Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“Na minha família tem um viado macho!” assim um paciente iniciou um discurso
durante uma sessão terapêutica. Fiquei sem entender até que ele explicou.
Disse que um primo corajosamente declarou para toda a família sua
homossexualidade e numa festa de fim de ano apresentou seu namorado
deixando todos estupefatos e sem coragem de nada dizer. De fato este era um
ser humano corajoso, mas qual a diferença entre a coragem e a
inconsequência? Será que está no fato de planejar a vida e a autonomia até
que se possa declarar para uma família e equilibrar as retaliações.
O modo que o sistema nervoso central evoluiu faz com que mantenhamos o
foco nas consequências imediatas, muito mais que nas de longo prazo. O
organismo libera dopamina e outros neurotransmissores euforizantes sempre
que este identifica a possibilidade de consequências que evolutivamente
apresentaram maiores chances de sobrevivência. Funciona assim para o sexo,
as comidas doces e gordurosas, além de muitos outros processos que as
partes mais primitivas de nosso sistema identificam como úteis.
Os longos períodos de privação não mais existem para a maioria de nós, mas
mesmo assim continuamos respondendo ao programa primitivo que nos indica
para comermos ao máximo. Muitas reservas calóricas no organismo, sem que
estas sejam utilizadas, acabam por prejudicar a sobrevivência muito mais que
garanti-la, mesmo assim o organismo continua programado para procurar
construir estas reservas, pois foi o que mais funcionou durante milhões de
anos. Quando os organismos associaram prazer a consumo de alimentos
hipercalóricos passou-se a garantir melhor a sobrevivência, mas o efeito
colateral do excesso de consumo causando sérios prejuízos ao
desenvolvimento e a saúde não foi contabilizado. Os excessos em
sociedades/ambientes primitivos não eram sinais de destruição, pois as
condições escassas impediam exageros. Organicamente não temos um botão
que desliga nosso comportamento ou que evita o prazer quando certo processo
ultrapassa o limite do que é útil ou simplesmente não tem função para a
sobrevivência.
O sexo, bem como outros processos que eram úteis ao homem primitivo (por
exemplo, economizar esforço: preguiça), perdeu na atualidade muito da relação
com a funcionalidade e se associa quase que exclusivamente a prazer fugaz. O
sexo está evolutivamente associado a prazer e esta associação garante melhor
a continuidade da espécie, é por essa mesma razão que ele não é tão
prazeroso com qualquer pessoa. Uma pessoa que aparentemente não seja
saudável ou que nos gere a impressão de pouca perspectiva, apresenta
características mais aversivas que atrativas. Imaginem uma mulher/homem
lindo(a), sedutor(a) e inteligente, pensar nisto provoca erotismo, porém, se ao
imaginarmos esta pessoa bonita acrescentarmos a ideia de que ela está
contaminada por HIV, parte de nossa mobilização erótica será anulada(1). Em
suma, o sexo é prazeroso, mas este prazer pode ser potencializado pela leitura
que o organismo faz de consequências maiores ou menores ao favorecimento
da vida.
É muito comum encontrarmos quem diga que o importante é ser feliz. Porém,
se não compreendermos o que de fato representa felicidade, estaremos
associando esta meramente a prazer imediato. Por essa razão, felicidade foi
apresentada aqui relacionada à obtenção de consequências que além de
reforçadoras/prazerosas possam ser fortalecedoras (promovam o
desenvolvimento). Associar felicidade exclusivamente a prazer é o mesmo que
defender o uso livre de substâncias psicoativas que geram dependência. Quem
usa cocaína experimenta prazer, mas longe de se desenvolver ou fortalecer,
produz um processo de dependência destrutivo e mortal, portanto não é
completamente correto dizer que um dependente de cocaína é feliz.
Queremos que todas as pessoas pensem e desejem do mesmo modo, pois nos
parece mais seguro, mas não é assim que funciona. Os estudiosos das
ciências jurídicas, os religiosos e os ortodoxos possuem muita dificuldade em
compreender a diversidade. Queremos que todos os meninos gostem de
meninas e que todas as meninas gostem de meninos, na maioria das
sociedades ocidentais não-indígenas queremos mais, queremos que um
menino goste apenas de uma menina e a menina goste apenas de um menino,
mas infelizmente o programa básico de sobrevivência nos direciona de outras
formas. Ou melhor, programou as pessoas de formas diferentes.
Poderíamos achar que seria mais fácil para estas pessoas simplesmente se
enquadrarem no modelo comportamental dos grupos dominantes, isto é, dos
comportamentos padronizados. Se o importante é ser feliz, porque uma pessoa
vai se posicionar de modo contrário ao que todos fazem e sofrer inúmeros
aversivos por isso?
Primeiro, devemos entender que o comportamento das pessoas não é
determinado apenas por suas aprendizagens, mas também por um conjunto de
variáveis filogenéticas (evolutivas) e sociogenéticas (sociais). Em suma as
pessoas não são livres para escolher o que querem ser, elas respondem na
verdade a uma série de variáveis biológicas, sociais e de aprendizagens. As
variáveis filogenéticas/evolutivas praticamente determinam o que será
prazeroso para nós, por isso é tão difícil modificar padrões estabelecidos
biologicamente. As variáveis de aprendizagem e as culturais/sociais são uma
espécie de atualização do sistema, que modificarão o caminho para
conseguirmos os elementos básicos, mas não modificarão as consequências
primárias que precisamos. Por exemplo, o homem primitivo gostava tanto de
doce (presença de glicose) quanto o homem moderno, todavia a forma que o
homem primitivo fazia para conseguir doce (pegar colmeias ou frutas) era
completamente diferente da que o homem moderno faz (arranjar dinheiro para
trocar por açúcar ou algo que o contenha no supermercado), do mesmo modo
o elemento em que encontram esse doce pode se modificar conforme a cultura
e momento histórico (mel, frutas, refrigerantes, chocolates, etc.). As formas
podem ser mais saudáveis ou menos saudáveis, mas o elemento primário, a
glicose, ainda continua sendo o principal combustível da célula e por esta razão
o organismo ler como prazeroso o seu consumo.
Um homem casado que sai com mulheres escondido de sua esposa de modo
irresponsável e causa prejuízos econômicos à dinâmica familiar, não é um
corajoso, é um inconsequente. Já um homem que não mente e procura
planejar sua vida estabelecendo relação solida com mais de uma mulher e sem
mentir para si e para os outros precisa ser avaliado diferente. Tanto entre os
homossexuais como entre os heterossexuais teremos pessoas com
dificuldades de se afirmar. Mas, se afirmar não é jogar tudo para cima, o nome
disto é irresponsabilidade e inconsequência. Auto-afirmação é antes de tudo
planejamento de vida deixando claro para os envolvidos qual a direção que se
toma. Para fazer isto é necessário calcular bastante o peso da própria vida, sua
condição financeira e a maneira que está interagindo com os demais (se
apresentando).
Um aluno certa vez relatava seu grande sofrimento por rejeições familiares que
envolviam uma homossexualidade que ele tentava combater. A orientação
dada por especialista direcionava a atenção do aluno para uma série de
negligências em sua vida e não para a homossexualidade. O mesmo então
passou a atentar que poderia melhorar e planejar sua vida como um todo.
Dentro de pouco mais de um ano ele passou em um concurso público que tinha
começado a se preparar quando percebeu suas negligências. Cresceu muito
como pessoa e melhorou bastante o seu trato com os demais sem exigir tanto
que as pessoas o acolhessem. Após algum tempo ele relatava os grandes
progressos de sua vida e o sentimento de felicidade sólida que agora ele
experimentava. Qualquer pessoa que queira aceitação e ao mesmo tempo não
se direcione para o auto-controle e privação de reforçadores imediatos em
privilégio dos de longo prazo, terá muita dificuldade em ser feliz de maneira
sólida.
Muito ainda há a falar sobre este tema, mas por hoje é suficiente. Assim eu
avalio, assim eu conto para vocês!
Nota: