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PORTUGUESA
SEÇÃO FUVEST / UNICAMP / UNESP
Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á
MÓDULO – A 01 generosamente” – ou “receberá uma boa gratificação”.
Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta,
figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na
GÊNEROS E TIPOS ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei
contra quem o acoitasse.
TEXTUAIS Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo.
Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com
Instrução: Leia o trecho do conto “Pai contra mãe”, de que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra
Machado de Assis (1839-1908), para responder às questões nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se
de 01 a 03. metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza,
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros
terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também,
aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que
era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder Contos: uma antologia. 1998.
o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca.
Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era 01. (Unesp–2018) A perspectiva do narrador diante das
fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de situações e dos fatos relacionados à escravidão é
beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era marcada, sobretudo,
dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a A) pelo saudosismo. D) pelo entusiasmo.
sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a B) pela indiferença. E) pela ironia.
honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem
C) pela indignação.
social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco,
e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas,
02. (Unesp–2018) O leitor é figura recorrente e fundamental
à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras. AWYJ
na prosa machadiana. Verifica-se a inclusão do leitor na
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. narrativa no seguinte trecho:
Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, A) “A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda
à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada que raros, em que o escravo de contrabando, apenas
atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que as ruas da cidade.” (3º parágrafo)
andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
B) “Quando não vinha a quantia, vinha promessa:
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. ‘gratificar-se-á generosamente’ – ou ‘receberá uma
Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. boa gratificação’. Muita vez o anúncio trazia em cima
Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço,
todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa.”
apenas repreendida; havia alguém de casa que servia (4º parágrafo)
de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, C) “Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a
o sentimento da propriedade moderava a ação, porque certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro
dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos o ferro ao pé; havia também a máscara de folha de
houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, flandres.” (1º parágrafo)
apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem D) “O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões.
conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa
não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes também, à direita ou à esquerda, até ao alto da
marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando. cabeça e fechada atrás com chave.” (2º parágrafo)
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a E) “Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana
quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez
os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda,
tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. na porta das lojas.” (1º parágrafo)
cruel destino lhe haja posto a cara no traseiro. C) A razão de sua renúncia foi a chegada de seu irmão.
Em rigor, as frases não se equivalem e é necessário D) Ninguém descobriu a razão de sua morte.
examiná-las separadamente, se se desejar enxergar as E) Que razões alegou para o pedido de divórcio?
inanidades que formulam. No primeiro caso, pois o pânico
é uma reação irracional, comete-se uma contradição em Instrução: As questões 06 e 07 tomam por base uma
termos mais que óbvia. Ninguém pode ter ou deixar de passagem de uma palestra de Amadeu Amaral (1875-1929)
ter razão para pânico, porque não é possível haver razão proferida em São Paulo, em 1914, e uma charge de Dum.
em algo que por definição requer ausência de razão.
Árvores e poetas
Então, ao repetir solenemente que não há razão para
Para o botânico, a árvore é um vegetal de grande
pânico, os noticiários e notas de esclarecimento (e nós
altura, composto de raiz, tronco e fronde, subdividindo-se
também) estão dizendo uma novidade semelhante a
cada uma dessas partes numa certa quantidade
“água é um líquido” ou “a comida vai para o estômago”.
de elementos: – reduz-se tudo a um esquema.
Se as palavras pudessem protestar, certamente Pânico
O botânico estuda-lhe o nascimento, o crescimento,
escreveria para as redações, perguntando ofendidíssimo
a reprodução, a nutrição, a morte; descreve-a;
desde quando ele precisa de razão. Nunca há uma razão
classifica-a. Não lhe liga, porém, maior importância
para o pânico.
do que aquela que empresta ao mais microscópico dos
A segunda frase nega uma verdade evidente. fungos ou ao mais desinteressante dos cogumelos.
É também mais do que claro que não existe pânico O carvalho, com toda a sua corpulência e toda a sua
sem motivo, ou seja, o freguês entra em pânico porque beleza, vale tanto como a relva que lhe cresce à sombra
algo o motivou, independentemente de sua vontade, ou a trepadeira desprezível e teimosa que lhe enrosca
a entrar na desagradabilíssima sensação de pânico. os sarmentos1 colubrinos2 pelas rugosidades do caule.
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Por via de regra vale até menos, porque as grandes Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou,
espécies já dificilmente deparam qualquer novidade. enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana
Para o jurista, a árvore é um bem de raiz, um objeto de e parcos meios de vida, mas, tão acanhada, que os
compra e venda e de outras relações de direito, assim suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se
como a paisagem que a enquadra – são propriedades Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente
particulares, ou terras devolutas. E há muita gente a Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu,
quem a vista de uma grande árvore sugere apenas este um pleuris a levou.
grito de alma: – “Quanta lenha!...” Foi esse trechozinho de romance que ligou os dois
O poeta é mais completo. Ele vê a árvore sob os homens.
LÍNGUA PORTUGUESA
aspectos da beleza e sob o ângulo antropomórfico3: […]
encara-a de pontos de vista comuns à humanidade de
Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba –
todos os tempos. Vê-a na sua graça, na sua força, na sua
um cão, um bonito cão, meio tamanho, pelo cor de
formosura, no seu colorido; sente tudo quanto ela lembra,
chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para
tudo quanto ela sugere, tudo quanto ela evoca, desde
toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era
as impressões mais espontâneas até as mais remotas,
o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde
mais vagas e mais indefiníveis. Dá-nos, assim, uma
trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias
noção “humana”, direta e viva da árvore, – pelo menos
do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o
tão verdadeira quanto qualquer outra.
por dois motivos, um doutrinário, outro particular.
Letras floridas. 1976.
– Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina,
1
sarmento: ramo delgado, flexível.
é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe
2
colubrino: com forma de cobra, sinuoso. também no cão, e este pode assim receber um nome de
3
a ntropomórfico: descrito ou concebido sob forma
gente, seja cristão ou muçulmano…
humana ou com atributos humanos. – Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de
Bernardo? disse Rubião com o pensamento em um rival
político da localidade.
– Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer
antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom
cachorro. Riste, não?
Rubião fez um gesto negativo.
– Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o
meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei
perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não
souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e…
O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba,
comovido, olhou para Quincas Borba.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba.
Disponível em: www.dumilustrador.blogspot.com.
07. (Unesp) Qual a intenção da personagem da charge ao se base um fragmento do livro Vidas secas, escrito por Graciliano
Analise tal argumento sob os pontos de vista lógico e ético. A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido,
o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam
Instrução: Leia o fragmento a seguir para responder à num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e
questão 08. sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a
Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse
náufrago da existência que ali aparece, mendigo, herdeiro com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no
inopinado, e inventor de uma filosofia [Humanitas]. pescoço um rosário de sabugos de milho queimados.
chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu filosofia, Humanitas, defende que o princípio da vida reside
em toda a parte, isso significaria que ele existe também
Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco,
no cão. Logo, sendo o dono e o cão frutos do mesmo
levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono
princípio, não haveria por que o segundo não receber um
desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando,
nome humano, seja ele muçulmano ou cristão.
até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca,
mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com • 09. Em Quincas Borba, o cão – de mesmo nome – é descrito
como “um cão, um bonito cão, meio tamanho, pelo cor
esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao
de chumbo, malhado de preto”. Ou seja, demonstra ser
longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e
um animal saudável, bem cuidado, que goza de alguns
levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse
prazeres humanos, como subir no leito do seu dono.
de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais
Já a cachorra Baleia, em Vidas secas, é descrita como
alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a
um animal no final da vida, doente e frágil, como se
pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos
vê no trecho: “Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe
traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a
em vários pontos, as costelas avultavam num fundo
latir desesperadamente. róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam,
cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação
09. (Unesp) Levando em conta que tanto o fragmento de dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida”.
Quincas Borba quanto o de Vidas secas descrevem De certa forma, ambos os cães refletem o status social
fisicamente os animais (o cão Quincas Borba e a cachorra e a condição de seus donos: enquanto Quincas Borba é
Baleia), faça uma avaliação de ambas as descrições, saudável e bem vivido, Baleia sofre com a seca, com a
mostrando em que elas se distinguem. doença e está numa condição deplorável.
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