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Artigo Original

Implicações de um grupo de
Psicoeducação no cotidiano de
portadores de Transtorno Afetivo Bipolar*

The implications of a Psychoeducation group on the everyday lives of


individuals with Bipolar Affective Disorder

Implicancias de un grupo de Psicoeducación en el cotidiano de


afectados de Transtorno Afectivo Bipolar
Sarita Lopes Menezes1, Maria Conceição Bernardo de Mello e Souza2

resumo Abstract Resumen


Há evidências crescentes de que o curso There is growing evidence that the course of Existen crecientes evidencias de que el
Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) pode ser Bipolar Affective Disorder (BAD) can be al- curso del Transtorno Afectivo Bipolar (TAB)
modificado por abordagens psicoterápicas, tered by psychotherapeutic approaches, such puede modificarse por abordajes psicoterá-
tais como a Psicoeducação. Assim, o obje- as Psychoeducation. Therefore, this study was picas, como la Psicoeducación. Este trabajo
tivo deste trabalho foi identificar as impli- performed with the objective of identifying objetivó identificar las implicaciones del
cações do grupo de Psicoeducação no coti- the implications of a Psychoeducation group grupo de Psicoeducación en el cotidiano
diano dos portadores. Para tanto, optou-se on the everyday lives of individuals with BAD. de afectados. Para ello, se optó por estudio
pelo estudo qualitativo, do tipo Estudo de To do this, the authors chose to perform a cualitativo, tipo Estudio de Caso. Fueron
Caso. Foram incluídos doze portadores de qualitative case study. Participants included incluidos doce afectados de TAB que tuvie-
TAB que tiveram pelo menos seis participa- twelve individuals with BAD who had at- ron cuanto menos seis participaciones en
ções no Grupo de Psicoeducação desenvol- tended at least six meetings of the Psycho- el Grupo de Psicoeducación desarrollado
vido na Faculdade de Medicina de São José education Group held at the São José do Rio en la Facultad de Medicina de São José
do Rio Preto (FAMERP). Foram realizadas Preto Faculty of Medicine (FAMERP). Semi- do Rio Preto (FAMERP). Fueron realizadas
entrevistas semi-estruturadas, gravadas, structured interviews were performed, which entrevistas semiestructuradas, grabadas,
transcritas e trabalhadas por meio da Aná- were recorded and then transcribed and transcriptas y trabajadas mediante Análisis
lise Temática. Este estudo demonstrou que subjected to Thematic Analysis. The present Temático. Este estudio demostró que tal
tal experiência grupal favoreceu a aquisi- study showed that the referred group expe- experiencia grupal favoreció la adquisición
ção de conhecimento; a conscientização rience promoted the individuals’ knowledge de conocimiento; la concientización de la
da doença e adesão ao tratamento; a re- acquisition; their awareness regarding the enfermedad y adhesión al tratamiento; la
alização de mudanças positivas na vida; a disease and adherence to treatment; their realización de cambios positivos en la vida;
possibilidade de ajudar outros portadores making positive changes in life; the possibil- la posibilidad de ayudar a otros afectados a
a se beneficiarem do aprendizado cons- ity of helping other patients to benefit from beneficiarse del aprendizaje construido en
truído no grupo; a descoberta de outras the knowledge learned in the group; and their el grupo; al descubrimiento de otras reali-
realidades e estratégias de enfrentamento, awareness regarding other realities and cop- dades y estrategias de tratamiento, obteni-
obtidas por meio da troca de experiências ing strategies, obtained by exchanging experi- das mediante intercambio de experiencias
entre os participantes. ences with other participants. entre participantes.

descritores descriptors descriptores


Transtorno bipolar Bipolar disorder Trastorno bipolar
Terapêutica Therapeutics Terapéutica
Enfermagem psiquiátrica Psychiatric nursing Enfermería psiquiátrica
Saúde mental Mental health Salud mental
Psicoterapia de grupo Psychotherapy, group Psicoterapia de grupo

* Extraído da dissertação “Grupo de Psicoeducação e suas implicações no cotidiano de portadores de Transtorno Afetivo Bipolar”, Programa de Pós-
Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2009. 1 Enfermeira. Especialista em Enfermagem Psiquiátrica e
Saúde. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
São José do Rio Preto, SP, Brasil. sarita_enf@yahoo.com.br 2 Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências
Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. consouza@cerp.usp.br

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Rev Esc Enferm USP Recebido: 26/01/2010 Implicações de um grupo de Psicoeducação no
Português / Inglês
2012; 46(1):124-31 Aprovado: 20/08/2011 cotidiano de portadores de Transtorno Afetivo Bipolar
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Introdução Apesar do TAB ser caracterizado por fortes indicadores
biológicos e o tratamento farmacológico ser impreterível,
O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é uma doença men- é necessário que haja uma atenção psicossocial, conside-
tal crônica, complexa e com altos índices de morbidade e rando que no tratamento estritamente biológico são altos
mortalidade, sendo caracterizada por episódios de mania os índices de não-adesão e recaídas. Assim, é fundamen-
ou hipomania, alternados com períodos de depressão e/ tal associar tratamentos complementares que busquem a
ou eutimia(1). Estima-se que a bipolaridade pode afetar em aplicação clínica do modelo bio-psico-social e a inclusão
torno de 1% da população geral. Contudo, estudos que e valorização da participação dos pacientes e familiares(6).
consideram o espectro bipolar indicam uma prevalência Inclusive, há evidências crescentes de que o curso do TAB
de 5%. Em geral, a manifestação dos primeiros sintomas pode ser modificado por meio de abordagens psicoterá-
ocorre na adolescência, mais especificamente entre os 18 picas. Estas têm como objetivos o aumento da adesão
e 22 anos(1). ao tratamento, a redução dos sintomas residuais, a iden-
tificação de pródromos sindrômicos com a consequente
Na depressão há alterações no humor, na psicomo- prevenção das recaídas, a diminuição das taxas e perío-
tricidade, na cognição e nas funções vegetativas, sendo dos de hospitalizações e a melhora na qualidade de vida
o quadro clínico caracterizado por outros sintomas tam- dos pacientes e seus familiares. Além disso, favorecem o
bém, tais como humor depressivo, incapacidade de sentir aumento do funcionamento social e ocupacional desses
alegria ou prazer, lentificação ou agitação psicomotora, pacientes e das capacidades de manejarem situações es-
dificuldades de concentração e pensamentos de cunho tressantes em suas vidas(7).
negativo(2).
Entre as abordagens não-farmacológicas
Na fase de mania, o humor é expansivo há a Psicoeducação, desenvolvida a partir da
ou eufórico, podendo ser irritável e desinibi- ...a Psicoeducação década de 1970 como um tratamento adi-
do. Há, também, diminuição da necessidade é considerada como cional ao fármaco, com o intuito de manter
de sono, inquietação, agitação psicomotora, uma das principais o paciente inserido na comunidade(6). Em
aumento de energia e de libido. Além disso, é estratégias para geral, a Psicoeducação é considerada como
comum ocorrer nessa fase ideias de grande- modificar aspectos uma das principais estratégias para modificar
za, prolixidade, pressão para falar, prejuízo da aspectos negativos vivenciados pelos porta-
negativos vivenciados
crítica e aumento da impulsividade. Assim, a dores de TAB e envolve fornecer informações
conduta social torna-se inadequada, o indiví- pelos portadores de aos pacientes e familiares sobre a natureza e
duo pode ficar indiscreto, invasivo, bem co- Transtorno Afetivo o tratamento da doença, provendo ensina-
mo aumentar o consumo de álcool e/ou ou- Bipolar e envolve mentos teóricos e práticos para que possam
tras drogas, aumentar os gastos financeiros e fornecer informações compreender e lidar melhor com a mesma.
o envolvimento em atividades potencialmen- aos pacientes e Além disso, tal estratégia tem como objeti-
te danosas, como dirigir em alta velocidade, familiares sobre vo ajudar o portador a melhorar seu insight
promiscuidade sexual e dívidas(2). sobre a doença, lidar com a estigmatização,
a natureza e o
melhorar a adesão ao tratamento, ensinar os
O TAB está associado a um elevado ris- tratamento da doença...
sinais prodrômicos precoces, promover há-
co de mortalidade, sendo que aproximada-
bitos saudáveis e a regularidade no estilo de
mente 25% dos portadores tentam suicídio
vida e evitar o abuso de substâncias(7-8).
em algum momento da vida(3-4), sendo que, dos 25% dos
portadores de TAB que tentam suicídio, 11% tem êxito(3). Desse modo, o presente estudo teve como objetivo
Essa taxa é ainda maior quando se refere a pacientes não identificar, na perspectiva de portadores de TAB, as impli-
tratados, chegando a 15%(4). cações de um grupo de Psicoeducação no seu cotidiano.
Considerando todas essas alterações descritas, é gran-
de o impacto do TAB no funcionamento ocupacional dos MÉTODO
portadores, que têm mais problemas em relação ao traba-
lho do que a população em geral tem(2). Esta pesquisa somente foi iniciada após o parecer
favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
O tratamento do TAB consiste em estratégias farmaco-
de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), objeti-
lógicas e não-farmacológicas. As primeiras compreendem
vando a preservação dos aspectos éticos (Protocolo nº
os medicamentos estabilizadores do humor, tais como
7049/2007).
o lítio, anticonvulsivantes e antipsicóticos. Estes visam o
controle da fase aguda, a prevenção de novos episódios Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, do tipo
e têm um papel fundamental na reparação da plástica Estudo de Caso, no qual foram incluídos 12 sujeitos por-
sináptica, compensando uma série de alterações estru- tadores de TAB, com participação no grupo de Psicoedu-
turais e funcionais em determinadas regiões do cérebro cação igual ou superior a seis encontros, sendo utilizado
provocadas pelas recaídas(5). o método de amostragem por saturação para a determi-

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nação do número de sujeitos do estudo. Assim, foram da entrevista foram: Conte-me sobre como é o seu dia a
incluídos novos sujeitos até ser constatado que estavam dia e Como tem sido para você participar do grupo de Psi-
ocorrendo muitas repetições, que os conteúdos das en- coeducação?
trevistas estavam muito semelhantes, e que, portanto,
novas falas passariam a ter acréscimos pouco significati- RESULTADOS
vos, não levando a modificações qualitativas na posterior
análise dos resultados.
Caracterização dos Sujeitos
O referido grupo de Psicoeducação é desenvolvido
Participaram desta pesquisa 12 sujeitos do sexo femi-
na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FA-
nino, com idades entre 35 e 73 anos, sendo cinco casadas,
MERP), existe desde setembro de 2003, sendo inicialmen-
quatro divorciadas, duas solteiras e uma viúva. Quanto à
te (até novembro de 2005) parte do Programa Prevenção
escolaridade, todas são alfabetizadas, porém apenas três
de Recaídas do Transtorno Bipolar do Humor, em parceria
concluíram o ensino médio e três chegaram ao ensino su-
com o Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA)
perior. No momento da pesquisa, seis delas estavam em-
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São
pregadas, quatro são do lar e uma aposentada em decor-
Paulo. Trata-se de um grupo aberto, com encontros men-
rência do transtorno mental. O número de frequência no
sais, participando, em média, 30 pessoas (entre familiares
grupo de Psicoeducação variou de seis a 17 vezes, sendo
e portadores), que são convidadas por meio de anúncios
que a metade das mulheres teve 10 ou mais participações.
de jornais, cartazes distribuídos nos Serviços de Saúde
Mental do município, bem como pessoalmente pelos pro- Dentre as 12 mulheres entrevistadas, 11 já fizeram
fissionais que participam do grupo ou que são nossos co- psicoterapia em algum momento de suas vidas e destas
laboradores. apenas quatro continuam fazendo esse tipo de tratamen-
to. Em relação às internações psiquiátricas, seis já foram
É programada para cada encontro uma palestra, com
internadas em hospital psiquiátrico, considerando seis in-
duração de uma hora, proferida por algum profissional:
ternações a maior incidência entre as participantes, sendo
enfermeiro, médico psiquiatra, psicólogo, nutricionista,
todas as internações anteriores ao início da participação
professor de educação física, advogado, entre outros,
no grupo de Psicoeducação.
de acordo com o tema agendado para o dia e com sua
área de conhecimento. Quanto aos temas abordados nas
palestras, esses são sugeridos pelos próprios participan- Implicações do grupo de Psicoeducação no cotidiano dos
tes ao responder um questionário de avaliação dos en- portadores de Transtorno Afetivo Bipolar
contros, que é aplicado anualmente. Em geral, os temas As implicações do grupo de Psicoeducação no coti-
incluem a caracterização da doença em suas diferentes diano de portadores de Transtorno Afetivo Bipolar serão
fases; fatores causais e desencadeantes; tratamentos analisadas por meio de quatro subcategorias temáticas:
farmacológicos e não-farmacológicos; gravidez e aconse- Conhecendo o Transtorno Afetivo Bipolar; Favorecendo
lhamento genético; detecção precoce dos episódios maní- a conscientização da doença e a adesão ao tratamento;
acos e depressivos; álcool e outras drogas; prejuízos psico- Promovendo mudanças na vida e O portador como fonte
lógicos, sociais e econômicos; técnicas de gerenciamento de ajuda.
do estresse; como lidar com um familiar que é portador;
estratégias para conviver com as mudanças no estilo de Conhecendo o Transtorno Afetivo Bipolar
vida no dia-a-dia e melhorar a qualidade de vida (alimen-
tação e atividade física); direitos do portador e familiar; Ao mencionarem como foi participar do grupo de Psi-
entre outros. Após a palestra, há um depoimento volun- coeducação, é surpreendente a importância que atribuem
tário de um familiar ou portador, cujo objetivo é a troca à aquisição de conhecimento sobre o TAB. Conforme ob-
de experiências e o intercâmbio de encorajamento. Além servamos nos depoimentos, alguns portadores já sofriam
do depoimento, é marcante a participação dos presentes com as consequências da doença há muitos anos e, no
em expressar seus pensamentos e/ou dúvidas acerca do entanto, não compreendiam claramente o significado de
tema, sendo estas últimas esclarecidas pelos profissionais tudo aquilo. Alguns referem, inclusive, que, embora já fi-
presentes. Os encontros são finalizados com um lanche, zessem acompanhamento médico há algum tempo, não
momento esse que favorece a aproximação entre fami- obtinham esse tipo de esclarecimento nas consultas.
liares/portadores e os profissionais, contribuindo, assim,
para o fortalecimento do vínculo entre os mesmos. Além disso, veem o grupo como um local seguro e con-
fiável, o que os estimula a fazer questionamentos e expor
Para a obtenção dos dados, foi utilizada como técnica vivências acerca da doença, livres do medo de serem víti-
a entrevista semiestruturada, gravada e, posteriormente, mas de preconceito por se identificarem como portadores
transcrita pela própria pesquisadora, deixando o entre- de uma doença mental, preconceito esse ainda tão co-
vistado livre para trazer conteúdos além do questionado. mum na sociedade em que vivemos. Nesse sentido, refe-
Após a coleta de dados, as entrevistas foram trabalhadas rem, também, que obter tais informações de profissionais
por meio da Análise Temática. As perguntas norteadoras especializados no assunto lhes confere uma confiança

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maior, o que não necessariamente ocorre quando se bus- mento. Tal influência fica evidente no depoimento de um
ca informações em outras fontes, suscetíveis a distorções, dos sujeitos ao referir que sua participação no grupo re-
modismos e preconceitos. presentou a última gota para encher seu balde, ou seja,
que as suas experiências de vida, a vivência dos episódios
Assim, relatam que por meio das palestras e discussões de mania e depressão, bem como os muitos outros re-
no grupo de Psicoeducação passaram a se conhecer mais, a cursos que já havia buscado, incluindo a Psicoeducação,
ter condições de lidar melhor com as manifestações do TAB lhe trouxeram um grande aprendizado e, por assim dizer,
e, inclusive, a evitar internações desnecessárias... foram enchendo seu balde, suprindo sua necessidade de
(...) através de estar vindo aqui, né, participar do progra- respostas. Então, ao promover respostas até então não
ma é, é que entendi realmente o que é o transtorno bipolar encontradas, o grupo de Psicoeducação colaborou para a
e que os sintomas que eu sentia antes tinha tudo a ver sua a conscientização da doença e adesão ao tratamento:
com o transtorno bipolar (...) (Antônia).
(...) eu já estava quase pronta pra essa tomada de cons-
(...) eu nunca tinha ouvido falar de transtorno bipolar (...) ciência e eu diria que foi a última gota o psicoeducacional
eu tinha muita confiança no que estava sendo passado para eu assumir toda essa postura hoje que eu tenho, tu-
pelos profissionais, porque é muito complicado você pe- do o que penso, tudo o que eu acho sobre a minha doen-
gar, ler alguma coisa numa revista e outro vem falar e... ça, toda a minha caminhada (...)(Dalva).
muitas vezes eu já vi coisa errada. Então, ali eu sentia
(...) o psicoeducacional, ele te conscientiza que esse dis-
segurança (...) era um porto seguro pra mim...Foi uma
túrbio é uma doença e tem que ser tratada, tem que ser
bênção, viu?! Foi uma bênção! (Fátima).
levado a sério (...) ele te prepara, você, pra conviver com
(...) você sabe quando você está querendo cair, você sa- você, pra conviver com a sua doença (...) porque isso não
be quando você já, já... está passando dos limites. Eu é um problema do outro, é o seu e quem tem que resolver
aprendi muito aqui no curso, porque só com as consul- é você (...) (Jurema).
tas médicas não dá para você saber. Aqui, você aprende
(...) eu acho que o grupo, o psicoeducacional (...) passa
muito, eu acho que vale muito a pena (...) para você se
essa consciência pra você, né, de que você é capaz de
autoconhecer (...) porque esse pessoal (...) que não tem
ter uma vida saudável, trabalhar, viver normal! (...) Então,
muito conhecimento, qualquer coisinha (...) eles vão para
quem tem que aceitar é você, a doença é sua(...)(Jurema).
o Hospital Psiquiátrico! (...) (Laura).
(...) eu não aceitava que eu teria que tomar remédio pra
(...) tudo isso através do conhecimento, da ajuda do Psi-
vida inteira, né. E aqui me ajudou muito. Aqui me ajudou
coeducacional, entendeu?! O médico não te explica isso,
muito! (...) aqui, né, que é a chave de tudo, pra gente acei-
ele te medica e pronto (...) (Jurema).
tar, que a gente tem que se cuidar, tem que tomar remédio
certinho, tem que ir no psiquiatra, tem que ir no psicólogo
Favorecendo a conscientização e a adesão ao tratamento e conviver (...) (Antônia).

Por meio dos depoimentos, percebemos o quanto o


conhecimento sobre o TAB pode favorecer o comprome- Promovendo mudanças na vida
timento com o tratamento e, assim, o quanto a Psicoe- As subcategorias anteriores discutiram o papel da Psico-
ducação exerce um papel importante para isso. Ao com- educação na aquisição de conhecimento, na conscientização
preenderem a dinâmica da doença, sua natureza cíclica e do portador quanto a sua doença, bem como na adesão ao
crônica, bem como os prejuízos advindos das constantes tratamento. De que forma isso pode repercutir na vida des-
recaídas, passam a se conscientizar de que são portadores ses portadores é o que analisamos nesta subcategoria.
de um transtorno mental e que, necessariamente, preci-
sam realizar o tratamento da forma adequada. Conforme observamos nos depoimentos, a partici-
pação no grupo de Psicoeducação promoveu mudanças
Ao mesmo tempo, notamos que eles se dão conta de significativas na vida dos pacientes. No que diz respeito
que podem ser participantes ativos nesse processo e que a isso, referem que passaram a ter uma vida normal, ou
essa adesão ao tratamento lhes propiciará uma melhor seja, retomaram suas atividades cotidianas, tais como o
qualidade de vida. Nesse sentido, mencionam como be- trabalho secular e as responsabilidades domésticas, ativi-
nefício dessa conscientização da doença e adesão ao tra- dades estas que estavam intensamente comprometidas
tamento a possibilidade de retomarem sua vida pessoal e na vida de alguns deles. Mencionam, também, a possibi-
profissional, apesar do transtorno, gerenciando suas vidas, lidade de necessitarem de menos internações psiquiátri-
ao invés se viverem à mercê dos altos e baixos da doença. cas, uma vez que aprendem a lidar melhor com a doença
e suas consequências.
Nota-se nos depoimentos que a Psicoeducação não
é a solução única e milagrosa para a complexidade dos Além disso, citam que a participação no grupo favore-
problemas que envolvem o TAB. Porém, ela exerce uma ceu o aumento na autoestima, contribuiu para se senti-
influência significativa no processo de conscientização rem mais felizes e os ajudou a conviver da melhor maneira
da doença e, consequentemente, para a adesão ao trata- possível com sua nova situação de vida, apesar do TAB.

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(...) E graças aqui eu tive, assim, é, tenho, eu tenho uma Além disso, o portador como fonte de ajuda perpassa
vida normal (...) eu vou trabalhar, eu volto, eu limpo minha o ambiente do grupo de Psicoeducação, dos participan-
casa, eu lavo roupa, eu faço comida (...) (Antônia). tes colaborando entre si. Detectamos nos relatos que, ao
(...) de cem que passar por lá (Grupo de Psicoeducação)
passo que o portador é beneficiado pela intervenção psi-
e vocês ajudarem um que for, é um a menos no hospi-
coeducativa, ele sente-se motivado a ajudar outras pes-
tal psiquiátrico, é um a menos sofrendo no planeta Ter- soas que estão além do contexto grupal, com as quais se
ra! Pode ter certeza que não é só um (...) como eu, acho identifica em termos de sofrimento, história de vida e na-
que teve tantas pessoas que mudaram o comportamento, tureza da doença. Isso é refletido nos esclarecimentos que
mudaram a vida (...) que pegou do psicoeducacional uma fornece a essas pessoas sobre o TAB sobre as mudanças
grande mudança de vida!(...) (Dalva). de comportamento, sobre a necessidade de aderirem ao
tratamento e, de forma mais indireta, por convidá-las pa-
(...) o psicoeducacional é muito importante (...) às vezes ra participar do grupo de Psicoeducação, reforçando que,
uma palavra que você escuta, e que ele usa muda toda assim como ele, ali encontrarão ajuda para lidar com as
uma situação (...) (Jurema). dificuldades envolvendo o TAB.
(...) percebo que eu estou conseguindo melhorar a minha Desse modo, compreendemos que para esses sujeitos
autoestima (...) estou mais equilibrada, eu gostei muito de o grupo de Psicoeducação lhes propicia, também, a opor-
ter participado do psicoeducacional, valeu mesmo. Vi que tunidade de ajudarem outras pessoas, bem como de se-
eu não era tão ruim, assim, como pessoa e que eu podia rem ajudados por outros portadores.
melhorar (...) (Madalena).
(...) eu via que conversando com as pessoas lá (Grupo
(...) com relação ao grupo, eu lembro que da última vez de Psicoeducação) eu, também, era um instrumento de
(...) tinha um psicólogo, ele falou que a melhor coisa do ajuda, de poder estar ajudando, incentivando (...) (Dalva).
mundo ainda é o trabalho, né, então isso me tocou profun-
damente, né, porque eu ficava deitada até 10h da manhã. (...) o filho tem, tem distúrbio bipolar e ele perdeu tudo o
Depois eu almoçava, às vezes fazia o almoço, e já deita- que tinha e perdeu tudo o que os pais tinham (...) essa
da de novo, ficava com aquela preguiça, mas assim, era mulher tava bem dizer chorando (...) peguei na mão dela,
preguiça mesmo, não era depressão (...) hoje eu sou uma assim, e falei pra ela do Psicoeducacional, que ajuda, né,
pessoa mais feliz, né, e o grupo, assim, veio a acrescentar pra ela conviver melhor com isso (...) você quer pegar a
partes positivas para mim (...) (Madalena). pessoa e, sabe, carregar no colo, porque você sabe o que
que é a doença, você sabe o que a pessoa tá sentindo
(...) (Jurema).
O portador como fonte de ajuda
(...) o pessoal que a gente conheceu (no Grupo de Psi-
Os depoimentos nos revelam, também, que a impor-
coeducação), né, cada testemunho da pessoa valeu para
tância do grupo de Psicoeducação não se resume às inter-
gente melhorar alguma coisa na vida, no dia-a-dia da gen-
venções apenas dos profissionais, quando estes fornecem te (...) (Madalena).
conhecimentos teóricos e práticos sobre o TAB, mas que
boa parte dos benefícios desse tipo de abordagem pode (...) cada um com um tipo de problema, com um tipo de
ser atribuída às trocas que existem entre os próprios par- saída, com um escape diferente. Então, você vai, escuta
ticipantes Percebe-se, nos relatos, o quanto os mesmos um aqui, escuta outro ali e aí eu disse “Espere aí!’ ‘Eu pre-
valorizam o conhecimento construído por meio das expe- ciso arrumar um escape, um jeito!’ Aí, eu, então, comecei
riências de outros pacientes. a ouvir música, ler um livro (...) Eu não tinha essas estra-
tégias ainda não (...) foi de ir no grupo é que eu comecei a
Inicialmente, os sujeitos descrevem a satisfação de en- parar pra pensar ‘Não, eu vou fazer isso, vou fazer aquilo’
contrar pessoas com problemas semelhantes aos seus, o (...) (Emília).
que por um lado lhes traz consolo, uma vez que se dão
(...) eu vi que eu Puxa vida, eu não estou sozinha! Tem
conta de que não são os únicos a sofrer com essa doen-
tantas pessoas com o mesmo problema que eu! (...) poder
ça. Por outro lado, experimentam uma sensação de alívio,
conversar com essas pessoas, é uma possibilidade única,
por encontrar nessas pessoas experiências consideradas sabe!?(...). Puxa! Outro dia, eu ouvi uma mulher falar que
piores do que as suas. comprou 10 televisões. Eu falei ‘Que bom!’ (risos) ‘Não
sou só eu!’ (...) lá (no Grupo de Psicoeducação) eu me
De acordo com as entrevistas, compreendemos, ain-
sentia mais normal (Fátima).
da, que tanto o depoimento formal de um portador ou
familiar que ocorre a cada encontro do grupo quanto as
conversas informais antes ou após as reuniões beneficiam DISCUSSÃO
intensamente os pacientes. Eles relatam ter modificado
algum comportamento inadequado ou mesmo ter busca- No que se refere ao conhecimento proporcionado no
do uma nova estratégia para lidar com as consequências grupo de Psicoeducação, uma pesquisa de revisão da litera-
do TAB na vida a partir do que ouviram das experiências tura sobre a eficácia da Psicoeducação no TAB menciona que
de outros portadores presentes. essa modalidade de intervenção propicia a melhora do cur-

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so da doença por, entre outras coisas, favorecer o aumento Nesse sentido, indivíduos que participam de grupos de
do conhecimento dos participantes sobre a doença(9). Psicoeducação podem ser capazes de compreender me-
lhor o TAB, o que favorece a aceitação do transtorno e a
Além disso, um estudo prospectivo de dois anos compa- adesão ao tratamento(8).
rou dois grupos de 25 bipolares tipo I em remissão, ambos
sob tratamento farmacológico; porém, em apenas um deles Isso é confirmado por uma pesquisa que envolveu
aplicou-se a Psicoeducação. Um dos achados dessa pesquisa 120 portadores de TAB em remissão, sob tratamento
foi que a Psicoeducação auxilia os portadores a detectar pre- psicofarmacológico padrão, sem acompanhamento psi-
cocemente os sinais prodrômicos do TAB, o que certamente coterápico no momento do estudo, divididos em dois
contribui para uma intervenção mais precoce e, consequen- grupos, sendo um grupo controle, com sessões não-es-
temente, uma melhorar na vida dessas pessoas(10). truturadas. Os sujeitos do outro grupo participaram de
21 sessões semanais de Psicoeducação que focalizaram
Ao avaliarem a eficácia da Psicoeducação e outras estra- a identificação de sintomas prodrômicos, a adesão ao
tégias relacionadas ao TAB, um estudo menciona que a Psi- tratamento e a necessidade de manter um estilo de vida
coeducação auxilia o paciente a dar um enfoque mais sin- regular. Tal estudo, após dois anos de seguimento, con-
gular ao TAB, ou seja, passa a compreender a doença deles cluiu que o grupo de Psicoeducação contribuiu para uma
e não simplesmente a doença, o que envolve o autoconhe- significativa redução nas recorrências, hospitalizações e
cimento, entendendo a associação entre os sintomas, su- dias de internação(10).
as características de personalidade e temperamento, bem
como os efeitos colaterais da medicação. Além disso, acres- Ainda em relação ao papel da Psicoeducação nesse
centa que a Psicoeducação os auxilia a reconhecer mudan- aspecto, um estudo analisou os episódios de recaídas em
ças sutis de comportamento que podem ser preditivas de 58 portadores de TAB em remissão, dividindo-os em dois
um novo episódio. Também, ao referir que o portador pas- grupos, ambos sob tratamento medicamentoso, sendo
sa a enxergar a doença dele, reporta-se à responsabilização apenas um dos grupos submetido a 12 sessões sema-
do paciente, ou seja, que a Psicoeducação os ajuda a ter nais de 90 minutos de Psicoeducação (27 portadores). O
uma participação ativa no tratamento e a se sentirem res- estudo foi finalizado com uma amostra de 45 pacientes,
ponsáveis pelo gerenciamento da doença, o que é funda- dentre esses, 29 permaneceram eutímicos até 60ª sema-
mental para o êxito no tratamento(11). na, sendo 17 pertencentes ao grupo de Psicoeducação;
16 tiveram sofreram recaída, sendo apenas três sujeitos
A Psicoeducação, então, deve contribuir para que o
do grupo de Psicoeducação e, além disso, esses demora-
portador de TAB compreenda e dê sentido à experiência
ram mais tempo para recair (11 semanas a mais que os
vivida por ele, aplicando tal compreensão no seu cotidia-
demais pacientes). Desse modo, confirmou que a Psicoe-
no e demonstrando uma maior valorização de sua vida, o
ducação reduz as recaídas no TAB e favorece a adesão ao
que supre a necessidade do portador de encontrar apoio
tratamento, sendo, portanto, incentivada a sua aplicação,
e informações, pois, em geral tal demanda não é satisfato-
juntamente com a terapêutica medicamentosa(15).
riamente atendida nas consultas médicas(6).
Outro estudo que avaliou a eficácia do grupo de Psico-
Analisando essa problemática da adesão ao trata-
educação, comparando durante cinco anos dois grupos de
mento entre bipolares americanos, uma pesquisa iden-
portadores de TAB em eutimia, totalizando uma amostra
tificou os seguintes fatores de risco para a não-adesão:
de 120 pacientes, sendo um dos grupos submetido à Psi-
a dependência ao álcool, ser jovem, a grandiosidade da
coeducação e o outro a uma intervenção não-estruturada.
morbidade afetiva, vários tipos de efeitos, comorbidade
O referido estudo concluiu que seis meses de Psicoeduca-
com Transtorno Obsessivo-Compulsivo e recorrência de
ção tem efeitos profiláticos mais duradouros no TAB, uma
mania/hipomania. Além disso, verificaram uma potencial
vez que reduz o número de recaídas de qualquer tipo,
relação entre a complexidade do tratamento e a adesão
aumenta o período de tempo entre as recaídas, diminui
ao mesmo(12).
o número de hospitalizações e o tempo em que os por-
Constatou-se, também, que os portadores de TAB ex- tadores permanecem doentes durantes as recaídas. Além
perimentam uma ambivalência em relação à terapêutica disso, verificaram a taxa de adesão entre os dois grupos
medicamentosa, sendo esta associada por eles ao sofri- antes e no final do estudo, sendo pequena a taxa de não-
mento, doença, controle, necessidade, obrigação, hábito -adesão em ambos no início e menor ainda ao término do
e culpa ou, então, ao apoio, bênção e tábua de salvação(13). estudo, também em ambos os grupos(16).
Assim, a adesão ao tratamento no TAB é um problema No entanto, apesar de alguns médicos salientarem a
multidimensional que inclui as características do próprio adesão como principal melhora após a utilização da Psico-
paciente, bem como outros fatores relacionados e, por educação, esta também exerce um papel fundamental na
isso, as abordagens terapêuticas que incorporam essas mudança de aspectos da esfera afetivo-emocional da vida
questões têm melhores resultados, otimizando a intensi- dos portadores, o que para os familiares é o mais impor-
dade do tratamento e melhorando as atitudes e compor- tante, uma vez que valorizam mais a melhora no ajusta-
tamentos de adesão ao tratamento(14). mento social do que a adesão em si(6).

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Então, os benefícios da Psicoeducação vão além da da Psicoeducação na vida desses portadores de TAB? De
adesão, redução das taxas de recaídas e hospitalizações. que modo a Psicoeducação favorece a prevenção de re-
Incluem, também, a melhora da qualidade de vida do por- caídas? O que muda na vida desses sujeitos ao passo que
tador, uma vez que promove o aumento de sua autoesti- começam a participar no grupo de Psicoeducação?
ma e bem-estar, a diminuição do estigma e da culpa, a re-
dução de comorbidades e mudanças no estilo de vida(17). Assim, essa análise nos possibilitou compreender as
implicações do grupo de Psicoeducação no cotidiano de
Nesse aspecto, uma pesquisa comprova que a psicote- portadores de TAB. Nesse sentido, os resultados demons-
rapia complementar melhora significativamente os resulta- tram que essa experiência grupal favoreceu, em especial,
dos funcionais e sintomáticos no TAB, em períodos acima os seguintes aspectos: a aquisição de conhecimento sobre
de dois anos. Nesse estudo, o autor comparou 18 experiên- o TAB; a conscientização da doença e adesão ao tratamen-
cias de abordagens psicoterápicas, no que diz respeito ao to; a realização de mudanças positivas na vida; a possibi-
tempo de recuperação, recorrência, duração dos episódios, lidade de ajudarem outros portadores a se beneficiarem
severidade dos sintomas e funcionamento psicossocial. do aprendizado construído no grupo e a descoberta de
Dentre as diferentes intervenções, a Psicoeducação indivi- outras realidades e estratégias de enfrentamento, obtidas
dual e programas de cuidados sistematizados foram mais por meio da troca de experiências entre os participantes.
eficazes em episódios maníacos do que depressivos e as Te-
rapias Familiar e Cognitivo-Comportamental se destacaram Em relação à oportunidade que o grupo lhes ofere-
no tratamento de sintomas depressivos(18). ceu para obterem mais conhecimento sobre o TAB, per-
cebemos que alguns deles já sofriam há décadas com as
Quanto à oportunidade que o grupo de Psicoeduca- consequências da doença e, inclusive, já faziam alguma
ção oferece para troca de experiências, observa-se que os forma de tratamento. No entanto, foi no grupo que pude-
portadores de TAB valorizam muito essa possibilidade de ram compreender mais plenamente o significado de tudo
compartilhar experiências, conhecimentos e sentimentos, aquilo e aprender a lidar de forma mais adequada com
o que lhes confere uma sensação de alívio e de diminui- tais mudanças. Isso reforça o quanto os profissionais de
ção da culpa. Esse intercâmbio de experiências favorece, saúde mental precisam estar preparados para cumprir o
ainda, outros aspectos: o aumento da autoestima dos seu papel de educadores.
portadores, uma vez que se sentem mais valorizados por
poderem beneficiar outros participantes; o desenvolvi- Sabemos que, atualmente, o acesso à informação é fa-
mento de habilidades sociais e a não-reprodução de com- cilitado pelos meios de comunicação, entre eles, internet,
portamentos que acarretam consequências negativas(8). televisão, livros, revistas e jornais. Isso, de certo modo, fa-
vorece a aquisição de conhecimento pelo portador. Porém,
Nesse sentido, é fundamental que seja estimulada a in- conforme os mesmos salientaram nas entrevistas, tais fon-
teração entre todos os participantes do grupo de Psicoedu- tes não necessariamente são fidedignas, podendo trazer
cação, a fim de que tenham a oportunidade de expressar distorções, refletir preconceitos e modismos da população
seus sentimentos, pensamentos e experiências envolvidas, leiga. Por isso, veem o grupo de Psicoeducação como um
o que lhes ajudará a perceber que não estão sozinhos, que local seguro e confiável para obter informações e esclare-
outros também possuem problemas semelhantes(17). cimentos. Assim, para o portador conhecer melhor o TAB,
Embora a oportunidade de conhecer novas pessoas muito dependerá de como nos capacitamos enquanto pro-
e a possibilidade de trocar experiências, em geral, sejam fissionais para exercer essa função educativa.
relatadas como aspectos positivos do grupo de Psicoedu- No que se refere à conscientização da doença e à ade-
cação, outros pacientes as denominam como negativas, são ao tratamento, concluímos que a Psicoeducação, real-
alegando que tornam os encontros cansativos, por assim mente, exerce um papel fundamental nesse aspecto. Ao
dizer, bem como desnecessários(8). compreenderem a dinâmica da doença, sua natureza cí-
Nesse sentido, há pacientes que não se beneficiam clica e crônica, bem como os prejuízos advindos das cons-
tanto da Psicoeducação em grupo, havendo alguns relatos tantes recaídas, passam a se conscientizar de que são por-
sobre aumento de ansiedade, medo, ruminações e checa- tadores de um transtorno mental e que, necessariamente,
gem obsessiva do estado de humor após se submeterem precisam realizar o tratamento da forma adequada. Eles
a essa abordagem de tratamento, revelando, assim, que referem, ainda, que o grupo de Psicoeducação os ajudou
podem ocorrer efeitos adversos(18). no processo de responsabilização e passaram a enxergar-
-se como participantes ativos no tratamento.
CONCLUSÃO Concluímos, também, que o grupo favoreceu a reto-
mada de algumas atividades que anteriormente estavam
Ao analisarmos o que os sujeitos descreveram sobre bastante comprometidas, tais como as atividades domés-
como foi para eles a participação no grupo de Psicoedu- ticas e o trabalho. Além disso, mencionaram outras mu-
cação, pudemos encontrar algumas respostas para ques- danças positivas, como o aumento da autoestima e uma
tionamentos outrora realizados: Qual é a real contribuição vida mais feliz e significativa, apesar do transtorno.

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Verificamos, ainda, que parte dos benefícios desse ti- diano desses sujeitos, essa não foi a única forma de ajuda
po de abordagem se dá em virtude das trocas que existem desfrutada por eles, que também se beneficiaram de ou-
entre os próprios participantes. Ao perceberem-se num tras fontes de ajuda, tais como as psicoterapias, os grupos
grupo de iguais, sentem-se consolados e aliviados. Além de autoajuda, o trabalho, a religião, a atividade física, a
disso, relataram ter modificado algum comportamento boa alimentação e o apoio de amigos.
inadequado ou mesmo ter buscado uma nova estratégia
para lidar com as consequências do TAB na vida a partir Com isso, concluímos que não há uma única forma de
do que ouviram das experiências de outros membros do tratamento que dê conta da complexidade que envolve os
grupo. Ao mesmo tempo, o portador também se percebe problemas relacionados ao TAB. Portanto, qualquer inter-
como fonte de ajuda para outros portadores e familiares. venção que desconsidere ou desvalorize as várias formas
de atenção à saúde, nos seus aspectos bio-psico-socio-
Vale ressaltar que, embora o grupo de Psicoeducação -culturais, poderá estar fadada ao fracasso, dado o signifi-
tenha desempenhado um importantíssimo papel no coti- cado atribuído às mesmas pelos próprios portadores.

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Correspondência: Sarita
Implicações de um grupo de Lopes Menezesno
Psicoeducação Rev Esc Enferm USP
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de portadores de Transtorno Afetivo Bipolar 2012; 46(1):124-31
CEP 15.025-600
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