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DOUTRINA

BULLYING NA LEI FEDERAL 13.185/15,


A NOVA TIPOLOGIA DO ASSÉDIO MORAL
LABORAL

LUCIANE CARDOSO BARZOTTO

Juíza do TRT da 4ª Região. Professora adjunta da UFRGS. Doutora em Direito.

Palavras-chave: Assédio moral – Bullying – Relações de trabalho.


Sumário: Introdução – 1 Noções de assédio moral, assédio sexual, assédio sexual ambiental,
stalking e gestão por estresse ou competência – 2 Assédio moral por discriminação ou
discriminação por assédio – 3 Bullying: uma tipificação de condutas de assédio laboral – 4 Do
“ciberassédio” ou cyberbullying nas relações de trabalho – 5 A crítica da vítima – Considerações
finais – Referências

Introdução
O assédio moral é espécie de dano moral que materializa-se quando
o empregado é exposto a situações abusivas reiteradas causando degra-
dação do ambiente laboral e aviltamento à dignidade da pessoa humana.
Pode ser em todos os níveis na organização, de forma hierárquica vertical
ascendente e descendente, horizontal e ainda poderia se dar de forma in-
terinstitucional (caso de terceirizações) ou envolvendo relações mistas de
sócios que são empregados. Nas relações de cadeias de fornecimento e
produção pode ser encontrado um assédio moral ostensivo com relação
a empregados que devem gerir estas relações. Pensa-se que ainda numa
fase pré-contratual de busca de um emprego e pós-contratual poderia haver

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o assédio desde que configurada uma situação de poder assimétrico subor-


dinativo. Nas atuais formas de gestão (startups/smart contracts) antigas
formas (trabalho rural, doméstico e estágio) e novas espécies contratuais
(teletrabalho e contrato intermitente) também pode haver manifestação
desta espécie de dano moral que é o assédio.
No Brasil, uma lei preventiva do bullying, Lei n.13.185/15, adicionou
de forma legal diversas formas de expressão do assédio moral.
Esses conceitos de assédio e bullying e as noções correlatas são
objeto deste breve trabalho.

1 Noções de assédio moral, assédio sexual, assédio


sexual ambiental, stalking e gestão por estresse ou
competência
Primeiramente vamos situar noções destes tipos de violência no tra-
balho.
– Assédio moral
Entende-se, a partir da doutrina em geral, por assédio moral, uma
espécie de dano moral reiterado que desestabiliza o empregado em sua
atuação profissional. Adoto o conceito de Marie-France Hirigoyen, a qual
define assédio moral:

[…] cualquier manifestacción de una conducta abusiva y,


especialmente, los comportamientos, palabras, actos, gestos
y escritos que puedan atentar contra la personalidad, la
dignidad o la integridad física o psíquica de un individuo, o
que puedan poner en peligro su empleo o degradar el clima
de trabajo. […] fenómeno que no sólo destruye el ambiente
de trabajo y disminuye la productividad, sino que también
favorece el absenteísmo, y que produce esgaste psicológico.1

Para alguns autores o objetivo final de todo assédio é que o empre-


gado peça a dispensa do trabalho, enquanto alguns entendem que este
elemento é dispensável.

1
HIRIGOYEN, Marie-France. El acoso moral. El maltrato psicológico na vida cotidiana. Barcelona:
Paidós Ibérica, 1999, p. 48.

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– Assédio sexual e assédio sexual laboral


O assédio sexual pode ser classificado em dois grupos: o assédio se-
xual laboral e o assédio sexual que ocorre em outras esferas, não estando
relacionado ao trabalho. Denise Fernandes2 define o “assédio sexual laboral
como sendo toda conduta de conotação sexual não desejada, tanto verbal
como física”. Denise analisa o tema na doutrina e na jurisprudência men-
cionando ainda a forma tentada que é comumente vista como chantagem.
Alice Monteiro de Barros3 aponta para a coincidência entre os diversos
conceitos de assédio sexual, dos seguintes aspectos: comportamento com
conotação sexual, não desejado pela vítima e com reflexos negativos na
sua condição de trabalho, sendo que a conduta do assediador compreende
um comportamento físico ou verbal de natureza sexual, capaz de afetar a
dignidade da pessoa assediada no local do trabalho. Atualmente, com a po-
lêmica do “metoo” lançada nas redes sociais no sentido de que as vítimas
de assédio sexual denunciem, está havendo um crescente interesse por
este tipo nas relações de trabalho.
– Assédio sexual ambiental
O assédio sexual ambiental segundo Alice Monteiro de Barros “carac-
teriza-se por incitações sexuais importunas, ou por outras manifestações
da mesma índole, verbais ou físicas, com efeito de prejudicar a atuação
laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimi-
dação ou abuso no trabalho”.4
Esta situação de importunação indevida em função do sexo repercute
no grupo como um todo tornando o ambiente hostil, difícil e degradado para
um grupo ou para a totalidade dos empregados.
Aqui o assédio sexual passa da pessoa vitimada e atinge, contamina
todo um grupo, ou, ainda, é produzida diretamente para atingir um grupo.
Exemplo seriam as brincadeiras sexuais e piadas de mau gosto de conteú-
do sexista em que todo o grupo é forçado a ouvir.
– Stalking
Stalking é comportamento persistente e repetido através do qual uma
pessoa procura se impor à outra. Essa é a definição de Jorge Trindade para

2
FERNANDES, Denise Maria Schllenberger. Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2017.
3
BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no direito do trabalho comparado. Revista LTr –
Legislação do Trabalho. São Paulo, v. 62, n. 11, p. 1464-1476, nov. 1998.
4
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 946.
A jurisprudência já admite esta figura como se verifica no seguinte julgado: RO-02068-2011-131-
03-00-4.

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quem o agressor cria um cerceamento mediante contatos indesejados,


ameaçadores, constrangedores. A vítima, intimidada e por conta na agres-
são à sua privacidade realiza uma série de comportamentos evitativos,
trocando celulares, atitudes, ambientes, horários, percursos, endereços
e paradeiros, enquanto aciona maior cuidados com segurança e proteção
pessoal. A vítima pode alternar comportamentos de evitação, negociação e,
ainda, partir para o confronto.5
– Gestão por estresse
Seria uma espécie de assédio moral organizacional, definido por
Adriane Reis de Araujo6 como: o conjunto de condutas abusivas, de qual-
quer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em de-
corrência de uma relação de trabalho e que resulte no vexame, humilhação
ou constrangimento de uma ou mais vítimas, com a finalidade de obter o
engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas administrativas,
por meio de ofensa a direitos fundamentais, acarretando, muitas vezes,
danos morais, físicos e psíquicos.
Para Silva e Neto, haveria também o assédio por competência, enten-
dido como “o comportamento ilícito por meio do qual se exige maior produ-
tividade do trabalhador em razão de sua especial competência, habilidade
e compromisso técnico profissional, sem que lhe seja destinada remune-
ração e/ou benefícios contratuais distintos dos demais trabalhadores que
se encontram em idêntica situação funcional”. O assédio por competência
seria distinto do assédio moral organizacional, pois dirigido a indivíduo certo
e determinado.7
Conforme pode-se observar dos conceitos,8 em maior ou menor grau
estamos diante de problemas de violência no trabalho, abuso de poder e
de discriminação como elementos comuns de todos estes atos atentatórios
à dignidade do trabalhador. A reparação pode se dar com o fundamento
constitucional comum. A reparação decorrente do dano moral encontra fun-
damento legal nas disposições contidas no art. 5º, V e X, da Constituição
Federal, sendo considerado aquele proveniente da violação dos direitos
individuais de cada cidadão relativamente à sua intimidade, privacidade,

5
Cfe. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 3. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
6
ARAUJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012, p. 76.
7
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Assédio por competência nas relações de trabalho. Revista do Mi-
nistério Público do Trabalho na Bahia. Salvador, n. 3, 2008, pp. 27-36.
8
GOMES, Diego Jimenez. Conceito de assédio moral: concepções subjetiva e objetiva: elementos
e espécies. Jornal Trabalhista Consulex. Brasília, v. 27, n. 1309, p. 5-8, 01/02/2010.

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honra e imagem, de natureza íntima e pessoal em que se coloca em risco


a própria dignidade da pessoa humana, diante do contexto social em que
vive e trabalha
Como elementos diferenciadores, diria que o assédio moral é gênero
dos quais os outros tipos são espécies, na nossa compreensão.
No assédio sexual laboral atinge-se a dignidade da pessoa do ponto
de vista sexual, o que repercute no grupo e aí estamos diante do assédio
sexual ambiental que fica degradado e não saudável do ponto de vista
psicológico. Na gestão por estresse estaríamos diante de uma violência
psicológica estratégica de gestão em que a dignidade do trabalhador é vio-
lada por se ultrapassar o poder de comando e gerar um stress excessivo
em um trabalhador ou grupo (podendo inclusive configurar o rigor excessivo
do art. 482 da CLT).

2 Assédio moral por discriminação ou discriminação


por assédio
O problema aqui proposto é colocar a pergunta: o assédio gera discri-
minação ou causa discriminação?
A Convenção número 111 da OIT, nominada de Discriminação no
emprego e ocupação, de 1958, pretende a promoção da igualdade e eli-
minação de toda discriminação, em matéria de emprego e de ocupação,
mediante política nacional adequada.
Qualquer distinção, exclusão, ou preferência, baseada em motivo de
raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem
social que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades,
ou de tratamento, é vista como discriminação. Os preceitos da Convenção
são válidos, tanto para a admissão no emprego, como para condições de
trabalho e acesso aos meios de formação profissional.9
O artigo 1º da Convenção n. 111, de 1958, define discriminação
como “qualquer distinção, exclusão ou preferência, fundada sobre raça,
cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,
que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades, ou de
tratamento no emprego e na ocupação”. Esta definição contém os seguin-
tes elementos: um fato no qual a distinção ou exclusão constitui-se em

9
VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional del
Trabajo. Buenos Aires: Astrea, 1990, p. 379.

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uma diferença de tratamento; um critério duvidoso na base da diferença


de tratamento como raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência
nacional ou origem social; por fim, o resultado objetivo desta diferença de
tratamento, que é a destruição ou alteração da igualdade de oportunidades
e de tratamento.10
Os tipos de discriminação direta contemplados na Convenção 111
da OIT: raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou
origem social. Entretanto este rol é apenas exemplificativo e existem diver-
sos tipos de discriminação. Entende-se que a discriminação no ambiente
do trabalho pode gerar assédio moral ou é causada por assédio moral,
quase como uma relação circular. Ou seja, o elemento discriminação, como
conceituado na Convenção 111 da OIT pode aparecer como motivação do
assédio ou como efeito, pelo que observo na prática jurisprudencial.

3 Bullying: uma tipificação de condutas de assédio


laboral
O termo bullying, já existente com conotação de assédio, surgiu na
legislação brasileira com a edição da Lei Federal 13.185/15 a qual con-
ceitua:

§1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se inti-


midação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou
psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motiva-
ção evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma
ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la,
causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequi-
líbrio de poder entre as partes envolvidas.

A tipologia eleita pela lei é carregada pelos elementos de padroniza-


ção clássica sobre o tema sobre violência no mundo do trabalho.
No que respeita à noção de bullying no local de trabalho os doutrina-
dores têm em geral considerado esta manifestação como essencialmente

10
A definição da discriminação para a OIT, didaticamente, conta com os seguintes elementos:
1. DISTINÇÃO, EXCLUSÃO OU PREFERÊNCIA (DIRETA OU INDIRETA);
2. MOTIVO – ATÍPICO OU TÍPICO – raça, sexo, cor, religião, opinião política, ascendência nacional
ou origem social;
3. OBJETIVO OU EFEITO: destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em ma-
téria de emprego ou profissão.

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interpessoal (Leymann, por exemplo), contemplando a dinâmica entre duas


partes – ofensor e vítima. Contudo, outros autores remetem para um fenô-
meno organizacional, ou seja, uma relação entre um indivíduo e uma orga-
nização (Einarsen)11 ou de ambos (Hirigoyen). Na Lei brasileira do bullying
entende-se que se encontram presentes aspectos multíplices.
Embora tenha sido pensada como uma lei preventiva com tendência
educativa, diz-se que se aplica a todas as esferas, e, acredita-se, também
laboral. Da análise da jurisprudência verifica-se que os TRTs e o TST já
tratam como sinônimos bullying, mobbing e assédio moral.
Examinamos na presente pesquisa de jurimetria o conteúdo de 38
decisões.12
Se assédio e bulliyng já vêm sendo utilizados como sinônimos, isso
autoriza integralmente a aplicabilidade da lei em comento em seara laboral.
Descreve a Lei Federal 13.185/15:

Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying)


quando há violência física ou psicológica em atos de intimida-
ção, humilhação ou discriminação e, ainda:
I – ataques físicos;
II – insultos pessoais;
III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV – ameaças por quaisquer meios;
V – grafites depreciativos;
VI – expressões preconceituosas;
VII – isolamento social consciente e premeditado;
VIII – pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial
de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instru-
mentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violên-
cia, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar
meios de constrangimento psicossocial.

11
Conforme estudos em conjunto com Universidades do Porto e Houston (ARAÚJO, Manuel Salvador
et alii. Bullying no local de trabalho, clima organizacional e seu impacto na saúde dos trabalhadores.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/277985081>. Acesso em: 24 jun.
2018).
12
ÂMBITO JURÍDIDO. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/busca/search?keyword=bullying&f1-
tipoDocumento=Jurisprud%C3%AAncia>. Busca efetuada em: 24 jun. 2018.

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Art. 3º A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada,


conforme as ações praticadas, como:
I – verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
II – moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
III – sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV – social: ignorar, isolar e excluir;
V – psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar,
dominar, manipular, chantagear e infernizar;
VI – físico: socar, chutar, bater;
VII – material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII – virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimi-
dade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem
em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangi-
mento psicológico e social.

Embora esta lei tenha sido criada no âmbito das escolas, seus con-
ceitos são aplicáveis analogicamente, pelo art. 8º da CLT, às relações de
trabalho.
Assim, no âmbito da relação de emprego, assédio é uma conduta abu-
siva dirigida a um trabalhador e com potencial de desencadear situações de
restrição do desenvolvimento e expressão laboral, constrangimento, pres-
são, exposição, na prática sendo equiparável ao bullying.

4 Do “ciberassédio” ou cyberbullying nas relações de


trabalho
Interessante que a lei trouxe a definição do cyberbullying, no art. 2º,
parágrafo único:

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial


de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instru-
mentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violên-
cia, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar
meios de constrangimento psicossocial.

Pela disseminação do uso de equipamentos portáteis de controle, smart­


phones e computadores, além de ferramentas como WhatsApp, e outras
redes sociais, o assédio pode configurar o que se chama de “ciberassédio”

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ou cyberbullying nas relações de trabalho. “Ciberassédio”, em síntese,


seria o realizado com meios telemáticos, desde e-mails, whatts, you tube.
Um exemplo seria postagens de fatos falsos ou espécie de “fake news
organizacional” ou por repetição de fake news sociais que são incorporadas
negativamente na organização laboral. Geralmente são fatos não provados
sobre determinado trabalhador relacionados ao trabalho ou, ainda, alheios
à esfera trabalhista. Com a emergência do teletrabalho, trazido pela Lei
da Reforma trabalhista, esta espécie de assédio pode ocorrer com o
teletrabalhador, visto que o legislador o inseriu numa relação de emprego
ocorrida predominantemente fora das dependências físicas da empresa.

5 A crítica da vítima
Importante questionamento diante da crescente emergência do assé-
dio moral é se entender a figura da vítima.
O questionamento de Daniele Giglioli,13 professor da Universidade de
Bergamo, é no sentido de como seria, a vítima, impotente por definição,
transformada em fonte de poder na sociedade contemporânea. Não se trata
de hostilizar a vítima a ponto de atribuir a ela a responsabilidade pelas injú-
rias. Longe disso, entende o professor que existem vítimas falsas e vítimas
verdadeiras. Segundo ele, a crítica não atinge as pessoas que realmente
foram lesadas em seus direitos, mas a apropriação do discurso da vítima.
Critica a apropriação indevida do imaginário vitimatório para aquisição de
vantagens indevidas.
No nosso tempo, refere o professor, a vítima passou a ocupar um
lugar de herói, apesar de sua passividade. O problema, diz o professor, é
que a vítima não tem poder e por isso não tem deveres. Por isso a situação
de vítima por vezes pode se tornar mecanismo de empoderamento, mas
aprisiona o injustiçado à injustiça em troca de uma certa visibilidade. Este
discurso seria de resignação e não de emancipação.
Com o aumento dos casos de assédio, entende-se importante a identi-
ficação de que se a vítima está, a partir deste cenário de imaginário social,
em posição de vantagem ou desvantagem. Por isso, precisamos distinguir
o joio do trigo porque é necessário que o dano realmente ocorrido à perso-
nalidade do empregado seja ressarcido e reparado.

13
GIGLIOLI, Daniele. O papel da vítima. Entrevista sobre o livro “Crítica da Vítima” com Miguel
Conde. Folha de São Paulo, 23 de junho de 2018. Caderno Ilustrada.

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Neste sentido, a lição de Sérgio Cavalieri Filho continua de extrema


relevância e atualidade, além de esclarecedora no aspecto da vítima, subs-
tituindo-se a palavra dano, na leitura, pela palavra assédio:14

[...] só deve ser reputado como dano (assédio) moral a dor, ve-
xame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade,
interfira intensamente no comportamento psicológico do indi-
víduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu
bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou
sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano (assé-
dio) moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade
do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos
a até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e
duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indi-
víduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o
dano (assédio) moral, ensejando ações judiciais em busca de
indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

A partir da consideração do aumento do número de casos de assédio


moral tem o juiz que separar o joio do trigo, identificando (ou tentando iden-
tificar) com uma prova cuidadosa, a vítima verdadeira daquela forjada pelo
elogio contemporâneo do vitimismo.

Considerações finais
Como dez anos atrás se falava na indústria do dano moral, hoje o
tempo é de indústria do assédio moral, ou bullying, espécie de dano moral
agora tipificado em lei, a Lei Federal 13.185/15. A Lei do Bullying, no art.
3º, explicita por meio exemplificativo o que viriam a ser os atos danosos
do bullying, e classifica as agressões em verbal (insultar, xingar e apelidar
pejorativamente); moral (difamar, fofocar); sexual (chantagear, abusar);
social (desprezar, segregar e excluir); psicológico (intimidar, perseguir,
manipular); físico (agredir); material (furtar, roubar, destruir pertences)
e virtual (cyberbullying, o assédio por meios virtuais, com a finalidade
depreciativa).

14
Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 77-78.

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No âmbito judicial resta ao juiz uma análise cuidadosa para aplicar a


nova lei, a qual institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática
(Bullying), que, apesar de preventiva, refere conceitos universais no tema
da violência, aplicáveis em matéria de emprego, por força da interpretação
do art. 8º da CLT.
Cumpre, para terminar, dizer que a atitude preventiva é dever do em-
pregador, no sentido de manter um ambiente de trabalho decente e uma
atenção aos aspectos relacionais que envolvem a organização e os empre-
gados.

Referências
ÂMBITO JURÍDICO. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/busca/search?
keyword=bullying&f1-tipoDocumento=Jurisprud%C3%AAncia>. Acesso em: 24 jun.
2018.
ARAUJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012.
ARAÚJO, Manuel Salvador et alii. Bullying no local de trabalho, clima organizacional e
seu impacto na saúde dos trabalhadores. Disponível em: <https://www.researchgate.
net/publication/277985081>. Acesso em: 24 jun. 2018.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009.
BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no direito do trabalho comparado.
Revista LTr – Legislação do Trabalho. São Paulo, v. 62, n. 11, p. 1464-1476, nov.
1998.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
FERNANDES, Denise Maria Schllenberger. Assédio Sexual nas Relações de Trabalho.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.
GIGLIOLI, Daniele. O papel da vítima. Entrevista sobre o livro “Crítica da Vítima” com
Miguel Conde. Folha de São Paulo, 23 de junho de 2018. Caderno Ilustrada.
GOMES, Diego Jimenez. Conceito de assédio moral: concepções subjetiva e objetiva:
elementos e espécies. Jornal Trabalhista Consulex. Brasília, v. 27, n. 1309, p. 5-8,
01/02/2010.
HIRIGOYEN, Marie-France. El acoso moral. El maltrato psicológico na vida cotidiana.
Barcelona: Paidós Ibérica, 1999.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Assédio por competência nas relações de trabalho.
Revista do Ministério Público do Trabalho na Bahia. Salvador, n. 3, 2008, pp. 27-36.
TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 3. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

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Luciane Cardoso Barzotto

VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización


Internacional del Trabajo. Buenos Aires: Astrea, 1990.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da


Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BARZOTTO, Luciane Cardoso. Bullying na Lei federal 13.185/15, a nova


tipologia do assédio moral laboral. Revista Fórum Justiça do Trabalho,
Belo Horizonte, ano 35, n. 415, p. 69-80, jul. 2018.

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