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GRUPO I – LEITURA
Os bárbaros
Primeiro vieram a cavalo e a galope. Guerreando porque serem guerreiros era a sua
condição e a sua razão de viver. Os bárbaros. Alanos, Vândalos e Suevos. Mais tarde os
Visigodos. Algo os atraía já neste claro azul quase africano. Vinham dos seus países brancos
e invernosos, talvez gostassem do brando clima e do azul do céu, gostavam decerto das
5 terras que conquistavam aos indígenas, e onde se instalavam. Depois pararam as visitas
violentas. As últimas, e mais breves, foram as francesas.
E durante muito tempo não houve incursões1. Até ao advento2 do turismo. E então ei-
los que se puseram a chegar todos os anos pelo verão, voando ou de camioneta de vidraças
panorâmicas e ar condicionado, de automóvel também, naturalmente, e até em auto-stop3
10 que é a maneira atual de viajar na garupa do cavalo. Enchem os hotéis de todas as estrelas
que há na terra e também os parques de campismo onde erguem as suas tendas de paz.
Vêm armados de máquinas fotográficas e de filmar. E só lhes interessam as coisas, e eles
próprios no meio delas. Quanto aos indígenas, querem lá saber. Como dantes.
É uma coisa engraçada, o turismo. Porque não traz nada de verdadeiramente novo.
15 Como, de resto, nada neste mundo, ou tão pouco. As coisas é que mudam de nome e de
rosto com tempo. Mas repetem-se incessantemente.
Estou a escrevinhar estas regras – já muitas vezes escritas – porque avistei agora
mesmo, da minha janela, um grupo loiro e colorido de vikings, saindo do seu drakkar4
terrestre e sem cabeça de dragão.
(O Jornal, 18-7-80) Maria Judite de Carvalho, Este tempo, Lisboa, Editorial Caminho, 1991
VOCABULÁRIO 1incursões: invasões; 2advento: aparecimento; 3auto-stop: boleia; 4drakkar: embarcação escandinava,
comprida, movida a remos e com uma cabeça de dragão na proa, utilizada pelos vikings.
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1. As afirmações apresentadas de (A) a (G) correspondem a ideias-chave do texto.
Escreve a sequência de letras que corresponde à ordem pela qual essas ideias aparecem no texto.
Começa a sequência pela letra (D).
(A) A visão de um grupo de turistas nórdicos despoletou a reflexão que gerou a escrita deste texto.
(B) Os novos invasores apresentam um novo tipo de armas: máquinas fotográficas e de filmar.
(C) Um novo tipo de invasão surgiu com o desenvolvimento da indústria turística.
(D) Ao longo da História, Portugal foi palco de várias invasões nórdicas.
(E) Com o passar do tempo, pouco muda realmente, apenas se alteram a aparência e o nome das
coisas.
(F) Apesar da sua atitude menos agressiva, os novos invasores mantêm a desconsideração pelos
indígenas.
(G) As incursões violentas terminaram com as invasões francesas.
2. Para responderes a cada item (2.1. a 2.5.), seleciona a única opção que permite obter uma afirmação
adequada ao sentido do texto. Escreve o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
2.1. A sequência “Primeiro”, “Mais tarde” e “Depois”, presente no primeiro parágrafo visa
(A) apresentar uma linha temporal.
(B) transmitir uma relação de causa-efeito.
(C) transmitir exclusivamente uma relação de adição.
(D) localizar espacialmente a ação.
2.2. A frase “Vêm armados de máquinas fotográficas e de filmar.” (linhas 13-14) contém
(A) uma antítese. (C) um eufemismo.
2.4. A expressão “já muitas vezes escritas” (linha 19) significa que a autora considera
(A) a sua perspetiva absolutamente inovadora.
(B) que também na sua escrita pouco há de novo.
(C) opiniões de outros autores ao longo do seu texto.
(D) que, ao escrever o texto, plagiou outros autores.
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2.5. A referência ao drakkar e ao aspeto viking dos turistas (linhas 20/21) pretende
(A) sublinhar o aspeto pouco bárbaro dos turistas nórdicos.
(B) retomar a ideia da invasão dos bárbaros que inicia o texto.
(C) evidenciar os conhecimentos históricos da autora da crónica.
(D) mostrar que, historicamente, tudo se altera.
Um grande temor enchia o palácio, onde agora reinava uma mulher entre mulheres. O
bastardo, o homem de rapina que errava1 no cimo das serras, descera à planície com a sua horda2, e
já através de casais e aldeias felizes ia deixando um sulco de matança e ruínas. As portas da cidade
tinham sido seguras com cadeias mais fortes. Nas atalaias3 ardiam lumes mais altos. Mas à defesa
faltava disciplina viril. Uma roca4 não governa como uma espada. Toda a nobreza fiel perecera5 na
grande batalha. E a rainha desventurosa apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu filhinho
e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva. Só a ama leal parecia segura – como se os braços em que
estreitava o seu príncipe fossem muralhas de uma cidadela6 que nenhuma audácia pode transpor.
Ora uma noite, noite de silêncio e de escuridão, indo ela a adormecer, já despida, no seu catre7,
entre os seus dois meninos, adivinhou, mais que sentiu, um curto rumor de ferro e de briga, longe, à
entrada dos vergéis8 reais. Embrulhada à pressa num pano, atirando os cabelos para trás, escutou,
ansiosamente. Na terra areada, entre os jasmineiros, corriam passos pesados e rudes. Depois houve
um gemido, um corpo tombando molemente, sobre lajes, como um fardo. Descerrou violentamente a
cortina. E além, ao fundo da galeria, avistou homens, um clarão de lanternas, brilhos de armas... Num
relance tudo compreendeu – o palácio surpreendido, o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu
Príncipe! Então, rapidamente, sem uma vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe do seu berço de
marfim, atirou-o para o pobre berço de verga – e tirando o seu filho do berço servil, entre beijos
desesperados, deitou-o no berço real que cobriu com um brocado9.
Bruscamente um homem enorme, de face flamejante, com um manto negro sobre a cota de
malha10, surgiu à porta da câmara, entre outros, que erguiam lanternas. Olhou – correu ao berço de
marfim onde os brocados luziam, arrancou a criança, como se arranca uma bolsa de ouro, e abafando
os seus gritos no manto, abalou furiosamente.
O príncipe dormia no seu novo berço. A ama ficara imóvel no silêncio e na treva.
Eça de Queirós, [«A Aia»], in Contos, Vol. I, Edição de Marie-Hélène Piwnik, Lisboa, IN-CM, 2009
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NOTAS
1 errava – andava de um lado para o outro, sem destino certo. 2 horda – conjunto de pessoas que provocam
desordem.3 atalaias – pontos elevados de onde se observa e vigia.4 roca – brinquedo de bebé /instrumento para fiar
o linho, a lã ou o algodão. 5 perecera – morrera. 6 cidadela – fortaleza.
7 catre – cama pobre. 8 vergéis – jardins ou pomares. 9 brocado – tecido de seda com fios de ouro ou prata e motivos
em relevo. 10 cota de malha – armadura defensiva.
Coluna A Coluna B
A. metáfora
1. “Uma roca não governa como uma espada”. B. antítese
2. “passos pesados e rudes” C. anáfora
3. “avistou homens, um clarão de lanternas, brilhos D. personificação
de armas...” E. dupla adjetivação
4. “um corpo tombando (…)sobre lajes, como um F. enumeração
fardo” G. comparação
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3. Indica a função sintática dos elementos sublinhados nas frases.
Tema 2: Pode o dever de lealdade levar alguém a sacrificar a vida do seu próprio filho para salvar o
seu senhor?
Num texto bem estruturado, com um mínimo de 160 e um máximo de 240 palavras, dá a tua opinião
sobre o assunto (mostra de forma clara se és a favor ou contra a atitude da Aia; fundamenta a tua
posição apresentando argumentos, exemplos).
Bom trabalho!
A professora: Ana Quelhas Rodrigues