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15 de Fevereiro de 2024

Direitos humanos fundamentais -


conceito, terminologia e
perspectiva histórica
Publicado por Rafael Bertramello há 10 anos

Terminologia e Delimitação Conceitual

José Afonso da Silva (2009, p. 175) explica que a ampliação e


transformação dos direitos fundamentais do homem são as
grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um conceito
sintético e preciso a respeito desta espécie, até porque os direi-
tos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente co-
nhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes,
desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as
ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural (MO-
RAES, 2007, p. 1).

Fala-se em Direitos do Homem, Direitos Naturais, Direitos Indi-


viduais, Liberdades Públicas, Direitos Subjetivos Públicos, Di-
reitos Humanos e Direitos Fundamentais.

Todavia, a melhor doutrina vem apontando para o fim da hete-


rogeneidade, ambigüidade e ausência de consenso no tocante à
esfera conceitual e terminológica, rechaçando a utilização, ao
menos como termos genéricos, das expressões: liberdades pú-
blicas,durante
Evite interrupções direitos individuais
sua pesquisa. e direitos
Faça login subjetivos FAÇA
ou crie uma públicos (SAR-
CADASTRE-

conta. LET, 2009a, p. 28). LOGIN


ou
SE

A expressão “direitos individuais”, por exemplo, mostra-se in-
suficiente para figurar como gênero dos direitos, pois, limita-se
ao rol das liberdades e direitos civis. De igual modo, a expressão
“direitos subjetivos públicos” denota o exercício do direito de
acordo com a vontade do titular, o que fere as características de
inalienabilidade e irrenunciabilidade típicas destes direitos
(SILVA, 2009, pp. 176 e 181).

Contudo, ainda que estas expressões não sejam adequadas para


abarcar todas as dimensões dos direitos objetos deste estudo,
elas não se excluem e também não são incompatíveis, apenas se
distinguem por suas esferas de alcance, positivação e con-
sequências práticas (SARLET, 2009a, p. 34).

Não à toa, o legislador constituinte brasileiro optou por fixar o


título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” em nossa Lei
Maior, utilizando, desta forma, a mais adequada expressão no
sentido de abranger as várias dimensões dos direitos aqui
estudados.

É que os direitos fundamentais, segundo a maior parte da mo-


derna doutrina constitucional, são aqueles reconhecidos e vin-
culados à esfera do Direito Constitucional de determinado Es-
tado, enquanto que os direitos humanos estão firmados pelas
posições jurídicas de âmbito internacional que se reconhecem
ao ser humano, independentemente de sua vinculação com de-
terminada ordem Constitucional (SARLET, 2009a, pp. 30-31).

De fato, os direitos humanos exprimem certa consciência ética


universal, e por isso estão acima do ordenamento jurídico de
cada Estado (COMPARATO, 2010, p. 74), sendo a expressão
preferida nos documentos internacionais (SILVA, 2009, p. 176).

Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma


conta.
ou 
Já os direitos fundamentais são compreendidos como princí-
pios que resumem a concepção do mundo e informam a ideolo-
gia política de cada ordenamento jurídico (SILVA, 2009, p. 176),
no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garan-
tir a limitação do poder e visar o pleno desenvolvimento da per-
sonalidade humana no âmbito nacional (MORAES, 2007, p. 2).

José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 529), que utiliza a ex-


pressão direitos do homem em lugar da expressão direitos hu-
manos, explica:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são


frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua ori-
gem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira:
direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em
todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direi-
tos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucio-
nalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os di-
reitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí
o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fun-
damentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa or-
dem jurídica concreta.

A teoria positivista considera essa indagação como despida de


sentido, pois, parte da premissa de que não há direito fora da
organização política estatal, fora do direito posto, escrito. Mas
essa concepção, notavelmente, demonstra-se incompatível com
o reconhecimento da existência de direitos humanos, pois a ca-
racterística de tais direitos consiste, como proclamaram os revo-
lucionários americanos e franceses no século XVIII, no fato de
valerem contra o Estado.

Seja como for, eventual conflito entre normas internacionais e


internas, em matéria de direitos humanos, invoca a aplicação da
Evite interrupções
normadurante
mais sua pesquisa.ao
favorável Faça login
ser ou crie uma
humano, pois a proteção ou
da digni-
conta. 
dade da pessoa é a finalidade última e a razão de ser de todo o
sistema jurídico (COMPARATO, 2010, p. 74).

Quanto ao âmbito da discussão em torno da melhor terminolo-


gia a ser adotada, temos que a utilização da expressão direitos
humanos fundamentais possui o condão de reforçar a unidade
essencial e indissolúvel entre os direitos humanos e os direitos
fundamentais e, por essa razão, torna-se a mais adequada a este
estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a
concepção do mundo, também informa a ideologia política de
nosso ordenamento jurídico.

No qualificativo fundamentais, como bem explica José Afonso


da Silva (2009, p. 178), acha-se a indicação de que se trata de si-
tuações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza,
não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, interpretação
perfeitamente compatível com os direitos aqui estudados.

Ademais, como veremos adiante, o reconhecimento de tais di-


reitos constitui uma das principais (mas não a única) exigência
da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009c, p. 23), decor-
rendo daí seu caráter fundamental, sua essencialidade, indispo-
nibilidade, irrenunciabilidade.

Perspectiva Histórica
Há quem aponte como primeiro documento histórico de impor-
tância ao estudo dos direitos humanos fundamentais, o Código
de Hammurabi (1690 a. C), que defendeu a supremacia das leis
em relação aos governantes (MORAES, 2007, p. 6) ao reconhe-
cer, ainda que num contexto diferente do atual, a dignidade, a
propriedade e outros direitos fundamentais do homem.

Na Inglaterra, a supremacia do rei sobre os barões feudais, re-


Evite interrupções
forçadadurante sua pesquisa.
durante todo oFaça login XII,
século ou crie uma
enfraqueceu-se no ou
início do
conta. 
reinado de João Sem-Terra, porquanto o rei aumentou as exa-
ções fiscais para financiar a guerra em disputa pelo trono. A
pressão tributária, observa Fabio Konder Comparato (2010, p.
85), fez com que a nobreza passasse a exigir o reconhecimento
formal de seus direitos como condição para o pagamento de
impostos.

Segundo Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 689), o reconhe-


cimento dos direitos fundamentais, na Inglaterra medieval, foi
marcado pelo pragmatismo e significou apenas a concessão de
privilégios para grupos determinados, como a igreja, a nobreza,
as corporações, não se reconhecendo direitos universais.

A advertência do jurista é razoável. Encontra amparo nos excer-


tos da Magna Carta[1], da qual extraímos o primeiro parágrafo,
que diz respeito às liberdades outorgadas a Igreja da Inglaterra:

1. Em primeiro lugar, garantimos perante Deus e confirmamos


pela presente Carta, em nosso nome e no de nossos herdeiros
para sempre, que a Igreja da Inglaterra será livre e manterá os
seus direitos íntegros e as suas liberdades intocadas; e é a nossa
vontade que assim seja observado; o que é evidente pelo fato de
que, antes de principiar a atual querela entre nós e nossos ba-
rões, nós, voluntária e espontaneamente, garantimos e pela
nossa carta confirmamos a liberdade de escolha (dos superiores
eclesiásticos), a qual é reconhecida como da maior importância
e verdadeiramente essencial para a Igreja inglesa, e obtivemos
confirmação disto de parte do Senhor Papa Inocêncio III; o que
observaremos e queremos que nossos herdeiros observem em
boa-fé, para sempre (COMPARATO, 2010, p. 83).

De fato o documento não pretendia universalizar o conceito de


direitos fundamentais a todo e qualquer ser humano. Contudo,
deixou implícito pela primeira vez que o rei achava-se natural-

Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma


conta.
ou 
mente vinculado pelas próprias leis que edita (COMPARATO,
2010, p. 92), despontando-se aí o embrião da democracia
moderna.

Fala-se em democracia moderna, pois, nela, a soberania popular


é meramente passiva ou formal, o governo é representativo. Em
compensação, os poderes governamentais são sempre limitados
e as liberdades individuais afirmadas (COMPARATO, 2010, p.
93).

Em síntese, o documento reconheceu as liberdades eclesiásticas,


apontando para a futura separação entre Igreja e Estado. Avan-
çou no sentido de que a tributação precisa ser consentida, dis-
pondo que “ninguém será obrigado a prestar um serviço maior
do que for devido em benefício do feudo de um cavaleiro ou de
qualquer outro domínio livre” [2].

Outro fato de relevo é o reconhecimento, em seu item 40, de que


o monarca não é o dono da justiça, sendo esta um assunto de
eminente interesse público. Outrossim, merece especial desta-
que o item 61 que estipula a responsabilidade do rei perante os
seus súbitos, o que demonstra o início do processo de derrocada
do próprio regime monárquico (COMPARATO, 2010, p. 95).

Para o Professor Alexandre de Moraes (2007, p.7), os principais


avanços com a Magna Carta podem ser sentidos, em especial, no
tocante a liberdade da igreja, restrições tributárias, proporcio-
nalidade entre delito e sanção (item 20), previsão do devido
processo legal (item 39) e livre acesso à justiça (item 40), além
da liberdade de locomoção e a livre entrada e saída do país.

Os Constitucionalistas Sylvio Motta e Gustavo Barchet (2007, p.


149) advertem, no entanto, que a efetiva positivação dos direitos
humanos fundamentais deu-se com as declarações de direito
Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma
conta.
ou 
elaboradas nos Estados norte-americanos, no século XVIII (Vir-
gínia – 1776), o que não dispensa, é claro, a importância histó-
rica da Magna Carta.

De igual relevância foi o surgimento, em 1679, do Habeas-Cor-


pus Act. O ilustre jurista Fabio Konder Comparato (2010, p.
100), explica que o remédio processual já existia na Inglaterra
há vários séculos (antes mesmo de 1215) e servia como mandado
judicial em caso de prisão arbitrária, carecendo, entretanto, de
regras processuais adequadas ao seu pleno exercício, o que so-
mente aconteceu em 1679.

A lei corrigiu lacunas processuais e sua importância histórica


consiste no fato de que essa garantia judicial, criada para prote-
ger a liberdade de locomoção, tornou-se o modelo para outros
remédios constitucionais que viriam depois, como o mandado
de segurança, por exemplo.

Vejamos um trecho do documento, traduzido por Fabio Konder


Comparato (2010, pp. 102-103):

1. Toda vez que alguma pessoa ou pessoas apresentarem um


habeas corpus a algum xerife ou xerifes, carcereiro, minis-
tro ou quaisquer outras pessoas, em favor de alguém man-
tido em sua custódia, e dito writ for notificado a tais funcio-
nários, ou deixado na prisão com algum funcionário subor-
dinado, estes funcionários devem, dentro de três dias do re-
cebimento da notificação (exceto se se tratar de traição ou
felonia, assim expressamente declarada no mandado res-
pectivo), após pagamento ou oferta das custas correspon-
dentes ao transporte do dito prisioneiro, [...] conduzir ou
fazer com que seja conduzido o paciente em pessoa perante
o lorde Chanceler, ou, interinamente, perante o Lorde
Guardião do grande sinete da Inglaterra, ou os juízes ou ba-
Evite interrupçõesrões
durante
do sua pesquisa.
tribunal que Faça loginexpedir
deve ou crie uma
dito mandado, ououperante
conta. 
a pessoa ou as pessoas às quais dito mandado deve ser de-
volvido, de acordo com o seu teor, devendo, igualmente,
certificar as verdadeiras causas da detenção ou prisão, a
menos que o local de encarceramento do paciente seja dis-
tante em mais de 20 milhas do local ou locais da sede do
mencionado tribunal ou do domicílio da pessoa; e se a dis-
tância for de mais de 20 milhas, mas não superior a 100 mi-
lhas (a apresentação do paciente deverá ocorrer), dentro de
10 dias, e se a distância for superior a 100 milhas, dentro de
20 dias [...]

Observa o mesmo autor que, essa característica de a autoridade


que detém o paciente o apresentar incontinenti em juízo, não foi
reproduzida em boa parte das legislações. Em contrapartida, o
instituto passou a ser utilizado não só em caso de prisão efetiva,
mas também em caso de ameaça e constrangimento à liberdade
individual de ir e vir (2010, pp. 101 e 102).

Dez anos depois, temos a declaração de direitos denominada


Bill Of Rights. Ela surgiu em conturbado contexto histórico de
grande intolerância religiosa. Três anos antes de sua edição,
Luís XIX revogouoedito de Nantes (escrito em 1598), ato que re-
conhecia aos protestantes franceses a liberdade de consciência e
uma limitada liberdade de culto, além da igualdade civil com os
católicos (COMPARATO, 2010, p. 107).

Apesar dos avanços sentidos no fortalecimento do princípio da


legalidade, no surgimento do direito de petição, na vedação à
aplicação de penas cruéis, entre outros, esse contexto de intole-
rância religiosa foi levado adiante com o documento, que negou
a liberdade e igualdade religiosa, como se lê de seu item IX:

Considerando que a experiência tem demonstrado que é incom-


patível com a segurança e bem-estar deste reino protestante ser
Evite interrupções durantepor
governado sua um
pesquisa. Faça login
príncipe ou crieou
papista uma
por um rei ou rainha ca-
conta.
ou 
sada com um papista, os lordes espirituais e temporais e os co-
muns pedem, além disso, que fique estabelecido que quaisquer
pessoas que participem ou comunguem da Sé e Igreja de Roma
ou professem a religião papista ou venha a casar com um pa-
pista sejam excluídos e se tornem para sempre incapazes de her-
dar, possuir ou ocupar o trono deste reino, da Irlanda e seus do-
mínios ou de qualquer parte do mesmo ou exercer qualquer po-
der, autoridade ou jurisdição régia; e, se tal se verificar, mais re-
clamar que o povo destes reinos fique desligado do dever de
obediência e que o trono passe para a pessoa ou as pessoas de
religião protestante que o herdariam e ocupariam em caso de
morte da pessoa ou das pessoas dadas por incapazes.

Inobstante, o documento continha uma essência que prevalecia


sobre as intolerâncias religiosas. Ele preservou a separação dos
poderes, quando atribuiu ao Parlamento o encargo de defender
os súditos perante o Rei, que não poderia exercer seu arbítrio
em relação a este poder constituído (COMPARATO, 2010, p.
108).

A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a


garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento. A
partir do Bill Of Rights britânico, a ideia de um governo repre-
sentativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de
suas camadas superiores, começa a firmar-se como uma garan-
tia institucional indispensável das liberdades civis (COMPA-
RATO, 2010, pp. 61 e 62).

Indispensável também mencionar a Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão, de 1789, que se tornou além da mais fa-
mosa declaração de direitos, o modelo dos pactos sociais por ex-
celência, transformando-se num verdadeiro expoente de previ-
são dos direitos humanos fundamentais.

Evite interrupções
Ensina durante sua pesquisa.
o ilustre Faça login
jurista Fabio ou crie Comparato
Konder uma (2010,oup. 65):
conta. 
As declarações de direito norte-americanas, juntamente com a
Declaração Francesa de 1789, representaram a emancipação
histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele
sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organiza-
ções religiosas. É preciso reconhecer que o terreno, nesse
campo, fora preparado mais de dois séculos antes, de um lado
pela reforma protestante, que enfatizou a importância decisiva
da consciência individual em matéria de moral e religião; de ou-
tro lado, pela cultura da personalidade de exceção, do herói que
forja sozinho o seu próprio destino e os destinos do seu povo,
como se viu sobretudo na Itália renascentista.

A Declaração calcava-se na ideia de que todos os homens nas-


cem livres e iguais em direitos e que a única fonte de poder era o
próprio povo, o que mudou radicalmente os fundamentos da le-
gitimidade política (COMPARATO, 2010, p. 63). Tanto que os
revolucionários passaram a questionar os valores institucionali-
zados pelo antigo regime, conforme explica antes indicada:

a convicção de fundar um mundo novo, que não sucedia o an-


tigo, mas a ele se opunha radicalmente, levou aliás os revolucio-
nários à destruição sem remorsos de um número colossal de
monumentos históricos e obras de arte, em todo o território do
reino. Para os líderes intelectuais da revolução, esses bens não
apresentavam nenhum valor cultural, mas eram, bem ao contrá-
rio, contravalores (2010, p. 63).

Essa valorização do indivíduo, com a previsão de uma igualdade


formal, aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 288),
revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de
trabalhadores. Patrões e operários eram considerados, pela ma-
jestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direi-
tos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais
condições de trabalho (COMPARATO, 2010, p. 66).
Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma
conta.
ou 
Num artigo intitulado “A questão judaica”, Karl Marx observou
que “a emancipação política não implica emancipação humana”
e que o “homem” contemplado nos estatutos da Revolução
Francesa não é o ser humano universalmente considerado, mas
o “membro da sociedade burguesa” (LOSURDO, 1996, p. 687).

Com efeito, a crítica de Marx tocou fundo ao denunciar o caráter


“formal” das liberdades reconhecidas nas declarações[3]. Ora, é
fato que o exercício das liberdades pressupunha condições
econômicas para que os indivíduos usufruíssem das liberdades,
o que reafirma a advertência feita anteriormente.

Em síntese, Marx advogou a propriedade coletiva da terra, a


obrigação do trabalho para todos e a real igualdade econômica
de todos os indivíduos (HERKENHOFF, 2002, p. 37), não se
contentando, evidentemente, com a mera enunciação de igual-
dade formal entre os homens, pois, esta não afasta a desigual-
dade que faz a maioria miserável, sem condições mínimas de
subsistência.

Inobstante, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p.


289), a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento
das revoltas e das conseqüentes declarações, que previram, em
cada um de seus artigos, uma resposta a determinado abuso
praticado na vigência do absolutismo.

Assim, o entendimento da Mario Schmidt (2000, p. 95), a saber:

A França era um país de camponeses. Dos 26 milhões de habi-


tantes, 23 milhões eram trabalhadores rurais. Gente que traba-
lhava como um animal de carga que era submetida a toda espé-
cie de exploração feudal. Pior ainda, eram tratados como seres
desprezíveis. Por exemplo, se numa estrada encontrassem um
nobre, deveriam humildemente se curvar em sinal de submis-
Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma
são. Caso contrário, seriam punidos com bastonadas. ou 
conta.
Eric J. Hobsbawm (1988, pp. 71-72) sustenta que a Revolução
Francesa certamente influenciou a política e ideologia no século
XIX, irradiando consequências bastante profundas:

A Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno isolado,


mas foi muito mais fundamental do que os outros fenômenos
contemporâneos e suas consequências foram portanto mais pro-
fundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais populoso e pode-
roso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789,
cerca de um em cada cinco europeus era Francês. Em segundo
lugar, ela foi, diferentemente de todas as revoluções que a pre-
cederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e inco-
mensuravelmente mais radical do que qualquer levante
comparável.

Encontra-se na obra do jurista José Afonso da Silva (2009, p.


158), menção às três principais características da Declaração de
1789 que foram apontadas por Jacques Robert[4], quais sejam:
o intelectualismo, o mundialismo e o individualismo.

Intelectualismo porque a

afirmação de direitos imprescritíveis do homem e a restauração


de um poder legítimo, baseado no consentimento popular, foi
uma operação de ordem puramente intelectual que se desenro-
laria no plano unicamente das ideias; é que, para os homens de
1789, a Declaração dos direitos era antes de tudo um documento
filosófico e jurídico que devia anunciar a chegada de uma socie-
dade ideal (SILVA, 2009, pp. 157 e 158).

Mundialismo, no sentido de que “os princípios enunciados no


texto da Declaração pretendem um valor geral que ultrapassa os
indivíduos do país, para alcançar valor universal” (SILVA, 2009,
p. 158).
Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma
conta.
ou 
Individualismo, porque “só consagra as liberdades dos indiví-
duos, não menciona a liberdade de associação nem a liberdade
de reunião; preocupa-se com o defender o indivíduo contra o
Estado” (SILVA, 2009, p. 158).

A natureza do documento, como o próprio nome sugere, é decla-


ratória, vale dizer, declaram-se os direitos (eles não são cria-
dos), com o objetivo de que sejam recordados, lembrados, di-
fundidos. É o que explica o Professor Manoel Gonçalves Ferreira
Filho (2009, pp. 22-23), que além de explicar a natureza da de-
claração, descreve, em linhas gerais, as principais características
destes direitos:

Ora, declaração presume preexistência. Esses direitos de-


clarados são os que derivam da natureza humana, são naturais,
portanto. Ora, vinculados à natureza, necessariamente são abs-
tratos, são do homem, e não apenas de franceses, de ingleses
etc. São imprescritíveis, não se perdem como o passar do
tempo, pois se prendem á natureza imutável do ser humano.
São inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria na-
tureza. São individuais, porque cada ser humano é um ente per-
feito e completo, mesmo se considerado isoladamente, indepen-
dentemente da comunidade (não é um ser social que só se com-
pleta na vida em sociedade). Por essas mesmas razões, são eles
universais – pertencem a todos os homens, em consequência
estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencial-
mente o universo.

A constituição mexicana de 1917, por seu turno, segundo alguns


estudiosos, é considerada um marco no tocante à concepção dos
direitos fundamentais. De outro lado, há doutrinadores que não
coadunam com este entendimento, como é o caso do Prof. Ma-
noel Gonçalves (2009, p. 46):

Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma


conta.
ou 
Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercus-
são imediata, mesmo na América Latina, foi mínima. Na ver-
dade, o que essa carta apresenta como novidade é o naciona-
lismo, a reforma agrária e a hostilidade em relação ao poder
econômico, e não propriamente o direito ao trabalho, mas um
elenco dos diretos do trabalhador. (...) Nem de longe, todavia,
espelha a nova versão dos direitos fundamentais.

Não há como concordar em plenitude com a afirmativa do ju-


rista. Há que se ressaltar a importância dos documentos históri-
cos que inauguraram, ainda que de forma inédita no restrito
âmbito de um Estado, um regime político diferenciado do que
vigia até aquele momento. Se tomada no contexto global, a
Constituição Mexicana pode não ter sido uma novidade, como
diz o professor. Mas, por outro lado, é indiscutível que tenha
sido novidade aos cidadãos mexicanos, o que lhe confere uma
importância que não pode ser delegada para segundo plano.

Outro documento que merece nossa atenção é a Constituição de


Weimar. A Alemanha, ao final da primeira guerra, encontrava-
se em situação agravada e com suas instituições políticas em de-
clínio, de modo que não havia nem condições para reunir a As-
sembleia Constituinte.

Com muito custo, elaborou-se uma constituição que previa os


direitos e deveres fundamentais dos alemães, abrangendo-se o
individuo, sua vida social, sua religião, bem como a educação
que lhe era devida para atingir a emancipação econômica.

Um novo espírito, que se pode dizer social, nasceu naquela


constituição. Foi nela que a propriedade se viu, talvez pela pri-
meira vez, submetida à função social. Essa e outras característi-
cas fizeram dela um modelo, depois imitado pelo direito brasi-

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conta.
ou 
leiro, mas especificamente a partir da Carta de 1934, que é a pri-
meira das Constituições que enunciam uma Ordem Econômica e
Social.

Tem-se percebido que os direitos, em geral, aparecem por meio


de reivindicações de movimentos sociais, em períodos delicados
da história, mas não o fruto exclusivo do determinismo social,
sem considerar o sujeito dotado de necessidades, desejos, aspi-
rações, sentimento e razão (USP, Estudos avançados, Vol. 30, p.
20).

A Classificação em Dimensões

O lema da Revolução Francesa exprimiu em três princípios todo


o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até
mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionaliza-
ção: liberdade, igualdade e fraternidade (BONAVIDES, 2006, p.
562).

Os documentos internacionais que estudamos em anterior se-


ção, como a Magna Carta Libertatum, o Bill Of Rights e a De-
claração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por exemplo,
exerceram grande influência nas Constituições Brasileiras, em
especial a de 1988, titulada como Constituição Cidadã.

A primeira dimensão dos direitos fundamentais, enten-


dendo-se por estes a vida, a propriedade, a liberdade de locomo-
ção, de participação política, são direitos que representam a vi-
tória, ao menos parcial, do Estado Liberal sobre o Estado abso-
lutista (MOTTA FILHO, 2007, p. 149).

A primeira dimensão dos direitos fundamentais é fortemente


marcada pelo caráter individualista das declarações dos séculos
XVIII e XIX. O Estado é encarado como um mal necessário, daí
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conta.
ou 
a preocupação de se enunciar liberdades “formais” para prote-
ger o indivíduo (FERREIRA FILHO, 2008, p. 290).

Para Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 727), a primeira di-


mensão dos direitos fundamentais contida no ordenamento bra-
sileiro pode ser traduzida pelos direitos individuais, ou seja,
aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade ao
Estado, tendo por base a liberdade – autonomia como atributo
da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e seus bens.
“São, em síntese, direitos de status negativo, pois o seu núcleo
está na proibição de interferência imediata imposta ao Estado”
(CARVALHO, 2009, p. 727).

Pode-se dizer, por outro lado, que os direitos fundamentais de


primeira dimensão, também chamados Liberdades Públicas,
são essencialmente direitos de defesa do indivíduo, pois objeti-
vam, em regra, o não-agir do Estado em benefício da liberdade
do indivíduo (MOTTA FILHO, 2007, p. 150).

Para Guilherme Peña de Moraes (2008, p. 504), os direitos indi-


viduais são “direitos fundamentaispróprios do homem-indiví-
duo, porque titularizados e exercidos por pessoas individual-
mente consideradas em si, com a delimitação de uma esfera de
ação pessoal”.

O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 30) explica


que não só o Estado, mas todos os indivíduos estão obrigados a
observar o direito individual de cada qual. Com tais direitos,
“visa-se tutelar uma conduta, um agir ou não agir, fazer ou não
fazer. Ir, vir ou ficar”.

Esses direitos-liberdades, na classificação doutrinária do Profes-


sor Manoel Gonçalves (2009, p. 34), estão garantidos pela or-
dem jurídica, e sua violação dá ensejo à tutela de proteção pelo
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ou 
Judiciário, inclusive nos casos em que o próprio Estado é o
agressor, dado que este tenha sido classificado como o inimigo
das liberdades públicas.

Há uma corrente doutrinária, aliás, que em matéria de limitação


das liberdades públicas, entende ser cabível (e, portanto, consti-
tucional) somente a lei formal, jamais o ato com força de lei ou
qualquer ato administrativo, justamente, para assegurar a liber-
dade do indivíduo (FERREIRA FILHO, 2009, p. 34).

Tal interpretação decorre da observância do inciso II, § 1º, Ar-


tigo 68 da Constituição Federal, dispositivo que proíbe seja feita
delegação para legislar sobre nacionalidade, cidadania, direitos
individuais (liberdades públicas), políticos e eleitorais.

Em nosso país, o controle das liberdades públicas é feito por


meio do regime repressivo que, grosso modo, consiste em deixar
o titular do direito livre e incondicionado para exercê-lo, de
sorte que, as violações e abusos aos limites pré-estabelecidos
importam em sanções.

Trata-se de um regime, de certo modo, favorável ao titular do


direito, que não se vê adstrito a formalidades excessivas e, caso
ultrapasse os limites estabelecidos pela lei, somente poderá ser
punido por meio do devido processo legal.

Em situações excepcionais (Estado de Sítio ou de Defesa), as li-


berdades públicas podem se submeter a um regime extraordiná-
rio, que varia de Estado para Estado, adentrando em uma legali-
dade excepcional e transitória.

A segunda dimensão dos direitos humanos fundamen-


tais parte da premissa de que a emancipação histórica do indi-
víduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se subme-
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ou 
teu (a família, as organizações religiosas) tornou-o muito mais
vulnerável às vicissitudes da vida.

A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca da segurança a legali-


dade, com a garantia da igualdade formal. Mas explica Fabio
Konder Comparato (2010, p. 66) que:

essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a


legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem
nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considera-
dos, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente
iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário
e as demais condições de trabalho.

O movimento socialista contribuiu para o reconhecimento dos


direitos humanos fundamentais de caráter econômico, e o capi-
talismo teve muita dificuldade de convier com essa outra dimen-
são de direitos.

O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abs-


trato, mas o conjunto dos grupos sociais esmagados pela misé-
ria, a doença, a fome a marginalização (COMPARATO, 2010, p.
66), porquanto a lógica do capitalismo consiste em atribuir aos
bens de capital um valor muito superior ao das pessoas.

Enquanto, de um lado, assistia-se ao avanço do liberalismo polí-


tico e econômico, de outro, crescia a deterioração do chamado
“quadro social”, ou na preferência de uma linguagem adepta ao
socialismo, “a luta de classes”.

Em um momento especial de evolução do capitalismo, esse qua-


dro social era formado pela situação da classe trabalhadora, sem
acesso aos direitos sociais. O desenvolvimento capitalista provo-
cou um acréscimo súbito de riqueza jamais visto, porém, um
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acréscimo concentrado nas mãos dos burgueses. ou 
Em contrapartida, aponta Manuel Gonçalves Ferreira Filho
(2009, p. 42) que “a classe trabalhadora se viu numa situação de
miséria (...) o trabalho era uma mercadoria qualquer, sujeita à
lei da oferta e da procura” A máquina reduziu a necessidade de
mão-de-obra: eis o surgimento da massa de desempregados.
Sem contar as condições insalubres e perigosas a que estavam
sujeitos os trabalhadores, homens, mulheres e crianças. Isso re-
dundou, obviamente, na marginalização da classe trabalhadora,
que passou a viver em condições subumanas, invocando-se o
surgimento da hostilidade com os ricos.

Nesse sentido, Motta & Barchet (2007, p. 151):

Era necessário mais, que o Estado abandonasse sua postura pas-


siva, como lhe foi exigido no momento histórico anterior, e pas-
sasse a atuar positivamente perante a sociedade, a fim de propi-
ciar as condições para que a igualdade formal então obtida fosse
transformada em uma igualdade material, real, efetiva (...) Per-
cebeu-se que não bastava o reconhecimento formal da igualdade
e a garantia da liberdade individual para se assegurar um pleno
desenvolvimento da sociedade como um todo, já que a maioria
de seus membros não dispunha de condições reais para obter
condições dignas de existência.

Parte dos trabalhadores passou a alcançar os direitos políticos, o


que resultou na exigência, por partes desses, pelo voto comum.
Os detentores do poder cederam às exigências da classe traba-
lhadora, fortemente apoiada por idealistas e postulantes da re-
forma, o que deu grande força aos movimentos e partidos
políticos.

O movimento reformista ganhou forte apoio com a doutrina so-


cial da Igreja, a partir da encíclica Rerum Novarum, de 1891
(Papa Leão XIII), que reascendeu a tese do bem comum, do fa-
Evite interrupções
moso durante
filósofosuaSão
pesquisa.
Tomás Faça
delogin ou crie uma
Aquino.
conta.
ou 
A Constituição Federal de 1934, embora vigente por tão pouco
tempo e em tão conturbado contexto histórico, refletiu com bas-
tante veemência as aspirações por um sistema jurídico fincado
nos direitos econômicos e sociais, sobretudo o direito ao
trabalho.

Foi mesmo, em verdade, a Constituição Federal de 1988, como


fruto da exposição histórica que ora colacionamos, que estipu-
lou com certa eficácia um extenso rol de direitos fundamentais
de segunda dimensão em seu Artigo 6º (educação, saúde, traba-
lho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade etc.), visando melhoria das condições de existên-
cia, mediante prestações positivas do Estado.

De fato, os direitos humanos fundamentais de segunda dimen-


são possuem status positivo, já que permitem ao indivíduo exi-
gir determinada atuação do Estado, garantindo os pressupostos
materiais para o exercício dos chamados direitos de primeira
dimensão (CARVALHO, 2009, p. 727).

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 315), os direitos


fundamentais de segunda dimensão são vistos como necessários
para o estabelecimento de condições mínimas de vida digna
para todos, pensamento compartilhado com outros
doutrinadores:

Os direitos sociais são direitos fundamentais próprios do ho-


mem-social, porque dizem respeito a um complexo de relações
sociais, econômicas ou culturais que o indivíduo desenvolve
para realização da vida em todas as suas potencialidades, sem as
quais o seu titular não poderia alcançar e fruir dos bens de que
necessita (MORAES, 2008, p. 535).

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ou 
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 50), os direitos
sociais se igualam as liberdades públicas no tocante à subjetivi-
dade, todavia, não são meros poderes de agir – como o são as li-
berdades públicas -, mas sim poderes de exigir, chamados, tam-
bém, de direitos de crédito:

Há, sem dúvida, direitos sociais que são antes poderes de agir. É
o caso do direito ao lazer. Mas assim mesmo quando a eles se
referem, as constituições tendem a encará-los pelo prisma do
dever do Estado, portanto, como poderes de exigir prestação
concreta por parte deste.

Em que pese a responsabilidade pela concretização destes direi-


tos possa ser partilhada com a família (no caso do direito à edu-
cação), é o Estado o responsável pelo atendimento dos direitos
fundamentais de segunda dimensão, ou seja, ele é o sujeito pas-
sivo (FERREIRA FILHO, 2009, p. 50).

Salienta o jurista que existe a possibilidade desta prestação ser


realizada indiretamente, com uma compensação em dinheiro,
por exemplo, na hipótese da contraprestação em forma de pres-
tação do serviço tornar-se impossível, como é o caso do Seguro-
Desemprego, tomando-se o exemplo do Direito ao trabalho.

A esse respeito, a instigante observação de Manoel Gonçalves


(2009, p. 51):

Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a ex-


pansão dos serviços públicos, dos anos vinte para frente. Isto
gera pesados encargos diretamente para o Estado e indireta-
mente para os contribuintes, o que contemporaneamente sus-
cita um repensar a propósito desses direitos. Impõe-se a per-
gunte: até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses
direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca do indiví-
Evite interrupções durante sua pesquisa. Faça login ou crie uma
duo pelo atendimento desses direitos? ou 
conta.
Pergunta o Prof. Manoel Gonçalves (2009, p. 52): “Se a proteção
judicial dos direitos sociais não sugere dúvida, quando encarada
do ângulo de suas violações, o que se pode dizer a partir do ân-
gulo prestacional? Ela é, de fato, efetiva ou mesmo possível?”.

Eis uma preocupação do direito constitucional contemporâneo.


Principalmente no tocante a efetividade da proteção judicial dos
diretos sociais. Como por exemplo, a ação de inconstitucionali-
dade por omissão, que tem por intuito forçar o poder público a
efetivar uma norma programática prevista na Constituição.

Entretanto,

a experiência prática, todavia, não é animadora. Ademais, a efe-


tivação de direitos sociais, quando reclama a instituição de ser-
viço público, dificilmente pode resultar de uma determinação
judicial. Tal instituição depende de inúmeros fatores que não se
coadunam com o imperativo judicial. Por isso, a inconstitucio-
nalidade por omissão tem sido letra morta e o mandado de in-
junção de pouco tem servido” (FERREIRA FILHO, 2009, p. 52).

Inobstante, a Constituição Federal dispôs no § 2º, de seu Artigo


5º, que o rol de direitos por ela declarados não é taxativo, admi-
tindo-se a identificação de direitos fundamentais implícitos,
desde que decorrentes (critério material) dos princípios adota-
dos pela Lei Maior (dignidade da pessoa humana, em especial).

Os direitos humanos fundamentais de terceira dimen-


são, referem-se a qualidade de vida e à solidariedade entre as
pessoas, sendo que esta atua em três dimensões: “dentro de
cada grupo social, no relacionamento externo entre grupos, po-
vos ou nações, bem como entre as sucessivas gerações na Histó-
ria” (COMPARATO, 2010, p. 53).

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conta.
ou 
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, pp. 57-58), os
direitos humanos fundamentais de terceira dimensão calcam-se
na solidariedade, tomando-se por completo o lema proclamado
na Revolução Francesa, embora não se possa afirmar com cla-
reza quais seriam os direitos inscritos neste rol, dada a ampli-
tude do termo solidariedade:

São estes chamados, na falta de melhor expressão, de direitos de


solidariedade, ou fraternidade. A primeira geração seria a dos
direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a ter-
ceira, assim, completaria a lema da Revolução francesa: liber-
dade, igualdade, fraternidade.

Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito.


Muita controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há
mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal
hesitação é natural, pois foi somente a partir de 1979 que se pas-
sou a falar desses novos direitos, cabendo a primazia a Karel
Vasak.

Todavia, parece ser consenso, nas diversas classificações apon-


tadas a respeito dos direitos humanos fundamentais de terceira
dimensão, que o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio am-
biente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio comum da
humanidade, sejam direitos de terceira dimensão.

O direito à paz é deduzido do Artigo 20 do Pacto Internacional


dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, enquanto que um
direito ao desenvolvimento foi consagrado em 1986, em Decla-
ração da ONU.

No plano do direito interno, a Constituição de 1988 não o men-


ciona. Entretanto – sempre ao editar princípios destinados a re-
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ger as relações internacionais do Brasil, refere-se à cooperação
ou 
conta.
dos povos com o progresso da humanidade (Artigo 4º, IX).

O direito ao patrimônio comum da humanidade insinua-se na


Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados; adotada
pela ONU em 1974, em relação ao fundo do mar e seu subsolo.

De todos os direitos de terceira dimensão o mais elaborado é o


direito ao meio ambiente, que encontra seu grande marco na
Declaração de 1972 (Estocolmo), que prevê:

o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e


ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de
tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do
bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o
meio ambiente para as gerações presentes e futuras.

Segundo o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p.


64), os direitos humanos fundamentais de terceira dimensão fo-
ram concebidos como “direitos de titularidade coletiva”, base-
ando-se numa identidade de circunstâncias de fato, e não numa
affectio societatis, num impulso associativo.

[1] Magna Carta Libertatum Seu Concordiam Inter Regem


Johannem Et Barones Pro Concessione Libertatum Ecclesiae Et
Regni Angliae ouCarta Magnaa das Liberdades entre o rei João
e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino in-
glês.[2] Item 16.

[3] Essa frase é utilizada pelo Jurista Manoel Gonçalves Ferreira


Filho.

[4] Cf. Libertés publiques, p. 44 e ss.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direitos-humanos-fundamentais-conceito-


terminologia-e-perspectiva-historica/121943100

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