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1. ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO ................................ 8

1.1 Introdução e epidemiologia .................................................................. 8

1.2 Avaliação e atendimentos iniciais: ....................................................... 11

1.3 Avaliação e manutenção das vias aéreas com restrição de

movimentos da coluna cervical. ........................................................... 16

1.4 Vias aéreas .............................................................................................. 18

1.5 Vias aéreas definitivas não cirúrgicas.................................................. 22

1.6 Intubação nasotraqueal: ....................................................................... 25

1.7 Vias aéreas definitivas cirúrgicas ......................................................... 27

1.8 Cricotireoideostomia cirúrgica: ............................................................ 28

1.9 Traqueostomia ....................................................................................... 29

1.10 Vias aéreas alternativas (temporárias) ................................................ 30

1.11 Máscara laríngea .................................................................................... 30

1.12 Cricotireoideostomia por punção ........................................................ 32

1.13 Ventilação e respiração (B) ................................................................... 35

1.14 Circulação com controle da hemorragia (C) ....................................... 36

1.15 Avaliação do consumo sanguíneo (ABC) ............................................. 47

1.16 Estado neurológico (D) .......................................................................... 52

1.17 Escala de coma de glasgow - pupila (ECG - P): ................................... 55

1.18 Exposição com controle do ambiente (E) ........................................... 59

2. TRAUMA DE FACE E CERVICAL ................................................................. 79

2.1 Fraturas de le fort .................................................................................. 81

2.2 Fratura nasal ........................................................................................... 82

2.3 Trauma cervical ...................................................................................... 84

3. TRAUMA TORÁCICO ................................................................................. 104

3.1 Lesão de árvore traqueobrônquica ..................................................... 105

3.2 Pneumotórax simples............................................................................ 106

3.3 Pneumotórax hipertensivo ................................................................... 109

2
3.4 Pneumotórax aberto ............................................................................. 115

3.5 Hemotórax maciço ................................................................................. 118

3.6 Tórax instável e contusão pulmonar ................................................... 121

3.7 Lesões cardiovasculares........................................................................ 124

3.8 Contusão miocárdica ............................................................................. 125

3.9 Tamponamento cardíaco ...................................................................... 126

3.10 Laceração aórtica ................................................................................... 129

3.11 Indicações de toracotomia de emergência ........................................ 132

3
4. TRAUMA ABDOMINAL ............................................................................. 139

4.1 Trauma aberto ou ferida abdominal ................................................... 141

4.2 Trauma abdominal fechado ou contusão abdominal....................... 142

4.3 Lavado peritonial.................................................................................... 145

4.4 FAST.......................................................................................................... 147

4.5 Tomografia computadorizada de abdome ......................................... 158

4.6 Trauma abdominal aberto ou ferida abdominal ............................... 160

4.7 Trauma abdominal penetrante: ........................................................... 160

4.8 Indicações de laparotomia:................................................................... 162

4.9 Ferimento na parede anterior do abdome......................................... 164

4.10 Ferimento no flanco ou dorso .............................................................. 166

4.11 Ferimentos transição tóraco abdominal............................................. 167

4.12 Lesão traumática de diafragma ........................................................... 169

4.13 Lesões abdominais orgânicas específicas .......................................... 177

4.14 Baço ......................................................................................................... 177

4.15 Trauma hepático: ................................................................................... 185

4.16 Trauma da via biliar extra hepática ..................................................... 206

4.17 Trauma gástrico...................................................................................... 208

4.18 Trauma duodenal ................................................................................... 209

4.19 Trauma de intestino delgado ............................................................... 213

4.20 Trauma de cólon e reto ......................................................................... 216

4.21 Trauma de pâncreas .............................................................................. 222

4.22 Trauma vascular abdominal ................................................................ 228

4.23 Cirurgia para controle de danos .......................................................... 233

4.24 Síndrome compartimental abdominal ................................................ 236

5. TRAUMA PÉLVICO E UROLÓGICO............................................................ 249

5.1 Fraturas pélvicas .................................................................................... 249

5.2 Traumas urológicos ............................................................................... 255

5.3 Trauma de uretra: .................................................................................. 256

4
5.4 Lesão renal .............................................................................................. 259

5.5 Trauma ureteral ..................................................................................... 268

5.6 Trauma de bexiga .................................................................................. 272

6. TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO E HIPERTENSÃO

INTRACRANIANA ..................................................................................... 283

6.1 Anatomia ................................................................................................. 284

6.2 Avaliação no TCE .................................................................................... 287

6.3 Diagnóstico ............................................................................................. 290

6.4 Estudando os tipos de trauma ............................................................. 292

6.5 Fraturas de crânio .................................................................................. 292

6.6 Lesões cerebrais difusas ....................................................................... 294

6.7 Concussão cerebral ............................................................................... 295

6.8 Lesão axonal difusa (LAD) ..................................................................... 296

6.9 Lesões focais: .......................................................................................... 299

6.10 Hematoma subdural agudo.................................................................. 300

6.11 O que é a tríade de cushing? ................................................................ 302

6.12 Hematoma epidural ............................................................................... 304

6.13 Contusão e hematomas intracerebrais .............................................. 309

6.14 Lesões de pares cranianos relacionados ao TCE e suas consequências

311

6.15 Conduta no TCE leve a moderado ....................................................... 313

6.16 Quando devemos solicitar tc de crânio em tce leve? ........................ 314

6.17 Tratamento no tce grave ....................................................................... 318

6.18 Hipertensão intracraniana no contexto do trauma .......................... 320

6.19 A doutrina de monro-kellie: .................................................................. 322

6.20 Quando devemos monitorizar a pressão intracraniana (PIC)? ........ 323

6.21 Conduta frente a hipertensão intracraniana ..................................... 325

7. QUEIMADURAS ......................................................................................... 334

7.1 Primeiro atendimento às vítimas de queimadura............................. 336

5
7.2 Comprometimento da ventilação ........................................................ 340

7.3 Ressucitação volêmica e medidas adicionais ..................................... 343

7.4 Avaliando a área corporal queimada: ................................................. 345

7.5 Resposta endócrina e humoral a queimadura .................................. 352

7.6 Como fazer a ressuscitação volêmica no paciente queimado? ....... 354

7.7 Tratamento e cuidados com a queimadura: ...................................... 358

7.8 Infecção e sepse no contexto de queimaduras ................................. 361

7.9 Lesões pulmonares por inalação ......................................................... 364

7.10 Outras complicações relacionadas ...................................................... 367

7.11 Queimaduras elétricas .......................................................................... 369

7.12 Queimadura química ............................................................................. 372

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ANEURISMAS VASCULARES

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1. ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO

1.1 Introdução e epidemiologia

O termo "trauma" é definido como lesão caracterizada por alterações

estruturais ou desequilíbrio fisiológico, decorrente de exposição aguda a

várias formas de energia, como mecânica, elétrica, térmica, química ou ra-

dioativa. Essa condição afeta tanto as partes moles quanto as estruturas

profundas do organismo.

No que se refere a epidemiologia, no nosso país, o trauma repre-

senta a terceira principal causa de morte, ficando atrás apenas das do-

enças cardiovasculares e do câncer. Já nos países desenvolvidos, o trauma

é a principal causa de morte em indivíduos até 44 anos e contribui para 30%

das mortes em idosos. É importante ressaltar que as mortes por trauma

ocorrem em três picos distintos ao longo do tempo, no que chamamos de

distribuição modal das mortes:

O primeiro pico ocorre dentro de segundos a minutos do trauma,

sendo geralmente irreversível devido à gravidade das lesões. O segundo

pico, dentro de minutos a horas após o acidente, envolve principalmente

hemorragias e lesões como ruptura esplênica e fraturas pélvicas, e o ter-

ceiro pico, ocorrendo várias horas a semanas após o trauma, envolve com-

plicações como sepse e disfunção de múltiplos órgãos.

8
Para melhorar o atendimento e reduzir a morbidade e mortalidade

no trauma, foi desenvolvido o Advanced Trauma Life Support (ATLS), um

método hierárquico e sistêmico que prioriza o tratamento das condições

que representam maior ameaça à vida. Além disso, o conceito da "hora de

ouro" (Golden Hour) enfatiza a importância do atendimento na primeira

hora após o trauma, melhorando consideravelmente as chances de sobre-

vivência, especialmente durante o segundo pico de mortalidade.

Figura 1 - Distribuição trimodal do trauma - Fonte: ATLS

A tabela abaixo destaca os diferentes picos de mortalidade nos paci-

entes politraumatizados, suas diferentes características, exemplos de le-

sões associadas e as medidas de prevenção relevantes para cada um des-

ses picos:

9
Pico de
Formas de Pre-
Morta- Características Exemplos de Lesões
venção
lidade

• Sinalização ade-

quada das es-


• Lacerações da
tradas.
aorta.
• Ocorre den- • Campanhas
Pri- • Traumatismo car-
tro de segun- para uso de cin-
meiro díaco.
dos a minutos tos de segu-
Pico • Lesões à medula
do evento. rança.
espinhal e ao
• Educação sobre
tronco cerebral.
medidas pre-

ventivas.

• Hemorragias de-
• Ocorre den-
vido a ruptura es- • Atendimento rá-
tro de minu-
plênica, lacera- pido e eficiente.
tos a horas
Se- ções hepáticas, • Ressuscitação
após o aci-
gundo fraturas pélvicas. imediata.
dente.
Pico • Hemopneumotó- • Treinamento de
• Conhecido
rax. equipes de res-
como "hora
• Hematomas epi- gate.
de ouro".
dural e subdural.

10
Pico de
Formas de Pre-
Morta- Características Exemplos de Lesões
venção
lidade

• Cuidados ade-

quados durante

as fases anterio-

res do atendi-
• Ocorre várias • Sepse.
Ter- mento.
horas a sema- • Disfunção sistê-
ceiro • Vigilância e tra-
nas após o mica de múltiplos
Pico tamento de in-
trauma. órgãos.
fecções.

• Monitoramento

contínuo do pa-

ciente.
Tabela 1

1.2 Avaliação e atendimentos iniciais:

No manejo de um paciente politraumatizado, é crucial a intervenção

imediata, que requer uma avaliação rápida das lesões e a aplicação de me-

didas terapêuticas de suporte de vida. Nesse sentido, para garantir eficácia

e consistência nesse processo, é fundamental estabelecer uma abordagem

sistematizada, denominada ATLS (Advanced Trauma Life Support), com-

posta pelas seguintes etapas:

11
Preparação: Isso envolve dois cenários distintos - pré-hospitalar e

hospitalar. Na fase pré-hospitalar, a equipe que atende a vítima deve comu-

nicar a transferência para o hospital, permitindo que a instituição se pre-

pare adequadamente. É importante garantir um ambiente seguro antes de

abordar a vítima, principalmente quando estamos no cenário pré-hospita-

lar.

Esse é um ponto muito abordado nas provas: qual a primeira con-

duta diante de um trauma em via pública (contexto pré-hospitalar)? Garan-

tir a SEGURANÇA DA CENA! Isso requer a sinalização adequada, para que

não ocorram novos acidentes durante o atendimento. No contexto hospi-

talar, a segurança pode ser entendida como a utilização dos EPI (Equipa-

mentos de proteção individual).

Triagem: A triagem tem como objetivo classificar os pacientes de

acordo com suas necessidades de tratamento e os recursos disponíveis.

Pode ocorrer em duas situações: quando o hospital pode atender a todas

as vítimas e quando há um desastre que sobrecarrega os recursos hospita-

lares. Na primeira situação, a prioridade será para os casos mais graves. Já

no segundo cenário, em que não há recursos suficientes, são priorizados os

pacientes com maior chance de sobreviver.

12
Exame Primário: Nesta etapa, o foco está na identificação e trata-

mento prioritário das lesões que representam risco de vida. A abordagem

segue a sistematização do ATLS, representada pelo mnemônico "ABCDE".

Reanimação: É a fase de intervenção inicial para estabilizar a vítima.

Isso inclui a manutenção das vias aéreas, a estabilização da coluna cervical,

o controle de hemorragias externas e a imobilização adequada para trans-

porte.

Medidas Auxiliares ao Exame Primário e à Reanimação: Inclui cui-

dados adicionais para garantir que a vítima seja preparada para o exame

secundário. São consideradas medidas auxiliares: Monitorização com ECG;

Cateter urinário para aferir diurese; Cateter gástrico para evitar aspiração;

Monitorização de FR, FC, SpO2, PA e gasometrias. Além disso, pode ser rea-

lizado na sala de trauma a radiografia de coluna cervical na incidência late-

ral, tórax AP e pelve AP.

Exame Secundário: Nesta etapa, a equipe realiza uma avaliação

mais detalhada das lesões, procurando por problemas que podem não ser

imediatamente fatais, mas que necessitam de tratamento.

Medidas Auxiliares ao Exame Secundário: São ações para garantir

que a avaliação seja completa e que nenhuma lesão seja negligenciada.

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Reavaliação e Monitoramento Contínuos Após Reanimação: A ví-

tima deve ser continuamente monitorada e reavaliada para garantir que

não ocorram complicações tardias.

Cuidados Definitivos: São os tratamentos específicos para as lesões

identificadas durante as etapas anteriores.

A hierarquização do atendimento, seguindo a ordem "ABCDE", é cru-

cial (tabela abaixo). Cada letra representa uma parte da avaliação e resolu-

ção de problemas em pacientes de trauma, com foco nas lesões que podem

causar morte mais rápida. Independentemente do paciente ou do meca-

nismo de trauma, essa sequência deve ser sempre seguida para garantir

um atendimento eficaz e consistente.

Anotações

14
Mnemônico Significado Descrição

• Garanta a permeabilidade das

Vias Aéreas com vias aéreas.


A
Controle da Cervical • Estabilize a coluna cervical se

houver suspeita de lesão.

• Avalie a respiração da vítima.

B Respiração • Forneça oxigênio suplementar,

se necessário.

• Avalie a circulação, incluindo


Circulação com
pulso e pressão arterial.
C Controle de
• Controle ativamente qualquer
Hemorragia
hemorragia.

• Avalie o estado neurológico da

vítima.
D Defeito Neurológico
• Verifique a resposta do paciente

ao estímulo e a função motora.

• Exponha completamente o paci-

Exposição e ente para procurar lesões.


E
Ambiente • Mantenha a vítima aquecida

para evitar hipotermia.


Tabela 2

15
1.3 Avaliação e manutenção das vias aéreas com restrição

de movimentos da coluna cervical.

A abordagem prioritária durante o exame primário de pacientes trau-

matizados concentra-se na garantia da permeabilidade das vias aéreas,

pois qualquer esforço subsequente de ressuscitação torna-se fútil sem essa

premissa. Em situações de trauma fechado, a imobilização da coluna cervi-

cal também assume um papel crítico, frequentemente alcançada por meio

do uso de colares cervicais rígidos. É comum que os pacientes já ingressem

na sala de emergência com o colar cervical, aplicado durante o atendimento

pré-hospitalar. Em muitas instâncias, as vítimas são transportadas ao hos-

pital sobre uma prancha longa, um dispositivo que assegura a imobilização

completa da coluna vertebral.

A restrição da mobilidade da coluna cervical é uma medida de ex-

trema relevância, especialmente para pacientes que apresentam fraturas,

pois mesmo movimentos pequenos e inadvertidos do pescoço podem re-

sultar em danos fatais para a medula espinhal superior.

Durante o atendimento pré-hospitalar, pode ser necessária a estabi-

lização manual da coluna cervical ao realizar a intubação endotraqueal.

Caso o colar cervical já esteja aplicado e seja essencial realizar a intubação,

o colar deve ser removido e a estabilização da coluna cervical deve ser exe-

cutada manualmente pela equipe de trauma.

16
É importante ressaltar que, isoladamente, o colar cervical permite

movimentos parciais laterais, pequenas rotações e movimentos anteropos-

teriores da cabeça. Portanto, para garantir uma imobilização adequada da

coluna cervical durante o transporte da vítima, é necessário utilizar uma

prancha longa (rígida) em conjunto com coxins laterais para fixar a ca-

beça. Já na chegada à sala de trauma, o paciente deve ser retirado da pran-

cha longa para minimizar o risco de desenvolvimento de úlceras de pressão.

No ambiente hospitalar, o colar cervical pode ser removido em

pacientes que estejam alertas (ECG = 15), sem queixas de dor no pes-

coço, sem histórico de abuso de álcool ou drogas, e com um exame

Figura 2 - Na imagem, observa-se a correta proteção da coluna cervical, por meio de pran-
cha rígida, colar cervical e coxins laterais. Fonte: Protocolo de suporte básico de vida

neurológico que esteja dentro dos parâmetros normais. A realização de

avaliação radiológica da coluna cervical só é indicada na presença de acha-

dos específicos, como idade acima de 65 anos, ocorrência de parestesias

17
em extremidades, mecanismos de trauma perigosos, incapacidade de rea-

lizar movimentos rotacionais do pescoço, entre outros.

É de suma importância considerar a possibilidade de lesões na co-

luna cervical em vítimas de traumatismos multissistêmicos, especialmente

aquelas que apresentam alterações no nível de consciência ou em casos de

traumatismos fechados ocorridos acima da clavícula. Tenha em mente que

toda vítima de trauma é uma potencial portadora de lesão vertebro-

medular.

1.4 Vias aéreas

No atendimento primário a pacientes traumatizados, a priorização

da abordagem das vias aéreas é de extrema importância para garantir a

permeabilidade das mesmas. Todos os pacientes, com exceção daqueles

com indicação de via aérea de nível avançado, devem receber oxigênio pas-

sivamente através de uma fonte de alto fluxo (10-15L/min) em uma máscara

não reinalante com reservatório de O2. É importante observar que disposi-

tivos como o cateter nasal de oxigênio e a máscara sem reservatório não

são formalmente indicados para vítimas de trauma de acordo com o ATLS.

Um nível de consciência que permita a comunicação verbal é um in-

dicador positivo, pois sugere uma menor probabilidade de obstrução das

vias aéreas. No entanto, é essencial estar atento a sinais como a ausência

18
de resposta verbal, respiração ruidosa e esforço respiratório, pois esses po-

dem indicar um potencial comprometimento da via aérea.

As causas comuns de obstrução das vias aéreas incluem corpos es-

tranhos, sangue, secreção e a queda da base da língua, sendo esta última a

causa mais frequente de obstrução das vias aéreas. A remoção de corpos

estranhos da via aérea pode ser realizada manualmente ou com o auxílio

de uma pinça, sob visão direta ou com o uso de um laringoscópio. Sangue

e secreções devem ser removidos das vias aéreas por meio de sucção, uti-

lizando um aspirador de ponta rígida. A queda da língua é comum em

pacientes com rebaixamento do nível de consciência e pode ser tra-

tada com manobras como a tração anterior da mandíbula (JAW-

THRUST) ou a elevação do mento (CHIN LIFT).

Anotações

19
Figura 3

Figura 4

Figura 3 e 4 - Fonte: ATLS

Manobra de elevação do mento Manobra de tração da mandíbula

Em casos de vômitos intensos, é necessário posicionar a vítima late-

ralmente com a proteção da coluna cervical e realizar a aspiração da via

aérea com o uso de uma sonda de ponta rígida. Esse cuidado é essencial

para garantir a permeabilidade das vias aéreas e a oxigenação adequada,

evitando complicações potencialmente graves.

Após a avaliação inicial breve das vias aéreas, é essencial remover

quaisquer corpos estranhos e secreções, bem como controlar a queda da

base da língua com as medidas anteriormente mencionadas. Após a con-

clusão desta etapa, é necessário avaliar se há a necessidade de inserir uma

via aérea avançada. Nesse sentido, o ATLS formaliza as indicações formais

de via aérea definitiva que são:

20
A) Risco Iminente de Comprometimento das Vias Aéreas: Isso pode

incluir situações como lesões térmicas inalatórias, fraturas faciais

com obstrução das vias aéreas ou expansão de um hematoma cervi-

cal que ameace a via aérea.

B) Apneia ou Incapacidade de Manter Oxigenação Suficiente:

Quando o paciente não consegue respirar adequadamente por conta

própria, mesmo com a administração de oxigênio sob uma máscara.

C) Paciente Inconsciente: Especialmente em casos de traumatismo

cranioencefálico grave, com uma pontuação de Glasgow igual ou

menor que 8, ou em situações de convulsões recorrentes.

D) Risco de Aspiração de Sangue ou Vômito: Quando há a possibili-

dade de que o paciente possa aspirar sangue, vômito ou outros con-

teúdos que possam obstruir as vias aéreas.

E) Paciente Combativo: Especial atenção é necessária quando um pa-

ciente está agitado e pode representar um risco para si mesmo ou

para os membros da equipe. Vale ressaltar que a agitação psicomo-

tora pode ser um sinal precoce de hipoxemia.

Mas afinal, o que é uma via aérea avançada? A via aérea avançada

envolve a inserção de um tubo na traqueia, com um balonete inflado

abaixo das pregas vocais, que tem como principal objetivo garantir a

permeabilidade das vias aéreas, e ao mesmo tempo proteger a vítima

contra a aspiração de conteúdo gástrico ou de outras substâncias. A

obtenção dessa via aérea pode ser realizada por meio de técnicas cirúrgicas

21
ou não cirúrgicas, dependendo dos fatores específicos que serão detalha-

dos a seguir. É importante ressaltar que a intubação orotraqueal é geral-

mente a primeira escolha para estabelecer uma via aérea avançada,

desde que não haja contraindicações.

1.5 Vias aéreas definitivas não cirúrgicas

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL

É o método de escolha de via aérea definitiva no trauma. Entretanto,

é importante o conhecimento referente às suas contraindicações, que são:

• Sangramento profuso de via aérea.

• Trauma maxilofacial extenso que impeça a visualização das pregas vo-

cais.

• Edema de glote.

• Distorções anatômicas grosseiras do pescoço.

Anotações

22
Figura 5 - Vale lembrar que a imobilização da coluna cervical deve continuar a ser feita durante
a intubação. Imagem ilustrativa apenas para demonstrar a técnica. Fonte:ATLS

Vale lembrar que o uso de vias aéreas não cirúrgicas é desaconse-

lhado em situações em que não é possível obter uma visualização clara da

laringe ou passar com segurança além das pregas vocais, fazendo das situ-

ações acima citadas, contraindicações para a intubação orotraqueal. Uma

novidade é o videolaringoscópio, ainda pouco disponível pelo preço, mas

que facilita o procedimento da intubação.

23
O que é a sequência rápida de intubação?

Figura 6 - Vídeolaringoscópio. Fonte: BesData Tech

A intubação assistida por droga, conhecida como sequência rápida

de intubação (SRI), é um método anestésico preconizado pelo ATLS para

realizar uma intubação orotraqueal rápida e minimamente invasiva, sendo

a técnica de escolha para intubação das vítimas de trauma, especial-

mente em pacientes que exigem controle imediato da via aérea e que man-

tém o reflexo de vômito intacto, como nos casos de traumatismo cranioen-

cefálico.

Na SRI, a sequência a ser seguida compreende uma pré-oxigenação

com oxigênio a administração de um anestésico de ação rápida, como o

etomidato (0,3 mg/kg), e a infusão de um bloqueador neuromuscular, como

a succinilcolina (geralmente 1-2 mg/kg, usualmente 100 mg). Pode ser apli-

cada pressão sobre a cartilagem cricoide, conhecida como manobra de

Sellick, para facilitar a intubação. Perceba que a intubação é rapidamente

24
realizada após efeito do bloqueador neuromuscular, sem realização da

ventilação. Essa etapa não é realizada pois consideramos que esse paci-

ente apresenta um “estômago cheio”, e ao realizar a ventilação o ar seria

direcionado também para o estômago, o que aumentaria o risco de bron-

coaspiração.

Após a intubação, a pressão sobre a cartilagem cricoide é suspensa,

e neste procedimento, a hiperextensão da coluna cervical não é necessária.

Embora teoricamente a SRI tenha sido concebida para reduzir os riscos de

broncoaspiração, não há evidências significativas que comprovem uma me-

nor incidência desse evento com seu uso. No entanto, essa técnica é am-

plamente adotada para a intubação de vítimas de trauma, sendo uma abor-

dagem importante a ser conhecida por profissionais de saúde que atuam

em situações de emergência.

1.6 Intubação nasotraqueal:

A intubação nasotraqueal às cegas, um procedimento menos comum

na prática médica, requer a cooperação de um paciente alerta e

consciente, por isso é pouco utilizado no contexto das vítimas de

trauma. Quanto mais profundos os movimentos respiratórios, mais fácil se

torna acompanhar o fluxo de ar através da laringe, tornando a intubação

mais acessível. No entanto, é essencial estar ciente das possíveis

25
complicações, como a ocorrência de necrose de tecidos moles devido à

pressão do tubo ou o desenvolvimento de sinusite, que podem surgir du-

rante a permanência do paciente na unidade de terapia intensiva.

Como principais contraindicações a intubação nasotraqueal, te-

mos:

● Paciente em apnéia

● Suspeita de fratura de base de crânio

● Situações nas quais a intubação não cirúrgica é contra indicada,

como visto anteriormente

Como complemento, é importante que alguns pontos ainda fiquem

claros:

Na presença de sinais de fratura de crânio está contraindicada a

aplicação de quaisquer sonda ou tubo por via nasal, já que a fratura por

si só já pode induzir os dispositivos a um falso trajeto para dentro da caixa

craniana. Dessa forma, é importante o conhecimento clínico desses sinais

para que não tenhamos problema na hora de realizar o procedimento:

São sinais de fratura de base de crânio:

● Hematoma retroauricular (Sinal de Battle)

● Equimose periorbital (Sinal do Guaxinim)

26
● Otorragia e hemotímpano

● Otoliquorréia

● Rinorréia

1.7 Vias aéreas definitivas cirúrgicas

As vias aéreas cirúrgicas são indicadas sempre que não há possibi-

lidade de uma ventilação e oxigenação adequadas por meio de meios

não cirúrgicos. Dessa forma, temos como principais indicações clássicas

de via aérea definitiva cirúrgica:

● Edema de glote

● Hemorragia profusa das vias aéreas

● Trauma maxilofacial extenso

● Distorção da anatomia cervical

● Qualquer outra condição que impossibilite a visualização e/ou a

transposição da laringe

As duas principais formas de se obter acesso a via aérea definitiva

cirurgicamente são a cricotireoideostomia e a traqueostomia:

27
1.8 Cricotireoideostomia cirúrgica:

figura 7 - Ilustração de como realizar a cricotireoidos-


tomia cirúrgica Fonte: ATLS

A cricotireoidostomia cirúrgica é considerada a abordagem de esco-

lha em situações de trauma, pois é um procedimento extremamente rápido

e mais simples do que a traqueostomia. Esta técnica envolve uma incisão

transversa cervical na membrana cricotireoide, que pode ser palpada entre

as cartilagens tireoide e cricoide da laringe. Após a incisão, uma cânula é

inserida delicadamente, com sua extremidade distal posicionada na tra-

queia.

É importante observar que existem contraindicações para a realiza-

ção da cricotireoidostomia cirúrgica. Uma delas é a idade inferior a 12

anos, devido ao risco de lesão da cartilagem cricoide, que é a única

28
estrutura responsável por sustentar a porção superior da traqueia em cri-

anças. Portanto, essa técnica cirúrgica desempenha um papel crucial em

situações de emergência, oferecendo uma alternativa viável à traqueosto-

mia em casos de trauma.

Dessa forma, é importante lembrar das duas principais contraindi-

cações relativas ao seu uso:

1.9 Traqueostomia

A traqueostomia é considerada um procedimento de exceção no ce-

nário de trauma e é indicada apenas em circunstâncias muito específicas.

Geralmente, essa técnica é recomendada nos casos de:

● Fratura de laringe quando não é possível realizar a intubação orotra-

queal.

● Em crianças com menos de 12 anos, a traqueostomia pode ser con-

siderada como um método cirúrgico para acessar a via aérea.

É importante destacar que a traqueostomia percutânea por punção

não é mencionada no ATLS e é desencorajada. Isso se deve ao fato de que

esse procedimento requer a hiperextensão do pescoço, o que é proibido

em pacientes com suspeita de lesão cervical, que é uma preocupação em

casos de trauma.

29
Portanto, a traqueostomia é uma opção que pode ser considerada

em situações de trauma quando a intubação orotraqueal não é viável, es-

pecialmente em crianças com menos de 12 anos e em casos de fratura de

laringe. No entanto, a hiperextensão do pescoço necessária para a tra-

queostomia percutânea é desaconselhada no contexto de trauma, tor-

nando a intubação orotraqueal a preferência quando possível.

1.10 Vias aéreas alternativas (temporárias)

É importante ressaltar que nenhum desses procedimentos pode ser

considerado como uma via aérea definitiva. Isso se deve ao fato de que ne-

nhum deles envolve o uso de um balonete (cuff) insuflado abaixo das pre-

gas vocais, o que é essencial para garantir a proteção da via aérea contra a

aspiração de conteúdo gástrico ou outras substâncias.

1.11 Máscara laríngea

A Máscara Laríngea (ML) representa uma alternativa importante para

manter uma via aérea desobstruída, especialmente quando as tentativas

de ventilação com máscara facial foram ineficazes ou quando múltiplas ten-

tativas de intubação se mostraram ineficientes. No entanto, é crucial obser-

var que a inserção desse dispositivo não é uma tarefa simples e requer trei-

namento adequado. Importante ressaltar que a ML não é considerada uma

30
solução definitiva para o manejo da via aérea, mesmo assim, está sendo

cada vez mais utilizada na prática e cobrada nas provas de acesso direto.

Suas principais indicações consistem em:

Figura 8 - Exemplo de como a intubação endotraqueal pode ser realizada pela máscara laríngea.
Fonte: ATLS

● Situações em que a intubação falha ou a ventilação com bolsa-valva-

máscara (Ambu®) não é bem-sucedida

Um recurso interessante e que pode ser empregado, ainda segundo

o ATLS, é a possibilidade de intubação endotraqueal pela máscara laríngea.

Uma vez que a máscara laríngea é introduzida, conforme a figura A, um

31
tubo endotraqueal é inserido por ela permitindo assim uma intubação às

cegas, como na figura B.

1.12 Cricotireoideostomia por punção

A cricotireoidostomia por punção é uma via aérea cirúrgica não defi-

nitiva, mas essencial em situações de emergência que demandam oxigena-

ção rápida, como casos de apneia. Diferentemente da cricotireoidostomia

cirúrgica, essa técnica não é contraindicada em crianças.

É fundamental compreender que a cricotireoidostomia por punção é

temporária e deve ser mantida apenas até a obtenção de uma via aérea

definitiva. Mesmo quando aplicada corretamente, há acúmulo de CO2 (risco

de carbonarcose), portanto, seu uso deve ser breve, limitado a 30 a 40 mi-

nutos.

As contraindicações não são bem definidas para a cricotireoidosto-

mia por punção, mas é importante monitorar o risco de barotrauma, espe-

cialmente em casos de obstrução completa acima das cordas vocais. Além

disso, a retenção de CO2 (hipercapnia) pode ocorrer rapidamente se os ci-

clos de oxigenação não forem executados corretamente.

A técnica envolve a punção da membrana cricotireoide com uma agu-

lha, seguida pela inserção de uma cânula de grosso calibre na

32
direção da traqueia, permitindo ventilação intermitente a jato. A cri-

Figura 9 - Ilustração de como é realizada a


cricotireoidostomia por punção. Fonte: ATLS

cotireoidostomia por punção é um método transitório de acesso à via aérea

e pode ser empregada em crianças menores de 12 anos.

Essa técnica é indicada em:

● situações cirúrgicas que exigem acesso imediato à via aérea, como

em casos de trauma facial grave

● quando o paciente entra em apneia e não se pode esperar.

33
PARA IR ALÉM

No transporte de vítimas de trauma que foram intubadas durante o

atendimento pré-hospitalar, é crucial manter uma vigilância constante, pois

o deslocamento acidental do tubo orotraqueal é uma ocorrência comum

que pode levar a uma deterioração súbita do quadro clínico. A dessaturação

de oxigênio também pode ocorrer devido a outras razões, como obstrução

do tubo por coágulos ou secreções espessas, ou ainda como resultado do

agravamento de um pneumotórax hipertensivo que não foi identificado

previamente e que pode ser precipitado pela ventilação mecânica com

pressão positiva.

Em face de uma inesperada piora nos níveis de saturação de oxigê-

nio, o ATLS recomenda uma avaliação rápida dos componentes do mnemô-

nico "DOPE", derivado da expressão em inglês "Don't be a DOPE!" (Não seja

um "narcótico", fique "acordado"!).

Vamos entender o significado deste mnemônico:

● D ("Dislodgment" - Deslocamento do tubo): Isso se refere tanto à pos-

sibilidade de extubação quanto à intubação seletiva acidental;

● O ("Obstruction" - Obstrução do tubo/cânula): Isso pode ocorrer de-

vido a coágulos sanguíneos ou secreções que bloqueiam o tubo;

● P ("Pneumothorax" - Pneumotórax): Isso se refere ao agravamento

de um pneumotórax hipertensivo que pode não ter sido identificado

34
previamente, e isso pode ocorrer devido à ventilação com pressão

positiva ou ao barotrauma;

● E ("Equipment" - Equipamento): Isso inclui falhas relacionadas ao

equipamento, como dobras no tubo, uso de um tubo de calibre ina-

dequado ou um tanque de oxigênio vazio durante o transporte.

Portanto, a atenção a esses fatores é fundamental para garantir a es-

tabilidade da criança durante o transporte, especialmente após a intubação

no cenário pré-hospitalar.

1.13 Ventilação e respiração (B)

Após garantir a permeabilidade das vias aéreas e a proteção cervical,

o foco seguinte é assegurar trocas gasosas adequadas. Isso depende do

funcionamento eficaz dos pulmões e da integridade da caixa torácica e do

diafragma.

No contexto do trauma, lesões que podem comprometer a ventila-

ção imediatamente incluem pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço,

pneumotórax aberto e lesões traqueobrônquicas. Identificar essas condi-

ções é crucial durante o exame primário, e medidas devem ser tomadas

imediatamente para estabelecer uma ventilação adequada.

Por outro lado, existem condições menos graves que podem afetar a

ventilação, como fraturas costais, tórax instável, contusão pulmonar,

35
pneumotórax simples e hemotórax simples. Geralmente, essas desordens

são identificadas durante o exame secundário.

Em todos os casos, todas as vítimas de trauma devem receber

oxigênio suplementar, monitorização com oximetria de pulso e eletro-

cardiografia contínua. A ventilação mecânica é indicada na presença de

lesões graves na parede torácica, diminuição do drive respiratório e hipo-

xemia com infiltrados no parênquima.

Certamente, a avaliação cuidadosa da região torácica por meio de

inspeção, palpação, percussão e ausculta é de fundamental importância

para identificar problemas respiratórios e garantir o tratamento adequado.

Além disso, radiografias de tórax em AP são frequentemente solicitadas

para avaliação adicional.

Dito isso, estudaremos cada uma das lesões acima citadas de forma

detalhada mais adiante em nossa apostila, no capítulo de trauma torácico.

1.14 Circulação com controle da hemorragia (C)

Nesta fase, é imperativo identificar e controlar possíveis fontes de

comprometimento hemodinâmico. Dentro deste contexto, é crucial recor-

dar quatro medidas primordiais:

36
1) Controlar focos de hemorragia externa por meio de compressão ade-

quada.

2) Iniciar a reposição volêmica com, no mínimo, dois acessos venosos

de calibre 18g. Inicialmente, administrar 1000 ml de Ringer lactato

aquecido, e se necessário, considerar a administração de hemoderi-

vados.

3) Detectar todas as possíveis fontes de sangramento interno, com ên-

fase em: Hemorragias intra-abdominais, Hemorragias resultantes de

fraturas de pelve e ossos longos, Hemorragias intratorácicas, Hemor-

ragias retroperitoneais. Em resumo, são quatro os locais principais

de hemorragia: Tórax, Abdome, Pelve e Ossos longos.

4) Identificar outras potenciais causas de comprometimento hemodinâ-

mico, como: Tamponamento cardíaco, Pneumotórax hipertensivo,

Lesões cardíacas graves e Trauma raquimedular

Neste contexto, é vital reforçar dois conceitos cruciais:

A hemorragia é a principal causa evitável de morte após um

trauma. Portanto, o controle da hemorragia externa e o diagnóstico e tra-

tamento de sangramentos internos são ações de primordial importância.

Quando a intervenção cirúrgica se mostra necessária para controlar

o sangramento, não se deve atrasar a transferência do paciente para o cen-

tro cirúrgico. Conforme preconizado pelo protocolo ATLS, "A reposição

37
volêmica agressiva e contínua não substitui o controle definitivo da

hemorragia."

Dessa forma, dando sequência ao atendimento pelo ABCDE do paci-

ente politraumatizado preconizado pelo ATLS, após garantir uma ventilação

adequada, é crucial realizar uma avaliação hemodinâmica da vítima.

Quando ocorre instabilidade hemodinâmica, a reposição de volume

deve ser priorizada e preferencialmente realizada por meio de acessos pe-

riféricos. Nos membros superiores, temos a opção de utilizar a veia ante-

cubital ou as veias do antebraço. Caso não seja possível obter acessos peri-

féricos, é aconselhável recorrer à punção de acessos venosos profundos

usando a técnica de Seldinger, como a veia femoral, jugular interna ou sub-

clávia, ou realizar a dissecação da veia safena. Independentemente do

acesso obtido, é fundamental coletar amostras de sangue para avaliação

laboratorial, incluindo testes como gravidez em mulheres em idade repro-

dutiva, gasometria venosa e dosagem de lactato, além de testes toxicológi-

cos.

Em casos de crianças que apresentam dificuldades em obter acessos

periféricos após duas tentativas, a inserção de uma agulha intra óssea deve

ser considerada antes de recorrer a um acesso vascular central (principal-

mente em crianças com menos de 6 anos), sendo a veia femoral a opção

recomendada. O local de punção deve estar localizado a três dedos abaixo

da tuberosidade tibial, e essa técnica não pode ser realizada em áreas com

38
fraturas ou infecções devido ao risco de osteomielite. O acesso intraósseo

também pode ser uma alternativa para adultos com dificuldades em obter

acessos periféricos e centrais. É importante destacar que o acesso intraós-

seo é temporário e deve ser mantido até que seja possível obter um acesso

vascular definitivo por meio de uma nova punção ou dissecação venosa.

No atendimento pré-hospitalar de pacientes com hemorragia

externa, o controle da perda sanguínea deve ser a primeira medida

adotada, por meio da aplicação de compressão na ferida e posterior uso

de curativos compressivos. Qualquer sangramento persistente da ferida

deve ser abordado apenas em um ambiente cirúrgico, e é essencial evitar

abordagens cegas na sala de emergência. Além disso, o uso do torniquete,

especialmente em situações de hemorragia devido a lesões nas extremida-

des, tem sido novamente recomendado no ambiente pré-hospitalar.

Anotações

39
No contexto de perda sanguínea decorrente de fraturas da pelve, a

equipe de atendimento pré-hospitalar pode estabilizar fraturas pélvicas en-

volvendo a pelve com um lençol, passando-o pelos trocanteres e amar-

rando-o de forma firme. É importante lembrar que a fixação externa do anel

pélvico é um procedimento que deve ser realizado apenas em ambiente

cirúrgico.

Figura 10 - American College Of Surgeons. Committee On Trauma. Advanced trauma life support :
student course manual. 10th ed. Chicago, Il: American College Of Surgeons; 2018.

40
A classificação da hemorragia em quatro classes com base em sinais

clínicos é uma ferramenta valiosa para estimar a perda volumétrica em per-

centagem, sendo útil como guia inicial para a terapêutica. Contudo, deve-se

ter em mente que esses valores servem como referência inicial, visto que o

sangramento pode continuar. A reposição subsequente de volume é deter-

minada pela resposta do paciente à abordagem inicial.

A perda hemorrágica é a causa mais comum de choque em víti-

mas de politrauma e devemos considerar sempre que, em princípio,

todo doente politraumatizado em choque é portador, até segunda or-

dem, de choque hipovolêmico hemorrágico!!!

Dessa forma, devemos ter uma avaliação especial quando se trata de

pacientes obesos e idosos, já que os pacientes obesos correm o risco de

perder grandes volumes para os tecidos moles, mesmo sem a presença de

fraturas, e os idosos também estão em maior risco de perdas volumétricas

para os tecidos moles, uma vez que essa população apresenta pele e tecido

subcutâneo mais frágeis, suscetíveis a lesões e com menor capacidade de

tamponamento.

Sendo assim, descreveremos agora as classes de perda hemorrá-

gica:

Hemorragia Classe I: Nesta categoria, a perda de sangue é equiva-

lente à doação de sangue para uma única unidade de concentrado de

41
hemácias. Geralmente, não representa um risco iminente. Em alguns casos,

a administração de cristaloides pode ser necessária, mas frequentemente

os mecanismos de compensação natural restauram o volume sanguíneo

dentro de 24 horas.

Hemorragia Classe II: Esta classificação refere-se a uma perda de

volume sanguíneo que varia entre 750 ml e 1.500 ml em um paciente com

70 kg. Os sinais clínicos incluem taquicardia, taquipneia e uma redução na

pressão de pulso. Essa diminuição na pressão de pulso é mais atribuída ao

aumento da pressão diastólica devido aos altos níveis de catecolaminas cir-

culantes, em vez de uma queda significativa na pressão arterial sistólica. A

maioria dos pacientes se estabiliza com a administração de cristaloides,

mas uma pequena parcela pode eventualmente necessitar de uma transfu-

são de concentrado de hemácias.

Hemorragia Classe III: Nessa categoria, a perda de sangue repre-

senta de 31% a 40% do volume total de sangue do paciente. Isso pode ser

extremamente grave, levando a sinais clássicos de má perfusão, como

queda acentuada na pressão arterial sistólica, taquicardia intensa, taqui-

pneia e alterações significativas no estado mental. Pacientes com esse grau

de hemorragia frequentemente requerem transfusão de concentrado de

hemácias e hemoderivados. Entretanto, a prioridade inicial é interromper a

hemorragia, geralmente através de cirurgia imediata ou, em casos específi-

cos, embolização angiográfica.

42
Hemorragia Classe IV, os sinais de insuficiência de perfusão tecidual

se agravam consideravelmente. Isso se manifesta por uma queda acentu-

ada na pressão arterial sistólica, uma diminuição da pressão de pulso (às

vezes, a pressão arterial diastólica não é detectável), uma produção de urina

mínima, uma diminuição acentuada do nível de consciência e uma pele fria,

cianótica e úmida, particularmente nas extremidades. Para esses pacientes,

é crucial uma transfusão rápida, muitas vezes requerendo a implementação

de um protocolo de transfusão maciça, além de intervenção cirúrgica ime-

diata.

Abaixo, a tabela que o ATLS nos traz em relação ao que foi discutido

em relação aos graus de perda volêmica:

Com o intuito de facilitar a memorização da tabela, criamos uma sim-

plificada para que facilite o raciocínio na hora da prova. É fundamental per-

Figura 11 - Fonte: ATLS

ceber que nas classes I e II o paciente está normotenso, e o que diferencia,

43
portanto, estas duas classes de choque é a Frequência Cardíaca (classe II há

taquicardia, ao contrário da I). Já os pacientes hipotensos podem ser da

classe III ou IV, e novamente vamos utilizar a frequência cardíaca para dife-

renciar. Pacientes na classe IV, apresentam perda superior a 40% e FC su-

perior a 140!

Para ilustrar esse raciocínio, construímos a tabela abaixo:

CLASSE I CLASSE II CLASSE III CLASSE IV

PA NORMAL NORMAL DIMINUÍDA DIMINUÍDA

FC <100 100-120 120-140 >140

PERDA SANGUÍNEA ATÉ 750 ML 750 – 1500 ML 1500-2000 ML >2000 ML

(ATÉ 15%) (15 – 30%) (30 – 40%) (>40%)

Tabela 3
A escolha da solução cristaloide ideal no manejo de pacientes em

situações críticas é de extrema importância para garantir uma ressuscitação

eficaz. O Ringer lactato, uma composição de cloreto de potássio, cloreto

de sódio, cloreto de cálcio e lactato de sódio, aquecido a uma tempera-

tura de 39°C, é considerado a opção preferencial. Esta solução oferece

uma expansão temporária do volume intravascular e restaura as perdas de

líquidos nos espaços intersticiais e intracelulares.

Além do Ringer lactato, outras opções como o Soro Fisiológico (SF) e

a salina hipertônica podem ser utilizadas, embora evidências recentes te-

nham sugerido que a salina hipertônica não apresenta benefícios

44
significativos na redução da mortalidade. É crucial ressaltar que a adminis-

tração de grandes volumes de soro fisiológico pode levar a uma acidose

hiperclorêmica, especialmente quando há disfunção renal associada.

A administração do volume de líquidos aquecidos deve ser realizada

o mais rapidamente possível, com uma dose inicial de 1 litro para adultos

e 20 ml por quilo de peso para crianças com menos de 40 kg, parecendo

ser adequada. A avaliação da resposta à infusão inicial é baseada em indi-

cadores como nível de consciência, débito urinário, bem como nos níveis de

lactato e déficit de base. Para considerar uma resposta adequada à res-

suscitação volêmica e, consequentemente, à perfusão tecidual ade-

quada, são desejáveis taxas de diurese horária de 0,5 ml/kg/h em adul-

tos, 1 ml/kg/h em crianças menores de 12 anos e 2 ml/kg/h em crianças

menores de um ano.

Na prática, muitas vezes o cateterismo vesical não é prontamente

instituído após a ressuscitação volêmica, por isso, identificamos a resposta

terapêutica por meio da melhora dos sinais vitais.

No entanto, devemos tomar cuidado com a busca incessante pela

normalização dos parâmetros de monitorização, como a PA e FC. Especial-

mente no trauma penetrante, a infusão excessiva de volume pode agravar

a perda sanguínea, pois indivíduos podem não responder adequadamente

à infusão inicial de líquidos ou até mesmo apresentar uma piora temporária

45
da hemorragia. Dessa forma, o tratamento deve ser adaptado ao tipo de

trauma e às necessidades específicas de cada paciente.

Portanto, uma abordagem adequada em casos de hemorragia é ini-

ciar uma infusão de volume com o objetivo de manter uma pressão arterial

inicialmente "abaixo do normal" até que o foco da hemorragia seja contro-

lado cirurgicamente. Isso implica em administrar uma quantidade inicial de

líquidos suficiente para prevenir a hipoperfusão de órgãos, ao mesmo

tempo em que se evita a exacerbação do sangramento. Esse método é co-

nhecido por diversos termos sinônimos, como ressuscitação controlada,

ressuscitação hipotensiva ou hipotensão permissiva (deve-se atentar que

pacientes com TCE têm contraindicação formal à hipotensão permissiva).

Conforme mencionado anteriormente, pacientes classificados como

hemorragia de classes III e IV geralmente necessitam de transfusão de he-

moderivados, uma vez que não respondem adequadamente à terapia ini-

cial com cristaloides. A infusão de concentrado de hemácias pode ser com-

plementada com a administração de plaquetas e/ou outros hemoderiva-

dos, dependendo da avaliação de cada caso. Nos casos de pacientes com

hemorragia classe III irresponsivos as medidas iniciais de reposição de vo-

lume e que continuam instáveis hemodinamicamente e em todos os paci-

entes com hemorragia classe IV, é necessário o uso do Protocolo de Trans-

fusão Maciça (PTM), que envolve a administração de mais de 10 unida-

des de concentrado de hemácias nas primeiras 24 horas após a

46
admissão (ou mais de 4 unidades em uma hora). A administração pre-

coce de plaquetas e plasma, com o objetivo de reduzir a utilização excessiva

de cristaloides, tem demonstrado aumentar a sobrevida dos pacientes. No

entanto, é importante destacar que a intervenção decisiva para salvar vidas

nesses casos é a interrupção da hemorragia, seja por meio de cirurgia ou

procedimentos angiográficos. A disponibilidade imediata de concentrado

de hemácias e outros hemoderivados é característica essencial do PTM.

Dessa forma, resumimos como principais características do proto-

colo de transfusão maciça:

• Consiste em > 10 UI em 24 horas ou > 4 UI em 1 hora

• Proporção de 1 concentrado de hemácias: 1 Plasma : 1 Plaquetas

• Sangue “O negativo” é utilizado até que a tipagem do paciente que rece-

berá a transfusão seja realizada

• Utilizada sempre em Classe IV de hemorragia ou ABC escore com 2 ou

mais pontos

1.15 Avaliação do consumo sanguíneo (ABC)

Conforme visto acima, um escore ABC igual ou maior que 2 pontos

é sinônimo de transfusão maciça. Nesse sentido, é de extrema importân-

cia estar atento às diretrizes de transfusão maciça conforme estabeleci-

das pelo Trauma Quality Improvement Program, do American College of

47
Surgeons (ACS TQPI). Essas diretrizes indicam que a Transfusão Maciça de

Plasma Fresco Congelado, Plaquetas e Concentrado de Hemácias deve ser

considerada em casos de instabilidade hemodinâmica persistente,

mesmo após uma adequada ressuscitação volêmica inicial. Além disso, ou-

tras indicações para a Transfusão Maciça incluem um escore de Avaliação

do Consumo Sanguíneo (ABC) igual ou superior a 2 pontos, ou a pre-

sença de sangramento ativo que necessite de intervenção cirúrgica ou

embolização. O escore ABC leva em consideração parâmetros como:

● pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg

● frequência cardíaca acima de 120 batimentos por minuto

● resultado positivo no exame FAST (Focused Assessment with Sono-

graphy for Trauma)

● identificação de lesões penetrantes no tronco.

É importante lembrar que cada um desses itens, quando presen-

tes, representa 1 ponto na avaliação.

Além disso, é importante destacar que o ácido tranexâmico é uma

droga frequentemente utilizada em conjunto com o protocolo de Transfu-

são Maciça, visando a otimização do tratamento em casos de hemorragia

grave. Essas medidas, de acordo com as diretrizes estabelecidas, desempe-

nham um papel crucial no manejo adequado de pacientes com trauma

grave.

48
UNICAMP (2021)

Mulher, 25a, vítima de atropelamento, é trazida por populares ao

pronto-socorro. Exame físico: PA = 83x57 mmHg, FC = 147 bpm, FR = 32

irpm; Abdome: escoriação e hematoma à direita; Neurológico: Glasgow = 7

e anisocoria; Extremidades: deformidade e edema na coxa esquerda. FAST

(focused assessment with sonography for trauma) positivo nos espaços he-

patorrenal e esplenorrenal. Realizada intubação orotraqueal, iniciada ven-

tilação mecânica e reposição volêmica de 1000mL de solução de Ringer com

lactato aquecido.

Além da frequência cardíaca e da pressão arterial, o outro fator que

compõe o "ABC score" para protocolo de transfusão maciça é:

RESPOSTA: Primeiramente, é evidente que nossa paciente está en-

frentando uma hemorragia de classe IV, uma conclusão incontestável. A ins-

tabilidade hemodinâmica e uma frequência cardíaca (FC) superior a 140 ba-

timentos por minuto não deixam qualquer margem para dúvidas. A defor-

midade e o inchaço na coxa esquerda apontam para uma fratura que pode

resultar em uma perda significativa de sangue, mas, neste caso, é o trauma

abdominal que assume a maior responsabilidade pelo sangramento, con-

forme indicado pelo resultado positivo no FAST (Avaliação Rápida de Lesões

no Trauma). Quando se

49
trata de pacientes críticos que requerem uma ressuscitação volumétrica

substancial, a decisão de implementar o Protocolo de Transfusão Maciça

(PTM) é baseada em um escore conhecido como ABC (Avaliação do Con-

sumo Sanguíneo), que considera os seguintes critérios: pressão arterial sis-

tólica inferior a 90 mmHg, FC acima de 120 bpm, resultado positivo no FAST

e lesão penetrante no tronco. Cada um desses indicadores contribui com 1

ponto para o escore. Um escore igual ou superior a 2 pontos indica a ne-

cessidade de acionar o PTM. Portanto, além da FC e da pressão arterial, o

paciente em questão também registra um resultado positivo no FAST, que

corresponde à resposta correta. A transfusão maciça envolve a administra-

ção de mais de 10 unidades de concentrado de hemácias nas primeiras 24

horas após a admissão no hospital ou mais de 4 unidades na primeira hora.

Nesse contexto, a administração precoce de plasma e plaquetas parece

também melhorar significativamente as chances de sobrevivência. A solu-

ção oficial é a seguinte: resultado positivo no FAST/detecção de líquido livre.

Pacientes vítimas de politrauma com hemorragia significativa têm

um risco de desenvolver coagulopatia em cerca de 30% dos casos. Além do

trauma em si, fatores que contribuem para a coagulopatia incluem a admi-

nistração de grandes volumes de líquidos, que diluem as plaquetas e os fa-

tores de coagulação, e a hipotermia, que prejudica a agregação plaquetária

e a cascata de coagulação. Portanto, é fundamental realizar exames como

50
tempo de protrombina (PT), INR, tempo de tromboplastina parcial ativada

(PTTa) e contagem de plaquetas dentro da primeira hora de admissão, es-

pecialmente em pacientes com histórico de coagulopatia ou uso de medi-

camentos que afetam a coagulação, como AAS e warfarina. Em casos mais

complexos, a tromboelastografia e a tromboelastometria podem ser ferra-

mentas úteis para identificar deficiências específicas nos fatores de coagu-

lação e orientar a terapia de reposição.

Para pacientes com lesões extensas e graves, a administração pre-

coce de ácido tranexâmico, um antifibrinolítico, dentro das primeiras três

horas, tem demonstrado aumentar a sobrevivência. A dose inicial de 1 g

deve ser administrada em dez minutos, de preferência no local do acidente,

e uma segunda dose de 1 g deve ser infundida ao longo de oito horas em

ambiente hospitalar.

Em pacientes que não necessitam de transfusão maciça, o uso de

plaquetas, plasma fresco congelado e crioprecipitado deve ser baseado em

exames que avaliam a coagulação, incluindo contagem de plaquetas, fibri-

nogênio, PTTa, PT e INR.

51
1.16 Estado neurológico (D)

Nesta etapa, é essencial avaliar o estado neurológico do paciente de

maneira abrangente e eficiente. Isso pode ser realizado de forma rápida e

precisa por meio da avaliação do nível de consciência, utilizando a Escala de

Coma de Glasgow (a qual será explicada em seguida). Além disso, um mé-

todo complementar para avaliar o estado neurológico é a análise das res-

postas pupilares. Elementos como a reatividade à luz, a simetria e a dilata-

ção das pupilas podem fornecer informações valiosas sobre possíveis com-

prometimentos neurológicos de origem estrutural.

A Escala de Coma de Glasgow é uma ferramenta de avaliação rápida

do nível de consciência, que se baseia na atribuição de pontuações às me-

lhores respostas observadas nos domínios ocular, verbal e motor. A pontu-

ação nessa escala varia de 3 a 15.

Essa escala é frequentemente utilizada para classificar traumas cra-

nianos, onde escores mais elevados, entre 13 e 15, indicam traumatismo

craniano leve, enquanto pontuações de 9 a 12 representam casos mode-

rados, e escores entre 3 e 8 indicam traumatismo craniano grave, re-

querendo, em alguns casos, intervenções imediatas, como a intubação.

A seguir, apresentamos a Escala de Coma de Glasgow, conforme

revisada na 10ª edição do ATLS:

52
Recentemente, a ECG sofreu algumas modificações (ECG revisada),

sendo o estímulo à pressão (e não à dor) utilizado. No parâmetro de melhor

resposta verbal, o termo “palavras inapropriadas” foi substituído apenas

por “palavras”, e “sons incompreensíveis” por “sons”. Em melhor resposta

motora, a “flexão de retirada mediante estímulo álgico” foi substituída por

“flexão mediante estímulo pressórico” (sobre o leito ungueal), considerada

“flexão normal”. Além disso, o termo “não testado” deve ser empregado

quando um parâmetro fica impossibilitado de ser avaliado.

Como complemento do nosso estudo, é importante que fique claro

os locais para estimulação física que são utilizados para a avaliação da

ECG:

• Pressão na extremidade dos dedos

• Pinçamento do trapézio

• Insisura supraorbitária

Figura 12 - Ilustração dos pontos para estimulação física usados na ECG.


Fonte:https://www.glasgowcomascale.org/downloads/GCS-Assessment-Aid-Brazilian.pdf

53
A seguir, colocamos a ECG revisada, com as respectivas pontuações

para as melhores respostas ocular, verbal e motora do paciente. Atente-se

ao fato de que algumas bancas utilizam a nova terminologia de estímulo

álgico, mas muitas ainda mantém a dor como estímulo (abaixo está como

dor, mas saiba que existe essa relação). É importante ainda lembrar, con-

forme mencionado anteriormente, que na impossibilidade de realizar de-

terminada pontuação da escala, designamos esta condição com a abrevia-

tura “NT”.

Figura 13 - ECG revisada. Fonte: https://www.glasgowcomascale.org/downloads/GCS-Assessment-Aid-


Brazilian.pdf

54
Além disso, a ECG revisada traz como conceitos para resposta motora

o que chamamos de flexão normal e de flexão anormal. Por estas deno-

minações entende-se:

Figura 14 - Representação esquemática da flexão normal e anormal pela ECG. Fonte:


https://www.glasgowcomascale.org/downloads/GCS-Assessment-Aid-Brazilian.pdf

1.17 Escala de coma de glasgow - pupila (ECG - P):

Embora não conste na última edição do ATLS, é muito importante o

entendimento deste conceito. Elaborada ainda em 2018, esta escala tem a

finalidade de combinar dois indicadores de lesão cerebral e contribuir para

uma avaliação mais específica do paciente.

Anotações

55
Dessa forma, devemos subtrair do valor encontrado da ECG a pontu-

ação da Reação Pupilar (RP). Sendo assim:

ECG - P = ECG - RP

REAÇÃO PUPILAR AO ESTÍMULO DOLOROSO PONTUAÇÃO

AMBAS AS PUPILAS REAGEM 0

SOMENTE UMA PUPILA REAGE 1

NENHUMA REAÇÃO PUPILAR 2

Tabela 4

Dessa forma, a pontuação desta escala varia de 1 a 15 pontos.

Anotações

56
EMCM (2021):

Paciente jovem, 25 anos, sofreu acidente de moto e não usava capa-

cete. Na abordagem médica no local, apresentava escoriações no tórax,

sem alterações à ausculta e sem dor abdominal, com lesão cortocontusa

em couro cabeludo. Encontrava-se sonolento, sem resposta aos comandos

verbais e aos estímulos dolorosos, abria o olho, tinha movimentos de de-

fesa em flexão normal e emitia apenas gemidos. No exame ocular, tinha

anisocoria, com midríase não responsiva à luz, à esquerda. Sobre o caso

acima, marque a alternativa correta.

A) ECG 10, oxigênio por cateter nasal.

B) ECG 7, intubação orotraqueal.

C) ECG 8, intubação orotraqueal.

D) ECG 11, máscara laríngea.

REPOSTA: Vamos discutir a questão que envolve a nova Escala de

Coma de Glasgow (Glasgow-P). Primeiro, realizamos o cálculo da Escala de

Coma de Glasgow da seguinte forma: Abertura ocular em resposta à dor: 2

pontos; Emissão de sons incompreensíveis: 2 pontos; Movimentos de flexão

normais: 4 pontos. Portanto, a pontuação na Escala de Coma de Glasgow

(ECG) é de 8 pontos.

57
Agora, vamos calcular o Glasgow-P, que envolve subtrair a pontuação

da reatividade pupilar da Escala de Coma de Glasgow. Para reatividade pu-

pilar inexistente em ambos os olhos, atribuímos -2 pontos; para reatividade

pupilar unilateral, atribuímos -1 ponto; e para reatividade pupilar bilateral,

atribuímos 0 pontos. Dado que o paciente estava anisocórico, a pontuação

para reatividade pupilar é de -1. Portanto, o valor do Glasgow-P é de 7 (8 -

1).

Diante de um paciente com Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

grave, ou seja, com uma pontuação na ECG menor ou igual a 8, a conduta

inicial é a realização de intubação orotraqueal. Portanto, a alternativa que

descreve a melhor abordagem é a alternativa B.

Gabarito: letra B.

Anotações

58
1.18 Exposição com controle do ambiente (E)

Durante a avaliação primária de um paciente vítima de trauma, é es-

sencial que a pessoa seja completamente despida para identificar qualquer

lesão potencial. No entanto, é importante realizar esse processo com cau-

tela, uma vez que a hipotermia pode ser um complicador potencialmente

letal a ser evitado a todo custo.

Nesse contexto, manter o paciente aquecido se torna uma prioridade

crucial para o seu bem-estar e recuperação. Isso pode ser alcançado por

meio de diversas medidas, como a administração de fluidos aquecidos

(temperatura de 39ºC), mantendo a temperatura ambiente da sala de aten-

dimento adequada e o uso de cobertores térmicos.

Assim, além de garantir uma avaliação completa e precisa das lesões,


também é fundamental garantir o conforto térmico do paciente, minimi-
zando o risco de hipotermia durante o processo de avaliação e tratamento.

É importante lembrar que a hipotermia é um dos componentes


da tríade da morte:

• Hipotermia

• Acidose

• Coagulopatia

59
SES - GO (2021):

Você é convocado para uma área de triagem segura em um shopping,

onde várias pessoas são feridas em um tiroteio. O atirador se matou. Você

examina rapidamente a situação, determina as condições dos pacientes e

estabelece as prioridades para avaliação posterior. Nesse caso, qual paci-

ente tem prioridade para a avaliação posterior?

A) PACIENTE A - Um jovem está gritando: ""Por favor, me ajude, minha

perna está me matando!""

B) PACIENTE B - Uma jovem mulher tem cianose e taquipneia e está respi-

rando ruidosamente

C) PACIENTE C - Um homem mais velho está deitado em uma poça de san-

gue com a perna esquerda da calça encharcada de sangue

D) PACIENTE D - Um jovem está deitado de bruços e não se move.

RESPOSTA: Questão muito interessante que traz os conceitos da prepa-

ração, triagem e atendimento inicial que conversamos no início do capítulo.

Veja que o examinador garantiu que a cena está segura e vamos buscar nas

assertivas classificar os pacientes de acordo com o protocolo de triagem

nos incidentes com vítimas em massa, de acordo com as seguintes cores:

vermelho - necessitam de atendimento

60
imediato com lesões com risco de morte se não tratadas;

• Amarelo - paciente com lesões graves que precisam de atendimento,

mas que podem aguardar;

• Verde - pacientes com lesões leves que podem deambular e ser atendi-

dos fora da cena;

• Preta - óbitos ou lesões sem recursos para tratamento que irão culmi-

nar em óbito.

Uma crítica à questão é ter colocado no enunciado “avaliação posterior”,

que gerou dúvidas, mas a banca não aceitou o recurso. Com isso em mente,

vejamos os pacientes:

• Paciente A: Paciente gritando é música para os nossos ouvidos, isso quer

dizer que tem fonação preservada (via aérea pérvia) e oxigenação sufici-

ente para articular as palavras (consciente). Classificação Verde;

• Paciente B: Paciente com evidência de insuficiência respiratória, classifi-

cada como Vermelho;

• Paciente C: Paciente com hemorragia de extremidade, classificado mais

provavelmente como Vermelho

• Paciente D: Paciente imóvel e de bruços, classificado como Preto;

61
Aqui entra a obsessão que devemos ter com o ABCDE, o que

mata primeiro o paciente: lesão de via aérea (A) ou hemorragia (C)? A via

aérea, segundo o ATLS, por isso a melhor resposta é priorizar o atendi-

mento da paciente B.

Gabarito: Letra B.

Anotações

62
(DASA-2023)

Assinale a alternativa correta com relação ao manejo da via aérea em

casos em que há suspeita de lesão cervical.

A) Quando houver suspeita de lesão da coluna cervical, um segundo so-

corrista deve manter fixa a região do pescoço do paciente, evitando

a rotação ou a flexão durante a manobra de elevação da mandíbula.

B) Quando a criança estiver consciente, recomenda-se a utilização da

cânula orofaríngea.

C) Quando a criança apresentar esforço respiratório inadequado, não

se deve realizar intubação orotraqueal.

D) Quando houver suspeita de trauma de face, recomenda-se o uso de

intubação nasotraqueal.

RESPOSTA:

• A) CORRETA. A suspeita de lesão cervical é uma preocupação importante

ao lidar com vítimas de trauma. Manter a coluna cervical imobilizada é

fundamental para prevenir danos adicionais à medula espinhal. A ma-

nobra de elevação da mandíbula (ou manobra de tração mandibular) é

uma técnica usada para abrir a via aérea,

63
mas em casos de suspeita de lesão cervical, é essencial que um segundo

socorrista segure a região do pescoço do paciente de forma a evitar

qualquer movimento de rotação ou

flexão do pescoço durante a realização da manobra, minimizando assim

o risco de lesões adicionais na coluna cervical.

• B) INCORRETA. A utilização da cânula orofaríngea é indicada em pacien-

tes que estão inconscientes e com reflexo de gag (náusea e vômito) su-

primido, não em pacientes conscientes.

• C) INCORRETA A intubação orotraqueal é um procedimento indicado em

situações de comprometimento grave da via aérea, incluindo esforço

respiratório inadequado, desde que seja feito por profissional de saúde

treinado para realizar essa intervenção.

• D) INCORRETA. A escolha entre intubação orotraqueal e intubação naso-

traqueal em casos de trauma facial depende da situação específica e da

experiência do profissional de saúde. Não há uma recomendação única

para todos os casos de trauma facial.

Gabarito: Letra A.

64
(HSCSP 2023)

Motociclista de 45 anos, hipertenso em uso de betabloqueador e AAS

100mg ao dia, devido quadro de HAS, sofreu colisão contra veículo parado

e foi arremessado contra o asfalto. No atendimento inicial, realizado no lo-

cal pelo resgate encontrava-se com capacete, FR 24 ipm, FC 84bpm, cianose

em lábios, gemente e contactuante. Na UPA, ao exame físico apresentava

equimoses em região de tórax à esquerda, discreta diminuição do murmú-

rio vesicular ipsilateral e macicez à percussão.

Baseado nesse cenário, assinale a alternativa com a sequência de

atendimento do politraumatizado com objetivo de dar suporte à vida até a

transferência para centro especializado.

A) Intubação orotraqueal, ventilação em pressão positiva e transfusão


de concentrado de hemácias.

B) Preservar vias aéreas pérvias, oferecer oxigênio e drenagem torácica


com dreno em selo d’água.

C) Punção de Marfan, caso positiva, realizar drenagem de hemitórax à


esquerda com dreno de Blake.

D) Intubação orotraqueal e posterior transferência do paciente para to-


mografia de tórax e abdome.

65
RESPOSTA: Com base no cenário apresentado, a sequência de aten-
dimento do politraumatizado com o objetivo de dar suporte à vida até a
transferência para um centro especializado é a seguinte:

• A) INCORRETA: A intubação orotraqueal não é a prioridade inicial neste


caso, e não há evidência de necessidade de transfusão de concentrado
de hemácias com base nas informações fornecidas.
• B) CORRETA: O paciente apresenta cianose nos lábios, o que indica difi-
culdade respiratória. Portanto, é fundamental garantir que as vias aé-
reas estejam desobstruídas para garantir uma ventilação adequada.
Oferecer oxigênio: Dada a cianose e o quadro de trauma, é importante
fornecer oxigênio suplementar para melhorar a oxigenação do paciente
e corrigir a cianose. Drenagem torácica com dreno em selo d'água: O
paciente apresenta equimoses no tórax à esquerda, diminuição do mur-
múrio vesicular ipsilateral e macicez à percussão, o que sugere a pre-
sença de um pneumotórax ou hemotórax. Portanto, a drenagem torá-
cica com um dreno em selo d'água é indicada para aliviar a pressão no
espaço pleural e restaurar a expansão pulmonar.
• C) INCORRETA: Não há informações suficientes para justificar a realiza-
ção de uma punção de Marfan neste momento, e a drenagem torácica é
apropriada para tratar as anormalidades torácicas observadas.
• D) INCORRETA: A intubação orotraqueal não é a primeira intervenção
necessária neste caso. O paciente primeiro precisa de medidas para ga-
rantir a ventilação adequada e o alívio do pneumotórax ou hemotórax,
conforme indicado. A tomografia deve ser considerada após a estabili-
zação inicial, se houver suspeita de lesões internas.

Gabarito: Letra B.

66
SCMSJC (2023)

Paciente de 39 anos vítima de acidente de trânsito trazido pela

equipe de resgate que relata uma colisão frontal, apresenta sangramento

facial profuso, fratura mandibular e insuficiência respiratória. Sua primeira

conduta neste caso deverá ser:

A) Cateter nasal de Oxigênio.


B) Intubação orotraqueal.
C) Intubação nasotraqueal.
D) Cricotireoidostomia.

RESPOSTA:

• A) INCORRETA. Cateter nasal de Oxigênio: O uso de um cateter nasal de

oxigênio não é suficiente para resolver a insuficiência respiratória grave

neste caso. É necessária uma intervenção mais invasiva para garantir a

ventilação adequada.

• B) CORRETA. Intubação orotraqueal. Insuficiência Respiratória: O paci-

ente está com insuficiência respiratória, o que significa que está com di-

ficuldade em respirar adequadamente. Essa é uma situação crítica que

requer intervenção imediata para garantir a ventilação e a oxigenação

adequadas. Sangramento Facial Profuso:

67
O sangramento facial profuso pode obstruir as vias aéreas, tornando

ainda mais difícil para o paciente respirar. A intubação orotraqueal é a

maneira mais eficaz de proteger as vias aéreas, evitar a aspiração de

sangue e fornecer ventilação controlada.

Fratura Mandibular: A presença de uma fratura mandibular pode dificul-

tar a manutenção de uma via aérea adequada. No entanto, a intubação

orotraqueal é uma técnica que pode ser usada mesmo em pacientes

com fratura mandibular, garantindo um acesso seguro às vias aéreas.

• C) INCORRETA. A intubação nasotraqueal pode ser mais difícil de realizar

em pacientes com sangramento e fratura mandibular, além de levar

mais tempo. A intubação orotraqueal é geralmente a escolha preferida

em situações de insuficiência respiratória aguda.

• D) INCORRETA. A cricotireoidostomia é um procedimento invasivo e de

último recurso que é reservado para situações extremas em que a intu-

bação orotraqueal e nasotraqueal são impossíveis ou falharam. Não é a

primeira opção devido aos riscos associados e à necessidade de treina-

mento especializado.

Gabarito: Letra B.

68
SCMSJC (2023)

Na avaliação do paciente vítima de trauma, existe uma sequência de

ações para evitar o óbito. Qual seria ação prioritária e imediata para estabi-

lizar?

A) Repor o volume com soluções cristaloides.


B) Estancar pontos de hemorragia imediata.
C) Manter o paciente consciente a qualquer custo.
D) Manter a via aérea pérvia.

RESPOSTA:

• A) INCORRETA. Repor o volume com soluções cristaloides: Embora a re-

posição de volume seja importante para tratar a hipovolemia causada

por hemorragia, ela não é a ação prioritária. A estabilização das vias aé-

reas é fundamental antes de iniciar a reposição de líquidos, pois o paci-

ente precisa de oxigênio antes de outros tratamentos.

• B) INCORRETA. Estancar pontos de hemorragia imediata: Controlar a he-

morragia é uma intervenção crítica, mas a prioridade absoluta é garantir

que o paciente possa respirar. O controle de

69
hemorragias é frequentemente uma ação subsequente após a manu-

tenção das vias aéreas.

• C) INCORRETA. Manter o paciente consciente a qualquer custo: Manter

o paciente consciente é importante, mas não deve ser a principal priori-

dade quando há risco iminente de obstrução das vias aéreas. A manu-

tenção das vias aéreas e a oxigenação são essenciais para a sobrevivên-

cia e podem envolver a sedação ou a intubação do paciente, se necessá-

rio.

• D) CORRETA. Prioridade das Vias Aéreas: Em uma situação de trauma, a

prioridade número um é garantir que as vias aéreas do paciente estejam

desobstruídas e permitindo a passagem de ar. A obstrução das vias aé-

reas é uma das principais causas de morte imediata em vítimas de

trauma.

Necessidade de Oxigênio: A manutenção de uma via aérea pérvia é

crucial para permitir a ventilação adequada e a oxigenação do paciente.

Sem oxigênio suficiente, o paciente pode desenvolver hipóxia (baixa con-

centração de oxigênio no sangue), o que pode levar à parada cardiorrespi-

ratória e ao óbito.

Gabarito: Letra D.

70
(HSM 2023)

Um paciente de 35 anos de idade, vítima de acidente automobilístico

em que era o motorista, foi ejetado do veículo, foi levado pelos bombeiros

inconsciente, hipotenso com PA = 90 mmHg x 60 mmHg, FC = 128 bpm e

taquicárdico. Em relação ao atendimento inicial ao trauma, preconizado

pelo Advanced Trauma Life Suport (ATLS), assinale a alternativa correta.

A) As radiografias indicadas são de abdome, de tórax, de coluna cervical

e de crânio.

B) O volume inicial de líquidos a ser infundido é de 2.000 mL de soro

aquecido.

C) O paciente tem indicação de via aérea definitiva.

D) Como o paciente está inconsciente, a principal hipótese é de trauma-

tismo cranioencefálico.

E) O uso do ácido tranexâmico é indicado após 24 horas, em sangra-

mentos volumosos.

RESPOSTA:

• A) INCORRETA De acordo com o protocolo ATLS, em pacientes com


trauma a radiografia de abdome não é comumente utilizada na avalia-
ção primária ao trauma

71
• B) INCORRETA. A abordagem de ressuscitação de líquidos no ATLS segue
o conceito de "ressuscitação guiada por metas". O volume inicial de lí-
quidos é frequentemente de 1.000 mL de solução salina isotônica (não
aquecida), e a resposta do paciente à fluidoterapia é monitorada de
perto. O uso de 2.000 mL não é uma regra fixa, e a administração exces-
siva de fluidos pode ser prejudicial.
• C) CORRETA. O paciente está inconsciente e taquicárdico, o que indica a
necessidade de avaliar e assegurar a via aérea do paciente. Isso pode
envolver a intubação orotraqueal ou outra via aérea definitiva, depen-
dendo da situação clínica.
• D) INCORRETA. Embora o traumatismo cranioencefálico seja uma preo-
cupação importante, o paciente pode ter várias lesões, incluindo lesões
torácicas, abdominais e ortopédicas devido ao acidente. O ATLS preco-
niza uma avaliação abrangente para identificar e tratar todas as lesões
potenciais, não apenas o traumatismo cranioencefálico.
• E) INCORRETA. O ácido tranexâmico é uma medicação antifibrinolítica
que pode ser indicada em casos de sangramento volumoso e está indi-
cada o mais cedo possível após o início do sangramento. A administra-
ção ideal é dentro das primeiras horas após o trauma, não após 24 ho-
ras. A administração tardia pode não ser eficaz na redução do sangra-
mento.

Gabarito: Letra C.

72
MULTIVIX VITÓRIA (2023)

Homem, 44 anos, chega a sala de emergência após extricação pro-

longada de uma explosão com chamas em um edifício. Ao exame: agitado,

respiração em gasping, gemente com palavras incompreensíveis, presença

queimaduras severas com bolhas em sua face e corpo, múltiplas fraturas

de costela palpáveis e movimento paradoxal do tórax. Qual é a melhor con-

duta inicial no manejo desse paciente?

A) Intubar o paciente com sequência rápida de intubação.

B) Chamar um cirurgião para fazer a admissão do paciente.

C) Realizar ultrassonografia a beira leito, utilizando o protocolo FAST.

D) Realizar drenagem torácica no 4o espaço intercostal na linha axilar

média

RESPOSTA:

• A) CORRETA. O paciente está apresentando sinais de insuficiência respi-

ratória grave, incluindo respiração em gasping, movimento paradoxal do

tórax e múltiplas fraturas de costela palpáveis. A intubação imediata é

necessária para garantir uma via aérea adequada e fornecer ventilação

controlada. O uso da sequência rápida de intubação é apropriado em

um paciente com lesões traumáticas

73
• B) INCORRETA. Esta alternativa não é a melhor conduta inicial neste mo-

mento. Embora seja importante envolver uma equipe cirúrgica em casos

de trauma grave, a prioridade imediata é garantir uma via aérea ade-

quada e fornecer ventilação ao paciente. Chamar um cirurgião deve ser

parte do plano de atendimento, mas não é a ação mais urgente neste

cenário.

• C) INCORRETA. A ultrassonografia à beira do leito (FAST) é útil para ava-

liar a presença de líquido livre na cavidade abdominal e pericárdica, mas

não é a ação prioritária neste caso. A prioridade é a garantia de uma via

aérea e ventilação adequadas, dada a insuficiência respiratória do paci-

ente.

• D) INCORRETA. Embora a drenagem torácica seja uma intervenção im-

portante em casos de pneumotórax ou hemotórax, não é a ação priori-

tária neste cenário. A prioridade é a garantia de uma via aérea adequada

e ventilação, já que o paciente está em insuficiência respiratória grave.

Após a intubação, pode ser necessário avaliar se há indicação para dre-

nagem torácica com base na avaliação clínica completa do paciente.

Gabarito: Letra A.

74
SURCE (2021)

Um jovem motociclista de 19 anos se envolve em uma colisão com

um ônibus no cruzamento que fica cerca de 20 minutos do Hospital de

Emergência Terciário de referência às vítimas de trauma. Ele usava correta-

mente o capacete e estava confuso, agitado, expressando muita dor, com

pele pálida, fria e úmida na cena. O que chama atenção é uma grave lesão

de amputação traumática da perna esquerda ao nível do joelho com muito

sangue no asfalto. Populares aplicaram um torniquete improvisado pouco

tempo depois e chamaram o SAMU 192. De acordo com a nona edição do

Prehospital Trauma Life Support (PHTLS), qual a primeira ação da equipe de

Suporte Avançado de Vida do SAMU 192 na avaliação primária do atendi-

mento inicial à essa vítima?

A) Colocar curativo compressivo.

B) Iniciar analgesia endovenosa com opioides.

C) Confirmar se o torniquete foi aplicado corretamente.

D) Verificar a permeabilidade da via aérea e controle cervical.

75
RESPOSTA: O reflexo que vem é pensar no ABCDE e marcar a letra D.

Mas muita calma, perceba que a questão cita o PHTLS e faz questão de re-

forçar que o paciente está exsanguinando pela lesão do membro inferior.

Nessa última edição do atendimento pré-hospitalar, foi determinado a se-

quência do X-ABCDE, em que o “X” representa o controle das hemorragias

exsanguinantes no pré-hospitalar, mesmo antes de estabilzar a coluna cer-

vical ou avaliar a via aérea, devemos realizar a compressão para controlar

esta hemorragia. Fique tranquilo, pois isso não muda nada do que conver-

samos até então, mas fique atento às questões que citam o PHTLS e refor-

çam a ideia de exsanguinação, como nessa questão. Assim, a primeira ação

será avaliar o torniquete aplicado.

Gabarito: Letra C.

Anotações

76
(2021 SCMSP)

Um paciente foi levado pelo resgate ao pronto-socorro, com colar


cervical e em prancha rígida, após colidir com o seu carro contra um poste.
Estava alcoolizado e não usava cinto de segurança. No local, foi visto o sinal
do alvo no vidro dianteiro do carro. Ao exame físico de entrada, encontrava-
se irresponsivo, com respiração ruidosa e oximetria de pulso marcando
85% de saturação de oxigênio. Tinha equimose periorbitária bilateral, lace-
rações na face e provável fratura de ramo direito da mandíbula. Com base
nesse caso hipotético, assinale a alternativa que apresenta a melhor con-
duta imediata.

A) Intubação orotraqueal.

B) Intubação nasotraqueal.

C) Cricotireoidostomia por punção.

D) Cricotireoidostomia cirúrgica.

E) Traqueostomia.

RESPOSTA:

Estamos diante de um paciente que sofreu um trauma e foi levado


ao pronto-socorro usando um colar cervical e uma prancha rígida. A equipe
de atendimento pré-hospitalar identificou evidências de que o paciente

77
colidiu com o para-brisa do veículo, o que é conhecido como o "sinal do
alvo". Notavelmente, ele não estava usando o cinto de segurança. Ao seguir
a abordagem ABCDE na admissão ao hospital, notamos que o paciente está
inconsciente, com uma respiração ruidosa e uma significativa diminuição
na saturação de oxigênio (uma saturação abaixo de 90% indica uma PaO2
abaixo de 60 mmHg).

Além disso, observamos equimoses ao redor dos olhos, o que sugere


uma fratura na base do crânio, conhecida como o "sinal do guaxinim". O
paciente também apresenta lacerações no rosto e uma possível fratura no
ramo direito da mandíbula. Embora a Escala de Coma de Glasgow não te-
nha sido mencionada, podemos concluir que estamos provavelmente li-
dando com um Traumatismo Cranioencefálico (TCE) grave. É importante
ressaltar que o uso de álcool pode complicar nossa avaliação.

Em qualquer caso, devido à inconsciência, à respiração ruidosa e à


oxigenação comprometida, é indiscutivelmente necessário estabelecer
uma via aérea definitiva. É crucial observar que, embora a via aérea possa
estar parcialmente desobstruída, ela não está segura.

A principal complicação para muitos candidatos foi escolher entre


as alternativas A e D. É importante lembrar que, embora a presença de
uma fratura de mandíbula seja um fator complicador, ela não é uma con-
traindicação imediata para uma tentativa de Intubação Orotraqueal (IOT).
Caso a IOT não seja bem-sucedida, outros métodos podem ser utilizados,
como a cricotireoidostomia cirúrgica. É crucial destacar que a fratura na
base do crânio é uma contraindicação formal para a intubação nasotra-
queal, mas não para a IOT.

Dessa forma, a opção correta é a A.

78
2. TRAUMA DE FACE E CERVICAL

No atendimento inicial a um paciente vítima de trauma facial, a prio-

ridade absoluta é garantir a permeabilidade das vias aéreas. Frequen-

temente, as questões relacionadas a traumas faciais envolvem a necessi-

dade de estabelecer uma via aérea adequada, especialmente em casos de

fraturas faciais complexas que podem obstruir a passagem de ar. Isso

ocorre devido a elementos como dentes, fragmentos ósseos ou sangra-

mento que dificultam a aspiração e prejudicam a visualização das cordas

vocais, tornando a intubação orotraqueal insegura. Nessas situações, é fun-

damental criar uma via aérea cirúrgica, um tema que pode ser encontrado

em detalhes em recursos como o livro "Atendimento Inicial ao Trauma".

Vamos agora concentrar nossa atenção nas principais fraturas faciais

que costumam ser abordadas em questões de concursos de residência mé-

dica.

Em lesões maxilofaciais, a preocupação primordial é o comprometi-

mento das vias aéreas, embora o sangramento também possa ser significa-

tivo. O sangramento decorrente de lesões faciais deve ser inicialmente con-

trolado por meio de compressão. Se essa abordagem não for eficaz, a he-

mostasia pode ser alcançada por meio de sutura da laceração ou ligadura

do vaso sangrante.

79
A artéria maxilar ou artéria maxilar interna, que é um dos principais

ramos terminais da artéria carótida externa, irriga as estruturas profundas

da face e pode causar sangramento intenso se for lesada. Em casos raros,

quando o sangramento de vasos profundos ou fraturas ósseas faciais se

torna incontrolável, a embolização arterial por radiologia intervencionista é

uma opção terapêutica eficaz. Quando essa alternativa não está disponível,

medidas como a ligadura da artéria carótida externa devem ser considera-

das para controlar o sangramento.

Lacerações profundas na bochecha e nas áreas próximas à orelha

requerem uma avaliação minuciosa das glândulas parótidas. Além de sutu-

rar os ferimentos, é essencial verificar a patência do ducto parotídeo e pos-

síveis lesões no nervo facial. Danos ao ducto parotídeo podem levar a

edema, dor, sialocele, fístula, abscesso e infecção, sendo necessária a cor-

reção da laceração do ducto por um cirurgião especializado e experiente.

Quando fraturas ou lesões nos tecidos moles são identificadas, é impor-

tante avaliar a função motora da face.

Em relação às lesões do nervo facial, na região média da face, ante-

rior à linha mediopupilar, geralmente apresentam recuperação espontânea

devido à natureza plexiforme e profunda dos ramos nessa área.

Ao realizar suturas na face, a remoção dos pontos deve ser feita o

mais cedo possível. Em geral, para a pálpebra, recomenda-se de 3 a 5 dias,

para a face, de 5 a 7 dias, e para o couro cabeludo, de 7 a 9 dias.

80
2.1 Fraturas de le fort

É essencial ter uma compreensão sólida da classificação de Le Fort,

que descreve três variações de disjunção entre a região central da face

e os ossos circundantes. O tipo e a gravidade da fratura frequentemente

dependem do mecanismo e da localização do impacto. Importante notar

que a maioria das fraturas de Le Fort não ocorre de forma isolada e pode

estar associada a outras lesões faciais. Para uma avaliação precisa dessas

fraturas faciais, a tomografia computadorizada é o método de escolha e

deve ser realizada após a avaliação das lesões que representam risco

à vida do paciente.

Le Fort I: Essa fratura envolve uma quebra horizontal na maxila, lo-

calizada acima das raízes dos dentes. Também é conhecida como fratura

de Guérin, disjunção dentoalveolar ou fratura transversa. Ela separa os pro-

cessos alveolares, os dentes e o palato do restante do crânio. Pode ocorrer

de forma unilateral ou bilateral. A porção da face que se desloca é denomi-

nada infranasal, frequentemente resultando em edema, epistaxe e equimo-

ses na região gengivobucal superior.

Le Fort II: Essas fraturas são tipicamente bilaterais e envolvem uma

disjunção que se estende superiormente na região central da face, inclu-

indo os ossos nasal, maxilar, lacrimais e o assoalho orbital. As linhas de fra-

tura possuem a forma de uma pirâmide, motivo pelo qual também são

81
chamadas de fraturas piramidais. A linha de fratura ocorre acima do nariz,

separando os ossos nasal e maxilar dos ossos frontal e da órbita.

Le Fort III: Nesse cenário, ocorre uma disjunção craniofacial. As fra-

turas resultam em descontinuidade entre o crânio e a região central da face.

As fraturas têm início na sutura frontonasal, estendendo-se posteriormente

ao longo da parede interna da órbita, atingindo o assoalho orbital, a parede

orbital lateral e o arco zigomático (fratura naso-orbito-etmoidal, zigomática

e maxilar). Intranasalmente, essas fraturas se estendem por todos os ossos

inferiores até a base do esfenoide e frequentemente estão associadas a va-

zamento de líquido cefalorraquidiano (LCR).

No período pós-operatório de fraturas do terço médio da face (Le

Fort), as complicações mais comuns incluem infecção, sangramento nasal

(epistaxe) e parestesia. Em fraturas do Le Fort III, pode ocorrer uma fístula

liquórica.

2.2 Fratura nasal

As fraturas nasais são frequentemente encontradas em casos de

trauma facial e representam a lesão mais comum nessa área. Os sinto-

mas típicos incluem:

• o surgimento de equimoses palpebrais, geralmente visíveis após cerca

de 24 horas

82
• inchaço localizado

• desvio ou afundamento do dorso nasal

• crepitação quando a área é palpada

• epistaxe (sangramento nasal).

Além desses sinais, outras manifestações podem surgir, como diplo-

pia (visão dupla) e telecanto (aumento da distância entre os cantos internos

dos olhos), muitas vezes devido a fraturas associadas na região naso-órbito-

etmoide.

Pacientes com fraturas nasais também podem apresentar congestão

nasal, perda de olfato (anosmia), alterações visuais e tontura. É importante

notar que a rinorreia, ou seja, o vazamento de líquor pelo nariz, pode ser

um sinal crítico de lesões mais graves.

O tratamento inicial das fraturas nasais envolve medidas como man-

ter a cabeça elevada e aplicar compressas de gelo na área afetada. Quando

as fraturas nasais são isoladas e não complicadas, geralmente é recomen-

dada uma redução imediata, idealmente dentro das seis horas após o

trauma. No entanto, alguns otorrinolaringologistas podem optar por espe-

rar de três a sete dias para a redução, pois nesse período o edema diminui

e a anatomia nasal pode ser melhor avaliada. No entanto, a decisão de

quando realizar a cirurgia não é uniforme e varia de acordo com o profissi-

onal. É importante destacar que, embora não seja uma emergência

83
absoluta, adiar a cirurgia pode resultar em deformidades permanentes, e,

portanto, a intervenção precoce é preferível.

O termo "telecanto" refere-se ao aumento da distância entre os can-

tos internos dos olhos e geralmente está associado a fraturas naso-órbito-

etmoide, que podem envolver lesões no ligamento cantal medial e/ou no

sistema lacrimal. Além disso, fraturas na lâmina cribriforme (crivosa) do

osso etmoide frequentemente resultam em vazamento de líquido cefalor-

raquidiano (LCR) e podem causar pneumoencefalo, aumentando o risco de

meningite bacteriana.

Cirurgia de urgência é indicada nos seguintes casos:

• Fraturas nasais abertas;

• Associação com fratura na parte anterior da base do crânio;

• Complicações como lesão nas vias lacrimais, hematoma de septo nasal

(que, quando não tratado, pode levar à necrose e erosão do septo de-

vido à pressão prolongada), fístula liquórica, sangramento intenso e al-

terações visuais.

2.3 Trauma cervical

A região do pescoço é extremamente crítica devido à presença de

estruturas vitais, incluindo vasos cervicais como a veia jugular interna, a ar-

téria carótida e seus ramos, bem como as vias aerodigestivas,

84
compreendendo o esôfago, a laringe e a traqueia. Além disso, nervos crani-

anos e a coluna cervical também estão presentes, e lesões nessa área ge-

ralmente exigem intervenção imediata quando ocorrem. Embora não sejam

lesões comuns, as lesões cervicais têm a mais alta taxa de mortalidade em

comparação com outras regiões do corpo.

Já as lesões cervicais resultantes de traumas contusos são raras, mas

podem causar danos nos vasos sanguíneos, como sangramento ou ruptura

das paredes das artérias carótidas e vertebrais, geralmente devido a movi-

mentos bruscos de flexão e extensão do pescoço ou impacto direto. Além

disso, há o risco de compressão com fraturas na laringe e/ou traqueia, bem

como lesões no esôfago, que podem levar ao extravasamento de conteúdo

para os tecidos circundantes, resultando em infecção local ou mediastinite,

caso não sejam tratadas adequadamente.

Lesões penetrantes, como ferimentos por arma de fogo ou arma

branca, são a causa mais comum de lesões cervicais. Portanto, nosso

foco principal neste contexto é entender como lidar com traumas cervicais

penetrantes. Um ferimento cervical penetrante ocorre quando há pe-

netração além do músculo platisma, uma camada muscular fina e super-

ficial localizada logo abaixo da pele, que se estende da clavícula à mandí-

bula.

Nesse contexto, é importante o entendimento das zonas de lesão na

região cervical no que se refere a localização anatômica dos ferimentos com

85
suas respectivas características no que se refere a conduta. Pensando nisso,

elaboramos abaixo uma tabela sobre essa questão:

Figura 15 - Zonas do trauma cervical. Fonte: Sabiston

Anotações

86
Zona da
Localização Características
Lesão

Abaixo da car-
Lesões mais graves e maior mortalidade de-
tilagem cri-
vido ao acesso cirúrgico mais difícil. Em al-
coide até o es-
Zona I guns casos, pode ser necessário associar
terno e as cla-
uma esternotomia para controle e reparo
vículas (operí-
das lesões.
culo torácico)

Local mais comum das lesões e mais acessí-


Entre a cartila-
vel cirurgicamente. O acesso cirúrgico é mais
gem cricoide e
Zona II fácil, realizado com uma cervicotomia por in-
o ângulo da
cisão oblíqua (unilateral) ou em colar (bilate-
mandíbula
ral).

Representa a área de maior complexidade

anatômica devido ao arcabouço ósseo que


Acima do ân-
protege as estruturas nervosas e vasculares
gulo da mandí-
Zona III que por ela atravessam. É uma região de difí-
bula até a base
cil acesso cirúrgico e, não raro, as lesões vas-
do crânio
culares são reparadas por meio de radiologia

intervencionista.
Tabela 5

87
QUADRO CLÍNICO E EXAME FÍSICO

No contexto de ferimentos penetrantes no pescoço, as lesões mais

frequentes ocorrem em estruturas vasculares, vias respiratórias e esofági-

cas, sendo observada uma ordem decrescente de frequência. A apresen-

tação clínica de uma vítima de trauma cervical depende da estrutura

afetada e da gravidade da lesão. Consequentemente, os sinais e sintomas

apresentados podem indicar a necessidade de intervenção cirúrgica imedi-

ata para reparo da lesão. Vamos analisar esses sinais e sintomas:

Lesões Vasculares: Os sinais graves de lesões vasculares incluem he-

morragia grave ou incontrolada, a presença de um hematoma grande e ex-

pansível, choque que não responde à ressuscitação com fluidos intraveno-

sos, a detecção de frêmitos ou sopros, pulsos periféricos diminuídos ou au-

sentes e déficits neurológicos, como hemiplegia, resultantes de isquemia

cerebral.

Lesões Laringotraqueais: Sintomas graves de lesões laringotraque-

ais englobam desconforto respiratório, estridor (um som agudo durante a

respiração), enfisema subcutâneo (acúmulo de ar sob a pele), hemoptise

(tosse com expectoração de sangue), dor ao engolir (odinofagia) e rouqui-

dão ou disfonia (alteração na voz).

88
Lesões Faringoesofágicas: Manifestações graves de lesões faringo-

esofágicas envolvem disfagia (dificuldade para engolir), presença de sangue

na saliva, hematemese (vômito de sangue) e desenvolvimento de enfisema

subcutâneo. Essas lesões são preocupantes devido ao risco de mediastinite

(infecção da cavidade mediastinal), o que contribui para sua alta morbimor-

talidade.

Para uma avaliação mais precisa, esses sinais podem ser divididos

em "graves" ou "maiores", que geralmente exigem intervenção cirúrgica

imediata, e "leves" ou "menores".

SINAIS GRAVES:

• Lesão Vascular:

• Hemorragia grave ou incontrolada

• Hematoma grande, expansível ou pulsátil

• Choque que não responde à ressuscitação com fluidos intravenosos

• Fremitos ou sopros

• Pulso radial ausente ou diminuído

• Déficit neurológico (como hemiplegia) devido a isquemia cerebral

• Lesão Aerodigestiva:

• Presença de ar borbulhante na ferida

• Hemoptise maciça ou hematemese

• Insuficiência respiratória

• Saída de saliva pelo orifício da lesão

89
SINAIS LEVES:

• Lesão Vascular:

• Hemorragia menor

• Hematoma pequeno, não pulsátil e não expansível

• Hipotensão leve responsiva à ressuscitação com fluidos intravenosos

• Lesão Aerodigestiva:

• Hemoptise ou hematemese menor

• Enfisema subcutâneo ou mediastinal

• Disfonia (rouquidão)

• Disfagia

TRATAMENTO:

Quando nos deparamos com uma vítima de trauma cervical, especi-

almente em casos de ferimentos penetrantes no pescoço, é essencial seguir

o protocolo de avaliação primária conhecido como "ABCDE", como preconi-

zado pelo ATLS (Suporte Avançado de Vida em Trauma). Relembrando rapi-

damente o mnemônico "ABCDE" da avaliação primária do ATLS:

A: Avaliação e garantia das vias aéreas, incluindo a proteção da co-

luna cervical. O paciente pode apresentar dificuldade respiratória, bem

como hematoma cervical expansivo, o que demanda a abordagem imedi-

ata das vias aéreas, podendo envolver intubação orotraqueal, cricoidoto-

mia ou até mesmo traqueostomia.

90
Existem diversos sinais que sugerem a necessidade de uma in-

tervenção nas vias aéreas superiores devido a trauma cervical:

• Hematoma volumoso no pescoço, que pode causar deslocamento e obs-

trução da via aérea.

• Distorção da anatomia cervical, como o desvio da traqueia.

• Hemoptise franca, que indica sangramento das vias aéreas superiores.

• Enfisema subcutâneo extenso no pescoço.

• Presença de sopro ou fremito na avaliação.

• Estridor, um som agudo durante a respiração.

• Sintomas como disfagia (dificuldade para engolir) e odinofagia (dor ao

engolir).

• Rouquidão.

Quando há suspeita de comprometimento das vias aéreas, é funda-

mental estabelecer uma via aérea definitiva. A introdução cuidadosa de um

tubo orotraqueal, preferencialmente com visualização direta, é indicada

nesses casos para evitar agravar possíveis lesões existentes.

Em situações específicas, a criação de uma via aérea cirúrgica se

faz necessária, tais como:

• Falha na intubação orotraqueal.

• Distorção anatômica das vias aéreas superiores

91
• Extensos traumas faciais com sangramento significativo na orofaringe,

dificultando a visualização das cordas vocais

• Presença de edema na glote, que pode dificultar a ventilação e intuba-

ção.

É importante destacar que, de acordo com a 10ª edição do ATLS, em

casos de obstrução total das vias aéreas ou insuficiência respiratória grave

devido a trauma na laringe a tentativa cuidadosa de intubação orotraqueal

(que pode ser auxiliada pelo uso de um broncoscópio flexível, se disponível

imediatamente) deve ser realizada. Caso essa tentativa falhe, a traqueosto-

mia é indicada. No entanto, em situações de risco de vida iminente, a cricoi-

dotomia pode ser uma manobra que salva vidas.

Vale ainda ressaltar que a cricoidotomia está contraindicada em

crianças menores de 12 anos para evitar danos à cartilagem cricoide, que

é o único suporte circunferencial para a parte superior da traqueia nessa

faixa etária, sendo, portanto, preferível realizar uma traqueostomia.

PARA IR ALÉM:

É importante lembrar que nos casos de fratura de laringe temos uma

tríade de sinais clínicos composta por: rouquidão, enfisema subcutâneo e

fratura palpável. Nesses casos a conduta em caso de insuficiência respira-

tória ou obstrução total de via aérea pode ser uma tentativa de IOT, e em

caso de falha, recomenda-se realizar a traqueostomia.

92
No que se refere a ventilação e respiração (B), nos casos de ferimen-

tos penetrantes cervicais, com destaque para aqueles localizados na zona I,

é importante estar ciente de que essas lesões podem penetrar na cavidade

torácica, levando ao desenvolvimento de pneumotórax e/ou hemotórax.

Portanto, uma avaliação completa deve abranger a observação do padrão

ventilatório do paciente, a realização de percussão torácica, a ausculta pul-

monar e a obtenção de radiografias de tórax, sempre que necessário, para

detectar possíveis complicações nos pulmões devido aos ferimentos no

pescoço.

No que diz respeito à etapa "C" do protocolo, que se concentra na

circulação e controle da hemorragia, é crucial adotar medidas adequadas

para lidar com o sangramento, especialmente quando há sangramento

ativo pelo ferimento cervical. Além da reanimação volêmica com soluções

cristaloides, como 1000 ml de cristaloide administrados por acesso venoso

periférico calibroso, e a possível necessidade de transfusão sanguínea, a

primeira ação a ser tomada é a aplicação de compressão direta na ferida.

Geralmente, essa medida é eficaz no controle inicial da hemorragia e deve

ser mantida até que a exploração cirúrgica possa ser realizada.

Vale ressaltar que a compressão direta tende a apresentar melhores

resultados nas lesões vasculares localizadas na zona II, pois são mais super-

ficiais e, portanto, mais facilmente compressíveis. Em situações em que a

compressão direta não consegue controlar o sangramento, uma estratégia

93
adicional pode ser a inserção de um cateter com balão na ferida, como um

cateter Fogarty ou sonda de Foley, que pode ser insuflado para proporcio-

nar um controle temporário da hemorragia. Esse procedimento é particu-

larmente útil em ferimentos na zona I, onde existe uma provável lesão dos

vasos subclávios, localizados em uma região retroclavicular onde a com-

pressão vascular direta não é viável.

É importante salientar que a exploração digital do ferimento de

entrada não está indicada para avaliar sua profundidade, uma vez que

essa prática não é apropriada e pode piorar a lesão existente. Portanto,

o controle inicial da hemorragia e a preparação para a exploração cirúrgica

adequada são medidas cruciais para o manejo desses casos complexos de

trauma cervical.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

No passado, a decisão de realizar cirurgia em casos de ferimentos

penetrantes no pescoço estava amplamente baseada na penetração do

músculo platisma ou na identificação da zona cervical envolvida. Isso levava

a uma alta taxa de explorações cirúrgicas desnecessárias e frequentemente

negativas.

No entanto, a abordagem moderna é pautada em evidências sólidas

e critérios bem definidos. Atualmente, a presença evidente de hemorra-

gia arterial ou lesões das vias aéreas é considerada uma indicação

94
clara para a exploração cirúrgica imediata, independentemente da lo-

calização anatômica do ferimento. Isso significa que lesões estáveis no

pescoço podem ser avaliadas de forma seletiva por meio de exames diag-

nósticos apropriados. Com a disponibilidade de exames complementares

que auxiliam na identificação de lesões vasculares e das vias aerodigestivas,

houve uma redução significativa na necessidade de explorações cervicais

não terapêuticas.

Quando deve-se indicar cervicotomia exploradora imediata?

• Instabilidade hemodinâmica

• Sangramento ativo

• Hematoma volumoso ou pulsátil em expansão

• Lesões que sugerem fortemente acometimento de via aerodigestiva

como: disfagia, disfonia ou estridor, enfisema subcutâneo ou mediasti-

nal, insuficiência respiratória, saída de ar ou saliva pelo orifício da lesão.

Nas lesões localizadas na zona II, o acesso cirúrgico às estruturas do

pescoço, conhecido como cervicotomia exploradora, pode ser obtido por

meio de uma incisão obliqua ao longo da borda anterior do músculo ester-

nocleidomastóideo ou por meio de uma incisão longitudinal, também cha-

mada de incisão "em colar". A escolha entre essas abordagens depende da

necessidade de explorar um ou ambos os lados do pescoço.

95
Em casos de lesões localizadas na zona I, onde há probabilidade de

trauma vascular na abertura superior do tórax, o controle da hemorragia

pode ser alcançado por meio de várias técnicas cirúrgicas, incluindo incisão

supraclavicular, esternotomia, toracotomia ou uma combinação delas, de-

pendendo da localização e extensão da lesão. Em algumas situações, pode

ser necessária a resseção da clavícula para controlar a hemorragia de forma

eficaz.

Quando se trata de lesões vasculares específicas, como a lesão da

veia jugular interna, a ligadura é uma opção se o reparo primário não for

possível. Para lesões da artéria carótida, especialmente as menores, o re-

paro primário ou a anastomose terminoterminal podem ser realizados. No

entanto, em casos de lesões maiores, é indicada a revascularização com uso

de enxerto venoso autólogo ou sintético. Em situações de controle de da-

nos, as artérias carótidas comum e interna podem ser ligadas, mas isso

pode afetar o fluxo sanguíneo cerebral. A artéria carótida externa, por outro

lado, pode ser ligada com menos impacto.

No que diz respeito a lesões das vias aerodigestivas, é crucial evitar a

passagem cega de sondas nasogástricas ou nasoenterais em caso de sus-

peita de lesão no esôfago. O tratamento da lesão esofágica varia com base

no tempo de evolução do trauma e na extensão da lesão. Lesões pequenas

e recentes geralmente podem ser reparadas primariamente, enquanto le-

sões maiores e/ou com perda tecidual significativa podem exigir

96
procedimentos mais complexos, como esofagostomia e reconstrução tar-

dia. Além disso, pode ser necessário o estabelecimento de uma via alterna-

tiva para alimentação, como gastrostomia ou jejunostomia.

No caso de lesões traqueais, as lesões pequenas podem ser tratadas

com sutura absorvível, desde que não haja tensão significativa. Lesões mai-

ores, por outro lado, frequentemente exigem resseção e anastomose. No

entanto, lesões anteriores da traqueia podem ser abordadas com traqueos-

tomia através da própria lesão.

EXAMES COMPLEMENTARES

No que diz respeito aos exames complementares, em pacientes que

não apresentam indicação imediata para cervicotomia exploradora, a

escolha inicial é a angiotomografia cervical (angio TC). Esse exame de-

sempenha um papel fundamental como triagem para identificar lesões vas-

culares, fornecendo uma representação detalhada da anatomia vascular,

além de permitir a detecção de indícios de lesões nas vias aéreas e digesti-

vas.

A ultrassonografia Doppler também pode ser uma ferramenta útil

para avaliar as artérias carótidas e vertebrais, bem como para monitorar

pacientes que estão sendo tratados de forma conservadora.

97
A arteriografia (angiografia) ainda é considerada o padrão-ouro

para o diagnóstico de lesões vasculares, apresentando a vantagem adi-

cional de ser tanto diagnóstica quanto terapêutica para lesões nas zo-

nas 1 e 3. Esse procedimento permite não apenas o diagnóstico preciso,

mas também o tratamento endovascular por meio da embolização com

molas de vasos sangrantes ou pseudoaneurismas na zona 3, ou a colocação

de endopróteses na zona 1. No entanto, vale ressaltar que a arteriografia é

mais invasiva em comparação com a angiotomografia e geralmente é reali-

zada quando persistem dúvidas diagnósticas ou há indicação clara de tra-

tamento endovascular. É fundamental lembrar que, para a realização de to-

mografia ou arteriografia, a estabilidade hemodinâmica do paciente é obri-

gatória.

Ao analisar os resultados da tomografia, a presença de ar retro-

faríngeo ou pneumomediastino pode levantar a suspeita de uma lesão

esofágica. Quando há suspeita de lesão nas vias aéreas ou digestivas, po-

dem ser realizados procedimentos adicionais, como laringoscopia ou bron-

coscopia, bem como esofagograma baritado ou endoscopia digestiva alta

(EDA), conforme apropriado. No contexto da avaliação do esôfago, é impor-

tante observar que o esofagograma e a EDA, quando realizados de forma

isolada, podem não detectar um número significativo de lesões. No en-

tanto, quando combinados, esses exames atingem uma sensibilidade pró-

xima a 100%.

98
Para simplificar o raciocínio na hora da prova, colocamos abaixo uma

tabela com os exames complementares que devem ser utilizados em caso

de trauma cervical:

TIPO DE LESÃO EXAME COMPLEMENTAR

Lesão vascular angioTC, arteriografia ou USG doppler

Lesão de laringe Laringoscopia

Lesão de esôfago EDA + esofagograma

Lesão de traqueia Broncoscopia


Tabela 6

Anotações

99
Fluxograma 1

Anotações

100
UFPI (2020)

Sobre anatomia da região cervical, marque a opção INCORRETA.

A) A região cervical corresponde a uma área de transição entre a base

do crânio, no limite superior, e a clavícula, inferiormente.

B) A Zona I, transição cervicotoracica, tem como limite superior a mar-

gem inferior da cartilagem cricoide.

C) A Zona II representa a área de maior complexidade anatômica devido

ao arcabouço ósseo que protege as estruturas nervosas e vasculares

que por ela atravessam.

D) A Zona III é limitada pela margem inferior do corpo e ângulo da man-

díbula e a base do crânio.

E) A fáscia pré traqueal é uma fina lâmina de tecido conjuntivo que

desce do osso hioide em direção ao tórax fixando-se no pericárdio

fibroso.

101
RESPOSTA:

• A) CORRETA. Esses são os limites superiores da zona III e inferiores da

zona I, respectivamente.

• B) CORRETA. A cartilagem cricoide é o limite superior da zona II.

• C) INCORRETA. A alternativa "c" está incorreta: A Zona III, e não II, repre-

senta a área de maior complexidade anatômica devido ao arcabouço ós-

seo que protege as estruturas nervosas e vasculares que por ela atra-

vessam. A zona II é mais exposta, sem arcabouço

ósseo, e por isso é mais acometida. No entanto, tem acesso cirúrgico

mais fácil.

• D)CORRETA. Esses são os limites da zona III.

• E) CORRETA A fáscia pré-traqueal envolve a região visceral do pescoço e

vai desde o osso hioide até a região torácica, onde se fixa no pericárdio.

Assim, letra C

102
UFPI (2020)

Nos traumatismos faciais, a região óssea que é MENOS frequente-

mente atingida é:

A) Osso nasal.

B) Mandíbula.

C) Maxila.

D) Zigoma.

E) Frontal.

RESPOSTA:

Dentre as alternativas apresentadas, o osso frontal é a região óssea

menos atingida em traumatismos faciais. Lembre-se que, por outro lado, o

osso nasal é o mais frequentemente acometido.

Assim, letra E

103
3. TRAUMA TORÁCICO

Conforme discutido anteriormente em nossa apostila, este é o capí-

tulo que fala exclusivamente dos traumas torácicos, citados ainda no capí-

tulo de atendimento inicial ao paciente politraumatizado.

Conforme orientado pelo ATLS, o trauma torácico representa uma

das principais causas de óbito em vítimas de trauma. Apesar dessa reali-

dade, apenas uma minoria desses pacientes (aproximadamente 10 a 30%)

requer intervenção cirúrgica. Portanto, a grande maioria das vítimas de

trauma torácico pode ser beneficiada por meio de medidas que podem ser

aplicadas por qualquer médico. Essas medidas incluem:

• Garantir uma adequada via aérea.

• Fornecer suporte ventilatório.

• Realizar descompressão torácica quando necessário.

• Efetuar drenagem pleural.

Todos esses procedimentos são de execução rápida e é essencial

que os profissionais médicos dominem essas habilidades em sua prática

clínica. Nos próximos tópicos deste capítulo, exploraremos cada um desses

aspectos com mais detalhes.

Abaixo, discutiremos os principais traumas torácicos:

104
3.1 Lesão de árvore traqueobrônquica

A lesão da árvore traqueobrônquica é uma condição extremamente

grave e potencialmente fatal, sendo frequentemente abordada em avalia-

ções médicas e provas relacionadas à medicina. Em situações em que

ocorre uma lesão na traqueia, a grande maioria dos pacientes acaba não

sobrevivendo ao trauma no local onde ocorreu o acidente.

Aqueles pacientes que conseguem chegar ao hospital enfrentam

uma alta taxa de mortalidade, principalmente devido à dificuldade em es-

tabelecer um controle adequado das vias aéreas. Além disso, complicações

adicionais, como pneumotórax e pneumomediastino hipertensivo, são co-

muns em casos de lesão na árvore traqueobrônquica.

Os sinais clínicos característicos de uma lesão na árvore tra-

queobrônquica incluem:

• Hemoptise;

• Enfisema subcutâneo extenso (acúmulo de ar sob a pele);

• Sintomas de insuficiência respiratória;

• Pneumotórax (que pode evoluir para uma forma hipertensiva);

• Vazamento de ar em grande quantidade no selo d'água após a drena-

gem do tórax;

• Falta de expansão do pulmão, mesmo após a drenagem torácica.

105
As medidas terapêuticas iniciais para o tratamento de uma lesão na

árvore traqueobrônquica envolvem a inserção de um segundo dreno torá-

cico, visando otimizar a expansão pulmonar e a intubação orotraqueal com

auxílio de broncoscopia, posicionando o tubo distal à lesão traqueobrôn-

quica.

O diagnóstico desse tipo de lesão requer uma elevada suspeição clí-

nica, sendo confirmado geralmente por meio de broncoscopia, um proce-

dimento que permite visualizar a árvore traqueobrônquica diretamente.

O tratamento definitivo para lesões na árvore traqueobrônquica

é realizado por meio de uma cirurgia chamada toracotomia, que en-

volve a abertura do tórax para reparar a lesão e garantir a integridade das

vias respiratórias. Esta é uma intervenção crucial e complexa, geralmente

realizada por uma equipe cirúrgica especializada.

3.2 Pneumotórax simples

O pneumotórax é uma condição médica caracterizada pelo aprisio-

namento de ar na cavidade pleural, localizada entre as camadas das pleuras

visceral e parietal que revestem o pulmão. Essa situação geralmente ocorre

como resultado de um trauma, seja ele penetrante ou contuso, sendo que

a causa mais comum é a laceracão do tecido pulmonar, o que permite que

o ar vaze para dentro da cavidade pleural.

106
Figura 16 - Mecanismo fisiopatológico do pneumotórax simples Fonte: ATLS

Figura 17 - Compare a ilustração mostrada pelo ATLS com a imagem que a


SCMRP trouxe na sua prova de 2023

107
Os sinais clínicos que caracterizam um pneumotórax simples in-

cluem:

• Dor torácica, muitas vezes aguda e localizada.

• Redução da ausculta pulmonar, resultando em um murmúrio vesicular

mais fraco.

• Limitação na expansão do tórax durante a respiração.

• Alterações na percussão torácica, com um som mais oco.

• Possíveis níveis reduzidos de oxigênio no sangue, levando à hipóxia

É importante ressaltar que a gravidade desses sintomas pode variar

dependendo do tamanho do pneumotórax. Em alguns casos, um pneumo-

tórax de pequenas dimensões pode passar despercebido durante a avalia-

ção inicial do paciente.

O protocolo ATLS (Suporte Avançado de Vida em Trauma) estabelece

que a drenagem torácica seja a abordagem terapêutica de escolha para o

tratamento do pneumotórax. No entanto, em situações de pneumotórax

pequeno, pode ser considerada uma abordagem conservadora, desde que

recomendada por um especialista e o paciente preencha critérios específi-

cos, como:

• Ausência de sintomas clínicos evidentes.

108
• Dimensões reduzidas do pneumotórax, com a distância entre o tecido

pulmonar e a cavidade torácica (conforme observado em radiografias)

inferior a 2 a 3 cm.

• Não necessidade de ventilação com pressão positiva ou transporte aé-

reo.

É crucial destacar que o ATLS enfatiza que a drenagem torácica

é considerada a opção mais segura para casos de pneumotórax sim-

ples. O tratamento conservador, por outro lado, é indicado exclusivamente

para pneumotórax pequenos (que preenchem os critérios citados acima) e

requer monitoramento hospitalar com avaliações clínicas regulares por

pelo menos 24 horas, bem como exames radiológicos adicionais antes da

alta.

Em relação ao "pneumotórax oculto," uma categoria específica de

pneumotórax de pequenas dimensões que não é facilmente detectada em

radiografias, mas é visível em tomografias computadorizadas, o ATLS su-

gere que a drenagem torácica seja a abordagem mais segura, embora ou-

tras opções possam ser consideradas em casos individuais.

3.3 Pneumotórax hipertensivo

O pneumotórax hipertensivo ocorre quando há uma entrada de ar

na cavidade pleural em uma quantidade tão significativa que o ar se

109
acumula sob pressão. Isso resulta no colapso do pulmão afetado e pode

deslocar as estruturas mediastinais para o lado oposto ao pneumotórax,

afetando, por exemplo, as veias cava superior e inferior, levando a uma di-

minuição do retorno venoso ao coração e, consequentemente, uma redu-

ção na pré-carga e pós-carga cardíacas.

Os sinais clínicos característicos do pneumotórax hipertensivo

incluem:

• Ausência ou redução do murmúrio vesicular.

• Redução ou ausência de expansibilidade do hemitórax afetado, po-

dendo ocorrer hiperinsuflação do pulmão oposto.

• Timpanismo à percussão.

• Hipóxia.

• Taquipneia.

• Taquicardia.

• Hipotensão. Esses pacientes podem evoluir com choque obstrutivo pelo

desvio dos vasos da base.

• Ingurgitamento jugular. Isso ocorre pela dificuldade do retorno venoso

que drena para a veia cava superior.

• Desvio da traqueia para o lado oposto ao pneumotórax.

110
Figura 18 - Imagem radiográfica que ilustra o pneumotórax hipertensivo

É fundamental destacar que o diagnóstico do pneumotórax hiperten-

sivo é eminentemente clínico e a intervenção não pode ser adiada para a

realização de exames complementares, pois qualquer atraso pode ter con-

sequências fatais para o paciente.

O tratamento de emergência envolve a descompressão torácica,

que pode ser realizada por meio da toracocentese digital ou da toracocen-

tese com agulha. O objetivo imediato é aliviar a pressão intratorácica, con-

vertendo o pneumotórax hipertensivo em um pneumotórax simples. Após

essa medida inicial, o tratamento definitivo é realizado por meio da in-

serção de um dreno torácico com sistema de selo d'água.

111
É importante notar que, anteriormente à 10ª edição do ATLS, a abor-

dagem inicial para o pneumotórax hipertensivo era a toracocentese no 2º

espaço intercostal, na linha hemiclavicular. No entanto, essa técnica mos-

trou uma taxa de sucesso limitada, especialmente em pacientes obesos,

tornando-a menos recomendada. Agora, o ATLS sugere que a descompres-

são seja realizada no 5º espaço intercostal, entre a linha axilar média e an-

terior.

Mesmo assim, a despressurização do pneumotórax hipertensivo

pode falhar em alguns casos. Nesses momentos, uma alternativa eficaz é a

toracostomia digital. Isso envolve uma incisão no 5º espaço intercostal, en-

tre a linha axilar média e anterior, seguida pela introdução do dedo na ca-

vidade torácica para liberar o ar sob pressão, convertendo o pneumotórax

hipertensivo em simples. Após a despressurização, um dreno torácico pode

ser inserido pelo mesmo orifício.

É importante ressaltar que o pneumotórax hipertensivo é uma emer-

gência médica que pode levar à morte em questão de minutos, justificando

a realização da drenagem torácica até mesmo em ambientes pré-hospitala-

res. No entanto, em outras situações, como hemotórax ou pneumotórax

simples, a drenagem torácica é mais apropriada em ambiente hospitalar.

Como realizar a drenagem em selo d’água segundo o ATLS?

112
I. Posicionamento do Paciente:

• Acomode o paciente de forma apropriada, com o braço estendido atrás

da cabeça ou pendendo ao lado da superfície de atendimento.

II. Preparação e Anestesia Local:

• Administre anestesia local na região da incisão.

• Efetue uma pequena abertura na pele e no tecido subcutâneo. A incisão

deve ser realizada no quinto espaço entre as costelas, posicionando-a

entre a parte da frente e a linha média da axila, na região superior do

sexto arco costal.

III. Divulsão Cuidadosa:

• Separar com cuidado as fibras do músculo intercostal com um instru-

mento adequado, como uma pinça delicada ou uma pinça Kelly. Asse-

gure-se de apoiar-se constantemente na parte superior da costela para

evitar danos aos nervos e vasos intercostais.

IV. Acesso à Cavidade Torácica e Descompressão Digital:

• Prossiga com a dissecação até alcançar a cavidade torácica.

• Para reduzir a pressão intratorácica causada pela acumulação de ar, in-

sira o dedo indicador na cavidade torácica através da incisão. Isso

113
permitirá uma liberação controlada do ar. Este é o passo de descom-

pressão torácica digital.

V. Inspeção e Exclusão de Lesões Adicionais:

• Utilize a introdução do dedo para uma minuciosa inspeção da cavidade

torácica, em busca de possíveis lesões ou a presença de órgãos abdomi-

nais que possam ter migrado para a cavidade torácica, como uma hérnia

diafragmática traumática. Isso é crucial para garantir um trajeto seguro

para o dreno torácico.

VI. Inserção do Dreno Torácico:

• Introduza o dreno torácico multiperfurado na mesma abertura criada

para a descompressão torácica digital.

• Posicione o dreno dentro da cavidade torácica, direcionando-o para

cima e para trás.

VII. Fixação do Dreno:

• Segure o dreno firmemente à pele do paciente.

• Conecte o dreno a um sistema de drenagem fechado com um meca-

nismo de selagem à base de água.

114
VIII. Radiografia de Tórax de Controle:

• Após a colocação do dreno, solicite uma radiografia anteroposterior do

tórax na sala de trauma. Isso é feito para verificar o posicionamento ade-

quado do dreno e garantir que não haja complicações.

• A realização deste exame não deve atrasar ou interferir nas outras me-

didas de reanimação e atendimento primário, conforme preconizado

pelo protocolo ATLS (Suporte Avançado de Vida em Trauma).

Figura 19 - A seta na foto indica o dreno de tórax visto pelo Raio X

3.4 Pneumotórax aberto

O pneumotórax aberto, conhecido também como ferida torácica as-

pirativa, é uma condição médica crítica resultante de uma perfuração signi-

ficativa na parede torácica. Essa perfuração deve ter um tamanho igual

ou superior a 2/3 do diâmetro da traqueia, tornando-se uma abertura

115
significativamente grande para permitir que o ar atmosférico entre na

cavidade pleural. Essa entrada de ar na cavidade pleural compromete o

funcionamento normal do pulmão e pode levar rapidamente a problemas

respiratórios graves.

Os sinais clínicos característicos do pneumotórax aberto são

cruciais para seu reconhecimento e incluem:

Lesão na Parede Torácica: A lesão na parede torácica, que deve ser

de tamanho considerável, é facilmente identificável e representa o ponto

de entrada do ar na cavidade pleural.

Diminuição do Murmúrio Vesicular: Durante a ausculta dos pul-

mões, os profissionais de saúde podem notar uma redução ou ausência do

murmúrio vesicular, o som produzido durante a respiração normal.

Hipersonoridade Percutida: Ao realizar a percussão do tórax, pode-

se perceber um som anormalmente alto e oco, conhecido como "hiperso-

noridade", sobre a área afetada.

Taquipneia: Os pacientes com pneumotórax aberto frequentemente

apresentam uma respiração rápida e superficial (taquipneia) devido à difi-

culdade de expansão do pulmão afetado.

116
Hipoxemia: A diminuição da capacidade do pulmão em trocar oxigê-

nio e dióxido de carbono leva à hipoxemia, uma condição caracterizada por

níveis reduzidos de oxigênio no sangue. Isso pode resultar em sintomas

como falta de ar, cianose (coloração azulada da pele e mucosas) e confusão.

O tratamento imediato do pneumotórax aberto é crucial para evitar

complicações respiratórias graves e até mesmo a morte. O "curativo de

três pontos" é a abordagem inicial de tratamento, que envolve o uso de

um curativo impermeável, como plástico estéril ou gaze vaselinada, para

cobrir a lesão. O curativo é fixado em apenas três pontos específicos, cri-

ando um sistema de válvula que permite a saída controlada de ar da cavi-

dade torácica durante a expiração, mas impede a entrada de ar durante a

inspiração. Preste atenção no curativo abaixo, pois já foi cobrado até

mesmo em provas práticas!

Figura 20 - Curativo de 3 pontas - Fonte: ATLS

117
No entanto, o tratamento definitivo do pneumotórax aberto

deve ocorrer em ambiente hospitalar, geralmente em uma sala de ci-

rurgia. Esse tratamento consiste em uma toracostomia, que é a drena-

gem da cavidade pleural por meio de um sistema de drenagem em selo

d'água. Após a drenagem, a lesão torácica é reparada cirurgicamente para

evitar futuras complicações.

3.5 Hemotórax maciço

O hemotórax é uma condição médica caracterizada pela acumu-

lação de sangue na cavidade pleural, que é o espaço localizado entre as

membranas que envolvem os pulmões. Essa acumulação de sangue pode

ser classificada como hemotórax maciço quando o volume sanguíneo

atinge mais de 1500 ml ou ocupa cerca de um terço do volume total da

cavidade torácica.

Figura 21 - Imagem correspondete ao hemotórax.


Fonte: prova do Centro Médico de Campinas 2023

118
O hemotórax maciço geralmente ocorre como resultado de traumas

torácicos, como ferimentos que afetam os vasos sanguíneos sistêmicos ou

vasos hilares do pulmão, mas também pode ocorrer em casos de traumas

torácicos fechados. Esta condição é especialmente preocupante devido ao

seu potencial para causar graves comprometimentos na função respirató-

ria já que o acúmulo de sangue na cavidade pleural pode dificultar a expan-

são dos pulmões, prejudicando a ventilação adequada e a oxigenação do

sangue. Além disso, a presença de uma grande quantidade de sangue na

cavidade torácica pode levar a sinais de choque hipovolêmico, uma condi-

ção séria resultante da perda significativa de volume sanguíneo.

Um sinal interessante que podemos buscar nesse contexto é a

parábola de Damoiseau, que se forma também no contexto de um hemo-

tórax e facilita a identificação na imagem e que consiste na opacificação do

limite superior dos seios costofrênicos, conforme pode ser visto na imagem

abaixo:

Figura 22 - Ilustração da parábola de Domoiseau

119
O tratamento inicial recomendado para o hemotórax, indepen-

dentemente de ser maciço ou não, é a drenagem torácica fechada em

selo d'água. Esse procedimento envolve a inserção de um dreno torácico

em uma localização apropriada para permitir a saída do sangue acumulado

na cavidade pleural. A drenagem torácica fecha a comunicação entre a ca-

vidade pleural e o ambiente externo, permitindo que o sangue seja dre-

nado, aliviando a pressão sobre os pulmões e restaurando a ventilação ade-

quada.

Além da drenagem torácica, pode ser necessária a reposição de vo-

lume com soluções cristaloides e, em alguns casos, transfusão de sangue,

para estabilizar o paciente e corrigir a hipovolemia resultante da perda san-

guínea.

Há indicações específicas que orientam a realização de uma to-

racotomia de emergência no caso de hemotórax, que incluem:

• Saída Significativa de Sangue: Quando há um volume imediato de san-

gue superior a 1500 ml durante a drenagem torácica.

• Perda Contínua de Sangue: Se a perda de sangue persistir a uma taxa de

200 ml ou mais por hora durante um período de duas a quatro horas.

Nos casos em que o está paciente estável, mas o dreno torácico con-

tinua a drenar sangue após 48 horas, é importante considerar a possibili-

dade de retenção de coágulos sanguíneos ou sangramento persistente.

120
Nesses cenários, a videotoracoscopia é uma opção viável para revisar a he-

mostasia e remover coágulos da cavidade pleural, ajudando a reduzir o

risco de complicações, como empiema (acúmulo de pus na cavidade pleu-

ral) e encarceramento pulmonar (quando o pulmão fica preso).

3.6 Tórax instável e contusão pulmonar

O tórax instável representa uma condição singular que se desenca-

deia quando ocorre uma disjunção completa de um segmento ósseo na

cavidade torácica. Isso ocorre mediante a fratura de, pelo menos, dois

arcos costais consecutivos, cada um em pelo menos 2 pontos distintos.

A característica mais distintiva do tórax instável é a manifestação da

"respiração paradoxal", um fenômeno notável que se manifesta pela pro-

trusão do segmento fraturado durante a expiração e sua retração durante

a inspiração. Essa respiração paradoxal serve como um marcador clínico

inequívoco dessa condição.

Além da respiração paradoxal, todos os casos de tórax instável são

acompanhados por algum grau de contusão pulmonar, que desempe-

nha um papel significativo na hipoxemia grave observada nessas situações.

A contusão pulmonar é, essencialmente, uma lesão direta no parênquima

pulmonar que ocorre em resposta ao trauma, resultando no acúmulo de

sangue e exsudato. Essa lesão compromete as trocas gasosas nos pulmões,

121
levando a níveis variados de hipoxemia, que, em alguns casos, pode ser de

natureza grave.

A relação entre a contusão pulmonar e o tórax instável é particular-

mente notável em adultos, onde as fraturas dos arcos costais frequente-

mente limitam os movimentos da caixa torácica devido à dor, exacerbando

ainda mais a hipoxemia causada pela contusão pulmonar. No entanto, em

crianças, é possível observar casos de contusão pulmonar com hipoxemia

grave, mesmo quando não há fraturas nos arcos costais. Isso ocorre devido

à maior elasticidade da caixa torácica nessa faixa etária pediátrica.

Os sintomas da contusão pulmonar geralmente se manifestam ime-

diatamente após o trauma ou em algumas horas subsequentes, com uma

possível progressão ao longo de horas ou até dias. A administração indis-

criminada de fluidos intravenosos pode agravar o edema pulmonar, inten-

sificando ainda mais a hipoxemia.

Os sinais clínicos de trauma torácico com contusão pulmonar

em adultos frequentemente incluem:

• Manifestações evidentes de trauma torácico

• Hipoxemia

• Restrição nos movimentos da caixa torácica, devido à dor decorrente

do trauma

• Sinais indicativos de fraturas nos arcos costais, como crepitação

122
O diagnóstico geralmente é fundamentado em avaliação clínica, com

confirmação possível por meio de radiografias ou tomografias que identifi-

cam opacidades na área afetada.

Figura 23 - TC que sugere contusão pulmonar


em paciente vítima de trauma

O tratamento tanto para o tórax instável quanto para a contusão pul-

monar segue uma abordagem similar, abrangendo:

• Suporte ventilatório, incluindo oxigenoterapia e, quando necessário,

ventilação não invasiva (VNI)

• Administração de analgésicos potentes para controle da dor

• Gerenciamento cuidadoso da hidratação, evitando hiper-hidratação

• Início precoce de fisioterapia respiratória

123
• Em casos mais graves, consideração de intubação precoce, especial-

mente se a saturação de oxigênio permanecer abaixo de 90% (PaO2 <60

mmHg).

Figura 24 - A imagem é característica de tórax instável, com fraturas nas


costelas a direita, associada a contusão pulmonar no mesmo lado.

Vale ressaltar que a fixação de arcos costais não é uma medida

rotineira no tratamento de fraturas de costelas ou tórax instável.

3.7 Lesões cardiovasculares

As principais lesões cardiovasculares associadas ao trauma torácico,

são a contusão miocárdica, o tamponamento cardíaco e a laceração aórtica.

Na sequência, estudaremos cada uma destas detalhadamente:

124
3.8 Contusão miocárdica

A contusão miocárdica, em geral, ocorre como resultado de um im-

pacto de alta energia direcionado à região anterior do tórax. Seus sin-

tomas podem variar consideravelmente, desde a ocorrência de arritmias

cardíacas até quadros de isquemia miocárdica e choque refratário.

Alguns sinais comuns que costumam estar associados à contu-

são miocárdica compreendem:

• Extrassístoles: que são batimentos cardíacos adicionais, ocorrendo fora

do ritmo cardíaco regular.

• Fibrilação atrial: caracterizada por uma arritmia cardíaca com batimen-

tos cardíacos irregulares e descoordenados.

• Alterações no segmento ST: mudanças nos padrões do eletrocardio-

grama que podem indicar distúrbios na condução elétrica do coração.

• Bloqueios de condução: interrupções na transmissão do estímulo elé-

trico pelo sistema de condução cardíaco.

• Taquicardia sinusal: um aumento anormal da frequência cardíaca.

Indivíduos com suspeita de contusão miocárdica devem ser subme-

tidos a monitorização eletrocardiográfica por, no mínimo, 24 horas.

Após esse período, é menos provável que as alterações relacionadas ao

trauma persistam.

125
Importante ressaltar que, até o momento, não existem evidências

que respaldem o uso de enzimas cardíacas no diagnóstico ou acompanha-

mento da contusão miocárdica. O diagnóstico e a avaliação clínica são ba-

seados principalmente na monitorização dos sintomas e na análise dos re-

sultados do eletrocardiograma.

3.9 Tamponamento cardíaco

O tamponamento cardíaco é uma condição médica em que o en-

chimento do coração é restrito devido ao acúmulo de sangue no saco

pericárdico. O saco pericárdico é uma estrutura que envolve o coração e é

caracterizada por sua natureza fibrosa e pouca distensibilidade. Surpreen-

dentemente, mesmo pequenas quantidades de sangue entre o saco peri-

cárdico e o coração podem ter um impacto significativo, limitando o enchi-

mento das câmaras cardíacas. Isso, por sua vez, pode levar a um estado de

choque devido à redução da quantidade de sangue que o coração consegue

receber e bombear.

O tamponamento cardíaco ocorre mais frequentemente em casos de

traumas penetrantes, embora também seja possível em traumas fechados.

É importante identificar adequadamente as situações em que o tampona-

mento cardíaco é mais provável, principalmente em traumas penetrantes

na região conhecida como Zona de Ziedler. Essa zona é delimitada pelos

seguintes pontos de referência anatômica:

126
• Superiormente: a linha horizontal passando pelo ângulo de Louis (um

ponto de referência anatômica no tórax).

• Inferiormente: a décima costela.

• Lateral direita: a linha na parte direita do tórax, próxima à região do

peito.

• Lateral esquerda: a linha na parte esquerda do tórax, também próxima

à região do peito.

Os sinais clínicos do tamponamento cardíaco frequentemente

compreendem a Tríade de Beck, que inclui três principais indicadores:

• Hipofonese das bulhas cardíacas: os sons cardíacos tornam-se mais fra-

cos.

• Turgência jugular: um inchaço das veias do pescoço, resultado do au-

mento da pressão venosa.

• Hipotensão: uma queda na pressão arterial.

É importante ressaltar que a Tríade de Beck completa não está

sempre presente em casos de tamponamento cardíaco, embora seja

frequentemente mencionada em contextos médicos para sua identificação.

Encontramos também o sinal de Kussmaul, que é o aumento da turgência

jugular à inspiração (ocorre pela dificuldade em acomodar o retorno ve-

noso).

127
Além desses sintomas, o pulso paradoxal, que é uma diminuição

acentuada da pressão arterial durante a inspiração, geralmente superior a

10 mmHg, pode ser observado em pacientes com tamponamento cardíaco.

No entanto, é importante diferenciar entre tamponamento cardíaco e

pneumotórax hipertensivo, pois ambos podem apresentar sintomas seme-

lhantes.

O diagnóstico preciso do tamponamento cardíaco pode ser ob-

tido por meio do ultrassom focado (FAST) na janela pericárdica, que

possui alta precisão, atingindo até 95%. O tratamento imediato após o

diagnóstico envolve a realização de uma toracotomia de emergência

ou esternotomia para reparar qualquer ferimento cardíaco identifi-

cado. Em alguns casos, a reposição volêmica pode temporariamente me-

lhorar o estado de choque relacionado ao tamponamento cardíaco.

A pericardiocentese, também conhecida como Punção de Marfan, é

uma medida terapêutica rara e geralmente reservada para situações em

que não é possível realizar uma toracotomia ou esternotomia de emergên-

cia. Consiste na inserção de um cateter plástico por meio de uma agulha,

geralmente com monitorização cardíaca e, se disponível, orientação por ul-

trassom. Essa abordagem deve ser realizada com extrema cautela devido

aos riscos associados.

128
3.10 Laceração aórtica

A laceração aoórtica é uma condição médica extremamente grave e


potencialmente letal, sendo uma das principais causas de morte imediata
em casos de trauma. Ainda que muitos pacientes não sobrevivam ao
evento, aqueles que conseguem chegar ao ambiente hospitalar frequente-
mente apresentam uma forma incompleta da lesão, onde a túnica adventí-
cia da artéria aórtica mantém-se intacta temporariamente, o que impede
que o paciente sangre até a morte imediatamente após a ocorrência da
lesão. No entanto, a urgência no diagnóstico e tratamento é crucial para
aumentar as chances de sobrevivência.

As lacerações da aórticas costumam ocorrer em situações de trauma


de alta energia, caracterizadas por desaceleração abrupta, como quedas de
grandes alturas ou colisões automobilísticas de alta velocidade. O local
anatômico mais comum para o acometimento da aorta nessas si-
tuações encontra-se na porção descendente da aorta, próximo ao liga-
mento arterioso.

Os sinais clínicos de uma lesão na aorta são muitas vezes inespecífi-


cos, o que torna fundamental manter uma alta suspeição diagnosticada em
casos de trauma de alta energia, especialmente quando há desaceleração
súbita do corpo.

O diagnóstico de uma laceração aórtica pode ser confirmado


com a ajuda de exames radiológicos, que frequentemente revelam os
seguintes sinais característicos:

129
• Alargamento do mediastino, sendo esse o achado mais comum.

• Obstrução do botão aórtico.

• Desvio da traqueia para a direita e/ou depressão do brônquio fonte es-

querdo, ou ainda elevação do brônquio fonte direito.

• Presença de hemorragia extrapleural apical (capa pleural) e/ou hemotó-

rax no lado esquerdo.

• Identificação de fraturas em um ou ambos os primeiros arcos cos-

Figura 25 - Ruptura aórtica vista no raio X

tais ou na escápula, o que denota trauma de alta energia.

Dada a gravidade da laceração aórtica e a importância do diagnóstico

precoce, especialmente em pacientes que sobrevivem às primeiras horas

após o trauma, a identificação desses sinais e sintomas, juntamente com a

realização de exames de imagem adequados, é fundamental para um tra-

tamento imediato e bem-sucedido.

130
Quando se suspeita de uma possível laceração aórtica, é essen-

cial considerar a realização de uma tomografia computadorizada de

tórax com contraste. Esse exame demonstrou apresentar sensibilidade e

especificidade praticamente absolutas, em torno de 100%, no diagnóstico

de lesões aórticas.

Figura 26 - Ilustração relacionada a ruptura aórtica

Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento torna-se imprescin-

dível, e a abordagem preferencial é o reparo endovascular. Contudo, em

situações nas quais essa abordagem não esteja disponível ou não seja ade-

quada ao paciente, a cirurgia por via aberta torna-se a alternativa.

Outro aspecto relevante no manejo dessas situações é o uso de

medicações específicas, como analgésicos e betabloqueadores (por

exemplo, esmolol). Essas substâncias são recomendadas, desde que não

existam contraindicações, e visam ao controle da pressão arterial e da

131
frequência cardíaca, contribuindo para reduzir o risco de ruptura aórtica. A

meta de frequência cardíaca alvo é inferior a 80 batimentos por minuto,

enquanto a pressão arterial média ideal situa-se entre 60 e 70 mmHg.

3.11 Indicações de toracotomia de emergência

Por ser um tema bastante recorrente nas provas, deixamos aqui

como parte final do capítulo de trauma torácico as indicações de toracoto-

mia de emergência:

Indicações de toracotomia de emergência no hemotórax traumático:

• Saída de volume maior ou igual a 1500ml no momento da drenagem

• Saída de volume inferior à 1500ml, mas com perda de sangue contínua

em volume igual ou superior a 200ml/hora por 2 a 4 horas

Outras indicações de toracotomia de emergência no trauma:

• Tamponamento cardíaco

• Lesão de árvore traqueobrônquica

• Rotura traumática de aorta sem possibilidade de reparo endovascular

• Rotura ou perfuração esofágica

132
REVALIDA (2023)

Um paciente com 25 anos, vítima de acidente motociclístico, apre-

senta trauma contuso toracoabdominal. No local do acidente, encontrava-

se com pressão arterial sistólica de 90 mmHg e com frequência cardíaca de

120 batimentos por minuto. Durante o transporte para o hospital, evoluiu

com inconsciência, queda da pressão arterial sistólica para 60 mmHg e au-

mento da frequência cardíaca para 140 batimentos por minuto. Apresenta

distensão de veias cervicais e murmúrio vesicular presente bilateralmente.

Nesse caso, o manejo mais adequado para o paciente é

A) Toracocentese e drenagem pleural fechada.

B) Manutenção de vias aéreas e pericardiocentese.

C) intubação orotraqueal e ultrassonografia de tórax.

D) Cricotireoidostomia e toracotomia anterolateral esquerda

RESPOSTA: A abordagem inicial nesses casos, devido à inconsciên-


cia do paciente, consiste em garantir a permeabilidade das vias aéreas, ge-

ralmente por meio da intubação orotraqueal. Em segundo lugar, é essencial

tratar o quadro de choque que o paciente está enfrentando. Observando

que o paciente apresenta distensão das veias cervicais (conhecida como

133
turgência jugular), a suspeita diagnóstica predominante é a de choque obs-
trutivo.

Isso ocorre devido a alguma condição mecânica que prejudica o adequado


enchimento das câmaras cardíacas, reduzindo assim a pré-carga. Exemplos
dessas condições incluem pneumotórax hipertensivo e tamponamento car-
díaco. Considerando que a ausculta pulmonar do paciente está normal, a
principal suspeita diagnóstica é o tamponamento cardíaco.

O tamponamento cardíaco é mais comum em casos de traumas to-


rácicos penetrantes, especialmente na região de Ziedler, que se localiza en-
tre o manúbrio esternal, a décima costela, a linha paraesternal direita e a
linha axilar anterior esquerda. Clinicamente, pode ser caracterizado pela
"Tríade de Beck" clássica, que inclui turgência jugular, hipotensão arterial e
abafamento dos batimentos cardíacos (presente em 30 a 40% dos casos).

Além da tríade de Beck, o paciente pode apresentar um pulso para-


doxal, que é caracterizado por uma queda na pressão sistólica de mais de
10 mmHg durante a inspiração. O diagnóstico é confirmado por meio do
exame FAST (janela pericárdica), e o tratamento imediato pode envolver
uma pericardiocentese, embora seja pouco eficaz. O tratamento definitivo
exige uma toracotomia para reparar a lesão.

134
• A) INCORRETA. No tratamento do pneumotórax hipertensivo, a aborda-
gem envolve a realização de toracocentese e drenagem pleural fechada.
A ausculta pulmonar normal é um indicativo contrário a esse diagnós-
tico, pois no caso de pneumotórax, além do choque e turgência jugular,
observa-se abolição do murmúrio vesicular, timpanismo à percussão e
desvio da traqueia para o lado contralateral.
• B) CORRETA. A primeira medida a ser adotada nesse caso é a manuten-
ção das vias aéreas, geralmente realizada por meio da intubação orotra-
queal. Embora a pericardiocentese não seja altamente eficaz, ainda é
uma opção mencionada no protocolo ATLS para o tratamento imediato
do tamponamento cardíaco. Contudo, a melhor abordagem, quando há
disponibilidade de equipe cirúrgica, é a toracotomia e o reparo da lesão.
• C) INCORRETA. O erro nesta alternativa está relacionado à ultrassono-
grafia de tórax. O exame complementar apropriado para confirmar o di-
agnóstico seria o FAST, que permite identificar a presença de líquido no
saco pericárdico.
• D) INCORRETA A via aérea preferencial para este paciente é a intubação
orotraqueal. A cricotireoidostomia é indicada em situações específicas,
tais como:
o Falha na intubação orotraqueal;
o Presença de edema de glote ou distorção anatômica cervical;
o Casos de traumatismo maxilofacial extenso;
o Hemorragia profusa com impossibilidade de visualização das cor-
das vocais na laringe.

Gabarito: Letra B

135
REVALIDA (2023)

Uma paciente com 20 anos foi atendida na emergência de hospital

secundário, vítima de queimadura acidental em membros superiores e

parte anterior do tórax, ocorrida há 30 minutos. Consciente e orientada,

queixa-se de dor no local das queimaduras e de náusea. Ao exame físico,

observam-se membros superiores com hiperemia e bolhas em toda a ex-

tensão; pressão arterial de 80 × 50 mmHg, frequência cardíaca de 120 bati-

mentos por minuto, frequência respiratória de 35 incursões respiratórias

por minuto, índice de massa corporal de 40 Kg/m2. Foi realizada tentativa

de acesso venoso central em veia femoral direita, sem sucesso. Acesso cen-

tral subclávio direito bem-sucedido. Cerca de 25 minutos após o início da

hidratação e da analgesia intravenosa, a paciente refere "falta de ar". Foi

solicitado raio X de tórax, que mostrou a imagem a seguir.

136
Considerando a complicação mais frequente no acesso venoso pro-

fundo por via subclávia no contexto do caso apresentado, a imagem mostra

A) pneumotórax, impondo intervenção imediata para drenagem e des-

compressão.

B) hemotórax, comprimindo estruturas e impondo intervenção imedi-

ata para drenagem e descompressão.

C) hidrotórax, recomenda-se nova punção contralateral, via jugular,

para se estabelecer nova via de acesso central.

D) elevação diafragmática direita, por paralisia frênica, recomenda-se

nova punção contralateral, via jugular, para se estabelecer nova via

de acesso central.

RESPOSTA: Estamos diante de um paciente que sofreu queimaduras

e desenvolveu dispneia após a inserção de um cateter venoso central na

veia subclávia. Nesse contexto, a nossa principal suspeita diagnóstica é o

pneumotórax, uma complicação possível dos procedimentos de acesso ve-

noso central realizados na região cervical. A imagem claramente revela a

presença de um pneumotórax no lado direito (quando comparado ao lado

esquerdo, é evidente a ausência das tramas vasculares). A conduta reco-

mendada é realizar a drenagem torácica no lado direito.

Assim, letra A é o gabarito correto.

137
UNAERP (2023)

Em relação ao Trauma Torácico, em qual dessas afecções de poten-

cial risco de morte se aplica a utilização do curativo de três pontos:

A) Pneumotórax Aberto.

B) Pneumotórax Hipertensivo.

C) Tórax Instável.

D) Lesão de Árvore Traqueobrônquica.

E) Estridor laríngeo.

RESPOSTA: Conforme discutido ao longo do capítulo, a utilização do

curativo de três pontos é o tratamento imediato em casos de Pneumotórax

aberto. Lembrar que o tratamento definitivo consiste em toracocentese

com drenagem em selo d’água.

Assim, letra A.

Anotações

138
139
4. TRAUMA ABDOMINAL

O trauma abdominal pode ser classificado em duas categorias prin-

cipais, de acordo com o mecanismo de lesão. O trauma abdominal fechado,

também conhecido como contuso, ocorre devido a forças de desaceleração

ou choque transmitido à parede abdominal. Por outro lado, o trauma ab-

dominal aberto, ou penetrante, geralmente é resultado de lesões causadas

por projéteis de arma de fogo (PAF) ou arma branca.

Independentemente do mecanismo de lesão, é importante destacar

que as lesões abdominais podem ter graves consequências, incluindo san-

gramento significativo de órgãos sólidos ou grandes vasos, bem como irri-

tação peritoneal causada pela presença de fluidos a partir de órgãos ou

grande quantidade de sangue lesionado.

A avaliação inicial de um paciente com trauma abdominal não

tem como objetivo identificar o órgão específico afetado, mas sim de-

terminar se há indicação de cirurgia imediata. É fundamental reconhe-

cer que as abordagens diagnósticas para feridas abdominais penetrantes e

contusões abdominais diferem, exigindo a utilização de métodos diagnós-

ticos específicos. O exame físico, em muitos casos, pode ter uma sensibili-

dade limitada para identificar lesões intra-abdominais, especialmente em

pacientes com lesões traumáticas concomitantes, como traumatismo cra-

niano, que pode afetar a interpretação adequada dos achados clínicos.

140
Além disso, é importante observar que, em geral, os traumas pene-

trantes são mais comuns do que os traumas contusos no contexto do

trauma abdominal. Isso ocorre devido a diferentes mecanismos de lesão,

com os traumas contusos frequentemente associados a acidentes de trân-

sito, quedas de altura, agressões físicas, entre outros, enquanto os traumas

penetrantes são predominantemente causados por ferimentos decorren-

tes de armas de fogo e armas brancas.

4.1 Trauma aberto ou ferida abdominal

Na decisão de realizar uma intervenção cirúrgica em um paciente

com uma ferida abdominal, é crucial levar em consideração alguns critérios

essenciais. Estes incluem o tipo de trauma envolvido, que pode ser causado

por Projetéis de Arma de Fogo (PAF) ou arma branca, bem como a presença

ou ausência de sinais de instabilidade hemodinâmica e irritação peritoneal.

Antes de prosseguirmos com nossa análise, é importante observar

as regiões anatômicas do abdome e a transição entre a região torácica e a

abdominal.

141
Figura 27 - As figuras ilustram as regiões do abdome semiologicamente divididas,
com a correlação anatômica de cada porção. Fonte: Bates propedêutica médica

4.2 Trauma abdominal fechado ou contusão abdominal

Em casos de contusão abdominal, as lesões frequentemente afetam

órgãos específicos nas vítimas submetidas à laparotomia. O baço é com-

prometido em aproximadamente 40% a 55% dos casos, enquanto o fí-

gado é afetado em cerca de 35% a 45%. Além disso, há registros de

142
envolvimento do intestino delgado em 5% a 10% das situações e a formação

de hematomas no retroperitônio em 15% dos casos.

O trauma abdominal fechado representa um desafio significativo no

processo diagnóstico. Em pacientes que estão conscientes, hemodinamica-

mente estáveis e não apresentam lesões em outros sistemas (apenas con-

tusão abdominal), o exame físico demonstra sensibilidade suficiente para

identificar lesões intra-abdominais graves.

Entretanto, existem situações em que é evidente o comprometi-

mento das estruturas abdominais após uma contusão abdominal severa.

Nesses casos, os sinais apresentados no exame físico apontam claramente

para uma possível lesão no abdome.

A maior complexidade na abordagem de uma vítima com contusão

abdominal grave surge quando o exame físico não é confiável o suficiente

para responder a duas perguntas cruciais: "Houve lesão intra-abdominal?"

e "O abdome é realmente a fonte da hemorragia?". Como discutido anteri-

ormente, em ambas as situações clínicas descritas, o exame físico perde sua

validade na resposta a essas perguntas.

Além disso, no segundo cenário, torna-se impossível determinar a

origem exata da perda sanguínea, seja das fraturas pélvicas ou do abdome.

Nesse contexto, a substituição do exame físico por exames complementa-

res é fundamental. Duas opções relevantes incluem o Lavado Peritoneal

143
Diagnóstico (LPD) e a Ultrassonografia Focada no Trauma Abdominal

(FAST, sigla para Focused Assessment Sonography for Trauma). Essas

abordagens fornecem informações valiosas e ajudam a esclarecer as incer-

tezas associadas a casos de contusão abdominal grave, permitindo uma de-

cisão clínica mais precisa e eficaz.

Apesar disso, caso estivermos diante de uma vítima de trauma

contuso com peritonite ou (retro)pneumoperitônio, há indicação de la-

parotomia, independente da realização de exames extras.

QUANDO INDICAMOS O LAVADO PERITONEAL DIAGNÓSTICO OU O FAST?

Vítimas de contusão abdominal, para as quais o exame físico não é confiável de-

vido a rebaixamento do nível de consciência.

Circunstâncias em que o abdome pode ser uma das possíveis fontes de hemor-

ragia (pacientes politraumatizados com contusão abdominal e fraturas pélvicas).

Hipotensão ou choque no politrauma sem causa aparente.

Anotações

144
4.3 Lavado peritonial

O LPD é um procedimento invasivo e sensível amplamente empre-

gado no diagnóstico de lesões abdominais, especialmente em situações de

trauma fechado e instabilidade hemodinâmica. É uma ferramenta valiosa

quando o exame físico não é confiável devido ao rebaixamento do nível de

consciência do paciente ou quando há suspeita de hemorragia abdominal

em pacientes politraumatizados. Além disso, é indicado quando não se dis-

põe de outras modalidades diagnósticas, como o FAST (Ultrassonografia Fo-

cada no Trauma) ou a tomografia computadorizada.

O procedimento do LPD envolve a introdução de um cateter de diá-

lise peritoneal na cavidade do peritônio, geralmente por meio de uma pe-

quena incisão infraumbilical. Em gestantes ou pacientes com fraturas pélvi-

cas, é preferível realizar o acesso por incisão supraumbilical para evitar

complicações. Durante a aspiração inicial, a presença de mais de 10 ml de

sangue é um sinal imediato de positividade, frequentemente observado em

pacientes chocados com hemorragia abdominal.

Anotações

145
Figura 28 - Ilustração do lavado peritoneal. Fonte: ATLS

A interpretação do LPD é baseada na análise bioquímica do efluente

aspirado, que inclui contagem de hemácias, contagem de leucócitos, dosa-

gem de amilase e fosfatase alcalina, bem como pesquisa de bile, bactérias

ou fibras alimentares. A presença de valores específicos, como 100.000

hemácias/mm³ ou mais, 500 leucócitos/mm³ ou mais, amilase acima

de 175 U/dl ou evidências de bile ou bactérias, indica uma lesão intra-

abdominal, indicando a necessidade de laparotomia exploradora.

O LPD apresenta alta sensibilidade na detecção de sangramento in-

tra-abdominal, alcançando até 98% de sensibilidade em pacientes hipoten-

sos. No entanto, não é capaz de diagnosticar algumas lesões específicas,

como lacerações diafragmáticas, lesões na porção extraperitoneal da be-

xiga, hematomas retroperitoneais e pequenas lesões em órgãos como pân-

creas, rim e duodeno.

146
É importante destacar que a contraindicação absoluta para a re-

alização do LPD é a indicação clara de laparotomia imediata, como no

caso de pneumoperitônio, exame físico compatível com peritonite ou

trauma penetrante com evisceração. Contrariamente, existem contrain-

dicações relativas, como cirurgia abdominal prévia, obesidade mórbida, cir-

rose avançada e coagulopatias.

Sendo assim, considera-se que o LPD é positivo quando:

Critério de Positividade do LPD Valores de Referência

Contagem de Hemácias ≥ 100.000/mm³

Contagem de Leucócitos ≥ 500/mm³

Dosagem de Amilase > 175 U/dl

Presença de Bile, Bactérias ou Fibras Alimentares Positiva

Tabela 7

147
4.4 FAST

O FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) é um mé-

todo diagnóstico rápido e eficaz amplamente utilizado para avaliar pacien-

tes com potenciais lesões toracoabdominais após um trauma. Esse exame

utiliza a ultrassonografia com um transdutor de baixa frequência (geral-

mente 3,5 MHz) para identificar a presença de líquido livre nas cavidades

abdominal e pericárdica. Esse líquido pode ser sangue decorrente de lesões

traumáticas ou conteúdo extravasado de vísceras ocas, e sua detecção é

essencial para uma rápida intervenção médica.

O FAST é uma ferramenta valiosa no atendimento de urgência e é

particularmente útil para avaliar pacientes com suspeita de trauma abdo-

minal ou torácico. Ele oferece a vantagem de ser não invasivo, rápido de ser

realizado, não expor o paciente à radiação ionizante e ter um custo relati-

vamente baixo. Além disso, pode ser repetido quantas vezes for necessário,

o que é importante para monitorar a evolução do paciente ao longo do

tempo.

Anotações

148
Figura 29 - Pontos de realização do FAST. Fonte: ATLS

Para realizar o FAST, o médico segue uma sequência de etapas:

Janela Pericárdica: Inicialmente, o médico examina o espaço peri-

cárdico para identificar possíveis hemopericárdios ou sinais de tampona-

mento cardíaco. Isso é feito com o transdutor posicionado na região subxi-

foide, com o objetivo de obter uma visão adequada do coração

Figura 30 - janela pericárdica pelo Fonte: ATLS

149
Quadrante Superior Direito e Esquerdo: Em seguida, o médico exa-

mina o quadrante superior direito e, posteriormente, o quadrante superior

esquerdo. Isso é feito com cortes coronais na linha axilar anterior, aproxi-

madamente na altura do 10º ou 11º espaço intercostal. Nessa fase, o mé-

dico procura identificar a presença de líquido livre na região hepatorrenal e

esplenorrenal, onde o sangramento intra-abdominal é mais comum.

Figura 31 - (espaço hepatorrenal) e figura 20 (espaço esplenorrenal). Fonte: ATLS

Suprapúbico: A terceira etapa envolve a visualização da região su-

prapúbica. Um corte transversal é feito nessa área, antes da colocação da

sonda vesical de demora (caso necessário), para auxiliar na visualização de

líquido livre na pelve. A presença de líquido nessa região é um sinal impor-

tante de possível lesão intra-abdominal.

Anotações

150
Figura 32 - Espaço suprapúbico pelo FAST.Fonte: ATLS

Hemitórax Direito e Esquerdo: Por fim, o médico examina os he-

mitórax direito e esquerdo com um corte sagital no 2º ou 3º espaço inter-

costal, na linha clavicular média. Esse exame é importante para detectar

pneumotórax e hemotórax, que podem estar associados a traumas toráci-

cos.

Além das quatro janelas mencionadas, o E-FAST (Extended Focused

Assessment with Sonography for Trauma) adiciona duas janelas adici-

onais para avaliar as cavidades torácicas em busca de pneumotórax e

hemotórax:

Hemitórax Direito (E-FAST): O médico examina o hemitórax direito

com um corte sagital no 2º ou 3º espaço intercostal, na linha clavicular mé-

dia, para avaliar a presença de pneumotórax ou hemotórax nessa região.

Hemitórax Esquerdo (E-FAST): Da mesma forma, o hemitórax es-

querdo é examinado com um corte sagital no 2º ou 3º espaço intercostal,

151
na linha clavicular média, para verificar a existência de pneumotórax ou he-

motórax.

Um ponto crucial a ser enfatizado é que um FAST positivo em um

paciente instável hemodinamicamente é uma indicação absoluta de

laparotomia exploradora. Isso significa que, se o exame identificar líquido

livre na cavidade abdominal e o paciente estiver em choque ou com insta-

bilidade hemodinâmica, a cirurgia é necessária para explorar e reparar pos-

síveis lesões.

Por outro lado, um FAST negativo não exclui completamente a possi-

bilidade de lesões abdominais, mas torna menos provável que o abdome

seja a fonte do sangramento. Em casos de pacientes instáveis que apresen-

tam um FAST negativo, outras fontes de sangramento devem ser conside-

radas, e a tomografia computadorizada de abdome pode ser realizada para

investigar lesões mais detalhadamente.

Embora o FAST seja uma ferramenta valiosa, ele possui algumas limi-

tações. A qualidade das imagens pode ser afetada por gases no trato gas-

trointestinal, presença de enfisema subcutâneo e obesidade, o que pode

dificultar a interpretação dos achados.

Além disso, o FAST não é capaz de detectar lesões retroperitoneais,

lesões diafragmáticas, pequenas quantidades de líquido livre (menos de

200 mL) e não diferencia sangue de ascite ou urina.

152
Mesmo com as limitações, o FAST desempenha um papel fundamen-

tal na avaliação inicial de pacientes traumatizados, permitindo uma rápida

identificação de sangramento intra-abdominal e direcionando a conduta

médica apropriada. É uma ferramenta que salva vidas e ajuda a minimizar

os riscos associados a lesões graves após um trauma.

OBS: Pacientes instáveis hemodinamicamente com LPD ou FAST

positivos, nos quais a hipotensão se mantém mesmo após a infusão de

volume, está indicada a laparotomia exploradora. Nos hemodinamica-

mente estáveis (porque sempre estiveram ou porque recuperaram a hemo-

dinâmica após infusão rápida de volume), o próximo passo é a realização

de tomografia computadorizada de abdome.

Anotações

153
USP (2023)

Mulher, 33 anos, caiu do terceiro andar do prédio. No atendimento

pré-hospitalar, encontrava-se inconsciente, com FC de 120 bpm e PAS de

100 mmHg. Foi realizada entubação orotraqueal e infusão de 1.000 mL de

cristaloide e ácido tranexâmico. Na admissão no Serviço de Emergência en-

contrava-se:

1. Entubada, saturação de O₂: 97%;

2. MV presente e expansibilidade simétrica;

3. FC 130 bpm, PA: 80x50 mmHg;

4. exame da bacia com sinais de instabilidade pélvica;

5. realizado FAST que evidenciou presença de líquido livre em todos os

quadrantes do abdome.

6. sedada; escala de Coma de Glasgow 3;

7. sem deformidades nos membros ou no dorso;

8. toque retal sem alterações.

Qual é a imagem do FAST esperada para esta paciente?

154
A) B)

C) D)

Anotações

155
RESPOSTA: Estamos enfrentando um cenário clínico envolvendo um

paciente que sofreu uma queda de altura e apresenta trauma abdominal

fechado, juntamente com instabilidade hemodinâmica, mesmo após a ad-

ministração de 1000 ml de solução de Ringer lactato. As razões subjacentes

para essa instabilidade são identificadas como uma fratura na bacia, indi-

cada pelos sinais de instabilidade pélvica, e uma lesão intra-abdominal,

como evidenciado pelo resultado positivo do FAST (Avaliação Rápida de Le-

sões no Trauma), que revela a presença de líquido livre em todos os qua-

drantes do abdome.

Sendo assim,

• A) INCORRETA. Observamos uma imagem de ultrassom que mostra uma

vesícula biliar distendida, contendo algum material ecogênico em seu in-

terior, que possivelmente se trata de lama biliar. Importante notar que

não há indícios de líquido livre na imagem.

• B) INCORRETA. Esta imagem retrata a região pélvica, onde é visível a pre-

sença de líquido na bexiga, no entanto, não há a presença de líquido

livre na cavidade pélvica. É interessante correlacionar esta imagem com

a presente no texto da apostila para observar que se trata de um exame

de imagem sem alterações

156
• C) CORRETA. A imagem desta alternativa apresenta região hipoecóica (o

espaço preto presente entre o fígado e o rim) o que indica presença de

líquido livre no espaço hepatorrenal.

• D) INCORRETA. Não é possível confirmar qual estrutura o examinador

pretendia mostrar neste corte, mas parece haver a presença de algum

material líquido espesso, possivelmente intercalado entre as alças intes-

tinais. Imagem esta que dificulta bastante a interpretação na hora da

prova.

Gabarito: Letra C.

Anotações

157
4.5 Tomografia computadorizada de abdome

Em casos de pacientes hemodinamicamente estáveis com suspeita

de lesão intra-abdominal, a Tomografia Computadorizada de Abdome com

contraste endovenoso se destaca como a melhor opção.

Esse exame oferece alta sensibilidade e especificidade, permitindo

não apenas a detecção da presença de hemoperitônio, pneumoperitônio

ou retropneumoperitônio, mas também a identificação da sua fonte de ori-

gem. Além disso, a TC possibilita a identificação de sangramento ativo, ava-

liação de lesões retroperitoneais que não são acessíveis ao FAST (Ultrassom

Focado no Trauma) e ao LPD (Lavado Peritoneal Diagnóstico) e a definição

de abordagens conservadoras em lesões de órgãos sólidos, como o baço,

fígado e rins. No entanto, é fundamental ressaltar que a realização da TC

exige que o paciente esteja hemodinamicamente estável para garantir a se-

gurança do procedimento.

Anotações

158
Figura 33 - Imagem mostrando retropneumoperitônio (ar deline-
ando os rins, principalmente o direito na imagem) Fonte: USP 2021

Por outro lado, a TC de abdome não está indicada em pacientes

instáveis hemodinamicamente (sempre importante lembrar desta condi-

ção para realizar TC em pacientes vítimas de trauma, com isso já resolve-

mos muitas questões!), sendo reservada para aqueles que apresentam es-

tabilidade nesse aspecto e resultados positivos no FAST ou LPD. A TC apre-

senta vantagens, como a adequada visualização do retroperitônio e uma

avaliação minuciosa de lesões em órgãos sólidos, com grande especifici-

dade para a identificação de comprometimento do fígado, baço e rins. A

utilização de contraste, com estudo nas fases arterial e venosa portal, é es-

sencial para o diagnóstico e detalhamento de lesões vasculares nesses ór-

gãos, consolidando a TC como a principal escolha para análise detalhada de

casos de traumatismo abdominal.

159
Fluxograma 2

4.6 Trauma abdominal aberto ou ferida abdominal

4.7 Trauma abdominal penetrante:

As lesões traumáticas na parede abdominal anterior que perfuram o

peritônio parietal apresentam características penetrantes em relação à ca-

vidade peritoneal. Os ferimentos mais associados ao trauma abdominal pe-

netrante são aqueles causados por armas brancas e armas de fogo. No en-

tanto, a definição do tratamento adequado depende de vários fatores, in-

cluindo o mecanismo da lesão, a localização da ferida (seja toracoabdomi-

nal, na região anterior, no flanco ou no dorso) e os recursos disponíveis para

o atendimento médico.

160
Figura 34 - Ferimentos penetrantes por arma branca

Quando se trata de ferimentos por arma branca e projéteis de baixa

velocidade, os danos aos tecidos ocorrem principalmente por corte ou la-

ceração. No caso dos ferimentos causados por projéteis de alta velocidade,

que transferem uma quantidade significativa de energia cinética, além das

lesões decorrentes de sua trajetória, observa-se um dano mais extenso aos

tecidos ao redor do trajeto. Isso se deve ao efeito de cavitação, que envolve

ondas de choque e calor, além da possível fragmentação do projétil.

É importante destacar que os ferimentos tangenciais causados por

projéteis de arma de fogo merecem atenção especial, pois, muitas vezes,

não são verdadeiramente tangenciais. A concussão ou lesões por explosão

podem resultar em ferimentos intraperitoneais mesmo sem a perfuração

do peritônio.

161
Conforme a 10ª edição do ATLS (Advanced Trauma Life Support), os

órgãos mais frequentemente afetados em ferimentos por arma de

fogo incluem o intestino delgado (50%), o cólon (40%), o fígado (30%) e

as estruturas vasculares abdominais (25%). Já nos ferimentos por arma

branca, os órgãos mais comumente envolvidos são o fígado (40%), o

intestino delgado (30%), o diafragma (20%) e o cólon (15%)

4.8 Indicações de laparotomia:

De acordo com as diretrizes do ATLS na sua 10ª edição, aproximada-

mente 55% a 60% dos pacientes que sofrem ferimentos por arma branca

com penetração no peritônio apresentam sintomas graves, como choque,

evisceração e/ou peritonite, requerendo uma laparotomia de emergên-

cia. Cuidado para não cair nas pegadinhas de prova, uma vez determinado

Anotações

162
Figura 35 - Laparotomia exploradora

a necessidade de laparotomia não perca tempo com exames desnecessá-

rios.

Abaixo, detalhamos as indicações absolutas de laparotomia em

casos de trauma abdominal penetrante:

• Ferimento por arma de fogo na região abdominal anterior (trajeto trans-

peritoneal,

• Instabilidade hemodinâmica

• Evisceração

• Irritação peritoneal

• Sangramento gastrointesnal (observado na sonda nasogástrica ou retal)

ou do trato geniturinário

163
4.9 Ferimento na parede anterior do abdome

Com o objetivo de reduzir a taxa de laparotomias desnecessárias em

casos de ferimentos por arma branca na parede anterior do abdome, espe-

cialmente em pacientes que não apresentam indicações absolutas para a

cirurgia, como instabilidade, peritonite ou evisceração, é recomendada a re-

alização de uma exploração local da ferida, utilizando um método digital.

Esta exploração é conduzida sob anestesia local e visa determinar se

houve penetração na cavidade abdominal. Se não houver evidência de vio-

lação do peritônio parietal, o paciente pode ser liberado para alta hospita-

lar.

Caso haja penetração confirmada ou dúvida quanto à penetração, o

paciente deve permanecer sob observação por 24 horas, com exames físi-

cos seriados e verificação do hemograma a cada 8 horas. Durante esse pe-

ríodo de observação, se o paciente apresentar instabilidade e/ou peritonite,

a laparotomia será indicada.

Além disso, se houver leucocitose ou uma queda na hemoglobina su-

perior a 3g/dL, a realização de uma tomografia (TC) ou lavagem peritoneal

diagnóstica (LPD) deve ser considerada. Pacientes que não demonstrarem

alterações clínicas ou laboratoriais durante o período de observação de 24

horas podem receber alta hospitalar e acompanhamento ambulatorial.

164
Dito isso, preparamos um fluxograma de conduta em relação

ao trauma abdominal que deve servir como base para o raciocínio na hora

da prova e também na prática clínica:

Fluxograma 3

165
4.10 Ferimento no flanco ou dorso

A espessura da musculatura do flanco e do dorso oferece proteção

às vísceras retroperitoneais contra ferimentos por arma branca, e até

mesmo alguns ferimentos por arma de fogo que não possuem trajeto trans-

peritoneal.

Segundo o ATLS, em casos de ferimentos penetrantes no flanco ou


dorso, nos quais métodos como lavagem peritoneal diagnóstica (LPD), ul-
trassonografia (FAST) e laparoscopia diagnóstica não conseguem fornecer
informações conclusivas sobre lesões retroperitoneais, a recomendação é
observar o paciente com exames físicos seriados (com ou sem FAST) ou re-
alizar uma tomografia com contraste dupla (oral e endovenoso) ou triplo
(oral, endovenoso e retal)

A tomografia, quando realizada adequadamente, possui uma preci-


são comparável à dos exames físicos seriados (com uma taxa de precisão
de 94%), permitindo um diagnóstico mais precoce, especialmente em paci-
entes que permanecem relativamente assintomáticos. Isso é particular-
mente relevante para lesões na porção retroperitoneal do cólon do lado da
ferida.

O tratamento conservador envolve a observação hospitalar por 24


horas, e se o paciente permanecer assintomático, ele pode ser encami-
nhado para acompanhamento ambulatorial devido às manifestações sutis
de algumas lesões colônicas.

166
Em casos de ferimentos tangenciais por arma branca no flanco, com
tomografia duvidosa, especialmente em pacientes obesos, a laparoscopia
pode ser uma opção. A laparoscopia diagnóstica é útil na detecção de lesões
diafragmáticas em ferimentos penetrantes toracoabdominais, na avaliação
da penetração na cavidade abdominal e, ainda, nos traumas contusos com
suspeita de lesão de víscera oca.

Conforme o Colégio Brasileiro de Cirurgiões, a estratégia preferencial

no tratamento inicial de pacientes instáveis vítimas de trauma abdominal

penetrante é a hipotensão permissiva (ou ressuscitação hemostática no

trauma), seguida pelo controle imediato da causa do sangramento. A hipo-

tensão permissiva envolve a manutenção da pressão arterial sistólica em

torno de 70 a 80 mmHg, apenas para assegurar uma perfusão tecidual ade-

quada, sem aumentar o sangramento. Evitar o excesso de administração de

fluidos é fundamental para prevenir a ruptura dos coágulos formados nos

vasos lesados, o que pode resultar em ressangramento, além de diluição de

plaquetas e fatores de coagulação, hipotermia e coagulopatia. Nas vítimas

de traumatismo cranioencefálico (TCE), a manutenção da pressão arterial

sistólica (PAS) deve ser mantida em ≥ 100 mmHg para prevenir lesões cere-

brais secundárias.

4.11 Ferimentos transição tóraco abdominal

Certos ferimentos na região da transição toracoabdominal requerem

uma abordagem cuidadosa e decisões médicas precisas. Essas lesões,

167
situadas abaixo do plano dos mamilos e acima do rebordo costal, po-

dem envolver uma variedade de estruturas, incluindo o diafragma, o fígado,

o cólon, o baço e o fundo gástrico, além de potencialmente afetar pulmões

e coração. Portanto, a investigação minuciosa é crucial.

A conduta diagnóstica e terapêutica mais adequada para feri-

mentos toracoabdominais é a laparoscopia, desde que o paciente es-

teja em condições estáveis. A laparotomia deve ser considerada quando

a laparoscopia não está disponível ou quando há instabilidade hemodinâ-

mica com suspeita de sangramento abdominal. É importante ressaltar que

a laparoscopia nunca é recomendada para pacientes instáveis hemo-

dinamicamente. Além disso, se houver evidência de hemotórax ou pneu-

motórax associados, a drenagem torácica também é necessária.

É relevante observar que a tomografia, o FAST (Focused Assessment

with Sonography for Trauma) e o lavado peritoneal diagnóstico apresentam

menor precisão na detecção de lesões de diafragma e vísceras ocas em

comparação com a laparoscopia. No entanto, algumas abordagens alterna-

tivas, como a avaliação clínica seriada associada à tomografia computado-

rizada, podem ser sugeridas por algumas bancas em casos de ferimento

toracoabdominal.

Devido à importância frente a conduta e diagnóstico das lesões em

transição tóraco-abdominais nas provas é fundamental lembrar que:

168
• Ferimentos penetrantes abaixo da altura da linha do mamilo, quando o

paciente está estável, exigem laparoscopia, enquanto pacientes instá-

veis ou indisponibilidade de laparoscopia devem ser submetidos à lapa-

rotomia.

• Tomografia, FAST e lavado peritoneal diagnóstico são métodos menos

eficazes para diagnosticar lesões diafragmáticas.

4.12 Lesão traumática de diafragma

O trauma abdominal fechado é, disparado, o principal elemento as-

sociado à lesão diafragmática com herniação imediata de vísceras abdo-

minais. Isso ocorre porque, nas lesões diafragmáticas causadas por trau-

mas contusos, é comum ocorrer uma hérnia diafragmática traumática

aguda associada à ruptura diafragmática. Traumas automobilísticos com in-

trusão do volante ou desaceleração rápida são os que mais

Figura 36 - representação esquemática de uma hérnia dia-


fragmática. Fonte: ATLS

169
frequentemente se associam à ruptura diafragmática contusa. É importante

destacar que habitualmente, nos ferimentos penetrantes, a herniação

acontece de forma tardia. Isso é especialmente válido para os ferimentos

por arma branca.

É interessante notar que o diagnóstico de lesões diafragmáticas é

mais comum no lado esquerdo e isso se deve ao fato de o fígado estar

localizado do lado direito, aparentemente servindo como uma forma de

proteção.

Os principais achados clínicos do trauma diafragmático incluem:

• Dor abdominal (geralmente epigástrica)

• Dor referida em ombro

• Vômitos

• Dispneia

• Disfagia

O método diagnóstico e terapêutico de eleição nesses casos é a

videolaparoscopia, desde que o paciente esteja em condições estáveis.

Em relação a outros métodos diagnósticos, é importante considerar

que a sensibilidade da radiografia simples para esse tipo de lesão é em

torno de 50%, e tem como principais achados:

170
• Borramento do seio costofrênico

• Elevação da cúpula diafragmática

• Presença de vísceras ou da sonda nasogástrica na topografia do hemi-

tórax acometido

Figura 37 - Exemplo de ruptura diafragmática com sonda nasogástrica. Fonte: prova SCO 2022

Assim como a radiografia simples, a tomografia computadorizada con-

vencional também apresenta acurácia limitada no diagnóstico de lesões di-

afragmáticas.

No que se refere ao tratamento das lesões do diafragma, ele é reali-

zado por meio da redução do conteúdo herniado, quando presente, e

fechamento do diafragma com pontos em U e material inabsorvível.

Além disso, nos casos em que a laparoscopia não está disponível ou

quando há instabilidade hemodinâmica, a laparotomia está indicada.

171
SCMSP (2015)

A herniação imediata de uma víscera abdominal para a cavidade to-

rácica através de uma lesão traumática aguda do diafragma é mais provável

de ocorrer após:

A) Trauma abdominal fechado


B) FAB no 3° EIC à direita na linha axilar média.
C) FAB no 6° EIC à esquerda na linha axilar anterior.
D) FAF no 6° EIC à direita na linha axilar posterior.
E) FAF no 3° EIC à esquerda na linha hemiclavicular.

RESPOSTA: Conforme discutido acima, sabemos que o trauma abdo-

minal fechado é o principal mecanismo para herniação de vísceras abdomi-

nais para o tórax através de lesões diafragmáticas. Dessa forma,

• A) CORRETA. Como visto acima

• B) INCORRETA. Ferimentos causados por arma branca no nível do 3º es-

paço intercostal raramente afetam a transição toracoabdominal, a me-

nos que o trajeto da perfuração seja extenso e se direcione para baixo.

De toda forma, é importante observar que a herniação de vísceras ab-

dominais é uma complicação que normalmente ocorre em estágios pos-

teriores em casos de ferimentos por arma branca.

172
• C) INCORRETA. A herniação de vísceras abdominais é um elemento tardio
nos ferimentos por arma branca.

• D) INCORRETA. Nos ferimentos causados por arma de fogo no 3º espaço

intercostal, a suspeita de lesão diafragmática só deve ser considerada se

a trajetória do projétil se direcionar para baixo, alcançando níveis abaixo

do 5º/6º espaço intercostal. Adicionalmente, é importante ressaltar que,

como mencionado anteriormente, a herniação dos órgãos da cavidade

abdominal para a cavidade torácica é uma ocorrência muito mais fre-

quente em traumas contusos do que em traumas penetrantes, mesmo

quando se trata de ferimentos por arma de fogo.

Gabarito: Letra C.

Anotações

173
Abaixo, segue o fluxograma para o raciocínio do tratamento de feridas pe-
netrantes em abdome:

Fluxograma 4

174
SCMSP

Jovem de 19 anos é admitido no PS vítima de ferimento por arma

branca em região abdominal. Apresenta hálito etílico e ao exame: desco-

rado, FC 102, PA 70x50, sem outras lesões. Após receber 2000 mL de crista-

loide houve melhora hemodinâmica com FC 92 e PA 100 x 70. Ausculta to-

rácica normal, com pulsos distais presentes e abdome com ferimento pe-

netrante em mesogástrio de 3,0 cm e dor á palpação ao redor dela, sem

sinais de peritonite.

A melhor conduta neste caso é:

A) FAST e se positivo, TC de abdome

B) Punção abdominal e se negativo, TC de abdome

C) TC de abdome e pelve com triplo contraste

D) Laparotomia exploradora

E) Observação clínica seriada e controle hematimétrico

RESPOSTA: Questão muito interessante cobrada pela Santa Casa de

Misericórdia de São Paulo que nos traz um conceito muito importante:

mesmo após a estabilização hemodinâmica do paciente com as medidas

iniciais de ressuscitação, não podemos deixar de lembrar que na admissão

175
o nosso paciente estivera com ferimento por arma branca em região abdo-

minal com instabilidade hemodinâmica com sinais vitais compatíveis inclu-

sive com choque hipovolêmico. Dessa forma, devemos realizar a laparoto-

mia exploradora, já que conforme vimos ao longo do nosso capítulo, feri-

mento em contuso em abdome com instabilidade hemodinâmica (choque)

entra nos critérios de “abdome cirúrgico”, necessitando de laparotomia ex-

ploradora o mais rápido possível.

Logo, alternativa correta letra D.

Anotações

176
4.13 Lesões abdominais orgânicas específicas

4.14 Baço

No contexto de trauma abdominal, o baço emerge como um órgão

frequentemente afetado em lesões contusas, sendo responsável por uma

parcela significativa dos casos, correspondendo a cerca de 40-55% das ocor-

rências, de acordo com as diretrizes do ATLS. Portanto, a compreensão de-

talhada deste tópico é fundamental, especialmente devido à sua relevância

em exames e avaliações médicas.

Lesões esplênicas, em sua maioria, ocorrem como resultado de trau-

mas contusos, que podem surgir de colisões de veículos, quedas de altura,

atividades esportivas ou agressões físicas. Um cenário típico para suspeita

de lesão esplênica é quando se depara com uma vítima de acidente de trân-

sito em estado instável hemodinamicamente, apresentando dor abdomi-

nal, particularmente no quadrante superior esquerdo, fratura de costelas

inferiores do lado esquerdo e dor no ombro esquerdo, um sinal conhecido

como "Sinal de Kehr". Nesse momento, é de suma importância pensar em

uma possível lesão esplênica e, principalmente, em como diagnosticá-la e

determinar o tratamento adequado.

O "Sinal de Kehr" refere-se à dor referida no ombro esquerdo,

causada pela irritação do nervo frênico devido à presença de sangue

177
adjacente ao hemidiafragma esquerdo. Além disso, o "Sinal de Bal-

lance" é um indicador valioso, revelando a presença de uma massa dolo-

rosa no quadrante superior esquerdo, que sugere um hematoma es-

plênico. Esse sinal também pode ser identificado por meio da percussão

abdominal, onde o quadrante esquerdo apresenta uma sensação de "ma-

cicez" à percussão devido à presença desse hematoma. No entanto, essa

macicez é móvel quando se altera a posição do paciente, já que o sangue

livre na cavidade peritoneal migra.

Para avaliar rapidamente pacientes instáveis hemodinamicamente

em casos de trauma abdominal fechado, é possível recorrer ao FAST (Ul-

trassom Focado no Trauma) ou ao LPD (Lavado Peritoneal Diagnóstico) na

sala de emergência. O FAST é uma opção popular, pois é rápido, não inva-

sivo e altamente sensível. Se o resultado do FAST for positivo, o tratamento

padrão é a laparotomia exploratória, e a lesão esplênica será diagnosticada

e tratada por meio de esplenectomia.

Entretanto, quando o paciente está em condição estável, a conduta

muda. A recomendação é realizar uma Tomografia Computadorizada de

Abdome com contraste endovenoso (melhor exame para graduar as lesões

de vísceras maciças). A partir desse ponto, é possível classificar a lesão es-

plênica em graus, seguindo a classificação estabelecida pela Associação

Americana para a Cirurgia do Trauma (AAST), com base nas características

178
anatômicas identificadas na tomografia computadorizada ou durante o

procedimento cirúrgico.

É importante destacar que a preservação do baço é um objetivo fun-

damental na abordagem de traumas esplênicos. Nos casos de pacientes es-

táveis hemodinamicamente com resultados positivos no FAST, uma TC de

abdome é solicitada. Os principais objetivos desse exame incluem demons-

trar a presença ou ausência de extravasamento de contraste (na fase arte-

rial do exame) próximo ao hilo esplênico, delinear a extensão da lesão no

baço e identificar qualquer possível envolvimento de outros órgãos intra-

abdominais.

As indicações clássicas para um tratamento conservador incluem es-

tabilidade hemodinâmica, um exame abdominal negativo para irritação pe-

ritoneal, a ausência de indicações claras para uma laparotomia ou lesões

associadas que exijam intervenção cirúrgica e a inexistência de condições

clínicas que aumentem o risco de sangramento, como coagulopatias ou o

uso de anticoagulantes.

Por fim, é relevante mencionar que, ao longo do tempo, têm surgido


evidências significativas das graves consequências associadas à ressecção
do baço, principalmente em relação à população pediátrica. A sepse fulmi-
nante pós-esplenectomia, caracterizada por sepse grave e choque séptico
de evolução rápida, tem sido uma complicação preocupante, com o Strep-
tococcus pneumoniae como agente etiológico predominante, embora ou-
tras bactérias também possam ser responsáveis. Dessa forma, a tentativa

179
de preservação do baço torna-se uma conduta primordial na abordagem
de traumas envolvendo esse órgão.

Segue abaixo uma tabela com a classificação dos graus de


trauma esplênico segundo a AAST:

Grau AAST Tipo de Lesão Descrição

Hematoma subcapsular < 10% da superfície.


Hematoma e La-
Grau I Laceração capsular < 1cm de profundidade no parên-
ceração
quima.
Hematoma subcapsular de 10 a 50% da superfície;

hematoma intraparenquimatoso < 5cm de diâme-


Hematoma e
Grau II tro.
Laceração
Laceração capsular de 1 a 3cm de profundidade no
parênquima que não envolve vaso trabecular.
Hematoma subcapsular > 50% da área superficial ou
em expansão; hematoma subcapsular ou intraparen-
Hematoma e La- quimatoso em ruptura, hematoma intraparenquima-
Grau III
ceração toso ≥ 5cm ou em expansão.
Laceração parenquimatosa > 3cm de profundidade ou
envolvendo vasos trabeculares.
Laceração parenquimatosa envolvendo vasos seg-
Grau IV Laceração mentares ou hilares que produzem > 25% de desvas-
cularização do baço.
Presença de lesão hilar com desvasculariza-
Grau V Vascular
ção esplênica. Baço completamente destruído.
Tabela 8

180
TRATAMENTO:

Para pacientes estáveis com lesões esplênicas de graus I, II e III,

sem sinais de peritonite e sem outras lesões intra-abdominais que ne-

cessitem de intervenção cirúrgica, a conduta de escolha é o trata-

mento conservador. Isso envolve a observação em ambiente hospitalar,

preferencialmente em uma unidade de terapia intensiva, repouso, monito-

ramento frequente dos níveis de hemoglobina e hematócrito nas primeiras

24 horas, e jejum por pelo menos 24 horas. Em certos casos, uma nova to-

mografia computadorizada (TC) pode ser realizada se houver queda nos ní-

veis de hemoglobina, piora da dor abdominal ou em pacientes com altera-

ção do estado de consciência. Uma modalidade de tratamento não cirúrgico

que ganhou destaque é a embolização da artéria esplênica, particular-

mente em pacientes estáveis com lesões de graus III ou IV e evidência

de extravasamento de contraste - Atenção especial nesses casos, já que

vem aparecendo bastante nas provas de residência!

Identificar uma pequena acumulação de contraste hiperdenso no te-

cido esplênico, conhecida como "contrast blush," na tomografia é um

achado importante. Diante desse cenário, a recomendação é optar pela em-

bolização angiográfica da lesão sangrante em vez de realizar uma laparoto-

mia.

181
No entanto, o tratamento cirúrgico é indicado em situações de

instabilidade hemodinâmica, sinais de irritação peritoneal, lesões

mais graves (graus IV e V), e em pacientes que não podem ser adequa-

damente observados. A cirurgia de escolha é a esplenectomia total, que

envolve a remoção completa do baço. Outras formas de cirurgia, como a

esplenectomia parcial e a esplenorrafia, são menos comuns devido ao risco

de sangramento recorrente. Após a esplenectomia, é importante imuni-

zar o paciente contra organismos encapsulados, como Streptococcus

pneumoniae e Haemophilus influenzae tipo B, para prevenir infecções

graves.

As complicações pós-esplenectomia são variadas e incluem sangra-


mento pós-operatório, hemorragia em dois tempos, pancreatite aguda, per-
furação gástrica, trombocitose, trombose vascular, abscesso intracavitário,
fístula arteriovenosa e sepse. A trombocitose, em particular, pode levar a
um aumento significativo na contagem de plaquetas e aumentar o risco de
trombose, sendo tratada em alguns casos com agentes antiagregantes pla-
quetários.

Fluxograma 5

182
Santa Casa SP

Homem 25 anos foi levado ao PS de hospital quaternário após rece-

ber atendimento pré hispitalar no local, com trauma por queda de moto.

Na sala de trauma: VAS pérvias, EF do aparelho respiratório normal e esta-

bilidade hemodinâmica. Não havia sinais de peritonite. TC evidenciou lesão

esplênica grau 3, com extravasamento de contraste na fase arterial, sem

líquido livre na cavidade. Nesse caso, o próximo passo é:

A) realizar laparotomia exploradora

B) realizar arteriografia

C) repetir TC em 6 h e indicar laparotomia exploradora

D) repetir TC en 6 h e indicar arteriografia se mantiver extravasamento

de contraste

E) encaminhá-lo para UTI para controle hemantimétrico e exame físico

seriado

RESPOSTA:

Ao ler o enunciado da questão, a primeira ideia que devemos ter é

de que a partir dos dados da história clínica e do exame físico do paciente

nós não estamos diante de um paciente com peritonite e nem com instabi-

lidade hemodinâmica. Sendo assim, a laparotomia exploradora já se mostra

183
contra indicada neste primeiro momento. Além disso, é importante notar

que a questão fez menção ao hospital no qual o paciente foi recebido ser

um hospital quaternário (sempre atentar para questões de trauma que

nos trazem essa informação), no qual podemos subentender que tem a dis-

posição estrutura que consiga atender a todas as demandas de um paci-

ente politraumatizado. Este fato somado a lesão esplênica não ser nem de

Grau IV nem V e ainda assim apesentar blush arterial ou extravasamento

de contraste nos leva a possibilidade de fazer uma angioembolização por

meio da arteriografia.

Portanto, letra B.

Anotações

184
4.15 Trauma hepático:

O fígado é um órgão crucial no sistema abdominal e desempenha um

papel significativo nos traumas abdominais. Segundo as diretrizes do ATLS,

o fígado é afetado em cerca de 35-45% dos casos de trauma abdominal

fechado contuso, sendo o segundo órgão mais acometido. Por outro

lado, nos traumas por arma branca, o fígado é o órgão mais frequente-

mente lesionado.

Dados provenientes do National Trauma Data Bank (NTDB), que é o

principal registro de casos de trauma nos Estados Unidos, revelam que le-

sões no fígado ocorrem em aproximadamente 39,8% das vítimas de trauma

abdominal contuso. Dessas lesões, cerca de 12 a 15% são classificadas

como graves, resultando em uma taxa de mortalidade geral de 14,9%. Por-

tanto, é evidente que o fígado é um dos órgãos mais afetados no trauma

abdominal fechado.

No entanto, em casos de trauma abdominal penetrante, as lesões

hepáticas também são bastante comuns, principalmente devido às dimen-

sões do fígado. Nestas situações, a taxa de mortalidade chega a cerca de

19,1%. É interessante notar que os dados do NTDB sobre o envolvimento

hepático em feridas abdominais contrastam com as diretrizes do ATLS. De

acordo com o NTDB, o fígado é o órgão mais frequentemente afetado em

185
traumas penetrantes, enquanto o ATLS classifica o envolvimento hepático

como o terceiro mais comum nessas lesões.

Para compreender melhor as lesões hepáticas, é útil realizar uma

breve revisão anatômica. O fígado é dividido em dois lobos, que, por sua

vez, são subdivididos em segmentos com base nas ramificações do triân-

gulo portal, que inclui o ramo portal, o ramo da artéria hepática e o ducto

biliar. O sangue que chega ao fígado é transportado principalmente pela

veia porta, que, apesar de ser uma veia, carrega nutrientes essenciais para

o funcionamento dos hepatócitos.

Figura 38 - Segmentos de Couinaud - segmentação hepática

186
A classificação das lesões hepáticas é baseada em sua localização e

profundidade, com categorias que vão de graus I a VI. As lesões dos graus

I, II e III são consideradas simples e correspondem a cerca de 80% do total

de lesões hepáticas. Nestes casos, a mortalidade está mais relacionada ao

trauma de outros órgãos associados do que ao próprio trauma hepático.

Em contraste, as lesões complexas (graus IV, V e VI), embora menos fre-

quentes, representam metade dos óbitos relacionados a lesões hepáticas.

Na escala de trauma hepático da AAST (American Association for the

Surgery of Trauma), observamos que o acometimento das veias hepáti-

cas e da veia cava inferior (localização retro-hepática) representa as

formas mais graves de lesões hepáticas, frequentemente associadas a

um prognóstico desfavorável.

Portanto, a compreensão da anatomia hepática e das características

das lesões é fundamental para a abordagem adequada e o tratamento efi-

caz de pacientes com traumas abdominais envolvendo o fígado.

Anotações

187
GRAU LESÃO DESCRIÇÃO DA LESÃO
Hema- Hematoma subcapsular < 10% da superfície.
toma

I
Ruptura capsular com laceração parenquimatosa <
Laceração
1cm de profundidade.

Hematoma subcapsular de 10 a 50% da superfície.


Hema-
Hematoma intraparenquimatoso < 10cm de diâme-
toma
tro.
II
Ruptura capsular com laceração parenquimatosa de
Laceração
1 a 3cm de profundidade e comprimento ≤ 10cm.

Hematoma subcapsular > 50% da área superficial


Hema- ou em expansão. Ruptura de hematoma subcapsu-
toma lar ou parenquimatoso. Hematoma intraparenqui-
matoso > 10cm ou em expansão.
III

Laceração > 3cm de profundidade do parênquima.


Laceração Presença de lesão vascular do gado ou sangra-
mento ativo contido do no parênquima hepático.

Ruptura parenquimatosa envolvendo 25 a 75% de


um lobo hepático ou 1 a 3 segmentos de Couinaud.
IV Laceração
Sangramento a vo, que se estende além do parên-
quima hepático até o peritônio.

188
Ruptura parenquimatosa > 75% de um lobo hepá-
Laceração tico ou > 3 segmentos de Couinaud em um único
V lobo.
Lesão venosa justa-hepática (veia cava retro-hepá-
Laceração
tica e veias hepáticas principais centrais)
VI Vascular Avulsão hepática
Tabela 9

TRATAMENTO

O tratamento das lesões hepáticas traumáticas envolve considera-

ções detalhadas quanto à sua gravidade e às condições do paciente:

Tratamento das Lesões Hepáticas Traumáticas:

As lesões hepáticas traumáticas podem variar em gravidade, mas a

maioria delas é de baixo grau e tende a cicatrizar espontaneamente. O tra-

tamento não operatório é a abordagem preferida nesses casos e con-

siste principalmente em observação clínica, podendo incluir arterio-

grafia e embolização em alguns casos. A cirurgia é necessária em aproxi-

madamente 14% dos pacientes, especialmente quando ocorre instabilidade

hemodinâmica inicial ou quando o tratamento não operatório falha.

A decisão entre tratamento cirúrgico e conservador depende

principalmente do estado hemodinâmico do paciente.

189
Tratamento Conservador:

Para pacientes estáveis hemodinamicamente, o tratamento conser-

vador é a escolha padrão. Esse tratamento inclui:

• Observação em uma unidade de terapia intensiva (UTI).

• Fornecimento de cuidados de suporte.

• Exame físico periódico.

• Monitoramento hematimétrico, com possível uso adicional de arterio-

grafia e embolização hepática, dependendo da evolução clínica.

A duração da observação é determinada principalmente por critérios

clínicos e laboratoriais, como os níveis de hemoglobina e hematócrito. Não

é necessária a realização de exames de imagem de rotina.

Durante esse período, os pacientes devem permanecer em repouso

absoluto por cinco dias, sendo as primeiras 48 horas na UTI. Alguns médicos

consideram como parâmetro para continuar a observação a estabilização

da hemoglobina por pelo menos 24 horas e a ausência de dor abdominal.

A embolização hepática é uma opção de tratamento, mas requer

instalações especiais de imagem e radiologia intervencionista vascular. Em

geral, é altamente eficaz, com uma taxa de sucesso de cerca de 93%. Os

melhores resultados são observados em pacientes com lesões de grau III

ou superior, que apresentam extravasamento de contraste (blush

190
arterial) na tomografia computadorizada. Além disso, a embolização pode

ser indicada para pacientes que não respondem ao tratamento conserva-

dor ou que têm recorrência de sangramento após cirurgia.

Tratamento Cirúrgico:

Em pacientes instáveis com trauma hepático, a laparotomia ex-

ploradora é indicada. O controle da hemorragia pode ser alcançado por

meio de diferentes abordagens cirúrgicas, dependendo da extensão da le-

são hepática e da experiência do cirurgião. Assim como em casos de trauma

esplênico, a laparotomia é recomendada nas seguintes situações:

• Presença de peritonite.

• Existência de outras lesões que requerem tratamento cirúrgico.

• Falha no tratamento conservador.

• Ausência de um ambiente hospitalar adequado para monitoramento e

suporte em UTI

Tratamento de Lesões Hepáticas Traumáticas:

A falha do tratamento não cirúrgico ocorre quando há sinais de san-

gramento que se tornam evidentes pela necessidade de ressuscitação ou

transfusão contínua de fluidos, ou quando o paciente evolui para instabili-

dade hemodinâmica. Na maioria dos protocolos, a transfusão de até 4 uni-

dades de concentrados de hemácias é permitida.

191
Laparotomia:

Se um paciente é indicado para cirurgia devido a uma lesão hepática

traumática, é realizada uma laparotomia. Em pacientes com múltiplas le-

sões abdominais, a prioridade é sempre dada à lesão que representa o

maior risco para a vida do paciente, como aquelas associadas à hemorragia,

como as lesões no fígado ou no baço. Vale destacar que durante uma lapa-

rotomia devido a trauma hepático com sangramento significativo e choque

hemorrágico, é comum que o paciente desenvolva a chamada "tríade le-

tal," que inclui acidose metabólica, hipotermia e coagulopatia. Para evitar

a tríade letal, é realizada a cirurgia de controle de danos, também co-

nhecida como "damage control." No caso de trauma hepático, essa cirur-

gia envolve a colocação de compressas ao redor do fígado e sobre a lesão

para controlar o sangramento, uma técnica chamada de "empacotamento

hepático." A cavidade abdominal é temporariamente fechada (peritoneos-

tomia), o paciente é transferido para a UTI e, quando suas condições clínicas

melhoram, geralmente após 24 a 48 horas, uma nova abordagem cirúrgica

é realizada. Durante esse período, a embolização hepática adjuvante pode

ser considerada. Se o paciente continua a sangrar abundantemente, apesar

do empacotamento, uma estratégia cirúrgica importante, frequentemente

exigida nas provas, é a "manobra de Pringle," que envolve o clampea-

mento das estruturas do ligamento hepatoduodenal (forame de Wins-

low), incluindo a artéria hepática, a veia porta e o colédoco

192
Tampão com Balão:

Lesões hepáticas traumáticas transfixantes causadas por projéteis de

armas de fogo, com sangramento profuso, podem ser controladas com o

uso de um balão insuflado no trajeto do ferimento.

O tratamento das lesões hepáticas traumáticas durante a cirurgia de-

pende da gravidade

da lesão:

• Lacerações superficiais podem ser controladas com compressão ma-

nual ou o uso de agentes hemostáticos tópicos e cauterização com ele-

trocautério convencional ou de argônio.

• Lacerações mais profundas podem requerer a ligadura de vasos e/ou

sutura hepática primária.

• Lesões mais graves podem ser tratadas com ressecção de um segmento

hepático, ligadura seletiva da artéria hepática direita ou esquerda, ou

até mesmo da artéria hepática comum (com risco de isquemia hepática).

A colocação do omento pediculado sobre a laceração pode auxiliar na

cicatrização.

• Trauma hepático de grau V, com lesões das veias hepáticas ou veia cava

inferior retro-hepática, é caracterizado por sangramento abundante,

muitas vezes incontrolável pela manobra de Pringle, e apresenta uma

193
alta taxa de mortalidade, em torno de 80%. Nesses casos, podem ser

consideradas as seguintes abordagens cirúrgicas:

o A) By-pass venovenoso: a veia cava inferior é clampeada, e o san-

gue abaixo do local clampeado é desviado para a veia cava supe-

rior por meio de um circuito extracorpóreo, semelhante a uma

técnica utilizada em transplantes de fígado.

o B) Shunt atriocaval: este é um shunt cirúrgico entre o átrio direito

e a veia cava inferior, usado durante o reparo de lesões vasculares

maiores justa-hepáticas, como aquelas que afetam as veias hepá-

ticas ou a veia cava inferior. Essa técnica envolve a abertura da

veia cava inferior infra-hepática, seguida pela inserção de um tubo

que conecta essa parte da veia cava inferior diretamente ao átrio

direito. O sangue que retorna pela circulação cava passa através

deste "tubo" e flui diretamente para o átrio direito. Esta cirurgia

geralmente requer uma toracotomia para inserir o tubo no átrio

direito. É importante ressaltar que as taxas de sucesso dessas ci-

rurgias são relativamente baixas.

• Trauma hepático de grau VI (avulsão hepática): A única opção viável é a

hepatectomia total, seguida da anastomose porto-cava e transplante he-

pático imediato.

194
REVALIDA (2020)

Uma paciente com 34 anos de idade, vítima de acidente automobilís-

tico, apresentando trauma abdominal contuso sem evidência de lesões em

outros segmentos corpóreos, foi levada ao pronto-socorro do Centro de Re-

ferência de Trauma de nível terciário para atendimento. No atendimento

em cena pela equipe de suporte avançado do Serviço de Atendimento Mó-

vel de Urgência (SAMU), foram infundidos 500 mL de ringer lactato. No

exame físico da paciente, obteve-se os seguintes resultados: FC = 110 bpm,

enchimento capilar = 6 segundos, PA = 100 x 70 mmHg, Glasgow = 15. Houve

normalização dos sinais vitais após a infusão de mais de 500 mL de solução

cristaloide no atendimento inicial. Os exames laboratoriais mostraram os

seguintes resultados: Hb = 10,5 g/dL (valor de referência: 12 a 14 g/dL), Ht =

31 % (valor de referência: 35 a 45 %), lactato = 2,8 mmol/L (valor de referên-

cia: < 2,0 mmol/L), INR = 1,0 (valor de referência: 0,8 a 1,2), fibrinogênio =

200 mg/dL (valor de referência: 185,0 a 400,0 mg/dL), plaquetas = 120

000/mm³ (valor de referência: 100 000 a 420 000/mm³). A tomografia com-

putadorizada do abdome com contraste endovenoso é mostrada na ima-

gem a seguir. Não foram evidenciadas outras lesões no abdome. Com base

na história clínica, nos dados do exame físico e na imagem da tomografia, a

conduta médica adequada é indicar:

195
A) laparotomia exploradora de urgência para tratamento da lesão
hepática.
B) controle clínico-laboratorial seriado e tratamento não operató-
rio.
C) angiografia e embolização para tratamento da lesão hepática.
D) laparoscopia de urgência para hemostasia da lesão hepática.

RESPOSTA: Belíssima questão do Revalida na qual estamos Diante de

um paciente que sofreu um acidente de trânsito, resultando em um trauma

abdominal contuso, a situação clínica se torna desafiadora. Após a restau-

ração adequada do volume sanguíneo do paciente, observamos a normali-

zação de seus sinais vitais. Uma tomografia de abdome contrastada revelou

um quadro de trauma hepático, com uma lesão vascular identificada no

lobo direito do fígado, indicada pelo contraste extravasando para o parên-

quima hepático.

196
Nesse contexto, a conduta a ser adotada para este paciente deve le-

var em consideração os avanços recentes em técnicas médicas, como a em-

bolização angiográfica. Notavelmente, esses avanços têm impactado subs-

tancialmente a necessidade de intervenções cirúrgicas em casos de lesões

hepáticas fechadas. Mesmo em casos de lesões graves, classificadas como

grau IV ou V, a angioembolização pode ser considerada uma opção terapêu-

tica viável, desde que o paciente se mantenha estável hemodinamicamente

e não apresente sinais de peritonite.

LEMBRAR: BLUSH ARTERIAL = EXTRAVASAMENTO DE CONTRASTE

Dessa forma,

• A) INCORRETA. A opção "a" está equivocada: Dado que o paciente man-

tém a estabilidade hemodinâmica, não apresenta sinais de peritonite

nem outras indicações cirúrgicas imediatas, a abordagem adequada se-

ria uma estratégia conservadora, incluindo a realização de arteriografia

197
seguida de angioembolização. A laparotomia seria recomendada apenas

em casos de instabilidade hemodinâmica, presença de peritonite, detec-

ção de outras lesões intracavitárias que requeiram intervenção cirúrgica,

ou na impossibilidade de realizar arteriografia.

• B) INCORRETA. Mesmo com a estabilidade hemodinâmica do paciente, a

presença de um sangramento ativo evidenciado pela tomografia requer

uma abordagem direta para controlar esse sangramento, em vez de sim-

plesmente observar o paciente. O acompanhamento clínico e laborato-

rial sequencial é mais apropriado para lesões de menor gravidade, que

não envolvem sangramento ativo.

• C) CORRETA. Correta a alternativa “c”: A presença de “blush” arterial (ex-

travasamento de contraste) tem indicação de angioembolização, com a

condição de que o paciente esteja estável hemodinamicamente.

• D) INCORRETA. Não é uma indicação formal para hemostasia hepática.

Gabarito: Letra C

Anotações

198
USP (2023)

Mulher, 33 anos, caiu do terceiro andar do prédio. No atendimento

pré-hospitalar, encontrava-se inconsciente, com FC de 120 bpm e PAS de

100 mmHg. Foi realizada entubação orotraqueal e infusão de 1.000 mL de

cristaloide e ácido tranexâmico. Na admissão no Serviço de Emergência en-

contrava-se:

I. Entubada, saturação de O₂: 97%;

II. MV presente e expansibilidade simétrica;

III. FC 130 bpm, PA: 80x50 mmHg;

IV. exame da bacia com sinais de instabilidade pélvica;

V. realizado FAST que evidenciou presença de líquido livre em to-

dos os quadrantes do abdome.

VI. sedada; escala de Coma de Glasgow 3;

VII. sem deformidades nos membros ou no dorso;

VIII. toque retal sem alterações.

199
Foi indicada a colocação de lençol para fechamento temporário do

anel pélvico e laparotomia exploradora. Identificado 1,8 L de sangue na ca-

vidade abdominal, decorrente da lesão hepática representada na figura a

seguir.

No intraoperatório apresentava lactato de 49, BE -6 e pH 7,31.

200
Qual das ilustrações abaixo representa a melhor conduta operatória?

A) B)

B) D)

RESPOSTA: Estamos diante de um cenário clínico envolvendo um pa-

ciente que sofreu uma queda de altura e apresenta trauma abdominal fe-

chado, juntamente com instabilidade hemodinâmica, mesmo após ter rece-

bido 1000 ml de solução de ringer lactato para reposição volêmica. A insta-

bilidade nesse caso tem múltiplas causas, sendo uma delas a fratura na

201
região da bacia, que foi tratada temporariamente com a imobilização por

meio de um lençol, e o trauma hepático, conforme identificado na imagem.

A abordagem ao trauma hepático em um paciente instável, que já

manifesta acidose metabólica (um elemento da tríade letal que inclui aci-

dose metabólica, hipotermia e coagulopatia), requer a adoção de uma es-

tratégia conhecida como cirurgia de controle de danos. Isso implica o em-

pacotamento do fígado e a realização de uma peritoneostomia. Após essa

intervenção, o paciente é encaminhado para a unidade de terapia intensiva

(UTI) para receber suporte clínico. Geralmente, após um período de 48 ho-

ras, é necessário uma nova abordagem cirúrgica para avaliação e cuidados

adicionais.

• A) INCORRETA. Nesta imagem, observamos a presença de uma sonda

com balão inflado, que se assemelha ao balão de Sengstaken-Blakemore

utilizado para controlar sangramentos de varizes esofágicas. Essa abor-

dagem pode ser considerada como uma opção viável quando lidamos

com casos de ferimento transfixante no fígado causado por disparo de

arma de fogo, onde há sangramento ativo. O objetivo do balão é aplicar

compressão na área afetada para controlar a hemorragia.

Por outro lado, em situações de trauma hepático fechado, como no ce-

nário em questão, a recomendação principal é o empacotamento do fí-

gado com compressas como medida terapêutica.

202
• B) INCORRETA. A Sutura primária da lesão hepática é uma conduta pos-

sível nos casos nos quais o paciente está estável hemodinamicamente.

• C) INCORRETA. A ligadura seletiva de vasos hepáticos é uma conduta

aceitável na presença de estabilidade hemodinâmica.

• D) CORRETA. Conforme mencionado anteriormente, em casos de

trauma hepático associado à instabilidade hemodinâmica, a recomen-

dação é a adoção da estratégia de cirurgia de controle de danos, tam-

bém conhecida como "damage control." Nesse contexto, o tratamento

específico consiste no empacotamento do fígado, realizado por meio do

uso de compressas.

Gabarito: Letra D

Anotações

203
Complicações após Trauma Hepático:

O trauma hepático pode resultar em uma série de complicações que

exigem tratamento especializado. Entre as complicações mais comuns es-

tão:

1. Abscesso Peri-hepático: Esta complicação envolve a formação de

um abscesso nas proximidades do fígado. O tratamento geralmente

envolve o uso de antibióticos e drenagem, que pode ser realizada

percutaneamente ou por meio de cirurgia.

2. Ruptura da Árvore Biliar com Formação de Biloma e/ou Vaza-

mento Biliar Persistente (Coleperitônio): Essa complicação se ma-

nifesta com dor abdominal, febre, taquicardia e leucocitose persis-

tentes. O tratamento bem-sucedido pode ser alcançado por meio de

colangiopancreatografia endoscópica retrógrada e colocação de

stent. No entanto, em alguns casos, pode ser necessária uma abor-

dagem cirúrgica laparoscópica para irrigar e drenar o abdômen, re-

movendo a bile que é irritante para o peritônio.

3. Complicações Isquêmicas Relacionadas à Angioembolização da

Artéria Hepática: Em alguns casos, a angioembolização da artéria

hepática pode levar a complicações isquêmicas, que podem exigir

desbridamento cirúrgico ou ressecção hepática.

4. Hemobilia: A hemobilia é uma complicação rara que ocorre após

trauma hepático. Ela envolve o sangramento na árvore biliar devido

204
a uma comunicação anormal entre a circulação esplâncnica e o trato

biliar. Geralmente, essa complicação se manifesta semanas a meses

após o trauma e apresenta sintomas como dor abdominal no hipo-

côndrio direito, hemorragia digestiva (melena/hematemese) e

icterícia, conhecida como a "Tríade de Sandblom" (ou Tríade de

Quincke, em algumas fontes). O diagnóstico da hemobilia é reali-

zado por meio de angiotomografia, não por endoscopia digestiva

alta. Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico, como hepatectomia

parcial ou ligadura da artéria hepática, era realizado em casos sinto-

máticos. No entanto, atualmente, a arteriografia com embolização da

artéria hepática é considerada o padrão-ouro, com taxas de sucesso

de controle de sangramento variando de 80% a 100% e baixos índices

de morbidade e mortalidade.

Outras Causas de Hemobilia: Além do trauma hepático, a hemobilia

pode ser causada por várias outras situações, como instrumentação re-

cente do parênquima hepático ou do trato biliar (por exemplo, biópsia he-

pática, colangiografia transparieto-hepática), procedimentos médicos como

colecistectomia, biópsias biliares endoscópicas, colocação de stent ou TIPS

(shunt intra-hepático transjugular), tumores hepáticos ou de ducto biliar,

205
Fluxograma 6

stents intra-hepáticos, aneurismas da artéria hepática e abscessos hepáti-

cos. Em todos esses casos, a hemobilia pode ser uma complicação grave

que requer avaliação e tratamento especializados.

4.16 Trauma da via biliar extra hepática

A via biliar extra-hepática consiste nos ductos hepáticos (direito, es-

querdo e comum) e no ducto biliar comum (colédoco). Lesões nessa estru-

tura apresentam alta morbidade e podem ser desafiadoras de resolver ci-

rurgicamente. É fundamental compreender que qualquer tentativa de re-

paro dessas lesões deve ser seguida pela inserção de um dreno, uma vez

que a incidência de estenose cicatricial é considerável na ausência desse

cuidado.

Em pacientes em estado crítico, uma opção pode ser a ligadura sim-

ples do ducto, adiando a correção cirúrgica definitiva para uma segunda

intervenção, quando o paciente estiver mais estável

206
.Nos casos de pacientes estáveis com lesões menores que não envol-

vem mais de 50% da circunferência do ducto, o reparo primário (sutura da

lesão) é uma abordagem viável.

No entanto, mesmo nesses casos, é crucial seguir a sutura com a co-

locação de um dreno em T (tipo Kehr) para garantir um adequado escoa-

mento da bile e prevenir complicações.

Para lesões mais extensas que envolvem transecções e perdas de te-

cido significativas, é necessária uma anastomose biliodigestiva, geralmente

uma hepaticojejunostomia em Y de Roux. Nesse procedimento, o segmento

ductal remanescente é cuidadosamente anastomosado diretamente na pa-

rede do intestino delgado, permitindo o fluxo adequado da bile.

Mesmo com todos esses cuidados, aproximadamente metade dos

pacientes desenvolve estenose na via biliar após um período variável, e essa

complicação é a principal causa de óbitos tardios após lesões na via biliar

extra-hepática.

No caso de lesões na vesícula biliar, a abordagem preferencial é a

colecistectomia, a remoção cirúrgica da vesícula biliar. Em pacientes em es-

tado crítico com pequenas lacerações, pode ser empregada a sutura lateral

usando fios absorvíveis. O tratamento adequado das lesões na via biliar e

da vesícula biliar é essencial para prevenir complicações graves e melhorar

os resultados clínicos dos pacientes.

207
4.17 Trauma gástrico

Os traumas penetrantes são uma das principais causas de lesões gás-

tricas. Por outro lado, as lesões contusas no estômago são consideradas

raras e geralmente ocorrem devido à ruptura da parede gástrica causada

por um aumento súbito da pressão intraluminal devido a forças externas.

Essas lesões contusas costumam estar associadas a traumas no fígado,

baço e pâncreas, e apresentam um alto índice de mortalidade.

As lesões gástricas, quando presentes, geralmente podem ser identi-

ficadas por meio do exame físico, levando em consideração a localização da

lesão, bem como a presença de peritonite. O tratamento das lesões gástri-

cas pode variar de desbridamento e sutura simples das lesões até mesmo

uma gastrectomia parcial ou total, dependendo da extensão da lesão e do

estado do paciente.

Vale mencionar que, diferentemente de outras classificações de trau-

mas, como os traumas hepáticos e esplênicos, a classificação das lesões

gástricas não costuma ser um foco comum em exames e provas. No en-

tanto, é importante ter conhecimento sobre essa classificação para uma

compreensão mais abrangente das lesões traumáticas.

208
GRAU AAST DESCRIÇÃO DA LESÃO

Hematoma intramural < 3cm;


I
Laceração de espessura parcial
Hematoma intramural ≥ 3cm;
II
Laceração pequena (< 3cm)
III Laceração grande (> 3cm)

IV Grande laceração envolvendo vasos com curvatura maior ou menor

V Ruptura extensa (> 50%); estômago desvascularizado


Tabela 10

4.18 Trauma duodenal

O duodeno, uma parte crucial do sistema digestivo, tem aproximada-

mente 20 cm de comprimento e encontra-se principalmente no retroperi-

tônio. Sua anatomia é notável devido à presença do arco duodenal, que

abriga o processo uncinado e a cabeça do pâncreas, estabelecendo uma

relação íntima entre esses órgãos. Embora faça parte do intestino delgado,

em situações de trauma abdominal, o duodeno é frequentemente conside-

rado separadamente devido a essas características peculiares.

Devido à sua posição retroperitoneal, o duodeno é afetado em ape-

nas 3% a 5% dos casos de trauma abdominal. Na maioria dos pacientes, as

lesões duodenais estão associadas a danos em outros órgãos intra-abdo-

minais. Cerca de 75% das lesões duodenais resultam de traumas

209
penetrantes, sendo que colisões de veículos automobilísticos sem o uso de

cinto de segurança são responsáveis pela maioria dos traumas fechados.

Nesses casos, ocorre um impacto na região epigástrica contra o volante,

frequentemente levando à ruptura do duodeno.

Outro cenário clássico, principalmente em crianças, envolve aciden-

tes de bicicleta que resultam em traumas abdominais causados pelo gui-

dão. No trauma fechado, o diagnóstico é desafiador e muitas vezes tardio,

o que agrava o prognóstico. Isso se reflete na taxa de mortalidade, que é de

aproximadamente 11% para pacientes submetidos a cirurgia nas primeiras

24 horas e 40% para aqueles operados após 24 horas.

Ao suspeitar de trauma duodenal, é fundamental observar si-

nais e sintomas de retropneumoperitônio durante o exame clínico,

como dor lombar e nos flancos, com irradiação até o escroto, bem

como crepitação ao toque retal. Em casos de contusão abdominal é co-

mum a sintomatologia de obstrução intestinal, e a lesão duodenal frequen-

temente causa um aumento nos níveis de amilase em cerca de metade dos

casos. Já nos casos de laceração duodenal o quadro típico geralmente é

compatível com retropneumoperitônio.

Os sinais radiológicos de lesão duodenal incluem discreta escoliose,

apagamento da sombra do psoas, ausência de ar no bulbo duodenal e pre-

sença de ar no retroperitônio delineando os rins, o que contrasta com a

cápsula renal.

210
Um achado radiológico incomum, mas característico, é o hematoma

duodenal, no qual o acúmulo de sangue na parede cria uma imagem seme-

lhante a uma "mola em espiral" ou um "empilhamento de moedas" durante

um exame contrastado. Essa condição é geralmente resultado de contusão

abdominal.

Na maioria das lesões duodenais, com exceção do hematoma de pa-

rede, há extravasamento de contraste da alça durante procedimentos de

seriografia ou tomografia computadorizada do abdome.

O tratamento das lesões traumáticas no duodeno depende da

extensão, profundidade da lesão e do tempo de evolução da mesma.

Aproximadamente 80% a 85% das lesões necessitam apenas de reparo pri-

mário, enquanto nos casos restantes, os cirurgiões podem precisar de pro-

cedimentos mais complexos.

• Lesões simples do duodeno, classificadas como graus I e II, com menos

de seis horas de evolução, podem ser tratadas com sutura simples e re-

forço com omento, o que resulta em baixas taxas de formação de fístu-

las. No entanto, para lesões que evoluíram por mais de seis horas, é ne-

cessária a descompressão duodenal, que pode ser realizada através da

inserção de uma sonda nasogástrica transpilórica (guiada por endosco-

pia digestiva alta), jejunostomia ou duodenostomia.

211
• Lesões grau III envolvem o reparo primário do duodeno, seguido por ci-

rurgia de exclusão pilórica, gastroenteroanastomose e drenagem, co-

nhecida como cirurgia de Vaughan.

• O tratamento das lesões grau IV, que afetam a maior parte da segunda

porção do duodeno, a ampola de Vater e o colédoco distal, é complexo

e envolve o reparo do duodeno e do colédoco (ducto biliar comum), com

a colocação de um tubo em T sempre que o colédoco é reparado. Uma

alternativa é a realização de coledocoenterostomia, que é a anastomose

direta do colédoco com a alça intestinal, após o reparo das lesões duo-

denais e do ducto biliar comum.

• Em casos graves, classificados como grau V, nos quais há extenso com-

prometimento do complexo duodenopancreático ou desvascularização

do órgão, a duodenopancreatectomia é recomendada.

No entanto, o tratamento do hematoma duodenal é conservador,

sem intervenção cirúrgica. Envolve repouso intestinal, uso de sonda naso-

gástrica, e suporte nutricional parenteral. Normalmente, o hematoma se

resolve em um período de 10 a 15 dias.

Anotações

212
GRAU ASPECTO TOMOGRÁFICO
AAST
Hematoma envolvendo uma única porção do duodeno ou Laceração de es-
I
pessura parcial, sem perfuração

Hematoma envolvendo mais de uma porção ou Ruptura < 50% da circun-


ll
ferência

Ruptura de 50 a 75% da circunferência da segunda porção ou Ruptura da


lll
circunferência de 50 a 100% da primeira, terceira e quarta porções.

Ruptura > 75% da circunferência da segunda porção ou envolvendo am-


IV
pola ou ducto biliar distal

Laceração maciça com ruptura do complexo duodenopancreá co ou Des-


V
vascularização do duodeno
Tabela 11

4.19 Trauma de intestino delgado

O intestino delgado é um órgão altamente vulnerável a lesões trau-

máticas na cavidade abdominal. Ele é o órgão mais frequentemente afe-

tado em traumas penetrantes por arma de fogo, representando cerca

de 50% dos casos, e é o segundo órgão mais afetado em ferimentos por

arma branca, ocorrendo em aproximadamente 30% dos casos.

213
As lesões contusas no intestino delgado e no mesentério geralmente

resultam de mecanismos como esmagamento, ruptura, desaceleração

brusca ou cisalhamento. Isso ocorre quando estruturas, tanto fixas quanto

não fixas no corpo, sofrem movimentos em sentidos opostos, levando ao

estiramento próximo a um ponto de fixação visceral. Essas lesões são fre-

quentemente associadas ao uso inadequado do cinto de segurança em aci-

dentes de trânsito.

Figura 39 - Exemplo do sinal do cinto segurança.

É importante observar que lesões no mesentério do intestino del-

gado podem resultar em desvascularização e necrose subsequente, mesmo

na ausência de lesões diretas no tecido intestinal. Isso é conhecido como

"lesão em alça de balde".

Em casos de suspeita de lesão no intestino delgado ou mesentério

devido a mecanismos de trauma e sinais clínicos sugestivos, mesmo que a

214
tomografia inicial não revele anormalidades, é aconselhável manter o paci-

ente internado para observação clínica.

Sinais como equimoses lineares e transversais (sinal do cinto de se-

gurança) ou uma fratura transversal lombar com desvio (fratura de Chance)

detectada em radiografias podem indicar a presença de lesão intestinal.

A presença de líquido livre na cavidade abdominal, especialmente vi-

sível em exames de tomografia, na ausência de lesões em órgãos maciços,

também pode ser um indicativo de lesão intestinal.

O tratamento das lesões pode variar de suturas simples para lesões

pequenas a enterectomia com anastomose primária, especialmente em ca-

sos de lesões consecutivas próximas umas das outras ou quando mais de

50% da circunferência da alça intestinal está afetada. A drenagem da cavi-

dade abdominal não é indicada nas enterectomias com anastomose devido

à mobilidade intestinal.

Em casos de diagnóstico tardio de lesões intestinais, quando as bor-

das da ferida estão friáveis e com baixa perfusão sanguínea, há um alto

risco de deiscência se suturadas primariamente. Nessas situações, a con-

duta recomendada é a ressecção (enterectomia) e anastomose primária.

Em cenários de controle de danos, pequenas lesões podem ser tra-

tadas com o fechamento rápido das perfurações para controlar a

215
contaminação. Para lesões maiores, a ressecção sem anastomose é prefe-

rida devido ao risco de deiscência e à necessidade de intervenção rápida.

Em reabordagens cirúrgicas, geralmente após 48 horas, o trânsito intestinal

deve ser restabelecido.

GRAU DESCRIÇÃO DA LESÃO

AAST

Contusão ou hematoma sem desvascularização; laceracão de espes-


I
sura parcial

II Pequena laceracão (< 50% da circunferência)

III Laceracão grande (≥ 50% da circunferência) sem transecção

IV Transecção

Transecção com perda de tecido segmentar; segmento desvasculari-


V
zado
Tabela 12

4.20 Trauma de cólon e reto

As lesões do cólon e reto são frequentemente causadas por traumas

penetrantes na região abdominal. Em particular, o cólon é afetado em cerca

de 36% a 40% dos casos de lesões colorretais resultantes de traumas, fre-

quentemente associados a ferimentos por armas de fogo. Além disso, o

reto pode ser lesionado devido a diferentes causas, como lacerações cau-

sadas por espinhas ósseas, que geralmente estão relacionadas a fraturas

216
graves na região pélvica, empalamento, introdução de corpos estranhos ou

manipulação instrumental.

É relevante notar que, em traumas abdominais fechados, nos quais

não há penetração da parede abdominal, as lesões no cólon e reto são me-

nos comuns, ocorrendo em menos de 1% dos casos. No entanto, quando

ocorrem, essas lesões têm uma taxa de mortalidade considerável, atingindo

cerca de 16,1%.

A gestão adequada das lesões colorretais requer intervenção cirúr-

gica precoce e técnicas cirúrgicas apropriadas. É crucial que a cirurgia seja

realizada o mais rapidamente possível, idealmente dentro das primeiras

duas horas após o trauma, para reduzir o risco de complicações infecciosas

e melhorar as chances de recuperação do paciente.

Diferentes segmentos do intestino grosso podem ser afetados por

essas lesões, com o cólon transverso sendo o mais frequentemente en-

volvido, seguido do cólon direito, ceco, cólon esquerdo, sigmoide e reto.

Isso ocorre porque o cólon transverso possui características anatômicas

que o tornam mais suscetível a lesões, como sua mobilidade, extensão e

posição anterior e transversal na cavidade abdominal.

É importante destacar que, embora parte do cólon seja retroperito-

neal (localizada na parede posterior do cólon direito e esquerdo), lesões

nessa região muitas vezes levam a sinais clínicos de peritonite, exigindo

217
uma cirurgia de laparotomia imediata. O mesmo se aplica ao comprometi-

mento do segmento peritonizado do reto, que está localizado na parede

anterior do terço proximal. No entanto, a abordagem varia quando há en-

volvimento da porção extraperitoneal do reto.

O tratamento das lesões que afetam o cólon e o reto proximal pode

incluir diversas abordagens, dependendo da gravidade da lesão e do estado

clínico do paciente. As opções de tratamento incluem reparo primário (su-

turar a lesão), ressecção do segmento afetado com anastomose primária

(realizada durante a mesma cirurgia), anastomose primária tardia ou colos-

tomia (com fechamento do coto retal ou criação de uma fístula mucosa)

com subsequente reconstrução do trânsito intestinal em uma segunda ci-

rurgia.

Para optar pelo reparo primário, o cirurgião deve considerar os

seguintes critérios:

• Comprometimento de menos de 50% da circunferência da alça intesti-

nal.

• Estabilidade hemodinâmica do paciente.

• Diagnóstico precoce, dentro das primeiras 4 a 6 horas após o trauma.

• Ausência de lesão vascular no cólon.

• Necessidade de menos de seis unidades de concentrado de hemácia du-

rante a reanimação do paciente.

218
No entanto, em casos em que o paciente não atende a todos esses

critérios e está hemodinamicamente estável, a ressecção da porção do có-

lon afetada, seguida de anastomose primária, pode ser considerada.

Quando o paciente está hipotenso ou em choque, a realização de

uma anastomose primária representa um risco significativo de deiscência

(falha na cicatrização da anastomose). Nessas situações, o cirurgião pode

optar por ressecar o segmento do cólon afetado, deixando o trato gastroi-

ntestinal em descontinuidade. Após a estabilização hemodinâmica do paci-

ente e a normalização da pressão arterial, uma anastomose definitiva pode

ser realizada em um segundo momento, conhecida como anastomose pri-

mária tardia. Outra opção nessas circunstâncias é a criação de uma colos-

tomia com posterior reconstrução do trânsito intestinal em uma segunda

cirurgia.

No caso de lesões retais intraperitoneais, os mesmos princípios e cri-

térios podem ser aplicados. Muitos cirurgiões optam por criar uma colosto-

mia proximal de proteção em pacientes candidatos ao reparo primário. Isso

envolve a criação de uma colostomia temporária para evitar que as fezes

interfiram na cicatrização da sutura.

Por fim, quando há comprometimento da porção extraperitoneal do

reto, o cirurgião realizará o reparo primário, desbridamento e drenagem

219
pré-sacral (embora a drenagem pré sacral ainda seja uma conduta contro-

versa, é preconizada pelo Sabiston). Isso inclui a colocação de um dreno de

Penrose (um tipo de dreno de látex) através do períneo, descolando o plano

pré-sacro. Nesses casos, é fundamental realizar uma derivação fecal com a

criação de uma colostomia proximal de proteção.

ESTRUTURA LESIONADA GRAU DESCRIÇÃO DA LESÃO

Contusão ou hematoma; laceração de espessura


I
parcial

II Pequena laceração (< 50% da circunferência)

Cólon III Laceração grande (≥ 50% da circunferência)

IV Transeção

Transeção com perda de tecido; segmento des-


V
vascularizado

Contusão ou hematoma; laceração de espessura


I
parcial

II Pequena laceração (< 50% da circunferência)

Retossigmoide e reto III Laceração grande (≥ 50% da circunferência)

Laceração de espessura total com extensão peri-


IV
neal

V Segmento desvascularizado
Tabela 13

220
Dessa forma, podemos resumir de forma didática o tratamento do

trauma colorretal a partir da tabela abaixo:

TRAUMA COLORRETAL Procedimento

Lesão < 50% da circun- Desbridamento e sutura primária da lesão.

ferência

Lesão > 50% da circun- Ressecção do segmento afetado e anastomose primária,

ferência sem colostomia de proteção.

• Comorbidades significativas.

• Necessidade de mais de 6 unidades de transfusão de

Condições desfavorá- sangue.

veis para anastomose • Estado de choque.

• Atraso na operação (> 4 a 6 horas).

• Contaminação fecal pesada.

Condições desfavorá- Ressecção da lesão e criação de uma colostomia (procedi-

veis para anastomose mento de Hartmann ou fístula mucosa). Alguns autores po-

(continuação) dem optar por exteriorizar a lesão (mas não é consenso).

Derivação fecal com colostomia em alça de proteção. Pode


Lesão de reto extraperi-
ser realizada sutura primária e drenagem pré-sacral em al-
toneal
guns casos.
Tabela 14

221
4.21 Trauma de pâncreas

O trauma pancreático é uma condição relativamente rara devido à

localização retroperitoneal do pâncreas, que o torna menos suscetível a le-

sões no trauma abdominal.

Para entender as implicações do trauma pancreático, é útil dividir o

órgão em suas porções proximal e distal. A porção proximal inclui a cabeça

e o processo uncinado, situados à direita da veia mesentérica superior, em

estreita relação com o duodeno e o ducto colédoco. A porção distal é com-

posta pelo corpo e cauda do pâncreas, localizados à esquerda da veia me-

sentérica superior, em proximidade com o baço e os vasos esplênicos.

Figura 40 - Anatomia pancreática e sua relação com as vísceras adjacentes. Fonte: Pancreapedia

222
O comprometimento do pâncreas proximal no trauma frequente-

mente está associado a lesões no duodeno, principalmente nas 2ª e 3ª por-

ções. Por outro lado, as lesões no corpo e na cauda do pâncreas podem

estar acompanhadas de envolvimento do hilo esplênico.

As causas mais comuns de trauma pancreático incluem acidentes au-

tomobilísticos e ferimentos por armas de fogo. Segundo dados do NTDB

(National Trauma Data Bank), a mortalidade decorrente de lesões pancreá-

ticas é de aproximadamente 23,4% para traumas fechados e 30,2% para

traumas penetrantes. O reconhecimento tardio das lesões pancreáticas, de-

vido à sua complexidade diagnóstica, contribui para esses números ainda

elevados.

Em casos de trauma abdominal contuso, o envolvimento do pâncreas

pode ocorrer devido ao impacto direto no abdome ou à compressão do ór-

gão entre uma estrutura rígida, como o volante ou o cinto de segurança, e

a coluna vertebral. Nestes casos, frequentemente encontramos lesões em

outras vísceras sólidas, como o fígado e o baço, além de envolvimento de

vísceras ocas, especialmente o duodeno.

No trauma penetrante, o mecanismo da lesão depende do agente

agressor, seja uma arma branca ou arma de fogo. Objetos contundentes

causam trauma direto no órgão, com a ferida geralmente localizada na

parte superior do abdome. Por outro lado, lesões pancreáticas por arma de

fogo podem ocorrer tanto por lesão direta quanto por ondas de choque

223
propagadas durante a passagem da bala. Nesses casos, lesões em estrutu-

ras vasculares importantes, como a aorta, a veia cava inferior e a veia porta,

são encontradas em 75% dos casos.

Devido ao alto número de pacientes com lesões graves em outras

regiões, a laparotomia geralmente é indicada na maioria dos casos, e a le-

são pancreática é diagnosticada durante a cirurgia.

Identificar o comprometimento do pâncreas em vítimas de trauma

abdominal contuso, que inicialmente não apresentam indicação de laparo-

tomia, é frequentemente um desafio. A tomografia computadorizada abdo-

minal com contraste rápido ainda é o exame de imagem de escolha, mas

possui uma sensibilidade relativamente baixa, em torno de 60 a 80%. Em

casos duvidosos, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

tem sido utilizada em alguns centros médicos, principalmente para avaliar

o ducto pancreático.

Embora o aumento nos níveis de amilase sérica tenha uma boa sen-

sibilidade para o trauma pancreático, sua especificidade é menos clara. É

importante lembrar que níveis elevados de amilase também podem estar

presentes em outras condições relacionadas ao trauma, como sangra-

mento decorrente de trauma cranioencefálico, lesões no duodeno e no in-

testino delgado.

224
O tratamento das lesões pancreáticas geralmente é cirúrgico. Após a

exposição adequada de todo o órgão, as possíveis lesões são identificadas.

A presença ou ausência de envolvimento do ducto pancreático principal e a

localização da lesão no parênquima são os principais fatores que determi-

nam a abordagem a ser seguida.

Para lesões de grau I e lesões de grau II sem laceração do parên-

quima, a abordagem é conservadora, com observação clínica. Em lesões de

grau II com laceração do parênquima, é realizado desbridamento seguido

de hemostasia local e drenagem. Os drenos são geralmente retirados após

sete a dez dias, quando a dieta oral pode ser reiniciada.

Para lesões de grau III com envolvimento do ducto pancreático prin-

cipal, a abordagem é mais agressiva. Em lesões distais, localizadas na região

corpocaudal, à esquerda dos vasos mesentéricos superiores, é realizada

uma pancreatectomia distal, com ou sem esplenectomia em pacientes ins-

táveis, para reduzir o tempo cirúrgico. No entanto, em pacientes estáveis,

especialmente na ausência de lesões graves em outros sistemas, o cirurgião

deve tentar preservar o baço. A pancreatectomia corpocaudal permite a re-

moção do tecido pancreático desvitalizado e a ligação do ducto pancreático

principal, reduzindo significativamente o risco de fístula pancreática pós-

operatória. No entanto, a drenagem ainda é necessária, uma vez que a fís-

tula pode se desenvolver em direção a grandes vasos abdominais, o que

seria um evento catastrófico.

225
Lesões localizadas na porção proximal do pâncreas, de graus IV e V,

requerem tratamento mais complexo. Nessa região, o pâncreas comparti-

lha sua vascularização com o duodeno e o colédoco distal. Portanto, a res-

secção da cabeça do pâncreas geralmente envolve a ressecção do duodeno

e da porção distal do colédoco, um procedimento conhecido como duode-

nopancreatectomia (cirurgia de Whipple). Este é um procedimento de

grande porte e, portanto, apresenta um risco aumentado de morbimortali-

dade, especialmente em vítimas de politrauma.

Portanto, a abordagem inicial para lesões pancreáticas geralmente

envolve hemostasia do parênquima pancreático e drenagem ampla. A duo-

denopancreatectomia é reservada para casos de hemorragia de difícil con-

trole, lesões graves no duodeno e no pâncreas, bem como destruição signi-

ficativa da cabeça do pâncreas.

Anotações

226
Abaixo, resumimos os aspectos tomográficos das lesões pancreáti-
cas com os respectivos tratamentos:

GRAU ASPECTO TOMOGRÁFICO TRATAMENTO

Contusão menor sem lesão

I ductal ou Laceração super- Observação

ficial sem lesão ductal

Contusão maior sem lesão


Contusão: observação Laceração: desbri-
ductal ou perda tecidual ou
II damento e ampla drenagem com sucção
Laceração maior sem lesão
fechada
ductal ou perda tecidual

Transecção distal ou lesão


Pancreatectomia distal e ampla drena-
III parenquimatosa com lesão
gem com sucção fechada
ductal

Desbridamento e ampla drenagem com

Transecção proximal ou le- sucção fechada (jejunostomia alimentar)

IV são parenquimatosa envol- Envolvimento de ampola/duodeno: duo-

vendo ampola denopancreatectomia (Whipple) Con-

trole de danos

Desbridamento e ampla drenagem com

sucção fechada (jejunostomia alimentar)


Destruição maciça da ca-
V Envolvimento de ampola/duodeno: duo-
beça do pâncreas
denopancreatectomia (Whipple) Con-

trole de danos
Tabela 15

227
Fluxograma 7

4.22 Trauma vascular abdominal

O trauma abdominal pode resultar em lesões vasculares significati-

vas, especialmente quando se trata de feridas penetrantes. Essas lesões fre-

quentemente ocorrem nos grandes vasos abdominais, que estão predomi-

nantemente localizados no retroperitôneo e nos mesentérios intestinais. O

manejo dessas lesões é crucial para evitar complicações graves.

Em casos de trauma abdominal penetrante, as lesões vasculares são

relativamente comuns. Geralmente, essas lesões resultam de feridas cau-

sadas por armas de fogo ou objetos cortantes. Pacientes com essas lesões

podem não apresentar instabilidade hemodinâmica inicialmente, devido ao

possível tamponamento do sangramento pelo tecido retroperitoneal.

228
O diagnóstico das lesões vasculares abdominais em pacientes está-

veis pode ser realizado por meio de uma tomografia abdominal com con-

traste endovenoso. Esse exame pode mostrar o extravasamento de con-

traste, o que indica uma lesão vascular. No entanto, muitas vezes, a iden-

tificação ocorre durante uma laparotomia indicada por outros motivos,

como ferida penetrante por arma de fogo.

Além disso, é fundamental considerar a localização e a gravidade dos

hematomas abdominais ao abordar lesões vasculares e traumas na região

abdominal. Os hematomas podem se formar em diferentes áreas do ab-

dome, cada um associado a causas específicas e exigindo diferentes abor-

dagens clínicas.

Anotações

229
Figura 41 - Zonas de hematomas retroperitoneais. Fonte: Sabiston

Hematomas da zona 1: Os hematomas localizados na linha média

do abdome são frequentemente causados por lesões na aorta ou em seus

ramos principais, como o tronco celíaco, a artéria mesentérica superior e a

porção proximal da artéria renal. Essas lesões são consideradas graves e

230
demandam uma abordagem cirúrgica imediata no momento do diagnós-

tico. É importante destacar que a natureza do trauma que levou à formação

do hematoma, seja uma ferida penetrante ou uma contusão abdominal,

não altera a necessidade de intervenção cirúrgica imediata.

Hematomas da zona 2: Os hematomas localizados na região renal

estão posicionados em torno da loja renal e podem resultar de lesões nos

vasos renais ou no parênquima renal. Quando um hematoma é causado

por uma lesão abdominal penetrante, é imperativo que ele seja explorado

cirurgicamente. No entanto, em casos de trauma abdominal contuso, se o

hematoma tiver sido diagnosticado durante uma laparotomia ou identifi-

cado em exames complementares, geralmente não é necessário explorá-lo

cirurgicamente, a menos que haja um aumento significativo em seu volume

ou evidência de sangramento ativo.

Hematomas da zona 3: Os hematomas na região pélvica correspon-

dem à área da pelve e podem ser resultado de lesões nos vasos ilíacos (co-

mum, interno ou externo) ou de fraturas pélvicas, que são a causa mais co-

mum. Em geral, esses hematomas não devem ser explorados cirurgica-

mente, uma vez que a tentativa de descomprimir a coleção sanguínea pode

levar a um sangramento intenso, frequentemente fatal. Uma exceção a essa

regra ocorre em situações raras em que a coleção de sangue na região pél-

vica é determinada por uma ferida abdominal.

231
No que se refere ao tratamento das lesões vasculares, este depende

do estado clínico do paciente e da localização da lesão. Para pacientes es-

táveis, sem indicação imediata de laparotomia, a abordagem endovascular

é uma opção. Métodos endovasculares, como a colocação de stents ou oclu-

são do vaso, podem ser utilizados para controlar a hemorragia e reparar a

lesão. Essas abordagens estão associadas a uma menor mortalidade peri-

operatória.

Já nos casos em que o tratamento cirúrgico é necessário, os princí-

pios básicos da cirurgia vascular são seguidos. Isso inclui uma exposição

adequada dos vasos sanguíneos com controle proximal e distal, reparo cui-

dadoso da lesão vascular para manter a patência do vaso e a possibilidade

de uso de enxertos autólogos ou materiais sintéticos. Além disso, a cober-

tura dos vasos com tecido é essencial para evitar infecções.

Manobras Cirúrgicas Importantes

Durante a cirurgia para tratar lesões vasculares abdominais, são rea-

lizadas várias manobras cirúrgicas importantes para expor os vasos retro-

peritoneais. Essas manobras incluem:

Manobra de Mattox: Rotaciona as estruturas viscerais para a linha

média, expondo a aorta e seus principais ramos.

232
Manobra de Kocher (Estendida): Reflete o cólon direito e o duodeno

em direção à linha média, permitindo o acesso aos segmentos infra-hepáti-

cos da veia cava inferior, à aorta supracelíaca e à origem da artéria mesen-

térica superior.

Manobra de Cattel Braasch: Descola o mesentério delgado até o

ligamento duodenojejunal, refletindo o delgado e o cólon em direção à re-

gião inferior do tórax, proporcionando a visualização mais ampla do retro-

peritôneo.

O manejo adequado das lesões vasculares abdominais é essencial

para evitar complicações e garantir a recuperação do paciente após um

trauma abdominal significativo.

4.23 Cirurgia para controle de danos

No contexto do trauma abdominal, a Cirurgia para o Controle de

Dano (CCD), também conhecida como "damage control," emerge como uma

abordagem crucial para casos graves que envolvem lesões multiorgânicas

e perdas volumosas de sangue. Pacientes politraumatizados com lesões

abdominais graves frequentemente apresentam sangramento significativo,

exigindo procedimentos cirúrgicos complexos e demorados.

A laparotomia prolongada expõe esses indivíduos a condições ambi-

entais no centro cirúrgico, o que pode desencadear ou agravar a

233
hipotermia. A hipotermia, por sua vez, contribui para a disfunção plaquetá-

ria e uma maior perda de sangue. A hipotensão ou mesmo o choque, a aci-

dose metabólica e a necessidade adicional de transfusão sanguínea são

consquências esperadas desses cenários.

A CCD envolve uma abordagem cirúrgica inicial abreviada, com ên-

fase no rápido controle vascular, seja por ligadura, tamponamento com

compressas ou embolização angiográfica. Além disso, durante essa fase ini-

cial, são realizadas ressecções ou suturas de lesões orgânicas para atenuar

a contaminação peritoneal, sem a realização de anastomoses ou reconstru-

ções complexas. Após essa etapa inicial, o abdome é temporariamente fe-

chado ou mantido em peritoneostomia, onde a parede abdominal não é

fechada, mas sim protegida com o uso de barreiras plásticas. O paciente é,

então, transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Durante as 48 a 72 horas de cuidados intensivos na UTI, a hipotermia

é corrigida, assim como as alterações na temperatura corporal, distúrbios

metabólicos, desequilíbrios hemodinâmicos e disfunções na coagulação.

Nesse período de internação na UTI, os cirurgiões devem monitorar de

perto os pacientes quanto a possíveis elevações na pressão intra-abdomi-

nal e o desenvolvimento da síndrome compartimental do abdome.

Após essa fase de cuidados intensivos, o paciente retorna ao centro

cirúrgico para a realização do reparo definitivo das lesões, por meio de uma

reoperação planejada.

234
Em resumo, a cirurgia de controle de danos (CCD) tem como objetivo

principal conter a hemorragia, limitar a contaminação, manter o fluxo san-

guíneo adequado para os órgãos vitais e as extremidades e ser conduzida

de forma rápida e eficaz. Evitar a tríade letal composta por acidose me-

tabólica, hipotermia e coagulopatia é fundamental nessa abordagem.

Após o controle da hemorragia e da contaminação, o abdome é mantido

aberto temporariamente ou em peritoneostomia, e o paciente é cuidadosa-

mente estabilizado na UTI.

A CCD desempenha um papel essencial no tratamento de pacientes

com lesões abdominais graves, especialmente em casos de trauma abdo-

minal penetrante, onde a hipotensão permissiva e a gestão adequada dos

hemoderivados são aspectos fundamentais, lembrando sempre das contra-

indicações em pacientes com traumatismo cranioencefálico.

Dessa forma, é importante lembrar as etapas da cirurgia para con-

trole do dano:

CIRURGIA PARA CONTROLE DO DANO (TRÊS ETAPAS)

Laparotomia abreviada.

Tratamento clínico em UTI.

Reoperação planejada

235
4.24 Síndrome compartimental abdominal

A Síndrome de Compartimento Abdominal (SCA) é uma condição de-

corrente da elevação da Pressão Intra-Abdominal (PIA). Em vítimas de poli-

trauma com acometimento grave do abdome, vários fatores podem contri-

buir para o aumento da PIA, incluindo:

Reposições Volumosas: Durante a fase de reanimação, a adminis-

tração de grandes volumes de fluidos pode resultar na transudação de lí-

quidos para a cavidade abdominal e no edema das alças intestinais.

Ascite: O acúmulo de fluido na cavidade abdominal devido a condi-

ções médicas, como cirrose hepática, também pode elevar a PIA.

Hematomas Volumosos: Hematomas de grande tamanho na cavi-

dade abdominal, resultantes de lesões traumáticas, podem ocupar espaço

e aumentar a pressão dentro do abdome.

A presença de compressas utilizadas para controlar sangramento du-

rante a cirurgia pode contribuir para o aumento da PIA, especialmente

quando não há um fechamento adequado da parede abdominal.

236
A avaliação da PIA é fundamental no acompanhamento de pacientes

submetidos à CCD (Cirurgia para o Controle de Dano) e é um momento crí-

tico durante a permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Dito isso,

é importante ressaltar que o valor normal da PIA em um adulto saudável

está geralmente na faixa de 5 a 7 mmHg. A hipertensão intra-abdomi-

nal é diagnosticada quando os níveis de PIA excedem ou igualam a 12

mmHg.

Aqui está uma tabela com os graus de hipertensão intra-abdominal:

Grau Pressão Intra-Abdominal (PIA) em mmHg

I 12 – 15

II 16 – 20

III 21 – 25

IV > 25
Tabela 16

Consideramos que um paciente está desenvolvendo a SCA

quando seus níveis de PIA atingem valores acima de 20 mmHg (graus

III e IV) e estão associados à disfunção de um ou mais órgãos. Essa con-

dição é crítica e requer tratamento imediato, pois pode levar a complicações

graves e potencialmente fatais se não for adequadamente gerenciada.

237
Portanto, o monitoramento rigoroso da PIA é essencial em pacientes

submetidos a procedimentos cirúrgicos abdominais complexos, especial-

mente aqueles com lesões traumáticas graves.

Abaixo, discutiremos as principais consequências da SCA em relação

às alterações abdominais, pulmonares, cardiovasculares, renais, intestinais

e neurológicas.

Alterações Abdominais:

Distensão Abdominal: A elevação da PIA causa uma distensão abdo-

minal perceptível. Isso ocorre devido à compressão dos órgãos intra-abdo-

minais, o que pode levar à dificuldade respiratória, desconforto e dor abdo-

minal intensa.

Alterações Pulmonares:

Restrição Respiratória: O aumento da PIA eleva o diafragma, limi-

tando a expansão dos pulmões durante a respiração. Isso resulta em res-

trição respiratória, diminuição dos volumes pulmonares e redução da com-

placência pulmonar.

Hipoventilação: Pacientes ventilados mecanicamente podem experi-

mentar aumento da pressão no ventilador devido à resistência causada

238
pelo aumento da PIA. Isso pode resultar em hipoventilação, hipercapnia

(aumento do dióxido de carbono no sangue) e acidose respiratória.

Alterações Cardiovasculares:

Redução do Débito Cardíaco (DC): Quando a PIA aumenta significati-

vamente, acima de 25 mmHg, a veia cava inferior é comprimida, levando à

diminuição do retorno venoso para o coração. Isso reduz o DC e o índice

cardíaco, resultando em diminuição do fluxo sanguíneo para os órgãos vi-

tais.

Aumento da Resistência Vascular: O aumento da PIA também contri-

bui para o aumento da resistência vascular periférica, o que pode agravar

ainda mais a redução do DC.

Alterações Renais:

Redução da Perfusão Renal: Com a diminuição do DC e da pressão

arterial devido à SCA, a perfusão renal pode ser comprometida. Isso pode

levar à diminuição da filtração glomerular e à retenção de produtos de ex-

creção, resultando em insuficiência renal aguda.

Alterações Intestinais:

Isquemia Intestinal: O aumento da PIA pode comprometer o supri-

mento sanguíneo para o intestino, resultando em isquemia intestinal. Isso

239
pode levar à necrose dos tecidos intestinais, uma complicação grave que

pode ser fatal.

Alterações Neurológicas:

Elevação da Pressão Intracraniana: Aumentos significativos da PIA

podem afetar a pressão intracraniana, principalmente em pacientes com

lesões neurológicas concomitantes. Isso pode piorar o edema cerebral e

COMO REALIZAR A MEDIDA DA PIA?

A medição da pressão intra-abdominal (PIA) com uma sonda vesical, tam-

bém conhecida como método de Kron, é um procedimento que permite

avaliar a pressão dentro da cavidade abdominal.

agravar os danos cerebrais.

É de extrema importância ainda ressaltar ainda que o tratamento

da síndrome compartimental abdominal varia de acordo com o seu

grau. Nesse sentido, as condutas para:

Grau III (21 - 25 mmHg)

• Posição supina

• Reposição volêmica cuidadosa

• Drenagem de coleções intra abdominais, paracentese

240
• Em caso de não melhora, ou de abdome tenso, ou insuficiência respira-

tória grave, ou TCE grave ou ainda aumento da PIC é necessário descom-

pressão imediata, e o principal recurso utilizado é a Bolsa de Bogotá.

Grau IV (> 25 mmHG)

● Descompressão com Bolsa de Bogotá

241
DASA (2013)

Uma lesão esplênica caracterizada por laceração envolvendo

vasos segmentares ou hilo,produzindo maior desvascularização, em

mais de 25% do baço, pode ser classificada como:

A) Grau V.

B) Grau I.

C) Grau III.

D) Grau IV

RESPOSTA: A escala de AAST para Lesões Esplênicas classifica as le-


sões esplênicas em cinco graus, de I a V, com base na gravidade da lesão. O

Grau IV é reservado para lesões mais graves, onde mais de 25% do baço

está desvascularizado devido à lesão. Lesões do Grau IV podem exigir tra-

tamento cirúrgico ou outras intervenções mais invasivas para controlar a

hemorragia e preservar o baço. Portanto, é a classificação adequada para a

situação descrita na pergunta.

Assim, letra D.

242
Com relação à avaliação de paciente com suspeita de trauma

abdominal, é possível afirmar que:

A) Uma E-FAST negativa afasta lesão intra-abdominal.

B) Um aumento de transaminases (TGO maior do que 200U/L ou

TGP maior do que 125U/L) está associado a trauma contuso ab-

dominal.

C) A lesão do cinto de segurança (abrasão e hematoma infraumbi-

lical) não aumenta o risco de trauma abdominal.

D) O melhor exame de imagem inicial é a ecografia abdominal se

houver suspeita de lesão pancreática.

RESPOSTA:

• A) INCORRETA. E-FAST (Extended Focused Assessment with Sonography


for Trauma) é um exame de ultrassom que pode ajudar a detectar algu-

mas lesões intra-abdominais, como sangramento livre na cavidade ab-

dominal. No entanto, uma E-FAST negativa não exclui completamente a

possibilidade de lesões intra-abdominais, pois algumas lesões podem

não ser detectadas por esse método. É importante lembrar que a avali-

ação clínica, incluindo exame físico e outros exames de imagem, tam-

bém é essencial na avaliação de trauma abdominal.

243
• B) VERDADEIRA. A elevação das enzimas hepáticas, como a alanina ami-

notransferase (TGP) e a aspartato aminotransferase (TGO), pode ser in-

dicativa de lesões no fígado causadas por trauma abdominal contuso.

No entanto, outras condições médicas também podem causar elevações

nas transaminases, por isso, é importante considerar o contexto clínico

e outros achados para confirmar o diagnóstico.

• C) INCORRETA. A presença de lesões no local onde o cinto de segurança

estava posicionado (como abrasões e hematomas infraumbilicais) pode

ser um sinal de trauma abdominal, especialmente em casos de colisões

de alta energia. Essas lesões indicam a aplicação de força sobre a região

abdominal e devem aumentar a suspeita de lesões internas, tornando

importante a avaliação clínica e possivelmente exames de imagem.

• D) INCORRETA. A TC é melhor escolha nos casos de lesão pancreática

Gabarito: Letra B

Anotações

244
HSCSP (2023)

Paciente de 32 anos, masculino, foi vítima de trauma abdominal

fechado após ser atropelado. Chega ao hospital terciário com extre-

midades frias, enchimento capilar lentificado e pulsos periféricos de

difícil detecção.

Diante dos dados apresentado, assinale a alternativa com a

principal hipótese diagnóstica e a investigação mais apropriada.

A) Choque obstrutivo por tamponamento cardíaco. Realizar eco-

cardiografia transtorácica ou ultrassonografia por protocolo

FAST.

B) Choque neurogênico devido à lesão medular. Realizar tomogra-

fia de crânio e ultrassonografia por protocolo FAST.

C) Choque distributivo. Realizar coleta de exames laboratoriais,

eletrocardiograma e ultrassonografia por protocolo FAST.

D) Choque hipovolêmico por lesão de órgão abdominal. Realizar

exame físico, sondagem vesical e ultrassonografia por proto-

colo FAST

245
RESPOSTAS:

• A) INCORRETA. A descrição dos sintomas não sugere choque obstrutivo


por tamponamento cardíaco, pois não menciona achados associados a
essa condição, como o sinal de Beck (hipotensão arterial, turgência jugu-
lar e diminuição dos sons cardíacos). Além disso, o tamponamento car-
díaco geralmente não causa lesões nas extremidades. A investigação ini-
cial mais apropriada seria direcionada para outras possíveis causas de
choque.
• B) INCORRETA. O choque neurogênico ocorre devido a uma disfunção
do sistema nervoso autônomo e pode levar a extremidades frias, enchi-
mento capilar lentificado e dificuldade na detecção de pulsos periféricos.
No entanto, a investigação deve se concentrar na região da lesão medu-
lar e em possíveis lesões associadas na região cervical ou torácica da
coluna vertebral. Portanto, a escolha de realizar uma tomografia de crâ-
nio não é apropriada nesta situação.
• C) INCORRETA. Não faz parte da hipótese diagnóstica principal
• D) CORRETA. O paciente foi atropelado e apresenta sinais de choque hi-
povolêmico, o que sugere uma possível lesão de órgão abdominal. A in-
vestigação inicial deve incluir exame físico para avaliar sinais de trauma
abdominal, sondagem vesical para monitorar a diurese e ultrassonogra-
fia por protocolo FAST para detectar possíveis sangramentos intra-abdo-
minais, o que é uma causa comum de choque hipovolêmico em trauma
abdominal.

Gabarito: Letra D

246
HEDA (2023)

Arthur 24 anos foi vítima de ferimento por faca em 7o espaço inter-

costal, linha axilarmédia esquerda. Está hemodinamicamente estável e sua

radiografia de tórax é normal. Qual é a conduta para o caso?

A) Ultrassom de abdome (FAST).

B) Conduta é expectante.

C) Tomografia de tórax e abdome.

D) Laparoscopia.

E) Drenagem de tórax.

RESPOSTA: Paciente apresenta ferimento por faca na região

que faz parte da transição tóraco-abdominal. Dessa forma, a conduta

de escolha para o caso é a realização de laparoscopia para identificar

possíveis lesões associadas.

Assim, letra D.

Anotações

247
AMS APUCARANA (2023)

Em vítimas de trauma abdominal fechado, assinale a alternativa


que apresenta a ordem CORRETA dos órgãos mais frequentemente
acometidos:

A) Fígado > Baço > Cólon

B) Intestino Delgado > Fígado > Cólon

C) Baço > Fígado > Intestino Delgado

D) Fígado > Baço > Intestino Delgado

RESPOSTA: A ordem CORRETA dos órgãos mais frequentemente aco-


metidos em vítimas de trauma abdominal fechado é:

Fígado > Baço > Intestino Delgado.

O fígado é frequentemente o órgão mais acometido em traumas ab-


dominais fechados, devido à sua localização no quadrante superior direito
do abdome.

O baço é o segundo órgão mais frequentemente afetado, devido à


sua posição no quadrante superior esquerdo do abdome.

O intestino delgado pode ser afetado em casos de trauma abdominal,


mas é menos comum do que as lesões hepáticas e esplênicas.

Assim, letra D.

248
5. TRAUMA PÉLVICO E UROLÓGICO

5.1 Fraturas pélvicas

As fraturas pélvicas são lesões graves frequentemente causadas por

traumas de alta energia, geralmente acompanhadas de lesões abdominais

e/ou torácicas. Essas fraturas podem resultar em várias complicações, in-

cluindo lesões do trato urinário, vasculares, retal, vaginal e perineal.

Figura 42 - A imagem mostra a avaliação da instabilidade pélvica

Existem três principais mecanismos de trauma que podem levar

a fraturas pélvicas:

Compressão Lateral (60-70% dos casos): Esse tipo de fratura geral-

mente ocorre em acidentes automobilísticos ou atropelamentos. Ele resulta

na rotação interna da hemipelve envolvida, levando à compressão do vo-

lume pélvico. Embora essas fraturas não sejam frequentemente associadas

249
a hemorragias fatais, é importante observar que pacientes idosos têm

maior risco de desenvolver sangramentos significativos.

Compressão Anteroposterior: Geralmente ocorre em colisões fron-

tais de veículos motorizados, causando a rotação externa da hemipelve e a

disjunção da sínfise púbica, com ruptura de ligamentos ósseos posteriores.

Isso pode resultar em fraturas sacroiliacas ou fraturas sacrais em "livro

aberto," frequentemente acompanhadas de hemorragia do plexo venoso

pélvico posterior.

Figura 43 - Fratura em "livro aberto"

Cisalhamento Vertical: Esse mecanismo é mais comum em quedas

de grande altura e envolve a ruptura dos ligamentos sacrotuberoso e sa-

croespinhoso (posteriores), levando à instabilidade pélvica. A movimenta-

ção vertical da articulação sacroiliaca pode romper a vascularização iliíaca e

causar hemorragia grave.

250
Figura 44 - Mecanismos de fratura pélvica acima descritos

É crucial, ao avaliar uma vítima com politraumatismo e instabilidade

hemodinâmica, excluir lesões que ameacem a vida, como tamponamento

cardíaco, pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço e hemoperitônio.

Após a exclusão dessas lesões, a fratura pélvica isolada pode ser responsá-

vel pelo choque hemorrágico, principalmente devido à hemorragia do plexo

venoso pélvico pré-sacral e das superfícies ósseas expostas.

Além disso, é fundamental evitar a manipulação excessiva da pelve,

pois isso pode agravar a hemorragia. A radiografia anteroposterior da pelve

é uma ferramenta valiosa na avaliação inicial e na reanimação, pois pode

identificar fraturas pélvicas e indicar perdas sanguíneas importantes.

O tratamento inicial de pacientes hemodinamicamente instáveis en-

volve ressuscitação volêmica e estabilização externa temporária da bacia

usando uma técnica de "amarracão" ou "enfaixamento" com um lençol ao

redor da pelve, nivelado com os trocanteres, para fechar o anel pélvico.

Após o enfaixamento, é realizado o empacotamento pélvico pré-peritoneal,

251
que consiste na colocação de compressas ao redor da bexiga (revisadas em

24 a 48 horas), seguido de fixação externa precoce.

A classificação de Young e Burgess é frequentemente usada para

classificar as fraturas pélvicas com base em três tipos principais:

Tipo A: Fraturas resultantes de forças laterais. São geralmente consi-

deradas estáveis.

Tipo B: Fraturas decorrentes de forças anteroposteriores. Podem ser

estáveis (Tipo B1) ou instáveis (Tipo B2) e estão frequentemente associadas

a uma abertura significativa da sínfise púbica.

Tipo C: Fraturas resultantes de forças verticais. Também podem ser

estáveis (Tipo C1) ou instáveis (Tipo C2) e têm menor risco de sangramento

significativo.

As lesões mais graves estão frequentemente associadas às fra-

turas do Tipo B, que envolvem forças anteroposteriores, levando à

abertura do anel pélvico e a um maior risco de lesões vasculares e he-

morragias retroperitoneais. Essas são conhecidas como fraturas em

"livro aberto."

Na avaliação de pacientes politraumatizados, é importante suspeitar

de fraturas pélvicas em casos de instabilidade hemodinâmica, contusões e

252
equimoses na região pélvica, discrepância no tamanho das pernas, mem-

bros em rotação lateral e sinais clínicos de lesões de vísceras pélvicas (ure-

trorragia, metrorragia e sangramento retal). A radiografia simples em AP no

momento do exame primário pode identificar claramente a fratura e orien-

tar o plano terapêutico.

O tratamento das fraturas pélvicas é altamente complexo e depende

do tipo de fratura, da estabilidade do paciente e das lesões associadas.

Abaixo, detalharemos mais sobre os tratamentos disponíveis:

Fraturas Estáveis (Tipo I):

Tratamento Conservador: Fraturas estáveis geralmente não re-

querem intervenção cirúrgica. O tratamento consiste em repouso no

leito, com restrição da carga e mobilização precoce com o auxílio de fisiote-

rapia. Os pacientes são acompanhados para garantir que a fratura esteja

consolidando adequadamente, e radiografias de acompanhamento podem

ser realizadas.

Fraturas Instáveis (Tipos II e III):

Fixação Externa: Pacientes com fraturas instáveis requerem tra-

tamento cirúrgico. A fixação externa é uma técnica comum nesses casos.

Envolve a colocação de pinos ou hastes através dos ossos adjacentes à fra-

tura e a fixação de um dispositivo externo, geralmente um quadro de metal,

253
para estabilizar a pelve. Isso ajuda a realinhar o anel pélvico e a reduzir o

risco de hemorragia.

Fixação Interna: Em alguns casos, especialmente quando há outras

lesões ortopédicas associadas, como fraturas de acetábulo (a articulação do

quadril), podem ser necessárias a fixação interna. Isso envolve a utilização

de placas e parafusos para estabilizar a pelve. A decisão de usar fixação

interna depende da gravidade e da localização das fraturas.

Angioembolização Arterial: é indicada em casos de choque hipovo-

lêmico persistente ou suspeita de lesão arterial associada, é realizada uma

angiografia para avaliar o sistema iliíaco interno. Se houver vasos sangran-

tes identificados, a angioembolização é indicada. Durante a angioemboliza-

ção, o radiologista intervencionista insere um cateter no vaso sanguíneo

afetado e utiliza agentes embólicos (como micropartículas ou molas) para

bloquear a circulação sanguínea nesse local, controlando assim a hemorra-

gia. Esse procedimento é menos invasivo do que a cirurgia tradicional e tem

se mostrado eficaz na redução de sangramentos.

É importante mencionar que o tratamento das fraturas pélvicas deve

ser feito em conjunto por uma equipe multidisciplinar que inclui cirurgiões

ortopédicos, radiologistas intervencionistas, cirurgiões gerais, anestesistas

e outros especialistas, conforme necessário. O objetivo principal é estabili-

zar o paciente, aliviar a dor, controlar qualquer hemorragia e promover a

reabilitação.

254
Além disso, é fundamental o acompanhamento rigoroso desses pa-
cientes, uma vez que as fraturas pélvicas podem estar associadas a compli-
cações tardias, como infecções, pseudoartrose (falha na consolidação da
fratura), ou problemas funcionais de longo prazo. A reabilitação, incluindo
fisioterapia e acompanhamento clínico regular, é essencial para otimizar a
recuperação e minimizar as sequelas. Cada caso é único, e o tratamento
deve ser adaptado às necessidades individuais do paciente.

Para pacientes em choque hipovolêmico persistente, mesmo após o


alinhamento da fratura com fixação externa, devemos suspeitar de uma le-
são arterial associada (sistema iliíaco interno), e não apenas de lesão do
plexo venoso pélvico como é o mais comum de ocorrer. Nesses casos, a
angiografia com embolização dos vasos sangrantes é indicada e tem se
mostrado eficaz para salvar vidas.

5.2 Traumas urológicos

Fluxograma 8

255
5.3 Trauma de uretra:

As lesões de uretra, embora não sejam muito comuns, são clinica-

mente significativas, correspondendo a cerca de 4% de todas as lesões do

trato geniturinário. Elas ocorrem com maior frequência no sexo masculino

e podem ser causadas por diversos mecanismos traumáticos, incluindo

traumas contusos, penetrantes e iatrogênicos, sendo este último associado

principalmente à passagem de cateter vesical. Entre esses mecanismos, os

traumas contusos são os mais comuns, representando aproximadamente

90% dos casos, e podem resultar de traumas diretos na genitália externa

ou na região abdominal inferior.

Antes de adentrarmos nas considerações sobre o trauma uretral, é

fundamental revisitar a anatomia da uretra, o que contribuirá para uma

compreensão mais completa do quadro clínico e das abordagens terapêu-

ticas possíveis.

A uretra masculina pode ser dividida em duas partes distintas: a

uretra anterior e a uretra posterior, sendo a divisão demarcada pelo di-

afragma urogenital. Cada segmento uretral apresenta características ana-

tômicas específicas que influenciam nos mecanismos de lesão e nas abor-

dagens clínicas.

256
Uretra Anterior: Compreende a fossa navicular, uretra peniana e

uretra bulbar (sendo que aproximadamente 85% das lesões uretrais ocor-

rem na uretra bulbar). O mecanismo mais comum de trauma nesse seg-

mento é o trauma contuso direto fechado, frequentemente causado por

quedas sobre objetos duros. Essas lesões podem resultar em lesões parci-

ais ou completas da uretra bulbar.

Uretra Posterior: Inclui a uretra membranosa e a uretra prostática.

Lesões na uretra posterior geralmente estão associadas a fraturas pélvicas

decorrentes de traumas de alta energia. Os principais tipos de fratura que

aumentam o risco de lesão uretral são as fraturas pélvicas anteriores, que

envolvem os ramos púbicos, e as fraturas instáveis, frequentemente cha-

madas de "livro aberto." Importante destacar que fraturas isoladas do ace-

tábulo, ílio e sacro raramente estão relacionadas a lesões uretrais. Além

disso, a uretra prostática é menos suscetível a lesões, devido à proteção

proporcionada pela próstata.

O diagnóstico de lesão uretral é baseado no mecanismo do trauma,

nos sinais e sintomas clínicos apresentados pelo paciente e é confirmado

por meio de exames como uretrocistografia retrógrada ou uretrografia

retrógrada. Deve-se evitar o cateterismo uretral antes da avaliação ra-

diográfica, uma vez que essa intervenção pode converter uma lesão

uretral simples em uma ruptura completa. É importante ressaltar ainda

que a tomografia não é adequada para o diagnóstico de lesões uretrais.

257
Quando nos deparamos com um paciente instável, a prioridade é es-

tabelecer o diagnóstico e o tratamento das lesões que estão causando ins-

tabilidade, geralmente relacionadas a traumas torácicos, abdominais e pél-

vicos. A uretrocistografia retrógrada é o exame de escolha para o diagnós-

tico de lesões uretrais, mas pode demandar algum tempo para ser reali-

zado, portanto, não deve ser uma prioridade. Se houver indicação cirúrgica,

como em casos de laparotomia ou fixação da pelve, a cistostomia aberta é

uma opção.

É fundamental destacar que, na suspeita de lesão uretral, o catete-

rismo vesical está contraindicado, uma vez que pode agravar a lesão ure-

tral. Nesses casos, é obrigatória a realização de uretrocistografia retró-

grada.

Os sinais clínicos que podem indicar uma lesão uretral incluem:

Triade Clássica: Consiste em uretrorragia (sangramento no meato

uretral), incapacidade de urinar e presença de globo vesical palpável

(também conhecido como "bexigoma").

Hematoma Perineal ou "Asa de Borboleta": Resulta da ruptura da

fáscia de Buck e pode se estender para o escroto e para o abdome ao longo

das camadas da túnica de Dartos e da fáscia de Scarpa.

258
Palpação da Próstata Flutuante: Essa característica está relacio-

nada às lesões da uretra posterior e envolve o deslocamento cranial da

próstata ao toque retal.

O tratamento imediato para lesões uretrais confirmadas por uretro-

cistografia retrógrada envolve a drenagem da urina por meio de cistosto-

mia, que pode ser realizada por punção ou abordagem aberta, dependendo

das condições clínicas e da presença de fratura pélvica. A reconstrução ure-

tral geralmente é realizada de forma tardia pela urologia, após um período

de 3 a 6 meses, para reduzir o risco de complicações, como sangramento,

incontinência urinária, disfunção erétil e estenoses recorrentes.

É importante mencionar que apenas lesões uretrais penetrantes na

uretra anterior têm indicação de exploração e reparo primário, a menos

que o paciente apresente instabilidade hemodinâmica. Portanto, a aborda-

gem deve ser individualizada e considerar o quadro clínico e os achados

diagnósticos

5.4 Lesão renal

O rim é um órgão retroperitoneal, localizado na parte posterior do

abdome, protegido pelos arcos costais na região dorsal e pelos rebordos

costais na região anterior. No entanto, em casos de trauma fechado no ab-

dome, que representa a maioria dos casos (cerca de 80%), o envolvimento

259
renal ocorre apenas em aproximadamente 10% dos pacientes. Os princi-

pais mecanismos de lesão renal incluem acidentes automobilísticos, que-

das, contusões diretas e fraturas dos arcos costais inferiores. Em crianças,

os acidentes de bicicleta também representam uma importante causa de

lesões renais. Forças de desaceleração, quando significativas, podem resul-

tar na avulsão do pedículo renal ou na dissecação da artéria renal com

trombose.

A manifestação mais comum do trauma renal, embora não seja

identificada em todos os casos e tenha pouca especificidade, é a hema-

turia, que é a presença de sangue na urina. A presença de hematuria, jun-

tamente com uma história de trauma na região do flanco abdominal e lom-

bar, aumenta significativamente a suspeita de lesão renal. Durante a avali-

ação inicial, podem ser observadas equimoses nessas áreas, além da pre-

sença de fraturas nos segmentos posteriores dos arcos costais. Lesões re-

nais graves podem levar a perda de sangue e instabilidade hemodinâmica.

No entanto, é importante destacar que a gravidade da hematuria nem sem-

pre está diretamente relacionada à gravidade da lesão renal.

Para pacientes hemodinamicamente estáveis, a tomografia compu-

tadorizada com contraste em três fases (arterial, venosa e excretora) é o

exame de escolha para a avaliação do trauma renal. Este exame pode reve-

lar diferentes graus de comprometimento do rim, como extensão de hema-

tomas na área renal, presença de extravasamento de contraste (que pode

260
ser urina ou sangue) ou áreas de parênquima renal sem captação de con-

traste, o que sugere lesão vascular. Além disso, a função renal pode ser ava-

liada através da excreção do contraste pelo sistema coletor. A tomografia

computadorizada também é útil para determinar a gravidade da lesão re-

nal.

A ausência de captação de contraste pelo rim, juntamente com

a falta de excreção de contraste pelo sistema coletor, são sinais indi-

cativos de lesão na artéria renal, o que pode levar à exclusão do rim.

Em pacientes estáveis que não apresentam comprometimento grave de ou-

tros órgãos ou sistemas, é possível realizar uma arteriografia para confir-

mar o diagnóstico e tentar preservar o rim através do uso de endopróteses.

Quando a lesão renal ocorre como parte de um trauma em múltiplos

órgãos e o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica, o diagnóstico

da lesão geralmente é feito durante a cirurgia, uma vez que não há tempo

para a realização de exames mais complexos.

As lesões renais podem ser classificadas em menores (graus I, II e III)

e maiores (graus IV e V). No primeiro grupo estão incluídos hematomas sub-

capsulares e lacerações ou contusões corticais que não afetam as vias ex-

cretoras.

261
As lesões graves, por outro lado, estão associadas a danos nas vias

excretoras, extravasamento de urina para o retroperitônio, explosão renal,

trombose vascular e avulsão do pedículo renal.

Em casos de lesões renais grau IV devido a lacerações que se esten-

dem até a pelve renal, a tomografia de abdome revela, em imagens tardias

(2-10 minutos após a injeção do contraste), o extravasamento de contraste

através do sistema coletor. Diferentemente do extravasamento de urina,

que tende a se acumular localmente, o sangue extravasado tende a se diluir

após a injeção do contraste.

O tratamento das lesões renais menores geralmente é conservador

e envolve repouso por sete dias e antibioticoterapia. Um novo exame de

imagem é solicitado cerca de um mês após o trauma para verificar a reso-

lução do processo.

O manejo das lesões renais grau IV é controverso. Alguns autores ar-

gumentam que a abordagem cirúrgica é sempre necessária, enquanto ou-

tros discordam. Atualmente, a tendência é optar por um tratamento não

cirúrgico, principalmente em casos de contusão abdominal, em pacientes

que permanecem hemodinamicamente estáveis após a infusão de volume

ou que nunca desenvolvem hipotensão. Quando há extravasamento de

contraste na fase arterial do exame, a embolização angiográfica é uma

abordagem cada vez mais utilizada.

262
Lesões renais grau V frequentemente requerem nefrectomia. Antes

ou durante a cirurgia, o cirurgião deve verificar a presença do rim contrala-

teral, especialmente em casos de pacientes com apenas um rim, pois a pre-

servação renal deve ser uma prioridade. Durante a inspeção da loja renal,

sinais que indicam a necessidade de exploração cirúrgica imediata in-

cluem hematoma pulsátil, hematoma em expansão aguda ou sangra-

mento ativo para a cavidade peritoneal. A primeira etapa da cirurgia en-

volve o isolamento dos vasos renais para controlar o sangramento durante

a abertura da fáscia de Gerota, que envolve o rim. Após a abertura completa

dessa estrutura, o cirurgião avalia a localização e a extensão das lesões. Em

casos de lesões nas extremidades ou nas laterais do rim (longe do hilo re-

nal), a ressecção das áreas afetadas (nefrectomia parcial) é realizada. A ne-

frectomia total é indicada quando há comprometimento significativo do pa-

rênquima renal ou envolvimento do hilo renal.

Anotações

263
Abaixo, resumimos em uma tabela o aspecto tomográfico das lesões

renais com seus respectivos tratamentos:

GRAU ASPECTO TOMOGRÁFICO TRATAMENTO

Contusão renal e/ou presença de hema-

I toma subcapsular condensado, sem lace- Conservador

racão renal.

Laceracão cortical < 1cm, sem extravasa-

lI mento urinário. Hematoma perirrenal Conservador

condensado no retroperitônio.

Laceracão cortical > 1cm, sem extravasa-

III mento urinário. Hematoma perirrenal Conservador

condensado no retroperitônio.

Laceracão extensa do córtex renal, me-


Cirurgia ou emboli-
dula e sistema coletor. Lesão vascular da
lV zação por arterio-
artéria ou veia renal principal, com hema-
grafia (se disponível)
toma condensado.

Fragmentação total do rim ou lesão (avul-


Tratamento cirúr-
V são) do pedículo renal. Trombose arterial
gico (nefrectomia)
que desvasculariza o rim.
Tabela 17

264
USP (2023)

Homem, 19 anos, foi vítima de queda de bicicleta em alta velocidade.

Na admissão no serviço de Emergência, encontrava-se consciente, com PA

de 120x70 mmHg e FC de 105 bpm; abdome doloroso à palpação em hipo-

côndrio e flanco esquerdo. Após a passagem de sonda vesical, foi evidenci-

ada hematúria.

Exames laboratoriais com uma hora após trauma: Hb 9,6 g/dL; Ht

28%; Ureia = 54 mg/dL; Creatinina 1,1 mg/dL; pH 7,37; BE 1; Lactato 10

mg/dL.

A tomografia de abdome é apresentada.

265
Qual é o tratamento para a lesão abdominal neste momento?

A) Observação com monitorização hemodinâmica.

B) Passagem de cateter duplo J.

C) Laparotomia com nefrectomia.

D) Nefrostomia.

RESPOSTA: Boa questão da USP para revisar este tipo de trauma.

Nesta questão, estamos diante de um paciente que sofreu uma queda de

bicicleta e está apresentando um trauma abdominal fechado, acompa-

nhado de dor na região do hipocôndrio e flanco esquerdo, além de apre-

sentar hematúria. Nessas circunstâncias, a nossa principal suspeita diag-

nóstica recai sobre trauma renal, a qual foi confirmada pelo exame de to-

mografia apresentado. Na imagem, é possível identificar um hematoma pe-

rirrenal contido, sem evidências de laceração renal, e não há extravasa-

mento de contraste para as vias vasculares ou urinárias. De acordo com a

classificação de gravidade de traumas renais, o paciente apresenta uma le-

são de grau I, o que indica a aplicação de um tratamento conservador.

• A) CORRETA. Como mencionado anteriormente, temos à nossa frente

um quadro clínico envolvendo um paciente com um trauma renal de

gravidade leve, que mantém uma estabilidade hemodinâmica ade-

quada. Nesse contexto, a abordagem recomendada é um tratamento

266
conservador, que inclui a observação clínica cuidadosa, idealmente em

um ambiente de cuidados intensivos, acompanhamento regular por

meio de exames físicos, monitorização constante dos níveis de hemo-

globina e hematócrito, bem como a avaliação e controle adequado da

diurese do paciente.

• B) INCORRETA. Não há indicação de passagem de cateter duplo J no

trauma renal

• C) INCORRETA. Estaria indicada nos casos de instabilidade hemodinâ-

mica e lesão renal grau IV

• D) INCORRETA. Assim como a alternativa B, essa alternativa não é indi-

cada para trauma renal

Gabarito: Letra A

Anotações

267
5.5 Trauma ureteral

O trauma ureteral é uma ocorrência extremamente rara, represen-

tando aproximadamente 1 a 2,5% de todas as lesões urológicas.

Normalmente, as lesões penetrantes do ureter proximal são mais co-

muns, com ferimentos por arma de fogo sendo a causa predominante.

Além disso, a desaceleração, como ocorre em acidentes de trânsito, pode

resultar em avulsão do ureter na junção ureteropélvica (UPJ) ou distalmente

ao longo do ureter. Lesões iatrogênicas do ureter também podem ocorrer,

principalmente durante cirurgias ginecológicas.

Os sintomas de lesões ureterais não são específicos, tornando a sus-

peita de lesão baseada no mecanismo do trauma e em sinais clínicos im-

portantes. Isso pode incluir dor e equimose no flanco, fraturas posteriores

das costelas inferiores ou fraturas da coluna.

É importante ainda notar que a ausência de hematuria não exclui a

possibilidade de uma lesão ureteral, uma vez que menos da metade dos

casos apresenta esse achado. Pacientes que inicialmente são tratados con-

servadoramente após um trauma abdominal podem desenvolver uma le-

são "despercebida" no ureter, que pode se manifestar posteriormente com

vazamento de urina, causando complicações como ascite urinária, urinoma,

íleo (náuseas, vômitos, constipação), abscesso periureteral, sepse, fístula ou

268
estenose ureteral. Hematúria ou piúria podem ser identificadas por meio

de exames de urina.

A melhor ferramenta de diagnóstico para lesões ureterais é a to-

mografia computadorizada com contraste intravenoso, que revela a le-

são na fase excretora tardia (geralmente após 20 minutos da injeção do

contraste). Os achados que sugerem lesão ureteral incluem a não visualiza-

ção do ureter distal, extravasamento de contraste do ureter e hidronefrose

ipsilateral. Se houver alta suspeita clínica e a tomografia for negativa, reco-

menda-se realizar um pielograma retrógrado e um pielograma intravenoso.

O tratamento das lesões ureterais depende da localização (proximal,

média, distal), da gravidade da lesão (completa ou parcial) e da condição

clínica do paciente. Pacientes em acompanhamento conservador que apre-

sentam piora no extravasamento urinário nas imagens devem receber um

stent ureteral (cateter duplo J) e sondagem vesical para reduzir a pressão e

promover a cicatrização.

Lesões ureterais agudas identificadas durante uma laparotomia ex-

ploratória indicada por lesões concomitantes devem ser preferencialmente

reparadas cirurgicamente para evitar complicações futuras, como urinoma,

fístula, obstrução ureteral e insuficiência renal. A exceção é feita em cirur-

gias de controle de danos, em que as lesões concomitantes graves limitam

o tempo disponível. Se a lesão não puder ser tratada adequadamente no

quadro agudo, a ligadura ureteral com a colocação de um tubo de

269
nefrostomia percutânea, ou a colocação de um stent no ureter com exteri-

orização percutânea ou a exteriorização direta do ureter na pele (similar a

um "estoma") podem ser consideradas.

A reconstrução ureteral é realizada posteriormente, idealmente nos

primeiros sete dias após a lesão, ou de forma tardia, após três a seis meses,

dependendo do estado clínico do paciente.

Falando no tratamento das lesões ureterais de maneira mais especí-

fica, este varia de acordo com o tipo e a localização da lesão ureteral:

Lesão ureteral contusa ou parcial (incompleta): utiliza-se um stent

ureteral para comunicar a pelve renal com a bexiga urinária (cateter duplo

J), uma estratégia que reduz o edema progressivo, a oclusão e a isquemia.

Lesão ureteral completa: a reconstrução ureteral deve ser realizada

no momento da laparotomia inicial, sempre que possível. As opções cirúr-

gicas incluem reaproximação primária, ureteroureterostomia e reimplante

ureteral, com a colocação de um cateter ureteral.

Lesões ureterais proximais e médias: podem ser tratadas com fe-

chamento primário ou ureteroureterostomia em "espatula". Também é

descrita a anastomose com o ureter contralateral, conhecida como transu-

reteroureteroanastomose.

270
Lesões do ureter distal (distais aos vasos ilíacos): recomenda-se o

reimplante ureterovesical.

Quando uma lesão ureteral não é reconhecida inicialmente e se apre-

senta tardiamente (após mais de 7 dias), tenta-se a passagem de um cateter

ureteral endoscópico (cateter duplo J), e se isso não for possível, considera-

se uma nefrostomia percutânea. Para lesões complicadas, como aquelas

que levam à formação de abscessos ou urinomas, a nefrostomia percutâ-

nea inicial com drenagem periureteral e antibioticoterapia é preferível, com

planos para a reconstrução ureteral posteriormente.

Fluxograma 9

271
5.6 Trauma de bexiga

A bexiga é uma das estruturas urológicas mais comumente lesadas

em casos de trauma, correspondendo a cerca de 10% de todas as lesões

urológicas. Este órgão oco está localizado próximo ao assoalho pélvico, pos-

terior à sínfise púbica nas mulheres e anterior ao reto nos homens. O es-

paço entre a sínfise púbica e a bexiga é conhecido como "espaço de Re-

tzius". Os ureteres (direito e esquerdo) entram na bexiga na parte inferior e

posterior. Os orifícios ureterais direito e esquerdo, juntamente com o colo

da bexiga, delimitam uma região chamada de trígono da bexiga.

A grande maioria das lesões traumáticas na bexiga resulta de

traumas contundentes (85%), frequentemente associados a fraturas

pélvicas concomitantes (83 a 95%), principalmente fraturas dos ramos

púbicos e do anel obturador. O mecanismo típico dessas lesões é o trauma

direto na região hipogástrica, transmitindo uma quantidade significativa de

energia à bexiga cheia de urina, levando à ruptura intraperitoneal de sua

parede. Entre as lesões penetrantes, os ferimentos por arma de fogo são

predominantes.

Os sintomas e sinais clínicos que podem sugerir a presença de

uma lesão na bexiga incluem:

• Hematúria visível (sangue na urina);

• Dor na região suprapúbica;

272
• Dificuldade ou incapacidade de urinar;

• Em casos de lesão intraperitoneal, pode haver peritonite.

O diagnóstico das lesões na bexiga é geralmente confirmado através

da visualização direta durante uma laparotomia (cirurgia abdominal aberta)

ou por meio de um procedimento chamado cistografia retrógrada, que

utiliza contrastes radiológicos e imagens de raios-X para determinar se a

lesão é intraperitoneal ou extraperitoneal. Durante a cistografia retrógrada,

a bexiga é preenchida passivamente com um contraste hidrossolúvel

usando um cateter urinário, geralmente até o desconforto do paciente. O

procedimento envolve a aquisição de três imagens anteroposteriores: uma

antes da injeção do contraste, outra com a bexiga cheia e uma após o esva-

ziamento. A tomografia computadorizada, mesmo com a fase excretora,

não é adequada para diagnosticar adequadamente uma lesão na bexiga.

A presença de suspeita de lesão na bexiga é um indicativo para

realizar uma cistografia retrógrada, que pode revelar o contraste extra-

vasando para a cavidade abdominal em casos de lesões intraperitone-

ais, criando uma imagem em forma de "orelha de cachorro". Lesões extra-

peritoneais, por outro lado, mostram o contraste retido no espaço pré-

vesical, formando uma imagem de "gota de lágrima" ou "chama de vela". É

importante observar que a presença de líquido livre na cavidade pélvica,

juntamente com hematuria e fratura pélvica, mas sem lesão de órgãos

273
sólidos intracavitários (como fígado ou baço), sugere fortemente uma lesão

intraperitoneal na bexiga.

As lesões extraperitoneais da bexiga são as mais comuns (cerca

de 60%) e estão frequentemente associadas a fraturas pélvicas. O trata-

mento geralmente é conservador e envolve a inserção de um cateter uriná-

rio, que deve ser mantido por um período de 2 a 3 semanas (algumas refe-

rências recomendam 10 dias), seguido de uma cistografia antes de sua re-

moção. No entanto, se o paciente apresentar uma lesão extraperitoneal

complexa ou se for submetido a uma laparotomia por outras razões, a lesão

na bexiga também deve ser reparada. Lesões extraperitoneais resultantes

de traumas penetrantes ou lesões complexas podem exigir tratamento ci-

rúrgico precoce. Situações que caracterizam uma lesão complexa incluem

a presença de corpo estranho ou fragmento ósseo no interior da bexiga,

hematúria persistente com formação de coágulos que impedem a drena-

gem adequada da bexiga (não se deve usar irrigação vesical), lesões conco-

mitantes em órgãos pélvicos (como lesões retais e vaginais), nas quais se

deve evitar o uso do omento devido ao risco de formação de fístulas, e le-

sões no colo da bexiga (onde a uretra se abre). Em todos esses casos, é

necessária intervenção cirúrgica adequada.

274
Figura 45 - A imagem retrara a esquerda uma lesão extraperitonial de bexiga, e
a direita uma lesão intraperitoneal de bexiga. (fonte: https://www.saudedi-
reta.com.br/docsupload/1331414162Urologia_cap34.pdf)

Em resumo:

LOCAL DE LESÃO TRATAMENTO

Laparotomia e reparação primária da lesão; Cateter

Intraperitoneal vesical por 2 a 3 semanas; Cistografia antes de reti-

rar o cateter

Cateter vesical de demora por 2 a 3 semanas; Cisto-

Extraperitoneal grafia antes de retirar o cateter; considerar reparo

cirúrgico se persistir vazamento após 4 semanas

Extraperitoneal

penetrante e Reparo cirúrgico precoce

complexa

275
HAOC (2023)

Homem de 23 anos apresenta fratura pélvica em “livro aberto”. Qual é a

conduta inicial?

A) Lençol ou cinta pélvica.


B) Laparotomia exploradora.
C) Tamponamento pélvico.
D) Angiografia.
E) Fixação externa da bacia.

RESPOSTA: O uso de lençol ou cinta pélvica é considerado a primeira

opção para conduta inicial de fraturas pélvicas em livro aberto, pois permite

a estabilização hemodinâmica do paciente em um primeiro momento logo

após o trauma.

Gabarito: Letra A

Anotações

276
UFPA (2020)

Paciente, sexo masculino, 35 anos, foi trazido ao Pronto Atendimento

com história de acidente automobilístico. No acidente, houve esmaga-

mento da região perineal pelas ferragens do automóvel, mas sem outros

traumas evidentes (membros, craniano, tórax ou abdome). Após o atendi-

mento inicial, observou-se que o paciente não conseguia urinar e a rotina

da radiologia do trauma não evidenciou fratura da bacia. A hipótese diag-

nóstica e a conduta adequada são:

A) trauma de uretra posterior, uretrografia retrógrada e cistostomia.

B) trauma de uretra bulbar, sondagem vesical de demora.

C) trauma de uretra posterior, sondagem vesical de demora.

D) trauma de uretra bulbar, uretrografia retrógrada e cistostomia.

E) trauma de uretra prostática, uretrocistoscopia e sondagem vesical de

demora.

RESPOSTA:

• A) INCORRETA. O trauma da uretra posterior geralmente está associado

a fraturas pélvicas, e a conduta adequada diante da suspeita de lesão de

uretra posterior envolve a realização de uretrocistografia retrógrada e

cistostomia.

277
• B) INCORRETA. Embora a principal hipótese seja uma lesão de uretra

bulbar, a sondagem vesical de demora não deve ser realizada antes da

uretrocistografia retrógrada.

• C) INCORRETA, pois a lesão de uretra posterior está frequentemente as-

sociada a fraturas pélvicas, e a sondagem vesical de demora não deve

ser realizada antes da uretrocistografia retrógrada.

• D) CORRETA. A principal suspeita diagnóstica no paciente é uma lesão

de uretra anterior, sendo a uretra bulbar a mais comum. O próximo

passo apropriado é realizar uma uretrocistografia retrógrada, e se o di-

agnóstico for confirmado (com extravasamento do contraste da uretra),

deve-se realizar uma cistostomia.

• E) INCORRETA. A uretra prostática faz parte da uretra posterior, e sua

lesão é menos frequente, uma vez que está protegida pela próstata.

Além disso, na suspeita de lesão uretral, a conduta adequada é a uretro-

cistografia retrógrada, e não a uretrocistoscopia.

Gabarito: Letra D

Anotações

278
HSI (2019)

Com relação a traumas do trato urinário, marque a alternativa incorreta:

A) O trauma da uretra é geralmente associado a fraturas de bacia.

B) O trauma de bexiga é geralmente relacionado a fraturas de bacia.

C) O tratamento de escolha para a laceração renal pequena é a cirurgia,

por meio de laparotomia mediana.

D) As lesões ureterais são pouco frequentes, estando mais relacionadas

a lesões penetrantes em abdome.

E) O trauma de uretra geralmente está associado a sangue no meato

uretral e uretrorragia.

RESPOSTA:

• A) CORRETA. Traumas da uretra posterior estão frequentemente associ-

ados a fraturas pélvicas instáveis.

• B) CORRETA. A maioria das lesões traumáticas da bexiga ocorre devido

a um trauma contuso e está altamente relacionada a fraturas pélvicas,

especialmente as lesões vesicais extraperitoneais. Os sintomas incluem

hematúria macroscópica, dor suprapúbica e dificuldade para urinar.

279
• C) INCORRETA. No caso de pacientes estáveis, o tratamento preferencial

para lesões renais pequenas sem extravasamento de urina (ou seja, le-

sões renais grau II e III) é conservador. As indicações para cirurgia renal

incluem instabilidade hemodinâmica e lesões vasculares no pedículo re-

nal, como hematoma pulsátil ou sangramento renal persistente (lesões

vasculares grau IV e V).

• D) CORRETA.O trauma ureteral é raro, sendo mais comum em traumas

penetrantes, como ferimentos por arma de fogo. O ureter proximal é a

parte mais frequentemente afetada.

• E) CORRETA. Apresenta a informação correta sobre a necessidade de re-

alizar uma uretrocistografia retrógrada antes da sondagem vesical na

suspeita de lesão uretral. A sondagem vesical só deve ser realizada se a

uretrocistografia retrógrada não identificar nenhuma lesão uretral. Se

uma lesão for confirmada com extravasamento de contraste da uretra,

a próxima etapa deve ser a realização de uma cistostomia.

Portanto, a alternativa "c" está incorreta devido à descrição inade-

quada do tratamento de lesões renais grau II e III em pacientes estáveis.

Gabarito: Letra C

280
HSL - SP (2021)

Vítima de colisão de moto com poste, um homem de 22 anos tem dor

em hipogástrio e hematúria. Na investigação, a tomografia de corpo inteiro,

feita com contraste venoso, mas apenas com fase arterial e portal, eviden-

ciou líquido livre em pelve. Não teve outros achados, exceto fratura estável

de bacia. Diagnóstico mais provável e melhor conduta:

A) Lesão de uretra posterior − Exploração cirúrgica

B) Trauma renal − Fazer a fase excretora da tomografia, para planeja-

mento cirúrgico

C) Lesão de bexiga extraperitoneal − Sondagem vesical

D) Lesão de bexiga intraperitoneal − Exploração cirúrgica

E) Nada se pode afirmar − Uretrocistografia retrógrada

RESPOSTA: Estamos diante de um paciente que sofreu um trauma e,

apesar de estar hemodinamicamente estável, apresenta dor na região do

hipogástrio e hematúria. A presença de hematúria nos leva a considerar

uma possível lesão no trato urinário. A tomografia computadorizada reve-

lou a presença de líquido livre na pelve e uma fratura estável na bacia. Mas

qual seria a lesão mais provável? Uma lesão na uretra? Não, devemos lem-

brar que os sintomas de lesão na uretra incluem retenção urinária,

281
hematoma perineal e sangramento no meato uretral, mas não hematúria.

Trauma renal?

Também não, pois a tomografia não mostrou evidências de lesão renal. Le-

são na bexiga? Essa parece ser a provável causa. A questão agora é se a

lesão é intraperitoneal ou extraperitoneal. No caso de presença de líquido

livre na cavidade, sugere-se o acúmulo de urina, o que indica uma lesão

intraperitoneal. Nesses casos, a abordagem recomendada é a exploração

cirúrgica para reparar a lesão.

A resposta correta é a alternativa D.

Anotações

282
6. TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO E HIPERTEN-
SÃO INTRACRANIANA

O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é uma condição médica que

tem um impacto significativo na saúde pública, sendo responsável por pelo

menos 50% das mortes associadas ao trauma. Essa triste realidade é parti-

cularmente evidente em serviços de emergência que atendem pacientes

politraumatizados. Ao analisarmos as estatísticas, fica claro que a presença

de um TCE é o fator isolado mais determinante para a mortalidade nesses

casos, destacando a importância de um estudo minucioso das lesões do

sistema nervoso central.

É preocupante observar que a faixa etária mais afetada por TCE é a

população jovem, compreendida entre 15 e 24 anos. Nesse grupo, os ho-

mens superam as mulheres em termos de incidência, o que pode estar re-

lacionado a comportamentos de risco mais frequentes nesse gênero. Esses

dados sublinham a necessidade de medidas de prevenção direcionadas es-

pecialmente para os jovens e para o sexo masculino.

Quando investigamos as causas específicas de TCE, ficamos diante

de um cenário predominantemente relacionado a traumas ligados a ativi-

dades de transporte. Acidentes envolvendo motocicletas e veículos auto-

motores, assim como atropelamentos, figuram como as principais causas

dessas lesões graves, que muitas vezes resultam em uma pontuação baixa

na escala de coma de Glasgow e, em casos mais trágicos, em óbitos.

283
Outros fatores que contribuem para a incidência de TCE incluem que-

das, especialmente em crianças e idosos, violência interpessoal, e traumas

associados a atividades esportivas e recreacionais. Essas causas diversas

refletem a complexidade do problema e a necessidade de abordagens pre-

ventivas e de tratamento multidisciplinares.

6.1 Anatomia

Quando exploramos a anatomia que protege o nosso encéfalo e

tronco cerebral, podemos identificar três camadas distintas que desempe-

nham um papel vital nessa proteção: o couro cabeludo, o crânio e as me-

ninges.

O couro cabeludo, nossa primeira linha de defesa, é notável por sua

densa rede de vasos sanguíneos. Qualquer lesão nessa área, especialmente

em crianças devido à delicadeza dos tecidos, pode resultar em sangramen-

tos significativos, exigindo atenção imediata.

O crânio, por sua vez, é uma estrutura robusta que pode ser

dividida em duas partes principais: a abóbada e a base. A abóbada craniana

é mais fina nas regiões temporais, o que a torna suscetível a fraturas em

casos de trauma craniano. Essas fraturas, em especial, são indicativas de

atenção, uma vez que podem estar relacionadas a lesões da artéria

284
meníngea média, desencadeando o desenvolvimento de um hematoma ex-

tradural, uma complicação séria.

Já a base craniana é uma estrutura firme e áspera, tornando-se vul-

nerável a lesões durante movimentos de aceleração e desaceleração, situ-

ações comuns em acidentes que causam Traumatismo Cranioencefálico

(TCE).

As meninges, a camada mais interna, desempenham um papel fun-

damental na compreensão dos mecanismos de formação de hematomas

após traumas. Elas são compostas por três camadas distintas: a dura-má-

ter, a aracnoide e a pia-máter.

A dura-máter é constituída por dois folhetos de tecido conjuntivo

denso. Um deles está em contato com o periósteo craniano, enquanto o

outro se conecta com a aracnoide. Em algumas áreas, como a região parie-

tal, o folheto externo está menos aderido à tábua interna do crânio, o que

facilita o acúmulo de sangue nessa região, levando à formação do hema-

toma epidural.

O folheto interno da dura-máter forma estruturas que delimitam

compartimentos no espaço intracraniano, como a foice do cérebro, que se-

para os hemisférios cerebrais, e o tentório do cerebelo, que divide a cavi-

dade craniana em duas partes: supratentorial (compreendendo a fossa ce-

rebral anterior e média) e infratentorial (compreendendo a fossa cerebral

285
posterior). Através de uma abertura no tentório, passam as estruturas que

compõem o tronco cerebral em direção à coluna vertebral.

Figura 46 - Ilustração da anatomia acima descrita

O sistema venoso cerebral drena para os seios venosos, incluindo o

seio sagital, que é especialmente sensível ao trauma devido à sua localiza-

ção superior na linha média entre os folhetos da dura-máter.

A aracnoide, localizada entre a dura-máter e a pia-máter, apresenta

prolongamentos digitiformes que a conectam à camada mais interna, a pia-

máter, através da qual o líquido cefalorraquidiano (LCR) circula. Pequenas

veias, conhecidas como "bridging veins", conectam a dura-máter à arac-

noide. Quando lesadas, essas estruturas podem causar acúmulo de sangue

entre a dura-máter e a aracnoide, resultando na formação do hematoma

subdural.

286
6.2 Avaliação no TCE

No atendimento inicial de um paciente com Traumatismo Cranioen-

cefálico (TCE), é imperativo seguir o protocolo ABCDE do exame primário,

priorizando a manutenção de uma via aérea desobstruída e a proteção da

coluna cervical. É importante mencionar que aproximadamente 10% dos

pacientes com TCE também apresentam lesões na coluna cervical, o que

aumenta a importância dessa precaução. Além disso, assegurar uma ade-

quada oxigenação é essencial para prevenir lesões cerebrais secundárias,

como discutiremos mais adiante.

É fundamental ressaltar que o choque hipovolêmico raramente é re-

sultado de sangramento intracraniano em pacientes com TCE. Geralmente,

a perda sanguínea na região craniana não é substancial, e o choque,

quando ocorre, está relacionado a hemorragias em outros compartimentos

do corpo.

Após as medidas iniciais, é crucial realizar um exame neurológico mí-

nimo para avaliar o grau de comprometimento das funções cerebrais do

paciente. Esse exame permite intervenções neurocirúrgicas precoces por

meio de avaliações periódicas.

O exame neurológico em pacientes com trauma craniano abrange

diversos aspectos:

287
Avaliação do nível de consciência:

• A análise sequencial e comparativa do nível de consciência é fundamen-

tal para monitorar a condição do paciente. A Escala de Coma de Glasgow

é uma ferramenta frequentemente utilizada para avaliação quantitativa.

Qualquer alteração no nível de consciência, após a exclusão de outras

possíveis causas, como intoxicação por substâncias, indica um impor-

tante sinal de lesão intracraniana.

• Avaliação da função pupilar: Deve-se observar a simetria e a resposta à

luz das pupilas. Qualquer assimetria pupilar superior a 1 mm é conside-

rada um indicativo de envolvimento cerebral. Lesões cerebrais expansi-

vas graves, como hematomas, podem elevar a pressão intracraniana, re-

sultando na compressão do III par craniano (oculomotor) no mesencé-

falo, levando a midríase (dilatação da pupila) ipsilateral à lesão.

Figura 47 - Pupilas diferentes, com a esquerda maior que a direita

288
• Avaliação de déficits motores unilateralizados: Qualquer assimetria nos

movimentos voluntários ou desencadeados por estímulos dolorosos

deve ser cuidadosamente observada, especialmente em pacientes co-

matosos.

Com base na avaliação neurológica, é possível categorizar como

TCE grave aqueles pacientes que manifestem quaisquer dos seguintes

sinais clínicos:

• Pupilas com desigualdade no tamanho;

• Desigualdade nos movimentos motores;

• Presença de fratura craniana aberta com perda de líquor ou exposição

de tecido cerebral; pontuação na Escala de Coma de Glasgow menor ou

igual a oito ou uma queda de mais de três pontos na reavaliação, inde-

pendentemente da pontuação inicial;

• Fratura craniana com afundamento.

Para essa categoria de pacientes, é de extrema urgência a interven-

ção de um neurocirurgião e a admissão em unidades de terapia intensiva,

considerando a potencial gravidade das lesões cerebrais associadas ao TCE.

289
POSSÍVEIS ACHADOS NEUROLÓGICOS NAS LESÕES DE MASSA

• Midríase ipsilateral à lesão expansiva + hemiplegia contralateral = herni-

ação do úncus.

• Hemiplegia ipsilateral à lesão expansiva + midríase ipsilateral à lesão ex-

pansiva = herniação do úncus com a síndrome de Kernohan

6.3 Diagnóstico

A Tomografia Computadorizada (TC) de crânio de urgência assume um

papel crucial na avaliação de pacientes suspeitos de sofrerem um Trauma-

tismo Cranioencefálico (TCE). No entanto, é vital salientar que essa investi-

gação radiológica deve ser conduzida somente após a estabilização hemo-

dinâmica do paciente, com o intuito de garantir sua segurança e bem-estar.

Uma vez realizada a TC craniana, é imperativo manter um acompa-

nhamento rigoroso do estado neurológico do paciente. Em casos de quais-

quer alterações neurológicas ou agravamento dos sintomas, a repetição

imediata do exame torna-se uma medida essencial. Além disso, é prática

corrente repetir a TC após 12 e 24 horas do trauma, especialmente se a

primeira TC revelou contusões cerebrais ou hematomas.

Ao analisar os resultados da TC, observamos uma variedade de acha-

dos relevantes. Destacam-se o inchaço do couro cabeludo e os hematomas

subgaleais na região do impacto como importantes indicadores.

290
Adicionalmente, fraturas cranianas podem ser identificadas com segu-

rança, mesmo quando a "janela" para visualização de partes moles é em-

pregada. Entre as lesões intracranianas mais graves identificadas na TC es-

tão os hematomas intracranianos, as contusões cerebrais e os desvios da

linha média do cérebro, conhecidos como efeito de massa.

Além disso, o desvio da linha média é um marcador crítico da

gravidade das lesões intracranianas e frequentemente serve como cri-

tério para determinar a necessidade de intervenção cirúrgica. Isso é

quantificado pelo grau de afastamento do septo pelúcido em relação ao

lado oposto ao hematoma, com a ajuda de uma escala impressa adjacente

à imagem tomográfica. Um desvio igual ou superior a 5 mm frequente-

mente sinaliza a necessidade de cirurgia para remover coágulos ou

contusões responsáveis pelo desvio.

No que diz respeito à radiografia de crânio, ela geralmente não é con-

siderada uma prioridade, a menos que o trauma seja penetrante ou haja

suspeita de lesão no osso temporal, onde um traço de fratura pode estar

associado ao desenvolvimento de um hematoma extradural. Em traumas

contusos, o exame clínico e a avaliação direta da região afetada geralmente

fornecem informações mais relevantes do que as radiografias de crânio

291
6.4 Estudando os tipos de trauma

De maneira geral, o tratamento do Traumatismo Cranioencefálico

(TCE) compreende duas fases distintas. Inicialmente, é priorizada a aborda-

gem das lesões que têm o potencial de causar a morte imediata do paci-

ente, seguindo o mesmo princípio aplicado em casos de politraumatismo.

Posteriormente, é implementado um suporte clínico que visa prevenir as

lesões secundárias, frequentemente decorrentes de condições como aci-

dose, hipovolemia e hipóxia.

Para a categorização do TCE em termos de gravidade, utiliza-se a

Escala de Coma de Glasgow (ECG), conforme vista no capítulo relacionado

ao atendimento inicial do paciente politraumatizado, que permite classificá-

lo como leve (pontuação de 13 a 15), moderado (pontuação de 9 a 12)

ou grave (pontuação de 3 a 8). Essa classificação é uma ferramenta essen-

cial na definição das estratégias terapêuticas e na determinação do prog-

nóstico do paciente com TCE.

6.5 Fraturas de crânio

É relevante enfatizar que as fraturas cranianas, embora sejam ocor-

rências frequentes em casos de Traumatismo Cranioencefálico (TCE), não

devem ser automaticamente associadas a desfechos clínicos adversos. Sur-

preendentemente, há muitos casos em que pacientes apresentam lesões

292
cerebrais graves sem apresentar fraturas cranianas visíveis em exames ra-

diológicos.

Portanto, é imperativo compreender que o diagnóstico de uma fra-

tura craniana nunca deve atrasar a avaliação ou tratamento de uma

possível lesão cerebral, visto que o verdadeiro significado clínico das

fraturas está relacionado ao aumento do risco de hematomas intra-

cranianos. Devido a essa preocupação, alguns profissionais de saúde con-

sideram a hospitalização mesmo em pacientes com sintomas leves ou au-

sentes, como medida preventiva.

Quando se trata das categorias de fraturas cranianas, existem quatro

grupos distintos a serem considerados:

Fraturas Lineares Simples: Normalmente, essas fraturas não re-

querem intervenção cirúrgica e podem ser tratadas com observação. No

entanto, é importante observar se a linha de fratura cruza alguma área vas-

cular na radiografia de crânio, uma vez que isso pode aumentar a probabi-

lidade de hematomas intracranianos.

Fraturas com Afundamento: O tratamento para esse tipo de fratura

é direcionado à lesão cerebral subjacente. A cirurgia é indicada quando o

afundamento do osso craniano é maior do que a espessura da própria ca-

lota craniana, pois há um risco significativo de sequelas neurológicas, como

crises convulsivas.

293
Fraturas Abertas: Essas fraturas ocorrem quando há uma ruptura

na dura-máter, criando uma comunicação entre o ambiente externo e o te-

cido cerebral. Nesses casos, é necessário realizar desbridamento e sutura

das lacerações na dura-máter para prevenir infecções e complicações gra-

ves.

Fraturas da Base do Crânio: Geralmente, essas fraturas não são

identificadas em exames radiológicos convencionais. O diagnóstico clínico

se baseia em sinais como a presença de líquido cefalorraquidiano que es-

corre pelo nariz (rinorreia) ou pelo ouvido (otorreia). Outros sinais indicati-

vos incluem equimoses na região mastoidea ou pré-auricular (sinal de Bat-

tle) e equimoses periorbitárias (sinal do guaxinim), que resultam das fratu-

ras da lâmina crivosa. Além disso, lesões nos nervos cranianos VII (paralisia

facial) e VIII (perda auditiva) podem ocorrer devido a fraturas na base do

crânio. As manifestações clínicas dessas lesões nos nervos cranianos po-

dem ser imediatas após o trauma ou se manifestar após alguns dias

6.6 Lesões cerebrais difusas

Lesões cerebrais resultantes de Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

podem ter consequências variadas e impactantes. Essas lesões ocorrem

quando há uma desaceleração abrupta do sistema nervoso central dentro

do crânio, o que pode levar a interrupções temporárias ou danos estrutu-

rais duradouros no cérebro. Duas das principais categorias de lesões

294
cerebrais relacionadas ao TCE são a concussão cerebral e a Lesão Axonal

Difusa (LAD).

6.7 Concussão cerebral

A concussão cerebral é caracterizada clinicamente por uma perda

temporária da função neurológica. Essa perda pode se manifestar como

amnésia, confusão e, frequentemente, uma breve perda de consciência. Ge-

ralmente, essas alterações desaparecem rapidamente, muitas vezes antes

que o paciente chegue à sala de emergência. A amnésia retrograda é um

sintoma comum nesses casos. Alguns autores dividem a concussão em

duas categorias: leve (sem perda de consciência) e clássica (com perda

temporária de consciência por menos de seis horas). A recuperação da me-

mória geralmente segue uma sequência temporal, com os eventos mais dis-

tantes do momento do trauma sendo relembrados primeiro.

Vale ressaltar que as concussões cerebrais são comuns, mas nem

sempre estão associadas a um quadro clínico adverso. Muitas vezes, lesões

cerebrais graves ocorrem sem a presença de fraturas cranianas. Portanto,

o diagnóstico de uma fratura no crânio nunca deve retardar a avaliação ou

tratamento de uma lesão cerebral. Em casos de concussão, o principal

risco é o desenvolvimento de hematomas intracranianos, o que levou

alguns especialistas a recomendarem internação hospitalar mesmo para

pacientes assintomáticos.

295
6.8 Lesão axonal difusa (LAD)

A LAD é uma condição patológica caracterizada pela ruptura de axô-

nios cerebrais. Isso ocorre como resultado de forças de cisalhamento (tan-

genciais) nos prolongamentos axonais, especialmente entre as camadas

corticais e subcorticais, durante a aceleração rotacional da cabeça. A LAD é

um diagnóstico de anatomia patológica e se manifesta clinicamente com

coma que dura mais de seis horas após um TCE.

A LAD pode afetar várias áreas do cérebro, sendo mais comumente

observada nas estruturas inter-hemisféricas, como o corpo caloso, e na por-

ção dorsolateral do mesencéfalo. Além disso, podem ocorrer lesões adicio-

nais, como hemorragia intraventricular e cerebral múltipla, assim como he-

morragias no fórnix, cavum e septo pelúcido. Clinicamente, uma alteração

significativa no nível de consciência é observada imediatamente após o

trauma. O estado de coma dura obrigatoriamente mais de seis horas,

diferenciando a LAD de uma concussão cerebral leve ou clássica. A gra-

vidade da LAD é categorizada em três níveis:

• LAD Grave: O estado comatoso persiste por mais de 24 horas e frequen-

temente está associado a sinais de envolvimento do tronco encefálico,

como postura de decorticação ou descerebração em resposta a estímu-

los dolorosos. A mortalidade nesses casos é significativamente alta, atin-

gindo 51%.

296
• LAD Moderada: Não há sinais de posturas de decorticação ou descere-

bração, mas o coma persiste por mais de 24 horas. A recuperação clínica

geralmente é incompleta, e a mortalidade é de cerca de 24%.

• LAD Leve: Nesse caso, há coma que dura mais de seis horas, mas menos

de 24 horas. Além disso, podem ocorrer déficits neurológicos e de me-

mória. A taxa de mortalidade é menor, em torno de 15%.

O diagnóstico da LAD é confirmado por meio de Tomografia Com-

putadorizada (TC) de crânio, embora nem sempre as lesões sejam visíveis

nesse exame. A ressonância magnética por difusão é mais sensível para

identificar as lesões anatômicas da LAD. Vale mencionar que não há indica-

ção de tratamento cirúrgico para a LAD, e o manejo é principalmente de

suporte clínico.

Anotações

297
Caracte-
Lesão Axonal Difusa (LAD) Concussão Cerebral
rísticas

Lesão difusa dos axônios ce- Disfunção cerebral tempo-

rebrais devido a forças de rária após trauma craniano,


Definição
aceleração ou desaceleração sem evidência de lesão es-

rotacional trutural visível

Forças rotacionais ou trau- Impacto direto ou acelera-


Meca-
mas que causam cisalha- ção/desaceleração súbita
nismo de
mento dos axônios em todo sem causar lesões estrutu-
Lesão
o cérebro rais visíveis

Geralmente leve a mode-


Pode variar de leve a grave,
rada, mas pode variar de
Gravidade dependendo da extensão da
acordo com o grau de con-
lesão axonal
cussão

Geralmente envolve compro- Pode causar perda tempo-


Alterações
metimento do nível de cons- rária de consciência, confu-
Neurológi-
ciência, podendo levar ao são, amnésia e déficits cog-
cas
coma nitivos temporários

Pode não ser evidente em


Geralmente não há anor-
Achados exames de imagem imedia-
malidades visíveis na tomo-
na Ima- tos, mas evidência de LAD
grafia computadorizada
gem pode aparecer em ressonân-
(TC) de crânio
cia magnética (RM)

298
Não é um componente típico,
Intervalo Não é uma característica tí-
pois os sintomas da LAD ge-
Lúcido pica, mas pode ocorrer
ralmente são contínuos

Complica- Pode resultar em déficits cog- Pode levar a problemas

ções a nitivos persistentes, altera- cognitivos temporários,

Longo ções neuropsiquiátricas e mas a maioria dos sintomas

Prazo epilepsia pós-traumática desaparece com o tempo

Repouso e gerenciamento
Geralmente suporte clínico,
Trata- dos sintomas, com retorno
pois não há tratamento espe-
mento gradual às atividades nor-
cífico para LAD
mais quando apropriado

A maioria dos pacientes se


Varia dependendo da gravi-
recupera completamente
Prognós- dade da LAD; LAD grave está
de uma concussão, mas o
tico associada a um pior prognós-
tempo de recuperação
tico
pode variar

Ressonância magnética (RM) Avaliação clínica, incluindo


Diagnós-
é mais sensível para detectar Escala de Coma de Glasgow
tico
LAD e sintomas neurológicos

Coma prolongado, alterações


Confusão, amnésia pós-
Sintomas de personalidade, dificulda-
traumática, dor de cabeça,
Típicos des de aprendizado, compro-
tontura
metimento cognitivo
Tabela 18

299
6.9 Lesões focais:

As lesões focais representam uma parte importante das complica-

ções associadas ao Traumatismo Cranioencefálico (TCE). Elas ocorrem

quando há danos localizados em uma área específica do cérebro e podem

ter sérias consequências, algumas das quais podem requerer intervenção

cirúrgica. O diagnóstico precoce dessas lesões é crucial, pois pode influen-

ciar significativamente o tratamento e o prognóstico do paciente, especial-

mente em casos graves de TCE.

Existem várias lesões focais que podem ocorrer após um TCE, mas

algumas das mais comuns incluem o hematoma subdural agudo, o hema-

toma extradural (ou epidural) e o hematoma intraparenquimatoso.

6.10 Hematoma subdural agudo

Esta é uma das lesões focais mais frequentemente encontradas após

um TCE e pode causar efeitos de massa significativos no cérebro. Pode ocor-

rer em até 30% dos casos de traumas cranianos graves. Alguns grupos de

pacientes, como idosos, alcoólatras e aqueles em uso de anticoagulan-

tes, têm um risco aumentado de desenvolver essa condição. O hema-

toma subdural agudo geralmente ocorre devido a lesões em pequenas

veias que correm entre a dura-máter e a aracnoide, resultando no acú-

mulo gradual de sangue no espaço subdural. Isso pode causar uma

300
pressão prejudicial no cérebro. A localização mais comum é na região fron-

totemporoparietal.

Os sintomas do hematoma subdural agudo podem variar, mas fre-

quentemente incluem alterações no nível de consciência, déficits neuroló-

gicos unilaterais, anisocoria (diferença no tamanho das pupilas), posturas

anormais e irregularidades na respiração. Em casos graves, pode ocorrer

uma síndrome de hipertensão intracraniana caracterizada pela tríade de

Cushing, que envolve hipertensão arterial, bradicardia e bradipneia.

A Tomografia Computadorizada (TC) é a técnica de imagem de

escolha para diagnosticar esse tipo de hematoma, mostrando uma

área hiperdensa em forma de "lua crescente" na superfície do cérebro.

Em casos menos urgentes, a ressonância magnética pode fornecer infor-

mações adicionais.

Figura 48 - Hematoma subdural

301
O tratamento do hematoma subdural agudo envolve frequente-

mente cirurgia, especialmente quando há um desvio significativo da linha

média do cérebro. A drenagem cirúrgica é realizada por meio de uma

craniotomia ampla. É importante observar que o prognóstico pode ser re-

servado devido a lesões adicionais no tecido cerebral circundante, como

hematomas intraparenquimatosos. A taxa de mortalidade pode ser alta,

chegando a 60%.

Estudos demonstraram que a fenitoína, um medicamento anticon-

vulsivante, pode ser eficaz na redução da incidência de convulsões nas pri-

meiras semanas após o trauma craniano. No entanto, seu benefício a longo

prazo é limitado, e o tratamento das complicações associadas ao TCE con-

tinua sendo um desafio clínico importante. Portanto, a vigilância e o trata-

mento adequados das lesões focais são essenciais no manejo de pacientes

com TCE.

6.11 O que é a tríade de cushing?

A Tríade de Cushing é um conjunto de sinais clínicos que pode

ocorrer em pacientes com aumento significativo da pressão intracra-

niana (PIC), muitas vezes associado a condições neurológicas graves, como

Traumatismo Cranioencefálico (TCE) grave. Os três principais sinais da

Tríade de Cushing são:

302
• Hipertensão arterial: Isso ocorre devido ao aumento da pressão intra-

craniana, que afeta o centro de controle da pressão arterial no tronco

cerebral. O corpo tenta compensar o aumento da pressão intracraniana

aumentando a pressão arterial sistêmica.

• Bradicardia: A frequência cardíaca diminui como resultado da estimu-

lação do nervo vago em resposta ao aumento da pressão intracraniana.

Essa resposta é uma tentativa do corpo de manter um fluxo sanguíneo

cerebral adequado.

• Bradipneia: A respiração torna-se lenta e superficial. Isso ocorre devido

ao comprometimento do centro respiratório no tronco cerebral em res-

posta ao aumento da pressão intracraniana.

A Tríade de Cushing é uma situação grave que indica um aumento

significativo da pressão intracraniana. É importante notar que essa tríade

não é uma condição independente, mas sim um conjunto de sinais de alerta

de que algo sério está ocorrendo no cérebro, como um hematoma epidural,

hematoma subdural, tumor cerebral ou edema cerebral grave, frequente-

mente resultante de um TCE grave.

Quando a Tríade de Cushing é identificada, é uma emergência

médica e requer atenção imediata. A causa subjacente do aumento da

pressão intracraniana deve ser avaliada e tratada prontamente para evitar

danos cerebrais adicionais. O tratamento pode envolver intervenção cirúr-

gica para aliviar a pressão, administração de medicamentos para reduzir o

303
edema cerebral e monitoramento rigoroso em uma unidade de terapia in-

tensiva. A identificação precoce e o tratamento adequado são cruciais para

melhorar as chances de recuperação e reduzir complicações graves associ-

adas à Tríade de Cushing.

6.12 Hematoma epidural

O hematoma epidural é uma condição relativamente rara, ocor-

rendo em cerca de 0,5% das vítimas de Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

que não estão em coma, mas sua incidência aumenta para aproximada-

mente 9% em pacientes que se encontram em estado comatoso. A deno-

minação "epidural" se refere ao fato de que esse tipo de hematoma se

forma no espaço entre a face interna do crânio e o folheto externo da

dura-máter, uma das membranas que reveste o cérebro.

A causa subjacente à formação do hematoma epidural está relacio-

nada a lesões nos ramos da artéria meníngea média, que atravessam o

osso temporal e estão vulneráveis a traumas diretos. Em casos raros, o he-

matoma pode resultar da lesão do seio venoso sagital, da veia meníngea

média e das veias diploicas. Importante destacar que, ao contrário do he-

matoma subdural agudo, o hematoma epidural geralmente não está asso-

ciado a danos significativos no córtex cerebral subjacente.

304
Devido à sua origem arterial, o hematoma epidural tem uma instala-

ção imediata e rápida. O sangue se acumula progressivamente, separando

a dura-máter do osso, o que pode resultar em aumento da pressão intra-

craniana e, em casos graves, na herniação do uncus, uma parte do cérebro.

Clinicamente, os hematomas epidurais podem apresentar um curso

peculiar: inicialmente, há perda de consciência devido à concussão cerebral.

Posteriormente, ocorre um período de "intervalo lúcido", no qual o paciente

recupera a consciência. Entretanto, à medida que o sangue acumulado no

espaço epidural atinge um volume crítico, o paciente pode sofrer uma piora

súbita da função neurológica, incluindo a possível herniação do uncus, que

se manifesta como midríase (dilatação da pupila) no lado afetado e paresia

dos membros no lado oposto ao hematoma.

É relevante notar que, em alguns pacientes, a perda inicial de consci-

ência devido à concussão cerebral pode não ocorrer. Além disso, estudos

recentes demonstraram que apenas cerca de 47% dos pacientes com he-

matoma epidural tratados cirurgicamente relatam um período de "inter-

valo lúcido", tornando o diagnóstico imediato desafiador em alguns casos.

A radiografia simples do crânio pode ser útil para o diagnóstico de

hematoma epidural, especialmente quando há uma fratura que cruza o tra-

jeto dos ramos da artéria meníngea média ou dos seios sagitais. A Tomo-

grafia Computadorizada (TC) de crânio é o exame mais utilizado e ge-

ralmente revela um hematoma hiperdenso, frequentemente em

305
forma de "meia lua" ou biconvexo. Outros achados que podem estar pre-

sentes incluem edema cerebral, desvio da linha média, redução das cister-

nas cerebrais superficiais e compressão das estruturas do sistema ventri-

cular. As localizações mais comuns para o hematoma epidural são na região

temporal, temporoparietal e frontotemporoparietal.

Figura 49 - Hematoma epidural. Fonte ATLS

O tratamento cirúrgico é indicado nos hematomas epidurais sin-


tomáticos com pequenos desvios da linha média, geralmente iguais ou
superiores a 5 mm, bem como em hematomas assintomáticos com
uma espessura maior que 15 mm. O procedimento cirúrgico envolve a
realização de uma craniotomia ampla na região frontotemporoparietal, se-
guida da remoção do hematoma e coagulação das áreas de hemorragia. A
intervenção neurocirúrgica precoce, de preferência dentro das primeiras

306
duas horas após a lesão, tem um impacto significativo no prognóstico do
paciente e pode resultar em completa recuperação da função neurológica,
especialmente em crianças. Portanto, o reconhecimento e o tratamento
imediatos são cruciais para melhorar as perspectivas de recuperação em
casos de hematoma epidural.

Abaixo, criamos uma tabela com as principais diferenças relaciona-


das aos hematomas subdural e epidural:

Características Hematoma Subdural Hematoma Epidural

Entre a dura-máter e
Localização Entre a dura-máter e crânio
aracnoide

Trauma craniano, que- Trauma craniano, fratura de


Causa comum
das, abuso de álcool crânio

Origem do san-
Veias rompidas Lesão arterial ou venosa
gramento

Velocidade de ins-
Geralmente mais lenta Geralmente rápida
talação

Intervalo Lúcido Pode ocorrer Geralmente ocorre

Dependentes do tama-
Pode haver perda de
nho e gravidade, inclu-
consciência seguida de recu-
Sintomas clínicos indo dor de cabeça,
peração temporária e, em se-
confusão, déficits neu-
guida, piora neurológica
rológicos

307
Apresentação ra- Forma crescente e len- Forma lenticular e rápida

diológica tamente evoluindo evolução

Pode ser necessário


Geralmente necessita de in-
Tratamento cirúr- em casos graves ou
tervenção cirúrgica para ali-
gico com desvio da linha
viar a pressão intracraniana
média

Pode levar a edema ce-


Pode resultar em aumento
rebral, síndrome de hi-
rápido da pressão intracrani-
Complicações pertensão intracrani-
ana, herniação cerebral e
ana, convulsões e défi-
coma
cits neurológicos

Geralmente melhor com tra-


Varia de acordo com o
tamento precoce, mas gravi-
Prognóstico tamanho, gravidade e
dade depende do volume e
tratamento oportuno
localização do hematoma

Tomografia computa-
TC de crânio e radiografia
Avaliação diag- dorizada (TC) de crânio
simples do crânio ajudam no
nóstica é o principal exame de
diagnóstico
imagem

Populações de Idosos, alcoólatras, uso Qualquer pessoa com

risco de anticoagulantes trauma craniano significativo


Tabela 19

308
6.13 Contusão e hematomas intracerebrais

As contusões cerebrais representam uma complexa complicação que

frequentemente surge no contexto de Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

grave. Essas lesões caracterizam-se pela perturbação da estrutura superfi-

cial do cérebro, abrangendo tanto o córtex cerebral, a camada mais externa,

quanto o subcórtex, e se manifestam com distintos graus de hemorragias

em pequenos vasos, edema cerebral e destruição de tecido neural. A ocor-

rência de contusões cerebrais é significativa, presente em cerca de 20 a 30%

dos casos de TCE grave, com predileção por se desenvolver nos lobos fron-

tal e temporal.

O mecanismo subjacente à contusão cerebral é a desaceleração

abrupta do cérebro no interior do crânio após um trauma. Nesse cená-

rio, o cérebro continua a se movimentar mesmo quando o crânio para brus-

camente, resultando em um tipo de "impacto e contragolpe" que leva o te-

cido cerebral a colidir contra a parede interna do crânio. A gravidade dos

déficits neurológicos associados à contusão varia conforme o tamanho e a

localização da lesão, muitas vezes mimetizando um quadro clínico seme-

lhante a um acidente vascular cerebral isquêmico em um território vascular

da artéria cerebral média.

309
Uma complicação tardia que pode surgir em pacientes com contu-

sões cerebrais é a formação de cicatrizes corticais, o que pode aumentar o

risco de desenvolver epilepsia pós-traumática.

Adicionalmente, outras complicações podem se manifestar horas ou

dias após o trauma inicial. Isso inclui a coalescência das contusões, onde

várias áreas de lesões cerebrais se unem para formar uma única lesão

maior, e o desenvolvimento de hematomas intracerebrais. Essas complica-

ções, que podem ocorrer em até 20% dos pacientes com contusões cere-

brais identificadas inicialmente na Tomografia Computadorizada (TC) de

crânio, frequentemente resultam em rápida deterioração neurológica e au-

mento súbito e inesperado da pressão intracraniana (PIC). Em alguns casos,

o efeito de massa induzido por essas complicações pode requerer interven-

ção cirúrgica para aliviar a pressão intracraniana.

Devido ao potencial para complicações tardias, é imperativo que to-

dos os pacientes com contusões cerebrais passem por uma nova avaliação

por meio de TC de crânio após 24 horas do trauma. Esse acompanhamento

é essencial para monitorar alterações nas lesões e identificar precocemente

o desenvolvimento de complicações que possam necessitar de intervenção

imediata. Assim, um acompanhamento clínico rigoroso e vigilância cons-

tante são fundamentais no manejo das contusões cerebrais em pacientes

com TCE grave, contribuindo para um melhor prognóstico e tratamento.

310
6.14 Lesões de pares cranianos relacionados ao TCE e suas

consequências

As lesões de pares cranianos relacionadas ao Traumatismo Cranio-

encefálico (TCE) são um conjunto de comprometimentos neurológicos que

afetam os nervos cranianos responsáveis por várias funções sensoriais e

motoras da cabeça e pescoço. O TCE pode resultar em lesões diretas ou

indiretas nos nervos cranianos devido a forças mecânicas, como impactos,

quedas ou acelerações/desacelerações bruscas. Essas lesões podem variar

em gravidade, desde sintomas leves até complicações graves e permanen-

tes.

Aqui estão algumas das lesões de pares cranianos mais comuns as-

sociadas ao TCE:

• Par Craniano I - Nervo Olfatório: Geralmente, os danos ao primeiro

par craniano não são comuns em TCE, pois as lesões costumam ser mais

profundas. No entanto, em casos graves, uma fratura craniana pode

romper as fibras olfatórias, resultando em perda ou alteração do sentido

do olfato.

• Par Craniano II - Nervo Óptico: O segundo par craniano é frequente-

mente afetado em TCE, levando a distúrbios visuais, como visão turva,

visão dupla ou perda de visão em um ou ambos os olhos. Isso pode ser

resultado de uma lesão direta ou do aumento da pressão intracraniana.

311
• Par Craniano III - Nervo Oculomotor, IV - Nervo Troclear e VI - Nervo

Abducente: Esses nervos estão envolvidos no movimento dos olhos. Le-

sões nesses nervos podem causar estrabismo, diplopia (visão dupla) ou

dificuldade em controlar os movimentos oculares.

• Par Craniano V - Nervo Trigêmeo: O quinto par craniano é responsável

pela sensação na face e controle da mastigação. Lesões podem resultar

em dormência facial, dor facial intensa (neuralgia do trigêmeo) ou fra-

queza dos músculos da mastigação.

• Par Craniano VII - Nervo Facial: O nervo facial controla os músculos da

expressão facial e a função das glândulas salivares e lacrimais. Uma le-

são pode levar à paralisia facial, alterações no paladar e diminuição da

produção de lágrimas e saliva.

• Par Craniano VIII - Nervo Vestibulococlear: Este par craniano é res-

ponsável pela audição e pelo equilíbrio. Lesões podem causar perda au-

ditiva, zumbido nos ouvidos (tinnitus) e distúrbios do equilíbrio.

• Par Craniano IX - Nervo Glossofaríngeo e X - Nervo Vago: Esses ner-

vos estão envolvidos na deglutição, na fala e no controle de funções au-

tônomas, como frequência cardíaca e pressão arterial. Lesões podem

levar a dificuldades na deglutição, rouquidão e problemas autonômicos.

• Par Craniano XI - Nervo Acessório: O nervo acessório controla os mús-

culos do pescoço e dos ombros. Lesões podem causar fraqueza muscu-

lar nessa região.

312
• Par Craniano XII - Nervo Hipoglosso: Este par craniano controla os

músculos da língua. Lesões podem resultar em fraqueza ou paralisia da

língua, afetando a fala e a deglutição.

É importante observar que as lesões de pares cranianos podem ser

imediatamente evidentes após um TCE ou podem se desenvolver gradual-

mente ao longo do tempo, exigindo avaliação clínica e exames de imagem

para diagnóstico preciso. O tratamento e o prognóstico dependem da

extensão e da gravidade das lesões, com algumas lesões melhorando

significativamente com o tempo e outras exigindo intervenção médica

ou cirúrgica. A reabilitação e o acompanhamento médico adequados são

fundamentais para minimizar as complicações a longo prazo e melhorar a

qualidade de vida dos pacientes afetados.

6.15 Conduta no TCE leve a moderado

Os casos de Traumatismo Cranioencefálico (TCE) leve, com uma pon-

tuação de 13 a 15 na Escala de Coma de Glasgow (ECG), abrangem uma

grande parcela, cerca de 80%, dos pacientes afetados. Nesse grupo, é co-

mum observar histórico de desorientação, amnésia ou perda temporária

de consciência, mas, no momento da admissão na sala de emergência, os

pacientes geralmente estão alertas e têm uma comunicação normal. Em-

bora a maioria deles tenha uma evolução favorável, é importante notar que

313
aproximadamente 3% podem apresentar uma deterioração súbita e impre-

vista.

6.16 Quando devemos solicitar tc de crânio em tce leve?

A avaliação e o manejo adequados de pacientes com Traumatismo

Cranioencefálico (TCE) leve são de extrema importância para determinar a

necessidade de realização de exames de imagem, como a Tomografia Com-

putadorizada (TC) de crânio. Para auxiliar os profissionais de saúde nesse

processo, foi desenvolvida a "Regra Canadense da TC de Crânio" (Cana-

dian CT head rule), um critério clínico que ajuda a identificar quais pa-

cientes com TCE leve podem se beneficiar da realização desse exame.

Essa regra é uma ferramenta valiosa que auxilia na tomada de deci-

sões, garantindo que a TC de crânio seja realizada quando realmente ne-

cessário, evitando exposições desnecessárias à radiação e reduzindo cus-

tos. A seguir, apresentamos um resumo das principais indicações da "Regra

Canadense da TC de Crânio":

Critérios de Alto Risco para TC de Crânio:

• Paciente com GCS menor que 15 nas primeiras duas horas após o

trauma: Qualquer paciente com uma pontuação menor que 15 na Es-

cala de Coma de Glasgow (GCS) nas primeiras duas horas após o trauma

deve ser submetido a uma TC de crânio.

314
• Sinais de Fratura Craniana Aberta: A presença de sinais evidentes de

fratura craniana aberta, como exposição do tecido cerebral ou vaza-

mento de líquor pelo nariz ou ouvido, indica a necessidade imediata de

uma TC de crânio.

• Sinais de Fratura Craniana à Palpação: Se houver sinais de fratura cra-

niana ao realizar a palpação do couro cabeludo, como depressões ós-

seas palpáveis, isso é um critério para a realização da TC.

• Paciente com Mais de 65 Anos de Idade: Pacientes com idade igual ou

superior a 65 anos que tenham sofrido TCE leve e apresentem vômitos,

amnésia pós-trauma com mais de 30 minutos ou sinais clínicos de

trauma craniano são candidatos à TC.

• Trauma Mecanismo de Alta Energia: Pacientes que sofreram TCE leve

e estiveram envolvidos em um mecanismo de trauma de alta energia,

como acidentes automobilísticos a uma velocidade superior a 100 km/h,

quedas de altura superior a um metro ou acidentes com motocicletas,

também são candidatos à TC.

Critérios de Baixo Risco para TC de Crânio:

A "Regra Canadense da TC de Crânio" também estabelece critérios

que indicam baixo risco, nos quais a TC de crânio pode ser evitada. Isso

inclui pacientes que não se enquadram em nenhum dos critérios de alto

risco mencionados acima. No entanto, esses pacientes devem ser

315
cuidadosamente monitorados e reavaliados clinicamente, pois podem de-

senvolver sintomas ou sinais que justifiquem a realização posterior da TC.

É importante ressaltar que a "Regra Canadense da TC de Crânio" é

uma diretriz valiosa, mas a avaliação clínica individual do paciente deve

sempre prevalecer. Essa regra é uma ferramenta de auxílio para ajudar a

determinar quais pacientes com TCE leve precisam de uma TC de crânio,

mas não substitui o julgamento clínico e a experiência médica.

Critérios de Alto Risco Indicação para TC de Crânio

GCS < 15 nas primeiras 2 horas após


Sim
trauma

Sinais de fratura craniana aberta Sim

Sinais de fratura craniana à palpação Sim

Sim (se cumprir outros crité-


Paciente com mais de 65 anos
rios)

Sim (se cumprir outros crité-


Mecanismo de trauma de alta energia
rios)

Tabela 20

A tabela abaixo resume os principais critérios da "Regra Canadense

da TC de Crânio" para indicação e não indicação de TC de crânio em pacien-

tes com TCE leve:

316
Critérios de Baixo Risco Não Indicação para TC de Crânio

Não cumprir critérios de alto risco Sim

Tabela 21

Lembre-se de que essa é uma diretriz geral e que a avaliação clínica

individual sempre deve ser considerada na decisão de realizar ou não uma

TC de crânio em pacientes com TCE leve.

Não devemos negligenciar a importância de solicitar uma Tomografia

Computadorizada (TC) em pacientes que estejam em uso de anticoagulan-

tes orais, apresentem diátese hemorrágica ou demonstrem sinais focais ou

convulsões. Além disso, é cada vez mais recomendado evitar a realização

de TC em hospitais primários.

Quando ocorrem alterações na TC ou persistência dos sintomas, é

fundamental a avaliação por um neurocirurgião. Portanto, o paciente deve

permanecer sob observação hospitalar. Por outro lado, indivíduos assinto-

máticos e alertas podem ser monitorados por mais algumas horas e reexa-

minados. Caso esse novo exame esteja dentro da normalidade, o paciente

pode receber alta. Contudo, é altamente recomendável que o paciente seja

acompanhado por um cuidador nas próximas 24 horas. A ocorrência de ce-

faleia, declínio no estado mental ou o surgimento de qualquer déficit neu-

rológico deve ser considerada uma razão para retorno imediato à sala de

emergência.

317
Os pacientes com TCE moderado, que correspondem a cerca de 10%

dos casos, geralmente apresentam confusão ou sonolência e podem mani-

festar déficits neurológicos focais. Em sua maioria, esses pacientes ainda

conseguem obedecer a comandos verbais simples. No entanto, é impor-

tante destacar que aproximadamente 10 a 20% desses pacientes podem

piorar e evoluir para um estado de coma.

A abordagem inicial deve focar na estabilização cardiopulmonar an-

tes da avaliação neurológica. A realização de uma TC é fundamental e, sem-

pre que possível, um neurocirurgião deve ser contatado imediatamente.

A hospitalização é necessária em todos os casos de TCE mode-

rado, com os pacientes sendo admitidos em unidades de tratamento inten-

sivo (UTIs) ou unidades equivalentes, onde serão submetidos a rigorosa ob-

servação com exames neurológicos frequentes nas próximas 12 a 24 horas.

Além disso, uma nova TC entre 12 a 24 horas é indicada se a TC inicial apre-

sentou alguma anormalidade ou na presença de deterioração neurológica.

6.17 Tratamento no tce grave

A estabilização do paciente com Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

grave, classificado entre 3 e 8 na Escala de Coma de Glasgow (ECG), é um

passo crítico que demanda ação rápida e precisa. O TCE é uma condição na

318
qual a resposta rápida da equipe médica pode ter um impacto significativo

no prognóstico do paciente.

Uma das principais preocupações no tratamento de pacientes com

TCE grave é a manutenção de uma adequada oxigenação cerebral. Por-

tanto, durante o atendimento primário e a ressuscitação, a via aérea

do paciente deve ser prontamente avaliada e garantida, se necessário,

com intubação endotraqueal. A ventilação mecânica deve ser iniciada

com uma concentração de oxigênio de 100% (FiO2 = 1) para garantir uma

oxigenação eficaz. Os parâmetros do ventilador devem ser ajustados com

base na gasometria arterial, visando manter uma saturação de oxigênio

acima de 98% e uma pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO2)

em torno de 35 mmHg.

É importante destacar que a hiperventilação, com a consequente re-

dução da PaCO2 abaixo de 32 mmHg, deve ser realizada com extrema cau-

tela, sendo indicada apenas em casos de rápida deterioração do quadro

neurológico, como síndrome de hipertensão intracraniana refratária.

Em situações de hipotensão, a administração imediata de fluidos in-

travenosos e, quando necessário, derivados de sangue, é fundamental para

restabelecer a estabilidade hemodinâmica. É essencial lembrar que,

quando ocorre instabilidade hemodinâmica, a avaliação neurológica pode

ser prejudicada, tornando difícil a detecção de sinais e sintomas neurológi-

cos sutis.

319
Caso não haja melhora após a reposição de líquidos e o paciente con-

tinue hipotenso (com pressão arterial sistólica ≤ 100 mmHg), é imperativo

investigar a possível fonte de sangramento adicional por meio de exames

complementares, como ultrassonografia FAST ou laparotomia, se houver

suspeita de hemorragia abdominal associada. A intervenção cirúrgica para

controlar o sangramento abdominal deve ser priorizada nessas situações,

enquanto a intervenção neurológica deve ser cuidadosamente avaliada,

considerando a estabilidade do paciente e a presença de sinais de aumento

da pressão intracraniana.

6.18 Hipertensão intracraniana no contexto do trauma

O aumento da pressão intracraniana (PIC) após um Traumatismo

Cranioencefálico (TCE) ocorre devido a uma série de fatores relacionados às

lesões cerebrais e ao processo de resposta do corpo ao trauma. Alguns dos

principais motivos incluem:

• Edema Cerebral: O cérebro é altamente sensível a qualquer forma de

lesão. Quando ocorre um TCE, as células cerebrais podem ser danifica-

das, levando à liberação de substâncias químicas que desencadeiam

uma resposta inflamatória. Isso resulta em um acúmulo de fluido no te-

cido cerebral, conhecido como edema cerebral, que aumenta o volume

dentro do crânio, contribuindo para o aumento da PIC.

320
• Hematomas Intracranianos: Traumas graves muitas vezes causam

sangramento dentro do crânio, como hematomas subdurais, epidurais

ou intraparenquimatosos. O sangue adicional no espaço intracraniano

ocupa espaço e aumenta a pressão.

• Aumento do Líquido Cerebrospinal (LCS): Em resposta à lesão cere-

bral, pode ocorrer uma produção aumentada de LCS ou uma obstrução

em sua circulação normal. Isso leva ao acúmulo de LCS, aumentando

ainda mais a PIC.

• Inchaço do Tecido Neural: Além do edema cerebral, o próprio tecido

neural pode inchar devido à lesão. Isso também contribui para o au-

mento da pressão dentro do crânio.

• Acúmulo de Produtos Metabólicos: Durante a lesão cerebral, há uma

liberação de produtos metabólicos tóxicos, que podem causar inflama-

ção adicional e contribuir para o edema cerebral.

• Resposta do Corpo ao Trauma: O corpo pode aumentar a pressão ar-

terial sistêmica em resposta ao trauma. Essa resposta pode ser desen-

cadeada pela liberação de hormônios de estresse. O aumento da pres-

são arterial sistêmica pode, por sua vez, aumentar a pressão intracrani-

ana.

• Restrição Anatomofisiológica: O crânio é uma estrutura rígida e não

expansível. Qualquer aumento no volume intracraniano, seja devido a

edema, sangramento ou acúmulo de LCS, pode resultar em um aumento

substancial da pressão intracraniana, pois o crânio não pode acomodar

o aumento de volume.

321
6.19 A doutrina de monro-kellie:

O aumento da pressão intracraniana (PIC) após um Traumatismo

Cranioencefálico (TCE) é uma preocupação crítica em cuidados neurológi-

cos, e sua compreensão está intimamente relacionada à doutrina de

Monro-Kellie, que fornece insights valiosos sobre a dinâmica intracraniana.

A doutrina de Monro-Kellie é fundamental para entender as altera-

ções na pressão intracraniana decorrentes de um TCE. Essa doutrina esta-

belece uma relação crucial entre os componentes fixos dentro do crâ-

nio: o cérebro, o líquido cerebrospinal (LCS) e o sangue. Ela postula que

a soma dos volumes desses componentes deve ser constante, uma vez

que o crânio é uma estrutura rígida e inelástica, incapaz de acomodar

um aumento de volume. Portanto, qualquer aumento em um desses

componentes resultará em um aumento da pressão intracraniana, a

menos que ocorra uma compensação em outro componente. Essa dou-

trina destaca a importância da autorregulação intracraniana e os limi-

tes dessa capacidade de adaptação.

Em um TCE, vários fatores podem contribuir para o aumento da pres-

são intracraniana, e entender esses mecanismos é essencial, conforme dis-

cutido anteriormente. O controle adequado da pressão intracraniana após

um TCE é essencial para evitar danos cerebrais adicionais e melhorar o

prognóstico do paciente. Profissionais de saúde especializados em

322
neurocirurgia e cuidados intensivos utilizam várias estratégias para moni-

torar e controlar a PIC. Isso pode envolver a drenagem cirúrgica de hema-

tomas, a remoção de tecido cerebral danificado e a otimização da ventilação

mecânica para manter os níveis adequados de oxigênio e dióxido de car-

bono no sangue. Em casos graves, pode ser necessária a realização de pro-

cedimentos neurocirúrgicos mais invasivos, como a colocação de um cate-

ter para monitorar a PIC diretamente.

6.20 Quando devemos monitorizar a pressão intracraniana

(PIC)?

Nos pacientes comatosos que sofrem de Traumatismo Cranioence-

fálico (TCE) grave, com uma pontuação de Glasgow igual ou inferior a 8 e

alterações visíveis na Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, o acom-

panhamento da Pressão Intracraniana (PIC) desempenha um papel crucial

no planejamento terapêutico. Nestes cenários críticos, os valores da PIC ser-

vem como um guia essencial para orientar as intervenções médicas, uma

vez que os próprios procedimentos utilizados para tratar pacientes grave-

mente enfermos podem afetar adversamente a perfusão do tecido cere-

bral. Por exemplo, a hiperventilação excessiva, usada para diminuir a PIC,

pode levar à isquemia cerebral.

Para monitorar a PIC de maneira confiável em pacientes com TCE

grave, especialmente naqueles em coma, o posicionamento de um cateter

323
de monitorização dentro do ventrículo cerebral, chamado de ventriculosto-

mia, é considerado o método mais seguro e eficaz. Isso permite uma avali-

ação direta e contínua da pressão dentro do crânio, facilitando o acompa-

nhamento preciso da situação clínica do paciente.

Em pacientes com monitorização da PIC, é comum observar flutua-

ções nos níveis de pressão. Muitas vezes, a PIC de repouso pode ser inter-

rompida por ondas de plateau, que representam aumentos súbitos no fluxo

sanguíneo cerebral. É importante notar que a capacidade de autorregula-

ção cerebral, que normalmente mantém a PIC estável, pode estar compro-

metida em pacientes com TCE grave. Essas ondas de plateau podem ocor-

rer espontaneamente, mas também podem ser desencadeadas por proce-

dimentos médicos, como a aspiração de secreções, sessões de fisioterapia

ou administração excessiva de fluidos.

O objetivo é manter a PIC dentro de uma faixa de valores consi-

derados aceitáveis, geralmente entre 5-15 mmHg. É importante ressal-

tar que uma PIC normal em um indivíduo em repouso é de aproximada-

mente 10 mmHg. Portanto, o monitoramento rigoroso da PIC é essencial

para garantir que os níveis permaneçam dentro desses limites, evitando as-

sim complicações adicionais e promovendo a recuperação neurológica ade-

quada nos pacientes com TCE grave.

324
6.21 Conduta frente a hipertensão intracraniana

Os cuidados intensivos desempenham um papel crucial no trata-

mento de pacientes com Traumatismo Cranioencefálico (TCE) grave, vi-

sando principalmente prevenir lesões secundárias, como a isquemia e a hi-

póxia cerebral, que podem agravar ainda mais o quadro clínico e o prog-

nóstico do paciente. Em casos de pacientes comatosos ou em estado de

torpor, uma das primeiras medidas é a intubação orotraqueal e a ventilação

mecânica para garantir uma oxigenação adequada. Além disso, é funda-

mental a realização de intervenções cirúrgicas emergenciais quando neces-

sário, conforme discutido anteriormente. Durante o tratamento, é essencial

que um neurocirurgião instale um cateter para a monitorização da Pressão

Intracraniana (PIC), que serve como um guia essencial para a terapêutica

empregada. Os cateteres intraventriculares, conhecidos como ventriculos-

tomias, têm a capacidade de drenar o líquido cefalorraquidiano em casos

de aumento da PIC, ajudando a manter os valores dentro de limites aceitá-

veis.

Um componente crítico dos cuidados intensivos é a manutenção da

Pressão Arterial Média (PAM) em níveis apropriados para reduzir a mortali-

dade. A PAM adequada varia com a idade do paciente: ≥ 100 mmHg em

indivíduos de 50 a 69 anos, ou ≥ 110 mmHg em pacientes de 15 a 49 anos

e idosos com mais de 70 anos. Para atingir esses valores, pode ser necessá-

rio administrar fluidos intravenosos, possivelmente combinados com

325
vasopressores. No entanto, é fundamental manter o equilíbrio hídrico ade-

quado, evitando sobrecarregar o paciente com fluidos.

Aumento da PIC > 20 mmHg por mais de cinco minutos caracte-



riza a hipertensão intracraniana e requer terapia imediata.

Abaixo, revisamos uma série de medidas que podem ser executa-

das neste contexto:

• 1. Monitorização da Pressão Intracraniana (PIC): Uma das primeiras

ações na unidade de cuidados intensivos é a instalação de um cateter

para a monitorização da Pressão Intracraniana (PIC). Esse dispositivo

serve como um guia essencial para a terapêutica empregada, permi-

tindo um acompanhamento contínuo dos níveis de pressão no cérebro.

• 2. Drenagem Liquórica: Em casos de aumento da PIC, os cateteres in-

traventriculares, conhecidos como ventriculostomias, são utilizados.

Eles têm a capacidade de drenar o líquido cefalorraquidiano, ajudando

a manter os valores dentro de limites aceitáveis e aliviando a pressão

sobre o cérebro.

• 3. Manutenção da Pressão Arterial Média (PAM): Para reduzir a mor-

talidade, é crucial manter a Pressão Arterial Média (PAM) em níveis ade-

quados, sendo essas metas específicas para diferentes faixas etárias: ≥

100 mmHg em indivíduos de 50 a 69 anos, ou ≥ 110 mmHg em pacientes

de 15 a 49 anos e idosos com mais de 70 anos. O controle da PAM pode

326
exigir a administração cuidadosa de fluidos intravenosos e, em alguns

casos, o uso de vasopressores.

• 4. Posicionamento da Cabeceira: Uma simples, mas eficaz medida é

manter a cabeceira do paciente elevada a 30 graus. Isso auxilia na redu-

ção da hipertensão intracraniana e contribui para a adequada circulação

cerebral.

• 5. Administração de Medicamentos e Sedativos: Quando as medidas

anteriores não são suficientes, a administração de medicamentos seda-

tivos e bloqueadores neuromusculares pode ser necessária para contro-

lar a pressão intracraniana, promovendo o repouso necessário ao cére-

bro.

• 6. Uso de Diuréticos (Manitol): Em casos de PIC elevada, o uso de diu-

réticos, como o manitol, pode ser considerado. No entanto, é vital moni-

torar os níveis de osmolaridade plasmática para evitar complicações. Va-

lores acima de 320 mOsm/kg indicam a necessidade de interromper o

diurético.

• 7. Solução Salina Hipertônica: Em situações de hipotensão associada

à hipertensão intracraniana, a solução salina hipertônica, em concentra-

ções de 3 a 23,4%, pode ser uma opção terapêutica. Contudo, seu bene-

fício é limitado em casos de instabilidade hemodinâmica.

• 8. Hiperventilação Controlada: A hiperventilação controlada pode ser

uma medida temporária para reduzir a PIC em pacientes com deteriora-

ção neurológica aguda. No entanto, seu uso deve ser cauteloso, pois a

diminuição excessiva da pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2)

327
pode resultar em vasoconstrição cerebral, levando à isquemia cerebral.

Normalmente, níveis de PaCO2 de 25 a 30 mmHg são mantidos durante

essa abordagem.

• 9. Administração de Altas Doses de Barbitúricos: Quando outras in-

tervenções não surtem efeito, altas doses de barbitúricos podem ser

usadas para reduzir a pressão intracraniana. No entanto, esses medica-

mentos podem causar hipotensão como efeito colateral, exigindo aten-

ção cuidadosa.

• 10. Monitorização Neurológica Avançada: Em situações em que paci-

entes requerem níveis muito baixos de PaCO2 para controlar a PIC, a

monitorização neurológica avançada pode ser recomendada.

• 11. Anticonvulsivantes (Fenitoína): Para prevenir convulsões pós-trau-

máticas precoces, a administração de anticonvulsivantes, como a fenito-

ína, pode ser indicada, embora seja avaliada caso a caso.

• 12. Hipotermia Induzida: Em situações excepcionais em que a PIC per-

manece elevada apesar de todas as intervenções, a hipotermia induzida

pode ser considerada. No entanto, essa abordagem deve ser cuidadosa-

mente discutida com os familiares devido aos riscos potenciais e bene-

fícios questionáveis.

328
UNICAMP (2023)

O tipo de hematoma intracraniano é:

RESPOSTA: A Imagem é típica de um hematoma subdural

Anotações

329
UFPA (2021)

Garoto de 16 anos foi trazido pelo SAMU ao hospital metropolitano

sendo relatado que há cerca de 2 horas, em uma partida de futebol, durante

disputa de bola, chocou-se cabeça com cabeça com um adversário. No mo-

mento do trauma não perdeu a consciência e continuou jogando, porém

após 15 minutos começou a sentir dor de cabeça e pediu para ser substitu-

ído. Após alguns minutos piorou da dor de cabeça e começou a apresentar

vômitos; depois de 1 hora do trauma, evoluiu com sonolência e rebaixa-

mento progressivo do nível de consciência. Durante o exame no pronto-

socorro, o Glasgow era de 8, com Anisocoria à esquerda. Nesse caso, o pro-

vável diagnóstico é

A) Hematoma subdural.

B) Hematoma extradural.

C) Contusão cerebral.

D) Hemorragia sub araquinodea.

E) Lesão axonal difusa.

RESPOSTA: O hematoma epidural é uma condição caracterizada pelo

sangramento entre a dura-máter e a calota craniana, sendo uma complica-

ção relativamente rara, porém potencialmente grave, em casos de

330
traumatismos cranioencefálicos. Durante o evento traumático, fre-

quentemente ocorre uma rápida aceleração e desaceleração, levando à

ruptura da artéria meníngea média, em sua maioria dos casos. Esse tipo de

hematoma tem maior incidência em adolescentes e adultos jovens, como

no caso mencionado.

Uma apresentação clínica clássica do hematoma epidural é o cha-

mado "intervalo lúcido", em que o paciente recupera a consciência após o

trauma e permanece acordado por algumas horas. Isso ocorre enquanto o

hematoma continua a se expandir devido ao sangramento contínuo. À me-

dida que o hematoma cresce, o paciente começa a apresentar diminuição

do nível de consciência e outros sinais de aumento da pressão intracrani-

ana, como náuseas, vômitos, dor de cabeça e até paralisia do nervo abdu-

cente.

• A) INCORRETA.O hematoma subdural é mais comum em idosos devido

à maior atrofia cerebral. Sua formação ocorre devido à ruptura das veias

que drenam o sangue venoso do córtex cerebral para os seios durais,

geralmente em traumas com menor energia, e não costuma apresentar

o intervalo lúcido observado no hematoma epidural.

• B) CORRETA, pois descreve de maneira adequada o quadro típico de um

hematoma epidural com intervalo lúcido na apresentação clínica.

331
• C) INCORRETA. A contusão cerebral pode causar alterações cognitivas e

neuropsiquiátricas, mas geralmente não está associada ao intervalo lú-

cido observado no hematoma epidural.

• D) INCORRETA.A hemorragia subaracnóidea (HSA) se manifesta clinica-

mente por meio de uma cefaleia súbita e intensa, mas não apresenta o

intervalo lúcido como característica principal.

• E) INCORRETA. A lesão axonal difusa ocorre em traumas de alta energia,

mas não está associada ao intervalo lúcido observado no hematoma epi-

dural.

Gabarito: Letra B

Anotações

332
SCMSJC (2023)

Você está de plantão e chega um paciente com história de trauma

cranial ao exame físico visualiza a seguinte lesão. Qual seria a hipótese di-

agnostica?

A) Hematoma Subdural.

B) Hematoma Epidural.

C) Fratura de Base de Crânio.

D) Hematoma Subgaleal.

RESPOSTA: A imagem corresponde ao clássico sinal de “olhos de gua-

xinim” (hematoma periorbital), típico de fraturas de base de crânio.

333
7. QUEIMADURAS

As queimaduras representam uma lesão tecidual provocada por di-

ferentes agentes, como calor, eletricidade, substâncias químicas ou radia-

ção, resultando na destruição parcial ou total da pele e estruturas subjacen-

tes, incluindo o tecido subcutâneo, músculos, tendões e até ossos.

Nos Estados Unidos, cerca de dois milhões de pessoas enfrentam

queimaduras anualmente, com aproximadamente 100.000 necessitando

de internação hospitalar e, lamentavelmente, registrando-se cerca de 5.000

óbitos decorrentes dessas lesões. No Brasil, embora não disponhamos de

um banco de dados nacional abrangente sobre queimaduras, as estatísticas

oficiais ainda carecem de números consistentes. No entanto, podemos ob-

servar que a maioria das vítimas é do sexo masculino, principalmente adul-

tos jovens entre 20 e 29 anos, bem como crianças menores de dez anos.

A melhora nas taxas de sobrevivência de vítimas de queimaduras,

principalmente em países desenvolvidos, pode ser atribuída a uma série de

fatores. Isso inclui um atendimento pré-hospitalar mais eficaz, abordagens

adequadas para manter as vias aéreas desobstruídas e iniciar a reposição

de fluidos precocemente. Além disso, o aprofundamento do conhecimento

sobre as alterações fisiológicas e metabólicas em pacientes gravemente

queimados tem desempenhado um papel fundamental. A criação de Cen-

tros Especializados em Tratamento de Queimados (CETQ) também tem con-

tribuído significativamente para a redução das taxas de mortalidade.

334
O prognóstico de uma vítima de queimadura depende de vários

fatores, incluindo a extensão da Superfície Corporal Queimada (SCQ),

a profundidade e a localização da lesão, a presença de doenças crôni-

cas preexistentes e a idade do paciente, sendo as crianças e os idosos

mais suscetíveis a complicações graves.

Além disso, é de suma importância entendermos o termo "grande

queimado", que é usado para descrever vítimas de queimaduras graves,

embora não seja amplamente adotado internacionalmente. A American

Burn Association, no entanto, define uma grande queimadura (major

or severe burn) quando qualquer um dos seguintes critérios é aten-

dido:

• Envolvimento de ≥ 25% da SCQ em indivíduos de 10 a 40 anos;

• Envolvimento de ≥ 20% da SCQ em crianças com menos de dez anos ou

em adultos com mais de 40 anos;

• Queimaduras de terceiro grau (espessura total) que afetam 10% ou mais

da SCQ;

• Queimaduras que envolvem áreas críticas como olhos, ouvidos, face,

mãos, pés ou região perineal, resultando em comprometimento funcio-

nal;

• Queimaduras elétricas de alta voltagem;

• Qualquer queimadura complicada por trauma grave ou lesão por inala-

ção;

335
• Pacientes queimados com comorbidades graves.

É importante ressaltar que queimaduras de primeiro grau, como

queimaduras solares, geralmente não têm repercussões sistêmicas nem

funcionais significativas.

Ainda nesse contexto é fundamental o entendimento de que morta-

lidade em pacientes queimados tem uma distribuição bimodal, ocorrendo

imediatamente após a lesão, principalmente devido a complicações graves,

ou semanas mais tarde, frequentemente relacionada a falência multiorgâ-

nica, geralmente associada a sepse ou choque séptico.

As queimaduras térmicas, causadas por chamas ou substâncias

superaquecidas, são as mais comuns. Lesões por escaldamento são mais

frequentes em crianças, enquanto acidentes com chamas são mais comuns

em adultos. Além disso, mais adiante neste texto, abordaremos as queima-

duras químicas e elétricas, que também representam desafios significativos

no tratamento dessas lesões.

7.1 Primeiro atendimento às vítimas de queimadura

Diante de uma vítima de queimadura grave, é essencial adotar uma

abordagem sistemática e organizada, pois essas situações são considera-

das traumas complexos que exigem cuidados precisos.

336
O primeiro passo, especialmente em casos de queimaduras de-

correntes de incêndios, é afastar a vítima das chamas para garantir

sua segurança. Após essa medida primordial, a atenção imediata deve ser

direcionada à via aérea do paciente.

É importante estar atento aos sinais que podem indicar comprome-

timento da via aérea, conforme destacado pelo protocolo do ATLS (Suporte

Avançado de Vida no Trauma):

• Queimaduras na região cervical ou facial.

• Chamuscamento dos cílios e vibrissas nasais.

• Presença de resíduos de carbono e evidências de inflamação aguda na

orofaringe.

• Sinais como rouquidão na voz.

• Relatos de confusão mental ou de estar preso no local do incêndio.

• História de queimaduras na cabeça e no tronco devido a explosões.

• Níveis elevados de carboxi-hemoglobina no sangue, sugerindo possível

intoxicação por monóxido de carbono em ambientes fechados.

A orientação da American Burn Life Support preconiza a intuba-

ção endotraqueal precoce em situações que incluem sinais de obstru-

ção da via aérea, queimaduras extensas na face, queimaduras dentro

da cavidade oral, risco de edema significativo, dificuldade na degluti-

ção, comprometimento respiratório, diminuição do nível de

337
consciência e quando a equipe de transporte não está treinada para

acesso imediato à via aérea, caso seja necessário.

Com exceção de situações envolvendo queimaduras elétricas ou in-

toxicação grave por monóxido de carbono (CO), é pouco comum a necessi-

dade de realizar manobras de ressuscitação cardiorrespiratória imediatas

durante o primeiro atendimento.

Posteriormente, é fundamental interromper o processo de queima-

dura. Para isso, é necessário remover completamente a roupa do paciente,

uma vez que determinados materiais podem continuar queimando. Além

disso, joias e anéis devem ser retirados prontamente devido ao inchaço que

ocorre rapidamente. A área queimada deve ser irrigada abundantemente

com água à temperatura ambiente nos primeiros 15 minutos após o aci-

dente. É importante evitar o uso de gelo, pois isso pode aumentar a exten-

são da queimadura e levar à hipotermia. Curativos na forma de toalhas ou

lençóis estéreis e secos são suficientes antes do transporte do paciente.

Para evitar perda de calor por evaporação e prevenir a hipotermia, o paci-

ente deve ser coberto com vários cobertores sobre os lençóis.

Na sequência, é necessário estabelecer o acesso venoso, preferenci-

almente com um cateter de calibre adequado em uma veia periférica nos

membros superiores. Em situações em que não é possível obter uma veia

adequada nos membros superiores, pode ser necessário o acesso venoso

nos membros inferiores (por exemplo, veia safena), embora essa opção

338
esteja associada a maior risco de flebite em pacientes queimados. A punção

de uma veia profunda seria uma terceira opção.

A menos que a queimadura seja de primeiro grau, todos os pacientes

com lesões mais extensas, abrangendo mais de 20% da Superfície Corporal

Queimada (SCQ), devem receber reposição de volume rapidamente, geral-

mente por meio da infusão de solução salina ringer lactato. A quantidade

inicialmente administrada no atendimento pré-hospitalar costuma seguir

uma fórmula baseada no peso estimado do paciente e na extensão da SCQ

afetada, possibilitando a adequada reposição de fluidos.

Em situações em que um Centro Especializado em Tratamento de

Queimados (CETQ) está a uma distância considerável, é aconselhável que o

primeiro atendimento intra-hospitalar seja realizado em uma unidade de

emergência próxima.

Após a chegada ao CETQ ou a uma unidade de emergência, a equipe

médica deve reavaliar a via aérea e o estado hemodinâmico do paciente,

considerando o volume de líquidos já infundidos. Em seguida, a atenção

deve ser direcionada para a área queimada, dando continuidade ao trata-

mento apropriado, visando garantir o melhor prognóstico possível para a

vítima.

Critérios de Admissão em Centro Especializado em Tratamento de

Queimados (CETQ)

339
1. Queimadura de espessura parcial (2º grau) maior do que 10%.

2. Queimadura envolvendo áreas críticas como face, olhos, ouvidos, mãos,

pés, genitália, períneo ou pele que recobre grandes articulações.

3. Queimadura de espessura total (3º grau) de qualquer tamanho e em

qualquer faixa etária.

4. Queimaduras elétricas graves, incluindo acidentes com raios, onde o

acometimento de tecidos profundos pode levar à insuficiência renal ou

outras complicações.

5. Queimaduras químicas significativas.

6. Lesão por inalação da via aérea.

7. Pacientes com doenças prévias que podem dificultar o tratamento, pro-

longar a recuperação ou aumentar a mortalidade de um episódio de

queimadura.

8. Toda a vítima de queimadura associada a trauma.

9. Crianças vítimas de queimaduras atendidas em hospitais sem equipe

qualificada e sem material e equipamento adequados.

10. Queimadura em pacientes que necessitem de intervenções especiais

7.2 Comprometimento da ventilação

Quando abordamos as lesões resultantes de altas temperaturas na

via aérea, é crucial compreender a extensão e a gravidade desse tipo de

trauma. Geralmente, essas lesões se estendem até as cordas vocais e, em

casos menos frequentes, podem atingir a bifurcação traqueal. Indivíduos

340
mais suscetíveis a esse tipo de lesão são aqueles que sofreram queimadu-

ras na face e no pescoço em ambientes fechados.

Na via aérea superior, as altas temperaturas podem desencadear

edema na mucosa e submucosa, além de causar sangramento e úlceras na

faringe, laringe e cordas vocais. Essas condições têm o potencial de com-

prometer significativamente a ventilação do paciente. Sintomas como rou-

quidão ou estridor são indicativos de possíveis obstruções na via aérea, exi-

gindo intervenção imediata para garantir a respiração adequada.

É importante ressaltar que o termo "lesão térmica dos pulmões" é

inadequado, uma vez que raramente ocorre. Isso se deve ao fato de que o

calor se dissipa principalmente na faringe antes de atingir os pulmões.

Outra complicação associada a queimaduras envolve a lesão

pulmonar por inalação. Isso acontece quando a fumaça gerada durante a

combustão de elementos presentes no ambiente em chamas alcança a via

aérea inferior, causando danos nos brônquios, bronquíolos e alvéolos. Si-

nais de lesão pulmonar por inalação incluem chiado, produção excessiva de

muco e expectoração com aspecto carbonáceo. Esse tipo de lesão é mais

comum em vítimas que se encontravam em ambientes fechados durante o

incêndio. Geralmente, a insuficiência respiratória, a complicação mais te-

mida, não se manifesta antes das primeiras 24 horas após o acidente.

341
Além disso, a intoxicação por monóxido de carbono (CO) deve ser

suspeitada em qualquer pessoa que tenha inalado fumaça, especialmente

em casos de queimaduras por chama em ambientes fechados. O CO tem

uma afinidade pela hemoglobina muito maior do que o oxigênio, o que sig-

nifica que ele se liga facilmente às hemácias. Os sintomas da intoxicação

por CO dependem dos níveis de Carboxi-Hemoglobina (COHb) no sangue,

os quais, por sua vez, estão relacionados ao tempo de exposição à fumaça.

Embora a coloração "vermelho cereja" da pele raramente seja obser-

vada na intoxicação por CO, é fundamental administrar oxigênio a 100%,

com alto fluxo, por meio de uma máscara unidirecional, sem recirculação,

sempre que houver suspeita de intoxicação. O diagnóstico preciso depende

da medição dos níveis de COHb no sangue, pois um aumento de apenas 1

mmHg na pressão parcial de CO resulta em um aumento significativo nos

níveis de COHb. Vale ressaltar que o oxímetro de pulso não é capaz de de-

tectar a exposição ao CO, pois não consegue distinguir a COHb da oxiemo-

globina.

Outra preocupação relacionada a queimaduras graves diz respeito às

lesões de espessura total (terceiro grau), as quais resultam em uma área

queimada com textura semelhante à do couro. Quando essa lesão envolve

praticamente toda a circunferência do tórax, pode levar à insuficiência res-

piratória devido à restrição na expansão torácica. Em tais casos, é funda-

mental reconhecer imediatamente essa condição e realizar uma

342
escarotomia na lesão, o que envolve fazer uma incisão na área queimada

até atingir o tecido subcutâneo. Esse procedimento restaura a expansibili-

dade do tórax e é crucial para garantir a respiração adequada do paciente.

7.3 Ressucitação volêmica e medidas adicionais

Quando lidamos com pacientes que apresentam uma Superfície Cor-

poral Queimada (SCQ) superior a 20%, entramos em um cenário complexo

de resposta inflamatória sistêmica desencadeada pelas citocinas liberadas

pela área queimada. Essa resposta inflamatória desencadeia um aumento

significativo na permeabilidade capilar, levando à perda generalizada de flu-

idos e proteínas do compartimento intravascular para o terceiro espaço.

Essa perda de líquidos do compartimento intravascular culmina em uma

redução do Débito Cardíaco (DC).

Essa redução do DC, combinada com o aumento do tônus adrenér-

gico, como discutido anteriormente, resulta em hipoperfusão da pele e das

vísceras. A diminuição da perfusão cutânea pode agravar ainda mais a ex-

tensão e a profundidade da área queimada. Além disso, a redução do DC

pode levar à hipoperfusão do sistema nervoso central, aumentando o risco

de complicações graves, incluindo o infarto agudo do miocárdio em pacien-

tes com baixa reserva coronariana.

343
A reposição volêmica é crucial e deve ser iniciada o mais rápido pos-

sível, preferencialmente durante o atendimento pré-hospitalar. A fórmula

recomendada para calcular a reposição volêmica é: peso do paciente (kg) ×

SCQ/8 ml por hora. Para avaliar a eficácia da reposição de volume, é acon-

selhável a colocação de um cateter vesical de Foley para monitorar a diu-

rese por hora. Manter o débito urinário entre 0,5 ml/kg/h e 1 ml/kg/h em

crianças menores de 14 anos é uma referência importante (mais detalhes a

seguir).

Para a obtenção de acesso venoso, os membros superiores são os

locais ideais, especialmente em áreas de pele íntegra. No entanto, em quei-

maduras extensas, a puncionar através de pele queimada pode ser neces-

sária para não atrasar a reposição volêmica. Em casos em que veias super-

ficiais estejam trombosadas devido a queimaduras de espessura total, a

dissecação da veia safena pode ser uma alternativa. Em crianças com me-

nos de 6 anos, a tentativa de acesso intraósseo é viável.

Ao ser admitido em um Centro Especializado em Tratamento de

Queimados (CETQ), o cálculo mais preciso da SCQ é realizado. Nesse mo-

mento, a infusão de líquidos deve continuar, mas as fórmulas de cálculo

podem ser ajustadas com base nas necessidades individuais do paciente.

Uma dose de reforço do toxoide tetânico (0,5 ml) é recomendada

para todos os pacientes com área queimada superior a 10%, especialmente

se não houver histórico de imunização disponível.

344
Devido ao íleo paralítico que pode ocorrer devido à liberação de ca-

tecolaminas e opioides endógenos, a descompressão gástrica é recomen-

dada durante o transporte, para evitar distensão abdominal.

O controle da dor desempenha um papel crucial no manejo desses

pacientes, especialmente em queimaduras de segundo grau. A morfina

pode ser administrada intravenosamente em doses de 2 a 5 mg até que

haja alívio dos sintomas, com monitoramento cuidadoso da pressão arte-

rial. No entanto, é importante observar que as queimaduras de terceiro

grau geralmente causam mais ansiedade do que dor, nesses casos, o uso

de benzodiazepínicos pode ser indicado.

7.4 Avaliando a área corporal queimada:

A determinação da porcentagem da Superfície Corporal Queimada

(SCQ) é de extrema relevância, uma vez que esse valor está diretamente

associado à gravidade da lesão e desempenha um papel fundamental como

indicador prognóstico.

Existem várias técnicas e fórmulas para calcular a SCQ, mas uma

abordagem simples, conhecida como a "regra dos nove de Wallace," ofe-

rece uma avaliação rápida e confiável da área queimada em adultos. Nesse

método, o corpo de um adulto é dividido em regiões anatômicas que repre-

sentam 9% ou múltiplos de 9% da superfície corporal total.

345
Seguindo essa regra, cada membro superior corresponde a 9% da

SCQ total (4,5% na região anterior e 4,5% na região posterior), enquanto

cada membro inferior equivale a 18% (9% na região anterior e 9% na região

posterior). O tronco é estimado em 36% da SCQ total (18% na região ante-

rior e 18% na região posterior), enquanto a cabeça e o pescoço somam 9%

(4,5% na região anterior e 4,5% na região posterior). O períneo e a genitália

juntos representam 1%. É importante observar que, em crianças, a cabeça

possui uma porcentagem maior (duas vezes maior do que em adultos) e os

membros inferiores têm valores menores em comparação com adultos.

Anotações

346
Figura 50 - Regra dos 9 de Wallace

347
Outra técnica útil para calcular a porcentagem da SCQ, especial-

mente em casos de queimaduras com distribuição irregular, é considerar

que a palma da mão e os dedos estendidos do paciente representam apro-

ximadamente 1% da superfície corporal. Você pode usar essa medida como

referência para estimar a extensão das queimaduras nas áreas afetadas.

No entanto, é importante mencionar que o diagrama de Lund e

Browder oferece uma avaliação ainda mais detalhada da SCQ, levando

em consideração diferentes faixas etárias. Esse método é amplamente

utilizado em Centros Especializados em Tratamento de Queimaduras

(CETQ) para uma avaliação mais precisa da área queimada

Abaixo, o diagrama de Lund de Browner que mostra a área de super-

fície corporal queimada dividida por idade correspondente:

Anotações

348
Figura 51 - diagrama de Lund de Browner Fonte: Sabiston

349
As queimaduras variam em grau de gravidade, sendo classificadas

em diferentes níveis de acordo com a profundidade da lesão na pele.

As queimaduras de primeiro grau são consideradas superficiais,

afetando apenas a epiderme. Geralmente, apresentam vermelhidão na

pele devido à vasodilatação e causam dor moderada. Não formam bolhas

e não envolvem anexos cutâneos. Um exemplo comum é a queimadura so-

lar. Na maioria dos casos, não têm um impacto fisiológico significativo e não

são consideradas no cálculo da Superfície Corporal Queimada (SCQ).

As queimaduras de segundo grau superficiais comprometem toda

a epiderme e parte superficial da derme. São extremamente dolorosas e se

caracterizam por uma superfície rosada e úmida, frequentemente acompa-

nhada de bolhas que se formam após algumas horas. Essas queimaduras

tendem a cicatrizar em algumas semanas, com um bom resultado estético,

geralmente sem deixar cicatrizes elevadas.

As queimaduras de segundo grau profundas afetam toda a epi-

derme e a camada reticular da derme. A pele fica seca, avermelhada ou com

manchas e a dor é moderada. Bolhas também podem estar presentes. Em

alguns casos, pode haver alterações na sensibilidade tátil, embora a sensi-

bilidade à pressão geralmente seja preservada. A cicatrização pode levar de

três a nove semanas e há um risco razoável de desenvolver cicatrizes não

estéticas, especialmente em certos grupos, como afrodescendentes e crian-

ças.

350
As queimaduras de terceiro grau envolvem toda a epiderme,

derme e parte do tecido subcutâneo. A área queimada pode parecer pálida,

esbranquiçada, enegrecida ou vermelho-amarelada, com vasos coagulados

visíveis na base. A textura da pele é firme, semelhante ao couro, e a sensi-

bilidade tátil e à pressão está diminuída. A cicatrização ocorre através de

uma considerável contração da ferida ou enxertos de pele.

Em casos raros, as queimaduras de terceiro grau que circundam o

tórax podem causar insuficiência respiratória devido à restrição da expan-

são do peito. Quando essas queimaduras circundam um membro, podem

causar hipoperfusão distal significativa devido à compressão. O tratamento

recomendado para esses casos é a escarotomia, que pode envolver uma

incisão longitudinal medial nos membros para aliviar a compressão.

Além desses graus de queimadura, existem queimaduras de quarto

grau, que afetam todas as camadas da pele, o tecido subcutâneo e até

mesmo tecidos profundos, como músculos e ossos. Isso ocorre em situa-

ções como queimaduras elétricas.

Anotações

351
Figura 52 - Graus de queimaduras e suas localizações. Fonte: Sabiston

7.5 Resposta endócrina e humoral a queimadura

A resposta ao trauma, como queimaduras graves, desencadeia uma

série de eventos complexos no corpo. Diversos mediadores inflamatórios

são liberados da área queimada, levando ao aumento da permeabilidade

capilar local e distante, resultando na perda de líquidos do sistema vascular

para outros espaços do corpo. Esse fenômeno é acompanhado por um es-

tado de hipermetabolismo significativo, onde os níveis de hormônios cata-

bólicos e certas citocinas estão elevados. Essas alterações persistem até

352
que a ferida esteja completamente reepitelizada, o que pode levar sema-

nas.

O termo "choque na queimadura" é usado para descrever o au-

mento da permeabilidade capilar, não apenas na área queimada, mas

também em áreas não afetadas, que ocorre logo após o acidente, de-

vido a uma disfunção na microcirculação, envolvendo mediadores

como histamina, bradicinina, prostaciclina (PGI2) e prostaglandina E2

(PGE2).

Além disso, o hipermetabolismo é uma característica crucial nesse

cenário, com a taxa metabólica basal aumentando em até 200%. Isso ocorre

devido a níveis elevados de hormônios catabólicos e citocinas. Embora as

manifestações circulatórias geralmente desapareçam em 24 horas na au-

sência de infecção, o estado de hipermetabolismo persiste até a reepiteli-

zação completa da ferida, o que pode levar semanas.

As necessidades nutricionais desempenham um papel fundamental

na recuperação de pacientes queimados, sendo importante fornecer a

quantidade adequada de calorias e proteínas para sustentar o metabolismo

acelerado. A administração enteral (por meio de um tubo) é preferível à nu-

trição parenteral (por veia central) devido a menor taxa de complicações.

As recomendações para oferta de proteína variam, com a European Society

for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN) sugerindo entre 1,5 e 3

353
gramas por quilo de peso corporal por dia em crianças com queimaduras

graves.

Além da nutrição, alguns medicamentos podem ser usados para re-

duzir o hipermetabolismo. Os betabloqueadores, por exemplo, demonstra-

ram ser eficazes na redução da perda de massa corporal. O uso de propra-

nolol, um betabloqueador, pode reduzir a lipoólise periférica, diminuir o

acúmulo de gordura no fígado e melhorar a massa corporal magra. Outros

medicamentos, como a oxandrolona (um esteroide anabolizante), demons-

traram benefícios na síntese de proteínas e na mineralização óssea, especi-

almente em crianças com queimaduras.

Quanto à resposta imunológica, as queimaduras causam um au-

mento na produção de citocinas como TNF-α, IL-1 e IL-6, afetando negativa-

mente a resposta imunológica do corpo. Isso inclui uma depressão na imu-

nidade celular e uma redução na produção de IgG. Além disso, a função de

macrófagos e neutrófilos também pode ser prejudicada, aumentando o

risco de infecções em pacientes com queimaduras graves.

7.6 Como fazer a ressuscitação volêmica no paciente quei-

mado?

De acordo com os protocolos de tratamento estabelecidos, a reposi-

ção volêmica é uma etapa crítica no atendimento às vítimas de

354
queimaduras graves. As diretrizes do ATLS indicam que a reposição deve

ser iniciada quando a queimadura afeta mais de 20% da superfície corporal

queimada, enquanto o guia prático da American Burn Association menci-

ona um limiar de 15%.

É fundamental que essa reposição comece preferencialmente

ainda no atendimento pré-hospitalar. Quando o paciente chega a um

Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), a administração de líquidos se-

gue fórmulas mais precisas, como as que serão detalhadas a seguir. É im-

portante lembrar que o volume prescrito até esse ponto deve ser levado

em consideração, incluindo o que foi administrado no atendimento pré-

hospitalar e na emergência.

Em relação ao uso de coloides, a experiência clínica demonstrou que

eles não são necessários nas primeiras 24 horas, pois a intensa permeabili-

dade capilar permite a passagem de grandes moléculas para o espaço ex-

travascular, aumentando a osmolaridade nesse compartimento. Essa dife-

rença osmótica faz com que o espaço extracelular "puxe" mais líquido do

intravascular.

A última edição do ATLS (10ª) recomenda uma reposição inicial

de volume nas primeiras 24 horas, calculada da seguinte forma: 2 ml

de Ringer lactato multiplicados pelo peso do paciente em quilogramas

e pela porcentagem da superfície corporal queimada. Metade desse

volume deve ser infundido nas primeiras oito horas após o acidente, e

355
a outra metade nas 16 horas subsequentes. Essa fórmula foi estabele-

cida após consenso da American Burn Association.

CATEGORIA DA INFUSÃO DE LIQUIDOS DÉBITO URINÁ-


IDADE E PESO
QUEIMADURA AJUSTADA RIO

Adultos e crian- 0,5 ml/kg/h ou 30-


2 ml RL* x kg x SCQ
ças (≥ 14 anos) 50 ml/h

Crianças < 14
Chama ou 3 ml RL x kg x SCQ 1 ml/kg/h
anos
escaldura
3 ml RL x kg x SCQ + solu-

Crianças ≤ 30 kg ção glicosada de manuten- 1 ml/kg/h

ção

4 ml RLx kg x SCQ até a 1-1,5 ml/kg/h até


Elétrica Todas as idades
urina clarear a urina clarear
Tabela 22 - Taxas de infusão de líquidos na ressuscitação volêmica e débito urinário objetivado.
com base no tipo de queimadura e idade da vítima

É importante ressaltar que o resultado desse cálculo inicial repre-

senta o volume a ser administrado. Posteriormente, a infusão deve ser ajus-

tada, para mais ou para menos, com o objetivo de manter um débito uriná-

rio adequado. Em adultos e crianças com 14 anos ou mais, o objetivo é

manter um débito urinário de 0,5 ml/kg/h, enquanto em crianças com

menos de 14 anos, o alvo é de 1 ml/kg/h. Em crianças com peso inferior

a 30 kg, é recomendada a administração de solução glicosada junto com o

Ringer.

356
É essencial evitar tanto a reposição insuficiente quanto a infusão ex-

cessiva de líquidos. Um volume administrado insuficiente pode levar à hi-

poperfusão e lesão orgânica, enquanto uma infusão excessiva pode agravar

o edema, o que, por sua vez, pode resultar na progressão da queimadura

para planos mais profundos e na síndrome compartimental em áreas como

o abdome ou extremidades.

É importante destacar que embora as diretrizes atuais sigam essa

abordagem, algumas provas e referências médicas ainda utilizam a famosa

fórmula de Parkland, que recomenda a administração nas primeiras 24

horas de um volume de Ringer lactato correspondente a 4 ml multipli-

cados pelo peso do paciente em quilogramas e pela porcentagem da

superfície corporal queimada. Metade desse volume deve ser infun-

dido nas primeiras oito horas após o acidente, e a outra metade nas 16

horas seguintes.

Outras fórmulas, como as de Brooke e Galveston, especialmente de-

senvolvidas para pacientes pediátricos, ainda podem ser encontradas em

referências médicas. Portanto, é importante estar ciente dessas diferentes

abordagens, pois podem ser encontradas em futuras avaliações médicas.

357
VOLUME DE CRIS- VOLUME DE CO-
FÓRMULA ÁGUA LIVRE
TALOIDE LOIDE

Ringer lactato 1,5


Brooke 0,5 ml x kg xSCQ 2.000 ml
ml x kg x SCQ

Ringer lactato 4 ml
Parkland Nenhum Nenhuma
x kg x SCQ

Ringer lactato 5.000

ml/m² de SCQ +
Galveston
1.500 ml/m² de su- Nenhum Nenhuma
(pediátrica)
perfície corporal to-

tal

Tabela 23

7.7 Tratamento e cuidados com a queimadura:

O tratamento das queimaduras exige uma série de medidas cruciais

para garantir a recuperação adequada e a prevenção de infecções. Uma das

etapas fundamentais é o desbridamento, que consiste na remoção de cor-

pos estranhos e tecidos desvitalizados, seguido da limpeza da ferida com

uma solução de água e clorexidina degermante a 2%.

Embora haja alguma controvérsia na literatura, a maioria dos servi-

ços médicos atualmente recomenda a remoção das bolhas e de tecidos re-

manescentes de bolhas já rompidas. Isso se deve ao fato de que as bolhas

podem aumentar o risco de infecção e reduzir a área de contato dos anti-

microbianos tópicos com a área queimada.

358
Após o desbridamento, é essencial aplicar um curativo oclusivo como

tratamento inicial. Isso envolve várias camadas, começando com uma ata-

dura de tecido sintético contendo um antibiótico tópico, seguida por gaze

absorvente, algodão hidrofílico e uma atadura de crepe. O curativo oclusivo

tem diversos objetivos, como proteger o epitélio lesado, reduzir a coloniza-

ção bacteriana ou fúngica, imobilizar a área queimada para manter a posi-

ção funcional adequada e minimizar a perda de calor devido à evaporação.

Os curativos devem ser trocados pelo menos duas vezes ao dia. Di-

ferentemente das outras áreas, face e períneo devem receber curativos ex-

postos.

Existem vários antimicrobianos tópicos que podem ser utilizados, in-

cluindo o acetato de mafenida a 5%, o nitrato de prata a 0,5%, a sulfadiazina

de prata a 1% e o nitrato de cério a 0,4%. Todos esses são eficazes na pre-

venção de infecções. Cada um desses antimicrobianos tem suas caracterís-

ticas distintas.

• A sulfadiazina de prata a 1% é conhecida por não causar dor na aplica-

ção, mas pode levar à neutropenia como efeito colateral.

• A mafenida é eficaz contra Gram-negativos, principalmente Pseudomo-

nas spp., mas pode causar dor durante a aplicação e levar à acidose me-

tabólica.

• O nitrato de prata é de amplo espectro, indolor na aplicação, mas não

penetra bem na queimadura e pode causar distúrbios hidroeletrolíticos.

359
• A mupirocina é eficaz contra Staphylococcus aureus e é indolor na apli-

cação.

Para queimaduras de segundo grau superficiais, alguns serviços op-

tam por usar curativos biológicos ou sintéticos enquanto aguardam a cica-

trização da ferida. Esses curativos devem ser aplicados nas primeiras 24 ho-

ras após a queimadura, antes que uma alta taxa de colonização bacteriana

ocorra, e não é necessário o uso de antimicrobianos tópicos. Os curativos

biológicos podem ser feitos de pele de cadáver (aloenxertos) ou de porco

(xenoenxertos), enquanto os sintéticos geralmente contêm silicone e colá-

geno, com alguns incluindo fatores de crescimento para auxiliar na epiteli-

zação da área queimada.

Por outro lado, para queimaduras de segundo grau profundas e ter-

ceiro grau, a abordagem mais comum é a excisão da área queimada, se-

guida da substituição por enxertos retirados de áreas doadoras do próprio

paciente. Esse procedimento geralmente é realizado dentro da primeira se-

mana após a queimadura e somente é recomendado quando os parâme-

tros hemodinâmicos do paciente estão estabilizados. Essa abordagem tem

se mostrado eficaz no manejo dessas lesões.

360
7.8 Infecção e sepse no contexto de queimaduras

Os pacientes queimados apresentam uma série de fatores de risco

para infecções, incluindo a perda da integridade da pele, imunossu-

pressão, predisposição à translocação bacteriana do trato digestivo e

a presença de dispositivos invasivos, como ventilação mecânica, cate-

teres venosos profundos e sondas vesicais de demora. Infelizmente, a

maioria das mortes nessa população ainda ocorre devido a infecções.

O uso de curativos sintéticos e biológicos, bem como curativos tradi-

cionais com gaze e antibióticos tópicos, desempenhou um papel fundamen-

tal na redução do risco de infecção em áreas queimadas. É importante des-

tacar que esses antimicrobianos locais não esterilizam a área queimada,

mas ajudam a manter o número de micro-organismos sob controle. No en-

tanto, em pacientes com mais de 30% de superfície corporal queimada e

naqueles com falência de enxerto cutâneo, esse equilíbrio pode ser rom-

pido, permitindo o desenvolvimento de infecções invasivas e sepse.

É crucial notar que o uso rotineiro de antibióticos profiláticos sistê-

micos para infecções em áreas queimadas não é recomendado, pois pode

promover o desenvolvimento de bactérias multirresistentes. A antibiotico-

profilaxia deve ser reservada para casos de desbridamento e enxerto,

durante o período perioperatório, e não deve ser administrada por

mais de 24 horas.

361
O diagnóstico precoce de infecção é de extrema importância. A área

queimada deve ser monitorada constantemente em busca de sinais clínicos

de infecção. Febre e leucocitose, por si só, nem sempre são indicativos con-

fiáveis, pois podem ser causados pela resposta inflamatória sistêmica. Si-

nais de infecção incluem evolução de queimaduras de segundo grau para

necrose completa da derme, surgimento de áreas de hemorragia escura ou

negra e o aparecimento de lesões sépticas na pele ao redor da queimadura,

como o ectima gangrenoso (característico da infecção por Pseudomonas)

ou celulite em áreas adjacentes à queimadura.

A avaliação microbiológica complementa o diagnóstico, e a confirma-

ção definitiva de infecção em área queimada requer uma biópsia quantita-

tiva da lesão suspeita, que geralmente demonstrará invasão bacteriana na

derme e contagem de micro-organismos significativa no tecido queimado.

Em casos em que a biópsia não é possível, os achados clínicos associados a

um aumento na contagem de leucócitos e na curva térmica podem ser in-

dicativos suficientes.

Embora a incidência de infecções invasivas tenha diminuído nas últi-

mas décadas, especialmente em adultos, essas complicações ainda podem

ocorrer em crianças e em estágios mais avançados da recuperação. Além

disso, as infecções fúngicas, particularmente por Candida e Aspergillus, têm

se tornado mais relevantes. O tratamento de infecções invasivas em áreas

362
queimadas envolve o início de antibioticoterapia sistêmica e a remoção ci-

rúrgica da área infectada.

Além de cuidar da área queimada, é importante monitorar outras

possíveis fontes de infecção, como os pulmões, uma vez que a pneumonia

pode complicar a lesão pulmonar por inalação. Outras infecções, como si-

nusite (associada ao uso de sondas nasoentéricas) e sepse (geralmente ori-

ginada de cateteres venosos centrais), também podem ocorrer. A atrofia

das células da mucosa intestinal após uma queimadura pode aumentar a

permeabilidade intestinal, facilitando a translocação bacteriana e, portanto,

contribuindo para a sepse.

Para reduzir a incidência de complicações infecciosas, é essencial

adotar medidas rigorosas de higiene das mãos, manipulação adequada de

dispositivos invasivos e posicionamento do leito do paciente entre 30º e 45º.

A nutrição enteral precoce desempenha um papel fundamental na preser-

vação da integridade da mucosa intestinal e na redução do risco de trans-

locação bacteriana. Atualmente, recomenda-se um controle glicêmico entre

140 e 180 mg/dl para pacientes críticos, em vez de uma abordagem mais

rigorosa.

Essas medidas combinadas podem ajudar a reduzir significativa-

mente a incidência de infecções e melhorar os resultados para pacientes

com queimaduras extensas.

363
7.9 Lesões pulmonares por inalação

A lesão pulmonar por inalação é uma complicação séria que pode

afetar vítimas de queimaduras térmicas confinadas. Quando pessoas são

expostas à inalação de fumaça tóxica durante incêndios, isso pode le-

var a traqueobronquite e pneumonite química, desencadeando uma

condição complexa que demanda atenção médica especializada. Detectar

sinais precoces dessa lesão é de suma importância para um tratamento efi-

caz.

Alguns dos principais indícios que podem levantar suspeitas in-

cluem queimaduras na região da cabeça e do pescoço, chamusca-

mento das vibrissas nasais e hiperemia da orofaringe. Esses sinais são

particularmente relevantes, pois indicam uma lesão térmica das vias respi-

ratórias. Além disso, podem surgir sintomas como tosse com expectoração

carbonácea (escarro escuro), rouquidão, sibilos, broncorreia (aumento da

produção de muco) e hipoxemia inexplicada. A presença de rouquidão e

sibilos durante a expiração sugere um edema grave das vias aéreas e pos-

sível intoxicação por monóxido de carbono (CO), que é comum em incên-

dios.

A fisiopatologia da lesão pulmonar por inalação envolve uma res-

posta inflamatória aguda nas vias aéreas. Inicialmente, há aumento do fluxo

sanguíneo nas artérias brônquicas, levando ao edema e acúmulo de células

364
inflamatórias, principalmente neutrófilos. Essas células liberam enzimas

como a elastase e radicais livres de oxigênio, contribuindo para a lesão pul-

monar. Posteriormente, ocorre a separação das células epiteliais ciliares da

membrana basal, resultando em uma produção intensa de exsudato, que

forma "rolhas" de fibrina que obstruem as vias aéreas. Esse processo pode

causar o aprisionamento de ar, levando ao barotrauma durante a ventila-

ção mecânica.

Nos primeiros dias após a exposição à fumaça, a inflamação e o bron-

coespasmo podem levar à insuficiência respiratória aguda, especialmente

em casos graves. Após cerca de 72 a 96 horas, os pacientes podem apre-

sentar um quadro clínico e radiológico semelhante à Síndrome do Descon-

forto Respiratório Agudo (SDRA), com infiltrados difusos nos pulmões de-

vido ao aumento da permeabilidade dos capilares alveolares e exsudação

para os alvéolos. Microatelectasias difusas também podem ocorrer devido

à perda de surfactante.

A pneumonia é uma complicação comum após lesão pulmonar

por inalação e pode surgir nos primeiros dias após o evento. Os agentes

causadores variam, com Staphylococcus resistente à meticilina sendo pre-

dominante nos primeiros dias e Gram-negativos, como Pseudomonas ae-

ruginosa e Klebsiella spp., tornando-se mais prevalentes posteriormente.

O diagnóstico da lesão pulmonar por inalação é desafiador e requer

uma avaliação completa. Embora a radiografia de tórax seja pouco sensível,

365
métodos mais avançados, como a broncofibroscopia, podem ser necessá-

rios para visualizar inflamação e/ou ulceração da árvore traqueobrônquica,

bem como depósitos de partículas de carbono.

O tratamento depende da gravidade da lesão. Nos casos leves a mo-

derados, a administração de oxigênio umidificado a 100% e fisioterapia

para tratar a broncorreia podem ser suficientes. Em situações graves, a in-

tubação endotraqueal seguida de ventilação mecânica é necessária. É es-

sencial adotar medidas para minimizar o barotrauma durante a ventilação,

como a hipercapnia permissiva e seguir protocolos para a SDRA. O monito-

ramento da saturação de oxigênio em torno de 92% (PaO2 > 60 mmHg) é

recomendado para evitar a toxicidade por oxigênio.

Além disso, em alguns casos, a administração de β-2-agonistas é in-

dicada para tratar a hiperreatividade brônquica. A N-acetilcisteína associ-

ada à heparina demonstrou reduzir as taxas de mortalidade e reintubação

em crianças com lesão pulmonar por inalação. No entanto, corticosteroides

não têm mostrado benefícios significativos.

Como complememento, em casos de infecção pulmonar, o trata-

mento antibiótico sistêmico é essencial, com esquemas que abranjam tanto

Staphylococcus aureus resistente à meticilina quanto Gram-negativos,

como Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella spp. Um diagnóstico clínico de

pneumonia é estabelecido com base em critérios específicos, incluindo no-

vas alterações radiológicas e evidências de sepse.

366
7.10 Outras complicações relacionadas

No contexto de vítimas de queimaduras, várias complicações gastroi-

ntestinais merecem atenção, cada uma com suas particularidades e impac-

tos. Uma das mais comuns é o íleo adinâmico, que tipicamente ocorre nos

primeiros dias após a queimadura. Além disso, observa-se a ulceração

aguda no estômago e duodeno, também conhecida como úlcera de Cur-

ling, embora seja rara com o uso preventivo de bloqueadores H2. Outra

complicação, denominada síndrome de Ogilvie, é conhecida por simular

uma obstrução colônica, mas na verdade é uma condição distinta.

Em pacientes gravemente afetados, é possível encontrar diferentes

graus de insuficiência hepatocelular, resultando na diminuição da atividade

dos fatores de coagulação e na hipoalbuminemia. Esse prejuízo na excreção

da bilirrubina conjugada pode resultar em hiperbilirrubinemia, sendo um

achado laboratorial comum em tais casos. O tratamento, nesse contexto,

concentra-se principalmente em oferecer suporte ao paciente.

A colecistite alitiásica é uma complicação que pode surgir em pacien-

tes gravemente doentes. O tratamento inicial inclui a drenagem percutânea

da vesícula biliar, conhecida como colecistostomia, juntamente com antibi-

oticoterapia. No entanto, o tratamento definitivo envolve a realização de

uma colecistectomia.

367
Outra complicação potencial é a coagulopatia, que pode se manifes-

tar devido à redução na síntese dos fatores de coagulação e/ou à trombo-

citopenia. A diminuição na atividade dos fatores de coagulação muitas ve-

zes está relacionada à coagulação intravascular disseminada (CIVD), um fe-

nômeno que pode complicar a evolução de pacientes gravemente doentes.

É importante observar que a presença de traumatismo craniano concomi-

tante aumenta ainda mais o risco de coagulopatia, pois a quebra da barreira

hematoencefálica pode liberar lipídios neuronais que ativam a cascata de

coagulação.

Em casos de queimaduras de espessura total (terceiro grau), há um

risco específico de hemólise intravascular intensa com mioglobinúria, que

pode ocorrer dentro de 24 a 48 horas após a lesão. Esse processo resulta

na destruição rápida das hemácias, com perda significativa da massa eritro-

citária circulante, sendo mais comum em pacientes com queimaduras

abrangendo mais de 15% da superfície corporal queimada. Acredita-se que

a lesão térmica direta sobre as hemácias seja responsável por essa compli-

cação.

Finalmente, a úlcera de Marjolin é uma complicação a longo prazo

que merece atenção. Trata-se de um carcinoma de células escamosas

que se desenvolve na cicatriz da queimadura, geralmente muitos anos

após a fase aguda (com média de 35 anos). Este tipo de tumor tende a ser

agressivo, com cerca de 35% dos pacientes apresentando metástases

368
linfonodais no momento do diagnóstico. É fundamental um acompanha-

mento médico constante para detecção precoce e tratamento adequado

dessa condição.

7.11 Queimaduras elétricas

As queimaduras elétricas apresentam características únicas em rela-

ção às lesões térmicas, com um impacto mais significativo nos tecidos

profundos do corpo.

Embora a pele ofereça uma resistência relativamente maior à passa-

gem da corrente elétrica em comparação com estruturas como nervos, va-

sos sanguíneos e músculos, as queimaduras elétricas frequentemente re-

sultam em danos graves na pele, incluindo acometimento de toda a sua es-

pessura (terceiro grau) e, em alguns casos, afetando até mesmo músculos

e ossos (quarto grau), especialmente na área de entrada da corrente.

Embora as lesões cutâneas sejam as mais visíveis, elas representam

apenas a superfície do problema. A corrente elétrica pode afetar profunda-

mente feixes neurovasculares e músculos, causando um edema profundo

em direção à fáscia. Isso coloca em risco a integridade de órgãos e mem-

bros, o que pode ter consequências fatais.

Existem diferentes tipos de queimaduras elétricas, dependendo da

voltagem envolvida. As queimaduras de baixa voltagem (110 a 220 volts),

369
geralmente associadas a correntes domiciliares, são semelhantes às quei-

maduras térmicas e raramente causam danos profundos. Por outro lado,

as queimaduras de alta voltagem (superiores a 1.000 volts) podem causar

uma variedade de lesões cutâneas, além de danos "invisíveis" nos tecidos

profundos. Correntes alternadas são particularmente perigosas, pois po-

dem prender o indivíduo à fonte de eletricidade e desencadear contrações

musculares repetidas que podem afetar a coluna vertebral.

O atendimento inicial a uma vítima de queimadura de alta voltagem

deve seguir as diretrizes padrão de trauma, conhecidas como ABCDE. Em

alguns casos, a ausência de pulso femoral ou carotídeo durante a primeira

avaliação pode indicar parada cardiorrespiratória, exigindo manobras de

ressuscitação imediatas, como desfibrilação.

Além disso, arritmias cardíacas graves podem ocorrer mesmo após a

estabilização inicial, exigindo monitoramento cardíaco rigoroso.

As lesões musculares extensas resultantes de queimaduras elétricas

de alta voltagem podem levar à lesão renal aguda devido à mioglobinúria,

que é observada inicialmente pela alteração na cor da urina. Para evitar da-

nos renais secundários à mioglobinúria, é crucial fornecer hidratação ade-

quada com solução salina isotônica. A alcalinização da urina pode ser con-

siderada em casos graves para prevenir a necrose tubular aguda.

370
Quando se trata das lesões cutâneas causadas pela entrada da cor-

rente elétrica, a área afetada deve ser desbrida, e esse procedimento geral-

mente precisa ser repetido após aproximadamente 24 horas, uma vez que

uma extensão maior da necrose pode se desenvolver durante esse período.

Uma complicação tardia que pode surgir após uma queimadura elé-

trica de alta voltagem é o desenvolvimento de catarata, que pode ocorrer

em até 30% dos casos, geralmente entre um e dois anos após o acidente.

Portanto, um acompanhamento oftalmológico regular é necessário.

Além disso, devemos estar cientes de que as queimaduras elétricas

podem resultar em complicações neurológicas, que podem ocorrer tanto

precocemente quanto até nove meses após o acidente. Essas complicações

podem variar desde encefalopatia cortical, hemiplegia, mielite transversa,

afasia até disfunção do tronco cerebral. O sistema nervoso periférico tam-

bém pode ser afetado, resultando em polineuropatias, sendo as manifesta-

ções motoras mais comuns do que as sensitivas. É importante notar que

essas complicações podem ocorrer não apenas nas áreas diretamente afe-

tadas pela corrente elétrica, mas também em locais distantes da lesão. Por-

tanto, a avaliação neurológica contínua é fundamental para o acompanha-

mento desses pacientes.

371
7.12 Queimadura química

As queimaduras químicas têm um comportamento distinto em com-

paração às lesões térmicas, pois elas desencadeiam um dano progressivo

e contínuo à pele e aos tecidos subcutâneos enquanto a substância

química permanece em contato. A rapidez na resposta inicial desempe-

nha um papel central na determinação do prognóstico dessas ocorrências.

Os acidentes industriais frequentemente apresentam os casos mais preo-

cupantes, ao passo que os acidentes domésticos com produtos de limpeza

caseiros são mais comuns. Essas lesões, provocadas por agentes químicos,

são classificadas como queimaduras de segundo ou terceiro grau, de

acordo com a profundidade e extensão do dano.

A gravidade de uma queimadura química é influenciada pelo tipo da

substância química envolvida, sua concentração e o tempo de contato com

a pele. Diferentemente de outros tipos de queimaduras, a abordagem

prioritária é o tratamento da ferida, antes mesmo da avaliação do pa-

ciente segundo o protocolo ABCDE (via aérea, respiração, circulação,

déficit neurológico e exposição). Vale ressaltar que as queimaduras cau-

sadas por substâncias alcalinas tendem a ser mais graves do que aque-

las provocadas por ácidos. Isso ocorre devido à maior capacidade de pe-

netração das substâncias alcalinas nos tecidos e à sua inativação mais tar-

dia, justificando a gravidade desses casos.

372
No caso de uma queimadura química, é crucial remover imediata-
mente todas as roupas do paciente e iniciar a lavagem abundante da área
afetada com água. O uso de substâncias neutralizantes não demonstrou ser
superior à lavagem com água, podendo, inclusive, causar superaqueci-
mento e resultar em queimaduras térmicas adicionais.

Como mencionado anteriormente, a lavagem precoce da área afe-

tada é de extrema importância. Grandes volumes de água fresca, geral-

mente na faixa de 15 a 20 litros, podem ser necessários para diluir a subs-

tância química e interromper seu efeito corrosivo. Os pacientes devem ser

monitorados de perto, pois podem desenvolver distúrbios metabólicos e

eletrolíticos específicos em resposta à queimadura química. A natureza des-

sas complicações varia com o tipo de substância envolvida. Por exemplo,

queimaduras com ácido hidrofluorídrico podem levar a uma hipocalcemia

grave, enquanto as queimaduras causadas por ácido fórmico resultam em

acidose metabólica, insuficiência renal, hemólise intravascular e Síndrome

do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA).

Além da lavagem minuciosa da área queimada, muitas vítimas po-

dem necessitar de reposição de líquidos, com uma monitorização cuida-

dosa do débito urinário. Quando indicado, o desbridamento da superfície

queimada deve ser realizado assim que o paciente estiver clinicamente es-

tável. Esse procedimento é essencial para remover tecidos comprometidos

e facilitar a cicatrização adequada da ferida. Portanto, a resposta inicial e o

manejo subsequente desempenham um papel crítico na minimização dos

373
danos causados pelas queimaduras químicas e na otimização do prognós-

tico dos pacientes

Anotações

374
UFPR (2021)

D.L.T., 3 anos, às 8 horas da manhã apresentou queimadura por fogo

após o pai acender a churrasqueira com álcool líquido, atingindo 40% de

superfície corporal queimada (SCQ). A família mora em área rural e a cri-

ança chegou ao pronto-socorro às 12 horas, sendo encaminhada para a sala

de emergência e iniciados os primeiros atendimentos. Peso corporal = 16

kg. Considerando que a reposição hídrica foi calculada pela fórmula de

Parkland (4mLxKgxSCQ) e que já foi instalado acesso e iniciada a reposição

às 12h, deverão ser administrados:

A) 2560 mL de cristaloide em 24 horas.

B) 1280 mL de cristaloide em 8 horas e, ao término dessa primeira

etapa, 1280 mL em 12 horas.

C) 2560 mL de cristaloide em 12 horas.

D) 1280 mL de cristaloide em 4 horas e, ao término dessa primeira

etapa, 1280 mL em 16 horas.

E) 1280 mL de cristaloide em 10 horas e, ao término dessa primeira

etapa, 1280 mL em 16 horas.

RESPOSTA: Compreendemos que a reposição de fluidos é uma prio-

ridade no tratamento de pacientes com queimaduras extensas. A queima-

dura em si provoca uma condição de diminuição do volume sanguíneo

375
devido à perda da barreira protetora da pele, o que aumenta a perda de

líquidos de forma não perceptível.

A fórmula de Parkland ainda é amplamente utilizada para calcular a

quantidade de

líquido que deve ser administrada a um paciente com queimaduras

extensas, levando em consideração a porcentagem da superfície corporal

afetada. De acordo com essa fórmula, é recomendado administrar 4 ml de

solução cristaloide por cada quilograma de peso corporal por porcentagem

da superfície corporal queimada. Metade desse volume é administrado nas

primeiras 8 horas após a queimadura, e o restante é administrado nas 16

horas seguintes.

No caso da criança mencionada, com um peso de 16 kg e queimadu-

ras que afetam 40% da superfície corporal, a quantidade total de líquido a

ser administrada é calculada da seguinte maneira: 4 ml/kg x 16 kg x 40% =

2560 ml. Dessas, 1280 ml serão administradas nas primeiras 8 horas após

a queimadura, e o restante será administrado nas próximas 16 horas.

Assim, letra D.

376
SES-GO (2021)

Leia o caso clínico a seguir.

Criança de cinco anos é levada pela mãe ao pronto-socorro com

choro incontrolável, devido a queimadura em antebraço esquerdo. Após

examinar a criança – que não parou de chorar –, o pediatra informa à mãe

que realmente houve uma queimadura, limitada ao epitélio, sem bolhas,

mas com eritema, calor e dor local.

esse caso, qual a classificação da queimadura?

A) Primeiro grau.

B) Segundo grau.

C) Terceiro grau.

D) Quarto grau.

RESPOSTA: Antes de mais nada, faço uma breve revisão sobre o tema:

Primeiro grau: Essa queimadura afeta a camada mais superficial da

pele, conhecida como epiderme. Os sintomas incluem vermelhidão, dor e

calor na área afetada, mas geralmente não há formação de bolhas. Um

exemplo comum é a queimadura solar.

377
Segundo grau: Essa queimadura atinge uma camada mais profunda

da pele, envolvendo tanto a epiderme quanto parte da derme. Geralmente,

bolhas se formam, e esse tipo de queimadura é comumente observado em

casos de queimaduras causadas por líquidos quentes.

Terceiro grau: Este é o tipo mais grave de queimadura, onde todas as

camadas da pele são afetadas, e em casos extremos, os músculos podem

ser atingidos. A pele afetada pode ter uma aparência esbranquiçada ou

enegrecida, e a dor tende a ser menos intensa devido aos danos nos nervos.

• A) CORRETA. A criança apresenta uma queimadura de primeiro grau,

restrita apenas à epiderme, sem a presença de bolhas.

• B) CORRETA. pois reafirma que a queimadura da criança é de primeiro

grau, restrita à epiderme e sem bolhas.

• C) CORRETA pois enfatiza que a queimadura da criança é apenas de pri-

meiro grau, limitada à epiderme.

• D) INCORRETA pois as queimaduras são classificadas em três graus prin-

cipais: primeiro, segundo e terceiro graus.

Gabarito: Letra A

378
379

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