Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BRASIL
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
SUMÁRIO
2
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
O Brasil conta com um dos mais completos e complexos sistemas de saúde do mundo.
E para o sucesso desse modelo, a participação do setor privado no SUS é de
fundamental importância para sua efetivação e fortalecimento.
Criado por meio da lei número 8080, de 19 de setembro de 1990, o Sistema Único de
Saúde (SUS) tornou-se modelo. Apesar das falhas que existem no sistema — e
retratadas diariamente na imprensa — ele é um sistema abrangente que atende qualquer
pessoa, desde a mera medição da pressão arterial no posto de Saúde do bairro, até um
transplante cardíaco em um dos hospitais de referência na área.
Universalização
Equidade
O SUS também atua com equidade, investindo onde há maior carência, com o objetivo
de tornar todos iguais.
Integralidade
3
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Nesse sentido, ocorre o socorro por parte da iniciativa privada. Inclusive, na própria lei
de criação do SUS, ele já traz no artigo 4º a possibilidade da iniciativa privada participar
das ações, em caráter complementar.
Dessa forma, o cidadão que necessita de atendimento especializado terá seu tratamento
custeado pelo SUS, mesmo sendo atendido em um hospital ou clínica particular. Essa
contratação ocorre por meio de chamada pública ou credenciamento, permitindo a
equidade de participação entre os entes privados que oferecem o mesmo serviço.
Novamente usando os casos de internação em UTI por Covid-19, com a falta de leitos
na rede particular, foram contratados leitos particulares de UTI. Eles são custeados pelo
Governo Federal, com valores pré-definidos para todo o território nacional.
Logo no início da pandemia, ainda em março de 2020, o Banco Votorantim (BV) doou
R$ 30 milhões para projetos sociais e compras de insumos hospitalares. Além disso, a
instituição financeira ofertou outros 50 respiradores e criou uma linha de crédito para
unidades hospitalares.
4
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
A Adama, que atua na proteção de cultivos, doou R$ 100 mil a um hospital gaúcho, que
usou os recursos para a compra de EPIs. A empresa também ofereceu álcool em gel
70%, e outros materiais para sanitização de unidades hospitalares de todo o Estado.
Apesar do modelo internacional, o SUS sofre principalmente pela falta de recursos para
atendimento à população. Isso provoca a falta de medicamentos, pessoal qualificado,
estruturas adequadas e equipamentos. Na ponta, sofrem os pacientes mais carentes e
que não possuem capacidade financeira de buscar atendimento na rede privada.
Nesse sentido, a participação do setor privado no SUS por meio de parceria público-
privada, com a destinação de recursos ou incentivos fiscais às empresas, para que
prestem atendimento como credenciadas, é uma alternativa para melhoria da saúde
pública no Brasil.
Isso evitou a burocracia e tempo necessário para a criação e implantação de novos leitos,
permitindo que a demanda pudesse ser rapidamente suprida. E diante da possibilidade
de restabelecimento dos níveis de atendimento pré-pandemia, tais leitos montados pela
rede pública voltariam a se tornar ociosos.
5
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Contratualização e contratação
Deve ainda sempre respeitar as legislações aplicáveis às licitações e aos limites de seu
território no planejamento das ações. Também devem ser observadas as necessidades
da oferta de serviço, as pactuações e os recursos financeiros disponíveis.
Manual de contratação
Como fica evidente, a participação do setor privado no SUS é necessária. Porém, para
isso devem ser seguidas algumas regras e legislações específicas, evitando desperdício
ou mesmo desvio de recursos públicos.
7
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
2- HISTÓRIA DA EPIDEMIOLOGIA
Falar em saúde no Brasil é falar no Sistema Único de Saúde (SUS), seja como realidade,
seja como utopia, com seus princípios de eqüidade, descentralização e integralidade.
Antes de tudo, o SUS é a impressão, no nosso sistema constitucional e legal, de uma
compreensão da saúde forjada em conceitos que, em longo processo, fomos
consolidando na saúde coletiva e na epidemiologia. Somente para relembrar, citarei o
artigo 196 da nossa Constituição Federal: "A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação". É importante também relembrar que uma das
leis básicas que regula este princípio constitucional, a Lei 8.080 de 1990, em seu Artigo
3o., define que: "A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros,
a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda,
a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis
de saúde expressam a organização social e econômica do país". Podemos, sem sombra
de dúvida, dizer que os princípios legais com que contamos no tocante à saúde são
extremamente progressistas. O eixo destes princípios se encontra na indissociabilidade
entre a saúde dos indivíduos e das populações e na inserção da saúde na organização
da sociedade. Acreditamos todos que a implementação plena de tais princípios
constitucionais e legais propiciará um sistema de saúde fundado nos conceitos mais
avançados da promoção da saúde. Gostaria, pois, de trazer para discussão algumas
reflexões sobre o papel da epidemiologia e dos epidemiologistas para continuarmos no
caminho desta utopia compartilhada com a sociedade brasileira.
A epidemiologia no Brasil tem uma história rica e recente, ainda em consolidação, porém
nestas últimas duas ou três décadas a velocidade dos acontecimentos com relação à
consolidação da disciplina em nosso país é monumental. Nem de longe é meu objetivo
tentar aqui apresentar uma historiografia da epidemiologia brasileira, mas como ativo
participante deste período efervescente não me furtarei a fazer minhas próprias
interpretações e comentários.
8
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Esta dupla inserção está bem explicitada em algumas definições clássicas da disciplina,
como aquela referida por Last2: "o estudo da distribuição e determinantes de estados e
eventos relacionados à saúde em populações definidas, e a aplicação deste
conhecimento para a resolução dos problemas de saúde".
9
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Deste modo, ficam definidos dois espaços interdependentes e nem sempre claramente
delimitados: o do conhecimento e o da ação. Temos uma epidemiologia
simultaneamente como disciplina científica (que estuda a saúde, a doença e os seus
determinantes) e como campo profissional da saúde coletiva (que produz e analisa
informações, desenvolve tecnologias e estratégias de prevenção). No primeiro espaço,
elaboram-se teorias, desenham-se estudos, dados são coletados e analisados,
produzem-se conhecimentos. No segundo espaço, a partir do anterior, produzem-se
informações e redefinem-se os conhecimentos, delineiam-se estratégias, concretizam-
se ações. No primeiro, os erros são de ordem teórica e metodológica e a sua correção
faz parte do processo normal da ciência. No segundo, os erros significam vidas, doenças,
sofrimentos, ou ainda custos sociais, econômicos ou políticos. Como já havia dito em
outra oportunidade3: "Na sua tensão entre disciplina científica e campo profissional, a
epidemiologia traz à tona, para os seus praticantes, independentemente de onde estejam
situados, os desafios da dialética entre o sonhar e o fazer, entre a utopia e a realidade,
entre a técnica e a política".
Um breve histórico
Vivia-se sob a forte influência dos trabalhos de epidemiologia social iniciados pelo grupo
de Xochimilco, liderado por Asa Cristina Laurell, e das idéias de Juan César Garcia.
Marcam aquela época o grande interesse pelos estudos sobre classe social e saúde6; e
uma forte influência da geografia crítica, trazida por Milton Santos e aplicada
principalmente aos estudos das endemias, sob a inspiração destacada de José da Rocha
Carvalheiro7. Chamo a atenção ainda para as preocupações com a compreensão da
causalidade, onde destaco as preciosas e originais reflexões de Sergio Arouca8 e
Guilherme Rodrigues da Silva9.
11
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
A 3a. etapa tem início em Olinda em 1994. O II Plano Diretor para o Desenvolvimento da
Epidemiologia, lançado em 19955, mas consolidado naquela reunião, assinalava: "O
processo de consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) está levando a uma
transformação do papel da epidemiologia nos serviços com possibilidade de alterações
significativas nas práticas epidemiológicas. A atuação setorizada e particularizada da
Epidemiologia, manifestada na abordagem da Vigilância Epidemiológica de algumas
enfermidades transmissíveis, contrapõe-se hoje a um enfoque mais globalizante, sendo
a lógica epidemiológica de definição de perfis de saúde-doença na população utilizada
como parâmetro em documentos oficiais para o processo de gestão do SUS.
Paralelamente a isto, a consolidação do CENEPI como órgão de nível central,
coordenador das ações de epidemiologia no Sistema Nacional de Saúde do País, entre
outras repercussões, tem provocado maior presença da epidemiologia nos níveis
estadual e municipal, explicitando um compromisso efetivo com a descentralização das
ações".
A dupla face de ciência e prática, já anteriormente comentada, cria também dois tipos de
perspectivas: uma perspectiva científica, que por natureza é universal, difusa e abstrata,
e uma perspectiva de praxis, portanto local, focal e concreta. O estabelecimento de
relações dialéticas consistentes entre a atividade científica e a praxis se dá em contextos
concretos. Acredito que deste encontro, e às vezes deste confronto, seja possível extrair
especificidades da epidemiologia em qualquer local do mundo em que esteja sendo
praticada, inclusive no Brasil.
Fiz um esforço para identificar alguns aspectos que a caracterizam entre nós. Sem
querer ser exaustivo, identifico pelo menos oito peculiaridades do desenvolvimento da
epidemiologia em nosso país:
14
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
No Brasil, a epidemiologia tem sido construída com uma clara consciência de que
seu papel histórico inclui o compromisso com a transformação das condições de
saúde da população. Isto implica a construção de um sistema de saúde que
compreende o processo saúde-doença-cuidado como parte da organização
social. Já em 1986, ao renascer da democracia, no Seminário sobre Perspectivas
da Epidemiologia Frente à Reorganização dos Serviços de Saúde10, estas
preocupações estavam presentes. O relatório final daquele evento refere que: "Na
nova conjuntura político-social que o Brasil atravessa, depois de décadas de
governos autoritários e quando se coloca em discussão toda a estrutura do
Sistema de Saúde, na procura de um sistema unificado e mais efetivo, é
indispensável rediscutir a capacitação dos seus epidemiologistas e sua
contribuição para a melhoria das condições de saúde". Esta tomada de
consciência faz com que os epidemiologistas, junto com todas as demais
categorias de sanitaristas brasileiros, estejam no front das lutas que levaram à
implantação do Sistema Único de Saúde, com todos os compromissos daí
decorrentes.
por ditaduras cruéis, por imensas desigualdades sociais, e pela miséria em que
vivia - e vive - grande parte da sua população, a epidemiologia foi - e tem sido -
um importante meio para desnudar a iníqua situação de saúde ainda prevalente.
Mas, antes de tudo, a epidemiologia tem assumido, em nosso contexto, o papel
de reconstrutora dos elos perdidos no que diz respeito ao papel da forma de
organização da sociedade na determinação das doenças. Isto que a
epidemiologia internacional, na sua vertente dita "moderna", não nos ajuda a
encontrar.
17
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Por fim, queria chamar a atenção para um aspecto que, apesar do seu caráter
subjetivo, a meu ver não pode ser subestimado. Algo que vai além dos aparentes
racionalismo e objetividade de uma disciplina científica. No Brasil, seja nos
serviços ou nas academias, há entre os epidemiologistas um sentido de missão e
de compromisso que gera um claro sentimento de premência para superar ciclos
históricos e etapas ainda não vencidas do nosso processo de desenvolvimento
social e sanitário. Entretanto, isto também vai além de um engajamento político.
Eu diria que se trata da expressão de um sentimento mais profundo - uma paixão
que nos tem proporcionado reservas de energia para manter e expandir os nossos
compromissos, apesar das adversidades enfrentadas nas instituições
acadêmicas e de saúde do nosso país. Em épocas atuais, pelo menos para
alguns, talvez isto possa parecer estranho, mas não entra em conflito com as
tradições históricas da epidemiologia. Basta lembrar que ela nasceu do
enfrentamento de problemas concretos de saúde, e nós, epidemiologistas,
aceitamos, antes de tudo, o desafio de superá-los.
Em resumo, podemos dizer que se forja no Brasil uma epidemiologia por um lado
profundamente antenada com a evolução da disciplina no plano internacional, como
deve acontecer com qualquer disciplina científica que persegue a sua maturidade e, por
outro, com os pés fincados na realidade, dela procurando extrair elementos que
contribuam para amenizar os problemas de saúde da sociedade. Ao se voltar para o
processo de produção do conhecimento e de refinamentos dos seus conceitos, modelos
e métodos, tem que dialogar com outros campos disciplinares capazes de contribuir para
que isto aconteça. Ao se deter no conhecimento e na transformação de uma realidade
concreta de saúde, tem que desenvolver uma praxis que a envolva em uma dada
realidade social e sanitária, um processo que é antes de tudo político. O refinamento dos
paradigmas deste modelo de conhecimento-ação constitui um dos desafios para as
novas etapas do desenvolvimento da epidemiologia.
que este compromisso é compartilhado por grande parte dos epidemiologistas. Assim,
desde 1989, os epidemiologistas brasileiros, tendo à frente a Comissão de Epidemiologia
da ABRASCO, vêm estabelecendo planos diretores qüinqüenais para o desenvolvimento
da epidemiologia no Brasil5,11,19. Estes planos têm identificado problemas, propostas e
ações em três grandes capítulos: ensino, pesquisa e serviços. O capítulo dos serviços é
todo dedicado a questões relevantes ao desenvolvimento do nosso sistema de saúde;
nos capítulos de ensino e pesquisa reafirmam-se tais compromissos através de
proposições do mais alto interesse para a sociedade e que possam resultar em
benefícios para a saúde da população, portanto em consonância com as concepções do
SUS.
No momento, estamos sob a égide do III Plano Diretor19 e é em torno dele que
desenvolverei estes comentários finais. Como todo Plano, trata-se de um pacto em torno
do possível. Como membro da comunidade de epidemiologistas brasileiros, partilho
deste pacto, porém como indivíduo tentarei expor algumas idéias complementares sobre
as perspectivas da epidemiologia no Brasil. O Plano apresenta nítidos desenvolvimentos
em relação aos anteriores. No componente da pesquisa, três eixos são destacados: a
desigualdade em saúde, as questões do ambiente e da qualidade de vida e a avaliação
do impacto das tecnologias nos níveis de saúde. No componente de serviços são
destacados: sistemas de informação de interesse epidemiológico, desenvolvimento e
utilização de metodologias para análise das situações e das intervenções em saúde,
práticas epidemiológicas nos programas de vigilância e de avaliação em saúde e,
destaco, inserção em políticas inter e intra-setoriais.
19
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Enfim, temos de entender ainda que a busca pela saúde não constitui processo isolado,
mas um importante componente da complexa trama de dependência econômica,
científica, informacional e cultural, estabelecida entre os países centrais e periféricos.
O caso da epidemia do dengue, que nos assola neste momento, é paradigmático 21.
20
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Como evitar novas epidemias é apenas um exemplo dos desafios e prioridades que
estão colocados à epidemiologia, tanto nas academias como nos serviços. Prioridades,
existem muitas outras, porem dentre estas eu destacaria a avaliação do impacto
populacional das tecnologias em saúde, a intensificação dos processos regulatórios em
saúde e as desigualdades em saúde. Falaremos brevemente de cada uma delas 3.
Várias estratégias têm sido buscadas para demonstrar o quanto as tecnologias, as ações
e os serviços de saúde podem ser eficazes ou efetivos, mas há evidências de que uma
parte importante dos mesmos, apesar de já se encontrarem em uso, não foi
adequadamente avaliada.
21
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
quais com potenciais efeitos diretos ou indiretos na saúde, tais como: os poluentes, os
aditivos alimentares, os inseticidas diversos, as radiações etc. Além da resistência e,
muitas vezes, da violência das grandes corporações, existem grandes dificuldades
metodológicas nas investigações que buscam demonstrar o papel de muitas destas
exposições como sendo de risco à saúde, a epidemiologia dá uma contribuição marcante
e necessária neste campo. Os desafios metodológicos são grandes quando se deseja
estudar na população riscos de pequena intensidade, efeitos sinérgicos etc. Estas
dificuldades metodológicas têm mostrado a necessidade de em muitas situações
utilizarmos o princípio da precaução. Entre nós, a estruturação de órgãos reguladores
como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA deve ser destacado,
conquanto possamos também dizer que os avanços estão muito aquém dos desafios
colocados.
As desigualdades em saúde
22
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Isto significa que o Estado, por princípio constitucional, não apenas deve assumir de
maneira equânime a responsabilidade pela cura e recuperação de qualquer indivíduo
doente, independentemente da sua posição no sistema social, mas também a
responsabilidade equânime com relação aos meios e recursos para prevenção das
doenças e para a proteção e promoção da saúde no seu sentido mais amplo. A
epidemiologia pode e deve dar importantes contribuições nos esforços de conferir
sentido a este princípio constitucional. Esta é uma da tarefa das mais urgentes e para a
qual com certeza cada um de nós pode dar contribuições.
É próprio das utopias propor a extinção pura e simples de desigualdades sociais. Porém,
no mundo real, fazem-se necessárias transformações e intervenções complexas em
esferas que, em geral, encontram-se fora da capacidade de intervenção dos
epidemiologistas ou de outros profissionais da saúde coletiva. Neste contexto, cabe à
epidemiologia, através do seu patrimônio conceitual e metodológico, desnudar as
desigualdades em saúde, transformando o conhecimento produzido em fundamentos
para estratégias que possam contribuir para a sua redução. Em decorrência do seu
compromisso com mudanças efetivas nos níveis de saúde da população, cabe à
epidemiologia a tarefa não menos importante de, sob forma convincente, informar os
23
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Conclusões
Da mesma forma que as causas das doenças e agravos à saúde têm suas raízes na
sociedade, as ações que buscam efetivamente melhorar os padrões de saúde da
população e, assim, reduzir a ocorrência das doenças, devem ultrapassar os limites
tipicamente definidos pelo setor e passam a exigir ações coordenadas, articulando as
diferentes esferas e níveis do governo e da sociedade. O desenvolvimento de novos
modelos de atenção à saúde tem, para o SUS, em todos os seus níveis, entre outras
implicações, buscar maneiras de pôr em prática o direito constitucional à eqüidade, não
só em relação ao acesso ao cuidado, mas também às exposições e aos riscos, ou seja
às chances de ficar doente.
Todos estes são passos importantes para que ampliemos a capacidade de visualizar e
entender os problemas que nos afligem no presente, e devemos avaliar os fatores
responsáveis pelos nossos fracassos e pelos nossos sucessos para assim podermos
projetar com mais solidez o nosso futuro. No entanto, é fundamental a difusão destas
concepções e princípios por todo o tecido social, de tal forma que os novos modelos de
atenção à saúde não sejam definidos ou aceitos como soluções profissionais ou
tecnocráticas, mas sim como partes articuladas do conjunto de políticas sociais e
econômicas, com o objetivo maior de desenvolver uma sociedade economicamente
sólida, porém social e ambientalmente justa, democrática e regionalmente equilibrada.
Dada estas condições, reduções significativas na ocorrência de uma série de patologias
infecciosas e crônicas certamente serão observadas, e esta é etapa inicial para a
construção da utopia de uma sociedade com saúde.
Por fim, não poderia concluir sem dizer que, apesar do racionalismo que me caracteriza,
ao escrever estas linhas esteve sempre se movendo em meus pensamentos a idéia
persistente de que este rico processo de que falei tem como construtores, não seres
abstratos, mas seres concretos, homens e mulheres de fibra e coragem, companheiros
25
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
fraternos que vêm dedicando suas energias e suas inteligências para a construção, no
Brasil, de uma epidemiologia digna e comprometida. Além dos dados frios que estão em
seus questionários, computadores, tabelas e gráficos, em seus corações e mentes há
sentimentos nobres e sinceros de humanismo, compaixão, paixão e clarividência que
nos fazem, neste agir epidemiológico, reafirmar o projeto histórico de contribuir para a
construção de um sistema de saúde mais justo, efetivo e equânime e, portanto, em prol
de um mundo mais saudável.
26
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
CONCEITO DE EPIDEMIOLOGIA
Costa & Costa (1990), comentando a idéia veiculada no parágrafo anterior, referem que
“... Snow desenvolveu uma teoria sobre o modo de transmissão do cólera, estudando as
epidemias em Londres em meados do século XIX, que de maneira alguma pode ser lida
como uma associação causal entre doença e o consumo de água contaminada. Ainda
que efetivamente Snow tenha descoberto que a água é o mecanismo de transmissão do
cólera, não resta também dúvida de que sua obra não se restringe a esse fato. Pelo
contrário, Snow busca precisar a rede de processos que determinam a distribuição de
doença nas condições concretas de vida da cidade londrina. A leitura restrita sobre o
trabalho de Snow fixa a atenção nos achados a respeito dos mecanismos de transmissão
em detrimento do significado do olhar do autor sobre o cotidiano, os hábitos e modos de
vida, os processos de trabalho e a natureza das políticas públicas. É pensando a doença
em todas as suas dimensões que o autor consegue integrar essas expressões do social
em seu raciocínio sobre o processo de transmissão".
Daquela época até o início do século atual, a epidemiologia foi ampliando seu campo, e
suas preocupações concentraram-se sobre os modos de transmissão das doenças e o
combate às epidemias.
A partir das primeiras décadas, com a melhoria do nível de vida, especialmente nos
países desenvolvidos, e com o conseqüente declínio na incidência das doenças
infecciosas, outras enfermidades de caráter não-transmissível (doenças
cardiovasculares, câncer e outras) passaram a ser incluídas como objeto de estudos
epidemiológicos, além do que, pesquisas mais recentes, sobretudo as que utilizam o
método de estratificação social, enriqueceram esse campo da ciência, ensejando novos
27
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
debates.
Uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil: sua temática é dinâmica e seu
objeto, complexo. Pode-se, de uma maneira simplificada, conceituá-la como: ciência que
estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição
e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à
saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou erradicação
de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento,
administração e avaliação das ações de saúde.
Esta definição pode ser aclarada pelo aprofundamento de algumas concepções nela
expressas:
29
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Muitas doenças, cujas origens até bem recentemente não encontravam explicação, têm
tido suas causas esclarecidas pela metodologia epidemiológica, que tem por base o
método científico aplicado da maneira mais abrangente possível a problemas de
doenças ocorrentes em nível coletivo.
Hiroshi Nakajima, diretor da Organização Mundial de Saúde, por ocasião da 12ª Reunião
Científica Internacional da Associação Internacional da Epidemiologia (1990), analisando
o alcance da epidemiologia e concentrando seus comentários sobre a epidemiologia na
AIDS, comenta que: “O descobrimento desta enfermidade devemo-lo a epidemiologia! A
AIDS foi reconhecida pela primeira vez como uma enfermidade em 1981, antes que o
vírus da imunodeficiência humana, dois anos mais tarde, fosse identificado, ou que se
suspeitasse que era o agente causador da AIDS.
30
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
resultado positivo da prova de HIV, o que define um “caso de AIDS”. Pode ser o HIV
positivo e, ainda assim, não ser portador da AIDS. Ademais, foi através da análise
epidemiológica que inicialmente a síndrome foi relacionada com certos grupos de
população e comportamentos de risco conexos. Se enfocamos a AIDS como um
epidemia mundial, ela se nos apresenta como algo novo e súbito; porém se o nosso
ponto de vista é a AIDS como doença, e o vírus como sua causa, concluímos que
nenhum dos dois são novos; pelo menos datam dos anos 50. Fizeram falta as
ferramentas de epidemiologia para nos dizer que enfrentávamos uma patologia discreta
e letal”.
dizem as tendências atuais sobre a provável situação futura para a qual teremos que
fazer planos e tomar (ou não tomar) medidas corretivas?Qual será o provável resultado
amanhã? Por conseguinte, estamos presenciando o surgimento de uma nova dimensão
na ciência da epidemiologia, que será muito importante para o planejamento, a dotação
dos recursos, o manejo e a avaliação da saúde, e que poderia afetar o curso futuro da
história humana”.
32
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
34
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
4- INDICADORES DE SAÚDE
Podemos definir Indicadores de Saúde como instrumentos utilizados para medir uma
realidade, como parâmetro norteador, instrumento de gerenciamento, avaliação e
planejamento das ações na saúde, de modo a permitir mudanças nos processos e
resultados. O indicador é importante para nos conduzir ao resultado final das ações
propostas em um planejamento estratégico.
Mas como escolher o melhor indicador? Como ele é construído? O que é necessário
para que esse indicador seja o mais adequado a uma situação?
2. Alimentos e nutrição;
4. Condições de trabalho;
5. Situação de emprego;
7. Transporte;
35
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
9. Vestuário;
10. Recreação;
36
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Cobertura - Medem o grau de utilização dos meios oferecidos pelo setor público
e pelo setor privado para atender às necessidades de saúde da população na
área geográfica referida. (RIPSA, 2012)
Podemos obter dados em outros locais, dentre este podemos citar o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e o Sistema Estadual de Análise de Dados (SEAD)
são instituições que disponibilizam à população informações relacionadas à situação
demográfica, à situação socioeconômica, à saúde, ao trabalho, entre outras, sendo,
portanto, importante fonte para pesquisas relacionadas. Atualmente, com os recursos
tecnológicos existentes, não é difícil você encontrar a descrição de um indicador, sua
aplicabilidade, sua fonte de dados, suas limitações. O importante é escolher o que melhor
se aplicar ao seu objetivo.
Os indicadores de saúde são usados como ferramenta para identificar, monitorar, avaliar
ações e subsidiar as decisões do gestor. Por meio deles é possível identificar áreas de
risco e evidenciar tendências. Além desses aspectos, é importante salientar que o
37
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
38
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
5- SAÚDE DA FAMÍLIA
Ao priorizar a atenção básica, o PSF não faz uma opção econômica pelo mais barato,
nem técnica pela simplificação, nem política por qualquer forma de exclusão. A
tecnologia, é bom que se reafirme, é uma conquista que o setor saúde entende como
fundamental para o sistema, mas que vem sendo utilizada de forma excludente,
deixando de fora boa parcela da população. O PSF não é uma peça isolada do sistema
de saúde, mas um componente articulado com todos os níveis. Dessa forma, pelo melhor
conhecimento da clientela e pelo acompanhamento detido dos casos, o programa
permite ordenar os encaminhamentos e racionalizar o uso da tecnologia e dos recursos
terapêuticos mais caros. O PSF não isola a alta complexidade, mas a coloca
articuladamente a disposição de todos. Racionalizar o uso, nesse sentido, é
democratizar o acesso.
Com base nessas premissas, o Programa Saúde da Família representa tanto uma
estratégia para reverter a forma atual de prestação de assistência à saúde como uma
proposta de reorganização da atenção básica como eixo de reorientação do modelo
assistencial, respondendo a uma nova concepção de saúde não mais centrada somente
na assistência à doença mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e
intervenção nos fatores que a colocam em risco ¾ pela incorporação das ações
programáticas de uma forma mais abrangente e do desenvolvimento de ações
intersetoriais. Caracteriza-se pela sintonia com os princípios da universalidade, eqüidade
da atenção e integralidade das ações. Estrutura-se, assim, na lógica básica de atenção
à saúde, gerando novas práticas e afirmando a indissociabilidade entre os trabalhos
clínicos e a promoção da saúde.
O modelo de atenção preconizado pelo Saúde da Família já foi testado em vários países,
com contextos culturais de diferentes dimensões e níveis diferenciados de
desenvolvimento socioeconômico, como por exemplo Canadá, Reino Unido e Cuba,
39
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
resolvendo mais de 85% dos casos ¾ o percentual restante destina-se a unidades mais
complexas. Além do mais, o programa permite uma forte integração entre o Ministério,
as secretarias estaduais, os municípios, a comunidade local e outros parceiros, em
benefício de todos.
Por seus princípios, o Programa Saúde da Família é, nos últimos anos, a mais importante
mudança estrutural já realizada na saúde pública no Brasil. Junto ao Programa dos
Agentes Comunitários de Saúde ¾ com o qual se identifica cada vez mais ¾ permite a
inversão da lógica anterior, que sempre privilegiou o tratamento da doença nos hospitais.
Ao contrário, promove a saúde da população por meio de ações básicas, para evitar que
as pessoas fiquem doentes. Porém, se o programa restringir-se apenas à atenção
básica, fracassará. A aposta do Brasil é no SUS, na atenção integral e em todos os níveis
de complexidade.
A estratégia do PSF propõe uma nova dinâmica para a estruturação dos serviços de
saúde, bem como para a sua relação com a comunidade e entre os diversos níveis e
complexidade assistencial. Assume o compromisso de prestar assistência universal,
integral, equânime, contínua e, acima de tudo, resolutiva à população, na unidade de
saúde e no domicílio, sempre de acordo com as suas reais necessidades ¾ além disso,
identifica os fatores de risco aos quais ela está exposta, neles intervindo de forma
apropriada.
Não apenas as unidades básicas, mas todo o sistema deverá estar estruturado segundo
a lógica da estratégia em questão, pois a continuidade da atenção deve ser garantida
pelo fluxo contínuo setorial, sem solução de continuidade nesse processo. A unidade
básica de saúde, sob a estratégia da Saúde da Família, deve ser a porta de entrada do
sistema local de saúde, mas a mudança no modelo tradicional exige a integração entre
os vários níveis de atenção.
40
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Configura, também, uma nova concepção de trabalho, uma nova forma de vínculo entre
os membros de uma equipe, diferentemente do modelo biomédico tradicional, permitindo
maior diversidade das ações e busca permanente do consenso. Sob essa perspectiva,
o papel do profissional de saúde é aliar-se à família no cumprimento de sua missão,
fortalecendo-a e proporcionando o apoio necessário ao desempenho de suas
responsabilidades, jamais tentando substituí-la.
Um dos principais objetivos é gerar novas práticas de saúde, nas quais haja integração
das ações clínicas e de saúde coletiva. Porém, não se pode conceber a organização de
sistemas de saúde que conduzam à realização de novas práticas sem que, de forma
concomitante, se invista em uma nova política de formação e num processo permanente
de capacitação dos recursos humanos.
41
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Nos últimos dois anos, foram investidos R$12,4 milhões para a instalação dos Pólos de
Capacitação, Formação e Educação Continuada em Saúde da Família, e 54 instituições
universitárias já estão envolvidas nesses projetos de capacitação e formação dos novos
profissionais de saúde necessários. Esses esforços têm sido enviados no sentido de
apoiar a formação profissional em nível de graduação, as pesquisas e, ainda, a
constituição de programas de capacitação em serviço, num diálogo permanente entre as
universidades e o setor público de prestação de serviços. É importante ressaltar que
esse processo visa, também, a abertura de novos postos de trabalho.
Financiamento
Para o PSF, a Portaria nº 1.329, de 12.11.99, estabelece que, de acordo com a faixa de
cobertura, os municípios passam a receber incentivos diferenciados, conforme
demonstra a tabela a seguir:
42
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
A diferenciação existente nos valores dos incentivos deve-se ao fato de que quanto maior
o número de pessoas cobertas pelo PSF, maior o seu impacto. Existe, ainda, um
incentivo adicional para a implantação de novas equipes, num valor de R$
10.000/equipe, pagos em duas parcelas.
43
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
Os números atuais
44
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
A meta para expansão imediata do Programa já foi anunciada e indica, para 2002, 150
mil agentes comunitários e 20 mil equipes de Saúde da Família.
Do ponto de vista político, ressalve-se que esse programa não é um projeto de um gestor,
nem mesmo de um governo. Desenvolvido nos três níveis de gestão, sua importância é
associada ao impacto identificado no desenvolvimento atual da proposta, pelos
administradores setoriais e pela própria população, donde se constata a tendência de
sua perenidade, garantindo o permanente avanço na melhoria do modelo de atenção à
saúde dos brasileiros.
A relativa novidade do modelo ainda não permite um amplo estudo de índices de impacto
dessas ações no quadro sanitário nacional. Já existem, entretanto, muitos indicadores
qualitativos, medidos em pesquisas de satisfação dos usuários e quantitativos, como o
de índices de coberturas vacinais, aleitamento materno e mortalidade infantil, que
permitem inferir as vantagens da presente proposta.
45
SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
REFERÊNCIAS
https://nexxto.com/qual-a-importancia-da-participacao-do-setor-privado-no-
sus/<acesso em 05/04/2022>
https://www.scielosp.org/article/rbepid/2002.v5suppl1/4-17/<acesso em 05/04/2022>
https://www.psiquiatriageral.com.br/epidemiologia/conceito.htm<acesso em
05/04/2022>
https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/pab/6/unidades_conteudos/unidade08
/p_03.html<acesso em 05/04/2022>
https://www.scielo.br/j/rsp/a/WmH6wLKd4vXgSC9gnfFkMXG/?lang=pt<acesso em
05/04/2022>
46