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Emilly Amite

O último pôr dos


Sóis
Série Doze Mundos – Livro 3

2° Edição
Emilly Amite

Copyright © 2016 Emilly Amite


Registro: Avctoris
Revisão: Ana Paula Alamino Lesser
Colaboradores: Simone dos Santos, Karoliny L. Cardoso,
Priscila Gonçalves, Hellidy Martins.
Arte Capa: Emilly Amite
Imagens: Pixabay
Diagramação: Emilly Amite

Amite, Emilly. – 2ªed – Publicação independente


2017.
1. Literatura brasileira 2. Fantasia

A autora desta obra detém todos os direitos autorais


registrados perante a lei. Em caso de cópia, plágio e/ou
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Copyright © 2016 Emilly Amite


Dedico essa obra a alguém muito especial,
Ele todas as noites me sentava em seu colo e me contava uma história de
um gatinho fraco que ficou forte e venceu quem o oprimia.
Ele hoje não está mais presente conosco, mas sonhei com ele...
E em meu sonho ele sorria para mim,
E nos preparava um churrasco e um bom chimarrão.
Vovô João, sinto muito sua falta e gostaria que estivesse aqui hoje para
poder dividir com o senhor todas as minhas alegrias.
O branco da neve se estendia por todo o campo,
E os sóis já não se fazem presentes neste céu.
Diante de nós, nosso medo nos encara.
O maior inimigo a ser derrotado.
O maior desafio a ser superado.
A energia flui por nós, preparando sua destruição.
Algo que não esperava, o mesmo sangue em nossas veias!
Sinto a energia explodir de mim, a dor é imensurável.
Meu brilho se apagará para sempre.
Se ao menos pudesse me fazer presente.
Mas meu erro me custou um último suspiro.
Mas prometo te esperar, até nos encontrarmos em outro mundo...

L. Arbarus
Prólogo

O dia já havia se tornado noite quando estávamos no campo de


batalha. Sirius e Áries haviam cumprido sua promessa conosco. Ela não
podia interferir diretamente, mas como já havia sido punida, que mal isso
traria?
A espada em minha mão estava mais pesada que o normal, minhas
mãos estavam geladas e tremendo, o pânico me tomava, em nossa frente
milhares de soldados de várias raças estavam preparados para a luta, eles
gritavam e batiam em seus escudos. Em número eles nos superavam, mas eu
tinha em segredo o poder dos Regentes e o apoio deles.
Ewren segurou minha mão, ele a ergueu e a tocou com os lábios e
sorriu para mim, aquele sorriso presunçoso como sempre me tirou todos os
medos. Tinha certeza de que mesmo que tivesse que enfrentar todo o
exército de Fairin sozinha, ele estaria ao meu lado e não me deixaria cair.
Eirien estava bem à nossa frente, seus cabelos voavam com a brisa e
sua espada erguida brilhava contra a luz da Lua das Fadas. Aguardávamos
ansiosos seu sinal, Arcádius estava no centro com Jocelinne e a segurava
firmemente, com medo de que ela pudesse lhe fugir novamente.
– Fairin é meu! – Falei num rosnado. Hasan sorriu encarando-me.
– Não se eu o alcançar primeiro! – Disse ele sacando sua espada.
O grito de Eirien pode ser ouvido nos quatro cantos de Amantia
quando ela nos mandou seguir em frente.
1

H avia acabado de anoitecer quando vimos o céu de Amantia.


Estávamos todos caindo em direção ao Mar quando
Arcádius ergueu suas mãos e as moveu rapidamente, seu
corpo começou a se escurecer e deformar mudando sua
pele cor de avelã para uma espessa camada de penas
negras e se transformou numa imensa ave de asas curvas e voou baixinho
sobre o mar, caímos sobre ele, desajeitados e em posições estranhas. Me
ajeitei rapidamente arrumando a saia de meu vestido e prendendo meus
cabelos que ficaram completamente embolados.
A noite estava escura, o vento frio soprava em meu rosto enquanto
Arcádius voava baixo e suavemente, a lua minguante no céu não ajudava
muito a nossa visão, Ewren, como o elfo negro que era, podia ver tudo
claramente em qualquer situação. Seus olhos brilhavam prateados e
estavam atentos a tudo em redor. Queria poder fazer meu cajado brilhar e
acender uma luz, mas não queríamos chamar atenção desnecessária, ainda
mais por que estávamos agora em território inimigo e desprotegidos.

Arcádius estava nos levando para algum lugar que ele julgava ser
seguro, o que nós podíamos fazer era confiar e permanecer em silêncio para
que não fossemos percebidos por nada nem ninguém, Amantia tinha
ouvidos e olhos por todos os lados, tínhamos que evitar ao máximo nos
expor para que Fairin não nos encontrasse antes do tempo. Jocelinne
mantinha uma proteção em volta de nós para que Arcádius parecesse para
quem o visse do chão, apenas uma ave voando baixinho na noite a caminho
de seu ninho.
Serena dormia profundamente amparada por Hasan, Eirien ia apoiada
em Amaterasu e dormia também, acho que na noite anterior ninguém havia
conseguido dormir direito, ansiosos com o retorno para casa. Jocelinne,
Ewren, Arcádius e eu estávamos alertas, observando tudo em volta com
cautela, eu mantinha a espada de Nellena em minha mão, embora preferisse
minha lança, eu não precisaria de meus poderes para usar a espada.
O vento começou a soprar mais forte, estava gelado demais quando
alcançamos terra firme, o gelo foi aparecendo aos poucos sobre a terra
escura. Estávamos sobre Lastar, tinha certeza disso, pois a neve aqui tinha
um tom diferente, um branco hipnótico que era difícil desviar os olhos da
neve que cobria as árvores queimadas pelo frio. Quase não via vida ali, um
montinho de neve escondido pelas arvores poderia ser um Yeti descansado,
ou apenas uma toca enterrada e escondida. Pouco a pouco a neve foi
tomando conta de todo o cenário e logo chegaríamos aquele estranho abrigo
de Arcádius, porém ele passou direto sem desviar para o norte como teria
de fazer, continuou voando em linha reta e após alguns minutos chegamos
ao mar novamente.
– Para onde acha que estamos indo? – Perguntei à Ewren quando vi
que Arcádius não estava parando. – Ewren agora me segurava com força,
como se pensasse que eu poderia desaparecer.
– Ele deve estar procurando o último lugar em que Fairin pensaria em
nos procurar, ou onde ele já deve ter nos procurado quando sumimos com
Serena e não encontrou ninguém... – Ewren estava sério, porém tranquilo.
Eu não conseguia parar de pensar nas crianças em Evenox, em Lórien,
Medras e em Ervie, sentia falta deles, mais ainda de Lórien pois era como
estar indo para a batalha despida sem a presença dela, ela era como uma
armadura para mim, estranho como em pouco tempo havia me apegado a
ela, mas a considerava como minha melhor amiga agora, sentia-me mal por
Serena, não era como se a tivesse deixado de lado, mas agora nós tínhamos
um laço maior e não sentia que havia me afastado dela.
Teríamos que fazer o melhor possível para que eles tivessem uma
Amantia segura para voltar. Apertei o cabo da espada onde a bolinha de luz
estava bem protegida, o poder que usaria para romper o lacre dos Doze
Mundos e me separar para sempre de tudo que amava. Isso me dava
motivação para dar o melhor de mim e não ter que usá-la, queria devolver
aquele poder para Áries e dizer “Não foi necessário! ” Isso sim me faria feliz.
Ewren notou meu nervosismo, puxou minha mão e a beijou gentilmente.
– Ei, vai dar tudo certo! Se pensar muito sobre isso, vai ficar difícil se
concentrar e pode acabar cometendo algum erro fatal. – Disse ele, sorri, ah
se ele soubesse o que estava se passando em minha mente agora, fiquei
muito feliz com o bloqueio que Áries havia me dado, assim ele nunca
desconfiaria de meus planos alternativos. Só a ideia de nunca mais ver esses
olhos novamente fez meu estômago embrulhar, segurei firme as lágrimas
que estavam querendo rolar. Segurei seu rosto com as mãos e o beijei, ele
pareceu surpreso mas correspondeu com vontade.
– Não dê ideias erradas a Hassan! – Sussurrou ele para mim, Hassan
estava acordado, seu rosto estava corado e ele olhava discretamente para
Serena em seu colo.
– Não é culpa minha ele estar assim, foi ela quem o beijou no carro,
não eu! – Murmurei virando o rosto corada também e lembrando do
atrevimento de Serena.
– Acho que ele está completamente apaixonado. – Disse Ewren tão
baixo ao meu ouvido que sua boca fez cocegas em mim. – Ele nem pisca
quando olha para ela.
– Talvez... – respirei fundo evitando sorrir, havia usado isso como
argumento para conseguir ajuda de Áries, ela não iria querer ver o único
filho sofrendo por amor. – Quando ele era Leonard, todas as vezes que
Serena ia dormir lá em casa ele ficava por perto, se oferecia para lavar o
prato dela quando ela jantava lá e ainda dava sua sobremesa para ela! Ele era
meu irmãozinho e o máximo que ganhava dele eram puxões de cabelo e
mordidas! – Resmunguei. – Acho que a paixão dele por Serena já é antiga.
– Acha? – Ewren ergueu uma sobrancelha – você é muito mais devagar
do que eu imaginava, Leona! Se eu não tivesse dito sobre meus sentimentos
por você quando achei que fosse morrer, você nunca teria percebido
sozinha! – O encarei irritada, o poder que Ewren tinha de me irritar ainda
estava lá, mas eu realmente nunca teria desconfiado que ele gostava de mim
também.
Arcádius fez uma manobra rápida e quase nos derrubou, fazendo com
que ficássemos em alerta novamente. Pouco depois pude ver para onde ele
estava nos levando, um frio passou por minha espinha. A grama vermelha
no chão abaixo de nós e o cheiro doce das pequenas flores vermelhas
espalhadas pelo campo e bem próximas às ruinas do templo de fogo.
Arcádius fez uma leve inclinação e começou a descer aos poucos,
rodeando as ruinas como se estivesse verificando repetidamente se estava
realmente seguro por lá, todos acordaram quando sentiram que estávamos
descendo, Eirien acordou coçando as orelhas de Amaterasu para que ela
acordasse também.
Quando ele pousou e voltou a sua forma normal, Jocelinne foi
erguendo suas mãos em direção às ruinas fazendo uma bolha gelatinosa
cobrir uma grande extensão a nossa volta, no momento em que a bolha
cobriu tudo sem deixar nenhuma entrada descoberta, Arcádius bateu as
palmas das mãos e o castelo começou a se refazer, as pedras em volta dele
começaram a rolar em sua direção e se encaixar onde antes era o seu lugar,
os vidros despedaçados pareciam se derreter e voltar a ser o que era, terra,
água e pequenas porções de pedregulhos também se juntaram à massa
cinzenta que se movia e ia cobrindo as rachaduras e buracos restantes, era
como se o tempo estivesse voltando para o templo.
Num piscar de olhos, tudo estava tudo restaurado, um leve brilho
avermelhado tomou conta do castelo e ele pareceu novo, recém construído,
era magnífico! Parecia um castelo de um reino antigo. Atravessamos a ponte
de pedra em passos apressados e entramos no templo, que era ainda mais
incrível por dentro! O chão era coberto por tapetes de diversos tons de
vermelho e marrom e as paredes trabalhadas com pinturas de flores e
plantas, deviam ser todas as espécies de plantas existentes em Amantia, pois
nenhuma era igual a outra e os desenhos não se repetiam. A abóbada no
meio do salão tinha vários símbolos coloridos e brilhantes pintados nela.
– Os símbolos de todas as famílias nobres de Amantia... – disse
Jocelinne se aproximando de mim. No centro da Abóbada havia um vitral
com uma imensa orquídea lilás.
– Acho que foi uma das melhores coisas que aconteceu em minha
vida... – acabei falando isso alto, Jocelinne me olhou confusa. – Ah, ter pego
aquele espelho de Moan na terra... – falei. Jocelinne ergueu uma
sobrancelha.
– Acha bom estar em um mundo cheio das mais terríveis criaturas, ter
um sangue amaldiçoado e estar sendo perseguida por um mago que deseja
dominar os Doze Mundos só para manter seu amor por poder sob controle?
– Perguntou ela olhando-me torto, seu sarcasmo era tão sutil que mal o
percebi.
– Acho bom estar num mundo que me encaixo, que tem defeitos e
problemas como acredito que todos os outros mundos devem ter, tenho um
sangue amaldiçoado e se não fosse por ele não teria salvo Ewren... – Claro,
se não fosse por mim talvez ele não tivesse se colocado em risco, mas mesmo
se eu não existisse, haveria outra Arbarus com o sangue amaldiçoado
rodando por aí e talvez ela não tivesse a mesma vontade de lutar que eu
tinha. - As coisas mais terríveis que passamos servem para nos fortalecer! –
Arcádius que estava ao nosso lado me escutando, sorriu.
– Ela não tem nada a ver com suas filhas e netas, Jocelinne! Nem
parecem que são da mesma família!
– O que quer dizer? – Perguntei.
– Nada de importante. – Disse ele rindo e acariciando minha cabeça.
Odiava quando faziam isso, pareciam que estavam me tratando como
criança que não precisava saber das conversas dos adultos.
Jocelinne nos mostrou todo o templo, ele era muito aconchegante, era
bem parecido com o castelo de Lotus Vale, só que menor e mais colorido.
– Ficaremos aqui enquanto decidimos o que fazer. – Disse Eirien
enquanto íamos para a cozinha para preparar algo para comer. Estava sem
ânimo para cozinhar, então usei meus poderes para fazer algo aparecer já
que estávamos protegidos pela barreira que Jocelinne havia feito, então não
achei que houvesse problema com isso.
– É bom não exagerar, Leona! – Disse Eirien preparando um chá. – Não
sabemos o quão forte pode ser o poder de Fairin, ele pode nos detectar.
Quando voltamos com o lanche para a sala onde estavam todos
reunidos, Arcádius começou a falar sobre sua estratégia, como deveríamos
agir num primeiro momento.
– Bom, o primeiro passo é descobrir o que Fairin anda fazendo, temos
que espionar o que ele já conseguiu para que possamos planejar com cuidado
nossas estratégias contra ele e quem podemos colocar numa possível lista
de aliados.
– Uma pergunta, por que ele precisa de um exército se o objetivo dele
é se tornar o mais forte com o sangue amaldiçoado? – Perguntou Serena
tirando a pergunta de minha boca.
– É simples Serena, sem um exército, sem pessoas que o apoiem ele
teria que usar seus poderes para destruir as pessoas que se opõe a ele para
conseguir dominá-las através do medo. O objetivo de Fairin não é matar nem
destruir, ele quer mandar! Ele quer ter o controle absoluto, ele é um garoto
com uma fazenda de formigas. Se ele quebrar a fazenda de formigas e
esmagá-las, o que vai restar para ele dominar? – Respondeu Arcádius – Se
ele tiver um exército, significa que tem pessoas que apoiam sua causa, e
assim mais pessoas acreditarão que ele está agindo por uma boa causa e o
apoiarão.
– Então nós temos que fazer o mesmo, buscar pessoas que nos apoiem?
– Perguntou Serena.
– Sim, temos que achar aqueles que ainda são fiéis a Eirien e reunir um
exército para enfrentar Fairin, pois de qualquer forma teremos que derrotá-
lo para destruir Veruza e a Maldição. – Respondeu ele.
– O que Fairin prometeu a eles? Como foi que ele convenceu tanta
gente a ficar ao seu lado? Não consigo pensar em nada que ele possa ter dito
que fizesse as pessoas o seguirem sem ele usar seus poderes para convencê-
las! – Falei – Afinal, o reinado de Eirien era muito bom! As pessoas não
tinham do que reclamar para aceitar um novo líder como ele! – Eirien olhou-
me com ternura e suspirou.
– Eu fazia o melhor que podia, Leona, mas Fairin ainda está usando o
corpo de Aeban e ele foi colocado no posto dele por meu pai, Narlevi, ele
tinha uma aceitação melhor que eu, pois eu sou a primeira Rainha mulher
de Amantia, para o povo daqui um homem é mais confiável e comanda com
a cabeça e não com o coração. Só consegui que me aceitassem bem quando
venci o gigante com um único golpe. – Ela explicou.
– Mas Ruthar e Turiel morreram e Bargon apoiou Fairin para que ele
assumisse o controle de Amantia, até onde o povo sabe, Eirien apenas
desapareceu, devem achar que ela está em um dos outros Doze Mundos se
escondendo de Arcádius. – Jocelinne falou. – Afinal, quase ninguém tem
conhecimento sobre Fairin, se alguém se lembra dele, é como um mago do
conselho que foi afastado, já Arcádius... – Ela o encarou.
– Então o primeiro passo é verificar o que foi feito por Fairin, depois
nos mover atrás de quem é fiel à Eirien e à Amantia e lhes explicar o que está
acontecendo. – Disse Arcádius aborrecido.
– Como provaremos que falamos a verdade? – Perguntei, meu coração
pesou de repente – Bloqueei as mentes de todos nós para que Fairin não
pudesse descobrir sobre as meninas... – ao falar delas senti um nó na
garganta. Todos me olharam surpresos.
– Como fez isso? – Perguntou Jocelinne.
– Com o poder que Áries me deu... – não queria entrar em detalhes
para que não perguntassem o que ofereci em troca de tal poder. – Ela me deu
umas pílulas que ao ser ingeridas poderiam impedir qualquer um de ver a
mente do outro.
– E como faremos se nos separarmos? Não poderemos ter a certeza de
que alguém não está usando a aparência roubada para se infiltrar! – Eirien
parecia nervosa. Todos ficaram pensativos, procurando uma solução.
– Tive uma ideia! – Gritou uma voz atrás de nós entrando pela porta
principal. Assustados puxamos nossas armas.
– Lórien? – Falei. – O que está fazendo aqui? – Ela andou até mim e
tocou minha testa com a sua. Não havia dado o remédio de Áries para ela,
então pude ver suas últimas memórias. Depois que me mostrou as memórias
ela mostrou a marca de Medras em seu dedo.
– Usei magia de Antares e me dividi em duas! – Disse ela sorrindo e me
abraçando. – É temporário, leva cerca de três semanas para desaparecer,
então como o tempo lá passa mais lentamente eu decidi que viria para cá
ajudar vocês! Não queria perder a luta e vocês não poderiam viver sem
minha genialidade! – Disse ela sorrindo.
– Então esse corpo que está usando... – Ewren começou.
– Sim, apenas um corpo de argila com uma mecha de cabelo minha!
Teleportei um Summon para com parte de minha mente e com um pouco de
meu cabelo para cá e de lá o controlei, aí fiz a magia para separar minha
mente em duas! – Disse ela jogando os cabelos para trás.
– Então você está focada lá e aqui ao mesmo tempo? - Perguntei.
– Quase isso, eu separei minhas mentes, então só posso saber o que
está acontecendo lá quando esse corpo se desmanchar e minha mente voltar
ao outro por completo, assim, as memórias que tenho daqui passarão para o
outro corpo também!
– Genial Lórien! – Exclamei apertando-a num forte abraço. Vi suas
últimas memórias de Evenox, ela estava com Medras pouco antes de fazer a
magia vi o beijo que ele deu nela como se fosse uma despedida, já que uma
parte da mente dela estaria aqui, então ela sentiria falta dele, vi as
menininhas no berço dormindo tranquilamente, isso me deixou ainda mais
tranquila.
– Você disse que teve uma ideia para nos separarmos e voltar e nos
identificarmos, certo? – Ewren perguntou parecendo aliviado também.
– Sim, tirei a ideia de Nellena. – Disse ela pegando minha espada e
mostrando a marca na lâmina. – Serena, me dê sua espada! – Disse ela
esticando a mão para que Serena lhe entregasse sua espada. Ela a entregou,
quando Lórien uniu as duas, o desenho do Lobo e do Gato na lâmina
ascenderam e brilharam.
– Interessante, quando elas estavam juntas seus símbolos brilhavam!
– Arcádius falou maravilhado pegando as espadas e olhando de perto.
– Mas corremos o risco de perder as armas, Lórien! – Disse Hassan que
estava em silêncio observando tudo.
– Ah, eu disse que tirei a ideia daí, não que ia usá-la da mesma forma!
– Lórien como sempre, delicada como um coice de mula.
– Então o que pretende fazer? – Ewren perguntou a ela tentando
amenizar a grosseria dela.
– Simples, todos me deem as mãos! – Ela abriu a palma da mão no meio
de nós, tocamos em sua mão um por um até formar um montinho. Ela sorriu
enquanto marcas vermelhas e brilhantes se acenderam em nossos braços,
senti uma dor terrível no meu braço direito, como se estivesse pegando fogo.
– Ah! Lórien! – Gritei olhando as três marcas vermelhas em meu braço,
ardiam como se alguém tivesse me marcado com um ferro em brasa, e acho
que era exatamente o que Lórien havia feito. Serena e Jocelinne também
gritaram esfregando os braços, pouco a pouco a vermelhidão foi cedendo,
dano lugar a três tatuagens claras, quase da cor da pele, com o formato das
três luas de Evenox. Percebi isso pois uma estava parcialmente destruída.
– Agora juntem elas! – Disse Lórien unindo as mãos comigo, as
tatuagens se acenderam e começaram a brilhar, um brilho prateado bem
fraco, mas visível. Conforme os outros foram unindo as mãos o brilho foi
aumentando, até ficar tão forte quando todos uniram as mãos que clareou a
sala.
– Lórien! Você é um gênio! Não sei o que faria aqui sem você! – A
abracei com força agradecendo mentalmente por ela estar aqui.
– Eu sei! Vocês não são nada sem mim! – Ela retrucou rindo e me
apertando com força também, era um pouco menos doloroso estar em
Amantia com Lórien.
– Lórien, você não está com a mente blindada, e se você for pega? –
Perguntou Hasan olhando-a desconfiado.
– É simples, eu vou me desmanchar, assim minha mente volta
imediatamente ao meu corpo verdadeiro, igual ao que acontece com os
Summons. – Respondeu ela revirando os olhos.
– Então o que temos que fazer agora é sair por aí e espionar, certo? –
Perguntou Serena nos olhando confusa, ela e Hasan deviam estar se sentindo
completamente deslocados do grupo, fiquei com pena deles, mas agora não
era a hora de tentar animá-los.
– Então faremos isso quando estiver amanhecendo, pássaros não
costumam voar a noite! – Arcádius nos lembrou, então teríamos algumas
horas para descansar antes do amanhecer. Subimos até os quartos, Lórien e
Eirien foram para o mesmo quarto, Serena subiu junto com Hasan, mas
parou em frente à porta do quarto que eu havia entrado com Ewren.
– Acho melhor você ficar aqui! – Disse Ewren sorrindo para Serena, ela
olhou discretamente para a porta ao lado e ficou corada. Ewren beijou minha
testa e saiu. Já que íamos ficar sozinhas, arrastei Serena até o quarto em que
Eirien e Lórien estavam, precisava enturmar Serena para que ela não se
sentisse tão deslocada.
– Podemos entrar? – Perguntei abrindo um pouquinho a porta do
quarto.
– Claro! – Eirien sorriu para nós e fez um gesto para que entrássemos.
Lórien estava deitada numa cama toda largada.
– Então, Serena. – Disse ela se ajeitando para ficar de frente para nós.
– O que está rolando entre você e Hasan! – Serena perdeu a cor do rosto e
arregalou os olhos.
– Como assim? Não está rolando nada! Ele é um amigo de infância só
isso! Eu só não sabia que ele era tão... – ela me encarou como se eu pudesse
continuar a frase e achar as palavras para descrever Hasan.
– Tão diferente! – Respondeu Eirien. – Minha Jovem, você é como um
livro aberto, é mais fácil de ler você do que Leona!
– Ela está com uma cara de apaixonada, não é? – Lórien estava
implicando com ela como fez comigo a respeito de Ewren. Serena acabou se
entregando, cobrindo o rosto e ficando ainda mais vermelha.
– Meu deus o que é que está acontecendo! – Disse ela soltando as mãos
e olhando para a porta do quarto. – Eu nunca me senti assim! – Eu ri
abraçando-a e a colocando sentada na cama ao lado de Lórien.
– Bem-vinda ao clube! – Falei ajeitando seus cabelos. Lórien sorriu e
mordeu os lábios e passando os dedos sobre sua nova marca no dedo anelar.
– Medras é um amor, não sei por que nunca reparei nele antes. – Disse
ela fechando os olhos. – Esse corpo se cansa mais facilmente que o
verdadeiro, estou com tanto sono... – Ela bocejou e abraçou Serena e se
atirou para trás, as duas caíram na cama como se já fossem amigas há séculos
e agora brincavam juntas. Serena começou a contar as coisas que fazíamos
quando éramos menores, o quanto aprontávamos e nunca éramos pegas.
– Vocês deveriam descansar! Os Summons gastam muita energia! -
resmungou Eirien para nós, pela primeira vez a vi como uma senhora
rabugenta e mandona.
Quando Serena, Eirien e Lórien pegaram no sono, voltei para o outro
quarto e me sentei em uma cadeira perto da janela para observar o céu,
porém estava nublado e a chuva havia começado a cair bem fina contra o
vidro.
– Sem sono? – Ewren estava apoiado na porta olhando para mim.
– Na verdade estou com sono, só não estou conseguindo dormir. –
Falei batendo de leve as pontas dos dedos no vidro frio, coloquei minha
palma na janela e por um instante pude ver uma névoa em formato de uma
mão cobrir a minha, puxei a mão do vidro e olhei novamente, não havia
nada. Ewren veio até mim, me pegou no colo e me colocou na cama.
– O que vai fazer? – Perguntei assustada, o castelo estava cheio demais
para ter qualquer contato com ele aqui, duvido que todos estariam
dormindo tranquilamente a ponto de não poderem escutar. Ewren sorriu
me encarando com seus olhos azul-prateado.
– Você só pensa coisas pervertidas, não é! – Ele deitou de frente para
mim – feche os olhos. – Obedeci, pude sentir o calor de sua respiração bem
próxima ao meu rosto, ele beijou minha testa e começou a cantar baixinho.
Meu coração deu um pulo, sua voz fez todo meu corpo se arrepiar.
– Acho que não está ajudando... – falei apertando minha mão contra
seu peito.
– Shiii, fique quieta se não, não vai ajudar! – Ele sussurrou e continuou
a cantar baixinho.
– Espere... – pedi abrindo os olhos e segurando sua mão – Tem algo que
estou querendo fazer desde o casamento de Lórien em Evenox... – beijei sua
mão onde estava a marca dourada, como se a estivesse puxando para mim,
então as marcas lilás de minha mão começaram a ficar alaranjadas e foram
clareando até ficarem douradas. Ewren sorriu e me beijou, depois voltou a
cantar baixinho. Ao fechar os olhos novamente me vi em um campo aberto
cheio de flores e com o sol brilhando aquecendo minha pele, uma névoa
começou a me cobrir desde os pés, ao chegar na cabeça, respirei fundo e
adormeci.
Acordei com o cheiro de comida. Ewren não estava mais no quarto,
levantei e olhei pela janela, ainda não havia clareado, a chuva havia estiado
e as nuvens escuras já não cobriam mais o céu. Desci as escadas até onde os
outros estavam reunidos para tomar café. Lórien e Serena estavam juntas,
cochichando e dando risadinhas olhando para mim. Até imagino o que elas
estavam pensando, já que Hassan também me olhava de canto de olho e
Ewren estava sorrindo de lado como se fizesse de propósito para que todos
pensassem no que devia ter acontecido. Meu rosto esquentou e isso só
piorou a situação.
– Dormiu bem? – Perguntou Lórien beliscando minha bochecha.
– Como uma pedra, Lórien! – Murmurei enfiando um pedaço de pão
na boca. Aparentemente, não era o único alvo de pensamentos errados essa
manhã, Jocelinne estava com cara de quem não havia dormido e Arcádius
sorria triunfante. Acho que Ewren só estava sorrindo por causa disso, para
disputar algo invisível entre os pensamentos dos dois.
Tomamos café rapidamente e fomos para a sala, iríamos partir logo
cedo, enquanto Sirius e Áries se erguiam preguiçosamente no céu.
– Vamos nos separar e voar por aí para ver o que descobrimos. Ewren,
Leona Jocelinne e eu iremos invocar os Summons e sair, Hasan, Serena,
Eirien e Lórien ficam aqui e façam a guarda, qualquer coisa de errado que
acontecer vocês nos trarão de volta! – Disse Arcádius levantando-se de sua
cadeira e pegando um colar com amostras. Amaterasu parecia incomodada.
Lórien a encolheu e afagou suas orelhas.
– Amaterasu, fique na torre principal por favor, vigie a movimentação
de lá de cima! – Amaterasu estava incomodada por que a deixaríamos de
lado. Afaguei sua cabeça.
– Quando eu precisar de você, eu vou te chamar está bom assim? –
Falei para ela, que se alegrou e lambeu meu rosto.
– Vamos logo então! – Joceline tirou a fita que amarrava sua trança,
era cheia de penas coloridas e pequenas bolinhas de pelos. Ela apertou uma
das penas e uma grande ave vermelha de olhos apagados apareceu em sua
frente, Jocelinne transferiu sua mente, abrindo seus olhos cor de vinho para
nós. Lórien ajeitou seu corpo em cima do sofá. Em seguida fiz a mesma coisa,
escolhi uma pena menos chamativa, uma pena de cor roxa e marrom e fiz a
ave aparecer, era um pássaro pequeno, comparado ao pássaro que Jocelinne
havia escolhido.
Me preparei e depois de um suspiro, transferi minha mente abrindo
os olhos no corpo do pequeno pássaro. Virei para trás e observei Ewren
pegar meu corpo e o colocar numa poltrona, minha cabeça pendeu para o
lado, ele arrumou meus cabelos e sorriu, senti meu pequeno coração de
pássaro acelerar, os anos iriam se passar e mesmo assim não conseguiria
acreditar que ele era meu. Ewren se virou para me encarar, dando aquele
seu sorriso perverso, ele sentou no outro sofá e fez uma ave cinzenta
aparecer de um pingente com uma pena prateada que estava em seu cabelo.
Ele transferiu a mente e parou ao meu lado.
Arcádius foi o último a transferir a mente, achei que ele fosse apenas
se transformar em um pássaro como havia feito antes, mas depois me dei
conta de que se o fizesse e fosse capturado não teria escapatória, com os
Summons era só se desfazer e voltar ao corpo.
– Leona, a área que você conhece melhor aqui em Amantia é Lotus
Vale, então vá para aquela área e veja o que consegue descobrir por lá.
Ewren, vá para o Castelo de Cristal, Jocelinne para a floresta dos elfos e veja
o que aconteceu por lá sem a liderança de Ruthar e Arcádius, vá para Vintro!
– Disse Eirien para nós. Ela ergueu os Braços, Ewren e eu subimos neles,
Lórien pegou Arcádius e Jocelinne. Elas nos levaram até a porta do Templo.
– Vão com cuidado, não sejam pegos, por favor! Se não eles vão saber
que estamos aqui e virão atrás de nós. – Disse Eirien num sussurro para nós
dois. Abri as asas e voei livremente pelo céu, era uma sensação realmente
incrível o vento passando por entre as penas, Ewren circulou em volta de
mim, brincando e dando rasantes, ele não fazia ideia de quanto era difícil
para mim controlar o voo já que eu fazia isso a menos tempo que ele. Ewren
sabia que eu não conseguiria achar o caminho para Lotus Vale sozinha,
voamos juntos até chegar perto o suficiente para que eu pudesse reconhecer
a cidade de Lotus Vale Flutuando. Quando ele avistou a cidade, me deu uma
bicada na cabeça como despedida e disparou em outra direção, desviei um
pouco para a esquerda e fui em direção à cidade. Os sóis estavam nascendo,
o calor se misturou com o vento frio da madrugada, dando uma sensação
maravilhosa entre minhas penas delicadas.
Não parecia que havia mudado muita coisa no tempo que estive fora,
A única diferença visível era a bandeira que tremulava com o vento presa ao
mastro em cima da torre principal, antes era uma bandeira azul com a flor
de Lis dourada, agora era uma bandeira vermelha com uma mão segurando
uma serpente. Nunca havia visto aquele símbolo em nenhum dos livros da
história de Amantia que Ewren e minha mãe me forçaram a ler.
Mãe, um nó se formou em minha garganta ao lembrar dela, tinha que
continuar, tinha que vencer por ela, já que havia se sacrificado em vão, não
podia perder para ele. Pairei sobre a torre central onde ficava a sala de Aeban
e a circulei até pousar no para peito da sacada. A porta estava aberta, meus
olhos varreram a sala num instante, o que vi lá dentro quase me fez
desmanchar o pássaro e voltar ao meu corpo. Demétrius, Bargon e Guinn
estavam conversando ali dentro despreocupadamente.
Guinn estava sentado à mesa, Bargon no sofá e Demétrius de pé ao
lado dos dois olhando para fora. Impossível, o vi morrer! Vi Ewren arrancar
sua cabeça e ele se evaporar no ar! Meu coração batia tão rapidamente que
podia escutar um zunido dentro de minha cabeça.
– ...Tenho certeza de que eles se juntarão a nós em breve, Bargon. –
Disse Guinn girando uma lâmina sobre um ponto no mapa em sua mesa. Me
posicionei melhor no beiral para ver que local do mapa que estava circulado.
– Eles ainda acham que Eirien pode voltar, os elfos de Górtia são muito fiéis
a ela, mas eu lhes dei um prazo de dois meses para que se decidissem, ou
estariam a favor ou contra nós. – Ele enterrou a faca no mapa, fazendo-me
dar um pulinho, disfarcei cantando baixinho e mexendo nas asas com o bico.
Demétrius virou os olhos em minha direção.
– Um cântaro roxo em Lótus Vale? Deve ser um sinal de boa sorte! –
Disse ele rindo vindo em minha direção.
– Eles não são muito dóceis, não vivem nessa região, deve ter sido
trazido com a corrente de ar de ontem! – Explicou Bargon me olhando de
canto de olho e me ignorando. Olhei novamente para Guinn.
– Os Lobisomens e Vampiros também se recusam a se unir a nós, eles
temem que “a sacerdotisa das águas” volte para Amantia e acabe com o
poder deles! – Disse Guinn num tom de deboche. Eles estavam com medo de
mim? Antes que pudesse perceber senti duas mãos me segurando, assustada,
sacudi as asas tentando me soltar e piei alto. Demétrius segurava-me, mas
não estava apertando, apenas queria me prender.
– Consegui pegá-lo! – Disse ele rindo.
– Largue esse bicho aí Demétrius! Você tem trabalho a fazer! Fairin
ordenou que você encontrasse Pytia e a matasse, se lembra dela? Sua
amiguinha traidora? – Bargon cuspiu as palavras como se fosse uma doença
que ele queria se livrar. Traidor é você! Demétrius, porém, endureceu ao
ouvir o nome de Pytia e ficou sério, me encarando, quando percebeu que eu
havia parado de me debater ele passou os dedos em minha cabeça
carinhosamente.
– Sabe por que gosto de animais? – Disse ele com sua voz rouca. – Eles
não se importam se você é um monstro ou não, eles vão esperar até o último
momento para reagir, até não terem mais tempo... – ele foi apertando suas
mãos, senti que estava quase parando de respirar. Mas ele afrouxou. E
mostrou seu sorriso de agulhas para mim, o mesmo sorriso que um dia me
fez acreditar que ele era uma boa pessoa.
– Bargon já disse o que você tem que fazer, não é? O que está
esperando para achar Pytia e acabar com ela? Fairin se irritar e acabar com
você? Se eles voltarem para Amantia e a encontrarem, ela com certeza
contará tudo para Arcádius e eles vão saber sobre a outra filha da
Sacerdotisa ser a mais velha, isso se já não descobriram e estão usando o
sangue dela nesse exato momento para virem mais fortes até nós! – Guinn
esbravejou socando a mesa fazendo-a ceder aos seus pés e se desmanchar
em uma pilha de farpas e pedaços de madeira. Sorri mentalmente e
triunfante, ele não poderia usar o sangue de Serena, pois eu era a mais velha.
– Já estou indo! – Achei que Demétrius ia me soltar, mas ele apenas
subiu no canto do parapeito, depois subiu no telhado da torre e saltou para
a torre norte ainda me carregando, então pulou para fora da fortaleza em
direção à floresta. Ele aterrissou suavemente, dobrando seus joelhos, sua
grossa trança ruiva me acertou. Belisquei seu dedo com o bico para que me
soltasse, mas ele apenas riu e me ajeitou nas mãos. Demétrius correu
rapidamente entre as árvores, saltando grandes distancias até parar a beira
de um lago e se sentar no chão. Novamente o belisquei, com força suficiente
para tirar um pedaço da pele.
– Continua arisca comigo não é Leona! – Novamente meu coração se
jogou contra minhas frágeis costelas enquanto eu tentava me soltar. Como
ele sabia que era eu? – Curiosa para saber como eu sei que é você? Meu
sangue vibra quando você está perto de mim, por causa do seu que eu tomei
a força, se esqueceu? – Ele riu e me pôs no chão, mas sem me soltar. Ele
segurou meu bico e o puxou para cima, um brilho avermelhado saiu de suas
mãos. Ele me esticou até eu escutar pequenos estalos e sentir todo o corpo
do Summon arder. – Agora fale comigo! – Disse ele me encarando. Olhei
atordoada para meu reflexo na água. Estava em forma humana, ainda
coberta por uma camada de penas que formavam um vestido, mas estava
definitivamente em minha forma humana!
– O que é isso! O que você fez! – Esbravejei tentando me levantar do
chão, mas minhas pernas não permitiam.
– Quando tomei seu sangue, roubei um pouco do seu poder também!
É fraco, mas é bem útil! Não precisa se preocupar, quando você o desfizer ele
vai voltar a ser pássaro! – Disse ele levantando meu queixo.
– O que você quer de mim agora? – Murmurei.
– Nada, só queria dizer que estou do seu lado agora! – O encarei
desconfiada, vindo de Demétrius eu esperaria qualquer coisa, menos ajuda.
– Por quê? – Novamente tentei me levantar, mas minhas pernas ainda
estavam dormentes.
– Pois naquele dia, no castelo de Cristal quando Eirien ia me matar,
mesmo depois de tudo que fiz para você, você ainda quis me poupar! – Ele
sorriu mudando para uma forma mais humana, como na vez que o vi em
Arcádia, seus olhos não estavam mais cinzentos, estavam em um tom de
marrom quase dourado.
– Não me entenda mal, Demétrius! Eu só queria usar você para achar
Arcádius! – Ele ergueu uma sobrancelha para mim.
– Sabe o que eu reparei? Você mente muito mal! Quando você mente,
sua voz fica mais fina. Uma mudança quase imperceptível para um humano!
– Ele sorriu. – Mas a minha audição é perfeita, posso escutar qualquer coisa
que quiser! Por exemplo... – ele ficou em silêncio, fechou os olhos e virou o
ouvido em direção à fortaleza. – Bargon e Guinn estão tramando me matar
caso eu não volte com a cabeça de Pytia... – disse ele olhando novamente
para mim.
– Não acredito em você! – Falei, tentei me levantar pela última vez,
Demétrius revirou os olhos e segurou meu braço.
– Você fez um pássaro! Não um corpo humano, só tem energia
suficiente para mover uma parte desse corpo e está usando essa energia na
cabeça! Então pare de tentar sair! – Logo que ele falou isso, percebi que onde
ele estava me segurando, não podia sentir nada, estava tudo dormente. –
Estou falando a verdade, achei que vocês tivessem fugido de Amantia e que
não voltariam, então mantive Moan escondida para não ser encontrada por
Veruza ou dominada por ela. Ontem à noite senti que você havia voltado e
me espalhei pelos céus procurando pelo esconderijo de vocês, até ontem
ainda estava em dúvida se iria ou não contra Fairin. Mas eu vi uma coisa que
me fez ter certeza do lado que eu estava. – Ele olhou para seu reflexo no lago
e o sacudiu formando pequenas ondas.
– O que você viu? – Perguntei.
– Esperança... – ele me encarou com seus olhos castanhos, prendendo-
me com seu olhar – comecei a chover em volta do templo ontem, você estava
em uma das janelas e tocou o vidro com a mão, eu senti seu calor através do
vidro, depois eu vi aquele elfo te colocar na cama e cantar para você dormir.
No outro quarto vi sua irmã dormindo com aquela hibrida louca... – ele
sorriu estreitando os olhos para mim.
– Ainda não acredito em você! Por que isso poderia fazer você mudar
de ideia? – Perguntei.
– Como eu disse, esperança. Não é por que uma pessoa é má que ela
não merece uma chance de ser feliz! Você não deu uma chance para ele? E
ele era mau, talvez pior do que eu, e mesmo assim ele teve uma chance e a
agarrou com unhas e dentes. – Disse ele serrando os punhos. – Eu te devo
isso também, só me salvei aquele dia pois usei seus poderes para fazer aquele
Summon.
– Olha... – comecei a dizer, mas ele segurou meu rosto e encostou seu
rosto no meu. Vi ele em Lastar, entrando pela porta do esconderijo de
Arcádius com algo nas mãos. Ele andou pelos corredores e entrou num
quarto grande, alguém estava deitado numa cama do outro lado do quarto.
De dentro da bolsa que carregava ele tirou um pote com um caldo e levou
até a cama. A mulher se levantou e sentou encostada na cabeceira da cama
ela era muito parecida com Serena, tirando os olhos amarelos e a pele mais
clara, meio acinzentada. Quando ele lhe entregou o pote ela o colocou na
cabeceira e puxou ele para um beijo. Quando ele começou a tirar suas roupas
a memória se desfez.
– É Moan? – Perguntei, minha respiração ficou difícil e minha cabeça
ficou pesada.
– Sim, estou mantendo ela escondida lá em Lastar bem longe de Fairin
e Veruza, no esconderijo subterrâneo de Arcádius, se não acredita em mim,
pergunte a ele! Ele sabe sobre nós, eu a levei para lá quando Fairin a feriu,
ela não está se recuperando muito bem, o corte se abre todas as manhãs e
cicatriza a noite. – Disse ele para mim. Não parecia estar mentindo.
– Por que fez tudo aquilo, por que tentou me matar? O que ele
prometeu a você? – Perguntei me referindo a Fairin.
– Ele prometeu que não mataria Moan quando ela voltasse, quando ela
o traiu e foi te buscar no outro mundo para te levar a Arcádius. Fairin falou
que a perdoaria e não lhe faria mal, mas eu precisava ajudá-lo a pegar você.
– Ele bufou e fechou os olhos, pelo visto havia sido enganado por Fairin
também. – Ainda estava em dúvida quanto a ajudá-lo ou não pois se eu o
ajudasse ele poderia curar Moan.
– Quando foi que ele a pegou, até onde eu sei, ela estava com Arcádius!
– Logo que vocês partiram, como não havia cumprido com minha
missão, que era levá-la até ele, ele capturou Moan na Floresta das almas e a
levou até lá. Veruza tirou uma lâmina negra de dentro de um baú em frente
à um altar e esfaqueou sua própria filha, disse que ela morreria aos poucos,
que eu poderia tentar qualquer coisa, mas ela morreria em poucos dias.
– E como ela está viva? – Perguntei, Demétrius abaixou a cabeça.
– Estou dando um pedaço de cristal da montanha azul todas as noites
para ela, eu faço um pó com o cristal e lhe dou pela manhã, durante o dia ele
cicatriza e melhora, mas na madrugada, volta a se abrir. É doloroso, ela diz
que queima como ferida de unha de Vampiro. – Quando ele disse, lembrei da
cicatriz em minhas costas, e de como parecia pegar fogo na hora.
– Então você precisa de mim para salvá-la e em troca vai ficar do nosso
lado? – O olhei desconfiada.
– Estarei do lado de vocês mesmo se ela morrer, só para ter o prazer
de rasgar a garganta de Fairin no final! – Rosnou ele. – Mas de qualquer
forma, estarei lá com Moan esperando por vocês. – Ele se levantou e me
ergueu do chão.
– Demétrius, uma última pergunta, por que querem que você mate a
irmã de minha mãe? O que ela fez? – Perguntei.
– Ela os traiu também, quando descobriu que Veruza estava no corpo
de sua filha ela ficou possessa, Pytia gritou com Veruza “Se minha filha não
está mais aí dentro, seu corpo não vai pertencer a mais ninguém! ” E tentou
matar Veruza, Fairin não estava por perto! Pytia chegou a atravessar sua
espada do peito de Veruza e fugiu quando achou que ela ia morrer, mas
Fairin chegou a tempo de salvá-la, tirou a alma de Veruza do corpo de Belve
e colocou sua alma em outro corpo.
– Então Veruza não está mais no corpo de Belve é isso?
– Não, não está... ela está no corpo de uma jovem morena de cabelos
azuis, uma metamorfa, Brigith, acho que foi esse o nome que eles disseram...
Eles a capturaram em Torre das Nuvens semana passada...– disse ele
pensativo – Bom, preciso ir achar Pytia, não posso me dar ao luxo de morrer
agora! – Disse ele rindo. “Animalium discutiunt”! Falou ele baixinho em meu
ouvido enquanto via meu corpo virar uma nuvem nas mãos de Demétrius.
2

A bri os olhos, todos estavam em volta de mim me


observando, me senti claustrofóbica e tentei me sentar,
mas fui impedida por Eirien que estava sentada embaixo
de mim, estava com a cabeça sobre as pernas dela e ela
acariciava minha cabeça.
– Leona, está tudo bem? – Ewren estava ajoelhado ao meu lado e
esfregava meus pulsos. – O que aconteceu? – Notei que todos estavam
esperando que eu falasse algo.
– O que houve? – Perguntei conseguindo me desvencilhar dos braços
de Eirien e me sentei.
– Você demorou muito a voltar e começou a ficar gelada e com o pulso
muito acelerado. – Ewren me respondeu tirando meu cabelo do rosto.
– Demétrius está vivo... – falei depois de alguns instantes de silêncio.
Ewren mudou de cor, ficando vermelho e depois branco como um fantasma.
– Ele está do nosso lado! – Disse Arcádius se aproximando de mim.
– Como aquele bandido está do nosso lado Arcádius! Não, uma
pergunta melhor, como ele está vivo? Eu arranquei sua cabeça! – Ewren
estava bufando.
– Ele recebeu parte dos poderes de Leona quando tomou o sangue dela,
então ele fez o mesmo que Lórien fez para vir ficar conosco. Não se arriscou
mais sabendo que você queria a cabeça dele! – Arcádius estava falando de
forma diferente, seu tom de voz macio havia sido substituído por uma voz
séria e ameaçadora.
– Ele não é nosso inimigo, é como Black Jango, estava apenas sendo
chantageado! Fairin usou Moan para obrigá-lo a me entregar. – Expliquei.
Ewren me fuzilou com o olhar como se eu o tivesse traído. – Ele nos pediu
ajuda para salvar Moan... – falei reduzindo a voz. Eirien também estava me
olhando de canto de olho. – Descobri também que Pytia está sendo caçada
por eles por tentar matar Veruza, e que Veruza saltou do corpo de Belve
para o de Brigith, sinto muito tio... – falei baixinho quando vi a expressão de
horror de Arcádius. – O que vocês conseguiram? – Perguntei tentando
amenizar o clima. – Pelo que ouvi de Guinn e Bargon, eles não conseguiram
aliança com os elfos de Górtia, nem com os vampiros e Lobisomens. – Contei
o que havia ouvido para eles. – Demétrius partiu para encontrar Pytia... –
Toda vez que falava o nome de Demétrius Ewren se irritava.
– Fairin está usando controle mental sobre os gigantes, eles têm a
capacidade mental muito reduzida, então acabam sendo facilmente
manipuláveis! – Disse Arcádius.
– Fairin está no Castelo de Cristal com Veruza e com Dymesia, porém
o castelo está sendo protegido por duas barreiras mágicas e uma quantidade
absurda de guardas minotauros. Pelo que ouvi por lá e pelas redondezas dos
portos, Os abissais e os clãs dos caçadores ainda não se uniram a Fairin. –
Ewren estava muito irritado.
– Os elfos da floresta de Górtia estão sem nenhum contato do lado de
fora da floresta que está sendo protegida por uma Fênix Azul com cauda de
fogo que fica circulando a cidade. Ela não me permitiu chegar perto, me
incendiou assim que sobrevoei a barreira! – Disse Jocelinne. Pelo visto o
humor dela não estava melhor que o de Ewren.
– O que faremos agora? – Perguntei.
– Vamos começar a reunir os que não estão a favor de Fairin, porém
precisamos ser rápidos! Vamos nos dividir em dois grupos e tentar reunir o
máximo de pessoas que pudermos. – Arcádius ficou pensativo – Vamos
dividir os grupos assim: Serena, Leona, Hassan e Ewren em um grupo, vocês
tentaram conseguir aliados no Mar das Tormentas, nas ilhas Monarcas e
onde mais acharem que conseguirão ajuda.
– Ótimo! Louco para passear nas ilhas dos vampiros com duas
mulheres de sangue amaldiçoado! – Ewren parecia mais sarcástico que o
normal. Arcádius deu um suspiro cansado.
– Eirien, Jocelinne, Lórien e eu iremos para as Florestas de Górtia e
Gheshira e para Torre das nuvens, talvez de lá Aristes possa nos dar alguma
informação útil. – Disse ele. – Tenho assuntos pendentes por lá.
Acenamos com a cabeça e saímos da sala.
– Onde ficam essas ilhas? – Perguntei enquanto íamos até o quarto no
andar de cima, Ewren estava apertando meu braço, podia sentir seu pulso
acelerado.
– São as ilhas dos vampiros. Ficam no meio do mar entre Edro e Vintro.
– Respondeu ele rispidamente. Nós entramos no quarto e ele bateu a porta
quando passou por ela com tanta força que as dobradiças rangeram. –
Agora... me explique como exatamente Demétrius está do nosso lado e como
você soube disso! – Ele estava com os olhos prateados sem nem alterar sua
aparência. Respirei fundo e contei tudo que havia acontecido a ele, sem
deixar nenhum detalhe escapar. Ewren estava vermelho e respirando forte.
– Ewren, por que está com raiva de mim? – Perguntei pegando seu
rosto e o virando para que pudesse me encarar.
– Não estou com raiva de você! – Ele falou de forma tão grosseira que
me afastei.
– Você está com ciúme! Acha que eu sinto alguma coisa por ele por
causa daquela vez em Arcádia, não é? – Soltei as palavras, ele me encarou e
ficou com a expressão dura. – Serei para sempre sua... – repeti as palavras
baixinho ainda olhando nos olhos dele e lhe mostrando as marcas douradas
em minha mão que se misturavam às minhas próprias marcas agora
douradas também. – Não foi o suficiente para você confiar em mim? E Karin,
Nyumun e Asahi? – Ele suspirou e me abraçou com força. Depois de um longo
tempo naquele abraço ele pegou meu rosto entre suas mãos.
– Me desculpe. – Disse ele me beijando, soa boca se moldou a minha,
logo em seguida beijou minha testa. – É difícil para mim acreditar nele, eu
lembro bem como você ficou toda bobinha perto dele, ele é um híbrido de
incubo e sereiano também, isso dificulta as coisas...
– Então comece a acreditar! – Enrolei meus dedos em seus cabelos
macios e o beijei, mas com vontade, como se ele fosse desaparecer e essa
fosse a última chance que eu teria de sentir seu gosto. Ewren desceu suas
mãos pelas minhas costas e me apertou gentilmente contra seu corpo.
– Ewren, Leona! – Lórien gritou atrás de nós, dando-me um susto tão
grande que quase pude ver um unicórnio do trovão vindo para me buscar.
– Lórien! Juro por tudo que é mais sagrado que se me der outro susto
desses eu te dou uma cela para você ir montada no Unicórnio espiritual para
o outro mundo! – Falei através dos dentes com a mão no peito.
– O que você quer, sua chatinha! – Ewren perguntou, ele parecia mais
como um gato manso agora.
– Arcádius quer todos nós na sala antes de sairmos. – Disse ela
mordendo os lábios e evitando rir.
Ao chegar na sala, estavam todos reunido em volta de um bolo coberto
por algo que parecia ser creme batido.
– Aniversário de quem? – Perguntei olhando para todos.
– De Jocelinne! – Eirien estava com um sorriso alegre no rosto.
– Que idade? – Perguntou Serena curiosa.
– Quatro mil seiscentos e doze. – Jocelinne sorriu discretamente.
Serena olhou assustada para ela. Depois olhou para mim, fiz um gesto com
as mãos mostrando que depois lhe explicaria. Cantamos parabéns para ela,
a canção não era muito diferente da que cantávamos na terra, como boa
parte dos humanos de Amantia foram trazidos da terra, talvez eles tenham
adaptado as festas de aniversário também.
– Que dia é hoje? – Quis saber.
– vinte e Cinco de outubro. – Respondeu Jocelinne comendo um
pedaço do bolo.
– O mesmo dia em que o Sirius e Áries tomaram o céu, seu aniversário
coincide com a data que eles subiram aos céus e se tornaram os Sóis e
guardiões dos Doze Mundos há pouco mais de dez mil anos atrás. – Disse
Arcádius sorrindo.
– Como isso aconteceu? – Perguntei, Serena se sentou perto de mim
para ficar de frente para ele e escutar a história, mas quem começou a contar
foi Eirien.
– Meu bisavô, Haalin costumava me contar uma história para dormir...
– ela puxou seus cabelos para frente do corpo e começou a trançá-los, seus
olhos ficaram dourados e brilhantes – Na época que os humanos ainda eram
poucos neste mundo, os portais eram quase impossíveis de serem abertos
pois o círculo dos doze ainda não existia e era muito difícil pular de um
mundo para outro.
Quando a Guerra dos gigantes contra os Magos metamorfos pela
posse da costa de Edro começou, eles começaram a envolver todas as outras
raças que já estavam espalhadas por Amantia e não tinham um lugar fixo
para viver, ambos os lados prometendo dividir as terras e criar as cidades
específicas para cada raça. Sislar, o principal conselheiro do Rei era um
Metamorfo e apoiava a divisão das terras, mas ele estava a favor dos gigantes
e achava aquelas terras ideais para eles. Porém Phorpus, que se intitulava o
líder dos metamorfos queria tomar aquela região de qualquer maneira.
Nessa época o sol que iluminava os dias em Amantia era Antares, uma
grande estrela de fogo vermelha, ele quase nunca descansava, as horas do
dia eram longas demais e as noites curtas. No conselho do rei também
haviam dois grandes Magos, um casal na verdade, A mulher Áries, era uma
guerreira vinda da terra, embora não muito poderosa, era mestre em todos
os tipos de armarias e suas habilidades superavam a de qualquer um em
Amantia, ela era tão forte que podia derrotar um exército com apenas uma
espada! Sua pele era branca como a neve e seus olhos negros como a noite,
e seu marido Sirius, ele sim era o mestre dos mestres!
Seus poderes eram tão grandes que ele usava um lacre no peito para
conter seu imenso poder, era um mago Salamandra, o primeiro de sua raça
nascido em Amantia, seu amor por esse mundo só era menor do que o amor
por Áries, ele tinha a pele avermelhada e olhos de fogo, eles eram os mais
fortes de Amantia. – A descrição que Eirien fez deles dois era bastante fiel ao
que eram de verdade, ela continuou a contar – Um dia o rei, meu bisavô, se
irritou com aquela disputa, com a guerra pelas terras que nunca acabava e
mandou Sirius e Áries para o campo de batalha o poder dos dois juntos era
forte demais para ser contido e logo conseguiram acabar com aquela guerra.
Então, com ajuda de Sislar meu bisavô dividiu todas as terras de Amantia e a
paz voltou a reinar, as cidades começaram a crescer e se desenvolver.
– Essa é a história que seu avô lhe contava? – Perguntou Serena
confusa, Eirien sorriu.
– Não, eu me perdi nas histórias! – Disse ela dando uma risadinha e
ficando corada. – Meu avô me contava que Antares algum tempo após essa
guerra, mudou de cor ficando azul e logo após isso ele desapareceu,
deixando Amantia na mais completa escuridão. Não havia nem a luz da lua
e não sabiam mais quando era dia e quando era noite. Os vampiros e
Aswangs começaram a devastar tudo, matavam todos e estavam dominando
Amantia aos poucos.
Além de Amantia, tivemos notícias que dois dos Mundos já haviam
sido sugados pelo buraco negro que Antares havia se tornado, uma das três
luas de Evenox foi destruída por estrelas que estavam sendo puxadas, então
Áries e Sirius tiveram a ideia de criar uma ligação entre os doze mundos para
que pudessem entrar facilmente no décimo segundo mundo, Mogyin, o
mundo dos espíritos e de lá eles lacrariam o buraco negro que havia se
formado, o plano deles foi um sucesso, eles conseguiram fechar o buraco e
salvaram os doze mundos que restaram. Mas ainda tinha o problema do sol,
não havia nada que pudesse substituir o nosso sol. Dizem que lá em Mogyin
eles ouviram uma voz que deu a eles o poder para se transformar em sóis,
Áries se tornou uma grande estrela de Gelo e Sirius uma estrela de fogo.
E desde então eles guardam os doze mundos do círculo, mas sem
nunca interferir na vida dos mundos, pois se assim o fizerem, perderão a
chance de voltarem a suas formas humanas. – Eirien terminou a história,
Serena estava chorando e Lórien também.
– Mas se houver alguém com o poder tão grande quanto o deles e
aceitar a missão de guardar os doze mundos, eles voltarão a forma humana
e viverão em Amantia novamente. – Completou Hasan, todos olhamos para
ele surpresos. – O que é? Sou filho deles! Conheço a história de como
chegaram lá!
– Desculpe, mas quantos anos a senhora tem, Eirien? – Perguntou
Serena corando ao perceber o quanto fora indelicada.
– oito mil... algo por aí! Nasci dois mil anos depois de Aries e Sirius se
transformarem nos sóis! – Respondeu ela sorrindo.
– Se a senhora tem essa idade... qual era a idade deles dois então?
– Uns doze mil, talvez mais ou menos... – Respondeu Hasan pensativo.
Ficamos olhando-os de boca aberta.
– Bom, é muito divertido ficar aqui contando histórias, mas o tempo é
curto e a sede por poder de Fairin é grande! – Disse Arcádius por fim,
levantando-se e estendendo a mão para Jocelinne e Eirien. – Temos que ir! –
Disse ele nos encarando. – Não se esqueçam do porquê que estão fazendo
isso! – Ele foi em direção a porta seguido pelas três.
– Arcádius! Precisamos de uma data para nos encontrarmos
novamente e colocar nossas informações e progressos em ordem! – Disse
Hasan para Arcádius.
– Então nos encontraremos aqui em quinze dias! – Disse ele, meu
estômago afundou, quinze dias até nos encontrarmos novamente só para
contar as novidades, enquanto isso minhas filhas estavam com Medras,
Ervie e parte da mente de Lórien! Novamente Arcádius se transformou em
uma ave, Lórien correu até mim e me deu um forte abraço antes de correr
de volta e subir no pássaro gigante. Eirien deu um forte e longo abraço em
Ewren depois beijou suas bochechas.
– Nós veremos em breve! – Disse ela sorrindo, tanto para mim quanto
para ele. Os quatro desapareceram no ar em direção ao Norte.
– Para onde vamos primeiro? – Perguntou Serena quando eles
sumiram de vista.
– Para Lastar, ajudar Moan! De lá veremos para onde vamos. – Ewren
inspirou e desviou o olhar. – Lembre-se que se ela não tivesse ido ao outro
mundo e me dado o espelho eu não estaria aqui hoje... – falei.
– Vamos logo! Antes que me arrependa! – Disse ele abrindo as asas e
me pegando no colo.
– Espere e eles dois? – Perguntei – Serena não pode usar seus poderes
se não pode chamar atenção! – Hasan pigarreou e deu um sorriso de lado.
– Já vim preparado para tudo! – Ele assoviou baixo, o som saiu tremido
e agudo fazendo minha cabeça doer. Pouco depois uma Sombra nos cobriu.
Olhei para cima assustada.
– Ewren, o que é aquilo! – Perguntei engolindo em seco. Ewren
encarava Hasan incrédulo.
– Uma Mantícora? Você vai mesmo voar nisso? – Perguntou ele para
Hasan que sorria divertido. A criatura que veio até nós, era um leão do
tamanho de Amaterasu, só que com enormes asas de dragão e uma cauda de
escorpião com um ferrão ameaçador na ponta. Serena não parecia
assustada, afagou a cabeça da criatura que pareceu gostar dela também.
– Esse era o bichinho de estimação de minha mãe enquanto vivia aqui,
ela domesticou o Meow. – Disse Hasan montando na Mantícora e puxando
Serena para cima.
– Meow? Isso lá é nome para esse bicho? – Disse olhando para ele ainda
espantada.
– Amaterasu até vai, mas Feroz? – Retrucou Hasan rindo – Falta de
criatividade! – Me encolhi lembrando que Ewren e Andros também
criticaram o nome que havia colocado em Feroz.
– Vamos logo, não temos tempo a perder! – Disse Ewren abrindo suas
asas e voando em direção ao oeste. – Devemos chegar a Lastar ao anoitecer
se não ficarmos enrolando. – Ele estava muito irritado, não queria ver
Demétrius novamente, pelo menos não vivo. Deixamos o templo de fogo
para trás e voamos sobre o Mar da Tranquilidade. Não tinha nada de
tranquilo nesse mar, as ondas batiam violentamente contra os corais e
rochas e eram tão altas que mesmo na altura que estávamos voando, os
ventos acabaram atrapalhando um pouco nosso voo.
– Vai continuar com essa cara feia? – Perguntei depois de um longo
tempo em silêncio. Ewren trancou o maxilar, estava mais irritado do que eu
tinha imaginado.
– Não tenho outra cara... – respirei fundo para não me irritar também.
Tirei o pingente do pescoço e fiz meu cajado aparecer, tirei a fita que estava
amarrando meu cabelo com cuidado para não soltar Amaterasu e a
transformei numa ave como a que Arcádius havia se transformado, me
desembolei dos braços de Ewren e saltei para cima dela com Amaterasu nos
braços. Ia ignorá-lo para que pudesse pensar com calma, “Para o esconderijo
em Lastar” passei as coordenadas à ave e passei o máximo de meu poder a
ela, fazendo-a disparar na frente deles. Em pouco tempo já os havia perdido
de vista, Ewren era rápido, mas não poderia me acompanhar se eu usasse
meus poderes para aumentar a velocidade da ave.
– Dois podem jogar o mesmo jogo! – Disse ele pousando sobre a ave
atrás de mim.
– O quê? Como me alcançou? – Fiquei surpresa, ele havia ficado ainda
mais mal-humorado, na certa achou que eu queria chegar antes deles para
ver Demétrius, se tivesse pensado nisso antes, não teria saído na frente.
– Tenho os mesmos poderes que você, com a diferença de anos de
prática, e talvez um pouco menos de energia... – disse ele tirando Amaterasu
de meu colo e colocando-a perto da cabeça da ave. Ela pareceu se divertir,
abriu a boca e sacudiu a língua para os lados enquanto o vento entrava em
sua boca. Parei de passar energia para a ave, ela diminuiu a velocidade
lentamente.
– Só queria me afastar um pouco para deixar você pensar... – falei
ignorando-o.
– Não me leve a mal, Leona, só que se eu não gostar de uma pessoa,
não espere que eu vire amiguinho dela de uma hora para outra, não sou de
mudar de opinião sobre as pessoas... – disse ele sentando-se cruzando os
braços e franzindo o cenho. Ele odiava Demétrius por tê-lo vencido em
Vintro, sabia disso e não havia pedido para ele mudar de opinião sobre ele.
Apenas precisávamos de o máximo de pessoas ao nosso lado, e querendo ou
não, Demétrius era muito forte pois tinha o poder que absorveu de meu
sangue.
– Só chegar lá e não o matar já é o suficiente, consegue fazer isso?
Precisamos de toda a ajuda que conseguirmos, por elas Ewren! – O lembrei –
Quero trazê-las para Amantia e não quero precisar... – quase soltei sem
querer meus planos alternativos. Ewren me olhou desconfiado e estreitou
os olhos.
– Precisar o quê? – Perguntou segurando-me virando-me para ele.
Hasan e Serena nos alcançaram no momento que ele ia perguntar
novamente.
– Achei que ia perder vocês! – Disse Serena rindo. Ewren se ajeitou
atrás de mim puxando-me para seus braços e me apertando.
– Se eu descobrir que você está escondendo algo de mim... – disse ele
baixinho para que apenas eu ouvisse. – Se eu descobrir que você está
planejando algo que vá lhe colocar em risco, eu não vou te perdoar nunca,
entendeu? Lembre-se do que lhe disse em Evenox, não vou permitir que
você se entregue por nós! – Sua respiração fez cócegas em meu pescoço e
suas palavras lançaram um frio em minha espinha.
– Não se preocupe com isso, não pretendo desistir sem lutar! –
Respondi agradecendo silenciosamente por ele desistir de perguntar sobre
meus planos. Voamos em silêncio por muito tempo até avistarmos algo.
– Que ilhas são aquelas? – Perguntou Serena apontando um monte de
terra e arvores a poucos metros de estávamos voando. As ilhas flutuavam
numa parte em que o mar estava mais violento e as ondas mais alvoroçadas,
havia algo brilhando em volta delas, como se fossem cercadas por água.
– São as ilhas flutuantes de Lópades. – Respondeu Ewren ficando de pé
e observando. – Podemos parar lá para fazer um lanche! – Ele tocou a cabeça
da ave fazendo-a desviar na direção das ilhas. Hasan também deu instruções
a Meow para que ele nos seguisse. Ao chegarmos perto percebi que as ilhas
eram cobertas por conchinhas e que as árvores na verdade eram plantas
marinhas e o que parecia ser água em volta delas, era mesmo água! Eram
aquários que estavam flutuando acima do mar. Os peixes coloridos nadavam
de um lado para o outro, haviam polvos, estrelas do mar e pequenos
crustáceos andando nas paredes de água que protegiam as ilhas.
– Não pode ser verdade! Eu estou sonhando, não é? – Serena esticou a
mão para tocar na água, quando tocou ela foi sugada para dentro da barreira
e não pude vê-la mais.
– Serena? – Chamei tocando a água também. Senti meu braço ser
tragado para dentro da barreira e caí deitada em cima de Serena que estava
de barriga para cima olhando para o alto de boca aberta. Para minha
surpresa não estávamos dentro da água, mas dentro de uma barreira feita
de água, a parte de dentro era seca, e parecia ser um aquário flutuante como
a cidade de Cristal – Você está bem? – Perguntei levantando-me e tirando-a
do chão. Ela moveu a cabeça afirmativamente e apontou um dedo para o
alto. Olhei para onde ela estava apontando, no centro daquele estranho
aquário cheio de pedras e conchinhas e plantas marinhas havia uma
mandala como a que protegia Amantia e podia ser vista perfeitamente de
Arcádia, só que a deste local era azul, e fazia tudo ter uma cor azulada. Ewren
e Hasan apareceram atrás de nós pouco depois com Amaterasu no colo e um
pequeno gato marrom, que supus ser Meow encolhido e transformado para
não chamar atenção.
– O que é isso? – Perguntei olhando em volta sem acreditar no que
estava vendo.
– É a ilha de Lópades, o lar dos Selkies. – Ewren começou a rir.
– O que são Selkies? – Serena tirou a pergunta de minha boca. Quando
Ewren ia responder uma foca apareceu ao meu lado, ergueu sua pata e se
transformou numa bela jovem de cabelos e olhos cinzentos, fazendo-me
pular para o lado e me segurar em Hasan assustada, Serena fez o mesmo.
– Bem-vindos a Lópades! – Disse ela numa voz estranha, como se
estivesse forçando a usar uma voz humana.
– Selkies são fadas condenadas a viverem como animais, elas têm
poder para usar aparência humana por pouco tempo antes de voltarem a ser
focas – explicou Hasan num sussurro. A foca-mulher se aproximou de Ewren
e segurou sua mão.
– Gostaria de conhecer a nossa ilha? – Perguntou ela para ele.
– Tudo bem, nos viramos sozinhos! – Falei puxando-o em direção à
uma pequena colina bem a nossa frente. Hasan e Serena nos seguiram sem
entender nada. A ilha era muito bonita, parecia que estávamos num
mergulho no fundo do mar só que sem a água.
– Focas não precisam viver no mar? – Perguntei.
– Durante a noite a água que fica presa nas barreiras retorna à ilha
deixando apenas alguns locais secos. De noite isso aqui vira um aquário de
verdade. – Ewren parecia estar se divertindo.
– Por que está rindo? – Perguntei.
– A cara que você fez quando a foca se transformou foi hilária! – Disse
ele soltando uma gargalhada. Amarrei a cara para ele, Serena e Hasan
estavam rindo também. Claro pois era muito normal uma foca virar gente!
Resmunguei mentalmente.
– Não lembro de ter visto essa ilha nos mapas... – falei observando ao
redor, a ilha estava cheia de selkies e algumas pessoas que estavam sentadas
nas rochas conversando com as focas. Aquilo foi uma das coisas mais
estranhas que vi em Amantia desde que cheguei aqui.
– Essa ilha é nova, tem menos de dois mil anos, foi sua mãe que a
colocou aqui! – Disse Ewren sorrindo. – As selkies eram perseguidas lá
embaixo para servirem de escravas, já que se alguém tomar sua pele de foca,
elas não podem voltar a sua forma animal e ficam presas à pessoa que
possuir sua pele.
– Que crueldade! – Serena as olhou com pena. – Nós não íamos parar
para fazer um lanche? – Eu também achei que íamos fazer isso, mas logo
após passarmos pelas colinas pude ouvir um som de água corrente muito
forte. A poucos metros de onde estávamos havia uma cachoeira que descia
até o mar como um escorregador de água.
– Um atalho! – Disse Hasan apontando para baixo.
– Nem pensar! Nem de brincadeira que eu vou descer por ali! – Serena
deu um passo para trás.
– Isso vai entrar em um túnel submarino e sair na costa de Lastar... –
Ewren estava com suas mãos sobre uma pedra que estava parcialmente
submersa nas águas que corriam da cachoeira para o mar. Nesse momento
tive uma ideia a “maneira Lórien” de pensar. Segurei firme Amaterasu nos
braços, enrosquei meu braço livre ao redor da cintura de Serena, devíamos
estar a uns oitenta metros acima do mar, as ondas lá embaixo pareciam
suaves e calmas daqui de cima, então antes que perdesse a coragem, saltei
para frente segurando Serena e Amaterasu firmemente.
– AHHHHHH EU VOU TE MATAR! – Gritou Serena agarrando-se a mim,
comecei a rir feito louca enquanto erguia o cajado e nos colocava dentro de
uma bolha que começou a rolar descontrolada cachoeira abaixo. Senti as
patas de Amaterasu pisotearem meu rosto e minhas costas enquanto ela
tentava desesperadamente subir em mim para se manter estável, porém
sem sucesso, Serena continuava gritando até que a bolha tocou a superfície
do mar, nesse instante fomos sugadas para baixo e uma forte corrente de
água nos arrastou por algo que parecia ser um túnel feito de corais e
esponjas.
Enquanto rolávamos pelas águas pude ver um grupo de sereianos nos
observando assustados, na certa só estavam acostumados a ver Selkies
utilizando esse túnel. Tentei olhar para a parte de trás do túnel, porém não
vi nem Ewren nem Hasan nos seguindo. Será que não era assim que era para
descer? Ou ele havia dito que era um atalho, mas na verdade era apenas uma
brincadeira. Agora era tarde para pensar nisso. Serena colocou suas mãos na
bolha, que parou de rolar de qualquer jeito e estabilizou-se deslizando
suavemente pelo túnel.
– Você só pode ser louca, não é? Absorveu a loucura de Lórien
enquanto esteve aqui? – Perguntou Serena olhando-me de canto de olho.
– Acho que sim, pouco antes de pular eu pensei “O que Lórien faria se
estivesse aqui” – comecei a rir novamente.
– Estou gostando daqui! – Ela pegou Amaterasu no colo, que estava
assustada e com os olhos arregalados olhando para fora da bolha, pouco
depois tentou abocanhar um peixe que se aproximou de nós, mas a bolha
que estava mantendo com meu poder resistia a seus dentes afiados.
– Eu também gosto daqui... – falei, agora a bolha havia feito uma leve
inclinação e estávamos subindo em direção a superfície.
– O que pretende fazer quando chegar lá? – Não havia pensado nisso
ainda. Demétrius estaria nos esperando para curar Moan, ele provavelmente
usaria meu sangue para curá-la ou o sangue de Serena. Nem Hasan nem
Ewren iriam gostar disso, mas não podia ir na frente deles para encontrá-los
no esconderijo pois sabia que Ewren iria ficar com raiva de mim.
– Vamos esperar eles nos alcançarem lá fora para decidirmos juntos.
– Falei. A bolha começou a acelerar conforme chegávamos a superfície,
quando chegou bem perto, fomos atiradas para cima, para fora d’água e
caímos na geleira onde mais algumas selkies brincavam juntas no gelo e
pescavam. Fiz roupas quentes aparecerem em nós enquanto Amaterasu
crescia para nos proteger de qualquer ameaça.
– Por que será que estão demorando tanto? – Também estava achando
estranho a demora deles. Alguns selkies se aproximaram de nós.
– Está tudo bem com vocês? – Perguntou um jovem de cabelos curtos
e espetados e olhos cinzentos.
– Está sim... – eles não pareciam ameaçadores, mas não devia confiar
em ninguém, afinal Fairin podia estar em qualquer lugar ou ter espiões em
qualquer lugar. – Apenas estou esperando meu Guardião e meu irmão. –
Falei acendendo minhas marcas. – O selkie abaixou a cabeça como em uma
reverência e se afastou sem virar de costas para nós. Pouco depois os outros
que estavam brincando na neve perto de nós também se afastaram e
voltaram para o mar.
– O que aconteceu? – Serena olhou para mim e prendeu a respiração.
– Leona, por que suas marcas estão douradas? – Ela não tinha visto ainda
dessa forma.
– Adotei as marcas da família Ascardian. – Respondi passando a mão
carinhosamente sobre as marcas douradas em meu braço esquerdo. Serena
ficou me encarando por um tempo, seu rosto ficou corado e ela desviou o
olhar mordendo os lábios para evitar rir. – O que foi? – Perguntei tentando
decifrá-la ela estava olhando as próprias marcas ainda verdes e ficou ainda
mais vermelha, sabia que tinha algo haver com Hasan. Antes que ela pudesse
responder, o mar cuspiu uma bolha que trazia Hasan, Ewren e Meow. Eles
vieram até nos, Hasan estava rindo e tentando acalmar Meow em seu colo e
Ewren de cara feia, arrumava os cabelos todos embolados. Hasan parecia um
sol, sua pele tinha um leve brilho alaranjado como o de Sirius, mas eram os
olhos negros e profundos de Áries.
– Não achei que você fosse ter coragem de pular! Normalmente é
medrosa e tem medo de altura... – Ewren não perdia uma oportunidade para
me importunar.
– Acho que baixou o espírito da Lórien em mim de repente... – falei
brincando, Amaterasu me empurrou com a cabeça olhando para os lados.
– Devíamos ir logo até onde eles estão! – Hasan estava observando
preocupado ao nosso redor. – Selkies são muito fiéis aos seus mestres, pode
ser que hajam espiões por aqui... – disse ele tocando com a espada em Meow
que voltou a crescer para sua aparência assustadora, ele movia sua cauda de
escorpião como um radar, como se estivesse vigiando.
– Vamos... – Quando Ewren veio até mim para me pegar no colo o chão
a nossa frente começou a vibrar. Uma Montanha de neve se ergueu diante
de nós e esticou os braços alongando-os, o som era como de milhares de
rochas se partindo e deslizando.
– Ahh... – Hasan Gemeu baixinho fazendo suas espadas aparecerem.
– Não creio no que estou vendo! – Ewren segurou a mim e serena e deu
um salto para trás, Hasan fez o mesmo movimento, Amaterasu correu para
longe em direção às verdadeiras montanhas seguida por Meow. Ewren
ergueu uma barreira em volta de nós.
– Ewren, o que é isso? – Perguntei observando a montanha congelada
se virar lentamente em nossa direção.
– Um Ymir. Não fazia ideia que eles ainda existissem em Amantia,
todos os que vieram de Vegahn haviam sido exterminados!
– Vegahn? – Serena perguntou baixinho.
– O sétimo mundo do círculo, ele é um planeta totalmente coberto de
gelo, de lá que vieram os Yetis, Ymirs e as Damas de gelo e muitos outros... –
Respondeu Hasan, olhamos surpresos para ele.
– Como sabe de tudo isso? – Perguntei.
– Já estive nos Doze mundos Leona! – Respondeu revirando os olhos.
– Esqueço que você não é meu irmãozinho humano, Hasan, desculpe!
– Retruquei bufando, Hasan começou a rir, tapei sua boca para que ele
ficasse em silêncio. O Ymir virou sua cabeça gigante em nossa direção. Seus
olhos pareciam faróis azuis brilhantes e em sua mão havia um porrete de
Gelo do tamanho de uma torre de vigia de Lótus Vale.
– O que vamos fazer? – Perguntei tão baixo que não sabia se Ewren
havia me escutado, ele demorou a responder.
– Temos que esperar para ver se ele vai sair, acho que não
conseguiremos enfrentá-lo sozinhos... – Nesse momento o Ymir pareceu nos
ver, pois olhou diretamente para onde estávamos e abriu a boca, ele inspirou
com tanta força que a neve do chão foi sugada para dentro dela, logo em
seguida ele soltou um urro tão alto e medonho, lançando uma forte nevasca
de sua boca e quebrando a barreira de Ewren.
– Agora já era! – Disse Hasan erguendo a espada para cima e a
transformando em um cetro. – Leona, Serena! Prendam ele no chão! – Gritou
ele correndo em direção ao Ymir.
– Ficou louco volte aqui! – Gritei. Ewren segurou meu braço para
impedir-me de correr atrás dele.
– As correntes Leona! – Ewren bateu com a palma da mão no chão e
fez uma grossa corrente surgir do chão e prendê-lo. Serena e eu fizemos o
mesmo, mas as correntes não iriam segurá-lo por muito tempo. Hasan se
aproximou do Ymir e aumentou seu brilho, como se estivesse pegando fogo,
a neve ao seu redor começou a derreter.
– Ele está tentando derreter o Ymir? – Perguntei.
– Acho que sim! – Ewren girou sua espada acima de sua cabeça e fez
uma bola de fogo aparecer, atirando-a contra o Ymir, mas parecia não ter
efeito.
– Hasan, isso não vai funcionar! – Gritei tentando usar o mínimo de
energia possível para manter o monstro preso. Porém a corrente que Serena
fez começou a ceder pois o Ymir não parava de se debater, causando fortes
tremores. Seu braço gigante se soltou e ergueu o porrete de gelo do chão o
girando na direção de Hasan.
– HASAN! – Gritei, soltei a corrente que mantinha presa com o meu
cajado e o bati no chão com tanta força que uma rachadura se abriu na
geleira, desequilibrando e derrubando o Ymir.
– Obrigado! – Disse Hasan voltando até nós – Não conseguiremos
derrota-lo sozinhos! – Disse ele fazendo o gelo se solidificar e prender o Ymir
deitado no chão. Ele se movia lentamente então tínhamos poucos minutos
para decidir o que fazer.
– Se corrermos ele irá atrás de nós, e ele é imune a ataques mágicos! –
Disse Ewren frustrado. – Nossos ataques com as espadas não farão nem
cosquinhas nele, sua pele exterior é feita de gelo, se conseguíssemos derrete-
la eu conseguiria facilmente arrancar-lhe a cabeça!
– Já sei! – Gritei – Serena faça uma barreira em volta de nós quando eu
mandar ok? – Peguei a escama de dragão no meu pescoço e sorri.
– Ótimo! Vamos até ele Ewren! – Disse Hasan transformando seu cetro
de volta numa espada e correndo em direção ao Ymir novamente seguindo
Ewren. Fiz uma nuvem de fumaça negra me circular e em minha frente
surgiu a silhueta de um imenso dragão, que aos poucos tomou forma. Seus
olhos brancos e vazios estavam fixos em minha direção.
– Segure meu corpo quando eu cair e faça a barreira ao nosso redor,
está bem? – Serena sacudiu a cabeça afirmativamente e abriu os braços
esperando que eu caísse. Subi no focinho do summon do dragão e toquei
minha testa em sua cabeça. Tomar aquele corpo foi a coisa mais estranha
que fiz, ele era demasiado grande, demorei a tomar conta de todas as partes
do corpo dele, minha mente se esticou tomando primeiro a cauda, as patas
traseiras, logo em seguida as asas, as patas dianteiras e finalmente a cabeça.
Abri os olhos, aos poucos comecei a enxergar, era como se tivesse adquirido
visão de calor, tudo em minha frente era azulado e via o calor dos corpos ao
meu redor.
Levantei-me pesadamente tentando controlar a cauda para que não
acertasse a barreira de Serena e me movi em direção ao Ymir, que na minha
visão de dragão era apenas uma massa azulada e fria, ele havia arrebentado
as correntes e também se erguia pesadamente do chão. Agora ele era um
adversário a minha altura, se eu ficasse de pé nas patas traseiras, ficaria
maior que ele facilmente. O Ymir me viu e ignorou Ewren e Hasan, vindo em
minha direção em passos largos e saltados com o porrete erguido, não sabia
ainda como soltar fogo com o dragão, andei até ele também, girando minha
cauda e fazendo-a passar de raspão em seu corpo branco gigante. Droga! A
visão de um dragão não permitia que eu tivesse total controle das dimensões
a minha volta. Vi a mão do Ymir se erguer em minha direção. Ewren e Hasan
começaram a gritar, mas não podia distinguir ao certo o que estavam
falando. Ao tentar prestar atenção neles, fui atingida por um golpe certeiro
do Ymir na lateral de meu corpo e caí para o lado fazendo a terra tremer.
Não senti dor, na verdade, apenas um desconforto, como se tivesse me
desequilibrado e caído.
Ergui-me do chão com dificuldade, movendo minhas asas para que
me ajudassem a ter equilíbrio e levantar. O Ymir moveu novamente sua mão
no ar para me atingir novamente, não era uma criatura inteligente, estava
ignorando de onde vinha minha energia que fazia o dragão se mover. “Dessa
vez não, amiguinho! ” Pensei abrindo minha boca o máximo que pude e
parando seu ataque com os dentes. Ele urrou tentando tirar o porrete de
meus dentes, sem sucesso, ri por dentro pois minha força era muito maior
que a dele.
Apertei os dentes o máximo que pude fazendo o porrete de gelo se
esfarelar em minha boca. Girei meu corpo rapidamente batendo com a cauda
nas pernas do Ymir e derrubando-o no chão. Ewren voou até bem perto de
mim e se segurou no longo chifre na lateral de minha cabeça.
– Leona, derreta sua pele externa para que possamos matá-lo! – Disse
ele.
Explorei minha boca mentalmente, tentando descobrir como fazer
aquilo, notei então que quando respirava, um gás se acumulava em minha
boca, um liquido saído de um orifício em minha língua que estava
evaporando com o calor de meu corpo e alguns de meus dentes eram feitos
de pedras grossas e porosas. Fiz um atrito entre eles e notei que soltaram
faíscas. Ri comigo mesma aprendendo a usar o poder do dragão. O Ymir
começou a se erguer novamente. Abri minhas asas o máximo que pude e me
ergui no ar, comecei a me sentir um pouco tonta e cansada então teria que
ser rápida com isso.
Fiquei acima do Ymir para poder acertá-lo completamente com o
líquido inflamável de minha língua. Inspirei profundamente fazendo uma
grande quantidade de líquido se acumular numa espécie de depósito
embaixo de minha língua e espirrei em direção ao Ymir, encharcando-o com
o líquido, quando este começou a evaporar em minha boca, fiz a fagulha, que
imediatamente incendiou o jato de líquido que estava jogando contra o
gigante de gelo, fazendo-o queimar em uma tocha azul e derreter todo o gelo
que o cobria, deixando apenas uma fina camada de pelos chamuscados
cobrindo-o.
Ewren saltou de minha cabeça com a espada erguida caindo em cima
do Ymir e partindo sua cabeça ao meio, ele caiu no chão fazendo um tremor
tão intenso que uma onda ne neve quase varreu tudo ao nosso redor, então
o sangue escuro e espesso dele começou a escorrer na neve.
Cai pesadamente no chão sobre a neve, exausta e com muito sono,
como Lórien havia feito para lutar usando o dragão e depois voado por tanto
tempo com ele sem se cansar? “Animalium discutiunt” Falei baixinho
comigo mesma, sentindo minha mente se encolher e se soltar do corpo do
dragão, desmanchando-o e voltando para meu próprio corpo.
3

A bri os olhos com dificuldade, minha vista ardia como se


tivesse enchido os olhos de areia. Estava nos braços de
Ewren voando sobre a neve indo em direção ao esconderijo
subterrâneo de Arcádius.
– O que houve? – Perguntei sentindo meu corpo todo
doer, Ewren começou a rir.
– Conseguimos matar o Ymir, graças a você, foi incrível! – Disse ele me
dando um beijo na testa.
– Me sinto exausta, meu corpo todo dói... – resmunguei sentindo
minhas costas doerem.
– Você não mediu a quantidade de energia necessária para mover o
Summon do dragão, então esgotou toda sua energia para controlá-lo.
– Parecia tão fácil quando Lórien fez... – falei me esticando e
segurando-me em seu pescoço. Parecia que meu corpo iria se desfazer a
qualquer momento.
– Lórien embora tenha menos poder que você é muito habilidosa, ela
é uma caçadora também! – Olhei incrédula para ele.
– Lórien é uma caçadora? – Perguntei. – Como assim uma caçadora?
– Ela foi treinada na academia de Ciartes e por Nellena, quando Nena
ainda fazia parte do exército especial dos caçadores.
– Nunca imaginaria Lórien como uma caçadora. Ela não parece uma! –
Embora quando estava indo para Vintro com ela, ela ficou parecida com uma
verdadeira guerreira quando matou o bandido na estrada.
– Lórien já foi muito séria, ela era ainda mais séria que Arin, ela queria
ser respeitada, pois todos a tratavam mal por ser híbrida.
– Afinal, o que tem de tão ruim em ser um híbrido? – Perguntei sem
entender.
– Ser um híbrido significa que seus poderes são menores do que os que
tem raça pura, as pessoas não levam fé em você se você for um híbrido.
Lórien era muito ruim com seus poderes quando era criança, não sabia
manipular a energia e fazia isso de forma descontrolada, mas ela era uma
espadachim incrível. – Disse ele sorrindo.
– Mas o pai dela não era um mago?
– Sim, mas ele não conseguia fazê-la aprender a usar seus poderes.
Quando ele se foi, ela ainda não havia aprendido a usá-los. Foi muito difícil
para ela, Lórien disse que nunca mais ia tentar usar seus poderes quando ele
desapareceu.
– Então como ela é tão boa agora? – Perguntei imaginando como ela
havia ficado tão habilidosa.
– Sua mãe a ensinou a usar seus poderes. Ela ensinou Lórien a separar
suas habilidades físicas e mágicas para controlar melhor os poderes.
– Minha mãe foi alguém muito especial para todos por aqui... – disse
num suspiro.
– Você também vai ser... – Disse Ewren apertando-me em seus braços.
– Eirien me disse que você é a próxima sacerdotisa de Amantia, quando isso
tudo acabar, quando estivermos todos juntos aqui você vai assumir o templo
do Castelo de Cristal. – Quando ele disse isso o pânico se instalou dentro de
mim que comecei a ficar sem ar.
– Não sei se conseguiria Ewren... – falei fazendo um grande esforço
para respirar normalmente, ele começou a rir novamente, estava mais
alegre hoje do que eu imaginava.
– Fique calma, ainda vai demorar um pouco para isso acontecer. – Ele
bufou e apontou com o queixo para frente. – Chegamos! – Descemos devagar
parando em frente à uma espécie de caverna esculpida no gelo. Amaterasu
estava deitada na entrada da caverna como se estivesse nos aguardado ali.
– Fique aqui de olho menina, qualquer movimentação estranha no
avise, está bem? – Ewren afagou suas orelhas e entrou na caverna.
– Não me lembro disso aqui! – Falei olhando o túnel de gelo por dentro,
ele fazia uma leve inclinação para baixo. Serena e Hasan desceram e vieram
andando lentamente atrás de nós, pareciam desconfiados de algo.
– Eles acham que pode ser uma armadilha. – sussurrou Ewren para
mim. – Eu também acho que pode ser... – Eu o interrompi segurando seu
braço.
– Arcádius disse que eles estão do nosso lado! Não há motivos para
desconfiar deles! – Falei. Ewren revirou os olhos e continuou caminhando
até chegarmos a uma porta de madeira no final do túnel. Bati algumas vezes
e fiquei esperando alguém aparecer. Nada, bati novamente, e outra vez, mas
ninguém atendia, coloquei o ouvido na porta, não conseguia escutar
nenhum som vindo lá de dentro.
– Devem ter morrido os dois, vamos embora! – Ewren segurou meu
braço para sairmos.
– Ewren! Ela é minha irmã também! – Reclamei virando-me para
porta, concentrei minha energia restante e derrubei a porta com um chute.
– Delicada... – disse Serena tapando a boca para não rir. Entrei
passando por cima da porta caída e indo em direção ao salão. Não havia
ninguém ali também, caminhei pelo corredor devagar tentando escutar
algo, ao passar por uma porta pude escutar um som fraco de um lamento,
um choro. Abri a porta e entrei sem pensar duas vezes, Moan estava sentada
no chão perto da cama com a cabeça apoiada nela, ela estava sobre uma poça
de sangue, ofegante, pálida.
– Moan! – Andei rapidamente até ela, erguendo-a cuidadosamente do
chão e a colocando sobre a cama novamente. – O que aconteceu? Onde está
Demétrius?
– Ele saiu faz alguns minutos... – disse ela com dificuldade. – Sentiu
tremores estranhos na terra e foi ver o que era... ele disse que vocês viriam,
mas eu achei que não... – disse ela dando um sorriso amarelo, ele havia saído
por causa de nossa luta com o Ymir. Levantei a blusa de Moan, ela estava
encharcada de sangue, Serena chegou perto de mim trazendo uma toalha
molhada, limpei o local onde estava ferido e me assustei ao ver o ferimento.
– Ewren? – O chamei olhando de canto de olho a ferida aberta na
barriga de Moan. O ferimento estava negro e parecia que estava se
expandindo.
– É um ferimento feita por uma adaga banhada em saliva de Aswangs...
– disse ele olhando para o rosto assustado de Moan.
– Mas sangue de Aswang não tem propriedades curativas? – Perguntei.
– O sangue sim, a saliva não, é extremamente venenosa, não faço ideia
de como ela ainda está viva.
– Ela é uma metamorfa, metamorfos são resistentes, mas não parece
que vai continuar viva por muito tempo! – Hasan se aproximou e segurou a
mão dela – Está ficando fria, o veneno já está tomando todo seu corpo.
– O que podemos fazer? – Serena estava com um olhar triste e sentou-
se ao lado de Moan.
– Pode dar seu sangue a ela, e ela irá se curar! – Tomei um susto ao ver
Demétrius ao meu lado, não o ouvi chegar, Ewren tampouco, soltou um
rosnado baixo ao ver Demétrius segurar minha mão. – Por favor, peça a ela
para dar seu sangue a Moan! – Serena nos encarou confusa.
– Vai funcionar se fizer isso, Serena! Já fiz o mesmo antes... – falei
diminuindo minha voz. Sabia que só precisei usar meu Sangue para salvar
Ewren por causa de Demétrius.
– Tudo bem, o que devo fazer? – Perguntou Serena encarando-me
séria.
– Deixa que eu te ajudo. – Demétrius deu a volta na cama, mas Ewren
o barrou.
– Eu faço, se afaste, não precisamos que você banque o espertinho e
prove o sangue dela também! – Ewren estava com seus olhos vermelhos e
encarava Demétrius de forma assustadora, Demétrius ergueu os braços em
forma de rendição e afastou-se.
– Apenas faça logo! – Disse Demétrius sentando ao lado de Moan e a
erguendo cuidadosamente colocando-a encostada ao seu corpo. Moan ficou
pálida e apertou a madeira da cabeceira da cama com tanta força que a
esmagou soltando farpas. Ewren passou sua garra na palma de Serena assim
como Arin havia feito comigo no dia que testou meu sangue com o Waheela.
Quando o sangue de Serena fez uma pequena poça em sua mão, Ewren a
aproximou de Moan. Hasan pareceu nervoso então virou as costas e saiu do
quarto em passos rápidos.
Moan bebeu o sangue e logo em seguida se encolheu apertando a mão
de Demétrius com força, ela mordeu os lábios evitando chorar, seus olhos
amarelos brilharam de uma forma assombrosa enquanto em seu pulso
aparecia a marca prateada de uma corrente, a ferida em sua barriga
começou a diminuir enquanto soltava um vapor espesso de cor marrom.
Ewren afastou Serena cobrindo-lhe o rosto e vindo para perto de mim.
– Aquilo é a saliva de Aswang evaporando, pode causar lesões se for
inalada. – Hasan apareceu na porta puxando Serena para fora com ele.
Depois de alguns instantes tremendo e sentindo fortes dores, Moan respirou
fundo e fechou os olhos, caindo desacordada em cima da cama.
– O que houve? Ela está bem? – Perguntei me aproximando e
verificando sua pulsação.
– Está sim, só desmaiou. – Ewren se aproximou de mim, ficando entre
mim e Demétrius, como se esperasse que a qualquer momento ele me
atacasse. – Agora já podemos ir, temos muito o que fazer! – Ewren agarrou
meu braço e começou a me levar em direção à porta, Demétrius se colocou
entre Ewren e a porta.
– Queria agradecer a vocês, e lhe pedir desculpas... – disse ele à Ewren.
– Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para ajudar vocês! Vocês têm a
minha palavra! – Disse ele curvando ligeiramente a cabeça para nós.
– Não quero suas desculpas, apenas sua lealdade já basta, mas se nos
trair... – falei.
– Se nos trair, dessa vez eu vou garantir que dessa vez você não
sobreviva, me entendeu? – Ewren falou num baixo rosnado enquanto
empurrava Demétrius para fora do caminho com um esbarrão e ia em
direção à porta.
– Encontrarei vocês mais para frente! Esperarei Moan recobrar a
consciência e se alimentar primeiro. – Disse ele sorrindo de lado para mim e
piscando. Ewren não viu mas senti seu corpo ficar tenso. Saímos pela porta
principal em direção ao túnel.
– Serena e Hasan estão lá fora com Amaterasu. – Disse ele notando que
eu estava procurando pelos dois.
– Agora temos que ir atrás de Aliados, temos pouco tempo, não
sabemos se Fairin já começou a se mover atrás de Serena. – Disse Hasan, ele
segurava a mão que Serena feriu para dar seu sangue a Moan.
– Agora ela tem uma Guardiã também! – Disse Ewren erguendo-me no
colo. Amaterasu saltou para cima de mim encolhendo-se até ficar do
tamanho de um filhotinho, Meow cresceu, Hasan e Serena montaram nele
para partirmos imediatamente.
– Para onde primeiro? – Perguntei.
– Vamos procurar pelos caçadores... Vivi muito tempo entre eles,
talvez consigamos uma aliança com eles mais facilmente. – Ewren levantou
voo em direção a costa de Edro.
– Não íamos para a Vila dos caçadores? – Perguntei.
– Vamos, mas quero tentar algo antes. – Disse ele, estava mal-
humorado novamente.
– Ewren, você está bem?
– Estou ótimo, porque a pergunta? – O sarcasmo estava presente bem
lá no fundo de sua resposta grosseira.
– Você está estranho... – coloquei as mãos em seu rosto, ele suspirou.
– Vamos descer na cidade da Brasas, fica próxima ao porto de jade.
Descansaremos lá no porto essa noite e iremos de navio à Mantum ao
amanhecer... Ouviu Hasan? – Disse ele um pouco mais alto. Olhei para trás,
Hasan acenou com a cabeça.
– O que iremos fazer nessa cidade? – Quis saber, pelo que me lembrava
dos mapas, cidade das Brasas era território de Salamandras.
– O mar da tranquilidade é terreno Neutro, Hasan pode voar
tranquilamente por aqui, mas não poderá atravessar o mar das Tormentas
voando, ele seria derrubado pelo bichinho de estimação de Lirien. –
Lembrei-me do Kraken que destruiu no Navio de Banshee.
– Por que na outra vez que voamos por lá nada aconteceu e
aconteceria agora? – Perguntei. Ewren sorriu de forma sinistra.
– Dessa vez nossa cabeça está a prêmio, nem eu sendo um guardião
seria poupado, Fairin tem o controle sobre muitas criaturas malignas e não
tem como saber se ele está controlando o Kraken de Lirien. Aquele bicho
tem uma visão muito poderosa, mesmo se voássemos numa bolha de
proteção ele nos enxergaria. – Explicou ele bufando – dentro de um navio
dos que partem do Porto de Jade ele não poderia nos ver.
– O que tem de especial nesses navios que o impediria de nos ver lá
dentro?
– Cristais de purificação! Os navios que partem do Porto de Jade
normalmente têm o fundo forrado por esses cristais, os navios que estão lá
foram os usados para capturar e levar os elfos negros até Mantum e de lá
para a cidade de Crecência. Também foram os navios que levaram os
humanos de Edro à Mantum... – Respondeu.
– Mas você não está se sentindo bem, não é? – Ewren baixou os olhos
para mim, o brilho vermelho que tinha quando estava no esconderijo de
Arcádius ainda estava em seus olhos. Passei minha mão suavemente pelo seu
pescoço depois deslizei os dedos pelo seu rosto, seus lábios. Ele sorriu, seus
olhos clarearam de volta ao azul e prateado.
– Você é a minha purificação, não preciso mais dos cristais enquanto
estiver junto com você! – Disse ele dando-me um beijo na testa, sorri aliviada
– Chegaremos à Edro ao entardecer.
Voamos em silêncio por um bom tempo, devia ser muito cansativo
para Ewren ter que me carregar para todos os lados, pois ao descer em Edro
no final da tarde ele começou a se alongar.
– Vai mesmo falar com os Salamandras primeiro? – Perguntou Hasan
se aproximando de nós, Ewren afirmou e começou a caminhar em direção
aos portões da cidade a alguns metros de nós. Serena enrolou seus braços
em volta de mim e ficou ali, agarrada em mim e sorrindo com o rosto corado.
– O que houve? – Perguntei.
– Depois eu te conto! – Disse ela dando uma risadinha. Ewren ia
falando algo com Hasan a nossa frente, os dois conversavam baixinho,
Ewren olhou para trás direto para Serena e estreitou os olhos, voltando a
falar com Hasan.
– O que será que estão falando? – Perguntei desconfiada que
tramavam algo.
– Não faço ideia. – Disse Serena ficando corada novamente, lembro-
me que na escola ela era mais envergonhada que eu, chegou até a passar mal
quando um garoto que ela gostava se aproximou para falar com ela, nesse
caso ela até que estava indo bem com Hasan. – É estranho, não é? Hasan era
seu irmão Leonard, mas agora não é mais e ainda te chama de irmã, eu era
sua amiga, mas que na verdade sou sua irmã e não sou irmã dele... – ela
começou a tagarelar solhando para mim sorrindo.
– Serena, vai dar nó na cabeça assim! – Falei rindo. – Mas é estranho
sim...
Ao chegarmos bem perto dos portões Ewren nos parou e fez um gesto
para Hasan, ele se virou para Serena e pegou suas mãos.
– Ninguém em Amantia sabia que a Sacerdotisa dos Ventos tinha duas
filhas, se virem Serena assim – disse ele apontando as marcas verdes no
braço dela – não vão pensar coisas boas a nosso respeito, podem pensar que
estamos tentando enganá-los!
– O que vamos fazer então? – Perguntou Serena olhando as marcas
verdes e encolhendo os ombros. Hasan sorriu alegremente e assoprou as
marcas do seu braço, que ficaram laranjas como as dele.
– É temporário, deve desaparecer ao amanhecer, mas vamos ficar
pouco tempo, não é? – Disse ele olhando nervoso para a cidade.
– Sim, apenas quero falar com uns amigos aqui e saber se poderemos
contar com eles. – Ewren bateu nos portões, peguei sua mão, Hasan e Serena
ficaram atrás de nós, ela mal conseguia esconder o sorriso olhando as
marcas em seu braço de cor diferente. Ewren também mudou sua aparência,
seus cabelos ficaram prateados e as marcas douradas acenderam em sua
pele. – Ah, quase ia esquecendo! – Disse ele pegando uma pulseira em seu
bolso e colocando em meu braço direito. Era a pulseira que Sarya tinha me
dado quando estava partindo para a Montanha das Cinzas com Medras e
Lórien.
Os portões rangeram e se abriram lentamente, um guarda estava
com as espadas erguidas enquanto o outro puxava os portões.
– O que querem aqui? – Perguntou o guarda de pele escura e olhos
cinzentos. – Não estamos liberando a passagem de forasteiro nenhum! –
Disse grosseiramente a nós empurrando o portão de volta, Ewren o segurou.
– Viemos falar com Balfir e Priha. – Ewren murmurou baixo para o
guarda, ele olhou espantado de Ewren para mim e para a pulseira em meu
braço, fez uma reverência liberando a passagem.
– Amaterasu? Fiquei aqui nos esperando, por favor? – Pediu Ewren a
ela, que encolheu as orelhas e deitou no chão bufando. Fiquei com pena, mas
ele devia saber o que estava fazendo.
– O que aconteceu aqui? – Perguntei baixinho a Ewren.
– Antes de ir para Evenox, vovó cedeu o trono a Ruthar e te fez a nova
Sacerdotisa do templo de Cristal, que fica dentro do Castelo de Cristal. Por
isso coloquei essa pulseira em você... – disse ele me dando um beijo na
bochecha. – Você agora é uma das pessoas mais temidas de Amantia, pois
eles ainda não sabem do que você é capaz, só sabem que é a quarta geração
da mesma família a ser sacerdotisa de Amantia, e sabem que os poderes das
Arbarus são meio que... incomuns. – Disse ele desviando o olhar.
– Como assim incomuns? – Perguntei.
– Não existem magas humanas com o mesmo nível de poder que vocês
têm. Jocelinne já era considerada poderosa demais para uma humana.
– Mas é Áries? Ela era muito poderosa não era? Ela é humana também!
– Falei começando a ficar nervosa e entrar em pânico.
– Áries é uma guerreira, especialista em armas e combate físico, não é
uma maga! Embora tenha poderes que foram cedidos a ela quando virou um
sol. – disse Hasan atrás de nós, me fazendo dar um pulo assustada. – Minha
mãe é pequena, mas é muito forte! – Ele piscou para mim.
A cidade era bem organizada, muito grande em comparação às
outras que conheci antes, talvez do tamanho de Alamourtim, se não fosse
maior. As casas e o comércio local eram todos construídos em pedras que
pareciam ter sido esculpidas a mão, todas trabalhadas e desenhadas em
padrões diferentes e únicos, nenhuma delas eram iguais as outras. As ruas
tinham calçadas largas e algumas crianças brincavam tranquilamente
aproveitando o pôr dos sóis. Hasan olhou para os sóis, seu olhar era triste.
– Queria que eles pudessem descer, que houvesse alguém para assumir
o lugar deles como guardiões dos Doze Mundos. – Acho que ele pensou alto
pois continuou a olhar para cima enquanto atravessávamos a cidade.
Ao chegarmos numa praça que parecia ser a central, Ewren nos guiou
até um círculo no meio da praça, onde haviam mais guardas protegendo uma
espécie de círculo de cristais pequenos. Ewren ergueu minha mão para os
guardas, mostrando a pulseira, eles se afastaram abrindo caminho para nós.
Ewren nos guiou para dentro do círculo de cristais alaranjados, que
começaram a brilhar e uma plataforma transparente nos ergueu do chão
indo em direção à uma massa brilhante no céu.
– O castelo dos governantes das Salamandras fica acima da cidade das
Brasas. – Explicou ele notando minha confusão. Olhei para baixo enquanto
subíamos, Serena estava tão maravilhada quanto eu. A cidade lá embaixo
agora recebia apenas luz de Sirius e parecia que estava mesmo em brasas, as
marcas talhadas que vi nas pedras de todas as paredes, agora brilhavam em
cor de fogo e a cidade inteira parecia que pegava fogo.
– É incrível! – Disse Serena se agarrando a mim para poder olhar
melhor, ela tinha medo de altura.
– Parece um sonho, não é? – Falei sorrindo. Quando estávamos quase
no topo ao olhar novamente a cidade, reparei que ela era no formato de uma
estrela de seis pontas e que as estradas que formavam a estrela formavam
também uma frase. Andei pelas bordas da plataforma tentando ler o que
estava escrito.
– Do fogo fomos criadas e para essa terra trazidas depois, sobre ela
agora andaremos, somos os guardiões das chamas e em nossos corações
ardem as brasas de Ciartes. – Disse Hasan com sua voz macia, senti um
arrepio quando ele disse a frase.
– O que significa? – Perguntei encarando-o.
– Essa foi a primeira cidade dos Salamandras. Meu pai a fundou
quando esteve em Amantia e era conselheiro do Rei. – Disse ele olhando com
ternura para a cidade. – Ele nasceu numa caverna nesse local. Sua mãe
morreu atacada por Lobisomens, mas ele foi salvo por uma vampira que
andava por aqui e levado para o castelo dos ossos nas ilhas Monarcas, foi
criado por um mago vampiro chamado Marglan. – Não fazia ideia que Sirius
havia sido criado por vampiros – Marglan deu o nome de Sirius a ele por
causa da sua pele avermelhada e pelo fato dele queimar as pessoas que o
tocavam. – Explicou ele sorrindo e aumentando seu próprio brilho.
– Nem sabia que existiam magos vampiros. – Falei distraída.
– Tem sim, são muito perigosos e também alguns dos habitantes mais
antigos de Amantia, a eles também se deve ao fato de a população humana
daqui ser tão pequena. – Disse Ewren apertando-me em um abraço. Ele
estava muito preocupado com essa ida à ilha dos vampiros.
Quando a plataforma chegou bem alto no céu, atravessamos uma
barreira que parecia ser um lago de fogo, não queimava, mas era muito
quente aqui, usei rapidamente meus poderes para mudar minhas roupas
para um vestido mais curto, até a altura dos joelhos e trancei meus cabelos
para o lado, assim não sentiria tanto calor. Serena teve a mesma ideia, mas
fez um coque em seus cabelos.
A plataforma encaixou no centro de um lago de águas cristalinas
dentro de um jardim, porém de plantas estranhas de folhas amareladas e
laranja e alguns cactos verdes com flores de cores muito vivas e bonitas, esse
jardim tinha quatro caminhos de pedras, um deles levava ao castelo. Saímos
da plataforma em direção ao pequeno castelo, Ewren não deixou eu ver para
onde os outros caminhos seguiam. Quando tudo isso acabar eu volto aqui a
passeio trazendo as bebês! Pensei sentindo um aperto no peito ao lembrar
delas.
Os guardas abriram os portões para nós, o castelo era feito das mesmas
pedras que agora brilhavam como brasas atingidas pelo brilho de Sirius, tive
que tocar para me convencer que não eram brasas de verdade, para minha
surpresa as pedras estavam mornas, mantendo aquele lugar absurdamente
quente. Ewren e Hasan pareciam à vontade sem se preocupar com o calor,
Serena e eu estávamos quase morrendo.
– Cuidado com o que dizem – disse Hasan baixinho para nós ao
entrarmos na sala do trono – Salamandras se ofendem facilmente! – Disse
ele pegando a mão de Serena. Ela sorriu e assentiu.

Ewren:

Entramos na sala do trono em passos largos, esperava que Balfir ou


Priha estivessem na sala, mas nenhum deles estava lá, estava com pressa de
sair da cidade antes do anoitecer, ia esquentar mais ainda e Leona já não
parecia estar sentindo-se bem, passei o braço ao redor de sua cintura, ela
sorriu e apoiou a cabeça em meu braço, aproveitei para baixar minha
temperatura para que ela se sentisse melhor.
Pouco depois Balfir entrou na sala seguido por Mariah, ah! Isso seria
problema na certa, Mariah já entrou na sala me encarando e abrindo um
largo sorriso, ignorando totalmente Leona ao meu lado. Havia esquecido
como ela era, Mariah era a filha mais nova de Balfir que ele queria casar com
Bargon, mas ele não aceitou por Mariah não ser uma mulher muito boa,
embora fosse muito atraente, Mariah era má, chegava a ser cruel as vezes e
por isso fiquei mais preocupado vendo-a entrar na sala. Ela não ia pensar
duas vezes se quisesse ferir os sentimentos de Leona e não estávamos ali
para arrumar briga.
– Ewren! – Balfir veio em nossa direção e apertou firmemente minha
mão.
– Balfir! Quanto tempo! – O cumprimentei – Essa é minha esposa,
Leona, Sacerdotisa das águas. – Ainda estava de mãos dadas com ela quando
a apresentei assim, Leona ficou vermelha e seu coração disparou. Pude
sentir seu pânico, mas ela o disfarçou perfeitamente, sorriu confiante
surpreendendo-me.
– É um prazer conhecer o Governador dessas terras maravilhosas, a
cidade é realmente fantástica! – Disse ela sorrindo. Queria lhe dar um beijo
naquele momento pela perfeição que disfarçou seu nervosismo.
– É um prazer conhece-la Sacerdotisa das águas e espero que seja tão
boa para Amantia como a Sacerdotisa dos Ventos foi! – Disse ele segurando
a mão de Leona e a beijando.
– Tão boa sacerdotisa que Abandonou Amantia por ter uma filha de
um homem comprometido, depois voltou e morreu! – Disse Mariah se
aproximando e sorrindo para nós.
– Mariah! – Ralhou Balfir nervoso lhe dando um olhar significativo. –
Sentimos muito por ela e quero que saiba que estamos ao seu lado para o
que precisar.
– Tudo bem Balfir, agradeço sua consideração! – Leona deu um sorriso
torto.
– Esses são Hasan e sua Esposa Serena. – Disse Ewren apontando Hasan
atrás de nós. Hasan se aproximou e Balfir ficou espantado.
– Ele é idêntico à Sirius! – Disse Balfir aproximando-se de Hasan e o
olhando bem de perto.
– Sou filho de Sirius, senhor. – Respondeu Hasan lhe estendendo a
mão. Balfir o cumprimentou como se estivesse cumprimentando o próprio
Sirius, admirando-o e sorrindo.
– O que andaram fazendo, Ewren, soube de algumas coisas ruins a
respeito de vocês, de Eirien... Aparentemente o General Aeban está no trono
da cidade de Cristal, isso está correto? Gostaria de saber por vocês o que está
acontecendo por lá antes de tomar algumas decisões importantes. – Balfir
encarava-me pensativamente.
– É uma longa história! Onde está Priha, Balfir? – Perguntei olhando
em volta e sentindo a falta de sua companheira inseparável.
– Priha está de cama, meu amigo... – disse Balfir franzindo o cenho
para a entrada da sala. – Ela adoeceu há pouco tempo, mas não melhora com
nenhum tipo de remédio. Chamamos até as curandeiras do Castelo de Cristal
que agora está sendo comandado por Aeban como lhe falei, mas elas não
vieram... – disse ele pensativo – Talvez Aeban tenha ficado ofendido quando
recusei enviar meu exército para que o apoiassem. – Foi exatamente o que
suspeitava, Aeban se recusou a permitir que as curandeiras o visitassem para
obrigar Balfir a se unir a ele, em troca ele curaria Priha. – Ewren, é melhor
contar sua longa história para nós, Aeban também quer que entreguemos a
Sacerdotisa das águas a ele, ele disse que ela é uma ameaça e que seus
poderes podem destruir Amantia, então lhe pergunto novamente, o que
andaram fazendo, amigos? – Perguntou Balfir estreitando os olhos, seu tom
de voz já não era tão amigável como antes.
– É por isso mesmo que viemos, estamos aqui para lhe pedir ajuda,
Balfir. Aeban tomou o trono de Eirien... E na verdade não é Aeban que está
lá, mas sim Fairin, o irmão mais novo de Arcádius. Lembra-se deles?
– Arcádius não é aquele mago louco que está tentando tomar o
controle de Amantia? – Perguntou Balfir confuso.
– Não senhor, Arcádius está tentando nos proteger de Fairin, que está
fingindo ser Aeban para conseguir aliados e tomar o controle de Amantia e
dos Doze Mundos. Ele também fingia ser Arcádius para o fazer passar por
um criminoso. – Respondeu Leona passando minha frente e assumindo a
conversa. – Ele me quer, pois, o meu sangue pode dar a ele o poder que ele
precisa para dominar os mundos do círculo. – As palavras delas foram como
água gelada em minhas veias, poucos sabiam sobre a maldição e era muito
arriscado falar sobre isso abertamente, ainda mais para alguém como Balfir,
que também tinha uma quedinha por poder. Não tinha certeza se Balfir era
uma pessoa em quem podíamos confiar tais informações.
– Isso que está dizendo é uma loucura, sabia? – Disse Mariah
debochando de Leona.
– Sinto muito, mas é a mais pura verdade. Posso provar isso, basta me
levar até onde Priha está! – Leona respondeu mantendo sua voz inalterada.
Apertei sua mão com força, mas seu olhar me dizia “está tudo bem, confie
em mim. ” Então com muita dificuldade, a soltei.
– Bem, se pode mesmo provar... – Balfir fez um movimento para que o
seguíssemos, Ele era um salamandra corpulento, sua barba agora grisalha
lhe dava uma aparência mais séria, porém ainda parecia o mesmo guerreiro
teimoso que conheci séculos atrás. Hasan e Serena ficaram no salão com
Mariah enquanto nos dirigíamos aos aposentos de Balfir, tive um péssimo
pressentimento sobre isso. Andamos pelos corredores do castelo até uma
escadaria para a torre principal.
– Priha é muito forte, mas ela adoeceu de repente e nada que tentamos
a curou, nem mesmo sangue de Aswang que é quase um remédio para tudo!
– Disse ele frustrado. – Ela está cada dia pior, já não se alimenta, não anda e
nem se levanta mais. – Disse ele tristemente.
Entramos no quarto principal, estava muito quente e abafado lá. Leona
respirou com dificuldade pois o ar estava úmido e pesado. Em cima de uma
cama de pedra, Priha estava deitada coberta por várias camadas de
cobertores e tremia, estava tão diferente da Salamandra que conhecia, ela
era muito bonita e forte e agora estava com a aparência de uma anciã, sua
pele estava enrugada e desidratada e seus olhos apagados.
– Prove que fala a verdade, Sacerdotisa das águas e terá a nossa
lealdade e nossa ajuda para retomarem a Cidade de Cristal. – Disse ele. Leona
se aproximou da cama e ajoelhou-se no chão ao lado de Priha. Ela abriu os
olhos para Leona e tentou se afastar, assustada.
– Não se preocupe, não estou aqui para lhe fazer mal, vim apenas te
ajudar! – Disse Leona erguendo a mão e mostrando-a a Balfir, puxou uma
pequena adaga de sua bolsa e cortou a palma da mão. Balfir franziu o cenho
e deu um passo para perto delas, o segurei pelo braço.
– Fique calmo, ela sabe o que está fazendo. – Falei. Leona tocou sua
mão nos lábios murchos e secos de Priha que tentou tirar sua mão.
– Vai curar a senhora, acredite em mim! – Leona falou gentilmente
ajudando Priha a erguer a cabeça, ela tomou o sangue fazendo uma estranha
careta depois deitou novamente encolhendo-se na cama e choramingando
baixinho. Balfir começou a ficar irritado e desconfiado da reação de Priha.
Leona estava confiante ao lado de Priha e segurava suas mãos, massageando-
as como se isso fosse fazer o efeito de seu sangue ser mais rápido. Priha deu
um suspiro e caiu deitada na cama.
– Ewren... – Balfir começou a rosnar perto de mim, sua pele ficou ainda
mais vermelha e começou a fumegar. Leona olhou para nós e sorriu, o que
fez com que Balfir fosse até ela e a erguesse do chão pelo braço.
– O que você fez com ela? – Esbravejou ele sacudindo seus braços. A
raiva começou a se espalhar por mim rapidamente, dei um passo na direção
deles já com a mão no punho da espada, mas o olhar de Leona para mim, fez-
me recuar.
– Eu a curei, senhor Balfir! – Disse ela soltando seus braços e
estendendo a mão para Priha, que deu a mão a Leona e se levantou. Parecia
que outra mulher havia tomado seu lugar, ela estava lá agora de pé ao lado
de Leona, sua pele avermelhada estava como nova, seus olhos vermelhos e
vivos brilhavam e seus cabelos cinza caiam escorridos pelos ombros. Ela
sorria olhando-se satisfeita e perfeitamente saldável.
– Impossível! Você é uma humana! Não tem como ter esse tipo de
poder em seu sangue! – Disse Balfir espantado olhando o corte na mão de
Leona se fechando lentamente. – Como se sente meu amor? – Perguntou ele
dirigindo-se a Priha e a apertando num abraço.
– Incrível! – Disse ela dando um largo sorriso.
– É realmente incrível esse poder! – Disse ele olhando para Leona de
forma estranha. – Ele pode tornar uma pessoa mais forte também? – Era o
efeito da maldição falando em seu subconsciente.
– É por isso que precisamos deter Fairin, se ele colocar as mãos no
poder do meu sangue ele pretende dominar os Doze Mundos! – Leona
respondeu rispidamente contornando-o e segurando minha mão
novamente. Ela tremia muito.
– Entendo... – disse ele observando-nos. – como disse antes, podem
contar conosco para qualquer coisa!
– Agradecemos de coração pela sua ajuda, sacerdotisa! – Disse Priha à
Leona e a abraçou.
– Nos envie uma mensagem assim que partirem para a Cidade de
Cristal e encontraremos com vocês lá! – Disse Balfir fazendo uma reverência.
– Tem a minha palavra que lutaremos por Amantia ao lado de vocês!
– Muito obrigado! – Agradeci e saí do quarto seguido por Leona.
– Achei que ele fosse me matar quando ela demorou para se levantar!
– Disse ela com as mãos ainda tremendo. Virei-me para ela e a apertei em
meus braços.
– Não se atreva a fazer isso novamente! – Disse ao seu ouvido, meu
sangue ainda fervia, tive dificuldade em manter a cabeça de Balfir em cima
dos ombros pela forma bruta que a segurou. – Se ele tivesse a machucado...
– Estamos tentando conseguir aliados, Ewren! Não se atreva a ter um
surto psicótico agora! – Ela respondeu, pude ouvir o tom de brincadeira na
sua voz, mas sabia que ela falava sério. – Karin, Asahi e Nyu! Não se esqueça
por que estamos fazendo isso! Por elas e por todos aqui!
– Eu estou aqui por você também, então da próxima vez, deixa que eu
falo está bem? – Falei dando um beijo em seu rosto e a levando novamente
para a sala principal. Ouvi uma discussão e bufei. Mariah! Entramos na sala
rapidamente a tempo de ver Serena com as espadas na Mão, Hasan a
segurando e Mariah dando gargalhadas.
– O que houve aqui? – Perguntei me aproximando e tomando as
espadas das mãos de Serena.
– Essa mocinha que não tem nada a ver com a sacerdotisa dos ventos
se sentiu ofendida quando falei que ela não era nada para nós e que foi bom
ela ter morrido, assim o templo da cidade de Cristal ficou vago para uma
nova Sacerdotisa, mas pelo visto Eirien escolheu mal novamente. – Disse ela
rindo de forma debochada. Tive certeza que Leona ia matá-la.
– Ela pode não ter nada a ver com a sacerdotisa dos Ventos, mas
Lupine foi minha mãe adotiva. – Hasan começou a falar, seus olhos ficaram
num tom laranja quase dourado, ele parecia bastante irritado - Ela fez muito
por Amantia e você pelo que sei Mariah Necconain, filha mais nova dos
Governantes da cidade de Brasas, não é nada mais que uma mulher mimada
e que sente prazer em perturbar as pessoas para tentar sentir-se superior e
que nunca fez nada pelos outros, então antes de falar mal das pessoas
realmente boas, repense suas próprias atitudes. – Disse Hasan, tenho certeza
que ele entrou na mente dela, pois seus olhos estavam dourados enquanto
ele a encarava. Senti vontade de aplaudir, mas isso poderia prejudicar nossa
aliança. – Aliás, deveria agradecer à Leona, pois ela acabou de curar sua
“mãe”! – Disse ele por fim, segurando os braços de Serena e a levando para
fora do castelo. Mariah olhou para mim confusa e sorriu. Ainda não acabou?
– Ewren, então... A última vez que te vi ainda era solteiro, quando foi
que se casou? Nem me convidou, não é? Que falta de consideração se casar
e não chamar os amigos mais chegados! – Disse ela se aproximando e
tocando em meu braço. Leona imediatamente segurou sua mão e a afastou
gentilmente.
– Desculpe, Mariah por não convidarmos ninguém, nosso casamento
foi muito íntimo, apenas nós dois tivemos o imenso prazer de presenciar! –
Disse Leona a ela sorrindo maliciosamente. – Mas não se preocupe, quando
os problemas acabarem, faremos uma festa para comemorar isso com todos
os nossos amigos chegados! – Disse ela dando outro sorriso brilhante a
Mariah.
– Ótimo! – Respondeu Mariah desconcertada, na certa achou que como
Emma, Leona também cairia em sua provocação e perderia o controle. Na
verdade, até eu achei que ela fosse fazer algo contra Mariah.
– Vamos Ewren? – Disse ela segurando minha mão e caminhando em
direção ao jardim. A lua já estava surgindo quando saímos para fora do
castelo. Hasan estava ainda tentando acalmar Serena na plataforma no
centro do Jardim. Leona ficou em silêncio enquanto descíamos da
plataforma e saíamos da cidade. Amaterasu saltitou alegremente em volta
de nós quando chegamos no portão, fazendo a terra tremer ao nosso redor.
– Vamos para o porto de Jade agora! – Disse pegando-as no colo e
levantando voo. Hasan e Serena nos acompanharam também em silêncio
voando sobre Meow, que parecia notar o clima tenso e voou o mais
silenciosamente que pode até chegarmos ao porto no início da noite.
4

A o chegarmos no Porto, fomos direto para a estalagem à


beira da praia que havia ficado uma vez enquanto esperava
Medras, Lórien e Leona para irmos até o templo de fogo.
Pedi dois quartos e fomos direto ao restaurante para
comer, havia esquecido que não paramos para comer na
ilha das Selkies, talvez o mal humor de Leona e Serena se desse pela falta de
açúcar no sangue, afinal, Serena havia cedido parte dos poderes à Moan para
curá-la e torna-la sua guardiã e Leona havia usado seu sangue para curar
Priha.
Como imaginei, elas comeram o suficiente para alimentar quatro
pessoas e ainda pediram sobremesa, mas as duas continuavam em silêncio,
mal conversaram conosco durante o jantar e parecia que não iam falar tão
cedo. Ao subir para os quartos, Hasan me parou no corredor enquanto as
duas entravam no mesmo quarto e fechavam a porta atrás delas, Serena
ainda nos olhou pela fresta da porta enquanto Amaterasu entrava de fininho
no quarto com elas.
– Acho que elas estão chateadas pelo que aconteceu com Mariah... –
disse Hasan olhando para a porta.
– Você acha? – Ri da ingenuidade dele. – Com certeza estão assim pelo
que aconteceu!
– Acho que vocês dois precisam de um tempo a sós, não é? – Perguntou
ele olhando-me de canto de olho. Acho que não ele não é tão ingênuo assim,
é esperto até demais.
– Não é boa ideia te deixar sozinho com Serena, ainda podemos ter que
usar o sangue dela... – Hasan começou a rir.
– Não tenho intenção de fazer nada, Ewren. Não agora! – Respondeu
ele. – Sei o que pode estar em jogo aqui... mas eu conheço Leona melhor que
você, pode não parecer, mas foram dezessete anos convivendo com ela,
quando ela está com raiva ela fala, grita e faz escândalo. Mas quando ela fica
em silêncio é um pouco pior... – disse ele fazendo uma careta.
– O que você sugere?
– Converse com ela, não a deixe passar a noite trancada com Serena,
nunca saía coisa boa quando essas duas ficavam a sós por muito tempo!
Prometo que vou me comportar com ela! – Disse ele colocando a mão sobre
o peito. – Não me atreveria a colocar suas filhas ou Leona em risco por conta
de meus desejos pessoais!
– Tudo bem! Se você diz... – bati na porta esperando que alguma delas
a abrisse. Nada, nenhum barulho. – Leona? – Chamei.
– Vai dormir Ewren! – Disse ela lá de dentro. Respirei fundo, não estava
em condições de quebrar a porta e arrastá-la a força, isso iria chamar
atenção desnecessária. Usei meus poderes para destrancar a porta e entrei,
Serena estava no banheiro e Leona sentada embaixo da janela com
Amaterasu no colo.
– O que está fazendo? – Perguntou ela tirando Amaterasu do colo e
levantando-se para me colocar para fora. Cobri sua boca e a joguei no ombro,
saindo do quarto e acenando para Hasan. Ela se debateu e começou a ralhar
enquanto entrava no outro quarto e a colocava em cima da cama.
– Você é minha esposa, não é? Quero que fique aqui comigo não
trancada lá com a planejadora do mal! – Falei desenhando seu rosto com as
pontas dos dedos. Ela levantou bufando e foi para o banheiro fechando a
porta, esperei alguns minutos para entrar também. Ela estava deitada
dentro da banheira com os cabelos amarrados no alto da cabeça por um
coque e coberta por espuma.
– Por que não quer falar comigo? – Perguntei colocando a mão na
água.
– Não disse que não queria falar com você! Apenas queria ficar sozinha
um pouco, daqui a pouco eu vou lá! – Disse ela jogando água em mim, em
outra ocasião teria entrado na banheira com ela, mas algo em sua expressão
me fez mudar de ideia e desistir da brincadeira, ela estava triste, não, triste
não parecia o sentimento certo, parecia frustrada com algo, não pude
entender o porquê daquela expressão, afinal, ela não sabia de nada!
Fui até a sacada do quarto, havia ficado com o mesmo quarto de
alguns meses atrás, que na verdade em Amantia já haviam se passado quase
quatro anos desde que estive aqui. Sentei na espreguiçadeira e fiquei em
silêncio admirando a lua, as estrelas pareciam menos brilhantes do que de
costume, parecia que também estavam sofrendo com medo do que poderia
acontecer. De modo algum poderia permitir que Fairin dominasse os doze
mundos, não só por minhas filhas, mas por tudo que isso representava para
todos nós. O sacrifício de muitos que deram suas vidas para ter um mundo
seguro para que suas famílias vivessem em segurança.
Nellena, Lupine e até mesmo Arin, que morreram tentando fazer o que
era certo, tentando nos manter em segurança. Agora eu sabia o que elas
estavam sentindo quando deram suas vidas por nós, o medo de que nosso
plano não funcionasse estava crescendo de forma assustadora, ainda mais
por saber o que poderia acontecer se Leona resolver usar seus poderes
contra Fairin. Sacudi a cabeça tentando tirar a imagem de Arin e Lupine se
desmanchando de meus pensamentos. Não podia permitir que mais
ninguém morresse por causa da sede por poder que Fairin tinha, e nem
deixar que mais pessoas viessem após ele com a mesma sede.
Leona apareceu na sacada pouco tempo depois e se apoiou no
parapeito em minha frente de costas para mim. Ela estava usando um
vestido azul na altura dos joelhos e seus cabelos castanhos estavam soltos
movendo-se suavemente com a brisa.
– Não vai falar comigo? – Perguntei, ela se virou para mim encarando-
me com os olhos frios, foi a primeira vez que vi aquele tipo de olhar em seu
rosto, me fez ter um pressentimento ruim.
– Quando foi que esteve com ela? – Leona perguntou sentando-se no
parapeito e cruzando as pernas, minha surpresa só não foi maior que meu
espanto. “Como ela sabia? ”
– Como assim quando estive com ela? Ela estava no seu aniversário!
Não se lembra? – Respondi.
– Você sabe do que estou falando... – ela falou lentamente e inspirando
devagar. – Quando foi dormiu com ela Ewren! – Leona estava fuzilando-me
com seus olhos.
– Não sei do que está falan... – antes que terminasse a frase as marcas
em seu braço se acenderam, seus cabelos ficaram prateados e seus olhos
dourados. A transformação dela com as novas marcas era tão magnifica que
me fez esticar a mão para tocar em seu rosto, que agora estava a centímetros
do meu.
– Se você vai começar a mentir para mim, escolha algo que dê para
esconder! Eu vi como ela ficou quando chegou perto de você, do mesmo jeito
que Banshee ficou quando estava no navio! – Novamente fiquei surpreso, ela
é observadora! Não parecia que ela prestava atenção nas coisas a sua volta!
Respirei fundo.
– Quando fui capturado por Fairin e Veruza, logo depois que mexeram
em minha cabeça, eles me mandaram ir atrás de Belve e mandaram que eu
a levasse até eles em Vintro. Belve era muito amiga de Mariah e eu sabia que
elas estariam juntas. – Leona estava com uma cara realmente assustadora
agora.
– Você disse que não conhecia Belve, ainda me perguntou quem era! –
Disse ela se afastando.
– Não disse que não conhecia, disse que não sabia que era sua prima e
aqui não é um mundo tão pequeno assim, existem pessoas com o mesmo
nome! Sabia que era irmã de Emma, e no dia de seu aniversário eu achei o
comportamento deles estranho pois eu a levei até ele e ela não parecia
gostar dele, inclusive tentou sair do castelo de Vintro, mas foi impedida por
Veruza... – nesse momento uma luz se acendeu em minha mente. – Ele havia
me obrigado a levar Belve até lá para que Veruza saltasse de corpo!
– O quê?
– Quando levei Belve até eles no Castelo em Vintro, foi para isso! Para
tomar o corpo de Belve para Veruza! O corpo que ela estava usando devia
estar em perigo...
– Volte a história para Mariah, Ewren! – Disse ela rispidamente.
– Mariah foi junto conosco para Vintro, porém Fairin disse que queria
conversar a sós com Belve, eu os deixei sozinhos e voltei com Mariah para
Edro. – Respondi sinceramente, não queria dar os detalhes para ela e torci
para que ela não pedisse para que continuasse a falar. – Você já estava em
casa, eles haviam apagado você de minha mente e Mariah embora seja uma
pessoa desprezível não mentiu naquela hora, eu era solteiro quando estive
com ela pela última vez. A única lembrança que eu tinha era a que eles
colocaram em mim, seu rosto para que eu a levasse até eles quando a
encontrasse... – Leona suspirou e sentou-se novamente no parapeito.
– “Pela última vez? ” – Disse ela bufando. – Vou até o quarto de Serena,
preciso ficar de olho neles! – Disse ela se levantando. Ela estava com ciúme
de Mariah por isso estava irritada, queria rir mas isso a deixaria furiosa,
tinha que lhe mostrar que ela era a única para mim agora e sabia como fazer
isso.
– Hasan prometeu que ia se comportar. – Falei.
– O problema não é Hasan, ele com certeza sabe se controlar, mas não
posso dizer o mesmo de Serena... – ela passou ao meu lado. A claridade da
lua fazia sua pele parecer de veludo, não resisti ficar ali só a admirando, a
puxei para mim antes que saísse da sacada, derrubando-a sobre mim na
espreguiçadeira, enrolei seus cabelos com uma mão enquanto com a outra a
pressionava sobre mim. Pude sentir sua respiração se alterar enquanto
beijava seu pescoço e traçava uma linha com minha língua de sua clavícula
até sua boca.
– Achei que você fosse criar mais caso sobre isso se descobrisse a
verdade, mas você está bem comportadinha... – falei baixinho enquanto
deslizava minhas mãos por baixo de seu vestido sobre a pele macia de seus
quadris, ela estava sem nada por baixo dele, corri minhas mãos pelo interior
de sua coxa até o ponto onde queria chegar movendo meus dedos ali naquele
ponto quente, ela fechou os olhos e gemeu. Ri por dentro, ela estava apenas
me testando, testando a nossa nova condição de impossibilitados de trocar
nossas memórias, Leona sabia quando eu mentia? Talvez eu fosse um livro
aberto para ela.
– Foi antes de mim, não foi... – disse com dificuldade, usando o pouco
de concentração que lhe restava para falar – não posso ficar com raiva de
você por algo do passado, mesmo que seja muito, muito recente... – ela
respondeu ajeitando-se passando uma das pernas por cima de mim e
prendendo-me com seus joelhos enquanto abria a carreira de botões de seu
vestido. Fiquei a observando os abrir lentamente, quase como uma
provocação à minha limitada paciência quando se tratava dela. Seus cabelos
prateados ondulavam em volta de seus ombros nus enquanto ela tirava o
vestido devagar provocando-me.
– Não se deve brincar com fogo sabia? – Falei pegando-a no colo e a
levando de volta para dentro colocando-a em cima da cama e tirando minha
calça. Ela mordeu os lábios, evitando um sorriso, adorava quando ela fazia
isso pois deixava os ainda mais rosados. A beijei mordendo seus lábios e
passando a língua por eles, ela acariciou meu pescoço com as pontas dos
dedos enquanto colocava sua língua em minha boca e a enrolava na minha,
minhas mãos passeavam por todo seu corpo, minha vontade tinha urgência
em toma-la para mim, a penetrei lentamente enquanto sentia todo seu
corpo vibrar em resposta ela me puxou contra seu corpo com força, riscando
minhas costas com suas unhas, passando seus lábios em meu pescoço e o
mordeu enquanto eu mudava meu ritmo em resposta às suas provocações.
Ouvi seu riso baixinho.
– O que é engraçado? – Perguntei. Ela segurou meus braços saindo de
meu aperto e num rápido movimento ficou sobre mim, sentando e fazendo
suaves movimentos circulares com seu quadril. Eu os acompanhava com as
mãos, sentindo seu corpo quente sobre o meu. Ela abaixou a cabeça gemendo
alto e beijando meu peito senti meu corpo esquentar ainda mais e tremer
enquanto chegava ao máximo de prazer, ela tremia sobre mim, seu corpo
úmido pelo suor e um sorriso malicioso em seus lábios enquanto me
encarava com aqueles olhos agora tão verdes como esmeraldas.
Não tinha como resistir a ela, era como uma deusa que aparecia
silenciosamente durante a noite para mim e desaparecia quando os sóis
apareciam, ela era tudo que eu queria, tudo que desejava. Leona me beijou
novamente, com menos urgência, com uma doçura que só ela tinha. Sua
boca tão macia com sabor dela, ela deixou em meus braços e sorriu
novamente, acariciando meu rosto com as postas dos dedos. Ela conseguiu
me esgotar, como se tivesse absorvido toda minha energia.
– Senti sua falta! – Disse ela baixinho ao meu ouvido.
– Percebi... – falei provocando-a, seu rosto ficou vermelho. – Achei que
isso fosse acabar depois de um tempo, mas acho que não vou perder a
habilidade de te fazer corar, não é? – Perguntei.
– Acho que não... – ela fechou os olhos, passei o polegar sobre sua boca
enquanto ela me dava um sorriso e adormecia.
– Desde a primeira vez que toquei em você, quando te peguei no colo
quando ela apenas um bebê, percebi que você tinha um estranho poder
sobre mim, aquela criancinha de alguns dias de vida já tinha a habilidade de
dissipar a escuridão em mim e me trazer de volta para a luz. Acho que foi
por essa habilidade de mudar o coração das pessoas que Eirien te fez a
sacerdotisa das águas, a sua pureza, seu modo de passar por cima de tudo e
de todos sem medir o tamanho dos obstáculos, sua alma é tão cristalina
como a água... – falei baixinho para ela, sabia que não estava me ouvindo,
mas ficaria gravado em seu subconsciente. A puxei para meus braços, para
que não permitisse que nada de mal se aproximasse de seus sonhos.
Acordamos antes mesmo dos sóis nascerem, descemos para tomar
café e encontramos com Hasan e Serena já sentados à mesa nos esperando.
Serena estava emburrada e Hasan estava aparentemente tranquilo. Então
não achei que fosse algo importante.
– Bom dia! – Disse Leona ao sentar-se à mesa com eles.
– Bom dia. – Apenas Hasan respondeu, Serena continuava de cara feia
olhando pela janela do restaurante, Leona lançou a ela um olhar curioso.
Pedimos o café e comemos rapidamente para partir o mais rápido
possível. Ao sair do restaurante, caminhamos até o final do porto com
Amaterasu saltitando atrás de nós, ela era a única que parecia alegre naquela
manhã, Leona havia ficado preocupada com o silêncio de Serena e Hasan
agora parecia tenso e chateado com Serena. Ainda estava muito escuro do
lado de fora, a névoa cobria grande parte do porto, principalmente a parte
que estávamos indo. Andamos até uma parte deserta no final do porto onde
os navios antigos estavam ancorados, as embarcações rangiam e
balançavam suavemente com a maré, o que dava um ar sombrio a eles. Leona
apertou meu braço com força.
– Eles parecem assombrados, não vamos ir até Edro neles, vamos? –
Perguntou ela olhando assustada para os navios, sorri maldosamente.
– Não parecem assombrados, alguns deles são assombrados pelos
fantasmas dos homens que saltaram no mar atrás das sereias... – falei
baixinho ao seu ouvido enquanto puxava seu braço e subia pela rampa de
acesso, sua pele se arrepiou e tenho certeza que lágrimas se acumularam nos
cantos de seus olhos. – Você é muito medrosa quando se trata de fantasmas,
sabia? – Ri enquanto ela dava um passo para trás.
– Leona morre de medo de fantasmas desde que era pequena! – Hasan
segurou o braço dela, pois agora tentava voltar para trás.
– Por que? Ficavam contando histórias de fantasmas para ela? –
Perguntei olhando de Hasan para Serena.
– Não... por que uma vez um fantasma me tirou de dentro de casa e me
levou para o terreno vazio perto da escola de madrugada. – Leona respondeu
ainda tremendo.
– Fantasmas não podem tocar em humanos, Leona! – Falei num tom
de zombaria. Ela me encarou com seus grandes olhos assustados.
– Quando isso aconteceu? – Serena finalmente havia quebrado o
silêncio e olhava para Leona assustada também.
– Foi quando eu tinha onze anos, eu estava dormindo quando senti
alguém me levantar da cama e me carregar até a escola, não conseguia me
mexer nem falar! – Leona havia ficado tão pálida que por um momento achei
que ela fosse ter um ataque de pânico e fugir. – Eu não via o rosto do
fantasma, mas era uma massa cinzenta sem forma que flutuava poucos
centímetros acima do chão e tinha cheiro de ferrugem e alecrim. – O cabelo
da minha nuca se arrepiou quando ela descreveu o fantasma.
– O que tinha nesse terreno que o fantasma te levou? – Perguntei.
– Um poço sem fundo, algumas crianças da escola haviam
desaparecido ao entrar naquele terreno para pegar uma bola, daí todos
diziam que elas haviam caído no poço.
– O que aconteceu depois?
– O fantasma queria me colocar dentro do poço, mas ele estava coberto
por tábuas e uma massa de cimento. Então ele me soltou no chão e
desapareceu... – disse ela, sua voz foi diminuindo até virar um sussurro
quase inaudível. – Tive que caminhar até em casa no meio da madrugada!
– Aconteceu a mesma coisa comigo! – Serena estava com as mãos
cobrindo a boca e um olhar apavorado gravado em seu rosto.
– Vocês sonharam isso sim! É normal gêmeos compartilharem sonhos,
sabiam? – Falei rindo tentando acalmá-las e tentando ficar mais calmo
também. Não era um fantasma e nem de longe um sonho, mas sim uma
Venatrix enviada atrás delas. Hasan chegou a mesma conclusão que eu, pois
estava com uma expressão angustiada.
– Sonho ou não, foi real demais! – Disse Serena indo até o convés do
navio e olhando em volta.
– Não vou discutir isso, mas não foi um sonho! – Disse Leona frustrada
por achar que não havíamos acreditado nela. Andei até o mastro central do
Navio e o toquei com as mãos, usando meus poderes para restaurá-lo.
Conforme minha energia passou por ele e o varreu com uma luz dourada, o
navio ficou como novo, como se tivesse acabado de ser fabricado. As luzes
dos lampiões foram acesas e o navio ficou iluminado. Serena arrastou Leona
pelo braço em direção à cabine. Leona fez força para não entrar lá, ela estava
realmente com medo.
– Vamos verificar se está tudo certo por aqui! – Serena andou em
passos rápidos enquanto Leona tentava se soltar de seu aperto,
aparentemente ainda estava com medo do navio. Depois que elas
desapareceram atrás da porta Hasan segurou em meu braço.
– Acha que Fairin enviou uma Venatrix atrás de sua filha? – Perguntou
ele olhando-me de canto de olho.
– Tenho certeza! Ele deve ter mandado uma Venatrix atrás de seu
sangue, nos outros mundos. O poço era um portal em funcionamento. –
Respondi. – Então Fairin sempre soube que Lupine poderia ter fugido, talvez
em nenhum momento ele tenha acreditado que ela havia morrido!
– Ewren, se ele já imaginava que ela estivesse viva e mandou uma
Venatrix atrás de qualquer um que tivesse seu sangue, quando Leona estava
com você em Lótus vale na ida para casa, porque ele não tomou o sangue
dela? – Perguntou ele.
– Não tenho certeza, mas acho que quando as Venatrix voltaram sem
trazer ninguém, ele deve ter imaginado que as filhas dele com Lupine
morreram, por isso que em Lótus Vale ele não usou o sangue dela, deve ter
pensado que Leona era uma filha de Belve, por isso que ele ficou observando
a marca dela! – Respondi, foi muita sorte que as Venatrix não conseguiram
atravessar o portal com elas!
– Só tem uma coisa estranha, pelo que soube por Eirien, Leona nasceu
quando Lupine já tinha mil seiscentos e poucos! A idade da Lua cheia não é
aos dezoito?
– É sim, mas Lupine ficou trancada no templo de Dymesia desde que
fez dezessete anos, lá dentro foi colocado um feitiço do tempo evitando que
o tempo passasse. Assim, quando Lupine saiu do templo ela ainda tinha
dezessete anos e o tempo do lado de fora passava normalmente, um dia
dentro do templo equivalia a pouco mais de nove anos do lado de fora. Ela
saiu do Templo e foi direto para Arcádia, e lá foi pega por Black Jango e
Fairin, ele assumiu a aparência de Aeban e enganou ela. – Expliquei, Hasan
bufou e foi até a popa do navio, ele moveu suas mãos fazendo o navio se
preparar para zarpar, ouvi o som metálico da ancora sendo puxada. Hasan
assoprou as velas do Navio, então um forte vento o fez partir em direção ao
mar aberto.
– Ei, Hasan! – O chamei, ele estava no timão guiando o navio
tranquilamente.
– O quê?
– O que houve para Serena estar tão mal-humorada hoje quando
acordamos, o que você fez? – Perguntei, o rosto de Hasan ficou corado e ele
virou os olhos tentando não rir, mas ficou em silêncio e não me respondeu.
– Não vai falar? Vou perguntar a ela então! – Disse me afastando e indo em
direção as escadas.
– Não! Espere ai! Tudo bem, eu falo! – Ele respirou fundo.
– Estou esperando!
– Não foi o que fiz, foi o que deixei de fazer! Ela ficou com ideias
erradas na cabeça quando eu entrei no quarto e disse que Leona ficaria com
você... – ele olhou em direção a cabine como se esperasse que elas estivessem
ouvindo. – Ficou zangada comigo quando tentou me beijar e eu a afastei,
acabei usando meus poderes para fazer ela dormir. Ela não queria sossegar
então tive que fazer isso! – Tive que segurar para não rir. Não esperava que
ela fizesse algo assim, afinal ela tinha um jeito tão meigo e doce, não achei
que fosse realmente tentar atacar Hasan.
– Isso é algo inusitado. – Respondi ainda segurando o riso.
– Ela está magoada comigo, acha que não gosto dela. E vou te dizer que
foi muito difícil afastá-la!
– Ela insistiu tanto assim? – Fiquei surpreso, achei que Leona estivesse
brincando.
– Não, mas minha própria vontade era outra e foi muito difícil ignorá-
la.
– É por causa da maldição! – Respondi. – O tempo de passá-la para
frente está chegando para Serena, aí ela começa a se comportar de forma
diferente, elas não percebem a própria mudança. – Emma veio aos meus
pensamentos, ela era como Serena, só a conhecia assim, doce e gentil, mas
ficou muito diferente ao completar dezoito anos.
– Nós saímos da terra em fevereiro, Serena não tinha feito dezoito
ainda, nem ela nem Leona! – Hasan ainda se confundia com o tempo aqui.
– A maldição se adapta ao mundo que elas estiverem, Hasan! –
Respondi.
– Temos que acabar com eles o quanto antes então. Não quero que
Serena seja vítima dessa maldição também.
– Vamos fazer as coisas com calma, não podemos nos apressar nem
nos atrasar, qualquer erro pode colocar tudo a perder! Devemos chegar à
Edro ao amanhecer de amanhã se usar seus poderes para nos ajudar com os
ventos.
– Entendi! – Seus olhos brilharam e o vento soprou ainda mais forte
contra as velas. – Ewren, por que não podemos ir voando? Não seria bem
mais rápido?
– Seria, mas voar é o mais obvio! Fairin deve ter colocado pessoas
vigiando os céus. E se você for pego voando sobre um território sem
permissão, vai chamar muita atenção!
– Outra pergunta... – Hasan era ainda mais curioso que Leona, se não
soubesse que eram filhos de pais diferentes, diria que eram mesmo irmãos.
– Se Jocelinne já está mais forte que Fairin, por que não irmos direto a ele e
o matamos? – Talvez o tempo que passou longe de Aries e Sirius tenha o
deixado com o raciocínio mais lento.
– Jocelinne está mais poderosa que Fairin, mas como vamos matá-lo
com um exército de Gigantes, Trolls e várias outras criaturas o protegendo?
Ela está mais forte que ele, mas sozinhos não podemos derrotar o exército
que ele reuniu! – Expliquei. – Ele está se passando por bom e nos colocou
como os ruins da história, se o matarmos sem explicações e Eirien voltar ao
trono, vamos dar a certeza de que estávamos agindo pelas costas do povo e
isso vai começar uma verdadeira guerra! Fairin não brinca em serviço,
Hasan! Ele pensou em tudo para se proteger de nós!
– Ele foi muito esperto mesmo, assim ele teria a certeza de que vocês
não o atacariam diretamente.
– Sim... bem, elas estão muito quietas, vou lá verificar! – Deixei-o
sozinho guiando o navio e desci as escadas indo em direção à cabine.
Amaterasu estava deitada na porta protegendo a entrada. Leona estava com
tanto medo do navio assim? Entrei silenciosamente na cabine, a porta
rangeu quando a empurrei para trás. Leona estava do outro lado da cabine
sentada ao lado da cama com a espada na mão e olhos arregalados e cheios
de lágrimas, Serena dormia tranquilamente numa cama que elas deviam ter
feito aparecer ali.
– O que aconteceu? Por que está chorando? – Me aproximei dela, tirei
a espada de suas mãos trêmulas e a abracei.
– Ouvi um barulho vindo do porão! – Sua voz estava trêmula.
– Ahh Leona! Não precisa ter medo de fantasmas. – Segurei sua mão e
a levei em direção a porta, ela travou quando viu que ia levá-la para o porão
do navio, queria rir, mas sabia que isso a deixaria magoada.
– Ewren eu não vou lá! – Sua voz saiu tremida e chorosa.
– Vai sim! Nós vamos juntos, não precisa ter medo, não tem nada lá,
Leona. – Falei levando-a até as escadas de acesso ao porão do navio, ao
chegar perto das escadas deu para ver um brilho turquesa vindo do portão.
– O que é isso? – Perguntou ela apertando meu braço com força.
– O brilho dos cristais de purificação. – O porão estava tomado por
cristais de todos os tamanhos que brilhavam intensamente.
– É muito bonito... – ela estava vasculhando cada canto do navio com
os olhos até parar em um ponto e ficar pálida como um fantasma. Segui a
linha de seus olhos até encontrar o motivo de seu espanto. No canto mais
distante da sala havia uma Loba branca de olhos vermelhos nos encarando.
– Neve? O que está fazendo aqui? – Fui até onde ela estava escondida
e me abaixei ao lado dela, a Loba que era de Andros estava triste, abatida.
– É aquela loba de Andros? – Leona esticou o braço para tocar em Neve,
que estava ainda mais amuada que antes.
– É sim, parece que fugiu de Lótus Vale e parece que ficou escondida
por aqui desde então! – A tirei do meio dos cristais com dificuldade, ela era
grande e pesada, mas estava magra e leve demais. – Ela não vai resistir, está
muito fraca. – Os olhos de Leona se encheram de lágrimas ao esfregar o
focinho da loba, ela ganiu baixinho e deitou a cabeça sobre meu ombro.
– Vamos levá-la lá para cima! – Leona soltou a pata da loba que estava
presa entre os cristais e fomos para o convés do navio.
– O que é isso? – Hasan veio até nós, colocamos a loba no chão do navio,
Leona ficou sentada no chão com a cabeça de Neve em seu colo.
– Era a loba do ex-marido de Lórien, quando ele morreu ela ficou
sozinha. – Explicou Leona.
– Acho que está morrendo... – Hasan olhou da loba para Leona e
suspirou. – Você sempre levava animais que resgatava da rua para casa e
Lupine sempre te mandava levá-los embora, aí você chorava e os escondia e
tratava deles, eu te ajudava a escondê-los dela... – Hasan sentou ao lado dela
e afagou Neve também, ela tentou mover a cauda como se estivesse
abanando-a e lambeu a mão de Hasan.
– Ela gostou de você! – Falei dando um passo para trás e indo cuidar
do timão já que estavam distraídos com a loba. Leona estava chorando de
soluçar com a loba no colo, ela se apegava mais facilmente a animais do que
a pessoas. Quando achei que a loba já estivesse morrendo, vi Hasan mover
as mãos e tocar no focinho de Neve com a mão suja de sangue. O pelo de
Neve começou a brilhar e ela dobrou de tamanho, ficando pouco menor do
que Amaterasu, saltando do colo de Leona e correndo pelo convés
alegremente. Leona estava sorrindo agora e abraçada em Hasan, o sorriso
dela era tão radiante que podia fazer um coração partido se concertar
facilmente.
– Agora tenho uma guardiã canina também! – Hasan falou brincando
ao se aproximar para assumir o timão novamente. Desci até onde elas
estavam brincando e abracei Leona.
– Quando chegarmos a Mantum, não use seus poderes para nada, a não
ser que seja caso de vida ou morte, não mostre suas marcas, não deixe que
saibam quem você é! Nossa cabeça está valendo ouro por aqui e não quero
que se machuque, tudo bem? – Falei baixinho para ela. – Na cabeça de
muitos, nós somos o inimigo, então até estarmos em locais seguros, não seja
reconhecida! – Leona estava com o olhar vazio fitando o nada.
– Estou com um pressentimento estranho... – ela se desvencilhou de
meus braços, se aproximou da beirada do navio e olhou as águas escuras do
mar. Suas palavras fizeram minha pele se arrepiar. – Ewren, pode ir ver se a
Serena está bem? Por favor? – Pediu ela olhando-me de canto de olho.
– Está bem, cuidado para não cair na água! – Falei lhe dando um beijo
no rosto e me afastando. Quando estava passando pelo arco da passagem que
leva a cabine, um forte solavanco fez o navio sacudir nos derrubando no
chão.
– Batemos em quê, Hasan! – Gritei.
– Não batemos em nada! Algo bateu em nós! – Quando ele falou isso,
Neve começou a rosnar e latir olhando para onde Leona deveria estar, mas
não estava mais...

Leona:

A água estava muito gelada, nadei em direção à superfície. O mar


estava calmo e os sóis já estavam aparecendo quando caí do navio no mar.
Olhei em volta procurando por algo que o navio pudesse ter batido, mas não
havia nada, nenhuma rocha ou embarcação menor. Tentei usar meus
poderes para voltar ao navio, mas não consegui usá-los. Ewren apareceu na
beirada e pareceu aliviado quando me viu na água.
– Isso não é hora de nadar! – Ele zombou rindo de mim.
– Me tira daqui! A água está muito gelada! – Falei batendo os dentes.
– Por que não usa seus poderes para subir a bordo? – Perguntou ele
cruzando os braços.
– Não consigo usar meus poderes, parece que eles sumiram! –
Respondi irritada. Ewren ficou pálido e virou de costas para pegar uma
corda. Por que ele não usou seus poderes para me tirar da água? Senti algo
passar raspando em minha perna. Olhei para baixo, mas não havia nada. É
só sua imaginação! Está sentindo coisas! Falei para mim mesma fechando os
olhos. Antes que Ewren pudesse voltar com a corda, algo puxou minha perna
para baixo, não tive tempo de gritar, apenas tempo suficiente para prender
o fôlego e ver duas sereias me levando para baixo, para o fundo do mar,
minha cabeça estava começando a doer, não sabia por quanto tempo
manteria o fôlego, estava sem minhas armas e não estava conseguindo usar
meus poderes.
Sacudi a perna tentando me soltar, mas a Sereia me encarou com um
olhar cruel, com os dentes de agulhas a mostra, um filme de Ami e Lirien
devorando os bandidos do deserto me veio à mente e acabei soltando o resto
do ar sem querer. Meu consolo é que talvez morreria afogada antes de ser
devorada por elas. Elas pararam de descer e começaram a nadar em linha
reta, numa velocidade assombrosa, fazendo um rastro de bolhas atrás de
nós.
Era o fim, não estava mais conseguindo manter a respiração presa, iria
começar a me afogar a qualquer momento quando a água salgada entraria
em meus pulmões queimando tudo. Senti um frio em meu braço direito,
onde a pulseira de cristais azuis que Sarya havia me dado estava. Ela estava
brilhando. Quando não consegui mais segurar o folego, para meu espanto e
surpresa, consegui respirar normalmente, como se estivesse do lado de fora
da água! Ou estava morrendo e alucinando, ou estava realmente
conseguindo respirar.
Tentei levantar a cabeça para ver para onde estavam me levando,
meus olhos pousaram sobre uma imensa cidade submarina, haviam dez
torres que circulavam a cidade totalmente construída em corais gigantes das
mais variadas cores e formas e conchas tão grandes quando carros, milhares
de sereias nadavam por lá.
As sereias não me levaram para a cidade como achei que aconteceria,
ao invés disso desviaram para a esquerda e me levaram para uma espécie de
campo de algas azuis onde mais duas sereias tão assustadoras quanto elas as
aguardavam. Elas me colocaram sobre uma pedra, prendendo meus braços
e pernas com estranhos pedaços de algas trançadas, eram muito resistentes,
talvez mais resistentes que cordas normais. Queria falar, mas não conseguia,
perguntaria por Lirien e Ami, talvez elas me soltassem se dissesse que os
conhecia.
– Devemos chamá-lo aqui? Ou a levamos até ele? – Perguntou uma
delas segurando uma adaga perigosamente perto de meu pescoço.
– A recompensa é grande, mas não atravessaria o Deserto dos
Vermelhos nem por todo ouro de Amantia sem um guia! – Disse a outra.
– Já pararam para pensar por que ela ainda está acordada e nos
encarando? – Uma delas estava me observando e notou que eu estava
acordada. – Ela não está afogada! Impossível! É uma humana! Vocês
capturaram a pessoa certa?
– Ela é igual a mulher da foto que Guinn nos mostrou! – Disse a que
estava mais afastada, quando ela disse o nome de Guinn, meu estômago
afundou. Eles já estavam atrás de nós aqui em Amantia!
– Acenda as marcas dela, Jojo! – Disse a loira à minha frente. A sereia
que estava com a faca em meu pescoço tocou minha testa com o polegar
fazendo uma leve pressão. Senti um incômodo no peito quando as marcas
douradas acenderam e brilharam em mim. – Idiotas! Trouxeram a mulher
errada! Ela deveria ter marcas roxas e não douradas! Ele nos avisou que tinha
duas! – Ela parecia furiosa.
– O que faremos com ela? – Perguntou a Sereia chamada Jojo.
– Vamos comer! – Respondeu ela dando um sorriso sinistro para mim.
Comecei a me debater e tentar me soltar, mas não conseguia nem mesmo
falar! Pensei em Ewren, em minhas filhas usei toda minha força para tentar
fazer meus poderes voltarem, mas nada que fazia parecia adiantar e dessa
vez tinha a certeza de que ninguém viria me salvar. A sereia se aproximou
de mim com as adagas na mão.
– Dividiremos igualmente. – Disse ela marcando minha perna com a
Adaga fazendo uma linha fina de sangue subir na água. Seus olhos ficaram
vermelhos, ela ergueu a adaga preparando o golpe, queria fechar os olhos,
não queria ver o que ela ia fazer, mas meu corpo não respondia, meus olhos
estavam travados na lâmina da adaga. Quando ela desceu o braço, um brilho
prateado o fez separar do resto do corpo, fazendo a água em volta de nós
ficar manchada com seu sangue, seu braço decepado caiu em cima de mim
ainda segurando a adaga que perfurou novamente minha pele. Elas
começaram a lutar com alguém, mas a água começou a ficar ainda mais cheia
de sangue e não conseguia ver nada, só sentia o cheiro e o gosto metálico na
boca. Logo em seguida algo cortou as algas e segurou meu braço, puxando-
me de dentro da névoa de sangue que cobria aquele local, ela estava se
dissipando nas águas, mas o cheiro ainda era muito forte.
– Já parou para pensar nas vezes que você quase morreu desde que
pisou em Amantia pela primeira vez? – A voz de Demétrius me pegou de
surpresa, olhei para ele que estava me levando em direção a cidade, fiquei
assustada com sua aparência, sabia que ele era híbrido, mas não achei que
fosse vê-lo transformado. Sua trança ruiva tinha cor ainda mais viva dentro
da água, seus olhos estavam vermelhos, sua cauda longa e cinzenta era ainda
maior que a de Lirien, porém dos lados cabeça saiam dois chifres negros com
as pontas vermelhas que quase se uniam na frente de sua testa.
– Só você tentou me matar duas vezes! – Minha voz saiu normalmente
agora. – Para onde está me levando? O navio está do outro lado! – Tentei
soltar meu braço, mas ele apertou ainda mais e deu um sorriso para mim.
– Não vamos para o Navio, vamos falar com uma amiga minha no
palácio dos Nove Dragões.
– Mas Ewren...
– Deixa ele sentir sua falta um pouquinho, vai fazer bem para ele! Não
dizem que a distância aumenta o amor? – Disse ele rindo.
– Ele vai achar que você me sequestrou! – Respondi.
– Não vai não! Ele me disse que você sumiu no mar quando cheguei no
Navio a alguns minutos, aí eu vim atrás de você! – Disse ele piscando para
mim. – Te levar de volta inteira vai ser uma prova de lealdade!
– Por que estou conseguindo respirar aqui?
– Sacerdotisa das águas... – ele revirou os olhos e mexeu na pulseira
em meu braço. – Jocelinne era a sacerdotisa do fogo, ela podia entrar no fogo
sem se queimar como as salamandras, sua mãe podia se transformar em
vento assim como os silfos, Mayra tem poder sobre a terra, e você tem poder
sobre tudo que diz respeito às águas! – Ele riu novamente de mim.
– Como sabe tudo isso?
– Entrei na biblioteca particular de Fairin quando estava em Lótus
Vale, sei mais sobre você do que você mesma!
– Isso é assustador, sabia senhor perseguidor? – Ele novamente
mostrou os dentes de agulha para mim. Entramos na cidade, Demétrius
passou a mão sobre as marcas na minha testa e no meu braço fazendo-as
desaparecer. A cidade era incrível, parecia um aquário natural, nadamos por
caminhos largos que pareciam ser ruas até chegarmos a um palácio feito de
corais vermelhos. Demétrius voltou a sua aparência “normal” antes de
entrarmos pelas portas, os guardas tiraram as armas do caminho sem nem
mesmo perguntar o que viemos fazer aqui, o que me deixou um tanto
desconfiada de Demétrius.
O palácio era ainda mais incrível por dentro, ao passamos pela porta
a água desapareceu, pelas janelas grandes dava para ver o mar e os sereianos
nadando lá fora, e vários animais estranhos também, e muitos peixes das
mais variadas formas, tamanhos e cortes.
– Que amiga você tem aqui no palácio? E como passou tão facilmente
pelos guardas? – Perguntei olhando-o espantada, Demétrius segurou meu
braço e me parou, tocou sua mão no alto da minha coxa. – Se não tirar a mão
daí eu vou arrancar todos os seus dentes! – Disse num rosnado, ele revirou
os olhos e me mostrou a mão suja de sangue. Olhei para o corte que a adaga
da Sereia havia aberto em minha perna, não estava sentindo absolutamente
nada até ele me mostrar.
– Já conhece esse Veneno, não é? É o mesmo das adagas de Ewren, as
que ele tem foram um presente dessa minha amiga... – disse ele curando
minha perna, arrumei o vestido e o sequei, agora meus poderes estavam de
volta. – Não me leve a mal, mas prefiro elfas! Moan é a única humana
diferente que conheço, ela é um doce e você parece mais um animal
selvagem, não faço ideia do que aquele elfo viu em você! – Ele estava me
olhando da cabeça aos pés.
– Desculpe. – Murmurei baixinho ainda envergonhada.
Não fomos para uma grande sala que havia no final do corredor, ao
invés de entrarmos na sala, Demétrius me arrastou para uma escada em
espiral em um corredor estreito. No topo da escada havia uma porta fechada,
Demétrius bateu três vezes de maneira ritmada antes de entrar, quis ficar
na porta, mas ele não deixou, arrastou-me para dentro junto com ele. Na
cama no centro do quarto havia uma mulher deitada em uma cama em
formato de concha aberta e um dossel pendurado no teto, aparentemente
ela estava dormindo. Seus longos cabelos verdes e lisos caiam para fora da
cama, sua pele também era azulada e ela se parecia um pouco com Ami,
porém as tatuagens dessa mulher eram de cor jade.
– Misa... – Demétrius sentou na beirada da cama e chamou a mulher,
sacudindo seus ombros de leve. – Misa! – Chamou novamente.
– Me deixa dormir mais um pouquinho! – Disse ela virando-se de lado
e chutando Demétrius para fora da cama. Ele bufou, tirou o lençol que a
cobria e puxou seus pés, derrubando-a da cama.
– ACORDA PRAGA DOS INFERNOS! VOCÊ TEM UMA CIDADE INTEIRA
PARA GOVERNAR E QUER DORMIR ATÉ MEIO DIA? – Berrou ele fazendo-me
pular contra a parede como um gato assustado, a mulher também teve a
mesma reação que a minha.
– Praga dos infernos é você! Demônio! – Ela esbravejou jogando um
travesseiro contra Demétrius, como se isso fosse machucá-lo.
– Obrigado! – Ele começou a rir e a levantou do chão.
– O que quer aqui? Perguntou ela esfregando os olhos e sentando-se
novamente na cama. – Quem é essa, Demétrius? – Perguntou ela encarando-
me com seus grandes olhos brancos.
– Essa é Leona, a sacerdotisa das águas. – Disse ele tranquilamente indo
até um armário e pegando uma roupa para a mulher. – Filha de Lupine,
lembra-se dela?
– Claro que me lembro, foi ela que fez a magia para que meu castelo
ficasse sem água por dentro! – Misa sorriu para mim. – Como vai, Leona?
– Bem, na medida do possível! – Disse tentando sorrir calmamente.
– Bem? Acabei de te salvar de virar café da manhã? Você é muito
otimista! – Demétrius conseguia ser mais implicante que Ewren.
– Soube que sua cabeça vale muito, por que alguém ia querer te
devorar e perder a recompensa? – Perguntou ela de forma tão natural, como
se fosse normal ser um prato da próxima refeição de alguém, esqueci que
para eles, eu era uma refeição “normal”. Demétrius andou até mim e tocou
em minha testa, fazendo as marcas se acenderem.
– As marcas dos Ascardian? Como você as têm? – Perguntou ela
segurando minha mão e pousando seus olhos sobre a marca em meu dedo
anelar.
– Ela é casada com o Ewren, Misa! – Ele respondeu antes que eu
dissesse. Misa soltou minha mão e me encarou por um bom tempo.
– O que vieram fazer aqui, afinal! – Perguntou ela nos encarando, sua
voz estava diferente, mais hostil do que antes.
– Como disse, acabei de salvá-la de virar refeição, e como estávamos
perto, vim lhe pedir ajuda! – Respondeu Demétrius sentando novamente ao
lado dela na cama.
– Ajuda em quê?
– Precisamos que você nos empreste a força dos exércitos de
Tormentas, para podermos tirar Fairin do Castelo de cristal... – disse ele a
ela, que parecia muito confusa, Demétrius tocou suas testas, lhe passando
suas memórias.
– Não vou me meter na briga deles! – Disse ela encarando-me com os
olhos vazios. – Foi a ancestral dela que arrumou isso, não venha querer me
meter em coisas sem sentido!
– Vai pegar birra da moça por causa dele? – Demétrius estava quase
rindo novamente sob o olhar frio de Misa.
– Não é apenas minha briga, é de todos nós! Ou você acha que ele vai
tomar Amantia e os doze mundos e deixar os mares daqui em paz? – Falei.
Ela se levantou e veio até mim parando a centímetros de meu rosto, ela era
maior do que eu, mas a encarei do mesmo jeito, quando ela abriu a boca para
me responder alguém abriu a porta do quarto e entrou.
– Ouvi vozes exaltadas! O que está acontecendo aqui, mãe? – A mulher
que havia acabado de entrar era Amijad.
– Ami! – Disse sorrindo e a abracei. Ela pareceu confusa ao me ver aqui,
mas me abraçou mesmo assim.
– Leona! Quando tempo não te vejo! Você desapareceu! Soube que está
sendo caçada! – Era muita informação ao mesmo tempo.
– Estava em... – quase falei sem querer. outro mundo com Ewren!
– Falei baixinho.
– Amijad, você a conhece? – Perguntou Misa.
– Claro que sim! Foi ela que nos guiou pelo deserto dos vermelhos! Se
não fosse ela e aquele elfo rabugento, não teríamos conseguido sobreviver
ao deserto! – Disse ela sorrindo e mexendo em meus cabelos. Misa nos
encarou por um instante e depois olhou para Demétrius, que ergueu uma
sobrancelha para ela como se estivesse provocando-a, ela suspirou e por fim
sentou-se na cama novamente.
– Você tem a minha palavra, os exércitos das Tormentas estarão à sua
disposição a qualquer momento que precisar! – Disse ela pegando um
pingente de seu colar e o colocando em minha pulseira. Era uma pequena
escama brilhante e esverdeada.
– Bom, agora se nos dá licença, tenho que levar a sacerdotisa de volta!
Seu guardião já sofreu demais! – Demétrius foi em direção à porta, o segui
com Ami agarrada em meu braço.
– Obrigada, Misa! – Agradeci antes de sair do quarto. Ela apenas
acenou com a mão e voltou a deitar.
– O que está fazendo aqui, Tio? – Perguntou ela a Demétrius.
– É uma longa história, minha queria! – Ele se virou para nós, deu um
beijo em sua testa e sorriu. – Vamos precisar de toda ajuda possível, Ami! Se
puder, vá até a cidade da Tempestade e faça com que o exército deles venha
para cá e aguardem nossas ordens daqui! Está bem?
– Como vou fazer isso? – Perguntou ela.
– Você é mestre em convencer as pessoas! Estamos todos contando
com você! – Ela sorriu e se afastou.
– Nos veremos mais tarde, Leona! – Disse ela sumindo de vista nos
corredores do palácio. Descemos as escadas em espiral de volta ao corredor
principal.
– Irmão da governante da cidade das Tormentas? – Perguntei
olhando-o de canto de olho.
– Sim, Misannin é minha meia-irmã, temos o mesmo pai, fui trazido
para viver na cidade quando minha mãe morreu, mas Herijan, a esposa de
meu pai não me suportava, então fui treinado com os guardas reais, assim
podia viver no palácio e não ficar às vistas dela. Misa e eu sempre tivemos
um relacionamento bom, como irmãos de verdade!
– Deu para notar! Mas por que ela ficou tão zangada comigo quando
viu as marcas em meu braço? – Quando perguntei, Demétrius começou a rir.
– Ewren prometeu se casar com Misa quando ela era... mais jovem! –
Disse ele disfarçando. – Depois que ele conseguiu o que queria, foi embora, a
largou aqui e nunca mais apareceu. Logo depois Herijan a obrigou a se casar
com um Lorde da cidade da tempestade. – Respirei fundo e mordi os lábios.
– Será que em todas as cidades que pararmos para conseguir aliados,
vou encontrar uma mulher que Ewren dormiu para implicar comigo?
– Perdão por te desanimar, mas é bem provável! – Disse ele soltando
uma gargalhada. – Ele viveu muitos séculos aqui antes de você aparecer! Não
podia esperar algo diferente dele, aliás, de nenhum homem daqui!
– Eu sei! Só esperava não ter que encontrar com elas... é frustrante!
– Olha o lado bom, você é a mais bonita de todas as conquistas dele! –
Disse ele sorrindo, se aquilo foi para me animar, piorou a situação.
– Como sabe que sou a mais bonita, conhece todas? – Minha voz saiu
mais irritada do que pretendia. – Desde quando vocês dois se conhecem
afinal?
– Não conheci todas, mas Jocelinne foi considerara a mais bela de
Amantia e você é quase idêntica a ela! – Ele afagou minha cabeça
gentilmente. – Talvez se Lupine nunca tivesse te levado de Amantia, tudo
poderia ser diferente hoje!
– Demétrius? Como me achou tão rápido, quer dizer, quando estava
presa pelas Sereias? – Perguntei tentando mudar o rumo da conversa, meu
coração já estava se agitando cedo demais hoje.
– Já disse, nós temos uma conexão parecida com a que você tem com
Ewren e aquela Waheela, eu vou sempre saber onde você está.
– Então Fairin também sabe onde estou?
– Ele tomou seu sangue enquanto você ainda era virgem?
– Não! – Respondi ficando corada.
– Então não pode te achar! Essa ligação que eu tenho com você só é
estabelecida pelo sangue puro. Ele pode encontrar Jocelinne e Mayra
facilmente pois tomou o sangue delas sem permissão como fiz com você,
mas você ele não pode encontrar. Você só precisa evitar que ele descubra
sobre suas filhas! – Disse ele diminuindo o passo, minha visão escureceu,
senti um frio na espinha e uma raiva incontrolável tomou conta de mim.
Tomei rapidamente uma de suas espadas e coloquei eu seu pescoço
prendendo-o contra a parede.
– Como sabe disso, Demétrius! – Gritei. Ele me olhava assustado e com
os olhos espantados.
– Abaixe essa espada, Leona! – Disse ele tentando soltar as mãos, mas
havia o prendido contra parede usando meus poderes.
– Perguntei como sabe delas! – Gritei novamente tocando a espada em
sua garganta. – Responda ou eu arranco a sua cabeça fora agora e vou sujar
esse castelo com seu sangue! – O ameacei num rosnado. As marcas em meu
braço haviam ficado vermelhas, me assustei e o deixei cair no chão, as
marcas ficaram douradas novamente então as apaguei.
– Não sabia! – Disse ele tossindo e ficando de pé. – Só percebi uma
mudança no seu poder quando esteve em Lastar, a única coisa que muda o
poder de vocês dessa forma é a Maldição! Então supus que vocês fugiram
para o outro mundo por isso! Falei agora para obter uma confissão indireta
sua...
– Fairin perceberá também! – Falei encostando na parede e
escorregando até o chão.
– Não, não vai perceber! Só notei a diferença por causa do seu sangue
que tomei. Nem mesmo Moan percebeu diferença.
– Você falou para ela?
– Não falei para ninguém, nem pretendo falar nada! Já disse que estou
com vocês! – Ele estendeu a mão para me levantar. – Temos que voltar logo,
eles devem estar preocupados!
– Promete que não vai deixar ninguém saber delas? – Implorei
segurando seu rosto, seus olhos estavam fixos nos meus, pude ver meu medo
refletido em seus olhos.
– Prometo! Vou guardar o seu segredo até que Fairin não esteja mais
estre os vivos! – Disse ele colocando a mão sobre seu coração. Me senti
aliviada, havia sinceridade em suas palavras, se me enganasse faria questão
de cortar sua cabeça eu mesma dessa vez.
Saímos do palácio em direção a saída da cidade rapidamente. Em
outras circunstâncias teria andado pela cidade inteira olhando tudo e
comprando coisas bonitas, mas essa não era a hora. “Quando tudo isso
acabar, irei vir aqui com Lórien, Ewren e as meninas! ”
Segurei na mão de Demétrius enquanto ele me levava de volta ao
navio.
5

D
emétrius não nadava tão rapidamente quanto as Sereias
que me raptaram, mas estávamos bem perto do navio
agora, podia sentir a presença de Ewren e Amaterasu.
– Não conte a ele que sei das suas filhas, tudo bem?
– Demétrius falou após um longo tempo nadando em
silêncio.
– Não vou contar.
– Já sabe o que vai fazer se não conseguirmos derrotá-lo? – Estávamos
no mar, nas águas frias e mesmo assim suas palavras me deixaram com um
frio terrível na barriga.
– Tenho um segundo plano... – Demétrius parou de nadar para poder
me encarar.
– Espero que o seu segundo plano não seja se unir a ele!
_ meus planos não incluem traição, Demétrius! – Respondi friamente.
– Você é filha dele, talvez...
– Eu não vou me unir a ele! Não me julgue como uma pessoa que pode
ser comprada com poder! – Ele me encarou por mais alguns instantes antes
de subir a superfície. O navio estava parado no mesmo lugar nos esperando.
Usei meus poderes para fazer uma escada e subir a bordo. Ewren estava nos
esperando, ele me deu a mão e me puxou para um abraço.
– Você só arruma problemas, sabia! – Disse ele me apertando com
força.
– Arrumei mais aliados também! – Respondi.
– Ela conquistou minha irmã dando algumas patadas nela! – Disse
Demétrius rindo e sentando-se no chão.
Moan veio ao nosso encontro e sentou-se ao Lado de Demétrius
também. Amaterasu veio até mim fazendo uma festa e abanando o rabo.
– Vamos até a cabine, tem que trocar essas roupas molhadas! – Ia dizer
que podia fazer isso com meus poderes, mas Ewren me levou para a cabine
antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Serena já não estava mais na
cabine.
– Você está bem? – Perguntei a ele.
– Onde vocês estavam, o que aconteceu?
– Algumas Sereias me sequestraram para me entregar a Fairin, parece
que ele e Guinn espalharam fotos de nós com o valor da recompensa. Elas
desistiram de me entregar a ele pois eu parecia uma boa refeição, então
Demétrius apareceu e matou elas. Depois fomos ao palácio dos nove Dragões
pedir ajuda à irmã dele. – Resumi a história da melhor maneira que pude
escondendo a parte das bebês.
– Misannin fez alguma coisa contra você? – Perguntou ele olhando-me
preocupado.
– Não, ela não fez nada, só rosnou um pouquinho, mas a coloquei no
lugar dela! – Respondi, Ewren ficou me encarando por um tempo, olhando
bem fundo em meus olhos depois começou a rir. – Qual é a graça?
– Você é inacreditável, parece um animal selvagem, brigona, teimosa
e quando alguém te provoca você apenas responde à altura!
– O que você esperava que eu fizesse? Batesse nelas porque você ficou
com elas antes de mim? – Ele pareceu desconcertado.
– Talvez...
– É por isso que você odeia tanto o Demétrius? Achava que ele poderia
fazer algo comigo por vingança ao que você fez com a irmã dele?
– Na verdade isso nunca passou pela minha cabeça! Mas faz sentido.
– Quando vocês se viram em Arcádia eu tinha certeza de que não o
conhecia! Pelo jeito que ele falou com você.
– Leona, Amantia é um mundo bem menor que a terra! As pessoas aqui
vivem muito, muito mesmo! Eu conheço quase todas as pessoas de Amantia
e quase todos me conhecem, você e Serena que são as novidades desse
mundo! Quanto a Demétrius, o conhecia de vista apenas, ele era guarda do
Palácio dos nove dragões. Só soube que ele era irmão de Misa quando ela me
falou.
– Entendo... – bufei desviando o olhar.
– Está chateada comigo por causa disso? – Ele segurou meu queixo com
o polegar e o indicador e virou meu rosto para ele novamente.
– Claro que não, não tem porque eu estar chateada por isso.
– Me desculpe.
– Pelo que?
– Se eu tivesse tirado você da água com meus poderes na hora que
você disse que não conseguia usar os seus, você não teria sido levada por
elas.
– Foi bom, conseguimos mais ajuda! Sabia que essa Misa é mãe de Ami?
– Isso eu não sabia! – Ele ficou pálido de repente e soltou meu rosto.
– Relaxa, Ewren! Ela é filha de Castien, não é sua não! – Demétrius falou
do outro lado da porta dando uma risada divertida.
– É feio ouvir a conversa dos outros sabia? – Respondi. Ewren parecia
aliviado agora. – Vai continuar aí escutando a conversa? – Perguntei, ele
ficou em silencio fingindo ter saído, fiz uma adaga longa aparecer em minha
mão e a atirei contra a parede de madeira do navio, a lâmina atravessou a
madeira e ouvi um barulho estranho do outro lado.
– Ficou louca? – Gritou ele – Você quase acertou minha cabeça!
– Sai daí ou eu mando Hasan fazer peixe frito para o almoço! – Gritei.
– Não tenho gosto bom, sou meio demônio também! – Disse ele
bufando. Ouvi barulho de passos em direção a escada e sorri.
–Você fica assustadora as vezes, sabia? – Ewren passou os dedos no
meu pescoço, lhe dei um beijo no queixo e ele me puxou pela cintura.
– Cadê Serena? – Perguntei afastando-me em direção à porta.
– Estava lá fora com Hasan! Ela acordou assustada na hora que o navio
parou. – Ele puxou meu braço antes que eu chegasse à porta e me derrubou
no chão prendendo-me com as pernas e segurando minhas mãos acima de
minha cabeça.
– O que acha que está fazendo? – Perguntei.
– Não estou fazendo nada... – ele sussurrou mordendo de leve minha
orelha, meu coração acelerou. O beijei enquanto soltava minhas mãos,
quando tentei sair ele riu e mudou de aparência, seus cabelos prateados
estavam roçando em meu pescoço, ele abriu as asas e as fez nos cobrir
enquanto levantava meu vestido.
– Ewren, o que está fazendo? – Minha voz estava dura, senti algo
errado com ele. Segurei seu rosto e o virei para mim, seus olhos estavam
vermelhos e brilhantes.
– Já disse que não estou fazendo nada demais! – Sua voz estava mais
grave ele me apertou com força contra o chão, lembrando-me de como ele
havia ficado em Vintro. Rapidamente o abracei e criei uma bolha dourada
ao nosso redor.
– Que a minha luz dissipe as trevas que se escondem em seu coração,
que meu calor seja o suficiente para aquecer sua alma sombria... – Falei
baixinho o prendendo com força em meus braços. Senti a energia fluir de
mim para ele e passar por ele como se o estivesse purificando.
– O que está fazendo? – Perguntou ele para mim, sua voz estava
normal e seus olhos prateados, quando ele se deu conta do que e estava
acontecendo, afastou-se de mim fechando as asas, levantou-me do chão e
me abraçou novamente. – Sinto muito! Não era para isso acontecer mais.
– Nós estamos em um navio cheio de cristais de purificação, não era
para acontecer isso mesmo! – Resmunguei.
– Não subestime o poder maligno que o mar das tormentas tem! Até
você é fortemente afetada por ele. – Disse ele para mim. Ouvimos um
barulho de espadas se chocando vindo do convés e saímos apressados em
direção a ele. Moan e Serena estavam gritando feito loucas com Hasan e
Demétrius que estavam lutando ferozmente em cima do mastro central,
Amaterasu latia desesperada em direção a eles, Meow e Neve também
pareciam incomodados com a briga.
– O que está acontecendo afinal? – Perguntei a Moan.
– Eles simplesmente começaram a brigar! Sem motivo algum só
sacaram as espadas e começaram a lutar! – Ela estava apavorada.
– Será que eles estão brincando? – Perguntou Serena olhando-os
preocupada. Nesse momento Demétrius cortou uma corda da vela que fez
um efeito chicote, Hasan pulou a tempo evitando que a corda o derrubasse.
Uma densa neblina começou a rodear o navio e não permitia que víssemos
nada.
– Dissipem! – Gritou Moan girando seu cajado, a neblina se afastou de
nós, nos permitindo ver o que estava por trás da neblina. Eram fantasmas,
muitos deles e vindos de todas as partes, muitos caminhavam sobre as águas
e outros atravessavam as paredes no navio.
– Vieram tirar a paz daqueles que descansam, agora se juntarão a nós!
– A voz melodiosa do fantasma mais próximo a nós ecoou em meus ouvidos,
preferia enfrentar um Ymir novamente ao ficar perto daqueles fantasmas.
Ewren sacou a espada.
– Isso não vai adiantar conta eles! – Gritou Moan aproximando-se de
mim. – Essa perturbação vem deles, Leona! – Disse ela para mim.
– A espada não é para eles! – Disse ele a brandindo em nossa direção.
Conseguimos escapar do seu golpe, seus olhos estavam brancos e apagados.
Demétrius e Hasan saltaram do mastro no navio e pararam ao nosso lado
para nos proteger de Ewren que brandia a espada violentamente contra nós.
Amaterasu e neve estavam acuadas em um canto da proa do navio e Meow
saiu voando assim que a névoa começou a aparecer.
– Essa sua Mantícora é tão covarde quanto um amigo que eu tenho! –
Resmunguei para Hasan, mas seus olhos ficaram brancos também e Segurou
Serena, que começou a gritar e se debater, Moan tentou ajudar enquanto eu
segurava os ataques de Ewren, mas foi presa por Demétrius também.
– Moan, o que são esses fantasmas afinal? – Perguntei usando uma
forte onda para varrer Ewren de perto de nós.
– São os fantasmas dos homens que morreram devorados pelas
sereias, eles querem se vingar de todas as mulheres que não os impediram
de se atirar ao mar! Por isso não estão fazendo nada contra eles!
– Como se mata um fantasma? – Perguntei, eles se aproximavam cada
vez mais de nós.
– Ah sério gênio? Como se mata alguém que já está morto? – Fiquei
sem saber se ela estava apenas debochando ou se era tão obvio que não
precisava de resposta. Ewren se aproximou novamente, suas marcas
acenderam e correntes apareceram no chão prendendo a nós três.
– Não estou conseguindo usar meus poderes com precisão!
– Nem vai conseguir, o mar das tormentas causa fortes interferências
em nossos poderes! – Respondeu Moan.
– O que faremos então?
– Não sei! Nunca enfrentei fantasmas! – Demétrius se aproximou dela
com a adaga na mão, seus olhos brancos e dentes de agulhas a mostra
estavam mais assustadores do que estiveram antes.
– Precisamos de fogo de raposa! – Serena falou nos surpreendendo,
olhamos para ela espantadas.
– Como sabe disso? – Perguntamos juntas
– Li num mangá uma vez... – respondeu ela, Moan revirou os olhos e
bateu com a cabeça em forma de deboche, Serena ficou sacudindo as
correntes tentando se soltar, porém Hasan segurou seu cabelo e colocou as
garras em seu pescoço.
– NÃO TOQUE NELA, HASAN! – gritei batendo os pés no convés usando
toda força que pude juntar com meus poderes reduzidos pelas correntes de
prata. A pancada fez uma onda atingir o navio derrubando os três, mas os
fantasmas não foram afetados por ela.
– Por favor, nos deixem ir! Não temos nada a ver com o incidente de
vocês! – Moan começou a choramingar baixinho.
– Tive uma ideia! – Olhei para Amaterasu, se podia controlar os lobos
de terra, talvez pudesse controlar minha guardiã. Usei toda minha
concentração para liberar minha alma e alcançar Amaterasu no canto do
navio, foi muito difícil tomar o corpo dela, vamos menina, me dê passagem
ou todos nós morreremos aqui! Falei em pensamento para ela, foi como se
ela tivesse me entendido e liberado seu corpo para mim, pude ver através de
seus olhos e controlar seu enorme corpo de Waheela. Meu próprio corpo
estava caído sobre Moan, Ewren e Demétrius se aproximavam de nós, saltei
por cima das escadas e aterrissei em cima deles dois, derrubando-os com
meu peso, logo em seguida dei uma cabeçada em Hasan, derrubando o
também, ao abrir a boca de Amaterasu, pude soltar uma descarga elétrica no
chão molhado do navio, evitando a parte que Serena e Moan se
encontravam, assim eles não nos dariam mais trabalho. Pelo jeito, a
possessão dos fantasmas era muito fraca, eles não tinham acesso total aos
poderes dos possuídos.
– Vocês não vão escapar! – Disse o fantasma se aproximando
rapidamente de meu corpo.
– Leona! Não deixe ele tomar seu corpo! – Gritou Moan assustada.
Corri em direção a elas e quebrei as correntes com os dentes fortes de
Amaterasu e voltei rapidamente ao meu corpo. Levantei-me tonta e
transformei um dos cristais de purificação de meu colar em um espelho,
cortei o dedo de serena e pinguei o sangue em sua superfície depois fiz o
mesmo com meu sangue.
– O que está fazendo? Rápido Leona! – Serena estava apavorada
olhando para Ewren, Hasan e Demétrius que estavam se levantando
novamente com as armas nas mãos. Pressionei o vidro do espelho até que
ele brilhasse e ficasse com a superfície mole.
– Vocês que ainda não puderam descansar, que permanecem presos
aqui pela mágoa e tristeza, lhes dou passagem para o décimo segundo
mundo, vão em paz e descansem agora, quando voltarem em outras vidas,
sem rancor nem pendências, sejam felizes como não puderam ser nessa
existência! Até a próxima vida! – Cantei para eles e ergui o espelho acima de
minha cabeça. Um forte vento saiu do espelho formando um redemoinho
acima de mim, puxando todos os espíritos para dentro dele, muitos
começaram a aparecer de todas as partes, vindo das águas, da direção do
porto e de todas as direções, parecia que toda minha energia estava sendo
sugada para dentro daquele portal também.
Quando o último fantasma foi arrastado para dentro do espelho junto
com a névoa, o espelho voltou a ficar sólido. O atirei no chão partindo-o em
pedaços, transformei meu pingente em uma vassoura e varri os cacos para
fora do navio. Soltei Moan e Serena, quando as soltei, senti um gosto
metálico em minha boca e caí de joelhos no chão.
– Leona! – Moan me segurou antes que eu batesse no chão.

Serena:

Leona havia acabado de nos salvar da vingança dos fantasmas, ela


estava com os braços erguidos, segurando o espelho que ainda brilhava
fracamente, seus braços e pernas tremiam, seus olhos estavam gravados em
uma expressão de angustia e medo. Sabia que ela tinha muito medo de
fantasmas, mas ela enfrentou o medo de forma incrível.
Leona abaixou os braços e atirou o espelho no chão, fazendo-o se
partir em mil pedaços, girou seu cajado nas mãos transformando-o em uma
vassoura e varrendo os cacos para fora do navio. Amaterasu e Neve vieram
até nós abanando as caudas enquanto Leona nos soltava das correntes.
Moan, nossa meia irmã sorriu e a olhava admirada. Quando ela se virou para
ir até onde Ewren e os outros estavam, uma linha de sangue apareceu no
canto de sua boca, seus joelhos fraquejaram e ela caiu, Moan a segurou a
tempo de impedir que ela tocasse o chão do navio.
– Serena, acorde eles rápido! – Moan estava assustada segurando
Leona desacordada em cima de suas pernas dobradas. Senti um frio na boca
do estômago ao ver minha irmã daquele jeito, parecia que ela tinha acabado
de perder seus poderes, estava pálida e agora escorria sangue de sua boca e
de seu nariz.
– Moan o que está acontecendo? O que houve com ela? – Perguntei
assustada me aproximando delas e tocando o rosto frio de Leona. Amaterasu
se aproximou, deitando ao lado de Leona e colocando seu focinho embaixo
da mão de Leona e choramingava baixinho.
– Acorde eles, rápido Serena! – Gritou ela encarando-me. Corri até
onde eles estavam e comecei a sacudir Hasan e Ewren.
– Acordem, vamos depressa! – Gritei, mas eles pareciam não me
escutar. Usei os poderes que tinha para dar um choque neles, que
imediatamente pularam do chão resmungando. Hasan olhava em volta
assustado, procurando pelos fantasmas e Demétrius se levantou
resmungando.
– Droga! O que aconteceu aqui! – Ralhou Ewren sentando-se no chão e
olhando de mim para o local onde estavam Moan e Leona, quando viu Leona
nos braços de Moan, seu rosto empalideceu.
– Ela ainda está viva... – Moan mal conseguiu falar. Ele correu na
direção delas e tirou Leona dos braços de Moan a levando para dentro da
cabine do navio seguidos por Amaterasu.
– O que houve aqui, Moan? – Perguntou Demétrius se aproximando de
nós e olhando em direção à cabine.
– Ela abriu um portal para Mogyin e absorveu para dentro dele todos
os fantasmas dos mortos de Amantia, TODOS! – Moan o encarava de olhos
arregalados. – Demétrius ela fez todos os fantasmas serem arrastados para
dentro do portal!
– Não... não tem como fazer isso, mulher! Pare de mentir! – Ele agora
olhava espantado também para a cabine. – Não tem como ela ter feito isso,
se ela abriu portais atravessando os doze mundos para os levar até lá, ela
morreria antes que os fantasmas terminassem de passar! Cada alma enviada
para lá...
– Isso gastaria toda a sua energia física e seus poderes, por isso ela
desmaiou. – Disse Hasan segurando minha mão e me levando até a cabine.
Ele abriu a porta e entrou. Leona estava desacordada sobre a cama, Ewren
estava com uma mão em sua cabeça e outra em seu peito, um brilho dourado
passava por ele como uma corrente até o corpo dela.
– Ewren... Ela vai ficar bem? – Perguntei me aproximando e me
ajoelhando ao lado da cama, olhando para Leona. Ele não me respondeu, não
tirava os olhos do rosto dela esperando alguma mudança. Depois de um
longo tempo em silencio, tirando as mãos dela e segurou suas mãos. Nunca
achei que fosse vê-lo tão assustado como agora, Leona não estava
acordando, meu coração estava doendo, havíamos deixado tudo nas costas
dela, nem nos esforçamos para tentar ajudá-la.
– Ela só precisa recuperar as energias! – Disse Demétrius entrando na
cabine e se aproximando da cama, ele foi segurar o braço de minha irmã,
mas Ewren o impediu afastando a mão de Demétrius dela.
– Confie em mim! – Ele estava encarando Ewren, mantendo o olhar
firme. Quase dava para ver as faíscas entre eles. Demétrius estão pegou o
braço dela virando-o para cima e pressionou uma das tatuagens de folhas
douradas, elas ficaram vermelhas junto com a marca de sua testa e
começaram a pulsar, aumentando e diminuindo o brilho conforme as
batidas do coração dela.
– O que você fez? – Perguntei.
– Uma técnica abissal de recuperação. Por isso é tão difícil derrotar o
exército dos Abissais. – Respondeu ele dando um sorriso maldoso. Leona
começou a respirar rapidamente e apertou as mãos de Ewren que estavam
sobre ela. Quando ela finalmente abriu os olhos, a tensão presente na cabine
desapareceu.
– Você está bem? – Perguntei empurrando Demétrius para o lado e
sentando na cama ao seu lado.
– Claro que estou. – Ela sorriu. – Não tem mais nenhum deles, não é?
Quando comecei a juntá-los no portal, tive a ideia de pegar todos de
Amantia, assim nunca mais veria um fantasma por aqui... – disse ela
endireitando-se na cama e deitando sobre seu braço como se nada tivesse
acontecido, fechando os olhos e dormindo novamente.
– Deixem ela dormir, enquanto as marcas não voltarem ao dourado,
ela vai ficar fraca. – Demétrius me pegou pelo braço, e Hasan também, para
deixarmos ela descansar, antes de passar pela porta vi Ewren dobrar os
joelhos ao lado da cama e abraçar Leona, escondendo seu rosto nos braços
dela. Fomos para a cozinha do outro lado do navio para preparar algo para
comermos. Lórien estava lá, sentada à mesa com a comida preparada e
servida.
– Quando foi que chegou aqui? – Perguntei assustada.
– Agora! – Disse ela comendo feliz algo que parecia ser uma torta de
batata com carne.
– Por que está aqui? Não era pra estar com... – Antes que eu terminasse
a frase, Hasan esticou o braço para ela, ela o encarou e sorriu.
– Bem esperto, achei que não fossem lembrar! – Ela tirou a manga de
sua blusa do caminho, quando seus antebraços se aproximaram as três luas
brilharam. – O que aconteceu por aqui? – Perguntou ela olhando nossas
caras ainda um tanto assustadas. – Estávamos na torre das Nuvens quando
vi uma quantidade absurda de fantasmas sobrevoando a cidade, Arcádius
mandou que eu os seguisse pois achou aquilo incomum! – Explicou ela.
– Leona os enviou para Mogyin, ela enviou todos os fantasmas de
Amantia para o mundo dos mortos. – Explicou Moan. Lórien engasgou com
a torta e nos olhou espantada.
– Ela fez o quê? Onde ela está? Ela está bem? – Lórien se levantou
arrastando a cadeira.
– Ela está na cabine com Ewren... – ela nem esperou eu terminar de
falar, saiu correndo na direção da cabine. Sentamos para comer em silêncio,
não se ouvia um pio.
– Ela sempre fez isso, sempre se arriscava para proteger os outros, não
importa se era maior do que a força dela, sempre se arriscava. – Hasan falou
quebrando o silêncio.
– Ela fazia isso no campo também, quando estávamos com vovô, ela
sempre se enfiava na floresta antes de nós para evitar que algum animal nos
atacasse durante a noite, ela não mede suas brigas, apenas as enfrenta... –
completei.
– Ela vai ficar bem, já disse! Não se preocupem. – Demétrius falou
enquanto pegava um pedaço da torta e comia.
– Eles não estão preocupados com ela agora, Demus! – Disse Moan
acariciando o rosto dele. – Ela pode acabar morrendo por tentar carregar
todo o fardo sozinha. Leona sente que a culpa é dela por estarmos passando
por esses problemas, por causa da maldição...
Ficamos em silêncio comendo as coisas que Lórien havia preparado
ali, não faço ideia como havia feito tudo aparecer tão rápido. Pouco depois
ela voltou seguida por Amaterasu e carregando Neve encolhida no colo.
– Eu vi meu irmão furioso quando Black J. matou Emma, ele ficou
possesso de raiva, parecia um demônio... sem ofensa Demétrius – disse ela
erguendo a mão para ele. – O vi ficar chateado, até mesmo triste quando
mamãe morreu, mas nunca havia o visto com medo antes!
– Ele parecia muito perturbado quando a viu no chão! – Disse Hasan
para ela.
– Ele está querendo que eu a leve para Evenox antes que ela acorde!
– Você vai levar? – Perguntei ficando nervosa, não sabia se conseguiria
ficar aqui sem Leona por perto.
– Não posso fazer isso! Ela acordaria lá e o odiaria por tentar protegê-
la assim contra a vontade dela e me odiaria por tê-la levado!
– Ela vai acordar em poucos minutos. – Disse Demétrius parecendo
irritado. – Nem daria tempo de abrir um portal!
– Hasan, use seus poderes para chegarem logo ao outro lado! Essa
massa de fantasmas pode ter consequências negativas, Fairin com certeza
viu aquilo e pode enviar guardas atrás de vocês! Vão direto para a vila dos
caçadores, estou voltando agora, preciso passar um relatório à Arcádius. –
Lórien saiu da cozinha e foi para o convés, desaparecendo no ar segundos
depois.
– Vou ver como eles estão! – Falei saindo de fininho da cozinha
também. Hasan foi para o timão do navio, suas marcas laranja brilharam
enquanto as velas se inclinavam e eram sopradas por um vento que ele
trouxe. Entrei na cabine com Amaterasu em meu encalço, Ewren estava
sentado ao lado de Leona escrevendo em um pequeno caderno de folhas
amareladas e capa de couro.
– Ela já vai acordar. – Disse ele olhando de canto de olho as marcas no
braço de Leona, que estavam pulsando num tom alaranjado e clareavam bem
lentamente.
– Não queira manda-la de volta a Evenox, Ewren, ela nunca o perdoará
se você fizer isso!
– Não vou mandar, não se preocupe com isso. – Disse ele entre os
dentes. Parecia muito frustrado.
– O que foi?
– Se eu não tivesse decidido vir neste navio, se tivesse feito um outro
novo, eles não teriam aparecido! Os fantasmas vieram por causa da energia
que usei para restaurar o navio. – Ele cerrou os punhos.
– Se não tivéssemos vindo nesse navio, Neve teria morrido! Ewren,
está tudo bem, você não conhece minha irmã como eu conheço. Ela sempre
faz essas coisas, mas não se preocupe, ela é de ferro! – Sorri olhando as
marcas de Leona, que agora pulsavam em dourado.
– Eu sei... – disse ele passando os dedos no rosto dela. – Mas... – antes
que ele completasse o que ia dizer, Leona mordeu sua mão fazendo-o pular
de susto.
– Pare de resmungar! Se estivesse lúcido teria feito o mesmo por nós,
não é? – Disse ela abrindo os olhos e sentando-se apoiando as costas na
cabeceira da cama.
– Na verdade eu nem pensaria nisso, mas usaria meus poderes para
tirar todos do navio voando. – Respondeu ele. Leona ficou corada e virou o
rosto para o lado.
– Nem pensei nisso.
– Eu sei, você sempre pensa nas coisas mais difíceis! Não sabe escolher
o jeito mais fácil! – Resmungou ele. Pulei em cima da cama e a abracei
apertado, meu coração martelava minhas costelas com tanta força que achei
que ele pudesse sair.
– Não faça isso de novo! Se tivesse soltado a mim e a Moan, teríamos
lhe ajudado!
– Tudo bem, me desculpem! Prometo pensar melhor na próxima vez!
– A verdade é que você não pensa direito quando está nervosa e faz a
primeira coisa que lhe vem à mente, não é? – Ewren prendeu o cabelo dela
para trás depois a tirou da cama.
– Quase isso! Se eu estiver com fome, também não consigo pensar
direito. – Seu estômago roncou alto.
– Vamos lá comer alguma coisa então! Não posso deixar que chegue
na vila dos caçadores e comece a falar bobagens. – Ewren não perdia uma
oportunidade de implicar com ela. Fiquei na cabine com Amaterasu e Neve
quando eles saíram, fiquei deitada olhando nos olhos daquele lobo gigante e
senti um arrepio, algo estranho.
– Algo ruim vai acontecer, não é? – Falei coçando as orelhas de Neve,
que havia subido na cama e estava deitada ao meu lado. Ela espirrou e
continuou a me encarar. – Estou com medo! – Admiti para mim mesma.
Hasan entrou na cabine fazendo-me pular de susto. Ele sentou na cadeira ao
lado da cama e ficou olhando para mim.
– Não estava usando seus poderes para chegarmos rápido? – Perguntei
– Ewren assumiu o comando um pouquinho…
– Entendi. – Sentei na cama cruzando as pernas. – As coisas só vão
piorar a partir de agora, não é? – Falei diminuindo minha voz.
– Acho que sim. Mas nossas chances são muito boas! – Disse ele
sorrindo para mim, tentando me animar. Senti um calor quando ele prendeu
meu olhar com aqueles olhos negros e brilhantes, virei o rosto para o lado,
estava sem jeito e envergonhada por causa de seu olhar penetrante.
– Devíamos ir lá para fora ficar com eles. – Disse me levantando para
sair. Ele segurou meu braço e antes que pudesse fazer qualquer movimento,
Hasan me puxou colocando sua outra mão em meu rosto e me beijando. Não
conseguia acreditar nisso! Se achava que estava sonhando e que a qualquer
momento acordaria com o despertador para ir à escola e esse era o último
minuto de sonho, antes que alguém me acordasse e o estragasse.
Já que eu vou acordar mesmo... o agarrei para que não se afastasse de
mim e retribui o beijo. Seus lábios eram tão macios e quentes...
– Me desculpe! – Falei fechando os olhos e me afastando nervosa. Meu
rosto estava muito quente.
– Não precisa se desculpar, estava apenas tomando de volta o beijo que
me tomou aquele dia na terra... – respondeu ele sorrindo, tirando uma
mecha de meu cabelo da frente do rosto.
– Foi meu primeiro beijo. – Falei, virando o rosto envergonhada, não
achava que ele iria se lembrar disso! Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Já que eu peguei esse de volta... – ele segurou meu queixo e
entrelaçou seus dedos em meus cabelos, inclinando levemente minha
cabeça para trás, traçando minha boca com o indicador, então segurou meu
queixo e me beijou novamente, forçando minha boca a se abrir, traçando-a
completamente com a língua e a enrolando na minha, o calor de seu corpo
aumentou, fazendo meu coração bater cada vez mais rápido e
descontrolado. Suas mãos seguravam meu rosto para que eu não pudesse me
afastar, mas eu não tinha intenção de fazê-lo. Hasan deslizou uma mão pelo
meu pescoço e beijou de leve o canto de minha boca depois a mordeu e
prendeu meu lábio inferior com os seus. Coloquei minha mão debaixo de sua
blusa enquanto ele me apertava em seus braços fortes. Quando ia tirar
minha blusa, Amaterasu começou a rosnar e deu um latido alto e estridente,
como se estivesse nos alertando que estávamos passando dos limites. Me
afastei nervosa, mordendo os lábios, estava ofegante.
Hasan estava olhando dentro de meus olhos, com um sorriso sexy no
rosto.
– Achei que você fosse quietinho... – falei por fim tentando fazer
minha voz sair normalmente.
– Sou um híbrido de malvarmo e salamandra. Eu tenho a chama que
arde o initerruptamente. Não tenho nada de quietinho! – Meu rosto ficou
ainda mais vermelho enquanto dava um passo para trás, mas ele me impediu
de sair segurando-me pela cintura. – Eu sempre fui apaixonado por você,
sabia?
– Não fazia ideia! – Respondi sinceramente, afinal, Hasan e Leonard
para mim eram duas pessoas totalmente diferentes.
– Quando tudo isso acabar, quero que você seja minha. Quero que se
case comigo. – Disse ele calmamente ao meu ouvido encostando seu rosto
no meu. – Quero que esteja comigo por que quer e não pela força que a
maldição lhe impõe... – Ah! Se ele soubesse o quanto eu o queria!
– Vou pensar... – respondi mordendo os lábios para não rir e não
mostrar minha alegria.
– Pense com carinho. – Disse ele beliscando meu pescoço com os
lábios, o que fez uma corrente elétrica passar por meu corpo.
– Está tudo bem aqui? – Demétrius abriu a porta sem nem bater e saiu
entrando. Hasan não se afastou de mim como imaginei que ele faria, muito
pelo contrário, continuou na posição que estava com os lábios ainda em meu
pescoço.
– Está tudo bem, Demétrius, já estamos indo lá para fora! – Respondeu
Hasan, suas palavras fizeram cócegas em meu pescoço. Estava com tanta
vergonha por ser pega com ele que teria corrido se Hasan não estivesse me
segurando firmemente.
– Vamos logo! Se Leona tivesse entrado aqui no meu lugar ela estaria
tendo um chilique agora! – Disse ele rindo e saindo pela porta. Hasan
suspirou e pegou minha mão, levando-me para o convés. Moan e Leona
estavam conversando sentadas nas escadas de acesso ao arsenal do Navio,
Ewren estava no timão e Demétrius estava na no mastro principal fazendo a
vigia.
– O que estavam fazendo lá? – Perguntou Leona quando me aproximei
delas. Meu rosto esquentou enquanto eu tentava pensar em algo.
– Eu... Nós estávamos conversando, só isso! – Falei, isso pareceu mais
suspeito do que imaginei.
– Sim, uma conversa não-verbal! – Disse Moan rindo levantando meu
cabelo. Leona começou a rir também.
Os sóis estavam altos no céu, o calor de Sirius era maravilhoso em
contraste com os salpicos gelados do mar em meu rosto. Amantia é um lugar
tão perfeito, embora fosse lar das coisas mais assustadoras que pudesse
imaginar. Quando Leona e Ewren foram me buscar na terra, depois que ela
me passou suas memórias, quando lembrei de tudo que passamos juntas,
quase chorei ao pensar que a esqueci. Fiquei tão feliz quando cheguei em
Evenox com eles e descobri que realmente existia mais do que nossa tão
solitária terra.
– Devemos chegar em Edro em menos de dois dias. – Avisou Hasan se
aproximando de nós. Novamente fui traída pelo acúmulo de sangue em
minhas bochechas. Ele piscou ao passar por nós e foi brincar com Neve, para
minha sorte, Leona estava distraída olhando para Ewren e não percebeu
nada.

Chegamos em Edro pouco depois do meio dia do dia seguinte, poucas


horas antes do que Ewren havia previsto que chegaríamos. O calor estava
me incomodando bastante, quando desembarcamos do navio no porto meus
olhos devem ter brilhado como dois faróis. A cidade portuária era tão linda!
– Porto das Ondinas. – Disse Hasan se aproximando de nós, Meow veio
ao nosso encontro saltitando, parecia um gatinho comum agora.
– Temos que sair das vistas o mais rápido possível! – Ewren passou a
nossa frente e foi andando em direção à uma rua estreita e sem movimento.
– Vamos direto para a Vila dos Caçadores? – Perguntei.
– Vamos sim, devemos chagar lá amanhã cedo, não podemos ir voando
aqui, temos que ficar o mais escondido quanto for possível! Vamos pela
floresta Azul, pela cidade das Pedras e ir em direção à floresta das Sombras.
– Ewren explicou enquanto saíamos pelo portão lateral da cidade.

Ao nos afastarmos bastante da cidade, suficiente para que o mal


pudéssemos vê-la, Leona bateu o pé no chão, fazendo que quatro lobos de
terra aparecessem.
– O que é isso? – Perguntei tocando no animal de olhos apagados que
estava em nossa frente.
– Para não cansarmos Neve nem Meow, mas vou com Amaterasu! –
Disse Leona Montando nela e esticando a mão para que eu montasse com
ela.
– Não é boa ideia Serena ir com você, Leona. Ela não vai conseguir
dividir a energia. – Disse Hasan se aproximando e montando com ela. Ewren
ficou vermelho mas virou o rosto e montou em um dos lobos, Moan,
Demétrius e eu fizemos o mesmo. – Vou com você, assim posso dividir a
energia, você ainda não está muito bem, não é
– Tudo bem... – ele a encarou dando um olhar significativo a Leona.
Hasan segurou-se no pelo de Amaterasu enquanto Leona encostava-se nele
e fechava os olhos. Os lobos de terra se ergueram no chão, sacudindo as
cabeças e uivando. As marcas de Leona se apagaram e as de Hasan
acenderam enquanto corríamos, ele estava dividindo seu poder com ela para
que ela pudesse correr mais livremente com os lobos. Ewren parecia não
estar gostando dos dois muito próximos, será que ele não entendia que
Hasan só a via como irmã? Provavelmente não!

Continuamos a correr até o final da tarde, para paramos dentro de


uma floresta densa e escura ao anoitecer. Os lobos se desmancharam, Hasan
estava segurando Leona no colo e a colocou sobre um cobertor pesado e
grosso apoiado em Amaterasu, que não parecia estar nem um pouco
cansada. Leona estava dormindo sobre ela tranquilamente, Moan sentou ao
lado dela e Demétrius sumiu transformando-se numa nuvem de vapor, na
certa iria verificar se estávamos em segurança aqui. Hasan fez uma pilha de
lenha dentro de um círculo de pedras ele ergueu a mão, ela começou a pegar
fogo, então ele atirou a chama na lenha e acendeu a fogueira.
– Vou pegar água para fazer o jantar. – Disse Ewren se afastando e
desaparecendo no meio da floresta.
– Espera ai! Vou também! – Falei correndo atrás dele. Corri atrás de
Ewren na floresta escura e andamos em silêncio até encontrar o rio um
pouco mais a frente. Ewren pegou os caldeirões que carregava e os encheu
de água.
– Você está bem? – Perguntei sem saber como puxar assunto com ele.
– Estou. – Respondeu ele secamente pegando os caldeirões e me
entregando.
– Hasan me pediu em casamento hoje no navio... – falei, sabia que ele
sentiu ciúme quando Hasan montou em Amaterasu com minha irmã. Ewren
me olhou surpreso.
– O que respondeu?
– Não respondi! Fiquei tão nervosa que não consegui falar! – Respondi
sorrindo me lembrando da maneira que Hasan tocou em mim e fiquei
corada. – Não precisa ter ciúme de Leona, Ewren. Ela me passou todas as
memórias dela, e deu para sentir a intensidade de todos os sentimentos que
ela tem por você. – Ele continuava me encarando surpreso.
– Não tenho ciúmes...
– Sabe quais eram as memórias mais fortes dela? As que você estava
presente! Acho que a favorita dela é do casamento de vocês... – falei com
meu rosto corando. – É a memória mais colorida que ela tem. – O rosto dele
se iluminou e o vi esconder um sorriso enquanto se virava de costas para
mim.
– Ao amanhecer chegaremos à vila dos Caçadores, vou te dizer a
mesma coisa que disse à sua irmã, não use seus poderes quando chegarmos
lá até termos certeza de que são nossos aliados.
– Entendi! Pode deixar! – Voltamos até o local que tinham montado as
barracas. Passei os olhos rapidamente pelo local, Leona estava dentro de
uma das barracas, dormindo encostada em Amaterasu. Ewren colocou os
caldeirões no fogo e Moan começou a colocar os ingredientes em um deles
para preparar um ensopado.
Moan aparentemente era uma pessoa doce, gentil, tinha o olhar
esperançoso. De vez em quando ela olhava para Demétrius de canto de olho
e sorria discretamente, apenas Hasan e eu havíamos notado o
comportamento dela. Pelas memórias de Leona, achei que ela fosse má, não!
Má não, mas achei que fosse um pouco mais rabugenta. Jantamos o ensopado
com um estranho pão escuro de sementes, embora já o conhecesse das
memórias de Leona, era muito melhor em minha própria boca.
– Vou ficar de guarda durante a noite. – Disse Demétrius quando
acabamos de comer e nos preparávamos para dormir.
– Não precisa, eu vou ficar de olho. – Ewren se levantou e desapareceu
em cima da copa de uma árvore próxima à nos.
– Ele é maluco! – Disse Demétrius rindo e entrando na barraca com
Moan.
– Eu ouvi isso, Demus! – Disse Ewren em tom de deboche. Entrei na
barraca onde Leona estava dormindo, Hasan se deitou no outro lado da
barraca em silêncio e dormiu imediatamente. Queria conversar, não estava
com sono! Rastejei devagar até o lado da barraca que Hasan estava dormindo
e coloquei minhas mãos geladas debaixo de sua blusa. Ele virou-se na minha
direção espantado.
– O que está fazendo aqui? – Perguntou ele segurando minhas mãos e
as afastando gentilmente.
– Estava com frio no lado de lá... – falei mordendo os lábios evitando
um sorriso.
– Só deitar perto de Amaterasu. – Disse ele virando-se para o outro
lado novamente. Bufei frustrada e continuei ao lado dele, o ouvi suspirar, se
levantou e me pegou no colo colocando-me ao lado de Amaterasu e Leona.
Amaterasu deu uma lambida em meu rosto.
– Vou voltar para lá quando você dormir! – Falei piscando para ele.
– Não vai não! – Ele segurou meu rosto e pressionou seus lábios em
minha testa, fazendo as marcas verdes em meu braço se acenderem.
Comecei a ficar sonolenta e meus olhos ficaram pesados e ardidos, como se
tivesse jogado areia neles.
– Detesto essas minhas marcas, são de meu pai... – falei com a voz
arrastada, distante.
– Eu amo a flor de lótus, ainda mais essa que você carrega! – Ele
deslizou os dedos pelo meu rosto enquanto eu fechava os olhos e adormecia.

Acordei com Neve lambendo meu rosto, Hasan não estava mais dentro
da barraca, Leona estava se levantando ao meu lado, seu cabelo estava
completamente bagunçado, enrolado e meio grudento. Ela olhava feio para
Amaterasu atrás dela.
– Sabe, bichinho, eu não sou um filhote que você precise lamber para
manter limpo! – Reclamou Leona passando a mão sobre seu cabelo duro.
Amaterasu espirrou e lhe deu outra lambida. Estávamos com cheiro de lobo
molhado e baba.
– Quero ir tomar banho! – Resmunguei puxando minha roupa
completamente babada e meio dura.
– Também vou! – Disse Leona pegando roupas limpas e toalha, fiz o
mesmo seguindo-a para fora da barraca.
– O que houve com vocês? – Perguntou Hasan assustado quando nos
viu saindo da barraca.
– Parece que foram engolidas por um dragão, parcialmente digeridas
e cuspidas fora! – Disse Demétrius se aproximando e tentando descolar o
cabelo de Leona.
– Amaterasu deve ter sonhado que vocês eram filhotes dela e que
precisavam de um banho! – Quando Moan disse isso o olhar de Leona ficou
desfocado, olhando para o nada e sua boca se estreitou em uma fina linha,
tenho certeza de que estava pensando em suas filhas.
– Onde está Ewren? – Perguntou Leona olhando em volta, também
nãoo vi desde que foi fazer a guarda na noite anterior.
– Ele saiu e disse que não demorava, pediu para vocês não se afastarem
de nós. – Demétrius nos olhou de canto de olho. – Mas vou pedir, por favor,
se afastem até o rio, pois estão com cheiro de cachorro babado! – Hasan
segurou o riso disfarçando-o com uma tosse falsa. Leona segurou meu braço
e me arrastou com ela em direção ao rio, seu rosto estava corado de
vergonha e ela resmungava repetindo o nome de Amaterasu junto com
palavrões. Andamos ao longo do rio que na noite anterior havia pego água
com Ewren, a paisagem era tão bonita! Os sóis brilhavam refletidos nas águas
do rio fazendo as pedras molhadas da margem parecerem espelhos, a grama
verde ainda estava molhada com o orvalho da manhã, as árvores se
espalhavam ao longo do rio com folhas avermelhadas e enfeitadas por
pequenas frutas azuis.
Quando ia entrar no rio, Leona me puxou para trás de uma pedra,
tapando minha boca, olhava fixamente para um ponto na outra margem.
– O que foi? – Perguntei num sussurro tirando sua mão com cheiro de
cachorro de cima de mim.
– Ewren! – Falou ela tão baixo que tive que olhar para frente para ver
do que se tratava. Ewren estava parado do outro lado do rio embaixo de uma
árvore antiga, de galhos longos e floridos, as flores amarelas caiam em
cascata ao redor da árvore, fazendo-a parecer uma espécie de santuário. Ele
estava de pé em frente à uma pedra de ângulos retos e formato muito similar
à uma lápide, ele segurava em suas mãos uma rosa de cor vinho.
– Essa é a floresta das sombras! – Disse Leona desviando o olhar de
Ewren e olhando ao longe à pequena vila que estava situada em um vale
cercada pela floresta. – Aquele é o túmulo de Emma... – disse ela com os olhos
se enchendo de lágrimas. Antes que pudesse lhe dizer qualquer coisa ela
correu rio acima tendo o cuidado para que ele não a visse. Segui seus
movimentos silenciosamente até chegarmos em uma parte mais larga do rio.
Leona entrou na água, a segui novamente.
A água estava tão fria que fez minha pele formigar, lavamos nossas
roupas no corpo antes de as tirarmos e por fim lavar os cabelos totalmente
colados de saliva canina. Leona estava virada para o outro lado evitando me
olhar, quando vi de relance, seus olhos estavam vermelhos. Ela estava
chorando? Fui até onde ela estava e segurei seus ombros a virando para mim.
– Leona? Por que está chorando? Fale comigo... – falei baixinho para
que ela entendesse que ainda podia contar comigo, que ainda éramos como
antes. Seus olhos fitaram os meus por um longo tempo antes dela suspirar e
falar.
– Aquele era o túmulo de Emma, da primeira esposa dele. – Disse ela
soltando um doloroso suspiro.
– Ele estava apenas prestando homenagem, Leona! Não é como se ele
ainda gostasse dela ou algo assim. – Leona virou o rosto para o lado limpando
as lágrimas e rindo tristemente.
– Não é por isso que estou chorando, é por que eu sou uma pessoa
horrível! – Ela sentou-se numa pedra e se encolheu dentro da água ficando
apenas com o rosto para fora.
– Por que está dizendo isso? Você é maravilhosa! Não diga uma
bobagem dessas de novo! – Vociferei segurando seu rosto e encarando-a.
– Eu fiquei imaginando... se ela ainda estivesse viva, ele não estaria
comigo, eles teriam filhos agora e talvez eu tivesse voltado para casa em
segurança e nunca o conheceria...
– Mas é normal pensar nessas coisas! Eu acho...
– É normal sentir alegria com a morte de alguém para que nossa
própria felicidade esteja completa? – Ela me encarava novamente com os
olhos cheios de lágrimas. Não pude responder apenas continuei tomando
banho, ajudei ela a lavar os cabelos colados e tentei arrumar os meus
também. Escutei passos entre as árvores e tentei ver o que era, mas antes
que pudesse sair da água, um jovem estava parado entre as pedras da
margem com uma besta nas mãos. Mergulhei novamente na água abafando
um gritinho com as mãos.
– Quem é você? – Perguntou Leona tirando o pingente do pescoço. O
rapaz era muito bonito, tinha pele branca e olhos verdes, cabelos negros
espetados e um sorriso no rosto.
– Tayman, caçador da tribo... e vocês? – Ele estava com o rosto corado,
mas não desviava o olhar de nós. Leona se irritou com ele e fez uma onda no
rio derrubando-o das pedras para dentro da água, saímos rapidamente e
colocamos as roupas limpas enquanto ele se recompunha.
– Por que estava nos observando? – Perguntei pegando minha espada
e apontando para ele.
– Cuidado com isso mocinha! Pode se ferir! – Ele empurrou a espada
com o dedo enquanto se levantava. – Não estava observando ninguém,
apenas as encontrei aqui... o que é belo é para ser olhado, não é? – Disse ele
sorrindo maliciosamente.
– Talvez queira que eu apague esse sorrisinho do seu rosto, não? –
Leona pegou sua própria espada e se aproximou do jovem.
– Calma! Não acho que sejam inimigas! – Disse ele erguendo as mãos e
dando um passo para trás.
– Conheço você! Estava com Sally no funeral de Nellena! – Disse Leona
embainhando a espada novamente.
– Não a conheço, senhorita! Com certeza não esqueceria seu rosto
perfeito. – Disse ele sorrindo novamente, porém seus olhos haviam perdido
o brilho de antes.
– Eu sou a sacerdotisa das águas. – Disse Leona acendendo suas marcas.
O sorriso do rapaz sumiu.
– Fairin matou minha mãe quando ela descobriu sobre a identidade
falsa que ele usava. Ela ia contar para a sacerdotisa dos ventos sobre ele, mas
um servo dele o alertou, ele mandou um vampiro matá-la. – Ele largou a
besta no chão, tirou sua espada da cintura e se ajoelhou diante de Leona.
– Eu quero ajudar no que for preciso para destruí-lo! – Disse ele
encarando-a com uma chama acesa em seus olhos.
– Como sabe que queremos destruí-lo? – Perguntou ela desconfiada.
– Se ele colocou meio mundo atrás de vocês, é porque algum perigo
vocês representam para ele, ou pelo menos, para os planos dele! – Disse ele
nos encarando. – Minha mãe morreu tendo sua fidelidade à Eirien e a
sacerdotisa dos ventos. Então estou do lado de vocês também! – Ele piscou
para mim, senti meu rosto corar.
Leona sorriu, parecia aliviada agora que sabia que ele estava ao nosso
lado e não contra nós.
– Viemos para conseguir aliados entre os caçadores, creio que tenham
pendências com Fairin também!
– Temos muitas! – Ele virou-se de costas para nós, alisando o fio da
espada distraidamente.
– Onde está Sally e seu pai? – Perguntou Leona.
– Meu pai era um dos três líderes da tribo dos caçadores, ele foi para
uma reunião na fortaleza de Lótus Vale e nunca mais voltou. Tenho certeza
de que se recusou a ajudar Fairin e foi morto por ele! – Ele segurava
firmemente a espada, sua raiva era visível. – Sally está com Mayra em Monte
Azul.
– Bom, se ela está com vovó, creio que esteja em segurança! – Leona
começou a andar em direção ao acampamento. – Estamos com alguns
amigos e aliados aqui perto! Pode nos acompanhar? – Ela estava sorrindo,
mas aquele olhar triste ainda estava presente.
– Com todo prazer. – Ele sorriu para nós e se virou para pegar a arma
que havia deixado no chão.
Quando ergui meu pé do chão para dar um passo à frente, percebi uma
sombra estranha acima de nós.
6

L eona também percebeu e virou-se rapidamente para olhar


a estranha nuvem de mariposas que se aproximava de nós.
Eu nunca havia visto esses bichos se comportando dessa
maneira. Elas desciam em círculos do céu em nossa
direção. Leona deixou as roupas que carregava caírem no
chão e levou rapidamente a mão ao cajado, mas quando ela o ergueu algo
como um choque a fez derrubá-lo.
– SERENA! CORRE! – Gritou ela virando-se novamente e agarrando
meu braço correndo em direção às árvores. Antes mesmo que as
alcançássemos a nuvem de insetos nos circulou e formaram uma coluna em
nossa frente, transformando-se em um silfo alto loiro, que reconheci pelas
memórias de Leona como Guinn. Antes que pudéssemos correr, ele nos
segurou, quando sua mão tocou em meu braço, senti um frio terrível e algo
amargo no fundo da garganta. O medo me tomou completamente, gritei o
mais alto que pude, porém ele apenas riu.
– Dessa vez, nós vamos passear sem interferências! – Disse ele fazendo
um círculo de fogo aparecer ao nosso redor. Olhei assustada para Leona, ela
estava desacordada, Guinn usava uma estranha luva com garras metálicas
que estavam enterradas no braço dela, o sangue gotejava do lugar que ele
havia perfurado e a segurava para que não caísse no chão.
Não conseguia mais falar ou gritar, meus olhos estavam fixos em
Leona, o círculo de fogo ao nosso redor era tão alto que não conseguia ver
Tayman do lado de fora dele.
Quando o fogo se fechou acima de nós, senti como se o mundo
estivesse me tragando para baixo com uma força tão grande que poderia me
rasgar no meio se eu não me mantivesse encolhida. Aquele estranho estado
durou alguns segundos antes que pudesse perceber que havíamos aparecido
em outro lugar. Estávamos em uma sala ampla e clara, as paredes pareciam
ser feitas de vidro ou cristal, O castelo de Eirien! Meu estômago afundou,
Ewren havia dito que Fairin estava aqui com Veruza e Dymesia. Guinn jogou-
me no chão enquanto colocava Leona presa em uma espécie de maca no
centro da sala. Ele a prendeu com grilhões de prata nas pernas e braços e
verificou se estava bem preso.
Depois foi até uma mesa no canto da sala onde haviam vários frascos
estranho com líquidos coloridos e brilhantes que dançavam dentro dos
frascos, eles pareciam vivos de certa maneira. Guinn pegou um frasco com
um líquido coral, que se movia de forma diferente dos outros, parecia
agressivo em comparação ao movimento dos outros. Ele levou o frasco até
onde Leona estava, abriu sua boca e despejou o conteúdo do frasco. Não era
bem um líquido, parecia mais com fumaça. Antes de tocar sua boca, a fumaça
se espalhou por cima de seu rosto entrando também nos olhos e ouvidos de
Leona. Guinn afastou-se rapidamente, Leona começou a contrair o corpo e
as mãos como se estivesse tentando pegar algo em sua frente depois relaxou
novamente, ficando com os olhos abertos e a respiração rápida.
– O que está fazendo com ela! – Levantei-me e fui para cima dela,
porém ele segurou meus cabelos e me puxou para fora da sala.
– Aquilo não é um veneno, bom, para ela pode até ser... – Ele deu uma
risada, parecia estar se divertindo.
– O que era aquilo? – Perguntei.
– São as memórias que Fairin tomou de Ewren quando o prendeu em
Vintro. Aquelas são memórias do tempo que viveu com a garota humana!
Claro que Fairin teve a brilhante ideia de acrescentar um pouco mais,
colocou os pensamentos de Ewren se a garota não tivesse morrido... Como
eles teriam vivido, fora as memórias em que ele matava, estuprava e
torturava as mulheres das vilas que destruía com ajuda dos outros
mercenários! – Disse ele dando outra gargalhada. – Acho que dessa vez, ela
vai odiá-lo quando sair daqui! Se sair! – Ele me arrastou facilmente pelos
corredores do castelo até um outro cômodo deixando-me ali no chão
sentada e se dirigiu até a porta, mas ao invés de sair como achei que faria,
ele ficou guardando a porta como se esperasse que eu tentasse fugir.
– Prendi a Leona na sala conforme o senhor me instruiu, já à coloquei
na ilusão das memórias também! Em algumas horas ela deve estar pronta...
– As palavras de Guinn fizeram gelo correr em minhas veias no lugar de
meusangue. Pronta para quê?
A sala estava com as cortinas fechadas, estava um pouco escuro, mas
ainda podia ver um pouco o espaço à minha volta. Meus olhos pousaram
sobre três figuras no canto da sala, sentadas em um sofá, estavam me
observando, Dymesia, uma mulher morena, que não conhecia nem pelas
memórias de Leona e Fairin, ainda usando a aparência de Aeban. Ele sorriu
ao me ver e se levantou.
– Finalmente! A espera por esse dia foi longa e cansativa demais! Já
estava ficando sem paciência! – Disse ele aproximando-se de mim em passos
largos. Automaticamente me espremi contra a parede tentando evitar que
ele chegasse mais perto, porém ele segurou minhas mãos e ergueu-me do
chão com um puxão. Ele tocou um dedo em minha testa acendendo minhas
marcas verdes.
– Ela é dócil, quase domesticada, em comparação com a Leona que
mais parece uma fera! – Disse ele rindo segurando-me e me apertando
contra a parede. – Fez um ótimo trabalho com ela, Dym! – Ele abaixou meus
braços prendendo-os em minhas costas e segurou meu rosto virando-o para
o lado, puxou a gora rolê de meu vestido para baixo até a altura de meu
ombro, ele se abaixou sobre mim e tocou seus lábios em meu pescoço.
– Se relaxar não vai doer tanto... – sua respiração gelada fez uma
corrente de pavor passar por meu corpo. Tentei puxar meus braços, mas
meu corpo estava congelado, paralisado de medo. Por cima de seu ombro vi
Dymesia e a outra mulher sorrindo e cochichando baixinho, pareciam
satisfeitas, na cabeça delas, Fairin seria indestrutível agora! O vi mudar de
aparência, seu cabelo ficou prateado e um forte brilho vermelho estava
aceso em suas marcas. Ele mordeu pouco acima de minha clavícula, não
consegui evitar gritar, a dor foi intensa! Parecia que estava rasgando meu
pescoço com os dentes, sangue escorreu manchando minha roupa enquanto
ele cobria minha boca para que eu não gritasse mais. Sabia que estava
chorando, meu rosto estava sendo lavado por minhas lágrimas enquanto ele
enterrava cada vez mais profundamente os dentes pontiagudos em meu
pescoço.
Parecia uma eternidade, o tempo parecia não passar. Estava ficando
tonta e já não conseguia nem mais gritar. A dor descia em ondas por meu
corpo, fazendo cada músculo do meu corpo se contrair dolorosamente. Por
fim ele me soltou, deixando-me cair no chão quase sem forças e rouca. Ele
me observava com os olhos vermelhos, eram um misto de confusão e fúria.
Ele percebeu! Sorri por dentro sabendo que ele não conseguira o que queria,
e não conseguiria, já que nossas memórias estavam blindadas e ele não sabia
nada sobre as filhas de Leona.
Ele se virou na direção das mulheres sentadas o sofá. Dymesia estava
com os olhos arregalados, fixos em mim, parecia assustada demais para se
mover.
– Você disse que ela era a primogênita de Lupine! VOCÊ DISSE QUE
ROUBOU A CRIANÇA CERTA! – Esbravejou ele furioso quebrando os objetos
que estavam na mesinha perto de onde Dymesia e a mulher de pele morena
estavam agora encolhidas e assustadas.
– Mas... eu tinha certeza... elas, as curandeiras me disseram que era a
primeira nascida! – Dymesia gaguejava olhando confusa de mim para Fairin.
– VOCÊ É UMA INUTIL! – Gritou ele a tirando de cima do sofá e a
segurando pelo pescoço. Ela olhava apavorada para Guinn esperando que ele
intervisse. Guinn apenas olhava com um sorriso monstruoso no rosto.
– Mate-a Fairin! Pessoas incompetentes devem pagar por seus erros
com a vida inútil que desperdiçaram! – Disse ele maldosamente. Minha visão
estava começando a embaçar quando olhei novamente para Fairin e
Dymesia. Ela tentava segurar os braços dele, porém parecia um ratinho
tentando lutar contra um tigre faminto. A expressão de terror gravada em
seus olhos quando ela me encarou pela última vez foi algo que não tinha
como explicar! Fairin segurou sua boca com as duas mãos e começou a abrir,
a pele dela começou a rasgar.
O som era terrível, parecia com tecido novo rasgando, quando ouvi um
estalo, como o som de ossos de galinha se separando nas juntas brancas,
estava com os olhos fechados, tão apertados que doía. Não queria olhar, não
queria ver o que sabia que havia acontecido ali. Ouvi o barulho do corpo
batendo no chão e meus olhos se abriram sem que eu lhes ordenasse isso.
Não havia comido nada no café da manhã, mesmo assim meu estômago se
contraiu, fazendo-me pôr para fora o líquido biliar que havia nele. Dymesia
estava caída no chão, parte de sua cabeça estava do lado do corpo e a outra
metade ainda estava presa no pescoço por tiras de pele, nervos e veias
parcialmente destruídas, sua língua estava enrolada para trás.
Fairin se voltou para mim, levantando-me do chão pelo pescoço. Suas
mãos escorregaram em meu sangue.
– Espere! – A mulher morena pulou por cima do corpo e segurou no
braço dele. – Não a machuque mais! A culpa não é dela! Mas você ainda pode
usá-la como moeda de troca! – Ela encarava-o apertando seu braço com
força.
– Do que está falando mulher! – Sua voz era como um trovão, fazendo
a sala inteira vibrar com sua intensidade.
– Você ainda pode ter o sangue de uma filha de Leona! – Disse ela,
Fairin me soltou novamente. Meu coração começou a bater rapidamente e
meu pânico começou a crescer. Será que sabiam de algo?
– Não tenho paciência para esperar mais dezessete anos, Veruza! –
Gritou ele batendo na parede atrás de mim.
– Não precisa esperar! – Disse ela dando um meio sorriso tão maligno
quando seu olhar. – Só precisa engravidá-la, eu a levo para Vastrus! Você só
precisará esperar alguns minutos depois de confirmar a gravidez e
partirmos para lá! Volto de lá com a filha dela já adulta e se você quiser... –
Ela acariciou o rosto dele com as pontas dos dedos. – Eu deixo Leona
enterrada em qualquer lugar por lá mesmo! – Meu estômago continuava a
se contrair cada vez mais forte, agora de medo novamente. Sabia que não
poderia dizer nada sobre as filhas dela, se fizesse isso, mesmo que fosse para
livrá-la do perigo, Leona me odiaria para o resto da vida.
– Vai ter que dar certo dessa vez! – Disse ele afastando-se. Veruza me
olhou com nojo, tirou o lenço que estava em seu pescoço e o jogou para mim.
– O que vai fazer com essa? – Perguntou Guinn olhando para mim e
sorrindo.
– Preciso de você para me ajudar com Leona! Temos que interromper
o fluxo de memórias e tirá-la do transe. Se der tudo certo, depois pode fazer
o que quiser com ela depois! – Respondeu Fairin saindo pela porta com
Veruza ao seu encalço. Guinn olhou para mim erguendo uma sobrancelha.
– Até mais tarde! – Disse ele piscando para mim e sumindo de vista.
Fiquei sozinha na sala com o corpo de Dymesia, minha vista estava latejando
e meu corpo inteiro doía. Eles haviam trancado a porta quando saíram,
porém, ainda conseguia usar meus poderes. Peguei o lenço e pressionei
contra meu pescoço, o ferimento já não sangrava mais, mas ainda doía
muito. Usei meus poderes para abrir a tranca da porta. Eles já não estavam
em parte alguma que eu pudesse os ver, talvez achassem que eu não
representasse ameaça, ou poderiam me encontrar facilmente, por isso nem
se importaram em me prender de verdade.
Andei cuidadosamente pelos corredores me apoiando nas paredes
tentando encontrar o quarto que havia estado com Leona, não sabia o que
fazer, mas não tinha como deixar que fizessem mal a ela.
Virei no corredor à esquerda e contei as portas, segurei a maçaneta
da terceira porta, segurei o pingente do colar que Hasan havia me dado,
fazendo-o transformar-se num cetro e entrei no quarto rapidamente. Era a
porta errada! Estava em uma espécie de biblioteca particular, era pequena,
devia ter uns vinte e cinco metros quadrados. Andei até o final da sala e olhei
pela janela, lá fora estava muito claro ainda. Não devia ter se passado nem
uma hora desde que chegamos aqui. Quando virei de costas para a saída
notei algo brilhando numa brecha na parede de madeira lateral da sala.
Andei devagar, nas pontas dos pés e toquei na fresta, ali uma porta
secreta se abriu, então cautelosamente entrei na sala. Meus olhos se
encheram de lágrimas, Era uma sala estreita, não tinha mais que dois metros
de largura, porém era tão longa quanto vários campos de futebol! Só sabia
onde era o final pois havia do outro lado uma forte luz na última parede,
com certeza era uma sala encantada dentro da biblioteca.
O brilho azul vinha de várias árvores imensas desenhadas nas paredes
da sala. A maioria tinha nomes brilhantes e azuis e alguns nomes com fraco
brilho vermelho. Em cima de cada árvore haviam desenhos das famílias que
representavam. Atrás de mim, na parede maior havia uma árvore dourada
com a maioria dos seus nomes em vermelho e apenas sete nomes ainda
permaneciam dourados e um deles, o de Lórien, estava com um pequeno
risco pontilhado e um nome com brilho branco bem fraquinho.
Não conseguia ler os nomes rosa e azul embaixo do pontilhado, porém
li os dourados que estavam acesos. Embaixo do nome de Eirien e de um
homem já falecido chamado Orion estavam os nomes de Bargon e Arin em
vermelho e de Ewren e Yurin em dourado com uma linha os ligando ao nome
de outro homem, Farahdox, meu coração acelerou, vasculhei as memórias
que Leona havia me passado e até onde sabia, Farahdox era marido de Arin,
olhei o nome dela que estava conectada a Noliah, esse nome também estava
aceso em dourado, em baixo estava o nome de Lórien. Noliah e Farahdox
estavam vivos? E quem era Yurin? Ao lado do nome de Ewren o nome de
minha irmã estava aceso em dourado também, debaixo do nome deles, os
nomes das bebês de Leona. Aquilo fez os cabelos de minha nuca se
arrepiarem, Fairin não pode descobrir essa sala! Precisava encontrar um
jeito de fechá-la para que ele não a encontrasse. Antes de sair, percorri os
olhos por algumas das arvores.
Aparentemente as famílias mais antigas estavam no começo da sala
gigante. Uma delas me chamou atenção, tinha o mesmo símbolo que eu
tinha em minha testa. Corri até ela e olhei, a maioria dos nomes também
estavam vermelhos, passei os olhos rapidamente pelos nomes que estavam
acesos, vi o nome de Aristes e Arcádius e o de Fairin.
Embaixo do nome dele havia uma longa linha horizontal de nomes
apagados e poucos acesos, isso incluía o meu e de Leona. Porém o que mais
me chamou atenção foi a bagunça de nomes embaixo dos nomes de Fairin e
Jocelinne, haviam linhas que os uniam as filhas deles e linhas laterais que
unia o nome dele aos nomes de suas filhas. Aquilo fez meu estômago
embrulhar novamente, precisava salvar Leona imediatamente do monstro
que ele era! Embora já soubesse que Fairin era filho do mesmo pai de
Arcádius e Aristes uma fina linha unindo o nome de Jocelinne e Shiban, que
era o pai deles me chamou atenção.
Senti meus joelhos amolecerem e quase caí quando vi aquilo. Jocelinne
também era irmã deles! Com tantas famílias em Amantia, ela tinha que ser
justamente irã deles? Aquilo tinha que ser um erro! Corri os olhos pela sala
procurando a orquídea brilhando em algum lugar. Ela estava do outro lado
da sala poucos metros à frente de mim. Corri até ela, a arvore parecia ser o
triplo do tamanho de todas as árvores dali, era simplesmente gigantesca,
corri os olhos pelos nomes mais embaixo, mais novos, até encontrar o de
Jocelinne abaixo de um nome em vermelho. “Jocelinne Arbarus Apollis”
Novamente o pânico me tomou. Ela não poderia matar Fairin como
estávamos planejando? Corri os olhos pela árvore uma última vez, vi os
nomes de Emma, Evelyn, Belve e Nieve vermelhos embaixo do nome de Pitye
e o mais estranho, embaixo do nome de Belve havia um nome em vermelho
que não conseguia ler e outro nome, Tiena que estava aceso, embaixo desse
nome, duas linhas rosas com nomes que ainda não podiam ser lidos iguais
ao nome que estava embaixo do nome de Lórien.
Saí da sala e usei o resto do poder que tinha para criar uma pequena
ilusão, assim ninguém acharia aquela sala novamente. Voltei ao corredor
principal e dobrei a direita, já que havia errado o lado, pois não tinha
contado as portas errado. Ouvi os gritos de Leona vindos de algum lugar no
castelo e apressei meu passo, vou te achar, prometo!

Leona:

Estava vendo a mesma cena repetidas vezes, Ewren e Emma, felizes


juntos com duas lindas menininhas loiras de olhos azuis no colo deles. EU
não existia naquela realidade, apenas observava de longe, cansada de gritar
para que ele olhasse em minha direção, porém não importa o quanto
gritasse ele não me ouvia. O sorriso de Emma era mais do que simplesmente
um sorriso feliz, era quase vitorioso! Por vezes durante aquela estranha
ilusão, cheguei a pensar que aquilo era verdade, porém quando ela me
encarava com aqueles olhos azuis cheios de maldade, sabia que deveria ser
apenas um sonho terrível do qual não conseguia despertar.
Depois de um longo tempo observando a alegria deles, as imagens
começaram a borrar até que algo diferente aconteceu. Ewren não estava
mais ao lado de Emma, e sim rodeado de corpos de homens, mulheres e
crianças mortas, dilacerados e ensopados de sangue.
Seus olhos vermelhos olhavam com prazer aquela cena terrível, seus
lábios estavam retorcidos num sorriso agourento e medonho, não podia ser
o meu Ewren! Ele estava segurando as adagas nas mãos, sua pele cinzenta e
seus cabelos prateados estavam cobertos por sangue, até suas asas que
estavam abertas estavam sujas e se curvavam para frente de forma
assustadora, ele usava apenas uma parte de baixo de armadura de couro
rasgada e ensopada de sangue e gordura.
Parecia o próprio anjo da morte, ele parecia me ver, seus olhos me
encaravam agora num misto de satisfação e prazer, como se eu fosse o
próximo alvo, não conseguia me mexer, estava paralisada de medo. Antes
que ele me alcançasse, uma densa neblina o apagou de minhas memórias e
o teto de vidro apareceu acima de mim, o rosto de Ewren também. Ele estava
me chamando, podia ouvir muito distante meu nome sendo chamado e sabia
que era por ele. Dei um pulo enquanto tentava me afastar dele, assustada.
Ainda estava tentando acalmar meus pensamentos das lembranças
que inundavam minha mente. Ewren estava de pé perto de mim soltando os
grilhões de prata que me prendiam naquela cama. Sabia que meus olhos
deviam estar inchados de tanto chorar e minha garganta ardia de tanto que
havia gritado. Quando Ewren terminou de me soltar, eu sentei na beirada da
maca olhei bem seus olhos prateados até perceber que era quem eu queria
que fosse e o abracei tão apertado quanto pude, com medo de que fosse outra
ilusão e que ele desaparecesse também ou que se tornasse aquilo que
acabara de ver. Sua mão esquerda estava sobre meu rosto, enrolada em uma
bandagem suja de sangue.
– Você está bem? – Perguntei com minha voz rouca, segurando sua
mão ferida.
– Fairin nos deu um pouco mais de trabalho do que imaginamos
enquanto o expulsávamos do palácio! – Disse ele sorrindo para mim.
– Jocelinne não conseguiu matá-lo? – Perguntei encarando-o confusa.
Ele pareceu surpreso com minha pergunta, mas sacudiu a cabeça.
– Eles conseguiram escapar! Mas deixe isso de lado por enquanto, o
que fizeram com você? – Perguntou ele segurando meu rosto
cuidadosamente com as mãos.
– Eu... – não queria lhe dizer o que havia acabado de ver, não sei quanto
tempo havia se passado, em minha cabeça pareciam dias. Não sei dizer!
– Falei por fim abaixando a cabeça, escondendo meu olhar, ele podia ler-me
facilmente. Sem aviso ele ergueu meu rosto e me beijou. Não sabia se era
efeito do que havia acabado de ver em minha mente, ou se era apenas o
medo que estava sentindo, mas seus lábios estavam frios, diferentes e ao
mesmo tempo iguais. Segurei seu rosto com as mãos, sua pele estava
realmente muito fria.
Ele deve ter entendido meu gesto como se eu tivesse lhe dado um
passe livre, pois tentou levantar meu vestido, foi como se algo gelado tivesse
tocado em meu coração. Não é o Ewren! Abri meus olhos e puxei minhas
pernas para cima chutando seu peito fazendo-o parar do outro lado da sala
batendo contra a parede. Ele estava atordoado encarando-me com os olhos
vidrados.
– O que foi isso, ficou louca? – Perguntou levantando-se. Segurei a
barra da cama e quebrei o metal transformando-o numa longa espada. Meu
sangue fervia de ódio.
– Isso que está fazendo é muito feio, sabia Fairin? – Falei erguendo a
espada na direção dele e limpando a boca com as costas das mãos. Ele
começou a rir.
– Como sabe quem sou eu?
– Tive um pouco de tempo para conhecer esse corpo que você está
usando para me enganar! Seria mais fácil se eu não o conhecesse tão bem
assim... – ri, a raiva em mim era tão grande que meu corpo inteiro tremia.
– Pelo visto não deu para enganar você! – Disse ele voltando à forma
de Aeban.
– Pare de usar o corpo dos outros! Me encare com sua verdadeira
forma, covarde! – Gritei. Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Isso não é jeito de falar com seu pai! Mas se é assim... como queira,
minha doce menina! – Disse num tom debochado, ergueu as mãos e mudou
sua aparência. Seus olhos mudaram de cor, ficando um amarelo e outro
verde, sua pele ficou num pálido tom cinzento e os cabelos loiros caíram em
cachos pelas suas costas, pareceria até um anjo, se eu não conhecesse o
demônio que se escondia ali. Ergui a espada e saltei para cima dele para o
atacar, mas fui pega por trás por Guinn. Ele derrubou minha espada
enrolando as correntes de prata em meu pescoço.
– Como você pode? Elas eram suas filhas! Eu sou sua filha! – Gritei
enfurecida. – Você é um monstro! – Fazendo força para me soltar das mãos
de Guinn que ria baixinho.
– Isso só é errado no mundo que você foi criada! – Disse ele virando o
rosto para o lado como se eu o tivesse batido. – Aqui, relações como a nossa
são bem comuns, principalmente para manter o sangue puro... – disse ele se
aproximando e fazendo correntes prenderem minhas pernas no chão.
Parecia que tinha lido meus pensamentos, pois ia chutá-lo novamente. – ...
Até mesmo sua amada Eirien passou por isso! Ela foi obrigada a se casar com
seu irmão para manter o sangue dos Ascardian puro! Mas ela traiu o marido
dela, sabia? Com um dos guardas do palácio! Não acha estranho o amor dela
pelo seu elfo ser maior do que o amor pelos filhos dela que matei? – Ele
perguntou segurando firmemente meu rosto para que eu não desviasse o
olhar.
– As avós costumam gostar mais de seus netos...
– HUMANAS! EIRIEN É UMA ELFA! – Gritou ele fazendo eu querer me
afastar, mas Guinn ainda me segurava com força. – Elfos não tem
sentimentos iguais dos humanos, eles não têm tanta afeição! Ewren é filho
bastardo dela com um dos guardas, ela se apaixonou e traiu seu marido! –
Ele tinha um sorriso debochado em seu rosto.
– É mentira! Você é louco! Quando Jocelinne pôr as mãos em você...
– E nem adianta sonhar com Jocelinne me derrotando, pois por mais
forte que ela seja, ainda é minha irmã por parte de pai assim como Arcádius
e Fairin! Se ela tentar me matar, vai acontecer o mesmo que aconteceu com
sua mamãe! – Ele deu uma gargalhada, minha pele se arrepiou.
– É mentira! – Minha voz estava rouca. – Está blefando para tentar se
salvar! – Ele riu novamente de minhas palavras.
– Pense bem, com o risco que corria dela tentar me impedir, por que
acha que a deixei viva? – Perguntou ele olhando-me nos olhos. – Aqui, você
não pode matar um irmão de sangue senão você morre! – Ele ergueu a manga
da blusa que vestia e me mostrou uma marca como se estivesse queimado e
estilhaçado parte de seu antebraço. – Eu tentei a matar, mas se o fizesse,
estaria condenado! E se você matar um filho ou outro parente abaixo de
você, você tem o poder drasticamente reduzido! Se eu tivesse matado Mayra
ou Lupine, jamais conseguiria meu poder de volta para conquistar Amantia
e os outros onze mundos! Por que acha que todas elas continuaram vivas
depois que eu tirei o que precisava delas? Por que eu senti pena por serem
do meu sangue? – Ele fez um som de zombaria – Se eu pudesse, teria as
matado com minhas próprias mãos!
– Como você pode receber o amor que elas deram a você, achando que
se tratava de outra pessoa e ainda assim não ter pelo menos um pouco de
carinho por elas? – Perguntei, minha voz saiu ainda mais tremida e rouca, o
que fez Guinn rir alto.
– Eu apaguei os sentimentos bons de mim, eles só atrapalham o
julgamento correto!
– Cadê Serena? – Perguntei lembrando-me que ela havia sido trazida
comigo.
– Infelizmente sua irmã não me serviu!
– O que fez com ela! Onde ela está! – Gritei desesperada.
– Calma, ela ainda está viva, enquanto você colaborar ela estará viva!
– Disse ele tirando uma faca cintilante da cintura e a girando em minha
direção. – Não posso te matar, mas posso torturar vocês, e Veruza, ela sim
pode matar Serena facilmente! – Ele estalou os dedos, uma jovem morena de
cabelos azuis claros entrou na sala, era Veruza no corpo de Brigith, ela
estrava trazendo Serena que estava suja de sangue e com olhar apavorado.
– Solte-a! Por favor! Deixe ela ir embora! – Gritei tentando me soltar
novamente em vão. Veruza a ergueu pelos cabelos e colocou uma faca em
seu pescoço.
– Fairin, teria sido mais fácil eu ter matado todas elas! Desde Jocelinne
até Lupine, se bem que ela fez isso de forma mais divertida! – Disse Veruza
com uma expressão vazia em seu rosto.
– Cale a boca! Vadia mal-amada! – Gritei. Ela me olhou espantada, seu
espanto virou raiva e colocou a faca novamente no pescoço de Serena,
fazendo-me arrepender de minhas palavras.
– Pelo visto, essa é a única das suas filhas que se parece um pouquinho
com você, Fairin! – Disse Guinn rindo, apertando meus braços um pouco
mais. Estava me sentindo estranha, meu corpo pulsava de forma diferente,
era uma raiva fora de controle eu nunca havia sentido tanta raiva. Queria
atacar Veruza, arrancar sua cabeça, não conseguia me reconhecer.
– Você devia ter matado Jocelinne, devia ter apenas arrancado a
cabeça dela quando teve a chance, se pouparia da vergonha de ser a mulher
traída que perdeu o marido para uma humana qualquer, e que agora tem
que suportar vê-lo se deitar com outras para conseguir um pouco da atenção
dele, graças ao poder que você conseguiu para ele! – As palavras saiam de
minha boca de forma maldosa, não queria dizê-las, na verdade queria, mas
não com uma arma no pescoço de minha irmã. – Se você tivesse a matado e
lutado para o colocar de volta no poder, talvez estaria feliz hoje ou talvez
não, gente como você nunca fica feliz com nada... – Veruza tinha ódio no
olhar, suas mãos tremiam com a espada afiada perigosamente perto do
pescoço de Serena.
– Se Veruza a tivesse matado, eles saberiam que eu tramei por
vingança! – Disse Fairin encarando-me de forma tão gentil que me senti
enjoada, parecia estar defendendo Veruza, ou tentando acalmá-la.
– Agora, você vai cooperar com ele, ou eu mato ela! Motivos eu já
tenho, pirralha de língua de trapos! – Veruza não parava de tremer, lágrimas
escorriam de seus olhos.
– Ele pode ter todo o poder do mundo, mas nunca vai amar você! Ele
acabou de confessar que não preserva nenhum sentimento bom! Como você
acha que ele pode amar você? Sua mente doentia é tão ruim assim para
acreditar que quando ele tiver o poder, ele vai voltar a te amar? Se um dia
amou de verdade, claro! O que duvido muito! – Falei rindo, parecia que a voz
não saía de mim, as palavras não pareciam vir de minha mente. Veruza
empurrou Serena contra o chão e deu um pulo em minha direção com a
espada erguida, com o rosto lavado em lágrimas, mas não conseguiu chegar
perto. Fairin puxou seu braço para o lado e lhe deu uma bofetada tão forte
com as costas da mão que a fez girar e cair no chão encolhida. Ela ficou
apavorada olhando-o com rancor.
– Olha o que você me fez fazer, Leona! – Disse ele calmamente
segurando meu rosto, seus olhos amarelos me encaravam com raiva e ao
mesmo tempo com admiração, senti mais raiva dele agora. – Se você quiser,
eu posso te dar tudo! Só basta me pedir, apenas quero que me ajude...
prometo até permitir que aquele elfo viva, se assim desejar! – As palavras de
Fairin pulsavam em minha mente de forma perturbadora. Sabia o que havia
nas entrelinhas, era uma ameaça se eu não o ajudasse.
– Eu nunca ficarei ao seu lado! – Gritei me contorcendo tentando de
alguma forma alcançá-lo, mesmo sabendo que poderia morrer, queria matá-
lo agora mesmo. Algo em mim não parecia certo!
– Não há nada de errado em se unir ao lado vitorioso, mas se não
aceita... – ele assoprou meu rosto, uma névoa fina vermelha me atingiu, a
princípio não senti nada diferente, ele fez um movimento com a cabeça para
Guinn, pegou Veruza do chão e saiu da sala, deixando nós três ali. Correntes
prenderam Serena no chão enquanto Guinn segurava uma mecha de meu
cabelo ente os dedos.
– Você deveria ficar agradecida por ele deixar eu fazer isso... – sua voz
era suave enquanto ele puxava meus braços e os prendia atrás de mim.
Agora percebi o que aquela névoa havia feito, algo desligou em mim, não
conseguia mais mover meu corpo, seu corpo estava perto demais – ... eu sou
a parte dele que tem os sentimentos bons, que tirou de si por que o
atrapalhava as vezes a tomar decisões, então me criou com uma boa dose de
coisas boas... – disse ele sorrindo pressionando seus lábios no meu pescoço.
– Nós compartilhamos a mesma mente, então tudo que vejo ele vai ver!
– Eu vou matar você, e vai doer, você vai pedir para morrer rápido! –
Falei através dos dentes.
– Ahh, não seja assim! Prometo que vou ser mais gentil que ele seria,
você pode até gostar se não lutar muito... – suas palavras fizeram cocegas
em minha orelha. As correntes que me seguravam moveram-se abrindo
minhas pernas, usei minha força para impedir, mas a prata dava choques em
minha pele. Guinn deslizou sua mão pela curva de minhas costas.
– Deixe ela em paz! – Gritou Serena tentando se soltar também. Ela
estava horrível, manchada de sangue que estava secando em seu vestido e
seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, mesmo assim a única coisa
que eu sentia era uma raiva irracional. – Quando acabar aqui, te dou um
pouco de atenção também! – Ele riu e piscou para Serena. Guinn tocou na
marca em minha testa, acendendo-a e sorriu novamente.
– Quero que você veja essas marcas douradas brilhando quando eu te
possuir, para você se lembrar que é de outro, mas ele não estava aqui para
te salvar! – Disse ele colocando a mão por debaixo de meu vestido e puxando
minha calcinha devagar. Não conseguia nem ao menos falar, queria morder
seu pescoço e rasgar sua garganta com os dentes antes que ele pudesse tocar
em mim, mas não conseguia me mover.
Sem a presença de Fairin meus sentimentos pareciam estar voltando,
estava com medo agora, apavorada, não queria que Guinn tocasse em mim
de forma alguma, porém, tive medo por elas, se fizesse algo errado e
perdesse meus poderes não poderia protegê-las quando a hora chegasse.
Serena se ergueu, ela me encarava, sabia o que ela ia fazer, ela ia falar, ia
falar de Evenox e das crianças para que ele me deixasse em paz! Sacudi a
cabeça discretamente. “Eu prefiro morrer do que entregá-las, Serena” movi
os lábios para que ela entendesse. Ela fechou os olhos.
– Não toque nela! Por favor! – Gritou serena novamente sacudindo as
correntes e fazendo muito barulho para que ele desviasse atenção de mim.
– Cale a boca menina! Já disse que cuido de você depois!
Quando se virou novamente para mim, um brilho muito intenso vindo
das janelas do meio da sala fez com que ele fechasse os olhos e se afastasse
de mim, nem as cortinas conseguiam amenizar a intensidade daquele brilho
branco ofuscante, tive que cerrar meus olhos também, mesmo de costas
minha vista ardia, um frio intenso tomou o ambiente.
– O que... – Guinn tentava proteger os olhos com os braços. Logo parte
da parede da sala que estávamos se estilhaçou, pedaços de vidro voaram
para todos os lados e pararem no ar como se estivessem flutuando.
– Áries! – Exclamou Serena alegremente vendo a mulher branca
caminhando tranquilamente pela sala e indo até Guinn. Ele se ergueu
rapidamente pegando a espada que estava caída perto de Serena e erguendo
contra Áries. Ela estava magnífica! Seus cabelos curtos dançavam contra
seus ombros estreitos, ela estava vestida com uma túnica branca leve de seda
e segurava em suas mãos uma espada grande demais para ela, parecia
desproporcional uma criatura de aparência tão frágil com aquela espada tão
ameaçadora nas mãos. Ela a levantou na direção de Guinn, que preparou sua
própria espada como defesa.
– Aries! Não faça isso! Apenas nos solte! – Gritou Serena para ela.
– Vocês não vão conseguir! É melhor que eu o faça logo! – Disse ela
olhando com remorso para mim.
– Eu te dou minha palavra, só nos tire daqui, não se sacrifique atoa
como minha mãe fez! Eu vou conseguir, te dou minha palavra Áries! – Falei,
minha voz saiu baixa demais, mas ela escutou.
Os olhos negros e profundo de Áries nos fitaram por um instante. Ela
então se abaixou na frente de Guinn, que parecia apavorado demais para
reagir. Áries deu-lhe um peteleco na testa, de leve, ouvimos um estampido
quando Guinn revirou os olhos e caiu para trás com o nariz sangrando.
Cheguei a ouvir Áries murmurar um palavrão antes de dizer “forte demais!
” Quando ela se virou para Serena, comecei a vê-las embaçadas e escutei um
forte zunido em minha cabeça, apenas fechei os olhos desejando que isso
passasse.

Serena:

Áries se aproximou de mim, arrebentando as correntes com as pontas


dos dedos e me ergueu do chão. Não havia nenhum tipo de emoção em seus
olhos negros como o carvão, porém seus lábios cheios estavam contraídos
em uma linha fina. Em seus braços brancos começaram a aparecer pequenas
manchas douradas que pareciam se fechar lentamente em direção ao seu
pulso “Droga! ” Murmurou ela indo até Leona que havia desmaiado pouco
depois que Áries apareceu. Ela arrancou as correntes que a prendiam,
embora fosse muito forte, ela era pequena demais para carregar Leona.
Áries abriu os braços fazendo um brilho a cobrir novamente, quando
o brilho diminuiu, quase chorei ao ver sua aparência. Ela tinha assumido
uma forma fantástica, longos cabelos louro-pálidos e brilhantes caiam em
volta dela, estava alta, seus braços desenhados e fortes e a armadura
brilhante que vestia me fez estreitar os olhos para vê-la. Ela me encarou com
os olhos cor de gelo, virou-se para Leona e a segurou-a no colo e pegou meu
braço também.
Paramos no buraco que Áries havia aberto ao entrar na sala. O dia
havia se tornado uma noite escura e uma horda de gigantes e lobisomens se
acumulavam ao redor do castelo, senti um frio agonizante passar em minha
espinha ao ver um deles escalando o castelo para nos alcançar.
– O que vai fazer? – Perguntei agarrada em seus braços. Áries sorriu,
seu sorriso fez uma outra onda de pânico me tomar. Ela contraiu as pernas
e saltou com tanta força que fez minha cabeça doer com a pressão.
– Faça um ponto de aterrisagem, agora! – Disse ela. Movi minhas mãos
rapidamente fazendo uma nuvem engrossar ao ponto de ficar como asfalto.
Áries pisou nela apenas para tomar novo impulso e saltar. Ela olhava
insistentemente as marcas douradas crescentes em seus braços.
– Não vai dar tempo! – Resmungou ela pousando em outra plataforma
que fiz rapidamente antes que ela cobrasse.
Pousamos numa floresta de mata densa e escura, a única luz era a que
vinha de Áries parada em minha frente colocando Leona no chão, senti o
cheiro de terra úmida e folhas em decomposição misturando-se a terra e
tornando-se parte do solo novamente. Leona abriu os olhos e olhou
assustada para Áries.
– Você perguntou sobre o que aconteceria comigo se eu intervisse... E
mesmo assim você permitiu que isso acontecesse sabendo que eu interviria!
Era isso que você queria? – Aries parecia furiosa gritando com Leona.
– Eu... desculpe Áries! Eu pretendia me livrar sozinha! – Falou Leona
tentando se levantar.
– Ele ia invadir o castelo com os outros para resgatar vocês! – mesmo
O tom de voz mais baixo de Áries pareciam gritos estridentes. – Eu não tenho
mais tempo! – Ela se virou para mim, minha alma parecia queimar com seu
olhar. – Não se atreva a dizer não para ele! Diga para Hasan que o amo e que
não se esqueça de mim! – Os olhos dela se encheram de lágrimas enquanto
seu brilho aumentava.
– Não se preocupe, eu pretendia dizer sim! – Falei sorrindo para ela. –
Vou cuidar bem dele, prometo! – Foram minhas últimas palavras para Áries.
Um feixe de luz a atingiu fazendo-a se encolher e gritar, antes de
desaparecer diante de nossos olhos deixando apenas um rastro luminoso até
o céu. Leona se levantou e colocou as mãos em meu pescoço, curando a
ferida e me erguendo do chão.
– Foi tudo culpa minha... se não tivesse me afastado demais no rio teria
dado tempo deles nos ajudarem e talvez Guinn estivesse morto agora aí
teríamos um a menos para nos preocupar! – Leona abaixou a cabeça e me
abraçou forte chorando baixinho em meu ombro, misturando suas lágrimas
às manchas de sangue em meu vestido.
– Agora já passou. – Falei tentando acalmá-la, parecia que havia
voltado ao normal, o ódio que via nos olhos dela havia desaparecido. –
Leona, estamos perto demais do castelo e o raio de luz de Áries denunciou
nossa presença! Temos que sair daqui eles podem vir atrás de nós! – Falei.
– Sim, vamos! – Ela ergueu as mãos fazendo um grande lobo de terra
aparecer, segurei-a enquanto ela transferia sua mente para guiá-lo– o que
ela quis dizer com “Não se atreva a dizer não para ele”? – Perguntou ela
enquanto corríamos floresta a dentro.
– Hasan me pediu em casamento. – Falei, só havia contado para Ewren.
– Então você não aceitou? – Perguntou ela com a voz surpresa já que
seu rosto não esboçava nenhuma emoção, já que usava sua concentração em
correr com o lobo.
– Pretendo responder logo! – Falei sentindo meu rosto corar. Leona
parou abruptamente desfazendo o lobo de terra e voltando toda sua atenção
ao seu corpo.
– Eles estão chegando perto de nós, posso sentir a presença de
Demétrius quando ele se aproxima! – Ela bufou – Em poucos minutos devem
estar aqui. Serena, vá com eles atrás de aliados, consigam o máximo que
puderem. Fairin não tem nenhuma intenção de voltar atrás, ele vai fazer
essa guerra de qualquer jeito, eu me unindo a ele ou não, ele precisa
demonstrar poder nos derrotando para que o respeitem ou o temam! Assim
que ele pretende dominar os Doze Mundos! Nosso poder só tornará as coisas
mais simples para ele! – Disse Leona se arrumando como se fosse partir.
– Onde você vai? – Perguntei.
– Preciso falar com vovó Mayra e conseguir ajuda também! – Disse ela
me dando um beijo no rosto.
– Não deveria esperar para que Ewren te acompanhe? – Perguntei. Ela
virou o rosto para o lado, a vi corar, ela estava escondendo o olhar de mim.
– Leona...
– Estou com pressa, Serena! – Disse ela amarrando os cabelos.
– Leona, eu preciso falar com você! Vi algo no castelo que você precisa
saber!
– Quando nos encontrarmos com Eirien e os outros você me conta,
está bem? – Ela bateu as palmas das mãos com força, transformando-se
numa leoa de pelagem brilhante e desapareceu na floresta. Fiquei
observando boquiaberta o rastro de luz que ela deixou para trás quando
desapareceu. Fiquei sozinha, sentada no chão da floresta esperando os
outros chegarem, não conseguia usar meus poderes ainda nem mesmo para
fazer o pingente mudar, parece que Fairin havia tomado todo meu poder
quando me mordeu. Levei as mãos ao pescoço, embora Leona tenha curado
a ferida, ainda era dolorosa! Me sentia violada, como se tivesse perdido uma
parte importante de mim, estava doendo no fundo da alma.
Leona me deixou em uma área mais fechada da floresta, assim seria
mais fácil vê-los chegando, e mais difícil que outras pessoas me
encontrassem. Não demorou muito para Moan me encontrar escondida
encostada no tronco de uma árvore de galhos caídos e folhas baixas que
formavam uma ótima proteção.
– Ela está aqui! – Disse Moan segurando meus braços e me puxando
para fora da árvore. Hasan foi o primeiro que vi entre eles, seus olhos
estavam em um vermelho vivo, quando me encarou eles voltaram à cor de
carvão que tinham.
– Onde está Leona? – Ewren perguntou apreensivo seus olhos
varreram toda a área ao nosso redor.
– Ela me deixou aqui, foi para Monte Azul procurar por vovó Mayra...
– minha voz saiu fraca e tremida. Parecia que havia algo em minha garganta
impossibilitando-me de falar.
– O que aconteceu com você? O que aconteceu lá no castelo? – Hasan
estava preocupado olhando minhas roupas manchadas de sangue. Moan
tocou em minha testa com o polegar e as marcas em meu braço acenderam
com um brilho tão fraco que mal podia enxergar.
– Deem um tempo para ela se recuperar! – Disse Tayman aparecendo
no meio dos outros e piscando para mim, Hasan o encarava com olhos
semicerrados.
– Não... não temos tanto tempo assim! – Falei me levantando. Não
queria contar para todos, apenas para Ewren, depois talvez contaria para
Hasan. – Ewren, posso falar com você um instante? – Perguntei segurando
seu braço.
– Preciso ir atrás de Leona! – Respondeu ele apreensivo olhando para
longe.
– Mas você tem que saber de uma coisa! – Falei, queria que ele visse as
lembranças da sala escondida com as árvores. Ele me encarou por um tempo
e depois me afastou dos outros. Amaterasu nos seguiu com as orelhas
abaixadas.
– Fale logo, preciso mesmo ir atrás dela! Ela não deveria ter ido sem
mim!
– Eu preciso te mostrar o que vi numa sala escondida no castelo!
– Não tem como, Leona bloqueou nossas mentes não foi?
– Ela bloqueou nossas mentes de forma que os outros não possam
tomar nossas memórias, mas não nos impede de passá-las para outra pessoa!
– Falei. Ewren ergueu uma sobrancelha, talvez não tivesse sido boa ideia
dizer isso a ele, talvez Leona estivesse evitando falar sobre isso para que ele
não lhe pedisse para mostrar alguma coisa. Leona sempre tinha um plano
escondido debaixo da manga, mesmo assim precisava mostrar a ele sobre as
árvores dos nomes, mas nessa hora senti um frio na espinha, como se tivesse
feito a escolha errada, não devia ter dito que era algo que eu precisava lhe
mostrar, talvez fosse algo que Eirien não queria que ele soubesse, mas agora
já era tarte, Ewren já tinha tocado minha testa com a sua e aguardava as
memórias.
O momento que entrei na sala surgiu em minha mente em cores vivas
e brilhantes, vi as árvores, os nomes em vermelho, os nomes rosados debaixo
do nome de Lórien, o nome de Ewren e de Yurin embaixo do de Eirien e ao
lado dos nomes de Ruthar e Arin. Logo depois a árvore de meu “pai” e pôr
fim a árvore das Arbarus com os nomes das filhas deles e algo que não havia
notado antes, um par de traços azuis embaixo de meu próprio nome, o que
me fez tem um pequeno ataque de pânico. Quando fui fechar minha mente
para que ele não visse além disso, foi como se ele tivesse tomado conta de
minha cabeça, de meu espaço. Ewren viu a hora que Guinn nos sequestrou,
quando prendeu Leona, viu tudo depois disso, até pouco antes de Leona se
transformar e desaparecer. Finalmente ele me soltou, respirei com
dificuldade, como se passar as memórias tivesse gastado o resto de minhas
energias.
– O bloqueio só funciona até você deixar alguém entrar. – Disse ele,
Ewren estava angustiado... não, não era essa a palavra certa, furioso talvez,
tentando não demonstrar seus sentimentos, mas eles estavam lá, revirando-
se no fundo daqueles olhos prateados.
– Eu... não sei o que dizer! – Falei.
– Se você lacrou a sala, não há perigo imediato de Fairin descobrir
sobre as crianças, mas precisamos tirá-lo do castelo o quanto antes! Temos
que tomar o Castelo de Cristal! – Fiquei o encarando para ter certeza de que
ele havia visto tudo que vi, será que não tinha reparado no seu nome
embaixo do de Eirien e o outro nome, o nome de seu pai aceso e do pai de
Lórien também? Ele pareceu notar minha confusão e riu. – Eu sempre soube,
Serena! Meu pai antes de ir embora me passou todas as suas memórias. Só
nunca falei nada pois sabia que Arin fazia de tudo para que eu nunca
descobrisse isso e quanto a Yurin, ela é minha irmã gêmea, ela está no oitavo
mundo, Pollo, com meu pai. Ele a levou com ele, queria ter uma lembrança
de Eirien e garantir nossa segurança mas ela não o deixou me levar também,
quando meu avô descobriu sobre Eirien ter traído seu marido e descobriu
que Yurin e eu éramos na verdade filhos dela, ele quis nos matar para não
“sujar” sua linhagem. Foi por isso que Eirien subiu ao trono tão nova, ela
matou o rei Nalrevi, seu pai e Orion, seu irmão e marido dela! – Ele contava
tudo isso com tamanha tranquilidade que me deixou perplexa.
– Então por que Farahdox se casou com Arin? – Perguntei.
– Arin queria proteger Eirien, então ela e Aristes planejaram tudo para
fingir que se apaixonou por Farahdox quando ele a treinava nas horas vagas
da guarda do castelo. Eles se casaram e foram para Pollo, mas levaram Eirien
também, com a desculpa que seria bom para as relações entre os mundos
conhecerem membros da família real de Amantia. Eles passaram um longo
tempo lá, assim Eirien pôde nos ter tranquilamente, quando voltaram a
Amantia nos trazendo, Eirien disse ao Rei que nós éramos seus netos. – Ele
riu. – Só que um dia eu falei uma bobagem e Orion descobriu tudo, ele correu
e foi contar para o Rei, quando ele nos deu a sentença de morte e a punição
de Eirien, ela puxou a espada e matou seu pai e Farahdox matou Orion para
que ele não se vingasse de Eirien. Farahdox assumiu a culpa pelas mortes
para que Eirien não fosse condenada pelo assassinato do rei, como ela era a
única filha viva do Rei e seu filho mais velho, Ruthar não tinha experiência
para assumir o trono ela o assumiu e para não causar desconfiança, baniu
Farahdox de Amantia.
– Leona sabe disso? – Perguntei.
– Leona não sabe de nada disso, ainda, pretendia contar algum dia.
Talvez contaria quando Eirien descobrisse que eu já sei de toda a verdade,
ela pediu para Noliah os apagar de minha mente para que eu não sofresse
pela ausência deles, nós tínhamos doze anos quando fomos separados, mas
Noliah não o fez, ele só me pediu para ser forte e fingir que havia esquecido
deles. Arin inventou a história de que ele havia morrido na batalha contra
os gigantes e eu fingi acreditar. Foi Mayra que fez a história que Arin
inventou se espalhar por Amantia, ela usou uma magia para espalhar a
memória criada por Arin, para que não sofresse preconceito por ser um
bastardo. – Ele riu, como se algo assim fosse o incomodar!
– É incrível o que as pessoas fazem por amor aos seus filhos, menos
meu pai, ele é só mais um demônio pisando sobre todos para conseguir
poder! – Falei sentindo as lágrimas escorrendo em meu rosto. Ewren as
limpou.
– Você não teve tempo de dizer a ela sobre Jocelinne, não é?
– Não! Mas acho que ela sabe, ou pelo menos desconfia, por isso foi até
Mayra e acho que foi sem esperar ninguém pois ela pretende matar Fairin
para evitar que Jocelinne morra tentando fazer isso! – Falei olhando para o
lado que os outros estavam. – Eu vi o ódio nos olhos dela, Ewren, ela estava
com o olhar igual ao de Fairin! Fiquei com medo! Você sabe qual era a
intenção dele passando as suas memórias para ela?
– Sei, ele queria fazê-la me odiar, queria fazer com Leona o mesmo que
fizeram comigo séculos atrás. Eles iam escurecer o coração dela. Se ela se
tornar uma maga negra, não tem volta, Fairin iria conseguir tudo que
precisa dela, isso se Leona não o destruísse antes. Eu vou atrás dela, ela já
matou Black Jango e isso já a prejudicou demais.
7

E
wren me segurou pelo braço e me levou de volta até
onde os outros estavam.
– Vou atrás de Leona, vocês vão para a vila dos
caçadores e consigam ajuda com eles, depois para as
ilhas monarcas, irei até Vintro com Leona, acho que
teremos ajuda lá também! – Disse ele. Tirando a blusa e
abrindo as asas.
– Leona se transformou em uma leoa antes de partir, Ewren! – O avisei
antes que ele levantasse voo e fosse atrás de Leona e tentasse encontrá-la.
– O quê? – Moan estava me olhando com olhos arregalados, Ewren,
Demétrius e Hasan também.
– Isso mesmo... – minhas palavras morreram sob o olhar surpreso
deles.
– Não tem como, um mago humano não pode fazer isso! Por maior
poder que tenha, esse tipo de transformação é restrito à Metamorfos ou
híbridos de metamorfos!
– Preciso mesmo ir, vou verificar isso eu mesmo! – Disse Ewren saltado
e desaparecendo no ar com Amaterasu encolhida em seus braços.
– Agora, pensando bem, quando ela começou a brigar com Veruza,
Leona estava com o olho esquerdo amarelo... – falei.
– Impossível! – Disse Moan ainda encarando-me estarrecida.
– Ela é hibrida? – Perguntou Hasan parecendo confuso também. –
Achei que era por causa da maldição que nenhuma nascia assim!
– E eu? – Perguntei encolhendo-me.
– Não, você com certeza não é uma hibrida, mas o estranho foi
notarem isso só agora! – Disse Hasan se aproximando de mim e segurando
carinhosamente minhas mãos.
– Leona estava muito furiosa quando o olho dela mudou de cor! Ela
estava falando coisas para Veruza, nunca vi ela falar daquele jeito com
ninguém! – Disse baixinho.
– Precisamos nos apressar, antes que eles venham atrás de nós aqui!
Estamos em um lugar perigoso! – Falou Tayman erguendo a besta e
carregando-a com uma flecha manchada.
– Vamos direto para a vila! – Disse Tayman indo na frente, seguido por
Moan e Demétrius. Fiquei para trás com Hasan e neve.
– Onde está Meow? – Perguntei.
– Ele voa para longe quando sente perigo. – Disse ele segurando meu
braço e me levando em direção ao rio.
– O que vai fazer? – Perguntei quando ele entrou no rio puxando-me
para dentro da água. Ele segurou a gola de meu vestido manchada de sangue.
Ficamos em uma parte da água que fiquei apenas com a cabeça para fora da
água, a água batia na altura do peito de Hasan.
– O que você mostrou para ele? – Perguntou ele segurando meu rosto.
– Como sabe que eu mostrei algo a Ewren?
– Sou um Salamandra, Serena! Minha audição é quase perfeita, escutei
vocês falando no início e novamente depois um longo silêncio.
– Quer que eu te mostre o que ele viu também? – Perguntei.
– Se você quiser me mostrar! – Acenei com a cabeça para que ele
aproximasse seu rosto do meu, sabia que lhe mostrando as memórias das
palavras que disse à sua mãe, seria o mesmo que dar minha resposta a ele.
Senti um arrepio quando sua testa tocou na minha. Ele viu todas as
memórias desde que fomos levadas ao castelo até a hora que chamei Ewren
para lhe mostrar as memórias.
Depois que acabou, ele ainda continuou segurando meu rosto com
suas mãos quentes, seus olhos estavam fechados e respirava rápido demais.
– Hasan? Você está bem? – Perguntei. Ele não me respondeu, apenas
pegou um lenço e começou a limpar a mancha em meu pescoço. Ele abaixou
a gola do vestido para ver a marca.
– Se estivesse perto na hora...
– Não foi culpa sua Hasan! Não comece com isso você também! Já basta
Leona com esse desespero de se sentir culpada, não quero você com isso
também! – Falei, as palavras saíram rápidas e atropeladas, mas nem assim
consegui tirar um sorriso dele. Hasan tocou seus lábios nos meus e assoprou
de leve minha boca, senti toda a energia que Fairin havia tomado de mim
retornar. Ele desceu as mãos que estavam em meu rosto até minhas pernas
e as deslizou para cima, puxando meu vestido no caminho e o tirou.
A água era tão cristalina que podia ver meu corpo dentro dela, porém
ele tinha seus olhos fixos nos meus aqueles olhos eram como o mar,
profundos demais para serem explorados, se não tivesse cuidado e
mergulhasse mesmo assim, poderia me perder para sempre naquele olhar.
Não sentia vergonha de que ele me visse assim, era como se nós nos
conhecêssemos a vida inteira. Não resisti ficar apenas olhando, tinha que
tocar, que sentir o gosto de sua boca novamente, tocar em seus cabelos
macios e em seus braços fortes.
Hasan era cuidadoso demais comigo, mais do que gostaria que fosse,
parecia que poderia quebrar nas mãos dele se me tocasse de forma errada.
O puxei de volta para mim, mordendo de leve seus lábios e traçando o
contorno de seu maxilar com a língua.
Escutei sua risada enquanto ele me apertava com força contra seu
corpo e me beijava como fizera no navio. Ele acariciava meu corpo com as
pontas dos dedos enquanto nossas línguas dançavam e se enrolavam numa
melodia que só nos podíamos decifrar. O abracei apertado, com medo de que
ele percebesse o erro que estávamos prestes a cometer e se desvencilhasse
de mim. Porém isso não aconteceu, ele continuou ali, com os lábios em meu
pescoço. Meu coração batia descontroladamente enquanto ele mantinha seu
corpo quente junto ao meu, queria tirar sua calça, mas Hasan sorriu contra
meus lábios e fez uma roupa aparecer em mim, virou-se de costas e me tirou
do rio.
– O quê? – Perguntei procurando a resposta em seu olhar divertido.
– Eu gosto de brincar com o fogo, de atiçar a brasa até que ela acenda
a fogueira... – disse ele baixinho ao meu ouvido, respirei fundo tentando
controlar a vontade louca que tive de bater nele.
– Posso recusar seu pedido de ontem! – Falei ameaçando.
– Não pode, você já aceitou! – Disse ele sorrindo ainda mais. Lembrei
das últimas palavras que disse a Áries e ele as viu nitidamente em minhas
memórias. – Prometi a Leona e Ewren que não faria nada até estarmos todos
fora de perigo! – Falou por fim, segurando minha mão e indo em direção a
trilha. Moan apareceu pouco depois entre os arbustos.
– Vamos logo! – Disse ela bufando, meu rosto corou quando ela
apareceu. – Ah, me desculpem se atrapalhei! – Disse ela me lançando um
olhar malicioso, o que me deixou ainda mais constrangida. A seguimos,
encontramos Tayman e Demétrius à frente na trilha, neve ia na frente
vigiando o caminho.
– Temos que ir depressa antes que Fairin chegue neles primeiro! –
Disse Demétrius indo na frente.

Ewren:

Estava voando baixo com Amaterasu no colo, procurando pela


presença de Leona pela floresta da Lua, estávamos perto demais de
Alamourtim, era uma área arriscada demais para que eu fosse visto voando,
então tive que descer. Talvez Leona já estivesse em Monte Azul a essa altura,
Amaterasu pulou de meu colo e cresceu para que eu montasse.
– Está preocupada com ela também? – Perguntei, Amaterasu espirrou
e sacudiu o focinho, ela parecia angustiada pois assim como eu, estava
afastada demais de seu mestre. – Precisamos encontrá-la para impedir que
ela faça alguma bobagem! – Falei enquanto montava e corríamos
silenciosamente pela floresta escura. Precisávamos tirar Fairin do Castelo
antes que ele descobrisse sobre a Sala dos Espíritos, assim que era chamada
a sala das árvores com os membros das famílias de Amantia, nunca imaginei
que a sala existia mesmo.
Eirien havia me falado dessa sala, quando eu era pequeno e vasculhava
o castelo atrás dela, dizia que essa sala lhe mostrava parte de seu futuro, mas
nunca fui capas de encontrá-la. Talvez só Sirius que a criou sabia onde ficava
ou como entrar nela. Porém eles haviam deixado esse detalhe passar, como
eles não sabiam que Jocelinne era irmã de Fairin? E Arcádius? Ele não sabia,
se não, não a teria permitido absorver os poderes de Hasan para tentar
destruir Fairin.
Talvez eu devesse fazê-lo, pedir o sangue de Hasan e matar Fairin e
Veruza antes que mais pessoas se ferissem, antes que ele tentasse tocar
novamente em Leona ou antes que ele as encontrasse. Queria o destruir com
minhas próprias mãos. Ia dar a ordem a Amaterasu para voltar em direção
ao castelo e ia tentar a sorte quando vi ao longe um brilho de luz roxa
extremamente forte riscar os céus e formar uma nova mandala brilhante
acima das nuvens, a luz vinha da direção que ficava Monte azul. O céu estava
escurecendo rápido, já estava começando a anoitecer e aquela luz foi muito
suspeita. Leona!
– Não temos tempo, Amaterasu! Não adianta irmos correndo achando
que vamos encontrá-la no meio do caminho. Acho que ela teleportou para a
cidade horas atrás! – Falei ficando de pé ao seu lado e formando um círculo
em volta de nós, nos teleportando para a estrada que ficava mais próxima a
cidade. O feixe de luz roxa mudou de cor, ficando azulado e começando a
crescer. Era um portal! Estavam abrindo um portal e eu precisava saber
quem iria partir nele, não tinha um bom pressentimento sobre isso.
Leona:
Corri pela floresta usando meus poderes para me guiar, não sabia onde
ficava a cidade de Monte Azul, mas sabia que podia traçar uma linha para
que me guiasse até lá, havia me transformado em uma leoa, já que era um
animal grande e de aparência hostil que não chamaria tanta atenção
correndo por aí. Talvez deveria ter escolhido um animal de floresta, não um
de savana, mas já estava aqui e precisava correr! Encontrar vovó Mayra e ter
algumas respostas e principalmente ajuda. Minhas patas tocavam
suavemente o chão enquanto corria, parecia que estava usando pantufas,
saltava por cima dos obstáculos e corria rapidamente cobrindo grandes
distâncias sem me cansar. Sabia que Monte azul ficava a leste da cidade de
Alamourtim e que ficava a dois dias de dirigível e oito de cavalgada.
Demoraria tempo demais se fosse correndo, fiquei de pé voltando a minha
forma humana e me preparei para teleportar. Sentia meu poder mais forte
do que de costume, parecia que a energia fluía livremente através de meu
corpo desde a hora que saí do castelo de Cristal. O círculo de luz me cobriu e
senti aquela estranha sensação de estar sendo tragada por algo, torci para
não parar muito longe de meu destino, já que nunca havia visto essa cidade.
Abri os olhos, estava no meio de uma vila cheia de canteiros de flores
e ruas de pedras redondas e polidas, as casas eram pequenas e
aconchegantes, cobertas por flores e heras que pareciam costurar as
rachaduras nas paredes de pedras claras e desenhadas. Os telhados cobertos
por folhas das arvores gigantes que cercavam toda a cidade, deixando-a com
sombra a maior parte do dia, o vento batia naquelas arvores de mais de vinte
metros de altura trazendo um suave perfume de eucalipto e lavanda.
Olhando bem, percebi que todas as arvores eram unidas por pontes de corda
e madeira, e elas haviam sido escavadas, de forma que se tornaram torres de
vigia, na base de cada uma delas haviam portas largas e guardas as
protegendo, seriam necessárias pelo menos cinquenta pessoas para abraçar
uma arvore daquelas.
Não sabia qual era a casa de Mayra e a cidade, embora parecesse
pequena e aconchegante, era muito grande! Rodei um pouco pelas ruas
observando o movimento, só via humanos e alguns elfos, o que me
surpreendeu muito. Era uma cidade muito pacífica e tranquila, algumas
pessoas me olhavam com curiosidade enquanto fingia estar distraída no
centro observando o comércio. Me afastei um pouco do centro da cidade e
andei até uma praça quase vazia, me sentei em um banco afastado e fiquei
olhando uma menina de aproximadamente oito anos brincando sozinha nos
balanços, seus cabelos loirinhos balançavam enquanto ela ria balançando
cada vez mais alto, parecia tão feliz, ela era loira como as filhas de Ewren e
Emma das lembranças que Fairin havia me forçado a ver. Lágrimas vieram
aos meus olhos ao lembrar de Nyumun, Asahi e Karin em Evenox, queria ir
até lá e quebrar o círculo que unia os mundos, mas tinha certeza que cedo
ou tarde Fairin conseguiria refazer o círculo e as acharia. Minha mãe tentou
fugir, mas o seu destino a encontrou, assim como o meu iria atrás de mim
enquanto vivesse. Estava com medo, teria que enfrentar Fairin e não
contaria com ajuda de Jocelinne, eu precisava destruí-lo, não podia arriscar
que ele as encontrasse! Vi as feridas no pescoço de Serena, ele não ligava
para ninguém a não ser ele mesmo!
A menina que estava no balanço se virou e veio em minha direção,
ela sentou ao meu lado e me encarou sorrindo.
– Me lembro de você! – Disse ela limpando as lágrimas no meu rosto.
– Você e o elfo estavam comigo no dia que minha mãe foi embora para
Mogyin, não é? – Ela me encarou com seus olhos castanhos e brilhantes.
– Sally? – Perguntei. Só agora dava para ter uma noção do tempo que
havia se passado quando estivemos em Evenox, Sally era bem pequena
quando a vi no funeral de Nellena, agora ela estava muito grande.
– Sim! Você se lembra! – Disse ela me abraçando apertado. – Vovó
Mayra falou que você estava vindo para cá e mandou eu te esperar aqui! –
Ela pegou minha mão e se levantou, andando em direção à saída da praça.
– Como ela sabia que eu estava vindo para cá? – Perguntei curiosa e
desconfiada.
– Vovó sabe quando as pessoas vão chegar, ela sente na terra! – Ela
deu um sorrisinho enquanto caminhávamos até uma rua mais afastada, ela
estava me levando até uma casa antiga no final da rua, tão coberta por hera
que quase não podia se ver a construção embaixo delas, a casa ficava bem
próxima as árvores gigantes que circulavam a cidade. Estava ficando frio, o
vento fazia as árvores se agitarem, o farfalhas das folhas parecia uma canção,
o horizonte estava ficando mesclado com as cores do pôr do sol, as folhas
que se soltavam das árvores formavam uma chuva marrom-dourada contra
a cor púrpura do céu. No final da rua, a fumaça saía da chaminé da casa, senti
um cheirinho de café e bolo saído do forno e as lágrimas voltaram aos meus
olhos, lembrando de minha mãe. Entramos na casa, era como uma casa de
bonecas, os móveis antigos de madeira perfeitamente polidos pareciam
muito com móveis da casa de uma avó de verdade. Vovó estava na cozinha,
não era fácil chamá-la de vovó, não tinha nenhuma ruga em seu belo rosto
e nenhum fio de cabelo branco na cachoeira de cabelos castanhos que caiam
por suas costas. Ela tirou um bolo do forno e colocou ao lado de um bule em
cima da mesa.
– Sabia que ia chegar na hora do café da tarde! – Disse ela sorrindo
para mim. Meu coração se apertou ainda mais e corri para abraçá-la, vovó
tinha os mesmos olhos que minha mãe e a mesma forma de sorrir. Chorei
quando ela afagou minhas costas carinhosamente.
– Sinto tanto a falta dela, vovó! – Falei entre os soluços.
– Pode chorar, sei que você teve que ser forte demais antes. As
lágrimas são amargas, eu sei, mas mais amargas são aquelas que não
derramamos! – Disse ela chorando também. Sentamos à mesa depois de um
longo tempo abraçadas chorando, parecia que ela tinha varrido de meu
coração todos os sentimentos negativos que tinha carregado até agora. Vovó
cortou um pedaço do bolo de milho que tinha acabado de assar e serviu uma
xícara de café para mim e outra para ela, para Sally ela serviu um pouco de
chá de ervas.
– Sally, pode ir tomar seu chá na varanda? – Pediu vovó, Sally pegou o
prato com bolo e seu chá e saiu pela porta da cozinha sem questionar.
– Vovó, tenho algumas perguntas para lhe fazer! – Falei comendo um
pedaço do bolo.
– Pode perguntar o que quiser!
– Vovó... por que ela morreu sendo que a proteção de Amantia só
impede irmãos de se matarem? – Perguntei.
– Sua mãe não morreu por causa da proteção, Leona. Ela morreu, pois,
quando você usa aquele tipo de maldição contra um parente seu, toda sua
energia é drenada de seu corpo. Sua mãe quando tentou criar o lacre para
matar Arcádius estava sem energia por causa do que aquele monstro fez com
ela uns dias antes! Estive no castelo quando foram ao templo de fogo, Eirien
me contou o que havia acontecido. – Ela estava falando sobre a mordida que
Fairin deu em minha mãe para sugar seus poderes. – Arin morreu com ela
pois também passou toda sua energia para completar a maldição, ela sabia
que Lupine estava fraca e não conseguiria com a quantidade de energia que
tinha.
– Então se eu usar meus poderes para lacrar o poder de Fairin...
– Você só vai perder parte de seus poderes, a maior parte para ser
sincera! – Explicou ela calmamente tomando uma xícara de café. Bebi meu
também, feliz por depois de tanto tempo poder tomar um bom café.
– Eu vou destruí-lo vovó! – Falei encarando-a – Quero fazer isso por
elas, por todos nós!
– Por que fala em destruí-lo assim? Você é como ele, por acaso? – Seu
tom de voz me repreendendo me pegou de surpresa.
– Mas vovó! Ele merece ser castigado por tudo que fez! – Falei. Ela
sacudiu a cabeça lentamente me olhando nos olhos.
– Quando você diz que quer destruí-lo dessa forma, como se essa fosse
a única coisa que lhe importa, você não é diferente dele! Você não deve
desejar destruí-lo, mas sim salvá-lo.
– Mas... – comecei a falar, mas ela ergueu a mão.
– Não é sobre o que ele merece, Leona! É sobre o que você está
trazendo para si! Ele merece morrer, na verdade, a morte será quase um
presente para alguém como ele, mas não quero que você tenha esses
sentimentos negativos!
– Entendi vovó, desculpe! – Falei envergonhada.
– Às vezes, a morte é como um tiro de misericórdia em alguém que
está sofrendo. – Disse ela olhando pela janela os últimos raios de sol
desaparecendo. – Ou as vezes é a salvação que alguém precisa...
– Mas de qualquer forma, eu terei que fazer isso, vovó!
– Achei que você cuidaria de Veruza enquanto Jocelinne se acerta com
Fairin.
– Jocelinne é irmã de Fairin, vovó! – Ela quase cuspiu o café quando
falei. Ficou me encarando atordoada.
– Não está falando sério, não é? – Sua voz saiu tremida e assustada
demais.
– Muito sério! – Ela fechou os olhos e respirou fundo. – Fairin
conseguiu capturar a mim e a Serena hoje mais cedo. Quando ele descobriu
que ela não era a mais velha, ele quis se passar por Ewren... bom, nós
conseguimos escapar! – Não quis detalhar a fuga.
– Eu imagino! Sorte que conseguiu escapar então! – Disse ela nervosa.
– Pelo menos Ewren fez algo certo com você, se tivesse passado sua maldição
para frente, correríamos sérios riscos agora! – Ela sorriu parecendo aliviada,
meu olhar fez com que ela colocasse a xicara em cima da mesa e cobrisse a
boca. – Ah, eu não consigo acreditar! Por isso que vocês saíram de Amantia
então! – Achei que ela fosse surtar.
– São lindas, vovó! Karin, Asahi e Nyumun! Assim que isso tudo acabar,
você vai poder conhecê-las! – Falei.
– Três? – Perguntou ela ainda mais espantada, sorri e acenei com a
cabeça. Não tinha como lhe mostras minhas memórias, peguei um
guardanapo de pano na mesa e o cobri com as mãos lembrando do rostinho
delas, transformando o guardanapo num porta-retratos com uma foto de
minha mente. Vovó olhou a foto e deu um sorriso tão grande que senti meu
coração esquentar, logo depois de ver a imagem ela a destruiu,
transformando o porta-retratos em uma pilha de poeira e a assoprou.
– Sem risco de alguém descobrir... – disse ela percebendo minha
expressão curiosa. – Onde estão agora?
– Em Evenox, com Medras, Lórien e Ervie. – Vovó franziu o cenho
quando falei o nome de Ervie. – O que foi?
– Ervie foi embora de Amantia quando sua filha mais velha, Katherine
morreu no início da gestação. Já sua filha mais nova morreu logo após
nascer, ela saiu daqui desejando que minhas filhas fossem tomadas de mim
também, Ervie me odiava! O pior é que o que ela me desejou realmente
aconteceu, Pytia e Lupine estão mortas. – Senti frio na barriga com as
palavras dela. – Bom, pessoas podem mudar!
– Estranho, minha mãe havia dito que as duas filhas dela morreram
logo que nasceram!
– Lupine era muito jovem quando nos ouviu falando da maldição.
Talvez não tenha guardado todos os detalhes.
– Voltando ao assunto, o que faremos quanto a Fairin? Mesmo que eu
fizesse aquele lacre que minha mãe fez, não creio que poderia enfrentá-lo
de frente, mal consigo me mexer quando ele me prende!
– É por causa da prata. – Disse ela bufando, só existia uma pessoa que
sabia como neutralizar o efeito da prata em criaturas mágicas e ele não está
mais em Amantia, ele usava uma pulseira que ele mesmo forjou que o
impedia de ficar fraco em contato com a prata! Também é um guerreiro
muito forte e poderia nos ajudar... – Disse ela abrindo um largo sorriso. –
Eirien iria nos agradecer se o trouxéssemos de volta.
– Quem vovó? – Perguntei, a curiosidade e a angústia estavam me
tomando.
– Farahdox!
– Farahdox está vivo? É o pai de Ewren, não é? Arin disse que ele estava
morto! – Falei.
– Ele não morreu, teve que partir de Amantia... é uma longa história e
não cabe a mim contá-la! – Disse ela.
– Como iríamos trazê-lo de volta?
– Vamos até Pollo, vamos buscá-lo! – Ela se levantou da cadeira e foi
em direção ao corredor da pequena casa. Fui atrás dela, passamos por um
corredor estreito até um quarto confortável com móveis antigos e cheiro de
flores e madeira. Na parede em frente a cama havia uma pintura com Mayra,
Pytia e minha mãe, as três sorrindo felizes na pintura. Me aproximei e toquei
a superfície da pintura.
– Ela era tão linda! – Falei. – Eu não gostava quando ela ia na escola
para as reuniões. Os garotos ficavam babando quando ela passava e as
professoras a tratavam mal por que achavam que ela havia tido a mim muito
cedo, aí achavam que ela não me dava educação de forma correta, mas ela
nunca ligava, sempre as tratava com todo respeito e educação, deixava as
pessoas sem jeito! – Falei lembrando do tempo em que vivemos na terra.
– Ela foi educada por Eirien, viveu no castelo junto com a princesa
Arin, então era quase uma princesa também! – Disse vovó pegando algumas
coisas e colocando em uma bolsa. – Você podia ter trazido seus guardiões,
Pollo é um muito, muito mais hostil que Amantia.
– É maior também, não é?
– Muito maior. É o segundo maior mundo do círculo, perdendo apenas
para Saldazaris, o mundo dos ventos de onde os silfos vieram.
– Então como vamos achá-lo lá?
– Eu mantive contato com ele a pedido de Eirien, eles vivem numa
montanha ao leste de Pollo. Mas temos que ser muito rápidas lá, temos que
abrir um portal bem perto de onde estão para que não tenhamos surpresas
aqui.
– Como o tempo passa lá? – Quando fiz essa pergunta, vovó me olhos
com um ar preocupado, temendo que sua resposta me fizesse mudar de
ideia.
– Pollo tem o tempo parecido com o da terra, um pouco mais lento,
um dia em Pollo equivale a quase três meses aqui... – disse ela olhando-me
de canto de olho.
– Então meia hora lá seriam dois dias aqui? – Perguntei.
– Exatamente. – Meu estômago se embrulhou.
– Como vamos convencê-los a vir em tão pouco tempo?
– Deixa isso comigo! – Ela piscou, pegou meu braço me arrastou para
o quintal dos fundos. – Sally? – A menina veio correndo até onde estávamos,
tinha ainda um pedaço de bolo na mão. – Nós vamos ter que sair por algumas
horas, espero voltar ao amanhecer, mas se não estivermos de volta até o
meio dia de amanhã vá para a casa de sua avó, está bem? – Perguntou ela à
menina que parecia confusa.
– Tudo bem. – Disse ela inocentemente.
– Não é perigoso ela sair por aí sozinha? – Perguntei.
– Ela é filha da maior caçadora que Amantia já teve, e a casa da avó
dela fica do outro lado da praça. – Explicou vovó arrumando algumas pedras
redondas no fundo do quintal de modo que formassem um círculo. Depois
que as pedras estavam colocadas e perfeitamente alinhadas, vovó andou ao
redor do círculo tocando em cada uma delas com as mãos, elas começaram
a trincar e das rachaduras apareceram luzes brilhantes, quando as cascas
quebraram notei que eram bolas de cristal e não pedras, estavam apenas
protegidas. Elas começaram a soltar pequenos raios que foram crescendo e
se estendendo até que tocassem os raios da bola mais próxima, fechando o
círculo com uma forte luz roxa brilhante.
– Um portal? – Perguntei.
– Sim, temos facilidade em abrir portais por causa do sangue
metamorfo. – Disse ela sorrindo para mim, vovó pegou o pingente de seu
pescoço e o transformou em um pequeno cetro de madeira. Ela começou a
andar em volta do círculo tocando cada esfera com o cetro, elas cresceram e
se uniram, formando uma bolha de vidro gigante que soltava raios para
todas as direções.
– Como assim metamorfo, vovó! – Perguntei só me ligando depois no
que ela havia falado.
– Ué! Não havia notado ainda? Você é hibrida como eu! – Disse ela
dando uma gargalhada divertida por causa de minha cara de espanto. –
Agora entendo o porquê somos híbridas! Se Mamãe é filha de um pai
metamorfo, e nós somos filhas de um híbrido, havia uma pequena chance se
sermos híbridas também!
Só então havia me lembrado do que Ewren disse sobre humanos não
poderem mudar sua forma, e eu havia me transformado em uma leoa para
vir até aqui.
– Como a senhora descobriu que eu era híbrida também?
– Seus olhos, o esquerdo está amarelo. Só híbridos tem um dos olhos
amarelos! – Disse ela piscando para mim. Isso explicaria a facilidade que tive
para abrir o portal no espelho e mandar os fantasmas para o mundo dos
mortos.
– Então Ewren... – comecei, mas vovó riu.
– Não, ele não é híbrido, é só um elfo mesmo, ele tem os dois olhos
azuis, mas mantém um sempre com a visão mística para facilitar encontrar
possíveis ameaças. Eirien também costumava fazer isso quando treinava,
sempre um olho azul, outro dourado. – Vovó abaixou os braços, parecia
cansada.
– Precisa de ajuda? – Perguntei.
– Falta um pouco de energia para abrir o portal, não pareço, mas estou
bem velha, sabe? – Disse ela esticando as costas.
– O que preciso fazer? – Falei me aproximando dela e da bola de vidro
que soltava raios com maior frequência.
– Só basta você tocar na bola e mandar sua energia para ela! – Me
aproximei com cuidado evitando a parte que soltava mais raios e toquei a
superfície gelada da bola, minhas marcas acenderam e transferi minha
energia para a bola, os raios se uniram no alto da esfera que imediatamente
soltou um feixe de luz lilás em direção ao céu.
– E agora? – Perguntei, aquela luz com certeza podia ser vista a
quilômetros e certamente seria vista do castelo de cristal.
– Em poucos minutos a passagem se abrirá! – Falou ela puxando-me
para longe da bolha que começou a ondular e brilhar novamente. Queria que
Ewren estivesse aqui! Pensei me arrependendo de ter vindo na frente sem
esperar que ele me alcançasse.
– Vai a algum lugar? – A voz de Ewren veio de trás das árvores no
fundo do quintal de vovó.
– Estava esperando você chegar para partirmos! – Disse vovó a ele, que
saía silenciosamente dentre as árvores com Amaterasu em seus calcanhares.
– Ewren! Achei que não viria... – Estava surpresa e envergonhada ao
mesmo tempo. Ele se aproximou de mim, segurou minha mão e a beijou.
– Um guardião nunca se afasta. – Disse ele sorrindo para mim, fazendo
meu coração pular alegremente, porém as lembranças que Guinn havia
colocado em minha mente vieram das profundezas e me afastei
automaticamente como se tivesse correndo perigo, minhas mãos estavam
pousadas sobre o pingente e meu coração estava acelerado, o medo deve ter
aparecido em meus olhos nessa hora. O olhar de Ewren quase fez meu
coração se partir em pedaços, Serena deve ter contado para ele o que Guinn
fez e meu gesto só provou que aquilo havia me atingido.
– Onde vão? – Perguntou ele à vovó ignorando meu gesto.
– Buscar seu pai em Pollo! – Disse vovó sem lhe dar nenhuma outra
explicação.
– Bom. Vamos precisar da ajuda dele! – Disse Ewren como se ela não
tivesse dito nada demais. – Já já te explico tudo! – Disse ele notando minha
confusão, Amaterasu bateu o focinho em minhas costas e esfregou sua
cabeça em mim como se pedisse um carinho, afaguei seu focinho enquanto
levava lambeijos alegres dela.
– Não vou te deixar novamente. – Falei para ela se acalmar.
– Devia falar isso para mim também! – Ewren reclamou olhando-me
de lado, mostrei-lhe a língua e me virei para vovó.
– O portal se abriu! – Vovó falou pegando a sacola que estava nas mãos
de Sally, nem havia notado que ela ainda estava ali, estava em silêncio
abraçando a bolsa de vovó. – Não espere amanhecer como lhe falei antes, vá
para a casa de sua vó agora mesmo! – Disse vovó para Sally, ela acenou com
a cabeça e correu pela lateral da casa desaparecendo de nossas vistas em
instantes. Amaterasu encolheu e pulou em meu colo.
– Vamos? – Segurei a mão de vovó.
– Vamos! – Disse ela puxando-me para a bolha brilhante e ondulante
à nossa frente. A sensação de atravessar aquela bolha foi a mesma que entrar
numa piscina cheia de geleia (não que eu já tenha entrado em uma piscina
de geleia, mas a sensação deve ser a mesma) depois que passamos pela
membrana da bolha, começamos a cair em um céu noturno, porém muito
claro, olhei em volta e perdi o fôlego ao ver três grandes luas no céu e outras
quatro tão pequenas que cheguei a achar que fossem estrelas.
– Sete luas? – Perguntei a Ewren que havia aberto as asas e me
segurava no colo, Amaterasu havia se enrolado em meus braços tão apertada
que parecia uma bolinha de pelos. Vovó fez uma espécie de tapete aparecer
embaixo de nós, Ewren pousou em cima do tapete e fechou as asas, sentia
meu corpo pesado e minhas marcas se apagaram. Ewren acendeu suas
marcas para ajudar vovó a descer o tapete até o chão.
Estávamos descendo na metade de uma montanha muito escura
quando vovó bufou e sentou-se no tapete.
– Não vou conseguir nos levar até o topo! – Disse ela fazendo o tapete
pousar numa parte plana da montanha. Quando tocamos o chão o tapete se
desfez. Estava com dificuldade para respirar e mal conseguia ficar de pé com
as costas esticadas.
– O que está acontecendo? – Perguntei.
– A gravidade daqui é mais forte do que em Amantia e Pollo possui
uma resistência muito grande à magia, o que nos impede de usar nossos
poderes livremente, por isso poupem energia para abrirmos o portal de
volta! – Ela explicou rapidamente.
– Estamos na montanha certa? – Perguntou Ewren a ela.
– Sim, o portal na minha casa está ligado diretamente à montanha que
eles vivem bem longe das cidades grandes e vilarejos, Eirien me mantinha
encarregada de receber notícias de Farahdox e Yurin sempre que possível. –
Respondeu ela revirando a mochila atrás de alguma coisa.
– Yurin? – Perguntei erguendo uma sobrancelha.
– Minha irmã. – Ewren respondeu, como isso não foi suficiente para
mim, ele segurou meu rosto e tocou sua testa na minha, passando-me suas
memórias de infância, quando vivia no castelo com uma menina tão
parecida com ele que podia dizer que era sua versão feminina.
– Quando pretendia me contar isso? – Perguntei encarando-o irritada.
– Logo... – ele coçou a cabeça e desviou o olhar.
– Achei que tivesse bloqueado nossas memórias para que Fairin não
descobrisse sobre as bebês! – Meu nervosismo aumentou.
– Serena me disse que o bloqueio só funciona contra outras pessoas
tomarem suas memórias, mas você ainda pode passá-las livremente para
quem quiser! Ela testou isso me mostrando o que aconteceu no castelo. –
Disse ele passando os dedos em meu rosto. Queria quebrar o contato visual,
sentia-me horrível com o que havia acontecido, por não conseguir lutar
contra Guinn, pelo que quase aconteceu, mas Ewren segurava meu rosto
com as mãos agora.
– Ewren...
– Não tem que explicar nada para mim, você ficou em silêncio para
protegê-las, não esperava menos de você! – Disse ele baixinho e me abraçou
apertado, segurei as lágrimas com toda a força que pude, mas a gravidade do
planeta as fez rolar pelo meu rosto. – Quanto ao que eles te mostraram... eu
gostaria de ver! Se você quiser me mostrar, claro! – Ele pediu limpando
minhas lágrimas com os polegares.
– Prefiro não mostrar...
– Achei! – Disse vovó vindo até nós com quatro frasquinhos pequenos
nas mãos. – Isso vai ajudar a liberar nossos poderes aqui. – Disse ela
entregando dois para mim e outro para Ewren. Eles tomaram o conteúdo dos
frascos, abri um e tomei também, outro dei para Amaterasu, que desceu do
meu colo e ficou em seu tamanho real, alongando-se e espirrando alegre. O
pelo dela brilhava de forma estranha nesse mundo.
– Não temos tempo a perder. Lembrem-se que vinte e quatro horas
aqui, terão passado mais de três meses em Amantia! – Disse vovó andando
pela trilha da montanha.
– Pollo é o mundo dos lobos, bestas e humanos selvagens, dizem que
foi aqui que surgiu a maldição da Licantropia. – Disse Ewren enquanto
caminhávamos em direção às luzes no topo da montanha. – Humanos que
vivem aqui são muito mais fortes que os humanos dos outros mundos. – Os
uivos eram altos por todos os lados, os pelos de Amaterasu estavam
arrepiados e os rosnados dela me davam medo.
– Então aqui que surgiram os lobisomens? – Perguntei.
– Sim.
– Deve ser terrível viver aqui! – Disse olhando para todas as luas no
céu.
– ainda mais porque aqui só tem quatro horas de luz solar, o resto do
tempo é noite, infestado de lobisomens. – Disse vovó olhando para a estrada
atrás de nós. – Essa montanha tem uma proteção fraca que impede os
lobisomens de alcançarem o topo dela, onde Farahdox e Yurin vivem.
– Embora cada raça tenha surgido em um mundo diferente, agora
todos os mundos são habitados por todas as raças! Acho que não tem
nenhum que seja habitado apenas por seres nativos. – Ewren explicou, teria
perguntado mais sobre isso se não estivesse tão assustada com os uivos que
vinham de todas as direções.
Amaterasu nos contornou e ficou andando atrás de nós com os olhos
fixos na estrada.
– Nosso sangue está chamando atenção deles, Leona! – Disse vovó para
mim. Temos que alcançar aquela marca antes que eles nos alcancem! – Olhei
para trás, bem atrás de nós na trilha vários pares de olhos brilhantes se
aproximavam.
– Por acaso não tem mundos pacíficos e cheios de coisas fofas, tipo
unicórnios e fadas? – Minha voz saiu tremida, Ewren começou a rir.
– Tem, está na sua imaginação. – Disse ele tentando parecer tranquilo,
mas estava na cara que estava tão preocupado quanto eu com os lobisomens
se aproximando. O frio me preocupava ainda mais pois minhas mãos
estavam começando a ficar dormentes e isso podia atrapalhar o manuseio
das armas. – Existiu um mundo das fadas, mas foi destruído por Antares... –
Ewren parecia querer manter-me distraída.
– São muitos! A barreira não vai aguentar todos eles! – Vovó olhou
preocupada para mim, Ewren tirou minha espada de sua bandoleira e me
entregou.
– Esqueceu isso no acampamento. – Disse ele. As marcas da lâmina
estavam acesas e brilhavam cada uma com uma cor diferente. Passei a mão
sobre a lâmina, usando meus poderes para aumentá-la, ela ficou pesada, mas
se usasse o truque que Medras me ensinou, seria fácil lutar usando-a.
– Odeio espadas, prefiro minha lança!
– Falou igualzinho a Medras agora, cheguei a ouvir a voz dele em
minha mente! – Disse Ewren rindo, sacando sua própria espada e virando-se
para trás. Amaterasu dobrou de tamanho e uivou para mostrar que estava
ali também. – Vá direto para o topo, Mayra! – Ela acenou com a cabeça e
continuou a subir.
– Ela não sabe pegar em arma nenhuma, não é? – Ela desapareceu na
curva da estrada estreita atrás de nós.
– Não! – Ewren riu – ela era uma estudiosa! Nunca pegou em uma
espada na vida.
Os lobisomens estavam bem próximos a nós agora, podia sentir o
cheio de saliva e cachorro molhado. Eram muitos! Devia ter uns trinta pelo
menos! Amaterasu saltou na frente derrubando os primeiros que chegavam,
ela era o dobro do tamanho deles. Ewren girava a espada ansioso pelos
próximos que viriam, seus olhos estavam vermelhos e havia um sorriso
assustador em seu rosto, novamente as memórias que Guinn me passou
vieram à minha mente, minha pele se arrepiou e tive que fazer força para
não sair de perto dele. De repente um dos lobisomens que estava lutando
para se soltar dos dentes de Amaterasu escapou e saltou em minha direção,
estava distraída demais com meus pensamentos e quando o vi ele já estava
perto demais!
Ewren girou a espada rapidamente arrancando a cabeça do
lobisomem, fazendo-me largar a espada e me afastar dele, foi como se tivesse
tomado um choque, minhas mãos estavam tremendo e minha vista estava
embaçada. Peguei o pingente em meu pescoço, ainda tonta e o transformei
rapidamente numa lança. Ataquei o outro lobisomem que saltou em nossa
direção o rasgando no meio com a ponta maior da lança. Ewren estava
parado olhando assustado para mim. Era como se eu não estivesse mais no
controle do meu corpo.
Dei um salto e parei ao lado de Amaterasu, livrando-a dos lobisomens
que a atacavam, eu simplesmente os fatiava sem me importar com o sangue
que espirrava em mim e nela, manchando seu pelo branco e macio. Ouvia os
ganidos deles quando tentavam me atacar, mas eram impedidos pela lança
que brandia sem piedade. Cada um que matava fazia com que me sentisse
mais estranha, mais sem controle sobre mim. Havia dado uma pausa, ao meu
redor haviam corpos espalhados e muito sangue pelo chão, mas ainda
escutava os uivos vindo do pé da montanha.
– Leona, temos que ir para o topo agora! – Ouvi a voz de Ewren atrás
de mim, mas não me importei em olhar, apenas limpei o sangue das pontas
da lança – Olhe para mim! – Gritou Ewren atrás de mim, o encarei, quando
ele se aproximou ergui a lança para ele, queria abaixar os braços e ao mesmo
tempo não queria, estava com medo dele!
Ele se aproximou mesmo assim empurrando a lança para o lado e
tocou minha testa com a sua. Sabia que ele estava me pedindo para ver as
memórias que havia me negado a passar para ele, teria que lhe mostrar ou
teria sérios problemas com Ewren, então liberei as memórias. Vi Guinn
prendendo-me na maca na sala do castelo de cristal, depois as memórias que
ele havia me passado que se repetiam infinitamente em minha mente, todas
elas. Ewren segurou meu rosto com as mãos e olhou dentro dos meus olhos.
– Eu estou aqui agora! Aquilo não existe, o que aconteceu, já passou!
Não existe mais! Aquele Ewren não existe mais! – Ele me beijou enquanto
apertava meus braços, senti o calor se seus lábios e seus sentimentos através
daquele beijo. – Eu nunca te machucaria!
– Eles estão chegando. – Falei segurando a lança firmemente com as
mãos. Amaterasu lambeu uma ferida em sua pata e se preparou para o
próximo ataque. Quando os lobisomens se aproximaram, não tivemos tempo
de os atacar, uma chuva de flechas incandescentes criou um campo de fogo
em nossa frente, os urros e ganidos dos lobos selvagens se espalhavam pelo
ar e subiam aos céus como um lamento coletivo enquanto eles queimavam.
Olhei para cima para ver de onde veio a chuva de flechas. Uma jovem
sentada em uma pedra alguns metros acima de nós segurava uma besta, ela
a armou novamente, colocando uma única flecha e a atirou para o alto,
quando a flecha atingiu certa altura, ela brilhou e se espalhou em uma nova
chuva de flechas incandescentes atingindo os lobos que ainda estavam vivos
e agora tentavam fugir da montanha. Recolhi a espada de Nellena no chão e
a guardei.
– Achei que nunca mais o veria! – Disse a jovem saltando da pedra e
pousando suavemente em nossa frente, ela abraçou Ewren e sorriu.
– Não esperava ver você novamente também! – Disse ele rindo e a
apertando num abraço.
– Vamos, papai está esperando por vocês! – Disse ela encarando-me
por um instante e dando um meio sorriso para mim.
8

C hegamos à casa no alto da montanha, ela havia sido


totalmente esculpida na pedra, a porta era feita de pedra
também e na parte de dentro havia uma grade feita em
escamas de dragão. Antes de passar pela porta, usei meus
poderes para me limpar, afinal, estava coberta por sangue
de lobisomens, limpei Amaterasu também, deixando seu pelo branco e
macio novamente. Ewren segurou minha mão e me levou para dentro da
casa. A casa era pequena, mas muito confortável por dentro, uma lareira
estava acesa do outro lado da sala, o único som que quebrava o silêncio era
o crepitar das chamas na lareira.
Vovó Mayra estava sentada em um sofá no canto da sala próxima ao
fogo e olhada o relógio em seu braço, ao seu lado havia um elfo muito bonito,
os traços de seu rosto lembravam muito os de Ewren, mas tinha os olhos
castanhos avermelhados e me olhava com curiosidade.
– Jocelinne? – Perguntou ele se levantando quando me viu.
– Não, Farah, essa é Leona, minha neta! Filha de Lupine. – Vovó
explicou. Ele olhou novamente para mim surpreso.
– Quase gêmeas! – Disse ele se aproximando e apertando minha mão.
– Ewren! – quando seus olhos passaram de mim para Ewren seus olhos
brilharam, ele lhe deu um abraço apertado e nos mandou sentar.
– Leona, essa é minha filha, Yurin! – Disse ele mostrando a jovem que
atravessou a sala e sentou ao lado de vovó.
– É um prazer! – Respondi sentindo meu rosto corar.
– Se tivesse visto ela lá fora fatiando os lobisomens, nunca a
confundiria com Jocy! – Yurin tinha um sorriso divertido no rosto e me
encarava com seus olhos azuis claros como o céu. – Gostei dela! Ela tem
sangue frio! A última notícia que recebemos de Amantia foi sobre o
casamento escondido de vocês, quando ouvi isso achei logo que fosse outra
mimadinha de nariz empinado e frouxa igual a Emma! – Disse ela sorrindo e
piscando para mim. Ewren a encarava perplexo. Yurin não parecia ter mais
que dezesseis anos, seu corpo era atlético, porém não era muito
desenvolvido, sua pele era morena como a de Ewren, seus cabelos castanho
escuros batiam na cintura fina e seu sorriso era idêntico ao de Eirien.
– Yurin! Cuidado com a língua. – Farahdox a repreendeu com a voz
mansa, mas o olhar irritado.
– Tudo bem! – Falei, não me importava.
– Então vocês já sabem o que está acontecendo por lá? – Perguntou
Ewren para eles.
– Sim, Mayra me adiantou da história passando-me suas memórias
alguns instantes atrás. – Ele suspirou – Até um tempo atrás, tudo que
sabíamos que Arcádius estava por trás de tudo, agora é Fairin e não Arcádius
e é tudo muito pior do que imaginávamos...
– Precisamos tomar o Castelo de Cristal, a sala dos espíritos realmente
existe lá, a irmã de Leona a encontrou! Se Fairin a descobrir ele vai até
Evenox buscar minhas filhas que estão lá. – Disse Ewren para Farahdox e
Yurin, fiquei olhando-o confusa.
– Que sala é essa? – Perguntei.
– A sala dos espíritos, mostra todas as vidas dos Doze Mundos, cada
uma das árvores da vida de cada família que vive ou viveu neles, somente
quando o último membro vivo de uma família morre, a árvore desaparece
da sala, apagando completamente o registro sobre a existência daquela
família. – Explicou Farahdox. Senti um frio na barriga quando ele disse isso.
– Era isso que Serena queria te mostrar, mas você saiu apressada!
Karin, Asahi e Nyumun estão embaixo de nossos nomes nas árvores dos
Ascardian e Arbarus. – Explicou Ewren para mim, fazendo-me sentir pior do
que já estava.
– Três filhas? – Yurin estava de boca aberta olhando para Ewren. Ele
sorriu e coçou a cabeça.
– Parece que tem alguma coisa no Castelo de Cristal que facilita a
geração de gêmeos, não é? – Disse vovó dando um sorriso malicioso e
pigarreando. – Bom, mas o maior motivo por estarmos aqui é que
precisamos da sua ajuda, Farah! Preciso de uma pulseira daquelas para
neutralizar o efeito da prata! - Farahdox fez uma careta ao ouvir o pedido de
vovó.
– Posso conseguir, mas isso levaria alguns dias de Amantia! Aquele
metal só é encontrado em Vegahn.
– Não podemos nos demorar aqui! – Disse Ewren olhando para o
estranho relógio que vovó usava, já estamos aqui a quase uma hora e meia!
– Farahdox se levantou e pegou uma espada que estava em cima da lareira,
ela era grande e sua lâmina era grossa, parecia muito pesada, depois veio até
mim e pegou minha espada.
– É a espada de Nellena? – Perguntou ele olhando-me com curiosidade.
– É sim... – falei lembrando da última vez que a vi com vida. – Mas não
tenho muita habilidade com ela, prefiro lanças! – Falei notando que ele
estava muito concentrado no punho da espada.
– Lanceira é? – Perguntou ele distraidamente olhando a espada –Tem
uma energia estranha nela! – Disse ele tocando o punho da espada com as
pontas dos dedos. Rapidamente a tirei dele com medo que descobrissem
sobre o poder de Áries que estava escondido dentro dela. Seus olhos
castanhos encontraram os meus. Parecia que ele sabia o que eu pretendia
fazer e sorriu.
– Podemos contar com sua ajuda, Farahdox? – Perguntei ainda o
encarando. Ele apertou firmemente minha mão e me mostrou aquele sorriso
caloroso novamente.
– Claro que irei ajudá-los, nem precisava perguntar! Quando chegarem
à Amantia, contem cinco dias e eu estarei lá! Acho que agora é a hora certa
de voltar para casa. – Disse ele entregando a espada que pegou sobre a lareira
para Ewren.
– Quase nove Anos nesse buraco de lobisomens. – Disse Yurin
deixando-me ainda mais confusa.
– Só se passaram nove anos aqui? – Perguntei.
– Só nove? Só nove? – Ela parecia chocada com minha pergunta.
– Então, você não tem uma centena de anos a mais que eu! – Falei não
conseguindo evitar uma gargalhada. O rosto de Yurin ficou vermelho e ela
se levantou colocando a mão sobre a adaga presa em sua cintura. A abracei
antes que ela a puxasse. – Que gracinha! Estava sofrendo em segredo por
todos em Amantia serem alguns séculos mais velhos que eu, mas você não é!
Não sabe como estou feliz com isso! – Falei apertando seu rosto, sua pele era
tão macia que parecia ser de veludo. Ela suspirou e revirou os olhos, dando
de ombros para minha infantilidade, mesmo mais nova, ainda assim ela era
um palmo maior que eu.
– Está perdoada. – Disse ela passando a mão em meus cabelos e se
afastando.
– Precisamos abrir o portal e voltar imediatamente, já se passaram
sete dias em Amantia desde que pisamos aqui! – Disse vovó nervosa olhando
para o relógio.
– Então dentro de quatro dias Arcádius nos esperará em Vintro no
Templo de Fogo. – Lembrei.
– Vou com eles! – Disse Yurin nos seguindo quando saíamos pela porta.
Farahdox olhava para ela preocupado, parecia estar com medo de se separar
dela.
– Vou cuidar dela. – Falei encarando-o. Ele suspirou e assentiu com a
cabeça. Apertou a mão de Ewren, de vovó e por fim me deu um abraço.
– Cuidado com o poder que você carrega, se usá-lo de maneira errada,
você poderá acabar nos céus de Amantia no lugar de Sirius e Áries, então
não se atreva a usá-lo em si pensando em derrotar Fairin com ele. –
Sussurrou ele rapidamente e baixinho para que apenas eu escutasse.
– Não se esqueçam! Cinco dias! – Farahdox moveu uma pedra que
estava ao lado de sua casa, embaixo dela encontrava-se uma espécie de
espelho, ele tirou a espada que carregava em suas costas e tocou a superfície
do espelho com ela.
– Uma conexão direta com Vegahn? – Perguntou vovó.
– Sim, mantemos contato com Noliah por aqui! Ele saiu de Vastrus no
instante que pisou lá, com medo da passagem do tempo! É assustador aquele
mundo! – Farahdox pisou na superfície do espelho e desapareceu alguns
instantes depois num brilho ofuscante.
– Vamos modificar essa passagem para ir mais rápido para Amantia! –
Disse vovó se aproximando do espelho. Segurei seu braço antes que ela o
tocasse. Havia tido um pressentimento ruim sobre ele.
– Não... temos que sair daqui! Temos que atravessar o portal em outro
lugar! Não podemos voltar à Monte Azul! – Falei.
– O que sugere então? – Perguntou vovó aceitando o que eu disse sem
questionar.
– Temos que voar para leste... – falei, segurei a escama de dragão em
meu pescoço, passei Amaterasu para o colo de Yurin. Ao invés de conjurar
um summon como teria feito antes, me afastei deles o suficiente e apertei a
escama contra meu corpo, transformando-me em um dragão. Sorri por
dentro ao escutar os gritinhos histéricos de Yurin. Eles subiram em minhas
costas, diferente de usar um summon, eu podia sentir tudo com mais
facilidade.
Abri as gigantes asas e as bati, fazendo a grama seca em volta da casa
ser arrancada do chão, levantei voo, me virei em direção ao leste e voei o
mais rápido que pude ignorando os protestos de vovó com medo da
velocidade que voava. A noite era simplesmente fantástica aqui, duas das
sete luas eram vermelhas e brilhavam como se tivessem holofotes
apontados em suas direções.
Procurei por outra montanha ou algum lugar alto que pudéssemos
pousar, mas só havia o mar para o lado que decidi vir. Como não podia fazer
nada ali, parei no ar e fiquei planando, não sabia se podia usar meus poderes
nessa forma, então tentei fazer uma plataforma em nossa frente, meus
poderes estavam bastante limitados e não conseguia fazer surgir coisas no
nada, então fiz uma coluna de água vir do mar em nossa direção e a espalhei,
formando uma espécie de torre, logo depois toquei com a ponta da cauda
nela e fiz com que congelasse, eles desceram para torre de gelo devagar, logo
depois voltei a minha forma humana e caí em pé na plataforma quase
escorregando no gelo.
– E agora? – Perguntou vovó olhando desconfiada para o gelo sob seus
pés. – A maré aqui é muito forte, vai derrubar essa torre em poucos minutos!
– Não estaremos mais aqui. – Afirmei tirando o último pingente de
cristal de purificação de meu bolso e o transformando em um grande
espelho redondo. O coloquei no chão e me ajoelhei sobre ele, pressionando
minhas mãos contra o vidro de cristal. Vi meu olho esquerdo amarelo e o
direito lilás no reflexo, o que me deixou um pouco incomodada então os
fechei e passei toda minha energia para o espelho, imaginando um ponto
nesse mesmo lugar se Abrindo em Amantia. Alguns minutos depois saí de
cima do espelho no momento em que um forte vento saiu dele trazendo um
doce perfume de flores silvestres, olhei para a superfície, meu reflexo havia
desaparecido, no lugar dele via um campo florido coberto por todos os tipos
de flores que podia se imaginar. A lua cheia fazia com que as flores
parecessem de vidro brilhante.
– O campo das fadas em Vintro. – Disse Ewren olhando também.
– Vamos? – Perguntei segurando sua mão e saltando para dentro do
portal aberto, vovó e Yurin saltaram também. Pouco depois o portal se
fechou, senti minha energia voltar quase que instantaneamente. Ewren
abriu as asas e me pegou antes que chegássemos ao chão, vovó fez um tapete
aparecer novamente amortecendo a queda dela e de Yurin, que olhava
espantada para Ewren.
– Também quero! – Disse ela olhando as asas dele, Ewren riu.
– Tem que pedir à sua sobrinha para fazer uma poção dessas para você!
– Disse ele.
– Lórien sabe que você não é irmão dela? – Perguntei.
– Não, ela não sabe de nada ainda, nem Eirien sabe que eu sei! – Disse
ele dando um meio sorriso.
– O que é?
– Ela vai pirar quando meu pai voltar. Aqui se passaram mais de mil e
oitocentos anos desde que eles se foram.
– Sabe o que me lembrei agora?
– O quê? – Perguntou ele olhando-me com curiosidade enquanto
pousávamos no meio do campo de flores.
– Você disse que não gostava de metamorfas! – Ewren começou a rir.
– Achei que tivesse lembrado de algo importante! – Disse ele ficando
levemente corado.
– Como vai ser agora? – Perguntei provocando-o.
– Não gosto de metamorfas porque elas camuflam a verdadeira
aparência! Mas te conheci como humana, você não sabia que tinha poderes
e muito menos que era hibrida, fora que você perdeu os poderes durante a
gravidez, então sei que você nunca alterou sua aparência! – Ele explicou
olhando para o outro lado. Passei os dedos entre os fios de meus cabelos e
mudei a cor deles, de castanho claro para um azul Royal e os sacudi para os
lados.
– E agora?
– Você fica linda de qualquer cor! Mas não mude, eu te amo do jeitinho
que você é! – Disse ele dando um beijo em minha bochecha e tirando a cor
azul que eu havia colocado nos cabelos, senti meu rosto esquentar, o
empurrei para trás e fui para onde Yurin e vovó estavam sofrendo com o
perfume das flores, que agora começava a me enjoar também.
– Vamos sair logo daqui! – Yurin parecia estar sufocando. Fiz uma
bolha de ar fresco nos circular, todos pareceram instantaneamente
aliviados, Amaterasu era a mais feliz com o ar puro.
– Não faço ideia de como as fadas conseguem viver aqui! – Vovó
resmungou.
Estávamos saindo do campo quando um troll apareceu pisoteando as
flores e as esmagando com um porrete de madeira. Uma fada estava
agarrada ao pescoço dele, tentando impedi-lo de destruir o campo. Virei-me
para ir até lá, Ewren tentou me impedir.
– Ele vai acabar com o campo! – Falei enquanto me soltava das mãos
dele, Ewren ia me seguir mas Yurin o segurou.
– Quero ver o que ela fará!
– Trolls são imunes a magia! – Disse ele para mim, apenas continuei
andando em direção ao troll com minha lança nas mãos.
Chegando perto notei que a fada não estava agarrada ao pescoço dele,
mas sim amarrada lá.
– Ei! Você! O que pensa que está fazendo? Isso é uma vila! – Gritei, o
troll parou de esmagar as flores para me observar, sua aparência grotesca
não me incomodava, apenas sua atitude.
– Saia do caminho, inseto! – Respondeu com sua voz gutural girando
seu porrete em minha direção, ergui a lança e o despedacei sem fazer muito
de esforço.
– Perguntei o que está fazendo! Por que está destruindo a vila das fadas
e por que tem uma presa em seu pescoço? – Perguntei novamente
posicionando a lança e me preparando para algum ataque.
– Elas me incomodam! Voam sobre minha caverna a noite e montam
armadilhas! São pestes com asas! – Berrou ele furioso.
– Solte-a! – Falei apontando a fada em seu pescoço.
– Não! Elas têm que pagar, estão me perturbando desde que fui trazido
para cá! – Resmungou ele virando-se na defensiva para que não tomasse a
fada que estava amarrada em seu pescoço como um pingente. Como se eu
conseguisse alcançá-la! Ele era pelo menos três vezes mais alto que eu!
– Solte-a e volte para sua caverna! Eu mesma dou um corretivo nelas!
– Falei transformando a lança em cajado e estendendo a mão para que ele
me entregasse a fada. O troll encarou-me por um tempo, depois, de má
vontade soltou a fada de seu pescoço e me entregou ela, saiu do campo
resmungando.
– Se elas voltarem lá, incendeio este campo! – Esbravejou ele
desaparecendo entre as árvores. Respirei fundo e olhei a fadinha em minhas
mãos.
– Me lembro de você! Merry, não é? – Soltei os braços dela da fina
corrente que a mantinha presa, ela se esticou, voou a alguns centímetros de
mim e cresceu até ficar de minha altura.
– Olá sacerdotisa das águas, como vai? – Ela tinha um ar de quem havia
acabado de ser pego numa travessura.
– Quero saber por quê estavam importunando o troll! – Ralhei com ela,
que se encolheu e ficou mexendo em suas asas iguais a asas de borboleta,
mas transparentes. Sua pele era quase translúcida e seus olhos brilhavam
prateados contra a luz da lua.
– Nós tínhamos todo o espaço aqui! Quando a barreira caiu, perdemos
muitos de nossos espaços para outras criaturas que trouxeram de Edro! É
injusto! – Resmungou ela.
– Estranho! Sempre achei que fadas eram criaturas sábias e
compreensivas! Mas acho que são apenas pestinhas desalmadas! – Falei. Ela
me encarava perplexa.
– Somos muito compreensivas e sábias!
– Não parece! Todas as criaturas que foram trazidas para cá
precisavam de espaço também! Injusto é vocês quererem ficar com todo o
espaço e não dividir com quem precisa mais! Vocês têm muitas áreas de
reserva! Deixem os outro em paz, eles só querem viver tranquilamente! Olhe
ao seu redor! Olhe tudo o que ele destruiu só por causa da implicância de
vocês! – Haviam algumas outras fadas escondidas nos observando. – Ele
podia ter ferido ou matado muitas de vocês se nós não estivéssemos aqui.
Aprendam a dividir e parem de importunar os outros! – Falei abaixando-me
sobre a área que ele havia destruído. “Renove-se terra das flores” as flores
que haviam sido esmagadas e destruídas tornaram-se pó, logo em seguida,
novos brotos apareceram, as flores cresceram novamente ainda mais belas
do que antes.
– Obrigada, sacerdotisa. – Disse ela se afastando.
– Não se atrevam a importunar as outras criaturas novamente! Ou vou
ajudá-las a incendiar esse campo, ouviram! – Ameacei aos gritos, bem alto
para que ouvissem e não voltassem a implicar com os outros.
– Achei que você fosse matar ele. – Disse Yurin se aproximando de
mim.
– Tenho cara de que saio por aí matando todo mundo?
– Tem! – Respondeu ela rindo. – A primeira vez que te vi, você estava
com cabelos prateados sujos de sangue matando uma quantidade absurda
de lobos selvagens que passam a maldição da licantropia na mordida! A
primeira impressão é que fica!
– Se fosse assim eu não estaria com seu irmão hoje, uma das primeiras
coisas que ele fez foi ameaçar me vender aos vampiros! – Falei, Ewren
suspirou e revirou os olhos.
– Foi uma brincadeira! Você caiu por que é... – Ele interrompeu a frase
e mordeu os lábios para evitar rir.
– A brincadeira está divertida mas temos que ir até o Templo nos
encontrar com Arcádius e os outros! Quanto tempo ficamos fora, vovó?
– Estamos na noite do oitavo dia! – Disse ela para mim.
– Temos três dias ainda... – vovó encolheu os braços e fechou os olhos.
– Vovó? – Chamei aproximando-me dela. Ela fez um summon de um pássaro
aparecer e transferiu sua mente, logo em seguida voou para longe sem nos
dar explicações.
– Vamos procurar um lugar para acampar esta noite e amanhã
partimos bem cedo. – Disse Ewren pegando vovó no colo e andando em
direção a floresta. Também queria sair do campo de flores, embora fosse
muito bonito, o perfume me incomodava.
Entramos na floresta e montamos o acampamento perto do rio, vovó
ainda estava inconsciente, não sabia para onde ela havia ido, então teríamos
que esperar ela desfazer o summon para saber.
– O que será que ela foi fazer? – Perguntou Yurin olhando o corpo de
vovó deitado perto da fogueira.
– Ela deve ter ido verificar alguma coisa! Ver se estava tudo bem em
algum lugar... – Ewren olhava o corpo dela também, sua expressão era tensa,
seu corpo não estava relaxado como era para estar, pelo menos nesse
momento.
– Acha que pode ter acontecido algo ruim enquanto estivemos fora? –
Perguntei.
– Temos que esperar ela voltar para saber, não devemos ficar
imaginando coisas. – Ewren parecia tão tenso quanto vovó, ele se levantou,
não aguentando mais ficar esperando por ela e foi pescar no rio com
Amaterasu enquanto Yurin e eu ficamos tomando conta de vovó.
– Poderia me ensinar a usar a lança igual você usou em Pollo? –
Perguntou ela olhando-me cheia de curiosidade.
– Não sou boa para ensinar as pessoas! Mas garanto que Medras, o
marido de Lórien vai ficar muito feliz em ser seu mentor, ele é um excelente
professor! – Falei lembrando-me de Medras em Evenox com parte da mente
de Lórien e minhas filhas. – Talvez ele ensine minhas filhas um dia. – Sorri
com a ideia de vê-las brincando e aprendendo com eles.
– Estranho, normalmente as mães querem ver os filhos protegidos e
longe de armas, você já está imaginando suas filhas lutando?
– É bom saber lutar, isso é uma forma de protegê-las! Prefiro que elas
saibam se defender sozinhas do que dependerem sempre do pai ou de mim
para ajudá-las. Nunca sabemos o que pode acontecer amanhã, então é
preciso ser forte sempre. – Falei. Ewren apareceu de repente com alguns
peixes limpos nas mãos e os colocou para assar, Amaterasu que havia saltado
sobre meu colo, agora estava preparando o bote, mas o olhar de Ewren para
ela a fez ficar encolhida em meu colo e desistir da ideia de roubar nosso
jantar.
– Você é uma Waheela! Pode comer tudo que anda por essas florestas,
mas quer roubar o nosso jantar? Vá caçar! – Ele ralhou apontando para a
floresta, Amaterasu bufou e saiu do meu colo batendo as patas, crescendo e
desaparecendo entre as árvores.
– Já passou muito tempo desde que ela saiu, será que não é bom
chama-la de volta? – Toquei a testa de vovó, ela estava gelada e tremia um
pouco.
– Traga ela, é provável que o summon tenha ficado preso em algum
lacre espiritual! – Disse ele segurando o rosto de vovó, peguei suas mãos e
falei “Mayra, animalium discutiunt” Vovó inspirou fundo e abriu os olhos,
eles estavam vermelhos e assustados, ela sentou-se com dificuldade e me
abraçou apertado, as lágrimas que escorriam de seus olhos caíam sobre
meus ombros.
– Vovó! O que houve? – Perguntei.
– Ele está começando a agir, não está mais tão paciente! Você tinha
razão, Leona. Se tivéssemos atravessado o portal no mesmo lugar,
estaríamos todos mortos agora! – Ela limpou as lágrimas e me encarou.
– O que aconteceu lá? – Perguntei.
– A cidade está sendo incendiada! – Disse ela com sua voz trêmula. –
Guinn estava lá, no quintal de minha casa esperando no portal! Ele ia nos
pegar quando voltássemos, mas eles perceberam a energia de outro portal e
descobriram que voltamos em outro local, furioso ele mandou os gigantes
destruírem Monte Azul!
– E Sally? – Ewren perguntou, estava muito zangado, seus olhos
estavam num tom de vermelho sangue.
– Por isso demorei, a encontrei escondida no porão de Nana, a guiei
para fora da cidade por uma passagem nas árvores da guarda, ela ficou na
entrada da floresta de Gheshira, disse que ia ficar na casa de caça de Nellena
e nos esperar lá! Pode buscá-la Leona? – Perguntou ela encarando-me, seu
olhar implorava por ajuda, devia minha vida a Nellena e não paguei a dívida.
– Já volto com ela! – Disse levantando-me com o cajado na mão.
– Não pode ir sozinha! Fairin não está mais jogando para perder, ele
não vai arriscar perder você de vista novamente! – Disse Ewren apertando
meu braço.
– Vou só buscá-la e voltarei rápido! Prometo! – Peguei o cajado e o bati
no chão o mais forte que pude, fazendo uma torre de luz me cobrir.
Abri os olhos novamente, estava à alguns metros da base da árvore
que ficava a casa de Nellena na floresta, era estranho eu ter parado tão longe,
já que havia mentalizado a sala da casa. Sem demora, andei entre o mato alto
até lá e puxei a corda presa ao tronco da árvore. A escada de corda
desenrolou e caiu perto de mim com um baixo ruído. Subi os degraus com
cuidado, não sabia se o tempo teria deixado as cordas podres, para meu
alívio, elas estavam intactas.
Entrei na casa devagar, a porta rangeu ruidosamente quando a abri,
resmunguei baixinho, estava muito escuro ali então fiz velas aparecerem
por todos os lados, evitando usar mais poder do que o necessário.
– Sally? Está aí? – Chamei. A casa estava muito silenciosa, não parecia
haver ninguém ali. Andei pelos cômodos, a casa se dividia em três andares
circulares, no terceiro havia uma espécie de escada em espiral que levava
até a copa da árvore. Subi até sair no alto de um observatório de vidro, como
se fosse um globo de neve gigante. Sally estava deitada em um sofá com algo
nas mãos coberta por uma colcha empoeirada, lagrimas manchavam seu
rostinho sujo pelas cinzas da cidade incendiada e suas mãos frágeis estavam
feridas. Andei até ela e tirei o porta-retratos de suas mãos, era uma foto dela
abraçada com Nellena e seu pai. Senti um aperto no peito, a peguei no colo
para sair logo dali, estava com uma estranha sensação de medo, algo parecia
nos observar. Ela não acordou quando a tirei do sofá, continuava dormindo
tranquilamente. Peguei o cajado para teleportar, mas não consegui como se
tivesse algum bloqueio na casa que impedisse que teleportasse dali. Virei-
me para as escadas e tomei um susto ao ver um par de olhos prateados me
observando nas sombras.
– Veruza!
– Me reconheceu assim tão rápido? – Ela saiu das sombras aplaudindo
lentamente – Sabia que vocês iriam ajudar essa menininha! – Disse ela
olhando para Sally no meu colo – Você tem um coração nobre, um amor de
menina que ajuda a todos, não é? Por isso que Eirien a colocou como a
sacerdotisa das águas... – ela estava zombando de mim.
– Eu vou te matar, tenha certeza disso! – Falei apertando Sally em
meus braços.
– Não pode usar poderes de teleporte aqui dentro menina arrogante!
Nellena mantinha sua casa muito segura! E não vai fugir! Tenho contas a
acertar com você, língua de trapos! – Disse ela dando um passo em minha
direção.
– Fairin sabe que você está aqui? Que quer acabar com a última fonte
de onde ele pode conseguir o poder que quer? – Perguntei debochando dela
também, sua boca se estreitou numa linha fina.
– Só vou te dar uma lição! Vou te levar viva para ele ainda! E com
certeza irei conquistá-lo novamente, farei com que ele me ame! – Não sabia
se sentia raiva ou pena dela. Puxei o cajado e o transformei num machado
longo e pesado, segurei o cabo com uma das mãos, deixando a outra ponta
cair pesadamente no chão. – Vai mesmo me matar? – Ela riu sacando sua
espada e se aproximando mais. – Se me matar, vai matar a filha de Aristes
também, ela ainda está aqui comigo, só estamos partilhando o mesmo corpo!
Pytia foi idiota o suficiente para matar Belve achando que ela não estava
mais lá! Mas essa aqui é mais forte, ela luta, está gritando por socorro, com
medo de eu te matar também! Escandalosa demais para o meu gosto! – Não
podia machucar a filha de Aristes, ainda mais se houvesse uma chance de
salvá-la e também não podia lutar com Sally nos braços.
– Eu disse que ia te matar agora? Vou te arrancar desse corpo
primeiro! Mas agora não tenho tempo de brincar com você, por mais que
seja tentador acabar com tudo isso agora! – Girei o machado fazendo-o
passar a centímetros de Veruza e o atirei para trás de mim, estilhaçando a
redoma de vidro que nos protegia, corri para a beirada da sala e pulei para
fora da proteção, caindo rapidamente em direção à floresta. “Volte” chamei
o cajado de volta, ele veio girando até mim, o peguei e antes que tocássemos
o chão, consegui nos teleportar de volta à Vintro.
Caí deitada com Sally em cima de mim ao lado da fogueira acesa. Ela
era pequena, mas seu peso quase tirou todo o ar de mim.
– Leona! O que houve? – Perguntou Yurin se levantando no tronco que
estava sentada e tirando Sally do meu colo.
– Veruza sabia que vovó a tirou de Monte Azul e estava nos esperando
lá. – Falei me levantando, sentindo uma dor terrível em minhas costelas. –
Onde estão Ewren e vovó? – Perguntei.
– Sua vó está dormindo na barraca, parece que perdeu muita energia
com o summon, Ewren saiu para procurar por Amaterasu que ainda não
havia voltado! – Explicou ela. Pelo visto, eles tinham certeza de que eu
voltaria com Sally. Levantei minha blusa, estava com uma mancha roxa no
lado direito abaixo das costelas. Quando teleportei durante queda, apenas
mudei o local que cairia, foi como se tivesse realmente caído da árvore com
Sally no colo. Yurin olhava preocupada a mancha roxa.
– Não se preocupe, em alguns minutos vai sumir! – Falei tentando me
ajeitar e ficando sem ar.
– Acho que ela foi envenenada, Leona! – Disse Yurin tocando seus
lábios de leve na boca de Sally. – Parece veneno de sereiano! Temos que
chamar meu irmão! – Ela pegou um pano e molhou na água quente e colocou
no pescoço de Sally.
– Como sabe?
– Nos anos que fiquei em Pollo, acha que fiquei atoa vadiando? Eu
treinei! Estudei, fiz coisas úteis! Mas meu pai não é muito bom com antídotos
e poções... – ela era mesmo irmã dele, grossa como Ewren, ou até mais!
– Vou procurá-lo! Para onde ele foi? – Yurin apontou a floresta, me
ergui com um pouco de dificuldade e andei na direção que ela havia
apontado. Havia me afastado bastante da fogueira, mas estava com muita
dificuldade de andar, meu peito doía quando respirava, já era para estar
curada a essa altura. Levantei a blusa novamente para conferir a mancha,
agora estava mais escura e minha roupa estava suja de sangue.
– O que é isso agora? – Me virei o máximo que pude, esticando meu
braço até encontrar algo que não era para estar ali, toquei em algo gelado de
metal e gemi, cobrindo a boca com as mãos, peguei um pedaço de uma raiz
no chão e a mordi, respirei o mais fundo que pude e puxei aquele objeto.
Uma pequena lâmina escura menor que meu punho estava cravado ente
minhas costelas bem próxima a coluna, a joguei no chão e usei meus poderes
para me curar. Na certa Veruza deve ter atirado aquela lâmina para evitar
que eu pudesse teleportar. Vi uma fraca luz vindo em minha direção pela
floresta e me encolhi, ainda não estava recuperada o suficiente para lutar,
mas iria fazer o possível. Levantei-me segurando na árvore, porém minha
visão começou a ficar turva, então mudei para o primeiro animal que me
veio à mente, me transformei em uma raposa e corri com muita dificuldade
de volta à fogueira, seguindo o cheiro de vovó e Yurin.
Yurin quase me acertou com a espada quando cheguei perto dela.
– Por deus, Leona! Quer me matar de susto! – Gritou ela pegando-me
no colo e me colocando ao lado de Sally. – O que é isso? – Sua mão estava
suja de sangue e seu olhar estava assustado. Ainda estava em forma de
raposa e não conseguia me transformar de volta.
Ewren apareceu entre as árvores com Amaterasu ao seu lado, ele
segurava a lâmina que tirei das costas na mão.
– O que houve? – Ele passou os olhos em Sally, Yurin estava em sua
frente, impedindo-o de me ver. – Onde está Leona? – Yurin deu um passo
para o lado ele colocou a mão na cabeça quando me viu.
– Você não consegue ficar mais de uma semana sem me arrumar
algum problema sério, não é? – Disse ele se aproximando e colocando as
mãos sobre mim, ele começou a me curar, era tão quente, como estar em
uma praia num dia quente de verão sentindo o calor do sol.
– É uma lâmina com saliva de Aswang? – Perguntou Yurin olhando a
lâmina que Ewren havia deixado cair.
– Sim, Amaterasu a encontrou caída na floresta. – Disse ele me
pegando no colo e acariciando meu focinho. – Já vai melhorar! Tua sorte é
ter esse sangue amaldiçoado que aumenta sua capacidade de cura, foi por
causa de uma ferida com uma lâmina dessa que Moan estava morrendo! –
Explicou para mim.
– E Sally? – Yurin apontou para a criança desfalecida em cima do
cobertor, Ewren me colocou no chão, pegou um remédio que estava na bolsa
de vovó e deu algumas gotas à Sally.
– Ela vai dormir, amanhã já vai estar melhor, o veneno não foi através
de uma ferida, mas foi por algo que ela comeu, o risco é reduzido. – Yurin
pegou Sally no colo e a levou para a barraca.
– Não estou com muito sono, mas acho melhor ir dormir! – Disse ela
sumindo pela entrada da barraca, notei que ela se deitou e colocou Sally
sobre seu braço e dormiu segurando-a.
– Você devia ir dormir também! – Ewren segurou minha cauda e a
balançou, mudei de forma novamente, voltando a forma humana e me sentei
em seu colo, aninhando-me em seus braços.
– Posso ficar aqui? – Perguntei colocando a cabeça em seu peito e
fechando os olhos, ele riu e fechou os braços em volta de mim apertando-me
de leve.
– Deve! – Senti seu queixo roçar no alto da minha cabeça – Quem
atirou aquela lâmina? – Sabia que ele perguntaria, não ia demorar muito.
– Veruza... Não creio que ela tinha intenção de me levar para Fairin,
acho que ela ia me matar! – Falei.
– Ela estava na casa de Nellena?
– Sim, sabia que iriamos buscar Sally.
– Por que não a matou, Leona! Era sua chance de acabar com tudo isso
de uma vez! – Ele parecia frustrado, mas não estava realmente com raiva.
– E matar a filha de Aristes também? Eu não podia fazer isso, Ewren! –
Respondi defendendo-me mesmo sabendo que aquela podia ser a única
oportunidade de fazer aquilo sem envolver mais ninguém.
– Sacrifícios são necessários numa guerra! – Disse ele com a voz dura.
– Você me mataria se ela tomasse meu corpo?
– Nunca! – Respondeu sem pensar duas vezes apertando-me ainda
mais, ele pareceu ainda mais aborrecido com essa pergunta.
– Então, nem sempre fazemos o que é certo, mesmo sabendo que
podemos ter problemas por causa dessas escolhas mais tarde! É difícil
escolher pelo certo quando ele nos afeta ou tira algo de nós!
– Você não conhecia a Brigith...
– Conheço Aristes, ele se arriscou para nos salvar, lembra? Abrindo o
portal e nos mandando para Evenox? Ele sabe das meninas, e nunca disse
nada para Fairin! Não é só por ela! É por ele também! E mesmo se fosse uma
completa desconhecia ainda assim eu daria um jeito de ajudar! – Falei
encarando-o. Ele puxou meu queixo para frente e me beijou.
– Você é diferente de tudo que há nesse mundo! – Disse ele aninhando-
me novamente em seus braços.

Acordei no fim da madrugada deitada dentro de um ninho das asas de


Ewren, ele estava dormindo profundamente, Amaterasu estava sentada
perto de nós coçando suas orelhas. Levantei com cuidado para não o acordar
e saí de perto dele.
– Ficou de guarda no segundo turno, menina? – Perguntei acariciando
o focinho de Amaterasu, ela espirrou e bateu com o focinho de leve em meu
ombro. Fui em direção ao rio para lavar o rosto e preparar o café,
precisávamos sair logo de Vintro e ir ao encontro dos outros, agora Fairin
estava agindo de forma mais agressiva e não podíamos ficar parados
esperando seu próximo movimento. Yurin chegou por trás de mim e me
empurrou dentro da água gelada do rio.
– EI! Ficou louca! – Gritei encolhendo-me dentro da água!
– Ahh desculpe, achei que você estava criando coragem para entrar no
rio! – Disse ela rindo e pulando dentro da água. Estávamos nadando quando
na margem oposta apareceu uma mulher segurando um balde, ela havia ido
no rio para pegar água.
– Uma alma? – Perguntou Yurin olhando a mulher com curiosidade.
– Sim... – lembrei-me do dia que estávamos procurando por Ewren,
quando quis ajudar duas delas e não pude. Ela nos olhou espantada encheu
o balde e se afastou, quando ia sumir na floresta um centauro apareceu, a
mulher se assustou e derrubou o balde. Ele começou a gritar com ela, sua
aparência era assustadora, ele era grande e tinha cabelos grossos e pesados,
amarrados para trás o que fazia sua cara parecer estranhamente repuxada,
o nariz achatado e olhos estreitos lhe davam aparência ainda mais selvagem.
Ele tirou um chicote e começou a bater na mulher, rapidamente atravessei
o rio e saí na outra margem, corri para perto dela e agarrei o chicote com a
mão, tomando-o do centauro.
– Como se atreve a interferir no castigo que estava aplicando à minha
escrava! – Berrou ele para mim.
– Ela deixou o balde cair porque se assustou com você, seu bruto,
ignorante! – A levantei e curei os ferimentos que ele havia feito com o
chicote.
– Uma feiticeira? Vai ser minha escrava também! – Ele pegou uma
trompa feita de chifre e a tocou alto, o chão começou a vibrar, logo em
seguida vários outros centauros apareceram, eles tinham cordas e chicotes
nas mãos, na certa vieram para me capturar.
O centauro a minha frente puxou uma espada e a apontou para mim.
– Renda-se feiticeira ou a capturaremos de qualquer maneira! – Os
outros centauros se aproximaram de nós, a mulher ficou atrás de mim
escondendo-se com medo da espada. Queria rir, mas estava surpresa demais
para isso. Amaterasu deve ter ido chamar Ewren, o que me deixou ainda
mais angustiada, ele com certeza iria brigar comigo por sair sem chamá-lo
novamente!
– Sinto muito, amigo, mas tenho uma missão para cumprir, não posso
ser escrava! – Falei erguendo-me devagar com os braços erguidos em forma
de demonstrar que não queria problemas, ele ergueu a espada e a brandiu
em minha direção, antes que eu pudesse me mover ouvi um som de metal se
partindo e o centauro se afastou de nós espantado. Yurin segurava uma
estranha espada transparente amarelada apenas com uma mão, já a espada
do centauro estava estilhaçada no chão perto de mim. Ela tinha um olhar
divertido no rosto e um sorrisinho de lado.
– Não vai tocar na minha cunhada! Nem tive chance de implicar com
ela ainda! – Disse ela girando a espada e apontando para o rosto dele. O
centauro estava boquiaberto olhando para ela. Os outros que chegaram,
dobraram suas patas dianteiras como se estivessem se ajoelhando, um deles
tomou a trompa que o centauro que Yurin derrotou carregava e entregou
para ela.
– Quem derrota um líder do clã cinzento tem o direito sobre seu
exército! – Disse ele fazendo uma reverência. Yurin me deu uma rápida
olhada e riu.
– Hum, obrigada, acho! Como é seu nome? – Perguntou ela segurando
a trompa nas mãos.
– Galgren – Respondeu ele afastando-se dela. – Sempre que precisar,
basta tocá-la, não importa onde estivermos, nós iremos a seu encontro!
– Posso pedir qualquer coisa que queira também? – Perguntou ela
olhando para a alma atrás de mim.
– Quaisquer desejos dentro de nossas possibilidades serão atendidos
imediatamente.
– Libertem todas as escravas que tiverem, e as deixem livres entre seu
povo, as que quiserem ficar, que fiquem, e as que quiserem partir, deixem
que vão! – Ela o encarava séria.
– Assim será feito. – Disse ele colocando a mão sobre o peito como
forma de lealdade. Eles ergueram o outro centauro que ainda estava
atordoado sem entender o que havia acontecido e desapareceram entre as
árvores a mulher me agradeceu silenciosamente e os seguiu. Poucos
segundos depois Ewren apareceu com Amaterasu com a espada na mão.
– Estava cuidando de Sally quando Amaterasu apareceu... – ele olhava
de mim para Yurin e dela para as marcas de cascos no chão. – O que
aconteceu?
– Yurin tomou a liderança dos centauros! – Contei rindo.
– Mentira! Eles são muito fortes, não tem como ela ter derrotado um
deles! – Disse olhando-a desconfiado, Yurin revirou os olhos.
– Não usei nem metade da minha força para isso. Treinava em um
mundo com a gravidade muito mais forte, seguro a espada aqui como se
segurasse uma pena! Te derrotaria com as mãos presas às costas! – Disse ela
para Ewren.
– Quer tentar? – Ele tinha um sorriso malicioso estampado no rosto.
Yurin riu e ergueu a espada.
– Gente, não é hora para isso! – Falei pegando os dois pelos braços e
andando de volta ao acampamento. – O importante é que temos mais aliados
agora, queiram eles ou não! – Falei sorrindo com nossa grande conquista,
nossa não, de Yurin!
9

S ally estava melhor essa manhã, suas feridas cicatrizadas e


sua pele estava rosada novamente, ela parecia nova em
folha. Ela tinha os olhos da mesma cor dos de Nellena, um
verde vivo e brilhante e seus cabelos loiros estavam
amarrados em uma trança longa. Ewren havia feito o café
e estava sentando no tronco tombado da árvore, parecia de bom humor. A
ferida em minhas costas já não doía tanto, apenas um pouco dolorida, mas
nada que pudesse me atrapalhar.
– O que faremos hoje? – Perguntou Yurin se esticando e pegando um
pouco do chá.
– Vamos até a praia, de lá iremos para Vintro nos encontrar com os
outros e ver o que conseguimos! – Respondi engolindo com dificuldade
aquele chá horroroso. – Ewren! Você é um mago também! Por que toma esse
chá se ele é tão ruim? – Perguntei lembrando-me de que magos sentem o
gosto ruim do chá de cascas.
– Não nasci mago, sinto o gosto normal! – Disse ele sorrindo para mim.
– Queria saber como é... – Olhei tristemente para a caneca com chá.
Vovó também não o tomou, ela pegou água fervendo e fez outro chá, um que
tinha um perfume doce, como canela e anis e me deu um pouco. Quando o
tomei, senti meus olhos se encherem de lágrimas.
– Vovó! É delicioso! O que é isso? – Perguntei.
– O mesmo chá! Só que eu planto as árvores no meu quintal, tenho
permissão das dríades para fazê-lo para mim desde que não as use como base
para poções! – Disse ela observando as cascas moídas no saquinho de tecido.
Sally saiu da barraca e sentou ao nosso lado, ela deu um tímido “bom dia” e
depois tomou chá também. Seus olhos passaram por nós e pararam em
Yurin, seu rosto ficou corado e ela sorriu alegremente.
– Você é igualzinha a ele. – Disse Sally sorrindo e indo se sentar ao lado
de Yurin. Yurin estava distraída mas olhou de canto de olho para Sally e deu
um meio sorriso, ela parecia tão doce assim.
– Somos gêmeos! – Disse ela passando o braço em volta de Sally.
Ewren olhava as duas depois encarou feio Yurin como se chamasse sua
atenção mentalmente, Yurin abaixou a cabeça mas continuava sorrindo,
“perdi alguma coisa? ”
Estávamos terminando de arrumar as coisas e já íamos partir quando
uma forte luz azul cobriu os céus acendendo todas as mandalas que existiam,
fazendo o céu parecer um planetário. Vovó estava com uma expressão muito
assustada no rosto, Ewren, Yurin, Sally e eu não estávamos entendendo por
que o olhar estranho dela.
– O que houve vovó? – Perguntei.
– Aristes bloqueou os teletransportes dentro de Amantia! Não
podemos mais ir de um lugar para outro usando teletransporte, somente
portais de outros mundos podem ser abertos agora!
– Por que ele faria isso? – Perguntou Ewren olhando desconfiado as
marcas no céu.
– Veruza, deve ter ameaçado saltar de corpo e matar a filha dele! –
Falei. – Ontem quando estive com ela, ela confirmou que Brigith estava viva.
Deve estar usando isso para manipulá-lo.
– Se Aristes ficar contra nós, teremos um problema sério. – Disse
Ewren cerrando os punhos.
– Não acredito que ele ficaria contra nós, deve estar apenas tentando
proteger sua filha! – Segurei sua mão. – Vamos até a praia. Precisamos ir de
navio até o outro lado então!
– São sete dias até contornarmos Vintro de navio, Leona! Mesmo
revezando nossos poderes para ir mais rápido, chegaremos lá no mínimo em
cinco dias. – Vovó estava muito nervosa.
– Não tem jeito! Eles terão que nos esperar. – Fiz os lobos gigantes de
terra aparecerem, montamos e partimos em direção à praia. Ewren estava
montado junto comigo, Yurin ia com Sally e vovó ia montada em Amaterasu.
Sally estava sorrindo aninhada no colo de Yurin.
– Porque estava olhando feio para Yurin naquela hora? – Perguntei
olhando de canto de olho o rosto de Ewren mudar de cor, ele suspirou e
fechou os olhos.
– Nada com que você precise se preocupar! – Disse ele segurando-me
contra seu corpo.
– Sally estava olhando tão vidrada para Yurin...
– Yurin é uma elfa, sua aura de luz atrai humanos, eles
automaticamente sentem-se atraídos por ela.
– Até outras mulheres? – Perguntei olhando Sally aninhada nos braços
de Yurin.
– Qualquer humano se sente atraído por elfos, principalmente as
crianças, por que a alma delas é pura, menos os híbridos de humanos, esses
não são atraídos por essa luz!
– Então isso não funciona comigo? – Ele deu um sorriso.
– Não.
– Isso é bom ou ruim? – Perguntei, Ewren apenas riu e ficou em
silêncio.

Chegamos à praia pouco antes do meio dia, me sentia um pouco


cansada, com pouca energia depois da longa corrida, Sally se afastou para
recolher gravetos e lenha para acender uma fogueira e Ewren entrou no mar
para pescar, vovó também se afastou de nós, só não sei para onde ela foi,
fiquei sentada com Yurin esperando pelo almoço.
– Cansada? – Perguntou ela sentando-se ao meu lado.
– Um pouco... – tentei me alongar mas senti uma fisgada nas costas, o
que fez eu me encolher. Yurin me puxou para o colo dela, deitando minha
cabeça em suas pernas.
– Sou péssima em cura, meu pai não tinha nenhuma habilidade de cura
para me ensinar! – Disse ela passando sua mão fria em meu rosto.
– Tudo bem, já vou ficar melhor! – Fiquei observando a praia, o céu
azul-celeste parecia ter sido pintado à mão e estava cheio de círculos azuis
brilhantes, o mar estava em um tom esmeralda e as águas brilhavam com as
luzes de Sirius e Aries. Lembrei-me de Áries, agora ela estava presa aos céus
sem poder pisar nos mundos, isso pelo menos até que alguém mais forte que
os dois viesse e tomasse o lugar deles. Senti pena dela, pelo meu descuido
ela teve que nos salvar.
– Mayra nos mantinha informados de quase tudo que acontecia em
Amantia, ela nos falou sobre Ewren, sobre o que ele havia se tornado... –
disse ela depois de alguns minutos de silêncio. – Por que você ficou com ele
mesmo sabendo o que ele era?
– As pessoas mudam, Yurin! É preciso apenas dar uma chance.
– Mas nem sempre mudam para melhor! Você pensa em dar uma
chance a Fairin? Quero dizer, se achar que ele merece uma segunda chance,
você daria?
– Ele teve mais chances do que qualquer um e não mereceu nenhuma
delas! – Falei através dos dentes, Yurin ficou sentada comigo acariciando
minha cabeça como se fossemos amigas de uma vida. – Por que está aqui me
confortando? – Minha pergunta soou ais rude do que eu havia imaginado.
– Eu gostei de você na hora que a vi em Pollo... não por que estava
fazendo picadinho dos lobos selvagens de lá, mas pela sua garra, você não
correu montanha acima com ela. – Yurin apontou com o queixo na direção
em que vovó estava. – Você ficou lá para lutar ao lado de meu irmão mesmo
sabendo o risco que corria! Quando vi aquilo, sabia que ele não tinha
escolhido errado, você nunca o abandonaria, meu irmão era tudo para mim
quando éramos pequenos! Não aceitaria alguém mais fraca que eu para estar
ao lado dele! – Ela sorriu e piscou para mim.
– Obrigada, Yurin! Isso é muito importante para mim!
– Não precisa agradecer! Se você não fosse o que é, eu te mataria. – O
sorriso sinistro que ela me deu foi a confirmação de que não era uma
brincadeira.
Sally e Amaterasu voltaram com a lenha ao mesmo tempo que Ewren
voltava com peixes e dessa vez trouxe para Amaterasu também.

Depois de almoçar, fui andar na beira da praia, molhar os pés.


Precisávamos de um navio, ia criar um como Lórien faria se estivesse aqui,
mas não queria andar de navio novamente. Talvez se me transformasse em
um pássaro e voasse até Vintro carregando os outros. Era uma viajem longa
demais para fazer isso. Senti uma forte vibração na água, uma estranha
energia fluiu de mim para as águas.
– É melhor sair daí! – Disse Ewren tirando-me de perto da água e
olhando para o mar de forma estranha.
– O que foi? – Perguntei.
– Uma energia muito forte está se manifestando no mar. – Ele pegou
meu braço e me levou de volta a fogueira, estava com a espada na mão e não
parava de olhar para trás enquanto andávamos. Sentimos uma vibração tão
forte que mais parecia um terremoto, uma onda maior do que as que
estavam quebrando na praia começou a se formar e tinha um entranho
formato, parecia rasgar as águas e vinha em nossa direção.
– O que você fez? – Perguntou vovó olhando desconfiada para mim.
– Não fiz nada, juro! Só estava molhando os pés! - De repente algo
grande, e azul saiu da água fazendo uma sombra cobrir a parte da praia que
estávamos. Se Ewren não estivesse me segurando, eu teria caído no chão de
joelhos. Ele era maior do que o dragão que Lórien e eu havíamos visto em
Mantum, tinha escamas azuis em diversos tons diferentes, três caudas com
ferrões enormes saindo delas, sua cabeça achatada e repleta de chifres
escuros que pareciam formar um capacete, só sua cabeça era maior que
Amaterasu em tamanho grande e suas barbatanas se tornaram asas assim
que ele saiu da água, elas tinham uma cor rosada translúcida. Ele tinha
dentes pontiagudos como agulhas e olhos cor de chumbo.
– Um dragão marinho! – Gritou vovó dando um passo para trás. Ewren
e Yurin levantaram as espadas. O dragão fez um som agudo com a boca que
os fez largas as espadas e cobrir as orelhas. Todos pareciam estar sendo
afetados pelo som dele, menos eu, sentia algo gelado em meu braço, quando
olhei o pingente que Misannin havia me dado estava brilhando na pulseira
e pulsando. Dei um passo à frente, o dragão parou de emitir o som e ficou
observando eu me aproximar. Estiquei a mão para tocá-lo, ele sacudiu as
asas molhadas quase derrubando-me com o deslocamento de ar, depois
abaixou-se colocando a cabeça na areia. Quando toquei sua cabeça com as
mãos minhas marcas acenderam e o dragão fechou os olhos.
– Ele te aceitou como mestre? – Perguntou vovó se aproximando
devagar. O dragão pareceu não se incomodar com sua aproximação.
– Acho que sim! – Respondi acariciando sua cabeça escamosa, era
estranho, como tocar em um peixe gigante, as escamas eram maleáveis,
porém muito resistentes.
– Podemos montar nele? – Perguntou Yurin subindo nele antes
mesmo que eu tentasse o fazer. Ele não reagiu, apenas continuou parado sem
se mover.
– Acho que isso foi um sim! – Respondi subindo em cima dele também.
Ewren, Sally e vovó vieram depois, trazendo Amaterasu encolhida no colo.
Segurei-me nos chifres em sua cabeça e falei para ele “Pode nos levar até
Rompita? ” Ele não se moveu, continuava apenas bufando, mas estava
parado.
– Você precisa mostrar a ele o lugar que quer ir, é um dragão do mar,
não conhece nada além do mar, Leona! – Disse vovó se aproximando de mim.
Toquei minhas mãos no alto de sua cabeça, fechei meus olhos e me conectei
a sua mente, mostrando-lhe o lugar que gostaria de ir. O dragão levantou
suas enormes asas e sua cabeça, quase me derrubando e se ergueu no céu,
voando rapidamente e passando pelas nuvens escuras que cercavam e
protegiam Vintro.
– Chegaremos em Rompita em dois dias se ele manter essa velocidade
e pararmos apenas para descansar! Leona, passe sua energia para que ele
não se canse tão rápido! – Disse Ewren se aproximando de mim e sentando-
se ao meu lado na cabeça do dragão. Foi o que eu fiz, mantinha minha
energia fluindo continuamente apara ele se manter nos céus sem se cansar.
– Queria tanto passar voando nos céus da Terra com um desses! Seria
um caos! – Falei rindo.
– Existem muitos deles por lá, só que a energia mágica da terra é
pequena demais para que eles saiam do mar e eles não crescem tanto quanto
os daqui, então eles vivem em águas profundas e se mantém por lá
escondidos! São a maior causa de acidentes no triângulo das bermudas! –
Disse Ewren sorrindo para mim. – Esses dragões de água são da Terra,
existem mais deles lá do que aqui! – Fiquei olhando para ele espantada.
– Então eu tinha um bom motivo para ter tanto medo do mar! – Fiquei
imaginando um dragão como esse afundando facilmente um navio...

Serena:

Havíamos parado para almoçar e estávamos descansando, Demétrius


dormia no colo de Moan, já que havia passado a maior parte da noite
anterior de guarda. Hasan estava em silêncio, parecia estar cochilando
também, Neve estava à beira do rio brincando com as libélulas coloridas que
voavam perto dela. Estávamos a algumas horas de caminhada da vila
vermelha, na costa leste de Edro. Iríamos partir dali para as Ilhas Monarcas
e depois ir o mais rápido possível até Rompita. Moan havia dito que Aristes
bloqueou o teletransporte dentro de Amantia, por isso o céu estava repleto
de círculos azuis com símbolos e palavras, teríamos que voar de volta a
Rompita para nos encontrarmos com os outros em três dias.
Espero que Leona esteja bem! Sentia falta dela, estava angustiada com
o que Guinn havia tentado fazer e como ela deve ter reagido ao se encontrar
com Ewren, não sabia o que eles estavam fazendo e nem por que estavam
demorando tanto a aparecer, mas tinha certeza de que eles estavam atrás de
mais ajuda também.
– Acho que aquele brilho roxo que vimos aquele dia vindo das
redondezas de Monte Azul era mesmo um portal! – Disse Moan notando
minha angústia.
– O que me incomoda é quem possa ter passado por ele. – Respondi.
– Espero que seja mais ajuda, por que se não for... – ela ficou pensativa
olhando para o nada. Hasan se levantou de repente e esticou as costas. Ele
estava sem camisa, estava fazendo muito calor e conforme chegávamos mais
perto de Vintro o calor aumentava.
Fiquei observando o desenho de seus músculos e os cabelos ruivos que
caíam sobre seus ombros. Hasan estava me encarando com seus olhos
negros e brilhantes, desviei o olhar envergonhada por ter sido pega o
admirando, ele deu um largo sorriso e vestiu a camisa.
– Vamos partir? Temos pouco tempo agora, as Ilhas Monarcas são bem
próximas à costa, mas não podemos entrar lá usando qualquer tipo de
magia, aquelas ilhas são muito bem protegidas pelos poderes dos vampiros.
– Disse Hasan me dando a mão para que me levantasse. Demétrius se
levantou também, puxando Moan para cima e bocejou.
– Vamos chegar lá no fim da tarde se atravessarmos de navio. – Disse
ele pegando suas espadas e indo em direção ao caminho estreito entre as
árvores. Nós os seguimos em passos largos, teríamos que chegar lá o mais
rápido possível, Hasan tentaria convencer Marglan a unir-se a nós pelo fato
de ser filho de Sirius, Hasan estava convencido de que o afeto que o vampiro
sentia por seu pai seria de grande ajuda agora.
A medida que saíamos da floresta e nos aproximávamos da vila
vermelha, sentia que estava chegando em um paraíso tropical, as águas do
mar eram tão azuis que parecia que o céu e o mar eram uma coisa só, haviam
muitas palmeiras e árvores parecias com coqueiros com frutas vermelhas
felpudas presas a elas e que exalavam um agradável perfume parecido com
o de romãs. As conchas que encontrava na areia eram todas transparentes e
mudavam de cor conforme a luz batia nelas.
Estávamos a caminho dessas ilhas faziam três dias, depois que
conseguimos com muita dificuldade o apoio dos caçadores, passamos em
uma vila de duendes que se recusaram a nos ajudar e ainda ameaçaram nos
entregar a Fairin se não deixássemos a cidade, partimos direto para o litoral
de Edro por outra rota afim de despistá-los caso realmente quisessem nos
entregar.
A vila era grande e muito bonita, as casas construídas com um tipo de
bambu gigante, muito parecidas com a casa de Ervie em Evenox, elas eram
afastadas umas das outras e mais a frente havia uma larga rua de comercio
quase no centro da vila. Haviam todos os tipos de mercadorias, tecidos de
todas as cores, temperos, medicamentos, carnes e animais e uma variedade
enorme de frutas e verduras por todos os lados, os aromas se misturavam
dando um ar único e especial aquele lugar. Haviam várias raças ali, até onde
sabia, vila vermelha era um território neutro entre as florestas das dríades
e as montanhas dos gigantes, era constantemente destruída por eles e
precisava ser reconstruída periodicamente.
– Se essa vila é um lugar tão perigoso, por que eles não se mudam
daqui de uma vez? – Perguntei a Demétrius que estava mais próximo de
mim.
– Não se abandona sua casa por causa de problemas, você os enfrenta
até que eles acabem, mantém seu lar, mas nunca o abandona! – Disse ele
sorrindo para mim, deixando-me surpresa com sua resposta. – Pessoas em
Amantia estão acostumadas a lutar e são muito teimosas também! Não é
qualquer gigante destruindo suas casas que as farão sair acovardadas! –
Quase ri, eu com certeza iria embora.
Nós paramos em um ancoradouro perto da feira, haviam algumas
embarcações menores ali, do tamanho de lanchas, não podíamos fazer um
navio aparecer pois não devíamos chamar atenção com nossos poderes.
Demétrius fez a negociação com o dono de um dos barcos. Moan estava
guiando Neve em uma coleira como se estivesse levando um cachorro para
passear, por mais estranho que possa parecer, aquela cena parecia quase
normal.
Subimos a bordo da embarcação e partimos em direção as ilhas, o mar
azul brilhante estava calmo, o barco ia rápido contra a maré com auxílio dos
poderes de Hasan, Neve parecia estar se divertindo muito a bordo,
aparentemente ela gostava muito de água.
– Sente falta da Terra? – Perguntou Moan sentando ao meu lado.
– Se eu disser que não, vai achar que sou louca? – Perguntei. Moan riu.
– Talvez... lá era tudo calmo, o perigo não vinha de todos os lados
querendo seu sangue amaldiçoado que pode dar poder as pessoas!
– Não valia a pena ficar lá sem ela... – Me referia a Leona. – Ela era
minha melhor amiga, e quando me esqueci dela, quando minha... mãe
apagou minhas lembranças sobre ela para poder vir embora, eu não sabia o
que estava acontecendo, mesmo com tudo que poderia querer ao meu redor,
sentia um vazio, quando eu deitava para dormir eu ficava procurando uma
explicação para aquilo, e ela nunca vinha.
– Então você não se importa de ficar rodeada de monstros, desde que
esteja com sua irmã?
– Os mundos são diferentes, mas lá os monstros têm o rosto igual ao
nosso, aqui você ainda pode julgar o perigo por sua aparência, lá não é tão
simples! – Respondi lembrando-me do dia em que Fairin apareceu, ele
parecia um homem doce e gentil, um namorado de minha mãe que eu não
sabia que existia. Dymesia não era minha mãe de verdade, mas me tratou
com tanto carinho por tantos anos, e agora estava morta. Estava angustiada,
sentia um nó na garganta ao me lembrar dela, o medo estampado em seu
rosto segundos antes de morrer, havia algo naquele olhar, um pedido de
desculpas talvez, pelo menos queria acreditar nisso, que no fim ela se
arrependeu e que sentia algo por mim, que eu não era apenas uma moeda
de troca para ela.
– Você está bem? – Perguntou Moan colocando as mãos em meus
ombros e acariciando gentilmente minhas costas.
– Foi horrível vê-la morrer! Mesmo que não fosse minha mãe de
verdade, doeu quando ela me entregou a ele sem pensar duas vezes, ela
parecia tão boa...
– Fairin tem um poder fora do comum para convencer as pessoas a
fazerem sua vontade. – Esquecia que Moan era minha meia irmã. Não estava
acostumada a ter tantos familiares assim, mas sempre sentia algo estranho
nela, como algo que não deveria estar ali, por vezes seu olhar era vazio como
se não houvesse ninguém lá dentro.
– Ele é muito forte, não é? – Perguntei baixinho.
– Muito, principalmente depois que tomou o sangue de Lupine, sentia
pena dela! Viveu uma mentira maior do que as outras. – Moan tinha uma
expressão triste em seu rosto.
– Como assim?
– Fairin enganou Jocelinne com alguém que a amava, Mayra também,
mas Aeban nunca gostou de Lupine! Ele mal tinha noção de sua existência, a
viu poucas vezes no templo, ela era completamente apaixonada por ele.
Fairin se aproveitou disso, matou Aeban e fingiu se interessar por ela, no
final as outras tiveram amor de verdade que lhes foi roubado, mas Lupine
não!
– Mas Moan, Arcádius e Jocelinne são irmãos! Eu vi no castelo de
Cristal! Isso não é certo, não é?
– Serena, não é o sangue que faz você ter um laço com alguém, mas
sim os seus sentimentos por esse alguém e os dela por você! Fairin tem o
mesmo sangue que você e não pensou duas vezes em tomar seu sangue ou
te usar como trunfo para prender Leona, que também é filha dele, minha
mãe atravessou uma lâmina envenenada na minha barriga para que eu
morresse devagar!
– Sinto muito, Moan, não havia pensado nisso! Mas teremos que
contar a Jocelinne sobre isso...
– Eles não sabem sobre as árvores nem que são parentes, Hasan e
Leona foram criados como irmãos e você convivia muito com eles, Leona é
sua irmã, então, tecnicamente você é irmã de Hasan também, isso muda
alguma coisa? – Olhei de lado para ele quando ela disse isso.
– Acho que não importa muito, não é? – Moan começou a rir
novamente.
– Não, não importa! Acho que a única coisa que importa é o que você
realmente sente. – Ela olhava distraída para Demétrius com aquele olhar
vazio.
Ficamos conversando, nos distraindo boa parte do tempo até avistar
algo fantástico no horizonte. Eram cinco ilhas unidas por grandes pontes de
pedra, duas estavam dentro d’água e as outras flutuavam ao redor delas.
– Ilhas Monarcas. – Hasan sorriu para mim. Não sei porque mas senti
um estranho arrepio passar por mim, sentia algo ruim, tinha impressão de
que algo iria acontecer. Fui até ele e fiquei ao seu lado até chegarmos as ilhas.
Hasan segurou a minha mão, ele estava nervoso, podia ver em seus
olhos, achei que só Ewren estava preocupado por vir até essas ilhas, mas
Hasan parecia estar bem mais.
– Não sei se foi boa ideia ter trazido Serena para cá! Devíamos ter
vindo sozinhos. – Disse ele à Demétrius.
– Talvez você não tenha pensado nisso antes por que era onde ela
deveria estar! – Moan segurou a corrente de Neve enquanto
desembarcávamos, ela estava eufórica, tentava soltar a corrente e pulava
para os lados.
– Talvez seja melhor deixá-la no barco. – Disse Demétrius levando
Neve até a cabine.
– Eu fico aqui também. – Tayman estava olhando desconfiado para as
ilhas.
– Um caçador com medo de vampiros? – Demétrius não perdia a
oportunidade de implicar com alguém.
– Só não quero deixar neve sozinha, se ela arrebentar as correntes e
fugir para a cidade, vai virar o jantar de alguém! – Ele retrucou irritado
entrando na cabine também.
As ilhas eram cheias de casas de pedras enormes, sem janelas, as
portas eram estreitas e de madeira grossa e resinada, de forma que não devia
entrar nenhuma luz lá dentro.
– Está tão deserto e silencioso por aqui... tem certeza de que tem
alguém nessas ilhas? – Perguntei olhando as casas sinistras e as ruas
desertas.
– São vampiros, Serena! Eles não podem sair à luz do dia, virariam pó
imediatamente. – Respondeu Hasan segurando uma risada.
– Vai incomodá-los na hora de descanso então?
– São mortos-vivos! Eles não têm descanso. – Moan respondeu
andando lentamente atrás de mim.
As ruas ficavam mais estreitas à medida que subíamos para ilha menor
que flutuava mais alto sobre as outras, as pontes de pedras que as uniam
eram largas o suficiente para passar um caminhão. As pequenas cidades
tinham um estranho cheiro de ferrugem e bolor, o que aumentava meu
nervosismo. Estávamos a caminho do castelo no ponto mais alto da quinta
ilha, o horizonte já começava a ficar avermelhado e minhas mãos tremiam.
– O poder deles que está fazendo você se sentir assim, mas não precisa
se preocupar, vou proteger você! – Hasan sussurrou ao meu ouvido. Suas
palavras conseguiram me manter calma até que pisamos na escadaria do
castelo. Haviam guardas nos portões e nas torres do castelo com balestras
apontadas para nós. Todos os guardas que estavam ali eram sereianos, dava
para ver suas peles levemente azuladas por trás das peças de suas
armaduras.
– Viemos falar com Marglan! – Hasan deu um passo à frente e
aumentou o brilho de sua pele, era como olhar para um sol naquela cidade
escura.
– Quem é você? – Perguntou um dos guardas colocando a mão sobre a
espada.
– Digamos que sou neto dele! – Hasan respondeu ignorando o gesto
hostil do guarda. – Dia a ele que Hasan, o filho de Sirius e Áries está aqui para
vê-lo. – Quando ele disse os nomes de seus pais o guarda largou a espada no
chão e abriu os portões do castelo. Dentro dos primeiros portões havia uma
grande cortina negra que dividia o hall do castelo, assim que os portões
foram fechados a única claridade que havia era a que emanava de Hasan,
eles abriram as cortinas e nos guiaram pelos largos corredores até um salão
do outro lado do castelo. Era o único lugar onde haviam janelas, não janelas
comuns, mas janelas enormes, todas tinham sacadas e diferente do resto do
castelo as cores do crepúsculo faziam todo o salão parecer um quadro que
estávamos dentro.
– Assim que escurecer por completo, o Mestre virá ao encontro de
vocês! – Disse um guarda saído de uma escada escondida atrás de uma
estante de livros. Aquele lugar me dava arrepios, estava angustiada demais
em estar ali. Hasan me pegou pela mão e me levou até uma das sacadas onde
podia ver o mar tranquilo que brilhava com o pôr dos sóis.
– Sinto que algo grande vai acontecer para eles! – Disse Hasan olhando
para Áries no céu.
– Como assim?
– Acho que algo bom vai acontecer, tenho essa impressão quando olho
para eles no céu! – Hasan sorriu e apertou minha mão, seu sorriso era quase
tão brilhante quanto os sóis que agora desciam lentamente nas águas no
mar.
– Hasan, por que você brilha assim? – Ele ergueu uma sobrancelha e
riu abertamente – Bom, até onde eu sei os Salamandras podem incendiar
coisas e pessoas e são imunes a fogo, mas você brilha...
– Sou filho de dois sóis! Tecnicamente eu sou uma estrela com corpo
de um salamandra. – Disse ele tirando o cabelo que caía em meu rosto e o
prendendo com uma presilha pequena em formato de um sol que ele havia
acabado de fazer aparecer.
– Então você pode brilhar como eles? – Perguntei.
– Posso transformar os vampiros dessas ilhas em cinzas só com meu
brilho! – Ele piscou para mim, por isso estava tão confiante de vir aqui, se
quisesse poderia acabar com todos os vampiros sem fazer esforço algum! Ele
me deu um beijo na testa e ficou observando até que os sóis desapareceram
do céu e a primeira estrela apareceu, senti um calafrio na espinha ao ver os
vampiros saindo das casas e andando pela cidade, muitos deles se
transformavam em morcegos e iam em direção ao continente. Outros
vagavam pela cidade escura, poucas luzes foram acesas nas ruas.
– Estão indo atrás da refeição! – Disse Demétrius chegando por trás e
me assustando.
– Ela já está apavorada, não precisa assustá-la ainda mais, Demétrius!
– Resmungou Hasan passando o braço em volta de minha cintura e me
levando em direção ao salão. – Quer voltar para o barco e esperar lá com
Moan? – Perguntou ele para mim, olhei para fora e sacudi a cabeça
negativamente com os olhos arregalados.
– Lá fora tem vários, aqui não! – Respondi olhando em volta, ainda não
havia ninguém no salão escuro além de nós. A lareira do outro lado do salão
incendiou-se de repente dando-me um susto tão grande que quase pulei
para cima de Hasan, a luz do fogo clareou o ambiente, mas deixava um ar
ainda mais sombrio ao local.
– Então, soube que o filho dos sóis estava aqui para me ver! – Uma voz
antiga e gutural ecoou pelo salão arrepiando os cabelos da minha nuca.
– Marglan, Governante das Ilhas monarcas. – Hasan virou-se na
direção da voz e me empurrou gentilmente para trás dele.
– Devo dar-lhes boas-vindas? – Perguntou o vampiro se aproximando
de nós, ele era realmente assustador tinha aparência de um senhor de idade
com longos cabelos cinzentos, seus olhos vermelhos passaram por cada um
de nós, nos estudando, ele era pouco mais baixo que Hasan, mas ainda
parecia muito perigoso. Duas mulheres estavam atrás dele, uma negra de
longos cabelos crespos que usava um corpete vinho por cima de um vestido
preto, ela tinha os olhos violeta e seus cabelos crespos desciam até seus
ombros, estavam adornados com pequenas pedras presas em fios de ouro,
ela tinha um olhar intenso, penetrante. A outra mulher era loira, usava
roupas simples e haviam grilhões em seus pulsos e marcas roxas em seu
pescoço e braços.
– É o lanche da madrugada! – Sussurrou Demétrius segundo meus
olhos, tive pena dela, mas Hasan não deixava eu me mover.
– Vimemos como amigos, Marglan. – Disse Hasan dando um passo para
frente.
– Sei por que estão aqui! Tenho ouvidos por toda Amantia! E já lhes
adianto que não pretendo me unir a ninguém! – Respondeu ele com uma voz
assombrosa. A mulher loira se encolheu para longe dele, mas a outra a fez se
endireitar com um puxão nas correntes.
– Marglan, precisamos da sua ajuda! Fairin tem um exército muito
forte, toda a ajuda que conseguirmos... – Hasan foi interrompido pelo
vampiro que estendeu a mão.
– Já disse que não pretendo ajudar, não é minha luta, não me
interessam os motivos por trás dela! Eirien nunca nos ofereceu nada e ainda
por cima fomos isolados aqui por uma das magas com o sangue amaldiçoado!
Quando os vampiros saem dessa ilha, seus poderes são reduzidos! Vocês
ainda têm a coragem de vir aqui me pedir para colocar meu exército a sua
disposição para lutar por elas? Eu não mandei que os matassem pois tenho
um apreço por seu pai, nada além disso!
– Mas...
– Não vou ajudá-los, é a última vez que digo isso! Só não me uni a Fairin
pois ele não me ofereceu nada que me interessasse em troca de minha ajuda!
– Quando ele falou isso passei a frente de Hasan e o encarei.
– É o seu mundo também! Você vive aqui! Se Fairin conseguir o poder
que quer, acha que ele vai deixar vocês em paz? Ele quer controlar tudo,
quando alguém tem sede de controle ele não vai aceitar que ninguém
descumpra suas regras, ele vai impor as vontades dele sobre todos vocês! O
maior desejo dele é mandar em tudo! Não pense que vai estar livre dele só
por ficar em cima do muro! – Esbravejei. Estava bufando, irritada com as
palavras dele. Marglan franziu o cenho e me encarou com seus olhos
vermelhos brilhantes.
– Você é uma das mulheres de sangue amaldiçoado, não é? –
Perguntou ele dando alguns passos em nossa direção.
– Ela não é! – Hasan me puxou para o lado dele, sentia seu coração
acelerado através da palma de sua mão.
– É sim, sinto o cheiro do poder no seu sangue! É mais fraco, então ela
é mais nova, onde está a primogênita de Lupine? – Perguntou ele.
– Está longe daqui procurando por ajuda! – Respondi rispidamente.
– Aqui vocês não encontrarão ajuda nenhuma! Não adianta tentar
apelar para o sentimental de alguém que não se importa, minha jovem e bela
dama! – Disse ele se aproximando ainda mais. A pele de Hasan estava
começando a esquentar, apertei seu braço com força.
– Posso retirar a magia que os mantém isolados aqui se der sua palavra
que não irão fazer mal as pessoas em Amantia! – Falei. Demétrius e Moan me
olharam como se eu fosse louca.
– O que mais? – Ele deu um sorriso sinistro mostrando os dentes
pontudos. A mulher que estava atrás dele soltou um estranho rosnado e o
olhava irritada, na certa lendo sua vontade na expressão que ele tinha.
Hasan parecia mais irritado do que ela, se eu não estivesse segurando o braço
dele, provavelmente ele já teria pulverizado o vampiro à nossa frente e feito
todos os guardas nos atacarem.
– Tem razão, não precisamos de sua ajuda! Vamos embora! – Hasan
falou virando-se em direção a porta, mas eu o segurei.
– O que você quer? – Perguntei, o vampiro sorriu e olhou para a janela
aberta, andou na direção dela lentamente.
– Se eu fosse mais jovem e tivesse mais poder, poderia dominar até os
vampiros que estão fora dessas ilhas, mantendo a população de Amantia
ainda mais segura de nós... – disse ele rodando uma pequena bolha de vidro
nas mãos. – Venha comigo jovem dama, quero falar a sós com você! – Disse
ele esticando a mão para mim.
– Ela não vai a lugar algum! – Hasan estava bufando agora e seus olhos
estavam numa cor laranja e brilhantes. Por um instante achei que ele fosse
perder o controle.
– Hasan, está tudo bem! Não posso deixar tudo nas mãos de Leona
também! Confie em mim! – Falei soltando meu braço de suas mãos com
dificuldade.
– Confio em você, nele não! – Afastei-me de Hasan, indo na direção
que o vampiro estava. Ele fez um gesto com as mãos e as mulheres saíram
relutantes. Saímos por uma das sacadas que tinha uma longa escada em
espiral até o alto de uma torre. Os guardas fecharam a porta da sacada atrás
de nós. Meu coração saltava contra minhas costelas e meu pânico
aumentava a cada degrau que subia.
– Não precisa ficar tão nervosa assim! Sei do que um filho de Sirius é
capaz de fazer, não me atreveria a machucá-la. Na certe ele destruiria minha
casa e todos nessas ilhas e não valeria a pena ter conseguido isso! – Disse ele
mostrando-me os dentes novamente. O topo da torre era uma espécie de
observatório de astronomia, as paredes eram cobertas por mapas e desenhos
e haviam alguns telescópios muito modernos nas janelas que eram
protegidas da chuva por janelas finas de vidro muito limpos e polidos. Se
não fossem a luz das velas nem desconfiaria que haviam vidros ali.
– Um dos meus passatempos, durar para sempre preso à uma ilha é
algo muito tedioso! – Disse ele olhando pela janela.
– Pensei que vocês pudessem sair! – Respondi.
– Os outros vampiros podem, eu não, o lacre que diminui o poder deles
é uma prisão para mim.
– Por que foi colocado em uma prisão?
– Fiquei do lado errado em uma briga, quando o lado que escolhi
perdeu, sofri as consequências! – Disse ele encarando-me, não parecia estar
mentindo. – Agora, primeiro peço que desfaça o lacre!
– Devo me preocupar em fazer isso? – Perguntei, estava nervosa, não
devia ter dito que faria isso.
– Tem a minha palavra que não permitirei que eles façam mal a
ninguém! – Claro que ele não permitiria, tinha alguém que poderia tornar a
noite em dia e torrar todos eles! Não sabia bem como fazer isso, então olhei
pela janela, mudei de aparência e forcei meus olhos a verem além do que
havia para ser visto.
Aos poucos uma espécie de campo de energia lilás foi aparecendo, ele
estava ao redor das ilhas. Eu tenho o mesmo sangue daquela que criou esse
lacre! Ergui minhas mãos e fiz um movimento, como se estivesse rasgando
aquele véu que cobria as ilhas, por um instante achei que nada tivesse
acontecido, mas alguns segundos depois escutamos um barulho como de um
trovão, durou por um longo tempo enquanto a barreira se partia em milhões
de pedaços como vidro estilhaçado e caiam no mar. Marglan inspirou fundo
e fechou os olhos.
– Agora... – ele esticou a mão para mim. Meu estômago afundou e meu
coração batia rapidamente. – Já disse que não precisa se preocupar, não vou
te machucar!
– Me dê a sua palavra que vai colocar seu exército à disposição de
Eirien ou de Leona! – Falei, ele sorriu.
– Já tinha dado minha palavra, não confia em mim? – Perguntou ele
encarando-me com curiosidade.
– Você me prometeu que se eu derrubasse a barreira, os vampiros não
fariam mal as pessoas em Amantia! Não tínhamos dito nada sobre você nos
ajudar ainda! – Retruquei semicerrando os olhos.
– Menina esperta! – Ele mostrou as presas num sorriso – Prometo
deixar minha legião à inteira disposição de quem liderar a batalha contra
Fairin! – Ele se aproximou de mim. – Tem a minha palavra! – Suspirei.
– Se você me enganar, que você queime pela eternidade sem nunca
morrer, que seu corpo se consuma e se regenere, mas que o fogo nunca te
consuma por inteiro! – Falei baixinho quando ele chegou perto o suficiente
para ouvi meu sussurro. Uma marca negra apareceu em seu braço esquerdo,
palavras que não reconhecia com um pequeno selo de uma orquídea.
– Caso eu ajude, que seja liberado dessa maldição que você acabou de
me lançar! – Ele parecia furioso, estava tremendo e tinha os olhos fixos na
marca em seu braço.
– Que assim seja! – Falei. Ele tirou o cabelo que estava cobrindo meu
pescoço e segurou minhas costas para que eu não me afastasse. Não pode ser
tão terrível quanto o que Fairin fez! Pensei tentando me animar. Senti as
presas espetarem em meu pescoço, me arrependi de meus pensamentos, era
mil vezes pior! As presas queimaram como brasas quando perfuraram minha
pele, quando ele as tirou pareceu ainda pior, parecia que todo meu sangue
fluía para o local que ele havia perfurado. Seus lábios estavam sobre a ferida
enquanto ele sugava o sangue vorazmente.
Não pude conter um grito de dor, era muito terrível, nunca imaginava
algo que pudesse doer tanto assim. Ele cobriu minha boca para abafar o som.
Quando me soltou meu corpo estava dormente, caí sentada no chão e me
apoiei na parede. O vampiro estava rindo e olhando para as mãos, sua
aparência havia mudado, parecia outra pessoa em minha frente! Ele estava
mais jovem mas continuava com o olhar assustador de antes. Hasan
derrubou a porta e entrou no observatório com a espada na mão. Ele me
tirou do chão e apontou a espada para Marglan.
– Hasan, não! Está tudo bem! – Falei segurando seu braço com a espada
erguida.
– Vocês têm minha Lealdade! – Disse Marglan transformando-se num
morcego muito grande, quebrando os vidros do topo da torre e
desaparecendo na noite.
– Não devia ter deixado você fazer uma idiotice dessas! – Rosnou ele
olhando a marca em meu pescoço.
– Ele não vai nos trair!
– Como pode saber? – Perguntou ele olhando-me irritado.
– Eu o amaldiçoei! – Hasan parecia surpreso e assustado.
– Mexer com maldições é algo muito perigoso, Serena! – Hasan
apertava meus braços e me olhava assustado.
– Ela vai desaparecer se ele manter a sua promessa e nos ajudar, não
se preocupe... – falei deitando minha cabeça em seu ombro, me sentia tonta
e fraca. – Ele não vai arriscar queimar pela eternidade! – Hasan bufou, me
levantou no colo e desceu as escadas em direção ao salão onde Demétrius e
Moan nos esperavam preocupados.
– Achei que ele tivesse te matado! – Disse Moan aproximando-se de
mim.
– Achei que fosse morrer mesmo! – Respondi dando uma risadinha,
mas Hasan não havia achado graça, estava rabugento demais e não queria
saber de brincadeiras. Saímos do castelo, quando pisamos nas ruas da ilha,
vários vampiros pararam para nos olhar. Hasan aumentou seu brilho de
forma que tive que fechar os olhos para não sentir dor.
Ouvi guinchos e gritos quando os vampiros se afastaram para as
sombras desesperados. Depois de quase meia hora de caminhada, senti seu
brilho cessar, abri os olhos e estávamos no barco, Demétrius soltou as
correntes e empurrou o barco em direção ao mar saltando para dentro em
seguida. Olhei pela janelinha das portas que levavam à cabine, Neve estava
cavando a porta desesperada para sair e Tayman dormia profundamente
numa rede na cabine, Moan abriu a porta deixando-a solta pela embarcação,
ela nos cumprimentou e deitou-se nos pés de Hasan.
Demétrius e Moan desapareceram na cabine, estavam em silêncio
desde a hora que saímos do castelo. Hasan sentou no chão e se encostou à
parede da cabine e respirou fundo, ainda me segurava nos braços.
– Pode me soltar agora! – Falei tentando sair de seu colo, mas ele me
apertou com ainda mais força. Suas marcas se acenderam e um forte vento
fez a vela da embarcação se soltar e o barco deu um solavanco para frente.
– Vai ficar aqui até que eu deixe você sair! – Disse ele colocando a
cabeça em meu ombro e suspirando. – Você é louca! Quase me matou de
susto, deu seu sangue a alguém que não era confiável e ainda usou uma
maldição! Você é inacreditável, não sei qual das duas nos arruma mais
problemas, você ou Leona! – Ele falou tão rápido que não sei como consegui
entender tudo com clareza.
– Mas quando Veruza morrer a maldição vai desaparecer! Ai o poder
que ele recebeu de meu sangue vai sumir também! – Falei.
– Não, não vai! Quem disse isso para você?
– Ninguém, só achei que fosse isso...
– Não Serena! A maldição vai desaparecer, o sangue de vocês não será
mais amaldiçoado e ninguém mais nascerá com a maldição, mas quem
recebeu o poder continuará com ele! – Disse Hasan para mim.
– E então? – Perguntei.
– Só precisamos transformá-lo em cinzas quando isso acabar! – Ele deu
um sorriso maligno. – Mesmo se ele perdesse os poderes ia fazer isso! Só pelo
abuso dele! – Ele estava mais irritado do que imaginava.
– Me desculpe, agi sem pensar!
– Percebi! – Ele me beijou antes que pudesse me justificar. Fiquei em
silêncio, sentada em seu colo e adormeci ali, no calor dos braços de Hasan.
10

Q uando abri os olhos de manhã sentindo o suave balanço do


mar e achei estranho não termos chegado em terra ainda,
estava deitada em uma cama numa cabine muito maior do
que a da embarcação que adormeci e não vi ninguém por
perto. Saí da cama devagar olhando tudo em volta, abri a
porta devagar e fui em direção à porta pequena que levava ao convés, não
estávamos mais em uma embarcação pequena, mas sim em um navio. Neve
veio correndo em minha direção me cumprimentando com lambeijos e
cabeçadas.
– Onde estão todos? – Perguntei para ela, Neve me empurrou em
direção à uma porta do outro lado do navio, estavam todos na cozinha
tomando café, menos Tayman que estava no timão do navio, ele sorriu e
piscou para mim quando acenei para ele.
– Olha quem resolveu acordar! Elas têm o mesmo sono! – Disse
Demétrius rindo e olhando para mim quando entrei na cozinha.
– Bom dia... – Senti meu rosto corar quando sentei à mesa, Hasan
serviu chá e um pedaço de bolo para mim. – Quando foi que passamos para
esse navio? – Perguntei antes que Moan ajudasse Demétrius nas piadinhas.
– Bom dia? Boa tarde! – Retrucou Demétrius rindo ainda mais alto. –
Estamos fazendo um lanche!
– Não implique com ela Demétrius, Marglan retirou boa parte da
energia dela! É normal ela querer dormir bastante! – Agradeci
silenciosamente a Hasan.
– É o mesmo barco, Hasan o modificou! – Disse Moan rindo.
– Vamos direto para Rompita pelo mar, assim evitamos passar perto
de Lótus Vale em terra, dessa forma a viajem é menor também! Vamos
chegar a costa nordeste de Vintro depois de amanhã – disse ele piscando
para mim.
– Como é ser mordida por um vampiro? – Perguntou Moan olhando-
me curiosa.
– Doloroso! – Respondi sinceramente, ela riu.
– Dizem que vampiros podem ver suas memórias através do sangue
que consomem! – Disse ela brincando com um pedaço de bolo em seu prato.
– Minha mente está bloqueada. Acho que ele não viu nada... – esperava
que não tivesse visto mesmo, havia muito mais em jogo do que apenas
lembranças. – Ele também é meu guardião agora? – Perguntei lembrando-
me que Moan havia se tornando minha guardiã quando lhe dei meu sangue.
– Não, você não deu seu sangue a ele de livre e espontânea vontade
com intenção de curá-lo ou salvá-lo, nem mesmo de criar um laço com ele,
apenas deixou que ele o tomasse para se fortalecer, ele só pegou sua energia,
mas não sua proteção! – Hasan respondeu, aparentemente ainda estava
irritado com isso.
– Então quando a maldição desaparecer você ainda continuará sendo
minha guardiã? – Perguntei à Moan, ela sorriu e acenou.
– Guardiões são Guardiões até a morte, Serena! Quando você salva
alguém cedendo uma parte de você essa pessoa se torna sua guardiã. As
antigas sacerdotisas costumavam fazer isso!
– Então isso não é por causa do sangue amaldiçoado? – Perguntei.
– Não! Para você ter uma ideia, Nellena era guardiã de Arin! Seu
sangue amaldiçoado só facilita esse processo porque pode curar uma pessoa
num estado de quase morte, Já Arin dividiu sua energia vital com Nellena,
assim como as sacerdotisas faziam. Mas é algo muito difícil de se fazer, só
uma pessoa com muito controle para fazer isso sem morrer no meio do
processo! – Explicou ela pensativa.
– Como sabe disso? – Perguntei.
– Eu tenho a mesma idade de sua avó Mayra, e quando Arcádius me
levou para o lado deles, ele me deu todas as suas memórias, se algo
acontecesse a Leona era para mim revelar a verdade a ela.
– Você tem a idade de vovó Mayra? – Perguntei espantada olhando-a.
– Desculpe, não faço ideia da idade dela! – Ri.
– Mayra deve ter uns três mil e poucos... – disse Demétrius pensativo.
– E você? – Perguntei a ele. Moan começou a rir.
– Ele tem a mesma idade de Ewren! Criancinha ainda! – Moan acariciou
a cabeça dele. Olhei para Hasan, ele sabia que eu ia perguntar e começou a
rir.
– O tempo no centro do círculo onde meus pais ficam não pode ser
contado, então não faço a mínima ideia da idade que tenho, mas se fosse
contar pelos dias de Amantia, teria por volta de mil e seiscentos! – Disse ele
com um sorriso encantador no rosto. Já sabia como Leona se sentia sendo a
mais nova de todos, era como ser uma criança no meio de adultos. A idade
não importava, as aparências simplesmente nos enganam. Fomos para o
convés e ficamos um bom tempo aproveitando a calor dos sóis de fim de
tarde, a água salgada do mar salpicava em meu rosto e aliviava aos poucos
aquele mal-estar que sentia desde o encontro com o vampiro nas ilhas que
agora estavam bem atrás de nós.
– Será que eles estão bem? Será que conseguiram mais aliados? –
Perguntei quando Hasan se aproximou de mim, Moan foi para o timão e
Demétrius mergulhou no mar desaparecendo de vista.
– Estão bem sim! Daqui a dois dias nos encontraremos com eles no
templo de fogo! – Disse Hasan tranquilizando-me.
– Como sabe que estarão lá? – Perguntei.
– Notícias ruins são muito mais rápidas que notícias boas! Se tivesse
acontecido algo com eles, nós já saberíamos. – Respondeu ele traçando o
contorno do meu rosto com os dedos.
– Por falar em notícias ruins... – Moan se aproximou e sentou-se perto
de nós. – A cidade de Monte azul foi destruída por Guinnevere, não se sabe
o porquê aquele maluco fez isso, mas a cidade foi completamente destruída.
– Disse ela suspirando.
– Talvez tenha algo a ver com o portal que vimos antes! – Respondi.
– Talvez...
– Onde Demétrius foi? – Perguntou Hasan olhando o mar.
– Foi ao palácio submarino ver se Misa já conseguiu reunir os exércitos
abissais. – Ela estava ansiosa.
– É pouco tempo, não acha? – Perguntei. – Quer dizer, pouco tempo
para reunir esses exércitos! – Dessa ver Hasan e Moan sorriram ao mesmo
tempo.
– Em Amantia, você pode reunir exércitos em poucas horas, Serena!
Nada aqui é demorado como na terra, não estamos reunindo humanos e nem
precisamos das armas que eles precisam.
– Aqui todos estão sempre preparados para uma boa luta! – Moan falou
isso como se lutar fosse alguma espécie de passa tempo, como dançar ou
montar um quebra-cabeças. Tayman estava ensinando neve a atacar alvos
ao mesmo tempo que ele disparava flechas, fiquei nervosa no começo, pois
ela corria mais rápido do que as flechas e chegava ao alvo primeiro, mas
depois deixei de me preocupar, ela escutava o som produzido pela flecha em
movimento e alterava sua rota dependendo do que escutava. Ficamos
conversando e esperando Demétrius chegar até o anoitecer, cada hora que
passava Moan ficava mais nervosa com a demora dele, até que ele chegou
por volta da meia noite, estava com o braço e o peito ferido.
– O que aconteceu com você? – Perguntou Moan correndo na direção
dele e usando seus poderes para curá-lo.
– Guinn quer mesmo encontrar sua irmã! – Disse ele olhando
diretamente para mim. – Ele estava atacando o palácio dos dragões quando
cheguei lá, estava furioso com a aliança dos Sereianos com a sacerdotisa das
águas, ele estava tentando os fazer quebrar a aliança com Leona e queria
obriga-los a se juntar a Fairin. – Disse ele tossindo um pouco e passando a
mão em seus longos cabelos ruivos.
– Ele conseguiu fazer com que a aliança fosse quebrada? – Perguntei.
– Não, mas agora ele tem certeza de que estou contra eles! – Disse
Demétrius sorrindo e abrindo a outra mão que estava ferida. Era um globo
ocular, um olho acinzentado arrancado de alguém.
– De quem é esse olho? – Perguntei desviando o olhar.
– De Guinn, ele não é tão forte quanto imaginei que fosse!
Conseguimos espantar todos os invasores e o palácio foi restaurado!
– Agora chega! Vem, vamos cuidar desses machucados! – Disse Moan
nervosa, mas os ferimentos dele estavam se fechando sozinhos e
rapidamente. Moan o levou para a cozinha e fechou a porta.
Hasan estalou os dedos, e os ventos ficaram um pouco mais fracos,
fazendo o navio ir ainda mais devagar. Ele estava cansado, imaginei que não
havia dormido direito.

Moan fez o jantar e nos chamou para comer, jantamos em silêncio, o


ataque ao palácio havia deixado todos um pouco tensos. Depois da comida
ela saiu da cozinha me arrastando com ela.
– O que vai fazer? – Perguntei enquanto ela descia as escadas e entrava
na sala onde deveria ser a dispensa do navio.
– Preciso que você converta isso aqui numa sauna! – Pediu ela
segurando minhas mãos junto ao peito. – Odeio viajar pelo mar! A maresia
deixa minha pele grudenta e isso me irrita, preciso de um banho de verdade
e não tenho poder suficiente para fazer isso, já que esse navio foi criado por
um mago! Quero um Ofurô também! – Disse ela olhando-me com cara de
cachorrinho pidão.
– Posso tentar, mas não sei o que é um ofurô! – Respondi. Moan revirou
os olhos e encostou sua testa na minha. Vi uma banheira grande de madeira
e uma sauna. – Bom, vou tentar! – Falei, imaginei a sala como ela havia
acabado de me mostrar, usei o cetro que Hasan havia me dado que estava
em meu pescoço e consegui fazer o depósito se transformar em uma sala de
banho, Moan sorriu e encheu a banheira de água quente, depois saiu pela
porta e voltou com um frasco pequeno e despejou na água.
– Essência de plumeria! – Disse ela tirando a roupa e entrando na água,
o perfume era muito bom. – Vai ficar aí? Entre também! – Ela jogou uma
porção de água em minha direção, tirei a roupa timidamente e entrei na
água com cuidado para não esbarrar nela, ela me encarava com seus olhos
amarelos estreitos.
– Ainda dói? – Perguntei apontando a cicatriz grande e escura que a
ferida que dei meu sangue para curar havia deixado nela. Moan tocou a
barriga distraidamente, seus olhos estavam fixos em um ponto do outro lado
da sala.
– Na verdade o que dói é o motivo pelo qual eu recebi essa cicatriz... –
ela abaixou a cabeça e respirou fundo. O vapor e o perfume doce da sala
começavam a me dar sono.
– Queria que tudo fosse diferente, já pensou se Fairin e Veruza fossem
bons? Como seria? Nós seríamos irmãs e talvez não teríamos que lutar
contra nosso pai para ter paz! – Falei.
– Se meus pais fossem bons, você não existiria! Nós não estaríamos nos
divertindo agora numa sauna no porão de um Navio, você não estaria noiva
do filho dos sóis pois ele não existiria para dar o poder dele a alguém que
pudesse impedir nosso pai cruel de dominar os Doze Mundos... – disse ela
dando uma risada tristonha.
– Então vamos torcer para acabar tudo bem, para podermos usar a
piscina térmica escondida na sala da fortaleza de Lótus vale! – Falei rindo
vasculhando as memórias de Leona.
– Não temos que esperar pela sorte, temos que lutar com toda nossa
garra, fazer o melhor possível, para que nosso esforço seja reconhecido e
consigamos desfrutar da vitória sem peso na consciência! – Respondeu ela
passando a mão em minha cabeça.
Depois de um bom tempo murchando na água, Demétrius e Hasan
estavam chamando do outro lado da porta.
– Está tudo bem aí? – Perguntou Demétrius, saí da água e me enrolei
na toalha, Moan também. Saímos pela porta embrulhadas como dois
rolinhos.
– Deram uma melhorada nessa parte do navio, não é? – Disse Tayman
rindo. – Podemos...
– A vontade! – Falei entrando na cabine, Moan se vestiu e saiu.
– Vou fazer a guarda nas primeiras horas! Boa noite! – Disse ela saindo
com Neve em seu encalço, nem vi de onde ela saiu, as vezes parecia mais um
gato do que um lobo.
– Boa noite! – Respondi deitando-me na cama e fechando os olhos.
Nem percebi que estava dormindo até ser acordada por Hasan. A
cabine estava escura e o balanço do navio estava suave, acho que foi isso que
me fez dormir.
– Hasan? Está tudo bem? – Perguntei sentando me na cama e
esfregando os olhos. Seus olhos estavam fixos nos meus.
– Não, não está tudo bem, estou incomodado até agora com o que
aconteceu ontem! – Disse ele respirando fundo.
– Já te pedi desculpas... – toquei seu rosto com minha mão, ele fechou
os olhos.
– Não vou deixar que isso aconteça novamente! – Ele falou baixinho
tocando minha mão com os lábios. Minha pele formigava onde ele tocava.
– Por acaso isso é uma desculpa para justificar algo que você já queria
fazer? – Perguntei, Hasan apenas deu um sorriso travesso.
– Talvez... – O calor que emanava dele estava maior do que de costume.
– Você vai me queimar, sabia? – Disse afastando-me dele, porém ele
me segurou pela cintura com seus braços fortes e me puxou para seu colo
beijando-me repentinamente deixando-me sem reação.
– A ideia é essa... – sussurrou ao meu ouvido enquanto passava a língua
em meu pescoço, respirar ficou difícil já que meu coração batia tão forte que
parecia um martelo contra minhas costelas. Hasan tirou a toalha que ainda
estava enrolada em mim e me segurou apertada contra seu corpo quente.
– Hasan! – Eu queria impedi-lo e ao mesmo tempo não queria. Seu
corpo era quente demais contra o meu, isso me dava uma sensação estranha
e ao mesmo tempo maravilhosa, minha pele parecia gelo contra a dele, era
tudo tão novo para mim e ao mesmo tempo algo tão esperado. Ele me beijou
lentamente, queria saborear seu gosto, aproveitar cada segundo de seus
lábios perdidos nos meus, sua língua enrolada na minha.
Ele segurou meu queixo e o levantou, deitando-me na cama
novamente e beijando todo meu corpo, seus lábios, sua língua quente contra
meu corpo frio fazia-me arrepiar e tremer, suas mãos tocavam-me onde
nunca ninguém havia tocado, seus beijos faziam minha pele queimar. Ele
voltou à minha boca, e foi minha vez de lhe explorar, de lhe tocar, sentir seu
corpo com minhas mãos, meus lábios gelados contra seu corpo tão doce, tão
quente, seu cheiro era maravilhoso.
– Achei que você fosse quietinha... – disse Hasan numa risada
enquanto eu mordia de leve seu peito e sentava em seu colo encaixando-o
entre minhas pernas. Beijei-o novamente com intensidade, colocando
minha língua em sua boca, tracei uma linha de sua nuca até suas costas com
minhas unhas até senti-lo tremer sob meu toque.
– Nem de longe! – Respondi com a voz trêmula enquanto ele me girava
num rápido movimento e me segurava conta o lençol macio da cama e
deslizava seu corpo contra o meu, o senti me penetrar, senti uma onda de
choque em meu corpo enquanto gemia de prazer e ouvia sua respiração
acelerar. Não podia nem imaginar algo como aquilo, seu corpo se moldando
perfeitamente ao meu, seu hálito doce na minha boca. Não conseguia ficar
em silêncio, estava perdida em seus braços, calor contra frio, gelo e fogo se
misturando em uma guerra sem fim...
– Eu queria ter você desde o dia que acordei em Evenox e te vi com
meu eu verdadeiro pela primeira vez. Sabia que seria minha e de mais
ninguém! – Sussurrou ele ao meu ouvido enquanto eu enrolava meus dedos
em seus cabelos macios. Não lembrava como fazer minha voz sair, apenas o
beijei novamente e acariciei seu corpo com as mãos.
– Não estou com sono ainda... – falei mordendo seu queixo e subindo
novamente em seu colo.
– Que bom, porque eu perdi o sono também! – Hasan me puxou de
volta para ele enquanto nos perdíamos novamente um no outro durante
toda madrugada.
Acordei de manhã com muito calor, meu corpo estava dolorido e
parecia meio solto, me estiquei cuidadosamente evitando acordar Hasan,
que dormia tranquilamente embolado em mim. Meu rosto ficou corado, tive
um súbito desejo de levantar correndo e me vestir, mas esse desejo
desapareceu quando vi um sorriso em seu rosto e ele sussurrou meu nome
baixinho. Passei minha mão fria sobre seu rosto e lhe dei um beijo no
pescoço.
– Hora de acordar! – Falei baixinho traçando seu rosto com as pontas
dos dedos, ele sorriu e abriu aqueles olhos negros para mim, me segurou
pela cintura e me derrubou ao seu lado novamente.
– Tenho receio de acordar agora e ver que foi um sonho! – Disse ele
dando um beijo na minha testa. Minhas marcas estavam brilhando, brancas
e totalmente diferentes de antes.
– Acho que não é um sonho, minhas marcas mudaram de cor. – ele
olhou os desenhos que as pétalas do lótus faziam em meu braço direito até
a palma da minha mão e sorriu.
– Vai ter um sol laranja e brilhante bem aqui! – Disse ele segurando
minha mão esquerda e beijando meu anelar.
– Igual a flor de lis dourada na mão da Leona? – Perguntei.
– Igual, só que mais bonita! – Disse ele sorrindo e se levantando para
vestir a roupa, senti meu rosto esquentar novamente. – Qual problema?
Você viu tudo isso e ainda beijou cada parte minha ontem, então está
vermelha assim por quê? – Ele estava com um olhar malicioso quando
segurou meu rosto e me fez encará-lo.
– Vou me acostumar, pode deixar! – Respondi dando um sorriso e
amarrando meu cabelo.
Hasan saiu primeiro da cabine, deixando-me sozinha para que
pudesse me vestir tranquilamente. Ele havia mesmo me queimado, onde sua
língua passou havia ficado uma linha vermelha que ardia levemente quando
eu a tocava. Não consegui evitar que um sorriso se formasse em meu rosto,
esperava que Leona não visse isso, ela com certeza iria querer me matar!
Saí da cabine silenciosamente, achei estranho ser tão cedo, já que
havíamos “dormido” tão tarde. Quando cheguei ao convés notei terra a
nossa frente, os penhascos eram lavados pelas fortes ondas, uma pedra
afastada do penhasco unida ao continente por uma grande ponte de pedra
chamou minha atenção.
– Aquilo é o templo de fogo? – Perguntei a Demétrius que estava de pé
perto do timão do Navio. Ele me olhou de canto de olho e riu.
– É sim! – Ele não falou mais nada, estava mordendo os lábios para não
rir.
– Nós não chegaríamos lá só amanhã? – Perguntei olhando-o confusa.
Ele não conseguiu segurar mais, explodiu em uma gargalhada divertida
enquanto se apoiava no timão.
– Hoje é amanhã, Serena! Pelo visto andaram tão ocupados na cabine
que nem notaram que se passou um dia inteiro! – Disse ele para mim. Senti
meu rosto esquentar e fechei os olhos.
– Estava apenas dormindo! – Gaguejei olhando em outra direção.
Demétrius virou meu rosto e tocou um dedo em minha testa. As marcas
brancas se acenderam em meu braço e ele sorriu maliciosamente.
– Dormindo não é! – Ele riu e olhou na direção do templo. – Não se
preocupe, dormir é bom! Aí você acabou dormindo demais? – Ele riu
novamente.
– Pare de implicar com ela Demus! – Moan se aproximou e passou os
braços em volta de mim. – Ela não tem culpa! Hasan é um Salamandra, é
muito difícil resistir à um salamandra ainda mais um como aquele! – Disse
ela rindo e esfregando meu rosto com as mãos.
– O que quer dizer com isso, Mulher! – Demétrius quase soltava faíscas
pelos olhos.
– Nada demais... – disse ela pensativa estreitando os olhos e sorrindo
discretamente, teria me preocupado com isso se ela não tivesse piscado
discretamente para mim. Tayman estava sentado no chão no navio com
Neve e me olhava com uma expressão triste, chateada.
– Acho que ele ainda tinha esperanças que você não ficasse com
Hasan! – Disse ela olhando-o com pena.
– Nunca dei esperanças a ele, então não me sinto culpada pela sua
decepção! – Respondi.
– Nossa! Você não tem coração? – Demétrius me olhava com uma
expressão debochada no rosto. Apenas sorri, já que não tinha nada a dizer
sobre isso, fiquei com pena de Tayman, mas realmente não dei nenhum sinal
de que tinha algum interesse nele.

Alguns minutos depois, Hasan fez a ancora do navio descer e subimos


em um escaler para ir até a praia, o mar perto da praia estava agitado demais,
neve pulou do barco e foi nadando até a praia, ela realmente gostava de
água. Desembarcamos na praia e caminhamos até uma estrada estreita que
subia por entre as pedras e rochas até a parte de trás do templo.
Contornamos o templo devagar, observando cuidadosamente se não havia
ninguém nos espionando.
O templo por fora ainda parecia em ruinas, Jocelinne havia colocado
uma proteção em volta do templo para disfarçar sua aparência, mas se
alguém se aproximasse o suficiente, poderia ver tudo restaurado através das
janelas. Quando chegamos à porta do templo, tomei um susto tão grande que
se estivesse sozinha teria fugido desesperada ladeira abaixo, um dragão azul
de cabeça achatada estava deitado perto da entrada do templo e dormia
profundamente dentro de uma bolha gigante de água.
– O que seria isso? – Perguntei afastando-me um pouco do animal.
– Um dragão marinho, pela cor das barbatanas é das fendas de Holon,
um lugar muito profundo no Mar da Tranquilidade que ninguém pode
entrar ou nadar na entrada delas, aquelas águas são ácidas, assim como a
saliva desse dragão, ele mistura esse ácido com um jato de água fervente e
consegue matar um gigante com um único ataque! – Demétrius se
aproximou e tocou a bolha de água, o dragão se mexeu mas continuou
adormecido. – É da sua irmã! – Disse ele rindo. – Ela parece gostar de animais
exóticos!
– Leona não tem sorte com animais! – Falei lembrando-me de seus
bichos que não tiveram sorte nas mãos dela.
Mesmo sendo de Leona, passei bem longe da bolha e abri a porta do
templo, entramos devagar para ter certeza de que estava tudo bem.
Jocelinne, Arcádius e Lórien estavam na cozinha preparando o almoço.
Arcádius abriu os braços e sorriu quando nos viu chegando.
– Mayra sabia que chegariam na hora do almoço! Acabamos de chegar
também! – Disse ele vindo até nós e me dando um forte abraço.
– Onde estão os outros? – Perguntei.
– Eirien, Yurin e Ewren estão conversando na biblioteca, Leona, Sally
e Mayra estão dormindo no quarto lá em cima, eles chegaram ontem a noite
aqui! – Disse ele suspirando aliviado.
– Yurin está aqui? – Perguntei surpresa.
– Sim, eles foram até Pollo buscá-la, mas quando nos juntarmos eles
vão nos dar mais detalhes do que se passou.
– Como está Sally? – Tayman ainda parecia entristecido.
– Tay! – Disse uma voz suave atrás de nós. Uma menina estava
sorrindo e olhando para Tayman, ela saltou em cima dele o espremendo
num abraço.
– Como você está? – Perguntou ele passando a mão nos cabelos loiros
dela.
– Estou bem! Tenho um monte de coisas para te contar! – Disse ela
sorrindo, Tayman saiu da cozinha carregando a menina no colo.
– Vou ver minha irmã! – Falei, virei as costas e deixei os outros na
cozinha com Arcádius. Passei por um corredor e ouvi vozes conversando,
andei devagar e parei na porta da biblioteca, vi pelo buraco da fechadura
Eirien abraçada a uma jovem muito bonita, as duas pareciam muito felizes
em ter se reencontrado, Ewren estava em pé perto das duas e sorria, como
ele já sabia de tudo, provavelmente era mais fácil para ele. Parecia que
estávamos em um encontro de família para o aniversário de algum parente
que víamos pouco. Senti alguém passar a mão em minhas costas e dei um
pulo cobrindo a boca para não ser descoberta. Hasan estava de pé atrás de
mim, rindo e sacudindo a cabeça.
– Que feio escutando conversa dos outros! – Cochichou para mim.
– Pior é assustar alguém ouvindo conversa dos outros! – Ralhei
baixinho enquanto continuava pelo corredor e ia em direção aos quartos.
Entrei no mesmo quarto que ficamos da última vez, Leona estava deitada em
uma das camas e Mayra na outra, as duas dormiam tranquilamente. Sentei
na cama ao lado de Leona, ela se mexeu um pouco mas continuou dormindo.
– Leona! – Chamei colocando a mão gelada por baixo da blusa nas
costas dela, ela deu um pulo e Hasan começou a rir.
– Ela me acordava assim todas as manhãs para ir à escola! – Disse ele
sentando na cama também, Leona nos olhava confusa, ainda não havia
despertado totalmente.
– Isso lá é hora de acordar! – Disse Hasan a apertando em um abraço,
senti uma nostalgia, estávamos os três juntos novamente, só faltava Lupine
aparecer com uma tigela cheia de pipoca para ser exatamente como era
antes, mas a verdade é que estávamos apenas na calmaria antes da
tempestade...
– Mantive um dragão marinho voando por quase vinte horas sem
descanso para chegar aqui na hora certa, estou exausta! – Disse Leona
esticando-se e nos abraçando juntos. Senti seu corpo enrijecer por um
instante antes dela fixar seus olhos na flor branca em minha testa e cobrir a
boca, ela estava com os olhos arregalados.
– O que foi que vocês fizeram! – Ela estava vermelha e olhava de mim
para Hasan, que tinha um sorriso descontraído no rosto.
– Está pedindo os detalhes? – Perguntei brincando.
– Perdão, não pude resistir! – Disse ele com um ar inocente,
provocando Leona.
– Vocês são doidos! Muito mais que eu! – Disse ela revirando os olhos
e caindo de volta no travesseiro.
– Achei que ela fosse surtar! – Disse à Hasan.
– Eu não sou sua mãe! Não estou aqui para te proibir de fazer o que
quiser nem mesmo brigar com você se achar que fez algo errado! Sou sua
irmã e sua melhor amiga! Amigas fazem merda, contam uma para outra e
fica tudo bem! – Disse ela piscando para mim.
– Está tudo bem para você então? – Hasan puxou-me para seus braços
e beijou minha testa.
– Se saírem de cima de mim, estará tudo maravilhoso! – Disse ela
sarcasticamente tentando sair debaixo de nós.

Leona:

Hasan e Serena saíram de cima de mim, deixando que me levantasse,


me levantei com cuidado, meu corpo inteiro doía por causa das horas em
que mantive minha energia fluindo para o Lua, o nome que coloquei no
dragão não combinava nada com ele, mas achei bonitinho mesmo assim. Não
podia ficar com raiva deles dois, afinal, quando fiz o mesmo com Ewren, a
reação de minha mãe me deixou muito chateada. Eles eram livres para fazer
o que quisessem, o único problema é que não era a hora certa para Serena
perder os poderes e passar a maldição para frente, assim como eu fiz.
Levantei e fiz um gesto para que saíssemos do quarto, já que vovó
havia me ajudado com a energia para Lua, e estava exausta também. Talvez
devesse pedir uma poção de restauração à Lórien.
Passei pela biblioteca e vi a porta entreaberta, Eirien, Ewren e Yurin
estavam ali conversando alegremente. Por mais que quisesse participar,
meu corpo doía demais, queria Lórien primeiro. Entrei na cozinha movida
pelo maravilhoso aroma de carne assada e fui direto até Lórien, a abracei
forte e dei um beijo em sua bochecha, ela devia estar confusa ou até mesmo
chateada de Ewren ter guardado o segredo de Eirien por tanto tempo e não
ter lhe contado nada. Ela já sabia para que eu estava ali, mal cheguei perto e
ela ergueu o frasquinho para mim. O peguei e tomei numa única golada,
então comecei a mexer em seu cabelo distraidamente.
– Diga-me, como se sente sendo na verdade, a sobrinha do seu irmão?
– Perguntei lhe apertando mais ainda num abraço.
– Acho que é mais fácil aceitar ele como um tio! Irmãos costumam
brigar muito, e nós nunca brigávamos, talvez eu já soubesse lá no fundo! –
Disse ela com uma voz um pouco tristonha.
– Você ainda é minha cunhada favorita, está bem? Não conta pra
Yurin! Ela me mataria, é muito mais forte que Ewren! – Falei rindo baixinho,
Lórien riu também.
– Vou te mostrar uma coisa! – Disse ela segurando meu rosto, um de
seus olhos ficou prateado e ela tocou minha testa com a sua, demorou um
pouco de tempo até que começasse a ver alguma coisa. Medras estava
sentado no ancoradouro da casa de Ervie, em duas cestas à sua frente
estavam Karin e Nyumun, e em seu colo estava Asahi, pareciam um pouco
maiores do que estavam quando saímos de lá, Asahi estava sorrindo para
Lórien que estava atrás de Medras, ela tinha seus olhos azuis abertos e
olhava intensamente para Lórien.
– Karin tem olhos verdes, Nyumun e Asahi tem olhos azuis, iguais aos
do pai! – Disse Lórien para mim quando me soltou.
– Quando foi isso? – Perguntei, estava com tantas saudades, queria
pegá-las em meus braços de novo, mas ainda não havíamos terminado por
aqui, na verdade ainda ia começar...
– Agora mesmo! Medras estava se preparando para sair, para caçar e
ela acordou! – Disse Lórien sorrindo.
– O almoço está pronto! – Berrou Jocelinne fazendo-nos pular para o
canto assustadas, éramos todas loucas, talvez ser louca fosse uma herança
genética também.
Ajudamos a arrumar a mesa enquanto os outros desciam até a cozinha.
Demétrius entrou na cozinha seguido por Moan e encarou Yurin perplexo,
algo no olhar dele fez meu estômago revirar incomodado, ele ficou parado
por alguns segundos olhando para ela com aquela expressão indecifrável,
mas estava com a boca parcialmente aberta, Yurin apenas o olhou de lado,
quando Moan puxou o braço dele, Yurin deu um sorriso maldoso de lado e
piscou para mim, ela estava com o rosto corado. Vovó vinha arrastando os
pés, estava muito sonolenta ainda, nos sentamos em volta da mesa, a comida
estava maravilhosa, minha boca estava cheia d’água com o cheiro de Batatas
assadas com queijo, carne assada e molho. Vovó parou na porta depois que
todos se sentaram à mesa e começou a contar.
– O que está fazendo? – Perguntou Jocelinne a ela.
– Contando, sem mim, seriam treze à mesa, isso dá azar, sorte de vocês
que eu estou aqui! – Disse ela sentando-se ao lado de Moan.
Ewren serviu meu prato, colocando uma quantidade suficiente para
alimentar feroz ou Amaterasu.
– O que é isso? – Perguntei olhando o prato envergonhada.
– Nem vem reclamar que coloquei muito, porque você come muito
mesmo! – Disse ele rindo maldosamente para mim.
– Quando ela ficar gorda, não adianta reclamar! Você incentivou o
espírito de glutão que existe nela! – Disse Hasan dando uma risada. – Quando
estávamos na terra, ela comia duas pizzas sozinha! – Serena completou para
eu ter motivos suficientes para me esconder debaixo da mesa.
– Serena, você está do lado de quem? – Perguntei sentindo meu rosto
corar.
– Do lado que estiver ganhando, no momento, do Ewren! – Todos
riram. Era divertido estar com eles, como uma reunião de família, só faltava
Medras e as bebês aqui para ficar tudo completo.
Depois do almoço, levei comida para Amaterasu e Neve. Todos foram
até a sala para levantar as conquistas ou derrotas.
Arcádius estava sentado no sofá de mãos dadas com Jocelinne.
– Antes que comecem a contar os planos... – Lórien foi até o centro e
esticou o braço, mostrando a marca das luas. Todos nos unimos a ela, menos
Moan, Tayman, Demétrius e Sally. As marcas prateadas formigaram e
acenderam, fazendo com que a sala ficasse ainda mais clara.
– Ótimo! Todos ainda são os mesmos! Mas e esses outros aqui? –
Perguntou ela apontando para os quatro que ficaram de fora.
– Olhe as mentes deles, assim saberemos quem são de verdade! – Disse
Jocelinne, não parecia certo fazer isso logo depois da comida, deveriam ter
feito antes, mas pensando bem, a comida me deixou mole e com preguiça,
talvez eles estivessem assim também, se fossem espiões, seria mais difícil
fugir agora.
Lórien olhou a mente de cada um deles, quando passou pela mente de
Demétrius ela revirou os olhos e voltou até nós com o rosto corado.
– Estão limpos, ou quase... – disse ela olhando feio para Demétrius,
ele riu, Moan o acotovelou e amarrou a cara. Sabia que era por causa da
reação dele a Yurin, queria rir também, mas isso poderia deixar Moan
ainda maisirritada.
– Eirien conseguiu que o clã das Dríades se unissem a nos, prometendo
a elas que a Sacerdotisa das águas iria converter parte de Lastar em florestas
não congeladas para que elas pudessem habitar! – Disse Arcádius iniciando
o relatório. – Aristes me passou o comando da Torre das nuvens, os
Metamorfos são leais à Eirien, então também poderemos contar com eles,
mas não fomos bem recebidos pelos elfos de Gheshira, ao que parece, estão
ao lado de Bargon. – Quando ele disse isso o rosto de Eirien ficou vermelho.
Yurin a abraçou e esfregou seus braços confortando-a, ela parecia bem mais
feliz do que antes dela chegar.
– Consegui ajuda dos Lobisomens e das bruxas do Oeste, parece que
alguém mudou o coração de Fuuta, ela foi comigo até o líder das matilhas,
que assumiu o lugar de Black Jango, Silistar, acho que foi esse o nome que
ela disse, ele concordou em nos ajudar se Fuuta ficasse com ele. – Lórien
segurou uma risada.
– Ela aceitou? – Perguntei.
– Digamos que Fuuta gosta dos peludos! – Disse ela rindo. – Não, sério,
ela disse que não quer obedecer à metamorfo nenhum e disse que quer um
lugar para a filha dela ter liberdade de verdade e não a falsa liberdade que
Fairin prometeu. Ela sabe como funciona o coração dos que desejam muito
o poder! – Disse Lórien pensativa sentando em silêncio e piscando para mim.
– Consigo invocar os Lich’s... – disse Jocelinne por fim.
– Conseguimos ajuda dos caçadores, dos Salamandras graças à Leona
e dos Sereianos, Misannin colocou todos os exércitos dos mares à nossa
disposição. – Disse Ewren depois de alguns momentos de silêncio.
– Fora os centauros que Yurin conquistou derrubando o líder deles
com um golpe de espada! – Lembrei à Ewren. – E Farahdox, que nos mandou
esperar cinco dias, ele viria com ajuda também! – Quando falei de Farah, os
olhos de Eirien brilharam e um sorriso espontâneo tomou conta de seu
rosto, deixando-a ainda mais linda.
– Conseguimos ajuda dos Vampiros, graças à Serena, ela fez a besteira
de dar o sangue dela à Marglan! – Disse Hasan parecendo frustrado.
– O quê? – Quase gritei. Todos estavam olhando espantados para
Serena, que se encolheu atrás de Hasan.
– Ela o amaldiçoou também, caso não cumprisse com sua palavra e nos
deixar na mão! – Hasan olhava feio para Serena escondida atrás dele.
– Você é louca? – Jocelinne gritou – Não se usa maldição contra alguém
como ele!
– T-tudo bem, a maldição só se concretizará se ele não vier ao nosso
auxílio!
– Serena, se a batalha acontecer de dia, como eles virão? Acha que ele
pediria para os vampiros virarem pó? – Arcádius parecia tão frustrado
quanto Hasan e eu.
– Com isso não precisa se preocupar, só Aries estará no céu nessa hora!
– Disse Hasan com um sorriso maldoso no rosto. – Gigantes ficam mais fracos
no frio! – Acho que sou um gigante encolhido!
Arcádius deu um suspiro e olhou para cada um de nós.
– Nós precisamos tirá-lo rapidamente do Castelo de Cristal, Serena
achou a sala dos espíritos! – Disse Ewren para ele.
– A sala dos espíritos? Ela realmente existe? – Arcádius estava
surpreso olhando para Serena.
– Sim, tem milhares de árvores genealógicas lá... – Arcádius andou até
ela e segurou seu rosto.
– Pode me mostrar? – Perguntou ele encarando-a intensamente.
Serena olhou para Jocelinne, para mim e finalmente assentiu.
Arcádius tocou em sua testa e ela lhe passou suas memórias. Vi a expressão
tranquila dele passar para preocupada e depois para angustiado. Ele soltou
Serena e sentou-se pesadamente no sofá ao lado de Jocelinne.
– O que foi? – Perguntou ela olhando-o preocupada.
– Se Fairin descobrir aquela sala, ele vai saber sobre as filhas de Leona.
– Respondeu ele com a voz rouca.
– Onde fica essa sala? – Perguntou Eirien.
– Dentro da biblioteca de medicina, aquela que fica dentro da
enfermaria. – Ele respirou fundo e olhou para Jocelinne. – Você não pode
tentar matar Fairin, ele já tem o sangue de Serena, não é o que ele queria,
mas já o deixou mais forte que você! – Disse Arcádius para ela, tentando
omitir a parte sobre parentesco deles.
– Fora o fato de que se ela tentar matá-lo, ela vai morrer! – Disse Hasan
esticando-se no chão ao lado de Serena.
– O quê? Do que está falando? – Perguntou ela confusa.
– Hasan tem razão, Fairin, Arcádius e Aristes são seus irmãos,
Jocelinne! – Ewren falou calmamente. Jocelinne começou a respirar com
dificuldade e desmaiou, Arcádius a segurou e olhou feio para Hasan e Ewren.
– Muito obrigado! – Resmungou ele através dos dentes.
– Ela ia saber de um jeito ou de outro, melhor saber agora do que
tentar matar Fairin achando que ele só está mais forte que ela e acabar como
Lupine e Arin! – Demétrius não tinha sentimento algum para falar das
pessoas, Moan o acotovelou novamente.
– Não se preocupe, ela não vai querer fugir de você só por isso! – Disse
Mayra esticando-se na cadeira também. – Além de filha de Fairin, eu sou
sobrinha também, que família mais unida! – Disse ela sarcasticamente,
Jocelinne foi recobrando a consciência aos poucos, ela ainda parecia muito
confusa, nos olhou e depois se retirou da sala rapidamente subindo as
escadas para os quartos. Arcádius seguiu-a com os olhos, uma expressão
entristecida havia tomado seu rosto.
– Então temos as bruxas, os salamandras, os vampiros, lobisomens,
sereianos, metamorfos, dríades e centauros, contra os Yetis, Gigantes, elfos,
silfos, Aswangs e todas as outras criaturas sombrias escondidas em Amantia.
– Eles estão com dois dos maiores exércitos, fora a grande quantidade
de sombrios que se unirão à Fairin! – Demétrius bufou.
– Temos que tentar chegar à Fairin com o menor número de
confrontos possível! – Comentou Moan pensativa.
– Se estão contra nós já se mostram traidores. – Murmurou Eirien do
outro lado da sala.
– A grande maioria não sabe a verdade, mãe, eles precisam de uma
chance para entender o que está acontecendo! – Ewren falou.
– Mas até saberem a verdade, eles virão para cima de nós de qualquer
maneira! – Concluiu Yurin.
– Agora que não temos mais a vantagem do poder de Jocelinne, o que
faremos? – Perguntou Arcádius olhando distraidamente para as escadas.
– Eu vou tirar os poderes dele! – Falei. Todos olharam para mim como
se eu tivesse dito uma grande bobagem.
– Como vai fazer isso! Você vai ter seu poder reduzido se tentar atacá-
lo e se mesmo assim insistir, vai perder parte de seus poderes se conseguir
destruí-lo ou retirar os poderes dele! – Disse vovó quase aos berros.
– De que vai me adiantar meus poderes se ele dominar tudo? Se ele
encontrar Karin e conseguir o poder dela? Ele não vai nos poupar se
conseguir o poder dela sem minha ajuda. Ele não vai poupar ninguém que
possa tentar impedi-lo! Ele não está mais se importando, se ele conseguir o
poder do sangue de Karin, ele vai poder nos matar facilmente, não o fez
ainda por que precisa de meu poder! – Falei. – O dela, na verdade, mas ainda
não sabe!
– Eu não vou deixar você enfrentá-lo sozinha! – Ewren falou num tom
grave, quase como uma ameaça.
– Vai sim! Eu sou sua mestra não sou? Eu sei o significado dessa
corrente! – Falei mostrando a corrente prateada que brilhava em seu braço
– Li sobre o elo de um guardião com seu mestre, você não pode me impedir
se eu quiser! E parece que essa é a única maneira!
– Eu posso enfrentá-lo sem correr qualquer risco! – Disse Hasan
interrompendo-me.
– Você não vai fazer nada, Hasan! Seus pais interfeririam! Não vou
pedir que as pessoas se sacrifiquem por nós! Nellena, Arin e minha mãe já
morreram, Áries perdeu sua forma física por minha causa, ela ia matar
Fairin, mas a impedimos! Não vou esperar mais ninguém morrer para tomar
alguma atitude! – Falei levantando-me para sair da sala, sai sob o olhar
profundamente zangado de Ewren. Amaterasu me seguiu para fora do
templo e foi comigo até o início da floresta, onde sentei numa raiz grossa da
árvore de flores vermelhas que ficava de costas para o templo. Fiquei ali em
silêncio com Amaterasu apenas escutando o vento cantando contra as
árvores, fazendo a grama vermelha dançar com um baixo farfalhar.
– Eles acham que não sou capaz, você acha isso também? Acha que vou
ter medo? – Perguntei a ela depois de um longo tempo em silêncio.
Amaterasu espirrou e colocou sua cabeça pesada em meu colo.
– Ninguém disse que você não é capaz! Eles só estão com medo de
perder você também! Principalmente seu guardião, você o magoou muito,
sabia? – Demétrius chegou em silêncio e sentou-se perto de mim.
– Ele quer sempre mandar em mim...
– Você sempre se machuca quando ele não está por perto, talvez ele
pense que se deixar você enfrentar Fairin, você se machuque novamente, ou
pior que isso. Ele já perdeu alguém e não está disposto a perder você
também!
– Não posso deixar Fairin pegar minhas filhas! – Falei deixando as
lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Demétrius passou um braço ao redor
de meus ombros.
– Nós vamos estar com você! Só precisa aceitar a nossa ajuda, nem suas
filhas você conseguiria fazer sozinha então pare de ser tão orgulhosa e achar
que precisa acabar com ele sozinha, isso não é pessoal! Ele não sacaneou só
a sua família, me admira muito aquela bruxa ainda estar do lado dele depois
de tudo que ele fez com ela!
– Tem gente que se contenta com pouco! – Disse Moan aproximando-
se de nós e sentando ao meu lado também e me dando um lencinho.
– Obrigada... – falei limpando o rosto e respirando fundo.
– Não me agradeça ainda, quando tudo isso acabar, quero dormir uma
noite inteira de sono profundo e reparador sem medo de morrer dormindo!
– Moan suspirou e começou a rir.
– Você é mais doida que eu! – Falei.
– Nem de longe! – Disse ela sorrindo. Ewren e Lórien vinham também
do templo até nós, Demétrius acendeu uma fogueira e ficamos todos em
volta dela. Ewren sentou do outro lado com Lórien e ficava me encarando as
vezes, acho que se ele pudesse, teria me dado uns tapas, mas seu modo
favorito de me punir era ficar em silêncio e me mostrar o quanto eu estava
errada deixando que pensasse no que fiz.
– Isso é para você Leona! Só não coloquei uma pena ainda, só você
escolher uma, colocar na poção e beber! – Disse Lórien entregando-me um
frasco com um líquido transparente dentro. – Poção de asas!
–Obrigada Lórien! – Sorri para ela e guardei o frasco no bolso de meu
cinto.
– Então, algum plano para o que fazer agora? – Perguntou Lórien.
– Arcádius vai enviar recados a todos que aceitaram se unir a nós, em
menos de sete dias estaremos tomando o castelo de cristal! – Disse Hasan
aproximando-se com Serena também;
– Jocelinne se trancou no quarto com Arcádius, acho que ela não
aceitou nada bem sobre ele ser meio irmão dela! – Disse Serena sentando-se
abraçada com Hasan. Era estranho ver os dois juntos, ele era meu irmão e ao
mesmo tempo não era, Serena era minha melhor amiga que na verdade era
minha irmã...
– Uma hora ela vai aceitar! – Disse Moan colocando mais alguns
gravetos no fogo. – Todos temos que aceitar nossas origens, para lutar pelo
nosso destino, se não lutaríamos sem um sentido.
11

A s chamas crepitavam na fogueira a nossa frente, o ar


gelado da noite trazia os aromas das folhas se decompondo
no chão da floresta e o cheiro de terra úmida. O céu forrado
de estrelas parecia ainda mais bonito essa noite, mas algo
me incomodava, sentia um aperto incomum no peito.
Ewren também parecia incomodado, disfarçando entre as pausas da
animada conversa em volta da fogueira ele me encarava como se pudesse
sentir a angustia que eu sentia, mas não sabia explicar, queria ir até ele e
abraçá-lo e pedir desculpas, mas ia esperar nos recolhermos para isso.
Um estrondo no céu, como um trovão ininterrupto fez a terra tremer.
– O que foi isso? – Perguntei assustada ficando de pé. Um clarão no céu
nos fez olhar ao mesmo tempo para o mesmo lugar. Um círculo gigante
havia se aberto no céu, mostrando-nos um mundo coberto de neve, e
milhares de bolas peludas brancas começaram a passar pelo portal voando
em estanhas aves gigantes, passando por cima das florestas e indo em
direção à Mantum.
– Um portal de Vegahn! Abriram um portal do mundo de gelo para cá,
Fairin conseguiu aliados lá! – Disse Moan assustada agarrando o braço de
Demétrius.
– São Yetis? – Perguntei.
– Sim, Yetis e Fermans, aves que se alimentam apenas de seres
marinhos! – Disse Demétrius dando uma risada debochada. – Parece que ele
já tem planos contra a aliança com os sereianos e contra os vampiros! –
Demorou uns cinco minutos para o portal finalmente se fechar. Depois que
ele se fechou, outro se abriu no céu ainda mais próximo de Mantum e desse
começaram a sair monstros parecidos com arraias gigantes voando.
– Agora ficou um pouco mais sério! – Disse Moan mudando a cor de
seus olhos e os estreitando.
– Sereianos de Evenox? – Perguntou Ewren.
– Sim... – disse ela olhando para nós preocupada. – Tem uma energia
muito forte se aproximando do portal de lá para cá! – Disse ela encarando-
me de modo estranho, comecei a sentir uma leve vertigem e tive dificuldade
de respirar.
– Leona? – Lórien se levantou para vir até mim, mas antes que desse
um passo ela virou os olhos para trás e caiu no chão desacordada.
– Lórien! – Gritei, Amaterasu deu um pulo ao meu lado e começou a
rosnar com o pelo eriçado. Lórien estava no chão, caída em uma posição
estranha, de repente seu corpo começou a ficar avermelhado num tom igual
de barro molhado e se desmanchou.
– Ela está morrendo no outro mundo! – Ewren falou colocando a mão
no montinho de barro que havia sido Lórien minutos atrás.
Automaticamente comecei a ir até o templo, queria me comunicar com
Medras em Evenox e iria pedir ajuda a Arcádius, quando uma coluna de luz
azul se acendeu no meio do caminho para o templo e apareceram algumas
pessoas lá. Corri até eles reconhecendo Medras com dois rolinhos nos braços
e Feroz que apoiava Lórien que estava segurando seu cetro na mão, ela caiu
na grama quando nos viu.
– Medras! O que aconteceu! – Cheguei perto dele pegando as bebês de
seus braços.
– Leona, sinto muito! Eu não estava perto delas! Eu não pude fazer
nada! – Disse ele abaixando ao lado de Lórien e a segurando.
– Medras, onde está Karin! – Olhei as marquinhas douradas na testa de
Nyumun e Asahi, Ewren se aproximou com Serena e tiraram as crianças do
meu colo enquanto eu olhava sem reação para Lórien morrendo e Medras
desesperado segurando-a.
– Ervie nos traiu, ela estava ao lado de Fairin o tempo todo, quando viu
que deixei Lórien sozinha com as crianças ela a atacou pelas costas e
desapareceu com Karin, me perdoe! Eu não devia ter deixado elas a sós! –
Minha cabeça fazia um som estranho, um zumbido alto ecoava em meus
ouvidos e parecia que minha visão estava manchada de vermelho.
– Serena, cure Lórien, por favor... – não sei como minha voz saiu, não
conseguia escutar minhas próprias palavras. Pude ver Ewren esticar a mão
em minha direção no exato momento em que fiz minha lança aparecer com
o dobro de seu tamanho normal e segurei o pelo de Amaterasu. Escutei sua
voz ao longe “Leona, não!” Mas a luz do teleporte já havia me coberto.

Apareci no pátio do castelo de cristal, haviam dois guardas na porta


da entrada principal que tentaram me atacar assim que eu me aproximei.
Amaterasu arrancou a cabeça de um deles enquanto eu girava a lança e
partia o outro no meio, não sentia nada, nenhuma emoção e era como se
meu corpo não fosse controlado por mim só queria achar Fairin e Ervie e
arrancar suas cabeças por terem colocado suas mãos em minha filha. Montei
em Amaterasu e corremos castelo adentro derrubando e matando todos os
guardas em nosso caminho, minhas marcas douradas estavam em um tom
vermelho sangue, em minha boca tinha um estranho gosto amargo
enquanto eu corria e simplesmente eliminava qualquer obstáculo em meu
caminho.
Não sabia onde eles estavam e não queria perder tempo vasculhando
o castelo. Sabia o que Veruza faria, a levaria para algum dos mundos que o
tempo passasse bem rápido e só traria minha filha de volta quando ela já
estivesse na idade certa, para que Fairin pudesse roubar seu sangue, pensar
nisso me deixou ainda mais furiosa.
– Encontre-os Amaterasu! – Pedi, seu pelo brilhou e ela começou a
correr rapidamente até a escadaria estreita até a torre principal, subimos
correndo, a porta da torre estava fechada por um lacre, desmontei dela e
andei em direção a porta para abri-la.
– Olha quem apareceu, finalmente! – Disse Guinn entrando em meu
caminho.
– Saia da minha frente, ou eu vou matar você! – Falei num baixo
rosnado.
– Sabe, descobri uma coisa interessante... você já tem três filhas! E
mesmo assim, aquele dia ficou em silêncio quando eu me aproximei de
você... – ele andou em volta de mim lentamente com um sorriso no rosto,
seu olho direito estava coberto por um tapa olho. Dei um passo à frente
ignorando-o ele entrou na minha frente novamente com a espada erguida.
– Se tentar me impedir eu vou cumprir minha promessa e vou matar
você... – ameacei erguendo a lança e encarando-o.
– Você queria que eu te tocasse? – Disse ele num tom de zombaria
mexendo em meus cabelos, o ódio que sentia começou a pulsar como uma
febre que começa a aumentar repentinamente. – Você queria que eu te
possuísse, não é? Queria sentir o mesmo que as outras sentiram, não
conseguiu resistir, é por isso que estava tão submissa! – Ele estava rindo.
Estava achando que minha relutância em o atacar é por que eu tinha algum
interesse nele.
Comecei a rir, antes que ele abrisse a boca novamente eu o ataquei,
girando a lança que passou a milímetros de sua garganta, ele fez correntes
de prata surgirem do chão e virem em minha direção, mas destruí as duas
em um único ataque da lança. Ele encarava-me espantado, girei a lança
novamente, mas quando ele pulou para meu lado tentando desviar, segurei
o centro da lança transformando-a em uma adaga e com um rápido
movimento deslizei a fina lâmina em sua garganta. Guinn caiu deitado no
chão, cobrindo o corte com a mão tentando curá-lo. Sentei sobre seu peito
prendendo seus braços com as pernas.
– Eu disse que ia te matar... Pena que não vai ser da maneira que eu
gostaria, queria te fazer sofrer bastante, mas agora eu tenho muita pressa! –
Falei segurando a adaga novamente e espetando-a debaixo do seu queixo até
a outra ponta da lâmina perfurar o tapa olho que ele usava e fiquei
observando-o cuspir sangue até que ele parou de tentar respirar e sua pele
mudou de cor, ficando um tom marrom. Sua morte fez uma estranha onda
de prazer invadir meu corpo. Fiquei de pé transformando a lâmina
novamente em lança e removendo a magia que lacrava a porta.
Dentro da sala da torre vi Fairin com os braços erguidos sobre uma
bolha prateada, Ervie segurava Karin e Veruza estava do outro lado da bolha
enviando energia para ela.
– Você... como você teve a coragem de me trair? – Perguntei
apontando um dedo a Ervie, ela me olhava espantada com Karin adormecida
em seus braços, ela olhou assustada de mim para Fairin que também me
olhava espantado.
– Por que não me disse que tinha três filhas? Podia ter me poupado da
cena aquele dia! – Disse Fairin tentando desviar minha atenção do portal que
abriam para tirar Karin de Amantia.
– Acha mesmo que ia dizer isso a você? – Gritei apertando a lança com
as mãos.
– Onde está Guinn? – Perguntou ele olhando por cima do meu ombro
e vendo o corpo de Guinn caído atrás de mim. – Ah, Leona! Não precisava
disso! Mas vou te dar uma outra chance, junte-se a mim, eu prometo a você
que não farei mal a ninguém que você ama! – Disse ele se afastando do portal
e andando lentamente até mim com as mãos levemente erguidas. Não tirava
os olhos de Ervie e Karin, a raiva pulsava em meus ouvidos, sentia um
estranho desejo de retalhar todos naquela sala e tomar minha filha deles à
força. – Você é perfeita! É a mais forte dentre todas da sua família e não tem
pena de ninguém! Matou todos os meus guardas e até mesmo Guinn só para
chegar até aqui e salvar sua filhinha! Então você não tem medo de enfrentar
o que for para conseguir o que quer, você é igual a mim! – Disse ele esticando
a mão e tocando meu rosto.
– Não pode estar falando sério! – Disse Veruza olhando-o espantada.
Ele fez um movimento com a mão para que ela se calasse.
– Eu não vou me unir a você, eu vou destruir você! – Gritei, mas Veruza
agora estava perto de Ervie com uma lâmina na mão aproximando-a de
Karin. Ergui a lança, Fairin fez um escudo brilhante de energia aparecer, mas
o destruí facilmente com o peso do golpe de minha lança e abri um corte que
ia do braço de Fairin até sua cintura, porém foi superficial e não foi forte o
suficiente para impedi-lo de se mover, ao mesmo tempo que eu o atacava,
Amaterasu saltou por cima de meu ombro pulando em cima de Veruza. Foi
como se tivesse perdido os sentidos, entrando em um modo automático,
movi minhas mãos rapidamente fazendo uma proteção aparecer ao redor de
Karin, o que fez uma corrente elétrica derrubar Ervie com um terrível
choque.
Veruza mantinha Amaterasu afastada poucos milímetros de seu rosto
com um bastão que estava prestes a ceder sobre o enorme peso de
Amaterasu, Fairin assustado vendo a morte iminente de Veruza,
transformou o próprio cajado em um dardo e o atirou conta Amaterasu, o
dardo atravessou suas costelas ela ganiu e caiu para o lado contorcendo-se.
Alcancei Karin e a segurei com um braço enquanto virava-me para
Fairin com a lança na mão, ele olhou em meus olhos, sabia que não sairia dali
com vida, ignorei completamente seus poderes e ele parecia totalmente sem
reação diante de mim, ergui a lança, iria atravessar a grossa lâmina da lança
em seu peito e acabar com tudo aquilo de uma vez, porém Amaterasu deu
um uivo fraco e dolorido distraindo-me, essa foi a brecha que ele ansiava
para poder escapar.
Fairin segurou Veruza e saltou pela janela da torre desaparecendo na
escuridão da noite. Ervie estava encolhida no chão segurando os joelhos e
com lágrimas nos olhos, caminhei lentamente até ela segurando a lança
firmemente na mão. Podia ver o medo em seus olhos, o pavor que ela tinha,
não sentia nenhuma pena só queria arrancar-lhe a cabeça por ter me traído
de forma tão cruel, tão suja!
– Você entregou minha filha para ele usá-la! – Gritei, minha voz saiu
de mim como um trovão antes de uma tempestade, ela se encolheu ainda
mais contra a parede, Karin começou a chorar em meu colo, assustada pelos
meus gritos. – Uma criança, um bebê!
– Me desculpe! Por favor não me mate! – Implorou ela ajoelhando-se
e colocando sua cabeça perto de meus pés. Afastei-me dela, meu corpo
inteiro tremia a única coisa que me impedia de surtar e matar Ervie era o
pequeno embrulhinho em meus braços, a salvo, ela estava a salvo! O ganido
de Amaterasu fez uma onda de choque passar por meu corpo e uma dor
terrível me consumiu como se eu estivesse morrendo. Prendi Ervie ao chão
com correntes de prata, naquela posição ajoelhada que estava com a cabeça
no chão, coloquei Karin ainda chorando assustada em um cesto que fiz
aparecer no chão, o cobri com uma barreira e andei lentamente até Ervie.
– Não teve pena dela, de mim, de Lórien, por que eu teria pena de
você? E por sua causa minha Guardiã está morrendo! – Gritei transformando
a lança num machado e erguendo-o para o alto.

Ewren:

Havíamos chegado ao pátio do castelo de Cristal a poucos segundos e


o cenário era assustador, corpos de soldados espalhados por todos os lados,
partidos ao meio, alguns desmembrados e outros parcialmente rasgados a
dentadas, meu estômago embrulhou ao imaginar Leona fazendo aquilo.
Amaterasu e Leona abriram caminho do jeito mais difícil. Medras, Serena e
eu seguimos o rastro de morte deixado por elas, Demétrius, Moan, Hasan e
Yurin ficaram para trás, impedindo que os outros guardas nos alcançassem.
Subi as escadas direto até a torre central, de lá que vinha a entranha energia
maligna que sentíamos ao chegar no castelo.
A energia mais forte que sentia era essa energia maligna, a energia de
Leona havia desaparecido junto com a de Karin. Ao chegar na sala principal
da torre a cena me deixou preocupado, Guinn estava morto no chão perto
da porta que levava para a sala de observação, entrei na sala correndo com
a espada na mão e o que vi me deixou chocado. Leona estava com seus
cabelos prateados manchados de sangue e suas marcas estavam em um tom
grafite, quase mudando para o negro e já não tinham brilho algum, ela
segurava um machado erguido sobre Ervie, Karin chorava em um cestinho
coberto por uma barreira tão ofensiva que se eu a tocasse, provavelmente
morreria e Amaterasu agonizava no chão perto de um portal parcialmente
aberto.
A energia maligna que sentia vinha de Leona. Não é a minha Leona!
Era para isso que Fairin havia passado minhas memórias para ela, ele queria
uma arma!
– Leona! – Gritei saltando rapidamente para trás dela e segurando seus
braços, impedindo-a de matar Ervie. Ela se soltou facilmente do meu aperto
e girou o machado em minha direção, não podia pará-lo, apenas desviei
rapidamente para o lado, os olhos de Leona estavam em um tom de vinho e
ela tremia. Enquanto ela brandia o machado contra mim, distraída demais
para perceber Demétrius chegar por trás dela e cravar suas garras em seu
pescoço, ela ficou mole e soltou o machado, caindo de joelhos no chão.
– O que você fez? – Gritei com ele.
– Calma! É veneno de paralisia instantâneo, perde o efeito em alguns
segundos! Seja rápido ou ela vai se levantar e tentar nos matar de novo! E
garanto a você que dessa vez ela vai conseguir! – Disse ele para mim,
olhando assustado as marcas de Leona passando para uma cor ainda mais
escura e deformando-se, transformando-as lentamente no selo sombrio.
Serena andou até o cesto onde Karin estava.
– Cuidado, você pode morrer se tocar na barreira que ela fez! – Avisei,
mas Serena nem ao menos olhou para mim, ela colocou suas mãos sobre a
barreira, parecia que havia levado um choque, mas simplesmente cerrou os
dentes, suas marcas brancas se acenderam e a barreira começou a ceder aos
poucos até desaparecer completamente, ela pegou Karin no colo e se
levantou.
– Saia daqui com ela antes que Leona recobre a consciência! – Disse
Demétrius a ela, mas Serena revirou os olhos e veio em nossa direção.
– O que é que te acalma quando está nervoso? – Perguntou ela para
mim enquanto encaixava Karin cuidadosamente nos braços de Leona e
apertava levemente as duas juntas. A luz da orquídea verde de Karin
aumentou quando ela foi colocada sobre Leona e começou a pulsar. As
marcas de Leona começaram a mudar de cor, passando do grafite para o
cinza e logo depois voltando ao lilás e retomando seu brilho, seus olhos aos
poucos voltaram ao lilás também, até ficarem verdes e as marcas se
apagarem, ela recobrou a consciência, quando viu Karin em seu colo
começou a chorar abraçada nela.
– Mais um pouco, ela teria se tornado uma maga negra! Ai nem
precisaríamos de Fairin para dominar Amantia, não ia sobrar nada para ele
dominar depois que Leona destruísse os Mundos! – Disse Demétrius
parecendo aliviado.
– Não está ajudando! – Ralhei. – Vá ajudar os outros a espantar os
guardas! – Demétrius ergueu os braços e saiu pela porta.
– Muito obrigada! – Disse Ervie deitada de lado no chão aos prantos.
Olhei-a e abracei Leona e Karin para me impedir de matá-la também.
– Não me agradeça, traidora! Só impedi que Leona a matasse pois ia
perdê-la se deixasse ela te matar! – Cuspi as palavras enquanto ela se
arrastava para longe de mim. – Medras! – Chamei, ele entrou pela porta
segurando sua lança nas mãos. – Acha que ela merece perdão? – Perguntei
debochando dela. Ervie apertou os joelhos novamente e se afastou de nós.
– Está mesmo me perguntando isso? Levei quase mil anos para
conquistar sua irmã e ela quase a matou e ainda entregou sua filha para
Fairin! – Retrucou ele olhando para Ervie com seus olhos vermelhos
brilhando no escuro da sala, um sorriso sádico tomou seu rosto enquanto
encarava Ervie. – Me acerto depois com Jocelinne, prometo!
– É toda sua! – Falei, Medras sorriu e arrastou Ervie que gritava por
socorro para fora da sala. Leona entregou-me Karin e foi até Amaterasu, que
estava choramingando baixinho no chão, Serena pegou a espada e destruiu
o portal que Fairin quase havia aberto para fugir com minha filha. Leona
segurou cuidadosamente a cabeça de Amaterasu, colocando a sobre seu colo
ela segurou a lâmina de sua lança contra sua mão.
– Não vai conseguir curá-la com seu sangue, Leona, ela já é sua guardiã
seu sangue não tem mais efeito no corpo dela! – Disse gentilmente me
aproximando delas. – Sinto muito! – Falei tocando seu ombro, lágrimas
começaram a descer de seus olhos enquanto ela afagava a cabeça de
Amaterasu carinhosamente.
– E Serena? – Perguntou ela olhando para Serena, seus olhos estavam
assustados como de uma criança vendo um bichinho morrer.
– Só adiantaria se ela tivesse o sangue puro ainda, aí transferiria a
guardiã para ela. – Respondi. Leona fechou os olhos e abraçou Amaterasu.
– Me desculpe por te trazer comigo, menina boa! – Disse ela com a voz
trêmula e o corpo frágil encolhido sobre o enorme corpo de sua guardiã.
Amaterasu chiava baixinho, bolhas de sangue e ar saiam pelo seu nariz e
boca enquanto ela lutava para respirar.
– Leona... – Serena tentou ajudá-la, mas eu a impedi.
– Um laço de um guardião com seu mestre é algo único, quando o
guardião morre, o mestre sente como se uma parte de sua alma morresse
também. – Expliquei a ela.
– O que acontece quando o mestre de um guardião morre então? –
Perguntou ela encarando-me angustiada. Só de imaginar uma parte da vida
dela cedida a mim desaparecendo, fez-me encolher.
– É algo que desejo nunca passar, não tem nem como descrever em
palavras essa dor. – Leona estava em silêncio acariciando o focinho de
Amaterasu.
– Eu estou aqui, vou estar aqui até o fim está bem? Menina linda e
corajosa que me salvou tantas vezes! A única vez que você precisou de mim,
eu não pude te salvar! – Disse ela chorando e deitando a cabeça na frente do
focinho de Amaterasu, que lambeu-lhe o rosto marcando-o de sangue antes
de dar um último e fraco uivo, seu pelo perdeu o brilho e ela diminuiu de
tamanho, ficando do tamanho de um Waheela normal. Leona abraçou-a e
começou a chorar ainda mais alto.
– O castelo e a cidade de Alamourtin foram completamente tomados!
– Disse Yurin entrando na sala sorrindo, seu sorriso desapareceu ao ver
Amaterasu no chão e Leona agarrada a ela.
– Levem Karin para um dos quartos lá de baixo e avisem aos que
ficaram no templo sobre a ocupação do castelo. – Falei para elas, que saíram
silenciosamente com a bebê no colo.
Aproximei-me lentamente de Leona e afaguei seus braços.
– Ela podia estar viva ainda Ewren, se não tivesse dado meu sangue a
ela... – disse ela limpando os olhos – Ela me salvou tantas vezes, no fim eu
não fiz nada, nem para amenizar sua dor, e ela lutou ao meu lado até o final!
– Ela escondeu seu rosto com as mãos e eu a segurei, não sabia como reagir,
como confortá-la.
– Vou pedir para que acendam a pira para ela! – Falei levantando-a,
encolhendo Amaterasu e pegando-a no colo. Leona apenas balançou a
cabeça e limpou os olhos novamente. Descemos devagar até o pátio, Medras
e Demétrius haviam retirado todos os corpos espalhados pelo castelo e
algumas serventes agora limpavam as manchas de sangue. Leona não tirava
os olhos do corpo de Amaterasu até chegarmos à pedra no pátio principal,
antes que pudesse colocá-la na pedra, Leona a tirou do meu colo.
– Não, prefiro fazer outra coisa! – Disse ela andando até a entrada
lateral do castelo.
– O que vai fazer? – Perguntei.
– Quero enterrá-la igual enterrava meus bichinhos quando eles
morriam! – Respondeu ela fazendo um pano aparecer e enrolando o
pequeno corpinho nele. A peguei no colo, abri as asas e voei até a floresta,
perto da cachoeira que descia do jardim do castelo. Coloquei Leona no chão,
ela andou até uma clareira no meio da floresta, transformou seu pingente
em uma pá e começou a cavar.
– Quantos bichos você teve? – Perguntei depois de vê-la cavar uma
cova perfeitamente quadrada, ela deu um sorriso triste.
– Meus gatos sempre morriam atropelados ou envenenados. – Disse
ela parando para olhar a profundidade da cova.
– Nunca tentou ter outro tipo de animal? – Perguntei.
– Oito gatos, três cachorros e um porquinho da índia! – Disse ela
tornando a cavar.
– Todos morreram da mesma forma?
– Não, um dos cachorros fugiu, o porquinho da índia foi comido por
um dos gatos, Pantufa, ele engasgou enquanto comia o porquinho e morreu
também! – Isso era engraçado, teria rido se ela não estivesse tão abalada com
tudo que havia acontecido.
– Depois disso você desistiu de ter animais, não foi? – Perguntei. Ela
me olhou séria e se apoiou na pá.
– Ganhei uma caturrita de presente de Serena... – disse ela colocando
o embrulho dentro do buraco e começando a cobri-lo com terra novamente.
– Ela achou que um bichinho de gaiola não poderia ter o mesmo destino, mas
eu odiava gaiolas...
– O que houve com a caturrita? – Perguntei vendo que ela havia ficado
em silêncio.
– Eu a domestiquei, e deixava ela solta pela casa, ela só ia para a gaiola
de noite. Um dia cheguei da escola com pressa, joguei minha mochila por
cima do sofá da sala e corri para a cozinha para almoçar. Lá pelo final da
tarde senti falta de cocota, esse era o nome dela, minha mochila estava
pesada e cheia de livros, quando fui pegá-la notei um bolinho de penas
debaixo da mochila.
– Você matou ela com uma mochilada? – Perguntei incrédulo com o
azar dela. Leona me encarou com os olhos cheios de lágrimas.
– Hasan implica comigo até hoje, dizendo que fiz patê de caturrita... –
ela terminou de tampar o buraco e se sentou ao lado do montinho de terra.
– Pelo menos você ainda tem Feroz, espero que ele esteja fora da sua
maré de azar! – Falei tentando fazê-la rir. Leona abaixou a cabeça e começou
a chorar novamente. Não podia acreditar que tinha realmente dito aquilo.
Idiota! – Me desculpe, não foi isso que quis dizer, só queria te fazer sorrir! –
Falei, ela encostou a cabeça em meu ombro, passou as mãos sobre o
montinho de terra fazendo crescer uma pequena quantidade de grama e um
brotinho de árvore.
– Um dia, aqui vai ter um Ipê bem bonito, e vou trazer Karin, Asahi e
Nyumun para brincarem aqui! – Disse ela passando os dedos suavemente
sobre as folhas novas do broto. – Adeus minha amiga peluda, que veio até
mim e se foi muito rápido, mas que vai deixar uma pegada em meu coração...
– sussurrou ela baixinho para a terra.
– Leona, temos que ir, os outros já devem estar no castelo! – Ela acenou
com a cabeça, peguei-a no colo e voamos de volta ao castelo em silêncio,
Leona olhava tristemente para baixo. Agora tínhamos pouco tempo até
Fairin vir atrás de nós novamente.
– Me desculpe, você estava certo. Eu devia ter matado Veruza naquele
dia em Gheshira! Se tivesse feito isso já estaríamos todos em paz e ela não
teria morrido! – Disse Leona enquanto sobrevoávamos a torre leste do
castelo. – No fim das contas eu sou mesmo igual a ele, não sou?
– Não diga uma bobagem dessas! Você não é o tipo de pessoa que
sacrifica a vida dos outros para fazer a sua vontade. – Falei. – Não acredite
nele, você não é igual a ele, nunca será!
– Me desculpe por dizer aquelas coisas a você, eu preciso de você ao
meu lado, sem o seu apoio eu não sou nada! – Disse ela abraçando-me forte.
– Nós todos precisamos uns dos outros, mas não se subestime, o que
você fez, talvez ninguém conseguiria fazer, até agora, nem Jocelinne, nem
Mayra nem mesmo sua mãe conseguiram proteger suas filhas do modo que
você fez!
– Elas estavam em desvantagem! Não sabiam que Fairin estava por trás
disso! Eu sei.
– Mesmo assim! Nenhuma delas quis lutar ou ir a fundo para quebrar
a maldição, e te garanto que teria sido bem mais fácil logo no começo quando
Fairin não tinha todo esse poder! – Falei tentando fazê-la se sentir melhor,
mas disse apenas a verdade.

Descemos na torre central e fomos direto para os quartos, o castelo


estava limpo, sem danos como se nada nunca tivesse acontecido. Eirien,
Yurin e Serena estavam em um dos quartos ninando as bebês, Lórien dormia
na cama, estava cansada com um ferimento recém curado e parecia um
pouco mais magra e abatida que o normal. Feroz estava deitado ao lado dos
berços como se ainda os vigiasse, não resistiu ao ver Leona saltou sobre ela
derrubando-a ao chão e colocou sua cabeça sobre seu peito.
– Também senti sua falta! – Disse ela com dificuldade coçando suas
orelhas. Dei um tapinha em sua cabeça para que saísse de cima dela. Leona
foi até Yurin que segurava Karin e abraçou as duas.
– Não sei o que teria feito se ele tivesse a levado embora! – Disse ela
colocando o rosto junto ao rosto de Karin.
– As outras duas são parecidas com Ewren, essa se parece com você! –
Disse Yurin para Leona.
– Nós não temos muito tempo, não é? – Serena olhava distraída pela
janela.
– Ele vai estar aqui em poucos dias com o exército que reuniu. Trouxe
um grande exército de Yetis, Fermans e Sereianos de Evenox. Isso vai
complicar, agora eles estão em maior número e mais fortes que nós.
– Posso conseguir ajuda dos Venox! – Disse Hasan entrando no quarto.
– Os caçadores de Ciartes? – Perguntou Yurin surpresa. – Não acho que
eles nos ajudariam! Dizem que os Salamandras de Ciartes mantinham
humanos como escravos e que só os libertaram para que lutassem como
Venox também!
– Eu sou um Salamandra também, filho de dois dos três sóis que regem
o planeta deles, e eles tem um apreço muito grande por Metamorfos, se
puder Levar Leona para Ciartes...
– Amantia e Ciartes não têm uma aliança a muitos séculos, Hasan, nós
nunca mais fomos lá para manter a nossa amizade. A última vez que alguém
da família real esteve lá foi quando Lórien estava treinando com os
caçadores. Acredito que o rei até seja outro, eles eram os mais próximos à
Grisela... – disse Eirien distraindo-se em seus pensamentos.
– Espera ai! Os mundos estão em dimensões diferentes, mas eram
iluminados pelo mesmo sol? – Perguntou Leona começando a ficar confusa.
– Eles aparecem de formas diferentes para os mundos. – Respondi.
– O tempo em Ciartes é igual ao tempo em Amantia, estamos numa
posição muito parecida, mas Ciartes tem um sol a mais! – Disse Hasan. – Lá é
muito quente também.
– Não é uma boa ideia levar Leona para lá! – Protestei.
– Acha que deveríamos ir? – Perguntou Hasan diretamente a ela
ignorando-me.
– Se não nos demorarmos... – disse ela desviando o olhar do meu
quando a encarei. – Quanto mais ajuda melhor!
– Se é assim, posso conseguir ajuda dos elfos negros de Crecência
também! – disse Medras escutando a conversa em silêncio atrás da porta.
– Então eu vou para Ciartes com Leona e Hasan! – Disse Yurin sorrindo,
Eirien a olhou preocupada e respirou fundo.
– Não podemos esperar até amanhã? – Perguntei olhando a expressão
de tristeza de Leona, mal havia reencontrado as bebês e já teria que se
afastar novamente.
– Não temos tempo, Ewren, amanhã pode ser tarde demais! – Disse ela
encarando-me, ela estava com um olho verde e outro amarelo.
– Vou abrir um portal! Estarei esperando vocês na torre sul. – Disse
Hasan, ele deu um beijo em Serena e saiu do quarto, Yurin colocou Karin no
berço e saiu atrás dele, Serena os olhava de canto de olho, quando viu que
eu a estava olhando, ficou corada e baixou a cabeça.
– Vou para Crecência com Medra.! – Falei. – Os outros fiquem no
castelo e tomem conta de tudo por aqui.
– Pode deixar, cuidaremos de tudo! – Disse Lórien abrindo os olhos e
dando um meio sorriso. Segurei o braço de Leona e a tirei do quarto.
– Ciartes é muito perigoso, Leona! Por favor tenha muito cuidado, os
salamandras de lá são muito hostis e tem um temperamento forte, se
ofendem com facilidade... – estava tentando lhe alertar, mas ela segurou
meu rosto, ficou nas pontas dos pés e me beijou, senti o calor de seu corpo e
a intensidade de seus sentimentos, era como um pedido de desculpas para
mim.
– Eu sei! Eu vou ficar bem! Você também, se cuide e volte o mais rápido
possível para o castelo e fique de olho nelas! Não deixe ele chegar aqui, está
bem?
– Vou ficar com os dois olhos nelas, Fairin tem que se recuperar, ele
não vai atacar enquanto estiver em desvantagem! – Falei dando-lhe um beijo
na mão. – Não demore por lá, se não vai voltar de outra cor! – Ela acenou,
Feroz saiu de mansinho do quarto quase arrastando-se com as patas
dianteiras.
– Acho que ele quer ir comigo! – Disse ela olhando-o, antes ela teria
pedido que Feroz fosse comigo e levaria Amaterasu, provavelmente foi isso
que ela pensou também pois seus olhos se encheram de lágrimas.
– Fique aqui, bichinho! Cuide delas para mim! – Disse Leona coçando a
cabeça dele e indo em direção à torre sul. Medras havia acordado Lórien e
estava se despedindo dela. Serena apareceu na porta com Asahi no colo. Ela
olhava distraída para o corredor.
– Acha que deveria me preocupar com Hasan e sua irmã? – Perguntou
ela pegando-me de surpresa. Comecei a rir e abafei a risada com as mãos pois
Asahi quase acordou. – Qual é a graça?
– Acho que deveria se preocupar com você, Serena! – Falei dando outra
risada.
– Por que diz isso? – Perguntou ela olhando-me ar de espanto, deve
ter achado que fosse alguma ameaça, era melhor ser direto, pois se ela fosse
igual a irmã, passaria a noite inteira tentando dizer isso discretamente.
– Yurin não se interessa muito por homens! – Falei ela continuou me
olhando confusa, tecnicamente Hasan não era um homem, revirei os olhos
e respirei fundo. – Yurin gosta mais de mulheres, assim como eu gosto delas,
entendeu? –Serena ficou ainda mais vermelha e cobriu a boca.
– Tudo bem então! – Disse ela sem jeito sem saber onde esconder o
rosto de tanta vergonha.
– Se ele te ama mesmo, nenhuma mulher no mundo, por mais atraente
que seja, vai roubar a atenção dele como você! Não se preocupe! – Falei
virando as costas e acompanhando Medras até o pátio central.
– Lórien está melhor? – Perguntei após constatar que ele parecia um
pouco abalado. Medras apenas balançou a cabeça e continuou a olhar para
frente enquanto caminhávamos em passos largos até o portão central.
Conhecia Medras desde que entramos para o exército real, ele era do mesmo
grupo que eu, quando fomos atacados pelos Trolls ele também estava lá e foi
um dos poucos que resistiram por mais tempo ao escurecimento de sua
alma. Podia dizer que o conhecia muito bem, até poderia considerá-lo um
irmão.
– Pode falar, o que houve? Sabe que pode confiar em mim! – Falei.
– Lórien está grávida, quando voltei e a vi caída no chão ao lado dos
berços e vi Ervie fugindo com os Sereianos...
– Está tudo bem agora. – Então foi por isso que ele estava tão nervoso.
– Até quando? – Ele tinha uma expressão de preocupação – Jocelinne
não pode lidar com Fairin, ele vai vir atrás de Karin, e tem um exército muito
maior e mais poderoso! – Podia ouvir a angústia em sua voz.
– Vai dar tudo certo, confio em Leona, ela com certeza tem um plano
escondido, ela anda com uma bolha com o poder de Áries dentro da espada
que era de Nellena. – Havia notado aquele poder no dia que voltamos para
Amantia, o poder que vinha da espada aumentou repentinamente e eu a abri
para olhar. Acho que ela nunca contou realmente com o poder de Jocelinne,
a ideia dela desde o começo era lidar com seu pai sozinha. – Só espero que
ela não faça nenhuma bobagem. – Abri as asas e voei ao lado de Medras em
direção a floresta de Crecência.
12

Leona:

Q uase corri até onde Hasan e Yurin estavam, estava nervosa


sobre ir para outro mundo, mas era preciso então faria o
meu melhor para conseguir mais aliados. A torre sul era a
torre mais alta do castelo de cristal, saltei de dois em dois
os degraus até o topo da torre e achei Hasan preparando
um portal. Ele era bem mais rápido que Mayra ou Aristes abrindo o portal,
as esferas de metal á estavam carregadas e giravam lentamente em volta do
cilindro de vidro.
– Como você pode abrir um portal tão rápido? – Perguntei olhando-o
desconfiada, Hasan deu um sorriso divertido.
– Sou um Salamandra, posso passar rapidamente para o mundo que
me deu origem, os portais de lá facilitam a entrada dos filhos do fogo. – Ele
voltou sua atenção para a brecha que o portal estava abrindo. Yurin estava
distraída olhando pela janela da torre. Me aproximei dela ela sorriu e passou
um braço ao redor dos meus ombros.
– Sinto muito pela sua guardiã! – Disse ela acariciando meu rosto. –
Você está bem? – Perguntou.
– Não, mas vou ficar, prometo! – Falei olhando na direção da floresta
onde havia enterrado Amaterasu, a floresta estava com um brilho diferente,
como se algo bom estivesse crescendo ali.
– Às vezes apenas esperamos que fique tudo bem, que a situação
melhore, mas muitas vezes nós temos que lutar muito para o final feliz
aconteça, e ele não chega para todos! – Disse Yurin olhando para o céu.
– Espero que o nosso chegue, pois estamos sacrificando demais para
chegar no final e perder!
– Muitas pessoas lutam a vida toda e deixam a vida sem aproveitar esse
trabalho, mas na verdade elas não estavam fazendo por elas, mas sim pelos
que deixaram para trás! – Hasan se aproximou e passou a mão em minha
cabeça. – Estão prontas? – Perguntou ele dando-me a mão, acenamos com a
cabeça e entramos no portal. Caminhamos tranquilamente por um longo
túnel de luz que parecia ondular e girar ao redor de nós misturando cores e
formas geométricas brilhantes.
– O que é isso? Por que não estamos caindo como sempre acontece? –
Perguntei.
– Ciartes tem o tempo igual a Amantia, logo a linha entre eles é reta,
sem maiores distorções. – Explicou Hasan olhando o túnel atrás de nós.
Yurin parecia maravilhada, ela tinha um sorriso no rosto e tocava o teto do
túnel com as mãos, quando ela o fazia seu corpo mudava de cor também.
– Não toque no túnel! – Disse Hasan puxando os braços dela. –Você
pode ser sugada para o vão entre os mundos e se perder para sempre! – Ela
arregalou os olhos e encolheu os braços lentamente afastando-se das
paredes do túnel. – Yurin, posso te perguntar uma coisa? – Perguntou ele
encarando-a enquanto caminhávamos.
– Qualquer coisa! – Disse ela estreitando os olhos.
– Escutei Ewren falando com Serena pouco depois de sairmos do
quarto... ele disse que você gosta de mulheres, é verdade? – Eu fiquei os
olhando de boca aberta, para Hasan por causa da forma direta que ele
perguntou e para Yurin por causa do sorriso malicioso que ela carregava.
– Meia verdade, desde pequena me interesso mais por mulheres do
que por homens, mas ele contou isso apenas para ela não ficar com ciúmes
de mim. – Yurin mordeu os lábios. – Mas não fica se achando não, não tenho
nenhum interesse em você! Não gosto de Salamandras, são estranhos! –
disse ela virando os olhos. Hasan sacudiu a cabeça e riu.
– Não se preocupe com isso, não precisa dar nenhuma explicação,
também não tenho nenhum interesse em você! – Eles estavam conversando
tranquilamente como se eu não estivesse ali. Andamos em silencio pelo que
pareceu ser uma vida até luz forte no final do túnel. Ainda era dia do outro
lado, parecia ser por volta de três da tarde, pisamos em um terreno árido e
cheio de pedregulhos, o ar era rarefeito, estava com um pouco de dificuldade
de respirar e o calor era quase insuportável, Yurin parecia tranquila e Hasan
mais ainda. Estávamos na metade de um morro, Hasan começou a subir, o
túnel foi se fechando atrás de nós lentamente até seu brilho desaparecer por
completo. Yurin segurou meu braço, notando minha dificuldade e me
ajudou a subir. Ao chegar no topo do morro meu coração acelerou.
– Hasan, o que é aquilo? – Apontei para o alto, um planeta gigantesco
cobria parte do céu, haviam anéis em volta dele, parecia muito com saturno.
– Aquele é Saldazaris, o mundo dos ventos. – Disse ele olhando para
cima também. – É o único planeta dos doze mundos que você não gostaria
de pôr o pé! – Ele deu uma piscadinha para mim.
– Acho que teria mais medo de ir parar em Mogyin! – Retruquei.
– Não é não, em Mogyin o tempo passa de forma suave, como na terra,
e a guardiã das almas é muito gentil! Já Saldazaris, se você ficar por um dia
inteiro lá, você envelhece instantaneamente e todos os que conhecer já
estarão mortos, um dia em Saldazaris equivalem a quatorze mil anos em
Amantia! – Explicou ele fazendo minha pele se arrepiar e meus olhos se
encherem de lágrimas.
– Noliah pisou lá para estudar o planeta, só haviam se passado três
horas que ele estava lá quando recebeu a notícia do casamento de Lórien
com Andros, ele ficou desesperado, havia deixado Lórien com dez anos em
casa. Daí acho que ele foi para Somnus e ficou preso lá pois havia passado
seus poderes para Ewren. – Disse Yurin com a cabeça baixa.
– Como sabe de tudo isso? – Perguntei chocada.
– Meu pai mantém comunicação constante com Farah e com Mayra! –
Explicou ela suspirando.
– Mas se ele conseguiu sair rapidamente de Saldazaris para Somnus,
por que não voltou para Amantia? – Perguntei.
– Somnus, Saldazaris e Ciartes estão na mesma dimensão,
estranhamente com tempos muito diferentes.
– Acho que isso foi culpa da espiral que prende os doze mundos! Se ela
não existisse talvez o tempo seria igual nos doze mundos. – Hasan bufou. –
Mesmo quando você faz algo bom, desencadeia algo ruim! Isso parece um
clichê da magia, nada fica perfeito para ambos os lados, alguém sempre vai
ser afetado!
– Assim como a maldição, beneficia Fairin e Veruza, mas prejudica
incontáveis vidas e destinos! – Resmunguei.
– Não beneficiou a eles Leona, eles tiveram uma vantagem apenas,
nada que é feito com fim de prejudicar alguém tem futuro! O mal sempre
tem um fim, nem sempre esse fim é rápido e muitas vezes ele destrói muito
antes de ser eliminado por completo! – Yurin sorriu e acariciou minha
cabeça.
– Se não fosse com o intuito de acabar com a maldição eu não existiria,
provavelmente nós dois não existiríamos, Ewren ainda seria mal, Eirien não
teria oportunidade de ver sua filha de novo... Muitas coisas ruins
aconteceram, mas houveram coisas boas também! – Ele virou para trás e
sorriu. Respirei fundo evitando falar de coisas ruins que me lembrava, já que
a lista era infinitamente maior que a de coisas boas.
– Por que aqui está dia? – Perguntei, mudando de assunto.
– Aqui tem três sóis, meus pais e Gálatas. Sirius e Áries nascem as seis
aqui e se põe as oito da noite, eles devem ter acabado de se pôr, gálatas por
outro lado só se põe as duas da manhã e retorna as quatro da tarde.
Salamandras não precisam de muitas horas de sono, nós dormimos pouco!
– Então a noite em Ciartes só tem quatro horas?! Isso é pouco, deve ser
terrível para dormir aqui! – Falei.
– É mais que suficiente para acontecerem as tragédias, Ciartes é mais
infestado de Lobisomens, Lobos selvagens e vampiros do que Pollo, Somnus
e Amantia. – Disse Yurin olhando com cautela a floresta atrás de nós.
– Quando os magos vieram dos outros mundos para cá, eles mudaram
aos poucos a atmosfera do planeta, o deixando menos quente, antigamente
era apenas um deserto gigante! – Explicou Hasan enquanto caminhávamos
morro abaixo.
– Não pisaria aqui antigamente por nada! Um humano poderia
facilmente fritar aqui! – Falei, Yurin bufou.
– Quando os sóis fizeram o círculo dos doze e os mundos foram ligados,
os portais instáveis também aumentaram e ligaram os mundos aos outros.
Quando comerciantes de Ciartes descobriram que podiam transitar
facilmente por entre os mundos eles trouxeram humanos para cá para lhes
servirem como escravos, porém quando outras raças começaram a invadir
Ciartes, os humanos foram libertos pelo rei com a condição de que
ajudassem a combater os monstros invasores e receberam terras para
viverem pois já estavam adaptados e não queriam voltar aos seus mundos.
– Que horror! – Falei. – O preço da liberdade deles foi quase suas vidas
então!
– Os Salamandras criaram uma academia trazendo os melhores
mestres de todas as artes que poderiam ser usadas em batalhas e guerreiros
mais fortes e habilidosos dos doze mundos para lecionar nessa academia e
assim treinar os caçadores para se livrarem das feras, a Academia dos
Caçadores Venox. Nellena, Ewren, Demétrius, Medras, Lórien... todos eles
treinaram lá.
– Interessante, e onde fica essa academia? – Perguntei. Hasan olhou
em volta e apontou para um vale não muito distante dali.
– Por coincidência o castelo fica bem perto do Vale Cinzento, estamos
bem perto da cidade principal onde precisamos ir. – Disse Hasan, nem havia
notado que já estávamos no terreno plano. Hasan deu uns passos mais à
frente e assobiou alto, um som estranho foi ouvido ao longe, uma espécie de
canto assustador de alguma ave. Poucos minutos depois, uma sobra
apareceu sobre nós fazendo círculos no céu, olhei para cima e me espantei
ao ver o tamanho da fênix que nos rodeava, devia ter cinco vezes o tamanho
da que encontramos na montanha das cinzas. Suas penas não eram laranja-
avermelhadas iguais às da fênix de Amantia, mas eram púrpuras e
brilhantes, pareciam feitas de veludo. Ela baixou perto de nós, pousando
suavemente, encarou Hasan com seus olhos cor de fogo e grasnou alto.
– Subam! – Disse ele montando nas costas da fênix e nos puxando para
cima também, as penas dela realmente pareciam veludo, tinham um toque
acetinado e suave mas o cheiro que saía do seu bico longo e amarelo me
incomodava, era cheiro de enxofre e fumaça. Hasan afagou sua cabeça e lhe
disse coordenadas na língua dos Salamandras, ela abriu as asas e voou. O
calor era ainda pior voando, o que salvava era o vento do voo da fênix.
– Os salamandras daqui são muito interesseiros, não aceitam nada que
não os beneficiem, tem que ter cuidado com a falsidade deles também! –
Disse Hasan, isso me deixou ainda mais alerta.
– Para onde vamos? – Perguntou Yurin.
– Cidade do Sol, para o palácio de Hargas. Não estamos muito longe, o
vale Cinzento é uma das primeiras barreiras que protegem a Cidade do Sol.
– Hasan parecia apreensivo, olhava preocupado o deserto que havíamos
alcançado.
– O que foi? – Perguntei olhando-o segurar o cabo da espada com os
punhos cerrados.
– Em Ciartes tem muitos dragões, muitos mesmo! E não são mansos
como os de Amantia, a diferença está apenas no tamanho, os daqui são do
tamanho de lagartos, voam e atacam em bandos, são muito violentos em
compensação ao tamanho. – Explicou ele olhando desconfiado para uma
nuvem que se movia rápido em nossa direção.
– Aquela nuvem está muito rápida! – Disse Yurin.
– E contra o vento! – Fiquei de pé e olhei atentamente, eram dezenas
de pequenos dragões voando rapidamente em nossa direção.
– Hasan? O que faremos com eles? – Perguntou Yurin ignorando sua
espada. – Armas não farão a menor diferença aqui! – Ela olhava preocupada
pela velocidade que eles vinham em nossa direção.
– Sacerdotisa das águas, você tem domínio sobre seu elemento sabia?
Você poderia fazer nevar agora e espantaria eles! – Disse Hasan brincando
comigo, fiquei de pé sobre a fênix usando energia para não desequilibrar,
peguei o cajado em meu pescoço e senti uma diferença no meu poder.
– Parece que meu poder está mais fraco! – O Cajado parecia mais
pesado em minha mão do que de costume.
– Você matou Guinn, tecnicamente era um parente seu, isso fez você
perder um pouco de seus poderes, fora o fato de que Ciartes é um mundo
muito resistente à Magia! – Explicou Hasan.
– Leona! – Yurin virou meu rosto, os dragõezinhos estavam perto
demais de nós! Eles eram fofos, mas suas fileiras de dentes afiados fizeram-
me resolver espantá-los de uma vez. Ergui o cajado para o céu e o girei até
que uma espessa camada de nuvens cinzentas cobrisse os céus, um vento
gelado começou a soprar fazendo com que as penas na fênix engrossassem
sozinhas, ela ficou parecendo uma ovelha púrpura voadora, os pequenos
dragões diminuíram sua velocidade e pareciam confusos com a repentina
mudança de temperatura. Foi tão de repente que cheguei a me assustar, uma
chuva grossa de flocos de neve nos atingiu, Hasan teve que aumentar sua
temperatura pois a fênix se assustou com o frio e quase nos derrubou, os
dragões ficaram atordoados e começaram a cair cobertos de neve.
– Tadinhos! – Falei olhando-os caindo daquela altura de encontro ao
chão.
– Diz isso pois nunca tomou uma mordida de um deles! – Hasan falou
aborrecido. – Quando treinava com meu pai no Deserto Palmaris, levei
muitas mordidas deles até aprender a repeli-los com neve.
– Então por que não os espantou? – Perguntei irritada, não gostava de
judiar de animais, ainda mais tão fofinhos.
– Estou com preguiça! Qual é a graça de ter um irmão mais velho e não
deixar ele resolver os problemas para você? – Ele estava rindo.
– Tecnicamente você é meu irmão mais velho, Hasan! – Ralhei.
Ele apenas riu e voltou a olhar para frente.
– A cidade do Sol? – Perguntou Yurin apontando na direção de uma
grande torre dourada a alguns quilômetros a nossa frente.
– Sim, mais alguns minutos e chegaremos lá! – Disse ele bastante
animado, a neve caía deixando o dourado da torre um pouco sem vida. Mas
o que me chamava a atenção não era a torre, no meio do caminho entre a
Cidade do Sol rodeada por um deserto e o Vale Cinzento havia uma enorme
árvore com folhas vermelhas e galhos que iam até o chão ela ficava na
metade do caminho no deserto, longe floresta do Vale, a árvore era pelo
menos cinco vezes maior que a torre da cidade, devia dar para vê-la quase
do outro lado desse mundo.
– Que árvore é aquela Hasan? – Perguntei sem tirar os olhos dela. Ele
nem olhou na direção que eu olhava para responder.
– É a árvore do fogo! Existem lendas de que dentro dela existe uma
casa esculpida pelos primeiros salamandras. Dizem que dos ovos de um
gigante lagarto de fogo nasceu uma mulher em forma humana, sua pele era
avermelhada e seus olhos pareciam chamas e ela queimava tudo que tocava.
Ciartes era um grande mundo verde antes dela nascer, quando ela
tocou os pés no solo, todas as plantas morreram fazendo Ciartes virar um
grande deserto. A única planta sobrevivente foi aquela árvore, então a
mulher cresceu protegida pelo poder da árvore. Porém ela se sentia muito
só, já que as únicas criaturas que existiam eram as que se tornaram imunes
ao seu fogo e não havia ninguém igual a ela. A árvore vendo o sofrimento e
a solidão dela, resolveu lhe dar companhia de acordo com sua espécie única,
com seus galhos fez os ossos, com suas folhas a carne e a pele e com sua seiva
fervente fez o sangue, assim a primeira salamandra teve um companheiro
semelhante a ela. Foi assim que dizem nasceram os Salamandras! – Hasan
contou a história e eu estava de boca aberta escutando atentamente.
– Não conhecia isso! – Falei.
– Não tem em nenhum dos livros de Amantia, talvez eu devesse
escrever isso! – Disse ele sorrindo. – Preparadas? Vamos descer! – A fênix
começou a circular a área em volta da cidade, era tão grande, devia ter umas
seis vezes o tamanho de Alamourtin, Hasan voou por cima dos muros da
cidade, parando numa segunda parte também cercada no interior dela, lá
dentro estava o castelo.
A fênix fez um som agudo e abriu as asas, ela estava pronta para partir,
quando voou deixou cair algumas penas. Lembrei da poção de asas que
Lórien havia me dado, peguei a poção e coloquei a pena dentro, ela
dissolveu-se deixando a poção com a mesma cor da fênix.
– Bom, espero que funcione desta vez! – Falei respirando fundo e
virando o frasco na boca. O gosto era horrível, parecia muito com óleo de
rícino. Após tomar, senti uma sensação estranha, como se minhas costas
queimassem e se esticassem, algo ardeu desde meu ombro direito até minha
coxa esquerda.
– Será que funcionou desta vez? – Perguntei. Yurin foi para trás de
mim e desabotoou o vestido. A ouvi sugar o ar, virei para encará-la, ela
estava sorrindo.
– Tem uma fênix purpura nas suas costas! A cabeça dela está aqui! –
Disse ela tocando meu ombro. – A cauda se perde mais para baixo...
–Agora façam o favor de se arrumarem! Se entrarmos na cidade com
vocês vestidas assim, seremos presos na hora! – Eu olhei minhas roupas,
ainda estava suja de sangue dos guardas que matei e de Amaterasu, se
entrasse assim e com a lança nas mãos, seria considerada uma ameaça
imediatamente, usei meu cajado para ficar limpa, mudar a roupa e arrumar
os cabelos, vestindo-me com um vestido de seda preto na altura dos joelhos
e um salto de verniz da mesma cor. Fiz o mesmo com Yurin, ela ficou como
uma verdadeira princesa agora com um vestido dourado longo e uma
pequena tiara com a flor de lis no meio de sua testa.
– Deixei a tatuagem aparecendo, assim caso aconteça alguma coisa,
você sai voando! – Disse Yurin mordendo os lábios, fiquei com um pouco de
medo da cara que ela fez, mas fiz o que ela falou modificando as costas do
vestido, fazendo-o ficar com apenas um colar de pérolas segurando a parte
da frente.
– Não abaixem a cabeça, sempre os encare de cabeça erguida, eles são
como os dragões, quando percebem fraqueza eles atacam! Mostre que não
se sente intimidada por eles! – Explicou Hasan rapidamente enquanto
entrávamos pelos portões da cidade. Acendi minhas marcas, joguei a trança
para trás e o segui cidade a dentro.
Yurin andava atrás de mim como uma guarda costas, seus olhos
varreram a cidade num instante, Hasan andava ao meu lado, com uma mão
sobre a espada, eu estava maravilhada demais para ter qualquer reação de
defesa, a cidade era linda! As construções eram perfeitas, todas nas cores
dourado e laranja, parecia que eu estava andando dentro de uma caixa de
joias, porém o brilho estava fraco já que nuvens espessas cobriam toda a
região e a neve caía aqui, me senti dentro de um globo de neve
perfeitamente trabalhado em ouro. Não havia ninguém do lado de fora das
casas, o comércio estava fechado e apenas alguns guardas estavam do lado
de fora, eles tremiam e estavam agarrados as suas armas, batiam os dentes,
alguns estavam desmaiados. O único som que ouvíamos era de um choro
feminino vindo de um prédio mais afastado da praça, uma instalação de
cura.
– O que está acontecendo com eles? – Perguntei me aproximando de
um deles que estava caído no chão tremendo.
– Nunca nevou em Ciartes! Na verdade, a temperatura aqui nunca
desceu abaixo dos 30°C. Muitos salamandras não sabem usar suas
habilidades de fogo! – Hasan me explicou.
– Ah! Eu sinto muito! – Falei, não estava sentindo frio nenhum. Movi
meu cajado para o alto “Dissipem! Tragam de volta o calor a essas terras! ”
Pedi baixinho. As nuvens desapareceram, o sol que ainda estava sobre nós,
começava a inclinar-se na direção do horizonte. Em nossa direção vinham
algumas pessoas vindas do castelo, eles estavam cercados de guardas por
todos os lados. Hasan falou bem baixinho para que apenas eu escutasse.
– Coloque uma bolha de proteção em volta de você e Yurin, vou
derreter a neve da cidade antes que haja problemas! – Obedeci, coloquei
rapidamente uma barreira, Hasan se afastou alguns passos de nós, sua pele
se acendeu como uma lâmpada incandescente de duzentos watts, o calor que
veio dele foi tão intenso que me fez desejar a neve de volta. Virei na direção
de Yurin e abri as asas pela primeira vez, nos escondendo dentro dela para
que a luz não nos cegasse. Mesmo assim o brilho atravessou as penas de
minhas asas e nos deixou dentro de um ninho púrpura. A luz desapareceu,
abri as asas para que pudéssemos enxergar o que estava acontecendo, os
guardas olhavam com espanto para Hasan, ao que parecia, sua luz não os
afetava, muito pelo contrário, eles não ficaram incomodados com aquele
clarão, estavam maravilhados. Um Salamandra que vinha no meio dos
guardas deu um passo à frente sem tirar os olhos de Hasan.
– Foram vocês que trouxeram aquela coisa fria? – Sua voz grave como
um trovão chegou a me assustar por um instante, mas não podia demonstrar
medo, virei em sua direção e encolhi as asas sem fazê-las desaparecer, depois
de usar summon de aves como treino, parecia bem fácil movimentá-las.
– Fui eu, senhor, sinto muito! Só estava tentando espantar os dragões
que nos seguiam! – Ele desviou os olhos azuis que estavam fixos em Hasan e
os pousou sobre mim, parecia ainda mais perplexo do que antes. Ele olhava
espantado minhas asas, as marcas douradas e os cabelos prateados.
– Você tem um olho lilás e outro amarelo... é uma hibrida? – Perguntou
ele aproximando-se de mim. Fiquei sem jeito com sua aproximação
repentina, mas Hasan acenou discretamente com a cabeça para que eu
respondesse.
– Sim, sou uma maga meio humana, meio metamorfa! – Respondi sem
gaguejar, ele era alto e tinha o mesmo calor sufocante na pele que me
alcançava mesmo a alguns centímetros de distância.
– E você é o filho dos sóis! Não é? – Perguntou ele olhando novamente
para Hasan.
– Sim, me chamo Hasan. – Respondeu ele com uma reverência sutil. –
Essa é minha irmã de criação, Leona, a sacerdotisa das águas de Amantia e
esposa do filho mais velho da rainha Eirien, e essa é Yurin, filha mais nova
da rainha. – Hasan nos apresentou, fizemos uma reverência semelhante a
que Hasan fez e sorrimos.
– Rei Hargas Salomon quinto! – Ele nos fez uma reverência também.
– O que houve com o rei Gyliar? – Perguntou Hasan com um olhar
desconfiado.
– Meu pai estava muito velho, ele foi descansar os ossos no deserto da
sombra! – Disse o rei com uma expressão tristonha no rosto. – Mas não
precisam ficar tristes! Vamos comemorar! Faz mais de mil e quinhentos anos
que não temos visitas de Amantia! Quero conversar sobre uma nova aliança!
– Ele deu um tapa forte nas costas de Hasan e o arrastou na frente, Yurin e
eu os seguimos sem entender exatamente o que estava acontecendo.
– Nós que somos da família real e ele que vai ao lado do rei para tratar
uma aliança? – Yurin parecia frustrada com o pouco caso que o rei fez de
nós.
– Até onde eu sei, Salamandras são adoradores do Sol. – respondi o
mais baixo que pude. – Hasan é filho de dois dos sóis que iluminam o mundo
deles, acho que é normal essa adoração! – Falei. Yurin não estava convencida
disso, ela ainda olhava feio para o Rei e Hasan à nossa frente, o rei parecia
ser um guerreiro também, era alto e forte, tinha os cabelos ruivos espetados
e olhos azuis tão claros que quase pareciam prateados. O palácio não era tão
grande quanto imaginei que fosse, era menor que o castelo de cristal, mas
não deixava de ser exuberante, as paredes douradas tinham pequenos
desenhos trabalhados à mão em formato de sóis e raios e as cobriam do teto
ao chão. Não haviam muitos guardas no interior do palácio, na verdade
haviam poucos guardas mesmo do lado de fora.
– Por que tem tão poucos guardas por aqui? – Perguntei.
– Por que tem muitos caçadores guardando as redondezas da cidade,
os guardas são só para manter a ordem, aqui ninguém se opõe a família real,
eles são muito temidos e ao mesmo tempo muito respeitados... – Yurin
estava explicando, mas parei de prestar atenção para olhar uma escultura
que ficava na entrada de uma grande sala com o piso feito de mármore e
contas negras. A estátua era um casal esculpido em uma pedra coral, eles
estavam em uma posição muito incomum para estar no meio de um castelo
as vistas de todos, o homem estava ajoelhado com as costas arqueadas para
trás e segurava uma mulher que estava com as pernas em volta de sua
cintura e segurava um globo de vidro cheio de areia acima de sua cabeça.
– São os primeiros salamandras! – Disse o rei virando-se para trás,
notando meus olhos presos a estátua, ele fez um movimento com a mão para
que o seguíssemos. Fiquei corada e desviei o olhar, andando novamente na
direção deles, Yurin ria discretamente da minha cara envergonhada e me
deu um tapinha no ombro.
– Não é um lugar apropriado para ter uma estátua daquelas! –
Resmunguei baixinho.
– Por que não? – Yurin olhou-me confusa. – Não tem nada de errado
na estátua ou no ato que elas estão representando, é muito natural! Afinal,
são assim que os povos nascem, não é? A não ser que você saiba outra
maneira mais fácil e menos divertida! – Ela deu um sorriso malicioso e
mordeu os lábios novamente.
– Você é idêntica ao seu irmão, sabia? Tem certeza que não tem uma
centena de anos? – Perguntei, ela riu e atravessou os arcos que levavam à
uma sala belíssima, forrada com tapetes de cores fortes, as paredes aqui não
eram douradas, mas sim vermelhas e polidas de forma que podia ver meu
reflexo, as paredes pareciam espelhos vermelhos, aumentava a sensação de
calor que já estava quase me sufocando.
Do outro lado da sala, ao lado do trono havia uma mulher, uma
salamandra tão linda, seus cabelos loiros estavam presos num coque, ela
estava tão bem vestida e penteada que me fez sentir uma maltrapilha, ela
nos olhava desconfiada com seus olhos vermelhos e segurava
carinhosamente sua barriga roçando os dedos sobre ela, devia estar bem
perto de dar à luz, mas não mostrava nenhum sinal de cansaço ou incômodo.
O rei se aproximou dela e falou algo, apontando para Hasan e depois para
nós ela então ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Essa é minha esposa, rainha Sheriah! – Disse ele com um sorriso
exuberante no rosto.
– Bem-vindos a Ciartes! – Disse ela com sua voz doce e melodiosa
fazendo uma reverência, repetimos o gesto e agradecemos. Nos
aproximávamos de onde ela estava, quando de repente duas crianças
passaram correndo e quase nos derrubaram, era um menino ruivo forte e
bem grande, muito parecido com o rei com os mesmos olhos azuis e vivos,
ele passou correndo com uma espada de madeira na mão, correndo atrás de
um menino menor e cabelos longos e loiros e olhos vermelhos, também
parecido com o rei, mas com os olhos vermelhos da mulher que estava ao
seu lado. Parecia que o menino ruivo estava querendo bater no menor.
– Ericko! Já disse para não bater em Kuran, ele só tem sete anos! Largue
essa espada ou vou usá-la para esquentar você! – A rainha gritou tão alto que
nos assustou, parecia uma voz do além gritando. – Me desculpem! Ericko é
um pouco travesso! – Disse ela envergonhada pela atitude do filho e o
fulminando com o olhar, o menino apenas sorriu de forma travessa e fixou
os olhos em mim, nas asas.
– Deixa eles, mulher! Se Kuran não aprender a se defender será um
fraco! – Deu para notar a preferência do rei pelo seu filho mais velho, era
uma diferença de atenção visível.
– Não quero dois filhos brutos, Hargas... – murmurou a rainha virando-
se e sentando na cadeira ao lado do trono, na certa ela apenas pensou alto.
– Mas então, quais motivos os trouxeram aqui? – Perguntou o rei
sentando-se pesadamente ao trono.
– Estamos aqui para pedir ajuda, precisamos dos caçadores, estamos
enfrentando um mago problemático em Amantia que quer dominar os doze
mundos e precisamos de mais aliados! – Respondeu Hasan indo direto ao
ponto. O rei ergueu uma sobrancelha e um sorriso de zombaria apareceu em
seu rosto.
– Como assim um mago que quer dominar os Doze Mundos, não existe
ninguém com poder para isso! Apenas seus pais, mas eles já são nossos
guardiões e não permitiriam tal coisa! – Respondeu ele.
– Não, Fairin tem um poder semelhante ao deles. Ele conseguiu tal
poder tomando o sangue amaldiçoado de uma família de magas...
– As Arbarus! – O rei cobriu a boca e encarava Hasan. – Eu imaginava
que isso fosse alguma lenda ou uma mentira inventada por alguma bruxa
ciumenta para prejudicar alguém! – Disse ele pensativo.
– Não foi uma mentira inventada por uma bruxa ciumenta, mas foi
uma maldição lançada por uma bruxa ciumenta! – Disse Yurin.
– Mas então os meus caçadores não servirão de nada para vocês, serão
massacrados por esse mago!
– Não serão não, Fairin não deve se arriscar diretamente no campo de
batalha, só precisamos de mais gente para que eu possa alcançá-lo, ele
convocou exércitos de Evenox e Vegahn, fora os que haviam se unido a eles
em Amantia. – Respondi.
– Se ele já tem esse poder todo, por que ainda não usou seus poderes
para conquistar os mundos? – Perguntou Sheriah, ela estava apreensiva
segurando Kuran nos braços.
– Falta o sangue de uma geração para ele conquistar o poder que
precisa para fazer isso, temos que matá-lo antes que ele consiga o poder da
última geração! Hoje mais cedo ele quase escapou para Vastrus com minha
filha para fazê-la crescer rápido e tomar seu sangue também! – Falei, Sheriah
apertou Kuran em seus braços com um olhar solidário a mim.
– Que idade sua filha tem? – Perguntou a rainha com um brilho
estranho no olhar.
– Menos de um mês. – Falei.
– Então vocês só precisam de nossa ajuda para atrasar as tropas de
Fairin enquanto você o enfrenta, é isso? – Perguntou o rei encarando-me.
– Basicamente. – Respondi.
– E de onde vai tirar forças para matá-lo? – Perguntou ele olhando-me
com curiosidade, estava me analisando, não parecia ameaçadora suficiente,
nem forte o suficiente. Lembrei do momento que ia matar Ervie, segurei meu
cajado e o transformei em uma lança, mudei minhas marcas para que se
tornassem vermelhas novamente, para dar um ar ainda mais assustador,
aproveitei minha recém descoberta condição de meio metamorfa e fiz meus
cabelos ficarem vermelhos também. A sala brilhou com minhas marcas, o rei
e a rainha me olhavam incrédulos.
– É quase uma maga negra... é bom que você não passe disso, minha
jovem! Não queremos problemas com um mago negro novamente! – Disse o
Rei, Kuran que estava no colo da rainha mordendo o dedo, havia o soltado e
estava olhando para mim vidrado. Voltei ao normal e guardei o pingente.
– Posso contar com ajuda de vocês? – Perguntei.
– O que ganharemos com isso? – Perguntou o rei surpreendendo-me.
O que ele queria?
– Fora manter sua liberdade, seu mundo em ordem e sem um maluco
sem escrúpulos mandando em tudo? – Perguntou Yurin sarcasticamente.
– Vou direto ao meu ponto então! – Disse o rei se levantando e vindo
até nós. – O que eu quero é uma aliança firme entre os dois mundos, um
casamento ente a descendência do rei de Amantia e a minha...
– Sou muito velha para seus pirralhinhos! – Disse Yurin com os olhos
arregalados, ela não simpatizava muito com os salamandras.
– Você não é filha do rei de Amantia, é filha de uma rainha e Eirien
deve passar o trono para frente em breve...
– O que quer dizer? – Perguntei.
– Eu tenho dois filhos, e você uma filha...
– Não pediria para nenhuma delas casarem com alguém que elas não
gostam. Sei como é casar com alguém por obrigação! – Disse lembrando de
Lórien e Andros.
– Mas você não sabe se elas podem ou não gostar de um dos meus
filhos! – Ele parecia ofendido, mas precisava da ajuda deles para protegê-las.
– Mas nada impede que um deles tentem conquistar uma delas, não
impediria isso! – Eu estava com ciúmes de minhas filhas, elas não tinham
nem um mês e eu não havia passado nem dois dias inteiros com elas sem
preocupação, então não ia forçá-las a nada, mas ele não precisava saber disso
agora!
– Eu preciso de uma garantia! – Disse ele estreitando os olhos.
– Calma, Hargas! Ela ainda nem curtiu muito as filhas, está com
ciúmes! Com o tempo vai mudar de opinião, vai perceber os benefícios de
uma aliança conosco! – Ela piscou para mim, não sabia ao certo se ela estava
sendo solidária a mim ou tentando me comprar com uma falsa empatia.
Resolvi apenas sorrir e aceitar em silêncio.
– Bom, aceitarei isso por enquanto! – Disse o Rei olhando-me de canto
de olho.
– Então, temos que ir! Quando pode enviar os caçadores? – Perguntou
Hasan segurando meu braço e de Yurin.
– Espere! Passem essa noite aqui, darei ordem para que um grupo de
caçadores os acompanhem ao amanhecer! São meus convidados de honra e
jantarão conosco! – Hargas sorriu e bateu palmas antes que pudéssemos
falar alguma coisa e um grupo de serviçais apareceram e começaram a servir
um grande banquete. Estava louca para voltar ao castelo, com medo de que
Fairin voltasse enquanto não estivesse por lá e com mais medo ainda de
voltar e encontrar todos mortos.
– Fique calma! – Disse Hasan ao meu ouvido. – Não é educado recusar
um convite como esse ainda mais quando estamos formando uma aliança.
– Não é hora para perdermos tempo com isso! – Reclamei baixinho.
– Eirien está com elas, não se esqueça de quem ela é, não é à toa que
Fairin precisa dos poderes de Karin para tomar Amantia e os doze mundos,
não confunda a calma e a serenidade dela com fraqueza! – As palavras de
Hasan soaram quase como um puxão de orelha, fiquei em silêncio
resmungando por dentro e chingando-o já que não podia mais bater nele.
A mesa que serviram era muito grande, a quantidade de comida dava
para alimentar umas duzentas pessoas tranquilamente, haviam vários
pratos iguais e também muitos lugares com pratos e talheres sobrando, a
princípio imaginei que fossem aparecer mais pessoas, porém ninguém mais
veio.
Nunca me senti tão infeliz ao ver comida em toda minha vida, eram
aqueles pratos estranhos, frios e crus que via em Amantia. Carnes, peixes e
plantas estranhas e gosmentas. Hasan as comia tranquilamente mesmo
estando acostumado a comidas humanas, para ele devia ser fácil comer
aquilo. Yurin conseguiu facilmente se livrar do jantar, era uma elfa branca,
e como tal era “vegetariana” ao conhecimento deles, mal sabiam que ela
comia até um boi inteiro se colocassem na sua frente, mas sua repulsa a
Salamandras se estendia a seus costumes e comidas também, ela só era
educada o suficiente para não deixar aquilo transparecer.
– Come, parece sushi! – Disse Hasan mordendo os lábios para não rir.
– Se lembra daquela vez que mamãe nos levou no restaurante japonês
em Icaraí? – Perguntei, o rosto de Hasan ficou vermelho e ele espetou suas
unhas no braço para não rir alto. Eu tinha dez anos, naquele dia quando fui
forçada contra minha vontade a ir no restaurante com eles, minha mãe
enfiou um pedaço de sashimi em minha boca, ao sentir o gosto eu o cuspi no
chão e peguei um pouco de wasabi achando que era algum doce para tirar o
gosto ruim da boca, nunca paguei outro mico tão grande quanto aquele em
toda minha vida.
– Use seus poderes para alguma coisa que te beneficie! – Disse Yurin
num sussurro, Kuran e Ericko comiam desesperadamente como se não
houvesse amanhã, olhei para Sheriah para ver a reação dela, ela nem ligava
para eles, quando olhei para o rei, vi que ele comia como os filhos e pareciam
estar disputando para ver quem comia mais.
– Não posso transformar a comida para algo que eu gosto, iria parecer
desfeita! – Cochichei para ela.
– Não seja burrinha, Leona! Basta transformá-la quando já estiver
dentro da sua boca! – Ela revirou os olhos e riu.
Fiz o que Yurin havia dito, espetei com o garfo um pedaço de peixe
mole e frio em minha frente e respirei fundo, coloquei na boca tendo certeza
de que não iria tocá-lo na língua antes de transformá-lo em um delicioso
pedaço de churrasco. Fiquei aliviada ao morder e perceber que havia se
transformado em churrasco, comi feliz depois disso, apreciando o
livramento que meus poderes me proporcionaram mais uma vez.
– Estão gostando? – Perguntou a rainha para nós.
– Maravilhoso! – Respondi sorrindo, referindo-me ao mágico pedaço
de bolo que estava comendo ao colocar aquelas ervas gelatinosas na boca,
Hasan ainda evitava rir e Yurin estava em silêncio olhando o sol descendo
devagar no horizonte.
– Vou pedir para mostrarem os quartos de vocês! – Disse a rainha
chamando uma serva que esperava para retirar a mesa.
– Agradecemos a sua hospitalidade! – Falei me levantando e seguindo
a moça, ela era humana também assim como vários servos.
– Sobrou tanta comida naquela mesa! Não entendo por que mandar
preparar tanta comida para tão poucas pessoas! – Falei olhando
discretamente para trás.
– O rei Hargas traz os moradores das ruas da cidade ao castelo todas
as noites e permite que eles comam à mesa com o rei, ele só esperou vocês
acabarem de comer pois o calor gerado por todos os salamandras poderia
fazer você passar mal! Os humanos criados aqui estão acostumados com esse
calor extremo, vocês não! – Disse ela dando um pequeno sorriso.
– Ah, entendo! – Respondi, pelo menos parecia que ele era um líder
que se importava com o povo.
Yurin, Hasan e eu acabamos ficando em quartos separados.
– Qual seu nome? – Perguntei quando ela me deixou na porta de um
dos quartos.
– Lou. – Respondeu ela curvando-se para sair.
– Obrigada Lou! Boa noite! – Falei, ela sorriu e se afastou. Quando ia
fechar a porta do quarto senti alguém puxar minha roupa. Olhei para trás e
fiquei surpresa ao ver Ericko me encarando com seus olhos vermelhos.
– Com licença, mas suas filhas são lindas iguais a senhora? – Ele
perguntou deixando-me totalmente desconcertada e corada.
– Acho que uma delas se parece comigo, as outras devem ficar
parecidas com Yurin...
– Como é o nome dessa que se parece com a senhora?
– Karin! – Respondi.
– Karin... Entendi, vou gravar esse nome, quando ela crescer eu vou a
Amantia para conquistá-la tudo bem? – Perguntou ele ainda me encarando,
ele estava sério, não parecia estar brincando.
– Que idade você tem Ericko? – Perguntei.
– Fiz doze ontem! – Disse ele sorrindo. Arrumei sua trança ruiva que
estava bagunçada, na certa ele veio correndo atrás de mim. Ele era tão
fofinho!
– Tudo bem, Ericko! Vou ficar feliz em receber você lá! – Falei – Mas
para você se casar com Karin, vai ter que me derrotar primeiro! – Falei
brincando, acariciando sua cabeça. Ele deu um sorriso alegre, mostrando as
presas pequenas, mas pontiagudas. Perigoso, fofo e perigoso.
– Eu estou no terceiro ano da ACV! Vou treinar duro para conseguir
isso, mas não vou machucar a senhora, um verdadeiro cavalheiro nunca
coloca uma dama em perigo! – Disse ele virando-se para ir embora.
– Gostei de você, Ericko! Vai ser um líder incrível um dia! – Ele
agradeceu e desapareceu no corredor antes que eu terminasse de dizer. O
sol ainda não havia desaparecido no horizonte, o céu estava completamente
vermelho, o quarto que estava ficava em um dos andares superiores do
castelo e da janela dava para ver as areias em volta da cidade. Sentei na
janela, ela era grande e larga como a da casa de Arin, mesmo com as pernas
esticadas, não chegava nem na metade da janela. Fiquei olhando a imensidão
do deserto e a luz que vinha do sol, sentia uma nostalgia, mas não sabia
explicá-la.
– Bonito, não é? – Disse uma voz masculina, um brilho vermelho
apareceu em minha frente deixando-me temporariamente cega.
13

S irius? – Me surpreendi quando ele diminuiu seu brilho,


estava sentando na janela em minha frente observando o
deserto também.
– Trouxe Áries aqui uma vez, ela quase morreu com
o calor, quando voltamos para Amantia ela passou uma
semana sem falar comigo, pois eu havia insistido para ela vir mesmo
sabendo que alguém como ela não poderia ficar muito tempo em Ciartes. –
Disse ele olhando para o nada.
– Como assim alguém como ela, sou parte humana também, e estou
odiando o calor, claro! Mas estou suportando-o bem! – Respondi. Sirius me
encarou com uma sobrancelha erguida.
– Áries, uma humana? – Ele riu de mim. – Ela tem aparência humana
para você?
– Não exatamente... quer dizer, ela parece albina, mas ainda assim...
Bom quando ela nos salvou no castelo ficou com uma aparência bem
diferente! – Falei.
– Áries não é humana! Ela é uma Malvarmo.
– O que é isso? – Perguntei.
– Uma espécie semelhante aos Ymir, mas numa forma mais humana.
– Explicou ele.
– Mas Eirien disse que ela era da Terra! – Falei.
– Ela nasceu em Vegahn, foi para terra ainda pequena, mas seus pais
não conseguiam controlar a força dela e a levaram para Amantia, foi assim
que a conheci! Eles apareceram no templo de fogo com uma criança branca
como a neve com uma força assustadora que não conseguia conter. Eles a
deixaram no templo e fugiram de volta a Vegahn. Eu tive que cuidar dela, o
sacerdote daquele templo era um Arbarus também, Helon, esse era o nome
dele, de meu mestre. Ele me ensinou a controlar meus poderes e ensinou
Áries a controlar sua força. Foi ele que deu esses nomes a nós. – Disse ele. –
Áries tinha o nome de Letícia na terra, eu não me lembro o nome que tive
antes.
– Eram quase como irmãos então! – Falei.
– Quase... – ele riu.
– Qual é a graça?
– Eu a odiava! Áries era chata, respondona e muito grossa! Ela sempre
me derrotava nos treinos, depois descobriu que podia invocar o gelo, ela
vivia congelando o templo e eu detesto o frio, ela sabia e fazia de propósito
para me irritar! – Disse ele rindo ainda mais.
– Então como foi que acabaram juntos?
– Dizem que os opostos se atraem! – Disse ele sorrindo. – Nós ficamos
juntos no conselho do reino e começamos a gostar um do outro aos poucos.
– Ele olhava ternamente a marca azul em sua mão. – Nós nunca teríamos nos
tornado os melhores sem alguém que nos guiasse pelo caminho certo.
– Então vocês foram discípulos de um parente meu? – Perguntei.
– Os Arbarus foram a primeira família humana a viver em Amantia,
alguns partiram para Dartaris na época dos primeiros reis Élficos. Jocelinne
é neta de Helon, por isso herdou o título de sacerdotisa do fogo.
– Então Jocelinne é mais velha que Eirien?
– Bem mais velha, uns mil e quinhentos anos mais ou menos!
– É bem como você disse aquela vez, tudo está conectado de forma tão
estranha, mas tudo faz sentido no final, não é?
– Espero que faça! Queria muito estar com ela no dia em que Hasan se
casar, sentados perto dele vendo tudo acontecer. Mas agora ela nunca mais
poderá sair do centro do círculo... – Sirius suspirou.
– Eu sinto muito, Sirius! – Não tinha como me desculpar, nada que eu
dissesse poderia fazer a situação de Áries mudar.
– Sei que sente, não precisa se culpar, você não se amarrou no castelo
para ficar à mercê daquele maluco.
Ele ficou em silêncio olhando o sol desaparecer lentamente atrás das
dunas. A noite foi finalmente surgindo revelando no céu uma grande lua
verde e brilhante.
– Era isso que eu queria que ela visse quando a trouxe aqui! – Disse ele
olhando-a. A lua era realmente fantástica, o brilho esverdeado cobriu tudo
deixando o palácio amarelo esverdeado.
– É realmente incrível! – Falei.
– Sabe qual é a pior parte de ser o guardião dos Doze Mundos? É não
poder fazer nada por eles, essa regra de não interferir se não perdemos nossa
forma física! – Ele bateu na soleira da janela. – No começo era fantástico
cuidar de tudo, é terrível ter todo o poder e nunca poder interferir, acho que
é o pior castigo que alguém poderia ter! Viver eternamente vendo a
felicidade dos outros em todos os mundos enquanto você os guarda, mas
nunca poder ajudar ninguém que precisa, ver histórias incompletas sendo
destruídas e ver a dor das pessoas sem poder ir até lá ajudar! Você não pode
mais viver! E o pior, se você deixar seu posto e tentar matar alguém que não
estava destinado a morrer naquele dia, hora, momento... você é preso por
toda eternidade no centro do círculo.
Áries estava disposta a isso, mas eu te agradeço por não ter permitido
que ela o fizesse, ainda existe uma possibilidade de ter alguém mais
poderoso que nós algum dia, essa pessoa só precisa aceitar ser o guardião
dos Doze Mundos, assim nós trocaremos de lugar! Assim Aries e eu
voltaríamos para Amantia! – Ele olhava a lua, tinha esperança em seus olhos.
De repente senti um arrepio com a ideia que tive, as lágrimas chegaram a
brotar em meus olhos, mas as contive.
– Sirius! Já sei como acabar com Fairin e libertar vocês dois! Mas
preciso de sua ajuda!
– Não ouviu a parte do “não interferir”? – Perguntou ele olhando-me
surpreso.
– Acredite em mim! Eu sei o que estou fazendo! Áries me ajudou da
mesma forma, mas com um objetivo diferente! Ela me deu parte de seu
poder para que eu destruísse o círculo dos Doze e todos os portais que ligasse
os Doze Mundos depois que enviasse Hasan e os outros para um mundo
seguro, assim Fairin ficaria preso à Amantia e não poderia dominar todos
eles! – Contei meus planos alternativos a ele.
– Era um bom plano! Mas ainda assim sacrificaria Amantia. – Disse ele
pensativo. – O que mudou agora?
– A ideia é matar dois coelhos com uma cajadada só, assim nem os
habitantes de Amantia seriam prejudicados por Fairin e outro guardião
tomaria o lugar de vocês! – Falei, senti um aperto no peito, mas tinha certeza
de que o meu plano daria certo. Abri a empunhadura da espada e lhe mostrei
a bolinha com o poder de Áries.
– Então você quer que eu te dê meu poder, você vai tomar nossos
lugares na guarda dos doze mundos e usar a ausência da restrição dos seus
poderes, matar Fairin e ficar presa no centro do círculo? – Perguntou ele,
respirei fundo e acenei com a cabeça, deixando-o pensar que era esse meu
objetivo.
– Exatamente!
– E se você nos trair? Der nossos poderes a ele e ajudá-lo a controlar
os Doze Mudos? – Perguntou ele olhando-me desconfiado.
– Fairin cavou a própria cova, Sirius! Posso ter milhares de defeitos,
mas nunca me uniria a alguém como ele! Só não o matei ontem à noite
porque Karin corria perigo, era matá-lo ou deixá-la morrer! – Respondi.
– Ainda assim, você pode ser facilmente corrompida! – Sirius
pressionou as marcas douradas em meu braço, elas ficaram vermelhas.
– É um risco que estou te pedindo para correr! – Falei olhando dentro
de seus olhos.
– Tem que me prometer uma coisa antes! – Pediu ele.
– O que?
– No Mar da Tranquilidade, tem uma fenda gigantesca, chamada
Fenda de Holon, onde nascem os dragões marinhos, aquelas águas são
ácidas, mas lá dentro tem um bolsão de ar com um pequeno vale, dentro
desse vale tem uma fonte de águas cristalinas, são as águas que deram
origem as ondinas, por isso aquele lugar é tão bem guardado e ninguém
nunca chegou lá!
– Se ninguém nunca chegou lá, como sabe que existe?
– São lendas, e as próprias ondinas entram em contradição quando são
questionadas sobre a existência daquele lugar. Você é a primeira sacerdotisa
das águas, nunca houve outra antes de você, isso quer dizer que você não
será afetada pela acidez daquele lugar!
– Certeza disso? – Perguntei estreitando os olhos para ele.
– É apenas uma suposição, mas é um risco que estou pedindo para você
correr! – Disse ele sorrindo maliciosamente. – Eu te dou meu poder, desde
que entre lá, beba a água daquela fonte, assim seus poderes deverão se
purificar.
– O que acontece se eu pegar água de lá?
– Não sei, como disse, ninguém que teve conhecimento do lugar se
arriscou a ir, já que nem navios passam naquela região sem dissolverem nas
águas. – Suspirei, isso não era nada animador, mas precisava arriscar, talvez
ele estivesse certo sobre eu não ser afetada, já que os dragões nasciam lá.
– Me dê sua palavra que vai usar esse poder para destruir Fairin e nos
libertar! – Pediu ele aproximando-se ainda mais de mim.
–Prometo! – Não menti, era essa minha intenção afinal.
– Áries vai me matar! – Disse ele suspirando. – Ela é muito ciumenta!
– É só dizer que é para ela viver ao lado do filho, talvez ela não te mate,
mas me mate no dia em que nos revermos! – Respondi nervosa demais para
pensar em algo bom para dizer, no fundo estava com medo de que Ewren
também não gostasse disso, mas não estava fazendo nada com segundas
intenções. Sirius segurou meu rosto e tocou seus lábios nos meus por um
instante, era como tocar em um marshmallow que estava assando na brasa.
Do mesmo modo que Áries fez, Sirius puxou parte de meus poderes
para fora, misturando-os com o seu. Uma bola de fogo que não queimava,
flutuava a centímetros de meu rosto, ele pegou a bolinha com o poder de
Áries e colocou dentro dela, a bola de fogo se expandiu, mas as cores dos
poderes não se misturaram, ficaram apenas dançando juntos, eu pressionei
a bola com ajuda de Sirius até que ela ficou do tamanho de uma bolinha de
gude, ela pulsava de forma estranha como se estivesse me chamando.
– Não se esqueça da sua promessa! – Disse ele preparando-se para
pular para fora da janela, segurei seu braço antes que ele pulasse e queimei
a mão.
– Espere ai! Ia te pedir mais um favor! – Falei analisando a queimadura
em minha mão.
– O que? Sei que sou irresistível, mas se for para dormir aqui com você
esqueça! – Disse ele olhando-me de lado.
– Ah! Nunca pediria uma bobagem dessas! – Bufei revirando os olhos.
– Queria apenas pedir para que na hora que os exércitos se encontrarem no
campo de batalha, você e Áries se retirassem do céu, para que os vampiros
pudessem participar! – Falei.
– Se é só isso, tudo bem! – Disse ele saltando e desaparecendo num raio
vermelho. Olhei o ponto em que ele havia desaparecido, me senti um pouco
mal, como se tivesse feito algo muito errado, havia o enganado para
conseguir seu poder!

Troquei de roupa, usando meus poderes fazendo aparecer um pijama


fino e curto, deitei na cama e fiquei olhando para o teto, ele era todo
desenhado com raios e estrelas que brilhavam suavemente. As cores desse
mundo eram muito vivas, mas era muito difícil se acostumar ao clima árido.
A porta se abriu e alguém entrou e pulou em cima da cama, já estava sacando
a espada que havia deixado do lado da cama.
– Por favor, né! Eu quero essa espada com os dentes! – Disse Yurin
segurando minhas mãos passa evitar que eu a ferisse.
– O que está fazendo? Ficou louca? Poderia ter cortado sua cabeça fora!
– Falei nervosa, com o coração quase saindo pela boca. Yurin começou a rir
descaradamente debochando de mim e deitou a cabeça no travesseiro ao
meu lado.
– Me poupe, Leona! Sinto dizer, mas você não conseguiria nem me
causar um arranhão! – Ela respirou fundo e esticou os braços fazendo todo
seu corpo estalar, era mais exibida que o irmão.
– Odiando esse calor! Como podem haver humanos aqui? – Falei
passando a mão na testa e limpando o suor.
– Não sinto, eu mudo minha temperatura facilmente! – Disse ela
sorrindo. – Imaginei que você não devia estar muito bem com o calor, por
isso vim!
– Imaginei isso, Hasan deve estar gostando do calor! – Resmunguei,
quando éramos crianças ele odiava locais frios e adorava quando chegava o
verão. Yurin chegou perto de mim, seu corpo estava frio, quase gelado, ela
passou um braço em volta de mim, agora estava confortável, dava até para
dormir um pouco!
– No começo achei que você não ia gostar de mim. – Falei quebrando
o silêncio desconfortável do quarto.
– Não gostei, bati os olhos em você e lembrei de Emma, embora você
não se pareça em nada com ela, você estava subindo a montanha, logo
imaginei que ia fugir e deixar meu irmão lidar com os lobos sozinho. – A voz
de Yurin era suave enquanto ela falava. – Achei que fosse outra covarde, mas
quando viu que não daria tempo de subir, você passou a frente dele e virou
um bicho contra os lobos! Nem se importava em ver se estava ferida ou não,
apenas não queria deixá-los passar até onde Ewren estava, mesmo sem
perceber você estava tomando conta dele, e isso me deixou aliviada! Ele não
havia arrumado outro peso de papel!
– Obrigada, você é bem sincera. – Falei rindo.
– Sou sim! A sinceridade as vezes pode doer, mas é melhor uma dor
passageira. É melhor uma dor rápida de algo que você sabe que é verdade,
do que a dor que fica para sempre dentro de você quando você descobre uma
mentira ou coisas que alguém queria ocultar, mas que são de importância
para você! – Disse ela baixinho, estava quase dormindo também. As palavras
dela trouxeram lágrimas aos meus olhos, mas não poderia contar a ninguém
meus planos, preferia correr o risco de que ficassem magoados comigo do
que contar meus planos e falhar ou ser impedida de realizá-los.
– Você é um amor, Yurin.
– Eu apenas amo meu irmão, então tento ser sempre melhor para ficar
ao lado dele, por isso treinei tão duro enquanto estive fora, sabia que ia
voltar e encontrar com Ewren de novo! – Disse ela deitando a cabeça em
minha mão e adormecendo, acabei fechando os olhos e dormindo também.

Acordei caindo da cama pesadamente no chão, alguém estava


segurando meu pé e rindo.
– Hasan, eu vou te matar! – Resmunguei abrindo os olhos devagar, a
claridade que vinha da janela era ofuscante. Hasan havia me derrubado da
cama para me acordar e agora ele e Yurin riam de mim. – Estão adorando se
divertir as minhas custas, não é? – Ralhei levantando-me e indo até o
banheiro do quarto. Depois de lavar o rosto, prender o cabelo mudar a roupa,
saí dali e fomos juntos até o salão do castelo. O rei nos aguardava em seu
trono, ele sorria e segurava Kuran no colo.
– Bom dia meus amigos! Dormiram bem? – Perguntou ele com um
sorriso grande demais no rosto para alguém que estava apenas dando um
bom dia.
– Sim, descansamos bem! – Respondi. – Onde estão a rainha Sheriah e
Ericko? – Perguntei olhando discretamente a sala e notando que ela não
estava em parte alguma.
– Ah, Ericko partiu de manhã para a ACV, as aulas começaram faz duas
semanas. Minha filha nasceu ontem à noite pouco depois do jantar! Elas
estão descansando! – Disse ele com seu sorriso aumentando ainda mais.
– Nós estamos de partida! – Disse Hasan a ele. – Não podemos nos
demorar, corremos o risco de Fairin atacar o castelo sem a presença de
Leona por lá! – Quando ele disse isso senti um frio na espinha, claro que ele
estava falando aquilo por pois o rei poderia querer que comemorássemos
com ele o nascimento de sua filha, mas tínhamos pressa.
– Prometo que voltaremos com presentes para a princesa assim que
isso tudo acabar! – Disse Yurin forçando um sorriso.
– O grupo de caçadores está esperando por vocês no Vale das Cinzas,
no pátio da ACV. Espero que não se esqueça de nossa Aliança, Sacerdotisa
das águas! – Disse ele levantando-se sério e vindo até nós. Ele apertou minha
mão com força, respondi a seu aperto firmemente mesmo sentindo meus
dedos quase esmagados.
– Não vou esquecer! – Respondi lembrando de Ericko falando comigo
ontem à noite. Viramos as costas e partimos em silêncio para fora do palácio.
A cidade estava muito movimentada no começo da manhã, passando pelos
portões que isolavam o palácio do resto da cidade pude ver as lojas e
barracas. O comércio era bastante variado, vendia muitos objetos comuns
na terra, até mesmo eletrodomésticos, legumes, verduras e frutas que eram
da terra, com preços muito altos comparados a outros produtos estranhos
que não reconheci. Mas era tudo muito organizado e limpo, dando inveja em
qualquer feirante de Amantia.
– Quero voltar aqui algum dia! Mesmo o calor sendo terrível, gostei
daqui! – Falei olhando uma loja com roupas infantis de tecidos finos com
bordados delicados perfeitamente trabalhados a mão. Yurin agarrou meu
braço e me puxou em direção ao portão.
– Sem enrolar, Leona! Credo, não pode ver uma loja! – Reclamou Hasan
amarrando a cara. – Por isso que odiava ir no shopping com você e Serena!
– Aposto que se ela pedir para você vir conosco e passar o dia inteiro
olhando bobagens você não vai se importar, não é? – Resmunguei, ele sorriu
e estreitou os olhos.
Chegamos ao portão principal, os guardas fizeram uma reverência e
os abriram para que pudéssemos passar. A fênix já aguardava Hasan do lado
de fora. Desta vez eu não ia montada nela, estiquei os braços e abri as minhas
asas que havia feito com uma das penas dela. Elas eram tão lindas! Quando
o brilho dos sóis bateu nelas, suas cores ficaram ainda mais vivas. Yurin fez
um bico e montou na fênix junto com Hasan. Voei ao lado deles, mas depois
de alguns minutos não aguentei ficar tão devagar, voei mais rápido que eles,
girando e dando gargalhadas. Agora sabia por quê Ewren gostava tanto de
suas asas.
Cheguei ao Vale cinzento alguns minutos antes deles, sentei sobre o
alto muro de pedras da academia, um pouco longe de uma guarita e fiquei
ali observando-os vindo ao longe, olhei para a árvore do fogo e fiquei
imaginando como seria entrar nela, o que poderia realmente ter lá dentro.
Só conseguia imaginar quantos lugares ainda queria conhecer com Ewren, e
aquele lugar, mesmo que um inferno de quente, era um deles.
– O que está fazendo aqui fora? Está matando aula? É de qual turma?
Responde menina! – Gritou uma voz esganiçada atrás de mim. Uma
salamandra baixinha, magrela e de óculos me observava com uma espécie
de chicote na mão, aquilo me assustou um pouco.
– Desculpe, não sou daqui! – Respondi, ela me olhou de cima a baixo,
viu a lança ao meu lado e minhas asas parcialmente abertas.
– Fugiu da aula de sobrevivência, não é? Que desculpa mais
esfarrapada! Vamos levante-se! – Disse ela pegando o chicote e o estalando
a centímetros do meu rosto, o som fez um arrepio percorrer meu corpo e
minhas asas desapareceram, a lança também voltou a ser um pingente e
meus poderes sumiram.
– O que a senhora fez? – Gritei frustrada me levantando, eu era quase
duas cabeças de altura maior que ela, mesmo assim ela me enfrentou, puxou
minha orelha e saltou do muro para dentro do pátio da escola, levando-me
com ela. – Espere ai! Estou falando a verdade, eu sou a Sacerdotisa das águas,
vim de Amantia ontem! – Falei. Ela parou de andar e olhou diretamente nos
meus olhos.
– Prove! – Disse ela serrando os olhos. Segurei o pingente novamente,
segurando o cajado e mudando a minha aparência. Ela olhou as marcas
douradas em meu braço e em minha testa e ficou pálida.
– Ah, céus! Me d-desculpe! – Gaguejou ela com sua voz ficando ainda
mais fininha e assustada.
– Tudo bem. – Tentei não parecer muito irritada.
Hasan e Yurin pousaram no meio do pátio poucos segundos depois, a
mulher os olhou com o mesmo olhar espantado, mas logo se corrigiu,
voltando a sua expressão altiva e zangada.
– Vocês vieram buscar os caçadores, não é? – Perguntou ela para mim
e andando na direção deles dois.
– Sim senhora.
– Muito bem! O rei nos avisou de madrugada! Reunimos os melhores
caçadores da academia, alguns deles do V-9 e outros já formados para irem
com vocês! – Disse ela nos guiando pelo pátio. A ACV era enorme! Queria
entrar e ver como era, se era parecida com uma escola de verdade, mas acho
que passaria o dia inteiro ali para poder ver tudo e não tinha esse tempo
agora.
– O que são aqueles prédios? – Perguntei quando passamos ao lado de
dois prédios muito grandes, maiores do que todo o resto da Academia.
– São os dormitórios! O esquerdo é o masculino e o direito feminino.
– Por que são separados? – Perguntei, mas me arrependi da pergunta
depois do olhar de Hasan, Yurin e da mulher.
– É um pouco óbvio, não é? – Yurin revirou os olhos e mordeu os lábios
para não rir.
– Desculpe! Falei sem pensar! – Respondi. A mulher balançou a cabeça
para os lados tentando esconder um sorriso de deboche.
– Existe uma magia que alunos entrem em dormitórios opostos. Assim
não temos nenhum problema. – Ela explicou em seguida andou em silêncio
em nossa frente até um pátio onde havia um grande portão de ferro.
Ao atravessarmos o portão, nos deparamos com um grupo de
aproximadamente duzentas pessoas, eram na grande maioria Salamandras,
com aquelas peles escuras e olhos vermelhos, mas haviam alguns humanos,
elfos e silfos também.
– Pessoas dos Doze Mundos vem para nossa academia treinar! – Disse
a mulher para nós.
– Desculpe...
– Candace! – Disse a mulher.
– Candace, mas eles são poucos! – Uma mulher que estava mais
próxima a nós me encarou feio.
– Não se trata de números aqui, senhora, mas sim do poder de
devastação que nós possuímos! – Respondeu ela girando um machado
perigosamente perto de mim. – Dezoito anos de treinamento duro! Nós
podemos com qualquer exército! – Disse ela, outra mulher apareceu e tocou
no ombro dela.
– Calma, Misty! – A mulher tinha uma expressão suave, seus olhos
fizeram uma onda de medo passar por mim. Ela tinha longos cabelos
cinzentos que contrastavam com sua pele morena e olhos vermelhos.
– Conheço você? – Eu não resisti, me aproximei dela e toquei seu rosto.
Ela segurou meu braço e se afastou um pouco do grupo, levando-me com ela.
Hasan nos seguiu, ele tinha um olhar preocupado e segurava o punho da
espada.
– Em outra vida me chamavam de Antares! – Disse ela abrindo um
sorriso inacreditavelmente lindo. – Agora me chamam de Lay. Sou uma das
professoras do ACV.
– Antares? O primeiro sol? – Perguntou Yurin encarando-a incrédula.
– Pode-se dizer que eu era o primeiro sol antes de morrer nos céus e
nascer em Ciartes com esse corpo! – Respondeu Lay.
– Tenha certeza de que em Amantia não tem a metade das criaturas
que têm por aqui! Até uns vinte dos nossos davam conta do que vocês
querem enfrentar lá! Vai ser muito fácil com um número tão grande! –
Resmungou Misty, a mulher irritadinha que Lay havia tentado acalmar.
– Não superestime seu grupo, Misty! Não estamos indo enfrentar
invasores! Estamos indo lutar junto a um exército contra um mago
extremamente poderoso! – Respondeu Lay a ela. – Inspetora, pode deixar
tudo conosco agora, volte para a academia antes que alguém resolve se
aproveitar de sua ausência! – A mulher baixinha de voz esganiçada acenou
com a cabeça e desapareceu atrás dos portões.
Lay guiou o grupo por uma estrada de pedra entre as árvores de
troncos cinzentos e folhas cor de chumbo da floresta que protegia a
academia. Andamos até uma plataforma à uns duzentos metros da escola, na
plataforma quatro grandes dirigíveis com seus balões de cor metálica e
cabines de madeira estavam parados aguardando nossa chegada. Lay dividiu
o grupo em quatro, eles entraram nos dirigíveis, nós também entramos e
embora eu quisesse ir voando até o portal pois tinha um pouco de medo
desses dirigíveis, achei melhor não ficar me exibindo por aí.
– Vamos subir! – Gritou Lay para os pilotos dos dirigíveis, os motores
foram ligados, as bolsas de ar foram esvaziadas e o dirigível começou a subir.
As hélices nos levaram para frente lentamente.
– Quanto tempo até o portal? – Perguntei.
– Aproximadamente quarenta Minutos! – Respondeu Hasan
analisando a aeronave. Estava nervosa demais, queria chegar logo em casa e
esperava que essa fosse a última partida que faria para outro mundo antes
de derrotar Fairin. Precisava chegar logo e bolar um meio de proteger Karin,
Asahi e Nyumun durante a batalha, pois Fairin poderia enviar alguém atrás
delas enquanto estivéssemos distraídos lutando. Não conseguia nem
imaginar Fairin pegando Karin entregando-a para Veruza que com certeza
desapareceria de Amantia com ela.
– O que pretende fazer quando chegarmos lá? – Perguntou Yurin
tirando-me de meus pensamentos.
– Preciso ir até as Fendas de Holon. Vou levar Lua comigo!
– Lua? – Hasan ergueu uma sobrancelha.
– Sim, meu dragão marinho, coloquei o nome dele de Lua. Sirius
mandou eu ir até lá...
– Quando foi que você falou com meu pai? – Hasan parecia
desconfiado.
– Ontem depois do jantar, ele veio conversar um pouco! – Falei.
– Conversar sobre o quê? – Yurin se meteu na conversa também.
– Ah! Nada demais! – Agora os dois me olhavam desconfiados. – O fato
é que preciso ir até lá, Sirius acha que posso mergulhar nas águas de Holon
sem ser afetada pela acidez devido a minha condição de sacerdotisa das
águas.
– Vai tentar entrar na fonte das ondinas? – Perguntou Yurin olhando-
me como se eu fosse louca.
– Então existe mesmo?
– Claro que existe! Mas você vai é morrer! – Yurin balançou a cabeça.
– Se eu disser para meu irmão...
– Você não vai dizer nada, Yurin! Eu preciso ir lá! Sirius disse que
aquelas águas poderiam purificar meus poderes.
– Então é um risco necessário! – Disse Hasan apoiando-se no beiral da
cabine do dirigível.
– Estou tão mal assim? – Hasan desviou o olhar e suspirou quando
perguntei. – Responde!
– Seu poder podia ser sentido do templo de fogo, Leona. Jocelinne não
queria deixar que fossemos até você com medo de que morrêssemos, ela
tinha certeza que estava tudo acabado! Foi Arcádius que nos mandou ir até
o castelo e disse que você não tinha escurecido por completo ainda! A ordem
era matar você se você tivesse destruído Fairin e Veruza. Não por ter matado
eles, mas se tivesse feito isso do jeito que saiu do templo, você seria uma
ameaça maior que eles para nós... – ele não queria olhar em meus olhos, mas
tive certeza que aquelas eram palavras de Arcádius.
– Então não tem porque eu não ir até lá! – Falei por fim, sentindo um
medo irracional me tomar, se eu piorasse, não iria distinguir amigos de
inimigos. Lembro-me de atacar Ewren sem pensar duas vezes, mas podia ser
qualquer um deles, Yurin, Serena, Hasan...
– Leona...
– Eu vou na frente, vou abrindo o portal, quando chegarem lá é só
atravessar! – Falei subindo na proteção do dirigível e saltando para fora. Abri
minhas asas e voei rapidamente, passando os outros três dirigíveis que
estavam em nossa frente, senti muitos olhares em mim e ouvi muitos
murmúrios, mas os ignorei.
Pousei exatamente onde o portal para Amantia havia se fechado, tirei
um dos pingentes de cristal da minha pulseira e a transformei em uma esfera
de vidro gigante, toquei as mãos nela e mentalizei o pátio do castelo de
cristal. Uma bolinha de luz apareceu no centro da esfera e foi crescendo e
pulsando até a tomar por completo, pouco depois a esfera começou a soltar
raios e uma coluna de luz apareceu, do outro lado da esfera podia ver o pátio
deserto do castelo. Muitos minutos depois os dirigíveis pousaram e pouco a
pouco os grupos foram desembarcando e entrando no portal guiados por
Hasan e Lay. Yurin ficou para trás para entrar comigo depois que todos eles
atravessassem. Os caçadores estavam muito bem armados com todos os
tipos de armas que podia imaginar, desde balestras a lanças de quatro
pontas.
Quando todos terminaram de passar pelo portal, segurei a mão de
Yurin e entrei. Diferente do portal que Hasan havia aberto na torre, o meu
foi bem mais curto, alguns passos apenas e estávamos do outro lado no meio
da multidão de caçadores no pátio do castelo. Estava tão fresquinho e
agradável, alguns dos humanos do grupo sentiram até frio por estarem
acostumados ao calor extremo.
– Peço desculpas por deixá-los agora, Hasan vai dar um jeito em tudo
aqui! – Falei para Lay que estava tentando organizar os caçadores em fila,
mas eles estavam muito curiosos com tudo e maravilhados com o Castelo de
Cristal.
– Tudo bem! Nós nos viramos aqui. – Disse Lay, Hasan sabia que eu iria
partir. Abri as asas e voei até o quarto em que as bebês estavam e entrei
silenciosamente pela sacada. Lórien estava deitada na cama com Asahi no
colo e lhe dava uma mamadeira, Serena estava de pé com Karin e Nyumun
estava resmungando no berço.
– Já estão de volta? – Perguntou Serena olhando-me espantada.
– Sim! Voltamos o mais rápido que pudemos. – Respondi pegando
Nyumun nos braços e brincando com ela. – Olá meu docinho! Sentiu
saudade? – Cochichei para ela. Serena me entregou uma mamadeira e eu dei
a ela.
– E como foi lá? – Perguntou Lórien sentando-se encostada na
cabeceira e ajeitando Asahi em seu colo.
– Conseguimos a ajuda deles, agora o pátio está cheio de caçadores
Venox. – Respondi.
– Não acha que foi muito fácil? – Lórien parecia desconfiada.
– Não... O rei pediu uma aliança para poder nos ajudar.
– Que tipo de aliança? – Perguntou ela erguendo uma sobrancelha.
– Uma das minhas filhas em casamento para o príncipe mais velho,
Ericko. – Respondi.
– Ewren não vai gostar nada disso. – Ela deu uma risadinha. – Ele tem
ciúme de tudo!
– O príncipe é um amorzinho! Mas não falei que concordava, falei que
não impediria se um dos príncipes quisesse cortejar uma delas.
– Mas Ewren vai! – Lórien olhava carinhosamente para as menininhas.
– Falando nele, onde ele está? – Perguntei.
– Eles ainda não voltaram! – Disse Serena olhando feio pela janela.
– Ótimo! Assim consigo sair sem ele reclamar! – Falei. – Serena, Hasan
está acomodando os caçadores! Não fique tão nervosa! – Falei, dei um beijo
na testa de Nyumun e a coloquei de volta no berço com uma pontada de
tristeza no peito.
– Onde vai? – Perguntou Lórien quando me aproximei para fazer um
afago em Asahi.
– Nas fendas de Holon, preciso encontrar algo lá.
– Aquele lugar é muito perigoso Leona! – Ela segurou meu braço.
– Não vou demorar, Lórien, só preciso partir antes que Ewren chegue!
– Falei indo até Serena e fazendo um carinho em Karin.
– Ir aonde antes que eu chegue? – Ewren me deu um susto tão grande
que quase caí no chão.
– Ah! Ewren... – fiquei constrangida, não queria que ele tentasse ir
atrás de mim. – Por favor fique aqui e tome conta delas! Preciso ir até as
Fendas de Holon...
– Ficou louca? Aquelas águas são ácidas! Vai morrer se chegar lá! –
Ewren quase gritou as palavras.
– Sirius me garantiu que não serei afetada pelas águas! – Respondi.
– Onde encontrou Sirius? – Perguntou ele olhando-me desconfiado,
senti uma pontada de culpa, mas afinal não havia feito nada de errado.
– Em Ciartes, ele veio falar comigo sobre Áries e me disse para ir até
Holon para purificar meus poderes. – Respondi.
– Então eu vou com você! – Disse ele segurando meus braços e me
apertando num abraço, me senti mais culpada ainda por omitir parte dos
fatos e sobre o poder deles e porque me deram seus poderes. Ewren ficaria
furioso se soubesse o que eu iria fazer.
– Por favor, se Fairin aparecer enquanto eu estiver fora, quero que
pelo menos você esteja aqui! Não pode entrar naquelas águas comigo! –
Choraminguei fazendo um biquinho para ele.
– Mas eu posso entrar lá, Bom, pelo menos chegar perto! – Disse
Demétrius que estava sentado na sacada.
– Se eu não posso ir, então ele vai com você! – Ewren estava me
apertando mais do que o necessário para me manter perto dele.
– Desde quando são amiguinhos? – Perguntei olhando confusa de
Demétrius para Ewren.
– Não somos amiguinhos, mas dei algumas provas de lealdade! Agora
eu sou oficialmente da panelinha! – Respondeu Demétrius dando uma risada
de zombaria.
– Não abusa! Ainda estou pensando se te mato ou não quando isso tudo
acabar! – Ewren não parecia muito amigável. Revirei os olhos e resolvi
aceitar a companhia de Demétrius.
– Estou indo! Quero voltar o mais rápido possível! – Falei andando até
a sacada, Ewren segurou minha mão e me puxou de volta para ele e me
beijou com tanta intensidade que o retribui apertando-o contra meu corpo.
Lórien pigarreou e começou a zombar baixinho.
– O mundo não vai acabar hoje, gente! – Disse ela rindo.
– Não demore! – Disse ele quando finalmente me soltou passando a
língua sobre meus lábios.
– Não vou! – Respondi. Tentei usar teleporte para a costa de Edro, mas
não consegui.
– Vão ter que ir voando, aquele dia você quebrou o bloqueio de Aristes
sobre o teleporte dentro de Amantia, mas parece que ele tornou a colocá-lo,
nem Jocelinne conseguiu quebrá-lo dessa vez! – Lórien explicou.
Bufei e abri as asas púrpura, todos olharam surpresos para elas.
Cheguei na sacada e assobiei alto contra o cristal azul que Misa havia me
dado. Lua devia estar ao redor da cidade, pois um forte vento fez algumas
coisas caírem no quarto quando ele se aproximou da janela. Demétrius pulou
em cima dele. Voamos por cima do castelo e viramos a nordeste, então
voamos o mais rápido que pudemos.
14

O que foi que você fez para Ewren resolver confiar em você
assim tão de repente? – Perguntei depois de um longo
tempo em silêncio. Demétrius ficou tenso por um
momento, depois suspirou.
– Enquanto os dois estavam fora, Veruza controlou
a mente de um dos serviçais do castelo e a fez entrar no quarto para
sequestrar Karin, eu estava na sacada e a vi saindo do quarto com a bebê, eu
chamei várias vezes, quando ela não me respondeu percebi que ela estava
sendo controlada por uma magia.
– Então você salvou Karin? – Perguntei.
– Pois é! – Disse ele rindo.
– Certeza que foi só isso? – Perguntei desconfiando de sua expressão
nervosa.
– O resto da história é melhor não saber, mas não se preocupe! Não diz
respeito a você ou as suas filhas! – Demétrius arrumou seus cabelos e
continuou olhando para frente, mantinha o olhar fixo nele, sabia que isso
era irritante, então ele ia dizer para que eu parasse de encará-lo.
– Demétrius...
– Ah! Já disse que não tem nada a ver com você, e sei que mulheres são
fofoqueiras e não guardam segredos dos outros, então não te contaria de
qualquer jeito! – Disse ele amarrando a cara.
– Demétrius! – Tive que prender uma risada, ele estava ficando
nervoso com meu olhar fixo.
– Não vou falar nada! – Ele mexeu atrás dos chifres do dragão fazendo-
o aumentar de velocidade, resolvi o deixar em paz.
Mantemos a velocidade até o anoitecer e chagamos bem perto do
porto da Âncora, mas o dragão precisava descansar e eu também! Voar era
muito mais cansativo do que passar energia para ser carregada, talvez
amanhã iria montada em Lua. Descemos no final da floresta que ficava
depois do vale do esqueleto para acampar ali. Fiz um acampamento aparecer
e o protegi, acendi uma fogueira e me sentei ao lado dela, Demétrius havia
saído para pescar enquanto eu arrumava as coisas. Podia ter trazido Feroz
também, ele poderia esperar do lado de fora enquanto estava na água.

Demétrius estava demorando a voltar, Lua fez um som estranho e


levantou sua cabeça, fazendo-me ficar toda arrepiada. Fiquei de pé e andei
até ele e olhei na mesma direção que ele estava olhando, mas não via nada.
Me afastei lentamente do acampamento em direção ao chiado na floresta,
peguei meu pingente e fiquei esperando que algo acontecesse. Não havia
nada ali na floresta, quando ia me virar para voltar a fogueira, um par de
mãos me seguraram cobrindo minha boca e segurando minhas mãos para
que eu não usasse o cajado, havia me derrubado no chão. A claridade da
fogueira havia desaparecido, meu coração se jogava contra as costelas.
– Faça silêncio, não se mova! – Disse Demétrius tirando a mão de
minha boca.
– Ficou maluco? Quer me matar? – Sussurrei, mas ele tapou minha
boca novamente e virou-me para que eu pudesse olhar para cima. Vários
Fermans de plumas brancas e brilhantes sobrevoavam a floresta, em cima
deles haviam elfos montados observando a floresta. Eles fizeram uma volta
e desapareceram na direção leste.
– Sorte a nossa que não são silfos, ou nós já teríamos sido encontrados!
– Disse Demétrius me soltando.
– Você quase me matou de susto! – Resmunguei, meu coração ainda
batia irregularmente. Voltamos até onde a barraca estava, Lua deitou um
pouco afastado dela, mas ainda dentro dos limites da proteção que havia
feito.
– Eu vou ficar acordado vigiando a noite, amanhã enquanto voamos
até Holon, eu durmo em cima do seu bichinho! – Disse Demétrius piscando
para mim. – Não podemos acender outra fogueira, corremos o risco de
sermos vistos! – Explicou.
– Vai ficar bem? – Perguntei, Demétrius parecia bem cansado, ainda
mais pois ele havia passado a noite passa de guarda cuidando das minhas
filhas. Peguei o cajado e o bati sobre as brasas que haviam sobrado da
fogueira, das brasas surgiram cinco raposas de cinzas com olhos em brasas
que ficaram circulando em volta do acampamento.
– Elas vão ficar de guarda! Pode descansar também!
– Obrigado. – Ele agradeceu entrando numa das barracas. Entrei na
outra, fechei o zíper da porta e me deitei. Não estava com sono, mas estava
muito cansada, queria ter deixado Ewren vir comigo, mas era melhor ele ter
ficado no castelo junto com nossas filhas. O zíper da barraca se abriu,
Demétrius entrou e sentou do outro lado da barraca.
– O que aconteceu? – Perguntei me levantando e olhando ele fechar o
zíper da barraca.
– Nada, só não queria te deixar sozinha aqui! – Disse ele fazendo
aparecer um saco de dormir do outro lado e entrando nele.
– Não tem problema, eu fico sozinha tranquilamente! – Respondi,
estava me sentindo claustrofóbica com ele na barraca.
– O que você faria se estivesse prestes a magoar alguém que você sabe
que te ama... você começou a gostar de outra pessoa e não sabe como dizer...
não sou muito bom com sentimentos! – Disse ele.
– Do que está falando, Demétrius! – Falei me encolhendo sobre minha
cama.
– Deixa de ser egocêntrica, menina! Não é de você que estou falando!
– Ele revirou os olhos e apoiou a cabeça na mão. Fiquei corada e olhei para o
outro lado.
– Tenho cara de conselheira matrimonial? Por que todos querem
perguntar de coisas que não sei? – Falei deitando a cabeça sobre os braços e
encarando-o.
– Talvez elas te perguntem por que você sabe falar o que elas precisam
ouvir... Melhor deixar para lá! – Disse ele virando para o outro lado.
– Não quer voltar para sua barraca? – Perguntei.
– Prometi a Ewren que ficaria com os dois olhos em você, caso
contrário eu perco a cabeça. – Respondeu ele.
– Não vai acontecer nada! Ninguém deve chegar perto com as raposas
lá fora...
– Não são as raposas, o problema é você! – Disse ele virando-se
novamente para me encarar. – Só as bruxas e magos negros podem invocar
almas carregadoras ou serem dominados por elas. Isso pode acontecer
inconscientemente enquanto você dorme, se uma tocar em você, suas
marcas vão terminar de escurecer e não vai ser Fairin que teremos que
enfrentar! – Demétrius tinha um olhar assustador no rosto, meu estômago
afundou, lembrei de quando Ewren estava me levando para a torre das
nuvens, “ou você controla seus poderes ou eles a controlarão, se isso
acontecer, você se torna má”
Agora isso fazia muito mais sentido.
– Se a fonte das Ondinas não existir, ou não funcionar comigo, se algo
der errado durante a batalha... Demétrius, faça um favor para mim?
– Qual favor.
– Me mate! Não deixe que eu me transforme num monstro como ele!
Por favor!
– A fonte vai estar lá! – Respondeu ele fechando os olhos.
– Mas se não estiver...
– Ela está! Nossas palavras têm poder, sabia? Se você crer que ela
estará lá, ela vai estar! – Disse ele antes de adormecer.
– Então ela vai estar! – Falei baixinho colocando a cabeça sobre o
travesseiro e dormindo.
Acordei sendo sacudida por Lua, ele arrancou a cobertura da barraca
e estava com o focinho gelado em mim.
– Já vou! – Respondi com a voz rouca, havia tido um sonho terrível,
estava no meio de todas as pessoas que conhecia, eles apontavam para mim
e me chamavam de traidora...
– Vamos mulher! Sem enrolar! – Disse Demétrius segurando minha
mão e me puxando da cama. Fiz o acampamento desaparecer ainda de olhos
meio fechados, Demétrius me entregou uma garrafa térmica com café e
alguns sanduiches.
– Onde conseguiu isso? – Perguntei enfiando metade de um sanduiche
na boca.
– Fui ao porto pouco antes do sol nascer, assim podemos ir direto para
Holon! – Demétrius acariciou o focinho de Lua e sentou-se enquanto
esperava eu comer. Não estávamos longe de um pequeno lago, fui até ele
para lavar o rosto, acabei entrando na água para tomar banho. Lua apareceu
e começou a fazer sons estranhos e mover a cabeça como se quisesse que eu
saísse logo dali, estávamos num lugar aberto e exposto demais, mesmo que
Fairin não tivesse mais nenhum interesse em mim, ainda assim minha
cabeça podia ser considerada um prêmio. Saí da água rapidamente e me
vesti, logo depois Demétrius apareceu e subiu em Lua. Montei também,
assim era só passar minha energia para ele para irmos o mais rápido possível
até as Fendas de Holon.
– Não sei o caminho! – Falei.
– Deixa que eu cuido disso! – Demétrius mudou sua aparência e
colocou a palma das mãos sobre os olhos de Lua, que soltou uma espécie de
rosnado e abriu as asas, em pouco tempo á estávamos voando fora da
floresta, por cima da cidade portuária e alcançando o mar.
– Você vai entrar lá comigo? – Perguntei.
– Não posso mergulhar naquelas águas, como disse à Serena, aquelas
águas são acidas, eu desmancharia em minutos se ultrapassasse o limite das
fendas.
– Estou com um mal pressentimento sobre isso! – E se Sirius tivesse
me mandado até lá para que eu morresse?

Estava tão distraída em meus pensamentos que quase caí quando Lua
fez um movimento brusco e mergulhou no mar a comando de Demétrius.
Me segurei nos chifres de Lua enquanto ele nadava a uma velocidade muito
maior do que quando estávamos voando.
– Um dragão marinho nada melhor do que voa! – Disse Demétrius
rindo. Fiquei com medo de abrir a boca e engolir água, mas conseguia
respirar tranquilamente debaixo d’água.
Já haviam se passado mais de meia hora que estávamos nadando,
minha pele estava dormente e formigava pela velocidade que íamos.
Demétrius não parecia estar incomodado, ele estava com sua aparência
alterada, mesmo não sendo a primeira vez que o via assim, os chifres me
assustavam um pouco.
Aos poucos, Lua foi reduzindo a velocidade até parar completamente,
estávamos diante de um grande abismo escuro e cheio de dragões e criaturas
marinhas assustadoras que nadavam perto ou dentro dela. Minha maior
vontade era fugir dali imediatamente, mas tinha que fazer isso.
– Não posso passar daqui as águas aqui já estão mais ácidas! – Ele
ergueu o braço e pude ver sua pele com marcas vermelhas. Olhei para minha
própria e não havia nada de errado comigo, ainda.
– Tudo bem... – me arrisquei a falar, parecia que estava na superfície,
como se estivesse apenas flutuando. – Vou tentar não demorar! – Falei.
– Vou ficar entre aqueles corais te esperando! – Disse ele apontando
para uma floresta de corais onde haviam alguns navios destruídos,
parecendo um cenário de filme de terror. Acenei com a cabeça e me segurei
em Lua, ele entendeu meu gesto como um sinal para partir e mergulhou em
direção as fendas.
Estávamos nadando cada vez mais fundo no abismo, olhei para cima
assustada, não havia nenhuma luz, apenas a escuridão. De repente as
escamas de lua começaram a brilhar, um brilho verde fosforescente e até
bonito, mas seus dentes afiados também brilhavam, era como se sua pele
tivesse se tornado translúcida, seria muito assustador se eu não soubesse
que ele era manso.
Outras criaturas em volta de nós também brilharam, eles ignoravam
completamente nossa existência. Porém em uma parte, comecei a sentir
uma leve ardência em minha pele, minhas roupas começaram a se
desmanchar, usei meus poderes para fazer aparecer algo que não se
desmanchasse com aquelas águas, minhas marcas estavam brilhando como
as escamas do dragão agora.
Chegamos à um ponto que não haviam mais criaturas aso nosso redor
e Lua parecia estar tendo dificuldades de seguir adiante. Não estava
enxergando nada, então tive a ideia de fazer uma bola de luz iluminar o
fundo onde estávamos. Quando a bola de luz mergulhou e iluminou em volta
de nós, tive uma súbita onda de pânico e um desejo enorme de chorar e fugir.
Em nossa frente havia uma Fenda estreita no paredão de rochas e
embaixo da fenda um enorme monstro marinho guardava a entrada, ele
estava adormecido quando a luz o fez despertar. Só seus olhos eram maiores
que Lua. Queria fugir, mas estava paralisada de medo, Lua se afastou de mim,
subindo alguns metros acima e ficou descansando sobre uma rocha. Se ele
não fugiu, talvez aquele monstro não significava uma ameaça, pelo menos
não para ele.
Os olhos gigantes e brancos estavam fixos em mim, não sabia o que
fazer agora, mas estava começando a subir lentamente, então usei meu
cajado para fazer um pequeno peso e descer até a fenda. Se estou com medo,
vou com medo mesmo! Quando fiz menção de me aproximar, o monstro se
moveu rapidamente, enrolando-me numa espécie de tentáculo luminoso e
me puxando para perto. Pronto! Agora eu vou morrer, tinha razão, Sirius me
enviou para cá para morrer e pagar por ter deixado Áries sem sua forma
física! Só podia ser isso! Meus braços estavam presos e não conseguia pensar
de forma lógica para usar meus poderes e me livrar daquele monstro tão
grande que fazia o Kraken de Lirien parecer um polvo.
Do alto dos olhos do monstro saíram pequenas antenas fininhas, ele
as colocou sobre meus olhos. Num instante todas as memórias que tinha de
Amantia passaram diante de meus olhos, mas a que ficou por mais tempo,
foi a que Sarya me entregou a pulseira e me disse que eu era a sacerdotisa
das águas. Pouco depois o monstro me soltou e voltou a dormir, meu corpo
inteiro tremia e estava prestes a chorar. Como não conseguia nem me mover
direito, usei meus poderes para me levar até a entrada daquela fenda. Ao
passar por ela, senti uma paz tão grande, como nunca havia sentido em toda
minha vida, foi como se nada mais fosse dar errado. Nadei por ela até uma
curva nas pedras, até achar um bolsão de ar.
Lá dentro era tudo tão claro! A bola de luz que eu havia conjurado
flutuava a alguns metros de altura acima de uma pequena ilha no meio do
bolsão, o teto dali era coberto por plantas e flores estranhas de cores claras
e brilhantes, pássaros vermelhos voavam em pequenos grupos e assobiavam
alegremente enquanto faziam seu show aéreo. Nadei até a margem e pisei
na ilha, a grama que a cobria era verdinha e macia, haviam pequenas árvores
frutíferas em toda a extensão da ilha que não era maior que um campo de
futebol. Bem no meio da ilha havia um laguinho e no centro do laguinho,
uma coluna de pedras de vidro jorravam água.
– Bem-vinda, sacerdotisa das águas! – Disse uma voz atrás de mim
quando me aproximei do laguinho.
– Sarya? – Olhei para a Ondina atrás de mim, ela sorriu.
– Sabia que você viria, estava esperando por você!
– É a fonte das ondinas, não é? – Perguntei olhando as pedras no
centro do lago.
– É sim, agora você tem que provar que é digna de tomar aquela água!
– Disse Sarya para mim, a olhei com estranheza. – Não achou que ia chegar,
beber da nossa fonte de poder e sair, não é?
– Na verdade achei sim! – Respondi. Sarya pegou dos pássaros que
estava pousado em um arbusto e o colocou na água do lago, para minha
surpresa ele não afundou, ficou sobre a água como se a água estivesse
congelada.
– O que é impuro não consegue andar sobre essas águas, para você
conseguir tomar aquela água, você tem que estar aqui com boas intenções!
Passou pela primeira barreira, que era o meu bichinho guardião, mas andar
sobre essas águas...
– Eu tenho que conseguir! – Falei, não esperei ela terminar de falar e
passei meu pé sobre as pedras que limitavam as águas do lago.
– Se você afundar, sem beber aquela água, você morre! – Disse ela para
mim. A olhei incrédula. – Esse lago não tem fundo, vai cair no vazio dessas
águas e seus poderes não funcionarão, assim vai se afogar! Está disposta a
arriscar mesmo sabendo que pode não passar? – Ela me encarava. Eu não era
uma pessoa pura e embora estivesse ali com boas intenções, não tinha
certeza de que estava fazendo as escolhas corretas. – Para que você precisa
entrar ali? – Perguntou ela ao ver minha relutância.
– Prometi a alguém que iria chegar aqui e beber aquela água. Estou
prestes a me tornar uma maga negra, se não conseguir tomá-la, estarei
colocando a vida de muitas pessoas em risco, então ou eu consigo, ou não
vale a pena sair daqui com vida! – Falei, então ao invés de colocar um pé na
água, coloquei minhas mãos na pedra e girei meu corpo por cima dela
pulando com os dois pés sobre as águas.
Fechei os olhos quando meus pés tocaram a superfície fria das águas.
Se fosse para morrer, que fosse rápido! Para minha surpresa eu só afundei
até a cintura, o passarinho estava em pé nas águas ao meu lado então olhei
para baixo, depois para Sarya. Ela começou a gargalhar quase rolando no
chão.
– O que é engraçado? – Perguntei frustrada.
– Estava apenas testando você, se você teria medo ou não, mas você
não desistiu! Parece que Eirien escolheu certinho a sacerdotisa das águas!
Usei magia para fazer o passarinho não afundar! – Sarya ergueu os braços e
desapareceu em uma nuvem de vapor. As pessoas em Amantia não sabiam a
hora de brincar, francamente! Andei até o meio do lago e fiz uma concha
com as mãos, peguei um pouco de água, respirei fundo e bebi, a água era
adocicada.
Parecia que tinha estado doente por toda minha vida e que havia me
curado agora. Todas as cicatrizes que tinha em meu corpo desapareceram,
cada dor, cada sentimento ruim, parecia que tudo havia sido lavado por
aquela água queria rir sem explicação. Fiz um frasco de vidro aparecer e o
enchi com um pouco daquela água, Sarya não havia dito nada que eu não
poderia pegar um pouco.
Coloquei a garrafinha presa em minha roupa e saí da ilha, mergulhei
na água em direção a fenda novamente e saí por ela. O monstro continuava
adormecido lá. Bem acima de mim, Lua estava nadando em círculos como se
estivesse irritado com minha demora. Quando ele me viu, nadou
rapidamente em minha direção para que eu me segurasse nele, mal segurei
em seus chifres e ele deu um solavanco para cima disparando para sair da
fenda. O que havia acontecido com ele?
Saímos da fenda numa velocidade tão grande que causamos uma
perturbação na água, vários corais e plantas ao nosso redor foram
arrancados. Demétrius estava perto demais, ele parecia prestes a entrar na
fenda, quando nos viu ele segurou em Lua me olhou de cima a baixo para ter
certeza de que era eu mesma.
– O que aconteceu? Por que demorou tanto? – Perguntou ele
angustiado olhando feio para mim.
– Demétrius, não passou nem uma hora desde que entramos lá! –
Respondi.
– Se passaram dois dias, Leona! Estava quase entrando lá para
recuperar seu corpo! – Respondeu ele. – Locais sagrados o tempo passa mais
lentamente mesmo, mas eu realmente achei que você podia ter morrido! A
fenda causou uma interferência, não podia sentir mais sua presença.
– Ninguém me disse isso! Temos que correr então! – Meu estomago
estava se revirando ne tanto nervoso que eu sentia.
– Aconteceu algo em Alamourtim agora a pouco, os céus de Amantia
ficaram negros de repente, como se os sóis tivessem desaparecido do céu e
um grande exército alado passou voando por cima do mar!
– Está começando, Demétrius! Vamos rápido Lua! – Toquei em suas
costas lhe passando o máximo de energia que pude. Lua disparou para
frente, mas Demétrius o virou, fazendo-o desviar para a esquerda.
– O que está fazendo? – Perguntei.
– Mandei avisar ao exército abissal, eles estarão nos esperando na
costa de Mantum! – Disse ele segurando minha mão e absorvendo um pouco
de minha energia também. – Fique calma, ou vai fazer Lua passar mal com
essa quantidade de energia! – Ele me encarava sério. – Achou a fonte, não é?
– Achei! Por quê? – Perguntei.
– Olhe suas marcas! – Eu olhei, as marcas agora estavam nos dois
braços, as marcas douradas dos Ascardian haviam desaparecido e dado lugar
novamente as marcas verdes e a orquídea. Apenas a marca da minha aliança
continuava lá.
– Pode me fazer seu guardião agora! – Disse ele sorrindo de lado.
– Por que você iria querer isso? – Perguntei olhando-o confusa.
– Eu roubei seu sangue aquela vez, isso me tornou seu inimigo, então
meus poderes não aumentaram tanto, se você me der seu sangue e me
transformar em guardião... ah, que se dane! Eu só quero ficar mais forte que
Yurin! – Disse ele franzindo o cenho.
– Ela derrotou você? – Perguntei.
– Era isso que eu ia te dizer naquele dia, eu estou apaixonado por ela,
mas ela disse que só ficaria comigo se eu conseguisse vencê-la!
– Quando isso aconteceu? – Perguntei.
– Depois que você saiu aquele dia no templo de fogo, eu falei com ela,
ela me derrotou com apenas dois golpes! – Resmungou ele.
– E Moan?
– Ela sabe, disse que não vai desistir até eu ter certeza de que é isso
que eu quero, sei que ela me ama, mas quando vi Yurin...
– Você tem certeza disso? – Perguntei sentindo muita pena de Moan.
– Yurin disse que nunca ficaria com alguém mais fraco que ela. – Ele
parecia irritado com isso.
– Se você acha que isso vai fazer alguma diferença! – Respondi.
Demétrius sorriu.
– Vai me dar seu sangue? – Perguntou ele mostrando seus dentes de
agulhas para mim.
– Se você nos trair, eu peço ajuda de Yurin para te matar! Vai por mim,
ela consegue! – Falei bem séria.
– Eu sei! – Ele gargalhou. – Por mim, tudo bem!

Demétrius me distraiu por tempo suficiente até chegarmos a costa de


Mantum, Lua flutuava e nadava lentamente até a areia. Um exército de
centenas de abissais nos aguardava lá com suas armaduras leves e azuis e
longas espadas finas e curvadas. Sobre nós havia uma enorme lua cheia de
cor levemente amarelada.
– Lua das fadas? Acho que estão conspirando a nosso favor! – Falei.
Demétrius estava me encarando sério, estava aguardando que eu lhe desse
meu sangue novamente.
Peguei meu pingente e o transformei em uma faca e cortei a palma da
mão. Antes de lhe oferecer, respirei fundo e lhe perguntei.
– Promete que se acontecer algo, você vai ajudar a cuidar delas?
– Claro que sim! Somos amigos, não somos? Amigos cuidam uns dos
outros! – Disse ele sorrindo. O sangue estava empoçado em minha mão e
respingava sobre Lua, Demétrius segurou a concha que fiz com as mãos e
tomou o sangue. Pouco depois a marca prateada da corrente apareceu em
seu braço e ele sorriu.
– Obrigado! Não vai se arrepender. Prometo! – Disse ele descendo de
Lua e andando até o exército na praia.
– E aí? – Perguntaram Ami e Lirien que estavam diante do exército ao
lado de Misa. Um jovem quase idêntico a Lirien estava ao lado deles e sorria,
ele tinha cabelos cinzentos e olhos quase brancos, mas marcas safira acesas
sob a armadura que vestia.
– É Siorin, filho de Amijad e Lirien. – Sussurrou Demétrius quando
notou que eu o observava. O jovem deu um aceno e sorriu para mim. Não
fazia ideia que Ami e Lirien tinham um filho.
– Está na hora de colocar algumas cabeças para rolar! – Disse Misannin
fazendo um som agudo com a boca. As águas do mar começaram a borbulhar
e uma centena de dragões marinhos apareceram, os soldados montaram
neles e aguardaram instruções.
– Vamos! – Gritei fazendo Lua abrir suas asas e levantar voo.
Precisávamos ir rápido até Alamourtim, ergui cajado fazendo uma fina
membrana com minha energia, assim quando os dragões passassem por ela,
eles teriam sua força e energia aumentadas também.
Quando alcançamos a Vila das Cinzas, uma mancha escura vinha no
céu atrás de nós. Estava me preparando para derrubar seja lá o que fosse que
estivesse se aproximando, mas Demétrius me impediu.
– São os Salamandras. Quem vem lá é Balfir e Priha! – Disse ele para
mim com um sorriso triunfante no rosto. Reduzimos a Velocidade para que
eles nos alcançassem. Eles também vinham montados em dragões, porém
esses eram negros com asas avermelhadas e pareciam menores que os
dragões aquáticos. Balfir e Priha pareciam muito animados.
– Olá, sacerdotisa das águas! Recebemos o chamado da rainha Eirien!
– Disse Balfir – Parece que vamos chegar juntos! – Disse ele dando uma
gargalhada divertida.
– Parece animado! – Falei.
– E estou! A séculos espero por uma boa batalha! – Disse soltando outra
gargalhada, com um grunhido fez o seu dragão voar mais rápido e seguimos
juntos em direção aos campos de Alamourtim, Priha voava ao seu lado numa
armadura vermelha magnífica e os cabelos presos em uma trança, os casais
daqui permaneciam unidos em qualquer situação. A única fonte de luz agora
era a lua cheia que brilhava na escuridão que tinha tomado Amantia.

Ao passarmos por cima da floresta morta, avistei a cidade de


Alamourtim do topo da montanha e a cidade de cristal flutuando acima dela.
Quando ia partir de Amantia não tinha virado para trás, senão teria visto
aquela visão espetacular, a lua deixava tudo muito mais bonito e ao mesmo
tempo assustador.
– Para cima! – Gritou Balfir, Demétrius puxou o chifre de Lua para trás
fazendo-o subir. Haviam gigantes abaixo de nós, mesmo que estávamos
voando bem acima deles, ainda poderíamos ser acertados por seus porretes.
– Fairin já está aqui? – Perguntei olhando o exército que marchava na
direção da cidade.
– Deve estar protegido no meio dos gigantes! – Disse Demétrius
olhando para baixo.
Ao pé da montanha estavam o exército dos centauros, dos vampiros,
Lobisomens, bruxas e dríades. Nós chegamos e os circulamos, pousando
espalhados ao redor dos outros e nos misturando a eles.
Desci de Lua e corri na direção de Eirien e Ewren, eles estavam com
Hasan, Yurin, Arcádius e Jocelinne.
– Onde estão os outros? – Perguntei chegando perto deles, Ewren me
abraçou.
– Achei que não fosse voltar mais! – Disse ele tocando minha bochecha
com o polegar.
– Serena, Lórien, Medras e Tayman ficaram lá para evitar que Fairin
tente roubar Karin novamente.
– Garanto que ele vai tentar isso! – Disse Demétrius.
– Yurin, Demétrius! Por favor, vão até eles e fiquem protegendo o
castelo! – Pedi. Demétrius acenou com a cabeça, Yurin fez cara feia e queria
bater o pé, mas Eirien fez o mesmo pedido, e ela acabou cedendo. Demétrius
pegou a mão de Yurin e montaram em Lua para subir até o castelo. Moan os
olhava se afastar com um olhar tristonho. Ela foi para perto de Arcádius e
ficou lá.
– Trouxe uma coisa para você! – Falei para Ewren, tentando me
acalmar. O exército de Fairin se aproximava e o pânico estava começando a
me tomar novamente, toda a tranquilidade que havia sentido na fonte tinha
desaparecido. Peguei o frasco com a água que havia enchido na fonte das
Ondinas, não sabia se ela faria efeito fora da Fenda de Holon, mas não
custava tentar.
– O que é isso? – Ele olhou o frasco em minhas mãos.
– Água da fonte das Ondinas! – Respondi, ele olhou e sorriu.
– Vou ficar igual Farahdox se tomar isso? – Perguntou ele me
encarando.
– Não sei se vai funcionar aqui fora! – Ele abriu e frasco e tomou a água.
Seu olho prateado de repente ficou dourado, ele respirou fundo e mudou sua
aparência. Quase chorei ao vê-lo transformado, antes quando ele o fazia,
ficava com a pele acinzentada e olhos e cabelos prateados, agora seus
cabelos estavam dourados assim como seus olhos e a pele bronzeada tinha
um suave brilho.
– Não é mais um elfo negro! – Disse Eirien se aproximando de nós e o
abraçando com força. Ela se virou para mim e me abraçou também. –
Obrigada, Leona! – Disse ela me encarando com seus olhos dourados
também.
– Não me agradeça ainda, Eirien! Falta um obstáculo ainda! – Disse
apontando o exército diante de nós. – Farahdox ainda não chegou? –
Perguntei.
– Ainda não! – Disse Eirien olhando o céu preocupada.
– Vai chegar a qualquer momento! Não se preocupe! – Ewren tentou
tranquilizá-la. Eirien acenou com a cabeça e se colocou diante de todos nós.
O exército do outro lado do campo se aproximava fazendo barulho, batendo
em seus escudos e gritando.
– Sabem o que é aquilo? São todos os que viraram as costas para
Amantia, são os que estão contra a verdade e apoiando alguém que quer
acabar com a nossa paz! Mas não estamos aqui para destruí-los! Nós só temos
um alvo! E se é preciso lutar com nossos irmãos para destruí-lo, nós faremos!
Não tenham medo deles, mas vamos à luta sem raiva! O objetivo de vocês
não é matá-los, mas abrir uma brecha para que possamos acabar com seu
líder! Todos que estão contra nós serão perdoados se mostrarem
arrependimento diante de nossas armas! – Eirien falava calmamente diante
de nós, ela queria deixar bem claro que não era Amantia contra Amantia,
mas sim Fairin contra todos nós. – Eles não podem chegar ao castelo, se não
estaremos todos condenados! Então, não importa como, devemos proteger
o que está lá dentro, assim protegeremos nosso mundo e os outros onze!
Lutem não para matar, mas para proteger quem e o que é valioso para vocês!
– Gritou ela, todos gritaram e ergueram suas armas. A espada em minha mão
estava mais pesada que o normal, então a guardei na bainha e peguei minha
lança.
– Não importa o que aconteça, por favor, não morra! – Pedi a Ewren.
Ele segurou minha mão.
– Te peço o mesmo! – Ele respondeu beijando minha testa e sacando
sua espada. Hasan se aproximou de nós e começou a rir.
– Fairin é meu! – Disse ele, tinha um olhar sádico e assustador no rosto
que era sempre tão sereno e brincalhão.
– Não se eu o alcançar primeiro! – Respondi me posicionando ao lado
de Ewren. Lua voltou e pousou atrás de nós, fez um som terrível sair de sua
boca grande e cheia de dentes afiados, todos os outros dragões ao nosso
redor também começaram a urrar. Avistei Fairin no meio deles, estava só.
Veruza não estava em lugar nenhum.
– O desgraçado a escondeu para que não pudéssemos matá-la! – Disse
Hasan.
– Não se preocupe com isso agora! – Falei.
– ATACAR! – Gritou Bargon que estavam ao lado de Fairin do outro
lado do campo. O exército vinha correndo em nossa direção fazendo a terra
tremer.
– VÃO! – Eirien gritou também e foi em direção aos gigantes com um
grupo de caçadores. Ewren a acompanhou, montei em Lua e voei por cima
do campo, Jocelinne se ergueu no céu como vi minha mãe fazer na batalha
de Vintro, ela fez uma bolha azul com as mãos e ficava flutuando acima do
campo de batalha. Sobre o nosso exército caia uma fina chuva brilhante
azulada, aquilo não era proteção, ela estava dividindo seu poder com eles!
Então era como eu imaginava que seria, Fairin era meu!

Voei sobre o campo com Lua, passei por cima dos gigantes, Lua jogava
um jato de água ácida neles que os faziam derreter como papel higiênico
molhado. Os caçadores que trouxemos de Ciartes pareciam ferozes, eles
destruíam tudo que entrava em sua frente como gafanhotos sobre uma
plantação, sem nenhuma piedade. Ouvia as espadas se chocando, as flechas
pareciam chuva sobre ambos os lados. Amijad e Lirien também estavam no
campo junto com seu filho, nunca soube que tinham um filho, ele usava uma
longa espada diferente dos outros Sereianos e seus ataques eram precisos e
muito hostis.
Em pouco tempo de batalha, muitos já haviam se ferido ou perdido
suas vidas, era uma cena horrível de se ver e eu precisava acabar logo com
isso.
Vários silfos e elfos alados começaram a ir em direção ao castelo.
Assoviei alto fazendo os dragões marinhos os seguirem e os derrubarem,
porém alguns conseguiram passar e estavam perto demais do castelo.
Um grande buraco brilhante se abriu no céu e dele saíram duas Fênix
que lançaram bolas de fogo e queimaram os silfos que se aproximavam do
castelo. Eram Farahdox e Noliah. Eles se aproximaram voando de mim.
– Leona! As coisas já estão quentes por aqui, não é? – Farahdox estava
sorrindo com a espada na mão. – Pelo visto a pulseira para neutralizar prata
nem foi necessária! – Disse ele me entregando a pulseira, que coloquei no
braço para prevenir ela era de um material parecido com vidro.
– Está começando a esquentar! – Respondi olhando para Noliah.
Quando olhei seu rosto tive uma surpresa tão grande que quase não podia
acreditar ser real.
– Vovô Enzo? – O olhei incrédula.
– Olá Leona! Quem diria, não é? – Eu não estava entendendo mais nada.
– O que... como? – Perguntei. Era mesmo meu avô Enzo, que eu achava
ser o pai de minha mãe. Estava com a mesma aparência, cabelo branco, olhos
verdes, mas agora parecia mais forte que antes.
– Quando entrei em Saldazaris e percebi a passagem do tempo, escapei
para Pollo e descobri uma passagem de lá para a terra, então acabei numa
fazenda, lá uma senhora já de idade pensava que eu era seu marido falecido,
acabei ficando por lá alguns dias. Foi aí que vi a Sacerdotisa dos ventos
chegando com três crianças extremamente poderosas, ela modificou as
memórias daquela senhora, dos filhos dela e de seus netos para que ela
achasse que vocês eram parentes deles também, ela me deu algumas
memórias também, não me reconhecia embora tenha sido meu aprendiz!
Acabei ficando na terra e voltando para Pollo apenas para me comunicar
com Farahdox. Aí treinei vocês com medo de que se tornassem uns fracotes!
– Explicou ele dando uma gargalhada. Mais silfos e elfos tentavam entrar no
castelo agora com Fermans os levando até lá!
– Deixe conosco! Se você não der um jeito em Fairin, isso vai
continuar! – Disse Farahdox indo atrás deles. Uma chuva de flechas caiu
sobre eles derrubando a maioria, Era Yurin em cima dos muros do castelo.
Ela acenou para nós.
Comecei a circular novamente por cima do exército até avistar Fairin,
ele estava entre um círculo de Trolls que o protegiam. Passei minha perna
por cima de Lua e saltei de cima dele até o local em que Fairin estava. Ele me
encarou e sorriu abrindo os braços de forma provocativa.
– Olhe ao seu redor, Leona! Veja o que está acontecendo! – Eu passei
os olhos sobre os campos. – Mesmo com todos que vocês arrumaram contra
mim, ainda estou vencendo! E Veruza não está aqui para você destruir! –
Gritou ele dando uma gargalhada e erguendo a espada para mim. Ele tinha
razão, eles estavam em maior vantagem e a qualquer momento poderiam
vencer e tomar o castelo. – Eu te dei tantas chances! Mas você continuou
com os perdedores!
Só havia uma coisa que eu podia fazer, senti o poder pulsar dentro de
minha espada, a segurei firmemente enquanto ele se aproximava de mim.
15

F airin veio até mim com a espada erguida, estava pronto


para me matar, afinal, o poder que ele perderia me
matando seria pouco, quase o que ele havia tomado de
Serena e recuperaria facilmente com o poder de Karin,
então acendi as minhas marcas e soltei minha lança no
chão e abri os braços, ele parou perplexo e minha frente, seus olhos fixos na
marca verde em minha testa.
– Eu posso dar o que você quer se os deixar em paz, se parar essa luta
agora! – Falei.
– Que truque é esse? Não tente me enganar! – Gritou ele para mim.
– Eu tenho o poder dos regentes aqui comigo! Eles me deram para que
eu o destruísse! – Falei ele deu um passo para trás. – Mas você é meu pai, não
quero perder você também! – Ele ergueu uma sobrancelha. – É só fazer isso
parar! Você quer controlar os mundos, não é? Você não quer destruir tudo!
– Gritei. Ele me olhou desconfiando, andei até perto dele e coloquei a lança
aos seus pés e me ajoelhei. Fairin começou a rir e me levantou pelo braço.
– Sabia que não me decepcionaria! – Disse ele passando os dedos em
meus cabelos. Ele pegou seu cajado e o bateu no chão fazendo uma onda de
fumaça vermelha varrer o campo de batalha, o seu exército começou a
recuar imediatamente como se já aguardassem por esse sinal. Ele esperava
que me unisse a ele?
– Quero seu perdão também! – Disse Moan se aproximando de nós. A
olhei espantada, quando Fairin acenou com a cabeça e virou para falar com
Bargon, apenas movi os lábios “O que está fazendo? ” Ela olhou em meus
olhos, eram uma mistura de confusão, mágoa, medo e raiva. “Me diz você,
traidora!” Ela respondeu.
– Me dê o poder, agora! – Ele pediu.
– Aqui não! Por favor! – Pedi o encarando com lágrimas nos olhos.
– Leona! O que está fazendo! Mate-o, vamos! – Gritou Ewren para mim.
“Ewren, eu sinto muito! Por favor me perdoe! É para o bem de todos!”
Apenas movi os lábios, Fairin passou um braço em volta de meus ombros e
segurou Moan também. Um círculo de fogo nos cobriu. Pude ver os olhares
confusos de Ewren e de Hasan enquanto desaparecíamos por trás daquele
fogo.

Fairin me pôs no chão, estávamos numa praça deserta no meio de uma


cidade abandonada. O cheiro de poeira e água suja estavam por todos os
lados.
– Onde estamos? – Perguntei tentando parecer calma.
– Em Rompita. – Disse Fairin segurando minha mão. – Prove que está
ao meu lado! Prove que não vai usar isso para me destruir! – Disse ele
segurando meu rosto com as mãos, engoli em seco, tive que lutar contra
minha vontade de cortar sua garganta, ele estava perto e isso seria fácil.
Então ele tocou seus lábios nos meus, ele me beijou e apertou minha mão
esquerda, sabia o que ele estava tentando fazer, ele queria destruir meu laço
com Ewren, então usei minha concentração para fazer a marca em meu dedo
desaparecer.
– O que foi isso? – Perguntei tentando manter minha voz normal e
minha raiva sob controle, não podia matá-lo se não, não poderia cumprir
minha promessa a Sirius.
– Só quebrando seu laço com o elfo, assim ele não vai mais querer se
meter quando você for comigo para reivindicar o castelo de cristal! – Disse
ele rindo, ele estava confiante de que já tinha a vitória. Moan estava nos
olhando, ela parecia com raiva. Talvez tivesse mudado de lado novamente
por causa de Demétrius.
Veruza apareceu saindo de dentro de uma das casas.
– O que está havendo aqui? – Perguntou ela olhando para Fairin e
depois para mim. Seu olhar parecia doce, errado, logo depois aquela chama
voltou Moan a segurou a arrastou perto da fonte seca no meio da praça.
– Não a machuque. – Disse Fairin calmamente como se não ligasse para
o que acontecesse mais com ela.
– Não vou! – Disse Moan segurando Veruza, enrolou seus dedos nos
cabelos azuis da moça e riu. – Mas ela é muito ciumenta! Ela pode tentar
matar Leona antes que ela lhe dê o poder que você quer! – Moan havia
realmente mudado de lado? Se tivesse, era algo mais a me preocupar.
– Com o poder dos regentes, não precisarei do poder da maldição! –
Disse ele esticando as mãos para mim. Olhei para Veruza, ela estava com os
olhos fechados e respirava com dificuldade, Moan a segurava com força e
estava com os olhos completamente brancos. Achei que estivesse tentando
retirar a alma de Veruza do corpo de Brigith, talvez não houvesse mudado
de lado, mas sim me ajudando! Peguei a espada de Nellena, abri o cabo e tirei
a bola vermelha com o poder de dentro dela. Fairin estendeu a mão, mas não
a entreguei.
– Quero que me prometa que não vai fazer mal a eles! – Pedi.
– Prometo! – Disse ele sem pensar.
– O que você vai fazer com esse poder quando o absorver? – Perguntei.
– Eu vou ter os doze mundos aos meus pés! – Disse ele sem tirar os
olhos da bolinha em minhas mãos.
– Você quer destruir os doze mundos?
– Claro que não, que tolice! O que iria restar para dominar se os
destruísse?
– Então você vai guardar os mundos, se tornar uma espécie de
guardião? – Ele estava tão obcecado pelo poder que estava caindo direitinho,
Moan e Veruza pareciam perdidas em um transe, as duas estavam com os
olhos brancos, aquilo me preocupou mais do que Fairin.
– Eu vou proteger os doze mundos e mantê-los livres das bobagens de
seus governantes estúpidos e que não sabem tomar as decisões corretas! –
Fairin parecia um cãozinho de olho na bola, porém me mataria quando
percebesse que a bolinha não o levaria aonde queria ir e todo meu sacrifício
seria em vão.
– Aceita esse Poder? Aceita guardar os doze mundos? – Perguntei.
– Aceito! – Disse ele tomando a bolinha da minha mão e a engolindo.
– O que? – Gritou Moan. – O que você fez! Fairin, NÃO!
– Sinto muito, mas foi necessário! – Falei. As Marcas negras no corpo
de Fairin se tornaram alaranjadas e começaram a brilhar.
– O que... o que você fez comigo? – Urrou ele pegando a espada
enfurecido percebendo o que tinha feito. Dei um passo para trás.
– Eu dei o poder que você queria! Agora você vai guardar os doze
mundos por toda a eternidade, sem nunca interferir, é claro! – Falei dando
um sorriso triunfante. Uma forte luz saiu de Fairin quando ele começou a
gritar, ele esticou as mãos tentando me alcançar, pude ver a fúria em seus
olhos um instante antes dele desaparecer em minha frente num rastro de
luz até o céu.
– O que foi que aconteceu? – Perguntou Veruza olhando para mim.
– Eu lhe dei o poder dos sóis e fiz ele aceitar ser o guardião dos doze
mundos, assim ele ocupará o lugar de Sirius e Áries como o Sol guardião dos
Círculo dos Doze! Agora, quebre a maldição! – Falei pegando minha lança.
Moan segurava Veruza e prendia seus braços.
– Leona, cuidado! Não é Moan! – Disse Brigith quando Moan puxou
seus cabelos para trás. Moan começou a chorar e colocou uma faca no
pescoço de Brigith.
– Não vou quebrar a maldição, nunca! Você tirou tudo de mim! –
Gritava ela descontrolada.
– Moan, ficou louca? – Perguntei tentando me aproximar.
– Você tirou meu único amor! – Gritou ela. – Eu saltei para o corpo de
Moan quando você estava fazendo essa besteira! Se tivesse percebido que
era esse seu plano, eu teria te matado! – Gritou ela com lágrimas lavando seu
rosto. – Teria saltado para seu corpo, mas você se purificou da lâmina de
Aswang! Eu havia aberto uma brecha para tomar seu corpo! Assim ele ficaria
feliz, mas você tinha que estragar tudo!
– Solte Brigith agora! – Gritei erguendo a lança para ela. Não queria
brigar com Moan, sabia que podia tirar Veruza do corpo dela, só não sabia
como. Veruza empurrou Brigith para o lado e caiu de joelhos no chão. Pouco
depois uma chuva fina começou a cair, parecia estar caindo só sobre essa
cidade.
– Você está bem? – Perguntei a ela.
– Estou... vou chamar ajuda! Papai consegue tirar a alma de Veruza
dela! Só a mantenha ocupada até eu voltar! – Brigith se transformou em uma
águia e desapareceu no céu.
Me aproximei dela com a lança em guarda. Ela saltou para cima de
mim com uma faca na mão, consegui fazer correntes aparecerem e a
prenderem no chão.
– Moan, sei que você está ai! Por favor resista!
– Cale a boca! Eu vou te matar! Eu devia ter matado todas vocês quando
tive a chance! – Ela gritava enquanto tentava se soltar. A chuva parou e de
uma das poças, Demétrius surgiu a andou até nós.
– Leona! O que houve? Onde estão Fairin e Veruza? – Perguntou ele
olhando de mim para Moan. – Ewren disse que você nos traiu!
– Cuidado, não é Moan, é Veruza! – Falei quando ele se aproximou de
nós.
– Cadê Fairin?
– O prendi no lugar de Sirius e Áries! – Falei.
– Então não era para Sirius e Áries terem aparecido aqui? – Ele olhava
em volta procurando pelos dois.
– Me solte e me enfrente como mulher, sua covarde! – Ela estava
ficando sem voz de tanto gritar e chorar, quando Demétrius se abaixou em
sua frente e tocou seu rosto, A voz de Moan voltou ao normal. Ela soprou um
pequeno fio de luz que envolveu seu pescoço e se transformou num anel de
palavras “signatum in aeternum”
– Não adianta tirar a alma dela! Você tem que Matar o corpo que
carrega a alma ou ela vai continuar a saltar! – Disse Moan entre lágrimas. –
Era minha função desde o início, ser um corpo de reserva para ela! Minhas
memórias são falsas, meus sentimentos... eu sou como Guinn, apenas uma
cópia para proteger seu verdadeiro corpo!
– Moan, não diga bobagens! – Falei me abaixando perto dela também.
– Eu lacrei a alma dela dentro de mim, assim vocês podem acabar com
isso de uma vez! – Disse ela começando a chorar.
– Não, Brigith disse que podemos tirar a alma dela, que você pode ser
liberta! – Falei sentindo um aperto no coração.
– EU NÃO SOU UMA PESSOA DE VERDE! – Gritou ela me encarando. Só
criei consciência própria por causa de Arcádius e de você... – disse ela
olhando para Demétrius. – Então me faça um favor, estou bloqueando os
poderes dela! Antes que ela tome o controle novamente, me mate! Mate a
alma dela que eu prendi! Foi para isso que derrotaram Fairin não foi? Quebre
logo a maldição, por favor! Não deixe que meu sacrifício seja em vão... –
Moan implorou de cabeça baixa. Demétrius ergueu seu rosto e a encarou.
– Leona, se afaste! – Disse Demétrius empurrando-me para trás e
erguendo Moan. – Preciso de um momento aqui! – Disse ele sem tirar os
olhos dos olhos de Moan. Me afastei um pouco deles e fiquei observando de
longe, talvez Demétrius conseguiria convencê-la a tirar a alma de Veruza e
a destruir. Ele a beijou, tirou a adaga de sua cintura e cortando a garganta
de Moan.
– Demétrius NÃO! – Gritei correndo até eles. – O que você fez?
– Atendi o último pedido de um condenado... – disse ele olhando-a com
pena.
– Não precisava ser assim! – Falei começando a chorar, tinha aceitado
Moan como uma meia irmã.
– Eu sabia que ela era uma cópia de Veruza, se a alma de Veruza
morresse, ia acontecer com o corpo de Moan o mesmo que aconteceu com
Lórien quando Ervie a esfaqueou do outro lado. Ela ia simplesmente se
desfazer, Veruza a esfaqueou com a lâmina de Aswang para poder marcar o
próximo corpo que ela usaria para saltar, eu sabia disso e pedi que vocês a
curassem pois se ela virasse guardiã de Serena, a consciência de Moan
aumentaria e seria mais difícil Veruza tomar seu controle, assim quando ela
finalmente tomasse conta do corpo de Moan, seria mais fácil dominá-la e
acabar com ela... Moan não queria morrer como um boneco, como uma casca
vazia, ela queria morrer como uma pessoa de verdade e que lutou até o final
por algo que acreditava! A última coisa que ela fez por nós foi prender a alma
de Veruza para que pudéssemos matá-la! – Disse ele.
– Mesmo sabendo disso você ficou com ela?
– Ela só passou para o seu lado por que criou consciência própria e
sentimentos por mim e começou a acreditar que podia ter um destino
diferente. Não tinha intenção de me apaixonar por Yurin, e foi isso que
quase colocou tudo a perder. Veruza recuperou o controle de Moan quando
ela me viu com Yurin aquele dia no templo! – Olhei para Moan no chão, o
sangue havia empoçado em volta de seu corpo e ela ainda tentava respirar.
O último traço de vida, quando a luz deixou seus olhos foi como se eu fosse
atingida por uma lufada de ar, meu corpo ficou leve de repente, as marcas
verdes em meu pulso se tornaram brancas.
– O que houve? – Perguntei.
– A Maldição foi quebrada. – Disse ele olhando para minha testa. –
Agora você tem a marca dos Apollis, a lótus branca. – Quando ele falou isso
eu comecei a chorar. Havíamos vencido, finalmente. Queria tanto que minha
mãe estivesse aqui para sentir esse alívio que eu sentia, embora estivesse
triste por Moan, estava feliz por tudo ter acabado.
Um par de luzes apareceu no céu e desceu até perto de onde
estávamos. Olhamos enquanto Sirius e Áries tomavam suas formas
“humanas” e se abraçavam e sorriam.
– Leona? – Sirius olhou confuso para mim. – Achei que você fosse usar
o poder para destruir Fairin depois que tivesse aceitado se torna a guardiã!
– Disse ele para mim.
– Você me disse que era quase como um castigo ficar olhando tudo lá
de cima, sem poder nunca interferir! O que era maior castigo para Fairin do
que saber que foi derrotado e ainda ter que cuidar dos doze mundos
eternamente? – Falei.
– Mas isso quer dizer... enquanto ele não interferir ele ainda pode
voltar! – Disse Sirius limpando o corpo de Moan com seus poderes e
colocando-a sobre a pedra da fonte seca. – O sol ainda não reapareceu! –
Disse ele encarando-me nervoso. Pensei em todos que haviam ficado no
castelo. Quando ia me virar para ir até lá, senti um calor atrás de mim, e um
brilho forte fez com que minha sombra se estendesse pela cidade.
– Você me enganou, mas pelo menos, eu posso me livrar de você agora
sem piedade! – Disse a voz de Fairin atrás de mim, ele havia se tornado o
guardião dos Doze mundos, mas ainda não estava preso ao centro, ele não
havia interferido ainda e sabia que ele não iria até elas, ele se vingaria de
todos tirando-me deles. Fairin puxou a espada em minha cintura e a
atravessou em meu peito. – Sem a maldição, você é apenas uma híbrida
mortal! – Disse ele ao meu ouvido, desaparecendo ao soltar a espada que
agora estava atravessada em mim.
– NÃO! – Demétrius correu até mim e me segurou antes que eu caísse
no chão. A dor era intensa demais, havia um gosto metálico em minha boca.
– AH! Merda! – Gritou ele puxando a espada, mas eu não tive força nem para
gritar.
– Demétrius, onde está Hasan, rápido diga! – Escutei a voz de Sirius,
mas ela estava cada vez mais distante.
– Castelo de Cristal! – Houve mais dor quando Sirius me tirou do chão,
uma coluna de luz brilhante e colorida nos cobriu, fechei os olhos por um
instante. Quando os abri de novo, estava deixada no chão do pátio do castelo,
havia gente demais em volta de mim e Sirius os mandava se afastar. Vi Ewren
se aproximando de mim e tive vontade de chorar então apertei os olhos.
– Leona! Olhe para mim! Abre os olhos! – Disse sua voz doce, tão
distante que mal podia ouvir.
– Me desculpe...
– Não fale nada, por favor só fique quietinha aqui até Hasan chegar! –
Disse ele para mim, vi o brilho verde em suas mãos, ele estava tentando me
curar, mas eu não conseguia sentir mais além de muito frio. O único calor
que sentia era o de suas mãos.
– Cuida bem delas, Serena, Yurin e Lórien vão te ajudar! – Falei sem
saber se ele estava escutando, seus olhos dourados estavam na ferida em
meu peito. Sirius se aproximou e tentou ajudá-lo, o último rosto que vi antes
de fechar os olhos foi o de Hasan, ele se aproximou devagar e segurou meu
rosto.
– Não é hora de ir ainda... – disse ele mordendo sua mão e a trazendo
para perto de mim.

Abri os olhos, estava de pé em um túnel de luz largo como aquele que


atravessei com Hasan e Yurin para ir até Ciartes, olhei meu corpo, não havia
nada de errado, estava perfeitamente bem, mas estava sozinha. Caminhei
para o lado que havia mais luz ignorando o conselho de “não ande na direção
da luz”. Comecei a reparar que no túnel haviam imagens passando, como se
fosse toda minha vida em pequenos vídeos espalhados por suas paredes
luminosas. Quando parei de andar para olhar um deles, escutei o som de algo
se aproximando e olhei para o lado oposto do túnel.
– Amaterasu? – Era ela, vinha correndo para cima de mim, ela saltou
sobre mim e me lambeu o rosto até que eu parasse de tentar afastá-la. – O
que está fazendo aqui! Você morreu! – Falei. – Será que eu também morri? –
Perguntei olhando novamente para meu corpo. Ela abaixou para que
montasse nela, foi o que fiz. Amaterasu correu pelos túneis até chegar a um
portal de madeira pintado de branco. Ela o atravessou correndo, estava em
um mundo tão lindo! Era tudo calmo, a grama verdinha e macia, o sol morno
brilhava no céu ao lado da lua e a brisa soprava suavemente contra meu
rosto, mas não conseguia sentir nenhuma emoção.
– Onde estamos? – Perguntei me aproximando de uma imensa árvore
igual a que tinha em Ciartes, porém essa era azul clara e tinha folhas
prateadas, seus galhos pareciam cobrir uma área tão grande que para onde
quer que eu olhasse haviam galhos cheios daquelas folhas prateadas. Ela
estava completamente tomada por fios vermelhos emaranhados, cada um
deles presos a uma folha e indo em direção ao espelho, outros fios
conectados a uma folha, mas que iam para outro lado da árvore e se
encontrava com outra folha. Mas nenhum deles estavam embolados.
Um dos fios vermelhos estava preso ao meu pulso. Eu o puxei, mas ele
estava preso dos galhos da árvore e ia até suas raízes assim como os outros.
– O que é isso? – Olhei para raiz da árvore, ela estava plantada sobre
um espelho gigante e nesse espelho havia uma escuridão, quando me
aproximei e olhei mais de perto, vi onze planetas que desciam formando
uma espiral.
– É o espelho das almas! – Disse uma voz feminina perto de mim.
– Quem é você? – Olhei em volta procurando a dona daquela voz. Não
havia ninguém ali, só Amaterasu.
– Sou Ayrana, a guardiã de Mogyin! – Disse Amaterasu levantando-se
nas patas traseiras e transformando-se numa mulher diante de meus olhos.
– Desculpe, me transformei em algo que você conhecia para poder tirá-la do
mosaico de memórias antes que você tocasse na parede e se perdesse no
tempo! – Disse ela sentando-se no murinho em volta do espelho.
– Ayrana, o que houve? Eu morri? – Perguntei.
– Sim..., Mas ainda não é sua hora! Você foi atacada por um sol que não
deveria interferir diretamente, mas parece que estão tentando te salvar lá!
– Disse ela dando palmadinhas no murinho para que eu sentasse ao seu lado,
andei até ela e sentei.
– O que é essa árvore? – Já que estava aqui, queria perguntar tudo!
– É a árvore dos espíritos, ela torna visível a ligação existente entre
todas as almas nos mundos. Suas onze raízes se conectam aos onze mundos
vivos do círculo, cada folha prateada representa uma vida em um dos
mundos.
– E esses fios vermelhos? – Perguntei lhe mostrando o meu.
– Eles mostram a quem você está conectado, sua outra metade! – Disse
ela segurando meu fio e o puxando delicadamente, quando ela o puxou o
rosto de Ewren apareceu no espelho.
– Isso significa...
– Que desde antes de vocês nascerem, já estavam conectados, sempre
estiveram! No começo, antes mesmo de eu estar aqui, desses mundos serem
criados, as almas eram poucas e assim quando seus corpos morriam, elas se
dividiam em duas, para suprir à quantidade de novas vidas. Mas o vazio que
se formava em seus corpos na outra vida era grande demais, então elas
foram unidas novamente por esses fios. Quando elas não se encontram em
uma vida, quando se encontram com outras almas e não com suas metades,
elas sofrem em silêncio até poderem se encontrar novamente! – Disse ela
arrumando uma mecha de meu cabelo.
– Isso é muito bonito, e ao mesmo tempo triste! Então foi isso que
Sirius quis dizer com “todas as vidas são conectadas”!
– Talvez! Sirius e Áries, são uma das primeiras almas a serem divididas,
eles já viveram tantas vidas juntos. Talvez essa seja a última, depois eles
devem querer descansar! Gosto quando eles estão aqui para conversar
comigo! – Disse ela olhando para um campo florido do outro lado da árvore.
– O que tem lá? – Perguntei.
– As almas que descansam...
– Posso entrar lá? Queria tanto falar com minha mãe e Arin, com
Nellena também!
– Não pode entrar lá, só pode ir até lá se sua outra metade estiver aqui
também, você tecnicamente ainda está viva, lá é o campo dos mortos. Além
do mais, Arin, Nellena e Lupine já retornaram! Quando as mandei na última
vida, quando elas receberam esses nomes, eu disse que teriam uma vida
difícil e regada de problemas, e se mesmo assim elas aceitassem descer, eu
as mandaria uma última vez depois para viverem uma vida feliz ao lado das
pessoas que elas deixaram para trás! Como elas aceitaram e eu já as mandei
de volta! – Disse ela sorrindo para mim. Cobri a boca com as mãos e comecei
a chorar. Ayrana segurou meus ombros carinhosamente e beijou minha
cabeça. – Está quase na hora de você voltar! Cuide direitinho das almas que
cuidaram tão bem de você para que você cumprisse o seu papel nessa vida!
– Ouvi as palavras dela e assenti com a cabeça.
– Então eu consegui, não é? – Falei quando minha voz finalmente saiu.
– Não existe mais a maldição, vocês estão livres e Fairin já foi preso,
agora ele não pode mais interferir, pois perdeu completamente a
consciência e as lembranças por ter matado alguém que não devia morrer.
– Ayrana, o que você é, exatamente? – Perguntei.
– Não posso te dizer exatamente pois não sei explicar em palavras,
mas eu me lembro vagamente da única vida que vivi lá embaixo, acho que
fui uma das primeiras pessoas a andar sobre Amantia, se não me engano,
mas com certeza fui a primeira pessoa a morrer nos mundos criados depois
da terra! Quando cheguei aqui e vi a beleza desse lugar e a grandiosidade, eu
escolhi ficar! Assim comecei a cuidar das almas e das novas vidas que
surgiam aqui e fazer com que encontrem seus caminhos!
– Você se arrepende dessa escolha? – Perguntei. Ela olhou pensativa
para o espelho, depois para a árvore e para suas folhas prateadas.
– Não costumo me arrepender das escolhas que faço! – Ela sorriu
novamente. – Eu posso ver tanto amor, tanta alegria, que nem mesmo todo
o sofrimento que vejo consegue superá-lo. É muito gratificante ficar aqui e
juntar as almas, ver a alegria quando elas se unem novamente... – enquanto
ela falava sua voz ficava mais distante.
– O que está acontecendo? – Mal podia ouvir minha voz agora.
– Ainda nos veremos antes que essa vida termine! – Disse ela acenando
para mim. Pisei sem querer na superfície do espelho e tudo em minha volta
escureceu.

Ouvi o som de água corrente, a brisa gelada da noite em meu rosto, o


cheiro de terra molhada e grama cortada. Abri os olhos devagar, a luz forte
da lua quase me cegou. Sentei e olhei em volta, estava no jardim de minha
casa na Montanha Nublada. Estava sozinha ali? Me levantei e andei até a
casa, arrastei a porta de correr para o lado e entrei. A cozinha estava
arrumada como sempre, passei pela sala e fui até o quarto, também não
havia ninguém. Voltei para a cozinha e fiz algo para comer, parecia que
estava a uma eternidade sem me alimentar. Depois fui até o quarto, escovei
os dentes e fui até a varanda do quarto. Me sentei no parapeito e fiquei
olhando para o vale abaixo de mim sem entender exatamente o que estava
acontecendo comigo, parecia que aos poucos meus sentimentos iam
voltando.
– Achei que não fosse acordar mais! – Disse uma voz muito familiar
atrás de mim.
– Ewren! – Me virei e o abracei, abracei forte, queria sentir o máximo
do seu cheiro, do seu calor. Ele segurou meu rosto e me beijou, como se fosse
a primeira vez, parecia que nunca havia feito isso antes, fui tomada por uma
onda de felicidade incontrolável e o apertei o máximo que pude contra mim.
– Acabou, não é? Agora você vai sossegar perto de mim? Chega de
brincar de morrer, moça! – Disse ele traçando o contorno de minha boca
com os dedos.
– Acabou! – Falei fechando os olhos e respirando fundo. Ewren
segurou minha mão e me levou para o quarto, estava tudo diferente, mas ao
mesmo tempo era o mesmo lugar!
O que estava diferente era a paz, a certeza de que agora estávamos
seguros, que não havia mais maldição e que ninguém viria atrás de mim ou
de minhas filhas novamente.
– Onde estão as meninas? – Perguntei.
– Com minha mãe e os outros no castelo de cristal. Te trouxe para cá
hoje cedo, não sabia quando ia acordar! Os outros estavam sempre nervosos
e angustiados, então resolvi tirar você de lá para acalmar os ânimos.
– Quanto tempo eu fiquei fora? – Perguntei lembrando-me que não
havia se passado muito tempo desde que entrei em Mogyin e fiquei com
Dauona.
– Quase seis Meses... – disse ele sorrindo tristemente.
– Não quero mais saber de viagens a outros mundos por um bom
tempo! – Falei assustada pensando no tempo que passou. – Como elas estão?
– Muito grandes, bonitas e fortes, iguais a mãe delas! Yurin e Lórien
cuidaram de você todos os dias e as mantinham perto de você!
– E Serena? – Perguntei.
– Se casou com Hasan dois meses atrás e foi para Vintro. Ela queria
esperar você acordar, mas Áries disse que em Mogyin você não poderia sair
até Ayrana ter a certeza de que sua alma estava curada e pronta para voltar...
acabou que Hasan foi colocado no lugar de Fairin em Vintro, Medras ficou
responsável por Lótus Vale.
– Onde estão Sirius e Áries?
– Eirien os colocou como governantes em Lastar, criaram uma cidade
lá para os Malvarmos que vieram de Vegahn. Antes que você pergunte, meu
pai está na cidade de Cristal também, Eirien aproveitou que ele apareceu
durante a batalha para ajudar a todos e o absolveu pela morte do rei e de seu
irmão. A cidade de Monte Azul também foi restaurada e sua avó está em casa
com Sally e Tayman assumiu o comando dos caçadores.
– Entendi, então tudo acabou bem... – me sentia aliviada.
– Nem tudo acabou tão bem, Lirien e Amijad morreram na batalha
aquele dia junto com muitos outros, o filho deles não aceitou ficar no lugar
deles no palácio dos nove dragões e um tempo depois foi embora para
Ciartes, disseram que ele vai lecionar na ACV. – Quando ele falou senti um
nó na garganta, Lirien e Ami me ensinaram muita coisa e atenderam ao
nosso chamado, eram verdadeiros amigos para nós.
– Quero ir até o castelo! Quero ver as meninas! – Falei tentando afastar
as lágrimas.
– Amanhã! A essa hora elas estão dormindo, sei que você não vai
aguentar e vai querer acordá-las. É muito difícil fazê-las dormir no horário
certo! – Disse ele rindo.
– Amanhã então! – Concordei, agora não tinha mais pressa, podia
aproveitar cada momento sem medo. Havia passado tanto tempo dormindo,
mas estava com muito sono.
– O que é isso? – Ao deitar na cama, notei a marca de uma corrente
prateada em meu braço.
– Hasan lhe deu seu sangue para te curar, era para você ter se curado
imediatamente como aconteceu comigo, mas você morreu na hora que ele
lhe deu o sangue. Sirius nos garantiu que você voltaria, só que sua alma já
estava em Mogyin quando seu corpo se curou... Bom, agora você é guardiã
de Hasan! – Respondeu ele traçando a corrente com as mãos.
– A sua desapareceu! – Eu segurei o braço dele e o girei procurando
pela marca.
– Minha e de Demétrius! – Disse ele olhando-me feio. – Você morreu,
Leona! O elo foi quebrado.
– Então os poderes que eu passei sumiram?
– Não, só o elo de mestre. Algo feito por um mago não se apaga nem
com sua morte, isso serve para os poderes passados também!
– Falando em magos, e Jocelinne e Arcádius?
– Estão no templo de fogo. Arcádius é conselheiro da rainha
novamente e Jocelinne voltou a ser a sacerdotisa do fogo.
– Fiquei com as marcas iguais às de Fairin... – falei olhando a marca
branca em minha testa com um espelho.
– Eu posso dar um jeito nisso! – Ewren mudou sua aparência, seus
olhos dourados eram incríveis. Ele beijou minha testa e as marcas mudaram,
a flor de lis apareceu novamente e as marcas brancas de meu braço ficaram
douradas.
– Obrigada! – Falei puxando-o pelos cabelos e o beijando. Queria tanto
ficar com ele agora, me perder em seu corpo, em seu gosto, mas nada em
mim respondia da forma que eu queria. Escutei sua risada enquanto eu
bufava irritada.
– Você passou pelos outros mundos para chegar aqui novamente, seu
sono é mais que normal, afinal seu corpo descansou e sua alma não. É como
se você ainda estivesse naquele dia! – Disse ele brincando com meu cabelo.
– Posso esperar mais alguns dias para ter você novamente! – Talvez eu que
não pudesse esperar mais alguns dias!
– Ewren, por falar naquele dia, eu preciso de pedir desculpas! – Ele
cobriu minha boca com a mão.
– Sirius me contou, Demétrius também. Sei o que você fez por nós! Não
se preocupe em se desculpar.
– Mas eu me sinto tão culpada!
– Então não se sinta, sinta-se feliz pois fez uma coisa que ninguém
mais teve coragem de fazer! – Deitem minha cabeça em seu braço, respirei
fundo e sorri.
– Então não se importa se eu tirar um cochilo, não é?
– Não, mas duvido que seja um cochilo! – Disse ele rindo, meus olhos
pesaram, adormeci antes mesmo de falar mais alguma coisa.

Acordei com o cheirinho de café, levantei ainda com preguiça e andei


até a cozinha. Ewren estava de pé preparando alguma coisa que estava
cheirando muito bem, seu cabelo estava trançado para trás, ele estava
apenas usando um moletom, fiquei olhando a tatuagem em suas costas e o
desenho de seus ombros, acabei sorrindo e ele se virou bem na hora,
pegando-me olhando para ele.
– Acho que devia de chamar de bela adormecida a parir de agora! –
Disse ele rindo e colocando uma caneca com café na mesa e um prato com
panquecas.
– Acordei antes das nove! Não pode reclamar!
– Você dormiu mais três dias! Sério, você hiberna, não é? Não é uma
híbrida, é uma ursa! – Disse ele zombando de mim, senti meu rosto
esquentar.
– Você ainda é um chato! – Resmunguei.
– Por que está com o cabelo laranja? – Perguntou sentando em minha
frente e tirando uma mecha de cabelo laranja do meu rosto. O fiz voltar ao
normal e ignorei sua pergunta, havia sonhado que estava pintando o cabelo
e não queria falar isso.
Depois que tomamos café, nos arrumamos e fomos até o lado de fora.
Ewren nos cobriu com aquela coluna de luz, dei um tchau silencioso para a
casa.
Aparecemos no jardim de Eirien, onde ela, Lórien, Medras, Yurin e
Demétrius estavam tomando café. As menininhas também estavam ali, perto
de Eirien sentadas em cadeirinhas e fazendo bagunça.
– Leona! – Lórien se levantou para me abraçar, ela estava com uma
barrigona e um sorriso enorme no rosto!
– Lóri! Você está ótima! – Falei acariciando sua barriga e lhe dando um
abraço. Cumprimentei a todos na mesa e corri para pegar as três no colo, as
apertei e as enchi de beijos.
– Obrigada por tudo! – Sussurrei para elas lembrando-me das palavras
de Dauona.
– Asahi e Nyumun ficaram totalmente elfas quando a maldição
desapareceu! – Explicou Lórien vendo minha expressão de confusão ao vê-
las diferentes. – Apenas Karin continuou híbrida! Meio humana, meio elfa! –
Disse sorrindo.
Fiquei olhando aqueles rostinhos redondinhos, era quase como um
troféu poder estar de volta depois de tudo que aconteceu, em suas testinhas
brilhavam agora o símbolo da flor de lis verde.
Passamos o dia todo brincando no jardim, as três se davam muito bem
e pareciam gostar de brincar entre si.
Ao final da tarde, Eirien veio para fora com Farahdox e os outros e
trouxe um bolo. Eles já se aproximaram cantando parabéns Ewren coçou a
cabeça e Yurin parecia irritada.
– Não se atreva a reclamar, ela matou um gigante com um golpe de
espada! – Cochichou Ewren para Yurin, que arregalou os olhos e deu um
sorriso parcial.
– Que dia é hoje? – Perguntei.
– Quatorze de maio, nosso aniversário! – Disse Yurin pegando um
pedaço de bolo que Eirien havia cortado.
– Nosso aniversário também! – Disse Ewren para mi, deixando-me
confusa.
– Como assim?
– Nos casamos no dia do meu aniversário. Só não te falei nada! – Disse
ele rindo e me dando um pedaço de bolo.
– Parece que foi ontem! – Falei dando um pedacinho do recheio a
Karin, era a única que ainda não havia cochilado.
Ao anoitecer, tivemos bastante trabalho para conseguir fazer as
crianças dormirem, pela primeira vez Ewren e eu fizemos isso sozinhos para
tentar recuperar um pouco do tempo perdido, acabei cochilando na cama
com Nyumun no colo.
Acordei sentindo o vento frio da noite, Ewren estava voando para
algum lugar comigo no colo.
– Aonde vamos? – Perguntei abrindo os olhos e olhando em volta.
– Já vai ver! – Disse ele descendo e pousando numa pedra no meio da
cachoeira que conhecia muito bem.
– Uma comemoração? – Perguntei me segurando em seu pescoço e
ficando de pé.
– Talvez... – ele me beijou. – Feliz aniversário, o primeiro de muitos a
serem comemorados! – Disse ele contra meus lábios.
– Espero que sim! – Eu retribui seu beijo. Nunca havia me sentido tão
feliz, tão segura e tão em casa em toda minha vida. Estava no lugar que tinha
que estar e com quem eu queria estar pelo tempo que eu quisesse e nada
podia nos atrapalhar agora.
Epílogo

D e vez em quando acordava a noite com pesadelos do dia


em que Fairin me “matou” e saia para andar pelo castelo,
dessa vez fui até a torre sul e fiquei do lado de fora sentada
observando o céu noturno, a brisa da noite e o perfume
que ela trazia sempre me dava paz. Algo me incomodava
muito desde que prendi meu pai no centro do círculo, Sirius havia me dito
que era para eu ter usado o poder deles para matar Fairin, e não para bani-
lo, assim eu havia despertado uma fúria maior do que podíamos imaginar,
mas não conseguia tirar da cabeça o motivo disso ser ruim, afinal agora ele
era obrigado a cuidar de todos nós e estava selado! Que mal podia haver
nisso?
– Acordada de novo, rainha? – Perguntou Karin tirando-me de meus
pensamentos, ela se aproximou sentando ao meu lado no parapeito da torre,
seus cabelos castanhos e cacheados estavam enrolados num coque e os olhos
azuis do pai brilhavam contra a luz da lua.
– Eu que pergunto, o que está fazendo acordada a essa hora? –
Perguntei puxando-a para meu colo.
– Estou ansiosa, não consigo dormir! – Disse ela encostando a cabeça
em meu ombro. – Papai disse que vai matar o rei e o filho dele se não for com
a cara deles e depois vai dar uns tapas na senhora por ter me prometido sem
ele saber! – Disse Karin querendo rir.
– Não prometi, disse só que não impediria que ele tentasse te
conquistar! – Falei apertando-a em meus braços.
– Ela só tem quinze anos! – Disse Ewren se aproximando de nós. Seu
humor não havia melhorado nada desde que recebeu a carta de Hargas
dizendo que vinha com sua família para uma visita, assim conheceriam as
filhas do rei. – Vá perturbar sua tia Yurin, ela não está dormindo também! –
Disse ele a Karin, que lhe deu um beijo no rosto e desceu as escadas sem
reclamar.
– Eles não vêm para um casamento, só para conhecer as meninas! –
Protestei.
– Não devia ter feito algo assim sem me consultar, muito menos ter
esquecido de me contar isso! – Eu segurei seu rosto e o beijei. – Não tente me
comprar! – Ele estava realmente irritado. Sentou-se ao meu lado e ficou
olhando para o céu, sentei em seu colo e comecei a desabotoar a blusa
devagar.
– Não posso mesmo te comprar? – Perguntei puxando suas mãos para
minha cintura.
– Talvez..., mas isso não muda o fato de ter feito coisa errada! – Disse
ele me beijando e esquecendo um pouco a visita de amanhã.

No dia seguinte ao nosso aniversário quinze anos atrás, Eirien fez uma
grande cerimônia de coroação. Ela passou o trono para Ewren, agora éramos
os Rei e rainha de Amantia. Ela disse que estava velha e queria tempo para
aproveitar suas netas. No mesmo dia Yurin e Demétrius se casaram. Fizeram
uma festa grande cheia de pompas, ao contrário de Ewren, Yurin adorava
uma festa, pouco depois tiveram um filho, Datani, que nasceu hibrido de Elfo
e incubo era muito parecido com o pai, mas com os cabelos escuros e olhos
iguais aos de Yurin.
Ewren e eu havíamos tido mais um filho, um menino, Susano, ele era
um ano mais novo que as gêmeas, era muito arteiro e passava o dia todo
implicando com as meninas.
Lórien e Medras também tiveram um casal de gêmeos, Lupinus e
Nelin, agora já tinham quase a idade de Karin, Asahi e Nyumun, alguns meses
mais velhos que Susano.
Mesmo com toda a tranquilidade, eu insisti que elas fossem treinadas
por Medras, ele era um ótimo professor, eu achava que era melhor elas
saberem se defender, já que não sabíamos o que o futuro poderia guardar e
Ayrana não havia me dito nada sobre isso. Não permiti que fossem a ACV em
Ciartes, o que deixou o rei muito decepcionado, mas ele não tirou minha
razão de querer ficar ao lado delas depois de tudo que passamos. Apenas
Susano, depois de muito esforço por parte de Ewren, aceitei que ele fosse
para a ACV, ele voltava todos os fins de semana para ficar conosco no castelo
e era um dos alunos mais avançados, queria terminar o mais rápido possível
pois odiava o calor de Ciartes.
Quanto as trigêmeas, elas ficavam uma semana em Vintro, com Hasan
e Serena, eles as treinavam também, mas com a chegada do filho dos dois,
apenas Hasan os treinava agora, já que Nero dava muito trabalho a Serena.
Outra semana elas ficavam no templo de fogo, e na outra em Lastar com
Sirius e Áries, seus mentores favoritos. Aos fins de semana ficavam no
castelo conosco, Eirien reclamava da ausência delas a semana toda, mas
passava todo o tempo que podia mimando Susano, ele ficava cada vez mais
agarrado com os avós. Eirien também havia aproveitado que não era mais a
rainha e casou-se escondida com Farahdox, finalmente poderiam ficar
juntos depois do tempo que passaram distantes.
Embora sempre houvesse alguma rixa ou problemas para resolver,
estava tudo sempre muito calmo, sempre estávamos rodeados pelas pessoas
que amávamos.

Mal havia amanhecido e todos já estavam de pé, fazendo preparações


para a chegada da família real de Ciartes. Ewren não havia melhorado muito
seu humor desde a noite passada, mas as meninas fizeram questão de animá-
lo, dizendo que se Karin fosse embora, ele ainda teria Asahi e Nyumun! Claro
que isso não deu muito certo, e só piorou ainda mais sua expressão.
– Seja simpático quando eles chegarem! – Falei arrumando a coroa
dourada com formato de folhas sobre seu cabelo. Ele me encarava com
aqueles grandes olhos azuis.
– Não consigo ser amiguinho das pessoas assim, Leona!
– Disse a mesma coisa de Demétrius, agora vocês estão sempre perto
um do outro! – Lembrei.
– É outro caso! Ele não estava tentando tirar ninguém de mim.
– Ninguém está tentando tirar elas de você, só estão vindo para
conversar! – Insisti, era difícil tirar algo de sua cabeça.
– Assim espero! – Disse ele segurando a espada. Tive dificuldade para
soltar seus dedos dela. Estávamos aguardando a chagada deles no jardim de
Eirien, havia deixado o cabelo de Susano crescer, ele estava tão bonito, como
o pai, embora fosse o único da família que era completamente humano, mas
havia herdado meus poderes assim como Karin, ele era um mago excelente
e muito habilidoso, porém não perdia uma oportunidade de pregar peças
nos outros. Nyumun e Asahi tinham apenas a força de Ewren e não haviam
herdado meus poderes, o que muitas vezes provocava discussão entre os
quatro.
– Estão chegando! – Disse Demétrius que estava sentado perto da
cerejeira tirando um cochilo, feroz estava deitado em seu tamanho
miniatura sobre o colo de Yurin, Mel estava entre os pais e parecia estar se
divertindo muito com um livro que estava lendo, ela era um ano mais nova
que seu irmão, Datani. Os guardas abriram a porta e Hargas entrou na frente,
com um enorme sorriso no rosto e braços abertos pronto para um abraço.
Ele chegou me prensando num abraço de urso e depois cumprimentou os
outros.
– Ewren! Rei de Amantia! – Disse ele fazendo uma reverência.
– Hargas! Rei de Ciartes. – Ewren ficava assustador tentando ser
simpático. Atrás de Hargas vieram Ericko, Kuran e Sheriah com uma jovem
ruiva que não conhecia, mas devia ser a filha deles.
– Leona, como vai! – Disse ela me dando um abraço. – Essa é minha
filha, Annie! – A menina fez uma reverência e sorriu.
Ericko cumprimentou Ewren, ele havia se tornando um adulto, muito
bonito por sinal, tinha mantido a trança longa e ruiva, o que fazia lembrar
de Sirius.
– Ele parece com tio Hasan! – Disse Karin olhando-o boquiaberta.
– Parece sim! – Cochichei.
– Então essa é Karin? – Perguntou Hargas se virando para Karin e a
abraçando também. Os salamandras eram muito calorosos em seus
cumprimentos, literalmente.
– A senhora não mentiu para mim aquele dia, ela é realmente linda,
igual a mãe! – Disse Ericko dando um sorriso para Karin, até eu fiquei corada
com aquele sorriso, o que fez Ewren ficar ainda mais carrancudo.
– Ah, obrigada! – Disse Karin segurando minha mão. Asahi e Nyumun
reviraram os olhos e foram se sentar perto de Demétrius e ficaram junto com
Mel debochando em secreto de Karin. Demétrius parecia ainda mais
divertido com a cara de aborrecimento de Ewren e Yurin estava mordendo
os lábios para não rir, sabia que ia sobrar para mim mais tarde!
– Mas a senhora disse que só poderia me casar com sua filha, se eu a
derrotasse primeiro, lembra! – Disse ele encarando-me.
– Ah, eu disse brincando! – Falei.
– Agora vai ter que ganhar dele! – Disse Ewren por fim entregando-me
a lança. Ericko já estava com a espada na mão, todos se afastaram dando
espaço para nós. Demétrius agora dava gargalhadas.
– Sua vez também vai chegar, Demus! – Disse Ewren provocando-o
referindo-se a Mel, Demétrius amarrou a cara.
– Estou enferrujada, não precisa disso! – Falei.
– Mãe, sem mentir! Você e o papai treinam todos os dias que eu sei! –
Disse Nyumun acabando com minha farsa.
– Depois me acerto com você, menina! – Falei erguendo a lança e
mudando minha aparência.
– Desculpe, mas não pretendo dar nenhuma chance de a senhora
ganhar! – Disse Ericko sorrindo e girando a espada em minha direção. – Eu
treinei muito para esse dia!

Depois de cinco minutos, fui desarmada e tive uma espada a


centímetros de meu pescoço. Karin pareceu muito feliz com minha derrota,
Ericko também. Hargas aplaudia o desempenho do filho e Sheriah não ligava
muito, ela era a serenidade em pessoa. Apenas Ewren continuava de cara
amarrada, agora era para mim. Acabou que depois de alguns minutos de
conversa, Hargas pediu para ir até o templo de gelo em Lastar, queria
conhecer os sóis que iluminaram seu mundo por anos.
Só os homens foram, fiquei com as meninas, Yurin, Sheriah e Annie,
ela se deu muito bem com Asahi e Nyu e ficou falando o tempo todo de uma
amiga humana muito forte que tinha na ACV. Sheriah agradeceu a
hospitalidade e fez um brinde a nossa aliança, ela parecia feliz pelo fato de
Ericko e Karin terem se gostado.
– Para mim o mais importante é que isso não seja feito por obrigação!
– Disse ela para mim.
– Para mim também! – Respondi. – Como estão as coisas por lá?
– Tivemos problemas com alguns revoltosos um tempo atrás, ao que
parecia eles queriam matar Hargas e tomar o controle de Ciartes, mas Ericko
com um grupo de caçadores deu um jeito neles, as negociações não
funcionaram como queríamos, as vezes a força física é necessária. – Disse
Sheriah para mim.
– Verdade! – Falei, nós não tínhamos uma sintonia para conversar.
Nyumun, Asahi e Annie acabaram ficando bastante amigas depois daquele
dia juntas, isso facilitava bastante, pois ficamos conversando com elas
também.

– Não deixei ele vencer, Ewren! Se é isso que está te deixando tão
chateado! – Falei de noite depois que estávamos a sós no quarto. A família
real de Ciartes havia partido no começo da noite, pois no outro dia Kuran e
Annie teriam aula na ACV, Susano aproveitou a visita deles e foi junto com
eles para Ciartes. Karin, Nyu e Asahi também já haviam sido levadas para
Vintro por Eirien e Farahdox, era semana delas ficarem com Serena e Hasan.
– Ericko me deixou entrar em sua mente quando estávamos a sós em
Lastar. Ele é muito justo, corajoso e honesto, diferente do aproveitador do
pai deles. E já havia gostado de Karin quando você falou sobre ela em Ciartes.
– Disse ele me encarando. – Ele não tem intenção de levá-la daqui, disse que
quando eu permitir, vem para Amantia e ficará conosco o tempo que
quisermos, mas ele resolveu partir porque disse que Karin é muito nova
ainda! – Disse ele suspirando aliviado e me abraçando.
– E o outro, Kuran? Não sei nada sobre ele, apenas parece ser um pouco
tímido! Asahi parecia interessada nele... – falei.
– Não entrei na mente dele, mas parece que ele já tem alguém de quem
gosta em Ciartes, não parava de olhar para o nada enquanto conversávamos!
– Disse ele puxando-me contra ele. Deitei minha cabeça em seu peito,
aliviada. Ericko havia conquistado Ewren com essas palavras “muito nova
ainda”. O tempo nos favorecia, sem pressa nos deixando aproveitar cada
momento juntos.
– Ainda é para sempre? – Perguntei brincando com a marca dourada
em seu anelar.
– Para sempre é pouco! – Ele respondeu beijando minhas mãos. –
Eternamente, por todas as vidas, até que os mundos acabem... – Eu o beijei
antes que terminasse de falar, abri minhas asas e nos enrolei nelas.
– Então até o fim dos mundos!
Meus mais sinceros
Agradecimentos:

Todos os leitores que leram os primeiros dois livros da série e que me


apoiaram e me deram ainda mais motivação para concluir esta obra.
A toda minha família que me apoiou e me fez acreditar que sonhos são
reais e que podemos alcançá-los se não tivermos medo de seguir em frente
e correr riscos.

As minhas amigas, Palloma, Melanie, Brunna, Leticia, Natiely e Thais,


que fizeram meus dias muito mais divertidos enquanto escrevia, sem vocês
eu não teria conseguido chegar aqui, obrigada pelos ombros emprestados e
pelas horas que escutaram minhas reclamações. Esse livro é uma forma de
demonstrar meu grande amor por vocês.

A Louise Branquinho, minha revisora favorita, amiga, a pessoa mais


alegre que já conheci! Agradeço a você pelas horas de conversas e
brincadeiras que muitas vezes me deram animo para seguir em frente.
E finalmente as minhas duas filhas, que se divertiam enquanto eu
escrevia e me faziam rir muitas vezes.

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