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Resumo: Os casos de assédio moral no ambiente de trabalho têm aumentado muito nos últimos
anos. A justiça do trabalho também tem sofrido os efeitos desse fenômeno, com o aumento de
processos, numa clara demonstração de desrespeito aos direitos humanos do trabalhador. Nessa
esteira, o termo bullying passou a receber destaque nos meios de comunicação, referindo-se,
principalmente, à violência nas escolas. Percebemos que esses conceitos se aproximam, pois em
ambos os casos nota-se a atitude repetida do assediador em desestabilizar o assediado,
humilhando-o, até que sua autoimagem esteja completamente abalada a ponto de muitos
empregados pedirem demissão e muitas crianças saírem da escola. Este artigo tem a intenção de
definir esses conceitos, abarcando suas similaridades e peculiaridades, buscando medidas
preventivas e a conscientização social, principal meio de combater estes tipos de atitude.
Keywords: Harassment in the workplace - Mobbing - Bullying - Moral damages - Offense to the
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Sumário:
1. O ASSÉDIO MORAL
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou
físico à pessoa. Verificamos pelo menos dois tipos de assédio, distintos por conta de sua natureza,
o sexual e o moral.
O assédio sexual se caracteriza por conduta de caráter sexual, repetitiva, sempre repelida pela
vítima e que tenha por finalidade constranger a pessoa em sua intimidade e privacidade. Já o
assédio moral caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta
contra a dignidade psíquica, de forma reiterada e prolongada, e que expõe o trabalhador a
situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade
ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado na empresa ou
deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada e no exercício de suas funções.
Entretanto, vale frisar que nem todo o tratamento não igualitário pode ser enquadrado como
assédio moral. A diferenciação motivada por situações fáticas legítimas, como, por exemplo, o
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tratamento dado às gestantes e a restrição de suas atividades mais pesadas, não são
consideradas discriminações em si, pois se justificam pela própria desigualdade de condições.
Nesse sentido, dispõe a Convenção 111 da OIT que “As distinções, exclusões ou preferências
fundadas em qualificações exigidas para determinado emprego não são consideradas como
discriminação” (art. 1.°, 2) e que “As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas
em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho
não são consideradas como discriminação” (art. 5.°, 1). Noutra perspectiva, poder-se-ia
classificar o assédio como uma espécie do gênero “dano moral”, entendido como o resultado de
uma conduta que viole os direitos da personalidade de um indivíduo. A propósito, já se manifestou
a jurisprudência nesse sentido conceitual, senão vejamos:
“A moral, portanto, é um atributo da personalidade. O dano moral, em consequência, é aquele que
afeta a própria personalidade humana. (…) Como se vê, o dano moral decorre da ofensa ao direito
personalíssimo da vítima” (TST, RR 577297-59.1999.5.18.5555, 1.ª T., j. 05.11.2003, rel. Juiz
conv. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 21.11.2003).
Partindo desses conceitos, passaremos agora a estudar especificamente o assédio moral, alvo do
presente trabalho, para que possamos compreender este conceito em sua totalidade e, a partir de
então, compararmos o assédio moral à noção de bullying.
2. CARACTERÍSTICAS E EFEITOS DO ASSÉDIO MORAL
Inicialmente, retomamos o conceito de assédio moral, que é caracterizado por uma conduta
abusiva, seja do empregador que se utiliza de sua superioridade hierárquica para constranger seus
subalternos, ou dos empregados entre si com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo,
que pode se dá, de maneira geral, por motivos de competição ou de pura e simples discriminação.
O primeiro fenômeno é denominado assédio vertical, entendido como a utilização do poder de
chefia para fins de verdadeiro abuso de direito do poder diretivo e disciplinar, bem como para
esquivar-se de consequências trabalhistas. Tal é o exemplo do empregador que, para não ter que
arcar com as despesas de uma dispensa imotivada de um funcionário, tenta convencê-lo a
demitir-se ou cria situações constrangedoras, como retirar sua autonomia no departamento,
transferir todas suas atividades a outras pessoas, isolá-lo do ambiente, para que o empregado
sinta-se de algum modo culpado pela situação, pedindo sua demissão.
Já ao fenômeno percebido entre os próprios colegas de trabalho que, motivados pela concorrência
interna e disputa por promoções, ou ainda pela mera discriminação por raça, sexo, religião,
submetem o sujeito “incômodo” a situações de humilhação perante comentários ofensivos, boatos
sobre sua vida pessoal, acusações que podem denegrir sua imagem perante a empresa, sabotando
seus planos de trabalho, dá-se o nome de assédio horizontal.
Também são incluídas nessas categorias o assédio moral combinado, dado com a união de chefes
e colegas no objetivo de excluir um empregado, e o assédio moral ascendente, que é o praticado
por subalterno em face de seu superior hierárquico, seja apenas um empregado que se julga
merecedor do cargo do chefe, ou por um grupo deles cuja intenção é de sabotar o novo chefe,
pois não o julgam tão tolerante quanto o antigo ou suficientemente capacitado para tal cargo.
Como bem ressalta Francisco Meton Marques de Lima,1 pode-se dizer, inicialmente, que os
principais alvos do assédio moral são os empregados estáveis, como diretores de sindicato e
funcionários públicos, pois a estabilidade impede que os mesmos sejam dispensados sem justa
causa, de modo que a tática utilizada por muitas vezes pelos administradores é a de “vencer pelo
cansaço”. Acrescenta, ainda, os trabalhadores vítimas de acidentes do trabalho, ou de qualquer
doença, pois, ao invés de readaptá-los de modo paciente e compreensivo, empregador e colegas
preferem hostilizá-lo, zombando de sua situação e criando um ambiente totalmente desagradável
ao reabilitado. Um dos exemplos é a vítima de LER que era constantemente ironizada ao ouvir que
estava, na verdade, com LERdeza, mostrando a total indiferença para com o problema enfrentado
pela pessoa, que, além de possuir uma doença física, acaba por desenvolver também problemas
psicológicos.
Na formulação atual, o assédio moral é concebido como uma forma de “terror psicológico”
praticado pela empresa ou pelos colegas, que também é definido como “qualquer conduta
imprópria que se manifeste especialmente através de comportamentos, palavras, atos, gestos,
escritos capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica
de uma pessoa, de colocar seu emprego em perigo ou de degradar o clima de trabalho”,2 ou
mesmo como “prática persistente de danos, ofensas, intimidações ou insultos, abusos de poder ou
sanções disciplinares injustas que induz naquele a quem se destina sentimentos de raiva, ameaça,
humilhação, vulnerabilidade que minam a confiança em si mesmo”.3
De tais conceitos, podemos depreender que um elemento chave, além da finalidade de exclusão, é
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nas crianças, geram uma série repercussões sociais e à saúde desses indivíduos, dificilmente
reversíveis.
No caso do assédio moral no ambiente de trabalho, envolvendo adultos, os problemas causados no
trabalhador são fundamentalmente danos à sua saúde mental, predominando o estresse e seus
sintomas psicossomáticos, como pesadelos, dores no estômago e falta de apetite, a ansiedade e a
hiper-reação psíquica, a depressão, além do desgaste físico, transtornos de sono, cansaço e
debilidade.
Os reflexos nas crianças e adolescentes são ainda mais graves, pois além de distúrbios
psicológicos apresentados de imediato, consequências podem se estender até a vida adulta e em
sua formação pessoal. As vítimas, por exemplo, podem vir a se tornar adultos com sentimentos
negativos e baixa autoestima, refletindo problemas de relacionamento com o outro e de aceitação.
Segundo a cartilha sobre bullying do Conselho Nacional de Justiça, lançada em 2010, os problemas
mais comuns enfrentados pelas crianças que sofrem esse tipo de agressão são o desinteresse pela
escola, problemas psicossomáticos, distúrbios de comportamento, depressão, anorexia e bulimia,
fobia escolar e social e ansiedade generalizada. Aponta ainda casos extremos, como quadros de
esquizofrenia, homicídio e suicídio.1 2
Quanto aos jovens que são os assediadores, a tendência é que reflitam sua personalidade
autoritária na vida adulta, tendo também dificuldades de relacionamento, mas por não ter
aprendido na infância a lidar com as diferenças e a ser tolerante com o próximo. Podem se tornar
adultos autoritários, preconceituosos e violentos, além de, muito provavelmente, transferirem a
conduta assediadora da escola para o local de trabalho e seus lares.
Nesse ponto, precisamos mencionar a tendência atual em enquadrar os mais diversos
comportamentos estudantis como casos de bullying, o que gera um infundado alarmismo em torno
do crescimento da “violência escolar”, assim como a banalização do termo. Porém, nem toda
brincadeira que envolva apelidos, deboches e “zoeira” entre alunos ou atos de indisciplina podem
ser considerados bullying. Segundo Luciano Campos Silva, pesquisar da Universidade Federal de
Ouro Preto:
“Sobretudo nos anos finais do ensino fundamental, as brincadeiras maliciosas entre os estudantes
são bastante comuns, mas nem sempre costumam privilegiar um mesmo alvo. (…) Como
demonstram as pesquisas sobre o assunto, só podemos realmente falar em bullying nos casos em
que os maus-tratos se tornam persistentes e envolvem sujeitos que se encontram em posições
desiguais de poder.”1 3
Portanto, para que possamos falar em bullying é preciso que a relação entre os alunos ultrapasse
o limite da brincadeira, tornando-se ofensiva, voltada a apenas uma pessoa, tornando-se
verdadeiras perseguições das quais a vítima não consegue escapar e que podem gerar dados
físicos e psicológicos. Tal diferenciação é importante porque a brincadeira faz parte do
crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente, não merecendo a repreensão e a
punição que necessita um ato de violência, no caso, o bullying.
Feita essa ressalva, precisamos ressaltar que é fundamental que empresas e escolas adotem
medidas para conscientizar trabalhadores e alunos que práticas de assédio não são “naturais”,
nem mesmo justificáveis, devendo ser combatidas e repelidas nesses ambientes. Assim, é preciso
que tanto empregador, quanto educadores incentivem que vítimas ou terceiros apontem essas
violências, garantindo segurança e conforto emocional para os denunciadores. Ainda, é preciso
que os assediadores sejam não apenas punidos devidamente, mas que, antes disso, recebam
informação suficiente de modo a perceberem a necessidade do respeito ao próximo, na tentativa
de evitar que a conduta se perpetue.
8. O TRATAMENTO DA MATÉRIA NOS TRIBUNAIS
Os tribunais trabalhistas brasileiros têm-se utilizado dos termos bullying e assédio moral como
sinônimos, deixando sempre claro tratarem-se de situações de violência psicológica ocorridas no
local de trabalho.
Podemos citar, a título de exemplo, a descrição feita em acórdão da 2.ª Turma do TST, que aqui
transcrevemos:
“Na hipótese dos autos não está evidenciado o assédio moral, também denominado mobbing ou
bullying, que vem sendo conceituado, no âmbito do contrato de trabalho, como a manipulação
perversa e insidiosa que atenta sistematicamente contra a dignidade ou integridade psíquica ou
física do trabalhador, com vistas à sua exposição a situações incômodas e humilhantes
caracterizadas pela repetição de um comportamento hostil de um superior hierárquico ou colega,
ameaçando o emprego da vítima ou degradando o seu ambiente de trabalho” (RR 1600-
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95.2006.5.03.0112, j. 06.09.2011, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 16.09.2011).
Outro exemplo, da 8.ª Turma do TST, reforça a identidade trabalhista desses conceitos:
“O assédio moral (ou – bullying – ou terror psicológico), no âmbito do contrato de emprego,
consiste na conduta abusiva do empregador ao exercer o seu poder diretivo ou disciplinar,
atentando contra a dignidade ou integridade física ou psíquica de um empregado, ameaçando o
seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho, expondo o trabalhador a situações
humilhantes e constrangedoras. (…) E aqui importa ressaltar que muitas vezes o bullying (assédio
moral) se materializa camuflado na forma de uma simples brincadeira, conforme se verifica na
hipótese vertente, sendo que, contudo, a doutrina abalizada sobre o tema chama a atenção para
o fato de que a perversão do fenômeno consiste justamente em o assediado utilizar-se de meios
ardilosos para alcançar seus objetivos, minando a autoestima da vítima” (EDcl em RR 72400-
44.2009.5.03.0145, j. 01.06.2011, rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 03.06.2011).
Em contrapartida, a Justiça Comum tem utilizado o termo bullying especificamente nos casos de
violência nas escolas, seja física ou psicológica. Aliás, por conta da não regulamentação do tema
no direito civil, conforme exposto anteriormente, todas as decisões publicadas que envolvem
assédio entre alunos têm gerado alguma polêmica, principalmente no que toca a responsabilização
da institução de ensino.
Citamos, como exemplo, a famosa decisão da Justiça mineira, de maio de 2010, que obrigou os
pais de um aluno a pagarem indenização de R$ 8 mil a uma garota de 15 anos que sofria bullying
em uma escola de Belo Horizonte. A agressora não apenas isolava a vítima, como referia-se a ela
através de uma série de apelidos ofensivos que faziam referência à sua aparência física. Na
sentença, relata-se que as atitudes da agressora demonstravam falta de limites, tendo feito com
que a vítima se tornasse uma pessoa triste, estressada e emocionalmente debilitada. Apesar dos
pais da vítima alegarem que procuraram o colégio e que o mesmo se omitiu, ele não foi
responsabilizado.1 4
Diferente posicionamento tomou o TJDF, que em decisão condenou a instituição de ensino a
indenizar por dano moral criança que havia sofrido bullying por parte de alunos:
“Abalos psicológicos decorrentes de violência escolar. Bullying. Ofensa ao princípio da dignidade da
pessoa. (…) Na espécie, restou demonstrado nos autos que o recorrente sofreu agressões físicas
e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças
daquela idade, no interior do estabelecimento do réu, durante todo o ano letivo de 2005. É certo
que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do
Colégio em razão de sua responsabilidade objetiva. Com efeito, o Colégio réu tomou algumas
medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para
solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez
porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como
instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como “diferentes”. Nesse
ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos
socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa,
primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em
instituições como a escola.” (ApCiv 0008331-83.2006.8.07.0003, 2.ª Turma Cível, j. 07.08.2008,
rel. Des. Waldir Leôncio Júnior)
Dessa forma, percebemos que apesar de na Justiça do Trabalho o assédio moral já ser tema
consolidado, ainda há muito que se discutir na Justiça Cível, principalmente em relação à
responsabilidade da escola nos atos de bullying cometidos pelos alunos. De toda forma, como já
dito em momento anterior, a importância dos estudos sobre esses fenômenos são importantes
principalmente no combate e na busca da extinção deste tipo de prática desumana, que fere a
dignidade do indivíduo e gera profundos, e muitas vezes irreversíveis, danos físicos e psicológicos.
1 Lima, Francisco Meton Marques de. Direitos humanos fundamentais do trabalho – Dano moral.
Jornal do 11.° Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 25 e 26.03.2003.
p. 22.
2 Hirigoyen, Marie-France. Molestie morali apud Monateri, Píer Giuseppe; Bona, Marco; Oliva,
Umberto. O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no
trabalho. Revista Trimestral de Direito Civil 7/130. Rio de Janeiro: Renovar, jul.-set. 2001.
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5 Leymann, Heinz. The mobbing encyclopedia. File 13100e. Disponível em: [www.leymann. se/
English/frame.html].
11 Buratto, Luciano Grudtner. Assédio moral apressa demissão. Folha de S. Paulo, São Paulo,
01.07.2001.
12 Conselho Nacional De Justiça. Bullying: cartilha 2010 – Justiça nas escolas. Brasília, 2010. p. 9.
14 Peixoto, Paulo. Justiça condena pais de aluno por bullying. Folha de S. Paulo, Cad. Cotidiano,
20.05.2010.
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