da posição lin- ams & Wilkins, 1972.
gual. Sendo o comando da língua de caráter preferen 17. Ross RB. Treatment variables affecting facial growth in com
cialmente neurovegetativo, o fato de o fechamento plete unilateral cleft lip palate: Part 1. Cleft PalateJ \987;24:5.
do palato mole acontecer antes da maturação dos pro 18. Ross RB,Johnston MC. The effect of early orthodontic treat
cessos de deglutição da criança (que se dá por volta ment on facial growth in cleft lip and palate. Cleft Palate J
1967;4:157-72.
dos 18 meses) promove a prevenção da deglutição atí
19. Shibisaki Y, Ross RB. Facial growth in children with isolated
pica, porque, se a língua já assume um posicionamen
cleft palate. Cleft Palate J 1962;6:290-7.
to mais anterior desde os três meses de idade, o condi
20. Swanson LT, Mac Callum DW, Richardson S. Evaluation of the
cionamento dos reflexos de deglutição já se fará em dental problems in the cleft palate patient. Am J Orthod
bases normais, e com isso estará assegurada uma das 1956;42:749-73.
Tratamento Odontológico
Precoce em Fissuras
Labiopalatais

Mareia André

Margareth Torrecillas Lopez

INTRODUÇÃO trabalho árduo conscientizá-los de que cáries ou per


das dentais precoces podem comprometer todo o su
O tratamento das fissuras labiopalatais desenvolveu- cesso do tratamento cirúrgico, fonoaudiológico e or-
se de forma significativa nas últimas décadas. todôntico33.
O conceito de intervenção precoce com atuação Do nascimento até o ato cirúrgico, que geralmen
multidisciplinar tem-se mostrado como a melhor op te irá ocorrer a partir dos 3 meses de idade, os pais se
ção para o sucesso de uma reabilitação adequada. sentem inseguros, como se não estivessem oferecendo
A abordagem de patologias que apresentam a com a reabilitação para o seu filho. E um período que nós
plexidade das lendas de lábio e palato deve ter como chamamos de tempo de espera, que se pode tornar
objetivo principal a adequação social do indivíduo muito útil para que os familiares recebam informa
aletado. Assim, embora o sucesso relativo dessa reabi ções importantes da equipe multidisciplinar.
litação só possa ser considerado real e definitivo ao O tempo de espera, quando não-assessorado, po
término do crescimento craniofacial, é importante que derá fazer com que os pais visitem vários serviços, au
ao longo dos anos que antecedem essa finalização o mentando a ansiedade e prolongando a dificuldade
paciente possa sentir-se integrado à sociedade sem gran de aceitação do problema.
des restrições estéticas, funcionais e psíquicas. O tratamento odontológico iniciado nas primei
Dentro de uma equipe multidisciplinar, o cirur- ras semanas de vida é denominado tratamento odon
gião-dentista, nas suas várias especialidades, tem um tológico precoce, o qual é constituído pela orientação
papel relevante ao longo de todo o crescimento, em aos pais e em ortopedia maxilar precoce.
uma atuação que começa, sempre que possível, ao nas
cimento e se estende por vários anos, de tal forma que
em determinado momento uma especialidade odon-
tológica poderá ter prioridade.
ORIENTAÇÃO AOS PAIS
Considerando que a preservação da saúde dental A nossa filosofia de tratamento para as malformações
não representa para o paciente e para os seus familia congênitas é a abordagem precoce do cirurgião-dentis-
res a mesma expectativa da reparação cirúrgica, da rea ta. O ideal é receber o paciente no consultório ou
bilitação da laia ou da correção da má oclusão, é um ambulatório 1 ou 2 semanas após o seu nascimento,

47
48 Deformidades de Lábio e Palato

porque a experiência nos mostra que a intervenção Não se admite que a amamentação durante o perío
odontológica na maternidade raramente é necessária. do noturno seja prolongada, recomendando-se sua
Ela pode ocorrer se os pais assim o desejarem, mas será interrupção definitiva após os 6 meses de idade. Além
baseada em orientações e em respostas aos questiona disso, solicita-se que a última mamada, aquela em que
mentos familiares. o bebê adormece mamando, seja realizada somente até
A primeira consulta será direcionada ao exame os 18 meses de idade, procurando oferecer água logo
clínico e à anamnese, questionando em especial a his após o término da mamada, com a finalidade de lavar
tória gestacional e os antecedentes familiares. Além a cavidade oral3/.
disso, deixamos que os pais exponham as suas dúvidas É fundamental que essa orientação seja bem assi
e ansiedades, para que possamos respondê-las ao mes milada para que possamos evitar as chamadas cáries de
mo tempo que colocamos claramente os objetivos da mamadeira, que costumam afetar crianças de 1 a 3 anos
atuação do cirurgião dentista. de idade e sempre têm como causa o uso freqüente e
Atualmente estamos investindo em consultas prolongado de mamadeiras contendo leite, materno
mensais, com orientações multiprofissionais específi ou não, ou líquidos açucarados. Os fatores de prote
cas da fase em que o bebê se encontra, já que ao longo ção podem ser insuficientes para equilibrar a alteração
dos anos foi possível observar uma recepção mais po do pH promovida pela metabolização da lactose, o
sitiva dessas informações quanto mais precocemente que leva ao aumento do risco de desenvolvimento da
elas eram dadas. cárie de mamadeira4 (Fig. 6-2).
Os bebês fissurados, devido à dificuldade de suc
ção, podem desenvolver hábitos inadequados, pois nas
Aleitamento primeiras semanas a orientação é estimular mamadas
Enfatizamos a importância do aleitamento materno e, mais freqüentes, permitindo que elas sejam mais cur
na impossibilidade deste, a preferência pelo bico orto- tas. Entretanto, assim que o ganho de peso se estabili
dóntico com o diâmetro do furo adequado à sua capa za, as mamadas devem ser espaçadas até alcançarem os
cidade de sucção. O leite utilizado deve ser preferenci padrões normais, a fim de evitar o aumento do risco
almente o materno, se a mãe puder ordenhar; caso de cárie de mamadeira.
contrário, será aquele recomendado pelo pediatra res Sabendo-se que os dentes adjacentes à lenda são
ponsável1. muitas vezes hipoplásicos e/ou mal posicionados e que,
Os pais são orientados quanto à necessidade de na presença de cárie da mamadeira, são os primeiros a
manter o bebê com uma postura ereta durante a ama serem atingidos, é de real importância a fiscalização
mentação, para evitar problemas de engasgo e/ou de para que esse processo não se instale e provoque a per
contaminação da tuba auditiva, além de favorecer o da parcial ou total dessas coroas dentárias (Fig. 6-3).
equilíbrio do desenvolvimento ósseo e muscular do com Quanto ao tratamento desse tipo de cárie, pode
plexo maxilomandibular (Fig. 6-1). mos considerar que ele é muito difícil, pois o proble
Quase sempre essas colocações já foram ou estão ma aparece em crianças com pouco mais de 1 ano de
sendo transmitidas pela fonoaudiologia, cabendo ao idade, quando compreensão e colaboração são ainda
cirurgião-dentista reiorçá-las. inexistentes.

Fig. 6-1. Posição ortostática do lactente durante a amamentação. Fig. 6-2. Cáries de mamadeira.
tratamento Odontológico Precoce em Fissuras Labiopalatais 49

mos preservar a saúde dental e desenvolver uma boa


relação maxilomandibular".

Higiene Bucal
O início da higienização bucal é recomendado assim
que o recém-nascido saia da maternidade, com a finali
dade de evitar que resíduos do aleitamento permane
çam nas regiões retentivas do palato fissurado, facili
tando o acúmulo de bactérias e chegando a causar até
estomatites severas (Fig. 6-4).
A higiene bucal permite que o bebê se acostume
Fig. 6-3. Dentes mal posicionados com lesões cariosas. com a manipulação da sua cavidade oral, além de ofe
recer aos pais, particularmente à mãe, quando no con
tato direto com a lesão, a possibilidade de superar os
Assim, nessa etapa, o importante é a remoção dos seus receios ou até mesmo a sua repulsa.
fatores de risco e o estabelecimento de uma dieta ali A recomendação é realizar a higiene bucal com
mentar adequada, associada a uma rigorosa higieniza- gaze ou fralda umedecida somente em água filtrada,
ção oral. fervida e fria, pelo menos uma vez ao dia (Fig. 6-5).

Dieta Alimentar Adequada


Durante o desenvolvimento da criança, serão introdu
zidos diversos alimentos, inicialmente de consistência
pastosa, depois semi-sólida e por fim sólida. A impor
tância desse padrão alimentar não consiste apenas em
um estímulo proprioceptivo da cavidade oral, mas tam
bém contribui na maturação para o exercício de uma
mastigação adequada. A mastigação é relevante na
manutenção da saúde oral, bem como no crescimento
e desenvolvimento maxilomandibular.
A presença do açúcar comum (sacarose) na dieta
do bebê deve ser evitada em adição ao leite, sucos e Fig. 6-4. Estomatite severa.
frutas, pois pode ser muito agressiva às estruturas den
tais. Entretanto, é importante ressaltar que o efeito
cariogênico do açúcar está mais relacionado à freqüên
cia de consumo do que à quantidade ingerida''-49.
Os alimentos duros e fibrosos proporcionam aos
dentes uma relativa autolimpeza, à medida que con
trolam a quantidade de placa bacteriana aderida à sua
superfície, enquanto os alimentos moles, pegajosos, são
de difícil remoção e, pelo contato prolongado com o
dente, mais prejudiciais.
A cariogenicidade de um alimento não depende
apenas da sua composição e característica física, mas
também da individualidade de quem o consome, do
momento, da forma e da freqüência desse consumo42.
A dieta alimentar de uma família resulta de fato
res sociológicos, econômicos e culturais, e tentar mo
dificá-la não é tarefa fácil, mas não podemos nos omi
tir, aceitando uma alimentação inadequada, se quiser Fig. 6-5. Higienização bucal com gaze umedecida em água.
50 Deformidades de Lábio e Palato

Alguns autores preconizam a mistura de água oxige resultados satisfatórios na preservação desses dentes
nada 10 volumes com água fervida previamente, na (Fig. 6-7).
proporção de 1:3 . Em uma visão mais global, a higienização bucal
Logo após as mamadas, a mãe é orientada a ofere com a escovação orientada não é apenas uma medida
cer água ao seu bebê para que a cavidade oral fique odontológica preventiva, mas um processo educativo
livre dos resíduos do leite, em vez de manipulá-la com que o bebê incorpora em seu domínio cognitivo e
gaze, o que poderia provocar náuseas e levar o bebê a motor para, no futuro, tornar-se uma criança mais in
regurgitar. Essa lavagem é mais fundamental quando dependente e responsável nos cuidados com os seus
os bebês irão adormecer por longos períodos, já que dentes.
durante o sono o fluxo salivar diminui significativa
mente e, em conseqüência, também o seu efeito de
Hábitos
proteção aos dentes.
A escovação dental propriamente dita é iniciada O ato de sugar é instintivo e faz parte dos reflexos do
concomitantemente à erupção dos primeiros dentes, recém-nascido. Assim, o uso da chupeta não é restrin
com dedeiras de látex ou silicone, e logo a seguir com gido e pode até ser indicado, para evitar que o bebê
a utilização de escovas infantis com cerdas macias (Fig. instale ou perpetue o hábito de sucção do dedo pole-
6-6). gar, já que, algumas vezes, esse hábito é adquirido ain
Quanto ao uso regular de dentifricios com flúor, da na vida intra-uterina e pode ser muito prejudicial
a recomendação é a partir dos 2 anos de idade, para ao desenvolvimento dos maxilares.
evitar uma indiscriminada ingestão de flúor, o que E importante que os pais sejam orientados quan
poderia causar fluorose na dentição permanente. to à utilização correta da chupeta, que deve ser orto-
O fluoreto presente nos dentifricios é capaz de dôntica, não devendo ser de modo excessivo, e que
evitar lesões cariosas ou interferir na evolução de uma sua retirada ocorra até os 2 anos de idade, por meio de
cárie incipiente, por manter o equilíbrio mineral dos medidas não-traumáticas.
dentes, repondo perdas já existentes4'. Além disso, es Solicitamos também aos pais que não coloquem
ses dentifricios têm um efeito antimicrobiano signifi o bebê no berço sempre do mesmo lado, particular
30,43
cativo mente do lado fissurado, o que inconscientemente eles
Sugerimos que, ao irromperem os primeiros mo- fazem para esconder a fenda. Hábitos de dormir do
lares decíduos, se inicie a escovação com dentifrício mesmo lado e/ou de colocar a mão sob o rosto não
fluoretado, apenas uma vez ao dia, preferencialmente permitem o desenvolvimento adequado do segmento
à noite, enquanto as outras escovações continuam sen maxilar correspondente, principalmente nas fendas
do realizadas apenas com água ou com pastas dentais completas, podendo levar a mordidas cruzadas poste
isentas de flúor, até que a criança complete 2 anos de riores.
idade e entre no uso regular. Consideramos ideal que as consultas mensais ini
Na presença de dentes hipoplásicos ou com iní ciadas ao nascimento sejam prolongadas por 2 anos,
cio de lesões cariosas, podemos realizar periodicamen para que as orientações aos pais possam ser gradativas,
te aplicações tópicas de verniz fluoretado, obtendo de acordo com a necessidade do momento, e reforça-

Fig. 6-6. Higienização bucal com escova dental infantil. Fig. 6-7. Aplicação de verniz fluoretado.
Tratamento Odontológico Precoce cm Fissuras Labiopalatais 51

das sempre que se observar não terem sido elas bem mumente se assemelham às da população em geral,
assimiladas. exceto quanto às margens da fenda alveolar, onde inci
Há a preocupação de um trabalho em equipe in- sivos centrais e laterais podem não erupeionar ou erup-
terdisciplinar, para que as informações sejam coeren cionar tardiamente, com anomalias de forma, posição
tes e tragam segurança e tranqüilidade à família. e número, acentuando a falta de crescimento vertical
Essas consultas regulares independem do tipo de nessa região3,20,45.
fenda, da programação cirúrgica ou da utilização de apa As fendas de palato secundário (palato mole/pa-
ratos ortopédicos, já que o objetivo de um programa lato duro e mole) apresentam o alargamento do ai-
de orientação aos pais é a prevenção de problemas nem vum pelo efeito da interrupção da musculatura pteri-
sempre inerentes à fenda. góidea. A língua se posiciona mais posterior e elevada,
o que altera o crescimento das lâminas palatinas e tam
bém da mandíbula.
ORTOPEDIA MAXILAR PRECOCE Entretanto, são as formas combinadas de fendas
de palato primário e secundário (lábio, rebordo, pala
O tratamento ortopédico maxilar precoce, também to duro c mole, uni ou bi) que apresentam as maiores
chamado de ortopedia neonatal ou ortopedia pré-ci- deformidades.
rúrgica, fundamenta-se no conceito de que a obtenção Nas fendas unilaterais, a maxila está dividida em
de um arco maxilar normal, com o restabelecimento dois segmentos assimétricos sujeitos a forças muscula
da sua forma e função, tende a produzir um padrão de res diferentes. A ausência da cinta muscular labial não
crescimento direcionado para a normalidade e influi permite oposição à força da língua, o que resulta na
positivamente no desenvolvimento do esqueleto facial projeção do segmento maior. Somado a isso temos o
como um todo.
septo nasal aplicando sua força de crescimento apenas
A filosofia e os objetivos desse tratamento têm nesse segmento maior, o que promove a rotação do
sido amplamente discutidos nas últimas décadas pela osso incisivo para o lado não-físsurado (Fig. 6-8).
literatura internacional, e ainda assim não se estabele Ao nascimento, o segmento maxilar menor está
ceu um consenso entre os autores20,24'34,50. pouco deslocado medialmentc, mas seu hipodesenvol-
Na década de 1950, trabalhos precursores, como vimento, agravado pela ausência de comunicação com
o de Burston8, Mc Neil26 e Subtelny e Brodie41, des o septo nasal e pela pressão das musculaturas labial e
pertaram grande interesse nesse tema, que até hoje per geniana desestabilizadas, acaba acentuando-se e provo
manece em foco. cando o colapso.
Assim, nos anos que se seguiram, os estudos se O próprio colapso e as freqüentes agenesias e ano
intensificaram de tal forma que alguns autores, como malias dos dentes adjacentes à fenda também acentuam
Georgiade13, Huddart17, Maisels27, 0'Donnell31 e Oli- a falta de crescimento vertical na borda do segmento
ver32, tornaram-se defensores desse tipo de terapêuti menor, o que pode interferir na correção da mordida
ca, enquanto outros, como Pruzansky38 e Pruzansky e cruzada, já que a expansão maxilar não se estabiliza
Aduss39, iniciaram suas críticas por observarem que os pela ausência de oclusão dental. Também observamos
benefícios imediatos não se estendem a longo prazo.
Com a evolução dos trabalhos de pesquisa, foram
ficando mais definidos os reais objetivos da ortopedia
maxilar precoce.
A finalidade básica é permitir que os segmentos
maxilares fiquem próximos do padrão de normalida
de em sua forma e alinhamento, favorecendo a repara
ção cirúrgica e proporcionando funções mais adequa-
J as2,10,13-15.23,25-27,34,36.40
As fendas de palato primário (lábio/lábio e rebor
do alveolar) já são suficientes para produzir desequilí
brio muscular, podendo provocar alteração no alinha
mento dos segmentos maxilares, queda e depressão da
asa do nariz e anomalias dentárias adjacentes à fissura.
Convém ressaltar que, na criança fissurada, a épo Fig. 6-8. Fenda unilateral completa de palato primário e secun
ca e a seqüência de erupção da dentição decídua co- dário.
52 Deformidades de Lábio e Palato

que essa falta de crescimento vertical pode causar alte Estas considerações estão longe de se constituí
rações na postura lingual, dificultando o trabalho fo- rem em desestímulo para um tratamento que tem por
noaudiológico. finalidade alcançar uma correta relação maxilomandi
Nas fendas bilaterais, o problema se agrava, já que bular. Ao contrário, tendo a certeza do desafio que o
temos agora três segmentos maxilares: um pré-maxilar paciente fissurado representa, somos entusiastas do
e dois laterais. O septo nasal cartilaginoso induz o cres tratamento odontológico precoce, enfatizando a or
cimento do osso incisivo, sendo ainda mais projetado topedia pré-cirúrgica logo após o nascimento, seguida
pela pressão lingual, que pode, pelos seus movimen pela ortopedia e ortodontia convencionais.
tos, promover um desvio da linha mediana para o lado Mesmo verificando que os resultados tardios po
oposto ao preferido pela língua. Além disso, temos dem ou não depender da intervenção precoce, um sig
variações no volume da pré-maxila, o qual é depen nificativo número de autores também advoga, como
dente do número, tamanho e posição dos germes den nós, o emprego dessa terapêutica2,12'15'16'21'23,25'36,46,30.
tários. Para que possamos elaborar um plano de trata
Os segmentos maxilares laterais são hipoplásicos, mento ortopédico em recém-nascido, é importante
tendem ao colapso pelos mesmos desequilíbrios da verificarmos as suas condições clínicas gerais, o tipo
musculatura que atuam no segmento menor da fenda de fenda que ele apresenta e a proposta de sua progra
unilateral e também pela falta de continuidade com o mação cirúrgica.
septo nasal (Fig. 6-9). Um bebê fissurado que apresenta alterações sistê
Assim, qualquer tipo de fenda levará a alterações micas ou neurológicas deve ser conduzido a priorizar
que podem ou não se agravar com o crescimento quan o tratamento das mesmas.
do a reparação cirúrgica não for realizada. Entretanto, A dificuldade de retornos freqüentes ao ambula
também existe a possibilidade de que a cirurgia tenha tório, ou por residência distante, ou por falta de possi
uma influência desfavorável no crescimento e desen bilidade ou disposição dos responsáveis, inviabiliza o
volvimento faciais. Temos ainda os padrões genéticos tratamento ortopédico precoce.
herdados, que são inerentes e, portanto, responsáveis Ao considerarmos essa terapêutica oportuna, de
por um padrão facial. vemos avaliar o tipo de fenda e estabelecer uma con
Considerando que existem, ao longo do crescimen duta que permita a integração com a programação ci
to facial de um indivíduo fissurado, o prejuízo dos rúrgica e com o trabalho fonoaudiológico.
problemas intrínsecos à fenda, as alterações em respos A ortopedia precoce pode ser dividida em duas
ta cirúrgica, a ocorrência de agenesias dentais, perdas fases: a pré-cirúrgica, que vai do nascimento até a reali
dentais precoces alterando a oclusão, as características zação da palatoplastia, e a pós-cirúrgica, que se estende
genéticas de padrão facial e ainda o comprometimen da palatoplastia até o estabelecimento completo da
to do paciente e dos seus familiares frente ao trata dentição decídua, ao redor dos 3 anos de idade.
mento, podemos concluir que é realmente impossível Os aparelhos empregados no tratamento pré-ci-
determinar com precisão o resultado final da reabilita rúrgico são os dispositivos extra-orais e/ou as placas
ção de um paciente fissurado. palatinas.

Dispositivos Extra-orais
Com a finalidade de orientar o crescimento pré-maxi
lar podemos utilizar, como dispositivos extra-orais, ou
a bandagem adesiva, ou os capacetes de apoio pericra-
niano e pré-maxilar.
A bandagem adesiva é feita através de esparadra-
pos especiais, do tipo transpore da 3M®, por ser antia-
lérgico e não provocar grande aderência, a fim de evi
tar irritações na pele sensível do recém-nascido quan
do da sua remoção. Os pais são orientados para que,
durante a colocação do esparadrapo, as bordas labiais
da fissura sejam delicadamente aproximadas, de for
Fig. 6-9. Fenda bilateral completa de palato primário e secun ma que a pressão para a adesão seja feita sempre no
dário. segmento protruso (Fig. 6-10).
Tratamento Odontológico Precoce em Fissuras Labiopalatais 53

ter o crescimento desorientado do osso incisivo, me


lhorando o alinhamento dos segmentos maxilares e,
ao mesmo tempo, evitando o aumento da fissura alve-
Ojar2,7,17,21,22,27,50
Mesmo as pré-maxilas com desvios acentuados,
provocados pela força e posição da língua, podem ser
corrigidas previamente à queiloplastia, pelo uso ade
quado da bandagem adesiva. Essa conduta é indicada
nas primeiras semanas de vida, quando as estruturas
ósseas se apresentam flexíveis o suficiente para permi
tir a verticalização e a rotação do osso incisivo22,35,44
(Figs. 6-12 e 6-13).
Fig. 6-10. Bandagem adesiva em fenda unilateral. O uso dos dispositivos extra-orais é simultâneo
ao das placas palatinas, mas só são empregados no pe-
Os capacetes são confeccionados com tiras de te
cido de algodão cruzadas sobre a cabeça, compondo o
apoio pericraniano, onde se prendem bilateralmente
bandas elásticas unidas entre si pelo apoio pré-maxi
lar, que é também em tecido de algodão. A preocupa
ção em interromper a tira elástica é para prevenir for
ças indesejáveis e também evitar irritação do prolábio
(Fig. 6-11).
Atualmente, em fendas unilaterais empregamos
sempre a bandagem adesiva, ficando o uso do capace
te restrito às fendas bilaterais graves, pois as leves e
moderadas respondem bem ao uso de esparadrapos.
Convém salientar que os dispositivos extra-orais,
particularmente os capacetes, não devem exercer força
retrusiva, e, sim, leve pressão, com a finalidade de con

Fig. 6-12. Pré-maxila desviada - 15 dias após o nascimento.

Fig. 6-13. Pré-maxila corrigida com bandagem adesiva - 6 me


Fig. 6-11. Capacete extra-oral em fenda bilateral. ses após o nascimento.
54 Deformidades de Lábio e Palato

ríodo que antecede a queiloplastia, já que eles não têm


indicação após a reconstituição da cinta muscular la
bial.

Placa Palatina

A placa palatina é um dispositivo intra-oral confeccio


nado em resina acrílica, cujo emprego em recém-nasci
dos tem vários objetivos.
A sua utilização correta permite facilitar a amamen
tação, orientar o posicionamento anatômico da língua,
prevenir a irritação da mucosa vomeriana, evitar a suc
Fig. 6-15. Placa palatina no modelo de gesso.
ção do dedo e da chupeta entre os segmentos maxilares,
diminuir os problemas respiratórios e auditivos e esti-
i • ' 9 10 P 14 17 23 23 V
mular o correto crescimento OSSeo/,'u,1-,^,"— .
A principal característica protética dessas placas é
Além desses benefícios, a nossa experiência com o
passar em ponte sobre a lesão, isto é, elas não penetram
emprego da terapêutica ortopédica pré-cirúrgica de
na fenda, para possibilitar o crescimento harmonioso dos
monstra que o uso da placa palatina, mais do que o do
segmentos maxilares, por meio da horizontalização das
dispositivo extra-oral, proporciona um efeito psicoló
lâminas palatinas, favorecendo a redução da largura da
gico positivo nas mães, já que elas se sentem membros
fenda maxilar, o que é favorável à reparação cirúrgica.
participantes efetivos da equipe de reabilitação. Esse
Quase sempre o objetivo primário dessas placas
efeito positivo se deve, em parte, à melhoria das con
palatinas é melhorar a nutrição do recém-nascido. Na
dições da alimentação, o que as tornam mais seguras,
tentativa de restabelecer a anatomia do palato, sepa
e, em parte, ao fato de que a atuação diminui os senti
rando a cavidade bucal da nasal, a sucção é facilitada
mentos de culpa ou rejeição, já que estreita a relação
por se criarem condições de pressão negativa intrabu-
mãe/filho. Muitos trabalhos publicados também res-
i • • i ' • « - 2 P 15 17 ?S ~>132 Í6 50 cal, e a deglutição também é favorecida por permitir
saltam esse apoio psicológico as maes-,lz,K,1/—'•• —"•• .
apoio para os movimentos linguais17,23,27,32'50.
Através de moldagens realizadas em ambulatório,
Autores como Brauer e Cronin6 e Lubit2"1 referem
com o bebê em decúbito ventral, utilizando o algina-
que bebês que utilizam a placa palatina precocemente,
to (Fig. 6-14), obtemos um modelo de trabalho em
na maioria das vezes, não se alimentam sem ela. Nosso
gesso sobre o qual confeccionamos a placa palatina
objetivo é evitar essa condição, orientando os pais que
em resina acrílica incolor (Fig. 6-15).
estimulem os bebês a se alimentarem com as placas e
A preferência por resinas incolores se justifica por
sem elas, pois acreditamos que isso permite melhor
elas permitirem a visualização de possíveis áreas de
propriocepção da região oral, além de não prejudicar
compressão da mucosa palatina quando da instalação
o bebê quando, por qualquer motivo, ele necessitar
da placa, evitando úlceras, e por facilitarem os desgas
ficar sem usar a prótese.
tes na resina para melhor adaptação.
As placas palatinas, por se constituírem em um blo
queio mecânico, impedem que língua, bico de mamadei
ra, chupeta e dedos penetrem na fenda, comprometendo
o alinhamento maxilar e, muitas vezes, provocando irri
tação da mucosa vomeriana9'23,23,30 (Figs. 6-16 a 6-18).
O trabalho de Friede e Katsaros12 relata que 94%
dos recém-nascidos apresentaram úlceras na mucosa
do septo nasal, nos primeiros dias de vida pós-natal,
pela pressão lingual.
Nós temos observado que realmente é muito alta
a incidência dessas lesões ulcerativas e que elas desapa
recem em 1 ou 2 dias após a instalação da placa palati
na, mas também tendem a desaparecer sem o uso dela,
em um espaço de tempo maior, que Winters e
Fig. 6-14. Moldagem em decúbito ventral. Hurwitz50 consideram ser, em geral, de 7 a 10 dias,
Tratamento Odontológico Precoce em Fissuras Labiopalatais 55

E importante ressaltar que a placa palatina, por


promover o correto posicionamento da língua, impe
dindo-a de se alojar na fenda, permite a horizontaliza-
ção dos segmentos maxilares, diminuindo a curvatura
da superfície do palato e promovendo a redução da
fenda maxilar, sem que se observe alteração significati
8*v
va na distância entre as tuberosidades maxilares.
Irabalhos de pesquisa que utilizaram grupo contro
le foram capazes de mostrar que, com o crescimento facial,
há mudanças na configuração maxilar do bebê fissurado,
mas elas serão significativamente mais benéficas no gru
Fig. 6-16. Postura lingual interferindo no alinhamento dos seg
mentos maxilares. po submetido à ortopedia pré-cirúrgica2,18,28,29.
As placas ortopédicas também são capazes de
melhorar a capacidade respiratória por atenuarem a
deformidade do septo nasal à medida que promovem
o alinhamento dos segmentos maxilares e separam a
cavidade nasal da bucal1''.
Mais recentemente, desenvolveram-se técnicas ci
rúrgicas que permitiram a rinoplastia primária conco
mitante à queiloplastia com excelentes resultados esté
ticos. Tem sido ressaltada a importância da ortopedia
neonatal para facilitar essa conduta cirúrgica e permi
tir sua estabilidade50.
A expectativa dessas técnicas não se reflete apenas
no ganho estético, esperamos também um resultado
funcional, ou seja, a possibilidade de obter um me
Fig. 6-17. Hábito de sucção digital entre os segmentos maxilares. lhor padrão respiratório, para que possamos ter um
crescimento maxilomandibular muito mais favorável.
Nas fendas unilaterais, a placa palatina deve esten
der-se por todo o maxilar, recobrindo o osso incisivo,
mesmo que ele esteja rodado para o lado não-fissura-
do, pois com a queiloplastia esse alinhamento não é
difícil de ser obtido (Fig. 6-20).
Entretanto, existem recursos técnicos protéticos,
por meio de desgaste ou de acréscimo de volume na
resina acrílica, que permitem uma melhora do alinha-

Fig. 6-18. Úlcera vomeriana.

embora tenhamos observado que alguns pacientes ul


trapassam semanas sem que elas cicatrizem, pelo con
tato do bico da mamadeira durante o aleitamento.
Essas placas apresentam também como caracterís
ticas, um prolongamento velar e um sulco referencial
na região do palato, que acompanha a extensão do
rebordo alveolar, com a finalidade de orientar o po
sicionamento da língua e desenvolver a sua proprio- Fig. 6-19. Placa palatina com prolongamento velar e sulco refe
cepção9,23,36(Fig. 6-19). rencial.
56 Deformidades de Lábio e Palato

mento dos segmentos maxilares com o uso adequado com a individualidade e com a idade do bebê. Em
da bandagem adesiva simultâneo ao da placa palatina. geral, utilizamos duas a três placas entre o início da
Nas fendas bilaterais, a placa palatina deve deixar ortopedia pré-cirúrgica e a queiloplastia, ou seja, em
livre a pré-maxila, pois os segmentos laterais e o osso um prazo médio de 3 meses.
incisivo não estão em um mesmo plano oclusal, o que A sua indicação é para fendas de palato isoladas e
inviabiliza a estabilidade da placa. Além disso, as alte para as combinadas de lábio e palato, uni ou bilaterais.
rações espaciais da pré-maxila podem ser diminuídas Não as recomendamos para as fendas labiais e para as
com o uso do capacete extra-oral ou da bandagem lendas incompletas de palato, por não haver indicação.
adesiva, se ela não estiver recoberta pela placa palatina, Essas placas palatinas permitem a adição de para
facilitando a reparação cirúrgica (Fig. 6-21). fusos expansores, tornando-se ativas; entretanto, rara
A instalação e a adaptação dos aparelhos podem ser mente fazemos uso desses parafusos antes da queilo
facilitadas com o uso de adesivos utilizados em prótese plastia. Em fendas bilaterais, quando a pré-maxila for
total, que favorecem a retenção e a estabilidade. O movi muito volumosa e houver constrição dos segmentos
mento de sucção, instintivo e intenso, que os bebês apre maxilares laterais, a expansão desses segmentos poderá
sentam logo ao nascimento também favorece a estabili tornar-se útil, para permitir um melhor alinhamento
dade. Além disso, acredita-se, pelos princípios ortopédi- do arco maxilar (Fig. 6-22).
cos, que a leve pressão da língua sobre a placa durante os Após a queiloplastia, ao contrário da bandagem
atos de sugar e deglutir poderia ser um estímulo que pro adesiva e do capacete de apoio pericraniano e pré-
movesse o crescimento ósseo por aposição nas bordas da maxilar, o uso das placas palatinas passivas continua
fenda, o que é ainda hoje é discutível50. sendo indicado até a realização da palatoplastia, com
As trocas dessas placas são realizadas de acordo os mesmos objetivos da fase pré-cirúrgica labial (Fig.
com o crescimento maxilar, sendo, portanto, variáveis 6-23).
Entretanto, enquanto aguardamos a palatoplastia,
podemos empregar o parafuso expansor nas placas
palatinas, tornando-as ativas, em qualquer tipo de fen
da, ao verificarmos hipoplasia maxilar ou colapso dos
segmentos maxilares. É claro que essa placa expansora
tem como objetivo promover um estímulo de cresci
mento ou acompanhá-lo, pois sabemos que uma ex
pansão maxilar sem oclusão dental não se estabiliza, o
que só irá acontecer ao término da erupção da denti-
ção decídua (Fig. 6-24).
A erupção dos dentes superiores em geral não in
viabiliza a utilização das placas palatinas, mas não po
demos recobri-los com a resina acrílica, porque provo
caríamos sua descalcificação; por isso, é necessário rea-
Fig. 6-20. Placa palatina em fenda unilateral completa.

Fig. 6-21. Placa palatina sem recobrimento do osso incisivo em Fig. 6-22. Placa palatina com parafuso expansor e bandagem
fenda bilateral. adesiva em fenda bilateral.
Tratamento Odontológico Precoce cm Fissuras Labiopalatais 57

lizar orifícios que permitam a erupção, o que tecnica continuar empregando-as, embora elas sejam ativas
mente é muito simples (Fig. 6-25). nessa fase.
Algumas crianças apresentam manifestações locais Quando a dentição decídua estiver completa, ao
e gerais desagradáveis quando da erupção dental, par redor dos 3 anos de idade, o ideal é que a criança não
ticularmente dos dentes posteriores, então, muitas ve apresente alterações oclusais significativas, pois esse é o
zes, interrompemos o uso desses aparelhos devido à objetivo primário do tratamento ortopédico precoce.
sua dificuldade de confecção e adaptação. A partir desse momento, qualquer intervenção
Após a palatoplastia, freqüentemente não há indi seguirá os padrões de tratamento ortopédico e orto-
cação de utilização das placas palatinas, mas podemos dõntico convencionais.
Para concluir, temos a considerar que o sucesso
de um tratamento especializado é dependente do co
nhecimento da patologia e dos distúrbios que ela cau
sa, do trabalho multidisciplinar integrado, da oportu
nidade da intervenção, do seguimento e da permanen
te reavaliação dos resultados.
Há diversas escolas e diferentes condutas quanto
à oportunidade c às técnicas de intervenções, inclusive
há controvérsia com relação ao emprego da ortopedia
precoce. Atualmente, ainda não existe uniformidade
de critério quanto à conduta terapêutica global; entre
tanto, somos enfáticos ao afirmar que devemos nos
guiar pelo bom senso, buscando sempre um protoco
Fig. 6-23. Placa palatina passiva após queiloplastia.
lo que seja adequado ao serviço ou instituição a que
estejamos engajados.
Vantagens c desvantagens existem em qualquer
proposta terapêutica que se eleja, mas apenas com es
tudo e empenho da equipe multiprofissional pode
mos alcançar a reabilitação adequada do paciente com
fissura labiopalatais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Altmann EBC, Vaz ACN, Paula MBSF, Khoury RBF. //;: Alt-
mann EBC (ed.). Fissuras labiopalatinas. 4 ed., Barueri: Pró-
Fono Divisão Editorial, 1997:291-324.
2. André M. Análise da ortopedia maxilar pré-cirúrgica labial em
pacientes portadores de fenda unilateral completa de lábio c
Fig. 6-24. Placa palatina ativa após queiloplastia. palato. Tese de Doutoramento 1988, 87p.
3. André M, Lopes LD, Haddad AS, Mattos BSC. Tratamento
odontopediátrico. In: Altmann EBC (ed.). Fissuras labiopalati
nas. 4 ed., Barueri: Pró-Fono Divisão Editorial., 1997:237-48.
4. Barreto MAC, Corrêa MSNP. Prevalência de cárie dentária em
crianças de 6 a 24 meses de idade e sua relação com alguns
fatores de risco. RPG Rev Pós Gr.ui 1999;0:317-22.
5. Bibby BG. The cariogenicity of snack foods and confections. J
Am Dent Assoc 1975;9£H21-32.
6. Brauer RO, Cronin I D. Maxillary orthopedics and anterior
palate repair with boné grafting. Cleft P.ilate J 1964;7:31-42.
7. Brogan WF. Cleft lip and palate. The state of the art. Ann Roy
Aust Coll Dent Surg 1986; 9.172-84.
8. Burston NR. The carly orthodontic treatment of cleft palate
conditions. Dent Practit Dent Rec 1958;241-56.
Fig. 6-25. Placa palatina com orifícios para permitir a erupção 9. Casseller F, Stcfani R, Radovich F, Sticco E, Facchin A. Reali-
dental. zzazione di una placca otturatrice funzionale con un método
58 Deformidades de Lábio e Palato

diretto nel trattamento ortopédico neonatale delle labio-pala- 29. MishimaK, MoriY, Sugahara T,Minami K,Sakuda M. Compa-
toschisi. Minerva Stomatol 1991;40:241-4. rison between the palatal confíguration in complete and in-
10. Diolaiti C, Giuliani R. II trattamento ortopédico neonatale in complete unilateral cleft lip and palate infants under 18 mon-
ths of age. Cleft Palate Craniofac J 2001;3&49-54.
pazienti affeti da labio-palatoschisi congênita Parte II conside-
razioni cliniche e valutazione dei risultat. Mondo Ortodontico 30. Modesto A, Lima KC, Uzeda M. Atividade antimicrobiana de
1990;75:173-8. três dentifricios utilizados na higiene oral de bebês: estudo in
vitro. Rev Assoc Paul Cir Dent 2001;55:43-8.
11. Fonseca YPC, Guedes-Pinto, AC. Controle da dieta alimentar
em pacientes da odontopediatria com alta incidência de cárie. 31. OTJonnellJP.Krischer JP, Shiere FR.An analysis of presurgical
Rev Assoc Paul Cir Dent 1984;3&289-301. orthopedics in the treatment of unilateral cleft lip and palate.
Cleft PalateJ 1974;77:374-93.
12. Friede H, Katsaros C. Current knowledge in cleft lip and palate
treatment from an orthodontist's point of view. J Orofac Or- 32. Oliver HT. Orthodontic treatment of the newborn with clefts
thop 1998;5£313-30. of the lip and palate./ Can Dent Ass 1968;34:196-200.
13. Georgiade NG.Early utilization of prosthetic appliances in cleft 33. Olsen NH. Pediatric dentistry. /n.-Grabb WC, Rosenstein SW,
palate patients. Plast Reconstr Surg 1964;34:617-23. Bzock KR (eds.). Cleft Lip and Palate. Boston: Little Brown;
1971:585-615.
14. Giudice G, Altacera M, Matarrese V, Minervini C. La nostra
esperienza nel trattamento ortopedico-ortodontico dei pazienti 34. Papay FA, MoralesJr L, Yamashiro D. Presurgical orthopedic
affeti da labiopalatoschisi. RevItaíChirPlástica 1992;24:59-61. treatment for cleft lip and palate. FacialPlastSurg 1993;£74-7.
15. Graf- Pinthus B, Bettex M. Long-term observation following 35. Pitanguy I, Costa LFV, Caldeira AML, Alexandrino A. Fissura
presurgical orthopedic treatment in complete clefts of the lip labial bilateral: técnica de Pitanguy; 17 anos de experiência.Rev
and the palate. Cleft Palate J 1974;77:253-60. Brás Cir 1985;75:187-98.

16. Huddart AG. An evaluation of pre-surgical treatment. BritJ 36. Pollastri G, Sticco E, Moschino T, Casseler F. Analisi delle vari-
Orthodont 1974;7:21-5. azioni morfologiche dei mascellare superiore nelle labio-palato
schisi monolaterali complete dopo trattamento ortopédico pre-
17. Huddart AG. Pre-surgical dental orthopedics. Dent Pract
chirurgico mediante placca otturatrice funzionale. MinervaSto
1962;72:339-50.
matol 2000;4£ 13-20.
18. Kozelj V. Changes produced by presurgical orthopedic treat
37. Pressland BM. Nursing care. Nursing Times 1973;69:1.406-7.
ment before cheiloplasty in cleft lip and palate patients. Cleft
Palate CraniofacJ 1999;36:515-21. 38. PruzanskyS. Pre-surgical orthopedics and boné graftingfor infants
with cleft lip and palate: a dissent. CleftPalateJ 1964;7:164-87.
19. Kozelj V. The basis for presurgical orthopedic treatment of in-
fants with unilateral complete cleft lip and palate. Cleft Palate 39. Pruzansky S, Aduss H. Arch form and the deciduous ocelusion
Craniofac J 2000;57:26-32. in complete unilateral clefts. Cleft Palate J 1964;7:441-8.
20. Le Blanc EM, Cisneros GJ. The dynamics of speech and ortho- 40. Rosenstein SN. A new concept in the early orthopedic treat
dontic management in cleft lip and palate. In:Shprintzen RS, ment of cleft lip and palate. AmJ Orthod 1969;55:765-75.
BardachJ (eds.). Cleft Palate Speech Management. A Multidis- 41. SubtelnyJD, Brodie AG. An analysis of orthodontic expansion
ciplinary Approach. St. Louis, Missouri: Mosby-Year Book, Inc. in unilateral cleft lip and palate patients. Am J Orthod
1995:305-26. 1954;40:686-97.
21. Lopes LD. Análise da ortopedia precoceseguida de duas técni 42. Theilade E, Birkhed D. Dieta e cárie. In:Thylstrup A, Fejerskov
cas cirúrgicas de queiloplastiaem pacientes portadores de fissu O (eds.). Tratado de Cariologia. Rio deJaneiro: Cultura Médica,
ras labiopalatinas bilaterais. São Paulo, 1986, 107p [ Tese - Dou 1988:117-54.
toramento - Faculdade de Odontologia da USP]. 43. Van Loveren C. The antimicrobial action of fluoride and its
22. Lopes LD. Métodos de retração ortopédica da pré-maxila nos role in caries inhibition. J Dent Res 1990;62676-81.
fissurados bilaterais totais do lábio e do palato em diferentes 44. Vargervik K. Growth characteristicsof the premaxilla and ortho
idades. São Paulo, 1979, 71p [Tese - Mestrado - Faculdade de dontic treatment principies in bilateral cleft lip and palate.
Odontologia da USP]. Cleft PalatJ 1983;20:289-302.
23. Lopes LD, Haddad AS, Mattos BSC, André M. Tratamento orto- 45. Vargervik, K. Orthodontic treatment of children with cleft lip
pédico-ortodôntico. In:Altmann EBC(ed.).Fissuras labiopalatinas. and palate. In: Shprintzen RJ, Bardach J (eds.). Cleft Palate
4 ed., Barueri: Pró-Fono Divisão Editorial 1997: 213-36. Speech Management. A Multidiscipinary Approach. St Louis,
24. Losoviz EA, Ganievich E. Un modelo de protocolo en Ia aten- Missouri: Mosby-Year Book Inc., 1995: 295-304.
ción interdisciplinaria dei paciente com fisura labioalveolopala- 46. Vasan, N. Management of children with clefts of the lip or
tina. Rev Ateneo Argent Odontol 1996;35:31-6. palate: an overview. NZ Dent J 1999;95:14-20.
25. Lubit EC. Cleft palate orthopedics: why, when, how?AmJ Or 47. Villena RS , Corrêa MSNP. Flúor - aplicação tópica. In:Corrêa
thod 1976; 62562-7'1. MSNP (ed.). Odontopediatria na Primeira Infância. São Paulo:
26. Mc Neil CK. Congenital oral deformities. Brit Dent J 1956; Livraria Ed. Santos, 1998: 31542.
70:191-8. 48. Walter LRF, Ferelle A, Issao M. Odontologia para o Bebê. São
27. Maisels DO. Early orthopedic treatment of clefts of the prima- Paulo: Artes Médicas, 1996: 246.
ry and secondary palates: a surgeon's view. Cleft Palate J 49. Weiss R, Land TAH. Between meai eating habits and dental
1966;3:76-86. caries experience in preschool children. Ame J Pub Health
28. Mishima K, Mori Y,Sugahara T, Minami K,Sakuda M. Compa- 196O;50:1.104-97.
rison between palatal configurations in UCLP infants with and 50. Winters JC, Hurwitz D. Presurgical orthopedics in the surgical
without a Hotz plate until four yearsofage. CleftPalate Cranio management,of unilateral cleft lip and palate. Plast Reconstr
fac J 2000;37:185-90. Surg 1995;95:755-64.
Abordagem Interdisciplinar
no Tratamento das
Fissuras Labiopa Iatais

Leopoldino Capelozza Filho


Ornar Gabriel da Silva Filho

INTRODUÇÃO finalização na reabilitação odontológica, ao eliminar


o defeito ósseo residual no rebordo alveolar fissura
O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaci- do"1. A outra, conjuntural, refere-se á conscientização
ais (HRAC), da Universidade de São Paulo (USP), em da equipe de reabilitação como um todo para a iatro-
Bauru, abriga o maior acervo em território nacional genia, inevitável em alguns tipos de fissura, oriunda
de pacientes portadores de malformações congênitas, das cirurgias plásticas primárias e chegando mesmo a
catalogadas como fissuras labiopalatais, além de gerar ser tão contundente quanto a fissura cm si. O acompa
valiosa produção científica pertinente. A instituição nhamento extracirúrgico, tão necessário, passou então
foi fundada em 1967 e, desde então, adquiriu experi a nortear o comportamento da família, sublinhando a
ência no tratamento interdisciplinar, buscando a recu importância das terapias extracirúrgicas para a reabili
peração morfológica, funcional e psicossocial do paci tação plena do paciente. Não é preciso dizer que essas
ente dotado deste tipo de malformação. Ao longo de transformações vieram aprimorar e particularizar o
sua existência, o HRAC conquistou prestígio singu protocolo de tratamento instituído no HRAOUSP.
lar, nacional e internacional, ao implementar uma filo Este capítulo é consagrado às fissuras labiopala
sofia de tratamento interdisciplinar que respeita, além tais e foi organizado, conforme enumerado abaixo,
da função, o crescimento dos arcos dentários e o desen obedecendo um raciocínio linear, visando a favorecer a
volvimento craniofacial em cada tipo de fissura, estru compreensão do problema em si, de suas conseqüências
turando uma tríplice aliança para o diagnóstico e defi e da necessidade de intervenção interdisciplinar:
nição das prioridades terapêuticas: cirurgia plástica, fo
noaudiologia e ortodontia. Acabou se firmando como 1. Definição do problema
uma das referências mais profícuas para o tratamento 1.1. Fissuras pré-forame incisivo
de pacientes portadores de malformações labiopalatais. 1.2. Fissuras transforame incisivo
Duas grandes transformações marcaram o HRAO 1.3. Fissuras pós-forame incisivo
USP na última década. Uma delas, operacional, envol
1.4. Fissuras raras da face
veu o advento do enxerto ósseo secundário no proto
colo de tratamento das fissuras que rompem o rebor 2. Protocolo de tratamento

do alveolar. Isto introduziu uma nova perspectiva de 2.1. Trabalho interdisciplinar

59
60 Deformidades de Lábio e Palato

2.2. Padronização dos procedimentos terapêuticos nicas muito diversificadas e que recebem sinonímias
2.3. Profissionais especializados e experientes
coloquiais diferentes, como "lábio leporino" para a
fissura de lábio, e "goela de lobo" para a fissura de
3. Cirurgias primárias: queiloplastia e palatoplastia palato. Obviamente, tal sinonímia coloquial não deve
3.1. Queiloplastia ser usada pela equipe profissional. A rigor, entre os
3.2. Palatoplastia profissionais a linguagem usada para especificar o tipo
4. Cirurgias secundárias de fissura deve ser científica e o mais universal possí
vel, expressando ao máximo as características morfoló-
5. Controle do crescimento facial e dos arcos dentários
gicas essenciais do problema, uma vez que é impossível
6. Enxerto ósseo secundário lançar mão de uma única classificação que aborde todas
as implicações (morfológicas, funcionais e psicoemocio-
nais) inerentes aos diferentes tipos de fissuras.
Ao lado das classificações de Pruzansky (1953)68,
DEFINIÇÃO DO PROBLEMA Kernahan e Stark (1958)50 e Harkins et ai. (1962)43, a
As fissuras labiopalatais constituem malformações classificação de Spina (1973)102, com sua versão final
congênitas que, no Brasil, acometem cerca de um indi adotada oficialmente no HRAC92, integra um sistema
víduo em cada 650 nascidos vivos62. Além da casuísti de classificação que tem como concepção principal
ca alarmante, que a coloca no rol de preocupações da definir a extensão e os limites do defeito anatômico,
saúde pública, comporta o desafio de exigir tratamen porém evocando o entendimento lógico dos mecanis
to longo, sincronizado e altamente especializado, en mos embriológicos envolvidos bem antes do nascimen
volvendo diferentes especialidades para a reabilitação to, no período embrionário e início do período fetal,
completa do seu portador. À guisa de ilustração, o para ser mais preciso. Esse tipo de classificação respei
Quadro 7-1 expõe alguns dos escassos levantamentos ta a individualidade embriológica da formação dos
epidemiológicos realizados em diversas regiões do Bra palatos primário e secundário, separados na vida ex-
sil. Os números expostos mostram uma amplitude de tra-uterina pelo forame incisivo (Fig. 7-1). O forame
variação muitogrande, com prevalência que oscila entre incisivo, portanto, impõe-se como referência anatômi
1:650 e 1:2.128. A porcentagem aqui escolhida de 1:650 ca das classificações ditas embriológicas, por simboli
como representativa da prevalência de fissuras labio zar o vestígio do que dividia, na vida intra-uterina, o
palatais no Brasil sustenta-se sobre duas justificativas: palato primário do palato secundário. Na classificação
primeiro, por ter sido confirmada em estudo subse de Spina, sintetizada no Quadro 7-2, a particularidade
qüente realizado em maternidades da mesma cidade recai sobre os prefixos acrescentados ao vocábulo "fo
(Bauru)97 e, segundo, porque é uma das que mais se rame incisivo" - pré, trans e pós - referentes, respecti
aproxima dos dados epidemiológicos em populações vamente, às fissuras de palato primário (fissuras pré-
brancas de europeus e americanos. forame incisivo), palatos primário e secundário (fissu
O mais intrigante é que dentro da denominação ras transforame incisivo) e palato secundário (fissuras
"fissuras labiopalatais" encontram-se manifestações clí pós-forame incisivo). Na classificação de Spina, as fis-

Quadro 7-1. Prevalência de fissuras labiopalatais: levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil


Ano Autor Local Período de Incidências
Avaliação
1968 Arce et a/.3 Sul de Minas, Paraná, Santa Catarina 1959-1963 1:1.220 brancos
1:1.450 negros e mulatos
•1978 Cândido21 Porto Alegre - RS 1:1.136

•1971 Fonseca e Rezende38 São Paulo 1965-1970 1:673

•1986 Giugliani et ai.39 Porto Alegre - RS 1982-1984 1:860

•1991 Menegotto e Salzano56 Brasil 1972-1981 1:1.176

1968 Nagem Fa et a/.62 Bauru - SP 1966-1967 1:650

1995 Nazer et a/.63 Brasil 1982-1990 1:988

1954 Oliveira66 Rio Grande do Sul 1:865

•1987 Souza et a/.98 São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina 1:2.128

•1977 Souza Freitas et a/.97 Bauru - SP 1976 1:664

' Dados levantados em maternidades.


Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 61

suras desvinculadas do forame incisivo mereceram um mente ambos os palatos, primário e secundário, atra
grupo à parte, denominado fissuras raras da face. vessando, portanto, o forame incisivo. São sempre fis
Sendo morfológica, a classificação de Spina ofere suras totais, que rompem por completo a maxila, des
ce a perspectiva de prognóstico de tratamento e defi de o lábio até a úvula. Dependendo da localização
ne de imediato o protocolo terapêutico a ser instituí podem ser unilateral, bilateral ou mediana. As possibi
do. Sendo embriológica, oferece visão pregressa estra lidades de acometimento simultâneo dos palatos pri
tégica dos processos faciais e palatinos envolvidos na mário e secundário estão ilustradas na Fig. 7-7. Como
malformação. O Quadro 7-2 estabelece a distribuição se deduz pela maior extensão, têm implicações morfo-
dos diferentes tipos de fissura na casuística do HRAC. lógicas e funcionais, exigindo um protocolo mais am
plo de terapias como cirurgias plásticas, fonoaudio
Quadro 7-2. Classificação de Spina'02, modificada92, logia, ortodontia e, ocasionalmente, cirurgia ortogná-
adotada no HRAC-USP tica, nesta ordem. As Figs. 7-8 e 7-9 mostram a exten
Grupo 1 Unilateral Incompleta são clínica das fissuras transforame incisivo unilateral
Pré-forame incisivo Completa e bilateral, respectivamente.
Bilateral Incompleta A ruptura do processo alveolar nas fissuras pré e
Completa transforame incisivo (Figs. 7-3 a 7-6 e 7-8 e 7-9) acarreta
Mediana Incompleta alterações dentárias de número e de forma, principal
Completa
mente nos incisivos laterais superiores, dentes cujo
Grupo II Unilateral germe dentário é diretamente agredido pela lesão. Os
Transforame incisivo Bilateral
Mediana incisivos laterais permanentes estão ausentes em cerca
Grupo III Incompleta
de 50% das fissuras que rompem completamente o
Pós-forame incisivo Completa rebordo alveolar105. É comum também o aparecimen
to do chamado dente pré-canino, decíduo e/ou per
Grupo IV Fissuras desvinculadas manente, que surge mesialmente ao canino do lado da
Fissuras raras da face dos palatos primário fissura (Fig. 7-10). Este dente deve ser mantido no lo
e secundário
cal pelo maior tempo possível. A sua extração precoce
compromete ainda mais o osso alveolar adjacente,
Fissuras Pré-forame Incisivo (Grupo I) motivo pelo qual a extração, quando indicada, deve
ser postergada ao máximo.
O grupo de fissuras pré-forame incisivo compreende
as malformações que envolvem apenas o palato pri
mário e, sendo assim, estendem-se a partir da superfí
cie do lábio até no máximo o forame incisivo. Não Fissuras Pós-forame Incisivo (Grupo III)
acometem o palato. Podem ser subclassificadas, de acor O grupo de fissuras pós-forame incisivo inclui as mal
do com a localização, em unilateral, bilateral e media formações que envolvem o palato secundário, esten
na e, de acordo com a extensão, em incompletas e com dendo-se a partir da úvula até, no máximo, o forame
pletas. As possibilidades de acometimento do palato incisivo. Podem ser completas ou incompletas, agravan
primário estão ilustradas na Fig. 7-2. Pela sua localiza do-se de trás para a frente. As possibilidades de extensão
ção, não trazem implicações funcionais, apenas morfo- do palato secundário estão ilustradas na Fig. 7-11. As
lógicas, ou seja, estéticas. A manifestação clínica (Figs. 7-3 fissuras isoladas do palato (Fig. 7-12), diferentemente
a 7-6) denota a agressividade estética. O prognóstico de daquelas que envolvem o palato primário, não trazem
tratamento é favorável, envolvendo queiloplastias pri conseqüências estéticas, mas funcionais, como proble
márias e secundárias, reconstrução de columela no caso mas de fala e problemas auditivos e otológicos, inter
das fissuras bilaterais, rinosseptoplastia e enxerto ósseo ferindo no universal desejo do ser humano de se ex
alveolar, quando a extensão do defeito ósseo justificar pressar oralmente. Os problemas de fala podem ser
o procedimento. Acarretam problemas ortodônticos agrupados em: ressonância hipernasal, emissão nasal
quando a fissura compromete o rebordo alveolar. de ar, fraca pressão na produção dos fonemas conso-
nantais devido à diminuição da pressão aérea intra-
oral e, finalmente, os distúrbios articulatórios com
Fissuras Transforame Incisivo (Grupo II) pensatórios. Estes desvios são causados, na maioria das
O grupo de fissuras transforame incisivo abrange as vezes, por uma disfunção velofaríngea que pode per
malformações que envolvem simultânea e completa sistir mesmo após a correção cirúrgica do palato. Os
62 Deformidades de Lábio e Palato

Lábio superior
Palato primário Fig. 7-1.
Forame incisivo Forame incisivo
Classificação de
Spina102: a escolha
Rebordo alveolar
do forame incisivo
Palato Palato duro como referência
secundário demarcatória para a
Palato mole classificação das
V J fissuras labiopalatais
tem a clara intenção
de evocar o limite
pré-natal entre
palato primário e
r Pré-forame
palato secundário.
Forame incisivo A. Processos faciais
embrionários
Transforame f
(período
}• Pós-forame embrionário).
B. Processos
palatinos
secundários (período
fetal).

Fissuras que acometem o palato primário


Grupo I: pré-forame incisivo

7
;

Direita Direita completa Esquerda Esquerda completa

Fig. 7-2. Grupo I:

^r^ V fissuras pré-forame


incisivo (palato
primário). As
ilustrações
esquemáticas
reúnem os possíveis
tipos e extensões de
fissura que
Mediana Mediana Bilateral Bilateral completa acometem o palato
primário.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 63

Fig. 7-3. Aspectos facial (A) e intrabucal (B) dafissura pré-forame incisivo unilateral completa do lado esquerdo. Acompletude dafissura
édefinida clinicamente pela ruptura total do rebordo alveolar, alcançando oassoalho nasal. Aruptura do alvéolo segmenta oarco dentário
superior na região do incisivo lateral, comprometendo a formação e irrupção do mesmo. A assimetria nasal, com achatamento da
cartilagem alar, constitui característica das fissuras unilaterais.

Completa Completa
Fig. 7-4. Extensões diferentes da fissura pré-forame incisivo unilateral. Éconsiderada completa quando a lesão alcança o forame incisivo.

Fig. 7-5. Aspectos facial e intrabucal da fissura pré-forame incisivo bilateral simetricamente completa. A completitude da fissura é
definida clinicamente pela ruptura total bilateral do rebordo alveolar, alcançando o assoalho nasal e isolando a pré-maxila da maxila
propriamente dita. A projeção anterior da pré-maxila, característica das fissuras bilaterais completas, joga o pró-lábio em direção ao ápice
nasal, tornando a columela deficiente ou praticamente ausente.
64 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 7-6. Extensões


diferentes da fissura
pré-forame incisivo
bilateral.
Completa Completa

Fissuras que acometem o palato primário e secundário


Grupo II: transforame incisivo Fig. 7-7. Grupo II:
fissuras transforame
incisivo (palatos
^•N^
* /Ffs /7N . -\ ' primário e
secundário). As
ilustrações
/ :
1, I yi
esquemáticas
reúnem os possíveis
tipos de fissura que
L acometem
VX; w V J simultaneamente os
Direita Esquerda Bilateral Mediana palatos primário e
secundário.

problemas auditivos e otológicos são causados prova nóstico é completado, assim como a abordagem tera
velmente pela ausência ou redução de aeração do ou pêutica é estabelecida, depois da constatação dos pro
vido médio71' 10i. O protocolo de tratamento para as váveis desvios funcionais, como alterações de fala ou
fissuras pós-forame incisivo exige a palatoplastia acom auditivas. As alterações que podem ser encontradas na
panhada das terapias funcionais, comandadas pela fo fala incluem: distúrbios articulatórios compensatórios
noaudiologia. e/ou distúrbios articulatórios clássicos; hipemasalida-
Dentre as fissuras incompletas do palato destaca- de de leve a grave; inteligibilidade comprometida;
se a batizada como "fissura submucosa" (Fig. 7-13) que, possibilidade de escape de ar audível na emissão de
na sua manifestação clássica, consiste numa tríade de alguns fonemas, e fraca pressão aérea intra-oral duran
úvula bífida, diástase muscular (área translúcida, às vezes te a emissão dos fonemas que exigem maior pressão.
esbranquiçada, que percorre a linha média do palato O diagnóstico funcional deve englobar obrigatoria
mole) e chanfradura óssea na espinha nasal posterior0, mente a avaliação instrumental por meio da nasofa-
não sendo necessária a presença dos três sinais combi ringoscopia, para ajudar na definição da técnica cirúr
nados para que caracterize este tipo de fissura2'. O diag gica a ser empregada na correção do defeito (Fig. 7-14).
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 65

Fig. 7-8. Aspectos facial e


intrabucal da fissura
transforame incisivo
unilateral dos lados direito e
esquerdo. A completude da
fissura divide a maxila em
dois segmentos distintos, o
segmento maior ou não-
fissurado, e o segmento
menor ou fissurado. A
ruptura do rebordo alveolar
acarreta implicações
odontológicas e ortodõnticas.
A assimetria nasal, com
achatamento da cartilagem
alar, constitui característica
das fissuras unilaterais.

Fissuras Raras da Face (Grupo IV) PROTOCOLO DE TRATAMENTO

No Grupo IV, intitulado fissuras raras da face, estão as Partimos da premissa que não é pouco o que o paci
fissuras craniofaciais, laterofaciais e mandibulares, des ente fissurado e seus familiares esperam da equipe de
vinculadas do forame incisivo. O nome "raras" advém reabilitação. A verdade é que também não é pouco o
da sua menor incidência, cerca de uma fissura rara para que a equipe de reabilitação precisa devolver ao paci
cada 300 fissuras labiopalatais57. A verdade é que a clas ente portador de fissura labiopalatal. A reabilitação
sificação de Spina não tem especificidade para a defi envolve um processo coletivo lento que busca uma boa
nição destas fissuras. Existem classificações voltadas oclusão dentária, face equilibrada, fala inteligível, boa
especificamente para as fissuras faciais. A mais conhe audição, boa auto-imagem, sem interferir negativa
cida, completa e organizada é a do francês Paul Tessi- mente com o crescimento inerente da face. Isto sig
er106, o qual agrupa as fissuras raras em vários subtipos, nifica que a reconstituição do defeito congênito por
usando a órbita como referência anatômica. A Fig. 7-15 meio de cirurgias plásticas constitui a primeira etapa
ilustra a fissura oblíqua unilateral da face. de uma série de terapias que se sucedem, entre elas a
66 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 7-9. Aspectosfacial e intrabucal da fissura transforame incisivo bilateral. A completitude da fissura dividea maxila em três segmentos
distintos: dois laterais, os processos maxilares, e um central, projetado anteriormente, a pré-maxila. A projeção anterior da pré-maxila,
característica das fissuras bilaterais completas, joga o prolábio em direção ao ápice nasal, tornando a columela deficiente ou praticamente
ausente.

Fig. 7-10. A presença do dente pré-canino é uma constante nas fissuras que rasgam o processo alveolar. Como esse nome sugere, esse
dente localiza-se mesialmente ao canino, no segmento fissurado. E um dente importante para preservar osso na mesial do dente canino.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 67

Fissuras que acometem o palato secundário


Grupo III: pós-forame incisivo

Incompleta Incompleta Completa

Fig. 7-11. Grupo III: fissuras pós-forame incisivo (palato secundário). As ilustrações esquemáticas reúnem as possíveis extensões de
fissura que acometem o palato secundário.

Completa Palatoplastia

Fig. 7-12. Aspecto intrabucal da fissura pós-forame incisivo (fissura isolada de palato). O lábio e rebordo alveolar permanecem intactos,
enquanto a extensão da fissura agrava-se da úvula em direção ao forame incisivo. A palatoplastia aproxima a mucosa e, ao devolver a
normalidade anatômica ao palato mole, favorece a fala e o funcionamento auditivo.
68 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 7-13. A diástase


muscular e a úvula
bífida compõem o
quadro clínico
clássico da fissura
submucosa.

beneficio dos protocolos de tratamento pelo lado do


custo. Nesse contexto, mais do que o custo financeiro,
devem ser apurados os custos implícitos nos riscos e
na perturbação da rotina de vida dos pacientes e seus
responsáveis. O HRAC-USP está atento às novas ten
dências e vem defendendo com firmeza, há muito, a
simplificação dos protocolos de tratamento para os
diferentes tipos de fissura.
O sucesso do tratamento está condicionado, an
tes de mais nada, a três fatores elementares: (a) traba
lho interdisciplinar; (b) padronização dos procedimen
tos terapêuticos; e (c) profissionais especializados e ex
perientes.
Fig. 7-14. A nasofaringoscopia, realizada e interpretada em con
junto pelocirurgião plástico e pela fonoaudióloga, avalia o funcio
namento do esfíncter velofaríngeo na fala, estabelecendo a condu
ta terapêutica específica para cada caso. Esta pode ser cirúrgica, Trabalho Interdisciplinar
adaptação de prótese de fala, ou ainda fonoterapia.
As cirurgias plásticas representam as terapias mais cele
bradas entre os familiares e pelo próprio paciente. De
fonoaudiologia e a ortodontia (Fig. 7-16), e todas co fato, é indiscutível que as cirurgias plásticas primárias,
locadas num mesmo patamar de importância no con queiloplastia e palatoplastia, constituem terapias inici
texto geral da reabilitação. Portanto, é um equívoco ais indispensáveis na reabilitação das fissuras labiopa
supervalorizar determinadas terapias, bem como ins latais. Porém, se elas constituem terapias iniciais, não
tituir tratamentos especulativos na expectativa de que constituem terapia única. Há um consenso universal
eles dêem bons resultados. Há que se ter um vínculo de que o tratamento adequado das fissuras labiopala
constante com o saber científico, retendo dele a raci tais exige uma equipe interdisciplinar bem entrosada,
onalização necessária para um protocolo de tratamen para reabilitar a fissura e devolver as funções plenas
to coerente. do sistema estomatognático, sem sacrificar o potencial
A década de 1990 deixa como legado a compara de crescimento facial inerente ao indivíduo. Uma ver
ção dos resultados a longo prazo de casos provenien dade incontestável é que as cirurgias plásticas primári
tes de centros europeus prestigiosos4,30,35,53,59,79,80. Com as, mesmo quando executadas com o rigor meticuloso
base nesses estudos, um dos grandes marcos na histó necessário, representam um desafio a longo prazo para
ria do tratamento da fissura, passou-se a valorizar pro o crescimento da face, um incômodo paradoxo entre
postas terapêuticas mais racionais, éticas c, sobretudo, a realidade e o que se espera do processo reabilitador;
enxutas. De um modo geral, os resultados a longo pra fato que não diminui a importância das cirurgias
zo são pobres, distanciados das expectativas do reabi- primárias no esquema terapêutico, mas valoriza o prin
litador. Tratamentos menos complexos e menos cus cípio da interdisciplinaridade. Quem melhor pode di
tosos se mostraram iguais ou melhores que tratamen agnosticar e fazer algo para abrandar o implacável efei
tos longos, caros e complexos. Assim, é preciso, den to negativo a longo prazo das cirurgias primárias é o
tro das possibilidades atuais, reavaliar a relação custo- ortodontista22'23'64'90'm.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalata
palatais 69

Fig. 7-15. Aspectos faciais de


uma fissura rara de face.

Quadro 7-3. Distribuição das fissuras diagnosticadas em 28.745 pacientes cadastrados no HRAC-USP,
enumerados pela ordem decrescente de ocorrências
Fissura Diagnosticada
Quantidade Freqüência
Transforame unilateral esquerda
5.613 19,53%
Pós-forame incompleta
5.264 18,31%
Transforame bilateral
3.998 13,90%
Transforame unilateral direita
2.912 10,13%
Pré-forame unilateral incompleta esquerda 2.282 7,94%
Pós-forame completa
1.278 4,44%
Pré-forame unilateral incompleta direita
1.178 4,10%
Pré-forame unilateral completa esquerda 1.081 3,76%
Pré-forame unilateral completa direita 584 2,03%
Pré-forame bilateral incompleta
516 1,79%
Pré-forame unilateral incompleta esquerda + pós-forame incompleta 460 1,60%
Pré-forame unilateral incompleta direita + transforame esquerda 404 1,40%
Pré-forame unilateral incompleta esquerda + transforame direita 340 1,18%
Pré-forame unilateral incompleta direita + pós-forame incompleta 271 0,94%
Pré-forame bilateral incompleta + pós-forame incompleta 179 0,62%
Pré-forame unilateral completa esquerda + pós-forame incompleta 146 0,51%
Pré-forame unilateral completa direita + pós-forame incompleta 109 0,38%
Fissuras raras
92 0,32%
Pré-forame mediana
87 0,30%
Pré-forame unilateral incompleta esquerda + pós-forame completa 87 0,30%
Pré-forame bilateral incompleta + pós-forame completa 79 0,27%
Pré-forame unilateral incompleta direita + pós-forame completa 74 0,26%
Pré-forame bilateral completa + pós-forame incompleta 27 0,09%
Transforame mediana 3 0,01%
70 Deformidades de Lábio e Palato

Ortodontia
Fonoaudiologia
e esclarece aos
Fig.
j-ia r-,6. Aequipe
, i u. a,
inferéssados
uuu.u^ de dK.gn6s.ico,«pintado
terapêuticas adequadasP+**2^*~£*£:
m» diagnóstico,
as estratégias
reprc-.
para areab.l.taçao total do pacente. °rt°d°n,ia' **"°^'^

caros não foram melhores do que os de protocolos mais


Padronização dos Procedimentos
simples; (4) forças ortopédicas extrabucais pré-cirúrgi-
Terapêuticos cas proporcionaram resultados pobres a longo prazo.
É necessário estipular um protocolo de tratamento Esses resultados propõem contínua reflexão ética e da
adequado para cada tipo de fissura, evitando que ex relação custo-beneficio no tocante ao protocolo de tra
cesso de número de cirurgias e trauma cirúrgico pas tamento para a fissura labiopalatal.
sem a significar riscos para o crescimento da face mé O protocolo de tratamento do HRAC, sintetizado
dia e evitando terapias precoces que, a longo prazo, no Quadro 7-4, defende: (1) cirurgias primárias na pri
nada significam. Oprotocolo de tratamento do HRAC meira infância; (2) ausência de ortopedia maxilar preco
é simples e encontra respaldo no resultado de pesqui ce pré e pós-cirurgias primárias; (3) tratamento ortodôn-
sas que comparam as experiências de outros centros tico de preferência a partir da dentadura mista, incluin
de tratamento. Essas pesquisas intercentros comparam do o preparo do arco dentário superior para o enxerto
o resultado obtido com o protocolo de tratamento ósseo secundário; (4) enxerto ósseo secundário no final
de quatro centros escandinavos30,35 e seis centros euro- da dentadura mista; (5) tratamento ortodôntico correti
vo final; (6) cirurgia ortognática, se houver indicação e
As conclusões destes estudos levantam fatos de ex (7) cirurgias plásticas secundárias necessárias.
trema importância, a saber: (1) protocolos de tratamen
to mais caros e complexos não apresentam nenhuma
vantagem demonstrável na relação dos arcos dentários Profissionais Especializados c Experientes
e morfologia craniofacial; (2) centros de tratamento com
protocolo simples saíram-se bem; (3) resultados dos cen
tros de tratamento com protocolos mais complexos e Profissionais especializados ettMrii-ntor ,i l
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 71

Quadro 7-4. Protocolo de intenções cirúrgicas defendido pelo HRAC para a reabilitação dasfissuras
^"""••^-n. Fissura
Pré-forame Pré-forame Transforame Transforame Pós-forame
Cirurgia ^"""-•v..^^ unilateral bilateral unilateral bilateral
Queilolastia 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses
(tempo único) (tempo único)
-

-
3 e 6 meses 3 e 6 meses
(2 tempos cirúrgicos)
-
-

(2 tempos cirúrgicos)
Palatoplastia - _
12 meses 12 meses 12 meses

Queiloplastia, tempo 6 anos 6 anos


-

definitivo e columela
-
-

Enxerto ósseo 9-12 anos 9-12 anos 9-12 anos 9-12 anos
secundário -

Cirurgia ortognática Maturidade Maturidade


- -

esquelética
-

esquelética

final, principalmente nas fissuras transforame incisivo Dentro dos parâmetros laboratoriais mínimos
unilateral e bilateral, bem como a qualidade da fala, exigidos pelo serviço de pediatria do HRACUSP para
nas fissuras envolvendo o palato, depende em parte condução dos pacientes agendados para cirurgias ele
da técnica e habilidade do cirurgião, de um nível de tivas destacam-se: peso mínimo de 4,5kg; taxa de he
especialização que só vem com o treinamento conti moglobina acima de 9,5g/dl para queiloplastia primá
nuado. Nas fissuras transforame incisivo unilateral, o ria e superior a 10,0g/dl para palatoplastia entre ou
padrão facial final, em especial, depende em grande tras; série branca, quando alterada, valorizada pela pe
parte do trauma cirúrgico induzido, ou seja, da técni diatria e acompanhada de manifestações clínicas; tem
ca cirúrgica e também da habilidade do cirurgião. pos de protrombina e de tromboplastina parcial ativa
Esta diferenciação se aplica a todos os componentes da e a dosagem do fibrinogênio, dentro dos valores de
da equipe interdisciplinar. As limitações encontradas ao referência.
longo de muitos anos na prática com pacientes portado Com relação aos critérios para a realização de ci
res de fissura são a melhor forma de fazer com que os rurgia de fissura labial, cirurgiões americanos utilizam
profissionais revejam suas condutas terapêuticas, expur a regra dos 10: mínimo de 10 semanas de vida, peso
gando o que é especulativo ou seu efeito a longo prazo. superior a 10 libras (aproximadamente 4,5kg) e taxa de
hemoglobina acima de lOg/dl.
Evidentemente que a idade da criança, o tipo de
CIRURGIAS PRIMÁRIAS fissura, o grau de debilitação do paciente, as condi
ções clínicas associadas, o porte da cirurgia e o risco de
São chamadas de cirurgias primárias aquelas realizadas sangramento são fatores que devem determinar a ex
com o objetivo de reconstruir o defeito morfológico. tensão da avaliação laboratorial necessária para uma
No HRAC, as cirurgias primárias constituem apenas condução segura da anestesia e da cirurgia.
cirurgias de tecido mole, excluindo, portanto, o enxer Muito embora exista relato de queiloplastia desde
to ósseo primário. Elas compreendem a queiloplastia e o ano de 390 a.C, na China16, a cirurgia plástica, a des
a platoplastia, ambas realizadas na primeira infância, peito da grande evolução, não dispõe ainda de uma téc
como se observa no Quadro 7-4 e nas Figs. 7-17 a 7-21. nica operatória perfeita. A cirurgia moderna respeita
alguns princípios para o sucesso da queiloplastia, a sa
ber: (1) ressecção mínima dos tecidos das vertentes labi-
Queiloplastia
ais; (2) preservação dos caracteres anatômicos existentes
A queiloplastia consiste na cirurgia plástica para o fe no lábio fissurado, como a crista filtrai, o arco de cupi-
chamento da fissura labial e é realizada a partir de três do e o tubérculo mediano; e (3) a reconstrução do lábio
meses de idade, se a criança tiver alcançado as condi em três planos (mucoso, muscular e cutâneo). As técni
ções orgânicas mínimas necessárias para submeter-se à cas de queiloplastia utilizadas no HRAC13 são a de Spi
anestesia geral com segurança. na99,101, com incisão e plástica em Z ao final (Fig. 7-17), e
72 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 7-17. Protocolo


cirúrgico obedecido
pelo HRAC para
reconstrução
primária da fissura
transforame incisivo
unilateral:
queiloplastia (técnica
de Spina), a partir de
3 meses de idade, e
palatoplastia, a partir
de 12 meses de
idade.

Reabilitação fina

a de Millard57,58, a qual utiliza incisão com rotação e Embora facilite sobremaneira o fechamento ci
avanço dos retalhos (Fig. 7-18). rúrgico do lábio, a remoção total ou exérese da pré-
Nas fissuras bilaterais utiliza-se, no HRAC, a téc maxila representa um procedimento totalmente con
nica preconizada por Spina100, realizada em dois tem denável, principalmente na infância, visto que seus
pos cirúrgicos, sem nenhum tratamento prévio com efeitos a longo prazo são desastrosos para a face e
a intenção de reposicionamento preliminar da pré- para a oclusão do paciente. A amputação da pré-ma
maxila projetada. O primeiro tempo cirúrgico con xila em idade precoce causa uma retroposição severa
siste em restabelecer a continuidade do lábio e isto da face média e principalmente da região alveolar,
pode ser feito fechando-se os dois lados de uma úni com perfil excessivamente côncavo, discrepância sa-
ca vez ou em duas etapas, na dependência principal gital entre as bases apicais, falta de suporte para o
mente do grau de projeção da pré-maxila. Assim como lábio e o nariz, além do reflexo negativo sobre a efi
nas fissuras unilaterais, a queiloplastia nas fissuras ciência mastigatória3"1,61,69.
bilaterais inicia-se a partir dos três meses de idade, A ressecção com retroposição da pré-maxila con
mantendo um intervalo de três meses quando reali siste numa opção cirúrgica menos radical que a remo
zada em duas etapas. O segundo tempo, ou queilo ção completa da pré-maxila. Apesar de mostrar um
plastia definitiva, é realizado por volta dos 4 a 6 anos bom efeito imediato, favorecendo o reparo labial em
de idade. um único tempo cirúrgico e normalizando de pronto
É bem verdade que, pelo grande impacto morfo- a posição da pré-maxila14 , quando realizada na infân
lógico e estético que acarreta, a pré-maxila nas fissuras cia tem efeitos tardios imprevisíveis, em parte atribuí
bilaterais completas tem recebido, ao longo da histó dos aos procedimentos operacionais, que podem in
ria terapias alternativas precoces, antes, depois, ou em cluir: atrofia da pré-maxila, desenvolvimento odonto-
concomitância com as cirurgias convencionais de lá gênico alterado, redução exagerada da projeção anterior
bio e palato, com o intuito de reduzir de imediato a da pré-maxila e perfil acentuadamente côncavo9,14,34,36,47,
sua projeção anterior. As condutas terapêuticas mais além do risco do pseudartrose com conseqüente mo
comuns, algumas de eficiência controversa e outras bilidade da pré-maxila, em virtude da pequena área de
comprovadamente iatrogênicas, são o reposicionamen contato ósseo no vômer.
to ortopédico da pré-maxila<>•"'•',<vl7•:,:,•7•Ull,, a retroposi O HRAC não incorpora nenhuma destas terapias
ção cirúrgica da pré-maxila9,14,34,36,47 e a exérese da pré- alternativas para o reposicionamento precoce da pré-
maxila34,61,69. maxila. Adotam-se apenas as cirurgias primárias, quei-
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 73

Fig. 7-18.
Reparação cirúrgica
do lábio (fissura
transforame incisivo
unilateral, do lado
esquerdo):
queiloplastia
primária pela
técnica de Millard.

loplastia e palatoplastia, a partir dos três meses de Palatoplastia


idade. Esta filosofia tem sido consubstanciada pela
experiência vivenciada a longo prazo. A queiloplas A palatoplastia, indicada a partir dos 12 meses de ida
tia exerce uma importante função imediata de recons de, reconstrói a anatomia que divide a cavidade nasal
trução da morfologia facial alterada em todas as fis da cavidade bucal. Mas ninguém discorda que o prin
suras envolvendo o lábio. Essa função, sem dúvida, cipal objetivo desta intervenção cirúrgica tem caráter
causa um impacto psicológico positivo para os fami funcional, levando-se em consideração o funcionamen
liares. Mas, no caso da fissura bilateral completa, a to do esfíncter velofaringeo e da tuba eustaquiana. A
queiloplastia realizada na primeira infância ainda exer técnica utilizada no HRAC para o fechamento do pa
ce um efeito lento, porém progressivo e favorável, lato é a descrita em 1861 pelo cirurgião alemão Ber-
sobre o crescimento da face média, rctroposicionan- nard von Langenbeck, realizada em um único tempo
do principalmente a parte alveolar da pré-maxila e cirúrgico (Fig. 7-21).
inclinando os incisivos superiores para lingual"5. A A palatoplastia de von Langenbeck consiste em
Fig. 7-19 comprova o efeito restritivo implacável da uma técnica simples, que usa retalhos mucoperiósti-
queiloplastia sobre a pré-maxila, e a Fig. 7-20 exem cos, aproximados a partir de amplas incisões relaxado-
plifica clinicamente o protocolo de tratamento ado ras laterais, para fechamento da fissura palatal. É uma
tado no HRAC para as fissuras transforame incisivo cirurgia simples cujo sucesso é avaliado pelo resultado
bilateral. obtido no funcionamento da trompa auditiva e na
74 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 7-19. O flagrante


reposicionamento da
pré-maxila em direção
posterior, decorrente da
pressão exercida pela
reconstrução labial em
idade convencional
(infância), aponta para o
lado positivo da
queiloplastia a longo
prazo, ao mesmo tempo
que despreza condutas
extracirúrgicas precoces
com intenção similar.

fala, principalmente no que se refere à ressonância na


sal e competência velofaríngea. A literatura tem esti
CIRURGIAS SECUNDARIAS
mado em 75% a porcentagem de sucesso no tocante à As cirurgias secundárias retratam procedimentos opera-
competência velofaríngea, decorrente da palatoplastia tórios executados depois da primeira infância. Nesse gru
primária''". po de exercícios terapêuticos incluem-se cirurgias estéti
A correção cirúrgica do palato resulta também em cas, principalmente aquelas voltadas para amenizar falhas
melhora na audição, devido à ação da musculatura do decorrentes das cirurgias primárias, e cirurgias funcionais.
palato, especialmente a do músculo tensor do véu pa- Entre as cirurgias estéticas estão as queiloplastias
latino, propiciando melhor funcionamento da tuba secundárias e as rinoplastias. Como cirurgias funcio
auditiva13. nais, agrupam-se as palatoplastias secundárias, princi-
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 75

Fissura transforame incisivo bilateral: projeção da pré-maxila

Projeção da pré-maxila: ausência de columela Segmentação da maxila em três partes

Queiloplastia primária de Spina - Ia etapa Queiloplastia primária de Spina - 2a etapa

-J^F

cs *
'TnBbtí
H|

Palatoplastia: técnica de von Langenbeck Queiloplastia definitiva: técnica de Spina

Fig. 7-20. (Continua)


76 Deformidades de Lábio e Palato

• ^BlBl

gOF

n^ .-••jÉ

. \

Reposicionamento gradual da pré-maxila: redução da convexidade facial

Irrupção espontânea dos caninos permanentes na área do enxerto ósseo secundário

Fig. 7-20. (Continua)


Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 77

Padrão facial adulto: convexidade facial normal ou reduzida

Alongamento de columela

Fig. 7-20. As fotografias seqüenciadas nesta figura ilustram o protocolo de tratamento estabelecido pelo HRAC para a reabilitação da
fissura transforame incisivo bilateral. O que de inícioparece incorrigivel vai tomando aos poucos vulto de normalidade. O lábio e o palato
são reconstituídos segundo as técnicas de Spina e de von Langenbeck, respectivamente. O comportamento da pré-maxila após as cirurgias
primárias mostra a obviedade que deve nortear um protocolo de tratamento lógico - as forças ocasionadas pelas cirurgias primárias,
notadamente pela queiloplastia, reposicionam a pré-maxila e reduzem a convexidade facial ao longo do crescimento. Esse comportamen
to suprime a necessidade de ortopedia pré e pós-cirurgia em estágios precoces. As cirurgias plásticas secundárias regularizam o contorno
do lábio superior e providenciam o aumento da columela. Ao final da dentadura mista o rebordo alveolar é preenchido com osso retirado
da crista ilíaca (enxerto ósseo secundário). A irrupção espontânea dos caninos permanentes através do enxerto ósseo secundário comprova
que o sucesso do preenchimento do defeito ósseo alveolar é algo inegável dos pontos de vista dentário, periodontal e estético. A aparência
facial final comprova que, com um protocolo de tratamento enxuto, pode ser alcançados excelentes resultados.

palmente para fechamento de fistulas, as rinossepto- balhos com pacientes adultos não-operados têm de
plastias e a faringoplastia. monstrado que existem características faciais inerentes
à fissura, como por exemplo a face longa nas fissuras
transforame incisivo26,93.

CONTROLE DO CRESCIMENTO FACIAL


Por outro lado, as cirurgias primárias, quando
realizadas na infância, imprimem mudanças na con
E DOS ARCOS DENTÁRIOS
figuração facial, ao longo do crescimento, como cor
A presença da fissura labiopalatal não impede a mani robora a imensa literatura disponível22,2'1'"16'65,70,7'1"77 e as
festação do potencial genético de crescimento facial, Figs. 7-20 e 7-22. No entanto, essas mudanças pós-
fato incontroverso quando se comparam pacientes operatórias restringem-se à maxila. A mandíbula per
adultos fissurados não-operados com pacientes adul manece imutável à ação das cirurgias85. Nas fissuras
tos não-fissurados. A face cresce, muito embora este que envolvem o palato, as transforame incisivo e pós-
crescimento se processe de forma alterada, preservan forame incisivo, a mandíbula mostra-se menor e com
do as características que remetem à morfologia inicial características de crescimento vertical, girando no
da fissura, como corrobora a Fig. 7-23. Os parcos tra sentido horário durante o crescimento84. Essas carac-
78 Deformidades de Lábio e Palato

- », Jsft *
«
•A

k_
Fig. 7-21. Palatoplastia realizada pela técnica de von Langenbeck.

Fig. 7-22. (Continua) Deficiência maxilar conseqüente ás cirurgias plásticas primárias.

f^:\ >

fe^6:::^HI

Fig. 7-22. (Continua) Preparo ortodôntico para pré-cirurgia ortognática.


Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 79

Pré-cirurgia ortognática Pós-cirurgia ortognática

Fig. 7-22. (Continua) Cirurgia ortognática para reposicionamento maxilar.

Fig. 7-22. A reabilitação completa deste paciente adulto com fissura transforame incisivo unilateral ilustra o tratamento ortodôntico e as
cirurgias secundárias possíveis de serem executadas, incluindo a cirurgia ortognática. O paciente, após a adolescência, exibia uma face
côncava com atresias transversal e sagitai acentuadas do arco dentário superior. O caso exigiu um preparo ortodôntico para subseqüente
cirurgia ortognática. Após a cirurgia ortognática, a cirurgia plástica incumbiu-se de melhorar a cicatriz do lábio e a assimetria nasal.
80 Deformidades de Lábio e Palato

terísticas são inerentes à fissura e não mudam com as A influência negativa das cirurgias sobre a face
cirurgias65. Isto significa que nem todas as caracterís média, nas fissuras transforame incisivo unilateral, in
ticas faciais adultas decorrem exclusivamente das ci terpreta o processo cirúrgico sob uma ótica dupla. Uma
rurgias plásticas. é a inevitabilidade das cirurgias reconstrutoras preco
Talvez por ser alvo da lesão, a maxila comporta-se ces, com pós-operatórios imediatos excelentes. A ou
diferentemente e mostra-se vulnerável às cirurgias. As tra é o custo biológico negativo e imprevisível dessas
cirurgias restringem em graus variados o crescimento cirurgias a longo prazo, revelado pela deficiência ma
maxilar. Nas fissuras pré-forame incisivo, essa restrição xilar notória. Seria falso atribuir exclusivamente o dé
é menor e não tem reflexo negativo na estética facial, ficit de crescimento da face média às cirurgias primárias,
no sentido positivo de remodelar a extremidade ante já que outras variáveis têm participação, como a am
rior do processo alveolar que se projeta para fora da plitude da fissura e o comportamento ou padrão
boca antes da queiloplastia89. Ao contráriodo que acon de crescimento do paciente. Porém, com certeza, as
tece nas fissuras pré-forame incisivo, nas fissuras trans cirurgias desempenham papel marcante no quadro de
forame, devido à ruptura total da maxila, a restrição condicionantes do padrão facial final nas fissuras trans
do potencial de crescimento é grande, trazendo refle forame incisivo unilateral.
xo sempre negativo, do ponto de vista estético, nas Uma série de trabalhos conduzidos no HRAC so
fissuras unilaterais (Fig. 7-22) e, quando desmedida, bre as fissuras transforame incisivo unilateral25'81,83,86-88,
também nas fissuras bilaterais. As Figs. 7-22 e 7-24 ex traz à tona o debate sobre a influência isolada de cada
põem com clareza o padrão facial típico do paciente cirurgia, desvendando aspectos até então pouco co
adulto portador de fissura transforame incisivo unila nhecidos, mas muito importantes, do processo rea-
teral, operado em épocas convencionais. O fato é que bilitador. Dentre algumas presunções desmentidas pe
a bipartição completa da maxila vulnera o seu posicio los estudos realizados no HRAC está aquela que rela
namento espacial na face, com reflexo negativo quan ciona a deficiência da face média com a palatoplastia,
do sob influência das cirurgias primárias. como propalava a teoria dominante'"'-. Os estudos

Fig. 7-23. Pela dificuldade


em se obter amostra, os
estudos com pacientes
adultos não-operados são
escassos. Essas fotografias
mostram a influência da
fissura, sem reabilitação, no
crescimento facial. As
características neonatais da
fissura pré-forame incisivo
unilateral completa são
preservadas ao longo do
crescimento.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 81

Fig. 7-24. A restrição


em graus variados do
crescimento da face
nédia e a atresia do arco
dentário superior,
causada e potencializa
da, respectivamente,
pelos procedimentos
cirúrgicos, configuram a
face e a oclusão do
paciente adulto com
fissura transforame
incisivo unilateral,
operado na infância.

com cefalograma25,83 e modelos de gesso81,88 refutam a O efeito agressor da queiloplastia é compreensí


agressividade da palatoplastia e colocam a queiloplas vel e já vinha sendo investigado1"8. Afinal, a força da
tia no centro do debate, revelando-a como a principal cinta muscular vem de fora para dentro, atuando como
responsável pela restrição do crescimento da face mé uma força ortopédica restritiva sobre a maxila. Claro
dia. Segundo esses trabalhos, a palatoplastia, à diferen que o desempenho dessa força restritiva pode ser ali
ça da queiloplastia, não interfere significativamente no mentado pelo número de cirurgias repetitivas, pelo trau
comportamento sagitai da maxila e do arco dentário matismo imposto e pela agressividade da técnica adota
superior. Consolida-se com esses resultados a inocui- da ou despreparo do cirurgião plástico, tudo isto levan
dade da palatoplastia primária em idade precoce, no do a um lábio com mais tensão e fibrose cicatricial.
tocante ao crescimento facial. Esta informação extra
pola a retórica acadêmica ao contrapor-se à posterga
ção da palatoplastia, idéia acatada cm protocolos de ENXERTO ÓSSEO SECUNDÁRIO
tratamento de alguns centros de reabilitação. Compro
vou-se também a ausência de interferência da palato A interrupção do arco alveolar superior recoloca na or
plastia nas fissuras pós-forame incisivo82. dem do dia a questão do defeito ósseo alveolar nas fis-
82 Deformidades de Lábio e Palato

suras pré-forame incisivo e transforame incisivo, uma HRAC. Um amplo consenso admite que, do ponto
vez que as cirurgias primárias (queiloplastia e palatoplas de vista periodontal, a função do enxerto ósseo é cum
tia) não manipulam o tecido ósseo. Como já menciona prida com êxito e os dentes adjacentes à área podem
do, o lábio e o palato são reconstruídos na primeira se movimentar de forma espontânea ou induzida atra
infância à custa de tecido mole, camuflando o defeito vés dele1.2.10'11'18^8-29'31'32'42'44'45'67'94'96'108'109'112-113' além do que
ósseo subjacente. Como conseqüência, a persistência da este procedimento interfere pouco ou nada sobre o
fissura alveolar interrompe a continuidade do arco den crescimento maxilar, independentemente do tipo de
tário na altura do incisivo lateralsuperior e impõe-se como fissura. Por representar um ganho permanente nas es
limite para a finalização do tratamento ortodôntico. truturas periodontais e não potencializar significativa
A persistência do defeito ósseo após a reconstru mente a deficiência de crescimento maxilar, o enxerto
ção do lábio e palato motivou o preenchimento deste ósseo secundário satisfaz os anseios da equipe de reabi
defeito com osso autógeno, vislumbrando a unifica litação e suplanta em muito o enxerto ósseo primário.
ção dos segmentos alveolares separados pela fissura, O procedimento operacional adotado no HRAC
num procedimento cirúrgico batizado de "enxerto identifica-se com a filosofia sugerida por Boyne e
ósseo", providência da maior pertinência, mas que Sands17'19 e repete a técnica cirúrgica executada em
merece esclarecimentos. Há que se ter em mente, antes Oslo1,10,11. A particularidade consiste em usar osso
de mais nada, que este procedimento deve preencher a medular esponjoso retirado em quantidade suficiente
falha óssea alveolar com o mínimo de interferência no da crista ilíaca, levando-o à região do defeito ósseo
crescimento maxilar78, às vezes já comprometido, como alveolar, preenchendo por completo a falha óssea en
no caso das fissuras transforame incisivo unilateral. O tre os processos palatinos na região do osso alveolar
"enxerto ósseo" pode ser classificado em primário, (Fig. 7-25). Em pouco tempo, cerca de três meses, o
quando executado na época das cirurgias plásticas pri osso enxertado reintegra-se totalmente à área recepto
márias, isto é, na primeira infância, ou secundário, ra, sendo difícil a distinção radiográfica entre os limi
quando executado após os nove anos de idade, ou tes da fissura e o novo osso.
melhor, no final da dentadura mista. Não só a idade Entendemos que o procedimento de "enxerto
difere entre estas duas definições, mas também o tipo ósseo secundário" não surtirá o efeito esperado se não
de osso autógeno enxertado. obedecer a certos preceitos, tais como a época mais
O enxerto ósseo primário usando osso cortical adequada de realização. Ele deve ser realizado imedia
retirado da costela não exerce a função perene do osso tamente antes da irrupção do canino permanente do
alveolar no tocante à irrupção do dente através do osso lado fissurado, pois assim este dente encontrará osso
enxertado, muitas vezes sofrendo processo de reabsor- alveolar suficiente para seu suporte periodontal. O
ção ao longo do tempo. À inestimável perda do enxer prognóstico é mais favorável quando o canino apre
to e do leito alveolar soma-se o prejuízo ao crescimento senta pelo menos a metade da sua raiz formada28, pro
maxilar que assombra sobretudo as fissuras transfora piciando um nível mais oclusal de osso alveolar mar
me incisivo unilateral, não raro de modo dramático. ginal31.
Estes efeitos tardios, contraditórios e contraproducen O enxerto ósseo secundário favorece a irrupção
tes do enxerto ósseo primário despertaram a consciên do canino com estrutura periodontal suficiente e sau
cia e autocensura dos centros que o executavam52,72 e dável (Fig. 7-26). Colocando isto em números extraí
estimularam o desenvolvimento do "enxerto ósseo dos do HRAC, a partir de uma amostra previamente
secundário", lançando mão de osso medular esponjo- selecionada de 50 pacientes submetidos ao enxerto
so retirado da crista ilíaca1,2,10-12,17-19,31,32,42,45,48,78,91,109. Fo ósseo secundário, portadores de fissura unilateral, o
ram Boyne e Sands17'19 os primeiros a sugerir o preen canino do lado da fissura irrompeu espontaneamente
chimento do tecido ósseo visando à movimentação em 36 pacientes, ou seja, 72% da amostra, num ritmo
dentária subseqüente para eliminar a necessidade de de 3mm ao ano após a execução do enxerto ósseo se
reabilitação protética. cundário. Em uma porcentagem pequena de pacientes
As pesquisas com o enxerto ósseo secundário ex o canino não irrompeu espontaneamente através do
pandiram-se entusiasticamente na segunda metade do osso enxertado, necessitando de estímulo extrabioló-
século XX, e vieram comprovar que os seus efeitos a gico para a sua irrupção. Inúmeras publicações fazem
longo prazo são opostos ao enxerto ósseo primário. referências à possibilidade de condutas cirúrgicas, acom
Por motivo ético, o enxerto ósseo secundário, e não o panhadas ou não de intervenções ortodônticas, no
enxerto ósseo primário, veio fazer parte do protocolo intuito de estimular a irrupção deste dente. Estas con
de preenchimento do defeito alveolar adotado no dutas incluem desde a simples exposição dos caninos
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 83

Fig. 7-25. O
protocolo terapêutico
do HRAC para as
fissuras que rompem
o rebordo alveolar
estabelece como
horizonte o
restabelecimento da
integridade alveolar
com osso retirado da
crista ilíaca. Existe
uma explicação para
o sucesso periodontal
do enxerto ósseo
secundário: o osso
enxertado transforma-
se no precursor do
novo osso alveolar.
84 Deformidades de Lábio e Palato

•• -

V ^~:

s Ê

' ÉéLê*
__y

Fig. 7-26.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 85

em questão28,29 até o tracionamento28-29-67-109. Os resulta pa-se com o preparo do arco dentário superior, quase
dos da literatura no tocante à irrupção do canino per sempre atrésico, com procedimentos expansionistas.
manente na área do enxerto ósseo secundário encon Após o enxerto ósseo secundário, acompanha-se a ir
tram-se resumidos no Quadro 7-5. rupção do canino na área enxertada e inicia-se a movi
O efeito prático da adoção do enxerto ósseo se mentação dentária, visando à posição final dos dentes.
cundário no protocolo de tratamento do HRAC foi Em síntese, o enxerto ósseo secundário veio am
uma mudança estratégica da ortodontia, que passou a pliar os horizontes da reabilitação da fissura de lábio e
ter duas fases de atuação: pré e pós-enxerto ósseo se de lábio e de palato, contribuindo para uma melhor
cundário. Previamente ao enxerto ósseo a ortodontia estética do sorriso e da face, por vários motivos: (1) dá
limita-se a pequenos movimentos no início da denta continuidade ao arco alveolar dentário; (2) permite a
dura mista para correção dos incisivos permanentes irrupção dentária através do novo osso; (3) oferece
que tendem a irromper com irregularidades e, a partir excelente condição periodontal aos dentes vizinhos da
do período intermediário da dentadura mista, preocu fissura; (4) proporciona suporte ósseo para a asa do

Quadro 7-5. Dados extraídos da literatura sobre a irrupção do canino na área do enxerto ósseo secundário

Autores Ano Tipo de "n" Sexo Idade do Irrupção Irrupção


fissura enxerto espontânea forçada
ósseo

Amanat, 1991 FB: 13 34 pac. 23 masc. 7 a 24 anos 97% 3%


Langdon3 FU: 21 11 fem.

Bergiand 1986 FB: 49 340 218 masc. 8 a 17 anos 85% 15%


et o/.'° FU: 291 122 fem.

Bergiand 1986 FB: 41 41 pac. 25 masc. 8 a 9m 95% 5%


et a/." 16 fem. 17a 4m

Boyne, 1972 - 10 pac. - 8 aos 8 pac. 80% 2 pac.


Sands19 11 anos 20%

El Deeb 1982 FB: 19 pac. 46 pac. 32 masc. 7 a 14 anos 17 caninos 27% 47 caninos 73%
et o/.28 FU: 28 pac. 64 caninos 14 fem.
FPI: 4 pac.
FTI: 42 pac.

El Deeb 1986 FTIB: 18 pac. 26 pac. 17 masc. 7 a 13, 9 anos 41% 59%
et o/.29 FPIU: 8 pac. 34 caninos 9 fem.

Enemark 1985 FTIU 62 pac. -


12 anos 31 pac. 5 pac
et o/.30

Hinrichs, 1984 FU: 18 18 pac. 10 masc. 10,5 anos - 100%


ef a/.45 8 fem. (7,3 - 13,9)

Kwon 1981 FB: 35 pac. 99 pac. 62 masc. 7 a 11 anos 73% 27%


et a/.5' FU: 64 pac. 134 (caninos) 37 fem.

Paulin 1988 FB: 13 67 37 pac: 8-14 93% 7%


et ai." FU: 54 anos

20 pac:
10-20 anos

Silva Filho 2000 FU: 50 50 caninos 32 masc. 8 anos e 10 36 pac. 32% 3 pac. 6 %
et ai.94 18 fem. meses a

15 anos

Troxell 1982 FB: 4 pac. 30 pac. 14 masc. 7 a 26 anos 95% 5%


et a/.'08 FU: 26 pac. 34 caninos 16 fem.

Turvey 1984 FU: 15 24 pac. 13 masc. 13,6 anos 23 pac. 95% 1 pac. 5%
et a/. 10» FB: 9 33 caninos 11 fem. (11,7 a
35,4 anos)
86 Deformidades de Lábio e Palato

nariz, e (5) melhora a estabilidade dos arcos dentários 11. Bergiand O, Semb G,Abyholm F etai. Secondary boné grafting
and orthodontic treatment in patients with bilateral complete
expandidos. clefts of the lip and palate. Ann Past Surg 1986;i7(6):460-74.
É possível ainda reconhecer uma outra designa 12. BertzJE.Boné grafting of alveolar clefts./Oral Surg 1981;3fl(l 1):
ção para o enxerto ósseo, o "terciário" ou tardio33,49,54,104, 874-7.
aquele realizado na dentadura permanente e após a con 13. BertierCE. Tratamento cirúrgico da fissura labial unilateral. In:
clusão do tratamento ortodôntico. Está indicado prin Carreirão S, Lessa S, Zanini SA. Tratamento dasfissuras labiopa
cipalmente para facilitar a reabilitação protética e peri latinas 1996:67-72.

odontal, além de favorecer o fechamento de fístulas 14. BisharaSE, Olin WH. Surgical repositioning of the premaxilla
in complete bilateral cleft lip and palate. Angle Orthod
buconasais persistentes. 1972;42(2): 139-47.
15. Bluestone CD. Prevalence and pathogenesis of the eardiseases and
hearing loss. In: Graham MD. Cleftpalate: middle eardisease and
CONCLUSÃO hearing loss. Springfield: Charles C. Thomas, 1978:27-55.
16. Boo Chai K. An ancient Chinese text on a cleft lip. Plast Re
O universo morfológico das fissuras labiopalatais é constr Surg 1966;JÃ89.
muito amplo. Cada tipo de fissura exibe característi 17. Boyne PJ. Use of marrow-cancellous boné grafts in maxillary
cas faciais, oclusais e funcionais específicas, exigindo, alveolar and palatal clefts. / Dent Res 1974;53(4):821-4.
portanto, um protocolo lógico de tratamento que visa 18. Boyne PJ, Sands NR. Combined orthodontic surgical manage
a corrigir o defeito morfológico e as suas conseqüênci ment of residual palato-alveolar cleft defects. Am J Orthod
as funcionais e psicossociais. 1976;7fl(l):20-37.
Este capítulo põe em discussão a necessidade do 19. Boyne PJ,Sands NR. Secondary boné grafting of residual alveo
lar and palatal clefts.J OralSurg 1972;3fl(2):87-92.
tratamento interdisciplinar ao portador de fissura la
20. CalnanJS. Submucouscleftpalate. BritJ Plast Surg1954;6264-82.
biopalatal, sustentado inicialmente pela cirurgia plás
21. Cândido IT. Epidemiologia das fendas de lábio e/ou palato.
tica, fonoaudiologia e ortodontia.
Estudo de recém-nascidos em dois hospitais de Porto Alegre no
período de 1970 a 1974. Dissertação apresentada ao Centro de
Pesquisaem Odontologia Social, Faculdade de Odontologia da
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para obtenção de
título de mestre em Odontologia, 1978.
1. Abyholm FE, BergiandO, Semb G. Secondaryboné grafting of 22. Capelozza F°L,Silva FilhoOG. Fissuras lábio-palatais. ZorPetre-
alveolarclefts: a surgical/orthodontic treatment enablinga non- lli, E. Ortodontia paraFonoaudiologia. Curitiba: Lovise, 1992:
prosthodontic rehabilitation in cleft lip and palate patients. 195-239.
ScandJ Pias Reconst Surg 1981;/5(2):127-40.
23. Capelozza F°L,Almeida AM,De UrsiWJ. Rapid maxillary expan-
2. Amanat N, Langdon JD. Secondary alveolar bonégrafting in clefts sion in cleft lip and patients. / Clin Orthod1994;2á(l):34-9.
of the lip and palate. / Cranioãxillofac Sur 1991;/9(1):7-14.
24. Capelozza F° L, Cavassan AO, Silva F° OG. Avaliação do cresci
3. Arce B et ai. Freqüência e riscos de recorrência de fissuras labio mento craniofacial em portadores de fissuras transforame incisivo
palatinas. Rev Paul Med 1968;72:239-46. unilateral: estudo transversal. RevBrás Cirurg 1987;77(2):97-106.
4. Asher-Macdade C, Brattstrõm V, Dahl E et ai. A six-center 25. Capelozza F° L, Normando ADC, SilvaF° OG. Isolated influen-
international study of treatment outcome in pacients with clefts ces of lip and palate surgery on facial growth: comparison of
of the lip and palate: part 4. Assessment of nasolabial apper- operated and unoperated male adults with UCLP. Cleft Palate
ance. Cleft Palate Craniofac J 1992;2£409-12. Craniofac J 1996;1?(1):51-6.
5. BardachJ, Eisbach KJ. The influence of primary unilateral cleft 26. Capelozza F° L, Taniguchi SM, Silva F° OG. Craniofacial mor-
lip repair on facial growth. Part 1. Lip pressure. Cleft PalateJ phology of adult unoperated complete unilateral cleft lip and
1977;74:88-97. palate patients. Cleft Palate Craniofacial J 1993;J0(4):376-81.
6. BardachJ, KellyKM. The influence of lip repair with and with- 27. Castro VC. Características clínicas da fissura de palato submu-
out soft-tissue undermining on facial growth in beagles. Plast cosa clássica. Monografia, Universidade do Sagrado Coração,
Reconstr Surg 1988;«2(5):747-59. Bauru, 1992.
7. Bardach J, Mooney MP. The relationship between lip pressure 28. EI Deeb M, Messer LB, Lehnert MW et ai. Canine eruption
following lip repair and craniofacial growth: an experimental into grafted boné in maxillary alveolar cleft defects. Cleft Pal
study in beagles. Plast Reconstr Surg 1984;7J(4):544-55. ate J 1982;/fl(l):9-16.
8. Bardach J, Bakowska J, McDermontt-Murray J et ai. Lip pres 29. El Deeb M, HinrichsJE,Waite DE et ai. Repairof alveolar cleft
sure changes following lip repair in infants with unilateral clefts defects with autogenous boné grafting: periodontal evaluation.
of the lip and palate. Plast Reconstr Surg 1984; 74:476-9. Cleft PalateJ 1986;2?:126-36.
9. Bauer TB, Trusler HM, Tondra JM. Changing concepts in the 30. Enemark H, Friede H, Paulin G etai. Lipand nosemorphology
management of bilateral cleft lip deformities. Plast Reconstr in patientswith unilateralcleftlip and palatefrom four Scandi-
Surg 1959;24(4):321-32. navian centres. ScandJ Resconstr Hang Surg 1993;27:42-7.
10. Bergiand O, Semb G, Abyholm FE. Elimination of the residual 31. Enemark H, Sindet-Pedersen S, Bundgaard M. Long-term re-
alveolar cleft by secondary boné grafting and subsequent orth sults after secondary boné grafting of alveolar clefts. J Oral
odontic treatment. Cleft Palate J 1986;2J(3):175-205. Maxillofac Surg 1987;45(11):913-9.
Abordagem Interdisciplinar no Tratamento das Fissuras Labiopalatais 87

32. Enemark H, Simonsen EK, Schramm JE. Secondary boné graft 54. Matthews OBE etai. Early and late boné grafting in cases of
ing in unilateral cleft lip palate patients: indication and treat cleft lip and palate. BritJ Plast Surg 1970;23:115-29.
ment procedure. IntJ Oral Surg 1985;/4(1):2-10.
55. Mcneil CK. Congenital oral deformities. Br DentJ1956; 101(6):
33. Epstein LI, Davis WB, Thompson LW Delayed boné grafting 191-8.
in cleft plate patients. Plast Reconstr Surg 1970;4á(4):363-7. 56. Menegotto BG, Salzano FM. Epidemioloy of oral clefts in a
34. Fára M, Hrivnákova J. The problem of protruding premaxilla in large South American sample. Cleft Palate CraniofacJ 1991;
bilateral total clefts. Acta Chir Plast 1965; 7(4):281-96. 2£(4):373-6.
35. Friede H, Enemark H, Semb G et ai. Craniofacial and occlusal 57. Millard RD. A primary camouflage in the unilateral hare lip.
characteristics in unilateral cleft lip and palate patients from Transactions of the First International Congress of Plastic Sur-
four Scandinavian centres. Scand. J Reconstr Hand Surg geons. Baltimore: Williams & Wilkins, 1957.
1991;25(3):269-76. 58. Millard RD. Cleft craft. The evolution of itssurgery. VI Unilat
36. Friede H, Pruzansky S. Long-term effects of premaxillary set- eral deformities. Boston: Little Brown, p. 470, 1976.
back on facial skeletal profile in complete bilateral cleft lip and 59. Molsted K, Asher-Mcdade C, Brattstrõm V ef ai. A six-center
palate. Cleft Palate J 1985;22(2):97-105. international study of treatment outcome in patients with clefts
37. Fogh-Andersen P. Rare clefts of the face. Acta Chir Scand 1965; of the lip and palate: Part 2. Craniofacial form and soft tissue
129:275. profile. Cleft-Palate Craniofac J 1992;29(5):398404.
38. Fonseca EP, Rezende JRV. Incidência das malformações do 60. Morris RD. Velopharyngeal competence in primary cleft palate
lábio e do palato. São Paulo: Revista da Faculdade de Odontolo surgery, 1961-1970. A criticai review. CleftPalateJ \97l\10.62.
gia de São Paulo, 1971;fl(l):45-58. 61. Motohashi N, Pruzansky S. Long-term effects of premaxillary
39. Giugliani R,; Schüuler L, Costa ACP et ai. Monitoração de excision in patients with complete bilateral cleft lips and pal-
defeitos congênitos no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. ates. Cleft Palate] 1981;75(3):177-87.
Rev Amrigs 1986;30:7-14. 62. Nagem F° H, Morais N, Da Rocha RGF. Contribuição para o
40. Gnoinski WM. Early maxillary orthopaedics asasupplement to estudo da prevalência das malformações congênitas labiopala
conventional primary surgery in complete cleft lip and palate tais na população escolar de Bauru. Rev FaculdOdontol Univ
cases: Iong term results. J Maxillofac Surg 1982;70(3): 165-72. São Paulo 1968;<5(2):111-28.
41. Graber TM. Thecongenital cleft palate deformity./.d/nerDe/if 63. Nazer HJ, Vicent JJV, Van de Baars M, Cifuentes A. Incidência
Assoc 1954;4&375-95. de lábio leporino y paladar hendido em latinoamerica: período
1982-90. Pediatria 1995;J/{2):13-9.
42. Haal HD, Posnick JC. Early results of secondary boné grafts in
106 alveolar clefts. J Oral Maxillofac Surg 1983;47(5):289-94. 64. Nicholson PT, Plint DA. A long-term study of rapid maxillary
expansion and boné grafting in cleft lip and palate patients.
43. Harkins CS, Berlin A, HardingRLetai. A classification of cleft EurJ Orthod 1989;11(2): 186-92.
lip and cleft palate. Plast Reconstr Surg \962;29{l):3\-9.
65. Normando ADC, Silva F° OG, Capelozza F° L. Influence of
44. Helms JA, Speidel TM, Denis KL. Effect of timing on long- surgery on maxillary growth in cleftlip and/or palate patients.
term clinicai success of alveolar cleft boné grafts. Amer) Orthod / Crânio MaxillofacSurg 1992;20(3):lll-8.
Dentofac Orthop 1987;ítf(3):232-40.
66. Oliveira EK. Epidemiologia das fissuras congênitas: contribui
45. Hinrichs JE, El Deeb M, Waite DE ef ai. Periodontal evaluation ção para o estudo dos fonemas do idioma nacionale da prótese
of canines erupted through grafted alveolar cleft defects./ Oral nos fissurados congênitos. (Pelotas, ed. 1954). Tese (Cátedra)
Maxillofac. Surg. 1984;42(11):717-21. Pelotas, Faculdade de Odontologia, Universidade do Rio Gran
46. Hotz MM. Orofacial development under adverse conditions. de do Sul, 1954.
EurJ Orthod 1983;5(2):91-103. 67. Paulin G ef ai. Intermediate boné grafting of alveolar clefts. /
47. Hotz MM, Gnoinski W. Comprehensive care of cleft lip and Crânio Maxillofac Sur 1988;Íé(l):2-7.
palate children at Zürich University: a preliminary report. Am 68. Pruzansky S.Description, classification and analysis of unoperated
J Orthod 1976;7fl(5):481-504. clefts of the lip and palate. AmJOrthodont 1953;39(8):590-611.
48.Jackson IT, Vandervord JG, McLennan JG et ai. Boné grafting 69. Pruzansky S.Pre-surgical orthopedics and bonégrafting for infants
of the secondary cleft lip and palate deformity. BrJ Plast Surg withcleft lip and palate: a dissent. Cleft PalateJ1964;/ (2):164-87.
1982;55(3):345-53. 70. Pruzansky S. Factors determining arch form in clefts of the lip
49. Johanson B, Ohlsson A, Friede H et ai. A follow-up study of and palate. Am J Orthodont 1955;47(1):827-51.
cleft lip and palate patients treated with orthodontics, second 71. Ribeiro M. Achadosotoscópicose audiométricos nos portado
ary boné grafting and prosthetic rehabilitation. Scand J Past res de fissura pós-forame incisivo. São Paulo, 1987/tese (Mes
Reconstr Surg 1974;á(l-2):121-35. trado), 74p. - Escola Paulista de Medicina.
50. Kernahan DA, Stark RB. A new classification for cleft lip and 72. Robertson NRE, Jolleys A. An 11-year follow-up of the effects
palate. Plast Reconstr Surg 1958;22(5):435-41. of earlyboné grafting in infants bom with completedefects of
51. Kwon HJ, Waite DE, Stickel FR et ai. The management of the lip and palate. BrJ PlastSurg 1983;56438.
alveolar clefts defects. J Am Dent Assoc 1981;/02(6):848-53. 73. Rosenstein SW. Orthodontic and boné grafting procedures in
52. Lilja J, Mõller M, Friede H et ai. Boné grafting at the stage of cleft lip and palate series: an Ínterim cephalometric evaluation.
mixed dentition in cleft lip and palate patients. ScandJ Plast Angle Orthod 1975;45(4):227-37.
Reconstr Surg 1987;Z7(l):73-9. 74. Ross RB. Treatment variables affecting facial growth in com
53. Mars M, Asher-Macdade C, Brattstrõm V et ai. A six-center plete unilateral cleft lip and palate. Part I: Treatment affecting
internationalstudy of treatment outcome in patientswith clefts growth. Cleft PalateJ 1987;24(l):5-77.
of the lip and palate: Part 3. Dental arch rclationships. Cleft 75. Ross RB, Johnston MC. Cleft lip and palate. Baltimore: Will
Palate CraniofacJ 1992,29 (5):405-8. iams & Willians. 1972.
88 Deformidades de Lábio e Palato

76. Semb G. Astudy of facial growth in patients with bilateral cleft 94. Silva F° OG, Telles SG, OzawaTO, Capelozza F° L. Secondary
lip and palate treated by the Oslo CLP team. Cleft Palate ] boné graft and eruption of the permanent canine in patients
1991;2S(l):22-39. with alveolar clefts: literature review and case report. Angle
Orthod 2OOO;70(2):74-178.
77. Semb G. A study of facial growth in patients with unilateral
cleft lip and palate treated by Oslo CLP team. Cleft Palate 95. Silva F°OG, Valladares NetoJ, Capelozza F° L,SouzaFreitasJA.
Craniofacial J 1991;25(1):1-21. Influência da queiloplastia sobrea morfologia craniofacial em
78. Semb G. Effect of alveolar boné grafting on maxillary growth in fissura bilateral completa de lábio e palato. Ortodontia 2001;
unilateral cleft lip and palate patients. Cleft Palate] \9%%;25(2): 34(1):17-26.
288-95. 96. Sindet-Pedersen S, Enemark H. Comparative study of second
79. Shaw WC, Asher-Mcdade C, Brattstrõm V et ai. A six-center
ary and late secondary boné grafting in patients with residual
cleft defects: Short - term evaluation. Int] OralSurg 1985;i4
international studyof treatment outcome in patients with clefts
of thelip and palate: Part 1. Principies and study design. Cleft (5):389-98.
Palate Craniofac J \992z\29 (5):393-7. 97. Souza Freitas JA ef ai. Pesquisa epidemiológica sobre lesões lá
80. ShawWC, Dhal E,Asher-Mcdade C et ai. A six-center internati bio-palatais e tratamento destas anomalias congênitas. Ciência
onal studyof treatment outcome in patients with clefts of the & Cult 1977;29(supl.):141.
lipand palate: Part 5.General discussion and conclusions. Cleft 98. Souza JM efai. Estudoda morbidade e da mortalidade perinatal
Palate CraniofacJ 1992b;2£413-8. em maternidade. III - Anomalias congênitas em nascidos vi
vos, 1987.
81. Silva F° OG, Capelozza F° L, Ramos AL. Influence of palato-
plasty on theupper dental arch shape and dimensions of unila 99. Spina V, Lodovici O. Conservative technique for treatment of
teral complete cleft lip and palate patients. Brazilian] Dysmor- unilateral cleft lip. Reconstruction of the midline tubercule of
phologyand Speech - Hearing Disorders 1997;/(1):41-54. vermellion. Br] Plast Surg 1960;A?:100.
82. Silva F° OG, Cavassan AD, Normando ADC. Influência da 100. Spina V, Lodovici O. Tratamento da fissura lábio-palatal em
palatoplastia no padrão facial de pacientes portadores defissura duas etapas. Rev LatAmer Cir Plast 1968;12:150-60.
pós-forame incisivo. Rev Brás Cirurg 1989;79.115-22. 101.SpinaV, Kamakura L,Lapa F.Surgical management of bilateral
83. SilvaF° OG, Lauris RCM, CavassanAO. Pacientesfissurados de cleft lip. An Plast Surg 1978;7:497-505.
lábio e palato: efeitos suscitados pela queiloplastia. Ortodontia 102.SpinaV, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classificação das
1990;2J(3):25-34. fissuras lábio-palatinas: sugestãode modificação. RevHosp Clin
84. Silva F° OG, Normando ADC, Capelozza F° L Mandibular Fac Med S Paulo 1972;27:5-6.
growth in patients with clefts lip and/or cleft palate - the influ 103.StruplerW. Middle ear deafness in infants with cleft palate. Int
ence of the cleft type. AmerJ Orthodont Dentofac Orthop J Pediat Otorhinolaryng 1980;/:279-83.
1993;704(3):269-75.
104.Stenstrõm SJ, Birgit L, Thilander. Boné grafting in secondary
85. Silva F°OG, NormandoADC,Capelozza F°L Mandibular mor- casesof cleft lip and palate. PlastReconstSurg1963;Í2(3):353-
phology and spatial position in patients with clefts: intrinsic or 60.
iatrogenic? Cleft Palate Craniofacial J \992;29(4):l69-75.
105.Suzuki A, Watanabe C, Nakano M, Takahama Y. Maxillary lat
86. Silva F° OG, Ramos AL,Abdo RCC. Morfologia dos arcos den eral incisors ofsubjects with cleft lip and/or palate: Part 2. Cleft
tários em pacientes portadores de fissura de lábio e palato, não Palate Craniofac F 1992;29(4):380-4.
operados. Ortodontia, \99\\24(\):9-\7.
106.Tessier P. Anatomical classification of facial, craniofacial and
87. Silva F° OG, Ramos AL,Abdo RCC. The influence of unilateral latero-facial clefts./ Maxillofac Surg 1976;<2):69-92.
cleftlip and palateon maxillary dentalarch morphology. Angle 107.Thomé S. Estudo da prática do aleitamento materno em crian
Orthod 1992;67(4):283-90. ças portadoras de malformação congênita de lábio e/ou palato.
88. Silva F° OG, Ramos AL, Capelozza F° L. Influência da queilo Ribeirão Preto, 1990, 245p. Dissertação (mestrado em enfer
plastia nasdimensões e forma do arco dentário superior em adul magem) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universi
tos fissurados de lábio e palato. RevSoe Brás Odontol1991;i(9): dade de São Paulo, 1990.
269-75.
108.TroxellJB, Fonseca RJ, Osbon DB. A retrospective study of alve
89. Silva F°OG, RochaR, Capelozza F°L.Padrãofacial do paciente olar cleft grafting./ OralMaxillofac Surg1982;40(11):721-5.
portador de fissura pré-forame incisivo unilateral completa. 109.TurveyTA,Vig K, Moriarty J, Hoke J. Delayed boné grafting in
Revista Brasileira de Cirurgia 1989;79(4): 197-205. the cleft maxilla and palate: a retrospective multidisciplinary
90. SilvaF° OG, Capelozza F° L,WerneckV, Souza FreitasJA. Abor analysis. Am ] Orthod 1984;£é(3):244-56.
dagem ortodôntica ao paciente com fissura unilateral completa 110.Vargervik K. Growth characteristics of the premaxilla and orth
de lábio e palato. Ortodontia 1998;ü(3):32-44. odontic treatment principies in bilateral cleft lip and palate.
91. Silva F° OG, FerrariJr FM, Capelozza F° L, Albuquerque MVP. Cleft Palate] 1983;20(4):289-3O2.
Enxerto ósseo alveolar em pacientes fissurados: realidade e pers 111.Vargervik K. Orthodontic management of unilateral cleft lip
pectivas. Ortodontia 1995;2á(l):34-45. and palate. Cleft Palate] 1981;Íá(4):256-70.
92. Silva F° OG, Ferrari Jr FM, Rocha DL,SouzaFreitas JA. Classifica 112.Waite DE, Kersten RB. Residual alveolar and palate clefts. In:
ção das fissuras lábio-palatais: brevehistórico,considerações clíni BELLWH. Surgical correction ofdentofacial deformites. Phil-
cas e sugestão de modificação. RevBrás Cirurg \992\82(2):59-65. adelphia: Saunders, .1980:1.329-67.
93. Silva F°OG, LaurisRCMC, Capelozza F°L,SembG. Craniofacial 113.Witsencurg B. The reconstruction of anterior residual boné
morphology of adult unoperated complete bilateral cleft lip and defects in patientswith cleft lip, alveolus and palate: a review./
palate patients. Cleft Palate Craniofacial J 1998;J5(2):lll-9. Maxillofac Surg 1985;13(5): 197-208.
Fissuras Labiais

Jason César Abrantes de Figueiredo


André Gonçalves de Freitas

INTRODUÇÃO HISTÓRICO
O nascimento de uma criança com fissura labial pro As descrições de fissuras labiopalatais são tão antigas
voca significativas alterações psicológicas aos pais. quanto a história da humanidade. Arqueólogos encon
Sentimento de culpa, ansiedade, superproteção e re traram uma múmia egípcia com fissura palatal. Ortiz-
jeição afetarão o desenvolvimento emocional da cri Monastério descreveu uma escultura de cerâmica com
ança, caso não se faça o tratamento adequado. Este fissura no lábio encontrada na costa oeste do México,
é realizado em centros multidisciplinares que pos esculpida aproximadamente em 12 d.C. No século II,
suam protocolos de conduta bem definidos, acom Galeno abordou o tema usando a expressão "colobo-
panhamento por psicólogo desde o pré-natal, fo- mata". Na China, durante a dinastia Chin, quando sur
noaudiolóloga, ortodontista, otorrinolaringologis- giu a famosa denominação "lábio leporino", foram
ta e cirurgião plástico. Cada instituição segue seu documentadas as primeiras técnicas de reparação que
plano de trabalho, definido por meio de anos de propunham basicamente cortar e fixar o lábio com
experiência própria e avanços conseguidos e publi agulhas. Ao paciente era recomendado não falar nem
cados por outros centros. É importante que a crian sorrir por cem dias. No século VI, Ambroise Pare des
ça seja tratada por apenas uma instituição, desde que creveu um método semelhante. As bordas labiais eram
esta ofereça reais condições para isso, como também cortadas e, 2 dias depois, aproximadas com uma ou
é salutar o intercâmbio e debate de informações duas grandes agulhas amarradas firmemente por laça
entre as instituições. O cirurgião plástico que não da em "oito" (Fig. 8-1). Tagliacozzi descreveu, em 1457,
tem intimidade com a patologia deve procurar es a excisão e sutura com pontos separados.
tes centros não apenas para se aperfeiçoar na técnica Em 1879, William Rose, e em 1912, James Thomp-
cirúrgica, mas também para familiarizar-se com os som descreveram técnica semelhante, hoje conhecida
diversos passos do tratamento. Urge salientar que como Rose-Thompson. Baseava-se em incisões curvas
uma das situações cirúrgicas mais difíceis é a resolu para incrementar a altura do lábio fissurado. Em 1843,
ção de um paciente fissurado com seqüela de trata Malgaigne alertou sobre as limitações do fechamento
mento inadequado. em linha reta; desta forma, seria impossível não deixar

89
90 Deformidades de Lábio c Palato

Vários autores propuseram classificações diferen


tes para as fissuras labiopalatinas. Em 1967, no Con
gresso de Roma, o subcomitê da Confederação Inter
nacional de Cirurgia Plástica e Reconstrutora anun
ciou uma classificação oficial baseada nos autores Ker-
nahan e Stark.
A partir de 1963, Paul Fogh-Andersen publicou
os melhores trabalhos estatísticos de incidência de fis
suras labiopalatais na Dinamarca (país de notificação
compulsória para fissuras há séculos).
No Brasil, destacam-se os nomes de Perseu Lemos
e Spina. O primeiro sugeriu soluções simples e eficien-

Fig. 8-1. Método de Ambroise Pare.

um entalhe no vermelhão. Em 1846, com base nessas


afirmações, Mirault elaborou um retalho triangular do
lado fissurado (Fig. 8-2). Em 1945, LeMcsurier, influen
ciado por Hagedorn, propôs uma reconstrução com
retalhos quadrangulares que se tornou a técnica mais
utilizada nas décadas de 1950 e 1960. Sua inovação era a
reconstrução do arco de cupido. Em 1951, Charles Ten-
nison divulgou seu método com retalhos triangulares e
zetaplastia, obtendo adesão de vários cirurgiões que pre
feriram sua técnica à de LeMesurier. Em 1955, Ralph
Millard Jr. apresentou, no I Congresso Internacional de
Cirurgia Plástica, em Estocolmo, sua técnica de avanço
e rotação, a qual se tornou a mais utilizada desde então.
As técnicas de cirurgia para correção das fissuras
bilaterais evoluíram com dificuldades c polêmicas ain
da maiores do que as unilaterais. A maior ausência de
tecido, o prolábio proeminente, a falta de columela
desafiaram, ao longo do tempo, nomes famosos, fazen
do Cronin definir a fissura bilateral como o maior desa
fio que um cirurgião poderia ter. No início, a pré-maxi
la era simplesmente ressecada e o prolábio aproveitado
para a columela. Em 1743, Georges de La Faye publicou
um estudo criticando esse procedimento. Relatou sua
correção cirúrgica, cortando as bordas labiais com te
soura e suturando-as, apesar do grande sangramento.
Veau talvez seja o grande nome nesta seara. Sua técnica,
divulgada em 1938, é uma das mais utilizadas até hoje. Fig. 8-2. Técnica de Mirault com retalho triangular.
Fissuras Labiais 91

tes, como sua técnica de zetaplastia para fissuras unila giões subdesenvolvidas possuem incidências maiores,
terais. O segundo publicou uma técnica para repara assim como recém-nascidos de gestantes fumantes e
ção de fissuras bilaterais que em pouco tempo atingiu alcoólatras.
grande popularidade entre os cirurgiões.

QUADRO CLÍNICO E ANATOMIA


INCIDÊNCIA
Ao atender um paciente fissurado, o cirurgião tem que
A incidência das fissuras labiopalatais está aumentan primeiramente fazer um minucioso exame geral. Deve
do. Vários fatores podem justificar isto, dentre os quais observar a idade e o estado nutricional da criança. De
a evolução dos serviços de saúde que, fornecendo me pois, procurar por malformações associadas e pesquisar
lhora da qualidade e maior quantidade de cirurgias, os parentes. Problemas respiratórios, de vias aéreas su
acabou por provocar um aumento de casamentos en periores e de ouvido são freqüentes. Por fim, é impres
tre pessoas fissuradas. cindível o acompanhamento de outras especialidades,
As análises estatísticas são escassas e variam conso principalmente fonoaudiologia e ortodontia. O plano
ante as diferentes regiões. Os melhores trabalhos pro de tratamento deve ser exposto com detalhes aos pais; a
vêm da Escadinávia, onde o índice de desenvolvimen motivação destes é fundamental.
to é muito alto. Em 1971, Fogh Andersen apresentou O grau de complexidade da fissura labial pode
um estudo em 4.500 dinamarqueses fissurados e che variar desde um pequeno sulco no lábio até uma grave
gou ao resultado de 2:1.000 de prevalência. Outros lesão. Quando a fissura se detém no lábio, possui me
autores chegaram ao índice de 1:700. lhores prognóstico e resultado pós-operatório. É im
Na Europa, as fissuras são mais freqüentes do que portante o cirurgião classificar com exatidão o grau
a síndrome de Down e os defeitos do tubo neural. da fissura e avaliar as estruturas anatômicas alteradas,
Perdem para malformações cardiovasculares e esquelé para instituir o tratamento adequado.
ticas (pé torto congênito). Embriologicamente, a região mediana do lábio está
Em um estudo realizado na França, em 460 fissu relacionada com a formação nasal, do qual é um prolon
rados, foi constatado que 36,7% tinham malformações gamento inferior. A parte de tecidos moles, chamada
associadas (46,7% palatais, 36,8% labiopalatais, e 13,6% prolábio, continua-se superiormente com a columela.
labiais). As malformações nos sistemas nervoso e es A parte óssea chama-se pré-maxila, e está ligada ao vô-
quelético foram as mais comuns. mer. Essas estruturas fundem-se com os processos ma
xilares laterais, formando o lábio superior. Alterações
dessa fusão originarão diferentes tipos de fissuras.
ETIOLOGIA

A causa provável do surgimento de fissuras labiais


Fissura Labial Unilateral
não está ainda muito bem esclarecida, como também
não se sabe se o processo etiológico é o mesmo das A falha tecidual (quando completa) se continua com
fissuras labiopalatais. As publicações são pródigas em o vestíbulo nasal. Dependendo do grau da fissura (trans
apontar fatores, nos levando a crer que existam inú forame ou não) pode haver comunicação entre a fossa
meras causas. A principal e mais evidente é a heredi- nasal e a cavidade bucal.
tariedade. Os estudos já comprovaram não haver um A transição cutaneomueosa segue do lado normal
gene específico; além disso, quatro categorias já têm re até a linha mediana, donde o arco de cupido se desvia
sultados sugestivos: transformação dos fatores ae P superiormente e segue em direção vertical até a colu
(TGF-a, TGF-P-2, TGF-pV3); genes com atividades bio mela. O vermelhão se adelgaça gradativamente até a
lógicas ligadas à fissura labiopalatal sem envolvimento base do nariz. Lateralmente à fissura, o vermelhão sur
direto (receptor do ácido retinóico [RARA], receptor ge da base da narina e se espessa até voltar a situação
de metilenotetraidrofolato redutase [MTHFR] e o re normal. Nas fissuras incompletas, uma tênue ponte
ceptor de ácido fólico [FOL-1]); genes ou hei identi cutânea, denominada banda de Simonart, separa o ver
ficados em animais experimentais, como os genes ho melhão do nariz. O músculo orbicular dos lábios tem
meopáticos MSX-1 e MSX-2; e genes envolvidos na posição alterada, inserindo-se na base nasal com direção
interação com o metabolismo xenobiótico como paralela às margens da fissura. Na maioria das vezes, em
aqueles do sistema citocromo P-450. O fator ambien fissura incompleta, não há passagem de fibras muscula
tal é considerado também de grande relevância. Re- res, a não ser que, no mínimo, dois terços do lábio este-
92 Deformidades de Lábio e Palato

jam íntegros. Os músculos são tracionados pelos seus


oponentes sem antagonismo, provocando exageradas
tração e distorção dos elementos labiais (Fig. 8-3).

Fissura Labial Bilateral


A deformidade se apresenta simétrica quando as fissu
ras possuem o mesmo grau de complexidade. O prolá
bio mantém-se conectado apenas com a columela e
pré-maxila. O conjunto acha-se deslocado anteriormen
te. O prolábio não apresenta os acidentes naturais do
filtro labial. A pré-maxila, sítio de erupção dos incisi
vos, está conectada ao septo nasal. O nariz apresenta
columela curta, às vezes inexistente, e achatamento das
cartilagens alares. A circulação está alterada porque,
devido à fissura, não ocorre a anastomose das artérias
labiais superiores. Estas margeiam a fissura, assumin
do direção superior, e anastomosam-se com as artérias Fig.8-4. Anatomia da fissura labial bilateral. Notar a ausência de
tecido muscular no prolábio.
nasais laterais. As artérias do prolábio provêm, via co
lumela, das dorsais nasais, ramos da etmoidal anterior
e septal posterior. O prolábio é desprovido de múscu
lo. O orbicular margeia a fissura e insere-se, de cada
lado, perto da base narinária (Fig. 8-4). Classificação de fissuras do lábio, alvéolo e palato
(baseada em princípios embriológicos):
• Grupo 1: fissuras do palato anterior (primárias)
CLASSIFICAÇÃO a. lábio: direito e/ou esquerdo.
b. alvéolo: direito e/ou esquerdo.
Houve várias classificações das fissuras labiopalatinas. • Grupo 2: fissuras do palato anterior e posterior (pri
Em 1967, a Confederação Internacional de Cirurgia márias e secundárias)
Plástica adotou a proposta por Kenahan e Stark como a. lábio: direito e/ou esquerdo.
a oficial. b. alvéolo: direito e/ou esquerdo.
c. palato duro: direito e/ou esquerdo.
• Grupo 3: fissuras do palato posterior
a. palato duro: direito e/ou esquerdo.
b. palato mole: mediana
• Fissuras faciais raras (baseadas em achados topográ
ficos)
a. fissura mediana do lábio superior com ou sem
hipoplasia ou aplasia da pré-maxila.
b. fissuras oblíquas (ororbitais).
c. fissuras transversas (orauriculares).
d. fissuras do lábio inferior, nariz e outras.

Em 1972, Spina propôs uma simplificação desta


classificação, contudo observou os mesmos princípios.
Basicamente ele dividiu as fissuras em quatro grupos,
utilizando o forame incisivo como referência:
• Grupo 1: fissuras pré-forame incisivo.
• Grupo 2: fissuras transforame incisivo.
• Grupo 3: fissuras pós-forame incisivo.
Fig. 8-3. Anatomia da fissura labial unilateral. Notar a verticaliza-
ção das fibras do músculo orbicular do lábio. • Grupo 4: fissuras faciais raras.
Fissuras Labiais 93

Kernahan descreveu, ainda, um esquema bastante colapso das arcadas, facilitam o ato cirúrgico ao ali
prático de representação das fissuras: a labiopalatal to nharem e, até mesmo, diminuírem a largura da fissura.
tal é representada por um "Y"; o forame incisivo, nas A forma de alimentar a criança deve ser acompanhada
junções das hastes do "Y", por meio de um círculo. por um fonoaudiólogo. Aos pais serão administradas
Vários exemplos estão ilustrados na Fig. 8-5. exaustivas explicações sobre o tratamento, aconselha
mento genético e amparo psicológico.
CIRURGIA
Ato Cirúrgico
Prc-opcratório
A anestesia deve ser geral, com sonda orotraqueal loca
Existem controvérsias a respeito da melhor época da lizada no meio do lábio, para não provocar distorções.
cirurgia. A padronização mais utilizada é a reconstru O cirurgião deve estar bem confortável, sentado, e
ção do lábio aos 3 meses, com a criança em bom estado utilizar instrumental delicado e preciso. Os fios utili
de saúde. (Ficou famosa a regra dos dez: peso maior do zados serão aqueles que provoquem pouca reação teci-
que 10 libras, hemoglobina acima de lOg, e idade acima dual. E necessário a infiltração com adrenalina,
de 10 semanas.) Reside, nesta conduta, o bom-senso de 1:120.000, que diminuirá o sangramento sem, entre
permitir que a criança se desenvolva para melhor resis tanto, distorcer as estruturas.
tir ao trauma cirúrgico e apresentar tecidos labiais e mus
culatura definidos. Alguns autores acreditam que a ci
Pós-operatório
rurgia logo após o nascimento resulta em cicatrizes
melhores; outrossim, o recém-nascido possui, ainda, a Um pequeno curativo é colocado. Enfaixamento das
poliglobulinemia fisiológica que o deixa apto para a mãos da criança é necessário para evitar que ela mani
operação. pule o lábio. A dieta é reintroduzida com colher. Ge
O uso de aparelhos para reposicionamento do ralmente, a cicatrização é boa e rápida, retirando-se os
prolábio, e a expansão das vertentes, quando existe pontos em 7 dias.

Fig. 8-5. Método de representação das fissuras por Kernahan.


94 Deformidades de Lábio c Palato

TÉCNICAS CIRÚRGICAS
A técnica ideal deve preencher os seguintes requisi
tos:

1. Deixar o lábio simétrico com todas as suas estru


turas (vermelhão sem falhas, arco de cupido, fil
tro labial).
2. Reconstituir a musculatura funcional e anatomi-
camente.

3. Simplicidade.
4. Cicatrizes bem localizadas.
5. Não alterar a forma do lábio com o crescimento.
6. Reconstituir e simetrizar o nariz.

São inúmeras técnicas cirúrgicas. Aqui serão abor


dadas separadamente as fissuras unilaterais e bilate
rais.

Fissuras Unilaterais

Existem quatro formas de cirurgias nas quais tentam-


se agrupar as inúmeras técnicas cirúrgicas:
• Excisão em linhas arqueadas:
- Rose-Thompson, Ladd, Braun, Veau.
• Retalhos quadrangulares:
- LeMesurier, May, Trauner.
• Retalhos triangulares:
- Tennison, Randall, Lemos, Spina.
• Rotação e avanço de retalhos:
- Millard.

ADESÃO LABIAL

Muitos autores têm adotado a realização de sutura sim


ples das bordas labiais e, posteriormente, fazem a ci
rurgia definitiva após o crescimento adequado das es
truturas e ortodontia (Fig. 8-6). Fig. 8-6. Adesão labial: sutura simples das bordas labiais.

ROSE-THOMPSON
O ponto "a" é marcado na base da columela. O
De grande simplicidade, a técnica de Rose-Thompson ponto "b" fica na linha mediana do arco de cupido,
consiste basicamente em incisar as bordas com um tra aproximadamente lmm acima do vermelhão. É traça
çado de concavidade voltada para a fissura. Desse da uma linha perpendicular àquela formada por "a-b",
modo, consegue-se o alongamento do lábio (Fig. 8-7). passando por "b" e terminando em "d". O limite supe
Esta técnica é indicada para casos leves de fissuras in rior desta é "c". No lado contralateral, é traçado "a"' na
completas, sem grandes distorções do arco de cupido. base da narina. Deste ponto sairá um traço em forma de
circunílexo (quase uma reta) até "b"'. O vértice deste cir-
cunflexo é "c"\ Dele, sairá uma reta transpondo a li
LcMESURIER
nha cutaneomucosa em ângulo reto, que termina em
A técnica de LeMesurier teve grande aceitação por ser "d"'. As distâncias "c-d" e "c'-d"' são iguais. Após inci
a primeira a reconstruir o arco de cupido. A marcação sadas, descartam-se as porções de tecido voltadas para
é baseada em retalhos quadrangulares. a fissura, e entrecruzam-se os retalhos.
Fissuraa s Labiais 95

Essa técnica produz uma cicatriz quebrada em li


nha reta que compromete a região mediana do lábio, c
é descartada uma quantidade considerável de tecido
(Fig. 8-8). Outras desvantagens são a propensão ao cres
cimento desproporcional do lábio e a dificuldade de
revisão da cicatriz, uma vez que esta não é linear.

TENNISON

Esta técnica utiliza retalhos triangulares que formam


um "z" na cicatriz final. Tennison descreveu sua mar
cação baseando-se em um detalhe anatômico descrito
por Marck. Ele notou que entre a pele e o vermelhão
existe uma proeminência menor do que 1 mm de lar
gura e com coloração mais clara: a ponte mucocutâ-
nea. Perto da fissura, ela desaparece.
O ponto "a" é colocado no final da ponte mucocu-
tânea mediai. O ponto "b", na base da columela. O pon
to "c" é colocado perpendicular e lateral ao "a". O ponto
"a"' é marcado na terminação da ponte mucocutânea la
teral, "b"' perto da base da narina e "c"' lateralmente, de
forma que "a-b" = "a'-b"' e "a-c" = "a'-c"'. Após as incisões,
suturam-se a musculatura, a mucosa e a pele (Fig. 8-9).
Essa técnica apresenta como vantagens proporcionar
alongamento labial, sendo útil em casos de despropor
ção da altura labial. Como desvantagens apresenta uma
cicatriz que cruza a crista filtrai, tornando-a mais aparente
e de revisão mais difícil, por não ser linear. Há também
tendência ao crescimento desproporcional.

RANDALL

Obedecendo aos princípios de Tennison, Randall pro


põe retalhos triangulares. Na porção lateral, o triângu
lo é desdobrado para não haver sacrifício em excesso
Fig. 8-7. Técnica de Rose-Thompson. de tecido. O ponto "a" é marcado na proeminência

Fig. 8-8. Técnica de LeMesurier.


96 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 8-9. Técnica de Tennison: retalhos triangulares com aumento da altura labial

Fig. 8-10. Técnica de Randali. Fig. 8-11. Técnica de Petit.


Fissuras Labiais 97

do arco de cupido; "b" na base da columela, e "c" for realizada uma zetaplastia com angulação necessária para
mando um ângulo reto com "a", após traçada uma o adequado alongamento do lábio (Fig. 8-12). Spina,
reta "a-c". O ponto "c" não deverá ultrapassar uma posteriormente, aplicou técnica semelhante, com a di
linha que liga a proeminência do arco de cupido con- ferença de sua zetaplastia não incluir toda espessura
tralateral e a base da narina. No lado fissurado, "a'-b"' do lábio (Fig. 8-13).
= "a-b" e "b' + c' + d'" = "b-c" (Fig. 8-10).
MILLARD
PETIT
A técnica de Millard é a mais utilizada no momento.
Baseada nos princípios de Tennison, Petit criou uma Sua popularidade deve-se à simplicidade de execução,
zetaplastia com quantidade mínima de tecidos despre não descartar tecidos labiais e à cicatriz final ser bas
zados (Fig. 8-11). tante razoável (coincide com a crista filtrai, exceto em
sua porção superior junto à columela). Propicia, tam
bém, a rotação da narina afetada, que colabora com a
PERSEU LEMOS E SPINA
reparação nasal. O princípio de rotação permite, caso
Perseu simplificou ao máximo a zetaplastia. Inicialmen o alongamento do lábio afetado não seja suficiente,
te, as bordas da fissura são cortadas em linha reta. Após, é fazê-lo novamente numa segunda cirurgia. Millard di-

Fig. 8-12. Técnica de Perseu Lemos: incisão linear seguida de zetaplastia.

Fig. 8-13. Técnica de Spina.


98 Deformidades de Lábio e Palato

vulgou sua técnica e posteriormente alterou-a, porque no soalho narinário, de modo que 3-5 = 8-7. Finalmen
na maioria das fissuras completas a rotação era insufi te, o ponto 9 é localizado na base narinária do lado
ciente. Por isso, incluiu um cut-back e mudou a fun fissurado. Após incisadas as marcações e linha do ver
ção do retalho "c". Este passou a incrementar a hemi- melhão das bordas da fissura, obtêm-se duas bordas
columela curta. A sua primeira técnica é ainda utiliza cruentas da fissura: os retalhos do vermelhão e um
da para casos leves de fissura incompleta. Aqui a des pequeno retalho triangular do lado mediai. Este é ro
creveremos como Millard I e Millard II. dado lateralmente e suturado em 10. As suturas são
realizadas a partir das regiões mais profundas (muco
Millard I sa, musculatura e pele) (Fig. 8-14).
Marcam-se do lado normal o tubérculo e o vértice do
Millard II
arco de cupido: pontos "1" e "2". A distância "1-2" é
transferida para "3", que corresponde ao tubérculo do A marcação é semelhante à Millard I, exceto pelo cut-
lado contralateral. O ponto 4 corresponde à base nari- back (ponto 11). Após as incisões, coloca-se um gan
nária do lado normal, e o 5 é marcado no ponto mé cho na borda narinária achatada, tracionando-a até atin
dio da base da columela ou mais adiante, quando uma gir a altura do lado normal. O retalho triangular eleva-
grande rotação for necessária. (Quando o ponto 5 ti se e roda medialmente, para conferir altura à columela
ver que ser colocado muito além do ponto médio, é e permitir uma melhor rotação do lábio (Fig. 8-15).
melhor utilizar a técnica de Millard II.) O ponto 10 Desde 1980, Millard fez algumas modificações em
corresponde à rima labial do lado normal, e o 11 ao sua conduta. No planejamento operatório, passou a
lado fissurado. O ponto 8 é marcado na junção cuta realizar adesão labial e gengivoperiosteoplastia aos 3
neomucosa de tal forma que 10-1 = 11-8. O ponto 7 é meses. Esta última tem como objetivos estabilizar e
marcado na junção cutaneomucosa ao lado da fissura, alinhai" os segmentos alveolares, ocasionando uma me-

Fig. 8-14. Técnica de Millard I: o segmento labial lateral avança, ao passo que o mediai sofre rotação. A cicatriz recai sobre a crista filtrai.

Fig. 8-15. Técnica de Millard II: O cut-back proporciona maior rotação do segmento mediai.
Fissuras Labiais 99

lhor posição do septo nasal (Fig. 8-16). A fissura labial ção de dois terços da cruz lateral e dômus. Ela será
completa transforma-se, por conseguinte, em incom fixada por pontos de 4-0 no septo, alar contralateral e
pleta. Aos 6 meses, realizar-se-á a reparação definitiva. triangular (Fig. 8-17).
Neste estágio, será abordada a cartilagem alar por alon
gamento da incisão no retalho "c", subindo pela colu
mela e margeando a borda caudal da alar. Esta será SKOOG

descolada da pele vestibular e do lóbulo, para exposi- Skoog metodizou uma técnica que usa uma combinação
de rotação, avanço, e retalhos triangulares (Fig. 8-18).

SONG

A técnica de Song emprega um retalho quadrangular


lateral da columela para alongar o lábio, baseada em
princípio utilizado primeiro por Reichert, em 1969.
Com isso, procura resolver o avanço demasiado, em
casos severos, da incisão de Millard. Contudo, a cica
triz final da sua técnica ocasiona distorção do filtro
no terço superior do lábio (Fig. 8-19).

Fissuras Bilaterais

As fissuras labiais bilaterais completas se constituem


num dos maiores desafios do cirurgião plástico. A
deformidade é bem mais complexa do que as unilate
rais. A falta de tecido e deformidades associadas de
nariz e palato tornam praticamente impossível o lábio
operado não ter seqüelas. Por isso, a evolução das téc
nicas cirúrgicas não obedece uma linearidade, como
na fissura unilateral. Serão descritos neste capítulo os
problemas específicos a serem resolvidos e as técnicas
que se propõem para tanto.
A técnica ideal deve alcançar os seguintes objetivos:
1. Lábio simétrico.
2. Cicatrizes que não transgridam relevos anatômi
Fig. 8-16. Correção prévia de colapso das vertentes, desvio septal cos naturais.
e gengivoplastia antes da cirurgia definitiva. 3. Não deixar o lábio excessivamente longo.

Fig. 8-17. Técnica de Millard II modificada pelo próprio autor, visando à correção de assimetria nasal em um só tempo cirúrgico.
100 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 8-18. Técnica de Skoog.

Fig. 8-19.Técnica de Song. Alongamento do lábio através de retalho quadrangular mobilizado da baseda columela.

4. Produzir um vermelhão com quantidade suficien deste para alongar a columela. Quanto à pré-maxila,
te de tecido e tubérculo central. existiam as opções de excisão em cunha do vômer ou
5. Deixar um recesso natural entre o lábio e o proces ressecção completa. Consoante a cmbriologia, o pro
so alveolar da maxila (pré-maxila). lábio faz parte do lábio superior, e a pré-maxila, onde
6. Deixar o lábio projetado adequadamente de perfil. se desenvolverão os incisivos, jamais deve ser descarta
7. Reconstituir a cinta muscular. da. Com ortodontia prévia (compressão externa, tra
8. Alongar a columela e rodar as cartilagens alares. ção com parafuso, expansão das vertentes colapsadas),
9. Ângulo columelo-labial bem definido e natural. o prolábio e a pré-maxila são alinhados sem dificulda
10. Reconstituição natural dos filtros e sulco labial. des. Em alguns casos de fissuras muito amplas, alguns
autores defendem a adesão labial prévia.

ADAPTAÇÕES DE TÉCNICA
Uma evolução natural foi alguns cirurgiões adaptarem ADESÃO LABIAL
suas técnicas para as fissuras unilaterais, nem sempre O princípio da adesão labial é, num primeiro tempo,
resultando em uma boa opção. incisar e suturar as bordas da fissura, incrementando a
tração no prolábio, para, meses depois, realizar a cirur
gia definitiva. Alguns profissionais, como Millard, pas
PRIMEIRAS TÉCNICAS
saram a fazer a adesão (às vezes só do vermelhão) com
As primeiras discussões questionam o que fazer com o o objetivo de levar circulação ao prolábio e não deixá-
prolábio. Alguns cirurgiões defendiam a utilização lo dependente apenas da columela. Em 1962, Celesnik
Fissuras Labiais 101

descreveu a adesão apenas da porção superior do lá


bio, reconstruindo, também neste tempo, o soalho
narinário. A fissura completa transformava-se em in
completa (Fig. 8-20).
As desvantagens da adesão labial são a necessida
de de mais um tempo cirúrgico e a realização da cirur
gia definitiva em tecido com cicatriz.

VEAU III

A técnica de Veau utiliza o prolábio como o único


componente central (exceto vermelhão), conforme os
princípios embriológicos. As cicatrizes finais ficam
em linha reta, e, com a preocupação de restaurar a
cinta muscular, parte do vermelhão do prolábio é
incluída no retalho central. O ponto "a" é colocado
na base da columela. Os dois pontos "a" não devem-
se distanciar mais que 6mm. Os dois pontos "b" são
colocados no vermelhão do prolábio de modo que,
após incisados, mantenham uma pequena ponte no
retalho. Os pontos "a"' e "b"' são colocados de for
ma que "a-b" = "a'-b"'. Após incisadas as paredes late
rais da fissura, surge um retalho que formará o forro
com a pele excedente do prolábio descolado da pré-
maxila. O músculo é liberado de sua inserção anô
mala e suturado com um fio que passa superiormen
te e, por dissecção romba, entre o prolábio e a pré-
maxila (Fig. 8-21).
Vários outros autores descreveram técnicas pes
soais, seguindo o princípio de Veau com algumas mu
danças. Axhausen descreveu seu método utilizando a
transposição de mucosa do prolábio descrita por
Smith (Fig. 8-22). Vaughan propôs discretas modifi
cações nos retalhos laterais (Fig. 8-23). Algumas téc
nicas enfatizaram a necessidade de adicionar tecido
entre o prolábio e a pré-maxila, criando um recesso
que tornaria o lábio menos tenso. Schultz elevava o Fig. 8-20. Adesão labial ã Celesnik.

Fig. 8-21. Técnica de Veau III: a cicatriz recai sobre as cristas filtrais.
1 02 Deformidades de Lábio c Palato

*f

Fig. 8-22. Técnica de Auxhausen. Fig. 8-23. Técnica de Vaughan.

Fig. 8-24. Técnica de Schultz.


Fissuras Labiais 1 03

prolábio e suturava os retalhos laterais na linha me na linha média para forro. Após a sutura da muscula
diana. Seguia-se a sutura do orbicular e, finalmente, tura, os retalhos do vermelhão eram desepitelizados e
o prolábio era reposicionado e suturado (Fig. 8-24). suturados por baixo do próprio vermelhão. A pele era
Bauer descreveu sua técnica em dois tempos; o pri suturada, deixando as cicatrizes em linha reta (Fig. 8-
meiro realizado com 2 semanas de vida, e o segundo, 28). Broadbent, em 1972, fez uma modificação, intro
2 meses após. Consistia em fazer retalhos triangula duzindo linhas curvas à Millard.
res. Metade do prolábio era elevada para receber o
forro do retalho lateral. O retalho triangular ocasio
SPINA
nava uma linha quebrada inferiormente, logo acima
do vermelhão (Fig. 8-25). A técnica de Kolesov era Em 1963, Spina descreveu sua técnica. Ele propôs,
muito semelhante à de Bauer, porém com modifica também, diferentes abordagens de acordo como se
ções no desenho dos retalhos, fazendo a quebra da apresentam o prolábio e a pré-maxila. No caso de
cicatriz superiormente (Fig. 8-26). De Haan utilizou prolábio bem desenvolvido e pré-maxila alinhada,
pele do prolábio para fazer o recesso labial, suturan- fazem-se as incisões das margens e sutura. No caso de
do-o na porção cranial (Fig. 8-27). pré-maxila alinhada e vermelhão do prolábio insufi
ciente, procede-se, em um só tempo, à sua técnica.
Em casos de pré-maxila protrusa e vermelhão insufi
MANCHESTER
ciente, realizam-se, em três tempos separados, a ade
Manchester descreveu, em 1970, um método que utili são labial, começando pelo lado mais grave, e a cirurgia
zava os retalhos desepitelizados laterais do vermelhão definitiva.
do prolábio, para a reconstrução do tubérculo central. As incisões são feitas nas bordas da fissura, pre
As porções laterais do lábio eram rodadas e suturadas servando os retalhos do vermelhão das vertentes la-

Fig. 8-25. Técnica de Bauer.


104 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 8-26. Técnica de Kolesov.

Fig. 8-27. Técnica de De Haan.


Fissuras Labiais 105

terais. O prolábio é desdobrado até a espinha nasal natural do filtro labial. O nó será atado após a recons-
anterior. Os excessos de vermelhão nos retalhos late tituição da cinta muscular. Os retalhos laterais do pro
rais são desepitelizados e suturados entre si. O prolá lábio são estocados na base do nariz e, aos 6 meses,
bio, então, é rodado por cima dos retalhos, envolven- poderão ser incisados para o alongamento da colume
do-os e produzindo, também, um recesso mucoso. Se la (Fig. 8-30).
gue-se a sutura da mucosa, músculo e pele (Fig. 8-29).

NOORDHOFF
MILLARD
A técnica de Noordhoff usa vários recursos já descri
Millard propõe a utilização de sua técnica para fissura tos: retalhos em forquilha do prolábio, criação do
unilateral, adaptada com algumas modificações. A ci sulco labial e formação de cinta muscular. Descreve
rurgia é realizada no paciente com 1 mês de vida, após também um retalho de mucosa intra-oral para reves
3 semanas de correção da protrusão da pré-maxila. A timento do vestíbulo nasal. Marca-se o ponto 1 na
marcação obedece aos princípios já abordados mais a linha média do prolábio na transição cutaneomuco
formação de retalhos laterais no prolábio. Este é total sa. Distante 3 a 4mm de cada lado, marca-se o ponto 2.
mente descolado da pré-maxila, permitindo a sutura O ponto 3 é marcado na base da columela. São dese
da musculatura orbicular. Antes coloca-se um ponto nhados dois retalhos em forquilha. Os pontos 2' são
na derme e pré-maxila para reconstruir a depressão marcados na transição cutaneomucosa na região onde

Fig. 8-28. Técnica de Manchester.


1 06 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 8-29. Técnica de Spina. A. Primeiro tempo. B. Segundo tempo.

o vermelhão se torna mais largo. O ponto 3' é marca MULLIKEN


do na base alar de forma que a distância 2-3 = 2'-3'. Mulliken publicou uma seqüência de estudos na qual
Podem ser deixados retalhos laterais entre 2'-3' e o ver desenvolveu sua técnica. Grande importância é dada a
melhão. A pele do prolábio é elevada. A mucosa que uma série de medidas de distâncias entre diversos pon
resta é descolada e suturada, cobrindo dois terços da tos da face. Ao mesmo tempo, são abordados o lábio
pré-maxila exposta. Os retalhos laterais são incisados. e a ponta nasal. Mulliken não utiliza retalhos labiais
São feitas uma incisão na base narinária e outra inter- para alongamento da columela. Ele acredita que o en-
cartilaginosa, que se prolonga pela mucosa vestibular curtamento dela se deve ao deslocamento da cruz
de 1,5 a 2,0cm. A mucosa é suturada na linha média e, mediai.
logo depois, à musculatura orbicular. Duas suturas são No prolábio, marca-se a pele que não será desco
colocadas nos dômus das cartilagens alares, unindo-as lada com uma largura de 2 a 2,5mm em cima e 3 a
ao septo e triangulares. O retalho de mucosa é trans 4mm no arco de cupido. Na base da columela, é dei
posto, refazendo o vestíbulo nasal. Os retalhos em xada toda a pele do prolábio. Nos lados, são deixa
forquilha são rodados para a base nasal, segue-se a su das porções de pele desepitelizada para mimetizarem
tura do prolábio aos retalhos cutâneos laterais e, final os filtros labiais. Nas porções laterais à fissura, são
mente, o vermelhão é suturado para a formação do marcados retalhos triangulares que começam na base
tubérculo central (Fig. 8-31). narinária e margeiam a transição cutaneomucosa, até
Fissuras Labiais 107

Fig. 8-30. Técnica de Millard para fissuras bilaterais: elevação do prolábio e sutura do músculo orbicular. Colocação de ponto aderindo
o prolábio e a pré-maxila por entre as fibras musculares, para formação da depressão do filtro labial. Os retalhos laterais do prolábio são
estocados para alongamento da columela em segundo tempo cirúrgico.
1 08 Deformidades de Lábio e Palato

o ponto em que o vermelhão se torna mais espesso. e avançada para formação do recesso labial. A muscu
Deste ponto é incisado o retalho de vermelhão para latura é suturada na espinha nasal e pré-maxila acima
forro. Incisões marginais da narina são realizadas para da pele decorticada, provocando uma depressão na re
descolamento e sutura das cartilagens alares no septo gião do filtro labial. Após a rotação nasal, é necessária
e triangulares. Por essa incisão são suturadas as cruzes a ressecção de excesso de pele na região do soft trian-
mediais das alares. A mucosa do prolábio é descolada gle, para normalizar a forma da narina (Fig. 8-32).

Fig. 8-31. Técnica de Noordhoff. Notara rotaçãode retalho de mucosa interna labial.

Fig. 8-32. Técnica de Mulliken. Notar ressecção de excesso de pele para melhorar o aspecto das narinas.
Fissuras Labiais 109

7. Mulliken JB. Bilateral complete cleft lip and nasal deformity.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS an anthropometric analysis of staged to synchronous repair.
1. Becker M, Svensson H, McWilliam J ef ai. Millard repair of Plast Reconstr Surg I995;96(l):9.
unilateral isolated cleft lip: A 25-year follow-up. Scand] Plast 8. Mulliken JB, Burvin R, Farkas LG. Repairof bilateral complete
Reconstr Hand Surg 1998;J2i387. cleftlip:intraoperative nasolabial anthropometry.Plast Reconstr
2. Cohen SR et ai. Cumulative operative procedures in patients Surg 200\;107(2):3Q7.
aged 14years and olderwith unilateral or bilateral cleft lip and 9. Nakajima T. Early and one stage repair of bilateral cleftlip and
palate. Plast Reconstr Surg 1995;í>6(2):267. nose. Keio] Med, 1998;47{4):212.
3. Cutting C et ai. Presurgical columellar elongation and primary 10. Nakajima T,Yoshimura Y, Yoneda K,NakaninhiY. Primary repair
retrograde nasal reconstruction in one-stage bilateral cleft lip of an incomplete unilateral cleft lip: avoidind an elongated lip
and nose repair. Plast ReconstrSurg 1998;/0i(3):63O. and achievinga straight suture line. Br] PlastSurg, 1998;57:511.
4. MillardJr DR. Closure of bilateral cleft lip and elongation of 11. Noordhoff MS. Bilateral cleft lip reconstruction. PlastReconstr
columella by two operations in infancy. Plast Reconstr Surg Surg 1986;7S(1):45.
1971;47{4):324. 12. Spina V. The advantages of two stages in repair of bilateral cleft
5. Millard Jr DR. Cleft craft, the evolution of its surgery - the lip. Cleft Palate J 1966;5:56-60.
unilateral deformity. Little, Boston: Brown and Company, 1976. 13. Song R, Liu C, Zhao Y. A new principie for unilateral complete
6. MillardJr DR,MorovicCG. Primaryunilateral cleftnosecorrection: cleft lip repair, the lateral columellar flap method. PlastReconstr
a 10-year follow-up. PlastReconstr Surg 1998;102(5):1.331. Surg 1998;102(6):1.853.
Fissuras Palatais

Eudes Soares de Sá Nóbrega

como Roux, pai do Y de Roux, Dupuytren, da contra


INTRODUÇÃO
tura palmar, também operaram palatos. O pai da pala
O palato funciona como uma barreira anatômica e toplastia foi, contudo, Frederich Diefenbach' (Fig. 9-
funcional entre as cavidades oral e nasal. Ele, junta 2A). Nascido na Prússia, Diefenbach realizou a primei
mente com as paredes laterais e posterior da faringe, ra uranoplastia já usando os arames ou fios de chum
fecha o orifício ou a válvula velofaríngea, a qual nos bo trançados, uso posteriormente advogado por Veau.
permite falar e deglutir adequadamente, evitando, por Usava também bisturi com lâmina especial e pregava
tanto, o escape de ar nasal na emissão dos fonemas e o três princípios básicos: "reavivar os bordos da fissura",
refluxo nasal de alimentos líquidos. Quando um indi inserção das ligaduras, amarrar os nós. Foi ele o pri
víduo é portador de uma fissura palatal, todo esse me meiro a descrever as incisões relaxadoras ou liberado-
canismo sofre um distúrbio, acarretando-lhe déficits ras. Logo a seguir temos o nome mais conhecido den
nutricional, auditivo, oclusivo e, principalmente, de tre nós, Bernard Von Langenbeck18 (Fig. 9-2B), que em
comunicação (Fig. 9-1). 1848 sucedeu a Diefenbach como chefe da cátedra na
universidade de Berlim. Era uma pessoa de estatura
mediana, disciplinado e preciso, levantava todos os dias
REVISÃO HISTÓRICA
às 5 â,-\ manhã e, depois do café e de uma cavalgada,
ensinava técnica cirúrgica em cadáveres para estudan
Aparentemente este tópico parece ser o menos impor tes de medicina até as 10 horas, quando, logo depois,
tante neste capítulo. Ao nosso ver, porém, trata-se de iniciava sua prática cirúrgica em pacientes particula
importância capital, pois tenta mostrar-nos as várias res, da clínica privada, por um período de 4 horas; às 2
tentativas e caminhos para alcançarmos os resultados da tarde iniciava o seu consultório, vestindo um casa
ora obtidos em nossas cirurgias, além de prestarmos co verde e negro meticulosamente limpo todos os dias.
uma justa homenagem àqueles que dedicaram parte Em 1859, Von Langenbeck ressecou uma maxila, dei
de suas existências ao êxito da palatoplastia18 (Fig. 9-2). xando o periósteo intacto, e notou a regeneração ós
A primeira palatoplastia de que se tem notícia foi sea daquele segmento facial. Ele aplicava a anestesia
realizada por um cirurgião francês chamado Lemonnier, usando gelo em contato direto com o palato e opera
entre 1760 e 176410. Nomes já conhecidos por nós, va em uma cadeira de barbeiro das 8 às 11 h 30 min da

no
Fissuras Palatais 111

Tuba auditiva

Elevador

Processo palatino
de maxila
Ósteo faríngeo da
tuba auditiva

Músculo uvular

Músculos Salpingofaríngeo
Palatoglosso e (quando presente)
palatofaríngeo

Pilares anteriores e Músculo


posteriores das Palatofaríngeo
fauces

Fig. 9-1. Corte sagitai de um palato normal. (Modificada de Millard.18)

manhã, limitado nesse horário somente por depender mento presa a ele para facilitar-lhe a visualização das deli
da iluminação direta do sol. Os seus princípios ainda cadas estruturas; além disso, por dentro de suas vestimen
hoje são seguidos, como veremos no decorrer dos tó tas de cirurgião da época, passava um tubo de oxigênio
picos que se seguem. que chegava até o seu nariz, para que ele não se intoxicas-
Billroth (Fig. 9-2Q, em 1889, fez modificações na se com os gazes anestésicos fortes empregados naquele
cirurgia proposta por Langenbeck, fraturando o proces tempo. Ele era amigo do famoso anestesista Magill (da
so hamular, ou hamulus. Ainda hoje alguns cirurgiões pinça), com quem idealizou abridores de boca com espa
utilizam esse recurso para liberar a aponeurose palati ço reservado para a cânula de intubação orotraqueal.
na e mobilizai" mais medialmente a musculatura. Em Voltando um pouco no tempo, em 1926 tivemos
1925 tivemos um enorme avanço no tratamento das outra grande contribuição do cirurgião austríaco Hans
fissuras palatinas com a inovação do cirurgião francês Pichler (Fig. 9-2E), discípulo de Esser, que utilizou e
Victor Veau31 (Fig. 9-2D), do Hospital das Crianças em descreveu um retalho do vômer, em folha de livro,
Paris. Foi naturalmente uma modificação da técnica como é de conhecimento atual, que servia e ainda ser
de Von Langenbeck com liberação dos retalhos anteri ve para fechar a palato anterior, ou palato "duro", quan
ormente. Veau preconizava o fechamento em três pla do realizamos o fechamento em um ou dois tempos.
nos — mucosa do assoalho nasal, musculatura e muco Em 1937, seguindo a influência de Veau, Wardill
sa oral —, tendo sido este o primeiro push-back de que (Fig. 9-2F), em New-Castle, e Killner (Fig. 9-2G), em Lon
se tem registro. dres, coincidentemente, sem se comunicar, aperfeiçoa
Em 1931, Veau editou um compêndio nunca antes ram e publicaram um retroposicionamento do palato
sonhado pelos cirurgiões da época, versando sobre o tra com avanço em V-Y, conhecido hoje como a técnica de
tamento das fissuras, que inclusive é fonte de referência e Wardill-Killner, ou do push-back, um método bastante
consulta para a realização do presente trabalho". Uma engenhoso que será detalhado posteriormente18,2'4,32.
peculiaridade sobre o comportamento de Veau, um ci No ano de 1960, Millard criou o retalho em ilha,
rurgião atarracado, é que ele vestia um capacete do tipo que era retirado do palato duro transposto para o palato
usado por jogadores de beisebol, com uma lente de au mole, recobrindo a área cruenta deixada na mucosa nasal
112 Deformidades de Lábio e Palato

quando se utilizava a técnica de Wardill-Kilner, com o do palato anterior para o posterior, utilizando um "re-
propósito de evitar uma retração nessa área. A princípio, arranjo" do próprio tecido do palato mole para alon
esta parecia ser uma tática promissora, porém, com o gá-lo, ou seja, não era a intenção do método deixar
passar dos anos, o próprio autor não mais indicaria o seu área cruenta para depois haver retração, prejudicando
uso18,19.
o resultado obtido de imediato. Hoje, esta é uma das
Em 1964, o inglês Fenton Braithwaite5 (Fig. 9-2H), principais técnicas usadas em serviços de referência
de New-Castle, discípulo de Wardill, médico, matemá mundial, sendo testada em confronto com a clássica
tico e fisiologista, descobre e publica o diagrama do de Von-Langenbeck e de Wardill-Killner11,18,24,25,33.
mecanismo do fechamento do esfíncter velofaringeo.
Ele demonstrou que a cinta dos elevadores eleva o
palato mole para trás e para cima, enquanto o múscu ANATOMIA NORMAL x
lo palatofaríngeo se contrai e aproxima os pilares das ANATOMIA DO FISSURADO
faces posteriores e estreita a abertura da faringe, como
se fossem duas atiradeiras ou estilingues fixos pela De acordo com os diagramas modificados, retirados do
parte de couro, onde se coloca a pedra; ao serem esti livro do Dr. Millard18 (Figs. 9-3,4 a D), podemos notar
cadas as duas atiradeiras, haveria uma aproximação que o passo mais importante para obtermos a seme
das ligas ou das borrachas, prática esta utilizada em lhança entre o nosso paciente e uma pessoa normal está
nosso serviço.
na reparação da musculatura elevadora, que, no caso do
Em 1977, Leonard T. Furlow (Fig. 9-27) descreveu fissurado, encontra-se bipartida e anomalamente inseri
sua técnica, denominada "dupla plástica em z oposta", da ou aderida às lâminas palatais posteriormente, ca-
com o propósito de alongar o palato mole e, ao mes bendo-nos, portanto, unir as metades dessa musculatu
mo tempo, retroposicionar o máximo possível a mus ra o mais posterior possível. Além desse reparo, as mu-
culatura elevadora. Como principal diferencial das téc cosas nasal e oral devem ser suturadas sem tensão, como
nicas anteriormente descritas, esta não retirava tecido veremos no tópico referente às técnicas.

Johann Diffenbach Bernhard Von Langenbeck Theodor Billroth Victor Veau Hans Pichler

William Wardill Pomfret Kilner Fenton Braithwaite Leonard Furlow

Fig. 9-2. Homenagem aos grandes nomes que dedicaram parte de suas vidas à modernização da palatoplastia.
Fissuras Palatais 113

Normal
Fissurado bilateral
Feixe
neurovascular

Pré-maxila
Palatofaríngeo
Processo palatino
da maxila

Osso palatino

Hamulus

Pterigóide

Arco
palatofaríngeo

Arco
palatoglosso

Osso
temporal
J&áOi4lZ*3\

Fissurado bilateral

Levantador

Aponeurose

Hamulus

Tensor do véu palatino

Levantador

Palatoglosso e
palatofaringeo
refletido

Fig. 9-3A, B e C. Anatomia x anatomia do fissurado. (Modificada de Millard18).

ANATOMIA
de da tuba auditiva. Seus tendões passam em volta do
processo hamular do pterigóideo e se inserem na apo
DETALHADA/FISIOLOGIA
neurose palatina. Os músculos elevadores do véu pala
Os músculos do palato trabalham em conjunto com tino também têm sua origem ao longo do orifício da
os músculos da faringe para produzir o efeito deseja trompa. Eles se encontram na linha média como em
do, que é o fechamento do esfíncter velofaringeo. Os uma cinta muscular por trás da aponeurose. O múscu
músculos tensores do véu palatino emergem da pare lo uvular é pequeno c situa-se na linha média superior
114 Deformidades de Lábio c Palato

e posteriormente à cinta muscular do elevador. O su ríngeos, que, por sua vez, também formam uma cinta
primento sangüíneo do palato chega através das arté sinergicamente com o músculo constritor superior aju
rias palatinas, maior e menor, e da contribuição das dam nessa ação"4,5,8,26 (Fig. 9-4). Segundo o mecanismo
perfurantes septais que passam pelo forame incisivo. descrito por Braithwaite, o músculo uvular também se
A sensibilidade é suprida pelo nervo maxilar, que é contrai durante a fala, adicionando "volume" para a área
uma subdivisão do trigêmeo, atravessando os forames de convexidade na superfície superior do palato mole'.
pterigopalatino e nasopalatino. Existe uma inervação
motora dupla, com ramos motores do trigêmeo para o
tensor do véu palatino e com o nervo vago através do EMBRIOLOGIA DO PALATO
plexo faríngeo para o músculo elevador e para o uvular. SECUNDÁRIO
Funcionalmente, o fechamento normal da válvula é
conseguido pela ação esfineteriana da cinta do eleva De acordo com as pesquisas de Stark3,18,29, colheu-se o
dor, a qual puxa o palato para cima e para trás de encon seguinte (Fig. 9-5): "Durante a sétima semana de vida
tro à parede posterior da faringe. Os músculos palatofa- intra-uterina, a cabeça do feto encontra-se fletida aguda-

Importante Anatomia do Palato Mole


Trompa de Eustáquio
Músculo tensor
Músculo elevador
Lâmina pterigóidea média
Músculo constrictor superior
Hamulus
Músculo palatofaríngeo
Aponeurose palatina
Margem posterior
do palato duro

Fig. 9-4A e B. Anatomia detalhada para visualização simultânea com a leitura deste tópico. Os dois esquemas superiores foram retirados
e modificados de Millard18, e o inferior (C) foi fornecido pessoalmente por Furlow. D. Esquema do fechamento do esfíncter velofaringeo,
segundo Braithwaite5.
Fissuras Palatais 115

mente e virada para a direita; a língua é, portanto, retando a geração de um indivíduo fissurado. Uma
empurrada cefalicamente entre as lâminas palatais, as das ocorrências mais evidentes é o aumento da resis
quais ficam penduradas nos dois lados da língua, como tência da língua, como no caso da seqüência de Pierre-
as orelhas de um cão bassê (Fig. 9-5). Lentamente, como a Robin; por ser a mandíbula pequena, ela empurraria a
cabeça começa a se estender, a língua começa a afun língua cranialmente, impedindo a migração e aproxi
dar, primeiro iniciando na sua base posteriormente. mação das lâminas palatais.
As lâminas palatais "aproveitam" essa oportunidade Pode também haver uma deficiência de mesoder-
para sobrepujar a resistência da língua e começar a se ma nas lâminas que não crescem e não se fundem.
erguer, primeiro posteriormente e depois anteriormen A força necessária para erguer as lâminas pode não
te, como uma onda, até que a porção anterior complete estar presente, como observado em animais expostos
o posicionamento dessas lâminas sobre a língua. Nesse a radiação ou submetidos a doses maciças de corticói-
momento, as lâminas crescem e se encontram, ficam des, vitaminas etc.
suficientemente aderidas e se fundem, primeiro ante A cabeça pode não se estender, ficando fletida,
riormente, no terço do palato duro anteriormente ao empurrando a língua para cima e não deixando as lâ
forame incisivo, e, por último, posteriormente, fun minas migrarem e fundirem-se, como na síndrome de
dindo a úvula. Por isso, existem casos que apresentam Klippelfcil.
fístulas entre o palato anterior e o posterior mesmo Por último, uma encefalocele poderia impedir a
sem nunca terem sido operados (Fig. 9-5). aproximação das lâminas18,29.
De uma maneira geral, a falta de migração do
mesoderma é responsável pelo aparecimento das fissu
PATOGENIA ras, o que foi proposto por Veau desde 1931. Há ainda
uma teoria relatando que a fusão das lâminas sem a
Um número variável de ocorrências pode levar à inter migração do mesoderma resultará na origem de uma
rupção do processo explicado no tópico anterior, acar fissura submueosa.

Fig. 9-5. Esquema da aproximação e fusão das lâminas palatais, durante o fechamento do palato secundário, segundo Stark (A) e
Langman (B)- Retirada de Baroudi. In: Carreirão, Lessa e Zanini - Tratamento de Fissuras Labiopalatais.
116 Deformidades de Lábio e Palato

multifatorial que pode ser explicada como aquela em


ETIOLOGIA
que um ou ambos os pais carregam consigo o gene que
Qualquer fator que atue sobre a diferenciação, migra somente atuará se determinado fator ambiental intera
ção ou proliferação das células da crista neural e subse gir na gestante em determinado momento9,17,20,34.
qüente envolvimento mesenquimal pode determinar
o aparecimento de uma fenda labiopalatal20.
Os fatores etiológicos podem ser divididos em: INCIDÊNCIA

• Maternos-fetais.
Não parece haver relação entre fissura palatal pura e as
• Estresse.
diversas raças. A sua incidência está situada por volta
• Infecções. de 0,5 por 1.000 nascidos vivos. Segundo estudos de
• Fatores nutricionais.
Fogh-Andersen, elas podem estar associadas a anoma
• Medicamentos.
lias congênitas em 30% dos casos. Diferentemente do
• Radiações.
que ocorre com as fissuras labiopalatais, cuja incidên
cia varia de 1:500 a 1:1.000 nascidos vivos, os orientais
Nos materno-fetais, podem ser incluídos distúrbios são os mais acometidos e a raça negra é a menos atingi
anatômicos do útero, além de diabetes da mãe e mãe da, ficando os brancos em uma posição intermediária.
com hipotireoidismo. Em nosso país a incidência de fissuras labiopalatais é
Estresse pode estar relacionado ao aumento de de 1:650 nascidos vivos21.
hormônio supra-renal, que se associa a malformação
do terço médio. Para comprovar esse fenômeno, du
rante a II Guerra Mundial, nos bombardeios sofridos CLASSIFICAÇÃO
em Londres, houve um grande número de crianças Várias classificações se propõem a descrever de modo
nascidas com essa deformidade.
exato o tipo de fissura:
Infecções na gestação, como rubéola, toxoplasmo-
se e até mesmo o vírus da gripe, estão relacionadas • Classificação de Veau —divide as fissuras em grupos
com o aparecimento dessas alterações17-20. de I a IV, mas é passível de críticas por não incluir
Entre os fatores nutricionais, destaca-se principal fendas labiais isoladas31.
mente a carência do ácido fólico — que aumenta em • Classificação de Davis e Ritchie —engloba as fissu
50% as malformações neurológicas e das estruturas ras labiopalatais em três grupos, mas também ofere
faciais. Há inclusive uma proposta da Organização ce limitações20.
Mundial de Saúde para adicionar ácido fólico à fari • Classificações de Kernahan e Stark —é uma refor
nha de trigo comercializada em todos os países, assim mulação da classificação de Pruzanski —muito com
como o iodo foi adicionado ao sal de cozinha para plexa —, apresentando falhas quanto à interpretação
combater o bócio endêmico (informação colhida du do tipo de fissura12,20.
rante simpósio internacional —International Task Force • Classificação de Spina —é a classificação mais uti
Meeting on Craniofacial Anomalies, de 2 a 5 de outu lizada no Brasil, baseada na classificação de Fogh e
bro de 1998, em Bauru-SP em palestra proferida por Andersen, dividindo as fissuras em três grupos:17,20
Marie Tolarova, diretora do programa de prevenção - Grupo I: fissuras pré-forame incisivoque acometem
de anomalias craniofaciais da Universidade da Califór total ou parcialmente o palato primário até o fora
nia, EUA.) me incisivo. Assim, na forma mais grave, encon
Causas medicamentosas estão relacionadas ao uso tram-se fendidos o lábio, a arcada alveolar e o assoa
de medicamentos durante a gestação, sendo os medi lho narinário. Podem ser uni ou bilaterais. No pri
camentos divididos em quatro categorias: anticonvul- meiro caso, podem ocorrer à direita ou à esquerda.
sivantes —com atividades antiácido fólico; aspirina e Nesse grupo estão enquadradas as fissuras labiais e
corticosteróides; vitamina A em quantidades excessi medianas totais ou parciais (Fig. 9-6B a D).
vas e, por último, os antineoplásicos. - Grupo II: fissuras transforame incisivo unilateral
As irradiações também podem alterar a capacidade ou bilateral —representam aquelas fendas totais
de multiplicação e diferenciação de células. de lábio e palatos duro e mole, portanto, há com
Somente em 25% dos casos foi encontrada história prometimento tanto do palato primário quanto
familiar de portadores de fissuras faciais, a qual não se do secundário (Fig. 9-6E, F).
gue nenhum padrão recessivo normal ou mesmo domi - Grupo III: fissuras pós-forame incisivo —são ex
nante, ou seja, trata-se de uma deformidade de herança clusivamente palatais, comprometendo todo o pa-
Fissuras Palatais 117

lato, desde o forame incisivo até a úvula na for tista para que as suas condutas não entrem em confli
ma completa, e na forma incompleta não atin to. Esses profissionais deverão ter espaço reservado no
gindo o forame incisivo (Fig. 9-6G). prontuário do paciente para uma intercomunicação,
Esse sistema permite a classificação precisa de uma visando a um objetivo comum: a reabilitação comple
fissura relatada até mesmo ao telefone. Existem pe ta do paciente.
quenos detalhes que podem ser adaptados ao sistema,
como a banda de Simonart ou ainda as fissuras sub-
Idade Ideal
mucosas, que são classificadas como pós-forame incom
pletas e, por último, a cicatriz de Keith, uma linha Atualmente, vários serviços de referência mundial têm
cicatricial na pele do lábio, que não deixa de ser uma proposto 18 a 24 meses como a idade ideal para a rea
fissura pré-forame incompleta, na sua forma mínima17,20. lização da palatoplastia1,6,17.
Em nosso serviço, e em alguns outros, já se chegou
à conclusão de que essa idade pode ser adiantada para
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR os 12 meses sem nenhum prejuízo para o crescimento e
o desenvolvimento facial. Existem ainda os que defen
Para o êxito do tratamento das fissuras palatais é im dem o fechamento precoce do palato mole dos 3 aos 9
prescindível contar com uma equipe de profissionais meses, alegando que, nesses casos, somente 10% dos
treinados na reabilitação do portador dessa deformi pacientes tiveram distúrbios fonoarticulatórios, contra
dade, funcional, estética, psicológica e socialmente. Essa 86% dos casos que foram submetidos à palatoplastia
equipe deverá ser composta por cirurgiões plásticos, dos 12 aos 24 meses24,25. Foi demonstrado, em nossa
cirurgiões bucomaxilofaciais, ortodontistas, otorrino- instituição, que o distúrbio no crescimento e desenvol
laringologistas, pediatras, neuropediatras, anestesiolo- vimento da maxila depende mais da cirurgia do lábio
gistas treinados em intubações difíceis, enfermagem do que da cirurgia do palato, como se postulava até
com treinamento específico, fonoaudiólogos, psicó então23,27,30. A partir desse estudo, a rotina do serviço foi
logos, nutricionistas e assistentes sociais. O cirurgião modificada e, conseqüentemente, ocorreu um progres
plástico deve estar familiarizado com alguns procedi so nos resultados obtidos na fonação dos pacientes.
mentos exercidos pelo fonoaudiólogo e pelo ortodon- Além disso, o raciocínio geral atual é de que seria mais

Fig. 9-6. Classificação das fissuras, segundo Spina. A. Indivíduo normal. B. Fissura pré-forame incompleta à esquerda. C. Fissura pré-
forame completa à esquerda. D. Fissura pré-forame completa bilateral. E. Fissura transforame esquerda. F. Fissura transforame bilateral.
G. Fissura pós-forame incompleta, atingindo o palato duro parcialmente. Esta fissura seria pós-forame completa se acometesseo palato
duro até o forame incisivo.
118 Deformidades de Lábio e Palato

fácil a correção de uma má oclusão dentária com os do sobrar 1 a 2mm da mucosa nasal para "ganharmos"
recursos modernos do que a reversão de um distúrbio mais tecido desse lado, já que não há incisões liberado-
fonoarticulatório (Furlow, comunicação pessoal). ras do lado nasal (Fig. 9-7 B). Com gancho de Gillies em
uma das mãos e o descolador de Free e descolador espe
cial angulado, descolamos primeiramente os retalhos
TÉCNICAS CIRÚRGICAS da mucosa oral no plano subperiosteal (Fig. 9-7Q. Ao
atingirmos praticamente a arcada alveolar, passamos à dis-
Exceto em casos isolados, em que há contra-indicação secção com tesoura de Stevens, liberando a musculatura
formal, o principal tratamento das fissuras palatais é a anomalamente presa na face posterior da lâmina palatal
cirurgia, ou seja, a palatoplastia. (Fig. 9-1D). Este feixe muscular (elevador e palatofarín
Inúmeras técnicas de reabilitação morfofuncional geo) é liberado até visualizarmos o músculo constritor
do palato foram desenvolvidas, e a grande maioria caiu superior. Este é o limite de dissecção muscular.
em desuso por acarretar maiores prejuízos ao crescimento Em seguida, com um descolador angulado desco
e desenvolvimento facial do que benefícios. Dentre elas,
lamos a mucosa nasal da lâmina palatal. Esse procedi
podemos citar as técnicas de Ganzer e a de Brown18. mento é repetido exatamente do mesmo modo no lado
As técnicas cirúrgicas mais utilizadas atualmente são:
oposto. Inicialmente se faz a sutura da mucosa nasal
• a de Von Langenbeck, com fio categute 4-0 com agulha especial, com pontos
• a de Veau, invertidos, do palato duro até a úvula (Fig. 9-7'£). Com
• a de Wardill-Kilner e gancho de Gillies, afasta-se o retalho sobre o palato
• a de Furlow. mole, para que se possa visualizar a musculatura ante
riormente dissecada. Suturamos os dois grupos mus
As três últimas utilizam os princípios básicos pre
culares na linha média com fios de náilon 4-0 e pontos
conizados por suas antecessoras: a de Furlow objetiva
em U, quase imitando uma tenorrafia, tendo o cuida
o alongamento do palato mole, que foi proposto por do de tornar essa síntese o mais posterior possível, para
Wardill-Kilner; estes, por sua vez, aperfeiçoaram a téc obtenção do máximo rendimento do esfíncter velofa
nica de Veau, com seus quatro retalhos e, por último, ringeo (Fig. 9-7 G e I). A seguir, passamos para as inci
Veau modificou a técnica de Von Langenbeck, indivi sões liberadoras. Com o bisturi direcionado tangenci-
dualizando o fechamento da mucosa nasal e liberan
almente ao processo alveolar, cerca de 3 a 4mm mediai
do totalmente os retalhos na porção anterior. ao rebordo da gengiva, incisamos ate o periósteo, des
Em resumo, todas as técnicas são filhas, netas e bis de o último espaço molar até o nível dos incisivos
netas daquela descrita em 1861, por Von Langenbeck. laterais (Fig. 9-7//).
Com o gancho de Gillies preso ao retalho e com
o descolador de periósteo, descolamos e medializamos
Von Langenbeck esses retalhos mucoperiosteais até que a sua face mediai
A técnica de Von Langenback por nós utilizada recebe atinja a linha média, sem tensão. A artéria palatina de
este nome por respeitar os princípios básicos preconi verá ser visualizada aproximadamente ao nível do se
zados pela técnica clássica —incisão liberadora bilate gundo pré-molar superior (Fig. 9-7/) —ela admite ser
ral e não-liberação completa dos retalhos na sua por distendida gentilmente por tração com o gancho de
ção anterior; porém, na realidade, utilizamos o fecha Gillies posicionado na mucosa do retalho e alavanca
mento individualizado da mucosa nasal preconizado do com a ajuda do descolador. A sutura deste plano é
por Veau31 e a veloplastia intravelar com retroposicio- realizada com pontos em U intercalados com pontos
namento muscular, advogados por Braithwaite5. simples com o mesmo fio de categute 4-0 ou Vicryl do
Detalhes da técnica cirúrgica: paciente em decúbi mesmo calibre.
to dorsal, em posição de Trendelenburg com cabeça em A área cruenta deixada pelas incisões liberadoras é
hiperextensão, intubação orotraqueal com cânula des revisada no ponto de vista da hemostasia, e somente
viada para uma das comissuras labiais e fixa com fita algumas vezes tamponamos com morim vaselinado ou,
adesiva do tipo micropore. O abridor de boca é coloca ainda mais raramente, com Gelfoam® ou Surgicel®. Não
do do modo mais simples possível. Procede-se à assep deixamos mais qualquer tipo de tamponamento em
sia e à anti-sepsia com iodopovidona aquoso. Infiltra praticamente 95% dos casos (Fig. 9-7L).
mos solução de lidocaína a 2% com adrenalina 1:200.000 Em nosso serviço,utilizamos essamesma técnica com
(Fig. 9-7^4). Aguardamos o período de 5 a 7 minutos somente uma incisão liberadora e, mais raramente, quan
para iniciarmos a incisão no rebordo da fenda, deixan do a fenda é estreita, fazemos um descolamento amplo e
Fissuras Palatais 119

não utilizamos nenhuma incisão liberadora. Não aconse Wardill, segundo Millard18, alongava cerca de
lhamos essa prática ao cirurgião que realiza palatoplastia l,0cm o palato mole, no final da cirurgia. Os servi
esporadicamente (menos de quatro casos/mês). ços que não aderiram ao uso dessa técnica defendem-
se, alegando que a área cruenta deixada pela mobili
zação dos retalhos é extensa, com aumento conse
Técnica de Veau qüente no transtorno do crescimento e desenvolvi
Esta técnica difere da anterior basicamente pela libera mento da maxila látero-lateralmente, como também
ção completa dos retalhos mucoperiosteais na sua na incidência de fístulas de transição —entre os pala
tos duro e mole24.
porção anterior, de acordo com o esquema de Talita
Franco10 (Fig. 9-8).
Técnica de Furlow

Técnica de Wardill-Kilner - Oxford1318,32


Este método, introduzido inicialmente em nosso país
(Fig. 9-9) por Barcellos2, difere basicamente do anterior por não
utilizar tecido do palato duro para alongar o palato
Trata-se de um método bastante engenhoso, fundamen mole, quase não deixar área cruenta no palato duro,
tado na técnica de Veau31, que se utiliza de três ou ter sido originalmente descrito com essa intenção,
quatro retalhos mucoperiosteais com o intuito de avan não fazer incisões liberadoras, o que, na prática, nem
çar posteriormente o palato mole através de tecido sempre é possível evitar. Há realmente um ganho per
"ganho"do palato duro (push-back). manente de 1,0 a 0,5cm no comprimento do palato

Fig. 9-7. Detalhes da técnica de von Langenbeck - visão do cirurgião durante a cirurgia - úvula no topo da figura. A. Paciente com fissura
transforame à esquerda (classificação de Spina). B. Demarcação das incisões de acordo com o texto, deixando 2,0 a 2,5mm de sobra na
mucosa nasal. C. Com gancho de Gillies e descolador de Free, elevamos e descolamos o retalho mucoperiosteal do lado esquerdo.
Visualizamos a lâmina óssea (amarelo) e o músculo elevador (vermelho). D. Com tesoura de Stevens e pinça delicada, não desenhada,
separamos as fibras musculares da porção posterior da lâmina óssea. E. Aqui já se tem noção da mucosa nasal suturada com pontos de
categute 4-0 invertidos — o nó está virado para a cavidade nasal. Musculatura da esquerda já dissecada, liberada e rebatida posterior
mente, enquanto a da direita ainda está em sua posição anômala. F. Sutura da musculatura - veloplastia intravelar, como se fosse uma
tenorrafia com pontos em U, de náilon 4-0. (Continua.)
1 20 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 9-7. (cont.) G. Demarcação das incisões liberadoras de acordo com o texto. H. Descolamento do retalho mucoperiosteal do sentido
lateral para o mediai; com o gancho de Gillies na mão direita e o descolador de Free na esquerda, tracionamos e descolamos simultane
amente, visualizando a artéria palatina, em vermelho, tomando cuidado para não lesá-la. Ela aceita ser estirada ou distendida gentilmente
por cerca de até 1,0 a 1,5cm, em adultos. No caso de lesão acidental desta artéria, deveremos cauterizar os cotos. Já que o retalho é
pediculado anterior e posteriormente, mesmo com o sacrifício da artéria palatal ele se manterá viável, segundo nossas observações. I.
Desenho final mostrando a cirurgia em seu término: a área cruenta em amarelo, osso exposto em marrom e a área cruenta de partes
moles. Por transparência, podemos vislumbrar a cinta muscular posicionada o mais posteriormente possível. J a O. Slide escaneado dos
tempos principais de uma palatoplastia com tamponamento bilateral com gaze embebida em bálsamo do Peru.

posterior, já que não há, ou quase não há, área cruen palpação do hamulus do lado esquerdo, de onde co
ta que force a contração desses tecidos de volta à sua meçaremos a marcação de uma linha que se prolonga
origem e, por último, o retroposicionamento da até o bordo da fissura (Fig. 9-10/1). No lado direito, a
musculatura feita sem nenhuma tensão permite a marcação começa na hemiúvula, dirigindo-se até o
formação de um bom "anel" de reforço ao esfíncter hamulus desse lado, tendo-se o cuidado de prolongar
velofaringeo21118-25. com um pequeno back-cut(Y\%. 9-10Z?). Infiltramos com
lidocaína a 2%, com adrenalina 1:200.000, e aguarda
mos cerca de 5 a 7 minutos para que possamos iniciar
Descrição da Técnica
o procedimento.
Paciente posicionado da mesma maneira relatada an Inicia-se a incisão pelo lado esquerdo (Fig. 9-10Q.
teriormente, anestesia e intubação idem. Demarcação Como o retalho da mucosa oral desse lado está com o
com palito preso em pinça hemostática média ou lon pedículo posterior, teremos de levar a musculatura ele
ga, embebido em verde-brilhante, iniciando com a vadora juntamente com ele, em bloco único, inicial-
Fissuras Palatais 121

Fig. 9-8. Técnica de Veau segundo esquema de Talita Franco. A. Marcação da incisão. B. Sutura da mucosa nasal antes da liberação e
deslocamento dos retalhos laterais. C. Incisão dos retalhos mucoperiostais, passando próximo ao rebordo alveolar. D. Artéria palatina que
não deve ser ligada, podendo ser amplamente mobilizada, quando se expõe seu ponto de emergência óssea. E. Esquema de suturas do
forro nasal utilizando o retalho vomeriano, ou cobrindo o võmer com os retalhos da mucosa nasal. F. A sutura da mucosa oral é feita com
pontos em U para assegurar um bom afrontamento. As áreas cruentas laterais são tamponadas com tampões vaselinados ou embebidos
em bálsamo do Peru.

mente elevando com descolador de Free, depois com mon longa somente no plano mucoso, mantendo a
dissecção precisa com a ponta da tesoura de Stevens, musculatura aderida ao retalho nasal (Fig. 9-10G).
até visualizarmos as fibras do constritor superior, aqui A plástica em Z do lado nasal é uma imagem em
em azul (Fig. 9-1OD); neste tempo, completamos a dis espelho da oral. Temos agora de visualizar o óstio farín-
secção novamente com o Free, para evitarmos cortar geo da tuba auditiva, logo abaixo do forro nasal, que é
fibras musculares e pequenos vasos presentes nessa re uma importante referência anatômica. Com o descola
gião. O nosso limite são as fibras do constritor superior; dor de Free gentilmente colocado no óstio, traçaremos
caso a dissecção se estenda além desse ponto, haverá a incisão no forro nasal, iniciando-a na borda da fissura
sangramento indesejável vindo do espaço de Ernest — até cerca de 3mm além deste. Do lado direito, a incisão
esta recomendação foi feita pelo próprio Leonard, do ramo lateral do retalho miomucoso nasal pode ser
enquanto nos demonstrava o procedimento. feita mais curta, de forma que o retalho mucoso esquer
O retalho da mucosa oral de pedículo anterior é do não tenha de avançar tanto (Fig 9-IO/7). Com todas
incisado, dissecado gentilmente com tesoura de Fo- as incisões concluídas, faremos as transposições ou a
122 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 9-9. Detalhes da técnica de Wardill/Kilner. A. Incisão-excisão de parte da mucosa oral - sem aproveitar aqueles 2 ou 2,5mm da
transição entre as mucosas oral e nasal. B. Demarcação e incisão dos retalhos mucoperostiais. C. Descolamento dos retalhos e evidencia-
ção da artéria palatina. D. Detalhe demonstrando a transição entre palato duro e mole com liberação feita com bisturi entre a musculatura
e as lâminas palatais posteriormente. E. Síntese do plano nasal - forro. F. Sínteseda mucosa oral com pontos alternadamente simples e
em U. G. Tamponamento da área cruenta. H, I e J. Mesma técnica, com o emprego de quatro retalhos.
Fissuras Palatais 123

3fc

Fig. 9-10. Técnica de Furlow. Desenhos fornecidos pelo próprio Leonard, em uma de suas visitas a Bauru. Observa-se que a posição
utilizada pelo artista é da visão do cirurgiãodurante o ato cirúrgico - úvula no topo da figura. A. Demarcação das incisões. B. Demonstra
ção, por transparência, de que o retalho cujo pedículo está localizado posteriormente deverá levar consigo a musculatura em bloco. C.
Dissecção e individualizoção do retalho miomucoso da face oral. D. Limite de dissecção do retalho ao visualizarem-se as fibras do músculo
constritorsuperior (azul). Nota-se, também, que o retalho do lado direito da face oral foi elevado somente no plano mucoso, deixando as
fibras musculares aderidas ao forro nasal. E. Incisões são feitas no plano nasal - a imagem em espelho da plástica em Zdo plano oral. A
incisão no plano nasal do lado direito não necessita ser do mesmo tamanho das outras; originalmente era assim, mas o autor da técnica
chegou à conclusão de que esta modificação facilitaria bastante a sutura desses retalhos sem prejudicar o objetivo final, o alongamento.
F. Detalhes semelhantes ao da figura anterior somente para demonstrar a aplicação em uma fissura transforame. Sutura do plano nasal
com pontos separados de categute 4-0 (agulha especial) ou poligalactina do mesmo calibre. Detalhe da superposição da musculatura e
do retroposicionamento. H. Demonstração do objetivo desejado com o emprego da técnica. Por transparência, podemos visualizar o
"anel" muscular obtido com a dupla plástica em z oposta. I. Pré-operatório. J. Pós-operatório usando-se a técnica de Furlow.
124 Deformidades de Lábio e Palato

dupla plástica em z oposta. Iniciamos com os pontos os pontos e para não facilitar a formação de fístulas.
dos vértices dos triângulos na face nasal (Fig. 9-10G) e Nos casos em que foram usados tampões, estes deve
após concluirmos o trabalho na face oral, usa-se fios de rão ser removidos após 48 horas, lentamente, e logo
categute cromado 4-0 com agulha especial ou poligalac em seguida água gelada ou sorvete é oferecido com o
tina do mesmo calibre (Fig. 9-10H). Em cerca de 30% intuito de minimizar os riscos de sangramento após
dos casos devemos utilizar incisões relaxadoras, o que esse procedimento.
não foi originalmente descrito pelo autor; na prática, Mesmo com todos esses cuidados ainda existem
porém, em cirurgias realizadas conosco, este autor não complicações, sendo as mais freqüentes a hemorragia,
teve como contestar a necessidade delas —caso operado infecção e necrose com conseqüente formação de fís
pela técnica descrita (Fig. 9-10/ ej). tulas. Quanto maior a experiência do serviço, menor
Nos casos em que houver contra-indicação for será o índice de complicações, porém, devido ao gran
mal para a realização de cirurgia, há ainda o recurso de número de pacientes atendidos, ocorrem tanto com
da prótese de fala, um artefato desenvolvido pelo plicações autóctones como aquelas provenientes de
protesista, com orientação do fonoaudiólogo, que pacientes que chegam seqüelados. Portanto, devemos
"imita" o próprio palato com um bulbo em sua ex saber lidar com o tratamento. É necessário que a cirur
tremidade posterior, visando à oclusão velofaríngea24. gia do palato seja meticulosamente bem realizada da
Além das contra-indicações formais, há um número primeira vez, como preconizou há muito tempo Tali-
reduzido de pacientes que já foram submetidos a uma ta Franco10, para que tentemos evitar ao máximo essas
grande quantidade de cirurgias nessa região, não mais complicações, que podem, muitas vezes, desviar o cur
dispondo de recursos locais, como retalhos de buci- so de uma reabilitação completa.
nador ou mesmo de língua, que possam satisfatoria
mente ocluir essas grandes fístulas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos tem sido observado que o emprego
CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS E
em serviços de renome de uma das quatro técnicas ana
COMPLICAÇÕES lisadas neste capítulo traz resultados bastante promis
O paciente submetido a uma palatoplastia tem neces sores, independentemente de qual delas seja utilizada
sariamente de permanecer no ambiente hospitalar por, rotineiramente, desde que os cirurgiões sejam meticu
no mínimo, 24 horas, para que um acompanhamento losos em suas dissecções, não abusem do bisturi elétri
e uma boa orientação lhe sejam prestados. Nesse perío co, não descolem tecido sem necessidade, não fechem
do se observa a possibilidade de sangramento e início sob tensão, retroposicionem a cinta muscular adequa
de uma necrose que, por meio de uma revisão, ou de damente22; em resumo, que tenham experiência, que
uma massagem, no segundo caso, possam ser aliviados sejam dedicados e que seu serviço seja multidiscipli
ou sanados. Utilizamos rotineiramente antibioticote- nar. Mesmo assim permanece a pergunta, qual a me
rapia profilática com cefalosporinas de segunda gera lhor das quatro técnicas? Ainda não há resposta para
ção, orientadas por nosso departamento de infectolo- esta pergunta. Dentro de mais 2 anos certamente che
gia, administrando a primeira dose por via endoveno- garemos mais próximo a ela. Está sendo desenvolvido
sa, logo após a indução anestésica. Administra-se dieta um trabalho comparativo entre as técnicas de Furlow
líquida por um período de 30 dias; com o apoio do e de Von Langenbeck-Veau-Braithwaite, em nosso ser
serviço de nutrição e dietética, um cardápio foi desen viço, em conjunto com a Universidade da Flórida, em
volvido para que, mesmo com esse tipo de alimenta Gainsville, que utiliza o maior número de pacientes
ção, haja déficit ponderoestatural nos pacientes. Para (608), em uma pesquisa dessa natureza, empregando
crianças menores de 5 anos foi desenvolvida uma es um protocolo tão rígido que nem mesmo as pessoas
pécie de tala cilíndrica, como um manguito de tensiô- envolvidas no projeto há mais de 10 anos sabem, por
metro, com espátulas abaixadoras de língua revestidas que não lhes é permitido saber, qual dos dois métodos
em tecido e plástico transparente, colocadas em seus vem trazendo os melhores resultados. No entanto, es
cotovelos, para que elas não coloquem objetos ou tamos certos de que, por volta de 2004, um grande
mesmo alimentos sólidos na boca durante esse perío marco será fixado no tratamento das fissuras, trazen
do. É necessário asseio oral meticuloso sem bochechos do certamente uma resposta, quem sabe, definitiva,
sob pressão, para que não seja forçado o espaço entre para a pergunta de todos.
Fissuras Palatais 125

19. Millard Jr DR. A new use of island flap in wide palate clefts.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Plast Reconstr Surg 1966;i&330.
1. Almeida SG. Fissura palatina. In: Mélega JM, Zanini SA, Psi- 20. Modolin M, Kamamura L,CerqueiraEM. Classificação, etiolo-
llakis JM. Cirurgia Plástica: Reparadora e Estética. 2 ed., Rio de gia, patogenia e incidência das fissuras labiopalatinas. In: Car
Janeiro: MEDSI, 1992:275-82. reirão S, Lessa S, ZaniniSA. Tratamento das Fissuras Labiopala
2. Barcellos JFS. Fissura palatina: técnica de Furlow. In:Carreirão tinas. 2 ed., Rio de Janeiro: Revinter, 1996:13-8.
S, Lessa S, Zanini SA. Tratamento dasFissuras Labiopalatinas. 2 21. Nagem Filho H, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o
ed., Rio de Janeiro: Revinter, 1996:181-4. estudo da prevalência das más formações congênitas lábio-pala-
3. Baroudi R. Embriologia da face. In:Carreirão S, Lessa S, Zanini tais na população escolar de Bauru. Rev Fac Odont S Paulo
1968;6:111-28.
SA. Tratamento das Fissuras Labiopalatinas. 2 ed., RiodeJanei
ro: Revinter, 1996:1-11. 22. Nóbrega ES deS.Princípios básicos da técnica emcirurgia plástica.
4. Bauer BS, Pravin-Kumar KP. Cleft palate. In: Georgiade GS, In: Mélega JM, Zanini SA, Psillakis JM. Cirurgia Plástica: Repara
Riefkohl R, Levin LS (eds.). Georgiade Plastic, Maxillofacial and dora e Estética. 2. ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1992: 21-5.
Reconstructive Surgery. 3 ed., Baltimore: Williams & Wilkins, 23. Normando ADC. Efeitos isolados da queiloplastia e palatoplas
1997:239-46. tia no padrão dento-facial de adultos portadoresde fissura trans
forame incisivo unilateral. Bauru, 1991. (Monografia) —Socie
5. Braithwaite F. Cleft palate repair. In:Gibson T (ed.). Modem
dade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal, 1991.
Trends in Plastic Surgery. London: Butterwoth, 1964:30-49.
24. Randali P, LaRossa D. Cleft palate. In:McCarthyJG (ed.). Plas
6. CarreirãoS, Silva MO. Conceitos atuais do tratamento cirúrgi
tic surgery. Philadelphia: W. B. Saunders, 1990; 42.723-52.
co da fissura palatina. In:Carreirão S, Lessa S, Zanini SA. Trata
mento dasFissuras Labiopalatinas. 2 ed., Rio de Janeiro: Revin 25. Randali P, LaRossa D, Solomon M, Cohen M. Experience with
ter, 1996:173-9. the Furlowdouble-reversing Z-plastyfor cleft palate repair. Plast
Reconstr Surg 1986;77:569-76.
7. Dieffenbach JF. Uber das gaumensegel des menschen und der
saeugethiere. Litt Ann D Heik 1926;4298. 26. Rocha DL. Insuficiência velofaringeana. In: MélegaJM, Zani
ni SA, Psillakis JM. Cirurgia Plástica: Reparadora e Estética. 2
8. Dickson DR, Dickson WM. Velopharyngeal anatomy./ Speech
ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1992: 291-307.
Hear Res 1972;75:372-81.
27. Silva Filho OG, Valladares Neto J, Capelozza Filho L, Freitas
9. Fogh-Andersen P. Genetic and non genetic factors in the etiol-
JAS. Influência da queiloplastia sobre a morfologia craniofacial
ogy of facial clefts. Scand] Plast Reconstr Surg 1967;7:22-9.
em fissura bilateral completa de lábio e palato. Ortodontia 2001;
10. Franco T. Fissuras palatinas: tratamento cirúrgico. 7n: Carrei 34:17-26.
rão S, Lessa S, Zanini SA. Tratamento das Fissuras Labiopalati
28. Stark RB. Embriology of the lips and chin. In:Stark RB (ed.).
nas. 2 ed., Rio de Janeiro: Revinter, 1996:159-71.
Plastic Surgery of the Head and Neck. New York: Churchill
11. Furlow Jr LT. Cleft palate repair by double opposing Z-plasty. Livingstone, 1986:1.167-9.
Plast Reconstr Surg 1986;7Ã724-38.
29. Stark RB. Embriology of the oral cavity. In: Stark RB (ed.).
12. Kernahan DA, Stark RB. A new classification for cleft lip and Plastic Surgery of the Head and Neck. New York: Churchill
palate. Plast Reconstr Surg 1958;22:435-41. Livingstone, 1986:1.277-9.
13. Kilner TP. Cleft lip and palate repair technique. St Thomas 30. Taniguchi SM. Padrão craniofacial de adultos portadores de
Hosp Rep 1937;2:127. fissura transforame incisivo unilateral, não operados. Bauru,
14. Kriens O. Anatomy of the velopharyngeal área in cleft palate. 1990.(Monografia) —Sociedade de Promoção Social do Fissura
Clin Plast Surg 1975;2:261-88. do Lábio-Palatal, 1990.
15. Langman J. Medicai Embriology. Baltimore: Williams & Wil 31. Veau V. Division Palatine. Paris: Masson et Cie, 1931.
kins, 1969. 32. Wardill WEM. Techniques of operation for cleft palate. BrJ
16. Latham RA, LongJúnior RE, Latham EA. Cleft palate velopha Surg 1937;25:117.
ryngeal musculature in a five-month-old infant: a three dimen 33. Williams WN, Seagle MB, Nackashi AJ et ai. A methodology
sional histological reconstruction. Cleft PalateJ 1980;77:1-16. report of a randomized prospective clinicai trial to assess velo
17. MélegaJM, Camargos AG. Fissuras de lábio e palato. In: Méle pharyngeal function for speech following palatal surgery. Con-
gaJM, Zanini SA, PsillakisJM. Cirurgia Plástica: Reparadora e trol Clin Trials 1998; 72297-312.
Estética. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1992: 247-60. 34. Woolf CM, Woolf RM, Broadbent TR. Genetic and nongenet-
18. Millard Júnior DR. Cleft Craft: The Evolution ofits Surgery. ic variables related to cleft lip and palate. Plast ReconstrSurg
Boston: Little, Brown, 1980. 1963;32:65-9.
Fissura Labiopalatal
Unilateral

Antenor Bonatto Jr.

com técnicas menos traumáticas, permitindo uma boa


INTRODUÇÃO
reparação estética e funcional com pouca repercussão
As fissuras labiopalatais (FLP) são ainda um assunto sobre o crescimento facial .
muito atual e freqüente na literatura médica especia
lizada, com revistas, livros e congressos dedicados ex
clusivamente ao tema. Isto denota a grande impor
EMBRIOGENESE
tância do assunto, quer seja pelo fato de ser uma mal
formação congênita relativamente comum, quer seja A embriogênese da face começa a partir da quarta se
por esse problema afetar uma área tão importante mana de gestação com fechamento do tubo neural em
quanto a face, envolvendo grandes desafios para sua sua porção cranial. Espessamentos da ectoderme levam
reparação. à formação dos placódios (olfatório, óptico, ótico etc),
Neste capítulo, pretendemos resumir as tendências através dos quais células da crista neural migram em
atuais com relação ao tratamento das fissuras labiopa direção à fronte, formando as proeminências frontona-
latais unilaterais. sal e os arcos branquiais (que formarão, entre outras,
Para o conhecimento detalhado da evolução his as proeminências maxilares e mandibulares).
tórica e procedimentos terapêuticos, remetemos os O desenvolvimento da face é controlado por dois
leitores aos capítulos anteriores. Por outro lado, con centros organizadores: o centro prosencefálico (forma
sideramos importante relatar algumas comunicações ção do terço superior da face) e o centro rombencefá-
atuais sobre mudanças nos padrões clássicos de trata lico (dois terços inferiores da face). Um defeito em
mento. um desses centros organizadores ou uma pobre coo
A idade para a intervenção primária nas FLP tem peração entre eles poderá resultar em malformações
mudado muito nos últimos 20 anos, devido a avanços faciais típicas, como a disostose mandibulofacial de
técnicos no campo da anestesia pediátrica, em especial Treachcr Collins-Franceschetti^.
na homeotermia, e no uso de drogas mais seguras e de O próximo passo seria a fusão das duas proeminên
metabolização rápida, que permitem um tempo ope- cias mandibulares na linha média pelo afluxo de células
ratório maior com menor risco para a criança. Tam da crista neural. Ocorre então o contato de duas lâmi
bém observamos uma melhora na qualidade cirúrgica, nas epiteliais, formando-se a membrana epitelial de Ho-

126
Fissura Labiopalatal Unilateral 127

chstetter. Esta situação não persiste por muito tempo dividido em três porções, numeradas de 7 a 9, de cima
devido à morte programada das células ectodérmicas, para baixo, e representariam as possíveis fissuras pala
com a fusão de células epiteliais de cada lado, levando tais (palato mole e duro)20.
à formação do lábio superior.
A falha na migração de células da crista neural ou
a falha destas em atingirem seu destino resultará em Classificação de G. Sanvenero-Rosselli (1967)
malformações típicas, como a microssomia hemifacial. G. Sanvenero-Rosselli apresentou, em 1967, sua pro
O atraso na morte das células epiteliais da membrana posta de classificação ao Subcomitê de Nomenclatura
de Hochstetter resultará nas clássicas fissuras labiais e Classificação das Fissuras Laterais do Lábio, Alvéolo e
com ou sem fissura palatina associada. Palato, que foi aprovada no Quarto Congresso da
Algumas mutações genéticas poderão interferir em Confederação Internacional de Cirurgia Plástica em
algum momento específico desses processos, por meio Roma, em 196746. Essa classificação tornou-se a base
da produção de certas proteínas, resultando em mal para as demais classificações que viriam a seguir:
formações faciais típicas, como ocorre na síndrome de
van der Woude. Nesta síndrome existe um gene locali • Fissuras do palato anterior (primário)
zado no braço longo do cromossomo 1 que estaria - Labial (direita e/ou esquerda)
relacionado com o chamado fator de transformação - Alveolar (direita e/ou esquerda)
do crescimento alfa (TGF-a), presente em pacientes • Fissuras do palato anterior e posterior (primário e
com fissuras, apesar de até o momento não haver ne secundário)
nhum tipo de vínculo definitivo entre ambos29,57. - Lábio (direito e/ou esquerdo)
Atualmente, o fator de transformação do cresci - Alvéolo (direito e/ou esquerdo)
mento beta 3 (TGFP3) tem sido implicado como um - Palato duro (direito e/ou esquerdo)
dos responsáveis pela gênese das fissuras palatais e mes - Palato mole (mediana)
mo labiais em humanos57. • Fissuras do palato posterior (secundário)
Durante a sétima semana de vida intra-uterina, as - Palato duro (direita e/ou esquerda)
lâminas palatais que se encontram verticalizadas co - Palato mole (mediana)
meçam a se horizontalizar e, na oitava semana, elas se • Fissuras raras
fundem em direção ântero-posterior. Este processo é
controlado por uma série de eventos que envolvem,
entre outros, a morte celular programada. Classificação de Spina (1974) (Fig. 10-1)
Na eventualidade de alguma falha na fusão dos Spina adaptou e simplificou a classificação de G. San
processos maxilares e nasais, ocorrerá a formação de venero-Rosselli, dividindo as FLP em quatro grupos48:
uma fissura labial (alvéolo e palato). No caso de uma
não-união das conchas palatais, ocorrerá uma fenda • Grupo I - Fissuras pré-forame incisivo (labial, alveolar)
palatal isolada. - Unilaterais (completas, incompletas, direita ou es
querda)
- Bilaterais (completas, incompletas)
CLASSIFICAÇÃO - Mediana (completa, incompleta)
• Grupo II - Fissuras transforame incisivo (lábio, al
Existem inúmeras tentativas de classificação das FLP,
véolo, palato)
porém mencionaremos as mais utilizadas, tanto em
- Unilateral (direita, esquerda)
nosso meio quanto aquelas utilizadas pelos autores es
- Bilateral
trangeiros.
• Grupo III - Fissura pós-forame incisivo
- Completa
Classificação de Kernahan (1958) - Incompleta
• Grupo IV - Fissuras faciais raras
Esta classificação baseia-se em um desenho em forma
de Y onde a interseção das linhas é representada pelo
forame incisivo. Cada um dos ramos superiores está Classificação de Paul Tessier (1976) (Fig. 10-2)
dividido em três porções e numerados de 1 a 6, da Tessier descreveu 14 diferentes tipos de fissuras faciais
esquerda para a direita, e representariam as possíveis de acordo com sua posição em relação ao olho e à órbi
fissuras do palato primário. O ramo vertical é também ta. As FLP clássicas seriam aquelas de números 1, 2 e 350.
1 28 Deformidades de Lábio e Palato

TRATAMENTO
Forame
Incisivo
Não caberia aqui relatar todo o histórico do desenvol
vimento dos tratamentos cirúrgicos das FLP, assunto
este que preencheria seguramente todo o conteúdo de
um livro. A proposta deste capítulo é relatar os proce
dimentos cirúrgicos de maior relevância e sua aceita
ção entre os cirurgiões que trabalham na área, acres-
centando-se aspectos atuais desses tratamentos.
O reparo das malformações congênitas comple
xas da face, entre elas as FLP, envolve não apenas a
aparência estética, mas também a parte funcional, como
fonação, mastigação, respiração, postura lingual e cres
cimento facial, requerendo do cirurgião um grande
conhecimento da anatomia e fisiologia normal e aque
las presentes nas FLP. Tais aspectos já foram descritos
nos capítulos anteriores e servem como base para as
nossas exposições.

Fissuras Labiais

Existem inúmeras técnicas já descritas com diversos


posicionamentos e morfologia das cicatrizes resultan
Fig. 10-1. Classificação de Spina. tes finais, porém, atualmente, utilizam-se basicamen
te três técnicas de reparo das fissuras labiais unilate
rais:

1. Rotação e avanço
2. Retalhos triangulares
3. Reparo em linha reta

TÉCNICA DE ROTAÇÃO E AVANÇO


(MILLARD)
A técnica de Millard tornou-se uma das mais popula
res e utilizadas entre os cirurgiões. Tal influência deve-
se às características fisiológicas de seus conceitos, que
permitem conseguir um bom reparo tanto estético
como funcional. O princípio básico é o do reposicio
namento das estruturas com um mínimo de desperdí
cio de tecidos, permitindo que a cicatriz resultante fi
nal fique mascarada na nova crista filtrai reparada, na
linha cutaneomucosa e no vermelhão do lábio36,37.
O elemento mediai do lábio (arco de cupido, tu
bérculo mediano e crista filtrai) é rodado para fora de
sua posição distorcida, sendo mantido em posição
correta pelo avanço de um retalho da parte lateral da
fissura labial que irá preencher o espaço deixado por
essa rotação, corrigindo o alargamento e fechando o
Fig. 10-2. Classificação de Tessier (fissuras faciais, craniofaciais e assoalho narinário com um mínimo de desperdício de
laterofaciais). tecidos.
Fissura Labiopalatal Unilateral 129

Desenho (Figs. 10-3 a 10-5) comissura bucal até a crista filtrai no arco de cupido do
A incisão curvilínea na porção mediai do lábio deve lado normal para o lado fissurado, para aumentar a si
ser marcada como uma "imagem em espelho" da cris metria na reparação. Isto, somado à elevação primária
ta filtrai normal até a linha média da columela. Nas da asa nasal (rinoplastia primária) e um lip-adhesion pre
fissuras labiais completas, Millard sugere um cut-back liminar, denominou-se técnica Millard III (Fig. 10-4).
de 45 graus com l-2mm de extensão, para permitir Em 1983, o conceito de se produzir um suporte
uma maior rotação do elemento mediai (retalho A). O maxilar para o nariz antes do fechamento da FLP atra
gap deixado por esse procedimento é fechado em par vés da utilização de placas ortopédicas ativas (LATHAM),
te pela rotação do retalho C sobre ele mesmo e em uma gengivoperiosteoplastia e lip-adhesion, seguidas,
parte pelo avanço do retalho B. após 6 a 8 meses, de uma queiloplastia e rinoplastia
Esses movimentos criam um ponto de tensão na primária, levou à denominação deste processo como
parte superior do lábio que irá reduzir o alargamento técnica Millard IV5-35-36.
do assoalho narinário e protruir o vermelhão. Um
pequeno retalho retangular de lmm de largura é eleva Procedimento cirúrgico
do a partir do final da linha cutaneomucosa do lado A mobilização do retalho B se dá por meio de um
fissurado e irá mascarar a cicatriz retilínea que se for amplo descolamento supraperiosteal até próximo do
ma com a sutura do vermelhão dos dois lados do lá forame infra-orbitário, liberando as inserções muscu
bio fissurado. Um outro guia importante é o alinha lares anormais e permitindo um fechamento sem ten
mento da "linha vermelha" que separa o vermelhão são. Em 1954, Millard começou a realizar uma incisão
extra-oral do intra-oral. ao longo da base nasal do lado fissurado, para permi
tir um avanço da asa nasal independentemente do re
Técnica de Millard I, II, III c IV talho B. Alguns cirurgiões praticam uma incisão no
Refinamentos como o avanço do retalho C na colume
sulco labial até a região do primeiro molar, para pode
la, o cut-back no retalho A e o retalho retangular da rem realizar um descolamento supraperiosteal, permi
tindo assim um fechamento da fissura sem tensão. Um
linha cutaneomucosa foram denominados técnica Mi
descolamento excessivo ou um fechamento tenso po
llard II (Musgrave, 1964)5. Em 1976, Millard propôs a
derá levar a uma cicatrização anômala, podendo influ
utilização de dois retalhos de mucosa labial, um mediai
enciar negativamente o crescimento facial2, 7-19.
(M) e outro lateral (L). O retalho M era usado para fe
O vermelhão do lábio pode, muitas vezes, resul
char o palato duro anteriormente e o retalho L, para
tar em uma depressão no local da sutura. Um retalho
fechar o gap deixado após se liberar a base alar da maxi
do vermelhão da porção lateral pode ser rodado ou
la. Millard também começou a transferir a distância da
ser desepidermizado e inserido para a porção mediai
do lábio, levando a uma maior projeção deste. Quando
houver um encurtamento do vermelhão, um avanço
do tipo V-Y ou uma zetaplastia poderá resolver esse
problema.

Estado atual da técnica

Desde 1980, Millard vem adotando uma nova filosofia


de trabalho que se tornou rotina nos últimos 13 anos e
que consiste no tratamento ortodôntico pré-cirúrgico
por meio da utilização do dispositivo de parafuso coa-
xial de Latham2', que promove um alinhamento ativo
dos arcos alveolares precocemente, tão logo a criança
atinja 10 libras de peso (aproximadamente 4,5kg). O ali
nhamento maxilar é conseguido em poucas semanas,
sendo então realizada uma gengivoperiosteoplastia que
irá fixar os seguimentos alveolares, fechando a fissura
anteriormente. Ao mesmo tempo da gengivoperiosteo
plastia é realizado um lip-adhesion, transformando uma
Fig. 10-3. Técnica de Millard. fissura completa em incompleta33,36.
130 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 10-4. Técnica de


Millard.

Fig. 10-5. Técnica de Millard


associada à rinoplastia
primária.

Entre os 6 a 8 meses de vida, Millard acredita dois terços da cartilagem alar deslocada, que é então
que as cartilagens alares já tiveram um bom desen reposicionada e suturada ao dômus e cartilagem tri
volvimento, permitindo uma manipulação cirúrgica angular com fio de Prolene 4-0 ' ' . A mucosa e a
mais fácil e cuidadosa. Nessa época, inicia-se então a pele são então cuidadosamente fechadas. Segundo
queiloplastia associada à rinoplastia. O retalho C per Millard, os resultados obtidos com esses procedimen
mite o alongamento da columela, e uma incisão uni tos permitem uma grande simetria das cartilagens
lateral no septo membranoso, que se estende até a alares, alongamento da columela e simetria aceitável
margem alar, permite o descolamento e liberação de das narinas.
Fissura Labiopalatal Unilateral 131

Atualmente, vários trabalhos têm investigado a desvantagem é a interrupção da linha natural do fíltrum,
eficácia desse procedimento e avaliado se há prejuízo podendo tornar a cicatriz resultante mais evidente.
para o crescimento facial. Muitos têm demonstrado Em alguns casos, durante o crescimento facial,
que há uma maior porcentagem de mordida cruzada pode haver um certo alargamento do lábio reparado.
quando se utiliza o dispositivo de Latham, indicando Devido às características matemáticas de sua mar
prejuízo no crescimento transverso da maxila. Obser cação, o planejamento da cirurgia é fundamental, dife
va-se, também, uma maior freqüência de mordida aber rentemente da técnica de Millard, que permite ajustes
ta, denotando um prejuízo do crescimento vertical da durante a cirurgia (cut asyou go).
maxila. Tais observações levam a crer que o tratamento
ortognático pré-cirúrgico ativo, seguido de uma gen
givoperiosteoplastia precoce, seja o responsável primá Desenho (Figs. 10-6a 10-8)
rio. Uma alternativa a isto seria o emprego da gengivo • Marcar de forma habitual os pontos das cristas fil
periosteoplastia mais tardiamente17. trais do arco de Cupido (2 e 3).
• Marcar os pontos da base da columela (4 e 5).
• Medir o comprimento 4-2 e 5-3. A diferença entre
RETALHOS TRIANGULARES
estes comprimentos será o tamanho da linha 3-7,
(TENNISON-RANDALL) que será marcada em ângulo reto a partir do ponto
3 (Randali preconiza que essa medida não ultrapas
Nesta técnica, vigente atualmente, a correção da fenda se 4mm, para não causar alargamento labial maior
labial se faz pela introdução de um retalho triangular no lado fissurado).
de tecido da porção lateral da fissura. • No lado fissurado, determinam-se o ponto da base
Essa técnica vem demonstrando ser excelente atra da narina (6) e o ponto 8 na borda cutaneomucosa,
vés dos tempos, tendo sido inicialmente desenvolvida sendo este último igual à distância da comissura
por Tennison e modificada por Hagerty e finalmente bucal do lado não-fissurado até o ponto 2.
por Peter Randali, sendo este último quem a popula • A marcação do ponto 9 se faz através das interseções
43
rizou
de dois semicírculos traçados com compasso, cujo
Além de preservar o arco de cupido, é uma técnica raio do primeiro é igual à distância 3-7, com eixo de
que despreza pouco tecido e permite uma marcação rotação no ponto 8, e o raio do segundo igual à dis
matemática. Pode ser indicada em qualquer tipo de fis tância 5-3, com eixo de rotação no ponto 6.
sura labial unilateral, especialmente naquelas de dimen • Com os pontos 8 e 9 marcados, utilizando o com
sões amplas em que há escassez tecidual. Pela sua facili passo, marcamos o ponto 12, formando-se um tri
dade de marcação, é de fácil aprendizado. Sua principal ângulo equilátero exato5,43.

Fig. 10-6. Marcação da técnica


de Tennison-Randall.
132 Deformidades de Lábio e Palato

Procedimento cirúrgico te prefere a técnica de Millard ou de Mohler para a


reparação3'9,38,42.
As incisões que são executadas até a musculatura e so
bre o vermelhão são paralelas às suas pregas naturais,
sem incisões diagonais ou interdigitações. Um peque
RETALHOS COM CICATRIZES LINEARES
no retalho triangular do lado fissurado é posicionado
na base da narina com seu ápice orientado para a bor (ROSE-THOMPSON, MOHLER)
da livre do lábio. Ele deve ser rodado para dentro da Em 1986, Lester Mohler analisou a anatomia topográfi
narina e introduzido em uma incisão na base da colu ca do fdtrum entre 100 crianças norte-americanas, ob
mela (porção mediai da fissura). Este retalho irá repo- servando que a maioria dessas não apresentava o fdtrum
sicionar e simetrizar a base narinária, fechando seu as em forma de escudo invertido, com a união das cristas
soalho (Fig. 10-7). filtrais na base da columela38. Este fdtrum em forma de
Se a fissura é muito ampla, Randali realiza um lip- escudo invertido é o que resulta de uma correção com a
adhesion para torná-la uma fissura incompleta. Nesses técnica de Millard. Quando a coluna filtrai do lado são
casos, e em muitas FLP completas, Randali atualmen se dirige para a base da narina, Mohler realiza uma inci
são mais externa até a base da columela no lado fissurado
e logo introduz uma incisão horizontal logo abaixo desta
(cut-back horizontal) (Fig. 10-9). Essa técnica é uma mo
dificação da técnica de Millard que, devido a uma mar
cação diferente no lado mediai da fissura, resultaria em
um retalho A que teria um movimento mais de avanço
do que de rotação, resultando em uma cicatriz mais re-
tilínea. Na porção lateral da fissura, as marcações se
guem aquelas padronizadas por Millard. Mohler acredi
ta que essa técnica permite a reconstrução de uma "ima
gem em espelho" da crista filtrai do lado não-fissurado,
melhorando o resultado estético da reparação.
Millard, ao comentar essa técnica, critica a cicatriz
do fdtrum retilínea, acreditando que esta é estetica
mente menos favorável e que tende a um achatamen-
to do fdtrum e a uma maior retração cicatricial38.
Logo acima da linha cutaneomucosa pode-se rea
lizar uma zetaplastia pequena, para minimizar a ten
dência à retração cicatricial e simular a depressão natu
Fig. 10-7. Marcação da técnica de Tennison-Randall. ral dessa região.

Fig. 10-8. Técnica de Tennison-Randall associada à rinoplastia primária.


Fissura Labiopalatal Unilateral 133

Fig. 10-9. Técnica de


Mohler.

Análise comparativa das reparações labiais Como desvantagens, é uma técnica em que mais
Lip-adhesion tempo é necessário para o aprendizado, pois requer
experiência para os ajustes de cada situação em parti
Atualmente, esse procedimento está reservado para os cular. Pela conformação da cicatriz curva, há uma ten
casos de fissuras muito amplas ou aqueles em que não dência a um maior volume tecidual na porção central
há condições de se realizar um tratamento ortopédico do lábio e não em sua borda livre, onde isto seria um
prévio, ou quando não há colaboração adequada dos aspecto natural e desejável. Há também uma tendên
pais (Fig. 10-10). Apesar de Millard utilizá-la rotineira cia à contratura cicatricial precoce.
mente em sua nova filosofia de tratamento, a maioria Nas fissuras muito amplas, a técnica é de difícil
dos cirurgiões prefere realizar uma queiloplastia pri execução, resultando em um lábio mais curto no lado
mária, permitindo um mínimo desperdício de tecidos fissurado. Isto pode ser amenizado com o emprego
e realizando as revisões em etapas posteriores, quando de uma zetaplastia logo acima da linha cutaneomu
necessárias.
cosa. Também nas fissuras mais amplas, a necessida
de de um maior avanço do retalho lateral pode criar
Rotação e Avanço uma base narinária mais constrita, causando sua assi
metria.
Apresenta a vantagem de permitir ajustes durante a
cirurgia com um mínimo desperdício de tecidos. As
Retalhos IrianguIares
cicatrizes são posicionadas diretamente sobre as cris
tas filtrais reparadas, permitindo uma correção mais Apresentam as vantagens de padronização matemáti
anatômica. Pelas características de sua marcação e exe ca de suas marcações, permitindo que mesmo cirur
cução, permite revisões cirúrgicas com facilidade ou giões inexperientes tenham resultados satisfatórios. O
uma re-rotação, se necessário. excelente alongamento labial pode ser conseguido
1 34 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 10-10. Lip-adhesion.

mesmo nas fissuras mais amplas, permitindo a preser tratamento. A competência velofaríngea é o objetivo
vação e um bom alinhamento do arco de cupido. principal da cirurgia sobre o palato mole, enquanto,
A desvantagem principal é a cicatriz triangular so para o palato duro, os principais objetivos são o cres
bre o fdtrum, levando a um achatamento da crista fil cimento facial, a estética facial e a dentição normais.
trai do lado fissurado. Em alguns casos, a largura labial
no lado fissurado pode ser maior do que no lado são.
Para evitar esse problema, Randali preconiza o encur- PALATO DURO

tamento em lmm no lado fissurado durante as marca Uma das questões mais discutidas atualmente no cam
ções. Outro aspecto negativo é a dificuldade de revi po das FLP é a utilização de aparelhos ortopédicos
sões cirúrgicas sobre cicatrizes triangulares. para o alinhamento do arco alveolar. Ainda mais con
Apesar de muito utilizada, muitos cirurgiões não troverso é o uso de aparelhos ortopédicos ativos para
a consideram apropriada para todos os casos, reservan- atingir esse objetivo3,17. Este assunto será abordado
do-a para as fissuras mais amplas, nas quais ocorre uma com mais profundidade em capítulo específico, po
grande discrepância entre as alturas labiais. rém os conhecimentos atuais apontam para um con
senso de que tais procedimentos aumentam os resul
Retalhos com Cicatrizes Lineares tados estéticos da rinoplastia primária nos fissura
dos por meio do reposicionamento da base nariná
São de fácil aprendizado e realização, permitindo um ria pelo avanço anterior do suporte ósseo que sus
posicionamento adequado da cicatriz sobre a nova crista tenta a base alar.
filtrai reparada. Randali prefere utilizá-las nas fissuras A gengivoperiosteoplastia foi introduzida por
incompletas, nas quais não há necessidade de rotações Skoog em 1965, referindo-se a ela como um método
ou alongamento do lábio no lado fissurado. Não têm de "enxertia óssea sem osso"47. As observações posterio
indicação em fissuras amplas, e há um maior desperdí res não demonstraram uma união consistente dos ar
cio de tecidos, em comparação com outras técnicas.
cos alveolares. Mais recentemente, alguns pesquisado
Uma desvantagem importante é a tendência à con res têm demonstrado que, até um limite máximo de
tratura cicatricial precoce e dificuldade de alongamen 2mm de afastamento entre os arcos alveolares, é possí
to do lábio no lado fissurado.
vel haver a formação de um tecido ósseo com resistên
cia suficiente para dar estabilidade a esses arcos em
50% dos casos3,6,17. Apesar disso, o uso da gengivope
Fissuras Palatais
riosteoplastia permanece controverso e requer maio
As reparações cirúrgicas do palato mole e duro devem res estudos para a sua aplicação rotineira.
ser abordadas separadamente, porque os objetivos do
tratamento e, conseqüentemente, a mensuração de seus
resultados são diferentes para cada um. As duas regiões Fechamento do palato duro (Figs. 10-11 a 10-13)
são tão intimamente relacionadas que se faz necessário O fechamento cirúrgico do palato duro foi inicialmen
separá-las arbitrariamente com o intuito de favorecer te descrito por Dieffenbach, em 1837, que relatou o
a didática c a discussão sobre as várias modalidades de uso de incisões relaxadoras para facilitar seu fechamen-
Fissura Labiopalatal Unilateral 135

to -. Em 1861, Von Langenbeck descreve uma técnica usado de forma modificada por muitos autores para
em que utilizam-se retalhos mucoperiosteais bipedicu- o reparo do forro nasal anterior durante a queiloplas
lados, tornando-se uma das principais técnicas de re tia. Há evidências, baseadas em estudos de longa dura
paração do palato duro até hoje52 (Figs. 10-11 e 10-12). ção, de que tal procedimento não prejudica o cresci
Desde então, inúmeras outras técnicas foram propos mento facial1,26.
tas, destacando-se entre elas a técnica de Veau modifi
cada por Wardill e Kilner [push-back em V-Y) e a pala
toplastia em duplo retalho de Millard, entre ou- PALATO MOLE (FIGS. 10-12 A 10-15)
tros21.26.53 (pig_ 10_13)
Os primeiros relatos na literatura sobre o fechamento
E de conhecimento geral dos cirurgiões que a ex do palato mole pertencem a Roux (1819) e Von Graefe
posição óssea do palato duro possui efeitos deletérios (1820), nos quais foram descritas técnicas para simples
sobre o crescimento facial. Ross, em 1987, publicou um sutura do palato45,3'. Os problemas fonatórios advin
extenso estudo de acompanhamento cefalométrico em dos do simples fechamento do palato começaram en
pacientes portadores de FLP tratados, no qual demons tão a preocupar os cirurgiões, que perceberam que o
trou um efeito prejudicial sobre o crescimento facial alongamento do palato mole seria importante para o
total44. Esses achados são compatíveis com os trabalhos fechamento nasofaríngeo durante a fonação. O con
de Ortiz-Monasterio, entre outros, os quais demonstram ceito de push-back foi então introduzido por Veau
uma boa projeção maxilar em pacientes que nunca ha (1931) e reforçado porWardill (1937) e Kilner (1937)21-53.
viam sido tratados e que chegaram à idade adulta7,40. Nessa época, a musculatura era desinserida da borda
Até mesmo cirurgias sobre os tecidos moles do lábio posterior do palato duro e apenas suturada lado a lado,
podem levar a algum comprometimento do crescimen sem a preocupação de se reorientar as fibras muscula
to facial, como descrito por Bardach, em 19792,7. res mal posicionadas.
Um mínimo de exposição óssea, como se conse Em 1969, Kriens propôs o que se denominou ve
gue com o retalho de Von Langenbeck, em teoria, mini loplastia intravelar (VI), com descolamento e reorien-
mizará os efeitos adversos sobre o crescimento facial, tação das fibras musculares do palato mole, objetivan
quando comparado com os procedimentos do tipo do melhorar a competência velofaríngea23,24.
push-back. Em 1978, Furlow apresentou uma nova aborda
A fratura do hamulus pterigóidco, introduzida gem para o reparo do palato mole e duro por meio de
por Billroth em 1862, foi utilizada associada a inci uma "dupla zetaplastia reversa", que consegue uma re-
sões relaxadoras para permitir um fechamento sem orientação da musculatura, mantendo-se a mucosa
tensão do palato4. Entretanto, relatos de problemas presa a esses músculos em um dos lados do retalho,
relativos ao ouvido médio levaram ao abandono des conseguindo um alongamento do palato mole em
sa técnica pela maioria dos cirurgiões39. O retalho sentido ântero-posterior através da zetaplastia resul
vomeriano, descrito por Pichler em 1926, tem sido tante13. Vários estudos sobre essa técnica têm demons-

Fig. 10-11. Técnica de Von Langenbeck associada ã veloplastia intravelar (VI).


136 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 10-12. Técnica de


von Langenbeck
associada à veloplastia
intravelar (VI).

Fig. 10-13. Técnica de Wardill e Kilner (push-back em V-Y).

trado uma grande melhora na competência velofarín tado foniátrico é dependente de múltiplos fatores, sen
gea e uma menor necessidade de faringoplastias25,34. do a idade apenas um deles3,13,14,16.
Os resultados são comparáveis àqueles consegui Malek e Psaume, em 1983, acreditavam que o fe
dos pela veloplastia intravelar "radical" proposta por chamento do palato mole antes do duro permitiria
Cutting10. um crescimento facial melhor secundário ao posicio
Fica estabelecido então, sem sombra de dúvida, namento da língua. Contudo, apesar da melhora do
que o reposicionamento das fibras musculares da mus crescimento facial, o prejuízo foniátrico seria tão gran
culatura do véu palatino é de suma importância para de que não justificaria a postergação do reparo do
conseguir sua boa reparação funcional. palato duro, e tal abordagem deveria ser abandona-
^3,30,55
Lun-Jou Lo et ai demonstraram, em um estudo
Época idealpara o reparo do palato mole
retrospectivo comparando dois grupos de crianças
Sabe-se que o fechamento do palato deve ser realizado portadoras de FLP, no qual um grupo foi submetido à
até os 2 anos de idade, para se obter uma boa fonação. queiloplastia e à palatoplastia posterior entre 3 e 4 meses
O reparo aos 18 meses de idade tem sido o de maior de idade e no outro grupo não houve a palatoplastia
aceitação entre os cirurgiões54. Alguns autores, como posterior precoce, uma dramática diminuição da fenda
Dorf e Cutting, acreditam que a palatoplastia aos 12 alveolar entre 3 a 6 meses de idade após a queiloplastia
meses permite melhores resultados foniátricos, porém em ambos os grupos, mas não houve diferenças entre
isto ainda não é um consenso13,14. Parece que o resul os grupos dos 6 até os 18 meses de idade, quando o
Fissura Labiopalatal Unilateral 137

fechamento completo do palato era realizado. Isso de palatoplastia tardia (entre 7 e 24 meses), demonstran
monstrou que não houve influência no desenvol do que não havia diferenças estatisticamente significa
vimento palatino pela simples palatoplastia posterior. tivas entre elas, isto é, que não houve uma melhora na
Os autores concluíram que a palatoplastia posterior pre fala com a palatoplastia posterior precoce22.
coce não promove o estreitamento da fissura palatina, Apesar de a idade ideal para a palatoplastia com
acreditando que isto se deva possivelmente à queilo pleta ainda não estar completamente estabelecida, ba
plastia e ao crescimento intrínseco do palato28. seando-se na literatura atual, parece que o período ideal
Dorf e Curtiu, em 1990, demonstraram que crian seria entre os 12 e 18 meses de idade para a obtenção
ças cujos palatos foram reparados antes dos 12 meses de do melhor resultado foniátrico6,11,13,iy-19,22,25,26,28,44,49.
idade obtiveram uma melhora na fala com menor por
centagem de distúrbios fonatórios (10%), quando com
paradas com crianças operadas entre os 12 e 29 meses Análise comparativa das reparações palatinas
(86%)13. A análise comparativa das palatoplastias torna-se difí
Em maio de 2000, Kirschner e Randali publica cil pela falta de estudos prospectivos. A maioria dos
ram um trabalho retrospectivo comparando a fala em estudos é retrospectiva e com uma multiplicidade de
crianças que tiveram uma palatoplastia posterior pre fatores, como diferentes tipos e graus de fissuras, ci
coce (entre 3 e 7 meses) com outras que tiveram uma rurgiões com habilidades e técnicas diversas, e as dife-

Fig. 10-14. Técnica de Furlow.


1 38 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 10-15. Técnica de Furlow.

renças entre a motilidade intrínseca do palato entre os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


pacientes levam a uma avaliação mais difícil sobre a
melhor técnica a ser empregada. 1. Abyholm FE, Borchgrevink HC, Eskeland G. Cleft lip and pala
te in Norway.III.Surgical treatment of CLP patients in Oslo
As técnicas que deixam uma área óssea descolada 1954-75. ScandJ Plast Reconstr Surg 1981;75:15-28.
maior, como a técnica de Dorrance (1925), Veau (1931) 2. Bardach J, Klausncr EC, Eisbach KJ. The relationship between
e Wardill-Kilner (1937), podem comprometer o cres lip pressure and facial growth alter cleft lip repair: an experi
cimento facial. Essas técnicas de push-back requerem mental study. Clef Palate J 1979;70:137-46.
uma grande manipulação cirúrgica sobre o palato, 3. BardachJ, Morris HL, Olin \VH. Lateresults of primary veloplas-
aumentando as perdas sangüíneas e as possibilidades ty: the Marburg project. Plast Reconstr Surg 1984;75:207-18.
de fístulas56. 4. BillrothT. Uranoplasticheoperationen nach Langenbeck. Arch
Klin Chir 1862;?:657.
O retalho vomeriano ainda é muito usado pela
maioria dos cirurgiões, sendo discutível se seu empre 5. Booth PW.Schendel AS, ITausamenJE (eds.). MaxillofacialSur-
gery. London: Churchill Livingstone, 1999, vol. 2:991-1.204.
go é prejudicial ao crescimento facial11.
6. Brusati R, Mannucci N, Autelitano L. Computed tomography
A veloplastia intravelar (VI) tem sido empregada evaluation of alveolar cleft treated by primary gingivo-alveolo-
e defendida como sendo fundamental para uma boa pksty./ Cranio-Maxillo-Fac Surg 1996/24 (suppl l):22-23.
fonação após o reparo do palato mole, porém há estu 7. Capelozza Pilho L, Normando AD, da Silva Pilho OG. Isolated
dos que não demonstram diferenças estatisticamente influences of lip and palate surgery on facial growth: compari-
significativas em palatoplastias com a técnica de Von son of operated and unoperated male adults with UCLP. Cleft
Palate Craniofac] 1996;33:51-6.
Langenbeck com e sem o emprego da VI . A resposta
8. Chen P, Wu J, Chen Y, Noordhoff M. Corrcction of secondary
para isto poderia ser o fato de haver padrões diversos
velopharingeal insuficiency in cleft palate patients with the
de função neuromuscular sobre o palato mole entre Furlow palatoplasty. Plast Reconstr Surg 1994/94:933^11.
os pacientes pesquisados, levando a uma distorção dos 9. Coiffman F (ed.). Cirurgia Plástica Reconstruaiva y Estética. 2
resultados. A este aspecto também poderiam ser im ed., vol. II, Barcelona: Masson-Salvat, 1994:1.513-640.
putados os insucessos nas reparações do palato mole, 10. Cutting C, Roscnbaum J, Rovati L. The technique of muscle
levando à insuficiência velofaríngea, o que ocorre em repair in the cleft soft palate. Operative Tech Plast Reconstr
cerca de 20% dos casos. Surg 1995;2:215-22.
A técnica de Furlow permite reorientação e retro- I 1. DclaireJ, Prccious D. Avoidance of the use of vomerine mucosa
in primary surgical management of velopalatine clefts. Oral
posicionamento dos músculos elevadores do palato
Surg 1985;6ft589-97.
em uma posição mais anatômica com menor descola
12. Dieftenbach JF. Practical Surgery. London:Liston,John Chur
mento muscular e, portanto, com menor cicatriz so chill, 1837:471-73.
bre estes músculos, permitindo alongamento do pala 13. Dorf DS, Curtiu JW. Early cleft palate repair and spcch outco
to mole por meio da zetaplastia, elevação do palato a me: a ten-year expcricncc. In: BardachJ, Morris 1TL (eds.). Mul-
uma posição mais superior e estreitamento do orifício tidisciplinary Management of Cleft Lip and Palate. Philadel-
nasofaríngeo. Acredita-se que tal procedimento pou phia: Saundcrs, 1990: 341-8.
co interfira no crescimento facial, permitindo um bom 14. Dorf DS, Curtiu JW. Early cleft palate repair and speech outco
me. Plast Reconstr Surg 1982;7ft74-8.
resultado com relação à fonação10,13,41. Há, contudo,
estudos que não evidenciam diferenças estatisticamen 15. Furlow LT. Cleft palate repair by doublc opposing Z-plasty. Plast
Reconstr Surg 1986/7<?(6):724-36.
te significativas nas incidências de insuficiência velo
16. Grobbelaar A, Hudson D, Fernandes D, Lcntin R. Speech re
faríngea entre a técnica de Furlow e a técnica de velo sults after repair of the cleft soft palate. Plast Reconstr Surg
plastia intravelar8. 1995/95:1.150-54.
Fissura Labiopalatal Unilateral 139

17. Henkel KO, Gundlach KH. Analysis ofprimary gingivoperios- 38. Mohler LR. Unilateral cleft lip repair. Plast Reconstr Surg
teoplasty inalveolar cleft repair. Part I: Facial growth.]Maxillo 1987/£0(4):511-6.
fac Surg. 1997/25:266-9.
39. Noone RB, Randali P, Stool S. The efect on middle ear disease
18. Hoffman W. Current techniques in palate repair. Perspectives of fracture of the pterygoid hamulus during palatoplasty. Cleft
in Plastic Surgery.l992;6:32A5. PalateJ 1973;70:23-33.
19. Joos U. Skeletal growth after muscular reconstruction for cleft lip, 40. Ortiz-Monasterio F, Rebeil AS, Valderrama M, Cruz R. Cepha
alveolus and palate. BrJ Oral Maxillofac Surg 1995;33:13944. lometric measurements on adult patients with non-operated
20. Kernahan DA. The stripet Y: a simbolic classification for cleft clefts. Plast Reconstr Surg 1959;24:53-61.
lips and palates. Plast Reconstr Surg 1971;47:469-72. 41. Randali P, La Rossa D,Solomon M, Cohen M. Experience with
21. Kilner TP. Cleft lip and palate repair technique. St Thomas the Furlow double-reversing Z-plasty for cleft palate repair. Plast
Hosp Rep 1937;2:127-31. Reconstr Surg 1986;77:569-76.
22. Kirschner RE, Randali P et ai. Cleft palate Repair at 3 to 7 42. Randali P. Nasal sill augmcntation in adult incomplet cleft lip
months of age. Plast Reconstr Surg 2000; 705(6):2.127-32. nosedeformityusingsuperiorly based turn overorbicularis oris
23. Kriens O. Fundamental anatomic findings for na intravelar muscle flap: An anatomic approach. Plast Reconstr Surg 1998/
veloplasty. Cleft Palate J 1971/7:27-37. 702(5): 1.358-9.

24. Kriens O. An anatomical approach to veloplasty. Plast Recons 43. Randali P. Triangular flap in the repair ofunilateral cleft lip. In:
tr Surg 1969;43:29-31. Grabb WC.Rosenstein S.Bzoch KR (eds.) Cleft Lip andPalate.
Little, Brown, Boston 1971:204-14.
25. LaRossa D, Randali P, Cohen M, Cohen S. The Furlow double
reversing Z-palatoplasty for cleft palate repair: the first ten 44. Ross B. Treatment variables affecting facial growth in complet
years'experience. In: Bardach J, Morris H (eds.). Multidiscipli- unilateral cleft lip and palate. Part 7: an overview of treatment
nary Management of Cleft Lip and Palate. Philadelphia: WB and facial growth. CleftPalate] 1987;24:71-7.
Saunders, 1990:337-40. 45. Roux P. Observation of a congenital divison of the soft palate
26. LaRossa D. The state of the art in cleft palate surgery. Cleft and the uvula cured by means of an operation similar to that
for a hare-Iip. ] Univers Sei Med 1819;76:356-9.
Palate Craniofac ] 2000;37:225-28.
46. Sanvenero-Rosselli G (ed.). Transactions of the Fourth Inter
27. Latham RA. Orthopedic advancement of the cleft maxillary national Congress On Plastic and Reconstructive Surgery in
segment: a preliminary report. Cleft Palate] 1980;77:227-33. Rome. Amsterdam: Excerpta Medica Foundation, October
28. Lo LJ, Huang CS, Chen YR, NoordhoffMS. Palatoalveolaroutco 1967.
meat 18 months following simultaneous primary cleft lip repair 47. Skoog T. The use of periosteal flaps in the repair of cleft of the
and posterior palatoplasty. Ann Plastic Surg 1999;42(6):581-8. primary palate. Cleft Palate] 1965;2332-9.
29. Machida J, Yoshiura K ef ai. Transforming growth factor-a 48. Spina V, Lodovici O. A proposed modifications for the classifi
(TGFA): genomic structure, boundary sequences, and mutati- cation of cleft lip and palate. CleftPalate] 1974;70:25M.
on analysis in nonsyndromic cleft lip/palate and cleft only.
49. Tanino R, Akamatsu T, Nishimura M, Miyasaka M, Osada M.
Genomics 1999;67(3):237-42.
The influence of different types of hard-palate closure in two-
30. Malek R, Psaume J. Nouvelle conception de Ia chronologie et stage palatoplasty on maxillary growth: Cephalometric ana
de Ia technique du traitment des fentes labio-palatines. Ann lysis and long-term follow-up. Ann Plast Surg 1997;39(3):
Chir Plast 1983;2Ã237-40. 245-53.
31. Marsh JL, Grames L, Holtmann B. Intravelar veloplasty: a pros- 50. Tessier P. Anatomical classification of facial craniofacial and
pective study. Cleft Palate J 1989;26:46-50. laterofacial clefts. ] Maxillofac Surg 1976;4:69-92.
32. McComb H. Primary correction of unilateral cleft lip nasal de 51. Von Graefe CF.A newly discovered method to correct congeni
formity: A 10-year review. Plast Reconstr Surg 1985;75(6):791-7. tal speech defects./ Cir Augenheilkunde 1820;1.
33. McComb H. Treatment of the unilateral cleft lip nose. Plast 52. Von Langenbeck B. Die uranoplastik mittelst ablosung des
Reconstr Surg 1975;55:596-9. mucoes-periostalen gaumenuberzuges. Arch Klin Chir
1861;2:205-87.
34. McWilliams BJ, Randali P, LaRossa D, Cohen S, Yu J, Cohen
M, Solot C. Speech characteristics associated with the Furlow 53. Wardill WEM. The technique of operationfor cleftpalate. Br]
palatoplasty as compared with other surgical techniques. Plast Surg 1937;25:117-30.
Reconstr Surg 1996;9#610-9. 54. Willadsen E, Enemark H. A comparative study of prespeech
35. Millard DR,Latham R,Huifen X, SpiroS,Morovic C. Cleft lip vocalizations in two groups of Toddlers with cleft palate and
and palate treated by presurgical orthopedics, gingivoperiosteo- noncleft group. Cleft Palate Craniofac] 2000;37:172-8.
plasty and lip adhesion (POPLA) compared with previous lip 55. Wood Rj,Grayson BH, Cutting CB. Gingivoperiosteoplastyand
adhesion method: a preliminary study of serial dental casts. midfacial growth. Cleft Palate Craniofac] 1997;34:17-20.
Plast Reconstr Surg 1999;703(6): 1.630-44. 56. Wray C, Dann J, Holtmann B. A comparison of three techni
36. Millard Jr DR, Morovic CG. Primary unilateral cleft nose correcti ques of palatorrhaphy: in-hospital morbidity. Cleft Palate ]
on: A 10-year follow-up. Plast Reconstr Surg 1998/702(5):1.331-8. 1979;76:42-5.
37. MillardJr DR. Rotation-advancement in the repair of unilate 57. Wyszinski DF, Beaty TH, Maestri NE. Genetics of nonsyndro
ral cleft lip. 7/i.Grabb WC, RosensteinS, Bzoch KR (eds.). Cleft mic oral clefts revisited. Cleft Palate CraniofacialJournal
Lip and Palate. Little, Brown, Boston 1971:195-203. 1996;33:406-17.
Fissura Labiopalatal
Bilateral

Belmino Corrêa deAraújo Netto

sendo que as fissuras do lado esquerdo, do lado direito


INTRODUÇÃO
e bilateral ocorrem na proporção de 6:3:1.
Fissura labiopalatal é a deformidade mais freqüente en As dimensões do lábio e do nariz, na criança, variam
tre as deformidades congênitas da face, ocorrendo ca de acordo com o sexo e a raça. No Brasil, devido ao
sos bilaterais em aproximadamente 15%. Segundo Fra- grande índice de miscigenação, não existem indivíduos
ser (1970)17, a fissura palatal aparece em 86% dos casos negros puros e, de acordo com Roquete Pinto3'', pode-se
bilaterais; nos casos unilaterais, em 68%, confirmando separar os brasileiros, de acordo com a raça, em brancos e
o conceito de Fogh-Andersen (1942)14, segundo o qual a não-brancos. Existem, também, os indivíduos da raça
fissura palatal é mais freqüente nos casos mais graves. amarela nascidos no Brasil, descendentes de orientais.
As causas de as fissuras labiopalatais serem em algumas Entre os caucasianos puros e os negros puros, as
vezes unilaterais e noutras bilaterais são ainda desco diferenças são maiores. A columela não é diferente em
nhecidas. Existem várias teorias para explicar as falhas altura no recém-nascido, porém, no adulto, há uma
no desenvolvimento embriológico da face que ocasio grande diferença na altura e na largura, muito maior
nam a fissura labiopalatal. A hereditariedadc é respon nos caucasianos. A largura do nariz pouco difere, ao
sável por 30% a 40% dos casos, e o restante é devido a nascimento, entre as duas raças, porém o nariz do ne
fatores ambientais, que são comprovados em teratolo- gro adulto é muito mais largo do que o do caucasia
gia experimental, em animais cujo comportamento no. O comprimento do lábio também pouco difere
embriogênico é semelhante ao do homem. na criança recém-nascida, porém o lábio do negro adul
A incidência de fissuras labiopalatais varia princi to é muito mais comprido do que o do caucasiano, o
palmente de acordo com a raça. Fogh-Andersen, de mesmo em relação à largura da boca. Já em relação ao
Copenhagem, em 1942, relatou maior1'1 incidência no filtro, o indivíduo caucasiano adulto tem o filtro mui
sexo feminino para a fissura palatal isolada. Afirmou to mais largo do que o do negro.
que a preponderância masculina é tanto maior quanto O negro e o amarelo apresentam o comprimento
mais grave for o grau da fissura; nos bilaterais, maior do da columela semelhante até os 5 anos de idade e, na
que nos unilaterais. Fraser e Calnan (1961)1S indicaram a idade adulta, esse comprimento na raça amarela está
distribuição segundo o tipo da fissura —21%, lábio iso entre a medida das raças negra e caucasiana. O compri
lado; 46%, lábio mais palato; e 33%, palato isolado —, mento do lábio e a largura da boca são menores do que

140
Fissura Labiopalatal Bilateral 141

os dos negros e os dos caucasianos. Quanto à largura O Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Muni
do filtro, está próxima à do caucasiano e à do negro. cipal Infantil Menino Jesus (HMIMJ), em conjunto
Para o tratamento dessa grande deformidade facial com a equipe de odontologia e a enfermeira Mathilde
e oral, há necessidade da colaboração efetiva dos pais e Jones, em 1996, idealizou um manual que é entregue
dos familiares, assim como perfeito entrosamento da aos pais ou responsáveis por ocasião da primeira con
equipe de profissionais: sulta, no qual constam condutas importantes a serem
1. Cirurgião plástico —responsável pela coordenação tomadas desde o nascimento da criança. Constam, tam
da equipe e pela condução do tratamento cirúrgi bém, informações sobre a função de cada profissional
co plástico. da Equipe de Fissurados, as várias etapas a serem segui
2. Otorrinolaringologista —responsável, principal das durante o tratamento e suas orientações, de acor
mente, pelos cuidados com a audição dos pacien do com os vários tipos de fissuras.
tes, realizando cirurgias para esse fim, como as tim-
panotomias e a colocação de tubos para aeração do
ouvido médio. É responsável, também, por exames MANUAL PARA PAIS DE FISSURADOS
especializados, nasofibrofaringoscopia, para avalia
ção do esfíncter velofaringeo, e a nasofibrolarin- 1. Seu filho tem uma deformidade e ficará curado se
goscopia, para avaliação das pregas vocais. você seguir as recomendações da Equipe de Fissu
3. Pediatra —responsável pelo preparo clínico do pa rados.

ciente, pois são freqüentes os casos de anemias, prin 2. A criança, com essa deformidade precisa de cuida
cipalmente as carenciais. Muitas vezes, os pacientes dos especiais.
são acometidos de infecções das vias aéreas superio 2.1 — Amamentação:
res, decorrentes da anatomia da deformidade, na a. Alimente seu filho sempre em posição sentada
maioria dos casos. (mãe e criança).
4. Geneticista —responsável pela avaliação genética b. Se a criança conseguir mamar no peito, tenha
familiar.
paciência, pois elavai demorar mais do que uma
5. Dentista — responsável pelo cuidado com a denti- criança normal.
ção do paciente e, também, pela orientação do tra c. Espere bastante para ela eructar, pois ela engole
tamento ortodôntico e ortopédico maxilar. bastante ar ao se alimentar.
6. Fonoaudiólogo —responsável pela orientação da
d. Se a criança não conseguir mamar no peito ou
fala e da voz e dos movimentos labiais, como tam
sugar, deve ser alimentada com o uso de colher-
bém dos movimentos de sucção do recém-nascido.
zinha.
7. Nutricionista —responsável pela orientação da die
ta no pré e pós-operatórios. 2.2 — Outros cuidados especiais:
8. Psicólogo —responsável pela orientação psicológi a. A criança fissurada tem mais possibilidade de
ca dos pais, dos familiares e dos pacientes, traba contrair infecção nos ouvidos; por isso, quando
lhos de fundamental importância para a satisfató tiver febre ou choro constantes, deve ser levada
ria evolução dos casos. ao médico.
9. Assistente social —responsável pelo apoio social à fa b. Não deixe seu filho brincar com nenhum obje
mília e pelo intercâmbio entre membros da equipe. to que possa colocar na boca.
O tratamento do fissurado é muito importante c. A criança fissurada deve ser cuidada com mais
não só do ponto de vista médico globalizado, como carinho e atenção que uma criança normal.
também do ponto de vista do equilíbrio psicológico e d. O uso do "bico" deve ser sempre orientado pela
emocional dos pacientes. Em outubro del999, Claire Equipe de Fissurados.
Chapados7 publicou trabalho relativo ao assunto. 3. Tratamento cirúrgico: será conduzido de acordo
Analisou a relação do adolescente fissurado com a fa com o tipo e localização da fissura. Nas fissuras
mília, na escola, com seus amigos, com o tratamento labiopalatais bilaterais, realiza-se, aos 3 meses, corre
da doença e com a comunidade, concluindo que a ção cirúrgica do lado mais aberto do lábio e, aos 6
enfermeira reúne as qualidades necessárias para funcio meses, fechamento do outro lado; aos 18 meses,
nar como o elo entre o paciente e os microssistemas correção cirúrgica do céu da boca; aos 3 anos, cor
existentes, necessários para o desenvolvimento indivi reção cirúrgica bilateral definitiva do lábio; aos 9
dual e coletivo. anos, correção cirúrgica da deformidade do nariz.
142 Deformidades de Lábio e Palato

2. Houve no grupo considerável variação no grau de


HISTÓRICO
protrusão da pré-maxila.
Destino da Pré-maxila 3. O primeiro grau de protrusão observado em uma
criança não operada é o meio mais útil para se fazer
Os primeiros cirurgiões a se preocuparem com o trata
um prognóstico indicador do seu perfil no futuro.
mento das fissuras labiopalatais foram Pierre Franco,
4. Em casos operados por fechamento do lábio, sem
em 155616, Georges de la- Faye, de Paris, 1733, Guillau-
nenhum tratamento especial para a pré-maxila, o per
me Dupuytren, de Paris, em 18291012, e William Rose, fil facial aproximou-se da média da população não-
do King's College Hospital, Londres, em 1891. Todos fissurada quando a criança atingia a adolescência.
eles37 defendiam a ressecção da pré-maxila. 5. A quantidade e a direção do crescimento mandibular
Outros cirurgiões, descontentes com o resultado são um fator significativo na melhora do perfil facial.
desse tratamento, propuseram engenhosos métodos
para tracionar as pré-maxilas proeminentes. Vários autores indicaram a associação da queilo
No 342 Congresso da Sociedade Européia de Or plastia com assistência ortodôntica e, em 1965, Willi
todontia, em Copenhague, chegou-se ao consenso de am M. Manchester, do Hospital Middlemore, em26
que, nas fissuras labiopalatais bilaterais, a pré-maxila Aukland, Nova Zelândia, desenvolveu um aparelho para
poderá fundir-se ao segmento pré-vomeriano somente esse fim e que prevenia, também, a pressão exercida
mediante uma tração externa. pela língua sobre as vertentes maxilares. O aparelho
Em 1972, Hans Friede e Samuel Puzansky19, per era composto de uma placa dividida em duas folhas
tencentes ao Centro de Anomalias Craniofaciais da unidas por um arco de aço (Fig. 11-1).
Universidade de Illinois, EUA, estudaram 54 casos de Outra forma de conseguir o reposicionamento da
fissuras labiopalatais completas com exames cefalomé pré-maxila é por meio de intervenções cirúrgicas no septo
vomeriano. Várias técnicas foram desenvolvidas, e uma
tricos e radiografias, chegando às seguintes conclusões:
das mais difundidas foi a concebida por Thomas D.
1. O denominador comum, que caracteriza essas fissu Cronin8, da Universidade de Baylon, Houston, Texas,
ras, é a marcada protrusão da pré-maxila, resultado em 1957, que idealizou ressecções triangulares do vô
do supercrescimento da junção pré-maxila-vômer. mer associando, também, a exodontia dos incisivos la
terais, permitindo um deslocamento da pré-maxila. Cro
nin preconizou, também, uma incisão horizontal feita
na cartilagem septal através da ponta nasal, permitindo
o deslocamento posterior da pré-maxila (Fig. 11-2).
Em 1960, Ralph Millard Jr.30 resumiu, assim, a sua
orientação: se a pré-maxila estiver bem posicionada no
arco maxilar, deve-se promover uma fibrose através de
retalhos de mucosa; se a pré-maxila estiver distante do
final do nariz, procede-se a uma ressecção septal, a me
nor possível, devido ao comprometimento do cresci
Fig. 11-1. Aparelhode Mahchester para tração da pré-maxila26. mento facial, deixando a pré-maxila subcorrigida. En-

Fig. 11-2. Representação esquemática da técnica de Cronin para reposicionar a pré-maxila8.


Fissura Labiopalatal Bilateral 143

tre esses extremos, a projeção da pré-maxila poderá ser sos de pré-maxila projetada. Brown, McDowell e Byars6,
corrigida por modelagem labial e por ortodontia. de Saint Louis, EUA, colocavam a pré-maxila para trás
e fechavam o lábio em um só tempo.
Outros cirurgiões norte-americanos, como Cro
Evolução das Técnicas de Queiloplastia nin9 e também Bauer, Trusler e Tondra4, preferiam fe
As divergências e questionamentos entre as principais char uma fissura de cada lado, a favor do lado mais
escolas cirúrgicas, em especial na Europa, proporcio aberto em primeiro lugar.
naram o surgimento de várias técnicas cirúrgicas. Em 1971, Millard advogou o fechamento em um
Questionou-se, primeiramente, se deveria ser feita ade só tempo, quando31 possível, o que seria melhor por
são labial, se a queiloplastia seria realizada em um, dois manter a simetria e permitir união muscular mais ade
ou mais tempos e qual seria o destino do pró-lábio: se quada e, eventualmente, maior alongamento colume-
reconstruiria a columela ou o lábio. lar efetivo.
Com referência à adesão labial, a opinião da mai
oria dos centros de tratamento de fissurados é que ela
Destino do Pró-lábio
deverá ser realizada somente nos casos em que a pré-
maxila estiver bastante protrusa, mal posicionada mes O pró-lábio foi utilizado de várias formas na recons
mo depois de uma tração com bandas ou com apare trução, de acordo com a técnica da queiloplastia (Qua
lhos coaxiais. A maioria dos autores a condena, e esta dro 11-1).
é, também, a experiência do autor deste capítulo, con As primeiras técnicas descritas propuseram a utili
siderando-se as cicatrizes que permanecem e que preci zação da totalidade do pró-lábio para reconstrução da
sam ser descartadas no momento da reconstrução de columela nasal. Cirurgiões bastante eminentes na épo
finitiva. ca, como por exemplo Ombredanne, em 1934,35 des
Uma das primeiras técnicas descritas foi a de Pier- creveram técnicas com essa proposição. Mais recente
re Joseph Desault11, em 1790, preconizando o fecha mente, Gabarro21, de Barcelona, Espanha, em 1967,
mento do lábio em um só tempo e usando o pró- propôs outra técnica, utilizando todo o pró-lábio para
lábio para reconstrução central do lábio. reconstrução da columela. Em 1971, foi a vez de Jack
Em 1939, Fomon15 defendeu o fechamento do Penn, de Johannesburg, África do Sul, propor técnica
lábio em um ou mais tempos, principalmente nos ca utilizando, também, todo o pró-lábio para a recons-

Quadro 11-1. Formas de utilização do pró-lábio nas diferentes técnicas de queiloplastia

COLUMELA Reconstrução primária


Reconstrução secundária

LÁBIO Fechamento simples


Fechamento em estágios Um estágio Retalhos laterais Retangulares
Dois estágios abaixo do pró-lábio Quadrangulares
Retalhos laterais Triangulares
acima do pró-lábio Avanço e rotação
Retalhos laterais Mucosos
atrás do pró-lábio Musculares
O

I
COLUMELA E LÁBIO Reconstrução Retalhos laterais
o primária interdigitados no pró-lábio Em garfo direto

para a columela
Em garfo estocado
no assoalho nasal
para columela no segundo tempo

Reconstrução Avanço em V-Y médio vertical


secundária Avanço do assoalho nasal e base para a columela
Transposição de retalho para a columela
Retalho em garfo direto para a columela
Retalho em garfo estocado no assoalho
nasal para reconstruir a columela
144 Deformidades de Lábio e Palato

trução da columela, reconstruindo o filtro labial com Brown do Children's Free Hospital e Federspiel da Mar-
enxertos de pele total (comunicação pessoal, em 1974) quette University. Em 1938, Victor Veau42 descreveu
(Figs. 11-3 a 11-5). sua- técnica, adaptando a reconstrução em fissuras
Paralelamente, existiam cirurgiões que demonstra unilaterais para as fissuras bilaterais, técnica conhecida
vam a sua preferência em utilizar o pró-lábio na re como Veau III (Figs. 11-6 e 11-7,4 a Q.
construção do lábio. As técnicas mais usadas foram as Os cirurgiões que usavam toda a estrutura do
propostas por George Van Ingen Brown5 e Matthew pró-lábio para reconstrução da columela argumenta
Federspiel13, ambos da área de Milwaukee, EUA — vam que o pró-lábio representava o órgão vomerona-

Fig. 11-3.
Representação
esquemática da técnica
de Ombredanne para
queiloplastia
bilateral35.

Fig. 11-4.
Representação
esquemática da
técnica de Gabarro
para queiloplastia
bilateral21.

Enxerto de pele
(espessura total)
retroauricular

Fig. 11-5. Representação esquemática da técnica de Jack Penn para queiloplastia bilateral (comunicação pessoal, 1974).
Fissura Labiopalatal Bilateral 145

sal rudimentar, localizado no septo nasal inferior.


Assim, era parte do nariz e, portanto, deveria entrar
na reconstrução da columela. No entanto, em Nova
York, Stark e Ehrmann40 provaram outra coisa, quan
do estudaram seis embriões com fissura labiopala
tal. Somente três deles tinham o órgão vomeronasal
e, mesmo assim, medindo de 1,0 para l,5mm e estan
do posterior à face cutânea do lábio. Concluíram que
o pró-lábio e a pré-maxila não eram sede do órgão
vomeronasal. A coexistência de um bem definido
órgão vomeronasal, localizado longe, posteriormen
te no septo nasal, e um pró-lábio bem definido, e
também a ausência do órgão em alguns embriões,
Fig. 11-6. Representação esquemática da técnica de GeorgeVan provaram que o pró-lábio não é originado do órgão
Ingen Brown para queiloplastia bilateral5. vomeronasal.

Fig. 11-7. Representação esquemática da técnica de Victor Veau para queiloplastia bilateral42 (Veau
146 Deformidades de Lábio e Palato

Recentemente, em abril de 2000, Ross I. S. Zbar et Outros cirurgiões desenvolveram técnicas utilizan
ai.46 publicaram o trabalho "Plano de Classificação para do-se de parte do pró-lábio para reconstrução da colu
o Órgão Vomeronasal em Humanos", resultado de es mela e parte para a reconstrução do lábio.
tudo realizado em 253 indivíduos, sendo 116 do sexo A sustentação do pró-lábio por meio de retalhos dos
masculino e 137 do feminino, com idades entre 5 e 91 elementos laterais do lábio parecia resolver dois imedia
anos. Dentro do grupo, em apenas 14 indivíduos foi tos problemas: (a) o pró-lábio ficaria aumentado e, (b)
identificado o órgão vomeronasal. Informaram que o devido ao pró-lábio não ser forçado a formar completa
órgão foi descrito, primeiramente, por Ruysch, em mente o elemento vertical central do lábio, menos força
1703, e depois, em 1811, por Jacobson. A partir de seria exercida sobre o componente frontonasal da face,
então, o órgão vomeronasal passou a ser chamado de permitindo um crescimento maior da columela e, assim,
órgão de Jacobson. A freqüência foi de 6%, bem me uma deformidade menor da ponta nasal. Foram apresen
nor do que na maior parte de outros estudos, que tadas várias técnicas, sendo as mais conhecidas a de Hage-
mostraram uma freqüência de 28%. Zbar ef ai.46 classi dorn23, em 1884, a de Rose37, em 1891, a de Thompson,
ficaram o órgão vomeronasal de 1 a 4, de acordo com em 191241, a técnica chamada de Veau II, descrita por41
sua dimensão e com a presença ou não dele, podendo Holdsworth, em 195123, e Barsky, em 1938. Em 1964,
ser uni ou bilateral. Concluíram que essa grande dis Barsky2 publica obra junto com Sidney Kahn e Bernard
crepância se deve à indefinição da estrutura do órgão Simon3, na qual descreveram uma técnica modificada que
vomeronasal em humanos (Fig. 11-8). denominaram Barsky-Hagedorn (Figs. 11-9 a 11-14).
Em 1947, Brown, Mc Dowell e Byars6 afirmaram
que: "o elemento central do lábio deveria estar na po
sição correspondente ao filtro, no final do fechamen
to. Sua parte superior poderia muitas vezes avançar

^
Lâmina
perpendicular para a columela, aos 3 para 4 anos de idade, porém
. do etmóide não deveria ser feito primariamente." Se o pró-lábio
fosse longo, uma adaptação da técnica de Mirault34,
CartilagernXr
septal

Ç\x
j^r
ífe\ utilizada nas fissuras unilaterais, seria usada. Se o pró-
lábio fosse muito longo e os retalhos preconizados
por Mirault34 resultassem também em um lábio mui
to longo, 2 a 3mm de pele poderiam ser excisados do
- 'jr; S 1) Vômer pró-lábio; se ele fosse muito pequeno, retalhos laterais
Espinha nasal / do lábio poderiam ser utilizados para alongar a por
da maxila Y^r
ção central. Em 1946, A.B. Le Mesurier25 publicou uma
técnica semelhante à de Hagedorn22 para fissuras uni
laterais, utilizando retalhos quadriláteros, encaixando-
os abaixo do pró-lábio (Figs. 11-15.4 e B e 11-16).
Fig. 11-8. Diagrama esquemático do septo nasal humano. O x Outras técnicas mantinham o pró-lábio no cen
marca a localização do órgão vomeronasal. O órgão vomeronasal
está localizado no septo nasal, logo acima (1 para 3mm) do soalho tro do lábio, porém preconizavam retalhos laterais in-
do nariz e 1 a 2cm posterior à porção cutânea da columela. terdigitados no pró-lábio com intuito de alongá-lo;

Fig. 11-9. Representação esquemática da técnica de Hagedorn para queiloplastia bilateral22.


Fissura Labiopalatal Bilateral 147

entretanto, também caíram em desuso, por mascara-


rem as colunas filtrais, tão importantes para um bom
resultado estético.
Em 1955, Millard28 descreveu o uso dos retalhos
de vermelhão dos elementos laterais do lábio para pre
encher o espaço deixado pelo retalho inferior do ver
melhão do pró-lábio que tinha sido deslocado para
baixo. Em 1958, Millard29 descreveu um retalho em
forma de garfo modificado, que proporcionou um
Fig. 11-10. Representação esquemática da técnica de Rose para aumento da columela, e propôs também uma rotação
queiloplastia bilateral37. mediai das asas nasais, proporcionando uma redução
das aberturas narinárias (Figs. 11-17 e 11-18).
O método de rotação e avanço foi preconizado
por Millard30, que, em 1960, publicou sua técnica no
Surgery, Gynecology and Obstetrics dizendo: "nas fis
suras incompletas bilaterais a columela é usualmente
de tamanho adequado e a ponta nasal está em posição
normal" (Fig. 11-19).
Em 1963, Spina39, preocupado com a falta do tubér
culo mediano, deformidade freqüente no lábio dos fissu
rados bilaterais transforame, deixando-o deformado, ide
Fig. 11-11. Representação esquemática da técnica de Thompson alizou e publicou técnica de queiloplastia em três tem
para queiloplastia bilateral41.
pos para os casos de fissuras transforame ou pré-forame
de um lado e transforame do outro.
Uma questão muito discutida entre os cirurgiões
experientes no tratamento de fissurados referia-se aos
tecidos que seriam levados para preencher o déficit do

iol %
pró-lábio: mucosa, músculo ou músculo e mucosa?
Em 1970, William M. Manchester27, do Middle-
more Hospital, Aucklaríd, Nova Zelândia, descreveu
sua técnica para fissuras bilaterais com queiloplastia
em um só tempo, utilizando retalhos apenas de muco
r=s^~^ sa introduzidos atrás do pró-lábio, isolados do múscu
lo. Antes da cirurgia, esse autor preconizava a manipu
Fig. 11-12. Representação esquemática da técnica de W. G. lação dos segmentos maxilares por meio de ortodon
Holdsworth para queiloplastia bilateral23 (Veau II). tia (Fig. 11-20,4 a Q.

Fig. 11-13. Representação esquemática da técnica de Barsky para queiloplastia bilateral2


148 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 11-14. Representação esquemática da técnica de Barsky, Sidney Kahne Bernard Simon para queiloplastia bilateral(Barsky-Hagedom)3.

Fig. 11-15. Representação esquemática da técnica de Brown, McDowelI e Byars para queiloplastia bilateral6.

Fig. 11-16. Representação esquemática da técnica de LeMesurier para queiloplastia bilateral25.


Fissura Labiopalatal Bilateral 149

Fig. 11-17. Representação


esquemática da técnica de Millard
(retalhos de vermelhão dos
elementos laterais para
preenchimento do tubérculo
mediano) para queiloplastia bilateral
nas fissuras incompletas28.

Fig. 11-18. Representação


esquemática da técnica de Millard
(retalhos29 em forma de garfo para
alongamento da columela) na
queiloplastia bilateral, nas fissuras
incompletas.

Fig. 11-19. Representação


esquemática da técnica de Millard
(avanço e rotação em dois tempos)
para queiloplastia bilateral nas
fissuras incompletas30.
150 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 11-20. Representação esquemática da técnica de Manchester para queiloplastia bilateral27.

O fino vermelhão do pró-lábio deverá ser recons


PRINCÍPIOS E ETAPAS DO
truído com retalhos de vermelhão e músculos dos
TRATAMENTO
segmentos laterais do lábio, porém nunca retalhos
Existem divergências de alguns centros quanto ao tra de pele.
tamento de fissurados bilaterais. Segundo Cronin9, em Correção, preferencialmente não-cirúrgica, da dis
1971, os princípios e objetivos do tratamento já estão paridade entre a pré-maxila e a maxila.
muito bem definidos:
Prevenir ou corrigir, se possível, o colapso dos seg
1. O pró-lábio formará, totalmente, a porção central mentos maxilares atrás da pré-maxila.
do lábio. Fazer ortodontia cedo.

2. O vermelhão e a linha branca do bordo inferior Enxertos ósseos para estabilizar a pré-maxila.
do pró-lábio devem ser preservados. 8. Alongamento da columela curta.
Fissura Labiopalatal Bilateral 151

A orientação de Ralph Millard Jr., da Divisão de laterais para preenchimento da região central do
Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da Es lábio, sem tensão.
cola de Medicina da Universidade de Miami, Flórida, 14. Confecção da concavidade do filtro.
EUA, é de que o tratamento da fissura labiopalatal 15. Incisão, na pele, ao nível da inserção das bases ala
bilateral obedeça às seguintes etapas32: res nos segmentos laterais do lábio. Incisão de es
1. Correção da posição da pré-maxila em preparação pessura total e divisão de cada retalho em dois com
da cirurgia labial ponentes, um componente composto de pele e o
outro de músculo e mucosa.
A - Capacete com bandas elásticas.
16. Avanço do retalho miomucoso de cada lado e su
B - Ortodontia.
tura de ambos, juntos na espinha nasal; as bases
C - Deslocamento mecânico, utilizando aparelhos. alares avançam, permitindo,assim, redução do tom-
bamento alar e fixação da posição das bases alares.
Ouvidos, palato e lábio 17. Estocagem dos retalhos em forma de garfo, que
são suturados em forma de pirâmide no assoalho
2. Em 2 ou 4 semanas de vida, tipanotomía mais co nasal, ou melhor, entre o lábio e as bases alares,
locação de tubos de aeração, se indicado. como forma de "mãos em prece".
3. Ao mesmo tempo, fechamento do palato mole, 18. Levantamento da ponta nasal por avanço secun
quando possível. dário dos retalhos em garfo e as bases alares, para
4. Ao mesmo tempo, fechamento definitivo do lábio. formar as bordas do assoalho das aberturas nariná-
rias. A época para essa manobra varia entre os 6
Fechamento definitivo do lábio
meses e os 6 anos de idade. Esse estágio do retalho
em garfo reduz o procedimento de cinco etapas
5. Uso dos excessos da mucosa do pró-lábio para para um estágio. Pode ser estocada uma faixa de
cobrir a área cruenta da pré-maxila. cartilagem septal, que servirá de suporte ao reta
6. Redução do pró-lábio para o tamanho do filtro (5 lho em garfo para a reconstrução da columela. Aos
para 8mm de largura), usando retalhos laterais em 16 anos, durante uma revisão final, um enxerto
forma de garfo. autógeno de cartilagem poderá ser usado para esse
7. Deslocamento, para baixo, do vermelhão inferior fim.
do pró-lábio com incisão no arco de cupido, para
que se torne invisível atrás do tubérculo central. Palato
8. Liberação do pró-lábio da pré-maxila.
9. Rotação para cima das pontas de mucosa na área 19. Fechamento do palato duro, utilizando-se retalho
da fissura, na porção superior dos segmentos late vomeriano, aos 18 meses de idade. Se a pré-maxila
rais do lábio, para serem usadas no preenchimen estiver alinhada ao arco maxilar, fechamento das
to de defeitos da parede lateral do vestíbulo nasal, fendas alveolares, inclusive de algumas fístulas.
depois da liberação da asa nasal da maxila. 20. Alongamento do palato, se necessário, aos 4 ou 5
10. Criação de área de segurança de mucosa carregan anos de idade, utilizando-se retalhos em ilha ou redu
do ponte do rodete de faixa branca acima da mes ção do espaço velofaringeo com retalhos faríngeos.
21. Enxerto ósseo alveolomaxilar aos 8 anos de idade.
ma, formando, em cada lado, um espesso retalho
com os elementos laterais do lábio. Se a transição Em 1978, Millard et ai. iniciaram um protocolo
mucocutânea do pró-lábio estiver perfeitamente propondo o tratamento, ortopedia maxilar, gengivo-
visível, não é necessária essa tática cirúrgica. plastia e adesão labial para um determinado número
11. Liberação dos elementos laterais do lábio da pré- de casos e somente adesão labial para outros33. Publi
maxila e liberação do músculo da pele, sem gran caram, em março de 1999, estudo preliminar, compa
de descolamento. rativo, em 124 pacientes, com avaliação completa atra
12. Avanço da mucosa e do músculo dos elementos vés de estudos com modelos ortodônticos, sendo 63
laterais do lábio, juntando-os na linha média, em tratados com a primeira opção (grupo 1) e 61 tratados
frente à pré-maxila e atrás do pró-lábio, para ob com a segunda opção (grupo 2). Concluíram que os
tenção do sulco superior e da continuidade mus casos tratados com a primeira opção (ortopedia maxi
cular no pró-lábio. lar, gengivoplastia e adesão labial) ofereciam pouca ou
13. Recolocação do pró-lábio sobre os músculos jun nenhuma indicação de "progresso no tratamento de
tos entre as extremidades de pele dos elementos fissurados. Sua principal importância é que moviam o
152 Deformidades de Lábio e Palato

lábio e o palato para uma posição normal, estabilizan Janusz Bardach e Keneth E. Salyer, em 199 ll, pro
do o arco com a ponte óssea que mantém os dentes puseram diferentes condutas no tratamento dos fissu
alinhados. Previne as difíceis fístulas anteriores e apre rados bilaterais:
senta uma plataforma mais simétrica para suporte da • Salyer1 —Quando a pré-maxila está dentro do arco
união do lábio, permitindo, assim, uma correção nasal alveolar, o autor indica queiloplastia em tempo
mais cedo. Outro benefício é que a ortopedia maxilar único, aos 3 para 4 meses de idade. Nos casos de
diminui a distância entre as vertentes palatais, daí pou pré-maxila protrusa, sugere ortopedia oral passiva
cos casos de insuficiência velofaríngea com indicação pré-cirúrgica. Queiloplastia em um só tempo, em
para correção com retalho faríngeo (Figs. 11-21 e 11-22). 80% dos casos; nos 20% restantes, queiloplastia em
dois estágios. A indicação para esse procedimento
acontece quando o pró-iábio é pequeno e existe uma
pré-maxila bastante projetada.
• Bardach1 —Quando a pré-maxila está dentro do arco
alveolar, indica um ou dois estágios de reconstrução,
dependendo da simetria, da severidade da fissura e
do tamanho do pró-lábio. Nos casos de pré-maxila
protrusa, realiza queiloplastia em dois tempos: pri
meiro tempo aos 3 meses e o segundo, 6 a 8 semanas
após. O tratamento ortodôntico é realizado entre os
3 anos e meio e 4 anos de idade. Quando indicado,
realiza ressecção parcial da pré-maxila com enxerto
ósseo entre os 5 e os 7 anos de idade (Fig. 11-23).
O autor deste capítulo, juntamente com Cronin9,
acredita que a disparidade entre a pré-maxila e a maxila
Fig. 11-21. Representação de aparelho provido de tiras elásticas,
usado para tratamento ortopédico em fissurados bilaterais. deva ser corrigida, preferencialmente, sem cirurgia. De
acordo com Millard32, em 1977, a ressecção só deverá ser
indicada nos casos muito graves em que o tratamento
ortodôntico falhar, devido à grande dificuldade de se
corrigir a perda de uma pré-maxila (Fig. 11-24).

TRATAMENTO CIRÚRGICO
(LÁBIO EPALATO)
A conduta do Serviço de Cirurgia Plástica do HMIMJ
varia de acordo com o tipo da fissura e poderá ser
resumida da seguinte maneira:
1. Quando as fissuras são pré-forame incisivo incom
pletas, ou completas de um lado e incompletas
do outro, sem assimetrias, ou mesmo completas,
quando a pré-maxila está dentro do arco alveolar
e o pró-lábio bem desenvolvido, é indicada a quei
loplastia em tempo único, que inclui a reconstru
ção do vermelhão e do sulco gengivolabial. Essa
técnica é resumida nas seguintes etapas: em um
primeiro momento, demarca-se o ponto a, na base
de implantação da asa, ao nível do assoalho nari-
nário; em seguida, demarca-se o ponto b, na li
nha cutaneomucosa da vertente lateral, de modo
Fig. 11 -22. Representação esquemática, comparando o grupo 1,
que realizou tratamento ortopédico (A), com o grupo 2, que reali que a-b dê a altura do lábio; no terceiro momen
zou adesão labial (B). to, demarca-se o ponto a\ na base de implanta-
Fissura Labiopalatal Bilateral 153

Fig. 11 -23. Representação esquemática da técnica da retroposição da pré-maxila e enxertia óssea alveolar preconizada por Bardach.
A. Incisões marginais na pré-maxila e vertentes laterais maxilares. B. Excisão da porção do vômer, adjacente à pré-maxila, incluindo a
sutura pré-maxila-vômer. C. Posicionamento da pré-maxila dentro do arco alveolar. Fechamento dosretalhos mucoperiosteais. D. Enxertia
alveolar com osso esponjoso. E. Fechamento oronasal e nasolabial. F. Aspecto final.

ção da columela; em um quarto momento, de média, refazendo-se o tubérculo mediano, e so


marca-se o ponto b\ na linha cutaneomucosa do bre eles é suturado o retalho de vermelhão e de
pró-lábio, correspondente a interseção dessa linha mucosa do pró-lábio. Procede-se à sutura dos pla
com uma perpendicular partindo de a\ Linhas nos anatômicos, mucoso, muscular e cutâneo (Fig.
ab e a'b' são demarcadas, unindo-se os respecti 11-25).
vos pontos e transferindo-os simetricamente para A técnica descrita é uma variação do terceiro
o outro lado. Duas linhas curvas com concavida tempo ou tempo definitivo da técnica proposta
de mediai são traçadas nas vertentes laterais, a por Spina39, em 1963, para correção de fissuras la
partir de b, e também no pró-lábio, a partir de b\ biopalatais transforame bilaterais, em três tempos.
de concavidade lateral. Demarcam-se, nas verten A cirurgia é realizada entre os 3 e 4 meses de idade,
tes laterais, dois retalhos pediculados no verme se o paciente estiver em condições clínicas satisfa
lhão, ao se acrescentar uma linha de incisão inter tórias.
na que se prolonga ao sulco gengivolabial. Fa
zem-se as incisões nas linhas demarcadas, e os re
Em casos mais raros, quando o pró-lábio é bastan
talhos com pedículo no vermelhão são desepite te desenvolvido e a pré-maxila está dentro do arco
lizados. Realiza-se uma incisão no sulco gengivo alveolar, é realizada a queiloplastia em um tempo
labial do pró-lábio, liberando-o da pré-maxila. Em único (Figs. 11-26 e 11-27).
seguida, faz-se a dissecção dos planos mucoso e cu Quando as fissuras são pré-forame incisivo com
tâneo do pró-lábio que, articulados no vermelhão, pletas e/ou completas de um lado e incompletas
transformam-se em retalho plano. Suturam-se os do outro, com bastante assimetria entre a pré-ma
retalhos da mucosa das vertentes laterais, fixando- xila e as vertentes maxilares e o pró-lábio pouco
os ao periósteo da espinha nasal anterior, de modo desenvolvido, ou quando as fissuras são transfora
a reconstruir o sulco gengivolabial. Os retalhos de me incisivo, realiza-se a queiloplastia em três tem
vermelhão decorticados são suturados na linha pos proposta por Spina39.
"154 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 11-24A e B. Criança com 2 anos de idade, portadora de fissura labiopalatal bilateral transforame, apresentando pré-maxila
projetada e desviada do seu eixo vertical, com deslocamento para a esquerda, pró-lábio curto e columela praticamente ausente. C a G.
Correção da projeção da pré-maxila, com ressecção parcial do vômer, posicionamento da pré-maxila no arco alveolar e fixação com
miniplacas e parafusos, realizada aos 5 anos de idade. Pós-operatório de 1 ano. Complicação com infecção, tendo sido retirado o material
usado para fixação óssea. Perda total da pré-maxila. Visualização de fístula de palato duro e fístulas de lábio inferior, caracterizando a
síndrome de Van der Woude'-3.
FissuraLabiopalatal Bilateral 155

Fig. 11-25. Representação esquemática da queiloplastia bilateral na técnica de Spina39.


1 56 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 11-26. Representação esquemática da técnica do fechamento em linha reta preconizada por Bardach. A. Fissura labiopalatal
bilateral1. B. Desenho da incisão. C. Ganho de comprimento do retalho do pró-lábio por meio de liberação, desdobramento e preenchi
mento da área remanescente com retalhos miomucosos dos elementos laterais deslocados superiormente. D. Sutura mucosa em linha
reta. E. Sutura da pele em linha reta.

Fig. 11-27A. Criança com 1 ano de idade apresentando fissura labial bilateral incompleta. B. Pós-operatório imediato, técnica do
fechamento em linha reta preconizada por Bardach2.

Primeiro tempo: queiloplastia do lado de maior am suturado sobre esses retalhos, cobrindo a face cruen
plitude, nos 3 primeiros meses de vida, quando re ta do assoalho narinário. É feito um descolamento
cém-nascido. Demarcação: ponto a na base de im de aproximadamente 1,0 a l,2mm, no plano subeu-
plantação da columela; ponto a na base de implanta tâneo, a partir da linha de incisão entre a mucosa do
ção da asa; ponto b na linha cutaneomucosa do ver vermelhão e a pele do lado do pró-lábio e do lado do
melhão do pró-lábio; ponto b na linha cutaneomu elemento lateral do lábio, para maior facilidade da
cosa do vermelhão da vertente lateral. A partir do abordagem muscular no lábio e do tecido subeutâ-
ponto a, continua-se a demarcação em direção à fos neo e a musculatura rudimentar no pró-lábio, quan
sa narinária, continuando-se pela margem inferior da do existente. Faz-se uma liberação da inserção desses
mucosa vomeriana. A partir do ponto a\ continua-se tecidos do pró-lábio junto à base da columela e à
a demarcação em direção à extremidade anterior da espinha nasal, como também a liberação do músculo
lâmina palatina, até próximo à concha inferior. Um do pró-lábio na base de inserção da asa nasal. A sutu
retalho de mucosa do elemento lateral do lábio é ra do lábio é feita em três planos, sendo o mucoso
demarcado. Os retalhos mucosos septovomerianos e com viciyl 5-0, o muscular com mononáilon 5-0 e a
palatais são descolados e suturados com fio de vicryl pele com mononáilon 6-0. Os retalhos do verme
5-0, de preferência, para refazer o assoalho narinário. lhão do pró-lábio e do elemento lateral do lábio
O retalho de mucosa do elemento lateral do lábio é são suturados entre si, com vicryl 5-0, ficando uma
Fissura Labiopalatal Bilateral 157

Fig. 11-28. Representação esquemática do primeiro e segundo tempos da técnica de Spina para queiloplastia bilateral em fissuras
transforame3*.

certa sobra, que será aproveitada no terceiro tempo, preservando e decorticando a área cicatricial e os
para formação do tubérculo mediano. remanescentes dos retalhos de vermelhão; formam-
• Segundo tempo: será realizado após 90 dias, utili se, assim, dois retalhos pediculados no vermelhão
zando-se os mesmos procedimentos do primeiro dos elementos laterais do lábio. É realizada uma
tempo (Figs. 11-28 e 11-29). incisão na mucosa do sulco gengivolabial da pré-
• Terceiro tempo: o fechamento definitivo do lábio é maxila, separando-se, assim, o pró-lábio da pré-ma
realizado após os 24 meses de idade. Demarcação: xila, deixando-o pediculado junto à columela, fican
ponto a na base da asa narinária, lateral à cicatriz do os seus elementos cutâneo e mucoso articulados
anterior; ponto b na linha cutaneomucosa da ver pelo vermelhão. Os retalhos da mucosa dos elemen
tente lateral para fora da cicatriz anterior, a distân tos laterais do lábio são suturados com vicryl 5-0,
cia a-b correspondendo à altura do lábio; ponto d na linha média, refazendo-se o sulco gengivolabial e
na base da columela, mediai à cicatriz anterior; pon o plano mucoso do pró-lábio. Os retalhos decorti-
to B na linha cutaneomucosa do pró-lábio e corres cados, formados por músculo e por tecido cicatrici
pondente à interseção de uma vertical passando pelo al, são suturados entre si com mononáilon 5-0, na
ponto d. Do outro lado, repetem-se as mesmas de linha média, refazendo-se o tubérculo mediano. Os
marcações. Unindo-se os pontos ab e a'b' forma-se retalhos de mucosa e de vermelhão do pró-lábio são
um triângulo de vértice superior. A partir do ponto retornados a sua posição e suturados com vicryl 5-0
b, uma linha é traçada até o vermelhão e prolonga sobre os retalhos musculares decorticados. A sutura
da até o sulco gengivolabial, continuando nesse sul da pele é feita por planos; o subderma com mono-
co lateralmente, delimitando o retalho de mucosa cryl 5-0, e o plano dermoepidérmico, com mononá
lateral. São feitas as incisões nas linhas demarcadas, ilon 6-0 (Figs. 11-30 e 11-31).
1 58 Deformidades de Lábio e Palato

&
Fig. 11-29A. Criança do sexo masculino, com 18 dias de idade, apresentando fissura labiopalatal bilateral transforame com pró-lábio
bem desenvolvido, columela curta e deslocada para esquerda. B. Visual.zação do vômer, grande projeção e desvio da pré-maxila para a
esquerda. C. Criança com 6 meses de idade, apresentando maior distância do pró-lábio à vertente labial do lado direito, indicação da
realização do primeiro tempo de queiloplastia desse lado. D. Visualização inferior, mostrando grande projeção anterior e desvio para a
esquerda da pré-maxila e pró-lábio. E. Queiloplastia à direita. Marcação dos pontos básicos no lábio, linha mediocolumelar para orientar
a marcação no pró-lábio. Marcação dos retalhos mucosos no pro-lábio e vertente labial. F. Levantamento do retalho mucoso na vertente
labial, dissecção do músculo orbicular, liberando-o do plano cutaneomueoso do lábio.G. Dissecção do tecido muscular residual no pró-
lábio junto com os tecidos subcutãneo e submucoso, aumentando a espessura do retalho. H. Mucosa da vertente lateral e pró-lábio
suturada após confecção do soalho narinário e sutura do plano muscular. I. Pele e vermelhão da vertente lateral e pró-lábio suturados. J.
Pós-operatório de 90 dias. LeM, Segundo tempo de queiloplastia. O paciente apresenta ponte cutânea entre a vertente mediai e lateral
do lábio; "banda de Simonart"38.
Fissura Labiopalatal Bilateral 159

Fig. 11-30.
Representação
esquemática do terceiro
tempo da técnica de
Spina39 para queiloplastia
bilateral em fissuras
transforame.

Pós-operatório 4. Entalhe do lábio.


Esse estágio, geralmente, não apresenta complicações, 5. Sulco gengivolabial raso.
ocorrendo alta após 24 horas. O curativo coberto de 6. Altura exagerada do lábio.
verá ser mantido sempre limpo; antibioticoterapia por 7. Projeção exagerada do tubérculo mediano.
6 dias, de preferência cefalosporina ou amoxicilina. 8. Falta de projeção do tubérculo mediano.
Após a alta, deve-se manter o curativo aberto, sempre 9. Colapso da arcada alveolar.
limpo, lavando-se a ferida várias vezes por dia com Essa técnica é a realizada preferencialmente pelo
água fervida e sabonete neutro, até 7 dias, quando os Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Municipal In
pontos são retirados. fantil Menino Jesus (HMIMJ). O fechamento em três
tempos beneficia os resultados, principalmente porque:
Complicações a. O fechamento do lado mais aberto no primeiro
As principais são: tempo faz com que haja uma correção parcial da
1. Infecção da ferida cirúrgica. assimetria da pré-maxila, do pró-lábio e das verten
2. Deiscência de sutura. tes labiopalatais laterais, favorecendo o fechamen
3. Alargamento da cicatriz. to do outro lado em um segundo tempo.
1 60 Deformidades de Lábio e Palato

Figs. 11-31A e B. Criança com 3 anos, pós-operatório de 2 anos e 8 meses de queiloplastia, à esquerda, e de 2 anos e 1 mês de
queiloplastia, à direita. Ca F. Criança com 5 anos e 5 meses, pré-operatório do terceiro tempo de queiloplastia. G e H. Marcação no lábio
e soalho do vestíbulo narinário, em torno das cicatrizes anteriores, abrangendo maior quantidade de pele do pró-lábio, para reconstituição do
futuro filtro. I e J. Dissecção dos retalhos formados de músculo e tecido cicatricialremanescente. Dissecção e levantamento do pró-lábio, retalho
miocutâneoe mucoso, pediculadosuperiormente. Le M. Suturados retalhossuperpostosformados de músculo e tecidocicatricial remanescen
te, pediculados nas vertentes laterais do lábio, para formação do tubérculo central do lábio (Continua).
Fissura Labiopalatal Bilateral 161

Fig. 11-31 (Continuação) N e O. Sutura do pró-lábio com as vertentes laterais, recobrindo os retalhos, projetando o vermelhão ao nível do
tubérculo mediano. P a S. Pós-operatório de 6 meses.

b. O fechamento dos assoalhos narinários, nos dois formados de pele, de músculo e de mucosa para
primeiros tempos, beneficia a função respiratória correção do tubérculo mediano.
dos pacientes, favorecendo o crescimento dos os Existe controvérsia na literatura em relação a al
sos da face. guns pontos dessa técnica. Em primeiro lugar, porque a
c. A sutura em planos definidos, no primeiro e no reconstrução da columela curta não é programada den
segundo tempo, proporciona uma cinta muscular tro da técnica e, em segundo, porque o pró-lábio, quan
que favorecerá o deslocamento posterior no plano do é largo, deixa muito larga a área central do lábio
horizontal da pré-maxila, a diminuição do risco de correspondente ao filtro. Para defendê-los, acredita-se
deiscência e alargamento das cicatrizes. que a correção da columela não precisa necessariamente
d. A realização do terceiro tempo, entre 18 e 24 me ser programada no primeiro tempo, pois deixará mais
ses, preconizada pelo autor da técnica e que é reali cicatrizes a serem ressecadas no tempo definitivo, como
zada no Serviço de Cirurgia Plástica do HMIMJ também a correção da columela, realizada entre os 5 e 7
após o terceiro ano de idade, favorece o resultado anos de idade, terá mais chance de melhor resultado
estético-funcional devido ao maior desenvolvimen devido ao maior desenvolvimento das estruturas. Quan
to das estruturas a serem manipuladas durante o to à largura do pró-lábio, poderá ser corrigida no tercei
ato cirúrgico. ro tempo, ampliando-se a ressecção de pele em torno
e. A projeção do tubérculo mediano labial, consegui das cicatrizes deixadas nos dois primeiros tempos.
da com essa técnica, é bastante superior à consegui Hoje em dia é feita uma modificação da técnica
da com outras que preconizam o uso de retalhos inicial, não se deixando mais aqueles excessos de mu-
162 Deformidades de Lábio e Palato

cosas do pró-lábio e dos elementos laterais do lábio, rodado lateralmente e suturado sob o retalho do
que dão um aspecto pouco gracioso às crianças, que se palato anterior, descolado em plano subperiosteal
tornavam, temporariamente, motivo de chacota das rodado lateralmente (Figs. 11-32 e 11-33).
outras crianças na escola. Realiza-se a palatoplastia associada aos dois tem
O tratamento ortodôntico e ortopédico maxilar pos da queiloplastia, quando o afastamento entre o
é realizado, preferencialmente, após os 5 anos de ida vômer e o palato anterior é pequeno, fazendo-se,
de, quando a criança já possui os dentes definitivos, assim, um descolamento mínimo, tanto do lado do
que serão usados na fixação dos aparelhos, e também vômer quanto do palato. A palatoplastia posterior
já está maior, podendo colaborar mais com o trata será realizada aos 18 meses de idade, pela técnica de
mento. von Langenbeck44, ou aos 24 meses de idade, nos
Pela experiência do Serviço, corroborada por im pacientes retrognatas, pois a abertura maior da boca
portantes centros de tratamento de fissurados, a cinta facilita a cirurgia (Figs. 11-34 e 11-35).
muscular proporcionada pelo fechamento do lábio é Quando as vertentes maxilares estão afastadas da
uma das principais forças que atuam no deslocamento linha média, porém não exageradamente, a condu
da pré-maxila para trás. Na idade da dentição mista, ta do Serviço é realizar a palatoplastia total aos 18
como foi salientado anteriormente, o tratamento or meses de idade, usando-se, sempre, os retalhos do
todôntico e ortopédico maxilar é realizado, procuran vômer suturados sob os retalhos do palato duro
do-se alinhar a pré-maxila ao arco alveolar, corrigindo- que, na opinião do Serviço, é uma grande arma
se a mordida da criança no sentido global, com perfei utilizada para correção dos grandes espaços, em
to encaixe maxilomandibular, favorecendo, assim, o casos de fissuras bastantes largas; o palato posterior
crescimento harmonioso da face. é corrigido utilizando-se a técnica de von Langen
beck44 ou Wardill45 nos palatos muito curtos (Figs.
11-36 e 11-37).
Tratamento da Fissura Palatal Uma terceira possibilidade é quando existe, nas
fissuras transforame incisivo bilaterais, um exage
A conduta do Serviço para correção da fissura palatal,
rado afastamento das vertentes laterais, ou uma
no fissurado bilateral, depende, também, de algumas
grande projeção da pré-maxila. Os procedimentos
variáveis, a saber:
poderão ser realizados em tempos invertidos, ou
1. Nas fissuras transforame incisivo bilaterais, em que seja, a palatoplastia posterior em primeiro lugar,
as vertentes maxilares não se apresentam bem se sendo realizada uma veloplastia intravelar aos 6
paradas do processo vomeriano e a pré-maxila tam meses de idade, associada ao segundo tempo da
bém não está projetada, a palatoplastia anterior queiloplastia, e o fechamento do palato anterior
poderá ser realizada em associação aos dois tem após os 36 meses de idade, associado ao terceiro
pos da queiloplastia, utilizando-se o retalho do tempo da queiloplastia, utilizando-se, sempre, a téc
vômer descolado em plano subcondroperiosteal, nica do retalho vomeriano (Fig. 11-38).

Retalho
mucoso

Retalho
mucoso

Fig. 11-32. Representação esquemática da palatoplastia anterior associada à queiloplastia com a utilização de retalhos vomerianos.
A. Marcação das incisões no vômer, palato e lábio. B. Descolamento dos retalhos em plano subcondroperiosteal ao nível do vômer, palato,
assoalho narinário e passagem dos fios de sutura. C. Sutura completada com fechamento unilateral do palato anterior, assoalho narinário
e lábio.
Fissura Labiopalatal Bilateral 163

Fig. 11-33A e B. Criança do sexo masculino, com 1 ano e 2 meses de idade, com fissura labiopalatal bilateral transforame. Pós-
operatório (3 meses e 15 dias) de queiloplastia, à esquerda, associada á palatoplastia desse lado.

Fig. 11-34. Representação esquemática da


técnica de von Langenbeck70 para palatoplastia.
Retalhos mucoperiosteais delimitados pelas
incisões nas bordas da fissura e pelas incisões
laterais libertadoras. Os retalhos, descolados
do plano ósseo, permitem a sutura dos planos
nasal, muscular e oral na linha média, sem
tensão.

Fig. 11-35A e B. Criança do sexo masculino com 2 anos de idade, portadora de fissura labiopalatal bilateral transforame, palatoplastia
posterior segundo técnica de von Langenbeck70.

Fig. 11-36. Representação esquemática da


palatoplastia anterior, com a utilização de
retalhos vomerianos e palatais descolados em
plano subperiosteal e suturados entre si.
164 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 11-37. Representação


esquemática da técnica de
Wardill71 para palatoplastia,
adaptada em fissuras
labiopalatais bilaterais.
Técnica em V-Y dos quatro
retalhos, com o emprego,
também, de retalhos
vomerianos ao nível do
palato duro.

Fig. 11-38. Representação


esquemática da técnica de
veloplastia intravelar.
A. Desenho da incisão.
B. Dissecção dos retalhos
mucoperiosteais na área
posterior do palato duro e
dissecção das inserções dos
músculos do palato mole.
C. Liberação completa dos
músculos e extensão do
pedículo neurovascular,
usando-se gaze enrolada.
D e E. Fechamento do plano
nasal e muscular.
F. Fechamento do plano oral.

A tendência atual é a indicação das palatoplastias O pós-operatório das palatoplastias não é compli
antes de 1 ano de idade. No entanto, trabalho publica cado, e a internação do paciente é de 24 horas. No Servi
do por Kirschner et ai14, em 2000, compara o resulta ço, é de rotina evitar-se a colocação de tampões orais
do funcional da palatoplastia realizada entre 3 e 7 sobre as áreas cruentas deixadas pelo deslocamento
meses de idade, 40 casos, com o da palatoplastia reali mediai dos retalhos palatais, porque é sempre difícil a
zada após os 7 meses de idade, 50 casos, todos pela sua retirada, principalmente em crianças pequenas. Como
técnica de Furlow modificada. Os autores20 concluí o tampão não é usado, recomenda-se uma hemostasia
ram que: os resultados obtidos nos casos operados pre rigorosa, utilizando-se sempre um bisturi elétrico de alta
cocemente não mostraram beneficio em relação à fo freqüência. Como se trata de cirurgia realizada em cavi
nação. dade oral, é adotada antibioticoterapia, com o uso de
No HMIMJ, durante o pré-operatório, a criança é cefalosporina durante 6 dias. Recomendam-se, também,
acompanhada pelo pediatra, e os exames laboratoriais o asseio bucal rigoroso com anti-sépticos orais e uma
de rotina incluem hemograma e coagulograma com dieta líquida fria rigorosa na primeira semana. Após a
pletos. Observa-se uma taxa mínima de ll,0g% de he primeira semana, a dieta vai engrossando, paulatinamen
moglobina para as cirurgias isoladas e de 12,0g% para te, até o 302 dia de pós-operatório, quando o paciente é
as cirurgias associadas. encaminhado à fonoaudiologia.
Fissura Labiopalatal Bilateral 165

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24. Kirschner RE, Randali P, Wang P etai. Cleft palate repair at3to
7 months of age. Plast Reconstr Surg 2000; 705:2.127-32.
1. Bardach J, Salyer KE. Bilateral cleft lip repair. In: Bardach J, 25. LeMesurier AB (ed.). Hare-Lips and Their Treatment. Balti
Salyer KE, (eds.). Surgical Techniques in Cleft Lip and Palate. 2 more: Williams & Wilkins, 1962.
ed., St Louis: Mosby 1991:117-8. 26. Manchester WM. The repair of bilateral cleft lip and palate. Br
2.Barsky AJ (ed.). Principies and Practice ofPlastic Surgery. Balti J Surg 1965;52:878.
more: Williams & Wilkins, 1950. 27. Manchester WM. The repair of double cleft lip as part of an
3. Barsky AJ, Kahn S, Simon BF (eds.). Principies and Practice of integrate program. Plast Reconstr Surg 1970;45:207.
Plastic Surgery. New York: Mcgraw-Hill, 1964:352. 28. Millard Jr DR. Oriental peregrinations. Plast Reconstr Surg
4. Bauer TB, Trusler HM, Tondra JM. Bauer, Trusler and Tondra's 1955;16:319-36.
method of cheilorrhaphy in bilateral cleft lip. In: Grabb WC, 29. Millard Jr DR. Columella lengthening by a forked flap, Plast
Rosenstein SW, Bzoch KR (eds.). Cleft Lip andPalate. Boston: Reconstr Surg 1958;22:454-7.
Little Brown, 1971:311-24.
30. Millard Jr DR. A primary compromise for bilateral cleft lip.
5. Brown GVI (ed.). The Surgery ofOral Diseases and Malforma- Surg Gynecol Obstet 1960;i:557-63.
tions. Philadelphia: Lea & Febiger, 1918.
31. Millard Jr DR. Rotation-advencement in the repair of bilateral
6. Brown JB, McDowelI F, Byars LT. Double clefts of the lip. Surg cleft lip. In: Grabb WC, Rosenstein SW, Bzoch KR (eds.). Cleft
Gynecol Obstet 1947;£5:20-9. Lip and Palate. Boston: Little Brown, 1971: 305-10.
7. Chapados C. Une approche écologique de l'experience de vie 32. Millard Jr DR. Bilateral cleft game plan. In: Millard Jr. DR.
d'adoIescentes ayant une fissure labiale et palatine. Infirmiere (ed.). Cleft Craft The Evolution oflts Surgery - Bilateral and
du Quebec: Revue Ofriciellede VOrdre des Infirmieres et Infi- Rare Deformities. Boston: Little Brown, 1977;2:309-11.
miers du Quebec 1999;7:26-35.
33. Millard DR, Latham R, Huifen X, Spiro S, Morovic C. Cleft lip
8.Cronin TD. Surgery of the double cleft lip and protruding pre and palate treated by presurgical orthopedics, gingivoperios-
maxilla. Plast Reconstr Surg 1957; 72389-400. plasty, and lip adhesion (POPLA) compared with previous lip
9. Cronin TD, Penoff JH. Bilateral clefts of the primary palate. adhesion method: a preliminary study of serial dental casts.
Cleft Palate] 1978;7:349-63. Plast Reconstr Surg 1999; 103:1.630-44.
10. De Ia Faye G. Observations on the cleft lip. Mémoires de 34. Mirault G. Deux lettres sur 1'opération du bec-de-Iiévre considere
VAcadémie Royale de Chirurgie 1743; 7:605. dans ses divers états desimplicité etdecomplication./Chir1845;3:5.
11. Desault PJ. In: Bichat X (ed.). O Chirurgicales. Paris: Baiilière, 35. Ombredanne L. Reconstruction of nostril in simple harelip.
1830, vol 2. Presse Med 1921;2£703.
12. Dupuytren G(ed.). Leçons Orales deClinique Chirurgicale Faite 36. Roquete Pinto E (ed.). Ensaios da Antropologia Brasileira. São
à VHòtel-Dieu de Paris. Paris: Baiilière, 1832-1834, vol 1. Paulo: Nacional, 1933:190.
13. Federspiel MN. Harelip and cleft palate. Laryngoscope 1922; 37. Rose W (ed.). On Harelip and Cleft Palate. London: Lewis,
32:909. 1891.

14. Fogh-Andersen P (ed.). Inheritance ofHarelip and Cleft Palate. 38. Simonart. Note sur les amputations spontanées. / Connais-
Kopenhagen: Nyt Nordisk Forlag, Arnold Busck, 1942. sances Médicales 1846: 327-30.

15. Fomon S. Cleft lip and palate. In: (ed.). The Surgery of 39.SpinaV(ed.). Cirurgiadei lábio leporino. In: Transactions ofthe
InjuryandPlastic Repair. Baltimore: Williams &Wilkins, 1939: Third International Congress of Plastic Surgery. Washington
1.115-200. 16. Franco P. Traités des hernies. In: (ed.). DC: 1963.
Lyon: Thibauld Payon, 1561. 40. Stark RB, Ehrmann NA. The development of the center of the
17. Fraser FC. Thegenetics of cleft lip and palate. AmJHum Genet face with particular reference to surgical correction of bilateral
1970;22:336. cleft lip. Plast Reconstr Surg 1958;27:177-92.
18. Fraser GR, CalnanJS. Cleft lip and palate: Seasonal incidence, 41. Thompson JE. An artistic and mathematically accurate method
birth weight, birth rank, sex,site, associated malformations and of repairing the defect in cases of harelip. Surg Gynecol Obstet
parenteral age. Arch Dis Child 1961; 36:420. 19. Friede H, 1912;74:498.
Pruzansky S. Longitudinal study of growth in bilateral cleft lip 42. Veau V (ed.). Bec-de-Lièvre. Paris: Masson, 1938:297-308.
and palate from infancy to adolescence. Plast Reconstr Surg 43. Van derWoude A. Fistula labii inferioris congênita and its associ-
1972;49:392-403.
ation with cleft and palate. Am]Hum Genet 1954;6:244-56.
20.Furlow LT. Cleftpalate repair by doubleopposing Z-plasty. Plast 44. von Langenbeck B. Die Uranoplastik mittelst Ablõsung des
Reconstr Surg 1986;7#724-36.
mucõs-periostalen Gaumenüberzuges. Langenbeck's Arch Klin
21. Gabarro P. Some technical points about the repair of double Chir 1861;2205-87.
cleft Hps. Acta Chir Plast 1967;».121-30. 45. Wardill WEM. Discussion on the treatment of cleft palate by
22. Hagedorn W. Über eine Modifikation der Hasenschartenoper- operation. Proc Roy Soe Med \927;20.178-82.
ation. Zentralbl Chir 1884;77:756. 46. Zbar RIS, Zbar LIS, Dudley C, Trott AS, Rohrich RJ, Moss RL
23. Holdsworth WG (ed.). Cleft Lip and Palate. London: Heine- A classification schema for the vomero nasal organ in humans.
mann, 1951:28-40. Plast Reconstr Surg 2000;105:1.284.
Tratamento Primário da
Deformidade Nasal do
Fissurado

José Lauro Soares da Fonseca

Nariz, ai meu nariz, comofalam maldesse da hoje com pacientes adultos, operados antes dos anos
nasal queé tão normal 1980, que, apesar de a operação labial ter sido bem-
...dizem que é maior que a miséria dopaís! sucedida, continuam estigmatizados pela derormida-
de nasal. Na verdade, foi uma correção cirúrgica in
"Nasal Sensual", de Jucá Chaves completa do ponto de vista atual, já que persistiu a
deformidade nasal congênita com todas as suas conse
INTRODUÇÃO qüências.
Vale a pena ainda ressaltar que as cavidades nasais,
Outrora, pelo desconhecimento do desenvolvimento além das funções respiratórias inerentes, exercem uma
craniofacial, a correção do nariz em pacientes portado profunda influência sobre a fonação, atuando como
res de fissuras labiais, uni ou bilaterais, era postergada uma caixa adicional de ressonância para certas conso
para a adolescência. Evidentemente, esta é uma situação antes. Qualquer condição, anatômica ou patológica, que
indesejável, pois acarreta vários problemas de ordem bloqueie aquelas cavidades resulta na alteração do tom
anatomofuncional e psicossocial nos adolescentes. e do timbre da voz humana. Se o nariz é obstruído, um
Como o irreverente Jucá Chaves, já na década de tom de rinolalia é dado à fala. Aliás, grandes avanços
1960, satirizava, o nariz, por ser o segmento mais pro foram conseguidos, nas últimas três décadas, no trata
eminente e central da face humana, recebe por parte mento das fissuras labiopalatais, em especial no que se
do ser humano uma atenção toda especial. Assim sen refere à correção precoce das deformidades nasais.
do, a incorporação psicossomática desse segmento se Com o uso de imagens ultra-sonográ ficas de alta
reflete na conscientização da própria imagem12. resolução, tão usuais atualmente em rotinas de pré-
Ainda hoje, a presença do estigma da deformidade natal, o diagnóstico do fissurado fetal p'ode ser leito
nasal é um problema notado em nossa sociedade de logo após a 12a semana de gestação e, uma vez consta
proporções consideráveis, tal é a incidência dessa pato tado intra-útero que o feto é portador de fissura labio
logia em nosso meio:\ Infelizmente, deparamo-nos ain- palatal, o tratamento deve iniciar-se imediatamente,
::'Para se ter uma idéia do problema, estima-se a população de fissura pelo preparo psicológico c orientação aos futuras pais
dos do Brasil cm 220 mil pessoas (Fonte: Mosp. Pesq. c Reabilitação quanto às alternativas de tratamento em relação ao seu
de Lesões Lábio-Palatinas de Bauru-SP). filho.

166
Tratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 167

De uma maneira geral, o tratamento primário do essas cartilagens adquirem enrijecimento, ou seja, me
nariz fissurado consiste em reconstituir ou reposicio- mória permanente25,26.
nar os tecidos ao seu sítio anatômico normal, objeti Outro fato curioso que devemos observar é que,
vando uma cirurgia morfofuncional, dentro dos prin por menor que seja a fenda labial, o nariz estará sem
cípios de fundamentos e arte na cirurgia plástica, atra pre comprometido devido à divisão do músculo orbi
vés de uma tríplice ação, ou seja, a reconstrução, a fun cular dos lábios, que desequilibra a força muscular atra
ção e a estética. vés do complexo musculoaponeurótico que reveste as
Como é sabido, existem dois tipos básicos de fis duas hemifaces. O deslocamento do segmento maxi
suras labiopalatais, ou seja, a uni e a bilateral, as quais, lar do lado não-fissurado é o maior causador de assi
por terem características diferentes, devem ser consi metria esqueletal, motivado pela atuação da força
deradas separadamente. muscular desigual resultante do complexo musculoa
poneurótico fendido sobre o esqueleto ósseo21,22.
Atualmente, graças aos trabalhos de Millard27,29,
DEFORMIDADE NASAL NAS FISSURAS MacComb24, Monastério34, Salyer36, Boo-Chai5 e Bar
UNILATERAIS dach2, comprovou-se que a reparação primária da pro
jeção da ponta e asa nasal ectópica simultânea à repa
Inicialmente, temos de observar como a deformidade ração labial não comprometia o crescimento do nariz
nasal se apresenta sob o ponto de vista anatomopato- e da face.
lógico. Neste particular, podemos geralmente identifi A septoplastia por nós preconizada15'18 consiste
car dez itens: em reposicionar o septo anterior na linha média, sem
nenhuma ressecção da cartilagem septal.
1.Desnivelamento dos segmentos maxilares. Nosso trabalho baseia-se nos estudos de Moss30'31,
2. Ausência do soalho nasal. que concluiu que a função é essencial para o cresci
3. Desvio do septo. mento e desenvolvimento do complexo ósseo cranio-
4. Desvio da columela. maxilofacial, ou seja, o bom crescimento deste com
5. Cartilagem alar mal posicionada e hipodesenvolvida. plexo ósseo depende do bom desempenho de diversas
6. Cartilagem triangular mal posicionada distalmen- funções, entre elas: respiratória, digestiva, auditiva, ol
te, com comprometimento da válvula nasal. fativa, visual, foniátrica, de equilíbrio e de integração
7. Falta de projeção da ponta nasal. neural (teoria da matriz funcional).
8. Assimetria das narinas com horizontalização da Com esta filosofia, temos procurado atuar sobre
narina fissurada. uma plataforma óssea uniforme, reposicionando e/ou
9. Plataforma óssea deficiente ou ausente. reconstituindo as estruturas comprometidas ao seu
10.Tendência aparente à bifidez das narinas. sítio anatômico normal, respeitando e atentos à fisio-
logia cirúrgica, procurando minimizar as deformida
Dentre as pesquisas sobre desenvolvidos o assun des secundárias e promovendo um melhor desenvol
to, é necessário destacar os estudos pelo pesquisador vimento físico e psicossocial para essas crianças.
japonês Matsuo25,26 e equipe, publicado em 1989, e Assim sendo, publicamos as técnicas cirúrgicas de
aos quais, infelizmente, não foi dada a devida impor rinosseptoqueiloplastia primária15"17, indicada após os
tância no nosso meio. Ele preconizava a reparação não- 3 meses de idade, nos casos de fissuras labiais unilate
cirúrgica do nariz fissurado unilateral com o uso de rais sem comprometimento do palato, e a rinossepto-
uma prótese endonasal modeladora colocada nas pri queilopalatoplastia primária18, indicada após os 5 me
meiras 72 horas de vida do recém-nadcido fissurado, ses de idade, nos casos de fissuras labiopalatais, que
objetivando reposicionar as estruturas cartilaginosas passamos a descrever em detalhes por tratar-se de pa
nasais ectópicas. Devemos lembrar que, durante o pe tologia mais completa.
ríodo neonatal, o nariz é composto, em quase sua to
talidade, por estruturas cartilaginosas. Por isso, o pro
cedimento baseia-se no não-enrijecimento das cartila
gens nasais e auriculares até a redução dos níveis plas- Princípios Técnicos
máticos de estrogênio fetal (ou seja, até 72 horas após 1. Tratamento ortopédico pré-cirúrgico da maxila.
o nascimento)35. Por outro lado, a partir daquele mo 2. Reconstrução do esfíncter velofaringeo e do assoa
mento (quarto dia de vida), com a redução gradativa lho nasal, objetivando reconstituir todo o canal na
dos níveis plasmáticos daquele hormônio feminino, rinário e, conseqüentemente, a cavidade nasal.
168 Deformidades de Lábio e Palato

3. Amplo descolamento das estruturas nasolabiais en midades do rebordo orbitário, tendo-se o cuidado de
volvidas e o correto reposicionamento destas à sua não lesar o nervo infra-orbitário. Tal descolamento
posição anatômica ideal, inclusive o septo nasal. estende-se em profundidade desde a abertura pirifor-
4. Manutenção desse reposicionamento através de uma me até o cometo inferior, liberando a cartilagem nasal
prótese endonasal de silicone ultramacio. lateral ou triangular, que está ectopicamente posicio
nada em sua porção distai. Tal reposicionamento é de
fundamental importância com vistas ao bom funcio
namento da válvula nasal.
Técnica Cirúrgica
Desta forma conseguimos redirecionar em mono-
A cirurgia é realizada sob anestesia orotraqueal, associada bloco toda a musculatura da hemiface fendida, em uma
a anestesia local em uma solução de lidocaína a 0,5% e sutura sem tensão do músculo orbicular, possibilitan
adrenalina, na concentração de 1:200.000. do a restauração da mímica facial de forma harmônica
Nos casos de fissura labiopalatal iniciamos a inci e integrada. Para isso, deve ser lembrado que a muscu
são pelas vertentes do palato mole, individualizando a latura da face está toda interligada em monobloco,
camada muscular que se prende ao rebordo ósseo fen- atuando em conjunto através do sistema musculoapo-
dido. Procedemos à desinserção da musculatura desse neurótico.
rebordo ósseo com a finalidade de alongar o palato A base da narina fendida deve ser reconstituída
mole e de reconstruir o esfíncter velopalatino por meio com duas camadas: o teto e o piso. O teto será refeito
da união da musculatura liberada do lado contralate- a partir do retalho mucopericondreal do septo nasal, e
ral, no procedimento denominado veloplastia intra o piso será constituído basicamente de retalho de avan
velar7,11. ço da mucosa oral. Nesse momento, habitualmente,
A seguir, confeccionamos um retalho mucoperi- utilizamos um pequeno fragmento de Gelfoan® ou
condral do vômer e cartilagem septal em toda a sua Surgicel® com vistas ao nivelamento das narinas, devi
extensão, até o rebordo alveolar. Tal retalho será sutu- do à deficiência ou à ausência óssea maxilar.
rado à borda da vertente mucoperiosteal do segmento Procedemos à completa liberação da cartilagem
palatino lateral, possibilitando a reconstituição de todo alar e da porção da cartilagem triangular comprometi
o canal narinário e prevenindo a formação de fístulas da, tanto do forro mucoso quanto do revestimento
oronasais. cutâneo, possibilitando o completo reposicionamento
A associação do retalho vomeriano à veloplastia delas.
intravelar15*18 é por nós realizada como rotina, visan Iniciamos a sutura pela mucosa oral, tendo o cui
do a transformar uma fenda palatal de grande ampli dado de ocluir a fenda alveolar com retalho mucoso
tude em uma pequena fenda anatômica (Fig. 12-4) que previamente confeccionado, prevenindo a formação
será corrigida após os 4 anos de idade pelas técnicas de fístulas. A seguir, passamos à sutura da camada
convencionais de palatoplastia. Em uma considerável muscular, atentando que o diâmetro da narina neofor-
percentagem de casos (quando as lâminas palatais fo mada estará na dependência da tensão dada à muscula
ram bem aproximadas pela ortopedia maxilar prévia), tura ao nível narinário.
conseguimos a total oclusão da fenda palatal original Posicionamos os retalhos cutâneos através da ro
(Fig. 12-32}. tação e avanço dos mesmos, seguidos de sutura da pele
Nesses casos, temos observado a total oclusão do e do vermelhão do lábio, onde realizamos uma zeta
palato, sem cicatrizes, dispensando as cirurgias de pa plastia, para evitar repuxamentos.
latoplastia convencionais18. Ao término das suturas, utilizamos uma prótese
Após a realização dessa palatoplastia primária, pro endonasal modeladora de silicone ultramacio (Fig. 12-1)
cedemos à marcação do lábio fissurado seguindo os (modelador nasal manufaturado pela Silimed)15*18, vi
princípios de Millard27. A restauração nasal segue os prin sando à manutenção das estruturas nasais reposiciona-
cípios de MacComb24, Salyer36 e Boo-Chai ef ai.5. das, entre elas o septo nasal, bem como a forma das
A septoplastia por nós realizada se baseia em de narinas. Essa prótese evita os traumatismos cutaneo-
sinserção criteriosa do septo nasal cartilaginoso em toda mucosos dos pontos captonados preconizados pela
a sua extensão15"18, seguida de sua retificação junto com a técnica de MacComb24, promovendo a profilaxia das
columela, após adequada rotação do segmento mediai estenoses e contraturas cicatriciais. Além disso, o uso
do lábio. dessa prótese mantém a respiração nasal de forma na
A vertente labial lateral deve ser amplamente des tural, ao contrário dos tamponamentos usuais pós-ri-
colada, ao nível supra ou subperiosteal, até as proxi noplastias, que causam obstrução, desconforto e odor
Tratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 1 69

insatisfatórios. Outros 33 pacientes não foram avalia


dos por não comparecerem aos chamados de avalia
ção pós-operatória.
Um ótimo resultado foi considerado quando se
obteve uma excelente simetria estético-funcional do
nariz e do lábio. O resultado foi considerado bom
quando, apesar da boa aparência estético-funcional,
não ocorreu uma perfeita simetria das narinas; regu
lar, quando se observou bom reposicionamento das
estruturas nasais, associado a pequenas assimetrias e
irregularidades que precisariam de retoques. Consi
Fig. 12-1. Colar de medidores de próteses endonasais modela- deramos ter obtido resultados insatisfatórios nos ca
doras manufaturadas pela Silimed; ao lado, um exemplar. sos em que houve estenose da válvula nasal e/ou das
narinas.

fétido. Ela deverá ser usada por um certo período de


pós-operatório, geralmente cm torno de 12 meses, com Resultados
a finalidade de manter o contorno do nariz corrigido
cirurgicamente, sendo este um dos fatores muito im A avaliação dos resultados consistiu em 31 casos con
portantes para gerar bons resultados15*18,33,37. siderados ótimos (17,5%), 79 casos (44,6%) considera
dos bons, 29 (16,4%) considerados regulares e cinco
casos (2,8%) insatisfatórios. Trinta e três casos (18,6%)
Materiais c Métodos do total dos pacientes não foram avaliados por não
comparecerem aos chamados de avaliação pós-opera
Utilizando-se as técnicas acima descritas, foram opera
tória (Quadro 12-3).
dos 177 pacientes desde maio de 1988. Desse total, 60
casos foram classificados como fissura unilateral incom
pleta, 17 como fissura completa pré-forame, c 100 como
Quadro 12-1. Distribuição de acordo com o tipo de fissura
fissura completa transforame, segundo a classificação e o sexo

de Spina. Todos tiveram acompanhamento ortopédico-


Tipos de Fissura Sexo Total %
ortodôntico pré-cirúrgico. No Quadro 12-1, observa
mos que, desses 177 pacientes, 112 pertenciam ao sexo M F

masculino e 65 ao feminino. A cor branca contribuiu Fenda incompleta


com 114 casos, a parda com 59 e a negra com 4 casos, Pré-forame (lábio) 40 20 60 33,9
respectivamente. A faixa etária dos pacientes durante Pré-forame (palato)
o ato cirúrgico variou entre 3 meses (a menor) e 4 anos
Completa pré-forame 9 8 17 9,6
e 10 meses (a maior) (Quadro 12-2).
Labiopalatal transforame 63 37 100 56,5
No pós-operatório, 144 pacientes foram avaliados
Subtotal 112 65
segundo parâmetros estéticos e funcionais, sendo clas
177 100
sificados como resultados ótimos, bons, regulares e Total 177

Quadro 12-2. Distribuição de acordo com idade, cor e sexo no ato operatório

Cor Sexo
Idade Total %
B P N M F

3 a 6 meses 49 18 - 41 26 67 37,8

7 a 10 meses 30 09 2 28 13 41 23,3
11 a 14 meses 14 1 1 -
14 1 1 25 14,1
Acima de 15 meses 21 21 2 29 15 44 24,8

Total 114 59 4 112 65 177 100

% 64,4 33,3 2,3 63,3 36,7 100


1 70 Deformidades de Lábio e Palato

Quadro 12-3. Resultados de pós-operatórios

Resultados

Tipos de Fissura N<>de Insatis Não-


Pacientes Ótimos Bons Regulares fatórios avaliados

Incompleta:
Pré-forame (lábio) 60 14 30 6 1 9

Pós-forame (palato)
Completa pré-forame 17 2 7 4 1 3

Labiopalatal transforame 100 15 42 19 3 21

Total 177 31 79 29 5 33

% 100 17,5 44,6 16,4 2,8 18,6

Os casos considerados insatisfatórios foram devidos duta engloba tanto a estética do nariz como, também,
a complicações como estenoses da válvula nasal e/ou a função do mesmo. Assim, como vimos anteriormen
das narinas. Este fato pode ter sido resultado de insu te, as cavidades nasais, além das funções respiratórias
ficiências no descolamento das estruturas envolvidas inerentes, exercem uma profunda influencia sobre o
e/ou da falta do uso da prótese endonasal modelado- crescimento do terço médio da face, devido à aeração
ra no pós-operatório. dos seios maxilares e paranasais, bem como na fona
Evidentemente, torna-se muito difícil a obtenção ção, quando atuam como uma caixa adicional de res
de um nariz absolutamente perfeito. Todavia, o prin sonância, de importância fundamental para a fala.
cipal objetivo desse trabalho é tentar minimizar as Nos casos de fissura pré-forame completa e trans
deformidades secundárias em um único tempo cirúr forame, o tratamento ortopédico pré-cirúrgico se im
gico, levando em consideração os seguintes binômios: põe, visando à criação de uma plataforma óssea uni
custo x beneficio e estética x função. forme. Na impossibilidade de realização desse trata
Com relação à patologia, as fissuras transforame fo mento, pensamos ser uma alternativa o uso cirúrgico
ram as mais freqüentes, com 100 casos (56,4%) do total, da adesão labial , o que não foi realizado em nossos
predominando o sexo masculino - 63 casos (63,0%). casos.

Dos 177 pacientes operados, 112 (63,2%) perten Atualmente, há um consenso de que a cirurgia da
ciam ao sexo masculino. Quanto à distribuição racial, fissura labiopalatal deva ser orientada em três princí
verificou-se que os brancos predominaram, com 114 pios básicos: descolar, reposicionar e manter as estru
casos (64,4%), os pardos totalizaram 59 casos (33,3%), turas anatômicas nasolabiais comprometidas.
enquanto os negros foram os de menor incidência, isto Neste particular, é preciso fazer uma ressalva. Até
é, somente quatro casos (2,3%). a década de 1970, as cirurgias de fissuras labiopalatal
Em mais de 15% dos pacientes operados de pala só eram feitas levando-se em consideração unicamente
toplastia primária, com acompanhamento ortopédico as técnicas de queiloplastia (reparação do esfíncter or
regular pré e pós-operatório, observamos a total oclu bicular dos lábios). Posteriormente, concluiu-se que essa
são da fenda palatal do palato duro até a idade de 4 conduta cirúrgica era incompleta porque tinha efeitos
anos. Isto se explica pelo crescimento com remodela negativos no crescimento craniomaxilofacial; ou seja,
ção óssea do palato. a excessiva tensão na sutura do músculo orbicular cau
Desde o período em que iniciamos esse procedimen sava - com o tempo - retrusão do terço médio da face.
to até hoje, observamos uma relação harmônica entre a A esse respeito, inicialmente lembramos que a face
maxila e a mandíbula, resultando, por parte do paciente, humana é um sistema de forças musculares interliga
em um agradável sorriso, um crescimento normal da face das e em equilíbrio (sistema musculoaponeurótico) e,
e do nariz e, o que é fundamental, uma boa fala . portanto, qualquer intervenção cirúrgica acaba tendo
efeito no contexto facial como um todo. Em vista
disso, não se deve tratar um músculo individualmen
Discussão
te, mas, sim, o conjunto muscular, além de se levar em
Modernamente, a reparação primária da deformidade consideração o elemento biodinâmico: fator crescimen
nasal dos pacientes fissurados é aceita e bem difundi to. Daí a importância da necessidade de um amplo
da na literatura mundial2,3'5,15*18'23,24'29,36'37. Essa con descolamento, seguido de reconstituição da muscula-
Tratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 171

Fig. 12-2A e B. Pré-operatório, aos 3 meses de idade, de fenda labiopalatal unilateral completa (à esquerda). C e D. Pós-operatório de
rinosseptoqueilopalatoplastia primária, aos 3 anos de idade, evidenciando um ótimo resultado. E e F. Vista comparativa de pré e pós-
operatório.

tura fendida e do esfíncter oral; tudo isso sem tensões mais traumático e implica mais perda sangüínea. Sem
desnecessárias. E preciso ainda lembrar que é a muscu pre preferimos o nível subperiosteal, não só por tra
latura que traz consigo o código genético do cresci tar-se de um plano quase exangue e de fácil descola
mento, sendo o crescimento ósseo induzido por ela; é mento, mas também porque nossos pacientes são acom
a musculatura, portanto, que induz o crescimento ós panhados por ortodontistas, que buscam alcançar uma
seo, e não o contrário. correta oclusão maxilomandibular. E claro que, quando
A literatura3'1 relata exemplos de retrusão de ter não se dispõe de acompanhamento ortopédico-orto-
ço médio da face, resultante de excessiva tensão na dôntico, o nível de descolamento mais recomendável
sutura do músculo orbicular (por falta de um amplo é o supraperiosteal.
descolamento), causando, com o tempo, inibição do A abordagem do septo por nós preconizada não
crescimento ósseo naquele nível. Isso mostra a necessi alterou o crescimento do terço médio da face em ne
dade de um amplo descolamento, possibilitando, as nhum dos pacientes operados. Pelo contrário, o corre
sim, a reparação da cinta muscular sem tensão. to reposicionamento do septo cartilaginoso restabele
Quanto ao descolamento, esta é uma questão não ceu a função respiratória nasal de modo eficaz, possi
só controversa, como dependente da situação e dos bilitando melhor aeração dos seios da face e, conse
recursos disponíveis. A maior parte dos autores reco qüentemente, melhor desenvolvimento craniomaxilo-
menda fazê-lo ao nível supraperiosteal, considerando facial (teoria da matriz funcional - Moss)3 ' . A esse
que esse nível de descolamento não inibe o crescimen respeito lembramos que, do ponto de vista anatômi
to do terço médio da face. Todavia, esse processo é co, a vascularização do septo advém da base do crânio,
1 72 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 12-3Ae B. Pré-


operatório, aos 5 meses de
idade, fenda labiopalatal
unilateral (à esquerda)
mostrando uma pronunciada
deformidade nasal.
C e D. Pós-operatório,
aos 5 anos de idade, de
rinosseptoqueilopalatoplastia
primária, destacando um bom
resultado, com a total oclusão
do palato em um único tempo
cirúrgico, realizado aos
7 meses de idade.

sobretudo através das artérias etmoidais e, portanto, a quais, no entanto, apresentam a desvantagem de se
cirurgia septal por nós recomendada não comprome rem muito curtos37.
te a irrigação da área em questão. A palatoplastia primária por nós descrita (associação
E preciso ainda destacar que o uso de uma próte da veloplastia intravelar com retalho vomeriano)15"18,
se endonasal modeladora de silicone por certo perío além de prevenir a formação de fístulas oronasais, evita
do, no pós-operatório (em torno de 12 meses ), é indis cirurgias convencionais posteriores, com suas possibili
pensável para a obtenção de bons resultados cirúrgi- dades de seqüelas em decorrência das cicatrizes traumá
15-18,33,37
COS . Quanto às suas características, a prótese ticas que podem ocasionar.
endonasal deve ser longa o suficiente para ultrapassar Finalizando, para enfatizar a importância desses
a abertura piriforme, com vistas a assegurar um bom procedimentos cirúrgicos, deve ser lembrado que: uma
fluxo de ar pela válvula nasal. Considerando isso, ide cicatriz na face pode produzir uma cicatriz na alma.
alizamos uma prótese com essas características e que
ora vem sendo produzida e comercializada mundial
Conclusão
mente pela Silimed, com o nome de Modelador Nasal
(Fig. 12-1). A empresa japonesa Koken também pro A reparação primária do nariz do fissurado unilateral,
duz dispositivos semelhantes (Nostril Retainers)33, os sob o ponto de vista estético e funcional, é parte inte-
[ratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 173

Fig. 12-4A e B. Fotografia comparativa de pré e pós-operatórios de fenda labiopalatal unilateral completa (à esquerda), operada aos 4
meses de idadee vista aos 7 anos, após umúnico procedimento cirúrgico (rinosseptoqueilopalatoplastia primária. C. Modelos ortodõnticos
evidenciando a oclusão quase total do palato, sem cicatrizes.

Fig. 12-5A e B. Pré-operatório de fenda labiopalatal completa pré-forame, aos 3 meses de idade, observando-se a grande deformidade
maxilar, com total oclusão da narina fendida. C e D. Pós-operatório de rinosseptoqueilopalatoplastia primária aos 12 anos de idade,
evidenciando um resultado razoável, levando-se em consideração a gravidade da deformidade inicial.

gral da reparação labial, independente da técnica utili Do ponto de vista anatomopatológico, excetuan
zada na queiloplastia. do o desvio do septo, somam-se as seguintes caracte
rísticas, em relação à deformidade unilateral:

DEFORMIDADE NASAL NAS FISSURAS 1. Protrusão e rotação da pré-maxila.


2. Prolábio curto.
BILATERAIS
3. Columela curta ou ausente.
Inicialmente, é bom destacar que a incidência de fis 4. Falta de projeção da ponta nasal (ponta nasal acha
suras bilaterais é muito menor do que a das unilate tada). Essa deformidade se deve ao deslocamento
rais, o que é algo positivo, uma vez que aquelas im lateral dos dômus alares.
plicam um tratamento mais difícil e complexo. Em 5. Ausência do assoalho nasal bilateralmente, com hi-
todo caso, o tratamento de ambas (unilaterais e bila poplasia da fosseta piriforme.
terais) baseia-se em uma adequação anatomofuncio-
nal que exige a participação de uma equipe multi e No que diz respeito à ponta nasal achatada, deve
interprofissional. ser lembrado que o ângulo do dômus, entre a cruz
As fendas labiopalatais bilaterais podem apresen mediai e a lateral de cada cartilagem alar, é obtuso,
tar-se das seguintes formas: completas, incompletas e resultando um nariz de aparência bífida, semelhante a
assimétricas (mistas). uni nariz eqüino20,28.
1 74 Deformidades de Lábio c Palato

Um outro aspecto, do ponto de vista anatomopa- a rinoqueiloplastia primária, nos casos de fissuras labiais
tológico, que deve ser salientado é justamente a ausên bilaterais sem o comprometimento do palato, seguin
cia de tecido muscular no prolábio, sendo a reconsti- do os princípios descritos por Millard, Salyer e Barda
tuição do esfíncter do orbicular um dos principais ob ch. Nos casos de fissuras labiopalatais bilaterais, reali
jetivos da queiloplastia no fissurado bilateral. E claro zamos a rinoqueilopalatoplastia primária, seguindo os
que isso deve ser realizado simultaneamente com a re- mesmos princípios dos autores para a reparação nasola-
constituição dos canais narinários, prevenindo a for bial, associada simultaneamente à confecção do retalho
mação de fístulas oronasais. vomeriano com a veloplastia intravelar, de forma seme
A correção da deformidade nasal usualmente é lhante aos casos de fissuras labiopalatais unilaterais.
realizada em um segundo tempo operatório e tem por O segundo tempo cirúrgico é realizado em torno
objetivos aumentar a columela, estreitar as narinas e dos 4 anos de idade, quando corrigimos a deformida
projetar a ponta nasal. de nasal e alongamos o palato pelas técnicas convencio
Com a mesma filosofia aplicada aos casos unilate nais de palatoplastias.
rais, temos procurado atuar sobre uma plataforma ós
sea uniforme, reposicionando e/ou reconstituindo as Princípios Técnicos
estruturas comprometidas ao seu sítio anatômico nor
PRIMEIRO TEMPO CIRÚRGICO
mal, respeitando e atentos à fisiologia cirúrgica, levan
do-se em consideração os binômios: custo X beneficio 1. Tratamento ortopédico pré-cirúrgico da maxila.
e estética x função. 2. Reconstrução do esfíncter velofaringeo e do assoalho
Por isso, geralmente indicamos o primeiro tempo nasal, objetivando reconstituir todo o canal narinário
cirúrgico após os 6 meses de idade, em que realizamos bilateralmente e, em conseqüência a cavidade nasal.

Fig. 12-6A e B. Paciente com 6 meses de idade e fenda labiopalatal bilateral completa. C e D. Pós-operatório aos 8 anos de idade sendo
que foi realizada uma rinoqueilopalatoplastia primária aos 9 meses de idade, e aos 4 anos realizou-se uma rinoplastia pela técnica de
Cronin modificada por Salyer e um alongamento do palato pela técnica de Wairdill-Kilner. E e F. Pré-operatório de ambos os perfis,
mostrando a enorme protrusão da pré-maxila. G e H. Pós-operatório dos respectivos perfis, aos 8 anos de idade, evidenciando um bom
resultado.
Tratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 175

1 • i

!

Fig. 12-7A e B. Pré-operatório de fenda labiopalatal bilateral assimétrica (completa ã direita e incompleta á esquerda), evidenciando a
rotação da pré-maxila. Ce D. Pós-operatórioaos 14 anos de idade, mostrandoum bom resultado que foiobtido em dois tempos cirúrgicos;
o primeiro aos 6 meses e o segundo aos 4 anos de idade. E e F. Perfis de pré-operatório, aos 6 meses de idade, evidenciando protrusão
e rotação da pré-maxila. G e H. Perfis de pós-operatório aos 14 anos de idade, destacando uma boa oclusão maxilomandibular e um bom
resultado da rinoplastia.

3. Amplo descolamento das estruturas nasolabiais en atuar cirurgicamente após os 6 meses de idade, sobre
volvidas e o seu correto reposicionamento à posi uma plataforma óssea maxilar uniforme.
ção anatômica, reconstituindo o esfíncter do mús Como vimos, a deformidade nasal só é tratada
culo orbicular. em um segundo tempo cirúrgico e, portanto, no caso
das fissuras bilaterais, vamos concentrar nossa atenção
nele. Habitualmente, preconizamos a realização desse
SEGUNDO TEMPO CIRÚRGICO segundo tempo em torno dos 4 anos de idade, pois,
além de o nariz estar mais desenvolvido, possibilitan
1. Tratamento ortopédico-ortodôntico da maxila.
do melhor manuseio cirúrgico das estruturas anatô
2. Rinoplastia.
micas, podemos simultaneamente atuar sobre o pala
3. Manutenção da projeção nasal e do formato das
to duro por meio das técnicas convencionais de palato
narinas através de uma prótese modeladora, endo plastia, permitindo, assim, o alongamento do palato como
nasal, de silicone ultramacio.
um todo, o qual, na maioria dos casos, apresenta-se
curto pela falta de tecido nessa região.
No caso de fissuras bilaterais, a rinoqueiloplastia,
em linhas gerais, segue os mesmos parâmetros descritos
na correção das fissuras unilaterais. A diferença é que, Técnica Cirúrgica
nesse caso, devemos levar em consideração a idade, pois
a resposta ao tratamento ortopédico pré-cirúrgico da A maioria das técnicas para a correção primária do nariz
maxila costuma ser mais demorada; só é recomendável em pacientes portadores de fissuras bilaterais utiliza o
176 Deformidades de Lábio c Palato

prolábio como fonte doadora de tecido, tal como pre Concluindo este capítulo, é válido enfatizar que:
conizado por Gillies19, Blair4, Skoog3S'39, Brown e
Mc Dowell6, Millard28, Bardach3-4 e outros. "O nariz constitui o segmento central da face
Millard28 retirou tecido de ambos os lados do pro humana, e este segmento da face do Brasil não
lábio, armazenando-o junto ao intróito narinário e, pode ser esquecido."
em um segundo momento cirúrgico, deslocava-se me-
dialmente, alongando a columela.
Vale a pena ressaltar que, nos casos em que nos O APELO DO BEBÊ FISSURADO
deparamos com o prolábio curto, temos realizado a
sua expansão intra-operatória, durante um certo perío
A Fig. 12-8 é de duas meninas gêmeas. É fácil notar a
tristeza dos olhos da fissurada, que parece entender os
do de tempo, com o auxílio do balão insuflado exis
estigmas de sua deformidade. Os seus olhos tristes
tente na ponta de um cateter vesical, sendo este proce
parecem nos fazer um apelo:
dimento um artifício técnico utilizado com razoável
eficácia.
Quando, no segundo tempo cirúrgico, partimos
"Por favor, use a maior delicadeza com os
para uma rinoplastia, é de extrema importância o estu
meus minúsculos tecidos e procure corrigir a de
do morfofuncional do complexo nasolabial, resultan
formidade na primeira operação. Dê-mea quanti
te da queiloplastia prévia, realizada no primeiro tem
dade precisa de líquidos e eletrólitos e use abun
po cirúrgico. Assim, nos casos em que o lábio superior
dante oxigênio na anestesia. E então eu lhe de
apresenta um bom comprimento, podemos ter como
opção a "técnica do garfo", preconizada por Millard, monstrarei que sou capaz de tolerar uma inter
venção cirúrgica de enorme amplitude. Você se
com vistas ao alongamento da columela-1.
assombrará com a rapidez da minha recuperação,
Todavia, na maioria dos nossos casos optamos
e, de minha parte, licar-lhe-ei eternamente agra
pela utilização da técnica de Cronin9,10 modificada
decido. "
por Salyer3, que preconiza o alongamento da colu
O Bebê Fissurado
mela com a utilização de todo o tecido da base do
assoalho narinário, que é rodado medialmente, possi
bilitando também o estreitamento das narinas. Es
tendendo-se esta incisão até a ponta nasal, podemos
—após amplo descolamento das cartilagens alares —
unir as cúpulas daquelas cartilagens, projetando as
sim a ponta nasal.
Exatamente como na cirurgia dos narizes unilate
rais, também nos casos bilaterais utilizamos uma pró
tese endonasal de silicone ultramacio, com aquelas
mesmas finalidades. É importante frisar que o uso des
sa prótese modeladora por um certo período de tem
po (em torno de 12 meses) constitui um fator funda
mental na obtenção de bons resultados1>18'37.

Conclusões Gerais
Fig. 12-8. Irmãs gêmeas, sendo que uma apresenta fissura labio
Em um futuro próximo, com o aperfeiçoamento das
palatal e a outra é normal.
técnicas de cirurgia fetal e engenharia genética, é possí
vel que todas as nossas considerações e ponderações se
tornem obsoletas, já que a medicina é uma ciência viva
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e, como tal, de verdades transitórias.
Contudo, uma coisa é líquida e certa: "Quanto 1. Aduss H, Pruzansky S. The nasal cavity in complete unilateral
mais precoces forem o diagnóstico e o tratamento da cleft lip and palate. Arch Otolaryngol 1967;<?5:75.
criança fissurada —e em especial do nariz fissurado — 2. Bardach J, Saylcr KE,Jackson I. Correction of nasal deformity
in cleft lip and palate associated with unilateral cleft lip. In:
melhor será o resultado dos pontos de vista anatômi Bardach J, Saylcr KE (eds.). Surgical Techniques in Cleft and
co, funcional, psicológico e social." Palate. Chicago: Ycar Book Medicai Publishers, 1987:68-94.
Tratamento Primário da Deformidade Nasal do Fissurado 177

3. Bardach J, Sayler KE, Jackson I. Correction of nasal deformity 22. Lathan RA. The anatomyof the facial skeleton in cleft lip and
associated with bilateral cleft lip. In: Bardach J, Sayler KE (eds.). palate. In: Converse JM. Reconstructive Plastic Surgery. 2 ed.,
Surgical Techniques in Cleft Lip and Palate. Chicago: Year Book W.B. Saunders Company, 1977 (4): 1.950-65.
Medicai Publishers, 1987:157-78.
23. LeeJ et ai. Correção simultânea das deformidades labial e nasal
4. Blair VP, Letterman GS. The role of the switched lower flap in em fissurado unilateral: resultados iniciais. Revista da Socieda
upper lip reconstructions. Plast Reconstr Surg 1950;5:1. de Brasileira de Cirurgia Plástica 1990;5(3):60.
5. Boo-Chai K. Primary repair of theunilateral cleft lip nose in the 24. MacComb H. Primary correction of unilateral cleft lip nasal
oriental: a 20-year follow-up. Plast Reconstr Surg 1987;810:185. deformity: a 10-year review. Plast Reconstr Surg 1985;75:791.
6. Brown JB, McDowell F. Secondary repair of cleft lips and their 25. Matsuo K, HiroseT,TomonoT et ai. Nonsurgical correctionof
nasal deformities. Ann Surg 1941; 114:101. congenital auricular deformities in the early neonate: A preli
7. Carreirão S,Pitanguy I. Tratamento da fissura palatina. Concei minary report. Plast Reconstr Surg 1984;75:38-51.
tos atuais. Rev Brás Cir 1989;7fl(6):325. 26. Matsuo K, Hirosa T et ai. Repair of cleft lip with non-surgical
8. Converse JM. Corrective surgery of the nasal tip. Laryngoscope correctionof nasaldeformity in the earlyneonatal period. Plast
1957; 67:16. Reconstr Surg 1989;&?:25.
9. Cronin TD. Lengthening columella by use of skin from nasal 27. Millard Jr DR. Cleftcrafi: The evolution ofits surgery, vol.l:
flor and alae. Plast Reconstr Surg 1958;2/:417. Unilateral Deformity. Boston: Little Brown, 1976.
10. Cronin TD. The bilateral cleft lip with bilateral cleft of the 28. Millard Jr DR. CleftCrafi: The evolution ofits surgery, vol2:
primary palate. In: Converse JM. Reconstructive Plastic Sur Bilateral And Rare Deformities. Boston: Little Brown, 1976.
gery. 2 ed., W.B. Saunders Company, 1977; (4):2.048-89. 29. Millard Jr DR.Earlier correction ofthe unilateral cleftlip nose.
11. Fará M, Dvorak J. Abnormal anatomy of the muscles of palato- Plast Reconstr Surg 1982;7ft64.
pharyngeal closure palates. Plast Reconstr Surg 1970;46:488. 30. Moss ML. The functional matrix. In: Krauss BS, Rudel RA
12. Fonseca JLS. Reconstrução do dorso nasal com ênfase ao perfil (eds.). Vistas of Orthodonties. Philadelphia: Lea and Febiger,
psicossomático do paciente. Rev Brás Cir 1982; 72(2)95-8. 1962.

13. Fonseca JLS. Aesthetic reduction of the upper lip. In: Transac- 31. Moss ML. The primary role of functional matrices in facial
tions of the IX International Congress ofPlastic and Recons growth. Am / Orthodont 1969;55:566.
tructive Surgery. Nova Deli - índia, 1987:206-9. 32. Nakajima T, Yoshimura Y, Nakanishi Y, Kuwahara M, Oka T.
14. Fonseca JLS. Aesthetic reduction of the upper lip. Annals of Comprehensive treatment of bilateral cleft lip by multidiscipli-
Plastic Surgery 1987;/fl(5):400-5. nary team approach. BritishJ Plast Surg 1991;44:486-94.
15. Fonseca JLS. Rinosseptoqueiloplastia primária nas fissuras la- 33. Nakajima T, Yoshimura Y, Sakakibara A. Aumentation of the
bio-palatais unilaterais. Resumos (abstracts) do 2$* Congresso nostril splint for retaining the corrected contour ofthe cleft lip
Brasileiro de Cirurgia Plástica, São Paulo, 1991; 53. nose. Plast Reconst Surg 1990; £5:182-6.
16. Fonseca JLS. Primary rhino-septum-cheiloplasty in the unilateral 34. Ortiz Monastério F, Olmedo A. Corrective rhinoplasty beforepu-
lip palate cleft. In: Transactions oftheX internacional Congress berty: a long-term follow-up. Plast Reconstr Surg 1981; 6&381.
ofPlastic and Reconstructiv Surgery, Madrid 1992 (2): 193-5. 35. Radfar N, Ansusingha K, Kenny F. Circulation bound and free
17. Fonseca JLS. Rinosseptoqueiloplastia primária nas fissuras labio estradiol and estrone during nomal grouth and development
palatais unilaterais: resultados preliminares. RevBrás Cir1993; and in premature thelarche and isosexual precocity.JPediatrics
&?(l):29-35. 1976;5P(5):719-23.
18. Fonseca JLS. Primary rhino-septum-cheilo palatoplasty in the 36. Salyer KE. Primary correction ofthe unilateral cleft lip nose: a
unilateral lip palate cleft. In: Plastic, Reconstructive and Aes 15 year experience. Plast Reconstr Surg 1986;77:558.
theticSurgery - Transactions ofthe 11 th Congress ofthc Inter 37. Shibata K, Nakajima T, Yoshimura Y, Skakibara A, Aoki T. Use
national Confederation. Yokohama, Japan; 1995:449-51. of long retainer for post-operative correction of cleft lip nose.
19. Gillies H, MillardJrR. The Principies andArtofPlastic Surgery. JapJ Plast Reconst Surg 199\;34{2):179-83.
Boston: Little & Brown, 1957. 38. Skoog T. Repair of unilateral cleft lip deformity: maxila, nose
20. Ishida J. O nariz do paciente com fissura labial bilateral. In: and lip. ScandJ Plast Reconstr Surg 1969;J:109.
Lessa S, Carreirão S (eds.). Tratamento das Fissuras Labio-Palati- 39. Skoog T. The management ofthe bilateral cleft ofthe primary
nas. Rio de Janeiro: Interamericana, 1981:95-103. palate (lip and alveolus). Plast Reconst Surg 1965;J5:34.
21. Lathan RA. Maxilary development and growth. The septo-ma- 40. Spina V. Proposed modification for the classification ofcleft lip
xillary ligament. / Anat 1970;707:471. and cleft palate. Cleft Palate J \974;10:254.
Insuficiência Velofaríngea

Diógenes Laercio Rocha

sonorizada passe para a cavidade nasal, alterando a qua


INTRODUÇÃO
lidade da fala. Se a incapacidade de fechamento for de
No processo de fonação, a corrente aérea expiratoria ordem funcional, com as estruturas anatômicas normais,
dos pulmões vibra as cordas vocais, produzindo um denomina-se incompetência velofaríngea. Entretanto,
som. Este som, ao atingir a porção mais alta do tubo se essa incapacidade for decorrente de alterações anatô
fonatório, é modificado pelas cavidades de ressonân micas do anel velofaringeo que o tornem insuficiente
cia (nariz e boca) e trabalhado pelos órgãos articulató para a oclusão, tem-se a insuficiência velofaríngea34.
rios ou órgãos periféricos da fala (lábios, dentes, língua A falta de separação entre as cavidades oral e nasal
e palato), resultando na articulação dos vocábulos e determina o aumento da cavidade de ressonância, re
fonemas. sultando na produção de voz com ressonância nasal
O anel velofaringeo, constituído pelo palato e pe aumentada, denominada hipernasalidade, rinofonia
las paredes laterais e posterior da faringe, tem função aberta, ou rinolalia.
de, alternadamente, comunicar ou separar as cavida Associa-se também, nessa situação, o escape de ar
des oral e nasal conforme as necessidades. Assim, du pelo nariz durante as emissões, que contribui para a
rante o processo de respiração nasal ou emissão dos diminuição da pressão intra-oral e do tempo de emis
fonemas nasais ([m], [n], [M]), permanece total ou par são dos fonemas e frases, podendo tornar-se audível
cialmente aberto. Na emissão dos fonemas orais, so ou ser responsável pelo aparecimento de movimentos
pro, deglutição, vômito, sucção, permanece fechado, associados de fechamento (constrição) das asas nasais
impedindo a comunicação entre as cavidades oral e durante a fala, com o objetivo de diminuir o escape
nasal. nasal.
O fechamento adequado do esfíncter velofarin Podem ocorrer alterações da articulação nas emis
geo no processo de articulação dos fonemas orais per sões de fonemas, denominadas distúrbios articulatórios,
mite que toda a corrente aérea sonorizada na laringe quando não há o fechamento do anel velofaringeo,
seja direcionada para a cavidade oral, onde, pela ação como também na comunicação oronasal, nas fissuras
dos elementos articulatórios, produzirá a fala. ou fístulas palatais, nas lesões próprias do palato e nas
O não-fechamento adequado do esfíncter velofarin alterações das arcadas dentárias e lábios. Esses distúr
geo (inadequação) permitirá que parte da corrente aérea bios são adquiridos durante a infância, no processo de

178
Insuficiência Velofaríngea 179

aquisição da fala e linguagem, podendo variar desde Esses três principais movimentos produzem o fe
os mais simples até casos em que a quantidade e o grau chamento do anel velofaringeo e podem variar de in
de complexidade destes distúrbios tornam a fala inin tensidade de ação nos diferentes indivíduos, permitin
teligível. Os mais comumente encontrados são a frica- do a descrição de dois tipos de padrões de fechamen
tiva faríngea e o golpe de glote. to do anel velofaringeo: o valvular e o esfincteriano.
A hipernasalidade e o escape de ar nasal são deno No fechamento esfincteriano, a oclusão ocorre pela
minados componentes primários da insuficiência ve participação equilibrada dos três tipos de movimentos:
lofaríngea, enquanto os distúrbios articulatórios são do palato, das paredes laterais c da parede posterior
denominados componentes secundários. (Fig. 13-1).
No mecanismo de fechamento valvular, o movi
mento predominante é o da elevação dorsal e cranial
MECANISMO DE FECHAMENTO do palato contra a parede posterior da faringe, for
VELOFARÍNGEO mando uma área de contato suficiente para impedir a
passagem de ar da oro para a rinofaringe (Fig. 13-2).
O fechamento velofaringeo é resultante da ação dos Existem variações entre a intensidade de movi
músculos do palato e faringe que, dispostos de modo mentos do palato e das paredes laterais e posterior da
a formar um anel muscular semelhante ao que ocorre faringe, determinando padrões diversos de fechamento
em um esfíncter, agem sincronicamente, abrindo ou velofaringeo12,30. Em indivíduos com a fala normal, o
ocluindo a comunicação oronasal conforme as neces fechamento do tipo transverso é o mais comum. Po
sidades. rém, como o anel velofaringeo é um esfíncter
Podem-se descrever três tipos de movimento do muscular, pode ocorrer fechamento de outra forma
anel velofaringeo, conforme a ação dos diferentes gru sem que haja alguma patologia. Assim, além do fecha
pos musculares. mento transverso, podem ser encontrados o tipo cir
Um deles é o movimento dorsal e cranial do pala cular, em que há participação igual de movimento do
to, que se eleva e posterioriza, tocando a parede poste palato e das paredes faríngeas, inclusive com a forma
rior da faringe, mais ou menos no nível do plano palati ção ou não do anel de Passavam, e o fechamento do
no, tendo fundamental importância nesse movimento tipo sagitai, em que a maior participação é a mediali
os músculos elevadores do palato. Outro movimento é zação das paredes laterais que podem chegar a se tocar
a medialização das paredes laterais da faringe, estrei na linha média.
tando o diâmetro transverso do anel. A terceira parti O padrão de fechamento velofaringeo pode ser
cipação é a da parede posterior da faringe que, pela alterado em um indivíduo através de terapia fonoar-
ação do músculo constritor superior da faringe, ante- ticulatória orientada48, fato este de muita importância
rioriza-se, podendo inclusive formar uma elevação na para o preparo pré-operatório e na terapia pós-cirúrgica.
altura da projeção do corpo da primeira vértebra cer- No indivíduo portador de insuficiência velofarín
vical, denominada ponte ou anel de Passavam. gea, e principalmente no portador de fissura palatal,

Fig. 13-1. Esquema de mecanismo de fechamento velofaringeo do tipo esfincteriano - vista craniocaudal (segundo Skolnic et al.,1973).
A. Repouso. B. Fechamento intermediário. C. Oclusão total. Observam-se a anteriorizaçõo da parede posterior (7-2), a posteriorização do
palato mole (3-4) e a medialização das paredes laterais (5-6).(PM - palato mole; PL - parede lateral; PP- parede posterior da faringe.)
180 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 13-2. Esquema de fechamento velofaringeo tipo valvular (vista lateral). Nota-se a oclusão no nivel do plano palatino e na altura da
primeira vértebra cervical. A. Reposo. B. Oclusão total.

quando o palato é geralmente mais curto do que o 5. Funcional.


normal e insuficiente para atingir a parede posterior 6. Formas combinadas.
da faringe, a participação dos movimentos das pare
des laterais e posterior da faringe é muito mais eviden
te e intensa do que no indivíduo de fala normal, como DIAGNÓSTICO
que em um esforço para compensar o desempenho
deficiente do palato mole. O diagnóstico da presença de insuficiência velofarín
O padrão e a intensidade dos movimentos do anel gea é relativamente simples, sendo de natureza emi
velofaringeo devem ser bem estudados e têm impor nentemente clínica; porém, o diagnóstico do grau da
tância na escolha da técnica cirúrgica para o tratamen insuficiência, isto é, do tamanho da falha de fecha
to de insuficiência velofaríngea. mento, já é bastante complexo, em virtude da dificul
dade de acesso e visualização da região e das caracterís
ticas dinâmicas tridimensionais do anel velofaringeo.
Dessa forma, o diagnóstico e a quantificação da falha
ETIOLOGIA
de fechamento não podem ser feitos utilizando-se um
A incapacidade de fechamento velofaringeo está rela único método de avaliação, e, sim, a combinação de
cionada a causas orgânicas e anatômicas, como tam vários deles. Os métodos mais freqüentemente utiliza
bém a causas funcionais, e não raramente à associação dos para diagnóstico e avaliação da insuficiência velo
desses fatores, o que torna bastante difícil a classifica faríngea são os que se seguem:
ção.
A insuficiência velofaríngea pode ser decorrente de:
Clínico
1. Desproporção palatofaríngea congênita: Considerando que os dois principais sintomas e si
a. Palato curto congênito. nais da insuficiência velofaríngea são a hipernasalida-
b. Faringomegalia. de e o escape de ar nasal, que podem estar ou não
c. Associação de ambos. associados a distúrbios articulatórios (fricativa farín-
gea, golpe de glote, fricativa velar, plosiva faríngea,
2. Desproporção palatofaríngea adquirida pós-adenoi-
plosiva dorsomediopalatal, fricativa nasal posterior),
dectomia e/ou amigdalectomia.
é de fundamental importância a participação do foni-
3. Alterações anatômicas dos músculos do palato e anel atra e do fonoaudiólogo na avaliação do sistema fo-
velofaringeo. nêmico e na determinação dos distúrbios da fala en
4. Paresia (ou paralisia) palatal (central ou periférica). contrados.
Insuficiência Velofaríngea 181

A hipernasalidade pode ser constatada praticamen • Paredes laterais da faringe. observam-se nas emissões
te durante a avaliação fonoarticulatória e classificada dos fonemas [a], [e] e no reflexo de vômito a presen
em leve, média (moderada) ou grande (severa). Pode ça e a intensidade do movimento de medialização
ser facilmente demonstrada pelo teste de ressonância das paredes laterais.
(cul de sac), em que o examinando sustenta a emissão • Parede posterior da faringe. da mesma forma, ob
prolongada do [i] ou do [u] e o examinador, com movi servam-se os movimentos, com especial atenção à
mentos do indicador e do polegar, pinça as asas nasais, formação ou não do anel de Passavant.
abrindo e fechando as narinas, podendo perceber a vari
ação de som emitido na insuficiência velofaríngea.
O escape de ar nasal pode ser detectado solicitan Radiológico
do-se a emissão dos fonemas [s], [f], [ch], sopro e de
vocábulos e frases sem fonemas nasais, observando-se Desde 1897, quando Scheier (apud Hirshberg, 1986)22
o embaçamento de um espelho ou a vibração de um utilizou pela primeira vez os raios X para estudar o
movimento do palato, o método vem sendo constan
pedaço de algodão ou papel colocados sob as narinas,
temente utilizado e aperfeiçoado até a introdução da
ou ainda diretamente, auscultando com um estetoscó-
tomografia computadorizada e, mais recentemente, da
pio sem a campânula colocado na narina do exami
nando.
ressonância magnética.
O exame dos órgãos periféricos de fala é de muita
importância e deve ser sistemático e detalhado: TELERRADIOGRAFIA

• Lábios: analisam-se mobilidade, tono, presença de Consiste em radiografias laterais da cabeça com posi
cicatrizes, fibrose, encurtamentos, entalhes etc. ção padronizada no cefalostato e distância foco/filme
• Arcadas alveolares. nos fissurados são comuns alte fixa, que permite a visualização em perfil das estrutu
rações das arcadas alveolares e dentição, bem como ras faciais com dimensões muito próxinas do real. Es
falhas dentárias que influem na articulação dos fo sas radiografias são feitas em repouso, durante a emis
nemas. são de uma vogai ([i] ou [u]) e uma consoante fricativa
• Fístulas. devem sempre ser pesquisadas, desde as dos ([s], [ch], ou [f]), ou sopro.
palatos duro e mole, até aquelas comumente encon Conseguem-se avaliar em perfil o palato e a pare
tradas nas arcadas alveolares. Dependendo das di de posterior da faringe e, comparando-se a radiografia
mensões, podem estar participando ou ser as únicas em repouso com as com emissões, avaliar o movimen
responsáveis pela hipernasalidade, escape de ar na to ântero-posterior do palato. Pode-se também estu
sal e refluxo alimentar nasal decorrente da comuni dar o tamanho da faringe, a elevação do palato, a loca
cação oronasal e confundir o diagnóstico do não- lização do joelho palatino em relação ao plano palati
fechamento velofaringeo. no e à primeira vértebra cervical e, o que é muito im
• Palato mole. merece, evidentemente, exame bastan portante, medir a falha de fechamento (gap) velofarin
te detalhado quanto à extensão (curto, médio ou geo representada pela distância entre o palato e a pare
longo) em relação à parede faríngea posterior, con de posterior da faringe, quantificando dessa forma o
siderando o seu comprimento para poder atingi-la. grau de insuficiência (Fig. 13-3). Tem o inconveniente
A mobilidade é avaliada durante a emissão do [a], de não permitir o estudo nas diversas emissões e na
[e] e provocando-se o reflexo de vômito. Tem im conversação normal, por ser representativa apenas de
portância muito grande por demonstrar a ativida momentos estáticos das emissões.
de muscular, apesar de o exame ser limitado, po
dendo ser feito somente nas emissões com a boca
CINERRADIOGRAFIA E VIDEOFLUOROSCOPIA
aberta, e não nas demais emissões. A inserção dos
músculos elevadores é evidenciada por pequena A fluoroscopia permite análise dinâmica do anel velo
depressão no palato durante as emissões. Tem im faringeo, o que é uma grande vantagem sobre a radio
portância determinar se esta inserção é anterior, grafia, pois permite avaliação da posição, movimento
próxima ao palato duro, como normalmente ocor e sincronismo das estruturas dinâmicas velofaríngeas
re nas fissuras, demonstrando a alteração anatômi durante a fala e a deglutição.
ca de posição dos músculos elevadores, ou se é Calnan10 (1955) cita que Veau, em 1943, utilizou a
posterior, entre os terços médio e posterior, como fluoroscopia lateral para estudo da insuficiência velo
no palato normal. faríngea.
182 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 13-3. Esquema obtido das telerradiografias em repouso (li


nha cheia) e durante emissão (linha pontilhada). Principais pontos
de referência e distâncias para análise. Pontos: 1 - Espinha nasal
anterior, 2 - Espinha nasal posterior, 3 - Ponta da úvula [borda
distai do palato], 4 - Ponto mais posterior do joelho palatino [du
rante emissão], 5 - Parede posterior da faringe, 6 - Tubérculo da Fig. 13-4. Esquema obtido do estudo videofluoroscópico (linha
primeira vértebra cervical, 7 - Adenóide. Distâncias: 1-2 - Com pontilhada: repouso; linha cheia: durante emissão). A. Vista de
primento do palato duro, 2-3 - Comprimento do palato mole (em perfil do movimento do palato. B. Vista ântero-posterior: observa-
repouso), 4-5 - Falha de fechamento velofaringeo [palato/parede se a medialização das paredes laterais com estreitamento do diâ
posterior da faringe], 2-5 - Profundidade da nasofaringe, 2-4 - metro transverso. Nota-se que o movimento não é uniforme e que
Comprimento do palato mole [durante emissão]. no nível do plano palatal existe maior estreitamento. C. Vista cra
niocaudal (basal): notam-se os movimentos do palato, paredes
laterais e parede posterior da faringe. (Segundo Skolnic et
a/.50,1973.)
A cinerradiografia, utilizada inicialmente por Car-
rel, em 1952, permite a gravação em filme das imagens
fluoroscópicas e, se sincronizadas com a gravação so XERORRADIOGRAFIA
nora, possibilita estudo mais detalhado e com menor
Permite adequada visualização da área velofaríngea pela
exposição à radiação do que a fluoroscopia. Inicial
boa definição dos tecidos moles. Seus inconvenientes
mente foi utilizada na posição lateral, permitindo es
são os mesmos da telerradiografia, somados à impossi
tudar os movimentos do palato e da parede posterior
bilidade de medidas adequadas pela ampliação da ima
da faringe. Posteriormente foi utilizada na projeção
gem, e, principalmente, à maior quantidade de radia
ântero-posterior, que permite visualizar os movimen
ção em cada exposição.
tos das paredes laterais2,28.
O desenvolvimento dos intensificadores de ima
gens e o acoplamento de aparelhos de TV possibilita
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
ram a gravação em videoteipe das imagens e do som, o
que diminuiu consideravelmente a exposição à radia Ainda é muito pouco utilizada para o diagnóstico da
ção, além de tornar o exame mais fácil e fornecer maio insuficiência velofaríngea. Os cortes basais (axiais), de
res possibilidades de estudo. monstrando o perímetro do anel velofaringeo, são
Skolnick49, em 1969, introduziu a projeção de base, muito bons, porém os cortes ântero-posteriores (coro-
craniocaudal, às projeções laterais e ântero-posterior nários) e de perfil (sagitais) são muito difíceis de serem
da videofluoroscopia, permitindo, com os raios X pa obtidos, associando-se ao tempo prolongado de expo
ralelos ao tubo faríngeo, a visualização do perímetro sição para obtenção de cada corte, o que às vezes difi
do anel velofaringeo e, nesta visão, estudar os movi culta manter a emissão do fonema, principalmente em
mentos do palato, paredes laterais e parede posterior crianças, sendo impossível realizar o estudo durante a
(Fig. 134). fala.
Insuficiência Velofaríngea 183

Endoscópico gea, parte deste ar escapa pelo nariz, resultando em


A visualização direta do anel velofaringeo durante a pressão e fluxo aéreo oral menores. Testes realizados
fala só pode ser conseguida pela endoscopia. Esta co com os diversos aparelhos nas cavidades oral e nasal
meçou a ser utilizada porTaub52, que, em 1966, por meio detectam essas alterações.
de sistema ótico tubular, visualizou e fotografou o anel Os testes podem ser associados a outros métodos
velofaringeo por via oral, durante a fonação. (p. ex., videofluoroscopia) e realizados com aparelhos
Em 1969, Pigott39 e Pigott et ai.40 descrevem o uso que medem diretamente, ao mesmo tempo, os valores
do endoscópio rígido, que, introduzido pelo nariz, nas cavidades nasal e oral ou ainda na cavidade oral,
permite a visualização direta do anel velofaringeo, não com as narinas abertas e com as narinas fechadas, si
interferindo na fonação, como ocorria com o método mulando a condição de competência velofaríngea para
descrito por Taub52. o paciente.
Posteriormente, Yamaoka, em 1972, relatou o uso Os métodos mais usados são:
do endoscópio flexível —fibroscópio —por via nasal. a. Espirometria —medida, no espirômetro, da capaci
Em virtude do pequeno calibre e flexibilidade, o exa dade vital com as narinas abertas e fechadas, compa
me se torna bastante fácil. rando-se os resultados obtidos.
O nasoendoscópio é introduzido pelo nariz com
b. Manometria: medida das pressões nasal e oral com
anestesia tópica da mucosa nasal. Permite visualização
narinas abertas e fechadas.
craniocaudal do anel velofaringeo e o estudo da ade-
nóide, forma do palato (presença de entalhe na fissura c. Fluxometria: medida do fluxo de ar nasal e oral com
submucosa, formação do joelho palatal, ação do mús narinas abertas e fechadas ou, ainda, simultaneamen
culo da úvula), elevação do palato, movimento das te com máscara que separa a boca do nariz.
paredes laterais e parede posterior da faringe e o tipo
de fechamento do anel velofaringeo (coronal, sagitai Warren57'58, Warren e Du Bois56 e Warren e Deve-
ou circular). reux, empregando medidas de pressão e fluxo de ar
Serve tanto para o diagnóstico primário da insufi nasal e oral e utilizando uma fórmula hidrodinâmica,
ciência velofaríngea, para a avaliação global do anel conseguiram relacioná-las com as dimensões do orifí
velofaringeo, para o controle pós-operatório das farin- cio velofaringeo e classificar os graus de insuficiência
goplastias, como também para orientação da terapia em função da área de não-fechamento velofaringeo. A
fonoarticulatória. persistência de orifícios com área de até 20mm2 é com
É, sem dúvida alguma, o método mais utilizado patível com fala sem que a nasalidade e o escape nasal
no diagnóstico e tratamento das patologias velofarín- interfiram na inteligibilidade. Valores maiores repre
geas por sua excelência: é direto, permite avaliação di sentam graus de insuficiência que necessitam de trata
nâmica durante as emissões solicitadas e na fala espon mento cirúrgico.
tânea, pode ser realizado em poucos minutos, não é Os métodos aerodinâmicos prestam-se para pes
agressivo, permite que crianças sejam examinadas com quisas e investigações acadêmicas, porém, na prática,
um pouco de cooperação e com os endoscópios finos, devido aos aparelhos necessários, aos custos, ao tem
não há exposição aos raios X e é portátil. po para realizá-los, à quantidade de variáveis e, princi
A única desvantagem é que só permite avaliação palmente, à grande dificuldade e, às vezes, impossibili
qualitativa dos movimentos, sendo difícil, praticamen dade de utilizá-los na fala espontânea, tornam-se mui
te impossível, medir a falha de fechamento (gap) velo to pouco utilizados.
faringeo em virtude da distorção que o sistema ótico
divergente proporciona.
Acústico

Os métodos acústicos baseiam-se na análise das carac


Aerodinâmico terísticas sonoras da voz por meio de parâmetros de
intensidade e forma das ondas sonoras transformadas
Os métodos aerodinâmicos empregam medidas de
pressões e fluxos de ar oral e nasal para determinar e em gráficos. Segundo Kaplan ef ai.19, são utilizados:
quantificar o grau de insuficiência velofaríngea.
a. Medida de nasalidade61,62.
Partem do princípio de que, no anel velofaringeo
competente, todo ar expirado é direcionado para a b. Níveis de pressão sonora oral e nasal17,36.
cavidade oral. No portador de insuficiência velofarín c. Espectrografia da voz14,38,41.
184 Deformidades de Lábio e Palato

Eletromiográfico todos diagnósticos que melhores informações forne


cem para o tratamento cirúrgico:
O método consiste na colocação de eletrodos (de
contato ou agulhas) nos diversos músculos que com • Extensão do palato: avaliação clínica e radiográfica
põem o anel velofaringeo e no registro gráfico da (repouso).
atividade elétrica dos potenciais de ação durante a ação
• Mobilidade do palato: avaliação clínica, radiográfi
muscular.
ca e nasoendoscópica.
Tem indicação no estudo e diagnóstico das altera
ções neuromusculares, porém as dificuldades de reali • Local de inserção dos músculos elevadores do pala
zação e interpretação do método não o incluem entre to: avaliação clínica.
os mais utilizados na prática. • Tamanho da falha de fechamento: radiográfico (na-
soendoscópico por comparação).
• Movimento das paredes faríngeas laterais eposterior.
Ultra-sonografia clínico e nasoendoscópico.
O ultra-som foi utilizado por Kelsey et ai.30, Zagze-
bski63 e Ryan e Hawkins43 com o objetivo de avaliar
diretamente o mecanismo velofaringeo e em especial o
TRATAMENTO CIRÚRGICO
movimento das paredes laterais da faringe. É um méto
do em desenvolvimento e ainda não foi incorporado Inúmeras técnicas cirúrgicas estão descritas na literatu
na rotina de diagnóstico da função velofaríngea. ra, propostas para o tratamento da insuficiência velo
faríngea ou transpostas do tratamento cirúrgico pri
mário da fissura palatal para o da insuficiência velofa
ríngea.
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA É importante salientar que a cirurgia, isoladamen
Na avaliação pré-operatória da insuficiência velofarín te, não fará o paciente adquirir a fala normal. O meca
gea devem sempre ser realizados, no mínimo: (1) o nismo da fala envolvendo coordenação motora, fenô
exame clínico; (2) a telerradiografia lateral em três to menos proprioceptivos, modelos cerebrais etc. é com
madas (repouso; emissão de [i] ou [u] e emissão de plexo demais para ser alterado única e exclusivamente
uma sibilante ou sopro, caso haja distúrbio articulató- com a intervenção cirúrgica.
rio nas sibilantes); (3) a nasofaringoscopia com endos A cirurgia da insuficiência velofaríngea corrige a
cópio flexível (fibroscópio). A videofluoroscopia so hipernasalidade e o escape de ar nasal, isto é, os com
mente é realizada nos casos mais complexos, em que ponentes primários da insuficiência velofaríngea. Me
as três avaliações anteriores não nos permitem chegar lhora as condições de pressão intra-oral e fluxo aéreo
a uma conclusão. Os demais métodos não estão incluí oral para permitir melhor articulação dos fonemas,
dos na nossa rotina diagnostica, sendo somente utili porém, nunca, por si só, irá corrigir todos os mecanis
zados nos trabalhos de pesquisa. mos secundários compensatórios (distúrbios articula
A avaliação clínica do paciente, associada com as tórios). Estas correções são de competência da terapia
telerradiografias —que permitem avaliar a extensão e fonoarticulatória.
o movimento do palato e, principalmente, medir a Quanto ao prognóstico para obtenção da fala
falha de fechamento entre o palato e a parede posterior normal, dois aspectos principais, dentre outros, devem
da faringe — juntamente com a nasofaringoscopia, que ser considerados: primeiro, a presença ou não de dis
permite avaliação global, dinâmica, de todos os movi túrbios articulatórios associados, e, segundo, a idade
mentos do esfíncter velofaringeo, fornecem-nos ele do paciente.
mentos suficientes para diagnóstico e avaliação do grau Nos pacientes que apresentam apenas hipernasali
de insuficiência velofaríngea e contribuem de forma dade e escape nasal com ausência de distúrbios articula
decisiva na seleção da técnica cirúrgica para o trata tórios associados, o prognóstico da reabilitação é mui
mento. to bom, pois dependerá quase que exclusivamente da
Na avaliação da ação de movimentos complexos cirurgia, enquanto naqueles que apresentam distúrbios
e delicados, como os existentes no esfíncter velofarin da articulação a reabilitação se torna mais difícil e pro
geo, todos os detalhes devem ser avaliados e conside longada.
rados globalmente, porém seria importante salientar Com relação à idade, as crianças a partir da faixa
alguns pontos que merecem especial atenção e os mé etária de 5 a 6 anos até a adolescência têm prognóstico
Insuficiência Velofaríngea 185

muito bom, e em menos tempo de terapia conseguem cruentas da área receptora, e as áreas doadoras são su-
obter bons resultados. À medida que a idade avança, turadas borda a borda (Fig. 13-5D).
os distúrbios articulatórios vão-se tornando mais sedi Com esse procedimento obtém-se uma elevação
mentados, sendo muito mais difícil tentar mudar e na parede posterior da faringe, contra a qual o palato
automatizar os pontos articulatórios em um indiví irá tocar, impedindo a passagem do ar para o nariz,
duo cujos padrões articulatórios, neuromusculares e como também o estreitamento do anel velofaringeo26,27,
modelos lingüísticos já estão bem consolidados. o que contribui para a melhora de sua função.
As técnicas para o tratamento cirúrgico da insufi O ressalto criado na parede posterior da faringe é o
ciência velofaríngea podem ser reunidas em quatro aspecto mais importante da técnica e esta, evidentemen
grandes grupos: te, só deve ser empregada quando a falha de fechamen
to entre o palato e a parede posterior da faringe (gap)
1. Aumento da parede posterior da faringe. for pequena, em torno de, no máximo, 3 a 5mm, mais
2. Mobilização dos músculos elevadores do palato. ou menos a altura do ressalto que se consegue obter na
3. Retroposição do palato. parede posterior da faringe com essa técnica.
4. Retalhos faríngeos.
INCLUSÃO NA PAREDE POSTERIOR
DA FARINGE
Aumento da Parede Posterior da Faringe
A idéia de promover um aumento na parede posterior
Quando a avaliação pré-operatória demonstra um pa da faringe para corrigir a insuficiência velofaríngea
lato longo, com boa mobilidade, músculos elevadores iniciou-se em 1900, quando Gersuny21 injetou vaselina.
do palato inseridos na porção posterior do palato, e Posteriormente, outros autores relataram a utiliza
nas telerradiografias com emissão a falha de fechamento ção de materiais diversos com o mesmo objetivo: para
é pequena (até cerca de lOmm), isto é, uma condição fina16, gordura53, cartilagem costal homóloga33, cartila
funcional boa do palato, optamos por não atuar no gem costal autóloga25, silicone46,9,51, teflon54 e proplasr35.
palato, mas somente na parede posterior da faringe. Alguns materiais estão totalmente abandonados
Dessa forma preserva-se a atividade do palato (bastan (vaselina, parafina, gordura, cartilagem), enquanto ou
te próxima do normal), evitando que cicatrizes e fi- tros (silicone, teflon e proplast) ainda são utilizados.
brose interfiram no seu bom movimento. Utilizamos para o aumento da parede posterior
O princípio dessas técnicas consiste em criar ci da faringe a inclusão de silicone sólido, de consistên
rurgicamente uma elevação na parede posterior de fa cia média, que é modelado no ato operatório em fun
ringe, do mesmo tamanho ou maior que a falha de ção da largura da faringe e do maior tamanho da falha
fechamento, para que o palato toque nela, ocluindo o de fechamento (gap) palatofaríngeo observado nas te
anel velofaringeo. Utilizamos para tal dois procedimen lerradiografias laterais com emissões. Somente o utili
tos: (a) a faringoplastia segundo a técnica de Hynes e zamos para falhas de fechamento de até lOmm, pois
(b) a inclusão na parede posterior da faringe. inclusões maiores têm tendência maior à extrusão.
A peça de silicone é modelada no ato operatório,
tendo como maior dimensão (comprimento) a medida
FARINGOPLASTIA À HYNES da largura da faringe; a largura do implante corresponde
Hynes26, em 1950, descreveu a utilização de dois reta à própria espessura do bloco de silicone, e a espessura
lhos miomucosos de pedículo superior da parede pós- do implante é igual à maior distância obtida nas telerra
tero-lateral da faringe, englobando a mucosa faríngea diografias com emissões entre a parede posterior da farin
e o músculo salpingofaríngeo (Fig. 13-5.4 e B). ge e o joelho palatino (maior falha de fechamento). As
Uma área cruenta receptora dos retalhos é criada bordas do implante são arredondadas, para evitar ângulos
por incisão transversa somente da mucosa da faringe na que possam ulcerar os tecidos de cobertura.
altura da transição com a adenóide, correspondente à Um retalho miomucoso com 5 a 6cm de extensão
área de formação do anel de Passavant ou à projeção do é dissecado com o pedículo localizado cranialmente,
corpo da primeira vértebra cervical (Fig. 13-5Q. na altura do corpo da primeira vértebra cervical, onde
Os retalhos dissecados com comprimento aproxi uma bolsa é dissecada para receber a inclusão.
madamente igual à largura da faringe são transpostos É muito importante a perfeita localização da in
em ângulo de 90 graus, suturados entre si e nas bordas clusão de silicone na altura do corpo da primeira vér-
186 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 13-5. Esquema da foringoplastia à Hynnes. A. O palato é afastado com uma espátula, expondo-se amplamente a paredeposterior;
as paredes laterais são expostas com ganchos. Retalhos desenhados. B. Incisões realizadas observando-se a localização da incisão
transversa. C. Retalho miomucoso dissecado e parcialmente levantado. Dois pequenos retalhos da mucosa faríngea dissecados, criando-
se a área cruenta receptora. D. Retalhos transpostos, suturados entre si e nas bordas da área receptora. As feridas cirúrgicas das áreas
doadoras são suturados.

tebra cervical (isto é, no nível do plano palatino), para Mobilização dos Músculos Elevadores do Palato
que se possa obter a maior projeção na área de maior
elevação do palato (Fig. 13-6). Está amplamente comprovado pelos estudos anatô
A inclusão de silicone é fixada à fascia pré-verte- micos que, nas fissuras palatais, os músculos elevadores
bral com dois pontos em U de náilon 4.0, para evitar a do palato estão inseridos na borda óssea posterior do
migração de posição. palato duro, inclusive, em alguns casos, prosseguindo
O retalho faríngeo é ajustado sobre a inclusão, pela borda óssea mediai da fissura.
recobrindo-a sem nenhuma tensão, e suturado nas Quando na palatorrafia primária a musculatura
bordas das feridas cirúrgicas faríngeas laterais com foi suturada borda a borda e esta inserção anômala no
pontos em U de categute cromado 4.0, resultando sem osso foi mantida, mesmo obtendo-se um palato com
pre uma área cruenta distai, decorrente da ascensão do bom comprimento, será difícil obter fechamento ve
retalho, que cicatriza por segunda intenção. lofaringeo adequado, pois a ação da musculatura ele
Com esse procedimento tentamos evitar os riscos vadora do véu do palato não se fará com toda intensi
de migração da inclusão (fixando-a com pontos inab- dade para elevá-lo, mas agirá parcialmente no osso,
sorviveís) e extrusão do silicone (fixação evitando perdendo sua eficácia.
movimentos, regularização dos ângulos e ausência de Existem situações em que a modificação da inser-
tensão dos tecidos que a recobrem). são dos músculos elevadores da borda posterior do
Insuficiência Velofaríngea 187

palato ósseo, para uma posição mais posterior no pa


lato mole, poderá beneficiar a função palatal e corrigir
a insuficiência velofaríngea.
Evidentemente, esse procedimento está indicado
cm condições bem-determinadas, a saber: palato lon
go, com boa mobilidade, falha de fechamento (gap)
pequeno e inserção dos músculos elevadores anterior,
próxima à borda do palato duro. (Aspecto que dife
rencia a indicação cirúrgica dos aumentos de parede
posterior.)
Indicamos esse procedimento nessas condições de
retroposição dos músculos elevadores do palato (fa-
ringoplastia intravelar), conforme o preconizado por
Braithwaite7"8 e Kriens32.
A mucosa oral do palato é incisada na linha mé
dia, desde a extremidade da úvula até 1 a 2cm anterio
res à borda óssea palatina (Fig. 13-7v4).
Eleva-se a mucosa oral, dissecando-a do plano
muscular e ósseo, expondo amplamente as inserções
musculares até próximo ao processo alveolar. Seccio-
na-se delicadamente a musculatura junto à lâmina ós
sea palatal, até atingir a mucosa nasal, e disseca-se o
plano muscular do plano mucoso nasal.
Uma vez liberada a musculatura, já se percebe sua
tendência em ocupar uma posição mais posterior por
si só (Fig. 13-75). Realiza-se a sutura mediana da mus
culatura com pontos separados de náilon 4.0 (Fig. 13-
7Q; â medida que se aproximam os pontos A e A', o
ponto B vai-se posteriorizando e ocupando posição
Fig. 13-6. Implante na parede posterior da faringe. A. Avaliação anatomicamente melhor e, ao mesmo tempo, modifi
pelas telerradiografias da falha de fechamento e nível da inclusão. cando a direção das fibras musculares de oblíquas para
B. Inclusão na parede posterior com a mesma altura da falha de
fechamento, permitindo a oclusão. Observa-se que o nivel exato transversas em relação ao palato, condições mais com
da inclusão tem grande impotãncia para o bom fechamento. patíveis com a normalidade.

Fig. 13-7. Esquema da técnica para a mobilização dos músculos elevadores. A. Mucosa oral do palato é incisada e dissecada da
musculatura. B. Musculatura incisada tranversalmente e dissecada da mucosa nasal. C. Sutura e posteriorizacãoda musculatura concluí
das. Observam-se a reorientação das fibras musculares e a posteriorizacão do ponto B.
188 Deformidades de Lábio e Palato

Retroposição do Palato (Push-back) da óssea por incisão transfixante transversa da muscu


latura e mucosa nasal (Fig. 13-85). O feixe vasculoner-
As retroposições, retrocessos ou alongamentos do pa voso palatino posterior é dissecado e individualizado
lato são cirurgias que objetivam levar o palato mole anteriormente, liberando o palato para o movimento
para uma posição mais posterior, mais próxima da livre para trás.
parede posterior da faringe, à custa de tecidos do pala O palato é levado para trás e fixado em sua nova
to duro. posição por meio de alguns pontos transfixantes, unin
Estariam indicadas em insuficiências velofaríngeas do o retalho mucoperiosteal ao osso palatino e a área
intermediárias em que o palato tem comprimento cruenta oral resultante na porção anterior do palato
médio, os músculos elevadores têm inserção anterior duro cicatriza por segunda intenção (Fig. 13-8Q.
próxima ao palato duro, há mobilidade regular do Na técnica de Wardill55 (1928)-Kilner31 (1937) o
palato e a falha de fechamento está situada em torno princípio é o mesmo, modificando-se apenas o traça
de até cerca de 15mm. As técnicas que mais utilizamos do da incisão, que é em forma de M (Fig. 13-9).
são as de Dorrance15, Wardill-Kilner31,55 e Millard37. Nessas técnicas há dois inconvenientes, represen
A técnica de Dorrance15 consiste em incisão (Fig. tados pelas áreas cruentas resultantes. A área cruenta
13-8i4) em forma de ferradura da região retromolar de palatina oral, cicatrizando por segunda intenção, irá
um lado, prosseguindo por toda a mucosa da face pa agregar maior fibrose ao palato, interferindo negati
latina da arcada alveolar, cerca de 3 a 4mm abaixo da vamente no desenvolvimento maxilar, quando a ci
implantação dos dentes, até atingir a outra região re rurgia é realizada na fase de crescimento facial. Por
tromolar. outro lado, a área cruenta nasal, ao cicatrizar por se
A fibromucosa do palato é descolada totalmente gunda intenção, se contrai, fazendo com que o palato
do plano ósseo (descolamento subperiosteal) até o iní mole quase retorne à sua posição inicial, perdendo par
cio do palato mole, que é liberado totalmente da bor cialmente o alongamento obtido.

Fig. 13-8. Retroposição do palato. Técnica de Dorrance.


Insuficiência Velofaríngea 189

Fig. 13-9. Retroposição do palato. Técnica de Wardill-Kilner.

Para evitar este último inconveniente, diversas téc talho é suturado com a face mucosa voltada para a
nicas foram propostas para o fechamento da área cru cavidade oral. As áreas cruentas doadoras do palato
enta nasal resultante, tentando evitar o problema: en duro cicatrizam-se por segunda intenção (Fig. 13-10Q.
xerto de pele, enxerto de mucosa oral, retalhos de
mucosa nasal, retalho de mucosa vestibular, retalho
Técnica de Furlow
faríngeo de pedículo superior etc, sendo que este últi
mo o que melhores resultados tem proporcionado. Em 1980 e 1986, Furlow19,20 publicou sua técnica de du
A técnica de Millard Jr.37 utiliza dois retalhos pla plástica em Z com retalhos opostos para o tratamen
mucoperiosteais em ilha dos hemipalatos duros, pedi- to primário da fissura palatal, com o objetivo de fechar o
culados no feixe vasculonervoso palatino posterior palato mole, criando uma cinta muscular mais posterior
(Fig. 13-1CM). O palato é transfixado transversalmente no palato com a transposição dos retalhos contendo a
logo após a borda óssea, e o palato mole é deslocado musculatura palatina, como também alongando-o pelos
para trás, resultando em ampla comunicação oronasal próprios princípios da plástica em Z (Fig. 13-11).
que é ocluída pelos retalhos. Um dos retalhos é sutu- Chen era/.11, em 1994, publicaram a utilização da
rado transversalmente na "fístula", com sua mucosa técnica de Furlow para o tratamento da insuficiência
oral voltada para a cavidade nasal (Fig. 13-105), resta velofaríngea em pacientes que já tinham tido o palato
belecendo a continuidade do forro nasal. O outro re fechado primariamente por outras técnicas, concluin-

Fig. 13-10. Retroposição do palato. Técnica de Millard.


1 90 Deformidades de Lábio c Palato

do que o procedimento é efetivo para tal tratamento e ce ser o ponto mais importante da técnica, pois a ação
enfatizando que os melhores resultados foram obti dos músculos no terço posterior do palato mole e o
dos nos pacientes portadores de falhas de fechamento aumento da espessura com o conseqüente fortaleci
(gaps) velofaringeo de até 5mm, medidos pela video mento da ação muscular parecem ser os fatores mais
fluoroscopia. importantes na obtenção do fechamento velofaringeo.
D'Antonio et ai." estudaram clinicamente, e por Contribuem também, mas com menos importância, o
avaliações por nasoendoscopia, telerradiografia lateral alongamento do palato e as cicatrizes nasal e oral em
(cefalométrica) e métodos aerodinâmicos, um grupo linha quebrada, proporcionadas pelo duplo Z.
de pacientes com palato operado e com fissura sub- Ainda é questão em estudo em que tipo e condi
mucosa não operada, portadores de insuficiência velo ções de palato a técnica pode ser empregada para que
faríngea, tratados pela técnica de Furlow, concluindo se obtenham os melhores resultados no tratamento
que a técnica permite obter um aumento significativo da insuficiência velofaríngea.
no comprimento (em média, 3,8mm) e na espessura Dentro da sistematização de tratamento proposta,
(em média, 3,2mm) do palato mole. a técnica de Furlow está classificada entre as técnicas de
A técnica de Furlow realmente permite que a mobilização dos músculos elevadores e as técnicas
musculatura do palato mole, principalmente os mús de alongamento do palato, estando indicada nas mes
culos elevadores do véu do palato, seja transposta para mas circunstâncias, podendo ser empregada em falhas
uma posição mais posterior, assim como a sutura dos de fechamento de até 5mm com bons resultados, como
músculos, um sobre o outro, contribui para o aumen demonstraram Chen et ai.11, e em condições especiais
to da espessura do palato (Fig. 13-11£). Este nos pare nas falhas de até lOmm, no máximo.

Fig. 13-11. Técnica de Furlow. A. Demarcação da linha média e dos dois retalhos na mucosa oral. B. Incisão transfixante na linha média
do palato e dissecção dos retalhos orais. O retalho à esquerda contém mucosa oral e musculatura palatina. O retalho à direita é só de
mucosa oral. C. Dissecção dos retalhos nasais. O retalho à esquerda contém só mucosa nasal, e o retalho à direita, a musculatura palatina.
D. Retalhos nasais transpostos e suturados, notando-se a transposição da musculatura. E. Retalhos orais transpostos e suturados. Observa-
se a superposição da musculatura na parte posterior do palato, criando um anel muscular mais posterior.
Insuficiência Velofaríngea 191

Retalhos Faríngeos tenção) determina redução do diâmetro transverso


A faringoplastia com retalho faríngeo consiste na ele da faringe, contribuindo para a diminuição da área
do anel velofaringeo.
vação de um retalho da parede posterior da faringe,
que é unido ao palato mole, constituindo uma ponte 4. Criar dois orifícios laterais ao retalho, constituídos
entre ambos, delimitando dois orifícios laterais (late pela borda lateral do retalho faríngeo, palato, pare
ralports) (Fig. 13-12). de lateral e parede posterior da faringe.
O retalho é constituído de mucosa e músculo cons Estes orifícios laterais contituem o aspecto de
tritor superior da faringe e pode ser de pedículo superior maior importância na cirurgia, pois devem ser cons
(cranial) (Fig. 13-125) ou inferior (caudal) (Fig. 13-12Q. truídos de tal forma que tenham diâmetro e permea
O objetivo da cirurgia, criando uma ponte (obs bilidade adequados para permitir em repouso a respi
táculo mecânico) entre a parede faríngea posterior e o ração nasal eficiente. Ao mesmo tempo, por serem
palato e dois orifícios laterais (entre o retalho e as pa verdadeiros "pequenos esfíncteres", devem ocluir du
redes laterais da faringe) (Fig. 13-12.De E) é: rante o processo de fonação, impedindo o escape de
1. Obstruir a passagem de ar da orofaringe para o nariz ar nasal e a hipernasalidade (Fig. 13-13).
pela presença do obstáculo mecânico representa Para que esta oclusão ocorra, tem fundamental
do pelo retalho, que diminui a área de escape de ar importância o movimento mediai das paredes laterais
pelo anel velofaringeo insuficiente. da faringe, daí a conveniência em construir os orifícios
laterais na altura onde ocorre com mais intensidade o
2. Direcionar para a cavidade oral o fluxo aéreo as
movimento de medialização das paredes laterais.
cendente da laringe.
Está demonstrado, pelos estudos com a nasofarin
3. O fechamento da área doadora do retalho (quer goscopia'" e a videofluoroscopia nas projeções frontal e
por sutura, quer por cicatrização por segunda in basal50, que a região onde há maior intensidade do mo-

Fig. 13-12. Retalhos faríngeos. A. Palato insuficiente com pouca mobilidade (pontilhado). B. Retalho faríngeo de pedículo superior.
Observa-se a altura em que devem ficar o retalho e a cobertura da área cruenta do retalho. C. Retalho faríngeo de pedículo inferior.
Observam-se a área cruenta resultante na base do retalho e a altura do pedículo. D. Vista craniocaudal do anel velofaringeo no pré-
operatório (P- palato; PL - parede lateral; PP- parede posterior). E. Vista craniocaudal do anel velofaringeo com o retalho (R) de pedículo
superior suturado no palato e os dois orifícios laterais resultantes. Nota-se a diminuição da área permeável do anel.
1 92 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 13-13. Pós-operatório de retalho de pedículo superior. Vista craniocaudal. A. Retalho largo, orifícios laterais estreitos e permeáveis.
B. Movimento de medialização das paredes faringeas laterais tocando as bordas do retalho, ocluindo os dois orifícios laterais ("esfíncte-
res"). C. Retalho estreito e orifícios laterais grandes. D. Não há oclusão dos dois orifícios laterais, persistindo a insuficiência velofaríngea.
Isto ocorre porque o retalho foi feito muito estreito ou por haver pouco movimento das paredes laterais. O planejamento cirúrgico pré-
operatório não foi adequado.

vimento de medialização das paredes laterais da faringe parede posterior, com o pedículo distai (podálico) e
é na altura do corpo da primeira vértebra cervical (Fig. comprimento suficiente para atingir o palato mole. A
13-4), que corresponde à área de transição entre a muco extremidade do retalho pode estender-se até a região
sa faríngea e o início do tecido adenoideano, onde se adenoideana, se for absolutamente necessário, pois a
forma o anel de Passavant, daí julgarmos que há maior inabilidade do tecido adenoideano não permite boa
eficiência dos retalhos de pedículo superior, desde que manipulação e sutura, sendo este um dos inconvenien
estejam com o pedículo localizado nessa região, delimi tes desse tipo de retalho.
tando os orifícios laterais justamente no nível em que Incisam-se a mucosa e a musculatura até expor a
ocorre a melhor movimentação das paredes laterais. fáscia pré-vertebral, onde há um bom plano para dis
Por este aspecto, assume grande importância a secção do retalho (Fig. 13-14/1).
avaliação pré-operatória, pela nasofaringoscopia ou Na borda livre do palato mole, demarca-se a área
videofluoroscopia, da intensidade e do nível do maior correspondente para receber o retalho faríngeo, incisam-
movimento das paredes laterais da faringe, para que se se a mucosa oral e parcialmente a musculatura e disseca-
possa fazer o retalho de acordo com as necessidades se um retalho em forma de U de pedículo posterior (na
de cada caso1. borda livre do palato), que servirá para cobrir parcial
Quando há pequeno movimento das paredes la mente a área cruenta do retalho faríngeo (Fig. 13-145).
terais, deve ser feito um retalho faríngeo largo, enquan Sutura-se a extremidade do retalho faríngeo na área
to que, havendo bom movimento das paredes laterais, cruenta criada na face oral do palato mole, e o retalho
o retalho poderá ser mais estreito, com os orifícios invertido do palato mole será suturado na área cruen
laterais maiores, sem que se perca a eficiência da cirur ta do retalho faríngeo, de forma a cobrir o máximo
gia. Dessa forma, os retalhos são construídos sempre possível sua área cruenta, na tentativa de diminuir a
dimensionados para os movimentos das paredes late retração cicatricial (Fig. 13-14Q.
rais de cada caso, o que permitirá maior probabilidade Este retalho tem alguns inconvenientes, os quais
de oclusão dos orifícios, em vez de retalhos feitos ao praticamente nos levaram a abandonar essa técnica em
acaso, em que a possibilidade de as paredes laterais da favor dos retalhos de pedículo superior.
faringe tocarem as bordas do retalho na altura adequa Quando o palato é muito curto e o retalho tem
da ocorre por mero acaso. de ser longo, atinge-se o tecido adenoideano, que fica
rá na extremidade do retalho, dificultando a sutura e
predispondo à deiscência.
RETALHO DE PEDÍCULO INFERIOR
Não se consegue cobertura mucosa para toda a área
O retalho faríngeo foi inicialmente descrito por cruenta nasal do retalho, ocorrendo cicatrização por
Schõnborn'1", em 1876, e divulgado por Rosenthal4-, segunda intenção e conseqüente retração cicatricial, que
em 1924, tendo sido utilizado por muitos autores. leva à tubulização do retalho. Com isso, mesmo os reta
Na parede posterior da faringe, desenha-se um re lhos bem largos acabam tornando-se estreitos e insufici
talho largo, com quase toda a extensão da largura da entes para desempenhar a função prevista para eles.
Insuficiência Velofaríngea 193

Fig. 13-14. Retalho faríngeo de pedículo inferior.

A base do retalho e os orifícios laterais criados tre o retalho e a parede lateral, onde deverá ficar sem
ficam muito distais (caudais), em nível em que o mo pre um segmento de mucosa íntegra.
vimento das paredes laterais, apesar de existir, é de O comprimento é dado pela transposição da dis
menor intensidade (ver Fig. 13-12 Q. tância entre o vértice da ferida do palato e a base do
Estes dois últimos fatores associados - a localiza retalho na parede posterior. Podem-se obter retalhos
ção em área em que os movimentos de parede lateral bem longos, que podem inclusive atingir o palato duro,
são menores e o estreitamente do retalho no pós-ope para participar do fechamento de fístulas nesse local.
ratório - são inconvenientes que se somam, e talvez O retalho é desenhado em forma de U ou V com
sejam os responsáveis pelos resultados não esperados verde brilhante (Fig. 13-15^4) e, após infiltração com
para esse procedimento. solução de lidocaína com epinefrina a 1/200.000, inci
sam-se a mucosa e a musculatura, expondo a fáscia pré-
RETALHO DE PEDÍCULO SUPERIOR vertebral, que é o plano de dissecção do retalho, o qual
é levantado e reparado em sua extremidade (Fig. 13-
O retalho faríngeo de pedículo superior foi descrito 155).
posteriormente ao de pedículo inferior, tendo sido Partindo-se do vértice da ferida criada no palato,
preconizado por Bardenheuer3, em 1892, e muito di incisa-se a mucosa nasal em direção à parede lateral da
vulgado por Sanvenero-Rosselli44. faringe (Fig. 13-155) até cerca de 3 a 5mm do ângulo
A cirurgia é iniciada bipartindo-se o palato mole na entre a parede lateral e a parede posterior da faringe
linha média e reparando-se as duas hemiúvulas, de modo (geralmente até atingir a prega salpingofaríngea). Nun
a expor amplamente a faringe e suas paredes laterais. ca se deve unir essa incisão com a do retalho faríngeo.
A base do retalho faríngeo (pedículo) é marcada Deve sempre existir uma faixa de mucosa, que irá cons
alta, ao nível da transição da mucosa faríngea, e o ini tituir o revestimento do orifício lateral, sem o que
cio do tecido adenoideano, na altura da eminência da ocorreria a sinéquia cicatricial.
primeira vértebra cervical (Fig. 13-15/1). Disseca-se um retalho de mucosa nasal, que fica
A largura é determinada conforme a intensidade pediculado posteriormente na borda livre do palato e
dos movimentos das paredes laterais, avaliada no pré- que servirá para a cobertura da área cruenta do retalho
operatório, principalmente pela nasofaringoscopia ou faríngeo (Fig. 13-155).
videofluoroscopia. Nos casos mais graves, quando os Introduz-se pela narina uma sonda de plástico (ou
movimentos são muito pequenos ou inexistem, o re cateter) n° 14 com o objetivo de servir como molde de
talho tem largura de quase toda a parede posterior da referência para o tamanho dos orifícios laterais. Inicia-se
faringe, deixando-se apenas 2 a 3mm de distância en a sutura da mucosa nasal da parede lateral da faringe com
194 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 13-15. Retalho faríngeo de pedículo superior (segundo Hogan23, 1973).

a borda do retalho, abraçando a sonda (Fig. 13-14Q, com bando pequena quantidade de tecido dos retalhos fa
pontos de categute 4-0 cromado com os nós voltados ríngeos nos pontos, para evitar espaço morto (Fig. 13-
para a cavidade nasal até atingir o vértice da ferida do 155).
palato, repetindo-se o procedimento do outro lado. A área cruenta doadora do retalho pode ser deixa
A sonda serve apenas como referência, para que se da cicatrizar por segunda intenção.
tenha noção da dimensão dos orifícios laterais, não os Dessa forma, consegue-se a obliteração parcial do
fazendo muito estreitos (dificultando a respiração na anel velofaringeo à custa de um retalho faríngeo que
sal) ou muito largos (impossibilitando o fechamento). poderá ter sua face cruenta recoberta, diminuindo a
Quando há pouco ou nenhum movimento das pare retração cicatricial secundária. Obtêm-se dois orifícios
des laterais da faringe, os orifícios laterais são feitos de laterais, que podem ser modelados de acordo com as
modo semelhante às dimensões da sonda. Quanto necessidades de cada caso, conforme preconizado por
maior for o movimento das paredes laterais, mais lar Hogan23,24, e localizados na região de melhor movi
gos serão feitos os orifícios laterais e, conseqüentemen mentação das paredes laterais; sem dúvida, estes são
te, mais estreito será o retalho. fatores que permitem melhor controle da cirurgia e
Deve-se ter cuidado para que haja sempre mucosa melhores resultados para o paciente (ver Fig. 13-13/1)"17.
íntegra (das paredes lateral e posterior), no perímetro
dos orifícios laterais para que não ocorra cicatrização
total e conseqüente estenose, como ocorreria se todo
o perímetro fosse constituído por ferida cirúrgica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A sonda é retirada, deixando-se os orifícios late
1. Argamaso RV, Shprintzen RJ,Strauch B et 'ai. The role of lateral
rais pemeáveis (Fig. 13-15D), e a extremidade dos reta pharyngeal wall movement in pharyngcal flap surgery. Plast
lhos da mucosa nasal do palato é suturada na íáscia Reconstr Surg 198();Ó6:214.
pré-vertebral, próximo ao pedículo do retalho. Sutu- 2. Astley R. The movemenls ofthe lateral walls ofthe naso pha-
ra-sc o restante da ferida cirúrgica do palato, englo rynx: a cineradiographic study./Laryng 1958;Z?:325.
Insuficiência Velofaríngea 195

3. Bardenheuer D. Vorschlage zu plastischen operationen bei chi- 26. Hynes W. Pharyngoplasty by muscle transplantation. BritJ Plast
rurgischen Eingriffen in der Mundhohle. Arch Klin Chir Surg 1950;5:128.
1892;4?:32. Citado por Hogan e Schwartz, 1977.
27. Hynes W. Observations on pharyngoplasty. Brit J Plast Surg
4. Blocksma R. Correction of velopharyngeal insufficiency by si- 1967;20:244.
lastic pharyngeal implant. Plast Reconstr Surg 1963;J7:268.
28. Isshiki N, Honjow J, Morimoto M. Cineradiographic analysis
5. Blocksma R. Silicone implants for velopharyngeal incompe- of movement ofthe lateral pharyngeal wall. Plast Reconstr Surg
tence: a progress report. Cleft PalateJ 1964;7:72. \9G9;44:357.
6. Blocksma R, Braley S. Present status of retropharyngeal im- 29. Kaplan EN, Minami RT, Wu G. Palatopharyngeal incompeten
plantation forvelopharyngeal insufficiency. Plast Reconstr Surg ce. In:Reviews in Plastic Surgery. Amsterdam: Excerpta Medica
1969;44242. Found., 1974.
7. Braithwaite F.Cleft palate repair. 7/j;Gibson R. Modem Trenós 30. Kelsey CA,Crummy AB, SchulmanEY. Comparisonof ultraso-
in PlasticSurgery. London: Butterworths, 1964. nic and cineradiographic measurements of lateral pharyngeal
8. Braithwaite F. The importance of the levator palati muscle in wall motion. Invest Radiol 1969;4241.
cleft palate closure. Br} Plast Surg 1968;27:60.
31. Kilner TP. Cleft lip and palate repair technique. St Thomas
9. Brauer RO. Retropharyngeal implantation of silicone gel pillo- Hosp Rep 1937;2:127.
ws for velopharyngeal incompetence. Plast Reconstr Surg
1973;57:254.
32. Kriens OB. Fundamental anatomic findings for an intravelar
veloplasty. Cleft Palate J 1970; 7:27.
10. CalnanJ. Diagnosis, prognosis and treatment of palatopharyn-
geal incompetence with special reference to radiographic inves- 33. Lando RL. Transplant of cadaveric cartilage into the posterior
tigations. BritJ Plast Surg 1955;&265. pharyngeal wall in treatment of cleft palate. Stomatologia
1950;4:38.
11. Chen PKT, Wu JTH, Chen YR, Noordhoff MS. Correction of
secondary velopharyngeal insufficiency in cleft palate patients 34. Lang RB, Kipfmueller LJ. Treating velopharyngeal inadequa-
with the Furlow palatoplasty. Plast Reconstr Surg 1994;94: 933. cy with the palatal lift concept. Plast Reconstr Surg 1969;43:
467.
12. Croft CB, Shprintzen RJ, RakoffSJ. Patherns of velopharynge
al valving in normal and cleft palatesubjects: a multi-view vide- 35. Lewin ML, Croft CB, Shprintzen RJ. Velopharyngeal insuffici
ofluoroscopic and nasoendoscopic study. Laryngoscopic ency due to hypoplasia ofthe musculus uvulae and oceult sub-
1981;?7:265. mucous cleft palate. Plast Reconstr Surg 1980;65:585.
13. D'Antonio LL, Eichenberg BJ, Zimmerman GJ et ai. Radiogra 36. Massengil R, Walker T, Royster L, Maxwell S. Oral and nasal
phic and aerodynamic measures of velopharyngeal anatomy sound pressure leveis as related to presenceor absence of velo
and funetion following Furlow Z-plasty. Plast Reconstr Surg pharyngeal closure. Cleft Palate J 1970;7:673.
2000;706:539. 37. MillardJr DR. A newuseofthe island flap in widepalateclefts.
14. Dickson DR. An acoustic study of nasality. / Speech Res Plast Reconstr Surg 1966;J&330.
1962;5:10-3. 38. Nylen BO. Cleft palate speech. Acta Radiol (Stockh), 1961;
15. Dorrange GM. Lengthening ofthe soft palate operations. Ann Suppl. 203. Citado por Kaplan EN et ai, 1974.
Surg 1925;52:208. 39. Pigott RW. The nasendoscopic appearance ofthe normal pala
16. Eckstetn H. Demonstration of a paraffin prosthesis in defects topharyngeal valve. Plast ReconstrSurg \9(fl;43:\9.
ofthe face and palate. Dermatológica 1904; 11:772. 40. Pigott RW, Benson JF, White FD. Nasendoscopy in the diagno
17. Fletcher S, Bishop M. Measurement of nasality with Tonar. sis of velopharyngeal incompetence. Plast Reconstr Surg
Cleft Palate J 1970;7:610. 1969;4J:141.
18. Fritzell B. Thevelopharyngeal muscles in speech: an electromyo- 41. Rolnick M, Hoops HR. Plosive phoneme duration as a funeti
graphic and cineradiografic study. Acta Oto-Lar 1969; supp.I: on as palatopharyngeal adequacy. Cleft PalateJ 1971;&65.
250:181. 42. Rosenthal W. Zur Frage der Gaumenplastik. Zentb Chir
19. Furlow Jr LJ. Double reversing Z-plasty for cleft palate. In:Mi 1924;57:1.621. Citado por Hirshberg, 1986.
llard DR (ed.). Cleft Craft. Vol.3: Alveolar and Palatal 43. Ryan WT, Hawkins CF. Ultrasonic measurements of lateral
Deformities.Eoston: Little, Brown, 1980:519. pharyngeal wall movement at the velopharyngeal port. Cleft
20. Furlow Jr LJ. Cleft palate repair by double opposing Z-plasty. PalateJ 1976;13:156.
Plast Reconstr Surg 1986;78: 724. 44. Sanvenero-Roselli. Divisione palatine e sua cura chirurgica. Atti.
21. Gersuny R. About a subeutaneous prosthesis. Zschr Heilk Congr. Internai. Stomatol., 1935:191. Citado por Hogan, 1977.
1900;27:199. Citado por Blocksma, 1964, e Brauer, 1973. 45. Scheier, M. Die Anvendung der Ròntgenstrahlcn für die Physi-
22. Hirschberg J. Velopharyngeal insufficiency. Folia Phoniat ologie der Stimme und Sprache. Dt Med Wschr \987;23A03.
1986;3#221. Citado por Hirschberg, 1986.
23. Hogan VM. A clarification ofthe surgical goals in cleft palate 46. Schõnborn D. Üeber eineneue Methode derStaphylorrhaphie.
speech and the introduetion of the lateral port control (L.P.C.) Arch Klin Chir 1876;72527. Citado por Hogan, 1977.
pharyngeal flap. Cleft Palate J 1973;70.331. 47. Shprintzen RJ, Lewin ML, Croft CB et ai. A comprehensive
24. Hogan VM, Schwartz MF. Velopharyngeal incompetence. In: study of pharyngeal flap surgery: tailor made flaps. Cleft Palate
Converse JM. ReconstructivePlasticSurgery. Philadelphia: W.B. J 1979; 76:46.
Saunders Company, 1977:2.268. 48. Siegel-Sadevitz VL, Shprintzen RJ. Nasopharyngoscopy of the
25. Hollweg E, Perthes G. Cartilage (autogenous). In: Treatment of normal velopharyngeal sphincter: an experiment of biofeedba-
Cleft Palates. Tubingen: Franz Pietzcher, 1912. ck. Cleft Palate J 1982;19.194.
196 Deformidades de Lábio e Palato

49. Skolnick ML. Video velopharyngography in patients with nasal 56. Warren DW, Du BoisAB. A pressure flow technique for measu-
speech, with emphasis onlateral pharyngeal motion invelopha ring velopharyngeal orifice área during continuous speech. Cleft
ryngeal closure. Radiology 1969;93:747. PalateJ 1964;7:52.
50. Skolnick ML, Mccall GN, Barnes M. The sphincteric mecha- 57. Warren DW. Velopharyngeal orifice size and upper pharyngeal
nism of velopharyngeal closure. Cleft Palate J 1973;70:286. pressure-flow patterns in normal speech. Plast Reconstr Surg
1964(a);5J:148.
51. Speirs AC, Blocksma R. New implantable silicone rubbers: An 58. Warren DW. Velopharyngeal orificiesize and upper pharyngeal
experimental evaluation of tissue response. Plast Reconstr Surg pressure-flow patterns in cleft palate speech: a preliminary stu
1963;57:166.
dy. Plast Reconstr Surg 1964(b);5415.
52. Taub S. The Taub oral panendoscope. A new technique. Cleft 59. Warren DW, Devereux JL. An analog study of cleft palate spee
PalateJ 1966;5:328. ch. Cleft Palate J 1966;J:103.
53. Von Gaza W. Transplanting of face fatty tissue in the retropha 60. Warren DW, Devereux JL. Nasal emission of air and velopha
ryngeal área in cases of cleft palate. Lecture, Gerrnan Surgical ryngeal function. Cleft Palate J 1967;4148.
Society, April 9, 1926. Citado por Blocksma, 1964 e Brauer, 61. Weatherley-White RCA, Stark RB, De Haan C. The objective
1973. measurementof nasality in cleft palate patients. PlastReconstr
54. Ward PH,Wepman JM. Pharyngeal implants for reduction air Surg 1965;J5:588.
space in velopharyngeal insufficiency. Annals Otolaryng Rhi- 62. Weatherley-White RCA, Stark RB, De Haan C. Acoustic analy
nol Laryngol 1964;7J:443. sis of speech: validation studies. CleftPalateJ1966;J:291.
55. Wardill WEM. Results of operation for cleft palate. BrJ Surg 63. Zagzebski JA. Ultrasonic measurement of lateral pharyngeal wall
1928; 76127. motion at two leveis in the vocal tract.J Speech Res 1975;7Ã308.
Nariz de Fissurado

Paulo Roberto Mello Gomes

Elódia Ávila
José Marcos Mélega

INTRODUÇÃO res de problemas respiratórios. A fissura do lábio pode


também ser bilateral, com duas fissuras que dividem o
Para o tratamento correto do nariz de fissurado é ne lábio superior em três partes. Mais raramente, ocorre a
cessária a compreensão do comprometimento global fissura labial mediana, na linha do filtro nasal1-22.
que acomete o paciente portador de fissura devido à
alta complexidade da patologia4-22.
Nosso objetivo é proceder a uma avaliação diagnos ANATOMIA NA FISSURA LABIAL
tica precisa, esclarecer alguns aspectos inerentes ao paci
UNILATERAL
ente com fissura de lábio, bem como demonstrar algu
mas das diversas técnicas cirúrgicas que vêm sendo apre A desestrutura anatômica nasal é conseqüência da des
sentadas ao longo dos anos para correção do nariz de continuidade do músculo orbicularís oris, distorcido,
fissurado, na intenção de minimizar ao máximo as seqüe com inserções anômalas, acompanhando, numa dinâ
las psicológicas e o estigma traduzido em deformidades mica caótica, os músculos elevadores da asa do nariz e
que acompanharão o fissurado ao longo da vida22. do lábio superior, zigomático maior e menor. Tam
Não existe apenas uma técnica que possa ser acei bém são causas dessa desarmonia o hipodesenvolvi-
ta como modelo para correção de todos os tipos de mento ósseo do terço médio da hemiface, deformida
alterações do nariz, o que é explicado pela grande vari de do septo e cartilagens alares e triangulares desloca
edade de deformações encontradas nos diferentes ti das e arqueadas28.
pos e graus de acometimento do paciente portador de A deformidade unilateral típica usualmente con
fissura labial38. siste em 10 componentes identificados, que se podem
Essas alterações podem ser minimizadas se hou apresentar em graus variáveis (Fig. 14-1)1-2-'3:
ver uma adequada reparação anatômica na queiloplas 1. Desvio de septo para o lado não-fissurado.
tia primária, o que levará não só a um bom fechamen
2. Dômus deslocado lateralmente, com diminuição
to do lábio, mas também a uma melhoria na forma e
na sua projeção.
função nasais38.
A fissura determina uma deformação do nariz, 3. Cartilagem alar torcida.
achatando-o do mesmo lado, sendo um dos causado 4. Borda anterior deslocada caudalmente.

197
1 98 Deformidades de Lábio e Palato

5. Tendência para ponta bífida. 1. A columela é muito curta.

6. Angulo obtuso entre a cruz lateral e mediai. 2. Há uma falta notável de projeção da ponta nasal de
7. Plataforma óssea deficiente. Hipoplasia maxilar na vido ao deslocamento lateral das cartilagens alares.
região da abertura piriforme, provocando depres 3. Ambos os eixos das fossas nasais são orientados
são no soalho nasal, flacidez e ausência de inserções muito mais horizontalmente do que verticalmente.
musculares na espinha nasal no lado fissurado.
8. Ângulo alar-facial mais agudizado.
MOMENTO DE OPERAR
9. Base alar deslocada caudalmente, causando alarga
mento do soalho nasal. Há controvérsias quanto à precocidade ou não do tra
10. Columela curta no lado afetado. tamento do nariz fissurado.
Algumas escolas preconizam o tratamento do na
riz fissurado, após o seu desenvolvimento estrutural,
ou seja, na fase adulta, com base no fato de que há
uma preocupação dos cirurgiões em não interferir no
crescimento nasal, evitar ou minimizar cicatrizes1-''21.
Na realidade a deformidade, quando não tratada
primariamente de modo adequado, seja por limitação
de técnica ou por gravidade da fissura e elementos
nasais, resultará em seqüelas, com conseqüências nefas
tas estéticas e funcionais, já nos primeiros momentos.
Isto pode ser justificado quando há obstrução das vias
respiratórias que altera o fluxo aéreo nasal, fator esti
mulante para o desenvolvimento dos seios da face. Se
não houver estímulo, haverá assimetria devido ao hi-
podesenvolvimento da hemiface, nas fissuras unilate
rais, e do terço médio da face, nas bilaterais.
Fig. 14-1. Representação esquemática das principais deformida Acreditamos, hoje, que o tratamento tardio seja
des nasais observadas nos pacientes com fissura unilateral. menos adequado, devido às dificuldades de se operar
uma deformidade já estabelecida.
Atualmente, com técnicas menos intervencionis-
ANATOMIA NASAL NA FISSURA LABIAL tas, consegue-se manipular a arquitetura nasal do fissu
BILATERAL rado precocemente sem interferir no crescimento e
evitando a perpetuação dos estigmas.
Na deformidade bilateral, embora o septo possa não A grande maioria dos cirurgiões opera os pacien
estar desviado pelo balanço entre o acometimento nos tes portadores de fissuras labiais por volta dos 3 meses
dois lados, há três problemas adicionais aos observa de idade. E comum, entre os cirurgiões americanos, a
dos na fissura unilateral (Fig. 14-2)'-'": adoção da regra dos 10; isto é, a época ideal para o
tratamento cirúrgico coincide com a idade acima de
Cartilagens alares 10 semanas, acima de 10 libras de peso e hemoglobina
Separação do dômus
acima de 10g2".
Ângulo obtuso

OBJETIVOS DAS CIRURGIAS


Torção das
alares Na deformidade unilateral, o objetivo cirúrgico é a
procura da simetria relativa ao lado normal que apre
Alargamento
das narinas
senta a anatomia preservada7'9-'19,71.
Nos portadores de fissura labial bilateral, devido
à relativa simetria que a região nasal apresenta, a proli-
Fig. 14-2. Representação esquemática das principais deformida
laxia das deformidades pode ser realizada por meio do
des nasais observadas nos pacientes com fissura bilateral. alongamento da columela, simultaneamente à corre-
Nariz de Fissurado 199

ção labial, o que levaria a um crescimento mais ade posição mais posterior da cartilagem alar do lado fis
quado do nariz. O desenvolvimento das estruturas surado.
nasais também se faz corretamente se estas estiverem Skoog, em 1969, preconizou o tratamento primá
anatomicamente em posição no período de crescimen rio do lábio e nariz fissurado com a rotação e reposici
to, minimizando ainda o estigma da fissura quando a onamento da cartilagem alar, mas observou um índice
criança passa à fase escolar21. grande de recidiva devido à retração cicatricial provo
Alguns cirurgiões chegam a preconizar o alonga cada pela incisão intranarinária60.
mento da columela antes da correção do lábio, como Velasques e Monasterio (1974)52,73 utilizam-se da
Mc Comb33"35 (1975), que faz essa correção aos 3 meses técnica preconizada por Wilkie (1969)75 para correção
de idade e a queiloplastia associada à rinoplastia 6 se das alterações nasais associada à queiloplastia primária.
manas depois. Utiliza-se a marcação preconizada por Millard39"42,
em que um pequeno retalho de lábio alonga a colume
la do lado fissurado. A seguir, faz-se uma incisão inter-
TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO - cartilaginosa na porção média da columela, separando
NARIZ ELÁBIO a cruz mediai e as cartilagens alares, que são suturadas
na mesma altura. Procede-se então a uma ressecção de
A abordagem precoce do nariz leporino tem gerado meia-lua de pele na parte superior da asa, para elevar o
discussões e controvérsias na literatura, mas acredita dômus superiormente. A queiloplastia é iniciada após
mos que, coincidente com a queiloplastia primária, o tratamento nasal.
entre o terceiro e sexto meses de idade, faz-se necessá Esta técnica, apesar da fácil exposição, tem como
rio o tratamento nasal, para prevenir maiores seqüelas. inconvenientes uma incisão externa que vai da ponta
Para entender o crescimento nasolabial e as defor à base da columela e a incisão no assoalho narinário.
midades típicas observadas após os métodos de fecha Mc Comb (1975) também preconizou a simetriza-
mento convencionais, o cirurgião deve aplicar um ra ção pela rotação da cartilagem alar do lado fissurado,
ciocínio premeditado para a execução do reparo pri mas sem incisões intranarinárias, o que preveniu a re
mário. Proceder à visualização global tridimensional tração cicatricial32'36.
da patologia, bem como à apreciação, prevendo o cres Através da incisão no sulco bucal superior do lado
cimento variável de determinadas regiões nasais em afetado, área coincidente da demarcação para tratamen
relação ao de outras. Na teoria, aqueles elementos que to do lábio leporino, a base alar é liberada dos seus liga-
apresentam um crescimento rápido (altura nasal e lar mentos que margeiam a abertura piriforme. Dissecamos
gura interalar) e que usualmente se tornam maiores a cruz lateral da cartilagem alar, o dômus ipso e contrala-
podem ser corrigidos em uma escala menor, ao passo teral e o esqueleto osteocartilaginoso do lado fissurado,
que os elementos que apresentam um crescimento que é separado do tecido subcutâneo. A cruz mediai do
menor e mais lento (largura da columela e protrusão lado deformado é liberada do septo narinário na porção
da ponta nasal) podem ser corrigidos no tamanho de inferior, ficando a cartilagem vascularizada pela mucosa
sejado ou um pouco maiores44. nasal e livre para uma rotação mais anatômica estabiliza
Para maior sucesso no tratamento precoce do na da e sustentada através de fixação com fio de náilon 5.0
riz fissurado, esses pacientes precisam ser preparados que, passando pelo subcutâneo, é fixada com pontos cap-
com ortopedia maxilar, alinhando-se os segmentos tonados na região do terço superior nasal, promovendo
ósseos da maxila e reduzindo-se o desvio do septo na- o deslocamento súpero-medial e anterior da cartilagem
sal20-61. deformada, o que propicia a reconstrução da válvula nasal
Alguns cirurgiões desenvolveram técnicas sofisti e simetrização narinária36 (Figs. 14-3 e 14-4).
cadas para a correção da deformidade nasal associada à No caso da fissura bilateral, o tratamento cirúrgi
fissura unilateral no tempo do reparo primário32"36,51,73. co precoce é determinado pela necessidade de melho
A correção nasal pode ser combinada com algu ra tanto da função como da estética nasal. Mc Comb
mas técnicas de reparação do lábio. A nossa opção é a sugere intervenção sobre a columela, principalmente,
associação da técnica de Mc Comb para fechamento o que requer dois estágios. No primeiro tempo, a colu
nasal com a técnica de Millard para fechamento labi- mela é alongada para liberação da ponta nasal e para per
ap2-36,39,40 mitir a subseqüente elevação da cartilagem alar. Seis se
Mc Comb, que teve a oportunidade de realizar manas após, procede-se ao reparo combinado nasolabial.
dissecções anatômicas de crianças recém-nascidas com Após a correção do nariz pela técnica descrita, o
fissuras labiais uni ou bilaterais, encontrou uma dis tratamento labial pode ser combinado com diferentes
200 Deformidades de Lábio e Palato

técnicas33"35. Optamos preferencialmente pela técnica


de Millard39,40,42. O fechamento do lábio se faz com a
preocupação de se conseguir a simetria alar e da base
nasal (Fig. 14-5).
Para fissura labial incompleta preferimos usar
a técnica de Millard I e, para fissura completa, a téc
nica de Millard II.

TRATAMENTO CIRÚRGICO
SECUNDÁRIO

Deformidade Unilateral

A literatura está repleta de técnicas que descrevem a cor


reção da deformidade nasal da fissura labial devido à com
plexidade de anormalidades anatômicas encontradas.
Há mais de 20 componentes anormais descritos
na deformidade nasal causada pela fissura labial. Em
Fig. 14-3. Representação esquemática de fixação da cartilagem bora sejam as anormalidades ocorridas no terço inferior
alar segundo McComb. do nariz as que mais estigmatizam a deformidade na-

fák^f

Fig. 14-4. Caso clínico em que se


empregou a técnica de Mc Comb.
Nariz de Fissurado 201

mim ^4U|y|

Fig. 14-5. Fissura labial


bilateral: tratamento
primário.

sal, estas deformidades resultam secundariamente ao têm descrito técnicas de reparo que dependem princi
subdesenvolvimento maxilar no lado fissurado, o que palmente do descolamento e reposicionamento das
leva a uma tensão muscular anormal que afeta o esque cartilagens deformadas presentes no lado fissurado
leto cartilaginoso nasal, levando à sua distorção, com (Figs. 14-7).
o subseqüente desenvolvimento da deformidade na As deformidades nasais dependem diretamente do
sal característica29,48,73,74 (Fig. 14-6). resultado do procedimento primário para o fechamen
O objetivo em qualquer reparo na deformidade to do lábio, posição da maxila e defeito alveolar21.
nasal da fissura unilateral é adquirir a máxima simetria As cartilagens alares fornecem a chave para o pro
possível entre o lado fissurado e o são. Muitos autores blema do fissurado labionasal. Normalmente, o dô-
202 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 14-6. Casos


clínicos de fissura
unilateral.
A. Em criança.
B. Em adulto.

Fig. 14-7. Enxerto cartilaginoso de ponta


nasal em seqüela de fissura unilateral -
caso clínico. A, C e D. Pré-operatório.
B, D. Pós-operatório.

mus das cartilagens encontra-se ao nível da junção dos Nesta correção utilizam-se técnicas como a des
terços médio e inferior da ponta nasal e localiza-se no crita por Blair (1925), em que se corrige o desloca
ponto mais alto da projeção nasal. No nariz do fissu mento inferior da cruz mediai, elevando-se o dômus
rado, a cartilagem alar está rodada caudalmente, de tal e estreitando a narina. Joseph (1931) propôs uma
forma que o dômus está retroposto e o nariz está alar correção com incisão na região dorsal do nariz esten
gado no lado fissurado. dida lateralmente, levantando o dômus e retirando
Pode-se corrigir a asa nasal como uma unidade. uma elipse de pele sobre a asa do lado afetado e Berke-
Esse método está indicado para os casos em que a prin ley (1959) associou as duas técnicas, usando a rotação
cipal deformidade se encontra na base alar e o dômus de Blair e a excisão de tecido de Joseph, elevando a
apresenta discreta assimetria. asa em bloco2.
Nariz de Fissurado 203

Esses métodos são criticados por alguns cirur todo o deslocamento da cartilagem comprometida até
giões devido à necessidade de incisões externas para a base alar na maxila. Roda-se a cartilagem, que é anco
a rotação em bloco da região e à limitação de resulta rada na cartilagem normal. A base alar é reparada com
dos21. zetaplastia20.
A anatomia estrutural da ponta nasal é facilmente Para assimetrias menores, pode-se utilizar a técni
acessível por incisões internas (inter e intracartilagino- ca de Straith (1946) de zetaplastia em dois níveis, pedi-
sas) ou marginais. culada na asa e na columela68.
Se essas incisões forem estendidas para baixo ao Ivo Pitanguy (1963) levanta toda a columela e asas
lado da columela até a base, uma dissecção cuidadosa nasais, através das incisões paramarginais, para facilitar
da pele da columela revelará a anatomia e a relação de a liberação, transposição e sutura das cartilagens ala
todas as partes com surpreendente clareza. Qualquer res, conseguindo, assim, melhor contorno da ponta
excesso de gordura nas cartilagens alares pode ser facil nasal. Por sua via de acesso na base alar e septo, combi
mente removido. A excelente circulação na área torna nada com incisões de lábio, utiliza o princípio de rota
esse acesso extremamente seguro13. ção e avanço com uso de retalho para construir o asso
Segundo Gillies (1932), uma incisão lateral à colu alho narinário53 (Fig. 14-8).
mela é utilizada para alongar esta região, que geralmente Rees (1966), com incisão na margem superior da
impede boa rotação da heminarina. A técnica é carac cartilagem alar por via intranasal, utilizou retalho con-
terizada pelo retalho de assoalho vestibular. É feito dromucoso de alar (Fig. 14-9). Os enxertos de cartila-

Fig. 14-8. Representação esquemática da técnica de Pitanguy (1963).


204 Deformidades de Lábio e Palato

Para auxiliar a projeção da ponta, pode-se confec


cionar um enxerto de ponta com o excesso de cartila
gem alar ou mesmo com cartilagem conchal. O enxer
to de ponta deve ser suturado cuidadosamente, para
que se mantenha na posição.
Gorney (1972) apresentou o uso de cartilagem de
concha auricular para enxerto de ponta nasal e corre
ção de pinçamento das alares. Segundo o autor, a car
tilagem teria a vantagem de não se modificar com o
crescimento nasal21.
Rees e Mclndoe (1959) sugerem a retirada total
da cicatriz21,37, redução nasal com encurtamento e, se
necessário, remoção da giba e fratura nasal; remode
lação da ponta nasal pela mobilização bilateral e rea-
linhamento simétrico das cartilagens alares distorci
das; ressecção submucosa do septo, se necessário, para
centralizar o nariz e melhorar as vias aéreas e trata
mento ou extração dos dentes envolvidos na hipo-
plasia maxilar.
Para melhor abordagem narinária, algumas téc
nicas com vias de acesso são descritas na literatura,
tais como a de Erich, que usa uma incisão em forma
de "asa de gaivota" ou arco. Expõe os ângulos carti-
laginosos através de uma secção da cruz mediai de
formada e reposiciona o dômus, com cicatriz resul
tante aparente não camuflada na margem superior
da narina16.
Potter (1954) manipula essas estruturas, reorgani
zando o dômus, principalmente para as grandes assi
metrias, por meio de uma incisão nas bordas internas,
Fig. 14-9. Representação esquemática da técnica de Rees (1966). margeando as asas e exteriorizando a columela. Tam
bém preconiza o fechamento em V-Y no vestíbulo nasal.
O retalho columelar descolado é bastante longo, po
gem são muitas vezes utilizados como complemento dendo ocorrer isquemia na região distai56. Figi se utili
nessas cirurgias. za de abordagem com retalho transcolumelar menor,
Millard (1954) utilizou cartilagem septal na dobra terminando na metade superior da columela. A inci
da cartilagem alar e ressecção do excesso de base alar3942. são na região columelar é arqueada, simétrica, poden
Fomon, Bel e Siracusa (1956) usaram enxertos car- do deixar o estigma da cicatriz18.
tilaginosos sobre a cruz lateral, espinha nasal anterior Nós optamos por uma incisão que margeie os
e columela21. bordos internos das asas, exteriorizada no terço su
Musgrave (1960) usou vários fragmentos de carti perior columelar em forma de arcos discêntricos di
lagem superpostos para projetar a região do dômus48. ferentemente de Figi (Fig. 14-10). Isso nos permite,
Converse (1964) modificou a técnica de Gillies e além de boa exposição das cartilagens, um excelente
Kilner para aumentar o dômus através de uma incisão resultado da cicatriz (na columela e camuflada sob a
intercartilaginosa para liberação das cartilagens alares. asa nasal), posicionada de maneira assimétrica, sem
Obtinha o novo joelho através de múltiplas incisões traços que lembrem uma intervenção cirúrgica e sem
sobre a cartilagem alar, o que facilitava a moldagem e comprometimento vascular. Descolamos as duas car
ancorava na cartilagem normal na nova posição. Após, tilagens alares.
ressecava a pele caudal do lado não-afetado e a enxer- Individualizamos a cartilagem alar do lado fissu
tava no dômus do lado afetado. A abertura da face rado, liberando os seus ligamentos laterais e seccio-
lateral da columela é corrigida com enxerto composto nando a cruz mediai na sua porção mais distai, per
auricular8. manecendo unida apenas ao tecido mucoso, possibi-
Nariz de Fissurado 205

Fig. 14-10. Representação esquemática de vias de acesso para o tratamento das cartilagens alares nas deformidades do nariz fissurado.
A. Erich. B. Potter. C. Incisão modificada.

fitando assim, mobilidade suficiente para o reposicio O baixo fluxo aéreo resultante impediria o crescimen
namento em posição mais anatômica dessa cartilagem to dos seios da face e, conseqüentemente, levaria ao
e a fixação por meio de sutura à cartilagem contralate- hipodesenvolvimento ósseo do terço médio da face.
ral com fio de náilon incolor 5.0. Este seria o motivo para a intervenção precoce nas áre
Se existe uma assimetria significativa, ela deve ser as causadoras de obstrução50-51.
enfocada diretamente. Na deformidade unilateral, a
cartilagem alar pode ter a cruz lateral significativamente
mais estreita do que a do lado oposto. Para correção
dessa assimetria, o "excesso relativo" do lado normal é ABORDAGEM SOBRE

ressecado e armazenado para uso posterior no lado HIPODESENVOLVIMENTO ÓSSEO


fissurado ou no dômus, se necessário. Se houver ne O hipomaxilismo é uma das seqüelas mais importan
cessidade de maior projeção da cruz lateral, pode-se tes da fissura labiopalatal. O assoalho narinário deve
utilizar enxerto de concha auricular. ser abordado de modo a adequar a simetria com o
Uma vez obtido a igualdade dimensional, deve-se lado oposto. A técnica de Ragnell (1946) utiliza mús
avaliar o grau de disparidade posicionai do lado fissu culos da própria região e faz a rotação de retalho mus
rado e corrigi-lo13. cular do lábio superior situado verticalmente, abaixo
Se houver um desvio de septo acentuado, uma da cicatriz da queiloplastia, fixando-o sob a base da
septoplastia, com ou sem reposicionamento da cartila narina22-58.
gem quadrangular na canaleta vomeriana, é indicada. Havendo suficiente cobertura de tecidos moles,
Através de incisão paramarginal, rodamos a asa um enxerto ósseo pode ser usado ou, se a deficiência
nasal, podendo ou não ressecar um pequeno triângulo for profunda, deve-se considerar uma cirurgia ortog
de mucosa do assoalho nasal, para um equilíbrio mais nática para avanço do maxilar (na fase adulta)'8.
adequado da abertura narinária no lado acometido (Fig. O objetivo dos tratamentos visa a um aumento
14-11). da projeção anterior do andar médio da face, princi
palmente ao nível da abertura piriforme, por meio do
acréscimo de partes moles ou tecido ósseo21.
ABORDAGEM DA REGIÃO SEPTAL
Farrior (1962) colocava osso ou cartilagem septal
Atualmente há discordância com relação à época ideal sobre a abertura piriforme17.
para o tratamento do septo nasal. Alguns preconizam Spina (1968) propôs o uso de cartilagem costal
a espera do desenvolvimento completo dessa estrutu para melhor projeção nasal61,62.
ra, o que ocorre em torno dos 16 anos de idade. A Converse (1971) usava o osso ilíaco como enxertoy.
partir de então, procede-se ao tratamento através de Optamos, devido às características histológicas
uma septoplastia e, quando necessário, à ressecção sub- semelhantes, por utilizar o enxerto ósseo de calota cra
mucosa osteocartilaginosa da obstrução nasal causada niana para projeção do hemiarco maxilar deprimido,
pela deficiência da válvula, associada ao desvio septal. principalmente nos casos em que haverá migração dos
206 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 14-11. Caso clínico em que, após enxertia óssea de


calota craniana em hipomaxilismo causado por seqüela
de fissura unilateral, houve migração dos dentes através do
tecido enxertado. A e B. Pré-operatório. C. Marcação
cirúrgica de lábio e nariz. D. Queiloplastia secundária e
enxerto cartilaginoso para ponta nasal, após descolamento
e reposicionamento da cartilagem alar do lado fissurado no
contralateral, pela incisão modificada de Figi. E. Enxerto de
calota craniana para o soalho nasal. F. Raios X
pré-operatório. G. Raios X pós-operatório mostrando
migração dentária através do enxerto ósseo.
Hei. Pós-operatório.
Nariz de Fissurado 207

dentes definitivos na região da fenda, que foi preen Blair (1950) descreveu o "V-Y" na ponta nasal atra
chida com osso medular. vés de uma incisão em "asa de morcego" para exposição
Psillakis (1977) propõe, para a correção da retro da cruz mediai bilateralmente, reposicionamento e novo
posição da região nasal, osteotomias de avanço do ter ângulo das partes mediai e lateral da cartilagem alar21.
ço médio da face, com melhora acentuada do perfil e Converse (1957) propôs um avanço em "V-Y" do
mesmo de eventuais distúrbios respiratórios ou das retalho de columela com extensão para o septo cartila
distrações ósseas sobre o terço médio21,55. ginoso9 (Fig. 14-13).
A técnica apresentada por Cardoso em 1956 e aper
feiçoada por Cronin em 1958 destaca-se pela utilização9
Deformidade Bilateral
de tecido do soalho vestibular bilateralmente, com ro
Na deformidade bilateral, o objetivo é buscar uma tação da columela superiormente, ao mesmo tempo em
maior projeção da ponta nasal e altura do dorso13'30-33"35. que se faz um estreitamento das narinas. Duas incisões
O acesso ao estigma bilateral deve variar com o paralelas formam dois retalhos bipediculados rodados
grau de deformidade, mas há dificuldades particulares: para a linha média, alongando a columela e projetando
a ponta nasal. A primeira incisão forma um V na base
• Uma columela muito mais curta.
da columela, estendendo-se às asas nasais com vértice
• Cavidades narinárias horizontalizadas.
orientado para a ponta nasal. A segunda incisão inicia-
• Soalho narinário insuficiente. se entre o septo e o subsepto e estende-se para o vestíbu
• Segmento maxilar central instável (pré-maxila). lo até a asa nasal. Completa-se a cirurgia com um fecha
mento em 'V-Y" na base da columela e a retirada de um
• Duas cicatrizes verticais no lábio superior, as quais
podem apresentar contratura. triângulo de compensação na área das cicatrizes21 (Fig.
14-14). Pode ser feita incisão lateral na asa, para facilitar
A despeito do método a ser utilizado, o plano a rotação dos casos mais acentuados.
cirúrgico de reconstrução deve priorizar uma aproxi
mação da aparência normal no menor número de está
ABORDAGEM SOBRE A COLUMELA:
gios cirúrgicos com o menor número de procedimen
tos (Fig. 14-12). RECONSTRUÇÃO COM RETALHOS LABIAIS
O cirurgião deve ter em mente as variações de Alguns autores basearam suas técnicas no princípio de
forma nasal normais em relação à etnia do paciente. avanço em "V-Y" do lábio superior central, como Gen-
Por exemplo, em pacientes orientais uma projeção na soul (1833) e Gillies (1932)19 (Fig. 14-15).
ponta nasal é menos importante do que em pacientes Brown e McDowelI (1941) modificaram a técnica
caucasianos. Em pacientes da raça negra, os vestíbulos preconizada por Blair do retalho em três folhas, que
nasais orientados mais horizontalmente são mais acei alongava a columela mas encurtava o comprimento
táveis como normais13. O reparo da deformidade nasal vertical do lábio, diminuindo a extensão do retalho3.
é desafiador devido a várias técnicas descritas na litera Potter, através da técnica descrita para deformida
tura, e o sucesso funcional e estético é inversamente de unilateral e prolongamento das incisões laterais da
proporcional à severidade da deformidade: "... uma vez columela em direção ao lábio superior, transporta teci
que se entende em medicina que essa fartura é sinal de do do filtro labial à columela com fechamento em V-Y.
escassez, ou seja, tantos procedimentos podem signifi Mark e Mayer (1957) utilizaram dois retalhos ver
car não ter surgido ainda o método ideal37". ticais que giram 90 graus e são suturados em "Z" na
As fissuras labiais bilaterais têm sido tratadas por base da columela para o seu alongamento21.
inúmeras técnicas, evidenciando quão difícil é a sua Millard (1958) preconizou uma técnica em que se
reparação, principalmente devido ao encurtamento da utiliza tecido cicatricial, o retalho em forquilha para
columela, o que impede o crescimento e o desenvolvi os casos em que o prolábio é largo, com bom volume,
mento normais das estruturas nasais. ponta nasal achatada e columela necessitando de um
alongamento maior do que 9mm3942.
Em 1971, Millard propôs o reparo labial em dois
RETALHOS PARA A COLUMELA:
estágios, em que deixava o retalho em forquilha re
RECONSTRUÇÃO COM RETALHOS NASAIS. dundante na região vestibular bilateralmente para ser
A deformidade na columela (encurtamento) pode ser usado num segundo estágio a partir de 30 dias, alon
corrigida por técnicas utilizadas para corrigir peque gando a columela pela técnica de Cardoso-Cronin. Esta
nas deformidades com retalhos nasais. técnica é indicada para prolábios largos9.
208 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 14-12. A, C e E. Pós-operatório de tratamento das cartilagens alares (cruz lateral), pela exorrino, alongamento columelar, tratamento
do septo cartilaginoso e fratura dos ossos nasais, aos 16 anos. B, D, e F. Bom resultado conseguido pós-queiloplastia secundária,
reconstrução do filtro com enxerto de cartilagem auricular, adelgaçamento da columela e mentoplastia de aumento, aos 21 anos de idade.

Quando a seqüela é caracterizada por columela enchimento do lábio superior, quando o prolábio fora
extremamente curta, lábio superior delgado e encurta utilizado para reconstrução columelar8-69.
do, transversalmente em relação ao lábio inferior, é
indicado o retalho de rotação de lábio inferior de Abbé,
pois a utilização de qualquer tecido do lábio superior ABORDAGEM SOBRE A PONTA NASAL

já diminuído iria comprometer o resultado. Uma das formas de enxerto usada foi preconizada por
Alguns autores, como Paul Tessier e Converse Sheen (1975), que acrescentava cartilagem de septo sobre
(1964), utilizaram o retalho de lábio inferior para pre o dômus por meio de uma incisão lateral à columela.
Nariz de Fissurado 209

Fig. 14-13. Representação esquemática da técnica de Converse.

Fig. 14-14. Representação esquemática


da técnica Cardoso-Cronin.

Por meio de qualquer método, uma forma mais efi cartilagem ou enxerto ósseo pode ser eventualmente
ciente, dependendo do caso, de se adquirirem resultados usado para aumentar a projeção nasal13.
permanentes e estabilidade estrutural é utilizar-se de um Uma narina simétrica é obtida pela suspensão da
enxerto de cartilagem instalado entre as cruzes mediais. cartilagem alar deformada nas direções anterior e su
Esta estrutura deve ser fixada na espinha maxilar e deve perior33'35.
ser fina o suficiente para não deixar a columela muito Apesar de a mobilização da cartilagem alar e téc
larga e forte o suficiente para sustentar a ponta nasal. nicas de suspensão por meio de suturas serem conside
Se, após correção da deficiência de ponta, a pirâ radas suficientes para um método apropriado de trata
mide nasal parecer inadequada, um enxerto dorsal de mento, os pacientes orientais, com cartilagens finas e
210 Deformidades de Lábio c Palato

A técnica mais simples de correção é a ressecção


em meia-lua da asa e sutura.
Joseph (1931) descreveu o duplo "Z", usado tanto
para alargar como para estreitar narinas alargadas, com
o inconveniente de aumentar o número de cicatrizes2"1.
Outro método a ser utilizado é a sutura das asas nasais
sob a columela, após desepitelização na região vesti
bular, avançando os dois retalhos para a linha média22.

Fig. 14-15. Técnica de Gillies.


REFERÊNCIAS
Almeida SG. Fissura palatina. //;; Mélega JM, Zanini AS, Psi
llakis JM. Cirurgia Plástica. Reparadora e Estética. 2 ed., Rio de
Janeiro: MEDSI, 1992;.?5:275-83.
Berkeley WT. The cleft lip nose. Plast Reconstr Surg 1959;
23:567.

3, Brown JB, McDowelI F. Secondary repair cleft lips and tlieir


nasal deformities. Ann Surg 1941;/74101.
4. Capelozza FL, Alvares ALG, Rossato C etai.Conceitos vigentes
na etiologia das fissuras lábio-palatinas. Rev Brás Cir 1988;78(4).
5. Cardoso AD. Memória do VIII Congresso Latino-Americano
de Cirurgia Plástica, 1956:240.
6. Carneiro J, Junqueira LC. Histologia Básica. 6ed., Rio de Janei
Fig. 14-16. Seqüela de fissura bilateral -alargamento de narinas. ro: Editora Guanabara-Koogan. 1985.
7 Carreirão S, Pitanguy I. Tratamento da fissura palatina. Concei
tos atuais. Rev Brás Cir 1989;79(6).
subdesenvolvidas e pele fina e tensa, freqüentemente 8 Converse JM. Reconstructive PlasticSurgery. Philadelphia: Saun
evoluem com relaxamento da cartilagem alar de sua ders 1977:2.176.

posição correta37•:",•:,7•6''. 9. Cronin TD. Lengthening the columella by the use of skin from
Se não houver adição de suportes estruturais ao the nasal floor and alar. Plast Reconstr Surg 1957\20A6G.
esqueleto nasal, pode ocorrer a vulnerabilidade da car 10. Cutting C, Grayson B. The prolabial unwinding flap method
for one-slagc repair of bilateral cleft lip nose and alvcolus. Plast
tilagem reposicionada em face a fatores intrínsecos, Reconstr Surg 1993;91:37.
como a "memória da cartilagem", e extrínsecos, resul 11. Cutting C, Grayson B, Brecht L et ai. Presurgical columellar
tantes do processo de cicatrização e de tensão muscu elongation and primary retrograde nasal reconstruction in one-
lar inequivalente12'64-72. stage bilateral cleft lip and nose repair. Plast Reconstr Surg
Essas forças intrínsecas e extrínsecas resultarão, 1998; 102:1.339.

com o tempo, em uma quantidade inevitável de deslo 12. Deguchi M, Shirakabe T Rhinoplasty in Orientais. Probl Plast
Reconstr Surg 1991;7:552.
camento da cartilagem reposicionada, levando a varia
13. Dencck HJ, Meycr R. Plastic Surgery of Head and Neck.
dos graus de recorrência da deformidade.
1967:224.
Para resolver esse problema, Tajima c Maruyama
14. Duffy MM. Restoration of orbicularís oris muscle continuity
elevaram o retalho15,72 condromucocutâneo, suspen in lhe repair of bilateral cleft lip. BrJ PlastSurg 1971;?4:48.
deram a cartilagem alar do lado fissurado e a sutura- 15. Erich JB. A technique for correcting a flat nostril in cases of
ram à cartilagem alar normal. Para a projeção da ponta repaired harelip. Plast Reconstr Surg 1953;12:320.
usaram enxerto ósseo da calota craniana, que serve 16. Farrior RT The problem ofthe unilateral cleft lip nose: a com-
como uma sustentação rígida e mais forte para a sus positeoperation for revisionofthe secondarydeformity. Laryn-
pensão da cartilagem e tecidos moles. goscope 1962;72:289-352.
17. Farkas LG, Flajnis K, PosnickJC. Anthropometric and anthro-
poscopic findings ofthe nasal and facial region in cleft patients
ABORDAGEM SOBRE O ALARGAMENTO DAS before and after primary lip and palate repair. Cleft Palate Cran
NARINAS iofac f 1993;iftl.
Figi FA. The repair of secondarycleft lip and nasal deformities.
Os casos de alargamento das narinas podem ser corri J Internai Col Surg 1952;/7:297.
gidos com zetaplastia ou excisão e rotação de retalho 19 Gillies MD, Kilner TP. Harelip. Operation for the correction of
(Fig. 14-16). secondary deformities. Lancei 1932;2:1369.
Nariz de Fissurado 211

20. Grabb WC. General Aspects of Cleft Palate Surgery. Boston: 43. Morales L, Blushke JS. Intermediate cleft rhinoplasty: Philoso-
Little, Brown, 1971. phy, timing and technique. Facial Plastic Surg Clin NorthAm
21. Hvenegaard P, Mélega JM. In:Mélega JM, Zanini AS, Psillakis 1996;4:343-50.
JM. Cirurgia Plástica. Reparadora e Estética. 2 ed., RiodeJanei 44. Mulliken JB. Bilateral complete cleft lip and nasal deformity.
ro: MEDSI, 1988:673-85. An anthropometric analysis of staged to synchronous repair.
22. Lofíego JL.Fissura Lábio-Palatina. Avaliação, Diagnóstico e Tra Plast Reconstr Surg 1995;96:9.
tamento Fonoaudiológico. Rio de Janeiro: Revinter, 1992. 45. MullikenJB. Correction ofthe bilateral cleft lip nasal deformi
23. JosephJ. Nasenplastik andSontige Gesichtsplastic nebst Mam- ty. Evolution of a surgical concept. Cleft Palate Craniofac J
maplastik. Leipzig, Curt Kabitzsch,1931. 1992;29:540.

24. Kernahan DA, Rosenstein SW. A system of management. In: 46. MullikenJB. Primary repair of bilateral cleft lip and nasal de
Cleft Lip and Palate. USA: William & Wilkins, 1990. formity. In: Georgiade GS, Riefkohl R, Levin LS (eds.). Georgia
de Plastic and Reconstrutive Surgery, 3 ed., Baltimore: Will
25. Kernahan DA, Bauer BS, Harris GD. Experience with the Taji- iams & Wilkins, 1997:230-8.
ma procedure in primary and secondary repair in unilateral
cleft lip nasal deformity. Plast Reconstr Surg 1980;66:46. 47. MullikenJB, Burvin R, Farkas LG. Repairof bilateral complete
cleft lip: Intraoperative nasolabial anthropometry. Plast Re
26. Kohout MP, Monasterio AL, Farkas LG, Mulliken JB. Photo- constr Surg 2001; 107:307.
grammeteric comparison of two methods for synchronous re
48. MusgraveRH, Depertuis SM. Revision ofthe unilateral cleft lip
pair of bilateral cleft lip and nasal deformity. Plast Reconstr
Surg 1998;702:1.339.
nostril. Plast Reconstr Surg 1960;25:223.
49. Neuner O. The functional and cosmetic treatment of cleft lip
27. Lehman JA. Orthognathic surgery. Clinics in Plastic Surgery
and palate. Excerpta Medica Foundation, International Con
1989; 76(4).
gress Series, 1967;141:118.
28. Lessa S, Carreirão S. Tratamento das Fissuras Lábio-palatinas.
50. Ortiz-Monasterio F, Olmedo A. Corrective rhinoplasty before
Rio de Janeiro: Interamericana, 1981.
puberty:A long term follow-up. PlastReconstr Surg1981;68:3% 1.
29. Lessa S. Fissura labial unilateral. In: Mélega JM, Zanini AS,
51. Ortiz-Monasterio F. Rhinoplasty in the cleft-lip patient. In:
PsillakisJM. Cirurgia Plástica. Reparadora e Estética. 2 ed., Rio
Rhinoplasty. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1994:219-50.
de Janeiro: MEDSI, 1992:261-9.
52. Phillips JH, Rahn BA.Fixation effects on membranous and
30. Lodovici O. Fissura labial bilateral. In: Mélega JM, Zanini AS,
endochondral onlay-bone graft resorption. Plast Reconstr Surg
Psillakis JM, 2 ed. Cirurgia Plástica. Reparadora e Estética. Rio
1988;&?:872.
de Janeiro: MEDSI, 1992:269-75.
53. Pitanguy I. Rhino-cheilo-plastie à Ciei Ouvert dans lês Sequelles
31. Marcks KM, Trevaskis AE, Payne MJ. Elongation of the col
du Bec-de-Lièvre. Ann Chir Plast 1963;<S(1):47.
umella by flap transfer and Z-plasty. Plast Reconstr Surg
1957;2ft466. 54. Potter J. Some nasal tip deformities due to alar cartilage abnor-
malities. Plast Reconstr Surg 1954;73:358.
32. Mc Comb H. Primary correction of unilateral cleft lip nasal
deformity: A 10-year review. Plast ReconstrSurg 1985;75:791. 55. Psillakis JM, Albano AM, Zanini S, Casa A, Lasco G. Osteoto-
mia do terço médio da face em seqüela de fissura lábio palatina.
33. Mc Comb H. Primary repair ofthe bilateral cleft lip nasal defor
RevAss Med Bra 1978;24(5).
mity: A 10-year review. Plast Reconstr Surg 1986;77:701.
56. Ragnell A. Treatment of secundary deformity in case of hare
34. Mc Comb H. Primary repair ofthe bilateral cleft lip nose: A 4- lip. Med Presse 19A6;281.
year review. Plast Reconstr Surg \994;94:37.
57. Rees TD, Guy CL, Converse JM. Repair of the cleft lip-nose:
35. Mc Comb H. Primary repair ofthe bilateral cleft lip nose:A 15- Addendum to the synchronous technique with full-thickness
year review and a new treatment plan. Plast Reconstr Surg skin grafting of the nasal vestibule. Plast Reconstr Surg 1966;
1990;£6:882.
37:47.
36. Mc Comb H. Treatment of the unilateral cleft lip nose. Plast 58. Roxo CE, Mélega JM. Deformidades secundárias de lábio e
Reconstr Surg 1975;55:596. palato. In:Mélega JM, Zanini SA, Psillakis JM. Cirurgia Plásti
37. Mclndoe A, Rees TD. Synchronous repair of secondary defor ca. Reparadora e Estética. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1992;
mities in cleft lip nose. Plast Reconstr Surg 1959;24:150. 36:2.283-91.

38. Mélega JM, Camargos AG. Fissuras de lábio e palato. Introdu 59. Salyer KE. Primary correction of the unilateral cleft lip nose:
ção. Embriologia da cabeça e pescoço. In: Mélega JM, Zanini A15-year experience. Plast Reconstr Surg 1986;77:558.
AS, PsillakisJM Cirurgia Plástica. Reparadora e Estética. 2 ed., 60. -SkoogT. Repair of unilateral cleft lip deformity: Maxilla, nose
Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:247-61. and lip. ScandJ Plast Reconstr Surg. 1980;6<5:46.
39. Millard HD. Diagnóstico Oral. 4 ed., Rio de Janeiro: Guanaba- 61. Spina V. Repair of unilateral cleft lip nose. Cleft Palate J
ra-Koogan, 1976. 1968;5:356.
40. Millard DR. Cleft Craft. The Evolution of Its Surgery. The 62. Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classificação das
unilateral deformity. Boston: Little, Brown, 1976, v.l. fissuras lábio-palatinas. Sugestão de modificação. RevHosp Clin
41. Millard DR. Cleft Craft. The Evolution of Its Surgery. The Fac Med São Paulo 1972;^7:5-6.
bilateral deformity. Boston: Little, Brown, 1976, v.2. 63. Spivia M, Stall S. Pediatric plastic surgery: Timing and tech
42. Millard DR. Closure of bilateral cleft lip and elongation of niques. Clin Plast Surg 1990;7^1).
columella by two operations in infancy. Plast Reconstr Surg 64. Song IC. Changing concepts in cosmetic rhinoplasty in Orien
I97l;47:324. tais. Plast Reconstr Surg 1991;7:5-772.
212 Deformidades de Lábio e Palato

65. Stenstrom SJ. Follow-up clinic: The alar cartilages and nasal 71. Tressera LL Tratamiento Del LábioLeporino y Fissura Palatina.
deformity in unilateral cleft lip. Plast Reconstr Surg 1975; 1 ed., Barcelona: Editorial Jims. 1977.
55:359. 72. Uhm Kl, HwangSH, Choi BG. Cleft lip nose correction with
66. Stenstrom Sj, Oberg T. The nasal deformity in unilateral cleft onlay calvarial boné graft and suture suspension in Oriental
lip. Plast Reconstr Surg 1961;2&295. patients. Plast Reconstr Surg 2000;705:499.
67. Stenstrom SJ. The alar cartilage and the nasal deformity in 73. Velasques JM, Ortiz-Monasterio F. Primary simultaneous cor
unilateral cleft lip. Plast Reconstr Surg 1966;3&223. rection of the lip and nose in the unilateral cleft lip. Plast
68. Straith CL Elongation of nasal columella. Plast Reconstr Surg Reconstr Surg 1974;54558.
1946; 7:79. 74. VissarionovVA. Correction ofthe nasal tip deformity following
69. TakatoT, Yonchara Y, SusamiT. Earlycorrection ofthe nose in repair of unilateral cleft of the upper lip. Plast Reconstr Surg
unilateral cleft lip patients using na open method: AlO-year 1989;53(2).
review. / Oral MaxillofacSurg 1995;53:28. 75. Wilkie TF. The alar shift revisited. BrJ PlastSurg 1969;33:70.
70. Tessier P, Tulasme JF. Secondary repair of cleft lip deformity. 76. Zanini SA. Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. 1 ed.,
Clin Plast Surg 1984;77(4):747. Rio de Janeiro: Ed. Revinter, 1990.
Deformidades Secundárias
e Seqüelas de Fissuras
Labiopalatais

Marcas Vinícius Martins Collares


Luis Carlos Acevedo Rangel

INTRODUÇÃO seqüelas do tratamento da fissura labiopalatal. Os de


feitos podem variar desde um pequeno excesso no
As cicatrizes resultantes de uma adequada correção da vermelhão, tratado numa cirurgia mínima, até casos
fissura labiopalatal (FLP) nos primeiros meses de vida em que é necessário reoperar totalmente o lábio e o
são superiores àquelas conseguidas mais tarde, numa nariz. A idade do paciente também influenciará a ex
cirurgia secundária. Sabe-se que os resultados concer tensão e a necessidade de procedimentos. A importân
nentes à emissão vocal e ao crescimento facial tam cia da participação de profissionais de outras especiali
bém são superiores quando o paciente é submetido a dades ou áreas da saúde sempre merece ser enfatizada
cirurgias únicas para correção de cada deformidade, (Fig. 15-1).
uma para o lábio-nariz, outra para a fissura palatal. O
acréscimo de cirurgias é um dos fatores mais deletérios
para que se alcance o melhor resultado na reabilitação
dos pacientes com FLP. Esses fatos acentuam claramente
a necessidade de se evitar um segundo reparo, da cor
reção da deformidade na primeira chance. Outro fa
tor importante é o número de intervenções em FLP
que o cirurgião executa anualmente. Cirurgiões que
fazem menos de 20 procedimentos/ano não deveriam
operar FLP.
Entretanto, mesmo quando confrontados com
um caso secundário difícil, mediante correto diagnós
tico dos defeitos remanescentes, escolha da técnica ci
rúrgica mais apropriada, uma execução meticulosa e
orientação pós-operatória cuidadosa, podemos obter
resultados muito satisfatórios.
O tratamento dessas deformidades dependerá de Fig. 15-1. Fissura labiopalatal (FLP) operada oito vezes, não em
onde o paciente se encontra no amplo espectro das centro especializado. Mau resultado geral.

213
214 Deformidades de Lábio c Palato

Por esses motivos, a técnica de rotação e avanço


LÁBIO
(Millard) parece ser a ideal para a revisão do lábio. Ela
Para avaliação correta da deformidade secundária da permite que situemos a cicatriz do lábio na melhor
fissura labial, seja ela unilateral ou bilateral, o nariz localização possível, ao longo da crista filtrai. Ela tam
deformado deve ser colocado em sua posição normal, bém nos permite controlar o alongamento do lábio.
tracionando-se superiormente e de forma suave a rima O retalho em C pode ser usado para alongar a colume
nasal com um gancho cego, até que seja obtida sime la no lado da fenda ou aumentar o assoalho da narina
tria ou alcançada uma posição correta da ponta nasal. diretamente ou com a ponta do retalho desepiteliza-
Desse modo, pode ser apreciado o verdadeiro encurta do. Isto é planejado depois que o lábio é medido, para
mento do lábio (Figs. 15-2 e 15-3). assegurar simetria (Figs. 15-4 a 15-7).
Ao avaliar a deformidade labial, devemos estar Depois de os retalhos cutâneos serem cuidadosa
atentos aos seguintes conceitos: simetria em geral, al mente marcados e incisados, o músculo orbicular é
tura do lábio, filtro, espessura do vermelhão, função dissecado e reconstruído como na fenda primária. São
muscular e linha cutaneomucosa. suturadas a pele do lábio e a mucosa; a ponta do reta
lho em C pode ser apoiada na columela, para que esta
alcance o comprimento adequado no lado da fissura.
Deformidade Unilateral Se isso não for necessário, o retalho C pode ser coloca
A função e a posição do músculo orbicular devem ser do no assoalho da narina, ou pode ser desepitelizado e
avaliadas, pois a correção de qualquer deformidade aí inserido debaixo da pele do assoalho da narina, para
localizada deve ser planejada cuidadosamente. A altu dar volume.
ra, a direção e o embricamento das fibras e a espessura Se o nariz for assimétrico, isto deverá ser corrigi
do lábio devem ser restabelecidos. O comprimento da do antes de o lábio ser fechado. Sc uma fistula estiver
columela e a distância da base da columela à base alar presente, ou se houver outras razões para o enxerto de
são comparados com o lado normal. Essas medidas osso, isto é executado simultaneamente com revisão
determinarão como o retalho C será usado na recons de tecido brandos.

trução. A espessura e a exposição do vermelhão tam


bém devem ser comparadas com o lado sadio. Irregu
Deformidade Bilateral
laridades na linha cutaneomucosa devem ser detecta
das. A largura, simetria e linearidade do filtro são im A revisão da fissura labial bilateral segue os mesmos
portantes para obtenção da tão desejada simetria. princípios da revisão da fissura unilateral. O encurta-

Fig. 15-2. A técnica de rotação e


avanço de Millard é uma ótima opção,
também, nos casos secundários.
Fig. 15-3. A tração para simetrizar a
projeção da ponta nasal revela o
verdadeiro defeito labial.
Deformidades Secundárias e Seqüelas de Fissuras Labiopalatais 215

Fig. 15-4. FLP secundária -


pré-operatório, técnica de Millard, lábio
curto, nariz mal rotado, alar desabada.
Fig. 15-5. FLP secundária -
pós-operatório, técnica de Millard +
McComb 4- ortodontia + enxerto
ósseo alveolar.

Fig. 15-6. FLP secundária -


pré-operatório, retração no vermelhão,
nariz desabado. Fig. 15-7. FLP
secundária - pós-operatório, Millard +
dissecção e sutura interna das alares +
ortodontia + enxerto ósseo alveolar.

mento do lábio e da columela, a função do orbicular e Se a mucosa do prolábio permanecer deficiente,


a posição das bases de alar são avaliados, assim como retalhos triangulares em ilha da mucosa, baseados no
os detalhes de vermelhão, filtro, prolábio e linha cuta músculo de orbicular, podem ser avançados dos seg
neomucosa. Na maioria das ocasiões, o lábio é total mentos laterais de lábio em forma de V-Y (Kapetansky).
mente dissecado e o segmento central (prolábio), es No caso bilateral, é adiada a melhor correção da ponta
treitado. Isto forma retalhos laterais (forked flaps ou nasal até que o alongamento columelar tenha sido exe
C) que podem ser usados, agora ou depois, para alon cutado. Novamente, se houver necessidade de enxerto
gamento da columela. Considerando que o alongamen ósseo nos alvéolos, este é considerado o melhor mo
to simultâneo requer separação do prolábio da base mento para realizá-lo.
da columela, é mais conveniente postergar a cirurgia da
columela para uma data posterior. As pontas do reta
Pequenas Cirurgias
lho em C são armazenadas, e o músculo orbicular é
dissecado e suturado. Retalhos de vermelhão proveni Muitas vezes, a deformidade secundária é pequena. O
entes dos fragmentos laterais são usados para recons resultado geral do procedimento primário é bom, per
truir a forma e o volume do vermelhão no prolábio. manecendo pequenas assimetrias de posição e/ou vo
A linha cutaneomucosa do prolábio é mantida intacta lume. Alguns exemplos são: excessos no vermelhão,
(Figs. 15-8 a 15-10). desencontro na linha cutaneomucosa, depressões na
216 Deformidades de Lábio c Palato

Fig. 15-8. FLP secundária, bilateral.


Lado esquerdo operado primariamente
em outro hospital. Lado direito operado
em nosso hospital. Notar o
posicionamento adequado de lábio e
nariz à direita. A columela sempre
necessita de alongamento, mesmo com
a cirurgia primária correta. Fig. 15-9.
FLP secundária - pós-operatório. Forked-
flap armazenado ã direita, forked-flap à
esquerda. Notar melhora significativa na
simetria geral, inclusive no tubérculo
central do vermelhão.

base da narina e falta de profundidade no sulso gengi


volabial.
Não é necessário refazermos toda a cirurgia nesses
casos. Ressecções parciais ou retalhos em V-Y podem
equilibrar o vermelhão. A continuidade da linha cuta
neomucosa pode ser conseguida com uma Z-plastia
ou com uma ressecção em losango bem planejadas. As
depressões na base da narina podem ser tratadas com
ressecção e avanço da ponta do retalho em B, elevação
da ponta do retalho e retalho local (de músculo ou
subcutâneo) para o preenchimento, ou até mesmo
enxerto de gordura, e o aprofundamento do sulco pode
ser conseguido com avançamento de retalhos locais
Fig. 15-10. Marcação dos retalhos e direção de deslizamento. (Figs. 15-11 e 15-12).

Fig. 15-11. Z-plastia na linha cutaneomucosa.


Deformidades Secundárias c Seqüelas de Fissuras Labiopalatais 217

Retalho de Abbé

Esta técnica é muito útil em lábios superiores muito


estreitos em que uma grande quantidade de tecido foi
sacrificada no procedimento inicial ou ainda quando
o prolábio tem muitas cicatrizes. O "retalho em san
duíche" é aconselhado por Jackson e Soutar (1980),
porque assegura a função normal do lábio superior. O
retalho de Abbé é excelente também por permitir o
uso do prolábio para reconstrução da columela no caso
bilateral. O retalho deve ser desenhado com o centro
na linha média do lábio inferior e é baseado na artéria
coronária labial (Figs. 15-13 a 15-21).
Esse método deve ser reservado para situações mais
extremas, em que opções mais simples não possibili
tem um ganho efetivo no lábio e no nariz simultanea
mente.

O retalho de Abbé, quando usado unilateralmen-


te, nunca proporciona uma simetria adequada; por
tanto, o seu uso deve ser evitado em casos unilate
rais.

Fig. 15-12. Ressecção de fuso por excesso de vermelhão. Marca


ção de retalho de pedículo superior para corrigir excesso cutâneo
no triângulo de partes moles. Evitar cicatriz na rima nasal.

A
Fig. 15-13. Marcação do retalho de Abbé, Fig. 15-14. FLP secundária bilateral, pré- Fig. 15-15. FLP secundária, bilateral, pós-
central, espessura total, pedículo para o lado operatório. operatório. Retalho de Abbé + alongamen
da intubação orotraqueal. to da columela com prolábio + rinoplastia
aberta, descolamento, reposicionamento e
sutura das cartilagens alares. Cicatrizes ain
da imaturas em 6 meses de pós-operatório.
218 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 15-16. Pós-operatório. Notar a sime Fig. 15-17. Pós-operatório. Notara ótima Fig. 15-18. Transoperatório mostrando a
tria geral, excelente reconstrução das vál projeção da ponta, naturalidade da columela dissecção intercaríilaginosa e a ressecção
vulas nasais. alongada. de tecidos moles nesta região.

Fig. 15-19. Transoperatório. Sutura direta Fig. 15-20. Transoperatório. Aspecto final, Fig. 15-21. FLP secundária, bilateral. Pós-
da cruz mediai e dômus. suturas o mais próximo possível do local operatório mostrando eficiência na recons
definitivo, retalho retangular. trução da cinta muscular. Boa simetria ge
ral. Columela um pouco aplanada.

CORREÇÃO DE DEFORMIDADE NASAL Os conceitos que devem prevalecer ao operarmos


um nariz leporino, como em qualquer outra anomalia
Se a avaliação da deformidade estiver completa, não é congênita, são os do reparo de uma deformidade con
comum operar para corrigir apenas a deformidade nasal gênita antes dos conceitos de uma cirurgia estética pura.
do fissurado. Normalmente, o alvéolo e/ou lábio es O nariz leporino deve ser operado mais como uma
tão sendo reparados ao mesmo tempo, exceto nos ca anomalia congênita do que como uma rinoplastia es
sos bilaterais. tética (Figs. 15-22 a 15-26).
Deformidades Secundárias e Seqüelas deFissuras Labiopalatais 219

Fig. 15-24. FLP secundária, bilateral. Grande estenose na válvula


nasal anterior.

Fig. 15-22. FLP secundária bilateral; deformidade nasal. Pré-ope


ratório.

Fig. 15-25. Pós-operatório mostrando adequação do resultado.

Fig. 15-23. Pós-operatório. Rinoplastia de inclusão, enxerto de Fig. 15-26. Pós-operatório, válvulas permitindo um fluxo aéreo
cartilagem conchal na região das cartilagens laterais superiores. normal.
220 Deformidades de Lábio e Palato

Deformidade Unilateral cação de um enxerto de cartilagem de septo, como


descrito por Sheen e Sheen. Casos mais afetados são
Por uma incisão dentro da borda da alar ou intercarti- corrigidos com mais eficácia pela inserção de um en
laginosa, a cartilagem lateral inferior é dissecada com xerto de cartilagem grande através do sulco bucal, da
pletamente fora, desde a cruz mediai até sua extremi espinha até a ponta nasal. A projeção é melhor, e os
dade lateral. Ela é reposicionada mediai, anterior e cra resultados são satisfatórios (Dibbell). Quando falta
nialmente, e sua forma é modelada por escarificação, definição da ponta nasal e a ponte é plana, e não pode
se necessário. O dômus é colocado então em sua posi haver correção por uma osteotomia para dentro, um
ção correta, suturando-se ambas cartilagens entre si, enxerto de calota craniana proporcionará bons resul
ou usando-se uma sutura amarrada externamente em tados. O enxerto deve ser tomado da área temporopa-
cima de uma esponja; ambos os métodos podem ser rietal e inserido por uma incisão glabelar vertical pe
usados em alguns casos (Figs. 15-27 e 15-28). Se houve quena. A fixação à área glabelar resulta em um efeito
cirurgia prévia na cartilagem e seu tamanho é insufici cantilever com projeção da ponta e o estabelecimento
ente para apoiar a ponta, pode ser então necessário de uma linha dorsal satisfatória.
aumentar a cartilagem com um enxerto; normalmen Também pode ser necessário um apoio na base das
te, um enxerto de concha auricular é usado nessa situ alares, podendo-se utilizar um enxerto de osso. A base
ação. O tamanho do enxerto e a remodelagem da car de alar é colocada na posição correta com uma sutura
tilagem remanescente darão a simetria da ponta. Se levada da base da columela no lado não-fissurado, pe
houver falta de definição da ponta nasal, esta deve ser gando músculo debaixo da base de alar fissurada, e
corrigida. Casos menos graves respondem bem à colo- devolvida perto da entrada da sutura. A sutura é amar
rada firmemente, de forma a estabelecer a simetria da
base da alar.
Se houver bloqueio de via aérea no lado da fissu
ra, um problema freqüente, são realizadas avaliação da
via aérea e correção. Ampliação na zona dos cornetos
é realizada através de ressecção parcial. Protrusão da
borda vomeriana na via aérea requer ressecção óssea, e
a deformidade septal é corrigida por meio de escarifi-
cação para endireitar a cartilagem. Se houver deformi
dade de septal mais importante, uma ressecção sub-
mucosa do septo é executada. Correção de deformida
de nasal óssea não é recomendada nesse momento.

Deformidade Bilateral
Fig. 15-27. Transoperatório, dissecção da cartilagem alar.
A columela pode ser alongada utilizando-se forked ílaps,
forked ílaps armazenados, rotação das narinas (Cronin)
ou retalho de linha média (Figs. 15-29 a 15-32).
Quando a cirurgia for puramente nasal e, por
tanto, o lábio estiver adequadamente corrigido, o se
gundo método será o preferido. Pode-se alongar a
columela e tratar as alares diretamente, se for utiliza
da uma modificação da técnica, dissecando-se os re
talhos, inclusive ao longo da columela, como reta
lhos unicamente cutâneos. Quando as cicatrizes labi
ais apresentam boa qualidade, não há retalho armaze
nado e/ou faz-se necessário um certo alongamento
do lábio, o retalho central deve ser a opção. Este pro
picia alguma melhora no contorno do lábio e tam
bém permite exploração e ajuste das cartilagens late
Fig. 15-28. Resultado imediato. Notar hipercorreção da cartila
rais inferiores; além disso, provera um grau de alon
gem alar. Fixação interna no dômus + pontos externos de tração. gamento de lábio.
Deformidades Secundárias e Seqüelas de Fissuras Labiopalatais 221

Fig. 15-29. Forked-flap.

Fig. 15-32. Técnica de retalho central para alongamento da colu


mela.

Para manter as cartilagens alares fixas na linha mé


dia, as incisões do lábio devem ser estendidas para cima
da margem na columela e ao redor da rima da narina,
justo dentro do nariz. A columela e a pele nasal po
dem ser agora completamente dissecadas, e a cartila
gem lateral inferior é exteriorizada e totalmente libe
rada da mucosa nasal. As cartilagens podem ser ajeita
das e reposicionadas, suturando-se o dômus para dar
uma boa projeção à ponta. Se isto não for satisfatório,
podem ser empregados os métodos de aumento des
Fig. 15-30. Forked-flap armazenado na cirurgia primária. Notar
direção de avanço dos retalhos e das cartilagens alares. critos para correção unilateral.
O método forked-flap não-armazenado muitas
vezes resulta cm contorno columelar insatisfatório.
Além disso, pode haver um problema de vasculariza-
ção da ponta nasal. Esse método só é recomendado
quando as cicatrizes do lábio são muito evidentes. A
técnica de Cronin tem maior limitação quanto à quan
tidade de alongamento columelar.

Pequenas Cirurgias
Alguns exemplos de pequenas cirurgias que podem
ser necessárias no nariz leporino são: a correção do
excesso cutâneo na zona do triângulo de partes mo
les, comum quando o nariz é primariamente opera
do pela técnica de McComb (ver Fig. 15-12);"Z-plas-
tia" no assoalho e/ou válvula nasal para corrigir pe
quenas estenoses; avanços em V-Y para melhor posicio
Fig. 15-31. Técnica de Cronin para alongamento da columela. nar a válvula.
222 Deformidades de Lábio e Palato

PALATO

Insuficiência Velofaríngea
A avaliação da função do esfíncter velofaringeo pode
serfeita por oroscopia, pela observação da emissão vocal
do paciente, por videonasoendoscopia e por videofluo
roscopia. Um método simples para a quantificação do
escape nasal é a utilização do espelho graduado de
Altmann. O exame mais decisivo é a videonasoendos
copia, que permite a visualização direta do esfíncter,
incluindo todas as suas paredes, palato (borda anterior
do esfíncter), pilares posteriores (paredes laterais) e
músculo constritor da faringe (parede posterior).
O conceito mais importante que deve ser trans
mitido nesse ponto refere-se à diferenciação entre in
Fig. 15-33. FLP secundária, insuficiência velofaríngea. Palato cur
suficiência e incompetência velofaríngea. to, músculo mal posicionado. Fechamento dos pilares posteriores
Podemos dizer que ocorre insuficiência velofa na linha média.

ríngea quando a anatomia normal não está restaura


da, quando há falta de tecido na região do esfíncter,
quando o palato é curto e/ou quando o músculo não
está corretamente retroposicionado. Já o termo in
competência deve ser usado apenas para os casos em
que, apesar de a anatomia estar restabelecida, não há
função adequada, não há mobilidade adequada. Logo
por definição, o tratamento primário da insuficiên
cia é cirúrgico e o da incompetência é fonoaudioló-
gico.
As opções terapêuticas disponíveis para o trata
mento da insuficiência velofaríngea são quatro: repa-
latoplastia, retalho faríngeo, bulboplastia e esfinctero-
faringoplastia.

Fig. 15-34. Dissecção e retroposição muscular. Z-plastia para


REPALATOPLASTIA alongamento da mucosa nasal.
Se a videofluoroscopia e a videonasoscopia mostram
um defeito central no palato com fibras de músculo
lateralmente posicionadas - a chamada deformidade
em V -, esta situação poderia ser considerada como
uma fenda submucosa iatrogênica. Nessa situação, de
veria ser executada uma reintervenção exclusivamente
no palato, com reposicionamento dos músculos e alon
gamento da mucosa nasal através de uma Z-plastia (Figs.
15-33 a 15-35). Uma proporção desses indivíduos não
necessitará de cirurgia adicional. Alguns terão melho
ra; outros terão seu estado inalterado, apesar do trata
mento fonoaudiológico complementar. Esses dois gru
pos posteriores necessitarão de reavaliações e cirurgia
adicional. Considera-se que uma de reconstrução de
músculo pode fornecer um melhor resultado do que
uma esfincterofaringoplastia ou um retalho faríngeo. Fig. 15-35. Alongamento da mucosa oral por mecanismo de push-
back. Palato longo, borda posterior muito próxima da parede pos
A cirurgia de escolha para esses casos é a bulboplastia. terior da faringe.
Deformidades Secundárias e Seqüelas de Fissuras Labiopalatais 223

BULBOPLASTIA essa técnica é a primeira escolha para os palatos insufi


Esta técnica pode complementar o reposicionamento cientes, mas há um interesse crescente quanto à opera
posterior insuficiente do palato, anteriorizando a pa ção ideal para corrigir a patologia de cada paciente. Se
rede posterior da faringe (Figs. 15-36 a 15-39). É um a videonasoendoscopia e a videofluoroscopia indica
procedimento pouco invasivo, com base na confec rem movimento pobre do palato e bom movimento
ção de um retalho faríngeo de pedículo superior. Ape da parede lateral da faringe, pareceria lógico executar
nas em vez de suturá-lo à parede posterior do palato, essa operação (Fig. 15-40).
insere-se uma cartilagem conchal dobrada sobre si Um retalho largo e longo deve ser elevado até a
mesma sob o retalho deslizado superiormente. Assim, fáscia pré-vertebral e dissecado até sua base, que fica
o ponto de contato de um palato curto ou pouco perto do ponto central da fossa tonsilar. O palato
móvel fica mais anterior, facilitando o seu trabalho. mole é incisado até a borda do palato duro. Isto
permite dissecar a mucosa nasal como dois retalhos
de bases laterais. Esses retalhos são desdobrados e
RETALHO FARÍNGEO revestem a superfície cruenta inferior do retalho fa
O retalho de base inferior de Rosenthal (1924) já não ríngeo. O palato mole é corrigido de maneira usual.
é usado. O retalho mais popular é o de base superior,
segundo Sanvanero Roselli (1935). Em muitos centros,

Fig. 15-38. Retração da borda posterior do palato para visualiza


ção da posição alta do bulbo quase na nasofaringe (enxerto de
cartilagem enrolada sobre ela mesma e recoberto pelo retalho da
parede posterior).

Fig. 15-36. Cartilagem conchal.

Fig. 15-39. Palato em posição, não se enxerga o bulbo. Posição


Fig. 15-37. Retalho da parede posterior da faringe elevado com de contato do palato com a parede posterior da faringe está agora
pedículo superior. anteriorizada.
224 Deformidades de Lábio e Palalo

Fig. 15-40. Foringoplastia de pedículo superior.


Deformidades Secundárias e Seqüelas de Fissuras Labiopalatais 225

Hogan, em 1973, declarou que a área seccional das Fístulas


aberturas laterais não deveria ser maior do que 14mm.
Ele propôs a inserção de tubos para alcançar esse con O fechamento de fístulas alveolares pode ou não ser
trole das aberturas laterais. Parece improvável que essa levado a cabo no momento da inserção do enxerto
precisão pudesse seralcançada por essa manobra. Casos ósseo. A decisão deve ser tomada depois de discussão
de fechamento maior, com hiponasalidade severa e com o ortodontista, embora não haja nenhuma dúvi
problemas de drenagem nasais posteriores são fre da de que um enxerto de osso estabilizará o reparo
qüentes depois desse procedimento. Esses problemas dos tecido moles e diminuirá a chance de deiscência.
podem ser tão graves quanto a apnéia do sono. Esse Basicamente, o fechamento é alcançado virando-se para
cima e medialmente os retalhos laterais da fenda e fe-
diagnóstico deve ser aventado quando há respiração
chando-se o assoalho na altura correta. O fechamento
bucal, ronco, despertar noturno freqüente, apatia
durante o dia e desempenho acadêmico pobre. Nes oral é obtido com um ou dois retalhos de Veau, rotan-
sas situações, essa possibilidade deve ser investigada do-os medialmente com um retalho bucal ou gengival
por uma polissonografia. Se o diagnóstico de apnéia para fechamento da área anterior. Esta técnica está des
do sono for confirmado, a área da faringoplastia de crita com mais detalhes no capítulo de reparo primá
rio da fissura alveolar.
verá ser revisada.
Em casos bem selecionados, o resultado dessa
operação deveria ser bom, embora a cicatrização dos
retalhos introduza o problema da imprevisibilidade. RETALHOS LOCAIS

As fístulas de palato normalmente se localizam na


zona de transição entre o palato duro e o mole (em
ESFINCTEROFARINGOPLASTIA bora em nossa casuística este evento seja raro - 0,3%)
ou na parte anterior, pela retroposição ocasionada
Esta técnica foi descrita originalmente por Hynes (1950)
nas técnicas de push-back. O fechamento normalmen
e modificada por Orticochea (1968), Jackson e Silver-
te pode ser alcançado com retalhos em folha de livro
ton (1977) e Jackson (1985) (Fig. 15-41). Em pacientes
para a mucosa nasal e de rotação para a mucosa oral
que têm movimento de parede faríngea lateral pobre e
(Fig. 15-42).
mobilidade boa do palato, esta parece ser a cirurgia
adequada por não interferir na boa função do palato.
Assim, a esfincterofaringoplastia é escolhida para es
RETALHOS REGIONAIS
treitar o esfíncter velofaringeo.
Os pilares posteriores são elevados com os mús Uma opção mais agressiva é o retalho de língua com
culos palatofaríngeos subjacentes. A base desses reta base anterior, descrito inicialmente por Guerrero-San-
lhos é alta na fossa tonsilar; neste ponto, uma incisão tos e Altamirano, em 1966, para fechamento de defeitos
transversal é feita na mucosa da parede posterior da palatais grandes. Embora essa técnica possa ser empre
faringe. A tensão longitudinal na mucosa provoca uma gada até mesmo em crianças jovens, só deverá ser utili
abertura. As paredes mediais dos retalhos dos pilares zada caso nenhum outro método seja possível. Tecido
são suturadas à extremidade superior do defeito de palatal é descolado e virado para nasal e suturado na
parede posterior. Quando a sutura é terminada, as linha média, para fechar o assoalho do nariz. Um reta
pontas inferiores dos retalhos ficam juntas. Essas pon lho de língua nas dimensões exigidas, com base anteri
tas podem ser suturadas juntas na linha média, para or, é elevada com algum músculo subjacente, para dar
reduzir o defeito do esfíncter, o quanto o cirurgião volume. O retalho é suturado às extremidades do de
julgar aconselhável. Após as pontas dos músculos pa feito, sendo utilizadas suturas não-absorvíveis ao redor
latofaríngeos serem suturadas, as bordas laterais do dos dentes, para aumentar a segurança. Fixação inter-
retalho mucoso são suturadas à extremidade inferior maxilar aumentará a segurança e a estabilidade da inser
do defeito da parede posterior. Os defeitos das áreas ção do retalho. Normalmente, não há problema de via
doadoras laterais são diretamente fechados, na maio aérea nesse procedimento, a menos que o paciente te
ria dos casos. Uma vantagem considerável dessa técni nha uma faringoplastia prévia. Nessa situação, uma via
ca é a falta de uma linha de sutura e, por conseguinte, aérea nasotraqueal é deixada durante 1 ou 2 dias e a
de retração cicatricial ao redor do porto central. Tam criança é mantida na área de cuidados intensivos. De
bém é possível a utilização dessa técnica em casos de pois de 2 semanas, o retalho é liberado, sob anestesia
falha do retalho de faringe. local, e a reposição é terminada sob anestesia geral.
226 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 15-41. Esfincteroforingoplastio,


modificação de Jackson.
Deformidades Secundárias eSeqüelas de Fissuras Labiopalatais 227

5. Collares MVM etai. Sistematização do tratamento dos pacien


tes com fissura lábio-palatina no Hospital de Clínicas de Porto
Alegre. BrazJ Craniomaxillofac Surg 1998; 7(1 Suppl):3.
6. Cronin TD. Lengthening the columella by use of skin from
nasal floor and alae. Plastic and Reconstructive Surgery 1958;
27:417-26.

7. Dibbell DG. Cleft lip nasal reconstruction: correcting the clas-


sic unilateral defect. Plastic and Reconstructive Surgery 1982;
69:264-70.

8. Dotevall H, Lohmander-Agerskov A, Ejnell H, Bake B. Percep-


tual evaluation of speech and velopharyngeal funetion in chil
dren with andwithout cleft palate and therelationship to nasal
airflow patterns. Cleft Palate Craniofac J 2002;39(4):409-24.
9. Eblen LE, Sie KC. Perceptual and instrumental assessment of
velopharyngeal insufficiency. Plast Reconstr Surg 2002; 109(7):
2.589-90; discussion 2590-1.
10. Erol OO, Agaoglu G. Reconstruction ofthe superior labial sul-
cus in secondary bilateral cleft lip deformities: an inverted U-
shaped flap. Plast Reconstr Surg 2001; 705(7): 1.871-3.
11. Goulart BNG, Collares MVM etai. Avaliação vocal emportado
res de fissura palatina pré e pós-correção cirúrgica. In: Marche-
san 1, ZorziJ. Anuário Cefac de Fonoaudiologia, Rio deJanei
ro: Revinter, 1999:327-45.
12. Guerrero Santos J, Altamirano JT. The use of lingual flaps in
repair of the hand palate. Plastic and Reconstructive Surgery
\966;38:123-8.
13. Henderson D, Jackson IT. Combined cleft lip revision, anteri
Fig. 15-42. Correção de fístula oronasal com retalho em folha de or fístula closure and maxillary osteotomy; a one stage procedu-
livro para o plano nasal e retalhode rotação parao plano oral. re. British Journal of Oral Surgery 1975;13:33-9.
14. Hogan VM. A clarification ofthe surgical goals in cleft palate
speech and the introduetion of the lateral port control (LPC)
Um retalho de língua de base posterior pode ser pharyngeal flap. Cleft Palate Journal 1973;10.331-45.
usado para fístulas mais posteriores. Este é muito mais 15. Hynes W. Pharyngoplasty by muscle transplantation. British
difícil de estabilizar. Journal of Plastic Surgery 1950;3:128-35.
Outra opção é o retalho miomucoso do bucina- 16. Jackson IT.Closure of secondary palatal fistulae with intra oral
dor, descrito por Bozola. tissueand boné grafting. BritishJournalofPlasticSurgery 1972;
25:93-105.

17. Jackson IT. Use of tongue flaps in resurface lip defects and
RETALHOS A DISTÂNCIA close palatal fistulae in children. Plastic and Reconstructive
Surgery \972;49.ò37A\.
Em defeitos que ocupem quase toda a extensão do 18. Jackson IT. Sphincter pharyngoplasty. Clinicsin Plastic Surgery
palato, o retalho de gálea baseado na artéria temporal 1985;72:711-7.
superficial e os retalhos livres, como o antebraquial, 19. Jackson IT. Pharyngoplasty. In:Bardach J, Salyer K eds.Surgical
são as alternativas mais viáveis. Techniques in CleftLipand Palate. Chicago: Year Book Medicai
Publishers, 1987.
20. Jackson IT, Silverton JS. The sphincter pharyngoplasty as a se
condary procedure in cleft palates. Plastic and Reconstructive
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA Surgery 1977;5£518-9.
1. Abbé RA. New plastic operation for the relief of deformity due 21. Jackson IT, Soutar DS. The sandwich Abbe flap in secondary
to double harelip. Med Rec Ann 1898;5J:477. cleft lip deformity. Plastic and Reconstructive Surgery 1980;
60:38-44.
2. Boyne PJ,Sands NR. Secondary boné grafting or residual alve
olar and palatal clefts.Journal of Oral Surgery 1972;30:87-92. 22. Jackson IT, Smith J, Mixter RC. Nasal boné grafting using split
skull grafts. Annals of Plastic Surgery 1983;77:533-40.
3. Collares MVM, Tresserra L. Rinoplastia no tratamento primá
rio do lábio leporino. Avaliação de 256 casos operados pela téc 23. Jackson MS, Jackson IT, Christie FB. Improvement in speech
nica de McComb. Rev Soe Brás Cir Plast Estet Reconstr 1992; following closure of anterior palatal fístulas with boné grafts.
7:53-60. BritishJournal of Plastic Surgery 1976;2£295-6.
4. Collares MVM et ai. Rinoplastia no tratamento primário do 24. Johanson B, Ohlson A. Boné grafting and dental orthopaedics
lábio leporino. Arquivos Catarinenses de Medicina 2000;29 in primary and secondary cases of cleft lip and palate. Acta
(Supl 1):213. Chirurgica Scandinavica 1961;722:112-24.
228 Deformidades de Lábio e Palato

25. Kapetansky DL Double pendulum flaps for whistling defor 35. Orticochea M. Construction of a dynamic muscle sphincter in
mities in bilateral cleft lips. Plastic andReconstructive Surgery cleft palates. Plastic and Reconstructive Surgery 1968;47:323-7.
1971;47:321-3. 36. Pigott RW. An analysis ofthe strengths and weaknesses of en-
26. Kaplan EN. Soft palate repair by levator muscle reconstruction doscopic and radiological investigations of velopharyngeal in
and a buccal mucosal flap. Plastic andReconstructive Surgery competence based on a 20 year experience of simultaneous
1975;56:129-36. recording. BrJ Plast Surg 2002;55(l):32-4.
27. Keuning KH, Wieneke GH, van Wijngaarden HA, Dejonckere 37. SaderR, ZeilhoferHF, Putz R, Horch HH. Levatorplasty, a new
PH. The correlation between nasalance and a differentiated technique to treat hypernasality anatomical investigations and
perceptual rating ofspeech in Dutch patients with velopharyn preliminary clinicai results. / Craniomaxillofac Surg 2001;
geal insufficiency. Cleft Palate Craniofac J 2002;39(3):277-84. 2^(3):143-9.
28. Klotz DA, Howard J, Hengerer AS, Slupchynskj O. Lipoinjecti- 38. Sanvenero Roselli G. Divisione palatine a sua cura chirurgica.
on augmentation of the soft palate for velopharyngeal stress Atti dei Congresso Internazionale Stomatologia 1935;56:391.
incompetence. Laryngoscope 2001;777(12):2.157-61. 39. Seagle MB, Mazaheri MK, Dixon-Wood VL, Williams WN. Eva
luation and treatment of velopharyngeal insufficiency the Uni
29. McComb H. Primary correction of unilateral cleft lip nasal
versity of Florida experience. AnnPlast Surg 2002; 48{5):464-70.
deformity. a 10year review. Plastic and Reconstructive Surgery
1985;75:791-7. 40. Sheen J H, Sheen AP (eds.). Aesthetic Rhinoplasty. St.Louis: C
V Mosby Company, 1978.
30. McComb H. Primary repair ofthe bilateral cleft lip nose: a 10
year review. Plastic and Reconstructive Surgery 1986;77:701-13. 41. SieKC, Gruss JS. Results with Furlow palatoplasty in the mana
gement of velopharyngeal insufficiency. Plast Reconstr Surg
31. Mélega JM, Roxo CEMB, Silveira MB, Carvalho JJM. Tratamen
2002;70í>(7):2.588-9; discussion 2590-1.
to das seqüelas dos fissurados. Ars Curandi 1978;77:66-74.
42. Skoog T.The useof periosteal flaps in the repair of clefts ofthe
32. Millard Jr DR. Closure of bilateral cleft lip and elongation of primary palate. Cleft Palate Journal 1965;2:332-9.
columella by two operations in infancy. Plastic and Recons
tructive Surgery 1971;47:324-31. 43. Stal S, Hollier L Correction of secondarydeformities ofthe cleft
lip nose. Plast Reconstr Surg 2002; 109(4):1.386-92; quiz 1393.
33. Millard Jr DR. Cleft craft: the evolution of its surgery, III:
alveolar and palatal deformities. Boston: Little, Brown and 44. Stratoudakis AC, Bambace C. Sphincter pharyngoplasty for
Company, 1980. correction of velopharyngeal incompetence. Annals ofPlastic
Surgery 1984;72:243-8.
34. Moss AL. Superiorly based flap pharyngoplasty: the degree of
postoperative 'tubing' and its effect on speech. BrJ Plast Surg 45. Witzel MA, Munro IR. Velopharyngeal insufficiencyafter ma
2001;54(7):646. xillary advancement. Cleft Palate Journal 1977;74:176-80.
Osteotomias Faciais nos
Portadores de Fissuras
Labiopalatais

Nivaldo Alonso
Wilson Cintra Jr.

INCIDÊNCIA moles. Os dentes incisivos laterais estão congenitamen-


te ausentes em muitos pacientes, ocasionando defei
As fissuras labiopalatais são as fissuras craniofaciais tos ósseos alveolares bilateralmente14.
mais freqüentes, com incidência variável conforme a Vários autores demonstraram, através de análise
raça e a localização geográfica que, segundo a literatu cefalométrica, que as cirurgias para correção de fissuras
ra, varia entre 1:680 e 1:2.000 nascidos vivos. Por ser labiopalatais interferem diretamente no desenvolvimen
uma anomalia congênita freqüente, seu tratamento tem to normal da maxila, levando a um hipodesenvolvimen-
grande importância cultural e socioeconômica, princi to maxilar. Devemos lembrar que muitos pacientes por
palmente nos países em desenvolvimento3,4,10. tadores de fissura labiopalatal apresentam outras defor
midades associadas que, isoladamente, também podem
causar distúrbios no crescimento maxilar.

INTRODUÇÃO
Os pacientes portadores de fissura labiopalatal unila
TRATAMENTO
teral apresentam graus variáveis de hipoplasia maxilar,
freqüentemente associada a fístula oronasal residual, O tratamento multidisciplinar é muito importante no
defeitos ósseos e entalhe de partes moles (pele, tecido acompanhamento de crianças com fissuras labiopala
celular subcutâneo e musculatura orbicular). O dente tais desde o nascimento até a adolescência, conhecen-
incisivo lateral superior do lado fissurado geralmente do-se as limitações do tratamento ortodôntico e da
está ausente, resultando em falha óssea alveolar13. cirurgia ortognática, sabendo-se o melhor tempo ci
Os pacientes com fissura labiopalatal bilateral rúrgico e as diferentes técnicas utilizadas e conseguin-
apresentam hipoplasia maxilar com deslocamento dos do-se, assim, melhores resultados7.
segmentos laterais; a pré-maxila é móvel e pode estar Muitas técnicas foram descritas e ainda são usadas
mais longa ou mais curta no sentido vertical, e está na correção cirúrgica das fissuras labiopalatais, tanto
horizontalmente retraída; geralmente existem fístulas unilaterais quanto bilaterais. Os defeitos causados por
oronasais, defeitos ósseos e entalhe bilateral de partes essa anomalia são extremamente variáveis e, nos casos

229
230 Deformidades de Lábio e Palato

mais severos de fissuras labiopalatais, além da falha ós TÉCNICA CIRÚRGICA


sea, existe um retroposicionamento da maxila em rela
ção à mandíbula, ou seja, há uma hipoplasia maxilar. A literatura alerta sobre as complicações decorrentes
Nesses pacientes, quando associado ou não à existência de osteotomias do tipo Le Fort I em pacientes fissura
de fístulas ou quando existe má oclusão dentária, faz-se dos, sendo a necrose total ou parcial do segmento mo
necessária a correção óssea através de osteotomia e mo bilizado a principal complicação.
bilização de fragmento ósseo, para avanço do mesmo, Willmar relatou, em 1974, complicações associadas
ou enxertia óssea, para correção do defeito13,18. à cirurgia Le Fort I: 17 dos 106 pacientes com fissuras
O preparo ortodôntico nesses pacientes é realiza labiopalatais unilaterais apresentaram necrose asséptica
do previamente a fim de colocar os dentes em posição e perda parcial de pequeno segmento da maxila19.
neutra e ajustar a futura oclusão dentária com alinha Georgiade sugeriu que a camuflagem deveria ser
mento da linha média interincisal. Após o procedi preferencialmente escolhida na cirurgia de maxila, po
mento cirúrgico de mobilização da maxila ou enxertia dendo-se melhorar a proporção maxilomandibular atra
óssea, realiza-se fixação rígida, podendo-se utilizar uma vés de osteotomias de mandíbula5. Alguns autores aler
taram para os cuidados com a preservação do supri
placa que se interponha entre a arcada superior e a
mento sangüíneo, mas não elaboraram uma técnica
inferior e que mantenha o alinhamento.
cirúrgica específica para as osteotomias maxilares2,8. Em
As indicações precoces de ortopedia maxilar nos
1978, Ian Jackson descreveu osteotomias do tipo Le
portadores de fissura labiopalatal são um assunto bas
Fort I aplicadas a pacientes com fissuras labiopalatais,
tante controverso. Em alguns serviços, a ortopedia
defendendo o tratamento de fístulas oronasais de mai
maxilar é instituída precocemente e de maneira mais
ores dimensões em dois tempos: mobilização de ex
agressiva em todos os pacientes. Outros serviços reali
tenso retalho associado a enxerto ósseo e, posterior
zam o tratamento ortopédico somente após erupção
mente, osteotomia e mobilização da maxila6.
dentária permanente. A ortopedia maxilar pode facili
Durante os anos 70 e 80 houve uma grande evolu
tar a correção de grandes fendas palatais, mas a sua
ção nos estudos sobre irrigação dos tecidos e circulação
execução pode ser dificultada, muitas vezes, pelas con
sangüínea dos retalhos, correlacionando os tecidos às
dições do paciente. Quando existe diminuição do diâ
regiões do corpo. Bell, em 1975, estudou a circulação
metro transverso da maxila, deve-se realizar preparo
do retalho composto osteomusculomucoso da maxila
ortopédico prévio através do feitio de osteotomias e
e provou ser possível e segura a osteotomia maxilar à Le
uso de disjuntores para aumento do diâmetro.
Fort I seguindo-se algumas incisões específicas, pois o
O processo de alongamento ósseo através da chama suprimento sangüíneo da maxila dá-se através da muco
da distração osteogênica foi usado pela primeira vez em sa palatal e periósteo dos segmentos laterais e a pré-ma
cirurgia craniomaxilofacial na década de 197016. Os pri xila é nutrida pela mucosa labial e periósteo1.
meiros quatro pacientes tratados pelo método foram Posnick descreveu modificações nas osteotomias
publicados por McCarthy, em 199211. Molina et ai., em do tipo Le Fort I para o tratamento de pacientes por
1993, publicaram uma série de 87 pacientes tratados com tadores de fissuras labiopalatais unilaterais ou bilate
distração óssea em mandíbula, com resultados satisfató rais acompanhadas de hipoplasia maxilar e defeitos
rios12. O método foi também usado no tratamento das ósseos em maxila13,14.
hipoplasias maxilares em pacientes portadores de fissuras
labiopalatais com aparelhos externos de tração.
7\s deformidades intermaxilares nos pacientes porta Fissuras Unilaterais
dores de fissuras labiopalatais variam em severidade e Para o tratamento efetivo da fissura labiopalatal unila
podem interferir nos aparelhos mastigatório, auditivo e teral, podemos realizar osteotomia do tipo Le Fort I
respiratório. A avaliação foniátrica prévia e pós-operató com modificações principalmente relacionadas às inci
ria é imprescindível para o bom resultado de dicção e sões de partes moles, a fim de facilitar o acesso e a expo
sonorização da fala, principalmente nas crianças portado sição para dissecção, osteotomia, desimpactação, corre
ras de deformidade severa que já têm insuficiência velofa ção de fístula, quando existente, enxertia óssea e fixação
ríngea, ou naquelas que, após avanço da maxila e conse rígida, sem prejudicar a nutrição sangüínea do retalho
qüente aumento da distância da nasofaringe, poderão composto osteodental musculomucoso. A mobilização
evoluir com graus variáveis de insuficiência velofaríngea9, do segmento ósseo, além de fechar o defeito ósseo, di
pois, após a cirurgia, a língua assume uma nova posição e minui a tensão para o melhor fechamento dos tecidos
a naso e a orofaringe podem ter suas dimensões alteradas. moles, o que diminui o risco de fístula e deiscência pós-
Osteotomias Faciais nos Portadores de Fissuras Labiopalatais 231

operatórias. Pode ser necessário o uso de bloqueio ma zou osteotomia Le Fort I modificada para o tratamen
xilomandibular com interposição de um guia cirúrgico to do defeito ósseo residual nesses pacientes que pos
entre os dentes superiores e inferiores, num período entre suem hipoplasia lateral da maxila e pré-maxila móvel e
2 e 6 semanas". O paciente deve ser acompanhado pelo displásica, e que geralmente são acompanhados de fís
fonoaudiólogo e posteriormente deverá continuar tra tula oronasal. O dente incisivo lateral está ausente em
tamento ortodôntico para reajustes dentários finais, muitos casos14 (Fig. 16-2).
tornando o resultado estável (Figs. 16-1, 16-3 e 16-4).

Fissuras Bilaterais

Steinkann relatou, em 1938, o primeiro tratamento de


paciente portador de fissuras labiopalatal bilateral atra
vés de osteotomia Le Fort I17. Nos pacientes com fis
suras labiopalatais bilaterais, Posnick também ideali

Fig. 16-2A. Vista frontal de osteotomia modificada Le Fort I para


Fig. 16-1 A. Vista frontal de osteotomia Le Fort I com fixação de paciente fissurado bilateral antes e após mobilização e fixação dos
dois segmentos em paciente fissurado unilateral. B. Vista lateral segmentos da maxila. B. Detalhe da osteotomia e deslocamento
pré e pós-fixação. C. Vista palatal antes e após reposicionamento da pré-maxila, quando necessário. C. Vista palatal pré e pós-oste-
da maxila. otomia e fixação.
232 Deformidades de Lábio e Palato

Fig. 16-3A. Paciente


fissurada. Vista frontal-
inferior. B. Perfil.
C. Oclusão dentária
classe III com ausência
do dente incisivo lateral
superior do lado
fissurado. D. Perfil.
Observa-se a
necessidade de correção
cirúrgica através de
osteotomia maxilar.

Fig. 16-4A. Paciente


fissurado unilateral,
pré-operatório.
B. Paciente em
pós-operatório de
osteotomia e tratamento
ortodôntico.

O acompanhamento fonoaudiológico durante


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
toda a evolução do tratamento ortodôntico e ortopé
dico dos maxilares nos pacientes fissurados é de fun 1. Bell WI-1, Fonseca RJ, Kenncdy JW III et ai. Boné healing and
revascularization after total maxillary osteotomy. J Oral Surg
damental importância, pois com freqüência, após o 1975; 33:253.
reposicionamento cirúrgico da maxila, podemos nos
2. DcsPrczJD, Kiehn CL. Surgical positioning ofthe maxilla. Am
deparar com o aparecimento ou a piora da insuficiên Plast Reconstr Surg 1974; 5:222.
cia velofaríngea, que deverá ser tratada após a cirurgia 3. Fogh-Andersen P. Inheritance of Harrelip and Cleft Palate.
dos maxilares nessa situação específica1'. Copenhagen: Nyt Nordisk Forlag, Arnould Busck, 1942.
Osteotomias Faciais nos Portadores de Fissuras Labiopalatais 233

4. Fraser FC. The genetics of cleft lip and palate. Am J Hum 12. Molina F, Ortiz-Monastério F. Mandibular elongation and
Genet 1970; 22:336. remodelling by distraction. Farwell to major osteotomies. Plast
5. Georgiade NG. Mandibular osteotomy for the correction of Reconstr Surg 1995; 96:825-42.
facial disproportion in thecleft lip and palate patient. Am Plast 13. Posnick JC, Tompson B. Modification of the maxillary Le
Reconstr Surg 1974; Ã238. Fort I osteotomy in cleft-orthognathic surgery: The unilateral
6.Jackson IT. Cleft and jaw deformities. Symposium on cleft lip and palate deformity. J Oral Maxillofac Surg 1992;
Reconstruction ofJaw Deformity 1978; 76:113. 50:666-75.

7. Jaques B,Herzog G, Muller A, Hohlfeld J, pasche P. Indications 14. Posnick JC, Tompson B. Modification of the maxillary Le
for combined orthodontic and surgical (orthognathic) Fort I osteotomy in cleft-orthognathic surgery: The bilateral
treatments of dentofacial deformities in ckeft lip and palate cleft lip and palate deformity. J Oral Maxillofac Surg 1993;
patients and their impact on velopharyngeal function. Folia 57:2-11.
Phoniatr Logop 1997; 42(3-4): 181-93. 15. Posnick JC. Orthognathic surgery in the cleftpatient.In: Russel
8. Kiehn CL, DesPrez JD, Brow F. Maxillary osteotomy for late RC (ed.) Instructional Courses Plastic Surgery Education
correction of occlusion and appearance in cleft lip and palate Foundation. St. Louis: MO, Mosby 1991:129-57.
patients. Plast Reconstr Surg 1968; 42:203. 16. Snyder ÇÃO, Levine GA, Swanson HM,Browne EZ. Mandibular
9. Ko EW, Figueroa AA, Guyette TW, Polley JW, Law WR. lengthening by gradual distraction - preliminary report. Plast
Velopharyngeal changes after maxillary advancement in cleft reconstr Surg 1973; 57:506-8.
patients with distraction osteogenesis using a rigid externai 17. Steinkamm W Die pseudo-progenie und ihre Behandlung.
distraction device: a 1-year cephalometric follow-up./ Craniofac Berlin: Inaug Diss, 1938.
Surg 1999; lú\4):312-20.
18. Tideman H, Stoelinga P, Gallia L. Le Fort I advancement with
10. McCarthy JM. Plastic Surgery. W.B. Saunders, 1990; 4(45): segmentai palatal osteotomies in patients with cleft palates. J
2.437-50. Oral Surg 1980; 5&196.
11. McCarthy JG,Schreider J, Karp NS, Thorne CH, Grayson BH. 19. Willmar K. Le Fort I osteotomy: A follow-up study of 106
Lengthening the human mandible by gradual distraction. Plast operated patients with maxillo-facial deformity. Scand J Plast
Reconstr Surg 1992; 89:1-10. Reconstr Surg 1974(Suppl 12).
OTt"
•j

Cirurgia
Craniomaxüofacial
Parte 1 - Princípios Gerais

Embriologia e
Desenvolvimento da Face

Vera Lúcia Nocchi Cardim


Rolf Lucas Salomons
Rodrigo de Faria Valle Dornelles

crescimento craniofacial se divide em três estágios:


INTRODUÇÃO
organização, ossificação e adaptação (Fig. 17-1).
A extremidade cefálica, por sua importância vital, é Partindo deste ponto de vista, o crescimento cra
dentre as estruturas embrionárias a de desenvolvimen niofacial intra-uterino e extra-uterino será considera
to mais precoce. do como uma única progressão de fatos, marcada por
Se compararmos a velocidade de formação do com eventos especiais, como o aparecimento dos centros
plexo craniofacial com outros órgãos e regiões do corpo de ossificação e o nascimento, e orientada por três fa
(como os membros, por exemplo), veremos que há real tores imperativos17: a indução neurossensorial, o po
mente uma prioridade na formação e maturação facial. tencial de crescimento do mesênquima e o equilíbrio
Isto ocorre porque a boca está relacionada com uma série da atividade muscular ou matriz funcional de Moss10.
de funções vitais que deverão estar plenamente desenvol Após a fertilização do óvulo, apenas a massa celu
vidas e treinadas já ao nascer, tais como respiração, refle lar interna irá desenvolver-se, formando o embrião. As
xo do choro, proteção das vias aéreas, sucção para a ali células da camada externa, o trofoblasto, formarão os
mentação, reflexo de oclusão das arcadas e deglutição. tecidos de sustentação e nutrição do embrião, o âm-
Todas essas funções devem tornar-se viáveis e con nio e a placenta (Fig. 17-2).
dicionadas entre a 14- e a 32- semanas de vida intra- Quando a massa celular interna se diferencia em
uterina; daí a necessidade da precocidade e velocidade duas camadas, estas recebem o nome de hipoblasto e
de estruturação e desenvolvimento do segmento cefá- cpiblasto (Fig. 17-3).
lico do embrião. Entre essas duas camadas existe um espaço virtual,
A partir da fecundação do óvulo, já na segunda para o qual migram algumas das células do epiblasto,
semana se evidencia elevado grau de diferenciação, com pelo fenômeno de gastrulação, formando uma tercei
intenso trabalho celular de proliferação, degeneração ra camada, o mesoderma (Fig. 17-4). Nesse momento,
e diferenciação, além da formação de matriz extracelu- os termos epiblasto e hipoblasto dão lugar a ectoder-
lar. Esta morfogênese é o início de todo o processo de ma e endoderma, respectivamente.
crescimento craniofacial, que justamente por isso não Na gastrulação há um ponto em que falha a pene
pode ter seu início demarcado no instante do nasci tração do mesoderma: é a placa oral, onde ectoderma
mento. Como propõem Stricker et a/.14, o processo de e endoderma formam a membrana bucofaríngea.

237
238 Cirurgia Craniomaxüofacial

Fig. 17-1. Cronologia do


crescimento, segundo Stricker,
Raphael, Van der Meulen e
Mazzola.

As células do mesoderma recém-formado, agora


vizinhas das células do ectoderma, interagem com elas,
induzindo-as a se diferenciar e formar a placa neural,
que irá originar todo o tecido nervoso. Nesse momento
o primórdio cardíaco encontra-se anterior à placa oral.
A placa neural inicia movimentos de dobramen-
to de suas margens, que se elevam e se aproximam para
formar o tubo neural (Fig. 17-4).
As margens laterais do embrião se dobram em sen
tido contrário, para formar as paredes abdominais. O
endoderma que forra esse tubo gastrointestinal primi
tivo é que irá originar o trato digestivo e os compo
nentes epiteliais dos seus derivados glandulares.
O fechamento da placa neural é um fenômeno
Fig. 17-2A. Fertilização do óvulo. B e C. Primeiras divisões celu bioquímico que envolve a contração de um complexo
lares. D. Blastocisto seccionado: (7) trofoblasto; (2) massa celular protéico de actinomiosina junto à futura face interna
interna do embrioblasto.
do tubo neural9.
Justamente abaixo dos pontos de dobramento do
ectoderma da placa neural aparecem células ectodérmi-
cas que se diferenciam para formar a crista neural. São
células fusiformes com alto poder migratório, de caracte
rísticas mesenquimais, isto é, possuem pouquíssimas co
nexões intercelulares e abundante substância intercelular.
Na região do tronco, as células da crista neural
irão originar as células pigmentares e o sistema nervo
so periférico5,8,11.
Na região cefálica, as células da crista neural darão
origem a praticamente todo o tecido estrutural e conecti-
vo da face: osso, cartilagem, tecido conjuntivo e os com
ponentes dos dentes (com exceção do esmalte). No res
tante do corpo essa função é reservada ao mesoderma.
Com o fechamento do tubo neural, o rápido cres
cimento do cérebro em relação ao coração torna-se
Fig. 17-3. Formação do disco germinativo: (J) âmnio; (2) saco responsável pelo "movimento" deste de anterior à pla
vitelino; (3) epiblasto; (4) hipoblasto. ca oral para uma posição mais baixa, no tórax.
Embriologia c Desenvolvimento da Face 239

Fig. 17-4. Esquema de


corte transversal da
região encefálica do
embrião nas duas
primeiras semanas: (7)
sulco primitivo do (2)
ectoderma, por onde se
invaginam células que
formarão o (3)
mesoderma. (4 -
endoderma; 5 - âmnio
seccionado; 6 - saco
vitelino ou trofoblasto,
seccionado; 7 -
neuroectoderma; 8 -
notocorda; 9 - crista
neural)

Entre 19 e 22 dias de vida embrionária começam a


aparecer centros de crescimento regional, que podem ser
chamados de processos faciais ou proeminências faciais10.
Estes centros de crescimento se dispõem ao redor da
membrana orofaríngea e apresentam um movimento de
migração centripeta, tendendo a fundir-se centralmente
para delimitar as fossas nasais e a cavidade oral.
Inicialmente, por volta do 26- dia, temos superi
ormente a proeminência frontonasal e lateralmente os
placódios nasais; mais lateralmente, as vesículas ópti
cas (Fig. 17-5) e os esboços iniciais dos processos maxi
lares. Na margem inferior da membrana orofaríngea
aparecem os processos mandibulares (ou primeiro arco
visceral) e os processos hióides (ou segundo arco visce
ral). São células da crista neural revestindo brotos me-
sodérmicos. Seu desenvolvimento provoca uma pro
gressiva migração do coração para o tórax.
Para delimitar as fossas nasais e separá-las da cavi
dade oral, os placódios nasais se dobram sobre si pró
prios, criando, por volta do 30° dia, proeminências
nasais laterais e mediais. As proeminências mediais
formarão o prolábio e a pré-maxila, ou palato primá
rio (Fig. 17-6). As demais estruturas do lábio superior Fig. 17-5. Embrião de 4 semanas: (7) placódio nasal; (2) processo
são formadas pelos placódios maxilares (Fig. 17-7). Os maxilar; (3) processo mandibular; (4) processo hióideo.
240 Cirurgia Craniomaxilofacial

-X^ • 't ''•'T^v.


^^^"*»*•" * " •" mV
* ^v
J^ *» **
^^ *v* * •• *\
yfr •* ' *• * . .\
/• •» * •• * •
X **« J.*..♦.,. •», ,:J'-i\
/ * '*"*'••"' " ••1s'\
/%** * i * iíM
/%;* /ft; * *i
/*" A»'- * . ** • • * •• •/

A"' ÍF 1 ^(SaP2**
/.**••• ML+iL ^•'.Jfia^^!NJA5.••••• v.V
;\" . Ãt&SfcL&É^MH^l^I
-' \WmmPf
. •w'S.*aMya r/f/jjWiM^Ví\*5p^^í
'^fsUum^^ Itv^zSP^^n

vMAlm^^
.'•.• '^i.-^uÊ^m$$Ê>* -i
8 ^\<J
v.vv /
V• "• • /
V'.' •' /
v***«* /
vi"". ••:'./
V'-"*'M
\*..i'\ •'i

^&à

Fig. 17-6. Embrião de 6 semanas: (7) olho; (2) processo maxilar;


(3) processo mandibular; (4) processo hióideo; (5) saliência nasal
lateral; (6) fosseta nasal; (7) saliência nasal mediai; (8) migração
inferior do coração.

processos ou proeminências faciais, formados por células Fig. 17-7. Contribuições das proeminências faciais (A) na face
adulta (B), segundo Sulik15. (O - olho; L- processo nasal lateral; M
mesodérmicas revestidas por epitélio do ectoderma, de - processo nasal mediai; Mx - processo maxilar.)
verão sofrer fusão na região mesoanterior da face, entre o
30s e o 372 dias. As células mesenquimais da crista neural,
que irão migrar pelo mesoderma das proeminências faci interna novamente, como duas bolhas de sabão que se
ais, têm um importante papel na fusão dessas proemi fundem para formar uma bolha maior. Com a normaliza
nências, pois são elas que irão atuar sobre as células ecto- ção da pressão interna, as células do ectoderma remanes
dérmicas de revestimento, induzindo sua lise para permi cente se tornam metabolicamente mais estáveis, já então
tir a fusão e coalescência desses processos faciais. A media invulneráveis à ação lítica das células do neuroectoderma.
lização e aproximação centripeta das proeminências faciais Eventualmente, por motivos ainda não conhecidos, pode
se fazem pela expansão mesodérmica, ou melhor, pela não ocorrer a lise destas membranas epidérmicas de conta
intensa divisão celular interna que, por aumento de volu to e, conseqüentemente, não haverá fusão das proeminên
me, desloca o processo facial globalmente. cias faciais, levando ao aparecimento de fissuras faciais19.
Podemos comparar os processos faciais embrionários Em uma fase mais tardia, entre o 50° e o 60Q dias, as
a bolhas de sabão de fina película que englobam um con lâminas palatais, originadas na face interior (intra-oral)
teúdo (o gás) sob pressão, e que se aproximam progressiva das proeminências maxilares, irão sair de sua posição
mente à medida que aumenta seu volume interno. Ao vertical bilateralmente à língua (Figs. 17-8 a 17-10) para,
migrarem para as zonas de fusão das proeminênciasfaciais, horizontalizando-se, sofrer fusão central, formando o
as células da crista neural (neuroectoderma) encontram a palato secundário. Esta será a origem dos dois terços
membrana ectodérmica sob condições de tensão, o que posteriores do palato duro e de todo o palato mole.
as torna vulneráveis à sua ação lítica. Induzem então enzi- Para que isto aconteça, a língua (ainda chamada de "tu
maticamente sua degeneração, e isto permite a libertação bérculo ímpar") deve descer ao soalho da boca, movi
dos mesodermas fronteiriços, normalizando-se a pressão mento este facilitado pela extensão da cabeça nessa fase.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 241

Fig. 17-8. Embrião de 6,5 semanas:


A. Corte frontal através da cavidade nasal:
(7) septo nasal; (2) cavidade nasal; (3) crista
palatina; (5) língua ou tubérculo ímpar.
B. Vista central da cavidade oral: (4) palato
primário ou pré-maxilar.

Fig. 17-9. Embrião de 7,5 semanas:


A. Corte frontal através da cavidade nasal;
[I) septo nasal; (2) cavidade nasal; (3) crista
palatina; (5) língua. B. Vista ventral da
cavidade oral: (4) palato primário ou
pré-maxila.

Fig. 17-10. Embrião de 10 semanas. A.


Corte frontal através da cavidade nasal: (7)
septo nasal; (2) cavidade nasal; (3) crista
palatina; (5) língua; (ó) cavidade oral.
B. Vista ventral da cavidade oral: (4) forame
incisivo; (7) ponto de fusão das cristas
palatinas; (8) úvula.

te por bolsas faríngeas. Têm função inicial de condução


ARCOS VISCERAIS E A FORMAÇÃO
de vasos sangüíneos. Cada um dos arcos está associado
DA ORELHA
a nervos cranianos, derivados musculares e esqueléticos
Os arcos viscerais se formam em seqüência craniocaudal específicos (Quadro 17-1)15. Os componentes musculares
na região ventrolateral da face em formação. Estão deli são de origem mesodérmica, enquanto que o tecido con-
neados externamente pelos sulcos viscerais e internamen juntivo é derivado das células da crista neural.
242 Cirurgia Craniomaxüofacial

Quadro 17-1. Os arcos viscerais e bolsas faríngeas

Arco Nervo Músculos Esqueleto/Ligamentos

1. Mandibular V Trigêmeo Da mastigação, miloióide, ventre an erior Cartilagem de Meckel, ligamento


do digástrico, tensor do véu palatino esfenomandibular, martelo e bigorna
tensor do timpano

2. Hióide VII Facial Da expressão facial, ventre posterior do Processo estilóide, estribo, ligamento
digástrico, estilóideo, estapédio estilóideo, corno menor e porção superior do
corpo do hióide

3 IX Glossofaríngeo Estilofaringeo Corno maior e porção inferior do corpo do


hióide

4-6 X Vago Elevador do véu palatino, da laringe, Cartilagens da laringe


constritores da faringe

BOLSA DERIVADOS

PRIMEIRA TUBA AUDITIVA


SEGUNDA TONSILAS PALATAIS
TERCEIRA TIMO E PARATIREOIDES INFERIORES
QUARTA PARATIREOIDES SUPERIORES
QUINTA CORPOS ULTIMOBRANQUIAIS

Entre o 22- e o 28- dias, ao se delimitarem as proe segundo arco visceral passa a encobrir o terceiro arco,
minências frontonasal e maxilar, aparecem os processos bem como o que o sucede, vindo a fechar, na sexta
mandibulares (primeiro arco visceral) e os processos hi- semana, uma depressão de ectoderma chamada de seio
óideos (segundo arco visceral). Nessa fase forma-se, tam ceiVical (Fig. 17-12).
bém, o placódio ótico, cuja invaginação irá originar o No 32° dia, quando ainda não houve fusão media
ouvido interno (Fig. 17-11). O terceiro arco visceral tor na do primeiro arco visceral, aparece uma elevação no
na-se mais bem demarcado no 30° dia, e o quarto arco assoalho da cavidade oral, o tubérculo ímpar, que dará
visceral aparece no 32ü dia. Entre o 30- e o 32a dias, o origem à língua.

Fig. 17-11. Cortes transversais da região romboencefálica do


embrião com: A. 22 dias; B. 24 dias; C. 27 dias; D. 31 dias. (7)
placódio ótico; (2) parede do romboencéfalo; (3) faringe; (4) noto- Fig. 17-12. Embrião de 34 dias: (7) vesícula ótica; (2) olho; (3)
corda; (5) aorta dorsal; (ó) invaginação do placódio ótico; (7) fosse- processo hióideo; (4) processo mandibular; (5) processo maxilar;
ta ótica; (8) gânglio estatoacústico; (9) ouvido interno. (6) proeminência cardíaca; (7) seio cervical.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 243

O ouvido externo inicia sua formação na quinta meiro arco aparecem três nódulos, e mais três na extre
semana, quando o mesênquima das extremidades cau midade do segundo arco. No 42s dia, os nódulos pas
dais do primeiro e segundo arcos viscerais circunda o sam a crescer (Fig. 17-15) e iniciam sua fusão a fim de
primeiro sulco visceral (Fig. 17-13). Rapidamente, já encarcerar o primeiro sulco visceral, que se transforma
no 37s dia, este mesênquima amorfo passa a mostrar no conduto auditivo externo (Fig. 17-16).
irregularidades em sua superfície, como se fossem nó O segundo arco visceral forma a maior parte do
dulos (Fig. 17-14). No bloco correspondente ao pri pavilhão auricular, ficando a cargo do primeiro arco

Fig. 17-13. Embrião de 5 semanas, com formação dos nódulos Fig. 17-15. Embrião de 6 semanas com os nódulos a, b e c prove
óticos (6), que circundam o primeiro sulco visceral (7). (7 - proces nientes do primeiro arco visceral e os nódulos d,eef provenientes
so nasal; 2 - olho; 3 - arco hióideo; 4 - arco mandibular; 5 - do segundo arco. (7 - primeiro arco ou processo mandibular; 2 -
processo maxilar.) sulco visceral.)

Fig. 17-14. Embrião de 5,5 semanas: inicio da formação da ore Fig. 17-16. Embrião de 7 semanas e feto a termo, com as letras
lha, pela fusão do processo mandibular ou primeiro arco visceral indicando a origem de cada estrutura, de acordo com o nódulo
(I) e do processo hióideo ou segundo arco (2), em torno do primei ótico correspondente: (a) trágus; (b e c) hélice; (d e e) anti-hélice;
ro sulco visceral (3). (f) antitrágus.
244 CirurgiaCraniomaxüofacial

apenas o trágus e sua área imediatamente vizinha. Du cuia que, pressionada pela invaginação do ectoderma
rante a sexta semana esses nódulos se situam ainda em (Fig. 17-18), no 33e dia forma um "cálice óptico" de
uma posição bastante ventral e mediai. Com o cresci duas camadas, com a área de pareamento dos bordos
mento gradual da face e da mandíbula (na sétima e oita denominada fissura coróidea. O fechamento do cáli
va semanas), a orelha primitiva irá sendo gradualmente ce, no 352 dia, irá aprisionar o segmento ectodérmico
deslocada para uma posição mais cranial e lateral12. invaginado, o qual dará origem ao cristalino.
As duas camadas do cálice irão originar a retina,
sendo a camada externa responsável pela retina nervo
FORMAÇÃO DOS GLOBOS OCULARES sa e a interna pela retina pigmentar.
O início da formação dos olhos já se evidencia antes A camada epitelial da córnea forma-se a partir do
do fechamento da placa neural. ectoderma que recobre a vesícula ótica. Os demais te
Por volta do 30s dia, a placa neural se evagina em cidos e anexos do olho provêm de diferenciações do
uma região anterior (Fig. 17-17), formando uma vesí- mesênquima neuroectodérmico.
Nessa fase, os eixos dos primórdios oculares guar
dam entre si um ângulo de 180 graus. Da sexta sema
na ao terceiro mês, a angulação dos eixos oculoner-
vosos diminui para 105 graus, e até o nascimento terá
/^^5^kN\ diminuído para 71 graus. Esta angulação final é ade
quada à convergência necessária para que haja visão
binocular.

\& IPV >ft»»*?«*.j

121
FORMAÇÃO DO ARCABOUÇO
J^r 1 M ÓSSEO CRANIOFACIAL
"^^f A primeira indicação de desenvolvimento do crânio
7F^
^Ssí£iti
31 aparece na sexta semana (37Q dia) como uma massa
celular mesenquimal que engloba a extremidade cranial
da notocorda primitiva, e se estende em direção cefáli-
ca para a região nasal. É o condrocrânio2, que tem qua
Fig. 17-17. Embriões de 2,5 e 4 semanas, em corte transversal tro componentes básicos: a cartilagem do arco mandi
na região do cérebro anterior: (7) ectoderma; (2) parede do cére
bro anterior; (3) sulcos óticos; (4) vesículas óticas; (5) placódio bular (Meckel), a cápsula nasal, a placa basal e as cápsu
ótico. las ópticas (Figs. 17-19 e 17-20).

Fig. 17-18. Embriões de5 e 6 semanas em corte transversal na região docérebro anterior: (7) cálice ótico; (2) fissura coróidea; (3) parede
externa do cáliceótico; (4) parede interna do cálice ótico; (5) vesícula óptica ou vesícula do cristalino.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 245

As linhas básicas do fenótipo facial podem ser


determinadas nesse estágio, já que o condrocrânio pa
rece influenciar na determinação da forma, pois suas
peças serviriam como controladoras e estimuladoras
do crescimento das estruturas adjacentes. O condro
crânio alcança seu desenvolvimento máximo entre a
10a e a 12a semanas; após este tempo, já se podem
observar sinais de regressão na cartilagem do arco man
dibular e da base do crânio, com a intensificação dos
processos de ossificação, cuja seqüência de aparecimen
to é a seguinte:

• Ossificação intramembranosa:
Grupo 1-39 dias: mandíbula
40 dias: maxila
Fig. 17-19. Condrocrânio: (J) cápsula nasal; (2) cartilagem de
Meckel; (3) placa basal; (4) futura sincondrose esfenocipitai; (5) Grupo 2-56 dias: zigomático, frontal e parietal
cápsulas óticas; (6) arco hióideo.
57 dias: ossos nasais, palatinos e vômer

• Ossificação endocondral:
A estrutura do condrocrânio é relativamente sim 65 dias: parte occipital da base do crânio
ples, quando comparada à do osso: nos tecidos pouco 83 dias: parte esfenoidal da base do crânio
vascularizados do embrião, tem ótimas condições de
adaptação e crescimento. Sua cartilagem passa a exer
cer as funções de tecido estrutural imediatamente após
CÁPSULA NASAL OU COMPLEXO
sua diferenciação, servindo, portanto, como esqueleto
precoce. Embora os centros de ossificação para os os NASOMAXILAR
sos membranosos, como a mandíbula e a maxila, dife Aos 40 dias, como já vimos, surgem os centros de ossi
renciem-se praticamente ao mesmo tempo que a carti ficação da maxila bilateralmente à cápsula nasal carti-
lagem do condrocrânio, não conseguem, por serem laginosa. Nas próximas 2 semanas dá-se a expansão da
membranosos, funcionar como suporte estrutural até ossificação às outras áreas faciais, fazendo-se conexões
um avançado estágio de crescimento. Como a cartila ósseas com os outros processos embrionários. A pri
gem tem a capacidade de crescer tanto intersticialmen- meira sutura a se formar é a interpré-maxilar, como
te como por adição de superfície, o condrocrânio apre resultado da extensão dos processos palatais em dire
senta evidente função de crescimento rápido. ção à linha média. Ao mesmo tempo se forma o liga-

Fig. 17-20. Sincondrose


esfenocipital.
246 Cirurgia Craniomaxilofacial

mento septomaxilar (Fig. 17-21) que, unindo o septo


nasal à pré-maxila, terá grande importância no meca
nismo de tração que o crescimento endocondral do
septo irá aplicar sobre os ossos (e suturas) do terço
médio da face. Esta tração já aparece entre a quinta e a
sétima semanas.
O poder de expansão da cartilagem septal se trans
fere, por intermédio do ligamento, à pré-maxila. Como
esta está ligada aos centros de ossificação da maxila e
estes ao vômer (que por sua vez se relaciona ao septo
cartilaginoso por uma sutura propositadamente oblíqua,
que funciona como rampa de deslizamento e favorece
o alongamento anterior), transfere todo o estímulo de
crescimento do septo ao terço médio facial. Esse efei
to de tração produzido pelo crescimento septal é
substituído, ao nascer1, por outros estímulos de deslo
camento, pois a face passa a adquirir a capacidade de
utilizar as forças geradas pelos tecidos moles já então
formados.
Após a formação da sutura interpré-maxilar pas Fig. 17-22. Osso maxilar de feto a termo, vista posterior: (J)
sam-se ainda 5 semanas até que, na 12a semana, se fun parede posterior da maxila e suas direções de crescimento; (2)
tubérculo retromaxilar; (3) rebordo alveolar superior; (4) sutura
dam medialmente as partes intermaxilares e interpala- zigomaticomaxilar.
tais. A ossificação continua póstero-lateralmente, des
de abaixo das órbitas até os zigomáticos, e póstero-
medialmente em relação ao osso palatino e às placas tanto na vida intra-uterina como após o nascimento,
pterigóides. Entre os ossos palatinos e zigomáticos, pois é onde se insere a musculatura do anel velofarin
formar-se-á, posteriormente (Fig. 17-22), uma larga su geo, cuja tração intensa já se faz presente a partir do
perfície que será um importante sítio de crescimento, quinto mês de vida intra-uterina, em um esforço de
maturação funcional para o nascimento. Consideran
do a estreita ligação dessa área com a sobrevivência do
recém-nascido (por meio da respiração, do choro, da
sucção e da deglutição), justifica-se encontrar, justa
mente nos tubérculos retromolares (ou tuberosidades
maxilares), um tipo histológico de osso adaptado ao
crescimento rápido, o osso plexiforme. É composto
por plexos de canais vasculares simétricos e tridimen
sionais margeando lâminas ósseas em direções radiais,
longitudinais e circunferenciais, o que dá ao córtex
uma aparência de parede de tijolos e permite o mais
rápido crescimento ósseo de todo o corpo fetal, esti
mulado pela força muscular.
Os músculos superficiais e profundos da face, por
sua vez, se desenvolvem localmente pela interação en
tre os ramos nervosos e o mesênquima16. Geralmente,
a diferenciação dos músculos faciais é precedida pelo
desenvolvimento dos centros de ossificação do esque
leto facial. A diferenciação celular em blastema pré-
muscular começa após transformações específicas para
cada área, por exemplo: o músculo orbicular dos olhos
Fig. 17-21. Estruturas centrais da face em embrião de ó sema se desenvolve nas pálpebras após o seu fechamento,
nas: (7) ligamento septo-pré-maxilar; (2) septo cartilaginoso; (3)
centro de ossificação da pré-maxila; (4) centro de ossificação da na nona semana; o músculo orbicular da boca não se
maxila; (5) vômer. desenvolve antes de o vestíbulo se ter formado, na
Embriologia e Desenvolvimento da Face 247

oitava semana. Esta interação entre músculos e teci


dos estruturais torna-se progressivamente mais efetiva
ao longo da maturação do feto e após o nascimento.
Isto é objeto da teoria da "matriz funcional", de Mel-
vin Moss2: o osso por si só não regula a velocidade e
direção de seu próprio crescimento, nem a forma de
sua remodelagem; a matriz funcional, constituída de
todos os tecidos moles que atuam em torno da peça
óssea, é que na realidade determina o processo de cres
cimento ósseo4 e contém as informações genéticas ne
cessárias para isso.
Naturalmente, o osso e a cartilagem são envolvi
dos na atuação da matriz funcional, uma vez que par Fig. 17-23. Cartilagem: (7) condroblastos pericondrais e cresci
ticipam fornecendo informações essenciais às suas mento por aposição; (2) condrócito; (3) crescimento endocondral.
membranas de revestimento e aos demais tecidos mo
les na retroalimentação dos estímulos enviados. Isto
induz os tecidos moles a inibirem ou acelerarem a ati Agora mais maduros, os condrócitos acumulam
vidade de crescimento da peça óssea6-7 até que seja atin glicogênio e lipídios em seu citoplasma e passam a
gido um estado de equilíbrio mecânico e funcional exercer o crescimento intersticial, sofrendo mitoses
entre o osso e a matriz de tecidos moles. Esta intera intrateciduais.
ção posiciona continuamente cada peça óssea para o
melhor desempenho de suas funções. Embora os teci
dos estruturais não sejam por excelência os modelado- OSSO
res ou comandantes do crescimento do crânio e da Além de poder formar-se através de dois processos dis
face, suas características histológicas nos fornecem da tintos, este tecido pode apresentar inúmeras formas his
dos importantes para entender seu comportamento e tológicas, de acordo com o sítio anatômico, o grau de
as leis que regem seu desenvolvimento. vascularização —este diretamente proporcional à sua
velocidade de crescimento ou renovação —, a função
CARTILAGEM
metabólica ou a necessidade de resistência às forças ad
jacentes. Suas células, os osteócitos, têm vida média de
O tecido cartilaginoso é constituído por células en aproximadamente 7 anos. Não são capazes de apresen
voltas por uma matriz hialina altamente hidrófila (sul tar mitoses intersticiais, pois a matriz que as envolve é
fato de condroitina associado a uma proteína não-co- calcificada, inextensível e impermeável aos líquidos nu
lágena), que lhe dá uma consistência firme e túrgida, trientes. O osso necessita, portanto, de uma membrana
mas não dura9. Apresenta dois padrões de crescimen ricamente vascularizada que se encarregue de suas mu
to: o intersticial, ou endocondral, e o crescimento por danças de forma durante o crescimento. Sendo a matriz
aposição, quando é recoberto por membrana pericon- óssea dura e inelástica, toda a pressão que se fizer sobre
dral. sua membrana de revestimento (periósteo) provocará,
A matriz hialina, não sendo calcificada, pela hi- por diminuição do aporte sangüíneo, uma osteoclase
drofilia permite a livre difusão de nutrientes, possibi com reabsorção óssea, e toda a tração que se fizer sobre
litando as trocas metabólicas celulares e suas divisões o periósteo provocará uma rica neovascularização com
(crescimento endocondral). Não há vasos sangüíneos osteoblastose, havendo aposição óssea, no esforço de
intracartilaginosos, o que torna o tecido altamente re manter sempre unidos o tecido e sua membrana.
sistente às pressões e, por isso, ideal para constituir as As áreas ósseas que não sofrem pressões diretas ou
superfícies articulares, onde qualquer membrana de que, principalmente, servem de inserção à musculatura
revestimento teria seus vasos colabados. (que as traciona), crescem de maneira intramembranosa
Nos sítios não-articulares em que há revestimento (Fig. 17-24). Quando o osso deve crescer sob pressão e
pericondral, o crescimento se faz também por aposi não pode, portanto, se valer do periósteo, utiliza um ar
ção, pela transformação progressiva dos condrócitos cabouço cartilaginoso para protegê-lo e formá-lo, e então
(Fig. 17-23). Estes, à medida que vão secretando matriz, teremos a osteogênese endocondral (Fig. 17-25). Por isso,
são englobados por ela e se aprofundam na peça carti- as superfícies articulares, as placas epifisiárias dos ossos
laginosa. longos e as sincondroses são chamadas de cartilagem de
248 CirurgiaCraniomaxüofacial

Como os ossos da face, apesar da forma irregular,


são na maior parte das vezes peças ocas e, conseqüente
mente, formadas por áreas laminares, geralmente de
pouca espessura, compõem-se preferencialmente de
osso cortical. O endósteo não existe em osso cortical;
portanto, o efeito de resposta contrária será realizado
pelo periósteo da face oposta da lâmina óssea em ques
tão.
O soalho das fossas nasais, por exemplo, sofre re
absorção pela pressão do ar respirado; conforme se dá
esse desgaste na face superior, a face inferior do osso
(abóbada palatina) responde com aposição, promoven
Fig. 17-24. Osso membranoso: (7) periósteo com as camadas
externa fibrosa e interna celular; (2) osteócitos imersos na matriz. do a remodelagem do palato para baixo (Fig. 17-26).
Quando tratamos, porém, de zonas de reforço da
estrutura facial, como os pilares dos zigomáticos ou
mandíbula, podemos imaginar o endósteo habitan
do a textura porosa do osso medular que preenche o
"molde" externo de osso cortical. Nos ossos da abó
bada craniana, o osso medular que se interpõe entre
as duas tábuas corticais chama-se diploe, e é aí que
encontramos novamente o endósteo respondendo in
versamente às remodelagens dos ossos corticais que o
revestem.

Durante a remodelagem, as partes componentes de


uma peça óssea vão sofrendo movimentos progressivos
e seqüenciais e se transformando em novos segmentos.
Por exemplo, o ramo mandibular é remodelado pela
aposição óssea em seu bordo posterior (Fig. 17-27), de
tal forma que a região que antes constituía a base do
ramo agora faz parte do corpo mandibular, que assim
se alonga.

Fig. 17-25. Osteogênese endocondral: (7) proliferação cartilagi


noso intersticial; (2) osso endocondral.

crescimento. Com a capacidade de se desenvolver sob


pressão, em direção ao vetor de compressão, promovem
o crescimento linear dos ossos que recebem pressão em
suas extremidades. De um lado a cartilagem cresce inters-
ticialmente e, enquanto o faz, no lado mais antigo a carti
lagem vai sendo removida e substituída por osso.
Todas as remodelagens externas em uma peça ós
sea são invariavelmente acompanhadas, na face inter
na, por um fenômeno fisiológico inverso correspon
dente, isto é, sempre que estiver acontecendo aposição
na face periosteal, o endósteo (fina camada unicelular
que reveste a peça internamente) estará promovendo a
reabsorção óssea no sítio interno correspondente. Por
outro lado, se por pressão externa o osso estiver so
frendo osteoclase periosteal, o endósteo corresponden
te estará fazendo osteoblastose. Fig. 17-26. Remodelagem cortical: (7) reabsorção; (2) aposição.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 249

A direção de movimento da peça óssea dada pelo Estruturalmente, as suturas faciais são compostas
sentido de aposição de tecido durante a remodelagem de dois periósteos, um para cada margem óssea. Cada
é chamada de deslocamento primário, pois é um mo periósteo é composto de uma camada fibrosa externa
vimento direto de crescimento. (onde há miofibroblastos) e uma camada interna plasti-
E chamado de deslocamento secundário o movi camente ativa, isto é, capaz de realizar a remodelagem
mento ósseo global que obedece à direção do vetor óssea. Entre os dois periósteos há, no período pré-natal
resultante da somatória dos deslocamentos primários. e na primeira infância, uma camada de tecido conjunti-
Há, portanto, dois tipos básicos de movimentos vo frouxo com muitos vasos sangüíneos (Fig. 17-28). A
de crescimento individual de cada osso: a remodela abundante população de fibroblastos ativamente con
gem, que rege o deslocamento primário, e a relocação, trateis (miofibroblastos) dentro da zona ligamentar das
produzida pelo deslocamento secundário. Por exem suturas interósseas proporciona, pelo menos em parte,
plo (Fig. 17-27), a mandíbula se remodela pelo cresci uma força contrátil que exerce tensão na estrutura fi
mento endocondral do côndilo para cima e para trás. brosa, multiplicando assim a força extrínseca de deslo
Como nessa direção existe a base do crânio, que está se camento que as partes moles exercem sobre a estrutu
remodelando em sentido contrário, esta contraposi ra óssea. O terço médio da face é "puxado" ao longo
ção de forças produz uma soma vetorial que resulta de suas suturas zigomaticomaxilares, nasomaxilares,
em um deslocamento da mandíbula para baixo e para pterigomaxilares, nasoetmoidais, palatinas etc. (Fig. 17-
a frente. A remodelagem, que é uma resposta direta às 29). Há fibroblastos especiais que degradam o coláge-
forças que atuam nas superfícies ósseas, é um fenôme no e outros que o produzem, garantindo, assim, a re
no que se perpetua durante toda a vida, pois, após o posição e o reposicionamento das fibras e as religa-
crescimento, passa a regular as trocas celulares. Os os- ções suturais à medida que as peças ósseas crescem e se
remodelam.
teócitos têm uma vida média de 7 anos. Com isso, a
reposição das células ósseas do adulto e do velho se O deslizamento que as suturas permitem entre as
guirá o mesmo padrão de remodelagem que existiu peças ósseas é bem evidente quando se observam as es
truturas zigomaticomaxilares (Fig. 17-30).
durante o crescimento, agora não mais contando com
Elas permitem o deslocamento secundário do
as compensações da relocação.
malar para a frente, em resposta à aposição óssea in
A relocação, que acontece como resultante vetorial,
tensa da superfície retromaxilar.
é um movimento de crescimento diretamente depen
Se considerarmos o cone orbitário como sendo
dente das suturas ósseas e se manifesta apenas durante um Ve a superfície retromaxilar como sendo sua face
o período de crescimento craniofacial.
externa, veremos que, como resposta a esta aposição
óssea da face externa, teremos uma reabsorção da face
interna do V(neste caso induzida também pelo cresci
mento das estruturas intra-orbitárias). Com isso tere
mos um crescimento global do V, no caso a órbita,
cuja resultante final será a relocação anterior3.
Em muitas peças ou segmentos ósseos da face
podemos sobrepor a forma de uma letra V e, neste

TmmMwm

'**•*':(V" :'''!*)"-•'**'

w/////wmw^ii
Fig. 17-27. Movimentos de crescimento ósseo e seus vetores: (7)
remodelagem ou deslocamento primário; (2) relocação ou deslo
camento secundário. Fig. 17-28. Organização sutural.
250 Cirurgia Craniomaxüofacial

caso, sempre teremos um padrão de crescimento glo


bal por aposição óssea da face externa e reabsorção da
face interna do V.
Ainda analisando as órbitas, constatamos que, com
o crescimento do conteúdo orbital e reabsorção óssea
interna das paredes laterais, há uma aposição compen
satória na parede externa do V, isto é, nas faces exter
nas das paredes orbitais laterais, o que provoca o alar
gamento da face. A expansão dos lobos frontais do
cérebro, que se dá até os 6 a 7 anos de idade, além de
auxiliar nesse alargamento da face, provoca um movi
mento também para a frente e para baixo (Fig. 17-31).
A parede mediai da órbita não é totalmente reabsorti-
va porque deve equilibrar a força reabsortiva da sua
face nasoetmoidal, estimulada à osteoclase pela pres
são do turbilhonamento aéreo da respiração nasal. Este,
por sua vez, ao provocar reabsorção das paredes e soa
lho nasal, bem como dos seios maxilares, induz a apo
sição óssea na face oral do palato (Fig. 17-32).
Sendo o túnel inferior das cavidades nasais a re
gião mais pressionada pelo fluxo aéreo, a área inferior
junto ao soalho do nariz sofre uma reabsorção muito
mais intensa do que a área nasoetmoidal que, além de
receber uma pressão aérea diminuída (apenas turbilho
namento, e não fluxo laminar), tem sua reabsorção
equilibrada pelas órbitas. Por isso, o espaço nasal in
terno do adulto adquire uma forma piriforme e não
se mantém cubóide, como no recém-nascido.
Descendo o palato por resposta ao "escavamen-
to" do soalho nasal, sua tendência lógica seria a retifi
cação, não fora a ação importante dos complexos alveo-

Fig. 17-29. Sítio das suturas faciais, com esquematização do re


sultado de deslocamento pelo ganho tecidual nos planos suturais.

Fig. 17-30. Feto de 20 semanas, com o frontal e tetos orbitários


removidos: (7) sutura zigomaticomaxjlar; (2) septo nasal; (3) soa Fig. 17-31. Influência da expansão cerebral no alargamento da
lho orbitário; (4) cornetos; (5) superfície retromaxilar. face.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 251

lodentários que, alongando-se, mantêm a forma da abó- pendicularmente à parede alveolar. Dessa maneira, a
bada palatina. membrana periodontal promove um sistema físico de
Os dentes já são fonte de estímulo ao crescimen transformação de pressão em tração. Quando o dente
to do arco alveolar mesmo enquanto germes, por sua é pressionado contra o alvéolo pela força mastigató-
presença e seus movimentos geneticamente direciona ria, suas fibras periodontais tracionam as paredes alveo
dos à região oclusal. Após a erupção, passam a estimular lares, mantendo-as sempre em situação de renovação
a manutenção da forma do arco alveolar. Isto acontece osteoblástica, livres de reabsorção. Quando um dente
devido ao peculiar sistema de fixação do dente ao al é extraído, o osso alveolar remanescente passa a ser
véolo, a chamada membrana ou ligamento periodontal submetido à pressão direta da mastigação, e com isso
(Fig. 17-33). Compõe-se de fibras que, ligadas perpen observamos rápida reabsorção do rebordo alveolar.
dicularmente à raiz dentária, fixam-se também per- O crescimento da mandíbula, como vimos na
embriologia, começa com a substituição de um arco
cartilaginoso (cartilagem de Meckel) por centros de
ossificação intramembranosa, em todo o corpo man
dibular e no ramo ascendente, até a altura do forame
mandibular. Desta região para cima, esta peça sofre
ossificação até ficar reduzida, ao nascimento, a uma
camada de cartilagem articular para recobrimento do
côndilo da mandíbula, considerado o seu principal
centro de crescimento.
A camada proliferativa de pré-condroblastos é es
timulada pela pressão imposta pelos músculos masti-
gatórios (masseter, temporal, pterigóide interno) e de
sencadeia a multiplicação celular com crescimento car
tilaginoso endocondral. Em camadas mais profundas
há a ossificação, e o osso endocondral que então per
manece como eixo do colo condílico passa a receber
Fig. 17-32. Mapa esquemático (Enlow) das áreas de aposição e as tensões funcionais do ramo e é recoberto e continua
reabsorção na face. mente remodelado pelo osso intramembranoso das
superfícies corticais adjacentes. A adição de novo osso
é feita sobre a borda posterior do ramo. Compensato-
riamente se reabsorve osso na borda anterior do ramo,
o que traz, conseqüentemente, o alongamento posteri
or do corpo mandibular (Fig. 17-34), por um processo
de remodelagem. O alongamento vertical da mandí-

Fig. 17-33. Complexo alveoloperiodontal de fixação da raiz den


tária, convertendo a pressão da mastigação em tração das pare
des alveolares. Fig. 17-34. Remodelagem do ramo mandibular.
252 Cirurgia Craniomaxüofacial

bula é dado pela aposição óssea na apófise coronóide


e no côndilo e pelo crescimento vertical dos rebordos
alveolares. Para acompanhar o alargamento da face até
os 6 a 7 anos, as faces mediais e laterais dos ramos
ascendentes sofrem remodelagem pelo princípio do V
(Fig. 17-35).
Um dos grandes sítios de crescimento é a tubero-
sidade lingual, que cresce por depósitos na sua superfí
cie posterior, tal qual a tuberosidade maxilar (ou re
tromolar), no terço médio da face (Fig. 17-36). As tu
berosidades linguais protruem consideravelmente em
direção mediai, ficando as extremidades posteriores do
arco alveolar em posição muito mais mediai do que os
ramos ascendentes da mandíbula. Por isso, no proces
so de remodelagem que transforma ramo em corpo, é
necessária a prévia medialização da parte inferior do
ramo, para se alinhar ao arco alveolar no qual se irá
transformar (Fig. 17-37).
O alongamento do corpo mandibular segue tam
bém o princípio do V, mantendo com isso uma largu
ra sempre compatível com os terços médio e superior
da face. Tanto meninos quanto meninas sofrem uma
diminuição da velocidade de crescimento mandibular
logo antes da puberdade e apresentam um surto de Fig. 17-36. Dois importantes centros de crescimentoda face: (7)
crescimento entre 11 e 13 anos (para as meninas) e 13 e tuberosidade maxilar; (2) tuberosidade lingual.

15 anos (para os meninos).


A mandíbula, por ser o único osso móvel de todo
o segmento cefálico (excetuando-se naturalmente os

Fig. 17-37. Remodelagem do ramo no tubérculo lingual, para se


transformar em corpo, e alongamento e alargamento do corpo
Fig. 17-35. Alargamento mandibular pelo princípio do V. mandibular pelo princípio do V.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 253

ossos do ouvido médio), reveste-se de importância fun mandíbula está estabilizada pela contração de seus
damental no crescimento facial, por estar diretamente músculos elevadores (masseter, temporal, pterigóideos
envolvida com os músculos mastigatórios, cuja força mediais). A ponta da língua se apoia no palato, acima
especialmente intensa serve de reguladora direta de toda e por trás dos incisivos superiores. São mínimas as con
a homeostase morfofuncional da face. O crescimento trações dos lábios e músculos da mímica.
mandibular é, portanto, considerado como fator de Dentre os desvios do crescimento facial, os mais
liderança para o crescimento global da face2. O centro comuns, e felizmente menos graves, são aqueles adqui
de crescimento primário, o côndilo cartilaginoso, pro ridos por vícios funcionais da região orofacial, na maior
move a ossificação endocondral do ramo ascendente, parte das vezes impostos pelos pais (uso de chupeta,
e esta produção óssea é tanto maior quanto maior a erros de oferta alimentar, retardo no desmame por ser
força de fechamento dos músculos mastigatórios que mais "prático" oferecer uma mamadeira do que prepa
o pressionam contra a fossa glenóide. Logicamente, rar um alimento sólido ou semi-sólido).
toda a situação que criar alteração da força mastigató- Atividades voluntárias são ações determinadas
ria para mais ou para menos irá acelerar ou retardar o mediante controle cortical. Pelo fato de a muscula
crescimento da mandíbula, simétrica ou assimetrica- tura mastigatória fazer parte do aparelho digestivo,
mente, dependendo de a alteração de força ter sido ela apresenta, além do comando voluntário, uma in
bilateral ou unilateral. É, portanto, de grande impor trincada rede de inervação neurovegetativa que cria e
tância conhecer o comportamento de toda a muscula adapta comandos independentemente do nível de
tura orofacial durante o processo de aprendizado e consciência. Cada atividade volitiva deve ser separa
maturação, que se inicia já no último trimestre de vida da das respostas incondicionadas recebidas congeni-
intra-uterina e secompleta ao longo dos primeiros anos tamente ou dos reflexos condicionados indesejáveis
de vida.
adquiridos.
A deglutição pela mastigação é bom exemplo de
A deglutição já se inicia com os movimentos pri
reflexo que surge com o crescimento e amadurecimen
mitivos do feto na sucção do líquido amniótico. Ao
to neuromuscular18. A sucção compulsiva do polegar
nascer, a deglutição pela sucção já é competente, ape
ou de chupeta é, no entanto, um exemplo de reflexo
sar de ser insólita e parcialmente imatura. A língua se
condicionado indesejável, que irá desequilibrar a com
coapta à gengiva para exercer a função de "almofada"
plexa rede de informações e respostas entre a matriz
de expressão para o líquido a ser sugado, o qual é rece
funcional e os tecidos estruturais da face.
bido no terço superior da língua e deglutido com
A codificação genética recebida pelo embrião exer
movimentos contrateis ritmados da parte mais poste ce também papel decisivo no aparecimento de desvios
rior da orofaringe. Com o amadurecimento funcional de crescimento. Pelos ensinamentos de Moss sobre a
há a estabilização da mandíbula pela contração dos matriz funcional, sabemos que ela contém os "mol
músculos mastigatórios, e o líquido passa a ser guiado des" da estrutura osteocartilaginosa. Seria, portanto,
para trás pelo intercâmbio sensitivo entre os lábios, a bastante improvável encontrarmos um micrognata fi
língua e o palato, trazendo o sítio da deglutição da lho de pais prognatas. Além do mais, sabemos que todas
orofaringe para uma posição mais anterior. as deformidades craniofaciais congênitas, que nada mais
Usualmente, o amadurecimento da deglutição se são do que desvios de crescimento que se instalam no
inicia após o sexto mês de vida pós-natal. Com a erup feto, perpetuam-se e exacerbam com o crescimento pós-
ção dos incisivos, os movimentos de abertura e fecha natal, se baseiam em erros genéticos, sejam hereditári
mento da mandíbula se tornam mais precisos e coor os, sejam teratogênicos ou circunstanciais.
denados. Isso força a postura mais retraída da língua e Tumores faciais e, principalmente, intra-orais ad
dá início ao aprendizado da deglutição pela mastiga quiridos na infância costumam alterar o crescimento
ção, mais complexa do que a deglutição pela sucção. facial na mesma proporção em que sua presença mude
Esta transição se realiza ao longo de vários meses, de os hábitos funcionais da criança. É bem conhecido o
pendendo da oferta alimentar (introdução gradual e efeito que a hipertrofia de adenóides pode provocar
progressiva de alimentos sólidos na dieta) e obviamente em uma face: a progenia com micrognatismo e mordi
do ajuste e da maturação do aparato neuromuscular. da aberta anterior, também chamada de fácies adenoi-
A maioria das crianças adquire o amadurecimento da deana. Com a respiração nasal obstaculizada na naso
deglutição por volta dos 18 meses de idade. Na deglu faringe, a criança passa a exercer a respiração oral, o
tição considerada "amadurecida", observamos as se nariz deixa de receber o turbilhonamento aéreo que
guintes características: os dentes estão em oclusão, a lhe reabsorveria o soalho e o palato não desce, pois,
254 CirurgiaCraniomaxüofacial

além de não ser reabsorvido superiormente, o é inferi ta que por si só é capaz de nos revelar as alterações
ormente, pela passagem do fluxo aéreo normal (Fig. adquiridas na infância.
17-38). A cartilagem quadrangular, que cresce sob pres Dimensionando-se a importância dos vícios ad
são, tende a sofrer desvios para se acomodar em um quiridos pela musculatura orofacial, quer por imita
espaço vertical insuficiente, e o desvio do septo nasal ção, compulsão, hábito ou presença (mesmo que tem
irá somar mais um obstáculo à passagem do ar pelo porária) de tumores, faz-se necessário evidenciar a uti
nariz. Os músculos mastigatórios se tornam hipotôni- lidade da terapia fonoaudiológica como auxílio à ree
cos, por não exercerem sua função prioritária de ma ducação da musculatura orofacial. Quanto mais pre
nutenção da oclusão da boca (que precisa ficar entrea- coce esta reeducação, mais tempo o crescimento facial
berta para a passagem do ar), e com isso não pressio normalizado terá para apagar o defeito estrutural já ad
nam competentemente os côndilos contra as cavida quirido, conseguindo-se assim uma face adulta normal.
des glenóides, criando-se um estímulo insuficiente da Tão dramáticas quanto os defeitos evolutivos são
ossificação endocondral condílica, fonte primordial do as alterações de crescimento causadas por trauma. E
crescimento mandibular. Além disso, a língua, na ten aqui se incluem todos os traumas, cirúrgicos ou não,
tativa de regular e adequar a coluna aérea oral, sobe que extirpem parcial ou totalmente estruturas faciais,
para se aproximar do palato já excessivamente ogival, tanto de partes moles (matriz funcional) como de teci
abandonando sua postura no assoalho oral. Em vez dos estruturais. Naturalmente, esta afirmativa se ba
de provocar reabsorção interna do Kdo corpo mandi seia em todos os conceitos já enunciados; portanto, o
bular, pela pressão de sua presença, passa a exercer tra efeito do trauma sobre o crescimento também será
ção de suas paredes internas, revertendo o fenômeno diretamente proporcional ao grau de modificação
de crescimento do corpo da mandíbula. Com este pro morfofuncional que venha imprimir nas estruturas
cesso instituído na infância, mesmo após a extração faciais. Por isso, quando falamos em trauma cirúrgico,
das adenóides (a menos que seja muito precoce), já referimo-nos às seqüelas das extirpações tumorais ou a
estará instalado o vício da respiração oral alternativa, e cirurgias destinadas a corrigir defeitos congênitos que
os padrões de tonicidade da musculatura orofacial, por às vezes são conduzidas na inobservância das priorida
serem de controle preferencialmente involuntário, irão des funcionais da face, ou às cirurgias de redução de
perpetuar-se indefinidamente, forjando uma face adul- fraturas feitas sob padrões técnicos ou ideológicos
impróprios, que não obtêm um resultado anatômico
e funcional adequado. Jamais apontaríamos o trauma
cirúrgico puro e simples como causador de um desvio
de crescimento, quando a cirurgia, em qualquer fase da
infância, visasse a corrigir uma distopia ou improprie-
dade morfofuncional de qualquer etiologia. Logica
mente, deve-se ter em mente o cuidado com os tecidos,
pois em áreas descoladas e dissecadas irão formar-se
zonas fibróticas que de uma certaforma são indesejáveis
à perfeita remodelagem óssea. Apesar disso, a normaliza
ção funcional da peça óssea por seu reposicionamento
e reinserção muscular correta é tão mais importante em
termos de crescimento que torna desprezíveis os efeitos
do trauma cirúrgico em si.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Been W, Liew Kie SongSH. Harelip and cleft palate conditions
in chick embrios following local destruction of the cephalic
neural crest: a preliminary note. Acta Morphol Neerl Scand
1978;7<í:245.
2. Cardim VLN. Crescimento ósseo e cartilaginoso da face. In:
Fig. 17-38. Conseqüências da respiração bucal durante a fase de Avelar JM. Cirurgia Plástica na Infância. São Paulo: ed.
crescimento. Hipócrates, 1989.
Embriologia e Desenvolvimento da Face 255

3. Enlow DH. Handbook of Facial Growth. Philadelphia: Saun 12. Rogers BO. Microtic, lop, cup and protruding ears: fourdirect-
ders, 1990. ly related inheritable deformities? Plast Reconstr Surg 1968;
4.Johnston MC. The Neural Crest in Vértebrate Cephalogenesis. 47:208.
New York: University of Rochester, 1965. Doctoral disserta- 13. Slavikin HC. Development Craniofacial Biology. Philadelphia:
tion. Lea and Febiger, 1978.
5. Johnston MC. A radioautographic study ofthe migration and 14. Stricker M, Van der Meulen JC, Raphael B,Mazzola R. Cranio
fate of cranial crest cells in the chick embryo. Anat Rec 1966; facial Development and growth. In: Stricker M et ai. (eds.).
756:143-56. CraniofacialMalformations. Churchill Livingstone, Edinburgh,
6.Johnston MC, Sulik KK. Some abnormal patterns of develop London, Melbourne and New York, 1990.
ment in the craniofacial region. Birth Defects 1976;/5(8):23. 15. Sulik KK. Craniofacial development. In: Turvey TA, Vig KWL,
7. Johnston MC, Sulik KK. The neural crest. 7/j;Shields ED, Burz- Fonseca RJ. Facial Clefts and Craniosynostosis, Principies and
inski NJ, Melnick M. Craniofacial Dysmorphology: Genetics, Management. WB Saunders Company, 1996.
Etiology, Diagnosis and Treatment. Littleton, Mass: John 16. Vermeij-Keers C. De facialis musculatuur en transformaties in
Wright/PSG, Inc. 1983. het Kopgebied-Thesis, Leiden, 1967.
8. Le Douarin NM. The Neural Chrest. Cambridge: Cambridge 17. Vermeij-Keers C. Craniofacial embryology and morphogenesis:
University Press, 1982. normal and abnormal. In: Stricker et ai. (eds.). Craniofacial
9. Linville GP, Hepard TH. Neural tube closure defects caused by Malformations. Edinburgh, London, Melbourne and NewYork:
cytochalasin B. Nature \982;236:246. Churchill Livingstone, 1990.
10. Moss ML. The functional matrix. In: Kraus BS, Riedel RA 18. Weiffenbach JM. Discrete elicited notions of the newborn's
(eds.). Vistas in Orthodontics. Philadelphia: Lea and Febiger, tongue. In: Bosma JF (ed.). ThirdSymposium on Oral Sensa-
1962. tion and Perception, 1972.
11. Noden DM. Interactions and fates of avian craniofacial mes- 19. TanSS, Morriss-Kay G:The developmentand distribution ofcranial
enchyme. Development 1988; 103 [Suppl\:l2lA0. neural crest in the rat embryo. Cell Tissue Res 1985;24ft403-16.
Anatomia Cirúrgica
da Face

Fernando Giovanetti Morano

1. Anatomia da Face - Visão Geral


INTRODUÇÃO
2. Anatomia Regional da Face
O vocábulo anatomia é indiretamente derivado dos
vocábulos gregos anatome (em partes) e tome (cortc)IK.
A anatomia começou a ser estudada em animais, no ANATOMIA DA FACE - VISÃO GERAL
Egito, por Alcmaeon de Croton, em 500 a.C. Porém,
o mais importante fundador da anatomia em huma Pele e Mucosa
nos foi Hipócrates de Cos, em 400 a.C, com suas obras A pele que recobre toda a face é formada por epitélio
De Anatomia, Do Coração, De Fraturas e Deslocamen pavimentoso estratificado queratinizado. É rica em
tos™.
anexos, como glândulas sebáceas, sudoríparas e folícu-
A importância dessa ciência para a medicina sempre los pilosos. Sua função é minimizar a perda de líqui
foi indiscutível, como escreveu Vesálio no prefácio de dos e calor para o meio externo, da mesma forma que
sua obra De Fabrica, em 1543: "...deve ser realmente
impede a penetração de microrganismos e agentes tó
considerada o firme alicerce de toda a arte da medici
xicos ao organismo. Dependendo da principal função
na c sua preliminar essencial..."18. Entretanto, é na es que exerce, possui uma espessura que varia de muito
pecialidade cirúrgica que o conhecimento da anato fina (150|im), nas pálpebras, até bastante espessa, como
mia torna-se imprescindível. na ponta nasal.
A região da face possui diversos elementos anatô A mucosa reveste as cavidades bucal, nasal, os seios
micos e é rica em estruturas nobres. O conhecimento
paranasais e seus duetos, a parte interna das pálpebras
detalhado da anatomia cirúrgica da face é fundamen e o bulbo ocular.
tal para qualquer cirurgião que decida se aventurar por
essa região, tão importante sede de estruturas que, se
inadvertidamente lesadas, podem levar a graves pro Sistema Musculoaponcurótico Superficial
blemas, desde privação do contato social até cegueira, (SMAS)
surdez e morte. Abaixo do tegumento cutâneo e do tecido celular sub
Didaticamente, optamos por descrever a anatomia cutâneo fino encontramos o SMAS, descrito detalha
da lace de duas formas: damente por Mitz c Peyronie em 197613. O SMAS é

256
Anatomia Cirúrgica da Face 257

Pele
Fáscia
temporal
superficial

Septos

SMAS

Fig. 18-1. Representação esquemática do SMAS, o qual se continua superiormente com a fáscia temporal superficial e gálea aponeurótica
e inferiormente com o platisma.

uma rede fibromuscular contínua e consistente que • Localização mais superficial, que lhes permite inser
recobre e une os músculos da expressão facial, conec- ção ou influência sobre a pele.
tando-os à pele via septos fibrosos. Por causa desses
• Inervação pelo nervo facial1".
septos fibrosos do SMAS, supõe-se que este aja como
distribuidor da contração da musculatura da mímica
para a face. Estes músculos controlam o movimento das par
O SMAS é mais facilmente dissecado e definido
tes moles da face, objetivando realizar funções fisioló
na região da bochecha, sobre a fáscia parotídea, onde gicas e emocionais. Esses movimentos repetidos a todo
se encontra mais espesso. Medialmente, após passar momento por vários dias são responsáveis pelo inevi
tável padrão de rugas dinâmicas da face2.
sobre a borda da glândula parótida, o SMAS vai-se
Existem 20 pares de músculos responsáveis pela
tornando mais fino. Acima do músculo masseter, o
SMAS separa a gordura subcutânea do corpo adiposo expressão facial. São eles: frontal, prócero, corrugador
da bochecha (bola de Bichat). Cranialmente, o SMAS
do supercílio, orbicular dos olhos, nasal, depressor do
se continua com a gálea aponeurótica medialmente e septo, levantador do lábio superior e da asa do nariz,
com a fáscia temporal superficial lateralmente. Cau- levantador do lábio superior, zigomáticos maior e me
nor, levantador do ângulo da boca, risório, orbicular
dalmente, o SMAS se continua com o plastisma20 (Fig.
da boca, depressor do ângulo da boca, depressor do
18-1).
lábio inferior, bucinador, mental e auriculares anterior,
superior e posterior (Fig. 18-2).
Músculos Esses músculos são adjacentes e estão com freqüên
cia fundidos com suas fibras de tensão geralmente in-
MÚSCULOS DA EXPRESSÃO FACIAL
terdigitadas. A maioria apresenta feixes que se interco-
Os músculos da expressão facial (mímica) apresentam nectam, atravessam o SMAS e se inserem na derme.
em comum: Dessa forma, são difíceis de serem isolados em dissec-
258 Cirurgia Craniomaxilotacial

Gálea Levantador do
aponeurótica lábio superior

Zigomático
Frontal
Auriculares
superior e Zigomático
anterior Levantador do
maior
lábio superior e
da asa do nariz

Occipital

Levantador do Levantador
ângulo da boca do ângulo
da boca

Risório
Depressor do
ângulo da boca Orbicular da
boca

Parte orbital
Depressor do
lábio inferior
do orbicular
do olho Mental

Parte pré-tarsal Corrugadordo


do orbicular do supercílio
olho

Prócero

Parte pré-septal do
Parte transversa
orbicular do olho
do nasal

Parte alar do nasa

Depressor do septo

Fig. 18-2. Representação esquemática dos músculos da expressão facial.

ções, e mais de um músculo pode ter função seme Músculos responsáveis pelo fechamento da boca
lhante (Quadro 18-1). • Masseter: origina-se no zigoma e no arco zigomáti
co e insere-se na borda inferior da mandíbula, pró
ximo ao ângulo. Este músculo é dotado de uma
MÚSCULOS DA MASTIGAÇÃO força gigantesca e puxa a mandíbula cranial e ante
Os músculos responsáveis pele mastigação estão in riormente.
seridos na mandíbula, que é o único osso móvel da • Temporal: origina-se na fossa temporal e insere-se
face. Esses músculos são inervados pelo nervo trigê no processo coronóide. Possui uma porção anterior
meo (V par craniano) e podem ser divididos em dois que eleva a mandíbula, enquanto sua porção poste
grupos: rior leva a mandíbula para trás.
Anatomia Cirúrgica da Face 259

Quadro 18-1. Músculos da expressão facial e suas ações


Músculos Ação
Frontal
Levanta osupercílio e enruga a testa, demonstrando surpresa, dúvida, suspeita ou
curiosidade
Prócero
Rebaixa o ângulo mediai do supercílio, produzindo rugas glabelares borizontais
Corrugador
Rebaixa e medializa o ângulo mediai dosupercílio, produzindo rugas glabelares
verticais
Orbicular dos olhos Como esfíncter, fecha as pálpebras e comprime o sacolacrimal, mantém os olhos
fechados durante o sono, proporciona o piscar e protege osolhos da luz intensa
e de lesões
Nasal
Deprime e lateraliza as cartilagens alares, promovendo a abertura das narinas,
principalmente quando a respiração está difícil
Depressor do septo Rebaixa a ponta e contrai as narinas
Levantador do lábio superior Levanta o lábio superior
Levantador do lábio superior e da asa do nariz Levanta o lábio superior e dilata as narinas
Zigomático maior Levanta e posterioriza o ângulo da boca nosorriso
Zigomático menor Levanta o lábio superior
Levantador do ângulo da boca Levanta o lábio superior
Risório Retrai o ângulo da boca lateralmente, produzindo uma expressão sardônica
Depressor do lábio inferior Rebaixae posterioriza o lábio, demonstrando ironia, e everte a borda do vermelhão
Depressor do ângulo da boca Rebaixa e lateraliza o ângulo da boca, demonstrandotristeza ou desgosto
Mental Eleva e projeta o lábio inferior, demonstrando dúvida
Orbicular da boca Fecha e projeta os lábios ou os comprime contra os dentes
Bucinador Mantém a bochecha longe dos dentes na mastigação, comprime as bochechas,
sendo importante no assovio e no sopro, e participa do sorriso
Auricular anterior Levanta e anterioriza a orelha

Auricular superior Levanta a orelha

Auricular posterior Rebaixa a orelha

• Pterigóideo mediai: origina-se na fossa pterigóidea Músculos responsáveis pela abertura da boca
e insere-se no ramo da mandíbula. Ele age puxan Este grupo é composto de quatro músculos: genioiói-
do a mandíbula para cima, para a frente e medial de, genioglosso, miloióide e digástrico. Esses múscu
mente.
los elevam o hióide e deprimem a mandíbula. Nas fra
• Pterigóideo lateral: possui duas origens. A cabeça turas da mandíbula, esses músculos são os maiores res
superior origina-se na crista infratemporal, na asa ponsáveis pelas forças deslocadoras dos segmentos lin-
maior do esfenóide e na parte escamosa do osso guais, principalmente em fraturas de sínfise e parassín-
temporal e insere-se nos dois terços mediais da cáp fise12 (Fig. 18-4).
sula da articulação temporomandibular e no disco
articular. A contração dessa cabeça puxa o côndilo
medialmente e para cima durante o fechamento da
boca e é responsável pela estabilidade do côndilo. MÚSCULOS DO BULBO OCULAR
A cabeça inferior (maior) se origina na superfície A musculatura ocular extrínseca é composta pelos
lateral da placa pterigóidea lateral e se insere na músculos retos superior, mediai, inferior e lateral e pelos
porção anterior do colo do côndilo22. É importan oblíquos superior e inferior. Os quatro músculos re
te na abertura da boca e é inativa durante o fecha tos têm origem a partir de um anulo tedíneo comum
mento. Quando a contração ocorre só de um lado, e se inserem na porção anterior da esclera. O músculo
a mandíbula se move para o lado oposto e, quando oblíquo superior origina-se no osso esfenóide, torna-
a contração é bilateral, a mandíbula sofre protrusão se tendinoso e atinge um anel cartilagenoso hialino
(Fig. 18-3). preso à parte anterior do osso frontal, 8mm dentro da
260 Cirurgia Craniomaxüofacial

Músculo
pterigóideo lateral

Músculo
Músculo masseter pterigóideo mediai

Fig. 18-3. Representação esquemática dos músculos da mastigação responsáveis pelo fechamento da boca.

Músculo
milo-hióideo

Músculo
Genio-hióideo
digástrico
Músculo
digástrico Milo-hióideo

Fig. 18-4. Representação esquemática dos músculos da mastigação responsáveis pela abertura da boca.

órbita, conhecido como tróclea ou polia, onde se vol As ações principais de cada músculo com o olho
ta lateral, inferior e posteriormente para inserir-se na em uma posição primária podem ser vistas no Qua
face póstero-lateral da esclcra. O músculo oblíquo in dro 18-2.
ferior origina-se na parte anterior da órbita, em uma
depressão da superfície da maxila, lateral ao canal na-
MÚSCULOS DO PALATO
solacrimal, inserindo-se na face póstero-lateral da es-
clera14 (Fig. 18-5). • Tensor do véu palatino: este músculo achatado ori
Os músculos retos mediai, inferior e superior e o gina-se na fossa escafóide do esfenóide, faz uma volta
músculo oblíquo inferior são inervados pelo nervo de 90 graus por trás do hâmulo pterigóideo e inse
oculomotor (III par craniano), o músculo oblíquo su re-se em leque no centro do palato. Sua função prin
perior é inervado pelo nervo troclear (IV par craniano) cipal é dilatar a tuba auditiva'1 e participar na deglu
e o músculo reto lateral é inervado pelo nervo abdu- tição, sopro e sucção, tensionando superiormente o
cente (VI par craniano). palato mole8.
Anatomia Cirúrgica da Face 261

te a fonação e a sucção de líquidos e age sobre a


RM RS OS tuba auditiva.

• Palatofaríngeo: este músculo possui três partes: a par


Tróclea te palatina, que se origina na cartilagem tireóide e na
parede faríngea, adjacente, e insere-se na rafe mediana
do palato; a parte pterigofaríngea, que se origina nas
partes posterior e lateral da faringe e insere-se no hâ-
mulo e aponeurose palatina; e a parte salpingofárín-
gea, que é a mais tênue, originando-se da parte pteri
gofaríngea e inserindo-se na cartilagem da tuba audi
tiva. Tem a função de tracionar posteriormente o
RL RI palato mole, elevar a laringe e a faringe durante a
deglutição, estreitar o istmo faringonasal, separando
a orofaringe da nasofaringe, e facilitar a dilatação da
Fig. 18-5. Representação esquemática dos músculos do bulbo
tuba auditiva.
ocular. (OS - músculo oblíquo superior; OI - músculo oblíquo
inferior; RM - músculo reto mediai; RS - músculo reto superior; RL • Palatoglosso: origina-se na língua e insere-se em for
- músculo reto lateral; RI - músculo reto inferior.)
ma de leque no palato mole. Os músculos dos dois
lados, juntos, estreitam o istmo faringo-oral, quase
Quadro 18-2. Ações principais da musculatura que isolando a cavidade oral da cavidade faríngea,
extrínseca do olho
antagonizam o elevador do véu palatino e levan
Músculos Ações principais
tam a língua, propulsionando a comida.
Reto superior Elevação
• Uvular: são dois músculos cilíndricos e paralelos que
Reto inferior Depressão se originam na aponeurose palatina e na espinha
Reto mediai Adução nasal posterior, caminham nasalmente aos outros
Reto lateral Abdução músculos palatinos e inserem-se na úvula. Eles le
Oblíquo superior Depressão vantam a úvula e a tracionam para trás.
Oblíquo inferior Elevação • Constritor superior da faringe: músculo quadran
gular que ocupa as partes posterior e lateral do ter
ço superior da faringe. Sua constrição estreita o ori
Elevador do véu palatino: este músculo cilíndrico
fício nasofaríngeo e forma o anel de Passavant".
tem sua porção posterior originando-se da parte
petrosa do osso temporal e sua porção anterior ori Os músculos do palato descritos são inervados
ginando-se da parte cartilaginosa da tuba auditiva. pelo plexo faríngeo, com exceção do tensor do véu
Insere-se 17mm posterior ao palato duro, represen palatino, que é inervado pelo nervo trigêmeo, e o uvu
tando 40% do palato mole. Tem a função principal lar, que é inervado pelo nervo palatino menor3'1"'1 (Fig.
de elevar e tracionar para trás o palato mole duran 18-6).

Músculo tensor Músculo elevador


Aponeurose
do véu palatino do véu palatino
Hâmulo
Músculo constritor
superior da faringe
Músculo tensor
Músculo
do véu palatino
salpingofaríngeo
Músculo
elevador do véu
Músculo uvular' palatino
Músculo palatoglosso
Músculo uvular
Músculo palatofaríngeo

Fig. 18-6. Representação esquemática dos músculos do palato. A. Visão sagitai. B. Visão intra-oral axial
262 CirurgiaCraniomaxüofacial

Inervação destes, com exceção do grupo profundo (músculos bu-


cinador, mental e depressor do lábio inferior), que re
NERVO FACIAL cebe a inervação pela face externa, ficando profundos
aos ramos do nervo facial5.
O nervo facial (VII par craniano) origina-se no tálamo O ramo frontal está localizado aproximadamente
por três núcleos: na projeção de uma linha que liga o trago a um ponto
• Núcleo terminal l,5cm lateral à cauda do supercílio. É um ramo termi
nal em 85% a 90% das vezes, e, acima do arco zigomá
• Núcleo original motor anterior
tico, encontra-se entre as fáscias temporal superficial e
• Núcleo original parassimpático posterior profunda. Realiza principalmente a inervação do mús
Partindo desses núcleos, juntamente com os ner culo frontal.
vos intermediário e auditivo, o nervo facial atravessa a O ramo zigomático possui várias conexões e é res
fossa craniana posterior, o meato acústico interno e ponsável pela inervação dos músculos orbicular dos
caminha em direção ao seio petroso, onde forma o olhos e corrugador do supercílio.
primeiro cotovelo do facial e onde se localiza o gân O ramo bucal é o que possui mais conexões e é
glio geniculado, de onde parte o primeiro ramo: ner responsável pela inervação dos músculos prócero, na
vo petroso superficial maior. Este nervo é responsável sal, depressor do septo, elevador do lábio superior e
pela função secretomotora da glândula lacrimal e de da asa do nariz, elevador do lábio superior, zigomático
glândulas salivares menores, pela sensibilidade gustati- maior e menor, elevador do ângulo da boca, risório,
va do palato mole e pela sensibilidade profunda da orbicular da boca, bucinador, depressor do ângulo da
face. Após o gânglio geniculado, o nervo facial pene boca, mental e depressor do lábio inferior.
tra o canal ósseo do facial no osso temporal e, após O ramo marginal da mandíbula corre aproxima
percorrer 12mm, emite o nervo estapédio. O nervo damente l,5cm abaixo da borda da mandíbula até cru
estapédio faz a inervação do músculo estapédio, que é zar anteriormente os vasos faciais, quando passa a lo
destinado a conter as vibrações do ouvido médio nos
calizar-se superiormente à borda inferior da mandíbu
sons muito intensos. Após originar o nervo estapédio, la. É responsável pela inervação dos músculos orbicu
lar da boca, risório, depressor do ângulo da boca, men
ainda intrapetroso, 4 a 6mm do forame estilomastói-
tal e depressor do lábio inferior.
deo, o nervo facial emite o nervo corda do tímpano.
O ramo cervical caminha em sentido posterior no
O nervo corda do tímpano participa da função secre-
pescoço e inerva o platisma.
tora das glândulas sublingual e submandibular e da
Existem inúmeras variações anatômicas desses ra
gustação dos dois terços anteriores da língua. Logo
mos, porém grandes diferenças do que foi descrito são
após deixar o osso temporal pelo forame estilomastói-
exceções2 (Fig. 18-7).
deo, o nervo facial emite o nervo auricular posterior,
que possui ramos motores para o músculo occipital e
o músculo intrínseco da orelha e ramos sensitivos para NERVO TRIGÊMEO
a orelha. Nesse ponto, o nervo facial emite outro ramo
para os músculos digástrico posterior e estiloióide. O nervo trigêmeo (V par craniano) possui uma porção
Após 0,5 a lcm de trajeto extratemporal, o nervo facial motora responsável pela inervação dos músculos da
penetra entre as porções superficial e profunda da glân mastigação e possui uma porção sensitiva para toda a
dula parótida. E próximo ao istmo desta divide-se em face.

tronco temporofacial e tronco cervicofacial. O tronco A porção sensitiva do nervo trigêmeo divide-se
temporofacial dá origem aos ramos temporal, também em três ramos:

consagrado pelo uso como ramo frontal do facial, e • Oftálmico: este ramo caminha para a cavidade orbi-
zigomático, e o tronco cervicofacial dá origem aos ra tária, atravessando a fissura orbital superior. Nesse
mos bucal, marginal da mandíbula e cervical. Estes cin ponto, emite os ramos lacrimal, frontal e nasociliar.
co ramos terminais do nervo facial são responsáveis O ramo lacrimal inerva a glândula lacrimal e a pele
pela mímica facial. Todos esses ramos tornam-se super da parte lateral da pálpebra superior e da órbita. O
ficiais após a borda anterior da glândula parótida, po ramo frontal bifurca-se em ramos supra-orbital e supra-
rém localizam-se sempre abaixo do SMAS e do platis- troclear, que inervam a fronte, o seio frontal e a parte
ma. Os ramos se encontram abaixo dos músculos da mediai da pálpebra superior. O ramo nasociliar bi
expressão facial, fazendo a inervação pela face interna furca-se em nervos etmoidais anterior e posterior,
Anatomia Cirúrgica da Face 263

GRUPO DE
RAMOS
Divisão
temporofacial

N. facial

N. auricular
posterior

Ramo para os
músculos digástrico
posterior e estiloióide

Fig. 18-7. Representação esquemática


do nervo facial. Deve ser lembrada a
possibilidade de variações anatômicas Divisão cervicofacia
que não diferem muito desta
representação.

responsáveis pela inervação da parte interna do na mandíbula (em uma incisura onde é palpável) e a borda
riz e por uma pequena parte da porção lateral do anterior no músculo masseter, caminhando em direção
nariz. superior e anterior para a face. A partir daí, a artéria facial
• Maxilar: abandona a fossa craniana através do forame emite vários ramos: artéria labial inferior, que irriga pele,
redondo, atravessa a fossa pterigopalatina e bifurca- músculo e membrana mucosa do lábio inferior, anasto-
se em ramos zigomático, infra-orbital e alveolar. O mosando-se com a do lado oposto; artéria labial superi
ramo zigomático atravessa a fissura orbitária inferior or, que irriga o lábio superior e as porções septal e alar do
e bifurca-se em ramos zigomaticotemporal e zigoma- nariz; artéria nasal lateral, que irriga a asa e o dorso do
ticofacial. O ramo zigomaticotemporal fornece iner nariz, e artéria angular, que é a terminação da artéria faci
vação secretora para a glândula lacrimal e sensitiva al, localiza-se medialmente ao olho e anastomosa-se com
para a região temporal anterior. O ramo zigomati- a artéria dorsal do nariz, que é ramo da artéria oftálmica
cofacial atravessa um forame com seu nome no zi- que, por sua vez, é ramo da artéria carótida interna.
goma e inerva a porção ínfero-lateral da órbita e da A artéria carótida interna (parte cerebral) emite
bochecha. O ramo infra-orbital atravessa o forame um ramo importante para a irrigação da região orbitá
infra-orbital e, através dos seus ramos palpebral in ria: a artéria oftálmica. A artéria oftálmica atravessa o
ferior, nasal externo e labial superior, inerva pálpe canal ótico e caminha entre o nervo ótico e o músculo
bra inferior, nariz, bochecha e lábio superior. O ramo reto lateral até voltar-se mediai e anteriormente para
alveolar inerva a arcada alveolar superior10. dividir-se em artéria supratroclear e dorsal do nariz.
• Mandibular: caminha inferiormente para realizar a Em seu trajeto, a artéria oftálmica emite vários ramos:
inervação da região pré-auricular e do terço inferior artéria central da retina, artérias ciliares posteriores lon
da face (Fig. 18-8). gas e curtas, artéria lacrimal, artérias ciliares anteriores
(dão origem às artérias conjuntivais anteriores), artéria
etmoidal posterior, artéria etmoidal anterior e duas
Irrigação e drenagem artérias palpebrais mediais.

IRRIGAÇÃO
DRENAGEM
A artéria carótida externa emite um ramo no pescoço
chamado artéria facial. A artéria facial, após um curto A drenagem é realizada principalmente pela veia faci
trajeto no pescoço, cruza transversalmente o corpo da al, que não possui válvulas. Esta começa no ângulo
264 Cirurgia Craniomaxüofacial

Oftálmica Maxilar Mandibular

Fig. 18-8A. Representação esquemática do nervo trigêmeo e seus ramos: I - nervo trigêmeo; 2 - gânglio trigeminal; 3 - divisão oftálmica
do nervo trigêmeo; 4 - divisão maxilar do nervo trigêmeo; 5 - divisão mandibular do nervo trigêmeo; 6 - nervo frontal; 7 - nervo supra-
orbital; 8 - nervo supratroclear; 9 - nervo nasociliar; 10 - nervo etmoidal posterior; 11 - nervo etmoidal anterior; 12 - nervo infratroclear;
13 - nervo nasal dorsal; 14 - nervo lacrimal; 15 - nervo alveolar posterior superior; 16 - nervo zigomático; 17 - nervo zigomaticotemporal;
18 - nervo zigomaticofaciol; 19 - nervo infra-orbital. B. Representação esquemática das áreas de inervação do nervo trigêmeo: divisões
oftálmica, maxilar e mandibular.

mediai do olho, anastomosa-se livremente com a veia quece-se medioinfcnormente, por conter os seios
oftálmica superior, e desta maneira com o seio caver- frontais, e torna-se monocortical no rebordo orbi
noso, e desce retilineamente pela face atrás da artéria tário superior. Na transição do terço médio para
facial. No ângulo mediai do olho começa como veia mediai do rebordo orbitário superior, possui um
angular, pela união das veias supra-orbital e supratro forame para artéria e nervo supra-orbital. Até os 6
clear. Desce até a bochecha, onde recebe a veia facial anos de idade, o osso frontal possui duas metades,
profunda a partir do plexo pterigóideo, e freqüente separadas pela sutura frontal, que pode persistir na
mente termina, direta ou indiretamente, na veia jugu- vida adulta como uma linha conhecida como sutu
lar interna16 (Fig. 18-9). ra metópica. O osso frontal articula-se medialmente
com os ossos nasais, interseção esta conhecida como
násion, e lateralmente, através de seu processo zigo
Ossos c Seios Paranasais mático, com o osso zigomático, interseção conhe
cida como sutura frontozigomática (Fig. 18-10).
OSSOS
b. Lacrimais: componentes da parede mediai da órbi
a. Frontal: forma o esqueleto da fronte. E muito for ta, formando a parte posterior da fossa lacrimal,
te superiormente, por ser um osso bicortical, enfra onde se encontra o saco lacrimal.
Anatomia Cirúrgica da Face 265

V. supratroclear

V. supra-orbital

V. oftálmica superior

A. angular

V. angular
Ramo nasal lateral

V. facial profunda
A. labial superior

Fig. 18-9. Representação V. facia A. labial inferior


esquemática dos vasos faciais.
Observe que a artéria é mais
tortuosa, fica posterior e
mais profunda do
que a veia.

CARACTERÍSTICAS

Arco superciliar

Esfenóide
Incisura supra-orbital

Etmóide Forame zigomático facial

Forame infra-orbital

Lacrima
Abertura piriforme

Zigomático
Espinha nasal anterior

Concha nasal inferior

Forame mental

Sínfese mental

Fig. 18-10. Representação esquemática do crânio. Observe que a incisura supra-orbital, o forame infra-orbital e o forame mental estão
localizados, aproximadamente, em uma linha vertical.
266 Cirurgia Craniomaxüofacial

C Nasais: são sustentados superiormente pelo proces h. Zigomáticos: formam a proeminência da face. Si
so nasal do osso frontal e lateralmente pelos pro tuam-se nas bordas inferior e lateral da órbita e apre
cessos frontais das maxilas. São espessos e rígidos sentam uma superfície lateral na face, uma superfí
superiormente e finos e delicados inferiormente. cie orbital, que contribui para a parede lateral e as
d. Etmóide: o etmóide encontra-se no espaço interor- soalho da órbita, e uma superfície temporal, locali
bital posteriormente aos ossos nasais, compondo a zada na fossa temporal. Possui um processo fron
parede mediai da órbita e contendo o seio etmoi tal, que se articula com o processo zigomático do
dal. Em sua porção mediai apresenta a placa crivosa, osso frontal (sutura frontozigomática), e um pro
que se assemelha a uma "peneira" por onde passam cesso temporal, que se articula com o processo zi
os fascículos do nervo olfatório. Perpendicularmen gomático do osso temporal, formando o arco zigo
te, a placa crivosa apresenta uma lâmina que compõe mático. Na face lateral está perfurado pelo pequeno
o septo nasal'1' (Fig. 18-11). forame zigomaticofacial para o nervo do mesmo
e. Esfenóide: é composto de corpo, asas maiores, asas nome.

menores e processos pterigóides. As asas maiores e i. Maxilas: são constituídas de um corpo e quatro
menores fazem parte da órbita. Os processos pterigói processos. O corpo da maxila é piramidal e possui
des separam as fossas infratemporais das coanas e sua uma face nasal (base), que contribui para a parede
lâmina mediai articula-se com o tubérculo da maxila, lateral da cavidade nasal, uma face orbital, que for
isto é, a porção da maxila atrás do último molar. ma a maior parte do assoalho da órbita, uma face
f. Conchas nasais inferiores: ossos da cavidade nasal infratemporal, que forma a parede anterior da fos
que separam o meato médio superiormente do mea sa infratemporal, e uma face anterior, que forma a
to inferior. porção média da face. A face anterior apresenta o
g. Palatino: apresentam forma de L e consiste em uma forame infra-orbital (dá passagem à artéria e ao ner
lâmina perpendicular (posterior à parte mediai da vo infra-orbitais) cerca de lem abaixo do rebordo
maxila) e uma lâmina horizontal, que se projetam orbitário inferior e está coberta pelos músculos fa
medialmente para se encontrarem com a do lado ciais. O corpo da maxila contém o seio maxilar. O
oposto e formar a porção posterior do palato duro. crescimento das maxilas é responsável pelo alonga
Na junção das duas lâminas, possui um processo mento vertical da face entre os 6 e 12 anos de ida
piramidal que se projeta posterior e lateralmente, de. Os processos da maxilas são: zigomático, que se
separando a maxila do processo pterigóide do osso estende lateralmente para articular-se com o osso
esfenóide. Apresenta, ainda, um processo orbital, zigomático; frontal, que se projeta em direção su
que se projeta para cima e fará parte da órbita, e perior e se articula com os ossos frontal e nasais;
um processo esfenoidal, que auxiliará a delimita palatino, que se estende horizontalmente para se
ção do forame esfenopalatino. encontrar com o do lado oposto e formar três quar-

Crista Lâmina
Fossa
galli crivosa
anterior
do crânio

Órbita
Lâmina
orbital

Fig. 18-11. Representação esquemática do


Meato e concha
osso etmóide visto de trás. Observe os dois
superior
Cavidade Labirinto labirintos etmoidais unidos pela lâmina
nasa etmoidal crivosa. Os labirintos etmoidais contêm as
células etmoidais, conhecidas coletivamente
como seio etmoidal. A lâmina perpendicular,
Meato e concha Lâmina
média perpendicular
que forma a parte superior do septo nasal,
dispõe-se em ângulo reto à lâmina crivosa,
disposta horizontalmente.
Anatomia Cirúrgica da Face 267

tos do palato ósseo; e alveolar, que contém os den sincronicamente, seguindo primeiro uma rotação e,
tes superiores. As maxilas foram projetadas para após, uma translação pela eminência articular. Entre a
absorver as forças da mastigação e fornecer um su cabeça do côndilo e o osso temporal existe uma estru
porte vertical para a oclusão dentária12. tura avascular, não-inervada, firme e flexível, chamada
j. Mandíbula: é o maior e mais forte osso da face, menisco ou disco articular, responsável por absorver
além de ser o único móvel do segmento cefálico. os choques da mastigação. O menisco possui uma
Possui uma porção mediai, chamada de sínfise, que membrana sinovial com lml de líquido separando-o
é cercada lateralmente por duas parassínfises. Se da fossa glenóde do osso temporal acima e outra sepa
guindo lateralmente, encontramos o corpo e, após, rando-o do côndilo abaixo, com 0,5ml de líquido. Na
o ângulo da mandíbula. Seguindo superiormente, porção posterior ao menisco encontra-se a zona bila-
encontraremos o ramo; após, anteriormente, o pro minar, que é altamente inervada e vascularizada. A por
cesso coronóide e, posteriormente, o côndilo da ção póstero-lateral da ATM é protegida do processo
mandíbula. A sínfise mandibular é o local da fu zigomático do osso temporal por uma cápsula que
são das duas metades da mandíbula e apresenta possui um espessamento anterior chamado de ligamen
uma elevação triangular, chamada de protuberân- to da ATM. O aporte sangüíneo da ATM é realizado
cia mental. A parassínfise engloba o tubérculo men pelos vasos temporais superficiais e por ramos dos vasos
tal inferiormente, e sobre este encontra-se a fossa massetéricos. A inervação é realizada pelos nervos au-
incisiva, que é o local de origem dos músculos men riculotemporal, massetérico e temporal profundo, que
tal e orbicular da boca. No corpo da mandíbula, são ramos do divisão mandibular do nervo trigêmeo22
na projeção do segundo pré-molar, encontramos (Fig. 18-13).
o forame mentual, que dá passagem ao nervo e aos
vasos mentuais, e, abaixo, na borda inferior, encon
tramos a linha oblíqua, na qual se inserem o mús SEIOS PARANASAIS
culo depressor do ângulo da boca e, abaixo, o platis- Os seios paranasais são cavidades encontradas no inte
ma. O ângulo da mandíbula apresenta o valor mé rior do osso frontal (seio frontal), do osso esfenóide
dio de 125 graus. O ramo mandibular é uma lâmi (seio esfenoidal), do osso etmóide (seio etmoidal) e da
na óssea quadrilátera em cuja superfície lateral in maxila (seio maxilar). Têm a função de fazer com que
sere-se o músculo masseter, e a superfície mediai o segmento cefálico fique mais leve e de condicionar
apresenta o forame da mandíbula, que dá passa parte do ar para as vias respiratórias. São revestidos de
gem pelo canal da mandíbula aos nervos e vasos mucosa com epitélio colunar pseudo-estratificado ci-
alveolares inferiores. No processo coronóide inse liado e são inervados por ramos dos nervos oftálmico
re-se o músculo temporal e, durante a abertura da e mandibular do trigêmeo:
boca, o processo coronóide passa abaixo do arco
zigomático. O côndilo mandibular possui duas a. Frontal: seu tamanho varia muito de indivíduo para
partes: a cabeça e o colo. A cabeça condilar (2cm indivíduo, podendo ocupar todo osso frontal ou
mediolateral e lcm ântero-posterior) articula-se com até ser ausente. Geralmente, é diferente do lado
a porção escamosa do osso temporal (articulação oposto e drena pelo meato médio. Sua parede ante
temporomandibular) e, no colo do côndilo, por rior é a mais espessa, sua parede inferior correspon
ção anterior, insere-se o músculo pterigóideo late de ao teto da órbita e sua parede posterior está dire
tamente relacionada ao seio cavernoso.
ral (Fig. 18-12).
A mandíbula é um osso forte, porém apresenta b. Esfenoidal: está dividido em partes direita e esquer
várias áreas de fraqueza: da. Relaciona-se superiormente com o quiasma ótico
e a hipófise, posteriormente com a artéria basilar,
• ângulo mandibular, principalmente quando há um anteriormente com a cavidade nasal, inferiormente
terceiro molar que ainda não erodiu; com a nasofaringe e lateralmente com os nervos
• colo do côndilo; ótico, oftálmico e maxilar, seio cavernoso e artéria
• abaixo da longa raiz do canino; carótida interna.
c. Etmoidal: compreende de 4 a 17 pequenas cavidades
• no local de abertura do forame mentual.
de cada lado (células etmoidais), entre a órbita e a
A articulação temporomandibular (ATM) tem cavidade nasal, formando o labirinto etmoidal. De
várias peculiaridades, chamando mais atenção a obri acordo com sua abertura, as células são classificadas
gatoriedade das ATM esquerda e direita moverem-se em grupo anterior, as que drenam para o meato mé-
268 Cirurgia Craniomaxüofacial

Incisura da
mandíbula
Linha
oblíqua
Protuberância
Parte mentual
alveolar

Angulo

Angulo
Fossa incisiva
Tubérculo
Base mentual

Forame mentual

Temporal
Cápsula

Masseter

Sulco milo-hióideo
Fóvea
submandibular
Espinha Fossa Depressor
Artéria e
mentual digástrico Depressor dos lábios
veia faciais
do ângulo inferiores
da boca

Platisma
Nervo auriculotemporal

Cápsula
Pterigóideo lateral
Temporal
Ligamento esfenomandibular
Artéria
Nervo lingual- meningea
Ligamento pterigomandibular
Artéria
Constritor superior temporal
superficial
Membrana mucosa Artéria carótida
externa
Glândula sublingua
Artéria maxilar
Genioglosso
Genio-hióideo Nervo milo-hióideo

Digástrico Pterigóideo
mediai
Glândula
submandibular ' Milo-hióideo

Fig. 18-12. Representação esquemática da mandíbula. A. Vistafrontal. B. Face lateral da metade direita da mandíbula. C. Face mediai da
metade direita da mandíbula. D. Inserções musculares e relações anatômicas da face lateral da metade direita da mandíbula. E. Inserções
musculares e relações anatômicas da face mediai da metade direita da mandíbula.
Anatomia Cirúrgica da Face 269

Fig. 18-13A. Representação esquemática da ATM: 7- côndilo mandibular; 2- canal auditivo extremo; 3- processo zigomático do osso
temporal; 4 - menisco; 5 - eminência articular; 6 - processo coronóide; 7- ligamento temporomandibular anterior; 8 - cápsula. B. M-
menisco; FG - fossa glenóide do osso temporal; LS - líquido sinovial no espaço articular.

dio, e grupo posterior, as que drenam para o meato LÍNGUA


superior e supremo,
A língua é um órgão muscular importante na gusta-
d. Maxilar: a sua parede mediai é a parede lateral da
ção, na mastigação e na fala. A parte oral é representa
cavidade nasal, seu teto é o assoalho da órbita, seu
assoalho é o processo alveolar da maxila, sua parede
da pelos dois terços anteriores, e o terço posterior re
presenta a parte faríngea. O dorso da língua tem as
posterior encontra a fossa infratemporal e pterigo-
pecto aveludado devido à presença de numerosas e
palatina, e sua parede anterior está relacionada â face.
diminutas papilas linguais que apresentam canalículos
O seio maxilar drena por uma ou mais aberturas no
gustatórios. A língua é irrigada pela artéria lingual
meato médio da cavidade nasal através do hiato se-
(ramo da artéria carótida externa), e a drenagem é rea
milunar1".
lizada pela veia lingual. Nos dois terços anteriores, a
sensibilidade geral da língua é dada pelo nervo lingual
Glândulas Salivarcs c Língua (ramo da divisão mandibular do nervo trigêmeo), e a
gustação, pelo nervo corda do tímpano (ramo do ner
GLÂNDULAS SALIVARES vo facial). No terço posterior da língua, tanto a sensi
bilidade geral quanto a gustação são dadas pelo ramo
a. Parótida: localiza-se anteriore profundamente à parte
lingual do nervo glossofáríngeo15.
inferior da orelha (o termo "parótida" é derivado
do grego e significa "perto da orelha")2. Possui uma
porção superficial (70% a 80% da glândula) e uma
ANATOMIA REGIONAL DA FACE
profunda, que são divididas pelo nervo facial. Seu
dueto (Stenon) possui aproximadamente 6cm de
Região Frontal
comprimento e está situado na projeção de uma
linha entre a parte inferior do trago e a junção da A fronte é a região compreendida entre a linha de
asa nasal ao lábio. Após abandonar a glândula, o implantação do cabelo e o rebordo orbitário superior.
dueto parotídeo perfura o corpo adiposo da boche Representa um terço do comprimento vertical da face.
cha (bola de Bichat) e o músculo bucinador e abre- Abaixo de uma pele de média espessura, apresenta um
se acima do segundo molar superior15. tecido subcutâneo escasso, o músculo frontal, tecido
b. Submandibular: o dueto submandibular se abre nas areolar abaixo do qual encontramos um ótimo plano
papilas sublinguais, que são elevações localizadas ao de dissecção (praticamente avascular) e o periósteo. O
lado do frênulo da língua. arcabouço ósseo da fronte é representado pelo osso
c. Sublingual: os duetos sublinguais se abrem, em sua frontal, que, em sua porção inferior, contém o seio fron
maior parte, na prega sublingual. tal. A fronte é praticamente toda irrigada pelas artérias
270 Cirurgia Craniomaxüofacial

temporais superficiais, supra-orbitárias e supratroclea- e por ela passam os nervos trigêmeo (III par crania
res. As artérias supra-orbitais e supratrocleares apresen no), troclear (IV par craniano), abducente (VI par cra
tam ramos que se direcionam verticalmente em senti niano), oftálmico (ramo do nervo trigêmeo) e veias
do superior. A inervação motora é feita principalmente oftálmicas. A fissura orbitária inferior é delimitada,
pelo ramo temporal do nervo facial, e a sensitiva, prin por cima, pela asa menor do osso esfenóide e, por
cipalmente pelo ramo oftálmico do nervo trigêmeo. baixo, pelo osso palatino e maxila, c por ela passam
os nervos maxilar (ramo do nervo trigêmeo) e zigo
mático e a artéria infra-orbital1"1.
Região Orbitopalpebral A parede mediai é composta pela lâmina papirá-
cea do etmóide, sendo a mais frágil da órbita, seguida
A órbita é uma cavidade que apresenta a forma aproxi
pelo assoalho12.
mada de uma pêra, com sua largura sendo levemente
A parede lateral possui o tubérculo orbital de
maior do que a altura e seu maior diâmetro encon
Whitnall (lOmm inferior â sutura frontozigomática e
trando-se l,5cm internamente ao rebordo orbital. A
3mm no interior da órbita), onde se inserem o liga
órbita se relaciona superiormente com a fossa crania
mento palpebral lateral, o ligamento do músculo reto
na anterior e seio frontal, lateralmente com a fossa
lateral, o prolongamento lateral da aponeurose do mús
temporal, posteriormente com a fossa craniana média,
culo elevador da pálpebra superior e o ligamento sus-
inferiormente com o seio maxilar e medialmente com
pensório de Lockwood (sustenta inferiormente o glo
as células aéreas etmoidais e seio esfenoidal. A órbita é
bo ocular)21.
composta pelos ossos frontal, etmóide, esfenóide, la
A cavidade orbitária pode ser dividida pela fás
crimal, maxila, zigoma e palatino (Fig. 18-14).
cia de Tenon, em metade anterior, que contém o glo
Os forames etmoidais anterior e posterior são
bo ocular envolto pela gordura extraconal, e metade
delimitados pelos ossos frontal e etmoidal e permi
posterior, composta pelo nervo ótico, por músculos,
tem a passagem da artéria e nervo de mesmos nomes.
vasos e nervos motores e sensitivos envoltos pela gor
O forame ótico é delimitado pela asa menor do osso
dura intraconal (três quartos da gordura da órbita),
esfenóide e localiza-se súpero-medialmente a 40 a
que protege essas estruturas e fornece suporte para a
45mm do rebordo orbitário inferior, e por ele pas
órbita12.
sam o nervo óptico (I par craniano) e a artéria oftál A região orbitopalpebral é recoberta e protegida
mica. A fissura orbitária superior localiza-se entre as
por uma estrutura móvel e complexa, chamada pálpe
asas maior e menor do osso esfenóide, à frente da
bra. As pálpebras têm a função de proteger o globo
fossa craniana média e lateralmente ao forame ótico,
ocular contra agressões externas, descansam o olho da
luz e distribuem o fluido lacrimal que lubrifica, limpa
Osso frontal
e protege os olhos. Cada pálpebra, em sua borda livre,
Asa menor do esfenóide
possui duas ou três fileiras de pêlos, denominadas cílios,
que auxiliam a proteção luminosa e mecânica do glo
Forame ótico
bo ocular. A pálpebra superior é mais extensa e mais
Forames
Fissura etmoidais móvel. Na estratificação da porção média da pálpebra
orbitária -^ / // superior notamos uma pele extremamente fina, um
superior r .

,. escasso tecido celular subcutâneo, o músculo orbicu


f \-jfi
^s3 *§\j(" f Osso lar dos olhos, o septo orbitário (barreira contra a dis
Asa maior { fj f\\ . \ etmoidal seminação de hemorragia e infecções), envolvendo as
do esfenóide l,\
y^ WJ-^A OSSO bolsas gordurosas, a aponeurose do músculo elevador
\ \ y—sJ L r )/ ( "N\ lacnmal da pálpebra, o músculo de Müller e a conjuntiva pal
/
^x~ 7j
J>*T -f 1
~jfáfrr
\>. Fossa
lacrimal
pebral. A parte inferior da pálpebra superior apresenta
a placa tarsal, composta por tecido conjuntivo e que
Osso^T
palatino V contribui para a forma e o suporte da pálpebra, além
de possuir 20 glândulas oleossecretoras de Melbômio,
Maxila
que se abrem na transição mucocutânea (linha cinza).
1—Fissura orbitária inferior A placa tarsal superior estende-se horizontalmente por
toda a pálpebra e apresenta aproximadamente lOmm
de altura (Fig. 18-15).
Fig. 18-14. Representação esquemática da vista frontal da órbita
direita.
Anatomia Cirúrgica da Face 271

curtando os canalículos e fechando suas ampolas du


Septo orbital Bo,sa de gordura Músculo elevador
de pálpebra rante o fechamento das pálpebras. Os prolongamen
superior tos laterais da porção pré-tarsal das pálpebras superior
Músculo de
e inferior vão unir-se e compor o retináculo lateral.
Müller O músculo elevadorda pálpebra superior é um mús
culo plano, fino, esfriado e que possui aproximadamen
te 56mm de comprimento (40mm de músculo e 16mm
de aponeurose). Origina-se na asa menor do esfenóide e
Conjuntiva insere-se no tarso, em sua porção anterior e no seu terço
do bulbo inferior. Quando está passando sobre o tarso, emite pro
longamentos perpendiculares que atravessam o músculo
Tela Córnea
subcutánea orbicular dos olhos e inserem-se na derme, formando o
sulco palpebral superior. Emite prolongamentos laterais
Músculo
orbicular que dividem a glândula lacrimal em lobos orbital e pal
dos olhos pebral, compõe o retináculo lateral e insere-se no tubér
Tarso culo orbital de Whitnall. Emite prolongamentos mediais
que se inserem no ligamento cantai mediai. É inervado
Conjuntiva de pelo nervo oculomotor (III par craniano) e tem a função
pálpebra
de levantar a pálpebra superior, abrindo a fenda orbitária
e permitindo a visão.
Glândula do O músculo de Müller é um músculo liso que se
tarso
origina na transição da porção muscular para aponeuró
Feixe ciliar tica do músculo levantador da pálpebra superior, inse
rindo-se na borda superior do tarso. Possui inervação
simpática e é responsável por manter um tônus de aber
Cílios
tura da pálpebra superior e auxilia um pouco na abertu
ra palpebral"'.
Fig. 18-15. Representação esquemática de uma secção sagitai da
pálpebra superior. O aparelho lacrimal é composto pela glândula la
crimal e seus duetos c pelas vias lacrimais. A glândula
lacrimal situa-se súpero-lateralmente na órbita, sendo
A pálpebra inferior possui, na estratificação de sua limitada anteriormente pelo septo orbital e músculo
porção média, uma pele extremamente fina, um escas orbicular dos olhos e inferiormente repousa sobre o
so tecido celular subcutâneo, o músculo orbicular do fórnix superior da conjuntiva. E dividida pelo prolon
olho, septo orbitário (envolvendo bolsas gordurosas), gamento lateral do músculo levantador da pálpebra
a fáscia capsulopalpebral (análoga ao músculo eleva superior em parte orbital (principal) e parte palpebral e
dor da pálpebra), o músculo tarsal inferior (análogo é inervada por fibras secretoras derivadas do nervo pe
ao músculo de Müller) e a conjuntiva palpebral. Na troso maior (ramo do nervo facial) e do nervo do canal
parte inferior, a placa tarsal só difere da superior por pterigóideo. As vias lacrimais iniciam-se nos pontos la
ter uma altura de apenas 4,5mm. crimais (um em cada pálpebra), que se abrem em dois
O músculo orbicular do olho é subdividido em canalículos de aproximadamente lem cada, unindo-se
porções orbital, pré-septal e pré-tarsal. A porção orbi num saco lacrimal. Este se conecta ao dueto nasolacri-
tal interdigita-se com outros músculos da expressão mal que, após percorrer 2cm em um canal ósseo forma
facial que se situam ao redor da órbita. A porção pré- do pelo osso lacrimal, maxila e concha nasal inferior,
septal, com sua parte mediai e profunda, auxilia a dre desemboca no meato nasal inferior1"1 (Fig. 18-16).
nagem da lágrima, criando uma pressão negativa no
saco lacrimal durante o fechamento das pálpebras. A
Região Nasal
porção pré-tarsal, em seu prolongamento mediai, divi
de-se em cabeças superficial e profunda. A cabeça su O nariz externo é composto de um arcabouço osteo-
perficial da pálpebra superior junta-se à da pálpebra cartilagenoso envolto por músculo, pele e mucosa. A
inferior para formarem o ligamento palpebral mediai. pele que recobre o nariz é fina e móvel nos dois terços
As cabeças profundas são conhecidas como músculo superiores e fixa, espessa e rica em glândulas sebáceas
tensor do tarso e auxiliam a drenagem da lágrima, en no terço inferior. O terço cefálico do nariz é compôs-
272 Cirurgia Craniomaxilofacial

Região Malar
Glândula lacrima
A região malar é conhecida como "maçã do rosto" e é
caracterizada pela presença do osso zigomático e do
arco zigomático. Está situada abaixo das órbitas, acima
do lábio superior, medialmente às orelhas e lateralmente
ao nariz. E irrigada por ramos da artéria facial e pelas
artérias zigomaticofacial, zigomaticotemporal e infra-
orbital. É inervada sensitivamente pelos ramos zigo
mático (zigomaticofacial e zigomaticotemporal) e in
fra-orbital da divisão maxilar do nervo trigêmeo, e os
músculos que atravessam a região zigomática e vão
movimentar a boca são inervados pelo ramo zigomá
tico do nervo facial. O músculo masseter é inervado
Seio maxila
pelo ramo motor do nervo trigêmeo.

Região Bucomaxilar
Concha nasal
inferior LÁBIOS

Fig. 18-16. Representação esquemática do aparelho lacrimal Os lábios são estruturas fundamentais na articulação da
fala e emissão de sons diversos (assobio), na alimenta
ção, posicionamento dos dentes e contenção de saliva,
to pelos ossos nasais, que se apoiam superiormente no na expressão facial e integração psicossocial e em permi
processo nasal do osso frontal e lateralmente nos pro tir a passagem do ar para a respiração. Os lábios são
cessos frontais das maxilas. Os ossos nasais são espes essencialmente o músculo orbicular da boca e parte do
sos em sua porção superior e vão se adelgaçando infe bucinador, envoltos por tecido celular subcutâneo e
riormente. O terço médio é composto pelas cartila revestidos de mucosa, internamente,e pele, externamente,
gens laterais, que são triangulares e iniciam-se abaixo com distribuição peculiar de glândulas sudoríparas, se
da parte inferior dos ossos nasais, terminando sob a báceas e folículos pilosos". A porção lateral, onde se
porção cranial das cartilagens alares. O terço inferior é encontram os lábios superior e inferior, chama-se co-
formado pelas cartilagens alares, que têm forma de C e missura labial. A comissura labial é a conjunção de vários
se aproximam medialmente para formarem o dômus. músculos: orbicular da boca, bucinador, zigomático
O nariz é dividido cm duas cavidades nasais, externa maior e menor, elevador do lábio superior e da asa do
mente pela columela e internamente pelo septo nasal, nariz, elevador do lábio superior, elevador do ângulo
que inferiormente é formado pela cartilagem septal e da boca, risório, depressor do ângulo da boca e depres
espinha nasal anterior e superiormente pelo vômer e lâ sor do lábio inferior. A parte interna dos lábios, em sua
mina perpendicular do etmóide (Fig. 18-17). porção mediana, une-se à gengiva pelo frênulo do lá
Internamente, a cavidade nasal estende-se das nari bio. O lábio superior, em sua porção mediai, apresenta
nas às coanas. É dividida pelo septo nasal, e cada lado em sua parte cutânea uma depressão rasa central, chama
é dividido pelas conchas nasais superior, média e infe da filtro, delimitada por duas elevações laterais, denomi
rior. Acima da concha nasal superior encontra-se o reces nadas cristas filtrais. Na interseção da mucosa labial com
so esfenoetmoidal, que recebe as aberturas do seio esfe as cristas filtrais e o filtro forma-se o "arco de cupido".
noidal e pode conter uma concha suprema e um mea
to supremo. Abaixo da concha nasal superior estáo meato
BOCHECHA
superior, que recebe a abertura do grupo posterior das
células etmoidais. Abaixo da concha nasal média está o A bochecha é formada pelos músculos bucinador,
meato médio, que recebe as aberturas dos seios maxilar e masseter, pelo "leque" muscular que termina na co
frontal e do grupo anterior das células etmoidais. Abaixo missura labial e pelo corpo adiposo da bochecha (bola
da concha nasal inferior está o meato inferior, que recebe de Bichar), que se localiza sobre os músculos bucina
a abertura do dueto nasolacrimal (Fig. 18-18). dor e masseter e permite o deslizamento e função har-
Anatomia Cirúrgica da Face 273

Nervo supratroclear

Nervo
intratroclear
Osso nasal
Osso nasa sobreposto
às cartilagens Seio
Processo frontal
laterais
frontal da
maxila Crista
Lâmina perpendicular
Cartilagem Osso do etmóide
lateral nasal

Nervo Cartilagem Célula etmoidal


infra-orbital septal posterior

Cruz media Cruz lateral Cartilagem


da cartilagem da cartilagem septa
alar alar

Nervo
nasopalatino

Vômer
Cartilagem
Processo fronta lateral
Nervo
da maxila etmoida
Nervo
Cruz lateral da anterior
palatino
cartilagem alar
Espinha anterior
nasal
anterior
Tecido
fibroareolar

Cruz mediai da
cartilagem alar

Fig. 18-17. Representação esquemática do arcabouço osteocartilagenosonasal. A. Vista anterior. B.Vista lateral. C.Vista lateral do septo
nasal.

mônica desses músculos. Estão envoltos por tecido pelos dentes e possui pequenas aberturas para glându
celular subcutâneo e são revestidos por mucosa, inter las labiais, apresentando, na projeção cranial do segun
namente, e pele, externamente. do molar superior, a abertura do dueto parotídeo. A
cavidade bucal é delimitada anteriormente pelos den
tes, posteriormente pelo istmo orofaríngeo, superior
MAXILA
mente pelo palato, lateralmente pelas bochechas e in
A maxila é desenhada paraser leve (seios maxilares), porém feriormente pelo assoalho da boca. Os dentes são de
forte o suficiente para sustentar as forças verticais da dentição primária ou decídua (dentes de leite), que
mastigação. Para tanto possui pilares ósseos espessos e de aparecem entre os 6 meses e 2 anos e seis meses de
forte resistência: pilar nasofrontal (mediai), pilar zigomáti idade e são em número de 20. Em torno dos 12 anos
co (lateral) e pilar pterigomaxilar (posterior)12 (Fig. 18-19). de idade, a dentição primária é substituída pela denti
ção permanente, contendo 32 dentes, sendo dois inci
sivos, um canino, dois pré-molares e três molares em
BOCA
cada quadrante. O palato separa a cavidade bucal da
A boca é revestida por mucosa composta de epitélio cavidade nasal e possui grande suprimento vascular,
escamoso estratificado. A boca é dividida pelos den sendo o principal vaso de cada lado a artéria palatina
tes em vestíbulo, anteriormente, e cavidade bucal, pos maior (ramo da artéria palatina descendente, que é ramo
teriormente. O vestíbulo é delimitado pelos lábios e da artéria maxilar), a qual emerge através do forame
274 Cirurgia Craniomaxüofacial

Seio esfenoidal
Fronta
Concha suprema

Nasa

Megato
superior

Lacrimal

Processo uncinato
do etmóide

Meato
inferior
Meato médio

I-/ Lâmina do processo pterigóide

Lâmina perpendicular do palatino

Fig. 18-18. Representação esquemática da face mediai da parede lateral da cavidade nasal direita.

palatino, e os vasos secundários são as artérias palati


nas anteriores. O sistema venoso acompanha o arte
Pilar rial. E sensitivamente inervado, principalmente, pelo
orbital
nervo palatino posterior (ramo do nervo trigêmeo)1.
O palato pode ser dividido pelo forame incisivo, an
Região teriormente, em palato primário e, posteriormente,
nasoetmoidal
em palato secundário, ou pode ser dividido em pala
to duro (ósseo), em seus dois terços anteriores, e pa
lato mole (muscular), em seu terço posterior. O pala
Pilar
nasofrontal to duro é formado anteriormente pelos processos
Frontal
palatinos das maxilas e posteriormente pelas lâminas
horizontais do osso palatino, que são revestidos por
Pilar pterigomaxilar mucoperiósteo com rugas chamadas de pregas palati
Pilar
mandibular
nas transversas, as quais ajudam a prender o alimento
contra a língua na mastigação. O palato mole tem a
importante função de fechamento do istmo farín
geo durante a deglutição e a fala, impedindo que ali
Fig. 18-19. Representação esquemática dos pilares verticais de
mentos ou ar dirijam-se à cavidade nasal. Apresenta
resistência óssea da maxila. Anteriormente,o pilar nasofrontal corre em sua porção central uma aponeurose mediana, que
medialmente à parede mediai da órbita e lateralmente ã abertura se inicia na espinha nasal posterior e serve de inser
piriforme. Lateralmente, o pilar zigomático inicia-se no processo
zigomático do osso frontal, descendo verticalmente pela maxila. ção para os músculos. Em sua extensão, possui algu
O pilar pterigomaxilar localiza-se posteriormente. mas papilas gustatórias e, em sua porção médio-pos-
Anatomia Cirúrgica da Face 275

Fossa triangular
Hélice
\ \\ r- ilateral
Cruz t i

V lingual Frênulo /C S% """\/X Cruz mediai


profunda da língua

Prega Nervo -""^La Ar >.'•' \ / '"


franjada occipital ^^f-" /\ Incisura
menor nT~""H
,.; iír lii-""""" anterior
t^Jfr/ - h ' • —^. Nervo
Ostio do dueto Aberturas jt-f' ( "/auriculotemporal
submandibular dos duetos
sublinguais Escafa "* \ ^tt^^wF1" -;-%v~~— t
\^^fc. •:3\ "- Trago
Prega ^^\. '• / "~**\ Í'J -—~_^ Meato
Papila
sublingual
sublingual Concha ' V/ /' \\^ ~~ acústico
auricular j^^\C \ externo
Fig. 18-20. Representação esquemática da boca aberta com a Hélice / f/\ X/'*
elevação do ápice da língua.

Anti-hélice / \ XAntitrago
terior, a úvula. O assoalho da boca está entre os dois Nervo auricular \
corpos da mandíbula e é predominantemente com magno . ,. ,
Lobulo auricular
. .

posto pelos músculos genioióides e miloióideos, re


vestidos pela mucosa. A superfície inferior da lín
gua está conectada com o assoalho da boca por uma Fig. 18-21. Representação esquemática da vista lateral da orelha
direita.
prega mediana da membrana mucosa, denominada
frênulo da língua. A extremidade inferior do frênulo
da língua apresenta uma elevação mucosa de cada lado
do soalho da boca, denominada papila sublingual, na REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
qual se abre o dueto submandibular. Seguindo-se late
ralmente às papilas sublinguais, estão as pregas sublin 1. Almeida SG. Fissura palatina. //;: Mélega JM, Zanini SA, Psi
llakis JM (eds.) Cirurgia Plástica Reparadora e Estética. Rio de
guais, onde se abre a maior parte dos duetos sublin Janeiro: MEDSI, 1992:275-82.
guais15 (Fig. 18-20). 2. Baker DC. Facial paralysis. In: McCarthy JC (eds.) Plastic Sur
gery. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1990:2.237-319.
3. Broomhead IW. The nerve supply of the muscles of the soft
Região Auricular palate. BrJ Plast Surg 1951;-/:1.
O pavilhão auricular é uma estrutura de cartilagem elás 4. Broomhead IW. The nerve supply ofthe soft palate. BrJ Plast
tica coberta por pele fina que, na superfície lateral (côn Surg 1957;ift81.
cava), é intimamente aderida aos planos profundos, e 5. Cardoso AD. Paralisia facial e reanimação da face paralisada.
In: Mélega JM, Zanini SA, Psillakis JM (eds.). Cirurgia Plástica
em sua superfície mediai (convexa), é móvel. Em sua Reparadora e Estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:531-44.
superfície lateral apresenta inúmeras depressões, sendo
6. Domenech-Rato G. Development and peripheral innervation
a mais profunda e anterior chamada de concha auricu of palatal muscles. Acta Anat \977;97:4.
lar, e apresenta proeminências como a hélice, que fica 7. Fará M. The musculature ofthe cleft lip and palate. In: McCar
na transição com a superfície mediai, e o trago, que fica thyJC (eds.). Plastic Surgery. Philadelphia: W. B.SaundersCom
anterior ao meato acústico externo. A distância normal pany, 1990:2.598-626.
entre a hélice e a região mastóide é, no máximo, de 2cm 8. Hairston LE, Sauciiand EK. Electromyography ofthe human
(ângulo cefaloauricular entre 30 e 45 graus). Na parte palate: discharge patterns ofthe levator and tensor veli palatini.
Electromyogr Clin Ncurophisiol I981;2i:287.
inferior da orelha encontramos o lóbulo, que, em vez
de cartilagem, apresenta tecido fibroso e gordura. A irri 9. Honjo 1,Okasaki N, Nozoe T. Experimental study ofthe eusta-
chian tube funetion with regard to its relatcd muscle. Acta
gação é derivada das artérias temporal superficial e auri Otolaryngol 1979;,S'7:84.
cular posterior. A inervação sensitiva da orelha é deriva 10. Jelks GW, Smith B C. Reconstruction ofthe eylids and associa-
da dos nervos auriculotemporal, occipital menor e auri ted struetures. In: McCarthy JC (eds.). Plastic Surgery. Philadel
cular magno (Fig. 18-21). phia: W. B. Saunders Company, 1990:1.671-784.
276 Cirurgia Craniomaxüofacial

11. KogutJ,Vieira RC. Recontrução delábio, comissura labial eboche 17. 0'Rahilly R. Crânio e osso hióide. In: Gardner E, Gray D J,
cha. In: Mélega JM,ZaniniSA, Psillakis JM (eds.). Cirurgia Plástica 0'Rahilly R (eds.). Anatomia. Rio deJaneiro: Guanabara, 1988:
Reparadora e Estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:513-9. 541-70.

12. Manson PN. Facial injuries. In: McCarthy JC (eds.). Plastic 18. 0'Rahilly R Introdução. In:Gardner E, Gray DJ, 0'Rahilly R
Surgery. Philadelphia: W.B.SaundersCompany, 1990:867-1.141. (eds.). Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988:3-9.
13. Mitz W, Peyronie M. The superficial musculoaponeurotic sys- 19. 0'Rahilly R. Nariz e seios paranasais. In: Gardner E, Gray DJ,
tem (SMAS) in the parotid and cheek área. Plast Reconstr Surg 0'Rahilly R (eds.). Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988:
1976;55:80. 720-9.

14. CRahilly R. A órbita. In: Gardner E, Gray DJ, CRahilly R 20. Rees TD, Aston SJ, Thorne CHM. Blepharoplasty and facial-
(eds.). Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988:618-32. plasty. In:McCarthy JC (eds.). PlasticSurgery. Philadelphia: W.
15. 0'Rahilly R Boca, lingua e dentes. In: Gardner E, Gray DJ, B. Saunders Company, 1990:2.320-414.
0'RahilIy R (eds.). Anatomia. Rio deJaneiro: Guanabara, 1988: 21. Zide BM,Jelks GW. Surgical Anatomy ofthe Orbit. New York:
705-19. Raven Press, 1985.
16. 0'Rahilly R. Couro cabeludo, orelha e face. In:Gardner E, Gray 22. Zide BM. The temporomandibular joint. In:McCarthy JC (eds.).
D J, 0'Rahilly R (eds.). Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara, Plastic Surgery. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1990:
1988:642-9. 1.475-513.
Estudo por Imagem
da Face

Rainer G. Haetinger

INTRODUÇÃO radiologista, portanto, estabelecer os melhores parâ


metros para uma relação risco-beneficio mais adequa
Este capítulo tem por objetivo mostrar os recursos de da, de acordo com o equipamento disponível e o ob
diagnóstico por imagem e as indicações de exames mais jetivo do exame.
adequadas, de acordo com a literatura médica e com Após a aquisição das imagens no aparelho de to
nossa experiência no departamento. Daremos ênfase à mografia, podem ser aplicados programas de pós-pro-
tomograha computadorizada (TC) e à ressonância cessamento. Os mais freqüentemente utilizados são os
magnética (RM), por serem estes os métodos de esco
de reconstrução tridimensional, de reformações coro-
lha na maioria das situações que se aplicam à cirurgia nais, sagitais ou oblíquas, bem como dental scan, pre
plástica da face e do crânio. Para esta finalidade, selecio
ferencialmente numa estação de trabalho independen
namos exemplos de doenças variadas, mostrando em
te (workstation). A reconstrução tridimensional forne
cada situação recursos úteis no diagnóstico e no pla
ce primeiramente uma imagem da superfície cutânea
nejamento cirúrgico.
da cabeça. O passo seguinte é a seleção adequada do
Os aspectos essencialmente técnicos da realização
dos exames são abordados apenas superficialmente, pois limiar de densidade (threshold), que deve ser escolhi
existe uma grande variedade de equipamentos dispo do com base na imagem axial.
níveis, renovados constantemente, bem como mudan A ressonância magnética apresenta ainda mais va
ças rápidas e novas opções de software. riáveis do que a tomografia computadorizada. Tam
As imagens na tomografia computadorizada de bém aqui deve ser feito um planejamento do exame
vem ser adquiridas por meio de técnica helicoidal. Deve adequado para cada tipo de suspeita diagnostica, de
ser sempre levada em consideração a quantidade de acordo com o equipamento disponível. No que diz
radiação à qual o paciente é exposto, principalmente respeito à cirurgia craniofacial, este método costuma
nas crianças. Quanto menor a espessura das imagens estar mais indicado nas avaliações do encéfalo, das ór
tomográficas, melhor a qualidade das reconstruções bitas e das partes moles da face (incluindo próteses
tridimensionais ou das reformações nos planos orto- não-metálicas), geralmente após um estudo com ênfa
gonais. Por outro lado, é preciso controlar o tempo se nas estruturas ósseas por TC, pois a RM apresenta
de exposição do paciente aos raios X. Cabe ao médico importante limitação na avaliação da cortical óssea.

277
278 Cirurgia Craniomaxüofacial

Uma limitação desses métodos, porém, é a neces A etapa de processamento das imagens é a mais
sidade de se evitar qualquer movimento da cabeça do crítica do processo, pois requer o conhecimento das
paciente durante todo o exame, o que torna muitas suturas cranianas e é muito operador-dependente. A
vezes necessária a realização de anestesia geral em cri escolha de um limiar de densidade inadequado pode
anças menores de 5 anos de idade ou em pacientes que criar resultados falso-positivos ou falso-negativos. A
não possam colaborar voluntariamente por outros mo documentação deve ser feita nas incidências que de
tivos.
monstrem melhor cada sutura. Para facilitar a realiza
ção de futuros controles, procura-se fazer angulações
relativamente padronizadas (p. ex., frontal, perfis, pos
terior, superior e oblíquas em torno de 45 graus).
ALTERAÇÕES CONGÊNITAS Outro programa muito útil na demonstração das
A craniossinostose, por ser uma doença cujo diagnós suturas é o MIP (maximal intensity projection), que
tico depende de condições genéticas e ambientais, realça as estruturas ósseas e praticamente anula as par
podendo estar associada a anomalias no esqueleto e tes moles, por transparência (ver Figs. 19-25, 19-35 e
nos sistemas nervoso, endócrino e hematológico, além 19-4Q. Por ser uma imagem tridimensional por trans
de depender muitas vezes de um certo tempo de evo parência, é necessário "recortar" partes do crânio para
lução, é um diagnóstico complexo. A deformidade evitar superposições, como, por exemplo, subtrair o
craniofacial e/ou a assimetria da face tem indicação de hemicrânio direito para estudar o esquerdo.
um estudo de tomografia computadorizada para o Ao ser detectada uma configuração anormal do
diagnóstico correto. crânio, faz-se imediatamente necessário um estudo
Durante muitos anos a avaliação radiológica das detalhado por imagem, com o objetivo de diagnosti
suturas cranianas foi realizada por meio de radiografias car a causa e orientar o procedimento cirúrgico. O
convencionais. Esta avaliação, porém, freqüentemente atraso desse processo é prejudicial à criança, já que a
deixava dúvidas devido à superposição de imagens, cirurgia antes dos 3 meses de idade apresenta um prog
dependendo das suturas a serem avaliadas. nóstico bem mais favorável do que em crianças maio
A TC helicoidal com reconstruções tridimensionais res2.

é considerada hoje o melhor exame para o diagnóstico O fechamento precoce da sutura envolvida deter
e planejamento cirúrgico das sinostoses cranianas e tem- mina um crescimento compensatório perpendicular
se tornado uma prática comum nos principais centros, às suturas patentes, resultando em deformidades ca
como demonstram vários trabalhos publicados na lite racterísticas. Os fatores que determinam o ritmo de
ratura internacional1'3-712-16-18) (ver Fig. 19-L4 e B). fechamento das suturas dependem dos tecidos adja-

Fig. 19-1. Craniossinostose - braquicefalia por fechamento precoce das suturas coronais. TC no plano axial (A) com suturas coronais
fechadas (as lambdóides encontram-se abertas) e reconstrução tridimensional para documentação óssea (B).
Estudo por Imagem da Face 279

Fig. 19-2. Craniossinostose - dolicocefalia (escafocefalia) por fechamento precoce da sutura sagitai. Menino com 2 meses de idade - TC
no plano axial com janela óssea (A), com técnica MIP (B) e reconstruções tridimensionais em perfil (C) e oblíqua (D), mostrando o formato
típico da dolicocefalia.

centes, de fatores hormonais, da maturação dos ossos, tar em um "fechamento funcional", necessitando de
do crescimento do encéfalo e de outros fenômenos correção cirúrgica. Os sinais secundários incluem alte
ainda não totalmente conhecidos. ração na forma do calvário, além de anomalias cranio-
Craniossinostoses podem ocorrer como uma anor faciais2!". Em alguns casos, apesar de os sinais secun
malidade idiopática (primária), classificada de acordo dários estarem presentes, a sutura correspondente per
com a(s) sutura(s) do calvário afetada(s)9,18, como parte manece radiologicamente aberta (sem sinal primário
de uma síndrome conhecida (secundária), ou em asso de craniossinostose). Isto pode ser devido a uma união
ciação com uma variedade de condições sistêmicas. A fibrosa ou a um retardo no crescimento do osso peris-
sinostose da sutura sagitai é a mais freqüente (60%), sutural, não havendo como diferenciar estas duas cau
seguida pelo envolvimento da sutura coronal (20% a sas nos exames por imagem1.
30%)-*-". Um exemplo de trigonocefalia encontra-se na Fig.
O diagnóstico radiológico das sinostoses crania 19-4. O fechamento precoce da sutura metópica leva a
nas baseia-se em sinais primários e secundários. Os pri uma deformidade característica do osso frontal, com
mários referem-se à demonstração da fusão entre as parável a uma "quilha de barco", uma saliência linear
bordas da sutura acometida. O estudo pré-operatório na linha mediana anterior do crânio, no local corres
deve demonstrar cada sutura em toda a sua extensão, pondente à sutura, acompanhada de inclinação ânte-
pois mesmo um pequeno ponto de fusão pode resul ro-medial das órbitas5.
280 Cirurgia Craniomaxüofacial

Fig. 19-3. Craniossinostose - plagiocefalia devida ao fechamento precoce da sutura coronal direita. Menino com 10 meses de idade - TC
no plano axial com janela óssea (A), reconstrução tridimensional com técnica MIP (B) e com técnica de superfície (C), evidenciando a
assimetria craniofacial e a órbita de arlequim à direita. As outras suturas cranianas são bem individualizadas.

Fig. 19-4. Craniossinostose -


trigonocefalia por fechamento
precoce da sutura metópica,
vista de maneira
tridimensional (A e B), pela
técnica MIP (C) e no corte
axial (D). Menina com 3
meses de idade.
Estudo por Imagem da Face 281

Existem casos de deformidade craniana sem cra de braquicefalia, hipertelorismo, exoftalmo bilateral,
niossinostose, conforme demonstrado na Fig. 19-5. A nariz em bico-de-papagaio, hipoplasia maxilar e um
tomografia computadorizada é excelente para estabe relativo prognatismo, caracteristicamente está associa
lecer o diagnóstico diferencial8". da à sindactilia de mãos e pés. Outros achados po
A síndrome de Crouzon é uma doença autossô- dem estar presentes, como anquilose do cotovelo, do
mica dominante, sendo a mais freqüente entre as di- quadril ou do ombro e malformações dos sistemas
sostoses craniofaciais. As manifestações radiológicas cardiovascular, gastrointestinal e geniturinário. A de
dessa síndrome incluem: braquicefalia ou turricefalia, formidade craniana pode também ser resultante de
hipoplasia do terço médio da face com espessamento uma cranioestenose irregular por acrobraquicefalia".
do processo alveolar da maxila, nariz em bico de papa
O formato da órbita de arlequim é decorrente do
gaio, palato duro curto c elevado, palato mole alonga
fechamento precoce das suturas coronais. Os canais
do e espesso, relativo prognatismo da mandíbula, hi-
ópticos podem ser estreitos e estar associados a atro
pertelorismo, exorbitismo, órbitas "rasas" (caracteriza
fia óptica.
das por encurtamento das paredes ósseas laterais e por
um ângulo entre as mesmas mais obtuso, que, em con A síndrome de Saethre-Chotzen (acrocefalossin
dições normais, é de cerca de 90 graus), arcos zigomáti dactilia tipo III), outra doença autossômica domi
cos encurtados, verticalização do clivo, deslocamento nante, apresenta como manifestações radiológicas di
caudal da lâmina crivosa do etmóide, angulação cra ferentes graus de craniossinostose em associação com
nial das porções petrosas dos ossos temporais, pouca plagiocefalia e assimetria facial (às vezes acrocefalia
pneumatização das mastóides, angulação cranial dos ou braquicefalia), com hipoplasia maxilar, microcefa-
canais auditivos externos, deformidade de cadeia ossi- lia, hipertelorismo, nariz em bico-de-papagaio, pala
cular da orelha média (em alguns casos), estreitamento to elevado e, às vezes, com fenda, alterações dentárias,
dos canais ópticos e atrofia dos nervos ópticos, fossas implantação baixa de orelhas, seios frontais e mastói
pterigopalatinas estreitas, constrição aérea da nasofa des hipodesenvolvidos, clinodactilia e sindactilia em
ringe, orofaringe estreita, além de outras descritas na mãos e pés, achados cefalométricos anormais, dilata-
literatura, como agenesia de corpo caloso, anomalias ção ventricular (hipertensão intracraniana), sela turca
da junção craniocervical, hidrocefalia e outras mais ra- aumentada, fontanelas grandes, defeitos de ossificação
ras10.15.19 (Fig_ 19.6) do calvário, fusão vertebral cervical, anomalias de vér-
Na síndrome de Apert (acrocefalossindactilia tipo I), tebras, coxa em valgo, clavículas curtas com hipopla
também uma doença autossômica dominante, as al sia da porção distai e sinostose radioulnar (Fig. 19-7).
terações que envolvem a face e a base do crânio são Lesões congênitas assimétricas da face também são
muito semelhantes às encontradas na síndrome de objeto de avaliação por métodos de imagem. Um exem
Crouzon (e, muitas vezes, indistinguíveis uma da ou plo é a microssomia hemifacial, demonstrada na Fig.
tra com base apenas na avaliação dessas regiões). Além 19-8. Este tipo de malformação, que acomete de ma-

Fig. 19-5. Deformidade craniana sem craniossinostose. O corte axial com janela óssea (A) e as reconstruções tridimensionais em visão
superior (B) e posterior (C) mostram as suturas lambdóides abertas, apesar da assimetria da fossa posterior.
282 CirurgiaCraniomaxüofacial

Fig. 19-6. Síndrome de


Crouzon - arcos zigomáticos
encurtados, ossos maxilares
hipoplásicos (A),
hipertelorismo com ângulo
obtuso entre as paredes
laterais das órbitas e
protrusão dos globos
oculares (B), verticalização
do divo, turricefalia e o
relativo prognatismo (C e D).
E e F mostram o exame pós-
operatório.

neira unilateral o ouvido e a mandíbula (especialmen metida. Em alguns casos pode haver, também, malfor
te o ramo ascendente e o côndilo), pode apresentar mação na órbita ipsilateral.
diferentes graus de assimetria. A malformação do ou A síndrome de Kallmann, autossômica recessiva,
vido inclui tanto o pavilhão auricular, com ausência apresenta como principais características hipogona-
do canal auditivo externo, como também a cadeia os- dismo hipogonadotrófico e anosmia. As manifesta
sicular e do sistema labiríntico. A mandíbula assimé ções radiológicas na face e no crânio-encéfalo inclu
trica leva à má oclusão dentária no lado acometido. A em: hipoplasia do sulco olfatório, aplasia ou hipo
musculatura da mastigação é proporcionalmente aco plasia do bulbo olfatório e dos respectivos tratos,
Estudo por Imagem da Face 283

Fig. 19-7. Craniossinostose secundária em paciente portadorde síndrome de Saethre-Chotzen, acrocefalia com microcefalia, demons
trada nas reconstruções tridimensionais (A e B). O ângulo formado entre as paredes laterais das órbitasé obtuso e o etmóide encontra-
se alargado na imagem axial (C).

hipófise pequena (à custa da adenoipófise), calcifica- face, uma vez que apenas os cortes axiais e coronais em
ções intracranianas, cisto supra-selar, seios paranasais seqüência não fornecem uma visão panorâmica dos
aumentados, atresia de coana, hipoplasia orbitária e ossos envolvidos. Devemos salientar, no entanto, que
outras anomalias da linha média do crânio. O exem a descrição radiológica é baseada nesses cortes, que tam
plo da Fig. 19-9 mostra as alterações do trato olfató bém demonstram os planos profundos. A limitação
rio, da órbita esquerda, da sela turca e uma associa das reconstruções tridimensionais é o fato de mostrar
ção com meningoccle, na combinação diagnostica apenas as alterações nos ossos mais superficiais. Outro
ideal de investigação com tomografia computadori fato que se deve ter em mente é a situação de exame
zada e ressonância magnética. do paciente. A imobilidade da cabeça é condição sine
A displasia fibrosa é uma lesão de causa desconhe qua non para reconstruções de boa qualidade. Peque
cida e de patogênese incerta, classificada em três tipos: nos movimentos da cabeça durante a aquisição das ima
displasia fibrosa monostótica, displasia fibrosa polios- gens tomográficas inviabilizam qualquer reconstrução
tótica e a síndrome de Albright. O tipo monostótico posterior. Assim, algumas vezes, torna-se necessário
ocorre freqüentemente em crianças e adultos jovens, é aplicar a anestesia geral ao paciente.
geralmente indolor (eventualmente com comprome O estudo por tomografia computadorizada das
timento neurovascular) e envolve com mais freqüên articulações temporomandibulares permite, além da
cia a maxila, o zigomático, a mandíbula e a base do confirmação da fratura, demonstrar se o comprometi
crânio. O tipo poliostótico também acomete mais as mento está no colo ou se existe traço intra-articular. O
crianças, de maneira insidiosa, com mais freqüência na deslocamento do côndilo habitualmente ocorre no

face e na base do crânio, porém pode estar associada a sentido mediai e anterior em decorrência da tração do
dor e deslocamento dentário, quando há envolvimen músculo pterigóideo lateral (Figs. 19-13 e 19-14).
to de rebordo alveolar. Nos casos mais avançados, e Outra indicação precisa de estudo tomográfico
dependendo da localização, pode haver cegueira, dis- computadorizado com reconstruções tridimensionais
função hipofisária ou comprometimento neurovascu é o ferimento por arma de fogo. A avaliação é abran
lar mais severo. A síndrome de Albright é caracteriza gente, incluindo desde as fraturas dos ossos atingidos
da por pigmentação cutânea, puberdade precoce e le até as alterações dos planos adiposos, musculares e de
sões múltiplas no esqueleto, com predominância no eventuais órgãos lesados. Por intermédio dos fragmen
sexo feminino15. A Fig. 19-10 exemplifica um caso de tos metálicos deixados pela passagem do projétil,
displasia fibrosa em um paciente do sexo masculino muitas vezes é possível definir seu trajeto, desde o seu
com 12 anos de idade. ponto de entrada até o alojamento em planos mais
profundos (Fig. 19-15).
A anquilose óssea entre o côndilo mandibular e
a cavidade glenóide pode ser documentada de ma
TRAUMA
neira excelente pela tomografia computadorizada.
O recurso da reconstrução tridimensional auxilia muito Através da aquisição helicoidal no plano axial é pos
o planejamento da correção cirúrgica das fraturas da sível a reformação dos planos sagitai e coronal pelo
284 Cirurgia Craniomaxüofacial

Fig. 19-8. Microssomia


hemifacial:
reconstruções
tridimensionais para
plano cutâneo (A e B) e
para estruturas ósseas
(C e D) mostrando
assimetria facial com
deformidade orbitária,
agenesia do arco
zigomático, disgenesia
do ramo ascendente da
mandíbula e côndilo
mandibular rudimentar
(D) e aderido á placa
atrésica (E), ausência do
conduto auditivo externo
(D) à esquerda e placa
atrésica na região do
osso timpânico com
cadeia ossicular aderida
(F), bem como
malformação
labirintica e do conduto
auditivo interno (G).
H. Disgenesia da
musculatura da
mastigação à esquerda,
em um corte axial para
demonstração de partes
moles.
Estudo por Imagem da Face 285

x: 18155
e: 3
urface

Fig. 19-9. Síndrome de Kallmann. (A) Reconstrução tridimensional, com assimetria e afastamento das órbitas, atresia da abertura
piriforme esquerda e malformação da arcada dentária superior. O corte axial da tomografia computadorizada (B) mostra a cavidade nasal
direita e o septo nasal desviado para o lado atrésico, bem como o leito de uma meningocele. A reconstrução óssea tridimensional com
vista superior (C) demonstra bem a falha óssea relacionada com a meningocele. A combinação com a ressonância magnética (imagens
ponderadas em T2) permite a confirmação da meningocele, afastando uma encefalocele (D e E), além de diagnosticar uma malformação
do globo ocular esquerdo. A imagem sagitai da ressonância magnética (E) também mostra a hipoplasia da hipófise. A imagem da
ressonância magnéticaponderada em T2 no plano coronal (F) evidencia o nervo olfatório e o nervoóticocomsua bainha presentes somente
à direita, bem como a assimetria do palato duro e a disgenesia da cavidade nasal esquerda.
286 Cirurgia Craniomaxüofacial

1
Fig. 19-10. Displasia fibrosa. A mostra a deformidade decorrente da expansão óssea no lado direito e B (TC no plano axial) e C (TC no
planocoronal), o aspectocaracterístico de "vidro fosco" ou "despolido", bemcomo a reduçãovolumétrica da órbitadireita e o seio maxilar
ipsilateral quase inexistente.

•JED Wnctíl B. PíWfUDUESI

H 60 JC7226I
ftut <w zoa
Estudo por Imagem da Face 287

Fig. 19-12. Fratura nasal. Aimagem axial (A) demonstra o fragmento do osso nasal direito fraturado, e as reconstruções tridim ensionais
fornecem uma visão mais panorâmica (B e C).

Fig. 19-13. Fraturas de mandíbula na sínfise (A) e nos ramos


ascendentes (B), com o desvio característico no sentido mediai devido à
tração pelos músculos pterigóideos laterais.

Fig. 19-14. Fratura de côndilo mandibular esquerdo, com traço intra-articular. A mostra uma reformação no plano coronal feita pelo
computador; B mostra um corte axial original ampliado e C, a comparação entre os cóndilos esquerdo (fraturado) e direito (normal) de
maneira tridimensional.
288 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 19-15. Fratura de


mandíbula por ferimento de
arma de fogo. A imagem
axial (A) mostra a fratura
cominutiva na mandíbula,
pequeno fragmento metálico
e enfisema nos planos
profundos. As reconstruções
(B a D) fornecem uma ótima
noção do deslocamento dos
fragmentos ósseos.

computador, assim como a reconstrução tridimensio


FRATURA BLOW-OUT DA ÓRBITA
nal dos planos ósseos. Uma vantagem adicional des
se método é a presença de uma escala de medidas A fratura blow-out da órbita está relacionada com
(em centímetros ou milímetros), permitindo mensu- um tipo de trauma causado por um objeto maior do
rações exatas, sem distorção (diferente das radiogra que o diâmetro da órbita a partir de um golpe fron
fias convencionais, que sempre apresentam algum tal. Os exemplos mais clássicos incluem uma bola ou
grau de ampliação ou distorção). A lesão na articula um golpe com a mão fechada no olho. Esse tipo de
ção leva a assimetria e lateralização da mandíbula, trauma provoca um aumento súbito da pressão in-
com encurtamento do ramo ascendente envolvido, tra-orbitária, e as fraturas acometem as paredes inferior
causando má oclusão dentária. Um exemplo encon e/ou mediai da órbita, por serem esses os ossos mais
tra-se na Fig. 19-16. frágeis. Essas fraturas podem determinar herniação
Na rotina de exame do trauma de face convém a da gordura orbitária, dos músculos reto inferior ou
utilização de um campo de visão {field-ol-view- FOV) oblíquo inferior, bem como aprisionamcnto ocasio
mais panorâmico do que o habitual, para que os arcos nal deles na linha de fratura, promovendo diplopia.
zigomáticos sempre sejam incluídos nos cortes axiais. Algumas vezes, pode ser muito difícil estabelecer cli
Normalmente, o FOV no estudo da face é de 14cm. nicamente se uma diplopia é decorrente de edema/
No trauma, utilizamos 16cm no adulto. No exame de hemorragia ou se existe aprisionamcnto muscular.
crianças, este valor pode variar na proporção das di Portanto, o diagnóstico por imagem deve esclarecer
mensões da cabeça. se este tipo de complicação está presente ou não. Em
Algumas vezes a fratura do arco zigomático pode situações muito raras, o fragmento da parede inferi
determinar limitação na mobilidade da mandíbula, or da órbita fraturada desloca-se cranialmente na ór
dependendo do grau de afundamento e da sua relação bita. Nesses casos, a fratura é denominada blow-in.
com o processo coronóide da mandíbula. Vale lembrar que a radiografia convencional apresen-
Estudo por Imagem da Face 289

ta muitas limitações para essas informações, tanto em trar o grau de herniação da gordura orbitária (sem o
relação à parede inferior como em relação à parede edema da fase aguda), assim como eventuais defor
mediai. A TC, portanto, é o método de escolha. Na midades remanescentes das paredes ósseas. Um exem
pesquisa de enoftalmia como complicação tardia pós- plo de fratura blow-out pode ser encontrado na Fig.
trauma, a TC também é útil no sentido de demons 19-18.

Fig. 19-16. Anquilose de ATM direita. Ccrte axial (A) e reformação do planocoronal (B) mostrando o caloósseo exuberantee a destruição
da articulação. A escala de centímetros encontra-se em posição vertical no lado direito de A. As reconstruções tridimensionais (C a E)
transmitem uma boa noção do grau de deformidade e deslocamento da mandíbula. F. mostra um perfil com limiar de plano cutâneo na
reconstrução 3-D de superfície.

Fig. 19-17. Fratura de arco zigomático es


querdo, com pequenoafundamento. P'9' 19-18. Fratura b/ow-ouf à direita, comprometendo a parede inferior da órbita;
cortes coronais, com janela para partes moles (A) e para documentação óssea (B), com
herniação caudal de gordura, sem aprisionamento muscular.
290 Cirurgia Craniomaxüofacial

O advento das reconstruções pelo computador, se 7. Gateno J, Tcichgraebcr JF, Aguilar E. Computer planning for
distraction osteogenesis. Plast Reconstr Surg 2000;105:873-82.
jamtridimensionais ou bidimensionais, aliados à qualidade
8. Havlik RJ, Azurin DJ, Bartlctt SP, Whitakcr LA. Analysis and
cada vez melhor das imagens tomográlicas pela evolução treatment of severe trigonocephaly. Plast Reconstr Surg, 1999;
dos equipamentos, hoje com tecnologia helicoidal na 704:381-90.
tomografia computadorizada, bem como por um leque 9. Kirks DR, Bali Jr WS, Bames PD et ai. Practical Pediatric
cada vez mais amplo de programas de computador, vem Imaging. 3 ed. Associated Editors, 1998;?:87.
estreitando cada vez mais a investigação e a correlação 10. Leiber B, Olbrich G. Die klinischen Syndrome, Band 1, 6.
por imagem com o planejamento cirúrgico dos pacientes. Auflage, Urban & Schwarzenberg, 1981.
11. Parisi M, Mehdizadch LIM, Huntcr JC et ai. Evaluation of
craniosynostosis with threc-dimcnsional CT imaging. Journal
Agradecimentos of Computer Assisted Tomography 1989; A?(6): 1.006-12.
12. Pilgram TK, Vannier M\V, Hildebolt CF et ai. Craniosynostosis:
Ao Dr. Sérgio Santos Lima, fundador c diretor-geral da Med
imaging quality, confidence, and correcteness in diagnosis.
Imagem c aos colegas de equipe que direta ou indiretamente
Radiology 1989;173:675-9.
contribuíram para o arquivo didático; a Francisca Lopes e
Valdomiro França, pela elaboração das fotografias. 13. Som PM, Curtin HD. Head and Neck imaging. 3 ed., Mosby,
1996: I, 339-40.

14. Som PM, Curtin HD. Head and Neck Imaging. 3 ed., Mosby,
1996; II: 1.081-6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
15. Taybi FI, Lachman RS. Radiology of Syndromes. Metabo/ic
1. Arnaud E, Marchac D, Rcnier D. Les craniosynostoses et Disorders, and Skeletal Dysplasias 4 ed, Mosby, 1996:113-5;
Faciocraniosynostoses. Annales de Chirurgie Plastiquc 264-5, 439-40.
Esthetique, 1997;42(5):443-80.
16. Tutino M, Chico F, Tutino M, Goodrich JT, Monastcrio FO.
2. Bcnson ML, Oliverio PJ, Yue NC, Zinreich SJ. Primary
Endoscopic Intracranial and monobloc osteotomies with the
craniosinostosis: Imaging fcatures. AJR 1996;166:697-703.
aid of a malleable high-spced pneumatic drill: a cadaverie and
3. Boyle CM, Rosenblum JD. Thrce-dimensional CT for pre- and clinicai study. Annals of PlasticSurgery 2000;44 (l):l-7.
Postsurgical imaging of patients with craniosinostosis. AJR 1997;
169AA73-7.
17. Vannier MW, Hildebolt CF, Marsh JL ef ai. Craniosynostosis:
diagnostic value of thrce-dimensional CT reconstruction.
4. Castillo M, Mukherji SK. Imaging ofthe PediatricHead, Neck
Radiology 1989;775:669-73.
and Spine. Lippincott Ravcn, 1996;2:40-4.
5. Chumas PD, Cinalli G, Arnaud E, Marchac D, Renier D. 18. Vannier MW, Pilgram TK, Marsh JL et ai. Craniosynostosis:
Classificationof previouslyunclassified cases of craniosynostosis. diagnostic imaging with thrce-dimensional CT presentation.
J Neurosurg 1997;50:177-81. AJNR 1994; 15:1.861-9.
6. Furuya Y, Edwards MSB, Alpers CE et ai. Computcrized 19. Wiedemann ITR, Kunze J. Clinicai Syndromes 3 ed., Mosby-
tomography of cranial sutures. J Neurosurg 1984; 67:59-70. Times Mirror International Publishers Ltd, 1997.
Métodos de Fixação e
Imobilização em
Cirurgia Craniofacial

Jason César Abrantes de Figueiredo


Henrique Lopes Amntes
José Marcos Mélega

INTRODUÇÃO c. melhora dos recursos radiológicos e de imagem,


permitindo diagnóstico preciso das lesões e avalia
A fixação e imobilização dos fragmentos são os proce ção rigorosa dos resultados terapêuticos;
dimentos essenciais para se obter sucesso em qualquer d. abreviação do tempo de retorno as atividades diá
cirurgia que envolva manipulação óssea. A realização rias.
de uma boa exposição, tática operatória c redução da
fratura não resistirão a uma fixação débil e imprópria. O cirurgião plástico deve conhecer os métodos
Os ossos da face comportam-se como um quebra- de fixação e imobilização em cirurgia craniofacial e
cabeça cujas peças mantêm uma interligação, constitu saber indicá-los corretamente. Desse modo, obterá
indo uma unidade. A ação da musculatura e a perda bons resultados e evitará seqüelas difíceis de serem
dos pilares de sustentação interferem na estabilidade tratadas.

do osso fraturado, embora a presença de componen


tes fixos e estáveis (calota craniana), elementos de en
caixe (arcadas dentárias) e pontos anatômicos bem
definidos (simetria da face, altura dos olhos etc.) pos ODONTOSSÍNTESES
sibilitem uma série de recursos para fixação.
Os métodos de fixação incruenta como capacetes, As odontossínteses são métodos de imobilização que
trações externas e bloqueios maxilomandibulares tive utilizam lios metálicos ao redor das raízes dentárias
ram grande utilização; contudo, aumentou considera para fixação dos fragmentos ósseos. Normalmente, são
velmente a indicação de fixações internas diretamente empregadas para fixação de arcos vestibulares e reali
nos focos de fratura. Isto se deve aos seguintes fatores: zação de bloqueios maxilomandibulares. Os dentes
monorradiculares são evitados na fixação, uma vez que
a. melhora da qualidade dos materiais de fixação, pos podem sofrer amolecimento ou extrusão do seu pro
sibilitando maior estabilidade; cesso alveolar (Fig. 20-1 a 20-3).
b. ausência de artefatos externos que causem descon As odontossínteses, os arcos vestibulares e as go-
forto ao paciente e aumentem a morbidade do pro teiras serão abordados de maneira mais detalhada no
cedimento; Cap. 21, sobre princípios de imobilização.

291
292 Cirurgia Craniomaxüofacial

CAPACETES

Nas fraturas cominutivas da maxila com perda da sus


tentação do terço médio da face, podem ocorrer en
curtamento, intrusão e obliqualização da maxila. De
senvolveram-se capacetes e máscaras faciais que são fi
xados externamente, tracionando e estabilizando estas
fraturas com a finalidade de evitarem-se as alterações
citadas anteriormente.
Georgiade descreveu, em 19669, um aparelho uti
lizado para fixação externa nas fraturas graves da face.
Delaire5 utilizou a máscara ortopédica facial para evi
tar o encurtamento e estabilizar o terço médio da face.
Costa e Pitanguy-11 desenvolveram um capacete de fi
xação esquelética baseado naquele proposto por Geor
giade. Posteriormente, outros autores descreveram for
mas e aparelhos para tratamento das fraturas cominu
tivas do terço médio da face; no entanto, atualmente,
o uso dos capacetes ou máscaras foi praticamente subs
tituído por outros procedimentos cirúrgicos, como a
fixação com miniplacas, parafusos e enxertia óssea pri
mária. A utilização desse método de fixação ficou res
Fig. 20-1. Odontossíntese pelo método de Gilmer. trita às fraturas cominutivas do terço médio da face

Fig. 20-2. Odontossínteses


pelo método de Ivy.

Fig. 20-3. Fixação de arco


vestibular.
Métodos de Fixação e Imobilização em Cirurgia Craniofacial 293

Fig. 20-5. Fixação externa.

Fig. 20-4. Capacetes externos.

Fig. 20-6. Aplicação de fio de Kirschner em fratura de mandíbula.

associadas às condilianas, principalmente em pacien


tes sem condições clínicas e neurológicas de serem sub
metidos a cirurgias mais elaboradasn~b (Fig. 20-4). II17. São indicados em fraturas mandibulares classes II
e III. Primeiro, realiza-se uma redução manual da fra
tura e, através de uma pequena incisão na pele, intro-
duz-se o fio com auxílio de um perfurador. O fio, ao
FIXAÇÃO EXTERNA
transfixar osso fraturado até o córtex ósseo do seg
Este tipo de imobilização, descrito por Monis, em 1949, mento oposto, tem suas extremidades cortadas, per
foi muito utilizado durante a Segunda Guerra Mundial17"6. manecendo durante seis semanas ou enquanto o paci
O método consiste em pinos, que são fixados, por ente estiver com bloqueio maxilomandibular. Normal
via transcutânea, nos fragmentos ósseos e unidos ex mente é necessário associar uma outra forma de fixa
ternamente por barras de metal ou acrílico. É indica ção devido á instabilidade do método. Outras des
do para fraturas múltiplas de mandíbula com grande vantagens são o risco de infecção devido ao contato
instabilidade, principalmente em pacientes edentados com o meio externo e lesões nervosas ou das raízes
e com atrofia mandibular. No entanto, atualmente sua dentárias (Fig. 20-6).
utilização está muita limitada, devido às desvantagens,
como cicatrizes inestéticas na face, infecção nos locais
de fixação, lesão da glândula parótida e nervo facial, e CERCLAGENS
possibilidade de permitir certa mobilidade dos segmen
tos fraturados, prejudicando a oclusão1726 (Fig. 20-5). As cerclagens com fios metálicos são utilizadas princi
palmente em fraturas mandibulares retilíneas em cri
anças ou idosos. Podem ser associadas às próteses ou
às goteiras.
FIOS DE KIRSCHNER
A realização da cerclagem é simples e devem-se
A utilização de fios de Kirschner para as imobiliza- tomar alguns cuidados: evitar lesões do plexo vasculo-
ções faciais foi descrita por Bnomn, Fryer e McDowe- nervoso mentoniano, não ser realizada próximo ao
294 Cirurgia Craniomaxüofacial

Fig. 20-8. Osteossíntese com fio de aço e miniplaca.

em cirurgias craniomaxilofaciais. Após acesso cirúrgi


co do local, realizam-se perfurações de ambos os seg
mentos ósseos e amarrias com fios metálicos em "X"
ou retilínea-'-17.
Gurdon Buck Jr., em 1846, relatou a primeira rea
lização de osteossíntese com fio metálico em uma fra
tura de mandíbula26.
Geralmente, utiliza-se fio de l,5mm, evitando-se
Fig. 20-7. Métodos de suspensão.
lesões nervosas, vasculares e das raízes dentárias. Nas
fraturas de mandíbula, preconiza-se realizar uma fixa
ção em sua porção inferior e outra na superior, aper
traço de fratura, reajustar de acordo com a estabilida
tando os fios até obter-se um bom alinhamento do
de, e evitar contaminação durante a passagem ou reti
foco de fratura e da oclusão maxilomandibular. As
rada do fio metálico.
osteossínteses com fios metálicos proporcionam boa
estabilidade dos segmentos ósseos; no entanto, as mi-
niplacas demonstraram melhores resultados no trata
SUSPENSÕES mento das fraturas cominutivas ou perdas ósseas que
As suspensões são ligaduras metálicas que fixam os necessitam de enxertos7,1 U2 (Fig. 20-8).
segmentos fraturados no próprio esqueleto facial, em
um ponto fixo acima do foco de fratura, possibilitan
do a estabilização dos fragmentos ósseos, goteiras ou PLACAS E PARAFUSOS
próteses dentárias.
Kuriakose1" relatou que a primeira fixação de fratura
Adams, em 1949, foi o primeiro a descrever as
mandibular com placas e parafusos foi realizada por
suspensões como método auxiliar para o tratamento
Hausmann16, cm 1886. Posteriormente, vários autores
das fraturas2. É um procedimento simples de ser reali
descreveram materiais e métodos de fixação em cirur
zado, porém necessita de material adequado para in
gias craniofaciais. No entanto, os resultados foram in
troduzir os fios metálicos, os quais são fixados através
consistentes e a aceitação do método foi lenta. A me
do arco zigomático, abertura piriforme, espinha nasal
lhora dos resultados ocorreu com o início da utiliza
anterior ou ao redor de parafusos no osso frontal.
As desvantagens são a instabilidade e a possibili ção de materiais biocompatíveis e mais adaptáveis.
dade de retroposicionar a maxila, causando retrusão e Spiessl e Schroll descreveram, em 1972, a utiliza
encurtamento do terço médio da face (Fig. 20-7). ção de placas rígidas compressivas de 2,7mm de espes
sura e parafusos bicorticais2"1. Michelete, em 1973, des
creveu o uso de miniplacas de 2mm e parafusos mo-
nocorticais e, posteriormente, Champy, em 1975, apri
OSTEOSSÍNTESES
morou a técnica e a utilizou para tratamento de fratu
A fixação com fios metálicos (osteossíntese) proporcio ra mandibular'".
na uma estabilidade adequada para o tratamento defi Estudos comparativos demonstraram que as mi
nitivo das fraturas e contenção dos fragmentos ósseos niplacas não-compressivas apresentam melhores resul-
Métodos de Fixação e Imobilização em Cirurgia Craniofacial 295

Fig. 20-9. Placas e parafusos.

tados, pois não exercem pressão excessiva sobre o foco


de fratura, melhorando a vascularização local e, conse
qüentemente, a consolidação óssea16-19.
Os três tipos de material utilizado para confecção
de placas metálicas são o aço, Vitallium" e titânio, o
qual apresenta melhores biocompatibilidade e resistên
cia23. A espessura das placas varia de 0,8 a 2,7mm, sen
do as mais espessas utilizadas na mandíbula e as mais
delgadas em crianças. Os parafusos podem ser mono
ou bicorticais (Fig. 20-9).
A fixação com placas e parafusos permite a libe
ração precoce ou imediata da imobilização maxilo
mandibular, sendo fundamental em cirurgias cranio
faciais de pacientes que não possam ser submetidos a
bloqueios, como indivíduos epilépticos, alcoólatras,
pneumopatas restritivos, deficientes mentais, porta
dores de trauma cranioencefálico, edentados e em fra
turas associadas de corpo e côndilo mandibular25. Esse
método permite reduções e fixações anatômicas, pre
Fig. 20-10. Parafuso compressivo.
servando as dimensões verticais, horizontais e proje
ções da face*-21. A desvantagem é a necessidade de ou
tra cirurgia para a remoção do material de fixação
nos casos de complicações, que ocorrem em 5% a Io. É um método efetivo, que evita a necessidade de
20% dos casos8,19. placas e apresenta bons resultados'1 (Fig. 20-10).

PARAFUSOS COMPRESSIVOS COMPLICAÇÕES DO USO DE


PLACAS E PARAFUSOS
Os parafusos compressivos são utilizados nas fraturas
oblíquas da mandíbula, sendo fixados perpendicular O material ideal para confecção das placas e parafu
mente ao foco de fratura, evitando o deslocamento sos deveria ter as seguintes características: custo viá
dos fragmentos. O orifício da cortical externa é mais vel, não-tóxico, não-carcinogênico ou antigênico, iner
largo que o da cortical interna; desse modo, ao apertar te no organismo, não necessitar de remoção, ser ma-
o parafuso, ocorrem compressão entre as corticais e leável e ao mesmo tempo resistente2'. Dentre os ma
fixação dos segmentos. teriais utilizados, o titânio apresenta melhor biocom
São indicados para fraturas sinfisárias e parassiníi- patibilidade, resistência e não sofre corrosão; porém
sárias de mandíbula e fixação de enxertos ósseos. Eckelt estudos demonstraram a presença deste nos vasos lin-
descreve a utilização da técnica para fraturas de côndi- fáticos1-10.
296 Cirurgia Craniomaxüofacial

nos casos de fraturas cominutivas instáveis, perda ós


sea ou ausência de sustentação adequada pelos pilares
da face (nasomaxilar e zigomaticomaxilar). Os enxer
tos ósseos, particularmente no terço médio da face e
no nariz, são fundamentais para manutenção da proje
ção e sustentação das partes moles. A realização da
enxertia durante a primeira cirurgia reparadora evita
perda do contorno facial e retrações das partes moles,
sendo que a correção posterior destes é muito difícil e
normalmente com resultados inferiores.
Os índices de complicações e morbidade são bai
xos, uma vez que a integração dos enxertos é muito boa
e raramente ocorrem exposição ou perda destes, mes
mo nos casos em que são utilizados em contato com
cavidades aeradas, como o nariz e o seio maxilar12,13,17.
As principais áreas doadoras de enxertos ósseos
Fig. 20-11. Principais complicações de acordo com o local utilizados na face são: costelas, calota craniana (espes
sura parcial), crista ilíaca, cartilagem conchal e parede
anterior do seio maxilar, sendo preferido utilizar-se osso
membranoso da calota craniana, uma vez que há me
As principais complicações são: infecção (25% a
lhores integração e aproveitamento da mesma área ope-
40%), dor (25% a 35%), material palpável (20% a 34%),
instabilidade (20%), exposição da placa ou parafuso ratória para sua obtenção.
(20%) e migração do material4'14'18-19 (Fig. 20-11).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MATERIAIS ABSORVIVEIS 1. Acero J et ai. The behaviour of titanium as a biomaterial: mi-
croscopy study of plates and surrounding tissues in facial osteo-
O uso de material absorvível confeccionado com polí synthesis. / Craniomaxillotác Surg 1999;27:\17-23.
meros de ácido polilático e poliglicólico em cirurgia cra- 2. Adams WM. Internai wiring íixation of facial fractures. Surgery
niomaxilofacial está em ascensão, sobretudo em crianças 1942;72:523-40.
que, devido aos materiais inabsorvíveis, podem ter o cres 3. Cruz RL, Mélega JM, Zanini AS. Fraturas do terço médio da
cimento ósseo facial afetado. Outrossim, evitam as com face. In: Mélega JM, Zanini AS, Psüakis JM. Cirurgia Plástica
Reparadora e Estética, 2ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992.
plicações tardias observadas quando se utilizam materiais
4. Chaushu G et ai. Risk factors conlributing to symptomatic
metálicos, como exposições, dor e a necessidade de outro plate removal in maxillofacial trauma patients. Plast Reconstr
procedimento cirúrgico para sua remoção. Surg 2OOO;/05(2):521-5.
A degradação dos materiais absorvíveis ocorre 5. DclareJ. Confcction du "masque orthopédique". Rev Stomatol
entre 12 a 18 meses, devido ao processo de hidrólise e I971;7J(5):579-82.
ações enzimáticas. Após quatro meses, a maioria dos 6. Eckclt U, Rasse M. Clinicai, radiographic and axiographic con-
polímeros utilizados para a confecção das placas e pa trol after traction screw osteosynthesis of fractures ofthe con-
dilar neck. Revuc de Stomatologie et Chirurgie Maxillofaciale
rafusos perde sua resistência. Uma análise histológica 1995;96:158-65.
do local evidencia uma resposta inflamatória modera 7. Evans GRD, Clark N, Manson PN, Leipziger LS. Role ofmini-
da, com acúmulo de macrófagos, porém sem granulo- and microplate íixation in fractures ofthe midfacc and mandi-
mas ou células de corpo estranho1'. bulc. Ann Plast Surg 1995;34:453-6.
Os materiais absorvíveis são eficazes e resistentes, 8. Francel TJ et ai. The fate of plates and screw after facial fracturc
não obstante seu custo ser superior aos demais, limi reconstruction. Plast Reconstr Surg 1992;90(4):568-73.
tando sua utilização. 9. Georgiade N, Ncal T. An externai cranial fixation apparatus for
severe maxillo-facial injuries. Plast Reconstr Surg 1966; 38:143.
10. Gosain AK et ai. Biomechanical evaluation of titanium, biode-
gradable plate and screw, and cyanoacrylate glue fixation systems
ENXERTOS ÓSSEOS in craniofacial surgery. Plast Reconstr Surg 1998;/07(3):582-91.
11. Gruss JS et ai. Lcssons learnt from the management of 1500
Os enxertos ósseos são instrumentos muito úteis para complex facial fractures. Ann Acad Med Singaporc 1999;
estabilização das fraturas graves da face, especialmente 2S-.677-86.
Métodos de Fixação e Imobilização em Cirurgia Craniofacial 297

12. Gruss JS. Naso-ethmoid-orbital fractures: classification and 20. Pitanguy I, Costa EA, Ramos H, Avelar J. Capacete de Costa-
role of primary boné grafting. Plast Reconstr Surg 1985; Pitanguy para imobilização de fraturas da face. Rev Brás Cir
Z5(3):303-15. \911;62:\1\.
13. Gruss et ai. The role of primary boné grafting in complex cra- 21. Rahn BA. Theoretical considerations in rigid boné fixation of
niomaxilofacial trauma. Plast Reconstr Surg 1985; 75(1):17-24. facial bonés. Clin Plast Surg 1989;16:21.
14.Jackson IT, Somers PC,Kjar JG. The useof Champyminiplates 22. Rohrich RJ, Watumull D. Comparison of rigid plate versus
for osteosynthesis in craniofacial deformities and trauma. Plast wire fixation in the management of zygoma fractures: A long-
Reconstr Surg 1986;7/T5):729-36. term follow-up clinicai study. Plast Reconstr Surg 1995;
15. Kellman RM et ai. Bioresorbable screws for facial boné reconstruc 96(3):570-5.
tion: a pilot study in rabbits. Laryngoscope 1994; 704:556-61. 23. Rubin JP, Yaremchuk MJ. Complications and toxicities of im-
16. Kuriakose MA et ai. A comparative review of 266 mandibular plantable biomaterials used in facial reconstructive and aesthe
fractures with internai fixation using rigid (AO/ASIF) plates or tic surgery: A comprehensive review of the literature. PlastRe
miniplates. BrJ OralMaxillofac Surg 1996;54:315-21. constr Surg 1997;100(5):1.336-48.
17. Manson PN. Facial injuries. In:McCarthy PlasticSurgery.W.B. 24. Spiessl B. Rigid internai fixation of fractures of lower jaw. Re
Saunders Company, 1990:867-1.141. constr Surg Traumatol 1972;13:124-40.
18. Orringer JS, Barcelona V, Buchman SR. Reasons for removal of 25. Zanini AS, Costa EA. Princípios básicos no tratamento das fratu
rigid internai fixation devices in craniofacial surgery./ Cranio rasde face. In: Mélega JM, ZaniniAS, PsilakisJM. Cirurgia Plástica
fac Surg 1998;9(l):40-4. Reparadora e Estética, 2 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992.
19. Perry M, Booth PW. Reduction of fractures and methods of 26. Zanini SA, Rezende RA. Métodos de imobilização em cirurgia
fixation In: Booth PW, Schendel SA, Hausamen JE. Maxillofa- bucomaxilofacial. In:Psillakis JM et ai. Cirurgia craniomaxilofa-
cialSurgery, vol. 1, Churchill Livingstone, 1999. cial: osteotomiasestéticas da face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987.
Princípios de Fonoaudiologia
Aplicados à Cirurgia
Craniomaxilofacia l

Lidia DAgostino
Rejane A. de Lima

nea não considerava os aspectos sensoriais e/ou de


INTRODUÇÃO
caráter ambiental associados ao quadro sindrômico e
Nas palavras de Psillakis19, "a histórica apresentação de levava ao desconhecimento de que intervenções ci
Paul Tessier no IV Congresso Internacional de Cirur rúrgicas realizadas em época adequada poderiam evi
gia Plástica em Roma, demonstrando a via intracrania tar seqüelas (como nos casos das cranioestenoses).
na para o tratamento de graves anomalias da face, deu Graças a essa experiência, foi possível ao fonoau
início a uma nova divisão da especialidade, a cirurgia diólogo adquirir conhecimentos relacionados aos as
craniomaxüofacial, fazendo-se necessária a formação pectos genéticos, psicossociais, neurológicos e pecliá-
de equipes interdisciplinares" e abrindo novas pers tricos envolvidos nas síndromes, porém, no processo
pectivas de uma melhor qualidade de vida para mi terapêutico, as limitações impostas pela malformação
lhares de portadores de malformações craniomaxilo- das estruturas craniofaciais não possibilitavam resulta
faciais. Em 1978, a fonoaudiologia incorporou-se a dos funcionais satisfatórios.
essas equipes contribuindo para o estudo e tratamen Os estudos de Paul Tessier permitiram o desen
to dos aspectos funcionais envolvidos nas malforma volvimento de novas áreas de atuação da fonoaudio
ções da face. logia e a evolução da cirurgia craniomaxüofacial com
Até o início da década de 1970, o contato do técnicas cirúrgicas mais assertivas. O crescente interes
fonoaudiólogo com síndromes era mais freqüente se de profissionais, contribuindo com seus conheci
dentro das equipes interdisciplinares que abordavam mentos específicos, possibilitou ao fonoaudiólogo
a deficiência mental com a filosofia de estudo, pes uma atuação mais eficaz.
quisa e ensino, sendo que o enfoque fonoaudiológi- Neste processo, os ensinamentos de grandes mes
co era direcionado à linguagem. Nesse momento, o tres como Zanini, Psillakis, Mélega, Cardim, Costa,
encaminhamento de portadores de malformações era Cruz e Viterbo, entre outros, nos permitiu não só a
comum, pois o aspecto facial e o atraso no desenvol compreensão dos aspectos anatomofuncionais e téc
vimento cognitivo global induziam as pessoas a cata nicos envolvidos nas cirurgias como também a visão
logá-los como deficientes mentais. Essa visão errô humana no tratamento das malformações congênitas.

298
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados à Cirurgia Craniomaxilofacia 299

Equipe Interdisciplinar formações envolvendo o complexo orofacial determi


nam alterações funcionais importantes e requerem
Toda anomalia anatômica representa um erro congê
cuidados específicos desde a fase neonatal.
nito da morfogênese e pode ser explicada com base
Atualmente, a presença do fonoaudiólogo nas equi
em um desvio isolado levando a uma cadeia de mal
pes de neonatologia permite intervenção precoce, aten
formações consecutivas que são denominadas seqüên
dendo às necessidades nutricionais do neonato com a
cias. Em muitos casos, a etiologia da síndrome malfor-
introdução da alimentação por via oral. Nas equipes
mativa é desconhecida ou atribuída a uma única causa
interdisciplinares, o fonoaudiólogo participa do diag
como: aberrações cromossômicas, mutações genéticas
nóstico, planejamento e terapia, além da avaliação lon
ou fatores teratogènicos ambientais20.
gitudinal das funções das estruturas envolvidas nos
A multiplicidade das alterações orgânicas e funcio processos cirúrgicos e ortodônticos. No estudo de caso,
nais presentes nas malformações craniomaxilofaciais ele utiliza do intercâmbio de informações dos profis
requer atuação de uma equipe interdisciplinar. Nesta sionais da equipe, histórico direcionado aos aspectos
atuação, conhecimentos básicos das características do específicos, avaliação clínica e funcional das estruturas
quadro sindrômico, dos possíveis fatores etiológicos, orofaciais, procurando estabelecer a relação forma X
dos recursos humanos e técnicos disponíveis para o função e suas implicações nos períodos pré e pós-ci-
tratamento são necessários para o profissional orien rúrgicos.
tar adequadamente a família e transmitir segurança. A terapia miofuncional permite maior harmonia
A participação da genética no estudo do caso cons entre as estruturas faciais e respectivas funções, evitan
titui condição imprescindível para o diagnóstico, acon do ou minimizando as possíveis atrofias, desequilíbrios
selhamento genético familiar e elaboração de procedi musculares e conseqüentes alterações posturais17.
mentos mais adequados. A partir do momento em que O acompanhamento ambulatorial é planejado de
a família recebe a devolutiva do estudo genético, é acordo com as necessidades específicas de cada caso, e
interessante que a equipe a coloque em contato com abordam o desenvolvimento neuropsicomotor, cog
outros portadores da mesma síndrome em tratamen nitivo, auditivo, linguagem, fala e alimentação.
to para troca de experiências e reforço quanto aos be
nefícios dos recursos terapêuticos disponíveis. Esta
conduta tem demonstrado eficácia, com melhora psi SÍNDROMES x ASPECTOS
cológica e colaboração familiar mais efetiva. FONOAUDIOLÓGICOS
O conhecimento das alterações anatomofuncio- No presente capítulo abordaremos apenas as caracte
nais permite a intervenção precoce com o objetivo de rísticas relacionadas à prática fonoaudiológica.
proporcionar desenvolvimento mais harmonioso da
face e minimizar os possíveis traumas psicossociais do
paciente e da família. Nesse processo, destacamos a Síndrome de Apert
importância do acompanhamento psicológico, visan Esta síndrome foi escrita por Apert em 1906, que a
do a facilitar a interação mãe/filho, pois é freqüente o denominou acrocefalossindactilia1, sendo a incidência
sentimento inicial de rejeição e, posteriormente, de de 1:160.000 nativivos".
culpa, camuflado em superproteção e interferindo
negativamente na evolução do tratamento.

ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
A cavidade bucal e seus anexos desempenham um
importante papel na fonação e alimentação, podendo
suas anomalias causar alterações de diversos graus, de
pendendo da localização e da severidade da malforma
ção. Nesse processo, o véu palatino é a estrutura essen
cial para a emissão correta dos fonemas de característi
ca oral, precisão das vogais e deglutição. A integridade
da orelha e das vias auditivas permite a aquisição da
linguagem e do padrão articulatório correto. As mal Fig. 21-1. Criança portadora da síndrome de Apert.
300 Cirurgia Craniomaxüofacial

Em 1970, foi publicado no Brasil provavelmente


o primeiro estudo de caso em caráter multidisciplinar
(social, pediátrico, neurológico, psiquiátrico, psicoló
gico, pedagógico, fonoaudiologia), radiológico, gené
tico) por uma mesma equipe. Na época, a literatura
universal registrava cerca de 180 casos observados, na
sua maioria unilateralmente13.

ASPECTOS ANATOMOFUNCIONAIS
sà<
O nariz é curto com dorso em sela, convexo, glabcla
achatada, cartilagens alares malformadas, orifícios na-
rinários oblíquos e columela alargada com redução de
potenciais de ventilação nasal. A fossa narinária, curta Fig. 21-4. Palato com fissura pós-forame.
no sentido ântero-posterior e com diminuição da ri-
nofaringe, determina um padrão respiratório bucal1''
que pode interferir no desenvolvimento das estrutu
ras ósseas da face, agravando o quadro sindrômico.
O palato duro é alto e estreito no diâmetro trans
versal, em forma de torre de catedral gótica, com hi
pertrofia bilateral da mucosa. Observa-se um sulco

Fig. 21-5. Mordida aberta anterior/postura baixa de língua.

mediano profundo e estreito, comumente confundi


do com fissura palatina. Quando presente, a fenda é
evidente no neonato, com suas implicações funcio
Fig. 21-2. Glabela achatada/orifícios narinários estreitos.
nais.
Em decorrência do padrão respiratório bucal e da
alteração estrutural do palato, a língua permanece em
postura de repouso - baixa e anteriorizada. Esta adap
tação contribui para a ocorrência de alterações em se
qüência do tônus muscular, do alinhamento dentário,
da mordida e da postura mandibular, comprometen
do as funções do sistema estomatognático oral (SEO).
A hipotonia da parte média do dorso da língua altera
a emissão dos fonemas fricativos e a sua anterioriza-
ção favorece distúrbios articulatórios que envolvem
os fonemas linguodentais e linguoalveolares.
O palato mole, aparentemente longo em relação
à rinofaringe reduzida, dificulta a alimentação por via
oral do bebê e altera a qualidade vocal (hiponasalida-
de) quando já desenvolvida a fala.
As alterações esqueléticas das estruturas orofaciais
Fig. 21-3. Hipertrofia da mucosa palatina que se confunde com favorecem a ocorrência de desequilíbrios dos grupos
fissura. musculares: o lábio superior é curto e funcionalmente
incípios deFonoaudiologia Aplicados à Cirurgia Craniomaxüofacial 301

incompetente; o inferior, evertido, por hiperfünção A malformação da região nasofaríngea favorece a


do músculo mentual na tentativa de selamento labial disfunção tubária e conseqüentes afecções da orelha
em detrimento dos músculos orbiculares da boca. Esta média. A recorrência destas afecções nos primeiros anos
condição prejudica a produção oral adequada dos fo de vida da criança pode causar alterações no processa
nemas bilabiais e compromete a estabilidade dos pro mento auditivo central e no desenvolvimento da lin
cedimentos ortodônticos, além de contribuir para a guagem/fala, colocando o portador da síndrome no
perpetuação da alteração funcional da respiração. grupo de risco de problemas auditivos. Recomendam-
A face curta, com pequeno volume ósseo, c o ter se avaliações otológica e audiológica como rotina no
ço médio hipoplásico nos fazem supor que, além das atendimento destes pacientes17.
características intrínsecas da síndrome relacionadas ao A malformação orofacial limita a atuação terapêu
crescimento facial, a redução de aeração nasal é um tica fonoaudiológica, pois os distúrbios funcionais
fator a ser considerado. estão em intensa relação com as anomalias presentes,
sendo passíveis de correção em trabalho conjunto com
o cirurgião plástico e o ortodontista. As cirurgias en
volvendo o terço médio da face e os procedimentos
ortodônticos com expansão do diâmetro transversal
do palato, alinhamento do arco dental e correção da
má oclusão, viabilizam a correção dos distúrbios da
mastigação, deglutição, articulação da fala e qualidade
vocal, porém a permanência do padrão respiratório
bucal pode colocar em risco a estabilidade dos proce
dimentos realizados.

Fig. 21-6. Hipotonia da musculatura orofacial.

Fig. 21-8. Malformação das mãos (sindactilia/polidactilia)

Fig. 21-7. Lábio superior curto/lábio inferior evertido - dificulda


de no selamento labial. Fig. 21-9. Malformação dos pés (sindactilia/polidactilia)
302 Cirurgia Craniomaxüofacial

- 'rmm"
As alterações das extremidades dos membros in
feriores e, principalmente, superiores, caracterizados
por sindactilia e polidactilia, dificultam a aquisição
das praxias motoras na fase exploratória do bebê e
impõem limitações funcionais durante o desenvolvi
mento motor, principalmente em relação à coorde
nação motora fina. Estas dificuldades interferem no
desempenho escolar, entre outros, porém não impe
dem adaptações espontâneas. A inclusão do estímu
lo desta área no programa de reabilitação geral da
criança permite uma melhor adaptação social (Figs.
21-8 e 21-9).
A criança pode apresentar dados clínicos de hi-
peratividade e outros sinais de déficit de atenção13,
com baixo rendimento nas provas de desempenho,
nos testes de inteligência, de rapidez e de coordena
ção visomotora, que alguns autores associam à per
manência da hipertensão intracraniana, sendo neces Fig. 21-11. Pai e filha portadores da síndrome de Crouzon. (Foto
sárias avaliações neuropsicológica, cognitiva, fonoló- gentilmente cedida pela dra. Márcia André - DPBMF- FOUSR)
gica e correlação dos resultados com testes comple-
mentares'.
marcantes, mas, dependendo do grau de severidade, não
impedem o indivíduo de levar uma vida normal.
Sindromc de Crouzon
ASPECTOS ANATOMOFUNCIONAIS
Crouzon, em 1912, denominou disostose craniofacial
a deformidade do crânio e da face caracterizada por Na avaliação do sistema miofuncional orofacial, os acha
alterações do crescimento ósseo7. dos clínicos são compatíveis com as alterações do cresci
Devido a seu caráter hereditário, é comum na práti mento ósseo, porém menos complexos que os encontra
ca ambulatorial o atendimento de paciente com síndro dos na síndrome de Apert. A hipoplasia da região maxi
me de Crouzon cujos pai, mãe ou irmãos são também lar e o arco mandibular normal determinam uma relação
portadores sem diagnóstico e que relatam apenas a se oclusal em classe III12 que dificulta a função mastigatória
melhança entre eles. As características sindrômicas são e predispõe a um padrão respiratório bucal.

Fig. 21-10. Criança portadora da síndrome de Crouzon. Fig. 21-12. Hipotonia da musculatura orofacial.
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados à CirurgiaCraniomaxilofacia 303

Fig. 21-15. Oclusão após tratamentos.

--" lógica das estruturas da orelha, e fonoaudiológica, dos


limiares auditivos.
Fig. 21-13. Hipoplasia da região maxilar.
A presença de otites, somada a outros fatores, tal
vez explique o comportamento hiperativo e o déficit
de atenção e de concentração da criança. Observa-se
melhora do quadro após cirurgias de descompressão
craniana e avanço do terço médio da face, e após o
tratamento das afecções otológicas.
A fase exploratória do bebê e o aprendizado da lei
tura/escrita da criança cm idade escolar poderão estar
prejudicados devido ao hipertelorismo, possíveis com
prometimentos do nervo óptico e outros problemas vi
suais que dificultam a visão convergente. Os atrasos na
aquisição da linguagem são devidos a fatores sensoriais
tais como as perdas auditivas condutivas e/ou ambientais.
A idade em que é iniciado o tratamento e o grau
de severidade das anomalias das estruturas ósseas e te
Fig. 20-14. Oclusão com mordida cruzada anterior. cidos moles, com suas implicações funcionais, podem
limitar os resultados da terapia miofuncional.
O palato duro alto atrésico e a rinofaringe diminu
ída no sentido ântero-posterior favorecem a anterio-
Microssomia Mcmifacial
rização da língua e os distúrbios articulatórios dos fo
nemas linguodentais, linguoalveolares, fricativos c sibi- Microssomia hemifacial é o termo usado para descre
lantes. Esta adaptação postural da língua impossibilita ver as anomalias que envolvem as estruturas derivadas
a aquisição correta das praxias orais, levando a desequi dos Io e 2o arcos branquiais1', também denominadas
líbrios musculares que contribuem para a manutenção de displasia 7 de Tessier1, podendo ser definida como
de um padrão imaturo da deglutição e respiração bucal. alterações que afetam primariamente o desenvolvimen
Em relação à função auditiva Caldarelli refere o to morfológico oral, aural e mandibular. O grau de
tipo de perda condutiva devido a disfunção da trom comprometimento pode variar de leve a severo, sen
pa auditiva ou problemas congênitos de condução, do, na maioria dos casos, unilateral. Quando a esta
incluindo estenose, atresia do conduto auditivo exter deformidade se associam anormalidades vertebrais e
no, alterações da membrana timpânica e fixação da dermóide epibulbar, é considerada uma variante co
cadeia ossicular. O grau da perda auditiva pode ser nhecida como síndrome de Goldenhar10.

leve ou moderado nas causas adquiridas e severo nas


congênitas2. Estes estudos colocam o portador da sín
ASPECTOS ANATOMOFUNCIONAIS
drome de Crouzon também no grupo de risco para
perdas auditivas, sendo necessária a inclusão, no pro Na análise da maxila e mandíbula, nota-se redução da
tocolo de atendimento, de avaliação otorrinolaringo- dimensão vertical e ântero-posterior da face, com des-
304 Cirurgia Craniomaxüofacial

'•'; 'iJtBjK|lM|

i^^l

^ J

^^"**P!
"

Fig. 21-16. Bebê portador de microssomia hemifacial. Fig. 21-18. Lábios com desvio unilateral E (lábio superior fino e
inferior evertido)/postura de língua baixa e anteriorizada.

bial, favorece a sialorréia. A mobilidade do lábio inferior


alterada indica comprometimento da função do ramo
mandibular do nervo facial18. Devido à assimetria facial,
o plano oclusal da mordida é mais cranial do lado da
lesão, o que determina uma postura lingual baixa desvia
da para o mesmo lado e com rotação lateral, compro
metendo a produção oral. Os movimentos de ápice da
língua são substituídos pelo de dorso na articulação dos
fonemas linguodentais e linguoalveolares.
A função mastigatória, quando presente, é unila
teral, com hipertonia do lado são. A ausência de ativi
dade muscular do lado lesado é devida à deficiência
Fig. 21-17. Maxila, mandíbula e mento girados para o lado da de ação das musculaturas massetérica e pterigóidea e à
lesão/hiperfunção do músculo mentual.
alteração do plano oclusal.
Quando ocorre elevação do palato mole em dire
vio do eixo sagitai em direção ao lado mais afetado. O ção ao lado íntegro, há indício de possível deficiência
ramo e o côndilo mandibulares estão diminuídos ou do 7o ou 9o par craniano e hipoplasia do músculo ele
ausentes, a articulação temporomandibular está deslo vador do palato do lado contralateral. Esta alteração
cada ântero-inferiormente, o corpo mandibular é hi- da atividade muscular interfere na qualidade vocal dos
poplásico, assim como o complexo zigomático maxi pacientes falantes e na alimentação dos bebês pela pre
lar1. A presença de desvio mandibular durante a aber sença de refluxo nasal. Em alguns casos podem-se en
tura bucal é conseqüência da hipoplasia do músculo contrar fissura palatina pós-forame e suas implicações
pterigóideo lateral e, em parte, pela localização anô funcionais características.
mala da articulação temporomandibular, que se encon A malformação da orelha externa determina uma
tra em posição mais cranial e anteriorizada18. perda auditiva do tipo condutiva, porém não afeta o
Em decorrência do desvio da maxila, mandíbula e desenvolvimento da fala, desde que preservada a fun
mento para o lado da lesão, observa-se dificuldade no ção contralateral.
selamento labial, afetando a articulação dos fonemas A atuação fonoaudiológica deve ser a mais precoce
bilabiais e hiperfunção do músculo mentual. Os lábios possível, atendendo às necessidades do paciente desde
são finos e assimétricos, com ângulo mais cranial do o nascimento e acompanhando seu crescimento, com
lado da lesão, podendo estar presente a característica da ações direcionadas não só às disfunções ocasionadas pela
macrostomia, que agrava o quadro. O lábio superior malformação do lado lesado como também preservan
curto, com pouca pressão ou ausência de selamento la do o lado são, que poderá sofrer distorções.
Princípios de Fonoaudiologia Aplicados à Cirurgia Craniomaxüofacial 305

Fig. 21-19. Malformaçãoda orelha externa/apêndice pré-auricular Fig. 21-21. Irmãos portadores da síndrome de Treacher Collins.
(observa-se falta de selamento labial).

Fig. 21 -20. Paciente em evolução durante os tratamentos (cirúrgico, Fig. 21 -22. Paciente de 16 anos, portador da síndrome de Treacher
ortodôntico e fonoaudiológico). Collins, sem tratamento prévio.

Síndrome de Treacher Collins A deformidade facial é de grau variável e suas im


plicações afetam as funções vitais no período neona-
A síndrome de Treacher Collins, ou disostose mandi-
tal. A hipoplasia mandibular, cujos ramo e corpo apre
bulofacial, é também conhecida como síndrome de
Franceschetti-Klein, de etiologia por transmissão au sentam-se curtos, e o ângulo mandibular aberto dimi
tossômica dominante20, sendo a incidência de 1:50.000
nuem o espaço orofaríngeo ocupado pela língua, cau
nativivos6. O primeiro relato de caso foi em 1846, por sando apnéia obstrutiva do sono e dificuldades no ato
Thomson2".
da alimentação.
A atuação fonoaudiologia! é efetiva desde o nas
cimento do bebê, em relação à alimentação por via
ASPECTOS ANATOMOFUNCIONAIS oral, triagem auditiva, e, posteriormente, no acompa
nhamento dos tempos cirúrgicos e procedimentos
As características faciais da síndrome — que afeta as
ortodônticos, por meio da habilitação e reabilitação
orelhas, relação maxilomandibular, tecidos moles da
do sistema miofuncional orofacial.
face, cavidades nasal e bucal —com suas relações funcio
As hipoplasias zigomática bilateral e mandibular
nais, são, objetos de estudo do fonoaudiólogo.
conferem uma face curta, com biprotrusão maxilar e
mordida aberta anterior, e dificultam o selamento labial,
306 Cirurgia Craniomaxüofacial

Fig. 21-23. Mordida aberta anterior e cruzada posteriorunilateral Fig. 21 -25. Hipoplasia de zigoma e mandíbula com encurtamento
D/postura de língua baixa. da face/malformação da orelha externa.

Fig. 21-24. Plano oclusal inclinado com desvio mandibular do Fig. 21-26. Fissura palatina pós-forame.
lado D.

a deglutição e os pontos articulatórios dos fonemas bila O diagnóstico precoce da perda auditiva e a inter
biais, linguodentais e linguoalveolares. Esta condição venção no tempo adequado com indicação de apare
anatômica e a deficiência dos tecidos moles determinam lho de amplificação sonora permitem o desenvolvi
pouca atividade muscular durante a função mastigatória. mento da linguagem. Os casos mais severos devem ser
Em geral, o palato duro é alto, o que leva à redu encaminhados às instituições especializadas em pro
ção da cavidade nasal, facilitando um padrão respira gramas de habilitação auditiva.
tório bucal ou misto. Fissura palatina pós-forame é Nos casos de tratamento cirúrgico tardio e sem
relatada em aproximadamente 30% dos casos8. acompanhamento fonoaudiológico anterior, deve-se
A agenesia do pavilhão auricular, a atresia do con ficar atento para a possível ocorrência de obstrução da
duto auditivo externo e a malformação da orelha mé orofaringe causada pela posteriorizacão da língua no
dia são bilaterais. Nos achados audiológicos, a perda pós-cirúrgico imediato, que dificulta a respiração e re
auditiva mais comum é a condutiva congênita; as que tarda a extubação do tubo respiratório. A intervenção
envolvem orelha interna e órgão vestibular raramente do fonoaudiólogo após a extubação permite a estabi
estão presentes na síndrome2", apesar de haver relatos lização da postura lingual e a introdução da alimenta
isolados de perda ncurossensorial". ção por via oral.
Princípiosde FonoaudiologiaAplicadosà Cirurgia Craniomaxüofacial 307

Fig. 21-27. Criança com síndrome de Treacher Collins em início Fig. 21-28. Evolução da mioterapia funcional orofacial (nota-se
dos tratamentos. selamento labial).

CONSIDERAÇÕES GERAIS facial, por meio de terapia miofuncional, contribuin


do para a estabilidade dos procedimentos ortodônti
Por meio do estudo fonoaudiológico, podemos ob co c cirúrgico.
servar que os atrasos na aquisição da fala e no desen
volvimento global podem ser decorrentes da super-
proteção familiar, carência de cstimulação global ou
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
presença de deficiência mental e problemas sensoriais
associados. Cabe ao fonoaudiólogo detectar as possí 1. Apert E. De 1'acrocephasyndactylic. Buli Men Soe Med Hosp
veis causas e orientar a família mediante programas de 1906;2.?:1.310. Paris.

cstimulação adequada. 2. Caldarelli D. Congenitd middle ear anomalies associated with


As alterações orgânicas afetam diretamente o sis craniofacial and skclctal syndromes. //í.-Jaffcc BF (ed.). Hearing
loss in children: A comprchcnsivc teset. Baltimore, MD: Williams
tema miofuncional orofacial em grau de severidade & Wilkins,-1977:310-40.
correspondente às alterações estruturais dento-osteo- 3. Cardim V. Microssomia hemicrarúofacial. In: Cirurgia plástica na
musculares. Essas funções representam um importan infância. Avelar JM. São Paulo: Ed. Hipócrates 1989;-Í(22):22(M.
te papel no crescimento da face. 4. Ciasca SM et ai. Neuropsychological and phonological
Com a prática clínica adquirida no estudo das sín evoluation in the Aperfs syndrome: study of two cases. Arq
dromes e a aplicação da terapia miofuncional, obser Neuropsiquiatr 2001;59(2-B):342-6.
vamos em alguns casos mudanças da forma e da fun 5. Collares MVM. Displasias mandibulares. In:Zanini SA.Cirurgia
ção das estruturas envolvidas, até então descritas na craniofacial - Malformações. Rio de Janeiro: Revinter, 2000;
22:229-37.
literatura especializada como características de um de
6. Connor e Ferguson - Smith: Disostoses mandibulofaciais ou
terminado quadro sindrômico, fazendo-nos questio
síndromesde Treacher Collins. In:Zanini AS. Cirurgia craniofacial
nar quais as características primárias intrínsecas e quais - malformações, Rio de Janeiro: Revinter, 2000; 25:223-8.
as secundárias determinadas c agravadas a partir das 7. Crouzon O. Dysostosc craniofaciale hereditarie. BuliMen Soe
alterações funcionais. Med Hosp. Paris 1912; 53:545.
Na avaliação dos resultados terapêuticos, convém 8. Gorlin R, Pindborg J. Syndromes of the head and neck. Mc
ressaltar a importância de se estabelecer um parâmetro Graw-IIill. 1976:453-7.
de normalidade entre os portadores da mesma síndro 9. Gorlin RJ, CervcnkaJ. Syndromes of facial clefting. Scand oi
me, não considerando o padrão "normal" da popula Plast Reconstr Surg, 1974:8-13.
ção em geral. 10. Gorlin RJ, Cohen MM), I.evin LS. Branchial arch and oro-acral
disorders. In: Syndromes ofthe head and neck. 3 ed. Oxford:
O objetivo do tratamento fonoaudiológico inte Monographies on medicai geneties. New York. 1990:641-9.
grado à cirurgia craniomaxilofacial é minimizar as al 11. Hutchinson J, Caldarelli D, Valvassori G. The otologic
terações presentes e prevenir a instalação de posturas manifestation of mandibulofacial dysostosis. Trans Acad Oph
inadequadas e desequilíbrios musculares da região oro Oto. 1974;£-/:520-8.
308 Cirurgia Craniomaxüofacial

12. Jung HLetai. In:Genetic syndromes in comunication disorders. 17. Psillakis JM, D'Agostino L Tratamento cirúrgico da síndrome
75; Pro-Ed. Austin. Texas, 1989. de Apert. In: Cirurgiacraniomaxüofacial: osteotomias estéticas
13. Krynski S et ai. Síndrome de Apert. Estudo Multidisciplinar. da face. Psillakis JM, Zanini AS, Mélega JM et ai.Rio deJaneiro:
Rev Brás Def Mental 1970;5(3/4):5-ll. MEDSI, 1987;20:197-208.

14. Lefebvre. A psychiatric profile before and after reconstrutive 18. PsillakisJM. Microssomia hemicraniofacial. In: PsillakisJM, Zanini
surgery in children with Aperfs syndrome. Brit J Plast Surg. SA, Mélega JM et ai. Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteotomias
1986;JÃ510-3. Estéticas da Face, Rio de Janeiro, MEDSI: 1987:209-24.
15. LimmeL. Etiologies non-obstructives de Ia respiration buccale. 19. PsillakisJM. Prefácio. In: PsillakisJM, Zanini SA, MélegaJM
Acta oto-ríno-laring Belg, 1969;47:141-4. et ai. Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteotomias Estéticas da
Face, Rio de Janeiro: MEDSI 1987.
16. Paradise JL, Bluestone CD. Early treatment of the universal
otitis media of infants with cleft palate. Pediatrics, 1969;44: 20. Smith DW. Síndromes de malformações congênitas, 3 ed; São
35-42. Paulo: Ed. Manole, 1985.
Principais Métodos de
Imobilização das Fraturas
Maxilomandibulares

Rol/Rode
Ana Christina Claro Neves
Mônica César Patrocínio
Sigmar de Mello Rode

INTRODUÇÃO condições dentárias, o estado emocional e a disponi


bilidade financeira do paciente os determinantes na
O tratamento das fraturas maxilomandibulares consis escolha do método de tratamento.
te na redução, fixação e imobilização dos fragmentos Para que as fraturas possam ser tratadas é necessário
ósseos, sendo seu objetivo principal restaurar a função conhecer os diversos tipos de imobilização disponíveis.
e a estética. A contenção e a imobilização dos fragmen
tos visam a manter os fragmentos ósseos em posição,
vencendo a tração muscular, até a consolidação, para o
restabelecimento da função e da estética apropriada. ODONTOSSÍNTESES, AMARRILHOS
Para que se restabeleça a função é necessário recons OU AMARRIAS
truir o esqueleto facial a partir da máxima intcrcuspida-
A amarria é um método de imobilização pelo qual são
ção dentária correta do paciente6. De acordo com Bar-
unidos os fragmentos de uma fratura por meio de fios
ros3, a maneira desastrosa pela qual as fraturas faciais
metálicos e/ou fios e barras metálicos, amarrados aos den
são freqüentemente tratadas é, muitas vezes, causa de
tes. O termo amarria, usado para designar imobilização
disfunção permanente e alterações estéticas que reque
através de fios metálicos nos dentes, foi introduzido por
rem correções e, geralmente, tempo adicional de trata
Vianna27, em 1946, tendo sido consagrado pelo uso.
mento. Ainda de acordo com Barros e Rode'', o fato de
Embora as amarrias sejam consideradas um exce
imobilizar os maxilares em uma posição extrema não-
lente recurso de tratamento, principalmente devido à
funcional pode levar a uma lesão do periodonto ou a
simplicidade e à facilidade de aplicação, alguns fatores
uma síndrome dor-espasmo-dor, por distúrbios na ATM
devem ser considerados para sua confecção, segundo
e nos músculos do sistema estomatognático, causados
Rode e Rode'":
pela consolidação viciosa e conseqüente má oclusão.
Os métodos de imobilização das fraturas devem 1. E necessário que exista número suficiente de dentes.
possibilitar a completa imobilização dos fragmentos 2. Os dentes devem apresentar condições favoráveis
ósseos, oferecer conforto ao paciente, ser de fácil exe para permitir boa ancoragem, pois muitas vezes o
cução e ter custo acessível, sendo o tipo da fratura, as próprio traumatismo causa a sua perda ou abalo.

309
310 Cirurgia Craniomaxilofacial

3. As coroas dentárias devem oferecer condições de


retenção. Dentes decíduos, por exemplo, são expul-
sivos, devendo-se, nesses casos, utilizar fios ortodôn
ticos ou goteiras.
4. O estado da raiz e do periodonto deve ser conside
rado, pois dentes com focos apicais ou pouca reten
ção óssea não podem ser aproveitados.
5. Deve-se, quando possível, fazer prévia higienização
de toda a cavidade bucal, profilaxia, obturações pro
visórias, etc.
6. São necessários material adequado e domínio da
técnica.
7. Os fios devem ser torcidos sempre no sentido horá
Fig. 22-1. Materiais utilizados para a confecção da amarria a fio
rio, por convenção internacional. mais barra.
8. Deve-se conhecer oclusão dentária.

• Fio de aço inoxidável flexível de 0,5 a 0,7mm.


Indicação
• Pinça Pean, para passar os fios pelo espaço interden-
As amarrias dentárias, entre outras finalidades, podem tal e para a torção dos fios.
ser usadas, de acordo com Rode e Rode2" (1978): • Tesouras ou alicates cortantes, para os fios.
1. Em periodontia, para imobilizar dentes abalados, • Calcadores ou ajustadores de bandas ortodônticas,
sem suporte ósseo, numa tentativa de recuperação, para melhor adaptação dos fios e suas extremida
inclusive para melhorar a estabilidade oclusal. des.
2. No tratamento da luxação habitual de ATM, em • Espelho bucal.
que a imobilização proporciona alívio temporário • Afastadores, para melhor visualização, e, no caso de
dos sintomas. imobilização intermaxilar, barra e anéis elásticos.
3. Para contenção de transplantes e reimplantes dentá
rios.
Amarrias Interdentárias
4. Na imobilização de fragmentos ósseos reduzidos em
traumatologia maxilofacial. Foram o primeiro tipo de amarria a ser praticado, sen
do o modelo mais rudimentar. Hipócrates foi o pri
Classificação meiro a usar este tipo de amarria, realizando-a com
fios de ouro ou de linha.
As amarrias podem ser: Embora a amarria interdentária apresente como van
a. Interdentárias ou de trabalho horizontal, quando tagens a possibilidade de livre abertura da boca e a facili
unem somente os dentes de uma mesma arcada. dade de alimentação, higiene e fonação, nem sempre im
b. Intermaxilares ou de trabalho vertical, quando unem pede convenientemente os possíveis desníveis do plano
os dentes da maxila aos dentes da mandíbula. oclusal, exercendo um esforço lateral excessivo nos den
c. Circulares ou cerclagens e suspensões. tes e podendo, caso não seja confeccionada com cuida
do, comprometer a gengiva marginal e a papila interdental.
Segundo Vianna27, podem ser também: Deve ser, quase sempre, utilizada como auxiliar
da amarria intermaxilar, para conter dentes abalados.
• Diretas, quando são executadas exclusivamente por
O exemplo mais típico dessa amarria seria a amarria
fios.
em "escada".
• Indiretas, quando são executadas com fio associado
a uma barra vestibular ou a uma goteira.
Amarria cm Escada
Materiais Necessários para a Confecção TÉCNICA DE CONFECÇÃO
das Amarrias
1. Para a confecção da amarria em escada são selecio
Os materiais utilizados para sua confecção são (Fig. nados, de cada lado do traço de fratura, dois dentes
22-1): em condições de permitir boa ancoragem.
Principais Métodos de Imobilização das Fraturas Maxilomandibulares 311

2. Esses dentes são envolvidos por um fio principal,


ligeiramente abaixo do ponto de contato, sendo suas
pontas unidas por arco vestibular e torcidas em sen
tido horário, sem apertar (Fig. 22-2).
3. Posteriormente, fragmentos de fios metálicos de
menor comprimento são utilizados para a confec
ção de amarrias interdentais. Esses fios são passados
pelos espaços interdentais, de tal forma que entrem
no sentido vestibulolingual por baixo do fio prin
cipal e voltem por cima do mesmo, formando um
"U" deitado (Figs. 22-3 e 22-4). Fig. 22-5. Amarria em escada em arcada superior.

4. A torcedurado fio principal é reforçada e asextremida


des excedentes de todos os fios são cortadas, restando
aproximadamente lcm do fio, que deve ser dobrado
e "escondido" nos espaços interdentais, de modo que
não traumatize os tecidos moles (Fig. 22-5).
5. Revisão periódica da amarria deve ser realizada du
rante o período de imobilização.

Amarria Intermaxilar

Fig. 22-2. Amarria em escada. Confecção do arco principal Amarrias intermaxilares ou verticais são as que unem
as arcadas dentárias por meio de fios metálicos, anco
rados diretamente sobre os dentes, ou por meio de
arcos vestibulares, fixados sobre os mesmos, permitin
do a união através de anéis elásticos ou fios metálicos,
que as mantêm em estado de oclusão forçada.
Apresentam como vantagens a simplicidade de
execução, o baixo custo e a ótima imobilização dos
fragmentos. Entretanto, apresentam uma série de des
vantagens que, muitas vezes, podem ser contornadas:
1. Dificuldade de alimentação —Ao paciente podem
ser administrados alimentos líquidos de poder nu
tritivo elevado, podendo-se usar sondas de borra
Fig. 22-3. Amarria em escada. Confecção das amarrias interdentais.
cha introduzidas nos espaços existentes, causados
pela ausência de um dente ou, ainda, no espaço re
tromolar, até a adaptação do paciente.
2. Dificuldade de higiene —Pode ser parcialmente sa
nada pelo bochecho com soluções anti-sépticas atra
vés dos espaços existentes.
3. Dificuldade de falar — Qualquer indivíduo tem a
possibilidade de falar com as arcadas dentárias em
oclusão, fazendo-se entender razoavelmente.
4. Asfixia em caso de vômito (logo após a cirurgia) —
Contorna-se este problema com um entendimento
com a equipe de anestesia, que acorda o paciente
em nível de consciência, evitando a aspiração.
Fig. 22-4. Amarria em escada. Fechamento de uma amarria in- 5. Paralisação de importantes atividades funcionais da
terdental. mandíbula —Mal necessário que leva à hipotrofia
312 Cirurgia Craniomaxilofacial

muscular e à dificuldade de movimentação articu


lar quando o bloqueio é liberado.
Para esse tipo de amarria é muito importante o
conhecimento da oclusão dentária. Se a oclusão não
for bem ajustada, poderá levar a distúrbios irreversí
veis, como os que descrevemos anteriormente. Em al
gumas situações é necessário obter modelos corrigi
dos (devido ao traço de fratura) e que as amarrias se
jam planejadas em articulador.

AMARRIA EM ANEL (IVY)


A amarria de Ivy é uma amarria vertical, ou intermaxi Fig. 22-7. Amarria de Ivy. Fio distai passando pelo interior do
lar, indicada para o tratamento das fraturas mandibula anel.

res, com pouco ou sem desvio, e fraturas condilianas.

Técnica de Confecção

1. Como apoio devem ser escolhidos, de preferência,


os incisivos centrais e pré-molares superiores e infe
riores de ambos os lados.
2. Dobra-se ao meio um fio de aço inoxidável de 0,5mm
de diâmetro e 15cm de comprimento. Nesse ponto,
o fio envolve o cabo de uma broca para caneta e é
torcido duas vezes no sentido horário, obtendo-se
assim uma alça. As pontas do fio são cortadas em
bisel, para facilitar sua passagem pelos espaços in
terdentais.
3. Os extremos desse fio são introduzidos, de vestibular
para lingual ou palatino, de uma só vez, entre cada par Fig. 22-8. Amarria de Ivy. Preensão do fio dentro da alça metálica.
de dentes selecionados. Um dos cabos é dobrado dis-
talmente, voltando para vestibular pelo espaço imedia 5. As pontas excedentes são cortadas, restando aproxi
to. O outro é dobrado para mesial, passando no espa madamente lem de fio metálico, que é colocado
ço anterior e saindo no vestíbulo (Fig. 22-6). em espaço interdental próximo, objetivando não
4. O cabo distai passa por dentro do anel e é torcido traumatizar tecidos moles.
com o cabo mesial. A alça recebe duas torceduras, 6. O paciente é agora colocado em máxima intercus-
ficando dessa forma o fio retido no interior da alça
pidação possível e realiza-se, com fios metálicos, o
metálica (Figs. 22-7 e 22-8). bloqueio intermaxilar.
7. Revisão periódica deve ser realizada durante o perío
do de imobilização.

AMARRIA A FIO MAIS BARRA

Esta amarria intermaxilar é confeccionada com fios e


barras metálicas, sendo também conhecida por Gilmer-
Sauer, em homenagem a esses autores, pois, segundo
Vianna27, Gilmer, norte-americano, e Sauer, alemão,
idealizaram ao mesmo tempo esse tipo de amarria, in
dicada principalmente para casos em que existe a au
sência de alguns elementos dentários, podendo ser
Fig. 22-6. Amarria de Ivy (em anel). usada, também, em dentados totais.
Principais Métodos de Imobilização das Fraturas Maxilomandibulares 313

Técnica de confecção

1. Seleciona-se uma barra metálica com projeções para


bloqueio, preferentemente a barra de Erich. Esta
barra é adaptada ao colo vestibular dos dentes, de
forma a tangenciar todos os dentes presentes. Suas
extremidades devem contornar as faces distais dos
últimos dentes envolvidos na amarria.
2. Com fios metálicos, as barras são fixadas nos dentes
da seguinte forma: uma extremidade do fio entra, por
baixo da barra, pela mesial de um dos dentes envolvi
dos e volta por distai por cima da barra, e sob o ponto Fig. 22-11. Bloqueio intermaxilar com elástico para pequenos
desvios.
de contato (Fig. 22-9). Nos demais cientes, pode-se al
ternar a entrada do fio por baixo da barra, ora por
distai, ora por mesial, para melhorar a estabilidade. 6. Deve ser realizada uma revisão periódica da amarria
3. O fio é tracionado para apical e torcido no sentido durante o período de imobilização.
horário, de maneira a evitar traumatismos desneces
Essa amarria pode ser utilizada em um só maxi
sários à gengiva.
lar, como amarria interdentária, com excelente resul
4. As pontas excedentes são cortadas, restando aproxi
tado.
madamente lem de fio, que é dobrado e adaptado
em um espaço interdental, sob a barra.
5. Após a fixação das barras aos dentes superiores e in Amarrias Circunferenciais
feriores, utilizando as projeções vestibulares da barra,
com fios metálicos ou anéis de borracha, os maxila Para a confecção dessas amarrias, uma das extremida
res são imobilizados em oclusão (Figs. 22-10 e 22-11). des de fios flexíveis de aço inoxidável, envolvendo
os ossos da face, apóia-se em um ponto fixo do es
queleto, localizado acima do traço de fratura ou em
região hígida (mandíbula), e a outra extremidade apóia-
se nos dentes, com auxílio de amarrias dentárias, go
teiras ou próteses do paciente modificadas. São tam
bém conhecidas por "cerclagens", quando utilizadas
na mandíbula, e por suspensões, no esqueleto fixo
da face (EFF).
Jean Baptiste Baundens (1840) foi o primeiro a
descrever na literatura as amarrias circunferenciais para
mandíbulas fraturadas obliquamente, passando os fios
através de agulhas e apoiados nos dentes.

Fig. 22-9. Amarria intermaxilar. Fixação da barra de Erich aos


dentes. GOTEIRAS

Conceito

Goteiras são aparelhos de resina acrílica termicamente


ativada, que envolvem dentes e periodonto de prote
ção, ou o rebordo desdentado, possibilitando imobi
lização e coaptação de fragmentos ósseos, decorrentes
de traumatismo acidental ou procedimento cirúrgico.
São confeccionadas a partir de uma correta relação
intermaxilar, através de modelos de gesso, posiciona
dos em articulador semi-ajustável, onde se realiza a
ceroplastia do aparelho. Esses modelos são corrigidos
quanto à oclusão dentária e ao posicionamento dos
Fig. 22-10. Bloqueio intermaxilar com fio de aço. fragmentos ósseos.
314 Cirurgia Craniomaxilofacial

A moldagem para obtenção dos modelos é um Após obtenção dos modelos cm gesso, os mes
dos passos que exige maior perícia do profissional, mos são posicionados em articulador semi-ajustável e,
porque, além de o rebordo apresentar solução de con a partir da reprodução da fratura no modelo, procura-
tinuidade, o paciente sente dor e tem dificuldade em se a oclusão correta do paciente, fixando-se, com auxí
abrir a boca. Como na maioria dos casos, utiliza-se o lio de cera, nessa posição, os fragmentos do modelo.
hidrocolóide irreversível como material de moldagem Ainda com cera, realiza-se o alívio das áreas reten-
(alginato). Rode e Rode17 modificaram a moldeira in tivas, como, por exemplo, os espaços interdentais, dei
ferior de estoque, reduzindo sua parede lingual, para xando o modelo totalmente expulsivo, para permitir
facilitar a introdução e remoção do conjunto, quando que a goteira entre e saia sem interferências da arcada,
houver limitação na abertura da boca. protegendo a papila interdental.
Além da necessidade de moldagem, são conside O modelo é então duplicado, obtendo-se um outro
radas desvantagens das goteiras a dificuldade de higie expulsivo, no qual é realizada a ceroplastia da goteira.
ne bucal e a necessidade da fase laboratorial, que au Nessa fase, acrescentam-se dispositivos em forma de gan
menta o tempo e o custo do tratamento. chos na face vestibular da peça, feitos com fios ortodôn
A principal indicação das goteiras é para pacien ticos, para possibilitar futura imobilização dos maxilares.
tes desdentados com fratura de rebordo alveolar e para Se houver ausência de algum elemento dental, pode-se
crianças que apresentam dentes decíduos expulsivos deixar uma abertura para facilitar a higiene e a alimenta
que não retêm amarrias. Entretanto, podem ser indica ção, a normalmente feita pelo espaço retromolar.
das para qualquer tipo de fratura na face, desde que se As goteiras são colocadas em posição durante ato
consigam obter os modelos, e principalmente em fra cirúrgico, orientando o operador sobre o quanto, onde
turas cirúrgicas, nos casos de cirurgia ortognática. e como deve movimentar os fragmentos, pois os den
tes irão atuar como prolongamentos do osso onde
estão implantados, bastando alinhá-los ao rebordo para
Tipos de Goteiras se conseguir o correto posicionamento ósseo que foi
previamente estudado. São mantidas em posição atra
Como nas amarrias, existe uma diversificação muito
vés das amarrias circunferenciais, e os cuidados pós-
grande de tipos dessa prótese. Assim, citaremos somen
operatórios são os mesmos das amarrias dentárias.
te as mais consagradas pelo uso.

GOTEIRA DE STOUT
GOTEIRA SOBRE MODELO ALIVIADO
A goteira de Stout caracteriza-se por ser seccionada,
Este tipo de goteira é o mais utilizado e caracteriza-se apresentando-se dividida, a fim de facilitar sua coloca
pela eliminação dos contornos dentários coronários ção e remoção. Apresenta uma projeção na face vesti
retentivos, a partir da "linha equatorial", no sentido bular, na região seccionada, ficando esta face em duas
cervical (Fig. 22-12). porções. Depois de posicionadas, as duas partes da
projeção são unidas por meio de parafuso ou fio me
tálico, para manter a goteira em posição.
Após obtenção do modelo de trabalho, são deli
mitados os limites da ceroplastia. O limite oclusal é
estabelecido segundo relação com o arco oposto e o
gengival, 2 a 3mm além da borda gengival. Posterior
mente, uma tira de cera rosa é adaptada dentro dos
limites preestabelecidos, e, sobre ela, um fio de refor
ço, ao centro, eqüidistante dos limites estabelecidos
na cera. Em seguida o conjunto é recoberto com ou
tra tira de cera rosa, c os botões vestibulares são con
feccionados. Realizava-se o acabamento da ceroplas
tia, a inclusão em mufla, condensação e polimerização
da resina acrílica, acabamento e polimento das peças.
Esse tipo de goteira, por não ser construída com
alívio, causa lesões no periodonto, o que praticamente
Fig. 22-12. Goteira sobre modelo aliviado. contra-indica seu uso.
Principais Métodos de Imobilização das Fraturas Maxilomandibulares 315

GOTEIRA DE GUNNING (1866)


Esta modalidade de aparelho protético, confecciona
do em resina acrílica, é empregada no tratamento das
fraturas de maxila e mandíbula em pacientes desdcn-
tados. Consiste em duas peças, uma superior e outra
inferior, unidas por quatro pilares seccionados. Sua
utilização exige oclusão forçada, a qual é obtida à cus
ta de métodos cirúrgicos de fixação.
A partir da moldadem do paciente são obtidos mo
delos de gesso que, depois de corrigidos quanto ao posi Fig. 22-13. Transformação das próteses do paciente em goteira,
com colocação de barra de Erich.
cionamento ósseo, são montados em articulador. Em se
guida, uma lâmina de cera n- 7 é adaptada na área chape-
ável dos modelos, e pilares de cera são confeccionados c fio são menos onerosas e podem ser confeccionadas
adaptados sobre a cera, em posição vertical, nas regiões com simplicidade. Tanto as barras como os anéis são
de dentes caninos e primeiros molares. Esses pilares têm mantidos em posição com resina acrílica quimicamente
suas faces de conexão com a goteira oposta apresentando ativada, de preferência da mesma cor da base da prótese.
projeções em direções diferentes, para evitar que a peça se Ainda na prótese superior, podemos realizar orifí
movimente. São realizados retoques na ceroplastia, inclu cios (geralmente em número de três) com broca esférica
são das peças em mufla, condensação da resina, polimeri- nfi 12 na base do palato, seguindo a orientação dos anéis,
zação, acabamento e polimento das peças. para passar o fio da amarria circunferencial (suspensão).
Quando o paciente é desdentado superior e infe
riormente e só conseguimos reaver uma das próteses,
APROVEITAMENTO DE PRÓTESES é necessário moldar a arcada oposta. Caso seja necessá
rio, faz-se a correção, no modelo de gesso, de possíveis
O primeiro passo no atendimento de um paciente trau desvios causados pela fratura, utilizando-se a peça exis
matizado é preservar a sua vida e manter a integridade tente para orientar o alinhamento do rebordo e a oclu
das vias aéreas, removendo corpos estranhos, inclusive são, para depois confeccionarmos uma goteira conven
próteses, que possam obstruir a orofaringe. Infelizmen cional (Fig. 22-14).
te, no caso de próteses parciais ou totais, são despreza No caso de a prótese estar quebrada, iremos inicial
das logo após a sua remoção da cavidade bucal ou até mente consertá-la, mantendo os fragmentos em posi
mesmo esquecidas no local do acidente. ção, com gesso, c repará-la com resina acrílica quimica
Entretanto, uma prótese, principalmente no pacien mente ativada. Depois, serão feitas as alterações para
te desdentado, é muito importante, mesmo se quebrada, transformá-la em "goteira". Outra situação muito co
para auxiliar a correta imobilização dos segmentos resul mum é a do paciente que, apesar de ter perdido a peça,
tantes da fratura e até mesmo o bloqueio intermaxilar1. ainda tem guardada a prótese total imediata ou tem
Como a prótese total é confeccionada sobre o somente esta. Também se pode aproveitá-la, fazendo-
modelo obtido a partir de uma moldagem funcional, se as alterações já citadas; no momento da instalação,
ela fornece informação precisa de como eram o rebor reembasamos com resina resiliente, que ficará em posi
do alveolar, a dimensão vertical e a oclusão do pacien ção somente até a consolidação da fratura.
te, facilitando o planejamento para o tratamento ci
rúrgico, quando necessário.
São necessárias algumas alterações na peça para que
possamos transformá-la em uma "goteira". Podem ser
removidos dois ou mais dentes da prótese (superior e
inferior) para que, através de sondas plásticas, se faça a
introdução ou a aspiração de líquidos e alimentos no
interior da cavidade oral.
Devem ser acrescentadas, na porção vestibular da
prótese, projeções que permitam um bloqueio interma
xilar, adicionando-se barra pré-fabricada que tenha pro
jeções para o bloqueio, ou alças e anéis confeccionados
com fio ortodôntico (Fig. 22-13). Essas projeções com Fig. 22-14. Transformação de prótese superior em goteira.
316 Cirurgia Craniomaxilofacial

Nos casos em que o paciente usa prótese parcial re 4. Barros JJ, Manganello LCS. Traumatismo buco-maxilo-facial.
São Paulo: Roca, 1993:427.
movível (PPR), esta também pode ser transformada em
5. Barros JJ e Rezende JRV. Refratura e reposição em politrauma-
uma excelente "goteira". Se a arcada onde estiver a PPR tizado da face. Utilização de goteira dental construída sobre
foi fraturada, executamos a moldagem desta e corrigi modelo previamente corrigido. Rev Ass Paul Cir Dent
mos o modelo com a ajuda dos dentes existentes que, 1969;Z?(5):171.
além de facilitar o alinhamento dos fragmentos, irá ori 6. Barros JJ, Rode SM. Tratamento das disfunções craniomandi-
entar a oclusão com a arcada oposta. Uma vez corrigidos bulares. São Paulo: Editora Santos, 1995.

os modelos, a PPR será posicionada e aliviados os espa 7. Barros JJ, Rode SM. Prótese interna. In: Moroni, P. Reabilita
ção Buco-facial. Cirurgia e Prótese. São Paulo: Panamed, 1982.
ços existentes por eventuais perdas de dentes na fratura e
8. Chalian VA, DraneJB, Standish SM. Maxillofacial prosthetics.
envolvidos e/ou cobertos os dentes e periodonto, à se Baltimore: Williams & Wilkins, 1972.
melhança de uma goteira convencional. Acrescentamos 9. Claro EA, Neves ACC, Rode SM, BarrosJJ. Empleo de minipla-
às projeções vestibulares como na prótese total pronta, cas sin compresíon em fracturas dei ângulo mandibular. Fede-
uma "goteira" resistente, devido ao reforço da armação ración Odontológica Latinoamericana Oral 1998; 4(ll):27-32.
metálica da PPR Se a arcada da PPR não foi afetada, irá 10. Colombini NEP. Fixação interna rígida em cirurgia maxilofaci-
servir como apoio para o bloqueio. Os passos serão os al. São Paulo: Pancast, 1991:151.

mesmos, exceto quando à correção dos modelos. 11. Gunning TB. The treatment of fractures of the lower jaw by
interdental splints. NY Med J 1966;J:433.
As próteses, assim como as goteiras, serão manti
12. Kingsley NW A treatise on oral deformities. New York, Apple-
das em posição através das amarrias circunferenciais; ton, 1880.
além disso, se o paciente apresentar prótese somente 13. Kwapis BW. Wire ligature carrier for continous interdental wi-
em uma arcada e a outra for dentada, mesmo que par ring of fractured jaws. J Amer Dent Ass 1964;69:700.
cialmente, usar-se-á nos dentes, conforme indicação, 14. Peterson LJ et ai. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea.
uma goteira convencional ou uma amarria a fio mais Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996:702.
barra, para que se consiga o bloqueio intermaxilar. 15. Ramfjord SP, Ash MM. Oclusão. 4 ed. Rio de Janeiro: Guana
bara Koogan, 1996.
16. Rode R. Visualização no ensino prático da prótese e traumato-
CONSIDERAÇÕES FINAIS logia maxilo-faciais. Rev Ass Paul Cir Dent 1966;2fl(3):113.
17. Rode R, Rode SM. Modificação de moldeira inferior para aber
Os ossos da face são sítios freqüentes de fratura devi tura de boca limitada. Rev Paul Odont 1982;4(3):8.
do a acidentes, traumatismos ou patologias. Para as 18. Rode R, Rode SM, MélegaJM. Oclusão dentária e técnicas de
fraturas faciais, assim como para os outros ossos do contenção maxilomandibular. In: Psillakis JM et ai. Cirurgia
corpo, existem diversos métodos disponíveis para fi craniomaxilofacial: osteotomias estéticas da face. Rio de Janei
ro MEDSI, 1987.
xação e imobilização dos fragmentos. Dessa forma, para
19. Rode R, Rode SM. Oclusão e amarrias. In: BarrosJJ, Mangane
a escolha da técnica ideal para cada caso particular de llo J. Traumatismo buco-maxilo-facial. São Paulo: Roca, 1993.
vem ser levados em consideração fatores como: estado 20. Rode R, Rode SM, Rode MM. Recursos protéticos no trata
físico e psicológico do paciente, danos concomitan mento dos malformados de lábio e palato. Ars Cvrandi,
tes, preocupação do paciente com a estética, tipo de 197S;11(6):76.
fratura, disponibilidade financeira do paciente e, prin 21. RodeSM, Rode R. A importância do aproveitamento de próte
cipalmente, conhecimento adequado pelo profissional. ses existentes em pacientes com fratura na face. Ars Cvrandi
Odont 1981; /{11):498.
O profissional deve buscar constantemente a atua
22. Rode SM e Rode R. Amarrias em traumatologia buco-maxilo-
lização do seu conhecimento, para selecionar o proce facial. Ars Cvrandi Odont 1978; 5(1):3.
dimento mais adequado. No entanto, deve sempre le 23. Rowe NL. Maxillofacial injuries. NewYork Churchill Livingsto
var em consideração o domínio da técnica, o que faz ne: 1985.
com que um método mais simples, corretamente exe 24. Sá LimaJR, Kimaid A, Kimaid ML E. Estudo da prevalênciadas
cutado, possa ser mais eficiente do que técnicas novas fraturas mandibulares em relação ao sexo, faixa etária, fator
que necessitem de treinamento para sua aplicação. etiológico e localização na cidadede SãoJosé dos Campos. Rev
Brás Cir Implant 2001;á(30):150-5.
25. SugiuraT, YamamotoK, Murakami K, Sugimura M. A compa-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS rative evaluation of osteosynthesis with lag screws, miniplates,
or Kirschner wires for mandibular condylar process fractures. J
1. Araújo A. Ortognática: a nova face da cirurgia bucomaxilofaci- Oral Maxillofacial Surgery 2001;5fl(10):161-70. '
al. Rev ABO Nac 1999;/(l):23-4. 26. Thor A, Andersson L.Interdental wiring in jawfractures: effects
2. Bailey JB, Clark WD. Management of mandibular fractures. on teeth and surrounding tissues after a one-year follow-up. Br
Ear Nose Throat, 1983;62(7):371-8. J Oral MaxillofacSurg 2001;Ífl(5):398-401.
3. Barros JJ. Lesões traumáticas dos ossos da face. RevAss Paul Cir 27. Vianna CB. As amarrias interdentárias no tratamento das fra
Dent 1959;/J(2):49-68. turas mandibulares. Rev XXVJan 1946;5:33.
Próteses Bucomaxilofaciais

Rol/Rode
Nuno Filipe D Almeida
Ana Christina Claro Neves
Luiz Alberto Plácido Penna
Sigmar de Mello Rode

PRÓTESES FACIAIS grande dificuldade no convívio social, impossibilita


do de exercer uma vida normal, evidenciando graves
Generalidades transtornos psicológicos.
Quando da ocorrência de perdas ou deformidades do Estas perdas ou deformidades podem ser decor
revestimento musculocutâneo na região da face, algu rentes de cirurgias realizadas para a erradicação de um
mas vezes associada a perdas ósseas, quase sempre está tumor maligno, de trauma mecânico, proveniente de
criado um sério problema estético e funcional. Devi acidentes de trânsito ou de trabalho, de trauma físico,
do ao aspecto desagradável que a deformidade confe como queimaduras, ou ainda como resultado de uma
re ao seu portador, este se torna um indivíduo com anomalia congênita.

Figs. 23-1 e 2. Perda facial extensa decorrente de cirurgia oncológica

317
318 Cirurgia Craniomaxilofacial

A reparação plástico-cirúrgica das deformidades não serem percebidas em situações cotidianas, na vida
faciais produz resultados satisfatórios na maioria dos familiar ou afetiva por qualquer observador casual.
casos, e deve ser o método de escolha quando as cir Embora as próteses possam ser confeccionadas em
cunstâncias forem favoráveis, porque, obviamente, a resina acrílica, atualmente o material mais utilizado
reparação autoplástica é muito mais desejável do que para sua fabricação é o silicone vulcanizado pelo ca
qualquer substituto aloplástico que possa ser utiliza lor, por apresentar flexibilidade e translucidez seme
do. Todavia, numerosas condições e circunstâncias lhantes às da pele. Esse material é fornecido incolor
podem contra-indicar esse tipo de tratamento: no mercado, sendo posteriormente pigmentado de
modo a se assemelhar à cor da pele do paciente.
a. grande extensão da perda tecidual; As próteses faciais podem ser mantidas em posi
b. estado geral de saúde debilitado;
ção pelo uso de adesivo aplicado na parte posterior
c. pouca idade ou idade avançada do paciente;
das mesmas. Entretanto, condições como umidade alta,
d. possíveis limitações econômicas;
pele oleosa ou suor podem causar o deslocamento das
e. relutância do paciente em se submeter às diversas
próteses em momento inoportuno, trazendo, desta
intervenções plástico-cirúrgicas de retoque, quase
forma, insegurança ao paciente. O método mais seguro
sempre necessárias;
para a fixação das próteses faciais é a utilização de im
f. quando o paciente não deseja a cirurgia reconstru-
plantes osseointegrados, que permitem ótima retenção
tiva;
e, conseqüentemente, melhores resultados estéticos.
g. quando resultados estéticos imediatos são requeri
dos para a reabilitação psicológica do paciente;
h. pacientes com tumor, ou que estão sob tratamento
radioterápico; MODALIDADES TERAPÊUTICAS
i. quando o paciente é mental ou fisicamente inca
paz de manter a higiene da prótese. Prótese Auricular

Em tais casos, a reparação facial protética não é A prótese auricular é, dentre as próteses faciais, a que
apenas um método de escolha, mas o único válido se propõe a restaurar, aloplasticamente, as lesões totais
para o paciente, permitindo que o mesmo retome pa ou parciais do pavilhão da orelha, que podem ser con
pel ativo na sociedade. gênitas ou adquiridas em decorrência de patologias ou
As próteses faciais oferecem vantagens e desvanta traumas.

gens quando comparadas à reabilitação cirúrgica, e a São confeccionadas a partir da moldagem da área
opção por um ou outro tratamento deve ser sempre da lesão e podem ser mantidas em posição por meio
discutida com o paciente. de métodos mecânicos, como armação de óculos ou
As próteses faciais devem ser sempre confecciona colagem com adesivos; protéticos, como prolongamen
das por protético bucomaxilofacial com treinamento to em tubo para apoio no conduto auditivo externo;
artístico, conhecimento de anatomia e de ciência dos cirúrgicos, como as alças de pele confeccionadas no
materiais. Devem sempre ser dissimuladas, de forma a tecido subcutâneo; e implantes osseointegrados.

••

Fig. 23-3. Ausência congênita de

Á pavilhão auricular. Fig. 23-4.


Prótese auricular em posição.
Próteses Bucomaxilofaciais 319

Prótese Ocular visando preparar a cavidade de forma adequada para


A prótese ocular é um dispositivo que visa substituir receber a prótese ocular, é freqüente, podendo as pró
um globo ocular perdido ou ainda recobrir um globo teses oculares ser confeccionadas de modo a se adapta
ocular atrófico. Objetiva reconstituir a estética; pro rem a diferentes cavidades anoftálmicas. Logo após a
mover a sustentação e a tonicidade muscular da pálpe cirurgia de enucleação do bulbo ocular, um confor-
bra superior; evitar as atresias e os encurtamentos pal- mador é adaptado à cavidade, objetivando preservar o
pebrais por falta de função; proteger a mucosa da cavi espaço obtido com a cirurgia até que a prótese defini
dade residual; evitar a secura da conjuntiva e dirigir o tiva possa ser realizada. O tempo de espera necessário
lacrimejamento ao seu conduto fisiológico. até que a prótese definitiva possa ser adaptada pode
As perdas ou deformidades do globo ocular po variar de um paciente para o outro, e depende da con
dem ter como etiologia os tumores malignos, traumas dição da cavidade anoftálmica, sendo determinado por
ou deficiências congênitas. A necessidade de cirurgia, um oftalmologista. Nos casos em que já existem de
formações da cavidade, onde não é aconselhável inter
vir cirurgicamente, utilizam-se próteses conformado-
ras que dilatam c melhoram a morfologia da cavidade.
A partir da moldagem da cavidade anoftálmica, o
protético esculpe cuidadosamente uma esclera artificial,
que deverá se ajustar com precisão à cavidade. Esses pro
"l|ME cedimentos facilitam a correta adaptação da futura pró
tese sobre as estruturas remanescentes do globo ou mes
mo do coto muscular; desse modo, é possível conferir à
prótese uma mobilidade extremamente satisfatória, além
do fato de que o íntimo contato entre a prótese e os
tecidos diminui o risco de a cavidade acumular secreções
e microrganismos. A prótese ocular é confeccionada em
Fig. 23-5. Anoftalmia decorrente de trauma
resina acrílica, e a esclera e a íris artificiais são caracteriza
das artesanalmente, na presença do paciente, procurando
sempre alcançar um resultado o mais natural possível.
Posteriormente, a prótese é adaptada à cavidade anoftál
mica e as pálpebras a manterão em posição. A prótese
ocular individualizada pode ser realizada em associação
com os implantes de hidroxiapatita ou polietileno.
As próteses comercializadas usualmente em óti
cas, apesar de apresentarem pinturas muito realistas,
não propiciam boa adaptação, o que pode gerar suces
sivos traumas para a sua colocação, comprometendo a
cavidade.
Fig. 23-6. Prótese ocular individualizada em posição
Uma prótese ocular confeccionada corretamente
deve ser confortável para o paciente e imperceptível à
curta distância. Embora as próteses possam apresentar
resultados muito semelhantes ao olho contralateral,
existem condições que podem afetar o resultado final.
Em circunstâncias em que a anatomia do paciente foi
severamente alterada devido a trauma, cirurgias múlti
plas ou tratamento radioterápico, pode não ser possí
vel alcançar um ótimo resultado estético. Tais condi
ções podem requerer uma ou mais cirurgias corretivas
adicionais, e devem ser discutidas com oftalmologista
qualificado. Um resultado excelente, incluindo boa adap
tação da prótese à cavidade, conforto e estética agradá
•••••••••I vel, depende da habilidade e treinamento do protético
Fig. 23-7. Prótese ocular em resina acrílica e do cuidado dispensado pela equipe médica.
320 CirurgiaCraniomaxilofacial

Uma prótese ocular pode durar vários anos se A retenção da prótese nasal na face é de importân
cuidadosamente conservada e rotineiramente avaliada cia decisiva. Os mais belos trabalhos de escultura e colo
pelo protético. Isto deve envolver visitas freqüentes ração podem ser totalmente comprometidos devido à
ao especialista, que avaliará o ajuste da prótese e reali retenção inadequada e insuficiente. Os meios mais utiliza
zará novo polimento quando necessário. dos para a fixação das próteses nasais são: apoio em ócu
los, colagem, encaixe em zonas retentivas, ou em próte
se dentária, ímãs e implantes osseointegrados.
Prótese Nasal
É a modalidade de prótese facial que se propõe a res
taurar artificial ou aloplasticamente a falta de substân Prótese Oculopalpcbral
cia do apêndice nasal que tenha sido perdida ou defor As próteses oculopalpebrais realizam a restauração alo-
mada devido a cirurgia de câncer radical, amputação plástica da região blefarocular. São mantidas em posi
traumática ou queimaduras sérias. ção com o uso de adesivos, fixação em armação de
Sem a pirâmide nasal, o ar inspirado, deficiente óculos ou pelo uso de implantes osseointegrados.
mente aquecido e não-filtrado, dá lugar à faringite e
predispõe o paciente a complicações do aparelho res
piratório e à fadiga precoce. Com a adaptação da pró Prótese Facial Extensa
tese nasal, o fluxo de ar é dirigido para a nasofaringe, As próteses faciais extensas são indicadas para a restau
auxiliando na manutenção da umidade do seio maxi ração de grandes perdas faciais ocasionadas por onco-
lar, da mucosa respiratória e restabelecendo a resso cirurgia, ferimentos balísticos, acidentes de trabalho e
nância da fala. automotivos. As mais freqüentes dizem respeito às
próteses nasolabial superior, nasolabial superior maxi
lar, oculopalpebral-nasolabial superior-maxilar.

Fig. 23-8. Perda de pirâmide nasal

Fig. 23-10. Perda facial extensa

Fig. 23-9. Prótese nasal em silicone. Fig. 23-11. Prótese facial extensa confeccionada em silicone.
Próteses Bucomaxilofaciais 321

ção da ATM, após a artroplastia em anquilose da ATM


— prótese de interposição e automobilizadora; urano-
estafilosquises —; próteses protetoras de enxertos e su
turas como complementos das palatoplastias; defor
midades cicatriciais do sulco gengivolabial nos casos
graves de queimaduras, área do pescoço —prótese mo-
deladora da cicatrização; prognatismo, postogenia e
látero-desvios mandibulares —; prótese contentora das
osteoplastias para bloqueio maxilomandibular, fixação
esquelética externa, placas de osteossíntese ou ainda
para a realização de distração óssea.

Aparelho Complementar da Traumatologia —


Fig. 23-12. Prótese facial em posição, retida em armação de Goteiras Dentais
óculos
Goteiras são aparelhos que circunscrevem e se adap
Prótese Labial tam aos arcos dentais e às bordas gengivais, deixando
livres as faces oclusais dos dentes. Estes aparelhos têm
A prótese labial repara proteticamente as perdas dos indicação diversa, como nas contenções de fragmen
lábios superior ou inferior, que são decorrentes princi tos ósseos, de dentes, nos casos de luxações, como guias
palmente de neoplasias, traumatismos decorrentes de cirúrgicos na cirurgias ortognáticas, entre várias ou
acidentes automobilísticos ou queimaduras. tras indicações (ver capítulo específico).

Aparelhos e Próteses Complemcntares Próteses Restauradoras Internas Cranianas e


da Cirurgia Mandibulares

São aparelhos e próteses que têm por objetivo auxiliar São próteses que ficam na intimidade dos tecidos sem
o tratamento plástico-cirúrgico complementando-o, comunicação com o meio externo e objetivam a repa
seja no pré, no trans ou no pós-operatório. Nesta mo ração de perdas da calota craniana e da mandíbula. A
dalidade estão os casos de correção de depressões osteo- prótese craniana possibilita a restauração do contorno
tegmentares e látero-desvios mandibulares, depressões facial e a proteção do encéfalo.
das regiões frontal, palpebral, nasal, mentoniana, auri A prótese mandibular, nos casos de perdas decor
cular, malar, parotídea, craniana; nos casos de disfün- rentes de mutilação cirúrgica ou traumática superio-

Fig. 23-13. Deformidade do contorno craniano decorrente de


trauma Fig. 23-14. Prótese craniana em posição
322 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 23-16. Comunicação bucosinusal decorrente de cirurgia on


cológica

Fig. 23-15. Prótese craniana em resina acrílica

res a 3cm, visa a evitar o desvio mandibular. Podem


ser confeccionadas em metal, resina acrílica termica-
mente ativada ou polietileno poroso. Existem no mer
cado formulações de resina acrílica ativada quimica-
mente para serem aplicadas diretamente sobre os teci
dos, porém estes materiais apresentam reação exotér-
mica de polimerização, onde a temperatura atingida
está além da suportável pelos tecidos, e a quantidade
de monômero residual apresenta alta citotoxicidade.
Fig. 23-17. Prova da prótese obturadora da comunicação bucosi
O material de escolha deve cumprir requisitos como: nusal

• ser fisicamente estável;


• não provocar reações alérgicas ou inflamatórias;
• não ser carcinogênico;
• ser resistente à tensão mecânica;
• ser de fácil manuseio;
• ser esterilizável.

Próteses Labiopalatais
São próteses que reparam as deficiências de mastiga
ção, deglutição e fonação apresentadas pelos pacientes Fig. 23-18. Prótese obturadora da comunicação bucosinusal
portadores de fissuras labiopalatais. As mais utilizadas
são os obturadores palatinos e faringeanos, as próteses
de recobrimento, as próteses distensoras do lábio su
perior, entre outras.
No caso de recém-nascidos malformados, as con
dições mínimas de respiração e alimentação podem
ser garantidas por meio da confecção de uma placa
palatina que irá se apoiar sobre os rebordos maxilares,
mantendo-os em uma posição mais favorável para a
realização futura da palatoplastia.
No caso de cirurgia oncológica, quando a margem
de segurança necessita ser extensa, removendo um ou
ambos os maxilares, o tratamento protético irá lançar Fig. 23-19. Perda de hemimaxila em decorrência de cirurgia on
mão de próteses leves de estrutura oca, favorecendo o cológica
Próteses Bucomaxilofaciais 323

Fig. 23-20. Prótese reparadora de perda maxilar Fig. 23-21. Prótese reparadora de perda maxilar em posição

o feixe de emanação e proteger estruturas sadias. Essas


próteses geralmente incorporam metais pesados, como
o chumbo, para servirem de barreira à ação da radia
ção ionizante, e são conhecidas como próteses prote
toras e afastadoras. As próteses podem também conter
em seu interior o elemento radioativo, facilitando o
direcionamento sobre a neoplasia a ser tratada. As pró
teses podem ser externas —direcionadas para a face —,
cndocavitárias ou, ainda, bucais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prótese bucomaxilofacial é o último recurso que
podemos oferecer ao paciente quando todas as tenta
tivas de reparação com tecido vivo foram esgotadas
pela cirurgia plástica. A reparação aloplástica tem se
tornado cada vez mais elaborada, dissimulando muito
bem as próteses. O contínuo avanço das técnicas de
confecção, materiais utilizados e o aprimoramento pro
fissional têm garantido uma qualidade de vida cada
vez melhor para os pacientes acometidos por defor
midades faciais, devolvendo-os ao convívio social ou-
trora perdido.
Figs. 23-22 e 23. Prótese radífera protetora

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
conforto e o uso pelo paciente. O planejamento das
1. Alves MCAP, Rode SM, Rezende JRV. Prótese ocular de reco-
próteses torna-se muito mais favorável e preciso quan
brimento em idoso. Revista da EapApcd São Josédos Campos.
do da interação entre o cirurgião e o protético em rela 2001;2(2):23-5.
ção a que estruturas remover e quais poderão remanes 2. Bcumcr III J, Curtis TA, Firtell DN. Maxillofacial rehabilitati-
cer para o suporte e fixação da prótese. <»/). prosthodontic and surgical considerations. St. Louis: Mos
by, 1979.
3. Branemark PI, Oliveira MF. Craniofacial prostheses: Anaplas-
Próteses Radíferas tology and osseointegration. Chicago: Quintessence, 1997.
4. Cavalcanti BN, D'almeida NF, Seraidarian PI, Rode SM. Próte
São aparelhos ou dispositivos auxiliares da radiotera- se ocular de contato: relato de caso clínico e indicações. Revista
pia, destinados a portar elemento radiativo, localizar Brasileira de Prótese Clínica c Laboratorial. 2001;J(14):330-4.
324 Cirurgia Craniomaxilofacial

5. Duarte JRS, Rode SM, Rode R. Revista da Associação Paulista 12. Rezende JRV. Fundamentos da prótese bucomaxilofacial. São
de Cirurgiões-Dentistas 1997;5Í(2):l-5. Paulo: Sarvier, 1997, 212p.
6. GrazianiM. Prótese Maxilo Facial. 3ed., Rio deJaneiro: Guana 13. Rode R. Prótese ocular oca em resina acrílica. Contribuição
bara Koogan, 1982, 229p. para a melhoria da mobilidade. São José dos Campos, 1968.
58p. Tese (Doutorado em Ciências) Faculdade de Farmácia e
7. Hobkirk JAA, Watson RM. Color atlas and text ofdental and Odontologia de SãoJosé dos Campos.
maxillo-facialimplantology. Mosby-Year Book, December 1994,
204p. 14. Rode SM. Contribuição para o estudo da biocompatibilidade
de resinas acrílicas, termicamente ativadas (rosa e incolor) e
8. Mckinstry RE. Fundamentais of facial prosthetics. Arlington: fotopolimerizável. Teste biológico em tecido conjuntivo dera
ABI professsional publications, 1885, 198p. tos (Rattus norvegicus, albinus). São Paulo, 1988. 91p. Tese
9. Moroni P. Reabilitação Buco Facial, cirurgia eprótese. São Pau (Mestrado em Clínicas Odontológicas) Faculdade de Odonto
lo: Panamed, 1982, 436p. logia da Universidade de SãoPaulo.
10. Neves ACC. Avaliação clínica e microbiológica da secreção con- 15. Sperb LCM, Neves ACC, Rode SM. Considerações sobre próte
juntival em usuários deprótese ocular em resina acrílica. 2000. se ocular. Revista Gaúcha de Odontologia 2001;4fl(4):202-4.
Tese (Doutorado em Odontologia, Área de concentração, Pró
16. Tavares ACS, Galati A, Santos MIM, Rode SM. Prótese ocular
tese Buco-Maxilo-Facial BMF) Faculdade de Odontologia da
individualizada —competência do cirurgião-dentista. Relato de
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP,
caso clínico. Pd Revista Brasileira de Prótese Clínica e Labora
São Paulo, Brasil.
torial 2001;3(13):247-52.
11. Oliveira SHG. Próteseocularindividualizada em resina acrílica
17. Thomas KF. Prosthetic rehabilitation. Chicago: Quintessence,
com esfera oca: contribuição para o estudo. 1995, 65p. Disser
tação (Mestrado em Odontologia. Área de concentração, Pró 1994, 312p.
tese Buco-Maxilo-Facial) Faculdade de Odontologia, Campus 18. Worthington P, Branemark PI. Advanced osseointegration sur
de São José dos Campos, Universidade Estadual Paulista Júlio gery: Applications in the maxillofacial region. Chicago: Quin
de Mesquita Filho. tessence, 1992.
Implantes na Reabilitação
Bucomaxilofacial

Edson Luiz Pelucio Câmara

INTRODUÇÃO ça, estalos na região ou impossibilidade de abertura


bucal. Quase sempre essas queixas estão relacionadas à
O meio científico sempre teve como um de seus ide disfunção oclusal, quer seja por alteração da oclusão
ais a reabilitação daqueles indivíduos que, por algum devida à posição errada na erupção dental, alteração
motivo, sofreram perdas dos tecidos moles, de extre do crescimento facial, ausência dental por agenesia ou
midade ou do elemento dental. Muito se desenvolveu por extração, ou por tratamentos ortodônticos que
na área dos enxertos e das próteses, todavia, a estética levam os dentes a uma posição de má oclusão, resul
e a fixação adequada ainda representam problemas a tando em instabilidade neuromuscular.
serem equacionados. Durante o desenvolvimento facial e ao longo da
A dificuldade de estabilização de uma prótese não erupção dental, podem ocorrer alterações estruturais
é exclusividade da cavidade bucal, pois mesmo as pró tanto nas discrepâncias maxilomandibulares como tam
teses faciais apresentam falta de retenção, como no sis bém resultando em atrofias e hipertrofias faciais; tais
tema de apoio à prótese. Nessas situações, podemos situações são bem solucionadas por intermédio de tra
nos valer dos implantes osseointegrados, coadjuvan tamento ortodôntico e cirurgias de correções ósseas
tes significativos na obtenção da almejada estabiliza como a ortognática. Na falta de elementos dentais,
ção. tanto por agenesia como por exodontia, o tratamento
E interesse deste capítulo colocar o cirurgião plás indicado será a confecção de próteses dentárias.
tico a par das possibilidades de recuperação da oclu Muitas vezes, deparamos-nos com a dificuldade
são dental, bem como da retenção de próteses buco- na reabilitação oral, sendo uma das principais causas a
maxilofaciais apoiadas em implantes. ausência elevada dos elementos dentais que possam
ajudar a manter uma prótese estável e devidamente
retida, o que resulta em dificuldade na potência masti-
gatória, levando à diminuição desta, e faz com que o
IMPLANTES BUCAIS
paciente acumule muitas disfunções no sistema esto-
Grande é a procura à clínica médico-odontológica por matognático.
pacientes com disfunção temporomandibular, sendo Estas disfunções levam o paciente à angústia por
as queixas mais comuns relacionadas a dores de cabe não poder alimentar-se adequadamente, associando-se

325
326 Cirurgia Craniomaxilofacial

ainda à falta de uma boa aparência social; tudo isto lucionário para a época. Temos também neste período
acaba gerando um dos maiores sonhos da humanida o uso de agulhas de tântalo, que eram colocadas em
de, que era repor o elemento dental perdido. formas de tripés de modo a distribuir a força masti-
Várias tentativas foram feitas, desde a utilização gatória, assemelhando-se às raízes dos molares, e que
de dentes de metais, de animais, ou dentes humanos foram muito difundidas, conhecidas como agulhas
entre outros materiais, reposicionando-os nas maxila e de Scialon, em alusão ao criador da técnica. Além des
mandíbula edêntulas, introduzindo-os no osso ou ses implantes vários outros autores tentaram produzir
amarrando-os com fios dos mais variados tipos. um substituto para o elemento dental, porém o índi
Destas tentativas foram descobertos dois casos ce de sucesso fez com que acabassem sendo esquecidos
bem-sucedidos em achados arqueológicos pré-colom- (Fig. 24-1).
bianos, estes em mandíbulas nas quais havia inserções
de implantes; um com concha e outro com uma pedra
preta, que mostravam sinais de uso, inclusive com pre
sença de cálculos dentais.
Fora esses achados, passamos a descrever implan
tes em uma fase mais moderna, a partir do início do
século XX, onde se utilizavam irídio e platina na con
fecção dos implantes, acreditando-sc tratar do melhor
metal a ser colocado intra-ósseo). A falta de conheci
mento da ação dos microrganismos, que não tinham
sido devidamente estudados, acarretava em alto índi
ce de fracasso. Porém, com a descoberta de novos ma
teriais biocompatíveis, houve aumento relativo no su
cesso. Essa técnica começou com a utilização do vi-
tállium cirúrgico nos parafusos ortopédicos que fo
ram empregados pelos irmãos Strock, na década de
1930, para fixação de elementos dentais, porém ainda
tratava-se de uma adaptação para a colocação do ele
mento dental perdido. Todavia, foi na Europa, na dé
cada de 1950, que se deu início à confecção de parafu
sos próprios para fixação de dentes, como os de For-
miggini, Cherchéve, Garbaccio e Tramonte. Neste pe
ríodo tem início a idealização de um protocolo pró
prio para colocação de implantes, com uma seqüência
de fresas e chaves para introdução no alvéolo cirúrgi
co, e também começa-se a utilizar uma liga de titânio
na confecção de parafusos, que na época já era consi
derado um dos materiais mais biocompatíveis.
O titânio utilizado não é puro, mas na forma de
liga com vanádio e alumínio, que apresenta alta tole
rância pelo organismo. Deve ser usado na forma de
liga por se tratar de um material muito maleável, que
pode fraturar com facilidade.
No início da década de 1960 nos Estados Unidos, j: \> 1Y -

Leonard LinKow desenvolveu seus implantes. Eles


possuíam formatos diferentes, sendo um como uma
«4mm
lâmina e outro em forma de parafuso, cuja extremida H:W X•y'•. V v
de a ser introduzida no osso apresentava um formato
de cesto, sendo oco o seu interior. Isto tinha como
função fazer com que o osso preenchesse o espaço, Fig. 24-1 A. Agulhas de Scialon. B. Reabilitação com parafusos
italianos. C Diversos tipos de implantes removidos de um pacien
permitindo melhor fixação, sendo considerado revo te; temos parafusos, agulhas, lâminas e justa-ósseo.
Implantes na Reabilitação Bucomaxilofacial 327

Notamos que em todos esses implantes havia um rem contaminações de poeira do ar, nem gorduras e
certo descaso quanto à sua apresentação, sendo prepa proteínas das mãos, talco de luvas ou outras impure
rados manualmente, com esterilização em estufas ou zas que pudessem atrapalhar o reparo, não tendo ne
autoclaves, mantendo em sua superfície grande quan nhum contato com as mãos. Os implantes também
tidade de impurezas que interferiam em seu reparo no passaram a ser embalados de forma que não fossem
osso, acarretando um alto nível de fracasso. expostos ao ar, para que não houvesse uma reação em
Todo o desenvolvimento na implantodontia teve sua superfície, a qual aumenta uma camada chamada
um novo rumo com os trabalhos de pesquisa do mé de oxido de titânio. Esta camada é essencial para o
dico Per Igvar Branemark, pesquisador da Universida fenômeno da osseointegração; no entanto, em dema
de de Gotemburgo, na Suécia, no fim da década de sia, ela tende a atrapalhá-la.
1950. Sua pesquisa baseava-se em reparo de tecidos com Nas últimas duas décadas, alguns dos conceitos
a utilização de um artefato chamado câmera de mi- propostos por Branemark acabaram sendo modifica
croscopia vital, confeccionado em titânio e possuin dos. Passaram a ser executados em consultório, desde
do o formato de um cilindro oco com várias perfura que mantidos todos os conceitos de esterilização e as
ções em seu corpo. Este era introduzido no tecido, sepsia, apresentando um alto índice de sucesso, em
deixando duas extremidades expostas ao meio, onde torno de 95%, inicialmente, o que não era atingido
uma delas era ligada a uma fonte de luz e outra a um nos implantes antes da osseointegração.
microscópio, no qual era possível verificar o crescimen Além dos pacientes desdentados totais, os implan
to do tecido através das perfurações que passavam a tes também passaram a ser utilizados na reabilitação
ser estudadas no seu interior. de um único elemento dental ausente, devolvendo a
Branemark estava pesquisando reparo ósseo em função e, em muitos casos, uma estética que dificulta
tíbia de coelho quando, no final do experimento, ao diferenciá-lo do dente natural.
tentar remover a câmera para verificar o material em Os implantes osseointegrados como foram pro
seu interior e a reutilização deste, encontrou grande postos deveriam ter sua superfície muita limpa. A este
dificuldade. Com a observação deste problema, pas preparo damos o nome de passivação, onde retira
sou a descrever uma interface implante - osso que fi mos o máximo de impurezas, como óleo e restos de
cou conhecido como osseointegração. Ele conceitua materiais do torno mecânico que confeccionou os im
osseointegração como sendo a "união entre osso vivo plantes.
e implante, sem a interposição de tecido mole, mos Inicialmente foi indicado que a superfície do im
trando estabilidade sob atuação de carga". plante dental deveria ser a mais lisa possível, porém os
A partir dessa descoberta, desenhou um implante conceitos começaram a mudar, mostrando que uma
dental em forma de parafuso que, por possuir melhor superfície irregular traria um maior contato com o osso,
biomecânica, passou a ser utilizado na reabilitação favorecendo, assim, a retenção do parafuso. Para a con
bucal.
fecção dessas irregularidades várias técnicas podem ser
utilizadas, como jateamento com oxido de alumínio,
Branemark descreveu esta interface pela primeira
adição de gotículas de titânio com um spray em alta
vez no congresso de biomateriais em Toronto, em 1982.
temperatura (plasma spray), recobrimento com hidro-
Mostrando um sucesso de 15 anos, com indicação para
xiapatita, ou fazendo-se confecção de irregularidades
reabilitação de pacientes desdentados totais. Especifi
por intermédio da utilização de ácidos. Também po
cava que o parafuso do implante deveria ficar em re
demos realizar esta irregularidade através de perfura
pouso no leito cirúrgico para um melhor reparo, e
ções com laser.
depois aberto para confecção da prótese dental, e que
os implantes deveriam ser colocados somente em cen
tro cirúrgico.
O protocolo inicial era da colocação de no míni TÉCNICA CIRÚRGICA
mo oito implantes em maxila e seis em mandíbula, A técnica cirúrgica dos implantes não apresenta gran
que passariam depois a suportar uma prótese parafusa de dificuldade.
da, chamada de prótese de Toronto, em alusão ao con A princípio deve ser utilizado um conjunto de
gresso em que divulgou seu trabalho. instrumentais de implantes, fundamentais à colocação
Os implantes deveriam ser de liga de titânio, o do parafuso no interior do osso. Entre eles há um con
mais puro comercialmente, ou seja, com o maior grau junto de fresas necessárias à confecção do alvéolo ci
de titânio, e deveriam estar embalados para não sofre rúrgico.
328 Cirurgia Craniomaxilofacial

Embora grande parte dos implantes disponíveis ter ocorrido por cárie, doença periodontal, força de
no comércio siga o desenho preconizado por Brane mastigação, acidentes, iatrogenias e desordens oclusais.
mark, devemos informar que existem outros modelos Quanto à reabilitação, esta poderá ser tanto de
que diferenciam do seu desenho, com outra biomecâ um único elemento como de todos.
nica, possuindo protocolo e fresas de colocação dife Devemos avaliar ainda o tempo de ausência den
rentes. É importante ainda o emprego de um motor tal e a utilização ou não de próteses, tendo em vista
próprio, pois este apresenta grande torque para não que as próteses maladaptadas, principalmente as remo
haver travamento das fresas no interior do osso, e as víveis, poderão acarretar uma grande modificação ana
sim diminuir a necrose óssea. tômica na área a ser reabilitada.
Após a incisão e divulsão do retalho, inicia-se a con A ausência de um elemento dental leva a um
fecção do alvéolo cirúrgico com a utilização de uma movimento de extrusão do elemento antagonista, bem
fresa de ponta esférica ou uma outra que possua um como a movimentação dos elementos laterais ao den
formato triangular e pontiagudo, chamada de fresa lan te perdido, resultando em traumas oclusais e também
ça. A primeira (esférica) possui a desvantagem de difi na perda do espaço a ser reabilitado.
cultar a manutenção no local escolhido para perfurar Salientamos que a relação coroa dental e implante é
quando da ativação do motor, o que não ocorre com a extremamente importante, pois é necessária uma relação
segunda (fresa lança), por penetrar sua ponta na cortical de igualdade, e de preferência que o implante seja maior.
óssea. As fresas seguintes serão escalonadas de modo a Observa-se que a falta do estresse ósseo dado pela
aumentar seu diâmetro, permitindo assim um corte gra ausência do elemento dental provoca uma severa reab
dativo do tecido ósseo, e diminuindo com isso o aque sorção do processo alveolar que se formou exclusiva
cimento na confecção do alvéolo; por conseguinte, di mente pela erupção do dente. Tratando-se da maxila,
minui a área de necrose do osso, melhorando o reparo esta mostra uma reabsorção tão severa que forma uma
para obtermos a osseointegração. Convém ainda relem discrepância maxilomandibular, dando um aspecto de
brar que existem vários tipos de implantes, com suas mandíbula muito grande quando não o é na realida
respectivas técnicas de fresagem, que devem seguir a se de. Este quadro é chamado, na ortodontia, como paci
qüência de fresas preconizadas por seu fabricante. ente pseudoclasse III ou ainda pseudoprognata. Mui
Os implantes devem ser colocados no alvéolo por tas vezes este quadro está associado a um processo de
meio do motor ou manualmente, todavia é necessário
pneumatização dos seios maxilares.
que haja uma boa estabilidade final do parafuso no Em relação às atrofias de mandíbula, encontramos
interior do osso.
dificuldades pelo posicionamento do canal mandibu
Salientamos que todos os passos da perfuração lar na região posterior, visto que, quando atingido,
deverão ser acompanhados de irrigação abundante pode causar parestesias que, na maioria das vezes, não
com soro fisiológico, para evitar um grande aqueci são toleradas pelo paciente.
mento e diminuir necrose óssea.
Nunca é demais salientarmos que, apesar de pos
Todos os passos do processo cirúrgico deverão ser suirmos as mesmas estruturas, nossa anatomia é indi
bem trabalhados, para que possamos obter três requi vidual e, portanto, devemos usar o recurso da imageo-
sitos essenciais para a osseointegração: logia para um melhor planejamento cirúrgico. Esta é
a. Estabilidade do leito cirúrgico com uma perfeita fundamental para a observação da área receptora do
incisão, divulsão cuidadosa e sutura estável livre de implante. Utilizamos radiografias intra e extrabucais,
tensão. tais como imagens periapicais, que dão boa definição
b. Viabilidade óssea mediante uma boa irrigação, fre local, e radiografias panorâmicas, que proporcionam
sas com bom corte e corte escalonado. boa imagem geral mas falta definição. Em ambas tere
c. Estabilidade inicial do implante com ausência de mos problemas de magnificação.
micromovimentos. Atualmente, o exame que apresenta a melhor defi
nição é a tomografia computadorizada (TC), com mag
nificação real e formando imagem em três dimensões, c
com isso dando a verdadeira imagem da área onde ire
PLANEJAMENTO
mos trabalhar. Assim, podemos definir qual o melhor
Vários são os fatores que devem ser avaliados para garan implante a ser colocado e ainda suas dimensões, tanto
tir um bom resultado. Entre eles salientamos uma boa em comprimento como largura. Destarte poderemos
anamnese para avaliar as condições gerais do paciente, colocar o implante em uma posição que facilitará a rea
bem como o motivo da perda dental. Esta perda pode bilitação protética e uma boa função biomecânica.
Implantes na Reabilitação Bucomaxilofacial 329

O sucesso será dado pela junção prótese-implan- uma prótese semelhante a uma prótese total (dentadu
te em função. Esta não deverá apresentar mobilidade, ra), que é fixada sobre uma barra, cuja vantagem está
dor, e secreção, com uma reabsorção óssea de até lmm na fixação, não havendo movimentos e dando maior
no primeiro ano e, a partir daí, não mais que 0,1mm firmeza para a mastigação (Figs. 24-2 a 24-6).
ao ano.

Os estudos dos modelos da maxila e mandíbu


la em gesso também são fundamentais, pois nos dão EXTRABUCAIS
uma correta relação dos dentes do paciente fora da
Podemos contar também com os implantes osseointe
boca, sendo necessária a montagem dos mesmos em
grados para suporte na reabilitação protética dos teci
articuladores, para promover enceramento diagnós
dos faciais que sofreram desfigurações. Estas desfigu
tico, ou seja, a reconstrução dos dentes em cera para
rações podem ter como etiologias as seguintes causas:
análise das arcadas dentárias. Em determinados ca
sos podemos fazer recortes nestes modelos e verifi • Malformações — congênitas.
car como ficará o tratamento final, bem como a con • Mutilações —patológicas por infecções, necroses ou
fecção de uma guia cirúrgica para colocação do im neoplasias; traumáticas acidentais ou intencionais.
plante em uma posição que facilite a reabilitação e • Distúrbios de desenvolvimento — através do hiper
estética do paciente. ou hipodesenvolvimento.
Apesar das grandes evoluções que a cirurgia plás
PRÓTESE DENTAL tica atingiu, o uso de próteses é a única solução nas
reabilitações de extremidades perdidas na face, ou em
Em relação às próteses sobre dentes, estas são relativa uma fase transitória até a reabilitação final.
mente mais fáceis, pois não há necessidade de preparo Visamos, com a prótese bucomaxilofacial, restau
dental, e necessitamos somente transferir o implante rar as funções do paciente, bem como a aparência, pro
na posição correta para o protético confeccionar o ele teger os tecidos remanescentes e também dar apoio ao
mento que irá substituir o dente. tratamento psicológico para que ele se afirme nova
Elas podem ser divididas em fixas e removíveis. mente na sociedade, elevando sua auto-estima.
Fixas quando não há necessidade de remoção para hi Nesse campo, a prótese bucomaxilofacial tem
gienização, podendo ser confeccionadas em resinas, muito a evoluir. Esta evolução está ancorada nas des
cerâmicas, ou metaloccrâmicas. Removíveis em caso cobertas de novos materiais estéticos bem como nos
de desdentados totais. Nesta situação é confeccionada meios de retenção que poderão advir com os estudos.

Fig. 24-2A, B, C, D.
Paciente apresentado
anquilose dental, que
após tentativa de tração
ortodôntico, necessitou
de exodontia do
elemento e reabilitação
com implantes
osseointegrados. (Caso
realizado em parceria
com Dr. Henrique
Lefevre Neto.)
330 Cirurgia Craniomaxilofacia

Fig. 24-3A, B, C, D.
Conformando a geng/va
para melhorar a estética
do paciente, formando um
sulco perimplantar sadio.
(Caso realizado em
parceria com o Dr.
Henrique Lefevre Neto.)

Fig. 24-4A, B, C, D, E e F.
Prótese mista, com fixa
posterior e removível
anterior, fixada por
grampos de ouro. (Caso
realizado em parceria
com o Dr. Henrique
Lefevre Neto.)
Implantes na Reabilitação Bucomaxilofacial 331

jfé^^^ím^^r%^
^£rr^$^ ^^Sv J^B
M**^
T

I |B
^r^"''

Fig. 24-5A, B, C, D, E,
F, G, H. Prótese total
apoiada sobre
implantes (overdeníure).
Mostra a confecção de
barra e retenção com
grampos. (Caso
realizado em parceria
com o Dr. Henrique
Lefevre Neto.)

Fig. 24-6A, B. Prótese


unitária mostrando um
bom resultado estético.
(Caso realizado em
parceria com o Dr.
Henrique Lefevre Neto.)
332 Cirurgia Craniomaxilofacial

As evoluções dos materiais estéticos devem ser rá de um artifício que geralmente é usado em armação
norteadas para que os mesmos assemelhem-se aos teci de óculos, ou por meio de uma mola pericraniana.
dos moles, bem como para que haja aumento de sua Na década de 1930 noticiou-se o uso de implantes
durabilidade e resistência aos fluidos orgânicos. para retenção auricular. Foi utilizada uma armação me
As dificuldades as quais nos deparamos estão liga tálica, que se designava na época de implante subperios-
das ao planejamento, escolhas de material ou no mé tal, também conhecido como justa-ósseo, confecciona
todo de retenção de prótese. do com cromo cobalto e colocado sob a pele para reter
Muitos materiais foram usados nas confecções de uma prótese. Essa técnica consistia na abertura do teci
próteses faciais, tais como o jade para o olho na antiga do mole e moldagem do tecido ósseo, após isto era
China, bem como ainda o uso de porcelanas, madeiras confeccionada uma armação metálica em laboratório
e resinas. Os hindus reabilitavam o apêndice nasal com que possuía dois pilares que reteriam a prótese. Essa era
marfim, couro e cerâmicas, bem como utilizavam a recolocada intratecidualmente no mesmo dia, necessi
rotação de retalho para refazer o nariz em caso de tando de uma reabertura do leito cirúrgico e sutura,
amputação. deixando os munhões de fixação expostos.
Ambrosio Pare, na França medieval utilizou o Atualmente, temos muitos casos resolvidos por
vidro como material de eleição para confecções de meio de implantes osseointegrados, que retêm uma
próteses oculares Neste mesmo período, o ouro e a orelha artificial.
prata também tinham destaques na reabilitação, tan As pequenas perdas de estrutura são sempre relati
to que a figura de Alphonse Louis ficou conhecida vamente bem resolvidas — sejam orelhas, olhos, nari
pelo uso de uma máscara de prata pintada com tinta zes, ou fendas palatinas. As maiores dificuldades estão
óleo. Um outro artifício era a utilização de desenhos nas grandes perdas teciduais, principalmente no terço
fixados em tapa-olho ou em armações oculares. A médio da face, onde as fixações das próteses compli
utilização da vulcanite a partir do início do século cam-se pela falta de estrutura de suporte.
passado trouxe grandes avanços, principalmente na As retenções nas próteses faciais se dão por cola
confecção de próteses totais (dentaduras). gem, retenções anatômicas, uso de elásticos ou amarrias,
Hoje, com o desenvolvimento dos silicones, mui retenção magnética, armações oculares e, atualmente,
tos dos problemas com a estética foram resolvidos, grampos que se prendem a armações metálicas fixadas
podendo ainda ser associados às resinas acrílicas e as em implantes, ou, ainda, em uma fixação semelhante a
poliuretanas. Mas é possível que muito tem de ser fei colchetes, que se localiza na superfície dos implantes;
to para fazer com que os materiais assemelhem-se aos estes são chamados de o-ring ou encaixe-bola.
tecidos moles. A grande vantagem no uso dos implantes da face
A evolução nos materiais de moldagem foi um é que estes não sofrem forças, visto que a prótese é
grande avanço para que se promovesse uma melhor passiva, não tendo atuação de qualquer carga. Claro
cópia da área alterada do paciente, de modo a facilitar está que não serão necessários implantes compridos,
a confecção laboratorial, pois passamos a ter um mo sendo usados os de mercados que possuem um tama
delo mais fidedigno da realidade do doente. nho mínimo de 7mm. Somente em casos de fixação
Este é um aspecto importante onde podemos ve em arco zigomático para retenção de próteses intrabu-
rificar como exemplo a moldagem da cavidade ocular, cais usaremos implantes de até 50mm.
porquanto existindo uma grande quantidade de técni Tal vantagem facilita a colocação e na escolha de
cas para uma melhor reprodução de receptáculo, tudo locais para pilares de apoio, sendo que esta escolha
para a confecção de uma prótese o mais retentiva pos estará relacionada com a espessura óssea e com o tama
sível no interior da cavidade, usando o remanescente nho da prótese para reabilitação.
anatômico. Para iniciarmos a reabilitação, devemos fazer um
Essas técnicas, tais como a de injeção de alginato, bom planejamento, visto que a técnica cirúrgica não
moldeira de estoque ou moldeira individual, irão encon difere em relação à intrabucal, com a seqüência de fre
trar a melhor reprodução do doente para reabilitá-lo. sas e a colocação dos implantes procurando uma esta
As ausências auriculares sempre foram disfarçadas bilidade inicial, lembrando da irrigação abundante
pelos cabelos, mas casos em que houvesse alopecia, por durante todo o processo.
exemplo, ou em grandes queimaduras, acabavam difi Este estará observando a causa da ausência tecidual:
cultando o disfarce. Verificamos que nas confecções se por neoplasia, acidentes, infecções, agenesias ou até
de próteses auriculares, a parte de moldagem fica facili iatrogenias. Se por neoplasia, devemos avaliar o grau
tada pela exposição da área, porém a retenção necessita de malignidade, necessidade de químio ou radiotera-
Implantes na Reabilitação Bucomaxilofacial 333

pia, as alterações teciduais advindas destas, utilização Para a reabilitação oculopalpebral, geralmente fa
de enxertos teciduais para reparo e remanescentes ós zemos a implantação no osso frontal, e por sistema de
seos locais pós-cirúrgicos. oring ou barra fixamos os olhos artificiais.
Alguns autores indicam o uso de implantes em paci As grandes deformidades faciais serão os maiores
entes irradiados com cuidados para o contato da prótese desafios, pois muitas vezes necessitam de reabilitação
com os tecidos moles para não ocorrer ulcerações. intra e extrabucal, o que demandará um planejamento
Geralmente as deformidades causadas por neopla- mais seguro, pois a higienização e os apoios para os
sias e acidentes são as que provocam danos mais exten implantes serão mais extensos.
sos, o que, com certeza, dificultará a reabilitação. As retenções em próteses extensas podem ser as
Assim como há planejamentos para a reabilitação sociadas. Podemos fazer o uso de implantes com bar
intrabucal, devemos lançar mão de todos os recursos ra, mais magnetos, e, nas bordas, utilizamos colas bio
para projetar a melhor prótese e sua forma de reten lógicas, ou a utilização de armações oculares para su
ção para a reabilitação facial. porte, mais próteses totais para fechar a abertura pala
Para isso, usaremos o exame clínico do paciente, tina e auxiliada pela fixação com magnetos.
estudos dos modelos de gesso, exames radiográficos e A principal desvantagem para o paciente é o cus
tomográficos, tendo-se assim a noção exata dos danos to que tudo isso acarretará.
causados pela lesão e se há hiperplasias que possam Temos a desvantagens de gastos com cirurgia, im
acobertar o local a ser restaurado, levando a erros no plantes, transferentes protéticos, materiais de molda
planejamento. Os exames radiográficos e tomográfi gem, protético, material para confecções das barras,
cos nos darão a espessura óssea, de modo a não trau custo com outros componentes que poderão ser usa
matizarmos áreas nobres no ato cirúrgico. dos, tais como magnético (que dependerá do fabri
Fazemos a colocação dos implantes no osso tem cante, visto que não é um sistema muito difundido),
poral, quando das reabilitações auriculares. Colocamos orings etc.
em média três implantes, e quando da exteriorização Temos ainda o caso de alguns pacientes radiados
da abertura deste confeccionamos uma barra ligando que poderão produzir ulcerações pelo contato da pró
todos os implantes, de modo que sirvam para fixar a tese e maceração dos tecidos pelo pouco espaço de ven
prótese. tilação, e ainda a alta falência dos implantes em casos de
E lógico que todo o sucesso estará ligado aos pacientes que não mantêm boa higienização local.
materiais escolhidos, bem como à estabilidade dos te A utilização de cola nas bordas das próteses faciais
cidos; porém, a higienização bem-feita pelo paciente é extensas ainda é necessária para impedir o descolamen
de extrema necessidade. to da face, e dobras da máscara de silicone.

Fig. 24-7A, B.
Prótese ocular com
retenção anatômica.
Cortesia do Prof.
Mario Germano
Gennari.
334 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 24-8. Prótese de


orelha com fixação
em implantes.
Cortesia da disciplina
de prótese
bucomaxilofacial da
FOUSP-SP.

Atualmente, temos implantes osseointegrados REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


nas reabilitações de outras partes do organismo, como
colocação de pernas ou braços, nos problemas arti 1. Aldecoa EA. Um novo enfoque na cirurgia e prótese sobre
implantes. Cibensa, 1996.
culares de doentes reumáticos, e em muitos outros
2. Arcuri MR, LaValle WE, Fyler A, Funk G. Effects of implant
casos.
anchorage on midface protheses. / Prostht Dent 1997; 78(5):
Quando falamos de prótese bucomaxilofacial, es 496-500.
tamos nos relacionando com o emocional do pacien 3. Azambuja TWF, Padilha DMP, Bercini F et ai. Possibilidade de
tes, e não somente com um material inerte, sem vida, reconstrução protética: relato de um caso. Rev Pac Odontol
Porto Alegre, 1994;J50:18-9.
que tanto faz como seja elaborado, uma vez que o pa
ciente terá uma vida social, com relações profissionais, 4. Bibb 11, Freeman P, Brown R et ai. An investigation of threc-
dimcnsional scanning of human body sufaces and its use
familiares, sexuais, conjugais etc. desingn and manufecture of prostheses. Proc Inst Mcch Eng
Assim, o melhor que podemos fazer para o nosso 20Q0;214(6):589-94.
doente muitas vezes é pouco. 5. Branemark PI, Zarb G, Albrcktsson T. Tissueintegratedpróteses:
Portanto, a utilização dos implantes osseointegra Osseintcgration in clinicai dentistry. Chicago: Quintessence,
1985.
dos na área médico-odontológica é uma realidade que
6. Branemark PI, Rydcvik BL, Skalak R. Osscointegration in
deve ser vista por todos os profissionais que visam a
skeletal reconstruction and Joint Replacementc; Califórnia:
uma melhor reabilitação do seu paciente, tratando-se Quintessence, 1994.
de um assessório fundamental nas retenções tanto de 7. Buscr D, Dahlin C, Schcnk RK. Regeneração óssea guiada na
próteses dentais, faciais, como na ancoragem das mo implantodontia. Santos, 1996.
vimentações ortodônticas (Figs. 24-7 e 24-8). 8. Ceschin JR. O implante na reabilitação bucal. Panamed, 1984.
Implantes na Reabilitação Bucomaxilofacial 335

9. Cordioli GP, Brugnolo E, Mazzocco C et ai. Oseointegración 27. Peleg M,Chaushu G, MazorZ etai. Radiological findings ofthe
en Iapráctica clinicar, 2nd; Impl Innov; 1995. post-sinus lift maxillary sinus: a computerized tomography
10. DragoCJ.Implant restorations: a step-by-stepguide fordcntists. follow-up. / Periodontol. 1999; 70(12}. 1564-73.
Impl Innov; 1997. 28. Raghoebar GM, van Oort RP, RoodenburgJL et ai. Fixation of
11. Funk GF,Arcuri MR, FrodelJL. Functional dental rchabilitation auricular prostheses by osseointgrated implants./ Invest Surg,
af massive palatomaxillary defects: cases requiring free tissue 1994; 7(^283-90.
transfer and osseointegrated implants. Head Neck, 1998; 29. Renouard F, Rangert B. Fatores de risco em Implantodontia.
20(1):38-S\. Quintessence; 2001.
12. Habal MB,Davilla E. Facial rehabilitationby the applicationof 30. Resende JRV. Fundamentos da prótese bucomaxilofacial. São
osseointegrated craniofacial implants. / Caniof Surg 1998; Paulo: Sarvier, 1997.
^388-93.
31. Robb GL, Marunick MT, Martin JW, Zlotolow IM. Midface
13. Higuchi KW. Orthodontic applications of osseointegrated reconstructions versus prosthesis. Head Neck, 2001; 23(l}A8-58.
implants. Quintessence, 2000.
32. Rode R, Rode SM. Prótese ocular em concha individualizada.
14. IsmailJY, ZakiHS.Osseointegration in maxillofacial prosthetics.
Rev Assoc Paul Cir Dent 1980;34(33}.204-10.
Dent Clin North Am 1990;34(2):327-41.
15. Kasemo B, Lausmaa J. Surface science aspccts of inorganic 33. Rossi R. Bases biológicas da implantodontia. Pancast, 1990.
biomaterials. CRC CritRev Biocompatibility, 1986;2(^335-80. 34. Rossi R, Garg AK. Implantodontia bases clínicas e cirúrgicas.
16. Kosmidou L, Toljanic JÁ, Moran WJ, Panje WR. The use of Robe, 1996.
percutaneousimplants for the prosthetic rehabilitation of orbital 35. Rothman SLG. Dental applicationsofcomputerized tomogra
defects in irradiated câncerpatients: a reportof clinicai outcomes phy. Quintessence, 1998.
and complications. Int J Oral Maxillofac Implants, 1998; 36. Sabin P, Labbe D, Compere JF. Maxillofacial prostheses on
13(\):l2l-6. endosseous implants. Various modes of fixation. Rev Estornai
17. Kovacs AF.A follow-up of orbital prostheses supported by den Chir Maxillofac l993;94(2}.82-6.
tal implants. / Oral MaxillofacSurg2000;58(l):l9-23.
37. Schroeder A, Sutter F, Krekeler G. Implantologia dental. Pan-
18. Kovacs AF.Clinicai analysis of implants Iosses in oral tumor and Americana, 1994.
defect patients. Clin Oral Implants Res 2000; 11(6)572-82.
38. Spiekermann H, Konath K, HassellT et ai. Coloratlasofdental
19. Lindhe K, Lang NP. Tratado de periodontia clínica e implanto- medicine: Implantology. Thieme, 1995.
logia oral;3 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.
39. Stellingsma C, Meijer HJ, Raghoebar GM. Use of short
20. Maia FAS, Dias RB, RezendeJRV. Estudo comparativo de téc
endosseous implants and an overdenture in the extremely
nicas de moldagem da cavidade anoftálmica visando a confec
resorbed mandible: a five-year retrospective study. / Oral
ção da prótese ocular. RevOdontol UnivSão Paulo, 1997; 17:85-
Maxillofac Surg, 2000;58(4):382-7.
90.
40. Szmukler-Moncler S, Piattelli A, Favero GA, Dubruille JH.
21. McComb H. Osseointegrated titanium implants for the attach-
Considerations preliminary to the application of early and
ment of facial prostheses. Ann Plast Surg, \993;31(3}.225-32.
immediate load protocols in dental implants. Clin OralImplants
22. Naert I, van Steenberghe D, Worthington P. 1 ed; Quintessence Res. 2000; 11(1):12-25.
1998.
41. van Doorne JM. Extra-oral prosthetics: past ande present. J
23. Nevins M, Mellonig JT. Implant therapy. Quintessence, 1998. Invest Surg, \994;7(4}.267-7A.
24. Nishimura RD, Roumanas E, Chang TL, Bcumcr J. 3 ed. 42. van Oort RP, Reintsema H, van Dijk G et ai. Indications for
Craniofacial prostheses retained with osseointgrated implants. extra-oral implantology. / Invest Surg, 1994;7(4):275-81.
Pract Periodontcs Aesthet Dent 1999; ll(6}l\\-2, 714-5. 43. Verhoevem JW, Cune MS, de Putter C. Reliability of some
25. Nishimura RD, Roumanas E, Moy PK ei ai. Osseointgrated clinicai parameters of evaluation in implant dentistry. / Oral
implants and orbital defects: U.C.L.A. experience. J Prosthet Rehabil, 2000;27(3):2ll-6.
Dent 1998;79(3):30A-9. 44. Weischer T, Mohr C. Ten-year experience in oral implants
26. Parr GR, Goldman BM, Rahn AO. Maxillofacial prosthetic rehabilitation of câncer patients: treatment concept and
principies in the surgical planning for facial defects. J Prosthet proposet criteria for success. IntJ Oral Maxillofac Implants,
Dent \98\;46(3):323-9. l999;14(4):52\-8.
Parte 2 - Traumatologia

Fisiopatologia das
Fraturas Faciais

Júlio Wilson Fernandes

INTRODUÇÃO estará relacionada à velocidade da face em relação ao


objeto contundente, a velocidade deste objeto em
O estudo das alterações funcionais causadas pelas fra relação à face e a área de impacto pela qual a força
turas da face, aliado ao conhecimento tridimensional mecânica foi transmitida à face. Portanto, quanto
da anatomia craniofacial, é a base para o diagnóstico maior a velocidade, e quanto menor a área de conta
preciso e tratamento adequado dessas deformidades. to, maior será a força aplicada sobre a face. Na maior
O exaustivo entendimento de todas as suas implica parte dos acidentes teremos a inércia, ou seja, "a ten
ções assegura ao cirurgião plástico o domínio semio- dência que um corpo em movimento tem de conti
lógico necessário para a interpretação diagnostica da nuar sua trajetória após uma brusca interrupção do
propedêutica clinica e radiológica, levando a um pla seu movimento", aliada à superfície pequena de um
nejamento cirúrgico adequado. volante ou espelho retrovisor como os protagonistas
Apresentaremos seus principais aspectos, destacan da referida equação. Poderíamos ainda comparar a
do as aplicações clinicas relevantes ao exercício da trau
diferença entre um traumatismo recebido sob a for
matologia craniomaxilofacial.
ma de um tapa com a mão aberta e o impacto várias
vezes maior de um soco desferido com a pequena
superfície das articulações metacarpofalangianas co
AGENTES CAUSADORES DAS mum nas artes marciais. Da mesma forma, nos feri
FRATURAS mentos por armas de fogo de baixa velocidade, as
fraturas ocorrem de forma relativamente isolada, en
A história clinica de cada vítima de traumatismos da
quanto nos projéteis de alta velocidade, além das fra
face é muito relevante na condução do raciocínio clíni
co de cada caso. Nas impactações da face, pode o enten
turas, é esperada extensa destruição das partes moles
adjacentes.
dimento das forças que levaram as fraturas ajudar consi
deravelmente na oposição de uma força semelhante em Recentemente, a força necessária para fraturar di
sentido contrário para sua desimpactação. ferentes ossos da face foi dividida em36:
Outro fator relevante é a avaliação da intensida a. Fraturas que requerem grande impacto, ou seja, uma
de da força mecânica recebida sobre a face. Esta força força maior que 50 vezes a força da gravidade (G):
336
Fisiopatologia das Fraturas Faciais 337

Rebordo supra-orbitário 200xG


Sínfise mandibular lOOxG
Região frontoglabelar lOOxG
Angulo da mandíbula 70xG
b. Fraturas que requerem baixo impacto, ou seja, uma
força menor que 50 vezes a força da gravidade (G):
Osso zigomático 50xG
Osso nasal 30xG

Estas considerações de ordem física são coerentes


com os estudos de ordem estatística, onde encontra
mos uma incidência usualmente maior das fraturas
nasais entre todas as fraturas atendidas nos centros de
traumatologia.
"A correta avaliação da cada caso clínico deve orien
tar a investigação radiológica no sentido de serem diag
nosticadas situações graves subjacentes a traumatismos
Fig. 25-1. Os seios frontal e esfenoidal e suas relações com os
aparentemente pequenos e sem grande significância na ossos do crânio e da face.
radiologia convencional." Fernandes JW. Reconstrução
Estética e Funcional nas Fraturas Complexas da Órbita.
Biblioteca da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
monografia, 1991.

A FACE: DEFESAS E FRAQUEZAS


A face humana, tal como a conhecemos, é o produto
de uma evolução animal, provavelmente relacionada
primitivamente ao aparelho branquial dos peixes e lar
vas de anfíbios-0. Este desenvolvimento levou à for
mação de proeminências ósseas com diferentes capaci
dades de resistência aos traumatismos. Esta resistência
ou fragilidade está relacionada não apenas à forma
embriologicamente determinada, mas também à dinâ
mica da ossificação progressiva do condrocrânio e à
existência dos seios da face: os seios frontais e esfenoi-
dais não estão presentes ao nascimento, enquanto os ;IÉ/í/\. r> í
Fig. 25-2. Os seios frontal e esfenoidal e suas relações com as
seios maxilares apresentarão de 3 a 4 milímetros nessa partes moles da cabeça.
época, crescendo progressivamente até o surgimento
da dentição permanente. Os seios etmoidais crescerão
também de forma lenta até os 8 anos de idade20. Essas Em 1947, Shapiro27 destacou as áreas estrutural
estruturas, além das órbitas, cavidades nasais e boca, mente densas e mais resistentes onde as fraturas de
formarão com os ossos maciços um segmento que maxila seriam menos prováveis.
absorverá de diferentes maneiras os impactos recebi O grande amadurecimento no conhecimento das
dos (Figs. 25-1 a 25-4). áreas de resistência e fraqueza de face veio com os tra
Em 1901, René Le Fort14 realizou um estudo ex balhos de Sturla2s-"\ A existência de um anel pneumá-
perimental submetendo a face de cadáveres a trauma tico orbitário formado pelos seios frontal, etmoidal,
tismos padronizados, revelando as áreas de fraqueza maxilar e esfenoidal trouxe nova explicação para as
da maxila, por onde a força mecânica aplicada seria fraturas orbitárias relativamente pequenas, que cursam
dissipada. Esta classificação didática das fraturas de com graves seqüelas, como a amaurose. Além do as
maxila encontraria mais tarde um panorama comple pecto fisiopatológico, a concepção desse anel é de gran
tamente diverso frente aos modernos agentes causais de utilidade no planejamento e na execução das cirur
das fraturas faciais (Figs. 25-5 e 25-6). gias reconstrutivas da órbita28. Em 1980, Sturla ef ai.
338 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 25-5. As fraturas clássicas de Le Fort (vista anterior): I (em


Fig. 25-3. Os seios maxilares em um corte coronal de tomografia vermelho), II (em azul), III (em verde).
axial computadorizada. Nota-se fratura no assoalho da órbita es
querda.
."•"• r,""."-7 ",';_• "-,

Fig. 25-6. As fraturas clássicas de Le Fort (perfil): I (em vermelho),


Fig. 25-4. Os seios etmoidais em um corte coronal de tomografia II (em azul), III (em verde).
axial computadorizada. Notam-se fraturas na órbita esquerda com
afundamento e preenchimento do seio etmoidal esquerdo.

AS FRATURAS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS


realizaram um estudo experimental que estabeleceu a As fraturas da face podem levarem grau variável à ocor
existência de pilares faciais centrais e laterais na maxi rência de equimoses, edemas transitórios ou não, he
la, como colunas sustentadoras de todo o esqueleto matomas, afundamentos, assimetrias, hipoestesias ou
facial, estudo também útil às reconstruções comple anestesias, dores, impotência funcional, sangramento
xas da face29. profuso, abrasões e lacerações de partes moles e lesões
Na complexidade dos traumatismos faciais da em estruturas nobres adjacentes, com ou sem risco
nossa era, as fraturas extensas da maxila c frontonaso- imediato de vida35. De particular interesse para a pro
etmoidais passaram a ser creditadas não apenas como pedêutica, o primeiro atendimento e o tratamento ci
extensões das fraturas cranianas propriamente ditas, rúrgico são as considerações fisiopatológicas específi
mas como veículos da condução da força mecânica, cas para cada osso facial fraturado ou região envolvida.
levando ao traumatismo cranioencefálico e óbito nos No entanto, na clínica, a fisiopatologia freqüentemen
casos mais severos, como foi observado por Cruz, em te extrapola o limite anatômico e didático de cada osso,
19878, pela diversidade das fraturas encontradas.
Fisiopatologia das Fraturas Faciais 339

Fraturas da Órbita possibilidade de uma amaurose após um trauma "faci


A órbita é formada por estruturas ósseas resistentes, como
al" desproporcionalmente pequeno28. Embora essa eti-
ologia sugerida por Berlin2 seja a mais freqüentemente
os processos frontais da maxila e zigomático, o arco
atribuída, outras fraturas orbitais podem elevar a pres
supra-orbitário do osso frontal, o processo zigomático
são intra-ocular por compressão associada ou não a
do frontal e o rebordo orbitário inferior (maxila e zigo-
hematoma retrobulbar ou enfisema orbital, lesando
ma). No entanto, pontos frágeis mais susceptíveis a fra
secundariamente o nervo óptico.
turas são encontrados em suas paredes. A delgada lâmi
Edmund e Godtfredsen9 estudaram 16 casos de
na orbital da maxila e a face orbital do osso zigomáti
perda total da visão e seis casos de perda parcial, após
co33 enfraquecida pelo canal ou sulco infra-orbitário são
traumatismo craniano, atendidos no Rigshopitalet
pontos frágeis do soalho orbitário. Essas estruturas se
(Hospital Central da Universidade de Copenhague -
estendem medialmente à lâmina papirácea do etmóide,
Dinamarca). Entre estes casos, apenas cinco apresenta
constituindo o ponto frágil da parede mediai. Embora
vam uma linha de fratura através do forame óptico.
o teto orbitário possa variar consideravelmente cm es
Edmund'' enfatiza que a bainha do nervo óptico, inti
pessura, sua porção mediai pode também ser muito frá
mamente aderida à dura-máter, não encontra na por
gil. A parede lateral da órbita, relativamente mais resis
ção superior do canal óptico espaço subaracnoideano.
tente na sua porção anterior, pode apresentar, também,
Esta imobilidade do nervo óptico no ápice orbitário
fraturas importantes1-" (Fig. 25-7).
seria a razão de sua vulnerabilidade a lesões vasculares
indiretamente causadas por traumatismos cranianos,
AMAUROSE E HIPOACUIDADE VISUAL mesmo sem fraturas orbitárias9. A partir das fraturas
através do forame óptico, aumento da pressão intra-
A perda da visão pode ocorrer em pacientes que sofre orbitária (por fraturas, hematoma ou enfisema) ou trau
ram traumatismo craniomaxilofacial, sem que tenha matismo craniano, algumas teorias procuram explicar
havido qualquer comprometimento direto do globo o que acontece propriamente na intimidade do nervo
ocular e sua retina. A atrofia do nervo óptico por óptico. Além da secção, estiramento13 e compressão
mecanismo indireto foi relatada em 0,7%'' a 1,5%31 em direta com provável edema, uma hemorragia dentro
diferentes séries de traumatismos cranianos estudados. da bainha do nervo foi apontada por Pringle21' como a
Esta atrofia pode ser provocada por fraturas da órbita causa de sua atrofia. Edmund9 enfatiza que esse meca
ou pelo traumatismo isolado, que mesmo sem as fra nismo não explica satisfatoriamente a falta de evidên
turas também é capaz de lesar o nervo óptico. A inti cias oftalmoscópicas e a seletividade do campo visual
midade existente entre a órbita e o nervo óptico é a afetado pela lesão. Potier e Defoort21 atribuíram a atro
responsável pela perda da visão nas fraturas do ápice fia óptica em um caso relatado de reconstrução orbi
orbitário, pois o nervo óptico está muito próximo da tária à neuropatia isquêmica do nervo óptico por es
parede da cavidade de Onodi, uma célula etmoesfeno- pasmo da vasa nervorum. Na dramática síndrome do
frontal do mencionado anel pneumático periorbitá- ápice orbitário, o paciente apresenta cegueira, oftal-
rio28. Quanto maior a cavidade de Onodi, maior a moplegia, midríase, ptose palpebral e perda de sensibi
lidade no território do trigêmeo. Na radiologia con
vencional, a interrupção da linha inominada é de va
lor no diagnóstico presuntivo dessa síndrome'. O ci
rurgião deve ter em mente a possibilidade de amauro
se ocorrer em pacientes mesmo com traumatismo "fa
cial" desproporcionalmente pequeno e que a monito-
rização do status visual do paciente com traumatismo
craniomaxilofacial é de extrema importância, como
também o é a prevenção do enfisema orbitário. Esta
complicação ameaça potencialmente o nervo óptico"
e pode ser evitada se o paciente tomar alguns cuida
dos simples, como evitar assoar o nariz na vigência de
uma fratura da órbita. O prognóstico da amaurose é
reservado, e a conduta perante ela deve ser individuali
Fig. 25-7. Os diferentes ossos que formam a órbita e revestem o
zada para cada caso, podendo variar desde a cantotomia
anel pneumático. lateral (e uso de corticóides e manitol) até a descom-
340 Cirurgia Craniomaxilofacial

pressão direta ou indireta do nervo óptico. No que se Este é um fato interessante, pois mesmo com a ruptu
refere à responsabilidade civil do médico, é importante ra da periórbita, a herniação reduzida sempre é visivel
lembrar que a perda definitiva da visão pode ocorrer mente constituída de gordura retrorbitária. Assim,
nas fraturas orbitárias antes mesmo de terem sido sub como mencionado por Tessier30, o que realmente está
metidas a qualquer cirurgia. As pesquisas dos reflexos encarcerando na diplopia deve ser a gordura retrorbi
fotomotor e consensual, além da fundoscopia, são muito tária ao longo das bainhas dos músculos extrínsecos
importantes nesses pacientes (Figs. 25-8 e 25-9). do olho, e não propriamente esses músculos. Uma se
gunda causa de diplopia são as lesões na inervação da
musculatura extrínseca do olho. O terceiro par crania
DIPLOPIA
no (nervo oculomotor) é exclusivamente motor, iner-
A diplopia persistente deve ser diferenciada da causa vando os músculos reto superior, mediai e inferior,
da pelo edema local que é de involução espontânea. oblíquo inferior e elevador da pálpebra superior. O
No entanto, a ausência de diplopia não significa ne quarto par (nervo troclear) inerva o músculo oblíquo
cessariamente integridade das paredes orbitárias. Cin superior e o sexto par (nervo abducente), o músculo
co causas básicas podem ser implicadas na fisiopatolo reto lateral24. Lesões nessa inervação são possíveis de
gia da diplopia traumática. A primeira delas, encarce- promover incoordenação dos movimentos oculares e
ramento da musculatura extrínseca do olho, é a mais dupla imagem cortical até a eventual instalação de su
freqüentemente atribuída6. No entanto, no processo pressão unilateral compensatória. Um terceiro fator,
de descompressão orbitária usualmente não é possível na fisiopatologia das diplopias seriam as lesões diretas
individualizar a musculatura ao nível da periórbita. ou indiretas dos músculos extra-oculares por lacera-
ção ou avulsão. As últimas das causas possíveis de di
plopia seriam as hemorragias musculares e, finalmen
te, a alteração súbita do formato orbitário6. É impor
tante notar que trofias ou forias preexistentes podem
tornar-se aparentes após um trauma ou mesmo cirur
gia6. Um diagnóstico inadequadamente tardio pode
agravar a recuperação da motricidade ocular ideal pela
fibrose local, contribuindo para uma diplopia definiti
va, mesmo após uma cirurgia anatomicamente bem-su-
cedida6. No entanto, o autor teve a oportunidade de
tratar cirurgicamente um caso de seqüela de fratura or
bitária com diplopia que, operado 19 meses após o trau
matismo, apresentou notória recuperação da visão nor
mal. Estrabismo poderá ocorrer em qualquer limitação
Fig. 25-8. O nervo óptico direito visto pela ressonância magnética.
na mobilidade da musculatura extrínseca do olho. Na
paralisia do nervo troclear, o abaixamento em adução
do globo ocular estará comprometido, enquanto na
paralisia do nervo abducente o estrabismo convergente
será relevante. Oftalmoplegia ocorrerá com a paralisia
de dois ou mais músculos extrínsecos, associada ou não
às síndromes orbitárias35 (Figs. 25-10 a 25-12).

ENOFTALMIA E EXOFTALMIA

A enoftalmia tem sido relacionada à exploração e à


enxertia inadequadas da parede mediai de órbita por
alguns autores10-22 e considerada por outros como con
seqüência tardia de um traumatismo grave, embora
Fig. 25-9. Seqüela de ferimento por arma de fogo: avulsão do adequadamente tratado6-21. A concepção da enoftal
globo ocular esquerdo (já com prótese ao exame pela TAC) e amau mia como resultado da desproporção súbita da rela
rose à direita pela fratura do ápice orbitário.
ção conteúdo-continente orbitário"13-21 vem sendo
Fisiopatologia das Fraturas Faciais 341

Koorneef12 conferiu maior importância ao sistema de


ligamentos intra-orbitários. Manson ef ai}1, em 1987,
demonstraram que o aumento da cavidade orbitária
desempenha papel importante na fisiopatologia do
enoftalmo quando é acompanhado por rotura dos
ligamentos orbitais e não apenas do ligamento de
Lockwood">, já valorizado por Mustardé23 em 1968.
Manson17 redefiniu o papel da gordura retrorbitária
na fisiopatologia da enoftalmia: a atrofia ou perda de
gordura intraconal é a principal responsável pela de
Fig. 25-10. Fratura da órbita direita, apresentando oftalmoplegia formidade, enquanto a gordura extraconal pouco pa
e diplopia - pré-operatório com a paciente olhando à direita. rece contribuir para a enoftalmia18. Radiologicamen-
te, o volume de partes moles em uma órbita com enof
talmia não é geralmente inferior ao da órbita normal,
embora apresente maior densidade, sugerindo tecido
cicatricial31"1. Estas observações sugerem que a ruptu
ra dos ligamentos contribui para alterações na forma
e posição dos tecidos moles intra-orbitários com uma
participação variável do aumento volumétrico da ór
bita na fisiopatologia da enoftalmia. Embora as fra
turas do soalho orbitário sejam as mais conhecidas e
freqüentes, é preciso lembrar que as fraturas da pare
de mediai da órbita provocam uma enoftalmia mais
pronunciada que as do soalho32. Aparentemente, as
Fig. 25-11. A mesma paciente - aspecto pós-operatório com a fraturas anteriores ao eixo do globo ocular (uma li
paciente olhando à direita: recuperação da mobilidade ocular e
visão normal. nha imaginária da rima lateral da órbita ao ponto mais
anterior antes da lâmina papirácea do etmóide) não
produzem enoftalmia recente ou tardia ou encarcera-
mento do músculo reto inferior, mesmo com perda
de gordura orbitárials (Fig. 25-13).
Exoftalmia poderá ocorrer por aumento da pres
são intra-orbitária por hemorragia, enfisema retrobul-
bar ou compressão pelo deslocamento intra-orbitário
das paredes ósseas, com ou sem herniamento de massa
encefálica. A perda de tônus da musculatura extrínse
ca por fraturas ao longo da fissura orbitária superior
pode também provocar exoftalmia35.

Fig. 25-12. A íntima relação existente entre o cone muscular, a


gordura retrorbitária e as paredes da órbita é notória na etiologia
da diplopia e do enoftalmo traumático. Tomografia evidenciando
fratura de parede mediai da órbita esquerda com velamento et
moidal.

aprimorada, principalmente com as contribuições do


estudo volumétrico orbital através da tomografia com
putadorizada17. Pfeiffer, em 1957, acrescentou as pos
sibilidades de atrofia da gordura retrorbitária, contra
tura de tecidos moles e mecanismos neurogênicos17. Fig. 25-13. Enoftalmia severa por fratura complexa da órbita.
342 Cirurgia Craniomaxilofacial

SÍNDROMES ORBITÁRIAS E OUTRAS


DISFUNÇÕES LOCAIS
Outras disfunções oculares são óbvias quando relacio
namos as emergências dos pares cranianos na órbita
com os sintomas apresentados. Na síndrome da fissu
ra orbital superior7, o paciente apresenta oftalmople-
gia, pelo comprometimento dos nervos oculomotor,
troclear e abducente; ptose palpebral e midríase, pelo
comprometimento do nervo oculomotor, e anestesia
no território do nervo oftálmico (primeira raiz do tri
gêmeo), pelo comprometimento dos ramos nasocili
ar, frontal e lacrimal em suas respectivas áreas2"1. No
entanto, esta síndrome cursa com visão normal'. Fig. 25-15. Os nervos supratrocleares e supra-orbital podem es
tar comprimidos nas fraturas de órbita, provocando hipoestesias e
Hipoestesias e parestesias no território do nervo paraestesias.
maxilar ocorrem à custa do comprometimento deste
nervo na fissura orbital inferior e/ou canal infra-orbitá-
rio. Se os forames dos nervos supra-orbitário e supra
troclear estão envolvidos, a sensibilidade da região fron
tal é que estará comprometida pela compressão desses
dois ramos do nervo oftálmico (Figs. 25-14 a 25-16).
O comprometimento da olfação e liquorragia são
típicas das fraturas craniofaciais propriamente ditas31;
o comprometimento das vias lacrimais, principalmen
te nas fraturas nasoetmoidorbitárias, provoca epífora
e sua cronicidade contribui para uma dacrocistite.
Nas partes moles adjacentes, ectrópio moderado
ou severo pode ocorrer relacionado com a retroposi
ção da rima orbital inferior ou, mais freqüentemente,
com a retração cicatricial após um acesso infraciliar.
Telecantos traumático poderá estar presente pela alte Fig. 25-16. Reconstruçãodo assoalho orbitário fraturado com en
ração na posição do ligamento cantai médio. A con xerto de calota craniana colocado através de acesso infraciliar.

juntiva ocular, por sua vez, poderá também sofrergraus


de comprometimento funcional com equimoses, que-
moses e lacerações, nos casos mais graves associadas à perfuração do globo ocular. Enfisema subcutâneo nas
pálpebras superior e inferior também é uma possibili
dade pela passagem de ar através dos seios da face fra
turados35.

Fraturas do Nariz c do Septo Nasal


São as fraturas mais freqüentemente encontradas no dia-
a-dia do cirurgião plástico. As alterações no posiciona
mento dos ossos próprios nasais (e eventualmente do
processo nasal da maxila), lâmina perpendicular do et
móide, vômer, osso palatino, crista da maxila e septo car
tilaginoso levam a alterações funcionais, além de eviden
te dano estético de constantes repercussões psicológicas,
com freqüente estigma pela situação que as provocou:
• Perturbação do fluxo aéreo nasal: ocorre pelo desvio
Fig. 25-14. O nervo infra-orbitário poderá estar comprimido nas
do septo ósseo e/ou cartilaginoso, por alterações na
fraturas de órbita, provocando hipoestesias e parestesias. mucosa nasal traumatizada e, ainda, por ferimentos
Fisiopatologia das FraturasFaciais 343

que comprometam a válvula nasal em qualquer um • Fístula liquórica pela ruptura da dura-máter.
dos seus elementos (cartilagens alares e triangulares, • Meningite.
septo e musculatura)35. Os hematomas do septo de • Alterações na aeração do seio frontal e sua mucosa,
vem ser prontamente diagnosticados e drenados para levando à sinusite (Figs. 25-19 a 25-22).
evitar o colapso do suporte cartilaginoso local.
• Rmite e sinusite maxilar: secundárias às alterações
do fluxo de ar pelas fossas nasais, podem ainda es Fraturas Nasoctmoidorbitárias
tar associadas a outras fraturas da face e traumatis Ocorrem pela impactação da porção mediana do terço
mos, como também à manipulação cirúrgica das médio da face levando, às vezes, a uma intrusão do com
mucosas envolvidas35.
plexo nasoetmoidal em direção à fossa craniana anterior
• Epistaxe: está freqüentemente associada, podendo (fraturas frontonasoetmoidais). Além dos sinais relacio
requerer tamponamento posterior em alguns casos35 nados às fraturas da órbita e nariz, podem ocorrer6:
(Figs. 25-17 e 25-18).
• Nariz em sela.
• Fístula liquórica: pelo rompimento da dura-máter,
Fraturas do Frontal
podendo levar à meningite.
Embora com acentuada resistência ao trauma, o osso
frontal poderá sofrer fraturas fechadas ou expostas,
comprometendo, de acordo com sua extensão, apenas
o rebordo orbitário ou o teto e a parte superior das
paredes lateral e mediai da órbita. As conseqüências
poderão ter severa gravidade38:
• Ruptura da cavidade craniana anterior, por fraturas
na parede posterior do seio frontal, às vezes cursan
do com pneumoencéfalo.

Figs. 25-17 e 25-18. Pré e pós-operatório de fratura nasal evi Figs. 25-19 a 25-21. Pré, trans e pós-operatório de fratura de
denciando o desvio do septo associado. frontal.
344 Cirurgia Craniomaxilofacial

• Alterações nas posições do ligamento cantai lateral,


globo ocular e pálpebras relacionadas ao edema lo
cal e/ou modificação do volume orbitário.
• Dificuldade para abrir a boca (fratura do arco zigo
mático propriamente dito) (Fig. 25-25).

Fratura do Arco Zigomático


Embora mais freqüentemente associado às fraturas do
osso zigomático, o arco constituído pelo processo zi
gomático do osso temporal e processo temporal do
osso zigomático poderá sofrer fraturas isoladas, nos
traumatismos exclusivamente laterais da face:
Fig. 25-22. Pós-operatório de fratura frontal com pneumoencéfa • Incapacidade para abrir a boca devido à restrição
lo. Nota-se a fixação rígida dos fragmentos com uso de placas
(miniplacas). do movimento do músculo temporal e sua inser
ção no processo coronóide da mandíbula e/ou tris-
mo local reflexo33.
• Hiposmia ou anosmia: por fratura na lâmina crivo • Afundamento local (Fig. 25-26).
sa do etmóide, levando à compressão dos ramos do
nervo olfatório. Pode ser transitória ou definitiva
(Figs. 25-23 e 25-24). Fraturas do Maxilar

Embora sejam clássicos os traços de fratura descritos


por Le Fort, a maxila na prática diária apresenta múlti
Fraturas do Osso Zigomático plas apresentações em seus traços, como nas fraturas
Bastante freqüentes pela sua relativa fragilidade, poderão medianas e fragmentadas do palato, combinadas ou
estar associadas a uma fratura mais complexa da órbita. não às típicas Le Fort I, II e III:
Nas suas formas mais simples, apresentam-se como um • Disoclusão: mordida aberta e mordida cruzada, pela
achatamento da convexidade malar relacionada a traços
alteração no posicionamento dos elementos dentá
de fratura no arco zigomático, sutura zigomaticofrontal rios em relação à mandíbula. Dificuldade para de
e sutura zigomaticomaxilar. Pode apresentar635: glutição e instabilidade maxilar associadas".
• Hipoestesia ou parestesia da segunda raiz do trigê • Fístulas: pela presença de fraturas e ruptura da mu
meo pela compressão do forame iníra-orbitário e/ou cosa adjacente, poderão ocorrer fístulas comunican
canal infra-orbitário no assoalho da órbita. do a cavidade nasal (buconasal) ou com o seio ma
• Epistaxe homolateral. xilar (bucossinusal)33.

Figs. 25-23 e 25-24. Pré


e pós-operatório de fratura
craniofacial com
liquorragia, telecantos e
múltiplas fraturas
associadas. Nota-se
paralisia facial parcial à
esquerda.
Fisiopatologia das Fraturas Faciais 345

dida aberta poderá ocorrer nas fraturas condilares,


pela tração efetiva do masseter, provocando conta
to precoce dos molares ou, ainda, nas fraturas com
deslocamento do arco central para baixo.
"Queda de língua" com obstrução das vias aéreas po
derá ocorrer nas fraturas anteriores de mandíbula por
perda da sustentação adequada de músculos supra-hi-
óideos importantes, como o genioglosso. É condição
Fig. 25-25. Fratura do osso zigomático esquerdo.
de urgência e exige pronto atendimento com intuba-
ção endotraqueal ou cânula de Guedel ou, ainda, tracio-
namento da língua com pinça ou sutura.
Trismo e alterações na mobilidade, ocorrem pela
resposta muscular local, fibrose ou anquilose tar
dia. Na presença de fratura de côndilo, a mandíbula
tende a se desviar para o lado afetado durante a aber
tura da boca. A protrusão mandibular pode estar
afetada nas fraturas subcondilares.
Alterações no crescimento: afetando os centros de
crescimento, fraturas condilares poderão levar a li
mitações do crescimento mandibular no lado afeta
do em crianças.
Fig. 25-26. Raios Xpré e pós-operatório de fratura do arco zigo
mático. Hipoestesias e parestesias: poderão ocorrer pelo com
prometimento do nervo mandibular em qualquer
dos seus segmentos. A sensibilidade dos dentes e da
• Hipoestesias e parestesias: pelo comprometimento do hemilíngua homolateral também poderá ser afeta
nervo maxilar, levando a alterações na sensibilidade da da em alguns casos.
região geniana, asa nasal, dentes e mucosa adjacente". Comprometimento da deglutição, mastigação e fala
• Disjunção associada a outros ossos: classicamente rela no período recente ou tardio pela presença de pseu-
cionadas como fraturas piramidal de face (Le Fort II) e dodartrose e alterações oclusais (Figs. 25-27 e 25-28).
disjunção craniofacial (Le Fort III), na verdade se refe
rem não apenas ao componente maxilar fraturado, mas
a traços que se estendem da porção anterior à base do
crânio, segmentando a região mediana da face (Le Fort
II) ou, ainda, soltando completamente a face de suas
estruturas articulares com o crânio (Le Fort III).
• Liquorragia: Pode ocorrer perda de liquido cefalor-
raquidiano pelo nariz devido à lesão da lâmina cri
vosa do etmóide e da dura-máter na base de fossa
craniana anterior. Nas lesões de fossa craniana mé
dia esta perda poderá ocorrer pelo ouvido. Estas Fig. 25-27. A disoclusão é um sinal freqüente nas fraturas de
mandíbula e/ou maxila.
situações levam a severo risco de meningite.

Fraturas da Mandíbula

Dependendo do local das fraturas e da ação das inser


ções musculares sobre os segmentos fraturados, e ain
da da presença de elementos dentários em seus seg
mentos, diferentes repercussões funcionais" poderão
ser encontradas3":

• Disoclusão: mordida cruzada uni ou bilateral pode


ocorrer pela diminuição do arco mandibular. Mor- Fig. 25-28. Pós-operatório com recuperação da oclusão normal.
346 Cirurgia Craniomaxilofacial

non, the check ligaments of recti and of the suspensory liga-


Fraturas Alveolodentárias ment of the eye. J Anat Physiol 1886;2ftl-25.
Fraturas dentárias, avulsões, luxações e fraturas das pa 17. Manson PN, Ruas EJ, IliffNT. Deep orbital reconstruction for
redes alveolares da mandíbula e maxila trazem danos à correction of post-traumatic enophthalmos. Clin Plast Surg 1987;
14{\):\ 13-21.
oclusão, mastigação e fonação, podendo ainda preju
18. Manson PN, Clifford CM, Su CT ef ai. Mechanisms of global
dicar a erupção da dentição definitiva em crianças. support and post-traumatic enophthalmos: I. The anatomy of
the ligament sling and its relation to intramuscular cone orbi
tal fat. Plast Reconstr Surg 1985;77:193-202.
19. Manson PN; Grivas A, Rosenbaum A et ai. Studies on eno
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS phthalmos: II. The measurement of orbital injuries and their
1. Anson BJ, Mcvay CB. Surgical Anatomy. Philadelphia: W.B. treatment by quantitative computed tomography. Plast Recons
Sauders Company, 1971. tr Surg 1985;77:203-14.
2. Berlin R. Ein fali von verletzung des sehnerven bei fractur des 20. Moore KL. Aparelho branquial, cabeça e pescoço. In: Moore
canalisopticus. K M Beilaug 1881, 81. KL (ed.) Embriologia Clínica. Toronto: Canadá, 1982:170-203.
3. Bite U,Jackson IT, Forbes GS et ai. Orbital volume measure 21. Mélega JM, Zanini AS. Fraturas zigomático-orbitárias e inter-
ments in enophthalmos using three - dimensional CT ima orbitárias. In: Psillakis JM, Zanini SA, Mélega JM, Costa EA,
ging. Plast Reconstr Surg 1985;75:502-7. Cruz RL. Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteotomias Estéticas
da Face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987:53549.
4. Brãndle K. Die Posttraumatische Opticusschàdigungen. Diss
Zurich, 1955.
22. Monasterio FO, Rodriguez A, Benavides A. A simple method
for the correction of enophthalmos. Clin Plast Surg 1987;14
5. Costa EA, Cruz RL. Fraturas da face em crianças. In:Psillakis
(1):169-75.
JM,Zanini SA, Mélega JM, Costa EA, Cruz RL. Cirurgia Crani
omaxilofacial: Osteotomias Estéticas da Face. Rio de Janeiro: 23. Mustarde JC. The role of Lockwood's suspensory ligament in
MEDSI, 1987:563-81.
preventing downward displacement of the eye. BrJ Plast Surg
1968;2Í:73-81.
6. Converse JM, Smith B,Wood-Smith D. Orbital and naso-orbi-
tal fractures. In: ConverseJM. Reconstructive Plastic Surgery. 24. 0'Rahilly R. A órbita. In: Gardner E, Gray DJ, 0'Rahilly R.
Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1971:648-62.
Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1977:748-93.
25. Pellerin PH, PottierF, HacheJC, DefoortS. Blindness following
7. Cruz RL. Fraturas do ápice da órbita. In: Psillakis JM, Zanini
orbital reconstruction. Ann Chir Plast Esthet 1989;J4(l):86-7.
SA, Mélega JM, CostaEA, Cruz RL Cirurgia Craniomaxilofaci
al: Osteotomias Estética da Face. Rio de Janeiro: MEDSI, 26. PringleJ. Brit MedJ \922;2.U56.
1987:599-606. 27. ShapiroHH. AppliedAnatomy ofthe HeadandNeck. Philadel
8. Cruz RL.Trauma craniofacial letal. In:Psillakis JM, Zanini SA, phia: J. B. Lippincott Company, 1947.
Mélega JM, Costa EA, Cruz RL. Cirurgia Craniomaxilofacial: 28. Sturla F, Zanini S, Luy M. Pneumatic orbital ring. Trauma-
Osteotomias Estética da Face. Rio de Janeiro: MEDSI, tism. In: Transactions of the Seventh International Congress
1987:474-83. of Plastic and Reconstructive Surgery, Rio de Janeiro, May
1979,20-25 / Editor Jorge Fonseca Ely. - São Paulo: Socieda
9. Edmund J. Godtfriedesen E. Unilateral optic atrophy following
de Brasileira de Cirurgia Plástica; (Campinas): CARTGRAF,
head injury. Acta Ophtalm \9b3;41:393.
1980:279-81.
10. Gruss JS. Complex nasoethmoid-orbital and midfacial fractu
29. Sturla F, Absi D, Buquet J. Anatomical and mechanical consi
res: Role of craniofacial surgical techniques and immediate
derations of craniofacial fractures: an experimental study. Plast
boné grafting. Ann Plast Surg 1986;./7(5):377-90.
Reconstr Surg 1980;<í6(6):815-20.
11. Jordan DR, White Jr GL, Anderson RL, Thiese SM. Orbital
30. Tessier P. Inferior orbitotomy: A new approach to the orbital
emphysema: A potentially blinding complication following
floor. Clin Plast Surg 1982;?(4):569-75.
orbital fractures. Ann Emerg Med 1988;7/(8):853-5.
31. Turner JWA. Indirect injuries ofthe optic nerve. Brain 1943;
12. Koorneef t. Spatial ofthe OrbitalMusculo-Fibrous Tissue in
66:140.
Man. Amsterdam: Swets and Zeitlinger, 1977.
32. Weberg AM, Magnys D. Posttraumatic enophthalmos. / Am
13. Lang W. Traumatic enophthalmos with retention of perfect Optometric Ass 1988;59(7).
acuity of vision. Trans Ophthalmol Soe UK 1889:9-41.
33. Wolf-Heidegger G. Osteologia. In: Wolf-Heidegger G. Atlas de
14. Le Fort R. Experimental study of fractures of the upper jaw, Anatomia Humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
parts I and II. Rev Chir de Paris 1901;2?:208-27,360-79,109. 1974:84.
15. Lipkin AF, Woodson GE, Miller RH. Visual loss due to orbital 34. Zanini AS. Fraturas craniofaciais. In: Congresso Brasileiro de
fractures: the role of early reduction. Arch Otolaryngol Head Cirurgia Plástica, 22., Gramado, nov 1985, 10 - 14. Anais lv.
Neck \987;113:8\-3. Porto Alegre, APLUB, 1985:354.
16. Lockwood CB. The anatomy of the muscles, ligaments and 35. Zanini SA(ed.) Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Rio
fáscia of the orbit, including an account of the capsule of te- de Janeiro: Revinter, 1990.
Atendimento Inicial e
Exame Físico do
Traumatizado da Face

Hélio Kawakanii
Carlos Henrique Frõner Souza Góes
Henrique Lopes Arantes
Mateus C. Kawasaki

José Marcos Mélega

Neste capítulo serão evidenciadas as particulari


ATENDIMENTO INICIAL DO PACIENTE
dades dos pacientes com trauma de face avaliados ini
COM TRAUMA DE FACE
cialmente conforme preconiza o ATLS.
O paciente vítima de grave trauma da face geralmente
apresenta comprometimentos associados, portanto
necessita de uma avaliação rápida das lesões e institui Exame Primário
ção de medidas terapêuticas de suporte de vida. O aten
O exame primário identifica as condições que impli
dimento deve ser sistematizado de forma que as lesões
cam risco de vida e incluem:
potencialmente fatais sejam rapidamente detectadas e
tratadas28. O Colégio Americano de Cirurgiões orga A. Vias aéreas e proteção da coluna cervical.
nizou uma seqüência de atendimento desses pacientes B. Respiração e ventilação.
mundialmente conhecida como Advanced Trauma Life C. Circulação e controle da hemorragia.
Support —ATLS (suporte avançado de vida no trau
D. Estado neurológico, incapacidade.
ma)1. Essa avaliação inclui:
E. Exposição do paciente e controle do ambiente.
1. Preparação.
2. Triagem.
3. Exame primário (ABCDE). A. VIAS AÉREAS E PROTEÇÃO DA COLUNA
CERVICAL
4. Reanimação.
5. Medidas auxiliares ao exame primário e à reanima A primeira preocupação com o doente traumatizado
ção. é a permeabilidade de sua via aérea, portanto devemos
realizar uma rápida avaliação para detectar presença de
6. Exame secundário e história.
corpos estranhos, fraturas faciais, mandibulares ou tra-
7. Medidas auxiliares ao exame secundário.
queolaríngeas, que podem resultar em obstrução das
8. Reavaliação e monitoração contínuas após a reani vias aéreas. A proteção da coluna cervical e da medula
mação. é fundamental em qualquer paciente politraumatizado,
9. Cuidados definitivos. e deve ser lembrada em todas as fases do atendimento.

347
348 Cirurgia Craniomaxilofacial

A comunicação verbal é fundamental para avaliar torácicos, ao redor de fraturas fechadas, especialmente
obstruções das vias aéreas, sendo que, nos pacientes pélvicas ou de grandes osssos e retroperitoneais.
com escore igual ou inferior a 8 na escala de coma de
Glasgow (Quadro 26-1), torna-se necessária uma via
aérea definitiva (intubação oro ou nasotraqueal, crico- D. ESTADO NEUROLÓGICO, INCAPACIDADE
tireoidostomia ou traqueostomia). A avaliação neurológica inicial analisa o nível de cons
ciência do paciente, tamanho de sua pupila, reflexos
Quadro 26-1. Escala de Coma de Glasgow
pupilares e resposta aos estímulos verbais e dolorosos.
A escala de coma de Glasgow é uma avaliação mais
Área de Avaliação Escore
detalhada porém rápida, simples e pode prognosticar
Abertura ocular a evolução do doente. Três parâmetros básicos são ava
- Espontânea 4
- Estímulo verbal 3 liados (abertura ocular, resposta motora e resposta ver
- Estímulo doloroso 2 bal), e para cada resposta do paciente um valor é asso
- Sem resposta 1
ciado; a somatória desses valores define o resultado
Resposta motora final, que pode variar de um mínimo de 3 a um máxi
- Obedece a comandos 6
- Localiza dor 5 mo de 15.
- Flexõo normal (retirada) 4
- Flexão anormal (decorticação) 3
- Extensão (descerebração) 2
- Sem resposta (flacidez) 1 E. EXPOSIÇÃO DO PACIENTE E CONTROLE
DO AMBIENTE
Resposta verbal
- Orientado 5
- Confuso 4
O paciente deve ser completamente despido para que
- Palavras inapropriadas 3 se realize uma inspeção completa de seu corpo à pro
- Sons incompreensíveis 2
cura de lesões; no entanto, é de suma importância que
- Sem resposta 1
se previna a ocorrência de hipotermia por meio de
aquecedores do ambiente e cobertores.

B. RESPIRAÇÃO E VENTILAÇÃO
A via aérea sem obstrução não implica uma ventila Exame Neurológico
ção adequada, portanto devem-se avaliar cuidadosa O paciente vítima de trauma cranioencefálico pode
mente os pulmões, o diafragma e a parede torácica apresentar lesões potencialmente fatais, sendo funda
para descartar qualquer lesão que possa interferir nas mental a manutenção de oxigenação sangüínea e pres
trocas gasosas pulmonares, como pneumotórax hiper- são arterial adequadas para preservar a perfusão cere
tensivo, hemotórax, contusão pulmonar ou pneumo bral. O neurocirurgião deve ser o primeiro especialista
tórax aberto. comunicado sobre o caso, e este irá determinar a con
duta após a avaliação primária realizada pelo médico
da emergência.
C. CIRCULAÇÃO E CONTROLE DA
O cirurgião plástico será solicitado para avaliar os
HEMORRAGIA
casos com lesões de partes moles e fraturas dos ossos
O estado hemodinâmico do paciente e possíveis he da face, sendo importante realizar uma avaliação com
morragias devem ser muito bem avaliados e estabili pleta de toda inervação sensitiva e motora da face, as
zados. A hipotensao é sugestiva de hipovolemia até sim como investigar lesões dos nervos cranianos e suas
que se prove o contrário. Os sinais clínicos que ofere conseqüências.
cem informações importantes são nível de consciên
• Nervo olfatório (I par de nervos cranianos [PNC])
cia, cor da pele e pulso. Pacientes hipovolêmicos apre
- Função: olfaçao;
sentam-se com alteração do nível de consciência, vari
- Lesão: perda do olfato.
ando de agitação à sonolência, e descorados e taqui-
cárdicos. • Nervo óptico (II PNC)
Hemorragias externas devem ser controladas por - Função: visão;
meio de compressão do local, evitando-se realizar tor- - Lesão: alteração da acuidade visual;
niquetes. Deve-se estar atento para causas ocultas de perda do reflexo pupilar direto da luz e
hemorragias, como sangramentos intra-abdominais ou do olho contralateral.
Atendimento Inicial e Exame Físico do Traumatizado da Face 349

• Nervo oculomotor (III PNC) Nervo hipoglosso (XII PNC)


- Função: inervação dos músculos extra-oculares, - Função: inervação da língua;
exceto o reto lateral e o oblíquo superior; - Lesão: atrofia, fasciculações e fraqueza da língua.
- Lesão: estrabismo divergente;
ptose palpebral;
perda do reflexo pupilar consensual di AVALIAÇÃO DO COURO CABELUDO
reto e indireto. E REGIÃO FRONTAL
• Nervo troclear (IV PNC)
São freqüentes as lesões em couro cabeludo e fronte,
- Função: inervação do músculo oblíquo superior; conseqüentes a diversas causas de traumatismo desta
- Lesão: olhos rodados medialmente; região, sendo mais comuns os acidentes de trânsito,
diplopia. queda de altura, queda de objetos, práticas esportivas
• Nervo trigêmeo (V PNC) de contato corporal e um aumento, nesses últimos anos,
- Função: sensitiva da face; de lesões conseqüentes a violência urbana, que são os
reflexo corneano; ferimentos causados por arma de fogo.
musculatura da mastigação. São diversos os agentes traumáticos causadores de
- Lesão: diminuição da sensibilidade cutânea da lesões na face. Os ferimentos causados por arma de fogo
face; são semelhantes aos de situação de guerra, tendo se ob
diminuição da força da musculatura mas- servado o aumento da utilização de armas de fogo de
tigatória; grande calibre. Os acidentes de trânsito em decorrência
perda do reflexo corneano. do desrespeito às leis de trânsito vigentes são freqüente
mente associados ao abuso de álcool e drogas. Os aci
• Nervo abducente (VI PNC)
dentes que envolvem a queda de objetos, dependendo
- Função: inervação do músculo reto lateral;
do tipo de objeto, poderão causar ferimentos confusos
- Lesão: olhos rodados medialmente.
e afundamentos; se o objeto apresentar uma forma pon
• Nervo facial (VII PNC) tiaguda, poderá causar uma lesão penetrante. As quedas
- Função: inervação da musculatura da mímica fa de alturas e acidentes durante práticas esportivas de con
cial; tato físico são comuns8-11'20'24.
gustação nos dois terços anteriores da Equipamentos de segurança, quando utilizados de
língua; forma correta no trânsito e nas práticas esportivas de
- Lesão: paralisia parcial ou total da mímica facial. contato corporal, e em trabalhos de risco, têm ameniza
do muitas vezes a gravidade do trauma; por exemplo, a
• Nervo vestibulococlear (VIII PNC)
utilização de capacetese cintos de seguranças nos veículos
- Função: audição;
tem minimizado os quadros de traumatismos crania
- Lesão: perda da audição.
nos, e mais recentemente os air bags têm contribuído
• Nervo glossofaríngeo (IX PNC) para a redução de lesões craniofaciais graves20»26-27.
- Função: inervação do palato mole e a da faringe; Queda da própria altura pode estar associada a altera
- Lesão: assimetria da elevação do palato; ções cerebrovasculares em pacientes idosos, sendo obriga
perda do reflexo faríngeo. tória a investigação de doenças neurológicas ou circulató
• Nervo vago (X PNC) rias. Em crianças é comum a queda de altura acidental18.
- Função: inervação do trato gastrointestinal des Uma lesão aparentemente simples pode ocultar
de o esôfago e traquéia; um quadro mais grave —por exemplo, um ferimento
- Lesão: ausência de tosse durante aspiração en- lacerante pode ocultar uma fratura craniana; um he
matoma de couro cabeludo pode ocultar uma lesão
dotraqueal.
cerebral, e mesmo uma pequena lesão puntiforme po
• Nervo acessório (XI PNC) derá ser um indício de uma lesão penetrante.
- Função: inervação do músculo esternocleidomas- A presença de sangramento deve ser avaliada cui
tóideo e da porção superior do músculo dadosamente, com a realização de procedimentos para
trapézio; minimizar o sangramento até a realização de conduta
elevação do ombro. definitiva7,29.
- Lesão: cabeça desviada para o lado contralateral; Deve ser realizada irrigação com solução fisiológi
dificuldade em elevar o ombro. ca no ferimento a fim de se observarem os bordos das
350 Cirurgia Craniomaxilotacial

lesões, onde os tecidos desvitalizados deverão ser des- acessórias. O globo ocular ocupa aproximadamente
bridados, e corpos estranhos removidos. Na suspeita um quarto do volume dessa cavidade, a qual é com
de contaminação deverá ser prescrito antibiótico para posta por sete ossos: zigomático, asas maior e menor
combater as possíveis infecções. do esfenóide, etmóide, frontal, lacrimal, maxilar e pa
Um exame local cuidadoso por meio de palpação latino. O rebordo orbitário que protege o conteúdo
dos tecidos deve ser realizado, quando poderá ser ob interno é formado por estrutura óssea mais resistente,
servada a presença de edema, hematomas e afundamen com ossos mais espessos: superiormente o frontal, in
tos na calota craniana. feriormente o zigomático e o maxilar, medialmente o
Após esses cuidados, um curativo adequado pode processo nasal do osso maxilar e processo maxilar do
ser necessário para encaminhar aos exames radiológi- osso frontal, e lateralmente o processo zigomático do
cos necessários. frontal e processo frontal do zigomático (Fig. 26-1).
Internamente, as paredes da órbita são constituí
das por lâminas ósseas delgadas, sendo o seu teto cons
Exames Radiológicos tituído pela placa orbitária do frontal e asa menor do
As radiografias simples de crânio nas incidências ânte esfenóide; o assoalho é formado pela placa orbitária
ro-posterior e lateral poderão revelar fraturas em re da maxila, zigomático e processo orbitário do osso
gião parietal e em seios da face; a incidência de Towne palatino (o assoalho orbitário é correspondente ao teto
poderá esclarecer a existência de algum traço de fratu do seio maxilar); a parede mediai é formada pelo et
ra em região occipital. móide, predominantemente (lâmina papirácea), fron
A realização de tomografia computadorizada sem tal, lacrimal e esfenóide; e a parede lateral, pelo zigo
dúvida poderá confirmar a presença de lesões ósseas e mático e asa maior do esfenóide.

cerebrais, comprovando a gravidade do quadro neuro A porção do esfenóide da parede lateral é separa
lógico13. da do teto da órbita, pela fissura orbitária superior, e
do assoalho da órbita, pela fissura orbitária inferior,
tornando, portanto, o esfenóide o osso principal da
EXAME CLINICO DA REGIÃO órbita, uma vez que todas as estruturas neurovascula-
res da órbita passam por esse osso. Há ainda o canal
ORBITÁRIA
óptico, localizado medialmente à fissura orbitária su
perior, na asa menor do esfenóide, na junção das pare
Considerações Anatômicas
des mediai e lateral da órbita, na sua porção mais pos
A órbita é uma cavidade óssea piramidal que contém terior, porém não exatamente no ápice verdadeiro da
o globo ocular, gordura, músculos e outras estruturas órbita. Pela fissura orbitária superior passam três ner-

Forame etmoidal ant. e post.


Incisura frontal
Canal óptico

Etmóide, Lâmina orbital


Fissura orbital sup.

Esfenóie, Asa maior,


Face orbital

Nasa
— Zigomático

Zigomático,
Face orbital

Crista lacrimal ant Forame


zigomaticofacial

Crista lacrimal post ssura orbital inf. Fig. 26-1.


Anatomia óssea da
Forame infra-orbital, Canal infra-orbita Sulcus infra-orbital órbita esquerda,
vista anterior.
Atendimento Inicial c Exame Físico do Traumatizado da Face 351

vos motores, que são o oculomotor (III PNC), o tro ca, avaliação oftalmológica, exames radiológicos (radio
clear (IV PNC) e o abducente (VI PNC), além de um grafia e tomografia computadorizada), ressonância mag
sensitivo, o ramo oftálmico do trigêmeo (Vl PNC). nética e, por fim, os achados de exploração cirúrgica.
Pela fissura orbitária inferior passam a divisão Os principais achados físicos associados ao trau
maxilar do trigêmeo (V2 PNC), a artéria infra-orbitá- ma da região orbitária sugestivos de fratura são edema
ria, ramos do gânglio esfenopalatino c ramos da veia periorbitário, equimose e hemorragia subconjuntival.
oftálmica inferior para o plexo pterigóideo. Fraturas da região da órbita anterior são caracterizadas
Pelo canal óptico passam o nervo óptico e a arté por desníveis do rebordo e alterações da sensibilidade;
ria oftálmica. Este forame está localizado aproximada fratura do terço médio da órbita são caracterizadas por
mente a 4-4,5cm do rebordo orbitário. Portanto, ten disfunção da motricidade ocular, diplopia e alterações
do esta localização em mente, é possível realizar uma da posição do globo; fraturas do terço posterior são
dissecção subperiostal em cirugias orbitárias para o seu caracterizadas por alterações da motricidade ocular e
interior por até 3,5cm partindo das bordas inferior, alterações visuais.
lateral, superior c crista lacrimal anterior. A fratura orbitária mais comum é a do zigomático,
Outra estrutura que deve ser conhecida na avalia levando à fratura da parede lateral, borda inferior e asso
ção do trauma nessa região é o ligamento palpebral alho da órbita (Fig. 26-2). A fratura orbital interna isolada
mediai. Os ligamentos palpebrais lateral e mediai são mais comum é a que acomete a parede mediai do assoa
estruturas fibrosas que estabilizam os componentes lho orbitário e porção inferior da parede mediai. Este
palpebrais no eixo horizontal. O ligamento palpebral tipo de fratura pode acontecer com herniação do con
mediai origina-se na porção mediai dos torsos, divi teúdo orbitário para os seios maxilar e etmoidal22.
dindo-se em componentes anterior e posterior. O com A avaliação clínica do trauma periorbitário inicia-
ponente anterior fixa-se na crista lacrimal anterior c se após garantidas as funções vitais. Este aspecto é
no processo frontal do osso maxilar superficialmente, muito importante, sendo que a maioria dos pacientes
enquanto o componente posterior passa atrás do saco com trauma periorbitário é politraumatizada.
lacrimal e insere-se na crista lacrimal posterior. O liga Inicia-se a investigação colhendo-se uma breve his
mento palpebral lateral origina-se na extremidade late tória das condições do trauma para avaliar a quantidade
ral do tarso e insere-se na periórbita do tubérculo zi de energia e antecedentes pessoais significativos como
gomático, juntamente com a expansão lateral da apo alergias, medicações de uso regular, doenças prévias.
neurose do elevador da pálpebra. O ligamento lateral O exame clínico começa com a observação do pa
tem menor importância funcional que o mediai. ciente, atentando-se para lesões de partes moles (abor
dadas em capítulo específico), edema, equimose, hema
tomas, assimetrias e sinais de lesões específicas descritos
Investigação do Trauma Orbitário adiante, como, por exemplo, equimose periorbitária uni
ou bilateral associada a otorragia, sugestivas de fratura
A investigação do trauma orbitário deve ser feita abor- de base de crânio. Quando o paciente está consciente,
dando-se os aspectos convencionais do exame clínico: pode ser realizado exame físico dinâmico, observando-
história do trauma, antecedentes pessoais, avaliação clíni se a função motora —se presente, ausente ou assimétri-

Fig. 26-2. Distração lateral da órbita


esquerda por fratura do osso
zigomático.
352 Cirurgia Craniomaxilofacial

ca. No entanto, pacientes vítimas de trauma facial ge O melhor e mais detalhado método de avaliação
ralmente apresentam-se com grande edema local, pre das fraturas orbitárias é o exame de imagem, especial
judicando muitas vezes a avaliação clínica. mente a tomografia computadorizada. Este assunto é
A palpação também pode estar dificultada pelo tratado detalhadamente em capítulo específico.
edema local. Quando possível, deve-se procurar por Em condições ideais, todo paciente vítima de trau
desníveis ósseos, dor localizada, crepitação óssea, enfi ma facial deveria ser submetido a avaliação oftalmoló-
sema subcutâneo e fragmentos de corpo estranho em gica, pois encontram-se na literatura autores referindo
partes moles. A sensibilidade também deve ser avalia que a grande maioria dos pacientes com trauma no
da, principalmente a da área suprida pelo infra-orbitá- terço médio da face apresenta algum grau de lesão
rio, o qual é freqüentemente lesado nas fraturas orbi ocular associado, e também que pacientes com trauma
tárias do rebordo inferior e assoalho orbitário (Fig. craniano com energia suficiente para causar amnésia
26-3). são propensos a sofrer alterações do aparelho visual2-3.
Abordaremos na seqüência aspectos específicos do
exame da região periorbitária no trauma.
A avaliação oftálmica deve ser sempre ralizada,
testando-se a acuidade visual e percepção à luz e obser
vando-se o reflexo pupilar. Quando possível, devem
ser investigadas lesões de córnca, conjuntivas e realiza
do um exame intra-ocular considerando retina, lentes,
coróide, hifema etc.9 (Fig. 26-4).
A motilidade ocular também pode estar prejudi
cada por motivos musculares ou neurológicos, locais
ou centrais. O paciente pode queixar-se de dor à movi
mentação dos globos oculares ou também de diplo
pia, causada por assimetria de motilidade dos globos
oculares (Fig. 26-5).
Outro aspecto importante é verificar a posição
do globo ocular na órbita. O paciente pode apresen
Fig. 26-3. A inspeção externa do terço médio da face deve ser
realizada de diferentes ângulos. A inspeção superior revela assi
tar enoftalmo, hipoglobo, proptose, hiperglobo, dis-
metrias de projeção do terço médio da face (osso zigomático). topia orbitária ou mesmo uma combinação entre eles6.

Fig. 26-4. Exame do reflexo pupilar à luz. A. O olho direito é coberto enquanto se examina o reflexo pupilar do olho esquerdo. B. A luz é
apontada para o olho esquerdo, evitando-se que qualquer luz atinja o olho direito, verificando-se o reflexo consensual à direita.
Atendimento Inicial e Exame Físico do Traumatizado da Face 353

Completando o exame, devem ser avaliadas lesões


das estruturas externas como as pálpebras, sistema la
crimal e ligamentos cantais.
As pálpebras devem ser avaliadas quanto a ptose,
RS OI
hemorragias, lacerações e perda de substância. Nas situ
ações de lesões maiores, a reconstrução deve ser realiza
RL RM RM
da posteriormente, deixando a córnea protegida com
'•>mrr^~ --rr-s-*^' sutura interpalpebral (blefarorrafia) ou lentes protetoras.
O sistema lacrimal deve ser considerado — tanto
RI OS OS RI o produtor (glândula lacrimal) como o coletor (canal
lacrimal). O tratamento dessas lesões será abordado
em capítulo específico.
Fig. 26-5. O exame da mobilidade do globo ocular revela a fun
Por fim, devem ser avaliados os ligamentos palpe
ção da musculatura extrínseca. Assimetrias da mobilidade levam brais, principalmente o mediai. Deve ser avaliada tan
à diplopia: reto superior {RS); reto inferior {RI); reto mediai {RM); to a estabilidade do ligamento como aferida a distân
oblíquo inferior (O/) são inervados pelo III PNC (oculomotor); oblí
quo superior {OS) é inervado pelo IV PNC (troclear) e reto lateral cia intercantal. Alterações destes itens sugerem fratura
(RL) é inervado pelo VI PNC (abducente). nasoetmoidorbitária associada a lesão do ligamento
cantai (Fig. 26-6).
Clinicamente, a fratura nasoetmoidorbitária apre
O enoftalmo é caracterizado pela retroposição do senta-se com telecanto traumático, cominuição dos
globo ocular tridimensionalmente na órbita, devendo ossos nasais, telescopagem do dorso nasal para a re
ser avaliado sempre de maneira comparativa com o gião etmoidal e ausência de suporte distai na elevação
globo contralateral. A proptose é definida como a pro da ponta nasal. Aumento da distância intercantal (te
jeção do globo ocular para fora de uma órbita nor lecanto) sugere trauma com fratura da região nasoet
mal, secundária a causas externas como edema, hemor moidorbitária, ao passo que aumento da distância in-
ragia, acúmulo de secreção. Diferencia-se do exorbitis- terpupilar (teleorbitismo) sugere trauma da mesma
mo, pois, neste, tem-se um globo ocular normal em região associado a fratura da barra frontal, com alarga
uma órbita congenitamente alterada14-15. mento da face10-17 (Fig. 26-7).
No hipoglobo observa-se o globo ocular em posição As fraturas do terço médio da face tipos Le Fort II
mais inferior em relação ao contralateral. O hiperglobo e Le Fort III têm linhas de descontinuidade que passam
corresponde à elevação do globo ocular, com permanência pela região nasoorbitária e rebordo orbitário, como
das estruturas restantes em posição relativamente normal. descrito em capítulo específico de fraturas de maxila.
A situação em que as órbitas ósseas se encon Há um quadro clínico específico denominado sín
tram em diferentes níveis e com conseqüente desní drome da fissura orbitária superior relacionado a fra
vel dos globos oculares é definida como distopia turas que acometem os elementos que passam pela fis
orbitária. sura orbitária superior. Este quadro é caracterizado por

Fig. 26-6. Exame da região


palpebral mediai. Tracionado o
tarso lateralmente, pode ser
verificada a integridade do
ligamento palpebral mediai.
A. Um ângulo agudo na região
mediai é observado quando há
integridade do ligamento mediai.
B. O ângulo permanece
arredondado quando há lesão do
ligamento.
354 Cirurgia Craniomaxilofacial

os músculos reto inferior e reto lateral, local com me


nor probabilidde de lesões iatrogênicas. Medidas far-
macológicas podem ser associadas com a intenção de
diminuir a pressão do globo ocular e seu volume, como
y ,< ' Interpupilar normal '\ manitol a 20% (200ml EV), acetazolamida (500mg EV)
/ 60-45mm
%•í V- H \ e esteróide endovenoso em altas doses.

<

Telecantafjj

Intercantal normal
EXAME CLÍNICO DO TERÇO MÉDIO
30-32mm DA FACE

Considerações Anatômicas
As maxilas formam o centro do terço médio da face e
participam da borda da abertura piriforme. Formam
a margem ínfero-medial das órbitas, além de servirem
como estrutura de sustentação para os dentes da arca
Fig. 26-7. Nas fraturas nasoetmoidorbitárias, a distância inter da superior em seus processos alveolares, participan
cantal está aumentada. A distância intercantal normal varia entre do, dessa forma, também da constituição da cavidade
30 e 32mm, e a interpupilar, entre 60 e 65mm, apresentando oral (além da nasal e orbitária, já mencionadas). No
uma proporção de 1:2.
interior de cada maxila encontramos uma cavidade de
paredes delgadas, denominada seio maxilar, a qual apre
senta interior revestido por mucosa. Esta cavidade, a
ptose palpebral, proptose, paralisia dos nervos crania maior dos seios paranasais, está em comunicação com
nos oculomotor (III PNC), troclear (IV PNC) e abdu o meio externo por meio do óstio maxilar, localiza
cente (VI PNC), além de anestesia da área de distribui do no interior do meato médio da cavidade nasal.
ção da divisão oftálmica do trigêmeo (V] PNC)5. Podemos definir as maxilas como ossos de forma
A síndorme do ápice orbitário é identificada quan to piramidal que, unidos, formam o maxilar superior,
do se tem o mesmo quadro clínico citado, associado à sendo que a maxila apresenta quatro processos (alveo
perda da visão ipsilateral; portanto, com reflexo con lar, frontal ou ramo montante da maxila, zigomático
sensual ausente da pupila contralateral, mesmo estan e palatino), através dos quais faz conexão com os ou
do ela normal25-30.
tros ossos da face, compondo os chamados pilares ver
O hematoma retrobulbar é uma situação cujos ticais da face e os anéis horizontais da face, segundo
conhecimento e diagnóstico precoce são de extrema classificação de Sturla (abordados mais detalhadamen
importância, uma vez que necessita de tratamento de te em capítulos específicos).
emergência. O hematoma retrobulbar, se não tratado A musculatura presente no terço médio da face não
a tempo, pode causar a perda da visão em horas. O representa elemento de interferência quando há fratura
mecanismo de lesão consiste no aumento progressivo da maxila, não sendo responsável por deslocamentos
da pressão intra-orbitária com congestão venosa, ede dos fragmentos ósseos, contrariamente à importância
ma perineural no nervo óptico e finalmente obstru da ação muscular nas fraturas de mandíbula.
ção da artéria central da retina21.
Os sinais sugestivos de hematoma retrobulbar são:
dor local intensa, perda progressiva da visão (pupilas
Avaliação Clínica
fixas e dilatadas), ptose, proptose, hemorragia, hemor
ragia subconjuntival e edema palpebral. Inicialmente, o paciente deve receber atendimento
O tratamento para hematoma retrobulbar deve ser objetivo com a finalidade de garantir a vida. Após este
rápido e agressivo, não havendo tempo para exames atendimento inicial e garantidas as funções vitais, pro
complementares. Medidas conservadoras são pouco cede-se à avaliação específica multidisciplinar.
efetivas, e as conseqüências, catastróficas. O tratamen A seqüência habitual de avaliação compreende
to deve ser cirúrgico, com descompressão da órbita e coleta da história clínica, observações estática e dinâ
principalmente do espaço intraconal, o que pode ser mica, exame físico, propedêutica armada e exames de
realizado por acesso e divulsão romba da região entre imagem.
Atendimento Inicial e Exame Físico do Traumatizado da Fai 355

A obtenção de uma breve história clínica deve


ressaltar pontos objetivos, como local e circunstâncias
do acidente (intensidade da violência, uso de cinto de
segurança, vítimas fatais etc), além de informações
pessoais como: alergias, medicações em uso, se a víti
ma c portadora de alguma doença c momento da últi
ma refeição12.
Os pacientes com trauma de maxila apresentam
graus variados de manifestação clínica — de edemas
localizados em fraturas alveolares envolvidas cm trau
mas de menor violência a edemas intensos e assimetrias
faciais, nos casos de fraturas complexas26.
Nos casos de trauma com maior quantidade de
energia, os pacientes apresentam edema facial generali
zado, equimoses periorbitárias, equiinoses no sulco
nasolabial, mucosa endoral, sangramento nasal e lesão
associada de outras estruturas da face. Outro sinal re
levante no exame físico é a observação da oclusão den
tária, que pode estar alterada nas fraturas de maxila.
Jamais podem ser esquecidas as possibilidades de fra
tura de mandíbula ou de o paciente já apresentar alte
rações da oclusão dentária antes do trauma24.
Na observação dinâmica, geralmente a motricidade
facial está preservada, porém o paciente pode referir Fig. 26-8. Exame verificando a mobilidade da maxila apoiando-se
dor ao deglutir, sendo que esta pode estar relacionada no processo alveolar anterior e contratração nas regiões frontal e
â má oclusão causada pela fratura, como também pela nasal; observam-se também possíveis desnivelamentos correspon
dentes a fraturas tipo LeFort.Aforça de tração não deve ser aplicada
mobilização das linhas de fratura na região do proces nos dentes, pois estes podem estar soltos ou amolecidos.
so pterigóide nos casos de fratura tipo Le Fort.
As fraturas tipo Le Fort geralmente não estão as
sociadas à exposição dos traços de fratura, porém sem Durante a propedêutica armada, uma rinoscopia
pre deve ser realizada oroscopia rigorosa para descarta cuidadosa é obrigatória, com a finalidade de investi
rem-se as fraturas do processo palatal e lesões de mu
gar lesões, hematomas de septo ou presença de líqui
cosa, alvéolos e dentes.
do cefalorraquidiano como resultado de fratura da lâ
A palpação é de grande importância na avaliação mina crivosa e conseqüente fístula liquórica.
do trauma de face do terço médio, embora algumas Raramente, alguns pacientes podem apresentar
vezes o intenso edema local dificulte o exame. Na pal
epistaxe intensa, não-controlada por tamponamento
pação devem ser investigados desníveis nas linhas de
nasal e nem mesmo com ligadura da artéria maxilar,
sutura da maxila, no rebordo orbitário inferior, sutura
devido à zona hemorrágica de Kicsserlbach, localizada
maxilozigomática por palpação endoral, observação de
na região do septo nasal anterior, que corresponde a
enfisema subcutâneo (sugerindo fraturas da paredes dos
uma rica rede anastomótica que comunica a carótida
seios). É importante a palpação do palato para investi externa, por meio de ramos terminais da artéria maxi
gar fraturas e palpação de todo o contorno alveolar,
lar, com a carótida interna, através dos ramos etmoi
para verificação de mobilidade e estabilidade da maxila.
dais anterior e posterior da artéria oftálmica.
A mobilidade da maxila deve ser verificada inves
tigando-se a presença de linhas de fratura tipo Le Fort,
e para isso a maxila é movimentada com uma das mãos
MANDÍBULA E CAVIDADE ORAL
enquanto a outra palpa as regiões correspondentes das
linhas de fratura tipos Le Fort I, II e III (ver capítulo
de Fraturas de Maxila) (Fig. 26-8). Traumatismos de Região Oral e Mandíbula
Outro achado freqüente ao exame é a anestesia O traumatismo em terço inferior da face poderá acar
ou hipoestesia das regiões correspondentes ao nervo retar diversos tipos de lesão, dependendo dos tipos de
infra-orbitário. trauma, que poderão ser simples ferimentos cutâneos,
356 Cirurgia Craniomaxilofacial

traumas em região mandibular (os quais poderão pro lá a radiografia panorâmica de mandíbula é muito
vocar perdas de elementos dentários), fraturas e luxa útil, pois apresenta todas as lesões ósseas na mandíbu
ção da articulação temporomandibular. la, desde perdas dos elementos dentários a todos os
Ferimentos de partes moles dessa região devem tipos de fratura, servindo também para controle radio
ser avaliados com cuidado, devendo-se observar as le lógico das correções de fraturas de mandíbula.
sões cutâneas, musculares e lesões dos ramos do nervo Após o atendimento inicial, a realização de tomo
facial. grafia computadorizada poderá ser de grande ajuda
A lesão do dueto parotídeo em ferimento na face no planejamento da correção cirúrgica das fraturas.
deve ser observada traçando-se uma linha do trago ao É importante realizar uma radiografia de tórax nos
ponto médio da região labial, que é aproximadamente o casos em que se tem um paciente com baixo grau de
trajeto do dueto, e próxima à interseção da linha com o consiência e se observa ausência de elementos dentários.
bordo anterior do músculo masseter, que é aproximada A radiografia avalia a possível aspiração de elementos
mente onde o ramo bucal do nervo facial cruza o dueto. dentários.
As fraturas de mandíbula geralmente apresentam
alterações na oclusão, e queixa de dores à mastigação
são comuns, ou até mesmo dificuldade no fechamen AVALIAÇÃO DE ÁREAS ESPECÍFICAS
to da boca.
Quando, no exame clínico, é observada lateraliza- Orelhas
ção do mento, com desvio do movimento de oclusão Após anestesia e limpeza da orelha traumatizada pode-
da mandíbula e perda da oclusão associada a dor à se realizar um exame físico apurado, identificando-se
mastigação, deve-se suspeitar de fratura em côndilo. os tipos de lesões —se apenas cutâneas ou com envol
Em paciente com a boca aberta e dor, incapacita vimento cartilaginoso; tamanho do defeito, localiza
do de fechamento da boca, deve-se suspeitar de luxa ção, condições da pele circunjacente, condições das
ção de cóndilos, que deverá ser prontamente reduzida, margens do defeito e se há perdas parciais ou totais de
se necessário com uso de relaxante muscular. Freqüen regiões anatômicas — fatores estes que influenciarão
temente o paciente apresenta história anterior de luxa na decisão de escolha da tática e técnica para reparação
ções de cóndilos. do defeito adquirido. Conforme a necessidade, deve-
Dor e impossibilidade de fechamento da boca à se solicitar avaliação do otorrinolaringologista para as
palpação intra-oral poderão revelar a incapacidade da lesões envolvendo ouvidos médio e interno.
oclusão por deslocamento do fragmento ósseo do pro
cesso coronóide junto ao arco zigomático, impedin
do mecanicamente o movimento da mandíbula. Nariz
A palpação intra-oral poderá revelar a presença de
O nariz traumatizado deve ser avaliado do ponto de
lesão em mucosa, com desalinhamento dos fragmen
vista externo, estruturas ósseas e parte interna. Após
tos, presença de espaços na linha de fratura e mobili
limpeza da região nasal, se necessário sob anestesia,
dade de fragmentos ósseos. pode-se realizar exame detalhado das estruturas com
prometidas —se há apenas lesões cutâneas ou com en
volvimento cartilaginoso; tamanho do defeito, locali
Exames Radiológicos
zação, condições da pele circunjacente, condições das
No atendimento inicial desses pacientes com trauma margens do defeito e se há perdas parciais ou totais de
na mandíbula, o estudo radiológico na emergência regiões anatômicas —fatores determinantes na escolha
poderá ser de grande valia. Muitas vezes as condições da tática e técnica para reparação. As estruturas ósseas
clínicas do paciente não permitem que seja realizado são avaliadas por meio da inspeção, onde poderão ser
um exame mais sofisticado. observados desvios da pirâmide nasal; é importante
As radiografias iniciais de crânio poderão apresen saber se já não havia desvio anteriormente ao trauma
tar alguns sinais de suspeita de fraturas na mandíbula. —à palpação sente-se instabilidade dos ossos e crepita-
As radiografias de mandíbula, com incidência ção, e completa-se o diagnóstico mediante exames ra
oblíqua, são úteis para suspeitas de fraturas em ramo diológicos. Na parte interna do nariz, com auxílio de
da mandíbula. especulo nasal e boa iluminação, deve ser avaliada a
A incidência de Towne para cóndilos poderá apre presença de lesões em mucosas e septo nasal que po
sentar as fraturas de cóndilos e os desvios laterais. dem, além de fratura, apresentar hematoma submueo-
Atendimento Inicial e Exame Físico do Traumatizado da Face 357

so, o qual necessita obrigatoriamente ser drenado no 13. Kahn JB, Stwart MG, Diaz-Marchan PJ. Acute temporal boné
primeiro atendimento, com o risco de compressão e trauma: utilityof high-resolution computed tomography. AmJ
Otol. 2000;2/(5):743-52.
evolução para necrose local até perfuração septal. Na
14. Manson PN. Facial Injuries. In:McCarthyJ (ed.) Plastic Surgery
presença de corpos estranhos na cavidade nasal, estes 1990;2:867-979.
devem ser removidos cautelosamente para que não 15. Manson PN, Cliford CN, Su CT et ai. Mechanism of global
provoquem outras lesões durante a saída. Avaliam-se a support and post traumatic enophtalmos: I. The anatomy of
integridade dos cornetos e presença de hemorragias, ligament sling and its relations to intermuscular cone orbital
que podem ser tratadas com tamponamentos ou cau- fat. Plast Recons Surg 1986;77:193.
terizações. Nos casos complexos de lesões internas deve- 16. Manson PN, Gravas A, Rosenbaum A et ai. Studies in enoph
talmos: II. The measurement of orbital injuries and their treat
se solicitar atendimento conjunto do Otorrinolarin- ment by quantity of computer tomography. Plast Recons Surg
gologista. 1986;77:203.
17. Markowitz BL, Manson PN, Sargent L et ai. Management of
the mediai canthal tendon in nasoethmoid-orbital fractures:
the importance of the central fragment in the classification
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS and treatment. Plast Recons Surg 1991;#7:843-53.
18. MayrJM, Seebacher U, Schimpl G, FialaF. Highchair accidents.
1. Advanced Trauma Life Support. American College ofSurgeons, Acta Paediatr \999;88{3):3\9-22.
Chicago, 1997:21-46.
19. Monteil JP, Esnault O, Brette MD, Lahbabi M. Chirurgie des
2. Al-Qurainy A, Stassen LFA, Dutton GN et ai. The characteris traumatisms faciaux. Encycl Méd Chir (Elsevier, Paris), Tech
tics of midfacial fractures and the association with ocular inju niques chirurgicales —Chirurgie plastiqueet reconstructrice et
ry: a prospective study. BritishJournalofOral andMaxillofacial esthétique, 1998;45-505,26p.
Surgery 1991;2£291.
20. Ong TK, Dudly M. Craniofacial trauma presenting at an adult
3. Al-Qurainy A, Titterington DM, Dutton GN et ai. Midfacial accident and emergency department with an emphasison soft
fractures and the eye: the development of a system for detect- tissues injuries. Injury 1999;Jfl(5):357-63.
ing patients at a risk of eye injury. British JournalofOraland 21. Ord R. Postoperative retrobulbar hemorrhage and blindness
Maxillofacial Surgery 1991;2£363. complicating trauma surgery. British Journalof OralSurgery
4. Booth PW, Schendel SA, HausamenJE (eds.) Maxillofacial Sur 1981;ií>:202.
gery. Trauma. Londres: Churchill-Livingstone 1999;7:3-288. 22. Pearl RM,Vistnes LM. Orbital blowoutfractures —an approach
5. Bowerman JE. The superior orbital fissure syndrome compli- to management. Annals of Plastic Surgery 1978;i:267.
cating fractures of the facial skeleton. British Journal of Oral 23. Pellerin P, Patenotre P. Chirurgie des pertes de substance com-
Surgery 1969;7:1-6. plexes ou étendues de Ia région cervicofaciale. Encycl Méd Chir.
6. Dufresne CR, Manson PN, Iliff NT. Early and late complica- (Elsevier, Paris), Techniques chirurgicales —Chirurgie plastique
tions of orbital fractures. Clinics in Plastic Surgery 1988;/5:239. et reconstructrice et esthétique, 45-510,1999, 12p.
7. Fitzpatrick MO, Seex K. Scalp lacerations demand careful at- 24. Shapiro AJ, Johnson RM, Miller SF, MacCarthy MC. Facial
tention beforeinterhospital transfer of head injuries patients. J fractures in a levei I trauma center: the importance of protec-
Accid Emerg Med 1996,ii(3):207-8. tive devices and alcohol abuse. Injury. 2001;J2(5):353-6.
25. Stanley RB, Mathog RH. Evaluation and correction of com-
8. Garri JI, PerllyCA,Johnson MJ et ai. Patterns of maxillofacial
bined orbital syndrome. Laringoscope 1983;25:856.
injuries in powered watercraft collisions. Plast Reconstr Surg
\999;104(A):922-7. 26. Tanaka N, Tomitsuka K,ShionoyaK etai.Aetiology of maxillo
facial fractures. British Journal ofOraland Maxillofacial Sur
9. Grossman MD, Roberts DM, Barr CC. Ophtalmic aspects of gery 1994;32:19-23.
orbital injury —a comprehensive diagnostic and management
27. Tibbs RE, Haines DE, Parent AD. The child as a projectile.
approach. Clinics in PlasticSurgery. \992;19(l):71.
Anat Rec 253-(6): 167-75.
10. GrussJS. Complex nasoethmoid-orbital and midfacial fractures: 28. Tung TC, Tseng WS, Chen CT et ai. Acute life-threatening
role of craniofacial surgical techniques and immediate boné injuries in facial fractures patients: a reviw of 1,025 patients./
grafting. 1986;17:377. Trauma 2000; 49(3):420-4.
11. Hartshorne NJ, Harruff RC, Alvord EC. Fatal head injuries in 29. Turnage B, Maul Kl. Saclp laceration: an obvius 'ocult' cause of
ground-level falls. Am Forensic Med Pathol 1997;iá(3):258-64. shock. South MedJ 2000; ítf(3):265-6.
12. Haug RH, Prather J, Indersano T. An epidemiologic survey of 30. Zacharides N, Vairaktaris E, Papavassilou D et ai. Orbital apex
facial fractures and concomitant injuries. Journal of Oral and syndrome. InternationalJournal of Oraland MaxillofacialSur
Maxillofacial Surgery 1990;4Ã926-32. gery 1987,16:352.
Lesões de Partes Moles
da Face — Atendimento
Primário e Reparo

Carlos Henrique Frõner Souza Góes


Mateus C. Kawasaki

José Marcos Mélega

INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO DO PACIENTE


As lesões de face e pescoço constituem capítulo desa As emergências mais graves no traumatismo de face
fiador para o cirurgião na urgência. O paciente com são a obstrução das vias aéreas e o sangramento ativo,
lesões em face pode ter sua auto-estima comprometi tendo prioridade no atendimento. Devido a possibili
da, demandando do cirurgião diagnóstico e tratamen dade de traumas craniano e cervical associados, o pes
to apurados. O objetivo principal do tratamento é coço do paciente deve ser estabilizado com colar cer
obter um bom resultado funcional e estético, evitan vical, não devendo ser mobilizado antes que lesão cer
do complicações e seqüelas. Este atendimento deve vical tenha sido descartada.
sempre ser realizado por cirurgião com treinamento Após o paciente ter sido examinado apropriada
apropriado e muitas vezes com abordagem multidisci mente e qualquer lesão que ofereça risco de vida tenha
plinar. sido controlada, o cirurgião plástico deve realizar ava
Com base em estatísticas americanas e européias, liação e tratamento adequados. O reparo dessas lesões
a grande maioria das lesões traumáticas na face (apro deve ser feito assim que as condições gerais do pacien
ximadamente 80%) é causada por acidentes automo te o permitam8.
bilísticos. Extrapolando para a realidade nacional, po A avaliação deve ser iniciada com exame clínico
demos considerar também o mesmo quadro mas com detalhado da face, técnica estéril e luz adequada. Deve
tendência à redução, principalmente da gravidade das ser investigada a presença de corpo estranho e lesões
lesões, após a obrigatoriedade do uso de cintos de se- em estruturas vitais como nervos, duetos e órgãos.
gurança111-2'. Um erro comum é a falha na identificação destas le
Outro dado estatístico importante é que nos ca sões, levando à exploração cirúrgica posterior. Em pa
sos de mordeduras animais em crianças a grande maio cientes conscientes, as funções motoras e sensitivas
ria (aproximadamente 80%) ocorre na face, ao passo dos nervos podem ser avaliadas. Deve ser dada aten
que nos adultos essa incidência é consideravelmente ção também à cavidade oral, procurando por lesões
menor (aproximadamente 10°/o)15,18. na língua e dos duetos de Stensen (ou Stenon, latini-

358
Traumatismos de Partes Moles da Face - Atendimento Primário e Reparo 359

zado) e Wharton. Um exame ocular detalhado está


REPARO
sempre indicado, uma vez que as lesões do globo ocu
lar têm precedência no tratamento em relação às pálpe- Após o atendimento inicial de urgência e estabiliza
bras1-10-12'20-25. ção hemodinâmica do paciente, a ferida deve ser lim
É importante obter uma história clínica de to pa cuidadosamente, retirando-se todo tipo de material
dos os pacientes, sendo importante as informações estranho. Bloqueios anestésicos locais, regionais ou até
de familiares quando o paciente se encontra incons mesmo anestesia geral podem ser realizados neste
ciente. Alguns antecedentes devem ser investigados, momento para minimizar a dor e facilitar a aborda
como: medicações, tabagismo, etilismo, drogas, aler gem da ferida. As feridas devem ser examinadas sob
gias, diabetes, cirurgias prévias, implantes e lentes técnica asséptica e devidamente palpadas ou explora
oculares. A vacinação antitetânica deve ser conferida das na investigação de fraturas. Todos os pêlos presen
e atualizada em todos os pacientes, bem como glo- tes nas margens da ferida devem ser removidos para
bulinas antitetânicas, nos casos indicados, e vacina facilitar o exame e o reparo da lesão, exceto sobrance
ção anti-rábica nos casos de mordeduras animais com lhas. Crianças geralmente necessitam de anestesia geral
indicação para tal. para uma melhor avaliação e tratamento.
A documentação fotográfica dos casos deve ser O melhor método para limpeza da ferida é a irri
gação local com solução salina pressurizada, sendo o
uma rotina, sendo importante para o registro do mo
soro fisiológico a 0,9% a solução com melhor custo/
mento de chegada e seguimento do caso, e também
benefício. Todo tecido desvitalizado deve ser removi
como documentação, tendo valor legal.
do para prevenir infecções futuras na ferida, bem como
Na investigação das lesões, uma série completa de
deve ser realizada a regularização das bordas da ferida.
radiografias da face deve ser obtida para investigar fra
A limpeza local e a descontaminação são mais impor
turas e corpos estranhos (p. ex., metal e/ou vidros) no
tantes que o uso de antibióticos4,131418.
local do trauma11.
Quando há lesões em planos mais profundos
O tipo de agente causador do trauma também é como fraturas, lesões de nervos, duetos ou órgãos, es
importante na avaliação, pois lesões por armas de fogo tas devem ser corrigidas antes do reparo de estruturas
causam danos em partes moles que se mostram algu mais superficiais.
mas vezes irreconhecíveis no atendimento inicial, e Antes do tratamento o paciente e/ou os familia
lesões por esmagamento são mais suscetíveis à infec res devem ser informados da possível necessidade de
ção5. novos procedimentos cirúrgicos de revisão, com fina
Qualquer sangramento das feridas pode ser con lidade estética ou reparadora.
trolado por compressão direta, não devendo ser feito O melhor tempo para reparo primário das lesões é
uso intempestivo de pinças hemostáticas ou ligadu dentro das primeiras 8 horas pós trauma, dependendo
ras, com risco de lesar estruturas nobres. do agente causador, de saúde do paciente e do tipo de
lesão. No entanto, a rica vascularização dos tecidos faciais
garante melhor capacidade de combate à infecção e maior
INVESTIGAÇÃO POR IMAGENS viabilidade de retalhos, de modo muito superior às ou
tras regiões do organismo. Esta particularidade anatômi
O exame mais utilizado para investigação de traumas ca permite que sempre seja realizado o reparo primário
de face é a radiografia simples, que pode fornecer da de ferimentos de partes moles independente do fator tem
dos valiosos, tendo muitas vezes sua qualidade preju po pós-trauma, sem aumentar de maneira significativa as
dicada devido às circunstâncias de atendimento. A complicações e evitando seqüelas cicatriciais6,26.
tomografia computadorizada tem papel importante, O melhor método de reparo é a síntese primária,
fornecendo informações mais detalhadas para avalia podendo ser utilizados fios, grampos {staplers) ou
ção e programação do tratamento. A ressonância mag mesmo adesivos teciduais (colas), cabendo ao cirurgião
nética também é útil, principalmente em traumas fe a escolha da técnica mais apropriada. Quando há per
chados, com lesões de partes moles de difícil diagnós das extensas de tecido podem-se utilizar retalhos lo
tico. Deve-se lembrar que a ressonância magnética está cais com segurança, devido à vascularização superior
contra-indicada em pacientes com trauma orbitário até da face. Para feridas com alto grau de contaminação, o
que qualquer possibilidade de corpo estranho metáli fechamento primário retardado pode ser feito após 3
co no globo ocular tenha sido descartado pela tomo a 5 dias do trauma, dentro dos mesmos padrões do
grafia16. atendimento inicial já mencionado.
360 Cirurgia Craniomaxilofacial

Em todos os pacientes são utilizados antibióti bras devem ser reparadas por planos, com especial aten
cos de largo espectro para prevenir infecções, especi ção para as margens; os lábios devem ser suturados
almente se as lesões afetarem as cavidades oral ou na por planos, iniciando-se sempre pela junção da pele
sal. Podem ainda ser utilizados curativos com poma- com o vermelhão; a correta aproximação do músculo
das antibióticas. orbicular da boca é de especial importância; na asa
O reparo deve ser feito com material e técnica nasal o reparo preciso da rima alar é muito importan
apropriados para evitar traumas adicionais. Pontos em te, sendo muitas vezes necessário deixar algum tipo de
planos profundos podem ser úteis no sentido de di molde por até 4 semanas para prevenir estenose. A
minuir a tensão na pele e reduzir espaço vazio. exposição da cartilagem da orelha deve ser tratada com
O reparo de nervos pode ser realizado com lupas, desbridamento e fechada o mais rápido possível, para
utilizando-se fio de náilon 8,0 ou 9,0, com sutura epineu prevenir condrite.
ral simples. O dueto de Stenon pode ser reparado utili Detalhes sobre o reparo de lesões em áreas especí
zando-se fio 8,0 não-absorvível sobre um tubo de polieti- ficas são descritos adiante.
leno de fino calibre. Dueto lacrimal também pode ser
reparado da mesma forma, e com técnica semelhante à
utilizada para o dueto de Stenon. O tubo de polietileno ÁREAS ESPECÍFICAS
deve permanecer no local por 2 a 4 semanas.
Ferimentos por armas de fogo de qualquer veloci Os princípios gerais de avaliação, anestesia, limpeza
dade podem estar contaminados, resultando em infec local com solução salina pressurizada, desbridamento
ção bacteriana. O tratamento desse tipo de lesão deve de tecido desvitalizado e regularização de bordas são
incluir desbridamento, drenos, quando necessários, e mantidos para os ferimentos destas áreas da mesma
terapia antimicrobiana. As feridas irregulares elevem maneira que para qualquer outra região do organismo.
ter suas bordas regularizadas1"1.
A hemostasia deve ser cuidadosa para evitar for
Orelhas
mação de hematomas e complicações como abscessos.
Em alguns casos são necessários drenos para preven Ferimentos incisos ou cortantes, envolvendo pele e carti
ção de coleções; estes devem ser deixados no local por lagem, sem perdas significativas destes elementos, devem
um período médio de 24 horas. ser suturados primariamente —a cartilagem com pontos
Feridas humanas e animais devem ter suas bordas separados de náilon 5,0 ou 6,0, e a pele com pontos de
e trajetos excisados, quando possível, para diminuir a náilon 6,0, evoluindo com ótimo resultado estético.
contaminação por saliva. A possibilidade de raiva deve Quando há perda de substância de pele e cartila
ser investigada e orientações de acordo com as normas gem causando um defeito pequeno, a reparação por meio
da vigilância sanitária devem ser seguidas'\ de procedimentos para redução da orelha ou enxertos
Alguns tipos de lesões devem ser tratados com compostos são bastante adequados. (Detalhes das técni
especial atenção como: lesões estreladas devem ser des- cas para reconstrução parcial ou total da orelha serão
bridadas e suturadas por planos; lacerações das pálpe descritos no Cap. 73) (Fig. 27-1).

Fig. 27-1. Técnica para reparo de orelha com perda pequena de substância. O desenho apresenta o desbridamento e ajuste das bordas
da ferida e a ressecção de triângulos de compensação na extremidde inferior da lesão, permitindo a síntese primária das bordas, com
discreta diminuição da orelha.
Traumatismos de Partes Moles da Face - Atendimento Primário e Reparo 361

Em defeitos subtotais da orelha com perdas par com a finalidade de evitar deformidades nasais devido
ciais desta, após a limpeza da ferida faz-se a aproxima à síntese primária da pele ou a retração cicatricial da
ção dos tecidos viáveis. Após a cicatrização completa, mucosa nasal. Há também o enxerto condrocutâneo,
a orelha é abordada para reconstrução, utilizando-se retirado da concha auricular, para reconstrução da asa
simples retalhos de avanço ou suporte cartilaginoso. nasal. Outras alternativas possíveis, quando há perdas
Autores com larga experiência em reconstruções extensas de tecido, são os retalhos locais diversos, de
de orelhas mostram que não há vantagem em sepultar vendo sempre ser avaliada a viabilidade do tecido con
em região auriculomastóidea ou a distância a cartila siderando o trauma local.
gem auricular amputada e recuperada, pois sendo a Nos casos de avulsão e perda de segmento nasal
cartilagem auricular fina, maleável e tridimensional, deve ser realizada reconstrução com retalhos de vizi
quando sepultada em uma região bidimensional inva nhança ou a distância tardiamente. Nos casos de pre
riavelmente promoverá distorção e achatamento da servação da unidade nasal e com condições favoráveis
cartilagem, limitando seu uso e empobrecendo o re de vasos receptores o reimplante microcirúrgico pode
sultado estético final. Por isso, a opção é sempre a uti ser tentado.
lização de cartilagem costal em uma reconstrução tar
dia, que pode apresentar melhor resultado final.
Nas amputações totais da orelha, habitualmente Lábios e Cavidade Oral
na tentativa de reimplante microcirúrgico, a anasto
mose arterial evolui bem, mas a grande dificuldade Ferimentos superficiais menores do lábio podem ser
está em se obter sucesso na anastomose venosa. Atual tratados por meio de sutura simples ou pequenos reta
mente alguns autores reimplantam-na fazendo apenas lhos locais. As lesões com perdas superficiais maiores
a anastomose arterial associada ao uso intensivo de podem ser reparadas por meio de enxertos de pele ou
"sanguessugas medicinais", para descompressão veno mesmo retalhos locais3.
sa, até que haja uma neovascularização. Os ferimentos com perda de espessura total do lá
bio são reparados seguindo os princípios de cirurgia
para reconstrução do lábio, sendo que lesões que com
prometam até um terço do lábio podem ser coaptadas
Nariz
diretamente, com sutura apropriada em todos os pla
Os ferimentos envolvendo o nariz podem se apresen nos (mucoso, muscular e pele). Nos casos de perdas to
tar com lesão simples da pele como cortes lineares, tais maiores, as técnicas de reparo são iguais às da re
perda de tecido cutâneo ou mucoso, laceração, avul construção de lábio, descritas em capítulo específico.
são ou simples contusão. Na sutura do lábio é de fundamental importância
Os casos que apresentam apenas contusão, sem a síntese muscular, uma vez que a descontinuidade
lesão da integridade da pele, devem ser examinado com muscular torna-se muito evidente durante a movimen
a finalidade de se detectar algum hematoma, que deve tação do lábio.
ser puncionado e drenado, caso presente (especialmente Geralmente os ferimentos que acometem a espes
no septo), uma vez que, permanecendo, pode levar à sura total do lábio evoluem com retração cicatricial e
necrose da mucosa ou deformidade ou reabsorção das entalhe no vermelhão, o que pode ser corrigido tardi
estruturas cartilaginosas. amente por meio de uma zetaplastia, ou no reparo
Os ferimentos simples da pele nasal devem ter suas inicial do ferimento, realizando zetaplastia com o in
bordas regularizadas e suturadas primariamente, quan tuito de evitar retração cicatricial tardia (Fig. 27-2).
do possível. A mucosa nasal, quando apresenta feri Os ferimentos que acometem a transição muco
mentos simples, estes podem ser suturados com fio cutânea merecem atenção especial, sendo que um mí
absorvível, porém não necessitam obrigatoriamente de nimo desalinhamento (lmm) é facilmente reconheci
sutura, mas apenas de tamponamento nasal por 24 a do, constituindo deformidade aparente. Com a finali
48 horas, utilizando tampão com vaselina líquida ou dade de se evitar esta deformidade, a sutura do lábio
pomada antibiótica. Nos casos de lesões maiores ou deve ser iniciada sempre com a correta disposição da
lacerações a sutura é obrigatória, seguida também de linha mucocutânea, porém sem colocar sutura exata
tamponamento nasal por 24 a 48 horas. mente na linha de transição mucocutânea, pois pode
Quando o ferimento apresenta lacerações ou per evoluir com hiperemia no local do ponto e distorcer a
da de tecido extensa, impossibilitando a sutura direta, linha de transição; portanto, os pontos devem ser co
podem ser utilizados enxertos de pele ou de mucosa, locados imediatamente acima e abaixo da transição.
362 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 27-2. Representação


esquemática de técnica alternativa
ao reparo direto de lesão em lábio
superior em plano total. A lesão é
reparada com zetaplastia com o
objetivo de avitar retração cicatricial
tardia.

Ferimentos menores da mucosa bucal podem ser da de até um quarto (ou um pouco mais, em idosos)
suturados com pontos absorvíveis ou mesmo ser acom da extensão horizontal da pálpebra podem ser sutura
panhados, evoluindo com cicatrização em segunda das diretamente. Nos casos de perdas maiores o trata
intenção. Os ferimentos maiores podem ser tratados mento adequado é feito por meio de métodos con
com retalhos locais ou com enxerto de mucosa. vencionais de reconstrução palpebral (Fig. 27-6).
Quando há acometimento do orifício de drena Nas lesões da pálpebra superior deve ser dada aten
gem do dueto parotídeo, localizado no vestíbulo na ção especial à investigação de lesões do músculo eleva
região do segundo molar maxilar, este deve ser catete- dor da pálpebra. Esta lesão é facilmente identificada
rizado com um tubo de polietileno de fino calibre e no paciente colaborativo, pedindo para que o mesmo
deixado por algumas semanas, com a finalidade de se eleve a pálpebra. Havendo lesão, esta deve ser reparada
evitarem estenoses. com pontos separados de náilon 6,0 monofilamentar,
aproximando o segmento distai do músculo à sua apo
neurose no tarso. Estas lesões, quando não-identifica-
Pálpebras
das e prontamente reparadas no atendimento inicial,
As pálpebras e seus anexos orbitários são estruturas apresentam como seqüela uma ptose palpebral que
muito importantes na fisiologia do globo ocular. O necessitará de procedimento reparador tardiamente.
objetivo principal do reparo palpebral é a preserva Nos casos em que a oclusão palpebral está preju
ção da visão mediante a proteção ativa e efetiva do dicada e se tem programado o reparo da lesão em tem
globo ocular e manutenção da função de seus anexos po posterior, deve ser realizada uma blefarorrafia, evi
orbitários. tando assim que a córnea fique exposta, levando a ul
Nas lesões menores, as bordas palpebrais podem cerações. Os pontos de blefarorrafia devem ser retira
ser reparadas por meio de síntese direta. Consideran dos em um prazo máximo de 5 a 7 dias.
do as particularidades das estruturas palpebrais, a sín Quanto às lesões canaliculares, aquelas do canalícu-
tese direta destas deve seguir alguns detalhes técnicos lo inferior são mais graves que as do superior, pois a
para uma boa evolução. Esses detalhes - como fecha drenagem do filme lacrimal se faz preferencialmente
mento da conjuntiva, alinhamento da placa tarsal, através do canalículo inferior. Portanto, a oclusão do
músculos e rebordo orbitário - são explicados com canalículo superior raramente ocasiona epífora, ao pas
maiores detalhes na seqüência de figuras a seguir22 (Figs. so que oclusão do inferior geralmente ocasiona. Quan
27-3 a 27-5). do não é possível realizar a cateterização e síntese dos
Quando a lesão for extensa ou com perda de subs duetos lacrimais no momento do reparo primário, o
tância, as bordas devem ser regularizadas de maneira paciente deve ser orientado, seguido e preparado para
geométrica apropriada (pentagonal), e lesões com per reconstrução aproximadamente 6 meses após o trauma.
Traumatismos de Partes Moles da Face - Atendimento Primário e Reparo 363

Fig. 27-3. Comparação de reparo de lesão de plano total em pálpebra inferior. A. Através de síntese direta convencional, após ajuste das
bordas em V, evoluindo como retração cicatricial da borda. B. Síntese direta após ajuste adequado das bordas em pentágono, evoluindo
sem retração cicatricial.

Fig. 27-4. Técnica de Mustardé para síntese da borda palpebral (superior ou inferior). A. Ponto de vicryl 5,0 ou seda 5,0 na linha cinzenta
para ajuste de posição das bordas, seguido de sutura contínua de náilon 6,0 tarso-conjuntuval. B. Aproximação do músculo orbicular com
pontos de vicryl 6,0. C. Sutura contínua da pele com pontos de náilon 56,0, deixando as extremidades longas para serem presas a distância
da borda palpebral.
364 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 27-5. Técnica para síntese direta da borda palpebral (superior ou inferior). A. Três pontos de vicryl 6,0 são dados, sendo um na linha
cinzenta e outros dois um anterior e outro posterior ao primeiro, para ajuste de bordas. B. Traciona-se os pontos de reparo para
apresentação e segue-se com a aproximação das bordas tarsais com pontos de vicryl 5,0, sem acometer a conjuntiva. C. Com o mesmo
vicryl aproxima-se o músculo orbicular. D. Amarram-se os pontos de reparo e completa-se a cirurgia com a síntese da pele com sutura
contínua de náilon 6,0, deixando as extremidades dos fios longas para serem presas distantes da borda palpebral.

CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS Após este período a ferida cirúrgica pode ficar


Os cuidados pós-operatórios dependem do paciente e exposta, sendo mantida limpa, como também pode
do cirurgião. A ferida deve ser mantida limpa e pode- ser ocluída com fita adesiva, desde que não apresente
se utilizar algum tipo de pomada antibiótica. secreção ou sinais de infecção.
Curativos oclusivos são de grande importância E importante também lembrar a importância do
durante as primeiras 24 a 48 horas do pós-operatório, curativo compressivo, pois este diminui o espaço va
tempo necessário para epitelização, evitando exposi zio, previne hematomas, e evita coleções líquidas, além
ção e contaminação da ferida. de reduzir o edema pós-operatório.
Traumatismos de Partes Moles da Face - Atendimento Primário e Reparo 365

^r*^ >^á^«^\lHffe
^

Fig. 27-6. Técnica de cantotomia e cantólise lateral para reparo de lesões palpabrais de espessura total acometendo mais de 25%"da
extensão da pálpebra, podendo ser suturadas primariamente. A. Lesão acometendo mais de 25% da pálpebra inferior. B. Incisão
horizontal do canto lateral até o rebordo orbitário. C. Descolamento da pele e conjuntiva do ramo inferior do ligamento palpebral lateral.
D. Exposição e incisão do ligamento palpebral lateral. E. Aproximação das bordas da lesão. F. Sutura da borda palpebral (conforme descrito
nas Figuras 27-4 e 27-5) e síntese da pele lateralmente.

Em alguns casos, o uso de esteróide endovenoso está indicado. A massagem local pode ter utilidade, e a
pode ser útil para diminuir o edema das partes moles cobertura cosmética da cicatriz pode ser iniciada em
na fase aguda, especialmente em pacientes com trau 15 dias.
matismos severos. Pacientes com história de quelóide podem utili
O antibiótico sistêmico é mantido por um perío zar malhas compressivas ou placas de silicone.
do de uma semana, e qualquer sinal de celulite ou abs-
cesso deve ser tratado com drenagem e a antibiotico
terapia reavaliada, guiando-se por cultura e antibiogra-
ma de material da ferida.
SEQÜELAS
Os pontos em lesões na face não-complicadas de
vem ser retirados em 3 a 5 dias para prevenir a forma A avaliação e o tratamento adequados das lesões na
ção de cistos de inclusão. Suturas em áreas de tensão face são a melhor maneira de prevenção de seqüelas.
ou em pacientes com cicatrização alterada devem ser Qualquer revisão de cicatriz deve ser postergada no
deixadas por um período de 7 a 10 dias. Após a retira mínimo por 6 meses ou mais, dependendo dos sinais
da dos pontos, a cicatriz pode ser protegida com fitas locais de atividade cicatricial. Nos casos de deformida
adesivas. des maiores, estas devem ser tratadas com técnicas de
A exposição solar deve ser evitada por seis meses, reconstruções específicas, descritas nos capítulos per
e o uso de filtros solares com alto poder de proteção tinentes sobre revisão de cicatrizes2.
366 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 27-7. Paciente vítima de mordeduro canina, com perda de


parte da orelha direita.

Fig. 27-9A. Paciente politraumatizado, vítima de acidente auto


mobilístico, com escoriação em dorso e perda de tecido de couro
Fig. 27-8A. Paciente vítima de mordedura canina na face com cabeludo. B. Paciente 5 dias após o acidente, com epitelização
avulsão de pele de hemiface esquerda. Intra-operatório do atendi parcial de dorso e início de granulação na ferida de couro cabelu
mento inicial, após limpeza local e regularização das bordas. B. do. C. Paciente um mês após o atendimento inicial, tendo sido
Pós-operatório imediato, após enxerto de pele parcial (área doa- submetido a cirurgias para confecção de retalhos locais e enxertos
dora - coxa direita), no atendimento inicial. de pele parciais, no tratamento das lesões de couro cabeludo.
Traumatismos de Partes Moles da Face - Atendimento Primário e Reparo 367

Fig. 27-10. Paciente vítima de acidente


automobilístico, com trauma de face em
pára-brisa, em uso de cinto de segurança, com
lesões menores na face.

Fig. 27-1 IA. Paciente vítima de acidente automobilístico, com trauma de face em pára-brisa (não usava cinto de segurança). Apresentou
múltiplas lesões de partes moles, com lesão severa de pálpebra superior direita, secção total do tarso superior e laceração da musculatura
local. Pré-operatório em detalhe. B. Detalhe do pós-operatório imediato. C. Pós-operatório imediato, após sutura do tarso, reaproximação
da musculatura e síntese da pele. D. e E. Pós-operatório de 6 meses. Paciente apresentou ptose moderada como seqüela, devido à
disfunção do músculo elevador da pálpebra.
368 CirurgiaCraniomaxilofacial

15. Matton G. Soft tissue trauma ofthe face. Acta Chir Belg 1991;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97:192.

1. Ali T, Sheperd JP. The measurement of injury severity. British 16. Mauriello J, Lee H, Nguyen L. CT of soft tissue injury and
Journal ofOral andMaxillofacial Surgery 1994; 52:13-8. orbital fractures. Radiol Clin North Am 1999; 57:241.

2. Amaral AB, Tardelli HC, Mélega JM. Correção de cicatrizes. In: 17. Monteil JP, Esnault O, Brette MD, Lahbabi M. Chirurgie des
Mélega JM (ed.). Cirurgia Plástica - Fundamentos e Arte. Rio traumatisms faciaux. EncyclMéd Chir(Elsevier, Paris),Techni
de Janeiro: MEDSI, 2002; 7:271-82. ques chirurgicales - Chirurgie plastique et reconstructrice et es
thétique, 45-505, 1998, 26p.
3. Armstrong BD. Lacerations of the mouth. Emerg Med Clin
North Am 2000, 75(3):471-80. 18. Morgan JP III, Haug RH, Murphy MT. Management of facial
dog bite injuries.Journal ofOralandMaxillofacial Surgery 1995;
4. Brunner R, Fallon W A prospective, randomized clinicai trial of
55:435.
wound debridement versus conservative wound care in soft-tis-
sue injuryfrom civilian gunshotwounds. AmSurg 1990; 56104. 19. Nakhgevany KB, LiBassi M, Esposito B.Facial trauma in motor
vehicle accidents: etiological factors. AmericanJournal ofEmer
5. Cluroe A. Superficial soft tissue injury. AmJ Forensic Med
gency Medicine 1994; 72:160-3.
Pathol 1995, 76:142.
20. Paatsama J, Suuronen R, Lindqvist C. Establishing a clinicai
6. Góes CHFS, Arantes HL, Kawasaki MC. Princípios básicos da
técnica em cirurgia plástica. In: Mélega JM (ed.) Cirurgia Plástica diagnosis and surgical treatment plan. In: Booth PW, Schendel
- Fundamentos e Arte. Rio de Janeiro: MEDSI 2002; 7:25-37. SA, Hausamen JE (eds.) Maxillofacial Surgery Londres: Chur-
chill-Livingstone, 1999; 7:21-43.
7. Góes CHFS, Arantes HL, Kawasaki MC. Traumatismo de partes
moles. In: Mélega JM (ed.) Cirurgia Plástica - Fundamentos e 21. Pellerin P, Patenotre P. Chirurgie des pertes de substance com-
Arte. Rio de Janeiro: MEDSI 2002; 7:263-70. plexes ou étendues de Ia région cervicofaciale. EncyclMédChir.
(Elsevier, Paris), Techniques chirurgicales - Chirurgie plastique
8. Hellfrick J. Early assessment and treatment planning ofthe maxi et reconstructrice et esthétique, 45-510, 1999, 12p.
llofacial trauma patient. In Fonseca R, Walker R (eds.) Oral and
maxillofacial trauma. WB. Saunders Company, 1991:279-300. 22. Pitanguy I, Sbrissa RA (eds). Atlas de cirurgia palpebral. Rio de
Janeiro: Editora Colina/Revinter, 1994:45-47 e 79-80.
9. Holt G. Conceptsof soft tissue traumarepair. Otolaryngol Clin
North Am 1990; 25:1.019. 23. Schmelzeisen R, Gellrich NC. The primary management of
10. Key SJ, Thomas DW, Sheperd JP. The management of soft soft-tissue trauma. In: Booth PW, Schendel SA, Hausamen JE
tissue facial wounds. British JournalofOraland Maxillofacial (eds.) MaxillofacialSurgeryLondres:Churchill-Livingstone1999;
7:229-44.
Surgery 1995; 55:76-85.
11. Lammers RL, Magill T. Detection and management of foreign 24. Schultz RC. Soft tissue injuries ofthe face. In:Aston SJ, Beasley
bodies in soft-tissue. EmergencyMedicai Clinics of North RW, Thorne CHM (eds.) Grabb and Smith'sPlasticSurgery, 5
America 1992; 10.767. ed. Philadelphia: Lippincott-Raven Publisher, 1997:371.
12. Lee R, Gamble B, Robertson B, Manson P. The MCFONTZL 25. Singer AJ, HoIIander JE, Quinn JV. Evaluation and manage
classification system for soft-tissue injuries to the face. Plast ment of traumatic lacerations. N EnglJ Med. 1997; 557:1.142.
Reconstr Surg 1999; 705:1.150. 26. SingerAJ, HollanderJE,ValentineSM et ai. Prospective, rando
13. Madden J, Edlich R, Schauerhamer R et ai. Application of mized, controlled trial of tissue adhesive (2-actylcyanoacrylate)
principies of fluid dynamics to surgical wound irrigation. Curr vs standard wound closure techniques for lacerations repair.
Top Surg Res 1971; 5:85. Stony Brook Octylcyanoacrylate Study Group. AcadEmerg Méd.
14. Manson PN. Facial injuries - gunshot wounds ofthe face. In: 1998; 5(2):94.
McCarthy JG (ed.) Plastic Surgery, vol 2 TheFace, Part1, Phila 27. Tunbridge R. The long-term effect of seat-belt legislation on
delphia: WB Saunders, 1990:1.124-34. road-user injury patterns. Health Bulletin 1990; 48: 347-9.
Traumatismos Oculares

Nilva S. B. Moraes
Rubens Belfort Jr.

INTRODUÇÃO
Os traumas oculares são freqüentes tanto na infância como
na idade adulta e estão relacionados, principalmente, a
acidentes automobilísticos, de trabalho, ao ambiente
domiciliar e à violência urbana. A maior incidência de
trauma ocular ocorre em adultos jovens, do sexo mascu
lino, provavelmente pela maior exposição aos fatores
desencadeantes. Pacientes com visão útil em um olho,
bem como submetidos à cirurgia ocular prévia, princi
palmente as que envolvem o segmento anterior do glo
bo ocular (catarata, glaucoma, transplante de córnea, ci
rurgia refrativa etc), e portadores de alterações oculares Fig. 28-1. Trauma ocular com laceração de pálpebra e perfuração
preexistentes (degencrações retinianas miópicas, esclero- ocular.

malacia etc.) apresentam uma maior morbidade ao trau


ma ocular devido às condições mais frágeis do olho.
Pode-se classificar o trauma ocular em aberto, quan
Acidentes envolvendo o globo ocular variam des
do há solução de continuidade, e fechado. Um trau
de pequenas lesões do tipo abrasões até perfurações
ma ocular fechado, anteriormente chamado de contu-
extensas graves, sendo de fundamental importância
so, pode acarretar alterações oculares tão ou mais seve
para o não-especialista, que na maioria das vezes presta
ras que o trauma penetrante.
o primeiro atendimento ao acidentado, saber exami
nar, diagnosticar e orientar com precisão casos de trau
ma ocular (Fig. 28-1).
EXAME OFTALMOLÓGICO
O trauma ocular não é uma emergência (não coloca
em risco a vida do paciente), mas deve ser considerado É importante uma história cuidadosa com descrição
como uma urgência, ou seja, requer tratamento rápido detalhada do trauma. Perguntas sobre o local da ocor
para avaliação do grau do comprometimento ocular. rência (trabalho, trânsito ou domicílio), o tipo e o for-

369
370 Cirurgia Craniomaxilofacial

mato do objeto que atingiu o olho (pedra, bola de tê menos, a averiguação da presença ou não de projeção e
nis), material (vidro, limalha) ou substância química percepção luminosa nos quatro quadrantes do campo
envolvida (álcali ou ácido) e uso ou não de lentes de visual. Em casos de traumatismos severos, a ausência de
contato ou óculos por ocasião do trauma devem ser informação de percepção luminosa num primeiro tem
efetuadas e permitirão uma estimativa da gravidade do po pode ser decorrente de um abalo psicológico ou
trauma, levando à pesquisa de corpos estranhos intra- mesmo cerebral, e uma segunda pesquisa deve ser feita
oculares, possíveis roturas ocultas da parte posterior do posteriormente, para confirmar ou não o prognóstico
olho por traumas confusos e fraturas orbitárias. visual do olho traumatizado. Segue-se com o exame da
O exame ocular deve ser minucioso. Começa com musculatura extrínseca ocular, que só deve ser realizado
o exame geral externo da face, pálpebras (Fig. 28-2) e quando houver certeza de não existir perfuração. A res
do bulbo ocular à procura de lacerações, corpos estra trição da movimentação ocular pode indicar um encar-
nhos, perfurações e alterações do posicionamento do ceramento dos músculos externos em decorrência de
olho (desvios, proptose, enoftalmia etc.) (Fig. 28-3). fratura orbitária, principalmente do soalho da órbita. A
Equimose periorbitária e palpebral pode ser indicati queixa de diplopia é comum nesses casos.
va de fratura orbitária e da base do crânio; a presença O exame do segmento anterior do olho inclui a con
de sopro na órbita indica fístula carotidocavernosa, e juntiva, a córnea, câmara anterior, íris, ângulo camerular,
a crepitação sugere fratura de seios da face. cristalino e vítreo anterior, sempre com a lâmpada de
Após o exame externo, avalia-se a acuidade visual, lenda. O uso da lanterna pode ser de auxílio na avaliação
o que pode ser difícil em uma sala de emergências. Car grosseira da profundidade e presença de sangue (hifema)
tões e tabelas de medida da visão elevem ser mantidos ou pus (hipópio) na câmara anterior (Fig. 284), nas altera
em prontos-socorros com essa finalidade. Nos traumas ções mais grosseiras de superfície ocular (hemorragias e
graves com paciente consciente, é importante, pelo quemose conjuntival, opaciíicações corneanas [Fig. 28-5],

Fig. 28-2. Edema palpebral unilateral secundário a trauma de Fig. 28-4. Hipópio.
face.

Fig. 28-3. Corpo estranho intracorneano. Fig. 28-5. Opacidade corneana com úlcera de córnea central.
Traumatismos Oculares 371

í •
• m
lp 1
B(r"' fl
lá 1

Fig. 28-7. Ultra-sonografia ocular com opacidades vitreas e


presença de corpo estranho intra-ocular.
Fig. 28-6. Perfuração ocular com hérnia de íris.

lacerações etc.) e, também, na identificação de corpos HEMORRAGIAS, CORPOS ESTRANHOS E


estranhos maiores. Cuidado especial deve ser dado à LACERAÇÀO CONJUNTIVAL
presença desses corpos estranhos na superfície ocu Hemorragia subconjuntival é um achado freqüente
lar, uma vez que eles podem, na verdade, ser hernia- nos traumas oculares, podendo ser indicativa de rotu-
ções do conteúdo intra-ocular (p. ex., íris), não de ra do bulbo ocular, principalmente se for volumosa e
vendo, portanto, ser tracionado na tentativa de extra revelar a presença de pigmentos. Frente a uma hemor
ção (Fig. 28-6). ragia subconjuntival com suspeita de perfuração ocu
O exame do reflexo pupilar é extremamente im lar, deve-se sempre indicar uma cirurgia exploradora
portante, mas pode estar prejudicado por alterações (Fig. 28-8). A hemorragia subconjuntival simples, sem
irianas secundárias ao trauma. As pupilas devem ser perfuração, não traz qualquer conseqüência, apesar de
examinadas quanto a formato, irregularidades e posi poder causar grande preocupação aos pacientes. Ne
ção. Desvios do posicionamento da pupila podem ser nhuma medicação diminui efetivamente o tempo de
um sinal oculto de perfuração ocular. O cristalino pode reabsorção do sangue (2 semanas), e o paciente deve
estar rompido, subluxado ou mesmo luxado para a
ser esclarecido sobre este fato. Enfisema subconjunti
câmara anterior ou posterior do olho.
val é altamente sugestivo de fratura do seio etmoidal.
Frente à constatação de perfuração ocular deve-se,
Avaliação radiológica deve ser feita para confirmar esse
imediatamente, interromper o exame, e o paciente deve
diagnóstico.
ser preparado para ser examinado e para eventual cor
Corpos estranhos conjuntivais são facilmente re
reção sob anestesia geral.
movidos com anestesia tópica (colírios ou instalação
Todo paciente que sofreu trauma ocular, aberto
da xilocaína) e uso de cotonete ou pinça. Após sua
ou fechado, deve também ser submetido à oftalmos-
retirada, não há necessidade do uso de curativos nem
copia indireta por um oftalmologista, para avaliação
da retina e vítreo.
A avaliação ultra-sonográfica (Fig. 28-7) e, se ne
cessário, por tomografia computadorizada pode ser de
grande auxílio no trauma ocular, principalmente nos
acidentes perfurantes com suspeita de corpo estranho
intra-ocular. A ultra-sonografia ocular pode fornecer
maiores detalhes sobre a localização, tamanho e lesões
oculares associadas. Para a sua realização, devemos to
mar todos os cuidados do exame em olho com solu
ção de continuidade. A ressonância magnética deve
ser evitada nos casos de suspeita de corpo estranho
intra-ocular metálico, pois este pode lesar estruturas
oculares adjacentes durante a vibração da ressonância,
causando lesões oculares ainda mais severas do que o Fig. 28-8. Hemorragia subconjuntival e corectopia em paciente
próprio trauma. com perfuração ocular oculta.
372 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 28-9. Corpo estranho aderido em conjuntiva tarsal superior. Fi9- 28"1 °- CorP° estranho corneano.

de medicação tópica. Corpos estranhos alojados na


mento de ceratites fúngicas. Corpos estranhos pro
conjuntiva tarsal superior caracteristicamentc causam fundos devem ser retirados em centro cirúrgico oftal-
ceratite na metade superior da córnea (em conseqüên mológico devido ao risco de perfuração corneana, po
cia do piscar), sendo necessária a eversão da pálpebra dendo ainda ser necessário o uso de sutura, substân
superior para a sua retirada (Fig. 28-9), seguida de cura cia viscoelástica, tecido adesivo (cianoacrilato) ou en
tivo oclusivo com pomada de antibiótico de amplo xerto corneano (patch) para selar uma perfuração se
espectro. A eversão palpebral deve ser evitada até que cundária à extração (Fig. 28-11). Após a retirada do
se confirme a integridade do globo ocular. corpo estranho corneano, curativo oclusivo deve ser
As lacerações conjuntivais freqüentemente acom feito com o uso de pomada antibiótica de amplo es
panham as perfurações do globo ocular, sendo impres pectro.
cindível a pesquisa de perfuração escleral subjacente.
Com o auxílio de anestesia tópica e uma pinça, a con
juntiva pode ser afastada e a esclera examinada. Se não
houver lesão escleral e a laceração conjuntival tiver me QUEIMADURAS OCULARES
nos de lOmm, pode-se deixá-la cicatrizar por segunda As queimaduras oculares podem ser divididas em quí
intenção. Se maior, sutura com fios absorvíveis está micas, térmicas e por irradiação. Dentre as queimadu
indicada, sob anestesia tópica. ras químicas, substâncias alcalinas são mais graves e
devastantes do que aquelas causadas por substâncias
ácidas, pois os álcalis penetram o olho, lesando o es-
troma e o endotélio corneano e as estruturas intra-
ABRASÕES E CORPOS ESTRANHOS
oculares. As queimaduras por álcalis são consideradas
CORNEANOS
urgências verdadeiras em oftalmologia e devem ter tra
Abrasões do epitélio corneano são causadas pelo trau tamento imediato.
ma direto ou tangencial de corpos estranhos. As len Essas queimaduras podem ser classificadas em grau
tes de contato também podem causar abrasões cor- I —dano do epitélio corneano sem isquemia limbar
neanas e, nestes casos, atenção especial deve ser dada (Fig. 28-12); grau II —leve opacidade de córnea e isque
devido à possibilidade de infecção. As abrasões cor- mia limbar menor que um terço (Fig. 28-13); grau III —
neanas são dificilmente visíveis a olho nu, mas a ins- epitélio corneano totalmente perdido, a opacidade
tilação de colírio de fluoresceína a 2% é de grande corneana não permite observação de detalhes da íris e
ajuda, pois o corante irá delimitar a área corncana há menos de dois quadrantes de isquemia limbar (Fig.
desepitelizada. 28-14); grau IV —córnea opaca, não permitindo a ob
Corpos estranhos corneanos causam dor, fotofo- servação de nenhuma estrutura intra-ocular e isquemia
bia e lacrimejamento intenso. Devem ser retirados com limbar maior do que dois quadrantes corneanos (Fig.
anestesia tópica, com o auxílio de lâmpada de fenda e 28-15).
uso de agulha ou espátula (Fig. 28-10). Corpos estra Quanto ao tratamento, deve-se inicialmente irri
nhos vegetais são de maior risco para o desenvolvi gar copiosamente o olho (no mínimo por 30 minu-
Traumatismos Oculares 373

'•';; ;';>'<ü£
k nonl
.

tf ^*íÉ^H
Fig. 28-11. Corpo estranho ocular. Fig. 28-14. Queimadura ocular com opacidade corneana severa.

Fig. 28-12. Queimadura ocular com desepitelização corneana. Fig. 28-15. Queimadura ocular com opacidade corneana severa
e isquemia limbar.

Fig. 28-13. Queimadura ocular com opacidade corneana leve. Fig. 28-16. Irrigação ocular pós-queimadura.

tos), com água destilada ou soro fisiológico, até que e corticóides, para diminuir a inflamação, e midriáti-
ocorra neutralização do pH conjuntival (o ideal é ava cos, para diminuir a dor do paciente. Após a conduta
liar a cada 5 minutos) (Fig. 28-16). É importante, tam imediata, o tratamento das seqüelas oculares passa a
bém, remover a conjuntiva necrosada e qualquer ves ter prioridade, pois é comum a necessidade de trans
tígio do material que tenha entrado em contato com plantes conjuntivais, de limbo ou de membrana am-
o olho, pois estes podem prolongar a alteração do niótica, para restabelecer as células conjuntivais ger-
pH. Após a retirada do material que causou a queima minativas e melhorar a transparência corneana. A
dura, a oclusão ocular deve ser feita com antibióticos melhora das condições da superfície ocular lesada é
374 Cirurgia Craniomaxilofacial

importante para a programação futura de transplan dos em repouso absoluto e em uso de medicação tópi
tes corneanos. ca, que consiste em corticóides e midriáticos. Esses paci
As queimaduras térmicas, por sua vez, são mais entes devem ser monitorizados diariamente quanto à
raras devido aos reflexos de defesa, do tipo fecha pressão intra-ocular e, se houver aumento da pressão,
mento palpebral, fenômeno de Bell etc. As mais fre hipotensores oculares tópicos e sistêmicos devem ser
qüentes são aquelas causadas por cinza de cigarro e usados, ou mesmo cirurgias fistulizantes e implantes
descargas elétricas. A conduta também é baseada na valvulados. Hifemas podem ressangrar no período com
retirada dos detritos das cinzas e oclusão ocular com preendido entre o segundo c quinto dias pós-trauma,
pomada de antibiótico, para permitir a reepiteliza- elevando o risco de aumento da pressão intra-ocular (Fig.
ção corneana. 28-17). O uso de medicação analgésica deve ser feita com
Dentre as queimaduras pós-irradiação, a ultravio substâncias que não interfiram com a coagulação.
leta é a mais freqüente. Após 6 a 10 horas da exposição,
o paciente queixa-se de fotofobia, sensação de corpo
estranho e lacrimejamento intensos. A irradiação ul TRAUMA PENETRANTE E PERFURANTE
travioleta da solda elétrica (arco voltáico) é uma das DO GLOBO OCULAR
mais freqüentes e ocorre quando o trabalhador não
usa óculos ou escudo de proteção. Juntamente com a Frente à perfuração, o exame oftalmológico deve ser
presença de corpo estranho corneano, a ceratite fotoe- interrompido, para se evitar pressão sobre o globo atra
létrica é a causa mais comum da procura do pronto- vés da força exercida pelo médico abrindo as pálpebras
socorro oftalmológico pelo paciente. A conduta é a e/ou aumento do blefaroespasmo reflexo, e o paciente
oclusão do olho traumatizado com pomada, e a recupe preparado para ser submetido â correção cirúrgica com
ração é rápida. anestesia geral (Fig. 28-18). E contra-indicado o uso de
qualquer medicação tópica (colírios e pomadas) pelo
risco de penetração e dano das estruturas intra-oculares.
Devem ser sempre solicitados raios X de face, frente e
CONCUSSÃO DO GLOBO OCULAR
perfil, à procura de corpos estranhos intra-oculares. O
A concussão do globo ocular pode levar à formação diagnóstico de perfuração ocular pode ser difícil, deven-
de hifema (sangue na câmara anterior do olho), infla do-se sempre ter em mente os principais sinais de perfu
mação intra-ocular (uveíte ou irite), iridodiálise, mi- ração oculta, que são a hipotonia, o desvio da pupila, a
dríase traumática, luxação e subluxação do cristalino, alteração na profundidade da câmara anterior, a que-
catarata, descolamento de retina, hemorragia vítrea e mose, a hemorragia subconjuntival volumosa e a pig-
glaucoma. Pacientes com concussão ocular devem ser mentação da conjuntiva (Fig. 28-19).
examinados pelo oftalmologista com urgência, para O objetivo primário da cirurgia de perfuração
avaliação com auxílio da lâmpada de fenda e oftal- ocular é a restauração da anatomia e fisiologia ocular,
moscópio indireto. com coaptação perfeita e ajustada da ferida, sem dei
De interesse especial são os casos de hifema, pois xar nenhuma folga ou espaço livre, não permitindo,
podem causar aumento da pressão intra-ocular (glauco assim, a saída do conteúdo do globo ocular (incluin
ma). Pacientes portadores de hifema devem ser coloca do o humor aquoso). A sutura corneana é feita com

Fig. 28-17. Cirurgia em hifema. Fig. 28-18. Lesão penetrante corneana.


Traumatismos Oculares 375

Fig. 28-19. Lesão penetrante escleral.

Fig. 28-21. Corpo estranho intra-retiniano.


fios inabsorvíveis, de preferência mononáilon 10 ou
11 zeros, em pontos separados. A esclera necessita, para
sutura, de fios mais resistentes, como o mersilene 5-0
ou seda 8-0, não-absorvíveis e pontos separados. A con
juntiva pode ser suturada com fios absorvíveis, como
o polivycril 6 ou 7-0. O uso de antibióticos sistêmicos
nos casos de trauma ocular aberto deve ser considera
do, pois a barreira hematoaquosa está modificada e
pode ocorrer maior penetração do antibiótico no olho.
Nos casos da presença de corpo estranho intra-
ocular, o risco de infecção (endoftalmite) (Fig. 28-20) é
maior e o agente infeccioso pode ser bacteriano ou Fig. 28-22. Retirada de corpo estranho intravítreo com eletroímã.

fúngico (Fig. 28-21). A indicação da retirada do corpo


estranho intra-ocular deve ser imediata, com o envio
do material para exame laboratorial e antibioticotera
pia tópica e sistêmica, além do uso de corticóides tó
pico e sistêmico (Fig. 28-22).

TRAUMA ORBITÁRIO
Podem ser sinais de fratura orbitária a equimose, o ede
ma bipalpebral, a restrição do movimento ocular, o enof
talmo, a proptose, as deformidades ósseas e o enfisema \
Fig. 28-23. Fratura de órbita à esqueda.

orbitário (Fig. 28-23). Dentre as fraturas, a mais comum é


a que envolve o soalho da órbita, que pode causar estra
bismo por encarceramento do músculo reto inferior,
Deve-se sempre avaliar o deslocamento do bulbo ocular,
palpar a rima orbitária, avaliar a distância intercantal, o
sistema de drenagem lacrimal, a sensibilidade da pele,
pesquisar enfisema orbitário, motilidade ocular, reflexos
pupilares e, ainda, solicitar raios X. A avaliação radiológi
ca da órbita traumatizada deve, rotineiramente, incluir as
projeções de Waters, Caldwell e crânio em frente e perfil.
Fig. 28-20. Corpo estranho intracristalino. Após o diagnóstico de uma fratura orbitária, será deter-
376 Cirurgia Craniomaxilofacial

envolvendo a mácula (Fig. 28-26), a visão ficará dimi


nuída, não existindo tratamento possível para evitar
essa seqüela, pois a cirurgia do buraco macular trau
mático não traz resultado nem anatômico nem visual

Fig. 28-24. Proptose à direita com hemorragia retrobulbar.

minado o tempo mais adequado para a intervenção ci


rúrgica, que não é, na maioria dos casos, imediata, aguar
dando-se a diminuição do processo inflamatório. Nos
casos de hemorragia retrorbitária volumosa, com desvio
do globo ocular para frente (proptose), a descompressão
orbitária deve ser realizada para diminuir o risco de com
prometimento do nervo óptico e baixa acentuada da acui- Fig. 28-26. Rotura de coróide.
dade visual (Fig. 28-24).

TRAUMA DE RETINA E VITREO

O vítreo e a retina podem estar comprometidos tanto


no trauma contuso como no penetrante. Um trauma
contuso envolvendo o segmento posterior do olho
pode causar roturas retinianas, de coróide e hemorra
gia vítrea. O diagnóstico precoce de uma rotura retini-
ana pode evitar a ocorrência de descolamento de reti
na (Fig. 28-25). A fotocoagulação com laser da rotura
retiniana está indicada no momento do seu diagnósti
co. Se existe buraco de mácula ou rotura de coróide

Fig. 28-27. Avulsão de nervo óptico.

Fig. 28-25. Rotura de retina em "ferradura"


à Fig. 28-28. Descolamento de retina com rotura.
Traumatismos Oculares 377

para o paciente. Na dependência da violência do trau nóstico retiniano seja bastante reservado. Nesses ca
ma ocular, pode haver mesmo a avulsão do nervo óp sos, a indicação cirúrgica deve ser precoce.
tico e perda da percepção luminosa (Fig. 28-27).
Nos casos de traumas penetrantes e perfurantes,
pode existir lesão da retina com encarceramento na
ferida ou mesmo extensas áreas de solução de conti REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
nuidade da retina, com a presença de descolamentos 1. Alves MR, Kara-José N, Prado Jr J et ai. Ferimento perfurante
de difícil tratamento (Fig. 28-28). A cirurgia para cor ocular:400 casosadmitidos no Hospital das Clínicasda Univer
reção do descolamento de retina deve ser precoce, e sidade de São Paulo. Arq Brás Oftalm 1995; 56(5):342-5.
realizada nos primeiros 15 dias após o trauma. Trata-se 2. Bordon AF, Souza LB, Moraes NSB, Freitas D. Perfuração ocu
de uma cirurgia complexa, em que todo o vítreo é lar - estudo de 437 casos. Arq Brás Oftalm 1994; 57:62-5.
retirado através da vitrectomia, com a fotocoagulação 3. Moreira CAA, Freitas D, Kikuta HS. Trauma Ocular. 2 ed., São
Paulo: Cultura Médica, 2000.
a laser na retina sendo a mais ampla possível e retirada
4. Noia LC, Araújo AHG, Moraes NSB. Queimaduras químicas
de todo o tecido encarcerado, mesmo que para isso oculares: epidemiologia e terapêutica. Arq Brás Oftalm 2000;
retinotomias extensas sejam necessárias. 6J(5):369-73.
A associação de hemorragias vitreas com o trau 5. Moraes NSB, Freitas D. Traumatismos oculares. In: Atualiza
ma, tanto aberto como fechado, faz com que o prog ção Terapêutica. 20 ed., São Paulo: Artes Médicas, 2001.
Traumatismo
Encefalocraniano

Mirto N. Prandini
San tino N. Lacauua

talidade em níveis de 40% a 50%, estando presente em


INTRODUÇÃO
aproximadamente 15% dos casos. Klauber ef ai. en
Ao nos depararmos com um paciente que tenha sido contraram índices de mortalidade de 6,2% nos trau
vítima de traumatismo cranioencefálico (TCE), uma matizados cranianos em que a pressão arterial encon
série de fatores deve ser levada em consideração. Ao trava-se acima de 85mmHg, enquanto esta proporção
cirurgião plástico, em especial, com a concomitância subia para 35,8% nos casos em que a PA se encontrava
de um traumatismo de face associado, é importante, em níveis abaixo de 84 mm Hg8'9.
de início, que alguns fatos sejam considerados. Para o neurocirurgião que vai acompanhar o paci
Dois dos mais importantes neurocirurgiões e pes ente, os dados da avaliação do estado neurológico nos
quisadores do capítulo do TCE1,3 já em 1978 afirma momentos da entrada no serviço de emergência.são de
vam que a maior parte dos óbitos que ocorriam no fundamental importância.
grupo de pacientes com traumatismos cranianos que Várias escalas foram elaboradas para a quantifica
chegavam vivos ao hospital, devia-se ao inapropriado ção das funções neurológicas. Tornou-se bastante acei
atendimento inicial prestado. ta a Escala de Coma de Glasgow (Quadro 29-1), cuja
De início, os cuidados mais importantes estão re pontuação varia de 3 a 157. Os pontos são atribuídos
lacionados à correção da hipoxia que, em geral, acom de acordo com três elementos de avaliação. Desse modo,
panha o paciente inconsciente numa proporção pró a abertura ocular recebe pontuação de 1 a 4; melhor
xima de 30%. A intubação endotraqueal é medida resposta verbal, de 1 a 5, e a melhor resposta motora,
impositiva. A hipotensão arterial eleva a taxa de mor de 1 a 6.

Qu adro 29-1. Escala de coma de Glasgow


Abertura Ocular Resposta Verbal Resposta Motora

Espontânea 4 Orientado 5 Obedece a comandos 6


Ao comando verbal 3 Desorientado 4 Localiza a dor 5
Ao estímulo doloroso 2 Palavras desconexas 3 Flexão com retirada 4
Sem resposta 1 Emite sons 2 Decorticação 3
Sem resposta 1 Descerebração 2
Sem resposta 1

378
Traumatismo Enccfalocraniano 379

Embora sejam apontados alguns fatores de im Contusão e laceração ocorrem como conseqüên
precisão, a pontuação obtida por essa escala fornece cia de forças de impacto que atingem o cncéfalo, seja
dados satisfatórios sobre as condições neurológicas do por ação direta, seja pelos deslocamentos do parênqui
paciente, no momento de sua avaliação. Esses dados ma enceíálico dentro da caixa craniana, resultantes dos
são extremamente importantes para a orientação da fenômenos de aceleração/desaceleração. Podem ocor
conduta a ser tomada. Variações na pontuação (esco rer choques do tecido nervoso contra as estruturas rí
re) podem indicar a piora do quadro neurológico e gidas (ossos, foice cerebral e tenda do cerebelo) ou fe
determinar uma mudança radical na orientação a ser nômenos do tipo arrancamento ou estiramento dos
seguida, inclusive a indicação de uma intervenção axônios. Na laceração há ruptura da camada piai, en
cirúrgica. quanto a contusão é um fenômeno mais difuso, às
Uma vez estabelecidos os cuidados iniciais bási vezes ocorrendo em local distante daquele do impac
cos comuns a todos os casos, faz-se necessário o diag to inicial. Os lobos frontais e temporais são mais su
nóstico das lesões específicas para a determinação da jeitos às contusões e lacerações. Ocorrem focos hemor
conduta própria para cada caso. rágicos no interior do parênquima, havendo uma ten
dência à diíusão para as áreas vizinhas do local inicial
(Fig. 29-1). As lesões são mais severas nos casos em que
EXAME INICIAL não há um período lúcido após o trauma, principal-
Ao examinarmos um paciente com TCE, devemos ter
em mente os dois tipos fundamentais de lesão —lesão
primária e lesão secundária:

• A lesão primária ocorre no momento do traumatis


mo. São os ferimentos de couro cabeludo, ósseos e
do parênquima cerebral do tipo comoção, contu
são e laceração, além da lesão axonal difusa.
• A lesão secundária advém dos desdobramentos dos
eventos que se iniciam no momento do traumatis
mo, cujas manifestações podem ocorrer após alguns
minutos, como no caso dos hematomas, ou sema
nas e até meses depois, como costuma ocorrer no
caso das convulsões pós-traumáticas.
As lesões secundárias, embora possa haver a con
comitância de uma ou mais lesões, podem ser esque-
maticamente separadas em: hematoma extradural. he
matoma intradural, tumefação (sweJJing) cerebral, le
são cerebral isquêmica, infecções (meningite, abscesso,
empiema), paralisia de nervos cranianos e disritmia
cerebral (convulsões).

Lesão Primária

Comoção cerebral é definida como uma síndrome clí


nica caracterizada pela perda imediata das funções neu
rológicas após um TCE, com curta duração e com
retorno integral ás condições de normalidade". As
reais alterações que ocorrem, pela própria benignida-
de do processo, não são plenamente conhecidas. A
perda de função pode variar desde a perda da consci
ência até uma leve tontura ou cefaléia. Em todas as
condições, não pode haver a permanência de seqüelas
Fig. 29-1 A. Áreas contusionais em região frontal B. Evolução dos
neurológicas. focos de contusão 30 horas após.
380 Cirurgia Craniomaxilofacial

mente se houver concomitância de fratura craniana.


O edema cerebral está sempre presente, agravando o
quadro de hipertensão intracraniana (HIC). A lesão
axonal difusa é conseqüente às forças de desaceleração
que levam à torção e ao arrancamento da substância
branca, separando os axônios de seus corpos celulares.
Ocorre um processo de secção celular por lesões da
bainha de miclina, atingindo principalmente os axô
nios mais profundamente localizados. O quadro de
HIC pode não estar associado. Classicamente ocorrem
pequenos focos hemorrágicos nos corpos calosos e
regiões do tronco cerebral, além de evidente lesão de
generativa axonal1,3. Nesses casos, a recuperação total Fig. 29-3. Raios X de crânio: fratura linear.
das funções é infreqüente, sendo muito altas as taxas
de mortalidade e seqüelas, do tipo "vida vegetativa",
às quais infelizmente, muito pouco pode ser ofereci
do em termos de um real auxílio médico.

FRATURAS CRANIANAS

São o resultado de uma grande força de impacto que


consegue vencer as resistências dos ossos cranianos.
Como conseqüência, os pacientes requerem uma ob
servação mais rigorosa e prolongada em decorrência
das complicações que podem advir, sejam elas pela
grande intensidade do impacto em si, sejam pelas le
sões causadas pelas fraturas.
O diagnóstico pode ser obtido por exame de raios X
de crânio ou pela tomografia computadorizada cerebral
Fig. 29-4. Raios X de crânio: imagens de múltiplas fraturas.
(TCC) (Fig. 29-2).
Classicamente, as fraturas são divididas em linea
res (Fig. 29-3), com afundamento e cominutivas (Fig.
29-4). As primeiras, raramente, requerem tratamento algumas ocasiões, podem ser tratados clinicamente.
específico. Os afundamentos ósseos, no caso de não Quando o fragmento ósseo estiver exercendo um efei
haver lesão de couro cabeludo (fratura fechada), em to compressivo no parênquima cerebral, como é habi
tual nas fraturas cominutivas, a cirurgia se impõe. Nos
casos em que a fratura se acompanha de lesão de cou
+30.0mm ro cabeludo, deve-se proceder à limpeza cirúrgica com
-25. OD
desbridamento do couro cabeludo, elevação da tábua
óssea e, no caso de haver comprometimento durai, a
correção dessa lesão pode ser feita por uma simples
sutura ou requerer uma enxertia com pericrânio, fás-
cia-lata ou mesmo alguns materiais sintéticos atualmen
te utilizados. Quando o parênquima cerebral é acome
tido, uma limpeza cirúrgica rigorosa é imperativa, pe
los riscos do desenvolvimento de abscesso cerebral,
condição esta que apresenta sérias complicações (Fig.
29-5). Com freqüência, os traumatismos faciais se acom
panham de fraturas das regiões anteriores da base cra
niana, constituindo-se em capítulo importante para a
cirurgia plástica. Lâmina cribosa do etmóide, esfenói
Fig. 29-2. TCC - Imagem de fratura com afundamento ósseo. de, região orbitária do osso frontal, porção petrosa e
Traumatismo Encefalocraniant 381

escama do osso temporal são locais em que costuma


haver grande aderência da dura-máter na camada inter
na do osso, razão pela qual as fraturas, mesmo que
pequenas, podem atingir as estruturas meníngeas, cau
sando lacerações. Por características próprias, a sinto
matologia dessas fraturas pode manifestar-se dias ou
meses após o acidente. O reconhecimento das fraturas da
base do crânio é importante devido à possibilidade de
provocarem lesões em nervos cranianos, mais freqüentes
nos nervos olfátórios, levando à anosmia, assim como
pelos riscos do desenvolvimento de fístula liquórica.
A fístula liquórica, elemento indicativo da exis
tência de comunicação do tecido encefálico com o
meio ambiente, requer tratamento imediato, uma vez
diagnosticada. A saída de liquor por uma das narinas
ou por ambas (nasoliquorréia) é a mais freqüente ma
nifestação das fístulas liquóricas. O paciente costuma
relatar a saída de um líquido semelhante à água, prin
cipalmente logo ao acordar, quando escova os dentes
ou lava o rosto. O diagnóstico é feito pela dosagem
de glicose no líquido coletado, elemento normalmen
te ausente nas secreções nasais. O desenvolvimento de
meningite bacteriana deve ser evitado com antibioti
coterapia específica. Para o controle da fístula, a colo
cação de drenagem liquórica lombar, durante 5 a 7
dias, pode ser suficiente em alguns casos. No caso de
persistência da fístula, o tratamento cirúrgico estará
indicado. Embora mais rara, a presença de ar nas cavi
dades meníngeas (pneumoencéfalo espontâneo trau
Fig. 29-5. TCC mostrando imagem de abscesso cerebral resul mático) (Fig. 29-6) pode ser outra complicação das fra
tante da penetração de corpo estranho. turas de base. O pneumoencéfalo traumático, por um

Fig. 29-6A. TCC - Presença de ar na região frontal esquerda. Nota-se compressão dos ventrículos cerebrais. Pneumoencéfalo traumático.
B. TCC - Presença de ar nas regiões frontais direita e esquerda, exercendo "efeito de massa". Pode-se notar pequena linha de fratura na
parede do seio frontal direito.
382 Cirurgia Craniomaxilofacial

mecanismo valvular da dura-máter, pode tornar-se hi- TUMEFAÇÃO CEREBRAL (BRAIN SWELLING)
pertensivo, sendo necessária, nesse caso, uma interven A tumefação cerebral, universalmente conhecida
ção cirúrgica de urgência para a remoção do ar e corre como brain swelling, constitui-se em uma forma es
ção da lesão durai. pecial de reação edematosa cerebral (Fig. 29-7). Ocor
re uma perda dos mecanismos auto-reguladores cir
culatórios cerebrais, o que causará uma vasodilatação
Lesão Secundária com aumento do volume sangüíneo intraparenqui
EDEMA CEREBRAL matoso. No caso de o fenômeno persistir por um
período de tempo mais prolongado, ou em crianças,
Em todas as condições em que ocorrer uma agressão ao
nas quais os mecanismos de auto-regulação são mais
parênquima cerebral, o edema cerebral estará presente. sensíveis, haverá aumento da permeabilidade capilar
Nos TCE, é uma complicação constante que muito agra com o aparecimento do edema. O traumatismo não
va o desenrolar do tratamento. Definido como o aumen
é necessariamente severo nesses casos, havendo, em
to do conteúdo hídrico intraparenquimatoso, pode ser geral, um determinado período de tempo decorrido
esquematicamente subdividido emquatro tipos principais: entre o trauma e o aparecimento dessas reações. O
a. Citotóxico — é intracelular. Há uma falência no sis paciente pode apresentar um nível de consciência
tema ATP-bomba de sódio-potássio. Ocorre um in razoável, de início, vindo a apresentar sonolência,
chaço intracelular dos neurônios, da glia e das célu desorientação chegando até o estado de coma, no caso
las endoteliais. da não-instituição do tratamento adequado. Os efei
As causas mais comuns são: TCE, isquemia, alte tos podem ser revertidos, se tratados a tempo. Como
rações circulatórias, hemorragia cerebral e anoxia por há uma hiperemia cerebral, acima das necessidades
deficiência respiratória. Pode-se mencionar, também, metabólicas do encéfalo, a hiperventilação, associada
que a intoxicação hídrica por hipernatremia aguda ao controle das variações de pressão intracraniana, ao
(baixa secreção do hormônio antidiurético) pode controle do fluxo circulatório cerebral (medido pela
levar à mobilização de água do extra para o intrace diferença da concentração do O, arterial e jugular) ao
lular e à formação de edema citotóxico. lado dos cuidados clínicos intensivos, pode em pou
b. Vasogênico —é extracelular. Devido à quebra dos me cas horas reverter o dramático quadro neurológico apre
canismos de proteção encefálica (barreira hematoence- sentado. Adams et ai., entretanto, mostraram que a
fálica), ocorre aumento da permeabilidade capilar com tumefação é bastante freqüente, aparecendo também
transudação de líquido intracapilar, rico em proteínas, adjacente às áreas de contusão cerebral; é a chamada
para o espaço intercelular. Além do TCE, pode apare tumefação focai. Caso acometa apenas um hemisíé-
cer nos tumores, abscesso cerebral e isquemias.
Pode-se notar que ambos os fenômenos se inter
calam nos casos dos TCE.
c. Intersticial, ou periventricular, que aparece nos ca
sos de hidrocefalia hipertensiva.
d. Hidrostático, que é o edema da crise hipertensiva,
ocasião em que a resistência vascular é quebrada pelo
aumento brusco de pressão arterial. Estando o en-
dotélio ainda intacto, ocorre transudação de líqui
do com baixo teor protéico, diferentemente do ede
ma vasogênico; ambos os fenômenos não costumam
estar presentes no TCE.
O importante é ressaltar que o edema cerebral é,
quando presente, um grande inimigo, agravando mui
to o quadro de HIC. Deve ser evitado e combatido
com todos os recursos disponíveis. Os cuidados iniciais
de atendimento, já apontados no início do capítulo,
além dos recursos que uma UTI bem equipada pode
proporcionar, reduzem significativamente os efeitos Fig. 29-7. TCC - Imagem hipodensa atingindo toda a região su-
pratentorial. Apagamento dos ventrículos e das cisternas encefáli-
indesejáveis do edema cerebral. cas: brain swelling difuso.
Traumatismo Encefalocraniano 383

rio cerebral, associa-se freqüentemente à presença de O exame de TCC é muito esclarecedor, demons
hematoma subdural agudo1-310. trando a presença de uma imagem hiperintensa em for
ma de lente biconvexa (Fig. 29-8). Este exame é conside
rado fundamental em casos de TCE. Guillermain-' mos
HEMATOMA EXTRADURAL (HED)
trou que a execução sistemática desse exame melhorou
Este é um quadro grave, uma das mais importantes consideravelmente o diagnóstico dos HED, elevando o
emergências neurocirúrgicas. Nagrande maioria das vezes, seu índice de prevalência em TCE de 4% para 9%.
ocorre por lesão de uma artéria da dura-máter, sendo os A cirurgia, sempre iniciada no menor espaço de
ramos da artéria meningéia média os responsáveis pela tempo possível, consiste em uma trepanação inicial
quase-totalidade dos casos. As fraturas cranianas estão centrada nos locais mais próximos do trajeto dos ra
presentes em mais de 90% dos casos. Em revisões de mos da artéria meningéia média. A liberação do hema
literatura, podemos encontrar a associação do HED em toma, que se encontra logo abaixo da tábua óssea, ali
95% a 15% dos casos fatais de TCE2. O hematoma tende via o quadro de HIC. Com uma pequena ampliação
a ocorrer no adulto jovem5,10 sendo mais raro na criança da abertura óssea são possíveis o estancamento da he
e no idoso. Forma-se uma coleção de sangue que se acu morragia e a drenagem do hematoma.
mula entre a dura-máter e o osso. É clássica a descrição
do "período lúcido" ou espaço de tempo em que o pa HEMATOMA SUBDURAL AGUDO (HSDA)
ciente permanece consciente após o trauma, podendo
ou não ser precedido por perda de consciência inicial. E definido como o aparecimento de sangue no espaço
Com o desenvolvimento do hematoma, alterações do subdural até 72 horas após o traumatismo. Ocorre um
nível de consciência e piora do quadro neurológico de deslocamento abrupto do parênquima cerebral den
senvolvem-se gradativamente. O quadro deficitário é, tro da caixa craniana (fenômeno do contragolpe), com
em geral, unilateral e progressivo, mostrando ao exame um estiramento das veias emissárias que se dirigem aos
a redução da pontuação na escala de Glasgow e cuja seios durais. Um elemento presente em mais de dois
evolução caminha para o óbito no caso da não-inter- terços dos casos é a contusão do parênquima cerebral,
venção cirúrgica de urgência. que é propelido de encontro às superfícies rígidas (foi
O exame neurológico é bastante significativo, apre ce cerebral, asa do esfenóide etc). O conhecimento
sentando assimetrias, se ambos os lados forem compa integral dos mecanismos dessa lesão ainda não foi to
rados. Assim, teremos reações sensitivas e motoras di talmente possível, pois vários autores encontraram,
minuídas ou ausentes no lado comprometido, associ também, a presença de sangramento arterial associado
adas à presença de reflexos patológicos. Nos casos em em mais da metade dos casos operados'".
que o paciente já apresenta um grande comprometi Os HSDA podem ser classificados em dois gru
mento do exame, com alterações dos níveis de consci pos, de acordo com a presença ou não de lesão paren-
ência no momento do exame inicial, o prognóstico quimatosa'. Aqueles que apresentam lesões contusio
torna-se bastante reservado. nais são considerados complexos, sendo os demais clas
sificados como simples. As lesões contusionais cere
brais são do tipo laceração, hematoma intraparenqui-
matoso, contusão difusa e a chamada "explosão lo-
bar". Esta é um tipo de lesão decorrente da ação de
forças inerciais sobre o crânio e o conseqüente deslo
camento do parênquima no seu interior. Ocorrem rup
turas vasculares superficiais e uma lesão do tipo "cisa-
lhamento" das áreas corticais, principalmente os pó
los frontais e temporais, que entram mais diretamente
em choque contra as estruturas rígidas ósseas. Forma-
se, assim, além do hematoma subdural, uma evidente
área de lesão parenquimatosa lobar. Enquanto a mor
talidade do grupo simples não ultrapassa 22%, com
recuperação total das funções em até 40%, o chamado
grupo complexo apresenta taxas de mortalidade de 40%
Fig. 29-8. TCC - Imagem hiperdensa em forma de lente biconve- a 50%, e apenas 20% dos sobreviventes vão apresentar
xa. Hematoma extradural. uma recuperação sem seqüelas.
384 Cirurgia Craniomaxilofaci.il

Deve-se suspeitar de HSDC em pacientes idosos,


alcoolistas, que estejam tomando anticoagulantes, ou
em todos os casos em que existe atrofia cerebral. O
antecedente traumático pode não ser relatado pelo
paciente ou familiares. O diagnóstico pode ser obtido
por meio de TCC (Fig. 29-9) ou RM (Fig. 29-10).
O tratamento é cirúrgico, seja por meio de trepa-
nações, seja por intermédio de uma craniotomia. O
prognóstico costuma ser bastante favorável.

CONCLUSÕES
Fig. 29-9. TCC - Imagem hipodensa no hemisfério esquerdo. Apa-
gamento do ventrículo esquerdo. Hematoma subdural esquerdo. Os TCE acompanham em grau maior ou menor os
traumatismos craniofaciais. O reconhecimento preco
ce das lesões neurológicas pode ser o elemento princi
pal que vai definir o tratamento mais indicado no
menor prazo de tempo possível. As lesões são de cará
ter progressivo, grave, sempre necessitando de um su
porte clínico eficiente proporcionado por uma UTI
bem equipada, além dos elementos de exame por ima
gem, que vão permitir firmar os diagnósticos, de modo
a possibilitar o tratamento adequado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fig. 29-10. RM em corte sagital. Imagem hiperatenuante em toda 1. Adams LH, Doylc D, Ford I, Gcnarelli TA et ai Diffusc axonal
a convexidade cerebral. Hematoma subdural. injury in hcad injury: dcfinition, diagnosis and grading. Hysto-
patology, 1989; 75:49-59.
2. Cooper PR, Golfinos JG. Hcad Injury 4 ed., McGraw-Hill,
O diagnóstico pode ser obtido pela TCC ou pela Medicai Publishing Division, 2000.
RM, exames que vão mostrar, além das lesões contusio- 3. Genarelli TA. The pathobiology oi traumatic brain injury . Ncu-
nais associadas, a presença de sangue no espaço subdu roscientist 1994;J:73-81.
ral, em geral de tamanho laminar. Considera-se um fa 4. Guillcrmain P.Traumatic cxtradural hematomas. 7/j;Vigouroux
tor de mau prognóstico a presença de coleções sangüí RP. Advances in Ncurotraumatology 1. New York: Springcr Ver-
lag, 1986:1-50.
neas com espessura superior a 20mm2.
5. Jamieson KG, Yclland JDN. Extradural hematoma: report of
A cirurgia estará indicada para os casos que apre
167 cases. J Ncurosurg 1968; 29:13-23.
sentam hematoma intraparenquimatoso, quando o he
6. Jamieson KG, Yclland JDN. Surgically treated traumatic subdu
matoma subdural exerce efeito compressivo importan ral hematomas. / Ncurosurg, 1972; 57:137-49.
te, ou nos casos em que as lesões estejam em progressão.
7. Jennet B, Carlin J. Prcventablc mortality and morbidity after
head injury. Injury 1978; /ft31-9.
8. Klauber MR, Marshall LF, Luerssen TG. Dctcrminants of hcad
HEMATOMA SUBDURAL CRÔNICO (HSDC) injury mortality: Importance of the low risk patient. Ncurosur-
São considerados HSDC aqueles que se apresentam gery 1968; 24:13-23.
após decorridas 3 semanas após o TCE. Trata-se de uma 9. Klauber MR, Marshall LF, Toole BM et ai Causes of decline in
head injury mortality rate in San Diego County, Califórnia. J
lesão mais benigna, com sintomatologia menos dra
Neurosurg 1978; 02:528-31.
mática do que a dos anteriores. São episódios de con
10. PitellaJEH, Gusmão SNS. Patologia do Trauma Cranioenccfali-
fusão mental, sonolência, esquecimento, podendo ha co. Rio de Janeiro: Rcvinter, 1995.
ver leve paresia e alterações visuais. Quadros mais se
11. Report of the ad hoc committec to study head injury nomen-
veros, como convulsão, hemiplegia ou estado de coma, claturc: Proccedings of the Congress of Neurological Surgeons
embora raros, são descritos2'0,8. in 1964. Clin Neurosurg 1966; 72:386-94.
Traumatismos Dentários

Vicente Feres Infante

INTRODUÇÃO Fatores mecânicos, biológicos e emocionais são


responsáveis por algumas dificuldades apresentadas no
O órgão dental pode ser dividido anatomicamcnte em momento do atendimento de emergência. Por este
duas partes principais, que são a coroa, que possui uma motivo, é requerido do profissional responsável pelo
câmara pulpar que, por sua vez, contém um feixe vasculo- atendimento um diagnóstico rápido e preciso, para
nervoso, o qual se encontra diretamente ligado ao meio que seja direcionado um plano de tratamento adequado.
dental, e a raiz, a qual possui o conduto que abriga tam Quedas, acidentes em phiygrounds, bicicletas, au
bém um feixe vasculonervoso, e está ligada ao osso al- tomóveis, assaltos, esportes e violência física são os
veolar por meio de fibras que compõem o periodonto. principais fatores ctiológicos dos traumatismos den-
O órgão dental, toda vez que sofre traumatismo, toalveolares.
pode estar fraturado ou não. Esta fratura pode ser no As quedas são responsáveis pelo maior número
próprio órgão ou acompanhada dos seus suportes (li- de lesões, envolvendo principalmente crianças e ado
gamentos periodontais e osso alveolar), sendo assim lescentes do sexo masculino. Os dentes mais atingidos
chamadas de fraturas alveolodentirias. são os incisivos centrais superiores, principalmente da
Estas fraturas podem ser diagnosticadas por meio dentição permanente.
de exame clínico detalhado, no qual devemos salien
tar principalmente a origem do traumatismo. Radio
grafias convencionais e periapicais, e até mesmo tomo- TRATAMENTOS
grafia computadorizada, nos auxiliam no diagnóstico Devemos proceder de acordo com o tipo e grau do
das fraturas que envolvem o complexo dentoalveolar. traumatismo, envolvendo fratura ou não do elemen
to dental e seu suporte.

ETIOLOGIA Lesões dos Tecidos Duros Dentais e a Polpa


O traumatismo dentoalveolar é o terceiro fator ctio- INFRAÇÃO DA COROA
lógico de maior importância na perda dos elementos Não requer tratamento. Caso ocorram manchas ou
dentários. sinais de fragilidade dental, deve ser realizada uma

385
386 CirurgiaCraniomaxilofacial

restauração na linha de fragilidade com resina com O dente poderá ser restaurado por artifícios profé
posta. ticos ou à base de resinas compostas e sistemas adesivos
hidrofílicos.

FRATURAS CORONARIANAS

Quando a fratura envolver apenas o esmalte, requer FRATURAS RADICULARES VERTICAIS

uma simples regularização das bordas. Caso haja o É indicada a exodontia.


comprometimento estético, pode ser realizada uma
colagem dos fragmentos ou a reconstrução dental com
sistema resinoso adesivo. Caso envolva o esmalte e a HORIZONTAIS
dentina, pode ser realizada uma colagem de fragmen Deve haver o reposicionamento, preferencialmente até
tos ou uma restauração direta, utilizando-se a técnica 4 horas após o trauma, segurando-se o dente na posi
do condicionamento ácido do esmalte e dentina e em- ção por 3 minutos. Ao paciente devem ser administra
pregando-se um sistema resinoso adesivo hidrofílico. dos antibiótico e antiinflamatório. Nas fraturas locali
Nas fraturas complexas da coroa, ou seja, envolven zadas nos terços médio e apical, é necessária uma con
do tecido pulpar, além dos procedimentos anteriormen tenção rígida por 90 dias, enquanto que as situadas no
te descritos, fazem-se necessários curetagem pulpar, pul- terço cervical são necessários 12 meses.
potomia, ou um tratamento endodôntico radical.

Lesões dos Tecidos Periodontais


FRATURAS CORONORRADICULARES
SUPRA-ÓSSEAS CONCUSSÀO E SUBLUXAÇÃO
Primeiramente deve ser realizada uma exposição da li Nesta situação deve ser administrado ao paciente an
nha de fratura. Os fragmentos devem ser colados iso tiinflamatório e prescrita uma dieta líquida e pastosa
ladamente ou em conjunto com restaurações à base por duas semanas. Se numa subluxação houver uma
de resina composta e um sistema adesivo hidrofílico, mobilidade acentuada, causando desconforto ao paci
podendo ser associado com a técnica de condiciona ente, pode ser realizada uma contenção semi-rígida por
mento ácido total (esmalte, dentina e tecido pulpar) 7 a 14 dias.
quando houver perda de substância.
INTRUSÃO
INFRA-ÓSSEAS
Em dentes com rizogênese incompleta deve-se aguar
Será necessária a utilização de técnicas como aumento dar a reerupção. Caso esta não ocorra, deve-se aplicar
de coroa clínica, extrusão cirúrgica ou ortodôntica - uma extrusão ortodôntica. A endodontia será realiza
esta última em conjunto com um reposicionamento da somente quando houver sinais existentes de necro-
apical do espaço biológico. se pulpar.
Após a colocação da linha de fratura em nível Em dentes completamente formados devem-se
adequado, é permitida a colagem dos fragmentos, re aguardar 10 dias para começar a extrusão ortodôntica.
construção protética por meio de resina composta e Se houver travamento do dente é necessária uma leve
um sistema adesivo hidrofílico. luxação com fórceps.
Em alguns casos, a vitalidade pulpar pode ser A extrusão será rápida na fase inicial, porque a
mantida utilizando-se a técnica de pulpotomia, junta endodontia deve ser instituída 142 dia após o trauma,
mente com o condicionamento ácido total em esmal com a colocação de um curativo à base de hidróxido
te, dentina e pulpar. Em outras situações, para elimi de cálcio, que será substituído quando for constatada
nar-se algum comprometimento estético, pode-se usar sua ausência através de radiografias. Após esta etapa, a
a alternativa do autotransplante. Nesta técnica o den tração ortodôntica pode ser realizada lentamente e, pos
te é retirado do seu alvéolo, e os fragmentos são repo- teriormente, o dente pode ser ferulizado no próprio
sicionados e isolados. Em seguida, realiza-se o reim aparelho. Quando for constatado o reparo periodon-
plante. tal, a endodontia poderá ser finalizada.
No caso de ocorrer a perda do fragmento coroná- Na dentição decídua, o dente deve ser extraído
rio, a raiz deve ser colocada ao nível de 2mm acima da quando invadir o folículo do dente permanente. Isto
margem óssea, podendo ser girada, se necessário. pode ocorrer em trauma no qual a coroa do incisivo
Traumatismos Dentários 387

decíduo apresenta-se inclinada para vestibular. Um exa deve ser conferida. Se não estiver correta, o dente deve
me radiográfico com exposição periapical e de perfil ser removido e colocado em solução fisiológica, irri
poderá demonstrar esta condição. No caso de intru gado e aspirado, seguindo-se o reimplante.
são de dentes decíduos com a coroa inclinada para Caso não tenha sido reimplantado imediatamen
palatal, devemos aguardar sua reerupção. Devem-se ad te, o dente deve ser limpo com jatos de soro fisioló
ministrar antiinflamatório e antibiótico para previnir gico e o alvéolo irrigado abundantemente e inspecio
um quadro infeccioso. Caso sejam observados sinais nado para observar a presença de obstáculos mecâni
de abscesso a exodontia é indicada. cos. O reimplante deve ser imediato, segurando-se o
dente no local por 3 minutos. Será realizada uma
contenção semi-rígida por 14 dias e devem ser admi
EXTRUSÃO DENTAL
nistrados ao paciente antibiótico e antiinflamatório,
Quando ocorre um pequeno deslocamento em dentes juntamente com a profilaxia antitetânica.
com rizogênese incompleta, e caso o dente não interfi Em dentes com rizogênese completa é recomen
ra na oclusao, não está indicado o reposicionamento. dada a exodontia entre o 10° e 14° dias, com utiliza
Nas situações onde houver um grande deslocamen ção de curativos à base de hidróxido de cálcio, que
to é recomendável a exodontia, remoção do coágulo deve ser trocado quando sua ausência for evidencia
por irrigação e aspiração, seguidas do reimplante. Uti da radiograficamente.
lizar uma contenção semi-rígida por 14 dias. 2. Dentes com ligamento periodontal inviável. É re
Em dentes com rizogênese completa, o reposicio comendada a técnica proposta por Gil7:
namento deve ser realizado segurando o dente por 3
a. Raspar o ligamento periodontal com auxílio de
minutos no seu lugar original. Caso o reposicionamen limas periodontais, utilizando bastante irrigação.
to seja realizado em um período superior a 4 horas
após o trauma, estão indicados a extração do dente, b. Realizar abertura endodôntica e modelagem dos
canais.
remoção do coágulo com irrigação e aspiração, e reim
plante. Em ambos os casos uma contenção semi-rígida c. Banhar o dente em EDTA por 15 minutos, para
por 14 dias se faz necessária. remover a lama dentinária e torná-lo mais perme
Em todas as situações devem ser dados antibióti ável, favorecendo a ação do flúor.
co e antiinflamatório ao paciente. A endodontia deve d. Banhar o dente em fluoreto de sódio a 2,4% e
ser realizada na evidência de necrose pulpar. fosfato acidulado pH=5,5 por 20 minutos.
e. Obturar o canal convencionalmente, procuran
do não tocar na raiz.
LUXAÇÃO LATERAL
f. Lavar o dente com soro fisiológico, antes de ser
Devemos realizar o reposicionamento imediato. Se o reimplantado, para remover o excesso de flúor.
ápice dental estiver travado onde as corticais e coroa
g. Instituir uma antibioticoterapia e ferulizar o dente.
devem ser posicionados no mesmo sentido do deslo
camento e em seguida para coronal. h. Administrar antiinflamatório e proteção antite
tânica.
Utilizar contenção rígida por 3 semanas; devem
ser dados antibiótico e antiinflamatório ao paciente.
A saúde pulpar deve ser monitorada, realizando-
Lesões do Osso de Suporte
se a endodontia na presença de necrose.
Na dentição decídua, a luxação lateral não requer COMINUIÇAO DO OSSO ALVEOLAR
tratamento. Se houver invasão do espaço do folículo É indicada redução por manipulação digital.
de dente permanente, é indicada a exodontia.

FRATURA ALVEOLAR
AVULSÀO
São indicadas a redução e a contenção rígida por qua
Ocorrendo a avulsão na dentição decídua, o reimplan tro semanas.
te é contra-indicado. Na ocorrência da lesão em dente
permanente, há duas situações específicas:
FRATURA DO PROCESSO ALVEOLAR
1. Dentes com ligamento periodontal viável. Caso o
dente tenha sido reposicionado no local, a posição São indicadas redução e contenção rígida por 45 dias.
388 Cirurgia Craniomaxilofacial

FRATURA DE MANDÍBULA OU MAXILA 5. Creugers NHD. Resin-retained bridges in the treatment of trau-
matized dentition. Endodon Dent Traumatol, 1993;£53-6.
As fraturas devem ser reduzidas. Os dentes situados 6. Forsberg CM, Tedestam G. Etiological and predisposing factors
na linha de fratura devem ser mantidos no local, caso related to traumatic injuries to permanent teeth. Swed Dent),
isto seja viável, após análise de seu estado periodontal 1993;i7(5):183-90.

e endodôntico.
7. GilJN. Dentes anteriores fraturados com lesões periodontais
traumáticas. Associados-fundamentos biológicos e conduta clí
nica. In:Baratieri et ai. Estética restaurações adesivas diretas em
dentes anteriores fraturados. São Paulo: Santos, 1995; 10:363-
Controles Clínico e Radiográfico 393, 397.
8. Ignatius ET, Oikarinem KS, Silvennoinen U. Frequency and
Os controles clínico e radiográfico das lesões devem type of dental traumas in mandibular body and condyle fractu-
ser realizados 7, 15, 30, 60, e 180 dias e nos Io, 2o, 5o, res. Endod Dent Traumatol 1992; 51235-40.
10°, e 15° anos após o trauma. 9. Koenig WR, Olsson AB, Pensler JM. The fate of developing
Durante o exame clínico, serão realizados testes de teeth in facial trauma tooth buds in the line of mandibular
vitalidade, percussão, palpação, verificando-se alterações fractures in children. Ann PlastSurg, 1994; 5i(5):503-5.
cromáticas, presença de fístula, aumento de volume da 10. Lockhart PB, Feldbav EV, Gabei RA et ai. Dental complications
during and after tracheal intubacion. JAM Dent Assoc 1986;
mucosa e outros sinais que possam indicar alguma defi
i2:480-3.
ciência no reparo. Pelo exame radiográfico deve ser con 11. Oikarinem K. Prognosis for teeth in the line of mandibular
ferida a presença de reabsorções, calcificações, radiolu- fractures. Endod Dent Traumatol 1990; 6177-82.
cências periapicais, continuidade do desenvolvimento 12. Oikarinem K, Gundlach KKH, PfeiferG. Latecomplications of
radicular e outras alterações presentes. luxation injuries to teeth. Endod Dent Traumatol 1987; 3:296-
Havendo a presença de algum sinal ou sintoma 303.

importante, os períodos para realização do controle 13. Oikarinem K, Kassila O. Causes and tipes of traumatic tooth
injuries treated in a public dental health clinic. Endod Dent
devem ser alterados.
Traumatol 1987;J: 172-7.
14. Oikarinem K, Raustia AM. Oclusal interferences in associati-
on with teeth left in the line of mandibular fractures. Endod
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Dent Traumatol 1993;£57-60.
15. Powers MP. Diagnosis and management of dentoalveolar inju
1. Andreasen FM, Andreasen JO. Treatment of traumatic dental ries. /n:Walkwer RV, Fonseca RJ. Oral and Maxilo Facial Trau
injuries IntJ Technol Assess Health Care 1990;ó(4):588-602. ma. Philadelphia: W.B Saunders Co., 1991;l(75):323-358.
2. Andreasen FM, Andreasen JO. Traumatismo dentário: solu 16. Shulman LB, Gedala I, Feingold RM. Fluoride concentraction
ções clínicas. São Paulo: Panamericana, 1991. in root surfaces and alveolar boné of fluoride-immersed monkey
3. Andreasen FM, Pedersen BO. Prognosis of Iuxated permanent incisors three weeks after replantation. / Dent Rest 1973;
teeth - the development of pulp necrosis. EndodDent Trauma- 52(6): 1.314-6.
tol 1985;/:207-20. 17. Stenvik A, Zachrisson BV. Orthodontic closure and transplan-
4. Andreasen JO. Atlasde reimplante e transplante de dentes. São tation in the treatment of missing anterior teeth - an overview.
Paulo: Panamericana, 1993. Endod Dent Traumatol 1993;£45-52.
Fratura Nasal

Alexandre Barreto do Amaral


Henrique Cardoso Tardelli
Gustavo Enrique Guarín Figueroa
José Marcos Mélega

INTRODUÇÃO ao terço proximal, enquanto os últimos respondem


pelos dois terços distais.
O nariz é a sede mais freqüente das fraturas de face. A parte óssea do nariz é constituída pelos proces
Isto pode ser explicado tanto pela sua posição proe sos nasais do osso frontal, os processos frontais das
minente e de destaque, como por ser constituído de maxilas, os ossos nasais, o vômer e a lâmina perpendicu
ossos relativamente finos. lar do osso etmóide (Fig. 31-1). A porção cartilaginosa é
As principais causas de fratura nasal são: acidentes formada pelas cartilagens laterais superiores (ou trian
automobilísticos, violência interpessoal, quedas da gulares), laterais inferiores (ou alares) e septal (ou qua-
própria altura, lesões durante a prática de esportes, aci drangular) (Figs. 31-2 e 31-3).
dentes domésticos e maus-tratos em crianças. A parte óssea e a cartilaginosa são conectadas pela
As fraturas nasais ocorrem mais freqüentemente continuidade entre o periósteo e o pericôndrio, e no
na extremidade distai dos ossos nasais, onde são mais encontro entre elas a extremidade proximal das carti
delgados e carecem de apoio ósseo, ao contrário do lagens triangulares está sob a extremidade distai dos
que ocorre na porção proximal, onde os ossos são mais ossos nasais. Essa área de sobreposição é conhecida por
espessos e apoiados sobre os processos frontais da rinion. Além disso, a porção distai das cartilagens tri
maxila e o osso frontal. angulares está recoberta pela porção cranial das cartila
gens alares.
O septo nasal, que se encontra na linha média,
delimitando as duas cavidades nasais, tem elementos
ANATOMIA
ósseos (vômer e lâmina perpendicular do osso etmói
O nariz é uma estrutura piramidal, composta por um de) e cartilaginosos (cartilagem septal) (Figs. 31-4 e 31-5).
arcabouço osteocartilaginoso que delimita duas cavi A pele da região proximal é fina e móvel, mas
dades revestidas de mucosa e divididas pelo septo na conforme se progride para a ponta nasal, ela se torna
sal. Externamente está recoberto por pele, subcutâneo cada vez mais espessa e com menor mobilidade, apre
escasso e músculo. sentando maior concentração de glândulas sebáceas.
O suporte estrutural do nariz provém de elemen O suprimento sangüíneo do nariz é abundante,
tos ósseos e cartilaginosos; os primeiros dão suporte permitindo a realização de dissecções amplas e cicatri-

389
390 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 31-1. Anatomia do nariz: porção óssea formada pelos ossos


Fig. 31-4. Anatomia do septo nasal: Cartilagem septal (1), lâmi
nasais (1), processo frontal da maxila (2), e processo nasal do osso
na perpendicular do osso etmóide (2), vômer (3).
frontal (3).

Fig. 31-5. Secção frontal das cavidades do nariz mostrando suas


relações com os seios paranasais. Células etmoidais (1), seio
maxilar (2), cavidade nasal (3).

zação rápida. Ele advém das artérias carótidas interna


e externa. Os ramos da carótida externa que suprem o
nariz são: a artéria esfenopalatina, a artéria palatina
maior e a artéria infra-orbitária (ramos da artéria maxi
lar), e a artérias labial superior, nasal lateral e angular
(ramos da artéria facial). A carótida interna, por sua
vez, contribui com os ramos anteriores e posteriores
da artéria etmoidal e da artéria nasal dorsal (ramos da
artéria oftálmica). As artérias esfenopalatina e palatina
maior suprem os dois terços inferiores da cavidade e
Figs. 31-2 e 31-3. Porção cartilaginosa do nariz: cartilagens septo nasais, em conjunção com ramos da artéria facial.
alares (1), cartilagens triangulares (2), e cartilagem septal (3). As artérias etmoidal anterior e posterior suprem o terço
Fratura Nasal 391

cranial da cavidade e septo nasais. Ramos das artérias A classificação de Natvig (Fig. 31-7) divide as fra
facial, maxilar e oftálmica se anastomosam na região turas nasais em oito subgrupos (de A a H), com graus
anterior do septo, formando o chamado plexo de Ki- progressivamente maiores de desvio e cominuição.
esselbach, que é a fonte de sangramentos volumosos Alguns tipos de fraturas encontrados nessa classifi
nos casos de trauma septal. cação são mais freqüentes em crianças, como a em "li
A inervação sensitiva do nariz é feita pelos seguin vro aberto" (onde os ossos nasais são deslocados lateral
tes nervos: etmoidal anterior (para a pele do dorso e mente por sobre os processos frontais das maxilas), e o
ponta nasal), infratroclear (pele da região súpero-late- afundamento isolado de apenas um osso nasal - sendo
ral), infra-orbitário (porção inferior do nariz e lábio que ambas decorrem do fato de ainda não ter ocorrido
superior) e palatais (septo nasal e palato anterior). a fusão entre os dois ossos nasais na linha média, pois
A conformação tridimensional do nariz permite no adulto, onde já houve esta fusão, os ossos nasais são
que a parte anterior (mais proeminente), por ser cons habitualmente fraturados cm monobloco.2
tituída de cartilagem, tenha maiores mobilidade e elas
ticidade, podendo absorver parte da energia cinética
envolvida no trauma.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de fratura nasal em paciente vítima de
trauma deve ser cmbasado principalmente na anamne-
CLASSIFICAÇÃO se e exame clínico. Como em todo paciente politrau-
matizado, deve-se inicialmente proceder a uma avalia
As fraturas nasais têm uma miríade de apresentações, ção detalhada, seguindo os passos preconizados pelo
de acordo com os diferentes agentes causais, quantida ATLS. Após terem sido descartadas lesões que ponham
de de energia do impacto e sua direção. em risco a vida do paciente, pode-se voltar a atenção à
As classificações mais comumente adotadas para suposta fratura nasal.
se sistematizar o diagnóstico das fraturas nasais são a O paciente deverá ser interrogado quanto ao meca
de Stranc" e a de Natvig5. nismo do trauma (intensidade c direção do golpe e na
A classificação de Stranc (Fig. 31-6) é dirigida às tureza do agente agressor) e presença de epistaxe, dor
lesões decorrentes de um impacto frontal, e é dividi local ou obstrução nasal; também devem ser investiga
da em três grupos: 1 - envolve a pirâmide nasal e o dos antecedentes pessoais e familiares pertinentes para
septo, anteriormente; 2 - atinge a base da pirâmide e a decisão terapêutica. A verificação de uma foto do pa
o septo mais posteriormente; c 3 - envolve a maxila e ciente antes do acidente (p. ex. num documento de iden
o frontal, caracterizando uma fratura nasoetmoidor- tidade) é importante para que sejam detectados defor
bitária. midades e desvios preexistentes (Figs. 31-8 a 31-10).

Fig. 31-6. Classificação de Stranc para fraturas nasais.


392 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 31-7. Classificação das fraturas nasais segundo Natvig. O tipo Hcorresponde à classificação 3 de Strance não está aqui representado.

Figs. 31-8 a 31-10. Fotos pré-operatórias de pacientes com fratura nasal mostrando intenso desvio da pirâmide nasal.
Fratura Nasa 393

O exame físico deve atentar para sinais externos de A utilização de exames de imagem no diagnósti
fratura nasal, como epistaxe, desvio da pirâmide nasal, co das fraturas nasais tem um papel secundário, sendo
presença de edema, equimoses, lacerações, selamento do empregados em casos onde persiste dúvida após o exa
nariz ou telecanto traumático (Fig. 31-11). A presença me clínico, nos casos onde se suspeitam de fraturas
de epífora deve levantar suspeita de lesão mais grave, associadas em outros ossos da face, ou para se docu
acometendo o dueto nasolacrimal. A presença de epis mentar a lesão. Nesse sentido, é também recomendá
taxe em um paciente vítima de trauma de face é indica vel que se faça o registro fotográfico documentando o
tiva de fratura nasal até prova em contrário. paciente antes da cirurgia, visando registrar as defor
A seguir, palpam-se a pirâmide nasal, rebordos midades decorrentes do trauma, para que futuramen
orbitários, processos frontais da maxila e processo na te estas não sejam imputadas ao cirurgião (Figs. 31-12
sal do osso frontal, visando identificar degraus ósseos, a 31-14).
pontos dolorosos e áreas de crepitação Nos exames de raios X, as incidências indicadas
A visualização da cavidade nasal com a ajuda de para a visualização dos ossos nasais e septo são: Cal-
um rinoscopio é indispensável, e permite identificar a dwell (nasofronte), Waters (nasomento) e perfil de bai
presença de hematomas no septo nasal (que devem ser xa densidade para visualização de partes moles (Figs.
drenados imediatamente), fraturas ou desvios de sep 31-15 e 31-16). A tomografia computadorizada é o exa
to e lacerações de mucosa ou áreas de sangramento me radiológico mais sensível e específico para as fratu
ativo. ras nasais, e é particularmente útil nos casos de suspei
ta de fratura nasoetmoidorbitária (Fig. 31-17).

TRATAMENTO

A redução das fraturas nasais pode ser realizada imedi


atamente após o trauma ou tardiamente (após três a
14 dias); pode ser também realizada de maneira aberta
(cruenta) ou fechada (incruenta): a primeira se reserva
principalmente para os casos com grande cominuição
e associação de fraturas orbital e etmoidal (Stranc 3); a
segunda se destina à grande maioria dos casos, princi
palmente às fraturas mais simples (Stranc 1 e 2).
Há, na literatura, uma tendência em se favorecer
Fig. 31-11. Paciente apresentando telecanto traumático decor
rente de fratura nasoetmoidorbitária. o tratamento imediato das fraturas nasais antes que

Figs. 31-12 a 31-14. Exposições usualmente utilizadas para a documentação de pacientes com fratura nasal: Fig. 31-12, frente; Fig. 31
13, perfil, e Fig. 31-14, inferior, para visualização de columela e narinas.
394 Cirurgia Craniomaxiloíacial

zada sempre dentro dos primeiros sete dias após o


trauma, devido à consolidação precoce que ocorre
nesses pacientes.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O paciente pode ser anestesiado de duas formas: blo


queio local ou anestesia geral.
O primeiro é reservado para pacientes adultos, co
operativos, com trauma há poucas horas e fraturas não-
complicadas. Tem por desvantagens o desconforto do
paciente, a distorção da anatomia local pela infiltração
anestésica e a possibilidade de que o paciente degluta
ou aspire o sangue que escorre para a faringe pelas coa-
nas. O bloqueio é realizado com lidocaína a 1%, com
vasoconstritor na concentração de 1:120.000, infiltran-
Figs. 31 -15 e 31 -16. Radiografias em perfil evidenciando fraturas do-se a glabela, regiões paranasais, dorso e nervo infra-
nasais. orbitário. A mucosa nasal é bloqueada mediante inser
ção de tampão nasal embebido com solução conten
do anestésico (lidocaína ou cocaína).
A anestesia geral é empregada na maioria dos pa
cientes. E realizada em caráter eletivo, após realização
de exames laboratoriais e avaliação de risco operató-
rio. Após a anestesia, caso não tenha sido empregada
uma máscara laríngea, deve ser colocado um tampão
de gaze na orofáringe para se prevenir a deglutição de
sangue no intra-operatório, o que desencadearia náu
seas e vômitos no pós-operatório.
A redução de fraturas não-cominutivas é realizada
mediante redução dos segmentos ósseos com auxílio
de um fórceps de Walsham (ideal para a redução dos
ossos nasais) ou de Asche (preferível para redução de
fratura septal). O septo nasal é realinhado pelo deslo
camento póstero-anterior do fórceps, enquanto man
tém o septo localizado entre suas pás, até atingir a área
onde as cartilagens septal e triangulares se encontram,
quando então a pirâmide nasal é forçada para cima
como um todo, reduzindo-se qualquer fratura residu
al; o processo é repetido até se obter total realinha-
Fig. 31-17. Corte tomográfico axial onde se pode visualizar fratu mento do septo. Os segmentos ósseos da pirâmide nasal
ra dos ossos nasais.
são então elevados com fórceps ou um cabo de bisturi
inserido na cavidade nasal, ficando numa posição des
locada externamente à base da pirâmide nasal, sendo
se instale o edema local, permitindo o melhor ali depois posicionados adequadamente por manipulação
nhamento dos fragmentos ósseos e obtendo-se me digital externa (Figs. 31-18 e 31-19).
lhores resultados. No entanto, quando o edema já se Após a redução, a cavidade nasal é tamponada com
encontra instalado no momento do atendimento gazes embebidas em vaselina líquida ou pomada anti
inicial ou não há condições operacionais do serviço biótica, ou espuma expansiva (Merocel). O tampona-
ou condições clínicas do paciente, o tratamento deve mento tem por objetivos: controlar o sangramento;
ser postergado, sendo realizado num período de até prevenir a formação de hematoma septal; manter o
duas semanas. Em crianças, a redução deve ser reali alinhamento do septo; evitar a formação de sinéquias;
Fratura Nasal 395

Figs. 31-18 e
31-19. Seqüência
dos passos
cirúrgicos na
redução de fratura
nasal: Fig. 31-18,
redução do septo
com fórceps de
Walshan; Fig. 31 -
19, redução dos
ossos nasais.

e propiciar suporte interno para os segmentos reduzi se obter alinhamento adequado com abordagem in
dos dos ossos nasais (Figs. 31-20 a 31-23). cruenta; nas fraturas com antecedente de trauma e
As fraturas cominutivas são tratadas mediante re obstrução nasal; e na deformidade septal indetectável
dução primária e apoio com tamponamento intrana- ao exame físico.
sal e splint externo. Os splints podem ser feitos de
gesso, moldes metálicos ou Aquaplast (placa termo-
plástica perfurada, moldável em baixa temperatura, COMPLICAÇÕES AGUDAS
composta de polipropilactona (Fig. 31-24). A combi
Hematoma septal: o mucopericôndrio nasal é rico
nação do tamponamento nasal com o splint externo
em vasos sangüíneos e é comum o sangramento após
funciona como um "sanduíche", imobilizando e mol
um trauma nasal, podendo ocorrer a formação de
dando os fragmentos ósseos. Algumas fraturas comi
um hematoma sob a mucosa do septo. Estes hema
nutivas, no entanto, e todas as nasoetmoidorbitárias,
tomas são muitas vezes bilaterais, pois a fratura da
requerem redução aberta, com reposicionamento e fi
cartilagem quadrangular permite que o sangue extra
xação sob visão direta dos fragmentos e emprego de
vase de um lado para o outro (Figs. 31-25 a 31-27).
enxertos ósseos quando necessário. A abordagem a céu
A presença de um hematoma septal pode causar
aberto traz maior risco de perda dos fragmentos ósseos
dois problemas: o hematoma pode se organizar e
por reabsorção, devido ao descolamento realizado. formar tecido fibrótico no local, causando uma
A septoplastia durante a redução de uma fratura obstrução à passagem do ar; ou o hematoma pode
nasal pode ser indicada em caso de impossibilidade de exercer pressão excessiva sobre a cartilagem septal,
promovendo necrose da mesma, com conseqüente
perfuração do septo.

Fig. 31-20. Tamponamento nasal anterior: início da inserção do


tampão na cavidade nasal.
Fig. 31-21. Tamponamento nasal anterior após redução.
396 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 31-22. Paciente com fratura nasal apresentando Fig. 31-23. Paciente da Fig. 31-22 vista em pós-operatório de
laterorrinia. redução incruenta de fratura nasal.

A perda de porção significativa do septo pode


causar colapso das cartilagens triangulares, resultan
do num nariz em sela.
O hematoma de septo deve ser tratado, tão logo
seja diagnosticado, por drenagem através de incisão
na sua porção mais baixa, para evitar que ele se refa
ça. Os hematomas bilaterais podem ser tratados por
incisões nos dois lados ou por incisão em apenas
um lado, associada â confecção de pequeno orifício
na cartilagem septal interligando as duas coleções.
Eaconselhável realizar um tamponamento nasal após
a drenagem e instituir antibioticoprofilaxia com
cefalosporina ou amoxicilina.
Epistaxe: é habitualmente de pequena monta e au-
tolimitada. No caso de epistaxe persistente, o paci
ente deve ser colocado com a cabeça em posição
Fig. 31-24. Curativo com gesso. elevada e ser feito tamponamento nasal anterior as-

Fig. 31-25. Seqüência mostrando formação e organização de um hematoma septal (seta representando a direção do trauma).
Fratura Nasal 397

Figs. 31-26 e 31-27. Cortes tomográficos coronal (Fig. 31-26) e


axial (Fig. 31-27), evidenciando hematoma septal decorrente de
traumatismo nasal.
Figs. 31-28 e 31-29. Tamponamento nasal posterior: Fig. 3-28,
passagem de sonda pelo nariz com exteriorização pela boca. Fig.
31 -29. Retirada da sonda para loposicionamento do tampão, pre
so à sua extremidade, junto ás coanos.
sociado ao controle da pressão arterial e à adminis
tração de ansiolítico, quando necessário. Caso a epis-
taxe continue, deve ser realizado também o tampona
mento nasal posterior, com introdução de sonda em posição inadequada; formação de sinéquias ou
contraturas cicatriciais em áreas de laceração de mu-
nasogástrica pelo nariz e exteriorizada pela boca, na
cosa.
extremidade da qual é atado um cordão que tem
um chumaço de gazes atado à sua outra extremidade; Osteíte: associada a fraturas complexas ou hemato
ma infectado.
a sonda é então retirada pelo nariz e o tampão se im-
pacta na nasofaringe ocluindo as coanas (Figs. 31-28 e Deformidade em sela: é uma das complicações mais
31-29). Se a epistaxe ainda assim não for controlada, temidas das fraturas nasais. E causada pela perda do
deve-se aventar a necessidade de ligadura ipsilateral da suporte do dorso nasal e pode ocorrer nas fraturas
carótida externa.
com telescopagem do septo, nas fraturas de rinion com
deslocamento das cartilagens triangulares, e nas nc-
croses de septo secundárias a hematomas septais não-
tratados. Deve ser tratada mediante rinoplastia e
COMPLICAÇÕES TARDIAS enxerto de cartilagem no dorso nasal (Fig. 31-30).
Obstrução nasal: pode ter várias causas: organiza Telecanto: pode ocorrer nas fraturas tipo 3 de Stranc,
ção de um hematoma septal fratura consolidada com acometimento do processo frontal da maxila, que
398 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 31-30. Paciente apresentando "nariz em sela" decorrente de Fig. 31-31. Paciente adulto apresentando telecanto traumático.
fratura nasal tratada inadequadamente.

Figs. 31-32 a 31-35. Seqüência dos passos cirúrgicos na correção do telecanto traumático: Fig. 31-32 — representação esquemática
da cirurgia; Fig. 31-33 — exposição do foco de fratura; Fig. 31-34 — fio de aço unindo os ligamentos cantais mediais e transfixando os
processos frontais da maxila; Fig. 31-35 — aspecto final.
Fratura Nasal 399

é o local de inserção do ligamento palpebral mediai. lesões na cartilagem, devido â compressão no lado
O deslocamento do fragmento contendo esta inser que ficou côncavo durante a deformação e por ten
ção ou a desinserção do mesmo resultarão em aumen são no lado convexo. Estas fraturas, não-identificá-
to da distância entre os cantos mediais dos olhos (tele veis num primeiro momento, irão gerar um pro
canto traumático). O tratamento é feito mediante re gressivo desvio do septo e potencialmente também
dução do fragmento ósseo e reinserção do ligamento, da pirâmide nasal, segundo as teorias propostas por
por meio de exposição ampla do foco de fratura e Rubinstein1-' e Illum (Fig. 31-36).
visualização dos elementos anatômicos. O ligamento Sméquias: geralmente decorrem de lacerações gra
é então reinserido por meio de um lio de aço 0, que ves da mucosa nasal tratadas sem tamponamento
passa pelo ligamento e atravessa um orifício perfura ou sem um acompanhamento adequado no pós-
do nas paredes nasais laterais ipso e contralateral, sen operatório, quando se podem desfazer bridas em
do então captonado na pele (Figs. 31-31 a 31-35). formação.
Epistaxe recorrente: é uma complicação rara, mas Epífora: a persistência de epífora após fratura nasal
que pode resultar em perda sangüínea significativa. deve despertar suspeita de lesão do dueto nasolacri-
O tratamento segue os mesmos princípios descri mal, devendo ser investigada e tratada por dacrio-
tos para a epistaxe como complicação imediata. cistorrinostomia, quando indicado.
Casos onde o sangramento persista após o tampo
namento nasal anterior e posterior podem ser ma
nejados com embolização seletiva do vaso sangran- REFERÊNCIAS
te, em unidade de radiologia intervencionista. 1. Ayliffe P, Booth PW. Nasoethmoid fractures. In: Booth PW,
Lateromnia: pode ser decorrente de uma fratura nasal Schendel SA, Hausamen JE (cds.). Maxillofacial Surgcry.
ou septal não-tratada adequadamente, ou não-diag- Edinburgh: Churchill Livingstonc 1999;/:141-60.
nosticada. Muitas vezes o septo, que se apresenta 2. Converse JM (cá.) Kazanjian & Convcrsc's Surgical treatment
offacial fractures. Baltimore: The Willians & Wilkins Co. 1974.
alinhado ao exame, pode ter sofrido deformação
3. Converse JM. Sniith B. Naso-orbital fractures and traumatic
durante o trauma, sendo que esta provoca pequenas deformities ot the mediai canthus. Plast RcconstrSurg 1966; 3S:\A7.
4. Costa EA. Pitanguy I, Alba VA. Fraturas de face em crianças.
Rev Brás Cir 1980;A?:73.
5. Dingman RO, Natvig P (eds.) Surgcry of facial fractures.
Philadelphia: W.B. Saunders.
6. Fernandez LB, Mélega JM, Prates JC. Parâmetros anatômicos
para a fixação do ligamento palpebral mediai. RevAssMedBrás
\975;21:29\.
1. Fricd MG, Baden E. Management of fractures in children. /
Oral Surg 1954; 12:129.
8. Green KM. Rcduction of nasal fractures under local anaesthetic.
Rhinology 20()l;.W43-6.
9. Ham AW. A histological study of the earlyphasesof boné repair.
J BonéJoint Surg 1930; 12:827.
10. Mélega JM, Zanini SA. Fraturas nasais. In: Mélega JM, Zanini
SA, PsillakisJM (cds.) Cirurgia Plástica - Rcparadora e Estética.
Rio de Janeiro: MEDS1, 1982:379-85.
ll.Rohrich RJ, Adams WP. Nasal fracture management:
minimizing secondary nasal deformities. Plast Reconstr Surg
2000;106:266-71.
12. Rubistein B, Strong EB. Management of nasal fractures. Arch
Fam Med 2000;9:738-42.
Fig. 31-36. Representação da teoria de traumatismo do septo
sem fratura do mesmo, mas com lesão provocada pela torção da 13. Stranc MF. Robertson GA. A classification of injuries of the
cartilagem durante o trauma, gerando tensão na face convexa e nasal skeleton. Annals Plast Surg 1978;2:468.
compressão na face côncava. (Seta preta sólida: sentido do trau
ma; seta vermelha: sentido da deformação da cartilagem pela 14. TrottJA, Moorc MH, David DJ. Facial fractures. In: David DJ,
decomposição dos vetores de força do trauma; seta preta vazada: Simpson DA (eds.) Craniomaxillofacial trauma. Edinburgh:
forças de tensão e compressão na superfície da cartilagem.) Churchill Livingstone, 1995:263-342.
Fraturas da
Região Orbitária

Paulo Hvenegaard
Carolina Souza Souto Amando Costa

José Marcos Mélega

CONSIDERAÇÕES GERAIS fratura da região zigomática;


fratura intra-orbitária;
Chamamos de fratura orbitária as fraturas que ocor fratura interorbitária;
rem não só na órbita, propriamente dita, mas que afe fratura supra-orbitária.
tam diretamente a cavidade orbitária podendo causar
danos a órgãos importantes.
Dentre esses podemos citar: FRATURAS DA REGIÃO ZIGOMÁTICA
• globo ocular;
• seio etmoidal; Definição
• seio maxilar;
O contorno zigomático é altamente suscetível a trau
• aparelho lacrimal;
matismo, devido a sua grande projeção na região late
• ligamentos palpebrais.
ral da face, servindo como anteparo para os traumas
que incidem lateralmente. Depois da região nasal, é a
região mais atingida em traumas faciais.
HISTÓRICO
Em 1751, Duverney reportou o primeiro caso de ma
Anatomia
nipulação cirúrgica de fratura zigomática. Maiores
avanços vieram com Gillies e Lothrop. Gillies descre A região zigomática é composta pelo osso zigomático
veu técnicas de elevação da depressão do zigoma em ou malar e arco zigomático, que é formado pela por
1927. Esse método se popularizou, sendo utilizado ção zigomática do osso temporal e porção temporal
apenas nos casos de fraturas estáveis do complexo zi- do osso zigomático, fraturado, com freqüência, nos
gomático. As miniplacas tiveram início em 1971, e são mínimos traumas da região.
largamente utilizadas até hoje. O osso zigomático é um osso quadrilateral, sendo
Para fins didáticos, podemos subdividir as fratu que um dos lados é parte importante na formação da
ras orbitárias em: margem orbitária, praticamente um terço desta; os
400
Fraturas da Região Orbitária 401

outros dois terços são formados pelo osso frontal e O quadripé de fixação é formado por:
pelo maxilar superior.
• processo zigomático-frontal;
E o osso que forma a parte mais saliente da região
lateral da face. • processo zigomático-temporal;
Relaciona-se superiormente com o osso frontal, • processo maxilozigomático;
lateralmente com a maxila, posteriormente com o et- • pilar maxilozigomático.
móide e o esfenóide. Relaciona-se com a maxila e o etmóide ao nível
E fixo em quatro pontos, fator importante para do assoalho orbitário.
se compreender o mecanismo de rotação nas fraturas Participa na formação da parede anterior do seio
e realizar o adequado tratamento. maxilar e fossa temporal.
Nele, inserem-se os músculos:

• masseter;
• zigomático;
• parte do quadrado do lábio superior.
O ligamento palpebral lateral se insere na sutura
zigomático-frontal.

Etiologia
Os acidentes automobilísticos ainda são os maiores
causadores de fraturas zigomáticas. Seguidos por trau
mas esportivos e agressão física.

MECANISMO DE FRATURA

O mecanismo, a direção e a velocidade do impacto


Fig. 32-1. Anatomia da órbita. FIO: forame infra-orbitário;
PFM: processo frontal da maxila; SZM: sutura zigomático- são essenciais.
maxilar; SZF: sutura zigomático-frontal; SZT: sutura zigo- O trauma direto sobre a região é o mecanismo
mático-temporal.
mais comum de fratura com ou sem deslocamento.
Todas as fraturas com afundamento da região zi
gomática têm comprometimento da crista maxilo-
zigomática, uma vez que esta estrutura faz parte do pi
lar lateral de sustentação da face descrito por Sturla1',
em 1980.
O trauma do osso zigomático pode ser descrito
como fratura-luxação, o que ocorre devido a uma
disjunção das suturas ósseas. O corpo zigomático, por
ser muito compacto, raramente é sítio de fraturas.

Clíni
nica

Edema e hematoma periorbitários dificultam o


diagnóstico e mascaram os sintomas.
Deformidade local pode aparecer imediatamente
após o trauma, ou após regressão do edema (ver Fig.
32-8).
Hemorragia subconjuntival na porção látero-mfcrior
Fig. 32-2. Altura orbitária, aproximadamente 35mm, e lar
gura, aproximadamente, 40mm (medidas normais em adul
—causada pela provável fratura no assoalho e/ou
tos). parede lateral da órbita.
402 Cirurgia Craniomaxilotacial

Enoftalmia —às vezes, é compensada inicialmente Anestesia regional —geralmente no lábio superior e
pelo edema local; é explicada pela perda da relação asa nasal, do mesmo lado e hemiarcada dentária su
conteúdo-continente, nos casos de aumento do con perior. Freqüentemente um dos lados da fratura
tinente pelo deslocamento lateral do zigoma, au coincide com o forame infra-orbitário, traumatizan
mentando a cavidade orbitária. A saída do material do o nervo.
da cavidade orbitária para o seio maxilar diminui o Incapacidade de movimentação do globo ocular —
conteúdo orbitário. devido ao encarceramento dos músculos extrínse-
Distopia ocular— pode aparecer quando ocorre des cos do olho herniados ou presos por esquírulas
locamento do zigoma para baixo, levando o liga ósseas do assoalho fraturado.
mento cantai externo (Fig. 32-3). Diliculdade em abrir a boca — o arco zigomático
Diplopia —pode ser devido a: afundado poderia envolver o músculo temporal,
— Encarceramento da musculatura no assoalho or
travando o processo coronóide da mandíbula.
bitário.
Irregularidade nas margens orbitária inferior e/ou
—Desnível dos globos oculares —âs vezes, o desloca
lateral —a palpação cuidadosa, sempre comparando
mento da fratura, leva o globo ocular para baixo.
com o lado oposto, mostra o afundamento ou pon
Hemorragia nasal —por formar parte da parede do
to de fratura, geralmente doloroso.
seio maxilar, onde a fratura rompe a mucosa levan
Assimetria facial —após a regressão do edema, nota-
do à hemorragia nasal.
se achatamento da hemiface afetada.
Obliqüidade da lenda palpebral —o ligamento late
ral da pálpebra insere-se na borda externa orbitária,
sendo deslocado juntamente com o segmento ós
seo fraturado (Fig. 32^4). DIAGNÓSTICO

Estudo Radiológico
E parte integrante no diagnóstico de qualquer fratura.
Muitas vezes é difícil a interpretação, devido à enorme
superposição de imagens. Sendo assim, não elevemos nos
basear nos laudos radiológicos negativos, muito menos
querer determinar o grau de descolamento ósseo.
Atualmente, é imprescindível a utilização da to-
mografia computadorizada para se diagnosticar fratu
ras da região orbitária. O diagnóstico por radiografia
simples da face é cada vez menos utilizado.
RX simples — as melhores incidências são Wal-
ters e Hirtz, que mostram:
• velamcnto no seio maxilar (hematoma);
• traço da fratura no rebordo orbitário;
Fig. 32-3. Paciente com fratura bilateral, na região orbito-
zigomática, apresentando distopia ocular. • separação da sutura;
• traço da fratura ou destruição no pilar maxilozigo
mático;
• alteração do formato da órbita.
Tomografia computadorizada, nas incidências axial
e coronal —mostra todos os sinais que são evidencia
dos nas radiografias simples da face, além de permitir
um estudo minucioso do assoalho orbitário e de pe
quenas fraturas de difícil visualização ao RX.

Classificação
Fig. 32-4. Quando o processo frontal do zigomático é fratu
rado, o ligamento lateral da pálpebra e o canto do olho A classificação é importante, principalmente para de
tendem a seguir o movimento mostrado na figura. terminar o tratamento.
Fraturas da Região Orbitária 403

Podemos classificar as fraturas da seguinte forma: 2. Quanto ao aspecto clínico:


1. Quanto ao deslocamento: • Com deficiência funcional— tratamento cirúrgi
co cruento.
• Com deslocamento —tratamento cirúrgico cruen
to ou incruento, com fixação ou não. • Sem deficiência funcional — tratamento conser
vador, cruento ou incruento.
• Sem deslocamento — tratamento conservador.
3. Quanto à redução:
• Estáveis — tratamento conservador
• Instáveis — tratamento cruento com fixação
4. Quanto à fragmentação:
• Simples (quadripé) — redução cruenta ou incru
enta, com fixação ou não.
• Cominutiva — tratamento cruento com fixação.

Tratamento

O edema na região dificulta a palpação e o perfeito


diagnóstico, e também o procedimento cirúrgico, tan
to para a via de acesso, quanto para a manipulação
local no intra-operatório.
Inicia-se o tratamento assim que o edema regre
dir, sem deixar passar mais de duas semanas, pois já
haveria fibrose de cicatrização, impedindo uma boa
mobilização para redução.

Redução Incruenta
Para redução incruenta existem três vias de acesso:
• Diretamente sob o osso zigomático — utilizando-se
gancho ósseo.
• Intra-oral — fazendo-se alavanca por fora do seio
maxilar.
• Temporal —por meio de pequena incisão na região
temporal, introduzindo espátula subaponeurótica
até o arco zigomático (Gillies, 1927).
A redução feita por meio de gancho ósseo ou es
pátula pode permanecer estável ou tornar-se instável,
necessitando de fixação a céu aberto para que seja
mantida. Atualmente, selecionamos esse tipo de trata
mento para pequenos deslocamentos de fraturas sem
sintomatologia e após a confirmação do não-envolvi-
mento de partes moles. O local deve permanecer pelo
menos quatro semanas sem qualquer pressão sobre ele.
I. Estável: quando existe um encaixe da tração de fra
tura por impacção. Alguns autores acreditam que o
músculo masseter, que se insere no osso zigomáti
Fig. 32-5. Fraturas do osso zigomático: (7) quase sem desvio; (2) co, pode tracionar o fragmento ósseo fraturado para
fratura do arco zigomático; (3) fratura do corpo, sem rotação; (4) baixo se não houver uma impacção perfeita na fra
fratura do corpo com rotação; (5) fraturas do corpo com rotação
lateral; (6) Fraturas complexas; (7 e 8) direções em que atuam as
tura. A redução poderia ser perdida com a movi
forças. mentação da mandibula. Nós, particularmente, acha-
404 Cirurgia Craniomaxilofacial

mos que o deslocamento se deve mais à força do O segundo ponto de fixação se localiza na sutura
impacto, no momento do trauma, do que à força zigomático-frontal, onde utilizamos as miniplacas para
muscular pós-trauma. definir a estabilidade de todo o complexo zigomático.
Atualmente, a utilização das miniplacas é o méto
2. Instável: quando o posicionamento do fragmento
do de escolha, devido à segurança do resultado e â
ósseo não se mantém reduzido, ocorre perda de es
complexidade de estruturas envolvidas (Fig. 32-7).
tabilidade, sendo então necessária a redução cruen
ta com fixação.
VIAS DE ACESSO

• Subciliar — com dissecção submuscular.


Redução Cruenta • Transconjuntival — acesso direto ao assoalho orbi
tário.
Nesses casos faz-se a redução sob visão direta, procu
• Borda lateral do rebordo orbitário.
rando restabelecer a anatomia e mantê-la estável du
• Caldwel Luc — para pilar maxilozigomático.
rante o período de cicatrização óssea, por meio de fi
• Sobre o traço de fratura no arco zigomático.
xação com fio de aço ou fixação rígida com o uso de
miniplacas e parafusos. Nas reduções cruentas são praticamente obrigató
As fraturas com afundamento do osso zigomáti rias as incisões subciliar ou transconjuntival, com des
co têm como ponto de maior estabilidade, para a ma colamento subperiostal e visualização do assoalho or
nutenção da redução conseguida, o maxilozigomáti bitário. Por essas vias de acesso consegue-se tratar a
co, que deve ser reconstruído com enxerto ósseo e/ou herniação do conteúdo orbitário para o seio maxilar
miniplacas para manter sua altura e simetria com o ou o encarceramento da musculatura extrínseca do
lado contralateral (Fig. 32-6). olho.

Fig. 32-6. Fratura zigomática, com grande deslocamento ântero-posterior (afundamento). A. Após a redução, mostrando a
falha óssea. B. Enxerto ósseo para manter a altura do zigomático e corrigir a falha óssea. C. RX pré-operatório; nota-se o
encurtamento da crista maxilozigomático. D. RX após o enxerto.
Fraturasda Região Orbitária 405

Fig. 32-7A. Reconstrução da crista maxilozigomático, com miniplacas e parafusos. B. Alinhamento do rebordo orbitário
inferior, com miniplacas e parafusos.

Fig. 32-8. A. Pré-operatório de fratura zigomática, sem comprometimento orbitário. Nota-se apenas a deformidade local.
B. Pós-operatório de seis meses. C. Pré-operatório — incidência oblíqua. D. Pós-operatório — incidência oblíqua.
406 Cirurgia Craniomaxilofacial

TIPOS DE FIXAÇÃO ANATOMIA

• Fio de aço. O arco zigomático é formado pela porção temporal


• Miniplacas e parafusos. do osso zigomático e a porção zigomática do osso tem
poral, que se unem por meio da sutura zigomático-
Após a 3- semana de fratura, o tratamento pro temporal (Fig. 32-1).
posto torna-se difícil. Nesses casos somos obrigados a
realizar a refratura dos ossos já consolidados e fixação
com miniplacas e parafusos. MECANISMO DE FRATURA

Trauma direto forçando o arco zigomático para a fos


sa temporal. São fraturas cujos fragmentos permane
Complicações cem sustentados pela fáscia temporal e geralmente es
Mesmo com tratamento adequado, podem surgir: tão associados a fraturas orbitárias.
Ao exame, notamos:
• Deformidades —geralmente se utilizado método
incruento • depressão no local (afundamento);
• Retração cicatricial da pálpebra —quando não se • impossibilidade de abertura total da boca, devido ao
faz a sutura da pálpebra adequadamente (Fig. 32-9). travamento do processo coronóide da mandíbula.
• Miniplacas visíveis externamente —mais evidentes
em pessoas de pele muito fina.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
• Distopia ocular — no caso de perda da redução ou
má redução. Dor ao movimento da mandíbula e trismos são os
• Lesão nervosa —atinge principalmente o nervo in principais sintomas dessa fratura. O traumatismo gra
fra-orbitário. Essa lesão pode ser causada no mo ve leva ao impedimento dos movimentos da mandí
mento do trauma ou iatrogênica, no ato operató- bula, devido aos fragmentos do arco zigomático que
rio. Quando há lesão nervosa parcial, o paciente pode entram em contato com a região do processo coronói
permanecer sintomático, por cerca de 18 meses, até de da mandíbula e do músculo temporal. Se não redu
recuperar sua sensibilidade normal. zido, esse contato ósseo pode resultar numa anquilose
fibro-óssea da mandíbula.

Fraturas do Arco Zigomático Diagnóstico Radiológico


DEFINIÇÃO Nas fraturas do arco zigomático, o RX simples pode
São fraturas que ocorrem parte no osso temporal e ser suficiente, uma vez que somente o segmento ós
parte no osso zigomático, geralmente na sutura de li seo está deslocado. O tratamento visa ao reposicio
gação entre os dois ossos. namento.

Incidência Waters e Hirtz:

• disjunção na sutura zigomático-temporal;.


• interrupção óssea ao nível do arco zigomático.

Tratamento

O objetivo é descomprimir o músculo temporal e pro


cesso coronóide, reposicionando o arco zigomático para
corrigir a função da mandíbula e melhorar o aspecto
estético com a redução do afundamento local.
A redução pode ser:
• Cruenta —sob visão direta do arco zigomático, por
meio do acesso coronal.
Fig. 32-9. Retração cicatricial, após tratamento de fratura • Incruenta —pela técnica de Gillies, com acesso tem
orbitozigomática, com via de acesso subciliar. poral ou intra-oral.
Fraturas da Região Orbitária 407

Complicação Chama-se blow-out, a fratura do assoalho, causa


A maior complicação seria de ordem funcional - a im da pelo aumento da pressão na cavidade orbitária, ex
possibilidade de abertura total da boca - devido a pulsando tecidos orbitários para o seio maxilar. Geral
presença de anquilose fibro-óssea da mandíbula. mente acompanha as fraturas de zigoma. A fratura em
Do ponto de vista estético, a complicação seria a Blow-out foi descrita por Converse e Smith (1957),
deformidade causada pela depressão no local da fra como sendo somente do assoalho, sem fratura do re
tura.
bordo orbitário (Fig. 32-11).
O blow-m também ocorre, porém em menor inci
dência. Significa a fratura da órbita causada por trau
FRATURAS INTRA-ORBITÁRIAS ma direto sobre a parede do seio maxilar, causando
um aumento da pressão dentro do seio que leva a uma
Definição ruptura do assoalho orbitário, com os fragmentos se
deslocando para dentro da cavidade orbitária.
As fraturas intra-orbitárias são consideradas de grande
importância porque, além de ocorrerem na região mais
frágil do complexo orbitário, estão localizadas entre o Diagnóstico Clínico
crânio e a face, e é nesta região que se encontram as
Os sinais e sintomas são os mesmos da fratura do zi
maiores seqüelas funcionais.
goma:

• Limitação dos movimentos do globo ocular.


Anatomia
• Diplopia.
Os ossos que compõem órbita são (Fig. 32-10): • Enoftalmia
• Pseudoptose — sugere enoftalmia, que é definida
• Frontal.
como deslocamento do globo ocular para trás e para
• Maxilar.
baixo, com diminuição aparente do globo ocular
• Palatino.
pela herniação do conteúdo orbitário.
• Zigomático.
O exame mais importante é solicitar ao paciente
• Etmóide.
que movimente o globo ocular para todos os lados. O
• Esfenóide.
paciente pode se queixar de diplopia ou apresentar
• Lacrimal.
impossibilidade de movimentar o globo ocular (Figs.
Estes ossos são unidos por finas lâminas ósseas 32-12 e 32-13).
que se fraturam ao menor traumatismo. A palpação do rebordo pode estar normal.

Diagnóstico Radiológico
Raios X muitas vezes nada revelam. É difícil a visuali
zação do assoalho ao RX. O melhor exame é a tomo-
grafia computadorizada, que exibe o conteúdo orbitá
rio invadindo outros compartimentos vizinhos, como
o seio maxilar (Fig. 32-14).

Tratamento

O tratamento é sempre sob visão direta do assoalho


orbitário.
É muito importante observar a integridade da
periórbita. Se lesada, pode-se reparar com suturas. Nes
se caso é aconselhável a interposição de estruturas tipo
fáscia ou cartilagem auricular para evitar nova aderên
Fig. 32-10. Ossos que compõem a órbita: (?) maxilar (laranja); cia ou migração.
(2) zigomático (amarelo); (3) asa maior do esfenóide (azul-claro);
(4) asa menor do esfenóide (azul-escuro); (5) etmóide (roxo); (6)
Se a periórbita estiver integra, podemos aceitar uma
osso lacrimal (rosa); (7) osso frontal (verde). falha de até 0,5cm de diâmetro no assoalho orbitário.
408 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 32-11. Fratura do


assoalho orbitário. A. Blow-in
e B. 8/ow-out.

Fig. 32-12. Paciente com fratura do assoalho orbitário e encarceramento da musculatura extrínseca do olho entre os fragmentos ósseos.
A. Posição em repouso. B. Paralisia do globo ocular direito, pelo encarceramento, comparado com o olho esquerdo, mostrando movimen
tação superior.

Fig. 32-13. Paciente com fratura da parede lateral da órbi


ta esquerda, com comprometimento da musculatura ex
trínseca do olho. Nota-se a paralisia do olho esquerdo, com Fig. 32-14. Tomografia computadorizada (TC) axial mostrando
parado com o contralateral em movimentação mediai. herniação do conteúdo orbitário, para o seio maxilar.
Fraturas da Região Orbitária 409

Fig. 32-15.
Reconstrução do
assoalho orbitário,
com enxerto ósseo.
A. Intra-operatório.
B. RX pós-operatório.

Se houver grande conteúdo orbitário dentro do herniação da gordura orbitária para o seio maxilar, e a
seio maxilar, a redução é feita novamente para a cavi tração posterior exercida pelo músculo reto inferior.
dade orbitária, fechando-se a periórbita lesada e recons- A prevenção do enoftalmo requer a reconstituição do
truindo-se o assoalho orbitário (Fig. 32-15). assoalho da órbita com enxertos ósseos ou cartilagi
A reconstrução do assoalho orbitário pode ser feita nosos intra-orbitários, tentando-se posicionar estes
com: enxertos o mais profundamente possível, para conse
guir trazer o globo ocular para diante. A melhor área
- fáscia temporal;
doadora é a calota craniana. O diagnóstico precoce e o
- osso da calota craniana (melhor, por ser membra- tratamento da fratura blow-out previnem o enoftal
noso); mo (Fig. 32-16).
- osso da parede anterior do seio maxilar; O hematoma retrobulbar é uma complicação que
- osso ílíaco; também deve ser considerada no pós-operatório das
fraturas intra-orbitárias (Fig. 32-17).
- cartilagem auricular.

FRATURAS INTERORBITÁRIAS
Complicações
As maiores complicações dessa fratura são ligadas, na Definição
maioria das vezes, à parte funcional. Todas decorren
As fraturas do complexo frontonasoetmoidal são as
tes de estruturas intra-orbitária:
que ocorrem na região entre as órbitas, caracterizando-
• enoftalmo; se pela fragmentação, com afundamento da região (Fig.
• diplopia 32-18).
O enoftalmo traumático pode ser atribuído a três As fraturas da lâmina perpendicular do etmóide e
mecanismos: o alargamento da cavidade orbitária, a de células etmoidais geralmente são cominutivas, pela

Fig. 32-16.
Tratamento do
enoftalmo, com
enxerto ósseo de
calota craniana.
A. Área receptora.
B. Área doadora.
410 Cirurgia Craniomaxilofacial

QQryítJL-
Fig. 32-17. Hematoma retrobulbar em pós-operatório de
correção de fratura de assoalho orbitário. Fig. 32-19. Anatomia do aparelho lacrimal. SL: saco lacrimal
LCM: ligamento cantai mediai.

• Ossos lacrimais.
• Processo frontal da maxila (crista lacrimal, onde se
insere o ligamento palpebral)
• Aparelhos lacrimais (Fig. 32-19).
Os ossos do terço médio da face estão próximos
ao assoalho da fossa cranial anterior e lobo frontal.
Em fraturas graves, podem se comunicar através do
seios frontal e etmoidal e placa cribriforme.

Fig. 32-18. Fratura interorbitária (nasoetmóide-orbitária). Diagnostico CliniCO


As fraturas interorbitais geralmente vêm acompanha
fragilidade das lâminas ósseas, causam deslocamento das de fraturas de ossos da vizinhança.
posterior do esqueleto ósteo cartilaginoso do nariz,
• Osso frontal.
deixando deformidades severas nessa região, se não
• Seio frontal.
forem tratadas adequadamente.
• Disjunção craniofacial (Le Fort III).
• TCE.

Aspectos Anatômicos Devido à possibilidade de dano cerebral, esses


Conteúdo da região interorbitária: pacientes devem ser examinados pelo neurocirurgião
para se excluirem complicações neurológicas ou, se
• Placa perpendicular do etmóide, que forma a por
necessário, indicar a craniotomia associada ao tratamen
ção póstero-superior do septo nasal.
to cirúrgico das fraturas faciais.
• Cornetos médio e superior.
Com a fragmentação e o afundamento da região
• Osso e septo nasais.
frontonasoetmoidal, podemos ter:
• Glabela e seio frontal (processo nasal do frontal)
• Osso etmóide, lâmina perpendicular e células etmoi- • Telecanto: deslocamento lateral do ligamento me
dais. diai palpebral.
Fraturas da Região Orbitária 411

• Dacriocistite: lesão do canal lacrimal entre o saco O melhor estudo é realizado por meio da tomo
lacrimal e sua entrada na fossa nasal. grafia computadorizada, que pode mostrar presença
• Nariz em sela: fragmentação e afundamento da re do conteúdo orbitário dentro dos seios etmoidais após
gião nasal. o rompimento da parede mediai da órbita (Fig. 32-20).
• Hematoma, edema, epistaxe.
• Liquorréia: perda de liquor pela zona fraturada que
pode se exteriorizar pelo nariz (indica fratura da base Tratamento
do crânio com rompimento da meninge). Confir
ma-se o diagnóstico por meio da tomografia com Inicia-se o tratamento após a regressão do edema. De
putadorizada ou, na prática, com fita de glicosúria, preferência, em torno do 7- dia pós-traumatismo. A
que acusa a presença de glicose na secreção nasal, correção deve ser feita sob visão direta, nos casos de
afundamento ao nível da raiz nasal.
indicando conter líquido cefálorraquidiano e de
monstrando a presença de fistula (comunicação com
a cavidade craniana).
• Perda de olfato e gustação: por causa da lesão dos Objetivos
filetes nervosos do nervo olíátório, que perfuram a
• Unir fragmentos maiores.
lâmina crivosa do etmóide. Pode ser definitiva.
• Reduzir o deslocamento posterior da região fron-
• Envolvimento do globo ocular (até perda da visão).
tonasoetmoidal.

Diagnóstico Radiológico A correção do telecanto traumático é feita com


fio de aço —os ligamentos palpebrais são posiciona
Os raios X AP e perfil mostram a desorganização das dos na parede nasal lateral, com transfixação com fios
estruturas ósseas com múltiplos fragmentos, confir de aço através da crista nasal anterior (Fig. 32-21).
mando o diagnóstico de fratura. Os fragmentos ósseos da região nasal são tratados
sob visão direta, através da incisão em H na base nasal.
Algumas vezes, a destruição pelo trauma é tão in
tensa que os fragmentos nasais se tornam muito pe
quenos. Nesses casos, indicamos a enxertia nasal pre
coce, para manter a altura do dorso nasal, e fixamos
com miniplacas em T na altura da raiz nasal.
O tamponamento nasal é mantido por 48 horas,
porém deve-se atentar para a possibilidade de forma
ção de fistulas após a redução cirúrgica das fraturas.
A destruição das paredes do seio etmoidal pode
permitir a passagem de conteúdo orbitário, através da
parede mediai da órbita, causando o enoftalmo.
O tratamento requer via de acesso coronal ou no
sulco palpebral superior (Fig. 32-22). Faz-se o descola
mento subperiostal até o foco da fratura e reconstrói-se
com enxerto ósseo de crista ilíaca.
A deformidade nos pacientes com esse tipo de
fratura é evidente (Fig. 32-23).
A destruição do sistema lacrimal leva ao apareci
mento de infecções repetitivas, devido à interrupção
no sistema de drenagem da lágrima. Esta inflamação é
chamada de dacriocistite.
O tratamento de dacriocistite deve ser cirúrgico.
Promove-se uma flstula do saco lacrimal com retalho
da mucosa nasal, refazendo a drenagem da lágrima para
Fig. 32-20 A. TC da região interorbitária, mostrando fratura da
parede mediai da órbita. B. TC evidenciando herniação do conteú
a fossa nasal. Este procedimento é chamado de dacrio-
do orbitário para o seio etmoidal. cistorrinostomia.
412 Cirurgia Craniomaxilolacial

Fig. 32-21 A. Fratura interorbitária com destruição do ligamento cantai mediai. B. Reconstrução do ligamento cantai mediai
com fio de aço.

FRATURA SUPRA-ORBITARIA

Definição
São fraturas da parede superior da órbita e geralmente
ocorrem associadas a fraturas frontais, comprometen
do seios frontais e etmoidais, com necessidade de cra-
niotomia para se conseguir o tratamento adequado.

Anatomia

Na porção mediai da parede superior da órbita encon


tramos no centro, a emergência de dois nervos (supra-
troclear e supra-orbital) que, se lesados, causam aneste
sia frontal permanente.
Lateralmente ao forame óptico, por onde emer
ge o nervo óptico, encontramos a fissura orbital su
Fig. 32-22. Via de acesso palpebral para fratura da parede
perior, por onde emergem o III, IV, e VI pares crani
mediai da órbita. anos.

Fig. 32-23. Seqüela de


fratura nasoetmóide-
orbitária. A. Vista frontal.
B. Vista de perfil.
Fraturas da Região Orbitária 413

Etiologia e Classificação to, mesmo na fase aguda, devido à sua proximidade


As fraturas supra-orbitárias são causadas por traumas com o nervo óptico, impossibilitando a redução total
do conteúdo orbitário.
graves na região frontal. Ocorrem muitas vezes por
queda de objetos pesados sobre a região. Alguns pacien
tes não conseguem sobreviver.
A lesão das estruturas contidas na fissura orbital
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
superior (III, IV e VI pares cranianos), produz a síndro-
me da fissura orbital superior, que se caracteriza por: 1. Converse JM. Reconstructive plastic surgery. 2 ed., W.B. Saun-
ders Company, 1977;2:708-20.
• Oftalmoplegia. 2. Costa EA, Pitanguy, Fontoura LFS. Reparação de perda desubs
• Ptose palpebral. tância óssea da região zigomático maxilar por alça de sustenta
• Proptose. ção. Rev Brás Cir 1976;Ó6(9/10):309-16.
• Midríase fixa. 3. DavidsonJ, Nickerson D, Nickerson B.Zigomatic fractures: com-
parison of methods of internai fixation. Plast Rec Sur 1990;
• Perda de sensibilidade na área do trigêmeo até neu- 86(l):25-3l.
ralgia. 4. Dingman RO, Alling CC. Open reduction and internai wire
fixation of maxillofacial fractures. / Oral Surg 1954; 12:140.
5. Dingman R, Natvig P. Surgery of facial fractures. Philadelphia:
Diagnóstico Clínico W.B. Saunders Company, 1964;211.
É comum, nesse tipo de fratura, se observar proptose 6. Kazanjian VH. Treatment of automobile injuries of the face
and jaws. J Am Dent Assoc 1933;20:757.
(exoftalmia), devido à passagem de conteúdo cerebral
7. Kazanjian VH, Converse JM. The surgical treatment of facial
para dentro da órbita. Pode-se notar desnível ósseo ao injuries. 3 ed. Baltimore: William e Wilkins, 1974.
nível do rebordo orbital superior. 8. Zingg M, Chowdhury K, Vuillemin T et ai. Treatment of 813
zigoma-Iateral orbital complex fractures. Arch OtolaryngolHead
Neck Surg 1991;//7:611-20.
Diagnóstico Radiológico 9. Mélega JM, Zani R, Gomes PRM. Reparação do assoalho or
Muitas vezes, conseguimos visualizar presença de ar na bitário com enxerto de osso parietal. Rev Paul Méd 1984;
102:223.
cavidade orbitária, sugerindo lesão do seio frontal e
10. Mélega JM, Zanini S, Psillakis JM. Cirurgia plástica reparadora
descontinuidade óssea no rebordo orbitário superior. e estética. MEDSI. 1988;45.
11. Pearl RM., Prevention of enophthalmos: A hypothesis. Ann
Plast Surg 1990;25:132.
Tratamento
12. Pearl RM. Treatment of enophthalmos. Clonics in Plast Surg
O planejamento cirúrgico é importante para se defi 1992;19:1-99.
nir a via de acesso para tratar a fratura. Se existir comu 13. Peer LA. The fateof autogenous human boné grafts. BritJPlast
nicação com a cavidade craniana, a via de acesso será a Surg 1950;J:233.
craniotomia. 14. Psillakis JM., Zanini AS, Mélega JM et ai. craniomaxilofacial:
osteotomias estéticas de face. MEDSI, 1987;535.
Se houver somente lesão orbitária, o melhor aces
so à fratura dessa região é a incisão bicoronal e redu 15. Putterman AM. The conservativeapproach of orbital fractures.
Surv Ophthalmol 1991;5J{4).
ção da fratura sob visão direta.
16. Rowe NL, Killey HC. Fracture of the facial skeleton. Baltimore,
Williams and Wilkins Company, 1968.
Complicações 17. Sturla F, Absi D, Buquet J. Anatomical and mechanical consi
deration of craniofacial fractures: and experimental study. Plast
Podem ser devidos a: Reconstr Surg 1980;66(6):815-820.
18. Whitaker LA, Yaremchuk MJ. Secondary reconstruction of
• tipo de trauma;
posttraumatic orbital deformities. Ann Plast Surg 1990; 25:
• força do impacto associada ao dano tecidual; 440-9.
• demora no tratamento; 19. Zanini SA. Fraturas craniofaciais. 22" Congresso Brasileiro de
• tratamento inadequado. Cirurgia Plástica, 1985; 3.551.
20. Zing J, Whitaker L. Membranous versus endocondreal boné:
A seqüela mais comum das fraturas fronto-orbitá- implications for craniofacial reconstruction. PlastReconstrSurg
rias é o enoftalmo. Geralmente é de difícil tratamen 1983; 72:778.
Fraturas de Maxila

Paulo Roberto Mello Gomes


Henrique Lopes Arantes
Mateus C. Kawasaki

tratadas de forma adequada, podem causar seqüelas


INTRODUÇÃO
tanto estéticas como na função mastigatória, respira
A maxila constitui a maior parte do terço médio do tória e olfatória.
esqueleto facial, formando pilares, anéis e cruzes com
os demais ossos, sendo, portanto, fundamental na sus
tentação óssea e equilíbrio da estética facial21. A maxi ANATOMIA
la é constituída por cavidades pneumáticas, ossos la-
minares e densos, os quais funcionam como amortece O centro do terço médio da face é constituído pelas
dores dos impactos sofridos na face, deformando e maxilas, compondo o maxilar superior. As maxilas par
segmentando-se em pequenos fragmentos ósseos para ticipam da borda da abertura piriforme, formam a mar
absorver a energia cinética do impacto e proteger o gem ínfero-medial das órbitas, além de servirem como
tecido cerebral. estrutura de sustentação para os dentes da arcada supe
As fraturas de maxila são menos freqüentes do rior em seus processos alveolares, participando, desta
que as de mandíbula, zigoma e nariz, principalmente forma, também da constituição da cavidade oral (além
porque estes são mais proeminentes e costumam ser da nasal e orbitária já mencionadas) (Fig. 33-1).
lesionados nos casos em que ocorre fratura da maxila. O maxilar é um osso duplo, formado pela junção
Além disso, a causa mais freqüente de fratura da maxi das duas maxilas na linha média, cujo crescimento é
la é o acidente automobilístico, demonstrando a ne responsável pelo alongamento vertical da face, entre
cessidade de uma alta força de impacto para causar a os 6 e 12 anos de idade. No interior de cada maxila
fratura e, ao mesmo tempo, o risco de traumatismo encontramos uma cavidade de paredes delgadas, de
cranioencefálico e morte do paciente, prejudicando as nominado seio maxilar, a qual apresenta interior re
estatísticas dos casos com fratura maxilar. vestido por mucosa. Esta cavidade está em comunica
A presença de elementos dentários neste osso é ção com o meio externo através do óstio maxilar, lo
outro dado importante, pois estes determinam, com calizado no interior do meato médio da cavidade na
os dentes inferiores da mandíbula, uma relação de oclu- sal, por meio do hiato semilunar. São os maiores dos
são. Portanto, quando as fraturas maxilares não são seios paranasais (Fig. 33-2).

414
Fraturas de Maxila 415

Osso nasal
Forame supra-orbital

Maxila, proc. frontal

Osso parietal
Margem supra-orbital

Osso esfenóide, asa maior

Osso frontal, face orbital Osso esfenóidale,


Asa major,
Face orbital
Fissura orbital superior

Osso esfenóide Osso temporal


Asa menor

Osso lacrimal
Osso esfenóide
Asa maior
Forame infra-orbital

Osso zigomático oncha nasal média e inf.

Septo ósseo nasal


Fissura orbital inferior

Maxila, proc. alveolar

Margem infra-orbital
Espinha nasal ant.

Forame mental

Fig. 33-1. Ossos da face, visão frontal.

Etmoidal, lâmina
perpendicular Fissura orbitd sup

Seios (células)
etmoidais

Osso esfenóide,
asa maior, face
orbital Fissura orbital inf.

Seio maxilar Zigomático

zigoma ticomaxilar
Concha nasal inf.

Canal infra-orbital
Maxila, proc. alveolar

Dente molar Concha nasal média

Maxila, proc. palatino Cavidade nasal, meato nasal inf.

Fig. 33-2. Secção coronal da parte anterior do esqueleto facial


416 Cirurgia Craniomaxilofacial

O osso maxilar apresenta ainda o forame infra- Quadro 33-1. Ossos que fazem contato com a maxila
orbital, situado abaixo da órbita, a aproximadamente Frontal Nasal Lacrimal
Zigomático Etmóide Esfenóide
2,5cm da linha média da face, por onde se exterioriza Palatal
o nervo infra-orbitário (além dos vasos), que é o res
ponsável pela sensibilidade da região central do terço
Na região do septo nasal anterior encontra-se a
médio da face.
De uma maneira geral, podemos definir a maxila zona hemorrágica de Kiesserlbach, onde uma rica rede
anastomótica comunica a carótida externa, através de
como uma estrutura de formato piramidal, que uni
ramos terminais da artéria maxilar, com a carótida in
das formam o maxilar superior. A maxila apresenta
terna, através de ramos etmoidais anterior e posterior
quatro processos, através dos quais faz conexão com
da artéria oftálmica.
os outros ossos da face, compondo os chamados pila
Outros ramos importantes da artéria maxilar são
res verticais da face.
Os quatro processos da maxila são: alveolar, fron a meníngea média e a alveolar inferior, além dos ra
tal ou ramo montante da maxila, zigomático e palatal. mos temporal profundo, bucal, infra-orbitário e pala
tal descendente.
O processo alveolar, ou rebordo alveolar, é constitu
ído pelas criptas alveolares onde se localizam os dentes. A inervação da maxila é feita pelo ramo maxilar
O processo frontal, ou ramo montante da maxi no nervo trigêmeo (NC V2). Exterioriza-se do crânio
la, participa do esqueleto nasal lateralmente, articu- pelo forame redondo, atravessa a fissura orbitária infe
lando-se com os ossos frontal, nasal e lacrimal. É um rior e corre por um curto canal na borda orbitária in
elemento importante na composição do pilar mediai ferior, saindo deste canal pelo forame infra-orbitário.
Apresenta como principais ramos os nervos alve
da face.
O processo zigomático da maxila articula-se com olar ântero-superior, inervando dos incisivos ao pri
o osso zigomático constituindo, juntamente com o meiro molar, e nervo alveolar posterior, que inerva os
osso zigomático, o anel médio da face, segundo classi molares. Os nervos alveolares superiores são responsá
ficação de Sturla, na linha do rebordo orbitário. veis pela sensibilidade das mucosas da gengiva, seio
O processo palatal articula-se posteriormente com maxilar e septo nasal. Este nervo é responsável ainda
osso palatal, que constitui o anel inferior da face em pela sensibilidade cutânea da região central do terço
seus componentes superficial (setor dentoalveolar da médio da face, como parede nasal lateral, região cutâ
maxila) e profundo (lâmina horizontal dos ossos pala- nea localizada sobre a maxila e metade ipsilateral do
tais), segundo a mesma classificação de Sturla. lábio superior. (Observação: os nervos sensitivos do
A maxila apresenta ainda pontos de sutura com palato são ramos do gânglio pterigopalatal).
ossos da base do crânio, como etmóide, esfenóide, além A musculatura presente no terço médio da face
do zigomático e lacrimal na órbita; o processo pteri- não representa elemento de interferência quando há
góide do esfenóide na fossa perigopalatal (Fig. 33-3). fratura da maxila, não sendo responsável por desloca
Quanto à importância da maxila no esqueleto fa mentos dos fragmentos ósseos, contrariamente à im
cial, podemos destacar os trabalhos de René Le Fort portância da ação muscular nas fraturas de mandíbula.
(1901), que classificou os três tipos principais de fratu
ras da maxila; Shapiro (1947), que observou os espessa-
mentos ósseos que dão resistência à maxila e as por CLASSIFICAÇÃO DAS FRATURAS
ções delgadas através das quais ocorre as linhas de fra DE MAXILA
tura; Sicher e De Brul (1970), que descreveram os pila
Podemos classificar as fraturas de maxila da seguinte
res verticais da face; Sturla (1980), que descreveu pila
forma:
res, anéis e cruzes de resistência do esqueleto facial e,
mais recentemente, Manson et ai. (1980, 1985), Gruss 1. Fratura transversa baixa da maxila (Le Fort I, Gue-
(1986) e outros, que ressaltam a importância do co rin, Duchange).
nhecimento e reconstituição desses pilares após trau 2. Fratura piramidal da maxila (Le Fort II).
ma de face com fraturas dessas estruturas10'17,18,22. 3. Fratura de disjunção craniofacial (Le. Fort III).
A vascularização da maxila é feita predominante 4. Fratura mediana da maxila (Lannelongue).
mente pela artéria maxilar, que é um ramo terminal da 5. Fratura de Walthers (em quatro fragmentos).
carótida externa. O suprimento sangüíneo é feito en 6. Fratura de Richet.
tão pelos ramos terminais da artéria maxilar, sendo o 7. Fratura da borda alveolar.
mais importante a artéria esfenopalatal (Fig. 33-4). 8. Fraturas complexas.
Fraturas de Maxila 417

Osso frontal

Forame etmoidal ant.

Osso etmoidal, lâmina orbital

Forame etmoidal post.


Osso nasa
Canal óptico
Maxila, crista Osso palatino, proc. orbital
lacrimal ant.
Forame esfenopalatino
Fossa pterigopalatina
Osso lacrima
crista lacrimal post
Osso esfenóide, Corpo

Lâmina lat. (proc. pterigóideo)


Sulco
Hâmulo pterigóideo
infra-orbita

Maxila, proc. alveolar


Maxila, proc. Arco zigomático
zigomático

Fossa
Forame zigomaticofacia infratemporal

Forame oval

Osso esfenóide

Proc. pterigóideo
Osso palatino, proc. orbital
Fossa pterigopalatina,
Fissura orbital inf. ãmina perpendicular
(Osso esfenóide)

Proc. piramidal,
(Osso palatino)

Proc. pterigóideo,
Hâmulo pterigóideo
(Osso esfenóide)

Osso
etmóide,
lâmina
orbita

Sulco infra-orbital

Fig. 33-3A. Parede mediai da órbita esquerda. B. Limites ósseos da fossa pterigopalatina com o osso zigomático removido. C. Parede
inferior da órbita esquerda com o teto da órbita removido.
418 Cirurgia Craniomaxilofacial

de uma maneira mais simples, dois pilares mediais, dois


laterais e dois posteriores, constituindo um arcabou
ço para as cavidades oral, nasal e orbitária10'13'16'21,22.
Esses pilares são os responsáveis por manter a cor
reta posição da maxila em relação à mandíbula, inferi
ormente, e à base do crânio, superiormente.
De uma maneira geral, as linhas de fratura ocor
rem na região de maior fraqueza do esqueleto cranio
facial; entre estas linhas, a mais freqüente é a Le Fort
II, uma vez que o anel de resistência médio da face
descrito por Sturla, formado em sua maior parte pelo
arco zigomático, confere resistência à intrusão da maxi
la sendo, portanto, fraturado e mobilizado. O segmen
to nasomaxilar entre os dois arcos zigomáticos, tam
bém é acometido, configurando o que se conhece como
fratura Le Fort II14.
Outro aspecto importante que deve ser lembra
do é que, ainda devido às características estruturais
Fig. 33-4. Vascularização arterial da maxila. I. Artéria carótida
externa; 2. A. maxilar; 3. A. meníngea média; 4. A. alveolar infe do esqueleto facial, este está mais preparado para su
rior; 5. Aa. temporais profundas ant. e post.; 6. A. bucal; 7. A. portar forças no sentido infero-superior do que nos
palatina descendente; 8. A. alveolarsuperior posterior; 9. A. infra- sentidos súpero-inferior ou, principalmente, ântero-
orbital; JO. A. auricular posterior; 77. A. temporal superficial; 72.
A. temporal média; 73. A. temporal superficial, ramo frontal; 14. posterior.
A. temporal superficial, ramo parietal; 75. A. zigomático-orbital; Descrevem-se a seguir, com maiores detalhes, as
76. A. facial transversa.
diversas fraturas da maxila.

O conhecimento da arquitetura tridimensional do


Fratura Transversa Baixa (Le Fort I, Guerin,
esqueleto facial e seus pontos de resistência e fraqueza
Duchange)
possibilita uma melhor compreensão das fraturas da
maxila, sendo também este conhecimento importante Atribui-se a Guérin a primeira descrição dessa fratura,
na reconstituição dessas estruturas no momento do em 1866. Nesse tipo de fratura, mais conhecida como
reparo ciúrgico1-5. Le Fort I, descrita em 1901, observa-se traço de fratura
Através de estudos anatômicos clássicos de diver que tangencia a margem inferior do seio piriforme,
sos autores (Le Fort, Shapiro, Sicher e De Brul, Sturla, estendendo-se lateralmente pela parede anterior do seio
Manson, Gruss), é possível observar a presença de pila maxilar até a tuberosidade da maxila, seguindo para
res de sustentação da maxila: mediai (nasomaxilar), la processo pterigóide, causando fratura deste ou disjun
teral (zigomaticomaxilar) e posterior (pterigomaxilar); ção pterigomaxilar (Figs. 33-5 e 33-6).

Fig. 33-5A. Traço de fratura de Le Fort I, vista frontal. B. Traço de fratura de Le Fort I, vista lateral
Fraturas de Maxila 419

Fig. 33-6A. Paciente com fratura tipo Le Fort I à esquerda. B. Pós-redução e fixação rígida da fratura. C. Tomografia computadorizada
evidenciando a fratura de maxila tipo Le Fort I à esquerda.

Fratura Piramidal (Le Fort II) atingindo processo pterigóide. Resulta, portanto, na
Caracteriza-se por linha de fratura que se inicia na re completa separação da face do crânio (Figs. 33-8 a 33-10).
gião nasofrontal, desce pela apófise frontal da maxila,
correndo lateralmente através dos ossos lacrimais c soa- Fratura Mediana da Maxila (Lannelongue)
lho da órbita, rebordo orbitário inferior e sutura zigo- Caracteriza-se pela disjunção mediana da maxila, pro
maticomaxilar até a parede lateral da maxila, comple vocando clinicamente um diastema dos incisivos cen
tando posteriormente em direção à fossa pterigomaxi trais e laceração da mucosa palatal no mesmo sentido
lar, com fratura ou disjunção do processo pterigóide. da lesão. Quando há grande descolamento da mucosa
Nos casos mais graves pode ocorrer deslocamen palatal no trauma, geralmente não apresenta lesão da
to posterior severo do segmento, com lesão associada mucosa2'15 (Fig. 33-11).
da área etmoidal, septo nasal, dueto lacrimal e alarga
mento do espaço interorbital (Fig. 33-7).
Fratura de Walthers (em quatro fragmentos)
Eventualmente pode ocorrer, além da fratura mediana
da maxila, um traço de fratura transverso no palato, fre
Fratura de Disjunção Craniofacial (Le Fort III)
qüentemente na sutura maxilopalatal, próximo ao primei
Linha de fratura que se inicia na sutura nasofrontal, es ro e segundo pré-molares, configurando quatro fragmen
tendendo-se lateralmente através das paredes mediai e tos ósseos. No tratamento desse tipo de fratura encontra-
inferior da órbita, atravessando as suturas zigomático- se dificuldade para a estabilização dos fragmentos poste
frontal e arco zigomático, terminando, posteriormente, riores2-15 (Fig. 33-12).

Fig. 33-7A. Traço de fratura tipo Le Fort II, vista frontal. B. Traço de fratura tipo Le Fort II, vista lateral
420 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 33-8A. Traço de fratura tipo Le Fort III, vista frontal. B.Traço de fratura tipo Le Fort III, vista latera

Fig. 33-9A. Paciente vítima de


trauma facial com fratura tipo Le
Fort III com alongamento
característico da face. Vista frontal.
B. O mesmo paciente em vista
lateral.

...—W4a
11 /$*-^':-; llffrl 1
^H^
!//
f^S^m
aJ/- 'jj* L./(cudcm^i'
ERCa Fig. 33-10. Traços de fraturas no
septo ósseo correspondentes às Le
Fort I, II e III.
Fraturas de Maxila 421

Fig. 33-1 IA. Traço de fratura mediana, vista frontal. B. Traço de fratura mediana, vista inferior.

Fig. 33-12. Traço de fratura de Walthers, vista inferior. Observar


Fig. 33-13. Traço de fratura tipo Richet, vista frontal.
os quatro fragmentos.

Fratura de Richet descritos ou, também, envolvimento de outras estru


turas do esqueleto craniofacial.
Configura-se por linha de fratura mediana, que se es
tende unilateralmentc como um traço de fratura trans
versa baixa (tipo Le Fort I), geralmente associada à ro
tação posterior do fragmento e mordida cruzada, de AVALIAÇÃO CLÍNICA
vido à força do impacto2,15 (Fig. 33-13).
Todo paciente politraumatizado deve, inicialmente, re
ceber atendimento efetivo e objetivo com a finalida
Fratura da Borda Alveolar de de garantir a vida. Completado o atendimento ini
cial e controladas as funções vitais, tem prosseguimen
Geralmente conseqüência do impacto localizado nos to a avaliação específica multidisciplinar.
dentes, com báscula do dente e fratura da parede con Para os pacientes vítimas de trauma de face, deve
trária do alvéolo dentário, causa lesão dos elementos ser realizado o exame clínico, seguindo-se sempre as
dentários c na estrutura óssea alveolar da maxila (Figs. seqüências clássicas de história clínica, observação es
33-14 e 33-15). tática, observação dinâmica, exame físico, propedêuti
ca armada e exames de imagem8.
A obtenção de uma breve história clínica focada
Fraturas Complexas da Maxila
em determinados pontos pode ser obtida com o pró
Como fraturas complexas podemos considerar aque prio paciente, familiares, amigos ou alguém presente
las em que há uma combinação dos tipos de fratura no local do acidente. Quando possível, é de grande
422 Cirurgia Craniomaxilofacial

Na observação dinâmica, geralmente não há alte


ração da motricidade facial associada às fraturas de ma
xila, porém o paciente pode referir dor ao deglutir,
esta pode estar relacionada à má oclusão causada pela
fratura, como também à mobilização das linhas de fra
tura na região do processo pterigóide, nos casos de
fratura tipo Le Fort.
As fraturas tipo Le Fort geralmente não estão as
sociadas à exposição dos traços de fratura, porém oros-
copia rigorosa deve ser sempre realizada para descartar
fraturas do processo palatal da maxila, alvéolos, den
Fig. 33-14. Fratura alveolar com perda de componentes dentári tes e lesões da mucosa.
os e ósseo. Vista anterior.
A palpaçao é de grande utilidade na avaliação do
trauma de face, embora algumas vezes o intenso edema
local dificulte o exame. Na palpaçao, devem ser verifica
dos desníveis nas linhas de sutura da maxila, no rebor
do orbitário inferior, sutura maxilozigomática por pal
paçao endoral e observação de crepitação no subcutâ-
neo, significando ar nos tecidos (o que sugere fraturas
da paredes dos seios). Palpam-se o palato, para investiga
ção de fraturas, e todo o contorno alveolar, para verifi
cação de mobilidade da maxila e estabilidade da maxila.
A mobilidade da maxila também deve ser verificada,
investigando-se a presença de linhas de fratura tipo Le
Fort. Para isso, a maxila é movimentada com uma das
mãos, enquanto a outra palpa as regiões correspondentes
Fig. 33-15. Paciente vítima de trauma facial com fratura alveolar das linhas de fratura tipo Le Fort I, II e III (Fig. 33-16).
e perda de elemento dentário. Outra queixa freqüente ao exame é a anestesia ou
hipoestesia das regiões correspondentes ao nervo in
auxílio, pois podem ser obtidas informações sobre o fra-orbitário, que por vezes é lesado no trauma.
local e as circunstâncias do acidente (como intensi
dade da violência, uso de cinto de segurança, vítimas PROPEDÊUTICA ARMADA
fatais etc), além de informações pessoais, como aler
gias, medicações em uso, se a vítima é portadora de Durante a propedêutica armada, uma rinoscopia
alguma doença e momento da última refeição. cuidadosa é obrigatória com a finalidade de investigar
Considerando-se especificamente o trauma de lesões, hematomas de septo ou presença de líquido
maxila, os pacientes apresentam graus variados de ma cefalorraquidiano como conseqüência de fratura da
nifestação clínica, de edema localizado para as fratu lâmina crivosa e conseqüente fístula liquórica.
ras alveolares, envolvidas em traumas de menor vio Os exames de imagem são de extrema utilidade
lência, a edema intenso e dismorfias da face, nos ca na avaliação de traumas da maxila, tanto para diagnós
sos de fraturas complexas. tico como para tratamento cirúrgico. Portanto, após
Estes últimos, submetidos a forças de maior in o exame físico, uma série de radiografias deve ser obti
tensidade, podem apresentar edema facial generaliza da em diversas incidências: ântero-posterior, Waters,
do, equimoses periorbitárias, equimoses no sulco na- Hirtz, Towne, perfil, fronto-naso, naso-mento, oclusal
solabial, mucosa endoral, sangramento nasal e lesão e ossos próprios do nariz. Essas incidências permitirão
associada de outras estruturas da face. Outro sinal re uma avaliação de toda a estrutura óssea. Os exames de
levante no exame físico é a observação da oclusão den imagem podem ser complementados por uma tomo
tária, uma vez que a fratura de maxila pode alterá-la. grafia computadorizada e com recursos de reconstru
Obviamente, deve sempre ser descartada a fratura de ção tridimensional da imagem, o que permite uma
mandíbula ou mesmo que o paciente já apresentava avaliação precisa e preparo mais adequado da progra
alterações da oclusão dentária antes do trauma. mação cirúrgica 5,7
Fraturas de Maxila 423

Fig. 33-16. Exame clínico para investigação de fraturas tipo Le Fort. Com uma das mãos é verificada a mobilidade da maxila e com a outra
mão palpam-se os locais de fratura. A. Investigação de fratura tipo Le Fort I. B. Investigação de fratura tipo Le Fort II. C. Investigação de
fratura tipo Le Fort III.

TRATAMENTO Vias de Acesso para Maxila


ACESSO INTRA-ORAL
Planejamento Cirúrgico e Preparo
O acesso intra-oral mais utilizado é através do sulco
Pré-operatório gengivobucal, onde se realizam uma incisão na muco
O planejamento cirúrgico dos pacientes vítimas de sa bucal, 4-5mm acima da gengiva, e descolamento até
trauma de face depende inicialmente de uma observa o plano subperiosteal. Outra opção seria a realização
ção clínica e radiológica detalhada, que esclareça preci de uma incisão marginal na gengiva, no início das raí
samente o diagnóstico das fraturas e o mecanismo do zes dentárias, diminuindo o risco de infecção, segun
trauma. O paciente deve estar liberado, tanto do pon do alguns autores. Essas vias de acesso permitem a ex
to de vista clínico quanto neurológico, para a cirurgia. posição da metade inferior do terço médio da face, da
Nos casos com fratura nasal associada e que necessita margem inferior da órbita e do pilar lateral da maxila
rão de tamponamento nasal anterior bilateral, deve-se (zigomaticomaxilar).
orientar tanto o paciente como os familiares sobre a A complicação mais comum é a deiscência da su
necessidade de traqueostomia temporária, prevenindo tura intra-oral, com menor incidência nas incisões
um desconforto respiratório no pós-operatório ime marginais da gengiva (Fig. 33-17).
diato; esta, porém, deve ser sempre evitada o máximo
possível. ACESSO ATRAVÉS DA PÁLPEBRA
Alguns cirurgiões preferem operar o paciente na INFERIOR
ocasião do diagnóstico da fratura, mas a nossa condu
ta é esperar a regressão do edema para melhor avalia O acesso pela pálpebra inferior pode ser transcutâneo
ção das deformidades e operar o paciente entre 7 e 10 ou transconjuntival. A via transcutânea, ou subciliar,
dias após o trauma. Deve-se estudar previamente o é a mais utilizada, pois permite melhor exposição da
acesso ao foco de fratura que evite lesões iatrogênicas maxila, com menos riscos e complicações. Realiza-se
de estruturas importantes, sobretudo extensos desco uma incisão paralela â margem ciliar e, logo abaixo do
tarso, eleva-se o músculo orbicular juntamente com a
lamentos e manipulação dos fragmentos ósseos, dimi
nuindo a desperiostização e reabsorção destes. pele, evidenciando o septo orbital e a margem infra-
A realização de uma higiene oral rigorosa, assim orbital. Neste local, realizam-se uma incisão até o peri-
como de tricotomia de barba e bigode, é um aspecto ósteo e uma dissecção subperiosteal, expondo-se o so-
pré-operatório importante.
alho orbitário e a margem infra-orbital. Deve-se tomar
424 Cirurgia Craniomaxilofacial

pebral, podendo ser estendida no sentido das rugas


periorbitais. A cicatriz final costuma ser de boa quali
dade.
-.

*>M
4* "f;*-
í
ACESSO SOBRE OS SUPERCÍLIOS
Realiza-se uma incisão paralela à borda superior do su-
percílio, desde seu terço médio até o lateral, possibili
tando um bom acesso à sutura frontozigomática. Apre
senta bons resultados estéticos e poucas complicações.

L. KaiUaòafa ACESSO CORONAL

A incisão coronal com descolamento subgaleal e


Fig. 33-17. Acesso intra-oral.
subperiosteal no arco zigomático permite boa expo
sição do crânio e de toda a porção superior da face.
No entanto, necessita incisão extensa no couro cabe
ludo, e existe a possibilidade de complicações decor
rentes de traumas dos ramos frontal e temporal do
nervo facial".

Métodos de Fixação
BLOQUEIO MAXILOMANDIBULAR
O bloqueio maxilomandibular pode ser a forma de
tratamento nas fraturas alinhadas e estáveis, permane
cendo durante 4 a 6 semanas, ou pode ser utilizado
como tratamento temporário, até que se realize o tra
tamento definitivo. Nos casos de fraturas múltiplas
ou instáveis, esse método auxilia a estabilização e fixa
Fig. 33-18. Acesso através da pálpebra inferior (transconjuntival
ção dos segmentos ósseos.

cuidado com o nervo infra-orbital. O fechamento in


FIXAÇÃO EXTERNA COM CAPACETE
clui uma sutura cuidadosa do periósteo e da pele. Pode
ocorrer ectrópio temporário devido ao edema local, A fixação externa com capacetes de aço ou titânio ra
sendo importante orientar o paciente quanto aos cui ramente é utilizada na atualidade. Esse método foi ela
dados locais e à regressão do processo. Outra compli borado para tratamento de fraturas cominutivas da
cação seria a retração da pele da pálpebra inferior, maxila com o objetivo de prevenir os fenômenos de
principalmente quando se descola muito o músculo intrusão, encurtamento e obliqualização. O capacete
orbicular da pele ou quando não se aproxima o peri pode ser utilizado temporariamente nos traumas gra
ósteo. ves e, após 2 a 3 semanas, realiza-se o tratamento defi
O acesso transconjuntival permite uma menor nitivo. Outra indicação seria nas fraturas cominutivas
exposição da maxila, limitada pelo fórnix e ligamento de maxila associadas com fratura bilateral de côndilos
lateral. A realização de cantotomia lateral e uma can- mandibulares.
tólise melhora a exposição (Fig. 33-18). O capacete é fixado no crânio por parafusos; nes
tes, prendem-se elásticos conectados a hastes verticais
e uma barra estabilizadora horizontal. Esse sistema é
ACESSO PELA PÁLPEBRA SUPERIOR
estável e eficaz, mas provoca grande inconveniência e
O acesso através do sulco palpebral superior permite estigmatiza o paciente, sendo praticamente substituí
boa exposição da sutura frontozigomática. Realiza-se do por métodos mais modernos, como a fixação in
uma incisão da porção mediopupilar até a lateral pal- terna com placas e parafusos3 (Fig. 33-19).
Fraturas de Maxila 425

to e retrusão em 62% dos casos de fraturas tipo Le Fort,


principalmente devido à pressão excessiva sobre a maxi
la. Portanto, indica-se com parcimônia a utilização de
suspensões, as quais são retiradas entre 4 e 6 semanas5.

FIXAÇÃO INTERNA COM FIOS DE AÇO,


PARAFUSOS E PLACAS

Os métodos de tratamento incruento das fraturas de


maxila dificilmente possibilitam uma reconstrução anatô
mica dos pilares do terço médio da face. A exposição
adequada dos fragmentos fraturados e sua fixação com
fios de aço, placas e parafusos propiciam os melhores
resultados. As imobilizações com placas e parafusos são
mais estáveis do que as realizadas com fios de aço, pois
não permitem qualquer movimento de rotação dos frag
mentos.
Fig. 33-19. Paciente com "capacete" de imobilização.
A reconstrução dos quatro pilares anteriores (na
somaxilar e zigomaticomaxilar bilaterais) posiciona
corretamente a maxila ântero-posteriormente em rela
ção à base do crânio, mantendo a altura e posição ho
rizontal corretas. A reparação do pilar posterior (pteri
gomaxilar) não é necessária, pois os anteriores associa
dos com a mandíbula são suficientes para estabilidade
e posicionamento da maxila.
Gruss8,9 descreve quatro conceitos essenciais para
o tratamento das fraturas de maxila:

1. A fixação do pilar maxilar anterior é fundamental


para orientar a posição da maxila.
2. A exposição e fixação dos pilares maxilares propor
cionam uma reconstrução anatômica.
3. O reforço ou substituição completa dos pilares ins
táveis com enxertos ósseos ou miniplacas permite
Fig. 33-20. Suspensão com fios de aço. uma estabilização adequada da maxila, sem necessi
dade de suspensões internas ou fixações externas.
4. Evitar o colapso ou alongamento do terço médio
FIXAÇÃO INTERNA COM SUSPENSÕES da face.

As suspensões com fio de aço são indicadas para fixar


a maxila na base do crânio com o objetivo de evitar
FRATURAS ALVEOLARES
alongamento do terço médio da face . Outra finalida
de seria a de auxiliar a fixação de goteiras ou próteses As fraturas alveolares simples podem ser digitalmente
na arcada superior. Existem diversas formas de suspen reduzidas e estabilizadas através de odontossínteses ou
são: frontomalar, glabelar, na abertura piriforme, na arcos vestibulares, os quais são mantidos por 4 a 12
espinha nasal anterior, infra-orbital e ao redor do arco semanas, ou até que seja observada clinicamente uma
zigomático1-4'18-23 (Fig. 33-20). estabilidade adequada. As fraturas complexas devem
As suspensões causam compressão da maxila con ser tratadas com imobilizações com fios de aço ou pla
tra a base do crânio, podendo causar encurtamento do cas e parafusos.
terço médio, sobretudo nas fraturas cominutivas e de Os dentes envolvidos na fratura podem sofrer le
côndilo bilateral. Ferraro e Berggren demonstraram a sões do seu pedículo vasculonervoso, devendo-se rea
incidência de deslocamento da maxila, com encurtamen lizar um tratamento endodôntico nestes19.
426 Cirurgia Craniomaxilofacial

FRATURAS DO TERÇO MÉDIO DA FACE rior e caudal. Após o reposicionamento correto da ma


xila, realizam-se fixação dos pilares nasomaxilar e zigo-
Os ossos do terço médio da face são propriamente
maticomaxilar, através da via de acesso no sulco gengi-
delicados e delgados para que após o trauma ocorram
vobucal, e bloqueio maxilomandibular, na oclusão ade
deformação e fratura em vários fragmentos, absorven
quada. Deve-se ressaltar que é fundamental fixar pri
do a energia do impacto e protegendo as estruturas
meiramente as fraturas de mandíbula, principalmente
nobres da cabeça. Manson (1986) relata que o objetivo
nos casos de fraturas de côndilos bilaterais, para evitar
no tratamento das fraturas maxilares é manter a altura
imobilizações incorretas9 (Fig. 33-23). Após redução
e projeção da maxila, baseando-se no osso frontal e
da maxila, devem ser fixados os demais ossos do terço
base do crânio superiormente, e na mandíbula inferi
médio da face que possam estar comprometidos, como
ormente, os quais orientam a redução e fixação das
a região nasofrontal e a parede mediai da órbita, atra
fraturas do terço médio14 (Fig. 33-21).
vés do acesso subciliar. Nos traumas severos com ex
A reparação dos pilares anteriores da maxila e da
tensas cominuições e perdas ósseas, deve-se realizar
mandíbula é fundamental para o posicionamento cor
enxerto ósseo na primeira cirurgia, proporcionando
reto dos fragmentos ósseos e da oclusão maxiloman-
melhor estabilidade e evitando deformidades secun
dibular.
dárias, que serão difíceis de corrigir em outra ocasião.
As fraturas tipo Le Fort I podem apresentar des
As áreas doadoras de enxerto ósseo mais utilizadas são
locamento da maxila, sendo necessária a utilização do
a calota craniana e os arcos costais. Evita-se realizar
fórceps de Rowe, para o reposicionamento desta, além
enxerto ósseo apenas quando ocorrer contaminação
de bloqueio maxilomandibular, para manutenção da
abundante ou na ausência de cobertura cutânea ade
oclusão. Quando não há deslocamento, apenas o blo
quada. Nessas ocasiões, uma boa opção seria o tampo
queio por 4 a 6 semanas é suficiente (Fig. 33-22).
namento dos seios maxilares e paranasais com gazes
A fixação interna com miniplacas e parafusos evi
durante 2 a 3 semanas, conforme preconizado por
ta imobilizações prolongadas.
Costa, até que ocorra a estabilização dos fragmentos
O conhecimento da oclusão dentária prévia do
fraturados pelo processo cicatricial local. Posteriormen
paciente facilita a redução da fratura. Nos pacientes eden-
te, retiram-se os tampões através da incisão gengivo-
tados utilizam-se goteiras de acrílico, confeccionadas com
bucal.
auxílio de articuladores, para manutenção da oclusão.
Com relação às fraturas tipo Le Fort III ou disjun
Nas fraturas do tipo Le Fort II ocorre geralmente
ção craniofacial, devem ser fixados os pilares do terço
intrusão da maxila com angulação ântero-superior, re
médio da face e outros locais acometidos, como a re
sultando em mordida aberta anterior. Os movimen
gião nasofrontoetmoidorbitária, frontozigomática,
tos de redução devem ser realizados nos sentidos ante-
margens orbitárias e zigoma. Devido à gravidade do
trauma, é fundamental estabilizar previamente o paci
ente, tanto do ponto de vista clínico como neurológi
co. Quando forem necessários tamponamento nasal e
bloqueio maxilomandibular, pode-se realizar uma tra-
queostomia temporária, para facilitar a respiração no
pós-operatório.
A seqüência do tratamento cirúrgico deve ser pre
viamente estudada, a partir de um diagnóstico clínico
e radiológico preciso. Geralmente, iniciam-se as fixa
ções das fraturas no sentido infero-superior, ou seja,
primeiro estabiliza-se a mandíbula e depois a maxila.
A utilização de goteiras e o alinhamento com os ossos
da base do crânio e frontal auxilia a orientação das fixa
ções. Manson sugere a seguinte seqüência de tratamen
to nas fraturas graves da face16 (Figs. 33-24 e 33-25):
L. Kau/aMÁ/
As fraturas sagitais da maxila e do palato ocorrem
com menos freqüência do que as do tipo Le Fort em
PROJEÇÃO geral. A mucosa oral pode estar normal e esconder uma
fratura do palato que, se não for tratada corretamente,
Fig. 33-21. Altura e projeção da maxila. acarretará em alteração da mordida. As fraturas devem
Fraturas de Maxila 427

Fig. 33-22A, B e C.
Reposicionamento
da maxila com
fórceps de Rowe.
D, E e F.
Desimpactação da
maxila com fórceps
de Hayton - William.

Fig. 33-23. Redução inadequada das


fraturas no caso de fratura condilar
bilateral, resultando em desvio da
linha média da face.
428 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 33-24. Seqüência para reconstrução das fraturas maxilares a partir da mandíbula: 1 - palato, 2 - segmento vertical da mandíbula, 3 -
fragmentos horizontais pequenos da mandíbula, 4 - borda superior da mandíbula, 5 - borda inferior da mandíbula, 6 - fraturas maxilares.

Fig. 33-25. Seqüência para reconstrução das fraturas maxilares a partir da região frontal: I - parede superior da órbita e seio frontal, 2
- ossso frontal e parede posterior do seio frontal, 3 - parede anterior do seio frontal, 4 - região nasoetmoidal e parede mediai da órbita,
5 - parede lateral da órbita, 6 - arco zigomático, 7 - parede inferior da órbita, 8 - pilar maxilozigomático, 9 - sutura zigomaticofrontal, 10
- fraturas maxilares.

ser fixadas com fios de aço ou miniplacas, em associa


COMPLICAÇÕES
ção ao bloqueio maxilomandibular, para evitar rota
ção superior do palato e interna da arcada dentária. As complicações decorrentes das fraturas maxilares são
Pode-se utilizar um splint no palato, para aumentar a divididas em precoces e tardias. As complicações pre
estabilidade e evitar a sua movimentação'3. coces mais comuns seriam hemorragia, edema e obs
Nos casos de pacientes edentados com fraturas de trução das vias aéreas. A hemorragia deve ser controla
maxila, utilizam-se as próteses dentárias como orienta da por meio de ligadura dos vasos e tamponamento
ção da oclusão, as quais são fixadas na maxila e na man destes, inclusive da cavidade nasofaríngea. Os traumas
díbula através de cerclagens com fios de aço. Outra graves da face causam edema em graus variáveis, po
opção é a utilização de goteiras de acrílico, confecciona dendo levar a obstrução das vias aéreas; portanto, es
das de acordo com a arcada dentária do paciente (Fig. ses pacientes devem ser monitorados rigorosamernte
33-26). e suas vias aéreas mantidas pérvias.
Fraturas de Maxila 429

3. Cruz RL, Mélega JM, Zanini AS. Fraturas do terço médio da


face. In: Mélega JM, Zanini AS, Psilakis JM. Cirurgia Plástica
Rcparadora e Estética, 2 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992.
4. Cubero G. Compound transverse fracture of the maxilla. Sur
gery 1948; 24:109-12.
5. Ferraro JW, Bcrggrcn RB. A precise mcthod for determination
of displacement in fractures of the midface. Plast Reconstr
Surg 1972; 50. 447.
6. Ferraro JW, Bcrggrcn RB. Treatment of complex facial fractu
res.,/ Trauma 1973;73:783.
7. Gentry LR, Manor WF, Turski PA, Strother CM. High resoluti-
on CT analysisof facial struts in trauma: 1. Normal anatomy.
Am) Radiol 1983; 140. 523-32.
8. GrussJS, Bubak PJ, Egbert MA.Craniofacial fractures. An algo-
rithm to optimi/.c results. Clinics in Plastic Surgery 1992; 19.
195-206.

9. Gruss JS et ai. Lessons learnt from the managementof 1500


Fig. 33-26. Fratura de palato com splint de acrílico. complex facial fractures. Ann Acad Med Singapore 1999;
28:677-86.

10. GrussJS, Mackinnon SE. Complex maxillary fractures: role of


Fístula liquórica e amaurose são complicações pre buttress reconstruction and immediate bonc grafts. Plast Re
coces menos comuns; no entanto, podem ocorrer nas constr Surg \986;78(l):9-22.
fraturas graves tipo Le Fort II e III. 11. Hárlc F.Surgical management of maxillary fractures. //): Booth
PW, Schendel SA, Hausamen JE (eds.) Maxillofacial Surgery.
Dentre as complicações tardias, podem ocorrer a Vol.l. Londres: Churchill-Livingstone, 1999: 79-91.
exposição dos meios de fixação (placas e parafusos), 12. KufnerJ. A mcthod of craniofacial suspension. Journal ofOral
enoftalmo, alterações nas dimensões verticais e hori Surgcry 1970; 2&260-2.
zontais da face, diplopia, lesões do nervo infra-orbital, 13. Manson PN. Dimensional analysis of the facial skeleton. Pro-
má oclusão e lesões dentárias. A exposição dos meios blems in Plastic Surgery 1: 213-37.
de fixação implica a remoção destes assim que estabili 14. Manson PN. Some thoughts on the classification and treat
zado o foco de fratura, não sendo necessária a retirada ment of Le Fort fractures. Ann Plast Surg 1986; 17: 356.
imediata, caso não ocorra infecção. As lesões do ner 15. Manson PN et ai. Sagittal fractures of the maxilla and palate.
vo infra-orbital geralmente são parciais e regeneram Plast Reconstr Surg\983; 72(4): 484-9.
espontaneamente, na maioria dos casos. 16. Manson PN et ai. Subunit principies in midface fractures: the
importance of sagittal buttresses, soft-tissuc reduetions, and
As complicações decorrentes de redução e estabi
sequencing treatment of segmentai fractures. Plast Reconstr
lização inadequadas da maxila constituem um desafio Surg 1999; 103(4): 1.287-306.
para o cirurgião craniomaxilofacial, pois causam se 17. Manson PN, Crawley WA, Yaremchuk MJ et ai. Midface fractu
qüelas estéticas e funcionais, como posicionamento res: advantages of immediate extend open reduetion and boné
tridimensional errôneo do terço médio da face, altera grafting. Plast ReconsSurg 1985, 76: 1-12.
ção da oclusão maxilomandibular, pseudo-artrose e 18. Manson PN, HoopesJE, Su CT. Structural pillars of the facial
não-união dos fragmentos ósseos. Nesses casos, reali skeleton: an approach to the management of Le Fort fractures.
Plast Reconstr Surg 1980; 66{\):54-6\.
zam-se osteotomias da maxila e reposicionamento ós
19. Manson PN. Facial injuries. In: Mc Carthy. Plastic Surgery.
seo, podendo-se utilizar enxertos ósseos para auxiliar a
W.B. Saunders Company, 1990: 867-1.141.
estabilização e recomposição do terço médio da face.
20. Monteil JP, Esnault O, Brette MD, Lahbabi M. Chirurgie des
Todo tecido fibrótico ou necrótico que porventura traumatisms faciaux. EncyclMéd Chir.(Elsevier, Paris),Tcchni-
esteja interpondo os fragmentos ósseos deve ser cure- ques chirurgicalcs - Chirurgie plastique et reconstruetrice et
tado e removido, para evitar erros de consolidação. esthétiquc, 45-505, 1998, 26p.
21. Sturla F. Anatomia craniomaxilofacial. In: Psillakis JM, Zanini
SA, Mélega JM, Costa EA, Cruz RL (eds.). Cirurgia Cranioma
xilofacial:Osteotomias Estéticas da Face. Rio de Janeiro: MED
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SI, 1987: 3-14.

1. Adams \VM. Internai wiring fixation of facial fractures. Surgcry 22. Sturla F, Absi D, Buquct J. Anatomical and mcchanical consi-
1942; 12:523-40. derations of craniofacial fractures: as experimental study. Plast
2. Antoniades K, Dimitriou C, Triaridis C eí ai.Sagital fractures of Reconstr Surg 1980; 56: 815.
the maxilla.Journal ofCraniomaxillofacialSurgen' 1980; 18:269- 23. Thoma KH. Mcthods of fixation of jaw fractures and their
262. indications. Journal of OralSurgcry 1948; 6:125-34.
Fraturas de Mandíbula

Adalberto Tadokoro

Luis Roberto Perez Flores


Henrique Cardoso Tardelli

adjacente, com a cartilagem servindo apenas para nor


INTRODUÇÃO
tear o seu desenvolvimento.
A fratura de mandíbula é o segundo tipo mais comum
de fratura de ossos da face, ficando atrás apenas da
fratura nasal, o que se dá principalmente pelo seu ta ANATOMIA
manho e pela posição proeminente e de destaque que
A mandíbula é o maior osso da face, e o único móvel.
tem na face36-37.
As causas mais comuns da fratura são:
Tem formato peculiar, semelhante a uma letra "U" no
plano transversal, com projeções superiores bilateral-
• Violência interpessoal. mente (Fig. 34-1). É composta por uma placa de osso
• Acidentes com veículos automotivos. cortical espessa na face externa, e outra mais fina na
• Quedas acidentais. face interna, sendo separadas por osso medular trabe-
cular55.
• Esportes de contato.

EMBRIOLOGIA

Embriologicamente, a mandíbula deriva da proemi-


nência mandibular do primeiro arco branquial, sendo
seu desenvolvimento guiado pela cartilagem deste arco,
a cartilagem de Meckel; no entanto, apenas os côndi
los derivam da ossificação endocondral direta desta,
sendo o restante da mandíbula formado por ossifica
ção intramembranosa à custa do tecido conjuntivo

N. do A.: A terminologia adotada neste capítulo obedece à nomenclatura


da Terminologia Anatômica, International Anatomical Terminology. 1-
Edição Brasileira. Editora Manole Ltda., 2001. Fig. 34-1. Mandíbula.

430
Fraturas de Mandíbula 431

A mandíbula pode ser dividida em: processo alve do nervo trigêmeo (V par craniano), responsável pela
olar, onde se encontram os alvéolos que alojam os inervação sensitiva da arcada inferior, mento c lábio
dentes da arcada inferior; sínfise, onde se fundem as inferior -, que entra pelo forame da mandíbula, na face
suas duas hemimandíbulas; corpo; ângulo e ramo, que interna do ramo, e segue um trajeto entre as duas lâmi
é a porção que se projeta cranialmente e que está enci nas corticais abaixo das raízes dentárias e se exterioriza
mada por dois processos: o coronóide, anteriormente, pelo forame mentual, na face externa do corpo, ao nível
e o condilar, posteriormente, estando separados pela do segundo pré-molar, com o nome de nervo mentual.
incisura da mandíbula (Fig. 34-2). Na criança, os dentes decíduos surgem entre o sex
A mandíbula articula-se aos outros ossos da face to e o 24° mês de vida, totalizando 20 dentes. Estes
por um complexo sistema de músculos e ligamentos. então se desprendem entre o sexto e o 12° ano de vida,
O processo condilar encontra os ossos temporais do dando lugar à dentição permanente. O paciente adul
crânio, formando as articulações direita e esquerda da to, com dentição completa, possui 32 dentes; 16 em
mandíbula, chamadas de articulações temporomandi- cada arcada (quatro incisivos, dois caninos, quatro pré-
bulares. molares e seis molares). Estes são numerados, segundo
No interior da mandíbula corre o seu feixe vascu- o sistema da American Dental Association37, de 1 a 32,
lonervoso, contendo o nervo alveolar inferior - ramo sendo o terceiro molar superior direito o número 1, o
terceiro molar superior esquerdo o número 16, o ter
ceiro molar inferior esquerdo o 17 e o terceiro molar
inferior direito o 32 (Fig. 34-3).

Musculatura da Mandíbula

A mandíbula é o sítio de inserção dos músculos da


mastigação (todos inervados pelo ramo mandibular
do trigêmeo, com exceção do ventre posterior do di-
gástrico, que é inervado pelo nervo facial, e do genio-
hióideo, pelo hipoglosso), que podem ser grosseira
mente divididos em dois grupos: o primeiro, respon
sável pelo fechamento da boca, com inserção na por
ção posterior da mandíbula (a saber: massetcr, tempo
ral, pterigóide mediai e lateral), cuja ação conjunta
Fig. 34-2. Regiões da mandíbula: I - Processo alveolar; 2 -
Parassinfisária; 3 - Corpo; 4 - Ângulo; 5 - Ramo; 6 - Processo promove o movimento da mandíbula para cima, para
coronóide; 7 - Processo condilar. frente e na direção mediai; e aqueles responsáveis pela

Fig. 34-3. Arcada dentária superior e inferior.


432 Cirurgia Craniomaxilofacial

abertura da boca, que se inserem na porção anterior da GRUPO POSTERIOR


mandíbula (digástrico, milo-hióideo e genio-hióideo), Músculo masseter
promovendo o movimento da mandíbula para baixo,
para trás e na direção mediai (Fig. 34-4). Origina-se no processo zigomático da maxila e na bor
Esse arranjo da musculatura irá atuar sobremanei
da inferior do arco zigomático, suas fibras caminham
ra nos segmentos fraturados, pois o posterior será tra- inferior e posteriormente, inserindo-se na borda infe
cionado no sentido ântero-superior e o anterior no rior do ângulo e na borda lateral da porção inferior
sentido póstero-inferior, resultando em forças de ten do ramo da mandíbula. A sua função é elevar a mandí
são sobre a borda superior da mandíbula, e de com bula, ocluindo os dentes na mastigação, e tem discreta
pressão sobre a borda inferior, o que tem grande im atividade na protrusão e retrusão da mandíbula, bem
como no movimento de lateralização.
plicação no tratamento das fraturas pois, dependendo
do sentido da linha de fratura, ela poderá ser estabili
Músculo temporal
zada exclusivamente pela ação da musculatura (fratu
ras favoráveis), ou ser desalinhada por ela (fraturas não- Nasce na fossa temporal e suas fibras convergem e des
favoráveis); neste caso, será importante levarmos em cem, formando um tendão que passa abaixo do arco
conta as forças de compressão e tensão atuantes. Se zigomático e se insere na superfície mediai, ápice e
gue uma descrição mais detalhada desses músculos: bordas anterior e posterior do processo coronóide e

DeE

Fig. 34-4. Músculos que atuam sobre a mandíbula.


Grupo que promove o fechamento da boca: A. Músculo masseter; B.Músculo temporal; C. Músculos pterigóideos mediai e lateral.
Grupo que promove a abertura da boca: D. Músculo milo-hióideo; E.Músculo genio-hióideo; F. Músculo genioglosso; G. Músculo digás
trico.
Fraturas de Mandíbula 433

na borda anterior do ramo da mandíbula, próximo ao Músculo genioglosso


terceiro molar. A sua função é elevar a mandíbula e
Origina-se no tubérculo geniano da superfície interna
aproximar os dentes. Este movimento é realizado pe
da mandíbula, logo acima do músculo genio-hióideo,
las suas fibras anteriores, que elevam a mandíbula, e
sendo o principal músculo da língua. Sua função é
pelas fibras posteriores, que promovem a retração da
promover a protrusão da língua, elevar o hióide e abai
mesma. As fibras posteriores também contribuem para xar a mandíbula.
o movimento de lateralização da mandíbula.

Músculo pterigóideo lateral Músculo milo-hióideo

Tem duas origens: a superior é na superfície infratem- É um músculo de formato plano e triangular, aderido
poral e crista infratemporal da asa maior do esfenóide, a toda extensão da linha milo-hióidea na face interna
e a inferior, na superfície lateral da placa pterigóidea da mandíbula. Sua função é elevar o soalho da boca
lateral. Suas fibras se dirigem posterior e lateralmente; no primeiro estágio de deglutição, elevar o hióide e
abaixar a mandíbula.
a porção superior insere-se na cápsula articular e no
disco articular, e a inferior, na superfície anterior do
colo do côndilo. Ele auxilia a abertura da boca, movi Músculo digástrico
mentando para frente o côndilo e o disco articular. É formado por dois ventres unidos por um tendão: o
No movimento de fechamento da boca ocorre um ventre posterior origina-se no processo mastóide do
relaxamento gradual do músculo, enquanto o masse osso temporal e dirige-se anterior e inferiormente; o
ter e o temporal restauram a posição oclusal. A contra ventre anterior insere-se na fossa digástrica, na base da
ção do músculo de apenas um lado produz o desvio mandíbula, próximo à linha média, e dirige-se inferior
da mandíbula para o lado oposto, enquanto que a con e posteriormente. Os ventres se unem num tendão que
tração dos músculos dos dois lados promove a pro- perfura o músculo estilo-hióideo. O músculo é manti
trusão. do ao lado do corpo e do corno maior do osso hióide
por uma alça fibrosa que vai do tendão do músculo
Músculo pterigóideo mediai ao osso hióide. Suas funções são a depressão da man
Origina-se na superfície mediai da placa pterigóidea díbula e a elevação do osso hióide.
lateral e do processo piramidal do osso palatino e da
tuberosidade maxilar. Suas fibras se dirigem inferior, ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR
lateral e posteriormente, formando uma lâmina ten-
dinosa nas partes inferior e posterior da superfície A articulação temporomandibular (ATM) é composta
mediai do ângulo e ramo da mandíbula. Este múscu pela cabeça do processo condilar da mandíbula e pela
lo auxilia a elevação da mandíbula. Agindo em con fossa mandibular do osso temporal, entre as quais se
junto com o músculo pterigóideo lateral, protruem encontra o disco articular (ou menisco), que está liga
a mandíbula. A ação conjunta dos músculos pteri- do à cápsula articular em toda a sua circunferência,
góideos mediai e lateral, de um mesmo lado, produz dividindo a cavidade articular em compartimentos
a protrusão com lateralização para o lado oposto. A superior e inferior55 (Fig. 34-5).
ação dos dois músculos de cada lado, num movimento A ATM é uma combinação de dois tipos de arti
alternado, produz o movimento conhecido por ru culação: plana e gínglimo, sendo o contato entre o
minação. disco articular e a fossa mandibular a porção plana,
onde ocorre o movimento de deslizamento póstero-
anterior durante a abertura ou protrusão da mandí
GRUPO ANTERIOR bula; o contato entre o processo condilar e o disco
articular corresponde ao gínglimo, onde se dá o mo
Músculo genio-hióideo
vimento de rotação durante a abertura e fechamento
Origina-se da espinha mediai inferior da mandíbula, da boca. Esta dualidade permite que o pivô principal
cujas fibras se dirigem inferiormente, inserindo-se na de rotação da mandíbula durante a sua abertura se
superfície anterior do corpo do osso hióide. A sua localize no ramo, na altura do forame da mandíbula,
função é elevar o osso hióide, agindo como antagonis- e não na cabeça do côndilo, evitando que o feixe vas-
ta parcial do músculo estilo-hióideo e, quando o hiói culonervoso seja estirado durante a abertura ampla
de está fixo, promove o abaixamento da mandíbula. da boca.
434 Cirurgia Craniomaxilofacial

CLASSIFICAÇÃO
As fraturas de mandíbula podem ser classificadas sob
vários aspectos, como localização, direção da fratura,
condições dos dentes e severidade da fratura37.
A distribuição anatômica das fraturas varia con
forme a etiologia; no entanto, a localização mais co
mum das fraturas é a região condilar, em 36% dos ca
sos, seguidas das fraturas do corpo da mandíbula, ân
gulo, sínfise, ramo, processo alveolar (3%) e processo
coronóide (Fig. 34-6).
A ação que a musculatura da região mandibular
exerce sobre o foco de fratura é afetada pela direção
da fratura, podendo ser classificada em favorável e
não-favorável. As fraturas favoráveis são aquelas nas
quais a ação da musculatura mastigatória promove a
Fig. 34-5. Articulação temporomandibular. aproximação e estabilização dos segmentos fratura
dos, facilitando o tratamento. Nas fraturas desfavorá
veis, por outro lado, a posição do traço de fratura é
A superfície articular, tanto condilar como da fossa tal que permite o deslocamento e afastamento dos
mandibular, é recoberta por uma fina camada de carti segmentos ósseos fraturados pela ação da musculatura
lagem articular circundada por um envoltório de teci (Fig- 34-7).
do conjuntivo: a cápsula articular. Além disso, exis A presença de dentes no foco de fratura pode
tem vários ligamentos estabilizando essa articulação: auxiliar a estabilização da mesma. Em 1949, Kazanji
o ligamento lateral, que vai do arco zigomático à face an e Converse" propuseram uma classificação segun
lateral e posterior do processo condilar; o ligamento do a presença ou a ausência de dentes. A presença de
esfenomandibular, que vai da espinha do osso esfenói dentes nos dois lados da fratura facilitaria a imobili-

de à língula, na face interna do ramo anterior ao fora zação da mesma através de bloqueio interdental (Fig.
me da mandíbula, e o ligamento estilomandibular, que 34-8):
se estende do processo estilóide do osso temporal ao • Classe I —presença de dentes nos dois lados da fratura.
ângulo da mandíbula. Entretanto, a maior estabilida
de da articulação é provida pelo equilíbrio dinâmico • Classe II — presença de dentes em um dos lados da
fratura.
da musculatura da mastigação atuando sobre a mandí
bula. • Classe III — ausência de dentes no local da fratura.

Fig. 34-6. Freqüência na localização das fraturas.


Fraturas de Mandíbula 435

Fig. 34-8. Classificação de Converse. A presença de dentes nos


dois lados da fratura dá maior estabilidade à redução. A. Classe I.
Fig. 34-7. Fraturas favoráveis/não-favoráveis. B. Classe II. C. Classe III.
436 Cirurgia Craniomaxilofacial

Anamnese

O paciente com fratura de mandíbula relata uma his


tória de lesão ou trauma na região mandibular, po
dendo referir dor, perda da sensibilidade no lábio ou
no queixo, dificuldade em abrir a boca, salivação, ede
ma e equimose, má oclusão dentária, desalinhamento
ou perda dentária, mau hálito e dificuldade para falar.
O tipo de acidente, a direção e intensidade do trauma
devem ser pesquisados, bem como os antecedentes
médicos do paciente (patologias associadas, cirurgias
prévias, alergias, medicamentos em uso).
A dor é relacionada com a movimentação da boca,
podendo indicar o local da fratura. O paciente pode
sentir crepitação à movimentação, o que é causado pelo
Fig. 34-9. Localização das fraturas do processo condilar: baixa, atrito entre os segmentos da fratura.
alta e intra-articular. A perda de sensibilidade no lábio inferior, no
mento ou mesmo nos dentes, pode indicar lesão do
nervo mentual no local da fratura.
As fraturas do processo condilar podem acarretar
As fraturas também podem ser classificadas de
dificuldade em abrir a boca, impossibilitando que o
acordo com a sua severidade:
paciente se alimente ou escove os dentes, o que pode
• Fraturas em galho verde: fratura incompleta, que gerar halitose e dificuldade para falar. O acúmulo de
ocorre mais freqüentemente em crianças. restos alimentares, coágulos sangüíneos e tecidos des-
• Fratura simples: fratura linear, com mínimo deslo vitalizados na boca contribuem para a piora do hálito
camento e sem comunicação com a cavidade oral. e para o surgimento de processos infecciosos nos lo
• Fratura exposta: na qual existe uma comunicação do cais onde houve laceração da mucosa.
foco de fratura com o meio externo, seja através de A salivação excessiva decorre da irritação local e
solução de continuidade na pele ou na mucosa oral. da diminuição dos movimentos de deglutição.
• Fraturas múltiplas: quando existe mais de uma li O sintoma isolado mais importante numa fratura
nha de fratura, o que ocorre com muita freqüência. de mandíbula, todavia, é a sensação de má oclusão,
• Fraturas cominutivas: em que existe cominuição em pois mesmo um mínimo deslocamento causado por
graus variados dos fragmentos ósseos envolvidos. uma fratura afetará os dentes, levando o paciente a se
queixar de oclusão dentária inadequada (Fig. 34-10).
Uma subclassificação é empregada nas fraturas de
côndilo, para nortear o seu tratamento. Neste capítu
lo, adotamos aquela proposta por Spiessl e Schroll48
em 1972, que considera tanto o local da fratura como
o seu grau de deslocamento e angulação do fragmen
to proximal (Fig. 34-9), sendo assim dividida:
• Tipo I: fratura sem angulação.
• Tipo II: fratura baixa com deslocamento.
• Tipo III: fratura alta com deslocamento.
• Tipo IV: fratura baixa com angulação.
• Tipo V: fratura alta com angulação.
• Tipo VI: fratura intra-articular.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico das fraturas de mandíbula é feito com
base na anamnese e exame clínico do paciente, ampa Fig. 34-10. Paciente com fratura sinfisária apresentando má oclu
rado pelos exames radiológicos. são dentária.
Fraturas de Mandíbula 437

Exame Físico ro-anterior (PA), perfil, oblíquas (Fig. 34-12) e Towne


O exame físico permite avaliar o estado de conservação (Fig. 34-13) - e estudo da articulação temporomandi-
e higiene dentária e identificar assimetrias da face, feri bular com a boca aberta e fechada e incidência para a
região condilar.
mentos associados no rosto, restrição à abertura bucal,
desvio da mandíbula à abertura da boca, má oclusão A radiografia panorâmica de mandíbula (Fig. 34-
dentária, salivação excessiva, edema, equimoses, hema 14) é também muito útil e de grande sensibilidade na
tomas ou lacerações da mucosa oral e mau hálito.
A palpaçao bimanual da mandíbula pode revelar
mobilidade ou deslocamento dos segmentos fraturados.
Isto é feito mediante introdução dos polegares dentro
da boca, junto ao ângulo da mandíbula, com estabiliza
ção da mesma. Com o auxílio do terceiro, quarto e quin
to dedos sob a borda inferior, palpa-se a região anterior
ao conduto auditivo, sobre o côndilo, com os dedos
indicadores. Uma sensação de crepitação ou de movi
mentação anormal deve levantarsuspeita de fratura junto
ao processo condilar. A seguir, palpam-se, por dentro
da boca, o ramo e a borda anterior da mandíbula â pro
cura de instabilidade, irregularidades, cspículas ósseas,
hemorragia, lacerações da mucosa e perda ou mobilida
de excessiva dos elementos dentários.
Fig. 34-12. RX oblíquo de mandíbula, onde se nota uma fratura de
A presença de edema e equimose pode indicar o corpo, não-favorável.
local da fratura, enquanto o aumento excessivo do
volume na região pode indicar hemorragia local (Fig.
34-11) ou infecção. O paciente pode também apresen
tar mordida cruzada ou mordida aberta, ou mesmo
uma mordida de contato precoce anterior, decorrente
de uma fratura na região condilar ou no corpo da
mandíbula, com desnível entre os segmentos.

Exames Radiológicos
Os casos suspeitos de fratura de mandíbula devem ser
submetidos a exames radiológicos, inclusive com ava
liação da região condilar.
Na urgência, devem ser solicitados os seguintes
exames: radiografia de crânio - em incidências póste-
Fig. 34-13. RX Towne para processo condilar, mostrando uma
fratura de ramo.

Fig. 34-11. Paciente com fratura de corpo de mandíbula apresen


tando hematoma em região submandibular direita. Fig. 34-14. Radiografia panorâmica de mandíbula.
438 Cirurgia Craniomaxilofacial

A ausência de dentes no local da fratura facilita o


deslocamento dos segmentos, por não haver o conta
to entre os dentes.
No momento do procedimento cirúrgico, se um
dente presente no foco de fratura estiver auxiliando a
estabilização da mesma e estiver bem aderido, ele deve
ser preservado2. Por outro lado, se o dente estiver sol
to, tiver sinais de infecção ou puder interferir com a
redução da fratura, o mesmo deverá ser retirado20. Se o
terceiro molar estiver no foco de fratura, deve ser re
movido. Caso o mesmo não possa ser removido no
momento da cirurgia, deverá sê-lo após a consolida
ção óssea da fratura.
Os dentes da região anterior estão mais propen
sos à fratura do que os dentes da região posterior, por
estarem mais expostos e por possuírem uma raiz úni
ca. Os dentes podem avulsionar-se completa ou incom
pletamente, com ou sem fratura do processo alveolar
Fig. 34-15. Tomografia computadorizada evidenciando uma fra da mandíbula, como também podem sofrer fraturas,
tura de corpo de mandíbula à direita e uma fratura de ramo ã mantendo as raízes dentárias no osso.
esquerda. Os dentes avulsionados devem ser reimplantados
em até 2 horas. Após esse período, a chance de integra
avaliação das fraturas, exceto nas das regiões sinfisária ção do mesmo reduz-se bastante. Além disso, deve haver
e parassinfisária, onde a imagem perde nitidez. Entre uma imobilização do dente, junto aos dentes vizinhos,
tanto, nem todos os serviços possuem o aparelho, o com fio de aço ou através de resina. A integração do
que inviabiliza seu emprego na urgência. dente é mais comum nas crianças.
Exames radiológicos especializados, tais como Os casos de fratura de dente, com ou sem exposi
oclusal, palatal e apical, são úteis para a avaliação de ção da raiz, são mais bem abordados no capítulo de
casos em que existam fraturas da raiz do ciente e de traumatismos dentários.
processos alveolares. Nos casos de avulsão dentária com fratura do pro
A tomografia computadorizada apresenta sensibi cesso alveolar deve-se tentar o reposicionamento dos
lidade de praticamente 100% no diagnóstico das fratu fragmentos e dentes e imobilização, usando-se fios de
ras mandibulares (Fig. 34-15), fornecendo valiosas in aço e barra de Erich ou resina polimerizante.
formações adicionais acerca do deslocamento dos seg Traumas dentários, mesmo aqueles sem avulsão
mentos, cominuição e localização de fragmentos ósseos nem fratura, podem levar a uma hemorragia pulpal,
e permitindo uma adequada avaliação da articulação""'. comprometendo a viabilidade do dente, caracterizada
A ressonância magnética é um exame pouco utili por insensibilidade c descoloramento do mesmo. Às
zado nas fraturas, tendo sua maior utilidade nos casos vezes, mesmo dentes nesse estado mantêm-se úteis em
que necessitam avaliação mais detalhada da articula sua função, não sendo necessária sua remoção. Nesse
ção temporomandibular e seu menisco. caso, a coloração do dente pode ser camuflada por
meio de resinas.

FATORES QUE ATUAM SOBRE AS


FRATURAS DE MANDÍBULA Direção c Intensidade do Trauma
Os traumas diretos no corpo da mandíbula podem re
Dentição
sultar em fratura do lado envolvido e fratura do proces
No momento da fratura, o grupo elevador da mandí so condilar contralateral. Os traumas frontais geralmente
bula procura manter o contato oclusal entre os dentes causam fraturas na região sinfisária ou parassinfisária.
das arcadas dentárias superior e inferior, além de forçar Traumas mais fortes na região parassinfisária po
o segmento posterior para frente. O grupo anterior dem causar fraturas condilares uni ou bilaterais, ou
deprime o segmento anterior da mandíbula, afastan forçar o processo condilar para dentro do canal audi
do o contato entre os dentes. tivo, causando otorragia.
Fraturas de Mandíbula 439

Direção e Angulação da Linha de Fratura ODONTOSSÍNTESE

Segundo sua direção e angulação, as fraturas podem ser A odontossíntese é a forma mais antiga de contenção
consideradas favoráveis ou não-favoráveis. Nas fraturas semi-rígida para o tratamento de fraturas de mandíbu
favoráveis, as forças musculares empurram os cotos da la e se vale das firmes inserções das raízes dentárias nos
fratura, um contra o outro, favorecendo a consolidação alvéolos para promover a estabilização dos fragmen
óssea, enquanto que naquelas consideradas não-favoráveis tos ósseos, mediante a imobilização dos dentes.
as forças musculares promovem uma separação entre elas. Essa fixação pode ser fornecida pela amarria entre
os dentes adjacentes a uma fratura, com fios de aço
(Fig. 34-16), ou pelo emprego de arcos vestibulares (bar
TRATAMENTO ras de Erich) presos aos dentes através desses fios ou
com resina polimerizante.
Princípios Em situações adversas ou como tratamento palia
tivo, antes do tratamento definitivo, a amarria com
A chave para o tratamento adequado de uma fratura
fios de aço pode ser realizada através da ligadura de
de mandíbula é uma boa oclusão. O restabelecimento
Ivy17 ou de Ernst21.
da oclusão, bem como das funções mastigatória e fo-
Para se obter uma imobilização mais rígida, pode
natória, norteia os objetivos do tratamento das fratu
ser empregada a barra de Erich, fixa aos dentes através
ras de mandíbula.
de ligaduras simples com fios de aço, conforme mos
Os princípios gerais para a manipulação das fratu
tra a Fig. 34-17.
ras são:
A utilização da odontossíntese sem bloqueio maxi
• Redução dos segmentos ósseos fraturados à sua lomandibular é reservada para o tratamento das fraturas
posição anatômica. de processo alveolar classe I e avulsões dentárias, ou ain
• Proporcionar uma boa oclusão dentária. da como complemento de outros métodos de fixação.
• Fixação dos focos de fraturas para manter tanto a
redução óssea como a oclusão dentária, até a conso
lidação óssea. BLOQUEIO MAXILOMANDIBULAR
• Controle da infecção. Até 50 anos atrás o bloqueio era o método de escolha
O tratamento das fraturas de mandíbula pode ser para o tratamento das fraturas de mandíbula. Atual
conservador, através de odontossíntese ou bloqueio mente, muitas fraturas são tratadas através de aborda
maxilomandibular, ou cirúrgico, através de fixação gem direta, permitindo uma redução cirúrgica e fixa
externa ou interna, esta com a utilização de fios de aço ção através de osteossíntese.
ou de placas e parafusos. O bloqueio é utilizado em fraturas classe I e reali
Na era pré-antibioticoterapia e antes da introdu zado através de uma ligadura interdental do tipo Ivy
ção das técnicas de assepsia havia um grande receio na ou Ernst, ou através da fixação com barras de Erich
manipulação cirúrgica das fraturas, devido ao elevado (Fig. 34-18). Outros métodos incluem a utilização de
risco de infecção local e osteomielite. bandas dentárias, goteiras de acrílico ou mesmo de
As reduções cirúrgicas eram reservadas para o tra próteses dentárias do paciente37.
tamento de fraturas mandibulares complexas ou aque
las muito instáveis. Além disso, havia falta de material
adequado para a estabilização da fratura.
Hoje, com a utilização de melhores técnicas de
assepsia, a introdução de antibioticoterapia, o desen
volvimento de materiais mais adequados e o aprimo
ramento das técnicas cirúrgicas, a maioria dos serviços
de cirurgia craniomaxilofacial trata cirurgicamente as
fraturas de mandíbula; entretanto, o tratamento con
servador ainda é utilizado11,23"10-"12. Ellis, em 1985, em
estudo retrospectivo, observou que apenas um terço
dos pacientes era tratado por meio de fixação direta"'.
Desde então, o número de pacientes tratados cirurgi
camente tem aumentado muito. Fig. 34-16. Odontossíntese.
440 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 34-19. Bloqueio maxilomandibular utilizando as próteses


dentárias do paciente.

O (0
y\\
/ 7

Fig. 34-17. Tipos de odontossíntese. A. Amarria de Ivy. B. Amar
ria de Ernst. C. Fixação de barra de Erich. MA k*l^ n
yV

Qt é^^f
TktíÉA
Fig. 34-20. Fixação externa.

FIXAÇÃO EXTERNA
A fixação externa das fraturas de mandíbula segue o
Fig. 34-18. Bloqueio maxilomandibular com barras de Erich.
mesmo princípio empregado pela ortopedia no trata
mento de fraturas de ossos longos. Teve um grande
Em pacientes edentados que possuam próteses emprego durante a Segunda Guerra Mundial. Devido
dentárias, as mesmas podem ser utilizadas para o blo ao inconveniente em se adequar aparelhos incômodos
queio maxilomandibular. As próteses são preparadas e desajeitados e â criação de cicatrizes inestéticas na
por um protesista, que nelas fixa alguns ganchos para face, bem como pelo desenvolvimento de outras téc
a amarria de fios de aço ou de bandas elásticas, bem nicas de estabilização de fraturas, a fixação externa tem
como prepara as mesmas para permitir a fixação na seu uso restrito, sendo empregada para o tratamento de
mandíbula e na maxila. A fixação da prótese dentária fraturas infectadas. Entretanto, com a introdução da
superior é realizada com três fios de aço, passados atra técnica de distração óssea na cirurgia craniomaxilofacial,
vés dos arcos zigomáticos e espinha nasal, com auxílio tem ressurgido a utilização desse método.
de agulha de Reverdin, enquanto a prótese inferior é O método consiste na ancoragem de fios de Kir-
fixada na mandíbula, com outros três fios de aço, pas shner ou de parafusos nos fragmentos ósseos, que são
sados na região sinfisária, bem como na região dos utilizados como pilares na fixação de uma barra externa
corpos da mandíbula (Fig. 34-19). feita de resina acrílica, conforme mostra a Fig. 34-20.
Fraturas de Mandíbula 441

Essa técnica é de exceção, mas apresenta algumas da mandíbula é realizada anteriormente à musculatu
vantagens, como facilidade e rapidez na execução e ra supra-hióidea. Na borda inferior da mandíbula são
preservação do periósteo sobre os fragmentos ósseos, realizadas uma incisão no periósteo, descolamento
evitando sua desvascularização por não ser necessária subperiosteal e exposição do foco de fratura. Neste
a exposição do foco de fratura. caso, deve-se tomar cuidado especial para não lesar o
nervo mentual.

FIXAÇÃO INTERNA Após a exposição do foco de fratura, é muito


importante a redução cirúrgica com realinhamento da
Dependendo do foco de fratura, bem como do méto borda inferior da mandíbula, bem como a limpeza ci
do a ser utilizado para fixação interna, a abordagem rúrgica do foco e a retirada de estruturas que estejam
da mandíbula pode ocorrer por via intra-oral, extra- dentro da linha de fratura, para que seja possível a es
oral ou ambas.
tabilização da fratura com auxílio de osteossíntese.
O acesso intra-oral é usado predominantemente
para abordagem do corpo da mandíbula, ângulo,
regiões sinfisária e parassinfisária, enquanto o acesso Métodos de Fixação
extra-oral é utilizado para abordagem do ramo e da
região condilar, como também do corpo e ângulo. FIOS DE AÇO
A abordagem cirúrgica é realizada com o paciente A utilização de fios de aço na borda inferior da mandíbu
sob anestesia geral e intubação nasal. A anti-sepsia da la, para fixação interóssea de fraturas, é conhecida desde
cavidade oral e da face é realizada com povidine tópi o século XIX, mas seu uso tornou-se tratamento de esco
co ou clorexidine tópico. Para o controle do sangra- lha para essas fraturas somentea partir da década de 1950,
mento, infiltra-se uma solução contendo adrenalina, com a introdução da antibioticoterapia, de melhores téc
na diluição de 1:200.000. A incisão na mucosa oral é nicas de assepsia e de metais não-corrosíveis.
realizada próximo ao sulco gengival inferior, na abor A osteossíntese com fios de aço inoxidável man
dagem das fraturas do corpo e da região anterior da tém os fragmentos alinhados após a redução. No entan
mandíbula. Após a abertura por planos, o periósteo é to, se nos lembrarmos da teoria de Pauwels41 a respeito
incisado com uma lâmina de bisturi e é feito um des das forças exercidas pela musculatura mastigatória so
colamento subperiosteal na borda anterior da fratura, bre a linha de fratura, veremos que este é o local menos
para permitir a exposição do foco, bem como para a favorável para uma osteossíntese, pois está situado em
osteossíntese. Deve ser tomado cuidado especial nessa oposição à área de maior tensão (processo alveolar), não
fase, para evitar a lesão do nervo mentual. conferindo, portanto, grande estabilidade à fixação, que
A abordagem extra-oral do foco de fratura situado deverá ser complementada através do bloqueio maxilo
no corpo, ângulo ou ramo da mandíbula é realizada atra mandibular (Fig. 34-21). Com a utilização cada vez mai
vés de uma incisão posicionada 2 a 3cm abaixo da borda or das osteossínteses com miniplacas e parafusos, o
inferior da mandíbula, seguindo uma prega cervical na emprego dos fios de aço tem-se reduzido. Porém, devi
tural. Após a incisão da pele e do tecido celular subcutâ- do ao seu custo reduzido, seu emprego ainda é difundi
neo, a dissecçao do músculo platisma é realizada trans do em regiões de baixo desenvolvimento socioeconô-
versalmente a suas fibras, até o nível da glândula subman- mico, sendo empregado nos casos de fraturas de ramo e
dibular. A incisão deve ter tamanho suficiente para pro para o reposicionamento de pequenos fragmentos nas
piciar a exposição adequada do foco de fratura e para fraturas cominutivas10.
realização da osteossíntese. Durante a dissecçao, deve-se Após a exposição do foco de fratura, é realizado
tomar cuidado para não lesar o ramo marginal da man um bloqueio maxilomandibular com redução da fra
díbula, do nervo facial (VI par craniano). Na maioria tura. Em cada extremo do foco, faz-se um orifício bi-
dos casos, se houver exposição da artéria e veia facial, cortical, com o auxílio de uma broca na borda inferi
estas são ligadas. O periósteo é incisado, sendo realiza or da mandíbula, no mesmo nível, evitando-se a lesão
do um descolamento subperiosteal com a desinserção das raízes dentárias, bem como do nervo alveolar infe
parcial do músculo masseter e exposição da fratura. rior. Utiliza-se uma espátula atrás do foco, para auxili
A abordagem extra-oral das regiões sinfisária e ar a estabilização da fratura e para evitar danos aos
parassinfisária é realizada através de uma incisão que tecidos localizados posteriormente ao foco. Para a os
contorna a borda interna da mandíbula. Após a inci teossíntese é utilizado fio de aço número 1, realizan-
são da pele e do tecido celular subcutâneo, o músculo do-se uma amarria em forma de "8", combinada ou
platisma é incisado e a dissecçao para a borda anterior não com uma amarria simples (Fig. 34-22).
442 Cirurgia Craniomaxilofacial

Em 1949, Robert Danis postulou o princípio da


compressão axial dos segmentos das fraturas. Um gru
po de pesquisa suíço, AO/ASIF (Arbeitsgemeinschaft
für Osteosynthesefragen/Association for the Study of
Internai Fixation), partindo desse princípio, desenvol
veu aplicações clínicas para o tratamento cirúrgico de
fraturas de ossos longos. Entretanto, havia uma difi
culdade técnica em se adequar as placas utilizadas para
os ossos longos à forma do esqueleto facial". Em 1968,
Luhr desenvolveu uma placa autocompressiva para
estabilizar fraturas em pacientes edentados55, e Spiessl
introduziu a placa de compressão dinâmica na trau-
matologia maxilofacial'18.
Fig. 34-21. RX panorâmico de mandíbula, mostrando uma redu
ção cirúrgica de fraturas em regiões parassinfisária e ângulo, uti As placas rígidas de compressão dinâmica utili
lizando fios de aço para a osteossíntese e bloqueio maxilomandi zam parafusos bicorticais e originalmente eram con
bular.
feccionadas em aço, vitálio ou tântalo. Essas placas têm
orifícios excêntricos, para permitir uma compressão
do foco de fratura, e possuem uma espessura de 2,7 a
3mm, o que dificultava sua moldagem junto à mandí
bula, tornando, muitas vezes, tecnicamente difícil a
abordagem intra-oral da fratura principalmente nos
casos de fraturas de corpo e ramo. Além disso, devido
à sua espessura e por serem materiais sujeitos a corro
são, havia necessidade de retirada dessas placas após a
consolidação da fratura42.
Essas placas, com seus furos excêntricos, aproxi
mam os segmentos ósseos, conforme os parafusos são
rosqueados, promovendo uma ossificação direta no
foco de fratura, sem formação do calo ósseo. A rigidez
da mandíbula, decorrente do uso dessa placa, em teo
ria, evitaria a necessidade de uso de um bloqueio ma
xilomandibular.
De acordo com Pauwels"11, o local mais favorável
para uma osteossíntese seria a região de máxima ten
são provocada pela tração muscular. Na mandíbula,
essa região se situa na sua borda superior. A presença
do nervo alveolar inferior e das raízes dentárias nessa
região inviabiliza o posicionamento da placa nesse lo
Fig. 34-22. Osteossíntese com fio de aço.
cal. Assim, para evitar a lesão dessas estruturas, a im
plantação de uma placa compressiva bicortical só pode
ser realizada na borda inferior da mandíbula.
Após a amarria com fio de aço, procede-se a uma A compressão causada pela aplicação desse tipo
rigorosa revisão da hemostasia e ao fechamento da de placa na borda inferior da mandíbula, bem como a
incisão por planos. O bloqueio é mantido por um força da musculatura que promove a abertura da man
período de 6 a 8 semanas. díbula, provoca um afastamento dos segmentos ósse
os na borda superior da fratura, podendo levar a uma
consolidação viciosa, ou pode permitir pequenos mo
PLACAS E PARAFUSOS
vimentos na borda superior, o que poderia levar a re
O advento das placas e parafusos revolucionou a ci tardo na união dos segmentos ósseos ou mesmo a uma
rurgia craniomaxilofacial, permitindo reduções anatô pseudo-artrose. Para contornar este problema, deve-se
micas c uma fixação mais estável das fraturas, com re empregar um sistema para compensar a tensão na re
sultados melhores e mais previsíveis"15. gião alveolar, podendo-se utilizar uma odontossíntese
Fraturas de Mandíbula 443

espessura de sua camada cortical, esses autores deter


minaram uma linha ideal para a osteossíntese, que cor
responde ao traçado de uma linha de tensão na base
do processo alveolar, denominada linha de osteossín
tese, conforme mostra a Fig. 34-24. Para a fixação das
miniplacas nessa região, utilizam-se parafusos apenas
no córtex externo'12.
Desde a introdução dessa técnica por Champy, a
utilização do sistema de miniplacas tem crescido nos
serviços de cirurgia craniomaxilofacial335"4.
As placas têm lmm de espessura e 6mm de largu
ra, e são utilizados parafusos de 5 a 7mm de compri
mento (Fig. 34-25).
Fig. 34-23. Redução cirúrgica de fratura de corpo de mandíbula A osteossíntese com miniplacas é realizada com
utilizando placa e parafusos bicorticais. pacientes sob anestesia geral e intubação nasal, para
permitir o controle da oclusão dentária durante a os
teossíntese. Se houver mais de uma fratura, todos os
na arcada inferior, uma barra de Erich, uma miniplaca focos devem ser expostos antes da redução. Após a
com parafusos monocorticais na borda superior, em
exposição adequada do foco de fratura através de uma
pacientes edentados, ou até mesmo manter um blo
incisão intra ou extra-oral, é feita a redução anatômi
queio maxilomandibular por curto período. ca, com realinhamento dos fragmentos e bloqueio ma
Atualmente, essas placas de compressão são dis xilomandibular temporário. A placa é moldada para
poníveis em titânio, tendo uma espessura de 2 a 3mm acompanhar a borda externa da mandíbula, na linha
e uma largura de 6,5 a 9mm (Fig. 34-23). Devido à difi de osteossíntese, com o auxílio de alicates de torção.
culdade técnica para se trabalhar com uma placa rígi A placa é mantida em seu local por meio de pinças e o
da, à necessidade de uma incisão extra-oral para a abor primeiro parafuso autoperfurante é colocado no orifí
dagem de fraturas na região do corpo e ramo e à sua cio mais próximo ao foco de fratura. A introdução do
espessura, que provoca incômodo aos pacientes, essas parafuso deve ser o mais perpendicular possível com
placas têm seu uso restrito na maioria dos serviços de relação à superfície da placa, tomando-se cuidado para
cirurgia craniomaxilofacial, sendo reservadas para a não prendê-lo completamente à placa. A seguir, um
estabilização de fraturas cominutivas da mandíbula e parafuso é posicionado no outro lado da fratura, no
fraturas atróficas classe IIP1-35

MINIPLACAS

O deslocamento dos fragmentos de fratura de corpo


de mandíbula é decorrente da ação da musculatura da
mastigação. Do ponto de vista biomecânico, o méto
do de osteossíntese ideal deveria neutralizar essas for
ças. Esse pré-requisito é encontrado na teoria de oste
ossíntese com a utilização de miniplacas e parafusos
monocorticais, como advogado por Michelet3", em
1973. Em 1976, Champy"'''descreveu o uso de minipla
cas para a abordagem de fraturas da mandíbula, que
consiste no uso de pequenas placas maleáveis, feitas
de aço inoxidável ou titânio, colocadas numa posição
subapical, ao longo da zona de tensão fisiológica da
mandíbula, e fixadas com auxílio de parafusos auto-
perfurantes monocorticais, propiciando uma fixação
semi-rígida53.
Levando-se em consideração a anatomia tia man
díbula, com a localização dos ápices dos dentes e a Fig. 34-24. Linha de osteossíntese, segundo Champy.
444 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 34-26. Redução cirúrgica de fratura de ramo e ângulo utili


zando duas miniplacas.

uma miniplaca com o de duas miniplacas em 63 fratu


H v'>_'V-*'-*'^-'- — ras de ângulo e concluiu que o uso de duas miniplacas
Fig. 34-25. Miniplacas (A) e parafusos (B) de titânio. para o tratamento de fraturas nessa região era mais efi
caz32. Ellis e Walker12, em 1994, relataram uma taxa ina
ceitável de infecção (28%) após o tratamento de 69 fra
orifício mais próximo, prendendo a placa. Para man turas de ângulo usando-se duas miniplacas. Outros es
ter a estabilidade da redução, é importante que sejam tudos científicos em modelos não confirmaram o tra
fixados pelo menos dois parafusos em cada fragmen balho de Kroon, mas sugeriram movimentos torcionais
to2". Assim, introduz-se mais um parafuso em cada lado maiores nas fraturas de corpo31,52. Trabalhos mais recen
da fratura e fixa-se, apertando-os. tes têm demonstrado que o uso de uma miniplaca para
Após a osteossíntese, a oclusão é rechecada, a inci o tratamento de fraturas de ângulo, seguindo as orien
são cirúrgica é fechada por planos e é feita a liberação tações de Champy, está associado a um índice menor de
do bloqueio maxilomandibular, visto não ser necessá complicações pós-opel•atórias13,1'1,2"1•'13,"16.
ria a sua manutenção31"-2". O paciente é mantido com Estudos com materiais bioabsorvíveis indicam que
dieta líquida por 2 semanas e dieta pastosa por outras placas de polímeros de ácido poliláctico (PLA), ácido
2 semanas. poliglicólico (TGA) e polidioxanone (PDS) podem ser
As fraturas localizadas no corpo da mandíbula são usadas no tratamento das fraturas de mandíbula50.
estabilizadas com o auxílio de uma única miniplaca, Entretanto, os autores deste capítulo não têm experi
na região subapical, na linha de osteossíntese. Na área ência pessoal com a utilização desse material.
situada entre os forames mentuais, as fraturas são esta
bilizadas usando-se duas miniplacas, uma na região
MINIPLACAS TRIDIMENSIONAIS
subapical e outra na borda inferior da mandíbula.
Apesar dos excelentes resultados e da baixa inci A utilização de miniplacas com formas geométricas re
dência de complicações pós-operatórias, a técnica pro monta ao começo do século passado, quando Lambot-
posta por Champy apresenta restrições nas fraturas lo te recomendava o uso de uma placa de alumínio de
calizadas no ângulo da mandíbula, não havendo ainda forma quadrangular, fixada por meio de parafusos, na
um consenso geral sobre o uso de uma ou duas mini borda inferior da mandíbula, para o tratamento de fra
placas na região12,13-32 (Fig. 34-26). Kroon, em 1991, de turas do corpo, utilizando uma abordagem extra-oral.
monstrou que no ângulo existem circunstâncias em que Mais recentemente, placas tridimensionais de titâ
as forças de tensão e de compressão estão invertidas3". nio foram desenvolvidas por Farmand, baseando-se na
Com base nesse trabalho, Levy comparou o uso de estabilidade proporcionada pela geometria quadran-
Fraturas de Mandíbula 445

guiar da placa16*18. Estas apresentam uma forma qua-


drangular de quatro buracos (2x2) ou também seis
buracos (3x2) e possuem uma espessura de Iram. As
placas são moldadas sobre o osso, seguindo os princí
pios de Champy, e fixadas com parafusos autoperfu-
rantes monocorticais.
O uso dessas placas tridimensionais para o trata
mento de fraturas mandibulares é relativamente novo
e, apesar de encorajador, ainda necessita um seguimen-
to mais amplo, bem como análises clínicas, antes de
sua introdução para uso geral58.
Fig. 34-28. Redução cirúrgica de fratura parassinfisária utilizando
lag screw.
LAG SCREW

O tratamento das fraturas mandibulares com fixação sua remoção posterior, caso necessário. Além disso,
por lag screw foi apresentado em 1970, por Brons e estudos com parafusos biodegradáveis (SR-PLLA) su
Boering"1 (Fig. 34-27). Esse método baseia-se no princí gerem bons resultados no tratamento de fraturas de
pio de que a força de tensão axial no parafuso trans mandíbula da região sinfisária28.
forma-se em força de compressão na superfície da fra
tura. Isto decorre da passagem do parafuso por ambos
os focos de fratura; entretanto, o mesmo só é aparafu- FRATURA DE MANDÍBULA EM
sado no segmento distai; no segmento proximal é fei CRIANÇAS
to um orifício mais largo do que o diâmetro do para
fuso. À medida que o parafuso é apertado no segmen Por ser este um assunto de características próprias, será
to distai, a sua cabeça comprime o segmento proximal amplamente discutido em capítulo específico.
e os fragmentos se aproximam um do outro, até a com
pressão das superfícies da fratura9,15.
Apesar da aparente vantagem, as indicações de uso FRATURA DE MANDÍBULA ATRÓFICA
de lag screw para a fixação interna rígida são restritas. EM PACIENTES IDOSOS OU
Os fatores que limitam seu uso são a localização e a EDENTADOS
inclinação da fratura. O parafuso precisa estar ancorado
em uma região cortical, assim como a sua cabeça deve Princípios
estar apoiada sobre uma superfície, também cortical.
O lag screw está indicado para o tratamento de A perda óssea faz parte do processo de envelhecimen
fraturas sinfisárias" (Fig. 34-28). Nas fraturas de ângu to facial. Após os 45 anos de idade já se inicia a osteo
lo, ele pode ser usado na região de tensão da fratura porose, com graus de variação de indivíduo para indi
(borda superior)2'. víduo. A osteoporose é mais intensa em mulheres na
A vantagem da fixação com lag screw, comparado pós-menopausa, cm pessoas com vida sedentária, des
â fixação com placa, é a sua capacidade de promover nutridas e em uso de corticóides e/ou anticonvulsi-
uma compressão dos fragmentos com a completa adap vantes por tempo prolongado.
tação das superfícies da fratura. Outras vantagens do O osso medular é especialmente afetado, apresen
lag screw incluem custo mais baixo e a facilidade de tando afinamento c perda das trabéculas, levando a
redução da força tensional, o que possibilita a ocor
rência de fraturas com mais facilidade.
A perda dos dentes tem um efeito ainda mais dra
mático no esqueleto ósseo mandibular, pois ocorre
uma progressiva reabsorção do osso alveolar.
O envelhecimento está associado a um estreita
mento ou até uma obstrução da artéria dental inferi
or, levando a um déficit circulatório local, fato este de
importância na cicatrização de fraturas em mandíbu-
Fig. 34-27. Lag screw (parafuso de compressão). las atróíicas.
446 CirurgiaCraniomaxilofacial

O uso de dentaduras não previne a absorção do Deve-se tomar cuidado com a adaptação das próte
osso alveolar, porém o uso de implantes de titânio ses dentárias ou goteiras, para não traumatizar ou
osteointegrado para futura fixação de próteses pode ulcerar a mucosa gengival, que se encontra edemaci-
preservar a altura do osso alveolar. ada e com hematomas. O tempo de bloqueio é de 4
A incidência de edentados (parcial ou totalmen a 8 semanas.
te) nos EUA é de 25%, aumentando com a idade; nota- • Redução e fixação cirúrgica com acesso direto ao
se, nos últimos anos, uma tendência à diminuição des foco de fratura, com a utilização de fios de aço em
sa porcentagem em países desenvolvidos. amarrias circunferenciais, ou fixação através de go-
A incidência de fraturas de face em indivíduos teira acrílica, sendo esta fixada à mandíbula com
idosos é em torno de 5%, conforme revelam estudos amarrias circunferenciais e à maxila com dois para
norte-americanos, e mostra uma tendência de elevação fusos no osso alveolar abaixo da crista nasal anteri
devido ao aumento da população na faixa etária entre or e um terceiro parafuso medialmente no palato
os 50 e 70 anos; mais da metade dessas fraturas ocorre duro. O tempo de bloqueio é de 4 a 8 semanas.
na mandíbula e estão intimamente relacionadas com a • Fixação interóssea com fios de aço, fazendo perfu
perda dos dentes e a posterior atrofia óssea. rações nas proximidades do traço de fratura, com
Deve ser lembrado que pacientes idosos geralmente amarrias circulares, em forma de "8", complementa
apresentam outras patologias associadas que podem da com bloqueio maxilomandibular por 4 a 8 sema
interferir no tratamento da fratura. Alterações cardi- nas. Indicada para mandíbulas atróficas classes I e
orrespiratórias podem influenciar a escolha e a dura II. Pode não possibilitar imobilização rígida, permi
ção da anestesia, como também a tolerância pós-ope tindo certa mobilidade no foco de fratura, sendo
ratória ao bloqueio maxilomandibular. Há ainda pro por isso contra-indicada para mandíbulas atróficas
blemas sociais, como pacientes idosos que moram so classe III ou em caso de fratura bilateral, devido à
zinhos, sem apoio familiar, que necessitam assistência maior possibilidade de pseudartrose.
e dietas especiais no pós-operatório. • Fixação extra-oral por meio de pinos transcutâneos
A fratura em mandíbula atrófica sempre foi pro fixados no osso próximo ao traço de fratura e/ou
blemática devido à pequena área de contato no traço em seus fragmentos, sendo estes imobilizados atra
de fratura, à pobre vascularização local, ao tempo de vés de articulações externas. Uma redução perfeita
cicatrização prolongado e à possibilidade de pseudar- da fratura é muito difícil, além de causar desconfor
trose (não-calcificação), em 20% dos casos, sendo tão to ao paciente, fatores estes que limitam a indicação
mais freqüente quanto mais severa for a atrofia35,38. do método. É a opção de escolha para os casos em
que há infecção ou fraturas cominutivas, como, por
exemplo, em ferimentos por arma de fogo. Pode-se
Classificação associar enxerto ósseo nos casos em que há perda de
Para estabelecer uma relação entre a altura do corpo substância.

mandibular e a incidência de complicações em fraturas • Enxerto primário de costela é indicado para fratu
de mandíbula atrófica, Luhr35 criou uma classificação ras em mandíbulas atróficas classe III, quando há
relacionada com o tratamento cirúrgico dessas fraturas: perda de substância óssea. A fixação é feita por meio
de amarrias circunferenciais com fios de aço, englo
• Classe I: altura do corpo mandibular entre 16 e bando o fragmento ósseo enxertado e o foco de
20mm.
fratura, ou de miniplacas, com acesso cirúrgico ex
• Classe II: altura do corpo mandibular entre lie tra-oral e bloqueio maxilomandibular por 4 a 8 se
15mm.
manas. Essa técnica visa diminuir a possibilidade de
• Classe III: altura do corpo mandibular menor ou pseudo-artrose. Em pacientes idosos, a retirada do
igual a lOmm. enxerto costal aumenta a morbidade e os tempos
cirúrgico e anestésico, podendo ser um problema
em pacientes clinicamente descompensados ou com
Tratamento Cirúrgico35,37'47
trauma cranioencefálico associado.
• Redução fechada, sem acesso cirúrgico ao foco de • Fixação rígida por meio de osteossíntese com mini
fratura, com bloqueio maxilomandibular através da placas compressivas é o método mais atual e indica
prótese dentária do paciente ou de goteiras acríli do para o tratamento de fraturas em mandíbulas
cas. Esse tipo de tratamento é indicado para os ca atróficas, principalmente para os casos mais com
sos de fraturas sem desvio ou com desvio discreto. plexos (mandíbulas atróficas classe III, fratura co-
Fraturas de Mandíbula 447

minutiva ou bilateral)". Diminui a possibilidade de Indica-se o tratamento funcional precoce da fra


pseudo-artrose, elimina a necessidade do bloqueio ma tura do processo condilar, através do bloqueio ma
xilomandibular e seus inconvenientes (dificuldade xilomandibular com a prótese dentária ou goteira
para respirar, em pacientes idosos) e pode ser utiliza acrílica, mantendo-se a altura do ramo da mandíbu
da mesmo quando há a necessidade de enxerto ós la e com tração elástica por 2 a 4 semanas. Após a
seo. O acesso cirúrgico intra ou extra-oral é escolhi retirada dos elásticos, orienta-se uma dieta líquido-
do de acordo com o local da fratura e a espessura da pastosa, para mobilizar a articulação temporoman-
mandíbula; em mandíbulas atróficas classe III, prefe dibular, evitando a artrose da articulação.
re-se o acesso extra-oral com dissecçao supraperioste- Apesar de não se conseguir uma redução perfeita
al, para não agredir o suprimento sangüíneo proveni da fratura do côndilo, os resultados funcionais são
ente do periósteo, pois a circulação local já é defici satisfatórios.
ente, conforme explicado anteriormente. A placa deve A abordagem cirúrgica direta ao foco de fratura
ser posicionada na borda inferior da mandíbula atró na região condilar também pode ser realizada, sen
fica, para evitar a lesão do nervo mandibular. do o método de preferência para alguns cirurgiões,
A fratura bilateral em mandíbula atrófica é uma apesar de apresentar maior morbidade e aumentar
situação bastante problemática, com um grande o tempo cirúrgico, fatores de risco para pacientes
deslocamento da região mentual, inferior e poste idosos com alterações clínicas.
riormente, devido à forte ação dos músculos su-
pra-hióideos. A redução manual da fratura é difí
cil de ser conseguida e mantida, sendo necessária a FRATURA DO PROCESSO CORONÓIDE
utilização de ganchos transcutâncos na região men
tual, até que a fixação seja completada. Os dois O processo coronóide é um segmento da mandíbula
focos de fratura devem ser expostos simultanea composto por um osso fino c largo, onde se insere o
mente, c os parafusos devem ser apertados ora de músculo temporal, sendo assim submetido a uma ten
um lado, ora do outro, sempre observando se não são vertical pela ação muscular que eleva a mandíbula.
houve deslocamento no traço de fratura no lado O processo coronóide é vulnerável a fratura quan
oposto (Fig. 34-29). do o trauma ocorre lateralmente e o indivíduo está
A utilização de miniplacas compressivas é essen com a boca aberta, por agentes perfurantes, ou quan
cial para a manutenção da redução das fraturas bila do há contração súbita do músculo temporal no mo
terais, podendo-se utilizar miniplacas de reconstru mento do trauma.
ção, quando há cominuição em um ou nos dois la A fratura isolada do processo coronóide é pouco
dos da fratura. comum (2%), uma vez que o osso está anatomicamen-
Na fratura de mandíbula atrófica associada à fratu te protegido pelos músculos temporal e masseter e pelo
ra de processo condilar, inicialmente é tratada a fra arco zigomático; em geral, ela está associada a fratura
tura do corpo da mandíbula como descrito anteri de outros ossos da face, em 77% dos casos, e em ou
ormente e, depois, a fratura do processo condilar. tros locais da mandíbula, em 44% dos casos37.
Clinicamente, verificam-se trismo, mordida cru
zada e edema intra-oral.
O diagnóstico radiológico é confirmado com a inci
dência occipitoglabclar e/ou posição de Towne; a tomo
grafia computadorizada também pode ser utilizada.
Geralmente, o tratamento da fratura do processo
coronóide é conservador, sem acesso cirúrgico direto
ao foco de fratura, apenas com bloqueio maxiloman
dibular por 2 a 4 semanas, analgésicos, antiinflamató-
rios e dietas líquido-pastosas. A indicação para redu
ção e fixação cruenta, com acesso cirúrgico direto ao
foco de fratura, seria para os casos em que há desvio
do fragmento ósseo com bloqueio da movimentação
Fig. 34-29. Radiografia panorâmica mostrando uma mandíbula da mandíbula; nestes casos, faz-se a fixação com mini
atrófica, com osteossíntese utilizando miniplacas, em fraturas si
tuadas no ramo, à esquerda, e no corpo, ã direita, associada a um placas ou a simples ressecção do processo coronóide
bloqueio maxilomandibular. com incisão intra ou extra-oral.
448 CirurgiaCraniomaxilofacial

Quanto mais alta for a fratura (intracapsular) e


FRATURA DO PROCESSO CONDILAR
quanto maior o grau de deslocamento e do desvio dos
fragmentos, menos favorável será o resultado funcio
Princípios
nal. Fraturas com deslocamentos maiores do que 5mm
A fratura condilar representa 36% das fraturas da man e desvios maiores do que 45 graus são tratadas com
díbula, sendo a mais comum. O diagnóstico clínico e acesso cirúrgico direto ao foco de fratura; aquelas que
radiológico é mais difícil, se compararmos aos outros apresentam deslocamento e desvio menores são trata
locais da mandíbula. Diferentes métodos de tratamen das funcional e conservadoramente.
to devem ser empregados, devido à maior dificuldade Quando ocorre fratura com luxação do processo
anatômica do acesso cirúrgico ao foco de fratura e ao condilar, o deslocamento desse segmento costuma ser
fato de que o processo condilar é uma região de cresci no sentido medioventral, devido à ação do músculo
mento da mandíbula, principalmente nos casos de fra pterigóideo lateral.
turas em crianças8,25,57.
O mecanismo do trauma é muito importante para
facilitar e até imaginar o diagnóstico do local da fratu Diagnóstico
ra. A principal causa de fratura condilar é o trauma
direto na região mentual, no qual a energia do trauma A intensidade e a variação dos sintomas dependem da
se transmite indiretamente à região da articulação tem- altura da fratura no processo condilar e do grau do
poromandibular. Raramente as fraturas condilares são deslocamento dos fragmentos ósseos.
decorrentes de traumas diretos, a não ser quando há Uma fratura intracapsular provoca dor e edema
fraturas do arco zigomático associadas. na região da articulação temporomandibular, dor à
O tipo da fratura do processo condilar é influ abertura bucal, alteração oclusal e desvio da mandíbu
enciado pela posição da mandíbula no momento do la para o lado sadio, devido ao edema no lado da fra
tura.
trauma, isto é, se a boca estava aberta ou fechada, pois
a oclusão oferece maior resistência e não permite que Uma fratura abaixo da inserção do músculo pteri
a energia se transmita diretamente à articulação tem- góideo lateral provoca desvio da mandíbula para o
poromandibular. Outro fator importante é se o im lado da fratura. Neste caso, como já explicado há pou
pacto tem origem superior, inferior, frontal ou lateral. co, poderá não ser possível a palpaçao do processo
Um trauma direto na região mentual pode causar fra condilar quando o paciente abre a boca, pois o segmen
tura condilar bilateral1, e um trauma oblíquo, uma fra to condilar pode estar com um desvio medioventral.
tura de ramo no lado do impacto e na região condilar O encurtamento da altura do ramo da mandíbula no
lado da fratura resulta em mordida aberta lateral no lado
contralateral.
O suprimento sangüíneo da cabeça do processo sadio; se for fratura bilateral, provoca mordida aberta
condilar não é feito somente por via cortical, mas tam anterior.

bém por artérias provenientes dos ligamentos e da cáp O diagnóstico radiológico é feito através da inci
sula articular, os quais são ramos terminais das artérias dência de Towne, lateral da articulação temporoman
facial transversa, temporal superficial, timpânica pos dibular com a boca aberta e fechada, e a radiografia
terior e temporal profunda; esta última é a principal e panorâmica da mandíbula. A tomografia computado
penetra no osso juntamente com as fibras do músculo rizada é utilizada para diferenciar a fratura intra ou
pterigóideo lateral que se inserem na cápsula articu extracapsular, apresentando uma sensibilidade de 100%
lar55. A região condilar póstero-lateral é a de menor para o diagnóstico das fraturas condilares (Fig. 34-30).
vascularização, sendo por isso o melhor local para a
colocação de miniplacas.
Tratamento8'22*23»44
Há uma grande discussão quanto à melhor forma de
Classificação
tratamento das fraturas do processo condilar. Nos úl
Existem várias classificações para a fratura de colo do timos 20 anos, com o surgimento das imobilizações
processo condilar. Adotamos a classificação de Spiessl rígidas através das miniplacas, que permitem uma
e Schroll48, por considerá-la de fácil compreensão e mobilização precoce da articulação temporomandibu
apresentar um valor prognóstico e terapêutico, levan lar, melhores resultados funcionais foram alcançados40,
do em consideração a altura da fratura condilar e o convencendo a maioria dos autores sobre os benefícios
grau de deslocamento dos fragmentos. do acesso cirúrgico direto ao foco de fratura.
Fraturas de Mandíbula 449

de manter a posição correta da mandíbula. Em caso de


fraturas intracapsulares, com maior probabilidade de an
quilose, mantém-se o bloqueio por 10 a 14 dias e se
inicia precocemente a fisioterapia.
Fraturas de côndilo em crianças menores de 10 a
12 anos geralmente apresentam um processo de remo
delação óssea na região da fratura, evoluindo com bons
resultados funcionais apenas com o tratamento con
servador25,44.
Trabalhos recentes demonstram que esses melho
res resultados funcionais, na realidade, não se justifi
cam, pois há um número significativo de seqüelas tar
dias: anquilose, mordida aberta e/ou cruzada e altera
ções de crescimento com desvios laterais da mandíbu
la e até da maxila57.
Seguindo um consenso, as indicações para o trata
mento funcional e conservador de uma fratura do pro
cesso condilar são: fraturas com desvio de até 45 graus,
fraturas intracapsulares e fraturas em crianças menores
de 10 a 12 anos.
O tratamento cirúrgico com acesso direto ao foco
da fratura apresenta algumas dificuldades técnicas,
como a incisão pré-auricular, com riscos de lesão ner
vosa e vascular, necessidade de incisão auxiliar subman-
dibular, como tática cirúrgica, para a tração do ramo
mandibular, e o aumento da morbidade cirúrgica. Em
compensação, tem como vantagens possibilitar uma
melhor redução e fixação rígida da fratura, sob visão
direta, restaurando a anatomia original, e permitir uma
mobilização precoce da articulação e completa recu
peração funcional.

Fig. 34-30. Tomografia computadorizada de fraturas do processo


condilar. A. Processo condilar com desvio de 90 graus. B. Processo
condilar com deslocamento. TIPOS DE INCISÕES

As incisões dependem da altura da fratura no proces


so condilar.
A abordagem mais conservadora c funcional para
o tratamento das fraturas do colo condilar visa, atra • Incisão submandibular: indicada para o tratamen
vés do bloqueio maxilomandibular, da fisioterapia pre to de fraturas baixas do colo condilar (tipos II e
coce, do uso de elásticos e da liberação diária para die IV), possui 4 a 5cm de extensão e é posicionada 2 a
ta líquido-pastosa, permitir uma mobilização precoce 3cm abaixo do corpo da mandíbula; exige um cui
da articulação, com o intuito de evitar uma futura an dado especial durante a dissecçao, para não lesar os
quilose na região, obtendo, assim, melhores resulta ramos do nervo facial (marginal da mandíbula e
dos funcionais. cervical).
Em caso de fraturas com desvio, o bloqueio maxi • Incisão retromandibular: indicada para a abordagem
lomandibular através de barra de Erich, prótese dentá de fraturas altas do colo condilar (tipos III e V), a
ria ou goteira acrílica é mantido por um período de 3 incisão começa 0,5cm abaixo do lóbulo e é direcio
a 4 semanas, seguido de fisioterapia. Se houver perda nada inferiormente, até o ângulo da mandíbula, con
da altura do ramo da mandíbula, resultando em mor tornando a mesma; possui uma extensão de 3 a
dida aberta contralateral, utilizam-se splints de acríli 3,5cm e também apresenta risco de lesão nervosa.
co na região molar do lado fraturado, com a finalidade No serviço, nós não utilizamos essa via de aborda-
450 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 34-31. Acesso extra-oral (pré-auricular e submandibular) para


abordagem de fratura da região condilar.
Fig. 34-32. RX evidenciando a redução cirúrgica de fratura do
processo condilar e osteossíntese com fio de aço.

gem, preferindo o uso da incisão pré-auricular asso


ciada à incisão submandibular.
• Pinos de fixação: indicados para o tratamento de
• Incisão pré-auricular e temporal: indicada para a
fraturas intracapsulares, nas quais os fragmentos são
abordagem de fraturas altas (intracapsulares) ou com
fixados com pinos absorvíveis colocados através do
desvio severo e/ou luxação da cabeça condilar para
ramo da mandíbula; necessitam incisão pré-auricu
fora da cavidade glenoidal (tipos III, V e VI). Pode
lar. Permitem uma fisioterapia precoce, necessária
ser associada a uma incisão submandibular, para pos
sibilitar a tração inferior do ramo da mandíbula, para se evitar a anquilose temporomandibular, bas
facilitando a redução e fixação da região condilar tante comum nesse tipo de fratura.
luxada. Cuidados com a lesão de nervos e vasos tam
• Fios de aço: muito utilizados no passado por se
bém são necessários (Fig. 34-31). rem a única opção. Não possibilitam imobilização
• Incisão intra-oral: indicada para fraturas de colo de rígida da fratura e necessitam bloqueio maxiloman
côndilo baixas (tipos II e IV); tem a vantagem de dibular por tempo prolongado (3 a 4 semanas),
não deixar cicatriz externa visível. retardando o início da fisioterapia. Às vezes, uma
imobilização não muito rígida pode ser benéfica,
pois permite a remodelação óssea. Como já cita
Métodos de Osteossíntese
do, a utilização de fios de aço ainda é muito co
Desde a utilização de fios de aço, novos e mais eficazes mum em regiões de baixo desenvolvimento socio-
métodos de fixação surgiram, modificando o prognós econômico, conseguindo oferecer bons resultados
tico e a qualidade dos resultados: (Fig. 34-32).
• Mini e microplacas": indicadas para as fraturas bai As indicações para o tratamento cirúrgico das fra
xas de colo condilar, possibilitam redução e fixação turas de colo condilar são fraturas com desvio maior
estável da fratura e exigem no mínimo dois parafu do que 45 graus e fraturas com deslocamento condilar
sos no fragmento ósseo proximal, necessitando ex para fora da cavidade glenoidal.
posição extensa da articulação. O uso das placas
possibilita imobilização rígida com redução do tem
po de bloqueio e início precoce da fisioterapia, com COMPLICAÇÕES
melhores resultados funcionais.
• Lag screw*: permite a fixação do segmento desviado Complicações Precoces
com a introdução de um parafuso através do ramo
HEMORRAGIA
da mandíbula até a cabeça do côndilo, sem a neces
sidade de um acesso cirúrgico pré-auricular, apenas Geralmente, a perda sangüínea não é excessiva. Entre
com incisão submandibular, e possibilita uma imo tanto, se houver laceração de vasos (p. ex., artéria faci
bilização rígida com redução do tempo de bloqueio. al), o sangramento é mais acentuado. Em fraturas com
Se necessário, o parafuso pode ser removido 4 a 6 lesões extensas de partes moles, a hemorragia também
meses após a consolidação da fratura. pode ser intensa.
Fraturas de Mandíbula 451

Complicações Tardias
ANQUILOSE DA ARTICULAÇÃO
TEMPOROMANDIBULAR

Na maioria das vezes, decorre de fratura intracapsular


envolvcndo o processo condiL-ir*"-10. Um trauma seve
ro pode levar à destruição da superfície articular ou
do menisco, com conseqüente formação de tecido ci
catricial fibrótico, que leva à anquilose. Nesses casos,
deve-se proceder à avaliação clínica e radiológica da
articulação, verificando-se o posicionamento do pro
cesso condilar, bem como seu aspecto, ou seqüestro
do mesmo. Durante a abordagem cirúrgica devemos
reavaliar o local, desbridar os tecidos desvitalizados e,
se necessário, realizar a condilectomia com reconstru
ção da região condilar.
Nos casos de consolidação viciosa do processo
Fig. 34-33. Tomografia computadorizada mostrando uma fratura
bilateral dos processos condilares. condilar, com as estruturas da cavidade glenoidal pou
co danificadas, realizamos uma osteotomia no local
de fratura, com realinhamento e osteossíntese da re
OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS SUPERIORES gião condilar, interpondo, se necessário, um retalho
As fraturas bilaterais de mandíbula com deslocamen de fáscia temporal entre o côndilo e a fossa do tempo
to posterior da língua e partes moles podem ocluir a ral, para evitar recidiva.
faringc e obstruir as vias aéreas1 (Fig. 34-33). Nos casos mais severos, com destruição condilar e
No final da cirurgia deve-se passar uma sonda na- da cavidade glenoidal, fazemos a condilectomia segui
sogástrica para esvaziar o conteúdo gástrico, reduzin da da reconstrução do mesmo e interposição de um
do a possibilidade de que o paciente apresente vômi retalho de fáscia temporal.
tos e venha a aspirar.

PSEUDARTROSE
INFECÇÃO
A mobilidade no foco de fratura é a principal causa
A maioria das infecções pode ser evitada mediante des- do retardo na consolidação óssea ou da não-consoli-
bridamento adequado dos tecidos desvitalizados, retira dação óssea, também chamada de pseudartrose. Uma
da de corpos estranhos, hemostasia rigorosa, fixação ade fratura não tratada, ou uma fratura tratada que permi
quada dos focos de fratura, cobertura das áreas ósseas ta mobilidade no foco de fratura, pode propiciar uma
expostas, uso de técnicas adequadas de assepsia e uso tera hemorragia local e infecção, aumentando o risco da
pêutico de antibióticos. Tais condutas tornaram a osteo- não-consolidaçãois.
mielite da mandíbula um evento raro após o tratamento Na grande maioria das vezes, o que ocorre é o re
cirúrgico de fraturas nesse osso, fato este outrora tão co tardo na consolidação da fratura, e este é tratado man
mum e que levava os cirurgiões da época a evitarem a tendo-se bloqueio maxilomandibular por um período
abordagem cirúrgica dessas fraturas, como já citado. mais longo.
Se houver infecção, o início do tratamento não deve Os casos de pseudo-artrose são tratados cirurgi-
ser postergado, pois pode levar a uma piora do quadro: camente. Aborda-se o foco de pseudartrose por uma
a antibioticoterapia deve ser introduzida ou mudada, incisão extra-oral, seguida pelo desbridamento dos
culturas devem ser colhidas e, se houver formação de tecidos desvitalizados, reavivamento dos cotos da fra
abscessos, estes devem ser drenados imediatamente. Os tura e osteossíntese com miniplacas e parafusos. Se,
fragmentos de ossos desvitalizados devem ser removi após o reavivamento das bordas, houver um hiato
dos, mantendo-se, se possível, as placas e os parafusos. entre os segmentos da fratura, este é preenchido com
Nos casos de osteomielite com a necessidade de retira um enxerto ósseo (Fig. 34-34). O bloqueio maxilo
da do material de síntese, deve ser instituída a fixação mandibular é então mantido por um período de 6 a
externa, ou mesmo o bloqueio maxilomandibular. 8 semanas.
452 Cirurgia Craniomaxilofacial

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
l.BavitzJB, Collicott PE. Bilateral mandibular subcondylar
fractures contributing to airway obstruetion. Int J Oral
Maxillofac Surg 1995; 24(4):273-5.
2. BergS, Pape HD.Teeth in the fracture line. Int JOral Maxillofac
Surg 1992; 21(3): 145-6.
3. Brian A, Kaplan, Hoard etai. Immediate mobilization following
fixationof mandible fractures: A prospective, randomized study.
Laryngoscope 2001; 7/7:1.520-4.
4. BroonsA, Boering C. Fractures of the mandibular body treated
by stable internai fixation: a preliminary report.J Oral Surg
1970; 28:401-\5.
Fig. 34-34. Correção cirúrgica de pseudartrose com miniplaca e 5. Champy M, lodde JP, Jaeger JH, Wilk A. Osteosyntheses
enxertia óssea.
mandibulares selon Ia technique de Michelet. Bases bio-
méchaniques. Revue deStomatologie etChrirurgic Maxillotaciale
1976; 77:569-76.
Nas mandíbulas atróficas tipo III ou bilaterais, a 6. Champy M, Lodde JP. Osteosyntcsy mandibulares: localisation
possibilidade de ocorrer uma pseudartrose é maior. de synteses em fonetion des contraintes mandibulares. Revue
de Stomatologie et Chirurgie Maxillotaciale 1976; 77.971-6.
Deve-se realizar uma nova abordagem ao foco da fra
7. Converse JM. Fractures of the mandible. In: Converse JM (ed.)
tura, removendo o material de síntese utilizado anteri Kazanjian & Converse's Surgical Treatment of Facial Injuries.
ormente e realizando o desbridamento do tecido fi- Vol I. Baltimore: Williams & Wilkins Co., 1974:142-229.
broso nos dois lados da fratura. Através de um enxer 8. Eckelt U. Problcm áreas - Condylar neck. In: Booth PW.
to corticomedular da crista ilíaca, complementa-se o Schcndel SA, Hausamen JE (cds.) MaxillofacialSurgery. Vol. I.
Edinburgh: Churchill-Livingstonc, 1999:207-20.
espaço entre os traços de fratura, fazendo uma ponte e
9. Ellis E, Ghali G. Lag screw fixation of anterior mandibular
fixando o mesmo aos focos de fratura com miniplacas
fractures./ Oral Maxillofac Surg 1991; 49.13-22.
compressivas e bloqueio maxilomandibular (prótese 10. Ellis E, Moos KF, El-AttarA. Ten years of mandibular fractures:
dentária ou goteira acrílica) por um período de 8 a 12 an analysis of 2,137 cases. Oral Surg 1985; 52120-9.
semanas. 11. Ellis E, Simon P, Throckmorton GS. Occlusal rcsults after open
or closed treatment od fractures of the mandibular condylar
process../ OralMaxillofac Surg 2000; 5£(3):260-8.
CONSOLIDAÇÃO VICIOSA 12. Ellis E, Walker L. Treatment of mandibular anglc fractures
using two noncompression miniplates. J Oral Maxillofac Surg
Consolidação viciosa é a ossificação de uma fratura em 1994; 52(10): 1.032-6.
posição anormal, decorrente de uma fratura não trata 13. Ellis E, Walker L. Treatment of mandibular angle fractures
da ou de fratura tratada com redução inadequada. using one noncompression miniplatc. / Oral MaxillofacSurg
1996; 54:864-71.
O tratamento consiste em uma abordagem cirúr
14. Ellis E. Treatment mcthods for fractures of the mandibular
gica, com osteotomia no local da fratura, realinhamen- angle. IntJ Oral Maxillofac Surg 1999; 28{4):243-52.
to dos focos da fratura, bloqueio maxilomandibular e 15. Ellis E. Use of lag screws for the mandibular body. / Oral
imobilização da fratura com osteossíntese41'. Se hou Maxillofac Surg 1996; 54(11): 1.314-6.
ver a formação de um espaço, coloca-se enxerto ósseo 16. Farmand M. Erfahrungen mit der 3-D- Miniplattenosteosynthese
para preencher a lacuna. O bloqueio maxilomandibu bei Unterkieferfrakturen. Fortschritte der Kictcr- und Gcsichts-

lar é mantido por 6 a 8 semanas. Chirurgie 1996; 47:85-7.

A maioria dessas complicações, precoces e tardias, 17. Farmand M. The 3-D plating system in maxillofacial surgcry. /
Oral Maxillofac Surg 1993; 57:166-7.
pode ser evitada por meio da avaliação adequada da
18. Farmand M. The three-dimension platc fixation of fractures
mandíbula, inclusive da articulação temporomandibu- and osteotomies. Facial Plastic Surg 1995; 5:39-56.
lar, instituição de higiene oral c antibioticoterapia. A 19. Fordyce AM, Lalani Z, Songra AK et ai. Intermaxillary fixation
abordagem aos focos de fratura deve permitir a ade is not usually necessary to reduce mandibular fractures. Br Oral
quada hemostasia e desbridamento dos tecidos desvi Maxillofac Surg 1999; 57(l):52-7.
talizados com mínima manipulação dos focos de fra 20. Gerbino G, Tarello F, Fasolis M, De Gioanni PP. Rigid fixation
tura e imobilização estável. Nos casos de reinterven- with teeth in the line of mandibular fractures. Int J Oral
Maxillofac Surg 1997; 26(3): 182-6.
ção cirúrgica, em especial nas seqüelas, privilegiamos o
21. Gerlach KL, Erle A. Surgical management of mandibular
uso de miniplacas c parafusos, por permitir uma esta fractures. In: Booth PW, Schcndel SA, Hausamen JE (eds.)
bilização mais rígida, associando ainda um bloqueio Maxillofacial'Surgery. \oi. I.Edinburgh: Churchill-Livingstonc,
maxilomandibular prolongado. 1999:57-77.
Fraturas de Mandíbula 453

22. Hammer B, Schier P, PreinJ. Osteosynthesis of condylar ncck 41. Pauwels F. Gryndriss einer Biomechamick der Frakturheilung
fractures: a review of 30 patients. BrJ Oral Maxillofac Surg Verhandlungcn der Deutschen Orthopadische Gesellschaft,
1997; 55(4):288-91. 1940; 54:62-78.
23. Haug RH, Assael LA. Outcomes ofopen versusclosed treatment 42. Perry M, Booth PW. Reduction of fractures and methods of
of mandibular subcondylar fractures. J Oral Maxillofac Surg fixation. In: Booth PW, Schendel SA, Hausamen JE (eds.)
2001;5í?(4):370-5. Maxillofacial Surgery.Vol 1.Edinburgh: Churchill-Livingstone,
24. Haug RH, BarberJE, Reifeis R. A comparison of mandibular 1999:45-56.
angle fracture plating techniques. Oral Surg Oral Med Oral 43. PotterJ, Ellis E. Treatment of mandibular angle fractures with
Pathol Oral Radiol Endod 1996; #2(3):257-63. a malleablc noncompression miniplate. J Oral Maxillofac Surg
25. Hovinga J, Boering G, Stegenga B. Long-term results of 1999; 57(3):288-92.
nonsurgical management of condylar fractures in children. Int 44. Rasse M. Recent developments in therapy of condylar fractures
J Oral Maxillofac Surg 1999; 25(6)429-40. of the mandible. Mund Kiefer Gesichtschir 2000; 4(2):69-87.
26. Hvenegaard P. Fratura de mandíbula, fratura de maxila e fratura 45. Robert M, Kellman MD. Repair of mandibular fractures via
nasal. In: Cardim VLN, Marques A, Morais-Besteiro J (eds.) compression plating and more traditional techniques: A
Cirurgia Plástica. São Paulo: Atheneu,1995, 227-42. comparison of results. Laringoscope 1994;7:560-7.
27. Kallela I, Iizuka T, Laine P, Lindqvist C. Lag-screw fixation of 46. Schierle HP, Schmelzeisen R, Rahn B, Pytlik C. One or two
mandibular parasymphyseal and angle fractures. Oral Surg Oral platefixation of mandibularanglefractures? J Craniomaxillofac
Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1996; £2(5):510-6. Surg 1997;25(3): 162-8.
28. Kallela I, Lizuka T, Saio A, Lindqvist C. Lag-screw fixation of 47. SchugT, Rodemer H, Neupert W, DumbachJ. Management of
anterior mandibular fractures using biodegradable polylactide comminuted and open fractures of the mandible and fractures
screws: a preliminary report. / Oral Maxillofac Surg 1999; in atrophic mandibles with titanium mesh. Mund Kiefer
57(2): 113-8. Gesichtschir 2000; 4(3): 193-6.
29. Kaplan BA, Hoard MA, Park SS. Immediate mobilization 48. Spiessl B, SchrolIK. Gesichtsschàdel. 7/j/Nigst H (Hrsg). Spezielle
following of mandible fractures: a prospective, randomized Frakturen und luxationslehre. Stuttgart: GeorgThieme, Bd. 1/
study. Laryngoscope 2001; 777(9): 1.520-4. 1, 1972.
30. Kroon FHM, Mathisson M, CordeyJR. The use of miniplates in 49. SpitzerWJ, Vanderborght G, DumbachJ. Surgical management
mandibular fractures. J Craniomaxillofac Surg 1991; 72199-204. of mandibular malposition after malunited condylar fractures.
31. Kuriakose MA, Fardy M, Sirikumara DW, Patton AW. A J Craniomaxillofac Surg 1997; 25(2): 91-6.
comparative review of 266 mandibular fractures with internai 50. Suuronen R, Kallela I, lindqvist C. Bioabsorbable plates and
fixation using rigid (AO/ASIF) plates or mini-plates. Br) Oral screws: Current state of the art in facial repair.J Craniomaxilofac
Maxillofac Surg 1996; 54:315-21. Trauma 2000; 6(1):19-27.
32. Levy FE,Smith RW, Odland RM, Marentette LJ. Monocortical 51. Tams J, Van Loon JP, Rozena FR et ai. A threc dimensional
miniplate fixation of mandibular angle fractures. Arch study of loads across the facture for different fracture sites of
Otolaryngol Head Neck Surg 1991; 777(2): 149-54. the mandible. BrJ MaxillofacSurg 1996; 54:400-5.
33. Luhr HG, Reidick T, Merten HA. Results of treatment of 52. TamsJ, van Noon JP, Otten E, Bos RRM. A three dimensional
fractures of the atrophic edentulous mandible by compression study of bending and torsion movements for different fractu
plating: a retrospective evaluation of 84 consecutive cases. J res sites: an in vitro study. Int] OralMaxillofac Surg 1997; 26:
Oral Maxillofac Surg 1996; 54(3):250-4. 338-83.
34. Luhr HG. The developmcnt of modem osteosynthesis. Mund 53. Tuovinen V, Norholt SE, Sindet-Pedersen S, Jensen J. A
Kiefer Gesichtschir 2000; 4 (Suppl l):s84-90. retrospective analysis of 279 patients with isolated mandibular
35. Luhr HG. Fractures of the atrophic mandible. In: Booth PW, fractures treated with titanium miniplastes. / OralMaxillofac
Schendel SA, HausamenJE (eds.) Maxillofacial Surgery. Vol. 1. Surg 1994; 52(9): 931-5.
Edinburgh: Churchill-Livingstone, 1999:195-206. 54. Valentino J, Levy FE, Marentette LJ. Intraoral monocortical
36. Luyk NH, Ferguson JW. The diagnosys and initial management miniplatingof mandible fractures. Arch Otolaryngol HeadNeck
of the fractured mandible. AmJ Emerg Med 1991; 9(4) 352-9. Surg 1994; 72G(6):605-12.
37. Manson PN. Facial injuries. In: McCarthy JG. Plastic Surgery. 55. Warwick R, Williams PL. Grays Anatomy. 35. ed., Longman
Vol. 2. The Face Part l.W.B. Saunders Company, 1990: 867- Group Ltd., 1973:281-4.
1.141.
56. Wilson IF, Lokeh A, Benjamin Cl et ai. Contribution of
38. Mathog RH, Toma V, Clayman L, Wolf s. Nonunion of the conventional axial computed tomography (nonhelical), in
mandible: an analysis of contributing factors./ OralMaxillofac conjunetion with panoramic tomography (zonography), in
Surg 2000; 5S(7):746-52. evaluating mandibular fractures. Ann Plast Surg 2000;
39. Michetet FX, Deynes J, Dessus B. Osteosyntheses with 45(4):415-21.
miniaturised screws and plates in maxillofacial surgery. J 57. Wiltfang J, Halling F, Merten HA, Luhr HG. Mandibular
MaxillofacSurg 1973; 7:79. condyle fractures in childhood: effects on growth and funetion.
40. Palmieri C, Ellis E, Throckmorton G.Mandibular motion after Dtsch Zahnarztl Z 1991; 46(l):54-6.
closed and open treatment of unilateral mandibular condylar 58. Wittenberg JM. Treatment of mandibular angle fractures with
process fractures./ Oral MaxillofacSurg 1999; 57(7):764-75. 3-D titanium miniplates. J Oral Maxillofac Surg 1994; 52106.
Fraturas Complexas
da Face

Ricardo Lopes da Cruz


Paulo Affonso Castelo

INTRODUÇÃO Nutrição, Fisioterapia e Fonoterapia, otimiza a possi


bilidade de se contornarem os graves problemas con
Fraturas complexas do esqueleto facial são invariavel seqüentes ao trauma. Com isto pacientes com injúrias
mente conseqüência de impactos de alta intensidade. faciais extremamente graves sobrevivem e se tornam
De maneira geral, esse fato resulta de acidentes que um desafio cada vez maior para os especialistas em
envolvem veículos automotores. Apesar dos esforços Cirurgia Maxilofacial, no sentido de executarem um
consolidados pela atualização do Código Nacional de tratamento com baixo índice de seqüelas, sejam elas
Trânsito, observa-se, infelizmente, a insistente desobe funcionais ou estéticas.
diência ao uso do cinto de segurança e aos limites de A presença de lesões associadas nos politraumati-
velocidade. zados com grave injúria facial freqüentemente retarda
Já há alguns anos dois fatores têm aumentado a a possibilidade de se intervir cirurgicamente. Apesar
sobrevida de politraumafizados graves: a melhoria no disso, é muito importante que os especialistas em tera
resgate pré-hospitalar e a formação em larga escala de pia intensiva estejam cientes da preocupação do espe
profissionais treinados no atendimento inicial a esse cialista em Cirurgia Maxilofacial para que se viabilize
grupo de pacientes através de cursos como o ATLS a cirurgia no período mais breve possível, fator este de
{Advanced Trauma Life Suppori). Além disso, desta extraordinária importância para um resultado satisfa
cam-se em vários hospitais os recursos de suporte da tório. Não há dúvida de que a primeira intervenção
vida disponíveis nos Centros de Tratamento Intensi cirúrgica em um paciente constitui-se invariavelmente
vo, que dispõem cada vez mais de profissionais especia na melhor oportunidade para se obter um bom resul
lizados no tratamento de pacientes críticos como os tado final no tratamento (Fig. 35-1).
poli traumatizados.
Observa-se hoje que a infra-estrutura hospitalar
com o aprimoramento do diagnóstico por imagem e
dos recursos de suporte nutricional (apenas para citar AVALIAÇÃO DIAGNOSTICA
dois exemplos), aliada ao preparo de uma equipe mul- Pacientes portadores de fraturas complexas de face
tidisciplinar que envolve, além dos médicos especialis devem ser avaliados de maneira criteriosa. É óbvio que
tas, equipes especialmente treinadas em Enfermagem, partiremos do princípio básico de que todas as medi-

454
Fraturas Complexas da Face 455

oftalmológico. Rinorragia pode exigir tamponamento


nasal e impedir temporariamente o diagnóstico de fis-
tula liquórica. Fraturas da maxila e/ou da mandíbula
com deslocamento acarretam má oclusão dentária. Nes
te particular, é importante que se pense na possibilida
de de má oclusão prévia ao trauma, motivo pelo qual,
sempre que possível, torna-se importante a obtenção de
informações com o dentista do paciente (Fig. 35-3).
Diagnóstico por imagem constitui-se no principal
recurso para se estabelecer a presença ou não de fraturas
de face. Radiologia convencional pode ser extremamen
te desconfortável para o paciente e não trazer subsídios
diagnósticos tão precisos quanto os que podemos ob
Fig. 35-1. Paciente com fraturas múltiplas de face e injúria cra- ter através de tomografia computadorizada. Concomi-
nioencefálica internado em Ceniro de Tratamento Intensivo. tantemente ao estudo do crânio, o especialista em radi
ologia consegue cortes axiais, com janela para osso, que
nos permitem ter uma visão rápida da base do crânio,
das terapêuticas indicadas no atendimento inicial ao região nasorbitária, seios paranasais (maxila, zigomas e
politraumatizado e expressas no ABCDE da vida já arcos zigomáticos) e mandíbula (Fig. 35-4).
foram tomadas e o paciente encontra-se cm condições Com a melhoria das condições clínicas do pacien
clínicas e neurológicas estáveis (Fig. 35-2). te, o estudo radiológico pode ser repetido e comple
Inicialmente devemos procurar colher os dados mentado. Quando tomografia computadorizada não
mais detalhados de anamnese possíveis. A idade do está disponível, devemos combinar incidências para es
paciente, o tempo decorrido do trauma e o agente etio- tudo da mandíbula: frontonaso, perfil, oblíquas direita
patogênico são importantes informações iniciais. No e esquerda (Bellot) e Bretton (Reverchon) para côndilos
caso de acidentes com veículo automotor, tornam-se com a boca aberta; e do terço médio da face: mentona-
importantes informações como a posição que o paci so, Waters (occipitomentoniana), axial de Hirtz para ar
ente assumia no veículo ou se houve relato de vítimas cos zigomáticos e ossos próprios do nariz (Fig. 35-5).
fatais no local, fato este que espelha muitas vezes a A vantagem de se aguardar a melhoria das condi
intensidade do impacto. ções clínicas para a obtenção de radiografias convencio
Em seguida, nos preocupamos com o exame clíni nais deve-se basicamente ao fato de que pacientes com
co e damos início á inspeção. Suspeitamos da possibi grave injúria facial suportam mal o decúbito ventral
lidade de fraturas complexas de face quando observa nas primeiras horas. Este decúbito, como sabemos, é o
mos edemas faciais de grande magnitude associados a indicado para obtenção de melhor padrão da imagem;
extensas sufusões hemorrágicas. Equimose orbitopalpe- além disso, o edema e as equimoses faciais também po
bral pode ocluir a rima palpebral e dificultar o exame dem dificultar a interpretação dos achados radiológicos.

Fig. 35-2. Paciente com fraturas no terço médio da face e grave injúria em membro inferior, exigindo tratamento prioritário.
456 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 35-3. Pacientes com fraturas


múltiplas de face apresentando
pan-edema facial (dish-face).

Fig. 35-4A. Paciente com fraturas múltiplas de face B. Estudo Fig. 35-5A. Radiografia convencional na incidência de Waters.
radiológico por tomografia computadorizada com reconstrução tri B. Tomogarfia computadorizada em corte axial dos seios parana-
dimensional. sais.
Fraturas Complexas da Face 457

Curiosamente, pacientes com fraturas múltiplas ver diminuição da capacidade volumétrica da órbita pós-
de face referem pouca ou nenhuma dor. Embora du trauma, acarretando exoftalmia. Todos os casos de prop
rante o mecanismo de deglutição haja mobilização de tose ocular devem ser checados por imagem, devido à
focos de fratura, a ausência de dor pode ser explicada possibilidade de serem conseqüentes a hematoma retro-
por neuropraxia locorregional que se segue à contu bulbar. Exame oftalmológico torna-se imprescindível
são do nervo infra-orbitário (V2) e do nervo alveolar como rotina em pacientes com fraturas no terço médio
inferior (V3). da face, mesmo que estejam assintomáticos (Fig. 35-7).
Com a regressão do edema e a absorção dos hema
tomas podemos notar eventuais deformidades, como,
por exemplo, assimetrias na face. A palpaçao permite,
com mais facilidade, a detecção de degraus de fratura,
principalmente ao nível de rebordos orbitários, dorso
nasal e basilar da mandíbula.
Trauma na região nasorbitária pode acarretar tele
canto e selamento do dorso nasal. Aplainamento da re
gião glabelar pode ser conseqüência de fratura com afun
damento da parede anterior do seio frontal. Fraturas da
região nasofrontorbitoetmoidal podem ser causa de
graves complicações, como pneumoencéfalo hiperten-
sivo e fistula liquórica, exigindo tratamento neuroci
rurgia) concomitante e precoce. Anosmia ou hiposmia
também poderá ser relatada após regressão do edema
(Fig. 35-6).
Fraturas de órbita podem acarretar enoftalmia e/
ou hipoftalmia, oítalmoplegia e, eventualmente diplo
pia. Não são raras as fraturas ditas em blow-out do soa-
lho e parede mediai das órbitas, devido à sua estrutura
papirácea. Em situações menos freqüentes, poderá ha

Fig. 35-7A. Paciente com fratura de órbita. Observar quemose e


Fig. 35-6. Paciente com fratura nasofrontorbitoetmoidal. Obser proptose ocular. B. Tomografia computadorizada em corte reve
var o selamento de dorso nasal e glabela, além do telecanto. lando fraturas de nariz, órbita e zigoma.
458 Cirurgia Craniomaxilofacial

rúrgicas sob anestesia geral, desde que haja estabilida


TRATAMENTO
de clínica e cuidados ancstesiológicos específicos. Fra
O controle das vias aéreas e da hemorragia é prioritá turas craniofaciais inclusive podem exigir intervenção
rio. Fraturas múltiplas de face associadas com grandes precoce para resolução de fistulas liquóricas de débito
edemas de língua e faringe poderão exigir traqueosto- alto ou mesmo moderado. Tamponamento nasal para
mia; entretanto, este procedimento está geralmente in coibir hemorragia deve ser retirado (ou trocado) em
dicado devido a lesões associadas, como trauma crani- prazo máximo de 48 horas, para não favorecer coloni
oencefálico, cervical ou torácico. Rinorragia poderá zação bacteriana e diminuir riscos de meningite bacte
exigir tamponamento nasal anterior e, algumas vezes, riana. Por esse motivo, antibioticoterapia de largo es
ântero-posterior. Compressas geladas, prescritas nas pectro, administrada por via endovenosa, torna-se pro
primeiras 48 a 72 horas, elevação de cabeceira e uso de cedimento de rotina (Fig. 35-9).
antiinflamatórios são fatores que podem minimizar a Sondas para esvaziamento gástrico ou alimenta
magnitude do edema. ção enteral não devem ser passadas pelo nariz. Pacien
Planejar o tratamento de pacientes portadores de tes portadores de evidências clínicas de impacto na
fraturas complexas da face pode ser tarefa difícil devi região do terço médio/superior da face podem ter fra
do a aspectos multifatoriais. Parece óbvio, entretanto, tura etmoidal que possibilitaria falso trajeto, com pe
que um diagnóstico preciso das fraturas seja a base netração da sonda introduzida pelo nariz dentro da
fundamental para um planejamento adequado. cavidade craniana (Fig. 35-10).
Com relação ao momento cirúrgico, somos de Pacientes com fraturas múltiplas no terço médio
opinião que o paciente deve ser operado o mais rápi apresentam pan-hemosinus, c este fato constitui-se em
do possível, desde que as condições clínicas e locais o um segundo motivo para tornar indesejável a manu-
permitam. Isto deverá ocorrer em torno de 5 a 7 dias
após o trauma. Cuidado especial nesta questão deve
ser observado quando se trata de crianças. Nesse caso,
devido ao menor tempo de consolidação óssea, a in
tervenção cirúrgica deveria ser realizada mais precoce-
mente ainda do que nos adultos (Fig. 35-8).
Condições neurológicas não se constituem em
fator impeditivo para a realização de intervenções ci

Fig. 35-9A. Paciente com fratura no terço médio da face. Obser


var rinorréia clara à esquerda associada à sonda nasoenteral (ris
Fig. 35-8. Criança com fraturas múltiplas no terço médio da face cos de sinusite e meningite). B. Tomografia computadorizada do
e injúria cranioencefálica. mesmo paciente revelando pneumoencéfalo.
Fraturas Complexas da Face 459

Fig. 35-1OA. Fraturas múltiplas de face e sonda enteral corretamente colocada via bucal. B. Exemplo de fratura etmoidal ao nível de fossa
craniana anterior (lâmina crivosa).

tenção de sondas pelo nariz, o que favoreceria, a mé Fraturas condílicas com indicação de tratamento
dio ou mesmo curto prazo, a possibilidade de sinusi- cirúrgico devido à luxação capital conseqüente à rotura
te nosocomial (Fig. 35-11). capsular e ligamentar podem ser submetidas a osteos
A seqüência de redução das fraturas múltiplas de síntese com placas do sistema 2.0 e, desta forma, pode
face é normalmente de baixo para cima, seguindo-se a mos instituir fisioterapia precoce, abreviando ao máxi
seguinte ordem: mandíbula (corpo e depois côndilos), mo o tempo de bloqueio intermaxilar exigido por fra
maxila, zigomas, órbitas e nariz. Entretanto, algumas tura associada da maxila.
situações de extraordinária gravidade podem ser mais Fixação rígida no tratamento das fraturas de maxi
bem abordadas em seqüência inversa, utilizando-se o la tem indicação mais restrita. Ao contrário de procedi
osso frontal como ponto-base de fixação dos ossos fra mentos eletivos de osteotomia maxilar, como os utili
turados e deslocados, através de incisão coronal. zados em cirurgia ortognática para tratamento de de
Mesmo que se esteja utilizando fixação interna rí formidades dentofaciais, muitas vezes não se conseguem
gida, é recomendável realizar bloqueio intermaxilar para sítios adequados para colocação de placas e parafusos
que nos certifiquemos, no período transoperatório, de ao nível dos pilares de sustentação (cristas zigomatico-
havermos conseguido a melhor oclusão possível. Jul maxilares e abertura piriforme). Nesse caso, descolamen
gamos da maior importância a utilização de placas mais to exagerado das partes moles pode ser prejudicial no
pesadas (sistemas 2.3 ou 2.4 de fixação interna rígida, processo de consolidação óssea. Dessa forma, baseados
titânio) na osteossíntese de fraturas no corpo e, princi nas observações clínicas, radiológicas e transoperatón-
palmente, no ângulo mandibular (Fig. 35-12). as, freqüentemente realizamos redução incruenta da

Fig. 35-11 A. Sonda colocada pelo nariz em paciente com fraturas múltiplas no terço médio da face. B. Observar radiografia na incidência
de Waters revelando pan-hemosinus. Riscos de sinusite aumentam quando existe sonda colocada pelo nariz.
460 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 35-12A. Bloqueio


intermaxilar realizado
no transoperatório de
fratura mandibular.
Observar osteossíntese
com fixação rígida.
B. Placa 2.4 para
osteossíntese de fratura
no ângulo mandibular.

Fig. 35-13A. Redução incruenta de fratura da maxila com fórceps de Rowe. B. Bloqueio intermaxilar.

maxila, assegurando sua posição através do bloqueio rio inferior com placas do sistema 1.7 podem auxiliar
intermaxilar (Fig. 35-13). a estabilidade do zigoma (Fig. 35-14).
Fraturas de maxila devem ser tratadas com blo Procedimentos de videoendoscopia podem evitar
queio intermaxilar por um período de, no máximo, a necessidade de exploração cirúrgica do soalho orbitá
20 dias, especialmente se tivermos utilizado fixação rio. Caso haja necessidade de reconstrução primária da
rígida para as fraturas mandibulares e houver fratura órbita, esta pode ser realizada através de incisão subtar-
condílica concomitante de qualquer tipo. Além dis sal com enxertia óssea autógena (parede anterior do seio
so, o mecanismo de deglutição é desfavorável para a maxilar, crista ilíaca ou calota craniana), cartilagem ou
consolidação óssea maxilar por causar micromovi- implante (p. ex., polietileno poroso) (Fig. 35-15).
mentos que favorecem indesejável encurtamento do Se o nariz estiver severamente comprometido, de
terço médio da face. vemos optar por realizar traqueostomia eletiva (no iní
Pacientes edêntulos ou com fraturas de maxila com cio da intervenção cirúrgica), ou intubação por acesso
evidente tendência a encurtamento devem ser subme submentoniano, como preferem alguns (devem ser con
tidos a tentativa de osteossíntese com fixação rígida, siderados os riscos de fistula orocutânea ou injúria ao
apesar das desvantagens acima descritas. Neste caso, o dueto submandibular e ao nervo lingual).
sistema 2.0 é o que utilizamos.
As fraturas do zigoma devem ser abordadas por
acesso endoral, procurando-se estabilizar a crista zigo-
CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
maticomaxilar, principal ponto de estabilidade após a
redução. Eventualmente, osteossíntese fronto-zigomá- No tratamento dos pacientes portadores de fraturas
tica com placas do sistema 2.0 ou do rebordo orbitá de face, como já salientamos, a melhor chance de se
Fraturas Complexas da Face 461

Fig. 35-14A. Fratura de


zigoma. Observar redução
ao nível da crista zigomático-
maxilar. B. Fratura de
zigoma. Observar placa 1.7
para osteossíntese ao nível
de rebordo orbitário inferior.

paciente não estiver necessitando de suporte ventilatório


mecânico, cânula portex pode ser substituída por cânula
metálica, diminuindo os riscos de obstrução.
Compressas geladas na face voltam a ser importan
tes, bem como os cuidados de elevação de cabeceira e o
uso de antiinflamatórios, no sentido de se procurar evi
tar ao máximo a instalação do edema e o aparecimento
de sufusões hemorrágicas ao nível do tecido celular sub-
cutâneo.
A utilização de colírios, vasoconstritores nasais ou
cmolientes para evitar ressecamento dos lábios deve ser
considerada. Instrução detalhada à equipe de Enferma
gem e Fonoterapia deve ser fornecida, no sentido de
Fig. 35-15. Redução de fratura de órbita. Observar enxertos ósseos
na reconstrução do soalho orbitário.
possibilitar alimentação via oral o mais precoce possí
vel, apesar das dificuldades conseqüentes ao bloqueio
intermaxilar e eventuais incisões ou mesmo feridas in-
obter um resultado estético e funcional satisfatório é tra-orais. A higiene bucal deve ser objeto de grande aten
sempre aquela que o cirurgião tem na primeira inter ção, não sendo raras infecções oportunistas (Fig. 35-16).
venção cirúrgica. Por esse motivo, todos os esforços Finalmente, devemos registrar a importância do
devem estar voltados para redução anatômica das fra apoio psicológico a esse grupo de pacientes surpreendidos
turas associadas à mais perfeita imobilização possível.
Com isto espera-se minimizar ao máximo eventuais
seqüelas inerentes à gravidade do trauma, para que se
possa tratá-las secundariamente com maiores chances
de êxito.
No período pós-operatório imediato, entretanto,
muitos cuidados devem ser tomados para que tenhamos
a melhor evolução possível. A garantia das vias aéreas,
mais uma vez, é a nossa prioridade. Se o paciente não está
traqueostomizado e foi submetido a bloqueio intermaxi
lar, deverá ter pelo menos uma fossa nasal permeável. A
colocação de cânula nasofaríngea contorna o edema lo
cal c garante maior conforto para o paciente.
Se o paciente estiver traqueostomizado, cuidados
específicos devem ser tomados. Curativos diários devem
Fig. 35-16. Paciente em pós-operatório imediato com traqueos-
ser feitos, bem como criteriosa rotina de aspiração da tomia, sonda enteral colocada via bucal, tamponamento nasal,
cânula deve ser adotada pela equipe de enfermagem. Se o proteção ocular e tração cervical.
462 Cirurgia Craniomaxilofacial

por acontecimento tão nefasto quanto inesperado. Isto 2. Cruz RL. Trauma cranio-facial letal: Considerações anatomo-
clínicas. In: PsillakisJM et ai. Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial.
pode ser possibilitado pela presença dentro da equipe Rio de Janeiro: MEDSI, 1987:477.
multidisciplinar, referida no início do capítulo, de espe 3. Cruz RL, Costa EA. Fraturas de maxila. In: Psillakis JM et ai.
cialistas em Psicologia Médica. Não devemos subestimar Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial. Rio de Janeiro: MEDSI,
a importância de se manter um elevado estado de ânimo 1987:515.

no paciente e em seus familiares, paraque haja compreen 4. Cruz RL, Costa EA. Fraturas múltiplas de face. In: PsillakisJM
são dos problemas a serem enfrentados, lembrando que et ai. Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial. Rio de Janeiro: MEDSI,
1987:551.
isto pode envolver, inclusive, outras etapas cirúrgicas até
5. Cruz RL. Fraturas do ápice da órbita. In: Psillakis JM et ai.
que se obtenha o êxito desejado no tratamento. Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial. Rio de Janeiro: MEDSI,
1987:599.

6. Cruz RL. Fraturas da maxila. In: Mélega JM ei ai. Cirurgia


Plástica Reparadora e Estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1988:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 369.

1. Cruz RL. Assistência imediata ao traumatizado de face. In: 7. Cruz RL.Fraturas complexas de face: Diagnóstico e tratamento.
Psillakis JM etai. Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial. RiodeJaneiro: In: Zanini SA. Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial.
MEDSI 1987:463. Rio de Janeiro: MEDSI, 1990:211/
Trauma de Face
em Criança

André Bezerra deMenezes Reiff


Nilson Yovani Rimarachín Díaz
José Marcos Mélega

1,99%; queimadura, 2,79%. Quando analisada a distri


INTRODUÇÃO
buição pelo sexo, observou-se que 66,14% dos casos
Os traumas de face em crianças apresentam algumas ocorreram no sexo masculino5'. Quanto à etiologia
peculiaridades que tornam este assunto merecedor de dos traumas, os vários trabalhos da literatura mostram
uma discussão especial. Segundo a Academia Ameri diversas causas com freqüências variadas, destacando-
cana de Pediatria, são considerados pacientes pcdiá- se os seguintes fatores: queda, acidentes automobilísti
tricos os menores de 21 anos15. No entanto, indiví cos, agressão e acidentes esportivoslr,-i(U'U/. A análise
duos maiores de 12 anos em grande parte apresen da distribuição etária desses traumas revela que os
tam suas estruturas faciais bem desenvolvidas, e o seu mesmos são tão mais freqüentes quanto mais velhas as
tratamento assemelha-se ao do adulto. Portanto, para crianças acometidas13-30.
efeito didático, as crianças abaixo dessa faixa de ida As crianças possuem consciência reduzida dos ris
de serão o alvo preferencial das discussões que se se cos e perigos impostos pelo ambiente externo. Neces
guem. sitam sempre estar sob a atenção dos adultos. Em ge
Na infância, os traumatismos faciais representam ral, vivem em ambiente mais protegido, tendo assim
um grupo significativo de atendimentos de urgência reduzidas as chances de lesões por causas violentas.
na cirurgia plástica. No Brasil não existem estudos Exemplo disso são as leis de trânsito, que exigem que
publicados sobre as estatísticas gerais desse tipo de trau crianças sejam conduzidas sempre no banco traseiro,
ma. Estima-se que, nos Estados Unidos, aproximada utilizando os cintos de segurança apropriados e, sem
mente 22 milhões de crianças sejam atendidas anual pre que possível, acompanhadas por adultos.
mente, razão pela qual o conhecimento desse tema As características próprias da anatomia da face na
pelos cirurgiões plásticos reveste-se de especial impor criança merecem especial atenção. Delas dependem o
tância15. diagnóstico correto e a conduta adequada, que muitas
Trabalho realizado com 251 crianças em que se vezes diverge daquela utilizada no adulto. Este aspec
avaliou a freqüência dos diferentes tipos de traumas to assume especial importância nos casos de fraturas
de face mostrou o seguinte resultado: lesão de partes de ossos de face e será tema de discussão pormenoriza
moles (lacerações), 80,48%; contusão, 14,75%; fratura, da nos parágrafos que se seguem.

463
464 Cirurgia Craniomaxilofacial

Também no atendimento à criança, a anamnese e jogos infantis, prática de esportes, acidentes automobi
o exame físico apresentam particularidades que devem lísticos, entre outros15''18. O air bag, mecanismo de segu
ser ressaltadas. As crianças, principalmente as mais jo rança de automóveis, paradoxalmente tem sido causa
vens, são más informantes, e a obtenção dos dados da dor de graves lesões de face em crianças, no momento
história do trauma depende, em geral, dos relatos for de sua ativação26,49. Os ferimentos podem ser contusos,
necidos pelos acompanhantes adultos. O exame físico cortantes, perfurantes ou mistos, dependendo das ca
apresenta importância, já que é muito difícil conse racterísticas do agente causador (Figs. 36-1 a 36-3). No
guir realizar um exame adequado de uma criança com dia-a-dia de um pronto-socorro infantil, o ferimento
dor, em razão da falta de cooperação própria da idade. mais corriqueiro é a laceração da região mentoniana,
Faz-se necessária, em grande parte das vezes, a realiza provocada pela queda da própria altura.
ção de estudos complementares para auxiliar o diag Uma avaliação clínica detalhada do ferimento
nóstico das lesões, principalmente em se tratando de definirá o tratamento mais adequado. Contusões e
fratura de ossos da face''. hematomas podem ser tratados simplesmente com
Os princípios básicos do tratamento são os mes observação atenta e cuidados locais, como aplicação
mos utilizados para os adultos, porém as técnicas de de calor, massagens ou uso de pomadas. Nos casos de
vem ser adaptadas às peculiaridades anatômicas, fisioló hematomas maiores, punção de esvaziamento faz-se
gicas e psicológicas próprias da faixa etária pediátrica6. necessária, para melhorar o desconforto e acelerar a
A razão das inquietações com os traumas de face na recuperação.
criança advém da potencialidade dessas lesões provoca Nos casos de ferimentos que exigem sutura, deve-
rem graves seqüelas imediatas e de aparecimento tardio, se usar bom senso quanto à forma de abordar a criança
como conseqüência dos distúrbios sobre o crescimento e e a família. A insistência em realizar suturas de crianças
desenvolvimento dos ossos faciais e do forte impacto em pronto-socorro, apenas com anestesia local, na pre
psicológico infligido sobre a vida desses pacientes15,41. sença dos familiares pode ser muito desgastante e pou
co eficaz. A simples utilização da anestesia local, embo
ra produza analgesia, não é capaz de tirar o estado de
agitação presente na maioria das crianças, prejudicando
TRAUMAS DE PARTES MOLES
e muitas vezes impedindo a ação adequada do médico.
As partes moles são os locais mais comumente lesados Anestésico tópico (lidocaína, tetracaína) na forma gel
nos traumas de face em criança. Os fatores etiológicos pode ser usado com bons resultados na sutura de pe
desses traumas relacionam-se com acidentes domésticos, quenas lacerações38. De um modo geral, quando se trata

Fig. 36-1. Lacerações de


crânio, face e pescoço
produzidas por ataque de
felino (garras). Pré (A) e pós-
sutura (B) dos ferimentos.
Trauma de Face cm Criança 465

• Regularização de bordas de ferimentos desiguais, para


uma melhor coaptação no momento da sutura, con
seguindo, assim, resultado estético superior.
• Sempre que um segmento de tecido apresentar viabi
lidade duvidosa, deve ser preservado e retirado ape
nas quando tiver evolução desfavorável para necrose.
Pequenos segmentos de tecido podem produzir grande
diferença na definição de um bom resultado estético
ou na produção de uma seqüela indesejável36.
Deve-se aproveitar o estado de analgesia para uma
melhor avaliação da criança em busca de sinais de fratu
Fig. 36-2. Ferimento cortocontuso de lábio superior, após sutura. ras ósseas subjacentes, já que uma palpaçao mais cuida
dosa é praticamente inviável com a criança acordada.
As peculiaridades dos tratamentos de lesões de
áreas específicas da face, como pálpebras, boca, pavi
lhão auricular e nariz, seguem os princípios que são
discutidos em capítulos específicos desta coleção.
Nos casos de ferimentos grandes, profundos,
muito contaminados, com longo período entre a ocor
rência do trauma e o atendimento, está indicada anti-
bioticoterapia profilática36.
Em função de sua vasta vascularização, a face apre
senta grande capacidade de conter processos infeccio
sos locais. No entanto, quando uma infecção se instala
e mostra sinais de progressão, deve-se atentar para a
possibilidade de um patógeno muito virulento ou um
paciente com baixa imunidade. Nestes casos, o trata
mento deve ser agressivo, com internação, uso de anti
bióticos por via endovenosa e drenagem cirúrgica de
abscessos, quando presentes.

Fig. 36-3. Esfoladura asfáltica de hemiface por queda de bicicleta. TRAUMAS ASSOCIADOS

Trauma Craniocncefálico
de lesões grandes, o ideal é realizar o tratamento em
O trauma cranioencefalico freqüentemente acompanha
ambiente cirúrgico, com a possibilidade de fazê-lo me
o trauma de face. Lesões como o hematoma extradural
diante uso de anestesia geral, que torna o tratamento de
c hematoma intracraniano são muito graves, podendo
mais fácil execução para o médico e mais digno para a
provocar a morte de uma criança em poucas horas. Por
criança. Uma alternativa à anestesia geral é a utilização
tanto, nos traumas de face com lesões cranioencefálicas
de sedação com Midazolan intranasal, associado à anes
associadas, a avaliação do neurocirurgião é fundamen
tesia local, método que tem sido proposto pela sua efi
tal e prioritária. Somente após a avaliação neurocirúrgi-
ciência, segurança e baixo custo27.
ca e a definição do diagnóstico e tratamento é que o
Após a anestesia, a abordagem dos ferimentos de
cirurgião plástico entra em cena. Em particular, nos ca
partes moles da face em crianças segue os princípios
sos cujos tratamentos precisam ser feitos sob sedação,
gerais do tratamento das lesões de partes moles:
deve-se recordar que as manifestações clínicas de um trau
• Limpeza exaustiva das áreas comprometidas, com ma intracraniano poderão ser mascaradas por esse pro
produtos anti-sépticos e soro fisiológico. cedimento. A associação do trauma de órbita e lesões
• Todo tecido macerado ou inviável deve ser debridado. intracranianas é relativamente freqüente, principalmen
• Exploração cuidadosa de corpos estranhos no feri te em crianças menores de 5 anos e nas fraturas com
mento e remoção dos mesmos, quando presentes. comprometimento do teto orbitário7.
466 CirurgiaCraniomaxilofacial

Trauma Ocular orbitária podem representar especial desafio para diag


nóstico e tratamento. Um corpo estranho que passa
Embora não seja o escopo deste capítulo aprofundar- despercebido poderá trazer problemas tardios, como
se nos tratamentos das lesões oculares, dadas a impor processo inflamatório crônico, dor, infecção e fistuliza-
tância desse órgão e a freqüência com que é acometido ção. Muito comumente são eliminados de modo espon
por traumas, torna-se relevante reconhecer essas lesões, tâneo meses ou anos após o trauma24,39,43,47.
para que se possa prontamente encaminhar o paciente Já os corpos estranhos introduzidos em orifícios
a um oftalmologista, que o avaliará e dará início à con
naturais são mais freqüentes em pacientes de 2 a 4 anos
duta pertinente42.
de idade, acometem o nariz e o ouvido, na maioria das
Ferimentos palpebrais podem ser um sinal de lesões
vezes, normalmente são introduzidos espontaneamente
mais profundas do aparelho visual que freqüentemente
pela própria criança e a sua natureza é a mais variada
só são diagnosticadas por meio de aparelhos oftalmoló-
possível. O atendimento desses casos e a retirada dos
gicos especiais sob a supervisão de um especialista.
corpos estranhos são habitualmente feitos pelo otor-
Um aspecto que deve sempre ser lembrado, prin
rinolaringologista2,3,21.
cipalmente quando diante de pacientes menores de 7
anos, é o risco de ocorrência da ambliopia. O desen
volvimento do sistema visual continua após o nasci
mento até aproximadamente 7 anos de idade. Qual QUEIMADURAS DE FACE
quer situação que provoque a oclusão temporária do As queimaduras de face são muito freqüentes nas crian
eixo visual, seja um curativo, o uso de pomadas que ças. Um dos motivos é que a face é uma área do corpo
opacificam a córnea ou a interposição de retalhos ci não protegida por vestes. Na grande maioria das vezes,
rúrgicos, pode desencadear a ambliopia ou perda da a queimadura é produzida por acidentes, sendo freqüen
visão por desuso, bastando poucos dias de oclusão para tes nas crianças de idade pré-escolar as lesões provoca
que tenha início o processo14. das por escaldamento (água fervente, óleo quente), qua
se sempre causadas por tombamento de panelas sobre o
fogão. Outro tipo de lesão freqüente em crianças de 1 a
CORPO ESTRANHO 3 anos são os traumas elétricos de cavidade oral, uma
Os corpos estranhos encontrados em crianças podem vez que crianças nessa faixa etária habitualmente utili
ser de dois tipos: zam a boca na exploração do ambiente. Já em crianças
de idade escolar, é comum a queimadura provocada por
1. Aqueles que penetram através da pele ou mucosa, explosão de líquido inflamável, brincadeiras com fogos
de forma violenta, e vão alojar-se em algum local na
de artifício e acidentes com rede elétrica de alta tensão,
profundidade. durante o passatempo de empinar pipa. Na grande mai
2. Corpos estranhos introduzidos em orifícios natu oria dos casos, os acidentes podem ser evitados, sendo
rais, como a cavidade nasal ou o meato auditivo.
os adultos os principais responsáveis por adotar as me
Os corpos estranhos que rompem a integridade da didas preventivas necessárias em cada situação25,53.
pele não são incomuns nas crianças. No entanto, fre Além dos acidentes, não se pode esquecer das le
qüentemente elas não sabem explicar o mecanismo do sões propositais decorrentes de abusos e maus-tratos
trauma, e o médico deve estar atento para a sua presen de adultos. Deve-se atentar para esta possibilidade nos
ça (farpa de madeira, estilhaço de vidro etc.) em todas as casos de queimaduras de face de aspecto bizarro, cuja
ocasiões em que existam ferimentos com solução de explicação para o fato não tenha sido convincente16.
continuidade da pele e a história do trauma sugira esta Tem-se, também, que o maior número de óbitos
possibilidade. A comprovação diagnostica da presença por queimadura em crianças ocorre justamente nos ca
do corpo estranho é importante e pode ser simples quan sos em que existe o acometimento do segmento facial1.
do se mantém um alto índice de suspeição. Quando Por outro lado, as seqüelas tardias das queimaduras
não é detectada por meio do exame físico, com palpa de face talvez sejam as piores, como as retrações cervico-
çao cuidadosa do ferimento, pode-se usar exames como faciais, estenoses narinárias e de boca etc. Sem contar os
a radiografia simples, a ultra-sonografía e a tomografia efeitos deletérios sobre o crescimento e desenvolvimen
computadorizada, que freqüentemente a revelam e ori to dos ossos da face, que sofrem influência das ações e
entam a exploração cirúrgica para sua retirada. Aqueles forças dos tecidos moles adjacentes43 (Fig. 36-4).
corpos estranhos que rompem a barreira óssea e vão Por tudo isso, faz-se necessário ressaltara importân
alojar-se no interior dos seios da face ou da cavidade cia deste assunto, embora não seja objetivo deste capí-
Trauma de Face cm Criança 467

prometida, provavelmente devido à falta de discerni


mento no trato com os animais, além de sua baixa
estatura, o que facilita a ação do agressor.
De acordo com Mcheik29, a severidade da lesão é
classificada em três graus:
• I Grau: Ferimento simples sem laceração ou lesão
muscular.
• II Grau: Ferimento múltiplo com laceração tissular
e lesão muscular.
• III Grau: Perda de sustância.

O tratamento na fase aguda inclui, de rotina, a


limpeza exaustiva do ferimento com soro fisiológico
e polivinilpirrolidona-iodo (PVPI: efeitos anti-rábicos
Fig. 36-4. Seqüela de queimadura em região cervicofacial com comprovados). O uso de antibióticos profiláticos de
retrações de partes moles.
amplo espectro é fundamental em razão do grande
número de germes encontrados na saliva desses ani
tulo aprofundar-se neste tema, sendo o mesmo abor mais (anaeróbios e aeróbios gram-positivos e gram-ne-
dado em detalhes no capítulo 43, A Criança Queima gativos). Uma boa associação antibiótica é de um be-
da, do volume Princípios Gerais desta coleção. talactâmico, como ampicilina com metronidazol. Nos
casos em que haja necessidade de internação, o trata
mento pode ser feito por via parenteral. Quando há o
desenvolvimento de infecção, faz-se necessária a coleta
LESÕES POR MORDEDURA
de material do tecido infectado para exames laborato
Outro tipo de lesão de face que não pode ser esqueci riais, com o intuito de identificação do germe causa
do são aquelas resultantes de mordeduras. Estas po dor e determinação de sua sensibilidade aos antibióti
dem ser produzidas por animais ou por humanos. As cos, o que irá orientar o tratamento específico.
mordeduras humanas, não tão freqüentes, notabilizam- Tratamento cirúrgico deve ser feito o mais preco-
se pela gravidade das infecções que podem produzir, cemente possível. O tipo de anestesia (geral ou local)
decorrente do alto grau de contaminação da saliva depende muito de fatores como a gravidade e exten
humana. são da lesão, idade e cooperação da criança e, princi
Mais freqüentemente, as mordeduras animais são palmente, da experiência do cirurgião em conquistar
provocadas por cães e gatos, mais raramente por roe- sua confiança. Ainda que sejam lesões altamente con
dores (Fig. 36-5). taminadas, quando localizadas na face, as mordeduras
Nos casos de acidentes com cães, as crianças me devem ser tratadas inicialmente com sutura primária,
nores de 5 anos representam a faixa etária mais com- evitando-se deixá-las abertas, como usualmente se faz
quando a lesão acomete outras regiões do organismo.
Após assepsia e anti-sepsia rigorosas, procede-se a
um exame cuidadoso da área acometida para se descar
tar lesão do nervo facial, do canal de Stenon, da paró-
tida e canal lacrimal36.
Toda criança vítima de mordedura por animal deve
ser encaminhada a serviços especializados para orien
tação quanto aos cuidados com o ferimento, manejo
do animal e profilaxia e tratamento da raiva, quando
necessário.

MAUS-TRATOS, ABUSO E NEGLIGÊNCIA


Abuso e maus-tratos com crianças são um problema
comum na sociedade atual. Estima-se que 50% a 67%
Fig. 36-5. Lactente vítima de ataque de roedor com lesão por
mordedura de orelha direita. dos danos físicos acometam a cabeça e o pescoço; os
468 CirurgiaCraniomaxilofacial

casos de espancamento infligem preferencialmente os FRATURA DOS OSSOS DA FACE


recém-nascidos e pré-escolares, enquanto que o abuso
sexual é mais freqüente em crianças do sexo feminino Algumas características especiais da anatomia da face
com idade em torno de 11 anos. As estatísticas mos da criança são importantes na compreensão da fisio-
tram que a maioria dos casos acontece na própria casa patologia das fraturas e seu correto tratamento. Ao
da criança (88,7%) e que 90% dos causadores eram co nascimento, o esqueleto facial é mais elástico do que o
nhecidos da vítima (pais, familiares, babás). Calcula-se do adulto, com maior quantidade de osso esponjoso e
que em 35% das vezes os agressores encontravam-se tecido cartilaginoso. Além disso, há a presença de den
sob efeito de álcool ou outras drogas no momento da tes não erupcionados e os seios paranasais ainda não
agressão15,30. se desenvolveram, conferindo a esse esqueleto uma
Muitas vezes, um determinado tipo de lesão não natureza ao mesmo tempo compacta e elástica. Por
pode ser explicado pelo mecanismo de trauma que é esta razão, o trauma de face na criança freqüentemente
passado ao médico pelo acompanhante adulto. Du produz fraturas em galho verde e raramente lesões
rante a consulta, algumas evidências podem gerar aler cominutivas. Ademais, a face recebe proteção do crâ
ta para a possibilidade de abuso e maus-tratos, se um nio, relativamente maior e mais proeminente na in
dos seguintes achados estiver presente: discrepância fância, responsável por aparar grande parte dos golpes
entre a história e o grau do trauma, período prolon sobre o segmento cefálico.
gado entre o dano e a procura do atendimento médi Outro aspecto importante refere-se à velocidade de
co, história de traumas repetidos, visitas freqüentes consolidação óssea na infância, que é muito maior do
ao pronto-socorro por trauma e diferentes versões que no adulto. Se neste último permite-se esperar até 2
da história. Agressões provocadas por adultos podem semanas para o tratamento cirúrgico das fraturas de face,
na criança este tempo não pode exceder a 7 dias, sendo
traduzir-se por fraturas, contusões e hematomas, as
sim como marcas de mordedura, impressão de obje
realizado idealmente nos primeiros 3 dias. A pouca co
laboração do paciente pediátrico no momento da his
tos, abrasão, queimaduras (térmicas ou elétricas) ou
tória e exame físico pode dificultar a ação do médico
alopecia30.
na realização do diagnóstico, tornando fundamental a
Lesões altamente suspeitas são pequenas queima
realização de exames radiológicos complementares, que
duras circulares produzidas por pontas de cigarro e
em geral devem ser feitos sob sedação. Também a con
vergões decorrentes de açoitamento. Podem-se encon
dição especial da dentição da criança e a presença dos
trar também, na boca, fraturas e perdas dentárias. Os
núcleos de crescimento ativos nessa faixa etária trarão
lábios, gengiva, palato e língua podem mostrar sinais
repercussões importantes no tratamento e prognóstico
de queimadura, equimose, além de evidências de do
dessa patologia, como veremos adiante8,1014,22'50.
enças sexualmente transmissíveis. Nos ouvidos, pode-
Dentro do universo das fraturas de face, os casos
se deparar com equimose, laceração ou perfuração de
ocorridos na faixa etária pediátrica correspondem a
membrana timpânica. Fratura de cartilagem laríngea é
uma pequena porcentagem. Extensa revisão bibliográ
comum nas tentativas de estrangulamento.
fica mostrou que pacientes até os 6 anos de idade cor
É freqüente a associação com traumas cranioence- responderam a 0,8% a 1% dos casos de fratura. Quan
fálicos, hemorragia de retina, ruptura de vísceras, cica
do foram considerados indivíduos até 12 anos, esta
trizes antigas, fratura de ossos longos, trauma genital porcentagem subiu para 1% a 14%15.
ou perianal30.
Quando se examina a distribuição das fraturas nos
Outras vezes, a lesão foi causada por uma condi diferentes ossos da face, encontra-se que os dois ossos
ção em que ficou constatada a negligência do adulto mais freqüentemente lesados são a mandibula e o osso
na proteção da criança contra situação de risco. nasal, sendo a maxila, o zigoma e a região orbital mui
Diante de uma circunstância em que exista suspei to menos acometidos15,30,34.
ta de maus-tratos, a atenção médica vai além dos cui
dados com os ferimentos, incluindo suporte psicoló
gico e assistência médico-legal. Assim, é dever do pro
fissional médico comunicar imediatamente às autori
FRATURA DE MANDÍBULA
dades competentes (delegacia de polícia, juizado de As fraturas da mandibula figuram entre as mais fre
menores, conselhos tutelares) para que se possam to qüentes das fraturas de face em crianças. Sua impor
mar as medidas necessárias para proteção da criança e tância também reside no fato de que a partir delas é
punição do agressor. que irá desenvolver-se o maior número de seqüelas
Trauma de Face em Criança 469

Quadro 36-1. Fraturas da mandibula: idistribuição percentual


por segmento mandibiular
Já nos casos de traumas de maior impacto, acome
Côndilo
tendo crianças mais velhas, em que ocorrem deslocamen
14,5% a 60%
Alvéolo 8,1% a 50,6% tos ósseos importantes e alteração da oclusão dentária,
Corpo 5,6% a 44% estão indicadas redução fechada e imobilização maxilo-
Sínfise 1,8% 40,4%
Parassinfisária
a
mandibular por 3 semanas. A imobilização maxiloman-
23,9% a 33,7%
Angulo 3% a 27% dibular na infância, para que seja realizada de forma ade
Ramo 0,75% a 10% quada, exige do médico conhecimento e domínio das
Coronóide 0% 19%
a
fases de dentição na criança e suas implicações. A redu
Fonte: Haug R, Fross J.Maxillofacial injuries inthepediatric patient. Ora/ Surg ção e osteossíntese abertas não estão indicadas em meno
Ora/MedOro/Pafho/ Oro/Radio/ Endod 2000;90(2):126-34.
res de 8 anos, em razão da grande quantidade de germes
dentários presentes na intimidade da mandibula e que
tardias graves decorrentes de alterações do crescimen podem sofrer lesão por ação dos sistemas de fixação. Já a
to. Haug revisou extensamente a literatura e encon partir dos 8 anos de idade, na fase final da dentição mista,
trou que o segmento mandibular mais freqüentemen o osso cortical apresenta-se mais espesso. Neste momen
te fraturado foi o côndilo, em 14,5% a 60% dos ca to dá-se preferência à osteossíntese aberta e fixação com
sos13. O resultado completo dessa revisão encontra-se miniplacas e parafusos monocorticais colocados junto à
borda inferior da mandibula14.
no Quadro 36-1. No Brasil, Costa e Cruz4 também
estudaram a distribuição de 64 traços de fraturas em
40 crianças nos diversos segmentos da mandibula e Dentição na Criança e sua Influência nas
obtiveram a seguinte porcentagem de acometimen- Imobilizações Maxilomandibulares
tos: côndilos, 48,4%; região parassinfisária, 23,5%; ân
gulo, 9,4%; sínfise, 9,4%; corpo, 4,7%; rebordo alveo- Nos traumas de mandibula e maxila em que o tratamen
lar, 3,1%; ramo, 1,5%. O quadro clínico assemelha-se to exige a imobilização maxilomandibular, deve-se ter em
ao do adulto: acompanham dor, hematoma, lacera- mente a condição especial da dentição da criança. Os pri
ções de face e da mucosa oral, sialorréia, alterações da meiros dentes decíduos começam a aparecer em torno
oclusão dentária e dificuldades para a mastigação. A dos 6 meses de vida e não suportam tração na fase inicial
confirmação diagnostica faz-se através dos exames de de desenvolvimento. Entre 3 e 6 anos de idade, esses den
imagem, como a radiografia simples, a radiografia tes apresentam-se com suas raízes bem desenvolvidas,
panorâmica da mandibula e a tomografia computa permitindo seu uso para fim de apoio de fixação de splints
dorizada. Nas suspeitas de fraturas condílicas, a radio e barras metálicas. Também a partir dos 12 anos de idade,
grafia em posição de Towne permite uma melhor vi já se encontra a dentição permanente, com raízes madu
sualização dessas estruturas. Fraturas da sínfise, cor ras, e a fixação maxilomandibular pode ser feita de modo
po, ramo e ângulo da mandibula apresentam enfoque semelhante ao que se faz no adulto. No entanto, no perí
odo entre 6 e 12 anos, é a fase da dentição mista, momen
terapêutico semelhante. As fraturas do côndilo apre
sentam algumas peculiaridades que incitam discussão to em que a utilização dos dentes como ponto de fixação
nas imobilizações torna-se não recomendável. Durante
em separado.
esse período, quando coabitam dentes decíduos e perma
nentes, os primeiros apresentam suas raízes em processo
de absorção, ao passo que os outros, recém-erupciona-
Fratura de Sínfise, Corpo, Ramo e Ângulo
dos, ainda não apresentam suas formações radiculares bem
Nas crianças de pouca idade, estas fraturas costumam ser estruturadas. Em ambos os casos, não é recomendada sua
do tipo galho verde. Quando não produzem grandes al utilização para servirem de apoio nas amarrações com fio
terações, são tratadas simplesmente com dieta líquida, que de aço, com o risco de provocar avulsão dentária8,22. A
não traz maiores dificuldades para adaptação, já que cos Fig. 36-6 mostra uma radiografia panorâmica de mandi
tuma ser a dieta própria da idade. Também recomenda-se bula de uma criança com dentição mista.
acompanhamento freqüente, para detecção de quaisquer Nessas situações, as imobilizações maxilomandibu
alterações da oclusão que exijam tratamento mais agressi lares são realizadas por meio de goteiras de acrílico, que
vo8,1522. Nessas crianças, pequenas diferenças oclusais pro são fixadas através de amarrações circulares a fio de aço
vocadas pela fratura não são preocupantes, já que a man presas superiormente às estruturas ósseas dos terços
dibula sofre acomodação e readaptação durante o seu médio e superior da face (região temporal, zigoma, seio
crescimento e desenvolvimento, por mecanismos de de piriforme), promovendo a suspensão da maxila e, infe
posição e reabsorção óssea. riormente, circundando a mandibula22 (Fig. 36-7).
470 Cirurgia Craniomaxilofacial

ras ósseas da face, sendo, em geral, recomendado por


alguns autores um segundo tempo cirúrgico para
proceder-se à retirada desse material de fixação, após
um período adequado para a cicatrização óssea, ge
ralmente de 3 meses17. Além disso, os materiais metá
licos podem ser palpáveis e podem provocar compli
cações tardias, como dor, sensibilidade ao frio, infec-
ção, exposição, migração passiva e extrusão, sendo
muitas vezes motivos de uma nova intervenção para
sua retirada12,23,35.
Uma alternativa aos materiais de fixação metáli
Fig. 36-6. Radiografia panorâmica da mandibula de criança de 7 cos são as placas e parafusos absorvíveis, que já têm
anos com dentição mista, mostrando a presença de germes dentá sido usados no tratamento cirúrgico das malforma
rios que podem ser facilmente lesados nas reduções abertas com
osteossínteses internas. ções congênitas craniofaciais e nos traumas desta re-
gião5,9*11,18,45. A grande vantagem desse tipo de material
é permitir uma imobilização adequada dos fragmen
tos ósseos e causar interferência mínima no seu cresci
mento, já que, com o passar do tempo, esse material
vai sendo reabsorvido e passa a acompanhar o cresci
mento dos ossos que o envolvem. Esses materiais são
compostos de polímeros (ácido polilático, ácido poli-
glicólico, polidioxanone)"b e começam a apresentar
perda de resistência após 4 meses, evoluindo para de
gradação completa entre 12 a 18 meses após sua colo
cação, por processo de hidrólise. O período para que
haja a cicatrização inicial de uma fratura óssea na cri
ança é de aproximadamente 3 a 4 semanas; portanto,
as placas e parafusos absorvíveis conseguem exercer
sua função de forma adequada durante esse tempo,
sem perda de resistência1223.
Embora pouco mais custosos do que os materiais
metálicos, o consenso atual parece indicar que as pla
cas e parafusos absorvíveis representam o material pre
ferencial dos sistemas de fixação interna dos ossos, nos
traumas de face de crianças.

Fraturas do Côndilo

Fig. 36-7. Esquema mostrando os diferentes tipos de amarrações O côndilo é um dos mais freqüentes sítios de fraturas
circulares com fios de aço utilizadas nas imobilizações maxilo- nas crianças. Isto ocorre em razão de ser esta região
mandibulares.
um dos pontos mais frágeis da mandibula (Figs. 36-8 e
36-9).
Fixação Rígida: Placas e Parafusos O mais freqüente mecanismo de trauma que leva
a esse tipo de fratura corresponde, em geral, a um gol
Metálicos X Absorvívcis
pe na região mentoniana cuja força produzida é trans
A fixação rígida com placas e parafusos metálicos (ti mitida aos côndilos, originando a cisão óssea. É mui
tânio, aço inoxidável) cm crianças tem-se mostrado to comum a associação de fratura parassinfisária e fra
útil, mas carrega consigo motivos para controvérsias. tura condílica contralateral (por transmissão da força
Este fato se dá em razão da crença de que a fixação de impacto). Já as fraturas sinfisárias de alto impacto
rígida com material inabsorvível possa comprometer associam-se às fraturas condílicas bilaterais. A região
o crescimento e desenvolvimento normais das estrutu condílica é reconhecidamente um dos mais importan-
Trauma de Face em Criança 471

07-DEC
16:23:1,
tp -sw:

edge3
kV 130
hA 105
TI 1.90
GT 22.0
SL 3.0/4.0
150 5/-S3
\HS 1 S0
0IS940

Fig. 36-8A. Imagem de tomografia computadorizada de face (corte coronal) de criança de 2 anos, vítima de queda de altura, mostrando
fratura-luxação de côndilos mandibulares bilateralmente e fratura parassinfisária direita. B. Fratura parassinfisária direita em detalhe
(corte axial).

Fraturas Subcondílicas (Colo do Côndilo)


As fraturas subcondílicas em geral são do tipo galho
verde e acometem principalmente crianças maiores de
5 anos de idade, momento em que o osso apresenta
maior grau de calcificação e o colo condílico passa a
ser a região mais frágil da mandibula8". Nas fraturas
com dor mínima e sem desvio à abertura da boca, o
tratamento é conservador, consistindo em dieta líqui
da e acompanhamento freqüente para avaliação da
adequação da oclusão dentária. Na presença de dor e
desvio mandibular à abertura da boca, com redução
da altura do ramo afetado, recomenda-se imobilização
maxilomandibular por 2 a 3 semanas. Períodos superi
ores poderão produzir anquilose temporomandibular.
Na vigência de fraturas bilaterais, recomenda-se imo
bilização por 3 semanas completas. Alterações que ve
nham a manifestar-se nas semanas e meses subseqüen
tes ao trauma podem ser corrigidas por meio de exer
Fig. 36-9. Imagem de tomografia computadorizada de face (corte cícios de abertura de boca e uso de elásticos guias pre
axial) de criança de 11 anos, mostrando fratura da cabeça do
sos a sistemas ortodônticos. Com esse tratamento con
côndilo direito da mandibula.
segue-se atingir a normalidade funcional c a remodela
ção óssea das regiões de cabeça e colo condílico, na
tes centros de crescimento ósseo da face. Não c infre- maioria dos pacientes20,31.
qüente a ocorrência de lesão condílica não diagnosti As fraturas-luxações com grandes deslocamentos
cada na infância provocada por pequenos traumas ou ósseos são os casos cujos tratamentos dão margem a
quedas sem importância, que passaram desapercebidos. controvérsia. Estudo do aspecto radiológico de côn
Esses casos não diagnosticados são uma das principais dilos fraturados mostrou que alterações tardias da re
causas do desenvolvimento das graves e temidas se modelação óssea são freqüentes, principalmente nes
qüelas tardias: a anquilose temporomandibular e a hi- ses casos de fraturas-luxações"'. Muitos autores relatam
poplasia mandibular8'28'"10 (Fig. 36-10).
472 Cirurgia Craniomaxiloracial

Fig. 36-10. Hipoplasia mandibular e laterognatismo em indivíduo adulto (A) e criança (B), seqüela de fraturas de côndilo mandibular
ocorridas precocemente na infância.

tratamento conservador dessas fraturas, com bons re óssea da cabeça do côndilo nessa idade não suporta
sultados estéticos e funcionais8"'1"1. Outros, entretan qualquer que seja o material de fixação, e a manipula
to, relatam evolução desfavorável com desenvolvimen ção cirúrgica só provocaria maior prejuízo a esse im
to de anquilose temporomandibular e hipoplasia do portante centro de crescimento ósseo da face. Esse tipo
ramo comprometido. Por esta razão, advoga-se trata de fratura apresenta grandes chances de produzir se
mento através de reduções abertas'1225'. O tratamento qüelas tardias, apesar do tratamento adequado na fase
aberto é, portanto, restrito aos casos de fraturas com aguda, e os familiares devem ser prevenidos quanto a
grande deslocamento, em que existe perda da conti essa possibilidade.
nuidade do ramo da mandibula e no qual o fragmen
to condílico provoca restrição mecânica à excursão
mandibular31. Utilizam-se microplacas para fixação, que FRATURA DE MAXILA
devem ser retiradas após 3 meses, para que não interfi
ram com o processo de crescimento ósseo. A fratura de maxila é muito incomum nas crianças. A
maxila encontra-se na região central da face, protegida
pela região frontal e crânio, relativamente maiores e
Fraturas da Cabeça do Côndilo
mais projetados1'1. Ademais, têm-se as características
Menos incidentes do que as fraturas de colo condíli anatômicas privilegiadas desse osso na faixa etária pe-
co, as fraturas da cabeça do côndilo são mais freqüen diátrica: é mais robusto em razão dos seios maxilares
tes em criança menores de 3 anos14'22 . Isso ocorre por pouco desenvolvidos e da presença dos brotos dentá
que a estrutura da cabeça do côndilo é extremamente rios e do tecido moleque os envolve, conferindo grande
frágil nessa idade, composta principalmente por osso elasticidade para este segmento. Quando ocorrem, as
esponjoso e estrutura cartilaginosa. Em razão dessas fraturas são em geral produzidas por traumas de gran
características anatômicas, o trauma provoca esmaga- de impacto.
mento da cabeça condílica, em geral seguido de he- Dentre as fraturas de maxila, as dentoalveolares
martrose. Esta fratura apresenta um grande potencial são, sem dúvida, as mais freqüentes, mas por razão di
de produzir anquilose temporomandibular, razão pela dática, face a suas particularidades, serão abordadas
qual o seu tratamento consiste no estímulo à mobili separadamente, a seguir"1 (Fig. 36-11).
zação precoce da mandibula. A hipótese de um trata O quadro clínico assemelha-se bastante ao da fra
mento aberto é descabida, uma vez que a estrutura tura do adulto, podendo haver epistaxe, edema, equi-
Trauma de Face em Criança 473

gião do seio piriforme, onde o osso é mais resisten


te841. Outro inconveniente do uso de suspensões na
imobilização é que freqüentemente o vetor da tração
não é dirigido na direção ideal, podendo produzir con
solidação viciosa. O mesmo problema ocorre com o
uso de sistemas de fixação externa, que no entanto
encontram sua melhor indicação nos casos de fratura
de maxila associada a graves lesões de partes moles com
perdas de substâncias, como ocorre nos ferimentos por
arma de fogo22.
Nos casos de fraturas com instabilidade dos frag
mentos, recomendam-se redução aberta e osteossínte
Fig. 36-11. Trauma sobre região maxilar (coice de animal), pro se com fio de aço ou microplacas e parafusos. Deve-se,
vocando fratura do processo alveolar da maxila e perda de ele nesses casos, atentar para a presença de germes dentários
mentos dentários.
que podem encontrar-se bastante superficiais na pare
de da maxila. Hanieh e Moore acreditam nas vanta
gens da redução aberta sobre o uso de aparelhos de
mose, afundamento do terço médio da face e mobili
fixação externa e suspensões. Não temem que possa
zação óssea. São em geral fraturas impactantes do tipo
produzir distúrbios de crescimento na face e nos den
galho verde.
tes, ao passo que, numa redução fechada em que os
O que se vê freqüentemente é que os traços de
fragmentos não foram trazidos para a posição correta,
fratura contornam as lojas contendo os germes dentá
a chance de seqüela poderá ser maior14.
rios. Por esta razão, quando ocorrem as fraturas de
Embora a maxila tenha no septo uma região co
maxila, raramente são do tipo Le Fort I. São mais fre nhecida como importante centro de seu crescimento,
qüentemente do tipo Le Fort II, com o traço de fratu de modo geral traumas sobre ela apresentam menor
ra passando pela região nasoetmoidal, de ossos mais risco de produzir distúrbios de crescimento, se com
frágeis pela ausência dos germes dentários, estenden parados à mandibula, quando esta tem seus côndilos
do-se inferiormente em sentido oblíquo4,8,14,22. Pode lesionados1"'-22.
ocorrer a associação com palato fendido, pelo fecha A redução imediata dessas fraturas é fator crítico
mento incompleto da sutura palatal mediana8. A con para o sucesso do tratamento, uma vez que a cicatriza
firmação diagnostica faz-se através da tomografia com ção óssea na infância faz-se muito rapidamente. Essas
putadorizada da face. fraturas podem apresentar como complicação a con
O tratamento deve ser precoce, dentro da primeira solidação viciosa, cujas causas principais são redução e
semana após o trauma, tendo em vista a rápida cicatri imobilização inadequadas. A remobilização dos frag
zação na infância. Nos casos de pequenas fraturas em mentos ósseos em consolidação viciosa é muito difícil
galho verde, o tratamento é conservador, incluindo na infância, tendo em vista que as osteotomias apre
observação cuidadosa e orientação de dieta líquida e sentam grande risco de lesão aos brotos dentários8.
pastosa. A conduta cirúrgica estará indicada sempre que
ocorrerem alterações do contorno facial ou nos casos
de distúrbios da oclusão dentária. Quando há mobili Fraturas Dcntoalvcolarcs
zação do fragmento ósseo fraturado, opta-se por redu
As fraturas dentoalveolares acometem muito mais fre
ção fechada com fórceps de Rowe e imobilização maxi
lomandibular, com auxílio de placas acrílicas e circula- qüentemente a arcada superior pela óbvia razão de ser
res maxilares e mandibulares a fio de aço, nas situações esta a mais proeminente e que primeiro recebe um
nas quais a dentição não permite a colocação de barras impacto frontal. São mais comuns nos pacientes com
metálicas presas aos dentes. A imobilização maxiloman protrusão maxilar, e os dentes incisivos são os mais
acometidos4'34.
dibular deve permanecer por 3 a 4 semanas.
A utilização de suspensões para sustentação da ma
xila com fios de aço circunzigomáticos ou apoiados
Fratura do Processo Alveolar da Maxila
da região frontal não é recomendada na criança de pou
ca idade, já que esses fios podem cortar o osso muito Fraturas de todo um segmento do rebordo alveolar
fino. Essas circulares devem apoiar-se nos ossos da re ocorrem quando o impacto incide diretamente sobre
474 CirurgiaCraniomaxilofacial

a região alveolar. O tratamento consiste na redução da todônticos caros e prolongados, para a sua correção.
fratura e fixação do fragmento ósseo através de barras Estes problemas podem ser prevenidos por meio da
de Erich ou splints acrílicos. Eventualmente, usam-se colocação de espaçadores de baixo custo, que mante
microplacas para essa finalidade17,22. rão a distância necessária entre os dentes adjacentes,
permitindo a perfeita erupção do dente permanente
correspondente22.
Traumas Dentários Nos casos de avulsão de dentes permanentes, o re
implante deve sempre ser tentado e realizado o mais
Os traumas dentários podem ser de quatro tipos: fra
precocemente possível (30 minutos). Recomenda-se boa
turas, subluxação, extrusão e intrusão.
limpeza do leito receptor com soro fisiológico, para
aumentar a chance de integração4. Mesmo implantado
após 8 horas, o dente poderá continuar funcional. O
FRATURA DENTÁRIA reimplante não é possível quando existe perda de frag
As fraturas dentárias, quando superficiais, isto é, quan mentos ósseos alveolares, necessários à sustentação do
do não acometem a polpa, são tratadas com oxido de dente reimplantado. Nestes casos, procede-se à simples
zinco, para redução da sensibilidade31. A correção de sutura da mucosa gengival do local acometido22.
pequenas irregularidades da borda dentária pode ser
feita por desgaste com broca diamantada ou ainda com
uso de resinas. Nas fraturas mais profundas em que Intrusão Dentária
existe o comprometimento da polpa, deve-se proce Os casos de intrusão de dentes decíduos requerem uma
der à pulpectomia e ao tratamento dos canais das raí avaliação radiológica dos mesmos para verificar se suas
zes31. Já nos casos de fraturas da coroa ou das raízes, raízes penetraram os folículos dos dentes permanen
está indicada a remoção dos dentes8. tes subjacentes. Quando existe a invasão dos folícu
los, o dente decíduo deve ser retirado15. Todo trauma
sobre a dentição decídua pode trazer danos aos ger
Subluxação Dentária mes dos dentes permanentes, ocasionando ruptura no
Quando ocorrem traumas que levam a subluxação dos processo normal de desenvolvimento, podendo pro
elementos dentários permanentes, os dentes soltos ou duzir distúrbios estéticos e funcionais nesses dentes15,23.

parcialmente avulsionados devem ser preservados, repo- As alterações que se apresentarão futuramente não
sicionados e estabilizados nos dentes adjacentes firmes. são previsíveis na hora do trauma. Embora não seja
Esta estabilização pode ser feita com barra metálica tipo possível ter certeza da ocorrência dessas seqüelas, os
Erich ou por meio de resina composta, que é aplicada familiares da criança devem ser alertados quanto a esta
formando um monobloco, incluindo os elementos su- possibilidade.
bluxados e os dentes de apoio adjacentes31. A fixação deve Nos casos de intrusão de dentes permanentes (ge
permanecer por um período de 3 semanas17. ralmente os incisivos), aguarda-se que sofram reerup-
Nos casos de subluxação de dentes decíduos, deve- ção espontânea nos meses seguintes. Caso a reerupção
se tentar mantê-los na posição até o momento do apa espontânea não ocorra, o dente intruído deve ser tra
recimento dos dentes permanentes. Assim estarão fa zido cirurgicamente à sua posição original e fixado
zendo a função de espaçadores. nos dentes adjacentes15.

Avulsão Dentária FRATURA DO OSSO ZIGOMÀTICO


Nos casos de avulsão dentária de dentes decíduos, o O osso zigomático na criança raramente sofre fratu
seu reimplante não é recomendado porquanto a pol ras. Ele se apresenta mais compacto do que os ossos
pa tornar-se-á necrótica. No entanto, o dente decíduo dos adultos, por conta do seio maxilar, que se encon
apresenta a função de manutenção do espaço através tra pouco desenvolvido nessa fase, com abundância
do qual ocorrerá a erupção do dente permanente. O de osso esponjoso e presença de brotos dentários, ca
seu precoce desaparecimento pode provocar alteração racterísticas que tornam o osso zigomático mais sóli
do espaçamento, causando distúrbios de alinhamento do e resistente. As fraturas são em geral provocadas
da arcada dentária quando do surgimento do dente por traumas de forte intensidade e costumam ser em
permanente e necessidade de futuros tratamentos or- galho verde e impactantes14,22.
Trauma de Face em Criança 475

No entanto, quando ocorre uma fratura do osso freqüentemente apresentam-se fraturados e sobre os
zigomático, o quadro clínico é muito semelhante àque quais é tecnicamente possível realizar osteossíntese: a
le do adulto. Ocorrem edema, equimose e dor no lo crista maxilozigomática, principal ponto de sustenta
cal do trauma. Pode haver apagamento da proemi- ção do osso zigomático, a sutura frontozigomática e o
nência zigomática. Nos casos de fratura com desloca assoalho orbitário. A incisão de Caldwel-Luc, por via
mento caudal do osso, o ligamento cantai lateral é intra-oral, permite avaliação da crista maxilozigomáti
tracionado inferiormente, produzindo aspecto anti- ca, que para muitos autores corresponde ao ponto
mongolóide. Podem existir alterações visuais, como a determinante no sucesso do tratamento4. Deve-se ter
diplopia, e também comprometimento da ação da cuidado na utilização de material de fixação sobre a
musculatura ocular extrínseca, particularmente do crista maxilozigomática, pois existe o risco de lesão
músculo reto inferior. Também, hipoestesias no terri dos germes dentários aí localizados. Utilizam-se, tam
tório de inervação do nervo infra-orbital são freqüen bém, os acessos subpalpebral e superciliar lateral, para
tes e se dão por lesão deste nervo. Podem-se palpar se alcançar o assoalho orbitário e a sutura frontozigo
ressaltos no assoalho orbitário ou na sutura frontozi- mática, respectivamente4. A osteossíntese é feita com
gomática. Em alguns casos, podem ocorrer dificulda fio de aço ou microplacas e parafusos. É importante
des para a abertura da boca, provocadas pelo edema restringir o descolamento do periósteo às áreas de in
local, que produz restrição à excursão da apófise co- teresse para as osteossínteses e evitar descolamentos
ronóide, ou ainda por espasmo do músculo tempo amplos do osso zigomático, para não trazer prejuízos
ral. Outras manifestações clínicas incluem epistaxe e ao seu desenvolvimento.
hematoma do sulco gengivolabial superior, no lado Nas crianças pequenas, o tratamento consiste ape
comprometido8. nas na redução da fratura. Já nas crianças maiores, após
A complementação diagnostica inclui radiografia redução, promove-se a osteossíntese.
simples nas posições de Waters e Caldwel. A primeira
permite avaliação do assoalho orbitário e seio maxilar,
e a segunda, da sutura frontozigomática. No entanto, Fratura do Arco Zigomático
a radiografia simples é de difícil interpretação na cri Fraturas isoladas do arco zigomático são raras e estão
ança pela dificuldade de observância das linhas de fra relacionadas a traumas direto sobre o arco. O trata
tura. O exame de escolha para confirmação diagnosti mento dessas fraturas segue os princípios utilizados
ca e orientação da programação cirúrgica é a tomogra no adulto.
fia computadorizada de face, com cortes axiais e coro-
nais8.
Deve-se ter em mente que a velocidade de cicatri Fratura Blow-out
zação óssea na infância é muito maior do que no adul As fraturas blow-out puras são raras na infância, mas
to, significando que a redução cirúrgica dessas fraturas podem ocorrer, apesar do pequeno tamanho do seio
deva ser feita idealmente no prazo de 7 dias após o maxilar. Decorrem freqüentemente de trauma direto
trauma. Maior delonga poderá significar cirurgias maio sobre o globo ocular. O tratamento consiste na avalia
res, com necessidade de osteotomia para correção de ção do assoalho orbitário e parede mediai da órbita,
vícios de cicatrização814,22. liberação de tecido gorduroso e músculo presos aos
Nos casos de fratura sem deslocamentos ósseos, fragmentos ósseos e restauração da continuidade do
com traços de fratura alinhados e com ausência de sin assoalho por meio de enxertos ósseos, cartilaginosos
tomas oculares, permite-se adotar conduta conserva ou material aloplástico14,19,22.
dora. Nos casos de fratura blow-out em que o teste de
As indicações de redução cirúrgica aberta inclu ducção forçada é positivo, indicando que o músculo
em enoftalmia, diplopia, assimetria do globo ocular e reto inferior encontra-se aprisionado nos fragmentos
depressão da proeminência zigomática8,22. ósseos, impedindo a supraversão do globo ocular, o
O osso zigomático fixa-se aos ossos adjacentes em tratamento cirúrgico para liberação do músculo deve
cinco pontos diferentes: sutura frontozigomática, arco ser o mais precoce possível, pois as seqüelas tardias
zigomático, crista maxilozigomática e sutura maxilo pela fibrose desse músculo estão diretamente relacio
zigomárica no assoalho orbitário, asa maior do esfe- nadas ao período de tempo em que ele ficou aprisiona
nóide. O tratamento por meio da cirurgia aberta con do. As duas seqüelas tardias mais importantes nessas
siste na avaliação dos pontos de osso zigomático que fraturas são a diplopia e o enoftalmo19.
476 Cirurgia Craniomaxilofacial

número de seqüelas tardias, principalmente aquelas rela


FRATURA NASAL
cionadas aos distúrbios de crescimento8'14.
A fratura nasal, uma das mais freqüentes lesões ósseas em O exame radiológico nasal auxilia o diagnóstico
crianças, é também a menos diagnosticada e, portanto, de lesões ósseas, mas tem valor limitado, já que grande
uma lesão comumente tratada de forma inadequada. Os parte das vezes a lesão é cartilaginosa.
achados clínicos assemelham-se ao quadro no adulto, com Frente a uma suspeita de fratura nasal, a realiza
a presença de edema local, equimose, epistaxe, desvio e ção da rinoscopia é fundamental para avaliação de le
achatamento da pirâmide nasal (Figs. 36-12 e 36-13). Como sões da cavidade nasal, como desvios, lacerações de
o nariz é muito cartilaginoso nessa fase da vida, muitas mucosas e hematomas, ainda que para tanto seja ne
vezes as fraturas são de difícil diagnóstico, necessitando cessária anestesia geral, nos casos de crianças pequenas.
um alto nível de suspeição e um bom exame clínico. Os Especial atenção deve ser dada à presença de hemato
ossos nasais são proporcionalmente pequenos, fazendo mas junto às estruturas cartilaginosas, não só na carti-
com que a estrutura cartilaginosa nasal, em particular o lagem septal, mas também nas cartilagens alares e tri
septo, seja o alvo preferencial nos traumas nasais. Talvez angulares. Esses hematomas podem levar a infecção,
por esta razão esse tipo de fratura produza um grande necrose e alterações do desenvolvimento dessas estru-

Fig. 36-12. Aspecto clínico de


trauma nasal produzindo
lacerações cutâneas e fratura
com achatamento da pirâmide
nasal.

Fig. 36-13. Aspecto clínico de


fratura nasal de adolescente de
14 anos com afundamento dos
ossos do lado esquerdo do
nariz, produzindo laterorrinia.
Trauma cio Face em Criança 477

turas, razão pela qual, uma vez diagnosticados, devem O tratamento da fratura nasal na criança segue os
ser prontamente drenados (Figs. 36-14 e 36-15). mesmos princípios do tratamento no adulto, consis
Nas lesões do septo nasal, pode haver fratura ou tindo na redução dos fragmentos ósseos e cartilagino-
luxação da cartilagem. Já nos casos de trauma ósseo, a sos deslocados, tamponamento nasal interno e estabi
lesão mais comum é a "fratura cm livro aberto", na lização externa da pirâmide nasal com gesso ou resina
qual os ossos nasais ficam luxados por sobre as apófi- plástica. Nos casos de grandes afundamentos, pode-se
ses frontais da maxila14. utilizar enxerto ósseo para correção do dorso nasal.
Aquelas fraturas que se desenvolveram com vício de
consolidação, provocando obstrução nasal, podem
exigir o realinhamento dos fragmentos ósseos por meio
de osteotomias.

Fraturas Nasoctmoidcorbitárias

São fraturas raras em crianças e podem estar associadas


com outras fraturas do terço médio da face. Seu apare
cimento normalmente está relacionado a traumas de
alto impacto. O quadro clínico encerra a presença de
nariz em sela, telecanto traumático, edema e equimose
de região glabelar e de órbitas, e epífora, nos casos de
lesão do sistema lacrimal. O telecanto traumático pode
estar presente imediatamente após o trauma ou mais
freqüentemente manifesta-se no decorrer de 7 a 10 dias8.
A confirmação diagnostica é feita com a tomo
grafia computadorizada de face, com cortes axiais e
coronais.
Nesse tipo de quadro deve-se atentar para a possi
Fig. 36-14. Esquema das estruturas do septo nasal, em corte bilidade de lesão intracraniana. A rinorréia por perda
transversal, mostrando hematoma submueoso de septo.
liquórica e o pneumencéfalo na tomografia computa
dorizada são sinais da ruptura da dura-máter. Nesses
casos, a colaboração do neurocirurgião é mandatória.
O tratamento inclui redução aberta da fratura
através de incisão coronal e subeiliar de pálpebras
inferiores, bilateralmente. Faz-se a redução dos frag
mentos ósseos fraturados e osteossíntese a fio de aço
ou por meio de sistema de microplacas e parafusos.
Nos casos de grandes afundamentos da região naso-
glabelar, pode-se utilizar enxerto ósseo (calota crania
na, crista ilíaca) para reconstrução do dorso nasal e
também para preenchimento da cavidade orbitária,
na vigência de fratura de assoalho e parede mediai de
órbita. A correção do telecanto é feita através da fixa
ção dos ligamentos cantais mediais por transfixação
nasal com fio de aço822.
A lesão do sistema lacrimal não é comum nas cri
anças. Quando ocorre, deve ser tratada por meio das
técnicas empregadas nos adultos.
Ainda que o atendimento dos traumas nasais seja
feito de forma adequada na fase aguda, deve-se alertar
Fig. 36-15. Esquema de drenagem de hematoma submueoso de
septo nasal, por meio de incisão da porção inferior do hematoma
os pais quanto à possibilidade do desenvolvimento de
com bisturi lâmina 11. distúrbios de crescimento a longo prazo, principalmen-
478 CirurgiaCraniomaxilofacial

te se o trauma ocorreu durante os 2 períodos de esti- 16. Ho WS,YingSY, WongTW. Bizarrepediatric facial burns. Burns
2000;2á(5):504-6.
rão do crescimento nasal: do nascimento aos 5 anos e
17. Hoffmeister B. Pediatric maxillofacial trauma. In: Booth PW,
dos 10 aos 15 anos de idade. Entre as alterações que
Schendel SA, Hausamen JE. Maxillofacial Surgery. Edinburgh:
podem ocorrer incluem-se o espessamento da cartila Churchill Livingstone, 1999:221-8.
gem septal, desvios, calos ósseos hipertróficos, achata
18. Imola MJ, Hamlar DD, Shao W et ai. Resorbable plate fixation
mento do dorso nasal e hipoplasia nasomaxilar. Pode in pediatric craniofacial surgery: long-term outcome. Arch Fa
haver necessidade de rinoplastia futura para correção cial Plast Surg 2001;i(2):79-90.
de seqüelas tardias22. 19. Jordan D, Allen L, White L et ai. Intervention within days for
some orbital floor fractures: The white-eyed blowout. Ophthal
Plast Reconstr Surg 1999;/4(6):379-90.
20. Kahl-Nieke B, Fischbach R. Condylar restoration after early
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS TMJ fractures and functional applicance therapy. Part II: Mus-
cle evaluation. / Orofac Orthop 1999;6fi(l):24-38.
1. Acton C, Nixon J, Pearn J, Williams B, Leditschke F. Facial
burns in children: a series analysis with implications for rçsusci- 21. Kalan A, Tariq M. Foreign bodies in the nasal cavities: a com-
tation and forensic odontology. Aust DentJ 1999;44(/):20-4. prehensive review of the etiology, diagnostic pointers, and ther-
2. BalbaniAP, Sanches TG, Butugan O et ai. Ear and nose foreign apeutic measures. Postgrad Med J 2000;76(898):484-7.
body removal in children. Int J Pediart Otorhinolaryngol 22. Kelly KJ. Pediatric facial trauma. In: Achauer BM, Eriksson E,
l998;46(l-2):37-42. Bahman G et ai. (eds.) Plastic Surgery. Indications, Operations
3. Boettiger BO. Cuerpo extrano nasal/nasal foreign body. Pedi- and Outcomes.. St. Louis: Mosby, 2000:941-69.
atr Dia 2000V6(2):94-8. 23. Kcllman R, Huckins SC, King J et ai. Bioresorbable screws for
4. Costa EA, Cruz RL. Fraturas de face em crianças. In: Psillakis facial boné reconstruction: a pilot study in rabbits. Laryngo-
JM, ZaniniAS, Mélega JM etai. (eds.) Cirurgia Craniomaxilofa scope 1994;/04:556-61.
cial: Osteotomias Estéticas da Face. Rio de Janeiro: MEDSI, 24. Law S,Watters GM. Penetrating oral foreign body presenting as
1987:563-81. an aural polyp. J Laryngol Otol 1997;ÍÜ(8):749-51.
5. Cutright DE, Hunsuck EE. The repairof fractures of the orbital 25. Levitz LM. Children and firewords—a dangerous combination.
floor using biodegradable polylactic acid. Oral Surg Oral Med S Afr Med) 1997;^ü):1.554-6.
Oral Pathol 1972;J3:28-34.
26. Lueder G. Air bag-associated ocular trauma in children. Oph-
6. DodsonT, Kaban L Special considerations for the pediatric emer- thaímology 2000;107(8):1.472-5.
gency patient. Emerg Med Clin North Am 2000;iá(3):539-48.
27. Lloyd C J, Already T, LowryJC. Intranasal midazolam as an
7. Donahue D, Smith K, Church E, Chadduck W. Intracranial
alternative to general anaesthesia in the management of chil
neurological injuries associated whit orbital fracture. Pediatr
dren with oral and maxillofacial trauma. BrJ OralMaxillofacial
Neurosurg I997;26(5):26l-S.
Trauma 2000;J&593-5.
8. Dufresne CR, Manson PN. Traumatismos faciales en ninos.
28. Maclennan W. Considerations of 180cases of typical fractures
In: McCarty (ed.) Cirugía Plástica. Buenos Aires: Panamerica-
of the mandible and condilar process. BrJ Plast Surg 1952;
na, 1994:219-313.
5:122.
9. Eppley B. A resorbable and rapid method for maxillomandibu-
lar fixation in pediatric mandible fractures. J Craniofac Surg 29. Mcheik J, Vergnes P, BondonnyJ. Treatment of facial dog bite
2000;i7(5):236-8.
injuries in children: A retrospective study. J Pediat Surg
2000;J5(4):580-3.
10. FerreiraJC. Fraturas faciais na infância. //i:Cardin VL,Marques
A, Besteiro JM (eds.) Cirurgia Plástica. São Paulo: Atheneu, 30. Morano FG, Sampaio MMC, Freitas RS et ai. Análise de 126
1996:226-7.
fraturas de face em crianças menores de 12 anos. Rev Col Brás
Cir 1998;25(3):201-4.
11. Getter L, Cutright DE, Bhaskar SN et ai A biodegradable in-
traosseous appliance in the treatment of mandibular fractures. 31. Mulliken J, Kaban L,MurrayJ. Management of facial fractures
J Oral Surg 1972;3ft344-8. in children. In: Rogers B (ed.) Clinics in Plastic Surgery. Phila-
delphia: Saunders Company, 1977:491-502.
12. Gosain AK, Song L, Corrao MA, Pintar FA. Biomechanical
evaluation of titanium, biodegradable plate and screw, and cy- 32. Naidoo S. A profile of the oro-facial injuries in child physical
anoacrylateglue fixation systems in craniofacial surgery. Plast abuse at a children's hospital. Child Abuse Negl 2000;
Reconstr Surg 1998;70/(5):582-91. 24(2):521-34.

13. Grillo, Marcos A, Passos et ai. Tratamento conservador da fratura 33. Niazi ZB, Salzberg CA. Thermal, electrical and chemical inju-
do côndilo mandibular em crianças entre zero e seis anos de ry to the face and neck in children. Facial Plast Surg 1999;
idade: análise dos resultados. Folha Méd 1997;/14{1): 13-7. 7(2);185-93.
14. Hanieh A, Moore M. Immaturiety and senescence. In: David 34. Oji C. Fractures of the facial skeleton in children: A survey of
DJ,Simpson DA (eds.) Craniomaxillofacial Trauma. Edinburgh: patients under the age of 11 years. J Craniomaxillofac Surg
Churchill Livingstone, 1995:501-28. 1998;2<í(5):322-5.
15. Haug R, FrossJ. Maxillofacial injuries in the pediatric patient. 35. Orringer JS, Barcelona V, Buchman SR. Reasons for removal of
Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2000; rigid internai fixation devices in craniofacial surgery. J Cranio
90{2):126-34. fac Surg 1988; 9(/):40-4.
Trauma de Face em Criança 479

36. Paletta FX. Soft tissue injuries of face and scalp. In: Rogcrs B 44. Staley M, Richard R, Billmirc D, Warden G. Head/face/neck
(ed.) Clinics inPlastic Surgery. Philadelphia: Saunders Compa- burns: Therapist considerations forthepediatric patient./Burns
ny, 1977:479-90. Care Rehabil 1997;18(2): 164-71.
37. Pinto EBS, Silva DBVN, Cardoso LA et ai. Traumatismo de 45. Suuronen R, Kallela I, Lindqvist C. Bioabsorbable plates and
face. In: Avelar JM (ed.) Cirurgia Plástica naInfância. São Pau screws: Current state of the art in facial fracture repair./ Cran-
lo: Hippocrates, 1989:565-70. iomaxiilofac Trauma 2000;6(7): 19-27.
38. Resch K, Schilling C, Borchert BD et ai. Topical anesthesia for
pediatric lacerations: a randomized trial of lidocaine-cpineph- 46. Thorén H, Iizuka T, Hallikainen D etai. C. Radiologic changes
rine-tetracaine (LET) solutio versus gel. Ann Emerg Med 1998; of the temporomandibular joint after condylar fractures in
J2(5):693-7. childhood. OralSurg OralMedOralPatholOralRadiolEndod
1998;#6(6):783-45.
39. Robinson P, Rajayogeswaran V, Orr R. Unlikely foreing bodies in
unusual facial sites. BrJ Oral Maxillofac Surg 1997;J5(/):36-9. 47. Tuppurainen K, Montyjorvi M, Puranen M. Wooden foreign
particles in the orbit spontaneous recovery. Acta Ophthalmol
40. Rowe NL. Fractures of the jaws in children./ Oral Surg 1969;
Scand 1997;75(1): 109-11.
27:497-507.

41. Rusch M,GrunertB, SangerJ etai Psychological adjustment in 48. Yen KL, Metzl JD. Sports-specific concerns in the young ath-
children after traumatic disfiguring injuries: A 12-month fol- letc: baseball. Pediatr Emerg Care 2000; 16(3):215-20.
low-up. Plast Reconstr Surg 2000; 106(7): 1.451-8. 49. Zabriskie NA, Hwang IP, Ramsey JF, Crandall AS. Anterior
42. Rychwalsk/ P, 0'Halloran H, Cooper H et ai. Evaluation and Iens capsulc rupture causcd by air bag trauma. Am) Ophthal
classification of pediatric ocular trauma. Pediatr Emerg Care mol 1997; 72J(6):823-3.
\999;15(4):277-9. 50. Zanini SA, Costa EA. Principios básicos no tratamento das
43. Samaha M, Manoukian JJ,ArthursB. Sino-orbital foreign body fraturas de face. /n/Mélega JM, ZaniniAS, Psillakis (eds.) Cirurgia
in a child. IntJ Pediatr 2000;52(2):\89-92. Plástica. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:357-63.
Seqüelas dos Traumatismos
de Face

Sérgio Moreira da Costa


Gustavo Moreira Costa de Souza
Renato Corrêa Gontijo

INTRODUÇÃO O ATENDIMENTO DO PACIENTE

O tratamento dos traumatismos da face compreende Todo indivíduo quer parecer e funcionar como antes
um trabalho único e contínuo. A recuperação funcio do acidente. Assim, não se devem prometer resultados
nal e estética das seqüelas inicia-se obrigatoriamente ou minimizar a importância dos procedimentos. Uma
na fase aguda. Na fase tardia, os procedimentos de re complicação cirúrgica exacerba a possibilidade de in
construção podem não atingir resultados equivalen- satisfação. A conversa deve ser franca. Quando as limi
tes-,s-b3'98.' tações da cirurgia são compreendidas, os pacientes acei
Entre as principais causas de resultados insatisfa tam os novos procedimentos de reconstrução17.
tórios encontram-se as falhas no diagnóstico e no pla A assistência deve ter caráter multidisciplinar, de
nejamento da cirurgia. A técnica inadequada, presente vido à superposição de áreas de interesse da cirurgia
na exposição insuficiente do campo, na redução in plástica e craniofacial - neurocirurgia, otorrinolarin-
completa das fraturas, na instabilidade da fixação, na gologia, oftalmologia, odontologia, e cirurgia buco-
síntese deficiente de partes moles e na enxertia óssea maxilofacial125. O processo de reintegração social, difi
exígua, também representa papel preponderante na cultado por seqüelas físicas e psicológicas, exige um
gênese da seqüela". Na análise de fatores relacionados suporte clínico prolongado, principalmente nos trau
com o insucesso, cita-se ainda o desconhecimento da mas complexos"'2.
fragilidade da parte central da face, da estrutura dinâ
mica dos tecidos e da relação precisa entre continente
e conteúdo5-22-26'69-84-85-128.
O escopo deste capítulo é discutir a prevenção e
INVESTIGAÇÃO CLÍNICA
o tratamento das seqüelas de trauma de face, enfati A anamnese e o exame clínico detalhado são funda
zando a anatomia craniofacial, a fisiopatologia das fra mentais"9. Devem abranger a investigação do meca
turas, a investigação clínica e os princípios da recons nismo de trauma, a pormenorização dos sintomas, a
trução de ossos e partes moles. inspeção e a palpação das projeções ósseas, a avaliação

480
Seqüelas dos Traumatismos de Face 481

da cavidade oral e da oclusão maxilar, da cavidade


nasal, do globo ocular e da função dos nervos crani
anos.

No caso de seqüelas, consideram-se as principais


queixas e preocupações do paciente. A satisfação do
cliente é tão importante quanto atingir um resultado
tecnicamente perfeito. Devem ser investigados os pro
blemas anteriores ao trauma, os danos primários, e os
tratamentos já realizados. Solicitam-se exames subsidi
ários, incluindo fotografias e modelos ortodônticos,
conforme o caso. No final, faz-se a análise da face como
um todo e dos problemas associados.

DIAGNÓSTICO POR IMAGEM


Exames radiográficos confirmam a impressão clínica.
As radiografias habituais apresentam valor apenas na Fig. 37-2. Reconstituição tridimensional de imagens tomográfi-
cas do mesmo caso. Notam-se fraturas de maxila e zigoma, com
triagem. A tomografia computadorizada bidimensio deslocamento lateral.
nal, com cortes axiais e coronais, janela para partes
moles e ossos, é indispensável para a complementação
diagnostica e o planejamento da cirurgia (Fig. 37-
1 \9,23.53,85,94.100 em fornecer perspectivas adicionais dos fragmentos
deslocados (Fig. 37-2)-,u'72'73-'01.
A tomografia tridimensional oferece outras pers
A ressonância nuclear magnética mostra-se limi
pectivas das lesões, porém não acrescenta maiores in
tada no diagnóstico das fraturas de face, sendo colo
formações ao diagnóstico82. Outros autores, contudo,
cada em segundo plano. Porém, tem grande aplica
citam sua utilidade em mostrar as linhas de fratura e
ção na análise das lesões do globo ocular e do nervo
óptico e na avaliação estática e dinâmica das articula
ções temporomandibulares. A angiorressonância mos
tra-se útil no diagnóstico de fístulas carotidocaver-
nosas36'94.

CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS
A anatomia dos pilares de sustentação da face e a clas
sificação das fraturas orientam as condutas no trauma
de face e na correção das Seqüelas4-S-,9'63'7Ü'7S-81'90-99-130. O
esqueleto facial apresenta-se como uma treliça, consti
tuída por uma cúpula frontal e por barras verticais e
horizontais de osso compacto, unidas por prateleiras
e paredes de osso laminar. Entre essas estruturas situ
am-se os seios paranasais, cavidades pneumáticas, que
auxiliam a absorção da energia do trauma, preservan
do estruturas nobres, como o globo ocular e o cére
bro (Figs. 37-3 e 37-4)131.
O terço médio da face é um ponto de fragilida
de108, devido à ausência de um pilar horizontal sagital
Fig. 37-1. Imagem tomográfica bidimensional coronal mostran e pelos ossos finos que o compõem, além de estar sob
do fratura de maxila, zigoma e etmóide, acometendo seio etmoi-
dal, seio maxilar e órbita. Nota-se deslocamento lateral do zigo ação constante da forte musculatura mastigatória. Dois
ma. terços das fraturas de terço médio estão associadas a
482 Cirurgia Craniomaxilofacial

ampla exposição, a redução c fixação interna rígida,


concomitantcmente com enxerto ósseo, são princípios
fundamentais do tratamento de fraturas da face. Deve-
se enfatizai" na reconstrução a análise seqüencial da lar
gura (diâmetro transverso), da projeção (diâmetro ân-
tero-posterior) e da altura (diâmetro cefalocaudal) de
cada parte do esqueleto facial. Prioriza-se a largura, cuja
correção implica na melhora do diâmetro transverso e
ântero-posterior simultaneamente. Fraturas graves não-
tratadas deixam a face redonda, alargada, curta e sem
projeção (Figs. 37-5 e s?^)47'53'63'8'1'83-124.
A extensão e a gravidade dos deslocamentos ósse
os dos segmentos da face determinam a exposição ne
cessária para redução e estabilização da estrutura aco
metida13". Assim, recomendam-se:

— Incisão coronal: para exposição da região frontal,


da metade superior da face e regiões orbital superior,
Fig. 37-3. Cúpula frontal e os quatro pilares superficiais da face. mediai e lateral. É utilizada na reconstrução dos pi
Pilar superficial central: frontonasomaxilar. Pilar superficial late lares sagitais. Pode ser ampliada para exposição de
ral: frontozigomaticomaxilar.
todo o terço médio, transformando-se no retalho
coronal estendido ou dismasking flap, que inclui
também incisões circumpalpebrais e intercartilagi-
nosas (Fig. 37-7)2,U33.
— Incisão n.i pálpebra inferior com ou sem cantoto-
mia Interal: para exposição da órbita inferior96.
— Incisão no sulco gengivolabial superior, para expo
sição da metade inferior da maxila. Pode ser ampli
ada para exposição de todo o terço médio, associa-

Fig. 37-4. Pilares superficiais e profundos da face. (I - pilar super


ficial central: frontonasomaxilar; 2- pilar superficial lateral: fronto
zigomaticomaxilar; 3- pilar profundo central (único): fronfoetmói-
deo-vomermaxilar; 4- pilar profundo lateral: frontoesfenopterigo-
maxilar; 5- pilar mandibular.

fraturas de mandibula (50%) e do osso frontal (25%),


e apresentam padrão cominutivo em mais de 60% dos
casos83.

PLANEJAMENTO CIRÚRGICO
Fig. 37-5. Imagem tomográfica bidimensional coronal de pacien
Para prevenir seqüelas e orientar a reconstrução dos te sem dentes com fraturas complexas de face. Tratado com sus
pilares verticais e horizontais, divide-se a face em uni pensão maxilar com fios de aço unindo a maxila ao processo
zigomático do frontal1'. Nota-se encurtamento e alargamento da
dades funcionais: órbitas, nariz e oclusão maxilar. A face e aumento da cavidade orbital bilateral.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 483

Incisão submandibular (acesso externo): para expo


sição de fraturas complexas de mandibula.
Incisão pré-auricular: para exposição de côndilo
mandibular e articulação temporomandibular.
Incisão palpebral superior: para exposição das fra
turas em teto e terço médio e superior das paredes
mediai e lateral da órbita.
Acesso endoscópico: para reconstrução de parede
mediai da órbita em casos isolados15.

CICATRIZAÇÃO DE PARTES MOLES


As partes moles cicatrizam com tecido colágeno pou
co diferenciado, fibrose e contração. A reconstrução
das partes moles deve ser feita, na fase aguda, antes
Fig. 37-6. Imagem tomográfica bidimensional do mesmo caso, que o processo de cicatrização avance. Em tese, qual
depois da retirada dos fios da suspensão maxilar. Notam-se múlti quer problema de reconstrução craniofacial deve con
plas seqüelas, como a falta da reconstituição dos pilares laterais e
centrais, o aumento das cavidades orbitais direita e esquerda, vela- siderar o tratamento das fraturas e das partes moles. A
mento do seio maxilaresquerdo e deslocamento lateral do zigoma. integridade, a posição e a função de todos os compo
nentes, ossos, nervos, pele, gordura, músculo e periós-
teo afetam a expressão facial47.
O reparo secundário, muitas vezes, se faz necessá
rio, porém pode ser dificultado pelas contraturas e
deformação dos tecidos. Dano sobre ramos nervosos
e outras estruturas nobres tem maior risco de ocorrer
na dissecação secundária. Assim, na decisão por nova
cirurgia sobre tecidos em cicatrização, muitas vezes é
preferível aguardar pelo menos seis meses.
Diástase e deslocamento são dois achados comuns
nas seqüelas de partes moles. Em tese, o fechamento
das partes moles deve ocorrer por planos. A sutura do
periósteo, do músculo, da íáscia e da pele evita depres
sões e alargamento das cicatrizes, além de limitar a
migração dos tecidos.
Após trauma ou dissecação para exposição cranio
facial, deve-se recolocar as partes moles sobre o esque
leto, fixando-as adequadamente. A cantoplastia lateral
e a reposição da gordura da projeção inalar são exem
plos desse procedimento. A falta deste cuidado pode
Fig. 37-7. Retalho coronal estendido ou dismasking flap com inci-
sões circumpalpebrais e intercartilaginosas para exposição de todo resultar na queda da região malar e acentuação do sul
o terço médio. co nasolabial, no deslocamento do ligamento cantai
com abaixamento do canto lateral, determinando um
aspecto de envelhecimento facial33'139.
da a incisões intercartilaginosas, transformando-se Na dissecação do músculo temporal, para acesso à
no degloving flapl3'm,lls. parede lateral da órbita e ao arco zigomático, a atrofia
— Incisão no sulco gengivolabial inferior: para exposi deste músculo é praticamente inevitável. O fechamen
ção da porção anterior da mandibula. to da aponeurose temporal profunda minimiza a apa
— Incisão sobre mucosa mandibular (acesso intra-oral}. rência pós-operatória do arco zigomático csqucletiza-
para exposição de fraturas simples de ângulo da do. Preconiza-se levantar a fáscia temporoparietal jun
mandibula. to com o retalho coronal para evitar lesões do nervo
484 Cirurgia Craniomaxilofacial

dos, reabsorvem apenas 10%. Enxertos de osso endo-


condral reabsorvem 70% a 75%, mas com fixação rígi
da esta porcentagem se reduz pela metade a até um
terço. A fixação realizada com fios de aço mostra-se
inferior, determinando um padrão de cicatrização fi-
brosa no leito receptor. A orientação dos enxertos de
sobreposição, quanto ao contato da parte cortical ou
medular no leito receptor, parece não influenciar o
comportamento destes. Os enxertos de interposição,
^ ** no preenchimento de espaços entre fragmentos ósseos,
Fig. 37-8. Paciente com fraturas de pilares central e lateral es evoluem melhor que os enxertos de sobreposição. O
querdo. Evoluiu no pós-operatório com comprometimento da ex
cursão mandibular e persistência do telecanto à esquerda. (Ver trauma e os procedimentos de reconstrução afetam a
imagem tomográfica do caso nas Figs. 37-1 e 37-2.) forma, a resistência e o volume ósseo. Assim, quanto
menor o número de revisões cirúrgicas, menor a reab-
sorção (Figs. 37-10 e 37-11)54-68-71-109.
A infecção é a principal complicação, porém o seu
risco pela comunicação com seios paranasais não con
tra-indica o uso de enxertos ósseos. Além da infecção, a
fixação rígida apresenta como complicações, a exposi-

» +

Fig. 37-9. Pós-operatório recente da segunda tentativa de recons


trução. Evoluiu com atrofia do músculo temporal após sua disseca
ção para acesso ao arco zigomático por via coronal. Nota-se per
sistência do telecanto à esquerda.

facial. Deve-se evitar incisão no músculo temporal e


reduzir seu descolamento ao mínimo para diminuir a
atrofia muscular. Incisão na fáscia temporal profunda
logo acima do arco zigomático reduz a atrofia do teci Fig. 37-10. Marcação para retirada de enxerto ósseo da tábua
externa da calota craniana.
do adiposo, observada após dissecação através da gor
dura em incisões mais altas, com dano direto sobre o
aporte sangüíneo local (Figs. 37-8 e 37-9)53,69.

CICATRIZAÇÃO ÓSSEA E FIXAÇÃO


INTERNA RÍGIDA
Os enxertos ósseos primários e a fixação rígida permi
tem a reconstrução anatômica estável do esqueleto fa-
123.43.50.52.68.87.103.104,122.140
cia

A cicatrização óssea pode ser primária ou secun


dária, dependendo da proximidade e da estabilidade
dos fragmentos. O osso membranoso cicatriza com
proliferação de osteoblastos e deposição óssea, à seme
lhança dos ossos endocondraisíi'"'>1'1"11".
Em estudos experimentais, enxertos de osso mem Fig. 37-11. Detalhe da retirada de enxerto ósseo e reconstrução
branoso reabsorvem 20% a 25%. Porém, quando fixa do arco zigomático.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 485

ção e a migração dos elementos de fixação, e alterações


sintomáticas do contorno facial. Fraturas de corpo e
ângulo de mandibula, fraturas compostas e cominuti-
vas e incisão intra-oral estão associadas a complicações e
a procedimentos para retirada dos meios de fixação (Figs.
37-12 a 37-14)1'-33.

SEQÜELAS DE TRAUMA FRONTAL


Para tratamento das seqüelas de fratura do osso fron
Fig. 37-12. Radiografia de paciente com fratura de mandibula, tal devem-se verificar o olfato e a visão. Analisam-se as
submetido à redução e fixação dos focos de fratura com placas e
parafusos. Na evolução, apresentou infecção do local com forma irregularidades ósseas por cetalometrias e imagens de
ção de abscesso. tomografia computadorizada. O controle tomográfi-
co do seio frontal é importante no diagnóstico de in-
fecções, que devem ser tratadas previamente38,60,105. Ex
posição óssea e fístula liqüórica também ameaçam a
boa resolução dos casos.

Região Anterior do Osso Frontal


Os problemas de contorno mais observados são a irregu
laridade óssea e a existência de placas palpáveis. O trata
mento consiste na remoção simples de placas e na recons
trução do contorno com enxertos ósseos. Para correção
de defeitos menores, uso de materiais sintéticos, como
metilmetacrilato, pode ser uma opção (Fig. 37-5)37,56-86.
Nas seqüelas de fratura da parede orbital superior
são muito comuns o deslocamento para baixo e para
trás da borda orbital superior c o achatamento do con
torno frontal. O acesso frontal intracraniano, pelo es
paço extradural, permite a osteotomia e a fixação de
Fig. 37-13. Imagem tomográfica do mesmo caso, depois da reti
rada dos meios de fixação. Paciente persistia com infecção e saída enxertos ósseos sem diminuir a cavidade orbital"5.
de secreção por fístula cutânea. Nota-se o halo hipodenso ao redor
de elemento dentário incluso com solução de continuidade da
camada cortical.

Fig. 37-14. Pós-operatório tardio de exploração cirúrgica para Fig. 37-15. Exposição da região frontonasorbital por via coronal.
retirada de osso e elemento dentário desvitalizados e ressecção Nota-se colocação de enxerto ósseo em borda orbital e no dorso
da fístula. nasal.
486 Cirurgia Craniomaxilofacial

Seio Frontal músculos extra-oculares66'"10'"6'117132. O diagnóstico tem


como base as imagens tomográficas e o exame da mo
A infecção tem sido associada à obstrução do seio fron
vimentação ocular. A maioria dos casos evolui com
tal e à existência de espaço morto intracraniano. O com
melhora ou estabilização espontânea em até 6 meses.
prometimento da função do seio frontal se dá com a
A cirurgia beneficia principalmente os casos de encar
obstrução do dueto frontonasal. O problema pode ser
ceramento de tecido orbital. A cicatrização em posi
resolvido com antibioticoterapia e drenagem do seio
ção anatômica maximiza a melhora após o trauma89,92,93.
frontal. Em casos de infecções graves e de mucopielo-
Koorneef descreveu a rede fibrosa de tecido co-
cele, descreve-se na literatura a curetagem do seio fron
nectivo orbital, onde, por pequenas conexões fasciais,
tal, retirando toda a mucosa, e o preenchimento com
todas as estruturas intra-orbitais estão ligadas entre si.
pleto deste seio com enxertos ósseos'"'2:,,31,76,!i2.
O aprisionamento da gordura orbital pode restringir
a ação muscular, mesmo sem o encarceramento do
Região Posterior do Osso Frontal próprio músculo7,35,65,85.
As fistulas podem ocorrer anos após o trauma, causan Utiliza-se de dissecação cuidadosa do plano subpe-
do meningite espontânea e convulsão. Nas reconstru riosteal, afastando-se os fragmentos ósseos, para facili
ções da área frontal, deve-se ter cuidado com as lesões tar o desprendimento do tecido encarcerado. A disse
de dura-máter e com a exposição do cérebro, principal cação, o uso de afastadores e a colocação de enxertos
mente em casos com lesões prévias60'1, como nas fratu também afetam a mobilidade ocular, sendo a maior
ras nasoetmoidais e acometimento da base anterior do causa de diplopia no período pós-operatório43.
crânio. Reforços na dura-máter para fechar as fistulas, e A reconstrução da cavidade orbital pode não corri
enxerto ósseo associado a retalhos de gálea frontal, de gir a diplopia. Se o sintoma persistir, aderências entre o
fáscia superficial temporoparietal ou de pericrânio pari- periósteo e o músculo podem ser a explicação. A cirur
etoccipital podem garantir uma proteção adequada do gia nos músculos orbitais é delicada e sem retorno. Ne
cérebro, isolando-o das cavidades paranasais21,1 "•113-133. nhuma cirurgia na musculatura extrínseca deve ser ten
tada antes da fase de recuperação espontânea91,95,125.

SEQÜELAS DE TRAUMA DE ÓRBITAS


Cavidade c Bordas da Orbita
Distúrbios da Visão
A enoftalmia representa a deformidade mais freqüen
Diplopia e alterações da acuidade visual são os proble te após fraturas da órbita. A alteração da forma e do
mas funcionais mais freqüentes após fraturas de órbi volume orbital e a perda do suporte da periórbita são
ta, principalmente nas fraturas tipo blow-out. Estra- as principais causas. A atrofia da gordura aparece como
bismo, oftalmoplegia, ptose palpebral e midríase são uma causa secundária (Fig. 37-i6)18-(,|-<'2-7^12-s.
outras complicações observadas12,30'58'^^ O globo ocular ocupa apenas 7cc (23%) da cavi
Nas alterações da função ocular, o exame oftalmo- dade orbital. O volume normal da órbita é de aproxi-
lógico, incluindo a avaliação específica da musculatura
extra-ocular, deve ser realizado antes e após a cirurgia'"1.
A diminuição da acuidade visual ocorre principal
mente por contusão ou compressão do nervo óptico. A
freqüência de amaurose após trauma de face é de 2% a
5%. O aumento da pressão intra-orbital responde por
67% das perdas súbitas de visão no pós-operatório. A
hemorragia intra-orbital aparece como principal causa e
pode determinar danos irreversíveis por isquemia nos
primeiros 60 minutos de instalação do quadro. O trata
mento consiste na descompressão cirúrgica imediata e
drenagem do hematoma com auxílio de microscópio.
Nos casos de suspeita de lesão do nervo óptico c alteração Fig. 37-16. Paciente com enoftalmia e pseudoptose palpebral e
do campo visual, são necessárias elevadas doses de corti- telecanto traumático à esquerda. A direita, notar lesão do liga-
costeróide para diminuírem o edema e a inflamação29,41'37,6"'. mento cantai lateral com arredondamento do contorno palpebral,
e lesão do ligamento cantai mediai com telecanto traumático menos
Os principais mecanismos da diplopia são a con acentuado. Nota-se alargamento da face. (Ver imagem tomográfi-
tusão muscular e o aparecimento de cicatrizes entre os ca do caso nas Figs. 37-5 e 37-6.)
Seqüelas dos Traumatismos de Face 487

madamente 30cc127, e pode ser estimado pela fórmula os nas paredes da cavidade orbital. O emprego de en
para cálculo do volume do cone (Figs. 37-17 e 37-18). xertos ósseos também favorece a consolidação de pseu-
Desvios mínimos no alinhamento das fraturas de ór doartroses, elimina espaço morto nas células etmoidais
bita resultam em seqüelas18-25'27. A porção ínfero-medi- e seio frontal, elimina perfurações e comunicações com
al da órbita é de difícil reconstrução. Como parâme seio maxilar c fossa temporal, e permite a adaptação de
tro, utilizam-se as referências anatômicas íntegras na próteses. O uso de enxerto de cartilagem também é uma
parte posterior, e não a posição do globo ocular. opção na reconstrução do assoalho da órbita. Materiais
A indicação de cirurgia para restauração da forma sintéticos podem corrigir defeitos pequenos em casos
e do volume orbital encontra-se nos casos de variações sem exposição dos seios paranasais86,110.
maiores que 2cm2 ou de enoftalmia maior que 3mm. A correção das bordas se dá com enxertos ósseos,
Deslocamento do globo ocular de até 3mm, usualmen osteotomias e ajuste dos segmentos com fixação rígi
te, não é sintomático (aproximadamente lmm de enof da. A deformidade mais comum é da borda orbital
talmia = lec de aumento de volume)7985. inferior deslocada para baixo e para trás, que pode ser
A restauração da forma e do volume orbital deve minimizada com avanço ântero-superior. Geralmente,
ser realizada com a colocação e fixação de enxertos ósse a correção de deformidades maiores, envolvendo mais
de um segmento, apresenta melhores resultados com
a osteotomia em bloco das bordas orbitais (Figs. 37-19
a 37-21)".
Novas cirurgias para ajustes menores do globo
ocular ocorrem entre 10% e 20% dos casos. Observa-
se que casos de enoftalmia residual devem-se mais à
insuficiência e à posição dos enxertos ósseos do que
ao fenômeno da absorção17,46,136,137. No ajuste da posi
ção do globo ocular, consideram-se as medidas da ór
bita normal, contralateral, comparando-se a distância
da pupila à linha mediana do dorso nasal e as medidas
e a posição das bordas orbitais.

Figs. 37-17 e 37-18. Simulação das dimensões da órbita e da Fig. 37-19. Paciente com seqüela de fraturas graves da face.
inclinação do assoalho orbital em direção à sua porção posterior e Notam-se enoftalmia, hipoftalmia, perda da projeção malar e in
mediai. Volume orbital = jtR2 x h/2 (= 30cc). clinação da fenda palpebral lateralmente.
488 Cirurgia Craniomaxilofacial

Esclera aparente e ectrópio por contração da cica-


triz palpebral melhoram com o tempo. Dependendo
da exposição da córnea, pode-se estabelecer o limite de
6 meses para que se atinja o máximo da melhora espon
tânea. Recomendam-se massagens, compressas mornas
e exercícios com o músculo orbicular. O encurtamento
permanente é observado em 10% dos casos,s2.
Evita-se epífora transitória no pós-operatório com
a incisão no músculo orbicular mais distante da borda
ciliar. Em pessoas com flacidez palpebral é mais indi
cada a incisão infrapalpebral, pois esta apresenta baixa
taxa de complicação.
Entrópio deve-se a contratura da lamela interna,
Fig. 37-20. Reconstrução do contorno lateral da face com enxer
tos ósseos, pela via coronal, e retalho coronal estendido.
invertendo a borda palpebral. A ressecção da cicatriz e
a cantopexia externa, geralmente, corrigem este pro
blema.
Os piores casos evoluem da contração cicatricial
da lamela anterior e posterior. Nestes, torna-se necessá
rio o uso de enxerto cutâneo após a ressecção de todo
o tecido fibroso. Os melhores enxertos são retirados
da pálpebra superior contralateral e da região retroau-
ricular, e colocados sobre o músculo orbicular e a pla
ca tarsal. Enxertos de cartilagem dão suporte para a
lamela posterior82.

Sistema Lacrimal

A obstrução lacrimal usualmente se deve ao desloca


mento ósseo da região do dueto nasolacrimal e predis
põe à infecção. Na maioria dos casos, apenas a redução
dos fragmentos ósseos resulta em desobstrução e boa
função do sistema lacrimal. No caso de seqüelas, quan
to mais próximas do saco lacrimal, pior é o prognósti
co. O diagnóstico se faz por teste de irrigação e dacri-
ocistografia3'48. Se houver inflamação persistente ou
Fig. 37-21. Detalhe do fechamento da incisão circumpalpebral no formação de abscesso, a área deve ser drenada. O trata
pós-operatório imediato. mento definitivo consiste na dacriocistorrinostomia e
deve ser realizado, preferencialmente, em outro tem
po cirúrgico. Dacriocistorrinostomia simultânea à can-
Pálpebras toplastia não é recomendada82.
A pálpebra inferior normal deve tocar a íris e ultrapas
sar a pupila quando puxada para cima. Dano no mús
culo orbicular, inflamação ao redor de placas e parafu Seqüelas de Trauma do Zigoma
sos e colocação da borda orbital inferior abaixo do Deformidades pós-operatórias são observadas em 48%
normal produzem encurtamento ou insuficiência pal dos casos (Figs. 37-22 e 37-23)83. As causas mais fre
pebral. qüentes das seqüelas são:
A sustentação da pálpebra inferior depende da — Deslocamento inferior do zigoma, determinando
restauração de sua borda, das cantopexias interna e ex enoftalmia e hipoítalmia.
terna, que asseguram a estabilidade, e do reparo de ci — Deslocamento posterior com rotação inferior do
catrizes que comprometam a mobilidade palpebral. zigoma, determinando perda da projeção inalar.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 489

Figs. 37-22 e 37-23. Paciente com seqüelas de traumatismos de face. Notam-se perda da projeção malar, hipoftalmia, ectrópio, esclera
aparente e abaixamento da borda orbital inferior.

— Deslocamento lateral do zigoma, determinando o a redução do zigoma: o alinhamento da parede lateral


aumento da largura da face e perda da projeção malar da órbita (esfenozigomático) e o comprimento do arco
(Fig. 37-24). zigomático. As imagens tomográficas podem identifi
Em deslocamentos mais significativos, com rota car a parte íntegra do osso esfenóide que é utilizada no
ção lateral do zigoma, não se consegue redução adequa controle do alinhamento. Se faltar fragmento ósseo,
da sem exposição pela incisão coronal. Em fraturas co- corrige-se a falta com enxerto ósseo entre a parte intacta
minutivas, o zigoma fica, geralmente, 4 a 5mm fora da do esfenóide e o zigoma (Fig. 37-25).
posição original, acompanhando o fragmento csfenoi- O deslocamento inferior do ligamento cantai la
dal deslocado lateralmente e impossibilitando a recupe teral com inclinação da fenda palpebral está associado
ração da projeção malar28. Duas referências servem para ao trauma de parede lateral da órbita. O ligamento
cantai lateral deve ser fixado em um ponto acima da
sua inserção original. Preconiza-se sua colocação junto
à sutura zigomaticofrontal, no lado interno da borda
orbital

Fig. 37-24. Simulação da fixação rígida correta do zigoma. A


colocação de enxerto ósseo e a fixação nos pontos principais ga
rantem a estabilidade contra a ação muscular e evitam a rotação Fig. 37-25. Imagem tomográfica de paciente com fraturas comple
lateral do zigoma. xas de face. Notam-se fraturas esfenozigomático e nasoetmoidal.
490 Cirurgia Craniomaxilofacial

A deformidade óssea, com deslocamento lateral


SEQÜELAS DE TRAUMA
do processo frontal da maxila, deve-se à falha na redu
NASOETMOIDAL
ção transnasal das bordas orbitais mediais ou ao deslo
A largura excessiva da região nasoetmoidal pode cor camento lateral do processo maxilar do zigoma. A re
responder à deformidade das partes moles ou do es dução transnasal é passo essencial no tratamento da
queleto (Fig. 37-26)34'98''9. Nos deslocamentos nasoet- fratura nasoetmoidal. A utilização de dois fios de aço
moideomaxilares ou orbitonasais o tratamento em transnasais leva a melhor ajuste dos processos frontais da
menos de 48 horas determina os melhores resultados. maxila. A passagem dos fios deve ser do processo frontal
Manobras como a palpação bimanual da região naso da maxila a um ponto acima e atrás da fossa lacrimal
etmoidal na sala de emergência estabelecem o diag contralateral. Se realizada anteriormente à fossa lacri
nóstico e têm mais valor que a tomografia computa mal, permite a rotação lateral dos fragmentos, favore
dorizada na investigação da instabilidade10'. cendo a persistência do telecanto.
O ligamento cantai mediai insere-se nas cristas la- No tratamento tardio, o ligamento cantai deve
crimais. E comum o telecanto, devido ao desprendi ser solto, para permitir a redução óssea. Osso e liga
mento parcial e à sutura inadequada do ligamento can mento devem ser trabalhados separadamente. A esque-
tai mediai. O fio de sutura não-absorvível deve passar letização da área cantai contribui para a diminuição
adjacente à comissura interna da fenda palpebral. A da distância intercantal. Para mobilizar melhor os teci
fixação apenas da ponta mediai do ligamento cantai dos devem-se dissecar as bordas orbitais lateralmente,
mediai aumenta a distância intercantal em 5mm83. A até dois terços da sua extensão. Podem-se remover os
fragilidade dos tecidos piora após os primeiros dias de ossos nasais para facilitar a redução transnasal dos frag
trauma e pode determinar a deiscência da sutura do mentos ósseos após a osteotomia. Preconiza-se a pro
ligamento cantai mediai. Esta complicação é freqüen teção do sistema lacrimal com sua cateterização. Antes
te em tentativas de correção da distância intercantal do fechamento da incisão coronal e infrapalpebral, o
em uma ou duas semanas após o trauma. O espessa- fio do ligamento cantai deve ser apertado e preso, de
mento secundário da cicatrização também pode resul modo a direcionar a posição final ideal do canto me-
tar em telecanto. dial82'102.

SEQÜELAS DE TRAUMA NASAL


Os principais motivos de seqüelas após fraturas nasais
são a falta de um diagnóstico fidedigno e a mobiliza
ção incompleta dos fragmentos na fase aguda.
O edema local dificulta muito o exame físico e o
controle da redução fechada, principalmente na avali
ação da projeção anterior. Fraturas cominutivas e fra
turas ocultas do septo nasal muitas vezes passam des
percebidas.
O uso da endoscopia nasal rígida na sala de emer
gência e no controle intra-operatório da cirurgia na
fase aguda reduz a incidência de rinoplastias secundá
rias123. A tomografia computadorizada mostra-se útil
no diagnóstico de fraturas cominutivas e no controle
da redução.
Apesar da restauração da altura, da projeção e do
comprimento nasal ser conseguida por meio de enxer
to, não há substituto para uma redução acurada do
esqueleto nasal82,123.
Seqüelas funcionais, como obstrução nasal crôni
Fig. 37-26. Paciente com graves seqüelas de trauma complexo ca, ocorrem muitas vezes por falha na redução do sep
de face. Notam-se achatamento do dorso nasal, telecanto traumá
tico bilateral, dacriocistite á esquerda, enoftalmia e perda da pro to nasal. Como tratamento, indicam-se septoplastia e
jeção malar ã direita. turbinectomia na 4a semana após o trauma.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 491

Os desvios laterais, provenientes da mobilização


inadequada do nariz na fase aguda, são tratados por
osteotomias abertas ou fechadas. A perda do suporte
do dorso nasal, resultando no nariz "em sela", é corri
gida com enxertos ósseos ou cartilaginosos por via
endonasal. Dependendo da deformidade, a via coro
nal apresenta-se como uma boa opção (Fig. 37-15)'":
oferece a exposição de uma grande área doadora de
enxerto da calota craniana e de todo o esqueleto fron-
toorbitonasal, permite a fixação rígida do enxerto ós
seo no processo maxilar do osso frontal, e evita o con
tato com a cavidade nasal. A fixação rígida do enxerto
ósseo dispensa o uso de enxertos na columcla para
manutenção da projeção da ponta nasal. A opção pela
exorrinoplastia anterógrada com incisão de Rethi12" Fig. 37-27. Simulação da fratura sagital da maxila. A fixação deve
também deve ser considerada, assim como a utilização impedir a rotação do segmento fraturado e a má oclusão.
de enxertos de cartilagem do septo nasal ou das con
chas auriculares.
Fraturas Dcntoalvcolarcs

Seqüelas de fraturas dentoalveolares requerem ortodon-


SEQÜELAS DE TRAUMA DE MAXILA tia antes e após as cirurgias. Podem ser tratadas por
A má oclusão com mordida aberta anterior é uma das osteotomias multissegmentares, com exposição da
principais deformidades. Os primeiros sinais são a fal maxila e colocação de sphnts, que orientam a posição
ta de contato entre as cúspides e a separação dos inci correta dos segmentos envolvidos.
sivos. A redução tardia ou inadequada e a retirada pre
coce do bloqueio intermaxilar contribuem para o sur
gimento dessa seqüela.
SEQÜELAS DE TRAUMA DE
Os principais mecanismos são a queda da porção MANDÍBULA
posterior do segmento maxilar, determinando conta A causa mais freqüente de seqüelas de trauma de man
to precoce na oclusão molar, e a mobilização incom dibula é a instabilidade do bloqueio intermaxilar ou
pleta do segmento palatoalveolar da maxila deslocado mau ajuste da oclusão no intra-operatório4. A fixação
anteriormente e com encurtamento vertical. Nesta si inadequada da fratura ou seu tratamento tardio tam
tuação há o deslocamento anterior dos côndilos man bém são causas importantes.
dibulares para que se consiga aparente oclusão neutra Evitam-se as seqüelas aplicando-se o bloqueio in
no momento do bloqueio maxilar. Após a liberação termaxilar antes da fixação rígida das fraturas. Em fra
do bloqueio, os côndilos voltam para sua posição nor turas cominutivas não se utilizam placas e parafusos
mal, determinando a má oclusão. monocorticais. Colocam-se pelo menos dois parafu
A correção das seqüelas de fratura de maxila é sos bicorticais de cada lado da fratura para se evitar
conseguida por meio de osteotomia maxilar. instabilidade. A colocação de um terceiro parafuso
aumenta a segurança da fixação. A irrigação do local
durante a perfuração evita a necrose do osso e o des
Fraturas Sagitais da Maxila prendimento dos meios de fixação.
A seqüela nas fraturas sagitais da maxila ocorre por A pseudartrose mandibular raramente ocorre com
deslocamento lateral e alargamento da arcada dentária o uso de fixação rígida. O seu tratamento deve ser a
e inclinação dos dentes. A rotação lateral é agravada remoção de toda a fibrose, colocação de enxerto ósseo
pelo bloqueio intermaxilar, que força os segmentos e de nova fixação rígida estabilizada por placas maioresx\
maxilares laterais para o lado do palato. Tratamento
preventivo correto consiste na fixação rígida do pala
Fraturas Sagitais da Mandibula
to e da região anterior da maxila e na colocação do
bloqueio intermaxilar, tendo a mandibula como prin A seqüela nas fraturas sagitais (sinfisárias e parassinfi-
cipal referência anatômica (Fig. 37-27)S8-"'. sárias) se deve ao aumento da largura da mandibula
492 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fraturas Subcondilares

Em pacientes tratados com redução fechada, a retira


da precoce do bloqueio intermaxilar pode resultar
em mordida aberta, geralmente por encurtamento do
ramo mandibular. Algum grau de má oclusão pode
ser tratado com tração elástica, porém se a fratura
está num grau mais avançado de consolidação a tra
ção elástica pode causar a extrusão dos dentes e não
corrigir o desvio.
Se a função da articulação temporomandibular
estiver boa e a tração elástica não corrigir a mordida
aberta, existem duas opções: osteotomia sagital dos
ramos mandibulares e osteotomia maxilar tipo Le
Fort I. A osteotomia mandibular deve ser feita prefe
rencialmente afastada do local onde ocorreu a fratu
Fig. 37-28. Simulação da fratura sagital da mandibula, mostran
do tendência ao alargamento do arco mandibular e à rotação dos ra, para preservar a articulação. Em alguns casos, é
fragmentos. mais fácil a osteotomia da maxila do que a da mandi
bula.
Quando a função articular está prejudicada, pros
com rotação dos segmentos. Pode-se diagnosticar o seguir com exploração cirúrgica, com retirada da fi-
problema pelo ângulo de inclinação dos dentes man brose, reparando primariamente eventuais ferimentos
dibulares laterais. O tratamento é a osteotomia man do disco articular ou do menisco39. O retalho de fáscia
dibular (Fig. 37-28). temporoparietal pode ser utilizado na reconstrução do
A prevenção consiste em alinhar as partes corti- disco articular se este estiver muito danificado. Após a
cais da sínfise mandibular empurrando os ângulos man ressecção da anquilose, reconstrói-se a altura do ramo
dibulares no sentido mediai, estreitando a distância mandibular com enxerto costocondral82.
entre eles. No momento em que forem verificados o Em problemas pós-operatórios da articulação tem
alinhamento da camada cortical língua] e o início da poromandibular, deve-se proceder com exame físico e
separação da camada cortical vestibular, tem-se a redu ressonância nuclear magnética. Se o tratamento com
ção ideal. Um splmt lingual auxilia na rotação e ajuste fisioterapia falhar, pode ser considerada a necessidade
do segmento mandibular lateral. Somente longas e de tratamento cirúrgico.
fortes placas na mandibula podem manter a posição A redução da abertura da boca também ocorre
desejada. no travamento do processo coronóide. A maxila, des
locada para trás, ou o arco zigomático, deslocado me-
dialmente, bloqueiam a excursão normal da mandi
Fraturas do Ângulo Mandibular bula. No caso de anquilose do processo coronóide
ao zigoma procede-se com a coronoidectomia via
Fraturas de ângulo tendem a complicações. O osso
intra-oral'".
desvitalizado logo acima do local da fratura e a expo
sição intra-oral predispõem a infecção. O fechamento
hermético da mucosa é difícil de se conseguir. A redu
Fraturas Dentoalveolares
ção na incidência de infecções é observada no uso do
bloqueio intermaxilar, mantendo o repouso das par Fraturas dentoalveolares em mandibula fraturada po
tes moles adjacentes. Se ocorrer infecção do sítio de dem resultar em seqüelas por isquemia dos fragmen
fratura, antibioticoterapia e bloqueio intermaxilar, com tos; portanto, são fundamentais a estabilização e o tra
controle radiográfico, geralmente resolvem o proble tamento precoce. Um splint lingual ou um arco de
ma. Outras causas de infecção, como placas e parafu acrílico podem ajudar. Deve-se evitar o contato preco
sos soltos, infecção dentária, fragmentos de osso ou ce do fragmento alveolar na oclusão maxilar e obser
de dente desvitalizados, devem ser removidas. A fratu var infecção ou necrose pulpar. Dentes soltos ou instá
ra deve ser novamente estabilizada com placa maior veis por problemas periodontais prejudicam o trata
ou fixador externol6'24'44'5". mento e devem ser removidos.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 493

SEQÜELAS DE TRAUMA COMPLEXO Se o tratamento resultar em má oclusão, o comple


MAXILOMANDIBULAR to estudo da maxila e da mandibula torna-se imprescin
dível. Vários fatores auxiliam a decisão entre um trata
A prevenção de seqüelas nos traumas complexos da mento precoce ou tardio e a prevenção de maus resulta
face consiste em reconstruir primeiro a mandibula e o dos no ajuste intra-operatório. Entre eles destaca-se a
osso frontal, para que sirvam de suporte às regiões in análise de imagens radiográficas, de modelos ortodôn-
ferior e superior da maxila51,63. ticos, da relação labial e das proporções faciais.
Devido a sua relação direta e estável com a base Como tratamento, preconiza-se a osteotomia bima-
do crânio, somente a mandibula, devidamente reduzi xilar ou o uso de enxerto ósseo, conforme o caso. A orto-
da e lixada, determina a posição correta da maxila e dontia antes e após a cirurgia é necessária para a correção
evita alterações do plano da oclusão. A maxila, devido de deslocamentos horizontais e laterais dos dentes.
ao fraco suporte sagital, mesmo bem reduzida, não
consegue sustentar a posição mandibular em caso de
instabilidade vertical (Fig. 37-29).
Na reconstrução do diâmetro transversal, a largu SEQÜELAS DE TRAUMA DOS NERVOS
ra da arcada dentária maxilar, com a redução e a fixa TRIGÊMEO E FACIAL
ção do palato, é a melhor referência para a largura da Parestesias e hipoestesias ocorrem freqüentemente após
arcada mandibular. o trauma do nervo trigêmeo nos seus respectivos ra
mos101', sendo estes:

— Ramo supra-orbital, acometido nas fraturas de osso


frontal.
— Ramo infra-orbital, acometido nas fraturas de maxila.
— Ramo mandibular, comprometido nas fraturas de
mandibula.

A maioria das alterações sensitivas melhora espon


taneamente.

A nevralgia do ramo infra-orbital após fratura do


assoalho da órbita deve-se geralmente à compressão
no seu trajeto no canal infra-orbital ou na sua emer
gência do forame infra-orbital. Observam-se alterações
sensitivas nas regiões malar, narinária, labial e gengival
superior, adjacentes ao local acometido. Pode ocorrer
hiperestesia, dolorosa ao mínimo contato na pele, pre
judicando a mastigação. O tratamento consiste em
osteotomia infra-orbital para liberação do nervo12\
Paresias e paralisias também ocorrem primariamen
te após o trauma ou nas lesões iatrogênicas do nervo
facial, tais como:

— Paresia ou paralisia permanente do ramo frontal


após a dissecação para acesso ao arco zigomático''3.
— Paresia do ramo mandibular em 5% dos casos após
a incisão submandibular'".

A paresia é o sinal mais freqüente e desaparece


gradativamente na maioria dos casos.

CONCLUSÃO
Fig. 37-29. Simulação das fraturas de terço médio da face. O
osso frontal e a mandibula servem como apoio para a fixação e
estabilização das fraturas. Notam-se a redução e a fixação prévia
Com a evolução científica, ampliaram-se as possibili
da fratura mandibular. dades de reconstrução da face. Contudo, deve-se guar-
494 CirurgiaCraniomaxilofacial

dar que a prevenção e o tratamento das seqüelas do 17. Cohen S, Kawamoto H. Analysis and treatment of established
posttraumatic facial deformities. Plast Reconstr Surg 1992;
trauma começam no primeiro atendimento na sala de 90:574-84.
emergência. Procedimentos realizados nesta fase po 18.Converse J, Smith B,Obear M et ai.Orbital blow-out fractures.
dem conseguir resultados inatingíveis por intervenções A ten year survey. Plast ReconstrSurg 1967;3£20-36.
posteriores na fase tardia. 19.Costa S. Rinoplastia: abordagem coronal. In: Tournieux AAB
Neste capítulo foram discutidos aspectos refe (ed.) Atualização em cirurgiaplástica estética. Sociedade Brasileira
rentes às seqüelas do traumatismo de face. Ressaltou- de Cirurgia Plástica Estética e Reconstrutiva - Regional São
Paulo: Robe Editora, 1994.
se a importância do conhecimento da anatomia, dos
mecanismos das fraturas craniofaciais, do diagnósti 20. Costa S, Chaves D, Paviato L."Dismasking Flap" wide exposure
of the middle third of the face. BrazJ Craniomaxillofac Surg
co preciso, do planejamento adequado e da técnica 1999; 2(2):17-22.
apurada. A observação destes aspectos na prática diá 21.Costa S, Siqueira J, Guimarães G, Souza O. Skull base
ria pode ajudar o cirurgião na adequada resolução de reconstruction after tumors resection. In: Monastério FO (ed.).
seus casos. Craniofacial surgery: Proceedings of 5lh Internai Congress of
the International Society of Craniofacial Surgery. México:
Monduzzi Editore, 1993.
22.Crawley W, Azman P, Clark N et ai. The edentulous Le Fort
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS fracture. / CrâniofacSurg 1997;Ã298.
23.Davidson J, Nickerson D, Nickerson B. Zygomatic fractures:
1. AdamsW.Internai wiring fixation facial fractures. Surgery 1942;
comparison of methods of internai fixation. Plast Reconstr
L?:523.
Surg 1990;56:25-32.
2. Adams W, Adams L. Internai wire fixations of facial fractures:
24.Dierks E. Management of associated dental injuries in
A 15-year follow up report. Am J Surg \95d\92.\2.
maxillofacial trauma. Otoryngol Clin North Am 199l;24:165-
3. Allen M, Cohen I, Grimson B et ai. Orbital cellulits secondary 79.
to dacryocystitis following blepharoplasty. Ann Ophthalmol 25.Donald P, Bernstein L. Compound frontal sinus injuries with
1985;/7:498-9.
intra-cranial penetration. Laryngoscope 1978;##225-32.
4. Amaratunga NA. The relation of age to immobilization period 26.Drommer R. Torque measurements of the mechanical capacity
required for healingof mandibular fractures. / OralMaxillofac of thin bony structures of the visceral cranium. J Maxillofac
Surg 1987;45:111. Surg 1986;Ml 28.
5. Antonyshyn O, Gruss J, Galbraith D et ai. Complex orbital 27. DufresneC, Manson P, Iliff N. Early and late complications of
fractures: A criticai analysis of immediate boné graft reconstru- orbital fractures. Clin Plast Surg 1988;Í5:239-53.
tion. Ann Plast Surg 1989;22220.
28. Ellis E, El-Attar A, Moos K. An analysis of 2,067 cases of
6. Antonyshyn O, GrussJ, Kassel E. Blow-in fractures of the orbit. zygomatic-orbitalfractures.J OralMaxillofacSurg1985;4J:428.
Plast Reconstr Surg 1989;84:10-20.
29. EmeryJ, VanNorden G, Solesnitzauer D. Orbital floor fractures.
7. Barclay T. Diplopia in association with fractures involving the long-term follow up of cases with and without surgical repair.
zigomatic boné. BrJ Plast 1958;//:147. Trans Am Acad Ophthalmol Otolaryngol 1971;7#802.
8. Basset C. Clinicai implications ofcell function in boné grafting. 30.Erling B, Iliff N, Robertson B, Manson P. Footprints of the
Clin Orthop 1972; 82.49. globe: practical look at the mechanism of orbital blow-out
9.Bite U, Jackson I, Forbes G, Gehring D. Orbital Volume fractures, with a revisit to the work of Raymond Pfeiffer. Plast
measurements in enophthalmos using three-dimensional CT Reconstr Surg 1999;103:1.313-6.
imaging. Plast Reconstr Surg 1985;75:502-7. 31. Failla A. Operativemanagementof injuriesinvolvingthe frontal
10. Bosley W.Osteoplastic obliteration of the frontal sinus. A review sinus. Laryngoscope 1968;78:1.833.
of 100 patients. Laryngoscope \972;82:\A63. 32. Fisher S. Respiratory/cardiac arrest complicating intermaxillary
ll.Burchardt H. The biology of boné graft repair. Clin Orthop fixation. Br) Oral Surg \982\20.\92.
1983; 174:28. 33. Francel T, Birely B, Ringelman P, Manson P. The fate of plates
12.Campiglio G, Signorini M, Candiani P.Superior orbital fissure and screws after facial fracture reconstruction. Plast Reconstr
syndrome complicating zygomatic fractures. Scan J Plast Surg 1992; 90.56&-73.
Reconstr Hand Surg 1995;2£69-72. 34. Freihofer H. Inner inter-canthal and interorbital distance. /
13.Casson P, Bonanno P, Converse J. The midface degloving Maxillofac Surg 1980;&324.
procedure. Plast Reconstr Surg 1974;5J:102-13. 35. FujinoT,Makino K. Entrapment mechanisms and ocular injury
H.Chaushu G, Manor Y, Shoshani Y, Taicher S. Risk factores
in orbital blow-out fractures. PlastReconstr Surg1980;65: 571.
contributing to symptomatic plate removal in maxillofacial 36. Gean A. Imaging of head trauma. NewYork: Lippincott-Raven
trauma patient. Plast Reconstr Surg 2000;705:521-5. Press, 1993.
15.Chen C, Chen Y, Tung T et ai. Endoscopically assisted 37.Genest A. Cranioplasty made easier. Surg Neurol 1978;i&255.
reconstruction of orbital mediai wall fractures. Plast Reconstr 38.Goodale R. Rationale of frontal sinus surgery. Laryngoscope.
Surg 1999; 103:714-20. 1965;75:981-7.
ló.Chuong R, Donoff R. Intraoral open reduction of mandibular 39. GoodsellJ. Traumatic myositis ossificans of the masseter muscle.
fractures. IntJ Oral Surg 1985;/4:22. BrJ Oral Surg 1964;^ 13741.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 495

40. Ghysen D, Ozsarlak O, VanderHauwe L et ai. Maxillo-facial- 63. Kelly K, Manson P, VanderKolk C et ai. Sequencing Le Fort
trauma. JBR - BTR. 2000;83:181-97. fracture treatment./ Cranialfac Surg 1990;7:168.
41. Girotto J, Gamble W, Robertson B et aí. Blindness after reduction 64. Kline L, Morawitz R, Swaid S. Indirect injury of optic nerve.
of facial fractures. Plast Reconstr Surg 1998; 102:1.821-34. Neurosurgery 1984;74:756-64.
42.Girotto J, Mackenzie E, Fowler C et ai. Long-term physical 65.Koorneef L. Current concepts on the management of orbital
impairment and functional outcomes after complex facial blow-out fractures. Ann Plast Surg 1982;9:185-200.
fractures. Plast Reconstr Surg 2001;705:312-26. 66. Kursa A, Patel M. Superior orbital fissure syndrome associated
43.Glassman R, Manson P, VanderKolk C et ai. Rigid fixation of with fractures of the zygoma and orbit. Plast Reconstr Surg
internai orbit fractures. Plast Reconstr Surg 1990;86:1.103-9. 1979;64:715-9.
44.Greenberg R, James R, Marier R et ai. Microbiologic and 67. Kurzer A, Patel M. Superior orbital fissure syndrome associated
antimicrobic aspects of infection in the oral and maxillofacial with fractures of the zygoma and orbit. Plast Reconstr Surg
region. / Oral Surg 1979;57:873-84. 1979;64:715-8.
45. Gruss J. Naso-ethmoid-orbital fractures: Classification and role 68.LaTrenta G, McCarthy J, Breitbart A et ai. The role of rigid
of primary boné grafting. Plast Reconstr Surg 1985; 75:303. skeletal fixation in boné graft augmentation of the craniofacial
46. Gruss J. Craniofacial osteotomies and rigid fixation of post skeleton. Plast Reconstr Surg 1989;54:578-88.
traumatic craniofacial deformities. ScanJ PlastReconstr Hand 69. Lancey M, Antonyshyn O, MacGregor J. Temporal contour
Surg 1995;2/{suppl):83-95. deformity after coronal flap elevation: An anatomical study./
47. GrussJ, BubakP, Egbert M. Craniofacial fractures: an algorithm Crâniofac Surg 1994;5:223.
to optimize results. Clin Plast Surg 1992;7£195. 70. Le Fort R. Etude experimental sur les fractures de Ia machoire
48. GrussJ, Hurwitz J, Nick N et ai. The pattern and incidence of supérieure. Parts I, II, III. Rev Chir Paris 1901;23:201,360, 479.
nasolacrimal injury in naso-orbital-ethmiod fractures: The role 71.Leipziger L, Manson P, Serletti J. Boné grafting in cranialfacial
of delayed assessment and dacrystorhinostomy. BrJ Plast Surg trauma. In: Habal M, Reddi H (eds.) Boné grafts and boné
1985;55: 116-21. substitutes. Philadelphia: WB Saunders, 1992.
49. Gruss J, Mackinnon S. Complex maxillary fractures: Role of 72. Levy R, EdwardsW, MeyerJ, Rosenbaum A. Facial trauma and
buttress reconstruction and immediate boné grafts. Plast 3-D reconstruetive imaging: Insufficiencies and correctives.Am
Reconstr Surg 1986;75:9-22. J Neuro-radiol 1992;75:885-92.
50. GrussJ, Mackinnon S, Kassel E, Cooper P. The role of primary 73. Levy R, Rosenbaum A, Lellman R et ai. Assessing whether the
boné grafting in complex cranialmaxillofacial trauma. Plast plane of section on CT affects aceuracy in demonstrating facial
Reconstr Surg 1985;75:17-24. fractures in 3-D reconstruetions when using a dried skull. Am)
51. GrussJ, Pollock R, PhillipsJ, Antonyshyn O. Combined injuries Neuroradiol 1991;72:861-6.
of the cranium and face. J PlastSurg 1989;42:385. 74. Lewin W.Cerebrospinal fluid rhinorrhea in closed head injuries.
52. GrussJ, PhyllipsJ. Complex facial trauma: The evolving role of BrJ Surg 1954;45:1.
rigid fixation and immediate boné graft reconstruction. Clin 75.Longarker M, Kawamoto H. Evolving thoughts on correcting
Plast Surg 1989;76:93-104. posttraumatic enophathalmos. Plast Reconstr Surg 1998;101:
53. GrussJ, VanWyck L, PhillipsJ, Antonyshyn O. The importance 899-906.
of the zygomaticarch in complex mid facial fracture repair and 76. Luce E. Frontal sinus fractures: Guidelines to management.
correction of posttraumatic orbitozygomatic deformities. Plast Plast Reconstr Surg 1987;50:500-8.
Reconstr Surg 1990;55:878-90.
77. Luce E, Tubb T, Moore A. Review of 1,000 major facial fractures
54.Hardesty R, Marsh J. Craniofacial onlay boné grafting: A and associated injuries. Plast Reconstr Surg 1979;65:26-30.
prospective evaluation of graft morphology, orientation and
embryonic origin. Plast Reconstr Surg 1990;55:1. 78. Manson P. Dimensional analysis of the facial skeleton. Prob
Plast Surg 1991;7:213.
55. Haug R, Schwinner A. Fibrous union of the mandible: A review
of 27 patients. J Oral Maxillofac Surg 1994;52:832-9. 79. Manson PN. Facial fractures. In:Aston SJ, Beasley RW. Thorne
CHM (eds.) Grabb and SmittYs Plastic Surgery 5,h Edition.
56. Howard C. New method of cranioplasty. Surg Ncurol 1980; Philadelphia: Lippincott-Raven, 1997;383-412.
74:385.
80. Manson P. Facial fractures. In: Perspectives in Plastic Surgery,
57. Hueston J.JeomzeJ. Successful earlyreliefofblindnessoceurring Vol. 2. St. Louis: Quality Medicai Publishing 1998;7-36.
after blepharoplasty. Plast Reconstr Surg 1977;59:430-1.
81. Manson P. Some thoughts on the classification and treatment
58.Jabaley M, Lerman M, Sanders H. Ocular injuries in orbital of Le Fort fractures. Ann Plast Surg 1986;77:356.
fractures . A review of 119 cases. Plast Reconstr Surg 1975;
56:410-8.
82. Manson PN. Re-operative facial fracture repair: re-operative
problems. In: Grotting JC (ed.) Aesthetic and Reconstrutive
59. James R, Frederickson C, KentJ. Prospectivestudy of mandibular Plastic Surgery. St. Louis: Quality Medicai Publishing, 1995;
fractures. / Oral Surg 1981;5£257. 677-759.
60.Jeannette B, Miller J. Infection after depressed fracture of the 83. Manson P, Clark N, Robertson B et ai. Subunit principies in
skull; implications for management of non-missile injuries. J midface fractures: The importance of sagittal buttresses, soft-
Neurosurg 1972;56:333-9. tissue reduction and sequencing treatment of segmentai
61. Kalavrezos N, Graetz K, Eyrich G, Sailer H. Late sequelacafter fractures. Plast Reconstr Surg 1999;705:1.287-306.
high midface trauma. / R Coll Surg Edinb 2000;45,6:359-62. 84. Manson P, Clark N, Robertson B, Crawley W. Comprehensive
62. Kawamoto H. Late posttraumatic enophthalmos: A correctable management of pan facial fractures. J Crâniofac Trauma 1995;
deformity? Plast Reconstr Surg 1982;69.423-32. 7:43.
496 Cirurgia Craniomaxilofacial

85. Manson P,Clifford C, Su C etai. Mechanisms ofglobal support 105.Nadei J, Kline D. Primary reconstruction of depressed frontal
and posttraumatic enophthalmos. Part I. The anatomy of skull fractures including those involving the sinus, orbit, and
ligament sling and its relation to intramuscular cone orbital cribriform plate. J Neurosurg 1974;47:200-7.
fat. Plast Reconstr Surg 1986;77:193. 106. Neto F, Faleiros H, RodriguesA. Inervação da face. In:Petroianu
86. Manson P, Crawley W, Hoopes J. Frontal cranioplasty: risk A (ed.). Anatomia cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1999:
factures and choice of reconstructive material . Plast Reconstr 128-41.

Surg 1986;76:888. 107.Paskert J, Manson P. The Bimanual examination for assessing


87. Manson P, Crawley W, Yaremchurk M et ai. Midface fractures: instability in nasoorbitoethmoidal injuries. PlastReconstrSurg
Advantages of immediate extended open reduction and boné 1989;55:165-7.
grafting. Plast Reconstr Surg 1985;76:1-12. 108. Phillips J, Forrest C. Le Fort fractures In: Prein J (ed.). A-O
88. Manson P, Glassman D, Petty P. Rigid stabilization of sagittal manual of internai fixation in the craniofacial skeleton. New
fractures of the maxilla and palate. Plast Reconstr Surg 1990; York: Spring-Verlag, 1998.
55:711-17. 109. Phillips J, Rahn B. Fixation effects on membranous and
89. Manson P,GrivasA, RosenbaumA etai.Studieson enophthalmos. endochondral onlay boné graft revascularization and boné
II. the measurement of orbital injuries and their treatment by deposition. Plast Reconstr Surg 1990;55:891-7.
quantitative CT. Plast Reconstr Surg 1986;77:203-14. HO.Polley J, Ringler S. The use of teflon in orbital floor
reconstruction followingblunt facialtrauma: 20-year experience.
90. Manson P, Hoopes J, Su C. Structural pillares of the facial
Plast Reconstr Surg 1987;79:39-43.
skeleton: An approach to the management of Le Fort fractures.
Plast Reconstr Surg 1980;66:54-60. 111. Psillakis JM. Retalhos de fáscias da Cabeça: Fáscia temporopari-
etal superficiale fáscia temporal profunda. In:Psillakis JM, Zani
91. Manson P, Iliff N. Management of blow out fractures of the
ni SA, MelegaJM etai.(eds.). Cirurgiacraniomaxilofacial: Osteoto
orbital floor. Surv Ophthalmol 1991;55:279-292.
mias estéticas da face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987;93.
92. Manson P, Iliff N. Post-traumatic enophthalmos. In: Marsh J 112. PsillakisJM, Duarte RC. Retalhos da calota craniana. In: Psi
(ed.). Current therapy in plastic and reconstructive surgery. llakisJM, Zanini SA, MelegaJM et ai. (eds.). Cirurgia craniom
Philadelphia: BC Decker, 1989:123-30. axilofacial: Osteotomias estéticas da face. Rio deJaneiro: MEDSI,
93. Manson P, Iliff N. Surgical anatomy of the orbit. In: Marsh J 1987;99.
(ed.). Current therapy in plastic and reconstructive surgery. 113. Psillakis J, Nocchi V, Zanini S. Repair of large defect of frontal
Philadelphia: BC Decker, 1989:117-22. boné with free graft of outer table of parietal bonés. Plast Re
94. Manson P, Markowitz B, Mirvis S et ai. Toward CT- based facial constr Surg 1979;64:827-30.
fracture treatment. Plast Reconstr Surg 1990;54:202. 114. Price J. The midface degloving approach to the central skull
95. Manson P, Ruas E, Iliff N. Deep orbital reconstruction for the base. Ear Nose and ThroatJ 1986;65:46-53.
correction of post traumatic enophthalmos. Clin Plast Surg 115.Price J, Holliday M, Kennedy D et ai. The versatile midface
1987;74:113-21. degloving approach. Laryngoscope 1988;95:291-5.
96. Manson P, Ruas E, Iliff N, Yaremchuk M. Single eyelid incision lló.Putterman A. Late management of blowout fractures of the
for exposure of the zygomatic boné and orbital reconstruction. orbital floor. Trans Am Acad Ophthalmol Otolaryngol 1973;
Plast Reconstr Surg 1987;72120-6. 57:650-9.

97. Manson P, Shark R, Leonard L et ai. Sagittal fractures of the 117.Putterman A, Stevens T, Urist M. Nonsurgical management of
maxilla and palate. Plast ReconstrSurg 1983;72. 484. blowoutfractures of the orbital floor. Trans Am AcadOphthal
98. Markowitz B, Manson P. Pan facial fractures: Organization of mol Otolaryngol 1974;77:650.
treatment. Clin Plast Surg 1989;76:105-10. 118.Remmer D, Boles R. Intracranial complications of frontal si
nus. Laryngoscope 198O;90:1.814-24.
99. Markowitz B, Manson P, Sargent L et ai. Management of the
medicai canthal tendon in naso-ethmoid-orbital fractures: The 119. RileyW, Maxo M. Recognition and avoidanceof ocular motility
importance of the central fragment in classification and pitfalls in plastic surgery. PlastReconstr Surg 1980;66:153-7.
treatment. Plast Reconstr Surg 1991;57:843. 120.Rethi A. Operation to shorten an excessively long nose. Rev
100. Marsh J, Gado M. The longitudinal orbital et projection. A Chir (Plast) 1934;285.
versatileimage for orbital assessment. PlastReconstr Surg1983; 121.Rever L, Manson P, Randolphy B et ai. The healing of facial
77:308-17. boné fractures by the process of secondary union. PlastRecon
lOl.Mayer J, Wainwright D, Yeakley J et ai. The role of three- str Surg 1991;57:451-8.
dimension computated tomography in the management of 122.Rinehart G, Marsh J, Hemmer K, Bresina S. Internai fixation
maxilo-facial trauma. J Trauma 1988;25:1.043-53. of malar fractures: An experimental biophysical study. Plast
102.Mélega S. Ligamentos palpebrais: Anatomia cirúrgica e Reconstr Surg 1989;54:21-7.
reinserções ligamentares. In: Psillakis JM, Zanini SA, Melega 123.Rohrich R, Adams W. Nasal fractures management: Minimiz-
JM et ai.(eds.)Cirurgia craniomaxilofacial: Osteotomias estéticas ing secondary nasal deformities. Plast Reconstr Surg 2000;
da face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987;123. 706:266-72.

103. MicheletF, Dewes J, DessusB.Osteosynthesiswith miniaturized 124.Rohrich R, Shewmake K. Evolving concepts of cranio-
screwed plates in maxillofacial surgery.J Maxillofac Surg1973; maxillofacial trauma management. Clin Plast Surg 1992;7£1.
7:79.
125.Rougier J, Tessie P, Hervouet F et ai. Les traumatismes orbi-
104. Munro I. The Luhr fixation system for the craniofacial skeleton. taires. In: Rougier J, Tessie P, Hervouet F et ai. (eds.). Chirurgie
Clin Plast Surg 1989;76:49. Plastique Órbito-Palpebrale. Paris: Masson, 1977:77-83.
Seqüelas dos Traumatismos de Face 497

126.Sherick D, Buchman S, Patel P. Pediatric facial fractures: analy 133.Tajima S, Tanaka Y, Imai K et aí. Extended coronal flap- "dis
sis of differences in subspecialty care. Plast Reconst Surg 1998; masking flap" for craniofacial and skull base surgery. Bulletin
702:28-31. of the Osaka Medicai College. 1993; 59:1-8.
127. Soares E. Órbita, vias lacrimais e pálpebra. In: Petroianu A(ed.) 134.ThaIler S, Kawamoto H. Care of maxillofacial injuries:Surveyof
Anatomia cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1999:149-61. plastic surgeons. Plast Reconstr Surg 1992; 90.562-6.
128.Stanley R. The zygomatic arch as a guide to reconstruction 135.Tong L, Bauer R, Buchman S. A Current 10-year retrospective
of comminuted malar fractures. Arch Otorryngol 1989; 775: surveyof 199surgically treated orbital floor fractures in a nonur-
1459. ban tertiary care center. Plast Reconst Surg 2001; 705612-20.
129.Stanley R, Sires B, Funk G, Nerad J. Management of dis- 136.Yaremchuk M. Changing concepts in the management of sec
placed lateral orbital wall fractures associated with visual and ondary orbital deformities. Clin Plast Surg 1992; 79113-24.
ocular motility disturbances. Plast Reconstr Surg 1998; 702: 137.Whitaker L, Yaremchuk M. Secondary reconstruction of post
972-9. traumatic orbital deformities. Ann Plast Surg 1990; 25:440-9.
130.Sturla F, Abri D, BuquetJ. Anatomical and mechanical consid 138.Walker R. Maxillofacial injuries. BrJ Surg 1969; 56:726.
erations of craniofacial fractures: An experimental study. Plast 139. Zanini AS. Incisões e descolamentos. In: Psillakis JM, Zanini
Reconstr Surg 1980; 66:815-20. SA, MelegaJM et ai. (eds.) Cirurgia craniomaxilofacial: Osteot
131.Sturla F, Zanini S, Luy M. Pneumatic orbital ring traumatism. omias estéticas da face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987; 73.
In:ElyJ (ed.) In transaction of The Seventh International Con- 140. Zanini AS, Psillakis JM. A face e a calota craniana como área
gress of Plastic and Reconstruction. Surgery, Rio de Janeiro, doadora de enxertos ósseos. In:PsillakisJM, Zanini SA, Melega
May 20 - 25, 1979. São Paulo: SBCP. Campinas: CARTOGRAF. JM et ai. (eds.) Cirurgia craniomaxilofacial: Osteotomias estéti
1980:279-81. cas da face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987; 89.
132.Tajima S, Sugimoto C, Tajino R et ai. Surgical treatment of 14 l.Zins J. Whitaker L. Membranous vs endochondral boné: Impli-
malunited fractures of zigoma with diplopia and with com- cation for craniofacial reconstruction. PlastReconstrSurg1983;
ments on blowout fractures.J MaxillofacSurg 1974; 2:201. 72:778-84.
Parte 3 - MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS
Craniomaxilofaciais

Cranioestenoses e
Craniofacioestenoses

Nivaldo Alonso

Wilson Cintra Jr.

CRANIOESTENOSES
nas em associação com deformidades de palato15. Se
gundo Virchow, a sutura estenosada restringia o cres
O fechamento precoce de uma ou mais suturas crania cimento do crânio no sentido perpendicular e pro
nas é chamado de cranioestenose e pode levar a altera movia um desenvolvimento compensatório paralela
ções funcionais e estéticas do crânio e da face. mente à sutura afetada". A relação entre as alterações
Hipócrates descreveu pela primeira vez as cranio da forma e a ocorrência de problemas funcionais foi
estenoses em 100 a.C, notando alterações no forma observada por Virchow e von Graefe, em 1851 e 1866,
to do crânio, e correlacionou-as com as suturas envol- respectivamente, sendo von Graefe quem correlacio
vidas'\ Oribasios, médico grego da época do Impera nou as cranioestenoses com a presença de amauroseu
dor Júlio, relatou a presença de deformidades crania (Fig. 38-M e B).

Fig. 38-1 A. Aspectos morfológicos de um


S paciente portador de cranioestenose
complexa envolvendo várias suturas
cranianas (crânio em trevo, Kleeblattschàdel
Vista frontal. B. Vista de perfil.

498
Cranioestenoses e Craniofacioestenoses 499

Incid e n c i a

A incidência das cranioestenoses, quando não ocor


rem em pacientes portadores de alguma anomalia, é
estimada entre 4:1.000 e 1:1.000 nascidos vivos12. Sín-
dromes congênitas associadas, como de Apert, Crou-
zon, Carpenter e Pfeiífer, apresentam a cranioestenose
como uma de suas características, estando sua incidên
cia estimada em 1:200.000 nascidos vivos, nas síndro-
mes de Apert e Crouzon, relacionada geneticamente à
síndrome original. O mesmo pode acontecer com al
guns distúrbios metabólicos, como o raquitismo, que
varia conforme a gravidade da doença de base12.

Fig. 38-2. Opacificaçôo da cõrnea em paciente portador de sín


Etiopatogenia drome de Apert.

A etiopatogenia da cranioestenose é complexa e en


volve uma multiplicidade de fatores. Albright e Byrd Renier13 observaram que a pressão intracraniana estava
acreditavam que a sutura afetada era a causadora da elevada em 14% dos recém-nascidos com fusão preco
anomalia1. A teoria mais aceita é a de que a sutura cra ce de apenas uma sutura e em 47% com mais de uma
niana é o sítio secundário de crescimento ósseo do sutura acometida. Os principais sintomas decorrentes
crânio, e o desenvolvimento do crânio se faz confor do aumento da pressão intracraniana são cefaléia, irri-
me o crescimento do tecido cerebral, sendo compen tabilidade, vômitos c agitação. No exame radiológico,
satório e mecânico em função do mesmo e tecidos podemos encontrar irregularidades ósseas na calota
moles da face, como os globos oculares18. Moss afir craniana, geralmente na tábua interna, decorrentes do
mou que o fechamento da sutura era influenciado pelas contato e pressão do encéfalo sobre o tecido ósseo; e
aderências fibrosas da dura-máter às suturas da base também sinais de hidrocefalia, como aumento do vo
do crânio18. Do ponto de vista experimental, dúvidas lume intravcntricular e apagamento dos sulcos do cé
ainda persistem, pois alguns autores obtiveram mode rebro15.
los de alterações craniofaciais em animais em que as As alterações visuais podem estar relacionadas di
estenoses foram produzidas através de restrições exter retamente com o aumento da pressão intracraniana
nas no crânio ao nível das suturas com enxertos ósseos ou com deformidades causadas pelo fechamento pre
autógenos1", com manipulação das suturas"' e com a coce das suturas. Pode haver protrusão do globo ocu
colocação de cola de metileianoacrilato sobre as sutu lar em decorrência da hipoplasia do rebordo orbitário
ras20, levando a anormalidades na relação topográfica superior ou de toda cavidade orbitária, que podem
do esqueleto craniano. ocasionar ceratites e conjuntivites de repetição que, se
Estudos mais recentes mostram que a interação não tratadas, podem levar à amaurose (Fig. 38-2).
entre a sutura craniana e a dura-máter talvez seja me
diada pela produção de IGF-I e IGF-II, que estimula
Classificação das Cranioestenoses
riam a produção de osteoblastos e favoreceriam a os-
sificação precoce através da osteocalcina5. Estudos ge Conforme a sutura estenosada, ocorre um crescimen
néticos levaram â caracterização de genes que regulari to ósseo compensatório do crânio e, conseqüentemen
am o correto desenvolvimento dos ossos do crânio, e te, tem-se uma forma característica do crânio, isto é, o
mutações gênicas que afetassem esses genes seriam res crânio cresce paralelamente ao eixo da sutura esteno
ponsáveis pelo aparecimento dessas síndromes''. O pe sada. Baseado nesta afirmação, Virchow estabeleceu uma
ríodo de ossificação deve estar relacionado à expres classificação que ainda hoje é utilizada12 (Fig. 38-3).
são de genes em proteínas existentes na matriz extra- a. Sutura sagital: escafocefalia.
celular25. b. Sutura metópica: trigonocefalia.
As principais alterações funcionais da cranioeste c. Sutura coronal: plagiocefalia (unilateral) e braquice-
nose são: aumento da pressão intracraniana, hidroec- (ália (bilateral).
falia, retardo mental e alterações visuais. Marchac e d. Suturas múltiplas: turricefalia e oxicefalia
500 Cirurgia Craniomaxilofacial

BRAQUICEFALIA - ESTENOSE DA SUTURA


CORONAL BILATERAL

Quando ocorre fechamento precoce bilateral das su


turas coronais, há uma redução do diâmetro ântero-
posterior e aumento compensatório do diâmetro bi
temporal. Pode estar associada a alterações do desen
volvimento da face, e podem-se ainda encontrar graus
variados de exoftalmia.
As características morfológicas faciais que ocor
rem na plagiocefalia podem estar presentes em outras
anomalias, como a microssomia craniofacial e o torci-
colo congênito, pois, apesar de não haver estenose
unilateral precoce da sutura coronal, ocorre tração as
simétrica ou hipodesenvolvimento unilateral da face.

TURRICEFALIA OU ACROCEFALIA -
ESTENOSE DE MÚLTIPLAS SUTURAS
Deformidade caracterizada pelo crânio em forma de "tor
re" com aumento vertical da região frontal. É devida a
estenoses múltiplas associadas, geralmente, à bicoronal.

OXICEFALIA - ESTENOSE DE MÚLTIPLAS


SUTURAS

Alteração caracterizada pela retroversão da região fron


Fig. 38-3. Classificação das cranioestenoses — Virchow.
tal que tem geralmente uma diminuição da dimensão
horizontal e elevação da região da fontanela anterior.
A escola francesa considera a oxicefalia como a forma
ESCAFOCEFALIA - ESTENOSE DA SUTURA
do crânio presente em indivíduos do norte da África
SAGITAL
que possuem o crânio com forma pontiaguda como
A fusão prematura da sutura sagital é caracterizada por um tipo de fechamento tardio de várias suturas, prin
um crânio estreito e alongado com diminuição do diâ cipalmente das suturas metópica e coronal14.
metro bitemporal. Muitas outras formas de crânio podem ser encon
tradas conforme as suturas envolvidas, não tendo de
TRIGONOCEFALIA - ESTENOSE DA SUTURA nominações específicas.
METÓPICA A freqüência das suturas estenosadas varia de acor
do com os vários autores2-3I21s. Alonso er ai. observa
O crânio toma a forma triangular na fossa craniana an
ram escafocefalia em 25,7% dos casos, plagiocefalia em
terior, e a região frontal assume uma forma de "quilha".
22,2%; braquicefalia, trigonocefalia e oxicefalia em
aproximadamente 10%; e os 22% restantes distribuí
PLAGIOCEFALIA - ESTENOSE DA SUTURA dos entre as cranioestenoses associadas a síndromes3.
CORONAL UNILATERAL, GERANDO UMA
ASSIMETRIA

O lado afetado apresenta uma diminuição do diâme CRANIOFACIOESTENOSES


tro ântero-posterior com elevação da órbita e sobran O fechamento precoce de suturas da calota e da base
celha em relação ao lado não afetado. Como o cresci do crânio, associado a alterações das estruturas dos
mento ósseo contralateral continua normal, este apre ossos da face, é por nós chamado de craniofacioeste-
senta um abaulamento na região frontal e, geralmen nose. Dentre as anomalias congênitas que apresentam
te, distopia ínfero-lateral da órbita. A ponta nasal está a craniofacioestenose como uma de suas característi
em geral desviada para o lado afetado, e a orelha está cas, destacamos como as principais a síndrome deApert
posicionada mais anterior e superiormente. e a doença de Crouzon.
Cranioestenoses e Craniofacioestenoses 501

Síndrome de Apert Tratamento


A acrocefalossindactilia, ou síndrome de Apert, foi O tratamento das cranioestenoses e craniofacioesteno
descrita por um neurologista francês em 1906, tem ses visa liberar as estruturas estenosadas e permitir um
transmissão genética autossômica dominante, apresenta crescimento normal do encéfalo, evitando aumento
incidência entre 1:100.000 e 1:160.000 nascidos vivos e da pressão intracraniana e atingindo uma forma crani
é caracterizada por cranioestenose, exorbitismo, hipo ana esteticamente satisfatória. Após introdução de
plasia tridimensional severa dos ossos do terço médio novos conceitos em cirurgia craniofacial por Tessier, a
da face, sindactilia de mãos e pés, presença de bossa cirurgia craniomaxilofacial tem avançado rapidamen
frontal, palatoogival, um nariz curto chamado de "nariz te por vários caminhos: uso de enxertos autólogos de
de papagaio", fenda palpebral antimongólica e outras crânio, refinamentos nas técnicas de estabilização, re-
alterações esqueléticas, além de alterações da oclusão introdução de técnicas criativas para a correção do ter
dentária, como mordida aberta ou cruzada2,4,15-29. ço médio da face, desenvolvimento das técnicas de
tomografia computadorizada em três dimensões e avan
Doença de Crouzon ço nas técnicas para anestesia do paciente22 (Fig. 384).
A idade ideal para tratamento das alterações cra-
Descrita por um neurologista francês em 1912, é carac niofaciais é entre 6 meses e 1 ano, porém deve-se ante
terizada por cranioestenose e alterações faciais que se cipar este prazo quando tais alterações são mais seve
assemelham à face do sapo, chamada frog-like, quando ras ou quando sintomas como hipertensão intracrani
existe exorbitismo acentuado associado à hipoplasia e ana aumentada, alterações visuais, hidrocefalia ou re
retrusão do terço médio da face. O nariz geralmente é tardo mental estão presentes.
normal ou alongado, e as partes moles não encontram O objetivo da correção cirúrgica precoce é a me
espaço para se acomodarem, o que ocasiona o exorbi lhora funcional e estética, e as técnicas utilizadas são
tismo e a boca aberta com exposição da língua. Sua remodelagem óssea unilateral ou bilateral da fronte e
transmissão é genética autossômica dominante de ocor da calota craniana.
rência esporádica e penetrância quase completa. Asso O tratamento das cranioestenoses causadas pela
ciadas ao exorbitismo, mais acentuado do que na sín estenose precoce das suturas cranianas foi descrito pela
drome de Apert, podemos encontrar outras alterações primeira vez por Lannelongue e Lane, respectivamen
oculares, como: nistagmo, estrabismo e atrofia do ner te, em 1890 e 1892, mas foi com o advento das I e II
vo ótico2,715. Guerras Mundiais que a cirurgia craniomaxilofacial
Quando tratados em tempo hábil, isto é, antes de teve seu grande desenvolvimento, devido aos grandes
os pacientes completarem 1 ano de idade, geralmente traumatismos de face10,11.
não evoluem com retardo mental. Após ter adquirido grande experiência com o tra
Existem muitas outras síndromes que apresentam tamento dos traumatismos de face, Gillies relatou a
o fechamento precoce de suturas do crânio ou da base realização do primeiro avanço total dos ossos da face
do crânio e que são muito menos freqüentes, como: em paciente com doença de Crouzon8. No entanto, o
• Síndrome de Pfeifer: de transmissão genética autos grande idealizador, e considerado "pai" das osteoto
sômica dominante, esta síndrome é caracterizada por mias para tratamento de alterações ósseas cranianas e
cranioestenose, aumento no espaço da primeira co-
missura dos pés com hálux aumentado de tamanho,
exorbitismo variável, hipoplasia do terço médio da
face e alterações da cavidade oral e da órbita seme
B A^m^\
lhantes à síndrome de Apert ou doença de Crou
NV/' ^1
zon21. tf 1 \- 1
• Síndrome de Carpenter: etiologia autossômica reces 1f
^l> -^^i
A1 B

siva caracterizada por cranioestenose, polissindactilia vp\


_ A / ^^ A \btr
em pés e diminuição das dimensões das mãos com
sindactilia dos tecidos moles em graus variáveis15. >TÍ
t^ Á3 \.
• Síndrome de Saethre-Chotzen: transmissão autossô
mica dominante com penetrância total caracterizada
por cranioestenose, baixa linha capilar anterior, pto- Fig. 38-4. Técnica para remodelagem frontoorbital bilateral que
se palpebral, desvio de septo nasal e braquidactilia6,24. pode ser utilizada para deformidades unilaterais — Marchac, 1982.
502 Cirurgia Craniomaxilofacial

••:•* * 2.

3n nj

Fig. 38-5A. Paciente


portador de estenose
precoce da sutura
coronal bilateral, 3 anos
de idade, com alteração
morfológica de crânio e
fronte e hipoplasia do
rebordo supra-orbital.
Pré-operatório. B. Vista
de perfil. C. Aspecto
intra-operatório da
remodelagem
frontoorbital realizada
com a remoção do
rebordo frontoorbital
bilateral — técnica de
Marchac. D. Esquema
do avanço e
remodelagem
realizada. E. Pós-
operatório com 1 mês.
Vista frontal. F. Pós-
operatório recente. Vista
de perfil.
G. Pré-operatório.
H. Pós-operatório
tardio após 2 anos.
Cranioestenoses e Cianiofacioestenoses 503

Fig. 38-6. Esquema de remodelagem frontocraniana para plagiocefalia —Tessier, 1981.

Fig. 38-7A. Paciente portador de


craniofacioestenose (doença de
Crouzon). Nota-se a presença de
exoftalmia severa associada à
retrusão do terço médio da face.
Pré-operatório, vista frontal.
B. Pós-operatório de 1 ano após
avanço e remodelagem frontoorbital.
C. Pré-operatório. Vista de perfil.
D. Pós-operatório de avanço
frontoorbital. Vista de perfil.
E. Pós-operatório após avanço do
terço médio da face. Vista frontal.
F. Pós-operatório. Vista de perfil.
504 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 38-8A. Paciente


com plagiocefalia
esquerda em uso de
aparelho para avanço
progressivo unilateral da
área afetada. Vista
superior. B. Vista inferior.

faciais, foi Paul Tessier, através de importantes traba 3. Alonso N, Marchac D, Renicr D et ai. Análise de 405 pacientes
portadores de craniossinosto.se operados no Hospital Necker
lhos científicos que relacionavam anatomia e técnica Enfants Malades no período de 1976-1986. Anais 23^ Congres
cirúrgica inovadoras e revolucionárias23,28'30. so Brasileiro de Cirurgia Plástica, 1987.
Os ossos do crânio (frontal, parietais, porções in- 4. Apert E. De L'acricephalosyndactylkie. Buli Soe Med Hosp
traparietais do occipital e temporal) são divididos por Paris 1906;2?:1.310.
porções cartilaginosas que são os sítios primários de 5. BradleyJR Han VK, Roth DA, LcvincJR McCarthyJC, Lon-
ossificação responsáveis pelo crescimento do crânio. gaker MT. Increased IGF-I and IGF-II mRNA and IGF-I pepti-
de in fusing rat cranial sutures suggest evidence for a paracrine
Sabemos que o crescimento é compensatório e me role of insulin-like growth fàctors in suture fusion. Plast Re
canicamente estimulado pelo aumento do volume ence- constr Surg \999;104(\):129.
fálico e, por isso, o tratamento consiste em craniotomias 6. Chotzcn F. Unusual família! dcvelopmental disturbanecof face
com mobilização dos fragmentos ósseos e suas devidas (acrocephalosyndactylia, craniofacial dysostosis and hypertelo-
fixações, como avanço do osso frontal e da barra frontal risin). Monatschr Kinderh 1932;55:97.
supra-orbital18, do terço médio orbitário ou avanço late 7. Crouzon O. Dysostose, crânio-facialc hereditairc. Buli Soe Med
Hosp Paris 1912;JJ:545.
ral dos parietais com ou sem interposição de enxertos
8. Gillies H, Harrison SH. Operative correction by osteotomy of
ósseos; remodelações ósseas. As fixações podem ser feitas rcccsscd malar maxillary compound in a case of oxycephaly. Br
com miniplacas e parafusos inabsorvíveis ou absoivíveis, J Plast Surg 1950-51;5:123.
ou ainda com fios de aço. O tipo de remodelação óssea 9. Lajeunie E, Catala M, Renier D. Craniosynostosis: from a clini
depende da forma do crânio23'27 (Fig. 3S-5A a F). cai clescription to an understanding of boné formation of the
No tratamento tardio podemos realizar avanços skull. Childs New Syst 1999,75(11-12):676-80.
craniofaciais em monobloco de órbitas e terço médio 10. Lane LC. Pioneer craniotomy for releif of mental imbecility
due to premature sutural closure and microccphalus. JAMA
da face (Fig. 3S-7A a F), osteotomias maxilomandibu- 1892;75:49.
lares, tipo LeFort II ou III (Fig. 38-6). Atualmente, o 11. Lannelongue J. De Ia cranicctomic dans Ia microccphalic. CR
processo de alongamento ósseo através da distração Acad Sei 1890;7/ftl.382.
osteogênica do terço médio da face tem sido de fun 12. Marchac D, Renier D. Boston: CraniofacialSurgery for Cranio
damental importância no tratamento de hipoplasias synostosis, 1982.
faciais17 (Fig. 3S-SA e B). Em pacientes adultos com 13. Marchac C, Renier D. Intracranial pressure in craniosynosto
sis. J Neurosurg 1982;57:370.
oclusão dentária satisfatória, associamos técnicas de
14. Marchac C. Pcrsonal Comunication, 1990.
camuflagem com o uso de materiais aloplásticos ou
15. McCarthy JG. Craniosynostosis. In: McCarthy JG, Epstein FJ,
enxertos ósseos e cirurgias complementares, como ri Wood-Smith D (eds.) Plastic Surgery. Philadelphia, 1990:3.013-53.
noplastia, cantoplastia e tração cutânea. 16. McCarthy JG et ai. Craniofacial suture manipulation in ncw-
born rhesus monkey. In:Caronii P (eds.) Craniofacial Surgery.
Boston, 1985:3.
17. Molina F, Ortiz-Monastério F. Mandibular elongation and rc-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS modclling by distraction. Farwell to major osteotomies. Plast
1. Albright AL, Bird RR Suture pathology in craniosynostosis.J Reconstr Surg 1995;5tf:825.
Ncurosurg 1981;54384. 18. Moss ML. The pathogenesis of premature cranial Synostosis in
2. Alonso N. Etude des complications. Hospital Nccker Enfants nwn. Acta Anat (Basel) 1959;57:351.
Malades entre 1976-1986. Universitc Renc Descartes, Paris V, 19. Ortiz-Monastério F, Fucntc dei Campo A, Carrillo A. Advance-
Memoire d Assistam Etranger, 1986. ment of the orbits and the midface in one piece combined with
Cranioestenoses e Craniofacioestenoses 505

frontal repositioning for the correction of Crouzon deformiti 26. Tessier P. Osteotomies totales de Ia face. Syndrome de Crouzon,
es. Plast Reconstr Surg 1978,67:507. syndrome de Apert, oxycephalies, scaphocephalies, turri-
20. Persing JA, Babler WJ, Jane JA etai. Skull expansion in experi cephalies. Ann Chir Plast 1967; 72271.*
mental craniosynostosis. Plast Reconstr Surg 1986;7#594. 27. Tessier P, Guiot J, Rougeric J et ai. Osteotomies crânio-naso-
21. Pfeiffer RA. Dominant Erbliche Akrocephalosyndaktylie. Z orbito-faciales. Hipertelorisme. Ann Chir Plast 1967;72103.
Kinderheilkd 1964;Í>0:3O1. 28. Tessier P. Relationship of craniostenoses to craniofacial dysos-
22. Posnick JC. Craniofacial dysostosis. Staging of reconstruction toses, and to faciostenoses: a study with a therapeutic implicati-
and management of the midface deformity. Neurisurg Clin N ons. Plast Reconstr Surg 1971a;4&224.
Am 1991;<?(3):683. 29. Tessier P. The definitive plastic surgical treatment of the severe
23. Psillakis JM, Zanini AS, Melega JM et ai. Cirurgia Cranioma facial deformities of craniofacial dysostosis, Crouzon's and
xilofacial: Osteotomias Estéticas da Face. São Paulo: MEDSI, Apert's disease. Plast Reconstr Surg 1971c;4&419.
1987. 30. Tessier P. Orbital Hypertelorism. Successive surgical attempts,
24. Saethre H.Oxycephaly (Turmschadel), Its neuro-psychiatric symp- material ans methods, causes and mechanisms. Scand J Plast
toms, pathogenesis and heredity. Norsk Mag Laegevidensk Surg 1972;6:135.
\9l\;92:l92. 31. Virchow R. Ubcr den Cretinismus, namentlich in Franken,
25. SpectorJA, Mehara BJ, Greenwald JA et ai. A molecular analy und uber pathologische Schadelformen. Verhandl Phys-Med
sis of the isolated rat posterior frontal and sagittal sutures: Di- Gessellschr Wurzburg 1851;2:241.
fferences in gene expression. Plast Reconstr Surg 2000;106(4): 32. Von Graefe A. Uber neuroretinitis und Gervise Fallefulmi-
852-61. nierende Erbinding. Arch Ophthalmol 1866;72:114.
Disostoses Craniofaciais

Mareus Vinícius Martins Collares


Pedro Dogliotti
Luis Carlos Acevedo Rangel

e acometem as suturas: coronal (14,4%), sagital (6%) e


ASPECTOS GERAIS
metópica (5,6%). Sinostose familiar da lambdóidea é
A craniossinostose é definida como o fechamento pre rara. Anomalias associadas são mais freqüentes em sé
coce das suturas do crânio, sendo etiológica e patoge- ries de coronal do que em séries de sagital. Os tipos de
neticamente heterogênea. Esta fusão prematura pode anomalias geralmente associados à cranioestenose sin-
acontecer isolada ou associada a outras anomalias, com drômica são: defeitos nos membros, anomalias de ore
pondo várias síndromes. A cranioestenose representa lha e malformações cardiovasculares.
um distúrbio grave para o crescimento craniano nor Estima-se que a incidência de craniossinostose seja
mal, estando freqüentemente associada a deformida de aproximadamente 0,34-0,48:1.000 nascidos vivos, sen
des grosseiras do crânio e da face e, menos freqüente do observada em brancos, negros e asiáticos. Segundo a
mente, com dano funcional do cérebro, dos olhos, da literatura, a sutura mais comumente afetada é a sagital
passagem de ar pelas cavidades nasais e da relação oclu- (58%), seguida pela coronal unilateral ou bilateral (22%),
sal maxilomandibular. metópica e, finalmente, a lambdóidea. Com envolvimen
A etiologia é complexa e multifatorial, existindo to da sagital há preponderância para o sexo masculino de
várias teorias que tentam explicar sua formação. Sugere- 3:1. Quando a coronal está envolvida, há normalmente,
se que a ocorrência de craniossinostose primária seja mas não sempre, uma predileção leve para o sexo femini
resultante de aderências fibrosas da dura ligadas na base no. Em muitos casos há o envolvimento de múltiplas
do crânio, ou também de defeitos vasculares. Está cla suturas. Há ainda casos mais graves, em que o envolvi
ro que nas craniossinostoses secundárias existe um pro mento da estenose se estende pelo esqueleto facial, como
cesso compensatório e mecânico, em função do cére nas síndromes de Crouzon, Apert e Pfeifer, entre outras.
bro. Sabe-se que diversas anormalidades cerebrais(p. ex., A indicação para o tratamento cirúrgico está base
microcefalia, holoprosoencefalia), nem todas passíveis ada na prevenção de distúrbios funcionais (neurológi
de tratamento, alterações metabólicas (hipofosfatemia, cos, oftalmológicos, respiratórios, mastigatórios), na
hipercalcemia) e outras condições, como HAS e raqui melhora da morfologia craniofacial e no favorecimen-
tismo, estão associadas à craniossinostose. to do desenvolvimento psicossocial da criança.
A maioria dos casos de craniossinostose isolada O aumento na pressão intracraniana (PIC) ocorre
são esporádicos, mas casos familiares foram relatados em 42% dos casos, quando há envolvimento de múlti-

506
Disostoses Craniofaciais 507

pias suturas, e em 13%, quando uma única sutura está lateral ou bilateral é evidente em dois terços dos paci
envolvida. É importante ressaltar que sinais clínicos entes. Apinhamento de dentes do maxilar é comum, e
de hipertensão intracraniana são encontrados em me a erupção ectópica dos primeiros molares maxilares
nos de 1% dos casos de craniossinostose. acontece em aproximadamente 47% dos casos. Mordi
As deformidades puramente cranianas podem ser da aberta anterior, sobreprojeção mandibular e apinha
plenamente corrigidas a partir de um diagnóstico ade mento dental também são observados, geralmente nos
quado. Já as estenoses múltiplas e as deformidades que dentes anteriores.
envolvem também o esqueleto facial são menos com Hidrocefalia progressiva, herniação tonsilar crô
preendidas, mais graves e, por esses motivos, têm solu nica e estenose do forame jugular com obstrução ve-
ção menos efetiva. O advento da distração osteogêni- nosa acontecem com freqüência significativa. Dores
ca parece estar trazendo avanços consideráveis nesse de cabeça estavam presentes em 29% dos casos. Ata
segmento, embora um longo caminho ainda deva ser ques epilépticos aconteceram em 12%, e deficiência
trilhado. mental marcada foi encontrada em apenas 3%.
Déficit de audição condutivo é encontrado em
55% e atresia dos canais auditivos externos acontece
PRINCIPAIS SÍNDROMES em 13% dos casos. Desvio do septo nasal foi observa
da em 33% das séries de Kreiborg. Calcificação do li
Crouzon gamento estilo-hióideo é especialmente comum, sen
do achada em 88% dos pacientes.
A síndrome de Crouzon, descrita em 1912, é caracteri
zada por craniossinostose, hipoplasia de maxilar, órbi
tas rasas e proptose ocular. O padrão de transmissão é
autossômico dominante com expressividade variável, Apert (Acrocefalossindactilia)
sendo 67% dos casos familiares e 33% esporádicos. O A síndrome de Apert é caracterizada por craniossinos
aumento na idade paterna é fator de risco para novas tose, malformações do terço médio da face e sindacti
mutações. A síndrome de Crouzon tem uma prevalên lia simétrica das mãos e pés, envolvendo pelo menos
cia de 1:25.000 nativivos. os dígitos 2, 3 e 4.
Mais de 30 mutações para a síndrome de Crouzon A prevalência da síndrome de Apert é de aproxi
ficam situadas em IglII de FGFR2 (fibroblast growth madamente 1:65.000 nativivos. Embora a maioria dos
factor receptor 2). Aproximadamente meia dúzia dessas casos sejam esporádicos, representando mutações no
também são achadas na síndrome de Pfeiffer. vas, transmissão autossômica dominante com penetrân
Braquicefalia é a deformidade mais freqüente, mas cia completa tem sido relatada muitas vezes. A idade
escafocefalia, trigonocefalia e crânio em forma de tre paterna aumentada está associada com casos esporádi
vo podem ser observados. Várias suturas podem estar cos, assim como a origem de mutações novas é exclu
prematuramente comprometidas na maioria dos ca sivamente de origem paterna. Wilkie descobriu duas
sos (coronal e sagital, 20%; coronal, sagital e lambdói mutações na região entre Igll e IglII em FGFR2:
dea, 75%; sagital e lambdóidea, 4%). O fechamento Ser252Trp e Pro253Arg. Ser252Trp responde por apro
das suturas, fontanelas e sincondroses ocorre mais cedo ximadamente dois terços dos casos; Pro253Arg é acha
na síndrome de Crouzon do que na síndrome deApert. do em aproximadamente um terço. Ser252Trp é asso
A proptose ocular, uma característica que aconte ciado mais freqüentemente com fenda palatina e
ce em 100% dos casos, é secundária à órbita rasa e re Pro253Arg em geral é achado nos casos de sindactilia
sulta em uma freqüência alta de conjuntivite de expo severa.

sição e ceratite. Luxação do globo ocular foi observa Durante a infância há um defeito ósseo largo na
da em alguns casos. Exotropia é um achado extrema linha média craniana que se estende da glabela à fonta-
mente comum (77%). Baixa visão acontece em aproxi nela posterior. A área da coronal está fundida ao nasci
madamente 46% dos casos, com atrofia óptica encon mento. Só a sutura lambdóidea forma interdigitações
trada em 22% e cegueira em 7%. visíveis em radiografia ou diretamente no crânio. Hi-
A dimensão ântero-posterior do arco dental está peracrobraquicefalia geralmente é observada, e o occi-
encurtada pela hipoplasia do maxilar. A largura do arco púcio é aplanado. Abaulamento na região bregática
dental também está reduzida, e o arco constrito dá o ou ligeiramente anterior a ela pode ser notado em al
aspecto de paladar altamente curvado, embora a altu guns casos. A base craniana é malformada e freqüente
ra palatal seja normal. Mordida cruzada posterior uni mente assimétrica. A fossa craniana anterior é muito
508 Cirurgia Craniomaxilofacial

curta. As órbitas rasas, o etmóide alargado e hipertele- mordida aberta anterior e mordida cruzada anterior e
orbitismo são achados associados. A asa menor do es posterior. Retardo na erupção dental é um achado
fenóide se inclina para cima e lateralmente. A asa mai comum.

or está protruída. Uma porção significativa de pacientes é mental


O terço mediano da lace é retruído e geralmente mente retardada. Porém, pacientes com inteligência
hipoplásico, resultando em prognatismo mandibular normal e acima da média foram observados.
relativo. A ponte nasal está baixa e o septo está fre Cohen e Kreiborg relataram ausência ou defeito
qüentemente desviado (Fig. 39-1). do corpo caloso, defeitos de estruturas límbicas, ou
Hiperteleorbitismo, proptose, rotação inferior da ambos. Foram encontradas ainda hipoplasia da subs
fenda palpebral c estrabismo são freqüentemente ob tância branca cerebral e massa cinzenta heterotópica
servados. Ausência do músculo reto superior foi rela em alguns casos. Hidrocefalia progressiva é incomum
tada. Alterações estruturais dos músculos extra-ocula- e é freqüentemente confundida com ventriculomega-
res também são encontradas, indicando que aquelas lia de distorção, que é muito comum.
perturbações da motilidadc ocular na síndrome de Uma massa na porção central da mão que envolve
Apert podem não ser causadas somente por fatores no mínimo o segundo, terceiro e quarto dedos está
mecânicos. quase sempre presente. O primeiro e o quinto dedos
Fissura do paladar mole ou úvula bífida é obser podem estar unidos à massa ou estar separados. Quan
vada em 30% dos casos. O paladar duro é mais curto. do o dedo polegar está livre, é largo e diverge radial-
do que o normal, mas o paladar mole é mais longo e mente. Nos pés, os achados são similares. As unhas
mais espesso do que o normal. dos dedos dos pés podem estar separadas ou parcial
A combinação de dimensões reduzidas na nasofa- mente contínuas. Os grandes dedos dos pés são largos
ringe e na patência da coana nasal posterior leva à e hüllu.x varus é geralmente observado. Calcificação
ameaça de dificuldade respiratória grave e corpuhno- progressiva e fusão dos ossos das mãos, pés e espinha
nale, especialmente na criança jovem. Traquéia cartila cervical se tornam radiograficamente visíveis com a
ginosa sólida tem sido descrita. idade.
O arco dental maxilar que é hipoplásico e em for Acne vulgar, com extensão incomum para os an-
ma de "V" apresenta grande apinhamento dental e tebraços, pode ser vista em mais de 70% dos pacientes
abaulamento dos processos alveolares. Má oclusão tipo a partir da adolescência.
Classe III de Angle está geralmente presente, com Outros achados importantes são defeitos cardio
vasculares, em aproximadamente 10% dos casos, e ano
malias geniturinárias, também em 10% dos casos.

Pfeiffer
>M
Em 1964, Pfeiffer descreveu uma síndrome que consis
m^Êm' • te em craniossinostose, dedos polegares largos, grandes
HE
dedos dos pés largos e uma característica variável, sin
dactilia parcial de tecidos moles das mãos. Em alguns
casos, os dedos polegares podem ser normais (Fig. 39-2).
f ~ ' W^ Um padrão consistente de transmissão autossô
mica dominante foi relatado por vários autores. A
<*&
penetrância é completa e a expressividade, muito vari
ável. Casos esporádicos também foram observados.
Muenke e outros mostraram mutações que cau
sam síndrome de Pfeiffer em FGFR1 e FGFR2. Só uma
^W ''
mutação é achada em FGFR1 na região entre Igll e
"'•yV IglII: Pro252Arg. Mutações múltiplas são conhecidas
em FGFR2, em IglII. Em aproximadamente 45% dos
casos não foi identificada mutação. Mutações comuns
1 V
envolvem Cys278 e, particularmente, Cys342. Ser351Cys
Fig. 39-1. Síndrome de Apert. também é comum e caracteriza um fenótipo grave.
Disostoses Craniofaciais 509

exemplos. São observados hipoplasia do maxilar e prog-


natismo mandibular relativo. A ponte nasal é baixa.
Hiperteleorbitismo, rotação inferior da fissura palpe
bral, proptose ocular e estrabismo são comuns.
Ventriculomegalia de distorção, defeito na linha
médio do crânio, hidrocefalia progressiva e herniação
cerebelar são geralmente encontrados.
Os polegares e o hálux são largos, normalmente
com deformidade em varo. Sindactilia de partes mo
les podem envolver o segundo e terceiro dígitos e às
vezes o terceiro e quarto de mãos e pés.
Foram descritos fusão de vértebras cervical e lom
bar. Outras anormalidades incluíram estenose das coa-
nas, patência do dueto arterioso, estenose do piloro,
ptose de pálpebras, escleralização da córnea, hipopla
sia do nervo óptico, apêndice pré-auricular, canais au
ri ditivos externos ausentes, deficiência auditiva, úvula
RüMI bífida, dentes supranumerários e hipertrofia gengival.
Fig. 39-2. Síndrome de Pfeiffer.

CLASSIFICAÇÃO
Porém, nem todos esses pacientes têm polegares ou
hálux largos ou grandes, assim, por definição, não têm Deformidades do Crânio
síndrome de Pfeiffer. As mutações espontâneas pare
cem ser de origem paterna. O método descritivo é sem dúvida o melhor para clas
Craniossinostose grave e hipoplasia do andar mé sificar as deformidades cranianas. A craniometria, como
dio da face, proptose ocular mais pronunciada e, tal o índice cefálico horizontal —(máxima largura/máxi
vez, dedos polegares mais largos estão mais provavel mo comprimento) X 100 —, que pode ser medido tan
mente associados com mutações em FGFR2 do que to diretamente no crânio como em radiografias do
crânio, pode servir de ajuda principalmente na avalia
com a única mutação em FGFR1, embora haja algu
ma sobreposição. ção de resultados e seguimento dos pacientes.
O método descritivo é aparentemente simples
Cohen propôs três subtipos clínicos de síndrome
desde Virchow. Ele mostrou que uma fusão prematu
de Pfeiffer com tendências de prognóstico. A síndro
ra de uma sutura craniana determinaria falta de cresci
me de Pfeiffer clássica (tipo 1) é mais compatível com
mento na direção perpendicular à desta sutura e que
a vida e inteligência normais ou próximas do normal
haveria um crescimento compensatório na direção da
na maioria dos casos. Famílias com padrão de trans
sutura afetada. Assim, a classificação deve ser baseada
missão autossômico dominante foram registradas. A
na forma resultante do crânio.
síndrome de Pfeiffer tipo 2 é caracterizada por meio
Esta classificação é prática desde que as definições
de crânio em forma de trevo, proptose ocular grave,
sejam claras (Fig. 39-3):
envolvimento importante do SNC com hidrocefalia,
anquilose/sinostose de cotovelo, dedos polegares e • Escafocefalia —apresenta-se como um estreitamento
hálux largos e outras anomalias de freqüência inco transverso do crânio e um alongamento ântero-poste
mum. Todos os casos conhecidos foram esporádicos. rior, freqüentemente com uma bossa frontal. Essa de
A síndrome de Pfeiffer tipo 3 é semelhante à do tipo formidade corresponde à estenose da sutura sagital.
2, mas sem o crânio em forma de trevo. Achados im • Trigonocefalia — caracteriza-se pela forma triangu
portantes incluem proptose ocular grave, órbitas rasas lar da região frontal, estreitamento bitemporal an
e encurtamento marcado da base craniana anterior. Ou terior, e corresponde ao fechamento precoce da su
tras anomalias de freqüência incomum podem ser en tura metópica.
contradas no tipo 3, como também no tipo 2. Até o • Plagiocefalia frontal —a região frontal apresenta-se
presente, casos tipo 3 foram esporádicos. aplanada e retroposicionada no lado afetado; abau-
O crânio no tipo 1 é normalmente turricefálico. ladae, freqüentemente, deslocada caudalmente no lado
Assimetria craniofacial pode estar presente em alguns contralateral. Essa deformidade afeta a face num gran-
510 Cirurgia Craniomaxilofacial

de número de casos e é ocasionada pelo fechamen falia são usadas muitas vezes indiscriminadamente para
to prematuro e unilateral da sutura coronal. definir qualquer das deformidades causadas pela este
• Plagiocefalia occipital —esta deformidade é caracte nose dessa sutura. Portanto, é importante clarificar sua
rizada por um aplanamento da região occipital uni- definição.
lateralmente e proeminência da região frontal ipsio- • Braquicefalia —é primariamente devida a um encur
lateral. Em muitos casos há evidência clara de escle- tamento ântero-posterior do crânio e da sua base. A
rose e fusão da sutura lambdóidea, embora essa de barra frontal está fortemente retroposicionada, e a
formidade possa estar relacionada, também, com parte superior da região frontal está abaulada na in
pressão postural nessa área. Quando a gênese é sim fância, verticalizando-se mais tarde. Um excessivo
plesmente postural, não há, a princípio, indicação aumento compensatório na dimensão látero-lateral
de tratamento cirúrgico. do crânio é típico.
É mais difícil definir claramente as deformidades • Oxicefalia —apresenta-se por definição como um
causadas pelo fechamento prematuro de toda a sutura crânio pontudo. A região frontal, freqüentemente
coronal. As palavras braquicefalia, oxicefalia e turrice- estreitada, está inclinada para trás em continuidade

Fig. 39-3A. Escafocefalia.


B. Trigonocefalia.
C. Plagiocefalia frontal.
D. Braquicefalia.
E. Oxicefalia. F. Trifilocefalia.
Disostoses Craniofaciais 511

com o dorso nasal. A forma dita verdadeira dessa O hiperteleorbitismo pode estar presente em for
deformidade somente aparece mais tarde, durante ma geralmente leve nos casos de Crouzon e mais
o crescimento do crânio. O fechamento da sutura marcadamente nos pacientes com Apert. Os casos
coronal se dá somente após 1 ano de idade, e a de mais severos são aqueles em que a craniossinostose
formidade está estabelecida por volta dos 3 anos. está associada a fissuras faciais.
Ao contrário da braquicefalia, praticamente não há O hipotelorismo está associado à trigonocefalia,
envolvimento facial. No entanto, o fechamento de fusão prematura da sutura metópica.
múltiplas suturas, geralmente com crânios peque • Andar médio da face —a hipoplasia maxilar é a prin
nos, pode apresentar esse tipo de deformidade até cipal deformidade no andar médio da face associa
mesmo em recém-nascidos. da à craniossinostose. A maxila é hipoplásica e o
• Turrícefalía —caracteriza-se por um crânio em for palato é arqueado e estreito, caracterizando uma má
ma de torre e alargado. Pode-se dizer que a turricefa- oclusão Classe III de Angle. Essa deformidade pode
lia representa casos extremos de braquicefalia. É pre variar desde casos leves, notadamente em estenoses
ciso ressaltar que pode haver envolvimento da sutu coronais não-sindrômicas, até casos extremamente gra
ra lambdóidea e, nestes casos, a região occipital fica ves, caracterizados como facioestenoses. As facioeste-
especialmente aplanada. Quando a sutura lambdói noses estão mais associadas às craniossinostoses sin
dea está envolvida, a deformidade pode ser ainda drômicas e podem causar obstrução severa da via aé
chamada de paquicefalia. rea superior, inclusive com risco de morte súbita.
• Combinações —é necessário ressaltar que são pos As craniossinostoses assimétricas, como a plagio
síveis associações de estenoses; por exemplo, uma es- cefalia frontal e muitos casos entre as sindrômicas,
cafocefalia com uma plagiocefalia occipital verdadeira. podem causar alterações caracterizadas como facio-
No entanto, a expressão mais dramática dessas com escoliose.
binações é a trifilocefalia. Geralmente desenvolvida
intra-útero, é a manifestação de extenso fechamen
to precoce de múltiplas suturas. A de-formidade é DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR
conhecida como crânio em forma de trevo (clover
íeaf) e se apresenta como grandes projeções crani O diagnóstico complementar deve incluir avaliação
anas temporais e bregmática separadas por ban genética, oftalmológica, neurológica e a busca de qual
das de constrição óssea e da dura. Quase sempre quer outra malformação associada.
está associada com hidrocefalia comunicante se O diagnóstico radiológico inicial deve incluir ra
vera. diografias do crânio em perfil e PA. A esclerose óssea
na sutura craniana define o diagnóstico da craniossi
nostose. Outros dados a serem buscados são sinais de
Deformidades Faciais hipertensão intracraniana, como as impressões digiti-
formes ou sinal da "prata-batida".
Deformidades faciais podem ocorrer nas craniossinos
A tomografia computadorizada (TC) é essencial
tose isoladas, mas são muito mais freqüentes associa
para o diagnóstico de possíveis deformidades cerebrais
das às craniossinostoses sindrômicas:
e é de grande valia no planejamento do tratamento
• órbita —a orbitoestenose é a associação mais fre cirúrgico. Neste caso, as imagens tridimensionais são
qüente e levaà insuficiente cobertura do globo ocular as mais úteis.
pelo esqueleto, caracterizando um exoftalmo relati O monitoramento da pressão intracraniana (PIC)
vo. Essa deformidade está presente e é significativa não deve ser feito de rotina pelos riscos que ocasiona.
mente agravada pela hipoplasia maxilar nos pacien No entanto, em casos extremos, a monitorização da
tes com síndromes de Crouzon, Apert e Pfeifer. Alte PIC pode ser muito útil, notadamente no pré e trans-
rações na visão binocular pela divergência dos eixos operatório.
visuais estão presentes em um número considerável As cefalometrias são de valor limitado, já que não
de pacientes. O fechamento das pálpebras pode estar existem padrões adequados para esses pacientes e as
seriamente dificultado, levando à conjuntivite de re deformidades da base do crânio impedem que as refe
petição. rências mais importantes possam ser utilizadas.
A distopia orbital ocorre na plagiocefalia frontal O seguimento desses pacientes deve ser feito com
e freqüentemente em síndromes como as de Sea- radiografias do crânio a cada 6 meses, nos dois primei
thre-Chotzen e Apert. ros anos, e anualmente, até o final do crescimento era-
512 CirurgiaCraniomaxilofacial

niofacial. A TC é muito útil em momentos seleciona verdadeiras (Figs. 39-4 e 39-5). A tática utilizada varia
dos para avaliação do resultado e planejamento de no segundo a deformidade a ser tratada. As deformidades
vas intervenções. que afetam a órbita, como a trigonocefalia (Figs. 39-6
A ressonância nuclear magnética deve ser reserva e 39-7), a braquicefalia (Figs. 39-8 e 39-9), a oxicefalia, a
da para os casos em que o diagnóstico preciso de al turricefalia e plagiocefalia frontal (Figs. 39-10 e 39-11)
terações cerebrais a torne necessário. são tratadas com remodelação craniorbital. Já as de
formidades exclusivamente cranianas, como a escafo-
cefalia (Figs. 39-12) e a plagiocefalia occipital (Figs. 39-
TRATAMENTO 13), são tratadas com remodelação craniana total, sem
mobilização das órbitas.
Princípios
O tratamento é baseado no conhecimento da história
natural da doença e no entendimento da patologia e Avanço Facial
da patogênese. A decisão de operar ou não está basea A deformidade facial é óbvia nas síndromes craniofa
da na previsão dos efetivos ou potenciais danos causa ciais. A projeção dos olhos, o nariz curto e a oclusão
dos pela craniossinostose, orbitoestenose e facioeste- invertida são estigmas típicos desses pacientes. Inade
nose. Esta decisão pode ser tomada também pela im quada proteção ocular e dificuldades na respiração são
portância que graves deformidades estéticas podem ter os principais problemas funcionais.
no desenvolvimento psicossocial desses pacientes. E A osteotomia tipo Le Fort III corrige a retrusão
importante ressaltar que operações mais tardias são facial ao avançar todo o andar médio da face. A abor
mais difíceis, mais traumáticas para a criança, e que os dagem é feita através de incisão coronal e, em alguns
resultados geralmente não serão tão satisfatórios. casos, na pálpebra inferior (subciliar ou transconjunti-
O objetivo da cirurgia é corrigir a deformidade val). Uma osteotomia transversa deve ser feita na base
morfológica e impedir que haja nova fusão óssea. Para nasal com o osteótomo dirigido para a fossa nasal.
tanto, grandes seguimentos ósseos são mobilizados e Deve-se tentar preservar a mucosa nasal, dissecando a
modelados. Os espaços deixados entre esses fragmen sua cúpula retrogradamente, embora nos avanços mé
tos permitirão o crescimento cerebral em ritmo e dire dios e grandes seja praticamente impossível mantê-la
ção adequados, evitando uma nova fusão. intacta. A disjunção pterigomaxilar é feita por cima,
As craniossinostoses graves com sinais de hiper pela abordagem coronal, sem entrar na cavidade oral.
tensão intracraniana requerem tratamento no momento A mobilização é na maioria das vezes fácil, usando-se
do diagnóstico. Se o paciente tiver menos de 3 meses, movimentos leves com pinças de Rowe (Fig. 39-14).
a técnica indicada é a craniectomia parcial, visando A parte mais complicada é a fixação, nem tanto
unicamente tratar a hipertensão, sem aumentar os ris na parte superior, onde os enxertos ósseos podem ser
cos com uma cirurgia mais extensa. Nesses casos, a re adequadamente fixados, com placas absorvíveis nas
modelação craniana total pode ser feita num segundo crianças, nos espaços criados na base do nariz, parede
tempo, 3 a 6 meses após a descompressão inicial. lateral da órbita e zigoma. O grande problema está na
Há três tipos de táticas a serem empregadas no região pterigomaxilar, onde é raro obter um enxerto
tratamento das disostoses craniofaciais: remodelação ósseo satisfatório. Também existe a dificuldade de se
craniana ou craniorbital (quando não há deformidade obter fixação intermaxilar na dentição primária. Al
do andar médio), avanço do andar médio (em tempo guns autores usam fixações transósseas maxilomandi-
distinto da remodelação craniana, nos casos de retru- bulares. Onde seja possível, fixação intermaxilar deve
são também da maxila) ou avanço frontofacial ou em ser mantida por 6 semanas nesse tipo de cirurgia.
monobloco (como tratamento primário ou secundá Mesmo com todos esses cuidados, a tendência para
rio das craniofacioestenoses). a recorrência da deformidade é muito alta em crian
ças. A tração facial reversa obtida através da máscara
facial de Delaire, com contrapressão no mento e na
Remodelação Craniana
região frontal, pode ser útil. Sempre que possível (ca
A descompressão cerebral precoce com remodelação sos em que a função ou as relações sociais não estejam
craniofacial é o tratamento de escolha no manejo des gravemente afetadas), deve-se esperar pela dentição de
ses pacientes. Este procedimento é geralmente feito finitiva para fazer o avanço facial, depois de um apro
entre 3 e 6 meses de vida, exceto nas oxicefalias ditas priado tratamento ortodôntico.
Disostoses Craniofaciais 513

Fig. 39-4. Remodelação craniorbital para oxicefalia.

s^-~~~——~ "-
~~~N
A \
\
\ 1
\ B t f!
\, /'
i A

* -^ *4 B \ II
/
M
W - ^xa7
N^» / Ij

k
(k Ktf+^Fuí
A B

Fig. 39-5. Remodelação craniorbital para oxicefalia. Fig. 39-6. Remodelação craniorbital para trigonocefalia.

Avanço Frontofacial a oclusão e o perfil. No entanto, é comum a deteriora


ção do resultado devido à dificuldade de fixação e à
Esta abordagem é utilizada primariamente em mui
própria história natural da doença. A fixação intermaxi
tos centros nas craniofacioestenoses graves. Nesses pa
lar é praticamente impossível de ser mantida, e a másca
cientes, importantes problemas respiratórios e alimen-
ra de Delaire só poderia ser aplicada depois dos 2 a 3
tares estão presentes. Pode ser feita em duas peças
anos de vida (pressão no frontal é indesejada).
(frontorbital e Le Fort III) ou em monobloco (Figs.
Além disso, o maior problema desta técnica esteja
39-15 e 39-16). Assim como nas remodelações crani-
talvez relacionado com o aumento do risco devido ao
orbitais, a face, quando avançada em conjunto, tam
tempo operatório prolongado, à perda sangüínea e à
bém fica livre para ser empurrada pelo crescimento
possível contaminação intracraniana pela fossa nasal.
do cérebro. A fixação do bloco frontofacial avançado
é feita somente nas paredes laterais da órbita c na área
da crista galli por meio de enxertos ósseos ou mini-
NOVAS TÉCNICAS
placas absorvíveis.
O monobloco é mais fácil de estabilizar do que A preocupação com os riscos inerentes às cirurgias ra
um Le Fort III. Assim, essa operação resolveria a com dicais de avanço frontofacial e a evolução das técnicas
pressão cerebral, a proteção ocular, a respiração nasal, de distração osteogênica, que migraram dos ossos lon-
514 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 39-7. Craniossinostose


decorrente do fechamento
prematuro da sutura metópica
(trigonocefalia).
A. Pré-operatório.
B. Seis meses de
pós-operatório.
C Deformidade frontotemporal,
transoperatório.
D. Transoperatório final,
remodelação craniorbital.

gos (Ilizarov) para a mandibula (McCarthy, Monasté-


rio), fizeram com que essa técnica finalmente chegasse
ao andar médio da face.
As vantagens inicialmente observadas na aplicação
da distração osteogênica no avanço frontofacial são: evi
tar o descolamento amplo da dura, diminuir o tempo
cirúrgico e a conseqüente perda sangüínea, evitar o es
paço morto na fossa anterior produzido pelo avança-
mento imediato e evitar a comunicação cranionasal.
A abordagem também é feita por meio de uma
incisão e descolamento coronal. As osteotomias na base
do crânio são feitas através de uma pequena cranioto-
Fig. 39-8. Floaiing Forehead para o tratamento da braquicefalia. mia glabelar e temporal. A videoendoscopia pode ter
Disostoscs Craniofaciais 515

•y

!"V.

/A

I
. -

Fig 39-9. Craniossinostose decorrente do fechamento prematuro das suturas coronal e lambdóidea (paquicefalia). A. Pré-operatório.
B. Seis meses de pós-operatório. C. Pré-operatório, perfil. D. Seis meses de pós-operatório, perfil. E. Raios X, pré-operatório. F. Raios X,
pós-operatório de ó meses. G. Ruptura da tábua óssea por hipertensão intracraniana. H. Remodelação craniofacial, barra frontorbital. 1.
Transoperatório, remodelação craniana total + orbital.

um papel relevante e facilitador para essas osteotomias, tabelecidas. Também são muitos os modelos de distra-
aumentando a segurança do procedimento. As osteoto tores usados para essa situação, tanto internos como
mias faciais são feitas de maneira usual. Cabe ressaltar externos, não havendo ainda um aparelho reconhecido
que as osteotomias devem ser completas e o segmento como ideal. O processo de distração pode começar no
afetado deve ser mobilizado em todas as direções (Fig. terceiro dia pós-operatório e ter ritmo de 0,5mm a cada
39-17). Como este processo é recente, as variáveis a se 12 horas. A interrupção se dá quando se estabelece uma
rem consideradas (início e ritmo de distração, tempo de correta relação esquelética. Os aparelhos são removidos
consolidação) ainda não têm regras completamente es depois da consolidação óssea (8 semanas) (Fig. 39-18).
516 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 39-10. Remodelação craniorbital para plagiocefalia frontal.

Fig. 39-11. Craniossinostose devido ao fechamento prematuro da sutura coronal à direita (plagiocefalia frontal). A. Pré-operatório. B. Seis
anos de pós-operatório. C Deformidade frontal, pré-operatório. D. Transoperatório, remodelação craniorbital.
Disostoses Craniofaciais 517

Fig. 39-12.
Craniossinostose devido
ao fechamento prematuro
da sutura sagital
(escafocefalia).
A. Pré-operatório.
B. Seis anos de
pós-operatório.
C. Deformidade
frontoparietoccipital,
pré-operatório.
D. Pós-operatório,
remodelação
craniana total.

Fig. 39-13.
Craniossinostose devido
ao fechamento prematuro
da sutura sagital e
lambdóidea unilateral
(escafocefalia +
plagiocefalia occipital).
A. Pré-operatório.
B. Cinco anos de
pós-operatório.
C Deformidade
frontoparietoccipital,
tomografia
computadorizada
pré-operatória.
D. Transoperatório,
remodelação
craniana total.
518 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 39-14. Avanço facial tipo Le Fort

Fig. 39-15. Avanço frontofacial simultâneo.

COMPLICAÇÕES
A complicação mais dramática no tratamento das cra
niossinostoses é a laceração do seio sagital. O trata
mento deve ser rápido com aposição de material he-
mostasiante (Gelfoam, Surgicel etc), sutura e/ou cola
gem de aponeurose. O anestesista deve estar prepara
do para repor grande quantidade de sangue em pouco
tempo com bomba de infusão ou seringa.
O sangramento trans e pós-operatório imediato
(pode chegar a trocar a volemia) pode levar, também,
a distúrbios da coagulação, se não tratado adequada Fig. 39-16. Avanço frontofacial em monobloco.
mente.

O edema cerebral também pode ser dramático e


levar ao óbito, se não diagnosticado e tratado com
hiperventilação e, eventualmente, com manitol.
A laceração da dura deve ser identificada e trata
da. Uma fístula liquórica no pós-operatório, dentre
outros problemas, pode impedir a rcvascularização dos
enxertos ósseos, levando-os a necrose e osteomielite.
Portanto, o seu tratamento no pós-operatório deve ser
precoce e cuidadoso: decúbito elevado, touca crania
na apertada (se possível), punção lombar e até mesmo
reintervenção.
A comunicação cranionasal pode levar a infecção
do SNC e osteomielite dos enxertos.
Complicações respiratórias podem também estar
presentes e devem ser monitoradas. Fig. 39-17. Esquema da osteotomia craniofacial em bloco.
Disostoscs Craniofaciais 519

Fig. 39-18A e B. TC mostrando neoformação óssea


na parede lateral da órbita e região pterigomaxilar.
C a E. Telerradiografia de perfil pré, trans e
pós-distração. Notar a correção da oclusão.
F e G. Paciente feminina, 5 anos, com síndrome de
Crouzon. Pré e pós-operatório.

• Crâniofacioestenose — decidir entre monobloco ou


RESUMO DAS INDICAÇÕES
dois estágios. O grau da deformidade facial será de
terminante.
Criança Vista logo após o Nascimento
Em todos os casos, notadamente nas craniofacioes-
• Estenose grave — descompressão imediata (craniec-
tenoses graves, considerar a distração osteogênica como
tomia). Cirurgia mais definitiva dos 3 aos 6 meses.
• Braquicefalia —o mais breve possível (3 meses). Apro a opção mais resolutiva e com menor morbidade.
veitar ao máximo o crescimento do cérebro. O grau
da deformidade vai determinar o tipo de cirurgia Criança Vista mais tarde
(craniorbital ou craniofacial). Distração osteogêni • Oxicefalia —cirurgia imediata, alto índice de aumen
ca, se possível. to da PIC.
• Trigonocefalia, escafocefalia e plagiocefalia —em tor • Outras, sutura única envolvida —a correção pode
no dos 6 meses de vida. Risco menor de aumento ser feita a qualquer momento. As deformidades es
da PIC; muitos apresentam somente deformidade. tarão mais acentuadas, exigindo maiores remodela-
520 CirurgiaCraniomaxilofacial

ções e, após os 3 anos de idade, até mesmo enxertos 12. Dogliotti P, Nadai E, Rodriguez JC. Craniofacial distraction en
bloc: a 3 year follow up. BrazJ Craniomaxillofac Surg 2001;
ósseos na calota craniana. 4(1):13-6.
• Craniofacioestenose — decidir entre monobloco ou 13. Falavigna A, Ferreira NP, Kraemer JL. Manitol fundamentos
dois estágios. O grau da deformidade facial será para sua utilização. Rev Amrigs 1997;4i(l):41-7.
determinante. 14. Fearon A,KolarJC, Munro IR.Trigonocephaly associated hypo-
telorism: Is treatment necessary? Plast Reconstr Surg 1996;
Em todos os casos, notadamente nas craniofacioes- ?7{3):503-9.
tenoses graves, considerar a distração osteogênica como 15. FearronJA Whitaker LA. Complications with facial advance-
a opção mais resolutiva e com menor morbidade. ment: a comparison between the Le Fort III and monobloc
A época adequada para o avanço facial é uma ques advancements. Plast Reconstr Surg 1993;í>Í:990-5.
tão aberta. A maior parte das crianças operadas no pri 16. Fok H, Jones BM, Gault DG, Andar U, Hayward R. Relati-
meiro ano de vida, seja pela técnica de monobloco ou onship between intracranial pressure and intracranial volume
in craniossinostose. BrJ PlastSurg 1992;45:394-7.
avanço facial, necessita de novo avanço ao redor dos 6
17. Hoffman HJ, Mohr G. Lateral canthal advancement of the
anos de idade e talvez novamente na adolescência. Pa supraorbital margin: a new corrective technique in the treat
rece bastante claro que o avanço facial só deve ser fei ment of coronal synostosis. / Neurosurg 1976;45:376-81.
to precocemente nos casos em que a deformidade é 18. HoytJ, Ruas E, Solomon L, Love L.IntraoperativeICP monito-
tão grave que a motivação seja minimizar momenta ring in craniossinostose. PlasticSurgical Fórum 64 nd Annual
neamente problemas funcionais muito importantes. Scientific Meeting, 1995:66-7.
Esperamos que a distração osteogênica, além de 19. Kreiborg S, Marsh JL, Cohen Jr MM et ai. Comparative tree
dimensional analysis of CT scans of the calvaria and cranial
minimizar a morbidade e melhorar o invólucro cutâ
base in Apert and Crouzon syndromes.J CrânioMax FacSurg
neo, possa solucionar o problema da recidiva nas cra- 1993;27:181-8.
niofacioestenoses. 20. Lajeunie E, Le Merrer M, Bonaiti Pellie C, Marchac D, Renier
D. Genetic study of scaphocephaly. Am J Med Genet 1996;
62(3):2S2-5.
21. Marchac D, Renier D. "Le-front flottant".Traitement precoce
des faciocraniostenoses. Ann Chir Plast 1979;24:121-6.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 22. Marchac D. Craniofacial dysostosis. In: Mustardé JC, Jackson
IT,3 ed. Surgery in Infancyand Childhood. NewYork: Churchi
1. Amaral CRM, Buzzo CL, Rinco T, Seraphim CRS. Long-term
ll Livingstone, 1988:209-224.
follow-up of craniossinostose e treatment by gradual boné dis-
traction. BrazJ Craniomaxillofac Surg2001;4(1):7-12. 23. Mathijssen IM, Vaandrager JM ei ai. The role of boné centers
in the pathogenesis of craniossinostose: an embryologic appro
2. Apert E. De I'acrocephalosyndactlie. Bulletins et Memories
ach using et measurements in isolated craniossinostose and
Societe Medicale des Hopitaux de Paris 1906;25:13-0.
Apert and Crouzon syndromes. Plast Reconstr Surg 1996;
3. Cinalli G, Renier D, Sebag G, Saint Rose C, Arnaud E, Pierre 98(1):17-26.
Kahn A. La "malformation" de Chiari clans le syndrome de
24. McCarthy JG, Cutting CB.The timing of surgical intervention
Crouzon. Arch Pediatr 1996;5:433-9.
in craniofacial anomalies. Clin Plast Surg 1990;77:161-82
4. Cinalli G, Renier D, Sebag G, Sainte Rose C, Arnaud E, Pierre
25. Ortiz Monasterio F, Fuente Del Campo A, Carrillo A. Advan
Kahn A. Chronic tonsillar herniation in Crouzon's and Apert's
cement of the orbits and the midface in one piece, combined
syndromes: the role of premature synostosis of the lambdoid
with frontal repositioning for the correction of Crouzon's de
suture. J Neurosurg 1995;&3(4):575-82.
formities. Plast Reconstr Surg 1978;<íi:507-16.
5. Cohen Jr MM, Kreiborg S. Suture formation, premature sutu-
26. PosnickJC, Al Qattan M, Armstrong D. Extradural dead space
ral fusion, and suture default zones in apert syndrome. Am J
following monobloc and facial bipartition osteotomies for re
Med Gen 1996;62:339-44.
construction of craniofacial malformations. PlastSurg Fórum
6. Cohen Jr MM, Kreiborg S. Visceral anomalies in the Apert 62nd Annual Scientific Meeting, 1993:205-7.
syndrome. Am J Med Gen 1993;45:758-60.
27. Renier D. Intracranial pressure in craniossinostose: pre and
7. Cohen Jr MM, Kreiborg S. Cranial size and configuration in the postoperative recordings correlations with functional results. In:
Apert sydrome. / Craniofac Genet Dev Biol. 1994;14:153-62. Persing JA Edgerton MT,Jane JA (eds.). Scientific Foundations
8. Cohen Jr MM, Kreiborg S. The central nervous system in the and Surgical Treatment ofCraniossinostose. Baltimore: Williams
Apert syndrome. Am J Med Genet 1990;55:36-45. & Wikins; 1989:263-9.
9. Cohen Jr MM, Kreiborg S, Lammer EJ, Cordero JF, Mastroia- 28. Roddi R, Vaandrager JM, Gilbert PM, van der Meulen JCH.
covo P, Erickson JD. Birth prevalence study of the Apert syn Reshaping of the skullin the earlysurgical correctionof scapho
drome. Am J Med Genet 1992;42:655-9. cephaly.J CrânioMax Fac Surg 1993;21:226-33.
10. Collares MVM, Pinto RAP, Chem RC et ai. Non-syndromic 29. Shuster BA, Norbash AM, Schendel SA. Correction of scapho
cranioestenoses: analysis of 103 operated cases. BrazJ Cranio cephaly secondary to ventricularshunting procedures. Plast Re
maxillofac Surg 2000;J(1):17-20. const Surg 1995;í'ó(5):1012-9.
11. Crouzon O. Dysostose cranio-faciale herediataire. Bulletins et 30. Steinberger D, Reinhartz T, Unsold R, Moller U. FGFR 2 mu-
Memories SocieteMedicale desHopitaux de Paris 1912;55:545. tation in clinically nonclassifiable autosomal dominant crani-
Disostoses Craniofaciais 521

ossinostose with pronounced phenotypic variation. Am J of 34. Tokumaru AM, Barkovich J, Cirillo SF, Fdwards MS. Skull base
Med Gen 1996;<í£81-6. and calvarial deformities: association with intracranial changes in
31. Tessier P. Apért's syndrome: acrocephalosindactilia type I. In: craniofacial syndromes. AmJ Neuroradiol 1996;17.619-30.
Caronni EP (ed.). Craniofacial Surgery. Boston: Little, Brown, 35. Van der Meulen JCH. Mediai faciotomy. BrJ Plast Surg 1979;
1985:280. 52:339-42.

32. Tessier P. Osteotomies totalesde Ia face. Syndrome de Crouzon, 36. Whitaker LA, Schut L, Kerr LP. Early surgery for isolated crani
Syndrome d'Apert: Oxcephalies, scaphocephalies, turricephalies. ofacial dysostosis. Plast Reconstr Surg 1977;<íft575.
Ann Chir Plast 1967;72:273-86. 37. Zanini SA, Pagioli Neto E et ai. Trigonocephaly. J Craniofac
33. Tessier P. Relationship of craniostenoses to craniofacial dysos Surg 1993;5(3):85-9.
tosis and to faciosynosis: a studywith therapeutic implications. 38. Zanini SA, Viterbo F, Parro FHS. Apert's syndrome: modificati-
Plast Reconstr Surg 1971;45:224-37. on in corrective techniques.J Craniofac Surg 1996;/(1):79-81.
Seqüência de Pierre Robin

Lídia D'Agostino
Henrique Cardoso Tardelli

1:30.000, sendo que trabalhos com séries maiores mos


INTRODUÇÃO
tram uma incidência ao redor de l:8.500NV2-\
A presença de micrognatia (e/ou retrognatia), associa Um dos fatores principais para a disparidade en
da a glossoptose e obstrução das vias aéreas superiores tre os dados da literatura são os diferentes critérios
caracteriza a seqüência de Pierre Robin15,17, . A pre adotados para o diagnóstico dessa doença, além da alta
sença de fissura palatina posterior em formato de "U" taxa de síndromes associadas, o que torna mais com
invertido pode coexistir em cerca de 70% a 80% dos plexa a identificação da anomalia.
casos, e é considerada condição necessária para o diag Entre as síndromes associadas, as mais prevalentes
nóstico por alguns autores3,9,12'14,2-'' (Fig. 40-1). são: Síndrome de Stickler (miopia progressiva, surdez,
A seqüência de Pierre Robin (SPR) tem uma inci displasia espôndilo-epifisária e fácies de perfil achata
dência muito variável na literatura mundial, variando do)7, que em algumas séries está presente em até 35,6%
de 1:2.000 nascidos vivos (nv)n em algumas séries, até dos pacientes diagnosticados com SPR; velocardiofa-
cial (fissura palatal, hipoacusia, CIV, arco aórtico direi
to, microcefalia)7, cércbro-oculofacial (artrogripose neu-
rogênica, microcefalia, microftalmia e catarata)7, Trea-
cher-Collins, Down, Nager (hipoplasia radial do mem
bro superior, hipoplasia dos ossos zigomáticos, defei
tos da audição)7, Silver Russell (baixa estatura, assime
tria óssea, quinto dedo pequeno)7, entre outras menos
freqüentes3-28. Na literatura, em até 70% dos casos, a
SPR apresenta-se em conjunção a outras síndromes1,14,26
e há autores que consideram que mesmo os casos iso
lados podem ter algum aspecto hereditário, devido à
história familiar positiva para fissuras labiopalatais em
quase 28% dos casos9, o que é reforçado por estudos
Fig. 40-1. Paciente com seqüência de Pierre Robin, apresentando mostrando uma associação desta anomalia com uma
fissura característica em palato. deleção intersticial 2q32.3-q33.2.

522
Seqüência de Pierre Robin 523

HISTÓRICO cas3. Seja qual for a etiologia, o posicionamento exces


sivamente posterior da mandibula em relação à maxi
A SPR, inicialmente classificada como síndrome, foi la leva ao deslocamento posterior da língua e a uma
descrita primeiramente por Shukowsky, em 1911, quan alteração na dinâmica da musculatura extrínseca da lín
do então propôs o tratamento mediante glossopexia15; gua (Figs. 40-2 a 40-4).
entretanto, foi a descrição clássica e detalhada do esto-
Este posicionamento anômalo da língua, além de
matologista francês Pierre Robin, em seu trabalho de
promover uma obstrução das vias aéreas pelo colaba-
1923 intitulado "La chute de Ia base de Iangue condi- mento da hipofaringe, pode impedir a fusão das lâmi
dérée connne une nouvelle cause de gene dans Ia respi- nas palatinas na linha média, que ocorre entre a 8a e a
ration naso-phaiyngienne"19, que deu nome à enfermi
10a semanas de vida intra-uterina, por interpor-se a elas,
dade e iniciou os estudos acerca do problema.
resultando em uma fissura característica, em "U" in
vertido, no palato posterior26.
A queda da base da língua é considerada a princi
FISIOPATOLOGIA
pal causa da obstrução respiratória; no entanto, dados
O termo seqüência —diferentemente de síndrome, que provenientes de estudos endoscópicos nesses pacien
constitui um conjunto de sinais —implica numa rela tes dão conta de outros mecanismos envolvidos, des
ção de causalidade, onde uma malformação ou defei tacando cinco principais, que podem sobrepor-se nos
to inicial desencadeia o surgimento de uma miríade diversos pacientes, a saber: (1) a já citada glossoptose
de outras anomalias. obliterando a via aérea na altura da hipofaringe; (2)
No caso da SPR, postula-se ser a deficiência no um deslocamento posterior da língua comprimindo
desenvolvimento da mandibula o defeito inicial. Esta o palato mole contra a parede posterior da orofaringe:
deficiência pode ser decorrente de um defeito intrín (3) a medialização das paredes laterais da faringe, cola-
seco e local do crescimento da mandibula (malforma bando-se na linha média; (4) uma contração circular
ção); um fator mecânico externo restringindo o seu da faringe, como um csflncter, fechando a luz da via
desenvolvimento (deformidade), como no caso de oli- aérea; e (5) uma báscula da laringe, com horizontaliza-
goidrâmnio ou gestação gemelar; ou ainda de uma ção da epiglote11,20-21.
posição anômala da mandibula (retrognatia), que pode Estas diferentes formas de obstrução das vias aé
ser decorrente de um aumento no ângulo da base do reas podem ser relevantes na decisão terapêutica, pois
crânio em concorrência com outras síndromes genéti o tratamento mediante glossopexia ou avanço de

Fig. 40-3. Esquema representando corte sagital do paciente da


Fig. 40-2. Paciente com seqüência de Pierre Robin em perfil: Fig. 40-2, evidenciando a posição anômala da língua obstruindo a
notar micrognatia. hipofaringe.
524 CirurgiaCraniomaxilofacial

conservadoras, só lançando mão de intervenções ci


rúrgicas nos casos refratários à terapia clínica, o que
ocorre em apenas uma minoria dos casos11,13,20,26,28,
principalmente naqueles onde há outras síndromes as
sociadas4,26.
Dentro do contexto fisiopatológico funcional,
aconselha-se que, no período neonatal, sejam adota
dos critérios cuidadosos na escolha dos procedimen
tos terapêuticos para não incorrer em erros que pos
sam agravar o estado clínico destes pacientes, compro
metendo a evolução do caso.
O desconhecimento da malformação, das várias
etiologias e das diferentes manifestações clínicas in-
duz - freqüentemente - a procedimentos precipitados
e manobras inadequadas, que se sucedem e levam o
bebê a um estado crítico, onde há poucas condições
de tratamento conservador, obrigando a adoção de
medidas cirúrgicas.
Fig. 40-4. Posição normal da língua em recém-nascido sem se
qüência de Pierre Robin; notar contraste com a Fig. 40-3.
Tratamento Conservador

O tratamento conservador é alicerçado em manobras


mandibula só terá resultados satisfatórios naqueles pa posturais e medidas de suporte ventilatório e nutricio-
cientes onde a glossoptose seja o mecanismo mais im nal, e demanda a atuação conjunta do neonatologista,
portante na obstrução, sendo os demais responsivos enfermeiro, fisioterapeuto e fonoaudiólogo, para ser
apenas à traqueostomia, enquanto tratamento cirúrgi implementado.
co20-21.
As medidas posturais visam manter a criança em
A obstrução respiratória foi, durante muito tem uma posição que proporcione maior conforto respira
po, a principal causa de morbi-mortalidade nestes pa tório, eliminando ou atenuando a tiragem intercostal
cientes, manifestando-se no período neonatal pela glos e melhorando a saturação de 02. Na nossa experiên
soptose, e nos primeiros dias de vida pela instalação cia, a postura em decúbito lateral com elevação da ca
de uma síndrome de apnéia obstrutiva ou mista11. beceira tem demonstrado ser a opção mais eficaz em
Estes pacientes apresentam ainda, na sua grande repouso, enquanto o decúbito ventral se afigura como
escolha durante o banho ou as trocas de fralda. A
maioria, algum grau de dificuldade para se alimen
tar26,28, que se manifesta já nas primeiras tentativas de manutenção da postura eleita deve ser rigorosa em todas
as manobras (Fig. 40-5).
amamentar a criança, em virtude de seu desconforto
respiratório crônico, da presença da fissura palatal, e
da posição anômala da língua e da mandibula, dificul
tando a sucção e a deglutição18,26; apresentam também
uma maior tendência à regurgitação e aspiração, que
são secundárias ao refluxo gastroesofágico presente
nestes pacientes.

TRATAMENTO

O tratamento da SPR pode ser arbitrariamente dividi


do em clínico —ou conservador —e cirúrgico.
A decisão terapêutica é alvo de muitas controvér
sias na literatura científica mundial, havendo, no en Fig. 40-5. Tratamento conservador de recém-nascido com se
tanto, consenso em iniciar o tratamento com medidas qüência de Pierre Robin com medidas posturais.
Seqüência de Pierre Robin 525

O suporte ventilatório é fornecido inicialmente do na cavidade oral até tocar a língua, sendo possível,
pelas manobras posturais, o que proporciona alívio com esta manobra, detectar a resposta sensorial dos
do desconforto respiratório e da hipoxia na grande lábios, a presença dos movimentos, a força da sucção e
maioria dos casos. Todavia, em casos mais graves há a a contração dos músculos da face e da língua.
necessidade de outras medidas, como uso de oxigênio Geralmente, nos casos considerados de grau leve
suplementar, CPAP (continuous positive airway pres a moderado, o reflexo da sucção está presente e a alte
sure —pressão positiva contínua nas vias aéreas), entu- ração da deglutição é conseqüência da postura anôma
bação traqueal ou nasofaríngea; e intervenções cirúrgi la da língua. Nos casos graves, a avaliação da degluti
cas em casos refratários às medidas conservadoras. ção deve ser realizada por meio de exames comple-
A entubação orotraqueal ou nasofaríngea nestas mentares, seguindo as orientações do pediatra. Nesses
crianças é tecnicamente desafiadora, e deve ser realiza casos, o comprometimento inicial pode ser uma falha
da com o paciente acordado, pois, uma vez anestesia no desenvolvimento neuromotor intra-uterino. A fal
do, ele será incapaz de manter sua via aérea pérvia, de ta de estimulação funcional pode ser originária de ano
vido à queda da base da língua, que se acentua com o malia anatômica da articulação temporomandibular
relaxamento da musculatura e o posicionamento em (ausência de modelagem do côndilo) e da falha de cres
decúbito dorsal, obrigando o médico a adotar a tra- cimento mandibular.
queostomia como medida de urgência, comprometen Para se estimular e manter o reflexo da sucção,
do a evolução do caso. utiliza-se a chupeta ortodôntica, cujo uso intermiten
O suporte nutricional é também de suma impor te favorece também a anteriorização da língua.
tância, visto que estas crianças apresentam-se freqüen A técnica de alimentação mista através de SNG e
temente subnutridas devido à dificuldade que têm em mamadeira de 50cc com bico longo é iniciada quando
se alimentar adequadamente. o quadro clínico respiratório encontra-se estável e os
As primeiras tentativas de alimentação por via oral sinais de anteriorização da língua se fazem presentes.
—sem avaliação prévia dos reflexos de sucção e deglu A alimentação é ministrada a intervalos de duas horas
tição —são geralmente a causa de aspiração e conse —ou quando a criança sentir fome —, inicialmente por
qüentes broncopneumopatias, que debilitam o neona- SNG, visando suprir 90% das necessidades do infante,
to, sendo que a repetição deste ato causa grande fadiga seguida por dieta via oral para fornecer os 10% restan
muscular e estresse, comprometendo o tratamento tes. Essa relação vai sendo gradativamente invertida,
conservador. Como medida preventiva, sugere-se o até se atingir uma ingesta via oral de 20 a 25ml por
emprego de uma sonda nasogástrica (SNG) para su mamada, mediante controle rigoroso da evolução pon
prir as necessidades nutricionais do bebê nos primei derai. Essa técnica foi desenvolvida com base na ob
ros dias de vida, concomitante à estimulação não-nu- servação clínica desses pacientes, que demonstravam
tritiva da via oral com chupeta ortodôntica, visando o grande frustração frente às dificuldades de alimenta
restabelecimento da sincronia entre a sucção e a deglu ção e à fome não-saciada, gerando grave estresse e fadi
tição. ga muscular, comprometendo a deglutição.
A sucção e a deglutição são reflexos incondicio- A evolução é gradativa e se normaliza habitual
nados e fazem parte da maturação neuromuscular. A mente aos três meses. A presença de dificuldade persis
deglutição aparece por volta da 11a semana de gesta tente e o pequeno ganho de peso, associados a crises
ção, enquanto a sucção se inicia ao redor da 35a se de cianose, regurgitação, sudorese e cansaço, devem
mana, devendo, em condições normais, estar presen levantar suspeitas quanto à existência de patologias
tes ao nascimento para garantir a sobrevivência do associadas, como laringomalacia, cardiopatias, refluxo
bebê. gastroesofágico e apnéia central.
A avaliação desses reflexos pode fornecer indícios A monitoração cardiorrespiratória é indispensá
de possíveis desequilíbrios funcionais dos diversos gru vel até o fim do processo de desmame dá SNG.
pos musculares envolvidos na deglutição, principal Concomitante ao suporte nutricional, é aconse
mente os músculos do véu palatino, faringe e língua. lhável estimular a musculatura orofacial por meio de
Durante a deglutição, os movimentos da língua de exercícios mioterápicos.
vem ser regulares e coordenados, sendo o contrário A participação materna nas manobras de alimen
um potencial indício de incoordenação dos músculos tação e massagem muscular é fundamental para que
da faringe. ela adquira segurança no manejo do bebê, tornando-a
A sucção pode ser avaliada por meio da estimula apta a dar continuidade ao tratamento após a alta hos
ção dos lábios e introdução do dedo mínimo enluva- pitalar.
526 Cirurgia Craniomaxilofacial

Tratamento Cirúrgico tledge, em 1960 e modificada por Randall, em 1990,


preconiza que apenas a borda anterior da língua e a face
O tratamento cirúrgico é considerado de exceção por
interna do lábio inferior tenham sua mucosa retirada
muitos autores, estando indicado para os casos mais
para a adesão, que passa a ser reforçada por um ponto
graves e irresponsivos ao tratamento clínico. Os parâ
de sustentação entre a base da língua e o submento,
metros usados para se definir o fracasso do tratamen
atravessando toda a massa muscular da língua e passan
to clínico e indicação de intervenções cirúrgicas, po
do pela área cruenta da língua e do lábio, sendo coloca
rém, são controversos. Em linhas gerais, as indicações
do um botão em cada extremo da sutura para evitar
clássicas de tratamento cirúrgico são: episódios repeti
que ela corte os tecidos envolvidos (Figs. 40-6 e 40-7).
dos de cianose, pneumonias aspirativas de repetição e
Este ponto de reforço é mantido por duas semanas; e a
ausência de ganho de peso, sem melhora após terapia
glossopexia por, em média, 10 a 18 meses18.
conservadora10. Uma regra prática13 propõe que, se
após sete dias de tratamento conservador, ou três dias
de entubação endotraqueal, a criança mantém sinais
de obstrução das vias aéreas ou continua sem ganhar
peso, ela deverá então ser submetida ao tratamento,
cirúrgico. Atualmente, encontra-se em estudo o em
prego de parâmetros objetivos para o tratamento, com
o uso do estudo polissonográfico, que associa diversas
variáveis (EEG, ECG, fluxo aéreo nasal e oral, satura
ção de 02, movimentos toracoabdominais, entre ou
tros) para graduar a gravidade da obstrução respirató
ria e da hipoxia a qual o paciente está submetido, per
mitindo a indicação mais precisa do tratamento20.
As principais modalidades de tratamento cirúrgi
co visam a desobstrução das vias aéreas, seja pela cria
ção de uma traqueostomia, ou por meio de cirurgias
que procuram anteriorizar a língua ptosada.
A traqueostomia, embora permita aliviar comple
tamente a obstrução, é uma cirurgia paliativa, de caráter
temporário e de risco para a criança, por apresentar difi
culdades técnicas em pacientes tão jovens e complica
ções graves como traqueomalacia, pneumotórax, obs
trução da cânula e decanulação acidental24; além disso, Fig. 40-6. Reprodução esquemática em corte sagital da glossope
a decanulação é difícil, e a criança traqueostomizada tende xia segundo técnica de Routledge-Randall.
a assumir uma posição viciosa, fletindo a cabeça na ten
tativa de melhorar a aeração, o que prejudica a anterio
rização da língua em posição posterior. Desta forma,
procura-se sempre evitar ao máximo o emprego da tra
queostomia, restringindo seu uso para casos muito gra
ves ou como suporte temporário para pacientes que es
tão sendo submetidos a outra modalidade de tratamen
to cirúrgico, pois se trata de uma solução extrema para
um problema essencialmente funcional".
As várias técnicas descritas de glossopexia têm o
objetivo comum de fixar a língua numa posição anterio-
rizada, divergindo na maneira de proceder a esta fixação.
A técnica descrita por Douglas, em 1946, propõe a
fixação da língua ao lábio inferior, após tornar ambas
as superfícies cruentas, para melhor adesão entre as mes
mas, tendo os inconvenientes de lesar os duetos das glân
dulas submandibulares e a mucosa alveolar, prejudican
Fig. 40-7. Paciente com seqüência de Pierre Robin tratado mediante
do a erupção dos dentes10. A técnica proposta por Rou- realização de glossopexia.
Seqüência de Pierre Robin 527

Outro método de fixação da língua consiste em funcional, devendo ser realizada antes que o desequilí
trespassar um fio de Kirschner pelos ângulos da man brio tenha se firmado. As técnicas de palatorrafia e
dibula e pela língua enquanto a mesma é mantida em veloplastia empregadas são as mesmas descritas no ca
uma posição anteriorizada, evitando-se lesar os nervos pítulo 9, Fissuras Palatais.
alveolares inferiores.
Todos esses procedimentos têm a ação antifisioló-
gica de prejudicar ainda mais os mecanismos de deglu
tição e da fonação dessas crianças11, pois alteram as EVOLUÇÃO
fases da vocalização pré-lingüística, do balbucio e das
Considerando as múltiplas etiologias e a importância
primeiras palavras, e em longo prazo a produção dos
relativa entre alterações anatômicas e funcionais, não
sons articulados, mediante substituição do ápice da
se pode traçar um perfil evolutivo característico da
língua pelo dorso.
SPR11, no entanto, pode-se afirmar que a evolução é
Outros procedimentos usados com a finalidade
favorável na maioria dos casos, quando o problema é
de desobstruir as vias aéreas superiores são a distração
diagnosticado e a terapia adequada instituída.
mandibular e a liberação subperiostal da musculatura
Nos casos mais graves, todavia, ou naqueles onde
do assoalho da boca.
o tratamento é postergado, pode ocorrer lesão cere
A distração mandibular visa restaurar a propor
bral irreversível ou mesmo óbito decorrente da hipo-
ção entre a mandibula e a maxila mediante um avan
xia crônica, que ocorre a partir do momento em que a
ço mandibular progressivo por meio do uso de um
criança exaure suas forças após tentar manter a via res
equipamento externo acoplado à mandibula após re
alização de osteotomia na mesma, ocorrendo osteo-
piratória pérvia mediante grande esforço.
O maior conhecimento da embriopatologia, o
gênese no vão ósseo à medida que se dá o avanço.
Tem como vantagens: a intervenção sobre o fator cau diagnóstico precoce e o progresso das técnicas tera
sai da doença e evitar a traqueostomia ou permitir a pêuticas conservadoras vêm contribuindo para a redu
decanulação de um paciente traqueostomizado, apre ção da mortalidade11.
As dificuldades no desenvolvimento da fala e da
sentando uma melhora objetiva da obstrução, com
aumento de 26% a 120% do diâmetro efetivo da via
linguagem, quando não decorrentes de alterações ge
aérea6. Apresenta como desvantagens a criação de ci radas por intervenções cirúrgicas, são secundárias aos
catrizes inestéticas na face, o risco aumentado de in problemas auditivos classicamente associados às fissu
fecção, o maior custo e a dificuldade da criança em ras palatinas (como a disfunção tubária, perda auditi
conviver com os aparelhos, que ainda são grandes e va do tipo condutiva e otites de repetição) e à insufici
pesados8. ência velofaríngea, cuja correção, mediante faringolas-
A liberação subperiostal da musculatura do as tia, comporta grande risco de descompensação respi
soalho da boca é uma técnica pouco ortodoxa e ratória.

controversa, descrita por Delorme em 1988, baseado Com relação aos pacientes que apresentaram boa
no conceito —não universalmente aceito —de que a evolução, muitos autores consideram haver um cresci
musculatura do assoalho da boca encontra-se sob ten mento acelerado da mandibula, principalmente no
são, provocando a elevação e retroposição da base da primeiro ano de vida, a ponto de as dimensões da
língua, e também sendo a causa da micrognatia; as mandibula se igualarem às da população normal (ca-
sim, a liberação dessas estruturas implicaria no posi tch-up)15 (Figs. 40-8 e 40-9); outros não evidenciaram
cionamento adequado da língua e alívio da obstru tal fato em estudos prospectivos, mostrando uma taxa
ção5. No entanto, os resultados são inconstantes na similar de crescimento entre os dois grupos29, de tal
literatura, com relatos muito positivos2,5 e outros modo que as mandíbulas dos pacientes com seqüência
negativos23. de Pierre Robin permaneceriam sempre menores que
Outra parte integrante da terapia é o fechamento as da população controle.
da fissura palatina, que geralmente é realizado ao re A presença de respiração bucal, a manutenção de
dor dos 18 meses (quando então pode ser solta a glos hábitos orais (sucção digital, uso prolongado de chu-
sopexia, nos casos em que tenha sido necessária); ou petas e mamadeiras) e a alteração da função mastigató-
tros autores11 preconizam um fechamento mais pre ria podem ser fatores contribuintes da má-oclusão den
coce, argumentando que a palatoplastia é um tempo tária e deficiência do crescimento mandibular em al
fundamental para o restabelecimento do equilíbrio guns portadores da SPR (Figs. 40-10 e 40-11).
528 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 40-8 e 40-9. Evolução de


criança com seqüência de Pierre
Robin tratada conservadoramente,
apresentando melhora espontânea da
micrognatia com o crescimento.

Figs. 40-10 e 40-11. Paciente com


seqüência de Pierre Robin tratado
conservadoramente e apresentando
boa evolução; apresenta, no entanto,
10 má-oclusão dentaria por manutenção
de hábitos orais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 5. Delorme RP, Larocque Y, Caouette-Laberge L. Innovativc


surgical approach for the Pierre Robin anomalad: Subperiostal
1. Caouette-Laberge L, Bayet B, Larocquc Y. The Pierre Robin release of the floor of the mouth musculature. Plast Reconst
Sequcnce: review of 125 cases and evolution of treatment Surg 1989;<?J(6):960-6.
modalities. Plast Reconstr Surg 1994;9J(5):934-42. 6. Denny AD, Talisman R, Hanson PR, Recinos RF. Mandibular
2. Caouette-Laberge L, Plamondon C,LarocqueY. Subperiostal releasc distraction osteogenesis invery young patients tocorrect airway
of the floor of the mouth in Pierre Robin sequence: experience obstruetion. Plast Reconstr Surg 200l;108(2):302.
with 12 cases. C/eft Palate CraniofacJ 1996;J3(6):468-72. 7. Jones KL. Smith's recognizable patterns of human malforma-
3. Cohen MM. Robin sequences and complexes: causai tions. 5 ed. Philadelphia: WB Saundcrs, 1997:234-5.
heterogencity and pathogcnctic/phenotypic variability. Am / 8. Judge B, Hamlar D, Rimcll FL. Mandibular distraction
Med Genet 1999;84(4):311-5. osteogenesis in a neonate. Arch Otolaryngol Head Neck Surg
4. Cruz MJ, Kerschner JE, Beste DJ, Conley SF. Pierre Robin 1999; 125:1.029-32.
sequences: secondary respiratory difficulties and intrinsic feeding 9. Marques IL, Barbieri MA, Bettiol H. Etiopathogenesis ofisolatcd
abnormalities. Laryngoscope 1999; 109(10): 1.632-6. Robin sequcnce. Cleft Palate Craniofac J 1998;.?5(6):517-25.
Seqüência de Pierre Robin 529

10. Mavilio D, Marasco L, Savoia A et ai. La sindrome di P. Robin. 21. Sher AE, Shprintzen RJ, Thorpy MJ. Endoscopic observations
Riv Ital Chir Plástica 1992;24,21-6. of obstructive sleep apnea in children with anomalous upper
11. Montoya P, Montoya F, Delestan C et ai. Le syndrome de P. airways: predictive and therapeutic value. InterJ Pediatr
Robin - embryopathologie et prise en charge thérapeutique. Otorhinolaryngol 1986; 11:135-46.
Ann Pediatr 1994;47(5):287-302. 22. Shpritzen RJ. The implications of the diagnosis of Robin
12. Olney AH, Kolodziej P, McDonald MR et ai. Robin sequence. sequence. Cleft Palate Craniofac J 1992;29(3):205-9.
Ear Nose ThroatJ 1997;76(9):620. 23. Siddique S, Haupert M, Rozelle A. Subperiostal release of the
13. Parsons RW, Smith DJ. Rule of thumb criteria for tongue-lip floor of the mouth musculature in two cases of Pierre Robin
adhesion in Pierre Robin anomalad. Plast Recontr Surg 1982; sequence. Ear Nose Throat J 2000;72(10):816-9.
70:210.
24. Simma B, Spehler D, Burger R et ai. Tracheostomy in children.
14. Prows CA,Bender PL. Beyond Pierre Robin sequence, Neonatal EurJ Pediatr 1994;1.153:291.
Netw 1999; 18:(5): 13-9.
25. St-Hilaire H, Buchbinder D. Maxillofacial pathology and
15. Psillakis JM, Lopes LD, Altmann EBC. Seqüência de Pierre management of Pierre Robin sequence. Otolaryngol Clin North
Robin: tratamento integrado. In: Cirurgia craniomaxilofacial: Am 2000;33:(6): 1.241-56.
osteotomias estéticas da face. Psillakis JM, Zanini AS, Melega
JM et ai. Rio de Janeiro, MEDSI, 1987. 26. Tomaski SM, Zalzal GH, Saal HM. Airway obstruction in the
Pierre Robin sequence. Laryngoscope 1995;705:(2): 111-4.
16. RambaJ.Fixation of the tonguebelow mandiblein Pierre Robin
syndrome. Acta Chir Plast 1996;3&(2):54-6. 27. Uzunismail A, Tiryaki T, Dogan G. The fmdings of magnetic
ressonance imaging in Pierre Robin syndrome. Plast Reconstr
17. Randall P,HamiltonR.The Pierre Robinsyndrome. In. GrabbWC,
Surg 2000; 105:(5): 1.899-900.
Rosenstein SW, Bzoch KR.Cleâlipandpalate - surgical, dental and
speech aspects. 1 ed. Boston: Little, Brown and Co., 1971. 28. Van den Elzen APM, Semmekrot BA Bongers EMHF et ai.
18. Randall P. Craniofacial syndromes - the Robin Sequence: Diagnosis and Treatment of the Pierre Robin sequence: results
Micrognathia and glossoptosis with airway obstruction. In: of a retrospective clinicai study and reviewof the literature. Eur
McCarthyJG. Plastic Surgery - vol.4, Cleft Lip & Palate and J Pediatr 2001;Í6ft(l):47-53.
Craniofacial Anomalies. Philadelphia: W.B. Saunders, 1990. 29. Vegter F, Hage JJ, Mulder JW, Pierre Robin syndrome:
19. Robin P. La chute de Ia base de langue condidérée comme une mandibular growth during the first year of life. Ann PlastSurg
nouvelle cause de gene dans Ia respiration naso-pharyngienne. 1999;42(2): 154-7.
Buli Acad Méd 1923;5£37-41. 30. Witt PD, Myckatyn T, Marsh JL et ai. Need for velopharyngeal
20. SherAE.Mechanisms of airway obstruction in Robin sequence: management following palatoplasty: an outcome analysis of
implications for treatment. Cleft Palate Craniofac J 1992; syndromic and nonsyndromic patients with Robin sequence.
29:(3):224-31. Plast Reconstr Surg 1997;99(6): 1.522-34.
Síndrome de
Beckwith-Wiedemann

Lidia D'Agostino
Carolina Souza Souto Amancio Costa

INTRODUÇÃO Confirmou-se que Beckwith e Wiedemann descre


veram a mesma síndrome. A partir de 1967, as publica
A síndrome de Beckwith-Wiedemann (SBW), de etilo- ções se multiplicaram, relatando as formas incomple
gia desconhecida, tem maior prevalência no sexo fe tas da SBWIX, descrevendo sinais na região craniofacial,
minino (60%)13 e é caracterizada pelas seguintes ano leve microcefalia, hemangioma capilar na fronte, sul
malias congênitas: onfaíocele, hipoglicemia neonatal, cos anormais nos lóbulos das orelhas, exoftalmo, dorso
rnacroglossia e citomegalia do córtex renal. Na litera nasal achatado, proeminência occipital, hipoplasia
tura especializada, SBW é definida com uma entidade
patológica, com incidência de 1:17.000 nascidos", de
expressão clínica variável, fazendo-se o diagnóstico da
mesma por meio dos sinais clínicos: onfaíocele, rna
croglossia e gigantismo somático (OMG)8. Os autores
são unânimes em considerar a rnacroglossia como um
sinal constante na SBW, chegando a índices de 82% a
95% dos casos10 (Fig. 41-1).

HISTÓRICO
Beckwith, em 1963, descreveu três casos de recém-nasci
dos com sinais clínicos de hipoglicemia neonatal seve
ra, onfaíocele e rnacroglossia. Os resultados das autóp
sias foram idênticos e evidenciaram citomegalia bilate
ral do córtex renal, displasia renal, hiperplasia das célu
las intersticiais das gônadas e visceromegalias renal e pan-
creática1. Em 1964, Wiedemann descreveu uma "nova
síndrome" em três crianças de uma mesma família, com
a associação de hérnia umbilical e rnacroglossia18. Fig. 41-1. Menina de 1 ano; nota-se rnacroglossia.

530
Síndrome de Beckwith-Wiedemann 531

maxilar e assoalho orbitário raso". Vasquez15, em seus


EMBRIOLOGIA E ANATOMIA
estudos, relatou que a hipoplasia do terço médio da
face retrai o assoalho orbitário e a inserção das pálpe DA LÍNGUA
bras, resultando em pseudo-exoftalmia e nariz achata A formação da língua se inicia na 4a semana como uma
do. Nos últimos 34 anos, as publicações relatam técni proeminência mediana, endodérmica, na parede ventral
cas de tratamento cirúrgico preconizando a glossecto- ou assoalho da faringe, chamada tubérculo ímpar. Se
mia parcial para correção da rnacroglossia, sendo pou gue-se, então, a projeção do broto lingual, proveniente
cos os estudos que abordam condutas menos invasi- do Io arco branquial, que dará origem aos dois terços
vas(Figs. 41-2 e 41-3). anteriores da língua ou corpo lingual. A partir do 3o
No presente capítulo, daremos ênfase ao estudo arco branquial, forma-se o seu terço posterior''.
da rnacroglossia e seus efeitos no desenvolvimento A língua é uma massa de músculo estriado coberta
maxilofacial, assunto de interesse dos cirurgiões plás por uma membrana mucosa. É dividida em duas regi
ticos, ortodontistas e fonoaudiólogos. Para a melhor ões: oral e íaríngea. A língua oral, de movimentos livres,
compreensão do tema, recordaremos noções básicas corresponde aos dois terços anteriores até as papilas cir
da embriologia e anatomia da língua. cunvaladas, e a língua íaríngea, ao terço posterior ou
base da língua, que se estende das papilas circunvaladas
até o osso hióide. E ainda dividida em metades direita e
esquerda por um septo fibroso1"1.
É formada por sete músculos. Os quatro extrínse-
cos são: gcnioglosso, mioglosso, estiloglosso e palato
glosso. Estes movimentam o corpo da língua e alte
ram sua forma. Os três intrínsecos — longitudinal,
transverso e vertical — e modificam o formato da lín
gua durante a mastigação, fonação e deglutição20.
A inervação motora da língua é feita pelo nervo hi-
poglosso, com exceção do músculo palatoglosso, que é
invervado pelo nervo vago. A porção oral recebe inerva
ção sensitiva geral do nervo lingual e gustativa do nervo
corda do timpano, ramo do nervo facial. A invervação
sensitiva da porção faríngea é feita pelo nervo glossofa-
ríngeo c pelo ramo interno do laríngeo superior1'1.

Fig. 41-2. Sulcos anormais nos lóbulos das orelhas.

MACROGLOSSIA

Acredita-se que a rnacroglossia foi descrita pela primeira


vez por Paul de Sorbait (1624-1691), médico de ori
gem belga e professor de medicina em Viena7.
Macroglossia é definida como uma condição
multifatorial em que a língua ocupa, de forma atípica,
toda a cavidade orofaríngea5, c em sua postura de re
pouso encontra-se projetada além do nível dos dentes
ou do rebordo alveolar". Para Vogel1", por macroglos
sia se entende uma entidade clínica caracterizada por
um aumento de volume da língua ou esta de tamanho
normal em uma cavidade oral restrita.
Apesar de a língua c suas implicações funcionais
serem um dos focos de atenção dos fonoaudiólogos e
ortodontistas, entre outros profissionais, ela tem sido
sujeita a poucos estudos científicos. Atribui-se esse fato
Fig. 41 -3. Menina de 1 ano; nota-se hipoplasia do terço médio da
às dificuldades de pesquisa, pela variedade de tama
face. nho e forma da língua, além do fato de sua estrutura
532 Cirurgia Craniomaxilofacial

Período Pós-natal

O acompanhamento pediátrico e exames complemen-


tares específicos de controle são condutas normatiza-
das, em razão dos riscos carcinológicos potenciais.
Quanto à rnacroglossia, a conduta deve ser criteriosa
para não se incorrer em erros na eleição dos procedi
mentos.

A nossa experiência pessoal prioriza condutas não-


invasivas por meio de terapia miofuncional, que deve
ser iniciada o mais precoce possível, durante a fase de
maior plasticidade cerebral, para a aquisição e fixação
das praxias orofaciais, visando uma adequada preser
Fig. 41-4. Menina de 1 ano com rnacroglossia verdadeira em
postura de repouso. vação da forma e da função das estruturas envolvidas'.
O acompanhamento ortodôntico é de controle, me
diante estudo cefalométrico, na fase de crescimento, e
tridimensional sofrer limitações nas análises que são aparatológico, na idade mais adequada.
bidimensionais5. O tratamento cirúrgico ortognático é indicado
Diante das dificuldades em se estabelecer um pa para a correção de eventuais desarmonias oclusais in-
râmetro mensurável entre um tamanho de língua nor termaxilares, assim que completado o crescimento ós
mal daquele patologicamente aumentado, Vogel"', com seo.

base em publicações científicas e sua experiência pes


soal, descreveu sinais clínicos da presença da rnacro
glossia, classificando-a em rnacroglossia verdadeira e Conduta Fonoaudiológica
rnacroglossia relativa, ambas de etiologia congênita ou
adquirida de acordo com estes sinais. Nesta classifica Na literatura mundial, são poucas as referências à tera
ção, a rnacroglossia de SBW é considerada verdadeira e pia miofuncional como um procedimento alternati
de origem congênita (Fig. 41-4). vo,sendo mais preconizada a glossectomia parcial. Weiss
A rnacroglossia verdadeira, por sua condição pouco e White2" referem o emprego da terapia miofuncional
comum, raramente faz parte da prática clínica de muitos após a glossectomia. Dios'1 relata um caso em que o
profissionais, fazendo-se necessária uma avaliação criteri procedimento foi mioterapia com a técnica Castillo-
osa dos sinais clínicos, etiologia, relação conteúdo-conti- Morales. Essa técnica consiste em uma combinação de
nente e suas implicações dentoesquelético-funcionais an massagens na região orofacial e o uso de uma placa
tes de qualquer procedimento clínico ou cirúrgico'. de estimulação oral posicionada no palato. O método
mostrou-se eficaz quanto à melhora do tônus muscu
lar mas, aos 3 anos e 5 meses o paciente foi submetido
TRATAMENTO à glossectomia parcial devido ao desenvolvimento pro
Período Neonatal gressivo de mordida aberta anterior secundária à pro-
trusão da língua. Esse relato de caso é o que mais se
O RN portador da SBW é considerado de risco, devi aproxima da nossa experiência pessoal.
do à hipoglicemia neonatal, à onfaíocele e à rnacro Procede-se às avaliações muscular e esquelética,
glossia, exigindo cuidados específicos. A presença da procurando achados quanto às estruturas e tônus
rnacroglossia dificulta a alimentação e a respiração, por muscular orofaciais, e funções do sistema estomatog-
restrição do espaço orofaríngeo ocupado pela língua nático oral, para se estabelecer a relação entre tama
volumosa.
nho da cavidade bucal e da língua (continente-con-
A prioridade do tratamento é a correção da onfa
teúdo). Nesta avaliação a condição morfofuncional
íocele, geralmente feita pela equipe de cirurgia pediá-
mais freqüente é descrita a seguir:
trica. Após a estabilização do quadro clínico, os cuida
dos são direcionados à postura do bebê, para favore • Face: hipoplasia do terço médio.
cer a desobstrução orofaríngea e a alimentação, usan- • Lábios hipotônicos, ausência de selamento, superi
do-se um bico de mamadeira longo c macio, na im or curto e incompetente, inferior evertido e servin
possibilidade do aleitamento materno. do de apoio à língua volumosa (Fig. 41-5/1).
Síndrome de Beckwith-Wiedemann 533

Mandibula cujo ângulo gonial encontra-se anormal A ausência de selamento labial e a protrusão da lín
mente obtuso, corpo mandibular longo, tendência gua favorecem a presença de sialorréia.
a prognatismo (Fig. 41-5B). O que parece determinar a postura da línguaem pro
Arcadas dentárias apresentando mordida aberta an trusão é a hipotonia da musculatura orofacial, em uma
terior e lateral, diastemas, dentes incisivos superio relação de causa e efeito: a língua volumosa provoca alte
res e inferiores em labioversão (Fig. 41-5Q. rações na arcada dentária, forçando a mandibula para
Língua com evidente hipertrofia, diâmetros longi baixo e para trás, o que causa mordida aberta anterior e
tudinal e transverso aumentados, hipotonia, postu aumento do ângulo gonial. Isto, por sua vez, favorece a
ra anteriorizada além da região labial, marcas de pres acomodação da língua, gerando desequilíbrio entre os
são dos dentes nas bordas laterais, face ventral sulca- grupos musculares, o que se traduz em hipotonia e acar
da por uma depressão que se estende desde as papi reta alterações em todo o sistema estomatognático oral.
las calciformes e eventuais casos de anquiloglossia. Assim, temos que o tamanho da língua altera a forma,
Palato com grande dimensão, conferindo uma cavi esta altera a postura e a postura favorece a hipotonia3.
dade bucal ampla (Fig. 41-5 D). Para um plano de tratamento miofuncional con
Músculos orais e periorais hipotônicos. sidera-se o prognóstico da SBW no que diz respeito ao
Funções do sistema estomatognático oral: a respira crescimento somático global, os achados da avaliação
ção é ruidosa, os distúrbios articulatórios são com muscular e esquelética na qual a relação continente-
patíveis com as alterações dentoalveolares e postu conteúdo oferece condições para acomodar a língua
rais da língua e lábios, assim como as dificuldades volumosa, e a idade do paciente, ainda em fase de gran
de sucção, mastigação e deglutição. de plasticidade cerebral global. A terapia miofuncio-

Fig. 41-5. Caso clínico.


A. Hipoplasia do terço
médio da face; lábio
inferior hipotônico e
evertido. B. Mandibula
com tendência a
prognatismo. C. Arcada
dentária com mordida
aberta; D. Cavidade bucal
ampla.
534 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 41-6A. Menina de


1 ano; início do
tratamento: língua
hipotônica anteriorizada;
postura de repouso.
B. Aos 2 anos: melhora
do tônus da face;
selamento labial. C. Aos
3 anos: manutenção da
retroposição lingual.
D. Ainda aos 3 anos:
exercícios miofuncionais.

nal visa adequar o tônus, a postura dos lábios e da funcional. O aparelho, idealizado por D'Agostino e
língua e as funções do sistema estomatognático oral, Rode em 1983, frente à dificuldade de manutenção da
obedecendo-se a seqüência tônus/postura/função, com postura labial e da língua pela presença das alterações
rigor quanto à aquisição da precedente. oclusais (mordida aberta) e projeção da mandibula, é
O planejamento terapêutico é dividido em duas confeccionado em resina, moldado na arcada dentária
etapas: inferior do paciente numa reprodução fiel dos elemen
tos dentários, visando a preencher o espaço sublingual,
De 0 a 3 anos simulando a posição da mandibula após eventual cor
reção cirúrgica ortognática, facilitando a propriocep-
Na primeira etapa são executados exercícios muscula
ção da língua, e viabilizando o trabalho do fonoaudió-
res isométricos para adequação do tônus muscular dos
logo, que passa a ser semanal3 (Fig. 41-7).
lábios, língua e bucinadores, utilizando-se massagens
manuais e material específico em sessões mensais, com
ativa colaboração da mãe na execução dos exercícios
(Fig. 41-6A-£>).

A partir dos 3 anos

Na segunda etapa, atingidos os objetivos da anterior,


quando são observados adequação do tônus da muscu
latura orofacial possibilitando o selamento labial e a
língua retroposicionada na cavidade bucal, e se a matu
ridade da criança o permitir, é utilizado um aparelho
limitador da língua para a manutenção da estabilidade
Fig. 41 -7. Aparelho de acrílico para contenção da língua, idealiza
muscular e postural obtida por meio de terapia mio do por D'Agostino e Rode, em 1983.
Síndrome de Beckwith-Wiedemann 535

Passos para Confecção do Aparelho Remoção do alginato e colocação em articulador, pre


enchendo o espaço lingual e articulando-o com o su
—Moldagem em alginato das arcadas superior e infe
perior. Ajuste com a arcada inferior em posição (colo
rior.
cando-se sobre o modelo inferior; este posicionamen
—Registro da mordida do paciente com o defeito
to visa a substituir a futura reposição da mandibula).
(mordida em cera).
Inclusão da peça em cera e transformação da mes
— Montagem dos dois modelos em articulador com o ma em resina incolor de polimerização lenta.
registro anteriormente descrito. Após obtenção da peça em resina, esta deve sofrer
—Moldagem da lingual e da oclusal com pequena parte alguns ajustes para encaixar-se no modelo inferior c
vestibular da arcada inferior em alginato. articular corretamente com o modelo superior, em
—Vazar esta moldagem de alginato em cera, apanhan registro de articulação normal, corrigindo o defeito
do toda a sua lingual. de articulação existente por preenchimento.

Fig. 41 -8. Caso clínico: A. Menino de 4 anos; iníciotardio do tratamento. B. Língua em postura de repouso. C. Língua em retroposição, após
inicio do tratamento miofuncional. D. Aos 10 anos, mantendo retroposição lingual; tônus adequado; paciente em uso do aparelho de
contenção. E. Aos 12 anos: fechamento progressivo da mordida. F. Aos 15 anos: melhora do fechamento da mordida.
536 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 41 -8. (Continuação) Caso clínico. G. Aos 19 anos tratado apenas com terapia miofuncional; mantém o tônus da face e o selamento
labial - foto de frente. H. Foto de perfil. I e J. Mordida de topo e aberta lateral; nota-se retroposição lingual, mantida mesmo após
suspensão do uso do aparelho de contenção. LeM. Início do tratamento ortodôntico. N. Aos 22 anos: finalização do tratamento ortodôntico
- foto de frente. O. Foto de perfil. P. Acompanhamento clinico de 18 anos com estabilidade dos procedimentos fonoaudiológico e
ortodôntico.
Síndrome de Beckwith-Wiedemann 537

—Eventualmente, com o aparelho já na boca do paci Na literatura mundial são apresentadas várias téc
ente, podem ser feitos alguns ajustes em locais que nicas cirúrgicas, sempre visando ao tratamento da rna
estejam mal-adaptados ou machucando (este reajus croglossia com preservação funcional da língua. Esse
te nem sempre se faz necessário, já que a peça deve procedimento envolve a redução do volume central e
ter encaixe perfeito). do comprimento, ressecando-se um terço ou até a
—Controles são feitos sempre que necessários, duran metade da língua, anteriormente às papilas circunvala
te o tratamento fonoaudiologia), adaptando o apa das, para alcançar adequada redução, com o seu devido
relho ao crescimento e à nova moldagem da arcada reposicionamento intra-oral. Cuidado especial deve ser
inferior. tomado na abordagem ínfero-lateral, onde estão os fei
A orientação é o uso intermitente do aparelho até xes neurovasculares (Fig. 41-9).
que se complete o crescimento ósseo, sendo retirado Recentemente, foi descrita uma nova técnica com
durante as refeições e reconfeccionado de acordo com ressecção anterior em cunha, combinada com uma in
a troca dos dentes decíduos (Fig. 41-8/1-D). cisão circular posterior, conhecida como "técnica da
Com a estabilidade da postura labial e da língua,
observa-se fechamento gradativo da mordida aberta
anterior proporcionando condições para a aquisição
das funções do sistema estomatognático oral (Fig. 41-
&E-J). A partir desse momento, o paciente é encami
nhado à ortodontia para o seguimento e conduta ade
quados a cada caso, espaçando-se progressivamente as
sessões para avaliações rotineiras (Fig. 4\-SL-M).
A eleição dessa abordagem é menos agressiva e, ao
nosso ver, mais fisiológica para o tratamento da rna
croglossia, com estabilidade dos procedimentos fo-
noaudiológico e ortodôntico como tem demonstra
do nossa prática clínica de 18 anos no acompanha
mento de portadores da SBW (Fig. 41-SA-O).

TRATAMENTO CIRÚRGICO
Na literatura, a glossectomia parcial é considerada a
conduta cirúrgica de escolha para o tratamento da
rnacroglossia verdadeira da SBW. Essa intervenção vem
sendo advogada para os casos severos nos primeiros 3
anos de vida, para prevenir ou minimizar deformida
des maxilofaciais, distúrbios de fala e distorções da
imagem corporal que possam vir a afetar o convívio '

social da criança. Alguns autores limitam esse período


ao primeiro ano de vida12,15,16,20.
Uma avaliação criteriosa multidisciplinar deve ser
realizada, com diagnóstico diferencial preciso, exclu
indo os casos de pseudomacroglossia ou rnacroglossia
relativa3.
O planejamento cirúrgico deve ser individualiza
do, priorizando a preservação das vias aéreas e a ali
mentação da criança. Em alguns casos, há necessidade
da realização de traqueostomia pré-operatória para pro
teção da via aérea desses pacientes17. .../„•
A anestesia deve ser geral, com entubação nasotra-
queal ou via traqueostomia, realizada previamente.
Utiliza-se antibioticoterapia profilática. Fig. 41-9. Técnicas de glossectomia parcial.
538 Cirurgia Craniomaxilofacial

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Beckwith JB. Extreme cytomcgaly of the edrenal fetal córtex,
omphalocele, hyperplasis of kidneys and pancreas, and Lcydig-
cell hypcrplasia: another syndrome. //): Annual Meeting of Wes
tern Socicty forPediatric. Research. Los Angeles, Califórnia, 1963.
2. D'Agostino L. Princípios de fonoaudiologia nas deformidades
craniofaciais. In: Melega JM, Zanini AS, PsillakisJM. Cirurgia
plástica reparadora e estética. MEDSI, 1992:309-12.
3. D'Agostino L, Rode R, Cunha KN. Síndrome de Beckwith-
Wiedemann relato de caso com acompanhamento seqüencial
de dezesseis anos. In:Atualização em voz, linguagem, audição c
motricidade oral. Frôntis Ed. Coleção Sociedade Brasileira da
Fonoaudiologia. 1999:395-404.
4. Dios PD et ai. Treatment of rnacroglossia in a child with Beck
with-Wiedemann syndrome. / OralMaxilofacial Surg2000;58:
Fig. 41-10. Técnica da fechadura para glossectomia parcial 1.058-61.
(keyhole technique). 5. Dolan EA, Riski JE, Mason RM. Macroglossia, clinicai consi
derations. IntJ Orofacial Miology 1989;75(2):4-7.
6. Engstrõm W, Lindham S, Schoíícld P. Wiedcmann-Beckwith
fechadura" (keyhole technique) (Figura Keyhole). Esta syndrome. EurJ Pediatr 1988;747:450.
vem apresentando resultados muito favoráveis, melho 7. Gysel C, Pctit H. Macroglossia of the past:Surgeryand orthope-
dies. J Pedodontics 1987;77:311-31.
rando os aspectos cosméticos e funcionais em relação
8. McManammy DS, Barnctt JS. Macroglossia is a presentation
às vias aéreas e à mobilidade da língua1' (Fig. 41-10).
of the Beckwith-Wiedemann syndrome. Plast Reconstr Surg
O uso de corticóide tem um importante papel na 1985; 75:170.
redução do edema pós-operatório, sendo também uti 9. Melega JM, Zanini SA, PsillakisJM. Cirurgia plástica reparado
lizado no tratamento da hipoglicemia refratária do ra e estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992.
neonato com SBW. Sua utilização afeta significativa 10. Menard RM, DclaireJ, Schcndel SA. Treatment of the cranio
mente a cicatrização das feridas, porém as vantagens facial complications of Beckwith-Wiedemann syndrome. Plast
Reconstr Surg 1995;96:27.
apresentadas no pós-operatório, nestes casos, superam
11. Rimcll FL, Shapiro AM. Head and neck manifestations of the
o potencial das complicações17. Beckwith-Wiedemann syndrome. OtolaryngolHead Neck Surg
A sondagem nasogástrica tem papel fundamen 199 5; 773:262.
tal, principalmente para a alimentação no pós-opera 12. Shafer AD. Primary macroglossia. Clin Pediatr 1968;7:357.
tório, onde a criança deverá ter cuidados de terapia 13. Smith W Síndrome de malformações congênitas 3 ed., São
intensiva por um período que varia de 3 a 7 dias, Paulo: Manole, 1985.
com entubação e bloqueio neuromuscular, o que pre- 14. Snell RS. Anatomia. 2 ed MEDSI, 1984:600-6.
vine obstrução das vias aéreas e deiscência das sutu 15. Vasquez MP et ai Macroglossie congénitale et syndrome Wiede-
ras17. mann-Bcckwith. Ann Pediatr Paris, 1994;47(5):303-15.
Existem riscos potenciais e podem ocorrer com 16. Vogel JE, Mulliken JB, Kaban LB. Plast Reconstr Surg Dec
1986:715-23.
plicações no tratamento cirúrgico da rnacroglossia:
17. Ward R, Martin D, Flonrado C, Kacker A. Tonguc reduction in
edema lingual com obstrução das vias aéreas; hemor
Beckwith-Wiedemann syndrome. Int J Pediatr Otorhinolaryn-
ragia; deiscência; infecção; lesão nervosa causando anes gol 2000;5J:l-7.
tesia; alterações gustativas e motoras; lesões cicatriciais 18. Wiedemann HR. Complcxe malformatií familial avec hernic
levando a limitações de mobilidade; lesões de duetos ombilicale et macroglossie une "syndrome nouvcau". J Genet
salivares; sialorréia; distúrbios da fala e da mastigação; Hum 1964;13:223-32.

traqueostomia definitiva21. 19. Wiedmann HR. EMG, syndrome and carbohydratc metaho-
lism. Lmcet 1968;2:104-5.
Deve-se salientar a fundamental importância da
20. Weiss LS, White JA. Macroglossia: A review. J La StateMed Soe
terapia miofuncional para reestabelecer o tônus, a pos New Orlcans 1990;142(8): 13-6.
tura e a função da língua, no pré e pós-operatório, nos
21. Wolford LM, Cottrell DA. Diagnosis of macroglossia and indi-
casos mais severos, cujo tratamento eleito é a glossec cations for reduction glossectomy. Am J Ortliod Dentofac
tomia parcial. Orthop 1996;7:10-70.
Síndrome de Mõebius

Fausto Viterbo de Oliveira Neto


Wagner Targa Ripa ri

INTRODUÇÃO ducente; no grupo 2, os casos em que há anomalias


associadas de membros; e, no grupo 3, as alterações
O primeiro caso de paralisia facial congênita bilateral faciais associam-se à artrogripose, ou seja, contratura
foi descrito por Von Graefe et ai., em 1880'. Mõebius, de múltiplas articulações6,7.
em 1888, classificou as diversas formas de paralisia de
nervos cranianos, incluindo os pacientes que apresen
tavam a associação entre paralisia do nervo facial, VII
par craniano e do nervo abducente, VI par craniano. ETIOLOGIA
Desde então a síndrome, cujas características princi Não está definida a etiologia da síndrome de Mõe
pais são paralisia dos nervos facial e abducente, passou bius4,8,9.
a ter o epônimo de síndrome de Mõebius2. A síndro Não foi identificado nenhum padrão de transmis
me de Mõebius caracteriza-se ainda por anomalias da são de herança genética, sendo todos os casos conside
face, membros, tórax e coluna vertebral2"4. rados de ocorrência esporádica6,10.
A causa básica parece ser heterogênea4.
O período embrionário crítico para as estruturas
CLASSIFICAÇÃO envolvidas na síndrome é o intervalo entre o 23° e 46°
A síndrome de Mõebius é a mais freqüente no grupo dia, no qual a crista neural dá origem aos núcleos dos
das síndromes de hipogenia oromandibular-membros, nervos cranianos, forma-se o primórdio da mão com
classificação essa modificada por Mall, levando em quatro sulcos radiais entre as falanges marginais, for
conta a presença de hipoglossia4,5. mam-se ainda o primórdio dos pés e as proeminências
Nesse grupo estão incluídas síndromes raras como auriculares".
a hipoglossia-hipodactilia, de Hanhart (1950), da an A hipótese mais provável é a disrupção do siste
quilose glossopalatina, da fusão esplenogonadal-defi- ma vascular em desenvolvimento, afetando a vasculo-
ciência de membros, de Charlie"1. gênese e/ou angiogênese da artéria facial em desenvol
Temtamy e McKusick reconheceram três grupos vimento, dos vasos para o 2o arco branquial, e das arté
de pacientes com síndrome de Mõebius. No grupo 1 rias subclávia, trigeminal primitiva, e basilar e verte
estão os casos de paralisia isolada de nervo facial e ab bral4,1112.

539
540 Cirurgia Craniomaxilofacial

Bavinck e Weaver relataram como responsáveis pela Escoliose está presente em 20% dos casos, poden
oclusão da artéria subclávia fatores mecânicos como trom- do a escapula estar ausente11.
bos, êmbolos, hemorragias e compressão intra-uterina13.
Diversos outros eventos pré-natais foram responsa
bilizados no comprometimento do fluxo sangüíneo TRATAMENTO
útero-placentário, relacionando-o à síndrome de Mõe
Muitas formas de tratamento podem ser usadas para
bius, como o uso de análogos da prostaglandina El,
minimizar as deformidades do paciente com síndrome
como o misoprostol13. de Mõebius e assim facilitar sua integração social9,18.
Não há preferência por sexo, sendo os dois sexos
Na região órbito-palpebral a cantoplastia mediai
afetados igualmente4,14"16. e a cantopexia lateral podem reorientar a fenda palpe
bral e minimizar o estigma da síndrome. Da mesma
forma, a cantopexia pode ajudar nos casos em que há
CLÍNICA exposição da córnea e os mecanismos de defesa por si
só não são capazes de protegê-la, principalmente quan
O paciente com síndrome de Mõebius tem grande
do associada à inclusão de peso de ouro na pálpebra
dificuldade de integração social, devido principalmente
superior9,26"29.
à inabilidade para sorrir e à ausência de expressão facial
A rinoplastia, visando principalmente o dorso,
determinada pela paralisia do nervo facial9,17,18.
pode dar ao nariz um contorno mais natural, elimi
A deformidade pode ser óbvia ao nascimento, e
nando suas formas retilíneas e promovendo uma con
sem tendência de piora com o envelhecer4,9,11,16,19. tinuidade entre o supercílio e o terço médio da face,
O àcometimento pode ser assimétrico em graus
permitindo assim maior harmonia facial9,18.
variados de apresentação, entre as hemifaces e porções Existem inúmeros procedimentos para reanima-
superior e inferior da face20. ção da boca e, conseqüentemente, obtenção do sorri
Pode ocorrer o àcometimento unilateral4,11,20.
so, mediante transposições musculares regionais ou mi-
Qualquer nervo craniano pode estar acometido crocirúrgicas9,18,26.
em associação com VI e o VII pares, porém os mais
freqüentes são III, V, IX e XII11,20"22.
A paralisia do nervo abducente determina incapa Transposições Musculares Regionais
cidade em abduzir os olhos além da linha média. Ou A transferência de um músculo inervado por um ner
tras alterações que podem estar presentes são as pregas vo craniano não-paralisado vem sendo usada no trata
epicânticas, nistagmo, ptose, estrabismo e microftal- mento da paralisia facial desde que Lexer e Edem reali
mia11,15,16,23. zaram a primeira transposição muscular para tal fim,
A raiz nasal é alta e larga, prolongando-se em li em 191118'30'31. Lexer e Edem elevaram 2 tiras do masse-
nha reta até a ponta nasal24. ter e 2 do músculo temporal e as suturaram respectiva
A boca apresenta pequena abertura e os cantos mente ao lábio e às pálpebras18,30,31.
são desviados inferiormente, permitindo a perda de Graças à sua localização na face e disposição ana
saliva. É freqüente a hipoplasia unilateral da língua e, tômica de seu pedículo neurovascular, o músculo
mais raramente, a bilateral4,24,25. masseter pode ser usado na reanimação da boca9,18,26,32.
A movimentação do palato é pobre, com prejuí A cirurgia pode ser realizada via incisão pré-auri-
zo para sucção, deglutição e fala. A fenda palatal é de cular ou intra-oral, sendo feitas a liberação da inserção
ocorrência não rara19. do músculo na mandibula e transposição do mesmo
Há hipoplasia mandibular de leve a moderada20,24. através de túnel subcutâneo para o canto da boca9,26.
A microtia ocorre em porcentagem maior que a No momento da dissecção deve-se ter cuidado com
esperada4,11. o pedículo que se encontra em sua face posterior, ao
A hipoplasia assimétrica ou aplasia uni ou bilate níveldo processo coronóide. O nervo massetérico é ramo
ral do peitoral maior, ou mesmo a forma completa da do nervo mandibular, divisão do trigêmeo e a vasculari-
síndrome de Poland, ocorre em 15% dos casos16. zação é derivada dos vasos maxilares internos9,26,33.
As anomalias de membros ocorrem em 50% dos A origem do músculo masseter no arco zigomáti
casos e incluem hipoplasia de dígitos, sindactilias e co proporciona uma direção ideal de tração para o
hipoplasias de membros4,11,16. canto da boca26.
Em 10% a 15% dos casos ocorre grau leve de re A transposição do masseter tem como desvanta
tardo mental14,16. gem o grande volume do músculo, que se traduz em
Síndrome de Mõebius 541

deformidade na bochecha e movimentação intensa do pela soma do volume do músculo temporal à projeção
canto da boca durante a mastigação26. do zigoma e facilitando a dissecção do tendão do tempo
Edgerton, em 1975, descreveu a transferência do ral. A transposição é feita em plano subeutâneo, sendo
músculo platisma para reanimação da boca nos pacien usado enxerto de fáscia lata que é fixado ao músculo
tes com síndrome de Mõebius. No entanto, salientou o orbicular da boca e à derme do sulco nasogeniano'1".
vetor não-natural de movimentação da rima bucal". Nossa preferência tem sido a utilização da transpo
Gillies, em 1934, popularizou a transposição do sição ortodròmica do músculo temporal, ou seja, man
músculo temporal, modificada por McLaughlin em tendo o sentido de tração original do músculo, seme
1953, que incorporava ao tendão transposto do mús lhante ao proposto por McLaughlin, porém por via extra-
culo temporal o processo coronóide da mandibula35,36. oral, mediante incisão pré-auricular. Um enxerto de fás
A transposição do músculo temporal tornou-se o cia lata é suturado no tendão do músculo temporal e
procedimento preferido na reanimação facial devido no músculo orbicular do lábio inferior, passando, atra
à maior excursão de movimento que proporciona e à vés de descolamento subeutâneo, acima do arco zigo
capacidade de reanimar as pálpebras conjuntamente9,21'. mático e abaixo do SMAS (Figs. 42-1 a 42-8)9.
O músculo temporal origina-se do pericrânio da fossa Não fazemos a osteotomia do arco zigomático para
temporal e da fáscia temporal, e insere-se no processo abordar o tendão do músculo temporal, contrário ao
coronóide e ramo da mandibula. A vascularização é dada que propõe Breidahl, uma vez que tal manobra tem como
pelas artérias temporais anterior e profunda, ramos da efeito secundário uma depressão na região da eminên
artéria maxilar e nervos de mesmo nome que as acompa cia malar, muitas vezes inaceitável para os pacientes que
nham e são ramos da divisão mandibular do trigêmeo26. buscam melhora de expressividade facial.
Devido à pequena extensão do músculo, sempre A transposição ortodròmica mantém o vetor de
insuficiente para atingir o canto do olho e a rima bucal, ação do músculo temporal, que transposto em plano
inúmeras manobras foram descritas para seu alongamen subeutâneo mimetiza a ação dos músculos zigomáti
to mediante enxerto de fáscia lata, enxertos musculares co maior e menor, ganhando assim amplitude de movi
com a mesma função, e incorporação de segmentos de mento na animação da rima bucal, alcançando, em al
pericrânio à extremidade do músculo""38. guns casos, um deslocamento de até 2cm36,39"41.
A fim de minimizar o aumento de volume na re
A técnica original proposta por Gillies consiste
na desinserção da origem do músculo temporal da gião do arco zigomático, determinado pelo músculo
temporal e seu tendão, a transferência desse músculo é
fossa temporal e transposição de sua porção anterior
realizada através de túnel abaixo do SMAS36"41.
para o canto mediai do olho, passando-o através de
Labbé, em 2000, descreveu o alongamento do
túnel na região tarsal das pálpebras superior e inferior,
músculo temporal para reanimação da rima bucal, téc
e transposição da porção posterior do músculo tem
nica baseada na transposição de todo o tendão do
poral para rima bucal9,26,55.
músculo para o orbicular da boca, facilitada pela oste
Em 1953, McLaughlin descreveu a transposição da
otomia do arco zigomático e do processo coronóide
inserção do músculo temporal associada ao processo co
da mandibula. Para obter maior extensão do músculo
ronóide, após osteotomia do mesmo, por via intra-oral1".
Como desvantagens da transposição do músculo
temporal podemos apontar a depressão que ocorre na
região da fossa temporal e exacerbação do contorno
do zigoma, sobre o qual dobra-se o músculo, determi
nando alteração inestética grave. Ocorre ainda certo
grau de movimentação facial durante a mastigação que
pode ser minimizado com o treinamento9,26,38.
A animação obtida com esses procedimentos é
sempre voluntária, e um treinamento árduo deve ser
feito para que esta se torne o mais natural possível9,26.
Breidahl et ai., em 1996, descreveram a transposição
do tendão do músculo temporal ao sulco nasogeniano e
para os lábios superior e inferior, após sua liberação do
processo coronóide mediante ressecção do arco zigomá
Fig. 42-1. Área descolada no plano subeutâneo para inserção do
tico, reduzindo assim a deformidade estética ocasionada enxerto de fáscia lata.
542 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 42-2. Liberação do tendão do músculo temporal. Fig. 42-3. Tendão do músculo temporal sendo suturado no enxer
to de fáscia lata.

Fig. 42-4. Local da incisão no lábio inferior, permitindo acesso qo Fig. 42-5. Os dois enxertos de fáscia lata.
músculo orbicular da boca onde será suturada a extremidade do
enxerto de fáscia lata.

Fig. 42-6. Criança de 9 anos portadora da Fig. 42-7. Pós-operatório de 4 meses, em Fig. 42-8. Pós-operatório de 4 meses, sor
síndrome de Mõebius. Pré-operatório. repouso. rindo mediante leve movimento de morder.
Síhdrorrie de Mõebius 543

temporal, toda origem deste é liberada, de modo que 7. Temtamy S, McKusick VA. The genetics of hand malformati
o retalho fique ilhado, e reinserida mais anteriormen ons. Birth Defects 1978;74(3):81-5.
te. Com esta técnica, Labbé consegue eliminar o uso 8. Gorlin RJ. Some facial syndromes. Birth defects 1976;5:65.
da fáscia lata e as complicações a ela inerentes41. 9. Viterbo F, Faleiros H. Transposição ortodròmica de músculo
temporal para o tratamento da paralisia facial. Contribuição
para melhor resultado estético. XXXVI Congresso Brasileiro
de Cirurgia Plástica. Rio de Janeiro, 13 a 16 de novembro de
Transposições Musculares Livres 1999.

10. Krueger KE, Friedrich D. Familiare kongenitale moti-litátss-


Harii, Ohmori e Torii, em 1976, foram os primeiros a tórungen der augen. Klin MonatsblAugenheilkd 1963;/42101-
relatar com sucesso a transferência do músculo grácil 17.

com técnica microneurovascular para reanimação da 11. Abramson DL, Cohen Jr MM, Mulliken JB. Mõebius syndro
rima bucal, usando o nervo temporal para reanimar o me: Classification andgrading system. Plast Reconstr Surg 1998;
102(4):961-7.
músculo transferido em um primeiro momento e,
depois, enxertos de nervo cruzados na face18,26,32-42. 12. Bouwes-Bavinck JN, Weaver DD. Subclavian artery supply dis-
ruption sequence: Hypothesis of a vascular etiology for Poland
Desde então, outros músculos foram utilizados Klippel-Feil and Mõebius anomalies. AmJ Med Genet 1986;
na reanimação facial, tais como o peitoral menor, gran 23:903.
de dorsal, serrátil, reto abdominal, e platisma. Porém, 13. Pastuszak AL, Schüler L, Speck-Martins CE et ai. Use of miso-
devido à constância e à adequada extensão de seu pe prostol during pregnancy in Mõebius syndrome in infants. N
dículo, e à possibilidade de segmentação, diminuindo EnglJ Med 1998;33#1881.
assim a quantidade de tecido transferido, o músculo 14. Danis P. Les paralysies oculo-facialis congénitales (àpropôs detrois
grácil continua a ser o preferido18,26,32. observations nouvelles). Ophthalmologica 1945;//fll 13-37.
Da mesma forma, já se usou diversos nervos para 15. Hanissian AS etai. Mõebius syndrome in twins. AmJDis Child
19700; 720:472-5.
reanimação do músculo transferido - o hipoglosso,
16. Henderson JL. The congenital facila diplegia syndrome: Clini
que nem sempre está disponível, uma vez que freqüen cai features, pathology, and aetiology. A review of sixty-one
temente é acometido na síndrome de Mõebius; o ner cases. Brain 1939;62:381-403.
vo acessório, que por estar distante da face deve ser 17. Rubin LR, Lee GW, Simpson RL. Reanimation of the long-
conectado ao músculo através de enxerto de nervo -, standingpartial facial paralysis. Plast Reconstr Surg 1986;77:41.
sendo os melhores resultados obtidos com ramos do 18. Zuker RM, Manktelow RT. A smile for the Mõebius syndrome
trigêmeo, como o nervo massetérico, que raramente é patient. Ann Plast Surg 1989; 22:188-94.
acometido na síndrome4,9,18,31,33,42. 19. Gutman D et ai. Mõebius syndrome. BrJ OralSurg 1973; 11:
20-4.
Apesar da maior complexidade da técnica, a gran
de disponibilidade de músculos para transferência per 20. Evans PR. Nuclear agenesis. Mõebius syndrome: The congeni
tal facial diplegia syndrome. Arch Dis Child 1955;30:237-43.
mite uma reanimação mais específica da face, já que
21. Sprofkin BE, HillmanJW. Mõebius syndrome: Congenital ocu-
vários segmentos do músculo grácil podem ser trans lofacial paralysis. Neurology (Minneap) 1956;6:50-4.
feridos simultaneamente com vetores de ação que mi- 22. Steigner M et ai. Combined limb deficiencies and cranial nerve
metizam a ação dos músculos da mímica facial26. disfiinction: Report of six cases. Birth Defects 1975;/7(5):133-41.
23. Hicks AM. Congenital paralysis of lateral rotationsof eyes with
paralysis of muscle of face. Arch Ophthalmol 1943;30:38-42.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24. Reed H, Grant W. Mõebius syndrome. Br] Ophthalmol 1957;
47:731-9.
1. Von Graefe A. In:Von Graefe and T.Saemisch (eds.). Handbuch 25. Bonar BE, Owens RW Bilateral congenital facial paralysis. Am .
der Gesammten Augenheilkunde. Leipzig: W. Engelman, 1880. J Dis Child 1929;38:1256-72.
p. 148.
26. Baker DC. Facial paralysis. In: McCarthy, Plastic surgery. 2 ed.,
2. Mõebius PJ. Ueber angeborene doppelseitige Abducens - Faci- Philadelphia: W. B. Saunders Company. 1990:2.237-319.
alis - Làhmung. Münch Med Wochenschr 1991;35:91.
27. Putterman AM. Lateral canthal plication. In: Cosmetic oculo-
3. Mõebius PJ. Uber infantilen Kernschwund. Münch Med Wo plasticsurgery. 3 ed., Philadelphia: W. B. Saunders Company,
chenschr 1892; 39:17-21, 41-3, 55-8. 1999:221-8.
4. Gorlin R, Cohen Jr MM, LefinLS. Branchial arch and oro-acral 28. Mustardé JC. Surgery of the lateral canthus. In: Repair and
disorders. In: Syndromes of headand neck, 3 ed.. New York: reconstruction in the orbitalregion. 3 ed., Edinburgh: Churchi
Osford University Press, 1990:666-74. ll Livingstone, 1991:283-96.
5. Hall BD. Aglossia - adactylia. Birth Defects 1971;/{7):233-6. 29. Jobe RP. A technique for lid loading in the management of
6. Temtamy S, McKusick VA. Synopsis of hand malformations lagophthalmos of facial palsy. PlastReconstrSurg 1974;53:29.
with particularemphasis on geneticfactors. Birth Defects 1969; 30. Lexer E, Éden R. Uber die chirurgischebehandlung der periphe-
5(3): 125-84. ren facialislãhmung. Beitr Klin Chir 1911;73:116.
544 Cirurgia Craniomaxilofacial

31. Zuker RM, Manktelow RT. Funcional and aesthetic muscle 37. Millesi H. Nerve suture and grafting.to restore the extratempo-
transplants. In:Advances in plastic andreconstructive surgery. ral facial nerve. Clin Plast Surg 1979;6333.
St. Louis: Mosby-Year Book, 1993;£37-66. 38. Baker DC, Conley J. Regional muscle transposition for reha-
32. ZukerRM.Facial paralysis in children. ClinPlast Surg 1990; 7795. bilitation of the paralyzed face. Clin Plast Surg 1979b;6:317.
33. Zuker RM, Goldberg CS, Manktelow RT. Facial animation in 39. Rubin LR. Reanimation of the paralyzed face. St. Louis: CV
children with Mõebius syndrome after segmentai gracilis mus Mosby, 1977.
cle transplant. Plast Reconstr Surg 2OOO;70tí{l):l-8. 40. Breidahl AF, Morrison WA, Donato RR et ai. A modified sur
34. Edgerton MT, Tuerk DB, Fisher JC. Surgical treatment of Mõ gical technique for temporalis transfer. BrJ PlastSurg 1996;
ebius syndrome by platisma and temporalis muscle transfers. 4246-51.
Plast Reconstr Surg 1975;55:305. 41. Labbé D, Huault M. Lengthening temporalis myoplast and lip
35. Gillies HD. Experience with fáscia lata grafts in the operative reanimation. Plast Reconstr Surg 2000;105(4):1.289-97.
treatment of facial paralysis. Proc R Soe Med 1934;27:1.372. 42. Harri K, Ohmori K,ToriiS. Freegracilis muscle transplantation
36. McLaughlin CR.Surgical supportin permanent facial paralysis. with microneurovascular anastomoses for the treatment of fa
Plast Reconstr Surg 1953;77:302. cial paralysis. Plast ReconstrSurg 1976;57:133.
Atrofia Facial Progressiva
(Síndrome de Romberg)

Luiz Francisco Souza da Fontoura

INTRODUÇÃO nada a um distúrbio neurovascular (provavelmente de


origem simpática)".
Smonímia: atrofia hemifacial progressiva, síndrome de Em muitos casos, a perda tecidual progressiva fica
Parry-Romberg, síndrome de Romberg, síndrome de limitada à hemiíace, usualmente à esquerda. As áreas
Parry, prosopodismorfia e trofoneuroses. afetadas podem demonstrar atrofia e enrugamento dos
tecidos abaixo da pele, a derme, a camada de tecido
A síndrome de Parry-Romberg é uma rara desordem adiposo subeutâneo e os subjacentes tecidos muscu
caracterizada por uma lenta e progressiva atrofia dos lar, cartilaginoso e ósseo.
tecidos moles da hemiíace ou até do esqueleto da face, Além disso, a pele que recobre as áreas afetadas
com distintas alterações dos olhos e cabelos, além de torna-se hiperpigmentada, com determinadas regiões
distúrbios neurológicos, que incluem episódios seve de hipopigmentação ou mesmo despigmentação (man
ros de descontrole elétrico cerebral e dor no território cha de vitiligo)13. Muitos podem apresentar atrofia da
inervado pelo V par craniano, incluindo aí boca, bo metade do lábio superior e língua, com exposição anor
chechas, nariz ou outros tecidos faciais (nevralgia faci mal dos dentes, ou ainda apresentar irrupção retarda
al)8,10,14. da ou perda de elementos dentários no lado afetado.
Os achados clínicos e sintomas associados com a Na maioria dos casos, a hemiatrofia típica progri
síndrome de Romberg normalmente tornam-se aparen de por aproximadamente 3 a 5 anos, então cessando a
tes nos primeiros anos da segunda década da vida. A evolução. As alterações dos cabelos também aparecem,
grande maioria dos indivíduos portadores da doença com branqueamento, bem como perda pilosa em re
experimenta os sintomas antes dos 20 anos de idade. giões localizadas, além de perdas de cílios e alopecia
As alterações faciais iniciais usualmente envolvem da porção mediana das sobrancelhas (madarose)1".
os tecidos acima citados e também os maxilares e a Alguns indivíduos podem ainda apresentar altera
região entre o nariz e o canto superior dos lábios (sul ções neurológicas, que incluem cefaléia intensa, acom
co nasolabial) e progridem, envolvendo o ângulo da panhada de alterações visuais, náuseas, vômitos (enxa-
boca, sobrancelhas, orelhas e pescoço. Nessa síndrome quecóide), nevralgia facial e alguns períodos de ataques
há envolvimento e perda da visão binocular e, mesmo por distúrbios elétricos cerebrais incontroláveis, que
não sendo uma doença congênita, parece estar relacio usualmente se caracterizam por espasmos rápidos de um

545
546 Cirurgia Craniomaxilofacial

O primeiro a cunhar o termo hemiatrofia facial


progressiva foi Eulemburg, em 1871, tendo ainda fei
to as descrições mais precisas da doença, postulando
que não se tratava de moléstia de origem congênita,
que acontecia na primeira ou segunda década de vida,
mas de caráter progressivo. É interessante ressaltar que
Romberg referiu-se a esse quadro como trofoneuroses
e que Bergson, em 1837, referiu-se a ele como proso-
podismorfia.
O autor que mais casos analisou foi Coenenberg,
que estudou 250 pacientes para a confecção de uma tese
apresentada cm Bonn.
Mõbius, em 1895, escreveu importante monogra
fia sobre esse estado mórbido, tendo outros 25 auto
res publicado trabalhos sobre esse tema, dentre eles
Marburg, em 1912, e Cassier, também no mesmo ano.
Segundo publicou Rogers, em 1964, até então
eram conhecidos 774 casos dessa doença
Cientistas descobriram enfermidades neurológicas
em múmias egípcias, ao estudar 200 pinturas colori
Fig. 43-1. Paciente com 26 anos, paralisia facial, ptose palpebral das pertencentes ao Museu Britânico e ao Metropoli
direita e marcada atrofia do tecido subeutâneo e osso dos terços
superior e inferior da face. tan Museum de Nova York, além de 32 crânios encon
trados no norte do Egito. As múmias sofriam de sín
drome de Parry-Romberg. O estudo também revela
grupo muscular que se estende aos músculos adjacentes que três dos crânios tinham os olhos voltados para
(epilepsia jacksoniana contralateral). A gravidade e a dentro, anormalidade ligada ao sistema nervoso autô
amplitude dos sintomas variam caso a caso. A maioria nomo. Segundo o artigo publicado no Diário de Neu
parece ocorrer ao acaso, por motivos desconhecidos2. rologia, Neurocirurgia e Psiquiatria, a Paleoneurolo-
gia (casamento entre a paleontologia e a neurologia)
torna possível descobrir as enfermidades neurológicas
HISTÓRIA de múmias que morreram há mais de dois mil anos,
inclusive quando não tinham resquícios de sistema
Em 1825, Hillier Parry descreveu o primeiro caso clí nervoso para serem estudados.
nico conhecido. Tratava-se de uma mulher de 28 anos
que relatava ter tido leve hemiplegia esquerda aos 13
anos de idade. Essa mulher começou a notar que sua
ETIOPATOLOGIA
hemiface esquerda crescia menos do que a sua hemifa-
ce direita, e que seu olho esquerdo tornava-se menor Etiopatologicamente, a doença inicia-se, algumas ve
do que o direito, isto é, estava menos projetado do zes, com uma atrofia de coup de sabre na região fron
que o contralateral. A paciente relatava ainda que seus tal, achado este que sugere ser a doença meramente
cabelos estavam tornando-se brancos no lado afetado uma forma isolada de escleroderma. Este conceito é
e sua língua estava atrófica e desviada para o mesmo aceito por aqueles que dizem que, estatisticamente, sen
lado esquerdo. Também sua sobrancelha apresentava do a doença mais freqüente em mulheres, e por simila
alguns fios de cabelo brancos. ridade ocorrendo o mesmo na esclerodermia, isto se
Essas alterações são características da doença que ve ria uma prova conclusiva.
mos com o nome de síndrome de Romberg e foram A entidade muitas vezes é precedida por dor tri-
descritas primeiramente por Pany, como já salientado, e geminal e espasmo muscular facial, além de história
a ele deveriam caber as honras de primeiro relator. No de epilepsia.
entanto, foi Moritz Heinrich Romberg quem, dentro da Outros achados clínicos incluem uma progressi
história da medicina, foi cultuado como aquele que inicial va atrofia lenta e contínua do tecido celular subeutâ
mente descreveu esse quadro clínico. Seu relato, no en neo e do tecido cutâneo adjacente, associada à do teci
tanto, deu-se em 1846, 21 anos após a publicação de Pany. do conjuntivo, cartilagens, músculos e ossos. Essas atro-
Atrofia Facial Progressiva 547

fias incluem uma primeira fase ativa c uma segunda Miedziak et ai.12 reportaram um caso de síndro
fase de estabilidade do processo, com alguma predile me de Parry-Romberg e evidenciaram a existência de
ção pelo lado esquerdo da face, enquanto as manifes malformações vasculares intracranianas. Segundo eles,
tações bilaterais são referidas na literatura em 5% a não havia referências anteriores. Eles sabiam que as
10% dos casos clínicos. Raramente, podemos encon causas eram desconhecidas, mas eles favoreceram o
trar envolvimento ipsilateral de corpo. conceito de que a síndrome de Parry-Romberg pode
A doença pode progredir para a testa e para a ca ria ser resultado de um processo de aprisionamento
beça, envolver a região geniana, estendendo-se até a angiogênico, afetando o sistema nervoso central du
porção lateral do queixo. Quando envolve outras par rante a fase de crescimento e desenvolvimento do in
tes do corpo que não a face e o pescoço, afeta a porção divíduo. Emprestando algum suporte a essa teoria,
interna do braço e das coxas e muito infreqüentemen ainda que não explicitado pelos autores, está a ocor
te, a porção ipsilateral hemicorporal, determinando rência de telangiectasias da retina e neurorretinopatia
hemiplegia8. exsudativa em alguns pacientes com a síndrome de
A pele pode ser pigmentada, hipopigmentada e Parry-Romberg. Nenhum dos quatro casos referidos
seca, livre e móvel. Sinais oculares são freqüentes em com envolvimento do nervo ótico e da retina tinham
10% a 20% dos casos, sendo o olho afetado cnoftálmi- evidências clínicas de malformações vasculares intra
co com atrofia da pálpebra inferior. cranianas. No entanto, somente um dos quatro casos
Há ausência parcial ou total dos cílios (madaro- foi estudado com as técnicas modernas de escanea-
se), podendo ocorrer coloboma da pálpebra superior mento, com tomografias computadorizadas. O uso
e sobrancelhas, mas a função visual e os movimentos do termo malformações, pelos autores, implicaria uma
oculares são mantidos. A orelha poderá estar com sua
disgenesia vascular focai do sistema nervoso central,
forma alterada pela atrofia. As estruturas teciduais in-
além de que as alterações do encéfalo e dos olhos
tra-orais e musculatura mastigatória e língua podem
poderiam ter sido adquiridas secundariamente a ou
alterar-se; contudo não há interferência significativa
tro processo patológico subjacente à síndrome de
na função da mastigação, deglutição e vocalização.
Parry-Romberg.
Alterações ortognáticas podem ocorrer por alteração
Contudo, a etiogenia dessa entidade nosológica
dentária e dos maxilares. A paralisia do VII par crania
continua desconhecida. O trauma também tem sido
no é achado comum, e a epilepsia é a alteração do
correlacionado com esses casos, mas este é uma incon
SNC mais freqüente9.
sistente característica. Encefalitc, enxaqueca complica
As alterações neurológicas não mantêm um grau
da e infecção viral leve têm também sido citadas como
de correlação com as alterações faciais.
causas possíveis. A teoria que parece ter maior suporte
é a da hiperatividade do sistema nervoso simpático,
especificamente o processo inflamatório do gânglio
cervical superior. Como muitos pacientes têm, previa
mente à hemiatrofia, uma história de trauma ou infec
ção, isto levou alguns neurologistas a considerá-las
como mecanismo de gatilho da síndrome de Parry-
Romberg pela irritação do sistema simpático cervical,
causada pela alteração do fluxo sangüíneo que supre o
tecido nervoso, tornando a área afetada progressiva
mente atrófica.
As alterações visíveis nas imagens de tomografia
computadorizada e ressonância magnética consistem
em aumento da densidade, sinal captado na substân
cia branca, alterações da densidade meníngea, calcifi-
cações intracranianas e atrofia cerebral central.
Por causa dos conflitos entre os achados clínicos
e as evidências apresentadas, as hipóteses etiológicas
ficaram circunscritas à: (a) hipótese infecciosa; (b) hi
pótese da neurite trigeminal periférica e (c) hipótese
Fig. 43-2. Paciente com zonas de alopecia. simpática, as quais já foram abordadas anteriormente.
548 Cirurgia Craniomaxilofacial

As alterações oculares poderão preceder ou suce


DIAGNÓSTICO
der aos exames neurológicos e incluem fundoscopia,
O diagnóstico usualmente inicia-se pela observação para estudo de atrofia da papila ótica, observação de
clínica das alterações focais atróficas faciais. aplainamento do disco ótico e pigmentação do epité-
Quando atinge completamente a hemiface, essa lio retiniano e dos capilares do córion1. Poderá haver
deformidade resulta em um desnivelamento na linha cxsudação sub-retiniana e deposição lipídica na retina
mediana, gerando o chamado "esclerodcrma em coup peripapilar nasal e ao redor da arcada vascular ínfero-
de sabre. Seu início é marcado, na maioria das vezes, temporal (resposta de Coats). Verifica-se, também, se
por manchas cutâneas hipercrômicas, semelhantes às há atrofia retiniana, pigmentar ou epitelial, com áreas
áreas de escleroderma, além de mudanças pigmentares de fibrose sub-retiniana, instabilidade de imagem no
do cabelo ou da íris. O início da moléstia se dá na nervo ótico ou perda vascular ativa, além de outras
primeira ou segunda década de vida. Quando é preco alterações oculares (10% a 35%)6, que não são menos
ce, há grandes deformidades ósseas, por estar o pacien importantes (enoftalmia, ptose, lagoftalmia, debilidade
te em fase de crescimento; há também atraso da erup muscular, mudanças pupilares, heterocromia iridis e
ção dental e raiz dental atrófica do lado afetado, além síndrome de Horner). A freqüência de midríase, miose,
de calcificação pulpar em todos os primeiros molares reações vasomotoras e secretórias e fenômenos oculo-
permanentes não envolvidos. Em casos raros, há invo- pupilares indica a tendência atual de se atribuir a pato-
lução ipsilateral da glândula salivar, hemiatrofia da lín genia ao sistema nervoso simpático, com hiper ou hipo-
gua e alopecia. lunção deste. Em microscopia eletrônica, verifica-se
No entanto, fenômenos de alterações do sistema alteração das fibras amielínicas em indivíduos com sín
nervoso central podem ocorrer primeiro, o que levará drome de Romberg.
a iniciar-se uma pesquisa neurológica. Esta incluiria As investigações histológicas envolvendo a pele e
eletroencefalograma, pois a alteração clínica neuroló tecido subeutâneo mostram alterações inflamatórias
gica é a de maior àcometimento3. crônicas c microbiose, as quais levam a alterações de
A tomografia computadorizada e a ressonância pele com formação cicatricial. Vê-se, também, ceratose
magnética são também utilizadas, além do exame clí epidérmica com adelgaçamento do estrato granuloso
nico neurológico específico. As crises enxaquecóides e plexo papilar, atrofia dos elementos anexos c infla
são igualmente freqüentes e bastante severas. Podem mação crônica da escleroderma e tecido celular subeu
ocorrer síndromes motoras, sensitivas e àcometimen tâneo.
to de nervos cranianos (ncuralgia do trigêmeo, enfra Deve-se diferenciar entidade nosológica de Rom
quecimento do VII par craniano, cefaléia), além de berg da lipodistrofia, pois, apesar das semelhanças na
espasmos musculares faciais. história clínica e familiar, prognóstico, tratamento e
histopatologia são entidades diferentes. A lipodistrofia
é de distribuição bilateral. Quando confinada à face,
extremidade superior ou tronco, é chamada de doença
de Barraquer-Simons. Quando generalizada, envolve a
gordura somática, assim como o omento e a gordura
mesentérica. Outras doenças que devem ser diferenciadas
são a microssomia hemifacial, as síndromes de Seckel,

Fig. 43-3. RM encefólica mostrando aumento do sinal captado


pela substância branca adjacente ao ventriculo lateral e lobo fron Fig. 43-4. Atrofia difusa epitelial inferior do pólo superior esquer
tal direito. do e áreas de fibrose sub-retinal do olho esquerdo.
Atrofia Facial Progressiva 549

O tratamento da região geniana e mandibular tem


boa resposta com a inclusão ou enxerto de diversos
materiais ou tecidos, como veremos a seguir.
Segundo Cardoso et al:\ o tratamento com enxer
to dermogorduroso em dobradiça (coxim duplo do
brado) apresenta resultados satisfatórios. Realiza-se uma
incisão pré-auricular e temporal, dissecando-se à seme
lhança de uma ritidectomia, e procede-se hemostasia
criteriosa. Uma elipse pré-demarcada na região supra-
púbica é desepitelizada e retirada, tendo uma espessura
de l,5cm. Dobra-se o enxerto sobre o seu maior eixo,
de modo que a gordura fique em contato uma com a
outra, ficando a derme por fora. O enxerto é distribuí
do no leito receptor e suturado.
Esse método obtém um contorno facial dos ter
ços médio e inferior da face bastante satisfatório3.
Harashina e Fujino mostraram que a utilização da der-
me do enxerto em contato com os músculos da face
diminuía o deslizamento do enxerto pela ação da gra
Fig. 43-5. TC em 3-D evidenciando atrofia frontal antes do trata
vidade.
mento.
Há também a possibilidade de se preencher a re
gião com retalho livre dermogorduroso da região da
Saethre-Chhotzen e síndrome do cromossomo 13q, dis- crista ilíaca anterior (groin ilap), onde se utiliza a mi-
plasia facial lateral, radionecrose gordurosa pós-radiote- croanastomosc para reduzir os problemas de reabsor
rapia, displasia fibrosa, esclerodermia (cujo diferencial ção gordurosa. Porém, o ato cirúrgico torna-se muito
demorado c há a necessidade de se contar com um
histológico é a preservação das fibras elásticas na doen
ça de Romberg), morféa e trauma facial. cirurgião treinado em microcirurgia, o que, às vezes,
torna esse ato impossível. Os resultados são muito
bons. O enxerto dermogorduroso é atualmente bem
aceito, apresentando muitas vantagens sobre outros
TRATAMENTO
tipos de enxerto, não somente fornecendo o volume
O objetivo do tratamento em nossa área é a reconstru necessário, mas também uma boa textura e aparência
ção do contorno facial ou mesmo corporal, se for o do local enxertado, particularmente importantes quan
caso. Esta deve ser iniciada na segunda fase da doença, do sujeitos à dinâmica dos músculos da expressão fa
ou seja, quando a fase de atrofia evolutiva estiver esta cial. A absorção é ocorrência aceitável; a parte dérmica
bilizada. proporciona uma melhor relação enxerto-leito recep
Os tratamentos neurológico e oftalmológico não tor, oferecendo a oportunidade de maior irrigação san
serão aqui abordados, pois fogem à nossa especialida güínea com menor absorção de gordura1'.
de, mas devem preceder o tratamento reconstrutivo. Em casos menos extensos, podem ser utilizados
Igualmente, apenas após obtermos a cura ou a estabili retalhos de gálea aponeurótica ou implantes de ma
zação dos sintomas neurooftalmológicos é que deve lhas de Gore-Tex ou de Alloderm. As malhas de Gore-
mos iniciar nosso tratamento. Tex não têm a mesma suavidade do Alloderm, que é
O tratamento do contorno ósseo, salvo alguns derme bovina acelular e liofilizada. Esta tem uma sua
casos excepcionais, deve restringir-se à região frontal e, vidade muito grande. As duas substâncias têm contra
algumas vezes, orbitária, em que o tratamento dos te
cidos moles fica bastante prejudicado pela pouca elas
Nota do editor:
ticidade e espessura do tegumento. Embora não citada pelo autor, uma outra opção terapêutica para o
Os enxertos preferenciais para essas regiões são os tratamento da síndrome de Romberg que merece menção dada a sua
de tábua externa de calota craniana contralateral. En relevância é a técnica do auto-enxerto gorduroso por lipoinjeção.
Trata-se de uma técnica de fácil realização, poucos riscos e baixo
xertos de origem cndocondral apresentam altos graus índice de complicação. Permite alcançar resultados bons e duradou
de reabsorção e de necrose, pois o leito apresenta vas- ros, praticamentesem produzir seqüelas à área doadora (vercapítulo
cularização diminuída. 10, Enxerto de Gordura, do volume Princípios Gerais).
550 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 43-6. Paciente mostrando grave hemiatrofia esquerda (A) e após tratamento com enxerto dermogorduroso (B).

si a pouca espessura que conseguem dar à região enxer-


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tada. O Alloderm7, adicionalmente, traz-nos a lembran
ça da doença de Creutzfeld-Jackobson, ou seja, encefali- 1. Anastasios J, Kancllopoulos, Fadi Z. El Baba, Leslic A. Bruce-
Lyle, Thomas A. Ciulla. Exudativc neuroretinopathy and
te espongiforme bovina na forma humana, causada por Coats'likc response in progressive hcmifacial atrophy. Depart
um Príon (uma proteína viva, o menor ser vivo que ment of Ophthalmology, Massachusetts.
existe, estando abaixo, apenas, do vírus), apesar de não 2. Asher SW, Berg BO. Progressive hcmifacial atrophy: report of
haver relato da doença com o uso desta substância (Allo thrcc cases, including sone observed over 43 years, and compu-
derm); no entanto, há relatos de sua ocorrência com a ted tomographic fmdings. Arch Neurol 1982;J244-6.
Liodura (dura-máter humana liofilizada e a celular). A 3. Cardoso LA, Lima T, Souza E, Kohatsu M, Cardoso K, Alves H.
Tratamento da síndrome de Romberg com enxerto dermogordu
inclusão de próteses de polietileno poroso de alta den roso (coxim duplo dobrado). Trabalho apresentado no Congresso
sidade (Medpor) também tem boa resposta quanto ao Brasileiro de Cirurgia Plástica cm São Pauloem Nov./2001.
contorno. Porém, quando a cobertura cutânea não é 4. Cory RC. Clayman DA, Faillace \VJ, McKee SW, Gama CH.
suficientemente espessa, há alguma tendência em exte- Clinicai and radiologic fmdings in progressive facial hemiatro-
phy (Parry-Romberg Syndrome). AfNR Am / Ncuroradiol
riorizá-la. Nesses casos, lutamos bastante com a falta de
1997;18:751-7.
espessura da pele e do tecido celular subeutâneo.
5. Gass JDM. Differential Diagnosis of'Intraocular Tumors: A
Nas grandes atrofias, quando são necessários gran Stereoscopic Prescntation. St Louis: CV Mosby, 1974:248.
des aumentos de volume, devemos utilizar retalhos 6. Gass JDM, Harbin Jr TS, Del Piero EJ. Exudativc stellateneuro
livres de omento, uma vez que o volume conseguido retinopathy and Coats' syndrome in patients with progressive
será suficiente. hcmifacial atrophy. EurJ Ophthalmol' (not availablc.)
Para prevenir e tratar espasmos musculares, como 7. Giffoni SDA, Gonçalves VMG, Zanardi VA, Lopes VGS. Estudo
neurológico cm pacientes com efeito de linha média facial:
tiques e tropias oculares usa-se a terapia com toxina evidências de comportamento cercbelar. Arquivos de Neurop-
botulínica (Botox). A toxina é produzida pelo Clostri- siquiatria. 2000p~,S,(Supl. 2):96.
dium botulinii. A toxina bloqueia a transmissão na 8. Gorlin RJ, CohenJr MM, Levin LS. Syndromes with Unusual
placa neuromuscular e deve ser usada em quantidade Facies: Wellknown Syndromes. New York: Oxford Univcrsity
Press, 1990:819-21.
suficiente para reduzir o espasmo, mas não para pro
duzir paralisia muscular. Ela pode ser dosificada usan- 9. Gorlin RJ, Pinborg }). Syndromes of the Head and Neck. New
York: McGraw-HilI Book Co, 1964:475-7.
do-se a eletromiografia no momento de sua injeção.
10. Magalini SI, Magalini SC, de Francisci G. (eds.). Dictionary of
Registra-se graficamente a ação do músculo sob o pon Medicai Syndromes. 3 ed., Philadelphia: JB Lippincott;
to de vista do impulso elétrico. 1990:672.
Atrofia Facial Progressiva 551

11. Mazzeo N, Fisher JG, Mayer MH, Mathieu GP. Progressive he- 14. Rogers BO. Progressive Facial Hemiatrophy: Romberg's Dise-
mifacial atrophy (Parry-Romberg syndrome): case report. Oral ase: A Review of 772 Cases. Washington, DC: Excerpta Medi
Surg Oral Med OralPatholOralRadiolEndod 1995; 79.30-5. ca Foundation; 1963:681-689. International Congress, Series
12. Miedziak AI, Stefanyszyn M, Flanagan J, Eaglc Jr RC. Parry- Na 66.
Romberg syndrome associated with intracranial vascular mal- 15. Santos IC, Zanardi VA, Nucci A. Síndrome de Parry-Romberg.
formations. Arch Ophthalmol 1998; 116:1235-7. Arquivos de Neurocirurgia 2000;5£ (SII): 72-7.
13. Miller MT, Sloane H, Goldberg MF, Grisolano J, Frenkel M, 16. WolfSM, Vcrity MA. Neurological complications of progressi
Mafee MF. Progressive hemifacial atrophy (Parry-Romberg di- ve facial hemiatrophy./. Neurol Neurosurg Psychiatry 1974;
sease). / Pediatr Ophthalmol Strabismus 1987;24:27-36. 37:997-1004.
Fissuras Craniofaciais Raras
e a Classificação de Tessier

Nivaldo Alonso

Wilson Cintra Jr.

INTRODUÇÃO EMBRIOLOGIA

O mecanismo de formação dos órgãos envolve migra Para compreensão de como se formam as anomalias
ções maciças de células c interações entre si. Quando craniofaciais é necessário o estudo do desenvolvimen
ocorre algum defeito durante a fusão dos processos to embriológico normal do crânio e da face.
faciais com ruptura epitelial e consolidação mesenqui- O desenvolvimento embriológico da face ocorre
mal, surgem as fissuras craniofaciais. Outras causas de entre a terceira e oitava semanas da gestação. As célu
formação de fissuras craniofaciais podem ser as bridas las da crista neural de origem ectodérmica vão formar
amnióticas, que se formam durante o desenvolvimen o esqueleto e o tecido conjuntivo da face, composto
to fetal, e as alterações vasculares congênitas, como basicamente por tecidos cartilaginoso e ósseo.
hipodesenvolvimento da artéria maxilar ou ausência O primeiro esboço da face aparece por volta do
da artéria estapédia. 23° dia, durante a formação do tubo neural, com a
Kawamoto descreve uma incidência entre 1,43 e formação do processo mandibular no primeiro arco
4,85 pacientes portadores de fissuras craniofaciais em visceral. Os processos nasais mediais, juntamente com
cada 100.000 nascimentos-", porém a incidência exata a porção cerebral anterior, formarão o processo naso-
é desconhecida devido à raridade de ocorrência da frontal, que se transformará em região frontal e dorso
doença5. nasal. Entre a quinta e sexta semanas formam-se os
Entre as fissuras craniofaciais, destacam-se as labio- maxilares superior e inferior, através do desenvolvi
palatais, que são as deformidades congênitas mais fre mento e fusão dos processos maxilares e mandibu
qüentemente encontradas, com incidência variável entre lares.
1:680 e 1:2.000 nascidos vivos, de acordo com a distri Os sulcos e fendas entre os diferentes processos
buição geo-racial, e que serão abordadas isoladamente faciais normalmente desaparecem até o final da sétima
em outro capítulo deste livro9,10,18. semana; a persistência das fendas resulta na formação

552
Fissuras Craniofaciais Raras e a Classificação de Tessier 553

ETIOLOGIA

Processo Placódio olfatório Duas teorias tentam explicar a formação das fissuras
nasofrontal craniofaciais: (1) a teoria clássica, proposta por Dursy e
Processo maxilar
His, respectivamente em 1869 e 1892, em que as fissu
Estomódio ras faciais seriam formadas pela falha na fusão de pro
Processo
mandibular cessos faciais"1-; e (2) a teoria da falha de migração do
mesoderma e penetração do mesmo entre a membra
na bilaminada de ectoderma presente em toda a face,
não preenchendo os processos faciais e gerando a fen
da, por falta de suporte na parede epitelial, proposta
por Pohlmanir' e Veau e Politzer", e defendida poste
riormente por Stark26. Hoepke e Maurer, em 1939, pro
puseram a coexistência das duas teorias, isto é, ocor
reriam a falha da fusão, levando à formação das fissu
b V] ras, e a migração de tecido mesodérmico no espaço
existente, gerando tal imperfeição13. As fissuras podem
formar-se na linha média e nas linhas laterais da face,
no processo maxilar ou no processo mandibular.
Estudos clínicos e experimentais em animais su
gerem uma interação multifatorial de fatores etiológi-
I cos:

Radiação
Fissuras faciais podem ser experimentalmente produ
zidas através da exposição à radiação3,25,34. Um aumen
to na incidência de deformidades faciais foi observa
do em filhos de mães sobreviventes ao ataque atômi
co no Japão-'. Miller, em 1969, estudou mulheres sub
metidas a altas doses de radiação nas primeiras 15 se
Processos:
manas de gestação e notou aumento das taxas de mal
formações faciais nos recém-nascidos20.
— Nasofrontal

Nasal lateral
— Globular
Infecção
Alguns agentes virais, como Hl vírus8, influenza A2
vírus16 e o vírus da rubéola7", estão associados ao au
mento da taxa de malformações, o que não ocorre com
6 semanas Adulto
infecções bacterianas.

Fig. 44-1. Embriologia da face. A. Desenvolvimento do embrião


até a quinta semana. B. Correlação entre os processos faciais
embriológicos e as estruturas faciais formadas (J. M. McCarthy, Desequilíbrio metabólico materno
Sanders, 1990).
Alguns efeitos adversos ao desenvolvimento embrio
lógico da face têm sido atribuídos a alterações meta-
das fissuras craniofaciais. Ao final da oitava semana, bólicas na mãe gestante. Mães diabéticas têm maior
com o aparecimento do pavilhão auricular, a face apre chance de desenvolverem crianças malformadas23,30.
senta-se completa, oriunda resumidamente dos cinco Alterações nos níveis séricos de hormônios tireoidia-
processos faciais, sendo um nasofrontal, dois maxila nos (tiroxina) em estudos experimentais, em animais,
res e dois mandibulares (Fig. 44-1). tiveram influência na freqüência de fissuras faciais15,36.
554 Cirurgia Craniomaxilofacial

Drogas As fissuras localizadas lateralmente ao forame in


fra-orbital, como regra geral, vêm acompanhadas de
Um grande número de drogas é comprovadamente
maior deformidade óssea do que as fissuras entre o
teratogênico e leva a malformações faciais, como anti-
forame e a linha média da face.
convulsivantes, antimetabólicos, agentes quelantes,
A fissura número 7 é a mais comum, e as fissuras
esteróides, tranqüilizantes, talidomida e outros19. 9 e 11, as mais raras. As fissuras 1 e 2 não acometem o
canal lacrimal, sendo mediais a ele, enquanto a 3 passa
através dele e a 4 passa lateralmente sem atingir o siste
CLASSIFICAÇÃO ma lacrimal. As fissuras 1, 2 e 3 começam no arco de
cupido; e as fissuras 4 e 5, e mais raramente a número
Várias classificações tentam agrupar as deformidades 6, podem envolvê-lo. A fissura 0-14 é aquela que aco
de acordo com a origem embriológica e localização mete a linha média da face (Figs. 44-3 a 44-10).
do defeito, como a de Karfik14, Boo-Chai1 e van der A associação de fissuras faciais está presente em
Meulen", porém a mais utilizada é a classificação clíni algumas síndromes, como a de Treacher-Collins19,35, que
ca de Tessier, apresentada em 1973 e publicada em 1976 é uma associação entre as fissuras 6, 7 e 8 (Fig. 44-11).
por Tessier e Kawamoto28. Algumas associações complexas são impossíveis de se
Tessier classifica as fissuras ordenando-as ao redor rem classificadas (Fig. 44-12).
da órbita e da boca com distribuição axial definida,
que atravessam órbita e pálpebras, maxila, nariz e lábios,
e números que variam entre 0 e 30, podendo haver a
superposição de dois números, como 0 e 14, 1 e 13, 3
e 11. Esta classificação gerou uma sistematização, faci
litando a comunicação e a compreensão daqueles que
lidam com essa deformidade (Fig. 44-2).

Fig. 44-3. Fissura 0-14. Grande deformidade nasal associada ao


afastamento simétrico das órbitas.

Fig. 44-4. Fissura 1-13. Ausência unilateral de desenvolvimento


nasal e presença de encefalocele frontoorbital mantendo desloca
Fig. 44-2. Classificação de Tessier para fissuras craniofaciais. mento unilateral da órbita esquerda.
Fissuras Craniofaciais Raras e a Classificação de Tessier 555

Fig. 44-5. Fissura 2-12. Lateralização das estruturas acometidas Fig. 44-8. Fissura número 4 bilateral. Nariz integro sem atingir
e comprometimentos facial e craniano simultaneamente em linha a via lacrimal.
diagonal.

Fig. 44-9. Fissura número 5 unilateral

íl^Si;"

•*«*-
*
Figs. 44-6 e 44-7. Deformidades classificadas como fissuras se
melhantes às anteriores, porém com diferentes manifestações clí Fig. 44-10. Fissura número 5 bilateral. Observam-se repercus
nicas. sões ósseas e alterações em partes moles.
556 Cirurgia Craniomaxilofacial

Na tentativa de incluir nessa classificação as fissu


ras de linha média da mandibula, Tessier atribuiu a
esse tipo o número 30, deixando um intervalo entre
15 e 29 para outras novas fissuras que pudessem ser
encontradas.
As fissuras que envolvem a órbita levam a defor
midades orbitárias, sendo que as mediais - fissuras 0,
1, 2 e 3, 11, 12, 13 e 14 - ou a associação entre elas
geralmente causam um afastamento anormal das órbi
tas, chamado de hipertelcorbitismo'1.
As fissuras podem, mais raramente, ser bilaterais
ou ainda, em vez da falta de tecido, originar aumento
ou duplicação dos tecidos, como na duplicação de
mandibula, de lábio inferior ou localizada na linha
média da face.
As fissuras 11, 12, 13 e 14 podem ser responsáveis
por defeitos ósseos em crânio, podendo estar associa
das a herniacões do tecido encefalico: as encefaloceles35.

TRATAMENTO

Como existe enorme variedade de fissuras craniofaciais


e grande associação entre elas, causando diferentes ti
pos de deformidades, é óbvio afirmar que o tipo de
tratamento cirúrgico não é único, devendo ser plane
jado caso a caso.
Fig. 44-11. Síndrome de Treacher-Collins. A. Vista frontal. Asso Passados mais de 20 anos da classificação de Tessi
ciação entre as fissuras faciais 6, 7 e 8, com alterações ósseas er, observamos um grande avanço no tratamento das
orbitais, zigomáticas e mandibulares. B. Vista de perfil. Obser
vam-se as deformidades auriculares. fissuras craniofaciais raras e de todas as deformidades
craniofaciais, com o advento de novos procedimen
tos, como as cirurgias realizadas mais precocemente,
enxertia óssea, métodos modernos de fixação óssea e
expansores de tecidos2,2".
Em geral, o início do tratamento varia com o grau
de gravidade e complexidade da anomalia, com o àco
metimento de funções vitais e com a morbidade cirúr
gica e mortalidade associada à reconstrução cranioma
xilofacial.
Quando as fissuras colocam em risco a vida da
criança, devem ser operadas o mais precocemente pos
sível, isto é, quando estão associadas a grandes encefa
loceles, hipertensão intracraniana ou fistulas liquóri-
cas. Quando elas levam a alterações visuais ou de de
senvolvimento da face, devem ser reparadas durante
os primeiros anos de vida, e quando são menos defor-
madoras, elevem ser operadas durante a infância, sem
pre visando a uma reabilitação mais precoce (Figs. 44-
Fig. 44-12. Algumas deformidades são tão complexas que a as 13 c 44-14).
sociação de números torna-se impossível. Neste caso, além das
fissuras labiopalatais bilaterais, temos alterações laterais e mediais Fazem parte do tratamento as osteotomias com
das órbitas e também do crânio. mobilização de segmentos ósseos22,27 e, também, o uso
FissurasCraniofaciais Raras e a Classificação de Tessier 557

.•

Fig. 44-13A. Aspectos pré-operatórios de paciente com fissura número 4 bilateral. B. Rotação de retalhos locais para reconstrução
palpebral e reposicionamento nasal adequado. C. Final do intra-operatório. D. Pós-operatório após 1 ano, com programação de recons
trução labial.

Fig. 44-14A. Fissura número 3 associada a microrbitismo e microftalmia. B. Reconstrução facial com reposicionamentos nasal e
palpebral após 4 anos, e uso de prótese ocular.
558 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 44-15A. Pré-operatório de fissura 0-14 apresentando bifidez nasal e leve afastamento entre as órbitas. B e C. Aspectos intra-
operatórios mostrando a duplicidade das estruturas nasais. D. Esquema das osteotomias realizadas com via de acesso extracraniana. E.
Pós-operatório recente.

Fig. 44-16A. Fissura 1-13 severa, com deslocamento importante da órbita para a direita e encefalocele interposta. B. Esquema das
osteotomias realizadas com via de acesso intracraniana. As mobilizações ósseas foram realizadas assimetricamente sempre com maior
mobilização à direita. C. Um ano após a cirurgia.
Fissuras Craniofaciais Raras e a Classificação de Tessier 559

de enxertos ósseos ou retalhos microcirúrgicos com 13. Hoepke H, Maurer HZ. Anat Entwicklungsgesch 1939; 108:
postos. Para tratamento de partes moles, geralmente 768.

são realizados retalhos de vizinhança, e para defeitos 14. Karfik V. Proposed classification of rare congenital cleft mal-
formations in the face. Acta Chir Plast (Praha) 1966;&163.
de maiores dimensões, lançamos mão do uso de reta
15. Langman J, Van Faassen F. Congenital defects in rat embryos
lhos a distância19 (Figs. 44-15 e 44-16). after partial thyroidectomy of the mother animal: A prelimi
Basicamente, os pontos de maior importância nas nary report on eye defects. AmJ Ophthalmol 1955;40:65.
reconstruções faciais dos indivíduos portadores de fis 16. Leck I, HayS,WitteJI, GreeneJ.C. Malformations recorded on
suras craniofaciais são a reconstrução do nariz e o repo birth certificates following A2 influenza epidemics. PublicHealth
Rep 1969;Í4971.
sicionamento da órbita17. Existe grande divergência na
17. Marchac D, Renier D. New aspects of craniofacial surgery. World
literatura em relação à idade ideal para as reconstruções J Surg 1990;14(6):725-32.
nasais definitivas, mas estas devem ser realizadas duran
18. McCarthy JM. Plasüc Surgery. W.B. Saunders, 1990;<45): 2.437-50.
te a infância. O uso de retalhos frontais deve ser progra 19. McCarthy JM. Plastíc Surgery. WB. Saunders, 199Q;4(59): 2.922-73.
mado sempre lembrando-se que futuramente pode ser 20. Miller RW. Delayed radiation effectsin atomic bomb survivors.
necessário usá-los novamente e, por isso, o retalho deve Science 1969; 166:569.
ser confeccionado de modo monopediculado. 21. Neel JV. A study of major congenital defects in Japanese in-
As vias lacrimais podem ser reconstruídas com ida fants. Am J Hum Genet 1958;70:398.
des entre 4 e 6 anos, e o reposicionamento da órbita 22. Ortiz-Monastério F, Fuentedei Campo A, Carrillo A. Advance-
deve ser realizado mais precocemente, de acordo com ment of the orbits and the midface in one piececombined with
frontal repositioning for the correction of Crouzon deformi
o grau da deformidade.
ties. Plast Reconstr Surg 1978;67:507.
23. Pederson LM, Thigstrop I, Pederson J. Congenital malforma
tion in newborn children ofdiabetic women. Lancet 1964;7:790.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24. Pohlmann EH. Die Embryonale Metamorphose der Physiog-
nomie und der Mundhohle des Katzenkopfes. MorpholJahr-
1. Boo-Chai K.The oblique facial cleft: a report of twocases and a buch (Leipzig) 1910;47:617.
review of 41 cases. BrJ PlastSurg 1970;23:352. 25. Poswillo D. The aethilogy and surgeryofcleft palate with micro-
2. Boo-Chai K. The oblique facial cleft: a 20-year follow-up. BrJ gnathia. Ann R Coll Surg 1968;4?:61.
Plast Surg 1990;4?(3):355-8. 26. Stark RB. The pathogenesis of harelip and cleft palate. Plast
3. Callas G, Walker BE. Palate morphogenesis in mouse embryos Reconstr Surg 1954;75:20.
after X-irradiation. Anat Rec 1963;145:61. 27. TessierP.Osteotomies totales de Ia face. Syndrome de Crouzon,
4. Caronii ER Facial bipartition in hypertelorism. CleftPalate J Syndrome de Apert, oxycephalies, scaphocephalies, turricepha-
1986;2J(Suppl l):19-26. lies. Ann Chir Plast 1967;12271.
5. Darzi MA,Chowdri NA. Oblique facial clefts: a report of Tess 28. Tessier P. Anatomical classification of facial, craniofacial and
ier numbers 3, 4, 5 and 9 clefts. Cleft Palate Craniofac J latero-facial clefts.J MaxillofacSurg 1976;^69.
1993;30(4):414-5. 29. Thorne CH. Craniofacial clefts. Clin PlastSurg 1993;20(4):8O3-
6. Dursy E. Zur Entwicklungsgeschichte des Kopfes des Menschen 14.
und der Hõheren Wirbeltheire. Türbingen, Verlag der H. Laupp- 30. Tocci PM, Beber B. Abnormal phenylalanine loading test in
schen-Buchhandlung 1869, p. 99. mothers of children with cleft defects. Cleft PalateJ 1970;/*663.
7. Erdelyi R. The influence of toxoplasmosis on the incidence of 31. Van der Meulen JC, Mazzola R, Vermey-Keers C, Stricker M,
congenital facial malformation. Preliminary report. Plast Re Raphael B. A morphogenetic classification of craniofacial mal
constr Surg 1957;20:306. formations. Plast Reconstr Surg 1983;77:560.
8. Ferm VH, Kilhan L. Congenital anomalies induced in hamster 32. Van der Meulen JC. Tessier n.9 (Ietter comment). Plast Recon
embryos with Hl virus. Science 1964;745:510. str Surg 19S9;84(6):520-7.
9. Fogh-Andersen P. Inheritance of harrelip and cleft palate. 33. Veau V, Politzer J. Embryologie du Bec-de-Lièvre. Ann d'Anat
Copenhagen: Nyt Nordisk Forlag, Arnold Busck, 1942. Path 1936; 12:275.
10. Fraser FC. The genetics of cleft lip and palate. Am J Hum 34. Warkany J, Schraffenberger E. Congenital malformation in
Genet 1970;22:336. duced in rats by Roentgen rays. AmJ Roentgenol 1947;57:455.
11. GabkaJ. Beitrag zur Atiologie der Lippen-Kiefer-Gaumenspalt- 35. WeinzweigJ. Plastic Surgery Secrets. Hanleyfic Belfus, Inc. 1999;
en unter besonder Berüchsichtigung der Toxoplasmose. Dtsch 79:100-7.
Stomatol 1953;J:294. 36. Woollan DHM, Millen 1W. Influence of thyroxine on the inci
12. His W. Die entwickluing der Menschlichen und Thierischer dence of harelip in the "strong A" line of mice. BrMedJ1960;
Physiognomen. Arch Anat Entwicklugsgesch S, 1892:384. 1:1.252.
Hiperteleorbitismo

Vera Lúcia Nocchi Cardim


Rodrigo de Faria Vatle Domeiles
Rolf Lucas Salomons

mentos cantais externos. Segundo Van der Meulen,


DEFINIÇÃO
é de 66mm com 1 ano de idade e de 83mm no adulto.
O termo hipertelorismo refere-se genericamente ao • Distância orbital externa (DOE) —relaciona os pon
afastamento anormal entre duas estruturas similares. tos mais laterais da margem temporal das paredes
Somente adquire significado específico quando adjeti laterais das órbitas. Segundo Van der Meulen, com
vado. Hipertelorismo orbital, ou hiperteleorbitismo, 1 ano de idade esta distância gira em torno de 78mm
significa o afastamento excessivo entre as órbitas. Vá e, no adulto, é de 113mm.
rias tentativas foram feitas para dimensionar com exa
Essas medidas lineares, tomadas entre as bases dos
tidão o que se pode considerar normal ou anormal em
cones orbitais, revelam indiretamente a angulação en
relação à distância interorbital. Antes de tudo é preci
tre seus eixos longitudinais, a qual é diretamente res
so definir as principais medidas da região orbital:
ponsável pela visão binocular.
• Distância interdacrial (DID) —a referência é dada pelo Na vida intra-uterina, por volta da sexta semana,
ponto mais mediai da parede mediai das órbitas, que os placódios óticos se colocam em posição lateral,
corresponde ao dacrya, ou osso lacrimal. Günther5, guardando um ângulo de 180 graus entre si1.
em 1933, encontrou como medida máxima para a Com o desenvolvimento dos processos embrio
DID normal 30mm. A DID, também denominada nários, há uma rotação centrípeta dos placódios, e en
distância interorbital(DIO), varia de 16 a 18mm com tre a sexta semana e o terceiro mês esse ângulo passa
1 ano de idade e de 26 a 30mm no adulto. de 180 graus para 105 graus. Até o nascimento, o ân
• Distância intercantal (DIC) — refere-se à margem gulo entre os eixos oculonervosos terá diminuído para
mediai das carúnculas e avalia o posicionamento dos 71 graus, o que possibilita a visão binocular.
tecidos moles dessa região. Com 1 ano de idade va Nos diferentes tipos de hipertelorismo, podemos
ria de 24 a 25mm"', com 3 anos é de 26mm"', e, no ter situações de aumento da distância intercantal e
adulto, varia de 30 a 33mmlb. interdacrial (ou interorbital) sem haver divergência
• Distância intercantal externa (DICE) — refere-se ao dos eixos oculonervosos ou aumento da distância
canto externo das rimas palpebrais e avalia o posici orbital externa. Esses casos são classificados como hi
onamento das partes moles tracionadas pelos liga- pertelorismo interorbital, ou pseudo-hiperteleorbitis-

560
Hiperteleorbitismo 561

mo, e sua etiologia é muito variada, geralmente ligada mesmo tempo em que os placódios óticos estão mi
a meningoencefaloceles ou a tumores da região etmoi- grando centripetamente. Com isso, a migração se in
dal (displasia fibrosa óssea, quelóide ósseo, neurofibro- terrompe precocemente, resultando em um espaço
matose), mucoceles dos seios etmoidal e/ou frontal, interorbital muito alargado.
ou trauma com fraturas cominutivas dessa área. Podemos encontrar hiperteleorbitismo em qualquer
No hiperteleorbitismo verdadeiro, ou hipertelo tipo de malformação congênita, isto é, em qualquer dos
rismo orbital, todas as distâncias estarão alteradas, não dois grandes grupos de malformações, as displasias e as
apenas a DID e a DIC. Também o ângulo entre os disostoses. De acordo com o tipo de malformação onde
eixos oculonervosos estará maior do que 71 graus. se manifesta, o hiperteleorbitismo terá mecanismos di
Segundo Günther, existe hiperteleorbitismo quando versos de instalação, como veremos a seguir.
a DID (distância interdacrial ou interorbital) é maior do
que 42% da DICE (distância intercantal externa).
Romanus5 divide a DOE (distância orbital exter
ETIOLOGIA NAS DISOSTOSES
na) pela DIC (distância intercantal), e um índice obti
do por volta de 40 significará normalidade. Como Disostoses são malformações congênitas em que pre
vemos, ambos os autores relacionam medidas ósseas dominam alterações metabólicas do colágeno sutural,
com medidas de partes moles, deixando fartas possibi desencadeando estabilização precoce das zonas sutu-
lidades de distorção para esses índices. rais entre os ossos do crânio e da face. O sítio prefe
Uma classificação bem mais simplista, a de Tessi rencial da fusão sutural prematura é a rede interóssea
er11, baseia-se apenas na DID (distância interdacrial ou da base do crânio6^.
interorbital), sem considerar as paredes laterais das ór Essas fusões prematuras provocam tensões anor
bitas. Isto possibilitaconfundir hiperteleorbitismo com mais, que se propagam às suturas da abóbada craniana,
hipertelorismo interorbital, porém, mesmo assim, sua provocando estabilização precoce da sutura da calota
classificação é a mais aceita, e divide o hiperteleorbitis que estiver anatomicamente ligada (por traves fibro-
mo em graus, de acordo com sua gravidade: sas) à região afetada na base do crânio.
Grau I - DIO 30 a 34mm
Assim se originam, como sabemos, as cranioeste
Grau II - DIO 34 a 40mm
noses que, de acordo com as suturas afetadas, impri
Grau III - DIO > 40mm
mirão diferentes padrões de deformidades ao crânio.
No andar anterior da base do crânio existe o "comple
xo sutural frontoesfenoetmoidal" (Fig. 45-1), que não
só mantém relação direta com as suturas coronais,
ETIOLOGIA como também se continua com o tecido sutural que
une os ossos do terço médio facial.
Os fenômenos patológicos que se instalam após o nas
Se este complexo sutural for afetado pelas altera
cimento dificilmente causam hiperteleorbitismo ver
ções metabólicas do colágeno que induzem sua fusão
dadeiro, pois, provocando expansão da região interor
precoce, então não teremos apenas a fusão prematura
bital após a migração e estabilização anatômica das
da sutura craniana (coronal, no caso), mas também das
órbitas, raramente conseguem mobilizá-las como um
suturas do terço médio facial, instalando-se as "cranio-
todo. Limitam-se às suas paredes mediais, provocando faciestenoses".
hipertelorismo interorbital. Este conceito é válido para Assim como acontece no crânio, em que as suturas
algumas malformações congênitas localizadas, como não comprometidas crescem compensatoriamente para
as meningoencefaloceles nasoetmoidais. tentar assegurar a expansão cerebral, também em rela
Quadros insidiosos, como mucoceles frontoet- ção à face pode haver esse crescimento sutural compen
moidais de longa evolução, podem, quando instala satório. Por exemplo, podemos ter comprometimento
dos ainda durante a fase de crescimento, provocar a mais intenso das suturas frontoesfenoidais, e então as
mobilização de toda a órbita, dando origem então ao suturas esfenoetmoidais, menos afetadas, tentarão um
hiperteleorbitismo. Este, no entanto, em sua manifes crescimento compensatório. Como estas se dispõem
tação verdadeira (com afastamento inclusive das pare paralelamente às paredes mediais das órbitas, sua expan
des laterais das órbitas), costuma apresentar-se ligado a são provocará inevitavelmente um afastamento entre as
malformações congênitas, onde a mobilização dos órbitas. Dessa forma teremos então um hiperteleorbi
cones orbitais já sofre alterações desde sua formação. tismo (ou mesmo um hipertelorismo interorbital), in
A força expansiva ou a falta de fusão central atuam ao tegrando um quadro de craniofaciestenose (Fig. 45-2).
562 Cirurgia Craniomaxilofacial

Os dois tipos de displasia que são capazes de atuar


nas áreas de fusão embrionária, causando hiperteleorbi
tismo, são as hiperplasias e as fissuras, sempre que se
localizarem em área interorbital.
Tessier11 classificou as displasias numerando-as
conforme os sítios anatômicos mais comuns de apare
cimento, iniciando em zero, na linha média do terço
médio facial e circundando a órbita, até alcançar a li
nha média do terço superior da face, com o número
14 (Fig. 45-3). Com base nesta classificação, toda hiper-
plasia ou fissura, uni ou bilateral, que incidir sobre as
linhas 14, 13 ou 12 será potencialmente causadora de
hiperteleorbitismo. As displasias do terço superior
geralmente se continuam no terço médio, então tere
mos as displasias 0, 1 e 2, respectivamente, contribuin
Fig. 45-1. Complexo sutural esfenoetmoidal. do para o alargamento, bifidez ou deformação do na
riz, em associação com o hiperteleorbitismo.
As displasias 3-11, apesar de atingirem uma área
lateral ao etmóide, pela deformação e distopia orbito-
nasomaxilar que causam, podem contribuir também
com algum grau de hiperteleorbitismo.
Embora o hiperteleorbitismo venha instigando
desde há muito os esforços técnicos dos cirurgiões, a
primeira proposição cirúrgica realmente efetiva para
seu tratamento, e útil ainda hoje para sua resolução,
foi proposta em 1973 por Tessier12. Desde então, mui
tas outras técnicas cirúrgicas têm surgido, apresen
tando variações que se ajustam a exigências clínicas
específicas.

Fig. 45-2. Hiperteleorbitismo em craniofaciestenose.

ETIOLOGIA NAS DISPLASIAS

Nas displasias, o mecanismo de instalação do hiperte


leorbitismo é diferente, pois não chega a haver o esta
belecimento prévio da integridade anatômica, como
nas disostoses, para depois se afastarem as órbitas por
desequilíbrio dos vetores de crescimento. No grupo
das displasias, a migração centrípeta dos processos
embrionários responsáveis pela formação das órbitas
e bulbos oculares (placódios óticos) é interrompida
antes de sua finalização, permanecendo as órbitas afas
tadas entre si sem nunca terem estado antes em rela
ção normal. Fig. 45-3. Classificação de Paul Tessier para as displasias.
Hiperteleorbitismo 563

Como o hiperteleorbitismo se apresenta de for graus. Quando a displasia apresenta algum componente
mas muito variadas, é importante que estudemos as de fissura, então existirão falhas de fusão (disrafias) da
principais variantes técnicas de acordo com sua me área cribriforme, com herniação de tecido cerebral
lhor indicação nos tipos clínicos diversos. (meningoencefalocele).
No grupo das disostoses, em que há fusão pre
matura das suturas da base do crânio, o hiperteleor
TÉCNICAS CIRÚRGICAS bitismo causado pelo crescimento compensatório das
suturas frontoetmoidais, quando estas são poupadas
As técnicas cirúrgicas para tratamento do hiperteleor pela disostose, raramente alcança alargamentos inte
bitismo podem ser intra ou extracranianas, de acordo rorbitais muito exagerados. Costuma situar-se entre
com a necessidade. Se existe meningoencefalocele tran- os graus I e II.
setmoidal, ou se a lâmina crivosa é muito baixa, ou se Tanto nas disrafias como nas disostoses, o alarga
há grande assimetria do nível horizontal dos tetos or mento pode ser localizado, sem que haja distopia glo
bitais, a indicação da via intracraniana está implícita. bal das órbitas. E se as paredes orbitais laterais tiverem
Se, no entanto, não existe nenhuma dessas condições, uma relação normal entre si (78mm com 1 ano de ida
e a fronte for normal, não há porque não se optar pela de e 113mm no adulto), teremos então um hipertelo
via extracraniana. Esta apenas exige pelo menos três rismo interorbital ou pseudo-hiperteleorbitismo.
trepanações (uma glabelar e duas temporais) para mo Em quaisquer dessas situações descritas, como a
nitorar as osteotomias a fim de que não se traumatize distância interorbital não está demasiadamente aumen
o cérebro. tada, podemos promover a medialização apenas das
Os tetos orbitais permanecem intocados, e a mo paredes mediais, sem aumentar com isto o volume in
bilização das órbitas se faz à custa de suas paredes late tra-orbital a ponto de causar um enoftalmo (Fig. 45-4).
rais, mediais e soalhos. Dependendo da técnica, às ve É a "rinoplastia ampliada" ou "maxilorbital". A abor
zes nem as paredes laterais são mobilizadas, como vere dagem poderá ser intracraniana, no caso de disrafia com
mos. Isto diminui em muito a morbidade do procedi meningoencefalocele, ou extracraniana, se não houver
mento e as possibilidades de complicações. disrafia. Neste caso, far-se-á um orifício de craniotomia
Também os assoalhos orbitais nem sempre neces na área central da glabela (justamente correspondente à
sitam ser osteotomizados: se for utilizada uma técnica faixa central que será ressecada, para a medialização
intracraniana, as órbitas podem ser mobilizadas à cus das paredes mediais), para proteção do cérebro duran
te as osteotomias.
ta de suas paredes mediais e laterais e tetos, permane
cendo os soalhos intocados, o que também diminui A abordagem cirúrgica é sempre transnasal longi
tudinal, colocando-se um Z cujo eixo central ficará ho-
em muito a morbidade cirúrgica. Especialmente em
rizontalizado na altura dos ligamentos cantais internos.
crianças, essa abordagem é muito bem-vinda, por evi
Além de alongar o nariz, essa abordagem permite am
tar traumatismo dos germes dentários que se encon
plo acesso cirúrgico e também uma perfeita acomoda
tram ainda muito altos na maxila.
ção da pele no final da cirurgia (Fig. 45-5), o que irá
Passemos então a analisar algumas das várias pos
evitar redundâncias que, ao simular um telecanto, iriam
sibilidades técnicas disponíveis para o tratamento do
mascarar completamente o resultado cirúrgico.
hiperteleorbitismo, de acordo com sua indicação nos
variados tipos clínicos.

Grau I com ou sem Disrafia, Pseudo-


hiperteleorbitismo (Hipertelorismo
Interorbital): Rinoplastia Ampliada ou
Maxilorbital

Segundo Tessier", no hiperteleorbitismo grau I a DIO


(distância interorbital) varia de 30 a 34mm. Podemos
encontrar tipos clínicos diferentes dentro desta faixa
classificatória. Quando o defeito provém de uma hi-
perplasia, os tecidos interorbitais não apresentam so
lução de continuidade, apenas deformações de vários Fig. 45-4. Rinoplastia ampliada extracraniana.
564 CirurgiaCraniomaxilofacial

Grau II sem Disrafia: U Orbital


Extracraniano

Quando a distância interorbital varia de 34 a 40mm e


não há disrafia, com descontinuidade da base do crâ
nio, estamos autorizados a utilizar uma técnica extra
craniana. Se o paciente for adulto ou adolescente após
os 15 anos, aproximadamente, podemos utilizar a os
teotomia em U extracraniano (Fig. 45-7), que é a vari
ante extracraniana da clássica osteotomia em óculos,
de Paul Tessier, que será descrita mais adiante. Essa téc
nica, que medializa as paredes laterais, mediais e soa
Fig. 45-5. Incisõo transnasal para a rinoplastia ampliada. lhos orbitais, inclui uma osteotomia horizontal na re
gião maxilozigomática que passa abaixo dos orifícios
de entrada dos nervos infra-orbitais. Em crianças, esse
Quando a abordagem é extracraniana, essa inci traço de osteotomia pode comprometer seriamente os
são longitudinal é suficiente para que se completem as germes dentários que estiverem altos na maxila. Além
osteotomias. Quando houver necessidade da via intra disso, em crianças também existe um altíssimo índice
craniana, para tratamento de meningoencefalocele, de recidiva das técnicas que mobilizam apenas as pare
então a esta incisão será associada a bicoronal, com des orbitais, pois o etmóide sofre expansão adicional
descolamento anterior do retalho frontal, para permi durante o crescimento, reproduzindo novamente o
tir a craniotomia frontal. hiperteleorbitismo. Para crianças, portanto, com hiper
As osteotomias da rinoplastia ampliada são as se teleorbitismo grau II, costumamos indicar a mesma
guintes: uma osteotomia horizontal ligando as extre técnica utilizada para crianças com grau III, que é a de
midades superiores dos rebordos orbitais mediais; na Van der Meulen (descrita adiante). Nesta técnica, as duas
parede mediai, esta osteotomia muda de direção em hemifaces são rodadas medialmente, em direção de uma
90 graus, descendo verticalmente até o soalho orbital, osteotomia em V central, com fulcro no palato. Além
em uma profundidade que lhe permita passar por trás de mobilizar toda a unidade anatômica do terço mé
do saco lacrimal. Já no soalho orbital, a osteotomia dio facial, prevenindo a recidiva, também não atinge a
novamente muda de direção em 90 graus e sai da órbi área dos germes dentários.
ta, atravessando sua margem inferior justalateralmen-
te ao saco lacrimal. Deste ponto se dirige obliquamen-
te até a fossa piriforme, atravessando o ramo ascen Grau II com Disrafia; Hipertelorismo
dente da maxila. Interorbital com Disrafia: C Mediai
Na linha média são retiradas duas faixas ósseas Intracraniano
verticais, uma a cada lado do septo, para permitir o
Quando há disrafia nasoetmoidorbital, com meningo
estreitamento do nariz. Este receberá as correções ne
encefalocele ou qualquer tipo de derrame mesodérmico
cessárias através dessa mesma via de acesso (Fig. 45-6).
nessa área, o terço médio da face torna-se alongado, pelo
Embora a fixação possa ser feita com placas e pa
efeito expansivo central da massa que se projeta entre as
rafusos, preferimos a cerclagem direta com aço zero órbitas. Nesses casos, o tratamento sempre deve ser pre
ou 2-0, pois os ossos são papiráceos nessa área. Os liga- coce; portanto, em presença de germes dentários ainda
mentos cantais internos não necessitam fixação, pois na maxila. Isto desencoraja o uso de técnicas como a de
não terão sido descolados da parede óssea, e terão se Tessier, que osteotomizam a linha infra-orbital. Ao mes
medializado junto com elas. É necessário, sim, fazer mo tempo, a técnica de bipartição facial de Van der
um ponto de medialização de periósteo na área da Meulen (que discutiremos adiante) também não pode
curva súpero-medial das margens orbitais mediais. Esse ser usada, pois produz alongamento do terço médio
ponto de náilon monofilamentar 3-0, que transfixa a facial, pela rotação mediai das hemifaces. Então nos res
área etmoidal através da extremidade superior da osteo ta apenas medializar as paredes orbitais mediais por via
tomia vertical das paredes mediais, permite reposicio- intracraniana (para tratar a disrafia) e de uma forma que
nar os tecidos moles acima dos ligamentos cantais in não afete os germes dentários da maxila. Esta alternati
ternos, evidenciando sua medialização. va é o C mediai intracraniano (Fig. 45-8).
Hiperteleorbitismo 565

Fig. 45-6. Pré (A e E), trans (C e D) e pós-operatório (B e F) de hiperteleorbitismo grau I corrigido com rinoplastia ampliada.

Fig. 45-7. Osteotomia orbital em U


extracraniano.
566 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 45-8. Osteotomia em C


mediai, por via intracraniana.

A osteotomia é muito semelhante à da rinoplastia ser reconstruído com enxerto ósseo da própria calota cra
ampliada ou maxilorbital, que já comentamos. A dife niana, junto à área da craniotomia frontal. Geralmente,
rença está na inclusão do terço mediai dos tetos e mar nesses casos, o dorso nasal inexiste, pois em seu sítio a
gens orbitais superiores às peças ósseas mobilizadas. meningoencefalocele está protruída (Fig. 45-11).
Como a abordagem da base do crânio se faz através de Essa técnica cirúrgica, a primeira descrita com real
craniotomia frontal, utiliza-se parte da tábua interna da utilidade para o tratamento do hiperteleorbitismo, é
calota destacada como enxerto. E enxertos são necessá muito útil para a correção das disrafias mediais pois, se
rios para estabilizar e reconstruir a área de disrafia da a meningoencefalocele for tratada, mas não houver a
base craniana; para interpor nos espaços criados, nas medialização das órbitas, haverá nova herniação do te
margens orbitais superiores e inferiores, pela mobiliza cido cerebral para a região nasoetmoidal. Existem, po
ção das paredes mediais; para se sobrepor sobre o dorso rém, alguns inconvenientes inerentes à técnica: o fato
nasal, que geralmente inexiste total ou parcialmente de mobilizar somente as órbitas, e não a unidade mor-
devido à disrafia; e para preencher as órbitas junto às fofuncional do terço médio facial por inteiro, faz com
suas paredes laterais. Isto evitará o enoftalmo pois, como que a aeração dos seios etmoidais, durante o crescimen
estamos tratando de hiperteleorbitismos grau II e não to, provoque a recidiva do hiperteleorbitismo. Além
estamos mobilizando as paredes laterais, o espaço inter disso, as osteotomias horizontais na área maxilozigo
no das órbitas fica muito alargado. Se não compensar mática causam não só lesões dos germes dentários, como
mos o conteúdo orbital com um preenchimento adicio diminuição da potencialidade de crescimento da maxi
nal (no caso, os enxertos de tábua interna da calota), cer la, que ao final da adolescência se encontrará retroposta.
tamente haverá um desequilíbrio "conteúdo-continente" Também essa mesma osteotomia horizontal da
(Fig. 45-9). Nesses casos, fazemos uma ressecção de pele maxila implica mais uma via de abordagem, a incisão
sobre o eixo longitudinal do nariz em elipse simples pois, subciliar, com aumento de tempo cirúrgico e a morbi
como já existe o alongamento, uma rotação de retalhos dade que isto representa, c ainda a possibilidade do
em Z somente aumentaria essa deformidade. desenvolvimento de ectrópio no pós-operatório, pela
retração cicatricial do plano de descolamento.
Grau III com Disrafias (Terço Médio Por todas essas razões, e considerando que a gran
de maioria das disrafias é tratada na infância (o mais
Alongado) - Óculos de Tessier ou U Invertido
precocemente possível), quando a economia de tem
Neste grupo se incluem as mesmas disrafias de que falá po cirúrgico e morbidade é crucial para o êxito do
vamos no tópico anterior, porém em um grau de afasta tratamento, buscamos simplificar a técnica. Por via
mento orbital acima dos 40mm; portanto, impossível intracraniana trata-se a meningoencefalocele e mobili
de ser corrigido com osteotomias parciais, já que isto zam-se as órbitas, porém poupando os soalhos orbi
traria um grande alargamento das órbitas e grande des tais, isto é, liberando as paredes laterais e mediais até
proporção conteúdo-continente, com enoftalmo. sua extremidade inferior (Fig. 45-12).
Para tratar esse tipo de deformidade ainda hoje se Para esse tipo de mobilização bastam as incisões
indica a técnica de Paul Tessier12, em que são medializadas bicoronal e transnasal (esta sempre inevitável, pois há
as órbitas liberadas circularmente, como se fossem ócu que ressecar o excesso de pele interorbital). Pela não
los, e o excesso central é ressecado, ao mesmo tempo que abordagem dos soalhos orbitais, não são necessárias as
se corrige a disrafia (Fig. 45-10). O dorso nasal costuma incisões subeiliares (Fig. 45-13).
Hiperteleorbitismo 567

Fig. 45-9. Pré (A e C) e pós-


operatório (B e D) de 4 anos
de disrafia com
hiperteleorbitismo grau III,
corrigida com osteotomia
em C mediai.

Grau III sem Disrafia e Terço Médio Facial


Normal - Medialização das Órbitas (com ou
sem Soalho) com T Central Fixo
Quando a distância interorbital é de mais de 40mm e
não há meningoencefalocele ou grande deformidade
da região, pode ser mantido um T central fixo", ao
lado do qual são retiradas faixas ósseas para permitir a
medialização das órbitas, que tomam a forma de um
delta (Fig. 45-14). O T fixo orienta a rotação centrípe-
ta das órbitas, permitindo que se mantenham bem
posicionadas no plano coronal, o que nem sempre
acontece na técnica dos "óculos" de Tessier.
Essa técnica só pode ser realizada por via intracra
niana, porém o soalho orbital não necessita ser mobi
lizado obrigatoriamente, podendo as osteotomias das
Fig. 45-10. Osteotomia orbital de Paul Tessier. paredes laterais e mediais acabar em sua extremidade
568 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 45-11.
Pré-operatório
(A), tomografia
(B), trans
(C) e pós-operatório
(D)de 5 anos de
disrafia nasoetmoidal,
operada pela técnica
de Tessier.

inferior, antes de atingirem o assoalho no caso das pa


redes laterais, e lateralmente ao saco lacrimal, medial
mente (Fig. 45-15). Desta maneira conserva-se a vanta
gem do T central fixo, orientando a mobilização das
órbitas, sem a necessidade da abordagem dos soalhos
(o que é crucial, em crianças) e das incisões subciliares
(Fig. 45-16).

Grau III com Terço Médio Encurtado


Centralmente - Técnica da Bipartição Facial
de Van der Meulen

Quando o hiperteleorbitismo está presente em displa


sias nas quais existe (com fissura ou não) uma retração
Fig. 45-12. Osteotomia em U invertido, via intracraniana. cicatricial congênita que provoca encurtamento do
Hiperteleorbitismo 569

Fig. 45-15. Modificação da osteotomia de T central fixo, via intra


craniana, mantendo soalho orbital intacto.

Fig. 45-13. Pré (A e C) e pós-operatório (B e D) de disrafia naso


etmoidal tratada pela medialização das órbitas em U invertido.

Fig. 45-16. Pré (A e C) e pós-operatório (B e D) de hiperteleorbi


tismo grau III tratado com osteotomia em T central fixo, conservan
do intacto o soalho orbital.
Fig. 45-14. Osteotomia com T central fixo.

terço médio facial, com mordida aberta anterior, é como osteotomias intra-orbitais e pterigomaxilares. O teci
se as duas metades faciais estivessem rodadas centrifu- do ósseo excedente no espaço interorbital é retirado
gamente, com fulcro no palato, caracterizando a inter em V, com maior largura na glabela e fulcro no palato.
rupção da migração dos processos faciais durante a A sutura mediana palatal, quando existe, é osteotomi-
vida embrionária. O palato está alto e a arcada superior zada longitudinalmente, permitindo que as duas he
colapsada (Fig. 45-17). mifaces fiquem liberadas. Quando a arcada superior é
Para esses casos se indica a técnica de bipartição fa muito colapsada e, portanto, deseja-se um grande alar
cial de Van der Meulen1' (Fig. 45-18). O terço médio facial gamento, faz-se com que o fulcro do V caia exatamente
é liberado através de uma disjunção craniofacial, com na ogiva palatal (Fig. 45-19), para provocar um movi-
570 Cirurgia Craniomaxilofacial

significa que a linha central do palato, nesses casos,


não poderá apenas receber uma simples osteotomia:
seu mucoperiósteo deverá ser descolado mais ampla
mente, e será retirada uma faixa óssea central, tão mais
larga quanto mais "normal" estivera relação oclusal pré-
operatória. Com isto se evitará o alargamento da arcada
superior.
Essa técnica, por mobilizar a unidade morfofuncio-
nal do terço médio facial como um todo, redireciona
os vetores das forças mastigatórias, os quais passam a
incidir mais lateralmente nas órbitas (Fig. 45-21). Isto
traz uma grande estabilidade ao conjunto orbitofacial
Fig. 45-17. Hiperteleorbitismo grau III com terço médio encurtado. durante o crescimento, fazendo com que a aeraçao dos
seios etmoidais não seja capaz de reproduzir o hiperte
leorbitismo (Fig. 45-22). Esta constatação já aponta essa
técnica como a favorita para ser empregada durante a
infância, pois a possibilidade de recidiva é muito me
nor. Além disso, o fato de mobilizar o terço médio

Fig. 45-18. Osteotomia de Van der Meulen ou bipartição facial.

Fig. 45-20. Rebaixamento do fulcro do V, para retirar uma larga


faixa óssea na ogiva palatal, a fim de evitar o alargamento da
arcada superior quando da rotação centrípeta das hemifaces.

Fig. 45-19. Osteotomia em V, na técnica de Van der Meulen, com


fulcro palatal, para provocar alargamento da arcada superior.

mento amplo de alargamento da arcada alveolar supe


rior. Quando a arcada superior não se apresenta muito
colapsada, ou se já sofreu ortodontia compensatória
prévia, na qual o colapso palatal (que seria o maior
aliado, na cirurgia) já foi tratado, estando a arcada su
perior em oclusão praticamente perfeita com a inferi
or, mesmo assim ainda é possível utilizar a técnica da
bipartição. Somente se deverá cuidar para que o fulcro
Fig. 45-21. A rotação centrípeta das hemifaces provoca um redi-
do V, nesses casos, incida muito mais abaixo, talvez recionamento das forças mastigatórias que, caindo mais lateral
em um ponto imaginário no mento (Fig. 45-20). Isto mente nas órbitas, impedirão seu afastamento.
Hiperteleorbitismo 571

Fig. 45-22. Pré-operatório (A) aos 13 meses de idade, pós-operatório dos 6 meses (B), 3 anos (C) e 6 anos (D), em hiperteleorbitismo
tratado com a técnica de Van der Meulen, mantendo o resultado durante a fase de crescimento.

facial como um todo poupa a região maxilozigomáti As fixações são feitas a fios de aço zero e 2-0, quan
ca de osteotomias, o que protege os germes dentários do em crianças, e pelo sistema de fixação interna rígi
e o potencial de crescimento da maxila. da, em adultos. As placas reabsorvíveis, quando utili
Essa técnica permite, também, muitas variações, de zadas em crianças até os 4 a 6 anos de idade, têm sua
acordo com as características clínicas dos casos a serem indicação discutível, pois durante os 6 meses em que
tratados. Se houver fissura palatal associada, esta logica as placas se mantêm presentes e ativas já poderemos
mente será o ponto da rotação das hemifaces (Fig. 45-23). ter comprometimento do crescimento local, principal
Se houver retroposição da maxila, em síndrome mente nos casos de disostoses. Por isso, em cirurgias
de Cohen2-3, por exemplo, a disjunção craniofacial que muito precoces, na fase em que ainda se encontra a
libera o terço médio para ser rodado centripetamente produção das placas absorvíveis, o fio de aço 2-0 ainda
também permite seu avanço, o qual pode ser obtido é o material mais adequado para as fixações das osteo
por tração elástica em classe III sobre o aparelho orto tomias, pois seu reduzido volume não o faz protago
dôntico, no pós-operatório, para permitir a distração nista da pseudomigração.
óssea da área pterigomaxilar (Fig. 45-24). Essa associa
ção de movimentos é muito útil sempre que necessi
tarmos tratar o hiperteleorbitismo em casos de disos
toses. Quando existe grande assimetria entre as hemi COMPLICAÇÕES
faces, como na síndrome de Saethre-Chotzen, é possí As complicações no tratamento do hiperteleorbitis
vel rodar apenas uma hemiface, deixando fixa a me mo são geralmente proporcionais à gravidade do qua
nos afetada, para servir de referência (Fig. 45-25). dro clínico ao qual este esteja associado, podendo ha
Mobilizar apenas uma das hemifaces também é ver até óbito.
um procedimento utilizado nas displasias paramedia- Dentre as que se vinculam à técnica utilizada, as
nas unilaterais (Fig. 45-26). mais graves são as fistulas liquóricas, nos casos em que
A técnica de Van der Meulen também pode ser a abordagem é intracraniana.
aplicada por abordagem extracraniana, como se fosse Principalmente nos hiperteleorbitismos com dis
um Le Fort III, ao qual se lhe associa a retirada do V rafias, a reconstituição da dura-máter junto à lâmina
central (Fig. 45-27). crivosa do etmóide nem sempre atinge a impermeabi-
Isto poderá ser feito sempre que a fronte estiver lidade desejada, devido aos prolongamentos olfatórios.
normal, ou que houver obstáculos à craniotomia, como, Muitas vezes, poderemos ter anosmia, tanto preexis
por exemplo, uma crista Galli hipertrófica (Fig. 45-28). tente como conseqüente à abordagem da região cribri-
Nesses casos, os tetos orbitais são poupados, e, como forme.
nas outras técnicas extracranianas, são feitos orifícios de No pós-operatório, também podem formar-se cole
craniotomia em ambas as fossas temporais (lateralmente ções liquóricas nas áreas temporais, decorrentes de lesões
às margens orbitais laterais) e na glabela, para monitorar da dura-máter da fossa média, junto à linha de osteo
as osteotomias e evitar traumas do tecido cerebral. tomia das paredes orbitais laterais. Tanto a rinoliquor-
572 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 45-23. Pré (A e C) e


m ^^ pós-operatório (B e D),

com oclusão pós-


operatória (E), em
.^ i hiperteleorbitismo com
rotação assimétrica das
hemifaces, usando a
fissura palatal como fulcro
l>H do V na osteotomia de Van
der Meulen.

réia quanto essas coleções temporais tendem a regre Para evitar esse mau resultado, deve-se medializar
dir espontaneamente nos primeiros 10 dias pós-opera toda a parede etmoidal, e não apenas seu terço ante
tórios. Se muito intensas ou de difícil resolução, po rior. Isto se consegue facilmente usando um fórceps
dem ser tratadas, derivando-se a pressão liquórica atra de Asche, que se posiciona pinçando as duas margens
vés de um cateter lombar. orbitais mediais já medializadas e introduzindo pro
É importante a cobertura antibiótica durante a fundamente suas hastes, de maneira que promovam o
vigência da fístula, devido à possibilidade de contami esmagamento mediai das celas etmoidais posteriores à
nação com os germes das cavidades nasal e oral. osteotomia das paredes mediais. Com isso conseguire
Outra complicação freqüente no pós-operatório mos desfazer a curva dos eixos oculonervosos. Se este
da correção do hiperteleorbitismo é o estrabismo con esmagamento etmoidal causar enoftalmo (pelo aumen
vergente. Este ocorre porque a mobilização centrípeta to do volume orbital), então dever-se-á enxertar um
das órbitas se dá em seus terços mais anteriores, per fragmento ósseo nas paredes laterais, em suas porções
manecendo o restante dos cones orbitais em sua angu- posteriores à osteotomia, para compensar a curva do
lação aberta original. Isto provoca uma torção dos ei cone orbital.
xos oculonervosos, os quais se tornam medialmente Mesmo sem enoforia evidente, pode haver diplo
côncavos, provocando essa cnotropia pós-operatória, pia no pós-operatório imediato, mas nesses casos sua
com conseqüente diplopia. remissão é espontânea e rápida.
Hiperteleorbitismo 573

Fig. 45-24. Pré (A, C e E) e pós-


operatório (B, D e F) de sindrome
de Cohen tratada com a rotação
das hemifaces (Van der Meulen) e
tração elãstica do terço médio
facial, conseguindo sua
anteriorização.

Fig. 45-25. Pré (A e C) e pós-operatório (B e D) de sindrome de Saethre-Chotzen em que se rodou centripetamente apenas a hemiface
esquerda, permanecendo a direita fixa.
574 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 45-26. Pré (A e C) e


pós-operatório, (B e D)
de displasia 2-12 de
Tessier, tratada com a
mobilização mesial de
hemiface esquerda.

Fig. 45-27. Osteotomia


de Van der Meulen por
via extracraniana.
Hiperteleorbitismo 575

Fig. 45-28. Crista Galli hipertrófica (A) em caso de hiperteleorbitismo tratado por osteotomia de Van der Meulen extracraniana. Transo
peratório com o V central osteotomizado (B) e depois de rodadas as hemifaces (C). Pré (D e F) e pós-operatório (E e G).
576 CirurgiaCraniomaxilofacial

9. Psillakis JM, Zanini AS, Godoy R, Cardim VLN. Orbital hyper


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS telorism: modification ofthe craniofacial osteotomy line. Jour
nal ofMaxillofacial Surgery 1981;£1(M.
1. Cardim VLN. Crescimento e desenvolvimento craniofacial in
tra e extra-uterino. In: ZaniniAS. Cirurgia Craniofacial, Malfor 10. Romanus T. Interocular-biorbital index. A gange of hypertelo
mações. Rio de Janeiro: Revinter, 2000: 1, 8. rism. Acta Genética 1953;4:117.
2. Cohen Jr MM, Sedano H, Gorlin RJ, Jifasek JE. Frontonasal 11. Tessier P. Orbital hypertelorism. l.Sucessive surgical attempts,
dysplasia (median cleft face syndrome). Comments on ethiolo- material and methods, causes and mechanism. Scandinavian
gy and pathogenesis. Birth Defects 1971;7-117. Journal ofPlastic an Reconstructive Surgery 1972;6135.
3. CohenJr MM. Craniofrontonasal dysplasia. Birth Defects 1979; 12. Tessier P. The definitive treatment of orbital hypertelorism by
56:85-8.
craniofacial or extracranial osteotomies. Scandinavian Journal
4. Farkas LG, Kolar JC. Anthropometric guidelines in cranio-orbi- of Plastic and Reconstr Surgery 1973;239-58.
tal surgery. Clin Plast Surg 1987;74:1-16.
13. Tessier P. Anatomical classification of facial craniofacial and
5. Günther H. Konstitutionelle anomalien des angenabstandes
lateralfacial clefts. Symposium on Plastic Surgery in the Orbital
und des interorbitalbreite. Virschows Archiv Abteilung A 1933;
Region. Vol. 20, St. Louis: Mosby.
290.373.
14. Vander MeulenJCM. Mediai faciotomy. BritJPlastSurg1982;
6. Hoyte DAN. Contributions of the sphenoethmoid complex to
32:33 9-42.
basicranial growth in rabbits. In:Bosma JF (ed.). Development
ofthe Basicranium. USDepartment of Health, Education, and 15. Van der Meulen JC. Vaandrager JM. Surgery related to the cor
Welfare Publication N° (NIH) 76.989, 1976;583-605. rection of hypertelorism. Plast Reconst Surg 1983;7i:6.
7. Mc Neil RW, Neuton GN. Cranial base morphology in associa- 16. Van der MeulenJ, Mazzola, R, StrickerM, Raphael B. Classifica
tion with intentional cranial vault deformation. Am J Phys tion of craniofacial malformation. In: Stricher M, Van der Meu
Anthropol 1965;Z?:241-54. lenJC, Raphael B,Mazzola R. CraniofacialMalformations. Edin-
8. Ogilvie AG, Posei MM. Scaphocephaly, oxycephaly, and hyper burg London Melbourne and New York: Churchill Livingstone,
telorism. Arch Dis Child 1927;2146. 1990: 148-309.
Displasia Óssea

Cassio Menezes Raposo do Amaral


Celso Luiz Buzzo

Rita Mancebo BIa n Co


Júpiter Neewler Duarte
Clariane Viero Vargas
Valdenize Tiziani

Andréa Robcrta Clemente

INTRODUÇÃO gere que as displasias fibrosas ósseas representam um


espectro de manifestações fenotípicas provavelmente
O esqueleto craniofacial pode apresentar distúrbios de refletindo diferentes padrões de mosaicismo somáti
desenvolvimento que se manifestam na forma de dis co da mesma disfunção básica. Também mostra que
plasias ósseas fibrosas ou esclerosantes. Este capítulo essa mutação induz a elevação do AMPc, levando a
oferece uma visão resumida das principais e mais bem alterações na expressão de vários genes que contêm
estudadas síndromes displásicas, fibrosas e esclerosan elementos responsivos a ele, tais como c-fos, c-jun, II-6
tes, do segmento craniofacial. São elas a displasia fi e 11-11, afetando a transcrição e expressão gênicas e
brosa, o querubismo e a displasia craniodiafisária e cra- resultando em alterações das funções osteoblásticas1"
niometafisiária. como, por exemplo, a proliferação aumentada conco-
mitantemente com a supressão da diferenciação de
células pré-osteoblásticas.
DISPLASIA FIBROSA ÓSSEA Quanto à forma de envolvimento ósseo, pode ser
monostótica (apenas um osso acometido) ou polios-
E uma doença óssea do desenvolvimento, na qual o tótica (comprometendo dois ou mais ossos).
osso é substituído por um tecido fibroso que tende a A forma monostótica corresponde a 70% do to
exceder o tamanho da estrutura óssea original, com tal de casos e costuma manifestar-se em ambos os
quantidade variável de estruturas osteóides, presumi sexos, geralmente na infância. Costelas, fêmur, tíbia,
velmente de natureza metaplásica1-. No esqueleto crani maxilar, mandibula, abóbada craniana e úmero são,
ofacial, causa deformidade e compressão neuronal. em ordem decrescente de freqüência, os ossos mais
Há várias teorias que tentam explicar a etiologia acometidos, sendo os craniofaciais acometidos em
dessa patologia, porém estudos recentes encontraram 10% do total1". O diagnóstico é feito mais freqüente
mutações do gene GNAS1 afetando a subunidade es- mente na segunda ou terceira década de vida e mui
timuladora a da proteína G (Gsa) em ossos com le tas vezes é assintomático. Os casos mais graves cau
sões displásicas, confirmadas inicialmente na síndro sam deformidade, compressão neuronal e dor. As
me de McCune-Albright e, posteriormente, nas mani complicações neuronais mais freqüentes incluem dé
festações não-sindrõmicas. O conhecimento atual su ficit da visão, da audição e distúrbios do equilíbrio

577
578 CirurgiaCraniomaxilofacial

decorrentes da compressão dos nervos occipital e au Grosseiramente, o tumor não é bem delimitado,
ditivo. O diagnóstico da displasia óssea craniana, na mas a área de tumefação é mais vascularizada que o
experiência dos autores, é feito na primeira e segunda osso que a rodeia. Tem aspecto granuloso, que freqüen
décadas de vida. temente é notado pelo cirurgião e que se deve a espi
A forma poliostótica corresponde a aproximada adas ósseas imperfeitas que podem ser parcialmente
mente 30% dos casos e também afeta ambos os sexos. calcificadas. As lesões do osso frontal são particular
Os ossos afetados em ordem decrescente de freqüên mente propensas a desenvolver cavidades císticas, que
cia são: fêmur, crânio, tíbia, úmero, costelas, fíbula, podem conter uma mistura de material osteóide e flui
rádio, ulna, mandibula e vértebras. As lesões podem do serossanguinolento, lesões essas denominadas cis
ser limitadas a um membro ou a um lado do esquele tos ósseos aneurismais26.
to, mas às vezes existe uma distribuição bilateral. Na Histologicamente, mimetiza o estágio inicial da
doença poliostótica os ossos craniofaciais são afeta ossificação intramembranosa dos ossos do crânio, onde
dos em aproximadamente 50% de pessoas com disse o tecido osteóide é formado por células mesenqui-
minação moderada, mas alcançam 100% naquelas com mais26. O tecido fibroso não tem um padrão caracte
doença ampla. Quando é associada a endocrinopatias rístico e possui celularidade variável. Todavia, os com
tais como hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, ponentes ósseos são bem típicos, incluindo trabéculas
Cushing e precocidade sexual, além de pigmentações irregulares de osso osteóide e imaturo surgindo meta-
cutâneas, é conhecida como síndrome de McCune-Al- plasicamente do estroma fibroso, de margens irregula
bright, e é mais comum no sexo feminino27. res e formando configurações em "C" ou em "S" (os
A sintomatologia depende da região acometida, tão famosos caracteres chineses)™.
do número de ossos afetados, da taxa de crescimento Ao contrário do que se pensava no passado, não
tumoral, da duração desse crescimento e das partes se tem percebido a interrupção espontânea do desen
moles comprimidas, distorcidas ou deslocadas pela volvimento da doença por volta da terceira década
expansão óssea. A principal manifestação é a de uma de vida, o que começa a encorajar ressecções mais ex
lesão unilateral com proptose e deslocamento ocular tensas, coisa que parecia impossível há 30 anos26. As
lentamente progressivos. Conforme o processo vai se publicações que defendem tal conduta referem que
estendendo posteriormente, a proptose aumenta em dessa forma é possível corrigir as deformidades facial
relação ao deslocamento ocular, havendo um maior e periorbitária, aliviar as cefaléias e dores resultantes
impacto sobre a visão26. Também podem ocorrer dor, da expansão dos ossos craniofaciais, aliviar a propto
edema, alterações auditivas e assimetria de face. Apro se ocular, melhorar a visão, nos casos onde o déficit
ximadamente um terço dos casos mostra elevação dos funcional já está presente, e erradicar a possibilidade
níveis séricos de fosfatase alcalina, não estando esta de transformação neoplásica, descrita por alguns au
relacionada à extensão da lesão12. tores12-26.
Para diagnosticá-la devem-se servir de exames ra- O objetivo mais importante da cirurgia é remo
diológicos e tomogragia computadorizada. Por haver ver a maior quantidade possível de osso displásico e
muitas variações em seu crescimento, encontramos reconstruir a face, órbita e crânio em, de preferência,
diversas formas de apresentação nos exames de ima um único tempo cirúrgico, procedendo-se a recons
gem, pois não há apenas aumento da espessura óssea, trução do defeito com enxertos ósseos autógenos re
mas também reestrutura dos componentes internos movidos do crânio, crista ilíaca ou costela. Para se di
do osso afetado. Se a lesão é predominantemente fi minuir a quantidade de cicatrizes na face, executa-se a
brosa, terá uma aparência mais radioluscente, e nos incisão bicoronal, para lesões das regiões frontal e or
casos onde o componente ósseo predomina, terá um bitária, e o acesso intrabucal superior, para o terço
aspecto esclerótico. Em ossos delgados, como a lâmi médio da face26. Na experiência dos autores, por volta
na orbitária do maxilar, etmóide e frontal, o córtex do início da terceira década de vida, o crescimento da
expande-se mais rapidamente e tende a mostrar lus- tumoração é interrompido ou ocorre de forma muito
cência, cavitação e compartimentalização do processo discreta. As ressecções não devem ser radicais como
displásico26. preconiza a literatura pois, em geral, envolvem vários
Na tomografia computadorizada, que é o méto ossos e o aspecto estético resultante da reconstrução
do de imagem de escolha, usando-se a janela óssea, a após ressecções radicais não é tão bom quanto aquele
porção externa e densa desses ossos escleróticos pode que obtemos com reconstruções utilizando o próprio
ser penetrada, mostrando assim a remodelação ocor osso displásico, ou quando apenas modelamos o es
rida26. queleto craniofacial.
Displasia Óssea 579

Fig. 46-1. Verificam-se os aspectos


pré-operatório (A) e pós-operatório (B)
após a ressecção parcial do tumor e a
modelação do esqueleto facial.

A radioterapia não deve ser utilizada, pelo risco freqüentemente está restrita à maxila e à mandibula,
de induzir transformação neoplásica19. todavia o fèmur e as costelas também podem apresen
tar anomalias. Tem como característica evoluir até a
puberdade, quando as lesões ósseas se estabilizam e co
QUERUBISMO meçam a regredir18. Há também casos de alterações den
tárias, tais como anomalias ou falta de dentes perma
Essa doença foi descrita pela primeira vez por Jones,
nentes'". À microscopia observam-se lesões fibrosas be
em 19338, sob o nome de "displasia maxilar multilo-
nignas, ricas em células gigantes multinucleadas (osteo-
cular cística". É uma doença autossômica dominan
clastos). Ao exame radiológico apresenta cistos multilo-
te8" caracterizada pela degradação óssea mandibular e
culares bem definidos, com espessamento da cortical41".
maxilar seguida do desenvolvimento de tecido fibro
Em relação à terapêutica, pelo curso benigno da
so2', e pode estar relacionada com o desenvolvimento
doença, o tratamento conservador deve ser recomen
e erupção dentários2"1. Os pacientes apresentam uni
dado4", porém em casos mais severos deve-se conside
aumento simétrico da mandibula e da maxila, sendo
rar a remoção cirúrgica das lesões, bem como a cureta-
que o envolvimento da parede inferior da órbita pres
gem óssea, seguidas de correção funcional e estética da
siona o globo ocular para cima, expondo a esclera. face2.
Juntamente com o aspecto mais arredondado da face,
o olhar voltado para cima confere aos portadores o
aspecto de anjos querubins pintados no período re
nascentista8. Outro achado freqüente é o aumento dos DISPLASIA CRANIODIAFISÁRIA
linfonodos cervicais24. Com penetrância completa nos Esta síndrome foi primeiro descrita por Cockayne, em
homens (100%) c incompleta nas mulheres (varia en 1920. Depois, adquiriu os epônimos de doença de
tre 50 a 75%), encontram-se dois homens afetados para Engelmann e síndrome Camuratti-Engelmann, nomes
cada mulher1"1, tendo expressão variávelIA9-21 e incidên estes em desuso. Hoje, o mais aceito é displasia diafisá-
cia de 1:3.000 nascidos vivos2829. Observou-se que a ria progressiva.
mandibula é mais afetada nos homens, e nas mulhe Corresponde a uma hiperostose simétrica na diá-
res, a maxila14. Pode ser causada por mutações no gene fise de ossos longos, podendo também afetar todos os
SH3BP2 do cromossomo 4pl6.324-25. ossos do crânio. Tem sido relatada tanto a forma here
Ao nascimento, os indivíduos afetados são apa ditária quanto a esporádica da doença.
rentemente normais, e os sintomas geralmente se ma As formas mais graves ocorrem em crianças de 2 a
nifestam na primeira infância (entre 2 e 5 anos), po 12 anos, que geralmente tornam-se desnutridas e com
rém a doença pode ser diagnosticada a partir dos 18 alteração no desenvolvimento do sistema musculoes-
meses. Apresenta uma rápida e progressiva evolução e quclético, em sua decorrência. Quando ocorre em ado-
580 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 46-2. Observam-se os aspectos


pré-operatório (A) e pós-operatório
(B) de um paciente portador de
querubismo e submetido a dois
procedimentos cirúrgicos.

lescentes e adultos é menos agressiva c a descoberta hiperostose com anquilose do estapédio\ Foi observa
pode ser ocasional2". do também que a forma autossômica recessiva apre
A sintomatologia é semelhante à da displasia fi senta um maior envolvimento diafisário, quando com
brosa. Ao exame clínico notam-se proptose e aumen parada à forma dominante.
to global do crânio, devidos a um crescimento exage Foram relatadas formas autossômicas dominan
rado de todos os ossos. Isso determina uma diminui te e recessiva, mas a variabilidade extrema torna difí
ção do canal óptico e do conduto auditivo. Essa alte cil a distinção entre as duas. Em estudos genéticos
ração osteoblástica determina também uma dismorfia recentes encontrou-se que a forma autossômica do
craniana, com malares e mandíbulas muito salientes e minante apresenta recombinações entre os loa
dorso nasal extremamente largo. D5S810 e D5S1954 do cromossomo 5p que gera alte
O tratamento é cirúrgico, por incisões coronal, rações na proteína ANK, responsável pelo transporte
palpebral e vestibular na maxila e mandibula, buscan
do modelar os ossos do crânio e da face.

DISPLASIA CRANIOMETAFISÁRIA
É uma osteocondrodisplasia de origem desconhecida,
caracterizada por hiperostose, e esclerose dos ossos cra
niofaciais associada à remodelagem metafisária anor
mal dos ossos longos, especialmente dos membros
inferiores, que lembra o formato de um erlenmeyer22
(forma de um frasco de laboratório). Pode-se observar
hiperostose cortical da diáíise dos ossos longos em
crianças, que desaparece com a idade. Os indivíduos
afetados apresentam uma face típica, com o nariz alar
gado e hiperteleorbitismo.
A esclerose do crânio pode levar à assimetria man
dibular, bem como à compressão de nervos cranianos,
resultando em perda auditiva e paralisia facial22. Tanto
a audição de condução quanto a neurossensorial estão
freqüentemente afetadas. A perda da audição de con Fig. 46-3. Na foto, observa-se um paciente portador de displasia
dução é devida à fixação da cadeia ossicular lateral e à craniodiafisária.
Displasia Óssea 581

intracelular do pirofosfato, um importante inibidor 12. Mohammadi-Araghi H, Haery C. Fibro-ossseous lesions of cra
da calcificação da mineralização e da absorção ósse niofacial bonés. Radiol Clin North America 1993;57(1):121-
33.
as23. Discute-se que os níveis reduzidos de pirofosfa
13. PetersWJN: Cherubism: a study of twenty casesfrom one fami-
to na matriz óssea podem aumentar a mineralização, Iy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1979;47:307-11.
levando ao espessamento progressivo dos ossos cra 14. Quan F, Grompe M, Jakobs P, Popovich BW. Spontaneous de-
niofaciais, e ao desenvolvimento anormal das metá- letion in the FMR1 gene in a patient with fragile X syndrome
fises dos ossos longos de pessoas afetadas pela displa and cherubism. Hum Molec Genet 1995;^:1.681-4.
sia craniometafisária. 15. Richards A, Brain C, Dillon MJ, Bailey CM. Craniometaphyse-
O diagnóstico diferencial deve ser feito com a al and craniodiphyseal dysplasia, head and neck manifestations
and management. J Laryngol Otol 1996;77fl(4):328-38.
doença de Pyle7, utilizando-se exames radiológicos para
16. Salinas CF, Bradford BF, Laden SA, Neville BW: Cherubism
esse propósito, além de mapear as lesões. Dentre as associated with rib anomalies. Proc Greenwood Genet Center
características radiológicas, encontramos hiperostose 1983;Z-129-30.
dos ossos do crânio, além da esclerose dos mesmos, 17. Spiro PC, Hamersma H, Beighton P. Radiology ofthe autoso-
em associação com alargamento metafisário17. A to mal dominant form of craniometaphyseal dysplasia. SAfrMed
mografia do osso temporal mostra estreitamento do J 1975;17;49(21):839-42.

ouvido médio, do meato acústico interno e do canal 18. WaymanJB. Cherubism: a report of three cases. BrJ OralSurg
1978; 7647-56.
do nervo facial no gânglio geniculado15.
19. Wenig BM, Mafee MF, Ghosh L. Fibro-osseous, osseous and
cartilaginous lesionsofthe orbit and paraorbital region. Radiol
Clin North America 1998;36(6): 1.241-59.
REFERÊNCIAS 20. XenellisJ, Bibal A, SavyL et ai. Monostotic fibrous dysplasiaof
the temporal boné. / Laryng Otol 1999;113:772-4.
1. Anderson DE, McClendon JL. Cherubism - hereditary fibrous
21. Zachariades N, Papanicolaou S, Xypolyta A, Constantinidis I.
dysplasia os the jaws. Oral Surg 1962; 15(2): 15-30.
Cherubism. J Oral Surg 1985;74:138-45.
2. Bravo MM, Fernandes CS, Martinon TF et ai. Tumcfaction
22. Nurnberg P,Tinschert S, Mrug M et ai. The gene for autosomal
maxilar bilateral. Anal Esp Ped 1999;5ft2.
dominant craniometaphyseal dysplasia maps to chromosome
3. Bruce KW, Bruner A, Kennedy RIJ. Familial intraosseous fi 5p and is distinct from the growthe hormone-receptor gene.
brous swellings of the jaws ("cherubism"). Oral Surg 1953;<5: Am J Hum Genet Oct 1997;61(4):918-23.
995-1.014.
23. Reichenberger E, Tiziani V,Watanabe S et ai. Autosomal domi
4. Dias ARM, Guedes AML. Aspectos radiológicos do querubis- nant craniometaphyseal dysplasia is caused by mutations in the
mo: relato de caso. Rev Brás Odont 1999;56(3): 104-7. transmembrane protein ANK. Am J Hum Genet 2001;
5. Franz DC, Horn KL, Aase J. Craniometraphyseal dysplasia: 68(6):1.321-6.
operative fmdings and treatment. Am J Oro/Mar 1996;77{2): 24. Tiziani V, Reichenberger E, Buzzo CL et ai. The gene for cheru
283-7. bism maps to chromosome 4pl6. Am J Hum Genet 1999;
6. Hawes MJ. Cherubism and its orbital manifestations. Ophtal ó5(l):158-66.
Plast Reconstr Surg 1989;5:13340. 25. Ueki Y, Tiziani V, Santanna C et ai. Mutations in the gene
7. Heselson NG, Raad MS, Hamersma H et ai. The radiological encoding c-Abl-binding protein SH3BP2 cause cherubism. Nat
manifestations of metaphyseal dysplasia (Pyle's disease). BrJ Genet Jun 2001;28(2): 125-6.
Radioljun 1979;52(618):431-40. 26. Henderson JW. Fibro-osseous, osseous and cartilaginous tumors
8. Jones WA. Familial multilocular cystic disease ofthe jaws. Am of orbital boné. In: Orbit Tumors. 3 ed. 1994:153-70.
J Câncer 1933;77:946-50. 27. Robbins, Cotran e Kumar. In: Pathologic Basic of Disease. 3
9. Kerley TR, Schon CE. Central giant cell granuloma or cheru ed. 1986:1.251-1.311.
bism: case report. Oral Surg 1981;57:128-30. 28. Gorlin RJ, Cohen Jr MM, Levin S. Syndromes ofthe head and
10. Marie PJ.Cellular and molecular basis of fibrous dysplasia. His- neck. 3 ed. Oxford: Oxford Universiry Press, 1990: 392-9.
tol Histopathol 2001;16(3):9% 1-8. 29. Huson SM, Hughes RAC. The neurofibromatosis: a pathogene-
11. Mark PA Kudrik SH. Cherubism. J Oto 1992;27(2):84-7. tic and clinicai overwiew. London: Chapman & Hall, 1994.
Distração Osteogênica
Craniofacial (DOC)

Rômulo Guerrero
Adriana Salazar
Tradução:
Carolina Souzn Souto Amando Costa e Nilson Yovaui Riiiiaraclitn Díaz

INTRODUÇÃO Em relação ao esqueleto craniofacial, Snyder, em


197368, publicou o uso experimental da distensão ós
O alongamento ósseo por distração gradual é um sea na mandibula canina. Miotti e Michieli também
método que se vem realizando há muito tempo. Em relataram o alongamento em mandibula canina, no
1890, Hopkins e Penrose33 foram os primeiros a des mesmo ano32. Em 1988, Phillips e Gruss62 aplicaram
crever o método de alongamento de ossos longos atra o procedimento ao zigoma canino. Karp, em 1990, e
vés de uma osteotomia transversa, com estabilização McCarthy, em 199262, demonstraram nova formação
mediante ganchos de marfim colocados na cavidade óssea na área alongada, quando se realizava a distra
medular. ção gradual na mandibula humana. Assim foi aberto
O primeiro relato sobre um procedimento com um novo campo para o tratamento do esqueleto cra
êxito foi descrito por Codvilla", em 1905. Esse traba niofacial.
lho mostra sua experiência com 22 procedimentos de Em 1994, Guerrero e Salazar23 apresentaram qua
alongamento da extremidade inferior12. Em 1921, Put- tro casos clínicos de distração gradual do terço médio
ti propôs a idéia de tração e contratração aplicada di da face, por meio de um aparelho de auto-retenção de
retamente aos fragmentos femorais64. Abbott, em 1927, ativação percutânea. Molina e Ortiz Monastério, em
modificou a técnica de Putti, para alongar a tíbia e a 19955"', publicaram uma série de 106 pacientes com
fíbula. microssomia hemifacial e hipoplasia mandibular bila
Deve-se a Gabriel A. Ilizarov, médico russo, o sur teral tratados com esse método.
gimento da distração gradual na década de 1960, po Desde então, muitas publicações abordaram a apli
rém seu método não se difundiu nos Estados Unidos cação experimental e clínica da distração gradual no
até 198634. esqueleto craniofacial.
Wagner, nos anos 708, apresentou sua técnica nos Por meio da distração osteogênica craniofacial
Estados Unidos, na qual estabeleceu um período de (DOC), é possível alongar a maioria dos ossos do es
latência depois do procedimento cirúrgico e antes de queleto craniofacial e aumentar a capacidade volumé-
iniciar a distração gradual, permitindo o início de uma trica do crânio, conseguindo assim uma remodelação
osteogênese eficaz. gradual tridimensional.

582
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 583

CONCEITOS GERAIS Área de aplicação: é a área do osso na qual é exerci


da a força do distrator. Corresponde ao sítio de fi
Osteogênese xação dos parafusos no osso ou ao lugar em que as
bandas do distrator abraçam as bordas do osso. Es
É o processo de formação de um novo osso, que ocor ses pontos de aplicação, por sua vez, transferem a
re de maneira fisiológica na fase de crescimento e de força de distração ao resto do osso.
senvolvimento. É induzida nos casos de fraturas e é
possível estimular sua formação mediante a utilização
de aparelhos distratores conhecidos.
BIOMECÀNICA
Capacidade Osteogênica Tipos de Forças
É a capacidade que tem o tecido ósseo para formar novo Ao aplicar uma força sobre uma estrutura óssea, esta
osso. Outros tecidos, como o periósteo e a dura-máter, não atua isoladamente. Existe ao mesmo tempo um
também têm a mesma capacidade. A capacidade osteo conjunto de forças que atuam em combinação:
gênica é indiretamente proporcional à idade do pacien
te. A menor idade tem a maior capacidade osteogênica. - Força atuante: produzida pelo distrator.
- Força recíproca: é a força transmitida sobre o pon
to de apoio do distrator no osso.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) - Forças modeladoras: forças atuantes de diferentes
É um novo método de remodelação dos ossos da face orientações, desenvolvidas ou produzidas pelos
e do crânio, baseado na capacidade osteogênica que músculos e órgãos viscerais.
tem o esqueleto craniofacial ao ser submetido a um - Força de resistência: é produzida pelas pontes ósseas,
estímulo de tensão, produzido por um distrator ou fibras de tecido conectivo intracicatricias, periósteo
um alongador ósseo, pelo qual se alonga e remodela o e suturas do complexo craniofacial, entre outros.
osso tridimensionalmente.

Vetores
Distrator
- Vetor: é a direção em que atua uma força.
É um dispositivo capaz de transmitir ao osso uma for - Vetor de ação: é a direção na qual se alonga o distra
ça de tensão suficientemente efetiva para estimular o tor.
processo de osteogênese entre os segmentos ósseos. - Vetor de atividade muscular:é a direção na qual atu
am os músculos.
Força de Distração - Vetor de atividade visceral: é a direção na qual atu
am o cérebro, o olho, tecidos moles etc.
É a força transmitida pelo distrator ao osso para indu - Vetor de remodelação: é a orientação da força resul
zir o processo de osteogênese. Esta força deve ter in tante no sentido em que se movimenta o osso.
tensidade e freqüência capazes de produzir osteogêne
se e alongamento ósseo. No esqueleto craniofacial existem forças que es
tão atuando constantemente sobre o osso. Essas for
ças são: atividade muscular e atividade visceral. A soma
FORÇAS DE TENSÃO NA DISTRAÇÃO desses vetores extrínsecos (estímulo do distrator e ati
vidade miovisceral), mais os vetores intrínsecos (resis
Força é a energia cinética capaz de modificar o estado tência óssea e atividade osteogênica), dão como resul
de repouso ou imprimir variação ao movimento de tado uma remodelação tridimensional do esqueleto
um corpo.
craniofacial.
Na DOC, existe uma força de distração que é diri Os vetores de distensão (distração) podem ser apli
gida, controlada e ativada com a freqüência requerida. cados a um, dois ou três vetores independentes, que
Devemos definir: são: o vetor sagital, que segue o eixo ântero-posterior e
- Limite de distensão: é a quantidade de alongamen que se denomina eixo V; o vetor vertical, que segue o
to aplicada ao distrator, que geralmentede é de lmm eixo súpero-inferior ou eixo "y"; e o vetor horizontal,
por dia. que segue o eixo médio-lateral ou eixo "x"75.
584 Cirurgia Craniomaxilofacial

ter sido estirado, demonstrando sua elasticidade. Na


PROCESSO DE REMODELAÇÃO
distração gradual (DOC) as fibras musculares se esten
A técnica de remodelação craniofacial por distração dem gradualmente e, ao não recuperarem seu compri
gradual baseia-se na capacidade osteogênica do osso, mento original, se alongam por processo de meiose.
sob o estímulo da força ou pressão exercida pelo dis Contratibilidade é a capacidade do músculo para
trator. Este responde ao estímulo formando novo osso encurtar seu comprimento após ter recebido um estí
e movimentando-se na direção em que a força aplica mulo nervoso, e mesmo que a elasticidade do músculo
da, modificada ou estimulada pela atividade miovisce- afete a contratibilidade, este é um fenômeno diferente.
ral, determina. Durante a distração gradual, o músculo se alonga, e sua
Devemos lembrar que no processo de osteogêne capacidade elástica se manifesta de maneira que as fibra
se existe um osso em neoformação, que é facilmente musculares transmitam uma força de tensão-distensão
remodelável pelas forças que atuam sobre ele. Estamos constante aos locais de inserção óssea. O mesmo ocorre
alongando a estrutura esquelética, mas durante esse com a contratibilidade, mesmo que este seja um fenô
período a atividade miovisceral atua como remodela- meno esporádico e não-constante. Os dois fenômenos
dora tridimensional. O distrator produz um estímulo são capazes de influenciar o osso e remodelá-lo de acor
unidirecional que, somado à atividade miovisceral, do com o vetor no qual atua o músculo. Além disso,
origina uma remodelação tridimensional do osso alon com a distração gradual, o equilíbrio que existia entre o
gado. músculo e o osso é perdido. Desta maneira, o músculo
O melhor distrator é aquele que, sendo capaz de se converte em fator de osteogênese.
produzir um alongamento ósseo, permite a influência
miovisceral na remodelação tridimensional. Para que
isso aconteça, o distrator deve ser suficientemente for Influência Visceral
te, para alongar o osso, e elástico, para permitir a ativi
O olho, o cérebro e a língua possuem atividade pró
dade muscular.
pria que influencia na estrutura óssea adjacente. Du
rante a fase de crescimento, a influência visceral é muito
importante no processo de desenvolvimento e remo
Resistência Óssea
delação ósseos, atuando como fator de estímulo para
O osso é biologicamente elástico e adapta-se às forças o crescimento ósseo. Este conceito é conhecido como
funcionais e de desenvolvimento, respondendo à pres "matriz funcional".
são com reabsorção, e à tensão (distração) com aposi Durante o processo de distração osteogênica, existe
ção óssea. um osso em fase de alongamento, com uma zona de
A capacidade osteogênica do osso é indiretamente neoformação, a qual é influenciada em sua forma pela
proporcional à idade do paciente. A menor idade im atividade constante de músculos e vísceras (p. ex., quan
plica numa maior capacidade osteogênica. do a pessoa, fala, respira, come etc.) Na DOC é muito
A velocidade de distração é diretamente propor importante contar com esta capacidade remodeladora,
cional à distância por tempo. A velocidade de alonga que produzirá a remodelação óssea tridimensional.
mento deve ser igual à velocidade da capacidade osteo
gênica para ser realizada a distração.
índice de Remodelação
O índice de remodelação craniofacial é igual à capaci
Influência Muscular
dade osteogênica do osso estimulado pelo tempo so
O músculo possui duas propriedades físicas impor bre a velocidade de distração pelo tempo. Se a capaci
tantes para sua atividade cinética: a elasticidade e a dade osteogênica é de 2mm por dia e a velocidade de
contratilidade. Ambas são remodeladoras do osso. distração é de 2mm por dia, o índice de remodelação
Normalmente, a elasticidade inerte de um corpo está será de 1, que é ótimo para que se produza uma remo
relacionada com seu comprimento. O músculo nor delação tridimensional; se é menor que 1, a formação
mal relaxado só resiste a certa quantidade de alonga de osso pode estar comprometida; se é maior que 1, o
mento (aproximadamente seis décimos do seu com crescimento ósseo não se realizará.
primento natural) antes de romper-se. O músculo tem A velocidade de distração deve ser tal que alon
a capacidade de estender-se quando submetido a uma gue o osso, produzindo neoformação óssea. Se a velo
força externa e recupera seu comprimento original após cidade de distração for lenta, a osteogênese é tão in-
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 585

tensa que impede o processo de alongamento ósseo. 10. Confirmar as seguintes características: oclusão tipo
Se for rápida, existirá o alongamento, mas não haverá Angle III, fissura médio-palatina, palato ogival, ar
neoformação óssea. cada dentária superior em "V", colapso transversal.
11. Língua: tamanho e forma.
12. Dentes: qualidade e quantidade.
Planejamento Cirúrgico 13. Características da mandibula: ângulo gonial, pro
O planejamento pré-operatório se faz por meio de jeção do mento, ângulo cervical.
análise clínica, estudos radiográficos, avaliação orto
dôntica e fotos. OCLUSÃO

A oclusão é parte da análise clínica e é importante de


ANÁLISES CLÍNICAS terminar seu tipo: Angle I, II, III, mordida cruzada,
mordida aberta, inclinação do plano oclusal nos pla
A história clínica do paciente deve ser dirigida para nos transversal e sagital.
investigar:
Deve-se avaliar também a existência de uma so-
1. A procedência do paciente. bremordida horizontal (overjet), ou uma sobremordi-
2. Os antecedentes heredofamiliares da patologia. da vertical (overbite).
3. Idade e profissão do pai e da mãe. A análise das arcadas dentárias mostra a dimensão

4. História de uso de medicamentos ou drogas du transversal e a inclinação e rotação dos molares inferi
rante o primeiro trimestre da gravidez. ores de ambos os lados, porque eles seguem o eixo de
5. Fábricas ou contaminantes ambientais próximos a rotação interna do ângulo gonial.
sua residência. Deve-se considerar que a oclusão e a disposição
6. Tempo de gestação. dos dentes são manifestações da posição e do tama
7. Antecedentes de hipertensão intracraniana, convul nho dos maxilares. Portanto uma má relação dentária
sões, cegueira, retardo mental. corresponde a uma má posição óssea ou a uma má
8. Problemas respiratórios: respirador bucal. relação maxilomandibular.

Avaliação regional Exame Radiográfico


1. Diâmetro A-P do crânio. CEFALOMETRIA A-P
2. Diâmetro transversal do crânio.
A cefalometria A-P nos ajuda a determinar as dimen
3. Altura da cabeça (nasion-vértice).
sões transversal e vertical do crânio e também as carac
4. Morfologia do frontal: aplanado, presença de pro-
terísticas estruturais do esqueleto craniofacial.
tuberância superior, ângulo externo do rebordo
Na cefalometria A-P analisam-se:
orbitário superior proeminente em relação ao fron
tal etc. 1. distância bitemporal;
5. Morfologia do temporal: proeminências, relação 2. distância interorbitária;
com o arco zigomático. 3. grau de hiperteleorbitismo;
6. Exorbitismo: incompetência palpebral, úlceras da 4. determinação das distopias orbitárias;
córnea, acuidade visual, relação do olho com o 5. distância bizigomática;
rebordo orbitário superior, distâncias intercantais 6. largura da fossa nasal;
interna e externa. 7. altura craniofacial;
7. Terço médio facial: posição do rebordo orbitário 8. altura do terço médio da face;
inferior, retrusão facial, encurtamento vertical do 9. altura do terço inferior da face;
terço médio-facial. 10. desvios das linhas médias esquelética e dental;
8. Análise dos terços superior, médio e inferior cra 11. desvios do septo nasal;
niofaciais e sua proporções. 12. características da turricefalia;
• Exame transversal: relação da largura com a al 13. características da tábua interna do crânio: interdi-
tura craniofacial. gitações;
• Exame sagital do crânio: relação de profundi 14. distâncias côndilo-ângulo gonial de cada lado;
dade com altura craniana. 15. distância ângulo gonial-sínfise mentoneana de cada
9. Forma e permeabilidade do nariz. lado.
586 Cirurgia Craniomaxilofacial

CEFALOMETRIA LATERAL Visualiza-se com exatidão o local das sinostoses e


são determinadas as características topográficas do crâ
Este estudo permite avaliar as características sagitais
nio e da face. Estas características são importantes para
do crânio e da face e as relações que apresentam entre
realizar o planejamento cirúrgico.
si. Deve incluir os tecidos moles. Visualizam-se tam
Por meio da TAC 3D craniofacial, podemos avaliar
bém o contorno da base do crânio anterior e posterior,
as assimetrias do corpo e do ramo mandibulares, a
a órbita, o maxilar e a mandibula, a fissura pterigoma
posição e rotação destes e também da rotação interna
xilar, os primeiros molares permanentes e os incisivos
do ângulo mandibular.
mais inferiores.
Devemos solicitar cortes de 1,5mm para termos
1. distância A-P do crânio; uma resolução que permita identificar adequadamen
2. profundidade facial; te a topografia esquelética. A TAC 3D craniofacial in
3. profundidade da órbita; clui crânio e face, com cortes de até 3mm.
4. relação oclusal: Angle I, II, III;
5. relação oclusal: overbite e overjet,
FOTOGRAFIA
6. inclinação do plano oclusal;
7. ângulo gonial: obtuso, agudo ou reto; Deve-se incluir uma série fotográfica que permita uma
8. plano mandibular: linha média do ramo-mento; avaliação pré e pós-operatória integral. As posições
9. distância côndilo-ângulo gonial; solicitadas são: A-P, basal, lateral direita, lateral esquer
10. distância ângulo gonial-sínfise mentoneana. da, oblíqua direita, oblíqua esquerda, P-A e crânio su
perior, além de oclusão A-P e laterais direita e esquer
A análise cefalométrica e a análise clínica, em con
da, arcadas dentárias superior e inferior.
junto, nos ajudam a determinar a retrusão facial e a
Todas as fotografias devem ser tiradas a uma mesma
biretrusão facial. Também nos ajudam a determinar as
distância, com um mesmo fundo e a mesma iluminação.
assimetrias esqueléticas do maxilar e da mandibula. Não
existe análise cefalométrica que seja determinante por
si só. Etapas da DOC
O processo da DOC compreende quatro etapas:
RADIOGRAFIA PANORÂMICA a. corticotomia e osteotomia;
b. período de latência;
A radiografia panorâmica serve para avaliar a simetria
c. distração;
do ramo e corpo mandibulares, a posição dos dentes
d. consolidação.
erupcionados e os não-erupcionados, e os números de
peças dentárias. Pode-se avaliar também a arcada den
tária superior e o assoalho da fossa nasal e determinar CORTICOTOMIA E OSTEOTOMIA
a existência de fissuras palatais. Nos ossos longos, é indispensável que durante o pro
É um estudo útil para a localização de gérmens cesso cirúrgico (corticotomia) exista um traumatismo
dentários e o trajeto do nervo dentário inferior, com
mínimo das irrigações endostal e periostal, para que
o objetivo de evitar danos durante os procedimentos seja produzida uma neoformação óssea mais segura.
cirúrgicos.
No caso da mandibula o comportamento é similar,
A radiografia panorâmica também serve para ava
mas em se tratando dos demais ossos do esqueleto cra
liar a formação de novo osso e a qualidade do osso
niofacial, o comportamento é diferente.
neoformado na fase de consolidação.
Uma vez determinado o sítio do distrator, este
deve ser colocado sobre a superfície óssea e fixado ao
TAC 3D CRANIOFACIAL
osso; logo, se se trata do maxilar, realiza-se uma osteo
tomia; se se trata da mandibula, realiza-se uma çortico-
A utilização da tomografia computadorizada tridimen tomia-osteotomia. Quando colocamos o distrator no
sional craniofacial nos permite analisar a estrutura ós crânio, realizamos uma craniotomia linear antes de
sea, sua forma, volume e projeção1. Podem-se realizar colocá-lo, ao mesmo tempo que construímos uma "ja
medições estruturais dos ossos craniofaciais. nela" que servirá para abrigá-lo. O maior eixo do dis
É importante para avaliar a relação antropométri- trator estará perpendicular ao eixo da osteotomia ou
ca que têm as diferentes regiões: crânio-face, maxilar- da corticotomia. O parafuso ativador emerge através
mandíbula, órbita-olhos etc. da pele.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 587

PERÍODO DE LATÊNCIA
HISTOLOGIA
É necessário um período de latência entre fase cirúrgi
ca e o início da distração. A finalidade é permitir o Estudos clínicos e experimentais em ossos tratados por
crescimento de um calo ósseo bem vascularizado que distração óssea gradual4 têm demonstrado suas bases
possa ser distendido. Durante esta etapa de latência, biológicas. Os espaços entre as bordas do osso disten
os estudos histológicos demonstram um aumento da dido são preenchidos com tecido fibroso, que se ori
vascularização, como também uma proliferação de fi- enta na direção da distração. A formação óssea avança
broblastos e células osteogênicas e condrogênicas. sobre o tecido fibroso, a partir das extremidades do
A duração ideal da etapa de latência na distração osso, com fibras colágenas paralelas aos vetores de ten
craniofacial parece ser de 10 dias, mas temos dados são. Trabéculas ósseas se estendem a partir das extremi
limitados. Um relato de Panikarovski mostra que em dades, que se calcificam ao término da distração. Ob
um modelo mandibular canino, um período de menos serva-se reabsorção osteoclástica e as trabéculas se tor
de 7 a 10 dias produz o depósito de tecido fibrocelular nam mais grossas para formar osso. Os espaços vascu
lares se desenvolvem e as atividades osteoblástica e
antes da regeneração óssea. O período de latência é tipi
osteoclástica são desencadeadas, dando como resulta
camente de 7 a 10 dias, com pequenas variações.
do a remodelação óssea.
A duração da fase de latência depende da idade
do paciente e do osso que queremos remodelar. Quan Aparentemente, o osso ganha 90% da sua estrutu
to menor idade do paciente, menor será a duração dessa ra original depois de 8 semanas após o término da fase
ativa da distração.
etapa. Se o osso tem mais camada esponjosa que corti
Os estudos conhecidos de remodelação óssea pro
cal, também menor será a fase de latência. Geralmente
vêm das fraturas esqueléticas. A tração gradual dos te
é de uma semana, mas pode variar de 2 a 15 dias.
cidos produz uma carga que estimula e mantém a re
generação e o crescimento ativo de todas as estruturas
FASE DE DISTRAÇÃO OU AIWA teciduais, por meio da estimulação metabólica54.
Durante esta fase, ativa-se o distrator girando-se o pa
rafuso em sentido horário. O limite de ativação suge
rido é de lmm por dia. A ativação continua até a ob DISTRATORES
tenção do alongamento ou remodelação desejada, ava- Existem vários tipos de distratores: os externos, os in
liando-se clinicamente e confirmando-se radiologica- ternos e os mistos. Os externos são aparelhos que se
mente.
encontram fora da pele e são fixados por meio de pa
Um limite de ativação de 0,5mm por dia produz rafusos que atravessam a pele e se introduzem no osso.
consolidação óssea prematura em crianças de até 8 O mecanismo de distração se encontra distante do
anos, ao passo que maior de 2mm por dia produz is- centro de resistência do osso. São aparelhos relativa
quemia no calo expansivo e retarda a união com pseu- mente grandes e fortes e alguns deles têm capacidade
dartrose. elástica, útil para uma boa remodelação.
Distratores internos ou intra-orais são colocados
diretamente sobre a superfície do osso e são cobertos
FASE DE CONSOLIDAÇÃO por tecidos moles. O parafuso ativador emerge no in
Durante o processo de osteogênese, a estabilidade do terior da cavidade oral.
osso recém-formado é dada pelo distrator. A capacida Distratores mistos são aqueles colocados direta
de do osso para que possa resistir a qualquer tipo de mente sobre a superfície do osso, cobertos por tecidos
força é limitada. moles e têm um parafuso ativador percutâneo.
Depois que se obtém o alongamento desejado, é De acordo com o comportamento do material em
necessário um período de consolidação no qual o osso relação à resistência óssea, os distratores podem ser clas
neoformado evolui para osso maduro, com estrutura sificados em rígidos e elásticos. Os rígidos mantêm sua
óssea normal. Essa etapa de consolidação é de 8 sema forma original durante o processo de distração. Os elás
nas. Só então retira-se o parafuso ativador. Para isso, ticos mudam gradualmente sua forma, influenciados
não é preciso anestesia geral. Simplesmente gira-se o pela resistência óssea e pela atividade miovisceral.
parafuso em sentido anti-horário e o resto do apare Dependendo da direção em que os distratores atu
lho fica junto ao osso, comportando-se como qual am, eles podem ser: unidirecionais, bidirecionais e tri-
quer material de osteossíntese. direcionais.
588 Cirurgia Craniomaxilofacial

DISTRATORES MISTOS DISTRATOR CRANIOFACIAL MISTO

Todos os tipos de distratores têm vantagens e desvan O distrator do crânio é auto-retentivo e tem dois seg
tagens. Se usados corretamente, alongam o osso e pro mentos: um proximal e um distai. Estes são unidos
duzem distração osteogênica; entretanto, nós achamos entre si por duas barras estabilizadoras paralelas ao
que os distratores mistos têm algumas vantagens que maior eixo do distrator e o parafuso ativador que cor
os fazem recomendáveis. re na metade das barras estabilizadoras.
A fixação se faz por meio de pequenas ranhuras
localizadas na parte inferior dos segmentos proximal
Vantagens dos distratores mistos e distai. Ao ativar o distrator, estas ranhuras abraçam
as bordas do osso e auto-retêm o distrator, sem que
- São internos, portanto menos incômodos para o sejam necessários parafusos de fixação.
convívio social que os externos. No caso do maxilar, o princípio mecânico é o
- Pode-se dormir sobre o lado em que se encontra o mesmo, com ligeiras variações, para que o aparelho se
distrator. adapte à topografia óssea de cada região.
- Por ter apenas um parafuso externo, que se projeta
ligeiramente para fora da face, não são perigosos
para as pessoas que rodeiam o paciente.
INDICAÇÕES
- Evitam as cicatrizes externas provocadas pelos dis
tratores externos.
A distração osteogênica está indicada em hipoplasias e
assimetrias do esqueleto craniofacial, craniossinosto
- Os parafusos ativadores percutâneos são de fácil
ses e todas as alterações do crescimento craniofacial.
controle.
Esses problemas se apresentam em certas patolo
- O paciente não tem nenhum parafuso dentro da boca gias congênitas ou adquiridas.
que o moleste, principalmente ao alimentar-se.
- Menos problemas ao banhar-se, vestir-se e durante
demonstrações de afeto (abraços, beijos etc).
DEFEITOS CONGÊNITOS
- Fáceis de retirar (geralmente se retira o parafuso ati 1. Microssomia hemifacial.
vador e o resto do aparelho se comporta como qual 2. Síndrome de Goldenhar.

quer material de osteossíntese). 3. Doença de Pierre-Robin.


4. Síndrome de Treacher-Collins.
5. Síndrome de Nager.
6. Craniossinostoses.
DISTRATOR MANDIBULAR MISTO

O distrator da mandibula é um aparelho mecânico


que tem dois segmentos: um proximal e um distai. DEFEITOS ADQUIRIDOS
Cada segmento tem dois orifícios rosqueáveis, fazen 1. Seqüelas de fissuras labiopalatais.
do com que, desta forma, os parafusos fiquem rosque- 2. Seqüelas de anquilose de ATM.
ados ao distrator e ao osso. Os dois segmentos são 3. Seqüelas de retinoblastomas.
unidos entre si por uma barra estabilizadora, que aju 4. Seqüelas de trauma craniofacial.
dará a manter o paralelismo do distrator. Um parafu 5. Seqüelas de câncer.
so ativador se apoia em um segmento e desliza na ros
ca do outro segmento, o que os separa gradualmente. A correção cirúrgica de todos esses problemas era
muito difícil e, na maioria dos casos, a solução era
O parafuso de ativação é desenhado de tal maneira
remodelar o osso existente, colocando um enxerto re
que o giro de 360° dos parafusos é igual a lmm de
tirado da crista ilíaca ou da costela. Isto significava
alongamento do distrator.
sacrificar uma zona doadora e, além disso, existia o
Os orifícios estão dispostos no sentido paralelo risco da não-integração do enxerto. A viabilidade do
ao maior eixo do distrator. O objetivo da disposição enxerto dependia da capacidade dos tecidos moles para
dos parafusos é exercer um controle sobre a direção, cobri-los adequadamente. Em muitos casos, o periós
rotação e posição dos fragmentos ósseos, permitindo, teo, o músculo e a pele ficavam muito tensos, e após
em maior ou menor grau, a atividade muscular que se alguns dias o enxerto ósseo rompia os tecidos moles e
exerce sobre os mesmos.
se exteriorizava; conseqüentemente, não se integrava.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 589

Figs. 47-1 e 47-2. Pré e pós-DOC em uma paciente de 9 anos com anquilose de ATM esquerda. Ela havia sido submetida a uma condilectomia
e como não obteve bons resultados, foi então submetida a uma ressecção parcial do ramo mandibular, também sem êxito. Nós, portanto,
planejamos um transporte ósseo para construir um novo côndilo. O segmento ósseo alongado, que formará o novo côndilo, está coberto em sua
extremidade com um "gorro" de silastic (na figura de cor amarela). Esse silastic estará em contato com a cavidade glenóide e impedirá uma nova
anquilose. O planejamento cirúrgico é uma DOC, no lado direito, e transporte ósseo, no lado esquerdo (lado da anquilose).

Figs. 47-3 e 47-4. A menina com anquilose de ATM antes e depois da DOC no lado direito e do transporte ósseo no lado esquerdo, os
dois procedimentos no sentido vertical. Notam-se uma adequada projeção AP do corpo mandibular e do mento, o crescimento A-Pvertical
do maxilar, e a distância da orelha ao novo ângulo mandibular.

HHH

,<5
I JO

Figs. 47-5 e 47-6. Na menina com anquilose de ATM, a oclusão no pré e pós-DOC-transporte ósseo, onde foi alcançada uma mordida
topo a topo.
590 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-7 e 47-8. Cefalometrias pré e pós-operatórias de uma menina com anquilose de ATM. Em todos esses pacientes existe um
encurtamento vertical do ramo mandibular. Nota-se a mudança de oclusão depois da DOC-transporte ósseo. O segmento transportado
foi de 64mm, e a DOC, de 40mm.

OBJETIVOS Microssomia Hemifacial

A microssomia hemifacial é uma síndrome relativamente


Os objetivos da DOC são:
freqüente, onde existe hipoplasia do ramo mandibular
- restabelecer a forma musculoesquelética normal de diferentes expressividadcs e a alteração primária pode
- reparar a deformidade estrutural; influenciar no malar e no maxilar do lado afetado. Além
- corrigir as alterações funcionais. do problema estrutural, existe uma hipoplasia dos teci
dos moles circundantes.
A microssomia facial bilateral é uma alteração ge
DOC MANDIBULAR nética, que igualmente à microssomia hemifacial, deri
va do problema do Io e do 2o arcos branquiais. Pode
História ser confundida com a síndrome de Treacher-Collins,
mas esta última tem um padrão bem definido de he
Snyder68, nos Estados Unidos, e Miotti e Michieli52, na rança e a patologia é simétrica. A microssomia bilate
Itália, em 1973, publicaram os resultados de seus tra ral também deve ser diferenciada da micrognatia, das
balhos experimentais realizados em mandíbulas de cães, alterações do desenvolvimento ou de seqüela pós-trau-
onde se demonstraram a efetividade da distração gra mática. Nesta, o subdesenvolvimento se restringe a man
dual e o alongamento ósseo da mandibula canina usan dibula e não existe evidência de paralisia facial, altera
do um aparelho intra-oral. ções auriculares ou hipoplasia das bochechas.
Em 1992, McCarthy, Schreiber, Karp, Thorne e
Grayson48 publicaram quatro casos clínicos com mi-
CARACTERÍSTICAS
crossomia hemifacial, nos quais realizaram alongamen
to mandibular unilateral, e outro caso com síndrome Embriologicamente, a síndrome provém de alterações
de Nager, em que realizaram distração bilateral com do Io c do 2o arcos branquiais, o que explica as altera
grande êxito. ções ao nível de todas as estruturas originadas destes
Molina e Ortiz-Monasterio, em 1995, relataram 106 arcos. A síndrome apresenta uma ampla variedade de
pacientes nos quais realizaram distração osteogênica sinais patológicos na mandibula, no maxilar, malar,
uni e bilateral, usando um distrator externo. arco zigomático, nos músculos da mastigação, ouvi
Em 1999, Guerrero e Salazar relataram um novo dos, sistema nervoso e tecidos moles.
conceito no tratamento da síndrome de Treacher-Co
llins, combinando osteotomias do terço médio da face Mandibula
e alongamento vertical bilateral do ramo mandibular.
Pruzansky,,! propôs uma classificação da deficiência
Durante os últimos anos, vários artigos sobre dis
mandibular:
tração osteogênica uni e bilateral usando-se distrato
res externos e intra-orais foram publicados, nos quais - Tipo I: hipoplasia leve do ramo e do corpo da man
são relatados bons resultados. dibula.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 591

- Tipo II: o côndilo e o ramo são pequenos; a cabeça matização das células mastóideas. O processo estilói-
do côndilo está achatada; a fossa glenóide ausente; de pode estar ausente ou encurtado.
o côndilo está articulado a uma superfície tempo Em casos severos, a órbita está reduzida em todas
ral, plana e muitas vezes convexa. A apófise coro as suas dimensões. O osso frontal está aplanado, dan
nóide pode estar ausente. do uma impressão de plagiocefalia, sem evidência ra-
- Tipo III: o ramo ascendente se reduz a uma lâmina diográfica de sinostose da sutura coronal ipsolateral.
fina de osso ou está completamente ausente. Não
há evidência de articulação temporomandibular. Músculos da mastigação

Posteriormente, Mulliken subdividiu a mandibu Os músculos da mastigação são hipoplásicos, mas não
la tipo II, dependendo da patologia da ATM, em: têm relação com a proporção da deficiência do esque
leto. Utilizou-se a TAC 3D para se fazer uma análise
- Tipo HA: mesmo o ramo e o côndilo sendo anor comparativa entre o volume da deformidade mandi
mais em tamanho e forma, se mantém a relação fos bular e a dos músculos adjacentes da mastigação, ob
sa glenóide-côndilo, devido a fossa glenóide ter uma servando-se que nem sempre existe uma relação 1:1 no
posição no temporal similar à do lado contralate grau de alteração patológica.
ral. A função da ATM é quase normal. A função muscular é deficiente no lado afetado.
- Tipo IIB: o côndilo é hipoplásico, malformado e Os músculos afetados limitam o movimento de pro-
deslocado até fora do plano do lado contralateral. trusão do mento, que se desvia para o lado afetado,
Os pacientes têm a abertura da cavidade oral res durante a abertura e a protrusão forçada. A abertura
tringida, deslocando a mandibula para o lado ipso- da boca está afetada pelas bordas mandibulares hipo-
lateral. plásicas e a ATM em má posição.

Maxilar e malar Orelhas

O encurtamento da mandibula e dos tecidos moles, Existem diferentes tipos de alterações das orelhas. Se
incluindo os músculos mastigadores, limitam o cresci gundo a classificação de Merumann, estas podem ser:
mento vertical e ântero-posterior do maxilar e malar,
- Grau I: malformação auricular pequena, mas com
assim como do seio maxilar. Existe, conjuntamente,
presença de todos os componentes.
um encurtamento da fossa nasal ipsolateral.
- Grau II: apenas um remanescente de cartilagem e pele
Mento
com atresia completa do canal auditivo externo.
- Grau III: ausência quase completa da orelha, exceto
O mento está desviado para o lado afetado e existe
apenas por um pequeno remanescente, em geral um
um encurtamento vertical, com desvio da linha mé
lóbulo de tecidos moles. Não existe relação direta
dia. Observa-se uma hipoplasia tridimensional da pro
entre a posição da deformidade auricular e o rema
jeção do mento do lado afetado.
nescente do conduto auditivo. Existe alteração da
Da mesma maneira, os planos do assoalho dos
função auditiva, analisada por audiometria, e as al
seios maxilares, abertura piriforme, dos complexos
terações do ouvido médio são comprovadas por
dentoalveolares e o plano oclusal são paralelos entre si
meio de tomografia do osso temporal.
e têm uma posição oblíqua, que está determinada pelo
encurtamento vertical do lado afetado.
Sistema nervoso

Outras regiões afetadas A alteração mais freqüente dos nervos cranianos é a


paralisia facial do lado afetado.
Não são raras as malformações das vértebras cervicais,
como a presença de hemivértebras, vértebras fusiona-
Tecidos moles
das. Goldenhar descreveu uma variante da microsso
mia hemifacial que se caracteriza por: lipodermóides/ Encontra-se hipoplasia ou aplasia da glândula paróti-
dermóides epibulbares e assimetrias orbitárias. da. A deficiência dos tecidos moles é multidimensio-
O osso temporal também pode estar comprome nal e pode produzir uma redução notória na distância
tido, geralmente sem àcometimento da sua porção entre a comissura oral e o ouvido rudimentar do lado
petrosa. O processo mastóideo pode estar hipoplásico afetado. Em 25% dos pacientes há fissura palatina res
e pode haver uma falta parcial ou completa da pneu- trita a tecidos moles e pode desviar-se para o lado afe-
592 CirurgiaCraniomaxilofacial

tado na função voluntária. Encontram-se como sinais Uma vez estabelecidas as medidas do ramo e do
associados fissura facial lateral ou macrostomia. corpo e da distância entre os gônios direito e esquer
do, determina-se a posição em que se colocará o distra
tor, de acordo como que queremos alongar: o ramo, o
ANÁLISE PRÉ-OPERATÓRIA corpo, ou ambos. Outra consideração importante é a
Realizam-se análises clínica, fotográfica, cefalométrica característica do ângulo gonial, pois por meio da DOC
e de modelos dentários. pode-se fechar o ângulo e fazê-lo menos obtuso.
Com paciente nas posições frontal e lateral, an- Na radiografia panorâmica analisam-se a simetria
tropometricamente, analisa-se a assimetria hemifacial: e as características dos ramos e côndilos; além disso,
visualizam-se o trajeto dos nervos alveolar inferior e
- características da órbita;
mentoniano, a localização dos germens dentários e a
- projeção do malar;
posição dos molares.
- volume da bochecha;
Os modelos dentários servem para fornecer as ca
- disposição transversal das asas nasais;
racterísticas das arcadas dentárias e as inclinações das
- encurtamento vertical do ramo mandibular;
peças dentárias, em especial a dos molares inferiores.
- ângulo gonial e a inclinação do corpo mandibular;
São úteis para avaliar a relação maxilomandibular e a
- posição da orelha ou remanescente auricular;
oclusão.
- distância da orelha ao ângulo mandibular;
- distância do canto lateral à comissura bucal;
- inclinação da comissura bucal;
- desvio do mento. FASE ORTÓPEDICA
Em uma análise da cavidade oral, avaliamos: A ortopedia maxilar é o início do tratamento. Devem
- inclinação do plano oclusal; ser pré-distração e pós-distração, independentemente
- mordidas cruzadas; da idade do paciente.
- mordidas abertas;
- linhas médias esquelética e dental; a. Ortopedia pré-distração
- colapso transversal das arcadas; Tem dois objetivos: expandir transversalmente o ma
- posição das peças dentárias; xilar e a mandibula e preparar a musculatura perioral
- inclinação das peças dentárias (vestibular e lingual); para as mudanças que irão ocorrer durante o alonga
- tonicidade e elasticidade da musculatura peribucal. mento estrutural.
Na cefalometria A-P, medem-se as distâncias: Utiliza-se um Quad-helix, que é fixado com lâmi
nas metálicas maleáveis (bandas) ao nível dos primeiro
- côndilo-ângulo mandibular;
molares inferiores. Esse aparelho é capaz de produzir
- ângulo-sínfise mandibular.
uma força constante, que além de expandir transver
E determina-se se o ramo ou o corpo mandibular salmente o maxilar, muda a forma de seu arco. Na
está afetado. mandibula é colocado um aparelho similar.
Na cefalometria lateral mede-se a distância entre o Antes do início da cirurgia, troca-se o Quad-helix
gonion do lado direito e do lado esquerdo, nos pla da mandibula por outto aparelho, construído de tal
nos A-P e vertical. Essa dimensão deve ser igual à dife maneira que, além de expandir o arco mandibular
rença que existe entre o comprimento dos ramos di transversalmente, corrige a inclinação vestibular que
reito e esquerdo, ou à diferença entre o comprimento os molares apresentam no lado afetado.
dos corpos mandibulares direito e esquerdo. Para fabricar esse segundo Quad-helix inferior,
Em resumo, a cefalometria lateral avalia e mede a num molde recorta-se um segmento de gesso que cor
discrepância que existe entre ângulos mandibulares. responde aos molares e se roda até a face lingual os
Essa distância é igual ao comprimento do ramo e do molares do lado afetado. Então, se constrói o apare
corpo que deve ser alongado. lho nessa posição. Dessa maneira, as bordas dos mola
O comprimento do ramo é diretamente propor res do lado afetado ficarão com inclinação para a face
cional ao ângulo mandibular e ao plano oclusal. Para lingual. Assim, ao colocar o aparelho no paciente, as
um menor comprimento vertical do ramo mandibu bordas exercerão uma pressão constante que linguali-
lar, existirá um ângulo mandibular mais obtuso e um zará os molares, e isso influenciará a rotação do ângu
plano oclusal mais oblíquo. lo gonial para fora.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 593

Para diminuir a tensão dos tecidos moles, utiliza- de 15mm por debaixo do ângulo gonial e através do
se um Frãnkel. Este aparelho miofuncional atua sobre músculo masseter, desperiostiza-se o ramo mandibu
a musculatura perioral como regulador da função. lar, identificam-se o ângulo interno e ângulo gonial
Nós acreditamos que na fase de osteogênese, quan (externo da mandibula), e se introduz o distrator de
do o osso neoformado ainda é plástico, a força orto- cima até embaixo, de maneira que o parafuso ativador
pédica influi e favorece a remodelação tridimensional possa emergir por debaixo e por diante do ângulo
da mandibula. gonial. O parafuso ativador está por de trás da barra
que mantém o paralelismo.
Coloca-se o distrator no ramo mandibular em
b. Ortopedia pós-distração
posição vertical, paralelo e 5mm por diante da sua
Os Quad-helix e o Frãnkel continuam atuando, por borda posterior. Ele é lixado com pinças e são realiza
tanto, durante a fase ativa da distração, até que se con dos orifícios nos locais onde serão colocados os para
clua a fase de consolidação. Uma vez terminada a fase fusos de fixação, os quais prendem o aparelho ao osso
ativa da distração, após alongar a mandibula, são pro por meio de dois ou quatro parafusos, que são rosqueá-
duzidas certas mudanças na relação maxilomandibu veis no distrator e no osso. Uma vez fixado o distra
lar e devemos considerá-las: cria-se uma mordida aber tor, procede-se a osteotomia-corticotomia, seguindo
ta posterior unilateral, uma mordida Angle III e uma um trajeto perpendicular ao maior eixo do distrator e
mordida cruzada. Estas mudanças se produzem pela ao ramo mandibular. Para obtermos um alongamento
velocidade com que se alonga a mandibula. No maxi bidirccional, modificamos a posição da corticotomia-
lar, as variações são mínimas. osteotomia e do distrator, sendo este fixado, apenas
A ortopedia deve atuar estimulando o crescimen com dois parafusos (Figs. 47-9 e 47-10).
to maxilar e conservando o alongamento alcançado A osteotomia-corticotomia estende-se da borda
ao nível da mandibula. Devemos lembrar que um dos anterior à borda posterior do ramo, passando entre os
objetivos da distração óssea é horizontalizar o plano segmentos do distrator. Identifica-se o trajeto do ner
oclusal. Se o procedimento foi bem planejado, não vo dentário inferior por uma discreta crista situada na
devem existir mordidas abertas anteriores. linha média do ramo mandibular e, nesse local, num
Utilizam-se o Bimbler ou o Frãnkel para manter a comprimento de 6mm em sentido horizontal, reali
projeção mandibular e estimular o crescimento A-P zam-se uma corticotomia externa e uma série de perfu
do maxilar, e para "centralizar" a mordida em oclusão. rações que vão até a cortical interna, com o objetivo
Para solucionar os problemas de retrusão facial de respeitar a integridade do nervo. Por diante e por
mais severos, uma vez terminada a fase de consolida
ção, utiliza-se a máscara facial de Petit.
Uma vez estabelecida uma boa relação esqueléti
ca, completa-se o tratamento com ortodontia.
Se o paciente está em fase de crescimento, a orto
pedia deve continuar até que essa fase termine (mulhe
res: 14 anos; homens: 18 anos). A DOC alcançou um
alongamento, mas este deve ser estimulado para conti
nuar com o crescimento. A ortopedia estimula, dirige
e corrige o crescimento.
Nos pacientes que já terminaram a fase de cresci
mento, no mesmo tempo cirúrgico, coloca-se o distra
tor mandibular e faz-se uma osteotomia Le Fort I, para
corrigir os problemas do maxilar de maneira gradual.

Fig. 47-9. A figura mostra o local de colocação do distrator e a


Procedimento Cirúrgico osteotomia-corticotomia. A osteotomia corresponde às bordas an
terior e posterior do ramo mandibular; a corticotomia anterior ã
Sob anestesia geral e entubação orotraqueal, são dese parte mediai do ramo mandibular. Este é o local onde o distrator
nhados na pele do lado afetado, o ramo e o corpo está colocado e também corresponde ao trajeto do feixe vasculo-
mandibulares, assim como o local em que colocare nervoso. O distrator é colocado e fixado à superfície óssea com
parafusos bicorticais. Ao colocarmos um parafuso superior e um
mos o distrator (em nossos pacientes colocamos no inferior, para fixação do distrator, estaremos aproveitando a ativi
ramo mandibular em 90% das vezes). Por uma incisão dade muscular, e o alongamento será bidirecional.
594 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 47-10. O distrator utilizado é um distrator misto, interno,


com um pino ativador percutãneo. Consta de dois segmentos os
quais estão unidos entre si por um pino ativador e por uma barra
que ajuda a manter o paralelismo do aparelho. O distrator se fixa
ao osso antes de se realizar a osteotomia-corticotomia.

de trás dessa corticotomia, realizam-se as osteotomias


até chegar às bordas anterior e posterior, respectiva
mente. Existe uma artéria que está junto ao nervo den
tário inferior, e também deve ser preservada. Esse pro
cedimento pode ser realizado com uma broca de Lin-
derman e com uma serra, simultaneamente.
Ao mesmo tempo em que realizamos osteotomia-
corticotomia, com a mão esquerda na cavidade oral
sentimos a ponta da broca ou da serra, e podemos
proteger a mucosa oral. Terminada a osteotomia-corti
cotomia, ativa-se o distrator e testa-se se há um leve
deslizamento dos segmentos; depois, retorna-se à posi
ção inicial e então procede-se o fechamento da incisão
por planos, cobrindo o distrator.

Tipos de Distração
Na maioria dos casos o distrator misto é colocado no
ramo mandibular paralelo à sua borda posterior, e a
corticotomia é perpendicular ao maior eixo do distra
tor (Figs. 47-11 a 47-13). O distrator misto controla e
permite a atividade muscular do masseter, dos pteri-
góides, dos músculos do assoalho da boca, e de outros,
de acordo com as necessidades dos pacientes. Desta
maneira, ao fixar o distrator com quatro parafusos (que
se encontram alinhados, dois em cada segmento do dis
trator), o aparelho conservará o paralelismo quando for
ativado e controlará a força muscular. Podemos dizer
que o distrator permite o alongamento unidirecional,
pois o vetor que predomina é o do distrator. Se colocar
mosdois parafusos de fixação na placa proximal e apenas
um no segmento distai (segmento que está mais perto Figs. 47-11 a 47-13. Na maioria dos casos, o alongamento do
do ângulo gonial), permitimos uma importante influên ramo é vertical, porque embriologicamente a origem da deformi
cia dos vetores musculares: masseter, pterigóides etc, e dade está no ramo mandibular, onde se produz um encurtamento
vertical. Este encurtamento produz uma diminuição da projeção
o alongamento será bidirecional; portanto, o fato de ântero-posterior do corpo mandibular e uma oclusão classe II. O
ter os dois parafusos no segmento proximal fará com distrator é colocado paralelamente à borda posterior do ramo
mandibular e, desta maneira, a borda anterior do distrator corres
que o ramo mandibular mantenha a posição original e ponderá ao trajeto do nervo alveolar inferior. A linha contínua cor
que o segmento distai (corpo) faça uma rotação. responde á osteotomia, e a tracejada, ã corticotomia.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 595

Se colocarmos um só parafuso de fixação em cada lho da boca têm um vetor de fora para dentro e igual
placa, as forças musculares influenciarão ambos os seg mente influenciam na rotação interna que pode ter o
mentos, e o alongamento será bidirecional, porém com a ângulo mandibular. Essa influência deve ser sempre con
rotação de ambos os segmentos. Desta maneira, nos ca siderada, e a atividade muscular é fundamental para a
sos em que temos um ângulo mandibular obtuso e que remodelação óssea do segmento alongado.
remos fechar este ângulo ou alongar o ramo c o corpo De todas as maneiras, toda distração será tridimen
(bidirecional), colocamos apenas um parafuso acima e sional. Aqui falamos de unidirecional ou bidirecional
outro abaixo, e isso permitirá a atividade muscular, c o para assinalar qual a direção que queremos que predo
alongamento será mais significativo ao nível do ângulo mine em nosso alongamento. A atividade muscular é
mandibular externo que do interno. Nesses casos a direção o melhor remodelador tridimensional que existe.
da corticotomia-osteotomia é alterada no sentido oblí
quo do cíngulo mandibular interno ao externo (gônio).
O masseter e os pterigóides se inserem no ângulo Fase Ativa
mandibular, nas superfícies externa e na interna, respec
tivamente. O masseter também está unido à borda infe Iniciamos a distração no sétimo dia pós-operatório,
rior do corpo mandibular. Estas inserções musculares e com uma freqüência de lmm por dia. Nós realizamos
a direção do vetor de atividade dos músculos citados as três primeiras ativações como um processo de ensina
são importantes considerações no momento do alonga mento para o pais, que darão continuidade às ativações.
mento gradual, pois o vetor de atividade desses múscu Gradualmente, podem-se alongar a quantidade
los é oblíquo e oposto ao vetor de atividade do distra necessária de osso e, ao mesmo tempo, os tecidos moles,
tor, se este é colocado em direção paralela ao maior eixo como a pele e os músculos. Esse aparelho interno tam
do ramo mandibular, como o é na maioria dos casos. bém permite ao paciente descansar ou recostar sobre
O vetor do distrator está orientado de cima para o lado afetado, o que é muito importante para as cri
baixo e paralelo ao maior eixo do ramo mandibular. O anças, e que não ocorre com os dispositivos extra-orais.
vetor do masseter é quase oposto, porque atua de baixo As crianças podem ir à escola e continuar com o trata
para cima e do ângulo mandibular até o arco zigomático, mento, já que o aparato é quase invisível, permitindo
quer dizer, é um vetor oblíquo que obriga o ramo mandi uma vida social normal.
bular a rodar para diante e para cima. Os pterigóides se O alongamento é completado por volta de três a
inserem na superfície interna do ângulo e seu vetor de quatro semanas. A partir dessa data, aguardam-se oito
atividade é de baixo para cima e de fora para dentro, um semanas, que é o período que dura a fase de consolida
pouco mais oblíquo que o masseter. A direção desse ve ção. Então, por meio de uma radiografia panorâmica,
tor também influencia na rotação para diante e para cima podemos comprovar a presença de osso consolidado
do corpo mandibular e, principalmente, na rotação do e assim proceder a retirada dos parafusos de ativação,
ângulo mandibular para dentro. Os músculos do assoa no consultório (Figs. 47-14 a 47-21).

Figs. 47-14 e 47-15.


Paciente de 16 anos antes
e depois da distração
osteogênica vertical do
ramo mandibular. Nota-se
o plano oclusal no qual se
vê que houve uma
horizontalização depois do
alongamento, o que
significa que além do
alongamento, existe um
crescimento vertical do
maxilar no lado afetado,
que vem acompanhado de
uma melhor disposição dos
tecidos moles.
596 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-16 e 47-17. Cefalometria


antes e depois da distração
osteogênica vertical do ramo
mandibular. Houve uma
horizontalização do plano oclusal
com simetria estrutural dos ramos
mandibulares e do maxilar superior.
O distrator foi flexionado por ação da
resistência óssea e pela atividade
muscular, o que produz um melhor
resultado na topografia da
mandibula. Pode-se dizer que existe
uma remodelagem tridimencional.
O distrator é aquele que, sendo
capaz de alinhar o osso, permite que
a atividade miovisceral produza uma
remodelação tridimensional.

Figs. 47-18 e 47-19. Paciente


com microssomia hemifacial,
antes e depois do alongamento.
Sempre se realiza um
alongamento até se ter uma
oclusão classe III, sobretudo em
pacientes em fase de
crescimento. A mandibula
alongada desta maneira será um
estímulo para o crescimento do
maxilar, que em todos os casos
de microssomia, também tem um
grau de retrusão. Na Fig. 47-11 a
paciente se encontra em fase de
consolidação, e o pino ativador
emerge por debaixo do ângulo
mandibular. Por volta de oito
semanas de consolidação, o pino
é retirado no consultório sem
necessidade de anestesia.

Figs. 47-20 e 47-21. A cefalometria demonstra o distrator antes e depois da DOC, na paciente com microssomia hemifacial. Notam-se
a relação oclusal e a mudança ao nível do ângulo mandibular.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 597

SÍNDROME DE ciai, especialmente com o paciente em perfil. A pro-


TREACHER-COLLINS
trusão da porção proximal do nariz é exagerada pela
notável depressão evidente do seu contorno, produzi
É uma disostose mandibulofacial, uma malformação da pela retrusão facial e o colapso transversal do terço
congênita de transmissão autossômica dominante e ex médio facial.
pressividade variável, que compromete o osso zigomá
tico, a mandibula e o maxilar. Embriologicamente, pro
Maxilar e Mandibula
vém de alterações do Ioe 2o arcos branquiais, que ocor
rem entre a Ia e a 2a semanas de vida intra-uterina37. Caracterizam-se por diminuição da altura facial poste
Em 1846, Tompson observou a malformação em rior, produzindo um plano oclusal oblíquo. O maxi
três pessoas que apresentavam características similares lar hipoplásicocom freqüência apresenta um arco dental
às das sinostoses mandibulofaciais, termo proposto por estreito e palato ogival alto. Seu corpo é hipoplásico
Franceschetti e Swahlen. Porém, a primeira descrição na largura e na altura, com uma pronunciada concavi-
desta síndrome se deve a Berry, que em 1889 descreveu dade de sua superfície anterior devido à ausência do
a fissura da porção externa da pálpebra superior direi zigoma. O encurtamento vertical posterior faz com
ta de uma menina de 15 anos de idade, cuja mãe apre que o maxilar esteja rodado para trás e verticalmente,
sentava uma deformidade bilateral similar. com colapso transversal. Os seios maxilares são muito
Em 1900, Treacher-Collins descreveu mais dois estreitos.
casos e logo após Franceschetti e Klein observaram
que essa patologia apresentava uma forma dominante
de transmissão e então propuseram um modelo de clas Mandibula
sificação para tal patologia.
Tessier',', sinalizava que o cirurgião, com freqüência,
subestima a magnitude da hipoplasia mandibular,
Característica
mesmo sendo esta bilateral e severa.
A expressão fenotípica é um perfil convexo que se ca O ramo mandibular é curto e baixo, com vários
racteriza por nariz proeminente e mento extremamen graus de hipoplasia condilar ou agenesia. Freqüente
te retraído. mente, o processo coronóide é hipoplásico. A confi
A síndrome compreende uma inclinação oblíqua guração da mandibula basicamente se caracteriza por
da órbita produzida por uma rotação de dentro para um ângulo gonial extremamente obtuso. O encurta
fora e de cima para baixo. Existe uma fissura óssea no mento do ramo mandibular impede que a mandibula
ângulo ínfero-lateral, que em algumas situações pode rode normalmente, dando a aparência de que o corpo
ser tão importante que não existe ângulo, e parte do mandibular é exageradamente pequeno. O que acon
conteúdo orbitário pode prolapsar. A dimensão verti tece, na verdade, é que devido a altura do ramo mandi
cal da órbita está aumentada mas há uma diminuição bular, o corpo não pode incursionar para frente e en
do diâmetro transverso. O assoalho da órbita pode contra-se verticalizado, com a borda mais anterior da
apresentar uma inclinação de até 45°, e a borda orbitá- sínfise mandibular em posição oblíqua para trás, po
ria lateral é, na verdade, a projeção anterior da asa maior rém com altura normal. Essas características fazem com
do esfenóide. Devido a não-existência da borda orbi- que se produza uma exagerada má oclusão classe II.
tária lateral para sua inserção, o canto lateral e a herni- A mordida aberta anterior é produzida por uma
ação ínfero-lateral do conteúdo da órbita criam a in combinação de deformidade mandibular primária com
clinação característica da fenda palpebral antimongo- a bi-retrusão facial, resultando numa cavidade oral com
lóide da síndrome de Treacher-Collins.
espaço inadequado para acomodar a língua, além de
Os arcos zigomáticos são, freqüentemente, hipo- uma posição mandibular de ângulo baixo. Isto ocorre
plásicos, e os ossos temporais, delgados. O extremo devido a uma tentativa de melhora da via aérea desses
escamoso é também hipoplásico e delgado. Ao mes
pacientes, utilizando os músculos gênio-hióideos, que
mo tempo, a aponeurose temporal dobra-se em direta
puxam a mandibula para baixo.
continuidade da aponeurose do masseter.

Nariz Tecidos Moles

O nariz parece amplo e profundo, com projeção da As deformidades dos tecidos moles compreendem
ponta nasal diminuída, aumentando a desarmonia fa- principalmente: pálpebras, orelhas e bochechas. Entre
598 CirurgiaCraniomaxilofacial

os terços médio e lateral das pálpebras inferiores exis sura palatina, hipoplasia do véu palatino, incompe
te um coloboma mediai, que freqüentemente cobre os tência velofaríngea, e perda da audição, que podem
cílios, e o tarso é atrófico. atrasar de forma importante o desenvolvimento da
A fenda palpebral é oblíqua, com uma queda bem linguagem; mas a inteligência desses pacientes é nor
pronunciada no canto externo, e há um ectrópio na mal.
região lateral, com aparente ausência do ponto lacri
mal. Não existem glândulas de meibonio, nem borda
intermarginal para o encurtamento do canto lateral. A CLASSIFICAÇÃO
ausência do ligamento do canto lateral ou a falta do
seu ponto normal de inserção produzem queda da Tessier73 classificou as disostoses mandibulofaciais de
pálpebra inferior e desvio mediai do canto lateral, além acordo com as fissuras 6, 7 e 8. No esqueleto, a fissura
de encurtamento da largura da fenda palpebral. Essas 6 localiza-se entre o maxilar e o zigoma, e se abre na
características são mais pronunciadas com o fechamen fissura infra-orbital. A fissura 7 corresponde à fissura
to ativo das pálpebras. Bachelor e Kaplan confirma orofacial, que contribui para ausência do arco zigo-
ram esse grupo de sinais, incluindo a ausência do can máitco, malformações do ouvido e macrostomia. A
to lateral em alguns de seus casos cirúrgicos. O globo fissura 8 estende-se desde a comissura lateral da pálpe
ocular também tem um eixo oblíquo, e com freqüên bra até a região temporal.
cia esses pacientes apresentam conjuntamente estrabis- Tessier73 também subdividiu os pacientes em três
mo e ambliopia. categorias clínicas: formas micróticas, formas orbitais
e formas micrognáticas.

Orelhas

As deformidades das orelhas associadas à síndrome de TRATAMENTO


Treacher-Collins compreendem basicamente os ouvi
dos externo e médio. As alterações auriculares variam Fase Ortopédica
entre leves e severas. Nas formas menos severas as ore
O tratamento de ortopedia maxilar é fundamental para
lhas podem estar simplesmente implantadas em uma
se obter um bom resultado a longo prazo, e assim evi
posição baixa. Pode haver microtia ou criptotia, além
tarem-se a recidiva e a ação das forças musculares.
de estenose ou ausência do canal auditivo externo e
outras anomalias do ouvido médio, que podem pro
duzir perda da audição condutiva bilateral, de 50 a
Fase Pré-operatória
60dB, quase universal na síndrome de Treacher-Collins.
Utiliza-se aparatologia miofuncional, como o Frãnkel.
O objetivo do tratamento ortopédico é expandir as
Bochechas fibras musculares no sentido longitudinal, reduzin
Na região das bochechas evidencia-se uma carência de do a tensão muscular sobre as estruturas ósseas du

tecido mole nas proeminências zigomáticas. Uma pre rante o período de distração osteogênica. Também é
ga esclerodérmica se estende desde a borda da pálpe colocado um miniexpander ou Quad-helix na arcada
bra inferior até o ângulo mandibular. Através desta dentária superior, com o objetivo de expandir o pa
prega pode-se observar cílios ectrópicos, que são finos lato de forma gradual. Na mandibula, colocamos um
e localizam-se à frente do remanescente auricular. A Quad-helix, que é um aparelho fixo que atua expan
comissura pode estar prolongada sobre as bochechas dindo o arco mandibular, e em alguns casos pode
devido a uma macrostomia de grau variado. mos inclusive produzir uma rotação externa dos
molares onde ele se apoia. Esta rotação, durante a
fase ativa da distração, produz uma rotação externa
Linguagem do ângulo gonial.
A linguagem oral está bastante afetada pelas anoma
lias associadas (p. ex., perda da audição), principal
Fase Pós-operatória
mente pela má oclusão, colapsos ântero-posterior e
transversal da cavidade oral, que inibem a articulação Durante a fase ativa da distração é mantido o miniex
normal. Com freqüência os pacientes apresentam fis pander ao nível da arcada superior e o Quad-helix na
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 599

arcada inferior. Uma vez terminada a fase ativa da dis do-se distratores mistos. Por outra incisão externa de
tração, o paciente pode utilizar novamente um apare 15mm, por debaixo do ângulo gonial, aborda-se o
lho miofuncional (Frãnkel) até que tenha, radiologica- ramo mandibular, atravessando o masseter, e no pla
mente, uma estrutura óssea normal no local da distra no subperiostal colocamos o distrator em posição
ção e que se obtenha uma boa relação oclusal, avaliada vertical, paralelo à borda posterior da mandibula e
clinicamente. É muito importante que durante essa 5 a lOcm anteriores a esta borda, sobre o ângulo
fase de consolidação se utilize uma diferente aparato- gonial.
logia intra-oral, com o objetivo de aproveitar o osso O parafuso ativador sai pela pele por debaixo do
neoformado, que é facilmente moldável, facilitando a ângulo gonial. Cada segmento do distrator tem dois
remodelação tridimensional, de acordo com as defici orifícios rosqueáveis e alinhados, de modo que os pa
ências do paciente.
rafusos estejam integrados aos segmentos como uma
unidade, aumentando seu poder de tensão. Nesta situa
ção, colocamos os quatro parafusos, permitindo o alon
TRATAMENTO CIRÚRGICO gamento vertical do ramo, devido ao controle que o
distrator exerce sobre as forças musculares.
Procedimento Uma vez fixado o distrator à superfície óssea, rea
1. Orbita e complexo zigomático: rotação, expansão liza-se uma osteotomia nas bordas anterior e posterior
óssea e enxerto ósseo. do ramo mandibular, que são locais de maior resistên
cia. Logo após, é feita uma corticotomia na porção
2. Mandibula: alongamento do ramo mandibular por
central do trajeto da osteotomia-corticotomia, que é
meio da DOC e genioplastia.
o lugar por onde passa o nervo. O local da corticoto
3. Maxilar: osteotomia Le Fort I, em uma segunda mia mede 6mm. Depois da corticotomia externa, re
etapa.
aliza-se uma série de perfurações desde a cortical ex
terna até a cortical interna, identificando previamen
te o trajeto do nervo. Fecham-se os tecidos moles, rea
Órbita e Zigoma lizam-se a genioplastia e o avanço do mento, estabili-
zando-se mediante fixação rígida, com placas em "X" e
A expansão-rotação óssea do complexo maxilozigo- quatro parafusos.
mático é a técnica que permite a preservação da ana
Corrige-se o coloboma da pálpebra por meio da
tomia topográfica da parede do osso, corrigindo a
dissecção das bordas da fenda e aproximação cuidado
inclinação do assoalho orbitário, projetando o zigo
sa da conjuntiva, do músculo orbicular e da pele. Tam
ma em sentido A-P e reconstruindo o arco zigomáti
bém deve-se executar uma cantopexia lateral. Em raras
co com enxerto costal, o qual é colocado em contato
ocasiões, podemos rodar retalhos de pálpebras superi
com a superfície superior do zigoma e do remanes
ores. A recuperação do volume e as projeções A-P e
cente do arco zigomático. Esta é uma superfície de
transversal do zigoma, pela rotação da estrutura óssea
aposição que permite a integração do enxerto, com
menor reabsorção.
que envolve o assoalho e o zigoma, provêm de uma
melhor sustentação dos tecidos moles, corrigindo o
Efetuamos uma osteotomia na parede anterior do
coloboma.
seio maxilar e no assoalho da órbita, preservando o
pedículo ósseo unido ao ângulo ínfero-medial da ór A fase de distração ativa começa em 7 a 10 dias
bita. Logo após, rodamos essa estrutura para cima e do pós-operatório, intervalo que depende da idade
para frente, de modo que o plano do assoalho da órbi dos pacientes. Nos mais jovens o tempo é menor. O
ta se horizontalize. Em muitos casos, a fissura se fecha, limite do alongamento é de lmm por dia até obter-
e em alguns poucos é necessário um enxerto ósseo in se a distensão desejada, controlada clínica e radiologi-
camente.
terposto para fechá-la. A osteossíntese é realizada com
placas e parafusos. A fase de consolidação dura 8 semanas, e depois
deste período realiza-se uma nova avaliação radioló-
gica com tomografias, para comprovar a qualidade
do osso. Aí então retira-se o parafuso, girando em
Mandibula
sentido anti-horário. O paciente está pronto para
Realiza-se um alongamento vertical bilateral do ramo continuar com o tratamento ortopédico (Figs. 47-22
mandibular, por meio de distração gradual, colocan a 47-27).
600 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-22 e 47-23. As


figuras mostram um paciente
com síndrome de
Treacher-Collins e o
planejamento cirúrgico: DOC
vertical do ramo mandibular
bilateral, expansão óssea do
malar e da parede anterior do
seio maxilar, e reconstrução do
arco zigomático com enxerto de
costela.

Figs. 47-24 e 47-25.


Fotografias de antes e depois
em uma paciente com síndrome
de Treacher-Collins na qual se
realizou o tratamento assinalado
na figura. Notam-se a projeção
da mandibula e a dimensão
vertical do ramo mandibular. A
configuração da órbita e a
disposição dos olhos em relação
às pálpebras, no pré e
pós-operatório.

Figs. 47-26 e 47-27. TAC 3D


pré e pós-alongamento da
paciente com síndrome de
Treacher-Collins. Notam-se o
alongamento vertical do ramo
mandibular, o arco zigomático
reconstruído, o ângulo
ínfero-externo da órbita, a
projeção do malar e a
horizontalização do plano
oclusal.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 601

Maxilar lares, na realidade, produzem modificações nas formas


do ramo e corpo mandibulares.
Para os pacientes que já terminaram a fase de cresci
Em pacientes em crescimento, nos quais a proje
mento, realiza-se uma osteotomia Le Fort I, para avan
ção A-P da mandibula é sobrecorrigida, observa-se que a
çar e rodar o maxilar. A osteossíntese é feita por meio
relação maxilomandibular obtida imediatamente após
de fixação rígida, finalizando-se o procedimento com
o alongamento é classe III, com discrepância de 3-4mm
uma rinoplastia de rotina.
a favor da mandibula. Depois de algumas semanas, esta
discrepância diminui até que haja uma relação oclusal
Resultados anterior borda a borda. A princípio, acreditava-se que
A expansão óssea e a distração osteogênica do ramo havia recidiva do alongamento mandibular durante a
mandibular são utilizadas com bons resultados em fase de consolidação, mas a análise cefalométrica de
diferentes expressões clínicas da síndrome. Com esse monstrou que se tinha um avanço maxilar, devido,
procedimento obtêm-se o alongamento do ramo man provavelmente, a uma melhor respiração e ao estímu
dibular e dos tecidos moles, além da remodelação tri lo lingual, agora possíveis pela ampliação da cavidade
dimensional do esqueleto craniofacial, produzidos pela oral. A língua e a respiração atuam como estímulo de
influência miovisceral. crescimento para o terço médio facial.
A reconstrução da órbita e do arco zigomático é Nos pacientes com síndrome de Treacher-Collins,
parte importante do tratamento. O arco zigomático está a distração osteogênica do ramo mandibular e a ex
incompleto em todos estes pacientes e sua posição é pansão-rotação maxilozigomática corrigem a deficiên
bem inferior, se comparada com a dos pacientes nor cia esquelética ao mesmo tempo que melhoram a rela
mais. Devido a estas duas situações, é difícil corrigir a ção estrutural dos diferentes elementos faciais. Assim,
obliqüidade orbital e reconstruir o arco zigomático a obtêm-se uma oclusão satisfatória, uma melhoria na
um nível adequado, se o maxilar se move como uma função respiratória e também na estética facial.
unidade simples. Por esta razão, realiza-se a correção da
inclinação oblíqua da órbita, ao mesmo tempo em que
se projeta o complexo maxilozigomático por meio da SÍNDROME DE PIERRE ROBIN
expansão-rotação óssea do mesmo. Dessa forma, se re-
constrói o arco zigomático em uma posição superior.
É uma patologia congênita, que compreende uma
Esta reconstrução é realizada com enxerto de costela. mandibula muito curta, na qual a língua, por ter um
O alongamento vertical do ramo mandibular ponto de fixação muito posterior (a distância do men
melhora o terço facial inferior, ao rodar o corpo man to à via aérea é muito curta), obstrui a via aérea superi
dibular para frente, dando-lhe uma projeção normal e or, produzindo dificuldade respiratória severa.
corrigindo sua posição em sentido A-P. É o alonga Os pacientes com essa síndrome têm uma tríade
mento do ramo vertical e não o do corpo, o fato fun clássica: micrognatia-retrognatia, glossoptose e fissura
damental para conseguir um ângulo gonial normal, palatal. Essa tríade é conhecida como seqüência, devi
além de uma distância correta entre a orelha e o ângu do à malformação inicial na vida embrionária impedir
lo gonial. O objetivo é obter uma mordida aberta a língua de tomar sua posição normal no assoalho da
posterior, obrigando o maxilar a rodar e corrigir seu boca. A língua, ao manter uma posição superior, im
encurtamento posterior (em pacientes em fase de cres pede o fechamento dos processos palatinos.
cimento). Mesmo nos pacientes que já terminaram o
crescimento, temos observado que a mordida aberta
Características
posterior de até 6mm é corrigida espontaneamente.
É necessária uma sobrecorreção para obter-se uma Os sintomas de obstrução das vias aéreas superiores
oclusão classe III, a qual fecha o ângulo gonial e proje são: retrações subesternal, supra-esternal e intercostal;
ta o mento para frente. respiração ruidosa e secreção nasal, além de apnéia
O alongamento deve ser o. mais vertical possível, obstrutiva e bradicardia depois de um prolongado
para obter uma melhor forma. Ainda que o distrator evento apnéico.
produza um alongamento unidirecional, a atividade A oximetria de pulso pode refletir alguns eventos
muscular, principalmente do masseter e dos pterigói- severos, mas não detecta episódios curtos e múltiplos de
deos, produz uma remodelação tridimensional. A obstrução. A gasometria arterial pode ajudar a detectar a
mecânica é similar à que ocorre com as fraturas do retenção de dióxido de carbono e hipoxia, revelando os
corpo ou ramos, demonstrando que as forças muscu efeitos metabólicos dos níveis elevados de bicarbonato.
602 Cirurgia Craniomaxilofacial

Em qualquer criança com sintomas de obstrução em colocar um distrator misto em cada ângulo mandi
das vias aéreas superiores secundárias à micrognatia- bular, para alongar rapidamente o ramo e o corpo. Utili
retrognatia, deve-se realizar uma polissonograha (estu za-se o distrator misto, fixado ao osso com um parafuso
do durante o sono) num período de 4 a 6 horas. O no segmento superior e um no inferior, alongando
paciente pode ser estimulado pela colocação em dife mais ao nível do ângulo externo que do interno, pro
rentes posições, a fim de determinar a extensão e a duzindo alongamento do ramo mandibular e avanço
freqüência dos fenômenos obstrutivos. importante do corpo em sentido A-P. Ao mesmo tem
As crianças com obstrução das vias aéreas superio po, o mento avança para frente de maneira considerá
res também apresentam sintomas de alterações da de vel. Em pacientes em fase crítica respiratória ou em
glutição, devido ao comprometimento das vias aéreas. recém-nascidos, a expansão pode ser muito rápida, 4 a
Os pais devem alimentar seus filhos em posição senta 5mm de uma vez, seguindo-se de 3 a 4mm, para de
da, e não reclinada. pois continuar com uma ativação de lmm por dia.
O alongamento rápido na fase prematura da vida
funciona adequadamente e não produz transtornos ao
Procedimento Cirúrgico nervo dentário inferior. Nos pacientes com expressivi
Realiza-se o alongamento bilateral do ângulo mandibu dade severa da síndrome, a DOC rápida é considerada
lar por meio da distração gradual. O tratamento consiste um tratamento de emergência (Figs. 47-28 a 47-31).

Figs. 47-28 e 47-29.


Pierre-Robin de 14 meses de
idade pré e pós-DOC. Na
Fig. 47-15 se encontra na
fase de consolidação.
Notam-se o alongamento
mandibular e o crescimento
A-P do maxilar. Nestes casos,
depois da DOC, existe uma
ampliação da via aérea
superior, fator que também
estimula o crescimento A-P
do maxilar e amplia o
volume do seio maxilar.

Figs. 47-30 e 47-31. A


cefalometria do paciente com
Pierre-Robin demonstra que a
DOC bilateral do ramo
mandibular no sentido
vertical produz uma projeção
A-P do corpo mandibular e
muda a relação oclusal.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 603

DOC DO TERÇO MÉDIO DA FACE tomia. Após o término da osteotomia, fixa-se o distra
tor aos molares inferiores. O distrator consiste em dois
Seqüelas de Fissuras Labiopalatais segmentos, um anterior e outro posterior, unidos por
um parafuso de distração e duas barras estabilizado
A fissura labiopalatina é a anomalia congênita cranio ras. Desde o segmento anterior, que tem a forma de
facial mais freqüente, correspondendo a 1:700 nasci moldura, fixa-se com lâminas metálicas maleáveis aos
dos vivos, e é uma fissura 2 da classificação de Tessi primeiros molares superiores, e no segmento posteri
er73. É uma patologia muito freqüente no nosso meio. or do aparelho surge uma estrutura, na qual estão sol
Os pacientes apresentam deficiência da projeção do dadas lâminas metálicas maleáveis que são utilizadas
terço médio da face, além de uma oclusão classe III, para fixar o distrator aos molares inferiores. Uma vez
que se caracteriza por protrusão marcada da mandibu cimentado o aparelho nas peças dentárias superiores
la, perfil prognático, e uma relação molar em que o pelas lâminas já descritas, continuamos a cimentar as
primeiro molar inferior está adiante (mesial) da posi peças dentárias inferiores. Até o extremo posterior, une-
ção normal. Esta má-oclusão depende principalmente se um tubo vertical. O parafuso vertical perfura o tubo
da má-fusão do maxilar. Na maioria dos casos, o trata e funciona como a segurança de que o paciente não
mento é bem-sucedido na Ia fase, que consiste no fe abrirá a boca.
chamento do lábio e do palato, mas ao não existirem As forças de distensão atuam sobre o maxilar avan
controle e estímulo adequados para o crescimento fa çando a estrutura óssea 5 a 15 minutos após a ativa
cial, produzem-se um colapso transversal do maxilar e ção. Os pacientes informam uma leve pressão na ATM,
uma retrusão facial. Estes problemas esqueléticos pro que cessa após 15 minutos. Uma vez terminada a fase
duzem uma face característica nas crianças. Mesmo que ativa, começa o processo de consolidação do osso, que
tenham uma excelente cicatriz labial, sempre terão o é de 4 semanas. Retira-se o distrator no consultório
estigma da doença pela deformidade óssea. sem mais necessidade de anestesia. O paciente deve
usar um aparelho miofuncional (Bionator) por 4 a 6
Indicações da DOC Maxilar semanas, para evitar a recidiva. Muitas vezes o disposi
tivo é utilizado apenas à noite, enquanto dura o pro
A distração osteogênica para avançar o maxilar de cesso de consolidação.
maneira gradual é utilizada em pacientes que já com No processo pós-distração, a aparatologia miofun
pletaram a fase de crescimento e têm insuficiência ve- cional ajuda na adaptação dos tecidos moles à sua nova
lofaríngea e/ou palato mole muito tenso, com presen posição e na manutenção das estruturas ósseas. Tam
ça de tecido cicatricial excessivo. bém são continuados os movimentos ortopédicos até
que se obtenha uma boa relação maxilomandibular.
Depois desse processo, o tratamento é ortodôntico
Procedimento Cirúrgico
continuado.
Antes da cirurgia, expandiu-se transversalmente o ma Com a distração maxilar há um avanço no senti
xilar superior utilizando um Hyrax (miniexpander), do A-P, e uma leve mordida aberta anterior é formada,
aparelho que serve para expansão transversal e, no sendo esta corrigida na fase pós-distração com ortope
momento cirúrgico, como estabilizador e mantenedor dia e ortodontia. Essa mordida aberta é útil para o
da posição dos segmentos. Assim, os dois segmentos alongamento do maxilar no sentido vertical.
são transformados em uma unidade. A DOC alcança o avanço gradual do maxilar e ao
Realiza-se o procedimento cirúrgico sob anestesia mesmo tempo o alongamento gradual dos tecidos
geral com entubação nasal. Através de uma incisão moles, o que é muito importante nos pacientes que
vestibular, faz-se uma osteotomia Le Fort I ou Le Fort têm insuficiência velofaríngea (IVF), os quais apresen
III. Durante ambos os procedimentos, mantém-se a tam muito tecido cicatricial. O alongamento gradual
união pterigomaxilar e preserva-se a estrutura da pare não agrava a IVF. As estruturas maxilares se estabili
de posterior do maxilar. Deve-se preservar também a zam e os tecidos moles são alongados.
integridade do periósteo para cobrir os locais da oste
otomia e favorecer uma osteogênese adequada. Após
Resultado
o término da osteotomia, procede-se o fechamento da
mucosa vestibular com sutura contínua (Dexon 4-0). A análise dos resultados é feita por meio de estudos
O distrator e o miniexpander formam uma só radiológicos e fotográficos. Do ponto de vista clínico,
unidade colocada no maxilar superior, antes da osteo o objetivo é uma oclusão tipo Angle I com uma leve
604 Cirurgia Craniomaxilofacial

sobrecorreção. O volume ósseo é aumentado mudan rer se estes estiverem muito tensos quando o avanço
do o terço médio facial côncavo para convexo, melho maxilar é realizado com o método tradicional. O dis
rando assim a aparência estética. Também observamos trator é facilmente colocado em um procedimento
um aumento da projeção da ponta nasal. Em todos os cirúrgico e facilmente retirado no consultório.
casos, no tempo da osteotomia, corrigem-se, também, A distração gradual não só avança a estrutura ós
a ponta e a asa nasais afetadas. sea como também alonga os tecidos moles, de modo
Antes do tratamento, o lábio inferior é extenso que não existe recidiva nem P/F. É óbvio que se pro
por uma discrepância óssea e pelo esforço que o paci duz um aumento do diâmetro A-P das vias aéreas su
ente faz para fechar a boca. Completado o processo de periores.
avanço do maxilar, o lábio inferior se retrai. Em conclusão, o alongamento do terço médio da
Nesse tipo de paciente, é importante a valoriza face mediante distração óssea gradual é uma técnica
ção da linguagem no pré e pós-operatório. Em nossos pouco invasiva, que permite um avanço maxilar sem
pacientes, avaliados após o término do processo de necessidade de enxertos ósseos, de tempos cirúrgico e
distração gradual, não são detectadas mudanças na lin de hospitalização reduzidos, com pouca recidiva e com
guagem. plicações mínimas.
Avalia-se o avanço maxilar clínica e cefalometrica-
mente; este é de 6 a 15mm em sentido A-P, com uma
expansão transversal notória na arcada dentária e na CRANIOSSINOSTOSES
largura bizigomática.
Não têm sido detectadas infecções ou disfunções É uma patologia congênita produzida pelo fechamen
causadas pela dieta líquida e, ao final do tratamento, to prematuro de uma ou várias estruturas do crânio. Os
todos os pacientes recuperam seu peso original. ossos do crânio não têm centros de crescimento, cres
cem pela atividade miovisceral. O cérebro é o principal
fator de crescimento para a calota e a base do crânio, e
Comentário ao aumentar o seu volume faz com que haja a separação
A retrusão nos pacientes com fissura labiopalatina pode dos ossos do crânio nos locais das suturas. Se alguma
ser tratada por meio de avanço maxilar por distração das suturas se fecha prematuramente, esta capacidade
gradual (DOC). Nestes pacientes deve-se considerar, em de separação sutural que têm os ossos não ocorre na
primeiro lugar, a deficiente estabilidade dos dois seg sutura afetada, e o crânio reage com movimentos com
mentos do maxilar produzida pela fissura; em segun pensatórios sobre as outras suturas, para aumentar a
do lugar, que quando se alarga a estrutura óssea, a re capacidade volumétrica da calota craniana e acomodar
sistência dos tecidos moles faz com que este paciente o cérebro. Esse movimento, chamado compensatório, é
fique mais propenso à recidiva; e, em terceiro lugar, o responsável pelas deformidades secundárias que ocor
que a cirurgia tradicional do terço médio da face geral rem nas craniossinostoses, e combinado com depósitos
mente produz IVF ou piora, se esta já existe. assimétricos de osso nas suturas metópica e sagital, pro
A DOC tem sido aplicada com êxito no alonga duzem a proeminência característica frontal e parietal
mento da mandibula. O mesmo princípio se aplica contralateral da craniossinostose coronal.
para avançar o maxilar no sentido A-P. Na craniossinostose coronal, o crescimento A-P
A ortopedia, na fase de crescimento, é suficiente está restringido, produzindo um crescimento vertical
para dirigir e estimular o desenvolvimento do terço favorecido pela sutura sagital. O crescimento cerebral
médio da face. O critério é tratar pacientes em cresci produz uma força de pressão centrípeta em toda a ca
mento exclusivamente com ortopedia maxilar. O avan lota craniana, sendo que os ossos mais finos são os
ço facial, mediante distração gradual, inclui osteoto mais afetados, como, por exemplo, as paredes da órbi
mia antes da corticotomia, e conserva a estabilidade ta. O cérebro "empurra" de dentro para fora a órbita,
do maxilar com a união da sutura pterigomaxilar e a reduzindo sua dimensão A-P, o que gera um exorbitis
integridade da parede posterior do seio maxilar. Deve- mo. O mecanismo é muito complexo, pois a ativida
se manter a integridade do periósteo sobre os locais de visceral é modificada pela atividade muscular, que
de osteotomia, para obter uma adequada osteogênese. é a responsável pelos movimentos ósseos. Esses movi
Um distrator intermaxilar tem algumas vantagens, mentos são produzidos, na etapa de compensação es
como: fácil colocação, ausência de parafusos percutâ- trutural, pelo crescimento das vísceras, e deformados
neos, diminuição do risco de infecção, além de evitar pela falta de capacidade do crânio em expandir-se no
que os tecidos moles sejam lesados, o que pode ocor sentido A-P.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 605

O tratamento tradicional da craniossinostose con superior dos segmentos. Na parte inferior e em sua
siste na remodelação óssea do frontal e no avanço em parede externa cada segmento tem uma ranhura de
monobloco deste e do terço médio da face. Procede-se a 3mm de largura, e esse espaço será ocupado pelas bor
retirada do frontal, remodelando-o sobre a mesa cirúrgi das do osso no momento de ativar o distrator. Desta
ca, com posterior recolocação do mesmo, em sua nova maneira, o distrator não necessita utilizar nenhum
forma. Então se realizava um avanço importante do fron parafuso para a sua fixação. Esta disposição especial
tal e do terço médio da face, que havia sido desimpacta- que tem o distrator faz com que o aparelho sempre
do da base do crânio, através de uma osteotomia Le Fort tenha uma grande estabilidade. A pressão exercida pelo
III. Para manter o avanço, utilizava-se enxerto ósseo e distrator sobre o osso produz uma leve reabsorção óssea
fixação rígida. Uma cirurgia deste porte exigia um longo no local em que o metal faz pressão, sem que produza,
tempo cirúrgico, com grande perda sangüínea e impor por essa razão, problemas de estabilidade no distrator.
tante edema cerebral. Além disso, o osso remodelado (fron
tal) atuava como enxerto ósseo, não podendo avançar Procedimento Cirúrgico
maisque 12mm.O índice de osteólise do frontal era muito
freqüente, e a morbimortalidade, muito importante. Realizam-se avaliações clínica e fotográfica, cefalome
tria A-P e lateral e TAC 3D craniofacial em todos os
pacientes.
Antecedentes Com base nesses estudos, procede-se um cuidado
so plano de tratamento para se determinar o local da
Em 1979, Person et ai60 descreveram com êxito a criação
osteotomia, a posição e a direção dos distratores, além
de sinostoses em coelhos e mostraram que, com a crani-
da quantidade de alongamento que se deseja.
ectomia da sutura coronal, o crescimento do cérebro pro
Todos os pacientes são submetidos a uma cranio
duzia uma configuração normal do crânio72. Persing et
tomia linear coronal, e a osteotomia é localizada no
ai.66 realizaram um trabalho experimental que compro lugar da sinostose. Esta é facilmente identificada du
vou ser possível expandir o crânio pela ação de uma mola rante o procedimento cirúrgico, já que é visível e pode-
colocada na superfície externa da calota craniana, que se palpar, claramente, a crista óssea que corresponde à
exercia uma força contínua influenciando o crescimento sinostose. Esta craniotomia coronal deve ser estendida
da sutura coronal e do resto do esqueleto craniofacial em desde a fossa temporal até a base do crânio, utilizando-
desenvolvimento40. Losken ei al4i demonstraram que um se um osteótomo. A idéia é que a correção envolva a
instrumento implantado em plano subperiostal pode ser maior parte do sistema coronal (Figs. 47-32 e 47-33).
ativado por via percutânea e exerce um estímulo que re Uma vez terminada a osteotomia, não se deve reali
sulta num aumento estrutural do crânio. Guerrero e Sala zar nenhum tipo de mobilização ou manobra de alonga
zar, em 1995, apresentaram um trabalho de expansão da mento ósseo. Acredita-se que ao realizarmos essas mano
calota craniana como uma opção de tratamento para bras a capacidade de remodelação tridimensional é perdi
pacientes com craniossinostose facial. da devido à quebra do equilíbrio entre a resistência e as
forças de alongamento, limitando a participação da dura,
Conseqüências do cérebro, do periósteo, dos músculos etc. no processo
de remodelação tridimensional (Fig. 47-34).
A craniossinostose de uma sutura está associada princi O distrator é colocado na fossa temporal, onde se
palmente com o problema da forma do crânio e afeta ampliou a osteotomia como uma "janela", que tem a
de maneira secundária a base do crânio e da face. A cra forma e o tamanho do distrator, com seus segmentos
niossinostose de múltiplas suturas está relacionada mais fechados. A craniotomia atravessa o teto da órbita e
freqüentemente com alterações funcionais mais graves, termina na glabela. Desta maneira, o frontal fica libera
como: aumento da pressão intracraniana, deficiências do dos locais de maior resistência, que são o pilar exter
visuais, retardo mental e síndrome convulsiva. no da base do crânio, formado pela sutura esfenofron-
tal, e a ponte óssea, situada adiante da apófise "crista
galli". Então, uma osteotomia tipo Le Fort III é feita;
Distrator
depois, se desimpacta o maxilar da base do crânio, e
O distrator craniofacial é um distrator misto e auto- não se realizam movimentos de avanço maxilar.
retentivo, com um parafuso ativador percutâneo. O O distrator é introduzido em posição fechada e
aparelho consiste em dois segmentos que se encon com o parafuso ativador, que surgirá lateralmente à
tram unidos pelo parafuso ativador e duas barras ati- parede orbitária. O distrator é auto-retentivo, com um
vadoras. O parafuso e as barras se encontram na parte parafuso ativador percutâneo (Figs. 47-35 e 47-36).
606 Cirurgia Craniomaxilofacial

Antes de fechar a incisão coronal, ativamos leve Determina-se o diâmetro A-P do crânio medindo-
mente o distrator até que os dois segmentos estabili se clinicamente e na cefalometria lateral, tanto no pré
zem o dispositivo e o auto-retenha contra as bordas quanto no pós-operatório. Também medimos a linha
da osteotomia. Assim, não é necessária uma fixação. perpendicular que começa na sutura nasoglabelar e se
Depois disso, cobrimos o distrator com o retalho cra dirige até o ponto mais alto do crânio, assim como o
niano, que é suturado, de modo que o distrator per diâmetro bitemporal transverso.
maneça sobre a dura e por debaixo do periósteo. A A relação oclusal também é analisada no pré e pós-
fase de distração ativa é iniciada dois dias depois (se o operatório. Antes da distração o paciente deve ter um
paciente for menor de 2 anos de idade), ou oito dias aparelho de expansão transversal dos maxilares superi
or e inferior, que será mantido na fase pós-distração
depois (se é de mais idade).
até obtermos uma boa relação maxilomandibular. Em
O distrator é alongado lmm por dia até que se
algumas situações é necessário utilizar uma máscara de
alcance o avanço frontofacial desejado. No período
tração facial Petit para completar o avanço facial ou
de consolidação, mantemos o distrator no local por
para evitar a recidiva.
mais oito semanas e apenas retiramos o parafuso ativa
dor percutaneamente, girando-o na direção oposta ao
Resultados
mecanismo de distração.
Todos os pacientes recebem antibiótico por duas Uma vez terminado o período de consolidação e reti
semanas no pós-operatório. rado o parafuso ativador, realizam-se novas avaliações

Figs. 47-32 e 47-33. O distrator auto-retentivo é misto, quer dizer, interno, com um pino ativador percutâneo. O distrator produz um
alongamento unidirecional, mas a influência miovisceral produz uma remodelagem tridimensional.

Figs. 47-34 e 47-35.


Planejamento cirúrgico em
pacientes com craniossinostose
coronal. A Fig. 47-34 mostra
uma craniotomia linear com
osteotomias "digitais", que
ajudam na remodelagem
tridimensional em crianças
maiores de 2 anos.
A Fig. 47-35 mostra a
craniostomia linear e a janela
que se realiza na fossa temporal
para se colocar o distrator
auto-retentivo.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 607

clínica, oclusal, e cefalométricas A-P e lateral. A dimi um avanço do terço médio da face, o qual repercute
nuição da dimensão vertical do crânio varia entre 15 e na ampliação das vias aéreas superiores, no sentido
4mm. Há uma redução mínima de 5 a 2mm no diâme A-P.
tro transverso (Fig. 47-37). Isso se explica porque, ao Na radiografia, o osso neoformado parece menos
aumentarmos o diâmetro A-P do crânio, o cérebro é radiodenso comparado ao osso frontal. A superfície
obrigado a movimentar-se neste sentido, e ele mesmo inferior do crânio apresenta uma concavidade no lo
exerce uma força negativa no sentido vertical e, em cal onde o osso frontal foi distraído e não se deixou
menor grau, no sentido transversal, diminuindo os espaço morto intracraniano. Os resultados desse mé
diâmetros vertical e transversal. todo demonstram que as estruturas craniofaciais po
Com o tratamento tradicional da craniossinostose, dem ser avançadas no sentido A-P, que é produzido
o avanço não era maior que 12mm. Com o alongamento um alongamento do diâmetro ântero-posterior do crâ
gradual pode-se avançar até 35mm, sem limite de idade e nio e também comprova a existência de neoformação
com funcionamento semelhante em crianças ou adultos. óssea dentro do espaço criado por meio da distração.
São evidentes a correção do exorbitismo e o au Isso estabiliza o esqueleto craniofacial e evita a recidi
mento da dimensão A-P da órbita. Também existe va (Figs. 47-38 a 47-43).

Figs. 47-36 e 47-37. Uma


vez colocado o distrator, este
é ativado com o objeto que
fixa os braços do mesmo às
bordas do osso,
estabilizando-o; o pino
ativador percutâneo sai ao
nível da sobrancelha. A Fig.
47-37 mostra o gap ósseo
depois do alongamento, e,
uma vez terminada a fase
de consolidação, retira-se o
pino ativador girando-o em
sentido anti-horário. O resto
do distrator pode
permanecer e atuará como
qualquer material de
osteossíntese.

Figs. 47-38 e 47-39.


Paciente com síndrome de
Apert submetido
previamente, pela
neurocirurgia, a uma
craniotomia linear, sem
êxito. Nós realizamos um
avanço craniofacial por
distração osteogênica
gradual. Veja a diminuição
da dimensão vertical do
crânio, a correção do
exorbitismo e a projeção
facial. A mudança é
tridimensional, após a DOC.
608 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-40 e 47-41. A


cefalometria lateral pré e
pós-DOC em pacientes com
síndrome de Apert.

Figs. 47-42 e 47-43.


Paciente com síndrome de
Crouzon. Pré e pós-DOC;
note a remodelagem
tridimensional do crânio, o
formato arredondado da
fronte e a correção do
exorbitismo.

Conclusão alguns casos soluciona o problema da hipertensão en-


docraniana.
Os pacientes com craniossinostose coronal, como nas Ao aumentarem as dimensões do crânio, os veto
síndromes de Apert e de Crouzon, apresentam defor res musculares que atuam a este nível se modificam.
midades complexas da estrutura craniofacial. A remo Este fato produz uma alteração no equilíbrio que nor
delação óssea por distração gradual é o tratamento de malmente existe na relação músculo-osso, e então o
eleição e consiste em realizar uma craniotomia linear músculo se converte em fator de osteogênese e remo-
no local da sinostose e colocar um ou vários distrato delador do esqueleto craniofacial. Desta maneira se
res, segundo as necessidades do paciente. O procedi explica, por exemplo, que os pacientes com plagioce
mento é muito rápido, durando aproximadamente de falia, que têm uma órbita vertical no lado afetado,
1 a 2 horas, a perda de sangue é mínima, sem necessi depois da distração e uma vez terminada a fase de con
dade de hemotransfusão nem terapia intensiva. solidação, apresentam uma horizontalização da órbi
Na craniossinostose coronal, é colocado um dis ta, devido a um processo de osteogênese ativa no teto
trator de cada lado do crânio, nas fossas temporais. da mesma. Então a órbita se torna horizontal, com
Ao ativar o distrator, avançamos o osso frontal e a um formato parecido com o do lado não afetado.
face para diante. As atividades muscular e cerebral pro O distrator produz estímulo unidirecional no sen
duzem uma remodelação tridimensional que modifi tido A-P e a atividade miovisceral produz remodela
ca a forma do crânio. Além disso, existe um aumento ção tridimensional, que atua, inclusive, depois de ter
da capacidade volumétrica da calota craniana, que em minada a fase de consolidação (Figs. 47-44 a 47-51).
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 609

Figs. 47-44 e 47-45. Plagiocefalia e o planejamento cirúrgico: craniotomia linear unilateral do lado afetado e colocação do distrator
nesse lado para distração gradual.

Figs. 47-46 e 47-47. Paciente de 14 meses de idade com plagiocefalia pré e pós-DOC. Notam-se a projeção frontal unilateral e sua
mudança tridimensional. A remodelagem da órbita e a projeção do malar.

Figs. 47-48 e 47-49. TAC 3D craniofacial do paciente com plagiocefalia. A Fig. 47-48 mostra o estágio imediatamente após o término
da fase ativa do alongamento. Nota-se o avanço frontal. Inicia-se a osteogênese e nota-se a disposição da órbita afetada, que é vertical em
relação a não-afetada, que é horizontal. Na Fig. 47-49 o processo de osteogênese continua. E notória a existência de um processo de
osteogênese no teto da órbita, o qual desencadeia uma mudança no formato da mesma, agora gradualmente mais horizontal e parecida
com o lado não-afetado. Nota-se uma melhor projeção do inalar, incluindo uma maior diminuição vertical do mesmo. O distrator produz
um estímulo unidirecional e a atividade miovisceral produz uma atividade tridimensional.
610 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-50 e 47-51.


Paciente com
plagiocefalia pré e
pós-DOC em uma vista
basal para demonstrar o
avanço frontal e a
remodelagem do
zigomático, incluindo o
avanço da parede lateral
da órbita.

da avaliação tridimensional dos ossos frontal, zigomá


DOC ONCOLÓGICA
tico, maxilar e mandibula, que são estudados em com
paração com as regiões contralaterias.
Seqüelas de Retinoblastomas
Os pacientes em fase de crescimento submetidos à
Procedimento Cirúrgico
enucleação ocular e radioterapia devido a um retino-
blastoma apresentam deformidades craniofaciais que No grupo 1, o tratamento é o alongamento A-P do
comprometem o crânio, a órbita, o maxilar e a man crânio e da órbita afetada por uma incisão coronal,
dibula. expondo-se o frontal e a órbita. Procede-se a desperi-
Classificam-se estes pacientes em dois grupos: ostização e realiza-se uma craniotomia linear que se
gue o trajeto da sutura hemecoronal do lado afetado.
1. Os pacientes com importante problema A-P e míni
A osteotomia se prolonga no teto, na parede e no as
mo ou nenhum comprometimento esquelético
soalho da órbita. E necessária também uma osteoto
transversal e vertical. Nestes pacientes, não existem
mia no sentido vertical, através da tuberosidade maxi
problemas maxilares ou mandibulares. A deformi
lar, a qual prolonga a parede lateral da órbita. O distra
dade se limita, unicamente, à órbita.
tor auto-retentivo é colocado com um parafuso ativa
2. Pacientes com importantes problemas estruturais dor percutâneo na fossa temporal, depois de se fazer
tridimensionais. Existem uma órbita pequena, um uma osteotomia em "janela", com as dimensões exatas
osso frontal retraído que tem um diâmetro trans dos segmentos do distrator completamente fechado
versal curto no lado afetado, um zigomático com (o distrator utilizado é mesmo distrator misto do crâ
deficiência de projeções A-P e transversal, um maxi nio). O distrator funcionará em direção A-P.
lar diminuído e encurtado transversalmente, no sen
No grupo 2, o tratamento é uma distração tridire-
tido vertical, e uma mandibula com ramo curto. O
cional com três distratores: um no sentido A-P, um
componente vertical do maxilar e da mandibula
transversal e um vertical. O distrator que estimula o
produz uma inclinação do plano oclusal. Estas alte
alongamento A-P é colocado exatamente como des
rações geram uma hipotroíia tridimensional unila
crevemos para os pacientes do grupo 1. Para colocarmos
teral óbvia, causando importante assimetria facial
o distrator transversal, além das osteotomias descritas,
desagradável.
realiza-se uma craniotomia-osteotomia do frontal e do
maxilar, que atravessa a órbita no sentido vertical e a
divide em duas metades. O distrator é uma esfera de
Análise Pré-operatória
acrílico dividida em duas metades, unidas por um pa
A análise clínica prévia compreende a avaliação da ór rafuso ativador e as barras que mantêm o paralelismo.
bita nos sentidos A-P, transversal e vertical A-P, além Finalizada a craniotomia-osteotomia, cobre-se a órbita
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 611

com tecidos moles, e o distrator ocupa a órbita que se semanas, para permitir a ossificação. Depois, o parafu
encontra coberta pela mucosa, atuando em sentido so ativador c retirado no consultório, sem molestar o
transversal. paciente (Figs. 47-52 e 47-53).
O distrator vertical é colocado no ramo mandibu
lar, no sentido vertical, paralelo à borda posterior do
ramo. Realiza-se uma osteotomia-corticotomia horizon Resultados
tal no ramo mandibular. Fixa-se o distrator por meio de Uma grande melhora estética foi obtida em ambos os
quatro parafusos, quando se deseja um alongamento grupos. O grupo 1 demonstrou que o osso frontal, a
unidirecional, e dois parafusos, quando se deseja um alon parede lateral da órbita e o zigomático se alongaram em
gamento bidirecional, modificando a posição do distra direção A-P. O grupo 2 apresentou, clinicamente, um
tor de maneira que a corticotomia-osteotomia tome a aumento tridimensional da estrutura hemifacial, da ór
direção oblíqua: do ângulo interno ao externo (gônio). bita e um aumento considerável da capacidade orbitá-
Um no segmento proximal e outro no segmento distai, ria, documentada por meio de estudos radiográficos.
de modo que a atividade muscular produza um efeito Foi confirmada uma neoformação óssea por meio
bidirecional no alongamento do ramo mandibular. de cefalometria e TAC 3D craniofacial. Na cefalome
O parafuso ativador do distrator frontal sai da pa tria de seis semanas, começamos a ver sinais de forma
rede lateral da órbita. A fase de distração ativa começa ção de novo osso. Foram retiradas amostras para bióp-
duas semanas depois da osteotomia e o parafuso é ati sia do local da osteogênese e pudemos confirmar a
vado 0,5mm por dia, até que se consiga uma leve sobre- distração osteogênica nos pacientes submetidos à ra
correção, em comparação com o lado oposto normal. dioterapia prévia.
O distrator transversal emerge com seu parafuso O alongamento vertical do ramo mandibular cor
ativador, perpendicular à parede lateral da órbita e, rigiu o plano oclusal, produzindo uma mordida aber
como no frontal, a fase ativa começa após duas sema ta lateral transitória, que melhorou espontaneamente,
nas, com limite de distração de 0,5mm por dia. não necessitando de procedimento para a correção da
O parafuso ativador do distrator mandibular mesma (Figs. 47-54 a 47-57).
emerge por debaixo do ângulo gonial. É ativado após
uma semana do procedimento cirúrgico, com um li
mite de distração de lmm por dia. Comentários
A TAC 3D craniofacial é muito útil para determi A utilização da DOC em pacientes com seqüelas de
nar o alongamento da órbita e da estrutura hemifacial retinoblastoma confirma que o processo de osteogê
nos sentidos A-P transversal e vertical. nese por distração óssea gradual é possível em pacien
Após o período de expansão, os pacientes man tes submetidos à radioterapia, com deformidades ós
têm a fixação do distrator por um período de oito seas e de tecidos moles muito graves. Estas deformida-

Figs. 47-52 e 47-53. Paciente com


seqüelas de retinoblastoma.
Planejamento cirúrgico: DOC
tridimensional hemifacial. Com um
distrator para alongar o frontal e a
órbita em sentido A-P, outro para
alongar a órbita em sentido
transversal, e outro distrator para
alongar verticalmente o ramo
mandibular.
612 Cirurgia Craniomaxilofacial

Figs. 47-54 e 47-55.


Cefalometria que
mostra a DOC nos
pacientes com
seqüelas de
retinoblastoma.

Figs. 47-56 e 47-57.


Fotografia pré e
pós-DOC
tridimensional
hemifacial em
pacientes com
seqüelas de
retinoblastoma.
Notam-se o
alongamento
estrutural e a nova
disposição dos tecidos
moles. Com estes
pacientes se provou
que podemos realizar
DOC em pacientes
pós-radiados.

des representam um sério desafio, quando se tenta a lado corrigido e o normal. O alongamento e o aumen
correção tradicional, devido a resultados imprevisíveis, to da capacidade da órbita são óbvios.
pela dificuldade na integração dos enxertos ósseos e Em conclusão, é possível o alongamento orbitá
pela grande tensão a qual os tecidos moles são subme rio por meio da distração gradual em pacientes com
tidos (periósteo, mucosa, músculo, pele) durante o seqüelas de restinoblastoma. Parece que a radiação não
aumento do volume ósseo. altera as capacidades periostal e endostal para a osteo
O procedimento descrito alonga a hemiface em três gênese. A neoformação óssea ocorre mesmo após a ra
dimensões espaciais, utilizando três distratores mistos em dioterapia. Os resultados dos pacientes demonstram
sentidos ântero-posterior, transversal e vertical da região expansão óssea, avanço da projeção do frontal e do
hemifacial. Ele soluciona o problema estético, aumenta a zigomático e um correto alongamento do ramo man
capacidade da órbita e expande a cavidade oral e o ramo dibular e dos tecidos moles.
mandibular, prevenindo os problemas da ATM. A distração osteogênica é uma técnica importan
Os estudos tridimensionais da estrutura óssea, te, utilizada para a correção tridimensional da assime
após a distração gradual, confirmam a simetria entre o tria facial nas seqüelas de retinoblastoma.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 613

Seqüela de Câncer maneira gradual. Ao realizarmos este transporte ósseo,


inicia-se um processo de osteogênese que é aproveitado
Em todos os pacientes que, pelos efeitos do tratamen
para a reconstrução da falha óssea. Por existir unicamente
to do câncer, tiveram que sofrer amputação de uma
um aporte sangüíneo unilateral, o limite de distração é
parte importante do esqueleto craniofacial, aplica-se o
menor e o processo de osteogênese é mais lento. Tam
princípio de transporte gradual para correção das de
bém existe uma reabsorção na extremidade distai do
formidades. Não existem zonas doadoras e transportam-
segmento transportado que deve ser considerada.
se osso, pele, músculo e mucosa, alcançando-se uma re
Atualmente, os trabalhos realizados com estimula
construção quase normal da região afetada. Desta ma
ção elétrica para acelerar o processo de osteogênese são
neira, se reconstitui de forma gradual o maxilar, a órbi
de grande utilidade nesses procedimentos, pois dimi
ta, a mandibula, o frontal, o temporal, o parietal etc.
nuem de maneira considerável o tempo do tratamento.

Seqüelas de Traumas de Face


Nos casos de acidente, geralmente de trânsito ou indus APLICAÇÕES ESTÉTICAS
trial, ou nos ferimentos por armas de fogo, pode-se per
der parte importante de osso e tecidos moles, causando Remodelação Estética
deformidades severas que afetam psicológica e funcio Alguns problemas estéticos do esqueleto facial eram
nalmente estes pacientes, havendo dificuldades na res de muito difícil resolução e, por esta razão, eram igno
piração, na alimentação e no desempenho profissional. rados ou simplesmente não solucionados. O volume
ósseo é muito importante na proporção e na harmo
nia da estética facial.
Método
Os pacientes com classe II apresentam uma bi-re-
O transporte ósseo é um método similar à distração trusão facial com uma importante discrepância maxi
osteogênica, porém nestes casos o aporte sangüíneo é lomandibular. A correção tradicional desse tipo de
dado unicamente pelo lado proximal do segmento anomalia se limitava ao avanço da mandibula por meio
transportado. O transporte pode ser monofocal ou de uma osteotomia tipo Obwegeser e, em muitos ca
bifocal, de acordo com a utilização de um ou dois sos, tinha de se realizar um bloqueio intermaxilar para
focos de transporte para reconstruir o defeito. manter a estabilidade do osso e o avanço da mandibu
O procedimento consiste em transportar um frag la. Porém, ocorriam recidiva e mordida aberta anterior,
mento de osso, que inclui músculo, pele e mucosa, de que eram muito importantes.

Figs. 47-58 e 47-59.


Paciente de 19 anos de
idade com bi-retrusão
facial. A figura mostra o
planejamento cirúrgico
no pré-operatório: uma
osteotomia Le Fort I.
Distratores são colocados
em cada ramo
mandibular, para um
alongamento vertical.
Também se planeja uma
osteotomia para o avanço
do mento. Na Fig. 47-33
mostra-se o que se
alcançou com o
alongamento bilateral do
ramo, o avanço e a
rotação do maxilar
mediante osteotomia tipo
Le Fort I e o avanço do
mento.
614 Cirurgia Craniomaxilofacial

A técnica consiste em realizar uma osteotomia Le Com a técnica descrita, corrige-se a bi-retrusão fa
Fort I de avanço e colocar um distrator bilateral no ramo cial, normalizam-se a oclusão e a inclinação oblíqua
mandibular, podendo, também, completar o procedimen do plano oclusal, melhora-se a projeção do ângulo
to com uma genioplastia. No pós-operatório imediato, a mandibular, e aumenta-se a distância orelha-ângulo
discrepância maxilomandibular é maior, já que se avan mandibular. Sem a DOC, estes resultados não podem
çou o maxilar mas a mandibula não mudou de posição. ser obtidos (Figs. 47-58 a 47-63).
A mudança da posição se dá de maneira gradual, quando No processo de envelhecimento existe uma nova
a distração osteogênica do ramo mandibular vai se reali visão, demonstrando que grande parte do envelheci
zando. A correção da classe II se faz por meio de: mento facial é devido à reabsorção óssea craniofacial,
- Osteotomia tipo Le Fort I, para avanço maxilar. quer dizer que, além de existir uma perda da elasticidade
- Distração osteogênica do ramo mandibular. da pele e do tônus muscular, e portanto um excesso
- Osteotomia de avanço do mento. de tecidos moles, o osso sofre um processo de reabsor-

Figs. 47-60 e 47-61. Cefalometria


lateral da mesma paciente. A
Fig. 47-34 mostra o estágio
pós-osteotomia Le Fort I de avanço e
rotação do maxilar, a osteotomia de
avanço do mento e a colocação dos
distratores. Nota-se o aumento da
má-oclusão antes do alongamento.

Figs. 47-62 e 47-63. A paciente no


pré e pós-DOC vertical do ramo
mandibular, osteotomia Le Fort I de
avanço e rotação maxilar e avanço
do mento. Também se realizou uma
rinoplastia. Veja a disposição dos
tecidos moles e a nova relação das
pálpebras com o globo ocular.
Distração Osteogênica Craniofacial (DOC) 615

ção, perdendo o volume que tinha na juventude. Este 15. Delashaw JB, Persing JA, Broaddus WC et ai. Cranial vault
processo não é igual em todas as pessoas. Pode ser mais growth in craniosynostosis. J Neurosurg 1989;70.159-65.
importante em certos grupos raciais e ser influenciado 16. Delashaw JB,John AP, JaneJA. Cranial deformation in carnio-
pela perda de peças dentárias e pela qualidade intrínse synostosis. A new explanation. Neurosurgery Clinics ofNorth
America 1991;2(3):611-20.
ca do osso.
17. Downs WB. The role of cephalometrics in orthodontic case
Do conceito que descrevemos em 1994, no traba analysis and diagnosis. AmJ Orthod 1952;38:162.
lho publicado "Rejuvenescimento facial por expansão 18. Elisevich K, Bite U, Colcleugh R. Microorbatalism: A techni
óssea", partem os procedimentos que na atualidade se que for orbital rim expansion. Plastic Reconstr Surg 1991;
realizam com muita freqüência e que são conhecidos 88:609.

como "Rejuvenescimento facial tridimensional". 19. Enlow DH. Morphogenic interpretation ofcephalometric data.
J Dent Res 1967;46:1.209.
De acordo com o que foi visto anteriormente, nos
casos em que existe uma perda significativa do volu 20. Frãnkel VH, Gold S. Golyakhovsky V. The Ilizarov technique.
Buli HospJoint Dis Orth Inst 1988;48:17-27.
me ósseo facial, o procedimento cirúrgico indicado
21. Furuya Y, Edwards MS, Alpers CEetai. Computerized tomogra-
para o rejuvenescimento consiste na correção dos teci phy of cranial sutures. Part 2: Abnormalities of sutures and
dos moles, se necessário, e na expansão óssea, que em skull deformity in craniosynostosis. / Neurosurg 1984;£/:59-
alguns casos pode se realizar com distração osteogêni 70.

ca. Desta maneira, pode ser obtida uma face realmente 22. Gantous A, Phillips J, Catton P et ai. Distraction osteogenesis
jovem e não apenas uma face com menos rugas. in the irradiated canine mandible: Plastic Reconstr Surg 1994;
93:164.

23. Guerrero R, Salazar A. Midface advancement by gradual dis


traction. Presented ai the First South American Meeting of
REFERÊNCIAS Craniofacial Surgery, Galapagos Islands, Ecuador, 1994.
24. Guerrero R, Salazar A. Boné expansion in facial rejuvenation.
1. Abbott LC. The operative lengthening ofthe tibia and fibula./ Aesth Plast Surg 1994;/Ã85-90.
BonéJoint Surg 1927; 9.128-52. 25. Guerrero R, SalazarA. Craniofacial osteogenesis by gradual dis
2. Angle EH. Treatment of malocclusion ofthe teeth. Vol. 7. Phila traction. Craniofacial Surgery 6 Edited by D. Marchac. Mondu-
delphia: White Dental Manufacturing Company 1907:2 132. zzi Editore, 1995.
3. Apt L, Isenberg S. Changes in orbital dimensions following 26. Guerrero R, Salazar A. Maxillary advancement by gradual dis
enucleation. Arch Ophthalmol 1973;9ft393. traction in cleft palate patients. Craniofacial Surgery6. Edited
4. AronsonJ, Harrison BH, StewartBS. The histology of distracti by D. Marchac. Monduzzi Editore, 1995.
on osteogenesis using different externai fixators. Clin Orthop 27. Guerrero R, Salazar A. Orbitocraniomaxillary lengthening by
Rei Res 1989;24Í:106-16. gradual distraction in patients with retinoblastoma seqüela.
5. Babineau TA KronmanJH. A cephalometric evaluation ofthe Craniofacial Surgery. (ed) L.A. Whitaker. 1997;7:205-9.
cranial base in microcephaly. Angle Orthod 1969;3£57. 28. Guerrero R, Salazar A. Meted of craniofacial boné distraction.
6. Baer MJ. Patterns of growth of the skull as revealed by vital United States Patent Number:5, 895, 387, April 20, 1999.
staining. Hum Biol 1954;26:80-126. 29. Guerrero R, Salazar A. Remodelación craneofacial por distrac-
7. Baume LJ. Physiological tooth migration and its significance ción (distensión) gradual. Metro Ciência 2000;9(2):29-35.
for the development of occlusion II. The biogenesis of accessi- 30. Glat P,StaffenbergD, Karp N et aí. Multidirectional distraction
onal dentition. / Dent Res 1950;2£331.
osteogenesis: The canine zyogma. Plast Reconstr Surg 1994;
8. Baylis HI, Barlett RE, Cies W. A reconstruction of lower lid in 94:753.
congenital microphthalmos and enoftalmos. Ophthaímic Surg
1975;ó:36.
31. Guyuron B, Dagys AP, Munro IR. Longterm effects of orbital
irradiation. Head Neck Surg 1987;7ft85.
9. Broadbent BH. A new x-ray technique and its aplplication to
orthodontia. Angle Orthod 1931;/:45. 32. Higgenbottom MC, Jones KL, James HE. Intrauterine cons-
traint and craniosynostosis. Neurosurgery 1980;6:39-49.
10. Broadbent BH. The face ofthe normal child. Angle Orthod
1937;7:183. 33. Hopkins WB, Penrose CB. On the organization and absorpti-
on of sterilized dead boné dowels. JAMA 1890;74:505-8.
11. Codvilla A. On the menas of lengthening, in the lower limbs,
the muscles and tissues wich are shortened through deformity. 34. Ilizarov GA. The tension-stress effect on the gênesis and growth
AmJ Orthop Surg 1905;2:353. of tissues. Clin Orthop Rei Res 1989;2J£263-85.
12. Codvilla A. The means of lengthening in the lower limbs, mus 35. Jackson IT, Carls F, Bush K et ai. Assesment and treatment of
cles and tissues areshortened through deformity. AmJ Orthop facial deformity resulting from radiation to the orbital área in
Surg 1905;2:353-69. childhood. Plast Reconstr Surg 1996;9&1.169.
13. CohenJr MM. Etiology of craniosynostosis. In:Cohen Jr MM 36. Jahrsdoerfer RA, Aquilar EA,Yeakley JW et ai. Treacher-Collins
(ed). Craniosynostosis: diagnosis, evaluation, andmanagement. syndrome: An otologic challenge. Ann Otol Rhinol Laryngol
New York: Raven Press, 1986:131-56. 1989; 95:807.
14. ConverseJM, Wood-Smith D, McCarthy JG et ai. Bilateral faci 37. Karp NS, Thorne CHM, McCarthy JG, Sissons HA. Boné leng
al microsomia: diagnosis, classification, treatment. Plast Re thening in the craniofacial skeleton. Ann Plast Surg 1990;
constr Surg 1974;54413. 24:231-7.
616 CirurgiaCraniomaxilofacial

38. Kawamoto HK. Elective osteotomies and boné grafting of irra- 57. Park EA Powers GF.Acrocepahly and scaphocephaly with sym-
diated midfacial bonés./ Craniomaxilofac Surg 1987;75:199. metrically disturbed malformations of the extremities. AmJ
Dis Child 1920;20:235-315.
39. Kennedy RE. The effect of early enucleation on the orbit in
animais and humans. Trans Am Ophthalmol Soe 1964;62.459. 58. Persing JA Babler WJ, WinnHR etai. Age asa criticai factor in
40. Kokich VG. The biology of sutures. In: Cohen Jr MM (ed.). the suecess ofthe surgical correctionof craniosynostosis. J Neu
Craniosynostosis: diagnosis, evaluation, and management. New rosurg 1981;54:601-6.
York: Raven Press, 1986:81-105. 59. Persing JA, JaneJA, Edgerton MT. Surgical treatment in crani
41. Kreiborg S. Discussion: The skeletal anatomy of mandibulofa osynostosis. In: Persing JA Edgerton MT, JaneJA (eds.) Scien
cial disostosis (Treacher Collins syndrome). Plast Reconstr Surg tific Foundations and Surgical Treatment of Craniosynostosis
1986; 79:469.
Baltimore: Williams & Wilkins, 1989:117-238.

42. LoAKM, Colcelugh RG,AllenL et ai.The role of tissue expan- 60. Person KM, Roy WA, Persing JA et ai. Craniofacial growth
ders in an anophthalmic animal model. Plast Reconstr Surg following experimental craniosynostosis and craniectomy in
1990;5ó:339. rabbits. J Neurosurg 1979;50.187-97.
43. Losken HW, Lalikos J, Tschafaloff A er ai. Craniofacial growth 61. Phillips JH, ForrestCR,GrussJS.Current conceptsin the useof
study of rabbists with overdistraction ofthe coronal suture. 50lh boné grafts in facial fractures, basic science considerations.
Anniversary Meeting of American Cleft Palate-Craniofacial Clin Plast Surg 1992;79:41-58.
Association. Pittsburgh, Pa: American Cleft Palate-Craniofaci 62. PhillipsJH, GrussJS. Boné grafting: Biology and applications
al Association; April 19-24, 1993 (published abstract). for maxillofacial surgeons. San Diego: Interdisciplinary Exchan
44. Magnuson PB. Lengthening shortened bonés of the leg by ge, 1988.
operation. University of Pennsylvania Med Buli 1908;27: 63. Pruzansky S. Not ali dwarfed mandibles are alike. Birth Defects
103-10. 1969;5:120.
45. Mann I, Kilner T. Deficiencyofthe malar bonés with defects of 64. Putti V. The operative lengthening of the femur. JAMA.
the lower lids. BrJ Ophthalmol 1949;27:143. 1921;77:934-5.
46. Marchac D, Cophignon J, Achard E, Dufourmentel C. Orbital
65. Rachmiel A Potraric Z,Jackson IT et ai. Midface advancement
expansion for anophthalmia and micro-orbitism. Plastic Re
by gradual distraction. BrJ Plast Surg 1993;46:201.
constr Surg 1977;59:486.
66. Sarnat B, ShanedlingPD. Orbital volume following eviscerati-
46. Marsh JL, Celin SE,Vannier MW et ai. The skeletalanatomy of
on, enucleation, extenteration in rabbits. AML Ophthalmol
mandibulofacial disostosis (Treacher-Collins sindrome). Plast
1970; 70:787.
Reconstr Surg 1986;7Ã469.
47. Massler M, Schour I. The growth pattern ofthe cranial vault in 67. Sarnat BG. Something of the nature of gross sutural growth.
the albino rat as measured by vital staining with Alizarine Red Ann Plast Surg 1986;77:339-49.
V. Anat Rec 1951;77ft83-101. 68. Snyder CC, Levine GA Swanson HM, Browne EZ. Mandibular
48. McCarthyJG, Schreiber J, Karp NS et ai. Lengthening the human lengthening by gradual distraction: Preliminary report. Plast
mandible by gradual distraction. Plast Reconstr Surg 1992;59:1-8. Reconstr Surg 1973;57:506-8.
49. McCarthy JG, Schreiber J, Karp N et ai. Lengthening of the 69. Snyder CC, Levine GA Swanson HM et ai. Mandibular leng
human nadible by gradual distraction. PlastReconstrSurg1992; thening by gradual distraction: Preliminary report. Plast Re
89:1-12. constr Surg 1973;57:506-12.
50. McKenzieJ, CraigJ. Mandibulofacial disostosis.ArchDis Child 70. StanfTenberg G, Wood R, McCarthyJ ef ai. Midface distraction
1995;Jft391. advancement in the canine without osteotomies. Ann Plast
51. Michieli S, Miotti B. Lengthening of mandibular body by gra Surg 1995;34:512.
dual surgical-orthodonticdistraction./ OralSurg 1977;J5:187- 71. Stark RB, Saunders DE. The first branchial syndrome: the oral-
92. mandibular-auricular syndrome. Plast Reconstr Surg 1962;
29:229.
52. Miotti B, Michieli S. Allungamento orthodontico dei corpo
mandibolare dopo osteotomia: Studio sperimental: Nota preli- 72. Stewart RE,Dixon G, Cohen A.The pathogenesis of premature
minare. Giomaledi Stomatologia delle Venezie 1973; 2(suppl):3. craniosynostosis in acrophalosyndactyly (Apert's syndrome): A
53. Molina F, Ortiz-Monasterio F. Mandibular elongation and re- reconsideration. Plast Reconstr Surg 1977;59:699-703.
modeling by distraction: a farewell to major osteotomies. Plas 73. Tessier P. Anatomical classification of facial, craniofacial and
tic Reconstr Surg 1995;96:825. laterofacial clefts. / Maxillofac Surg 1976;4:69.
54. Molina F. Ortiz Monasterio F. Mandibular elongation and 74. Tschakaloff A Lossen WH, Mooney M et ai. Internai calvarial
remodeling by distraction: A farewell to mayor osteotomies. boné distraction in rabbits with experimental coronal suture
Plast Reconstr Surg 1995;96:825-34. immobilization. / Craniofac Surg 1994;5:318.
55. Moss ML, Greenberg SV. Postnatal growth ofthe human skull 75. Williams JK, Rowe NM, Mackool RJ et ai. Controlled multi-
base. Angle Orthod 1955;25:77-84. planardistraction ofthe mandible, Part II: laboratory studies of
56. MustardéJC. Repair and reconstruction in the orbital region: sagittal (anteroposterior) and vertical (superoinferior) move-
Practical guide. London: Churchill-Livingstone, 1980. ments. / Craniofac Surg 1998;9:504.
O Presente e o Futuro da
Cirurgia Craniofacial

Sílvio A. Zanini

CONHECIMENTOS DO PRESENTE DISPLASIAS CRANIOFACIAIS

O crânio e a face contêm órgãos da sensibilidade es Cohen1, em 1979, foi quem primeiro chamou a aten
pecial dentro de arcabouços ósseos e cartilaginosos ção para esta patologia. Caracteriza-se pela associação
mais ou menos rígidos, separados por suturas, que se de displasias com dismorfias frontonasais ou fronto-
afastam para permitir seus desenvolvimentos duran nasoetmoidais, sinostose bicoronária, e braquicefalia,
te certos períodos da fase embrionária, e que após se que se apresentam com hipertelorismo e nariz alarga
fecham para estabelecer suas conti nu idades. Tais ar do ou bífido2. O septo nasal também poderá estar
cabouços estão revestidos externamente por múscu duplicado. Não é raro haver turricefalia com ou sem
los e pele, enquanto as cavidades que formam são braquicefalia. O segundo lugar em freqüência é a asso
forradas por mucosas. Essas estruturas e os seus me ciação de sinostose coronária unilateral, plagiocefalia,
canismos são formados e regulados pelo código ge com a displasia frontonasoetmoidal e distopia orbitá-
nético. As malformações craniofaciais, que desfiguram ria, sendo que alguns casos apresentam sinostose lam-
o crânio e a face de indivíduos, levam a conseqüências bdóide contralateral. A associação com fissuras labial
no desenvolvimento, nas funções, no psiquismo e na e palatal, palato ogival, estrabismo divergente, sindac-
sociabilidade dos mesmos, e são resultantes de altera tilias e alterações articulares dos ombros e cotovelos é
ções dos genes ou de fatores exógenos, tais como freqüente. A lâmina crivosa, envolvida na dismorlolo-
doenças infecto-contagiosas, medicamentos, subnu gia, apresenta-se integra, porém freqüentemente mais
trição, drogas, alcoolismo, tabagismo, radiações, os profunda, e o encéfálo, dentro das meninges, pode estar
quais se traduzem por defeitos de formação, diferen bem baixo, interposto entre as órbitas, formando uma
ciação ou, ainda, na migração dos tecidos presentes pseudomeningoencefalocele. Entretanto, se a lâmina
nos processos do embrião, ou programados nessa fase crivosa estiver fendida, pode haver um saco herniário
para eclodirem após o nascimento. Assim tratamos de meninges contendo cérebro e, freqüentemente, te
das displasias, hipoplasias, hiperplasias, agenesias, fis cido cerebróide extravasado para as células etmoidais,
suras e disostoses, sinostoses craniofaciais, que po fossas nasais ou até mesmo o palato. Contudo, o mais
dem ser resumidas em displasias craniofaciais, fissu freqüente é que a lâmina crivosa se encontra íntegra, e
ras e craniossinostoses. caso haja meningoencefalocele, esta é etmoidal poste-

617
618 Cirurgia Craniomaxilofacial

rior. Nos casos de plagiocefalia é comum que a dis- médicos romanos. Entretanto, só em 1791 Sõemmering
morfologia esteja lateralizada, causando assimetria e estabeleceu a etiopatogenia das deformidades cranianas
escoliose facial. Nesses casos, a órbita estará ovalada e em relação ao fechamento prematuro das suturas dos
deslocada. Não é raro que exista uma fenda craniofaci ossos. O termo cranioestenose é atribuído a Virchow,
al paramediana, em continuidade ou não com a fissu em 1851, que promulgou: "O crescimento ósseo é inibi
ra labiopalatina. A pressão intracraniana (PIC) poderá do numa direção perpendicular à sutura fechada. Um
estar normal ou elevada, podendo ocorrer ou não ven- crescimento compensatório se produz nas outras dimen
triculomegalia, hidrocefalia e outras alterações ou age- sões com distensão das suturas não afetadas."
nesias de corpo caloso e septo pelúcido, e diferentes Nos últimos anos, vários estudos tentam explicar
níveis de retardo mental. a patogenia que produz a sinostose coronária. Entre
eles, Mathijssen et ai.7, em 1996, atribuíram a sinosto
se metópica e coronária ao deslocamento dos centros
FISSURAS CRANIOFACIAIS de ossificação, que ao se aproximarem, fundem-se, não
permitindo que se formem as suturas. Também Yu et
Embora não se conheçam dados exatos sobre a inci ai?, em 1997, publicaram interessante artigo que trata
dência das fendas ou fissuras craniofaciais, alguns au da diferente maneira de osteoindução da dura-máter;
tores estimam que ocorram entre 1,43 e 4,85 para cada na escama óssea, a dura induz osteogênese, enquanto
100.000 nascimentos, e entre 9,5 e 34 para cada 1.000 que nas suturas ela induz condrogênese e, posterior
fissurados labiopalatais. Alguns estudos indicam que mente, osteogênese. A restrição ao crescimento nor
existe apenas um tipo de fissura em cada paciente. mal e a deformação do crânio corresponderão a altera
Considerando-se a alta taxa de mortalidade intra-uteri- ções e disfunções do encéfalo, que poderão se traduzir
na dos fissurados, tem-se que a alta incidência de fissu- em distúrbios da circulação liqüórica, hidrocefalia,
rados deve ser ainda maior3. O primeiro estudo siste ventriculomegalia, hipertensão intracraniana e, por fim,
mático de fissuras craniofaciais foi utilizado por Mo- retardo mental. A faciestenose associada a cranioeste
rian4, em 1887, que relatou 36 casos e os distribuiu em nose sinaliza cavidades orbitárias diminuídas, com
3 grupos. Em 1962, um comitê de nomenclatura da conseqüentes prolapso ocular e inoclusão palpebral, e,
American Association of Cleft Lip and Palate Reha- por isso, úlceras de córnea e cegueira; atresia nasal; res
blitation reconheceu duas formas de fissuras faciais trição respiratória e retrusão maxilar, com inoclusão
oblíquas: as nasoculares e as oroculares, sendo as últi dentária. Pode ainda resultar em palato ogival e fissu
mas ainda subdivididas em oromediais e orolaterais. ra palatal, com as conseqüentes disfunções. Malforma
Tessier5, em 1976, ordenou as fissuras craniofaciais de ções das orelhas e do aparelho auditivo poderão tam
0 a 14, distribuindo-as em torno da órbita, em direção bém estar presentes.
à face, dispondo-se ao redor da boca, maxilares, nari A partir de 1986, Cohen delineou mais de 100
nas, fenda palpebral e sobrancelhas e, a partir daí, em síndromes com craniossinostose, entre as quais de
direção ao crânio.Mazzola e Van der Meulen6, em 1990, Apert, Crouzon e Pfeiffer que, à exceção da síndrome
publicaram uma classificação mais completa das fissu de Crouzon, são todas síndromes autossômicas do
ras como displasias. Em um paciente as fissuras po minantes, com malformações associadas em mãos e
dem se apresentar com uma grande variedade de tipos pés, e que são conhecidas por seus epônimos. Podem
e ainda podem ser uni ou bilaterais. A sua ocorrência é cursar também com malformações do encéfalo, tais
esporádica e, devido, aparentemente, a fatores ambi como ventriculomegalia, hidrocefalia, anomalias do
entais, tais como anormalidades metabólicas, infecções, corpo caloso, hipoplasia ou ausência do septum pe-
medicamentos, drogas e radiação. Acredita-se que o IJucidum, hipoplasia ou displasia do hipocampo, e
aumento da incidência das fissuras é devido ao vírus displasia ou distorção do córtex cerebral. O retardo
influenza A2, toxoplasmose, distúrbios do metabolis mental mais comum, na síndrome de Apert, pode ser
mo da fenilalanina da mãe, anticonvulsivantes, talido- atribuído à hipertensão intracraniana e/ou às condi
mida e persistência das bandas amnióticas. ções socioeconômicas do paciente10. Choux11 diz que
a malformação de Chiari está presente em mais de
75% dos casos da síndrome de Crouzon. Atualmen
CRANIOSSINOSTOSES
te, consistentes conhecimentos genéticos identificam
Hipócrates, 400 a.C, já descreveu formas variáveis do uma mutação genética em aproximadamente 50%
crânio devidas ao fechamento precoce das suturas dos destas síndromes e remetem a sua prevenção e cura
ossos. Outros registros aparecem nos documentos de definitiva para a engenharia genética e a biologia
O Presente e o Futuro da Cirurgia Craniofacial 619

molecular num futuro próximo. Enquanto tal futu Tratamento das Fissuras Craniofaciais
ro não chega, devemos estar aptos para oferecer a
nossos pacientes a ressecção das suturas doentes, re Os pacientes com fissuras craniofaciais apresentarão
modelação do crânio e da face. sempre, em diferentes graus, as expressões clínicas da
falta de fusão dos processos embrionários frontona
sais e maxilares, podendo ser embriologicamente na-
ESTADO ATUAL DOS TRATAMENTOS somaxilar mediai, nasomaxilar lateral, intermaxilar ou,
muito raramente, maxilomandibular, podendo todas
Tratamento das Displasias Craniofaciais, essas se continuar com as fissuras cranianas medianas
Frontonasais e Frontonasoetmoidais ou laterais. A fenda poderá comprometer isolada ou
Estas malformações caracterizam-se pela associação de conjuntamente a pele, a mucosa, o músculo, a fáscia e
displasias com dismorfias frontonasais ou frontona esqueleto ósseo ou cartilaginoso, total ou parcialmen
soetmoidais, com sinostose bicoronária ou braquice te. No paciente, os bordos das fissuras completas po
falia, que se apresentam com hipertelorismo e nariz dem estar cobertos por pele, mucosa ou tecido epiteli
alargado ou bífido12. al metaplásico. Sendo a face sede de órgãos da sensibi
O mais notável no paciente é o nariz largo, com
lidade especial, a malformação poderá prejudicar suas
funções, quando envolvidos. Da mesma maneira, se
displasia e sobra da pele. Os distúrbios ventilatórios
atingidos os músculos da mímica facial sua função
nasais são muito comuns, especialmente se o septo é
estará prejudicada.
duplo. Igualmente freqüente na displasia frontonasal
As fissuras cranianas geralmente deixam a dura-
é o hipertelorismo e a braqui ou turricefalia, que são
máter logo abaixo da pele, ou seja, sem a cobertura
observados secundariamente. A maioria dos autores
óssea. As fissuras craniofaciais apresentam-se geralmente
concorda que se deva tratar primeiramente a craniossi
numa área de displasia, na qual falta pele, as estruturas
nostose até os seis meses de idade, e o hipertelorismo
estão mal posicionadas com eversão de mucosas, que
num segundo tempo cirúrgico, entre os 38 meses e
estarão queratinizadas, com displasia epitelial, infec
doze anos de idade13. Entretanto, na nossa experiência
ção crônica, sem limite nítido da linha cutaneomuco-
os casos são mais complexos, freqüentemente com fen
sa e com disfunção das estruturas atingidas.
das craniofaciais e meningoencefaloceles pulsáveis, que
No tratamento das fendas faciais é interessante
progridem aumentando o hipertelorismo ao mesmo sempre relembrar os princípios básicos: (1) o periós
tempo em que expõem-se mais a lacerações traumáti teo da face e maxilares tem potencial osteogênico; (2)
cas. Nessa situação, a prioridade no tratamento é redu o osso dessa região, quando desnudado, sempre termi
zir a hérnia cerebral e fechar a fissura da pele num na reconstituindo-se por continuidade.
primeiro tempo cirúrgico. Igualmente, se houver ou O tratamento da fissura craniofacial deve ser en
tras malformações que podem complicar a evolução tendido como selamento da fenda, com correção da
do tratamento, tais como fissuras labiopalatinas e da- falha óssea e reconstrução das partes moles. Isto é, pro
criocistites, estas devem ser tratadas profilaticamente. mover o aporte de pele para suprir a falta e produzir a
O tratamento preconizado para a craniossinosto correção das distopias mucosas, da posição da linha
se é o avanço fronto-orbitário específico, conforme cutaneomucosa, da posição dos músculos orbiculares,
seja causadora de braquicefalia, turricefalia ou plagio palpebral e labial e da mímica facial. As posições das
cefalia, e, para o hipertelorismo, a correção é realizada asas nasais e dos cantos palpebrais servem de referên
pela faciotomia mediai3. Fazer-se-á a redução ou a am cia. A falha óssea pode ser reparada com enxerto ós
putação da hérnia conforme seu conteúdo e o sela seo, retalho osteofascial, retalho osteomiofascial ou
mento da fenda no teto da fossa anterior com um material aloplástico5,21. A correção do contorno facial
enxerto de calota craniana delaminada. é conseguida pela reposição das massas musculares e
A reposição e a fixação dos blocos ósseos e da calo tecido gorduroso. Pode-se optar por, num primeiro
ta girada em 180° são estabilizadas por pontos de oste- estágio, corrigir-se as partes moles e, num segundo, a
ossínteses, num segundo tempo cirúrgico, preferencial falha óssea, lembrando-se que a dura-máter e o pericrâ
mente aos 12 anos, ou seja, depois de ossificada a barra nio são osteogênicos. O aporte de pele é conseguido
frontonasal. O tratamento complementar consiste em mais pela translação e rotação de dois tipos de reta
fazer-se a ressecção da displasia óssea interobitária, que é lhos: o mediofrontal e o nasogeniano, modificados
planejada na medida da redução previamente estabele por Van der Meulen16,22. Esses retalhos fornecem a pele
cida, através de osteotomias mediais ou parassagitais que falta, possibilitam o reposicionamento dos mús
iguais ou compensadas em ambos os lados13,14. culos e alongam o nariz, que está sempre encurtado.
620 CirurgiaCraniomaxilofacial

Ainda para o alongamento ou rotação de segmentos zando-os e fixando-os em novas situações para corri
menores são feitas zetaplastias nos bordos dos reta gir o afastamento das órbitas. Esse foi o ponto de
lhos. partida para o atual tratamento via intracraniana das
O coloboma palpebral ou nasal é uma malforma craniossinostoses. Estas, até então tratadas apenas pelo
ção congênita evidente, como uma falha no contorno neurocirurgião, não tratava a face e os pacientes não
da pálpebra ou asa nasal, que é geralmente acompa tinham atendimento para o prolapso orbitário, a di
nhada de atrofia ou displasia palpebral ou do flanco ficuldade respiratória e a retrusão maxilar. Com as
nasal correspondente. O aporte de cartilagem é quase divulgações do trabalho de Tessier surgiram vários
sempre na forma de enxerto simples ou composto de seguidores, criando centros de cirurgia craniofacial
cartilagem conchal. A importância de fazer o forro para tratar de modo completo as malformações cra
mucoso não deve ser esquecida. Outra possibilidade é niofaciais, e entre elas, as craniossinostoses. Desde
usar-se a fáscia nasal superficial como tecido de enchi então, as técnicas cirúrgicas evoluíram até as atuais.
mento3. A fenda do arcabouço ósseo pode ser preen Segundo o consenso atual, se houver sinais clínicos
chida e restaurada com enxerto ósseo ou retalho de de hipertensão intracraniana, esse tratamento é prio-
calota craniana, pó de osso, lascas de osso15,18 ou, mais rizado. O monitoramento deve anteceder o início da
recentemente, com enxerto de medular de ilíaco mais operação, da mesma maneira que a hidrocefalia po
fator de crescimento, colhido das plaquetas do pró derá requer antes a derivação ventriculoperitoneal,
prio paciente19. embora façamos restrição no caso de avanço frontal,
Em 1997, John W. Polley ef alP apresentaram no pois tira o estímulo para o cérebro preencher o espa
66th ASPRS Meeting, em São Francisco, interessante ço morto resultante, ficando corrigida a hipertensão
tratamento das fissuras e hipoplasias maxilares com o intracraniana dessa forma.
alongamento ósseo. O tratamento preventivo e curativo é a osteoplas-
tia craniofacial precoce, dos 3 meses aos 3 anos de ida
de. Atualmente as técnicas estão reunidas em dois ti
Tratamento das Craniossinostoses Coronárias pos de procedimentos: (1) avanço fronto-orbital supe
(Apert, Crouzon e Pfeiffer) rior, ou (22) avanço frontofacial em monobloco. Pro
pomos uma terceira alternativa: o avanço fronto-orbi-
O primeiro registro de tratamento cirúrgico para a tonasal. O frontal, as órbitas e o dorso nasal são avan
craniossinostose, uma craniectomia linear, data de 9 çados como uma máscara. O fundamento para essa
de maio de 1890, devendo-se a Lannelongue. Depois, variante é que a primeira técnica não trata as órbitas e
em 1891, Lane e Jacobi, publicaram procedimento se nem a estenose nasal, e a segunda é muito mórbida,
melhante, citado em Psillakis et alP. com muitas complicações e recidivas freqüentes. A ter
Por muito tempo, as craniossinostoses foram tra ceira técnica proposta trata a hipertensão intracrania
tadas pela ressecção da sutura sinostósica, deixando-se na, o prolapso ocular e inoclusão das pálpebras; me
uma fenda ou interpondo-se algum material heterólo- lhora o fluxo nasal, além de ser compatível com pro
go para impedir-se a ressoldadura; entretanto, a solda- cedimentos ortognáticos posteriores, cirúrgicos ou não,
dura recidivava em seguida ou o material induzia uma para a correção dos maxilares25,26. A restrição feita a
reação de corpo estranho. A contribuição do cirurgião tal técnica é de que, na faciestenose, a hipoplasia do
craniofacial a esse capítulo foi, além de corrigir as terço médio favorece a reabsorção, mas creio que pode
malformações da face associadas, a realização de algu ser minimizada com enxertos periorbitários de calota
mas técnicas de osteotomias efetivas na prevenção das craniana.
recidivas. Caso tenha sido instituída a monitoração da PIC,
Os muitos males das craniossinostoses provoca devem ser adotados cuidados finais pertinentes até que
ram a busca de um tratamento mais efetivo. O trata a mesma seja eliminada.
mento da estenose facial surgiu mais tarde, pelo inte
resse da cirurgia plástica. Conforme Thauvov et aí.24,
em 1972, também Rougerie e Stricker fizeram "cirur
gias modernas". Mas foi Paul Tessier que, no Con
OSTEOGÊNESE POR DISTRAÇÃO ÓSSEA:
ESTADO ATUAL E FUTURO
gresso Mundial de Cirurgia Plástica, em Roma, 1966,
apresentou a revolução da abordagem intracraniana A partir de 1950, Ilizarov, cirurgião e pesquisador rus
no tratamento cirúrgico do hipertelorismo, desarti so, começou a divulgar seus notáveis experimentos de
culando por via intracraniana blocos ósseos, mobili- criação de osso endógeno a partir de uma corticoto-
O Presente e o Futuro da CirurgiaCraniofacial 621

mia seguida da aplicação de um aparelho de tensão, desses estudos experimentais é a interrupção da gesta
em tíbia de cães27. Ele demonstrou que tal método de ção, que tem sido vencida por fármacos cujo princi
engenharia de tecidos dependia das propriedades me pio ativo é o ácido nítrico, poderoso relaxante da
cânicas do aparelho para promover a distração gradual musculatura lisa, e por técnicas minimamente invasi-
do tecido ósseo e também das condições do modelo vas, tais como a cirurgia por meio das técnicas de fe-
de neoformação do tecido. Em 1973, Snyder trouxe toscopia, que evita a abertura do útero. Contudo, re
para a craniofacial essa técnica ao aplicá-la para alon comendam-se as cirurgias fetais apenas para fetos aci
gar a mandibula de um cão28. Entretanto, as aplica ma de 28 semanas de gestação. No Brasil, segundo a
ções clínicas em craniofacial só apareceram com as pu Dra. Maria de Lourdes Brizot, do setor de medicina
blicações de McCarthy et ai, a partir de 199229. A par fetal do Hospital das Clínicas da Universidade de São
tir daí, vários autores, sendo mais conhecidos entre Paulo, a medicina fetal esbarra em um problema: a
nós Molina4 e Ortiz-Monasterio30,31 começaram a apre tardia de chegada das mães aos centros de referência.
sentar as aplicações em pacientes, em outros ossos da
A principal vantagem de se realizar a cirurgia in-
face também, especialmente no terço médio da face. tra-uterina é a ausência de cicatrizes. Rowlatt32, em 1979,
Atualmente, verifica-se que o entusiasmo do mé
foi quem deu início às cirurgias fetais sem cicatrizes,
todo não cresceu como se esperava, porque além das
demonstrando que na gestação a reparação das lesões
cicatrizes inestéticas na pele, apresenta outras limita
dá-se por proliferação mesenquimal, isenta das cicatri
ções, quer por ser usado em zonas malvascularizadas,
zes comuns ao tecido adulto, o que foi confirmado
como geralmente é o caso, quer por não refazer o con
por inúmeros trabalhos experimentais realizados em
torno nas três dimensões. Os aparelhos intra-orais, que
evitariam as cicatrizes na pele, mostraram grandes li
pintos, porquinhos da índia, camundongos, ratos, co
elhos, macacos, cordeiros e outros modelos experimen
mitações na manutenção da higiene ou de manipula
ção, sendo os resultados dependentes da idade do pa tais, no programa de tratamento fetal da Universidade
da Califórnia, em São Francisco. De acordo com tais
ciente, vascularização da região, do protocolo de fre
qüência da distração e do equipamento mecânico uti estudos, os conhecimentos atuais permitem-nos apre
lizado, pois foram identificadas, na análise microes- sentar um quadro das diferenças da reparação das feri
trutural de algumas distrações, as células e organelas das no adulto e no feto (Quadro 48-1).
envolvidas no processo das fraturas, tais como muitas Convém observar-se que o ambiente fetal, intra-
células polimorfonucleadas, fibroblastos, células endo- útero, está cheio do líquido amniótico, que lhe confe
teliais e osteoblastos. A partir da segunda semana, a re moderado calor e esterilização, além de ser rico em
corticotomia toma o aspecto dos estágios de repara componentes da matriz extracelular, incluindo ácido
ção de uma fratura, com osteoblastos e fibras coláge- hialurônico, fibronectina e fatores tróficos essenciais
nas, sendo-lhe aplicada a tensão que fará o alongamen ao desenvolvimento do feto, além de ter reduzido
to da reparação. oxigênio, daí a hemoglobina do feto ter maior afini-
Do que se conclui que a distração óssea é uma
técnica de engenharia de tecidos que promove um cres Quadro 48-1.
cimento do osso membranoso, mais aplicável na in
Reparação das Lesões No Adulto No Feto
fância, e espera-se que a bioengenharia molecular con
Cicatrizes Presentes Ausentes
siga acelerar o processo de reparação, para que a torne Proliferação celular Lenta Rápida
ainda uma técnica mais útil de restauração de estrutu Velocidade de Lenta Rápida
ras craniofaciais malformadas. fechamento
Crostas Presentes Ausentes

Tensão de oxigênio Grande Pequena


O FUTURO DOS TRATAMENTOS DAS Ambiente líquido Ausente Presente

MALFORMAÇÕES CRANIOFACIAIS: Ambiente estéril Ausente Presente

Temperatura da pele Quente


A CIRURGIA FETAL Fase inflamatória
Fria
Grande Pequena
O fundamento da cirurgia fetal tem sido estabelecido Deposição de matriz Lenta, Rápida,
desorganizada organizada
por meio de estudos clínicos que ratificam a história
Angiogênese Grande Pequena
natural das malformações, e de trabalhos experimen
Epitelização Lenta Rápida
tais que comprovam a eficácia, com vantagens, da re
Queratinização Presente Imatura
paração fetal na reversão dessas lesões. A limitação
622 Cirurgia Craniomaxilofacial

dade por oxigênio. A reparação rápida das lesões nesse segmentos de um osso cortado e mobilizado. Embo
ambiente de hipoxia permanece um mistério. Por fim, ra não criem tecidos, sem duvida as miniplacas facili
a observação de que a lesão fetal contém uma única taram o aumento e especialmente a redução de ossos
composição citoquínica, com elevados níveis de fator e, mais ainda, a fixação de enxertos ósseos. Entretan
de crescimento insulin-like II e fator estimulante do to, melhor seria se pudéssemos aumentar a estrutura
ácido hialurônico, é o que possivelmente lhe confere conferindo-lhe a forma apropriada, e é a isso que a
as propriedades que possui. Tais características foram engenharia de tecidos se propõe, desde que os materi
observadas nos diferentes modelos experimentais, o ais aloplásticos, por melhor tolerados que sejam, nun
que nos leva a concluir que a diferença entre a cirurgia ca se integram totalmente, sempre tendendo à rejei
realizada no adulto e no feto depende do ambiente ção e expulsão. Para tanto, a engenharia de tecidos
fetal e da atividade celular ou, ainda, da combinação lança mão de moldes de material biocompatível, ou,
de ambos. melhor ainda, biodegradável e de células cultivadas
As técnicas cirúrgicas de reparação de malforma do tecido que se pretende criar. Sendo que a tal cultu
ções labiopalatais, realizadas intra-útero em animais de ra de células, aplicadas sobre o molde biodegradável,
laboratório, contemplam-nos com resultados muito deve-se oferecer os nutrientes essenciais ao seu cresci
animadores da ausência de cicatrizes, de restrição do mento e oxigênio, ao mesmo tempo que se remove
desenvolvimento da maxila33 e da seqüela da deformi os produtos do catabolismo celular, o que se faz por
dade nasal. Com os avanços das cirurgias experimen embebição.
tais pela via endoscópica, já se começa a usar a cirurgia As células do tecido que se quer produzir são reti
fetal para ressecar suturas cranianas com cranioesteno radas de tecidos de preexistentes no organismo. Por
ses produzidas artificialmente, cobrindo-se os bordos exemplo, se o objetivo for produzir cartilagem, toma-
dos ossos com Gore-Tex34. Tal procedimento evitaria se uma porção de cartilagem auricular ou septal do
a deformação dos crânios afetados e preveniria a hi modelo experimental, retiram-se, por processo enzi-
pertensão intracraniana, mediante cirurgias de míni mático, as células do mesmo, as quais são produzidas
ma morbidade. Todos esses conhecimentos e o domí na quantidade requerida num meio de cultura in vi-
nio das técnicas nos permitiriam tratar melhor os adul tro. As células assim obtidas e cultivadas são aplicadas
tos ou antecipar as cirurgias para a fase pré-natal, atu sobre uma matriz e transplantadas ao sítio a ser repara
ando preventivamente. do. Podem ser plantadas na matriz tanto células obti
O domínio desses conhecimentos nos permite das por derivação alogênica como xenogênica. O ma
prever que a cirurgia fetal está surgindo como um pro terial obtido desse modo evita processos de rejeição
missor tratamento das lesões craniomaxilofaciais em ou de infecção. Esse modelo de técnicas laboratoriais
três aspectos: (1) a possibilidade de evitar cicatrizes, foi proposto por Vacanti et ai?7. Segundo o protoco
seqüelas da interrupção do desenvolvimento da maxi lo estabelecido pelos autores, para se obter tecido car-
la e deformidade nasal; (2) a possibilidade de se enten tilaginoso a partir de condrócitos de bovinos, isolam-
der o mecanismo das fusões das suturas dos ossos do se as células por digestão enzimática a partir da articu
crânio e da face e atuar-se preventivamente usando a lação glenoumeral de um terneiro, as quais são adicio
biologia molecular intra-uterina; (3) a possibilidade de nadas a uma solução a 1,5% de alginato de sódio, con
transferir-se todos esses conhecimentos e tecnologia tida numa placa de Petri, para se obter uma suspensão
para as cirurgias pediátricas e de adultos35. de condrócitos-alginato de sódio com densidade celu
lar de 0, 1, 5 e 10 X IO6 células/ml. Porções da suspen
são de células são então pipetadas e colocadas num
ENGENHARIA DE TECIDOS
banho de CaCl2. Toma-se uma das construções con
drócitos-alginato polimerizadas e formatadas em dis
De acordo com Yaremchuk36, a cirurgia craniofacial co e mergulha-se por 48 horas num banho de cultura
usa duas manobras básicas para modificar o contorno de tecidos, antes de implantá-la numa bolsa cirúrgica,
do esqueleto facial: (1) osteotomia e reposicionamen feita no lombo de um camundongo, de onde se colhe
to; (2) aumento ou redução. O reposicionamento, aqui, maturada ao cabo de 8 a 12 semanas. Paige et ai.1 utili
deve ser entendido como a tentativa de dar nova for zaram um gel de polimerização lenta, na forma injetá
ma a uma malformação, tornando-a mais próxima vel. Entretanto, tais experiências deparam com o pro
possível da normal. O advento das miniplacas e, em blema da imunoincompatibilidade entre as diferentes
seguida, o das microplacas e das biodegradáveis, trou espécies animais, e pesquisas são essenciais para trazer
xe grande impulso à estabilização de blocos ósseos ou a aplicabilidade clínica da engenharia de tecidos. Con-
O Presente e o Futuro da CirurgiaCraniofacial 623

tudo, já foi aprovada, pela Food and Drug Adminis- das durante as cirurgias corretivas a que são submeti
tration, a pele obtida por esse método para o trata dos, e é feita a cultura dos fibroblastos para a análise
mento de pacientes queimados, composta de células global dessas células e comparação com controles nor
da pele do próprio paciente aplicadas sobre uma lâmi mais.
na de polímero sintético38. Vários investigadores já estabeleceram os parâme
tros clínicos para determinar todo o espectro das cra
niossinostoses, mas é evidente que a causa primária
BIOLOGIA MOLECULAR das mutações são pleiotrópicas nas suas expressões fe-
notípicas. O conhecimento da mutação primária das
A biologia molecular apresenta importante papel na craniossinostoses e a compreensão dos múltiplos as
engenharia de tecidos, quer na construção de políme pectos clínicos das síndromes não são suficientes para
ros biocompatíveis e biodegradáveis, que servem para que se esclareça a patologia na sua integridade, e só a
reproduzir as partes do corpo a serem substituídas, relação entre esses dois fatores o permitirá.
quer em favorecer a adesão das células à matriz, ou,
ainda, na identificação molecular de todas as substân
cias envolvidas em tais processos. Contudo, a biologia
molecular apresenta-se como um importante método
de investigação no reconhecimento e análise das alte REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
rações pleiotrópicas dos genes e suas repercussões. Os 1. Cohen MMJ. Craniofrontonasal dysplasia. BirthDefects 1979;
mais significativos progressos da biologia molecular 75:85-9.

estão concentrados nas craniossinostoses, presentes em 2. Zanini AS. Displasias fronto-nasal e fronto-naso-etmoidal. In:
Cirurgia Craniofacial: malformações. Rio de Janeiro: Livraria e
mais de 100 síndromes, onde, de acordo com as esta
Editora Revinter, 2.000:195-203.
tísticas atuais, a transmissão genética autossômica do 3. Longaker MT, Lipshutz GS, Kawamoto Jr HK. Reconstruction
minante é de 1 para 2.000 nascimentos vivos, sendo of tessier n° 4 clefts revisited. Plast Reconstr Surg 1997;
que a maioria das mutações causadoras foram identifi 99(6):1.501-7.
cadas no mapa dos Fibroblast Growth Factor Recep- 4. Morian R. Ueber die schráge gesichtsspalte. Arch Klin Chir,
tors types 1-3. A despeito dos inúmeros progressos fei 1887;J5:245.

tos recentemente na caracterização molecular das mu 5. Tessier P: Anatomical classification of facial, craniofacial and
latero-facial clefts. J Maxillo-fac Surg 1976;4:69.
danças genéticas primárias, o mecanismo fundamen
6. Mazzola R er ai. In: Stricker M, Van der Meulen J, Raphael B,
tal de como essas mudanças resultam em craniossinos Mazzola R. Craniofacial malformations. Edimburg: C. Livings
toses ainda permanece desconhecido. Para a melhor tone, 1990:149-309.
compreensão do que seja a atuação da biologia mole 7. Mathijssen IMJ, Vaandrager JM, van der MeulenJC et ai. The
cular na área das craniossinostoses, utilizarei o traba Role of boné centers in the pathogenesis of cranosynostosis:
lho desenvolvido pelo pesquisador Todd Zorick, da An embryologic approach using CT measurements in isolated
craniosynostosis and apert and crouzon syndromes. Plast Re-
Universidade da Califórnia de San Diego, no Hospital contr Surg 1996;90(1):17-26.
de Reabilitação das Anomalias Craniofaciais, da Uni 8. Yu JC, McClintockJS, Gannom F et ai. Regional difFerences of
versidade de São Paulo, em Bauru, sob o título: Glo dura osteoinduction: Squamous dura induces osteogenesis, su
bal analysis ofgênesis expression in inherited human tural dura induces chondrogenesis and osteogenesis. Plast Re
craniosynostosis. Seus estudos da análise global das ex constr Surg 1997;I00(1):24-31.
pressões genéticas na hereditariedade das craniossinos 9. Cohen Jr MM. Craniosynostosis: Diagnosis, evaluation and
management. New York: Raven, 1986.
toses buscam identificar os genes que estão diferenci-
10. Yacubian-Fernandes A, Palhares A, Giglio A et ai. Comparative
almente configurados nos pacientes portadores de cra assessment of cranial and encephalic alterations in pacients
niossinostoses nas síndromes de Apert, Crouzon, Pfei with apert's syndrome submitted to cranial surgery. BrazJ Cra
ffer e outras. O objetivo de tal pesquisa é identificar niomaxillofac Surg 2001;4(l):29-33.
os genes alterados e quais desses são importantes na 11. Choux M, Di Rocco C, Hockley AD, Walker M. Pediatric neu
patogenia dessas malformações. Apenas com a utiliza rosurgery. C. Livingstone, 1999:330.

ção de técnicas recentemente incorporadas, como a 12. Orr DJA, Slaney S, Ashworth J, Poole MD. Craniofrontonasal
dysplasia. BrJ Plast Surg 1997;50.153-61.
serial analysis ofgene expression (SAGE) e cDNA mi-
13. Zanini AS. Displasias fronto-nasal e fronto-naso-etmoidal. In:
croarray analysis, foi possível reconhecer e monito Cirurgia craniofacial: malformações. Rio deJaneiro: Livraria e
rar-se em diferentes níveis as expressões dos mRNA Editora Revinter 2.000:195-203.
dados por milhares de células e tecidos. Amostras de 14. Van der Meulen JC. Mediai faciotomy. BrJ Plast Surg 1979;
sangue dos pacientes com craniossinostoses são colhi J2:339-42.
624 Cirurgia Craniomaxilofacial

15. Zanini AS. Fissurascraniofaciais. In: Cirurgia craniofacial: mal 27. Ilizarov GA. The tension-stress effect on the gênesisand growth
formações. Rio de Janeiro: Revinter 2.000:215-22. of tissues I. The influence of stability of fixation and soft tissue
16.Van der Meulen JC. Surgery of median and paramedian clefts. preservation. Clin Orthop 1989;255:249-80.
/n.Machac D (ed.). Proceedings ofthe FirstInternational Con- 28. Snyder CC, Levine GA,Swanson HM et ai. Mandibularlengthe
gress ofthe International Society of Cranio-Maxillo-Facial Sur ning by gradual distration. Plast Reconstr Surg 1973; 5/:506-8.
gery, Cannes-La Napoule, Springer Berlin 1985: 210-6. 29. McCarthyJG, Schreiber JS, Karp NS et ai. Lenghtening of the
17. 0'Hara D, Greenberg S, LaRossa D. Superficial nasalis aponeu- mandible by gradual distration. Plast Reconstr Surg 1992;#£1-10.
rotic system (SNAS) flap reconstruction of nasal defects. An 30. Molina F, Ortiz-Monasterio F: Mandibular elongation and re-
uais Plast Surg 1997;35(4):379-84. modelingby distration: A farewell to major osteotomies. Plast
18. Zanini SA,Viterbo F, Parro FHS,Tershakowec M. Boné graft of Reconstr Surg 1995;96:825-40.
de zygoma in a patient with Treacher-Collins syndrome. J Crâ 31. Ortiz-Monasterio F, Molina F, Andrade L ef ai. Simultaneous
niof Surg 1994;5(4):270. mandibular and maxilar distration in hemifacial microsomia
19. Marx RE. Growth factor enhancement of bony reconstruction in adults: Avoiding occlusal disasters. PlastReconstrSurg1997;
ofthe jaws. Apresentado no III Congresso Brasileiro deCirurgia /00:852-61.

Craniomaxilofacial, Belo Horizonte, Minas Gerais 1997:12-4 32. Rowlatt U: Intrauterine wound healing in a 20 week human
Jun. fetus. Virchows Arch 1979;J«i:353-61.
20. Polley JW, Figueiroa AA, Hong KF.Huang CS. Technique and 33. Thaller SR, Mele J, Hoyt J. The effect of antenatal surgery on
results of maxillary distraction osteogenesis in cleft patients craniofacial growth in a sheep model. PlastReconstr Surg1995;
with severe maxillary deficiency plastic surgical fórum - 66th 96:1.
Annual Scientific Meeting, 1997:234. 34. Stelnicki EJ, Vaderwall KK, Harrison MR et ai. In utero correc
21. Pitanguy I, Lessa S, Zanini AS. Fissuras craniofaciais raras. In: tion of unilateral coronal craniosynostosis. PlastReconstrSurg
Carreirão S, Lessa S, Zanini AS.Tratamento das fissuraslabiopa- 1998;/0/:287-96.
latinas. 2 ed., Rio de Janeiro: Revinter 1996:271-95. 35. Longaker MT. Fetal surgery(repair) and wound healing enhan
22. Stricker M et ai. Surgery. In: Stricker M, Van der Meulen J, cement. In:PosnickJC. Craniofacial and maxillofacial surgery
Raphael B, Mazzola R. Craniofacial malformations. Edimburg: in children andyoung adults. Philadelphia: W.B.Saunder Com
C. Livingstone 1990:389-550. pany 2000:93-107.
23. PsillakisJM. Sinostoses craniofaciais. In: Psillakis JM, Zanini 36. Yaremchuck MJ. Engineering tissues for the face and facial
SA et ai. Cirurgia craniomaxilofacial: osteotomias estéticas da skeleton. In:PosnickJC. Craniofacial and maxillofacial surgery
face. Rio de Janeiro: MEDSI 1987:163-77. in childrenand young adults.Philadelphia: W. B.SaunderCom
24. Thauvov J, Scholtes L, Moulin D, Reychler H. Craniosténoses pany 2000:108-14.
et dysmorphies cranio-faciales.ActaNeurol. Belg 1995;95:147- 37. Vacanti CA, Langer R, Schloo B ef ai. Synthetic polymers see-
63. ded with chondrocytes provide a template for new cartilage
25. Zanini AS. Craniossinostoses. In: Zanini SA. Cirurgia cranio formation. Plast Reconstr Surg 1991;<?Â753-9.
facial: malformações. Rio de Janeiro: Revinter 2000:181-4. 38. Paige KT, Vacanti CA,Cima LG et ai. Injectable cartilage. Plast
26. Zanini AS. Craniossinostosescoronárias (Apert,Crouzon e Pfei Reconstr Surg 1995;ítf:1.390-400.
ffer). In: Zanini AS. Cirurgia craniofacial: malformações. Rio 39. Zorick T. Global analysis of gene expression in inherited hu
de Janeiro: Revinter 2000:269-76. man craniosynostosis. 2002. In press.
Parte 4 - Cirurgia
Ortognática

Preparo Ortodôntico
Pré-cirúrgico e Controle
Pós-cirúrgico

Paulo Roberto P. Câmara

INTRODUÇÃO Os objetivos ortodônticos na elaboração de um


planejamento devem levar em consideração16 cinco
Nos últimos anos, a ortodontia teve uma grande evo metas terapêuticas:
lução na forma de abordar as possibilidades terapêu
a. Estética dental.
ticas. Antes, casos clínicos eram tratados de forma a
b. Estética facial.
posicionar os dentes dentro de suas bases ósseas, de
c. Oclusão funcional.
maneira a ficarem compensados, porém nem sempre
d. Saúde periodontal.
as compensações permitiam resultados estáveis, fun
e. Estabilidade do tratamento.
cionais ou melhoras estéticas as quais eram muitas
vezes a queixa principal dos pacientes. Hoje, com a Podemos também acrescentar a eliminação da
evolução das técnicas cirúrgicas, procuramos solucio queixa principal como uma das metas do tratamento
nar os casos de uma maneira a eliminarmos de forma ortocirúrgico.
mais incisiva os problemas estéticos e funcionais, per Para se iniciar um planejamento é necessário que
mitindo uma estabilidade pós-tratamento destes re o ortodontista faça, de uma maneira organizada, a ava
sultados. liação dos registros que farão parte do diagnóstico e
As deformidades craniofaciais são problemas que que deverá seguir uma lógica de prioridades da mecâ
tradicionalmente devem ter uma abordagem multidis- nica ortodôntica. Devo lembrar que cada profissional
ciplinar, pois suas causas são também multifatoriais, e julga, de uma maneira pessoal ou por formação acadê
não uma causa específica13, e dentro desta visão, a or mica, ser mais importante este ou aquele dado, porém
todontia procura estabelecer suas prioridades para os o objetivo maior será o resultado final.
mais variados tipos de manifestações clínicas. Iniciaremos o diagnóstico procurando entender
O objetivo deste capítulo é criar subsídios para a queixa principal do paciente, o motivo que o levou a
que o cirurgião possa ter uma visão das preocupações procurar o tratamento e confirmando se elas são compa
que movem o ortodontista no momento do planeja tíveis com as más oclusões presentes. E importante
mento ortodôntico. Trata-se de um tema amplo e que identificar no paciente, por meio da motivação e da
segue filosofias diferentes, de acordo com a formação expectativa quanto ao resultado final, a sua condição
de cada profissional. psicológica, pois será importante na decisão de se inici-

625
626 Cirurgia Craniomaxilofacial

ar ou não o tratamento. Segundo Stenbeergn, o grau longo prazo da estabilidade do tratamento ortodônti
de severidade da deformidade facial não é um parâ co. Devemos lembrar que paciente com doença perio
metro adequado da satisfação do paciente com a apa dontal não deve sofrer movimentação ortodôntica;
rência facial. O autoconceito (avaliado mediante a cabe a nós permitirmos uma melhora nas condições
auto-estima) foi o previsor mais importante da satis de higiene e controle das doenças periodontais para,
fação do paciente com a sua aparência facial; indepen enfim, iniciarmos ou reiniciarmos a movimentação
dente da severidade das desarmonias faciais, pacientes dental. Para isso, devemos contar sempre com o acom
com baixo autoconceito podem ficar menos satisfei panhamento na avaliação e no controle periodontal
tos com o resultado da cirurgia ortognática e, portan de um especialista nessa área8.
to, requerer cuidados adicionais no seu preparo, como
um acompanhamento psicológico antes de se iniciar
o tra- tamento17. Oclusão Estática e Funcional
Segundo Araújo1, o tratamento desde a consulta
inicial até a finalização ortodôntica deverá seguir a se Podemos afirmar que a classificação de má-oclusão de
Angle13, usada para definir a relação dos dentes da
qüência:
maxila e mandibula no sentido ântero-posterior, tem
1. Consulta com o ortodontista. sido a mais utilizada para este fim (Fig. 49-1), porém
2. Plano de tratamento do ortodontista. trata-se de uma avaliação estática e a sua popularização
3. Consulta com o cirurgião bucomaxilofacial. no meio odontológico fez com que fosse extrapolada
4. Relatório do cirurgião ao ortodontista. para as estruturas ósseas como: classe II esquelética —
5. Tratamento dentário e consulta com a fonoaudió- em que observamos uma relação inadequada entre os
loga. ossos da face, sendo que a maxila está à frente da man
6. Remoção dos terceiros molares. dibula; classe III esquelética —quando observada uma
7. Início da ortodontia pré-operatória. mandibula à frente da maxila. Ainda no sentido ânte
8. Reavaliação do paciente com vistas à cirurgia or ro-posterior, avaliamos a posição dos caninos, cujo ideal
tognática. é canino superior entre o canino inferior e o primeiro
9. Retorno ao ortodontista se necessário.
pré-molar e os incisivos superiores com um trespasse
10. Planejamento cirúrgico final com a participação horizontal de aproximadamente 2,0mm em relação aos
do ortodontista.
inferiores (Fig. 49-2). Na avaliação vertical, o ideal é
11. Realização da cirurgia. uma relação entre os incisivos superiores e inferiores
12. Fisioterapia com o uso de elásticos. de 2,0mm, porém podemos encontrar mordida aberta
13. Avaliação fonoaudiológica. anterior e sobremordida profunda (Fig. 49-3). Na ava
14. Refinamento ortodôntico.
liação transversal realizada no segmento posterior te
Na consulta inicial, o ortodontista deverá colher mos os dentes superiores cobrindo, por vestibular, os
o histórico médico e odontológico do paciente, veri dentes inferiores, sendo que podemos encontrar mor
ficar a presença de patologias que possam interferir dida cruzada unilateral, bilateral ou mordida em te
com o tratamento ou sua condução, queixa principal soura (Brodie) (Fig. 49-4)7.
do paciente e o grau de motivação para o tratamen A avaliação da dinâmica oclusal passa pela relação
to. Solicitar também exames radiográficos e fotográ dental de máxima intercuspidação e os movimentos
ficos como registro inicial do caso e realizar o exame mandibulares. Durante a mastigação, deglutição e fala
extra-oral (facial), intra-oral, e da função mastigató- a posição de intercuspidação é alcançada em média
ria. 5.000 vezes por dia10; desta forma, o posicionamento
dental deve ser avaliado para se evitarem traumas du
rante esses movimentos. A posição dos dentes dentro
AVALIAÇÃO INTRA-ORAL do mesmo arco e em relação ao seu antagonista não é
levada ao acaso, mas por vários fatores controladores,
como largura do arco, tamanho dos dentes e tecidos
Saúde Periodontal
moles14.
A saúde das estruturas que cercam os elementos den Os movimentos mandibulares são tridimensionais
tais como gengiva marginal, osso alveolar e os liga- e inter-relacionados, mostrando desta forma a com
mentos periodontais, é uma das bases em que se fun plexidade dos movimentos14. A oclusão ideal deve ser
damenta a movimentação dental e o prognóstico em orientada da seguinte forma:
Preparo Ortodôntico Pré-cirúrgico c Controle Pós-cirúrgico 627

Fig. 49-1 A. Classe I de Angle cúspide


mesiovestibular do primeiro molar
superior com o sulco vestibular do
primeiro molar inferior, a posição do
canino superior deve ser entre o canino
inferior e o primeiro pré-molar inferior.
B. Classe II de Angle divisão primeira,
observar que o canino superior está à
frente da posição em classe I. C. Classe
II de Angle divisão segunda,
diferentemente da classe II divisão
primeira, nesta classificação não existe
um trespasse horizontal. D. Classe III —
o primeiro molar inferior encontra-se
atrás do superior e surge uma mordida
cruzada anterior.

Fig. 49-2A. Relação adequada ântero-posterior entre os incisivos


superiores e inferiores. B. Traspasse horizontal acentuado (típico
de classe II divisão primeira). C. Mordida cruzada anterior (tres
passe horizontal negativo).

Fig. 49-3A. Relação vertical adequada entre os incisivos superio Fig. 49-4A. Relação transversal adequada entre os dentes poste
res e inferiores. B. Sobremordida profunda (trespasse vertical acen riores. B. Mordida cruzada posterior. C. Mordida em tesoura ou
tuado). C. Mordida aberta anterior. Brodie.
628 Cirurgia Craniomaxilofacial

Quando a boca se fecha, os côndilos estão na posi A avaliação frontal determinará as assimetrias quando
ção mais ântero-superior (estável musculoesquele- presentes (Fig. 49-6/1, B, Q, por meio do plano sagital,
talmente), apoiada na vertente posterior das emi que deverá cortar a glabela, ponta do nariz, ponto médio
nências articulares com os discos propriamente in do lábio superior e ponto médio do mento mole9 e, desta
terpostos. Desta forma há o contato simultâneo e forma, teremos a face dividida em dois segmentos. O
equilibrado bilateralmente dos dentes posteriores, objetivo é determinarmos desvios e assimetrias. Proffit
sendo o contato dos dentes na região anterior mais indica a colocação de linhas perpendiculares a partir dos
leve. cantos interno e externo dos olhos, extremo da largura
Todos os contatos dentais dirigem as forças para o nasal e ângulo goníaco. O plano sagital vertical verdadeiro
seu longo eixo. (perpendicular ao solo) deverá cortar perpendicularmente
Quando a mandibula se move numa posição late- o plano bipupilar; nesta avaliação, observaremos o grau
rotrusiva, existem guias dentais de contato no lado de inclinação do plano oclusal (Fig. 49-7)18,20.
laterotrusivo (de trabalho mastigatório) para deso- A avaliação vertical pode dividir a face em três
cluir o lado mediotrusivo (de balanceio) imediata terços, e daremos maior atenção aos terços médio e
mente, não gerando interferências. A guia mais de inferior, pois o superior sofre influência da linha do
sejável é fornecida pelos caninos (guia canina)1'1. cabelo. Em uma face equilibrada deveremos observar
uma proporção de 1 para 1 para cada terço facial e os
pontos de referências são triquium glabela/glabela sub-
nasal/subnasal mentoniano (Fig. 49-8). Na avaliação do
AVALIAÇÃO EXTRA-ORAL - segmento inferior subnasal ao estômio, e do estômio
PROPORÇÕES FACIAIS ao mentoniano, na proporção de 1 para 2, o compri
mento do lábio superior subnasal ao estômio tem em
Segundo Arnett3, o exame facial é a chave para o diag média 20mm de comprimento, podendo variar 2mm
nóstico, e alguns critérios nesta avaliação deverão ser para mais ou menos, o que corresponde a um terço da
respeitados. Na avaliação clínica dos tecidos moles pro distância total do terço inferior da face, o comprimen
curamos observar a face, estando a cabeça orientada to estômio mentoniano deve ter aproximadamente
em sua posição natural, com os lábios em repouso e 40mm, variando também 2mm (Fig. 49-9), podendo
os côndilos em relação cêntrica. Devemos avaliar o haver um espaço entre o lábio superior e o inferior de
paciente em uma visão frontal, frontal em sorriso e de 2 a 4mm (gap interlabial). Pacientes com excesso verti
perfil (Fig. 49-5), salientando que o exame clínico faci cal apresentam alterações para mais nesses valores, po
al deverá estar relacionado ao cefalométrico no plane dendo com isso vir acompanhados de mordida aberta
jamento19. As conclusões dessa avaliação poderão apre anterior, incompetência labial e rotação mandibular
sentar caráter particular ou pessoal o que levará a des horária. Com os lábios em repouso deveremos observar
vios na qualidade final dos resultados estéticos. 2 a 3mm de exposição dos incisivos no sentido vertical.

Fig. 49-5A. Paciente foto frontal, avaliação do excesso vertical. B. Avaliação do sorriso, quantidade degengiva que possa estar exposta;
C. Avaliação do perfil no sentidoântero-posterior da maxila e mandibula e avaliação também no sentidovertical.
Preparo Ortodôntico Prc-cirúrgico c Controle Pós-cirúrgico 629

Fig. 49-7. Avaliação da linha (a) vertical central (plano sagital verti
cal). Perpendicularmente deve estar o plano bipupilar (b), linhas
verticais passando pelos cantos interno e externo dos olhos (c, d).

'/a
1 _->-^N\\\\^ «"""-- i
'/a

i /

'/a

Fig. 49-8. Avaliação da face em terços superior médio e inferior,


que devem manter proporções entre si.

ts)
Va

) 2/z
/
Fig. 49-6A. Comparação entre a foto frontal e o estudo tomográ-
fico do paciente; B e C. onde notamos uma assimetria facial Fig. 49-9. Avaliação vertical, terço inferior da face, o lábio superior
associada a hipoplasia do ramo e mandibular e corpo mandibu (subnasal estômio) deve medir aproximadamente 20mm e pode
lar do lado esquerdo, levando a um desenvolvimento assimétrico rá variar 2mm para mais ou menos, correspondendo a 1/3 do
da face. terço inferior da face.
630 CirurgiaCraniomaxilofacial

A avaliação ântero-posterior —segundo Epker e AVALIAÇÕES RADIOGRÁFICAS


Fish", com o auxílio da avaliação do perfil clínico e do
perfil cefalométrico pode-se interpretar a convexidade
facial pela protrusão do lábio superior, inferior e men Panorâmicas
to, através de uma perpendicular ao plano de Frank Radiografias que ficaram conhecidas como pantomo-
furt, passando pelo ponto subnasal. As medidas médias grafias e foram desenvolvidas em 1948 por Paatero1',
para lábio superior são de Omm, ou seja, tocando a que dentro do planejamento ortocirúrgico servem para
linha; para o lábio inferior, uma retrusão de 2mm atrás dar uma visão global das posições dentais e suas orien
desta linha, e o mento, 4mm atrás da linha (Fig. 49-10), tações quanto ao longo eixo dental, número de den
podemos avaliar o ângulo nasolabial que deve ser da tes, cronologia de desenvolvimento dental, presença
aproximadamente de 102 graus variando 8 graus, a sua de lesões ósseas ou dentais, problemas de nível ósseo
interpretação será para valores maiores do que 102 graus, no periodonto. Podemos avaliar de uma maneira ge
sugestivos de retrusão maxilar e valores menores pro ral o tamanho do corpo e ramos mandibulares para
trusão maxilar, devemos levar em conta a inclinação possíveis assimetrias por hipoplasia de ramo ou corpo
da base do nariz (Fig. 49-11). da mandibula e alterações morfológicas dos côndilos
etc. (Fig. 49-12A,B).7

Periapicais
Definem melhor os problemas relativos às alterações
dentais de forma, cáries, reabsorção radicular e outras
indicações, pois apresentam melhor definição de ima
gem e contraste, e maior riqueza de detalhes (Fig. 49-13).

Fig. 49-10. Avalia a protrusão maxilar e mandibular por uma linha


perpendicular ao plano de Frankfurt em relação ao lábio superior,
inferior e o ponto mais anterior da mandibula situado no mento.

Fig. 49-11. Avaliação do ângulo nasolabial que deverá ter aproxi


madamente 102 graus, ângulos menores são sugestivos de pro Fig. 49-12. Radiografia panorâmica no início do tratamento e
trusão maxilar, e ângulos maiores, de retrusão maxilar. após a remoção do aparelho em um paciente ortocirúrgico.
Preparo Ortodôntico Pré-cirúrgico e Controle Pós-cirúrgico 631

da base do crânio como referência para análise do per


fil facial, e ao uso de diferentes referências para se rea
lizar a interpretação da posição das várias estruturas
da face (Fig. 49-14).
A escolha de análise deverá ser de acordo com as
necessidades e prioridades de cada profissional, e deve
estar associada com a análise facial (Fig. 49-15).
Telerradiografia em norma frontal não será um
exame de rotina, e sim um instrumento indispensável
se quisermos diagnosticar, julgar e corrigir (caso seja
possível) as graves assimetrias craniofaciais21, com o
intuito de registrar e quantificar as assimetrias faciais.
Fig. 49-13. Radiografias periapicais mostrando detalhes das A radiografia da mão e do punho permite-nos
estruturas ósseas e dentais; neste caso mostra uma reabsorção
radicular decorrente do excesso de forças elásticas nos anteriores avaliar se o paciente encontra-se em crescimento ou
superiores. apresenta maturidade esquelética. A cirurgia ortog-
nática é realizada normalmente após o crescimento
completo, avaliado por este método radiográfico,
Telerradiografia Lateral e Ântero-posterior quando da completa fusão das epífises e diáfises dos
O objetivo desta radiografia é avaliar a face nos senti ossos da mão; porém muitas vezes a precocidade da
dos ântero-posterior, vertical e transversal. Vários au cirurgia se faz necessária em função do comprometi
tores escreveram sobre telerradiografia e sugeriram for mento emocional e comportamental relacionado a
mas de interpretá-la por meio de desenhos anatômi alterações estético-faciais que o paciente possa apre
cos realizados sobre as radiografias e, durante muitos sentar12.
anos, dentro do diagnóstico ortodôntico, apresenta Com a coleta dos dados e de sua interpretação
ram relevância para o planejamento. podemos fazer uma lista de problemas e realizar o
Recentemente a cefalometria tem sofrido muitas planejamento por ordem de prioridades, e definir a
críticas, Arnett afirma que o diagnóstico das más oclu- mecânica ortodôntica mais adequada. Normalmente
sões por meio das análises cefalométricas não é confi a ortodontia pré-operatória se resume em alinhar e
ável, pois se formos comparar o mesmo paciente com nivelar os elementos dentários, promover a descom
as várias análises existentes poderemos ter diagnósti pensação dental e a coordenação transversal entre os
cos diferentes e diversos planos de tratamento com arcos; poderemos realizar a ortodontia em um arco
resultados estéticos bons e ruins. Isto se deve, em par só ou segmentando o caso de acordo com a sua neces
te, às variações de espessura de tecidos moles, ao uso sidade.

Fig. 49-14. Telerradiografia em norma lateral mostrando o mesmo paciente em três etapas do tratamento: (A) pré-tratamento; (B) pré-
cirúrgica e (C) pós-cirúrgica.
632 Cirurgia Craniomaxilofacial

Análise cefalométrica

Norma medido
N.perp.A 1,0mm 6,0mm
N.perp.Pg -4,0mm -21,0mm
Tecidos moles
FMA 25 graus 40 graus Verticais proporções medido
Gl -Sn/Sn-Me(A-B) 1/1
Co-A 96,0mm Sn -St/St-Me(C-D) 1/2
Co-Gn. 125mm 111,9mm Gap interlabial(E) 2,0mm
AFAI 68mm 89,0mm horizontais
Sn.perp.Ls (F) 0,0mm
1-P.P. 70 graus 78 graus Sn.perp.Li (G) -2,0mm
IMPA 90 graus 102 graus Sn.perp.Pg (H) -6,0mm

Fig. 49-15. Traçado cefalométrico em que são avaliadas as estruturas faciais ósseas e de tecidos moles nos sentidos horizontal e vertical.
Vários outros dados podem ser incorporados à análise cefalométrica.

Para Arnett, o planejamento estético da cirurgia o plano mandibular, e o incisivo superior com o plano
ortognática deve considerar primeiro o posicionamen maxilar, respectivamente 90 graus e 70 graus, variando
to ortodôntico dos incisivos, segundo o exame facial mais ou menos 3 graus. Outros aspectos a se considerar
e, finalmente, o planejamento cefalométrico estético3. neste movimento serão a quantidade de apinhamento e
O posicionamento dos incisivos gera um grande problemas periodontais. Os padrões de extração devem
impacto nas alterações faciais produzidas pela cirur sempre visar à diminuição das compensações dentárias
gia. Devemos sempre reduzir as compensações den pré-cirurgia ortognática (Fig. 49-17).
tais existentes no sentido ântero-posterior e que se Após a avaliação do ortodontista, o cirurgião rea
manifestam com problemas nas inclinações axiais dos lizará a confecção do traçado predictivo do caso com
incisivos e apinhamentos (Fig. 49-16), o que produzi objetivo de dar uma idéia do resultado após a cirur
rá muitas vezes uma piora estética durante o trata gia2. Basicamente, ele pode ser obtido por método
mento pré-cirúrgico. Ainda segundo Arnett, o posi manual ou computadorizado. O traçado deverá ser
cionamento ideal dos incisivos deverá ser, para os realizado em conjunto entre o cirurgião e o ortodon
superiores, 54 graus, variando 4 graus em relação ao tista", buscando sempre o melhor posicionamento
plano oclusal maxilar, e para os inferiores, 64 graus, va dental dentro das estruturas maxilar e mandibular nos
riando 4 graus em relação ao plano oclusal mandibular. sentidos vertical, transversal e horizontal, dando me
Também podemos avaliar a posição dos incisivos ten lhores harmonias facial e funcional. Os estudos com
do como base a angulação dos incisivos inferiores com parativos dos traçados predictivos e os resultados fi-
Preparo Ortodôntico Pré-cirúrgico e Controle Pós-cirúrgico 633

1-Plano palatino = 70 graus - valor medido 78 graus


1-Plano mandibular = 90 graus - valor medido 102 graus
1-plano oclusal máx. = 54 graus - valor medido 65 graus
1-plano oclusal mand. = 64 graus - valor medido 55 graus.

Fig. 49-17. Avaliação da posição dos incisivos superiores e inferi


ores tendo como referência (a) plano palatino; (b) plano oclusal
maxilar; (c) plano oclusal mandibular; (d) plano mandibular.

este estágio fazemos moldagens periódicas com o intui


to de avaliar a relação entre as arcadas. O caso estará
apto para a cirurgia quando o planejamento proposto
pela equipe for atingido, ou seja, os modelos de gesso
do paciente se articularem adequadamente com uma
relação de chave molar, canino em classe I, linha média
centralizada superior e inferior com o mínimo movi
mento dental ortodôntico pós-cirúrgico, devendo exis
tir estabilidade dos modelos de gesso nesta posição. Pe
quenos desgastes com objetivo de promover estabilida
de poderão ser realizados desde que não comprometam
o elemento dental quanto à estética e função pós-cirúr-
gica. Nesta etapa, iremos soldar ganchos nos fios de aço
e estes estarão amarrados aos bráquetes (Fig. 49-18). O
ortodontista, sempre que possível, deverá ter os mola
Fig. 49-16A. Antes da remoção do primeiro pré-molar; B. após a res bandados (Fig. 49-19) com a função de dar estabili
remoção com objetivo de melhorar a posição dos incisivos inferi
ores pré-cirurgia e que deverá aumentar o trespasse horizontal
dade ao aparelho ortodôntico, quando forem colados
entre os incisivos, e (C) após a cirurgia mostrando a relação ânte poderá se descolar dos dentes em função da manipula
ro-posterior adequada. ção imposta durante a cirurgia e que dará uma instabi
lidade pós-cirúrgica da oclusão, pois o bloqueio será
pouco efetivo.
nais dos traçados cefalométricos pós-cirúrgicos têm-se
mostrado com uma variação quantitativa com signifi-
cância estatística. Segundo Araújo, porém, do ponto
CONTROLE PÓS-CIRÚRGICO
de vista qualitativo o traçado é indicado para avaliar
as mudanças ântero-posterior e vertical. Quando o cirurgião liberar o paciente para continuar o
A mecânica ortodôntica é uma seqüência de fios tratamento ortodôntico, geralmente de 4 a 12 semanas
com o objetivo de promover alinhamento e nivelamen pós-cirurgia, estando o segmento operado e a oclusão
to dos dentes, eliminar espaços remanescentes de extra estável, normalmente durante este período aplicam-se
ções dentais e promover a coordenação dos arcos supe elásticos de classe II ou classe III, se necessário, com o
rior e inferior no sentido transversal. Após atingirmos objetivo de estabilizar e perpetuar os resultados obti-
634 Ciruraia Craniomaxilofacial

dos após a cirurgia e poderá orientar o ortodontista a


continuar o seu uso.
O ortodontista caminhará para a finalização or
todôntica com a reavaliação do posicionamento dos
bráquetes, para conseguir um resultado mais preciso
de intercuspidação (Fig. 49-20), inclinação axial den
tal, melhora da função mastigatória, avaliando sem
pre a relação cêntrica (RC) e a oclusão cêntrica (OC),
que devem ser iguais ou próximos, e, então, remover o
aparelho ortodôntico, trabalhando a contenção dos
resultados obtidos com o tratamento.
Poderemos fazer ajustes oclusais ao final do trata
mento para conseguir melhora na relação oclusal, tor
nando-a mais estável e atraumática'. Desta forma, esta-,
remos controlando os resultados e preservando as con
dições periodontais que protegem os elementos den
tais.
O paciente retornará ao consultório ortodôntico
por um período aproximado de cinco anos, com inter
valos de seis em seis meses; caso seja observada alguma
mudança no padrão oclusal ou estético a equipe deverá
se reunir e avaliar as mudanças que ocorreram e definir
se estão dentro do esperado —como uma mudança adap-
tativa —ou são recidivas do problema inicial.

Fig. 49-20. Intercuspidação: melhorar a relação vertical entre os


dentes posteriores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Araújo AM, Araújo MM, Araújo A. Cirurgia ortognática solu
ção ou complicação? Um guia para o tratamento ortodôntico
cirúrgico. Rev Dental Press ortodont c ortop Facial 2000;
5(5):105-22.
2. Araújo MM. Rev Dental Press ortodont Ortop Facial; 2000;
5(/):26-31.
3. Arnett GW. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia
Fig. 49-18. Gancho soldado ao fio de aço 0,019 x 0,025 com Maxilar, Vol 3 número 3 maio/jun 1998.
elástico em classe II contenção pós-cirurgia.
4. Clark GT, Adler RC. A criticai evaluation of oclusal
therapy:occlusal adjustmcnt procedures./ylm Dent AíSOC 1985;
110(3):743-50.
5. (comunicação pessoal In Roth/Willian Ccnter San Francisco
Califórnia 1998).
6. Epker NB, Stella JP, Fish LC. Dentofacial deformities integra-
ted orthodontic and surgical correction, second edition VI.
1995.

7. GregoretJ. Ortodontia c cirurgia ortognática —diagnóstico e


planejamento. 1 ed., Livraria Santos Editora 1999.
8. HarfinJ. Ortodontia:bascs para a iniciação/Sebastião Intcrlan-
di. 4 ed., São Paulo: Artes Médicas, 1999.
9. Jacobson, Alexandcr: Radiographic cephalomctry —from ba-
Fig. 49-19. Bandas são anéis metálicos que envolvem os dentes,
principalmente os posteriores, e ligam os acessórios que a eles
sics videoimaging. Quintcssence, 1995.
estão soldados aos dentes, permitem maior resistência ao conjun 10. Lee R. Esthctics and its relations in Interlandi,S.Ortodontia:
to do aparelho ortodôntico. Bases para iniciação —4 ed., São Paulo: Artes Médicas, 1999.
Preparo Ortodôntico Pré-cirúrgico e Controle Pós-cirúrgico 635

11. Lines, PA, Steinhauser EW Diagnosis and treatment planning 16. Roth RH. A Functional oclusion approach to orthodontics in
in surgical orthodontic therapy. AmJ Orthod 1974;66(4):378- Roth/Williams Center for functional occlusion 1997.
97.
17. Stenbeergn E, Litt M, Nanda R. American Journal Orthodon
12. Mazzotini R. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia tics and Dento Facial Orthopedics 1996;109(<í5):653-9.
Maxilar 1997;2(/):8-10. 18. Subtelny, J. Daniel —Early orthodontic treatmente. Quintesse-
13. Moyers RE.Ortodontia. 3 ed., Rio deJaneiro: Guanabara Koo- mce, 2000.
gan, 1979. 19. Suguino R. Revista Dental Press de ortodontia e ortopedia
14. Okenson, Jeffrey P. Tratamento das desordens temporomandi- Maxilar 1996;1(7).
bulares e oclusão. 4 ed., São Paulo: Artes Médicas, 2000. 20. Viazis AD. Avaliação do tecido mole. Atlas de Ortodontia. Prin
15. Paatero, YV. A new tomografhical method for radiographing cípios e Aplicação Clínica 1990;49.
curved outer surfaces. Acta Radiol 1948;32177-84. 21. Vion PE. Anatomia cefalométrica. Ed.Santos. 1994;92.
Avaliação Fonoaudiológica
e Terapia Miofuncional
Orofacial Cervical

Lídia WAgostino

rava as alterações do crescimento facial como fator


INTRODUÇÃO
determinante das desarmonias oclusais intermaxilares
A especialidade de motricidade oral, criada em 1996, é e a relação anatomofuncional das estruturas ósseas e
uma das quatro áreas abrangentes da fonoaudiologia moles, por falta de experiência do fonoaudiólogo com
com objeto de estudo, pesquisa e tratamento dos dis as cirurgias reparadoras.
túrbios funcionais que envolvem as regiões orofacial e No final da década de 1970, em decorrência da
cervical, com conhecimentos da embriologia, anato preocupação dos cirurgiões com a freqüência de recidi
mia e fisiologia das estruturas que compõem este com vas no pós-operatório tardio dos procedimentos cirúr
plexo. gicos ortognáticos em pacientes cujo resultado opera-
A atuação terapêutica denominada terapia mio tório imediato era satisfatório, foi formada a parceria
funcional orofacial é um procedimento direcionado à da fonoaudiologia com a especialidade de cirurgia cra
criação de condições favoráveis à aquisição de padrões niomaxilofacial, passando-se a valorizar os aspectos
adequados de respiração nasal, fala, sucção, mastiga funcionais envolvidos nas deformidades maxiloman-
ção e deglutição por meio de técnicas específicas de dibulares6.
ação no tônus, equilíbrio entre os grupos musculares, A troca de conhecimento entre as especialidades
postura e função das estruturas envolvidas nessas ati permitiu ao fonoaudiólogo a compreensão das altera
vidades. ções tridimensionais da face, os possíveis fatores etio-
Na década de 1970, o estudo dos padrões de com lógicos, a relação da forma com a função e o desen
portamento que afetam a estabilidade da oclusão den volvimento de técnicas terapêuticas mais efetivas, com
tária, atribuídos à deglutição atípica e pressões exerci o objetivo comum de propiciar a estabilidade dos pro
das pela língua durante a atividade da fala14, já era inte cedimentos ortodôntico, cirúrgico e fonoaudiológico.
resse da fonoaudiologia em face a preocupação dos
especialistas em ortodontia com a alta incidência de
instabilidade nos procedimentos ortodônticos.
A terapia era direcionada à função mastigatória,
ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
deglutição e fala apenas nos casos passíveis de corre As alterações no crescimento dos ossos da face interfe
ção ortodôntica. O enfoque terapêutico não conside rem diretamente nas arcadas dentárias, criando desar-

636
Avaliação Fonoaudiológica e Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 637

monias oclusais e desequilíbrios musculares que reper Os problemas respiratórios na infância, de etiolo
cutem nas funções do sistema estomatognático. gia obstrutiva ou não-obstrutiva, determinam o pa
Pela peculiaridade das alterações funcionais em drão atual de respiração bucal ou mista. Nos casos de
inter-relação com as estruturas envolvidas nas cirurgias dificuldade respiratória e relato de apnéia do sono, é
ortognáticas, se faz necessária a atuação conjunta do aconselhável avaliação otorrinolaringológica.
especialista em motricidade oral, cirurgião plástico, Outros problemas de saúde são pesquisados, as
ortodontista, dentista clínico e outras áreas afins, cada sim como sintomatologia de dor facial, torcicolos,
qual com conhecimentos específicos em sua especiali cefaléias e deficiência visual.
dade e um adequado nível de informações sobre as O tipo de alimentação atual preferida fornece in
demais áreas para avaliar o paciente como um todo e formações não desprezíveis quanto à capacidade fun
tratá-lo efetivamente. Os procedimentos terapêuticos cional dos músculos masseter, temporal, bucinador e
podem ser concomitantes ou hierarquizados, de acor da língua.
do com as necessidades de cada caso. O paciente com queixa de disfunção de ATM é
mais seletivo na escolha do alimento. A carência de
alguns nutrientes e a falta de atividade muscular por
AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA defesa à dor podem ser a causa da perda de massa
PRÉ-OPERATÓRIA muscular observada na face destes pacientes.
Problemas na aquisição de linguagem e no desen
O primeiro procedimento é a elaboração da anamnese volvimento da fala, atribuídos a fatores sensoriais, cog
a partir da queixa principal e direcionada a cada caso nitivos ou ambientais são indicadores de possíveis
específico. A coleta de dados sobre possíveis patologias patologias associadas à queixa atual.
pregressas que possam justificar ou mascarar o quadro Os hábitos parafuncionais adquiridos na infância
clínico atual, e a observação do comportamento do ou no decorrer do desenvolvimento favorecem dese
paciente, servem de base para a avaliação, orientação e quilíbrios musculares e podem ser considerados como
tratamento. '
um dos fatores associados à etiologia do quadro prin
cipal, sendo os mais perniciosos:
Anamnese • A sucção digital projeta os dentes incisivos centrais
Na queixa principal, são mencionadas disfunções do e em alguns casos molda o polegar no palato, com
sistema estomatognático, mas dificilmente fazem par conseqüente atresia do arco alveolar maxilar.
te da motivação do tratamento ou são relacionadas ao • Uso prolongado de chupeta favorece a mordida aberta
quadro principal da deformidade, talvez pela adapta anterior ou lateral, com projeção interdental da lín
ção funcional às estruturas alteradas no decorrer do gua na fala. O hábito de manter a chupeta presa en
crescimento e ausência de parâmetros normais. tre as arcadas sem sucção induz a respiração mista.
Relato de prematuridade, intercorrências ao nas • Lamber os lábios que se apresentam secos, rachados
cimento e evolução neuropsicomotora fornecem da e ásperos favorece a anteriorização da língua.
dos sobre a musculatura de base, indicando as condi • Morder os lábios e bochechas.
ções em que as praxias orais foram adquiridas e a pre • Pressão externa aplicada pelo apoio da mão sobre a
sença de possíveis alterações da motricidade fina. mandibula e maxila em repouso favorece mordida
A ocorrência da mesma deformidade nos antece cruzada unilateral.

dentes familiares indica probabilidade de componen • Sucção da língua, freqüente nos casos de disfunção
tes genéticos na alteração do crescimento facial. de ATM na tentativa de aliviar a dor, projeta a man
A referência a problemas otológicos na infância dibula e agrava o quadro.
como as otites médias de recorrência, pode estar rela • O hábito de morder objetos e onicofagia podem
cionada à hipertrofia das adenóides e a problemas res desestabilizar a oclusão.

piratórios pregressos. • Bruxismo.

Queixa atual sugestiva de patologia otoneurológi- O conhecimento e a compreensão dos hábitos


ca em pacientes com histórico de disfunção da articula parafuncionais permitem ao fonoaudiólogo entender
ção temporomandibular (ATM) deve ser considerada. os princípios básicos que devem atuar na correção des
Neste caso, o diagnóstico diferencial é necessário para te comportamento.
afastar a possibilidade de lesões coexistentes otológicas Por meio da observação direta é possível avaliar o
e otoneurológicas, pois os sintomas são semelhantes6. comportamento do paciente, seu tipo emocional, a
638 Cirurgia Craniomaxilofacial

fala espontânea, presença de hábitos parafuncionais, As alterações mais freqüentes dizem respeito à sime
grau de ansiedade frente à situação de exame, nível de tria, forma, postura, tônus e mobilidade, em estreita rela
compreensão do problema, receptividade ao tratamen ção com a alteração esquelética da maxila e mandibula.
to, empatia com o especialista e grau de responsabili
dade junto à equipe.
DEFORMIDADE TRANSVERSAL
Durante a entrevista, o fonoaudiólogo deve ser
objetivo nas perguntas sem induzir as respostas, crian Lábios

do um clima de confiança e respeito que transmita


lábio superior curto e incompetente;
segurança quanto ao empenho da equipe em procurar
lábio inferior evertido;
solucionar o problema do paciente.
sucção do lábio inferior;
ausência de selamento labial;
Estudo da Face sinais de ressecamento.

No estudo da face deve-se considerar que esta é consti Postura


tuída por um complexo aparato de músculos, ossos e
A ausência de selamento labial favorece a labioversão
espaços orgânicos que, coordenado pelo sistema ner
voso central (SNC), desenvolve também as funções de dos dentes incisivos centrais superiores e a linguover-
deglutição, fonação, mastigação e respiração'3. Existe são dos inferiores pela ação do músculo mentual na
tentativa de cerre labial.
uma similaridade de pontos de apoio da língua para a
execução dessas funções que é essencial para o equilí A postura em repouso sem contato labial induz a
brio dentofacial.
um padrão de respiração misto.
A classificação das deformidades ósseas é a pro
posta por Psillakis6. Por ser baseada nas alterações tri Fala

dimensionais da face, nos parece mais adequada para a Na emissão oral, a falta de constrição altera os pontos
compreensão dos mecanismos que determinam as al de articulação dos fonemas bilabiais p/b/m quando o
terações posturais, musculares e funcionais das estru lábio superior é substituído pelos dentes incisivos su
turas envolvidas nas cirurgias ortognáticas. periores.
Pela impossibilidade de contato da região mais vesti
bular do lábio inferior com os dentes incisivos superiores,
Avaliação do Sistema Miofuncional os fonemas labiodentais f/ v/ são articulados pelo apoio
Orofacial dos incisivos além do vermelhão, com sucção labial.
A análise precisa da forma, tônus, mobilidade e apoios
utilizados pelas estruturas fonoarticulatórias define o
esquema do comportamento funcional e desequilíbri
os dos grupos musculares. Este estudo serve de parâ
metro para a avaliação pós-operatória c viabiliza um
programa preciso de terapia.
Cada estrutura é avaliada na sua forma em repou
so e em movimentos específicos isolados, porém na
dinâmica da fala, mastigação e deglutição a análise é
conjunta quando duas ou mais se agrupam para exer
cer as referidas funções.

Lábios

Os lábios, normalmente, em seu estado de repouso


cerram a boca e obrigam o indivíduo a respirar pelo
nariz e a deglutir a saliva. Desempenham ainda um
importante papel na dinâmica da fala, e em ação con
junta com a língua e bochechas equilibra forças sobre Fig. 50-1. Selamento labial ausente. Observe a ação do músculo
os dentes3. mentual.
Avaliação Fonoaudiológica e Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 639

Função muscular

A função do orbicular da boca pode ser analisada em


movimento de protrusão (contração das fibras da por
ção profunda e relaxamento das fibras da porção su
perficial) e sorriso por uma ação inversa das fibras. Na
protrusão, os lábios não arredondam, o superior se
eleva e o inferior se retrai atrás dos incisivos superio
res; no sorriso, observa-se uma ação exacerbada da
musculatura da mímica facial.
Nos movimentos em seqüência com emissão da
sílaba " pa" o lábio inferior toca os incisivos superio
res com ação do músculo mentual.
Durante a deglutição há uma interposição do lá
bio inferior com os dentes incisivos superiores.
O orbicular do lábio deixa de exercer a função de
esfineter bucal, com desequilíbrio dos músculos que
normalmente se opõem à sua ação.
A correção dessa condição funcional no período
Fig. 50-2. A hipotonia labial confere uma expressão facial "triste".
pré-operatório é limitada pela deformidade óssea, mas
é possível alongar o lábio superior, fortalecer o orbi
cular e diminuir a força do músculo mentual por fonemas labiodentais /{/ /v/. Os fonemas alveola-
meio de exercícios mioterápicos, criando condições res são emitidos com projeção da língua entre as
mais favoráveis aos tratamentos ortodôntico e cirúr arcadas.
gico.
Função muscular
DEFORMIDADE CRANIOCAUDAL
(FACE LONGA E FACE CURTA) A hipofunção do orbicular oral exige grande ativida
de do mentual, o que confere aumento da sua massa
Lábios muscular, "endurecendo" a expressão facial dos paci
• lábio superior mais fino, com vermelhão apagado; entes do sexo masculino e "masculinizando" a do sexo
feminino.
• mais curto na face longa;
Os movimentos de protrusão são assimétricos, o
• hipotônico na face curta; sorriso é gengival na face longa e encobre os incisivos
• inferior evertido; e superiores na face curta.
• ângulo da boca mais caudal. Nota-se hipofunção do levantador do ângulo da
boca, conferindo uma face "triste".
Postura Na emissão em seqüência da sílaba "pa" o lábio
inferior é também substituído pelo ápice da língua.
A dificuldade de oclusão labial está na proporção da Procede-se a mesma conduta pré-operatória da de
gravidade do caso, mordida aberta anterior e grandes formidade transversal, com melhores resultados quando
desproporções maxilomandibulares. O selamento é o lábio superior é alongado, o inferior com postura mais
sempre débil na face curta ou mesmo ausente na face adequada, ângulos da boca mais simétricos e a região
longa, o que favorece a respiração mista. mentual suavizada.
A eversão do inferior com mucosa exposta dá
uma falsa idéia da sua proporção, provoca resseca-
mento e hábitos parafuncionais na tentativa de man DEFORMIDADE DO SENTIDO
tê-los úmidos. ÂNTERO-POSTERIOR
Lábios
Fala
• lábio superior curto e estreito;
A projeção do lábio inferior altera o ponto de arti • inferior projetado e evertido;
culação dos fonemas bilabiais p/ b/ m com substi • ângulos da boca assimétricos;
tuição do lábio pelo ápice da língua, assim como os • ausência de selamento labial.
640 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 50-3A e B. Hipertonia


do músculo mentual.

Postura Fala

As alterações posturais são mais complexas que as ob Os pontos de articulação dos fonemas bilabiais e labi
servadas na face longa por maior projeção mandibular odentais têm o lábio inferior substituído pelo ápice
e hipoplasia do terço médio da face. Esta despropor da língua, com mais protrusão.
ção na relação maxila-mandíbula impossibilita a oclu
são labial. Função muscular
O desequilíbrio muscular é similar ao da face longa,
com maior atividade do lábio inferior no ato da mas
tigação.

Arco Dental

Os dentes compõem os arcos dentais maxilar e mandi


bular. Têm a função biológica de mastigação, sendo
considerados os precursores do processo de digestão,
e uma função não-biológica que, juntamente com os
ossos da face, determina as características faciais do
indivíduo, além de um importante papel na fala9.
A assimetria oclusal pode ser indicativa de assi
metria facial.
A forma regular dos arcos está também relaciona
da com a posição de equilíbrio entre a língua no senti
do póstero-anterior em contato com a face lingual dos
cientes superiores e inferiores, os lábios no sentido ân-
tero posterior em contato com a face labial dos dentes
incisivos superiores e inferiores, formando a cinta
muscular e as bochechas em contato com a face bu
cal.
Fig. 50-4. O lábio inferior acompanha a projeção da mandibula e Do ponto de vista fonético, as anomalias mais im
é substituída pelo ápice da língua na articulação dos fonemas p/ b/
m/f/v. portantes da oclusão dentária são as da região anterior.
Avaliação Fonoaudiológica e Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 641

Fig. 50-5. Os dentes incisivos superiores em lábio versão e os


inferiores em linguo versão dificultam o selamento labial.

DEFORMIDADE TRANSVERSAL

• arcada superior estreita no diâmetro transversal;


• projeção dos incisivos superiores apoiados no lábio
inferior;
• inferiores em linguoversão.
Freqüentemente esta deformidade está associada
à respiração bucal.

Fala

O diâmetro transversal atrésico confere um palato alto,


estreito, dificultando os apoios da língua em repouso.
Na dinâmica da fala os fonemas linguoalveolares t/ d/
n/ e 1 são emitidos com protrusão interdental da lín
gua.
A deformidade modifica a forma do trato bucal
utilizada para a emissão dos fonemas fricativos. A arti
culação é mais posterior e resulta em um sigmatismo
dorsal ou lateral. O espaço intrabucal reduzido modi
fica o timbre da voz.

DEFORMIDADE CRANIOCAUDAL Fig. 50-6A. Face curta com mordida cruzada. B. Face longa e C.
Face longa com arco dental superior atrésico e apinhamento dos
• mordidas cruzada na face curta; dentes.

• mordida cruzada, aberta anterior e posterior na face


longa;
• apinhamento dos dentes maxilares quando o pala DEFORMIDADE DO SENTIDO
to é alto e a arcada atrésica. ÂNTERO-POSTERIOR

• mordidas cruzada, aberta anterior e posterior.


Fala
Esta condição favorece uma postura inadequada
Na face curta os fonemas alveolares são emitidos com da língua, dificuldades na mastigação, e alteração dos
apoio do dorso da língua na crista alveolar e com pro pontos de articulação dos fonemas alveolares similar à
trusão interdental na face longa. da face longa.
642 Cirurgia Craniomaxilofacial

Língua perda de propriocepção, devendo-se aplicar a prova


de Romberg. Nesta prova, quando o indivíduo é in
As funções biológicas primárias da língua são o pala
capaz de permanecer em posição ortostática, o sinal
dar, a mastigação e a deglutição. Nesse processo, auxi
é positivo18. Este sinal sugere maior dificuldade no
lia a mastigação levando o alimento até os dentes para
processo terapêutico miofuncional pré e pós-opera
a trituração, forma o bolo alimentar misturado à sali
tório.
va e, no ato da deglutição, leva este bolo para a farin
O corpo da língua sulcado é indicativo de pres
ge. Agrupada a outras estruturas: dentes, processos al
são anormal exercida contra os arcos dentais.
veolares e palato exercem a função da fala".
A presença de ressecamento e fissuras é comum
A sua natureza proteiforme18 permite a adaptação
no paciente respirador bucal.
da postura às deformidades maxilomandibulares, re
sultando em alterações do tônus e da função.
A língua é examinada pela postura em repouso, DEFORMIDADE TRANSVERSAL
cm sua ação muscular na troca de forma, nos movi
Língua
mentos de protrusão, retração, depressão e elevação,
na dinâmica da fala, na mastigação e na deglutição. • postura em repouso com protrusão interdental e
Por meio dessa análise, o examinador experiente con apoiada no lábio inferior;
segue avaliar se a forma e a postura alteradas são de • hipotonia;
correntes da diminuição do tônus muscular por adap • sulcos nas bordas laterais;
• mobilidade restrita.
tação à condição esquelética (macroglossia relativa), ou
se fazem parte de um quadro mais complexo, com hi
pertrofia da massa muscular (macroglossia verdadei- A atresia do palato e o diâmetro transversal estrei
to do arco dental superior impossibilitam a coaptação
ra)7.
da língua em repouso, e esta se desloca para baixo,
Convém ressaltar que o erro de diagnóstico pode
com protrusão durante a deglutição e a articulação
levar a intervenções desnecessárias, como a glossecto
dos fonemas alveolares.
mia parcial e suas conseqüências. A avaliação sugerida
considera a tríade: massa muscular/ tônus/ relação
continente-conteúdo. DEFORMIDADES CRANIOCAUDAIS
Na avaliação da atividade muscular, tremores fi
Língua
nos na protrusão da língua, dificuldades na mudan
ça da forma e na manutenção da postura elevada, as • postura baixa em repouso, mais anteriorizada na face
sociados a sincenesias faciais, podem ser um sinal de longa;
• hipotonia;
• sulcos no corpo da língua.

Fig. 50-7. Músculos da língua. (I - M. genioglosso - protrusor da


língua; 2 - M. hioglosso - abaixador da língua; 3 - M. estiloglosso
- retrutor e levantador da língua; 4 - M. longitudinal superior; 5 - Fig. 50-8. Postura da língua com protrusão interdental e apoiada
M. palatoglosso; 6 - M. gênio-hióideo; 7 - M. milo-hióideo.) no lábio inferior.
Avaliação Fonoaudiológica e Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 643

priedade acústica da cavidade oral, assim como no


apoio da língua em repouso, na deglutição e articula
ção da fala.
O exame é importante na análise continente-con-
teúdo, na avaliação de macroglossia e no planejamen
to da terapia miofuncional.
Nos casos de atresia com apinhamento dos den
tes, com indicação de disjunção maxilar cirurgicamen-
te assistida, a atuação do fonoaudiólogo é restrita à
avaliação inicial. Aproximadamente dois meses de pós-
operatório, com a retirada do expansor, o paciente é
reavaliado e a terapia pré-ortognática é iniciada conco
Fig. 50-9. Postura da língua baixa. mitante ao tratamento ortodôntico de alinhamento
dos dentes.
Os relatos de melhora na respiração são freqüen
DEFORMIDADE DO SENTIDO
tes, com influência na produção da fala e postura da
ÂNTERO-POSTERIOR
língua. Aconselha-se rinomanometria antes e após o
Língua ato cirúrgico, para mensuração objetiva dos ganhos
• postura baixa e achatada, preenchendo o espaço do de aeraçao nasal.
assoalho da boca;
• acentuada hipotonia; Mastigação e Deglutição
• acompanha a projeção mandibular. Os músculos faciais orbicular e bucinador, da masti
gação: temporais, masseteres, pterigóideos lateral e me-
Nestas deformidades, a projeção da mandibula
favorece a postura baixa e anteriorizada, com altera
ção do tônus freqüentemente confundida com macro
glossia verdadeira.
Na presença de relação intermaxilar assimétrica, a
língua acompanha a deformidade em repouso c mais
notadamente durante a fala.

Abóbada Palatina

A sua forma é avaliada nos sentidos transversal e ânte


ro-posterior, e suas alterações podem estar relaciona
das à respiração bucal pregressa interferindo na pro

Fig. 50-11 A. Caso de disjunção maxilar com o aparelho expansor.


Fig. 50-10. Língua com postura adaptada à deformidade mandi e B. Caso de disjunção maxilar sem o aparelho expansor, fase de
bular. Hipotonia/Macroglossia relativa. inicio da terapia miofuncional orofacial pré-ortognática.
644 Cirurgia Craniomaxilofacial

dial, da língua e supra-hióideos são avaliados durante não possui parâmetros de normalidade para avaliarestas
a função mastigatória e deglutição. funções.
A mastigação é avaliada nas três fases: incisão, es
magamento e trituração do alimento.
Normalmente, a incisão inicia-se com a depressão Respiração
e projeção da mandibula de modo a ativar o funciona A avaliação do padrão respiratório é um dado impor
mento conjunto dos dentes inferiores e superiores. O tante, pois, quando alterado, pode interferir no equilí
esmagamento é realizado com o alimento nas superfí brio muscular da face, postura labial e da língua, voz,
cies oclusais, com auxílio da língua e do músculo bu e fala4, além da estabilidade dos procedimentos orto
cinador, que tensiona as bochechas e mantém o ali dôntico e cirúrgico.
mento em contato com os dentes. Os lábios permane Alguns sinais são indícios de respiração bucal:
cem ocluídos nesta fase mais vigorosa da mastigação,
• rosto longo e estreito com terço médio hipoplási
com atuação dos músculos masseteres, temporais, e
co;
pterigóideos lateral e mediai".
• tônus da face flácido à palpação;
Na fase de trituração, a mandibula, mediante o
• pouca expressão facial;
movimento rotatório, faz com que o bolo alimentar
• presença de olheiras ou edema;
passe de um lado para outro do arco dental.
• nariz estreito e narinas colapsadas;
Nas desproporções maxilomandibulares, as três
• lábios entreabertos e hipotônicos;
fases estão comprometidas. A língua projeta-se para
• lábio superior curto;
receber o alimento, que é esmagado contra o palato
• lábio inferior evertido;
com projeção da mandibula e grande participação do
• dentes mal implantados.
lábio inferior por contração do músculo mentual.
Na presença destes sinais, convém encaminhar o
Como conseqüência, a mastigação é insuficiente, e o
paciente para avaliação e conduta otorrinolaringoló
bolo alimentar não é adequadamente formado.
gica. A permanência desse padrão respiratório traz
Na fase bucal da deglutição normal, os dentes per
muito desconforto durante o período pós-operatório
manecem em oclusão cêntrica e os lábios unidos em
com bloqueio intermaxilar, e compromete os resulta
forma passiva. A língua, apoiada em forma côncava con
dos terapêuticos.
tra o palato, com as bordas laterais em contato com os
dentes e mucosa adjacente, leva, por meio de movimen
tos ondulados, o alimento para a fase faríngea. Articulação da Fala
Praticamente todos os músculos intrínsecos e ex-
trínsecos da língua, juntamente com os supra-hióide Os distúrbios articulatórios observados nas deformi
os, atuam nesta função. dades maxilomandibulares são relacionados ao ponto
Nas deformidades maxilomandibulares, a falta de de articulação dos fonemas bilabiais e alveolares, por
relação dos molares não permite a oclusão cêntrica; o adaptação dos lábios e da língua às alterações oclusais
lábio inferior é sugado entre os incisivos com contra e hipotonia.
ção do músculo mentual ou projetado juntamente com
a mandibula; a língua permanece em postura baixa
entre as superfícies oclusais ou alojada entre os incisi
vos durante a deglutição de líquidos, sólidos e saliva.
Os músculos normalmente ativos nesse processo têm
a sua função diminuída ou ausente.
Nota-se acúmulo de resíduos alimentares no ves-
tíbulo e na língua após a deglutição.
A observação, da forma em que é realizada a inci
são, simetria durante os movimentos mastigatórios,
contração dos masseteres, atividade lingual, sincenesi
as faciais e da ação muscular supra-hióidea fornece
dados significativos sobre a presença de pressões ina
dequadas e desequilíbrios musculares envolvidos na
função de mastigação e deglutição. Estes achados de Fig. 50-12. Deformidade do arco dental superior e postura baixa
vem ser considerados no pós-operatório, pois o paciente da língua em respirador bucal.
Avaliação Fonoaudiológica c Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 645

Fig. 50-13A. Pontos de articulação da fala corretos (setas traceja


das); alterados (setas contínuas); nas deformidades com projeção
mandibular. B. Pontos de articulação da fala corretos (setas trace
jadas); alterados (setas contínuas); nas deformidades com retru
são mandibular.

Fig. 50-14A. Material utilizado na terapia miofuncional orofacial.;


B e C. Exercício com escova para adequar o tônus da língua.

TERAPIA MIOFUNCIONAL OROFACIAL • fortalecer o tônus das bochechas;


PRÉ-OPERATÓRIA • na deglutição de alimentos líquidos e pastosos;
• no tônus da língua;
A atuação pré-operatória é concomitante ao preparo • na postura em repouso da língua quando o diâme
ortodôntico, respeitando-se as limitações impostas pela tro do palato o permite;
deformidade. Pela experiência adquirida na prática clí • nos movimentos de elevação do ápice da língua;
nica, a aplicação da terapia miofuncional orofacial tem • no alongamento da musculatura cervical.
demostrado eficácia nos seguintes objetivos:
Nos casos de prognatismo com grande despropor
• alongar o lábio superior; ção intermaxilar, o uso do aparelho de contenção da
• fortalecer o músculo orbicular da boca; língua (descrito no Cap. 41) alguns meses antes da ci
• inibir a ação do músculo mentual; rurgia auxilia a manutenção da postura e do tônus.
646 Cirurgia Craniomaxilofacial

Para suprir esta deficiência, a dieta deve ser balan


ceada e incluir: duas porções de leite ou derivados;
quatro ou mais porções de grãos ou cereais; duas ou
mais porções de carne e outras fontes de proteína; três
ou mais porções de vegetais, frutas e suplementos1. A
ingestão de alimentos deve ser mais freqüente que o
usual, e dividida em duas refeições principais - almo
ço e jantar, e seis intermediárias - lanches e suplemen
tos alimentares.
Os alimentos devem ser liqüefeitos e passados em
peneira fina, inclusive os sucos, para retirada de resí
duos fibrosos. Aconselha-se o uso de colher com a parte
lateral apoiada no lábio ou copo com borda espessa e
evertida para a ingestão dos alimentos. O uso de canu
do exige muito esforço na sucção e mais tempo para
finalizar a refeição.
São aconselháveis as refeições junto à família, pois
proporcionam apoio psicológico; quando solitárias,
deprimem o paciente num período em que a paciên
cia é o maior aliado na recuperação.

Higiene Bucal
A higiene bucal deve ser rigorosa após a ingestão de
alimentos. Para tal, aconselha-se o uso de escova infan
Fig. 50-15A. Postura da língua baixa e com hipotonia em fase til com cerdas macias, esguichos e bochechos com anti-
pré- mioterapia.B. Posturada língua maisadequada pós-miotera-
pia e uso da placa de contenção. séptico bucal.

Postura cm Repouso
A orientação prévia da alimentação, higiene bucal
e postura no repouso proporciona mais conforto ao Durante a primeira semana de pós-operatório, orienta-
paciente no período pós-operatório, assim como in se postura em decúbito dorsal, com a cabeça mais ele
formações sobre possíveis seqüelas transitóriais que vada, e posteriormente em decúbito lateral, com o tra
ocorrem nessas cirurgias. vesseiro colocado entre a região da mastóide e o om
bro. Esta conduta permite a estabilidade cervical e
impede o apoio da face, além de proporcionar maior
Alimentação conforto durante o sono.

Para recompor as perdas nutricionais após cirurgias, o


organismo inicia um processo de reconstrução natu
ral que requer uma quantidade de nutrientes como: ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
carboidratos, proteínas, calorias, minerais, vitaminas e PÓS-OPERATÓRIA
líquidos, para uma rápida recuperação1.
No pós-operatório, o principal canal receptor de O retorno, uma semana após a cirurgia, para controle
alimentos, a boca, está limitado no exercício desta fun da alimentação e esclarecimento de eventuais dúvidas
ção; primeiro, pelo bloqueio intermaxilar (BIM), e quanto às seqüelas cirúrgicas, proporciona maior segu
posteriormente, pela dificuldade de abertura mandi rança e apoio psicológico ao paciente.
bular. O organismo, como conseqüência, tem prova Durante o período do bloqueio intermaxilar
velmente mais dificuldade em conseguir uma nutri (BIM), passada a fase crítica do edema facial, são indi
ção adequada e mais predisposição à fadiga, perda pon cados exercícios para adequação da propriocepção oro
derai, gripes e resfriados. facial e sensibilidade da região labial e queixo.
Avaliação Fonoaudiológica e Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 647

Nesse período, é interessante pesquisar os efeitos Considerando-se a média de ganho na abertura da boca
da cirurgia no que concerne aos aspectos estéticos e à de 5mm por semana, para atingir a amplitude mínima
propriocepção da nova face. A satisfação quanto à es aceitável de 40mm isto significa oito semanas de per
tética é notória, porém são freqüentes os relatos de manência das alterações funcionais como um fator de
dificuldade em introjetar a nova forma51'"12 (Fig. 50- risco potencial à estabilidade dos procedimentos ci
18). rúrgicos e ortodônticos.
Após a remoção do BIM procede-se a avaliação Nesse processo, os pacientes submetidos a osteo
funcional das estruturas orofaciais e seqüelas cirúrgicas. tomias de avanço da mandibula têm significativamen
A correção da forma, graças às técnicas cirúrgicas mais te mais dificuldade em relação aos demais. Observa
aperfeiçoadas, e a implementação dos métodos de fi mos aumento da atividade muscular do digástrico e
xação interna rígida promovem maior estabilidade tensão dos músculos do pescoço na tentativa de aber
óssea, porém as alterações musculares e funcionais per tura da boca.
sistem e são acrescidas das seqüelas cirúrgicas: Bell et ai.2 referem um período de 10 a 70 dias
• parestesia das regiões facial, labial e do queixo; para uma abertura com distância interincisal de 50-
• limitação na abertura da boca; 55mm, sendo 40mm o mínimo aceitável, lateral de
• manutenção dos distúrbios articulatórios; lOmm e protrusão de 8 a lOmm, e enfatizam a reabili
• dificuldade na postura da língua e alterações práxi- tação por meio de exercícios dinâmicos para normali
cas; zar a musculatura da mastigação.
• deglutição com protrusão da língua e aumento de Nos casos de história clínica com queixa de dis
atividade da musculatura perioral; função da ATM, os movimentos das estruturas moles
• hiperfunção do músculo mentual; de defesa à dor são mantidos e interferem no processo
• ausência de selamento labial; terapêutico.
• hiperatividade do músculo digástrico; Os distúrbios articulatórios não são corrigidos
• ausência ou pouca ação da musculatura da mastiga espontaneamente, pois estão relacionados não só à
ção; forma das estruturas ósseas como também à atividade
• dificuldade no ato da mastigação; muscular da língua e dos lábios.
• hipertonia da musculatura do pescoço;
• manutenção do esquema proprioceptivo da defor
midade maxilomandibular.

Para Gregoret8, a resposta dos tecidos moles à ci


rurgia por ser multifâtorial, é de difícil controle e pre
visão. McNamara13 refere que o esquema de deglutição
e paralelamente o estabelecimento de atitudes postu
rais da língua resultam de uma aprendizagem progres
siva, induzida pelas experiências práxicas e gnósicas
pessoais do indivíduo.
Esta aprendizagem sofre interferência de desequi
líbrios musculares gerados por adaptações posturais
das estruturas moles orofaciais às deformidades maxi
lomandibulares, cujas funções não são necessariamen
te habilitadas por meio da ação cirúrgica.
A alteração neurosensitiva do lábio inferior e quei
xo está mais relacionada à osteotomia sagital segmen
tar da mandibula17. A alteração da sensibilidade dos
lábios não permite a percepção do toque fino e vibra
ção, dificultando o controle da saliva e a ingestão de
líquidos. Os receptores da dor, temperatura, pressão e
toque grosseiro estão preservados.
A limitação de abertura da boca dificulta a execu
Fig. 50-16. Músculos supra-hióideos. I - M. digástrico, ventre
ção de exercícios mioterápicos intra-orais e treino da anterior; 2 - M. digástrico, ventre posterior; 3 - M. estilo-hióideo;
deglutição em pacientes não-tratados previamente. 4 - M. milo-hióideo.)
648 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 50-18. Manutenção do esquema proprioceptivo da deformi


dade maxilomandibular.

A avaliação cuidadosa da mastigação e da degluti


ção é recomendada, e convém ressaltar que o paciente,
por não possuir parâmetros normais destas funções,
não deve ser o seu próprio avaliador15. A dificuldade é
notória, pela redução do espaço intrabucal, que limita
os movimentos automatizados do dorso da língua para
o esmagamento do alimento no palato, e pelas tentati
vas infrutíferas de trituração nos contatos oclusais an
teriormente utilizados. Apesar da correção cirúrgica
da relação intermaxilar, o paciente não sabe usar a nova
forma, correndo o risco da instalação de novos pa
drões mastigatórios inadequados e pressões muscula
res nas estruturas ósseas.

TERAPIA MIOFUNCIONAL OROFACIAL


PÓS-OPERATÓRIA
A cirurgia ortognática traz muito desconforto e limi
tações ao paciente. Nos estudos de Rasai", 70% dos
que realizam fonoterapia no pré-operatório lidam
melhor com essa situação e realizam a adaptação fun
cional em menor tempo, em comparação àqueles que
vêm pela primeira vez após a remoção do BIM.
Fig. 50-17A. Abertura interincisal após terapia miofuncional oro No período pós-operatório, a terapia é direciona
facial. B. Musculatura da mastigação. 1 - M. temporal; 2 - M.
masseter.) da para exercícios estereognósicos e alimentação, com
introdução gradativa de alimento pastoso, semi-sóli-
do, sólido, fibras e grãos. Nesta fase, os pacientes são
O desequilíbrio muscular orofacial é mantido e conscientizados das adaptações posturais e funcionais
requer intervenção mioterápica para assegurar a har remanescentes que interferem no mecanismo da de
monia dos dentes e das estruturas faciais. glutição e da mastigação.
A manutenção do esquema proprioceptivo da O treino da mastigação promove também maior
deformidade maxilomandibular é relatada e ocorrem amplitude dos movimentos de abertura, protrusão e
algumas situações de pânico pelo fato de o paciente lateralidade da mandibula.
não conseguir introjetar a percepção da nova forma, Nos pacientes submetidos a osteotomia de avan
principalmente no momento da remoção do guia ci ço da mandibula, observamos postura encefálica em
rúrgico, quando, pela primeira vez, os dentes entram flexão com maior contração da musculatura perioral,
em contato oclusal. além de tensão da musculatura cervical, a qual deve ser
Avaliação Fonoaudiológica c Terapia Miofuncional Orofacial Cervical 649

Fig. 50.19A. Pré-


operatório
com terapia miofuncional
orofacial prévia com
redução da atividade do
músculo mentual e
alongamento do lábio
superior. B. Um mês de
pós-operatório, observe a
postura labial. C. Pré-
operatório com terapia
miofuncional orofacial,
observe a simetria dos
ângulos da boca; D. Um
mês de
pós-operatório.

corrigida por meio de exercícios de relaxamento e alon ção e mastigação. Convém lembrar que a boa relação
gamento. Esses pacientes têm maior dificuldade nos entre morfologia, função oral e comportamento mus
exercícios de retrusão e elevação da língua, direcionan cular é importante para a estabilidade dos procedimen
do toda a força muscular para baixo, talvez pelo dese tos ortodônticos e cirúrgicos16.
quilíbrio entre os grupos musculares da língua e su-
pra-hióideos.
Os exercícios para a oclusão labial e mobilidade REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
da língua permitem a correção dos distúrbios articula
tórios. A técnica utilizada segue a ordem tônus mus 1. American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons.
Nutrition. Rosemont, 1999.
cular/postura/função mediante exercícios isotônicos
2. Bell WH et ai. Muscular rchabilitation after orthognathic sur
e isométricos, inibição de comportamentos muscula gery. Oral Surgery. 1983p7>:3.
res inadequados e atenção à postura cervical. 3. BrodieAG. Anatomy and physiology of head and neck muscu-
A terapia miofuncional orofacial equilibra a mus- laturc. Am I Orth. 1950;36:831-44.
culatura5'6,11,12, possibilitando ao paciente o domínio 4. Caers G. Le bilan clinique du patient rcspirateur buccal. Acta
na execução dos mecanismos corretos de fala, degluti Oto-rhino Laryngologica Belg, 1993;-77:183-9.
650 CirurgiaCraniomaxilofacial

5. Campiotto ARetai. Cirurgia ortognática e fonoaudiologia. In: 12. Marchesan IQí Bianchini EMG. A fonoaudiologia e a cirurgia
Lopes OF. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, ortognática. In:Araújo A. Cirurgia ortognática. São Paulo:San
1997:781-804. tos. 1999:353-62.

6. D'Agostino L. Características fonoaudiológicas nas deformi 13. McNamara JA Naso respiratory function and craniofacial
dades maxilomandibulares. In:PsillakisJM et ai. Cirurgia cran growth. Monograph n° 9, craniofacial growthseries. Center for
iomaxilofacial - osteotomias estéticas da face. Rio de Janeiro: Human Growth and Developmentthe University ofMichigan,
MEDSI, 1987. Ann Arlror, Michigan. 1979, 332p.
7. D'Agostino L Princípios de fonoaudiologia nas deformidades 14. Padovan BAE. Reeducação mioterápica nas pressõesatípicas da
craniofaciais In:Melega JM, Zanini SA, Psillakis JM. Cirurgia língua: diagnóstico e terapêutica. Rev Orto, 1976;£1.
plástica - reparadora e estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992: 15. Segovia ML. Interrelaciones entre Ia odonto-estomatologia y
309-19. Ia fonoaudiologia. Buenos Aires: Panamericana. 1977;28-61.
8. Gregoret J. Ortodontia e cirurgia ortognática - diagnóstico e 16. Yamaguchi H, Sebata M. Changes in oral functions and posture
tratamento. São Paulo: Santos, 1999. at rest following surgical orthodontia treatment and miofunc-
9. Hanson ML, Barret RH. Fundamentos da Miologia Orofacial. tional therapy - evaluation by means of video recording. IntJ
Rio de Janeiro: Enelivos, 1988. Orofacial Miology, 1995;Z/:29-32.
10.Junqueira P, Campiotto AR. A investigação da mastigação em 17. Westermark A, Englesson L, Bongenhielm U. Neurosensoryfunc
indivíduos portadores de classe III de Angle. PróFono Ver At tion after sagital split osteotomy of the mandibule; a comparison
Cien 1992;4(2). between subjective evaluation and objective assessment. IntJAdult
11. Kasai RCB, Portella MQ Investigação fonoaudiológica em pa Orthodon Orthognath Surg 1999;/<4):268-75.
cientes submetidos ao tratamento ortodôntico-cirúrgico. R 18. Zemlin WR. Princípios de anatomia e fisiologia em fonoaudio
Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2001;<$(2):79-84. logia. Porto Alegre: Artmed. 2000;419-24.
Correção das
Deformidades Maxilares

Marcos Roberto Pelosi


André Gonçalves de Freitas
José Marcos Melega

çaram os estudos tanto em relação ao suprimento san


INTRODUÇÃO
güíneo quanto em relação à revascularização da maxi
A maxila é a principal estrutura óssea do terço médio la c mandibula, as osteotomias maxilares evoluíram
da face, tanto do ponto de vista funcional, quanto com muito sucesso. E é nessa época que surgem no
estético, formando cada um dos elementos-chave des mes como Obwegeser e Tessier. Este último deu início
ta unidade, que são as órbitas, o complexo zigomáti- à cirurgia craniomaxilofacial por meio de osteotomias
co-maxilar, a unidade nasal e o complexo estomatog que possibilitaram fazer alterações tridimensionais do
nático. A posição central da maxila coordena esses ele esqueleto facial. Desenvolveram-se assim, resultados
mentos em uma unidade funcional e esteticamente har satisfatórios, bem como possibilidades de novas pers
moniosa. pectivas nas osteotomias maxilares. Paralelamente, ao
A cirurgia da maxila é um desafio em razão das lado dessas técnicas cirúrgicas, os métodos de fixação
várias características anatômicas e funcionais dos seus intermaxilar evoluíram, progredindo até a fixação rí
múltiplos componentes. No tratamento dos defeitos gida, mediante a imobilização de segmentos submeti
maxilares, o cirurgião deve corrigir a deformidade, dos à osteotomia com miniplacas, oferecendo maior
prover estrutura de suporte adequada para cada ele conforto e menor comprometimento psicológico para
mento do terço médio da face e preocupar-se com as os pacientes22.
funções essenciais desta unidade, como a mastigação, Sem dúvida alguma, os resultados atualmente
a fala, e com a estética facial16. obtidos do ponto de vista oclusal, são atribuídos à
A busca pela melhora das funções mastigatória e importante contribuição da ortodontia e da fonoau
da fala, bem como da estética facial, atingiu grande diologia, sendo estas, partes inseparáveis da cirurgia
avanço após a década de 1950, com o aprimoramento ortognática, e que garantem resultados com menor
das osteotomias mandibulares. Porém, nas osteotomi índice de recidiva.
as maxilares, os resultados eram ainda insatisfatórios Conhecendo-sc então a anatomia locorregional
em função do desconhecimento do suprimento san da área estudada, com diagnóstico adequado da defor
güíneo da maxila. No final dos anos 60, quando avan midade, planejamento clínico-cirúrgico correto e atu-

651
652 Cirurgia Craniomaxilofacial

ação da ortodontia e fonoaudiologia, consegue-se ob HISTÓRICO


ter resultados bastante satisfatórios na cirurgia ortog
nática, tanto estéticos como funcionais13,19. Cheever realizou, em 1867, a primeira osteotomia to
As deformidades maxilares podem ocorrer nas tal da maxila, cirurgia comumente chamada de osteo
direções ântero-posterior, vertical e transversal, sendo tomia de Le Fort I19.
que o reposicionamento pode ser realizado em um ou Em 1927, Wassmund realizou a mesma cirurgia1.
mais segmentos, dependendo da natureza do defeito. Obwegeser, em 1969, otimizou o avanço da cirur
Independentemente da osteotomia e do reposiciona gia de Le Fort I para corrigir retrusão maxilar de nature
mento da maxila, deve-se evitar lesar os vasos palati- za idiopática ou secundária à fissura labial ou palatina.
nos descendentes, porque aproximadamente 80% do Bell ei ai., em 1975, demonstraram a base bioló
fluxo sangüíneo da maxila chega por meio destes. Al gica para a fratura de Le Fort I, e então este se tornou
guns autores relatam que mesmo que estes vasos não um procedimento de escolha para as deformidades
sejam mantidos, o fluxo sangüíneo medular da maxila maxilares20.
é preservado. Porém, se for necessária a utilização de Psillakis, em 1981, introduziu uma nova técnica
retalhos pediculados da maxila, como no caso de reo- de osteotomia da maxila que permite seu alongamen
perações, fissurados e correção de fistulas, a irrigação to e avanço sem necessidade de enxertos ósseos18.
da maxila não deve estar comprometida1,2.

CLASSIFICAÇÃO DAS DEFORMIDADES


CONCEITO
Em 1982, Psillakis descreveu pela primeira vez uma
As alterações estéticas da maxila são aquelas decorren classificação das deformidades estéticas ósseas da face
tes de um desequilíbrio entre o seu componente ósseo segundo as alterações do esqueleto facial em sentido
e as respectivas partes moles, bem como as demais es tridimensional (Quadro 51-1), ficando a relação inter-
truturas ósseas adjacentes. dentária como critério de subdivisão (Quadro 51-2).
As osteotomias estéticas seriam, portanto, cirurgi Quando um paciente está com a boca na posição
as realizadas no esqueleto ósseo, modificando sua po de repouso, os incisivos superiores a mais de 5mm do
sição espacial, com a finalidade de obter melhor equi lábio superior, e ao sorriso apresenta exposição gengi-
líbrio entre essa estrutura óssea e as partes moles, me val, denomina-se face longa anterior. Já no indivíduo
lhorando a harmonia facial. Essas osteotomias podem de face curta, os incisivos não aparecem quando a boca
ser limitadas ao segmento maxilar ou combinadas com está nesta posição, e o lábio superior se apoia sobre o
outras osteotomias como a mandibular e a nasal14.
inferior, formando uma dobra.

Quadro 51-1., Classificação das alterções ósseas estéticas da face segundo Psillakis
Alteração Esqueleto Denominação
Vertical Maxila Face longa
Mandibula Face curta
Transversal Maxila Protrusão
Mandibula Biprotrusão
Hipoplasia maxilar
Maxila Hipoplasia maxilomalar
Hipoplasia nasomaxilar
Ântero-posterior Mandibula Protrusão mandibular ou
prognatismo mandibular
Retrognatismo
Retrognasia
Hipermentonismo
Mento Hipomentonismo
Macrogenia + retromasia
Dentes Retrognasia
Promasia
Oblíqua Todo Hipertrofia hemifacial
Assimetrias faciais
Correção das Deformidades Maxilares 653

Quadro 51-2. Classificação segundo a oclusão das deformidades maxilomandibulares


Tipo de oclusão Maxilar comprometido Denominação
Mandibula Promentonismo
Retromentonismo
Macrogenia
Normoclusão Promasia
Maxilar superior Retromasia
Mordex apertus
Prognatismo
Rêtrognatismo
Laterognatísmo
Mandibula Protrusão mandibular dentária
Retrusão mandibular dentária
Com má-oclusão Ambos os lados Mordex apertus
Biprotrusão

A alteração do comprimento pode estar presente portante interrogar a respeito dos distúrbios funcio
na região posterior da maxila, onde os molares apre nais da respiração, como por exemplo respiração bu
sentam, durante o crescimento do indivíduo, um con cal, apnéia do sono, ronco, rinite alérgica e outros.
tato prematuro, determinando a mordida aberta (mor O exame clínico facial deve ser realizado com o
dex apertus). paciente em posição neutra, com o plano de Frank-
As deformidades transversais são determinadas fort horizontal paralelo ao chão e com os côndilos em
pela arcada dentária. A arcada dentária superior é de posição cêntrica, observando-se assim a harmonia en
nominada estreita quando encontramos o palato em tre os terços superior, médio e inferior e a simetria
formato ogival e projetado anteriormente. Esta altera entre as hemifaces.
ção é encontrada no respirador bucal. As posturas defensivas adotadas pelos pacientes
As deformidades antero-posteriores são as que com o objetivo de "mascarar" a deformidade devem
apresentam redução ou aumento do esqueleto nesta ser evitadas.
direção, como por exemplo a síndrome de Binder, que Seguindo a observação clínica, deve-se notar a pro
é uma deficiência nasomaxilar. Quando o esqueleto jeção exagerada ou retrusão malar e/ou maxilar. O sul
maxilar estiver normal, porém os dentes estiverem in co nasogeniano, bem como a largura da base do nariz,
clinados para trás, denomina-se retrognasia, e para fren devem estar em harmonia com o restante da face. Na
te, promasia. região perioral deve-se averiguar a distância interlabial
As deformidades oblíquas apresentam grande com em repouso, que deve estar compreendida entre 0 a
plexidade, conferindo acentuada assimetria facial. Na 3mm. Valores maiores sugerem incompetência labial.
hipertrofia hemifacial, uma maxila é menor que a ou Os incisivos centrais superiores devem estar a uma dis
tra, bem como a mandibula. Podemos encontrar hi tância de 3 a 5mm da borda labial superior. Encon
poplasia de um lado e hipertrofia de outro19. trando-se os valores acima, trata-se de exposição exage
rada dos incisivos superiores.
Avalia-se também o paciente sorrindo, de forma
DIAGNÓSTICO que se observa a simetria do sorriso e a altura incisivo/
gengival que o paciente apresenta. A deficiência ou
O diagnóstico das deformidades maxilares é funda excesso de exposição dentária/gengival pode caracteri
mentado na história e exame clínico, e complementa zar deformidades verticais da face.
do com estudos radiológico, cefalométrico, tomográ- No perfil do paciente devem ser analisados a pro
fico e avaliação fonoaudiológica. jeção malar, o dorso nasal, a região paranasal, o lábio
A história clínica deve compreender o tempo de superior e a região subcolumelar.
evolução, se a deformidade é congênita ou adquirida, O exame clínico intra-oral é mandatório para a
se decorrente de traumatismo, presença de cirurgia avaliação dos arcos dentários, da dentição, do perio-
anterior, para que a cirurgia seja bem planejada e, con donto, pesquisa de fissura palatal, palato ogival e, em
seqüentemente, obtenha melhor prognóstico. É im último lugar, o plano oclusal. Este último tem como
654 CirurgiaCraniomaxilofacial

objetivo observar harmonia, simetria, correta intercus Aplica-se principalmente nos casos de osteotomias
pidação, pesença de mordida aberta, topo a topo e combinadas, como a maxila e a mandibula13,14.
outras alterações5,13.

Avaliação Fonoaudiológica
Avaliações Radiológicas/Cefalométricas e A interação da cirurgia com a fonoaudiologia é im
Tomográficas prescindível para se obter resultados com menores ín
Deve ser lembrado que as radiografias convencionais e dices de recidivas. A fonoaudiologia atua na avaliação
a tomografia fornecem apenas dados auxiliares na com das funções da maxila e outras estruturas craniofaciais
posição do diagnóstico, principalmente nos casos de relacionadas, detectando desequilíbrios entre os gru
assimetria e seqüelas traumáticas. pos musculares que possam comprometer o tratamen
A radiografia panorâmica permite avaliação dos to cirúrgico. Assim, são verificadas as funções de respi
ossos maxilares, bem como fornece informações so ração, fonação, mastigação e deglutição6.
bre os dentes, que podem ser complementadas com
radiografias periapicais.
A tomografia computadorizada tem participação Avaliação Psicológica
importante nos casos de envolvimento da região orbi O paciente procura o cirurgião principalmente pela
tal, bem como nas seqüelas de fraturas. A tomografia melhora da estética facial. Todos os pacientes candida
tridimensional, apesar de pouco freqüente em nosso tos à cirurgia devem ser avaliados sob o ponto de vista
meio, fornece excelente auxílio para o adequado trata psicológico, visto que algumas das modificações pro
mento da harmonia óssea facial. postas podem gerar insatisfação para os pacientes.
A avaliação ortodôntica, através da cefalometria É importante caracterizar as expectativas do paci
frontal e de perfil, é de grande valia no diagnóstico ente em relação aos resultados da cirurgia e as motiva
das deformidades e estudo preditivo, permitindo vi ções que o levaram a optar por este tratamento, posto
sualização clara das estruturas esqueléticas e dentárias. que muitos deles atribuem à deformidade dificulda
Existem inúmeros padrões de análises cefalométricas des na relação familiar ou no trabalho, imaginando
possíveis, porém as análises lineares, do tipo McNama- que sua correção solucionará os problemas.
ra, apresentam maior facilidade de manuseio em rela Muito importante na fase pré-operatória é infor
ção às angulares. Vale lembrar que as análises depen mar ao paciente os passos que serão realizados do pré
dem da experiência do cirurgião e do ortodontista2,7,14. ao pós-operatório, bem como a respeito do bloqueio
intermaxilar, da dieta, da higiene oral, do acompanha
mento odontológico e fonoaudiológico. Deve-se ori
Modelos de Estudo em Gesso
entar também sobre a ação da força muscular atuando
Nestes modelos avalia-se a relação interdental e inter na cicatrização das osteotomias.
maxilar, principalmente dos molares e caninos. Estas informações propiciaram pós-operatórios
Inicialmente deve-se contar o número de dentes e mais favoráveis com menor índice de complicações19.
avaliar os problemas com eles relacionados, como os
diastemas, os apinhamentos, as alterações da forma do
arco, as rotações, as ectopias e as formas dos dentes. A PLANEJAMENTO CIRÚRGICO
proporção entre o tamanho dos dentes e o perímetro
do arco deve ser relevada, pois define a necessidade de Ortodontia Pré-operatória
extração dentária para melhor acomodação na arcada14. O objetivo da ortodontia pré-operatória é preparar e
corrigir os problemas dentários no próprio arco, de
Estudo dos Modelos Dentários em
forma que, atuando nos dois arcos, obtém-se um re
sultado oclusal adequado após osteotomia.
Articuladores
Nota-se, em muitas situações, que aplicando-se os
A transferência das arcadas superiores e inferiores princípios da ortodontia, que leva os dentes a uma
modeladas em gesso para um aparelho denominado posição mais neutra possível para atingir uma situa
articulador, permite um estudo mais rigoroso no di ção de equilíbrio após a osteotomia, a relação oclusal
agnóstico de deformidades complexas, favorecendo pode piorar ainda mais, evidenciando-se assim um
uma visualização clara e facilidade no diagnóstico. quadro real de má-oclusão.
Correção das Deformidades Maxilares 655

Dessa forma são realizadas as osteotomias neces Para a realização das osteotomias da maxila, existe
sárias, atingindo-se então um plano oclusal adequado814. um tempo comum a todas elas, que é a via de acesso
(Fig. 51-1). Porém, conforme o tipo de osteotomia, é
Traçado Preditivo realizado o descolamento subperiostal. A incisão é re
alizada no sulco gengivolabial, deixando-se cerca de
O traçado preditivo visa projetar as modificações que lem de mucoperiósteo para facilitar a sutura final, que
ocorrerão na face do paciente, em perfil, fornecendo se estende da região mediana até o 2" molar. A desin-
uma idéia das medidas de deslocamento, tanto das serção musculopcrióstica é realizada na área onde será
partes moles quanto das estruturas ósseas. Fornece as praticada a osteotomia, tomando-se cuidado na do tipo
dimensões dos movimentos que as estruturas ósseas alta, pois deve contornar os vasos e nervos infra-orbi-
sofrerão nos sentidos vertical e ântero-posterior, auxi tários. Pode estender-se nos sentidos lateral, mediai e
liando ainda mais nos procedimentos cirúrgicos. No cranial, expondo o corpo do osso zigomático e as apó-
entanto, não há disponibilidade dessa ferramenta para fises montantes da maxila, e assim atinge-se a reborda
movimentos transversos e assimétricos da maxila. Nes orbitária. Expõe-se ainda a fossa piriforme, na qual o
ses casos, necessitamos utilizar os articuladores anatô assoalho nasal é descolado no sentido ântero-posteri
micos, como vimos anteriormente, para tal aborda or, descobrindo a crista nasal. A cartilagem quadran-
gem12'1"1. gular é desinserida da crista nasal, iniciando-se pela
parte anterior. E para finalizar, a desinserção subperi
ostal se estende da tuberosidade da maxila até o pro
Cirurgia Definitiva no Modelo Gcssado
cesso pterigóideo. Dessa maneira, as osteotomias po
É um passo fundamental quando se quer simular os dem ser realizadas de acordo com o estudo prévio,
deslocamentos das estruturas que sofrerão osteotomias, com a finalidade de correção de alterações verticais,
principalmente em casos combinados, como maxila e transversais, ântero-posteriores e oblíquas, estudadas a
mandibula. É realizada em um articulador em relação seguir.
cêntrica, de forma que arcos dentários são levados de Nos pacientes com excesso vertical de maxila, con
uma posição de má-oclusão para uma posição de me siderados de face longa, podem-se encontrar dois ti-
lhor intercuspidação possível. Nos casos mais comple
xos, onde observamos a necessidade de osteotomias
segmentares, os modelos são cortados, e remontados a
partir do arco inferior13.

Guia Cirúrgico
O guia cirúrgico ou splint cirúrgico é uma placa acríli
ca produzida a partir da cirurgia de modelo definitiva
e serve como guia intermediário para as cirurgias ma
xilares e/ou mandibulares. Assim, realizada a osteoto
mia maxilar, antes da mandibular coloca-se o guia in
termediário para a fixação da primeira na posição cor-
reta .

CIRURGIA

As osteotomias estéticas da maxila, exceto nos casos


segmentares, deverão ser realizadas sob anestesia geral,
com entubação naso ou orotraqueal. Normalmente,
quando apenas a região maxilar é operada, utiliza-se a
entubação orotraqueal. Nas osteotomias combinadas,
nas quais será utilizado bloqueio intermaxilar, Zani
ni23 descreve a saída da cânula via submentoniana, rea Fig. 51-1. Acesso para osteotomia - Le Fort I para correção de
lizada com uma pequena incisão local. seqüela de trauma.
656 Cirurgia Craniomaxilofacial

pos: com mordida aberta e sem mordida aberta. tipo Le Fort I é realizada 5cm acima das raízes dentá
Apresentam crescimento vertical anterior e posterior rias, e a partir desse plano no sentido cranial se faz a
ou somente posterior, respectivamente. A principal ressecção do excesso de maxila10,11,19. Após osteoto
característica desses pacientes é o excesso de exposi mia e mobilização do segmento ósseo, são ressecadas
ção dos dentes incisivos superiores com lábio em re as partes ósseas que interferem na obtenção de uma
pouso, associado à incompetência labial. O ângulo posição adequada. Um outro tipo de osteotomia é a
nasolabial é obtuso, e o mento, retruso. O excesso de do tipo Le Fort I alta, considerada Le Fort I e meio
exposição dentária é muito maior nos pacientes com por alguns autores (Fig. 51-3). Porém, nos pacientes
mordida aberta, e o objetivo do seu tratamento é com mordida aberta, além do encurtamento vertical
encurtar a maxila, de forma que a distância labioden- mencionado, as osteotomias devem ser realizadas em
tal seja de 3 a 5mm (Fig. 51-2). Nesses pacientes, de vários segmentos para acomodar melhor o arco ma
vem-se planejar osteotomias segmentares para melhor xilar em V com o arco mandibular (Fig. 51-4). Reali
oclusão. Portanto, para o tratamento dos pacientes zam-se a fixação dos segmentos mobilizados e blo
que não apresentam mordida aberta, a osteotomia queio intermaxilar9,15.

Fig. 51-2. Osteotomia tipo Le Fort I. Fig. 51-4. Osteotomia segmentar.

Fig. 51-3. Osteotomia tipo Le


Fort I alta (Lê Fort I e meio).
Correção das Deformidades Maxilares 657

Nos pacientes com deficiência vertical da maxi


la, os de face curta, observa-se uma diminuição da
distância incisivolabial, além de uma dobra no lábio
superior e projeção do lábio inferior; o ângulo naso
labial é fechado, o sulco nasogeniano é acentuado e
o mento apresenta-se projetado anteriormente. Deve-
se proporcionar um aumento vertical da maxila até
que seja atingida a distância incisivolabial de 3 a 5mm.
Dessa forma, podem ser realizadas osteotomias do
tipo Le Fort I associadas a um enxerto ósseo ou in
clusão de material aloplástico para interposição dos
fragmentos osteotomizados, ou, ainda, para a utiliza
ção da técnica em gaveta descrita por Psillakis18, em Fig. 51-6. Acesso e osteotomia para impacção e retroposição no
paciente com protrusão maxilar.
1991, sem a utilização de enxertos ou materiais de
interposição1718. Esta permite o alongamento e avan
ço da maxila (Fig. 51-5). Dentro das alterações antero-posteriores, descre
Nos pacientes com protrusão (alteração transver vemos as hipoplasias maxilares, as maxilomalares e a
sal), a oclusão é do tipo classe I, havendo uma proje nasomaxilar.
ção anterior do esqueleto ósseo e dos dentes incisivos, Hipoplasia maxilar: é caracterizada pelo encurta
podendo ser confundidos com pacientes de face lon mento maxilar ântero-posterior, com retroposiciona-
ga. Nesses pacientes, devem ser realizados a retroposi mento do lábio superior, asas nasais alargadas e uma
ção e o encurtamento desse segmento ósseo anterior impressão de projeção mandibular (Fig. 51-10). Uma
da maxila por meio da osteotomia transversal junto a excelente indicação para a correção dessa deformidade
fossa nasal, e ressecção de um segmento ósseo para é a osteotomia em gaveta, descrita por Psillakis, para
encurtamento, de forma a deixar a distância incisivo avanço maxilar, a qual não se utiliza de enxertos ósseos
labial ideal (Fig. 51-6). Após esta primeira osteotomia, (Fig. 51-11/1 e B). Ela é desenhada de forma que o ân
realiza-se a osteotomia submucosa no palato, ressecan- gulo da crista maxilozigomática deve possuir a largura
do-se o segmento de osso no nível do rebordo gengi- do valor que desejamos avançá-la (Fig. 51-4). Nos casos
val, medida necessária para que as distâncias interden- de prognatismo associado, o avanço da maxila deve
tais incisivas superiores e inferiores se tornem adequa ser reduzido à metade e deve-se proceder a retrusão
das (Figs. 51-7 a 51-9). A imobilização é feita apenas mandibular para oclusão. Na maxila, a osteossínteses
com barra de Erich e o bloqueio intermaxilar deve ser devem ser realizadas na apófise maxilar e na tuberosi-
evitado21. dade maxilozigomática.

Fig. 51-5. Osteotomia


descrita por Psillakis.
658 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 51-7. Osteotomia


segmentar para
encurtamento e retroposição.

Fig. 51-8A. Pré-operatório


de paciente com protrusão do
segmento anterior maxilar.
B. Pós-operatório tardio.

Fig. 51-9 A. Pré-operatório


de paciente com protrusão
maxilar e hipomentonismo.
B. Pós-operatório tardio de
paciente submetida a
impactação e retrusão do
segmento anterior maxilar,
associado a prótese
mentoniano e lifting facial.
Correção das Deformidades Maxilares 659

Fig. 51-10A. Paciente com


hipoplasia maxilar.
B. Pós-operatório tardio de
osteotomia tipo Le Fort I de
avanço.

Fig. 51-HA. Pré-operatório


de paciente com seqüela de
fissura labiopalatal e
hipoplasia maxilar. B. Pós-
operatório de paciente
submetida à osteotomia
descrita por Psillakis.

Hiplolasia maxilozigomática: à semelhança da hi imaginária vertical, que parte da reborda orbitária su


poplasia maxilar, é acrescida de exorbitismo na pál perior (Fig. 51-13). Realizam-se osteossínteses laterais e
pebra inferior, pela deficiência do osso malar e da bloqueio intermaxilar.
reborda orbitária inferior. A correção é feita com o Hipoplasia nasomaxilar: é caracterizada pela defi
avanço proposto para a hipoplasia maxilar, com a ciência ântero-posterior do nariz e algumas vezes tam
inclusão da reborda orbitária inferior. Esta é realiza bém da região zigomática. Particularmente, a região
da com incisão subciliar para a exposição do assoa nasal tem sua raiz muito deprimida, base alargada e
lho orbitário e osteotomia em Z nas suas extremida formato achatado (Fig. 51-14). Deve ser corrigida com
des, de forma a se realizar uma transposição óssea acesso coronal e visualização até a parede orbitária
que apoie o bloco avançado na região posterior, im mediai. A osteotomia é iniciada na raiz nasal, desce
pedindo recidivas. A fixação é realizada na região da obliquamente na frente do saco lacrimal, contorna a
órbita (Fig. 51-12). Quando existe a necessidade de reborda orbitária inferior e medialmente ao nervo in-
um avanço lateral ainda maior, ou seja, na região fra-orbitário, até a região pterigomaxilar. Após avanço
malar, inclui-se o corpo do zigoma e da maxila. A do bloco, um enxerto ósseo da calota craniana é colo
osteotomia é iniciada na reborda orbitária inferior, cado entre o osso nasal e o osso frontal para anteriori
estende-se até a apófise frontal, onde ocorre a osteoto zação dessa região' (Figs. 51-15 e 51-16/1 e B). Realiza-
mia em Z. No zigoma realiza-se a osteotomia na arca se o bloqueio intermaxilar.
da zigomática. Na região paranasal, contorna na fossa As alterações oblíquas são aquelas nas quais as de
piriforme e todo o bloco é avançado até uma linha formidades ocorrem de maneira assimétrica entre as
660 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 51-12. Osteotomia para


avanço da maxila e do
rebordo orbitário inferior.

Fig. 51-13. Osteotomia para


avanço da maxila e zigoma.

duas hemifaces e estão presentes na microssomia he


mifacial ou apenas entre segmentos ósseos da maxila e
da mandibula, presentes na hipertrofia hemifacial. Nes
ses casos, serão descritos apenas em relação ao segmen
to maxilar, sabendo que a alteração encontrada é um
aumento de volume unilateral com a arcada dentária
medializada em relação à arcada mandibular. Pode-se
encontrar também a assimetria orbitária. Assim sen
do, existe a necessidade de reduzir o volume ósseo,
bem como acertar a oclusão dentária. Para o reposicio
namento espacial da estrutura óssea utilizam-se osteo
tomias totais, e a associação com as parciais promove
rá a oclusão adequada (Fig. 51-17). Na região malar dis-
põem-se de desgastes da superfície óssea. Nas osteoto
mias segmentares podem-se fazer ressecções ósseas para
deslocamentos laterais, mediais e oblíquos destes seg
Fig. 51-14. Paciente com hipoplasia nasomaxilar - síndrome de mentos, sendo lembrado que deve ser preservado o
Binder. pedículo da mucosa palatina18-19.
Correção das Deformidades Maxilares 661

Fig. 51-15. Osteotomia para


avanço em bloco da
maxila e nariz.

Fig. 51-16A. Paciente com


hipoplasia nasomaxilar.
B. Paciente em PO tardio de
correção de hipoplasia
nasomaxilar — realizada
osteotomia nasomaxilar
sem envolvimento do
segmento alveolar.

COMPLICAÇÕES
Quando a cirurgia é bem executada e planejada, espe
ra-se que o índice de complicações graves seja baixo.
Como em qualquer ato cirúrgico, principalmente
em áreas como a região bucal, incorre-se ao risco ine
rente de infecções, hematomas, osteomielites, reação
de corpo estranho aos fios metálicos, seqüestros ósse
os ou extrusões no caso de utilização de enxertos ósse
os ou materiais aloplásticos. As paresias e parestesias
são comuns no pós-operatório imediato, decorrentes
do edema local, porém podem-se apresentar tardiamen
te por lesão parcial ou total dos nervos. As necroses de
retalhos, bastante incomuns, são devidas às falhas no
planejamento do acesso e ao excessivo traumatismo
no local em questão.
Já nas complicações tardias, enquadram-se as reci
divas das deformidades, nas quais as estruturas que
Fig. 51-17. Osteotomia para corrigir hipertrofia hemifacial da
sofreram osteotomias tendem a voltar a ocupar seu
maxila. sítio original. Essas situações devem ser evitadas por
662 CirurgiaCraniomaxilofacial

meio do planejamento correto, boa execução da oste 10. Le Fort I. Experimental study ofthe upper jaw. Part I and II.
Rev Chir Paris 1901;23:208, 1901. Traduzido por Tessier P
otomia, e estabilização da maxila no método e tempo
para Plast Reconstr Surg 1972;50A97.
adequados. A importância da fonoaudiologia no sen
11. Le Fort I. Experimental study of fractures of the upper jaw.
tido de prevenir tais recidivas é grande, atuando por Part III. Rev Chir Paris 1901;23:479. Traduzido por Tessier P
meio da fisioterapia sobre a musculatura facial22. para Plast Reconstr Surg 1972;5ft600.
12. Legan HL, Burstone CJ. Soft-tissue cephalometric analysis for
orthognatic surgery.J Oral Surg 1980;3&744.
13. Medeiros PJ. Cirurgia Ortognática. In: Zanini SA (eds.). Buco-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS maxilofacial. Rio de Janeiro: Revinter, 1990:251-80.
14. Melega JM. Osteotomias estéticas da face. In: Melega JM,
1. Bell WH, Fonseca RJ, Kennedy JW et ai. Boné healing and Zanini SA, Psillakis JM (eds.). Cirurgia Plástica Reparadora e
revascularization after total maxillary osteotomy. Journal of Estética. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:347-56.
Oral Surgery 1975;33:253-67.
15. Moloney F, West RA, Mc Neill WR. Surgical correction of
2. Bell WH, Sunn DP, Finn RA. Cephalometric treatment plan- maxillary excess: a re-evaluation. 1982;/ft84.
ning for superior repositioning of the maxilla and concomi-
tant advancement. J Maxillofac Surg 1982;10:42.
16. Myzaffar RA, Adams PW, Hartog MJ et aí. Maxillary recon
struction: functional and aesthetic considerations. Maxillary
3. Bell WH, You ZH, Finn RA, Fields RT. Wound healing after Reconstruction 1999;7:2.172-81.
multisegmental Le Fort I osteotomy and transection of the
17. Opdebeeck H, Bell WH. The short face syndrome. Amer J
descending paltine vessels.Journal ofOral and Maxillofacial
Orthodont 1978; 73:499.
Surgery 1995;53:1425-33.
18. Psillakis J M. Novatécnica para osteotomia da maxila. Simpó
4. Binder RH. Dysostosis maxillo-nasalis, ein arhinenzephaler sio de Cirurgia Craniomaxilofacial. Foz do Iguaçu, 1981.
misbildungklomplex. Dtsch ZahnaerztlZ 1962;77:438.
19. Psillakis JM.Osteotomias estéticas da face. In: Psillakis J M,Zanini
5. Chaconas SJ, Fragiskos FD. Orthognathic diagnosis and treat SA, Melega JM et ai. (eds.). Cirurgia Craniomaxilofacial: Osteoto
ment planning: a cephalometric aproach. Journal ofOralReha- miasEstéticas da Face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987:357-89.
bilitation 199 l;i&531-545.
20. Schendel SA, Mason ME. Adverse outcomes in orthognatic
6. D'Agostino L. Princípios de fonoaudiologia nas deformidades surgery and management of residual problems. ClinicsinPlastic
craniofaciais. In: Melega JM, Zanini SA, Psillakis JM (eds.) Surgery 1997,24(3):489-504.
Cirurgia Plástica - Reparadora e Estética. Rio de Janeiro:
21. Viterbo F. Osteotomias estéticasda face. In: Cardim VLN, Mar
MEDSI 1992:309-19.
quesA, Besteiro JM (eds.). Sociedade Brasileira de Cirurgia Plás
7. Epker BN, Fish LC (eds.) Dentofacial deformities-integrated tica Estética e Reconstrutiva Regional São Paulo.SãoPaulo,Rio
orthodontic and surgical correction St. Louis: Mosby, 1956: de Janeiro, Belo Horizonte: Atheneu, 1995:195-208.
541.
22. Wolford LM, Fields RT. Maxillary procedures. In: Booth PW,
8. Fish LC, Wolford LM, Epker BN. Surgical orthodontic correc Schebdel AS, Hansamen J (eds.). Maxillofacial Surgery. Lon-
tion of vertical maxillary excess. AmerJ Orthodontic 1978;73: don: Churchill. Livingstone, 1999;2:1.238-46.
241.
23. Zanini SA. Nova via de entubação para cirurgias conjuntas de
9. Kawamoto HK. Treatment of the elongated lower face and nariz, maxila e mandibula. I Simpósio Internacional de Con
the gummy smile. Clin Plast Surg 1982:2479. torno Facial. Gramado, 1987.
Correção das
Deformidades Mandibulares

Max Domingues Pereira


Eduardo Fausto de Andrade Filho
Lydia Masako Ferreira

INTRODUÇÃO • Deformidades adquiridas: podem ocorrer após res


secção de tumor ou trauma.
A mandibula é um dos ossos mais complexos do cor
Neste capítulo serão discutidas as deformidades
po humano dos pontos de vista anatômico e funcio
mandibulares relacionadas com as deformidades den-
nal. Ela está conectada ao crânio e ao pescoço por uma
tofaciais, tendo como objetivos finais a obtenção de
musculatura forte e com memória, podendo interferir
um resultado funcional estável e a melhora do perfil
nos segmentos osteotomizados da mandibula. Além
estético do paciente.
disso, possui os dentes e o nervo alveolar inferior em
locais que dificultam a realização das osteotomias.
A mandibula é importante na mastigação, deglu
tição e respiração. Devido à sua forma em U e duas DEFORMIDADES DENTOFACIAIS
articulações no seu final, as osteotomias devem ser fei MANDIBULARES
tas em dois locais, resultando em três segmentos.
As deformidades mandibulares podem ser classi Excesso Mandibular (Prognatismo)
ficadas em três principais grupos:
O excesso de mandibula resulta em oclusão classe III
• Malformações congênitas: podem ser unilaterais ou de molar e sobressaliência reversa de incisivos. Uma
bilaterais. Ocorrem na síndrome de Treacher Collins deformidade facial evidente pode ocorrer. Na avalia
e microssomia craniofacial. ção do perfil facial, o mento é projetado exagerada-
• Alterações do desenvolvimento: podem ser causa mente, a relação dos lábios superior e inferior está in
das por vários fatores, como paralisia facial congê vertida e o mento se encontra à frente do lábio superior.
nita, torcicolo congênito, trauma (fratura do côndi Em casos mais graves, há dificuldade para o selamento
lo mandibular por fórceps), padrão neuromuscular labial, e o sulco labiomcntual é pouco definido. Na
anormal (mordida aberta por posição inadequada vista frontal, o mento é "forte "e ocorre excesso de
da língua), infecção (mastoidite) e prognatismo (as exposição do vermelhão do lábio inferior. Na análise
sociado a acromegalia). cefalométrica, a localização anterior da mandibula é

663
664 Cirurgia Craniomaxilofacial

confirmada por um ângulo SNB e profundidade man correção apenas com tratamento ortodôntico. O diag
dibular maiores do que o normal. nóstico é feito por meio da análise facial e oral, telerra
diografia e modelos em gesso.

Deficiência Mandibular (Micrognatismo)


A deficiência mandibular resulta em oclusão classe II PAPEL DO
de molar e canino, bem como em sobressaliência posi ORTODONTISTA/CIRURGIÃO
tiva nos incisivos.
Nas deformidades dentofaciais que necessitam de pro
O micrognatismo caracteriza-se pela deficiente pro
cedimentos cirúrgicos, o ordontista é fundamental na
jeção anterior do mento, avaliado em perfil, sulco labio-
equipe. O planejamento da correção das deformida
mentual profundo, lábios superiores evertidos, ângulo
cervical aberto e região submentoniana curta. A avalia
des dentofaciais deve ser feito em conjunto, pelo or
todontista e cirurgião.
ção cefalométrica apresenta o ângulo SNB e a profundi
dade mandibular diminuídos em relação ao normal.
No planejamento inicial, o ortodontista deve avali
ar, através de traçado de predição e avaliação de mode
los em gesso, a necessidade ou não de extração dentária.
Desvio Lateral da Mandibula (Laterognatismo) Outra decisão é saber se a deformidade é leve o
suficiente para ser corrigida apenas com ortodontia. A
A face pode estar assimétrica pelo desvio lateral da extração dos terceiros molares inferiores deve ser. reali
mandibula isoladamente ou da maxila e mandibula.
zada de 6 a 9 meses antes da cirurgia. A extração desses
As assimetrias isoladas da mandibula ocorrem devido
dentes pode ser feita no momento da osteotomia,
a deficiências ou ao excesso de crescimento.
porém há risco maior de fratura indesejável e maior
Quando o esqueleto mandibular desvia-se para um dificuldade na fixação óssea.
lado além da média normal, assimetria facial torna-se
Para o planejamento inicial são solicitados: teler
evidente e o laterognatismo é produzido. O mento é radiografia lateral e frontal (no caso de laterognatis
desviado do plano mediano da face. As linhas interin- mo), panorâmica, modelos em gesso das arcadas den
cisais superior e inferior não coincidem, e mordida tárias e fotografias da face e intrabucal. O tipo de tra
cruzada posterior está freqüentemente presente. Em çado cefalométrico deve ser o mesmo, para que haja
desvios menores, os dentes compensam os desvios das familiaridade com o método. Em nossa rotina utiliza
estruturas ósseas. O desvio mandibular é avaliado por mos os traçados Mcnamara e padrão USP. É nesse
telerradiografia em posição póstero-anterior. O diag momento que o cirurgião e o ortodontista devem to
nóstico é definido com avaliação clínica da face e da mar a maioria das decisões.
oclusão e análise de modelos.
O objetivo final do tratamento ortodôntico inclui
Uma forma de medir a inclinação do plano oclu o nivelamento e alinhamento dos dentes em suas bases
sal é colocar um abaixador de língua na região dos
ósseas a fim de permitir, no momento da cirurgia, a
pré-molares bilateralmente e pedir para o paciente melhor intercuspidação possível e com isso reduzir o
ocluir. A inclinação é medida da espátula até a pupila tempo de tratamento ortodôntico pós-operatório.
ou pálpebra inferior. A quantificação dos milímetros
Uma vez o ortodontista tendo finalizado o prepa
a serem corrigidos é feita no traçado preditivo e cirur
ro pré-cirúrgico, nova documentação é solicitada (teler
gia de modelos.
radiografia lateral, panorâmica, modelos em gesso e fo
tografias). Os modelos em gesso (maxila e mandibula)
Alterações da Posição do Mento devem ser vasados com gesso especial, a fim de evitar
alteração na superfície de oclusão durante a montagem
O mento pode apresentar deficiências no sentido ân no articulador e construção da goteira operatória.
tero-posterior, vertical ou transversal. A deformidade O ortodontista deve instalar o arco retangular
pode ser um problema isolado ou associado a outras aproximadamente 1 mês antes da operação, e ganchos
deformidades mandibulares. são soldados nos arcos para permitir o bloqueio maxi
lomandibular (BMM).
O traçado de predição (preditivo) cirúrgico é rea
Alterações Dentoalveolares
lizado para quantificar o movimento ósseo e dos teci
A curva de oclusão mandibular pode apresentar alte dos moles, uma vez que o movimento dos dentes foi
rações do seu padrão normal em que não é possível a avaliado no traçado de predição pré-ortodôntico.
Correção das Deformidades Mandibular 665

Nos movimentos isolados da mandibula, os mo • Osteotomia total: a osteotomia ocorre em toda es


delos em gesso podem ser montados em articulador pessura da mandibula, com separação dos segmen
simples tipo charnera. Não há necessidade de articula tos que podem ser seccionados, interpostos, ou co
dor scmi-ajustável ou de emprego do arco facial para locado enxerto ósseo entre os segmentos. Como
se obter a relação da maxila com a base do crânio. exemplo podem ser citadas a osteotomia vertical
Com os modelos montados no articulador em relação do ramo e a osteotomia sagital do ramo.
cêntrica utilizando cera rosa 7, são traçadas linhas de • Osteotomia dentoalveolar: a osteotomia é realizada
referência verticais nos modelos, normalmente nos abaixo do ápice das raízes dos dentes. O bloco den
primeiros molares e caninos. O modelo mandibular é toalveolar é colocado na posição planejada. Nesse
seccionado ou, quando se utiliza o articulador tipo tipo de procedimento, a nutrição é feita pelo tecido
Galletti, apenas o parafuso do ramo superior é libera mucoperiosteal lingual aderido ao osso. A osteoto
do e colocado na oclusão ideal (avaliada pelo traçado mia subapical anterior da mandibula é um exemplo.
de predição). Uma goteira cirúrgica em acrílico é cons • Corticotomia: a secção é realizada apenas na corti
truída. Para alguns autores, essa goteira pode ser dis cal do osso. Corticotomias são realizadas na mandi
pensável caso a intercuspidação seja ideal. A goteira bula, para alongamento ósseo.
corresponde à posição ideal final do movimento reali
zado na mandibula, avaliado pelo traçado de predi
ção. O movimento realizado na mandibula pode ser Procedimentos Mandibulares
mensurado através da movimentação ântero-posterior O tratamento das deformidades mandibulares den
das linhas verticais (Fig. 52-1). Quando, além do movi tofaciais pode ser isolado ou associado a osteotomi
mento ântero-posterior, são realizados pequenos mo as da maxila e terço médio da face. Uma variedade de
vimentos verticais para fechar a oclusão, essas medidas procedimentos cirúrgicos são utilizados para o trata
não são exatas.
mento das deformidades dentofaciais mandibulares.
Vários destes foram utilizados no passado até que se
chegasse às técnicas atuais13-2', tendo hoje apenas va
FASE CIRÚRGICA DO TRATAMENTO lor histórico.
Os procedimentos realizados na mandibula podem
Tipos de Osteotomias ser classificados de acordo com o local do corte em:

Na mandibula, três diferentes tipos de osteotomias • Osteotomias segmentadas


podem ser realizadas: • Osteotomia subapical anterior (OSA)

% m-l^^^BB^^^R-ÜH^B

BC >___

1 L i<-^íl
Fig. 52-1. Cirurgia de
modelos. A. Modelos
montados em relação
1 fí
cêntrica no articulador
tipo Galletti com linhas
verticais de orientação. 1
B. Deslocamento •fcz' 'l itflffl
ântero-posterior (neste
caso, recuo
mandibular). C. Goteira
de oclusão cirúrgica.
666 CirurgiaCraniomaxilofacial

• Osteotomia subapical posterior (OSP) Vias de Acesso

• Osteotomia subapical total (OST) A mandibula pode ser osteotomizada nas diferentes
• Osteotomias do ramo mandibular regiões anatômicas e reposicionada na forma planeja
da através do acesso intrabucal (mucosa bucal) e extra-
• Osteotomia subcondilar (OS)
bucal (cutâneo).
• Osteotomia sagital do ramo (OSR) A área onde será realizada a incisão pode ser infil
• Osteotomia vertical do ramo (OVR) trada com solução contendo adrenalina 1:100.000, para
redução do sangramento local. Com o emprego de
• Osteotomia em "L" invertido (OLI)
bisturi elétrico com pontas finas, a mucosa pode ser
• Osteotomias do corpo mandibular incisada diretamente, e o sangramento é mínimo mes
• Osteotomia do corpo anterior (OCA) mo sem infiltração com solução contendo adrenalina.
• Osteotomia do corpo posterior (OCP)
• Osteotomia do mento (genioplastia) ACESSO EXTRABUCAL

O cirurgião pode tratar a maioria das deformida Com o emprego de instrumental adequado, incluin
des com um ou mais desses procedimentos. Depen do boa iluminação, o acesso extrabucal é pouco utili
dendo do tipo de defeito, um ou outro tipo de osteo zado. As desvantagens desse acesso são a cicatriz resul
tomia será indicado. tante e o risco de lesão do nervo facial.
A osteotomia sagital do ramo, osteotomia intra-
bucal vertical, osteotomia em "L" invertido e osteoto
ACESSO INTRABUCAL
mia do mento são os procedimentos utilizados na gran
de maioria, enquanto os outros são empregados em O acesso intrabucal fornece excelente exposição à sín
raras situações. A osteotomia sagital do ramo conti fise, corpo e ramo da mandibula. O risco de lesão do
nua sendo a técnica mais empregada nos procedimen nervo facial é menor, além de não deixar cicatriz na
tos mandibulares. Dele6,7,28,29,48
Serão discutidas com detalhes as técnicas mais
utilizadas, salientando-se as indicações e contra-indica-
ções, técnica operatória (vias de acesso e tipos de fixa ACESSO À SÍNFISE MANDIBULAR
ção) e complicações. A indicação de cada uma dessas No acesso à sínfise, dois tipos de incisões podem ser
técnicas está limitada ao tipo de movimento a ser rea utilizadas. Uma das incisões é realizada na mucosa do
lizado ou à experiência do cirurgião em relação a de lábio, mais ou menos 5mm acima da profundidade
terminada técnica. do vestíbulo bucal inferior e estendendo-se de cani
As osteotomias mandibulares são realizadas para nos a caninos. A mucosa é incisada e, a seguir, o bistu
correção das seguintes deformidades: deficiência man ri é inclinado em direção à sínfise óssea, seccionando a
dibular ântero-posterior, excesso mandibular ântero- musculatura e deixando parte da mesma aderida ao
posterior, nivelamento do plano oclusal, alterações da osso, para permitir a sutura. Após incisão do periós
posição do mento (vertical, horizontal e transversal) e teo, a dissecção no plano subperiosteal é realizada até
fechamento de pequena mordida aberta associada a mais ou menos 0,5cm acima da margem da mandibu
alterações de outros planos. la, os nervos mentuais devem ser identificados e o te
cido deve ser mantido ao redor deles (Fig. 52-2). A
dissecção pode ser feita com descolador aspirador (in
Notas do Editor: cisão labiobucal).
1. A osteotomia subcondilar (OS), descrita por Oswaldo de Castro*, A outra incisão para acesso à sínfise é realizada
de fácil execução, com ótimos resultados quando bem indicada, aproximadamente 5mm abaixo da junção da gengiva
foi e continua sendo utilizada no Brasil e no exterior. Tem a
desvantagem de pequeno contato ósseo, causa de pseudartrose
inserida com a não-inserida (incisão mucogengival), na
ou recidiva quando mal indicada. superfície dental do vestíbulo. Com esse tipo de inci
2. Um estudo crítico das osteotomias mandibulares pode ser obser
são o acesso é direto à mandibula, porém deve-se ter o
vado em 2 capítulos do livro PsillakisJM et ai. Cirurgia Cranio cuidado de deixar tecido para a sutura da incisão. A
maxilofacial. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987. incisão deve ser evitada na profundidade do vestíbu
*Castro OD. Surgical corretion of prognatism: angled osteoplasty lo. Partículas de alimento tendem a depositar-se nessa
ofthe mandibular rami. BritJ Plast Surg 1967;2ft57. área e dificultar a cicatrização.
Correção das Deformidades Mandibulares 667

dentofaciais deve conhecer as indicações, técnicas e


complicações dessa osteotomia.
Essa técnica foi descrita pela primeira vez por via
intrabucal por Trauner e Obwegeser1", em 1957. Dal
Pont9 (1959 e 1961) aumentou a área de clivagem ós
sea, proporcionando, conseqüentemente, maior con
tato ósseo. O corte vestibular estende-se até os mola
res no sentido vertical. Outros cirurgiões também
modificaram a técnica original. A evolução dessa téc
nica teve início com Blair, em L9072.

Fig. 52-2. Incisão labiobucal para acesso ã sínfise da mandibula,


estendendo-se de caninos a caninos. A linha mediana e o local da Indicações
osteotomia horizontal são demarcados no osso com lápis esterili
zado após o descolamento subperiosteal. A OSR pode ser utilizada para recuo ou avanço man
dibular e assimetrias. É o procedimento de escolha caso
a mandibula precise ser avançada. Permite avanços de
ACESSO AO RAMO DA MANDÍBULA aproximadamente lOmm.
A incisão é realizada ao longo da margem anterior do E também uma excelente operação para recuo
ramo e se estende inferior e lateralmente para a região mandibular pequeno a moderado (7 a 8mm). Nos ca
do primeiro molar, seguindo a linha oblíqua. Acima sos de recuos maiores, deve ser considerada a osteoto
do plano oclusal, a incisão deve ser apenas na mucosa mia em "L" invertido ou osteotomia vertical intrabu
e, abaixo, até o osso. Cuidado deve ser tomado para cal do ramo.
não expor o corpo adiposo da bochecha (Fig. 52-3). Casos de assimetrias devem ser cuidadosamente
Uma vez exposto o corpo adiposo, a operação é difi avaliados. Assimetrias pequenas podem ser corrigidas
cultada. Quando são efetuadas osteotomias no ramo com osteotomia sagital do ramo. Já nos desvios late
e sínfise, duas incisões são realizadas, deixando tecido rais maiores é preferível a osteotomia em "L" inverti
normal entre elas. do ou a osteotomia vertical intrabucal do ramo.
As incisões são fechadas em dois planos com fios A técnica da OSR é semelhante nas três situações
de categute 4-0 cromado ou poligalactina 4-0 em pon clínicas (avanço, recuo e assimetrias), havendo peque
tos separados. nas variações na osteotomia e nas técnicas de fixação.

OSTEOTOMIA SAGITAL DO RAMO (OSR) Técmca Operatória


O paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal
A OSR é indispensável e continua sendo a técnica mais
sob anestesia geral e intubação nasotraqueal. A cânula
utilizada para correção das deformidades mandibula
é fixada no septo nasal com náilon monofilamentar 3-
res. O cirurgião que se propõe a tratar deformidades
0, e tamponamento é feito com gaze na orofaringe. A
boca é mantida aberta, colocando-se um abridor de
boca de borracha entre os dentes molares do lado opos
to à incisão. A incisão é realizada na mucosa bucal, na
margem anterior do ramo, estendendo-se em direção à
linha oblíqua até o primeiro molar inferior. A incisão
é feita até o periósteo, numa extensão de aproximada
mente 4cm. Margem de 0,5cm próximo à gengiva in
serida é deixada para realização da sutura. A superfície
lateral do ramo, ângulo e corpo proximal é descolada
abaixo do periósteo, utilizando-se afastadores apropri
ados e descolador aspirador. A superfície oclusal é des
colada e, a seguir, inicia-se o descolamento subperios
Fig. 52-3. Demarcação da incisão na mucosa bucal para acesso teal das inserções baixas do músculo temporal, onde é
ao ramo mandibular. colocado um afastador ou pinça Kocher. Inicia-se a
668 Cirurgia Craniomaxilofacial

dissecção na superfície mediai do ramo acima da lín- que contém o côndilo, e o distai, os dentes e feixe
eula. O feixe vasculonervoso alveolar inferior é iden- vasculonervoso.
tificado. A demarcação da osteotomia é feita com lá A goteira cirúrgica é colocada de acordo com o
pis esterilizado (Fig. 52-4A). Os cortes são realizados movimento planejado e BMM é realizado com elásti
com serra reciprocante e se iniciam na face mediai cos. O segmento proximal é cuidadosamente aproxi
imediatamente superior ao forame mandibular e para mado do segmento distai e, caso haja interferências
lelos ao plano oclusal. A osteotomia desce na superfí ósseas, estas devem ser removidas com broca de des
cie oclusal, em direção à linha oblíqua até o primeiro gaste, até que a aproximação seja passiva, o que evita
molar. Este corte é paralelo à cortical externa. O corte torção do segmento proximal ou compressão nervo
inferior é realizado na superfície vestibular, perpendi sa. Nesse momento é realizada a fixação. A maioria
cular ao plano oclusal da mandibula (Fig. 52-45). Os dos cirurgiões concorda que a fixação rígida, quer seja
cortes devem ir até a medular do osso, tendo-se cuida com parafusos ou placas e parafusos, é benéfica para o
do com o feixe vasculonervoso. Para visibilização ade paciente, com retorno precoce da função, menor per
quada da entrada do feixe vasculonervoso, fonte de da ponderai e melhor higienização oral.
luz e instrumento de ampliação da imagem devem ser
utilizados.
Técnicas de Fixação Óssea
Uma vez completada a corticotomia (mediai, sa
gital e lateral), a clivagem das corticais é iniciada com Estando o paciente em bloqueio maxilomandibular com
osteótomos curvos, que devem ser direcionados para a goteira cirúrgica, o segmento proximal é passivamen
a cortical externa (Fig. 52-4Q. Quando a clivagem an te aproximado do segmento distai e a fixação é realiza
terior ao nervo foi realizada, introduz-se um separa da com parafusos bicorticais e não-compressivos ou com
dor de corticais (Fig. 52-4D). placas e parafusos (Fig. 52-5/1 e B). Caso a intercuspida
Nesse momento, o canal mandibular é visibiliza- ção seja ideal, a goteira cirúrgica pode ser dispensável.
do e, sob visão direta, completa-se a separação dos seg As técnicas de perfuração e colocação dos parafu
mentos proximal e distai. O segmento proximal é o sos podem ser diretamente por via bucal, que têm como

Fig. 52-4. Técnica operatória da osteotomia sagital. A. Superfícies mediai, oclusal e lateral do ramo lateral e o corpo proximal expostos
e local da osteotomia demarcado com lápis esterilizado. B. Osteotomia realizada com serra reciprocante se inicia na face mediai (BI), a
seguir superfície oclusal (B2) e superfície lateral (B3). C. A clivagem das duas corticais é iniciada com osteótomo curvo. D. Separador de
corticais introduzido para visibilizar o feixe vasculonervoso.
Correção das Deformidades Mandibulares 669

inconveniente a dificuldade na colocação dos parafu apertados para fechar esse espaço. Pequenos enxertos
sos posteriores e estes se localizarem em posição oblí ósseos podem ser colocados nesse espaço. Três parafu
qua, pela via transcutânea ou com sistema de contra- sos são suficientes para estabilização, sendo dois atrás
ângulo por via intrabucal. do último dente e um na margem inferior da mandi
Quando se utiliza um sistema transcutâneo, uma bula, abaixo do feixe vasculonervoso e próximo ao
incisão de mais ou menos 2mm é realizada na pele, corte distai do segmento proximal (Fig. 52-5/1).
aproximadamente lcm abaixo do ângulo da mandi
bula. Através dessa incisão um trocater é inserido e
um afastador de bochecha acoplado ao mesmo. Atra PLACAS E PARAFUSOS

vés deste é possível introduzir uma broca para perfu Nos casos de assimetria mandibular, pode ocorrer di
rar o osso e uma chave e parafuso (Fig. 52-5Ce D). A ficuldade técnica na fixação óssea. Nesses casos, po
desvantagem dessa via é o risco de lesão do nervo faci dem ser utilizados miniplacas e parafusos. A minipla-
al e cicatriz na pele. ca c modelada de forma que pelo menos dois orifícios
No sistema de contra-ângulo, utiliza-se peça de mão fiquem no segmento ósseo proximal e dois no distai.
em ângulo reto, na qual é colocada uma broca para Através do acesso bucal, dois parafusos de 7mm de
perfurar o osso. Nessa peça de mão pode ser também comprimento são colocados no segmento proximal e
colocada uma cabeça de chave, de acordo com o tipo dois de 5mm no segmento distai (Fig. 52-55).0 blo
de cabeça do parafuso (Fig. 52-5E e F). A peça de mão queio maxilomandibular é removido e a oclusão é che
e o motor devem apresentar reduções, para permitir cada. Caso a oclusão não seja a ideal, os parafusos são
uma velocidade baixa, como uma chave manual. Pode removidos e a fixação é novamente realizada. Nos casos
ser utilizada, também, uma chave manual em ângulo de recuo, a margem anterior do ramo do segmento
reto, para rosquear os parafusos. proximal é removida com serra ou broca de desgaste
(Fig. 52-6). A incisão é fechada em dois planos com fio
de categute 4-0 cromado ou poligalactina 4-0.
PARAFUSOS BICORTÍCAIS
A área não costuma ser drenada. Um chumaço de
Os parafusos devem ser bicortícais, porém não-com- gaze úmido é colocado de cada lado na região mandi
pressivos. Devem ser apertados o suficiente para apro bular, fixado com atadura e mantido por 24 horas.
ximar as duas corticais ósseas. Caso não haja contato Aguarda-se que o paciente acorde e só aí o blo
ósseo em algum ponto, os parafusos não devem ser queio maxilomandibular é realizado com elásticos. O

Fig. 52-5. Técnica de fixação óssea. A. Fixação com três parafusos bicorticais e não-compressivos. B. Fixação com placa e parafusos
monocorticais. C Sistema para fixação transcutânea. D. Sistema afastando a bochecha e com chave para fixar o parafuso. E. Sistema de
contra-ãngulo para perfurar e fixar o parafuso. F. Contra-ângulo com redução e cabeça de chave apertando o parafuso.
670 Cirurgia Craniomaxilofacial

do observada no intra-operatório, a fixação deve ser


liberada e refixada novamente. Mordida aberta poste
rior pode dever-se à fixação óssea. Se observada no in
tra-operatório, a fixação deve ser liberada e nova fixa
ção reaplicada. Caso seja observada no pós-operatório,
irá depender de sua magnitude. Caso seja grande, a
fixação deve ser liberada e fixada novamente. Caso seja
pequena, elásticos verticais podem fechar a mordida.
Desvios laterais podem ocorrer por avanço inadequado
de um dos lados e falha do cirurgião em reconhecer o
desvio da linha média. Quando ocorre desvio sem dis
crepância anterior ou posterior, o emprego de elásti
cos de tração pode corrigir o problema. Se houver
mordida aberta, as fixações devem ser revistas.
Fig. 52-6. Secção do excesso de osso do segmento proximal nos
casos de recuo mandibular.

CLIVAGEM DESFAVORÁVEL
bloqueio é mantido por 1 semana. Após, o paciente é A incidência de clivagem desfavorável com fratura após
mantido apenas com elástico, para controle da oclu osteotomia sagital está entre 3% e 20%"". Pode ocorrer
são, por aproximadamente 4 semanas. O paciente é no segmento proximal ou distai. O fator de contri
então encaminhado para tratamento ortodôntico pós- buição para fratura desfavorável no segmento proxi
operatório (Fig. 52-7). mal se deve à falta de secção de toda cortical antes da
Antibioticoterapia e corticoterapia são adminis utilização dos osteótomos. O terceiro molar impacta-
tradas de rotina. Decúbito deve ser elevado por 1 se do pode causar fratura desfavorável tanto no segmen
mana e compressas frias na face por 48 horas. to proximal como no distai, quando removido no
momento da osteotomia. O terceiro molar deve ser
Recuo Mandibular e Assimetria extraído pelo menos 6 meses antes da operação. A fra
tura indesejável do segmento proximal pode ser pe
Nos casos em que ocorre recuo mandibular, a parte
quena ou grande. Quando pequena, normalmente ain
distai do segmento proximal corresponde à quantida
da consegue sobreposição com o segmento distai e a
de de recuo e deve ser removida. Esta correlação é ver
fixação é feita com placas e parafusos ou parafusos
dadeira quando não ocorre mordida aberta associada.
bicorticais. Quando o fragmento fraturado é grande,
este deve ser fixado com placas e parafusos no local
Complicações do traço da fratura e, a seguir, no segmento distai com
parafusos bicorticais ou placas e parafusos. Fratura
POSIÇÃO DO CÔNDILO
adversa do segmento mediai pode ocorrer próximo à
A não-colocação correta do segmento proximal pode língula, em direção ao côndilo ou fraturar atrás do
resultar em rotação do mesmo, torção e frouxidão do segundo molar.
côndilo. O côndilo mal posicionado pode resultar em
recidiva esquelética, má oclusão, hipomobilidade e re-
modelamento da cabeça da mandibula. Vários tipos de RECIDIVA
aparelhos para reposicionamento do côndilo têm sido
A causa de recidiva após avanço da mandibula é mul-
propostos. Ellis'2, 1994, observou resultados semelhan
tifatorial. Um dos fatores é um avanço maior do que
tes com o uso de reposicionador ou com o reposiciona
7mm, segundo Sickles et ai, (1986). Quando precoce,
mento manual do côndilo. O posicionamento inade
está relacionada com a posição inadequada dos côndi
quado do côndilo pode dever-se a falha técnica do ci
los da mandibula.
rurgião, edema da articulação ou hemartrose.

MA OCLUSÃO DISTURBIO DO NERVO ALVEOLAR INFERIOR

Mordida aberta anterior pode ocorrer devido à fixa Parestesia do lábio inferior e mento é o achado imediato
ção inadequada dos segmentos proximal e distai. Quan- mais comum após OSR, de acordo com Guernsey e
Correção das Deformidades Mandibulares 671

Fig. 52-7. Paciente com micrognatia operado pela técnica de osteotomia sagital bilateral dos ramos e avanço. Pré-operatório: (A) vista
anterior; (B) vista lateral; (C) oclusão; (D) telerradiografia lateral. Pós-operatório: (E) vista anterior; (F) vista lateral; (G) oclusão;
(H) telerradiografia. Fixação com três parafusos de cada lado.

DeChamplain (1971). Normalmente é bilateral. A mai ocorrer. Turvey (1985) relatou secção do nervo alveo
oria das lesões é do tipo neuropraxia e se deve a dis lar inferior em 3,5% dos casos. Caso haja secção com
tensão, manipulação e edema do nervo ou compressão pleta do nervo, este deve ser reparado de imediato.
do mesmo. Mc Intosh (1981) observou que 85% dos Lesões do nervo facial ou lingual são menos freqüen
pacientes tinham déficits neurológicos no pós-operató tes do que lesões do nervo alveolar inferior. Podem ser
rio imediato e que foram reduzidos para 9% com 1 ano. evitadas quando o cirurgião realiza a dissecção no pla
Raveh et «•?/.( 1988) observaram 97% de déficit neu no subperiosteal. A maioria das lesões do nervo facial
rológico no pós-operatório imediato, 55% com 1 mês, é decorrente do acesso cutâneo. Lesão do nervo lin
12,5% com 1 ano e apenas 1% anestesia completa. Le gual é incomum. Pode ocorrer por penetração excessi
sões graves com axoniotmese e neurotmese podem va dos parafusos'1". A maioria se resolve espontânea-
672 Cirurgia Craniomaxilofacial

mente. Quando utilizados parafusos bicorticais, estes OSTEOTOMIA VERTICAL DO RAMO


devem ser do tamanho ideal, a fim de evitar lesão do (OVR) (FIG. 52-8)
nervo lingual.
A cirurgia do ramo mandibular para a correção das de
formidades mandibulares tem sido utilizada desde 1900-.
DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR (DTM) Tanto o acesso extrabucal como o intrabucal podem
DTM é uma das complicações mais comuns após ci ser utilizados. A técnica foi descrita inicialmente por
rurgia ortognática. Disfunção após cirurgia se deve a Caldwell e Letterman3 (1954) por acesso extrabucal. A
disfunção preexistente, trauma intra-operatório ou após via intrabucal passou a ser utilizada a partir de 1968.
cirurgia por sobrecarga da articulação ou bloqueio A OVR é indicada para recuos mandibulares, assi
maxilomandibular por longo tempo. metrias mandibulares, cirurgias combinadas com alte
ração do plano oclusal e na disfunção da articulação
temporomandibular1. A osteotomia é contra-indicada
HEMORRAGIA no avanço mandibular, quando enxerto ósseo não é
Esta é uma das complicações após OSR. A manuten utilizado, em fraturas recentes do côndilo mandibular
ção da dissecção no plano subperiosteal previne he e nos recuos da mandibula.
morragias maiores. Hemorragia maior pode ocorrer
pós-lesão da artéria alveolar inferior, massetérica ou da Técnica Operatória
veia retromandibular. O controle do sangramento é
A incisão é semelhante à utilizada na osteotomia sagi
feito com hemostasia por pressão. Laceração das arté
rias maxilar, lingual e tonsilar é rara e normalmente tal do ramo. A dissecção é realizada no plano subperi
ostal, para expor a incisura da mandibula e margem
necessita ligadura para controle do sangramento.
posterior do ramo. A inserção do masseter no ângulo
Outras complicações menos comuns podem ocor
é mantida para suporte do segmento do côndilo após
rer, como infecção e pseudo-artrose.
osteotomia. Um afastador tipo Bauer com fonte de
luz é colocado na incisura da mandibula e na margem
Vantagens da OSR posterior, próximo ao ângulo. O nervo alveolar inferi
or penetra o forame mandibular aproximadamente
• Cicatrização rápida por grande contato ósseo.
lOmm da margem posterior do ramo, e a referência
• Pode avançar ou recuar a mandibula, corrigir a externa da língula na superfície lateral é a antelíngula.
maioria das assimetrias e alterar o plano de oclusão.
A osteotomia é realizada com serra reciprocante e lâ
• Fixação pode ser utilizada com boa estabilidade.
mina angulada de 7mm. Para recuos de 4mm ou me
nos, o corte deve ser paralelo à margem posterior. Para
Desvantagens da OSR os recuos maiores do que 5mm, a osteotomia inferior
(abaixo do plano oclusal) é dirigida anterior e paralela
• Incidência alta de lesão do nervo alveolar inferior. mente ao canal da mandibula. O objetivo de angular a
• Clivagem indesejável pode ocorrer. osteotomia é manter músculo e tendão aderidos e evi
• É difícil a correção de grandes assimetrias. tar o deslocamento inferior do segmento condilar.

Fig. 52-8 A. Vista lateral do corte


da osteotomia vertical do ramo.
B. Vista mediai.
Correção das Deformidades Mandibulares 673

Após completada a osteotomia, o segmento pro dendo causar frouxidão do côndilo e deslocamento
ximal é afastado lateralmente e o músculo pterigói- anterior e inferior, ou mesmo luxação. É semelhante
deo mediai é descolado o suficiente do plano subperi ao que pode ocorrer quando se realiza osteotomia
osteal para o recuo planejado. A goteira cirúrgica é oblíqua do ramo. Nesses casos, o procedimento pode
colocada e o BMM é realizado com elástico, estando a ser interrompido ou realizada fixação com fios de aço
mandibula na posição planejada. ou fixação rígida.
Interferência óssea pode ocorrer entre a face me
diai do segmento proximal (condilar) e a face lateral
do segmento distai. Caso haja interferência, a remo Vantagens da OVR
çãodeve ser feita com broca de desgaste, até que ocorra • Cirurgia rápida e de fácil execução.
bom contato entre os segmentos. Outro tipo de in • Recuperação rápida.
terferência óssea ocorre quando o recuo é de lOmm • Baixo risco de lesão do nervo alveolar inferior.
ou mais. O contato ósseo nessa situação se dá entre o • Pode corrigir prognatismo mandibular e assimetrias.
processo condilar e o coronóide. Nesses casos, está • Não há necessidade de extração dos terceiros mo
indicada coronoidectomia, ou a técnica em "L" inver lares.
tido.

Desvantagens da OVR
Fixação Óssea
• O controle da posição do côndilo é difícil e pode
Os segmentos da osteotomia vertical do ramo podem resultar em mordida aberta no pós-operatório.
ser fixados de forma rígida33,47, porém são pouco em • O período de cicatrização óssea é aumentado devi
pregados devido a dificuldade técnica, aumento do do a pouco contato ósseo.
tempo operatório e bons resultados obtidos com a • O emprego de fixação rígida através do acesso in
fixação com fios de aço inoxidável ou apenas BMM. trabucal é difícil, necessitando de 4 a 8 semanas de
A inserção dos músculos pterigóideo mediai e masse bloqueio maxilomandibular (BMM).
ter mantém o segmento proximal em posição e con • Pode necessitar longo período de uso de elástico
trole do mesmo, já o BMM promove o controle do para controle da oclusão.
segmento distai.
O emprego de miniplacas e parafusos é tecnica
mente difícil, havendo necessidade de modelagem da OSTEOTOMIA EM "L" INVERTIDO
placa. A fixação é feita com uma placa em T. Mesmo
com fixação rígida ou com fios de aço, o paciente é
(FIG. 52-9)
mantido em BMM por 1 semana e elástico de tração A osteotomia em "L" invertido é um procedimento
por 5 semanas. versátil, utilizado para corrigir deformidades mandi
bulares graves10,49. Descrita em 1957, por Trauner e
Obwegeser48, como procedimento intrabucal, pode
Complicações também ser utilizada por via extrabucal. É utilizada
Sangramento ocorre devido a lesão dos vasos masseté- para recuos de lOmm ou mais sem a necessidade de
ricos na incisura da mandibula. O simples reposicio coronoidectomia. O procedimento é utilizado para
namento ósseo pode hemostasiar, ou pode ser empre correção do segmento proximal com rotação anormal
após OSR, bem como para avanço e alongamento do
gada compressão externa.
A incidência de lesão proveniente do nervo alveo ramo, nos casos de hipodesenvolvimento grave, como
nas síndromes de Treacher Collins e Goldenhar. É in
lar inferior após OVR varia de 1% a 8%3,20, diferente
dicada, também, nos casos de assimetrias.
mente de lesão após OSR, com taxa superior a 20%38,40.
O meio para redução de lesão do nervo alveolar inferior
é a utilização de lâmina de 7mm de comprimento e
Técnica Operatória
angulada 105 graus em relação ao cabo da lâmina. As
lesões decorrentes da colocação do parafuso pela com A osteotomia em "L" invertido é uma mistura de OSR
pressão dos segmentos não ocorrem na OVR. e OVR. A exposição mediai é feita como na OSR. A
Pode ocorrer osteotomia alta com menos quanti osteotomia horizontal bicortical é realizada com serra
dade de músculo aderida ao segmento proximal, po- reciprocante ou broca de Lindemann logo acima da
674 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 52-9 A. Vista


mediai do corte da
osteotomia em "L"
invertido. B. Vista
mediai.

língula. A exposição lateral do ramo é feita através da A parte óssea corresponde à sínfise da mandibula,
dissecção subperiosteal, enquanto a osteotomia verti sendo delimitada superiormente pelo ápice das raízes
cal inferior é realizada de forma semelhante à OVR. A dos dentes anteriores e forames mentuais bilateralmen
fixação, uma vez o paciente tenha sido colocado na te. Dentro dos tecido moles são encontrados os mús
oclusão planejada, é feita com placas c parafusos. Se a culos mentuais, transverso do mento, abaixador do
fixação foi adequada, o paciente é mantido em BMM ângulo da boca e parte superior do platisma. Posteri
por 1 semana e com elásticos de tração por mais 5 ormente estão inseridos o genio-hióideo, genioglosso
semanas. Nos recuos mandibulares, as interferências e ventre anterior do digástrico. A inervação sensitiva
ósseas devem ser removidas para permitir a aproxima do mento é feita pelo nervo mentual de cada lado. A
ção passiva dos segmentos proximal e distai antes da inervação dos músculos é realizada pelo nervo facial.
fixação rígida.

Estética
Vantagens
O mento pode ser o indicativo do caráter de uma pes
• Correção de prognatismo mandibular ou assimetrias. soa. A deficiência do mento denominado "mento fra
• Não há necessidade de coronoidectomia. co" é associada com timidez, indecisão e comporta
• Recuos mandibulares grandes. mento tímido. Por outro lado, o mento projetado
• Pode avançar o ramo ou alongar a mandibula com anteriormente e em excesso, o "mento forte", está as
o uso de enxertos ósseos. sociado a agressividade, decisão, postura atlética e com
• Fixação rígida pode ser utilizada. portamento valente.
A genioplastia é um procedimento complemen
tar em cirurgia ortognática, rinoplastia e retidectomia,
Desvantagens ou pode ser um procedimento isolado.
• Necessita de enxertos ósseos para avanços.
• Tempo de cicatrização aumentado.
Avaliação Pré-operatória
As deformidades do mento podem ocorrer em três
OSTEOTOMIAS DO MENTO planos (horizontal, vertical e sagital), a maioria no pla
(GENIOPLASTIA) no horizontal. A análise da deformidade deve envol
ver estruturas ósseas, dentes e tecidos moles. A avalia
A anatomia região do mento é composta por tecidos ção das proporções verticais da face é importante, além
moles e osso. O tecido mole da região do mento é da harmonia. A face é considerada balanceada quando
delimitado pelo sulco labiomentual, superiormente, os terços superior, médio e inferior são equivalentes.
sulco cervicomentual, inferiormente, e pelas comissu- A avaliação do mento deve compreender a posição
ras da boca, lateralmente. dos lábios, forma e profundidade do sulco labiomen-
Correção das Deformidades Mandibulares 675

tual. O sulco labiomentual é profundo na má oclusão relação entre a altura facial inferior e a morfologia do
classe II, ou mordida profunda, e plano na classe III. A sulco45. Pacientes com a altura facial inferior diminuí
avaliação deve ser feita nos planos frontal e lateral. O da tendem a ter um sulco labiomentual profundo -
plano de tratamento individualizado é estabelecido "síndrome da face curta" - com retrognatismo, enquan
após avaliação dos tecidos moles, dentes e esqueleto. to pacientes com terço inferior da face aumentado ten
A retrusão do mento é a deformidade mais fre dem a apresentar um mento retruso, com sulco labio
qüente. Com o paciente avaliado de perfil, as estrutu mentual plano e dificuldade de selamento labial.
ras do mento e lábios deveriam estar mais ou menos
em uma linha reta perpendicular à horizontal verda
deira de Frankfourt. Osteotomia Horizontal do Mento e Avanço
Vários métodos de traçado cefalométrico têm sido (Figs. 52-10 e 52-11)
propostos para avaliação dos dentes, tecido ósseo e
Este é o procedimento mais utilizado. A incisão é reali
tecidos moles. Esses métodos são complementares à zada na mucosa labial, aproximadamente 5mm acima
avaliação clínica.
da profundidade do vestíbulo, estendendo-se entre os
Na telerradiografia lateral, os tecidos moles do
caninos, como descrito anteriormente. A superfície an
mento devem estar localizados a 4mm, com desvio
terior do mento é exposta, mantendo-se a margem infe
padrão de 2, em relação a uma linha passando pelo rior da mandibula sem descolar. Os nervos mentuais
ponto subnasal (junção dos tecidos moles da colume-
são identificados. Utilizando-se um lápis esterilizado, a
la e lábio superior) e perpendicular ao plano de Frank linha média e a linha da osteotomia horizontal são de
fourt. O pogônio não deve localizar-se à frente dos
marcadas. O local da demarcação da osteotomia hori
incisivos inferiores.
zontal deve ser 5mm abaixo dos forames mentuais. A
linha média deve ser demarcada com serra ou broca,
para manter a orientação dos movimentos. Mudanças
Histórico
verticais e horizontais podem ser influenciadas pela an
A osteotomia horizontal do mento foi descrita pela gulação da osteotomia. Quando a osteotomia for para
primeira vez por Hofer, em 1942, por via extrabucal, o lela ao plano oclusal, o maior movimento se dá no sen
qual denominou esta técnica genioplastia. Converse e tido ântero-posterior. Caso haja necessidade de redução
Wood-smith8 denominaram o procedimento "osteo vertical, o ângulo da osteotomia deve ser mais agudo
tomia horizontal da mandibula". Hinds e Kent21 fo em relação ao plano oclusal. A osteotomia é realizada
ram os primeiros a discutir a importância de manu com serra reciprocante e deve ser completa na cortical
tenção dos tecidos moles unidos ao segmento inferior. lingual e bucal, evitando-se fratura mandibular.
Osteótomos são utilizadas para completar a sepa
ração. A fim de minimizar as irregularidades e aumen
Padrões de Deformidades do Mento tar o contato ósseo, uma broca é utilizada para a re
moção dos mesmos.
O mento pode apresentar alterações nos três planos:
O mento é colocado no local planejado e fixado
1. Horizontal: deficiência ou excesso. com uma variedade de materiais de síntese. Podem ser
2. Vertical: deficiência ou excesso. utilizados fios de aço inoxidável, placas e parafusos de
3. Assimetrias19. interferência ou placas pré-moldadas. A sutura é feita
A deficiência horizontal do mento pode estar as em dois planos, e usa-se curativo compressivo com
microporagem do mento.
sociada ou não a alteração vertical. O mesmo pode
ocorrer com o excesso horizontal.
A mudança dos tecidos moles representa aproxi
madamente 80% da quantidade de osso avançado.
Pacientes que desejam um mento "forte" freqüen
temente têm alterações na altura da face inferior (40%
apresentam face diminuída e em 25% a altura facial
Osteotomia Horizontal do Mento e Redução
está aumentada) e na maioria se observa deformidade
(Fig. 52-12)
na morfologia do sulco labiomentual. Cinqüenta por
cento dos pacientes com deficiência horizontal do O procedimento cirúrgico é semelhante ao descrito
mento têm má oclusão tipo classe II de Angle44. para avanço. É necessário reduzir as extremidades pro-
Um sulco labiomentual normal é essencial para a ximais para que ocorra uma transição suave na mar
estética do terço inferior da face. Existe uma forte cor gem inferior. A mudança de tecido mole representa
676 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 52-10. Paciente com face curta e retrusão do mento. Pré-operatório e


peroperatório: (A) vista frontal; (B) vista de perfil; (C) telerradiografia lateral;
(D) osteotomia horizontal e avanço. Fixação com miniplaca pré-moldada e parafusos.
Pós-operatório: (E) vista frontal; (F) vista lateral; (G) telerradiografia lateral.

aproximadamente 90% da redução ântero-posterior do Redução Vertical


osso, quando tecido permanece aderido ao osso.
Mudanças verticais na altura do mento podem ser rea
lizadas por meio de duas técnicas. Uma delas é alterar
o ângulo da osteotomia. Na outra, remove-se uma cunha
Osteotomia Horizontal cm Dois Segmentos
de osso (Figs. 52-11 e 52-12). Quando tecido mole per
Quando a deficiência do mento é grande, pode-se rea manece aderido ao osso, a mudança dos tecidos moles
lizar osteotomia horizontal em dois segmentos. O pro representará aproximadamente 90% da mudança do
cedimento cirúrgico envolve a criação de um degrau. tecido ósseo.
Correção das Deformidades Mandibulares 677

Fig. 52-11. Avanço do mento e fixação


com fios de aço inoxidável. Paciente com
prognatismo mandibular e retrusão do
mento, submetido a recuo mandibular
pela técnica da osteotomia sagital dos
ramos, avanço e reposicionamento
superior do mento. Pré-operatório:
(A) vista anterior; (B) vista lateral;
(C) vista lateral da oclusão;
(D) telerradiografia lateral;
Intra-operatório: (E) osteotomia horizontal
do mento e ressecção de cunha óssea e
reposicionamento superior;
(F) avanço do mento e fixação com fios de
aço inoxidável. Pós-operatório:
(G) vista frontal; (H) vista lateral; (I) vista
lateral da oclusão; (J) telerradiografia
lateral; (L) Raios X panorâmico mostrando
fixações com três parafusos para
osteotomia sagital dos ramos e três fios
de aço para fixação da mentoplastia.
678 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 52-12. Osteotomia


horizontal do mento,
redução vertical e
ântero-posterior.
A. Osteotomia horizontal
e redução vertical.
B. Redução vertical,
deslocamento posterior e
fixação com placa
premoldada.
C. Telerradiografia
pré-operatória.
D. Telerradiografia
pós-operatória com
edema de partes moles.

Aumento Vertical res se resolvem com o passar do tempo. Lesão direta do


nervo com secção requer reparo imediato. Necrose avas
O aumento vertical é indicado quando se deseja aumen
cular ou reabsorção excessiva do segmento mobilizado
tar o terço inferior da face. O aumento é feito com
podem ser evitadas com a manutenção do pedículo.
enxertos ósseos autógenos entre os segmentos ósseos
osteotomizados ou através de osteotomia. A combina
ção de osteotomia horizontal e oblíqua do mento pode
OSTEOTOMIAS MANDIBULARES
aumentar a dimensão vertical sem a necessidade de en
SUBAPICAIS
xerto ósseo (Fig. 52-13). A mudança do tecido mole
representa 100% da mudança do tecido ósseo. São indicadas quando é necessária alteração de parte da
região alveolar da mandibula e podem ser de três tipos:
anterior, posterior e totais. As osteotomias alveolares
Assimetrias do Mento
da mandibula são os procedimentos mais antigos para
São freqüentemente associadas a microssomia craniofacial, a correção de deformidades dentofaciais. Hullihen25
hiperplasia condilar e fratura de côndilo. O mento pode descreveu um procedimento semelhante à osteotomia
estar assimétrico nos planos vertical, transverso e hori subapical para corrigir a mandibula após seqüela de
zontal, isoladamente ou em associação (Fig. 52-14). queimadura. Modificações foram descritas por Hofer2-23
c Kõele32, que popularizaram esse procedimento.

Complicações
Osteotomia Subapical Anterior da Mandibula
As complicações da genioplastia incluem distúrbio
INDICAÇÕES
neurossensorial3'1, necrose avascular do segmento mo
bilizado37, ptose do mento30, hemorragia com hema A osteotomia subapical anterior da mandibula é utili
toma lingual, desvitalização dos dentes, fraturas da zada para nivelar o plano oclusal, reposicionando o
mandibula1*, assimetria e resultado final não-estético. segmento dentoalveolar anterior inferiormente. Além
Distúrbio ncurossensorial prolongado se deve a dessa indicação, o procedimento pode ser utilizado
lesão direta do nervo ou neuropraxia. Alterações meno para mudar a angulação axial dos dentes mandibula-
Correção das Deformidades Mandibulares 679

Á-tPB^^

^afcj^jfc
Fig. 52-13. Osteotomia
horizontal e oblíqua para
aumento vertical e anterior
do mento. Fixação com
miniplacas e parafusos.
w$ _

à
•F\ ~

fc,, ••BSvaft^SH
í (H
a§ x- ,a^:

f
\

Fig. 52-14. Laterognatismo com assimetria do mento. A. Osteotomia horizontal e deslocamento para o lado direito. Fixação com
miniplacas e parafusos. B. Vista anterior- pré-operatório. C Vista anterior- pós-operatório.

res anteriores, quando a correção ortodôntica não foi zada como um guia, colocando o segmento osteoto
possível. Essa situação clínica pode tornar necessária a mizado no local planejado. Quando ocorrer alguma
extração dos pré-molares. Quando a extração não é interferência óssea, esta deve ser removida com broca
necessária, o ortodontista deve divergir as raízes dos de desgaste, e o segmento deve ser estabilizado com
dentes no local da osteotomia para permitir o corte fios de aço ou placas e parafusos.
sem lesão dos dentes adjacentes"-3'. O fechamento da incisão é feito em dois planos, e
curativo com pressão externa é colocado, prevenindo
assim a formação de hematoma e possibilitando o
PROCEDIMENTO (FIG. 52-15) controle do edema c diminuindo a possibilidade de
Na realização do procedimento, incisão labial é reali deiscência da ferida.
zada e o tecido dissecado. A vitalidade do segmento
osteotomizado é mantida pelos tecidos moles muco-
COMPLICAÇÕES
periosteais linguais. A incisão na mucosa é semelhante
à realizada para osteotomias do mento. O periósteo é As complicações da osteotomia subapical anterior da
descolado e o feixe vasculonervoso é identificado e mandibula são pouco freqüentes1'. A perda de osso
protegido. Caso a extração dentária tenha sido plane ou dente adjacente ao corte vertical pode ocorrer, caso
jada, pode ser realizada nesse momento. O local, dire os tecidos moles da superfície lingual estejam despro
ção e desenho da osteotomia devem ser correlaciona tegidos ou a osteotomia seja muito próxima ao dente,
dos com a cirurgia de modelos e radiologia (RX peria- resultando em perda da vitalidade ou defeitos perio-
picais). A osteotomia pode ser realizada com microser- dontais"-30'12. A pseudo-artrose e a conseqüente má
ra ou broca. Após completados os cortes verticais, o oclusão podem ocorrer, quando o segmento não é
corte horizontal é realizado. O corte horizontal deve posicionado adequadamente ou fixado de forma ina
localizar-se pelo menos 5mm abaixo da raiz do dente. dequada. O distúrbio neurossensorial pode ser por tra
A osteotomia é finalizada com osteótomo fino. O seg ção, e é transitório3''-43. Dissecção e afastamento cuida
mento é então mobilizado e a goteira cirúrgica é utili doso dos nervos minimizam esse tipo de complicação.
680 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 52-15. Curva de


oclusão acentuada.
A. Dentes anteriores
inferiores com plano de
oclusão diferente dos
posteriores. B. Osteotomia
subapical anterior e
ressecção de cunha óssea
para reposionamento
inferior deste segmento.
C Fixação com
miniplacas e parafusos.
D. Nivelamento da curva
de oclusão.

Osteotomia Subapical Posterior da Osteotomia Subapical Total da Mandibula


Mandibula (Fig. 52-16) A osteotomia subapical total da mandibula é um pro
Este procedimento é pouco utilizado por ser tecnica cedimento de indicação restrita e tecnicamente de di
mente difícil, apresentar grande risco de lesão do feixe fícil execução (Fig. 52-17).
neurovascular do alveolar inferior e porque o supri A principal indicação é a má oclusão causada por
mento sangüíneo mantido pelos tecidos moles linguais retrusão dentoalveolar mandibular com bases ósseas
é pobre, havendo grande risco de necrose avascular. O da mandibula e maxila na posição normal. Com essa
procedimento só é utilizado quando é impossível al técnica, as discrepâncias oclusais podem ser corrigidas
cançar os objetivos ortodônticos. Pode ser utilizado sem causar mudanças estéticas no perfil facial4,14'1512''. A
nas seguintes situações: corrigir a curva de Wilson exa principal complicação da osteotomia subapical total
gerada (grave linguoversão), mesioversão grave, fecha da mandibula é a lesão do feixe vasculonervoso alveo
mento de espaço entre dentes e para nivelar dentes lar inferior"'-3". Podem ocorrer, também, lesão dos den
posteriores com extrusão acentuada. tes adjacentes à osteotomia, fratura do segmento den-

Fig. 52-16. Paciente


com linguoversão
acentuada. A. Osteotomia
subapical posterior.
Oclusão com a goteira
cirúrgica. B. Osteotomia
fixada com placas e
parafusos.
Correção das Deformidades Mandibulares 681

Fig. 52-17. Esquema mostrando corte da osteotomia subapical Fig. 52-19. Esquema do corte da osteotomia posterior do corpo
total da mandibula. da mandibula.

toalveolar, deslocamento do côndilo ou perda da fixa INDICAÇÕES


ção rígida4,35,42.
As principais indicações são: nivelar o plano oclusal,
Devido à dificuldade técnica, em vez da realiza
recuo mandibular, avanço mandibular e utilizar espa
ção da osteotomia subapical total, este procedimento
ço com ausência de dentes.
pode ser substituído pela osteotomia sagital do ramo
e avanço, associada a recuo do mento, com resultados
estéticos e oclusais semelhantes. COMPLICAÇÕES
As principais complicações são: lesão do nervo alveo
Osteotomia do Corpo Mandibular (Figs. 52- lar inferior, lesão das raízes dentárias, defeitos perio
18 e 52-19) dontais e pseudo-artrose.
Este também é um procedimento de exceção. A osteo
tomia do corpo foi descrita por Blair2, cm 1907, por
acesso extrabucal. Em 1944, Dingman utilizou acesso
CONCLUSÃO
intra e extrabucal. Um grande número de modifica O tratamento das deformidades dentofaciais mandibu
ções foram introduzidas com o passar dos anos, sendo lares necessita, para sua correção, de planejamento cor
a fixação rígida o maior avanço. Hoje a cirurgia é rea reto e conhecimento dos principais tipos de osteotomi
lizada apenas por via intrabucal. as. Existe uma série enorme de osteotomias que têm
As osteotomias do corpo mandibular podem ser apenas valor histórico, mas foi através delas que se che
anteriores, quando são realizadas anteriormente ao gou aos procedimentos utilizados atualmente. O cirur
forame mentual, e posteriores, quando aquém desse gião que tiver o conhecimento das indicações, contra-
forame. indicações, técnica operatória e complicações da osteo
tomia sagital do ramo, osteotomia vertical do ramo e
osteotomia horizontal do mento poderá solucionar a
maioria das deformidades dentofaciais mandibulares.

Agradecimentos
Agradeço à minha esposa Sandra pela digitação do texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bell WH, Yamaguchi Y, Poor MR. Treatment of temporoman
dibular dysfunction by intraoral vertical ramus osteotomy. Int
J AclultOrthod Orthognath Surg 1990;5:9.
Fig. 52-18. Esquema do corte da osteotomia anterior do corpo da 2. Blair V. Operations on the jaw boné and face. Surg Gynecol
mandibula. Obstct 1907;.?:67.
682 CirurgiaCraniomaxilofacial

3. Boyd SB, Karas ND, Sinn DP. Recovery of neurosensory func- 28. Hutchinson D, Mc GregorAJ. Tooth survival following various
tionfollowing ortognathic surgery./OralMaxillofac 1990; 48:124. methods of subapical osteotomy. IntJ OralSurg 1972;7:81.
4. Buckley MJ. Total mandibular subapical osteotomy. In: Bell 29. Jackson IT ef ai. Atlas ofCraniomaxilofacial Surgery. St Louis:
WH (ed). Modem Practice in Orthognathic and Reconstruc C V Mosby Co, 1982.
tive Surgery. Vol 3., Philadelphia: WB. Saunders, 1992: 2.495-8. 30. Kazanjian VH, Converse JM. Intraoral approach. In: Kazan-
5. Caidwell JB, Letterman GS. Vertical osteotomy in the mandib jian VH, Converse JM. The Surgical Treatment ofFacial Inju
ular rami for correction of mandibular prognathism. J Oral ries. 2 ed., Baltimore: Williams and Wilkins Co., 1959:838.
Surg 1954;72:185 31. Kazanjian VH, Converse JM. Intra-oral approach. In: Kazan
6. Converse JM. Technique of boné grafting for contourn restora- jian VH, Converse JM. The Surgical Treatment ofFacial Inju
tions of the face. Plast Reconst Surg 1954;14:332. ries. 2 ed., Baltimore: Williams and Wilkins Co., 1974b:1.022.
7. Converse JM, Shapiro HH. Treatment of developmental mal 32. Knon MN, White RP. Evaluation of sensation after segmentai
formations of the jaws. Plast Reconst Surg 1952;/ft473. alveolar osteotomy in 22 patients.JAm DentAssoc 1974;#£154.
8. Converse JM, Wood-Smith D. Horizontal osteotomy of the 33. Know H, Pihistrom B,Waite D E. Effectson the periodontium
mandible. Plast Reconstr Surg 1964;34464. of vertical boné cutting for segmentai osteotomy. J Oral Max
9. Dal Pont G. Retromolar osteotomy for correction of progna illofac Surg 1985; 4*952.
thism. / Oral Surg 1961;/£42. 34. Koele H. Surgical operations on the alveolar ridge to correct
10. Dattilo DJ, Braun TW, Sotereanos GC. The inverted L osteo occlusal abnormalities. Oral Surg 1959;12:277.
tomy for treatment of skeletal open bite deformities. / Oral 35. Krant RA. Stabilization ofthe intraoral vertical osteotomy us-
Maxillofac Surg 1985;4?:440. ing boné plates. J Oral Maxilofac Surg 1988;46908.
11. Dingman RO. Surgical conection of mandibular prognathion, 36. Lindquist CC, Obeid G. Complications of genioplasty done
an improved method. AmJ Orthod Oral Surg 1944;30:683. alone or in combination with sagital splint ramus osteotomy.
12. Dorfman HS, Turvey TA. Alterations in osseous crestai height OralSurgOralMed OralPathol 1988;6613.
following interdental osteotomies. Oral Surg Oral Med Oral 37. Mac Gregor A. Histology of a pulp following segmentai alveo-
Pathol 1979,48:120. lotomy. BrJ Oral Surg 1970;&292.
13. Ellis E. Condylar positioning device for orthognathic surg.Are 38. Mc Intosh RB. Experience with the sagital osteotomy of the
the necessary? J Oral Maxillofac Surg 1994;52:536. mandibular ramus./ MaxillofacSurg 1981;5:151.
14. EpkerBN, Fish LC. Dentofacial Deformities: Integrated Orth 39. Mercury L, Laskin DM. Avascular necrosis after anterior hori
odontic andSurgical Correction. St Louis:C V MosbyCo, 1986. zontal argumentation genioplasty. / Oral Surg 1977;J5:259.
15. Epker BN, Fish LC. The surgical-orthodontic correction of 40. Naples RJ, Van SicklesJE, Jones DL. Long-term neurosensory
mandibular deficiency: Part 1. Am J Orthod 1983;£4408. deficits associated with bilateral sagittal osteotomy versus inver
16. Epker BN, Fish LC. The surgical-orthodontic correction of ted L osteotomy. OralSurgOralMed OralPathol. 1994;77:318.
mandibular defíciency: Part 2. AmJ Orthod 1983;£4491. 41. Nishioka GJ, Mason M, Van Sickles JE. Neurosensory distur-
17. Fitzpatrick B. Total osteotomy ofthe mandibular alveolus in bance associated with the anterior mandibular horizontal os
reconstruction of the occlusion. OralSurgOralMed OralPathol teotomy. / Oral Maxilofac Surg 1988;46107.
1977;^:336. 42. Nishioka GJ, Zysset MK, Van SickelsJE. Neurosensory distur-
18. Gallagher DM, Epker BN. Infection following intraoral surgi bance with rigid fixation ofthe bilateral sagittal splint osteoto
cal correction of dentofacial deformities. A review of 140 con- my./ Oral MaxillofacSurg 1987;45:20.
secutive cases.J Oral Surg 1980;J#117. 43. 0'Ryan F. Complications of orthognathic surgery. OralMaxil-
19. Goracy ES. Fracture ofthe mandible body and ramus during IofSurg Clin North Am 1990;Ü593.
horizontal osteotomy for argumentation genioplasty. / Oral 44. Pepersack WJ. Tooth vitality after alveolar segmentai osteoto
Surg 1978;36:S93. my./ MaxillofacSurg 1973;i:85.
20. Guernsey L De Champlain R. Sequelae and complications of 45. Robinson PR Reinnervation of teeth after segmentai osteoto
the intraoral sagital split osteotony in the mandibular raim: my in the cat. IntJ Oral MaxilofSurg 1986;/5:152.
Oral Surg Med Oral Pathol 1971;32:176. 46. Rosen HM. Aesthetic refinements in genioplasty: The role of
21. Guyuron B, Michelow BJ, Willis L. A praticai classificationof the labiomental fold. Plast Reconst Surg 1991;#Ã5.
chin deformities. Aesthetic Plast Surg 1995;19:257. 47. Rosen HM. Surgical correction ofthe vertically deficient chin.
22. Hall HD, McKenna SJ. Further refinement and evaluation of Plast Reconst Surg 1988;£/:171.
intraoral vertical ramus osteotomy.J OralMaxilofacSurg1987; 48. Schow SR,TriplettRG,SolomonJM. Lingual nerve injury asso
45:684. ciated with overpenetration of bicortical screws used for fixa
23. Hinds EC, Kent J W. Genioplast: The versatility of horizontal tion of a bilateral mandibular sagittal ramus osteotomy./ Oral
osteotomy. / Oral Surg 1969;27:690. Maxillofac Surg 1996;54:1.451.
24. Hofer O. Operation der prognathic and Mikerogenie. Dtsch 49. Steinhauser EW. Bonéscrew and plates in orthognathic surgery.
Zahn Mund Kieferheilkd 1942;£121. Int J Oral Surg 1982;//:209.
25. Hofer O. Die Vertikale osteotomies sur verlongerung des ein- 50. Traunner R, Obwegeser H. Operative oral surgery: The surgical
seitig verkurzten aufsteigen den interkieferostes. Z Stomatol correction of mandibular prognathism and retrognathia with
1936,34:2,26. consideration of genioplasty. OralSurg OralMed OralPathol
26. Hohl TH, Epker BN. Macrogenia: A study of treatment results 1957; 10:677.
with surgicalrecommendations. OralSurgOralMedOralPathol 51. Van Sickels JE, TinerBD,JeterTS. Rigid fixation ofthe intraoral
1976;4/:545. inverted "L" osteotomy. / Oral Maxilofac Surg 1990; 48:894.
27. Hullilhen SP.Case of elongation of underjaw oral distortion of 52. Zide BM, McCarthy J. The mentalis muscle:An essencial com-
face and neck caused by burn, successfullytreated. AmJ Dent ponent of chin and lower lip position. Plast Reconst Surg 1989;
Surg 1849;£15. 83:413.
Cirurgia Ortognática nas
Deformidades
Maxilomandibu lares

José Marcos Melega


Paulo Roberto Mello Gomes
Henrique Cardoso Tardeili

INTRODUÇÃO bouço ósseo da face produz alterações mais significa


tivas e perenes na estética facial, permitindo restabele
As cirurgias envolvendo osteotomias dos ossos da cer o equilíbrio entre os ossos e as partes moles18.
face inicialmente destinavam-se tão-somente à corre O grau de refinamento exigido por estas cirurgias
ção de deformidades graves ou ressecções tumorais. muitas vezes só pode ser obtido mediante procedimen
Com o passar do tempo, no entanto, os cirurgiões tos combinados maxilomandibulares, que permitem
adquiriram mais familiaridade no manuseio e imobi maior acurácia nos resultados, devido à grande flexibi
lização dos ossos faciais, principalmente da prática lidade que proporcionam13'15,20.
advinda do tratamento de grande número de trau
mas decorrentes de acidentes automobilísticos; o que
possibilitou, também, o desenvolvimento de novos
HISTÓRICO
instrumentos, meios de fixação, próteses, materiais e
técnicas. O primeiro registro de uma osteotomia de maxila data
Essas mudanças geraram a alteração de alguns con de 1867, quando Cheever, seguindo o traço de fratura
ceitos inicialmente estabelecidos sobre a cirurgia nos conhecido como Le Fort I — descrito em 1901 por
ossos da face. René Le Fort —, mobilizou a maxila para abordar um
Assim, a idéia de se atuar somente no segmento tumor de nasofaringe.
mais gravemente afetado, nos casos de defeitos com Mais tarde, Axhausen e Wassmund, na década de
binados maxilomandibulares, mediante hipercorreção 30, executaram a osteotomia de maxila com o intuito
do mesmo, foi sendo gradualmente substituída pela de melhorar a oclusão dentária.
intervenção combinada na mandibula e maxila — ou Hogeman, em 1951, descreveu o aumento da di
em segmentos das mesmas — visando um resultado mensão vertical da maxila por meio de osteotomia total
mais refinado. e emprego de enxertos ósseos.
Da mesma forma, as cirurgias sobre o esqueleto Rowe, em 1954, foi o primeiro a realizar o avanço
da face passaram a ser realizadas também na ausência da maxila; e, em 1962, Obwegeser, demonstrou a pos
de alterações funcionais, com finalidades puramente sibilidade de se mobilizar a maxila e a mandibula em
estéticas, demonstrando que a atuação sobre o arca qualquer direção.

683
684 CirurgiaCraniomaxilofacial

A mandibula, por sua vez, foi inicialmente sub anteriormente, o que é denominado protrusão; ou bi-
metida a osteotomias do corpo, com lesão da inerva protrusão, quando afetar ambos ossos.
ção e vasculatura locais. No início do século XX, passa As alterações ântero-posteriores também podem
ram a ser realizadas osteotomias horizontais do ramo, ser decorrentes de um crescimento exacerbado — ca
por pioneiros como Blair, Babcock e Hogemann, com racterizando o prognatismo, quando afetar a mandi
resultados considerados insatisfatórios por muitos, bula, ou o hipermentonismo, no caso do mento —ou
principalmente devido à falta de estabilidade obtida. reduzido dos ossos da face. Quando este desenvolvi
Esta insatisfação levou ao desenvolvimento de técni mento aquém do normal se restringe à maxila, o deno
cas de osteotomia vertical, como descrita por Letter- minamos de hipoplasia maxilar, ou hipoplasia naso
mann, Hofer e Caldwell; e osteotomias sagitais do ramo, maxilar; quando afetar também a porção nasal, como
descritas por Obwegeser, Trauner e Perthes-Schlõss- ocorre nos pacientes com síndrome de Binder. O hi-
mann, nas décadas de 1930 e 1940. podesenvolvimento da mandibula denomina-se retrog-
As cirurgias bimaxilares foram evitadas por mui natismo; e o do mento, hipomentonismo.
to tempo, devido ao receio de complicações advindas Finalmente, existem as deformidades oblíquas,
do grande porte cirúrgico e dificuldades no posicio resultado de um crescimento assimétrico da face, como
namento e fixação dos segmentos osteotomizados. ocorre nos pacientes com microssomia hemicraniofa-
Entre os primeiros defensores das cirurgias combina cial, constituindo alterações complexas e de tratamen
das, advogando a correção do defeito real e melhora to mais desafiador.
dos resultados estéticos, podemos destacar os traba
lhos de Wolford, Gross, Lindorf, Turvey e Epker, nas
décadas de 1970 e 1980, sistematizando os passos ci AVALIAÇÃO
rúrgicos e delineando as indicações para os procedi
mentos simultâneos na maxila e mandibula1"3,6,10,20. No A avaliação de todo paciente que será submetido a
Brasil, a cirurgia bimaxilar já era defendida por Melega uma cirurgia ortognática deverá consistir de: anamne
e Zani desde 197915. se, exame físico e avaliação psicológica; registro foto
gráfico; análise cefalométrica e modelos dentários20.
A história clínica da deformidade deve incluir a
avaliação de queixas funcionais (dificuldade respirató
CLASSIFICAÇÃO ria, distúrbios do campo visual, alterações oclusais ou
As deformidades estéticas ósseas da face podem se apre da articulação temporomandibular) e estéticas; além
sentar sob uma miríade de formas, acometendo, em de investigar a etiologia do problema, se congênito
graus variados, um ou mais segmentos ósseos, o que ou adquirido, pois pacientes com seqüelas de trauma
dificulta sua classificação. tismo apresentam dificuldades técnicas adicionais pela
Adotamos aqui a classificação baseada nas altera fibrose e desorganização tecidual local, enquanto paci
ções tridimensionais da face, proposta em 1982 por entes portadores de seqüelas de fissuras labiopalatinas
Psillakis18, que utiliza a relação interdentária apenas correm risco de desenvolver fistulas palatinas quando
como critério de subdivisão. submetidos a intervenções no terço médio da face14.
Esta classificação divide as alterações em: verticais, O exame físico devotará especial atenção à oclu
transversais, ântero-posteriores e oblíquas. são e aos referenciais estéticos da face, como a relação
No sentido vertical (ou craniocaudal) podemos entre os incisivos e o lábio superior, o ângulo nasola
ter o aumento das dimensões ósseas, seja na porção bial, e as projeções nasal e mentoniana.
anterior, caracterizando a face longa, ou na porção A análise das radiografias cefalométricas (Fig. 53-
posterior, promovendo um contato prematuro dos 1) em conjunto com exame físico permitirá identifi
molares, que resulta na mordida aberta. O inverso tam car as anomalias do paciente e planejar o tratamento
bém pode ocorrer, resultando na face curta. A altera adequado. Este será então realizado no modelo gessa-
ção pode se restringir ao mento, sendo denominada do (Fig. 53-2), a fim de estabelecer as medidas e parâ
microgenia, no caso de sua redução, ou macrogenia, metros que nortearão o cirurgião no intra-operatório,
no caso de seu aumento. além de avaliar o resultado obtido e estudar a viabili
No sentido transversal, identificamos pacientes dade da sua execução5,8,15.
com redução da mandibula ou da maxila apresentan Durante a cirurgia no modelo gessado, sempre se
do a arcada dentária estreitada e o palato em ogiva. O deve ter em mente que o segmento osteotomizado é
osso afetado, ao ter reduzida sua largura, projetar-se-á um retalho ósseo, e não um enxerto, assim, é impor-
Cirurgia Ortognática nas Deformidades Maxilomandibulares 685

INDICAÇÕES
As indicações clássicas para a intervenção combinada
sobre a maxila e a mandibula são: necessidade de mo
bilização ântero-posterior maior que 15mm (alguns
autores consideram lOmm como indicação); discrepân-
cias ântero-posterior e horizontal concomitante; evi
dência de patologia esquelética nos dois ossos; necessi
dade de se alterar o plano oclusal; e melhora da estéti
ca facial2, • .

POSICIONAMENTO DOS SEGMENTOS


OSTEOTOMIZADOS

As cirurgias ortognáticas combinadas apresentam, na


turalmente, um grau de dificuldade superior ao das
Fig. 53-1. Estudo cefalométrico traçado sobre radiografia em per cirurgias sobre apenas um osso. Dois pontos devem
fil do paciente. ser destacados com relação a essas dificuldades técni
cas adicionais: o posicionamento adequado dos dois
segmentos ósseos e a imobilização dos mesmos.
O posicionamento correto torna-se desafiador,
uma vez que, ao contrário do que ocorre quando se
atua apenas sobre a maxila ou a mandibula isolada
mente, não se tem o referencial do outro osso fixo e
em posição correta, devendo-se lançar mão de certos
artifícios, como o uso de dois splints diferentes no
transoperatório — um intermediário, utilizado para re-
posicionar a maxila antes de se completar a osteoto
mia da mandibula, e o outro (definitivo) baseado na
maxila já imobilizada, para se posicionai" a mandibula
osteotomizada19 (Fig. 53-3). Este método tem a des
vantagem de se basear na posição da mandibula, estan
do sujeito a erros, principalmente por deslocamentos
Fig. 53-2. Exemplo de estudo em modelo gessado montado em
laterais e nos casos que envolvem alteração significati
articulador. va das dimensões verticais12.

tante que ele possua um pedículo confiável, sendo


necessário levar em conta o quesito vascularização nes
ta fase de planejamento e preocupar-se com a sua inte
gridade no intra-operatório.
O cirurgião também pode se valer de outros exa
mes radiológicos para refinar o seu estudo pré-opera
tório, como diferentes incidências de raios X, tomo-
grafias computadorizadas com ou sem reconstrução
tridimensional, e ressonância magnética, que podem
adicionar informações, auxiliando no diagnóstico e no
planejamento cirúrgico. Estes exames adquirem espe
cial relevância nos casos de pacientes com seqüelas de
Fig. 53-3. Splint confeccionado em acrílico com base no modelo
fissuras labiopalatinas ou traumas, onde é importante gessado, utilizado para posicionamento dos segmentos ósseos no
avaliar as alterações de partes moles. intra-operatório.
686 Cirurgia Craniomaxilofacial

Para se contornar este problema, existem outros Alterações Verticais


métodos para guiar o reposicionamento da maxila:
1. Face longa: o tratamento envolve mais comumen
nortear-se por pontos de referência marcados no es
te o encurtamento da maxila (na medida determi
queleto craniofacial, ou empregar um transferidor.
nada na avaliação clínica); este, por sua vez, gera
O transferidor é constituído por um arco, que é
uma rotação ântero-superior da mandibula (Figs.
fixado a pontos predeterminados do paciente e à sua
53-4 e 53-5). Se este deslocamento provocar uma
maxila, para calibrar suas medidas. Ele é então levado
projeção muito acentuada do mento ou prejudicar
ao modelo de gesso montado no articulador, e fixado
uma oclusão classe III, deve-se proceder à retropo
neste de maneira que o modelo gessado encontre-se na
sição da mandibula (Fig. 53-6), seja no todo ou ape
mesma posição que a maxila do paciente com relação
nas da bateria anterior ou do mento, com o intui
ao transferidor. O modelo é então submetido à "oste
to de se refinar o resultado.
otomia" e mobilização, seguindo o plano previamen
te traçado com base nas análises cefalométricas. O trans 2. Face curta: neste caso, a maxila deve ser alongada,
feridor então, mantendo inalterada as medidas de seus mediante deslocamento caudal do segmento os-
pontos fixos, tem a sua porção maxilar reajustada às teotomizado. Esta mobilização deslocará a man
novas medidas do modelo corrigido. Desta forma, dibula no sentido póstero-inferior. A intervenção
quando o transferidor estiver fixado ao paciente no sobre a mesma corrigirá tal desvio, quando não
intra-operatório, bastará que o segmento osteotomiza- houver possibilidade de se retropor a maxila para
do da maxila seja acoplado com precisão à porção o restabelecimento da função, como nos pacien
maxilar do transferidor para se obter o posicionamen tes em que o ângulo nasolabial é obtuso; ou na
to desejado e correto do mesmo. queles com oclusão classe II, que terão agravado
seu problema funcional, necessitando de anterio
rização da mandibula, total ou segmentada, para
DECISÃO DE TRATAMENTO se restabelecer uma adequada relação oclusal e
harmonização do perfil.
A descrição das osteotomias empregadas nas cirurgias
ortognáticas de maxila e nas de mandibula se encon 3. Mordida aberta: como esta alteração decorre de um
tra nos capítulos dedicados a cada uma delas, respecti aumento da dimensão vertical da porção posterior
vamente, não sendo, pois, aqui repetida. da maxila (hiperplasia alveolar maxilar posterior), a
As cirurgias combinadas mais freqüentemente re sua resolução envolverá a redução desta medida,
alizadas, para cada tipo de deformidade, podem ser acarretando os mesmos problemas descritos para a
sumarizadas da seguinte forma2,3'9,10,13,18,21: face longa e demandando as mesmas soluções.

Fig. 53-4. Representação de face longa com Fig. 53-5. Representação da Fig.53-4 após Fig. 53-6. Representação da Fig. 53-5 após
discreto prognatismo. osteotomia e encurtamento da maxila; no retroposição da mandibula por osteotomia
tar a rotdção ântero-superior da mandibula sagital (Obwegeser), com harmonização do
exacerbando o prognatismo. resultado.
Cirurgia Ortognática nas Deformidades Maxilomandibulares 687

Alterações Transversais sobre a maxila). Alguns autores consideram a dis


crepância acima de 12mm entre as arcadas como
1. Biprotrusão: conforme mencionado anteriormen
te, a alteração de base, nestes casos, é no sentido indicação para a cirurgia combinada, mas as consi
transversal, tendo como conseqüência uma proje derações estéticas descritas devem ter precedência
ção anterior dos segmentos afetados (Fig. 53-7), sobre valores arbitrários (Fig. 53-11).
havendo necessidade de se reduzir e retropor a por Hiperplasia maxilar ântero-posterior associada a re-
ção anterior da maxila e da mandibula, pois ambas trognatismo: nesta situação persiste a discrepância,
estão acometidas (Fig. 53-8). Em pacientes com au mas esta é inversa à do caso anterior. Aqui também
a atuação isolada sobre um segmento pode ser in
mento concomitante da dimensão vertical da ma
suficiente ou acarretar imobilizações ósseas instá
xila, a atuação isolada sobreesta agravaria ainda mais
veis (no caso de avanços excessivos da mandibula) e
a protrusão da mandibula pela auto-rotação da
resultados esteticamente desagradáveis (como perda
mesma, tornando imperativo o seu recuo. Em al
do suporte ósseo da ponta nasal, nos grandes recuos
guns casos, este recuo pode reduzir excessivamente
da maxila), sendo necessária a realização de interven
a projeção do mento, sendo então associada a geni
oplastia de avanço.
ção combinada, podendo ser associada genioplas
tia de avanço, quando se desejar aumentar ainda
mais a projeção do mento (Fig. 53-12).
Alterações Ântero-posteriores
1. Hipoplasia maxilar associada a prognatismo: a rea Alterações Oblíquas
lização de procedimentos bimaxilares nas alterações As assimetrias de face decorrentes das alterações oblí
ântero-posteriores é indicada quando há àcometi quas são as que têm maior necessidade de abordagem
mento combinado nos dois ossos, sendo mais co simultânea da maxila e mandibula, principalmente nas
mum a associação de hipoplasia maxilar e progna deformidades mais significativas, que são as causadas
tismo (classe III), quando, então, a retroposição da pela microssomia hemicraniofacial e hipertrofia hemi
mandibula ou a anteriorização isoladas são insufi facial, enquanto que as decorrentes de um prognatis
cientes para resolver o problema (Figs. 53-9 e 53- mo desviado ou de hiperplasia condilar podem geral
10), seja pela precariedade e instabilidade da imobi mente ser corrigidas pelo tratamento exclusivo da
lização óssea que se obteria, ou por acarretar altera mandibula.
ções estéticas indesejáveis, como projeção insufici No caso da microssomia, o tratamento, mais co
ente do mento e apagamento do ângulo mentocer- mumente, envolve a bipartição do segmento maxilar
vical (na redução da mandibula); ou protrusão ex no plano sagital, com a redução das dimensões verti
cessiva do terço médio (quando se atuar apenas cal e ântero-posterior do lado normal e avanço e alon-

Fig. 53-7. Representação de paciente com biprotrusão. Fig. 53-8. Representação da Fig. 53-7 após osteotomia segmen
tar bimaxilar, com retroposição das baterias incisivas da maxila e
mandibula.
688 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 53-9. Paciente com hipoplasia maxilar e prognatismo submetido à cirurgia combinada para avanço de maxila (osteotomia segmen
tar) e retroposição da mandibula (Letterman); foi realizada também rinoplastia num segundo tempo. A. Vista frontal pré-operatória; B.
Vista frontal pós-operatória. C. Perfil pré-operatório. D. Perfil pós-operatório. E. Oclusão pré-operatória; F. Oclusão pós-operatória. G.
Representação esquemática do planejamento cirúrgico. H. Representação do paciente após a cirurgia.
Cirurgia Ortognática nas Deformidades Maxilomandibulares 689

Fig. 53-10. Paciente com hipoplasia maxilar associada a prognatismo submetida à cirurgia ortognática combinada, com osteotomia
tipo Le Fort I para avanço e aumento da dimensão vertical da maxila com interposição de enxerto ósseo; e osteotomia sagital
(Obwegeser) para retroposição da mandibula. A. Vistafrontal pré-operatória. B. Vistafrontal pós-operatória; C. Radiografia panorâmica
pré-operatória. D. Radiografia panorâmica pós-operatória. E. Perfil pré-operatório. F. Perfil pós-operatório. G. Radiografia de perfil pré-
operatória. H. Radiografia de perfil pós-operatória. I. Vista frontal da pacientesorrindo no pré-operatório (notara mordidaaberta anterior).
J. Vista frontal da paciente sorrindo no pós-operatório (notar a melhora na relação oclusal com correção da mordida aberta) (continua)
690 Cirureia Craniomaxilofacial

Fig. 53-10 (Continuação) L. Detalhe da oclusão pré-operatória da paciente. M. Detalhe da oclusão pós-operatória da paciente. N.
Detalhe do intra-operatório após realização da osteotomia de maxila, mostrando a sua mobilização. O. Representação esquemótica do
pré-operatório. P. Representação esquemática do resultado pós-operatório mostrando a mobilização da maxila com interposição de
enxerto ósseo e a osteotomia e retroposição da mandibula.

gamento do lado afetado; enquanto que na mandibu


la é realizada osteotomia do ramo no lado afetado,
SISTEMATIZAÇÃO CIRÚRGICA
com alongamento do mesmo; e ressecção do processo Os passos cirúrgicos nas osteotomias combinadas bi
coronóide, em alguns casos, para melhor mobilização maxilares seguem a seguinte sistematização em nos
do segmento. Nos casos de hipertrofia hemifacial tam so serviço: estando o paciente sob anestesia geral, com
bém se emprega a fragmentação do segmento maxilar entubação nasotraqueal, procedemos a infiltração de
e mandibular: na maxila o lado afetado tem suas di solução contendo adrenalina (1:100.000) e anestésico
mensões reduzidas e o segmento normal é fragmenta local nas áreas de incisão e descolamento. As incisões
do a fim de se adequar à oclusão planejada; na mandi são então realizadas, seguidas pelo descolamento ne
bula, o excesso de tecido ósseo é ressecado no lado cessário para se expor as linhas de secção óssea. São
afetado, e a fragmentação do osso é realizada confor feitas as osteotomias conforme realizado previamen
me planejamento prévio para também se adequar à te no modelo, procedendo-se a mobilização do seg
oclusão predeterminada. mento após ressecção de segmento ósseo ou inclusão
Cirurgia Ortognática nas Deformidades Maxilomandibulares 691

Fig. 53-11. Paciente com seqüela de fissura labiopalatais apresentando hipoplasia maxilar associada a prognatismo, submetida a
cirurgia combinada, com avanço de maxila (Le Fort I) e retroposição de mandibula (Letterman). A. Vista frontal pré-operatória. B. Vista
frontal pós-operatória. C. Perfil pré-operatório. D. Perfil pós-operatório.

de enxerto, conforme a necessidade de aumentar ou liberá-la completamente, com a justificativa de assim


reduzir determinada dimensão. A maxila é então fi evitar que, durante a osteotomia da mandibula, a mo
xada e a mucosa suturada, sendo a atenção dirigida à bilização excessiva desloque o segmento reposiciona-
mandibula. A intervenção sobre a mandibula segue do da maxila.
os mesmos passos descritos para a maxila, finalizan
do com o bloqueio intermaxilomandibular8,15. Após
a cirurgia, o paciente é mantido com sonda nasogás- COMPLICAÇÕES
trica por dois dias, com o intuito de reduzir a possi
bilidade de vômito e aspiração devido à irritação gás Todas as complicações descritas nos capítulos anterio
trica provocada pelo sangue deglutido durante a ci res para as cirurgias isoladas de mandibula e maxila
rurgia. podem ocorrer nas intervenções combinadas, como:
Alguns autores preferem osteotomizar a mandi hematomas, infecção, lesões nervosas e recidiva do
bula antes de intervir sobre a maxila, sem, no entanto, problema inicial; com incidência pouco maior.
692 Cirurgia Craniomaxilofacial

Fig. 53-12. Paciente com face longa por excesso vertical maxilar associado a retrognatismo submetida a cirurgia combinada maxiloman
dibular, com impactação de 5mm da maxila (osteotomia tipo Le Fort I) e avanço da mandibula (Obwegeser) mais genioplastia de avanço.
A. Vista frontal pré-operatória. B. Vista frontal pós-operatória. C. Vista frontal sorrindo pré-operatória. D. Vista frontal sorrindo pós-
operatória (notar a diminuição da exposição gengival com relação à Fig. 53-10C). E. Perfil pré-operatório. F. Perfil pós-operatório;
G. Representação esquemática da paciente no pré-operatório. H. Representação esquemática após impactação da maxila e avanço da
mandibula.
Cirurgia Ortognática nas Deformidades Maxilomandibulares 693

Os estudos acerca das recidivas nessas cirurgias asso developmental jaw deformities. St. Louis: Mosby Co., 1972:
ciadas não evidenciaram diferenças significativas com re 226-40.

lação às cirurgias isoladas; a maxila apresenta-se mais está 8. Hvenegaard P, Borges CA, Rode R, Melega JM. Planejamento
cirúrgico nas osteotomias de maxilar e mandibula. Rev Paul
vel, e a mandibula apresenta maior tendência à recidiva22. Med 1983;m?:141-4.
Um dos mais temidos problemas das cirurgias 9. Kahnberg KE. Correction of maxillofacial asymmetry using
bimaxilares é a assimetria facial, devido aos problemas orthognathic surgical methods. J Crânio Max Fac Surg 1997;
—já descritos —para o adequado posicionamento dos 25:254-60.

segmentos osteotomizados, podendo ocorrer torção 10. Linford H, Steinhauser EW. Correction of jaw deformities
dos mesmos, com desvio do plano oclusal. involving simultaneous osteotomy ofthe mandible and maxilla.
J Maxillofac Surg 1978;6:236-45.
Este problema é mais difícil de ser notado no in
11. Mason ME, Schendel AS. Revision orthognathic surgery. In:
tra-operatório, quando ocorre apenas no plano hori Booth PW, Schendel SA, Hausamen JE (eds.). Maxillofacial
zontal, principalmente se apenas a porção posterior Surgery vol. II. Edinburgh: Churchill-Livingstone, 1999:
do segmento estiver rodada, pois nestes casos a linha 1.321-34.

média das arcadas dentárias manterá seu alinhamento 12. Masui I, Honda T, Uji T. Two-step repositioning ofthe maxilla
com a linha média facial, sendo notado, após, um abau in bimaxillaryorthognathic surgery. BrJ OralMaxillofac Surg
1997;35:64-6.
lamento da hemiface ipsilateral ao desvio".
13. McCarthy JG, Kawamoto H, Grayson BH et aí. Surgery ofthe
A alteração poderá ocorrer também no plano ver jaws. In: McCarthy JG (ed.). PlasticSurgery, vol. I —General
tical, colocando os molares de um lado em um nível Principies. Philadelphia: WB. Saunders Co., 1990.
acima de seus correspondentes contralaterais. 14. Melega JM. Osteotomias estéticasda face. In: MelegaJM, Zanini
Nos dois casos, o desvio poderá ser corrigido por SA,PsillakisJM (eds.). Cirurgia Plástica —Reparadora e Estética.
ortodontia, quando for muito discreto; ou então ne Rio de Janeiro: MEDSI, 1992:347-56.

cessitará de revisão das osteotomias nas alterações mais 15. MelegaJM, Zani R. Combined maxillo-mandibular osteotomies.
Transactions of the 7h International Congress of Plastic and
evidentes11. Reconstructive Surgery. Rio de Janeiro, 1979:271-3.
16. Moss JP, McCance AM, Fright WR et ai. A three-dimensional
soft tissue analysis of fifteen patients with Class II, division 1
malocclusions after bimaxillary surgery.AmJ OrthodDentofac
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Orthop 1994;105:430-7.
1. Celik M, Longaker MT, Kawamoto HK. Aesthetic male facial 17. Obwegeser H. The surgical correction of mandibular
skeletal surgery. Aesth Plast Surg 1999,23: 81-5. prognathism and retrognathia with consideration ofgenioplasty.
2. Epker BN, Turvey TA, Fish LC. Indications for simultaneous Part I —surgical procedures to correct mandibular prognathism
mobilization ofthe maxilla and mandible for the correction of and reshaping ofthe chin. Oral Surg 1957;/0:677-89.
dentofacial deformities. Oral Surg 1982;54:369-81. 18. PsillakisJM. Osteotomias estéticas da face. In: PsillakisJM ef
3. Epker BN, Fish LC. Surgical superior repositioning of the ai. (eds.) Cirurgia craniomaxilofacial: osteotomias estéticas da
maxilla: What to do with the mandible? Am J Orthod 1980; face. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987:357-89.
78:164-91. 19. Ripley JF, Steed DL, Flanary CM. A composite surgical splint
4. Finlay PM, Atkinson JM, Moos KF. Orthognathic surgery: for dual arch orthognathic surgery.J OralMaxillofac Surg 1982;
patient expectations, psychological profile and satisfactionwith 40:687-8.

outcome. BrJ Oral MaxillofacSurg 1995;3J:9-14. 20. Schendel AS. Orthognathic Surgery. In: Achauer BM, Eriksson
5. Frost DE. Orthognathic surgical techniques. In: Booth PW, E, Guyuron B (eds.). Plasticsurgery —indications, operations
Schendel SA,Hausamen JE (eds.). Maxillofacial Surgery, vol. II. and outcomes, vol. II. St Louis: Mosby, 2000:871-95.
Edinburgh: Churchill-Livingstone, 1999:1.273-95. 21. Turvey TA. Simultaneous mobilization ofthe maxilla and
6. Gross BD, James RB. The surgical sequence of combined total mandible: surgical techniqueand results.yOralMaxillofac Surg
maxillary and mandibular osteotomies. / Oral Surg 1978;J6: 1982;40:96-9.
513-22. 22. Van Sickels JE. Stability in orthognathic surgery. In: BoothPW,
7. Hinds EC, Kent JN. Combined maxillary and mandibular Schendel SA, HausamenJE (eds.). Maxillofacial Surgery, vol. II.
deformities. In: Hinds EC, Kent JN. Surgical treatment of Edinburgh: Churchill-Livingstone, 1999:1.297-305.
Patologias da Articulação
Temporomandibular

Wagner de Oliveira

INTRODUÇÃO A inserção do disco ao côndilo se realiza pelos


ligamentos lateral e mediai. É muito interessante a
A articulação temporomandibular (ATM) é uma arti função desses ligamentos, pois permitem que o disco
culação com movimentos bastante complexos e que acompanhe o côndilo durante os movimentos excur-
tem características histológicas únicas, as quais influ sivos de lateralidade e protrusão; entretanto, permi
em na função fisiológica, capacidade regenerativa e tem movimentos independentes de rotação, sem que
desenvolvimento dos processos patofisiológicos. o disco se mova. Dessa forma, os movimentos dos
Para a melhor compreensão deste capítulo fare côndilos em relação à fossa mandibular podem ser
mos uma breve revisão das características anatômicas decompostos em: translação (cavidade supradiscal) e
e histológicas de interesse. rotação (cavidade infradiscal). Como os movimentos
são interdependentes, a ATM atua como se fossem duas

REVISÃO ANATÔMICA E
HISTOLÓGICA DA ATM

A ATM é composta pela fossa mandibular, na base do


crânio, pelo côndilo mandibular e por tecidos moles,
essencialmente o disco articular, ligamentos e a sinovi-
al. O músculo pterigóideo lateral é tão íntimo das es
truturas articulares que pode, sob o ponto de vista
fisiológico, ser considerado como parte constituinte
da ATM. Posteriormente, localiza-se a zona bilaminar,
assim denominada por ser composta por duas lâmi
nas: a superior, formada por tecido colágeno elástico,
e a inferior, formada por tecido conjuntivo denso, que Fig. 54-1. Corte sagital da ATM com visualização das estruturas
articulares: côndilo e fossa mandibular, disco articular, músculo
atua como um ligamento (Fig. 54-1). pterigóideo lateral e zona retrodiscal.

694
Patologias da Articulação Temporomandibular 695

articulações. Como a mandibula tem dois côndilos, •" ,^!W^/^^M


totalizam-se quatro articulações, independentes entre
si, mas cada qual influenciando a outra nos movimen
tos mandibulares79.
A articulação é envolta por tecido conjuntivo frou
xo, a cápsula articular, que a veda hermeticamente.
Histologicamente, é uma articulação diferente de
todas as outras do corpo humano, caracterizada pelo
recobrimento fibroso das estruturas articulares, tanto
do côndilo como da fossa e eminência articular, ao
contrário das outras, que apresentam as superfícies
ósseas articulares recobertas apenas por cartilagem hi-
alina107.
O desenvolvimento da ATM é estabelecido entre
a 8a e a 14a semana de vida intra-uterina. A formação
do côndilo começa na oitava semana8,44,96,120, com a
condensação do mesênquima com formato esférico, o
blastema condilar107. O blastema temporal (glenóide)
forma-se durante a 10a e 12a semanas96.
Surge uma fenda inferior ao blastema temporal e
superior ao blastema condilar, formando as cavidades Fig. 54-2. Corte histológico ATM (Mallory, gato, 14x). Vista pano
râmica mostrando as estruturas articulares, a inserção do músculo
articulares e o primitivo disco articular20. pterigóideo lateral superior no disco articular o músculo pterigói
Após a maturação tecidual, a ATM é constituída deo lateral inferior ao côndilo e as lâminas retrodiscais.

externamente por tecido conjuntivo denso, avascular


com feixes de colágeno tipo I, orientados paralelos à
Pode-se dividir o disco articular em três bandas,
superfície articular. Subjacente, encontra-se a zona pro-
com espessuras diferentes: a anterior, com espessura
liferativa com células indiferenciadas com alta ativida
de aproximadamente 2mm, a central, com lmm, e a
de mitótica, que se diferenciam em condroblastos; por
posterior, com 3mm44,96, compostas histologicamente
tanto, associada à formação da cartilagem condilar7,44,63. por tecido conjuntivo denso com fibras colágenas dos
A zona proliferativa no adulto é delgada e pode estar tipos I e II67. É um tecido fortemente compactado e
ausente96. A terceira zona é a cartilagem hialina, respon entrelaçado8', permitindo a recepção de grandes esfor
sável, em indivíduos jovens, por intermédio de ossifica- ços, sem deformação. O disco articular funde-se à cáp
ção endocondral, pelo crescimento do côndilo. A quar sula nas suas extremidades mediai e lateral, separando
ta zona é o osso condilar compacto, com trabéculas as cavidades supra e infradiscal. A porção anterior tem
agrupadas em direção radial ao colo, que proporcionam inserção com o músculo pterigóideo lateral superior107.
resistência máxima ao côndilo7 (Fig. 54-2). Com exceção de suas bordas periféricas, o disco arti
O tecido cartilaginoso é nutrido por infusão lin- cular é totalmente avascular e não-inervado.
fática de vasos provenientes do osso, o que se torna Ao colo do côndilo insere-se o músculo pterigói
um fator determinante de sua espessura. deo lateral inferior.
A fossa articular é revestida, externamente, por A zona posterior ao disco é denominada retrodis
uma camada de tecido conjuntivo denso com fibras cai ou bilaminar (por dividir-se em duas lâminas). A
colágenas dispostas paralelamente à superfície óssea8. lâmina superior, vascularizada e inervada, é formada
Apresenta zona proliferativa descontínua e fibrocarti- essencialmente por fibras elásticas e algumas fibras
Iagem delgada que reveste o tecido ósseo4'1. colágenas, fundindo-se à cápsula e inserindo-se nas fis
A espessura do recobrimento fibroso articular suras escamosotimpânica e petroescamosa do osso tem
varia conforme a solicitação funcional da articulação. poral. A lâmina inferior possui abundantes fibras co
E mais espessa, aproximadamente 0,5mm, na parte lágenas que se unem à cápsula e se inserem no colo
anterior e superior do côndilo e na face posterior da posterior do côndilo87,96,107.
eminência do temporal. Na parte posterior do côndi A zona retrodiscal é bastante inervada e vasculari
lo e na fossa articular do temporal, a espessura varia de zada, com a principal função de promover suficiente
0,1 a 0,2mm96. aporte sangüíneo para a produção de líquido sinovial.
696 Cirurgia Craniomaxilofacial

Subentende-se que as alterações nessa área possam pro acompanhamento acontece porque o disco articular é
mover, além de sintomatologia dolorosa, alterações consideravelmente mais delgado na sua região central
qualitativas do líquido sinovial. do que nas bordas periféricas, forma que, mecanicamen
A cápsula é revestida internamente pela membra te, facilita acompanhar os movimentos de translação
na sinovial, cuja função é dialisar, do plasma, o líqui do côndilo. Os músculos mastigatórios aumentam a
do sinovial. Esta membrana é constituída de uma ca pressão intra-articular, incrementando o contato físico
mada superficial de células (camada íntima), apoiadas das estruturas articulares e propiciando um movimen
sobre uma camada de tecido conjuntivo frouxo mui to sincronizado dessas estruturas. Os ligamentos colate
to vascularizado (camada subíntima), que se apoia so rais mediai e lateral permitem o movimento de rotação
bre o tecido capsular. A camada íntima possui diferen infradiscal do côndilo, sem interferir na posição do dis
tes tipos de células, que se assemelham a macrófagos co, mas fixam-no firmemente para que, durante o movi
com capacidade fagocitária e células que sintetizam a mento de translação, ele possa acompanhar o côndilo.
hialuronidase encontrada no líquido sinovial, o qual é
produzido e renovado constantemente7'38,44,87,96-107.
O líquido sinovial é um eficiente lubrificante das ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA ATM
articulações, reduzindo a erosão. E também responsá
Os processos fisiopatológicos podem ser subdivididos
vel pela nutrição das superfícies não-vascularizadas (re
em alterações funcionais e processos degenerativos
cobrimento fibroso do côndilo, fossa e eminência ar
(Quadro 54-1).
ticular e partes não-vascularizadas do disco articular).

Alterações Funcionais
FUNÇÃO NORMAL DA ATM Uma das principais alterações funcionais da ATM é
Durante a função normal, quando a boca está fechada, quando o disco perde a estabilidade posicionai em re
com os dentes em contato máximo (posição de máxima lação ao côndilo e à fossa articular. E um processo
intercuspidação —MIC), o côndilo encontra-se em uma progressivo, se não for por etiologia traumática.
posição retrusiva, simetricamente disposto dentro da O sutil mal posicionamento do disco articular
fossa mandibular. Nessa posição, o disco articular deve denomina-se desalojamento. Em uma fase mais avan
posicionar-se sobre a cabeça do côndilo. Durante todos çada, caracteriza-se como deslocamento de disco. O
os movimentos exclusivos em que os côndilos saem da desalojamento dificilmente é percebido ou proporci
fossa sobre a eminência articular em direção ao tubér- ona sintomas.
culo articular (abertura da boca, lateralidades direita e A etiologia do deslocamento do disco permanece
esquerda e protrusão), o disco deve acompanhar o côndi incerta. Por ser um processo multifatorial, é muito
lo, protegendo as estruturas articulares (Fig. 54-3). O difícil isolar todas as variáveis locais, sistêmicas e com-

;|-V"-sr ; •

P.

Fig. 54-3. Relação normal do disco articular. Ele está bem posicionado com a mandibula na posição retrusiva e acompanha o côndilo
durante a protrusão.
Patologias da Articulação Temporomandibular 697

Quadro 54-1.

deslocamento de disco
com e sem redução

retrodiscite
alterações
funcionais

capsulite
sinovite

luxação
subluxação

osteoartrose

alterações
degenerativas • osteoartrite

artrites
sistêmicas

portamentais, para o estudo dos grupos homogêneos. to ocorre, portanto, também para anterior e mediai,
Por essas razões, trabalhos totalmente controlados são paralelamente à direção de força desse músculo12,45,62.
escassos. Apesar dessas limitações, os tratamentos pro A evolução de desalojamento para deslocamento
postos, baseados essencialmente em evidências clíni parece ocorrer devido ao tracionamento prolongado.
cas, proporcionam um índice de eficácia bastante ra- O disco pode, em um primeiro momento, desalojar-se
zoavel . para frente e para mediai, permitindo que o côndilo
Atualmente, algumas linhas de pesquisa ressaltam comprima sua borda posterior, mais espessa, provocan
evidência etiológica em fatores como a hiperatividade do alterações morfológicas e aplainamento dessa zona.
muscular, parafunções (o que não é função do sistema O processo pode evoluir até ser caracterizado como
estomatognático: mastigar, deglutir, falar), macrotrau- deslocamento do disco quando, literalmente, este se
ma (pancadas na região orofacial e cervical) e micro- posiciona à frente (ou látero-medial) do côndilo.
traumas (relacionados com a oclusão dentária)108. Outros fatores parecem aumentar a susceptibili-
A hiperatividade dos músculos mastigatórios, cau dade ao deslocamento de disco, como a lassidão sistê
sada por alterações proprioceptivas ou, principalmente, mica, mais prevalente em adolescentes do sexo femini
por parafunções durante o bruxismo e apertamento dos no, em que o risco desta jovem desenvolver desloca
dentes, tem um aparente destaque4-1. A ação dos múscu mento de disco é três vezes maior do que o do jovem
los mastigatórios é complexa, bem coordenada e com do sexo masculino de mesma idade e quatro vezes
características de agonismo, sinergismo e antagonismo. maior de desenvolver disfunção na idade adulta40.
Durante a hiperatividade dos músculos elevadores, o
músculo pterigóideo lateral superior, que se origina na DESLOCAMENTO DE DISCO COM REDUÇÃO
apófise pterigóide e se insere no disco articular, man
tém-se contraído (pois é sinérgico aos músculos eleva Nesta fase o disco, deslocado para a frente quando a
dores: masseter, pterigóideo mediai e temporal), tracio- boca está fechada, recupera certa normalidade quando
nando o disco para frente e para mediai. O deslocamen o côndilo translada para uma posição protrusiva du-
698 Cirurgia Craniomaxilofacial

rante a abertura ou a protrusão da mandibula. O côn O estalo é o tipo de ruído mais freqüente. Estu
dilo empurra o disco para frente até conseguir caval dos epidemiológicos mostram que as pessoas são me
gar sobre sua região central, a mais delgada. Nesse nos conscientes de sua presença (9% a 26%) do que
movimento, o côndilo "recaptura" o disco articular. A revela sua prevalência (8% a 36%)'10.
energia estática desse movimento transforma-se em Os ruídos são tão freqüentes porque a mandibula
cinética pela recaptura do disco. Clinicamente, isso se transmite muito bem sons podendo, entretanto, por
traduz por um som, ruído ou estalo de redução, por esta propriedade, proporcionar falso-positivos, pois
que nesse momento ocorre a redução do disco deslo nem todos os indivíduos com ruídos têm deslocamen
cado (Fig. 54-4). to de disco com redução ou osteoartrose82.
A mandibula, ao voltar para uma posição retrusi Os ruídos articulares seguem um padrão errático,
va, proporciona outro ruído, o recíproco, o que signi não respeitando gênero, classe social ou raça. Wãnman
fica que o disco perdeu seu relacionamento mais nor e Agerberg111 observaram um aumento significativo
mal e novamente se reposicionou à frente do côndilo. da incidência de ruídos articulares entre jovens dos 17
Portanto, o ruído articular passou a ser valorizado. Tem aos 19 anos, 16,3% a 24%. Observaram que aproxima
sido relacionado como o sinal de que o disco deva damente um terço dos que apresentavam ruídos no
estar mal posicionado. Sua eliminação passou a ser primeiro exame estavam livres deles ao final do expe
obsessivamente um objetivo de cura, pois se acredita rimento.
va que assim se haveria conseguido a recaptura defini Magnusson ei ai.61, em estudo de incidência com
tiva. jovens aos 15 e 20 anos, mostraram que o estalo articu
Os ruídos articulares são sugestivos de um diag lar é freqüente independente da idade. Aos 15 anos,
nóstico de desarranjo interno da ATM62 e é um dos 50% não apresentavam ruídos, mas sim aos 20 anos, e
sinais mais prevalentes de DTM e importante, especi metade dos que apresentavam ruído aos 20 anos não o
almente, quando ocorre durante a fase inicial do mo tinham aos 15 anos. Os ruídos articulares podem apa
vimento de abertura93. Nos casos de deslocamento de recer ou desaparecer espontaneamente entre a adoles
disco com redução, o ruído de abertura é diferente do cência e a fase adulta. Não têm características de esta
de fechamento, possui amplitudes e freqüências dife bilidade e raramente são associados a disfunções mais
rentes. Durante a abertura é mais alto, sendo mais sua graves12.
ve no fechamento82. Desde que os ruídos articulares foram diretamen
Como os ruídos articulares têm sido considera te associados ao seu deslocamento, ou a alterações de
dos um importante sinal de disfunção, seu estudo pas generativas, o estudo deste sinal tem sido relevado.
sa a ser importante na compreensão dos distúrbios Entretanto, a análise crítica dos métodos de registro é
intra-articulares. São classificados em estalos (seco e importante porque possuem sensibilidades diferentes.
único) e crepitação (suaves e múltiplos). A sonografia, por exemplo, é um método muito sensí-

• .

Fig. 54-4. Deslocamento de disco com redução. Com a boca fechada o disco articular se posiciona à frente do côndilo. Uma relação de
maior normalidade ocorre durante a abertura ou protrusão.
Patologias da Articulação Temporomandibular 699

vel, em que até 93% da população apresenta ruídos alguma doença sistêmica são os que merecem mais aten
articulares e pode levar a resultados falso-positivos15, ção34. Por serem um achado comum, não se podem
em que o ruído é apenas um achado sem significância sobrevalorizar os ruídos» articulares, mas também não
clínica108. se pode correr o risco de ignorá-los.
Recomendamos, por ser mais seguro, um exame Os tratamentos mais agressivos e radicais, por in
para identificação dos ruídos articulares que seja feito termédio de placas oclusais ortopédicas, denominadas
por ausculta ou por palpação digital. Esses métodos reposicionadoras, têm-se mostrado pouco eficazes, a
apresentam baixo potencial de resultados falso-positi longo prazo, sobre o reposicionamento e manutenção
vos e não necessitam aparelhos sofisticados e de alto do disco articular12,62. É um tratamento que requer sa
custo.
crifício do paciente, pois os aparelhos devem ser utili
Os ruídos podem ser classificados de acordo com zados 24 horas por dia, por 6 meses, inclusive para
a posição em que ocorrem durante a abertura e fecha mastigar, e podem levar a alterações musculares e má
mento e podem ser subdivididos em estalo e crepita- oclusão60,77,93; todavia, controlam bem os sintomas.
ção112.
As placas reposicionadoras têm por objetivo alte
Estalo se refere a um som agudo, rápido e único, rar ortopedicamente as relações maxilomandibulares
normalmente relacionado com a alteração na posição para recapturar o disco articular72,78,101. Princípio de que
do disco, muito embora possa estar relacionado com a relação disco-fossa-côndilo é normal após o ruído de
defeitos morfológicos. Neste caso, os sons ocorrem redução. A placa é, portanto, confeccionada em uma
sempre na mesma posição, na abertura e fechamento. posição protrusiva. Acredita-se que a manutenção da
A crepitação se refere a sons agudos, rápidos, repenti mandibula nessa posição permita uma reparação dos
nos, que ocorrem, provavelmente, por uma superfície ligamentos do disco, da elasticidade dos ligamentos
osteodegenerada31,86.
retrodiscais e uma remodelação de forma e contorno
Os ruídos articulares podem ser decorrentes da que restabeleça um posicionamento estável do disco
incoordenação funcional dos músculos pterigóideo la em relação às estruturas articulares21.
teral superior e inferior, que teoricamente podem le Para alguns poucos pacientes, cuidadosamente
var ao deslocamento do disco para anterior ou medi
selecionados, as placas de reposicionamento são o pro
ai, ou ocorrem por desvios da forma anatômica das
cedimento terapêutico de eleição. Os fatores analisa
superfícies articulares. As modificações histológicas
dos são a idade do paciente, sua saúde geral e caracte
decorrentes são bem documentadas100.
rísticas favoráveis do tipo e localização dos ruídos ar
O trauma que envolve uma pancada na face ou na
ticulares e outras características anatômicas e de oclu
mandibula também pode provocar processo inflama-
são.
tório com repercussão degenerativa.
Como os objetivos não são plenamente alcança
A ausência de ruídos, entretanto, não indica ne
dos com esse tipo de placa oclusal, passou-se a tentar
cessariamente articulações saudáveis pois, quando o
tratamentos mais conservadores e, surpreendentemen
som articular torna-se perceptível à articulação, deve
te, os resultados foram semelhantes, mas sem as com
estar anormal já por algum tempo105.
plicações. Esta terapêutica não tem por objetivo re
Alguns fatores são considerados predisponentes
capturar o disco, mas apenas gerenciar os sintomas69.
para o aparecimento dos ruídos articulares: a inclina
Entretanto, a prevalência de alterações degenerativas
ção da eminência articular, posição dos côndilos e
das estruturas articulares pareceser um pouco maior43,95.
mobilidade condilar110.
Nos casos sintomáticos, pode-se utilizar termote-
Consideramos que os ruídos articulares podem ser
rapia por ultra-som aplicada sobre a ATM afetada.
importantes ou meros achados clínicos. A identifica
Quando os tratamentos clínicos não controlam os sin
ção da importância clínica do ruído é fundamental
tomas, há indicação de procedimentos cirúrgicos83.
para a decisão de quais devem ser tratados, daqueles
que apenas devem ser observados e daqueles que não
têm nenhuma repercussão na saúde do sistema esto
matognático. Uma das questões levantadas é se o esta DESLOCAMENTO DE DISCO SEM REDUÇÃO
lo é ou não um sintoma inicial de um problema pro O deslocamento de disco com redução pode evoluir
gressivo que caminha em direção ao travamento e do para deslocamento de disco sem redução, que é carac
enças degenerativas15. terizado pelo deslocamento permanente do disco arti
De forma generalista, podemos dizer que os ruí cular para uma posição ântero-medial, em qualquer
dos articulares acompanhados de dor ou associados a posição mandibular.
700 Cirurgia Craniomaxilofacial

O disco deslocado permanentemente à frente do Em casos agudos, deve-se proceder à técnica de


côndilo age como um obstáculo mecânico para a com manipulação, cujo procedimento visa abaixar o côn
pleta translação sobre a eminência articular. Como dilo afetado para que o disco retorne a uma maior
conseqüência, ocorre uma importante limitação fun normalidade. Apóia-se o polegar de uma das mãos so
cional, a abertura limitada a 25 a 30mm ou a deflexão bre a superfície oclusal do último molar mandibular
da mandibula para o lado afetado. O disco posiciona do lado afetado, e uma pressão é exercida para baixo e
do à frente do côndilo o impede de executar o movi para frente.
mento protrusivo necessário para que a abertura de Os casos crônicos e sintomáticos de deslocamen
boca seja plena (Fig. 54-5). to permanente de disco sem redução podem ser trata
Ao deslocamento anterior de disco sem redução, dos por placas anteriorizadas com o objetivo de alivi
ocorre uma obstrução mecânica, gerando forças repe ar a pressão do côndilo sobre a região retrodiscal. A
titivas de compressão e cisalhamento contra o côndi protrusão da placa deve ser o suficiente para o contro
lo e parede posterior da eminência articular. Essas for le dos sintomas. A finalidade desses aparelhos não é
ças induzem a degeneração das estruturas articulares, tentar recapturar o disco, mas orientar a mandibula
incluindo o disco. De forma cíclica, essas alterações para uma posição menos sintomática.
progridem até que a resistência mecânica da superfície Os tratamentos conservadores devem sempre pre
óssea e a força entrem em equilíbrio, com a formação ceder os cirúrgicos, nos casos de deslocamento de dis
de novo osso cortical43. co sem redução, visto o alto índice de sucesso no con
Kurita et ai.56-57 afirmam que três quartos dos paci trole da dor.
entes com deslocamento de disco sem redução apre
sentarão melhora dos sintomas, mesmo sem tratamen
Dor Retrodiscal
to. As estruturas retrodiscais têm capacidade de se
modificar metaplasicamente em tecido de característi Os tecidos retrodiscais são altamente inervados e vas-
cas fibrosa e avascular que, com o tempo, funciona cularizados, pois têm como principal função o bom-
como um pseudodisco81. Aos pacientes sintomáticos, beamento linfático para as células sinoviais produzi
aparelhos oclusais são indicados para reposicionar a rem o líquido sinovial que, além de lubrificar a arti
mandibula em uma posição ligeiramente protrusiva, culação, é responsável pela nutrição da porção não-
suficiente para descomprimir a região retrodiscal. vascularizada do disco e tecido fibroso que recobre
Estudos longitudinais, de longo prazo, mostram as superfícies funcionais articulares. Wilkinson e Crow-
poucas modificações importantes sem comprometimen leylb argumentam que a principal finalidade de o li
to do bem-estar e da capacidade mastigatória, embora gamento posterior superior ser rico em elastina é que
alguma limitação de abertura permaneça57,58,60'94,93. esta estrutura suporta uma rede venosa calibrosa re
O tratamento do deslocamento de disco sem re trodiscal e se torna o principal mecanismo compen
dução tem como meta, nos casos agudos, recapturá-lo satório da pressão nessa área durante a abertura de
e, nos crônicos, gerenciar os sintomas79. boca.

Fig. 54-5. Deslocamento de disco sem redução. O disco permanece deslocado à frente do côndilo em todos os movimentos articulares.
Patologias da Articulação Temporomandibular 701

Quando o côndilo comprime a região retrodis filos, macrófagos e outras células. Essas substâncias
cal, seja por deslocamento do disco com ou sem redu reativas despolimerizam o ácido hialurônico do líqui
ção, seja por traumas externos que desloquem a man do sinovial, atacando as cartilagens articulares, ativan
dibula para trás, pode provocar dor e inflamação, pois do os osteoclastos e promovendo reabsorção óssea104.
é uma área altamente vascularizada59. Tem sido sugeri O controle terapêutico da capsulite e sinovite
do que a membrana sinovial da ATM pode ser prensa compreende orientação ao paciente para que restrinja
da pelo aumento da carga intra-articular. Esta ação di os movimentos mandibulares de abertura de boca e
minui a habilidade da membrana produzir o líquido mastigue apenas alimentos macios119. Calor úmido e
sinovial. A quantidade reduzida de lubrificante pode analgésicos leves, tais como drogas antiinflamatórias
resultar em adesão dos tecidos intracapsulares com não-esteróides, podem ser prescritos. Se esses meios de
subseqüentes inflamação e dor, também favorecendo tratamento forem insuficientes para a melhora dos sin
o deslocamento do disco articular2. tomas, injeção de cortisona em dose única pode ser
A retrodiscite pode aumentar a pressão intra-arti necessária. O uso de placa oclusal de relaxamento co
cular e promover o afastamento das superfícies articu labora no controle da sobrecarga articular84.
lares, causando má oclusão aguda, com ausência de
contato dos dentes homolaterais.
A dor retrodiscal pode levar à excitação secundá Luxação e Subluxação
ria, com respostas eferentes que envolvem os múscu A definição utilizada em odontologia para luxação é a
los mastigatórios. condição clínica em que o côndilo ultrapassa tubércu-
A placa construída em uma posição um pouco lo articular e permanece mecanicamente impedido de
protrusiva deve assistir ao deslocamento de disco sem voltar para uma posição retrusiva. O deslocamento
redução e a retrodiscite, descomprimindo os tecidos seguido da auto-redução é definido como subluxação.
retrodiscais2. O limite anatômico, de que o côndilo não deve
ria ultrapassar o tubérculo articular, precisa ser recon
siderado, uma vez que em mais da metade dos indiví
Capsulite e Sinovite duos normais e assintomáticos os côndilos se deslo
cam à frente do ápice da eminência. Radiograficamen-
São condições inflamatórias decorrentes de trauma ou
te, pode ter o mesmo aspecto de indivíduos luxados,
infecção que afetam a cápsula articular ou a sinovial.
mas o movimento é absolutamente normal80.
Clinicamente, não se distingue entre sinovite e capsu
A luxação tem diferentes etiologias: incoordena-
lite1,5,76,98.
ção ou espasmo muscular, especialmente do músculo
Capsulite é a inflamação da cápsula articular e está
pterigóideo lateral inferior, cuja função é tracionar o
etiologicamente relacionada com trauma, desequilíbrio
côndilo para frente, ou por traumas, como, por exem
ortopédico, uso abusivo, bruxismo, hipermobilidade,
plo, pela excessiva abertura de boca durante um bocejo.
inflamação secundária, infecção e doenças sistêmicas
Pacientes predispostos devem ser orientados a não
com manifestação articular.
realizar grandes aberturas e praticar exercícios de for
Sinovite é a inflamação da membrana sinovial,
talecimento dos músculos elevadores da mandibula116.
podendo ter as mesmas causas etiológicas da capsuli
te, mas com conseqüências mais importantes.
Tanto na sinovite como na capsulite há, clinica
mente, dor e limitação secundária do movimento. A Doença Degenerativa da ATM e Doenças que
palpação lateral da ATM e função exacerbam os sinto Causam Sinais e Sintomas na ATM
mas. Pode também haver dor em repouso e dificulda
de de oclusão dos dentes posteriores homolaterais. ALTERAÇÕES DEGENERATIVAS
Essas alterações podem levar a importantes modi (OSTEOARTROSE E OSTEOARTRITE)
ficações bioquímicas da articulação. Nocicepção peri A doença articular degenerativa ou osteoartrose é a
férica faz com que os axônios liberem neuropeptídeos doença que mais comumente afeta as articulações hu
por um mecanismo central. Há o início de uma infla manas, já tendo sido observada na coluna vertebral do
mação estéril por ação do endotélio vascular, aumen homem de Neanderthal e em múmias egípcias109. Pare
tando o fluxo sangüíneo e a permeabilidade dos va ce estar relacionada com a resposta articular à injúria,
sos. Há liberação de histamina e, por uma reação em geralmente sem características inflamatórias e sem sin
cadeia, a inflamação gera radicais livres, pelos neutró- tomas121.
702 Cirurgia Craniomaxilofacial

A osteoartrose provoca uma abrasão e modifica qüência82. A crepitação é claramente diferente do esta
ção da forma da cartilagem e tecidos moles articula lo de abertura e fechamento que acontecem com o
res14, formando espículas ósseas e "cistos" subcon- deslocamento de disco com redução. Ocorrem sem
drais71,103. Pode afetar todos os componentes da articu pre no mesmo ciclo de movimento112. Embora seja
lação sinovial, e não apenas a cartilagem articular, e freqüentemente associada a alterações degenerativas,
promover alterações adaptativas ou patológicas nos não pode ser usada como um sinal clínico da presença
tecidos adjacentes, como nos ligamentos e musculatu de osteoartrite111.
ra associada29. Primariamente não tem características inflamató
Durante as alterações degenerativas precoces a fi- rias, mas pode apresentá-las secundariamente, induzin
brilação, ou seja, a fragmentação das fibrilas coláge do sintomas. Na literatura odontológica utiliza-se o
nas, provoca diminuição da resistência da superfície termo osteoartrite para desordens com sintomas clíni
articular28, causando irregularidades que alteram as pro cos e osteoartrose para as condições assintomáticas65.
priedades friccionais da articulação75, amolecendo os As osteoartroses podem ser progressivas, primari
tecidos superficiais e acelerando o processo degene amente não-inflamatórias, mas evoluir para um pro
rativo103,121. Quando os produtos da degradação da cesso inflamatório, caracterizando um quadro de os
cartilagem não são adequadamente removidos pela teoartrite. A inflamação é secundária e ocorre na mem
ação fagocitária da sinovial, há a possibilidade da li brana sinovial68. Neste estágio ocorre uma fase aguda
beração de mediadores que provocam respostas in de dor66.
flamatórias41. É proposto que a inflamação da mem Epidemiologicamente, a doença articular degene
brana sinovial resulta na liberação de mediadores in- rativa tem sido encontrada em todas as populações,
flamatórios e enzimas proteolíticas que favorecem independente de raça ou localização geográfica. É co
ainda mais a degradação da cartilagem, podendo le mum acima dos 35 anos4 e, na ATM, também aumen
var à perpetuação do processo anabólico na articula ta com a idade, principalmente após os 50 anos121. Tem
ção. O osso esponjoso subcondral reage aumentan maior prevalência no sexo feminino, em uma propor
do a rigidez, o que compromete a capacidade da arti ção de 6:1109 a 8:11,19,26, mas com o avançar da idade essa
culação de amortecer as tensões dinâmicas, causando diferença tende diminuir4.
ainda mais danos à cartilagem90. Com o colapso da A etiologia da osteoartrose da ATM não está bem
cartilagem articular e a alteração do fluido sinovial, estabelecida, mas parece relacionar-se com fatores lo
há aumento friccional das estruturas articulares, po cais e sistêmicos66. Aparentemente, a sobrecarga sobre
dendo favorecer o estiramento de ligamentos e de- os tecidos articulares parece ser um fator primário91,
sestabilizando o disco articular, sendo esta uma das por intermédio do microtrauma, causado pelo estres
razões do seu deslocamento29. se repetitivo da má oclusão37, parafunções de aperta-
O contrário também é verdadeiro, o deslocamen mento dentário e bruxismo, mastigação unilateral18,
to de disco desprotege a articulação e pode causar os disfunção do disco articular27, distúrbios do crescimen
teoartrose11,27. Alterações ósseas osteoartróticas na arti to e desordens intra-articulares42. A idade, a hereditarie-
culação sintomática são vistas com freqüência em ca dade28, aspectos constitucionais, desordens inflamató
sos de deslocamento anterior de disco, principalmen rias, metabólicas, de desenvolvimento, psicogênicos e
te quando sem redução. Exames por imagens mostram desequilíbrios endócrinos podem, também, desempe
aplainamento da eminência articular e do côndilo, re nhar um papel contribuinte importante88,109,114,121.
dução do espaço articular súpero-posterior, remodela A idade é claramente um fator predisponente,
ção óssea de grau moderado a pronunciado, remode porque afeta outras articulações, mas parece agravar-se
lação do disco articular e translação condilar reduzida. com sobrecargas; entretanto, também é alta a preva
Para aumentar as controvérsias há também trabalhos lência de edentulismo nessa população, confundindo
que mostram articulações com deslocamento de disco os resultados. Os dentes molares parecem exercer pro
sem quaisquer sinais clínicos de degeneração29,85. teção à articulação, dividindo cargas. Sua perda sugere
Sinais e sintomas de osteoartrose incluem dor ao forte correlação com osteoartrose85; entretanto, tam
movimentar a mandibula o que, ao contrário da artri bém é mais comum nos indivíduos mais ido-
te reumatóide, aumenta quando em função, limitação sos3>9,23,24,7.,72>

do grau de abertura confortável e crepitação12,36. A cre- Alguns trabalhos sugerem associação adaptativa
pitação provoca ruídos múltiplos e desorganizados de entre carga funcional aumentada e processos adaptati-
abertura e fechamento de baixa amplitude e alta fre vos pelo espessamento da cartilagem articular42,73, pelo
Patologias da ArticulaçãoTemporomandibular 703

estímulo de células mesenquimais indiferenciadas da


camada proliferativa das superfícies articulares70. Pare
ce que, quanto maior a agressão, maior a remodelação
macroscópica do osso33.
A dor, quando presente, possivelmente não é de
corrente das alterações iniciais que ocorrem na cartila
gem articular, não-inervadas, mas devida a alterações
secundárias, pelo aumento da pressão intra-articular,
estiramento anormal da cápsula e ligamentos e proces
so inflamatório4.
Por ser este um processo crônico, as estruturas do
sistema estomatognático têm chances de se adaptar,
com poucas modificações da oclusão dentária, embo Fig. 54-6. Imagem radiográfica mostrando aplainamento do côn
dilo mandibular por processo de osteoartrose.
ra respostas musculares possam ocorrer1,1"3.
Ao contrário das doenças inflamatórias de etiolo
gia sistêmica, na osteoartrose a dor é aliviada pelo re O tratamento clínico da osteoartrose visa a(o):
pouso e ocorre principalmente após o uso da articula • controle dos sintomas, quando presentes, por anal
ção, podendo, por isso, promover um mecanismo de gésicos, fisioterapia, aconselhamentos, para manter
proteção muscular reflexo que, por um outro motivo, a articulação em repouso e sem que haja dor quan
restringe os movimentos mandibulares"-24'8"-"-. do sob função18"'9;
Embora a doença degenerativa seja descrita como • controle dos fatores etiológicos, direcionado para a
um processo não-inflamatório, alguns casos apresen eliminação dos fatores contribuintes e predisponen-
tam sinais de inflamação, que incluem inchaço, rubor, tes do trauma articular, como hábitos parafuncionais;
rigidez e dor. Normalmente, nos estágios finais da • melhora da condição oclusal, eliminando interfe
doença, a dor na ATM desaparece em aproximadamente rências oclusais, trocando restaurações e próteses
70% dos pacientes23-92109. insatisfatórias e restabelecendo dentes perdidos;
Freqüentemente, a degeneração muito avançada é • uso de placas oclusais, para reduzir carga mecânica
acompanhada pelo encurtamento do ramo mandibu sobre as superfícies articulares e agir na hiperativi
lar, que pode ser visível clinicamente como uma de dade dos músculos mastigatórios9";
formidade facial, com diferença entre a altura dos ân • antiinflamatórios, quando houver envolvimento de
gulos mandibulares, desvio da linha mediana, obliqüi tecidos moles;
dade da comissura labial e inclinação do plano oclu- • fisioterapia com exercícios terapêuticos, com os ob
sal1Wi. jetivos de melhorar a função mandibular e fortalecer
A ocorrência é tipicamente unilateral2", embora a os grupos musculares que protegem as articulações'1"1.
ATM contralateral também possa exibir sinais e sinto Contudo, os procedimentos cirúrgicos devem ser
mas de degeneração10". considerados para os pacientes que continuam sinto
Os exames por imagens oferecem informações máticos.
interessantes, mas limitadas, devido às poucas correla
ções entre os danos articulares observados radiografi-
camente c o prejuízo funcional e sintomas. E difícil DOENÇAS SISTÊMICAS QUE PODEM
diferenciar entre remodelação e degeneração''". O sinal AFETAR A ATM

radiográfico mais característico de uma alteração de Diversas doenças sistêmicas produzem alterações na
generativa é a diminuição do espaço articular, embora ATM e, neste caso, a doença degenerativa passa a ser
uma remodelação regressiva possa rapidamente nor denominada secundária2".
malizar o espaço". Observam-se, também, aplainamen Os principais sintomas das doenças reumatóides são
to e erosão das superfícies articulares condilar e tem dores musculoesqueléticas e disfunções articulares. A ATM
poral. O processo degenerativo pode desenvolver ima não é, em geral, a articulação mais afetada; no entanto,
gens de aspecto cístico, escleroses ósseas e osteófi- quando presente, os principais sintomas são dores faciais
tos9.29.3o.35.55.ns jjjj^j radiográficos nítidos são mais evi associadas ao envolvimento funcional articular30.
dentemente observados nos estágios avançados do Faremos uma breve recapitulação das principais
processo (Fig. 54-6). alterações sistêmicas que podem afetar a ATM.
704 Cirurgia Craniomaxilofacial

Artrite reumatóide os sinais de inflamação articular, como inchaço, calor,


Reumatismo é definido como uma variedade de altera
eritema e sensibilidade à palpação. Entre os sintomas
ções metabólicas marcadas por inflamação, degeneração extra-articulares, podemos ter a fraqueza muscular e a
e desarranjos metabólicos do tecido conjuntivo, especial debilidade39,106. A condição sistêmica leva a um àcometi
mente as articulações e estruturas relacionadas, incluindo mento bilateral, e a perda das estruturas articulares pro
músculos, tendões e tecido fibroso. Quando confinado duz, clinicamente, mordida aberta anterior, uma modi
às articulações, é classificado como artrite reumatóide20. ficação progressiva da oclusão. Ao exame clínico, obser
A artrite reumatóide, doença inflamatória crônica va-se desgaste dos dentes anteriores, demonstrando uma
sistêmica do tecido conjuntivo68, afeta as membranas atividade funcional preexistente; entretanto, eles não se
sinoviais36. Envolve primariamente as articulações peri tocam em nenhuma posição cêntrica ou excêntrica. Nas
féricas, sendo a mais importante das doenças articulares crianças acometidas, o centro de crescimento da ATM é
que podem afetar a ATM20,39. Geralmente, apresenta um afetado, causando micrognatia20.
desenvolvimento lento, crônico, com destruição pro Como os exames laboratoriais têm uma sensibilida

gressiva da cartilagem, do osso e de outras estruturas de de insatisfatória117, quando a ATM está afetada, algumas
colágeno, levando a enfraquecimento muscular, rigidez características clínicas auxiliam o diagnóstico diferencial.
e deformidade das articulações18. Epidemiologicamen- A dor e a limitação de abertura são predominantes pela
te, a faixa etária de maior prevalência é a da meia-ida manhã, ao acordar, diminuindo no transcorrer do dia,
de97; quanto ao gênero, afeta mais as mulheres do que quando as atividades funcionais estão presentes. A dor
os homens, em uma proporção de 3:120. articular pode desencadear efeitos excitatórios secundári
Deve estar relacionada com mecanismos imunitá- os, evolvendo a musculatura mastigatória, originando
rios, com desencadeamento também aparentemente in dores referidas, hiperalgesia, mioespasmos e cefaléias78.
fluenciado pela tensão emocional51. A causa etiológica A artrite reumatóide afeta inicialmente os tecidos
precisa ainda é desconhecida78. moles, e as evidências por imagens não aparecerão nos
A doença pode envolver qualquer articulação do primeiros anos da doença74. Em uma fase mais avança
corpo, porém geralmente se inicia nas pequenas arti da poder-se-ão, radiograficamente, observar a mobili
culações dos dedos e artelhos68,97. Geralmente, a ATM dade reduzida, redução do espaço articular, erosões,
é afetada em um curso mais tardio da doença36, envol aplainamento, formação de osteófitos, desmineraliza-
vendo 20% dos casos97. ção periarticular, esclerose e cistos subcorticais113. Os
O estágio ativo da doença é caracterizado pela achados radiográficos geralmente são bilaterais39. A
inflamação dos tecidos sinoviais com proliferação de imagem por ressonância magnética da artrite reuma
tecido de granulação, que promove a destruição das tóide pode visualizar, também, alterações no líquido
superfícies articulares e a reabsorção do osso subarti- sinovial e na cartilagem6.
cular102. A sinovite acompanhada de exsudação e infil O tratamento da doença é essencialmente médi
tração celular é seguida pela formação de um pannus co. O dentista vai atuar nas conseqüências sobre o sis
que cobre a superfície articular destruída. Quando es tema estomatognático. O tratamento odontológico
sassuperfíciessão requisitadas, quer sejafuncionalmente inclui o reequilíbrio da oclusão, a proteção da articu
ou por parafunção, ocorre a desestabilização de célu lação por placas oclusais que redimensionam as cargas
las com a liberação de enzimas que levam à invasão e à oclusais, e os músculos mastigatórios secundariamen
destruição do tecido cartilaginoso. Em casos avança te afetados podem ser tratados18.
dos pode ocorrer destruição óssea grave e, nestes, o
côndilo pode ser completamente destruído10.
Artrite psoriática
Com a grande deformação das superfícies articu
lares, freqüentemente pode ocorrer anquilose fibrosa Psoríase é uma doença inflamatória em que as altera
e, em um estágio mais avançado, a mineralização do ções cutâneas são o sinal clássico106 que pode evoluir,
tecido conjuntivo e a anquilose óssea39,47. em uma grande porcentagem dos casos, para uma po-
Na fase inicial, o paciente tem surtos febris de bai liartrite erosiva soronegativa. A prevalência da psoría
xa magnitude e ocorrem perda de peso e fadiga. A dor é se é de 0,l°/o51, com discreta predominância para o sexo
mais intensa pela manhã, acompanhada de dificuldade feminino —1,4:1 —e características de hereditariedade,
de motricidade mandibular e abertura de boca, que cos sendo 3,3 vezes maior em indivíduos com parentesco
tuma diminuir no transcorrer do dia com a utilização de primeiro grau53. As lesões cutâneas se iniciam, em
funcional do sistema estomatognático, melhorando a geral, durante a terceira década de vida, sendo mais
motricidade97. Outras manifestações articulares incluem freqüentes entre 36 e 45 anos51.
Patologias da Articulação Temporomandibular 705

Por ser a doença sistêmica, os sintomas articulares dos pela manhã. Os sintomas articulares decorrem da
são assimétricos na maioria das vezes. Eles ocorrem inflamação dos tecidos sinoviais e das inserções dos
principalmente nas articulações distais das falanges39. ligamentos e tendões, seguidas por ossificação. Pontes
As alterações articulares, em geral, acontecem al ósseas unem os corpos vertebrais adjacentes e, subse
guns anos após o início da doença, mas em aproxima qüentemente, as costas se tornam rígidas para a flexão,
damente 15% há desenvolvimento simultâneo das le o que limita a expansão do peito e prejudica a respira
sões cutâneas e articulares. A literatura relata que, em ção. O paciente assume uma postura caracteristicamen-
10% a 15% dos casos, a sintomatologia articular prece te encurvada com cifose dorsal exagerada.
de as manifestações na pele53. A ATM, normalmente, só será afetada vários anos
O envolvimento da ATM é menos freqüente e mais após o início da doença. Os sintomas mais comuns
tardio do que em outras articulações52. Quando está são dor e rigidez articular, incapacitando a abertura de
envolvida, causa artralgia espontânea, sensibilidade à boca normal. Também na espondilite, a gravidade dos
palpação da articulação e restrição gradual da mobili sintomas da ATM é proporcional aos da doença39.
dade mandibular e crepitação. Nas fases agudas pode
apresentar, além da dor, inchaço na região. A gravida Síndrome de Sjõgren
de do envolvimento da ATM parece ser diretamente
Ao menos dois dos sintomas estão presentes na sín
proporcional aos distúrbios39,48'51.
drome de Sjõgren: xerostomia, queratoconjuntivite
Os exames por imagens demonstrarão erosão das
seca e lesões articulares. Alterações das glândulas sali-
superfícies articulares, osteófitos, esclerose cortical e
vares provocam xerostomia, que progride para hipo-
aplainamento da superfície condilar52,113.
sialia, intolerância aos sabores fortes, dificuldade na
deglutição (pseudodisfagia), língua depapilada e bri
Lúpus eritematoso sistêmico lhante, cáries generalizadas, esfarelamento dos den
tes e doença periodontal. A falta de secreção lacrimal
O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença auto-
provoca queratoconjuntivite seca, causando a sensa
imune crônica do tecido conjuntivo, com fatores pre-
ção de corpo estranho ocular, ardor, prurido, fotofo-
disponentes genéticos e desencadeantes ambientais. Nas
bia, infecções oculares, perfuração da córnea e, em
diversas modalidades, pode afetar os rins, coração,
casos extremos, cegueira. As lesões osteoarticulares
pulmões, áreas cutâneas, mucosa oral, músculos, teci
muitas vezes mimetizam um quadro de artrite reu
dos moles e articulações10. As manifestações podem
matóide. Pode haver destruição das superfícies arti
ser discretas, ou haver até gravíssimas lesões viscerais13.
culares.
A ATM é menos envolvida do que as articulações
Devido à freqüência e à importância das altera
periféricas e parece que, também, é proporcional à gra
ções dentais, periodontais e articulares na síndrome
vidade da doença.
de Sjõgren, esses pacientes exigem um freqüente con
Artrites, periartrites e tenossinovites são comuns
trole odontológico profissional13.
e freqüentemente precedem outras manifestações. A
artralgia das articulações periféricas é forte, especial
Artrites metabólicas
mente a das mãos, sendo freqüente a rigidez articular
ao acordar. A gota (artrite úrica) e a pseudogota (artropatia do
Os achados clínicos de envolvimento da ATM são pirofosfato ou condrocalcinose articular) são dois ti
travamento ou deslocamento, sensibilidade à palpa pos de artrites metabólicas. Na primeira, há a deposi
ção muscular e articular e dor ao movimento mandi ção de cristais de urato nos tecidos articulares e, na
bular. segunda, dos cristais de pirofosfato de cálcio diidra-
As imagens demonstram erosão, achatamento, tado.
presença de osteófitos e esclerose. A artrite úrica, ou gota, é uma doença metabólica
de etiologia desconhecida. Nessa doença, os tecidos
articulares podem estar inflamados devido à deposi
Espondilite anquilosante
ção de microcristais de urato de sódio. A deposição
A espondilite anquilosante pertence ao grupo de ar- desses cristais na cartilagem articular é atribuída ao
tropatias soronegativas em que fatores ambientais e excesso de ácido úrico no organismo. A artrite úrica
susceptibilidade genética influenciam a patogênese. Os pode ser primária, devida a anomalias orgânicas here
sintomas iniciais incluem dores lombares, no quadril, ditárias, ou secundária a algum distúrbio que causa o
nádegas, ombros e rigidez articular, sendo exacerba aumento do ácido úrico.
706 Cirurgia Craniomaxilofacial

As articulações afetadas são avermelhadas, quen tratada por meio de aconselhamento ao paciente para
tes, inchadas e sensíveis. O movimento é doloroso e, que evite forçar a articulação afetada. Fisioterapia pode
se a ATM está envolvida, o paciente não consegue abrir ser de interesse na fase crônica.
bem a boca. Normalmente, o início é repentino, agu
do e freqüentemente monoarticular. O paciente sente- Artrite infecciosa
se mal. Febre e transpiração são comuns. Com o tem
Pode ser decorrente de uma infecção sistêmica, por
po, as articulações mostram deformações semelhantes
intermédio de microrganismos pela via sangüínea ou
às observadas na artrite reumatóide18.
por feridas abertas, penetração de agulhas ou por ex
Normalmente é bilateral, e os sintomas são au
tensão da infecção de áreas vizinhas30,78.
mentados por dieta desfavorável48,78.
A principal manifestação clínica da artrite infeccio
As alterações radiográficas aparecem tardiamente.
sa é a dor intensa que, indiretamente, leva à limitação
Os achados mais característicos são as lesões cominu
dos movimentos mandibulares. A área afetada apre
tivas no tecido ósseo. Mais tarde, aparecem lesões cís-
sentará os sinais cardeais de infecção: vermelhidão, ca
ticas.
lor, inchaço e dor. Sinais sistêmicos de envolvimento,
Além do tratamento médico, a fisioterapia pode
como febre e mal-estar, também estarão presentes. A
estar indicada, quando houver artropatias. Se a ATM
dor é constante, acentuada pela movimentação da
estiver afetada, a anatomia funcional da dentição deve
mandibula e quase sempre unilateral.
ser ajustada de maneira que os tecidos articulares não
Na fase inicial da doença, os exames radiográficos
sejam sobrecarregados desfavoravelmente durante a
normalmente não demonstram alterações, porém, com
função.
a evolução da doença, poder-se-á observar a destruição
óssea. Outro elemento importante, para efeito de di
Condrocalcinose articular agnóstico, é a possibilidade de obtenção de coleção
A artrite do pirofosfato, também denominada pseu- purulenta por aspiração com agulha e seringa.
dogota, é uma outra doença causada pela deposição A contaminação da ATM pode ocorrer a partir de
de microcristais, neste caso, cristais de pirofosfato de uma infecção em qualquer outra região, por bactere-
cálcio diidratado. As calcificações são comuns no dis mia ou por via linfática. Quando isto ocorre, a infec
co e cartilagens articulares. A sinovite é causada pelos ção por gonococos é a de maior prevalência121. Entre
cristais e responsável pela inflamação da articulação. tanto, a forma mais comum de contaminação da ATM
Por isso, ao longo do tempo, podem ocorrer lesões é como seqüela de infecções dentárias, da parótida ou
degenerativas. até mesmo do ouvido e face3"-78.
A condrocalcinose articular pode ser observada A intervenção por antibioticoterapia na fase agu
em associação a outras desordens metabólicas, como da melhora o prognóstico porque diminui as seqüelas.
o hiperparatireoidismo e o diabetes. É mais previden Nos casos mais avançados, tem sido indicada a remo
te entre os 40 e os 50 anos de idade. ção cirúrgica do disco articular ou até, eventualmente,
Os sintomas característicos são os ataques agudos do côndilo mandibular"7 (Fig. 54-7).
recorrentes com dor articular, que duram de alguns
dias a várias semanas. São extremamente dolorosos,
afetando as grandes articulações. A ATM também pode
estar envolvida. Durante um ataque agudo, as articula
ções ficam quentes, sensíveis e edemaciadas. Conside
rando-se a ATM, os pacientes não conseguem abrir a
boca mais do que 30mm. Na fase aguda, o paciente
sente-se cansado e está febril. Rapidamente, a doença
cronifica com sinais e sintomas mais suaves, semelhan
tes aos da osteoartrose18.
Os exames de raios X podem mostrar calcifica
ções no disco articular da ATM com aparência caracte
rística pontilhada ou linear.
Quando a ATM estiver afetada, pode-se optar por
tratamentos oclusais que assegurem cargas mais funcio Fig. 54-7. Imagem tomográfica mostrando acentuada destruição
óssea do côndilo mandibular decorrente de infecção iniciada pri
nais para a articulação. A sintomatologia também é mariamente no ouvido.
Patologias da ArticulaçãoTemporomandibular 707

2. Attanasio R. Intraoral orthotic therapy. Dent Clin North Am


1997;47:309-24.
3. Axclson S. Human and experimental osteoarthrosis ofthe tem
poromandibular joint. Morphological and biochemical studies.
Swcd Dent) 1993 (suppl.92):/-45.
4. Bates RE, Gremillion HA, Stewart CM. Degencrative joint dis
ease. Part I: Diagnosis and management considerations./Crani-
omandib Pract 1993;/7:284-90.
5. Bell WE. Dores Orofaciais. Classificação, Diagnóstico, Trata
mento. Rio de Janeiro: Quintessence, 1991.
6. BeltranJ, CaudilIJ, Herman L et ai. Rheumatoid arthritis: MR
imaging manifestations. Radiology 1987;765:59-163.
7. Bhaskar SN. Orbans Oral Histology and Embryology. 11 ed.,
Fig. 54-8. Artrite traumática durante o parto por uso de fórceps. O St. Louis: Mosby-Ycar Book, 1991:406.
centro de crescimentocondilar é afetado, provocando micrognatia. 8. Blackwood HJJ. The mandibular joint: development, strueture
and funetion. In: Cohen B, Kramer IRH. Scientific Founda-
tionsofDentistr}'. London: Heincmann, London, 1976, 509p.
Artrite traumática 9. BlandJH. The reversibility of osteoartrites: a review. Am JMed
1983; 74(6A):16-26.
A artrite traumática é uma resposta inflamatória ao
10. Block SL. Differential diagnosis of craniofacial-cervical pain.
trauma externo, caracterizada pela permeabilidade vas In: Sarnat BG, Laskin DM. The Temporomandibular Joint: A
cular aumentada, que leva ao edema. Os principais si Biological Basis for Clinicai Practicc. 4 ed., Philadelphia: Saun
nais e sintomas são a limitação dolorosa à movimenta ders, 1992:420-68.
ção da mandibula, tumefação e, eventualmente, modi ll.Bocring G, Stegenga B, De Bonte LGM. Temporomandibular
ficações das relações oclusais"8. joint osteoarthrosis and internai derangement. Part I: Clinicai
course and initial treatment. Int Dent J 1990;-7ft33946.
O fator mais importante para o diagnóstico de
12. Boero RP. The physiology of splint therapy: a Iiterature review.
artrite traumática será obtido na anamnese, pela histó Angle Orthod 1989;5£ 165-80.
ria de trauma na face sofrido pelo paciente, recente 13. Braunstein S, Colagenopatias. In: Borghelli RR Temas de Pato
mente ou não. logia Bucal Clínica. Tomo I., Buenos Aires: Editorial Mundi,
O quadro clínico é de sensibilidade na região da ATM, 1979:135-45.

geralmente unilateral, salvo se o trauma tiver ocorrido na M.Brooke RI. Periodic migrainous neuralgia. A cause of dental
região frontal da mandibula, podendo, nesses casos, ha pain. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1978;46:511-6.
ver um comprometimento bilateral78. Ocorre limitação 15.Brooke RI, Grainger RM. Long-term prognosis for the clicking
jaw. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1988;65:668-70.
dolorosa aos movimentos mandibulares e tumefação.
L6. Brunctti RF, Oliveira W. Placas oclusais. In: Peller C, Bottino
Eventualmente, alterações oclusais estarão presentes, com MA. Atualização na Clínica Odontológica, A Prática da Clínica
aumento do contato dós dentes contralaterais68. Não é Geral. São Paulo: Artes Médicas, 1994:177-94.
comum haver achados radiográficos, exceto por um dis 17. Brunctti RF, Oliveira W. Diagnóstico diferencial. In: BarrosJJ,
creto aumento do espaço articular, causado pelo edema. Rode SM. Tratamentos das Disfunções Craniomandibulares.
Os traumas mais sérios podem causar seqüelas ir São Paulo: Livraria Santos, 1995:101-16.

reversíveis. Quando acontecem na infância, podem 18.Carlsson GE. Temporomandibular Joint: Funetion and Dys-
funetion. Copenhagen: Mosby, 1979:267-320.
causar distúrbios de desenvolvimento. Os centros de
19. Chcng TMW,Cascino TI., Onofrio BM. A comprehensive study
crescimento podem ser destruídos, e a hemartrose pode of diagnosis and treatment of trigeminal neuralgia secondary
causar anquilose óssea (Fig. 54-8). to tumors. Neurology 1993;45:298-302.
20. Chenitz JE. Rheumatoid arthritis and its implications in tempo
romandibular disorders. J Craniomand Pract 1992;7ft59-69.
Agra decim cn to: 21. Clark GT The TMJ repositioning appliance: A technique for
construetion, insertion and adjustment. / Craniomand Pract
A colega CD Helena Maria da Rosa Andrade pe 1986;-/:38-46.
los desenhos deste capítulo. 22. Cooper B, Cooper DL. Multidisciplinary approach to the differ
ential diagnosis of facial, head and neck pain. JProsthetDent
1991;66:72-88.
23. Contran RS, Kumar V, Robbins SL. Patologia Estruturale Fun
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS cional. 4 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.
1. American Academy of Orofacial Pain. Orofacial Pain: Guidc- 24.Couch JR, Ziegler DK, Hassanein RS. Evaluation of relation-
lincs for Assessments, Diagnosis and Management. Chicago: ship between migrante headache and depression. Hcadachc 1975;
Quintcsscnce, 1996:285. 75:41-50.
708 CirurgiaCraniomaxilofacial

25.Dao TT, Reynolds WJ, Tenenbaum HC. Comorbidity between 45. Katzberg RW etai. Anatomicdisorders ofthe temporomandibu
myofascial painof the masticatory muscles and fibromyalgia. J lar joint disc in asymptomatic subjects. / Oral Rehabil 1999;
Orofacial Pain 1997;77:232-41. 26:357-63.

26. DeBontLGM, Boering G, Liem RSB, Havinga R Osteoarthritis 46. Kirveskari P et ai. Association of functional state of stomatog
of the temporomandibular joint: a light microscopic and scan- nathic system with mobility of cervical spine and neck muscles
ning electromicroscope study of the articular cartilage of the tenderness. Acta Odontol Scand 1988;46:281-6.
mandibular condyle. / OralMaxillofac Surg 1985;45:481-8. 47.Kobayashi R et ai. Ankylosis ofthe temporomandibular joint
27. De Bont LGM, Boering G, Liem RSB, Eulderink F, Westesson caused by rheumatoid arthritis:a pathological study and review.
PL Osteoarthritis and internai derangement of the temporo / Oral Sei 2001;45:97-101.
mandibular joint. A light microscopic study.J Oral Maxillofac 48. Kõnõnen M. Clinicai signs of craniomandibular disorders in
Surg 1986;44:634-43. patients with psoriatic arthritis. ScandJ Dent Research 1987;
í>5:340-6.
28. De Bont LGM, Liem RSB, Boering G. Ultrastructure ofthe
articularcartilage of the mandibularcondyle: aging and degen- 49. Kõnõnen M. Craniomandibular disorders in psoriasis. Com-
eration. OralSurg Oral Med Oral Pathol 1985;6#.63141. munity Dent Oral Epidemiol 1987;75:108-12.
29. De Bont LGM, Stegenga B. Pathology of temporomandibular 50. Kõnõnen M. Craniomandibular disorders in psoriatic arthritis:
joint internai derangement and osteoarthrosis. IntJ Oral Max correlation between subjective symptoms, clinicai signs, and
illofac Surg 1993;22:71-4. radiographic changes. Acta Odont Scand 1986;44:369-75.
30.Donaldson KW. Rheumatoid diseases and the temporoman 51. Kõnõnen M. Subjective symptoms from the stomatognathic
dibular joint: a review./ Craniomandib Pract 1995;75:264-9. system in patients with psoriatic arthritis. Acta Odont Scand
1986;44:377-83.
31. Drum R, Litt, M. Spectral analysis of temporomandibular joint
sounds. J Prosthet Dent 1987;5&485-94. 52. Kõnõnen M, Wolf J, Kilpinen E, Melartin E. Radiographic
signs in the temporomandibular and hand joints in patients
32.Egermark I,Thilander B. Craniomandibular disorders with spe- with psoriatic arthritis. Acta Odontol Scand 1991;4£191-6.
cial reference to orthodontic treatment: an evaluation from
childhood to adulthood. AmJ Orthod Dentofac Orthop 1992; 53.Koorbusch GF, Zeitler DL. Psoriatic arthritis ofthe temporo
mandibular joints with ankylosis. Oral Surg Oral Med Oral
707:28-34.
Pathol 1991;77:267-74.
33.Flygare L, Rohlin M, Akerman S. Macroscopic and microscop
54.Kopp S. Diagnosis and nonsurgical treatment ofthe arthritis.
ic fmdings of áreas with radiologic erosions in human temporo
In: Sarnat BG, Laskin DM. The TemporomandibularJoint: A
mandibular joints. Acta Odontol Scand 1992;50:91-100.
Biological Basis for ClinicaiPractice. 4 ed., Philadelphia:Saun
34. Gale EN, Gross A. An evaluation of temporomandibular joint ders, 1992:357-72.
sounds. J Am Dent Assoc 1985;777:62-3. 55.Kreutzieger KL, Mahan PE. Temporomandibular degenerative
35.Gelb H. Clinicai Management of Head, Neck and TMJ Pain joint disease. Part I: Anatomy, pathology and clinicai descrip-
andDysfunction. A Multi-Disciplinary Approach to Diagnosis tion. OralSurg Oral Med Oral Pathol 1975;40:165-82.
and Treatment. Philadelphia: Saunders, 1977. 56.Kurita, H, Kurashina, K. Ohtsuka, A. Efficacy of a mandibular
36.Graham GS. Differential diagnosis of temporomandibular dis manipulation technique in reducing the permanently displaced
orders. Gen Dent 1983;57:474-8. temporomandibular joint disc. / Dent Res 1998;77:361-5.
37.Gray RJM. Pain-dysfunction syndrome and osteoarthritis relat- 57.Kurita K et ai. Natural course of untreated symptomatic tem
ed to unilateral and bilateral temporomandibular joint symp poromandibular joint disc displacement without reduction. /
toms. J Dent 1986;74:156-9. Dent Res 1998;77:361-5.
38.Griffin GJ, Sharp CJ The distribution ofthe synovial mem- 58. Leeuw et ai. Symptoms of temporomandibular joint osteoar
brane and mechanism of its blood supply in the adult temporo throsis and internai derangement 30 years after non-surgical
mandibular joint. Austral Dent J 1960;5:367-72. treatment. J Craniomand Pract 1995;75:81-8.
39. Hanson TL. Pathological aspects of arthritis and derangement. 59.Lundeen TF, GeorgeJM, Sturdevant JR. Stress in patients with
In: Sarnat BG, Laskin DM. The Temporomandibular Joint: A pain in the muscles of mastication and the temporomandibu
Biological Basis for Clinicai Practice. 4 ed., Philadelphia: Saun lar joints. J Oral Rehabil 1988;75:631-7.
ders, 1992:165-82. 60. Lundh H, Westesson P L. Long-term follow-up after occlusal
40. Harkins SJ, Marteney JL. Extrinsic trauma: a significant precip- treatment to correct abnormal temporomandibular joint disk
itating factor in temporomandibular dysfunction. / Prosthet position. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1989;67:2-10.
Dent 1985;54:271-2. 61. Magnusson T, Egermark-Eriksson I, Carlsson GE. Five-year lon
41. Hasselbacher P. Structure of sinovial membrane. Clin Rheum gitudinal study of signs and symptoms of mandibular dysfunc
Dis 1981;7:57-9. tion in adolescents. / Craniomand Pract 1986;4:339-44.
42. Holmund A, Hellsing G. Arthroscopy of temporomandibular 62. Major PW, Nebbe B. Use and effectiveness of splint appliance
joint: a comparative study of arthroscopic and tomographic therapy: review of literature. Crânio 1997;75:159-66.
fmdings. IntJ Oral MaxillofacSurg 1988;77:36-40. 63.Marchi F, Luder HU, Leblond CP. Changes in cell's secretory
43.Kai S et ai. Long-term outcomes of nonsurgical treatment in organellesand extracellular matrix during endochondral ossifi-
nonreducing anteriorly displaced disk of the temporomandib cation in the mandibular condyle of the growing rat. Am J
ular joint. OralSurg Oral Med OralPathol Oral Radiol Endod Anat 1991;790:41-73.
1998;&5:258-67. 64.Mazengo MC, Kirveskari P. Prevalence of craniomandibular
44. Katchburian E, Axana V. Histologia e Embriologia Oral. São disorders in adults of Ilala District, Dar-es-Salaam, Tanzânia. /
Paulo: Panamericana, 1999; 356p. Oral Rehabil 1991;7&569-74.
Patologias da Articulação Temporomandibular 709

65. McNeill, C. CraniomandibularDisorders:Guidelinesfor Evalua 86. Prinz JF. Resonant characteristies of the human head in rela-
tion, Diagnosis andManagement. Chicago: Quintessence, 1990. tion to temporomandibular joint sounds.J Oral Rehabil 1998;
66.Mejersjõ C.Therapeutic and prognostic considerations in TMJ 25:954-60.
osteoarthrosis: A literature review and a long-term study in 11 87. Provenza V. Fundamentais ofOral Histology andEmbryology.
subjects. J Craniomand Pract 1987;5:69-78. 2 ed., Philadelphia: Lea & Febiger, 1988:283.
67.Mills DK, Fiandaca JD, Scapino RP. Morphologic, microscop 88. Pullinger AG, Seligman DA. TMJ osteoarthrosis: a differentia-
ic, and Immunohistochemical investigations into the funetion tion of diagnostic subgroups by symptom history and demo-
of the Primate TMJ disc./ Orofac Pain 1994;5:136-54. graphics. / Craniomand Disord 1987;7:251-6.
68.Mohl ND, Zarb GA, Carlsson GE, RughJD. Fundamentos de 89.Quinn JH. Pathogenesis of temporomandibular joint chondro-
Oclusão. Rio de Janeiro: Quintessence, 1989. malacia and arthralgia. Oral Maxillofac Surg 1989;47:165-9.
69.Moloney F, Howard JA. Internai derangement ofthe temporo 90.Radin EL, Paul IL, Rose RM. Role of mechanical factors in
mandibular joint III.Anteriorrepositioning therapy. AustDent pathogenesis of primary osteoarthritis. Lancet 1972;75:519-22.
J 1986;57:30-9. 9l.Radin EL. Effect of repetitive impulsive Ioading on the knee
70. Mongini F. As cabeças articulares da articulação temporoman joints of rabbits. Clin Orthop 1978;757:288-93.
dibular. In: O Sistema Estomatognático: Função, Disfunção e 92. Rasmussen OC. Temporomandibular arthropathy. Clinicai, ra-
Reabilitação. Rio de Janeiro: Quintessence, 1988:19-34. diologic and therapeutic aspects, with emphasis on diagnosis.
71. Mongini F. Influence of funetion on temporomandibular joint IntJ Oral Surg 1983;72365-97.
remodeling and degenerative diseases. Dent Clin North Am 93. Santacatterina AA et ai.A comparison betweenhorizontal splint
1983;27:479-94. and repositioning splint in the treatment of 'disc dislocation
72. Mongini F. O fator oclusal. In: O Sistema Estomatognático: with reduction'. Literature meta-analysis. J Oral Rehabil 1998;
Função, Disfunção e Reabilitação. Rio de Janeiro: Quintes 25:81-8.
sence, 1988:107-32. 94.Sato S et ai. The natural course of anterior disc displacement
73.Muir H. Molecular approach to the understanding of osteo without reduction in the temporomandibular joint: follow-up at
arthrosis. Ann Rheum Dis 1977;56:199-208. 6, 12, and 18 months. / Oral Maxillofac Surg 1997;55:234-8.
74,Oberg T. Radiology of the temporomandibular joint. In: Sol- 95. Saio S et ai. The natural course of nonreducing disk displace
berg WK, Clark GT. TemporomandibularJoint Problems, Bio- ment of the temporomandibular joint: changes in condylar
íogic Diagnosis and Treatment. Chicago: Quintessence, 1980. mobility and radiographic alterations at one-year follow up. Int
J Oral Maxillofac Surg 1998;27:173-7.
75.0gus H. The mandibular joint internai rearrangement. BrJ
Oral Maxillofac Surg 1987;25:218-26. 96. Schroeder HE. OralStructuralBiology:Embryology, Structure,
and Funetion of Normal Hard and Soft Tissue of the Oral
76.0keson JP. BelFs Orofacial Pains. 5 ed., Chicago: Quintessence,
Cavity and Temporomandibular Joints. New York: Thieme
1995:500.
Medicai Publishers, 1991:337.
77. Okeson JP. Long-term treatment of disk-interference disorders
97. Shafer WG, Hine MK, LevyBM. Tratado de Patologia Bucal. 4
of the temporomandibular joint with anterior repositioning
ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987.
occlusal splints. / Prosthet Dent 1988;60:611-6.
98.Shankland WE. Capsulitis ofthe temporomandibular joint./
78. Okeson JP. Management ofTemporomandibular Disorders and
Craniomand Pract 1993;77:75.
Occlusion. 4 ed., Saint Louis: Mosby, 1998:838.
99.Sheikholeslam A, Holmgren K, Riise C. Therapeutic effects of
79. Oliveira,W.Disfunções Temporomandibulares. São Paulo: Artes
the plane occlusal splint on signs and symptoms of cranioman
Médicas, 2002:474.
dibular disorders in patients with nocturnal bruxism. / Oral
80. Oliveira W, Duarte MSR. Tratamento conservador em dis Rehabil 1993;20473-82.
função craniomandibular. In: Feller C, Gorab R. Atualização
lOO.Spruijt RJ, Hoogstraten J. Symptom reporting in temporoman
na Clínica Odontológica.v.2, São Paulo: Artes Médicas, 2000:
dibular joint clicking:some theoretical considerations./Cranio-
443-77.
mandib Disord 1992;6:213-9.
8LOrenstein ES. Anterior repositioning appliances when used for
lOl.Stegenga B et ai. Temporomandibular joint osteoartrosis and
anterior disk displacement with reduction: a criticai review. J
internai derangement. Part II: additional treatment options.
Craniomand Practic 1993;2 141-52.
Int DentJ 1990;40347-53.
82,Oster C et ai. Characterisation of temporomandibular joint
102.Stegenga B. Osteoarthritis ofthe temporomandibular joint or-
sounds. A preliminary investigationwith arthrographic correla-
gan and its relationship to disc displacement. / Orofac Pain
tion. OralSurg OralMed Oral Pathol 1984;5&10-6.
2001;75:193-205.
83,Owen AH. Orthodontic/Orthopedic therapy for cranioman
103.Stegenga B, De Bont LGM, Boering G, Van Willigen JD. Tissue
dibular pain dysfunction. Part A. Anterior disc displacement,
responses to degenerative changes in the temporomandibular
review of literature. / Craniomand Pract 1987;5:358-66.
joint. / Oral Maxillofac Surg 1991;49.1.079-88.
84. Pereira JR F et ai. Microscopicchanges in the retrodiscal tissues
104.Stewart A, Harris M. Acquired anterior open bite and facial
of painfull temporomandibular joints. J Orofac Pain 1998;
arthromyalgia: possible aetiology. BrJOral Maxillofac Surg 1996;
72:226-39.
54:174-80.
85. Pereira JR F. Macroscopic and microscopic fmdings in the tem
105.Tallents RH et ai. Temporomandibular joint sounds in asymp-
poromandibular joint. A clinicai and autopsy study with refer
tomatic volunteers. / Prosthet Dent 1993;6£298-304.
ence to age, Sex, and signs and symptoms. Thesis. Lund Univer-
sity, Malmo, Sweden, 1995. lOó.Tanaka TT. A rational approach to the differential diagnosis of
arthritic disorders./ Prosthet Dent 1986;56:727-31.
710 CirurgiaCraniomaxilofacial

107.Tencate AR. OralHistology Development, Structure, andFune 115.WiIkinson TM, CrowleyCM. A histologic study of retrodiscal
tion. 5 ed., St. Louis: Mosby-Year Book, 1998:386. tissues of the human temporomandibular joint in open and
108.Tenenbaum HC et ai. Temporomandibular disorders: disc dis- closed position. / Orofac Pain 1994;Ã7-17.
placements. / Orofac Pain 1999;75:285-90. 116.Woot.en JW. Physiology ofthe temporomandibular joint. Oral
109.Toller PA. Osteoarthrosis ofthe mandibular condyle. Br DentJ Surg Oral Med Oral Pathol 1966;27:543-53.
1973;754:223-31. 117.Wright EF et ai. Identifying undiagnosed rheumatic disorders
HO.Wabeke KB, Spruijt RJ, Habets, LL. Spatial and morphologic among patients with TMD./y4m Dent Assoc 1997;72Ã738-44.
aspects of temporomandibular jointswith sounds./ Oral Reha 118.Yakerman S. Morphologic, radiologic and thermometric assess-
bil 1995;22:21-7. ment of degenerative and inflammatory temporomandibular
11l.Wanman A, Agerberg G. Temporomandibular joint sounds in joint disease. An autopsy and clinicai study. SwedDentJ1987;
adolescents: a longitudinal study. Oral Surg OralMed Oral (suppl. 52):1-10.
Pathol 1990;69:2-9. 119.Yatani H et ai. The long-term effect of occlusal therapy on self-
112.Watt DM, Mcphee PM. An analysis of temporomandibular administered treatment outeomes ofTMD. J OrofacPain1998;
joint sounds. / Dent 1983;77:346-55. 72:75-87.

113.Wenneberg B, Kõnõnen M, KallenbergA. Radiographic changes 120.Youdelis RA.The morphogenesis ofthe human temporomandibu
in the temporomandibular joint of patients with rheumatoid lar joint and its associated struetures. / Dent Res 1966;45:182-91.
arthritis, psoriatic arthritis, and ankilosing spondilytis./Cran/- 121.Zarb GA Carlsson GE. Osteoartrose/Osteoartrite. Zn:Zarb GA
omand Disorders Facial Oral Pain 1990;4:35-9. Carlsson GE, Sessle BJ, Mohl ND. Disfunções da Articulação
114.Westling L. Temporomandibular joint dysfunction and system- Temporomandibular e dos Músculos daMastigação. SãoPaulo:
ic joint laxity. SwedDentJ 1992;(suppl. 81):1-79. Livraria Santos, 2000:298-314.

Cirurgia de
Cabeça e Pescoço
(Tumoresf Cistos e
Traumatismos
de Pescoço)
Anatomia Cirúrgica
do Pescoço

Robert Thomé
Adalberto Tadokoro

Dmüela Curti Thomé

INTRODUÇÃO A pele anterior do pescoço é frouxamente aderida,


e o tecido celular subeutâneo bem desenvolvido e frou
Os numerosos vasos, nervos e estruturas viscerais en xo confere grande mobilidade. O fato de a pele ter rico
contrados no pescoço tornam essa região interessante suprimento sangüíneo favorece a confecção de retalhos
e importante para o cirurgião. O pescoço apresenta para cirurgia plástica reparadora. O tecido subeutâneo
como limites: contém os vasos e nervos superficiais e é separado da
• Superior, borda inferior do ramo da mandibula e fáscia cervical pelo músculo platisma. Abaixo do tecido
uma linha que vai do ângulo da mandibula ao pro subeutâneo existe o músculo platisma, quadrilátero e
cesso mastóide.
chato, que reveste quase todo o pescoço, com exceção
• Inferior, fúrcula do esterno, borda superior da cla- de um triângulo anterior, de base na fúrcula do esterno
vícula e uma linha transversa da articulação acromi- e vértice próximo ao mento, e de outro póstero-lateral,
oclavicular ao processo espinhoso da 7a vértebra correspondente ao pólo inferior da glândula parótida e
cervical.
extremidade superior do músculo esternocleidomastói-
deo. O músculo platisma prove um plano facilmente
• Posterior, borda anterior do músculo trapézio.
identificável para o levantamento de retalhos durante
• Mediai: linha mediana do pescoço.
cirurgia do pescoço. Os retalhos musculocutâneos do
O contorno do pescoço varia com a idade e o platisma são usados no reparo de defeitos localizados
sexo, sendo bem arredondado na mulher e na crian na linha mediana do pescoço, mento, lábio inferior,
ça, e mais angular no homem, com parâmetros ana comissura labial e laringe. O retalho musculocutâneo
tômicos mais marcantes. A porção anterior do pes do platisma de pedículo superior é baseado na artéria
coço contém os tratos respiratório (laringe e traquéia) submentoniana, ramo da artéria facial, e pode ser usado
e digestivo (faringe e esôfago); a lateral, os grandes no reparo da laringe após laringectomia parcial vertical.
vasos e nervos; a posterior, a coluna e musculatura O músculo esternocleidomastóideo, incluindo suas
circundante. A região infra-hióidea se estende do osso cabeças de origens esternal e clavicular, é claramente vi
hióide à fúrcula do esterno e é limitada lateralmente sível e é o parâmetro cirúrgico mais importante do pes
pelas bordas anteriores dos músculos esternocleido- coço. Cobre uma larga área da região lateral do pesco
mastóideos. ço, incluindo os grandes vasos do pescoço, o plexo cervi-

713
714 Cirurgia de Cabeça c Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismo de Pescoço)

cal e uma porção de vários outros músculos: esplênio- TRÍGONO SUBMANDIBULAR


digástrico, levantador da escapula, escalenos, esterno-hi- • Limites: os dois ventres do músculo digástrico e
óidco, esternotireóideo e omo-hióideo. O músculo ester borda inferior da mandibula.
nocleidomastóideo é cruzado pelo platisma, pela veia
• Assoalho: músculos milo-hióideo, parte do múscu
jugular externa e pelos nervos auricular magno e trans
los hiloglosso e constritor médio da faringe.
verso do pescoço. A irrigação vascular do músculo é do
tipo II de Mathes-Nahai, tendo como pedículo domi • Conteúdo: principais estruturas —glândula subman
nante o ramo da artéria occipital, e como pedículos me dibular, artéria e veia facial, respectivamente pro
nores, ramos das artérias auricular posterior, tireóidea funda e superficial à glândula, parte da glândula
superior esupra-escapular. Éinervado principalmente pelo parótida e da artéria carótida externa. A artéria ca
acessório (XI nervo craniano) e pelo ramo ventral do ner rótida interna, veia jugular interna, nervos glossoía-
vo cervical (C2). Esse músculo pode ser usado como reta ríngeo e vago estão situados mais profundamente.
lho muscular ou musculocutâneo para cobertura das re
giões anterior do pescoço e inferior da face. A camada
TRÍGONO SUBMENTUAL (SUBMENTONIANO)
profunda da lâmina superficial separa o músculo ester
nocleidomastóideo das estruturas subjacentes. • Limites: corpo do osso hióide e ventre anterior do
digástrico a cada lado.
• Assoalho: músculo milo-hióideo com sua rafe me
Trígonos do Pescoço diana.
Na área quadrilátera lateral do pescoço o músculo ester • Conteúdo: linfonodos nível I.
nocleidomastóideo separa o trígono anterior do poste
rior. O trígono anterior é limitado pela borda anterior
do músculo esternocleidomastóideo, linha mediana e TRÍGONO CARÓTICO (CAROTÍDEO)
borda inferior da mandibula. Esse trígono é subdividi • Limites: borda anterior do músculo esternocleido
do em quatro outros pelos ventres anterior e posterior mastóideo, ventre superior do omo-hióideo e ven
do músculo digástrico, músculo estilo-hióideo e ventre tre posterior do digástrico.
superior do músculo omo-hióideo (Fig. 55-1).
• Assoalho: partes dos músculos tireo-hióideo, hio-
glosso e constritores inferior e médio da faringe.
• Conteúdo: principais estruturas — porções externas
e internas das artérias comum, veia jugular interna,
todas cobertas pela borda anterior do músculo es
ternocleidomastóideo; artérias tireóidea superior,
lingual e facial (ramos da carótida externa), tributá
rias correspondentes da veia jugular interna e por
ções dos nervos vago, acessório e hipoglosso. A la
ringe e a faringe e os nervos laríngeos estão situados
profundamente.

TRÍGONO MUSCULAR (TIREÓIDEO)


• Limites: borda anterior do músculo esternocleido
mastóideo, ventre superior do omo-hióideo e linha
mediana.

• Assoalho: músculos esterno-hióideo e o esternoti


reóideo.

• Conteúdo: glândulas tireóidea e paratireóidea; dois


tratos: esôfago e traquéia; dois nervos: laríngeo su
perior e recorrente; dois músculos: constritor infe
Fig. 55-1. Trígonos do pescoço. I. Submentual. 2. Submandibular. rior da faringe e cricotireóideo; artéria carótida e
3. Carótico. 4. Muscular. 5. Cervical lateral. 6. Omoclavicular. veia jugular.
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 715

O trígono posterior é limitado pela borda superi ções ósseas incluem o processo mastóide, a borda infe
or do terço intermédio da clavícula, pela borda anteri rior da mandibula, o arco zigomático, o processo esti-
or do músculo trapézio e borda posterior do músculo lóide, o hióide, o acrômio, a clavícula e o manúbrio.
esternocleidomastóideo. O assoalho do triângulo pos Circunda toda a área anterior do pescoço, dividindo-
terior é formado pelos músculos esplênio da cabeça, se em uma porção mais superficial e outra mais pro
levantador da escapula, escalenos médio e posterior e funda, que envolvem os músculos trapézio, omo-hiói
pela primeira digitação do serrátil anterior; esses mús deo (teto do trígono posterior do pescoço) e o ester
culos estão cobertos pela lâmina pré-vertebral da fás nocleidomastóideo (teto para o trígono anterior), e
cia. Esse trígono tem como base o ápice pulmonar. As forma uma bainha para as glândulas parótida e sub-
estruturas importantes são os vasos e nervos que cru mandibular. A divisão superficial se dirige ao processo
zam a raiz do pescoço, passando pela axila, e nutrem o mastóideo, na borda inferior do arco zigomático e a
membro superior. O trígono posterior contém o ner profunda ao canal carótico, envolvendo a artéria caró
vo acessório, o plexo braquial, a terceira parte da arté tida interna. Essa lâmina forma ainda o ligamento es-
ria subclávia e linfonodos do nível V. O nervo acessó tilomandibular, entre o ângulo da mandibula e o pro
rio cruza o ponto médio do trígono posterior e locali cesso estilóide. Anteriormente, a lâmina está aderida
za-se sobre o músculo levantador da escapula. O plexo ao osso hióide; inferiormente, à clavícula e ao esterno;
braquial emerge entre os escalenos anterior e médio, e lateralmente, ao processo mastóide e à borda inferior
o seu ramo supra-escapular atravessa a base do trígono do arco zigomático. A lâmina superficial da fáscia cer
posterior envolto em tecido célulo-adiposo, simulan vical, situada subjacente ao músculo platisma, cobre
do um vaso. Outras estruturas incluem o nervo dorsal os músculos infra-hióideos. Na parte inferior do pes
da escapula para o rombóide, o nervo torácico longo coço, a lâmina superficial se divide em duas camadas
para o serrátil anterior, o nervo para o subclávio e a que se fixam nas partes anterior e posterior do manú
artéria transversa do pescoço. O ventre inferior do brio. Entre essas camadas, situa-se a fossa supra-ester-
músculo omo-hióideo cruza o trígono posterior e o nal, cuja parede posterior é reforçada pela lâmina pré-
subdivide em dois: trígonos omoclavicular e cervical traqueal. As veias jugulares anteriores cruzam esse es
lateral. paço, que contém as cabeças esternais do esternoclei
domastóideo, o arco venoso jugular e linfonodos.
A lâmina pré-traqueal ou visceral é a porção medi
TRÍGONO OMOCLAVICULAR ai da fáscia do pescoço que cobre as paredes ântero-
• Limites: ventre inferior do músculo omo-hióideo, laterais da traquéia e do esôfago e envolve a glândula
borda posterior do músculo esternocleidomastói tireóide. Essa lâmina se localiza abaixo do osso hióide
deo e borda superior da clavícula. e prende-se às linhas oblíquas da cartilagem tireóidea e
à cartilagem cricóidea. Envolve a glândula tireóide,
formando a sua bainha, corre para baixo, atrás dos
TRÍGONO CERVICAL LATERAL músculos infra-hióideos (reveste esses músculos), em
(SUPRACLAVICULAR OU OMOTRAPEZIANO) direção à face posterior do esterno, onde se mistura
com o tecido conjuntivo entre o saco pericárdico e o
• Limites: ventre inferior do músculo omo-hióideo,
esterno, e com a adventícia dos grandes vasos quando
borda posterior do músculo esternocleidomastói
entram ou saem do saco pericárdico. A lâmina pré-
deo e borda anterior do músculo trapézio.
traqueal, atrás do esôfago, se continua com a fáscia
bucofaríngea, uma delicada folha de tecido fibroso que
reveste os músculos constritores da faringe e o múscu
Fáscia do Pescoço
lo bucinador. A fáscia bucofaríngea está conectada
A fáscia circunda todas as estruturas importantes do posteriormente com a lâmina pré-vertebral pelo teci
pescoço e mantém os músculos, os grandes vasos, os do areolar frouxo do espaço retrofaríngeo, principal
nervos, a faringe, a traquéia, o esôfago, os linfonodos, via de propagação de infecção do pescoço para a tra
sendo subdividida em lâminas superficial, pré-traque- quéia, esôfago e mediastino superior, no tórax.
al e pré-vertebral. A lâmina pré-vertebral é a porção profunda da
A lâmina superficial da fáscia do pescoço prende- fáscia do pescoço. Forma uma camada à frente da co
se posteriormente à protuberância occipital externa, à luna vertebral e cobre os músculos elevador da esca
linha superior da nuca, e ao ligamento da nuca e pro pula, escaleno (nervo frênico), pré-vertebrais (onde é
cessos espinhosos das vértebras cervicais. Outras inser bastante espessa) e os profundos do dorso. Superior-
716 Cirurgiade Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos c Traumatismo de Pescoço)

mente está inserida na base do crânio e dos processos


das vértebras cervicais; lateralmente, cobre o escaleno
anterior c a parte superior do trígono posterior do
pescoço, fundindo-se posteriormente à bainha carótica.
Anteriormente aos corpos das vértebras cervicais,
uma camada adicional, a fáscia alar, encontra-se entre as
lâminas pré-traqueal e pré-vertebral. A lâmina pré-verte
bral forma a parede posterior do espaço retrofaríngeo.
Devido à sua rigidez, um abscesso localizado na região
posterior do pescoço normalmente não a rompe —per
manece atrás da lâmina, podendo propagar-se em dire
ção inferior e lateral, exteriorizando-se no trígono cervi
cal lateral, onde a lâmina é mais delgada. A drenagem
pode ser feita através de uma incisão nessa região, afas
tando o músculo esternocleidomastóideo.
A bainha carótica é uma condensação da fáscia
que envolve os grandes vasos do pescoço (artérias ca
rótidas, veia jugular interna) e o nervo vago, que se
funde com as três lâminas na parte ântcro-lateral do
pescoço.
As três lâminas delimitam os espaços visceral, su-
pra-hióideo e pré-vertebral.
O espaço visceral, situado entre as lâminas pré- Fig. 55-2. Linfonodos do pescoço — divisão por níveis.
traqueal e pré-vertebral, contém os tratos laringotra-
queal, fâringoesofágico, a glândula tireóide e os gran
des vasos, os quais estão envoltos por tecido conjunti
Nível V: grupo trígono posterior
vo frouxo. Abscessos localizados nesse espaço podem
Nível VI: grupo compartimento anterior.
se propagar lateralmente aos trígonos posteriores do
pescoço ou se dirigir em direção superior, para o espa - Nível I: linfonodos dentro dos limites do triân
ço retromandibular. Esse espaço está em íntimo con gulo limitado pelo ventre anterior do músculo
tato com as estruturas do compartimento submandi- digástrico a cada lado e o osso hióide; linfono
bular (parte inferior da parótida, tronco da artéria ca dos dentro dos limites dos ventres anterior e
rótida externa e ramo marginal da mandibula do ner posterior do músculo digástrico e o corpo da
vo facial). mandibula.
O espaço pré-vertebral está posicionado entre os - Nível II: linfonodos localizados ao redor do ter
corpos vertebrais e os músculos localizados atrás da ço superior da veia jugular interna e da porção
lâmina pré-vertebral. Infecções localizadas nesse espa proximal do nervo espinhal acessório adjacente,
ço tanto podem disseminar-se lateralmente como pro estendendo-se da bifurcação da artéria carótida
pagar-se ao longo da coluna cervical para o mediasti- comum (parâmetro cirúrgico) ou osso hióide (pa
no posterior. râmetro clínico) à base do crânio. O limite poste
rior é a borda posterior do músculo esternoclei
domastóideo, e o anterior, a borda lateral do
Linfonodos do Pescoço músculo esterno-hióideo.

Os linfonodos na parte lateral do pescoço podem ser - Nível III: linfonodos localizados ao redor do ter
divididos em 6 grupos ou níveis (Fig. 55-2), em con ço médio da veia jugular interna, estendendo-se
formidade com a American Academy of' Otolaringo- da bifurcação da artéria carótida comum ou osso
logy —Head and Neck Surgery: hióide à junção do músculo omo-hióideo (parâ
metro cirúrgico) com a veia jugular interna ou
• Nível I: grupos submentual e submandibular; membrana cricotireóidea (parâmetro clínico). O
• 7V/Ve/ II: grupo jugular alto; limite posterior é a borda posterior do músculo
• Nível III: grupo jugular médio; esternocleidomastóideo, e o anterior, a borda la
• Nível IV: grupo jugular baixo; teral do músculo esterno-hióideo.
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 717

- Nível IV: linfonodos localizados ao redor do ter Músculos


ço inferior da veia jugular interna, estendendo-se
do músculo omo-hióideo à clavícula. O limite A musculatura anterior compreende os músculos lo
posterior é a borda posterior do músculo ester calizados entre os esternocleidomastóideos e é divi
nocleidomastóideo, e o anterior, a borda lateral dida pelo osso hióide em musculatura supra e infra-
do músculo esterno-hióideo. hióidea. Os músculos supra-hióideos conectam o osso
- Nível V: linfonodos localizados no trígono pos hióide ao crânio.. Compreendem os músculos digás
terior do pescoço, ao longo da metade inferior trico, estilo-hióideo, milo-hióideo e genio-hióideo. O
do nervo espinhal acessório e da artéria cervical músculo digástrico constitui um importante parâme
transversa. tro anatômico na parte mais superior do pescoço.
- Nível VI: linfonodos localizados no compartimen Como o nome sugere, é formado por dois ventres
to anterior, do osso hióde à fúrcula supra-ester- unidos por um tendão intermediário ou comum. O
nal, compreendendo os linfonodos pré-traqueais, ventre anterior insere-se na fossa digástrica, na borda
paratraqueais, pré-laríngeo (Delphian) e peritireoi- anterior da mandibula, próximo a sua linha mediana
deanos, incluindo aqueles ao longo do nervo la- (sínfise da mandibula). Está localizado na superfície
ríngeo recorrente. O limite lateral é a artéria caró do músculo milo-hióideo, parcialmente sobreposto
tida comum; o superior, osso hióide; e o inferior, pela glândula submandibular. O ventre posterior ori
a fúrcula do esterno. gina-se da incisura mastóidea do osso temporal e é
O esvaziamento cervical é um procedimento ci coberto pelo processo mastóide e pelo músculo es
rúrgico designado para remover os linfonodos do pes ternocleidomastóideo. Cruza superficialmente a veia
coço clinicamente metastáticos ou com alto risco de jugular interna, os nervos acessório, vago e hipoglos-
estarem comprometidos quando determinados tipos so, e as artérias occipital, carótidas externa e interna e
de tumores da cabeça e pescoço estão presentes. De facial. O tendão intermédio está preso ao corpo e ao
acordo com o Committee for Headand Neck Surgery corno maior do osso hióide por meio de fibras
and Oncology ofthe American Academy of Otolaryn- aponeuróticas provenientes da fáscia cervical. O ten
gology/Head and Neck Surgery, os esvaziamentos cer dão perfura o músculo estilo-hióideo, situa-se sobre
vicais compreendem 4 subtipos (Fig. 55-3): o músculo hioglosso e é sobreposto pela glândula
• esvaziamento cervical radical; submandibular. A glândula submandibular é um óti
• esvaziamento cervical radical modificado; mo guia para o tendão intermediário que, por sua
• esvaziamento cervical seletivo: vez, é ótimo guia para o músculo hioglosso. O ven
- supra-omo-hiódeo tre posterior é suprido pelo nervo facial, e o anterior,
- póstero-lateral pelo nervo trigêmeo.
- lateral O músculo estilo-hióideo é um músculo delgado,
- compartimento anterior localizado ao longo da borda superior do ventre pos
• esvaziamento cervical alargado. terior do digástrico; se origina da parte posterior do
processo estilóide, inserindo-se no osso hióide, na jun
O esvaziamento cervical radical é o procedimen ção entre o corpo e o corno maior. O ventre posterior
to caracterizado pela remoção rotineira dos linfono
do digástrico e o estilo-hióideo são cruzados superfici
dos do pescoço (níveis I a VI). O seletivo é o procedi
almente pela veia facial, pelo nervo auricular magno e
mento que consiste na remoção compartimental de
pelo ramo cervical do nervo facial, e profundamente
um ou mais desses grupos de linfonodos e na preser
pelas artérias carótidas interna e externa, veia jugular
vação de estruturas não-linfáticas como o músculo es
ternocleidomastóideo, a veia jugular interna e o nervo interna, pelos três últimos nervos cranianos e o tron
acessório. O esvaziamento cervical seletivo está indica
co simpático.
do em pacientes com tumores de cabeça e pescoço, O músculo milo-hióideo está localizado acima do

considerados de alto risco de metástase oculta (linfo ventre anterior do digástrico; se origina da linha milo-
nodos clinicamente negativos) ou metastáticos inici hióidea na superfície interna da mandibula; estende-se
ais. O risco de metástase é baseado na localização e no do último dente molar quase até a sínfise mental. As
tamanho do tumor primário. Desse modo, os com- fibras estão dirigidas para o plano mediano, onde ter
partimentos removidos variam de acordo com a loca minam sobre uma rafe tendínea, mediana; as fibras
lização do tumor primário e de seu conhecido padrão posteriores se inserem no corpo do osso hióide. Os
de propagação. dois músculos milo-hióideos formam o assoalho mus-
718 Cirurgia de Cabeça c Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismo de Pescoço)

Fig. 55-3. Quatro subtipos de esvaziamento cervical seletivo. A. Supra-omo-hióideo. B. Lateral. C. Póstero-lateral. D. Anterior.

cular abaixo da parte anterior da boca, que suporta a Abaixo da lâmina superficial da fáscia cervical há dois
língua. planos de músculos, envoltos pela lâmina pré-traqueal:
O músculo genio-hióideo está situado acima do no plano superficial, os músculos esterno-hióideo e
milo-hióideo; se origina do tubérculo mental inferior, omo-hióideo; e no profundo, os músculos esternoti-
atrás da sínfise da mandibula e insere-se na parte ante reóideo e tireo-hióideo. Os músculos superficiais fi
rior do corpo do osso hióide. cam lado a lado e cobrem os dois profundos. O mús
culo esterno-hióideo se origina na superfície posterior
Músculos Infra-hióideos
do manúbrio e/ou da extremidade adjacente da claví
cula e se insere na parte mediai da borda inferior do
Os músculos infra-hióideos têm sido referidos como corpo do osso hióide. Em sua origem, os músculos
depressores da laringe ou músculos em forma de fita. esterno-hióideos são separados por uma distância de 4
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 719

a 6cm; porém, ao ascenderem convergem gradualmen hióide. Esse músculo é razoavelmente volumoso, co
te de tal modo que na inserção do hióide ambos os bre a membrana tireo-hióidea e projeta-se lateralmen
músculos estão em contato; sua contração deprime o te ao omo-hióideo. Na linha mediana do pescoço, a
osso hióide. No uso como retalho, os vasos nutrientes lâmina pré-traqueal se funde à camada superficial da
que penetram no músculo "esterno-hióideo devem ser lâmina profunda, formando a linha alba do pescoço,
cuidadosa mas amplamente dissecados. A artéria tire através da qual se tem acesso à glândula tireóide e ao
óidea superior, fonte principal, supre os dois terços trato laringotraqueal.
superiores pelos ramos esternocleidomastóideo, hiói-
deo e musculares diretos, enquanto as artérias tireói
Artérias
dea inferior e torácica interna suprem o terço inferior.
Muito embora não exista uma distribuição axial em As principais artérias são a carótida comum e seus dois
sua vascularização, uma rica rede anastomótica entre ramos terminais: carótida externa (irriga estruturas ex
as artérias tireóideas superior e inferior é encontrada ternas do crânio, da face e grande parte do pescoço), e
dentro e ao redor do músculo. Desse modo, por pos carótida interna (irriga as estruturas no interior da ca
suir pedículos vasculares segmentares, o retalho mo- vidade craniana e da órbita). A artéria carótida comum
nopediculado do músculo esterno-hióideo pode ter tem origem diferente em cada lado do pescoço: no
pedículo superior ou inferior. O grau de atrofia mus direito se origina como um ramo terminal do tronco
cular é muito menor quando a inervação, dada pela braquiocefálico posterior à articulação esternoclavicu-
alça cervical (plexo cervical) e sua raiz superior (ramo lar; e no esquerdo, se origina do arco da aorta. Situan-
descendente do nervo hipoglosso), é mantida íntegra. do-se abaixo do músculo esternocleidomastóideo, as
O músculo omo-hióideo consiste de dois ventre cende em direção ao ângulo da mandibula, na bainha
unidos por um tendão intermediário e situa-se no carótica (lateral à veia jugular e anterior ao nervo vago),
mesmo plano do esterno-hióideo. O ventre inferior e termina bifurcando-se em artérias carótidas interna e
origina-se da borda superior da escapula e do ligamen externa, ao nível da borda superior da cartilagem tire
to supra-escapular, cruza o trígono posterior do pes óide (4a vértebra cervical).
coço, passa posteriormente ao esternocleidomastóideo, A carótida interna ou as carótidas comum e inter
na superfície da bainha carótica e termina no tendão na formam uma dilatação, o bulbo carótico. No terço
intermediário. O ventre superior passa em direção su médio a artéria carótida comum é cruzada anterior
perior e mediai, superficial à artéria carótida comum e mente pelo ventre superior do músculo omo-hióideo
ao longo da borda lateral do esterno-hióideo, inserin- ao nível da cartilagem cricóidea; abaixo desse músculo
do-se na borda inferior do osso hióide. O tendão in está situada profundamente, coberta pela borda ante
termediário está situado profundamente ao esterno rior do músculo esternocleidomastóideo. Na parte
cleidomastóideo e prende-se ao manúbrio, à primeira baixa do pescoço, o ventre posterior do omo-hióideo,
cartilagem costal e à clavícula. O músculo omo-hiói o esterno-hióideo e esternotireóideo estão posiciona
deo se encurva abruptamente na parte anterior do pes dos entre o músculo esternocleidomastóideo e a arté
coço, abaixo do nível da cartilagem cricóidea, se afas ria. Geralmente os únicos ramos da artéria carótida
tando do músculo esterno-hióideo. Diferentemente do comum são seus ramos terminais, mas ocasionalmen
músculo digástrico, os dois ventres do omo-hióideo te a tireóidea superior ou a faríngea ascendente po
são supridos pelo mesmo nervo, uma vez que o ventre dem se originar dela. A artéria carótida comum está
inferior é uma continuação do superior. relacionada posteriormente com o tronco simpático,
Os dois músculos profundos são divididos em músculos escaleno anterior e longo do pescoço, e com
um acima e outro abaixo da linha oblíqua da lâmina os processos transversos das quatro últimas vértebras
da cartilagem tireóide, onde se inserem. O músculo cervicais. Na parte mais baixa do pescoço, a carótida
esternotireóideo é um parâmetro cirúrgico importan comum posiciona-se anterior à artéria vertebral e ao
te na cirurgia da glândula tireóide. Esse músculo se processo transverso da 6a vértebra cervical; é cruzada
origina da superfície posterior do esterno, se dirige pela artéria tireóide inferior e pelo dueto torácico (lado
superior e profundamente ao esterno-hióideo, cobre esquerdo). A artéria carótida comum pode ser compri
o lobo da glândula tiróide e se insere na linha oblíqua mida contra os processos transversos das vértebras cer
da lâmina da cartilagem tireóidea. O tireo-hióideo é vicais pressionando-se mediai e posteriormente com o
um músculo curto, que parece ser continuação do es polegar. A ligadura da artéria carótida comum é rara
ternotireóideo, com origem na linha oblíqua da carti mente praticada; entretanto, pode ser necessária para
lagem tireóidea e inserção no corno maior do osso o controle de hemorragia em trauma ou em tumor
720 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismo de Pescoço)

maligno do pescoço; não costuma ser acompanhada então, dissecada em direção superior, afastando o
de complicações mas é perigosa em idosos, podendo músculo digástrico.
ocorrer diplopia, cegueira, convulsões, coma, hemiple- A artéria carótida externa é o menor dos dois ra
gia e morte. A abordagem da artéria carótida comum mos terminais da carótida comum e se estende da bor
abaixo do músculo omo-hióideo pode ser praticada, da superior da lâmina da cartilagem tireóide a um
mas é mais trabalhosa devido à proximidade com os ponto atrás do colo da mandibula, onde se divide nos
troncos venosos, situados na base do pescoço. O pon seus dois ramos terminais: artéria temporal superficial
to de eleição é acima do músculo omo-hióideo. As e maxilar interna. A artéria carótida externa também
artérias carótidas externa e interna, e a porção do bul- se origina da bifurcação da artéria carótida comum,
bo que as une, devem ser conservadas, visto que a cir mas corre fora da bainha carotídea. Seu trajeto é pos
culação de retorno pela carótida externa do lado com terior ao ventre posterior do músculo digástrico, cru
prometido poderá suprir a nutrição do encéfalo, via zando superficialmente os músculos estiloglosso e es-
bulbo carótico/carótida externa. tilofaríngeo. Seus ramos terminais saem por detrás do
A ligadura deve ser praticada o mais próximo côndilo da mandibula.
possível do bulbo para não deixar coto onde possam A artéria carótida externa é geralmente ântero-la-
se formar trombos. A incisão é feita ao longo da bor teral à carótida interna, e conforme ela ascende, se tor
da anterior do músculo esternocleidomastóideo, cen na mais posterior, chegando a se posicionar lateral à
trada ao nível da cartilagem cricóidea, interessando pele, carótida interna. Uma ligadura da artéria carótida ex
tecido celular subeutâneo e músculo platisma. A lâmi terna é praticamente isenta de complicações, enquan
na superficial da fáscia do pescoço é dividida para to que a ligadura da artéria carótida interna tem uma
mobilizar lateralmente o músculo esternocleidomas mortalidade, segundo a literatura, de 30% a 60%.
tóideo e expor o omo-hióideo, que é seccionado e li Em um ferimento da artéria carótida externa, a
gado. As pulsações da artéria podem ser sentidas no hemorragia por ambos os cotos é sempre profusa, já
ângulo entre os músculos esternocleidomastóideo e que a rede anastomótica entre essas artérias garante
omo-hiódeo. A bainha carótica é aberta, e a artéria é ótimo refluxo pelo coto distai. O local de eleição para
exposta e ligada após serem identificados a veia jugu a ligadura é entre as artérias tireóidea superior e lin
lar interna e o nervo vago. gual, mas pode ser praticada próxima a tireóidea supe
A artéria carótida interna se origina na bifurcação rior (uma vez que essa artéria pode se originar da arté
da artéria carótida comum, dirigindo-se à base do crâ ria carótida comum, é necessária ampla exposição das
nio na bainha carótica. Em seu trajeto cruza o nervo artérias carótidas). A carótida externa origina 8 ramos,
hipoglosso, a artéria occipital (ramo da artéria caróti 5 abaixo e 3 acima do ventre posterior do músculo
da externa) e o ventre posterior do músculo digástri digástrico (que a cruza próximo ao ângulo da mandi
co. As artérias carótida interna e a artéria basilar con bula). Os 5 ramos abaixo do digástrico compreendem
tribuem para formar o polígono de Willis, responsá a tireóidea superior, a lingual, a facial, a faríngea ascen
vel por praticamente toda a vascularização do interior dente e a occipital. Os 3 ramos acima do digástrico
do encéfalo. Outras artérias, como as meníngeas e of- incluem a auricular posterior e os dois ramos termi
tálmicas (ramos da artéria carótida externa) não são nais —temporal superficial e maxilar.
capazes de assegurar, sozinhas, a nutrição necessária à A artéria tireóidea superior é o primeiro ramo da
sobrevivência do cérebro. A possibilidade de suplên- artéria carótida externa; originando-se abaixo do cor
cia sangüínea de um hemisfério para o outro na liga no maior do osso hióide, e sendo coberta pelo múscu
dura da carótida interna depende da configuração do lo esternocleidomastóideo. Corre em direção inferior
polígono de Willis: quando fechado, a circulação cola e anterior no trígono carótico e é coberta pelos mús
teral (refluxo pelo coto distai) deve ocorrer através do culos omo-hióideo, esterno-hióideo e esternotireóideo;
polígono, compensando e suprindo os dois hemisféri caminha paralela mas superficialmente ao nervo larín-
os cerebrais de maneira adequada; quando aberto, o geo externo. No pólo superior da glândula tireóide ela
refluxo sangüíneo é pequeno ou mesmo desprezível. se divide nos ramos glândulares, para nutrir a glândula
Entretanto, estudos anatômicos revelaram que o polí tireóide e parte do músculo esternocleidomastóideo.
gono é normal em apenas 20% das pessoas. A ligadura Seus ramos são o infra-hióideo, o esternocleidomastói
da artéria carótida interna é raramente praticada, devi deo, a artéria laríngea superior, o ramo cricotireóideo e
do ao alto risco de complicações cerebrais; quando os ramos glândulares (anterior, posterior e lateral).
obrigatória, deve ser praticada próxima à base do crâ A artéria lingual origina-se da parte anterior da
nio. A artéria é identificada próximo à bifurcação e, artéria carótida externa, ao nível do osso hióide, logo
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 721

acima da artéria tireóidea superior. Seu trajeto pode nervo occipital maior. Os ramos da artéria suprem os
ser dividido em três partes, com relação ao músculo músculos esternocleidomastóideo, digástrico e estilo-
hioglosso: posterior, profunda e anterior, respectiva hióideo, e comprendem o mastóideo, o auricular, os
mente. A primeira parte da artéria lingual está localiza esternocleidomastóideos, os occipitais (meníngeos) e
da no trígono carótico. Forma uma alça sobre o cons o descendente, que fornece a principal circulação cola
tritor médio da faringe e é cruzada pelo nervo hipo- teral após a ligadura da artéria carótida externa ou sub-
glosso. A segunda parte passa profundamente ao mús clávia.
culo hioglosso, sobre o constritor médio da faringe, e Aartéria auricular posterior saida região posterior
corre ao longo da borda superior do osso hióide. A da artéria carótida externa, logo acima do vente pos
terceira parte, a artéria profunda da língua, ramo ter terior do músculo digástrico; corre em direção supe
minal da lingual, ascende entre os músculos genioglosso rior e posterior, superficial ao processo estilóide e
e longitudinal inferior; corre ao longo da superfície coberta pela glândula parótida. Termina entre o pro
ventral da língua, nutrindo a língua, os músculos omo- cesso mastóide e a orelha, dando origem as artérias
hióideo e esternocleidomastóideo. Seus ramos inclu estilomastóidea e timpânica posterior (ramos mastói
em o supra-hióideo, os dorsais da língua, artérias su- deo e do estapédio do estribo), auricular, occipital e
blingual e profunda da língua. Sua ligadura pode ser parotídea.
feita na parte posterior do triângulo submandibular A artéria faríngea ascendente é o menor ramo da
(triângulo de Lesser), tendo como referência cirúrgica artéria carótida externa; origina-se do lado mediai, na
o corno maior do osso hióide, e como referência pro parte inferior da carótida, aproximadamente no mes
funda, o ventre posterior do músculo digástrico. mo nível da origem da artéria tireóidea superior; as
A artéria facial se origina da superfície anterior da cende entre a carótida interna e a parede da faringe,
artéria carótida externa, próximo ao ângulo da mandi indo nutrir a musculatura da faringe, o palato e as
bula, e ascende profundamente aos músculos digástri meninges. Seus ramos são artéria meníngea posterior,
co e estilo-hióideo, para alcançar a parte posterior da ramos faríngeos e artéria timpânica inferior.
glândula submandibular. Está situada sobre os múscu As artérias temporal superficial e maxilar são os
los constritores médio e superior, continuando ruim ramos terminais da artéria carótida externa. A artéria
sulco na borda posterior da glândula submandibular; temporal superficial é o menor e a maxilar o maior
volta-se em direção ínfero-anterior, entre a glândula ramo terminal da carótida externa. A temporal superfi
submandibular e o músculo pterigóideo mediai; con cial emerge da superfície superior da glândula paróti
torna a borda inferior da mandibula, e sobe à face na da e ascende em direção ao couro cabeludo, cruzando
margem anterior do músculo masseter. A artéria facial o processo zigomático do osso temporal. As pulsações
é muito tortuosa e termina no ângulo mediai do olho, da artéria podem ser percebidas de encontro ao arco
anastomosando-se com ramos da artéria oftálmica. Seus zigomático. Os ramos são o parotídeo, a artéria facial
ramos são a artéria palatina ascendente e o ramo tonsi- transversa, ramos auriculares anteriores, artérias zigo-
lar (amigdalino), artéria submentual (submental), ra mático-orbital e temporal média, ramos frontal e pari-
mos glândulares, artérias labial inferior e superior (ramo etal.
do septo nasal), ramo nasal lateral e artéria angular. A artéria maxilar (antes denominada artéria maxi
A artéria occipital se origina na face posterior da lar interna) se origina na glândula parótida, atrás do
artéria carótida externa, oposta à artéria facial. Seu tra colo da mandibula. Seu trajeto pode ser dividido em
jeto pode ser dividido em três porções, em conformi três partes, de acordo com o músculo pterigóideo ex
dade com o músculo esternocleidomastóideo: anterior, terno: mandibular, pterigóidea e pterigopalatina. A
profunda e posterior. Caminha em direção póstero- parte mandibular corre em direção anterior, entre o
superior, abaixo ao ventre posterior do músculo di colo da mandibula e o ligamento esfenomandibular,
gástrico. Cruza a artéria carótida interna, a veia jugu passando ao longo da borda inferior do músculo pte
lar interna e os três últimos nervos cranianos. É circun rigóideo lateral. A parte pterigóidea, de direção ânte
dada pela alça do nervo hipoglosso. Profundamente ro-superior, é coberta pelo temporal e nutre os múscu
ao músculo esternocleidomastóideo ocupa o sulco oc los da mastigação e o bucinador. A parte pterigopala
cipital do osso temporal, medialmente ao processo mas tina passa entre as cabeças superior e inferior do pteri
tóideo, e está coberta pelos músculos esternocleido góideo lateral. Seu ramo mais importante é a artéria
mastóideo, esplênio da cabeça, longo do pescoço e esfenopalatina. Outros ramos incluem as artérias auri
digástrico. Posterior ao músculo esternocleidomastói cular profunda, timpânica anterior, alveolar inferior,
deo a artéria perfura o trapézio, acompanhada pelo meníngea média, pterigomeníngea, massetérica, tem-
722 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismo de Pescoço)

poral profunda anterior, temporal profunda posteri e a glândula submandibular. Em seu trajeto até a veia
or, bucal, alveolar superior-posterior, infra-orbital, do jugular, cruza a artéria lingual, o nervo hipoglosso, as
canal pterigóide, e palatina descendente. artérias carótidas interna e externa e entra na veia ju
gular interna, ao nível do corno maior do osso hióide.

Veias
Nervos
O sangue venoso da cabeça e do pescoço retorna pelo
sistema das jugulares (externa, anterior, posterior e in O plexo cervical é formado pela fusão dos ramos ven-
terna) e por vários plexos venosos. O sistema jugular é trais de Cl a C4. Seus ramos se situam entre o múscu
o mais importante, principalmente a veia jugular in lo esternocleidomastóideo e os músculos escaleno
terna.
médio e elevador da escapula, inervando os músculos
A veia jugular externa é formada pela união da do pescoço e o diafragma, através do nervo frênico.
veia auricular posterior com ramo da facial, abaixo do Quatro importantes ramos nervosos do plexo cervical
lobo da orelha. Inicia-se na parte mais inferior da glân contornam superficialmente o terço médio da borda
dula parótida, caminha quase verticalmente para o ter posterior do músculo esternocleidomastóideo, confe
ço médio da clavícula, cruzando obliquamente o mús rindo sensibilidade à pele do pescoço e adjacências.
culo esternocleidomastóideo, e no ângulo entre a bor No esvaziamento cervical, esses ramos são seccionados
da posterior desse músculo com a clavícula penetra a com anestesia da pele que se segue a esse procedimen
fáscia profunda do pescoço, juntando-se à veia subclá- to. Dos seus ramos, o mais importante é o nervo frêni
via. A veia jugular externa varia muito em tamanho. co, ramo motor do plexo cervical que emerge de C3 e
Situa-se sobre a camada superficial da fáscia profunda C4, desce na superfície do músculo escaleno anterior,
do pescoço, abaixo do músculo platisma. Apresenta abaixo da lâmina pré-vertebral, passando entre a arté
comunicação com a veia jugular interna através de ria e a veia subclávia e seguindo em direção ao diafrag
ramo que passa ao redor da borda anterior do múscu ma, sendo responsável por sua motricidade. Sua sec
lo esternocleidomastóideo. Por vezes recebe a veia ju ção leva à paralisia do hemidiafragma correspondente,
gular posterior. Na sua terminação, a veia jugular ex ocasionando elevação da cúpula diafragmática e dimi
terna se une às veias cervical transversa, supra-escapu- nuição da expansibilidade pulmonar.
lar e jugular anterior. O nervo hipoglosso penetra no espaço subman
A veia jugular posterior se origina junto ao ângu dibular, entre o músculo hioglosso e o ventre posterior
lo da mandibula, logo abaixo da glândula parótida, e do músculo digástrico, e se dirige ao compartimento
se dirige para o terço médio da clavícula, à frente do sublingual, através da região supra-hióidea. É o princi
músculo escaleno anterior, no trígono posterior do pal nervo motor para a língua. O nervo hipoglosso
pescoço. desce por trás da artéria carótida interna e dos nervos
A veia jugular interna drena o sangue do encéfa glossofáríngeo e vago, continua entre a artéria carótida
lo, da face e do pescoço. Ela emerge pelo forame jugu interna e a veia jugular interna, anteriormente ao nervo
lar, na base do crânio, caminha junto à artéria carótida vago e profundamente ao ventre posterior do digástri
e o nervo vago, na bainha carótica, recebendo várias co. A sua secção determina paralisia da hemilíngua.
tributárias, e termina formando a veia braquiocefálica, O nervo lingual se situa num nível mais alto, na
quando se une à veia subclávia. A junção dessas veias é superfície lateral do músculo hioglosso, fornecendo a
separada da .articulação esternoclavicular por dois mús sensação de gosto e a sensibilidade geral do terço pos
culos infra-hióideos. A retração lateral do músculo es terior da língua.
ternocleidomastóideo expõe a parte superior da veia O nervo facial (nervo craniano VII) emerge do
jugular interna. As tributárias incluem as veias facial, crânio pelo forame estilomastóideo. Na emergência,
fáríngea, lingual, tireóideas superior e média, e o seio ele dá seu primeiro ramo extracraniano, o nervo auri
petroso inferior. cular posterior. A seguir, divide-se em dois grandes tron
A veia facial é a mais importante tributária da veia cos: temporofacial e cervicofacial. Estes troncos dão
jugular interna, sendo formada pela junção das veias origem aos ramos temporal, zigomático, bucal, margi
supratroclear e supra-orbitária. Caminha posteriormen nal da mandibula e cervical. O ramo marginal da man
te à artéria facial, passando abaixo dos músculos zigo dibula segue paralelo, próximo à borda inferior da
mático maior, risório e platisma, acima do corpo da mandibula e abaixo do músculo platisma, cruzando a
mandibula, e se dirige obliquamente entre o platisma artéria e a veia facial, inerva o músculo risório, o buci-
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 723

nador e a metade inferior do orbicular da boca. Para


evitar uma lesão desse nervo durante uma cirurgia,
devem ser feitos uma ligadura baixa dos vasos cervi
cais e o rebatimento cranial de seus cotos superiores,
afastando-se, assim, o nervo da área de dissecção.
O nervo vago (X nervo craniano) tem origem no
núcleo ambíguo do bulbo. Emerge do bulbo e sai do
crânio através do forame jugular. Logo abaixo desse
forame, o nervo se dilata para formar o gânglio nodo-
so. O sistema nervoso vagai controla as funções da
laringe, provendo inervação motora para a musculatu
ra laríngea e levando às fibras sensoriais. Através dos
ramos faríngeos, laríngeos superior e recorrente, parti
cipa da inervação do palato mole, da faringe e da larin
ge. Os ramos faríngeos cursam entre as artérias caróti
das externa e interna e dirigem-se ao músculo constri
tor médio da faringe onde, junto com os ramos do
tronco simpático e do nervo glossofaríngeo, formam
o plexo faríngeo. Abaixo do gânglio nodoso, o nervo
vago emite o nervo laríngeo superior, que desce ao
Fig. 55-4. J. Nervo laríngeo superior (ramos interno í / externo e).
longo da face lateral da faringe, póstero-lateralmente à 2. Nervo laríngeo recorrente.
artéria carótida interna, e subdivide-se em dois ramos
ao nível do osso hióide: interno e externo. O ramo
externo, motor, inerva o músculo cricotireóideo c A lesão alta do nervo vago compromete os ramos
participa da inervação do músculo constritor inferior faríngeos e laríngeos e determina paralisia do palato
da faringe. O ramo interno, sensitivo, acompanha a mole, da faringe e da prega vocal. Surge, em repouso,
artéria laríngea superior, penetra pela membrana tireo- abaixamento do palato mole do lado comprometido
hióidea e distribui fibras para a mucosa da endolarin- e, em fonação, tração da úvula palatina e da rafe media
ge —vestíbulo da laringe (Fig. 55-4). O nervo vago na do palato mole para o lado normal: é o "sinal da
continua seu percurso no pescoço, no interior da bai cortina" (deslocamento lateral da parede posterior da
nha carótica, passa entre a veia jugular interna e artéria faringe em direção ao lado sadio). Disfagia, aspiração
carótida, primeiro a interna e, depois, a comum. de secreções e de alimentos líquidos, regurgitação na
O nervo laríngeo recorrente tem origem distinta sal de alimentos, diminuição da capacidade de expec-
em cada lado do pescoço. No lado direito, o nervo toração e dislonia são sintomas da lesão.
vago passa entre a veia jugular interna e a artéria sub O nervo acessório (XI par craniano) adentra o
clávia; e no esquerdo, entre a artéria carótida comum e músculo aproximadamente 4cm abaixo da inserção do
a artéria subclávia. Na altura em que o nervo vago cru mesmo no processo mastóide. As referências anatômi
za anteriormente a primeira porção da artéria subclá cas para o nervo são o ventre posterior do músculo
via do lado direito, nasce o nervo laríngeo recorrente, digástrico e a veia jugular interna, onde o nervo os
que a contorna por baixo. No lado esquerdo o nervo cruza oblíqua, inferior, posterior e lateralmente. Sua
laríngeo recorrente deixa o vago ao nível do arco da lesão provoca a paralisia da metade superior do mús
aorta, circunda-o por baixo, em forma de gancho, à culo trapézio, um dos componentes da estática e da
esquerda do ligamento arterial. Dos dois lados, o ner movimentação do ombro. Na secção do espinhal ocor
vo laríngeo recorrente passa abaixo da borda inferior re queda do ombro ipsilateral e a movimentação do
dos músculos constritores inferiores da laringe, sobe braço é bastante prejudicada. A abdução até 90" é de
entre a traquéia e o esôfago, penetra na laringe posteri terminada pelos músculos abdutores, dos quais os mais
ormente à articulação cricotireóidea, arborizando-se importantes são o deltóide e o supra-espinhoso. Aci
como nervo laríngeo inferior, inervando a mucosa da ma de 90° a abdução do braço é determinada quase
laringe bem como os músculos intrínsecos, exceto o que exclusivamente pelo trapézio e, como conseqüên
músculo cricotireóideo. Portanto, o percurso do ner cia, o braço não é elevado num plano horizontal aci
vo laríngeo recorrente é mais longo do lado esquerdo, ma dos 90°. Para elevar o braço até os 180°, nas proxi
o que contribui para seu maior comprometimento. midades dos 90" ele é trazido do plano horizontal para
724 Cirurgia deCabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismo de Pescoço)

o sagital e rodado ligeiramente para fora (passando da musculofrênica e epigástrica superior; essa última su
posição prona para a supina). pre o músculo reto abdominal, muito utilizado como
O nervo hipoglosso (XII par craniano) sai do crâ retalho musculocutâneo nas reconstruções de mama.
nio, pelo osso occipital, através do canal do hipoglos O tronco tireocervical origina as artérias tireóidea in
so, passando abaixo do ventre posterior do músculo ferior, supra-escapular e cervical superficial, enquanto
digástrico e emergindo entre a veia jugular interna e a o tronco costocervical dá origem às artérias intercos-
artéria carótida interna. A seguir, faz uma alça na arté tal superior e cervical profunda.
ria occipital e caminha na superfície do músculo hio A escolha das incisões para ligadura dos vasos da
glosso, promovendo a inervação motora da hemilín- raiz do pescoço é uma etapa importante. A incisão
gua correspondente. Sua lesão determina paralisia e clássica, oblíqua e paralela à clavícula, serve para a mai
atrofia da musculatura. oria dos vasos. Se a exposição não for tão boa quanto
O plexo braquial emerge entre os músculos esca a desejada, poderá ser ampliada pela remoção da meta
leno médio e anterior, sendo formado pela união dos de mediai da clavícula. O acesso à artéria subclávia di
ramos ventrais dos quatro últimos nervos cervicais e reita ou aos vasos braquiocefálicos pode ser obtido
do primeiro nervo torácico. Ele se divide em dois ra por esternotomia mediana. A abordagem da artéria
mos: supra-escapular e infra-escapular. Sua lesão é gra subclávia esquerda é praticada por meio de toracoto-
ve, pois acarreta paralisia dos músculos do membro mia ântero-lateral, através do 3o ou 4o espaço intercos-
superior inervados por esse ramo. O ramo supra-esca tal esquerdo. A combinação da toracotomia ântero-
pular atravessa a base do trígono omoclavicular, en lateral, esternotomia mediana e clavicular superior re
volto no tecido adiposo da região, podendo ser con sulta numa abordagem relativamente complexa, deno
fundido com um vaso. minada toracotomia em "livro", que prove excelente
abordagem a todos os grandes vasos.

Raiz do Pescoço
Estruturas Profundas do Pescoço
A raiz do pescoço ou região toracocervical forma o
limite entre o pescoço e o tórax. As estruturas que A laringe, localizada na extremidade superior da tra
compõem essa região entram ou saem da cavidade to- quéia, é primariamente um canal de ar com um meca
rácica. Nessa região situam-se o terço proximal da cla nismo valvular de proteção da via respiratória inferi
vícula, o manúbrio, a articulação esternoclavicular, e a or. Durante o curso de seu desenvolvimento filogené-
artéria e veia subclávias em sua primeira e segunda tico, a laringe gradualmente assumiu outras funções
porções. que têm modificado sua configuração anatômica. Uma
A artéria subclávia direita sai do tronco braquio- dessas principais funções é a produção da voz.
cefálico, enquanto a artéria esquerda sai diretamente A laringe é um órgão cartilaginoso, situado em
da croça da aorta. No pescoço, cada artéria se situa frente às 4a, 5a e 6a vértebras cervicais. A porção mais
entre o músculo esternocleidomastóideo, externamen superior dessa caixa, que se continua acima com a fa
te, e o escaleno, internamente. Em relação ao músculo ringe, tem formato quase triangular, e a porção mais
escaleno anterior, a artéria é dividida em três partes: inferior, cobertura da traquéia, apresenta formato cir
mediai, posterior e lateral. A artéria subclávia origina cular. A estrutura da laringe demonstra duas funções
dois ramos para o trígono posterior: a artéria transver opostas: o esqueleto cartilaginoso assegura a manuten
sa escapular e a transversa cervical, que juntas com a ção de uma via aérea permeável, e a complexa organi
artéria tireóidea inferior, formam o tronco tireocervi zação dos tecidos moles no seu interior permite o pron
cal. A veia subclávia é uma continuação da veia axilar, to fechamento do lume para proteção, fonação etc.
drenando o sangue do membro superior. Ela caminha O esqueleto da laringe consiste de seis cartilagens
medialmente e um pouco abaixo da artéria subclávia, —três das quais ímpares, e as outras três, pares —, e do
recebendo como tributária a veia jugular externa. A osso hióide.
artéria subclávia origina os seguintes ramos: artéria O osso hióide está localizado na porção anterior
vertebral, artéria torácica interna, tronco tireocervical do pescoço, ao nível da 3a vértebra cervical, suspenso
e tronco costocervical. A artéria torácica interna é o pelos ligamentos estilo-hióideo, que o prendem ao crâ
segundo ramo da artéria subclávia e desce posterior nio. Tem a forma de U, com corpo e par de cornos
mente às seis primeiras cartilagens costais, próximo a maiores e menores. Quando o pescoço está relaxado,
borda do esterno, e termina dividindo-se nas artérias os dois cornos maiores podem ser seguros entre os
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 725

dedos indicador e polegar, e o osso hióide pode ser • Movimento ântero-inferior: as pregas vocais aduzem.
movido lateralmente. • Movimento póstero-superior: as pregas vocais ab-
A tireóidea é a maior das cartilagens da laringe e duzem.
seu formato pode ser comparado ao de um livro aber
As cartilagens corniculadas (Santorini) e cunei-
to posteriormente. A borda anterior do livro forma
formes (Wrisberg) representam pequenas cartilagens
um ângulo (mais agudo no homem) que faz saliência
no ápice da cartilagem aritenóidea e na prega ariepi-
na superfície do pescoço, denominada proeminência
glótica, respectivamente. As cartilagens tritíceas se po
laríngea ou pomo-de-adão. A borda posterior prolon
sicionam no ligamento e membrana que une o corno
ga-se superiormente em projeção longa, o corno supe superior da cartilagem tireóidea ao corno maior do
rior, que está preso ao corno maior do osso hióide; osso hióide. As cartilagens sesamóideas localizam-se
inferiormente, em projeção mais curta, o corno inferi nas faces ântero-lateral das cartilagens aritenóideas e
or, que se articula com a cartilagem cricóidea. unem-se às cartilagens corniculadas através de liga
A cartilagem cricóidea fica diretamente abaixo da mentos.
cartilagem tireóide e é a mais forte das cartilagens. Tem A laringe possui ligamentos extrínsecos e intrín
o formato de anel de sinete. A porção posterior é de secos, membranas com a função básica de interliga
nominada lâmina, e a anterior, mais estreita, arco. A ção. Os ligamentos intrínsecos conectam as cartilagens
lâmina se prolonga superiormente para formar a pare uma às outras, e os extrínsecos unem as cartilagens às
de posterior da laringe. Apresenta duas faces articula estruturas adjacentes: ligamentos tireo-hióideos unem
res: aritenóidea e tireóidea. a cartilagem tireóide ao osso hióide; a membrana cri-
A epiglote é a estrutura em forma de folha que se cotireóidea às cartilagens tireóidea e cricóidea; o liga
fixa através de ligamento na junção anterior das lâmi mento cricotraqueal une a cartilagem cricóidea ao Io
nas da cartilagem tireóidea: pecíolo epiglótico. Proje anel traqueal. Os ligamentos intrínsecos têm um im
ta-se para cima e para trás acima, protegendo as vias portante papel no fechamento da laringe. O ligamen
respiratórias inferiores através do abaixamento e fe to vocal, que forma o arcabouço da prega vocal, é a
chamento do ádito da laringe. A epiglote é suspensa parte mais forte da membrana triangular (cone elásti
em posição por conexões membranosas ao osso hiói co), originado da cartilagem cricóidea. Na entrada da
de, à cartilagem tireóide e à base da língua. laringe, uma similar bainha de fáscia, a membrana qua-
As cartilagens aritenóideas são um par de pequenas drangular, forma os ligamentos nas pregas ariepiglóti-
cartilagens móveis, responsáveis pelas funções fonatória ca e vestibular.
e respiratória. Grosseiramente triangulares (três ângulos A cavidade da laringe está dividida em três regi
—anterior, póstero-lateral e póstero-mediano), repousam ões —vestíbulo, glote e cavidade infraglótica (subgló-
sobre a borda póstero-superior da cartilagem cricóidea. tica) —por dois pares de pregas horizontais da cada
O ângulo anterior da cada aritenóidea, processo vocal, lado: as pregas vocais e vestibulares. As pregas vocais
recebe a fixação posterior da prega vocal; o ângulo póste são dobras de mucosa e músculos que se estendem da
ro-lateral, processo muscular, recebe a inserção de nume face interna do ângulo da cartilagem tireóide (comis
rosos músculos intrínsecos da laringe. As cartilagens ari sura anterior) ao processo vocal da aritenóidea; inclu
tenóideas se articulam com a cartilagem cricóidea (arti em o ligamento vocal e a maior porção do músculo
culação cricoaritenóidea), a qual permite movimentos em tireoaritenóideo, e estão diretamente relacionadas à
três direções: ântero-posterior, vertical e médio-lateral: produção da voz e à proteção das vias respiratórias
• Movimento ântero-posterior: anterior, o processo inferiores. A prega vocal é composta de mucosa e
vocal desce e o muscular sobe; posterior, o proces músculo; a mucosa compreende epitélio e lâmina pró
so muscular desce e o vocal sobe. pria (camadas supercial, intermediária e profunda).

epitélio
mucosa •*

lâmina própria
camada superficial

camada intermediária
} cobertura

Prega vocal •*
camada profunda } transição

í,
músculo A músculo vocal
} corpo
726 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismo de Pescoço)

A túnica mucosa é firmemente aderida ao li cais. Consiste de dois lobos, direito e esquerdo, uni
gamento vocal, exceto na borda livre, onde está sepa dos por um istmo, firmemente aderido às paredes
rada das estruturas profundas por uma espessa cama mediai e lateral da laringe e da traquéia. A tireóide é
da de tecido areolar frouxo. Essa organização permite envolvida por uma bainha formada pela lâmina pré-
um movimento complexo da mucosa durante a fona- traqueal. Essa bainha é separada da cápsula fibrosa da
ção e determina a qualidade da voz. O espaço entre as glândula por um tecido areolar, onde correm os vasos
pregas vocais constitui a rima da glote. A parte anteri e nervos. A glândula tireóide é suprida pelas artérias
or da rima da glote é a intermembranácea, e a posteri tireóideas superior c inferior. A artéria tireóidea inferi
or, a intercartilagínea. Esse espaço é amplo e triangu or origina-se da artéria subclávia como tronco tireo
lar quando as pregas vocais estão abduzidas (como na cervical, segue em direção superior e, depois, mediai à
respiração), mas assume uma aparência de fenda quan borda inferior da glândula tireóide, formando um arco.
do estão aduzidas (como na fonação). Entre essas pre Os ramos terminais da artéria têm importante relação
gas, a parede lateral da laringe forma um recesso pro com o nervo laríngeo recorrente, o qual se dirige supe
fundo e fusiforme, o ventríeulo da laringe. riormente, no sulco traqueoesofágico, para penetrar
As pregas vestibulares são dobras de tecido que se na laringe. O nervo pode situar-se anterior ou posterior
estendem do ângulo da cartilagem tireóide ao corpo mente à artéria, ou mesmo entre seus ramos. Na 2ü-3-
da cartilagem aritenóidea, e cujo fechamento prende semanas de desenvolvimento embriológico, a glându
o ar inferiormente e permite aumento da pressão in- la tireóide do forame cego desce anteriormente à fa
tratorácica.
ringe, deixando um dueto que recebe o nome de tire-
Os músculos extrínsecos mudam a posição da la oglosso, que a conecta à base da língua. O dueto é
ringe como um todo ao ajustá-la para proteção, degluti obliterado nas etapas normais de desenvolvimento; a
ção e diferentes tipos de fonação. Incluem os músculos persistência do dueto ou de porções isoladas ao longo
infra-hióideos, supra-hióideos, constritores médio e in do seu trajeto epitelial forma a base para o desenvolvi
ferior da faringe. Os músculos intrínsecos da laringe mento de um cisto na linha mediana do pescoço (Fig.
estão diretamente relacionados às funções de proteção 55-5). Sistrunk, em 1920 e 1928, recomendou a remo
e fonação. Esse grupo contém o músculo aritenóideo ção em monobloco do cisto, osso hióide, dueto pro
ximal e um bloco de tecido central através da base da
transverso, e quatro músculos pares que atuam nas arti
língua ao forame cego.
culações cricoaritenóidea e cricotireóidea: cricoaritenói-
deo posterior, cricoaritenóideo lateral, tireoaritenóideo
(compõe o corpo das pregas vocais) e cricotireóideo.
O ramo interno do nervo laríngeo superior supre
a mucosa da laringe com ramos sensitivos; os múscu
los intrínsecos são supridos por dois ramos do nervo
vago: o ramo externo do nervo laríngeo superior su
pre o músculo cricotireóideo e o nervo laríngeo recor
rente supre os demais músculos. O suprimento sangü
íneo é derivado das artérias tireóideas superior e infe
rior.

- parte superior > artéria carótida externa > artéria


tireóidea superior > artéria laríngea superior
- parte inferior > artéria subclávia > artéria tirocer-
vical > artéria tireóidea inferior > artéria laríngea
inferior.
O sistema venoso da laringe compreende:
- parte superior > veia laríngea superior > veia tire
óidea superior > veia jugular interna
- parte inferior > veia laríngea inferior > veia tire
óidea inferior > veia braquiocefálica.
A glândula tireóide tem a forma grosseira de um
H ou U, e está situada diante da 5--7- vértebras cervi Fig. 55-5. Curso do dueto tireoglosso.
Anatomia Cirúrgica do Pescoço 727

As glândulas paratireóides são pequenas e de co dea pelo tendão cricoesofágico. O esôfago e a faringe
loração amarelo-rosada ou amarronzada. Localizam-se são frouxamente aderidos à lâmina pré-vertebral da
na superfície posterior de cada lobo da glândula. O fáscia cervical e desse modo formam os espaços retro-
número médio de glândulas é 4 mas varia de 2 a 6, faríngeo e retro-esofágico. Os abscessos localizados
com o maior diâmetro de cada uma de cerca de 6mm. nesses espaços são impedidos de se propagar lateral
De acordo com a posição podem ser denominadas su mente e tomam a via de menor resistência, que é a
perior ou inferior, posterior e mediai ao nervo larín inferior, em direção ao mediastino.
geo recorrente, respectivamente. A traquéia começa no pescoço, em continuidade
O trato digestivo contém a parte faríngea da la com a laringe, e possui anéis de cartilagem hialina em
ringe (hipofaringe) e a parte superior do esôfago. A forma de C, os quais impedem-na de colapsar. Anterior
parte faríngea da laringe estende-se da borda superior mente está relacionada com o arco venoso jugular,
da epiglote (osso hióide) à borda inferior da cartila músculos esterno-hióideo e esternotireóideo, istmo da
gem cricóidea. O recesso piriforme é a parte situada glândula tireóidea (cobreo 2o, 3o, e 4o anéis da traquéia),
de cada lado do ádito da laringe, entre a membrana veias tireóideas inferiores, timo, artéria tireóidea, platis
tireo-hióidea e a cartilagem tireóidea, lateralmente, e a ma e, na criança, com o tronco braquiocefálico; posteri
prega ariepiglótica e as cartilagens aritenóideas e cri ormente com o esôfago, nervo laríngeo recorrente, e
cóidea, medialmente. A faringe consiste de 4 túnicas lateralmente com os lobos da glândula tireóidea e as
principais, de dentro para fora: mucosa, fibrosa, mus artérias carótidas comum. A traquéia é suprida pelos
cular e fascial. A parede muscular é composta por duas vasos tireóideos inferiores e pelos nervos laríngeos re
camadas: a externa, que compreende os constritores correntes.

inferior e médio, e a interna, compreendendo os mús A região pré-vertebral inclui apenas a estreita ca
culos levantadores estilofaríngeo e o palatofaríngeo. mada musculoaponeurótica que cobre a superfície
O músculo constritor inferior origina-se do arco da anterior da coluna vertebral. Sua importância cirúrgi
cartilagem cricóidea (parte cricofaríngea) e do corno ca repousa na resistência, bem como na relação com as
inferior e linha oblíqua da cartilagem tireóidea (parte artérias tireóideas inferiores e vertebral, nervo frênico
tireofaríngea). A parte cricofaríngea tem direção hori e cadeia ganglionar simpática.
zontal e continua-se com as fibras circulares do esôfa
go, atuando como esfincter para o esôfago. O divertí-
culo faringoesofágico (divertículo de Zenker) ocorre REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
devido à fraqueza da túnica muscular longitudinal ao 1. Anson BJ, McVay CB. Surgical anatomy. 6 ed. WB Saunders
nível da cartilagem cricóidea. O constritor médio origi Company, 1984.
na-se no ângulo entre os cornos maior e menor do osso 2. Barbosa JF. Surgicaltreatment of head and neck tumors. Grune
hióide e do ligamento estilo-hióideo. Suas fibras diver & Stratton, 1974:13-21.

gem em direção posterior e terminam na rafe mediana. 3. Cardoso CC. The anatomy of the platysma muscle. Plast Re
constr Surg 1980;06:680-3.
A parte cervical do esôfago é uma continuação
4. Hollinshead WH. Anatomy for surgeons. vol 1, The head and
direta da faringe; representa cerca de um quinto de seu neck, 3 ed, Philadelphia: Harper & Row Publishers, 1982:269-
comprimento. O esôfago começa oposto à borda in 89.
ferior da cartilagem cricóidea ao nível do corpo da 6a 5. Kierner AC,Aigner M, Zelenka I etai. The blood supplyofthe
vértebra cervical. Está relacionado anteriormente com sternocleidomastoid muscle and its clinicai implications. Arch
a traquéia e os nervos laríngeos recorrentes; posterior Surg 1999;54:144-7.
mente com o músculo longo do pescoço e a coluna 6. Shockley WW, Pillsbury HC, III. The neck. Diagnosis and sur
gery. Mosby-Year Book, Inc., 1994:3-17.
vertebral, e lateralmente com os lobos da glândula ti
7. SistrunkWE.The surgical treatment of cysts ofthe thyroglossal
reóidea. No pescoço, a traquéia não cobre completa
tract. Ann Surg 1920;77:121-2.
mente o esôfago; a borda esquerda se projeta lateral
8. Sistrunk WE. Technique of removal of cysts and sinuses ofthe
mente a partir da parte superior da traquéia, o que thyroglossal duct. Surg Gynecol Obstet 1928;46:109-12.
justifica a abordagem mais fácil do esôfago pelo esse 9. Thorek P. Anatomy in surgery. 6 ed.J.B. Lippincott Company,
lado. A túnica muscular externa e interna da porção 1958:169-254.
superior do esôfago consiste de músculo esquelético 10. WarwickR,WilliamsPLGraysanatomy35ed.LongmanGroup
unido à parte posterior da lâmina da cartilagem cricói Ltd. 1973, pp 503-509; 623-547; 1.034-1.041.
Princípios Gerais da
Cirurgia Plástica em
Cabeça e Pescoço

Robert Thomé
Hélio Kawakami

Daniela Curti Thomé


Adalberto Tadokoro

INTRODUÇÃO rúrgica, permitem à equipe cirúrgica oferecer a abor


dagem com maior probabilidade de melhor resulta
Uma das maiores preocupações do paciente que ne do. A pronta reconstrução reduz hospitalização, mi
cessita de cirurgia para tratamento de tumor de cabe nimiza os cuidados pós-operatórios e cria tanto no
ça e pescoço é ficar mutilado. A abordagem desses cirurgião como no paciente a expectativa de resulta
tumores de uma forma isolada, unilateral, provavel dos satisfatórios. '
mente não é a melhor opção ao interesse do paciente,
mas sim a participação e cooperação de um grupo de
especialistas. Desse modo, o planejamento reconstru-
tivo deve ser incluído no procedimento original. O
PRINCÍPIOS GERAIS
trabalho em conjunto de cirurgiões plásticos e de ca Durante a avaliação pré-operatória elevem ser conside
beça e pescoço ressalta a importância dessa colabora rados a extensão da.deformidade anatômica, o conhe
ção multidisciplinar para enfrentar os sérios proble cimento do paciente com relação às limitações do pro
mas da cirurgia reparadora dessa região, e tem-se mos cedimento cirúrgico e a probabilidade de resultado
trado muito gratificante no que diz respeito a obten favorável. O conhecimento desses fatores pode evitar
ção de melhores resultados anatômicos e funcionais. o descontentamento com relação ao resultado final.
A reparação cirúrgica nessa região tem como os obje Os procedimentos variam cm tempos cirúrgicos, in
tivos principais corrigir ou minimizar as deformida cluindo várias táticas para facilitar a rápida reparação,
des anatômicas das mais variadas origens e devolver como: planejar e localizar as incisões; quebrar incisões
ao paciente as funções. A abordagem multidiscipli retilíneas; preservar estruturas estratégicas sem compro
nar é vantajosa, dada a troca de informações entre os meter a margem de ressecção do tumor maligno; con
profissionais envolvidos, cada um discutindo os as feccionar enxertos ou retalhos simples ou compostos;
pectos importantes relativos a sua especialidade, de evitar tensão nos retalhos; afinar retalhos que serão
terminando a prioridade na reparação. O conhecimen posicionados sobre pele fina, diminuindo degrau por
to da anatomia da região da cabeça e pescoço e dos diferença em espessura, e outros. Os tratamentos pré
princípios básicos das diferentes técnicas cirúrgicas e vios geralmente agravam o problema requerendo pro
suas variações, o respeito aos princípios da técnica ci cedimento mais complexo.

728
Princípios Gerais da Cirurgia Plástica em Cabeça e Pescoço 729

O cirurgião de cabeça e pescoço é responsável pela fica, fibrosada, telangiectásica e raramente recebe en
ressecção do tumor, mas a colaboração do cirurgião xertos de tecido com sucesso. Nessa circunstância, a
plástico é essencial para a máxima recuperação da de reconstrução cirúrgica freqüentemente é longa, com
formidade anatômica e funcional resultante. Em nos múltiplos tempos cirúrgicos.
sa clínica as duas equipes participam das duas etapas. Os enxertos são de valor na cirurgia reparadora
Os princípios da cirurgia reparadora incluem: a técni de cabeça e pescoço e sua integração ou perda depen
ca de reparo não deve interferir nos limites de ressec de do suprimento sangüíneo provido pelos tecidos da
ção do tumor; o tumor deve ser removido com mar zona receptora. Os enxertos sobrevivem se o aporte
gens de segurança sem haver preocupação com o de vascular for adequado e as margens do defeito não
feito resultante; em seguida, o cirurgião plástico deve tiverem sofrimento. A situação mais freqüente na qual
planejar o reparo da forma e função. A morbidade e a é usado enxerto complexo de cartilagem é a reconstru
mortalidade do procedimento de exérese do tumor ção do pavilhão auricular. Os enxertos ósseos são ge
não devem ser aumentadas pela magnitude da fase re ralmente obtidos da costela ou crista ilíaca. O enxerto
paradora, bem como a deformidade secundária não de crista ilíaca deve ser confeccionado de modo a in
deve ser produzida, a não ser que nenhum método de cluir suficiente osso cortical, com o propósito de esta
reparo seja satisfatório. Desde que o tratamento pode bilização. Sua curvatura natural está de acordo com o
não ser curativo em determinados tumores (p. ex., a arco mandibular e pode ser usada para substituir o
maioria dos pacientes com tumores avançados da fa ângulo da mandibula. Os retalhos regionais são im
ringe morre dentro de 18 meses do diagnóstico), a pri portantes, e quando apropriadamente planejados têm
oridade é a reparação realizada de maneira simples e a vantagem fundamental de transportar seu próprio
rápida nesses casos, de modo a permitir ao paciente suprimento sangüíneo, que permite pronta transposi
melhor qualidade de vida no pouco tempo que lhe ção. Os retalhos contraem menos e dão bom resulta
resta. Nessa circunstância, procedimentos reconstruti- do funcional e estético; protegem mais os vasos, os
vos prolongados não devem ser realizados. Não de sos, cartilagem e resistem mais a infecções do que os
vem ser deixadas superfícies cruentas para evitar a cica enxertos. Os retalhos são importantes em zonas recep
trização por segunda intenção, que é demorada e dei toras irradiadas. Os retalhos de cabeça e pescoço são
xa resultados desfavoráveis pela contração cicatricial. derivados de cinco regiões anatômicas: couro cabelu
O uso de enxerto ou retalho está indicado no re do, fronte, face, pescoço e tórax.
vestimento de superfícies cruentas. O defeito resultante O couro cabeludo é o tecido de cobertura cutânea
da remoção de um fragmento ósseo na exérese de um da região da caixa craniana, estendendo-se da região occi
tumor poderá ser corrigido por costela, crista ilíaca na pital à região frontal. Possui pouca elasticidade, necessi
forma de enxerto ou retalhos compostos. Na estraté tando de descolamento amplo no fechamento simples
gia da reparação, considerar desde procedimentos mais por aproximação direta dos bordos. O suprimento arte
simples aos mais complexos: fechamento direto > en rial do couro cabeludo é dado principalmente pela arté
xerto > retalhos (local > regional > distante) > retalhos ria carótida externa (temporal superficial, auricular poste
microcirúrgicos. Após estudar as várias possibilidades rior e occipital) e pela carótida interna (artérias supratro-
cirúrgicas, optar pelo procedimento em um único tem cleares e supra-orbital). Grandes retalhos do couro cabe
po em vez de em vários tempos cirúrgicos. Dentro do ludo para a reconstrução subtotal ou completa nasal
planejamento cirúrgico, ter sempre algumas opções podem ser elevados e transpostos sem risco de sofrimen
adicionais, que poderão ser utilizadas na falha da estra to vascular. O pedículo vascular principal do retalho late
tégia inicial (aumento das dimensões do déficit teci- ral de rotação do couro cabeludo é a artéria temporal
dual pressuposto). As características de cada tecido, superficial (ramo terminal da artéria carótida externa), que
como textura e coloração nas diversas regiões, deverão cruza o processo zigomático do osso temporal. O reta
ser observadas, para que se realize uma reparação ade lho lateral do couro cabeludo deve ter a forma de uma
quada. A radioterapia na área de cabeça e pescoço fre ferradura com a sua convexidade superior, de maneira
qüentemente produz danos aos tecidos sadios adjacen que o retalho contenha a artéria temporal superficial. Os
tes ao local do tumor. A patologia fundamental é a retalhos em foice são usados para reparar defeitos do na
endoarterite obliterativa com subseqüente diminuição riz e da face e são baseados na artérias temporal superficial
do fluxo sangüíneo aos tecidos supridos por esses va e auricular posterior (seu ramo occipital irriga o couro
sos. A radionecrose e a infecção secundária dos teci cabeludo acima e atrás da orelha). A utilização desse reta
dos podem intensificar o efeito da endoarterite obli lho requer descolamento amplo (cerca de cinco vezes a
terativa. A pele irradiada é relativamente avascular, atró- área a ser reparada), cobrindo a área doadora com enxer-
730 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

to de pele retroauricular ou supraclavicular (Fig. 56-1) (re colado entre a gálea e o periósteo externo do crânio
talho de Converse8,9) ou utilizando vários retalhos com (pericrânio) e girado 180° em seu pedículo (pode ocor
binados para a cobertura. rer pequena torção ou compressão na base do retalho
A região frontal apresenta cobertura cutânea pou na transposição) (Fig. 56-2).
co elástica, semelhante à do couro cabeludo, e os reta O retalho glabelar de transposição-rotação é usa
lhos deverão ter o mesmo planejamento daqueles do do para cobrir defeitos do dorso nasal. Esse retalho tem
couro cabeludo, mas evitando-se, sempre que possível, suprimento sangüíneo por meio do sistema das artérias
a colocação de enxerto de pele para revestir essa região. carótidas. O músculo frontal subjacente pode ser incor
Os retalhos frontais possuem características que os tor porado ao retalho, dependendo do volume necessário.
nam importantes para o revestimento intra-oral: ausên A ilha cutânea é desenhada em conformidade com o
cia de cabelo, firmeza da derme, circulação arterial abun defeito; o retalho é passado em plano subeutâneo e su-
dante, permitindo transferência sem autonomização, e turado ao defeito. A zona doadora é fechada por avan-
proximidade à cavidade oral. A fronte é suprida pelos çamento. Tem a desvantagem de produzir volume (pro-
ramos parietal e frontal da artéria temporal superficial e eminência) no túnel através do qual foi passado e deixa
pela artéria auricular posterior. Não há uniformidade uma depressão na zona doadora, que melhora com o
da tática a ser usada para introduzir o retalho frontal na passar do tempo. No nariz, o fechamento de pequenas
orofaringe. McGregor10 roda o retalho 180" e o passa lesões poderá ser realizado por aproximação direta; se
por via percutânea através de uma incisão na bochecha, necessário, um descolamento pequeno facilitará o afron-
l,5cm abaixo do arco zigomático. tamento. Em perda de projeção de dorso, o uso de en
O retalho mesofrontal tem a vascularização com xerto ósseo ou cartilaginoso pode ser necessário. Na
base nas artérias supratroclear e dorsal do nariz. É des- perda de substância total da asa do nariz poderá ser uti
lizado enxerto condrocutâneo de concha auricular ou
retalho nasogeniano com pedículo subeutâneo (Fig. 56-
3). A reconstrução total poderá ser realizada com reta
lho frontal ou retalho microcirúrgico do antebraço, com
modelagem prévia da estrutura nasal.
Os retalhos faciais, dado o abundante suprimen
to sangüíneo da face, podem ser rodados, avançados e
transpostos para corrigir defeitos do nariz, bochechas,
pálpebra inferior e lábios. Os dois terços inferiores da
face apresentam cobertura cutânea com boa elasticida
de, permitindo fechamento direto das lesões após desco
lamento, particularmente em pacientes idosos, dado o
Fig. 56-1. Retalho de couro cabeludo para cobertura de região
frontal e colocação de enxerto de pele na área doadora. acentuado excesso de pele. A área nasolabial e a boche-

«à*?*

Fig. 56-2A. Esquema representativo do retalho mesofrontal (verde) e da lesão (vermelho). B. Resultado final.
PrincípiosGerais da Cirurgia Plástica em Cabeçac Pescoço 731

Fig. 56-3A. Esquema


representativo de reconstrução de
asa nasal com a utilização de
retalho nasogeniano, com pedículo
subeutâneo. B. Resultado obtido.

cha oferecem tecidos móveis para essas propostas, com lábio inferior podem ser removidos por exérese em V
a vantagem adicional de fechamento primário e defor ou W e sutura das bordas por planos: pele, músculo e
midade mínima da zona doadora. O retalho nasolabial mucosa, sem tensão na linha de sutura. Os tumores
com pedículo superior ou inferior é usado para o fecha maiores, comprometendo um terço do ou todo o lá
mento do palato e do septo nasal. Esse retalho bilateral bio, sem atingir a comissura, podem ser abordados
pode ser simultaneamente rodado para o reparo dos pela técnica de Burrow: ampla exérese em Vou We
defeitos complexos do lábio superior e da columela- reconstrução à custa de dois triângulos de compensa
filtro-lábio. Em caso de perda de tecido ósseo do crâ ção de Bernard, localizados ao longo da prega nasola
nio resultante de traumatismo ou invasão tumoral este bial: as bordas dos triângulos são suturadas trazendo
poderá ser substituído por enxerto ósseo, tendo como as bordas da ressecção para a linha mediana. A recons
área doadora o próprio crânio (tábua externa) ou os trução do lábio superior por retalhos com pedículo
arcos costais bipartidos. O crânio também poderá ser no lábio inferior é classicamente praticada por varia
área doadora de tecido ósseo para reconstruções da face. ções dos retalhos de Abbé e Estlander com base na
As pálpebras são estruturas importantes na proteção do artéria labial. A técnica de Estlander compreende am
globo ocular, portanto o reparo deve permitir a oclu pla remoção em cunha com reparo praticado através
são palpebral. As lesões de espessura total poderão ser da rotação em 180" de um retalho triangular de toda
reparadas por aproximação das bordas, quando suas di a espessura do lábio superior, com pedículo na artéria
mensões corresponderem a um quarto da extensão pal labial superior. A técnica de Szymanowski consiste na
pebral. Nas lesões com até um terço da extensão palpe remoção retangular do tumor e reconstrução do lá
bral pode ser realizada a cantotomia, com aproximação bio através de um ou dois retalhos faciais de pedículo
direta das bordas. Nas lesões maiores, o uso de enxer inferior.
to palpebral de espessura total, retalhos da pálpebra As incisões cutâneas para abordagem cirúrgica do
inferior para a superior e vice-versa. Na perda de subs pescoço devem ser planejadas de acordo com a neces
tância total da pálpebra superior, a utilização de reta sidade da cirurgia proposta. A incisão vertical na linha
lho de pálpebra inferior é uma das opções de recons mediana pode acarretar retrações cutâneas cicatriciais,
trução. A pálpebra inferior, por sua vez, é reconstruí com limitação e dor à extensão do pescoço. A retilini-
do através de enxerto condrocutâneo de retalho de dade da incisão vertical pode ser quebrada acrescen
Mustardé". tando um Z no seu ponto médio vertical (Fig. 56-4).
Perdas do vermelhão do lábio podem ser recons Várias retalhos cirúrgicos com pedículo lateral
truídas por retalho de mucosa, com descolamento da ou superior foram desenvolvidos com o objetivo de
região do vestíbulo oral. Os tumores pequenos do corrigir as deformidades anatômicas do pescoço. Os
732 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 56-4. Incisão vertical mediana


com retilinidade quebrada para
abordagem de estruturas do
pescoço.

retalhos cutâneos, muscular, miocutâneo, osteomio- zação. Dado o plano de dissecção entre a fáscia delto
cutâneo, e osteomuscular podem ser rodados para peitoral e a musculatura subjacente, a elevação romba
cobertura ou para reparo da laringe e faringe. O mús é feita sem dificuldade e com pequeno sangramento.
culo platisma aumenta a viabilidade dos retalhos de A zona doadora pode ser fechada por descolamento e
pele do pescoço (retalho miocutâneo). O retalho an deslizamento da pele adjacente.
terior do pescoço (apron llap) é útil no reparo dos Na reparação da parede ântero-lateral da traquéia, a
defeitos da parte anterior do soalho da boca e man confecção de retalho composto deltopeitoral de Baka
dibula. O retalho em ombreira (jarreteiro) tem supri mjian2-3, incorporando enxerto de cartilagem implanta
mento vascular através dos vasos occipital e retroau- do no tecido celular subeutâneo e enxerto de mucosa
ricular. A autonomização é necessária se o sistema jugal na extremidade distai (retalho de dupla face) para
vascular foi lesado ou recebeu irradiação. Quando o forro da traquéia, tem dado resultados muito bons. Após
limite mediai do retalho ultrapassa a linha mediana, período de integração, semanas mais tarde, o retalho é
recebe nutrição adicional do complexo de vasos oc- iodado 90° e suturado às bordas do defeito traqueal; a
cipitais contralateral. Esse retalho é útil para recons zona doadora no tórax é coberta com enxerto de pele.
trução da parede ântero-lateral do pescoço, a metade No último estágio, o retalho é liberado, retornando o
inferior da face e particularmente para a reconstru pedículo a sua posição anatômica (Fig. 56-7). O retalho
ção da faringe5 (Fig. 56-5). Os retalhos do músculo de Bakamjian pode ser usado na reconstrução imediata
esternocleidomastóideo são tecnicamente simples e do segmento faringoesofágico após faringolaringecto
seguros7. Como retalho miocutâneo, a ilha de pele é mia total2"1'612. A extremidade distai do retalho é sutura
nutrida por artérias miocutâneas procedentes das ar da à base da língua e orofaringe (anastomose término-
térias perfurantes musculares e pode ser usada para terminal); a borda lateral do retalho é suturada à do
reconstruir a parte inferior da face, cavidade oral, fa lado oposto, criando um retalho tubulizado, com a pele
ringe e pescoço (Fig. 56-6). voltada para o lume. A partir desse tempo a técnica varia
O retalho deltopeitoral de Bakamjian2-5 tem se conforme a reconstrução, que será feita em um ou dois
mostrado versátil, bastante seguro e eficiente ao lon tempos cirúrgicos. Em um tempo cirúrgico, ao nível da
go dos anos para cobertura do pescoço (proteção da borda biselada do esôfago, um V é feito na face cutânea
carótida), face, mandibula, fechamento de faringosto- do tubo. As bordas do V são aproximadas por suturas
ma, na reconstrução intra-oral e do segmento faringo- fechando a extremidade distai do tubo em fundo de saco.
esofágico após faringolaringectomia total. Incorporan Uma anastomose látero-terminal é feita entre o tubo e o
do a fáscia peitoral, e com suprimento sangüíneo de esôfago. Em dois tempos cirúrgicos, as bordas do esôfa
pedículo mediai à custa dos cinco primeiros ramos go são suturadas à pele do pescoço, criando um esofagos-
perfurantes da artéria mamaria interna, esse retalho toma. O retalho tubulizado é deixado aberto na base
pode ser delineado, elevado e rodado sem autonomi (fístula salivar na base do retalho). Aproximadamente 3
Principios Gerais da Cirurgia Plástica cm Cabeça e Pescoço 733

TO-
7 &
V ^3

Fig. 56-5. Reconstrução do segmento faringoesofágico através de retalho cervicoacromial (Barretto5).


734 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 56-6A. Tumor da


região amigdaliana
comprometendo base
de língua, mandibula e
pele. B. Ressecção do
tumor: a pinça aponta
a epiglote.
C e D. Confecção de
retalho miocutâneo
esternocleidomastóideo.
E. Sutura do retalho ao
defeito orofaríngeo.
F. Fechamento cutâneo
do pescoço e terço
inferior da face.

semanas após o primeiro tempo cirúrgico, o retalho é ria toracodorsal. O ramo peitoral da artéria toracoa
seccionado e uma anastomose término-terminal é realiza cromial é o pedículo dominante do músculo peitoral
da ao previamente criado esofagostoma (Fig. 56-8). maior. Esse músculo tem três pedículos vasculares:
Outro procedimento é o uso do retalho miocutâ clavicular (ramos peitorais anteriores proximais da
neo peitoral maior, importante pela localização e ver artéria toracoacromial); lateral (ramo anterior ou pei
satilidade2-3. Permite a cobertura cutânea do pescoço, toral maior da torácica lateral), e esternocostal (ramo
proteção da carótida, fechamento de faringostoma e torácico da artéria toracoacromial). Como retalho mi
reconstrução faringoesofágica. A região torácica é su ocutâneo, a extremidade proximal (mais larga) da ilha
prida principalmente por três sistemas arteriais: artéria de pele é anastomosada à faringe, e a distai (mais es
toracoacromial; artérias peitoral e torácica lateral; arté treita) ao esôfago. Os seguintes fatores da técnica ei-
Princípios Gerais da Cirurgia Plástica em Cabeça e Pescoço 735

Fig. 56-7. Reconstrução


da parede ântero-lateral
da traquéia com retalho
deltopeitoral composto
(cartilagem auricular para
suporte e mucosa jugal
como forro).

camento do retalho; (4) desenhar no retalho miocu


tâneo a ilha cutânea exclusivamente sobre o corpo
muscular, para evitar necrose; (5) fixar a ilha de pele
ao músculo através de pontos separados, para evitar
o seu esgarçamento.
As estenoses de laringe poderão ser corrigidas por
meio de enxertia de cartilagens (costal, auricular e do
septo nasal) ou de mucosa jugal, mantendo-se um
molde de silicone no interior da laringe durante o
período de integração do enxerto. A cartilagem ideal
para enxerto na laringoplastia de aumento continua
controvertida: deve ser maleável, para poder ser es
culpida e configurada; ser rígida o bastante para man
Fig. 56-8. Segmento faringoesofágico reconstruído com retalho ter as duas metades da laringe afastadas; e deve ser
deltopeitoral Bakamjian) após faringolaringectomia total. similar ao tecido da área receptora; a obtenção do
enxerto deve ser associada à morbidade mínima na
zona doadora e preferencialmente através da mesma
rúrgica na confecção de retalhos miocutâneos devem incisão para a cirurgia da laringe (somente a cartila
ser considerados: (1) identificar, e proteger o pedícu gem tireóide e o osso hióide preenchem esse último
lo neurovascular do músculo; (2) confeccionar o re requisito).
talho muscular maior do que o déficit tecidual exis A principal área doadora para laringoplastia de
tente para compensar a atrofia que o músculo trans aumento é a cartilagem costal, principalmente em cri
posto sofre em extensão variável; (3) repousar o reta anças, e cm ordem decrescente, enxerto ou retalho
lho na posição anatômica correta sem qualquer ten de cartilagem tireóidea/músculo esterno-hióide, en
são, motivo principal de deiscência de sutura e deslo xerto do septo nasal, enxerto de pavilhão auricular e
736 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

enxerto ou retalho do osso hióide/músculo esterno- lizado como zona doadora de cartilagem. A incisão é
hióide. O acesso para a obtenção do enxerto de carti feita na pele anterior ou posterior, os retalhos de pele
lagem costal se dá por uma incisão na pele na proje são descolados e, com azul de metilcno, é demarcado
ção do 8o arco costal, expondo a área doadora por o segmento de cartilagem na forma e dimensão dese
dissecção romba. O bloco de cartilagem é retirado jadas. Outro tipo de enxerto é o de mucosa jugal,
mantendo-se o pericôndrio suprajacente na superfí utilizado para revestir área cruenta da endolaringe,
cie anterior e conservando-se o pericôndrio subjacen para proporcionar condições para a cicatrização por
te, para não lesar a pleura. A morbidade da zona do primeira intenção, diminuindo a contração circular
adora inclui pneumotórax, dor, presença de cicatriz cicatricial1'116 (Fig. 56-10). A anatomia da papila paro-
no local da retirada do enxerto. O bloco de cartila tídea deve ser respeitada na obtenção de enxerto de
gem é moldado na forma e tamanho desejados. O mucosa, com fechamento da área doadora por apro
enxerto na forma fusiforme é interposto com o peri ximação direta das bordas
côndrio voltado para o lume e imobilizado por su Em estenose cicatricial do traqueostoma após la-
turas simples, com os nós voltados para fora, amarra ringectomia total, a interposição de um retalho cutâ
dos após todos terem sido posicionados (Fig. 56-9). neo em V, por avançamento em Y-V, na parede poste
A integração do enxerto de cartilagem estabilizará as rior membranácea da traquéia, de forma triangular,
duas metades da laringe em posição lateral, aumen aumenta a circunferência de estorna traqueal e redire-
tando o lume na mesma proporção da largura do ciona a sua cicatrização circular constritiva, impedin
enxerto. O pavilhão auricular também tem sido uti do a reestenose15 (Fig. 56-11).

Fig. 56-9A. Demarcação dos arcos costais (em azul) e a incisão cutânea (em vermelho). B. Demarcação do bloco de cartilagem costal
(pericôndrio suprajacente conservado) a ser retirado. C. Esquema representativo da interposição do enxerto entre as duas metades da
laringe. D. Fotografia intra-operatória.

Fig. 56-1OA. Demarcação com azul de metileno do enxerto de mucosa jugal; a papila parotídeo está indicada com o ponto isolado acima
da área doadora. B. Colocação de enxerto para revestir ãrea cruenta da parede posterior da laringe.
Princípios Gerais da Cirurgia Plástica em Cabeça e Pescoço 737

Fig. 56-1 IA. Esquema representativo da técnica de correção de estenose cicatricial do traqueostoma com retalho em Vde avancamento
Y- V. B. Fotografia pré-operatória; demarcação do retalho; retalho em Vinterposto na parede posterior da traquéia e resultado pós-
operatório tardio.

9. Converse JM. Clinicai applications ofthe scalping flap in re


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS construction of the nose. Plast Reconstr Surg 1969;45:247-59.
1. Ariyan S. The pectoralis major myocutaneous flap. A versatile 10. McGregor IA. The temporal flap in intra-oral câncer: its use
flap for reconstruction in the head and neck. PList Reconstr in repairing the post-excisional defect. Brit I Plast Surg 1963;
Surg 1979;63:73-81. /&318-21.

2. Bakamjian VY. A two-stage mcthod for pharyngoesophageal re 11. Mustardé JC. The use of flaps in the orbital region. Plast Re
construction witha primaryskin flap. Plast Reconstr Surg 1965; constr Surg 1970;45:146-50.
36:173-84. 12. Ramadan MF, Stell PM. Reconstruction after pharyngolaryn-
3. Bakamjian V Y. Reconstruction ofthe pharyngeal cervical eso- gocsophagectomy using deltopectoral flap. Clin Otolaryngol
phagus. /h; GaisfordJC. Symposium on head and neck câncer. 1979;4:5-1 1.
St. Louis: The C. V. Mosby Co., 1969. Vol. II. 13. TheografDS,MerríttWH, Acharya G, Cohen K. The pectoralis
4. Barbosa JF. Surgical treatment of head and neck tumors. New major"musculocutancous island flap in single stage reconstruc
York: Grune & Stratton, Inc., 1974. tion ofthe pharyngoesophageal region. Plast Reconstr Surg 1980;
65:267-76.
5. Barretto PM. New techniques oi* plastic surgery to repair the
pharyngo-esophageal segment using ccrvico-acromial flaps. A 14. Ihomé R, Thomé DC. Posterior cricoidotomy lumen augmen-
previous report. Acta Otolaryngol (Stockh). 1968;65:236-43. tation for treatment of subglottic stenosis in children. Arch
Otolaryngol Head Neck Surg 1998;A?4:660-4.
6. Conley JJ. One-stage reconstruction of pharynx and cervical
15. Thomé R, Thomé DC, Kawakami II, Tadokoro A. Retalho cutâ
esophagus with chest flaps. NYAcad Mccl Buli 1969;45:351-7.
neo em "V" no tratamento da estenose do traqueostoma, após
7. ConleyJJ, Gullane PJ. The sternocleidomastoid muscle flap. laringectomia total. Rev Brás Otorrinolaringol 1998;64:562-7.
Head Neck Surg 1980;2:308-11.
16. Thomé R, Thomé DC, Behlau M. The use of bucal mucosa
8. ConverseJM. Reconstructive plastic surgery. Philadelphia, W. graft at posterior cricoid splitting for subglottic stenosis repair.
B. Saunders Company, 1964, Vol. II, III. laryngoscope 2001; 111:2.191-4.
Diagnóstico Diferencial
das Massas do Pescoço

Robert Thomé
Daniela Curti Thomé
Hélio Kawaknmi

INTRODUÇÃO DIAGNÓSTICO
As massas do pescoço sempre mereceram especial aten Os mais importantes dos vários passos diagnósticos
ção dos cirurgiões de cabeça e pescoço pelas sérias difi da massa do pescoço têm como base a história, o exa
culdades que podem apresentar no seu diagnóstico. A me físico (inspeção e palpação), o estudo radiológico
diversidade das estruturas anatômicas no pescoço ex e a punção aspirativa por agulha fina. Para cada paci
plica a grande variedade de massas que podem nele ser ente, a avaliação do tempo de evolução, sintomas as
encontradas. sociados (dificuldade para movimentação da língua,
O conhecimento da embriologia dessas estrutu para a abertura da boca e outros), hábitos pessoais,
ras, com interpretação apropriada das diferentes ano traumatismo, irradiação ou cirurgia prévia e exposi
malias congênitas ao lado do conhecimento das dife ção ambiental são dados importantes. A idade do pa
rentes massas adquiridas que se podem desenvolver no ciente e a topografia da massa são fatores que contri
pescoço, contribui para uma abordagem racional do buem nas considerações para o diagnóstico diferenci
diagnóstico e do tratamento, com conseqüente me al. A inspeção deve incluir exame minucioso de massa
lhora nos resultados finais. que deforma a configuração do pescoço: localização,
Pelo fato de muitos pacientes procurarem cuida dimensões, consistência (lenhosa, elástica, cística etc.)
dos médicos na descoberta de uma massa no pescoço, o e sensibilidade à palpação.
seu diagnóstico apropriado é de importância fundamen
tal. Muito freqüentemente o diagnóstico precoce de
tumor maligno não é feito porque a massa é considera Idade
da pouco significativa, e desse modo simplesmente
mantida em observação, ou porque um exame otorri- A idade do paciente deve ser a primeira consideração
nolaringológico minucioso e completo não é realizado. no diagnóstico diferencial de massa do pescoço. Três
Uma massa no pescoço deve ser sempre tida como de grupos etários principais devem ser considerados:
maior gravidade, até que sua origem seja definida, pois • pediátrico: < 17 anos,
a não consideração de malignidade no diagnóstico dife • adulto jovem: 18 a 40 anos
rencial pode levar a um erro de sérias conseqüências. • adulto velho: > 40 anos

738
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 739

Cada grupo etário apresenta uma certa freqüência estruturas ósseas e que contenham ar no seu interior,
relativa de patologias, o que pode ajudar na determi como a traquéia (o ar bloqueia parcialmente a passa
nação do diagnóstico definitivo. gem do feixe acústico, resultando em artefatos na ima
• Grupo pediátrico: em ordem decrescente de freqüên gem). A ultra-sonografia é útil para diferenciar massas
cia: inflamatória, malformação congênita e tumor. sólidas das císticas, cisto branquial ou tireoglosso de
• Grupo adulto jovem: a freqüência de distribuição é linfonodos e tumores glândulares sólidos que ocor
similar, exceto que a prevalência de tumor aumenta rem na mesma localização da cadeia linfática alta. Na
e a de anomalias congênitas diminui. glândula tireóide, a ultra-sonografia é de valor na ava
• Grupo adulto velho: a primeira suspeita é sempre liação das dimensões da glândula, localização de nó-
tumor; consideração menor dirigida a processos in- dulos intra e extraglandulares e diferenciação entre
flamatórios, e ainda menor a malformações congê massas císticas e sólidas. A exatidão da ultra-sonogra
nitas. fia na diferenciação das lesões sólida, cística e complexa
varia de 90% a 95%. Exames radioisotópicos com I131
A massa do pescoço em crianças, na maioria das são de valor no diagnóstico de lesões dentro ou fora
vezes, é de natureza benigna ou de origem congênita; da glândula tireóide. Esses estudos usualmente podem
o linfoma é o tumor maligno mais freqüente na infân separar massas tireóideas de extratireóideas, indicando
cia. A massa unilateral em adulto jovem geralmente é se a massa é de origem glandular ou não. Indicam,
neoplasia maligna. A massa no pescoço em paciente também, a presença de tecido funcionante ou não; esse
acima de 40 anos é, na maioria das vezes, metastática. achado tem especial importância terapêutica para mas
sas da tireóide, porque nódulos não-funcionantes es
Topografia — Localização tão associados a 20% de incidência de malignidade. A
tomografia computadorizada, dado o grande número
A localização da massa no pescoço é a segunda variá
de informações, tem-se tornado o exame mais útil no
vel particularmente importante no diagnóstico dife diagnóstico. Ela diferencia cisto de uma massa sólida,
rencial:
determina localização dentro de um grupo de linfono
dos ou de glândula e, quando usada com contraste, tor
Linha mediana do pescoço
na clara a vascularidade ou o fluxo sangüíneo. Altera
Congênita ções de linfonodos, maiores do que 2cm e com perda
• cisto do dueto tireoglosso de sua superfície regular, são sinais sugestivos de metás
• cisto dermóide tase. A ressonância magnética prove tantas informações
• cisto tímico quanto a tomografia computadorizada. O uso de equi
• rânula mergulhante pamento de alta resolução, com técnica de supressão de
• teratoma gordura ou imagens pesadas em T2, é útil em detectar
tumor precoce da mucosa como causa de massas metas-
Inflamatória
táticas do pescoço de origem primária desconhecida. A
• linfadenite bacteriana, viral e granulomatosa ressonância magnética com contraste é de valor para
Neoplásica delinear vascularização e,em certas ocasiões, pode mesmo
• tireóide substituir a angiografia. A ressonância magnética é mais
• linfoma indicada para massas da parte superior do pescoço e da
base do crânio, e a tomografia computadorizada, para
Linha lateral — triângulo anterior do pescoço
massas medianas mais baixas devido a distorções causa
• cisto da fenda branquial
das por movimento de respiração, deglutição e pulsa
• laringocele exteriorizada
ções vasculares.
O cirurgião, após tomar a história, não se deve A punção aspirativa por agulha fina com estudo
deixar influenciar e se preocupar somente com a mas citológico do material obtido tem-se tornado um
sa do pescoço, e desse modo se descuidar do obrigató método fundamental de diagnóstico diferencial de
rio exame completo da cabeça e pescoço, que pode massas do pescoço, principalmente separando as be
fornecer informações importantes relativas à massa. É nignas das malignas. A exatidão da punção aspirativa
imperativo que toda a mucosa da boca, faringe, larin depende, de um lado, da experiência do responsável
ge seja cuidadosamente examinada. pela punção e, por outro lado, da experiência do pato-
Todas as partes moles da cabeça e pescoço podem logista na interpretação citológica do material obtido.
ser estudadas pela ultra-sonografia, com exceção das A falha na obtenção de uma amostra representativa
740 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

pode resultar do posicionamento incorreto da agulha


(fora do tecido-alvo), de necrose, de hemorragia ou de
áreas císticas da massa. Toda massa do pescoço clinica
mente suspeita de malignidade com resultado da pun
ção nacv-conclusivo ou negativo deve ser puncionada
outra vez. Punção aspirativa com uma agulha muito
grossa pode semear células tumorais no trajeto da pun
ção e é contra-indicada.
Quando linfadenopatia inflamatória é suspeitada
e os resultados dos exames são negativos, um teste clí
nico terapêutico com antibióticos e observação, por
não mais do que 2 semanas, é aceitável. Se a massa
persiste ou aumenta em tamanho, investigação adicio
nal é necessária.
Se a avaliação clínica e laboratorial não conduz a
um diagnóstico definitivo, qualquer massa sólida deve
ser abordada com o argumento de que pode ser tumo-
ral e potencialmente maligna.
É o medo de câncer que usualmente leva o paci
ente ao médico. O que desperta a atenção do paciente
é o aparecimento de um "caroço" no pescoço; a linfa
Fig. 57-1. Agrupamento dos linfonodos do pescoço por níveis.
denopatia —primeiro sintoma —pode ser a forma sob
a qual se inicia a sintomatologia de um tumor de cabe
ça e pescoço. O linfonodo é estrutura anatômica nor • nível IV: grupo jugular baixo;
mal, de tamanho variável e palpável no pescoço ma • nível V: grupo trígono posterior;
gro sadio, principalmente nos níveis I e II. O linfono • nível VI: grupo compartimento anterior.
do normal tem superfície lisa, é alongado e achatado, Nível I —linfonodos do trígono submental: ventre an
lembrando um grão de feijão, de consistência elástica, terior do músculo digástrico a cada lado e o osso hiói
móvel e indolor, de distribuição simétrica (um linfo de; o músculo miloióideo forma o seu assoalho. Linfo
nodo de um dos lados do pescoço tem seu correspon nodos do trígono submandibular: ventres anterior e
dente, semelhante a ele, do lado oposto). Uma massa posterior do músculo digástrico e o corpo da mandibula.
cervical é o sintoma presente em 12% dos tumores de Nível II —linfonodos situados ao longo do terço su
cabeça e pescoço. Martin et ai.7 enfatizavam que o au perior da veia jugular interna e do nervo acessório (11°
mento do tamanho de um ou mais linfonodos, assi crânico) adjacente: da bifurcação da artéria carótida
métrico, em um adulto, é quase sempre significativo comum ou osso hióide à base do crânio.
de metástase de uma lesão primária na boca ou farin Nível III —linfonodos localizados ao longo do terço
ge. A validade desse princípio repousa nas característi médio da veia jugular interna, da bifurcação da artéria
cas do linfonodo, principalmente no paciente adulto: carótida comum ou osso hióide à junção do músculo
• aumento de volume (>l,5cm), omoióideo com a veia jugular interna ou membrana
• assimetria (não se encontra seu equivalente no lado cricotireóidea.
oposto), Nível IV —linfonodos localizados ao longo do terço
• aumento da consistência (geralmente se torna lenho inferior da veia jugular interna: do músculo omoiói
sa), deo à clavícula.
• irregularidades de contornos, Nível V — linfonodos contidos no trígono posterior
• redução da mobilidade. do pescoço: borda anterior do músculo trapézio, bor
da posterior do músculo esternocleidomastóideo e
Os linfonodos na parte lateral do pescoço podem borda superior da clavícula.
ser divididos em seis grupos ou níveis (Fig. 57-1):
Nível VI—linfonodos localizados no compartimento
• nível I: grupos submental e submandibular; anterior, do osso hióide à fúrcula supra-esternal: linfo
• nível II: grupo jugular alto; nodo paratraqueal, nervo laríngeo recorrente e pré-la-
• nível III: grupo jugular médio; ríngico (Delphian).
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 741

Para um paciente com uma massa no pescoço ou


ANOMALIAS DAS FENDAS BRANQUIAIS
com linfonodo clinicamente metastático com lesão pri
mária desconhecida, o diagnóstico e o tratamento de São cistos ou fistulas situados ao longo da borda ante
vem ser iniciados com um cuidadoso exame da cabeça e rior do músculo esternocleidomastóideo. Por causa do
pescoço, em vez da remoção imediata de massa para desenvolvimento embriológico dos cistos, eles são re
exame anatomopatológico. Aproximadamente metade vestidos por epitélio escamoso, algumas vezes com áreas
a dois terços dos pacientes com massa do pescoço diag focais de epitélio colunar respiratório pseudo-estrati-
nosticada como câncer por biópsia a céu aberto do lin ficado; muitas vezes, existem agregados subepiteliais
fonodo têm uma evidente lesão primária da cabeça e de tecido linfóide adjacente a eles.
pescoço no exame otorrinolaringológico cuidadoso. O As anomalias branquiais podem agrupar-se em
que torna um linfonodo no pescoço suspeito de metás quatro tipos: cisto, fístula com uma única abertura
tase é a presença de um tumor primário que o justifi interna, fístula com uma única abertura externa e fis
que, o aumento de volume e consistência do linfonodo tulas completas com duas aberturas —uma interna, na
e a quebra da simetria com o do lado oposto. O proble faringe, e outra externa, na pele do pescoço. Os cistos
ma do diagnóstico diferencial de um linfonodo torna- são mais freqüentes do que as fistulas. Mais de 90%
se mais difícil quando não se encontra tumor primário das anomalias das fendas branquiais são formadas a
que possa ser responsável pela sua presença. Em 85% partir da segunda fenda, 8% da primeira e o restante
dos pacientes o tumor primário está localizado na cabe da terceira e quarta fendas.
ça e pescoço; em 15% existe a possibilidade de se tratar
de metástase de tumor de área distante (principalmente
trato gastrointestinal, pulmões, bexiga, rins, próstata, Primeira Fenda Branquial
ovário, testículo e útero), de linfonodo de natureza in
As anomalias da primeira fenda branquial (permanên
flamatória ou de tumor primário do pescoço.
cia do seu trajeto) podem ser agrupadas em: tipo I —
cistos ou fistulas abrindo mediai, inferior ou posteri
ormente à cartilagem conchal ou pavilhão auricular —
MASSAS CONGÊNITAS DO PESCOÇO - os tratos, quando presentes, são paralelos ao meato
ANOMALIAS DAS FENDAS BRANQUIAIS acústico externo; tipo II — a abertura da fístula está
Laterais
localizada anteriormente no pescoço, acima do osso
hióide, e anteriormente ao músculo esternocleidomas
• Anomalias branquiais: fístula e cisto branquial.
• Laringocele. tóideo. A variedade de caminhos dos cistos da primei
ra fenda branquial torna o tratamento difícil. O trato
Medianas
do tipo II geralmente se estende para baixo em dire
• Cisto do dueto tireoglosso. ção do pescoço, intimamente relacionada com a glân
• Cisto tímico.
dula parótida, tem uma passagem não previsível ao
• Cisto dermóide.
longo do nervo facial e então cursa superficialmente
• Rânula mergulhante. sobre a mandibula. A abordagem a essa anomalia é
• Teratoma.
similar à da parotidectomia superficial. Exposição com
pleta do nervo facial é essencial para prevenir sua lesão
Qualquer área do pescoço por dissecção às cegas ao longo do trato.
• Hemangiomas.
• Linfangiomas —higroma cístico.
• Outras massas congênitas raras.
Segunda Fenda Branquial
Inclui as anomalias branquiais mais comuns, sendo os
O diagnóstico diferencial de uma massa do pes cistos mais freqüentes do que as fistulas. Ao contrário
coço de um criança difere significativamente daquele da fístula da primeira fenda branquial, a segunda, a
do adulto. Uma história cuidadosa e exame físico de terceira e quarta fistulas branquiais estão localizadas
talhado são importantes, se a massa é de origem con abaixo do osso hióide. A abertura interna é geralmen
gênita. Massas congênitas são geralmente notadas ao te encontrada na região da fossa amigdalina. Come
nascimento, mas podem aparecer em qualquer idade. çando na abertura cutânea (junção dos terços médio e
Cada massa tem uma apresentação e localização típica inferior da borda anterior do músculo esternocleido
no pescoço. mastóideo), o trato penetra o músculo platisma, mergu-
742 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

lha profundamente ao músculo esternocleidomastóideo, CISTOS BRANQUIAIS


passa lateralmente aos nervos hipoglosso e glossofarín-
geo, segue entre as artérias carótidas interna e externa e São malformações congênitas resultantes da persistên
termina no músculo constritor médio ou na parede la cia do seio cervical de His, raramente aparecem no
teral da faringe (superiormente aos nervos hipoglosso e nascimento, e são diagnosticados mais freqüentemen
glossofaríngeo), próximo à fossa amigdalina. te em crianças mais velhas e adultos jovens do sexo
O tratamento de escolha é a completa ressecção feminino, quando eles se tornam infectados. São ori
cirúrgica da fístula, para evitar recorrência. Alguns ci ginados da segunda fenda branquial e são de longe os
rurgiões preferem injetar o trato da fístula com mate mais comuns. A história do paciente geralmente suge
rial radiopaco e obter tomografia computadorizada re a presença de algum volume no lado do pescoço
antes da cirurgia. Outros injetam azul de metileno ou desde o nascimento. Os cistos branquiais aparecem
passam cateter no trajeto fistuloso durante a cirurgia, freqüentemente como um abaulamento arredondado
para ajudar a dissecção. A clássica incisão escalonada é no pescoço, liso, dão sensação de flutuação à palpação
usada para abordagem, todas paralelas e acompanhan (consistência elástica), localizados profundamente ao
do as linhas de força da pele. A incisão horizontal mais longo da borda anterior do músculo esternocleido
baixa inclui a pele ao redor da abertura da fístula, se mastóideo, em especial na sua parte alta (terços médio
existente. Quando a dissecção ascende ao longo do e superior). Cistos branquiais bilaterais são raros. Car-
trato, é imperativa a identificação dos nervos hipo cinoma branquiogênico tem sido associado a esses cis
glosso e glossofaríngeo e artérias carótidas interna e tos; entretanto, isso é muito raro. Bailey1 e Proctor11
externa. Alguma controvérsia existe quanto à necessi classificaram os cistos da fenda branquial em quatro
dade de remoção da amígdala como parte do procedi tipos, de acordo com a sua localização: os tipos I e II
mento. Para as verdadeiras fistulas orocutâneas a re
são situados lateralmente à artéria carótida, o III é lo
moção da amígdala é freqüentemente necessária, para calizado lateralmente e pode estender-se entre artérias
exposição adequada da abertura na fossa amigdalina. carótidas externa e interna, e o tipo IV é situado no
Ocasionalmente, cistos podem aparecer imediatamen
espaço parafaríngeo, mediai aos grandes vasos do pes
te após amigdalectomia, sendo causados por oclusão
coço. Cistos branquiais são raramente encontrados no
ou contaminação da abertura faríngea.
espaço parafaríngeo, respondendo por 2% a 3% das
lesões nessa área19. No espaço parafaríngeo, o diagnós
tico é obtido com tomografia computadorizada e/ou
Terceira Fenda Branquial
ressonância magnética. Na tomografia computadori
Pode ser indistinguível da segunda fenda branquial, e zada com contraste os cistos nesse espaço se apresen
a diferença pode ser notada somente durante a cirur tam como uma massa cística ovóide bem definida, com
gia, devido à conformidade de seu curso. O trato as margem periférica realçada. O importante é diferenci
cende lateral à artéria carótida comum e então man ar esses cistos de outras lesões benignas do espaço pa
tém a posição póstero-lateral à artéria carótida interna, rafaríngeo, que podem requerer tratamento diferente.
caminha súpero-lateralmente ao nervo hipoglosso e O diagnóstico diferenciai deve incluir tumores de glân
medialmente abaixo do nervo glossofaríngeo, entran dula salivar, metástase local ou distante e lesões vascu
do na faringe ao nível do seio piriforme. lares. A biópsia aspirativa por agulha fina é útil na
determinação do diagnóstico, mas deve ser realizada
com cuidado nos cistos parafaríngeos, dada a possibi
Quarta Fenda Branquial lidade de trauma à artéria carótida interna. No espaço
Também nessa fenda a abertura externa localiza-se apro parafaríngeo, podem não produzir sintomas ou cau
ximadamente na mesma posição da segunda e terceira sar dor de garganta, disfagia, perda de audição devido
fendas branquiais. Após cruzar o músculo platisma, o a efusão do orelha média e mesmo paralisia de nervo
trato ascende lateral e posteriormente às artérias co craniano. Ocorrem igualmente nos sexos masculino e
mum e interna, acima do nervo hipoglosso. Nesse feminino, com uma variável história familiar de lesões
ponto, o trato pode descer outra vez para passar sob a similares. O tratamento do cisto branquial é de domí
artéria subclávia no lado direito e arco aórtico no es nio exclusivo da cirurgia e se realiza pela sua ressecção
querdo. A abertura interna pode ser no esôfago supe completa. Na cirurgia da fístula, um pequeno cateter
rior ou seio piriforme. O tratamento é idêntico ao da de silicone pode ser inserido como guia no reconheci
segunda e terceira anomalias branquiais. mento e para facilitar a dissecção do trajeto.
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 743

CISTOS DO DUCTO TIREOGLOSSO vado com o pescoço hiperestendido, móvel com a


deglutição e sobe com a protrusão da língua, dada a
Na segunda ou terceira semana de desenvolvimento sua conexão ao osso hióide e à base da língua (o que
embriológico, a glândula tireóide do forame cego des não ocorre no nódulo tireóideo). A localização anteri
ce anteriormente à faringe, deixando um dueto que or profunda aos músculos infra-hióideos e a íntima
recebe o nome de tireoglosso, de His ou de Bochda- proximidade da lâmina da cartilagem tireóide, bem
lek, que a conecta à base da língua. O dueto é oblitera- como a preservação da gordura paraglótica, ajudam
do nas etapas normais de desenvolvimento; a persis na diferenciação de outras lesões do pescoço. Ocorre
tência do dueto ou de porções isoladas ao longo do depressão do forame cego quando o cisto tireoglosso
seu trajeto epitelial forma a base para o desenvolvi é tracionado com os dedos para baixo. Persistindo a
mento de um cisto na linha mediana do pescoço, fre comunicação com o forame cego, estará presente a fís
qüentemente notado em crianças durante os primei tula de abertura interna; a fístula externa na pele pode
ros 5 anos de vida. Entretanto, o cisto pode ser desco ser o resultado de drenagem espontânea ou cirúrgica
berto em qualquer idade (Fig. 57-2). Durante o segun de um cisto infectado ou de uma ressecção inadequa
do mês de gestação, enquanto a glândula tireóide assu da. O tratamento é a ressecção cirúrgica. Schlange",
me sua posição final anterior à traquéia, na raiz do em 1893, propôs a excisão da porção central do osso
pescoço, o trajeto do dueto pode atravessar, ter posici hióide junto com o cisto e da porção proximal do
onamento anterior ou posterior ao osso hióide, que o dueto. Sistrunk16,17, em 1920 e 1928, recomendou a re
divide em segmentos superior e inferior. O cisto pode moção em monobloco do cisto, osso hióide, dueto
formar-se em qualquer ponto ao longo do curso do proximal e um bloco de tecido central através da base
dueto tireoglosso persistente entre o forame cego e a da língua ao forame cego. Sistrunk padronizou a téc
glândula tireóide, mas 65% dos cistos tireoglossos são nica cirúrgica e descreveu o "segredo da cura" como
infra-hióideos, 20%, supra-hióideos, e 15%, ao nível sendo a ressecção de uma generosa porção de tecido
do osso hióide. O tecido da estrutura do dueto varia circundando o dueto acima do osso hióide, evitando
de epitélio escamoso colunar a estratificado, e tecido trauma ou ruptura do dueto. A dissecção da parte dis
tireóide ectópico é encontrado em 3% a 8% dos due tai do dueto (do osso hióde ao forame cego) é facilita
tos. O cisto é revestido com epitélio secretório. Se uma da com a introdução na boca do paciente do dedo
fístula está presente, muco claro ou líquido esbranqui- indicador de um auxiliar, para empurrar para a frente
çado e turvo pode drenar, e o diagnóstico é óbvio. O a base da língua (Fig. 57-3). Na avaliação dos resulta
cisto tireoglosso usualmente ocorre como uma massa dos da excisão simples do cisto, uma alta porcenta
anterior do pescoço na linha mediana, muito raramente gem de recorrência é observada. Desse modo, é impe
tem posição lateral, pode sofrer variações de tamanho, rativo que, em vez da simples retirada, a cirurgia com
com ou sem processo inflamatório, é mais bem obser- preenda a ressecção em monobloco de toda a estrutu
ra do dueto tireoglosso (incluindo a porção supra-hi-
óidea até sua origem na base da língua) ligada ao cisto
em íntima associação com a porção central do osso
hióide.

LARINGOCELE
O ventrículo da laringe é uma cavidade elíptica situa
da entre as pregas vocal e vestibular, com o maior eixo
no sentido horizontal, mais profunda na parte anterior
do que na posterior (assemelha-se a uma canoa coloca
da de lado). Na parte anterior do ventrículo existe um
divertículo de mucosa, grandemente variável em ta
manho, que se estende em direção superior a partir da
parte anterior de cada ventrículo, chamado de sáculo
da laringe (apêndice do ventrículo). Ao sáculo, que é
estrutura análoga aos sacos aéreos dos grandes maca
Fig. 57-2. Cisto tireoglosso em paciente adulto. cos, tem-se atribuído à capacidade de aumentar a voca-
744 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 57-3. Esquema representativo da técnica cirúrgica de Sistrunk.

lização. Outros autores têm sugerido que a secreção são comuns. O sáculo normal usualmente não se esten
das glândulas mistas no sáculo lubrifica as pregas vo de acima da borda superior da cartilagem tireóidea.
cais (o sáculo é denominado "reservatório de óleo" A dilatação anormal do sáculo pode dar origem a
das pregas vocais). O sáculo é relativamente grande uma laringocele ou cisto sacular (laringomucocele). A
durante a vida fetal e o nascimento; continua assim laringocele e o cisto sacular são duas patologias raras
nos primeiros anos, mas regride com o decorrer dos da laringe, similares no que diz respeito a ambas repre
tempos, persistindo na vida adulta sob a forma de leve sentarem uma dilatação anormal do sáculo, e distintas
protuberância. O sáculo tem, na maioria das vezes, me no que se refere ao fato de a laringocele se comunicar
nos de lOmm de comprimento, mas sáculos maiores com o lume laríngeo e, portanto, conter ar, enquanto
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 745

o cisto sacular não se comunica com a endolaringe e senvolve-se quando o orifício do sáculo está obstruí
contém muco (obstrução do orifício sacular e acúmu do (com conseqüente retenção de muco). O cisto está
lo de muco). Os primeiros tumores contendo ar no presente ao nascimento, quando congênito, e prova
pescoço foram reportados por Larrey", cirurgião chefe velmente forma-se como resultado da atresia do orifí
do exército de Napoleão em 1829. Em seu relatório cio sacular, anomalia congênita mais comumente en
militar, cobrindo a campanha no Egito (1782-1829), contrada. O sáculo, mais bem demonstrado em maca
Larrey mencionou tumor contendo ar no pescoço de cos, representaria vestígio atávico. O atavismo é sem
religiosos cegos, que recitavam os versos do Alcorão pre mencionado na discussão da etiologia da laringo
ou chamavam os fiéis para rezar do alto das torres da cele —a relação com sáculos aéreos laterais em algu
mesquita, de hora em hora, dia e noite, durante mui mas espécies de macacos é a base da teoria atávica. A
tos anos. Esse tumor se localizava na parte súpero-late- laringocele é classificada, na dependência de sua rela
ral do pescoço e se distendia com ar durante a fona ção com a membrana tíreo-hióidea, em interna, exter
ção. A fim de continuarem a ter voz para recitar os na e mista ou combinada, mas essa classificação não é
versos, esses padres, conhecidos como gritadores, en- correta. Isso porque a interna é uma entidade clínica,
faixavam o pescoço com ataduras. Entretanto, a voz mas a externa ou mista é, na realidade, a interna que se
piorava com o crescimento progressivo do tumor. exterioriza: começa sempre como interna e depois,
Quando o tumor tornava-se muito volumoso, esses aumentando, ultrapassa os limites da laringe, exterio-
padres não podiam mais cantar ou gritar e eram afasta rizando-se no pescoço através da membrana tireo-hiói-
dos ou transferidos para cuidar do poço do templo. dea (Fig. 57-4). Desse modo, toda laringocele externa
Larrey observou, também, esses tumores aéreos nos tem, se não um saco, no mínimo um trajeto endola-
sargentos instrutores do exército, que exercitavam os ríngeo. A laringocele exteriorizada pode apresentar saco
recrutas, e mencionou dois casos em seu artigo. A pa lateral à membrana tíreo-hióidea, mas sem saco mediai
togênese da laringocele permanece controversa. É clás a essa membrana clinicamente evidente (representaria
sico considerar a participação de dois fatores, associa a laringocele externa na classificação clássica), ou pode
dos ou não, na formação da laringocele: fator congê ter sacos externo e interno e, portanto, com compo
nito e fator adquirido. Nos recém-nascidos, o fator con nente tanto lateral como mediai à membrana tíreo-
gênito deve ser considerado como a única causa da hióidea (representaria a laringocele mista ou combina
laringocele. A laringocele tende a ocorrer em pessoas da). A melhor classificação para laringocele é de laringo
predispostas que aumentam sua pressão intraglótica celeinterna e exteriorizada21,22. A laringocele interna surge
ao realizarem atividades, tais como assopradores de abaixo da mucosa das pregas vestibular e ariepiglótica e
vidro e tocadores de instrumento de sopro. A tosse permanece limitada à laringe, mediai à membrana tíreo-
crônica e o hábito de fumar têm também sido impli hióidea. A laringocele exteriorizada penetra a membra
cados na formação de laringocele. O cisto sacular de na tíreo-hióidea, próximo à entrada do ramo interno

Fig. 57-4A. Esquema representativo de laringocele exteriorizado. B. Radiografia demonstrando saco aéreo exteriorizado na parte súpero-
lateral do pescoço através da membrana tíreo-hióidea.
746 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

do nervo laríngeo superior e a artéria laríngea superior, cisto sacular, é relativo a conservá-lo intacto, sem lesar
e abaula a parte súpero-lateral do pescoço. suas paredes. Esse cuidado evita que a laringocele ou
Ao exame físico, nota-se massa arredondada, de cisto sacular perca a sua forma e consistência, permi
superfície lisa e consistência elástica, indolor, que au tindo maior segurança na remoção de suas paredes.
menta de tamanho à fonação ou durante a manobra de
Valsalva. A compressão da laringocele exteriorizada di
minui o tamanho da massa e pode produzir um som CISTOS TÍMICOS
semelhante ao gorgolejo, provocado pelo ar no interior
da laringe ou hipofaringe, conhecido como sinal de Durante a sexta semana de vida fetal, a terceira bolsa
Bryce. O exame laringoscópico pode mostrar aumento branquial dá origem ao primórdio da glândula do
do saco interno, quando se comprime o externo. timo. Em torno da nona semana o timo já desceu abai
A tomografia computadorizada é a modalidade xo das clavículas e sua extremidade superior involuiu.
de exame radiológico para avaliar a laringocele e de Remanescente do timo pode persistir como cistos ao
real valor para determinar a presença concomitante de longo do trajeto de migração do ângulo da mandibu
tumor da laringe (incidência tão alta como 28,8% de la até a linha mediana do pescoço. O dueto timofarín-
carcinoma epidermóide tem sido reportada —o tu geo pode não involuir, o que pode causar cisto desse
mor seria o responsável pelo surgimento da laringoce dueto, conhecido como cisto tímico cervical. Durante
le). A tomografia computadorizada pode confirmar o o desenvolvimento embriológico do feto, o timo des
diagnóstico se o sáculo ultrapassa lOmm da borda su cende para o pescoço, para a última posição no medi-
perior da cartilagem tireóidea. astino superior. É possível que o dueto tímico rema
O diagnóstico diferencial da laringocele inclui cis nescente permaneça ao longo desse trato no pescoço,
to branquial, cisto do dueto tireoglosso, higroma císti- dando origem a cistos paratraqueais baixos no pesco
co e traqueocele. A ultra-sonografia do cisto branquial ço. A maioria desses cistos é assintomática na primeira
demonstra uma lesão hipoecóide bem circunscrita, e a década da vida, gradualmente aumentando como massa
tomografia computadorizada mostra uma massa cística da parte anterior do pescoço. Os cistos tímicos tipica
que caracteristicamente desloca o espaço carotídeo pos mente têm posicionamento mais baixo no pescoço do
teriormente, o músculo estenocleidomastóideo póste- que os cistos da segunda e terceira fendas branquiais.
ro-lateralmente e a glândula submandibular ântero-me- Clinicamente, são aparentes somente com pressão in-
dialmente. Além disso, a grande maioria dos cistos do tratorácica aumentada (p. ex., manobra de Valsalva). O
dueto tireoglosso ocorre na linha mediana, abaixo tratamento é cirúrgico, indicado por deformidade ou
do nível do osso hióide, e caracteristicamente se eleva compressão mecânica.
com a deglutição. A tomografia computadorizada e a
ressonância magnética revelam um cisto simples e po
dem mostrar o dueto em relação íntima com o osso CISTOS DERMÓIDES/TERATOMAS
hióide. No higroma cístico, a ressonância magnética com
imagens pesadas em T2 realça a lesão e mostra sua natu O cisto dermóide é uma cavidade congênita revestida
reza infiltrativa; a ultra-sonografia revela cistos multilo- por epitélio contendo tecidos de origem mesodérmi-
bulados de paredes finas. A traqueocele é rara, freqüen ca e ectodérmica. Como conseqüência, o cisto pode
temente múltipla, e localizada afastada da laringe. conter anexo de pele, cartilagem ou osso sem, entre
O tratamento da laringocele ou do cisto sacular tanto, conter tecidos do endoderma. Os cistos con
deve ser o mais radical possível, com a finalidade de têm uma variedade de tecidos das três camadas germi-
reduzir ao mínimo o risco de recorrência. O método nativas, incluindo anexos da pele, como pêlos e glân
de escolha para o tratamento da laringocele ou do cis dulas sebáceas, acúmulo de secreção e células descarna
to sacular, independente de suas dimensões e da idade das. Em alguns casos, apenas se encontra massa amor-
do paciente, é a cirurgia externa, abordando o saco fa, que são os cistos epidermóides ou sebáceos, os quais
interno através da membrana tíreo-hióidea ou tireoto- podem ter origem, também, da obliteração de glându
mia lateral21,22. Á remoção de fragmento da borda su las produtoras de sebo.
perior da lâmina da cartilagem tireóide facilita e torna O cisto apresenta-se como massa na linha media
mais seguras as manobras de dissecção do saco no es na no pescoço e também na região sublingual. O prin
paço paraglótico, a secção do colo da laringocele e a cipal diagnóstico diferencial é com cisto tireoglosso,
sutura do ventrículo. Um detalhe importante da téc rânula e higroma cístico. O cisto dermóide não tem
nica, e que facilita a dissecção da laringocele ou do conexão com o osso hióide e não se eleva com a pro-
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 747

trusão da língua como o cisto do dueto tireoglosso. císticos. A tomografia computadorizada prove infor
O cisto dermóide sublingual geralmente aparece na mações essenciais com relação à extensão e à relação
segunda ou terceira década de vida, tem crescimento do tumor com estruturas vasculares e neurais. A pun
indolor e lento (leva meses para aumentar de tama ção aspirativa com agulha fina pode ajudar a identifi
nho) e pode fazer saliência no trígono submandibular car tecidos fora do comum da região da cabeça e pes
como massa cística, firme, não aderida à pele, mas sim coço e, desse modo, sugerir o diagnóstico de terato
às estruturas adjacentes. O estudo radiológico com ma. Os teratomas do pescoço são muitas vezes associ
ultra-sonografia, tomografia computadorizada ou res ados a anomalias congênitas, incluindo fibrose cística,
sonância magnética é essencial. A tomografia ou resso imperfuração anal, ventrículo esquerdo hipoplásico e
nância pode identificar um nível líquido de gordura atresia pulmonar. Na infância, os teratomas se apresen
que é característico do cisto dermóide. A punção aspi tam tipicamente como massas assimétricas na linha
rativa por agulha fina da massa guiada por ultra-sono mediana, freqüentemente atadas ao osso hióide. Em
grafia pode ser realizada, mas geralmente não é diag recém-nascidos, a obstrução respiratória é o sintoma
nostica. O tratamento é a ressecção cirúrgica comple mais comum e freqüentemente necessita de interven
ta, em bloco, para evitar recorrência. ção cirúrgica. Deixados sem tratamento, os teratomas
Os teratomas são lesões congênitas extremamen do pescoço são geralmente fatais, devido à obstrução
te raras, e os da cabeça e pescoço representam 10% de respiratória. Após assegurada a via aérea, medida tera
todos eles. Os teratomas são compostos das três cama pêutica mais importante, a remoção cirúrgica comple
das germinativas: ectoderma, mesoderma e endoder- ta é a modalidade de tratamento, com preservação das
ma. Macroscopicamente, eles são massas heterogêneas estruturas anatômicas adjacentes, dado o caráter be
compostas de componentes sólidos e císticos. Histo nigno do teratoma. A freqüente presença de uma pseu-
logicamente, os teratomas podem incluir uma varie docápsula facilita a remoção desses tumores. A morta
dade de tecidos diferenciados, variando de elementos lidade operatória reportada na literatura varia larga
embrionários imaturos a órgãos maduros. Tecido neu- mente, com 10% a 15% de mortes ocorrendo nos re
rogênico, cabelo, pele, osso, dentes, cartilagem e teci cém-nascidos e 80% nos casos não tratados.
do pancreático têm sido descritos dentro dos terato
mas. A maioria dos teratomas da cabeça e pescoço é
benigna, especialmente na população pediátrica, pre
TORCICOLO MUSCULAR CONGÊNITO
sente ao nascimento e rara em crianças em mais de 1
ano. No teratoma da criança, a presença de elementos Torcicolo muscular congênito resulta da contração do
de tecido imaturo é achado histológico comum, sem músculo esternocleidomastóideo e se manifesta, geral
significado prognóstico. Teratomas no adulto são fre mente nas primeiras 8 semanas de vida, como uma
qüentemente malignos, e a presença de elementos ima massa cervical lateral. A massa é fusiforme, de consis
turos nesses tumores se correlaciona com comporta tência cartilaginosa, localizada dentro do terço superior
mento maligno. Antecipação do diagnóstico do tera (raramente no terço inferior) do músculo, tanto na
toma de cabeça e pescoço no útero através de estudos porção de origem clavicular quanto na esternal. A cau
no pré-natal permite planejar a estratégia de tratamen sa é fibrose dentro do músculo, resultante da hemor
to da via aérea antes do nascimento. O feto é algumas ragia intra-uterina ou de oclusão venosa durante o
vezes incapaz de deglutir líquido amniótico, devido à desenvolvimento fetal. A fibrose causa contratura e
massa do teratoma. Como resultado, aproximadamente encurtamento do músculo de um dos lados do pesco
20% das mães têm poliidrâmnio ao ultra-som fetal. ço, com resultante inclinação permanente da cabeça
O diagnóstico diferencial dos teratomas da cabe em relação aos ombros para o mesmo lado e rotação
ça e pescoço depende da localização da massa e inclui do queixo para o lado contralateral. Na maioria das
higroma cístico, cisto da fenda branquial, cisto tireo vezes é unilateral, raramente bilateral. Por vezes, está
glosso, cisto dermóide, lipoma, laringocele, neuroblas- associada a outras patologias, como displasia congêni
toma, tumor de glândula salivar e bócio congênito. A ta do quadril e plagiocefalia. Na maioria dos pacien
tomografia computadorizada e a ressonância magnéti tes, o torcicolo congênito está associado a recuo e acha
ca são as modalidades preferidas de exame radiológi tamento da face homolateral, desvio lateral da mandi
co. Calcificações estão presentes em aproximadamen bula, escoliose facial com convexidade contralateral,
te 40% dos casos e podem ser detectadas em radiogra atrofia facial (hemiatrofia contralateral) e plagiocefa
fia simples. Na ultra-sonografia, os teratomas têm eco- lia (frontal, homolateral e occipital, contralateral) e
genicidade mista, revelando componentes sólidos e recuo contralateral da base do crânio.
748 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

O tratamento inicial é conservador, com variação res são classificadas como malformações vasculares:
ativa e passiva de movimento. Nas fases iniciais, varia arterial, venosa, linfática ou qualquer combinação
ção passiva de movimentos é mais útil, e pode ser feita delas. O hemangioma cavernoso seria classificado
múltiplas vezes ao dia, virando-se a cabeça para o lado como uma malformação venosa.
oposto ao da lesão, para estirar o músculo. Isso em ge Os hemangiomas capilares são lesões localizadas,
ral alivia a contração muscular em 90% das criançascom freqüentemente encontradas na pele (couro cabeludo,
idade inferior a 1 ano. Se o tratamento conservador não no pescoço, na face), tecido celular subeutâneo e mu
apresenta os resultados desejados em 4 a 6 semanas ou cosa da cavidade oral. São chamados de manchas do
o torcicolo se manifesta na idade pré-escolar, a cirurgia nascimento, de coloração vermelha ou azul-brilhante,
pode ser necessária, consistindo na divisão da cabeça de ao nível da pele ou levemente elevadas, de crescimen
origem esternal e clavicular do músculo esternocleido to lento e proporcional ao desenvolvimento da crian
mastóideo (com ou sem zetaplastia) através de uma pe ça, e não têm tendência a redução espontânea. Outra
quena incisão no pescoço, com morbidade cosmética e forma assumida pelo hemangioma cutâneo é a tipo
funcional mínima. A fáscia que reveste o músculo tam em morango, geralmente subeutâneo, notado nos re
bém deve ser seccionada porque se encontra encurtada. cém-nascidos ou nos primeiros dias de vida. Apresen
O grau de liberação da porção clavicular é estimado ta crescimento rápido nos primeiros meses de vida,
girando-se o máximo possível, no intra-operatório, a assume coloração vermelho-viva, ligeiramente arroxe-
cabeça para o lado oposto. ada, e pode aumentar em tamanho com esforço e cho
ro. Pára de crescer dos 6 meses aos 3 anos de idade,
tornando-se flácido, de coloração azul-pálida. Pode
TUMORES DE ORIGEM VASCULAR sofrer regressão espontânea total ou crescer rapidamen
te, podendo atingir grandes dimensões.
Hemangiomas Os hemangiomas cavernosos são caracterizados
pela presença de grandes canais vasculares sinusoidais
Hemangiomas são malformações congênitas a partir ou "lagos" situados na derme ou tecido celular sub
dos restos mesodérmicos de tecidos neoformados, nos eutâneo. Eles são aparentes ao nascimento. Radiolo-
quais ocorre proliferação de vasos sangüíneos. He gicamente, os hemangiomas cavernosos de tecidos
mangiomas são os tumores benignos mais comuns moles são caracterizados por calcificações esféricas ou
na infância. Aproximadamente 95% deles são identi flebólitos, as quais são distribuídas ao acaso dentro
ficados em torno dos 6 meses de idade e acometem do tumor. Acredita-se que essas calcificações ocorram
duas ou três vezes mais o sexo feminino. Os heman como resultado de trombos organizados dentro dos
giomas são agrupados histologicamente de acordo espaços de sangue de hemangiomas "maduros", as
com o tipo predominante de canais vasculares pre quais tomam a forma de laminaçÕes concêntricas. Os
sentes e, desse modo, são descritos como hemangio hemangiomas tendem a proliferar, e não a regredir e
mas capilares (constituídos de vasos com pequeno desaparecer. A pele e a mucosa são as áreas onde essas
calibre que, na sua maioria, se assemelham a capila lesões ocorrem com mais freqüência, mas elas tam
res), cavernosos (constituídos de vasos calibrosos e bém podem ser encontradas em vísceras (fígado, baço,
tortuosos) e mistos. Esses subtipos histológicos são pâncreas e cérebro) e osso. Têm o aspecto de massas
caracterizados por distinta aparência macroscópica. pouco consistentes (esponjosas), compressíveis, não-
Hemangiomas capilares são vistos mais freqüente pulsáteis, de coloração vermelho-azulada quando lo
mente do que os cavernosos, são tipicamente presen calizadas próximo à pele ou mucosa. Lesões extensas
tes precocemente na vida e tendem a regredir espon podem ser disformes e prejudicar as funções. Elas
taneamente. Em contraste, hemangiomas cavernosos podem causar complicações devido à localização, es
se apresentam tipicamente no adulto, não sofrem re pecialmente quando estão situadas no sistema respi
gressão espontânea e podem até mesmo crescer com ratório ou em estruturas perioculares. Na laringe, qua
o tempo, causando compressão das estruturas vizi se sempre estão situadas na região subglótica e, em
nhas. A classificação de hemangiomas e malforma aproximadamente 50% das crianças, há associação ao
ções vasculares proposta por Mulliken e Glowacki9 é hemangioma cutâneo, principalmente na região da
baseada nas características das células endoteliais in cabeça e pescoço.
vitro e no número de células presentes nessas lesões. Numerosos métodos de tratamento têm sido pro
Apenas as lesões cutâneas vasculares no grupo pediá- postos, dependendo do tamanho e da posição da mal
trico são hemangiomas; todas as outras lesões vascula formação:
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 749

Conduta expectante, aguardando a regressão espon ticos periféricos em fluírem nos sacos jugulares. Higro
tânea; a lesão tem a capacidade de aumentar rapida mas císticos e linfangiomas são variações de uma única
mente no período neonatal, regredindo até os 2 ou entidade, e sua classificação é determinada por sua lo
3 anos de vida. calização na cabeça e pescoço. A histopatologia dos
Injeção de corticoesteróides pode ser útil para mi higromas císticos é relativamente uniforme: são com
nimizar o grau de crescimento. postos de canais linfáticos dilatados preenchidos por
Substâncias esclerosantes. fluido, revestidos por uma ou duas camada endoteli-
Embolização seletiva, geralmente usada como téc ais, com ou sem camadas adventicial. Esses linfáticos
nica pré-operatória. dilatados podem variar em tamanho, dependendo da
Ressecção cirúrgica —isoladamente, tende a apre localização e dos tecidos que os circundam, e esta é a
sentar resultado pobre. base para a sua classificação. A classificação histológi-
Cirurgia a laser de C02. ca dos linfangiomas proposta, em 1877, que ainda é
usada, descreve três tipos histológicos, diferenciados
pelo tamanho de seus canais linfáticos: linfangioma
LINFANGIOMAS capilar ou linfangioma simples (consistindo em canais
linfáticos de camadas microscópicas finas), linfangio
Linfangiomas representam malformações congênitas ma cavernoso (composto de espaços linfáticos dilata
localizadas no desenvolvimento do sistema linfático, dos) ou linfangioma cístico ou higroma cístico (con
ocorrendo freqüentemente na primeira década de vida tém numerosos cistos linfáticos grandes —é o maior e
(mais de 90% delas são encontradas em crianças com mais comum tipo histológico). Os três tipos freqüen
menos de 2 anos; 30% a 40% estão presentes no nasci temente coexistem dentro de uma massa. A massa é
mento), com os sexos masculino e feminino igualmen usualmente de crescimento lento, pode raramente re
te afetados1013,20. Higromas císticos, como parte de uma gredir espontaneamente e, muitas vezes, se expande
maior classificação de linfangiomas, representam uma com rapidez. Hemorragia e infecção (ou trauma cervi
falha do saco linfático primitivo para se conectar ao cal mínimo) podem rapidamente aumentar seu tama
sistema venoso (vasos linfáticos periférico são incapazes nho, ameaçando a via aérea. Os higromas são bem-
de drenar seu conteúdo no sistema venoso). Podem circunscritos, têm espaços císticos revestidos por célu
resultar de uma involução imprópria dos tecidos lin las endoteliais atenuadas, e são circundados por finas
fáticos durante a embriogênese, ou de um desenvolvi camadas de músculo macio em uma matriz de tecido
mento anormal do linfático primitivo primordial24. conjuntivo.
Essa visão de que os linfangiomas são mais uma Quando um linfangioma está confinado preferen-
anomalia no desenvolvimento do que uma prolifera temente no tecido denso, como a língua e soalho da
ção neoplásica (no passado, investigadores acreditavam boca, ele se apresenta como linfangioma cavernoso,
que os linfangiomas eram uma verdadeira neoplasia) é mas quando ele se desenvolve na fáscia relativamente
consistente com as pesquisas de Sabin12 e van der Put- frouxa do pescoço, pode ocorrer expansão, formando
te23, que descreveram o desenvolvimento do sistema cavidades únicas ou múltiplas (aspecto policístico).
linfático durante a sexta semana de embriogênese. A Esses três tipos podem ser encontrados juntos no
ocorrência de higromas císticos em adultos é mais di mesmo paciente, dependendo da gravidade da lesão.
fícil de ser explicada, mas ela provavelmente reflete Linfangiomas podem originar-se em qualquer área do
um desmascaramento de tecido linfático congenita- pescoço, embora a maioria ocorra no lado direito e no
mente anormal predisposto à formação de massa. Por triângulo posterior. O higroma cístico responde por
exemplo, o súbito aparecimento de um higroma císti cerca de 90% dos linfangiomas de cabeça e pescoço.
co em um adulto pode resultar do rompimento do Outras localizações do higroma cístico, além da cabe
equilíbrio entre produção e drenagem da linfa em uma ça e pescoço, incluem a axila, ombros, parede do tó
área de tecido linfático anormal congênito. rax, mediastino, parede abdominal e coxa. A extensão
Linfangiomas freqüentemente se apresentam mediastinal ocorre em 10% dos casos e deve ser consi
como massas moles, indolores, com predileção para a derada, se uma massa na parte mais inferior do pesco
região da cabeça e pescoço, mas podem comprometer ço muda de tamanho com cansaço, esforço e respira
outras partes do corpo. Duas teorias, o desenvolvimen ção. Na maioria das vezes são encontrados no triângu
to centrífugo ou centrípeto dos linfáticos, foram apre lo posterior do pescoço; 50% podem ser notados na
sentadas na literatura; entretanto, independente de qual área cervicofacial ao nascimento (90% são observados
teoria é a correta, o resultado final é a falha dos linfá ao redor dos 2 anos de idade). Incidem igualmente em
750 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

ambos os sexos. Pequenos linfangiomas podem ser literatura européia, em 1828 e em 1843, por Wernher23.
assintomáricos, mas o linfangioma policístico, com Há pouca evidência de que linfangiomas regridam com
múltiplas extensões, pode comprometer a via aérea ou o tempo, embora esparsos trabalhos tenham mostra
interferir na alimentação e na deglutição. Eles podem do essa ocorrência em 5% a 10%, para os higromas
conduzir ao desenvolvimento de lesões induzidas por císticos. A completa ressecção cirúrgica é reconhecida
pressão do esqueleto cervicofacial, restringir movimen como a modalidade de tratamento primária, mas esse
to ocular ou obstruir o canal auditivo. Em adição, lin objetivo pode ser alcançado em somente 30% dos ca
fangiomas extensos são freqüentemente desfigurantes. sos, se estruturas vitais e funcionalmente importantes
O diagnóstico é baseado na história com exame físico não necessitarem ser sacrificadas. Muitos estudos re
e estudo radiológico. No diagnóstico clínico, o aspec portam bons resultados quando a ressecção é comple
to característico é de uma massa policística multilobu- ta; entretanto, o tamanho, a proximidade de estrutu
lada, de consistência mole, compressível, isolada ou ras vitais e o risco de desfiguramento comprometem a
que se comunica com outras, de paredes finas, de con ressecabilidade. A ressecção pode ser planejada em vá
teúdo fluido, que facilmente transilumina na parte la rios tempos cirúrgicos, quando o higroma é muito
teral do pescoço. Estudos radiológicos são úteis no extenso. Higromas envolvendo múltiplas localizações
reconhecimento de higromas císticos e no direciona anatômicas apresentam recorrência mais freqüente do
mento da abordagem cirúrgica. A tomografia compu que lesões confinadas a uma única localização. Auto
tadorizada ou a ressonância magnética com imagem res que agrupam os higromas em infra-hióideos e su-
ponderada em T2 diferenciará entre massas sólidas e pra-hióideos reportam um índice aumentado de recor
císticas e ajudará a confirmar a localização da lesão. A rência, morbidade e complicações nos higromas loca
massa pode ser pequena, não notada ao nascimento, e lizados na região supra-hióidea; além de requererem
se apresentar, mais tarde, com um quadro respiratório maior número de procedimentos, por vezes são deixa
alto ou após um trauma acidental na área. A maioria dos com lesão residual (ressecção parcial ou subtotal).
das lesões, entretanto, é reconhecida precocemente por Como não são lesões malignas, os grandes higro
causa de seu tamanho e dos sintomas associados de
mas císticos podem ser removidos em procedimento
multiestagiado, para evitar lesão de estruturas vitais.
obstrução respiratória e problemas com alimentação,
Portanto, remoção subtotal pode muitas vezes ser re
os quais são o segundo e terceiro sintomas mais fre
querida para preservar função. Em casos extremos, tra
qüentes, respectivamente. A disfagia pode resultar do
queostomia pode ser necessária. Em adição aos riscos
linfangioma comprometendo a cavidade oral, orofa
estabelecidos de um esvaziamento cervical, a mais co
ringe e/ou hipofaringe. O envolvimento isolado da
mum complicação cirúrgica é o acúmulo pós-operató
língua pode levar a macroglossia com disfagia e obs
rio de fluido linfático. Esse problema pode ser evita
trução respiratória. Inflamação e infecção da massa
do pelas cuidadosas excisão e cauterização de canais
ocorrem com a infecção do trato respiratório e po linfáticos irressecáveis. O índice de recorrência dos
dem causar aumento súbito no tamanho da massa. A
higromas é entre 10% e 15%, e aqueles que recorrem o
infecção com bloqueio dos canais linfáticos ou hemor fazem dentro do primeiro ano da cirurgia. Os linfan
ragia espontânea ou traumática podem causar outro giomas cavernosos que infiltram os tecidos adjacen
sintoma, o aumento súbito em tamanho de uma es tes, tais como a língua ou palato, são mais difíceis de
trutura cística. O estudo radiológico inclui ultra-so ressecar e têm um índice de recorrência até 50%.
nografia, tomografia computadorizada e ressonância Métodos alternativos de tratamento incluem as
magnética. A ressonância magnética pode ser mais di piração repetida e embolização percutânea com vários
agnostica e oferecer melhor definição do envolvimen agentes esclerosantes, diatermia, radiação e observação.
to de estruturas vizinhas, colaborando no planejamen A aspiração não oferece os resultados desejados, a
to cirúrgico. Aspiração para diagnóstico tem sido usa menos que seja seguida de infecção, causando esclero
da quando o diagnóstico é menos óbvio, como no se da lesão. Em adição, as lesões são multicísticas, tor
paciente idoso. O diagnóstico diferencial no pescoço nando difícil a cura com aspiração. Este também é um
inclui cisto branquial, hemangioma, cisto do dueto dos fatores de ceticismo quanto ao uso de agentes es
tireoglosso, cisto dermóide, cisto tímico, laringocele, clerosantes, porque as lesões multicísticas potencial
massa da glândula tireóide e lipoma. mente exigiriam múltiplas injeções. Agentes esclero
O tratamento do higroma cístico continua a re santes têm incluído corticosteróides, álcool, sulfato de
presentar um dos grandes desafios para os cirurgiões bleomicina, tetraciclina, cola de fibrina4 e, mais recen
de cabeça e pescoço desde as primeiras descrições na temente, OK-4323,8,18. Injeção endovenosa de ciclofos-
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 751

famida tem sido usada para o tratamento do linfangio


TUMOR DO CORPO CAROTÍDEO
ma supra-hióideo. O OK-432 é um agente esclerosante
derivado de uma cepa de baixa virulência de Strepto- Este tipo de tumor se origina de células paraganglio-
coccus pyogenes tratado com benzilpenicilina potássi- nares do corpo carotídeo, que é uma pequena estrutu
ca. Esse agente foi inicialmente usado no Japão, e em ra localizada no, ou muito próximo ao, ângulo da bi
estudos recentes, nos Estados Unidos, induz uma res furcação da artéria carótida comum, freqüentemente
posta inflamatória que resulta em esclerose do cisto. A mediai às carótidas externa e interna. O corpo carotí
resposta não se estende além da cavidade do cisto, e deo é também composto de células quimiorrecepto-
complicações do tratamento parecem ser limitadas a ras que respondem a alterações químicas na composi
uma leve febre após a injeção. Radioterapia com o uso ção do sangue, particularmente à diminuição da pres
de irradiação ou implantação de sementes foi reportada são de oxigênio, produzindo catecolaminas, epinefri-
com sucesso no passado mas, devido aos riscos poten na e norepinefrina, com aumento na profundidade e
ciais em crianças, seu uso foi limitado. A questão da freqüência da respiração e aumento do pulso e na pres
regressão espontânea tem sido posta em segundo plano são sangüínea. Como esses tumores surgem primaria
ou relegada na maioria dos estudos, muito embora mente de células paraganglionares, o termo paragan-
outros autores relatem a necessidade de considerá-la glioma é mais apropriado do que o freqüentemente
quando o tratamento é recomendado. Um agrupamen usado, quimiodectoma. Em adição ao corpo carotí
to anatômico, com base na localização e dimensões deo, um sem-número de outros centros quimiorrecep-
dos linfangiomas, foi proposto por de Serres et ai.15 para tores, localizados na cabeça e pescoço, pode ser aco
predizer prognóstico e resultado final da intervenção metido por tumor. Esses centros receptores e células
cirúrgica: estágio I —lesão unilateral infra-hióidea; está paraganglionares estão localizados ou podem estar
gio II —lesão unilateral supra-hióidea; estágio III —le presentes no bulbo jugular, ouvido médio, base do
são unilateral infra-hióidea e supra-hióidea; estágio IV — crânio e na área pterigóidea lateral, no corpo vagai ou
lesão bilateral infra-hióidea e supra-hióidea. Kennedy et no gânglio nodoso do nervo vago, nos corpos aorti-
ai.5 recomendam o seguinte protocolo de tratamento: copulmonares. Na presença de uma massa assintomá-
se os sintomas são uma ameaça à vida, então o trata tica, de crescimento lento, no trígono carotídeo ou na
mento cirúrgico se justifica; quando a massa é o único parte alta do pescoço, o tumor do corpo carotídeo
sinal ou sintoma, observação por pelo menos 18 meses deve sempre ser considerado como uma possibilidade
a 2 anos de idade; se infecções são infreqüentes e a mas de diagnóstico. Os tumores do corpo carotídeo são
sa ou massas não mostram progressão, tratamento ex- usualmente benignos, ovalados ou arredondados, de
pectante por maior período deve ser considerado. consistência semelhante a esponja, de crescimento len
Por volta dos 5 anos de idade deveria ter ocorrido to, apresentando-se na parte mediolateral do pescoço.
regressão ou aparente redução da massa em relação ao A ausência de dor e desconforto até que o tumor atin
crescimento da criança. Se isso não aconteceu, o trata ja tamanho considerável provavelmente contribui para
mento cirúrgico ou o uso de agentes esclerosantes, a longa demora do paciente em procurar tratamento.
como o OK-432, é uma boa opção. Se a massa encon O tumor ocorre em qualquer idade, mas é mais fre
tra-se abaixo do osso hióide e a maior parte está locali qüentemente diagnosticado entre a terceira e sexta
zada no triângulo posterior, a cirurgia é preferível. OK- décadas. Não há predileção aparente por sexo. A inci
432 pode ser a melhor opção para aqueles higromas dência de malignidade é inferior a 10%. Bestler e Too-
acima do osso hióide que também estão começando a mey2 revisaram a literatura e encontraram que, em 500
invadir a mucosa oral ou faríngea. Massas menores nas casos reportados, apenas 6% foram classificados como
regiões submandibular ou parotídea podem ser mane malignos. As células, tanto dos tumores benignos como
jadas com segurança por meio da cirurgia. Em torno dos malignos, assemelham-se morfologicamente às do
dos 5 anos de idade, se a cirurgia não foi necessária em corpo carotídeo normal. Os tumores são compostos
uma criança com um higroma notado ao nascimento, de ninhos de pequenas células epiteliais (Zellballen),
ou logo após, a possibilidade de cirurgia ou outra for com citoplasma finamente granular, rodeadas por es-
ma de tratamento é baixa, assumindo que não ocor troma de tecido vascular.
ram outros sintomas, como, por exemplo, infecção re O diagnóstico diferencial inclui cisto branquial,
corrente do pescoço. Também nessa idade o aspecto schwannoma do vago ou de outro nervo craniano, lin
cosmético está começando a ter importância para os fonodo metastático, linfoma, aneurisma ou malforma
familiares e precisa ser balanceado pelo estado clínico ção arteriovenosa. No exame físico, observam-se com-
da criança. pressibilidade da massa (pode ser diminuída de tama-
752 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 57-5A. Fotografia


de massa lateral do
pescoço em criança de
6 anos. B. Tomografia
computadorizada
mostrando massa
cística mediai ao ramo
horizontal da
mandibula, com
propagação ao trigono
submandibular (rânula
mergulhante).

nho à compressão), ruído na ausculta, mobilidade da periormente à bifurcação; dados o local de origem e o
massa na direção lateral, ântero-posterior, e mobilida padrão de crescimento, o tumor usualmente envolve
de limitada na direção vertical, craniocaudal (mano as carótidas externa e interna. A adventícia fornece um
bra de valor controvertido). A compressão da massa plano de clivagem que permite ressecção meticulosa.
pode trazer como resultado sintomas corresponden A embolização tem-se mostrado de valor, facilitando
tes à síndrome do seio carotídeo (células barorrecep- e tornando mais segura a cirurgia. Após elevação dos
toras): hipotensão, mal-estar, palidez, sudorese, verti retalhos cutâneos, afastamento da borda anterior do
gens, perda temporária de consciência (síncope). O es músculo esternocleidomastóideo e abertura da bainha
tudo ultra-sonográfico e a tomografia computadori carotídea é colocado cadarço acima e abaixo do tumor:
zada são de valor, mas a confirmação do diagnóstico é porção distai das artérias carótidas externa e interna e
feita pela arteriografia contrastada: é patognomônica porção baixa da artéria carótida comum. Ward26 reco
a presença de um massa alargando a bifurcação da ar menda que a incisão do tumor seja realizada de modo
téria carótida comum e afastando as artérias carótidas mais seguro na parede póstero-lateral. Geralmente, há
interna e externa. aderência à parede da bifurcação e bulbo, onde o supri
A cirurgia é a única modalidade de tratamento mento sangüíneo do tumor provém do vasa vasorum.
para a ressecção do tumor. A técnica cirúrgica é basea O risco de perfuração deve estar sempre presente, prin
da em vários fatos anatômicos importantes: o tumor cipalmente quando as paredes das artérias estão adelga-
do corpo carotídeo origina-se na adventícia da parede çadas. A possibilidade de traumatismo da carótida in
mediai da artéria carótida comum, estendendo-se su terna com reparação por shunt, anastomose término-
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 753

terminal ou enxerto vascular ou prótese deve ser uma a radiografia simples não mostra costela cervical, mas
consideração pré-operatória do planejamento cirúrgico. sinais clínicos sugestivos de que ela existe, estudo de
As altas morbidade e mortalidade contra-indicam a sim imagens mais apropriadas deve ser obtido. O tratamen
ples ligadura desses vasos (com exceção da artéria caróti to varia em conformidade com os sintomas presentes,
da externa) como um método de rotina para controlar abrangendo desde conduta conservadora até a ressec
a hemorragia durante a remoção do tumor. Com técni ção da costela, associada ou não à esclerotomia.
cas aprimoradas de reparo vascular, transfusão autóloga
e embolização seletiva pré-operatória, os pequenos e
médios tumores devem ser ressecados, particularmente GLÂNDULAS TIREÓIDE E
em pacientes jovens, em bom estado geral e com uma PARATIREÓIDES
expectativa de vida longa. Os pequenos tumores, antes
A glândula tireóide é um órgão de secreção endócrina,
de envolverem os grandes vasos, podem ser ressecados
com forma de H ou U: dois lobos e istmo; o istmo
com morbidade e mortalidade mínimas. Tumores ex
posiciona-se ao nível do 3Q anel traqueal mas pode ser
tensos, produzindo sintomas devido à compressão e/
ausente (5% a 10%). A glândula tireóide é firmemente
ou invasão de estruturas adjacentes importantes, como
aderida à traquéia e à cartilagem cricóide pela fáscia
nervos cranianos, nervo laríngeo recorrente, esôfago etc,
visceral ou pré-vertebral (ligamento de Grüber); mais
devem ser removidos.
posterior e lateralmente pelos ligamentos superiores
(ligamentos de Berry). O lobo piramidal (pirâmide de
Lalouette) se estende em direção superior do istmo ou
COSTELA CERVICAL da porção média de cada lobo até o osso hióide, na
Uma massa dura na região supraclavicular deve ser in posição mediana ou paramediana. Em 65% a 75% das
vestigada como metástase, especialmente em pacien vezes o ramo externo do nervo laríngeo superior posi
tes com mais de 40 anos de idade. O exame cuidadoso ciona-se junto ao músculo constritor inferior da faringe,
da região da cabeça e pescoço, tórax e abdome é obri por fora da cápsula tireóide; em 6% a 15% localiza-se
gatório. Câncer do pulmão originado no ápice ou tu no interior desse músculo e, em 20%, está junto à arté
mor de Pancoast, linfoma e tuberculose devem ser todos ria tireóidea superior, no interior da cápsula tireóide.
incluídos no diagnóstico diferencial. Uma massa de A dissecção e a ligadura individual dos vasos tireói-
consistência óssea sem sintomas associados deve levan deos superiores são necessárias para evitar trauma ao
tar a suspeita de costela cervical. A costela cervical é ramo externo do nervo laríngeo superior. O nervo la
um desenvolvimento anormal do processo costal nor ríngeo recorrente esquerdo é mais mediai e constante;
mal da vértebra cervical. A anomalia pode variar de o direito mais variável. O nervo laríngeo recorrente
uma leve extensão do processo costal a uma completa está em íntima, mas variável, relação com a artéria tire
costela cervical que se articula ao esterno. Se há associ óide inferior: o nervo pode caminhar anterior; poste
ação de outras anomalias congênitas do esqueleto, rior ou ocasionalmente entre os ramos da artéria tireói
como vagina imperfurada, pé torto ou siringomielia, dea inferior. A aderência das fáscias à glândula tireóide
a costela cervical deve ser incluída no diagnóstico di faz com que massas que a comprometem movam-se à
ferencial. A costela cervical foi reconhecida como en deglutição, o que as diferencia de cistos branquiais,
tidade separada por Hunauld em 1742. A incidência cistos dermóides e linfonodos. Em 90% das vezes as
reportada de costela cervical varia de 0,03% a 0,50%. A glândulas paratireóides são em número de quatro (po
maioria das costelas cervicais é assintomática; entretan dem variar de duas a seis); em 77% das vezes as glându
to, nos casos sintomáticos, a dor aguda originada no las paratireóides superiores localizam-se ao nível da
pescoço e irradiada para o braço, atribuída à irritação membrana cricotireóidea ou junto à cartilagem cricói
do plexo braquial, é típica. Venkatesh Rao24 sugeriu um de; em 22% estão na superfície posterior do pólo su
teste para diferenciar a ponta palpável de uma costela perior da tireóide e em 1% são retrofaríngeas ou re-
cervical de um linfonodo supraclavicular de consistên troesofágicas; em 42% as glândulas paratireóides infe
cia lenhosa. A compressão neurovascular pela ponta da riores estão na superfície anterior ou posterior do pólo
costela cervical ocorreria com pressão intermitente apli inferior da glândula tireóide; em 39% estão no istmo;
cada à sua extremidade proximal, abaixo e lateral ao em 15% estão junto à glândula tireóide, no sulco tra-
processo transverso da sétima vértebra cervical. A sus queoesofágico; em 2% estão no mediastino e em 2%
peita clínica pode ser confirmada com uma radiografia são ectópicas. Portanto, em alta porcentagem as glân
mostrando a presença de uma costela cervical. Quando dulas paratireóides não estão aderidas à tireóide (as
754 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

inferiores, em 40%, estão localizadas ni istmo ou no • bócio multimodular —a menos que exista nódulo
mediastino); a artéria tireóidea inferior conduz às glân dominante;
dulas paratireóides; é fundamental identificar as para • cistos < 4cm;
tireóides na cirurgia da glândula tireóide. No exame • história familiar de bócio;
físico da glândula tireóide é importante: • tamanho constante ou diminuição com ou sem su
pressão tireóidea
• palpação bimanual minuciosa (de frente, atrás e com
a deglutição);
• consistência (dura, firme, mole ou cística); Malignas
• mobilidade da massa (móvel ou fixa); • idade < 20 anos;
• mobilidade à deglutição; • idade > 60 anos;
• o número de massas (uni ou multinodular); • disfonia, dispnéia, disfalgia, dor;
• presença ou ausência de linfonodos aumentados de • paralisia da prega vocal;
tamanho no pescoço; • crescimento rápido; mudança rápida no tamanho;
• exame da cavidade oral para verificar tireóide lingual; crescimento com supressão;
• laringoscopia (paralisia da prega vocal, compressão/ • história familiar de carcinoma medular;
ulceração da traquéia, rotação da laringe —paralisia • nódulo único, frio, duro e fixo;
do nervo laríngeo superior). • linfonodos homolaterais aumentados de tamanho;
Os principais exames de sangue compreendem os • metástase a distância;
testes de funções da tireóide (raramente úteis): TSH (de • radioterapia prévia da cabeça e pescoço.
mais valor), T4, T3; dosagem de anticorpos tireóideos; Os pontos fundamentais do tratamento cirúrgi
dosagem de cálcio (pré-operatório para câncer medu co da glândula tireóide incluem o conhecimento da
lar), calcitonina (carcinoma medular). Os exames anatomia, ampla exposição, identificação de vasos,
radiológicos incluem raios X simples, tomografia com nervos laríngeos e das glândulas paratireóides e exten
putadorizada (adenopatia, extensão da invasão), ultra- são da cirurgia em conformidade com a patologia da
sonografia, ressonância magnética (invasão subesternal), glândula.
radioisotópicos com 131I e radiografia do tórax para pos
sível metástase pulmonar. O exame ultra-sonográfico
evidencia nódulos de até 2mm, diferencia massas sóli REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
das das císticas (7% das massas císticas são malignas);
1. Bailey H. The clinicaiaspects of branchial cysts. BrJSurg1922;16:
pode ser usado de modo seguro na gravidez; ajuda na 565-72.
punção aspirativa por agulha fina de massas não-palpá- 2. Bestler JM, ToomeyJM. Malignant carotid body tumor. Arch
veis ou de difícil acesso. A biópsia pode ser praticada Otolaryngol 1969;££752-5.
por punção aspirativa com agulha fina e lobectomia. A 3. Greinwald Jr JH, Burke DK, Sato Y et ai. Treatment of
punção aspirativa por agulha fina tem 90% a 100% de lymphangiomas in children: an update of Picibanil OK-432)
sclerotherapy. Otolaryngol Head Neck Surg 1999; 121: 381-7.
sensibilidade e especificidade para tumores anaplásicos,
4. Gutierrez San Roman C, BarriosJ, LlunaJ, Menor F, PoquetJ,
papilíferos e epidermóides; 50% para tumor medular e
Ruiz S. Treatment of cervical lymphangioma using fibrin
sarcoma sendo de pouca ajuda diagnostica para lesões adhesive. EurJ Pediatr Surg 1996;5:389-95.
foliculares. A lobectomia diagnostica apresenta exati 5. KennedyTL,Whitaker M, Pellitteri P,Wood E. Cystic hygroma/
dão maior do que 95%; está indicada no diagnóstico lymphangioma: a rational approach to management.
pré-operatório não-conclusivo (presença de células foli Laryngoscope. 2001; 111:1.927-37.

culares Hurthle na biópsia aspirativa) ou punção aspira 6. Larrey DJ. Clinique chirurgicale exercée particulièrement dans
le camps et les hopitaux militaires depuis 1792 jusqu'en 1829.
tiva negativa mas com quadro clínico suspeito. Paris: Gabon, Vol 2, 1829:81-5.
7. Martin CL, Del Valle B, Herlich H, Cahan WG. Neck dissection.
Câncer 1951;4:441-99.
MASSAS TIREÓIDEAS 8. Mikhail M, Kennedy R, Cramer B, Smith T. Sclerosing of
recurrent lynphangioma using OK-432. / Pediatr Surg 1995;Jft
Benignas 1.159-60.

9. Mulliken JB, Glowacki J. Hemaniomas and vascular


• nódulo quente; malformations in infants and children: a classification based
• punção aspirativa: benigna; on endothelial characteristics. Plast Reconstr Surg 1982;62:412.
Diagnóstico Diferencial das Massas do Pescoço 755

10. Orvidas LT, Kasperbauer JL. Pediatric lymphangiomas ofthe 19. Som PM, Biller HF, Lawson W. Tumors ofthe parapharyngeal
head and neck. Ann Otol Rhinol Laryngol 2000; 109:411-21. space: preoperative evaluation, diagnosis and surgical approach.
11. Proctor B. Lateral vestigial cysts and fistulas of the neck. Ann Otol Rhinol Laryngol 1981;90 (suppl):3-15.
Laryngoscope. 1955;65:355-401. 20. Stal S, Hamilton S, Melvin S. Hemangiomas, lymphangiomas,
12. Sabin FR. The lymphatic system in human embryology with a and vascular malformations ofthe head and neck. Otolaryngol
consideration ofthe morphology ofthe system as a whole. Am Clin North Am 1986;72:769-995.
J Anat 1909;9:43-91. 21. Thomé R, Thomé DC. Laringocele e cisto sacular primário.
13. Schefter RP, Olsen KD, Gaffey TA. Cervical lymphagioma in Tratamentocirúrgico por viaexterna: ressecção através da membrana
the adult. Otolaryngol Head Neck Surg 1985;9J:65-9. tíreo-hióidea. Rev Brás Otorrinolaringol 1995;67:427-36.
14. Schlange H. Ueber die Fistula colli congênita. Arch Klin Chir 22. Thomé R, Thomé DC, Cortina RAC. Lateral thyrotomy
1893;46:390-2. approach on the paraglottic space for laryngocele resection.
15. de Serres LM, Sie KCY, Richardson MA. Lymphatic Laryngoscope 2000;77<?:447-50.
malformations of the head and neck: a proposal for staging. 23. van der Putte SC. The development ofthe limphatic system in
Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1995;121:577-82. man. Adv Anat Embryol Cell Biol 1975;57:3-60.
16. Sistrunk WE.The surgicaltreatment ofcystsofthe thyroglossal 24. Venkatesh Rao PS. Springingtestfor difFeentiating a cervical rib tip
tract. Ann Surg 1920;77:121-2. from a supraclavicular lymph node.JpnJ Surg 1988;/Ã606-7.
17. Sistrunk WE. Technique of removal of cysts and sinuses ofthe 25. Zadvinskis DP,Benson MT,Kerr HH. Congenital malformations
thyroglossal duct. Surg Gynecol Obstet 1928;46:109-12. of the cervicothoracic lymphatic system: embryology and
18. Smith RJ, Burke DK, Sato Y, Poust RI, Kimura K, Bauman NM. pathogenesis. Radiographics 1992;12:1.175-89.
OK-432 therapy for lymphangiomas. Arch Otolaryngol Head 26. Ward PH, Tenkins HA, Hanafee WN. Diagnosisand treatment of
Neck Surg 1996;122:1.195-9. carotid body tumors. Ann Otol Rhinol Laryngol 1978;87:614-22.
Câncer do Lábio

Paulo A. L. Pontes

Erich C. M. Melo

INTRODUÇÃO A doença ocorre mais freqüentemente em indiví


duos do sexo masculino, na 7a e 8a décadas de vida715.
O câncer da boca é uma doença de grande significado Quanto à raça, apresenta maior incidência em indiví
clínico no Brasil, estando, em alguns estados, entre as duos brancos, sendo uma neoplasia rara em negros10.
três localizações anatômicas com maior incidência de A exposição à radiação ultravioleta é o principal
neoplasias malignas. O lábio atualmente é uma de suas fator de risco para o desenvolvimento de câncer do lá
localizações mais comuns, apresentando uma incidên bio. Baker descreveu que mais de um terço dos pacien
cia semelhante à da língua5. tes têm atividades com exposição solar. O lábio é susce
O câncer do lábio ocorre mais freqüentemente em tível às alterações actínicas pela ausência de camada pig-
indivíduos do sexo masculino, em idade mais avançada1. mcntada, que protegeria a mucosa dos efeitos do sol.
O diagnóstico é relativamente simples, sendo rea O tabagismo é outro fator de risco importante,
lizado por meio do exame clínico cuidadoso da re apresentando uma relação direta entre quantidade e
gião, com confirmação por biópsia incisional e estu tempo de fumo e o desenvolvimento da doença17. A
do histopatológico. exposição ao tabaco leva a alterações morfológicas se
A cirurgia consiste na melhor modalidade tera qüenciais na mucosa labial, com eventual transforma
pêutica, com uma taxa de sobrevida em cinco anos ção maligna.
que varia de 80% a 90%u. Nas lesões maiores, para se O álcool também atua de diversas formas na in
obter um resultado estético e funcional adequado, além dução da neoplasia na mucosa, tendo um efeito sinér-
da ressecção cirúrgica, são utilizadas diversas técnicas gico com o tabaco12.
de reconstrução com retalhos regionais, que descreve Além dos fatores de risco ambientais, os fatores
remos neste capítulo. genéticos também estão sendo implicados na carcino-
gênese. A suscetibilidade genética pode ocorrer por
polimorfismo genético das enzimas capazes de meta-
EPIDEMIOLOGIA
bolizar os agentes carcinogênicos, defeitos nos meca
Szpak ei a/.ls descreveram uma incidência anual de no nismo de reparo do DNA, características genéticas re
vos casos de câncer do lábio de 1,8 para cada 100.000 lacionadas com o gênero e grupo etário, bem como
habitantes. síndromes de suscetibilidade familial ao câncer".

756
Câncer do Lábio 757

Estudos genéticos e de biologia molecular estão o lábio inferior é a sub-região mais acometida10. O
sendo desenvolvidos, no momento ainda sem dados lábio superior é responsável por 2% a 8%8, enquanto
conclusivos. Um dos genes mais estudados é o gene a comissura, por menos de 1% dos tumores labiais16.
supressor do câncer TP53, que codifica uma fosfopro- Os tumores do lábio superior e comissura apresen
teína nuclear de 53Kda (p53) com função no controle tam crescimento mais rápido, com metástase preco
do ciclo celular e indução de apoptose. Mutações nes ce, enquanto que as metástases cervicais ocorrem em
te gene têm sido detectadas em pacientes com tumo menos que 10% dos pacientes com tumores do lábio
res de cabeça e pescoço". inferior1''.
Tumores menos freqüentes são representados pe
los tumores das glândulas salivares menores: carcino
BASES ANATÔMICAS ma adenóide cístico, adenocarcinoma e carcinoma
mucoepidermóide. O carcinoma basocelular represen
Os lábios são duas pregas carnosas, uma superior e ta 50% dos tumores do lábio superior e menos de 8%
outra inferior, que circundam o orifício bucal e repre do lábio inferior14.
sentam a junção mucocutânea entre a mucosa da cavi Macroscopicamente, os tumores apresentam três
dade bucal e a pele da face4. Entre estas duas camadas, padrões de crescimento: exofltico, ulcerado e infil-
encontramos o músculo orbicular da boca, vasos e trativo. O tipo exofltico é o mais comum, apresen
nervos labiais, tecido conjuntivo frouxo e numerosas tando um crescimento superficial e disseminação tar
glândulas salivares menores. dia a distância. O tipo ulcerado começa como um
Anatomicamente, os lábios possuem uma super espessamento, evoluindo com ulceração rápida, in
fície externa (vermelhão) e outra interna, que corres filtração e invasão mais freqüentemente que o tipo
ponde à mucosa labial, que faz parte da cavidade bucal. exofltico.
O vermelhão se inicia na junção com a pele e termina
na linha de contato entre os lábios fechados (fissura
bucal), que se encontra ao nível das margens cortantes
dos dentes incisivos superiores. De cada lado, a fissura
bucal forma a comissura labial, que limita o ângulo da
DIAGNÓSTICO
boca, situado, geralmente, logo adiante do primeiro O diagnóstico do câncer do lábio é realizado por meio
pré-molar. de exame clínico, incluindo anamnese detalhada e exa
A inervação sensitiva do lábio superior é forneci me físico cuidadoso. O diagnóstico precoce é de fun
da pelo ramo infra-orbitário da divisão maxilar do damental importância para um manejo adequado, per
nervo trigêmeo; a comissura labial é inervada pelo ramo mitindo um resultado estético e funcional satisfató
bucal da divisão mandibular, enquanto o lábio inferior rio.
é inervado pelo ramo mental, que emerge do forame A identificação das lesões com potencial de ma-
mental e constitui uma via de disseminação tumoral lignização, definidas pela Organização Mundial de Saú
para a mandibula. A inervação motora é fornecida pelo de como alterações teciduais que podem sofrer trans
nervo facial. formação maligna com maior freqüência que o tecido
A vascularização é dada por ramos das artérias fa normal, é de fundamental importância para essa fina
ciais, incluindo as artérias labiais superior e inferior. A lidade. Dentre estas alterações, podemos citar: a leuco-
drenagem venosa se faz pela veia facial. plasia, a eritroplasia e a queilite actínica. O exame com
A drenagem linfática se faz da porção mediai do plementar que confirma o diagnóstico é a biópsia, que
lábio inferior para os linfonodos submentonianos, e deve ser incisional e realizada em área representativa
de suas porções laterais para os linfonodos submandi- da lesão.
bulares; do lábio superior a drenagem se faz para os Exames de imagem são utilizados para comple
linfonodos pré-auriculares, infraparotídeos, subman- mentar a avaliação clínica. A radiografia panorâmica
dibulares e submentonianos. dos maxilares deve ser realizada para avaliação de pos
sível invasão óssea e também da situação dentária pré-
tratamento. Outros exames que podem ser utilizados
para avaliar a extensão da doença incluem: radiografia
PATOLOGIA de tórax para possíveis metástases pulmonares; tomo
Mais de 90% dos tumores malignos do lábio são re grafia computadorizada; ressonância nuclear magnéti
presentados pelo carcinoma epidermóide, sendo que ca; ultra-sonografia e cintilografia.
758 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

A cirurgia para lesões pequenas não deixa debili


CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA dade estética ou funcional. Os recursos técnicos dis
A extensão anatômica do câncer do lábio é importan poníveis para a reparação são variados e dependem da
te na avaliação do prognóstico e na decisão do trata preferência de cada cirurgião. Geralmente, a simples
mento mais efetivo. Para este fim, utilizamos atual sutura borda a borda da ferida cirúrgica é suficiente,
mente a última edição da classificação TNM da União desde que se ressuture o músculo orbicular do lábio e
Internacional contra o Câncer (UICC), publicada em que a área removida não seja muito extensa. Nas lesões
1997 (Quadro 58-1). maiores, além da remoção cirúrgica, é necessário o uso
A classificação é aplicável somente para carcino- de técnicas de reconstrução, que serão descritas neste
mas, devendo haver confirmação histológica da doen capítulo. Toda margem de ressecção cirúrgica deve ser
ça. Os procedimentos para avaliação das categorias T, avaliada microscopicamente.
N e M são exame físico e diagnóstico por imagem O tratamento locorregional do pescoço deve ser
reservado para os casos de linfonodos clinicamente
positivos, não sendo indicado, na maioria das vezes, o
TRATAMENTO esvaziamento cervical eletivo.

O objetivo do tratamento é o controle da neoplasia a


longo prazo, com preservação da competência da cavi TÉCNICAS CIRÚRGICAS
dade bucal e do aspecto estético. O tratamento das
lesões iniciais do lábio pode ser realizado tanto por Ver também Cap. 71, Reconstrução labial
radioterapia como por cirurgia, com margens cirúrgi
cas de forma tridimensional14. Excisão Simples
Knabel et ai.9 citam como vantagens da cirurgia o
estudo das margens da lesão a excelente taxa de cura, e Indicada para tumores pequenos, menores que l,5cm,
os bons resultados estéticos e funcionais. A longo pra que atingem apenas a comissura labial. O procedimen
zo, a radioterapia também leva à atrofia da pele e da to é realizado sob anestesia local, com infiltração do
musculatura adjacente13. nervo alveolar inferior na sua emergência pelo forame

Quadro 58-1. Classificação Clínica dos Tumores Labiais - UICC (1997)*


T - Tumor Primário
TX O tumor não pode ser avaliado.
TO Não há evidência de tumor primário.
Tis Carcinoma in situ.
TI Tumor com 2cm ou menos em sua maior dimensão.
T2 Tumor com mais de 2 e até 4cm em sua maior dimensão.
T3 Tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão.
T4 Tumor que invade as estruturas adjacentes, por exemplo, cortical óssea, nervo alveolar inferior,
assoalho da boca, pele da face.
N - Linfonodos Regionais
NX Os linfonodos regionais não podem ser avaliados.
NO Ausência de metástase em linfonodos regionais.
NI Metástase em um único linfonodo homolateral, com 3cm ou menos em sua maior dimensão.
N2 Metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até ócm em sua maior
dimensão, ou em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum deles com mais de ócm em
sua maior dimensão, ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais
de ócm em sua maior dimensão.
N2a Metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até ócm em sua maior
dimensão.
N2b Metástase em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum deles com mais de ócm em sua
maior dimensão.
N2c Metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de ócm em sua
maior dimensão.
N3 Metástase em linfonodo com mais de ócm em sua maior dimensão.

M - Metástase a Distância
MX A presença de metástase a distância não pode ser avaliada.
MO Ausência de metástase a distância.
Ml Metástase a distância.

•Sobin LH,Wittekind C. UICC: TNMClassificationofMalignanf Tumors. 5 ed., New York:John Wiley & Sons Inc., 1997.
Câncer do Lábio 759

mental, e do nervo infra-orbitário no forame infra-or- A reconstrução necessita de uma segunda cirurgia
bitário; ou sob anestesia geral, com entubação naso- (comissuroplastia) para corrigir a assimetria bucal e
traqueal. A ressecção é realizada por uma incisão em obter um resultado estético satisfatório.
forma de losango, incluindo toda a espessura do teci O procedimento, como os demais descritos a se
do. O defeito é fechado em camadas. guir, é realizado sob narcose por entubação nasotra
queal. A alimentação pós-operatória é realizada via son
da nasoenteral.
Mucossectomia Labial

Procedimento utilizado para lesões superficiais do lá


bio, sem infiltração perceptível, estando aparentemente Técnica de Karapandzic
restrito ao epitélio (carcinoma in situ). É realizado sob Lesões que acometem mais de 80% do lábio inferior
anestesia local ou geral, com entubação nasotraqueal. em sua parte central podem ser tratadas com esta téc
É realizada uma incisão ao longo da margem mu- nica. Seu princípio é a mobilização e utilização da pele,
cocutânea do vermelhão, com dissecção submucosa, em das partes moles e da mucosa da parte inferior da re
direção à mucosa bucal, tendo como limite profundo gião nasolabial, que são desviadas medialmente, para
o músculo orbicular do lábio. A seguir, são realizadas a fechamento do defeito cirúrgico. As incisões laterais
ressecção do vermelhão e hemostasia. Para reconstrução, para elevação do retalho seguem o sulco nasolabial.
usamos um retalho de mucosa labial bipediculado, que
é avançado anterior e externamente, através de uma in
cisão horizontal de relaxamento no sulco gengivolabial. Técnica de Szymanowski
Tumores que se estendem praticamente a todo o lá
Ressecção em "V ou T bio, com uma distância razoável do sulcogengivolabial,
podem ser tratados por esta técnica. A reconstrução é
Indicada para tumores pequenos superficiais, que en realizada com a utilização de um ou dois retalhos na-
volvem o vermelhão e a musculatura subjacente, mas solabiais com pedículo inferior. A lesão primária é re
que não ultrapassam um terço do lábio e não invadem movida por ressecção retangular, preservando, quan
a comissura labial. do possível, as comissuras labiais. Os retalhos retangu
A cirurgia consiste na remoção da lesão por uma lares são realizados em um ou nos dois lados, com
ressecção em forma de "V" ou T , incluindo toda a limite mediai no sulco nasolabial, e são rodados 90°
espessura do lábio com reconstrução do defeito por para fechar o defeito cirúrgico. As áreas doadoras são
aproximação e sutura das bordas, em camadas. Utiliza fechadas por aproximação e sutura das bordas.
mos o fio categute 3-0 para a sutura da mucosa e pla
no muscular e mononáilon 5-0 para a pele.
O procedimento pode ser realizado com aneste Técnica de Burow
sia locorregional ou anestesia geral com entubação Lesões maiores, que comprometem o lábio inferior sem
nasotraqueal.
acometer a comissura labial, podem ser tratadas por
esta técnica. A lesão primária é removida por uma res
secção em "V" ou "W", abrangendo todo o lábio infe
Técnica de Estlander
rior. A hemostasia deve ser realizada, com ligadura das
Tumores pequenos próximos à comissura labial, que artérias labiais. A seguir, são removidos dois triângu
ocupam menos que um terço do lábio e não infiltram los de compensação (triângulos de Bernard) ao longo
a comissura, podem ser tratados com esta técnica. do sulco nasolabial. As bases do triângulo devem me
Consiste na remoção da lesão primária por uma dir a metade da extensão ressecada do lábio e estar
ressecção em "V" e reparo do defeito com um retalho situadas no nível da linha de contato dos lábios. São
triangular do lábio oposto, com pedículo no verme ressecados pele, tecido subeutâneo e músculo, deixan
lhão, nutrido pela artéria labial superior ou inferior. O do a mucosa na profundidade do triângulo. A muco
retalho é retirado de um lábio próximo à comissura e sa é então seccionada no sentido paralelo à base do
rodado em 180°, preenchendo o defeito no lábio opos triângulo, cerca de lem acima desta. Após o fechamento
to, onde é suturado. A base do triângulo deve ter a meta dos triângulos, em camadas, e das metades do lábio
de da extensão do lábio ressecada. A cirurgia produz inferior reconstruído, a borda inferior da mucosa do
comissura arredondada e redução do orifício bucal. triângulo é utilizada para reconstruir o vermelhão.
760 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

A principal vantagem dessa técnica é a de recons 3. Batsakis JG.Pathology of tumors ofthe oralcavity. 7n:Thawley
SE, Panje WR. Comprehensive management ofhead andneck
truir quase todo o lábio inferior em um único tempo tumors. Philadelphia: WB Saunders, 1987.
cirúrgico. A desvantagem é a redução do orifício da ca 4. D'Andréa F, Colelle B, Brongo S et ai. Lip carcinoma. Various
vidade bucal e a deformidade em "sorriso permanente" therapeutic options. Minerva Chir 1998;5J(7-8):645-50.
nos lábios, principalmente em pacientes edêntulos. 5. Dib LL. Epidemiologia, diagnóstico, patologia e estadiamento
dos tumores malignos da cavidade oral. In: Carvalho MB.
Tratado de cirurgia de cabeça e pescoço e otorrinolaringologia.
Ressecção Total do Lábio com Reconstrução São Paulo: Atheneu, 2001:265-75.

Utilizando Retalho Frontal Bipediculado 6. Gattas GJF. Alterações citogenéticas em indivíduos expostos a
agentes mutagênicos do tabaco e do álcool. In: Carvalho MB.
Técnica utilizada para lesões que acometem todo o Tratado de cirurgia de cabeça e pescoço e otorrinolaringologia.
São Paulo: Atheneu, 2001:265-75.
lábio, com expansão para regiões adjacentes. Nestes
7. Heller KS, Shah JP. Carcinoma of the lip. Am J Surg 1979;
casos, o defeito cirúrgico é muito grande, de forma
/J£(4):600-3.
que os tecidos adjacentes não são suficientes para a
8. Jorgensen K, Elbrond O, Andersen AP. Carcinoma ofthe lip. A
reconstrução. series of 869 patients. Acta Otolaryngol 1973;Z5(4):312-3.
A reconstrução é realizada em várias etapas, inici- 9. KnabelMR, Koranda FC, Oleijko TD. Squamous cellcarcinoma
ando-se com traqueotomia, que é mantida até a última ofthe upper lip. / Dermatol Surg Oncol 1982; 5(ll):979-83.
etapa da reconstrução. A lesão primária é excisada, 10. Mora RG, Perniciaro C. Câncer of the skin in blacks. II. A
podendo incluir parte da gengiva e uma mandibulec- review of thirty sixblackspatientswith squamouscellcarcinoma
tomia segmentar ou marginal. No mesmo tempo, se of the lip. J Am Acad Dermatol 1982;ó(6):1.005-9.
confecciona o retalho frontal bipediculado,nutrido pelas 11. Nagai MA, Miracca EC, Yamamoto L et ai. TP53 genetic
alterations in head and neck carcinomas from Brazil. InterJ
artérias temporais superficiais. O retalho inclui pele, te Câncer 1998;70:13-8.
cido celular subeutâneo e musculatura, com limite no 12. Schmidt W, Popham RE. The role of drinking and smoking in
periósteo. A área doadora é recoberta com enxerto livre mortality from câncer and others causes in male alcoholics.
de pele. Numa segunda etapa, se realiza a primeira ses Câncer 1981,47:1.031.
são da reconstrução, com desbridamento da ferida ci 13. Shah JP. Head and neck surgery. 2 ed., London: Mosby-Wolf,
1996.
rúrgica e sutura do enxerto. Em duas etapas subseqüen
tes, secciona-se cada um dos pedículos laterais. 14. Sharma PK. Malignant neoplasms of the oral cavity. In:
Cummings CW (ed.) Otolaryngology Head& Neck Surgery. St.
Louis: Mosby; 1998:1.418-162.
15. Szpak CA, Stone MJ, FrenkelSK.Some observations concerning
the demographic and geographic incidence of carcinoma ofthe
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS lip and buccal cavity. Câncer 1977;40343.
1. Baker SR. Current management of the carcinoma of the lip. 16. Wilson JSP, Kemble JVH. Câncer of the lip at risk. BrJ Oral
Oncology (Huntingt) 1990;4(9):107-20. Surg 1972;ftl86.
2. Baker SR. Risk factors in multiple carcinomas of the lip. 17. WynderEL,Stellman SD. Comparative epidemiology of tobacco
Otolaryngol Head Neck Surg 1980;5Ã248. related cancers. Câncer Res 1977;J7:4.608.
Tumores da Cavidade Oral
e da Faringe

Carlos Neutzling Lehn


Abrão Rapoport

INTRODUÇÃO retromolar, o palato duro e o palato mole. A mucosa


de revestimento de toda a cavidade oral é formada
Apesar da proximidade anatômica e do fato de sedia- por epitélio escamoso estratificado não-queratinizado.
rem neoplasias malignas de linhagem semelhante, a Em regiões como o palato duro e a gengiva a mucosa
cavidade oral e a faringe apresentam características está firmemente aderida ao osso subjacente e é deno
anatômicas e funcionais diversas. O presente capítulo minada fibromueosa.
abordará separadamente cada uma das regiões anatô
micas, a saber: cavidade oral, nasofaringe, orofaringe e
hipofaringe. Etiopatogenia
As neoplasias malignas da cavidade oral são, em sua
maioria, representadas pelo carcinoma espinocelular,
que é considerado um tumor de alto grau de maligni
TUMORES DA CAVIDADE ORAL
dade, com tendência à invasão local precoce e metasta-
tização predominante pela via linfática.
Anatomia Básica
Os principais fatores envolvidos na patogênese do
A cavidade oral pode ser delimitada pela rima labial carcinoma espinocelular são o tabaco e o álcool, que
anteriormente e pelo istmo das fauces, posteriormen atuam como fatores mutagênicos, indutores da for
te. E dividida em duas porções: a porção vestibular, mação dessa neoplasia. Raramente se observam lesões
compreendida entre a rima labial, as regiões jugais e as dessa natureza em pacientes que não relatam o hábito
arcadas dentárias, e a porção oral propriamente dita. de fumar e/ou consumir bebida alcoólica.
Pode-se ainda dividir, didaticamente, a cavidade oral Algumas lesões são consideradas pré-malignas, tais
em andar superior e andar inferior, o que é particular como a leucoplasia e a eritroplasia. A leucoplasia cor
mente importante na escolha de determinados tipos responde a lesões de aspecto leitoso, geralmente bem
de tratamento para cada uma dessas partes. delimitadas e aderidas à mucosa subjacente. A taxa de
As principais sub-regiões anatômicas da cavidade conversão de leucoplasia em neoplasia pode chegar a
oral são a mucosa jugal, as gengivas, o assoalho da boca, 40%. As eritroplasias, como a própria designação suge
a língua oral (dois terços anteriores da língua), a área re, são lesõesvermelhas, ulceradas superficialmente e que,

761
762 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

de acordo com a literatura consultada, podem corres ção. Deve-se, no entanto, ressaltar a importância de
ponder a carcinomas in situ em até 90% dos casos. um exame locorregional bem realizado com esse in
Outro fator de risco para o desenvolvimento de tuito.
neoplasias da cavidade oral, embora controverso, é o
traumatismo crônico, que pode ser provocado por ele
mentos dentários em mau estado e próteses dentárias Estadiamento
mal adaptadas, por exemplo. O estadiamento das neoplasias de cavidade oral é rea
lizado para obter-se um registro adequado de cada caso,
de forma que as comparações com outras lesões pos
Diagnóstico sam ser realizadas com base em um parâmetro único e
também para a obtenção de dados acerca do prognós
A apresentação clínica mais freqüente das neoplasias tico.
malignas da cavidade oral geralmente é uma lesão ul- O Quadro 59-1 contém a descrição da classifica
cerada ou ulceroinfiltrativa no sítio primário. O paci ção TNM para os tumores de cavidade oral.
ente costuma apresentar-se com queixa de dor local e
dificuldade para mastigação, deglutição e fonação, as
Quadro 59-1. Classificação T dos tumores da cavidade oral
sociadas à dor de intensidade variável, sialorréia, san-
gramentos e halitose. Nos casos mais avançados, pode TI: tumor com maior diâmetro não superior a 2cm
haver perda de elementos dentários, ulceração cutânea, T2: tumor com maior diâmetro entre 2 e 4cm
T3: tumor com maior diâmetro maior do que 4cm
trismo (principalmente nas lesões que acometem a área
T4: tumor invade estruturas adjacentes, como antro maxilar,
retromolar e suas imediações, devido à proximidade musculatura pterigóidea, base da língua, musculatura
com a musculatura pterigóidea) e emagrecimento. profunda da língua, mandibula, pele
A história de existência de uma lesão prévia (leu
coplasia ou eritroplasia) reforça a suspeita diagnostica,
assim como o hábito de utilizar tabaco e bebidas alco
Planejamento Terapêutico
ólicas. Em geral, o tempo de história não é longo, e a
sintomatologia torna-se mais florida à medida que o As neoplasias da cavidade oral são patologias de trata
tumor avança. mento essencialmente cirúrgico, salvo algumas exce
O diagnóstico de certeza é dado pela biópsia e ções. A extensão do procedimento está intimamente
exame anatomopatológico do espécime obtido. Isto é ligada ao estadiamento, e a gama de técnicas varia des
fundamental para a decisão terapêutica, e nenhum tipo de a ressecção de pequenas lesões até os grandes mo-
de procedimento está autorizado se não houver com noblocos associados a técnicas de reconstrução.
provação histológica da neoplasia. Lesões pequenas, classificadas como TI (até 2cm
Métodos auxiliares no diagnóstico das neoplasias no maior diâmetro), podem ser tratadas com excisão
da cavidade oral incluem os exames de imagem. Em simples e fechamento primário. Isso é particularmen
lesões pequenas, anteriores e de fácil acesso ao exame, te válido para tumores da borda da língua, do soalho
geralmente não é necessária complementação diagnos da boca e da região jugal. O tratamento do pescoço
tica. Já lesões avançadas podem requerer exames espe não é necessário devido à baixa probabilidade de me
cíficos, principalmente para a delimitação correta da tástases linfonodais em lesões nesse estádio.
lesão e para a avaliação do comprometimento da man Tumores maiores, classificados como T2 ou T3,
dibula, o que pode alterar completamente o tratamen necessitam a ressecção da lesão associada ao tratamen
to. A tomografia computadorizada é o método mais to do pescoço (esvaziamento cervical), mesmo que este
sensível para a definição do comprometimento ósseo, esteja clinicamente livre de metástases (pescoço NO clí
embora a ortopantomografia possa também oferecer nico). Nesses casos, o tratamento pode incluir ressec
subsídios para esse diagnóstico. Nos casos em que existe ção em monobloco ou dibloco, dependendo da loca
invasão da infra-estrutura óssea da face (tumores do lização do tumor. Lesões que acometem somente a
palato duro), a tomografia também é útil para o esta borda lingual, por exemplo, podem ser ressecadas em
belecimento da margem profunda de ressecção. Para a descontinuidade com o esvaziamento cervical. Lesões
definição adequada das margens da neoplasia, princi mais infiltrativas ou que acometam o soalho da boca
palmente em lesões muito extensas ou já submetidas a devem ser tratadas em monobloco com o esvaziamen
algum tipo de tratamento, como, por exemplo, a radi to cervical, ou seja, criando uma peça única com o
oterapia, a ressonância magnética é o exame de elei tumor primário e o produto do esvaziamento.
Tumores da Cavidade Oral e da Faringe 763

As ressecções em monobloco dos tumores do an


TUMORES DA OROFARINGE
dar inferior da boca podem envolver ou não o sacrifí
cio do arco mandibular, na dependência da infiltração
Anatomia Básica
óssea (em tumores nos quais o canal do nervo mandi
bular está preservado, pode-se realizar uma mandibu- A orofaringe é constituída basicamente por três regiões
lectomia marginal, e quando este está comprometido distintas: a base da língua, a parede posterior e as
pelo tumor, é necessária uma mandibulectomia seg paredes laterais (regiões amigdalinas). É delimitada
mentar). No caso de tumores da língua ou soalho bu superiormente pelo palato mole em posição horizon-
cal em que existe proximidade ou suspeita de invasão talizada e inferiormente pela prega faringoepiglótica,
mínima da mandibula, pode-se empregar a técnica de que a separa da hipofaringe. Anteriormente, é separa
pelveglossectomia com ou sem mandibulectomia mar da da cavidade oral pelo istmo das fauces e pelo "v"
ginal (também conhecida como técnica pull-through). lingual.
Esta técnica permite a ressecção em monobloco da le É uma região bastante rica em tecido linfóide e
são com o esvaziamento cervical preservando a conti com drenagem linfática abundante. As principais esta
nuidade do arco mandibular, realizando uma mandi ções de drenagem linfática da orofaringe são os linfo
bulectomia marginal ou ressecando-se a lesão com nodos do nível II ou jugulocarotídeos altos.
margem de segurança no periósteo da face interna da
mandibula.
Etiopatogenia
Em tumores mais avançados com envolvimento
franco da mandibula, em que há necessidade de ressec As neoplasias da orofaringe são, em cerca de 95% dos
ção de grandes quantidades de tecido mole ou pele, é casos, carcinomas epidermóides. Os principais fatores
necessário o planejamento prévio de reconstrução, tan envolvidos na sua gênese, a exemplo da cavidade oral,
to da parte óssea quanto das partes moles. Tradicional são o álcool e o fumo. Neste sítio, é particularmente
mente, essa reconstrução é feita com retalhos pedicula- importante a chamada "cancerização em campo", ou
dos miocutâneos ou miofasciais do músculo peitoral seja, o aparecimento de lesões sincrônicas ou metacrô-
maior, associados ou não a placas de reconstrução nicas em partes diferentes de uma mesma região ana
mandibular. Mais recentemente, tem sido empregada tômica, o que pode ser explicado pelo efeito dos carci-
com grande sucesso a técnica de reconstrução com re nógenos em toda a superfície mucosa.
talhos livres e anastomose microcirúrgica do pedículo
vascular.
Diagnóstico
Para as lesões da área retromolar é utilizada uma
técnica específica, denominada operação retromolar, Embora a primeira queixa de um paciente com neo
que consiste na ressecção em monobloco da lesão pri plasia maligna da orofaringe possa ser a visibilização
mária com o esvaziamento cervical e a mandibulecto da própria lesão, as queixas mais comumente relatadas
mia segmentar (ao nível do ângulo da mandibula) com são alteração da voz ("disfonia" orofaríngea), dor, dis
a secção da musculatura mastigatória, particularmente fagia, odinofagia, sangramento, halitose, otalgia refle
os músculos pterigóideos. xa e nódulo cervical.
A radioterapia é utilizada de maneira exclusiva O diagnóstico é eminentemente clínico e, em ge
somente em lesões nas quais o dano funcional provo ral, um exame locorregional bem realizado é suficien
cado por uma cirurgia não possa justificar sua aplica te para o diagnóstico e delimitação da lesão. Mesmo
ção (p. ex., lesões superficiais extensas de palato). En que esta seja evidente, todo o exame de rotina deve ser
tretanto, a maior utilização da radioterapia é como realizado, com o intuito de avaliar corretamente a ex
tratamento complementar após a ressecção de lesões tensão da lesão e surpreender possíveis tumores sin-
mais avançadas, para complementar o tratamento após crônicos. O exame é feito através da orofaringoscopia
o esvaziamento de um pescoço positivo, ou quando direta e também da faringolaringoscopia indireta, para
existir evidência de margens comprometidas após a avaliar a base da língua. A palpação uni e bimanual é
ressecção. fundamental para detalhar e evidenciar infiltrações
A quimioterapia como arma isolada não tem lugar profundas da lesão e sua fixação a estruturas vizinhas,
no tratamento das neoplasias malignas da cavidade oral. principalmente nos tumores da região amigdalina,
Em protocolos investigacionais, sua associação com a devido à sua proximidade com a artéria carótida.
radioterapia pode ser uma opção na tentativa de pre O diagnóstico definitivo é firmado através de bi
servação de órgão. ópsia da lesão e exame anatomopatológico. Os meto-
764 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

dos de imagem, particularmente a tomografia compu Esta técnica é a mesma utilizada para os tumores da
tadorizada, são úteis para a avaliação da extensão de área retromolar na cavidade oral, adaptada para a res
lesões mais avançadas e para detectar envolvimento de secção ligeiramente mais posterior (região amigdalina).
estruturas vizinhas que possam ser importantes para o As lesões da parede posterior da orofaringe são
planejamento terapêutico. mais raras do que de outros sítios. Seu tratamento tam
bém é eminentemente cirúrgico, e o acesso depende
da localização e do tamanho da lesão. As vias que po
Estadiamento dem ser utilizadas são a transoral, a faringotomia trans
No Quadro 59-2 encontra-se demonstrado o sistema versa e a mandibulotomia e glossotomia mediana.
TNM para estadiamento dos tumores da orofaringe. Os tumores da base da língua freqüentemente
exigem acesso cirúrgico amplo, como a mandibuloto
Quadro 59-2. Classificação T dos tumores da orofaringe mia paramediana e o acesso tipo retromolar. Para le
TI: tumor com maior diâmetro não superior a 2cm sões TI pouco infiltrativas, a faringotomia transversa
T2: tumor com maior diâmetro entre 2 e 4cm pode ser suficiente para a ressecção com margens ade
T3: tumor com maior diâmetro maior do que 4cm quadas.
T4: tumor invade estruturas adjacentes, como laringe, muscu A radioterapia pós-operatória é utilizada para le
latura profunda da língua,mandibula, nasofaringe, hipofa sões volumosas, na presença de linfonodos compro
ringe
metidos e de margens exíguas ou comprometidas. Sua
utilização como terapêutica isolada é reservada para
os casos sem possibilidade de tratamento cirúrgico,
Planejamento Terapêutico
seja por falta de condições do paciente, seja por recu
As características anatômicas da orofaringe a tornam sa deste. Atualmente, vêm sendo apresentados resul
uma região mais difícil para o planejamento terapêuti tados e discutida a utilização de radioterapia conco
co. Como é uma área de rica drenagem linfática, as mitante à quimioterapia sistêmica como tratamento
taxas de metastatização cervical são altas, em geral. Isso inicial.
justifica a necessidade de tratamento do pescoço mes
mo nos casos NO, quando a lesão for infiltrativa ou
maior do que TI.
TUMORES DA HIPOFARINGE
O tratamento preferencial para os tumores da oro
faringe é o cirúrgico, e a abordagem depende princi
Anatomia
palmente do local e do tamanho da lesão primária.
Para os tumores da região amigdalina (o sítio mais fre A hipofaringe pode ser considerada como um tubo
qüente de neoplasias da orofaringe), o tratamento ci que se estende superiormente desde a prega faringoe-
rúrgico pode ser realizado por via natural ou endoral, piglótica até a prega de Betz (esfíncter esofágico supe
para lesões pequenas e pouco infiltrativas (TI). Em le rior), inferiormente. Seu limite anterior é a laringe, e o
sões maiores é necessária uma abordagem mais ampla, o posterior, a fáscia pré-vertebral.
que pode ser conseguido com a incisão mediolabial e a A partir da sua superfície interna, são definidas
elevação de um retalho composto pela região jugal. quatro camadas que compõem sua parede: a mucosa, a
Quando há necessidade de maior exposição do lâmina fibrosa da aponeurose faríngea, a camada mus
campo operatório, podem ser necessárias mandibulec- cular formada pelos constritores inferior e médio da
tomias para acesso. O acesso mais freqüentemente uti faringe e a aponeurose ou fáscia bucofaríngea. Os
lizado é a mandibulotomia paramediana associada a músculos constritores da faringe são delgados, e na
secção do assoalho bucal para a exposição da região junção do constritor inferior com o músculo cricofa-
amigdalina. Um dos problemas desse acesso é o quase ríngeo existe uma área de maior fragilidade, denomi
que inevitável sacrifício do nervo lingual, levando a nada triângulo de Killian. Outra área frágil é a parede
anestesia da hemilíngua correspondente. Devem ser lateral, na junção dos constritores médio e inferior.
evitadas as mandibulotomias laterais devido à maior A hipofaringe é composta de três subsítios: o seio
instabilidade e à dificuldade de fixação e porque estão piriforme, a área pós-cricóide e a parede posterior. É
no campo de uma futura radioterapia, o que pode le um sítio anatômico provido de uma rica rede linfáti
var a complicações da síntese óssea. ca, em especial no seio piriforme. A primeira estação
A técnica cirúrgica mais clássica para lesões maio de drenagem é representada pelos linfonodos jugulo-
res da região amigdalina é a operação tipo retromolar. carotídeos altos e, ao diagnóstico, até 60% dos casos
Tumores da Cavidade Oral e da Faringe 765

podem apresentar-se com linfonodos clinicamente rém, a condição clínica do paciente é o fator determi
comprometidos. Esta, aliás, pode ser a primeira mani nante da terapêutica a ser empregada. Por exemplo, a
festação dos tumores da hipofaringe, tal a importân faringectomia parcial pode não ser bem tolerada por
cia de sua rede linfática. um paciente portador de pneumopatia; neste caso, a
Linfonodos bilaterais estão acometidos em até escolha recai sobre a radioterapia.
10% dos casos; quando o sítio primário é a parede O sítio da lesão primária também é decisivo para a
posterior, esta taxa sobe para 60%. escolha do tratamento. O exemplo mais claro são as
A incidência de doença cervical oculta também é lesões da área pós-cricóide, cujo tratamento cirúrgico
alta, assim como o envolvimento de linfonodos retro- não raro requera realização de faringolaringectomia, com
faríngeos. perda da laringe. As lesões localizadas no seio piriforme
e na parede posterior são mais facilmente abordadas e
ressecadas com procedimentos parciais, como as farin-
Estadiamento
gectomias parciais e os acessos via faringotomia.
O estadiamento dos tumores da hipofaringe é feito Não se deve deixar de lembrar que, quando a radi
com a utilização das normas de classificação da UICC. oterapia é a arma escolhida para o tratamento inicial, a
Independentemente do sistema utilizado, é fato co chance de resgate com cirurgia parcial em uma eventu
mum que a maior parte das neoplasias malignas da al recorrência da lesão é muito pequena. Isso porque,
hipofaringe é diagnosticada em estágio avançado, res após uma ressecção parcial da faringe, os mecanismos
tando poucos casos classificados como TI, por exem naturais de bloqueio ao avanço da neoplasia (membra
plo. nas, pericôndrio etc.) já foram rompidos e os compar-
Como, por vezes, algumas lesões parecem ser rela timentos estão em contato mais direto, propiciando
tivamente pequenas ao exame, a subestimativa do seu invasões extensas de tecido extrafaríngeo, como o bul
tamanho pode chegar a 40% dos casos (Quadro 59-3). bo carotídeo e nervo hipoglosso entre outros.
A presença de metástases cervicais (ocorrência bas
Quadro 59-3. Classificação T dos tumores da hipofaringe tante freqüente no câncer da hipofaringe) é um fator
TI: tumor limitado a um subsítio da hipofaringe e com 2cm ou determinante tanto para a escolha da terapêutica como
menos no maior diâmetro para a avaliação prognostica. Nos casos com metásta
T2: tumor envolve mais de um subsítio ou sítio adjacente da ses clinicamente presentes, o estadiamento clínico pas
hipofaringe, ou mede entre 2 e 4cm no maior diâmetro
sem fixação da hemilaringe sa de I e II (T1-T2/N0) para III e IV (T1-T2/N1-3),
T3: tumor mede mais de 4cm no maior diâmetro ou com fixação mudando o enfoque terapêutico.
da hemilaringe Existe uma tendência na literatura para a utiliza
T4: tumor invade estruturas adjacentes (cartilagem cricóide ou ção da radioterapia como terapêutica primária nos
tireóide, artéria carótida, tecidos moles do pescoço,
músculos ou fáscia pré-vertebral, tireóide e/ou esôfago)
tumores iniciais de hipofaringe. Realmente, cerca de
80% dos casos TI de seio piriforme podem ser bem
controlados tanto com radioterapia como com farin
gectomia parcial. Embora a radioterapia possa contro
Tratamento
lar a doença submucosa oculta, sua principal desvan
É conhecida a agressividade do carcinoma epidermói- tagem é a virtual impossibilidade de resgate cirúrgico
de da hipofaringe, sua tendência à invasão submucosa com cirurgia parcial no caso de falha. A faringectomia
e a alta taxa de metástases cervicais. Estas característi parcial pode ser utilizada nos casos em que a lesão não
cas, aliadas às peculiaridades anatômicas da região, de envolva o ápice do seio piriforme. Nos tumores mais
vem ser levadas em conta quando do planejamento avançados, o tratamento padronizado é a faringolarin
terapêutico. gectomia associada ao esvaziamento cervical comple
A cirurgia e a radioterapia, isoladas ou em associ to. A dose de radioterapia utilizada deve chegar a 70Gy,
ação, constituem as opções mais comuns de tratamen no tumor primário, e a 60 Gy, nas áreas de drenagem
to dessa patologia. A escolha do método terapêutico cervical.
deve ser feita considerando-se as características do pa Devido à elevada incidência de metástases cervi
ciente e da lesão primária e a presença ou não de me cais nos tumores de hipofaringe, o pescoço deve ser
tástases cervicais. tratado em todos os casos. Nos casos com doença ocul
Com relação ao paciente, sua participação na esco ta, o esvaziamento cervical modificado, com preserva
lha do tratamento é fundamental, devendo ser respei ção de estruturas não-linfáticas (músculo esternoclei
tada sua autonomia. Em determinadas situações, po domastóideo, nervo espinal acessório e veia jugular
766 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

interna), apresenta a mesma efetividade que o esvazia Diagnóstico


mento cervical radical.
A posição anatômica da nasofaringe, suas relações com
O sítio da lesão primária pode também ser deter
a fossa nasal, os forames da base do crânio, por onde
minante na escolha do tratamento do pescoço. Lesões
transitam vasos e pares cranianos, e sua rica drenagem
da parede mediai do seio piriforme podem ser mais
linfática tornam a semiologia de suas patologias neo-
metastatizantes e promover metástases contralaterais
plásicas particularmente rica.
com mais freqüência do que lesões da parede lateral.
O aumento de volume de linfonodos cervicais é,
Lesões da parede posterior devem levar a atenção para
os linfonodos retrofaríngeos. sem dúvida, a forma de apresentação mais comum do
carcinoma de nasofaringe. As cadeias envolvidas são
as jugulares e espinais altas, e as metástases são freqüen
temente bilaterais.
TUMORES DA NASOFARINGE
Voz anasalada, obstrução e sangramento nasal tam
Anatomia Básica
bém são sintomas que podem ocorrer na evolução da
doença, assim como diminuição da audição, devido à
A nasofaringe possui características anatômicas que a obstrução da tuba auditiva, e conseqüente formação
tornam particularmente diferente das outras porções de serosidade na orelha média.
da faringe (orofaringe e hipofaringe), tanto no diag Paralisias de pares cranianos decorrem da exten
nóstico como na escolha do método de tratamento são direta do tumor primário e compressão dessas es
de seus tumores.
truturas. Algumas síndromes são descritas, como a sín
A nasofaringe, ou rinofaringe, é a porção mais alta drome petroesfenoidal de Jacod (compressão do se
da faringe e tem estreita relação com a cavidade nasal e
gundo ao sexto nervo craniano) e a síndrome do espa
com a base do crânio, que formam seus limites anterior
ço retroparotidiano de Villaret (metástases linfonodais
e póstero-superior, respectivamente. O limite superior é
no espaço retroparotídeo, comprimindo do IX ao XII
basicamente ósseo e formado pelo esfenóide e pelo
par craniano e o nervo simpático cervical).
occipital. O músculo constritor superior da faringe e
Dor é o resultado da compressão dos ramos do V
sua fáscia completam o revestimento desse limite. In
par craniano (trigêmeo) e da invasão óssea. Pode tam
feriormente, é limitada pelo palato mole em posição
bém haver trismo, decorrente da invasão da muscula
horizontal. Lateralmente, comunica-se com a orelha
tura pterigóidea, e proptose, pela invasão da órbita.
média através da tuba auditiva.
A drenagem linfática da rinofaringe faz-se por três O diagnóstico é feito por meio da observação do
vias principais: os linfonodos látero e retrofaríngeos, tumor por rinoscopia posterior ou por nasofibrosco-
os linfonodos jugulares e os linfonodos do triângulo pia. A extensão para o espaço parafaríngeo, fossas na
posterior, ou espinais. sais, seios da face e base do crânio pode ser mais bem
avaliada por tomografia computadorizada ou resso
nância magnética.
Etiopatogenia A biópsia é parte fundamental para o esclareci
mento diagnóstico e planejamento terapêutico desses
A causa do carcinoma de nasofaringe está provavelmen
tumores.
te ligada a vários fatores. Entre eles podem ser enumera
dos os fatores virais, genéticos e ambientais. O vírus de
Epstein-Barr tem sido associado ao surgimento dessa Estadiamento (Quadro 59-4)
neoplasia. O genoma desse vírus pode ser encontrado
na análise do DNA de carcinomas da nasofaringe. Quadro 59-4. Classificação T dos tumores da nasofaringe
A elevada incidência de carcinoma nasofaríngeo TI: tumor confinado à nasofaringe
no Sudeste Asiático e em descendentes dessas popula T2: tumor se estende aos tecidos moles da orofaringe e/ou da
ções sugere susceptibilidade genética para a doença, fossa nasal
porém a diminuição da incidência em sucessivas gera T2a: sem extensão parafaríngeo
ções de chineses nascidos na América do Norte sugere
T2b: com extensão parafaríngeo
que fatores ambientais possam estar envolvidos em sua
T3: tumor invade estruturas ósseas e/ou seios paranasais
gênese. A ingesta de peixe salgado desde a infância
pode ser um fator ambiental implicado no surgimen T4: tumor com invasão intracraniana e/ou envolvimento de
pares cranianos, fossa infratemporal, hipofaringeou órbita
to do carcinoma nasofaríngeo.
Tumores da Cavidade Oral e da Faringe 767

Planejamento Terapêutico 4. Catalano PJ, Biller HF. Extended osteoplastic maxillotomy: a


versatile new procedure for wide access to the centra skull base
A radioterapia é o tratamento primário de escolha para and infratemporal fossa. Arch Otolaryngol Head Neck Surg
o carcinoma da nasofaringe. A ressecção do tumor, 1993;779:394.

em conjunto com suas metástases, não é factível devi 5. DillonWP, Harnsberger HR.The impact of radiologic imaging
on staging of câncer of the head and neck. Semin Oncol
do às características anatômicas da região e das estru 1991;7#64-79.
turas envolvidas.
6. DishawKA, Rao DN, Shroff PD: End result report (1987-1989).
A dose utilizada de radioterapia é, em geral, de até Head & Neck Câncer, Tata Memorial Hospital, 1996.
70Gy no tumor primário. No entanto, esse valor só 7. Fish U. The infratemporal fossa approach for nasopharyngeal
pode ser atingido lançando-se mão de mudanças de tumors. Laryngoscope 1983;5>5:36.
campos de irradiação para a proteção da medula. Após 8. Garden AS, Morrison WH, Clayman GL, Ang KK, Peters LJ.
Early squamous cell carcinoma of the hypopharynx: outcomes
uma dose inicial de 45Gy, os campos são recalculados of treatment with radiation alone to the primary disease. Head
e rearranjados de maneira que a dose na área da medu Neck 1996; 18:317-22.
la não se aproxime de 60Gy. Os linfonodos cervicais 9. Hamoir M, LedeghenS, Rombaux P et ai. Conservation surgery
metastáticos devem ser avaliados durante o tratamen for laryngeal and hypopharyngeal câncer. Acta Otorhinolaryn-
to e, no caso de persistência após 45Gy, deve ser leva gol Belg 1999;55(3):207-13.
da em conta a hipótese de tratamento cirúrgico antes 10. Harrison DFN. Pathology of hypopharynx câncer in relation to
surgical management. J Laryngol Otol 1970;#4349-54.
do término da radioterapia, para assegurar o controle
11. Harwick RD. Carcinoma ofthe pyriform sinus. Am J Surg
regional. Atualmente, existem protocolos para a utili 1975;750(4):493-5.
zação de quimioterapia concomitante à radioterapia, 12. Ho JH. An epidemiologic and clinicai study of nasopharyngeal
na tentativa de melhorar o controle locorregional da carcinoma. Int J Radiat Oncol Biol Phys 1978;4(3-4):182-98.
doença. 13. Jacobsson F. Carcinoma ofthe hypopharynx: A clinicai study
O tratamento cirúrgico no carcinoma nasofarín of 322 cases, treated at Radium-Hemmet, from 1939 to 1947.
Acta Radiol 1951;55:1-7.
geo é de exceção. Somente casos selecionados podem
14. Johnson JT, Bauer GW, Myers EN, Wagner RL. Mediai vs. later
ser candidatos à cirurgia da nasofaringe. Os motivos al wall pyriform sinus carcinoma: Implications for manage
para isto são a alta complexidade e a alta morbimorta- ment of regional lymphatics. Head Neck Surg 1994;76:401-6.
lidade dos procedimentos necessários. Pacientes com 15. Kirchner JA, Owen JR. Five hundred cancers ofthe laryns and
lesões restritas à parede lateral da rinofaringe e sem pyriform sinus: Results of treatment by radiation and surgery.
Laryngoscope 1977;87:1.288-303.
invasão do espaço parafaríngeo seriam os candidatos
16. Klein G, Giovanella BC, Lindahl T, Fialkow PJ,Singh S, Stehlin
ideais para a ressecção cirúrgica.
JS. Direct evidence for the presence of Epstein-Barrvirus DNA
Diversas técnicas podem ser empregadas, e o mai and nuclear antigen in malignant epithelial cells from patients
or grau de dificuldade está em oferecer boa exposição with poorly differentiated carcinoma ofthe nasopharynx. Proc
à nasofaringe e o menor número de seqüelas estéticas Natl Acad Sei USA. 1974;71:4.717Al.

e funcionais. Entre estas, podemos citar as técnicas de 17. Lindberg RD. Distribution of cervical lymph node metástases
from squamous cell carcinoma of the upper respiratory and
maxilectomia osteoplástica, o swing maxilar e, mais digestive traets. Câncer 1972;29.1.446.
modernamente, as translocaçÕes faciais. Também po 18. MacFarlane GJ, Zheng T, Marshall JR. Alcohol, tobacco, diet
dem ser utilizados acessos subtemporais e laterais, como and the risk of oral câncer. Eur J Câncer B Oral Oncol
os propostos por Fish. 1995;57:181-7.

Sendo uma região de rica vascularização e inerva 19. Marks JE, Breaux S, Smith PG, Thawley SE, Spector GG, Ses-
sions DG. The need for elective irradiation of oceult lymphatic
ção e contato íntimo com a base do crânio e nervos
metástases from cancers ofthe larynx and pyriform sinus. Head
cranianos, a manipulação cirúrgica da nasofaringe pode Neck Surg 1985;5(l):3-8.
levar a diversos tipos de seqüelas, o que limita a sua 20. McGravan MH, BauerWC, Spjut HD. Carcinoma ofthe pyri
utilização e a aceitação por parte do paciente. form sinus: The results of radical surgery. Arch Otolaryngol
1963;7#826-9.
21. Mendenhall WM, Parsons JT, Stringer SP, Cassisi NJ. Radio-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS therapy in the treatment of squamous cell carcinoma of the
hypopharynx and cervical esophagus. In: Shah JP, JohnsonJT
1. Binnie WH, Rankin KV. Epidemiological and diagnostic aspects (eds.) Procedings of the 4h International Conference on Head
of oral squamous cell carcinoma./ OralPathol 1984;75:333. and Neck Câncer. Madison, Wisc: Omnipress, 1996:175-80.
2. Buell P. The effect of migration on the risk of nasopharyngeal 22. Ogura JH, MarksJE, Freeman RB. Results of conservative sur
câncer among Chinese. Câncer Res 1974;34:1.189-91. gery for câncer ofthe supraglottis and pyriformsinus. Laryngo
scope 1980;90{4):591-600.
3. Carpenter RJ, DeSanto L, Devine KD, Taylor WF. Câncer of
the hypopharynx: Analysis of treatment and results in 162 23. Rapoport A. Fatores determinantes da sobrevida no câncer da
patients. Arch Otolaryngol 1976; 702(12):716-21. hipofaringe: variáveis relacionadas ao estadiamento, terapêuti-
768 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

ca e evolução. Tese de Livre-Docência - Faculdade de Medicina 30. Steiner W. Comments on the contribution by H. Rudert. Laser
da USP. São Paulo, 1987. therapy of laryngeal and hypopharyngeal carcinoma. (Letter,
commented) HNO 1995;43(3):147-8.
24. Razak MS, Sako K, Kalnis I. Squamous cell carcinoma of the
pyriform sinus. Head Neck Surg 1978;7:31-8. 31. Thawley SE, Session DG, Garden EM. Surgical therapy of hy
popharynx tumors. In: Comprehensive Management ofHead
25. Silverman Jr S, Gorsky M, Kaupan GE. Leukoplakia, dysplasia
and Neck Tumors. 2 ed., 1999.
and malignant transformation (ed.). Oral Surg Oral MedOral
Pathol Oral Radiol Endod 1996;£2117. 32. WaldronCA,ShaferWG. Leukoplakia revisited: A clinicopatholog-
ic study of 3256 oral leukoplakias. Câncer 1975;56:1.386.
26. Skinner DW,Van H, Asselt CA, TsaoSY. Nasopharyngeal carci
nomas: modes of presentation. Ann Otol Rhinol Laryngol 33. Wang CC, Meyer JE. Radiotherapeutic management of carci
1991;700(7):544-51. noma of the nasopharynx. Câncer 1971;2#:566.
27. Slaughter DP, Southwick HW, Smejkal S. Field cancerization in 34. Wei WI, Lam KH, Sham JST. New approach to the nasophar
oral stratified squamous epithelium. Clinicai implications of ynx: the maxillary swing approach. HeadNeck 1991; 75:200.
multicentric origins. Câncer 1953;6:963. 35. Winn DM, Blot WJ, Shy CM. Snuff dipping and oral câncer
28. Som ML, Nussbaum M. Surgical therapy of carcinoma ofthe amongwomen in the Southern US. NEnglJMed 1981;304:745.
hypopharynx and cervical esophagus. Otolaryngol Clin North 36. Yu MC. Diet and nasopharyngeal carcinoma. Prog Clin Biol
Am 1969;2:631-42. Res 1990;546:93-105.
29. Steiner W. Therapyof hypopharyngeal carcinoma. Part V. Dis- 37. ZeitelsSM, Koufman JA, Davis RK, Vaughan CW. Endoscopic
cussion of long-term results of trans-oral laser microsurgery of treatment of supraglottic and hypopharynx câncer. Laryngo
hypopharyngeal carcinoma. HNO 1994;4?(3):157-65. scope 1994;104:71-18.
Tumores das Glândulas
Salivares

Robert Thomé
Daniela Curti Thomé
Hélio Kawakami
Rodrigo Antônio Catalão de Ia Cortina
Adalberto Tndokoro

INTRODUÇÃO na submandibular e 22% nas glândulas salivares me


nores de várias regiões.
Os tumores benignos e malignos das glândulas saliva As glândulas salivares são agrupadas em maiores e
res apresentam enorme variedade de comportamento menores; as maiores são pares e compreendem a paró
biológico e representam um segmento significativo na tida, a submandibular e a sublingual; as glândulas sali
prática do cirurgião de cabeça e pescoço. Como exem vares menores são centenas distribuídas pelos lábios,
plos do comportamento biológico variável, podemos bochechas, palato, língua, orofaringe etc. As glândulas
citar o adenoma pleomórfico, um tumor benigno que salivares produzem 1.000 a 1.500ml de saliva/24 horas
pode apresentar recorrência e sofrer degeneração ma (90% produzidos pela parótida e submandibular, 5%
ligna com o decorrer do tempo; já o carcinoma adeno- pela sublingual e o restante pelas glândulas salivares
cístico, um tumor maligno, apresenta indolente curso menores). A glândula parótida é a maior das três glân
clínico. Essa diversidade de comportamento biológi dulas; é tubuloalveolar composta e apresenta células
co é equiparada à heterogeneidade das características secretoras do tipo seroso. A glândula parótida está lo
histopatológicas desses tumores. calizada abaixo do arco zigomático, inferior e anteri
A prevalência dos tumores salivares é controverti ormente ao meato acústico externo, anteriormente ao
da. A literatura reporta que esses tumores são respon processo mastóideo, sobre o masseter e atrás do ramo
sáveis por 3% a 7% de todos os tumores da cabeça e da mandibula.
pescoço. Johns e Goldsmith" consideram que os tu A glândula parótida tem a forma grosseira de uma
mores das glândulas salivares são responsáveis por pirâmide invertida e consiste de um lobo superficial e
menos de 1% de todos os tumores de cabeça e pesco de um lobo profundo. O dueto parotídico (Stensen),
ço. A prevalência de comprometimento varia em con que mede cerca de 5cm de comprimento, emerge por
formidade com a glândula, com 80% dos tumores baixo da superfície lateral da glândula, continua em
ocorrendo na glândula parótida, 10% na submandi direção anterior sobre o músculo masseter e, após vol
bular (portanto, 90% dos tumores ocorrem nas glân tar medialmente, mais ou menos em ângulo reto, per
dulas parótida e submandibular); 5% na glândula su- fura o corpo adiposo da bochecha e o músculo buci
blingual e 5% nas salivares menores. Batsakis e Regezi3 nador. Após curto trajeto entre o músculo bucinador
reportaram 70% de tumores na glândula parótida, 8% e a mucosa da boca, o dueto abre-se na cavidade oral,

769
770 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

ao nível do segundo molar superior. Com relação à glandular, composta por ácinos de células mucosas e
anatomia de superfície, o dueto parotídico correspon serosas que drenam via dueto intercalado para o due
de à metade posterior de uma linha desde a junção da to excretor. As células mioepiteliais que envolvem o
asa do nariz com a face, a uma distância de lem acima ácino colaboram na drenagem de saliva pelos duetos.
do ângulo da mandibula. Na glândula parótida, os estudos de imagem objeti
A glândula submandibular é a segunda maior glân vam inicialmente a avaliação qualitativa do tumor e
dula salivar e apresenta predominantemente células secundariamente a relação espacial entre a lesão e o
secretoras do tipo seroso. Está situada no trígono sub nervo facial. Entretanto, os métodos de imagem con
mandibular, delimitado pelos ventres anterior e pos vencionais são insuficientes para demonstrar o nervo
terior do músculo digástrico e pela borda inferior da facial, cuja localização é estimada indiretamente na
mandibula. O dueto de Wharton, de cerca de 5cm de relação entre o tumor e os tecidos parotídeos adjacen
comprimento, emerge do processo profundo da glân tes.

dula, se continua entre os músculos miloióideo e o A tomografia computadorizada (TC) revolucio


hioglosso, onde é cruzado pelo nervo lingual e cami nou o estudo radiológico das massas das glândulas
nha entre a glândula sublingual e o músculo genio- salivares no início de 1980, e deve ser considerada como
glosso, desembocando, por intermédio de um a três exame rotineiro na avaliação pré-operatória de tumo
orifícios na cavidade oral, sobre a papila sublingual, res glândulares. A TC é específica na definição da loca
ao lado do frênulo da língua. A glândula submandi lização anatômica e extensão da massa pesquisada. Na
bular compreende uma grande parte superficial, o cor tomografia computadorizada, a presença de massa com
po, e um pequeno processo profundo, que se continu superfícies indefinidas e com extensão para tecidos
am em torno da borda posterior do músculo milo- subeutâneos adjacentes sugere malignidade. Com base
hióideo. O corpo da glândula está localizado no inte na prevalência dos tumores na glândula parótida, a
rior e abaixo do trígono digástrico e se encontra parci Society of Surgical Oncology33 recomenda a tomogra
almente coberto pela mandibula. fia computadorizada somente para tumores extensos,
A glândula sublingual é a menor das três glându para avaliar a extensão mediai e suas relações com a
las salivares maiores, predominantemente do tipo mandibula, osso temporal- e a coluna cervical, ou quan
mucoso. Os duetos sublinguais, em número de 10 a do o tumor se estende além do lobo superficial, ou
30, aproximadamente, abrem-se, na maioria das vezes, ainda quando é suspeitada invasão do lobo profundo
separadamente na cavidade oral, sobre a prega lingual; e o paciente apresenta trismo associado.
porém alguns se abrem no dueto submandibular. As A tomografia computadorizada e a ressonância
glândulas salivares menores constituem-se predominan magnética, apesar de definirem uma correlação de di
temente de células secretoras de muco. agnóstico e localização, falham na visualização direta
Na grande maioria das vezes, o primeiro elemen do nervo facial. Avanços recentes na tecnologia da res
to a chamar a atenção para o tumor da glândula sali sonância magnética têm tornado possível a obtenção
var é a desfiguração que ele ocasiona, dado o abaula de imagem direta do nervo facial intraparotídeo. Por
mento da glândula. Muito embora aproximadamente outro lado, a ressonância magnética apresenta limita
85% dos tumores das glândulas salivares comprome ções no diagnóstico qualitativo dos tumores parotíde
tam a glândula parótida, 80% deles são benignos. Oi os, principalmente porque os tumores de baixo grau
tenta por cento dos tumores parotídeos se localizam apresentam imagens similares às dos tumores benig
no lobo superficial, e o restante no lobo profundo. O nos. Essa dificuldade também ocorre com a tomografia
lobo profundo tem maior incidência de tumores ma computadorizada. A avaliação clínica de um paciente
lignos, assim como o tecido parotídeo acessório. Oi que apresenta massa em região parotídea deve incluir
tenta e cinco por cento dos tumores malignos na in a extensão do comprometimento parotídeo e do espa
fância são parotídeos, 50% deles carcinomas mucoepi- ço parafaríngeo, a presença de trismo, o status do nervo
dermóides. facial e a presença de hipoestesia ou anestesia da pele
Os tumores salivares apresentam diversas formas da face ou pescoço.
histopatológicas — os malignos têm diferentes com A avaliação pré-operatória dos tumores parotídeos
portamento de agressividade e grau de metastatização, deve fornecer o máximo de informações ao cirurgião,
em conformidade com o seu tipo histológico —, de para que ele realize uma cirurgia completa e evite os
vendo o cirurgião conhecer essas características para riscos de lesão do nervo facial e recorrência tumoral.
optar pela melhor abordagem. É importante o conhe A punção aspirativa com agulha fina para investiga
cimento da origem celular dos tumores, e da estrutura ção de tumor da glândula salivar não tem sido unifor-
Tumores das Glândulas Salivares 771

memente aceita. Batsakis et ai.4 argumentam que a consistência firme ou elástica, podendo variar de um
maioria dos tumores salivares requer cirurgia, e que a ponto para outro3-17-20,22,23.
punção aspirativa com agulha fina tem pouca influên Por vezes pode ser sentida crepitação quando o
cia na conduta. Por outro lado, Zurrida ei a/.38 consi tumor é deslocado de encontro à borda posterior da
deram a punção aspirativa como um procedimento mandibula. Os tumores benignos não invadem e ulce-
diagnóstico superior à combinação dos exames físico ram a pele. Na glândula parótida, apresentam relativa
e radiológico, os quais não podem diferenciar com mobilidade quando localizados no pólo inferior (cau
segurança entre tumor benigno e maligno, que é o da), tendendo a circundar a porção inferior da orelha
principal objetivo da punção aspirativa. O tipo histo- e a elevar o lóbulo.
lógico correto é menos importante, e pode ser poster O tumor do lobo profundo da glândula parótida
gado ao exame histológico definitivo. A punção aspi pode fazer saliência na cavidade oral, deslocando a amíg
rativa tem suas limitações, requer afinidade entre o ci dala para frente e para diante. Também pode se propa
rurgião e o patologista e retarda a cirurgia enquanto a gar pelo espaço entre a borda posterior do ramo as
interpretação citológica é realizada. A precisão da pun cendente da mandibula e o ligamento estilomandibu-
ção varia de 84% a 97%; a sensibilidade, de 54% a 95%, lar, produzindo saliência na cavidade oral, à semelhan
e a especificidade de 86% a 100%. O relativo alto índi ça de tumor de lobo profundo (tumor em forma de
ce de falso-negativos é um problema: toda massa sali halteres). Muito embora a paralisia do nervo facial as
var clinicamente suspeita de malignidade, com acha sociada a massa parotídea seja indicativa de malignida
do não-diagnóstico ou negativo, deve ser puncionada de, ela pode ocorrer em determinadas circunstâncias
outra vez, ou a glândula deve ser ressecada com exame em tumores benignos. Na patogênese da paralisia do
de congelação intra-operatório. Entretanto, a limita nervo facial em massas benignas da glândula parótida,
ção mais importante diz respeito, por exemplo, ao car o aumento súbito do tamanho do tumor, torcendo
cinoma ex-adenoma pleomórfico: a punção aspirativa ou estirando o nervo, ou a pressão direta sobre o ner
revela a presença de tumor benigno, mas uma trans vo, ou ainda a degeneração neurotóxica por reação
formação maligna pode ocorrer no futuro. tóxica local resultante de infecção, são considerados
A combinação da tomografia computadorizada e os fatores mais importantes da disfunção neuronal. O
punção aspirativa não tem resultado em vantagens em nervo facial corre perigo quando é comprimido con
termos de especificidade, sensibilidade, ou exatidão no tra a base do crânio pelo tumor que cresce na direção
diagnóstico de lesões malignas. Na comparação de téc do forame estilomastóideo. Entretanto, massa parotí
nicas, McGuirt et ai.30 encontraram que a tomografia dea com paralisia facial deve ser considerada como ma
computadorizada e a ressonância magnética fornecem ligna até prova em contrário. A prevalência de disfun
diagnóstico correto em 87% dos casos, e a punção ção do nervo facial na primeira consulta do paciente
aspirativa, em 78%. A possível degeneração maligna com tumor maligno da parótida varia de 10% a 15%22.
de um tumor benigno pode ser suspeitada na presen As classificações introduzidas nos últimos 40 anos
ça de: mudança brusca no ritmo de crescimento; perda refletem a melhor compreensão do comportamento
de mobilidade; dor; saliva com laivos de sangue pelo clínico e das variantes histológicas dos tumores das
dueto com compressão do tumor; aparecimento de glândulas salivares. Os tumores benignos mais freqüen
linfonodo cervical clinicamente metastático; e, nos tu tes podem ser agrupados em:
mores da glândula parótida, aparecimento de paralisia
• Adenoma pleomórfico (tumor misto).
facial.
• Cistadenoma papilar linfomatoso (tumor de War-
thin).
• Oncocitoma.
TUMORES BENIGNOS • Adenomas monomórficos.
• Adenoma papilar ductal.
A maioria dos pacientes tem história de massa de cres
• Mioepitelioma.
cimento lento, indolor, presente na região da glându
• Tumor linfoepitelial benigno.
la por meses ou anos; entretanto, 4% dos pacientes
com tumores benignos podem apresentar dor associa
da a massa. Os tumores malignos menores, iniciais,
Adenoma Pleomórfico
são indistinguíveis dos benignos. O tumor benigno
tem limites nítidos, está contido na espessura da glân O adenoma pleomórfico é o mais comum dos tumo
dula, tem superfície lisa (pode apresentar lobulações), res das glândulas salivares, representando 65% dos tu-
772 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos eTraumatismos de Pescoço)

mores benignos. Constitui 60% de todos os tumores controversa. Uma das teorias propõe que esses tumo
parotídeos (75% dos tumores benignos dessa glându res originam-se de restos embrionários derivados da
la) e aproximadamente 50% de todos os tumores da fenda branquial, respondendo pelos elementos epite
glândula submandibular. O adenoma pleomórfico é liais e linfóides, o que justificaria a sua existência ape
responsável por mais de 90% dos tumores benignos nas na glândula parótida. Outra teoria considera que
da glândula submandibular35. Esse tumor predomina o tumor seria uma reação de hipersensibilidade local,
em pacientes na 3a e 4a décadas, com maior incidência em vez de um tumor propriamente dito. Nenhuma
no sexo feminino. Na glândula parótida, a maioria dos dessas teorias é aceita como definitiva.
tumores se localiza no pólo inferior (cauda da glându
la), embora possam envolver qualquer outra parte da
glândula. Na tomografia computadorizada, dada a pre Oncocitoma
sença de abundante tecido linfóide com numerosos O oncocitoma (adenoma de células oxifílicas) é um
espaços cístico e glandular, o tumor de Warthin geral tumor que compromete quase que exclusivamente a
mente aparece hipodenso à musculatura circundante. glândula parótida, responsável por aproximadamente
Os tumores são "encapsulados", tendem a ter 1% dos tumores benignos dessa glândula. Acomete
múltiplos lóbulos, e podem se originar de componen igualmente homens e mulheres, sendo raramente en
tes intra e extraglandulares. Essa aparência tem sido contrados em pacientes com menos de 50 anos. O
comparada a um cacho de uvas. No corte fresco da oncocitoma é composto de oncócitos (células oxifíli
peça cirúrgica, o tumor parece ser redondo ou oval, cas, eosinofílicas) com citoplasma granular, que pare
macio e "encapsulado", situado na espessura da glân cem'ser produto do envelhecimento. O oncocitoma é
dula. A aparência da superfície varia da acordo com o uma massa indolor, de forma arredondada ou ovóide,
grau de celularidade presente (células epiteliais disper homogênea ou multinodular, encapsulada, de consis
sas em estromas mucóide, mixóide ou condróide, ou tência esponjosa, freqüentemente encontrado no lobo
hialino). Microscopicamente apresenta uma cápsula in superficial da parótida. As apresentações malignas são
completa e protrusões transcapsulares (pseudópodos) raras e difíceis de se diferenciar das benignas, e apre
que penetram nos tecidos normais adjacentes, fato de sentam comportamento agressivo, com alta porcenta
grande importância no planejamento da abordagem gem de metástases regionais.
cirúrgica. O seu aspecto histológico muito variável de
um campo microscópico para outro, com diferentes
graus de componentes mesenquimal e epitelial, justifi Adenoma Monomórfico
ca a denominação de tumor misto. Esses tumores po
Os adenomas monomórficos incluem os adenomas de
dem dar metástases e ainda assim continuar benignos.
células basais, adenomas de células claras, adenomas
ricos em glicogênio e outros tumores raros. O adeno
ma de células basais, o mais comum, é encontrado
Tumor de Warthin comumente nas glândulas salivares menores, do lábio
O tumor de Warthin, ou adenolinfoma, é o segundo superior principalmente. Histologicamente podem ser
tumor mais freqüente nas glândulas salivares, respon confundidos com carcinoma adenocístico. Esses tu
sável por 5% a 10% dos tumores da glândula parótida. mores são considerados benignos e não-agressivos.
O tumor se apresenta tipicamente como uma massa
assintomática de crescimento lento na cauda da glân
Mioepitelioma
dula parótida. Ocorre com maior freqüência no sexo
masculino, de raça branca, entre a 6a e 7a décadas de O mioepitelioma é uma neoplasia rara, responsável por
vida. A multicentricidade, bem como a associação com menos de 1% de todos os tumores glândulares. É um
tumores de diferentes tipos histológicos, podem ser tumor benigno, composto quase que exclusivamente
observadas. Esse tumor se apresenta bilateral em 2% a de células mioepiteliais. Homens e mulheres são afeta
6% dos casos3. O aspecto macroscópico da lesão é de dos com igual freqüência. Os dois locais mais comuns
massa mole, gelatinosa, com uma cápsula bem defini de ocorrência são a glândula parótida (40%) e os pala-
da. Microscopicamente são observados múltiplos es tos mole e duro (21%), mas qualquer uma das glându
paços císticos ou tubulares, circundados por células las salivares pode ser envolvida. Na literatura existe
colunares altas e cúbicas, preenchidos por material controvérsia com respeito à classificação taxonômica
mucoso espesso. A histogênese do tumor permanece do mioepitelioma. Esse tumor foi primeiramente cias-
Tumores das Glândulas Salivares 773

sificado entre os tumores benignos das glândulas sali mento do nervo facial e metástase para linfonodos re
vares e mais tarde dentro do espectro morfológico do gionais. Muito embora a tomografia computadoriza
adenoma pleomórfico. Atualmente ele é reconhecido da seja útil, a ressonância magnética é importante para
como uma entidade distinta sob a ampla classificação a identificação dos planos dos tecidos moles e envol
de tumores epiteliais benignos. Dardick et ai}1 consi vimento do nervo facial.
deram que o mioepitelioma provavelmente represen
Os tumores malignos podem ser agrupados em:
ta uma ponta do espectro morfológico dos adenomas
pleomórficos. O ponto em que um tumor misto be • Carcinoma mucoepidermóide:
nigno deve ser considerado um mioepitelioma tem - baixo grau de malignidade;
sido assunto de considerável debate. - alto grau de malignidade.
O comportamento biológico desse tumor é se Carcinoma adenocístico (cilindroma).
melhante ao do tumor misto benigno e deve ser trata Adenocarcinoma.
do em conformidade. Tumores das glândulas salivares Carcinoma de células acinares.
menores devem ser ressecados com uma porção de te
Tumor misto maligno (carcinoma ex-adenoma ple
cido normal para assegurar margens cirúrgicas livres
omórfico).
de tumor. A lobectomia superficial é recomendada para
Carcinoma indiferenciado.
os mioepiteliomas da glândula parótida.
Carcinoma ductal.
Carcinoma oncocítico (oncocitoma maligno).
Carcinoma epidermóide primário.
TUMORES MALIGNOS
Carcinoma de células claras.
; tumores malignos têm características bem defini-
o-
s, como crescimento rápido, podem ser acompanha-
s de linfonodo metastático regional, e apresentam Carcinoma Mucoepidermóide
do nprometimento de nervo e saliva sanguinolenta. Na E o tumor maligno mais comum da glândula paróti
coi
dula parótida 80% dos tumores malignos se loca- da e o segundo na submandibular. Aproximadamente
Vizan 1 no J°b° superficial (pólo inferior —cauda) e 20% 6% a 9% dos tumores envolvendo as glândulas maio
no lcybo profundo20. Na criança, 2% dos tumores glân res são carcinomas mucoepidermóides. Sessenta a 70%
dulares são malignos, 85% deles se localizam na paró são localizados na glândula parótida, seguida pelas glân
tida e 50% são mucoepidermóides (Kaplan e Johns23). dulas menores do palato e a submandibular. Esses
E controverso se a dor é indicativa de malignidade. tumores são classificados em baixo e alto grau. Os tu
Entretanto, a dor representa um sintoma de mau prog mores de baixo grau têm maior taxa de células que
nóstico no tumor diagnosticado como maligno (Spi- secretam muco do que células epidermóides. Esses tu
ro et a/.34)" mores comportam-se como benignos, porém são ca
Dos tumores malignos da glândula parótida, o car pazes de invasão local e metástase. Por outro lado, os
cinoma mucoepidermóide é o mais comum (represen tumores de alto grau apresentam uma proporção de
ta 6,9% de todos os tumores dessa glândula), seguido células epiteliais maior do que células mucosas. Po
pelo tumor misto maligno (4,4%), carcinoma de célu dem simular o carcinoma epidermóide, sendo necessá
las acinares (3,5%), carcinoma adenocístico (3,1%) e car rias, em alguns casos, colorações especiais para diferen
cinoma de células escamosas (2%). Enquanto o carci ciar esses dois tumores. O tumores de alto grau são
noma adenocístico é menos comum do que outros agressivos e têm grande propensão a metástases. Os
tumores malignos na glândula parótida, ele é o mais tumores de baixo grau têm crescimento lento, podem
comum dos tumores malignos da glândula submandi conter líquido mucoso, enquanto os tumores de alto
bular e das glândulas salivares menores. Os tumores se grau são geralmente sólidos. Microscopicamente, os
originam do dueto excretor (carcinomas de células de baixo grau apresentam agregados mucosos separa
escamosas e mucoepidermóide) ou de células de reser dos por traves de células epidermóides; os de alto grau
va e tecido glandular intercalado (tumores mistos, ade- são compostos por células epidermóides, com consi
nocarcinomas, carcinoma adenóide cístico e carcino derável pleomorfismo e atividade de mitose intensa.
mas de células acinares). É difícil predizer o comportamento biológico desses
O estudo radiológico é usado para estadiar o tu tumores: o grau é bem determinado, porém na área
mor. É útil na localização do tumor e na determina intermediária situam-se tumores de comportamento
ção da extensão nos tecidos moles adjacentes, envolvi indeterminado.
774 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Carcinoma Adenocístico mesma proporção. São tumores agressivos, com altas


taxas de metástase regional e a distância, e de recorrên
O carcinoma adenocístico (cilindroma) responde por cia. Microscopicamente, as células cilíndricas, de tama
aproximadamente 6% dos tumores de glândulas saliva nho variável, formam massas papilares, acinares ou
res. Ocorre com menos freqüência na glândula paróti sólidas. Esses tumores podem ser diferenciados dos
da, porém representa o tumor mais comum na glându carcinomas mucoepidermóides por não serem corados
la submandibular e nas glândulas salivares menores. por corantes de queratina. O grau de malignidade (cri
Corresponde a 30% dos tumores das glândulas salivares tério de diferenciação em alto e baixo grau de maligni
menores, 15% a 30% da glândula submandibular, e de dade) tem sido utilizado para graduar esses tumores.
2% a 15% da glândula parótida. Ocorre, geralmente, na
5a década, com igual freqüência entre os sexos.
Os carcinomas adenocísticos se apresentam como ADENOCARCINOMA POLIMÓRFICO DE
massa indolente, assintomática, sólida, não-encapsula- BAIXO GRAU
da ou pobremente encapsulada, de bordos infiltrados.
É o segundo tumor maligno mais freqüente das glân-
Na glândula parótida, 17% dos pacientes desenvolvem
dulas salivares menores. Ocorre geralmente no palato,
paralisia facial e 6,5% apresentam dor. De maneira ge
mucosa oral e lábio superior. As mulheres são mais
ral, apresentam crescimento lento, com forte propen
afetadas que os homens, e geralmente ocorre na 6C
são à invasão de nervos (crescimento perineural), fato
década de vida. O ritmo de crescimento do tumor
que explica a grande dificuldade de erradicação, inde è
muito variável. Microscopicamente, há diferenciaçã
pendente da extensão cirúrgica. Weinstein e Conley1", -O
e organização celular variáveis. Apresentam um padrr
em uma série de 43 pacientes com carcinoma adenocís
infiltrativo com invasão perineural freqüente. IO
tico da glândula parótida, encontraram 8 (19%) com
evidência clínica de envolvimento pré-operatório do
nervo; contudo, 32 pacientes (74%) receberam ressec
ção parcial ou total do nervo facial devido ao seu en
volvimento pelo tumor. Esses tumores têm tendência
para metastatizar por vias linfática e hematogênica (pul
Carcinoma de Células Acinares

O carcinoma de células acinares representa 2,5% a ' /%


de todos os tumores da glândula parótida e 12,5% dos
)
mões e ossos). No diagnóstico, 5% dos pacientes apre carcinomas das glândulas salivares. Aproximadamente
sentam metástase regional. O envolvimento da pele é 95% dos carcinomas das células acinares se originam
raro e representa um estágio avançado de malignidade. na glândula parótida; raramente podem ser encontra
Diferentes tipos histológicos têm sido descritos. dos em outras glândulas salivares maiores ou em glându
Foi proposta uma graduação histológica baseada na las seromueosas do trato aerodigestivo superior. Essa
predominância de padrões cribriíorme ou cilindriíor- distribuição se justifica visto que o tumor é composto
me para tumores de baixo grau, e padrão sólido para de células serosas, as quais ocorrem predominantemen
os de alto grau, porém os resultados têm sido confli te na glândula parótida. O carcinoma de células acina
tantes. Esses tumores podem exibir a larga variedade res é o mais provável dos carcinomas das glândulas
de padrões de crescimento, incluindo o trabecular, salivares a se desenvolver bilateralmente. A maioria
tubular, cribriforme, e ninhos sólidos de células basó- desses tumores ocorre entre a 4a e 6a décadas de vida,
filas e mioepiteliais circundados por estroma hialino. mas pode acometer idosos e crianças, sendo o segun
Tipicamente invadem os espaços perincurais e nos cor do tumor mais comum na glândula parótida em cri
tes são vistos envolvendo os nervos. Mesmo após res anças com 12 ou menos anos (o mucoepidermóide é o
secção cirúrgica com margens cirúrgicas livres, o carci primeiro). A relação masculino/feminino tem sido re
noma adenocístico pode recorrer localmente e metas portada variando de 1:1 a 1:25,32.
tatizar após longo período de latência. O seguimento Macroscopicamente, são tumores bem-circunscri-
pós-operatório deve ser prolongado, tendo em vista o tos, podendo apresentar uma cápsula fibrosa. Em con
crescimento lento característico dessa lesão.
traste com a maioria dos outros tumores glândulares,
os carcinomas de células acinares normalmente pro
duzem lobos largos ou ninhos com pequeno estroma
Adenocarcinoma
interposto. Apresentam dois tipos histológicos: célu
Os adenocarcinomas incluem uma variedade de tipos las serosas acinares (grandes células arredondadas ou
histológicos e ocorrem comumente nas glândulas sali poligonais com citoplasma basófilo) e células com ci-
vares menores, comprometendo ambos os sexos na toplasma claro. Podem apresentar várias configurações:
Tumores das Glândulas Salivares 775

cística, papilar, vacuolizada e folicular. O estudo imu- Ocorre na mesma proporção em homens e mulheres e
no-histoquímico e a microscopia eletrônica não são geralmente na 7a década de vida. Há indícios de que
normalmente necessários para o diagnóstico. Não há possa estar relacionado com o vírus Epstein-Barr. Es
evidência conclusiva da relação entre as características ses tumores são primariamente de pequenas células,
histopatológicas e o prognóstico. Perzin et ai?1 e Lewis porém sua ultra-estrutura é heterogênea e pode mani
et ai.29 observaram que tumores extensos, pobremente festar diferenciação neuroendócrina. São tumores de
circunscritos com áreas sólidas e císticas, alto grau de crescimento rápido, extremamente agressivos, com
atividade mitótica e atipia, a comprometimento de lin marcada tendência a invasão local e metástases a dis
fonodos são associados com pior prognóstico. Esses tância em estágios iniciais. A taxa de sobrevida é mui
autores também observaram uma associação entre en to baixa.
volvimento do lobo profundo da glândula parótida
com recorrência local e metástase. Os carcinomas de
células acinares têm uma baixa incidência de metásta Carcinoma Ductal
se linfática. O índice de recorrência para esses tumores O carcinoma de dueto terminal, quando localizado
tem sido reportado variando de 30% a 50%, com me em glândula salivar menor, em sua fase inicial, é con
tástase a distância de 7% a 29%. Recorrência tardia siderado um tumor de baixo grau, de comportamen
de 20 anos ou mais, é comum. O índice de sobrevida a to menos agressivo, com um prognóstico favorável,
5, 10 e 20 anos, reportado por Lewis et ai.29, foi de enquanto que em glândula salivar maior é um tumor
90%, 83% e 67%, respectivamente. de alto grau de malignidade associado a recorrência
freqüente e metástase precoce regional e a distância,
Tumor Misto Maligno com mortalidade reportada de 53%. Portanto, o car
cinoma ductal tem comportamento biológico dife
Esse tumor representa o tumor maligno que se desen rente conforme a glândula acometida (maior ou me
volveu de um adenoma pleomórfico preexistente. Os nor).
componentes malignos e metástases são puramente de O carcinoma ductal localizado na glândula sali
origem epitelial. Esse tumor representa de 2% a 5% var menor é um adenocarcinoma salivar de baixo grau,
dos tumores das glândulas salivares. Clinicamente, o não mostra tendência metastatizante e o tratamento
paciente exibe uma massa de crescimento rápido, pre cirúrgico é curativo. Esse tumor, quando localizado
sente há 10 ou 15 anos, que não apresentava alterações na glândula salivar maior, é geralmente infiltrativo, al
em tamanho. Macroscopicamente, são nodulares ou tamente maligno e se associa a alto índice de metásta
císticos com cápsula mínima, apresentam-se similares se. Esse comportamento biológico agressivo requer pa-
ao adenoma porém com necrose e hemorragias. Mi rotidectomia com sacrifício do nervo facial, esvazia
croscopicamente, a porção maligna do tumor pode mento cervical e radioterapia pós-operatória. Dada a
aparecer como adenocarcinoma, carcinoma epidermói natureza agressiva quando confinado à glândula sali
de, carcinoma indiferenciado ou qualquer outra for var maior, com metástases regional e distante ocorren
ma maligna. O diagnóstico pode ser confuso, pois o do em 42% a 75% dos casos (Afzelius et ai.1), deve ser
tumor misto benigno pode ter sido completamente realizado o esvaziamento cervical eletivo. A possibili
substituído pela degeneração maligna ou apenas um dade de o carcinoma ductal ser metástase de carcino
pequeno foco de patologia maligna pode ser encon mas de tórax e próstata, os quais têm uma similarida
trado dentro de um tumor misto benigno. As metás de morfológica muito próxima, deve ser sempre leva
tases locais e a distância são comuns nesse tumor e da em consideração.
quando comparado a outros tumores das glândulas A classificação TNM da American Joint Commit
salivares apresenta um prognóstico muito pobre. De tee on Câncer (1992) para tumores malignos das glân
vido a esses fatos, é importante recomendar insistente dulas salivares maiores, é a seguinte:
mente a cirurgia o mais rápido possível, nos casos de
diagnóstico de adenoma pleomórfico, para diminuir T — tumor primário
a probabilidade de transformação maligna. TX —impossibilidade de avaliar o tumor primário
TO —sem evidência de tumor primário
TI — tumor < 2cm
Carcinoma Indiferenciado
T2 — tumor de 2-4cm
É tumor raro que responde por aproximadamente 3% T3 — tumor de 4-6cm
dos tumores malignos de glândulas salivares maiores. T4 — tumor > 6cm
776 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Todas as categorias são subdivididas: a —sem ex cinoma mucoepidermóide. Acomete mais o sexo mas
tensão local; b — extensão local. Extensão local é a culino, na 7a década de vida. Microscopicamente, apre
evidência de invasão clínica ou macroscópica da pele, senta queratinização intracelular, pontes intercelulares
tecido mole, osso ou nervo. e formação de pérolas de queratina, sem produção de
muco. A taxa de metástases regional e a distância é
N - linfonodo regional alta, com prognóstico muito ruim. A cirurgia extensa
NX - impossibilidade de avaliar os linfonodos com radioterapia associada é o tratamento proposto.
regionais
NO sem evidência de metástase em linfonodo
regional TRATAMENTO
NI metástase em um único linfonodo regio
nal homolateral, < 3cm O objetivo da cirurgia dos tumores das glândulas sali
N2 metástase em linfonodo regional: vares consiste na remoção completa do processo pato
N2a — metástase em um único linfonodo lógico, sendo importantes o conhecimento em deta
regional homolateral entre 3 e 6 lhes da anatomia da glândulas salivares, o planejamen
N2b —metástase em múltiplos linfonodos to cirúrgico, os cuidados a serem tomados e as eventu
homolaterais, nenhum maior do que ócm ais complicações. Três nervos têm relação com a glân
N2c — metástase em linfonodos bilaterais ou dula parótida: facial, grande auricular e auriculotem-
contralaterais, nenhum maior do que 6cm poral. O grande auricular prove sensação à pele da face
N3 - metástase em linfonodo, maior do que ócm próxima ao trago e ao lóbulo da orelha. O nervo auri-
culotemporal contém fibras parassimpáticas enviadas
M - metástase a distância à glândula parótida pelo gânglio óptico. A distribui
MX - impossibilidade de avaliar metástase a dis ção anatômica das ramificações do nervo facial tem
tância especial importância nas cirurgias das glândulas paró
MO - sem metástase a distância tida e submandibular, com risco potencial de paralisia
Ml - metástase a distância temporária ou definitiva. O nervo facial emerge pelo
forame estilomastóide, superficial ao ventre posterior
Estadiamento do músculo digástrico, segue entre o meato acústico
externo e o ângulo da mandibula, penetra na glândula
Estádio I Tia NO MO na parte média da linha que vai da extremidade inferior
T2 NO MO do trago ao ângulo da mandibula e se divide, na espes
sura da glândula, em dois ramos principais —o tempo-
Estádio II Tlb NO MO rofacial e o cervicofacial. Os ramos do facial, dentro
T2b NO MO ou fora da glândula, se anastomosam entre si de uma
T3a NO MO maneira variável para formar o plexo parótico, que
supre os músculos da face. O ramo temporofacial é a
Estádio III T3b NO MO divisão mais importante e origina quatro ramos: tem
T4a NO MO poral, que inerva a musculatura frontal; zigomático,
qualquer T (exceto T4b) NI MO nervo motor do músculo orbicular das pálpebras; e
dois ramos bucais, o superior e o inferior. Os ramos
Estádio IV T4b qualquer N MO bucais apresentam inúmeras variações anatômicas, dão
qualquer T N2, N3 MO origem ao plexo bucal à altura da bola de Bichai (Fig.
qualquer T qualquer N Ml 60-1). Inervam a musculatura mímica do lábio superi
or (levantadores, o orbicular dos lábios e o bucinador)
e músculos da asa do nariz (inervação acessória para a
Carcinoma Epidermóide
pálpebra inferior e músculos da glabela). O ramo cer
O carcinoma epidermóide representa uma rara lesão vicofacial tem seu trajeto paralelo à mandibula, dá o
(0,3% a 1,5%) dos tumores das glândulas salivares. ramo motor para ao platisma e se continua como ramo
Ocorre com mais freqüência na glândula submandi marginal da mandibula, sob os músculos platisma e
bular do que na parótida. O diagnóstico adequado depressor do ângulo do lábio, inervando os múscu
requer a exclusão de invasão direta de carcinoma origi los depressor do ângulo do lábio, depressor do lábio
nado em outra região, de tumor metastático e de car inferior, platisma e mentoniano, e comunicando-se com
Tumores das Glândulas Salivares 777

Fig. 60-1. Nervo facial e variações


mais freqüentes. A. Tipo I: 13%. B.
Tipo II: 20%. C. Tipo III: 28%. D. Tipo
IV: 24%. E. Tipo V: 9%. F. Tipo VI: 6%.

o ramo mentoniano do nervo alveolar. O ramo cervi 3. Músculo digástrico. O ventre posterior do músculo
cal forma uma série de arcos através do pescoço e so digástrico se origina na face mediai da incisura mas-
bre a região supra-hióidea, inervando o músculo pla tóidea do osso temporal, abaixo da ponta da mastói
tisma. de. O nervo caminha logo superiormente à margem
A parotidectomia superficial é a remoção do lobo cefálica do músculo no seu aspecto posterior.
superficial (lateral) do nervo facial; parotidectomiatotal
é a remoção dos lobos superficial (lateral) e profundo O nervo facial está no ângulo diedro formado pela
(mediai) da glândula parótida; parotidectomia radical apófise mastóidea, porção cartilaginosa do conduto
é a remoção em bloco de toda a glândula parótida, do auditivo externo e acima do ventre posterior do digás-
tico.
nervo facial e seus ramos. O receio da lesão do nervo
facial é o que leva à enucleação. Nos tumores da glân A apófise estilóide e a fissura timpanomastóidea
dula parótida a enucleação ou excisão simples é inacei são outros parâmetros usados para a identificação do
tável, dado o alto índice de recorrência (30% a 48%) e tronco do nervo facial. A fissura timpanomastóidea é
de lesão do nervo facial. Nesse tipo de ressecção, a per a linha de sutura entre as porções timpânica e mastói
manência dos prolongamentos microscópicos que atra dea do osso temporal (aponta para o forame estilomas-
vessam a pseudocápsula ou a origem multicêntrica do tóideo). O nervo facial emerge do crânio através do fo
tumor pode ser responsável pela recorrência. A proxi rame estilomastóideo lcm posterior a essa fissura.
midade do tumor ao nervo facial é a condição mais A cirurgia da glândula parótida é fundamentada
problemática, mas em qualquer um dos dois tipos da no conhecimento anatômico do trajeto do nervo facial.
parotidectomia o nervo facial deve ser preservado. A Após o tronco do nervo ter sido identificado, um he-
ressecção do lobo profundo não oferece maiores difi mostático curvo (o seu lado côncavo virado para cima)
culdades: o nervo é afastado e o lobo removido. O é introduzido paralelamente ao nervo e seus ramos.
nervo facial é dissecado de maneira centrífuga. Os Mantendo o hemostático aberto e o nervo exposto,
pontos de reparo para identificar o tronco do nervo sob visão direta, o parênquima glandular é seccionado
facial incluem a cartilagem do trago, a apófise mastói e o lobo superficial removido, onde está contido o
de e o ventre posterior do músculo digástrico. tumor. A recorrência após parotidectomia pode estar
ligada à remoção incompleta do tumor (margens ina
1. Cartilagem do trago: o nervo é geralmente lcm in dequadas), ruptura da cápsula cirúrgica com semeadu-
ferior e lcm profundo à ponta dessa cartilagem. ra do campo por células tumorais, e representa um
2. Apófise mastóide. problema terapêutico significativo. No adenoma pie-
778 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

omórfico a ressecção cirúrgica deve englobar uma por índice de 46% de disfunção pós-operatória imediata
ção de tecido parotídeo normal ao redor do tumor em 256 pacientes tratados durante um período de 15
devido aos pseudópodos, o que torna a parotidecto anos para patologias benignas. Laccourreye et al.2b rela
mia superficial o procedimento cirúrgico de escolha taram que 65% (149 em 229) dos pacientes tratados
para esses tumores confinados ao lobo superficial. em 25 anos apresentaram adenoma pleomórfico da
Embora esses tumores sejam benignos, a remoção com glândula parótida. A disfunção permanente ocorreu
pleta do tumor recorrente pode ser muito difícil, com em aproximadamente 4% de ambas as séries.
maior risco de lesão do nervo facial e de recorrência, A parotidectomia total envolve exposição e ma
quando comparada à parotidectomia primária. O dile nipulação extensiva do nervo facial para a ressecção
ma consiste na ressecção completa de um tumor be do lobo profundo da glândula, e é responsável pelo
nigno contra a morbidade resultante do trauma do aumento no índice de disfunção do nervo facial. Nas
nervo facial ou de seu sacrifício intencional. parotidectomias com esvaziamento cervical, o ramo
O papel da radioterapia no tratamento do tumor mandibular do facial é muito manipulado durante a
recorrente é controvertido. Alguns autores acreditam remoção dos linfonodos relacionados com os vasos
que a radioterapia deve ser o último recurso quando faciais ao longo da borda inferior da mandibula. Nas
repetidas ressecções cirúrgicas falharam. A eficácia da cirurgias da glândula submandibular toda a atenção
irradiação para tumor microscópico tem sido demons deve ser dada para evitar trauma a essa fina e delicada
trada no tratamento de pacientes que receberam enu estrutura. O uso de diatermia no levantamento dos
cleação e radioterapia pós-operatória. O índice de recor retalhos próximos da mandibula e na dissecção do con
rência variou de 1% a 3%, enquanto a enucleação sozi teúdo do trígono submandibular pode contribuir para
nha é associada ao índice de 40% (Van Miert et ai.39; a lesão desse ramo.
Dawson e Orr13). Nos tumores da submandibular a ressecção cirúr
O risco de malignização também deve ser consi gica da glândula é a conduta apropriada. Três nervos
derado na abordagem da recorrência. A parotidecto estão em direta contiguidade com a glândula subman
mia total pode ser requerida, dependendo da localiza dibular: o ramo mandibular do nervo facial, o nervo
ção e extensão do tumor. O risco de trauma ao nervo hipoglosso e o nervo lingual. A lesão do ramo marginal
facial é proporcional à extensão da ressecção. Nos tu da mandibula causa seqüela significativa: rotação inter
mores benignos da glândula parótida, o risco de dis na e elevação do lábio superior pela ação dos múscu
função do nervo facial é baixo6'71014. los elevadores, sem haver ação antagonista dos músculos
A probabilidade de disfunção do nervo é maior depressores. O ramo marginal da mandibula pode ser
nos tumores do lobo profundo ou quando o esvazia dividido em três porções: inicial, que se localiza no
mento cervical é realizado em monobloco com a pa interior da glândula parótida; intermediária, localiza
rotidectomia (comprometimento do ramo mandibu da desde a saída da glândula até a artéria facial, sempre
lar). Portanto, nos tumores malignos que comprome sob o músculo platisma; e a terminal, localizada a par
tem o nervo facial, causando disfunção ou paralisia tir da artéria facial, no início subplatismal e no fim
antes da intervenção cirúrgica, o sacrifício do nervo penetrando sob os músculos depressor do ângulo da
facial é freqüentemente necessário para remover todo boca e depressor do lábio inferior. Desse modo, é me
o tumor. Entretanto, tumores malignos da glândula nos provável o trauma ao ramo marginal da mandibu
parótida podem ser ressecados sem sacrifício do nervo la em sua porção proximal; pode ocorrer nas dissec-
facial, especialmente se a função do nervo é normal ções do músculo platisma e em sangramento dos va
antes da cirurgia e o tumor é de baixa malignidade. sos faciais em sua porção intermediária, e quando o
Porém, a preservação do nervo facial nem sempre se ramo sai da posição subplatismal para chegar à face
correlaciona com a função pós-operatória normal, mes profunda da musculatura depressora do lábio em sua
mo quando o nervo é dissecado com grande cuidado. porção terminal.
As opiniões variam consideravelmente no que diz A comunicação entre o ramo marginal da mandi
respeito a um índice aceitável ou apropriado de dis bula e os ramos bucais e cervicais, que podem suprir
função facial pós-operatória. Alguns autores conside parcialmente a musculatura desnervada, explica os ca
ram a disfunção facial temporária como uma seqüela sos de recuperação da paralisia. O ramo marginal da
inevitável da cirurgia da glândula parótida, enquanto mandibula pode cruzar acima ou abaixo da artéria fa
outros vêem qualquer diminuição dos movimentos do cial. Para evitar trauma ao ramo marginal da mandibu
facial como um mau resultado, refletindo negativa la, pode-se fazer a ligadura baixa da artéria e veia faciais
mente sobre sua técnica. Mehle et ai.31 reportaram um e rebater e suturar o coto superior por sobre o nervo
Tumores das Glândulas Salivares 779

para afastá-lo da área de dissecção. O nervo lingual de 10% a 48%2; subelínica pode atingir incidência de
está localizado na parte superior da loja submandibu 100%37. Um dos motivos dessa variação, pelo menos
lar e, junto com o dueto submandibular de Wharton, em parte, repousa no fato de os estudos serem basea
passa entre os músculos milo-hióideo e hioglosso e dos em sintomas clínicos ou em testes objetivos.
atinge a língua (inervação sensitiva dos dois terços Laage-Hellman25, em 1957, demonstrou a ocorrên
anteriores da língua). A remoção da glândula subman cia de 100% da síndrome com o teste de minors starch-
dibular pode ocasionar a secção do nervo lingual, ao iodina. Os estudos atuais não confirmam este valor,
fazer-se a ligadura do dueto de Wharton, com conse porém os testes objetivos mostraram a porcentagem de
qüente anestesia da metade correspondente da língua 86%. Numerosos procedimentos têm sido propostos
e assoalho da boca. O nervo hipoglosso é o nervo para o tratamento da síndrome de Frey já estabelecida.
motor para a língua, e sua lesão resulta em paralisia da A maioria utiliza interposição de diferentes tecidos au-
metade da língua e atrofia da musculatura correspon tólogos entre a pele e o leito parotídeo, mais comu
dente. mente fáscia lata ou materiais não-biológicos. O desen
Muito embora o esvaziamento cervical seletivo volvimento de procedimentos profiláticos durante a
seja reservado para pacientes com linfonodos palpá cirurgia, sem aumentar o tempo e o risco cirúrgico, tem
veis ou para aqueles com tumor de maior risco para norteado os estudos mais recentes. Dulguerov et al}b
metástase regional, o esvaziamento cervical seletivo revisaram a eficácia das barreiras sintéticas e semi-sinté-
superior pode ser de valor em casos selecionados. O ticas na prevenção da síndrome. Acredita-se que a inter
papel da radioterapia é considerado como adjunto à posição de uma barreira durante a cirurgia tem como
cirurgia. A radioterapia é geralmente indicada para vantagens: (1) impedir o crescimento aberrante das fi
pacientes com tumores de alto grau de malignidade, bras autossômicas parassimpáticas pós-gangliônicas cor
tumor avançado localmente, envolvimento do nervo tadas da glândula parótida para as glândulas sudorípa
facial, metástase regional e tumor recorrente. Estudos ras próximas; (2) proporcionar uma diminuição do pe
retrospectivos indicam que a radioterapia pós-opera queno defeito estético que ocorre após parotidectomia
tória é benéfica. Pacientes que receberam cirurgia e ra parcial ou total. As desvantagens são: (1) o uso dessas
dioterapia pós-operatória têm sobrevida livre de tu barreiras teciduais requer uma segunda incisão (zona
mor de 49% a 62% em 5 a 10 anos de seguimento, doadora); (2) o aumento do tempo de anestesia geral e
comparados com 9,5% a 22% com cirurgia apenas. Do das complicações pós-operatórias.
mesmo modo, o controle local do tumor com cirur As medidas preventivas da síndrome de Frey po
gia é de 17% a 74%, e com cirurgia e radioterapia pós- dem ser divididas em modalidades cirúrgica e não-ci-
operatória, de 51% a 96% (Spiro et ai.34-36). O prognós rúrgica, sendo que os procedimentos cirúrgicos atuam
tico é fortemente dependente da freqüência de metás no bloqueio das glândulas sudoríparas, como a neu-
tase. Margens cirúrgicas livres de comprometimento rectomia do nervo timpânico com ou sem secção da
neoplásico e ausência de metástase nos linfonodos re corda do tímpano, ou interpõem uma barreira entre o
gionais são sinais de bom prognóstico. Por outro lado, retalho de pele descolado e o tecido salivar parotídeo
nos tumores malignos com comprometimento do remanescente: rotação de retalho musculoaponeuróti-
nervo facial, a incidência de metástase é alta e o prog co, retalho do músculo esternocleidomastóideo de
nóstico é pobre11,21. Spiro et ai.34 reportaram 288 pacien pedículo superior24 e, mais recentemente, interposição
tes com câncer da parótida, sendo que 43 (15%) deles de retalho de fáscia temporoparietal. A vantagem des
apresentavam disfunção do nervo facial. Apenas 14% ses procedimentos é que eles usam tecido das regiões
desses 43 pacientes estavam vivos e livres de tumor no adjacentes ao local da parotidectomia e contribuem
seguimento de 5 anos. para minimizar a deformidade do contorno retroman-
A síndrome de Frey18 é uma complicação tardia dibular. Atualmente, a síndrome já estabelecida tem
da parotidectomia caracterizada por dois sintomas sido abordada com modalidade não-cirúrgica: uso tó
principais na área operada: sudorese e rubor gustati- pico de antiperspirantes (glicopirrolato a 2%); agentes
vos. Os pacientes podem apresentar sudorese e verme anticolinérgicos (escopolamina a 3%),19 creme anti-his-
lhidão na área operada ao estímulo gustativo ou pode tamínico (alumínio clorido a 20%),9 injeção de álcool
ocorrer sensação parestésica desagradável, com gotas no gânglio óptico; irradiação em dose baixa e injeção
de suor gelado. A sudorese é o resultado da reinerva- cutânea de toxina botulínica tipo A8,15-27,28. O efeito da
ção aberrante das glândulas sudoríparas na face pelas toxina botulínica tem duração média de 12,1 a 17,3
fibras nervosas parassimpáticas do nervo óptico. A in meses. Laskawi et al2S acumularam grande experiência
cidência reportada de sudorese gustativa clínica varia com Botox e constataram efeito médio de 17,3 meses.
780 Cirurgia de Cabeça c Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 60-2. Tumor de Warthin da


glândula parótida. A. Tomografia
computadorizada. B. Fotografia
mostrando dimensões do tumor.
C. Demarcação da incisão cutânea
em S. D. Parotidectomia superficial
com conservação do nervo facial.

É importante destacar que aproximadamente 100% dos 6. Bears HO, Adson AM. The surgical anatomy and technic of
parotidectomy. Am J Surg 1960;95:885-96.
pacientes respondem ao tratamento, mas quase sem
pre há a necessidade de aplicações subseqüentes. As 7. Bears OH, Chong GC. Management of the facial nerve in parotid
gland surgery. Am J Surg 1972;124:473-6.
barreiras cirúrgicas mais utilizadas para a prevenção da
síndrome de Frey incluem retalho muscular, fasciomus- 8. Bjerkhoel A, Trobbe O. Frey's syndrome: treatment with
botulinum toxin. J Laryngol Otol 1997;777:83944.
cular e enxerto de derme ou gordura/derme. O uso de
9. Black MJM, Gunn A. The management of Frey's syndrome
enxerto de derme não tem alcançado maior repercus
with aliminium chloride hcxahydrate antiperspirant. Ann R
são devido à necessidade de uma segunda incisão na Coil Surg EngI 1990;72:49-52.
zona doadora e ao aumento no tempo cirúrgico.
10. Blevins NH, Jackler RK, Kaplan MJ, Boles R. Facial paralysis
due to a benign paritid tumors. Arch Otolaryngol Head Neck
Surg 1992; 17.9:427-30.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 11. Conley JJ, Hamakcr RC. Prognosis of malignant tumors ofthe
parotid gland with facial paralysis. Arch Otolaryngol 1975;
1. Afzelius L, Cameron WR, Svensson C. .Salivary duct carcinoma: 707:39-41.
a clinicopathologic study of 12 cases. Head Neck Surg 1987;
9:151-6. 12. Dardick I, van Nostrand AWP, Phillips M J. Histogenesis of
salivary gland plcomorphic adenoma (mixed tumor) with an
2. Allison GR, Rappaport I. Prevention oi Frey's syndrome with
evaluation of the role of the myoepithclial cell. Hum Pathol
superficial museuloaponeurotie system interposition. Am JSurg
1982;75:62-75.
1993;766:407-9.
3. Batsakis JG, Regczi JA. The pathology of head and neck tumors 13. Dawson AK, Orr JA. Long-term results of local excision and
salivar)' gland. Head Neck Surg 1978;7:59-69. radiotherapy in plcomorphic adenoma ofthe parotid./ Radiai
Oncol Biol Phys 1985;77:451-5.
4. Batsakis JG, Sucige N, el-NaggarAK. Fine-needle aspiration of
salivar)' glands: its utility and tissue cffccts. Ann Otol Rhinol 14. DcLozier HL, Spinella MJ, Johnson GD. Facial nerve paralysis
Laryngol 1992;707:185-8. with benign parotid masses. Ann Otol Rhinol Laryngol 1989;
95:644-7.
5. Batsakis JG, Luna MAA,El-Naggar AK. Histopathologic grading
of salivary gland ncoplasms, II: acinic cell carcinomas. Ann 15. Dulguerov P, Quinodoz D, Cosendai G et ai. Frey syndrome
Otol Rhinol Laryngol 1990;99:929-33. treatment with botulinum toxin. Otolaryngol HeadNeckSurg.
Tumores das Glândulas Salivares 781

16. Dulguerov P, QuinodozD,Cosendai G etai. Prevention of Frey 28. Laskawi R, Drobik C, Schonebeck C. Up-to-date report of bot
Syndrome duringparotidectomy. Arch Otolaryngol Head Neck ulinum toxin typeA treatmentin patientswith gustatory sweat
Surg 1999;725:833-9. ing (Freysyndrome). Laryngoscope 1998; 198:381-4.
17. Everson JW, Cawson RA. Salivary gland tumors. A review of 29. LewisJE, Olsen KD, Weiland LH. Acinic cell carcinoma: clini-
2410 cases with particular reference to histological types, site, copathic review. Câncer 1991;67:172-3.
age and sex distribution. J Pathol 1985;746: 51-8. 30. McGuirt WF, Keyes Jr JW, Greven KM et ai. Preoperative iden-
18. Frey L. Le syndrome du nerf auriculo-temporal. Rev Neurol tifícation of benign versus malignant parotid masses: a com-
1932;2:92-104. parative studyincluding positronemission tomography. Laryn
goscope 1995;705:579-84.
19. Hays LL, Nova AJ, Worsham JC. The Freysyndrome: a sim-
ple, effective treatment. Otolaryngol Head Neck Surg 1982; 31. Mehle ME, Kraus DH, Wood BG et ai. Facial nerve morbidity
90-A19-25. following parotid surgery for benigndisease: the Cleveland Clin-
ic Foundation experience. Laryngoscope 1993;705:386-8.
20. Hunter RM, Davis BW, GrayGF, Rosenfeld L. Primary malig-
nant tumors of salivary gland origin:a 52 year review. AmSurg 32. Perzin KH, LiVolsi VA. Aciniccellcarcinomas arisingin salivary
1983;42:82-9. glands: a clinicopathologic study. Câncer 1979;44:1.434-57.
21. Johns ME. Parotid câncer: a rational basis for treatment. Head 33. Society of Surgical Oncology Practice Guidelines. Parotid gland
Neck Surg 1980;3:132-44. câncer surgical practice guidelines. Oncology 1997; 17:1.219-23.
22. Johns ME, Goldsmith MM. Incidence, diagnosis and classifi- 34. Spiro RH, HuvosAG,Strong EW. Câncerof the parotid gland.
A clinicopathologic studyof 288 primary cases. AmJSurg1975;
cation of salivary gland tumors. Oncology 1989;3:47-56.
103:452-9.
23. Kaplan MJ, Johns ME. Malignant neoplasms. In: Cummings 35. Spiro RH, Hadju SI, Strong EW. Tumors of the submaxillary
CW. Otolaryngoly-Head and Neck Surgery. 2 ed. St. Louis: gland. Am J Surg 1976;732463-8.
Mosby Year Book Inc, 1993.
36. Spiro RH, Wang CC, Montgomery WW. Carcinoma of the
24. Kornblut AD, Westphal P, Miehlke A. The effectiveness of a parotid gland: analysis of treatment results and patterns of
sternomastoid muscle flap in preventing post-parotidectomy failure after combined surgery and radiation therapy. Câncer
occurrence of the Frey'syndrome. Acta Otolaryngol 1974; 1993;77:2.699-705.
77:368-73.
37. Sultan MR, Wider TM, Hugo NE. Frey's syndrome: prevention
25. Laage-Helman JE. Gustatory flushing and sweating after conser- with temporoparietal fascial flap interposition. Ann Plast Surg
vative parotidectomy. Acta Otolaryngol 1957;4#234-52. 1995;34:292-7.
26. Laccourreye H, LaccourreyeO, Cauchois R et aí.Total conserva- 38. Zurrita S, Alasio L, Tradati N ef ai. Fine-needle aspiration of
tive parotidectomy for primary benign pleomorphic adenoma parotid masses. Câncer 1993;72:2.306-11.
of the parotid gland: a 25-year experience with 229 patients. 39. Van Miert PJ, DawesJD, Harkness DG. The treatment of mixed
Laryngoscope 1994;104:1.487-94. parotid tumors. A report of 183 cases. / Laryngol Otol 1968;
27. Laccourreye O, Akl E, Gutierrez-Fonseca R et ai. Recurrentgus- £2:459-68.
tatory sweating (Frey'syndrome) after intra-cutaneous injection 40. Weistein GS, ConleyJJ. Adenoid cystic carcinoma of the parot
of botulinum toxin type A. Arch Otolaryngol HeadNeckSurg id gland: a reviewof surgical management with reference to the
1999;725:283-6. facial nerve. Ann Otol Rhinol Laryngol 1989;$>&845-7.
Traqueotomia: Indicações,
Técnicas e Complicações

Robert Thomé
Daniela Curti Thomé
Hélio Kaiuakami

mento da técnica; reavaliação da técnica e seus resulta


INTRODUÇÃO
dos; estágio final de padronização com definição das
A palavra traqueotomia originou-se de duas palavras indicações da técnica e análise dos resultados obtidos
gregas, significando "cortando a traquéia". Traqueoto frente aos previstos. Sob o ponto de vista cronológi
mia é a incisão praticada na traquéia, e traqueostomia co, o desenvolvimento da traqueotomia pode ser divi
é a abertura da traquéia seguida da introdução de uma dido em cinco períodos:
cânula no seu interior, com o fim de estabelecer uma
• Período de lenda - 2000 a.C. a 1546 d.C.
comunicação com o meio exterior. Com relação à eti
• Período de medo — 1546 a 1833.
mologia, traqueotomia significa uma incisão ou aber
• Período de drama - 1833 a 1932.
tura da traquéia, sem envolver permanência. Traqueos
• Período de entusiasmo — 1932 a 1965.
tomia é a criação cirúrgica de uma abertura temporá
• Período de racionalização —de 1965 até o presente.
ria ou permanente na traquéia, com a mucosa traqueal
sendo trazida em continuidade com a pele. Muito
embora exista na literatura considerável discussão com
Período de Lenda
relação ao uso dessas duas palavras, muitos autores con
tinuam a usá-las de modo intercambiável. Neste estudo, Tem sido sugerido que a traqueotomia foi praticada
por motivo de exatidão, o termo traqueostomia é usa por egípcios há 3.000 anos a.C, conforme revelam ma
do somente quando a mucosa da traquéia é suturada à nuscritos antigos, feitos em papiro egípcio. O livro
pele do pescoço. A abertura na traquéia é um procedi sagrado dos hindus, Rig Veda, descreve a traqueoto
mento tão antigo quanto a própria história da medici mia entre 1000 e 2000 a.C. A Alexandre, O Grande (10
na, com desenvolvimento dos aspectos técnicos du a.C.) é reputado ter aberto, com a ponta de seu pu
rante a primeira metade do século XIX, de um começo nhal, a traquéia de um soldado dado como morto de
primitivo a uma condição muito próxima da presen vido a obstrução respiratória causada por corpo estra
te. Como todo procedimento cirúrgico, a técnica de nho15. Historicamente, Aretaeus, (81-138 a.C.) e Ga-
traqueotomia passou por vários estágios de desenvol len, médico grego (130-200 a.C), foram os primeiros a
vimento: introdução da técnica à comunidade cirúrgi escrever a respeito da traqueotomia, creditando a As-
ca; experimentação e pesquisa da técnica; desenvolvi clepiades de Bithnia (124-156 a.C), médico grego que

782
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 783

migrou para Roma, a realização da primeira traqueo tituía, isoladamente, uma cura, e que o sucesso depen
tomia eletiva, em 100 a.C, para o alívio do que foi dia essencialmente de todos os meios empregados para
reconhecido posteriormente como obstrução da via facilitar o acesso livre do ar por meio de uma cânula
respiratória14. larga, adaptada para favorecer a remoção das falsas
membranas. Craigie7, em 1828, praticou, com o seu
canivete, uma incisão vertical nos dois primeiros anéis
Período de Medo traqueais de um paciente que estava morrendo de su-
A traqueotomia era praticada por alguns poucos cirur focação causada por um abscesso cervical. Craigie7 in
giões com o risco de suas reputações, porque era asso seriu duas penas ocas de escrever como substituto da
ciada com alta mortalidade. Antônio Moussa Brasavo-
cânula de traqueotomia. Essas penas tornavam-se obs
la3 (1500-1555) realizou laringotomia em 1546 e, mais truídas intermitentemente e havia muita tosse, mas aos
tarde, no mesmo século, Sanctorius29 (1561-1636) dei poucos a respiração do paciente tornou-se mais fácil.
xou um trocarte em um ferimento traqueal por 3 dias. Tudo corria bem até que o assistente que segurava a
A primeira traqueotomia com sucesso em criança foi vela para iluminação desmaiou, a vela apagou, as pe
aparentemente realizada no início de 1600 para alívio nas escaparam da ferida e o paciente tornou-se nova
de obstrução respiratória. Nicholas Habicot (1550- mente sufocado até que as penas foram achadas e reco
1624), em 1620, registrou quatro casos de sucesso de locadas. Felizmente o abscesso se rompeu, o pus foi
traqueotomia. Fabricius31 descreveu a traqueotomia expectorado e deglutido, o abaulamento do pescoço
com detalhes magníficos. Casserius4, no século XVI, diminuiu e a ferida na traquéia permaneceu aberta o
bastante para o paciente recuperar a respiração. Du
ilustrou a traqueotomia de maneira sem paralelo até
rante a primeira metade do século XIX, aspectos da
hoje. A traqueotomia era realizada somente em situa
técnica da traqueotomia estavam ainda sendo desen
ções de emergência em conseqüência de insuficiência
volvidos. As condições sob as quais a traqueotomia
respiratória aguda. Esse procedimento era condenado,
era praticada eram apavorantes: não havia iluminação
considerado perigoso e irresponsável até o início do
adequada, os pacientes estavam acordados e se deba
século XIX. Gary K. Thomas15 encontrou apenas 12
tiam e não havia cânulas padrões, que tendiam a ser
casos de traqueotomia realizados com sucesso até 1825.
curtas, retas e causavam grande reação irritativa à tra
quéia. Não havia aspiradores, e os cirurgiões corajosos
sugavam com a boca a ferida e freqüentemente sucum
Período de Drama
biam da difteria de que os pacientes sofriam. Letixe-
A traqueotomia era realizada somente em situações de rant22 descreveu a técnica recomendada por Joseph
emergência, devidas a obstrução respiratória aguda. Claude Anthelme Récamier (1774-1825) na qual, após
Durante a primeira metade do século XIX, os aspectos incisar a pele e expor a traquéia, esta última só deveria
técnicos da traqueotomia estavam ainda sendo desen ser aberta 12 a 24 horas depois de assegurado que todo
volvidos. As traqueotomias eram realizadas sem anes sangramento tinha cessado. Guersant e Trousseau35 des
tesia, em posição sentada ou deitada, e a técnica opera- creveram uma técnica cirúrgica corajosa, compreenden
tória variava grandemente. A história da traqueotomia do a imediata abertura da traquéia. Perfuração da pare
no século XIX é seguramente também a história da de traqueoesofágica era regularmente descrita. O ter
difteria. Em 1807, um sobrinho de Napoleão Bona- mo broncotomia era muito comum e englobava tan
parte morreu de difteria. Napoleão ofereceu uma gran to traqueotomia como laringotomia; esses três termos
de recompensa por novos conhecimentos a respeito eram usados e nem sempre facilmente distinguíveis
da doença, o que originou o clássico trabalho de Bre- uns dos outros. Certamente ocorreram numerosos ca
tonneau2, da escola francesa, de combate à obstrução sos de divisão da membrana tireoióidea e de traqueo
da via aérea com base na traqueotomia, que permane tomia alta que comprometeram a cartilagem cricóide,
ceu como prática padrão na França por três quartos com conseqüente separação laríngea. Foi reconhecido
do século. Armand Trousseau34 (1801-1867), em 1833, que, na difteria, a traqueotomia devia ser mais baixa,
reportou que 25% de 200 crianças traqueotomizadas mas ela era difícil de ser realizada e o istmo da glându
por difteria sobreviveram. Guersant11, em 1835, no la tireóide era um problema; as veias ingurgitadas, um
tou que as traqueotomias não apresentavam maior incômodo; os vasos braquiocefálicos, um perigo; e, em
sucesso na difteria porque precauções posteriores não crianças, a traquéia era por vezes difícil de ser encon
eram tomadas para assegurar suas vantagens. Argumen trada. Por volta da metade do século, os maiores avan
tava que a mera realização da traqueotomia não cons ços incluíram a necessidade de limpar a cânula, o de-
784 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

senvolvimento de uma cânula de traqueotomia dupla enormes progressos da cirurgia tornaram a traqueoto
e de flange (aba em cada extremidade da cânula) por mia um procedimento relativamente simples e roti
meio da qual se prendia a cânula no lugar. Na difteria, neiro, com o índice de complicações variável prova
a traqueotomia era mantida por 8 a 10 dias, embora o velmente refletindo a experiência do cirurgião, as ca
período variasse de 4 a 50 dias, mas em processos crô racterísticas do paciente, a técnica cirúrgica e os cuida
nicos da laringe o período era mais longo. Solis Co- dos pós-operatórios. A traqueotomia tornou-se um
hen30 comentou a respeito da corrosão lenta das cânu- procedimento freqüentemente realizado no paciente
las metálicas e observou que alguns pacientes deixa crítico, internado em UTI, em geral instável hemodi-
vam de trocar a cânula por muitos anos. Em 1879, ele namicamente, coagulopata e transportado com difi
descreveu um paciente que usou a cânula de traqueo culdade para a sala cirúrgica. Isso levou à evolução das
tomia por 40 anos e outro por 46 anos. Jackson19, em técnicas de traqueotomia à beira do leito (bedside tra-
1909, procurou padronizar as indicações, a técnica ci cheostomy), como a traqueotomia percutânea e a trans-
rúrgica da traqueotomia e o formato das cânulas, laríngea. Em adição ao alívio da obstrução respirató
tornando o procedimento seguro, práticoe relativamente ria alta, as indicações para a traqueotomia se amplia
simples (reduziu a mortalidade operatória de 25% para ram: ventilação assistida prolongada, proteção da via
2%). A traqueotomia passou a ser vista como um proce aérea, necessidade de melhor higiene pulmonar e eli
dimento de bases sólidas, ganhando maior aceitação. minação do espaço morto. As vantagens e desvanta
gens da intubação endotraqueal versus traqueotomia
tornam-se muito discutidas. Os benefícios da traqueo
Período de Entusiasmo tomia sobre a intubação incluem ajuda no desmame
Este período caracterizou-se pelos argumentos "em do aparelho de ventilação, diminuição do espaço mor
dúvida a respeito da necessidade ou não da traqueoto to, maior conforto, possibilidade de fonação, contro
mia, faça-a" ou "o momento para a realização da tra le mais seguro da via aérea e acesso mais fácil para aspi
ração das secreções.
queotomia é quando pela primeira vez se pensa nela".
As indicações se ampliaram: para poliomielite (entre
1930 e 1940), para aspirar secreções traqueobrônquicas
e para tetânicos curarizados. Na epidemia de poliomie
INDICAÇÕES
lite, na década de 1950, Galloway11, em 1943, realizou Por quase 2.000 anos o objetivo principal da traqueo
traqueotomia em paciente com poliomielite para aspi tomia foi quase que exclusivamente a desobstrução
rar secreções traqueobrônquicas e para auxiliar o trata respiratória aguda ou crônica. No início de 1940, quan
mento da paralisia respiratória secundária (respiração do foi defendida em pacientes com poliomielite, o
com pressão positiva intermitente através de cânulas conceito de traqueotomia para manter ventilação al-
de traqueotomia com euff nos pacientes que estavam veolar adequada e remover as secreções traqueobrôn
nos pulmões de aço). Com a introdução de aparelhos quicas tornou-se apreciado. As indicações incluem qual
de pressão positiva, em 1950, o número de traqueoto quer condição que cause insuficiência respiratória (de
mias para ventilação prolongada aumentou dramati créscimo do p02):
camente, dado o desenvolvimento de técnicas para os
• Obstrução respiratória alta, usualmente devida a
cuidados pulmonares em UTI.
trauma, tumor, corpo estranho ou obstrução do
trato respiratório baixo conseqüente ao acúmulo de
secreções. Na presença de insuficiência respiratória
Período de Racionalização
com alterações significativas dos gases sangüíneos,
Representou o estágio final de padronização da técni ocorrem hipoxia e hipercapnia. A hipoxia determi
ca, com definição de suas indicações, planejamento na, dependendo da gravidade da obstrução, pertur
cirúrgico, cuidados a serem tomados, avaliações dos bação do raciocínio, instabilidade motora, taquicar-
benefícios e possíveis complicações da traqueotomia. dia, aumento da pressão sangüínea; com piora da
Modificações da técnica cirúrgica da traqueotomia têm hipoxia, seguem-se bradicardia, depressão miocárdi-
sido propostas para diminuir a morbidade associada ca e choque. A cianose ocorre quando a concentração
com o procedimento. Adicionalmente, as traqueoto de hemoglobina reduzida nos capilares é > 5g/dl,
mias passaram a ser grandemente auxiliadas pela intu- notada nos lábios, nas mucosas e nos leitos das
bação endotraqueal ou pela passagem de um broncos- unhas. A hipoventilação resulta em aumento da
cópio rígido, antes do início do procedimento. Os pC02, causando acidose respiratória (hipercapnia).
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 785

A hipercapnia devida à insuficiência respiratória ma cerebral e causa agitação, confusão e depressão


aguda determina distúrbios progressivos da função respiratória com parada. A combinação de hipoxe
do sistema nervoso central: apreensão, confusão, mia e hipercapnia produz uma baixa do pH no san
sonolência, coma e morte. São freqüentes taquicar- gue (acidemia): A menos que revertidos, esses fato
dia e sudorese. O paciente hiperventila na tentativa res levam à asfixia. Em doenças que requerem trata
de compensar a acidose, forçando um aumento do mento prolongado, a traqueotomia pode prover um
trabalho muscular, com conseqüente acidose meta- meio mais fácil e seguro para assistência ventilató
bólica. Considerando a fisiopatologia, os parâme ria, eliminar espaço morto, permitir freqüente e ade
tros gasométricos para indicação da traqueotomia quada aspiração das secreções traqueobrônquicas e
incluem: p02 < 50 e pC02 > 55 (desde que o paciente evitar aspiração de secreções orais e gástricas.
não seja portador de doença pulmonar obstrutiva
crônica). Obstrução respiratória aguda requerendo Na presença de dificuldade respiratória resultante
traqueotomia pode ocorrer em uma variedade de pa de trauma da laringe, não há coincidência de opiniões
quanto à melhor maneira de desobstruir a via aérea, se
tologias, como intoxicação por droga, trauma da
cabeça, pescoço ou tórax, cirurgia eletiva, distúrbi por intubação endotraqueal ou traqueotomia. A tra
os neuroparalíticos, pneumonia e infecção. queotomia sob anestesia local é melhor do que a intu
• Distúrbios nos fatores mecânicos da respiração com bação laringotraqueal no trauma agudo da laringe, em
transmissão neuromuscular envolvendo músculos
especial quando não é possível determinar rapidamen
respiratórios, como na poliomielite, miastenia grave te a extensão das lesões. A intubação endotraqueal é
e doenças desmielizantes; depressão do centro respi perigosa porque pode acrescentar trauma, provocar
ratório (sedação, trauma cerebral, pressão intracrania falso trajeto ou romper uma via aérea tênue. A traque
na aumentada); doenças que resultam em restrição otomia desobstrui a via aérea e salva o paciente; anula
da parede torácica, como cirurgia torácica, trauma ou o inconveniente do esfíncter glótico fechado, impe
enfisema pulmonar: a traqueotomia oferece um meio dindo a progressão do enfisema; coloca a laringe em
efetivo para ventilação assistida prolongada. repouso e permite aspirar o sangue que se acumulou
• Acúmulo das secreções traqueobrônquicas: permite nas vias aéreas inferiores. Além disso, sempre que pos
aspiração de secreções acumuladas na árvore traqueo- sível, no mesmo ato cirúrgico da realização da traque
brônquica. Jackson20, em 1911, reconheceu que um otomia, deve-se aproveitar para a reparação anatômica
paciente podia asfixiar-se em suas próprias secreções. das estruturas comprometidas da laringe. A menor
Quando a capacidade de expectoração está prejudi dúvida a respeito da necessidade ou não de traqueoto
cada por quadro cardíaco congestivo, trauma, ede mia, não se deve hesitar em fazê-la. É importante que a
ma pulmonar, doença pulmonar crônica ou doença traqueotomia seja praticada baixa, tão longe quanto
bulbar secundária a insuficiência cerebrovascular
possível da área traumatizada, para evitar trauma adi
complicada por pneumonia após hospitalização cional e infecção.
prolongada, cirurgia ou dores fortes, torna-se neces
sário controlar o volume das secreções acumuladas
TÉCNICA CIRÚRGICA
na via respiratória inferior através da traqueotomia.
Inabilidade de tossir é resultado de coma, debilida A traqueotomia pode ser um procedimento de emer
de ou interferência no trajeto do nervo. O acúmulo gência ou eletivo, sendo mais bem realizado no centro
de secreções nos brônquios e alvéolos interfere na cirúrgico, onde recursos apropriados estão à disposição
troca gasosa, diminuindo a p02 dos órgãos e crian do cirurgião. Em uma situação de urgência, entretanto,
do a condição conhecida como hipoxemia. Quan pode ser necessário traqueotomizar o paciente imedia
do o cérebro é privado de oxigênio, ocorre rápida tamente, sem instrumentos cirúrgicos apropriados e sob
perda de consciência. A hipoxemia é seguida por as mais difíceis circunstâncias. A traqueotomia de ur
permeabilidade capilar aumentada, com subseqüen gência pode ser evitada em um hospital equipado pelo
te prejuízo para órgãos vitais. Associada com hipo estabelecimento de uma via aérea permeável por meio
xemia e igualmente importante é a hipercapnia, con de intubação endotraqueal ou passagem de broncoscó-
dição resultante da má função ventilatória, da falta pio rígido. A traqueotomia de urgência é desse modo
de transferência de C02 da circulação venosa alveo- convertida em uma traqueotomia eletiva e programada.
lar e aumento de pC02 nos líquidos orgânicos com Se essa conduta não está disponível e há um perigo
acidose. O aumento de C02 no sangue arterial su- eminente de asfixia, uma operação de emergência deve
perestimula o centro respiratório, aumenta o ede ser realizada mesmo longe do ambiente hospitalar.
786 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos c Traumatismos de Pescoço)

TRAQUEOTOMIA DE EMERGÊNCIA palpação, os anéis traqueais. O bisturi usa esse dedo


como um guia, incisando o segundo e terceiro anéis
Está indicada para alívio da obstrução respiratória aguda
traqueais verticalmente (Fig. 61-1). Os músculos ou o
bastante grave. Se não foi possível a intubação endo istmo da glândula tireóide são raramente identifica
traqueal, traqueotomia de urgência é necessária. Ano- dos. O cabo do bisturi é interposto na incisão traqueal,
xia determina morte em aproximadamente 4 a 5 mi
separando as duas metades, para permitir a passagem
nutos. A traqueotomia de emergência deve ser realiza
do ar. Após uma respiração satisfatória ter sido restau
da em 2 a 3 minutos. Como tática para ganhar tempo
rada, uma tentativa é feita para controlar o sangramen-
pode-se puncionar a membrana cricotireóidea com
to por tamponamento, por compressão ou ligadura
uma agulha grossa na qual é adaptado oxigênio, com dos vasos. Deve ser enfatizado que tal cirurgia de emer
os cuidados necessários para evitar pneumotórax.
gência vincula um certo número de perigos inerentes
e complicações. A abertura abaixo do terceiro anel tra
queal deve ser evitada devido ao aprofundamento da
TÉCNICA DE JACKSON traquéia, com aumento do risco de pneumotórax e
Muito embora o paciente com grau severo de obstru pneumomediastino.
ção da laringe não consiga assumir a posição supina e
nem suporte muita manipulação, sua cabeça deve ser
CRICOTIREOTOMIA
estendida o mais possível, para trazer a traquéia cervi-
cal para mais perto da superfície. A cartilagem cricói- Consiste em identificar e incisar a membrana cricoti
de e os músculos esternocleidomastóideos são identi reóidea até penetrar o lume da laringe, alargar essa in
ficados por palpação. O polegar e o terceiro dedo da cisão e colocar uma sonda endotraqueal ou cânula de
mão esquerda deprimem os músculos esternocleido traqueotomia na traquéia (Fig. 61-2). Essa membrana é
mastóideos para fixar a laringe e proteger os grandes muito próxima da pele, de fácil localização por tratar-
vasos. A mão direita segura o bisturi e executa uma se de elemento anatômico de limites bem definidos,
incisão vertical, indo da cartilagem tireóide à fúrcula relativamente avascular e localizada acima do istmo
esternal. Essa incisão é aprofundada enquanto o dedo da glândula tireóide. Muito embora controversa, a cri-
indicador da mão esquerda procura identificar, por cotireotomia pode ser um procedimento útil para o

Fig. 61-1. Traqueotomia de emergência de Jackson: posicionamento da mão esquerda; o bisturi, segurado na mão direita, secciona os
tecidos pré-traqueais até penetrar a traquéia, guiado pelo indicador da mão esquerda.
Traqueotomia: Indicações, Técnicas c Complicações 787

carruagens tireóide e cricóide entre o polcgar e o dedo


médio da mão esquerda (mão não-dominante), en
quanto que o dedo indicador identifica o espaço cri
cotireóideo. Duas variantes de técnicas podem ser
usadas: na primeira, o bisturi é inserido perpendicu
larmente ou em ângulo inferior através da membra
na cricotireóidea. Um hemostático ligeiramente aber
to é introduzido ao redor da lâmina do bisturi em
direção ao interior da traquéia, alargando a incisão.
O bisturi é trocado por uma cânula de traqueotomia
ou tubo endotraqueal. Na segunda variante técnica, é
praticada incisão horizontal através da pele e da mem
brana cricotireóidea, paralela ao anel traqueal, procu
rando não lesar a artéria cricotireóidea. A abertura na
membrana cricotireóidea é então ampliada e inserida
Fig. 61-2. Cricotireotomia: o lume da via aérea abordado pela uma cânula apropriada. Maior sangramento pode ser
membrana tireoióidea (se/a).
esperado com a incisão horizontal, porque veias po
dem ser cortadas nessa área. Após a cricotireotomia,
uma traqueotomia no local correto é executada den
tratamento da obstrução aguda da via aérea superior, tro de 24 a 48 horas, se ainda for necessária. Um risco
quando esta não pôde ser obtida pela via da laringe e aumentado de estenosc subglótica existe se a cânula
uma traqueotomia de urgência não pôde ser realizada permanece acima da cartilagem cricóide por longo
com segurança. A cricotireotomia pode ser efetuada período de tempo.
de três maneiras: usando-se um cateter intravenoso, um
cateter especial, denominado cricotireótomo, ou um
procedimento cirúrgico convencional. A posição para COMPLICAÇÕES
todas as variantes técnicas é a mesma com o paciente
em posição supina, cabeça estendida e o espaço crico- • Hemorragia
tireóideo palpável. Um coxim pode ser colocado sob • Trauma de estruturas adjacentes
• Infecção
os ombros para estender o pescoço e prover melhor
exposição. • Enfisema subeutâneo (se o ar é insuflado com o
cateter fora da traquéia)
• Pneumotórax
1. Cateter intravenoso: um cateter intravenoso de cali
bre 14 é inserido na linha mediana do espaço crico- • Estenose da região subglótica
tireóideo até que ar seja aspirado, indicando entra
da na via aérea. O cateter é então direcionado 45 Traqueotomia Eletiva
graus inferiormente e avançado na traquéia. Caso o
espaço cricotireóideo não possa ser bem sentido, TRAQUEOTOMIA CLÁSSICA OU
CONVENCIONAL
mas os anéis traqueais sim, a agulha pode ser inseri
da entre estes (ligamento anular). Consiste na traqueotomia programada realizada na sala
2. Cricotireótomo: a técnica de inserção é similar à do cirúrgica, sob condições ideais de iluminação, assistên
cateter intravenoso, exceto pelo fato de o cricotire cia e equipamentos, sem a confusão e a pressão de uma
ótomo ser angulado inferiormente. Pode ser neces emergência. Essa técnica pressupõe que uma sonda
sária uma incisão da pele se o trocarte for muito endotraqueal tenha sido inserida ou que a obstrução
rombo c de difícil inserção. da laringe não seja tão importante. Sedação pré-opera-
3. Procedimento cirúrgico clássico. Raramente o crico tória tem efeito depressivo no centro respiratório e
tireótomo está disponível em um dado momento. A não deve ser usada em pacientes com dificuldade res
cricotireotomia é usualmente realizada com qualquer piratória grave. A anestesia local é o método de esco
instrumento disponível para cortar a pele e a mem lha para traqueotomia eletiva. A anestesia geral é con
brana e penetrar a via aérea. Os instrumentos requeri tra-indicada a pacientes com dificuldade respiratória,
dos são bisturi, um hemostático e um tubo endotra a não ser que intubação endotraqueal tenha sido reali
queal ou cânula de traqueotomia. O cirurgião fixa as zada. O paciente é colocado em decúbito dorsal com
788 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

coxim transverso sob os ombros e com a cabeça apoi nula de traqueotomia, para permitir drenagem adequa
ada na posição de hiperextensão do pescoço. Procede- da do ar para a superfície, e não para os tecidos. Um
se à assepsia da área com uma tintura anti-séptica. Uti dreno de Penrose é colocado diretamente abaixo da
liza-se anestesia local com solução de lidocaína a 2% cânula, profundo na ferida, para direcionar o ar para
com adrenalina, infiltrada nos tecidos anteriores à tra fora, secado e removido 24 horas mais tarde. O cadar-
quéia, desde a borda inferior da cartilagem cricóide ço da cânula é amarrado com nó duplo. Curativo com
até a fúrcula esternal. A incisão vertical ao longo da gaze é colocado para proteger a pele contra o trauma
linha mediana do pescoço interessa pele e tecido celu da cânula e das secreções. A traqueotomia eletiva é
lar subcutâneo. Essa incisão é o acesso mais direto, considerada um procedimento seguro, cujo índice de
requerendo menor dissecção dos retalhos e devendo complicação varia de 6% a 66%. Uma variante da téc
ser longa o bastante para uma exposição ampla. Em nica da traqueotomia eletiva é a sutura da pele à mu
circunstâncias especiais, com o paciente intubado, cosa traqueal: a pele adjacente do pescoço é afinada,
pode-se optar por incisão horizontal, dois dedos aci avançada em direção à traquéia e suturada às bordas
ma da fúrcula esternal; no entanto, em situações de seccionadas da mucosa da traquéia para confecção de
emergência, quando controle rápido da via aérea é ne uma traqueotomia (Fig. 61-4).
cessário, o resultado estético torna-se de menor consi A escolha do tipo de incisão da traquéia é uma
deração. A partir dessa incisão, e mantida estritamente etapa importante da técnica, mas muito controverti
na linha mediana, promove-se a dissecção entre os da23. Várias incisões foram idealizadas para a aborda
músculos infra-hióideos, aprofundada através da ca gem ao lume da traquéia: retirada de um segmento
mada superficial da fáscia cervical profunda. Esses circular, retalho em U (retalho em dobradiça) de base
músculos são afastados lateralmente, usando-se afasta- superior ou inferior e incisão vertical ou em H deitado
dores em ângulo reto. O istmo da glândula tireóide é (Fig. 61-5). A retirada de um segmento circular tem sido
afastado superiormente por elevação da fáscia pré-ver- por nós adotada. Bjork1, em 1960, advogou a incisão
tebral ou seccionado entre pinças, para permitir expo em U, criando um retalho traqueal, de pedículo inferi
sição adequada da superfície anterior do segundo ao or, que é suturado à pele. Esse retalho reduz as compli
quarto anel traqueal. Um a 2ml de lidocaína 2% são cações da descanulização acidental por tornar a recolo-
instilados no lume da traquéia através de ligamento caçãoda cânula mais segura. A sua desvantagem é a fístula
anular, para suprimir o reflexo da tosse quando a tra traqueocutânea. Outra incisão é em H deitado: incisões
quéia for aberta e a cânula de traqueotomia colocada. paralelas no espaço intercartilaginoso acima e abaixo
Um gancho é passado na posição em que será realiza do segundo ou terceiro anel traqueal; essas incisões são
da a abertura traqueal, para elevar e fixar a traquéia. unidas por uma outra, através do anel cartilaginoso, na
Com um bisturi, um segmento circular é ressecado da linha mediana, criando retalhos em dobradiça de pedí
parede anterior da traquéia, incluindo porções do se culo lateral. Em crianças, existe algum consenso na pre
gundo e terceiroanéis traqueais (Fig. 61-3). Seo paciente ferência da incisão vertical no segundo e terceiro anéis
está intubado, o cuffé desinsuflado e o tubo lenta (a cartilagem traqueal não é ressecada) com colocação
mente tracionado para uma posição acima do local de duas suturas-guias, passadas pelo pericôndrio, uma
onde a traquéia será aberta. Uma cânula de traqueoto de cada lado da abertura traqueal, fixadas com fita ade
mia, do mesmo diâmetro da janela criada, é introduzi siva no tórax3-12,26,36 (Fig. 61-6). Essas suturas servem
da com mandril ou obturador, sob visão direta, no como guia em caso de descanulização acidental e são
interior da traquéia. O mandril é rapidamente removi retiradas após a primeira troca de cânula. Uma vez que a
do ou expelido pela tosse do paciente, para permitir incisão traqueal tenha sido feita, a traquéia pode ser es
que o ar passe pela cânula. Se a cânula de traqueoto tabilizada segurando-se a borda superior da abertura tra
mia tem cuff, ele é insuflado logo após a cânula ter queal com um gancho. A cânula de traqueotomia, pre
sido posicionada. A ponta da cânula não deve tocar a viamente selecionada no tamanho adequado, com base
parede da traquéia; se isso ocorrer, provocará muita fundamentalmente na idade e no sexo do paciente, é
tosse e trauma. Se a traquéia não pode ser exposta por introduzida no orifício traqueal.
causa de um tumor, sua posição deve ser determinada O fechamento da traqueotomia é praticado por
por palpação. Com o dedo indicador como guia, uma aproximação simples das bordas após um descolamento
incisão vertical é feita na parede anterior, e as bordas, amplo da pele vizinha (sem tensão na sutura, motivo
afastadas para inserção da cânula. As partes superior e de deiscência ou alargamento cicatricial) ou zetaplas-
inferior da incisão cutânea são aproximadas por sutu- tia. No fechamento direto por afrontamento das bor
ras, sem fechar completamente a pele ao redor da câ das, a pele em torno da traqueotomia é incisada em
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 789

:) /"\ r\ \
V." NJl í--/ \í Vi

'•; i : -«/

Fig. 61-3. Traqueotomia eletiva. A. Hiperextensão da cabeça pela colocação de coxim transverso sob os ombros. B. Infiltração com
lidocaína a 2%desde a cartilagem cricóide até a fúrcula esternal. C. Incisão cutânea vertical. D. Dissecção na linha média e afastamento
lateral dos músculos infra-hióideos. E. Secção do istmo da glândula tireóide e exposição da parede anterior da traquéia. F. Incisão circular
da traquéia.
790 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Fig. 61-4. Traqueotomia: sutura da mucosa da traquéia à pele do pescoço.

Fig. 61-5. Tipos de incisão na traquéia: (A) circular; (B e C) U de pediculo inferior (retalho em dobradiça); (D) vertical; (E e F) H deitado.

Fig. 61-6. Fios-guias fixados externamente à pele por fita adesiva.


Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 791

toda sua extensão, e os retalhos criados são descola colocado envolvendo o fio-guia, para aumentar sua
dos, dobrados em direção à linha média e suturados firmeza e facilitar a introdução do dilatador; o traje
em dois planos, pele e subcutâneo (a pele fica voltada to é progressivamente alargado com uma série de di-
para o lume). Quando o fechamento direto não é re latadores, para permitir a colocação da cânula de tra
comendado, dada a tensão excessiva na linha de sutu queotomia (Fig. 61-7). O emprego do fibrolaringos-
ra, uma zetaplastia deve ser planejada. cópio tem sido advogado para evitar trauma e asse
gurar a correta posição da abertura traqueal. Essa téc
nica era considerada com ceticismo, dada a incidên
TRAQUEOTOMIA PERCUTÃNEA
cia inaceitavelmente alta de complicações. Atualmen
DILATACIONAL
te, diversos autores consideram a traqueotomia per
Em muitas instituições, todas as traqueotomias são cutãnea um método melhor do que através da técni
realizadas no centro cirúrgico. Esse fato vincula o ca cirúrgica clássica. O método tem sido considera
perigo do transporte do paciente crítico da UTI para do por esses autores um procedimento simples, bas
a sala cirúrgica. Por essa razão, a traqueotomia à beira tante seguro, principalmente quando realizado com
do leito cama (bedside tracheostomy) passou a ser orientação de fibroscópio, e vantajoso em pacientes
uma opção atrativa 13'17>37. Recentemente, a traqueo intubados na UTI. O posicionamento correto do
tomia percutãnea foi introduzida como uma técnica cateter é fator determinante de baixa incidência de
alternativa para traqueotomia eletiva clássica no pa complicações. A traqueotomia percutãnea é contra-
ciente intubado. Desde 195528>29'33, várias técnicas indicada a pacientes obesos, com cartilagem traqueal
cirúrgicas vêm sendo desenvolvidas, porém a descri calcificada, a pacientes não-intubados ou com câncer
ta por Ciaglia et ai.5'6 tem sido a mais seguida: aneste de cabeça e pescoço, com glândula tireóide aumenta
sia local ou geral; na anestesia geral, o tubo endotra da, cartilagem cricóide não-palpável e cirurgia prévia
queal é tracionado e posicionado acima do local da do pescoço. A traqueotomia tem-se tornado uma prá
traqueotomia proposta; um trocarte ou uma agulha tica comum dentro de muitas UTI, mas trabalhos
com bainha externa de teflon é introduzido pela pele recentes têm destacado seu potencial para complica
na traquéia ao nível do primeiro ou segundo liga- ções: posicionamento extratraqueal do dilatador, per
mento anular; após aspirar o ar para confirmar o po furação do esôfago, perda da posição do fio-guia in-
sicionamento anatômico correto do trocarte, 3 a 5ml tratraqueal, sangramento volumoso e infecção.
de lidocaína a 2% são instilados no lume traqueal; a
agulha é removida e um fio-guia é colocado através
TRAQUEOTOMIA TRANSLARÍNGEA
da bainha de teflon; um dilatador-punção é inserido
numa miniincisão de lcm, feita na posição do orifí Fantoni e Ripamonti10, em 1995, introduziram uma
cio de entrada da agulha; um cateter de plástico é nova técnica de traqueotomia, conhecida como tra-

Fig. 61-7. Traqueotomia percutãnea dilatacional. A. Fio-guia emformato de J no interior do lume traqueal, introduzido através de uma
agulha outrocarte. B.Posicionamento do catetercom fio-guia. C. Fio-guia e dilatador dentro do lume traqueal. D.Cânula detraqueotomia
em posição.
792 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

queotomia translaríngea. Nessa técnica, através de uma com equipamento de ventilação auxiliar. A terceira par
agulha introduzida na traquéia pela parte anterior do te, mandril ou obturador, de extremidade arredondada,
pescoço, um fio-guia é passado e, com a ajuda de fi- é colocada no lume da cânula externa na ocasião da sua
broscópio, é apanhado, puxado através da laringe e inserção. As cânulas de silastic ou de polivilcloreto po
exteriorizado pela boca. O fio é então conectado a um dem ter três ou dois componentes (geralmente não há
cone de plástico flexível, com uma ponta de metal cânula interna), e as secreções se aderem menos a elas;
penetrante, atado a uma cânula de traqueotomia. O no entanto, são mais sujeitas a descanulização aciden
conjunto cone/cânula é então tracionado através da tal, devido à sua maleabilidade. A cânula de traqueoto
cavidade oral, laringe e traquéia, exteriorizando no pes mia com cuffde, baixa pressão, cilíndrico, manufaturado
coço, com o cirurgião puxando o fio com uma mão e com material maleável, causa menor traumatismo à tra
contrapressionando a parede do pescoço com os de quéia. A cânula de traqueotomia fenestrada, com ou
dos da outra mão. Quando o cone e parte da cânula sem cuff, permite a passagem de ar através da laringe e a
emergem, a cânula é separada do cone, tornada reta e fonação quando a cânula é tampada com o dedo. A
perpendicular à pele, rodada 180 graus e avançada in cânula de traqueotomia não precisa ter cuffno paciente
feriormente em direção à traquéia, para o posiciona que respira espontaneamente (na traqueotomia realizada
mento adequado. Segundo relatos, a traqueotomia com o propósito de alívio de obstrução respiratória);
translaríngea tem muito poucas complicações e míni entretanto, deve ter cuffno paciente que necessita assis
ma perda de sangue. tência assistida prolongada ou proteção das vias aéreas
Deve-se ter cautela ao realizar-se a traqueotomia inferiores da aspiração de secreções, saliva e sangue.
percutãnea ou translaríngea. Nem todos os pacientes
podem ser eleitos para sua realização. A correta sele
ção é fundamental para o sucesso desses tipos de tra CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
queotomia.
A responsabilidade do cirurgião não deve terminar com
a restauração da via aérea pela introdução da cânula de
Cânulas traqueotomia, pois podem ocorrer emergências pós-
As cânulas são metálicas ou de material maleável e têm operatórias. A traqueotomia acompanhada dos cuida
a finalidade de manter a comunicação do lume traqueal dos necessários proporciona um pós-operatório bem
com o exterior. A seleção da cânula traqueal depende mais confortável, reduzindo o índice de complicações.
do motivo pelo qual foi realizada a traqueotomia. Uma Os pacientes traqueotomizados requerem cuida
larga coleção de cânulas deve estar disponível para que dos contínuos. Crianças e inválidos nunca devem ser
uma dentre elas preencha os requisitos de determinado deixados sozinhos, já que a perda temporária da voz
caso em particular. Chevalier Jackson e seus discípulos torna impossível atrair atenção quando necessitam de
contribuíram para o uso de níquel ou prata como mate ajuda. Um aspirador deve ser deixado ao lado do leito
rial inerte para a confecção da cânula e na determinação com sondas de aspiração. Inicialmente, aspiração fre
da sua curvatura e da necessidade de uma cânula inter qüente é necessária os intervalos de aspiração decres-
na. Nos últimos 20 anos, entretanto, uma nova família cem gradualmente com o passar dos dias, sendo mui
de cânulas de plástico, com ou sem cuff,tornou-se muito to menos freqüente no fim da primeira semana. A as
popular. As cânulas metálicas compõem-se de três par piração é necessária, em parte, como resultado da irri
tes principais. A primeira parte, cânula externa, é cilín tação da mucosa e aumento das secreções por estímu
drica, oca, de curvatura variável, cujo comprimento e lo da cânula traqueal, e também porque a cânula pode
diâmetro variam conforme a idade. Apresenta na sua impedir uma tosse efetiva (diminui a capacidade de
extremidade superior uma peça plana, perpendicular, a expectoração). A sonda para aspiração não deve ser
flange, que possui de cada lado, um orifício para a pas introduzida além da ponta da cânula, a não ser em
sagem do cadarço e, na parte mediana, um pequeno gan casos de coma, debilidade severa e incapacidade de
cho, que serve para prender a cânula interna. A flange expectorar. Umidificação deve ser utilizada para dimi
das cânulas para uso pediátrico apresenta um ângulo nuir a viscosidade das secreções. A cânula interna deve
menor, para melhorar a adaptação a neonatos. A segun ser substituída por outra limpa a intervalos freqüen
da parte, cânula interna, encaixa-se por dentro da parte tes, geralmente 4 a 6 vezes por dia. Um conjunto de
externa e apresenta um sulco na extremidade superior cânula de reserva e mandril deve estar disponível na
que se encaixa no gancho da flange da cânula externa; a cabeceira do paciente. A decisão de quando realizar a
cânula interna apresenta conector que permite conexão primeira troca da cânula após a traqueotomia é basea-
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 793

da na segurança com que ela pode ser praticada. A de traquéia e nos brônquios, evitar o ressecamento da mu
terminação do intervalo pós-operatório mais curto cosa e prevenir a formação de crostas por comprome
necessário para uma primeira troca segura da cânula timento da depuração mucociliar. A administração de
pode permitir menor permanência no hospital, ensi enzimas proteolíticas por aerossol e a ingestão de muito
namento precoce ao paciente ou aos seus familiares e líquidos contribuem para liqüefazer as secreções e faci
melhor higiene. Geralmente, a primeira troca de cânu litar sua remoção ou eliminação. O curativo deve ser
la é realizada pelo cirurgião, que confirma o grau de trocado uma a duas vezes ao dia, porque se encharca
cicatrização do pertuito pele-traquéia para que enfer com secreções que irritam a pele, causam mau cheiro e
meiras e outras pessoas treinadas possam, com segu retardam a cicatrização. A hiperemia da pele ao redor
rança, trocá-la periodicamente sem a sua supervisão da traqueotomia é regra e pode variar de intensidade.
direta. Freqüentemente, cirurgiões trocam a cânula pela Pomadas de uso tópico, à base de antibióticos e corti-
primeira vez no terceiro dia de pós-operatório. Ou costeróides, diminuem a intensidade e a duração da
tros preferem aguardar 5 a 7 dias antes da primeira irritação cutânea e proporcionam um pós-operatório
troca. As primeiras 48 horas após a traqueotomia são mais confortável. Após a resolução da patologia de
consideradas "período perigoso", durante o qual a tro base que motivou a traqueotomia, a descanulização
ca de cânula deve ser realizada nas mesmas condições deve ser realizada diminuindo-se gradativamente o diâ
do instrumental, principalmente ganchos e afastado- metro da cânula e ocluindo-se progressivamente o lume
res, e iluminação do procedimento inicial. O paciente da cânula interna durante o dia, começando por um
deve ser aspirado antes da troca da cânula e posiciona quarto, depois metade e finalmente três quartos. Caso
do com o pescoço em extensão. Outra cânula da mes o paciente respire bem com a cânula completamente
ma marca, modelo e tamanho da que está no paciente, ocluída por 24 horas, ela pode ser seguramente remo
lubrificada com lidocaína viscosa (gel), é inserida com vida na manhã seguinte. Se a cânula de traqueotomia
o mandril, o qual é imediatamente removido após a permanecer por longo tempo, o trajeto pele-traquéia
colocação da cânula. Por vezes, um cateter de plástico se epiteliza, com formação de fístula traqueocutânea,
é passado no lume da cânula que está no paciente (a que requer fechamento cirúrgico.
ser trocada); uma vez retirada a cânula, o cateter serve
de guia para a cânula sem mandril a ser colocada. Se o
paciente necessitar de cuidados em casa, os familiares
devem começar a praticar a troca de cânula durante o COMPLICAÇÕES
período de internação. Geralmente, o cadarço ou fixa
A traqueotomia é uma pequena cirurgia que, quando
dor para a cânula não é mudado antes da primeira
bem indicada, realizada com técnica correta e seguida
troca da cânula traqueal, mas, se isso for necessário,
com os cuidados pós-operatórios necessários, oferece
muito cuidado deve ser tomado, para evitar descanuli
resultados excelentes. A responsabilidade do cirurgião
zação acidental, dada a incompleta cicatrização do per
não termina com a abertura da traquéia e colocação da
tuito pele-traquéia. A não-substituição do cadarço ou
cânula, visto que a maioria das complicações que po
fixador até a primeira troca de cânula o torna anti-
dem ocorrer é evitada com cuidados pós-operatórios
higiênico e com má aparência após alguns dias, devi
do ao sangue e secreções. O fixador (mas não o cadar adequados. A cânula de traqueotomia metálica usada
ço) para imobilizar e assegurar estabilidade da cânula em pacientes traqueotomizados normalmente é bem
de traqueotomia é de manuseio prático e rápido, con tolerada, desde que escolhida corretamente e em con
feccionado em tecido macio e hipoalérgico, e permite formidade com a idade e o sexo do paciente. Se intro
um posicionamento adequado e uma distribuição equi duzida em abertura traqueal praticada no terceiro anel
librada da pressão sobre a cânula, evitando as escaras e e com a curvatura adequada, a cânula é bem suportada
lesões na pele e trazendo segurança e conforto para o pelo paciente, pois a sua ponta fica no centro da lume
paciente. O fixador é composto de duas bandas, fixa traqueal. As complicações da traqueotomia podem ser
das com velcro na região da nuca do paciente. Pode agrupadas, com base no intervalo de tempo entre o
ser lavado e reutilizado, reduzindo, assim, os custos procedimento e o aparecimento da complicação, em:
para a fixação da cânula. Para prevenir obstrução da operatórias, imediatas e tardias8-9'24-32-38. É importante
cânula por acúmulo de secreções e por formação de salientar que pacientes pediátricos, com trauma crania
crostas, são necessárias aspirações freqüentes das vias no, obesos, queimados e seriamente debilitados são
aéreas inferiores e umidificação adequada do ar inspi mais susceptíveis a complicações relacionadas com a
rado, para restaurar o grau necessário de mistura na traqueotomia (Quadro 61-1).
794 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Quadro 61-1. Complicações da traqueotomia do ápice do pulmão em direção à raiz do pescoço, e


Operatórias — intra-operatórias resulta em pneumotórax. A lesão da cúpula da pleura
* hemorragia é mais provável de ocorrer na criança, dada sua posi
* pneumotórax por lesão da cúpula pleural
* trauma a estruturas adjacentes
ção relativamente mais alta. O estudo radiológico de
* parada respiratória tórax é obrigatório em caso de suspeita de pneumotó
rax. A inserção da cânula de traqueotomia em um fal
Pós-operatórias imediatas
* hemorragia
so trajeto pode ser evitada com exposição adequada
* obstrução da cânula por secreções da traquéia e sua fixação pela colocação de um gancho
" descanulização acidental na borda superior do orifício. Por vezes, o paciente
* enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino
* infecção com hipoxia por longo tempo pode parar de respirar
" dificuldade na primeira troca da cânula, com formação de após o término da traqueotomia. A apnéia é o resulta
falso trajeto do da saturação crescente de oxigênio do sangue (au
Pós-operatórias tardias mento rápido da p02), a qual inibe o efeito hipoxêmi-
* obstrução da cânula de traqueotomia por secreções co antes de o centro respiratório ser reativado. A aci
* fístula traqueoesofágica dose decorrente da retenção de C02 pode levar a para
* hemorragia por erosão da artéria inominada (tronco
braquiocefálico) da cardíaca e morte (devido à queda na pC02, o cen
* estenose da região subglótica tro respiratório não é estimulado). É necessário que o
* estenose da traquéia ao nível da traqueotomia, do cuff e
da ponta da cânula C02 em excesso seja eliminado para o retorno dos
* traqueomalacia quimiorreceptores. Por causa disso, o paciente com
* dificuldade de descanulização obstrução crônica da via aérea superior deve ser venti
* fístula traqueocutânea
lado até que o centro respiratório volte ao normal.
A hemorragia pode ocorrer da artéria tireóidea ima
(variante vascular), da veia jugular anterior, da veia ti
A morbidade operatória pode ser minimizada por reóidea inferior, de vasos anastomóticos entre as arté
um procedimento cuidadoso, com técnica cirúrgica rias tireóideas superiores ao longo da borda superior
correta, com a dissecção limitada à linha mediana e do istmo da glândula tireóide, quando esses vasos não
palpação repetida da traquéia. são identificados e manejados apropriadamente. A
Muito embora o uso de umidificação e constan hemorragia continua em pequenas quantidades, no
tes cuidados de enfermagem e dos pais sejam rotina, a período pós-operatório imediato, sendo, na maioria
obstrução da cânula de traqueotomia é a mais comum das vezes, o resultado de ligadura solta ou sangramen
das complicações imediatas na população pediátrica. to negligenciado de pequenos vasos cutâneos, e usual
A tentativa de recolocação da cânula na descanuliza mente responde a curativo compressivo com gaze. Por
ção acidental precoce pode causar falso trajeto e o de vezes, no próprio leito, alguns pontos da incisão cutâ
senvolvimento de enfisema de tecido subcutâneo, nea podem ser retirados para facilitar o tamponamen-
pneumotórax e dificuldade respiratória. Isto porque, to com gaze. Na maioria das vezes, essa manobra é
nas primeiras 48 horas, as partes moles afastadas pela suficiente para parar o sangramento. São hemorragias
cânula de traqueotomia voltam para a posição media raramente abundantes e causam dificuldades para o
na, tornando difícil a sua recolocação. Por vezes, a re paciente devido à penetração de sangue por entre a
colocação da cânula não é conseguida no leito, e o cânula e a abertura traqueal. No sangramento persis
paciente tem de ser levado à sala cirúrgica. As suturas- tente ou profuso, o tamponamento permite levar o
guias, se colocadas durante a realização da traqueoto paciente para o centro cirúrgico, onde, com ilumina
mia, facilitam a recolocação da cânula. ção conveniente, o tamponamento será removido e a
O trauma de estruturas vizinhas durante a realiza ferida cirúrgica explorada, afastando-se os tecidos para
ção da traqueotomia é, na maioria das vezes, resultado a localização do vaso sangrante, que é eletrocoagulado
de técnica cirúrgica incorreta. O esôfago pode ser trau ou apropriadamente ligado. Quando o sangramento
matizado por uma incisão na traquéia que atinge sua for mais abundante, a cânula é retirada e o paciente é
parede posterior membranácea. O nervo laríngeo re intubado por via oral, porque só dessa maneira é pos
corrente e a cúpula da pleura podem ser traumatiza sível manter a respiração e bloquear a entrada de san
dos se a dissecção se desvia da linha mediana. A lesão gue nos pulmões com a insuflação do cuff. O sangra
da cúpula da pleura tem maior probabilidade de ocor mento mais grave e dramático é decorrente da erosão
rer quando o paciente produz pressão expiratória con do tronco braquiocefálico27 (artéria inominada direi
tra uma obstrução da via aérea superior, com projeção ta) (Fig. 61-8). Em casos de atrofia muscular acentuada
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 795

ção de secreções sanguinolentas, às vezes acompanha


das de crostas de sangue. Outro sinal que deve ser sem
pre levado em consideração é a pulsação visível da câ
nula síncrona com o pulso arterial do paciente, por
que indica vizinhança de um grande vaso. Esses acha
dos devem sempre ser considerados sinais de alarme.
A hemorragia pode ocorrer alguns dias, semanas ou
meses após a traqueotomia. O sangramento é súbito,
intenso, dramático, aos borbotões. Pode ser precedi
do por pequenas perdas de sangue —perdas precurso
ras ou anunciantes —, que ocorrem por um ou mais
dias antes da ruptura dramática. Pode ocorrer durante
uma troca de cânula ou ainda manifestar-se sem qual
quer sinal ou sintoma anterior. No primeiro surto, pode
Fig. 61 -8. Fotografia de peça de autópsia de paciente que morreu haver tempo para a realização de manobras terapêuti
de hemorragia do tronco braquiocefálico (trauma pela ponta da cas; no segundo, de um modo geral, é fatal. A avalia
cânula): traquéia aberta pela parede posterior: a seta superior
mostra o local da traqueotomia e a inferior, a fístula traumática. (C
ção precoce de pequenos sangramentos requer cuida
— coração; T — traquéia; L — laringe.) dosa inspeção da ferida e traqueoscopia, para verificar
tecido de granulação. O tratamento requer diagnósti
co imediato. Interrompido o sangramento, o paciente
como poliomielite, miastenia, com diminuição da dis deve ser intubado pela traqueotomia com tubo de anes
tância entre a pele e a traquéia, ou em casos em que o tesia munida de cuff, o qual é insuflado c tracionado
orifício na traquéia é praticado muito baixo (sexto ou progressivamente até que se coloque de encontro à fís
sétimo anel), a cânula de traqueotomia não mais se tula. A compressão do tronco braquiocefálico pelo cuff
posiciona de modo adequado no lume, deslizando para insuflado contra o esterno determina o estancamento
trás e, em virtude desse escorregamento, a sua ponta da hemorragia porque a fístula é, na maioria das vezes,
passa a pressionar a parede anterior da traquéia. Presa puntiforme. O tamponamento do local de sangramen
principalmente pelo cadarço que a fixa de modo mais to nos pacientes que estão com cânula de traqueoto
firme, a ponta da cânula traumatiza de modo contí mia com cuff pode ser realizado pela maior insufla-
nuo e progressivo a mucosa traqueal. O tronco bra ção do mesmo. Outra manobra consiste em colocar
quiocefálico pode cruzar a traquéia nesse nível, trans um dedo ao longo do espaço pré-traqueal, apertando
mitindo suas pulsações à traquéia e tornando mais in a artéria entre o dedo e o esterno. Após ter sido coibi
tenso o traumatismo provocado pela ponta da cânula do o sangramento, o tubo de intubação ou a cânula
devido ao impacto contínuo das pulsações. A mucosa de traqueotomia é fixada, o sangue que se acumulou
traqueal acaba se ulcerando, com subseqüente necrose nas vias aéreas inferiores é aspirado e o paciente é en
da traquéia e, por continuidade, da parede do vaso. caminhado para cirurgia. A abordagem é feita por es-
Um golpe de tosse ou esforço maior pode levar ao ternotomia mediana, seguida por reparo, prótese ou
rompimento da parede desse vaso. Nos casos em que ligadura arterial (com as seqüelas neurológicas resul
o orifício da traquéia foi realizado muito baixo, entre tantes), dependendo das condições locais dos tecidos.
o sexto e sétimo anéis traqueais, pode haver erosão do Como essa complicação é extremamente grave, sendo
tronco braquiocefálico pela pressão da superfície infe fatal na quase totalidade dos casos, pois o tratamento
rior, côncava, da cânula de traqueotomia, por fora da nem sempre pode ser efetuado a tempo, o melhor é a
traquéia. O uso de cânulas com cuff sem a necessária sua profilaxia. Nesse sentido, deve ser evitado que er
desinsuflação periódica ou superinsuflado determina ros da técnica cirúrgica sejam causa em potencial de
isquemia e necrose da mucosa traqueal, que pode pro trauma do tronco braquiocefálico: se a traqueotomia
gredir e atingir o tronco braquiocefálico. Os sintomas está em nível correto, a cânula deve ser substituída
nos pacientes conscientes compreendem tosse irritati- por outra mais curta ou de silastic ou, ainda, removi
va, secreção com' laivos de sangue, dor retroesternal da, se possível; se estiver muito baixa, a traqueotomia
alta e otalgia. Nos pacientes comatosos, em que os re deverá ser refeita ao nível do terceiro anel traqueal;
flexos se encontram abolidos, ou naqueles cuja insufi observar batimentos da cânula traqueal sincrônicos
ciência respiratória exige respiração artificial, o trau com o pulso do paciente e secreções sanguinolentas;
ma da mucosa traqueal pode manifestar-se por aspira desinsuflar periodicamente o cuff. Outro agravante é
796 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

a não-interpretação correta dos sinais premonitórios, tro lado, quando a intubação endotraqueal prolonga
como os pequenos sangramentos que, muitas vezes, da é prevista, é preferível realizar mais cedo a traqueo
precedem a hemorragia maciça. tomia. Como conseqüência da traqueotomia, duas lo
O escape de ar para os tecidos do pescoço com resul calizações de estenose traqueal podem ocorrer: no lo
tantes enfisema subcutâneo, pneumotórax e pneumome- cal da incisão traqueal (Fig. 61-9), do cuffou da ponta
diastino é muito comum, mas pode ser minimizado, li da cânula. Infecção, excessiva pressão no cuff e má
mitando-se a dissecção longe da traquéia durante a cirur adaptação da cânula de traqueotomia são fatores que
gia, inserindo-se a cânula atraumaticamente, prevenindo- contribuem para o desenvolvimento da estenose. Não
se descanulização acidental precoce e evitando-se sutura existe concordância de opiniões quanto à influência
muito apertada da incisão cutânea. Na presença de enfise do tipo de incisão na traquéia, que parece não ser sig
ma cervical, deve ser retirado o curativo e soltado um ou nificativa. A estenose ao nível do cí//Tsuperinsuflado
mais pontos da sutura da pele. tem uma seqüência patológica que começa com ede
A traqueotomia é considerada uma ferida contami ma, hemorragia e ulceração da mucosa traqueal, com
nada. Contudo, a infecção severa da traqueotomia é rara exposição de cartilagem, pericondrite, formação de
por ser uma ferida aberta, facilitando a drenagem das tecido de granulação exuberante e estenose cicatricial
secreções. No pós-operatório imediato, os curativos de com deformação dos anéis cartilaginosos25; pode ain
vem ser trocados freqüentemente, porque o sangue e as da ocorrer perda do suporte cartilaginoso anterior (co
secreções se acumulam e são rapidamente colonizados lapso supra-estomal da parede anterior) ou traqueoma-
pela flora hospitalar. A traqueite e a celulite do estorna lacia. Apesar do avanço das técnicas cirúrgicas, as este-
são passageiras e associadas ao trauma da mucosa da noses continuam a merecer atenção especial dos especi
traquéia. As complicações pulmonares, como pneumo alistas devido aos sérios problemas que costumam apre
nia ou abscesso pulmonar, podem ocorrer devido à as sentar no seu tratamento. O melhor tratamento da es
piração de secreções infectadas. Os agentes causadores tenose traqueal é a ressecção segmentar com anastomo-
das infecções relacionadas à traqueotomia são Staphylo- se término-terminal. Os procedimentos que aumentam
coecus aureus, Pseudomonas e outras floras mistas. o lume traqueal, pela interposição de enxertos ou reta
A estenose da região subglótica pode ocorrer lhos, são necessários quando a ressecção traqueal não é
como resultado de uma traqueotomia alta21 ou da in possível, como, por exemplo, no segmento estenosado
tubação endotraqueal. Como regra, a intubação en muito longo (mais da metade da extensão da traquéia)
dotraqueal não deve ser mantida por tempo prolon ou em casos de reestenose após ressecção traqueal. A
gado, dado o trauma decorrente da presença do tubo fístula traqueocutânea resulta do crescimento epitelial
ao nível da laringe. O período de tempo de espera ao longo do trato pele-traquéia, que impede o fecha
após intubação endotraqueal, antes de ser realizada a mento por segunda intenção. A técnica do fechamen
traqueotomia, permanece indefinido. Em geral, é de to da fístula traqueocutânea compreende o reavivamen-
poucos dias, podendo ser maior nas crianças. Por ou to das bordas da fístula desde a incisão das bordas da

Fig. 61-9A a C.Esquema representativo dos tiposde estenose ao nível da traqueotomia. D. Fotografia endoscópica mostrando diminuição
do lume traqueal.
Traqueotomia: Indicações, Técnicas e Complicações 797

Fig. 61-10. Esquema representativo do fechamento de fístula traqueocutânea. A. Fístula. B. Ressecção da pele com reavivamento das
bordas. C. Sutura em planos.

pele ao redor do traqueostoma até o orifício na tra 12. Gaudet PT, Peerless A, Sasaki C T, Kirchner J Y. Pediatric trache
quéia, seguido por sutura em planos. A sutura em pla otomy and associated complications. Laryngoscope 1978;<S,<S>:
1.633-41.
nos é essencial para se obter o fechamento da fístula.
13. Gerson RM. Bedside tracheotomy. Laryngoscope 1983;95: 518-9.
Os músculos infra-hióideos que estão incorporados no
14. Green RM. Asclepiades, His Life and Writings, New Haven, 1955.
tecido fibroso ou aderidos à traquéia são liberados e
15. Guerrier Y, Mounicr-Kuhn P. Histoire des Ma/adies de L'oreille,
reposicionados sobre a traquéia e aproximados borda a du Ncz et de Ia Gorgc. Paris: Les Editions Roger Dacosta, 1980.
borda (Fig. 61-10). 16. Hawkins ML, Burrus EP, Treat RC, Mansbcrger Jr AR. Trache
otomy in the intensive care unit: a safe alternative to operating
room. South Med J 1989;<92:1.096-8.
17. Henrich DE, Blythc WR, Weissler MC, Pillsbury HC 3««. Tra
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS cheotomy and the intensive care unit patient. Laryngoscope
1997;707:844-7.
1. Bjork VO. Partial rescction of the only remaining lungwith the
18. Holmes JF, Panacek EA, SaklesJC, Brofeldt BT. Comparison of
aid of respiratory treatment. J Thor.icCirdíov.isc Surg 1960;J£
2 cricothyrotomy techniques: standard method versus rapid 4-
179-88.
step techniquc. Ann Emcrg Med 1998;52:442-6.
2. Brctonneau P. Inflammation Spéciales chi Tissu Mugneux et en
19. Jackson C. Tracheostomy. Laryngoscope 1909;79:285-90.
Particulier de Ia Diphthérite. Paris, 1826.
20. Jackson C. Drowning of the patient in his own secretions.
3. Casselbrant ML. Tracheotomy. In: Bluestone CD, Sttool SE
Laryngoscope 1911;21:1.183-96.
(eds.) AtlasofPediatric Otolaryngology. Philadelphia:W BSaun-
dcrs Co., 1995: 447-54. 21. Jackson C. Lligh tracheotomy and other errorsand chicfcauses of
chronic laryngeal stenosis. Surg Gynecol Obstet 1921;52:392-8.
4. CasseriiJ. Voeis Auditus Organis, Historia Anatômica. Ferrarae
Baldimus, Typograph Camcrilas, 1600. 22. Letixerant EN. De Ia Trachcotomie Chez les Enfants Atteints
de Croup. Paris, 1852.
5. Ciaglia P, Firsching R, Cyniec C. Elective percutaneous dilatati-
onal tracheostomy: a new simple bedside procedure. Prchmina- 23. Lulenski GC, Batsakis JG. Tracheal incision as a contributing
ry report. Chest 1985;S7:715-9. factor to tracheal stenosis: an experimental study. Ann Otol
Rhinol Laryngol. 1975;£4:781-6.
6. Ciaglia P. Percutaneous tracheotomy. Laryngoscope 1992;702:
954-5.
24 Mycrs EN,Stool SE,Johnson JT. Tracheotomy. NewYork: Chur-
chill Livingstone, 1985.
7. Craigie W.A case in which tracheotomy was suecessf ully perfor-
med. Edinburgh Medicai and SurgicalJournal, 1828.Citado no 25. Pearson FG, Goldberg M, Dasilva AJ. A prospective study of
American Journal oi Medicai Science 1828;2:2-3. tracheal injury complicating tracheostomy with cuffed tubc.
Ann Otol Rhinol Laryngol 1968;77:867-72.
8. Dunham ME. Tracheostomy. In: Holinger LD, Lusk RP, Green
CG (eds.). Pediatric Laryngologyand Bronchoesophagology. Phi 26. Pcrrotta RJ, SchlcyS. Pediatric tracheotomy. Arch Otolaryngol
ladelphia: Lippincott-Raven Publishers, 1997:275-85. Head Neck Surg 1978;104:318-21.
9. FaganJJ,Johnson JT, Stool SE, Mycrs EN. Postoperativccare.In: 27. Potondi A. Pathomechanism of hemorrhage following trache
Tracheotomy 3 ed., Alexandria: American Acadcmy ot Otola- ostomy. J Laryngol Otol 1968;96:401-2.
ryngoiogy-Head and Neck Surgery Foundation Inc; 1997:424. 28. Schachner A, Ovil Y, Sidi J et ai. Percutaneous tracheostomy: a
new method. Crit Care Med 1989; 17:1.052-6.
10. Fantoni A, Ripamonti D. A non-derivative, non-surgical tra
cheostomy: the translaryngeal method. Intensivo Caie Med 29. Sheldon CH, Pudcnz RH, Freshwater DB, Cruc BI. A new me
1997;25:386-92. thod for tracheostomy. J Neurosurg 1955;72:428-31.
11. Galloway TC. Tracheotomy in bulbar polimyelitis. JAMA 30. Solis CohcnJ. Disease ofThroatandNasal Passages: A Guideto
1943; 125:1.096-109. the Diagnosis and Treatment of Affections of the Pharynx.
798 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos e Traumatismos de Pescoço)

Esophagus, Trachea, Larynx and Nares. 2 ed., NewYork: Willi- 35. Trousseau A. On diphtherite. Dictionnaire de medicine, 1835.
am Cohen, 1879. Translado por Semple R H. Memoirs on diphtheria. London,
31. Stevenson RS,Guthrie DJ. A HistoryofOto-íaryngology. Edin- new Sydenham Society, 1859.
burgh: E & S Livingstone, 1949. 36. Tucker JA, Silberman HD. Tracheotomy in pediatrics. Ann
32. Thompson SG. Hazards of tracheotomy. BrMedJ\966: 1.358. Otol Rhinol Laryngol 1972;57:818-24.
33. Toye FJ, Weinstein JD. A percutaneous tracheostomy device. 37. Wang SJ,SercarzJA, Blackwell KE, Aghamohammadi M, Wang
Surgery 1969;65:384-9. MB. Open bedside tracheotomy in the intensive care unit.
Laryngoscope 1999;702891-3.
34. Trousseau A. Mémoire sur un cas de trachéotomie pratiquée
dans le période extremede croup. J Connain, Clinique médica- 38. Wenig BL, Appiebaum EL. Indications for and techniques of
le de 1'Hotel Dieu méd-chir., 1833, 1, 5, 41. tracheostomy. Clin Chest Med. 1991;72:545-53.
Traumatismo do Pescoço

Robert Thomé
Daniela Curti Thomé

habituais de trabalho e à vida social normal. No decor


INTRODUÇÃO
rer dos últimos anos ocorreu declínio significativo na
O conhecimento das particularidades anatômicas do incidência de trauma do pescoço resultante de acidente
pescoço tem importância fundamental para se pressu automobilístico, devido ao uso de cinto de segurança,
por as estruturas potencialmente comprometidas nos cadeiras próprias para crianças e sátbâgs\ por outro lado,
diferentes tipos de trauma, compreender as alterações o número de traumas penetrantes relacionados a armas
funcionais resultantes e planejar uma estratégia de trata de fogo ou branca crescem, provavelmente refletindo a
mento. O fato de o pescoço ser rico em detalhes anatô escalada da violência dentro da nossa sociedade, com
micos e conter numerosas estruturas vitais em uma pe maior número de assaltos e tentativas de homicídio.
quena área transversal, muito próximas umas das ou Para avaliação dos traumas, o pescoço pode ser
tras, possibilita que um único trauma comprometa vá dividido em três zonas anatômicas (Fig. 62-1). No trau
rias estruturas. Várias técnicas cirúrgicas foram desen ma, o conhecimento da anatomia dessas zonas permi
volvidas para a abordagem dos diferentes tipos e gravi te pressupor as estruturas comprometidas, contribu
dade dos traumas do pescoço, mas não há coincidência indo para o diagnóstico e para a definição de uma
de opiniões entre as escolas quanto à escolha de uma estratégia de conduta:
delas. O tratamento do pescoço traumatizado deve adap
tar-se a cada caso em particular, com abordagem multi- • Zona I: abaixo de uma linha horizontal que
disciplinar. O tratamento do trauma sofreu enormes passa pela borda inferior da cartilagem cricóide —raiz
progressos nos últimos anos, como resultado de nume do pescoço —freqüência do trauma: 15% a 25%.
• Zona II: entre uma linha horizontal que pas
rosas publicações de diferentes autores, do aprimora
sa pelo ângulo da mandíbula e outra pela cartilagem
mento das medidas de prevenção do trauma, da melho
ra da modalidade de transporte do traumatizado, do cricóide —freqüência do trauma: 60% a 80%.
• Zona III: acima de uma linha horizontal que
maior número de serviços médicos de emergência, da
passa pelo ângulo da mandíbula à base do crânio —
idealização de novas técnicas cirúrgicas ou aperfeiçoa
freqüência do trauma: 10% a 20%.
mento das antigas, dando lugar a abordagens simples e
eficazes, permitindo diminuir o tempo de tratamento, O conhecimento apropriado da anatomia de cada
com o retorno mais cedo do paciente às suas ocupações zona e da freqüência de comprometimento de deter-

799
800 Cirurgia de Cabeça e Pescoço (Tumores, Cistos c Traumatismos de Pescoço)

cal. Os fragmentos ósseos ou cartilaginosos resultan


tes podem causar outras lesões. A força de estiramen
to é transmitida às estruturas durante extensão e rota
ção forçada do pescoço.
A zona atingida e a intensidade do agente agres
sor determinam o tipo e a gravidade do ferimento,
que varia de lesão de pequena gravidade até grande
destruição dos tecidos. As lesões de pequena gravida
de incluem:

• Eritema.
• Edema.
• Escoriações.
• Equimose —resultante do rompimento de capilares
e pequenos vasos da derme e ao tecido subcutâneo,
com extravasamento sangüíneo que infiltra os espa
ços intersticiais; o local comprometido apresenta cor
roxo-azulada na superfície da pele.
Fig. 62-1. As zonas do pescoço no trauma penetrante.
• Hematoma —decorrente da rotura de médios e gran
des vasos, o sangue afasta os tecidos e forma uma
cavidade onde se coleta; tem o aspecto de massa de
minada zona contribui para o planejamento da abor cor escura, dolorosa e com crepitação. A seqüência
dagem ao paciente com trauma do pescoço. Os trau de eventos é gradual, podendo-se distinguir várias
mas da zona II comprometem estruturas que podem fases: o sangue extravasado e em contato com as
ser facilmente exploradas e são familiares aos cirurgiões enzimas teciduais sofre coagulação e morte; as he-
de cabeça e pescoço. A zona I tem alto índice de mor mácias destruídas libertam a hemoglobina e origi
talidade, devido à maior probabilidade de trauma nam hematoidina e hemossiderina, responsáveis pela
dos grandes vasos. A zona III tem uma complexa ana mudança de coloração: vermelho-violáceo (1 a 2
tomia, dada a presença de múltiplas estruturas vascu dias); azulado (3 a 6 dias); esverdeado (7 a 12 dias);
lares e nervosas da base do crânio. As zonas I e III têm amarelado — icterícia hemática de Poncet (12 a 20
exploração e abordagem difíceis. dias); normalização progressiva ocorre a partir desse
ponto.

CLASSIFICAÇÃO
Traumas Abertos
Os traumas podem ser divididos em fechados (contu
São causados por instrumentos penetrantes com solu
sões) e abertos (ferimentos).
ção de continuidade entre a pele e os planos profun
dos; costumam ser evidentes à inspeção. A maioria dos
Fechados traumas penetrantes do pescoço é resultante de armas
brancas e de fogo.
Produzidos por instrumentos contundentes, sem so Podem ser subdivididos em simples e compostos.
lução de continuidade da pele, são menos comuns do
que os penetrantes; podem passar despercebidos. São, • Simples.
em geral, resultado de acidentes com veículos motori • Incisos: ferimentos lineares de bordas nítidas, li
zados, esportivos, de trabalho e os relacionados com sas e regulares, resultantes do deslizamento de ins
violência. Os mecanismos do trauma fechado incluem: trumentos cortantes ou de arestas delgadas, que
• impacto direto; agem pelo gume: navalha, faca (quando usadas pelo
corte), lâminas diversas. A ação se realiza mais por
• laceração do tecido mole por fragmentos de cartila
gem ou osso;
deslizamento do que por pressão do instrumento.
• estiramento.
Características da ferida incisa: (1) o comprimento
da lesão prepondera sobre a profundidade; (2) o
A ação de força esmagadora (impacto direto) com corte é mais profundo no início, tornando-se pro
prime as estruturas do pescoço contra a coluna cervi- gressivamente mais superficial; (3) bordas nítidas,

Você também pode gostar