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Análise Psicológica (1999), 1 (XVII): 65-77

Literacia – O papel da família na sua


apreensão

LOURDES MATA (*)

1. LITERACIA cia inclui todos os aspectos da linguagem – ler,


escrever, ouvir, falar e pensar – que se desenvol-
Nos últimos anos tem-se verificado progres- vem simultaneamente e de uma forma interrela-
sivamente o abandono de uma visão tecnicista e cionada.
mecanicista da aprendizagem da leitura e da es- Benavente, Rosa, Costa e Ávila (1996), pro-
crita. Em fases iniciais de aprendizagem, a ênfa- curando também especificar este termo, conside-
se posta no domínio da técnica da decifração tem ram literacia como «as capacidades de leitura,
sido assim, gradualmente alterada. Procura-se escrita e cálculo, com base em diversos mate-
passar a uma abordagem mais globalizante con- riais escritos (textos, documentos, gráficos), de
siderando desde o início, a leitura e a escrita co- uso corrente na vida quotidiana (social, profis-
mo uma forma complexa de linguagem, não es- sional, social» (p. 4). Estes autores realçam que
quecendo que se trata de linguagem escrita. este conceito se centra no uso de competências e
Associado a esta perspectiva tem surgido cada não na sua obtenção, sendo distinta a diferença
vez mais, o termo literacia, procurando precisa- entre «níveis de literacia e níveis de instrução
mente englobar e enfatizar a componente comu- formal», que poderão ou não traduzir-se em ter-
nicativa e funcional da linguagem escrita. mos de competências reais de utilização da lite-
Referindo-se ao termo literacia, e procurando racia.
defini-lo, Hannon (1995), considera-a como «a Em todas estas abordagens surge urna ca-
capacidade de utilizar a linguagem escrita para racterística comum englobando os aspectos
interpretar e exprimir significado» (p. 2). significantes e funcionais da linguagem escrita.
Para Cooper (1993), a construção de sentido Tem sido precisamente sobre estes aspectos que
ou significado é também um dos aspectos impor- vários autores (Alves Martins, 1996; Alves Mar-
tantes da literacia. Assim considera que a litera- tins & Neves, 1994; Morrow, 1995; Rowe, 1994;
Teale & Sulzby, 1995) se têm debruçado nos úl-
timos anos evidenciando a necessidade de, desde
muito cedo, se proporcionar e valorizar as expe-
(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Mem- riências precoces, em contextos mais ou menos
bro da Unidade de Investigação em Psicologia Cogni-
tiva do Desenvolvimento e da Educação. Bolseira da
informais, com que a criança se vai deparando
Fundação para a Ciência e Tecnologia, PRAXIS XXI. no seu dia-a-dia. Só assim a actividade de ler e
lmata@ispa.pt escrever terá sentido e poderá facilmente ser ge-

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neralizada como um instrumento essencial de criança pode dar para o trabalho desenvolvido na
trabalho, de lazer, de aprendizagem e de valori- escola ou no jardim-de-infância.
zação pessoal. Só assim poderá ser considerada Há assim uma nova visão e um novo posicio-
importante e associada a algo que dá prazer e se namento sobre o papel dos pais e da própria
tem gosto em desenvolver. criança e sobre o seu contributo para o processo
Estas abordagens enfatizam a necessidade de de aprendizagem. Tradicionalmente, este era um
se considerar a precocidade do início do proces- processo exclusivamente profissionalizado, já
so de apreensão e aprendizagem da literacia. Es- que só um técnico poderia saber como iniciar e
te não vai começar quando se inicia o ensino for- controlar o desenvolvimento das crianças no
mal, nem quando já se domina a técnica e mecâ- domínio de uma técnica tão complexa como a
nica da leitura e escrita, mas muito mais cedo, leitura e a escrita (Teale & Sulzby, 1989). Os
quando se começam a proporcionar os primeiros pais eram praticamente excluídos do processo,
contactos com o escrito. ou então a participação valorizada, estava di-
Todos os contactos precoces com o escrito no rectamente ligada às tarefas escolares. Actual-
meio envolvente, nos jogos e brinquedos, nas in- mente, nota-se um novo posicionamento face ao
teracções do dia-a-dia em ambiente familiar que poderá ser o papel dos pais e de toda a fa-
(histórias, listas de compras, jornais, livros de mília no processo de aprendizagem da lingua-
histórias...), são essenciais e parte integrante do gem escrita. Passaram a ser considerados como
processo de aprendizagem. Este tem que ser um elementos importantes, cuja participação deve
processo social, funcional e participado activa- ser mobilizada. Só tendo os pais e a família co-
mente (Teale & Sulzby, 1995). mo parceiros a aprendizagem da linguagem es-
crita poderá ser mais natural e significativa.
Nesta linha, tem-se procurado reflectir sobre a
2. O PAPEL DA FAMÍLIA melhor forma de envolver os pais e de mobilizar
a sua participação. Hannon (1995, 1996), consi-
Enquanto processo social iniciando-se muito dera que a importância do papel dos pais no pro-
precocemente, não se pode desvalorizar o papel cesso de apreensão da linguagem escrita, deve
que a família tem nos primeiros contactos com o ser considerada quanto a quatro grandes tipos de
escrito e na valorização destes. Tal como refere experiências que podem proporcionar: Oportuni-
Hannon (1995), através destes contactos qual- dades para aprender, Reconhecimento das aqui-
quer criança pode aprender coisas sobre a litera- sições da criança, Interacção em actividades de
cia antes de frequentar a escola e fora da escola. literacia e Modelos de literacia (ORIM). Para
Contudo, nem todas aprendem a «mesma litera- este autor, alguns dos pais proporcionam situa-
cia», já que esta depende da cultura e dos valores ções dentro destes aspectos de uma fonna mais
inerentes a cada comunidade. Assim, o tipo de consciente e voluntaria do que outros. Proporcio-
experiências valorizadas e proporcionadas, a nam Oportunidades quando por exemplo, as le-
frequência de experiências, a diversidade, a vam a contactar e os ajudam a interpretar os es-
qualidade e a forma como são desenvolvidas, de- critos do meio; ou quando lhes leêm por exem-
pendem de cultura para cultura, de comunidade plo histórias, revistas ou notícias dos jornais; ou
para comunidade de família para família. quando os levam à biblioteca ou mesmo ao pos-
Para que o processo de apreensão da lingua- suírem materiais escritos diversificados em casa.
gem escrita seja significativo mesmo depois da Os pais podem proporcionar um estímulo impor-
entrada na escola ou mesmo no Jardim-de-In- tante no Reconhecimento e valorização dos
fância há, não só que não esquecer esta diversi- avanços que as crianças vão fazendo. Outro as-
dade, mas procurar valorizá-la o mais possível. pecto importante é a necessidade de Interacção
Tal como considera Miller (1996), os professores entre pais e filhos em torno da linguagem escrita
e educadores ao iniciarem uma abordagem à lite- em situações do dia-a-dia. Nestas situações
racia, terão que ter em consideração todo o orientam, explicam, apoiam e fazem a mediação
background social e cultural das crianças. Só dos contactos da criança com a linguagem escri-
assim, conseguirão atribuir valor à literacia de- ta. Por último, os pais podem ser importantes
senvolvida pela família e ao contributo que cada Modelos de como e quando utilizar a linguagem

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escrita e, de como valorizar e tirar prazer das tão exploradas como poderiam ser, já que nem
actividades de literacia. chegam a ser reconhecidas nem valorizadas.
Estes quatro aspectos, parecem-nos bastante Esta falta de consciência e de valorização
abrangentes, podendo estar na base dos elemen- por parte de alguns pais, de muitas das activida-
tos a considerar numa caracterização sobre o tipo des desenvolvidas, que são menos estruturadas,
e a forma como as experiencias de literacia são foi evidente num trabalho que desenvolvemos
desenvolvidas em contexto familiar. Por tal, com pais de crianças de idade pré-escolar (24) e
procuraremos em seguida aprofundá-los e re- de crianças frequentando pela primeira vez o 1.º
flectir sobre cada um deles e respectivas impli- ciclo do ensino básico (24) (Mata, 1995).
cações no processo de apreensão da linguagem Estes pais foram questionados duas vezes.
escrita. Numa primeira vez para referirem quer o seu
papel quer as actividades e situações de explo-
ração do escrito desenvolvidas com os filhos no
2.1. Oportunidades de Interacção com o es-
dia-a-dia. Numa segunda vez foram confronta-
crito
dos directamente com situações funcionais de
Como já referimos anteriormente, quanto às utilização da linguagem escrita. Nesta situação,
oportunidades de contacto com o escrito, os dife- questionados directamente sobre interacções es-
rentes autores enfatizam a necessidade destas se pecíficas com o escrito no dia-a-dia em conjunto
iniciarem o mais precocemente possível de uma com os filhos, todos eles se identificaram com
forma contextualizada. São também unânimes uma ou mais situações funcionais de utilização
em afirmar que, a maior parte das crianças têm do escrito que diziam desenvolver. Contudo
estas oportunidades, embora de formas e modos quando questionados de uma forma geral, estas
por vezes diferentes, já que estas contemplam interacções não foram mobilizadas como pode-
mos verificar pelos dados em seguida apresen-
um leque muito alargado de situações: inter-
tados. Ao referirem o papel da família e a forma
acções específicas (p. ex., leitura conjunta de
como esta poderia apoiar a aprendizagem da lin-
histórias), observação doutros a utilizarem a es-
guagem escrita a maioria dos pais das crianças
crita, contacto com a escrita do meio envolvente
do 1.º ciclo referem o apoio nos Trabalhos Esco-
(publicidade, letreiros, nomes de ruas...), con-
lares (83,3%). Só 58,3% dos pais referem activi-
tacto e utilização de materiais com escrita, ou de
dades funcionais de leitura e escrita sendo estas
materiais para escrever, etc. essencialmente a leitura de histórias.
Uma das formas de analisar estas oportuni- Quanto aos pais das crianças em idade pré-es-
dades de interacção com o escrito prende-se colar 33,3% não refere qualquer actividade
com a existência de suportes/materiais de leitura específica enquanto os restantes valorizam es-
e escrita em ambiente familiar. Verificámos uma sencialmente a leitura de histórias.
grande concordância entre a percepção de um Estes mesmos pais quanto questionados sobre
grupo de pais e a percepção dos respectivos fi- o tipo de actividades de leitura e escrita que de-
lhos, do 1.º ano do 1.º ciclo, sobre a existência e senvolviam no dia-a-dia com os filhos novamen-
localização de suportes e materiais de leitura e te na sua maioria, voltam a referir muito poucas
de escrita em casa (Amaral, 1999) Todos os actividades. Para os pais das crianças do 1.º ci-
pais e respectivos filhos afirmaram existirem su- clo, surge o grande peso dos Trabalhos Escolares
portes de leitura e escrita acessíveis. Quanto à sendo estes referidos por 75% dos pais em
sua localização, apesar de nalguns casos se en- seguida 66,7% referem a leitura de Histórias.
contrararem distribuídos por várias divisões, a Entre estes pais, 50% não fazem referência a
mais referida, quer por parte dos pais quer por qualquer outro tipo de actividade. Mesmo entre
parte das crianças, foi o quarto da criança. os outros 50% que avançam algumas actividades
Contudo, nem sempre os pais têm consciência funcionais, todas as referência são feitas muito
da variedade de oportunidades de contacto com pontualmente.
o escrito, que proporcionam aos seus filhos, ou As actividades referidas pelos pais das crian-
que são possíveis desenvolver em ambiente fa- ças de idade pré-escolar são em parte diferentes.
miliar. Assim, muitas vezes elas também não são Estes não fazem referência aos trabalhos escola-

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FIGURA 1
Principais actividades de leitura e escrita desenvolvidas em ambiente familiar

res focando essencialmente a leitura de Histórias infância. Apesar de existirem materiais e desen-
(75%). Uma grande parte (41,7%) também não volverem actividades de literacia, não parecem
refere qualquer outra actividade funcional de ex- valorizá-los como parte integrante e importante
ploração do escrito. Parece-nos também de real- do processo de apreensão e aprendizagem da lin-
çar o facto de que 16,7% de pais afirmaram não guagem escrita. Não estão assim conscientes da
desenvolver qualquer actividade de literacia com multiplicidade de situações que desenvolvem
os filhos. ou podem desenvolver para facilitar esta apreen-
Um aspecto que nos parece de extrema impor- são.
tância é o papel dos técnicos de educação junto
dos pais, no sentido de realçarem a necessidade 2.2. Reconhecimento e valorização de aqui-
de valorizarem estas interacções quotidianas e sições
funcionais. Contudo, também estes nem sempre
estão despertos para a importância destas oportu- A falta de reconhecimento de muitas das si-
nidades, que surgem no dia-a-dia tal como se ve- tuações importantes de contacto e exploração da
rificou num trabalho desenvolvido por Costa escrita parece-nos estar associada à dificuldade
(1998), junto de educadores de infância. Ao em identificar e valorizar as aquisições que se
caracterizar as salas de Jardim de Infância verifi- vão fazendo nesta área. A importância desta
cou que em todas existia uma biblioteca com li- identificação e valorização é múltipla, já que
vros. Contudo, uma parte dos educadores quando estas vão ter implicações ao nível da motivação,
questionados, quer sobre os materiais a utilizar quer dos pais quer da própria criança para a ma-
quer sobre as actidades a desenvolver, numa nutenção ou desenvolvimento de actividades e
abordagem à linguagem escrita, não referiram os estratégias e para a exploração de situações em
livros nem as histórias. As concepções que estes torno da linguagem escrita.
educadores têm sobre a forma como se aborda a Até há relativamente pouco tempo, era a es-
linguagem escrita não parecem valorizar as si- crita convencional ou produções escritas muito
tuações funcionais de exploração e utilização do próximas da convencional que eram normal-
escrito, mas sim aspectos mais técnicos e me- mente valorizadas, quer por técnicos quer, conse-
canicista ligados ao domínio de uma perícia. quentemente por pais. Como frequentemente, es-
Notam-se assim algumas semelhanças entre o tas produções escritas só surgiam a partir do iní-
que se verificou com os pais no estudo anterior- cio da escolaridade formal, antes disso as inter-
mente citado (Mata, 1995), e estes educadores de acções com a leitura e escrita, e a maioria das

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tentativas de leitura e escrita não eram valoriza- está entretido com um livro? – se muito ou pou-
das. Actualmente, e uma vez que se consideram co tempo...; utiliza o livro em situações funcio-
essenciais todas as interacções precoces infor- nais? – quando quer saber informações sobre um
mais e contextualizadas com a linguagem escri- assunto, sugere a consulta ou procura um livro
ta, há muitos aspectos que se passaram a valori- (receita, estudo sobre animais...). Estes são al-
zar e a considerar como positivos. É assim ne- guns dos aspectos que muitas vezes passam
cessário que pais e técnicos estejam atentos a despercebidos e que poderão ser índices a consi-
determinados comportamentos não especifica- derar para se ter uma noção da evolução do tipo
mente associados à técnica da leitura e escrita, de interacção da criança com o livro e da desco-
mas que são essenciais para a descoberta e com- berta que a criança vai fazendo da linguagem es-
preensão das características e funções da lingua- crita, suas características e funções.
gem escrita. Para além do livro há uma multiplicidade de
Cada vez mais se valoriza, por exemplo, a ne- outras situações de interacção da criança com a
cessidade de uma criança desde muito cedo con- linguagem escrita, em que nem sempre é fácil re-
tactar, ver e manipular livros, bem como conhe- conhecer, quer a sua necessidade quer os avan-
cer livros diferentes com funções diversas. A ços que as crianças vão fazendo nesse domínio.
análise da interacção de uma criança pequena Uma destas situações prende-se directamente
com o livro não vai recair sobre as suas compe- com as tentativas de escrita que as crianças fa-
tências específicas de leitura, mas é importante zem desde muito cedo. Todas as crianças, quan-
considerar por exemplo: como pega no livro? – do têm oportunidade, tentam fazer as suas escri-
se direito ou ao contrário, se o vê do início para tas mesmo quando não sabem escrever conven-
o fim...; o que faz com o livro? – se brinca, vê as cionalmente. Contudo, muitas vezes estas pas-
imagens, fala sobre as imagens, tenta contar sam despercebidas ou não são suficientemente
uma história sobre o livro...; quando pega num valorizadas, já que se afastam muito da escrita
livro? – só quando lho dão ou se o procura, fre- convencional.
quência com que procura um livro...; tempo que Como podemos ver, a escrita da Figura 2 é

FIGURA 2
Lista de compras – Mariana – Março 1997

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FIGURA 3
Lista de compras – Mariana – Maio 1997

uma lista de compras de supermercado que a tras. “Mãe que letra é esta? A-B D, esta é a mi-
Mariana fez quando tinha 3 anos e 3 meses. Na nha, não é? E como se faz o C? Agora esta é o
Figura 3 está a sua lista de compras 2 meses de- O.
pois. Em seguida perguntei-lhe: Diz lá palavras co-
Apesar de nenhuma das duas corresponder à meçadas por O? Óculos, Ovos, Óleo...»
escrita convencional, nota-se que em dois meses (extracto do diário de registo de uma mãe)
houve uma evolução grande no tipo de escrita
utilizada, e que só foi possível porque ela foi Uma vez que normalmente, temos tendência a
incentivada a continuar a escrever, a fazer as su- valorizar somente as escritas convencionais ou
as tentativas e consequentemente a reflectir so- as que estão muito próximas das convencionais,
bre elas. não é hábito prestar muita atenção a tentativas de
Por vezes estas tentativas e descobertas vão escrita muito rudimentares, ou pedir a uma
ocorrer em situações perfeitamente informais e criança que escreva quando achamos que ela não
não esperadas, como podemos ver pelos ex- sabe escrever, ou que leia quando achamos que
tractos seguintes, podendo por isso passar des- não sabe ler. Esta atitude leva a que muitas ve-
percebidas, mas não deixando de ser de extrema zes, determinadas situações de exploração do es-
importância: crito não sejam iniciadas, passem despercebidas
«A Catarina estava a comer uma bolacha, a ou não tenham continuidade.
certa altura achei-lhe piada porque disse: "Oh
mãe já viste que esta bolacha parece a letra do 2.3. Interacção em actividades de Literacia
meu nome (C)” depois de dar outra dentada
descobriu o L e até acabar a bolacha foi pro- A linguagem escrita enquanto instrumento
curando descobrir semelhanças com outras le- cultural, está presente no dia-a-dia da maioria
tras.» das crianças. A sua apreensão começa tal como
(extracto do diário de registo de uma mãe) já referimos, a ser feita desde muito cedo e de
um modo muito informal. Nesta apreensão são
«Hoje o Diogo durante a viagem de combóio, essenciais as interacções com os pais tal como
bafejou no vidro e começou a desenhar umas le- refere Hannon (1995, 1996). Também Leseman e

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Jong (1998), referem a componente social da apoios que se vão dando durante os momentos
literacia ao considerarem que a literacia na fa- de leitura e escrita. São também de considerar as
mília pode ser considerada como um sistema mi- actividades que são utilizadas, como são esco-
crosocial de processos construtivos e de co-cons- lhidas e se são adequadas e do interesse dos su-
trução. Daí resulta, por um lado a aquisição de jeitos envolvidos. O momento e o contexto em
conhecimentos e skills espontâneos através de que estas decorrem, poderão também ter alguma
interacções construtivas com o meio. Por outro influência, já que se for sentido que o tempo uti-
lado, existem interacções sociais co-construtivas lizado era o destinado habitualmente a outra
que levam à aquisição, nomeadamente de conhe- actividade (p. ex., ver os desenhos animados na
cimentos descontextualizados e com conotação televisão), poderá provocar desconforto e pouco
social. interesse. Por último, parece-nos também de re-
Por envolverem processos de co-construção, alçar a influência o carácter descontraído em que
estes autores consideram que existem quatro a interacção decorre, devendo esta ser livre de
factores importantes a considerar: Oportunida- pressões e constrangimentos desde o início.
des de literacia, Qualidade da instrução, Coope-
ração e Qualidade socio-emocional. 2.3.1. Interacções entre crianças
Estes factores, irão assim ter influência não só
no desenrolar das interacções como também ao Para além do papel dos pais, enquanto ele-
nível das suas implicações e eficácia. mentos com maior domínio na leitura e escrita,
Quanto às oportunidades de literacia, que já parece-nos que existem por vezes, outros ele-
focámos no ponto anterior, os autores referem mentos do meio familiar cujas interacções em
não só a sua necessidade para o desenrolar dos torno do escrito poderão também ser importan-
processos de co-construção em situações de lite- tes. Entre estes incluímos não só outros adultos
racia partilhada, como também para o contacto e sendo estes familiares ou não, mas também ou-
exploração do escrito pela criança sózinha. tras crianças como por exemplo, os irmãos e os
A qualidade de instrução prende-se, segundo amigos. Estes vão também ter um papel impor-
Leseman e Jong (1998), com o apoio que um lei- tante na mediação da interacção da criança com
tor mais experiente pode dar e também com a o escrito, facilitando-a, apoiando, questionando,
passagem de estratégias mais eficazes. Qualquer passando informação, etc. Sobre o papel das in-
interacção de co-construção necessita de coope- teracções com irmãos ou pares no seio familiar
ração e consenso sobre o que fazer e como deve não temos conhecimento de trabalhos que pro-
ser efectuada a tarefa, o que certamente terá al- curem fazer a análise dos benefícios e dos meca-
guma influência na qualidade socio-emocional nismos em jogo. Contudo, existem alguns tra-
da interacção. Quando estas são menos gratifi- balhos que procuram, noutros contextos (p. ex.,
cantes poderão conduzir ao desenvolvimento de Jardim de infância) caracterizar o tipo de inter-
atitudes menos positivas face à literacia o que acções desenvolvidas entre pares e os benefícios
poderá ter grandes implicações na motivação que daí podem advir para os sujeitos nelas en-
para abordar e desenvolver voluntariamente, ta- volvidos e cujos resultados nos parecem poder
refas de leitura e escrita. facilmente ser transpostos para as interacções no
A valorização da componente afectiva em seio familiar (Teberosky, 1987a, 1987b; Ramos,
situações de leitura e escrita é um aspecto cons- 1989; Mata, 199la, 1991b).
tante em grande parte dos projectos de interven- Num trabalho (Mata, 199la, 1991b), desen-
ção em famílias. Cada vez mais se tem consciên- volvido com crianças de idade pré-escolar, que
cia da sua importância não só para se iniciarem e
nunca tinham sido submetidas a um ensino for-
desenvolverem determinadas actividades de in-
mal de leitura e escrita procurámos:
teracção como para a sua manutenção (Baker,
Scher & Mackler, 1997). Há assim que ter em a) Clarificar a influência do modo de resolu-
conta vários factores que vão influenciar directa ção de uma tarefa de escrita, individual-
ou indirectamente o ambiente afectivo das situa- mente ou em interacção com um colega,
ções de literacia partilhada. Por um lado é im- nas conceptualizações das crianças sobre
portante o tipo de incentivos, os elogios e os escrita.

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FIGURA 4
Exemplos dos tipos das produções escritas das crianças que constituíam os pares

b) Identificar, no decorrer da situação de inter- A análise dos resultados indicou que a situa-
acção, o tipo de trocas entre crianças, pro- ção de interacção se mostrou facilitadora para a
curando assim proceder a uma caracteriza- ocorrência de progressos. A tarefa de escrita uti-
ção do tipo de dinâmicas de trabalho esta- lizada, permitiu às crianças envolvidas confron-
belecidas. tarem as suas diferentes propostas e estratégias
Propusemos às crianças que, aos pares escre- subjacentes a estas. Assim, as crianças foram
vessem o texto de um pequeno livro de imagens. tendo oportunidade de se questionarem e expli-
Nenhuma das crianças sabia escrever e os pares carem a razão das letras propostas.
foram organizados de modo a que cada uma das Parte dos progressos individuais identificados,
crianças estava situada em níveis conceptuais di- resultaram de situações interactivas onde surgi-
ferentes, utilizando consequentemente estraté- ram momentos de conflito entre as crianças, se-
gias de escrita diferentes. Uma das crianças, ao guidos de negociações argumentadas que condu-
escrever não estabelecia qualquer relação com o ziram à obtenção de uma proposta de escrita co-
oral, produzindo sequências de letras aleatórias mum às duas crianças. Estes progressos podem
(exemplo da ANA). A outra criança procurava ser explicados com base na Teoria do Conflito
estabelecer uma relação com o oral utilizando sócio-cognitivo (Doise & Mugny, 1981; Perret-
normalmente uma letra para cada sílaba isolada -Clermont, 1983), que defende que, para que
(exemplo do NELSON) (Figura 4). uma interacção seja eficaz, é necessário que se

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verifique oposição nas respostas dos sujeitos e alguns pais nesse sentido. Verificámos que entre
uma resolução desta de um modo cognitivo, em pais de um meio sócio-cultural alto, esta prática
que as crianças confrontem as suas respostas e foi referida por 75% como sendo desenvolvida
cooperem na procura de uma solução conjunta. com alguma regularidade, lendo histórias diaria-
No entanto, os nossos resultados não são total- mente ou semanalmente aos seus filhos de idade
mente explicados por este quadro teórico, uma pré-escolar (Lopes, 1996). Entre pais de meio
vez que também se verificaram progressos em socio-cultural médio-baixo a leitura de histórias
interacções onde não se identificou qualquer diária ou semanal é referida por 64% dos pais
oposição de respostas entre as crianças escrita (Pesão, 1997). De referir contudo que quer entre
(Mata, 199la, 1991b). Confirmou-se assim a os primeiros (12,5%) quer entre os últimos
ideia avançada por Gilly (1988), de que existe (20%) há referências ao facto de raramente ou
um conjunto de intervenções, para além das de nunca lerem histórias aos filhos.
tipo estritamente conflitual, susceptíveis de indu- A leitura de histórias e a sua influência na
zir perturbações e desestabilização, favorecendo aquisição de conhecimentos e competências de
progressos individuais. literacia tem sido largamente estudada nos últi-
Estas crianças obtiveram benefícios porque: mos anos (Sulzby, 1985; Snow & Ninio, 1989;
lhes foi dada a oportunidade de experienciarem Sénéchal, Thomas & Monker, 1995).
uma situação de escrita contextualizada; durante O hábito de leitura de histórias pode assim
esta tiveram a oportunidade de se confrontarem proporcionar situações e oportunidades frequen-
com produções escritas diferentes das suas; tive- tes para que os pais enquanto modelos, apesar de
ram a necessidade de por vezes, entenderem as poderem utilizar estilos diferentes, transmitam
produções dos colegas e de justificarem as suas conhecimentos básicos para a aquisição de co-
produções; obtiveram informações novas sobre o nhecimentos e competências de literacia. Snow e
funcionamento do sistema de escrita que conse- Ninio (1989), ao analisarem situações de leitura
guiram integrar dentro dos seus quadros con- conjunta de histórias entre mães e filhos, identi-
ceptuais; tiveram oportunidade de reflectir sobre ficaram algumas regras e conhecimentos trans-
o sistema de escrita; foram-se apoiando mutua- mitidos durante essas interacções que fazem
mente nas reflexões e tentativas de escrita que parte de um «contrato» específico a essa situação
iam fazendo. de leitura partilhada:
Todos estes mecanismos e comportamentos
poderão surgir e ser igualmente benéficos em in- - Os livros são para ler – diferenciação entre
teracções com amigos ou irmãos ou outros fa- livros e brinquedos. Os livros são «objectos
miliares. Há assim que criar as oportunidades e de contemplação» que são diferentes das
incentivar as trocas e a partilha de modo a surgi- «coisas para agir». Os pais passam informa-
rem situações de co-construção entre pares que, ções sobre o modo «correcto» de utilização
tal como afirmam Leseman e Jong (1998), para de um livro.
as situações de literacia partilhada com adultos - O livro é o foco de atenção – o livro é o par-
na família, poderão também levar à aquisição de ceiro principal, é ele que vai direccionar o
conhecimentos descontextualizados e com cono- conteúdo da conversa entre a criança e o
tação social. adulto.
- As figuras são representações simbólicas –
2.3.2. Leitura partilhada de histórias o símbolo não é o objecto real mas repre-
senta-o.
Muitas das oportunidades de interacção com a - As figuras são para nomear – as imagens e
literacia que surgem em ambiente familiar, pren- palavras do livro são para ser lidas.
dem-se com a leitura de histórias (Mata, 1995; - As figuras, embora estáticas, representam
Lopes, 1996; Pesão, 1997). Esta é uma prática acontecimentos – as figuras e as palavras de
que os pais desenvolvem e que também em um livro, podem representar acções dinâmi-
grande parte parecem valorizar. Procurando cas, acontecimentos, sequências, relações,
precisamente especificar a frequência com que etc.
os pais lêem histórias aos filhos, questionámos - Os acontecimentos dos livros ocorrem fora

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do tempo real – em momentos diferentes, as a leitura como uma fonte de entretenimento, ti-
conversas sobre os acontecimentos repre- nham filhos com atitudes mais positivas face à
sentados pelas imagens dos livros, podem leitura, do que os pais que valorizavam essen-
ter continuidade, mostrando que o tempo cialmente os aspectos mais técnicos do desenvol-
dos livros é contínuo e não é afectado pela vimento da leitura. Os pais são assim modelos
passagem do tempo real. para os filhos, acabando por lhes transmitir não
- Os livros constituem um mundo de ficção só algumas práticas como também muitas das
autónomo – nesse mundo os personagens atitudes que desenvolvem face à linguagem es-
têm sentimentos, intenções, necessidades e crita.
obrigações.
Estas são algumas das regras que se poderão 2.4. Os pais como modelos
identificar nas situações de leitura partilhada e
que vão sendo passadas pelos pais através dos Tal como refere Hannon (1995, 1996), os
seus comportamentos, do seu discurso e da sua pais servem de modelos sobre como e quando
actuação. Os pais são assim modelos que de utilizar a linguagem escrita e também de como e
alguma forma acabam por influenciar de forma quando tirar prazer das actividades de literacia.
natural os comportamentos de «leitor» dos res- Assim as práticas familiares de literacia dos
pectivos filhos. Para além dos aspectos enuncia- pais individualmente, e dos pais em conjunto
dos por Snow e Ninio (1989), as crianças vão com os filhos vão ser de extrema importância.
também perceber como se segura um livro, o que Num trabalho desenvolvido junto de 21 crian-
se lê de um livro, onde começa e acaba cada uma ças do 1.º ano do 1.º ciclo e respectivos pais,
das páginas assim como também o próprio livro procurámos caracterizar a percepção que quer
(Campbell, 1996). Para além destes aspectos pais quer crianças tinham das práticas de litera-
mais físicos, vão aprender novas palavras e cia desenvolvidas no seio familiar (Amaral,
adquirir conhecimentos sobre a estrutura de uma 1999). Verificámos existir concordância signifi-
história, assim como também poderão ter con- cativa entre pais e crianças no que se refere a
tactos positivos com livros e com modelos de percepção dessas práticas. Assim parece que
estratégias de leitura (op. cit.). quando essas práticas são desenvolvidas as
Vários autores têm realçado o facto de que crianças acabam por se aperceberem delas e de
não é só o acto de ler nem a frequência de leitura alguma forma serem por elas influenciadas.
partilhada de histórias que são importantes nas Esta influência é diferenciada de família para
práticas de literacia na família (Baker, Scher & família tal como aparece de forma evidente nos
Mackler, 1997; Morrow, 1997; Taylor & Strick- extractos das entrevistas que se seguem. Ao
land, 1986). A componente afectiva em que de- questionarmos algumas crianças sobre se os pais
correm essas interacções é igualmente impor- sabiam ler e escrever e o que liam e escreviam,
tante para o desenvolvimento de sentimentos e obtivemos as seguintes respostas:
atitudes em relação à leitura e à sua funcionali-
dade. Um ambiente afectivo positivo durante a
leitura de histórias serve não só para criar uma Marta (5 anos – Jardim de Infância)
experiência livre de ansiedades, como também Sim. Sabem ler e escrever... tenho 2 irmãos
também para proporcionar à criança hipóteses de que também sabem.
se confrontar com situações, modos e modelos Pai – O pai lê a Bíblia... lê um livro... lê a
sobre a forma como se pode interessar e envol- oração... lê a coisa dos fiéis... lê um livro sobre
ver com um texto. Por outro lado, Baker, Scher e Jesus e lê o jornal. (O que escreve?) Escreve...
Mackler (1997) verificaram que as crenças de- escreve... o meu pai... não escreve!
senvolvidas pelos pais sobre os objectivos da lei- Mãe – Lê a Bíblia, lê livros (não sabe espe-
tura e sobre o modo como as crianças aprendiam cificar quais). (O que escreve?) Faz certos e nal-
a ler estavam relacionados quer com as suas prá- gumas coisas mete errado.
ticas quer com a motivação das respectivas A irmã – Lê as palavras que faz no caderno e
crianças para a leitura. Os pais que consideravam lê algumas coisas num papel... não sei o que lê

74
mais... é tanta coisa! Escreve para um teste e do as crianças ou irmãos frequentam o 1.º ciclo.
depois... às vezes vai ali à missa. De resto este peso dos trabalhos ecolares já tinha
O irmão – Lê o dossier... lê livros... lê um livro sido realçado num trabalho desenvolvido com
daqueles que é a aventura... lê muita coisa. pais, tal como referimos anteriormente onde as
Escreve às vezes para um teste de Físico-Quí- interacções em torno da linguagem escrita, mais
mica e escreve algumas coisas para a escola. frequentemente referidas pelos pais foram as
relativas aos trabalhos escolares e à leitura de
histórias (Mata, 1995).
Nas interacções em meio familiar, das crian-
Carlos (6 anos – 1.º ano de escolaridade) ças frequentando o início do ensino formal, o
Sim, sabem. Trabalho de casa aparece assim com um peso
Pai – Às vezes compra um livro e depois co- importante e nalguns casos, mesmo exclusivo.
meça a ler... às vezes apanha umas notícias e lê. Parece que a escola orienta e condiciona, em
Às vezes está lá no bar a servir o comer (tem um
grande parte a partir de certa altura, o tipo de
restaurante) e depois escreve no caderno assim
interacções de literacia dos pais com os filhos.
«frango e batatas fritas» e depois vai levar
Muitas vezes esta orientação é extremamente
aquilo para eles lerem e depois dizem se querem
direccionada para determinadas tarefas escolares
frango ou batatas fritas. Às vezes escreve nas
que têm como objectivo o treino de competên-
fotocópias... faz fotocópias e escreve... faz assim
uns riscos de escrever. cias e skills iniciadas na sala de aula (cópias, pa-
Mãe – Lê um livro daqueles que tem onde se lavras difíceis, tabuadas, contas, fichas, etc.). Ou
fazem os comeres. Lê um livro... às vezes quando seja, são tarefas tipicamente escolares de-
está lá na escola escreve algumas coisas... senvolvidas num outro contexto, que é a família.
Irmã – Às vezes quando está na escola está a O leque de hipóteses de tarefas a desenvolver em
fazer... quando acaba tem que ler. Às vezes vai casa sob orientação ou sugestão da escola pode
ler ao quadro o que a professora escreve. Às ser mais alargado e significativo. Ao tomar di-
vezes quando está a fazer as coisas da escola lê rectamente em consideração a comunidade, as
um bocadinho. Quando está na escola e quando famílias e as crianças a quem serve a escola, a
está cá em casa também escreve as coisas da sua realidade e também as suas experiências de
escola. literacia, a escola vai valorizá-las, dar-lhes um
outro sentido e tomar o processo de aprendiza-
gem mais real, funcional e significativo.

José Maria (5 anos – Jardim de Infância)


Sabem. 3. LITERACIA FAMILIAR
Pai – Lê jornais, revistas, TVGuia e mais
nada. Escreve nas medições, nos trabalhos que Como conclusão das ideias sobre as quais te-
ele está a fazer (Eng. Agrário). mos vindo a reflectir podemos afirmar que a Li-
Mãe – Só lê revistas. Ela é como o meu pai... teracia familiar existe, tem as suas característi-
é engenheira. Escreve papéis. cas próprias e é de extrema importância no pro-
cesso de apreensão da linguagem escrita. É um
conceito complexo que poderá ter várias defini-
ções mas onde existem alguns aspectos caracte-
Como podemos verificar, as percepções destas rísticos. Morrow, Paratore e Tracey (1994) numa
crianças sobre as práticas de leitura e escrita dos tentativa de definição de Literacia Familiar (Fa-
pais são diferenciadas e estão directamente rela- mily Literacy), avançam com algumas considera-
cionadas com as suas profissões, assim como ções, onde por exemplo ressaltam as seguintes
também com a ocupação de tempos de lazer.
afirmações:
Através destes extractos podemos também
constatar o peso e a importância que as tarefas - «A Literacia Familiar engloba os modos
escolares têm nestes ambientes familiares, quan- como pais, crianças, e outros membros da

75
família utilizam a literacia em casa e na sua Baker, L., Scher, D., & Mackler, K. (1997). Home and
comunidade.» family influences on motivations for reading.
Educational Psychologist, 32 (2), 69-82.
- «A Literacia Familiar ocorre naturalmente
Benavente, A., Costa, A., & Avila, P. (1996). A litera-
durante as rotinas do dia-a-dia e ajuda os cia em Portugal – Resultados de uma pesquisa ex-
adultos e as crianças a “terem as coisas fei- tensiva e monográfica. Lisboa: Fundação Caloute
tas”.» Gulbenkian, Conselho Nacional de Educação.
- «A Literacia Familiar pode ser iniciada Campbell, R. (1996). Literacy in nursery education.
London: Trentham Books.
propositadamente por um dos pais, ou pode Cooper, J. (1993). Literacy – Helping children cons-
ocorrer espontaneamente quando os pais e truct meaning. Boston: Houghton Mifflin Com-
a criança se ocupam dos seus afazeres do pany.
dia-a-dia.» Costa, F. (1998). Representações das educadoras de
- «As actividades de Literacia Familiar po- infância sobre a leitura e a escrita. Monografia de
fim de curso, Instituto Superior de Psicologia
dem reflectir a herança ética, racial ou Aplicada, Lisboa.
cultural da família envolvida.» Doise, W., & Mugny, G. (1981). Le développement so-
cial de l’inteligence. Paris: InterEditions.
Daqui ressalta uma grande característica da Gilly, M. (1988). Interaction entre pairs et constructions
Literacia Familiar que é o seu significado fun- cognitives: modéles explicatifs. In A. N. Perret-
cional e a sua ligação directa aos valores e inte- -Clermont, & M. Nicolet (Eds.), Interagir et con-
resses de cada ambiente familiar. naître: enjeux et régulations sociales dans le déve-
É com os pais que as crianças começam a loppement cognitif (pp. 19-28). Cousset: Delval.
Hannon, P. (1995). Literacy, home and school. Re-
apender e é também com eles que passam mais search and practice in teaching literacy with pa-
tempo. Assim, não se pode por um lado, esque- rents. London: The Falmer Press.
cer as suas vivências e as suas experiências de Hannon, P. (1996). School is too late: preschool work
literacia, e por outro lado ignorar estes enquanto with parents. In S. Wolfendale, & K. Topping
parceiros educativos. Contudo, os pais têm que (Eds.), Family involvement in literacy (pp. 63-74).
London: Cassell.
ser tratados como pais, devendo ser incentivados Leseman, P., & Jong, P. (1998). Home literacy: Oppor-
a ler e a desenvolver outras actividades de lite- tunity, instruction and socialemotional quality pre-
racia com os filhos, mas não a ensiná-los no sen- dicting early reading achievement. Reading Re-
tido formal do termo. Todas as orientações e search Quarterly, 33 (3), 294-318.
Lopes, C. (1996). Caracterização das representações,
intervenções com famílias, com o objectivo de
práticas e hábitos de leitura e escrita em famílias
mobilizar e facilitar a sua participação deverão: com elevado nível sócio-cultural. Monografia de
apoiar-se nos seus interesses, nas suas potencia- fim de curso, Instituto Superior de Psicologia Apli-
lidades e nas suas vivências; considerar as suas cada, Lisboa.
rotinas e hábitos de literacia e também propor- Mata, L. (1991a). Interacção entre crianças e apropria-
ção da linguagem escrita. Inovação, 4 (1), 167-
cionar oportunidades, recursos e condições para
-179.
que as estratégias e actividades possam ser pos- Mata, L. (1991b). Desenvolvimento das conceptualiza-
tas em prática. ções infantis sobre escrita – Papel das interacções
sociais. Análise Psicológica, 9 (3/4), 403-410.
Mata, L. (1995) Práticas familiares sobre leitura e es-
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Miller, L. (1996). Towards reading. Buckingham: Open
Alves Martins, M. (1996). Pré-história da aprendiza- University Press.
gem da leitura. Lisboa: ISPA. Morrow, L. (1995). Designing the classroom to promote
Alves Martins, M., & Neves, M. (1994). Descobrindo a literacy development. In D. Strickland, & L. Mor-
linguagem escrita – Uma experiência de apren- row (Eds.), Emerging literacy: Young children
dizagem da leitura e da escrita numa escola de in- learn to read and write (7.ª ed., pp. 121-134).
tervenção prioritária. Lisboa: Escolar Editora. Newark, Delaware: International Reading Associa-
Amaral, C. (1999). Percepção das crianças sobre as tion.
práticas e hábitos familiares de leitura e escrita. Morrow, L. (1997). Literacy development in the early
Monografia de fim de curso, Instituto Superior de years – Helping children read and write (3.ª ed.).
Psicologia Aplicada, Lisboa. Boston: Allyn & Bacon.

76
Morrow, L., Paratore, J., & Tracey, D. (1994). Family RESUMO
literacy: New perspectives, new opportunities. Bro-
chura publicada pela International Reading Asso- As abordagens mais recentes sobre o processo de
ciation – Family Literacy Comission. apreensão da linguagem escrita, por parte das crianças,
Perret-Clermont, A. N. (1983). Desenvolvimento da in- enfatizam largamente a sua precocidade. Considera-se
teligência e interacção social. Lisboa: Instituto assim que este processo, não vai começar quando se
Piaget. inicia o ensino formal, nem quando já se começa a do-
minar a técnica e a mecânica da leitura e escrita, mas
Pesão, J. (1997). Práticas familiares de linguagem es-
muito mais cedo quando se começam a proporcionar,
crita e representações sobre o processo de apren- no dia-a-dia os primeiros contactos com o escrito.
dizagem – Estudo exploratório em meio urbano. Assim, enquanto processo social, iniciando-se
Monografia de fim de curso, Instituto Superior de muito cedo, não se pode desvalorizar o papel da fa-
Psicologia Aplicada, Lisboa. mília, não só ao proporcionar estes primeiros con-
Ramos, J. (1989). A influência da interacção social no tactos, como também na sua exploração e valorização.
desenvolvimento do conhecimento infantil sobre a Estas primeiras interacções em torno da linguagem
escrita. Monografia de fim de curso, Instituto Su- escrita, vão permitir que as crianças contactem e des-
perior de Psicologia Aplicada, Lisboa. cubram os escritos do meio de uma forma funcional;
Rowe, D. (1994). Preschoolers as authors – Literacy que os pais sirvam de modelos quando utilizam o es-
learning in the social world of the classroom. crito; que os pais incentivem e apoiem os filhos nas
descobertas que estes vão fazendo.
Cresskill, New Jersey: Hampton Press.
Neste artigo procuramos reflectir, por um lado so-
Sénéchal, M., Thomas, E., & Monker, J. (1995). Indivi- bre o tipo e as características das práticas de leitura e
dual differences in 4 year-old children’s acquisition escrita em meio familiar. Por outro lado procuramos
of vocabulary during storybook reading. Journal of fazer uma análise da percepção que os pais têm das
Educational Psychology, 87 (2), 218-229. práticas desenvolvidas e do valor que lhes atribuem.
Snow, C., & Ninio, A. (1989). The contracts of literacy: Palavras-chave: Literacia familiar, linguagem es-
What children learn from learning to read books. In crita, envolvimento parental.
W. Teale, & E. Sulzby (Eds.), Emergent literacy:
Writing and reading (2.ª ed., pp. 116-138). Nor-
wood, New Jersey: Ablex Publishing Coorporation. ABSTRACT
Sulzby, E. (1985). Children’s emergent reading of fa-
vorite storybooks: A developmental study. Reading Recent approaches to young children’s literacy de-
Research Quarterly, 20 (4), 458-481. velopment emphasise this process as very early one.
Taylor, D., & Strickland, D. (1986). Family storybook Literacy development doesn’t begin neither when
reading. Portsmouth: Heinemann Educational children start formal instruction, nor when they begin
Books. to acquire reading and writing mechanical skills. Thus
Teale, W., & Sulzby, E. (1989). Emergent literacy as a the roots of literacy development are established very
perspective for examining how young children early in life, through real life contacts with reading and
writing.
become writers and readers. In W. Teale, & E.
So as an early social process it is very important to
Sulzby (Eds.), Emergent literacy – Writing and consider the contribute of the family in promoting the-
reading (2.ª ed., pp. vii-xxv). Norwood: Ablex se contacts and facilitating the exploration of print.
Publishing Coorporation. When interacting socially with others and with lite-
Teale, W., & Sulzby, E. (1995). Emergent literacy: New racy in real-life settings through reallife activities:
perspectives. In D. Strickland, & L. Morrow (Eds.), - Children will discover functions and forms of
Emerging literacy: Young children learn to read print through shared literacy activities
and write (7.ª ed., pp. 1- 15). Newark, Delaware: - Parents will act as models when using literacy.
International Reading Association. - Parents will support and motivate the children in
Teberosky, A. (1987a). Construção de escritas através their discoveries.
The purpose of this article is to provide a brief
da interacção grupal. In E. Ferreiro, & M. Palácio
overview of home literacy environments and the cha-
(Eds.), Os processos de leitura e escrita (pp.
racteristics of home reading and writing activities. We
124-142). Porto Alegre: Artes Médicas. also pretend to analyse the parents’ perception of the-
Teberosky, A. (1987b). La dictée entre enfants. In se activities and the values and attitudes parents hold
CRESAS On apprend pas tout seul: interactions with respect to family literacy.
sociales et construction des savoires (pp. 79-81). Key words: Family literacy, written language, pa-
Paris: Ed. ESF. rental involvement.

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