Você está na página 1de 84

introdução ao

estudo do direito 1
professores: caio farah e Guilherme Figueiredo Leite Gonçalves

4ª edição

ROTEIRO De CURSO
2008.1
Sumário
Introdução ao Estudo do Direito I

I - Apresentação.............................................................................................................................................. 03
A. Introdução................................................................................................................................ 03
B. Plano de Aulas e Leituras.......................................................................................................... 03
C. Dificuldades Iniciais................................................................................................................. 04

II - Programa.................................................................................................................................................. 05
Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas).................................................... 05
Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão?
Três modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas)........................................ 05
Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus
conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas).......................................................................... 05
Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximadamente
dez aulas)...................................................................................................................................... 05

III – Leituras – Módulos I e II............................................................................................................................. 06


Seleção de Leituras Nº 1:.............................................................................................................. 06
Seleção de Leituras Nº 2:.............................................................................................................. 31
Seleção de Leituras Nº 3:.............................................................................................................. 43
Seleção de Leituras Nº 4:.............................................................................................................. 47
Seleção de Leituras Nº 5:.............................................................................................................. 50
Seleção de Leituras Nº 6:.............................................................................................................. 63

IV - Questões de Apoio às Leituras...................................................................................................................... 68


Módulo I...................................................................................................................................... 68
Módulo II..................................................................................................................................... 69

V. Organização dos Módulos III e IV.................................................................................................................... 71


a. Objetivos e Organização do Módulo III.................................................................................... 71
b. Objetivos e Organização do Módulo IV.................................................................................... 71
c. Plano de Leituras:...................................................................................................................... 72
d. Questões de Apoio às Leituras................................................................................................... 74

VI – Apêndice................................................................................................................................................... 81
Glossário informal de termos técnicos utilizados na seleção de trechos do HC 82.424/RS............ 81
Fontes de pesquisa:....................................................................................................................... 82
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

I - Apresentação

A. Introdução

Bem-vindo(a) a IED 1.
O objeto deste curso – isto é, aquilo de que vamos nos ocupar ao longo deste primeiro semestre – é o pro-
blema da decisão jurídica: como os juízes decidem os casos e como trabalha o profissional do direito de maneira
a criar condições para que juízes possam decidir os casos.
Esse problema será discutido mediante o estudo de decisões e leis brasileiras e de textos teóricos.
Para que as aulas sejam produtivas, Você deve se preparar previamente, lendo o material indicado e refle-
tindo sobre ele, e participar em sala o quanto possível.

B. Plano de Aulas e Leituras

O curso se organiza em torno de quatro Módulos, cujos tópicos, leituras prévias e atividades constam do
Programa a seguir.
Todas as leituras obrigatórias referentes às aulas dos Módulos I e II estão anexas a este roteiro. As leituras
dos Módulos III e IV estarão disponíveis na Biblioteca e/ou no Aluno Online. Ao final deste material --- item
IV --- estão incluídas também algumas questões de apoio, às vezes mais simples, às vezes mais complexas, para
ajudá-lo a avaliar sua compreensão e refletir sobre os textos lidos.
Você será orientado, conforme o andamento das aulas, sobre a passagem de um tópico a outro do progra-
ma, de maneira a permitir a sua preparação prévia. Abaixo, seguem orientações sobre as leituras prévias referen-
tes às duas primeiras aulas do curso.

1ª Aula

Para a primeira aula do curso, a leitura prévia é uma seleção de trechos de uma das mais famosas decisões
recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o HC 82.424/RS (ver a seleção de leituras nº 1).
Você vai se deparar, nessa decisão, com vários termos técnicos e com formas de expressão com as quais
não está familiarizado. Não se assuste. Sua preocupação não deve ser a de decorar definições desses termos ou
passar a se expressar de forma rebuscada (o que, aliás, Você deveria sempre evitar, apesar da tentação). Sua preo-
cupação deve ser a de procurar entender o que está em jogo, isto é, pensar e responder perguntas do tipo: o que
aconteceu? O que está sendo decidido? Qual a decisão final? Que razões são utilizadas pelas diferentes pessoas
envolvidas no caso para resolvê-lo? Qual sua opinião sobre a decisão final e sobre as diferentes justificativas
apresentadas?
Especialmente no início, portanto, descobrir o significado de termos que não conhece deve servir apenas
na medida em que isso seja necessário para entender o que estiver lendo, não como algo a ser decorado. Nos
quatro parágrafos abaixo, é feita uma descrição simples do contexto da decisão, esclarecendo alguns dos termos
básicos que aparecem no texto. Você encontrará, também, como apêndice a este material, um “glossário infor-
mal” de alguns dos termos técnicos mais freqüentes e básicos utilizados na decisão.
Nessa decisão (chamada de “acórdão”, porque é uma decisão coletiva, em que os juízes que a tomam acor-
dam, por unanimidade ou não, com seu conteúdo básico [obviamente, acordam no sentido de “concordar”, não
“despertar”...]), leremos trechos dos votos de três ministros ( como são chamados os juízes do STF ), em uma

FGV DIREITO RIO 3


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

ação de habeas corpus (HC). Habeas corpus, que literalmente significa “tome o corpo” em latim, é uma ação em
que alguém (chamado de “impetrante” porque a apresenta ou impetra algo) solicita a um juiz ou tribunal que
este proteja a liberdade de ir e vir de um indivíduo (chamado de “paciente”), em face de uma autoridade (cha-
mada de “coatora”) que está (legalmente ou não, esta é uma das questões) ameaçando essa liberdade (e, portanto,
também o “corpo” ou corpus do indivíduo a que se refere).
Conforme a decisão, negando (ou, o que dá no mesmo, denegando ou indeferindo) ou aceitando (ou, em
outras palavras, deferindo ou concedendo) a solicitação do impetrante, o juiz ou tribunal manda ou ordena (daí
que o HC às vezes é chamado de “ordem” ou “mandamus”) que a liberdade do indivíduo seja garantida.
A transcrição do Acórdão começa com a indicação das partes no caso (o impetrante, a autoridade coatora
e o paciente) e do ministro relator, incumbido de fazer um resumo dos fatos do caso e, então, de apresentar as
justificativas de sua decisão e seu voto, para discussão e voto dos demais ministros (o STF é composto de 11
ministros e o Acórdão é decidido por maioria de votos). Nesse caso específico, excepcionalmente, estão indica-
dos na transcrição do Acórdão dois ministros relatores, porque o ministro Moreira Alves, que era originalmente
o relator, aposentou-se antes de concluído o processo e foi substituído, nessa condição, pelo ministro Maurício
Corrêa. No trecho que selecionamos, Você lerá trechos dos votos do relator originário (Moreira Alves), do mi-
nistro Maurício Corrêa (que foi o relator ao final) e do ministro Marco Aurélio.
No início da transcrição do Acórdão é incluída ainda uma ementa, redigida pelo relator, que descreve de
maneira bem resumida qual foi a decisão que, ao final, prevaleceu no Tribunal (às vezes chamado de “Corte”).

2ª Aula

Para a segunda aula, a leitura prévia é uma seleção de trechos curtos de três textos, de autoria, respectiva-
mente, de Lon L. Fuller, Max Weber e David Trubek (este último para servir como apoio à leitura do texto de
Weber). [Ver a seleção de leituras nº 2]
Ao ler esses textos, reflita em que medida eles auxiliam no entendimento da decisão discutida na primeira
aula. Que elementos das descrições do direito e do pensamento jurídico que esses autores elaboram estão refle-
tidos naquela decisão? Que dificuldades eles revelam?

C. Dificuldades Iniciais

Alguns dos textos que estudaremos são difíceis. Seja paciente e perseverante em suas leituras. Lembre-se: a
capacidade de entender de imediato o que está em jogo não é pressuposto deste curso; é, ao contrário, algo que
buscaremos desenvolver, como resultado do curso.

FGV DIREITO RIO 4


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

II - Programa

Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas)

A. A Decisão
B. Racionalidade das decisões jurídicas no Direito brasileiro

Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três
modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas)

A. Definição de termos isolados, Comparação com situações exemplares e Consideração dos Objetivos da
Lei
B. Estupro
C. Propriedade
D.Serviços públicos
E. Atividade Extra

Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus
conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas)

A. Dogmática e decisão
B. Conceitos operacionais básicos
a. Imputação e causalidade (normatividade)
b. Relação Jurídica e seus elementos
c. Ordenamento
C. Regras, princípios e propósitos

Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximada-


mente dez aulas)

A. O Direito como um sistema de regras, e o problema da decisão jurídica


B. O Direito como expressão de ideais e sua interpretação
a. A identificação do elemento ideal no Direito
b. Interpretação e reconstrução do Direito
c. Idealização e doutrina no Direito brasileiro

FGV DIREITO RIO 5


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

III – Leituras – Módulos I e II

Seleção de Leituras Nº 1:

Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS

[item a. “a decisão”]
- Habeas Corpus nº 82.424/RS (ementa, relatório, voto do ministro Moreira Alves, trechos do voto do mi-
nistro Mauricio Corrêa e trechos do voto do ministro Marco Aurélio – seleção anexa).

FGV DIREITO RIO 6


FGV DIREITO RIO 7
FGV DIREITO RIO 8
FGV DIREITO RIO 9
FGV DIREITO RIO 10
FGV DIREITO RIO 11
FGV DIREITO RIO 12
FGV DIREITO RIO 13
FGV DIREITO RIO 14
FGV DIREITO RIO 15
FGV DIREITO RIO 16
FGV DIREITO RIO 17
FGV DIREITO RIO 18
FGV DIREITO RIO 19
FGV DIREITO RIO 20
FGV DIREITO RIO 21
FGV DIREITO RIO 22
FGV DIREITO RIO 23
FGV DIREITO RIO 24
FGV DIREITO RIO 25
FGV DIREITO RIO 26
FGV DIREITO RIO 27
FGV DIREITO RIO 28
FGV DIREITO RIO 29
FGV DIREITO RIO 30
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 2:

Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS

Item B. “Racionalidade das decisões no direito brasileiro”


– Lon L. Fuller, “As Reformas do Rei Rex, ou Oito Maneiras de Não Fazer Direito” (tradução livre de trecho
selecionado anexa)
– Weber, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Editora Univer-
sidade de Brasília, 1999 (seleção anexa);
– Trubek, David. “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” 1972 Wisc. L. Rev. 720 (tradução livre
de trecho selecionado anexa).

FGV DIREITO RIO 31


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

As Reformas do Rei Rex


[Tradução livre e adaptação, para fins didáticos, feita pelo núcleo de Organização do Estado e do Direito 1
da EDESP, a partir do texto “Eight Ways to Fail to Make Law”, de Lon Louvois Fuller, constante do capítulo II de
The Morality of Law, Yale University Press, 1969, Cap.II.]

Rex subiu ao trono munido com as pretensões de um grande reformador. Não tendo sofrido o sistema ju-
rídico de seu pequeno reino, por várias gerações, nenhuma simples reforma, ele considerou que a maior falha de
seus predecessores havia se dado no âmbito do direito: os procedimentos jurídicos eram enfadonhos, as regras do
ordenamento redigidas no tom arcaico de uma era passada, a justiça era cara e os juízes desleixados e corruptos.
Rex estava determinado a remediar todos esses males e escrever seu nome na história como um grande jurista.
Seu destino infeliz, entretanto, estava marcado pelo fracasso de suas boas intenções.
Seu primeiro ato oficial foi dramático: anunciou a seus súditos a imediata revogação de todas as leis vigen-
tes, passando, então, a escrever um novo código. Infelizmente, por ter sido criado como um príncipe solitário,
sua educação tinha sido bastante deficiente. Em particular, ele se viu incapaz de realizar as mais simples genera-
lizações. Embora não lhe faltasse confiança quando se tratava de decidir controversas específicas, o esforço para
apresentar as razões gerais que o levavam a tomar qualquer conclusão estava além de suas capacidades. Não con-
seguia mesmo falar genericamente de pessoas sem mencionar seus nomes, nem tampouco caracterizar situações
sem a necessidade de recorrer à história.
Estando a par de suas limitações, Rex abandonou o projeto do novo código e anunciou a seus súditos que
dali em diante agiria como juiz em qualquer disputa que pudesse surgir entre eles. Estimulado pela variedade
de casos, ele esperava que seus poderes latentes de generalização se desenvolvessem gradualmente caso a caso,
podendo, assim, colecionar um sistema de regras que conseguiria, no futuro, incorporar em um novo código.
Como as funções de criação e aplicação do direito não eram separadas, mas concentravam-se inteiramente
na pessoa de Rex, o monarca também não as distinguia em sua prática diária: criava novas regras para julgar
casos complexos e julgava em desconformidade às regras vigentes quando convencido de que estas precisavam
de reparo. Rex havia agora encontrado o caminho correto para sua reforma: seguia inteiramente suas intuições
de justiça sem precisar se preocupar com a redação de textos técnico-legais, os quais não se acomodavam com
suas deficiências de generalidade e abstração. Sem dar espaço a uma burocracia que, nos reinados anteriores, era
responsável pelo vagar e pela corrupção do Direito, Rex, a um só tempo, criava e aplicava a norma sempre que
um conflito necessitava de reparo.
Seus súditos, entretanto, não tinham a mesma opinião sobre o sucesso das reformas: as regras que Rex
utilizava em suas decisões não eram públicas e quase sempre eram aplicadas a acontecimentos ocorridos antes de
sua criação. Além disso, era impossível encontrar qualquer padrão em suas decisões. Nos dias em que acordava
calmo e bem­ humorado, tinha julgamentos benevolentes e parcimoniosos. Do contrário, era rigoroso e deter-
minava penas cruéis. Ninguém sabia como agir em conformidade ao seu Direito. Diante desses fatos, os súditos
de Rex, que tradicionalmente eram pacatos e desinteressados sobre os assuntos do reino, passaram a contestar
as reformas iniciadas pelo rei.
Rex, diante de constantes manifestações populares, percebeu que não havia escapatória para a publicação
de um código declarando as regras a serem aplicadas em futuras disputas. Dessa forma, trabalhou ferrenhamente
na elaboração de um novo código revisado e anunciou que seria publicado em breve. Este anúncio foi recebido
com um entusiasmo geral. Entretanto, o humor dos súditos de Rex mudou quando o novo código foi publica-
do e descobriu-se que se tratava de uma obra-prima da obscuridade. Especialistas em Direito que o estudaram
declararam que não havia nele uma frase sequer que poderia ser bem compreendida tanto por cidadãos comuns
quanto por advogados treinados. A indignação era generalizada e logo apareceu um protesto perante o palácio
real levando um cartaz com os dizeres: “como seguir regras que não podem ser compreendidas?”

FGV DIREITO RIO 32


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

O código foi rapidamente descartado. Reconhecendo pela primeira vez que precisava de ajuda, Rex mon-
tou uma equipe de peritos para realizar uma revisão. Ele os instruiu a esclarecer a expressão de suas normas, mas
ordenou que deixassem sua substância intocada. O código resultante era um modelo de clareza, mas, conforme
era estudado, sua nova clareza revelou ser o documento uma fonte de contradições. Foi informado de que não
havia uma disposição sequer do código que não pudesse ser considerada anulada por uma outra em sentido
oposto. Outro protesto apareceu perante a presidência real com os dizeres: “desta vez o rei se fez entender, em
ambas as direções.”
Mais uma vez o código foi retirado para revisão. A essa altura, no entanto, Rex tinha perdido a paciência
com seus súditos e com a atitude negativa que pareciam adotar perante tudo o que ele tentava fazer em benefício
do reinado. Ele então decidiu dar-lhes uma lição e pôr um fim aos protestos. Ele instruiu seus peritos a varrer
do código suas contradições e, ao mesmo tempo, enrijecer drasticamente todas as exigências nele contidos,
acrescentando ainda uma longa lista de novos crimes. Dessa maneira, onde antigamente o cidadão chamado ao
trono tinha dez dias para se apresentar, na revisão o tempo havia sido reduzido para dez segundos. Foi tornado
um crime punível com a forca o ato de espirrar, tossir, ou soluçar na presença do rei.
A publicação do novo código quase resultou em uma revolução. Alguns líderes do povo declararam suas
intenções de sabotar suas disposições. Alguém descobriu em um autor antigo uma passagem que parecia apta:
“obrigar o que não pode ser feito não é fazer o Direito, mas desfazê-lo; pois obrigar o que não pode ser obedecido
não serve a nenhum fim a não ser à confusão, ao medo e ao caos”. Logo essa passagem estava sendo citada em
centenas de petições ao rei. O povo pedia, outrossim, direitos que os resguardassem de penas cruéis e de abusos
do poder real.
O código foi novamente descartado e uma equipe de peritos encarregada de sua revisão. As instruções de
Rex aos peritos eram de que quando encontrasse uma regra que representasse uma impossibilidade, deveria ser
revisada para torná-la possível. Percebeu-se que para se chegar a esse resultado, todas as disposições do código
deveriam ser substancialmente reescritas. O resultado final foi um triunfo do trabalho, quase que artesanal, dos
peritos. O novo código era agora claro, consistente consigo mesmo e não demandava dos súditos o impossível.
O código foi impresso e distribuído gratuitamente em cada esquina.
No entanto, antes de chegar a data em que o novo código entraria em vigor, descobriu-se que havia pas-
sado tanto tempo entre as revisões sucessivas e o texto original de Rex que a substância do código havia sido
seriamente alterada por novos eventos. Desde que Rex assumiu o trono, houve uma suspensão do processo legal
ordinário e isso trouxe consigo importantes alterações econômicas e culturais no reino. O povo pedia que seus
novos valores e interesses fossem refletidos na legislação e, para que isso ocorresse, exigia a participação popular
na elaboração das novas normas.
Os clamores democráticos foram parcialmente abafados com a promessa do rei de elaborar emendas à
legislação que a tomaria adequada à nova conjuntura do reinado - e que beneficiaria, principalmente, uma nova
classe de comerciantes que investia num produto que se tomava cada dia mais rentável. A adaptação às novas
condições exigia várias mudanças substanciais ao direito. Assim que o novo código entrou em vigor, ele foi sub-
metido a emendas diárias. Novamente houve descontentamento popular; um panfleto anônimo apareceu nas
ruas com charges irônicas sobre o rei e um artigo com o título: “o direito que muda todo dia é pior que direito
algum”.
O descontentamento com as reformas do Direito tomou-se, por fim, escandaloso ao se descobrir que as
novas regras criadas não eram elas próprias seguidas pelo rei e seus oficiais. As regras materiais e procedimentos
rigorosos criados por Rex não eram respeitados pelas autoridades reais, o que fez com que a população se sentisse
desobrigada do ônus de seu cumprimento.
Os líderes do povo passaram a ter reuniões privadas para decidir o que fazer. As teses democráticas ganha-
ram mais vozes e o número de descontes crescia cada vez mais. As praças passaram a ficar cheias e os interessados
em discutir a organização do Estado e do Direito não mais ficavam sem interlocutores.

FGV DIREITO RIO 33


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Diante de tais movimentações, o rei Rex sofre uma grave crise nervosa e, em função disso, seus médicos e
terapeutas aconselham-no a se afastar temporariamente da política e, principalmente, do Direito. Cumprindo
as determinações médicas, Rex vai passar uma temporada em sua residência no campo, onde tem dias bem mais
calmos e pode se dedicar a hábitos antigos como a caça a gatos selvagens. Com a ausência do rei, a repressão aos
opositores fica fragilizada e uma nova reforma, mais radical, parece amadurecer.

Comentário de Fuller:

A atrapalhada carreira de Rex como legislador e juiz ajuda a demonstrar como se pode
fracassar --- de, pelo menos, oito maneiras --- na tentativa de criar e preservar um sistema de
regras jurídicas. (…) A primeira e mais óbvia dessas falhas consiste na (1) incapacidade de criar
regras que sejam dignas do nome, com a conseqüência de que todas as decisões continuam a
ser tomadas na base do caso-a-caso (ou, como se diz, casuisticamente). As outras falhas são:
(2) não tornar públicas, ou pelo menos não tornar disponíveis à parte afetada, as regras que ela
deve obedecer; (3) o abuso das leis retroativas (isto é, que valem para casos anteriores a ela), que
não apenas não são capazes de nortear as decisões das pessoas, mas minam o valor das regras em
vigor, pois as colocam sob ameaça constante de ser retrospectivamente alteradas; (4) não tornar
as regras inteligíveis; (5) estabelecer regras de conteúdo contraditório; (6) estabelecer regras que
exigem ações acima das capacidades da parte afetada; (7) fazer mudanças tão freqüentes nas
regras existentes que os indivíduos não conseguem nortear suas ações por elas; e, finalmente,
(8) a inexistência de congruência entre as regras tais como anunciadas e sua efetiva aplicação.
Não é que a falha em qualquer dessas direções resulte simplesmente num sistema jurídico
ruim. A conseqüência é que não podemos nem chamar uma tal coisa de sistema jurídico

FGV DIREITO RIO 34


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Max Weber, Economia e Sociedade, Segunda Parte (Economia e Direito [So-


ciologia do Direito]), “A diferenciação dos campos jurídicos objetivos”
(trechos selecionados).
[Tradução livre, para fins didáticos, a partir da comparação das edições em inglês (Eco-
nomy and Society, Guenther Roth and Claus Wittich [eds.], University of California Press,
1978, vol. II, pp. 653 a 658) e em espanhol (Economía y Sociedad, Johannes Winckelmann
[ed.], Fondo de Cultura Económica, México, 1987, pp. 508 a 512 ).]

Direito e Processo

De acordo com nossas formas atuais de pensar, as atividades das organizações pú- * Trecho suprimido: “(...) O
blicas, com relação ao direito, dividem-se em duas categorias, a saber, estabelecimento do processo de diferenciação das
concepções fundamentais
direito e aplicação do direito (...). Por criação do direito entendemos, atualmente, o estabele- correntes sobre os vários cam-
cimento de normas gerais que assumem, segundo o pensamento e linguagem dos juristas, pos do direito depende em
grande medida de razões de
o papel de regras jurídicas racionais. Por aplicação do direito, entendemos, atualmente, a ordem técnico-jurídica e, em
parte também, da estrutura da
aplicação de tais normas jurídicas, e proposições jurídicas que delas são deduzidas através associação política. Portanto,
do raciocínio jurídico, a “fatos” concretos, que são “subsumidos” a tais normas. No entan- ele é influenciado por fatores
econômicos de maneira ape-
to, essa forma de pensar não foi igual em todos os períodos da história. A distinção entre nas indireta. Nesse processo,
estabelecimento do direito, entendido como criação de normas gerais, e aplicação do direito, influem fatores econômicos
apenas na medida em que
entendida como a aplicação de tais normas gerais a casos concretos, não existe quando determinadas racionalizações
do comportamento econô-
a atividade judicial aparece como um conjunto de decisões livres, que variam de caso a mico, baseado na economia
caso. Nessa situação, não podemos falar em “normas jurídicas” nem em “direito subjetivo” de mercado, na liberdade de
contratar e, ao mesmo tempo,
à aplicação dessas normas. O mesmo vale para uma situação em que o direito objetivo é na complexidade sempre cres-
visto como “privilégio” e em que, portanto, a idéia de uma “aplicação” de normas jurídicas, cente de conflitos de interesses
cuja solução depende do apa-
como fundamento para a proteção a direitos individuais, não poderia surgir. Da mesma rato jurídico e sua aplicação,
demandaram a sistematização
forma, a distinção entre criação do direito e aplicação do direito não existe quando a ativi- e especialização do direito e o
dade judicial não se realiza por subsunção do caso concreto a normas jurídicas gerais. Em desenvolvimento da institucio-
nalização da associação políti-
outras palavras, essa distinção não existe nos casos de atividade judicial irracional, a qual ca. Todas as demais influências
constitui o modo primitivo de aplicação do direito e que foi dominante, de forma pura ou econômicas ocorrem como
episódios concretos, não se
modificada, no passado e em todas as partes do mundo, à exceção dos lugares em que o podendo formulá-las sob a for-
ma de regras gerais. Por outro
Direito Romano prevaleceu. (...) lado, (...) as características do
direito, que são condicionadas
por fatores políticos e pela es-
trutura interna do pensamento
As Categorias do Pensamento Jurídico Racional jurídico, exerceram grande
influência sobre a organização
econômica.”
(...)* ** Note que, no trecho que
segue, Weber descreve três
Nos parágrafos seguintes, examinaremos brevemente as circunstâncias mais importan- processos básicos de raciona-
tes que influenciaram as características formais do direito, relacionadas à criação do direito lização: “análise”, que significa
um processo de abstração a
e à aplicação do direito. Entre todas essas circunstâncias, as que nos interessam mais funda- partir da generalização de pre-
mentalmente são as que se referem ao grau e ao modo da racionalização ou de racionalidade ceitos jurídicos; “construção”,
que significa um processo de
do direito e, sobretudo, como é natural, àquela parte do direito que é mais relevante econo- síntese de relações jurídicas
a partir da consideração de
micamente (o chamado “direito privado”). fatos concretos e regras subs-
Um direito pode ser racional em vários sentidos, dependendo dos diferentes caminhos tantivas; e “sistematização”
de todos os preceitos e regras
de racionalização seguidos pelo desenvolvimento do pensamento jurídico.** Primeiramen- jurídicos gerais. [Comentário
te, comecemos com o processo mental aparentemente mais simples: a idéia de generalização, de Lewis Sargentich]

FGV DIREITO RIO 35


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

que em nosso caso significa a redução das razões determinantes na solução de um caso con-
creto a um ou vários “princípios”, os “preceitos jurídicos”. Essa redução se encontra normal-
mente condicionada a uma análise prévia ou concomitante dos “fatos” do caso, com relação
aos elementos que sejam relevantes a uma avaliação jurídica. De outro lado, a elaboração de
“preceitos jurídicos” cada vez mais amplos influi, por sua vez, na especificação e delimitação
dos aspectos potencialmente relevantes dos fatos. Esse processo depende, portanto, de certo
casuísmo [no sentido de partir da análise de casos concretos], ao mesmo tempo em que o
fomenta. (...)* Em nosso sistema jurídico, a dedução analítica de “preceitos jurídicos” a par-
tir de casos concretos correu paralelamente ao trabalho sintético de construção de “relações
jurídicas” e “instituições jurídicas”, isto é, pela determinação de quais aspectos de uma ação
social ou consensual devem ser considerados como juridicamente relevantes e em que forma
logicamente consistente (isto é, sem contradições) esses aspectos devem ser considerados
juridicamente relacionados, quer dizer, como componentes de uma “relação jurídica”.
Embora haja uma relação próxima entre o processo de dedução analítica de preceitos
jurídicos e o processo de determinação de quais relações sociais são juridicamente relevantes
(a chamada “construção” de relações jurídicas), um alto grau de abstração analítica pode
coincidir com um grau muito baixo construção das relações sociais juridicamente relevan-
tes. O contrário também vale: a determinação de uma “relações jurídicas” pode ser alcança-
da de maneira relativamente satisfatória, do ponto de vista prático, a despeito de insufici-
ências analíticas ou até mesmo em razão dessas insuficiências. Essa contradição é resultado
do fato de que da dedução analítica surge uma tarefa lógica mais ampla que, em princípio,
é compatível com esse trabalho de construção da relação jurídica, mas que, de fato, acaba
muitas vezes entrando em conflito com ele. Estamos falando da idéia de sistematização, que
só aparece em estágios mais avançados do pensamento jurídico e que o direito primitivo
desconhece. De acordo com nossa maneira atual de pensar, a tarefa da sistematização ju-
rídica consiste em relacionar de tal modo os preceitos jurídicos resultantes da análise que
eles formem um conjunto de regras claro, coerente e, sobretudo, desprovido, em princípio,
de lacunas, exigência que necessariamente implica que todos os fatos possíveis possam ser
subsumidos a alguma das normas do sistema, pois, do contrário, o sistema careceria de sua
garantia essencial. Essa pretensão sistemática e sistematizadora não existe em todos os di-
reitos contemporâneos (por exemplo, o inglês), nem muito menos existiu em, como regra
geral, nos do passado. E, quando essa pretensão existiu, o grau de abstração lógica do siste-
ma foi quase sempre muito baixo. O sistema era, comumente, um simples esquema externo
dedicado à organização das matérias jurídicas e sua influência sobre a estruturação analítica
dos preceitos jurídicos e das relações jurídicas era muito fraca. A forma especificamente
moderna de sistematização (que se desenvolveu a partir do Direito Romano) parte da aná-
lise lógica dos preceitos jurídicos e da conduta social juridicamente relevante. As “relações
jurídicas” e a casuística, por outro, muitas vezes resistem a esse tipo de manipulação, uma
vez que derivam de processos essencialmente concretos e próximos aos fatos.
Além dessas distinções, devemos também considerar a grande diversidade de meios * Trecho suprimido: “No en-
técnico-jurídicos utilizados na prática do direito. A seguir, as situações mais simples que tanto, nem todo processo
casuístico resultou no desen-
encontramos: volvimento dos “preceitos
jurídicos”, que alcançaram alto
[Racionalidade Formal / Racionalidade Material] Tanto a criação do direito quanto a grau de abstração lógica. Uma
sua aplicação podem ser racionais ou irracionais. Elas são formalmente irracionais quando, casuística jurídica muito rica se
desenvolveu a partir das asso-
para a regulação da criação de normas ou da atividade judicial, recorre-se a procedimentos ciações de elementos dos casos
que não são controlados racionalmente (ou pelo intelecto), por exemplo, oráculos e seus por analogia.”

FGV DIREITO RIO 36


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

sucedâneos. Elas são materialmente irracionais na medida em que a decisão dos diversos casos
concretos depende de fatores concretos e específicos do caso, tal como avaliados sob aspectos
éticos, sentimentais ou políticos e não a partir de normas gerais. A criação e a aplicação do
direito também podem ser racionais tanto em sentido formal, quanto em sentido material.
Todo direito formal é, mesmo um pouco, relativamente racional. Um direito é formal na
medida em que (seja para questões processuais ou substantivas) apenas características gerais
e “unívocas” dos fatos do caso são consideradas. Esse formalismo, por sua vez, pode ser de
dois tipos. É possível que as características juridicamente relevantes sejam tangíveis, quer
dizer, perceptíveis e observáveis, com base em fatores “externos”. Essa adesão a características
tangíveis, por exemplo, quando exige que determinadas palavras sejam pronunciadas, que
assinaturas sejam certificadas por selos ou que se execute uma ação com significado simbó-
lico pré-definido, representa um caso extremo de formalismo. O outro tipo de formalismo
é aquele em que as características juridicamente relevantes do caso tenham sido obtidas por
meio de uma análise lógica do seu significado e em que conceitos jurídicos claramente defi-
nidos, a partir dessa análise, sejam formulados e aplicados sob a forma de regras muito abs-
tratas. Esse processo de “racionalidade lógica” diminui a importância de elementos externos
e assim alivia a rigidez do formalismo baseado em características tangíveis. Mas o contraste
com a racionalidade material se torna mais claro e agudo, porque esta última significa, pre-
cisamente, que na decisão de problemas jurídicos devem influir certas normas diferentes
das normas que resultam das generalizações lógicas fundadas em interpretações abstratas:
imperativos éticos, regras utilitárias ou de conveniência ou postulados políticos que rompem
tanto com o formalismo das características externas quanto com o formalismo de abstra-
ção lógica. Uma abstração jurídica propriamente técnica, no sentido atual, só é possível se
possuir o caráter lógico-formal. O formalismo absoluto das características externas implica
necessariamente o casuísmo. Apenas o método abstrato de interpretações lógicas de sentido
torna possível a tarefa de sistematização, que consiste em ordenar e racionalizar, com ajuda
da lógica, as regras jurídicas consideradas válidas, formando com elas um sistema coerente
de preceitos abstratos.
[Cinco Postulados da Ciência Jurídica Atual] Examinaremos agora de que modo as
várias influências que participaram na formação do direito influenciaram no desenvolvi-
mento de suas características formais. A ciência jurídica atual (pelo menos quando assumiu
as formas mais avançadas de racionalidade metodológica e lógica, como na Pandectista*)
tem como ponto de partida os seguintes cinco postulados: 1) toda decisão jurídica concreta
representa a “aplicação” de um preceito abstrato a um “fato” concreto; 2) que seja possível
encontrar, em relação a cada caso concreto, por meio da lógica jurídica, uma solução que se
baseie nos preceitos jurídicos abstratos em vigor; 3) o direito objetivo vigente é um sistema,
real ou latentemente, “sem lacunas” de preceitos jurídicos ou, pelo menos, deve ser tratado
como tal para fins de aplicação do mesmo a casos concretos; 4) tudo o que não seja possível
“construir”, de forma racional, em termos jurídicos carece de relevância para o direito; e 5)
a conduta dos homens que formam uma comunidade deve ser necessariamente concebida
como a “aplicação” ou “execução” ou, ao contrário, como uma “infração” ou “violação” de
preceitos jurídicos, pois, como conseqüência da “ausência de lacunas do sistema jurídico”,
o direito representa a ordenação jurídica de toda a conduta social (essa última conclusão foi * Pandectistas: juristas alemães
do século XIX que se dedicaram
tirada de Stammler, que não chegou a enunciá-la explicitamente). a uma ampla e profunda tarefa
de sistematização teórica e
(...) prática do direito. [Comentário
de Lewis Sargentich]

FGV DIREITO RIO 37


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

David Trubek, “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” [Max Weber,
Sobre o Direito e a Ascensão do Capitalismo], 1972 Wisconsin Law Rev. 720
(texto de apoio à leitura dos trechos selecionados do próprio Weber)
[Tradução livre e adaptação, para fins didáticos.]

Max Weber dedicou grande parte de seus esforços a explicar a razão pela qual o ca-
pitalismo industrial surgiu no Ocidente. Ainda que reconhecesse uma dimensão histórica,
Weber não se limitou aos métodos históricos. Em vez disso, tentou construir um arcabouço
sociológico que pudesse guiar a pesquisa histórica. Esse arcabouço identificou as principais
dimensões analíticas da sociedade e as estruturas concretas que correspondem a elas. Weber
deu importância ao regime político, à estrutura social, à economia, à religião, ao direito e às
estruturas políticas, sociais, econômicas, religiosas e jurídicas de algumas sociedades. Ele en-
tendia que essas dimensões, assim como as estruturas a elas relacionadas, devem ser separa-
das e investigadas para que suas inter-relações históricas possam ser compreendidas. Usando
esses métodos, argumentava ele, eventos históricos particulares podem ser explicados.
O “evento” que ele buscava explicar era o fato de o sistema moderno do capitalismo
industrial (ou burguês) ter emergido na Europa, mas não em outras partes do mundo.
Também pensava que o direito tinha desempenhado papel importante para isso. O direito
europeu tinha características únicas, que melhor favoreciam a condução ao capitalismo do
que os sistemas jurídicos de outras civilizações. Para demonstrar e explicar o real significado
dessas características para o desenvolvimento econômico, Weber incluiu a Sociologia do
Direito em sua teoria sociológica geral. Dessa forma, seu monumental tratado “Econo-
mia e Sociedade”, que apresenta uma análise do pensamento sociológico de Weber, inclui
uma discussão detalhada dos tipos sistemas jurídicos, a teoria da relação entre o direito e o
surgimento do capitalismo industrial e estudos sociológicos comparativos, que buscavam
confirmar sua teoria. (...)
Weber enfatizou sua crença de que os aspectos singulares da sociedade européia não
foram o mero resultado ou reflexo de fenômenos econômicos. Ele explicita e repetidamente
negou que as características dos sistemas jurídicos europeus tivessem sido causadas pelo
próprio capitalismo. Rejeitando a teoria determinista marxista, que sustentava que os fe-
nômenos jurídicos tinham sido causados por forças econômicas, Weber demonstrou que
as particularidades dos sistemas jurídicos europeus deviam ser explicadas por fatores não-
econômicos, como as necessidades internas da profissão jurídica e as necessidades de or-
ganização política. Fatores econômicos – especificamente, as necessidades econômicas da
classe burguesa – foram importantes, mas não determinantes na formação das singulares
instituições jurídicas européias.
Essas instituições diferenciavam-se das de outras civilizações em suas qualidades formais
e estruturais ou – como Weber exprimiu-se, levando a interpretações às vezes errôneas – seu
grau de “racionalidade”. A particularidade do direito europeu, assim como suas afinidades
com o capitalismo, encontram-se menos contidas nas condições materiais do que nas formas
de organização jurídica e nas resultantes características formais do processo jurídico. As com-
parações de Weber entre os sistemas jurídicos europeus e os de civilizações tais como a China
não se concentraram na presença ou ausência de tipos específicos de regras jurídicas, ainda
que esse aspecto não fosse ignorado. Em vez disso, ele se preocupou com questões como se
a organização jurídica é diferenciada ou misturada com relação à administração política e à

FGV DIREITO RIO 38


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

religião, se o direito é visto como um conjunto de regras estabelecidas pelo homem ou como
um corpo recebido de tradições invariáveis, se as decisões jurídicas são determinadas por
regras gerais pré-existentes ou se são tomadas numa base ad hoc, e se as regras são universal-
mente aplicáveis a todos os membros de uma sociedade ou se existem leis específicas para
grupos diferentes.
O sistema jurídico europeu era singular em todas essas dimensões. Diferentemente
dos sistemas jurídicos de outras grandes civilizações, a organização jurídica européia era
altamente diferenciada. Os Estados europeus separavam o direito de outros aspectos da
atividade política. Existiam grupos de advogados profissionalmente especializados. As regras
jurídicas eram conscientemente produzidas e o processo legislativo era relativamente livre
da interferência direta de influências religiosas ou de outras fontes de valores tradicionais.
As decisões concretas eram baseadas na aplicação de regras universais e a tomada de decisões
não era sujeita a constante intervenção política.
Por isso, Weber acreditava que o direito europeu era mais “racional” que os sistemas
jurídicos de outras civilizações, isto é, era mais diferenciado (ou autônomo), construído
conscientemente, geral e universal. Mas ele também tentou demonstrar que nenhuma outra
civilização havia sido capaz de desenvolver esse tipo de ordem jurídica. O direito europeu
era o resultado da interação de muitas forças. Sua forma final foi moldada não somente por
características particulares da história jurídica ocidental (especialmente a tradição jurídica
romana e alguns aspectos da organização jurídica medieval), mas também por aspectos
generalizados e muitas vezes únicos na vida religiosa, econômica e política do Ocidente.
As outras civilizações por ele estudadas não possuíam essa herança especial e deixaram de
desenvolver o pensamento religioso, as estruturas políticas e os interesses econômicos que
facilitaram o crescimento do direito “racional” na Europa.
O não-desenvolvimento por outras civilizações do direito “racional” ajuda a explicar a
razão de só na Europa o capitalismo moderno e industrial ter podido desenvolver-se. Weber
acreditava que esse tipo de capitalismo necessitava de uma ordem jurídica com um grau
relativamente alto de “racionalidade”. Já que tal sistema jurídico era próprio do Ocidente,
o estudo comparativo de sistemas jurídicos ajudou a responder à pergunta básica de Weber,
sobre as causas do surgimento do capitalismo na Europa. (...)

1) Variações na Racionalidade Jurídica: Os tipos de pensamento jurídico.

(...) O próprio Weber classificou sistemas jurídicos segundo categorias distintas, de- * Nota: isto é, a racionalidade
se distingue em racionalidade
pendendo de como o direito era tanto produzido quanto descoberto. O direito pode ser formal e racionalidade mate-
encontrado ou produzido tanto racional quanto irracionalmente. Pode ser tanto formalmen- rial (esta também chamada
de racionalidade substantiva).
te quanto materialmente irracional, quanto formalmente ou materialmente racional. Final- A irracionalidade, também,
mente, o direito formalmente racional pode ser “formal” tanto “extrinsecamente” quanto pode ser formal ou material.
A racionalidade formal, por
“logicamente”.* sua vez, pode ser extrínseca
ou lógica. Tente entender --- o
Portanto, existem duas dimensões principais de comparação: o quanto um sistema é que o texto procura fazer --- o
formal e o quanto é racional. Se analisarmos esses termos, descobriremos que “formalidade” que essas categorias procuram
explicar e quais suas caracterís-
pode ser considerada como o emprego critérios de decisão intrínsecos ao sistema jurídico e, ticas básicas. Note que Weber
assim, mede o grau da autonomia do sistema, enquanto que “racionalidade” significa seguir não se preocupa muito com
as formalidades extrínsecas ou
algum critério de decisão que seja aplicável a todos os casos, medindo, portanto, a universali- tangíveis (selos, ritos, pronún-
cia de palavras simbólicas etc.),
dade e a generalidade das regras aplicadas pelo sistema. A relação entre a tipologia de Weber as quais não são analisadas
e os conceitos de diferenciação e generalidade pode ser demonstrada no seguinte quadro: neste estudo.

FGV DIREITO RIO 39


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Quadro I - A tipologia dos sistemas legais classificados pela formalidade e racionalidade


do processo de tomada de decisões
Grau de generalidade das normas jurídicas
Baixa Alta
Irracionalidade Racionalidade
Grau de Alta
Formal Lógico-Formal
diferenciação das
normas jurídicas Irracionalidade Racionalidade
Baixa
Material Material

As decisões formalmente irracionais são associadas a decisões proféticas ou revelações.


As decisões são anunciadas sem nenhuma referência a um padrão geral ou mesmo aos inte-
resses das partes em disputa. Os critérios para decisão são intrínsecos ao sistema legal, mas
não são observáveis; o observador não pode, de forma alguma, prever a decisão ou entender
de que forma chegou-se a ela.
Decisões materialmente irracionais aplicam critérios observáveis, mas esses são sempre
baseados em considerações concretas, éticas e práticas, dos casos específicos. É possível com-
preender as decisões, depois de tomadas, mas a não ser que surja um sistema de precedentes,
é difícil fazer alguma generalização a partir dos casos concretos.
Decisões materialmente racionais empregam um conjunto de critérios gerais, porém
extrínseco ao sistema jurídico – religião e ideologias políticas são exemplos de tais sistemas
extrínsecos. Na medida em que conhecemos os princípios fundamentais do sistema de pen-
samento extrínseco, é possível entender racionalmente como o sistema funcionará. Mas isso
só se mostra verdadeiro até um certo ponto, já que a maneira segundo a qual os preceitos do
sistema extrínseco serão traduzidos para o sistema jurídico pode variar. Portanto, ainda que
esse tipo seja mais capaz de formular regras gerais que os dois antecedentes, é menos provável
que o faça do que no sistema lógico-formal de racionalidade. Em comparação com esse quar-
to tipo (o do sistema lógico-formal de racionalidade), esses outros três tipos de sistemas jurí-
dicos, portanto, apresentam um baixo grau de diferenciação, um baixo grau de generalidade
das leis, ou ambos. Como resultado, é difícil prever os tipos de decisão a que chegarão.
Isso não é verdadeiro em relação ao direito europeu, que Weber identificou com a
racionalidade lógico-formal. Esse tipo de sistema combina um alto grau de diferenciação
jurídica com um substancial apoio em regras gerais pré-existentes para a determinação de
decisões jurídicas. Certamente essas duas características estão profundamente interligadas.
O que Weber quis dizer com “racionalidade lógico-formal”? E por que razão ela leva a
regrais gerais, universalmente aplicadas? O pensamento jurídico é “racional” na proporção
em que se baseia (i) em alguma justificação que transcenda o caso particular e (ii) em regras
pré-existentes e claras; é “formal” na medida em que os critérios de decisão são intrínsecos
ao sistema jurídico; e “lógico” no sentido de que regras ou princípios são interpretados
conscientemente por modelos especializados de pensamento jurídico que se baseiam numa
sistematização altamente lógica e as decisões dos casos específicos são alcançadas através de
procedimentos lógicos e dedutivos especializados, derivados de regras ou princípios previa-
mente estabelecidos. Já que, em tal sistema, as decisões jurídicas só podem ser baseadas em
princípios legais previamente estabelecidos e já que o sistema requer que esses sejam cui-
dadosamente elaborados, normalmente através de codificações, as decisões jurídicas serão
baseadas em regras e essas serão gerais e derivadas de fontes jurídicas autônomas. (...)

FGV DIREITO RIO 40


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) A relação entre a estrutura política e o sistema jurídico: os tipos de dominação e os tipos de leis.

(...) Em sua sociologia política, Weber construiu tipos ideais de sistemas políticos ou formas de “domi-
nação” (autoridade legítima). Esses tipo ou forma são organizados de acordo com a pretensão básica que esses
sistemas ou regimes apresentam para que suas ordens sejam obedecidas. A classificação é feita pelas típicas
condições de legitimidade, a justificação primária que os regimes oferecem para seu poder sobre outros. Weber
selecionou esse aspecto dos sistemas políticos como base para sua classificação, pois, achava ele, ele constitui a
base de diferenças muito significativas na estrutura empírica de dominação.
Weber identificou três formas ideais ou puras de legitimação, chamadas de dominação tradicional, caris-
mática ou legal. Membros de uma organização social podem tratar ordens como legítimas porque (i) estão de
acordo com costumes imutáveis, porque (ii) emanam de um indivíduo com características extraordinárias ou
exemplares, ou porque (iii) têm base no direito.
(...) Weber estabeleceu uma relação íntima entre os tipos de dominação e os tipos de “pensamento jurídi-
co”. A dominação jurídica é baseada na racionalidade lógico-formal, que pode existir apenas no contexto dessa
dominação. Ele sugeriu, ainda, que enquanto o direito evoluiu para um direito moderno, racional, também
evoluiu a forma de dominação em direção ao estado moderno, uma criação e criatura desse tipo de direito.
(...) Diz-se existir dominação jurídica quando as seguintes condições prevalecem: (1) Existem normas
pré-estabelecidas de aplicação genérica; (2) existe uma crença de que o corpo das leis é um sistema consistente
de regras abstratas e que a administração do direito consiste na aplicação dessas regras a casos particulares e é
limitada a essas regras; (3) os “superiores” estão também sujeitos a uma ordem impessoal; (4) a obediência é ao
próprio direito e não a alguma outra forma de ordenamento social; e (5) a obediência é devida somente dentro
de esferas delimitadas racionalmente (a jurisdição).
Portanto, o conceito particular de “direito” contido na noção da racionalidade lógico-formal está incluído
como um dos elementos essenciais de um sistema de dominação jurídica. Ao mesmo tempo, somente a racio-
nalidade lógico-formal pode manter o “sistema consistente de regras abstratas” necessário à dominação jurídica.
Nenhum outro tipo de pensamento jurídico pode criar normas gerais e sistemáticas e garantir que elas, e somen-
te elas, irão determinar os resultados das decisões jurídicas.
(...) A irracionalidade formal (magia e revelações) não conhece a noção de regras gerais. A irracionalidade
material é orientada casuisticamente e importa-se somente com a justiça peculiar da situação individual. A ra-
cionalidade material, por outro lado, é de alguma forma governada por regras – por isso é “racional” – mas essas
são os princípios de algum conjunto de pensamentos localizados fora do direito, como religiões, filosofias éticas
ou ideologias. Esse tipo de direito será constantemente tentado a alcançar resultados específicos, ditados pelas
premissas de valor desse conjunto externo de princípios, que não são nem gerais nem previsíveis.
Weber salientou a relação entre a dominação jurídica e o direito europeu descrevendo os outros tipos de
dominação. Assim como o direito formalmente racional é necessário para criar a situação sob a qual a domi-
nação possa ser racionalmente legitimada, também outras formas de legitimação desencorajam o surgimento
do direito racional. “O tradicionalismo coloca sérios obstáculos no caminho das regulações formal-racionais...”
Em sociedades tradicionais, de acordo com Weber, não se pode ter um direito específico, aplicado com vistas a
objetivos definidos (legislação), já que tal procedimento seria inconsistente com a pretensão do governante de
legitimidade. Ordens serão somente obedecidas se puderem ser relacionadas com princípios eternos e imutáveis.
Além disso, o governante tradicional precisar basear qualquer regulação concreta da economia em valores ab-
solutos, úteis, voltados para o bem-estar social. Isso é verdadeiro porque, enquanto sua legitimidade tem como
base princípios tradicionais, a dominação bem sucedida requer que também mantenha o bem-estar econômico
se seus súditos. Uma situação como essa, concluiu Weber, “rompe o tipo de racionalidade formal que é voltado
para uma ordem jurídica técnica”. A autoridade carismática também desencoraja o surgimento do direito racio-
nal moderno. Weber observou que a autoridade burocrática (ou jurídica) “é especificamente racional no sentido

FGV DIREITO RIO 41


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

de submeter-se a regras analisáveis intelectualmente, enquanto a autoridade carismática é especificamente irra-


cional no sentido de não se submeter a qualquer regra”. (...)
O quadro a seguir mostra a relação entre o direito e os tipos de estrutura política (dominação), indicando
o grau de discricionariedade que o sistema oferece aos governantes e o grau relativo de calculabilidade (previsibi-
lidade) das regras que governam a vida econômica. A estrutura política determina o tipo de ordem jurídica que
pode prevalecer e, portanto, afeta a função econômica que ela pode ter.

Quadro II - Administração, Direito e Regulação Econômica sob os tipos puros de dominação.

Tipo de Dominação
Tradicional Carismática Jurídica
Indivíduos considerados
Obediência devida a Indivíduos designados por Regras promulgadas e formuladas
extraordinários e dotados de
práticas tradicionais de acordo com critérios racionais
poderes excepcionais
Origem em promulgação racional.
Originar-se do líder Toda lei é conscientemente
Origem tradicional. Toda
carismático. Toda lei é “interpretada” através de técnicas
lei é considerada como
Direito legitimado por declarada pelo líder e lógicas por uma autoridade que
parte de normas pré-
considerada como julgamento é estabelecida pelo direito e
existentes
divino ou revelação. que age de acordo com regras
jurídicas.
Empírico-tradicional. O Geral / Racional. Casos decididos
Orientado casuisticamente/
Natureza do processo processo de decisão feito por regras formais e princípios
Revelatório. Julgamentos
judicial e forma de caso a caso. (precedentes abstratos, justificados pela
concretos caso a caso,
justificação das decisões podem ou não ser racionalidade do processo
justificados como revelações.
considerados) decisório.
Patrimonial. Funcionários
Não há administração Burocrática. Administração
recrutados através de laços
estruturada. Seleção ad hoc de altamente estruturada através
Estrutura da tradicionais. As tarefas são
funcionários através de suas de profissionais em sistema
administração alocadas de acordo com
qualidades carismáticas, com hierárquico com jurisdição
a discricionariedade do
tarefas indiferenciadas. racionalmente delimitada.
superior.
Grau de
discricionariedade do
Alto Alto Baixo
governante
Calculabilidade
(previsibilidade) das
regras que governam a Baixa Baixa Alta
economia

FGV DIREITO RIO 42


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 3:

Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três
modalidades de aplicação do direito.

Item A. “Definição de termos isolados, comparação com situações exemplares e


consideração dos objetivos da Lei”.
– Caso do Lixo na Praia (anexo)

FGV DIREITO RIO 43


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

MEMORANDO INTERNO*

Data: 22 de fevereiro de 2006.


Para: Estagiários da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro
De: Ilmo. Sr. Procurador-Geral do Município do Rio de Janeiro
Ref.: Possíveis Violações à Lei de Limpeza Urbana do Município

1. Em atenção à solicitação do Sr. Representante dos Agentes Municipais de Limpeza,


solicito sua análise das questões abaixo.
2. A Assembléia Legislativa do Município do Rio de Janeiro, há três semanas, aprovou
a Lei 4.104/2004 (“Lei de Limpeza Urbana”), contendo a seguinte disposição:

“Art. 83. Deixar lixo em lagoas, praias, mar, oceano ou outras áreas de proteção am-
biental, sujeitará o infrator a multa inicial, no valor de R$ 200,00, independentemente de
outras sanções.”

3. A Lei de Limpeza Urbana foi publicada na semana passada. Desde então, graças ao
sistema de vigilância eletrônica da Praia de Ipanema, instalado em 2003 e monitorado pelo
19o Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, agentes municipais de limpeza registra-
ram cinco diferentes possíveis violações da referida Lei, em razão de terem sido deixados os
seguintes itens nos trechos cobertos pelas câmeras:

⋅ Um anel de brilhante**;
⋅ Uma lata de cerveja vazia;
⋅ Uma escultura de areia pintada, representando a Santa Ceia;
⋅ Uma pilha de conchas (do tipo usado para preparar “cascas de siri”);
⋅ Um livro, do autor Paulo Coelho, lido e sublinhado.

4. O sistema de vigilância permite a identificação de rostos por intermédio das câ-


meras, pela medição da distância entre os olhos, nariz e boca. Os cinco possíveis infratores
já foram identificados e a Prefeitura pretende multá-los, caso a Procuradoria entenda pela
aplicação da Lei 4.104/2004 em cada um dos casos. Assim, tendo em vista nossa reunião
agendada para 02/3/2005, peço-lhe que esteja preparado para discutir qual (is) desses itens
viola(m) a disposição legal mencionada, e por quê.
5. Anexos, para facilitar sua formulação sobre os casos, a exposição de motivos da
Lei de Limpeza Urbana do Município e excerto de livro de autoria do eminente jurista e
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eduardo Espínola (em co-autoria com Eduardo
Espínola Filho), que costumo utilizar em minhas próprias petições.

* Os dados e referências in-


ANEXO AO MEMORANDO cluídos nesse memorando são
fictícios.
** Embora a perícia ainda não
1 – Exposição de Motivos da Lei Municipal de Limpeza Urbana: tenha determinado em defi-
nitivo a natureza do brilhante,
uma análise preliminar indicou
“O Rio de Janeiro, com sua paisagem natural peculiar, de praias e montanhas, possui enor- se tratar de pedra preciosa,
me potencial turístico. No ano de 2000, o volume da circulação de bens e serviços relacionados provavelmente diamante.

FGV DIREITO RIO 44


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

ao turismo cresceu 35% em relação ao ano anterior, chegando a um total de R$660 milhões.
Nos últimos três anos, contudo, esse crescimento vem diminuindo drasticamente. Em janeiro de
2003, estava próximo de 5%.
Recente estudo da ONG Cidade Maravilhosa, dedicada à promoção do turismo no Rio de
Janeiro, aponta como uma das causas dessa queda a descaracterização da paisagem carioca, em
especial das praias. Segundo o relatório da organização, ainda que toda e qualquer espécie de
lixo ou poluição prejudique as condições do turismo da cidade, o lixo ‘visível’ – objetos ou dejetos
deixados na orla ou no mar – tem um efeito muito mais nocivo sobre a imagem do Rio de Janeiro
do que a poluição “invisível” das águas.
Os maiores responsáveis por esse tipo de poluição são os próprios usuários das praias. Nesse
sentido, é preciso educar nossa população e mesmo os visitantes para utilizarem as inúmeras latas
de lixo já instaladas em toda a extensão da orla carioca. A presente lei visa a colaborar com esse
intuito, punindo com multa o abandono de lixo de qualquer espécie nas praias do município do
Rio de Janeiro.”

2 – Trecho doutrinário sobre aplicação do direito ao caso concreto

“47 – Investigação da norma jurídica para sua aplicação. Para que o direito passe
da teoria à prática, para que o preceito abstrato da norma jurídica se mude em preceito concreto,
diante de uma situação em que se chocam interesses contraditórios, há mister que: I – o estado
de fato, objeto da controvérsia, seja fixado; II – a norma jurídica a aplicar seja determinada;
III – seja pronunciado o resultado jurídico, que deriva da subordinação do estado de fato aos
princípios jurídicos. (...)
A aplicação do direito reclama a consideração de duas questões diferentes. Uma delas é de
fato, consistindo em verificar as circunstâncias e os elementos, que determinam e singularizam o
caso concreto. A outra, de direito, e o seu fim é precisar a norma jurídica reguladora da situação
de fato apresentada, para o que, acabamos de ver, é necessário se investigue a existência da norma
jurídica, abrangendo (...) e a explicação do sentido, isto é, a interpretação. (...)
Verificada a existência da questão de fato, sobre que se controverte, o juiz, a quem as partes
interessadas levaram o conhecimento da espécie, com comprovada exposição da situação deter-
mina, portanto, a norma jurídica a que deve fazer-se a subsunção do caso concreto, e, fixando
a existência da mesma, decide, após explicar-lhe o sentido e o conteúdo, se tal norma se ajusta a
esse caso, pronunciando o resultado jurídico, que se traduz, precisamente, na subordinação do
estado de fato ao princípio jurídico. Assim, toda a atividade desenvolvida no processo tem, como
finalidade última, a aplicação da norma jurídica ao caso concreto, isto é, a própria realização
do direito. (...)
(-------)
Choca à consciência jurídica da atualidade, como sendo mais do que um absurdo, como
sendo verdadeira monstruosidade --- o entendimento acanhado, retrógrado e pernicioso, que, em
1841, expunha BLONDEAU à Academia de Ciências Morais e Políticas de Paris --- pleiteando
que, se o juiz se achar diante de uma lei ambígua, absolutamente insuficiente, ou de leis contra-
ditórias, sem que o pensamento do legislador se manifeste em torno do ponto a decidir, deva, antes
de proceder à interpretação, rejeitar a ação, por inexistência de lei.
Hoje, ao invés, a verdade que --- seria inqualificável denegação de justiça deixar o juiz de
decidir, a pretexto ou por motivo de não haver texto claro de lei, ou de resultar dúvida, ambi-

FGV DIREITO RIO 45


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

güidade, incerteza do existente e, mesmo, de inexistir uma norma de direito positivo, faltando,
também regra de direito consuetudinário (...).
Tal como sucede no regime de qualquer desses Códigos [cujo regime é o mesmo da nossa Lei
de Introdução ao Código Civil], nunca ocorrerá, entre nós, ao juiz, escusar-se de dar solução ao
litígio, por inexistente, omissa, ambígua, obscura, indecisa, dúbia, a lei.”*

* Texto adaptado de: A Lei


de introdução ao Có-
digo civil brasileiro:
(Dec.Lei nº 4.657, de
4 de setembro de
1942, com as altera-
ções da Lei nº 3.238,
de 1º de agosto de
1957, e leis posterio-
res): comentada na
ordem de seus arti-
gos, por Eduardo Espínola
e Eduardo Espínola Filho; e
atualizada por Silva Pacheco.
3ª edição [e.p.1943] – Rio de
Janeiro, Renovar, 1999.

FGV DIREITO RIO 46


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 4:

Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de
aplicação do direito.

Item B. “Estupro”.
– Arts. 213 e 224 do Código Penal (anexos);
– Jurisprudência (anexa)
– Primeiro Grupo (casos 1 a 3)
– Segundo Grupo (casos 1 a 3 e Casos Complementares [4 a 11])

Código Penal:

[estupro]
“Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 10 (dez) anos.”

[presunção de violência]
“Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil
mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas):

[caso 1.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro Real. Pressupõe o sincero dissenso da mu-
lher. Não existe, portanto, quando a relação sexual foi consentida. Palavra da ofendida. Se declara que depois
de uma resistência inicial tirou ela mesma sua roupa e aceitou passivamente que o réu se deitasse por cima delas
ainda juntos do mato, (...) Tais circunstâncias demonstram que não houve a caracterização do estupro” TJRS.
Ap. Crime nº686044900. 2ª Cam. Crime. Rel. Ladislau Fernando Rohnelt. J. 13.11.1986.

[caso 2.] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Estupro. Absolvição. Inexistência de prova continua de
resistência da suposta ofendida. Consentimento tácito. Valor probatório do Inquérito Policial. O devido Proces-
so Penal. Absolvição. 1. A conjunção carnal na configuração típica é a realização do coito praticado por pessoas
de sexo oposto, não se exigindo que o ato seja completo, mas que a ´introductio penis intra vas´ ocorra contra a
vontade da ofendida, mediante o emprego da violência real ou presumida; 2. Se foi a própria “ofendida”, antiga
companheira do réu-apelante, que marcara o encontro ao lado do matagal, não oferecendo qualquer resistência
(física ou psicológica), e ainda de forma indireta, colaborara no sentido a afugentar seu atual namorado para
que fugisse do local e ludibriado convocara agentes da autoridade para “socorrê-la” e, após, em sede judicial
não se mostrou jamais revoltada, retornando inclusive a conviver com o namorado enganado, nada aduzindo
sobre o fato, demonstra o consentimento da ofendida em bem disponível que é causa de exclusão da ilicitude;
3. Contudo, a suposta vítima não foi constrangida, praticando o coito por sua livre vontade, razão pela qual
inexiste violação de sua liberdade sobre seu corpo e seu prazer sexual. Trata-se, pois, de fato atípico pela ausência
do elemento subjetivo do tipo. 4. Recurso provido” TJRJ. ACr 140/95. 2ª C.Crim. Rel. Des. Álvaro Mayrink
da Costa. J. 29.08.1995.

FGV DIREITO RIO 47


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

[caso 3.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro. Prova de Violência. Para a caracterização da
coação do ato sexual, não se deve exigir provas de uma violência física, pois integra o tipo a violência moral ou
ameaça. Além disso, não se pode impor à mulher que seja heróica, levando a resistência às últimas conseqüências,
para a configuração do seu dissenso. Não consente a mulher que se entrega ao estuprador por exaustão de suas
forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência” (RJTJERGS).

Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas):

[caso 1.] “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA FICTA. CONSENTI-


MENTO. VÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO. DELITO. 1. No estupro ficto (art. 224, “a”, do Código Penal),
com exigência do dolo direto ou eventual sobre a idade da vítima, afastando - em conseqüência - a tese da
responsabilidade objetiva, o consentimento da ofendida não descaracteriza a prática do delito. Precedentes. Re-
curso especial conhecido e provido.”. Este julgamento corrigiu o decisum que havia sido prolatado pelo TJSC,
2ª Câmara Criminal, rel. Des. Jorge Mussi, nos seguintes termos: “CRIME CONTRA OS COSTUMES”
– ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA PELA IDADE DA VÍTIMA (PRATICAMENTE 13 ANOS)
– OFENDIDA COM COMPLEIÇÃO FÍSICA DE MULHER, QUE ADMITE HAVER SE RELACIONA-
DO SEXUALMENTE COM OUTROS DOIS HOMENS ANTES DOS FATOS E QUE, APESAR DE SUA
IDADE, NÃO SE APRESENTA INGÊNUA OU INOCENTE, MAS SIM CONSCIENTE DE SEUS ATOS
– NATUREZA RELATIVA DA FICÇÃO LEGAL RECONHECIDA – DÚVIDAS, ADEMAIS, QUANTO
AO SINCERO DISSENSO OU À SUMISSÃO DA MENOR À VONTADE DO PADRASTO (TEMOR
REVERENCIAL) – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO RÉU QUE SE IMPÕE – ABSOLVI-
ÇÃO DECRETADA – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. Nos crimes de estupro, praticados contra me-
nores de quatorze anos, a presunção de violência é absoluta somente se a vítima for recatada, inocente e ingênua
no campo sexual, hipótese em que pode ser facilmente enganada e iludida pelo agente. Se, ao contrário, a menor
possuir uma maturidade sexual acima da média da sua idade, tornando-a capaz de discernir acerca de sua con-
duta e conseqüências desta, a presunção desta, a presunção do art. 224, alínea a, do CP, passa a ser relativa.
Comprovado o desenvolvimento sexual da menor ofendida e havendo dúvidas quanto ao seu sincero
dissenso ou à sua submissão à vontade do padrasto (temor reverencial), outra solução não resta senão absolver
o acusado, com fundamento no art. 386, VI, do CPP” REsp nº 324.161, Sexta Turma, rel. Min. Fernando
Gonçalves, julgado em 4.2.2003.

[caso 2.] “Estupro. Reconhecimento da Violência Presumida. Impossibilidade. Jovem madura com idade
próxima ao limite legal. É induvidoso que, nos dias atuais, não se pode mais afirmar que uma jovem, na pré-adoles-
cência, continue como na década de 40, a ser uma insciente das coisas do sexo. Na atualidade, o sexo deixou de ser
um tema proibido, para se situar em posição de destaque na família, onde é discutido livremente por causa da AIDS,
nas escolas, onde adquiriu o “status” de matéria curricular e nos meios de comunicação de massa, onde se tornou
assunto corriqueiro. A quantidade de informações, de esclarecimentos, de ensinamentos sobre sexo flui rapidamente
e sem fronteiras, dando as pessoas, inclusive as de menos de 14 anos de idade, uma visão teórica da vida sexual,
possibilitando-a a rechaçar as propostas de agressões que nessa esfera se produzirem-se a uma consciência bem clara
e nítida da disponibilidade do próprio corpo. Sob pena do conflito da lei com a realidade social, não se pode mais
excluir completamente, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da ofendida, de seu consentimento, sob
o pretexto de que continua não podendo dispor livremente de seu corpo, por faltar-lhe capacidade fisiológica e psico-
ética” TJRS. Apel. Criminal nº 698248671. 6ª C.Crim. Rel. Sylvio Baptista Neto. J. 15.10.1998.

[caso 3.] “Sob pena de conflitarem lei e realidade social, não se pode mais afirmar que se exclui completamen-
te, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da pessoa ofendida, de seu consentimento sob o pretexto de

FGV DIREITO RIO 48


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

continua não podendo dispor livremente do seu corpo, por faltar-lhe capacidade biológica e psico-ética. A pressão
exercida pela realidade social tem sido de tal ordem que a presunção de violência decorrente das circunstâncias
da ofendida dispor de idade inferior de 14 anos se relativizou (...) Em decorrência do exposto, a tais situações de
relativização da presunção deve ser acrescida uma outra, ou seja, exclui-se a presunção de violência quando a pessoa
ofendida, embora com menos de 14 anos de idade, deixa claro e patente ter maturidade suficiente para exercer a
sua capacidade de auto-determinar-se no terreno da sexualidade. Se dela partir a iniciativa ou a provocação do ato
sexual, ou se ela adere prontamente ao convite de caráter sexual, que o agente lhe dirige, constitui um verdadeiro
contra senso entender que sofreu uma violência”. TJSP. Ap. Crime nº 93117-3. Rel. Des. Márcio Bartoli.

Casos Complementares:

[caso 4.] ”Estupro. Menor de Quatorze Anos. Violência Relativa. O entendimento prevalecente, na juris-
prudência e na doutrina, é no sentido de que a presunção de violência prevista no CP, Art. 224, “a” é relativa,
cedendo diante da prova contrária” STJ. RESP. nº 161.284-RS. Rel. Min. Edson Vidigal. J. 21.03.2000.

[caso 5.] ”Estupro. Violência Presumida. Absolvição. Consentimento. Se a vítima consentiu no ato sexual
e tendo conhecimento do assunto, já que fora alertada pela mãe da possibilidade de engravidar e sobretudo por-
que freqüentava barzinhos à noite com outras adolescentes, demonstrando que não era moça ingênua e recatada,
deve prevalecer a sentença absolutória que afastou a ´inocentai consilii´, que é relativa” TJMS. Acr. nº 58.753-3.
2ª T. Rel. Des. Carlos Stephanini. J. 10.06.1998.

[caso 6.] “Estupro. Menor de Quatorze Anos. Presunção de Violência. Consentimento. Consoante o
entendimento pretoriano, na hipótese de crime de estupro cometido contra menor de 14 anos, nem mesmo o
consentimento da vítima ou a sua anterior experiência elidem a presunção de violência” STJ. HC nº 9.056. 6ª
Turma. Rel. Min. Fernando Gonçalves. J. 30.06.1999.

[caso 7.] “(...) É incabível a alegação de que houve o consentimento por parte da vítima, eis que sendo esta
menor de 14 (quatorze) anos, a violência é presumida”. TJDFT. Ap. Crime nº 1999085003969-4. 1ª Turma.
Re. Des. Otávio Augusto. J. 24.02.2000..

[caso 8.] “Estupro. Presunção de Violência. Vítima menor de 14 anos de idade. Sequer elide a presunção
de violência o alegado fato do consentimento da vítima quanto à relação sexual. A violência ficta, prevista no
art. 224, letra “a”, do Código Penal, é absoluta e não relativa” STF. HC nº 72.575-9. 2ª Turma. Rel. Min. Néri
da Silveira. J. 04.08.1995.

[caso 9.] “Estupro Ficto. Menor de quatorze anos de idade não possui discernimento para, com vontade
válida, entregar-se sexualmente ...” TJRS. Ap. Crime nº 694006651. 1ª C.Crim. Rel. Guilherme Oliveira de
Souza Castro. J. 30.03.1994.

[caso 10.] “Estupro. Se a ofendida é menor de 13 anos de idade não pode consentir e se consentir não e
válido” TJRS. Ap. Crime nº 686049156. 1ª C.Crim. Rel. Paulo David Torres Barcellos. J. 09.09.1987.

[caso 11.] “Estupro. Violência Presumida Confirmada. Vítima Menor de 14 anos de Idade. Falta de cons-
ciência plena para validar com seu consentimento o ato que cometeu. Sentença recorrida amparada na provados
autos. Recurso improvido a unanimidade” TJSE. ACr 008/94. Ac. 0406/94. C.Crim. Rel. Des. Rinaldo Costa
e Silva. DJSE 26.05.1994.

FGV DIREITO RIO 49


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 5:

Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de
aplicação do direito.

Item C. “Propriedade e Função Social”.


– Jurisprudência (anexa)
– Primeiro Grupo (casos 1 a 4)
– Nota Breve Sobre Processo Expropriatório
– Segundo Grupo (casos 1 a 4)
– Legislação:
– Constituição Federal:
Arts. 1º, 3º, 5º (inc. XXII, XXIII, LIV e LV), 170, 182, 183, 184, 185 186
– Código Civil de 1916
Arts. 75, 77, 78, 159, 524, 589, 620, 675 e 1518 (e correlatos no Código Civil de 2002)
– Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993
Arts. 2º, 5º, 6º 9º e 12

Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas):

[caso 1.] [inteiro teor do acórdão transcrito abaixo]


APELAÇÃO CÍVEL N. 212.726-1-4 - SÃO PAULO

EMENTA
Ação reivindicatória. Lotes de terreno transformados em favela dotada de equipamentos urbanos. Função
social da propriedade. Direito de indenização dos proprietários. Lotes de terreno urbanos tragados por uma
favela deixam de existir e não podem ser recuperados, fazendo, assim, desaparecer o direito de reivindicá-los. O
abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio
constitucional da função social da propriedade. Permanece, todavia, o direito dos proprietários de pleitear inde-
nização contra quem de direito.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos...
Acordam, em 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar
provimento ao Recurso dos réus, prejudicado o Recurso Adesivo, de conformidade com o relatório e o voto do
Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Osvaldo Caron (Presidente) e Walter Theodósio,
com votos vencedores.
São Paulo, 16 de dezembro de 1994
José Osório, Relator
Ação reivindicatória referente a lotes de terreno ocupados por favela foi julgada procedente pela r. sentença
de fls., cujo relatório é adotado, repelida a alegação de usucapião e condenados os réus na desocupação da área,
sem direito a retenção por benfeitorias e devendo pagar indenização pela ocupação desde o ajuizamento da
demanda. As verbas da sucumbência ficaram subordinadas à condição de beneficiários da assistência judiciária
gratuita.

FGV DIREITO RIO 50


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Apelam os sucumbentes pretendendo caracterizar a existência do usucapião urbano, pois incontestavel-


mente todos se encontram no local há mais de 5 (cinco) anos, e ocupam áreas inferiores a 200 (duzentos) metros
quadrados, sendo que não têm outra propriedade imóvel. Subsidiariamente, pretendem o reconhecimento da
boa-fé e consequentemente direito de retenção por benfeitorias e, alternativamente, ainda, o deslocamento do
dies a quo de sua condenação da data da propositura da demanda para a data em que se efetivou a citação.
Os autores contra-arrazoam, levantando preliminar de intempestividade do Recurso e, no mérito, pugnan-
do pela manutenção da sentença; e interpõem Recurso Adesivo, pretendendo a execução imediata das verbas de
sucumbência em que foram condenados os réus.
O Recurso Adesivo também foi respondido.
O Relator determinou diligência a respeito da publicação de sentença.
É o relatório.
O Recurso é tempestivo. Conforme se vê de cópia do DOU, de 30.11.1992, constaram da publicação
da sentença apenas os nomes dos advogados dos autores. O Doutor Procurador da Assistência Judiciária, que
defende os réus, tomou ciência da decisão somente em 20.1.1993.
Apresentado o Recurso em 26.1, é ele tempestivo.
A alegação da defesa de já haver ocorrido o usucapião social urbano, criado pelo artigo 183 da CF/88, não
procede, porquanto, quando se instaurou a nova ordem constitucional, a ação estava proposta havia 3 (três)
anos.
Ainda assim, o Recurso dos réus tem provimento.
Os autores são proprietários de 9 (nove) lotes de terreno no Loteamento..., subdistrito..., adquiridos em
1978 e 1979. O loteamento foi inscrito em 1955. A Ação Reivindicatória foi proposta em 1985.
Segundo se vê do laudo e das fotografias de fls., os 9 (nove) lotes estão inseridos em uma grande favela, a
‘Favela..., perto do Shopping...
Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 (vinte) anos. Está dotada, pelo Poder
Público, de pelo menos 3 (três) equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. As fotos de
fls. mostram algumas obras de alvenarias, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira, etc., tudo a
revelar uma vida urbana estável, no seu desconforto.
O objeto da Ação Reivindicatória é, como se sabe, uma coisa corpórea, existente e bem definida. Veja-se,
por todos, Lacerda de Almeida:

“Coisas corpóreas em sua individualidade, móveis ou imóveis, no todo ou em uma quota-parte, constituem
o objeto mais freqüente do domínio, e é no caráter que apresentam de concretas que podem ser reivindicadas (...)”
(Direito das coisas, Rio de Janeiro, 1908, p. 308).

No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção.
Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração
jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urba-
nos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os 9 (nove) lotes reivindi-
cados residem 30 (trinta) famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis
sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos,
comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel.
A diligente perita, em hercúleo trabalho, levou cerca de 4 (quatro) anos para conseguir localizar as duas
ruas em que estiveram os lotes, Ruas... e... Segundo a perita:

“A Planta Oficial do Município confronta com a inexistência da implantação da Rua... a qual foi indicada em
tracejado”.

FGV DIREITO RIO 51


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Na verdade, o loteamento, no local, não chegou a ser efetivamente implantado e ocupado. Ele data de
1955. Onze anos depois, a planta aerofotogramétrica da... mostra que os 9 (nove) lotes estavam coberto por
“vegetação arbustica”, a qual também obstruía a rua... Inexistia qualquer equipamento urbano.
Mais de 6 (seis) anos e a planta seguinte (1973) indica a existência de muitas árvores, duas das quais no
leito da rua. Seis barracos já estão presentes. Essa prova casa-se com o depoimento sereno do Padre M.B.:

“Foi pároco no local até 1973, quando já havia o início da favela do... Ausentou-se do local até 1979. Quando
lá retornou, encontrou a favela consolidada”.

Por aí se vê que, quando da aquisição, em 1978/1979, os lotes já compunham favela.


Loteamento e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro do con-
texto urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por força de uma certa erosão social, deixam de
existir como loteamento e como lotes.
A realidade concreta prepondera sobre a “pseudo-realidade jurídico-cartorária”. Esta não pode subsistir,
em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um cataclismo, se uma erosão física, provocada pela
natureza, pelo homem ou por ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade.
É o que se vê no artigo 589 do Código Civil, com remissão aos artigos 77 e 78.
Segundo o artigo 77, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do artigo 78, I e III, entende-se
que pereceu o objeto do direito quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; e quando fica em
lugar de onde não pode ser retirado.
No caso dos autos, os lotes já não apresentam suas qualidades essenciais, pouco ou nada valem no comér-
cio; e não podem ser recuperados, como adiante se verá.
É verdade que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente.
Para o direito, contudo, a existência física da coisa não é o fator decisivo, consoante se verifica dos men-
cionados incisos I e III do artigo 78 do CC. O fundamental é que a coisa seja funcionalmente dirigida a uma
finalidade viável, jurídica e economicamente.
Pense-se no que ocorre com a denominada desapropriação indireta. Se o imóvel, rural ou urbano, foi
ocupado ilicitamente pela Administração Pública, pode o particular defender-se logo com Ações Possessó-
rias ou dominiais. Se tarda e ali é construída uma estrada, uma rua, um edifício público, o esbulhado não
conseguirá reaver o terreno, o qual, entretanto, continua a ter existência física. Ao particular, só cabe Ação
Indenizatória.
Isto acontece porque o objeto do direito transmudou-se. Já não existe mais, jurídica, econômica e social-
mente, aquele fragmento de terra do fundo rústico ou urbano. Existe uma outra coisa, ou seja, uma estrada ou
uma rua, etc. Razões econômicas e sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel.
Por outras palavras, o jus reivindicandi (art. 524, parte final, do CC) foi suprimido pelas circunstâncias
acima apontadas.
Essa é a Doutrina e a Jurisprudência consagradas há meio século no Direito brasileiro.
No caso dos autos, a retomada física é também inviável.
O desalojamento forçado de 30 (trinta) famílias, cerca de 100 (cem) pessoas, todas inseridas na comuni-
dade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza ético-
social, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito.
É uma operação socialmente impossível.
E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível.
Ensina L. Recaséns Siches, com apoio explícito em Miguel Reale, que o Direito, como obra humana que
é, apresenta sempre três dimensões, a saber:

FGV DIREITO RIO 52


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

“A) Dimensión de hecho, la cual comprende los hechos humanos sociales en los que el Derecho se gesta y se
produce; así como las conductas humanas reales en las quales el Derecho se cumple y lleva a cabo.
B) Dimensión normativa (...).
C) Dimensión de valor, estimativa, o axiológica, consistente en que sus normas, mediante las cuales se trata de
satisfacer una série de necessidades humanas, esto intentan hacerlo con las exigencias de unos valores, de la justicia y
de los demás valores que esta implica, entre los que figuran la autonomía de la persona, la seguridad, el bien común
y otros.
(...) pero debemos precatarnos de que las tres (dimensiones) se hallan reciprocamente unidas de un modo
inescindible, vinculadas por triples nexos de esencial implicación mutua” (Introducción al estudio del derecho,
México, 1970, p. 45).

Por aí se vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável do conteúdo do ético-social


do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se revela impossível do ponto de vista social é igualmente
impossível do ponto de vista jurídico.
O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao
proprietário pelo artigo 524, do CC.
A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se con-
cebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva
paralelamente a ela.
As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal.
Ao mesmo tempo em que manteve propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social
(arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; etc.).
Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo,
as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da
Administração.
O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos
no artigo 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse
(social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva,
Direito constitucional positivo, 5. ed., p. 249-250, com apoio em autores europeus.
Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, ca-
bendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos.
No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma
anti-social. O loteamento pelo menos no que diz respeito aos 9 (nove) lotes reivindicados e suas imediações – fi-
cou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em
1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978-1979, a favela já estava consolidada.
Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar tal
comportamento de proprietários.
O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Perma-
nece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito.
Diante do exposto, é dado provimento ao Recurso dos réus para julgar improcedente a ação, invertidos os
ônus da sucumbência, e prejudicado o Recurso dos autores. (FIM DO ACÓRDÃO DO CASO 1)

[caso 2.] (ementa). “Área ocupada há longo tempo - Favela: Nada obstante o respeito que a tese da destina-
ção social da ocupação do imóvel urbano para fins residenciais, empolgante, por sem dúvida, possa merecer, sua
aplicação é inaceitável em face do Direito vigente. Aplicá-la ao arrepio da lei importaria, em verdade, transposição
para o campo do Direito Civil da figura do uti possidetis do Direito Internacional, via do qual se reconheceria ao

FGV DIREITO RIO 53


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

posseiro ou mero ocupante a garantia da posse por decorrência de suposta soberania oriunda exclusivamente do
fato da ocupação. A questão, se é grave no aspecto social e está a merecer atenção e solução, em caráter urgente,
pelo Poder competente, não pode ser decidida senão segundo os critérios que disciplinam a posse, seus efeitos e
sua proteção.” RT 565/105.

[caso 3.] “(...) 1. O caso em exame envolve grave problema social, o qual não compete ao Poder Judiciário
resolvê-lo, por não se encontrar na esfera de suas atribuições e sim determinar o cumprimento da lei, inclusive de
norma constitucional que assegura o direito de propriedade. (...)”TJ/PR, Pedido de Intervenção n° 0014086-9,
Catanduvas, Ac. n° 2028, Órgão Especial unân., j. 01.07.94, DJPR, 15.08.94, p. 28.

[caso 4.] “Deferir-se em favor de quem não tem direito a posse de um imóvel somente porque se trata
de uma vila popular, para obviar-se uma crise social e porque não é moralmente justo, é praticar-se o confisco
através da jurisdição. E o confisco aberra à lei, ao direito e à justiça. Com a devida vênia, a pior das ditaduras é a
ditadura do Judiciário. No momento em que o Judiciário se contrapõe ao ordenamento jurídico, para realizar a
reforma social de que este país está necessitando, subverte a ordem jurídica que lhe cumpre defender e extrapola
os limites de sua função.” TA/RS, Emb. Infr n° 100287119, 1° Grupo Cível, j. 18.11.83, voto vencido.

Nota Breve sobre Processo Expropriatório (por Livia Fernandes)

O segundo grupo de casos, abaixo, trata de processos de expropriação, para fins de reforma agrária. De ma-
neira bem resumida, a desapropriação ou expropriação é a retirada, regulada em lei, de um bem de um particular
para, ao destiná-lo ao poder público, atender a interesse da comunidade (por exemplo, assentando famílias).
Atualmente, apenas imóveis rurais improdutivos de grande extensão ou pertencentes a proprietários de ou-
tros imóveis rurais podem ser desapropriados. O processo expropriatório exige, entre outros requisitos, vistoria
prévia comprobatória da ociosidade da propriedade (este requisito é discutido nos acórdãos indicados). A expro-
priação do imóvel somente ocorrerá mediante uma indenização prévia, justa e em títulos da dívida agrária.
Alguns dos principais requisitos legais de processos expropriatórios, mencionados nos casos, estão transcri-
tos no item sobre “LEGISLAÇÃO” abaixo.

Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas):

[caso 1.] “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE


SOCIAL. DECLARATÓRIA. LEI 8629/93. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NULIDADE ATO
ADMINISTRATIVO. ART. 5º, LV, CF/88. LEGITIMIDADE UNIÃO. - À UNIÃO, ATRAVÉS DO IN-
CRA, É CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE O PODER DE DESAPROPRIAR POR INTERES-
SE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. O INCRA AGIU POR DELEGAÇÃO DA UNIÃO,
PORTANTO, HÁ DE SE PRESUMIR SUA LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. O PARÁGRAFO
2º, DO ART. 2º, DA LEI 8629/93, DETERMINA A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA AO PROPRIETÁRIO, A
FIM DE ASSEGURAR A ESTE O DIREITO DE ACOMPANHAR OS PROCEDIMENTOS PRELIMI-
NARES PARA O LEVANTAMENTO DOS DADOS FÍSICOS PARA QUE SE POSSA DESAPROPRIAR
UM IMÓVEL. - A NOTIFICAÇÃO É PRÉVIA E NÃO PODE SER DURANTE OU DEPOIS DA VISTO-
RIA. O CONHECIMENTO PRÉVIO QUE SE DÁ AO PROPRIETÁRIO É DIREITO FUNDAMENTAL
DO CIDADÃO, E SUA AUSÊNCIA OCASIONA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
E DA AMPLA DEFESA GARANTIDOS NO ART. 5º, LV, DA CARTA MAGNA. - APELAÇÕES NÃO

FGV DIREITO RIO 54


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

CONHECIDAS. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. (TRF 5ª Região. AC 220016. – 1ª T. - Rel. Desembar-


gadora Federal Margarida Cantarelli . DJ 06.07.01, p. 303).

[caso 2.] MS 22613-7 PE (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FAL-
TA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓ-
RIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DE-
FERIDO. 1. A desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a
que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar
aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados
físicos objeto da pretensão desapropriatória. 2. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubs-
tancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do
contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 3. Não se considera prévia a notificação entregue ao
proprietário do imóvel no mesmo dia em que se realiza a vistoria. Mandado de Segurança deferido.

[caso 3.] MS 22.319-7 (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA
DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO
E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERI-
DO. 1. A propriedade selecionada pelo órgão estatal para o fim de desapropriação por interesse social visando à
reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de
25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimen-
tos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. O conhecimento
prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua
ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 2. Não se
considera prévia a notificação entregue ao administrador do imóvel “quando da vistoria.” 3. Na falta da notifica-
ção prévia como preliminar do processo, o edito de expropriação por interesse social para os efeitos de reforma
agrária torna-se plenamente nulo.

[caso 4.] MS 22193-3. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO


A QUE SE REFERE O § 2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA:
INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. TERRA PRODUTIVA. COMPROVAÇÃO MEDIANTE LAU-
DO DO PRÓPRIO INCRA OFERECIDO EM PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO ANTERIOR E
POSTERIORMENTE NÃO CONSUMADO. VERIFICADO QUE O IMÓVEL RURAL É PRODUTIVO
TORNA-SE ELE INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO PARA OS FINS DE REFORMA
AGRÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
Resumo do caso: O STF concedeu mandado de segurança que considera nulo decreto expropriatório que
determinava a desapropriação do latifúndio de Antônio Southal, em São Gabriel/ RS. Por oito votos a dois, o
STF decidiu contra a desapropriação. A maioria dos votos entendeu que a vistoria do INCRA que precede o
procedimento de desapropriação não foi precedido de notificação ao proprietário tornando nulo todo o processo
de desapropriação, que culminou no decreto. A maioria dos juízes do STF entendeu que a discussão sobre a pro-
dutividade das terras não era relevante para a decisão.Os alunos lerão: Ementa e Acórdão (2 páginas). Relatório
e voto da Ministra Ellen Gracie (exceto página 631-2 do processo, que tratam das preliminares) (22 páginas).
Voto do Ministro Carlos Britto (contrário à desapropriação) (14 páginas).

FGV DIREITO RIO 55


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal

TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou direta-
mente, nos termos desta Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for-
mas de discriminação.

TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Cons-
tituição; (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o con-
traditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...)

TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e Financeira
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;

FGV DIREITO RIO 56


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucio-
nal nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente-
mente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (...)

CAPÍTULO II
DA POLÍTICA URBANA
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme di-
retrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de orde-
nação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada
pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

CAPÍTULO III
DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão, e cuja utilização será definida em lei.

FGV DIREITO RIO 57


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.


§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a
União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o
processo judicial de desapropriação.
§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante
de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis
desapropriados para fins de reforma agrária.
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua
outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cum-
primento dos requisitos relativos a sua função social.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo cri-
térios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916) - Vigência até 10 de janeiro de 2003

Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. (ver artigo 189, CC/2002)
Art. 77. Perece o direito, perecendo o seu objeto.
Art. 78. Entende-se que pereceu o objeto do direito:
I - quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico;
II - quando se confunde com outro, de modo que se não possa distinguir;
III - quando fica em lugar de onde não pode ser retirado.
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. (ver artigos 186 e 927, CC/2002)

Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do
poder de quem quer que injustamente os possua. (ver artigo 1.228, caput, CC/2002)
Art. 589. Além das causas de extinção consideradas neste Código, também se perde a propriedade imóvel:
I - pela alienação;
II - pela renúncia;
III - pelo abandono;
IV - pelo perecimento do imóvel.
§ 1º Nos dois primeiros casos deste artigo, os efeitos da perda do domínio serão subordinados a transcrição
do título transmissivo, ou do ato renunciativo, no registro do lugar do imóvel.
§ 2º O imóvel abandonado arrecadar-se-á como bem vago e passará ao domínio do Estado, do Território
ou do Distrito Federal se se achar nas respectivas circunscrições; (Redação da Lei nº 6.969, de 10.12.1981)
a)10 (dez) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona urbana;

FGV DIREITO RIO 58


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

b) 3 (três) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona rural.


(ver artigos 1.275 e 1.276, CC/2002)
Art. 590. Também se perde a propriedade imóvel mediante desapropriação por necessidade ou utilidade
pública.
§ 1o Consideram-se casos de necessidade pública:
I - a defesa do território nacional;
II - a segurança pública;
III - os socorros públicos, nos casos de calamidade;
IV - a salubridade pública.
§ 2o - Consideram-se casos de utilidade pública:
I - a fundação de povoações e de estabelecimentos de assistência, educação ou instrução pública;
II - a abertura, alargamento ou prolongamento de ruas, praças, canais, estradas de ferro e, em geral, de
quaisquer vias públicas;
III - a construção de obras, ou estabelecimentos destinados ao bem geral de uma localidade, sua decoração
e higiene;
IV - a exploração de minas
Art. 620. O domínio das coisas não se transfere pelos contratos antes da tradição. Mas esta se subentende,
quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório (art. 675). (ver artigo 1.267, CC/2002)
Art. 675. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos,
só se adquirem com a tradição (art. 620). (ver artigo 1.226, CC/2002)
Art. 1.518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação
do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação. (ver
artigo 942, CC/2002)

Artigos correspondentes no CÓDIGO CIVIL de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) - vigência a partir
de 10 de janeiro de 2003

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos
a que aludem os arts. 205 e 206.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação
do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vi-
vos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do
ar e das águas.

FGV DIREITO RIO 59


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam ani-
mados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade
pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área,
na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela hou-
verem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o
preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto pos-
sessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou
quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.
Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados
ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em
seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três
anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como
bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de
posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

LEI N. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais
relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.)

Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropria-
ção, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.
§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que
não esteja cumprindo sua função social.
§ 2º Para fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no
imóvel de propriedade particular, para levantamento de dados e informações, com prévia notificação (Vide Me-
dida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01).
§ 3º Na ausência do proprietário, do preposto ou do representante, a comunicação será feita mediante
edital, a ser publicado, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado de loca-
lização do imóvel. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01).
Art. 5º A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel rural que não cumpra sua função social,
importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária. (...)

FGV DIREITO RIO 60


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge,
simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão
federal competente.
§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80%
(oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável
total do imóvel.
§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e
será obtido de acordo com a seguinte sistemática:
I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de
rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo ín-
dice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente
utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.
§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:
I - as áreas plantadas com produtos vegetais;
II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado
pelo Poder Executivo;
III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos
pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;
IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições esta-
belecidas pelo órgão federal competente;
V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes
(Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01) (...)
§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso
fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão compe-
tente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.
Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e
critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de
eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei.
§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz res-
peitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio
natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da
propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis
trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrenda-
mento e parceria rurais.
§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o
atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e
não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

FGV DIREITO RIO 61


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

§ 6º (Vetado.)
Art. 12. Considera-se justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio,
do valor do bem que perdeu por interesse social. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)
1º A identificação do valor do bem a ser indenizado será feita, preferencialmente, com base nos seguintes
referenciais técnicos e mercadológicos, entre outros usualmente empregados:
I - valor das benfeitorias úteis e necessárias, descontada a depreciação conforme o estado de conservação;
II - valor da terra nua, observados os seguintes aspectos:
a) localização do imóvel;
b) capacidade potencial da terra;
c) dimensão do imóvel.

FGV DIREITO RIO 62


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 6:

Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de
aplicação do direito.

Item D. “Serviço Público”.


– Legislação:
– Constituição Federal:
Arts. 9, parágrafo 1º, Art. 175 parágrafo único
– Código do Consumidor
Arts. 3º, 22, 42 e 71
– Lei 8987/95
Art. 6º, par. 3º, inc. II e Art. 7º, “a”
– Lei 9427/97
Art. 17
– Lei 7783/89
Art. 10
– Jurisprudência (casos 1 a 5, anexos)

FGV DIREITO RIO 63


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Constituição Brasileira:

“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a


oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade. (...)”

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o ca-
ráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

Lei 8.078/90 - Código do Consumidor – “Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá


outras providências”

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou


estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante re-
muneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias


ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequa-
dos, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações re-
feridas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos
causados, na forma prevista neste código.”

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridí-
culo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição
do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção mo-
netária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

“Art. 61. Constituem crimes contra as relações de consumo previstas neste código,
sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos
seguintes. (...)

FGV DIREITO RIO 64


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações
falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificada-
mente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.”

Lei 8.987/95 – Lei de Concessões – “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços
públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências”
“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos
usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua con-
servação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou
após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”

“Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações
dos usuários:
I - receber serviço adequado; (...)”

Lei 9.427/96 – Lei de Instituição da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) – “Institui a Agência Nacio-
nal de Energia Elétrica - ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e
dá outras providências”

“Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que pres-
te serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de
quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.
Parágrafo único. O Poder Público que receber a comunicação adotará as providências administrativas para
preservar a população dos efeitos da suspensão do fornecimento de energia, sem prejuízo das ações de responsa-
bilização pela falta de pagamento que motivou a medida.

Lei 7.783/89 – “Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendi-
mento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências”

“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:


I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

FGV DIREITO RIO 65


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI – compensação bancária.”

Jurisprudência (ementas):

[caso 1.] STJ . RESP 337965 / MG ; RECURSO ESPECIAL. 2001/0098419-1 Data do Julgamento:
02/09/2003. DJ 20.10.2003 p.00244 (Relatório e Voto – Eliana Calmon e dois votos vista): ADMINISTRATI-
VO - SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA - PAGAMENTO À EMPRESA CONCESSIONÁRIA
SOB A MODALIDADE DE TARIFA - CORTE POR FALTA DE PAGAMENTO: LEGALIDADE. 1. A re-
lação jurídica, na hipótese de serviço público prestado por concessionária, tem natureza de Direito Privado, pois
o pagamento é feito sob a modalidade de tarifa, que não se classifica como taxa. 2. Nas condições indicadas, o
pagamento é contra prestação, e o serviço pode ser interrompido em caso de inadimplemento. 3. Interpretação
autêntica que se faz do CDC, que admite a exceção do contrato não cumprido. 4. A política social referente
ao fornecimento dos serviços essenciais faz-se por intermédio da política tarifária, contemplando eqüitativa e
isonomicamente os menos favorecidos. 5. Recurso especial improvido.

[caso 2.] STJ. RESP Nº 617.588 - SP (2003/0235399-9). (Relatório e Voto) ADMINISTRATIVO.


CORTE DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE
.1. A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG, assentou o entendimento de que é lícito à conces-
sionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica
permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II). 2. Ademais, a 2ª
Turma desta Corte, no julgamento do RESP nº 337.965/MG entendeu que o corte no fornecimento de água,
em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela Lei nº 8.987/95. 2.
Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia
elétrica - como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade
e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos
posto essenciais para a sua vida, curvo-me ao posicionamento majoritário da Seção. 3. Em primeiro lugar, en-
tendo que, hoje, não se pode fazer uma aplicação da legislação infraconstitucional sem passar pelos princípios
constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da
República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal. 4. Não estamos tratando de uma
empresa que precisa da energia para insumo, tampouco de pessoas jurídicas portentosas, mas de uma pessoa
miserável e desempregada, de sorte que a ótica tem que ser outra. Como disse o Sr. Ministro Francisco Peçanha
Martins noutra ocasião, temos que enunciar o direito aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Penso
que tínhamos, em primeiro lugar, que distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e
o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. É mister fazer tal distinção, data
máxima venia. 5. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte considerado o inte-
resse da coletividade, que significa não fazer o corte de energia de um hospital ou de uma universidade, não o
de uma pessoa que não possui 40 reais para pagar sua conta de luz, quando a empresa tem os meios jurídicos
legais da ação de cobrança. A responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre patrimônio devedor
e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa! 6. No meu modo de ver, data maxima venia das opiniões
cultíssimas em contrário e sensibilíssimas sob o ângulo humano, entendo que ‘interesse da coletividade’ refere-se
aos municípios, às universidades, hospitais, onde se atinge interesse plurissubjetivos. 7. Por outro lado, é preciso
analisar que tais empresas têm um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, evidentemente.

FGV DIREITO RIO 66


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Pelo que se houve falar, e os fatos notórios não dependem de prova, a empresa recebe mais do que experimenta
tais inadimplementos. Tenho absoluta certeza que, dos dez componentes da Seção, todos pagamos a conta de
luz diuturnamente. Então, é uma forma da responsabilidade passar do patrimônio do devedor para sua própria
pessoa. 8. Com tais fundamentos, e também outros que seriam desnecessários alinhar, sou radicalmente contra
o corte do fornecimento de serviços essenciais de pessoa física em situação de miserabilidade e absolutamente
favorável ao corte de pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e protela a prestação da sua obrigação, apro-
veitando-se dos meios judiciais cabíveis. 9. Recurso especial provido, por força da necessidade de submissão à
jurisprudência uniformizadora.

[caso 3.] STJ RESP 525500 AL Decisão:16/12/2003 DJ:10/05/2004 (Ementa): ADMINISTRATIVO


- SERVIÇO PÚBLICO - CONCEDIDO - ENERGIA
ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA. 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade
de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como
segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários deter-
minados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água
e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública
indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95,
que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público. 3. Os serviços prestados por concessionárias são
remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa,
esta, remuneração do serviço público próprio.4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque
prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no
art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na
Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento,
quebra o princípio da igualdade da partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts.
42 e71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso especial provido.

[caso 4.] RESP 278532 RO Decisão:16/11/2000 DJ:18/12/2000


Ementa: NÃO É POSSÍVEL O CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AO MU-
NICÍPIO INADIMPLENTE (unânime)

[caso 5.] RESP Nº 291.158 - PB (2000/0128219-0)


Ementa: POSSIBILIDADE DE CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM
CASO DE INADIMPLEMENTO DO MUNICÍPIO, EXCETO QUANDO FOR REALIZADO DE MA-
NEIRA INDISCRIMINADA CAUSANDO PREJUÍZO À POPULAÇÃO LOCAL. NECESSIDADE DE
INDIVIDUALIZAÇÃO DAS UNIDADES CONSUMIDORAS INADIMPLENTES 2ª T - RESP 291158
PB Decisão:04/03/2004 DJ:14/06/2004 (unânime)

FGV DIREITO RIO 67


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

IV - Questões de Apoio às Leituras

Módulo I

Item “A”:

– Habeas Corpus n° 82.424/RS


1) Quais são as partes e os fatos do caso? Que condutas do “paciente” estão sendo analisadas?
2) Quais são as normas jurídicas mencionadas no Acórdão?
3) O que está sendo decidido? Quais são as questões controvertidas?
4) Houve decisões anteriores do mesmo caso? Quais foram?
5) Os ministros do STF, em seus votos, divergem tanto em suas opiniões sobre os assuntos debatidos quanto
em qual seria o aspecto principal a ser discutido. Em relação a cada um dos ministros, responda:
a) Quais foram as questões controversas expostas pelo ministro?
b) Como ele as decidiu?
c) Em relação a elas, que justificativas ele utilizou?
6) Você concorda com a decisão do caso? Como Você justifica seu entendimento?

Item “B”:

– Lon Louvois Fuller, “As Reformas do Rei Rex, ou Oito Maneira de Não Fazer Direito”
1) Por que, segundo Fuller, o rei Rex fracassa em sua tentativa de construir um sistema jurídico?
2) O que significa dizer que os elementos a seguir são condições necessárias de um sistema jurídico? Tente
explicar cada um deles com suas palavras:
a. Generalidade e abstração das regras
b. Publicidade das regras
c. Não-retroatividade das regras
d. Inteligibilidade do enunciado das regras
e. Coerência ou ausência de contradições no conjunto de regras
f. Possibilidade da conduta prevista na regra
g. Estabilidade das regras
h. Congruência entre a regra e sua aplicação

– Max Weber – Trechos selecionados de “Economia e Sociedade”


1) Segundo Weber, quais são os cinco postulados centrais da ciência jurídica na atualidade? Indique quais são
e procure explicar cada um com suas próprias palavras, com apoio do HC 82.424 e ao texto “As Reformas
do Rei Rex”.
2) Como se deu o processo da “racionalização” descrito por Weber?
3) De que formas as características formais do direito contribuem para assegurar relativamente maior liber-
dade aos indivíduos e grupos?
4) Qual é a importância de garantir que o indivíduo possa prever as conseqüências legais de seus atos?

– David Trubek – Trecho selecionado de “Weber on law and the rise of capitalism”
1) Segundo Trubek, o que Weber chama de graus de racionalidade do direito? E graus de formalidade? Que
elementos caracterizam esses parâmetros de análise do direito?

FGV DIREITO RIO 68


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) Segundo Trubek, que características da racionalidade lógico-formal a diferenciam dos outros três tipos de
racionalidade?
3) As categorias de análise de Weber ajudam a esclarecer elementos da discussão do HC 82.424/RS?

Módulo II

Item “A” – Caso do Lixo

Pense sobre a solicitação do Procurador Geral do Município e como Você a responderia.

Item “B” - Estupro

– Primeiro conjunto de decisões


1) No caso 1, como decidiu o juiz? Baseado em que justificativa?
2) Caso 2: Em que consiste “conjunção carnal”, prevista no tipo penal? Qual seria, então, a diferença entre a
“conjunção carnal” e o “estupro”?
3) Ainda em relação ao caso 2, para o juiz, que fatos demonstram o consentimento da ofendida?
4) Caso 3: Para o juiz, por que não é necessária a prova de violência física?
5) Em cada um dos casos, de que termo específico da lei tenta-se encontrar o sentido?
6) Além da definição de termos isolados do texto da norma, que outros elementos os juízes não levaram em
conta em cada caso, e que, se levados em conta, poderiam ter levado a decisões diferentes? Pense nas dis-
cussões realizadas em sala de aula durante a discussão do caso do lixo na praia.

– Segundo conjunto de decisões


1) Na opinião do desembargador relator Jorge Mussi, a presunção legal de inocência é absoluta ou relativa?
O que quer dizer isso?
2) Houve dúvida acerca do fato de ter havido realmente resistência, por parte da supostamente ofendida.
Como decidiu o tribunal? Por quê?

Item “C” – Propriedade e Função Social

- Primeiro conjunto de decisões


1) Caso 1: Por que a reapropriação, na opinião do desembargador, é inviável?
2) “... o abandono da propriedade por mais de vinte anos caracteriza um exercício anti-social do direito de
propriedade”. O que Você pensa dessa afirmação? Como as normas jurídicas citadas afetam sua resposta?
3) No segundo caso apresentado, quais os dois princípios ou direitos confrontados? Qual deles é considerado
mais importante? Justifique sua resposta.
4) No terceiro caso, afirma-se que, apesar de se tratar de um grave problema social “Não cabe ao Judiciário
resolvê-lo”. Que problema é esse e por que não caberia ao Judiciário resolvê-lo?
5) Como decidiu o órgão julgador, nesse terceiro caso?
6) Caso 4: Compara-se, em certo momento, a usucapião ao confisco. Explique essa comparação.

– Segundo conjunto de decisões


1) Por que se considera nulo o processo de desapropriação sem a notificação prévia, segundo as argumenta-
ções apresentadas?

FGV DIREITO RIO 69


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) Qual a importância dessa notificação ser prévia?


3) No caso 4, outra discussão é considerada importante, a da produtividade da proprie-
dade. Qual a diferença entre essa consideração e os critérios considerados relevantes
nas decisões anteriores?

Item “D” – Serviços Públicos

1) Segundo a decisão do STJ, o serviço de fornecimento de água pode ou não ser inter-
rompido? Em que casos? Por quê?
2) Explique a analogia feita entre o fornecimento de água e o de energia elétrica. Essa
analogia lhe parece plausível?
3) Caso 2: Segundo a decisão, é lícito interromper o fornecimento de energia, desde que
cumprido um requisito. Qual é ele? Entretanto, no caso, um princípio constitucional
sobrepõe-se a essa interrupção lícita, segundo entendimento exposto na decisão. Qual
é ele?
4) O ministro relator diferencia uma “pessoa miserável e desempregada” de uma empresa
inadimplente. Essa diferença é juridicamente importante?

FGV DIREITO RIO 70


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

V. Organização dos Módulos III e IV

a. Objetivos e Organização do Módulo III

O Módulo I do curso propicia um primeiro contato com decisões judiciais, suas características básicas e
seus contextos peculiares. O Módulo II aborda três maneiras conhecidas de “traduzir” fatos em categorias jurí-
dicas relevantes para a decisão.
As discussões do Módulo III, por sua vez, serão organizadas em três momentos:
a) O primeiro momento (dogmática e decisão) trata da chamada “dogmática jurídica”, uma prática dis-
cursiva que surge em determinado momento na história e opera a partir de certos pressupostos e objetivos,
relacionados ao trabalho do profissional do direito e à tarefa de decidir conflitos;
b) O segundo momento (conceitos operacionais básicos) será voltado para o aprendizado e discussão de
certos conceitos utilizados pela dogmática e pelos profissionais do direito. Este segundo momento será organi-
zado em torno de três núcleos temáticos, correspondentes ao estudo de:
i. o conceito de normatividade (as idéias de causalidade e imputação) e os tipos de norma jurídica;
ii. relação jurídica e conceitos correlatos (direito subjetivo, dever, pessoa etc.); e
iii. ordenamento (fontes do direito, validade, vigência, eficácia, lacunas e antinomias).
c) O terceiro momento (regras, princípios e propósitos) discutirá diferentes formas de regulação de con-
duta no direito brasileiro.
Com relação à matéria do Módulo III, são indicadas, a seguir, leituras específicas para cada tópico.
Neste ponto do curso, alguns alunos podem se valer, de maneira mais sistemática, de certos livros-base
ou manuais de introdução ao estudo do direito, como apoio e referência ao estudo da matéria. Em princípio,
existem muitos livros de introdução ao estudo do direito e os professores não recomendam nenhum livro-base
em particular. Contudo, a quem insiste em pedir, costumamos sugerir, pela qualidade e importância, o livro
Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação, de Tercio Sampaio Ferraz Jr., e os livros
Teoria da Norma Jurídica e Teoria do Ordenamento Jurídico, de Norberto Bobbio. Esses livros tratam da
maior parte dos tópicos que abordaremos. De fato, utilizaremos capítulos de ambos nas leituras (no caso de
Tercio, especialmente o cap. 3 quanto ao primeiro momento do Módulo e o capítulo 4 quanto ao segundo),
embora não exclusivamente estes. Infelizmente, por motivos alheios à nossa vontade, esses textos não poderão
ser digitalizados.
Como antes, Você será orientado, conforme o andamento das aulas, sobre a passagem de um tópico a outro
do programa, de maneira a permitir a sua preparação prévia.

b. Objetivos e Organização do Módulo IV

Os textos discutidos neste módulo visam a oferecem diferentes opções de como entender o direito uma
vez que reconhecemos como um problema central da teoria jurídica a idéia de que o juiz não consegue simples-
mente deduzir, de maneira automática, o resultado de um caso concreto. Mas todos pressupõem, em diferentes
graus, que tal reconhecimento não nos leva necessariamente a acreditar que o juiz toma decisões por motivação
estritamente “ideológica” ou “política”, se por esses termos se entende uma opção arbitrária.
O reconhecimento da indeterminação na resolução de controvérsias leva a uma série de questões impor-
tantes como: como pode o juiz legitimamente resolver controvérsias? O juiz consegue resolver controvérsias
jurídicas “usando somente o direito”? Como se pode justificar uma atividade como a dogmática jurídica? O juiz
deve guiar seus julgamentos a partir de ideais que ele acredita estarem expressos no direito? Quais vocabulários
devem informar a avaliação do juiz sobre diferentes opções (jurídicas) de resolução de certo caso?

FGV DIREITO RIO 71


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Os textos estudados neste Módulo não serão mais textos dogmáticos. Serão textos de filosofia do direito
que discutem o problema da racionalidade das decisões jurídicas. Tais textos não se preocupam primariamente
com a elaboração de categorias que viabilizem a tomada de decisão, mas articulam a questão da racionalidade
das decisões, problema com o qual nos defrontamos de diversas formas ao longo do curso até agora, com dife-
rentes concepções do direito. Além disso, eles expressam diferentes projetos teóricos e podem ser melhor com-
preendidos se os entendermos não apenas como diferentes descrições de um mesmo objeto, mas como diferentes
idéias sobre como e por que “descrever” o direito.
A forma como os textos deste Módulo serão abordados é diferente da forma como os textos dogmáticos
foram abordados nos itens anteriores: nossos objetivos principais serão tanto a “entender o que o autor quer di-
zer” (isto é, quais suas idéias centrais e quais argumentos as sustentam) quanto a “refletir sobre o que ele diz” (as
idéias são convincentes? quais seus pontos fracos? como o autor responderia?). Ao longo das aulas, buscaremos
entender, também, não apenas o argumento do autor, mas mostrar com quais idéias esse argumento dialoga,
que tipo de crítica pode ser feita a cada um desses argumentos e explicar o tipo de atividade intelectual em que
o autor está engajado. Reflita, ao ler os textos, em que medida as categorias por ele sugeridas nos ajudam a tratar
das questões indicadas acima.
O módulo será organizado em duas partes. Na primeira, serão estudados textos que exemplificam um
estilo peculiar de reflexão sobre o direito: eles expressam uma preocupação com uma descrição do “sistema
jurídico,” que toma a autonomia das “regras jurídicas” como seu elemento primário, que se preocupa em iden-
tificar a relação entre essas normas e forjar categorias que as descrevam. Na segunda, serão estudados textos que
exemplificam outra forma de se pensar sobre o direito, enfatizando a idéia de que o “direito expressa ideais” e
que a tarefa do juiz é dar-lhes concretude, “purificando o direito” por meio de “interpretações reconstrutoras”.
Entenderemos melhor essas duas concepções à medida que as leituras forem se desenvolvendo.

c. Plano de Leituras:

Módulo iii. Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus conceitos básicos?

[a. dogmática e decisão]


1ª Aula:
– Ross, Alf. Tû-Tû. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
– Ferraz Jr, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição, São
Paulo: Atlas, 2003, Capítulo 3.
2ª aula:
- Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, Volume I (Introdução ao Direito Civil; Teoria
Geral de Direito Civil), capítulo I (pp. 1-20). Forense Editora, 1992.
– Bobbio, Norberto. Estado, Governo e Sociedade, Capítulo I (pp. 13-31), Editora Paz e Terra, 1990.

[b. conceitos operacionais básicos]


a. Normatividade e Norma Jurídica
3ª aula:
– Ferraz Jr, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição,
São Paulo: Atlas, 2003. Item 4.1 e seus subitens.
– Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 6a ed., 2000. Capítulo I (Direito e
Natureza): itens 4.a, 4.b e 4.d, pp. 4 a 10 e 16 a 18. Capítulo III (Direito e Ciência): itens 5, 9 e 10,
pp. 86 a 91 e 100 a 110.

FGV DIREITO RIO 72


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

4ª aula:
– Ferraz Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição, São
Paulo: Atlas, 2003, itens 4.2 a 4.2.2, inclusive.
b. Relação Jurídica e seus elementos
5ª aula:
– Lumia, Giuseppe. Teoria da Relação Jurídica (conforme tradução e adaptação a ser fornecida pela Es-
cola).
– Tomasetti Jr., Alcides. Procedimento do direito de domínio e improcedência da ação reivindicatória. Favela
consolidada sobre terreno urbano loteado. Função social da propriedade. In: Revista dos Tribunais, v. 85.
n. 723, janeiro de 1996, pp. 204-223. [Ler o comentário completo]
Leitura opcional:
– Ferraz Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição,
São Paulo: Atlas, 2003, itens 4.2.5.2 a 4.2.5.6, inclusive.
6ª aula:
– Comparato, Fabio Konder. “Sentido e Valor da Pessoa Jurídica” (cap. I da Parte III do livro Poder de
Controle na Sociedade Anônima).
c. Ordenamento
7ª aula:
– Ferraz Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição,
São Paulo: Atlas, 2003, itens 4.3 a 4.3.2, inclusive.
8ª aula:
– Ferraz Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição,
São Paulo: Atlas, 2003, itens 4.3.3 a 4.3.4, inclusive.
Leitura suplementar:
– BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico.10ª ed. Brasília: UNB, 1999, pp. 37 a 70 (Ca-
pítulo 2: A unidade do ordenamento jurídico; 1. fontes reconhecidas e fontes delegadas; 2. tipos de
fontes e formação histórica do ordenamento; 3. as fontes do direito; 4. construção escalonada do or-
denamento; 5. limites materiais e limites formais; 6. a norma fundamental; 7. direito e força).
9ª aula:
– Ferraz Jr., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4ª edição, São
Paulo: Atlas, 2003, itens 4.3.2.2 a 4.3.2.3, inclusive.
Leitura suplementar:
– BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico.10a ed. Brasília: UNB, 1999, pp. 81 a 114 (ca-
pítulo 3: a coerência do ordenamento jurídico; 3. as antinomias; 4. vários tipos de antinomias; 5. cri-
térios para solução das antinomias; 6. insuficiência dos critérios; 7. conflito dos critérios; 8. o dever de
coerência); pp. 115 a 127 e 139 a 160 (capítulo 4: a completude do o.j.; 1. o problema das lacunas; 2. o
dogma da completude; 3. a crítica da completude; 6. as lacunas ideológicas; 7. vários tipos de lacunas;
8. heterointegração e auto-integração; 9. a analogia; 10. os princípios gerais do direito).

[c. regras, princípios e propósitos]


10ª aula:
(leitura prévia a ser indicada posteriormente)

FGV DIREITO RIO 73


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Módulo iv. Concepções de Direito e Racionalidade Jurídica

[a. o direito como um sistema de regras, e o problema da decisão jurídica]


1ª aula:
– Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 387 a 397 (capítulo VIII - “A
Interpretação”).
2ª aula:
– Hart, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Capítulo 7 (“O Formalismo e Cepticismo sobre as Regras”),
pp. 137 a 161.
3ª aula:
– Hart, H.L.A. “Positivismo e a Separação entre Direito e Moralidade”, 71 Harv. L. Rev. 593 (1958) (tre-
chos selecionados – tradução livre para português a ser fornecida pela Escola).

[b. o direito como expressão de ideais e sua interpretação]


a. A identificação do elemento ideal no direito
4ª aula:
– Fiss, Owen. “Objetividade e Interpretação”. In Um Novo Processo Civil: estudos norte-americanos sobre
jurisdição, Constituição e sociedade. São Paulo: RT, 2004, pp. 272 a 308 (trechos selecionados).
b. Interpretação e reconstrução do direito
5ª aula:
– DWORKIN, Ronald. (texto a ser definido)
c. Idealização e doutrina no direito brasileiro
6ª aula:
– Azevedo, Antonio Junqueira de. “Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana”. In Estudos
e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004.
7ª aula (se houver tempo):
– FALCÃO, Joaquim; SCHWARTZ, Luis Fernando; WERNECK, Diego. Jurisdição, Incerteza e Estado
de Direito, 2006 (texto a ser distribuído pela Escola).

d. Questões de Apoio às Leituras

Módulo III

Como uma forma de introdução ao Módulo, pense de que maneira um profissional do direito responderia
às questões abaixo. Que elementos do papel do profissional do direito essas questões suscitam?
1) O morador de uma favela que fizesse um “gato” na rede de luz elétrica poderia ser processado por furto
de energia?
2) José entrega as chaves da sua casa de campo a Luís. Luís tem o direito de vendê-la? O que Você precisaria
saber para responder a essa questão?
3) Leia o caso abaixo e responda as questões que se seguem a ele.

A empresa Sherp Ltda. (“Sherp”) ordena a seu empregado, Mário, que vá à sede da empresa Somy Ltda.
(“Somy”) para buscar uma peça mecânica, a ser instalada em uma máquina que a Sherp utiliza em sua produção
industrial de televisores. Quando Mário chega à sede da Somy, é informado de que a peça está quase pronta e que
ele deve aguardar apenas meia hora para poder recebê-la. Enquanto aguarda, Mário fica batendo papo com um

FGV DIREITO RIO 74


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

conhecido de sua família, Jairo, que trabalha na Somy e que oferece a Mário um copo d’água gelada. Mário aceita
a oferta e Jairo então lhe entrega uma garrafa que estava na geladeira. Mário bebe o líquido da garrafa e, quase ins-
tantaneamente, desmaia. Horas depois, já no hospital, Mário vem a falecer.
Fica posteriormente constatado, mediante perícia, que o recipiente entregue por Jairo a Mario continha um
composto químico de cianeto de sódio com nitrato de prata. Esse recipiente havia sido comprado de uma indústria
química, no dia anterior ao acidente, por um dos donos da Somy, que deixou o recipiente em cima de sua mesa.
O recipiente não identificava tratar-se de composto químico, muito menos letal, e, sendo muito parecido a uma
garrafa d’água, foi posto na geladeira do escritório da Somy pela faxineira noturna da empresa.
A partir de depoimentos no inquérito instaurado pela polícia, o delegado ficou convencido de que Jairo e a
faxineira noturna acreditavam tratar-se de água quando manipularam o recipiente que continha, em realidade, o
composto químico letal.

– Quais são as relações juridicamente relevantes neste caso?


– Pode-se falar em responsabilidade da Sherp, considerando que foi seu empregado quem decidiu “beber
água” enquanto batia papo com um amigo? Como?
– De que maneira se pode falar em responsabilidade da Somy pelo ocorrido (mais especificamente, pelo
ato de Jairo)? Estamos falando das mesmas razões da questão anterior?
– A indústria química “causou” o acidente? Essa pergunta é relevante? Por quê?
– De que maneira se pode dizer que Jairo teve “culpa” no acidente, uma vez que ele só deu o veneno porque
pensou que era água?
– Desenhe um esquema indicando as pessoas envolvidas e as relações específicas, juridicamente relevantes,
entre cada uma delas.
Após pensar sobre essas questões, leia os seguintes artigos e pense se suas respostas às perguntas acima se-
riam afetadas. Suas respostas seriam as mesmas se esses dispositivos legais não estivessem em vigor?

Código Civil, arts. 186, 927, 932 e 933

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que
lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para
fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua
parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

FGV DIREITO RIO 75


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Constituição Federal de 1988, art. 7º, inciso XXVIII

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua con-
dição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este
está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (...)

4) Seu avô é proprietário de um apartamento no Flamengo e, sabendo que Você está estudando direito, faz
as perguntas a seguir:
– Quais são os direitos e deveres que seu avô tem sobre o apartamento?
– Imagine que seu avô decida alugar o apartamento para outra pessoa, Antônio. Quais são os direitos e
deveres que Antônio tem sobre o apartamento? Antônio pode vender o apartamento de Joana?
– Os direitos e deveres de seu avô, que Você indicou anteriormente, mudaram depois da celebração do
contrato de aluguel? Seu avô pode usar o apartamento? Seu avô pode vendê-lo?

Módulo IV

Abaixo, estão indicadas questões de compreensão dos textos que integram o Módulo IV. Algumas questões
são difíceis e demandarão bastante cuidado na leitura dos textos. Não se preocupe se Você tiver que voltar aos
textos para respondê-las e sinta-se confortável para tratar de suas dúvidas em sala.

Item “A” – O Direito como um sistema de regras, e o problema da decisão jurídica

– Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito, capítulo 8 (Interpretação)


1) Como Kelsen sustenta a idéia de que o aplicador do direito tem discricionariedade na aplicação das nor-
mas, apesar de ter seus atos constrangidos e vinculados por normas superiores do ordenamento? Por que
Kelsen afirma que as normas superiores vinculam e determinam as normas inferiores? O que Kelsen quer
dizer com isso? Essa concepção assume uma idéia de hierarquia das normas e a estrutura piramidal do
ordenamento? De que forma as normas superiores vinculam e determinam as normas inferiores? Se os atos
dos aplicadores do direito são vinculados e determinados por normas superiores, onde está o espaço para
a discricionariedade? O que define que sempre haja espaço para discricionariedade?
2) Em que circunstâncias específicas, segundo Kelsen, haverá espaço para discricionariedade? Por que pode-
mos considerar o direito como uma moldura nessas circunstâncias em que há espaço para discricionarie-
dade? Como as leis superiores limitam as escolhas e opções do aplicador do direito? Quando o aplicador
do direito decide entre uma das opções dentro da moldura do direito, o que ele está fazendo? Ele está
escolhendo a decisão certa? Existem uma decisão ou interpretação correta, segundo Kelsen? Se não existe
interpretação correta, por meio de qual processo o aplicador do direito formula sua interpretação? Existe
um processo que seja preferível? Qual é a justificativa que Kelsen usa para afirmar que não há uma inter-
pretação correta das normas jurídicas?
3) O que seria um processo cognitivo de interpretação? O que seria um processo volitivo de interpretação?
Seria o processo de identificação de uma interpretação correta um processo cognitivo? Quais são as con-
seqüências de se afirmar que o processo de interpretação e aplicação de uma norma jurídica é totalmente
cognitivo? Em contraste, o que significa dizer que há atos de vontade no processo de interpretação jurí-
dica? Quais são as conseqüências de se afirmar que o processo de interpretação jurídica é meramente vo-

FGV DIREITO RIO 76


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

litivo, para Kelsen? Por que Kelsen afirma que o processo de interpretação tem uma parte volitiva e outra
cognitiva? Porque a identificação da moldura jurídica é cognitiva para Kelsen? Por que a decisão dada,
dentro da moldura, é volitiva? O professor pode problematizar o conceito de cognição usado por Kelsen
– que reflete uma concepção de mundo e percepção do mundo.
4) Como Kelsen diferencia a interpretação feita pelo aplicador do direito e aquela feita pelo cientista do di-
reito, ou pelo cidadão comum? Para Kelsen, como deve ser a interpretação feita pelo cientista do direito?
Essa interpretação é cognitiva ou volitiva? O que acontece se um jurista decide argumentar a favor de uma
determinada interpretação da norma? Seria isso volitivo ou cognitivo? Quais são as conseqüências de atri-
buir à ciência do direito uma tarefa meramente cognitiva, separando-a do que Kelsen chama da política do
direito? Contra quem Kelsen estava escrevendo? É possível sustentar essa distinção se adotarmos conceitos
distintos de percepção do mundo e cognição?

– Hart, HLA, O conceito de direito, Capítulo 7 (Formalismo e Ceticismo quanto a Regras)


1) Em quais situações Hart acredita haver espaço para discricionariedade na interpretação e aplicação das
normas jurídicas? Ao reconhecer que há casos que não têm uma resposta determinada, a quais fatores Hart
atribui essa indeterminação? Apenas à linguagem? Ou à linguagem e aos objetivos legislativos? Então,
quando lidando com casos em que há espaço para escolhas, o que o juiz ou outro aplicador do direito está
fazendo? Ele está simplesmente escolhendo entre os diferentes significados de uma palavra ou expressão
contida na norma? Se não, qual é o segundo fator levado em consideração e como o operador do direito
deve lidar com eles?
2) Hart identifica duas teorias do direito que respondem à questão da indeterminação das regras jurídicas
de maneira distinta: o formalismo e o ceticismo quanto a regras. Em termos gerais, quais são as posições
dessas duas correntes? Como Hart se opõe a elas? Na argumentação de Hart contra essas duas teorias, ele
expõe o que ele entende ser os objetivos do direito. Quais são esses objetivos e que papel tem essa idéia no
argumento que Hart desenvolve contra as teorias formalistas e o ceticismo quanto a regras?
3) Apesar de reconhecer que há indeterminação das leis em certos casos, Hart afirma que “[ao resolvermos
a incerteza das leis], não devemos ocultar o fato de que tanto o contexto em que elas se encontram e seu
principal produto final é o de regras gerais” Aqui o professor pode explicar o que são regras primárias e
secundárias para Hart. Como essas regras afetam a discricionariedade do aplicador do direito? Qual a
diferença entre o modo como as regras afetam a discricionariedade do aplicador para Hart e Kelsen? Hart
acredita que há uma moldura dentro da qual o juiz deve operar? Se não, por que Hart afirma que a discri-
cionariedade do juiz é limitada pela norma?
4) Por que Hart afirma que um dos erros do formalismo é acreditar que a autoridade do juiz é determinada
com antecedência, de maneira que sua discricionariedade será sempre uma forma de poder legislativo
delegado? Qual é o fundamento das decisões discricionárias para Hart?

– Hart, H.L.A. “Positivism and the Separation between Law and Morals” 71 Harv. L. Rev. 593 (1958)
(trechos selecionados, tradução FGV)
1) O que Hart quer dizer quando ele fala que a aplicação das regras envolve casos nucleares em que o sen-
tido da regra (e, portanto, sua aplicação ou não) é incontroverso e casos em que sua aplicação é incerta
(casos que ele denomina casos na penumbra?) Por que ele afirma que raciocínio dedutivo não resolve
casos na penumbra? Que tipo de raciocínio ele acredita que a resolução desses casos envolve? Que tipo
de critérios podem ser empregados? Até que ponto essa distinção entre casos normais e casos na penum-
bra é convincente? Por exemplo, se alguém recolhe os restos de um almoço e joga na areia da praia, isso
parece ser um caso que normalmente caracterizaria lixo, para os propósitos da norma, ou seria um caso
na penumbra?

FGV DIREITO RIO 77


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) Por que Hart apresenta uma distinção entre o formalismo do jurista e o formalismo do juiz? Qual a di-
ferença entre esses dois tipos de formalismo? Por que a distinção é importante para Hart? Hart critica a
forma como as pessoas caracterizam o formalismo (do juiz) com uma forma lógica de se resolver casos. Por
que ele acha que essa caracterização não é convincente? E quanto à caracterização do formalismo como
interpretação de termos genéricos sem consideração de conseqüências ou regras sociais? Hart diz que faz
mais sentido falar em formalismo como uma questão de se ignorar que se trata de um caso da penumbra.
O que isso significa? Quais as formas pelas quais o formalista fixa o sentido da regra, segundo Hart? Hart
acredita que essa prática formalista é comum na decisão de casos jurídicos? Qual a diferença entre essa sua
visão de formalismo e a caracterização do formalismo como um “uso excessivo da lógica”? Quais outras
concepções de formalismo Hart discute nesse texto?
3) Hart aborda a distinção entre “o direito como ele é” e “o direito como ele deve ser.” Em que consiste essa dis-
tinção? Por que essa discussão é importante para Hart, tendo em vista sua discussão sobre formalismo? Qual
a relação entre essa distinção e processo pelo qual os juízes resolvem controvérsias jurídicas? Por que Hart está
preocupado com essa questão? Como Hart vê a relação entre essa distinção (“o direito como ele é” / “o direito
como ele deve ser” ) e a sua idéia de regras jurídicas? E a distinção entre casos normais e casos da penumbra?
Se o juiz pode fazer a escolha, nos casos de indeterminação jurídica, porque há uma regra que lhe confere
autoridade para tanto, quais devem ser os parâmetros utilizados pelo juiz para fazer tal escolha? Note que a
resposta de Hart diz que uma forma de justificar porque uma determinada decisão é preferível a outra é dizer
que aquilo é o que o direito deve ser. Entretanto, a idéia de que fazer considerações sobre o que o direito deve
ser ao decidir um caso na penumbra é uma coisa. Dizer que essas considerações têm caráter moral é outra.
Então, qual a conseqüência para a idéia de que considerações sobre propósitos feitas pelos juízes devem ser
consideradas “parte do direito numa acepção apropriadamente ampla de direito” e de que “ao invés de dizer
que questões da penumbra nos mostram que regras jurídicas são essencialmente incompletas (...) devemos
dizer que os juízes estão apenas “retirando” da regra o que, se devidamente entendido, está “latente” nela”?
Como isso, se opõe à idéia de que se há indeterminação, necessariamente o juiz está criando regras? Como
isso se articula com a crítica e a defesa do formalismo, tal como Hart apresentou-a no texto?
4) Hart separa a questão sobre “o direito como deve ser” e “o direito como ele é” de outra questão – a distin-
ção entre fatos e valores. Por que ele quer mostrar essa diferença? Quais as posições a respeito da distinção
entre fatos e valores são discutidas no texto? Qual a conclusão de Hart após examinar cada uma delas?

Item “B” - O Direito como expressão de ideais e sua interpretação

[a. a identificação do elemento ideal no direito]

– Fuller, Lon. “Positivism and Fidelity to Law – A Reply to Professor Hart”, 71 Harv. Law Rev. 630
(1958) (trechos selecionados, tradução FGV)
1) Como o texto de Fuller se relaciona com os textos do Hart discutidos anteriormente? Um argumento
central no trecho selecionado é a caracterização do processo de interpretação apresentado por Hart, em
especial, no que concerne a distinção entre casos que se localizam no núcleo e casos que se localizam na
penumbra quanto à aplicação dos termos de uma regra. Um ponto chave do argumento é que Fuller
questiona se é possível em qualquer caso interpretar uma palavra numa lei sem fazer uma interpretação de
quais são os objetivos daquela lei. Ele observa que, ao interpretar uma regra, não se procede simplesmente
colocando a palavra num contexto geral, “definindo o significado do termo”, mas sim perguntando: para
que serve esta regra? O que ela pretende evitar? Quais bens ela promove?
Você considera que os argumentos de Fuller são convincentes? Como a idéia de moralidade no direito por
ele oferecida se relaciona com os casos que estudamos antes no curso?

FGV DIREITO RIO 78


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) Fuller contrasta essa atenção aos propósitos da lei com a visão de linguagem que Hart pressupõe. Por que
ele caracteriza a concepção de linguagem de Hart como dependente de uma concepção de “uso normal”
do termo a ser interpretado. Quais as deficiências dessa concepção? O que Fuller propõe em seu lugar?
Por que ele vincula as idéias de estrutura e integridade do direito à idéia de que o direito “exige” que o juiz
exerça uma atividade criadora? Qual o papel da idéia de fidelidade ao direito para explicar o modo como
Fuller trata a questão da interpretação? Enfim, qual a relação entre concepção de direito de Fuller e sua
idéia sobre a racionalidade das decisões jurídicas?
3) Por que Fuller faz sua descrição do direito depender de uma avaliação do direito? Por que Hart, ao contrá-
rio, se preocupa em distinguir as duas? Qual a diferença entre falar de uma moralidade interna ao direito e
dizer que a decisão é exigida “pela justiça”? Como essa questão se relaciona com a preocupação apresentada
no texto do Hart e como ela se relaciona com as idéias do Fuller?
4) Qual a melhor maneira de se entender os textos de Fuller e de Hart – como um debate acerca da melhor
descrição do direito ou como diferentes concepções de quais devem ser as questões centrais da teoria do
direito? É preciso fazer uma escolha?

– Fiss, Owen. “Objetividade e Interpretação”. In: Um Novo Processo Civil: estudos norte-americanos
sobre jurisdição, Constituição e sociedade. São Paulo: RT, 2004 (trechos selecionados)
1) Como Você acha que Hart avaliaria a idéia de que a legislação “incorpora ideais morais” de uma comu-
nidade e que o judiciário dá sentido concreto a esses ideais ao decidir casos específicos? E Fuller? Qual a
relevância “prática” em se distinguir moral da moralidade intrínseca ao texto da norma? Em que consiste
essa moralidade do direito? Qual a característica dos textos normativos à qual Fiss atribui a existência dessa
moralidade e a necessidade dos juízes a concretizarem?
2) Por que Fiss se preocupa em defender a idéia de objetividade na interpretação do direito? Vimos que fre-
qüentemente os juízes discordam quanto à decisão de uma controvérsia – isso refuta a idéia de objetivida-
de que Fiss apresenta? Por quê? O que significa dizer que objetividade é uma função da adequação do juiz
às regras materiais e de procedimento estabelecidas numa comunidade de intérpretes? Como Hart reagiria
a essa idéia? Quem Fiss tenta refutar com sua defesa da objetividade? Como ele descreve os “novos niilis-
tas”? Qual das formas discutidas no primeiro módulo do curso mais adequada à concepção de atividade
jurisdicional do texto? Quais são as regras materiais que ele identifica? Quais as regras de procedimento?
Como o requisito de impessoalidade aparece nas decisões estudadas na primeira parte do curso? Quem
constitui a comunidade de intérpretes de que depende a objetividade das decisões? Como essa comunida-
de se legitima?
3) Por que Fiss afirma que “objetividade é compatível com erro”. Isso significa que uma decisão pode ser ob-
jetiva e ainda estar “errada”? Por que essas questões são distintas? Como Fiss acredita que se pode “medir”
o erro de uma decisão? Qual a diferença entre “crítica interna” e “crítica externa” das decisões jurídicas?
Como Você acha que Hart reagiria a esta distinção? E Fuller?
4) Como compatibilizar decisão objetiva e instrumentalidade da interpretação? Como compatibilizar neu-
tralidade e impessoalidade com instrumentalidade? A idéia de instrumentalidade afeta a legitimidade das
decisões?
5) A concepção de racionalidade na resolução de controvérsias jurídicas apresentada por cada um dos autores
estudados neste item é descritiva ou prescritiva? Após termos lido esses autores, essa distinção ainda se
mantém? Como?

FGV DIREITO RIO 79


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

[b. interpretação e reconstrução do direito]

– Ronald Dworkin, O Império da Lei [trechos selecionados]


1) Qual a diferença entre a “atitude interpretativa” descrita por Dworkin e o que ele chama de “plain-fact
view of the law”? Quais concepções da tarefa do juiz estudadas até agora no curso de IED ele chamaria
de “plain-fact views of the law”? Por quê? Qual o papel que o elemento ideal do direito desempenharia na
atitude interpretativa e na “plain-fact views of the law”? Por que essa diferença é importante? Quais con-
cepções da tarefa do juiz se encaixam no que Dworkin chama de “convencionalismo”?
2) Um tema chave neste módulo é a passagem da idéia de que a atividade criadora do juiz consiste em atri-
buir um propósito à norma aplicada e qualificar situações fáticas de acordo com esse propósito para a idéia
de que os propósitos têm um conteúdo moral que guia o analista do direito em sua tarefa de interpretá-lo
reconstrutivamente. Como Dworkin justifica sua idéia de que a interpretação deve melhorar o direito por
meio de uma reconstrução racional (i.e., descartar aqueles elementos que não se encaixam com os princí-
pios que organizam aquela área do direito)? Por que a interpretação deve ser “abrangente” e não restrita ao
caso a ser julgado? Por que a interpretação deve tratar o direito como o produto de um autor único? O que
Dworkin entende por “fit”? Como as concepções da tarefa do juiz estudadas até agora no curso de IED
lidam com essa questão da coerência das decisões? Como essa preocupação com a coerência das decisões
surge nos casos decididos em tribunais brasileiros e nos textos estudados no modulo três?
3) Como Dworkin liga essas preocupações com a discussão sobre argumentos morais? O que Dworkin quer
dizer com a “melhor” interpretação do direito? Por que o conteúdo dos propósitos que guiam a interpre-
tação devem ser políticas de bem-estar coletivo ou concepções impessoais do que é certo?
4) Ao inserir a preocupação com reconstrução racional do direito, Dworkin parece atribuir ao juiz um papel
mais “estruturante” do que outras teorias estudadas no curso. Como justificar esse papel, dada a preocu-
pação em limitar o arbítrio dos juizes? Qual o papel da impessoalidade dos objetivos que guiam decisões
na justificação do judiciário? Na interpretação reconstrutora, decidem-se casos de uma forma que sustenta
a idéia de que a sociedade permanece governada por regras gerais, que os indivíduos podem seguir. Por
que isso é importante para justificar a interpretação reconstrutora? Roberto Unger, por exemplo, acha que
para conciliar essa visão da tarefa reconstrutora do juiz e a idéia de democracia, é necessária uma teoria a
respeito da abrangência do poder de revisão que os juizes devem ter. Primeiro, o que deve ser reformado e
o que deve ser preservado? Segundo, quais critérios podem ser usados para definir essa abrangência? Quais
críticas podem ser apresentadas a cada um desses critérios? Elas são convincentes? A teoria do Dworkin
exige do juiz ideal habilidades muito difíceis de se encontrar na prática (preparo filosófico, tempo etc.).
Por que alguém iria adotar sua teoria então? A teoria da interpretação reconstrutora busca um equilíbrio
entre impessoalidade e instrumentalidade das decisões jurídicas?

[c. idealização e doutrina no direito brasileiro]

– Antonio Junqueira de Azevedo, “Caracterização Jurídica da Dignidade da Pessoa Humana (trechos)”


Tendo lido o texto com cuidado e se certificado de que entende os exemplos e argumentos utilizados pelo
autor, reflita, como questões finais do curso, sobre o seguinte: Se tomássemos o texto a ser discutido nesta
aula como representativo da análise típica de profissionais do direito, que papel do profissional emerge?
Que premissas de caráter político dão legitimidade ao papel do profissional do direito que decorre dessa
idéia? Essas premissas são necessárias? Que vantagens elas conferem e que ônus e restrições elas impõem?
Por quê?

FGV DIREITO RIO 80


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

VI – Apêndice

Glossário informal de termos técnicos utilizados na seleção de trechos do HC 82.424/RS


[Elaborado por Livia Fernandes. O propósito deste glossário é explicitar, com palavras menos técnicas, o sen-
tido de termos técnicos mais importantes e básicos encontráveis no HC 82.424/HC, não abrangendo todos
os termos técnicos ali mencionados. Nesse sentido, serve como ponto de partida. Qualquer dúvida adicional
poderá ser esclarecida em sala ou com a própria Livia.]

Acórdão – Nome que se dá ao resultado do julgamento proferido pelos tribunais. É uma decisão coletiva,
em que os juízes que a tomam acordam (concordam), por unanimidade ou não, com seu conteúdo básico.
Deferir – Aceitar, conferir, conceder (um pedido feito em processo judicial).
Denegar – Negar, indeferir (um pedido feito em processo judicial).
Disposição – Determinação legal, regra (ex., o artigo 5º é uma das disposições constitucionais).
Ementa – Sumário, resumo. Texto que descreve de maneira abreviada qual foi a decisão que, ao final, pre-
valeceu em caso discutido por Tribunal.
Habeas Corpus - Literalmente significa “tome o corpo” ou “tenha o corpo”, em latim. É uma ação em que
alguém (chamado de “impetrante” porque a apresenta ou impetra algo) solicita a um juiz ou tribunal que este
proteja a liberdade de ir e vir de um indivíduo (chamado de “paciente”), em face de uma autoridade (chamada de
“coatora”) que está (legalmente ou não, esta é uma das questões) ameaçando essa liberdade (e, portanto, também
o “corpo” ou corpus do indivíduo a que se refere). São sinônimos, entre outros: “writ”, “ordem” e “mandamus”.
Impetrar - Pedir em juízo. Requerer a decretação de certas medidas legais.
Instância – Determinado grau da hierarquia judiciária, apto a examinar e decidir uma ação, conforme,
principalmente, o momento do processo, o território em que se situa ou o tipo de questão de que trata. Os
juizes individuais, perante os quais são iniciadas ações, são chamados de “1ª Instância”. Tribunais, a quem se
pode recorrer contra uma decisão de “1ª Instância”, são chamados de “Segunda Instância”. O Poder Judiciário
brasileiro é composto de vários graus, isto é, várias instâncias.
Paciente – Aquele em favor de quem se impetra o habeas corpus. (Ver “habeas corpus”)
Prescrever (prescrição, prescritível, imprescritível) – Perder a validade, ou a vigência; ser atingido por
prescrição. Prescrição, por sua vez, é a perda do prazo para o exercício do direito de ação (p.ex., caso um crime
prescreva antes de condenado o réu, o criminoso não pode mais ser processado). Imprescritibilidade é um fe-
nômeno excepcional, uma vez que, em geral, há previsão de prescrição para a maior parte dos delitos. Assim,
havendo imprescritibilidade, algumas condutas configuram crimes que nunca prescrevem, ou seja, a eles pode-se
atribuir punição a qualquer tempo.
Relator - Juiz encarregado de expor, perante outros juízes, os fatos principais da questão a ser julgada e de
manifestar seu voto antes dos demais (ver “relatório”)
Relatório – Exposição sintética daquilo que se viu, observou ou concluiu, em torno de determinado
assunto.
Supremo Tribunal Federal (STF) - O órgão Judiciário (“instância”) mais elevado do Brasil, hierarquica-
mente acima dos Tribunais Superiores e Juízes de qualquer outro grau, que tem por função principal a interpre-
tação da Constituição. É composto por 11 membros, chamados de ministros, e segue, normalmente, a regra da
maioria em suas decisões.
Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Órgão do Poder Judiciário com jurisdição em todo o território
nacional, composto de, no mínimo, 33 juízes chamados de ministros, com atribuição básica de conhecer os
conflitos de competência entre quaisquer tribunais, as causas decididas em única e última instância pelos Tribu-
nais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, que tratem de questões
relacionadas a leis federais.

FGV DIREITO RIO 81


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Sursis - Medida judicial que determina a suspensão da pena, se preenchidos certos pressupostos legais e
mediante determinadas condições impostas pelo juiz.
Vista - Ato pelo qual alguém recebe os autos de um processo como direito de tomar conhecimento de tudo
o que nele se contém.
Writ - Termo inglês que significa mandado, ordem escrita. Quando utilizado no direito brasileiro, refere-se
ao mandado de segurança e ao habeas corpus. (ver “habeas corpus”)

Fontes de pesquisa:

Índice Fundamental do Direito http://www.dji.com.br/dicionario/dicjur.htm


DireitoNet - Dicionário Jurídico http://www.direitonet.com.br/dicionario_juridico/
Mundo Legal - http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Dicionario
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2a ed., 1986.

FGV DIREITO RIO 82


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

CAIO FARAH RODRIGUES


Mestre em direito pela Harvard Law School e bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É advogado do escritório
Barros Pimentel, Alcantara Gil, Fernandes, Rodriguez e Vargas Associados.

Guilherme Figueiredo Leite Gonçalves


Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2001) e doutorado em Sociologia Jurídica - Universita degli Studi di
Lecce (2006), Itália. Atualmente é professor da Escola de Direito do Rio de
Janeiro/Fundação Getulio Vargas e pesquisador-colaborador do Centro di
Studi sul Rischio da Università degli Studi di Lecce, Itália. Tem experiência na
área de Direito, com ênfase em Sociologia Jurídica, atuando principalmente
nos seguintes temas: teoria dos sistemas, democracia, direitos e garantias
fundamentais, certeza do direito e precedente jurisprudencial.

FGV DIREITO RIO 83


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim Falcão
DIRETOR

Fernando Penteado
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Luís Fernando Schuartz


VICE-DIRETOR ACADÊMICO

Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE PÕS-GRADUAÇÃO

Luiz Roberto Ayoub


PROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO

Ronaldo Lemos
Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade

Evandro Menezes de Carvalho


COORDENADOR ACADÊMICO DA GRADUAÇÃO

Lígia Fabris
COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Márcia Barroso
RESPONSÁVEL PELO NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO ALUNO

Rogério Barcelos
COORDENADOR DE ENSINO DA GRADUAÇÃO

Tânia Rangel
COORDENADORA DE CONTEÚDO E METODOLOGIA DA GRADUAÇÃO

Thiago Bottino do Amaral


COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS

Wania Torres
COORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO

Diogo Pinheiro
COORDENADOR DE FINANÇAS

Milena Brant
COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO

FGV DIREITO RIO 84

Você também pode gostar