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Organizadores:
Tereza Cristina Peixoto
André Moura Gomes da Costa
Igor Campos Viana
Liz Pereira Costa
Maria Mônica Gomes Divino
Thiago César Carvalho dos Santos

Caderno de resumos
I Encontro de Esquizoanálise na UFMG

a dobra
Belo Horizonte, 2023
Comissão Organizadora do I Encontro de Esquizoanálise na UFMG
Tereza Cristina Peixoto
André Moura Gomes da Costa
Bianca Rodrigues Oliveira
Gabriel Lucas Baessa Dias
Gabriella Sabatini Oliveira Dutra
Igor Campos Viana
Jailane Devaroop Pereira Matos
Johnny Vinicius Freitas
Liz Pereira Costa
Maria Mônica Gomes Divino
Rafael Costa Coelho
Thiago César Carvalho dos Santos

Organização do Caderno de Resumos


Tereza Cristina Peixoto
André Moura Gomes da Costa
Igor Campos Viana
Liz Pereira Costa
Maria Mônica Gomes Divino
Thiago César Carvalho dos Santos
Encontro de Esquizoanálise na UFMG (1: 2023: Belo Horizonte, MG)

E56c Caderno de resumos: I Encontro de esquizoanálise na UFMG /


organizadores: Tereza Cristina Peixoto … [et al.]. - Belo Horizonte :
a dobra, 2023.

127 p. : il. - Inclui bibliografia.

ISBN: 978-65-00-83372-0

1. Saúde mental. 2. Psicanálise.3. Psicologia aplicada. 4. Psicologia


social. I. Peixoto, Tereza Cristina. II. Título.

CDU: 616.895
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Meire Queiroz CRB 6/2233.
Sumário
GT 1 CARTOGRAFIAS ESQUIZOANALÍTICAS ............................................................. 5
´8PVRQKRHPFDGDFDQWRµFRQWUDFRORQL]DQGRYR]HVFRPMXYHQWXGHVSHULIpULFDVHPVXDVWUDPDVLPDQHQWHVFRP
as artes ....................................................................................................................................................................................... 6
A produção diarística como estratégia de análise da implicação em cartografias ............................................................. 9
As relações familiares de presos e presas LGBTQIA+: uma pesquisa cartográfica ....................................................... 12
Bordando experimentações e aproximações entre biologia e cultura............................................................................... 15
Onde estão os manicômios e suas saídas? Uma cartografia de experiência de estágio em um CAPS-III de Minas
Gerais ....................................................................................................................................................................................... 17

GT 2 CLÍNICA, POLÍTICA E SAÚDE MENTAL........................................................... 19


Arte e subjetividade: a resistência à bio-necropolítica manicomial e o direito à loucura ............................................... 20
Descaminhos de uma pesquisa e uma intervenção socioanalítica esquisita em centros de atenção psicossocial ........ 21
Experimentações em clínica: como as ferramentas conceituais da esquizoanálise podem compor outras práticas de
intervenção clínica? ................................................................................................................................................................ 23
O acompanhamento familiar no Sistema Único de Assistência Social: autonomia ou disciplina? ............................... 25
Práticas Grupais em Esquizoanálise: Oficinas de Teatro nas Escolas ............................................................................. 28
Psicologia e as encruzilhadas do existir: cuidados com a saúde mental a partir da perspectiva Iorubá ....................... 30
Ideias para adiar o nosso próprio fim .................................................................................................................................. 32
Intervisão: uma aposta associativa entre esquizoanalistas ................................................................................................. 35
O prontuário interventivo: um dispositivo de escrita coletiva .......................................................................................... 37
O que pode a esquizoanálise na clínica infantil? ................................................................................................................. 39
Por uma desterritorialização do/no trabalho: o devir-Amália .......................................................................................... 41

GT 3 CORPOS DESVIANTES: BIOPOLÍTICA E SUBJETIVAÇÃO............................. 45


Cartas para mim mesma ........................................................................................................................................................ 46
Como não criar para si um corpo ruminante: explorando o processo de generificação através da esquizoanálise .... 48
Ecofeminismo como meio para fugir de leituras de gênero binárias da natureza: a (hétero)sexualidade das plantas 50
Narrativas inf(l)amantes: mulheres gordas e o ativismo cotidiano ................................................................................... 53
O futuro ancestral chegando como flecha .......................................................................................................................... 55
Arrastões subjetivos na vida contemporânea: conexões entre o social e a clínica .......................................................... 57
Cartografia aos tropeços ........................................................................................................................................................ 59
Forró: um dispositivo estético-político como modo de resistência dos migrantes nordestinos no Rio de Janeiro .... 61
Secreções, maquiagens, cicatrizes e próteses: a instauração de uma bufona-ciborgue-bixa........................................... 64
Tornar-se negro na era ciber-farmaco-porno: tecnopolítica dos afetos na racialização ................................................. 66
GT 4 CAIXA DE FERRAMENTAS ESQUIZOANALÍTICA .......................................... 68
A criação da esquizoanálise e os movimentos revolucionários ......................................................................................... 69
A doação de sangue como um ativismo nômade: pensando com Deleuze, Guattari e de Donna Haraway ............... 71
A polifonia clínica do presente: por uma arte do tempo oportuno entre Guattari e Stern............................................ 73
Da pulsão de morte à morte que deseja............................................................................................................................... 75
Ir junto: a simpatia entre Deleuze e Winnicott ................................................................................................................... 77
O fim do juízo: uma conversa com Gilles Deleuze............................................................................................................ 80
A atual profusão da Esquizoanálise e a produção de demanda por esquizoanalistas no Brasil. Por que agora?......... 85
A reformulação da luta de classes em uma abordagem alinhada com um compromisso político ................................ 87
Esquizoanalistas: O que fazem? Uma cartografia da clínica esquizoanalítica na Psicologia .......................................... 89
Manifesto pelo direito ao dissenso e ao inconciliável ........................................................................................................ 93
Vidas em composição: conexões entre a Filosofia, a Arte e a Clínica .............................................................................. 95

GT 5 EXPERIMENTAÇÕES: RELATOS E PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO ............ 98


(Re)pensando práticas de pesquisa e de estágio com o futebol: psicologia do esporte e produção de subjetividade no
entremeio da esquizoanálise .................................................................................................................................................. 99
A potência e o estilo dos corpos que se afirmam no coletivo de uma dança ................................................................ 101
Entre as engrenagens da resistência: por um devir travesti ............................................................................................. 103
Fios telegráficos em eriçamento: uma experiência de estágio a partir da construção de vínculos com pessoas em
condição de extrema vulnerabilidade social ...................................................................................................................... 105
O cinema como presença próxima: uma clínica entre Deligny e Deleuze ..................................................................... 108
O Teia Acolhida: um dispositivo de acolhimento e formação clínica ............................................................................ 110

GT 6 EDUCAÇÃO PARA POTÊNCIA .......................................................................... 113


A educação proposta por Paulo Freire e a territorialização do método cartográfico no Brasil .................................. 114
Esboço geral para uma antropologia pós-científica e anti-humanista ............................................................................ 116
Os abalos da branquitude na universidades: emergindo silêncios estrondosos ............................................................ 118
Ritornelo e educação ............................................................................................................................................................ 121
Vivências pedagógicas esquizoanalíticas em sala de aula de um Curso de Psicologia em uma Universidade Pública:
uma abordagem dos processos grupais e institucionais ................................................................................................... 123
GT 1
Cartografias esquizoanalíticas

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 5


GT 1 - Cartografias esquizoanalíticas

´8PVRQKRHPFDGDFDQWRµFRQWUDFRORQL]DQGRYR]HVFRP
juventudes periféricas em suas tramas imanentes com as artes

Maria Mônica Gomes Divino1


Tereza Cristina Peixoto2

Resumo:
A presente apresentação refere-se a uma pesquisa em andamento que pretende acompanhar as juventudes
periféricas em seus processos de criação nas oficinas de música, dança e teatro realizadas em projeto social,
na região metropolitana de Belo Horizonte. Partimos da Esquizoanálise, proposta por Deleuze e Guattari e
seus interlocutores, dialogando com leituras contracoloniais.
A partir de uma perspectiva rizomática, tendo como referência Deleuze e Guattari (1995), compreendemos
que a realidade é produzida em uma composição de multiplicidades heterogêneas, que tenta romper com as
unidades absolutas, com a linearidade, com a totalização. Há criação em cada canto. Há vozes ecoando seus
timbres que entranham, perfuram as hegemonias sonoras de quem é autorizado a dizer e é escutado. E esta
criação não está separada das condições de existência e, por vezes, é impedida, desautorizada, criminalizada.
Sendo assim, é importante nos questionarmos: estaríamos visibilizando ou explicitando as diferentes formas
de engajamento e participação dessas juventudes periféricas? Como percebemos estas juventudes, em seus
modos de subjetivação que escapam às existências hegemônicas brancas-burguesas-hetero-cis-patriarcais-
universais? Como as instituições que os recebem os tem sonhado? Como eles vêm inventando em seus
territórios existenciais? Como anelar sonhos, bem como nos convida Conceição Evaristo (PROTEJA, 2021),
de modo a pensar constelações-coletivas que protejam seus sonhares e provoquem, instiguem, façam-passar
RXWURVPRGRVGHYLYHUQRPXQGRGHDJRUD´QRYRVHVWLORVGHYLGDSURGXWLYR-revolucionário-desejantes, novas
XWRSLDVDWLYDVµ %$5(0%/,77S TXHproduzam dribles aos tentáculos coloniais (CUSICANQUI,
2021) e inventem seus encantamentos (SIMAS & RUFINO, 2020), explicitando suas fugas das capturas das
lógicas coloniais-capitalísticas (ROLNIK, 2018)? É a partir de minha experiência de trabalho enquanto

1 Artista-musicista-educadora, mestranda em Psicologia Social pela UFMG, psicóloga pela PUC Minas. Educadora
Musical no Origem Instituto. Investiga os processos de subjetivação em contextos periféricos, traçando pontes entre
a Esquizoanálise e teorias decoloniais/contracoloniais. E-mail: mariamoonica@gmail.com
2 Docente adjunto do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do
Laboratório de Grupos, Instituições e Redes Sociais (LAGIR/UFMG). Graduada em Psicologia pela Universidade
Federal de Minas Gerais; especialista em Psicologia Hospitalar, em Saúde no Trabalho e apoiadora do HumanizaSUS.
Mestre e doutora em em Saúde e Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais, com doutorado sanduíche
na Universidade de Lisboa, Portugal. Pós-doutorado em Psicologia Social pela Pontifícia Católica de Minas Gerais.
Tem experiência em Psicologia Hospitalar, em Humanização e Educação em Saúde, Saúde no trabalho, Intervenção
Psicossocial e Organização dos serviços de saúde. E-mail: terezacpc@hotmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 6


educadora-psicóloga-artista-pesquisadora, no encontro com essas juventudes, que desassossegos
movimentam a investigação em nosso campo de pesquisa.
Urge levarmos em consideração que os mecanismos que perpetuam as desigualdades sociais em nosso país
pactuam com dinâmicas da colonialidade que ainda hoje ressoam (NÚÑEZ, 2021; CUSICANQUI, 2021;
GONÇALVES, 2013; TAKEITI, VINCENTIN, 2019; SIMAS, RUFINO, 2020). Assim, traçaremos linhas
dialógicas para a construção de nosso pensamento, compreendendo que não é necessário que nos limitemos
aos cânones das ciência-tradicional-moderna-positivista.
Adotamos uma perspectiva da periferia como um lugar menor (DELEUZE; GUATTARI, 2010), como um
espaço dotado de possibilidades que essas juventudes criam, sobretudo nos campos da arte e cultura, com
SRGHUGH SROLQL]DomRGH´SUROLIHUDomRGHSROtWLFDVGHGHVHMRDWLYDVµ 52/1,.S $FRQGLomR
periférica em que estas juventudes se localizam, pode ser lida como uma condição nômade (DELEUZE;
GUATTARI, 1997), deslocando-a do lugar da suposta desordem, da precarização, e afirmando os
atravessamentos do caos em sua própria dinâmica subjetiva.
Assim, me pergunto: como podemos nos espantar, nos surpreender com suas manifestações, irrupções e
insurreições, sustentar suas virtualidades, de modo a compor outras compreensões, coletivamente, com as
MXYHQWXGHVSHULIpULFDVHPTXHVWmR"(DLQGDpSRVVtYHO´HQWHQGHUVXDVPDQLIHVWDo}HVHSRWHQFLDOLGDGes como
FRQWUDFRORQLDLV"µ $'$' 6,/9$   6H QRV UHFXVDPRV D UHSURGXomR GDV IRUPDV LQVWLWXtGDV H
colonizadoras como pesquisadoras das juventudes, partimos das vozes minoritárias para radicalizarmos nossa
prática de pesquisa.
Aqui, mergulhamos no rizoma complexo de suas existências, almejando dar um zoom para explicitarmos os
fluxos vitais que os compõe. Por meio de entre-vistas (LIMA, 2013; PASSOS, KASTRUP, ESCOSSIA, 2009),
nos interessamos pelo que essa juventude tem a nos dizer, expressar, pelo que desejam experimentar e criar,
com condições de vida que têm, pois os jovens mostram e descobrem "aquilo que queremos ignorar, relegar
e esconder, afirmando a vida para além de seu aspecto homogeneizante e, por vezes, fazendo uso da arte e
do corpo para expressão de seus desejos e valores." (ADAD & SILVA, 2021, p. 321).
Dessa forma, utilizaremos a pesquisa-intervenção cartográfica, modo de fazer pesquisa em que o campo é
tomado como espaço de intervenção e análise, que refere-se a um pensar junto com o campo e também na
relação que se tem com ele. Portanto, compreendemos TXHQmRKiFROHWDGHGDGRV´KiPDTXLQDo}HVµ /,0$
2018). Nesse sentido, em diálogo com o que propõe Deleuze e Guattari (1995), a Cartografia seria uma
IHUUDPHQWD TXH ´SRVVLELOLWD D FULDomR GH QRYRV GLVSRVLWLYRV GH SHVTXLVD D FDGD YH]µ &$5'262
ROMAGNOLI, 2019, p. 8). Para Passos, Kastrup e Escossia (2009), por se tratar de um método transversal,
a Cartografia desestabiliza os eixos cartesianos em que as formas se apresentam categorizadas previamente.
Tal operação se faz no acompanhamento dos movimentos das subjetividades e dos territórios, na investigação
por meio de pistas, estratégias e procedimentos concretos que serão encarnados em dispositivos. Atentas à
análise de implicação, buscamos travar rupturas às lógicas universalizantes e de produção de uma suposta
neutralidade no fazer da pesquisa. Na perspectiva cartográfica, a análise não dissocia pesquisa e intervenção,

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 7


mas compreende a composição entre esses elementos, e as conexões entre pesquisadoras, os sujeitos da
pesquisa e as forças que circulam nessa relação.

Referências bibliográficas preliminares:


ADAD, Shara Jana Holanda Costa; SILVA, Krícia de Sousa. "Luzes que faíscam no caos": maquinarias
contracoloniais das juventudes do Movimento Hip Hop em Teresina-PI. 2021.
Baremblitt, Gregório. Entrevista ao autor. [Mimeo]. Fundação Gregório Baremblitt, Belo Horizonte/Minas Gerais,
Brasil, 2013.
Café Filosófico UFRN. (2019, 16 de setembro). Juventudes e periferia com Julimar Gonçalves. [Vídeo].
YouTube. Recuperado a partir de: https://www.youtube.com/watch?v=pqbhLskcj_o.
CARDOSO, Maria Luiza Marques & ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. Contribuições da cartografia para a
produção de uma ciência nômade. Rev. Polis e Psique, v. 9, n. 3, p. 6-25, 2019.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Ch'ixinakax utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. n-1
edições. São Paulo, 2021.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. (1995). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. São Paulo: Editora 34.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. (1997). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. (S. Rolnik, Trad.) São
Paulo: Editora 34.
GONÇALVES, Julimar. S. Poéticas do rap engajado e juventudes nas periferias urbanas de Natal - RN. Tese -
(doutorado em Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2013.
LIMA, Wlad. (2018). Pistas para uma pesquisa de campo no campo das artes da cena - VII Simpósio
Internacional Reflexões Cênicas Contemporâneas. [YouTube], 2018.
NÚÑEZ, Geni. (2021). Monoculturas do pensamento e a importância do reflorestamento do imaginário. ClimaCom,
Campinas, v. 8 n. 21. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/monoculturas-do-pensamento/.
PASSOS, Eduardo.; KASTRUP, Virgínia. & ESCOSSÍA, Liliana. Pistas do método da Cartografia:
pesquisaintervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
Proteja. (2021). Conceição Evaristo, Jonathan Ferr, Theo Zagrae feat AUR, & MangoLab. In: POSS - Proteja Os Seus
Sonhos. (2:19). Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=OUqk0bIpFlU.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. N-1 edições, 2018.
SIMAS, Luiz Antônio; Rufino, Luiz. Encantamento: sobre política de vida. Mórula editorial, 2020.
TAKEITI, Beatriz Akemi; Vincentin, Maria Cristina Gonçalves. Juventude(s) periférica(s) e subjetivações: narrativas
de (re)existência juvenil em territórios culturais. Fractal: Revista de Psicologia, v. 31, (n. esp.), p. 256-262, 2019.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 8


GT 1 - Cartografias esquizoanalíticas

A produção diarística como estratégia de análise da implicação em


cartografias

Bruna Coutinho Silva1


Maria Mônica Gomes Divino2
Resumo:
O intuito deste trabalho é promover uma reflexão sobre a composição escrita em pesquisas cartográficas e
sua função de dispositivo de análise de implicação des pesquisadores. A escrita, enquanto um dispositivo de
resistência, como assinala Anzaldúa (2021), permite romper com a omissão das posições sociais que
ocupamos, explicitando as linhas que nos compõem ao produzirmos nossos discursos. Trata-se, ainda, de
SHUIRUPDUHVFULWDVFRQWUDFRORQLDLVGH´DIURQWDUPRVDIyUPXODREMHWLYLGDGH-neutralidade-universalidade que
engessa nossas prátLFDVFLHQWtILFDVµ 2/,9(,5$HWDOS &RPRLQWXLWRGH SURGX]LUILVVXUDV
fendas, fraturar as estruturas rígidas dos modelos acadêmicos, a escrita diarística permite passagens
autopoiéticas, que se compõem às análises produzidas no campo de pesquisa. O diário de campo
tradicionalmente emerge nas práticas de pesquisa antropológica, representando a invenção de um dispositivo
de análise que permitiu a inserção da experiência des pesquisadores na cena científica, o que era impensável
dentro do paradigma hegemônico da ciência moderna; o chamado fora-texto por Lourau (1993). Ao nos
valermos dessa tradição em pesquisas-intervenção, contemplamos o que Paulon (2005), Barros e Passos
(2009) e Romagnoli (2014) irão discutir: a análise da implicação, processo no qual as pesquisadoras colocam
em cena o modo como as instituições mesmas que estão em análise nos processos de pesquisa as atravessam,
fala através de suas palavras, ações, gestos, silêncios. E, certamente, através do que efetivamente produzimos
na escrita. A proposta de conectar o fora-texto diarístico na produção textual de nossas teses e dissertações é
um modo de construir dissidências no cânone científico e proceder como um bricoleur (LEVI-STRAUSS,
1989). Tratando-se de um aterramento pindorâmico de nossa proposta, podemos pensar, ainda, em uma
gambiarra (ROSAS, 2008; SOUZA, 2011): um dispositivo de produção do conhecimento que nega a lógica
reprodutiva com sua inventividade recombinante que vislumbra utopicamente novos mundos. Assim sendo,
amplia-se, polifoniza-se, explicita-se, transversaliza-se as vozes que nos compõem e produzem ressonâncias
em nosso fazer. O diário como um dispositivo coletivizante das análises produzidas no campo possibilita

1 Doutora em Psicologia, especialista em Filosofia Contemporânea e psicóloga pela PUC Minas. Se interessa por práticas
de pesquisa e intervenção em processos de subjetivação no âmbito de políticas sociais, no trabalho e partir do diálogo
com produções audiovisuais e literárias. Sua interlocução se dá a partir da esquizoanálise, dos estudos de Foucault, do
feminismo negro e decolonial. E-mail: bcoutinho.psi@gmail.com
2 Artista-musicista-educadora, mestranda em Psicologia Social pela UFMG, psicóloga pela PUC Minas. Educadora no

Origem Instituto. Investiga os processos de subjetivação em contextos periféricos, traçando pontes entre a
Esquizoanálise e teorias decoloniais/contracoloniais. E-mail: mariamoonica@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 9


acompanhar trajetórias nômades da/na formação das pesquisadoras, já que a escrita permite registros dos
não-ditos em seu processo analítico, cuja dinâmica não se faz linearmente. A produção de uma escrita
implicada nos permite também nos conectarmos às margens que habitamos como pesquisadoras, mulheres,
brancas, pobres, estudando e intervindo em contextos periféricos, com sujeitos subalternizados, a partir de
XPDOHLWXUDIHPLQLVWDGHFRORQLDOGDSUiWLFDFLHQWtILFD&RPRDILUPD2OLYHLUD S ´1DGDPelhor que
as(os) mortas(os)-vivas(os) do conhecimento, com suas epistemes subalternizadas, para falarmos de outros
lugares, propondo modos diferentes de encarar o mundo, a academia, partindo ao meio as práticas que
circulam, incontestáveis, por seus corredRUHVµ3DUDWDQWRIRLSUHFLVRHQIUHQWDURVVLOHQFLDPHQWRVTXHQRV
foram impostos pela colonialidade do saber-poder que determina quem pode dizer, constituindo, assim, uma
HVFULWD DXWRSRLpWLFD H LQVXEPLVVD &RPR DILUPD $Q]DOG~D  S   ´p QD HVFULWD mesma que nossa
VREUHYLYrQFLDVHHQFRQWUDSRUTXHXPDPXOKHUTXHHVFUHYHWHPSRGHU(XPDPXOKHUFRPSRGHUpWHPLGDµ
Dessa maneira, as escritas diarísticas também podem ser consideradas estratégias de enfrentamento das
amnésias coletivas, para destruir as ferramentas que insistem no apagamento de muitas histórias, já que a
colonização sempre restringiu ² e segue a restringir ² quem pode falar e quando e quanto (OLIVEIRA et. al,
2019) e quem pode e será escutade. É enunciando e anunciando as inúmeras fronteiras (ANZALDÚA, 2021)
SHODVTXDLVWUDQVLWDPRVTXHRFXSDPRVR´HQWUHµGRVGLIHUHQWHVFDPSRVGHFRQKHFLPHQWRSDUDHQIUHQWDU
e/ou dialogar, produzir ou não alianças que possam expandir a produção de conhecimento (MANSANO;
LIBERATO, 2020). Se em um diário aceita-se as espontaneidades, as afetações, produzindo aproximações
na relação com o objeto-sujeito de pesquisa, compreendemos a potência do contínuo movimento de
implicação e de autoanálise que pode se explicitar em uma escrita na pesquisa cartográfica. Desse modo,
sustentamos o processo de escrita como uma gambiarra para a produção de fluxos inventivos e autorais a fim
de produzir afetações potencializadoras de devires menores na universidade.

Referências bibliográficas preliminares:


ANZALDÚA, Gloria. A Vulva é uma Ferida Aberta e Outros Ensaios. Trad. de Tatiana Nascimento. Rio de Janeiro: A
Bolha, 2021.
BARROS, Regina Benevides; PASSOS, Eduardo. Diário de bordo de uma viagem-intervenção. In: PASSOS, Eduardo;
KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de
subjetividade. Porto Alegre: Sulina, p. 172-200.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1989.
LOURAU, René. Análise Institucional e Práticas de Pesquisa. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
1993.
MANSANO, Sônia Regina Vargas; LIBERATO, Mariana Tavares Cavalcanti. Resistir para pesquisar, pesquisar para
resistir: construindo uma sustentabilidade afetiva na universidade. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p.
436-451, abr. 2020. doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2020v26n1p426-440.
OLIVEIRA, Érika Cecília Soares; ROCHA, Késia dos Anjos; MOREIRA, Lisandra Espíndula; HÜNING, Simone
Maria. "Meu lugar é no cascalho": políticas de escrita e resistências. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 31, n. esp., p.
179-184, set. 2019. doi: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29043.
OLIVEIRA, Erika Cecília Soares. A docência como uma performance feminista. Pesquisas e Práticas Psicossociais, São
João del-Rei, v. 15, n. 3, p. 1-13, jul./set. 2020.
PAULON, Simone Mainieri. A Análise de Implicação como Ferramenta na Pesquisa-intervenção. Psicologia &
Sociedade, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p. 18-25, set.-dez. 2005.
ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. O conceito de implicação e a pesquisa-intervenção institucionalista. Psicologia &
Sociedade, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 44-52, 2014.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 10


ROSAS, Ricardo. Gambiarra: alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante. Revista Gambiarra, Niterói, n.
1, a. 1, 2008, p. 19-26.
SOUZA, Iara Regina. A gambiarra: o devir artefato. In: REUNIÃO CIENTÍFICA ABRACE, IV, 2011, Fortaleza.
Anais [...]. Fortaleza: Abrace, 2011, v. 12, n. 1, p. 1-6.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 11


GT 1 - Cartografias esquizoanalíticas

As relações familiares de presos e presas LGBTQIA+: uma


pesquisa cartográfica

Mateus Soares de Sousa1


Jésio Zamboni2
Isabella de Almeida Constantino Venturoti3

Resumo:
Esta pesquisa propõe discutir as relações familiares de presos e presas LGBTQIA+, explorando as conexões
entre os temas família, heteronormatividade e prisão. É imprescindível analisar as relações de gênero e
sexualidade das pessoas que fogem da heteronorma, numa tentativa de compreender a vivência destas pessoas
ao chegarem e habitarem as prisões. Dessa maneira, o projeto tem a proposta de investigar, analisar e
compreender as relações familiares dos presos e presas LGBTQIA+, bem como os processos de subjetivação
que perpassam esse meio.
A partir disso, as contribuições de Costa e Foucault permitem traçar um esboço com o intuito de
compreender a família moderna e como esta se configura num percurso histórico. Assim, a noção da família
na qual se criam e se sustentam laços entre as pessoas, bem como um certo cuidado com a higiene, a saúde e
a educação, são frutos de uma produção histórica. Nesse sentido, não existe uma natureza para a família.
Portanto, a concepção de família será aqui entendida a partir das relações de poder que permeiam o ambiente
familiar, bem como a sociedade como um todo. Além disso, alguns conceitos foram fundamentais na
composição das análises. Assim, as tecnologias de poder (disciplinar e regulamentadora), a biopolítica, a
norma, a heteronormatividade e as performances de gênero e parentesco compuseram parte da base teórica
a fim de fundamentar o escrito.
'HVVDPDQHLUDDSHVTXLVDVHHQFRQWUDGHQWURGRSURMHWR´eWLFD3VLFRORJLD%LRSROtWLFDH'LUHLWRV+XPDQRV
HP'LYHUVLGDGH6H[XDOHGH*rQHURµHVHSURS{VDLQYHVWLJDUDVUHDOLGDGHVGRVSUHVRVHSUHVDVTXHID]HP

1 Graduando em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista do Programa de Educação Tutorial
(PET) - Psicologia UFES. Possui interesse pelas áreas de Clínica Psicanalítica, Psicologia Institucional, Políticas
Públicas e Direitos Humanos em Diversidade Sexual e de Gênero. E-mail: mateusoares00@hotmail.com
2 Professor Adjunto no Departamento de Psicologia e Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em

Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo. Possui Graduação em Psicologia (2008), Mestrado
em Psicologia Institucional (2011) e Doutorado em Educação (2016) pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Atua principalmente nos seguintes temas: Diversidade Sexual e de Gênero, Sistema Prisional, Clínica Transdisciplinar,
Análise Institucional, Narratividade, Filosofia da Diferença, Ética na Psicologia, Direitos Humanos, Biopolítica,
Análise da Atividade de Trabalho. E-mail: zambonijesio@gmail.com
3 Graduada em Psicologia pelo Instituto Educar Brasil Faculdades Doctum de Serra (2021). Mestranda em Psicologia

Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (Início 2022). Bolsista CAPES. E-mail:
bellaventuroti@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 12


parte da Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2), localizada em Viana/ES. Inaugurada em 26 de maio
de 2021, é a primeira unidade prisional de referência à população LGBTQIA+ no Espírito Santo.
A cartografia utilizada enquanto método de pesquisa respalda a possibilidade de estudar objetos que possuem
caráter mais subjetivo; além disso, exige que o pesquisador habite diferentes territórios na concepção de
transformar para conhecer. A partir dessa análise, é possível acompanhar o plano de composição da realidade;
portanto, ao mesmo tempo em que a cartografia desenha, ela gera, dando o caráter de intervenção à pesquisa.
A pesquisa foi realizada na PSME II, unidade referência LGBTQIA+ a partir do projeto de extensão
´$IHWDomRµ - Clínica Transdisciplinar das Violações de Direitos Humanos em Diversidade Sexual e de
Gênero. Os relatos nos grupos clínicos, compostos pelos internos da PSME II, foram cruciais para a
compreensão da dinâmica da unidade. A inserção no campo para um trabalho cartográfico foi pertinente,
permitindo investigar as relações familiares - sejam elas biológicas ou relações construídas no meio prisional
- dos presos e presas da PSME II, bem como os processos de subjetivação que perpassam esse meio. A
pesquisa teve um caráter interventivo, comprometendo-se numa continuação do que já vinha sendo realizado
nos grupos clínicos, viabilizando, também, uma pesquisa cartográfica.
No que diz respeito aos resultados, as análises ressaltam as complexidades das relações familiares dos presos
e presas da PSME 2, influenciadas por desafios logísticos, violência institucional e normas de gênero. Além
disso, a violência e as violações de direitos dentro do presídio contribuem para o sofrimento psicológico dos
internos, tornando ainda mais difícil a manutenção de relações familiares saudáveis. A falta de acesso a itens
básicos de higiene pessoal e a práticas de punição por parte da equipe dirigente tornam a vida na prisão
extremamente desafiadora. No entanto, relações de apoio entre os internos desempenham um papel
importante na preservação da saúde mental no ambiente prisional.
Além disso, é imprescindível abordar as questões de gênero e diversidade sexual no contexto prisional, pois
revelam as opressões heteronormativas que afetam as pessoas LGBTQIA+ no sistema carcerário. As práticas
institucionais de controle, aliadas às tecnologias de poder regulamentadoras da vida e disciplinares do corpo,
são evidentes na configuração da prisão como uma instituição total. Essas práticas reforçam estereótipos de
gênero e sexualidade, refletindo a importância de um olhar crítico sobre a vivência e as condições dessas
pessoas nas prisões. Em vista disso, é imprescindível que a sociedade e as instituições reflitam sobre a prisão
como instituição e encontrem caminhos para a humanização e o respeito aos direitos das pessoas
encarceradas, especialmente aquelas que enfrentam opressões adicionais com base em gênero e sexualidade.

Referências bibliográficas preliminares:


ALVES, Nadine Silva. Primeiro presídio LGBTI+ é inaugurado no Espírito Santo. 2021. Folha Vitória. Disponível
em: https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/05/2021/primeiro-presidio-lgbti-e-inaugurado-no-espirito-santo.
Acesso em: 20 jun. 2022.
BARROS, M. E. B.; AMADOR, F. S. Análise institucional no Brasil: uma perspectiva arqueogenealógica. Coleção
Transversalidade e Criação ² Ética, estética e política. v. 14. Curitiba, 2021.
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221.
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 13


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2003. Trad. de Renato Aguiar.
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252.
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 14


GT 1 - Cartografias esquizoanalíticas

Bordando experimentações e aproximações entre biologia e cultura

Marcos Allan da Silva Linhares1


Keyme Gomes Lourenço2
Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho3

Resumo:
(VVHUHVXPRSDUWHGHH[SHULPHQWDo}HVSURYRFDGDVDSDUWLUGDGLVFLSOLQD´%LRORJLDH&XOWXUDµRIHUWDGDSHOD
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), local em que realizamos nosso estágio-docência e que
constantemente é casa para nossas divagações e produções. Em linhas-cortes-atravessamentos desejamos
transgredir, bordar, costurar, ocupar as fronteiras entre biologia e cultura para borrá-las e fazer emergir outras
narrativas, histórias e sonhos que por vezes não são contados e visibilizados em nossas práticas de ensino.
Num constante devir, as aulas de Biologia e Cultura nos impulsionam a pensarmos outros lugares para a
nossa formação e para o modo como a Biologia nos produz. Nesse recorte procuramos pensar no primeiro
dia de aula da disciplina, onde os alunos são convidados a bordarem seus nomes numa grande toalha de mesa
DSDUWLUGRWH[WR´)LWDYHUGHGHH[SHULPHQWDomRµGH'DYLQD0DUTXHV  &RQVLGHUDPRVRSURFHVVRGR
bordado como um processo de escrita, sempre inacabado, inconcluso, em devir, sendo passagem de vida
(DELEUZE, 1997), espaço para circulação de desejos, de sonhos e de outras possibilidades em se pensar a
Biologia no hoje. Ao bordarmos, imaginamos outras histórias para a Biologia que nem sempre é aquela
vinculada aos discursos hegemônicos da FLrQFLDGLWD´WUDGLFLRQDOµPDVTXHpIHLWDQDLQWHUFHVVmRYLGD-cultura-
DUWH2UQDPRVFRPDVDJXOKDVOLQKDVGHHVFULWDV´TXHVHFRQMXJDPFRPRXWUDVOLQKDVOLQKDVGHYLGD>@OLQKDV
que criam a variação da própria linha de escrita, linhas que estão entre as linhasµ '(/(8=(*8$7$55,
2004), problematizando a Biologia, olhando com olhar de desconfiança para essas narrativas acomodadas que
nos produzem e nos propondo a pensar a disciplina pelo entre linhas para refletir sobre o todo que é um da
educação (MARQUES, 2008). O bordado é rizoma abrindo caminhos para outros modos de pensarmos a
ciência em nossos dias, é como mato que cresce por entre as brechas, mas aqui com agulha e linha. O
bordado-rizoma faz pensar para além dos dualismos, constrói mapas experimentando o real, a vida cotidiana,
o inconsciente por ele mesmo, descoloniza os pensamentos através da multiplicidade, da coletividade que
aparece como arte, como performance, como ação política, como meditação (DELEUZE; GUATTARI;

1 Mestre em Educação em Ciências e Matemáticas (PPGECM/UFPA); Doutorando em Educação (PPGED/UFU). Faz


parte do UIVO: matilha de estudos em criação, arte e vida. E-mail: marcosallan.18@gmail.com
2 Mestre e Doutorando em Educação (PPGED/UFU). Faz parte do UIVO: matilha de estudos em criação, arte e vida.

E-mail: keymelourenco@gmail.com
3 Professora do Instituto de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de

Uberlândia (PPGED/INBIO/UFU). Doutora em Educação (UNICAMP). Lidera o UIVO: matilha de estudos em


criação, arte e vida. E-mail: lestevinho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 15


1995). Pensando em conjunto com essas experimentações e reflexões, desejamos cartografar o modo como
os bordados movimentam pensamentos, deslocam ideais e descontroem visões sobre a formação em Biologia
através da disciplina Biologia e Cultura. Acreditamos que a cartografia nos ajuda a olhar para esse mapa que
passa a ser construído na disciplina com atenção, nos possibilitando vê-lo como algo aberto, conectável,
desmontável através de pistas que fazem emergir os processos, aquilo que se passa entre as formações
LQVWLWXtGDV DTXLOR TXH HVFDSD 3$6626 %$5526   $ FDUWRJUDILD ´DFRPSDQKD H VH ID] DR PHVPR
WHPSRTXHRGHVPDQFKDPHQWRGHFHUWRVPXQGRVHDIRUPDomRGHRXWURVµ 52/1,. HpLVVRTXH
desejamos: criar novos mundos, novas aproximações em conjunto com a Biologia, novos afetos que se criam
na proximidade da ciência com a cultura, com a arte, com a literatura, com a vida. Pela cartografia do primeiro
dia de aula da disciplina, propomos trazer as marcas que compõem esse processo, as incertezas, as dúvidas,
as experimentações que chegam a pele e nos movem para outros lugares, desencadeando novas narrativas
que poderão ser contadas e recontadas sobre diversas formas: através do texto escrito, de poemas, de relatos
autobiográficos, mas aqui, de maneira especial, contada por biografemas. Os biografemas são formas de
escritas narrativas propostas por Barthes (2012) como um modo de olhar com outros olhos para as
IRWRJUDILDV $TXL R ELRJUDIHPD VXUJH FRPR ´RSRUWXQLGDGH GH GDU YLVLELOLGDGH DRV DFRQWHFLPHQWRs banais,
triviais que se inscrevem na superfície do corpo e sem os quais não poderíamos ultrapassar o saber, nem
UHVLVWLUDRSRGHUµ 0$57,16 $VVLPRVELRJUDIHPDVVmRH[SHULPHQWRVTXHQRWUDMHWRGDFDUWRJUDILD
nos ajudam a olhar para as miudezas, para os lugares não-reconhecidos, para os detalhes que por vezes se
perdem nas rotinas e nos cotidianos cansados. Biografemar com os bordados é pensar além dos significados,
ser picado por uma experimentação que faz passar desejos-outros para a vida ao deixar emergir sensações e
sentimentos que antes eram considerados banalidades, mas que aqui passam a ser encantamentos. Pequenos
fragmentos que compõem a formação de professores em formação.

Referências bibliográficas preliminares:


BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Edição especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Volume 3. Tradução de Aurélio
Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Cláudia Leão e Suely Rolnik. São Paulo: Ed. 34, 2004.
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Volume 1. Tradução de Aurélio
Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
MARQUES, Davina. Fita verde de experimentação. Revista ETD ² Educação Temática Digital, v.9, 278-281,
2008.
MARTINS, Marília Frade. Biografema: uma escrita infame sobre a obra do professor. In: CHAVES, Sílvia Nogueira
(Org.) Experimentar na diferença: um banquete de monstruosidades acadêmicas. São Paulo: Livraria da Física,
2022.
PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS,
Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.) Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e
produção de subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.
ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação
Liberdade, 1989.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 16


GT 1 - Cartografias esquizoanalíticas

Onde estão os manicômios e suas saídas? Uma cartografia de


experiência de estágio em um CAPS-III de Minas Gerais

Isa Paula Vilela Peixoto1


Davi de Castro Faria2
Ana Rita Castro Trajano3
Marina de Mattos Dantas4
Resumo:
Com este relato de experiência temos por objetivo apresentar uma cartografia de experiência de estágio
curricular supervisionado vivenciada em um CAPS-III de Minas Gerais durante o primeiro semestre de 2023.

1 Estudante de graduação em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Atua em estágio
institucional não-obrigatório no Centro de Memória Professora Batistina Corgozinho (CEMUD). Extensionista
voluntária do Núcleo de Projetos de Apoio Psicossocial a Estudantes (NUPAPE), cadastrado no Diretório de
Pesquisas do CNPq (09/2020). Bolsista de iniciação científica pelo PIBIC/CNPq/UEMG (Edital nº 03/2022) entre
outubro de 2022 e junho de 2023 com a pesquisa ´*UXSRV de Trocas de Vivências como Dispositivo de Promoção
de Saúde Mental de Estudantes: narrativa cartográfica de experiências com o cuidado e apoio psicossocial no cotidiano
XQLYHUVLWiULRµ Militante da luta antimanicomial, associada à ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social.
E-mail: isapeixoto.psi@gmail.com
2 Estudante de graduação em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Extensionista

voluntário do Núcleo de Projetos de Apoio Psicossocial a Estudantes (NUPAPE), cadastrado no Diretório de


Pesquisas do CNPq (09/2020). Bolsista de iniciação científica pelo PIBIC/CNPq/UEMG (Edital nº 03/2022) entre
julho e agosto de 2023 com a pesquisa ´*UXSRV de Trocas de Vivências como Dispositivo de Promoção de Saúde
Mental de Estudantes: narrativa cartográfica de experiências com o cuidado e apoio psicossocial no cotidiano
XQLYHUVLWiULRµ E-mail: psicastro.davi@gmail.com
3 Possui graduação em Bacharel e Formação de Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1978),

mestrado em Psicologia Social / UFMG (2002) e doutorado em Conhecimento e Inclusão Social em Educação /
UFMG (2012); especialização em Psicologia Comunitária pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1981);
Formação em Análise Institucional pelo Instituto Félix Guattari / BH (1998). Professora efetiva da Universidade do
Estado de Minas Gerais - UEMG, desde agosto/2021, onde coordena o Núcleo de Projetos de Apoio Psicossocial a
Estudantes (NUPAPE), cadastrado no Diretório de Pesquisas do CNPq (09/2020). Atualmente, coordena Projeto de
Extensão com equipe de estudantes negras e o Grupo de Trocas de Vivências Negras (GTVN), com apoio do
PAEx/UEMG/2023. Associada à ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social; ABRASCO - Associação
Brasileira de Saúde Coletiva; ABPP- Associação Brasileira de Psicologia Política. Experiências como pesquisadora -
UFMG/ FAFICH / Núcleo de Estudos Sobre Trabalho Humano, UFMG/ FaE/ Núcleo de Estudos sobre Trabalho
e Educação, UFMG/ FM/ Núcleo Promoção de Saúde e Paz; como professora em cursos de graduação e pós-
graduação em diferentes Instituições de Ensino Superior. como consultora / assessora junto ao SUS / Política
Nacional de Humanização e movimento sindical; atuando principalmente nos seguintes temas: grupos e instituições;
saúde coletiva; trabalho e ergologia, humanização do SUS, saúde mental antimanicomial e direitos humanos; psicologia
antirracista; psicologia e gênero; violências contemporâneas. E-mail: ana.trajano@uemg.br
4 Psicóloga (CRP 04/28.914), professora e pesquisadora. Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, com período sanduíche na Argentina (Universidad de Buenos Aires) e Pós-Doutorado em
Estudos do Lazer na Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Atua como professora designada no Departamento de Psicologia da Universidade do Estado de
Minas Gerais. É pesquisadora no Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT/UFMG), atualmente vice-
líder do grupo, no qual se dedica a estudos sobre o futebol, relações de poder e produção de subjetividade. Participa
da produção do Programa Óbvio Ululante na Rádio UFMG Educativa e também do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Psicologia Social do Esporte (GEPSE/UFMG), sendo uma das fundadoras do grupo. Integra o Núcleo de Projetos
de Apoio Psicossocial a Estudantes (NUPAPE/UEMG) e também o Grupo de Trabalho Esporte Cultura e Sociedade
do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). E-mail: marinamattos@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 17


A cartografia é um método de pesquisa-intervenção (PASSOS e BARROS, 2009) que propõe aos
pesquisadores a dissolução do ponto de vista de observadores (PASSOS e EIRADO, 2009) de modo que
habitem o plano de forças presentes no território e por ele se deixem afetar no acompanhamento dos
processos de produção de subjetividades (TEDESCO e NASCIMENTO, 2013). Tomamos também a
Reforma Psiquiátrica Brasileira como campo epistêmico e de práticas que, junto ao movimento da Luta
Antimanicomial, busca romper com o modelo de saúde que historicamente priorizou o isolamento, a tortura
e a medicalização das pessoas em sofrimento mental (AMARANTE, 2009). Em entrevista, Saidón (2012) nos
SURYRFDTXH´DTXHVWmRpGHWHFWDUHPFDGDpSRFDHHPFDGDOXJDURQGHHVWiRPDQLF{PLRµ'Hsse modo,
compreendemos como resultados os efeitos produzidos durante a experiência que nos levaram a refletir sobre
a prática de profissionais envolvidos na Rede de Atenção Psicossocial e também a nossa, como estagiários.
Percebemos a emergência de pistas sobre o rearranjo da lógica manicomial no território do CAPS-III em uma
tentativa de identificar as formas de violência perpetuadas no cotidiano do serviço e assim inventar novas
estratégias de humanização do cuidado. Desde 2019, ano de ingresso na universidade, acompanhamos o
movimento da Luta Antimanicomial no município, o que se potencializou ao longo da experiência de estágio
por meio da criação de uma rede de parcerias. Junto a estudantes e professoras(es) de uma universidade local,
além de usuárias(os) e trabalhadoras(es) da Rede de Atenção Psicossocial do território, celebramos o 18 de
Maio, transversalizando o cuidado em saúde mental. Além disso, avaliamos que a Clínica Grupal se constituiu
como uma ferramenta de trabalho essencial, uma vez que possibilita descristalizar os lugares e papéis
instituídos, favorecendo a produção de subjetividades em meio a um ambiente onde predominam práticas
pautadas na clínica individual (BARROS, 1996). Por fim, concluímos sobre a importância do fortalecimento
das coletividades e dos movimentos sociais nos dispositivos de saúde pública, uma vez que estes se
configuram como formas de resistência e ampliação de possibilidades de modos de vida. Também é
fundamental que não percamos de vista em nossa atuação os ideais ético-políticos do movimento da Luta
Antimanicomial, buscando promover práticas humanizadas, em liberdade, no território, quebrando os
diversos muros e mecanismos de aprisionamento de subjetividades mantidos pela lógica manicomial.

Referências bibliográficas preliminares:


AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Reforma psiquiátrica e epistemologia. Cadernos Brasileiros de Saúde
Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 1, n. 1, p. 34-41, 2009.
BARROS, Regina Benevides de. Clínica Grupal. Revista do Departamento de Psicologia, UFF, 7, p. 5-11, 1996.
SAIDÓN, Osvaldo. Uma era pós-manicomial?. [Entrevista concedida a] Márcia Junges. Revista do Instituto Humanitas
Unisinos. São Leopoldo, n.391, p. 8-11, maio de 2012. Disponível em:
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PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In:
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade, Porto Alegre: Sulinas, p. 17-31, 2009.
PASSOS, Eduardo; EIRADO, André do. Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador. In: PASSOS,
Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e
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NASCIMENTO, Maria Lívia do; TEDESCO, Silvia. Análise Institucional e cartografia: efeitos de contágio. Solange
L´ Abbate, Lucia Mourão & Luciane Pezzato, L.(Orgs.), Análise institucional e saúde coletiva, p. 597-606, 2013.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 18


GT 2
Clínica, política e saúde mental

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 19


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

Arte e subjetividade: a resistência à bio-necropolítica manicomial e


o direito à loucura

Tatiane Sirlene Moreira da Silva1


Maria Clara Moreira Rosa2

Resumo:
Ao longo da história, a loucura foi vista através de diferentes perspectivas que sofreram influências de suas
épocas. Entre estas formas de se ver o louco, esteve aquela que olhou para ele como um antagonista da razão
e, por esse motivo, utilizou-se deste fato para corroborar no aprisionamento, exclusão e aniquilação do louco.
Um exemplo disso é o Hospital Colônia de Barbacena, que aniquilou mais de 60 mil pessoas. Nesse sentido,
observa-se nestas práticas o que o filósofo camaronês Achille Mbembe chamou de ´QHFURSROtWLFDµRXVHMD
SROtWLFDVGHPRUWHTXHYLVDPFULDUIRUPDVGHPDWDURV´FRUSRV-OL[Rµ&RPDUHIRUPDSVLTXLiWULFDVXUJLUDP
os serviços substitutivos, que visam reconstruir física e ideologicamente as formas de ver e ser do louco.
Entre esses serviços, inscrevem-se os CERSAMs e os Centros de Convivência, que usam de oficinas artísticas
para (re)construir novas potências e formas de estar no mundo e de existir. Sendo assim, objetivamos, com
este trabalho é compreender a partir das ferramentas esquizoanalíticas, de que forma a arte, inserida nos
CERSAMs e nos Centros de Convivência, pode fazer resgatar as subjetividades, como forma de subversão
dos processos mortíferos manicomiais. Para tanto, será elaborada uma pesquisa bibliográfica com revisão de
literatura que se debruce para investigar o objetivo supracitado.

Referências bibliográficas preliminares:


ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs. São Paulo: 34, 1995. v. 1.
DOS SANTOS, Natália Alves. ARTE E SAÚDE MENTAL: em cartaz o teatro da Loucura.
DOS SANTOS, Natália Alves; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. Quando a invenção pede passagem: ritmo e corpo
nas oficinas de teatro do Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) Noroeste de Belo Horizonte. Mental, v.
10, n. 18, p. 29-52, 2012.
FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: edições Graal, 1979.
HIRDES, Alice. A reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Ciência & saúde coletiva, v. 14, p. 297-305, 2009.
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad: Renata Santini. São
Paulo: n-1 edições, 2018.

1 Graduanda em Psicologia pela PUC Minas. E-mail: tatianesirlenemoreira@gmail.com


2 Graduanda em Psicologia pela PUC Minas. E-mail: mclaramoreirarosa@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 20


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

Descaminhos de uma pesquisa e uma intervenção socioanalítica


esquisita em centros de atenção psicossocial

Daniel Vannucci Dóbies1


6RODQJH/·$EEDWH(orientadora)2

Resumo:
O Sistema Único de Saúde é um campo social complexo. Cuidado, gestão, educação, pesquisa e política estão
em articulação permanentemente atualizada pelos acontecimentos e pelas transformações sócio-históricas.
Na atual sociedade neoliberal, as políticas públicas sofrem desfinanciamento sistemático e o processo de
trabalho se torna intensificado, precarizado e fragmentado, alimentando modos de vida individualistas e
meritocráticos, em detrimento de práticas coletivas e solidárias. No Brasil, a ascensão conservadora em
diversos segmentos sociais e o recrudescimento da força política de extrema direita fragilizaram as bases de
proteção social e legitimaram a violência contra populações minorizadas.
Em meio a isso, emerge o interesse em analisar como ficam as atuações políticas dentro dos serviços de saúde
que são permeados tanto pela história e políticas públicas de participação social quanto pela racionalidade
empreendedora neoliberal. E, inclusive, como operar a intervenção socioanalítica nesse caldo social.
Diante disso, foi formulado um estudo com o objetivo inicial de analisar as intervenções que utilizam o
referencial da AI nos serviços públicos de saúde no Brasil, com ênfase na dimensão política dessas práticas e
nassuas criações.
A pesquisa foi traçada em duas frentes: I) Pesquisa bibliográfica das intervenções realizadas em unidades,
redes de serviço e/ou grupos de trabalho na área da saúde, publicadas entre 2014 e 2021; II) Intervenção com
o referencial da AI em assembleias gerais de quatro Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Campinas/SP,
num total de 55 participações entre outubro de 2021 e julho de 2022, num encontro com usuários/as,
profissionais e gestores/as do SUS. Adotou-se o diário de pesquisa, na perspectiva de Lourau (1993), para
registros e, sobretudo, análise das implicações. Realizou-se, assim, uma pesquisa-intervenção, na qual os/as
SDUWLFLSDQWHV IRUDP FRSURGXWRUHVDV GR FRQKHFLPHQWR FRP R SHVTXLVDGRU HVWDQGR ´QR PHLRµ 'HVWD
posição, ampliou-se as possibilidades para análise das condições de intervenção no período referido, fazendo
SDUWH GR ´JUXSR GH LQWHUYHQLHQWHVµ 1D LQWHUYHQomR H[SHULPHQWRX-se três estratégias: 1) sustentar o
inacabamento: a considerar a necessidade de manter-se aberto em um mundo em permanente transformação

1 Psicólogo, doutorando e mestre em saúde coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas. Membro do Diretório de Pesquisa CNPq Análise Institucional e Saúde Coletiva. E-mail:
dvannucci@gmail.com
2 Socióloga, professora associada (livre-docente) aposentada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual

de Campinas; pós-doutorado em Análise Institucional no Departamento de Ciências da Educação da Universidade


Paris VIII -Saint Denis/França. E-mail: slabbate@lexxa.com.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 21


(LAPASSADE, 1975; SCHAEPLYNCK, 2018); 2) bancar o idiota: uma posição filosófica criadora de
campos de indeterminação fundamentais ao pensamento (DELEUZE apud MENGUE, 2013); 3) agir em
FRPXPRFRPXPFRPR´WUDEDOKRGRFRPXPµ 1,&2/$6-LE STRAT, 2015) ou como a construção de
´XP PXQGR TXH FDLED PXLWRV PXQGRVµ FRQIRUPH RV ]DSDWLVWDV %$6&+(7   $ SHVTXLVD VRIUHX
interrupções e desvios devido à: 1) emergência da pandemia de Covid 19, que suspendeu a intervenção; 2)
tentativa do pesquisador enfrentar o seu esgotamento; 3) elaboração da perspectiva de agir no e pelo meio,
que demandou a entrada do pesquisador no campo do estudo. O estudo, por esses descaminhos, concentrou-
se na intervenção nos Caps, que se mostrou mais interessante para atingir o seu objetivo.
Nas assembleias de Caps, entre a politização e o esvaziamento político, localizou-se as seguintes ações
analisadoras: engrandecer demais a missão a cumprir; recorrer à infantilização por meio de pedagogismos e
patologismos; enquadrar e encaixotar os debates e as ideias; ensurdecer, falar sem parar e disputar o espaço;
baixar a potência das propostas pela falta de ressonância; informar sem ter informação; estabelecer
compromisso vazio; esmiuçar inutilmente os passos de operacionalização de um trato; vigiar e punir;
intrometer-se onde (não) é chamado; separar questões individuais e coletivas; controlar o controle social;
tratar miseravelmente das misérias sociais; notar e encarar assuntos espinhosos. É importante ponderar que
tais ações certamente remetem ao vício do pesquisador em procurar a falta, os equívocos ou o grotesco, o
que não é necessariamente ruim, pois ajuda a localizar as ações de esvaziamento político. Por outro lado, foi
necessário um esforço para encontrar as potências, que criam maneiras de resistir aos rebaixamentos e ativam
as forças emancipatórias, sobretudo em um momento sociopolítico de tamanha desvitalização das
experiências do comum.
O estudo, nos rastros de Tsing (2022), solta esporos com destino incerto, à procura de novas ideias e práticas
políticas. Enuncia a necessidade de travar combate contra o convívio amistoso com a escassez, a ordem
progressista atropeladora de acontecimentos e a danosa insistência na artificial cisão indivíduo-coletivo da
modernidade. Bem como, ressalta a relevância de lapidar as intervenções institucionais que produzam análises
com força de transformação emancipadora.

Referências bibliográficas preliminares:


BASCHET, J. A experiência zapatista: rebeldia, resistência e autonomia. São Paulo: n-1 edições, 2021.
LAPASSADE, G. A entrada na vida. Lisboa: Biblioteca 70, 1975.
LOURAU, R. Análise Institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ, 1993.
0(1*8(3)DLUHO·LGLRWODSROLWLTXHGH*LOOHV'HOHX]H3DULV*HUPLQD
NICOLAS-LE STRAT, P. Agir em comum / agir o comum. Revista Lugar Comum. n°.45, pp. 206-220, 2015.
6&+$(3(/<1&.9/·,QVWLWXWLRQ5HQYHUVpHIROLHDQDO\VHLQVWLWXWLRQQHOOHHWFKDPSVRFLDOParis: Eterotopia
France, 2018.
TSING, A. L. O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo. São Paulo: n-1
edições, 2022.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 22


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

Experimentações em clínica: como as ferramentas conceituais da


esquizoanálise podem compor outras práticas de intervenção
clínica?

Airla Brito Meira1


Ana Paula Vignoli Fundão2
André Mariani Brum3
Gabriela de Assis Rocha4
Maria Elizabeth Barros de Barros5
Patricia Ferrario Traba6
Sofia de Souza Gomes7
Thalita Miranda Reis8
Vinícius Pacífico Marquetti9

Resumo:
O projeto em pauta busca utilizar como operadores de análise elementos teóricos na obra de Gilles Deleuze
e Félix Guattari que ofereçam um modo de experimentação esquizoanalítica como ferramenta para o
exercício de uma psicologia clínica de atendimento individual em consultório. Trata-se de uma pesquisa
intervenção, considerada como um plano de coemergência de pesquisador/analista e campo empírico. A
intervenção se efetiva por meio da construção do seu objeto, ao mesmo tempo em que se constitui no
momento de intervenção, tornando-se parte do processo investigativo. Dessa forma, a separação entre
analista e analisando é subvertida e tomada como processos de subjetivação não dados a priori. A partir dessa
perspectiva e na tentativa de construir um processo de análise das práticas em consultório de profissionais do
campo da psicologia, esta pesquisa-intervenção está sendo realizada a partir de atendimentos individuais em
consultório de uma Universidade Pública.

1 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: airla59@gmail.com


2 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: ana_p_7@hotmail.com
3 Graduando em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: andremarianib1@gmail.com
4 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: gabriela.a.rocha@edu.ufes.com
5 Profa. Dra. titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Foi graduanda em

Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975), mestranda em Psicologia Escolar pela Universidade
Gama Filho (1980) e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995). Possui pós-
doutorado em Saúde Pública com ênfase em Saúde do Trabalhador da Educação (2001) e pós-doutorado em Saúde
Coletiva na Universidade Federal Fluminense (2016). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Política
Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, análise institucional, saúde coletiva, trabalho e
escola. E-mail: betebarros@uol.com.br
6 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: pferrariotraba@gmail.com
7 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: sofia.gomes@edu.ufes.br
8 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: thalita.m.reis@edu.ufes.br
9 Graduando em Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: vinicius-pacifico@hotmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 23


Como primeiro movimento, a partir do contexto de Maio de 68 na França, pensamos a emergência de um
novo cenário político-intelectual para além da psicanálise e do marxismo ortodoxo, a partir das formulações
de Deleuze e Guattari. Em um segundo movimento, são realizadas intervenções clínicas em um Núcleo de
Psicologia de uma Universidade Pública do Sudeste Brasileiro. O trabalho clínico no consultório do referido
Núcleo está baseado nos conceitos esquizoanalíticos de produção, inconsciente maquínico, socius, desejo,
territorialização, desterritorialização, reterritorialização, produção de subjetividade, plano de imanência,
território e máquinas abstratas. Por fim, em um terceiro movimento, que se faz simultaneamente aos outros
dois, são realizados semanalmente encontros do grupo de trabalho para leitura e discussão dos conceitos
formulados por Deleuze e Guattari e discussões de casos, que são apresentados e analisados no grupo. Trata-
se, assim, de um debate acerca da experimentação esquizoanalítica, no qual a prática perspectivada pela noção
de produção implica uma clínica dos processos de subjetivação onde desejo e inconsciente são produções do
socius. O projeto indica que o percurso de pesquisa-intervenção é promissor e a experimentação
esquizoanalítica é uma ferramenta para o exercício da psicologia clínica que tem como perspectiva a produção
da diferença.

Referências bibliográficas preliminares:


CORRÊA, Sandra Lourenço. Esquizoanálise: clínica e subjetividade. Avesso do Avesso, v. 4, n. 4, Araçatuba, p. 33-51,
2006.
DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. Tradução de Peter Pal Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
'(/(8=(*LOOHV/·DEpFpGDLUH*LOOHV'HOHX]H3DULVeGLWLyQV0RQWSDUQDVVH,9LGHRFDVVHWH6XEOLQKDGRHP
português pelo MEC, TV Escola.
DELIGNY, Fernand. Semente de crápula: Conselhos aos educadores que gostariam de cultivá-la. N-1 Edições, 1. ed.
2020.
GONDAR, Josaida de Oliveira. Deleuze e a psicanálise. In: TEDESCO, Silvia; NASCIMENTO, Maria Livia. (Org.).
Ética e subjetividade: novos impasses no contemporâneo. 1. ed. Porto Alegre/Niterói: Sulina/UFF, p. 131-146, 2009.
GUATTARI, Félix. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. Tradução de Suely Rolnik. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
PASCAL, Sévérac. Fernand Deligny: O agir no lugar do espírito. Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência,
Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 118-135, 2017.
SANTOS, Laymert Garcia dos. Rumo a uma nova terra. Revista Ecopolítica, São Paulo, n. 5, pp. 38-49, 2013.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 24


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

O acompanhamento familiar no Sistema Único de Assistência


Social: autonomia ou disciplina?

Caroline de Souza1
Roberta Carvalho Romagnoli2
Ana Elisa de Paula Camargo3

Resumo:
Este estudo tem como tema o acompanhamento familiar realizado pelos técnicos operadores do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS). Com a Constituição Federal de 1988, a proteção social reconhece direitos
sociais universais, garantindo cidadania e responsabilidade do Estado na cobertura e no acesso. A política de
assistência social passa a ser responsável pela oferta da proteção social pública não contributiva, na forma de
renda, programas, projetos e serviços, dando acesso a serviços sociais, oportunidades, defesa dos interesses e
necessidades sociais dos segmentos mais vulneráveis, atuando junto às famílias e nos territórios. As ações do
SUAS baseiam-se na matricialidade, que coloca a família como matriz, sustentáculo das suas políticas, espaço
privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias. Nesse contexto, pretendemos investigar as
práticas e metodologias de trabalho dos técnicos nos equipamentos dos Centros de Referência da Assistência
Social (CRAS) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) no município de
Poços de Caldas. Especial atenção será dada às formas de intervenção que possibilitam o acompanhamento
familiar proposto no Serviço de Proteção e Atendimento a Famílias e Indivíduos e no Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, destacando as práticas que produzem autonomia às
famílias vulneráveis e a produção de novos processos de subjetivação. Para tal, essa pesquisa utiliza a
metodologia da pesquisa intervenção que busca romper com as dicotomias teoria-prática, sujeito-objeto,
articulando pesquisador e campo de pesquisa visando à geração de conhecimento e ação, uma vez que a
proposta é de atuação transformadora da realidade. Tem ainda como marco teórico a Esquizoanálise de
Deleuze e Guattari, que sustenta a complexidade e a processualidade da realidade, através da sustentação em
rede, em um funcionamento rizomática das dimensões macropolíticas e micropolíticas.
Palavras-chave: SUAS; CRAS; CREAS; Acompanhamento Familiar; Pesquisa-intervenção; Processos de
Subjetivação.

Referências bibliográficas preliminares:

1 Psicóloga, Doutoranda em Psicologia pela PUC Minas, Mestre em Psicologia pela PUC Minas, pesquisadora da
FAPEMIG. E-mail: carolinedesouzapsi@yahoo.com.br
2 Doutora em Psicologia pela PUC-SP, professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, pesquisadora do CNPq e da FAPEMIG. E-mail: robertaroma@uol.com.br


3 Graduanda em Psicologia pela PUC Minas, pesquisadora da FAPEMIG. E-mail: anaelisadpaula@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 25


AMADOR, Fernanda S., LAZZAROTTO, Gislei D. R. & SANTOS, Nair I. S. Pesquisar-agir, pesquisar-intervir,
pesquisar-interferir. Revista Polis e Psique, v. 5, n. 2, p. 228-248, 2015. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePsique/article/view/58180/pdf_26. Acesso em 18 de março de 2021.
BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Brasília: Distrito
Federal, 1993.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social
(PNAS/2004). Resolução n.130, de 15 de julho de 2005. Aprova a Norma Operacional Básica da Assistência Social ²
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 26


ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. O conceito de implicação e a pesquisa-intervenção institucionalista. Psicologia &
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ZANELLA, Andréa Vieira; SAIS, Almir Pedro. Reflexões sobre o pesquisar em psicologia como processo de criação
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em: 28 out. 2020.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 27


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

Práticas Grupais em Esquizoanálise: Oficinas de Teatro nas


Escolas

Wenni Izabelli Justo1

Resumo:
Este artigo é decorrente da realização de oficinas de teatro em uma escola, como estratégia de promoção da
saúde mental, com o objetivo de investigar o uso de exercícios e jogos teatrais voltados à performatividade
como poética guia para técnicas psicológicas grupais, com o intuito de provocar a produção do Corpo sem
Órgãos. As oficinas foram analisadas a partir da discussão sobre O Que Pode um Corpo, por Spinoza,
Máquinas Desejantes, por Deleuze e Guattari e da relação instituição-corpo.
Utilizamos o dispositivo oficina afim de provocar novos modos de subjetivação, proporcionando acesso a
técnicas artísticas como instrumento de comunicação, visando além da expressão, a inserção social. Nesse
sentido, sendo a oficina um espaço de encontro de corpos diversos, tem-se o intuito de movimentar, a partir
do teatro, aspectos e estados corporais que vão além da reprodução realista, buscando produzir novos
processos e intensidades (HUR; VIANA, 2016). Além das práticas corporais, houveram rodas de conversa
ao final de cada exercício, para que fosse elaborado também por via da fala aquilo que oprime o corpo.
Um corpo vive sua potência na medida que é afetado (SPINOZZA, 2009), sendo assim, buscamos mapear
os afetos que aumentam nossa circulação de desejo, nossa potência de agir na cadência dos nossos desejos,
bem como nossas Máquinas Desejantes. Além disso, a arte, de modo geral, tem potencial para ser uma
Máquina de Guerra, sendo que esta vive em relação de devir e precisa de um espaço liso para que possa
escorrer sem que seja capturada, a utilização das artes do corpo ativam vias corpóreas de fluxos e devires em
diversas intensidades, pois o trabalho intensivo com o corpo libera outros corpos que vivem em mim, numa
tentativa esquizo de expansão e mergulho na multiplicidade.
O teatro, de modo geral, funciona como um aglomerado de máquinas, que se acoplam num rizoma e, às
vezes, solucionar um problema por meio da dramaturgia, a serviço do funcionamento da máquina cênica,
pode inibir as inúmeras possibilidades de subjetivação. Os jogos teatrais aqui estudados, por sua vez, podem
funcionar como uma máquina de guerra, posto que não há a necessidade de se criar uma narrativa, tendo a
experimentação dos corpos-que-se-tem como o maior dos objetivos. Desse modo, desprendemos o fazer
teatral de algumas de suas ambições dramatúrgicas, para que se fosse possível criar uma máquina de guerra,
se direcionando pela performatividade presente nos jogos teatrais.

1 Psicóloga pela Universidade Federal do Mato Grosso (2022) e multiartista, com pós-graduação em Arteterapia (2023)
pelo Instituto Pedagógico Brasileiro e estudante no Curso Superior Tecnólogo em Teatro (2025) pela Universidade
Estadual do Mato Grosso. E-mail: psiwennijusto@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 28


Os corpos inseridos em instituições, em especial a escolar, estão carregados de inibições sociais e, tendo em
vista que o público alvo deste projeto foram adolescentes, corpos-que-se-copiam foram comumente
performados, visando a integração social. A disciplina é uma força que opera à distância, docilizando os
corpos (FOUCAULT, 1997), os controla e produz o panoptismo (FOUCALT, 2009), isto é a auto
disciplinarização, a qual foi frequentemente observada nas oficinas de teatro, porque diminuem a
possibilidade de agenciamento dos corpos determinando as maneiras que cada indivíduo explora o próprio
corpo. Dessa maneira, as oficinas teatrais aqui referidas, buscaram fomentar expressões corpóreas que se
distanciaram do corpo cotidiano, mas ainda partindo do corpo-que-se-tem.
Nesse sentido, assumimos os exercícios teatrais utilizados nas oficinas como programas performativos
(FABIÃO, 2013), nos quais dávamos uma série de provocações para que os participantes experienciassem
intensidades corporais. Promover uma oficina sobre a performatividade da persona que se é, dá espaço para
a emergência da multiplicidade, num local que muitos pensam que só há uma forma de ser. Ir contra o
instituído que dita a não expressão das próprias emoções e reduz a potência corporal dos indivíduos está à
favor da construção de um senso crítico, mirando um espaço de elaboração de si.
Articular um espaço de nomadismo inventivo, voltado à liberdade, portanto à saúde (BAREMBLITT, 2007)
em um ambiente escolar público pode atuar como um ponto da rede de saúde pública, tendo em vista que
esta é feita de maneira interdisciplinar e lembrando do princípio da transversalidade, que confere importância
a todos os saberes (BENEVIDES, 2005). Sendo a promoção de práticas psicológicas grupais articuladas
teatro na escola uma atividade que faça desta instituição não só uma fábrica de encaminhamentos para os
serviços de saúde, mas também um lugar de acolhimento e expansão dos estudantes, visando o exercício de
uma psicologia não psicologizante, mas sim da multiplicidade.

Referências bibliográficas preliminares:


BAREMBLITT, Gregório. Patología. Arte. Terapia. Cura. In: Kazi, Gregório (org) Subjetivaciones clínicas,
insurgências: 30 años de lucha. Buenos Aires, Edviones Madres de Plaza de Mayo, 2007.
BENEVIDES, Regina. A Psicologia e o Sistema Único de Saúde: Quais Interfaces? In: Psicologia e Sociedade ²
Universidade Federal Fluminense, ed. 17, p. 21-25, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Anti Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia. tradução de Luiz B. L. Orlandi.
³ São Paulo: Ed. 34, 2010.
______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia 2, vol. 1; trad. Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia
Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.
______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia 2, vol. 3; trad. Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto, Lúcia
Cláudia Leão e Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 2012.
FABIAO, Eleonora. Programa Performativo: o corpo-em-experiência. São Paulo, n. 4, p. 1-11, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão; trad. Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
HUR, Domênico Uhng; VIANA, Douglas Alves. Práticas grupais na esquizoanálise: cartografia, oficina e
esquizodrama. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 68, n. 1, abr. 2016, pp. 111-125. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672016000100010&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: ago. 2022.
SPINOZA, Benedictus de. Ética: tradução de Tomaz Tadeu. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. v. 1. ISBN 978-
85-7526-381-5.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 29


GT 2 (I) - Clínica, política e saúde mental

Psicologia e as encruzilhadas do existir: cuidados com a saúde


mental a partir da perspectiva Iorubá

Ana Beatriz Soeiro Leopoldo1


Alexander Motta de Lima Ruas2

Resumo:
O presente trabalho propõe o diálogo entre os modos de compreensão da vida na perspectiva Iorubá, e o
cuidado no campo da saúde mental, a partir do entendimento de que vivemos em uma sociedade pós
diaspórica, e os desdobramentos disto nos afetam tanto em nossas singularidades como enquanto coletivo.
Compreendemos que nossa sociedade é constituída por estruturas, conceitos e fundamentações que foram e
permanecem sendo pautadas por práticas européias; assim, a maneira como aprendemos a ver, perceber,
sentir e nos afetar pelo mundo é resultante de práticas coloniais que forjam processos de subjetivações
igualmente colonizados.Esse processo histórico que tem produzido epistemicídio, racismo, violência,
desigualdade social, etc, também traz uma enorme limitação em relação ao modo como vivemos a nossa
ancestralidade e compreendemos as nossas formas de existir.
Entender esta perspectiva está para além de somente praticar uma ética sankofa de se reconectar com os
saberes da filosofia de vida Iorubá que tem sido apagada, portanto negada a nós, mas de perceber também
que, como mostra Fanon, o mundo é anti-negro (FANON, 2008) fato esse que nos convoca para a militância
em vários níveis, desde o fronte antirracista mais imediato, passando pelo campo da produção do
conhecimento, até chegar à ponta do cuidado, fortalecimento das políticas públicas, ampliação das políticas
de reparação, etc.
Uma das parceiras importantes neste trabalho, partindo de uma perspectiva decolonial, é Conceição Evaristo,
que ao criar e explicar-nos o conceito de Escrevivência (EVARISTO, 2022), nos convida a pensar sobre novas
formas de nos expressar, e praticar uma escrita fora dos conceitos e modelos já conhecidos no ocidente e

1 Psicóloga, graduanda em Neuropsicologia, pesquisando sauúde mental da população negra no Brasil. E-mail:
anabsoeirol@gmail.com
2 É psicólogo, músico e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, especialista em psicologia e
psicólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com ênfase em psicologia da saúde. É supervisor de estágio em
abordagem transdisciplinar no Serviço de Psicologia Aplicada da UFF, atuando também como coordenador de grupo
no campo das práticas em saúde. É professor de graduação, lecionando e pesquisando o cuidado na sua intersecção
com gênero, racismo e classe. Foi coordenador do curso de Psicologia na Universidade Estácio de Sá (2018-2022), e
psicólogo voluntário por dois anos do serviço de saúde mental da Secretaria de Vitimados (SEVIT) do Governo do
Estado do Rio de Janeiro Atualmente é professor do Departamento de Psicologia de Campos dos Goytacazes da
Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Psicologia Social e Pesquisa, produzindo trabalhos
principalmente sobre os processos de subjetivação no contemporâneo, pesquisa-intervenção, tendo recentemente
concluído pesquisa sobre os impactos do racismo na saúde mental da população negra. E-mail:
alexander.motta@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 30


incorporar referências que sejam assentadas em mitos Iorubás, na cultura negra e na filosofia africana. Assim,
entendemos ser possível caminhos outros e possibilidades de estar no mundo que subvertam o pensamento
colonizado já difundido e absorvido na psicologia brasileira.
Ao olharmos os mitos de Exu, por exemplo, nos deparamos com a possibilidade da encruzilhada, que na
visão do professor e babalorixá Sidnei Nogueira, é onde podemos encontrar nossas origens ancestrais,
autocompreensão, restauração, morte, (re)nascimento e continuidades. (NOGUEIRA, 2022).
Na contemporaneidade, pensar a psicologia e o cuidado da saúde mental de mulheres negras, introduzindo,
por exemplo, o pensamento filosófico e mitológico africano, pode simbolizar a ligação ancestral com um
passado que tem potencial de trazer novos problemas e possíveis respostas às questões e vivências do presente
de maneira mais sensível e profunda.
Ao evocarmos, por exemplo, a sabedoria do orixá feminino Oxum que, em um de seus itan (mitos) mais
conhecidos, exigiu participar de uma reunião onde apenas homens participavam, sem motivo específico,
criando assim uma atitude disruptiva diante de uma condição machista de existência, faz deslocar o campo
de forças da mitologia ocidental que reforça os personagens masculinos em lugares de poder e decisão,
sustentando o patriarcado e delegando a mulher a posição de subalterna e impotente. Conhecer esse e outros
itan e transformá-los em amuletos afetivos que orientam a nossa ética, é uma maneira de criar novas
possibilidades de produção de realidades no mundo, em nós, para nós e para outras.
Enquanto trabalhadoras de saúde, conhecer novas mitologias, é poder alargar as nossas práticas, apostando
na multiplicidade e transversalidade, aumentando também o grau de sensibilidade na produção do cuidado,
principalmente quando a população atendida faz parte de grupos minoritários em vulnerabilidades. É poder
destruir e criar ao mesmo tempo. É poder (re)nascer, restabelecendo olhares encantados -não ingênuos- para
o mundo, descolonizar o inconsciente e afirmar a existência de uma epistemologia que combate um mundo
pensado apenas por, com e para homens brancos, e assim, ir contra a necropolítica que insiste em aniquilar
pessoas, saberes e práticas negras dia após dia.

Referências bibliográficas preliminares:


CONCEIÇÃO, Evaristo. A Escrevivência Carrega a Escrita da Coletividade. Beatriz Hermínio, Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, 03 Out. 2022.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, UEFBA, 2008.
NOGUEIRA, Sidnei, A Encruzilhada é um Lugar de CURA, Instituto Racionalidades, Rio Grande do Sul, 12 Mai.
2022.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 31


GT 2 (II) - Clínica, política e saúde mental

Ideias para adiar o nosso próprio fim

Tulíola Almeida de Souza Lima1

Resumo:
´&RQKHoDRWUDEDOKRGHTXHPID]GDYLGDXPDDUWHµ- assim começava a apresentação de um dos
trabalhos propostos por Paulo José de Azevedo: comunicólogo e militante da luta antimanicomial.
Pude conviver com Paulo em diversos momentos, entre eles quando ele planejava organizar o
SURJUDPD ´(ODERUDQGRµ 'RV WHPDV LQLFLDLV SURSRVWRV FRQVWDYDP RV VHJXLQWHV DGRHFLPHQWR
psíquico; mercado de trabalho; disputas de afeto e projeção social. Conflito, preconceitos e exclusão
social; mazelas sociais e familiares. Falta empatia, compreensão, amor, paciência e outras virtudes.

´,W VWKHWHUURURINQRZLQJ
What this world is about
Watching some good friends
6FUHDPLQJ/HWPHRXWµ2.

A canção de Queen e David Bowie (1981) evocada ao longo deste texto age como metáfora para
darmo-nos outra chance a nós mesmas(os), apesar das nossas perdas, insanidades, risos
incompreensíveis ao nosso redor e da pressão de nossos tempos, que insiste em nos fragmentar.
&RPDUWLVWDVHSUDWLFDQWHVGHILORVRILDVVHJXLPRVFRQVWUXLQGRPRGRVGHWUDYHVVLDQHVWHPLOrQLR«
Revisito as ideias deste querido amigo, à medida que busco construir uma espécie de personagem
conceitual, conforme Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010) desenvolvem - e com ele contribuir para
reflexões provisórias acerca dos afetos envolvidos no campo da militância em saúde mental,
território do qual faço parte.

«ORYHGDUHV\RXWRFKDQJHRXUZD\RIFDULQJDERXWRXUVHOYHV«

Recentemente, Paulo comentou com uma companheira nossa, talvez já se referindo aos sentimentos
que localizava como de suas crises, que não havia aprendido a lidar com a sua dor. Isso me faz pensar

1 Psicóloga e mestre em psicologia pela UFMG. Especialista em Saúde Mental pela ESP-MG. Doutora em psicologia
pela PUC Minas. Artista da dança. Escritora. Militante antimanicomial e anticapitalista. Nascida em biomas de transição
entre mata atlântica e cerrado. E-mail: tuliolaa@gmail.com
2 UNDER PRESSURE. Intérpretes: Queen e David Bowie. Montreux: Mountain Studios, 1981. 1 disco vinil.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 32


nas dimensões individuais e coletivas das GRUHVTXHFDUUHJDPRV(QRDWUDYHVVDPHQWRGD´HVWUXWXUD
GHYLROrQFLDGHFRHUomRGRGLWDPHQHROLEHUDOGDOLEHUGDGHµ +$1S SHORTXDOOLGDPRV
FRPLPSHUDWLYRVSDUDGR[DLVSDUDVHUPRVOLYUHV«HIHLWRVGHVXEMHWLYDomRSURYRFDGRVSHORPRGR
capitalista de produção em nosso contexto.
Esgotamentos, tristezas, sentimentos de culpa e/ou impotência diante do que acabamos entendendo
como nossos próprios fracassos, diante de tantos desafios cotidianos. Efeitos do neoliberalismo que
produz, além deles, também certa despolitização da sociedade (HAN, 2017), com a prevalência de
valores associados ao trabalho e produção incessante de mercadorias.
Pode parecer contra-hegemônico; mas Renato Noguera (2023) afirma que falar de amor concerne a
todas(os) nós. Qual o lugar do amor na nossa sociedade? Ele propõe pensarmos no amor como algo
que ajuda nas restaurações: fonte de pensamento e de emoções - modo de pensar que configura
resistência ao processo colonial no Brasil, com imposição de culturas europeias e extermínios de
povos e modos de vidas. A colonialidade mantém, ao longo dos séculos, um letramento da
convivência pela violência.

:K\FDQ·WZHJLYHORYHWKDWRQHPRUHFKDQFH"

Os referenciais esquizoanalíticos no campo da saúde mental contribuem para invenção de práticas


em que as pessoas usuárias possam participar ativamente da reconstrução de si, de maneiras de estar
consigo mesmas e com o mundo - conforme relata Patrícia Ayer (2005) em seu trabalho com
dispositivos de grupo. Podemos nos valer de teorizações que ajudem a colocar pensamentos e
reflexões a serviço da vida. Deste ponto de vista, é preciso incentivar buscas ativas por composições
alegres, nas quais os corpos em relação possam ter ativadas sua potência de existir e aumento de
conexões. A autora explicita, assim, a dimensão política destas composições afetivas.
A convivência com pessoas usuárias da rede de saúde mental trazem aprendizados e alegrias
incomensuráveis. O sentido de nossa prática é dado a partir daí.
O título deste trabalho faz referência à preciosa obra de Ailton Krenak (2020), na qual ele nos alerta
sobre a pregação do fim do mundo para que possamos desistir dos nossos próprios sonhos. Acredito
que sonhar é uma forma de criar agenciamentos entre nós; uma forma de nos contrapormos a este
WHPSR´HVSHFLDOLVWDHPFULDUDXVrQFLDVµ .5(1$.S &RQWDUPRVHUHFRQWDUPRVQRVVDV
histórias e canções.
Estamos aprendendo, juntxs, a criar referências contracoloniais e antirracistas na saúde mental - algo
que para algumas de nós parece ser urgente, para outras, desnecessário. Há forças microfascistas na
sociedade; há interesses coniventes com a manutenção da exclusão para pessoas em situação de
sofrimento mental; há lutas e resistências de vários tipos. E nosso campo segue em disputa.
Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 33
´$KTXHQmRVHMDPHX
RPXQGRRQGHRDPRUPRUUHXµ3«

Referências bibliográficas preliminares:


Café filosófico: o que pode o amor? - Renato Noguera. São Paulo: TV Cultura, 6 ago. 2023. 1 vídeo (49 min).
Publicado por Café Filosófico CPFL. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RAAF5sOHfl0. Acesso
em 22 set. 2023.
FONSECA, Tania Mara Galli. Aprender, uma busca amorosa. In: ALBUQUERQUE, Alana Soares; CAIMI, Claudia
Luiza; COSTA, Luciano Bedin (org.). Rastros de um pensamento: escritos sobre clínica, arte e política.
Florianópolis: ABRAPSO Editora, 2022. p. 135-141.
HAN, Byung-Chul. Agonia do eros. Petrópolis: Vozes, 2017.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
NORONHA, Patrícia Ayer de. Micropolíticas da alegria na clínica coletiva na saúde mental pública. In: I
CONGRESSO LATINO-AMERICANO DA PSICOLOGIA. Anais... [recurso eletrônico] São Paulo: ULAPSI, 2005,
s/p.
ROLNIK, Suely. Ninguém é deleuziano: Despedir-se do absoluto. [Entrevista cedida a] Lira Neto e Silvio Gadelha. O
Povo, Caderno de Sábado, n. 6, Fortaleza, 18 nov. 1995. Disponível em
https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/suely%20rolnik.htm. Acesso em 05 set. 2023.

3 TEMPO DE AMOR. Intérpretes: Baden Powell e Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro: Forma, 1966. 1 disco vinil.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 34


GT 2 (II) - Clínica, política e saúde mental

Intervisão: uma aposta associativa entre esquizoanalistas

Izabel Taveira Manhães1


Júlia Florêncio Carvalho Ramos2
Juliana Gonçalves Ferreira Gomes3
Luciene F Rocinholi4

Resumo:
Quando começamos a Formação Livre em Esquizoanálise (FLEA) em 2018, ocupávamos uma casa no bairro
Laranjeiras no Rio de Janeiro, enquanto um governo de ultradireita ganhava as eleições presidenciais. O clima
era de desânimo e abatimento em todos, uma neblina cinza e densa parecia que ocupava o país. O sofrimento
sufocante comparecia nos ambientes clínicos. Em meio a textos em espanhol na Formação vinha uma piada
cortante: será que estamos nos preparando para o exílio? Não era para o exílio para o exterior, mas no preparo
para resistir e criar possibilidades de saída daquilo que estávamos vivendo. A Formação, que poderia ser
"aprimoramento profissional", tornou-se grupo de cuidado para além daquela sala, das pessoas que nos
batiam à porta. Nossos estudos eram ferramentas de potencialização vital que utilizávamos nos diferentes
espaços cotidianos. Se o governo já se mostrava como o pior da história brasileira, a pandemia de COVID
19 esgarçou ainda mais as construções de diálogo. O confinamento com quase nenhum apoio institucional e
estatal foi provocando ainda mais sofrimento subjetivo. O imperativo de cuidar da saúde mental aumentou a
busca por espaços de cuidado e a necessidade de se cuidar também do corpo do analista. Mas, como construir
espaços de formação coletiva de forma remota? Em 2021, no término do segundo módulo da FLEA, com o
desejo de seguirmos trabalhando juntas, montamos o Coletivo Intervisão, com a proposta de nos
encontrarmos online, quinzenalmente, para uma supervisão coletiva autogerida. Nesse espaço, trabalhamos
juntas, escutando cada caso levado para o encontro. Casos que atendemos em nossos consultórios, em
Instituições ou na Academia, mas também atravessamentos que nos faziam refletir sobre nossas vidas

1 Psicóloga formada pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Saúde Mental pela Prefeitura do Rio de
Janeiro e esquizoanalista pela FLEA. Atua como psicóloga clínica de forma individual, em grupo e com casais. E-mail:
izabeltm@hotmail.com
2 Atua como psicóloga clínica e institucional. Tem graduação e mestrado em psicologia pela universidade federal

Fluminense, título de especialista em promoção da saúde e desenvolvimento social pela Fiocruz e esquizoanalista pela
FLEA. Possui interesse e experiência na discussão de metodologias de pesquisa-intervenção participativas e saúde
pública. E-mail: juliaflorcarvalho@gmail.com
3 Psicóloga clínica e Institucional, formada pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Saúde Mental pela

Prefeitura do Rio de Janeiro e esquizoanalista pela FLEA. Coordena o coletivo Teia Acolhida, grupo de estudos,
acompanhamento e supervisão de psicólogos clínicos. E-mail: jugfgomes@gmail.com
4 Psicóloga, Esquizoanalista e Professora Associada do Departamento de Psicologia e dos Programas Pós-Graduação

em Psicologia e Educação Agrícola - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Doutora em Psicobiologia
e Pós-Doutora em Clínica Médica ² USP/Ribeirão Preto e em Neurociências - PUC-Rio. Supervisora de Estágio e
Pesquisadora em Psicologia. E-mail: lurocinholi@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 35


pessoais, tomadas como caso. Em julho de 2023, parte das pessoas que compõem o coletivo finalizaram a
formação com a FLEA e a partir disso fizemos novas apostas no Intervisão. Decidimos nos encontrar
semanalmente, intercalando a Intervisão e o estudo de textos que nos auxiliam pensar os casos, definindo-os
a cada vez, diante daquilo que nos afeta. A proposta desse trabalho é apresentar a experiência associativa que
surgiu entre nós com o Intervisão, esse dispositivo bordado a muitas mãos e que nos coloca a trabalharmos
juntas, coletivamente, na compreensão dos casos clínicos, rasgando em nós tanto a ideia de um fazer clínico
VROLWiULRHPFDGDFRQVXOWyULRTXDQWRDLGHLDGHXPDVXSHUYLVmRTXHVHSURS}H´VXSHUµ´DFLPDGHµ Estar em
intervisão nos coloca a refletir sobre experiências no campo da saúde pública brasileira, em que há em número
crescente de experiências que questionam a centralidade da figura do supervisor e adotam perspectivas de
funcionamento com direção cogestiva (GASTÃO, 2005). As supervisões acontecem em grupo e o supervisor,
uma figura que carrega certa centralidade, tem a função de descentralizar a função de supervisão. Ou seja, a
figura do supervisor existe em uma função distinta: trata-se não de alguém cuja função precípua seja a
orientação ou o direcionamento em relação à condução dos casos, mas uma figura cuja função principal é o
manejo do próprio grupo de supervisão, para que seja realizada pelo grupo. Outra prática no campo da saúde
é a de supervisão horizontal. Trata-se de um dispositivo no qual os participantes compartilham de uma mesma
SRVLomRHIXQomRGHQWURGHXPJUXSRGHVXSHUYLVmR$VVLPQmRKiXPSDUWLFLSDQWH´VXSHUµPDVSDUWLFLSDQWHV
que compartilham de experiências e saberes em relação ao acompanhamento de casos clínicos. A experiência
do dispositivo de Intervisão que gostaríamos de partilhar tem relação com essas duas possibilidades: a de uma
supervisão cogestiva, na qual há uma figura de um supervisor cuja função é o manejo do grupo e a de uma
supervisão horizontal, na qual a priori nenhum participante ocupa função diferenciada. Se trata de uma
variação entre a centralidade e a lateralidade, e entre a visão acima e a visão conjunta, de fora e de dentro.
Acreditamos que essa variação dialoga com o conceito de transversalidade de Guattari (1981) e que foi através
disso que a chamamos de vínculo associativo, que se deu entre nós a possibilidade dessa experimentação
transversal, nos levando a ocupar funções diferentes a cada encontro, sem nos fixarmos nelas ou sem divisões
prévias, movendo-nos a partir das associações que se realizam no próprio encontro, coletivizando e
potencializando nossa prática clínica.

Referências bibliográficas preliminares:


CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Um método para análise e co-gestão de Coletivos. 3a ed. São Paulo:
Hucitec; 2007.
GUATTARI, Felix. A transversalidade. In:_. Revolução Molecular. São Paulo: Brasiliense, 1981a.
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (org.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015.
ROSSI, André. Formação em Esquizoanálise: pistas para uma formação transinstitucional Curitiba: Appris,
2021

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 36


GT 2 (II) - Clínica, política e saúde mental

O prontuário interventivo: um dispositivo de escrita coletiva

Júlia Florêncio Carvalho Ramos1


Luciene F Rocinholi2

Resumo:
O ano era 2022, o espaço era a formação livre em esquizoanálise (FLEA). Nesse tempo-espaço, nos
encontramos com uma inquietação: como escrever um prontuário em uma prática clínica que se inspira na
esquizoanálise? Nós, ambas psicólogas de formação, tínhamos uma obrigatoriedade e um modelo a ser
seguido em nossas práticas: a resolução 001 de 2009 estabelece um modelo de prontuário que deve ser
mantido em nossa posse durante o tempo mínimo de 5 anos. Nesse modelo, compreendemos uma política
de narratividade representacional, que se orienta por uma perspectiva de neutralidade e tecnicidade no
encontro clínico. Porém, pensando numa prática clínica que se produz a partir do encontro, no qual analista
e analisando co-emergem, como imprimir outra política da narratividade ao registro em prontuário? Ou, dito
de outra forma: como trazer para o prontuário esse domínio vívido do encontro, fazendo do prontuário não
apenas um documento de registros factuais, mas pensando ele mesmo como um dispositivo interventivo?
Sem a pretensão de responder completamente a esses questionamentos ou de propor um certo modelo de
prontuário a ser adotado em trabalhos grupais, interessa-nos partilhar a experiência de escrita com um grupo
terapêutico e as intervenções que experimentamos coletivamente a partir desse processo. Intervenções que
VHELIXUFDUDPHPGLYHUVDVGLUHo}HVQDVSDUWLFLSDQWHVDQDOLVWDVQDVSDUWLFLSDQWHV´DQDOLVDQGDVµHQDSUySULD
ideia de prontuário.
Fizemos a proposta de um grupo de acolhimento na clínica-escola da FLEA. Tínhamos a intenção de compor
um grupo terapêutico. Finalizado o grupo de acolhimento, formamos um grupo terapêutico com 5 mulheres,
3 analisandas e duas analistas. Convidamos o nosso grupo terapêutico para escrever o prontuário no momento
do encontro. Propusemos começar a sessão destinando os quinze minutos iniciais para fazer os registros no
prontuário.
Nossa proposta de escrita do prontuário tinha desafios da clínica grupal, remota-online. Modo, espaço e
tempo nos atravessavam. A plataforma adotada (Miro) permitiu registrar, escrevendo ou desenhando, em um

1 Atua como psicóloga clínica e institucional. Tem graduação e mestrado em psicologia pela universidade federal
Fluminense, título de especialista em promoção da saúde e desenvolvimento social pela Fiocruz e esquizoanalista pela
FLEA. Possui interesse e experiência na discussão de metodologias de pesquisa-intervenção participativas e saúde
pública. E-mail: juliaflorcarvalho@gmail.com
2 Psicóloga, Esquizoanalista e Professora Associada do Departamento de Psicologia e dos Programas Pós-Graduação

em Psicologia e Educação Agrícola - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Doutora em Psicobiologia
e Pós-Doutora em Clínica Médica ² USP/Ribeirão Preto e em Neurociências - PUC-Rio. Supervisora de Estágio e
Pesquisadora em Psicologia. E-mail: lurocinholi@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 37


quadro virtual criado em cada encontro. Disponibilizamos o acesso à plataforma para todas as participantes
registrarem de modo independente, no momento do encontro. Entretanto, quando tinham alguma
GLILFXOGDGH GH DFHVVR D WHOD GR ´0LURµ H TXHULDP UHJLVWUDU algo, solicitavam que uma de nós, terapeutas,
fizéssemos o registro.
Para iniciar os registros do dia, nós perguntávamos às outras participantes: O que gostariam de registrar que ficou
do encontro anterior? 2VUHJLVWURVSRVVLELOLWDYDPSHJDU´RILRGDPHDGDµSHORSUySULRJUXSRHDFRPSDQKDUPRV
o fio de sentido do grupo em cada encontro. Entendemos, no percurso, que a escrita no prontuário permitia
registrar as intensidades do que havia ficado e atravessavam a experiência do encontro, a partir da evocação
das memórias dos encontros anteriores.
Os registros eram breves, mas puxavam fios que quando lembrados, mesmo que verbalmente no encontro,
conectavam com novos relatos no grupo. Com isso consideramos que o campo de forças sustentava a
contração grupal, numa espécie de constelação na qual a energia de sustentação dos corpos mantinha a
conexão e o espaço entre as participantes. Ao tornar-se assim um dispositivo potente, o prontuário produziu
intervenções no grupo.
A nossa proposta incluiu acompanhar os sentidos trazidos e registrados no prontuário por cada participante
do grupo, construindo o manejo clínico com-o-prontuário. Reconhecemos que a escrita coletiva e simultânea,
o escrever-com, favorecia a descentralização do saber/poder do analista colocando na centralidade os modos
de implicação das participantes no processo de análise. A escrita com produzia outra política da narratividade.
Não obstante, a escrita participativa e testemunhada pelo e no grupo lançava luz ao que pudesse se tornar um
segredo, e mantinha a lateralidade da escrita entre participantes e terapeutas.

Referências bibliográficas preliminares:


BARROS, R. D. B.; PASSOS, E. A Cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: Eduardo Passos;Virginia
Kastrup; Liliana da Escóssia. (Org.). Pistas do método de cartografia: pesquisa-intervenção e produção de
subjetividade. 1a ed. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 17-31.
PASSOS, E., & BARROS, R. B. Pista 8 - Por uma política da narratividade. In E. Passos, V. Kastrup, & L. Escóssia
(Orgs.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015,
p. 150-171.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP N.º 001/2009. São Paulo: Casa do Psicólogo/CFP,
2000. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2009/04/resolucao2009_01.pdf Acesso e
29/09/2023

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 38


GT 2 (II) - Clínica, política e saúde mental

O que pode a esquizoanálise na clínica infantil?

Erika Mariana Abreu Soares1

Resumo:
7UDJRDIRUoDGDTXHVWmR´RTXHSRGH"µIRUPXODGDSHORILOyVRIR%HQHGLFWXVGH6SLQR]DHPVHXHQVDLRVREUH
a Ética para pensarmos em outros modos de experienciar a clínica infantil. Spinoza (2018) coloca que não há
como determinar e/ou ensinar o que um corpo pode ou não fazer, pois cada corpo é afetado de maneiras
P~OWLSODVTXDQWRIRUHPRV HQFRQWURVTXHUHDOL]DU$VVLPRFRUSR´SRGHVHUDIHWDGRGHPXLWDVPDQHLUDV
pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência
GHDJLUQHPPDLRU QHPPHQRUµ 63,12=$S 'HOHX]HH3DUQHW  DRHVFUHYHUHPVREUH
6SLQR]D H[SOLFDP TXH HVVD TXHVWmR GL] UHVSHLWR DRV HQFRQWURV +i GRLV WLSRV GH HQFRQWURV XP ´ERP
HQFRQWURµTXH´DXPHQWDDSRWrQFLDµGHDJLUH existir (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 74), nos possibilitando
FULDU H LQYHQWDU RXWUDV PDQHLUDV GH HVWDU QR PXQGR H RXWUR R ´PDX HQFRQWURµ DTXHOH TXH ´GLPLQXL D
SRWrQFLDµ '(/(8=(3$51(7S QRVHQIUDTXHFHQGRSDUDOLVDQGRHRFDVLRQDQGRDWULVWHza.
Assim, diante de sua força, utilizo a questão nesta reflexão sobre a clínica infantil para pensar nos encontros
que são atravessados pela potência da infância no processo de psicoterapia. Considero a infância como
potência de criação, de compor com o mundo por meio do encontro com aquilo que impulsiona o
pensamento a buscar e produzir sentidos outros para aquilo que tenta nos paralisar. O movimento da infância
que perpassa nesses encontros psicoterapêuticos vivenciados na prática da esquizoanálise é de invenção de
outros modos de vida, que permite às crianças experimentarem o processo psicoterapêutico por meio dos
encontros com o acaso, o imprevisível do pensamento. É a infância que comunga com a curiosidade, o
espanto, a leveza de estar no mundo para recompor com a vida. Na maneira de perceber e construir o mundo
sem as significações que pressupõem uma perspectiva única sobre ele, mas em um processo dinâmico, intenso
e sempre inacabado que permite uma leitura provisória de sua representação. Essa leitura possibilita
invencionar o mundo com a leveza do movimento da infância. Logo, a vivência da esquizoanálise na clínica
infantil oferece outro modo de compor com as crianças e suas experiências afetivas com o mundo. Essa
vivência perpassa pela criatividade, a liberdade de expressão e a exploração das múltiplas dimensões da
subjetividade infantil.

1 Uma pessoa apaixonada pela infância como movimento da criação e tentado entender um pouco mais sobre o amor.
O amor que acolhe as diferenças, as histórias ancestrais e espirituais de cada ser humano no processo de ensino-
aprendizagem. Tudo isso é devaneios que estão me levando a ter dúvidas e não mais certezas. Agora me apresentado
academicamente: possuo graduação em psicologia e pedagogia. Mestrado em Psicologia pela PUC/MInas e Doutorado
em Educação /UFMG. Atualmente moro no norte de Minas Gerais e atuo como professora da Faculdade Vale do
Gorutuba (FAVAG). E-mail: erikamarianasoares@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 39


Referências bibliográficas preliminares:
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998.
SPINOZA, Benedictus de. Ética. 2.ed.Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 40


GT 2 (II) - Clínica, política e saúde mental

Por uma desterritorialização do/no trabalho: o devir-Amália

Abigail Marinho da Silva1

Resumo:
Arrisquei-me escritora numa tentativa de narrar as experiências vividas com o corpo técnico de um CRAS de
Vitória-ES na intenção (e o desafio nada fácil) de produzir um texto que acessasse a gênese histórica das
experiências e das formas. Para tanto, lancei mão da narratividade como ferramenta para exercitar o
pensamento e fazer emergir o bom e o mau das práticas, dos encontros, das relações vivenciadas nesse campo
de pesquisa.
A fim de realizar uma pesquisa produzida COM e não SOBRE outros, a narrativa emergiu como dispositivo
de produção coletiva do conhecimento e esta contou a história de experiências do/no trabalho, tendo seu
enredo fecundado pelos dados colhidos de um diário de campo e gravações de áudio produzidos ao longo de
dois meses no ano de 2018 com aquele corpo técnico do CRAS.
Reproduzir os métodos e suceder os mesmos resultados comparados com pesquisas anteriores é o que
legitima um saber-fazer Científico, de acordo com o paradigma positivista. Ouvir e narrar os saberes locais e
singulares não permite uma reprodução dos métodos utilizados, muito menos a repetição dos resultados.
Apostei numa escrita-narrativa como uma metodologia outra, exatamente para fazer insurgir os saberes e
colocar em evidência a hegemonia científica existente e abalá-la.
Gosto de dizer que o rigor científico dessa pesquisa esteve em seguir as linhas de fuga, traçá-las através da
escrita, usando os agenciamentos como elementos básicos para essa produção: produção de enunciados que
permitem insurgir os saberes e fazeres locais, por meio de uma escrita cartográfica, que tem como premissa
a experimentação.
Ao experimentar o trabalho no CRAS, experimentei modos de viver e de pensar a realidade, produzindo
cartografias dinâmicas dos fazeres desse campo. Contudo, este ensaio não se trata dessa história
especificamente, mas como que a partir dela, algo esquizo emergiu que, ao findar do processo narrativo,
chamei de devir-Amália.
$PiOLD7UDEDOKDGRUDGLOLJHQWHDWLYD2ULJHPJHUPkQLFDGRUDGLFDO¶$PDO- ·TXHVLJQLILFD¶WUDEDOKR·HVWHQRPHVLPEROL]D
as características de uma mulher batalhadora, esforçada, cuidadosa e que está sempre atenta em tudo que faz 2.
2 QRPH ¶$PiOLD· VXUJH GLDQWH GD QHFHVVLGDGH GH FULDU XP FRGLQRPH SDUD UHSUHVHQWDU PLQKD SHVVRD D
pesqusiadora do trabalho na Assistência Social, na história narrada. Amália é escolhida como substantivo

1 Psicóloga e mestra em Psicologia Institucional pelo PPGPSI/UFES, Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail:
contato.abigailmarinho@gmail.com
2 Disponível em: https://nomeschiques.com/amalia-significado-do-nome/

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 41


próprio feminino propositalmente, pois, para mim, tão desafiador quanto trabalhar é ser mulher, e não apenas
porque o meu gênero é feminino. E mais: percebi que o corpo técnico da Assistência Social em sua maioria
é composto por mulheres; o curso de graduação de serviço social e de psicologia é majoritariamente formado
por mulheres. Julguei como um desaforo Amália não ser substantivo feminino.
Entretanto, à medida que a narratividade ganhava seus fluxos e as personagens ganhavam corpo, eu notava
que Amália estava para além de uma representação da escritora-pesquisadora: Amália se configurava como
uma pluralidade; ou melhor, como uma multiplicidade ² de sujeitos e de saberes.
Com isso, apresento-vos neste ensaio Amália: um corpo-conceitual povoado por recém-formados que se
lançam ao universo do trabalho; por trabalhadoras que inventam cotidianamente seu fazer a partir de suas
histórias; por pesquisadoras que se veem desafiadas pelo exercício de análise de implicação e pelo exercício
da escrita de uma pesquisa produzida COM o Outro.
Amália é um povo; é multiplicidade. Difícil não se identificar com ela. Difícil, também, se identificar. Básica
e compleximente, ela é um dispositivo de análise. Através dela se fez possível contar os desafios do trabalhar,
seja no trabalho técnico, seja no trabalho de pesquisa.

Quem é Amália?
Seu verbo de ação é trabalhar. E é nesse verbo que ela insiste, pois constantemente é posta à prova tendo que
UHVSRQGHU¶RTXHpWUDEDOKDU"·¶FRPRVHWUDEDOKD"·¶TXDQGRVHWUDEDOKD"·(VVDpVXDGLQkPLFD
Enquanto responde a essa prova, Amália cria uma jurisprudência 3 própria que vai balizar suas decisões, que
são sempre locais e situadas. Sua jurisprudência se constrói baseada em seus trajetos, em sua história de vida
² no plano de imanência em que Amália opera. São decisões que estão para além do bem e do mal, decididos
nos momentos nos quais Amália é convocada a agir.
eSRVVtYHOGL]HUTXH$PiOLDpXPD´RSHUiULDQmRDOLHQDGDGRVSURFHVVRVGHSURGXomRµSRLVHVWiHPFRQVWDQWH
reflexão acerca das suas práticas e sempre buscando acompanhar as linhas de fuga do processo de trabalho.
Nisso, ela tem que lidar com o caos, pois não aceita as capturas categóricas despotencializadoras da ação.
Para lidar com o caos sem homogeneizá-lo e ainda existir nele, Amália cria apostas de vida e de existência.
Amália vai se constituindo, então, como uma criadora de conceitos: à medida que os problemas se
apresentam, ela procura forjar ferramentas e dispositivos para continuar a acreditar na vida neste mundo; para
continuar trabalhando. Ela não desiste da vida. Ela insiste, e insiste com a criação dos conceitos como
ferramentas para operar análises capazes de manter o fluxo de criação próprio da vida.
$PiOLD QmR p XPD ´SURILVVLRQDOµ HOD QmR WHP FDUWHLUD GH WUDEDOKR HOD QmR WHP GLSORPD HOD QmR WHP
HPSUHJR«0DV$PiOLDpXPDWUDEDOKDGRUD2TXHHQWmROHJLWLPDDDWXDomRGH$PiOLD"2TXHDUHVSDOGD
para definir o que é o trabalho e o trabalhar? São os desassossegos e as inquietações por ela vividos nesse
caos que são os mundos do trabalho, que a convocam a problematizar esses mundos

3 A jurisprudência é por Deleuze entendida como a criadora dos direitos porque está na imanência ² considera um
coletivo; é o coletivo que discute e decide, o que nos faz sair de uma ideia de direitos e passando para a ideia de política,
que é uma experimentação ativa, nunca sabendo de antemão o que vai acontecer (DELEUZE, 1992).

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 42


Amália se faz trabalhadora nessa sua relação com o trabalho ao problematizar, munindo-se de conceitos
frescos, oriundos dessa problematização, para operar na realidade. Amália faz o trabalho tanto quanto é feita
por ele. Como o nômade, ela é uma grande inovadora, pois, por estar sempre desassossegada com os
problemas dos mundos do trabalho, está carregada de potência de criação.
É a partir das problemáticas por ela levantadas e analisadas que Amália se vê capaz e potente em forjar as
ferramentas necessárias para transitar no caos. Por ser uma desterritorializada, Amália inventa modos de vida,
minto, modos de trabalho.
Amália lança seus conceitos-ferramentas às problemáticas que a desassossegam e esses são disparados como
flechas, provocando afecções nos corpos quando em contato com ela 4. Há a possibilidade desses corpos,
quando encontram Amália, seja através desta narrativa ou em suas respectivas rotinas e expedientes, estarem
blindados com a armadura de suas identidades: estudante, pesquisadora(dor), psicóloga(o), assistente social,
gestora(tor), professora(or)... Porém, Amália não pede licença; suas flechas não pedem passagem. Assim, fica
a questão: visto que as flechas de Amália serão lançadas, como elas afetarão? No que esses afetos
reverberarão? Ninguém sabe responder de antemão; nem a própria Amália.

Devir-Amália
Amália passa por mim e passa por você também. Arrisco-me a denominá-la como a própria ética: ela instiga
o pensamento.
Amália passa por que se vê trabalhadora, estudante de graduação ou recém-formada, pesquisadora que
enfrenta os desafios do pesquisar fora dos padrões que prezam por uma generalização e universalização dos
métodos e dos resultados, dos que pregam por uma neutralidade do pesquisador e suas ferramentas.
Podemos todos experimentar Amália; ela está aí, percorrendo as linhas de fuga presentes na realidade. Ela é
um devir. Devir é um vir a ser sabendo que nunca plenamente se será. Mas, cuidado, devir é jamais imitar.
Não conseguimos fingir tão bem ser bons trabalhadores como Amália. Devir não é, também, um vir a ser
outro, mas é o encontro com esse outro. Devir são os atos contidos numa vida, que é constituída por
encontros, ou núpcias.
Nas núpcias não se tem dois; não se tem um e outro; tem-se um encontro; um meio ou um interstício 5. No
devir não há passado nem futuro, pois não há um ponto de começo para se partir, nem um ponto de chegada:
no devir não há separação, dicotomia ² é uma núpcia. O devir é o entre... é como a grama: que brota entre as
outras coisas; o devir é um transbordamento 6.
Chamei de Amália esse devir que nos irrompe no trabalhar, que irrompe numa núpcia com o trabalho, a
exercitar o pensamento na produção dos conceitos e na lida com as problematizações, produzindo ética,
liberdade. É claro que a tentativa de dar nome próprio àquilo que não se nomeia é uma tentativa para lá de
arriscada. Mas, ainda sou regida pela Ciência da Linguagem, ainda uso as palavras como ferramentas e
unidades básica para me fazer entendível. Contudo, essa Ciência capturante pode ser sabotada com o auxílio

4 DELEUZE&GUATTARI, 2012.
5 DELEUZE, 1992.
6 DELEUZE, 1992.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 43


da narrativa, dos instrumentos de análise que são os conceitos, para poder contar desse devir que foi
produzido neste trabalho, um devir-amália.
Devir-amália: o experimentemos, pois. A produção desta narrativa é um dedinho de intuição de que há um
devir-amália em nós constantemente: na Rita, na Luísa, na Maria Elisa, na Teresa, na Mary, na Alice, na
Odina... e ela não pede passagem. Ela é a passagem.
Somos a todo tempo capturadas enquanto pesquisadoras, psicólogas, assistentes sociais, professoras, no
nosso trabalho. Mas, Amália está ali, presente nas linhas de fuga, abrindo desvios para desautomatizar o
trabalho, para os conflitos potentes cheios de debates e trocas, para um respirar fundo e seguir em frente.
Amália não sou eu nem você, mas ela passa por nós, entre nós. Às vezes atrapalhamos essa passagem. E se
muito atrapalhamos, mais somos machucados e quebrados pela sua passagem. Podemos sofrer com esses
machucados, mas sem eles não temos o novo, a diferença.
Saio ferida, com muitas marcas deste trabalho que foi ser uma escritora de narrativas. Algumas já são
cicatrizes, provando que há muito tempo Amália já vinha passando, mas eu a repelia, lutava contra suas
desterritorializações. Eu projetava a pesquisa e ela equivocava todas as minhas tentativas de pesquisar o
trabalho no CRAS. Mas a cada encontro de orientação, a cada encontro com as técnicas, ela resistia e insistia
² tal insistência foi o que permitiu um olhar em direção ao trabalho, olhar esse que a cada resistência fazia
perceber o trabalho como exercício de liberdade.
Sentia que era por uma obrigação que eu pesquisava. Era um sacrifício matinal levantar da cama para estar
no CRAS. Mas, assim o era, porque não era eu a pesquisadora, mas sim Amália. Era ela quem gritava em mim
GL]HQGR´YDPRVOiWHPRVTXHVHJXLUµ
Ouvi, outra vez, uma fala de Fuganti afirmando que o desejo é quem é o cartógrafo, somos apenas seus
aprendizes. Se isso for verdade, eu fui uma péssima aprendiz, porque muitas vezes tentei calar Amália e sua
insistência, atrasando minhas entregas de textos, adiando idas ao CRAS, entre outras formas de escapar de
qualquer deslocamento do meu lugar confortável de estudante ² quando este ainda não era por mim
compreendido também como trabalho.
Eu me lembro bem de como constantemente eu queria fazer Amália sumir, pois ela era imprevisível. É disso
que se trata um devir-amália: trata-se de um lance imprevisível nas práticas técnicas e teóricas do/no trabalho;
não sabemos no que vai dar nem quais sentidos serão produzidos. Amália não espera nada do mundo ou dos
mundos do trabalho. Ela os lança e depois pergunta: tem algum uso? Se sim, amém. Se não, recomecemos o
trabalho.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. Conversações. Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. vol. 5. Tradução de Peter Pál
Pelbart Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 2012.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 44


GT 3
Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 45


GT 3 (I) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Cartas para mim mesma

Nayara Elisa Costa da Conceição1


Lucia de Fátima Dinelli Estevinho2

Resumo:
Fotografia 1 ² Nayara em férias Fotografia 2 ² recado de aluno em blusa

Fonte: arquivo pessoal Fonte: arquivo pessoal

Conceição Evaristo fala que ela escreveu e escreve poemas como forma de suportar o racismo que ela sempre
enfrentou na vida, seja na adolescência ou na fase adulta. Escrever se torna, principalmente para meninas
negras, uma forma de desaguar todas as dúvidas e angústias de uma vida imersa na rejeição e no racismo. A
DXWRUDHPXPDHQWUHYLVWDSDUDRSRUWDO´&DWDULQDVµQRDQRGHGHVWDFDTXHHODVDELDTXHWLQKDDOJRGH
errado, que ela não tinha respostas para aquilo (racismo) que vivia, mas a escrita a ajudou a fugir dessa
realidade.
A vivência de Conceição Evaristo nas décadas, como 1950, 1960, se repete na vida da maioria de meninas
negras nesse país. Para mais ou para menos, a dor encontra o seu lugar através do racismo. Comigo, também
aconteceu. Nas duas imagens acima (acervo pessoal), temos, na primeira (fotografia 1), eu, uma menina negra
em férias, com o cabelo natural, preso, e um dos motivos de maior chacota e racismo que sofri na infância.
E na segunda foto (fotografia 2), um recado em uma blusa colegial minha, de um dos meninos que eu mais
sofri racismo na vida escolar.
Escrevo hoje, como diz Conceição Evaristo, para desaguar minhas angústias e minha dor encontrar potência
na forma literária e acadêmica. O escrever é o escrever-viver, escrever-VHU p D HVFUHYLYrQFLD ´$ QRVVD

1 Doutoranda em Educação (PPGED/UFU) e professora efetiva da rede estadual do estado de Goiás (SEDUC/GO).
E-mail: nayaraelisaconceicao@gmail.com
2 Mestrado e doutorado em Educação pela Unicamp, professora e pesquisadora do Instituto de Biologia e do Programa

de Pós-Graduação em Educação da UFU. E-mail: lestevinho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 46


escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-ORVGHVHXVVRQRVLQMXVWRVµ (YDULVWR
2021). É escrever para memorar, e deixar marcado, que mais dias ou menos dias, a oralidade e escrita de
mulheres negras irá reescrever a história desse país.
Escrevo para que essa menina da primeira foto encontre conforto na atual forma de ser e, que é bela sim, o
problema não estava nela e sim no olhar do branco. Frantz Fanon (2008), diz que no mundo branco, as
pessoas negras encontram dificuldades até para ter noção de seu próprio corpo. Conhecer e reconhecer seu
corpo é uma atividade de negação e uma atmosfera de incertezas paira ao redor desse corpo preto. Lendo
essas palavras, lembro-me de sensações horríveis e choros compulsivos por não ter um nariz fino, cabelo liso,
lábios menores, cor de pele mais clara. Lembro-me de verbalizar e indagar meus pais por que eles não casaram,
FDGDXPFRPXPDSHVVRDEUDQFDDVVLPHXWHULDXPFDEHOR´PHOKRUµ(RTXHD1HXVD6DQWRV6RXVD  
nos escurece3 WDPEpPpTXH´VHUQHJURpVHUYLROHQWDGRGHIRUPDFRQVWDQWHFRQWtQXDHFUXHOVHPSDXVDRX
repouso, por dupla injunção: a de encarnar o corpo e os ideais do Ego do sujeito branco e a de recusar, negar
HDQXODUDSUHVHQoDGRFRUSRQHJURµ S 
Quanto a tudo isso, a certeza é que fui violentada, como diz a autora Neusa Sousa, e um dos colegas de classe
que mais me fez sofrer, deixou o seu recado, por escrito, na minha blusa, no final do ano de 2001. E as
indagações são muitas: ele era também uma criança, por que praticava tanto racismo? Se ele sabia o que fazia,
por que continuava? Por que me pediu desculpas no final do ano? Tantos porquês, que talvez eu não tenha
DVUHVSRVWDV1mRVHLFRPRHVVDSHVVRDHVWiKRMHHPGLD4XHPpR´5LFDUGRµDWXDOPHQte? A certeza que
WHQKRpTXH´VDEHU-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em
suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a
experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-VHHPVXDVSRWHQFLDOLGDGHVµ 6DQWRVS
32).
Deixo aqui, no meu escrever, a possibilidade de resgate de mim mesma, de ressignificação de dororidades 4 e
DHVSHUDQoDGHYHU´VXEVWLWXLUPXOKHUHVQHJUDVFRPRREMHWRGHHVWXGRSRUPXOKHUHVQHJUDVFRQWDQGRVXD
SUySULDKLVWyULDµ ;DYLHUS

Referências bibliográficas preliminares:


EVARISTO, Conceição. Conceição Evaristo: A escrevivência das mulheres negras reconstrói a história brasileira.
Entrevista concedida a Morgani Guzzo. Catarinas. 28 de julho de 2021. Acesso em: https://catarinas.info/conceicao-
evaristo-a-escrevivencia-das-mulheres-negras-reconstroi-a-historia-brasileira/
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: UFBA. Tradução de Renato da Silveira. 2008.
PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Editora Nós. 2017.
SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 2ª edição. 1983.
XAVIER, Giovana. Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua
própria história. Rio de Janeiro: Malê, 2019.

3 Termo utilizado como opção pessoal da autora para indicar um contrapondo do termo ´HVFODUHFHUµ entendo que é um
termo colonial e historicamente racista.
4 Conceito feminista de Vilma Piedade (2017) que trata das dores que unem as mulheres negras para além do machismo.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 47


GT 3 (I) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Como não criar para si um corpo ruminante: explorando o processo


de generificação através da esquizoanálise

Joyce Rocha1

Resumo:
Em seu estado primordial, o corpo é, de acordo com Deleuze e Guattari, um corpo sem órgãos. Tal corpo
não é, como bem explicitam os autores, estritamente aquele que não tem órgãos, mas sim aquele que não tem
organismo. Quando falamos do corpo sem órgãos, estamos falando do marco-zero do inconsciente. Não pela
falta de algo, mas pelo fato de que nele não existem negativos, tornando-o, pRUWDQWR´VXSRUWHHVXSRVWRµGR
corpo pleno (DELEUZE, GUATTARI, 1995, p. 58). Trata-se de um lugar completamente preenchido por
multiplicidades. Indivisível e inalcançável. Que pode ser criado pontualmente mas nunca engessado e
estabilizado. Esse corpo, como estado inicial, passa por um processo de arborização, territorialização,
estratificação. Rizoma que se torna árvore-raiz, desterritorialização territorializada, multiplicidade viva
estratificada e hierarquizada.
Esse procedimento de estratificação é referido através de vários termos no decorrer da obra dos autores.
Aqui, o chamaremos de ruminação. Podemos dizer, ainda, que esse processo é equivalente, em um exercício
de associações, ao processo da morte. Os autoreVDILUPDP´RFRUSRVHPyUJmRVQmRpXPFRUSRPRUWRPDV
XPFRUSRYLYRHWmRYLYRHWmRIHUYLOKDQWHTXHHOHH[SXOVRXRRUJDQLVPRHVXDRUJDQL]DomRµ '(/(8=(
GUATTARI, 1995, p. 56). Infere-se pois que o processo reverso de ruminação é a perda da vida. Posto isso,
o que é possível encontrar do outro lado do processo de ruminação? Veja bem: o corpo ruminante, o corpo-
cadáver, multiplicidade enrijecida. Em analogia ao marco-zero podemos estabelecer o morto-vivo como o
ponto-um.
Identificamos claramente dentre a ruminação o processo de generificação dos corpos, através do qual o
JrQHURpIHLWR1HOHR´HXµDRTXDOLUHPRVQRVUHIHULUDSHQDVFRPR´FRUSRµSDUWLFLSDGHXPSURFHVVRGH
´ID]HUJrQHURµFRPRXWURVFRUSRVGHPDQHLUDDVer transformado e, em termos esquizoanalíticos, binarizado.
Esse evento é exemplar no caso de pessoas transsexuais, transgênero, travesti e não-binárias. A generificação
ocorre sem consentimento do corpo receptor, sendo assim um procedimento de imposição e estratificação
compulsória, poder-se-ia dizer violenta. Essa tentativa forçosa de expulsar o corpo de seu marco-zero, de
matá-lo, pelo menos no que concerne a sua identidade, é explicitamente coercitiva e não-opcional. Podemos

1 Joyce (Cris) Rocha é um aluno de 20 anos do quinto período no curso de ciências sociais da UFMG. Inicialmente
começou seus estudos superiores na Universidade Federal de Uberlândia, onde completou três períodos de sua
formação. O autor se interessou pelos estudos de filosofia do corpo e gênero devido a experiências com sua própria
identidade, através das quais se descobriu uma pessoa não-binária. Futuro pesquisador da área, ele também se interessa
pela escrita de textos não acadêmicos. E-mail: jocristinne44@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 48


observá-la no âmbito molecular, onde a generificação é sintomática, ou no âmbito molar, onde ela é
consciente. Isso significa que o processo de generificar um corpo, em uma das suas menores unidades de
medida, se trata de uma consequência do processo consciente de generificação molar, onde corpo deve se
UHIHULUDFRUSRVVRFLDLVDJUXSRVGHSHVVRDVHWDOYH]DXP´JrQHURµLQWHLUR
O fato de estarmos afirmando que o processo global de generificação se trata de uma ação consciente tem
diversas implicações. Frente a elas esta: ação de quem? com que propósito? A asserção de que a generificação
de corpos moleculares é sintomática também levanta questões. Quais as consequências dessa imposição ao
corpo? Como ele lida, ou deve lidar, com a sua própria morte? Para responder a essas indagações,
precisaremos nos iniciar na história da apropriação corporal feita pelo aparelho estatal, assim como trabalho
de luto e suas consequências dentro de um contexto psicanalítico.
Os corpos encontram-se, neste viés e em especial no caso de pessoas queer, incubidos com papéis de gênero
impostos de forma violenta. O corpo-vivo, vida fervilhante, jaz aqui, no corpo-morto, morto-vivo que não
sabe mais o que é ser livre para se expressar. Tais corpos não são enlutáveis, sua perda é sentida apenas por
si mesmos. Tanto o luto quanto a violência mostram a forma como somos postos fora de nós uns para os
outros. O luto, porque mostra que parte do nosso corpo era na verdade em parte feito do Outro, e a violência,
porque demonstra como estamos sujeitos aos outros (BUTLER, 2004). Essa afirmação se mostra mais
emblemática no encontro entre os dois. A saída dessa encruzilhada vem a partir do caráter inerentemente
não-interior do luto (DUNKER, 2023), ou seja, pelo fato que que o luto pode ser compartilhado com pessoas
que não experienciaram a perda, mesmo que ela seja por um corpo que nunca existiu. Ela pode se tornar em
um movimento, em uma luta política, em uma linha de fuga. O luto que é sentido pela violência oriunda de
outrem pode ser, assim, potencializado, transmutado em luta, em contracorrente.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995.
ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição. São Paulo: Editora 34, 2018.
BUTLER, Judith. Desfazendo gênero. São Paulo: Editora Unesp, 2022.
DUNKER, Christian. Lutos finitos e infinitos. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2023.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 49


GT 3 (I) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Ecofeminismo como meio para fugir de leituras de gênero binárias


da natureza: a (hétero)sexualidade das plantas

Keyme Gomes Lourenço1


Marcos Allan da Silva Linhares2
Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho3

Resumo:
Este trabalho busca tecer inquietamentos que afloram a partir de uma experimentação teórica que busca
pensar com as plantas histórias outras para elas numa perspectiva ecofeminista. Muitas questões nos
atravessaram e nos fizeram perceber que existem epistemologias de pesquisas botânicas que colocam as
plantas num local de objeto e as relacionam indiscretamente com questões da sexualidade humana.
Nós como folhas, somos húmus, galhos, manta de rizoma que penetra pelo solo, somos também plantas,
´DILQDOGHFRQWDVpVHPSUHDHUYDTXHPGL]D~OWLPDSDODYUDµ '(/(8=(*8$77$5,S 0DV
não essas daí. Essas daí foram uma criação, uma invenção de mal gosto. Desde que os homens brancos da
ciência ocidentais começaram a falar das plantas, a botânica vem sendo infundida com sexualidade e gênero.
Sexualidade e gênero na tradução e tradição deles, sem elas, sem elus, sem elos.
As nomeclaturices relacionadas às questões de gênero atribuídas às plantas e aos animais ganharam força do
séc.XVIII até o presente momento. A afirmação de Linnaeus de que as plantas tinham vaginas e pênis e
reproduziam em leitos conjugais, ocorria em concomitante ao movimento da sociedade ocidental que ia se
modernizando também em torno das noções de masculinidade e feminilidade. Toda uma noção fóbica com
os outros entenderes sobre corpo ia enraizando tanto nas ciências botânicas, quanto na moldura da sociedade.
Mas, esse movimento não foi um movimento natural, não há por que algo ser tecido no manto da história
como verdade eterna de mundo. Ao longo da construção da ciência botânica no séc.XVIII, os gêneros, as
sexualidades e os corpos, e as representações ideológicas da época desses dispositivos, moldaram como foi
se desenvolvendo a nomenclatura e a nossa relação com as plantas. Mesmo a botânica tendo sido considerada
coisa de mulher por muito tempo, e serem elas principalmente quem coletavam as plantas, secavam e
preparavam ilustrações para publicação, foram os homens europeus quem descreveram e deram nome para
os vegetais.

1 Mestre e Doutorandv do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia


(FACED/UFU). Bolsista CAPES. E-mail keymelourenco@gmail.com
2 Marcos Allan da Silva Linhares - Mestre em Educação em Ciências e Matemáticas (PPGECM/UFPA). Doutorando

em Educação (PPGED/UFU). Bolsista CAPES. E-mail: marcosallan.18@gmail.com


3 Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho - Mestrado e doutorado em Educação pela UNICAMP, professora e pesquisadora

do Instituto de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFU. E-mail: lestevinho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 50


Agora não mais. Tem umas plantas, como nós, que jardinam uma botânica decolonial, crescem nas frestas,
nem machos, nem fêmeas, nem ovários, não tem crescimento controlado, não se curva a reis 4, nem abelhas-
rainhas.
As correntes ecofeministas que surgem no final da década de 1960, vão de encontro a questão da
nomenclatura masculina na ciência a fim de desembaçar essa história. Tais teorias buscam explorar as origens
e os vínculos políticos, sociais e culturais das noções de natureza, relacionada a desenfreada vontade masculina
de exploração e domínio. Desejando subverter essa noção, reivindicando mudanças nos modelos opressores
políticos e culturais que se fundamentam nela.
Quem primeiro descreveu, desenhou e interagiu com as partes florais foram os e as artistas do renascimento
ERWkQLFR TXH RFRUUHX QR VpF;9, 1DTXHOH SULPHLUR ´JORVViULRµ HODERUDGR SHORV DUWLVWDV-pesquisadores,
questões de gênero e sexualidade não apareceram na nomenclatura, as partes florais foram relacionadas ao
fio da urdidura de um tecido (estame) e ao formato de pilão (pistilo). Uma nomenclatura vinculada ao
trabalho/artesanato.
Hoje todos nós sabemos que muitas plantas se reproduzem sexualmente e suas partes florais são conhecidas
FRPR´PDVFXOLQDVµH´IHPLQLQDVµ0DVRTXHVLJQLILFDFKDPDUXPDSODQWDGHIrPHDRXPDFKR"6HJXQGR
Schiebinger (1996), os botânicos distinguiam certas partes das plantas como masculinas e femininas, sem nem
bem saber a razão. Apenas para ter o prestígio de reivindicar para si descoberta, e para validarem seus
conhecimentos gênerificaram e sexualizaram o que viram pela frente. As questões que trazemos do fundo
com o ecofeminismo é se as mulheres e outres gêneros fossem as taxonomistas botânicas do séc.XVIII, os
debates sobre a sexualidade das plantas teriam sido diferentes?
Quem faz a ciência afeta o tipo de ciência que é feita. A questão que propomos é avaliar como o conhecimento
IRLPROGDGRKLVWRULFDPHQWHVREUHXPROKDUGRPDFKLVPRHSDWULDUFDGRHURPSHUWUDWDGRVWUDLURVULWRVµ
(S&M, 1973). Refazer e reconstruir cada menor prática corrompida e irrompê-las com a potência de uma
produção ecofeminista. Decolonizá-la. Reconhecendo que a cultura ocidental é altamente centrada nas
questões de gênero binária e modulam todo tipo de artificio para poder penetrar essa compulsividade
heteronormativa em cada epistemologia que devorara.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 1 /Tradução de Ana Lúcia de
Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
SCHIEBINGER, Londa. Gender and natural history. In: JARDINE, Nicholas; SECORD, James A; SPARY, Emma
Ǟ. (org.). Cultures of natural history. 1. ed. Cambridge University Press: Canbridge, 1996. p. 163-178.
SECOS E MOLHADOS. Secos e Molhados. Sangue Latino (João Ricardo e Paulinho Mendonça). Universal, 1973.

4 As plantas não foram os únicos seres que sofreram antropomorfismo equivocado por parte dos cientistas. Podemos
notar a influência que o gênero exerceu em outras definições elaboradas no séc. XVIII sustentadas até os dias de hoje
como na sexagem das abelhas. Em sua pesquisa Jeffrey Merrick (1989) demonstra que desde a época de Aristóteles
até meados do século XVIII os naturalistas falavam de ´DEHOKD GRPLQDQWHµ e a definiam como a abelha-rei, mesmo
sendo esses ´UHLVµ quem dava à luz a abelhas filhas. Mesmo depois de terem reconhecido e relacionado a genitália da
abelha-rei como ´IHPLQLQDµ os naturalistas, como comenta Merrick (1989), persistiram no argumento de que o
governante de uma colmeia deveria ser um rei e não uma rainha.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 51


MERRICK, Jeffrey. Royal Bees: The Gender Politics of the Beehive in Early Modern Europe. Studies in Eighteenth-
Century Culture, Johns Hopkins University Press, v. 18, n. 1, p. 7-37, 1989. Disponível em:
http://doi.org/10.1353/sec.1989.0003 Acesso: 20/09.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 52


GT 3 (I) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Narrativas inf(l)amantes: mulheres gordas e o ativismo cotidiano

Joana Falk Zanello1

Resumo:
Esse projeto de iniciação científica em andamento visa compreender os processos históricos que se atualizam
na contemporaneidade que produzem a subjetividade da mulher gorda. Por mais que todos estejam
vulneráveis a experimentar as pressões gordofóbicas da era da do culto à magreza, ao evocarmos a mulher
gorda, nos referimos àquela que tem sua existência enquanto infâmia (FOUCAULT, 2003). As narrativas
infames são aquelas que são unicamente lembradas pelo que foi dito e registrado sobre sua existência no
encontro com o poder, se chocando com ele, debatendo-se e tentando resistir às suas armadilhas. Trata-se de
histórias tão pouco memoráveis ou inspiradoras, mas que ganham visibilidade a partir do momento em que
são objetos da maquinaria pública, da intervenção dos processos médico-pedagógicos e da moral. A mulher
gorda é essa personagem, que não é ouvida, mas que ecoa em todos os cantos, não protagoniza narrativas
heroicas, mas mantém uma fama, são recordadas em meio a registros de prontuário e também não saem do
imaginário cotidiano e do gozo social dos falatórios e rumores. Sua existência aparece justamente por ser o
desvio do que se espera dela, em um emblemático e trágico confronto duplo com a opressão da biopolítica e
do poder do patriarcado.
Nesse sentido, propomos uma minuciosa análise do poder que incide sobre essas mulheres, e interseccionaliza
a falta de acessibilidade física dos espaços, a patologização e opressão de gênero, além de considerar quando
essas violências são associadas ainda ao racismo, no que tange às mulheres gordas negras. Para isso, em
primeira instância, resgatamos o pensamento de Foucault (1986), que, ao discorrer sobre o poder disciplinar
e os corpos dóceis, aponta que a história dos espaços é a história dos poderes, o ambiente nunca está dado à
priori, é sempre uma produção política. Assim, afirmamos que as estruturas dos ambientes públicos e
vestuários, que impedem essas pessoas de circularem livremente e experimentarem a moda, não são meras
negligência ou descuido, mas dispositivos das relações de poder, visando o governo do sujeito e nomear quem
pode existir nesses lugares. É no contexto da biopolítica, com os conceitos de risco e expectativa de vida, que
corpos gordos ganham também seu aspecto de doença, atribuindo a nobre tarefa terapêutica de curar ao saber
médico. O corpo era associado ao deixar-se levar pelos excessos, adquirindo um caráter de desvio moral
(SANTOLIN; RIGO, 2015). Ainda, marcando sob a mulher o eixo da violência de gênero, Zanello (2018)
cunhou a mHWiIRUDGD´3UDWHOHLUDGR$PRUµSDUDGHVLJQDURVHQWLPHQWRGHGLVSXWDHQWUHDVPXOKHUHVGROXJDU
privilegiado da atenção pelos homens, em que ser escolhida legítima e dá sentido a sua vida. O capital

1 Graduanda e pesquisadora voluntária, pelo Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC), no curso
de Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: joana.zanello@edu.ufes.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 53


matrimonial com a ordem higiênica e moral e o consequente crescimento da indústria da beleza, passou a ser
regido pelo ideal de magreza e juventude, além de branco e louro. Quanto mais longe do padrão posto, mais
vulnerável a autoestima da mulher está. Assim, as mulheres gordas são subjetivadas para ter menos valor na
prateleira, o que traz profundas consequências em suas vidas, principalmente quando interseccionalizada com
violências raciais às mulheres gordas negras.
6HQGRDVVLPHQWHQGHQGRTXHWRGDWHUPLQRORJLDpVHPSUHSURYLVyULDHSROtWLFDXWLOL]DPRVRWHUPR´JRUGDµ
de forma proposital. Nem obesa, nem plus size, a mulher gorda é a resistência política de afirmação corporal
e combate ao estigma, reivindicando o poder de transvalorar o termo enquanto uma característica degradante.
Depois, então, de um minucioso trabalho de destrinchar alguns dos processos históricos que engendram a
posição simbólica que sustenta a mulher gorda como doente, desleixada ou fracassada no amor, este trabalho
em andamento pretende investigar o ativismo cotidiano de mulheres gordas nas plataformas digitais,
buscando o encontro com suas narrativas inflamantes (BIERHALS;COSTA, 2019): aquelas que recusam seu
lugar de infâmia, fazendo de seu corpo uma estratégia política de reivindicação de direitos e ressignificação
simbólica. Inspirados no conceito de cartografia (KASTRUP; PASSOS, 2013), tomando como caminho
metodológico o que cunhamos de cartografia digital, objetiva-se tecer suas narrativas e processos de
subjetivação que produzem efeitos e afetos, a fim de elencar e compreender os modos pelos quais as mídias
sociais podem potencializar transformações na visão hegemônica e normativa que incide sobre os corpos
gordos, buscando possibilidades de resistência e (re)existência dessas subjetividades.

Referências bibliográficas preliminares:


BIERHALS, R. R; COSTA, L. B. da. As vidas das mulheres infames: biografemas e escrita de outras histórias em
políticas públicas. 2019. Mnemosine. Vol.15, nº1, p. 157-176 ² Parte Especial B - Artigos. Departamento de
Psicologia Social e Institucional/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2019.
FOUCAULT, M. A vida dos homens infames. In: ___. Estratégia, poder-saber. Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2003. p. 203-222. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5738282/mod_resource/content/1/Foucault_Michel._A_vida_dos_ho
mens_infam.pdf> Acesso em: 03 de jun. 2022.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1986.
KASTRUP; V.; PASSOS. E. Cartografar é traçar um plano comum. Fractal : Revista de Psicologia, v. 25, n. 2, p. 263-
280, ago. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1984-02922013000200004. Acesso em: 17 jun. 2023.
SANTOLIN, C. B.; RIGO, L. C. O NASCIMENTO DO DISCURSO PATOLOGIZANTE DA OBESIDADE.
Movimento, [S. l.], v. 21, n. 1, p. 81²94, 2015. DOI: 10.22456/1982-8918.46172. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/46172. Acesso em: 17 jun. 2023.
ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 54


GT 3 (I) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

O futuro ancestral chegando como flecha

Michele Bruna Costa Ramos1


Lucia de Fatima Dinelli Estevinho2

Resumo:
Há quem diga que o futuro será novo e tecnológico, não precisará de tantas profissões. Mas quem garante
que isso tudo é inovação? Há entrelinhas de um passado e presente que estará contido em um futuro que se
aproxima a cada segundo. A conexão chega como correnteza, trazendo memórias através de sentidos e
necessidade. A dificuldade está justamente em interpretar que somos natureza e dela somos, tudo que fazemos
interfere e nos atravessa. Hoje temos, amanhã seremos, ou perderemos. A ganância em abandonar o que já
se foi, o natural e, às vezes, reconstruir para venda como vintage, supera qualquer pequena vontade de ouvir
seu corpo e os ensinamentos ancestrais. Se observarmos um rio veremos que há uma direção, e nela se leva
muitos fragmentos de onde se passou. Resquícios de uma chuva, um deslizamento, de ventos, flora e frutos,
peixes, outros animais que precisam do rio, vida; a correnteza carrega vida. Existência essa em abundância,
que não mede esforços para vencer o mundo em ruínas. Parece até que corre em contramão diante de toda
essa atrocidade que se tem contra a terra-7HUUD ´6HPSUH HVWLYHPRV SHUWR GD iJXD PDV SDUHFH TXH
DSUHQGHPRVPXLWRSRXFRFRPDIDODGRVULRVµ .UHQDNS ,JQRUDPRVQRVVDKLVWyULDHRTXHQRVVRV
ancestrais aprenderam e passaram por gerações; ignoramos que somos por eles, mas continuamos a executar
certas peculiaridades como feitos próprios e/ou renovação, às vezes indo além, pela ignorância olhando uma
tela e dizendo que foi um influencer que ensinou algo que você já sabia. Isso inclui culinária, cultura e
sentimentos. Um saber que vem de dentro, memórias marcadas em nosso DNA. Não se valoriza tanto os
ensinamentos trazidos do outro lado do Atlântico, a sobrevivência em navios negreiros; a medicina e os
cuidados, a maneira de olhar e se enxergar como natureza dos povos originários que aqui já estavam e foram
também, massacrados pelos colonizadores. Não se reconhecem em suas histórias, marcas e declínio. Somos
uma metamorfose de tudo e de todos.as, uma quimera que une tanta ancestralidade e memória quanto um
PRVDLFRHQFRQWUDGRHP0DGDED-RUGkQLD´eMXVWDPHQWHQHVVHFRUUHGRUTXHLQGLYtGXRHVSpFLHHSODQHWD
podem comunicar-se e metamorfosear-VHXQVQRVRXWURV«2XPELJRPDUFDQRVVDOLJDomRFRPD7HUUDH
com todos os seres vivos, HQmRDSHQDVFRPRFRUSRGHQRVVDPmH«6HPSUHQDVFHPRVGHXPRXWURFRUSR
pH[DWDPHQWHLVVRTXHFKDPDPRVGHQDWXUH]D«1DVFHUpSRUWDQWRVHUQDWXUH]DHFKDPDPRVGHQDWXUH]DR
PRGRGHVHUGHWXGRRTXHQDVFHX«µ &2&&,$S 3RUTXHHQWmRQmRROKDmos para o futuro de

1 Graduanda em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail:


michelebrunacramos@gmail.com
2 Mestrado e doutorado em Educação pela UNICAMP, professora e pesquisadora do Instituto de Biologia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFU. E-mail: lestevinho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 55


maneira ancestral? Por que não nos vemos parte integrante de Gaia? À medida que isso dificulta e se distancia
de nossa humanidade mais complicado ficará para termos medidas de proteção, para nossa natureza, e mais
perto do fim de nossa espécie estaremos. O Antropoceno cresce e pergunto: até quando vamos continuar a
explorar os recursos ao ponto da estupidez, achando que se renovam em um piscar de olhos e que somos
imortais? Seria a máquina a vapor o início e a grande responsável? Na verdade, nós humanos precisamos nos
responsabilizar e encarar velhos hábitos. Pensamos no instrumento arco e flecha, a sociologia e a filosofia
ocidentais frequentemente subestimam a complexidade das relações entre os povos originários e seus
ambientes naturais. Para essas comunidades, o arco e flecha não apenas fornece sustento, mas também
representa uma ligação espiritual profunda com a terra, os animais e os ciclos da vida. É um instrumento que
exige habilidade, conhecimento e respeito, e seu uso é permeado por rituais e cerimônias que refletem a
profunda interconexão entre os seres humanos e o mundo natural. Compreendemos que o ato de usar o arco
e flecha transcende a mera busca por alimento, sendo também uma expressão de respeito pelo equilíbrio da
natureza e uma manifestação da espiritualidade intrínseca à sua cosmovisão. Sejamos como flechas mirando
no futuro com uma visão ancestral e manifestando valores, costumes, memórias e marcas em nossos corpos.
O futuro com certeza é ancestral e não devemos repudiar essa ideia.

Referências bibliográficas preliminares:


COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2020.
COLETIVO SELVAGEM. Flecha 3 - Metamorfose. 2021. Disponível em:
https://youtu.be/Q2IS8YhphHw?si=C3H8ddC0H5Pa4J3G. Acesso em: 21 de setembro de 2023.
COLETIVO SELVAGEM. Flecha 7 - A fera e a esfera. 2022. Disponível em:
https://youtu.be/OZ92ernZsKk?si=89vapcXv-B1idAM_. Acesso em: 21 de setembro de 2023.
KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 56


GT 3 (II) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Arrastões subjetivos na vida contemporânea: conexões entre o


social e a clínica

Vanessa Visokas Wiezel1


Sonia Regina Vargas Mansano2

Resumo:
Pesquisar a produção de subjetividades na contemporaneidade é um desafio colocado a todas as áreas do
conhecimento e, em especial para as Ciências Humanas. A presente pesquisa teve por objetivo conhecer e
analisar como a vida, organizada em valores capitalísticos, depara-se inevitavelmente com o que chamamos
DTXLGH´DUUDVW}HVQDH[LVWrQFLDµRVTXDLVSRGHPYLUDSURYRFDUUXSWXUDVHDOLDQoDFRPWDLVYDORUHVHVXDV
políticas de subjetivação. Questionamos neste estudo se a qualidade abrupta com que eles irrompem no
cotidiano e produzem efeitos no corpo poderia desencadear um exercício de pensamento sobre as políticas
de subjetivação vigentes e aquelas que podem ser inventadas. Assim, consideramos que a vida contemporânea
encontra-se, em larga medida, saqueada pelas políticas de subjetivação capitalistas que exploram, além da
força corporal, aspectos afetivos, desejantes e relacionais da população. Pode-se dizer que os arrastões
subjetivos perturbam essa exploração, gerando efeitos imprevisíveis que ora ganham contornos restritivos à
exploração colocando em curso modos plurais de se conectar ao mundo, ora são incentivadores das mesmas,
docilizando os corpos e intensificando a sua exploração. Em larga medida, os pressupostos da subjetividade
capitalística podem vir a ser dominantes e reger alguns corpos que aderem de maneira mais significativa a
valores como competitividade, velocidade e acúmulo amplamente disseminados no social. Porém, seus
traçados não são soberanos diante da força da pluralidade da vida e das expressões de desejo. Assim, tomamos
os arrastões como um analisador das relações afetivas, dos encontros sociais e dos modos de vida ora em
curso. Metodologicamente, adotou-se uma perspectiva qualitativa com a estratégia documental na qual foram
selecionados dois casos de mulheres brasileiras que se depararam com o que denominados arrastões e
descreveram suas histórias em documentos de domínio público. Consideramos que a pesquisa qualitativa
coopera para conhecer e analisar os arrastões-acontecimentos em meio ao cenário contemporâneo marcado
por experiências de vida que nem sempre são visíveis quando tendem a escapar dos valores dominantes das

1 Graduada em Psicologia pela UEL em 2018. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia Social da
Universidade Estadual de Londrina. Nascida na cidade de Campinas-SP, crescida na cidade de Americana-SP.
Atualmente se aprofundando nos estudos da produção de subjetividades, suas políticas de subjetivação e implicações
micropolíticas e exercendo prática clínica em consultório na cidade de Londrina-PR. Trajetória de pesquisa e vivência
clínica anterior ao mestrado baseada em estudos das áreas de Psicanálise de Freud a Lacan e em Psicologia Clínica do
trabalho pela vertente da clínica da atividade de Yves Clot, experiência em chão de fábrica e encontros em grupos de
trabalho e pesquisa. E-mail: vanvwiezel@gmail.com
2 Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Departamento de Psicologia Social e Institucional da
Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. E-mail: mansano@uel.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 57


subjetividades capitalísticas e manifestar outras expressões de desejo. Como resultado, os depoimentos deram
visibilidade a alguns efeitos dos arrastões: 1. Considerar a relevância de compartilhar experiências nas quais
são possíveis buscar outras alternativas de vida ante as adversidades e exclusões capitalistas, desnaturalizando
sua soberania; 2. Analisar como o corpo pode ganhar uma dimensão sensível e desejante em meio às
exigências de produção obediente e das estratégias de exclusão, abrindo possibilidades para descolonizar o
inconsciente das artimanhas capitalísticas; 3. Atentar para o quanto as experiências vividas podem ser
disparadoras para pensar a própria existência e seus contornos afetivos; 4. Estar aberto para detectar aquilo
que as experiências arrastões trazem para pensar a clínica e se implicar com a força dos arrastões. Como
conclusão parcial, indicamos a relevância de construir uma sensibilidade clínica frente ao que acontece de
modo abrupto na vida e na sociedade, arrastando as existências para caminhos anteriormente não pensados
ou considerados. Percorrer tais experiências e as questões por elas geradas permite acessar as intensidades da
vida contemporânea, discutindo e fomentando discussões acerca da força dos arrastões e suas possibilidades
de gerar mudanças. Como os arrastões acontecem em complexas vias, cabe à prática clínica estar sensível
àquilo que arrasta, que é arrastado e que aciona processos ativos do desejo enquanto potência de viver.

Referências bibliográficas preliminares:


BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação.
11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
FUGANTI, Luiz. 28 pílulas para aprender a pensar: Aprendendo a pensar: quem pensa em nós. 1. ed. São Paulo:
Mojo.org, 2021.
LAZZARATO, Maurizio. O Governo do Homem Endividado. Trad. D. P. P., Costa. São Paulo: n-1 edições, 2017.
MACHADO, Ana Brasil; SANTOS, Mariana de Oliveira. O arrastão vai à praia: gentes, redes e visibilidades no
balneário carioca. Confins. Revue franco-brésilienne de géographie/Revista franco-brasilera de geografia, n.
39, 2019.
MANSANO, Sonia Regina Vargas; DE CARVALHO, Paulo Roberto. A Colonização dos Corpos e dos Afetos pelo
Capitalismo: Um Debate Necessário. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 22, n. 3, p. 1062-1080, 2022.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: Transformações contemporâneas do desejo. 2. ed. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2006.
ROLNIK, Suely. Pensamento, corpo e devir. Uma perspectiva ético/estético/política no trabalho
acadêmico. Cadernos de subjetividade, v. 1, n. 2, p. 241-252, 1993.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2.ed. São Pailo: n-1 edições, 2018.
ROLNIK, Suely; GUATTARI, Félix. Micropolítica: cartografias do desejo. 12.ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
SANTOS, Milton. Por uma Outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2001.
SCHIAVON, João Perci. Pagmatismo pulsional: clínica psicanalítica. In. Núcleo de Estudos e Pesquisas da
Subjetividade Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. (org.). Cadernos de subjetividade. São Paulo, 2010.
SCHIAVON, João Perci. A imanência analítica. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, v. 21, p. 116-126, 2018.
SOUSANIS, Nick. Desaplanar. Trad. Érico Assis. São Paulo: Veneta, 2015.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 58


GT 3 (II) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Cartografia aos tropeços

Raquel Guerreiro1

Resumo:
Escrevo de dentro da experiência de me movimentar com a deficiência. Calço esse tema, pois é também a
deficiência que me leva a me movimentar. Desde quando ela me acompanha, já fomos muitas. O encontro
com a deficiência me atiçou o desejo de buscar a ampliação de seus sentidos, já que aqueles que eu conhecia
eram incapazes de aumentar a potência de agir. De início, não foi um bom encontro. Contudo, Espinosa
afirma que a razão, em seu pensamento, é a arte de organizar bons encontros. Seria preciso olhar para a
deficiência de outros modos. Isso exigia engajamento, movimento e abertura ao reposicionamento.
Este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir a metodologia da pesquisa criada para a tese Fazer um
corpo todo de escuta: uma travessia existencial, defendida em dezembro de 2021 no Programa de Psicologia Social
e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e que tem como tema a deficiência.
O método da Cartografia aos tropeços foi criado com base no Método da Cartografia, proposto por Deleuze
e Guattari (1995) e desenvolvido por Rolnik (2011) e por Passos, Kastrup e Escóssia (2009). A cartografia é
uma pesquisa-intervenção que envolve o acompanhamento de processos, a emergência de problemas de
pesquisa em campo e trata o conhecimento como algo que é produzido coletivamente. Na Cartografia aos
tropeços, entende-se que o tropeço é um gesto corporal que, ao mesmo tempo que desestabiliza o
caminhante, abre novas possibilidades pelo desvio, pelo acaso e pela surpresa do encontro com o inesperado.
Ao escolher um tema de pesquisa que envolve a própria vida, busquei fazer com que a deficiência não ficasse
reduzida somente ao objeto, mas fosse incorporada também à metodologia da pesquisa.
Para a apresentação, utilizo uma sequência de fotografias (projetadas em slides) produzidas em um exercício
de experimentação inspirado no método das pegadas (Méthode des empreintes) realizado por Gilles de La
Tourette, por volta de 1885, para a investigação de doenças do sistema nervoso e descrito por Agambem no
ensaio Notas sobre o gesto (2008). Com isso, não buscava dar significação ao tropeço, mas dar a ver alguns
mínimos gestos da linguagem do meu corpo e pensá-los enquanto gestos encarnados que possuem potência
de fazer operar o pensamento.
Com Donna Haraway (1995), sustento uma pesquisa corporificada, composta pela visão (que é a metáfora
TXHHODXVD GHFRUSRVPDUFDGRVHQmRGHXP´FRQTXLVWDGRUTXHQmRYHPGHOXJDUQHQKXPµ +$5$:$<
1995, p.18), contribuindo para a produção do conhecimento situado, localizado. Faço da minha deficiência

1 Doutora em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora
substituta no Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). E-mail: raquel.guerreiro.psi@gmail.com ou quelpapel@hotmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 59


um caminho. Opto pelos desvios. E pretendo compartilhar aqui os passos cambaleantes dessa travessia
existencial, que é corporal e também intelectual, de pesquisa-pensamento.O que tem me movido junto à
deficiência, além das questões que ela me coloca, é a sensação de pensar a partir dos pés, ao pisar e mesmo
ao tropeçar. Foi preciso criar um método que levasse em conta o vivo do movimento com a deficiência, seus
gestos e modos singulares de mover. É quando sujo a pesquisa com o meu corpo e seus gestos, que passo a
aceitar o tropeço enquanto estratégia de produção de conhecimento e abro-me para sua função-pesquisante.
O tropeço não me impede de me movimentar. Pelo contrário, ele fez e faz com que eu me movimente em
composição com a deficiência. Quando assumo o tropeço como um modo singular de experiência, ele se
torna parte fundamental da pesquisa. E foi literalmente aos tropeços que minha pesquisa foi realizada.

Referências bibliográficas preliminares:


AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o gesto. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Artefilosofia, Ouro Preto, v. 3, n. 4,
jan. 2008.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1995. v. 1.
DELEUZE, Gilles. Critique et clinique. Paris: Les Éditions de Minuit, 2010.
GUERREIRO, Raquel. Fazer um corpo todo de escuta: uma travessia existencial. Tese de Doutorado. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial.
Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773.
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
PRIGOGINE, Ilya. Dos relógios às nuvens. In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996b. p. 257-269.
PRIGOGINE, Ilya. O fim da ciência? In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996a. p. 25-40.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2011.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 60


GT 3 (II) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Forró: um dispositivo estético-político como modo de resistência


dos migrantes nordestinos no Rio de Janeiro

Isabela Alves Diógenes1


João Batista Ferreira (orientador)2

Resumo:
2 SUHVHQWH WUDEDOKR p IUXWR GD SDUWLFLSDomR EROVLVWD 3,%,&&13T QR SURMHWR ´2 DWR GH FULDomR FRPR
operador ético-SROtWLFRµYLQFXODGRDR1~FOHR7UDEDOKR9LYR - IP-PPGP-UFRJ. Partindo da proposta do
projeto, cuja intenção é investigar o ato de criação como operador ético-político de afirmação dos direitos de
existência, é com particular interesse por suas ressonâncias nas práticas artísticas que esta pesquisa busca
investigar o forró como prática de resistência de migrantes nordestinos na cidade do Rio de Janeiro.
Assim, o objetivo desta pesquisa é mapear linhas de força que compõem a experiência estético-política do
forró, partindo da hipótese de que ele pode intensificar afetos relacionados às experiências sensíveis do real
e potencializar modos de subjetivação em resistência às dominações e em defesa de direitos à vida digna. Por
conseguinte, no exercício de desenhar um mapa dessas linhas, é a cartografia que emerge como método para
acompanhar tais processos heterogêneos e estabelecer uma prática de pesquisa com. Como referencial teórico
principal utilizo a psicologia e clínica das formas de vida (FERREIRA, 2020, 2022), abordagem transdisciplinar que
articula referências da filosofia (política e da diferença), esquizoanálise e psicologia social.
Para situar esta proposição, segundo Albuquerque Júnior (2011), foi através da figura paradigmática de Luiz
Gonzaga que este gênero musical tornou-se intrinsecamente associado ao Nordeste, com uma produção
dirigida principalmente ao migrante nordestino radicado no sul do país. Tal movimento migratório é marcado
por diversos obstáculos para a inserção desse grupo na vida metropolitana sudestina, permeada por violências
de movimentos xenofóbicos e racistas, condições de trabalho precárias e mal remuneradas (GOMES, 2011),
entre outras questões que caracterizam uma sobrevivência desqualificada (FERREIRA, 2020). No entanto, a
WHQWDWLYDGHSURGXomRGHXPDSUiWLFDPXVLFDOTXHHVWDEHOHoDXPD´LGHQWLGDGHUHJLRQDOµSULQFLSDOPHQWHSDUD
um território múltiplo como o Nordeste, é necessariamente fundada na minimização de certos modos de
existência que escapam da norma estabelecida (ZAIATZ; OLIVEIRA JÚNIOR, 2018). Nesse sentido,

1 Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista PIBIC/CNPq do projeto "O ato de
criação como operador ético-político", vinculado ao Núcleo Trabalho Vivo. Estagiária em clínica orientada pela
abordagem transdisciplinar da clínica das formas de vida. Interessada pelos estudos transdisciplinares da subjetividade nas
práticas artísticas e na clínica a partir de uma perspectiva ético-estético-política. E-mail: isabela.a.diogenes@gmail.com
2 Professor Associado e Pesquisador Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e da Graduação em

Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutorado em Filosofia pela Université Paris 1 Panthéon-
Sorbonne. Doutorado e mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília. Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da UFRJ. E-mail: ferreira.jb@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 61


verificam-se reterritorializações conservadoras da subjetividade (GUATTARI, 1992), a partir da construção
de uma noção de nordestinidade amparada na cisheteronormatividade, em especial na masculinidade
associada à virilidade e valentia - presente no ideal de cabra-macho - resultantes de um campo de forças em que
o patriarcalismo e o conservadorismo predominam (OLIVEIRA JÚNIOR, 2020).
Não obstante, da mesma maneira que o forró se configura como um campo de disputas em relação ao seu
próprio estilo - o que se verifica na ruptura marcante do forró eletrônico - o discurso e performance de gênero
na produção forrozeira também vem sendo marcados por dissidências que provocam aberturas para novos
sentidos. Assim, propondo experiências de ruptura com as normas de gênero enrijecidas e nordestinidades
estereotipadas que instrumentalizam capturas de vida, temos o artivismo recente que vem acontecendo no
estilo, no sentido de uma produção artística como modo de resistência. Como exemplo, os artivistas Getúlio
Abelha e Pedra Homem apresentam produções performáticas que desestabilizam identidades nordestinas e
de gênero ao expressá-las de maneira flexível - como na evocação do cabra-fêmea feita por Pedra - construindo
visualidades e dizibilidades fundamentadas numa micropolítica da diferença. (ZAIATZ; OLIVEIRA
JÚNIOR, 2018)
Dessa forma, proponho a compreensão dessa prática musical enquanto uma produção discursiva, rítmica,
imagética e gestual que se constitui como dispositivo (AGAMBEN, 2009), ou seja, como a rede que se
estabelece entre esses elementos e implica processos de subjetivação. Assim, aposto na experiência estético-
política do forró como possibilidade enfrentamento das normatividades pautadas em lógicas de dominação e
discriminação étnica, predominantes na sociedade capitalística em que vivemos, ao colocar em movimento
circuitos de afetos paralisados pelo medo e violência (FERREIRA, 2017). Nessa perspectiva, o forró constitui
uma via de sensibilização e intervenção micropolítica capaz de estabelecer uma política afetiva e desejante
(MIZOGUCHI; PASSOS, 2021) que legitima modos de existência marginalizados. Para tanto, entendo como
via privilegiada para a criação de formas de vida que enriqueçam de modo contínuo sua relação com o mundo
(GUATTARI, 1992) uma força vital específica: o aspecto erótico que permeia profundamente esse gênero
musical3. Nesse sentido, entendo o componente erótico (LORDE, 2020) como o que põe o corpo como centro
e em relação sensível com o mundo, ativador do corpo vibrátil (ROLNIK, 2002) e capaz de profanar
(AGAMBEN, 2009) um dispositivo, ao restituí-lo ao uso comum de compor um modo de resistência do
migrante nordestino no seu entrelugar (PAES, 2017).

Referências bibliográficas preliminares:


AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo? E outros ensaios (V. N. Honesko, Trad.). Chapecó, SC: Argos, 2009.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011.
FERREIRA, J. B. O ato de criação como operador ético-político dos direitos de existência: ressonâncias com
práticas artísticas, clínicas, trabalho e ações coletivas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020.

3 O seguinte trecho da música ´7HPSHUR do IRUUyµ de Geraldo Azevedo, é um exemplo de como esse aspecto se
apresenta nas canções do gênero: ´Quem quiser provar / O tempero do forró / Tem que ter balanço no corpo /
Balanço no coração / Além de tudo / Tem que ter animação / A noite inteira / Cheiro de amor / Vem misturar o
suor / Quanto mais quente / A gente fica melhorµ (1996).

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 62


)(55(,5$-%2´(VSHOKRVSDUWLGRVWrPPXLWRPDLVOXDVµSRUXPDSRpWLFDGDVIRUPDV-de-vida. ECOS: Estudos
Contemporâneos da Subjetividade, [s. l.], ano 7, v. 2, 2017
FERREIRA, J. B.. A máquina do mundo neoliberal: capturas e resistências à precarização subjetiva e da vida no
trabalho. In: Castro, Fernando José Gastal; Ferreira, João Batista. (Org.). Neoliberalismo, trabalho e precariedade
subjetiva. 1 ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2022, v. 1, p. 40-70.
GOMES, S. C.. A mobilidade do trabalho do migrante nordestino e os movimentos xenofóbicos do centro-sul: uma
questão migratória. Revista Geográfica de América Central, Costa Rica, v. 2, jul./dez. 2011. Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/4517/451744820289.pdf. Acesso em: 20 set. 2023.
GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio
de Janeiro: Ed. 34, 1992.
LORDE, A. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Trad. Stephanie Borges. 1. ed. 1 reimp. Belo Horizonte:
Autêntica, 2020.
MIZOGUCHI, D. H.; PASSOS, E. Transversais da subjetividade: arte, clínica e política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
2021.
OLIVEIRA JÚNIOR, R. J. de; ARAÚJO, W. A. de. Masculinidades de plástico, próteses de aparelhagem: o
nordestino do piseiro na performance pop do forró eletrônico no nordeste contemporâneo. Tropos: comunicação,
sociedade e cultura (ISSN: 2358-212X), [S. l.], v. 9, n. 2, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufac.br/index.php/tropos/article/view/3898. Acesso em: 21 jun. 2023.
PAES, J. M. Forró: sociabilidade e levante. Algazarra, [s. l.], n. 5, p. 166-194, nov. 2017. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/algazarra/article/view/35506. Acesso em: 20 set. 2023.
ROLNIK, S.. Subjetividade em obra: Lygia Clark, artista contemporânea. Projeto História: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados de História, São Paulo, v. 25, 2002. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10571. Acesso em: 20 set. 2023
TEMPERO do forró. Intérprete: Geraldo Azevedo. In: AZEVEDO, Geraldo. Futuramérica. [S. l.]: Discover Digital
Studio, 1996.
ZAIATZ, L. L.; OLIVEIRA JÚNIOR, R. J.. Vogue bike, cabra fêmea e outros horizontes subversivos nas paisagens
do forró nordestino: a emergência de estéticas baitolas pelo artivismo. In: III ENCONTRO DE ANTROPOLOGIA
VISUAL DA AMÉRICA AMAZÔNICA, 2018, Belém, PA. Anais [...]. [S. l.: s. n.], 2018.
ZAIATZ, L. L.; SALMITO, R. R.. Entre o Urbano e o Rural: Reflexões sobre o Forró Eletrônico Contemporâneo.
Intercom: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, [S. l.], 2018. 41º Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação, Joinville, SC.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 63


GT 3 (II) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Secreções, maquiagens, cicatrizes e próteses: a instauração de uma


bufona-ciborgue-bixa

Matheus Silva1

Resumo:
O presente artigo tem o interesse em traçar uma convergência entre os dispositivos teórico-práticos de meu
SURFHVVRLQYHQWLYRQDDUWHGDSHUIRUPDQFHQDTXDO´LQVWDXURµXPDH[LVWrQFLDPtQLPDD$GLYLQKDD'LYDXPD
bufona-ciborgue-bixa. Com ênfase no processo e na ação, a arte da performance institui um espaço de tensão
entre pensamento, corpo e distintos espaços para relacionar-se com forças desconhecidas, mas sem
transformar o novo em algo familiar. Não se trata apenas de uma experiência extracotidiana, mas de uma
intensidade que desqualifica a lógica racional, não se transforma em linguagem e engendra um evento artístico,
de modo a afirmar as dimensões humanas e inumanas, todo um devir-animal implicado nessa produtividade.
Por meio de uma investigação na interface entre arte e vida, almejei o entrecruzamento da prática criativa do
EXImRMXQWDjQDWXUH]DFRQMXQWLYDGRFLERUJXHSDUDSURGX]LUXPDDWLYLGDGHTXHDFRPHWHDR´DUWLYLVPRµ
Tratam-se de dispositivos de intensificação de uma prática que torna o corpo um espaço de denúncia e o
liberta de conservadorismos, levando-o a lugares não conhecidos, selvagens e impessoais. Para tanto, muitas
questões se mostram em aberto e precisam ser discutidas: como superar os valores sociais normativos e
´LQVWDXUDUµHVVDSRSulação estrangeira que nos orbita, via arte da performance? Em que medida é possível
WUDWDUGHXPDSURGXomRDUWtVWLFDDSUR[LPDQGRR´PRGRGHH[LVWrQFLDµEL[DQDDUWHGDSHUIRUPDQFHFRPR
DUWLYLVPR" &RPR SRGHUHL UHODFLRQDU HVVDV LQVWkQFLDV" &RPR WDO ´H[LVWrQFLD PtQLPDµ SDUWLGR GH XPD
performer como agente instauradora, pode inventar um mundo, uma existência compartilhada?
Palavras-chave: Instauração; Bufona; Ciborgue; Teoria Bixa; Artivismo.

Referências bibliográficas preliminares:


ALBERTI, Verena. O riso e o risível: na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
%25',19DQHVVD%HQLWHV´$UWLYLVPR² ERUUDQGRIURQWHLUDVHQWUHYLGDHDUWHµZona de impacto, v. 2,
(julho/dezembro, 2015), p. 126-135. Disponível em: http://www.revistazonadeimpacto.unir.br/sobre.html. Acesso
em: 11 jul. 2021.

1 Matheus Silva investiga a construção do conceito de Corpo desembestado enquanto sua prática em processos criativos
via arte da performance, pesquisa essa que também realizou-se com os coletivos artísticos ´1{PDGHV permanentes
pesquisam e SHUIRUPDPµ (n3ps) e o ´2EVFHQD agrupamento independente de pesquisa FrQLFDµ localizados em Belo
Horizonte/MG. Em sua pesquisa, literatura, teatro, filosofia e arte da performance convergem-se através da atividade
de um corpo que age a partir de intensas sensações que o fazem instaurar uma existência bufão, ciborgue e bixa.
Concluiu recentemente o curso de doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Artes da UFMG, na linha de
pesquisa Artes da Cena. E-mail: matheus_silva84@yahoo.com.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 64


BORDIN, Vanessa Benites. O jogo do bufão como ferramenta para o artivista. 2013. 115f. Dissertação (Mestrado) - Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
%5$*$%\D´)LJXUDV%XI{QLFDV&XOWXUD0DWHULDOGH$WRUH2XWURV%LFKRVµ,Q%5$*$%\D721(==,-RVp
(Orgs.) O bufão e suas artes: artesania e soberania. Jundiaí, SP: Paco, 2017, p. 31-56.
CAMPBELL, Brígida. Arte para uma cidade sensível. Tradução para o inglês de Valéria Sarsur e Pedro Vieira. São Paulo:
Invisíveis Produções, 2015.
DELEUZE, Gilles. Cartas e outros textos. Edição preparada por David Lapoujade. Tradução de Luiz B. Orlandi. São
Paulo: n-1 edições, 2018.
ELIAS, Joaquim. No encalço dos bufões. Belo Horizonte: Javali, 2018.
LAPOUJADE, David. As existências mínimas. Tradução de Hortência Santos Lencastre. São Paulo: n-1 edições, 2017.
SILVA, Matheus. Corpo desembestado: por uma instauração bufona-ciborgue-bixa. 2021. 286f. Tese (Doutorado) - Programa de
Pós-graduação em Artes ² Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.
721(==,-RVp´%XIRQDULD5LVRH$QRPDOLDµ,Q%5$*$%\D721(==,-RVp 2UJ O bufão e suas artes:
artesania e soberania. Jundiaí, SP: Paco, 2017, p. 75-88.
TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Ed. Vega, 1999.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 65


GT 3 (II) - Corpos desviantes: biopolítica e subjetivação

Tornar-se negro na era ciber-farmaco-porno: tecnopolítica dos


afetos na racialização

Lucas Gabriel Alves Rodrigues1

Resumo:
3DXO3UHFLDGRH[SOLFDTXHDVVXEMHWLYLGDGHVFRQWHPSRUkQHDV´VHGHILQHPSHODVXEVWkQFLD RXVXEVWkQFLDV TXH
abastecem seu metabolismo, pelas próteses cibernéticas e vários tipos de desejos farmacopornográficos que
RULHQWDPDVDo}HVGRVVXMHLWRVHSRUPHLRGRVTXDLVHOHVVHWUDQVIRUPDPHPDJHQWHVµ S-38). Ao
investigar as raízes históricas desse modo de tornar-se sujeito, o filósofo descreve a segunda metade o século
XX como palco de experimentações técnico-científicas de usos do corpo em processos biomoleculares
(fármaco-) e semiótico-técnico (-pornô) que deram origem a esse novo regime de governo biopolítico no
capitalismo pós-industrial. Na esteira de Preciado, este trabalho pensa D ,QWHUQHW FRPR XPD ´SUyWHVH
FLEHUQpWLFDµTXHID]XVRHVSHFLDOGRSVLTXLVPROLELGRHFRQVFLrQFLDHPXPFLFORGH H[FLWDomR-frustração,
moldando um modo de produzir e consumir em que o sexo, o gênero, as identidades sexuais e o prazer viram
objeto de gestão da vida, incluindo sua dimensão afetiva.
Em um momento anterior, autoras como Audre Lorde (2019), Frantz Fanon (2008) e Lélia Gonzales (1984)
intuem, de diferentes perspectivas, que tematizar o prazer é uma tarefa indissociável das relações de poder
que dependem da racialização de corpos. Recuperamos essa intuição para lembrar que a história colonial das
Américas é repleta de exemplos do controle farmacopornográfico de corpos negros ² no contexto brasileiro,
o controle vai desde a exploração do trabalho nos campos de açúcar e café, passando pela criminalização do
cultivo e tráfico de cannabis (planta trazida de África por pessoas escravizadas) e outras drogas, envolvendo as
altas taxas de morte por alcoolismo entre a população negra; inclui ainda figuras como a da mulata lasciva,
do homem preto sexualmente viril, da travesti preta pornificada na prostituição e com acesso precário a saúde
sexual, entre muitas outras imagens que povoam a tecnopolítica do prazer. Este ensaio aposta em uma leitura
materialista da raça e dos afetos para explorar como o controle se atualiza através das tecnologias de
informação como a Internet e do complexo industrial biomolecular ² incluindo o narcotráfico ² em que
corpos negros são duplamente vulnerabilizados social e psicologicamente.
Para debruçar-se sobre a tecnopolítica dos afetos por meio da racialização, no contexto de
ciberinformatização, mobilizamos a análise de Letícia Cesarino (2022) acerca da estrutura dos sistemas
cibernéticos como a Internet que, em momentos de crise, por conta de sua arquitetura, favorece a projeção
de grupos políticos antiestruturais neoreacionários, para os quais o ódio a minorias raciais é um investimento

1 Graduando em Psicologia pela Universidade de Brasília, bolsista de Iniciação Científica em que pesquisa sociotécnica
em psicologia a partir da interação entre humanos e não-humanos. E-mail: lucxs00rodrigues@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 66


afetivo recorrente, o que coloca pessoas negras em posto vulnerável como alvos de hostilidade; além disso,
também há vulnerabilidade quando essas pessoas assumem o posto de consumidoras hiperestimuladas de
mídias que transformam a raça em objeto de consumo. A Internet, com sua lógica cíclica de excitação-
frustração, mobiliza o que Freud denominou de processos psíquicos primários, uma fase do psiquismo em
que os objetos são indistintos, pré-representacionais. Nesse sentido, questionamos se a maneira como a
psicologia social e a psicanálise tem tratado da subjetivação de pessoas negras, com seus focos limitados a
representação cognitiva e ao domínio do Simbólico, é suficiente para dar conta da materialidade do novo
controle biopolítico ² difuso, sem interioridade e sem agência localizada ² que a era farmacopornográfica
expressa. Ainda, valemo-nos mais uma vez da Preciado para rever historicamente as políticas e processos
sociais toxicológicos que tem feito parte da economia libidinal negra na colonização. Com isso, acreditamos
ampliar o pensamento crítico sobre o tornar-se negro em um mundo acelerado, no qual a gestão dos afetos
será o centro da produção capitalista (ultra)neoliberal.

Referências bibliográficas preliminares:


CESARINO, Letícia. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. Ubu Editora, 2022.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA, 2008.
Gonzales, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.
LORDE, Audre. Usos do erótico: o erotismo com poder. In Irmã outsider: ensaios e conferências. Autêntica Editora,
2019, p. 66-74.
PRECIADO, Paul. A era farmacopornográfica. In Texto junkie: sexo, drogas e biopolítica na era
farmacopornográfica. n-1 edições, 2018, p. 25-57.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 67


GT 4
Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 68


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

A criação da esquizoanálise e os movimentos revolucionários

Caio Hoffmann Cardoso Zanon1

Resumo:
Nesta comunicação, nosso objetivo é explicitar como, em O anti-Édipo (1972), os franceses Gilles Deleuze e
Félix Guattari buscam fazer de sua filosofia uma aliada na tarefa de construir mecanismos de análise do desejo
no interior dos grupos em luta. Para tanto, partimos da constatação de Guattari (1977/1985, p. 20-31), após
os eventos do Maio de 68 francês, de que o tradicional esquema da luta de classes não dá conta da forma
como o capitalismo se insinua em todos os níveis de produção da vida (família, escola, grupos militantes,
etc.), contaminando-os. O autor enxerga a necessidade de estabelecimento de frentes de luta próprias a esses
outros níveis, com o objetivo de liberá-los da contaminação pela subjetividade burguesa. A emergência do
TXH*XDWWDULFKDPDQHVVDRFDVLmRGH´OXWDVGRGHVHMRµID]VXUJLU´XPDQRYDYLVmRXma nova abordagem
GRVSUREOHPDVPLOLWDQWHVµ *8$77$5,S TXHWUD]FRQVLJRXPDGXSODH[LJrQFLDSRUXP
lado, é necessário que as organizações revolucionárias reconheçam a importância das práticas analíticas de
liberação do desejo; por outro, é preciso contar com uma concepção de desejo que torne tais práticas
possíveis.
Em 1972, com O anti-Édipo, Deleuze e Guattari buscam responder a essas necessidades. A dupla se afasta da
concepção segundo a qual o processo do desejo ocorre numa realidade psíquica distinta da realidade natural-
social, exprimindo, naquela, a falta de um objeto que só pode ser enFRQWUDGRQHVWD3DUDRVDXWRUHV´>Q@mR
KiIRUPDSDUWLFXODUGHH[LVWrQFLDTXHVHSRGHULDGHQRPLQDUUHDOLGDGHSVtTXLFDµ '(/(8=(*8$77$5,
1972/2011, p. 43-44). O desejo, na verdade, é o processo pelo qual o real se autoproduz. Em condições
específicas, a produção desejante é determinada a investir formações sociais que a reprimem, submetendo-a
a um mecanismo específico de reprodução da vida. No entanto, essas formações, seus modos de produção e
de circulação dos bens, a forma de seus agrupamentos sociais e os esquemas de interesses que os guiam são
derivados em relação à produção desejante.
No âmbito do capitalismo e das questões com as quais se confrontam os grupos que lutam contra ele, isso
significa que o chamado interesse de classe não é uma instância dada de antemão, mas deriva de investimentos
de desejo que o constituem ao reforçar ou romper com a formação social capitalista. Assim, quando um

1 Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com pesquisa sobre a relação entre o direito,
a dominação e os movimentos de libertação na obra de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Possui mestrado em Filosofia
pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialização em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF). É membro do grupo de pesquisa do CNPq "Deleuze: filosofia prática" e do GT Deleuze e Guattari da
ANPOF. E-mail: caiohoffmann@id.uff.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 69


grupo militante se confronta com um fracasso, não há que se perguntar se a organização traiu ou não o
interesse de classe, já que ele é efeito, no nível da produção social, de cortes que se realizam em outra escala.
Do ponto de vista do desejo, não faz sentido perguntar se houve engano ou traição. Como afirmam os
DXWRUHV´RGHVHMRQXQFDpHQJDQDGRµ6XEPHWLGRDRDSDUHOKRGHUHSUHVVmR-recalcamento de uma máquina
VRFLDO R GHVHMR SRGH VHU GHWHUPLQDGR D ´GHVHMDU VXD SUySULD UHSUHVVmRµ '(/(8=( *8$77$5,
1972/2011, p. 341; 158; 143). Apesar disso, não se trata, nesse caso, de um engano, e sim de um investimento
real. Dessa forma, a pergunta não é mais se o interesse de classe foi traído, e sim se ele é determinado por um
investimento de desejo efetivamente revolucionário, ou, ao contrário, se oculta um investimento de desejo
reacionário.
Deleuze e Guattari propõem a esquizoanálise como prática analítica que pode servir aos grupos em luta para
discernir, em seu interior, investimentos de desejo revolucionários de investimentos de desejo reacionários.
Os autores defendem que, do ponto de vista libidinal, um grupo permanece reacionário se continua a operar
investimentos que reprimem o desejo, submetendo-RDXPDIRUPDomRVRFLDOHVHDSRLDQGRHP´IHQ{PHQRV
GH ¶VXSHUHJRL]DomR· GH QDUFLVLVPR H GH KLHUDUTXLD GH JUXSRµ 1HVVH FDVR p XP JUXSR DVVXMeitado. Ao
contrário, um grupo pode ser chamado de revolucionário do ponto de vista libidinal na medida em permite
que o desejo penetre no campo social, organizando-se em oposição a estruturas rígidas de hierarquização
(DELEUZE; GUATTARI, 1972/2011, p. 462-463). Nesse caso, é um grupo sujeito. Dessa perspectiva, a
questão não é saber se dado grupo é um representante legítimo de um interesse de classe predeterminado, e
sim identificar e combater, no interior de todos os grupos, investimentos reacionários de desejo, para que as
organizações de luta possam funcionar efetivamente como suportes de atualização de um potencial desejante
revolucionário.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. A ilha deserta e outros textos. (2002). Edição preparada por David Lapoujade. São Paulo:
Iluminuras, 2006.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. (1972). Tradução de Luiz B. L.
Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2011.
GUATTARI, Félix. Psicanálise e transversalidade: ensaios de análise institucional. (1972). Tradução de Adail
Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2004.
__________. As lutas do desejo e a psicanálise. In: GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do
desejo. (1977). Seleção, prefácio e tradução de Suely Belinha Rolnik. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
__________. The Anti-OEdipus Papers. Tradução de Kétina Gotman. Nova York: Semiotext(e), 2006.
SIBERTIN-BLANC, Guillaume. Deleuze & Guattari e o Anti-Édipo: a produção do desejo. Tradução de Maria
Cecilia Lessa da Rocha. São Paulo: Editora Filosófica Politeia; Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2022.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 70


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

A doação de sangue como um ativismo nômade: pensando com


Deleuze, Guattari e de Donna Haraway

Autora: Anna Cristhyna Siqueira de Brito1


Coautora: Daniella Alves de Medeiros2
Coautora: Lúcia de Fatima Dinelli Estevinho3

Resumo:
Nas veredas da educação e da contemplação das problemáticas sociais e humanas, a doação de sangue emerge
como um ato cuja significância desdobra-se em múltiplas direções. Este trabalho se propõe a abordar a doação
de sangue sob uma perspectiva que dialoga com o pensamento nômade, permitindo uma compreensão mais
fluida e complexa desse ato altruísta e, ao mesmo tempo, explorando as ideias de Donna Haraway (2009).
A doação de sangue transcende fronteiras físicas e sociais, conectando doadores e receptores em um mosaico
de solidariedade que desafia estruturas rígidas. Donna Haraway (2009), conhecida por suas contribuições ao
feminismo, aos estudos de gênero e à filosofia da ciência, nos convida a pensar em conexões, hibridações e a
essencial necessidade de desmantelar barreiras tradicionais de classificação. Em sua obra "Manifesto
Ciborgue", ela propõe uma visão de mundo na qual as fronteiras entre o humano e o não humano, entre o
orgânico e o tecnológico, são permeáveis.
Sob a perspectiva de Haraway, (2009), penso que a doação de sangue pode ser vista como um ato ciborgue,
onde os limites do corpo humano e da máquina se fundem. A bolsa que acolhe o líquido vital, os instrumentos
médicos e os profissionais da saúde que orquestram o processo tecem uma tapeçaria que desafia a fronteira
entre o orgânico e o tecnológico, sobre qual o limite real do corpo e suas extensões. A doação de sangue se
apresenta como um ato nômade, capaz de movimentar-se fluidamente entre esses territórios, permitindo que
DVUHODo}HVKXPDQDVFRPRVXJHUH'HOHX]HH*XDWWDULWDPEpP´TXHSHUPLWHH[SORGLUHVWUDWRVURPSHUUDt]HV
e operar novas conexões" (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 33). Em um mundo onde as tecnologias
médicas desempenham um papel fundamental na doação e transfusão de sangue, o pensamento nômade de
Deleuze e Guattari (2011), e as ideias de Haraway (2009), nos instigam a considerar a relação entre humanos
e máquinas de uma forma mais integrada, complexa e em rizoma, emaranhada por muitos fios. Ao invés de

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). E-
mail: annacristinasb@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia - Campus Pontal, mestranda do Programa de Pós
Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (FACED-UFU). E-mail:
daniellaamedeiros@gmail.com
3
Mestrado e doutorado em Educação pela UNICAMP, professora e pesquisadora do Instituto de Biologia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFU. E-mail: lestevinho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 71


vermos a tecnologia como uma entidade separada, com as teorias somos desafiadas a reconhecê-la como
parte inerente da nossa própria existência, uma relação entre humanos e não-humanos que sentimos no corpo.
A abordagem teórica de Haraway (2009) nos faz ver a relevância de conceber a doação de sangue como uma
ação que transcende as convenções tradicionais relacionadas aos corpos, aos gêneros e as sexualidades. O que
motiva as pessoas a optarem por doar sangue, não se submete a estereótipos sociais ou a construções pré-
GHWHUPLQDGDVVREUHFRUSRJrQHURHVH[XDOLGDGH´DGRDomRGHVDQJXHWRWDORXGHVHXVFRPSRQHQWHVVmRD
expressão essencial de comunidade e participação cidadã no sistema de saúde (WHO. 2012, p.4, tradução
própria). A doação de sangue se apresenta como uma iniciativa que desafia as delimitações impostas por todo
tipo de categorização e que fazemos das pessoas, acolhendo a diversidade de experiências e narrativas
presentes em cada doador.
A compreensão nômade da doação de sangue nos convida-nos a perceber esse ato não como uma ação
isolada, mas como um vértice interligado a uma vasta rede de conexões e interdependências. O sangue doado
não se restringe a um único organismo; ele percorre um sistema complexo de coleta, processamento e
distribuição, estabelecendo vínculos com inúmeras vidas ao longo de sua jornada. Essa perspectiva nos
lembra que estamos em rizomas, em uma intricada teia de relações, na qual nossas ações têm implicações que
transcendem os limites de nossa individualidade. Em um mundo cada vez mais globalizado, a doação de
sangue resplandece como um exemplo notável de como a solidariedade e a compaixão navegam por mares
sem fronteiras. Ela demonstra como os atos de generosidade e cuidado podem ser nômades, fluindo
livremente pelo mundo para atender às necessidades daqueles que mais necessitam. Portanto, ao
contemplarmos a doação de sangue sob o prisma do pensamento nômade e das ideias de Deleuze e Guattari,
e das ideias de Donna Haraway, somos convidadas a enxergá-la como um ato complexo, interconectado e
transformador. É um ato ciborgue que desafia as fronteiras tradicionais, um gesto de solidariedade que
transcende identidades e um exemplo da capacidade humana de se conectar, cuidar e resistir em um mundo
em constante evolução. Por meio desse olhar mais amplo, somos abelhas e a doação de sangue é a nossa flor
do cerrado, que convida a abelha e indica o caminho para uma compreensão mais profunda e solidária das
humanidades.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 1. Trad. Ana Lúcia de Oliveira,
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
HARAWAY, Donna J. A Cyborg manifesto: science, technology, and socialist-feminism in the late twentieth century.
In: Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. New York, Routledge, 1991.
HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari & TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. 2. ed.
Trad. Bras. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte, Autêntica, 2009.
WORLD HEATLH ORGANIZATION. Expert Consensus Statement on achieving self- sufficiency in safe blood and blood
products, based on voluntary non-remunerated blood donation. 2012.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 72


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

A polifonia clínica do presente: por uma arte do tempo oportuno


entre Guattari e Stern

Eder Amaral1

Resumo:
Em seu último livro solo (Caosmose: um novo paradigma estético, 1992), Félix Guattari faz reiteradas menções ao
trabalho de um psicanalista nova-iorquino que teria elaborado uma teoria polifônica da emergência do self [si
mesmo]. Seu nome é Daniel Stern (1934-2012) e, certamente, ele se faz presente entre as páginas mais
interessantes da última fase do trabalho conceitual de Guattari, em sua busca obstinada pela formulação de
uma perspectiva ao mesmo tempo processualista (isto é, crítica do essencialismo que vigorava nas teorias
psicológicas) e heterogenética (composta pelas mais diversas matérias ² da cultura popular à ação política, dos
meios técnicos e tecnológicos à experiência artística) da subjetividade. Entre Stern e Guattari, surge uma
maneira surpreendentemente original de pensar os processos de subjetivação, cuja ênfase estaria no papel dos
afetos como linhas de força da nossa experiência de si, em co-emergência com a pluralidade constitutiva das
constelações relacionais no presente. Para o inventor da esquizoanálise, o que chama a atenção no
pensamento de Stern é a construção de uma perspectiva não-linear e arquipelágica do surgimento e da dinâmica da
consciência de si, a partir dos mínimos gestos, expressões e movimentos investigados minuciosamente por Stern
em sua pesquisa da interação mãe-bebê nos primeiros meses de vida da criança (STERN, [1985] 1992),
trabalho seminal que o tornou um dos pesquisadores mais inventivos da psicologia e psicanálise
contemporâneas, como assevera constantemente o próprio Guattari, atento às ressonâncias do seu
pensamento na obra do colega norte-americano. Como se atendesse o apelo de Guattari pela continuação do
seu trabalho na direção da clínica, Stern se dedicará, por mais de duas décadas, a investigação do que acontece
quando esta forma de pensar habita o consultório. É preciso esclarecer que o psicanalista norte-americano
QmRSURS}HRGHVHQYROYLPHQWRGHXPDQRYD´DERUGDJHPFOtQLFDµPDVVLPDUHRULHQWDomRGDPDQHLUDFRPR
vemos o processo clínico, a partir da ênfase no modo como o momento presente (pequenos acontecimentos que
formam nosso mundo de experiências) é capaz de favorecer a emergência da mudança terapêutica. Fortemente
inspirado pela leitura atenta de grandes pensadores do tempo, da subjetividade e da experiência afetiva como

1
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH) da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB), Campus Vitória da Conquista-BA, vinculado aos cursos de Cinema e Audiovisual e Psicologia;
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Campus Vitória da Conquista-BA;
Psicólogo Clínico; Tradutor nas áreas de artes e humanidades. Mestre em Psicologia Social e Política pela Universidade
Federal de Sergipe (UFS); Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua
principalmente nos seguintes temas: cinema, infância, clínica e experiência urbana, sempre articulados pelo horizonte
do pensamento da imanência, dos estudos contemporâneos da imagem e da clínica psicanalítica de orientação pós-
estruturalista. E-mail: ederamaral@uesb.edu.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 73


Henri Bergson e Maurice Merleau-Ponty, Stern faz com seus intercessores uma convergência sem consenso, que
aposta na reapropriação conceitual e técnica, não a partir de uma fidelidade de origem, mas sim da riqueza
problemática das composições que o permitem desenvolver um modo único de clinicar. Stern lança mão da
figura ético-estética do tempo oportuno (kairos) e da riqueza dos processos de consciência de si na circunstância
do entre dois (seja em situação de análise, seja fora dela, na vida comum, no contato com os outros etc.) no
momento exato em que ela se processa, o que implica uma concepção psicodinâmica e microanalítica (orientada
para o momento presente) da intersubjetividade ² ponto em que a vizinhança com Guattari revela contrastes que
também nos caberá perceber. Este trabalho é um convite à apropriação das ferramentas analíticas por ele
descobertas, cujo alcance dependerá da investigação permanente. Fazendo eco à inquietação do seu
IRUPXODGRU ´&RPR SRGHPRV DUURPEDU chronos para criar um presente longo o suficiente para acomodar
kairos"µOs rudimentos desta estratégia concernem à uma reconfiguração do setting; ao funcionamento e fluxo
da sessão; ao papel da interpretação; aos usos do passado na condução da psicoterapia; ao acompanhamento
dos processos de mudança; à composição da entrevista microanalítica. Se Stern foi responsável por uma
intensa renovação do que sabemos a respeito de como nos tornamos isso que nós somos (não um continente
de territórios fixados e história linear, mas um arquipélago de formações moventes e heterogêneas), é também
por combater um antigo preconceito em psicologia clínica, isto é, aquele que implica em esgotar todas as
QRVVDVIRUoDVHPSURWHJHUIURQWHLUDVWHyULFDVHVWDQTXHVHPQRPHGHXPSUHWHQVR´ULJRUµ PDLVSUHRFXSDGR
com a autoridade que com o pensamento). Se existem espaços vivos na clínica contemporânea, eles
certamente não são os territórios demarcados, mas sim as próprias fronteiras. Habitá-las e percorrê-las com
o talento e a astúcia com a qual Daniel Stern o faz é, ainda, de uma raridade que nos cabe interrogar.

Referências bibliográficas preliminares:


GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: editora 34, 1992.
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de Subjetividade, n. 12. São Paulo: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2010.
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STERN, Daniel. O mundo interpessoal do bebê: uma visão a partir da psicanálise e da psicologia do desenvolvimento
[1985]. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1992.
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______. Forms of vitality. Exploring dynamic experience in psychology, the arts, psychotherapy, and development.
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 74


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Da pulsão de morte à morte que deseja

Daniela Magioli1

Resumo:
Em O anti-Édipo, Deleuze e Guattari dizem que tanto os psicanalistas que afirmaram a pulsão de morte quanto
aqueles que o negaram, baseavam-se nas mesmas razões, a saber, que não havia modelo e nem experiência
da morte no inconsciente. Para os autores o que se passa é juVWDPHQWHRFRQWUiULR´QmRKiLQVWLQWRGHPRUWH
SRUTXH Ki PRGHOR H H[SHULrQFLD GD PRUWH QR LQFRQVFLHQWHµ $( $ PRUWH p XPD SHoD GD PiTXLQD
desejante, e deve ser avaliada por seu funcionamento e não como um princípio abstrato (AE, p. 440-441).
Se na psicanálise o desejo se encontra na ordem do simbólico, aquilo que é apreendido através da simbolização
é o que chamaremos de real, ou seja, as pulsões freudianas. Em 1915, Freud separa as pulsões em pulsões de
autoconservação (pulsões do Eu) e pulsões sexuais. Em 1920, o psicanalista separa as pulsões em pulsões de
vida e pulsão de morte, unificando as pulsões de autoconservação e sexuais sob o domínio das pulsões de
vida e contrapondo a elas a pulsão de morte (GARCIA-ROZA, 2009, p. 126). A pulsão de morte é: "um
impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a
DEDQGRQDUVREDSUHVVmRGHIRUoDVSHUWXUEDGRUDVH[WHUQDV  DH[SUHVVmRGDLQpUFLDLQHUHQWHjYLGDRUJkQLFDµ
(FREUD, 1920, Item V). É nesse momento de sua obra que Freud mais aproxima a metapsicologia de uma
espécie de metafísica (GARCIA-ROZA, 2009, p. 132). Freud substitui o antigo dualismo fraco entre pulsões
GHDXWRFRQVHUYDomRHVH[XDLVSRUXPPDLVIRUWH1D´PHWDItVLFDµIUHXGLDQDDSXOVmRGHPRUWHJDQKDHQWmR
seu caráter ontológico como a tendência natural da vida e do ser vivo.
Retornando a'O anti-Édipo, destacamos que, complexificando a relação entre o CsO e os objetos parciais,
Deleuze e Guattari (AE, p. 435-436) afirmam que ambos não se opõem, realmente, entre si, mas juntos se
opõem a um organismo organizado de forma a totalizar e limitar a multiplicidade intensiva. São peças
GLIHUHQWHVHFRH[LVWHQWHVGDPiTXLQDGHIRUPDTXHSDUDRVDXWRUHV´pDEVXUGRIDODUGHXPGHVHMRGHPRUWH
que se oporia qualitativamente aos desejos de vida. A morte não é desejada, há somente a morte que deseja,
HQTXDQWRFRUSRVHPyUJmRVRXPRWRULPyYHOHKiWDPEpPDYLGDTXHGHVHMDHQTXDQWRyUJmRVGHWUDEDOKRµ
(AE, p. 436). Os autores afirmam que toda intensidade carrega, na própria vida, a experiência da morte e a

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense (PFI/UFF), na linha
de pesquisa de Ética e Filosofia Política, sob orientação de Mariana de Toledo Barbosa, bolsista Capes. Pesquisa
atualmente voltada para a questão ontológica na obra conjunta de Deleuze e Guattari, e suas implicações práticas.
Interesse nas áreas de Ética, Filosofia Política, Ontologia e Psicologia. Possui Mestrado em Filosofia pela Universidade
Federal Fluminense (UFF/2022); Bacharelado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ/2013); e Bacharelado em curso em Filosofia na Universidade Federal Fluminense (UFF/2018-atual). Integrante
do grupo de pesquisa do CNPq "Deleuze: Filosofia Prática" e membro do GT Deleuze & Guattari vinculado à
Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). E-mail: danielamagioli@id.uff.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 75


envolve, pois, cada intensidade investe em si própria a intensidade-zero a partir da qual é produzida. A
experiência da morte se faz em vida, a todo momento, em cada passagem ou devir que um sujeito experimenta
(AE, p. 437). Há, portanto, de um duplo caráter da morte: o modelo da morte e a experiência da morte, como
dois aspectos irredutíveis.
O funcionamento das máquinas desejantes depende da condição, ou seja, do elemento de antiprodução, pois
elas só funcionam desarranjando-se. É por meio dessa dinâmica de forças que elas convertem constantemente
o modelo da morte ² morte que vem de dentro (no CsO) ² na experiência da morte ² morte que vem de fora
(sobre o CsO). Em seu ciclo há também o retorno da experiência da morte ao modelo da morte, fechando o
ciclo e iniciando uma nova partida: mas o Eu já é outro; o sujeito é o consumidor da experiência da morte
que não para de advir em todo devir, formando zonas de intensidade sobre o CsO (AE, p. 437-438).
Entendemos, então, que o CsO tem como uma de suas funções na filosofia deleuze-guattariana opor-se ao
conceito freudiano de pulsão de morte. Se opõe a ele ao mesmo tempo em que o substitui, convertendo um
instinto de morte transcendente em favor de uma experiência da morte como determinação de um limite que
se impõe à multiplicidade do CsO e das máquinas desejantes. Determinação essa que só pode ser extrínseca,
aparecendo sob forma de organismo, de identidade pessoal (Eu) ou de organização social. Se o problema da
psicanálise foi tomar o sintoma ² pulsão/instinto de morte ² como ontológico, caindo novamente em um
idealismo, cabe ao CsO e às máquinas de Deleuze e Guattari resgatar o caráter ativo da morte e a
multiplicidade intensiva própria da produção desejante.

Referências bibliográficas preliminares:


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DELEUZE, Gilles. (1981) Espinosa: filosofia prática. Tradução de Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. São Paulo: Escuta,
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1915]. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. Das Letras, 2010. p. 9-37.
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Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. Das Letras, 2010. p. 74-112.
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Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (versão em pdf.)
GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
GUATTARI, Félix. Psicanálise e transversalidade: ensaios de análise institucional. São Paulo: Ideias e letras, 2004.
GUÉRON, Rodrigo. Capitalismo, desejo & política: Deleuze e Guattari leem Marx. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2020.
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 76


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Ir junto: a simpatia entre Deleuze e Winnicott

Eder Amaral1
Carolina Ghirello2

Há um momento em que será necessário partilhar,


é preciso se colocar em sintonia com o doente,
é preciso ir até ele, partilhar seu estado. [...]
O que nós sentimos é antes a necessidade de uma relação
que não seria nem legal, nem contratual, nem institucional.

Gilles Deleuze, Pensamento nômade, 1973


(A respeito de Donald Winnicott)

Resumo: Não são muitas as ocasiões em que Gilles Deleuze pode ser lido elogiando nominalmente um
psicanalista com tal entusiasmo como quando se trata do também pediatra inglês Donald Winnicott. Em
julho de 1972 (ano da publicação de O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia), ao tratar do seu interesse por
todos(as) aqueles(as) capazes de constituir para si mesmos(as) um estilo como política, seja em literatura e outras
artes ou nas práticas sociais as mais diversas, Deleuze elege como exemplo fundamental de uma psicanálise
experimentada em sua máxima extensão e intensidade o trabalho de Winnicott. A conferência preparada pelo
filósofo para o famoso Colóquio de Cérisy daquele ano, no qual a colaboração recente com Félix Guattari já
fazia sentir seus baques na forma do ataque ao familismo e à interpretose em psicanálise: sob o título
´3HQVDPHQWRQ{PDGHµRILOyVRIRGDYDSDVVDJHPDRVRSURGRVYHQWRVGHXPDLPDQrQFLDIHUR]DHPEDODUVXD
obra conjunta com Guattari. Deleuze menciona de passagem sua afinidade pela clínica e pelo estilo de
pensamento winnicottianos... Decisivas são as menções de passagem, como frestas numa muralha que separa
territórios aparentemente estanques. Entre os dois, por estilos distintos, persevera um desejo de clareza na
escritura. Da concretude expressiva dos afetos e dos processos corporais ao exercício afiado de um humor
impiedoso, do apreço mútuo pela natureza pragmática da palavra e da escuta, Deleuze e Winnicott são

1
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH) da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB), Campus Vitória da Conquista-BA, vinculado aos cursos de Cinema e Audiovisual e Psicologia;
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Campus Vitória da Conquista-BA;
Psicólogo Clínico; Tradutor nas áreas de artes e humanidades. Mestre em Psicologia Social e Política pela Universidade
Federal de Sergipe (UFS); Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua
principalmente nos seguintes temas: cinema, infância, clínica e experiência urbana, sempre articulados pelo horizonte
do pensamento da imanência, dos estudos contemporâneos da imagem e da clínica psicanalítica de orientação pós-
estruturalista. E-mail: ederamaral@uesb.edu.br
2
Psicóloga Clínica e Perinatal. Mestranda em Memória: Linguagem e Sociedade pelo Programa de Pós Graduação em
Memória: Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Campus Vitória da
Conquista-BA, onde realiza atualmente a pesquisa O nascimento em Winnicott: experiência, trauma e memória. A pesquisa
conta com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), biênio 2022-
2024. Doula desde 2016. E-mail: cah.ghirello@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 77


costumeiramente subestimados em sua precisão, distantes que estão de uma escrita e uma clínica calçada pela
imagem da seriedade. Lançando mão da distinção fundamental feita por Roberto Gomes em Crítica da Razão
Tupiniquim (1977), diríamos que Deleuze e Winnicott não são mesmo sérios, porque levam a sério o que os
LQWHUHVVD +i HQWUH HOHV XP ILR VRUULGHQWH GH VD~GH HP PHLR DR WUiJLFR XPD DWHQomR HVSHFLDO j ´ORXFXUD
RULJLQiULDGHXPWHPSRH[LVWLGRµFRPRVRXEHDSRQWD7DOHV$E·6iEer (2021), mas também um horizonte
partilhado em dissidências e experimentações, como podemos notar em suas originais posições diante da
concepção de pulsão de morte, da qual imanentemente se afastam. Entre a sensibilidade winnicottiana aos
mais delicados elos que se tecem entre o bebê e o mundo ² até que ele possa habitá-lo, capaz de uma solidão
essencial feita da presença de um real que só pode sê-lo porque fabula ² e a cristalina noção deleuziana de
´VROLGmRSRYRDGDµVHHQWUHODoDWRGDXPDFOtQLFDGRLUMXQWRHPTXHFRORFDU-se em sintonia com o outro,
doente ou confuso, alegre ou triste, tornará possível uma escuta para além do legal, do contratual, do
institucional, isto é, uma escuta infantil, para a qual a cada ponto do alma humana pode se fazer o nascedouro
de um universo inteiro. Este trabalho ensaia entrever por esta fresta, buraco num muro de convicções em
tudo sintomáticas dos nossos tempos, para cultivar, na vizinhança problemática entre clínica psicanalítica e
esquizoanálise, um tipo de cumplicidade e hospitalidade que merece abrir passagem à sintonia limítrofe da
simpatia.

Referências bibliográficas preliminares:


$%·6É%(57DOHVWinnicott: experiência e paradoxo. São Paulo: Ubu Editora, 2021.
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2, vol. 5. Trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. pp. 11-110.
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2. ed. São Paulo; Porto Alegre: Dublinense, 2021.
WINNICOTT, Donald W. Desenvolvimento emocional primitivo [1945]. In: Da pediatria à psicanálise. Trad. Davy
Bogomoletz. São Paulo: Ubu Editora, 2021. pp. 281-299.
______. Objetos transicionais e fenômenos transicionais [1951]. In: O brincar e a realidade. Trad. Breno Longhi. São
Paulo: Ubu Editora, 2019. pp. 13-51.
______. A capacidade de ficar sozinho [1958]. In: Processos de amadurecimento e ambiente facilitador. Trad. Irineo
Constantino Schuch Ortiz. São Paulo: Ubu Editora, 2022. pp. 34-43.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 79


GT 4 (I) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

O fim do juízo: uma conversa com Gilles Deleuze1

Igor Viana2

Resumo:
Proponho aqui uma conversa que é também uma tentativa de recuperação das ideias de Para dar um fim ao
juízo3, um pequeno e denso ensaio filosófico de Deleuze, inspirado na peça radiofônica Para dar um fim ao juízo
de Deus de Antonin Artaud. Ensaio que também empresta sentido para o subtítulo desta tese. Sempre me
surpreendo com esse texto de Deleuze, a cada nova leitura é como se algo novo surgisse das mesmas letras
grafadas no papel. Às vezes, páginas inteiras me pareciam ininteligíveis, quando de repente, em uma frase,
como num relâmpago em céu claro, todo o texto passasse a fazer mapa com a minha vida. O tema central do
ensaio é o julgamento, que é apresentado como uma doutrina que se desenvolve da tragédia grega à filosofia
moderna, na qual o trágico não seria a ação, mas o próprio juízo.
Curioso. Essa acentuada negação ao julgamento me fazia lembrar vivamente das aulas de teatro no Galpão
Cine Horto, minha segunda casa ao longo dos intensos e prazerosos anos de formação em seus cursos livres.
4XDQWDVYH]HVRXYLIUDVHVFRPR´YRFrHVWiVHMXOJDQGRHQWUHQRSDOFRHIDoDGHQRYRµRX´YDPRVJHQWH
VHPMXOJDPHQWRDSURSRVWDpH[SHULPHQWDURH[HUFtFLRµ(RTXmRGLItFLOHUDHVFDSDUDRMXOJDPHQWR1mRDR
julgamento do outro, mas ao próprio julgamento. Entrar em cena sustentando a presença que ela exige na
exata medida do corpo e somente isso. Fugir aos julgamentos morais das nossas ações. Não imaginar, mas
vivenciar. Uma tarefa contínua de afirmação da experiência. Poderia dizer que o fim do julgamento é também
um imperativo do teatro, pelo menos do teatro da presença que nega a representação para afirmar a busca de
um lugar real e instaurado no corpo. Pois se a representação precisa de um corpo vazio onde nada acontece,
a presença demanda um estado de preenchimento real do corpo no aqui e agora. Para mim havia uma nítida
relação entre aquelas aulas de teatro e o ensaio de Deleuze.
Em Para dar um fim ao juízo, seguindo os caminhos de Espinosa e aliando-se a quatro emblemáticos
personagens (Nietzsche, Lawrence, Kafka e Artaud), Deleuze trava seu embate contra a categoria do juízo.
Não atoa, os quatro personagens aliados também padecem dessa mesma categoria. Todos chegaram a
FRQKHFHURSRQWRHPTXHDFXVDomRGHOLEHUDomRHYHUHGLWRVHFRQIXQGHPDRLQILQLWR1LHW]VFKH´SDVVDFRPR
UpXSRUWRGDVDVSHQV}HVPRELOLDGDVjVTXDLVHOHRS}HXPGHVDILRJUDQGLRVRµ 4/DZUHQFH´YLYHVRED acusação

1 O presente resumo expandido é parte integrante da tese em elaboração intitulada ´GLUHLWR é o mundo: uma dramaturgia
do fim do MXt]Rµ produzida na Linha de Pesquisa em Filosofia do Poder e Pensamento Radical da Faculdade de
Direito da UFMG.
2 Doutorando em Filosofia do Poder e Pensamento Radical na UFMG. Bolsista CAPES. Membro da dobra: confluências e

klínicas em esquizoanálise. E-mail: icamposviana@gmail.com


3 DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica, pp. 162-174.
4 Ibid. p. 162.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 80


GH LPRUDOLVPR H SRUQRJUDILDµ 5.DIND ´VH PRVWUD ¶GLDEyOLFR QD PDLV FRPSOHWD LQRFrQFLD· SDUD HVFDSDU GR
¶WULEXQDO QR KRWHO· RQGH VmR MXOJDGRV VHX HVSRQVDLV LQILQLWRVµ 6; e Artaud é submetido às mais penosas
FDWHJRULDVGRMXt]RFRPRD´SHUtFLDSVLTXLiWULFDµ7.
$JHQFLDQGRHVVHVTXDWURSHUVRQDJHQV'HOHX]HDILUPDUiTXHDOyJLFDGRMXt]RVH´FRQIXQGHFRPDSVLFRORJLD
GRVDFHUGRWHFRPRLQYHQWRUGDPDLVVRPEULDRUJDQL]DomRTXHURMXOJDUSUHFLVRMXOJDUµ 8. O que nos lembra
a estória, contada em Mil PlatôsGRSDGUHTXHODQoDDWUtSOLFHPDOGLomRDRGHVHMRDILQDO´FDGDYH]TXHRGHVHMR
pWUDtGRDPDOGLoRDGRDUUDQFDGRGHVHXFDPSRGHLPDQrQFLDpSRUTXHKiXPSDGUHSRUDOLµ 9, completaria: e
há um juízo sendo feito. Voltando-se para o norte, o padre declarava o desejo como falta, operando o primeiro
sacrifício, denominado castração. Virando-se para o sul, revelando sua face hedonista, o padre afirmava que
o desejo aliviava-se no prazer, o prazer-descarga, operando o segundo sacrifício, denominado masturbação.
Depois, para o leste, o padre gritava que o gozo era impossível e que esse impossível do gozo estava inscrito
QRGHVHMR´IDOWDGHJR]RTXHpDYLGDµ 10, operando o terceiro sacrifício, denominado fantasma. O curioso é
TXHRSDGUHQmRVHYROWDDRRHVWHDFUHGLWDQGRVHUXPD]RQDQmRKDELWDGDSHORVKRPHQVQRHQWDQWR´HUDDOL
TXHRGHVHMRHVWDYDHVFRQGLGRµ 11. Afinal, há uma alegria imanente no desejo que não implica falta alguma e
nem se mede pelo prazer. Essa alegria, enquanto potência de vida, é justamente oposta ao juízo e ao poder.
Para Nietsche, a condição do juízo teria a ver com a consciência de se estar em dívida com uma divindade,
´RKRPHPVyDSHODSDUDRMXt]RVypMXOJiYHOHVyMXOJDquando sua existência está submetida a uma dívida
LQILQLWDµ 12. Lawrence destaca que o cristianismo não renunciou ao poder, mas inventou sua nova forma, o
SRGHUGHMXOJDU+iXPMRJRHQWUH´RLQILQLWRGDGtYLGDµ H´DLPRUWDOLGDGHGDH[LVWrQFLDµTXHFRQVWLWXLD
doutrina do juízo, pois se o devedor é detentor de uma dívida infinita, é também preciso que sua existência
se estenda para além da sua morte. Com isso, não se trata de dizer que o juízo foi postergado ao infinito, mas
TXH´RDWRGHGLIHULUGHOHYDUDRLQILQLWRTXHWRUQDRMXt]RSRVVtYHOHVWHUHFHEHVXDFRQGLomRGHXPDUHODomR
suposta entre a existência e o infinito na ordem GRWHPSRµ 139LPRVHVVHPHVPRMRJRHP.DINDQ·O Processo,
DRDVVHQWDUDGtYLGDLQILQLWDQD´DEVROYLomRDSDUHQWHµHRGHVWLQRGLIHULGRQD´PRUDWyULDLOLPLWDGDµ
+DYHULDSDUD1LHWVFKHXPDMXVWLoDTXHVHRSRULDDWRGRMXt]R´VHJXQGRDTXDORVFRUSRVPDUFDP-se uns aos
outros, a dívida se escreve diretamente no corpo, conforme blocos finitos TXHFLUFXODPQXPWHUULWyULRµ14. Essa
MXVWLoDLQVFULWDQD FDUQHHEDVHDGD HPXP´sistema de crueldadeµpRFRQWUiULRGDGRXWULQDGRMXt]RTXHOKH
VXEVWLWXLQHOD´DVGtYLGDVVHHVFUHYHPVREUHXPOLYURDXW{QRPRVHPTXHVHTXHURSHUFHEDPRVGHPRGRTXH
MiQmRSRGHPRVVDOGDUXPDFRQWDLQILQLWDµ 15. Apesar de aparentemente mais suave, a doutrina livresca do

5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 Ibidem.
8 Ibid., p. 163.
9 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 3, p. 18.
10 Ibidem.
11 Ibidem.
12 DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica, p. 162.
13 Ibid., p. 163
14 Ibid., p. 164.
15 Ibidem.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 81


MXt]R ´QRV FRQGHQD D XPD HVFUDYLGmR VHP ILP H DQXOD TXDOTXHU SURFHVVR OLEHUDWyULRµ 16. Por isso, Artaud
aposta no sistema da crueldade e Kafka opõe a máquina da Colônia Penal jPiTXLQDG·O Processo. A inscrição na
SHOH´HQXQFLDDVUHODo}HVILQLWDVGRFRUSRH[LVWHQWHFRPDVIRUoDVTXHRDIHWDPDRSDVVRTXHDGRXWULQDGD
GtYLGDLQILQLWDGHWHUPLQDDVUHODo}HVGDDOPDLPRUWDOFRPRVMXt]RVµ 17. E é essa doutrina do juízo que derruba
e toma o lugar de todo um sistema de afecções.
O terreno de construção da doutrina do juízo também não foi nada favorável, ela teve que atravessar
bifurcações e desvios. Foi primeiro preciso que a dívida contraída fosse contraída com deuses. Depois, foi
indispensável que essa dívida fosse referida não às forças as quais éramos depositários, mas aos próprios
GHXVHV TXH VXSRVWDPHQWH QRV GDYDP HVVDV IRUoDV 1R LQtFLR ´RV GHXVHV HUDP WHVWHPXQKDV SDVVLYDV RX
pleiteantes queixosos que não podiam julgar (como nas Eumênidas de Ésquilo). Só pouco a pouco os deuses
H RV KRPHQV HOHYDUDP MXQWRV j DWLYLGDGH GH MXOJDUµ18. E assim a doutrina do juízo foi se formando,
SUHVVXSRQGR TXH RV GHXVHV FRQFHGHVVHP ´lotes aos homens, e que os homens, segundo seus lotes, sejam
apropriados para tal ou qual formaSDUDWDORXTXDOILPRUJkQLFRµ 19. Os desvios continuam e eis que a última
ELIXUFDomRVHSURGX]FRPRFULVWLDQLVPR´QmRKiPDLVORWHVSRLVVmRQRVVRVMXt]RVTXHFRPS}HPQRVVR
~QLFRORWHHWDPSRXFRKiIRUPDSRLVpRMXt]RGH'HXVTXHFRQVWLWXLDIRUPDLQILQLWDµ 20. O que significaria
GL]HUTXH´ORWHDU-se a si mesmo e punir-se a si mesmo tornaram-se as características do novo juízo ou do
WUiJLFRPRGHUQR+iVRPHQWHMXt]RHWRGRMXt]RLQFLGHVREUHXPMXt]Rµ21$JRUD´MiQmRVRPRVRVGHYHGRUHV
GRVGHXVHVSHODVIRUPDVRXILQVVRPRVHPWRGRQRVVRVHURVGHYHGRUHVLQILQLWRVGHXPGHXV~QLFRµ 22 ou
qualquer outro ente (como o próprio Estado) que ocupe esse lugar supremo da representação.
'DYLG/DSRXMDGHQRVDOHUWDTXHD´FUtWLFDDRIXQGDPHQWRpLQGLVVRFLiYHOGHXPDFUtWLFDGRMXt]R&RPHIHLWR
RTXHpMXOJDU"-XOJDUQmRpIXQGDUPDVVXEPHWHURVVHUHVTXHVHMXOJDjVH[LJrQFLDVGRIXQGDPHQWRµ 23. E
´IXQGDUpVHPSUHIXQGDUDUHSUHVHQWDomRµ 24. O juízo teria sempre duas cabeças, uma de distribuição e outra
de hierarquização, a primeira garante o monopólio de uma forma de identidade que se distribui aos seres e a
segunda hierarquiza essa distribuição conforme o fundamento. Juntas essas cabeças constituiriam a justiça
HQTXDQWRYDORUGRMXt]R´1mRVHSRGHS{UXPILPDRMXt]RVHQmRVHS}HXPILPDRIXQGDPHQWR3RLVQD
realidade só se funda para julgar, para ter o direito de julgar, e julgar segundo um direito que procede da forma
GHLGHQWLGDGHGRIXQGDPHQWRµ 25. Deleuze reforça que não adianta remontar a um pré ou antejudicativo para
VDLUGHVVHVLVWHPDGRMXt]RDILQDOFRPRGHVWDFD/DSRXMDGHVy´VHSRGH¶S{UXPILPDRMXt]R·² se é que se
pode ² VHRVRORVREUHRTXDOHOHVHHUJXHVHGHVPRURQDHRKRUL]RQWHVHDEUHµ 26. De alguma forma, acabar
com o juízo é também desmoronar o solo sob os nossos pés e com ele aquilo que o funda, afirmando o sem-

16 Ibidem.
17 Ibid., 165.
18 Ibidem.
19 Ibidem.
20 Ibid. p. 166.
21 Ibidem.
22 Ibidem.
23 LAPUJADE, David. Deleuze, os movimentos aberrantes, p. 58.
24 DELEUZE. Diferença e repetição, p. 379.ီ
25 LAPUJADE, David. Deleuze, os movimentos aberrantes p. 58.
26 Ibid. p. 59.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 82


fundo diferencial dos seres e a recusa à representação em favor do campo de imanência do desejo que é
´WHVWHPXQKDGHXPQRYR¶GLUHLWR·µ27.
'HOHX]HFRQWLQXDVHXHQVDLRSURSRQGRDGRXWULQDGRMXt]RVHLGHQWLILFDULDFRPRVRQKRTXH´HQFHUUDDYLGD
nessas formas em nome das quais a julgamos. (...) ergue muros, nutre-se da morte e suscita as sombras,
sombras de todas as coisas e do mundo, sombras GHQyVPHVPRVµ28. Ele destaca que os grupos que tanto se
interessam pelo sonho como a psicanálise e o surrealismo possuiriam a repugnante mania de também na
realidade formar tribunais que julgam e punem. Contra o sonho apolíneo, estado dirigido e governado demais,
Deleuze sugere a embriaguez dionisíaca ou o sono sem sonho, caminho que entramos toda vez que nos
desviamos do juízo em direção à justiça.
Outra imagem do juízo é o poder de organizar ao infinito corpos, órgãos e sentidos, exposto de forma visceral
QDSHoDUDGLRI{QLFDGH$UWDXG´'HXVFULRXSDUDQyVXPRUJDQLVPR  DOLRQGHWtQKDPRVXPFRUSRYLWDOH
YLYHQWHµ29&RQWUDLVVR$UWDXGQRVEULQGDFRPR´FRUSRVHPyUJmRTXH'HXVQRVURXERXSDUDLQWURGX]LUR
corpo organizado sem o qual o juízo não se poderia exercer. O corpo sem órgãos é um corpo afetivo,
LQWHQVLYRDQDUTXLVWDµ30. Criar para si um corpo sem órgãos é justamente uma das formas de se escapar ao
MXt]R$OJRWDPEpPSUHVHQWHQRSURMHWRGH1LHW]VFKHTXHSURS}H´GHILQLURFRUSRHPGHYLUHPLQWHQVLGDGH
como poder de afetar e ser afetado, isto é, Vontade de potênciaµ31 contra todo o querer-dominar.
Desviar do juízo é também apostar no combate ao invés da guerra. Pois o combate nunca é exclusivamente
contra algo, mas é também entre VXDVSUySULDVSDUWHV2´FRPEDWH-contra busca destruir ou repelir uma força
OXWDUFRQWUDDV¶SRWrQFLDVGLDEyOLFDVGRIXWXUR· PDVRFRPEDWH-entre, ao contrário, trata de apossar-se de
uma força para fazê-ODVXDµ32, ou seja, trata-se do processo de soma das forças num novo conjunto, num
GHYLU2FRPEDWHp´HVVDSRGHURVDYLWDOLGDGHQmRRUJkQLFDTXHFRPSOHWDDIRUoDFRPDIRUoDHHQULTXHFH
DTXLOR GH TXH VH DSRVVDµ33 como um bebê em seu querer-viver obstinado. O combate é criativo e não
destrutivo.
E assim Deleuze finaliza o que chama das cinco FDUDFWHUtVWLFDVTXHSDUHFHPRSRUDH[LVWrQFLDDRMXt]R´a
crueldade contra o suplício infinito, o sono ou a embriaguez contra o sonho, a vitalidade contra a organização, a vontade de
potência contra um querer-dominar, o combate contra a guerraµ34. Afinal, trata-se disso, fazer existir, não julgar. Afirmar
a existência ao invés do sistema de juízo. Uma existência enquanto experimentação. Não se trata de julgar o
TXHQRVDFRQWHFHPDVGHVHQWLUVHRTXHQRVDFRQWHFH´QRVFRQYrPRXGHVFRQYrPLVWRp se nos trazem
IRUoDVRXHQWmRQRVUHPHWHPjVPLVpULDVGDJXHUUDjVSREUH]DVGRVRQKRDRVULJRUHVGDRUJDQL]DomRµ 35. O
MXt]R SUHVVXS}H ´FULWpULRV SUHH[LVWHQWHV YDORUHV VXSHULRUHV  H SUHH[LVWHQWHV GHVGH VHPSUH QR LQILQLWR GR

27 Ibid. p. 52.
28 DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica, p. 166.
29 Ibid. p. 168.
30 Ibidem.
31 Ibid. p. 169.
32 Ibid. p. 170.
33 Ibid. p. 171.
34 Ibid. p. 173.
35 Ibid. p. 173-174.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 83


WHPSR GHWDOPDQHLUDTXHQmRFRQVHJXHDSUHHQGHURTXHKiGHQRYRQXPH[LVWHQWHµ 36 e impede a chegada
de qualquer outro modo de existência. O juízo é a tentativa de conservação de um mesmo e único solo.
Mas, seria mesmo possível afirmar uma justiça sem juízo? Sei que isso ainda pode soar muito estranho e
distante. Os movimentos da maré são muitos e ainda vamos agenciar o fim do juízo em diferentes níveis,
mas, por ora, ainda que brevemente neste mergulho, vale esclarecer dois pontos. Primeiro, o fim do juízo não
pRILPGDGLIHUHQFLDomR´6HMXOJDUpWmRUHSXJQDQWHQmRpSRUTXHWXGRVHHTXLYDOHPDVDRFRQWUiULRSRUTXH
tudo o que vale só pode fazer-se e distinguir-VHGHVDILDQGRRMXt]Rµ37. Segundo, o fim do juízo não é o fim da
GHFLVmR´$GHFLVmRQmRpXPMXt]RQHPDFRQVHTXrQFLDRUJkQLFDGHXPMXt]RHODMRUUDYLWDOPHQWHGHXP
turbilhão de forças que nos arrasta no combate. Ela resolve o combate sem suprimi-lo nem encerrá-ORµ38.
Portanto, no sistema de afetos, continuamos a diferenciar e decidir, mas não a partir dos critérios
transcendentais preexistentes, mas sim, como veremos adiante, partindo da própria experimentação como
algo central à existência que afirme a potência da vida.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE. Diferença e repetição. Trad. Roberto Machado. Rio de janeiro: Graal, 2006, 2 a edição.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: 34, 2011.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo:
Editora 34, 2012 (2a edição), vol. 3.
LAPUJADE, David. Deleuze, os movimentos aberrantes. Tradução: Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: n-1 edições,
2015.

36 Ibid. 173.
37 Ibidem.
38 Ibid. 172.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 84


GT 4 (II) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

A atual profusão da Esquizoanálise e a produção de demanda por


esquizoanalistas no Brasil. Por que agora?

André Rossi1

Resumo:
Essa é uma apresentação-arguição de quem pergunta tendo somente pistas daquilo que quer pesquisar junto
da audiência do Congresso. Na década de 80 do século XX a esquizoanálise no Brasil ficava muito restrita a
uma apreensão filosófica das obras dos autores precursores, os livros da Suely Rolnik e outras práticas ou
teorizações ligadas à Socioanálise de Lourau e Lapassade, embora tenha havido um pouco antes um
protagonismo enunciador de uma prática híbrida de psicanálise, grupos e instituições (IBRAPSI) que
consideremos inaugural de nossa experiência clínica antropofágica esquizoanalítica brasileira (ROSSI, 2019).
Entrando pela década de 90 até a primeira década do século XXI, instalamos uma espécie de polarização em
dois eixos no que se refere à esquizoanálise no Brasil. O eixo Rio de Janeiro-São Paulo, mais acadêmico, se
posicionava ou dizendo que o que fazia era Psicanálise (núcleo PUC-SP) ou se posicionava designando-se
como clínicos numa perspectiva transdisciplinar da clínica (núcleo UFF-Niterói). Portanto um eixo que não
tomava para si o significante esquizoanálise, embora houvesse uma prática arrojada de cínica e política que
costurava os autores desse campo. Por outro lado, o eixo Minas Gerais (IGB) - Cone sul latinoamericano
(iniciativas universitárias ou não no Uruguai, Argentina e Chile) afirmavam práticas designadas como
esquizoanalíticas. Eixo menos universitário, mais constituído pelas experiências de organização política e
sindical. A posição da UFMG nesse período eu não sei, tampouco qual as práticas esquizoanalíticas,
designadas como tal, aconteciam nesse imenso Brasil de universidades públicas, privadas e grupos não
LQVWLWXFLRQDOL]DGRV0HUHFHSHVTXLVD6DEHPRVTXHR´6HWRUµDSHOLGDGDSDUWHGRGHSDUWDPHQWRGH3VLFRORJLD
da UFMG com pendor totalmente socioanalítico, já havia trazido Lapassade na década de 70 ao Brasil
(MACHADO, 2001).
Essa pequena polaridade oriunda de históricos diferentes ganhou ares de antagonismos explícito no I Encontro
Latinoamericano de Esquizoanálise (2004) rHDOL]DGRHP0RQWHYLGpXFRPRDFRQWHFLPHQWRGR´HVTXL]RER[Hµ
que denotava uma aberta divergência quanto a formação, a abertura de escolas, quiça de organização
internacional para a esquizoanálise (ROSSI, 2022a). Hoje atores que outrora divergiam corporalmente,
convergiram para uma mesma iniciativa: a formação em esquizoanálise não é somente algo permitido como
XUJHQWH -XQWR GLVVR QmR FHVVDP GH VXUJLU GHPDQGDV SRU ´HVTXL]RDQDOLVWDVµ QD FOtQLFD GH FRQVXOWyULRV

1 Psicólogo, esquizoanalista, doutor em psicologia - UFF. Coordenador, Professor, Supervisor clínico-institucional da


Formação Livre em Esquizoanálise: perspectiva transdisciplinar da clínica. E-mail: a.rossi.psi@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 85


particulares e de implementação de ementas em graduações de psicologia que incluam a esquizoanálise como
bibliografia (DUARTE; ROSA, 2022). O que se passou?
Uma micro hipótese é a de que a ascensão do neofascismo junto da pandemia não nos deixou mais perder
WHPSRFRPDQWDJRQLVPRVEDUDWRVHQWUH´IDOWDHH[FHVVRµRXDGH´SRGHRXQmRWHUIRUPDomRµPDVQRVXQLX
- como numa nova primavera antropofágica-tropicalista - em tornos de reais problemas contemporâneos e
localizados. Reunirmo-nos em torno de congressos, grupos, formações e fazer proliferar essa ferramenta-
teoria da esquizoanálise seria uma espécie de inoculação antifascista, decolonial e atenta aos problemas clínico
políticos contemporâneos. Além disso há uma desestabilização contemporânea da psicanálise, na qual parece
que as críticas esquizoanalíticas tiveram efeitos, que podem ser captadas a partir do efeito predicativo do qual
psicanálise vem acompanhada: magens clínica, aquilombamento, clínica das bordas, nebulosa
PDUJLQDO«1LVVRFRQVLGHURTXHpQDVERUGDVQDVPDUJHQVQDVSHULIHULDVTXHQRVHQFRQWUDPRV3DUWLQGRGH
um entendimento que considero decolonial e interseccional da esquizoanálise posso afirmar: essa prática
clínico política tem autores precursores, mas ela mesma é uma criação latinoamericana; uma confluência de
linhas (a) da filosofia da diferença no seu aspecto mais amplo, (b) da psicanálise em deriva, (c) de uma
sociopolítica bem ampla incluindo materialismo-histórico, socioanálise, análise institucional e grupalismo, (d)
das lutas pela redemocratização e dos movimentos das melhorias em saúde no Brasil (ROSSI, 2022b). É isso
que temos retomado, seja sob qual designação.
Contudo, há de se entender que demanda é essa e sobretudo há de se cuidar, entendendo que somos um
movimento, fazendo operar nossas ferramentas já deveras afiadas de análise de implicação, embora sem medo
do chamado a nos associarmos.

Referências bibliográficas preliminares:


DUARTE, M.B; ROSA, M.C.M. A inserção da Esquizoanálise em currículos e projetos pedagógicos de cursos de
Psicologia. Ayvu. Vol.9. 2022;
MACHADO, M. N. M. Práticas pedagógicas da psicossociologia nos anos 60 e 70. In: JACÓ-VILELA, A.M;
CEREZZO, A. C; RODRIGUES, H.C.B (orgs). Clío-Psiqué hoje: fazeres e dizeres psi na história do Brasil. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2001, p. 35-40;
ROSSI, A. Esquizoanálise: a clínica e a formação na contemporaneidade brasileira. In: FREITAS, M.C et al.
Conversações cartográficas: fragmentos e devires insistentes numa universidade pública. Divinópolis, 2022b, p.40-50;
ROSSI, A. Formação em Esquizoanálise: pistas para uma formação transinstitucional. Appris: Curitiba, 2019.
ROSSI, A. Um singular encontro com Gregorio Baremblitt. Mnemosine. Vol.18, n. 2, p. 315-325, 2022a.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 86


GT 4 (II) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

A reformulação da luta de classes em uma abordagem alinhada


com um compromisso político

Izabella Rebecca Guidoni de Souza1

Resumo:
A arquitetura do presente trabalho se situa na temporalidade visto que todo problema humano exige ser
considerado a partir do tempo (Fannon, 2021). Nesse sentido, entende-se que é preciso situar análise de
tensionamentos sociais a partir de uma perspectiva temporal. Visto que conceitos voltados a uma regularidade
prevista são insuficientes para o entendimento das especificidades de relações de poder que se dão em
contextos diversificados. Portanto, se faz necessária uma espécie de produção teórica autônoma, não
centralizada, ou seja, que, para estabelecer sua validade, não necessita da chancela de um regime comum
(Foucault, 2000).
Ao tentar se distanciar das pretensões teóricas universalizantes na obra Em defesa da Sociedade (2000),
Foucault se debruça sobre a análise de uma dimensão histórica da subjetividade e das relações de poder.
Ainda nesta obra, se constrói a consideração de que as formações humanas são marcadas por uma guerra
contínua e que a continuidade dessa violência é entendida como constitutiva da subjetividade.
Fazendo uso desses pressupostos e da perspetiva de que todo saber é situado, histórico e parcial, o presente
trabalho se volta a análise da congruência dos conceitos foucaultianos supracitados com a constatação da
insuficiência das classes marxianas na compreensão plenas das relações de poder.
Entende-se que a luta de classes assumiu uma dialética em que a forma do proletariado e sua luta foi a
perspectiva central ³ e exclusiva ³ de análise marxista, entretanto a crença na existência estratégica de duas
classes apenas, capitalistas e operários, se baseia em uma ilusão teórica e política (Lazzarato, 2022). Nesse
sentido, tradicionalmente se constituiu uma relação dialética universalizante ³ não havendo maiores
elaborações referentes aos ditos "anacronismos do marxismo" ³ o que, ao se voltar para a análise de
problemáticas "pré-capitalistas" percebe-se ser insuficiente para exprimir as dinâmicas poder que se
perpetuaram através das mudanças de regime de produção. Essa postura teórica demarca uma redução no
entendimento das estruturas de poder e relega as discussões que interpelam questões como raça e gênero a
um papel secundário visto que estas demandam de uma análise mais minuciosa de contextos.
Por conseguinte, assimilando que contextos diversos produzem uma variedade de relações ³ e, portanto,
uma variedade de tensionamentos de poder ³ demanda-se repensar o entendimento atual de luta de classes.
Não se tratando de um abandono do movimento político centralizado na luta mas se voltando a uma reflexão

1 Graduanda de psicologia (UFES). E-mail: izabellarguidoni@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 87


crítica de como o marxismo negou aos membros das classes oprimidas o atributo de ser um sujeito (Wittig,
2022) e como, portanto, se faz necessário a elaboração de retomada das classes estruturando essas perante as
demandas sócio políticas daquele contexto histórico, em uma concepção teórica similar à realizadas pelas
feministas materialistas.
Tendo isso em vista, o objetivo desta comunicaomo p destacar a reformulação dessas classes em um diálogo
com o princípio de transversalidade em uma tentativa de dimensionar historicamente a subjetividade e
aproximar a função do analista e do militante (Guattari, 2004). Isso porque partindo do pressuposto de que
o que constitui a fixidez do corpo, seus contornos, seus movimentos, poderá ser algo totalmente material,
desde que a materialidade seja repensada aqui como efeito produtivo do poder (Butler, 2020), se faz necessário
exercer uma postura ético-política que situe o corpo individual clínico como peça da máquina social
estabelecida em uma temporalidade.

Referências bibliográficas preliminares:


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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 88


GT 4 (II) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Esquizoanalistas: O que fazem? Uma cartografia da clínica


esquizoanalítica na Psicologia

Kelly Dias Vieira1

Resumo:
Este estudo é fruto de uma pesquisa de doutorado em Psicologia, tendo sua tese defendida em 2021 pela
PUC Minas e realiza uma analítica da Esquizoanálise enquanto possibilidade clínica para a área de
conhecimento e intervenção da Psicologia. A partir da experiência clínica da pesquisadora e das experiências
colhidas em dez entrevistas com profissionais da Psicologia que se orientam pela ética-estética-política da
Esquizoanálise, foi construída uma cartografia do funcionamento desta práxis. Por meio de causos, memórias,
experiências e afetos, esta cartografia inicialmente discutiu a produção de subjetividade sustentada pela
Esquizoanálise, articulando-a num pequeno histórico referente à formação em Psicologia no Brasil, bem
como as questões contemporâneas como a pandemia de Coronavírus e a situação política, social e econômica
brasileira. Por meio do diálogo não só de leituras que versam sobre a teoria esquizoanalítica, mas também
contribuições teóricas como a do feminismo negro, discute-se as relações existentes entre a formação e a
compreensão do que é subjetividade para as/os profissionais de Psicologia e sua prática e experimentações
clínicas. A subjetividade para a Esquizoanálise compõe-se e decompõe-se o tempo todo. Esta perspectiva
proposta por Deleuze e Guattari (2011), parte de uma noção de subjetividade que, além de extrapolar o
sentido de uma subjetividade universal, a considera como coletiva, complexa, heterogênea e composta por
linhas (flexíveis, de segmentaridade e de fuga). Essas linhas, que têm funcionamento distinto, se entrelaçam,
se atravessam, se fazem e se desfazem produzindo composições provisórias, operando tanto abertura quanto
rigidez. Sobre a formação em Psicologia no Brasil, minha preocupação e provocação se referiram a
observações feitas durante meu percurso formativo e também ao que colhi nas entrevistas, que apontam para
uma crítica à atuação clínica que muitas vezes se apresenta desconectada da realidade de seu público. As
questões relacionadas à desigualdade econômica e social brasileira, ao racismo, ao corpo, ao território, a

1 Doutora em Psicologia pela PUC Minas (2021). Mestra em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência (Saúde
Coletiva) pela Faculdade de Medicina da UFMG (2015). Possui graduação em Psicologia pela PUC-Minas (2006), Pós-
Graduação Latu Sensu em Análise Institucional, Esquizoanálise, Esquizodrama: Clínica de Grupos, Organizações e
Redes Sociais pelo Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais/
FELUMA (2009). Atuou como pesquisadora bolsista no projeto: Política de Periódicos para Minas Gerais.
(Departamento de Psicologia/UFMG) e como Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Grupos, Instituições e
Redes Sociais (L@gir)/FAFICH/UFMG. Foi membro do Instituto Félix Guattari/ Instituto Gregorio Baremblitt.
Membro do Grupo de Estudos e Ações em Filosofia e Educação (grupelho- FaE/UFMG). Supervisora Clínico-
Institucional da Coletiva Mulheres da Quebrada. Professora e Supervisora da Formação Livre em Esquizoanálise. Atua
nas áreas de Psicologia Clínica, Esquizoanálise, Saúde Mental, Psicologia Social, Assistência Social, Grupos e
Indivíduos. E-mail: diasvieirakelly@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 89


gênero se entrecruzam e se diferem bastante da branquitude dominante de quem produz ciência, as teorias
em Psicologia. Minha defesa é a de sustentar na prática clínica uma visão interseccional, decolonial, que não
seja neutra, não se apoie na lógica neoliberal e não admita essa cisão da subjetividade e do social, dando
consistência à singularidade e considerando sempre a dimensão política do sofrimento psíquico. No intuito
de apresentar possíveis trajetórias à/ao psicóloga/o que deseja buscar na Esquizoanálise uma possibilidade
de atuação, elencou-se e discutiu-se alguns aspectos que são comuns à prática da/o esquizoanalista, assim
como o que seriam seus princípios ou tarefas elementares, articulando-as à prática da Capuêra Angola.
Inicialmente, propus uma discussão acerca da clínica esquizoanalítica a partir de sua compreensão singular
sobre subjetividade e da indissociabilidade entre clínica e política, proponho que esta opera a partir de três
tarefas, conforme apresentam Deleuze e Guattari (2010). Tarefa destrutiva ou de raspagem, tarefa positiva de
mapeamento dos fluxos desejantes, ou cartográfica e tarefa conectiva, reterritorializadora. Essas tarefas têm
funções diferentes e funcionam a todo tempo, sendo indissociáveis. A partir da leitura feita dessas tarefas,
proponho uma aproximação com uma luta/jogo/dança/arte afro-brasileira, a capuêra Angola. Nessa
aproximação, nomeio a tarefa destrutiva, ou de raspagem, de rasteira; a positiva cartográfica de ginga; e a
positiva conectiva de roda. Essa aproximação entre Esquizoanálise e capuêra Angola não é fortuita pois, o
que temos feito com a Esquizoanálise no Brasil se aproxima de algo transita no universo da Esquizoanálise:
ideia de roubo criativo defendido por Deleuze e Guattari (2010). Um roubo, uma apropriação daquilo que
nos convém, do que faz funcionar nossa prática. Assim também o é na capuêra Angola, pois, foi inventada
em solo brasileiro, utilizando-se de todo o aprendizado ancestral trazido na memória, sobretudo corporal,
das/oss africanas/os no sentido de fazer funcionar uma ética, uma estética e uma política (de sobrevivência),
assim como também o fez a Esquizoanálise. É apresentada e discutida ainda a ferramenta teórico-
metodológica-técnica do Esquizodrama como possibilidade de intervenção para a clínica esquizoanalítica.
Durante a pesquisa cartográfica e a partir das entrevistas realizadas e da minha própria experiência
profissional, foi possível finalmente apresentar alguns aspectos do que efetivamente fazem as/os profissionais
que escolhem essa clínica: esquizoanalistas estudam; consideram a perspectiva corporal na clínica; criam
dispositivos; realizam trabalhos grupais; participam de supervisão clínica e fazem Esquizodrama.

Referências bibliográficas preliminares:


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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 90


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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 91


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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 92


GT 4 (II) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Manifesto pelo direito ao dissenso e ao inconciliável

Alexander Motta de Lima Ruas1

Resumo:
O presente trabalho é um manifesto decolonial contra a mitologia ocidental que tem sido pautada na ideia de
diálogo e consenso. Sempre temos desejado um lugar de conforto no campo da opinião e do pensamento,
ainda que utilizando-nos de filosofias críticas. Tendemos a querer e buscar resoluções, dialéticas que
transformam antíteses em novas teses, ainda que temporárias.
Vivemos imersos em uma fantasia de verdade, lugar a chegar, de solução de conflitos, de pacificação do
conhecimento, de mediação de interesses que levam a um acordo, a estabilidades no campo das lutas, a
combinados que, se feitos, devem ser cumpridos. Uma utopia, um não-lugar, portanto, que ganha espaço em
vários discursos e práticas que se inserem no campo social.
No Direito temos advogados, juízes, juízes de paz. Nos debates temos mediadores, nos casamentos temos
advogados. Na igreja temos padres,pastores, conselheiros.Na escola temos mediadores escolares; na
psicologia temos dinâmica de grupo, clínica, psicologia jurídica, escolar, recursos humanos, hospitalar,
SUiWLFDVHPVD~GHPHQWDO«WRGDVas áreas, de certa maneira, criadas para mediar conflitos.
Por que não avaliarmos a possibilidade de não ter acordo? Por que ao invés de buscar a cessão do conflito,
não podemos sustentar o dissenso e abrir a chance para o inconciliável?
Entender uma das partes como a parte correta, pode ser justo do ponto de vista lógico-formal, mas talvez
não seja eticamente adequado.
Afirmar o inconciliável é afirmar a capacidade humana da multiplicidade de versões possíveis de habitar o
mundo. Existe uma fantasia do acerto, um futuro porvir glorioso que levaria embora as malesses, as
imperfeições e os contrassensos. Há uma vontade de pacificar e deixar as vidas planas, amornadas, lisas, sem
conflitos. Assim, supostamente, as amizades, os casamentos, os namoros, as relações professor-estudante, as
relações das pessoas com as instituições seriam mais fortes, coesas (RANCIÈRE, 2005)

1 É psicólogo, músico e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, especialista em psicologia e
psicólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor de graduação, lecionando e pesquisando o cuidado
na sua intersecção com gênero, racismo e classe. Foi coordenador do curso de Psicologia na Universidade Estácio de
Sá (2018-2022), e psicólogo voluntário por dois anos do serviço de saúde mental da Secretaria de Vitimados (SEVIT)
do Governo do Estado do Rio de Janeiro Atualmente é professor do Departamento de Psicologia de Campos dos
Goytacazes da Universidade Federal Fluminense, sendo também supervisor do SPA na abordagem transdisciplinar da
clínica. Tem experiência na área de Psicologia Social e Pesquisa, produzindo trabalhos principalmente sobre os
processos de subjetivação no contemporâneo, pesquisa-intervenção, tendo recentemente concluído pesquisa sobre os
impactos do racismo na saúde mental da população negra. E-mail: alexander.motta@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 93


A obrigação à conciliação é uma violência, ela esmaga a capacidade humana do sujeito ser reconhecido em
seu lugar de diferença. A obrigação do consenso e da diplomacia reflete os valores absolutos dos pactos
brancos eurocêntricos e cínicos que colonizaram a sociedade ocidental (BENTO, 2022)
O contínuo processo de libertação disso não pressupõe chegar a um lugar apenas de dissenso, mas
permanentemente reconhecer e sustentar tranquilamente a impossibilidade de diálogo, plano comum
afirmando o desacordo (CORAZZA,2003).
Há pactuações que não podem ser feitas; existem acordos que por partirem de pressupostos morais, em sua
base já estão enviesados. Ou seja, há limites para viver com os outros, e não basta o desejo de viver juntos
para que nasça dali um plano comum. Devemos sempre perguntar: é possível o plano comum nessa situação
concreta? As diferenças que nos habitam nos permite negociar e acordar uma vida juntes? (EUGÊNIO E
FIADEIRO, 2013)
Saber cortar, afirmar o fim, deixar morrer, agonizar, interromper, convocar outros fluxos, reassentar, firmar,
descombinar, matar a obrigação da unanimidade, sustentar o reconhecimento da diferença em sua
radicalidade são pistas para infiltrar no mundo o pensamento do direito ao desentendimento.
No campo da contradição, encontramos, homossexuais racistas, etaristas, gordofóbicos; homens trans
misóginos; homens pretos homofóbicos; pessoas gordas capacitistas;mulheres feministas transfóbicas;
pessoas não-monogâmicas descuidadas, abusivas, tóxicas; grupos de esquerda em defesa de ideias neoliberais
e meritocráticas, pessoas pretas e pobres que são afetadas pelo capitalismo, lutando a favor do capitalismo e
do consumismo; mulheres de esquerda afetivamente irresponsáveis
Talvez aqui precisemos aniquilar a fantasia purista de coerência, de alinhamento, de desejo de nexo entre
teorias e ações, falas e atitudes, discurso e comportamento como se em todo momento da vida
conseguíssemos ser constantes, consistentes e essencialmente íntegros, como se não estivéssemos a cada
segundo negociando com a realidade enquanto a produzimos.
Extinguir, então, a ideia de verdade, deixando estilhaçadas apenas versões, sem que qualquer uma delas seja
eleita prioritariamente como a única que vai orientar a vida. Deixar a vida se orientar por várias verdades, e
politicamente, estrategicamente, afirmar algumas, pra não sermos, ingenuamente, capturados pelo poder que
deseja o tempo todo e a qualquer custo nos confundir com versões desonestas da vida coletiva. Mas não
esquecer que isso é estratégia, e que qualquer ato de vestir a camisa de qualquer instituição, é estar
comprometido com um lado que se quer supostamente verdadeiro, portanto reintrodutor do consenso e da
pacificação que desejamos expurgar.

Referências bibliográficas preliminares:


BENTO,C. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras; 2022.
CORAZZA, Sandra Mara; TADEU, Tomaz. Manifesto por um pensamento da diferença em educação. Belo
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São Paulo, v. 57, n. 4, p. 16, Dec. 2005.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 94


GT 4 (II) - Caixa de ferramentas esquizoanalítica

Vidas em composição: conexões entre a Filosofia, a Arte e a Clínica

João Vitor de Freitas Gimenes1


Sonia Regina Vargas Mansano2

Resumo:
A presente comunicação visa apresentar uma pesquisa em andamento que traçou como objetivo analisar a
noção de composição de vidas valendo-se de diálogos entre a Filosofia, a Arte e a Psicologia. Nessas
conversações, problematizamos que, para além de uma trajetória definida e direcionada, falamos da produção
de modos de vida, dos processos de criação e dos planos de composição na existência. Para aproximar tais
dimensões o estudo foi organizado teoricamente sobre processos de criação artístico-musical em diálogo com
o que denominamos composições de vida na prática clínica. O elemento central da pesquisa consiste em
abordar a relação da composição com a vida cotidiana, atentando aos processos de subjetivação e suas
variações afetivas. A noção de plano de composição, elencada nas obras de Deleuze e Guattari, atravessa os
modos de vida, mas sua abordagem em estudos acadêmicos que o relacione com a prática clínica e com a arte
ainda são escassos. Com o propósito de aproximar essa noção filosófica da Psicologia e da Arte, a pesquisa
concebe a noção de composição como ferramenta crítico-clínica em meio à uma lacuna de pesquisas na área.
Teoricamente, são abordadas três dimensões denominadas como composições: filosóficas, artístico-musicais
e clínica. No intuito de oferecer uma proximidade do estudo teórico com a vida cotidiana, o estudo abriu
uma parte empírica na qual dotou uma perspectiva metodológica qualitativa com a estratégia documental.
Assim, na parte empírica do estudo foram selecionados e analisados registros e diálogos de compositores
brasileiros que relatam seus processos de criação de letra, música e vida. As entrevistas foram cedidas e
publicadas em documentos de domínio público disponibilizados em sites e nas redes sociais dos artistas.
Foram selecionados cinco compositores que estão envolvidos com a denominada Música Popular Brasileira
(MPB), sendo eles Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil e Djavan. Sua
oparticipação foi definida a partir de três critérios: a importância que suas obras possuem na cultura brasileira;

1 Está cursando Mestrado em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Obteve "Formação em
Esquizoanálise" pela Escola Nômade de Filosofia. Formado em Psicologia pela UEL em 2017. Foi bolsista do CNPq
de Iniciação Científica. Atuou no Projeto de Extensão: "Pronto Atendimento Psicológico na Clínica Psicológica da
UEL", no Programa de Extensão: "Intervenção psicológica na rede pública de serviços no contexto da saúde mental"
e como estagiário no Centro de Atenção Psicossocial III, o CAPS III - Conviver, de Londrina/Pr e no Instituto
Roberto Miranda, Centro de Instrução, Reabilitação e Apoio a Necessidades Visuais de Londrina e região. Participou
do grupo terapêutico em saúde mental "Despertando Potências, Produzindo Protagonismos". Foi entrevistador do
PMAQ, programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Atualmente trabalha como
psicólogo clínico na cidade de Londrina, tendo como referência a clínica psicanalítica em composição com a
esquizoanálise. E-mail: joaov.fgimenes@gmail.com
2 Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Departamento de Psicologia Social e Institucional da
Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. E-mail: mansano@uel.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 95


a longa história de atuação como compositores no Brasil, sendo que todos eles já completaram oitenta anos
de vida; e a ampla quantidade de materiais disponibilizados em acesso público. Ao analisar os processos de
composição descritos nas entrevistas, depoimentos e textos publicados, a pesquisa constatou os seguintes
resultados: na vertente filosófica os artistas esclarecem o quanto sua prática de composição é habitada por
problematizações e crises que cooperam para compreender as dificuldades e desafios atualizados nos
processos de criação de letras e melodias. Já na dimensão artístico-musical os compossitores mostram a
existência de técnicas precisas que são importantes para a área musical, mas que não se reduzem a elas. Assim,
colocam em cena o corpo e sua potência de afeto para compor. Por fim, os artistas mostram que as
composições são marcadas por uma dimensão clínica, uma vez que deixam evidente a indissociabilidade entre
vida e morte, processos esses inerentes a produção dos modos de vida. A noção de composição nessas três
dimensões (filosófica, artístico-musical e clínica) se expande e ganha contornos de um olhar sensível sobre a
existência que pode ser aliado de modos de vida expansivos ao mesmo tempo que provisórios. Ao final desta
trajetória, poderemos dialogar com os participantes desse GT o quanto é possível fazer uma aproximação
entre as teorias e os depoimentos aqui apresentados, sendo que os compositores cooperam para levantar
pistas clínicas sobre as possibilidades de abordar a existência social e afetiva por meio de ensaios e criações
que são marcadas pelo desafio de compor. Essa vertente clínica na interface com o social pode vir a ser uma
aliada da sensibilização para detectar e colocar em cena outros modos de sentir, pensar e viver a vida. Conclui-
se, pela via da composição, que a existência está conectada com a complexidade e provisoriedade dos
processos de subjetivação, sempre em curso e abertos a experimentações diversas. A composição como uma
política de existência pode vir a ser uma populsora da descolonização do inconsciente, dos encontros e da
produção dos modos de viver.

Referências bibliográficas preliminares:


Baremblitt, G. G. (1992). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro, RJ.
Editora Rosa dos Ventos.
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Deleuze, G. (2017). Espinosa e o problema da expressão (L. Orlandi, Trans) São Paulo, SP. Editora 34.
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Editora 34.
Ferrez, S. (2008) Música e repetição: A diferença na composição contemporânea. São Paulo. SP. Editora Fapesp.
Fuganti, L. (2021). Saúde, desejo e pensamento: As origens da filosofia nômade. São Paulo, SP. Editora Mojo.
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Editora Papirus.
Guattari, F., & Rolnik, S. (1993). Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis, RJ. Editora Vozes.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 96


Mansano, S. R. V. (2016). A respeito do conceito de potência na prática clínica: leituras deleuzianas. Psicologia
Argumento, 34(84), 29-38. doi: 10.7213/psicol.argum.34.084.AO03
Passos, E., & Barros, R. B.(2004). O que pode a clínica? A posição de um problema e de um paradoxo. Em Fonseca,
T. M. G., & Engelman, S. (Org.). Corpo, Arte e Clínica, 275-286 Porto Alegre. RG. Editora UFRGS.
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 97


GT 5
Experimentações: relatos e práticas de intervenção

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 98


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

(Re)pensando práticas de pesquisa e de estágio com o futebol:


psicologia do esporte e produção de subjetividade no entremeio da
esquizoanálise

Marina de Mattos Dantas1

Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo apresentar pensamentos elaborados a partir de pesquisas
desenvolvidas sobre futebol e produção de subjetividade (DANTAS, 2008; DANTAS, 2011; DANTAS,
2017) e também de recente vivência na abertura de campo de estágio em psicologia do esporte no curso de
Psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG - Divinópolis), em uma escola de futebol
localizada na mesma cidade.
Das leituras, estudos e afetos que envolveram uma aproximação da pesquisadora com a Análise Institucional
e a filosofia da diferença por meio de interlocuções com os escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari
(DELEUZE, 1997; DELEUZE-GUATTARI, 2018), articuladas aos estudos de Michel Foucault sobre a
governamentalidade neoliberal e a emergência do sujeito empreendedor-de-si (FOUCAULT, 2008;
FOUCAULT, 2012), buscou-se notar, entre outras questões, as emergências do jogador-empresa no futebol
jogado por homens cis no Brasil, instituído como modalidade profissional (DANTAS, 2017). Além disso, foi
foco de uma das pesquisas compreender como o trabalho do Psicólogo do Esporte contribui(a) no processo
de subjetivação do atleta profissional contemporâneo (DANTAS, 2011).
Nessas duas oportunidades anteriores, me detive às linhas mais duras da configuração dessa instituição
futebol e suas territorializações; aos seus efeitos de poder e de aprisionamento da formação-formatação de
jovens profissionais da bola, bem como da prática adaptativa e de alto desempenho às quais psicólogas(os),
no encontro com as demandas hegemônicas da instituição futebol (alto desempenho esportivo e financeiro,
entre outras) e com as concepções de psicologia que permeiam essas demandas, se sentem convocados a
responder.

1 Psicóloga (CRP 04/28.914), professora e pesquisadora. Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, com período sanduíche na Argentina (Universidad de Buenos Aires) e Pós-Doutorado em Estudos
do Lazer na Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Atua como professora designada no Departamento de Psicologia da Universidade do Estado de Minas
Gerais. É pesquisadora no Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT/UFMG), atualmente vice-líder do
grupo, no qual se dedica a estudos sobre o futebol, relações de poder e produção de subjetividade. Participa da
produção do Programa Óbvio Ululante na Rádio UFMG Educativa e também do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Psicologia Social do Esporte (GEPSE/UFMG), sendo uma das fundadoras do grupo. Integra o Núcleo de Projetos
de Apoio Psicossocial a Estudantes (NUPAPE/UEMG) e também o Grupo de Trabalho Esporte Cultura e Sociedade
do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). E-mail: marinamattos@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 99


Alguns anos de distanciamento desses campos, sem, no entanto, deixar de produzir pensamentos a partir do
que reverberava dessas duas pesquisas de maior fôlego (uma de mestrado e outra de doutorado) e na relação
com o campo de estágio destinado ao ensino do futebol para crianças e jovens, em grande parte meninos
(embora esta não seja uma restrição abertamente colocada às meninas), supervisionando futuros psicólogos
no exercício de uma psicologia do esporte afinada com os referenciais supracitados, me colocaram a pensar
sobre possíveis linhas de fuga produzidas nesse processo.
Em linhas históricas mais gerais e menos diversas, a psicologia do esporte é reconhecida nas áreas psis (quando
reconhecida) pela constituição de suas linhas duras (que fixam territórios, desejos e vidas), atreladas ao
espetáculo esportivo, em sua dimensão de alto desempenho esportivo (e financeiro). Ou seja, é reconhecida
no que concerne a um funcionamento utilitário que serve à maximização do desempenho esportivo, ainda
que se esforce em situar o atleta como humano, contribuindo com a produção de certa humanidade no
governamento de subjetividades individualizadas. Desse modo, reconhecer e produzir, em meio a esse campo,
resistências e potencialidades inventivas, não é tarefa fácil, contudo, necessária. Por isso, conversando com
as pesquisas anteriores e com outras desenvolvidas em outros territórios (MORO; VAZ; BERTICELLI,
2022) e pensando sobre a prática de estágio referida, pretende-se, com esta comunicação, circunstanciar
alguns desafios para uma psicologia do esporte na produção de rupturas com uma psicologia alinhada com o
empreendedorismo de si na produção de jogadores-empresa (DANTAS, 2017) e que possa, talvez, atuar de
maneira mais produtora de linhas de fuga (de rupturas e inventivas) com a experimentação dos corpos e com
linhas de desterritorialização que nos levem a um devir-criança na iniciação esportiva de crianças e jovens ou
quaisquer outros seres (demasiado) humanos.

Referências bibliográficas preliminares:


DANTAS, Marina de Mattos. Cartografias de um campo invisível: os anônimos jogadores do futebol brasileiro.
2017. 252 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de
Smo Paulo, São Paulo, 2017. Acesso em: 22 set. 2023. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19964.
Acesso em: 22 set. 2023.
DANTAS, Marina de Mattos. Futebol de base e produção de subjetividade: o psicylogo do esporte e a construomo
do atleta contemporkneo. 2011. 106 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Instituto de Psicologia,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em:
https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/15262. Acesso em: 22 set. 2023.
DANTAS, Marina de Mattos. Subjetividade, capitalismo e esporte: vivências sobre tornar-se jogador de futebol.
2008. 40f. Monografia (Graduação em Psicologia) ² Instituto de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2008.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Vol. IV. 4ª Reimpressão. São Paulo:
Editora 34, 2008.
DELEUZE, Gilles. O que as crianças dizem. In: DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo, Editora 34, 1997.
FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 25 ed. São Paulo:
Graal, 2012.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
MORO, Eduarda; VAZ, Alexandre; BERTICELLI, Irene. Por uma formação em futebol menor: cartografias da
formação clubística das categorias de base do futebol brasileiro. In: CSOnline ² Revista Eletrônica de Ciências
Sociais, Juiz de Fora, n. 35, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/csonline/article/view/37779.
Acesso em: 22 set. 2023.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 100


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

A potência e o estilo dos corpos que se afirmam no coletivo de uma


dança

Taís Carvalho Soares1

Resumo:
Aponta-se que o objetivo geral da pesquisa foi realizar um estudo em psicologia do corpo, considerando esta
como a própria filosofia da imanência, bem como, uma análise das subjetividades nas práticas corporais
coletivas de improvisação na dança. E os objetivos específicos foram mapear as experiências na dança
contemporânea e colaborar com estudos sobre o corpo a partir de uma construção transversal. Para alcançar
os objetivos foram formados grupos de aproximadamente dez pessoas que passaram a se reunir duas vezes
por semana, constituindo as chamadas oficinas de dança contemporânea no Centro de Arte e Cultura da
UFRRJ sob orientação da autora da pesquisa. Destaca-se o caráter marginal das práticas pela própria
localidade geográfica ser periférica em relação aos centros urbanos. Uma cidade paradoxal, corpos paradoxais
marcados por desigualdades e potencialidades. Como em Guattari, toda uma criatividade subjetiva que
atravessa os povos e as gerações oprimidas, os guetos, as minorias (Guattari, 1992, p. 115). Toda uma potência
subjetiva que se afirmou no coletivo, nas transições de suas forças, mesmo que ainda seja mínima a capacidade
de afetação mútua comunidade instituição. Aprofundamos os pensamentos filosóficos, metodológicos e
micropolíticos de Gilles DeleuzH H )pOL[ *XDWWDUL SULQFLSDOPHQWH SHOD VXD REUD FROHWLYD ´0LO 3ODW{V ²
&DSLWDOLVPRH(VTXL]RIUHQLDµFRQFHLWRV-ferramenta que se empregaram como operadores das experiências
realizadas. E Michel Foucault para a compreensão da construção de um cuidado de sLHP´$+HUPHQrXWLFD
GR6XMHLWRµTXHFRPRVHXROKDUKLVWyULFRGHVHQYROYHXPSHQVDPHQWRYLYRDSRQWDGRSRU'HOHX]HFRPRXP
pensamento com estilo. Retomamos Deleuze, a partir do conceito de estilo por ele definido em
´&RQYHUVDo}HVµHQWHQGHQGRHVWLORFRPRXma sofisticação das práticas de cuidado de si. Foucault pensa o
desaparecimento da ideia de uma moral como obediência a um código de regras e na sua ausência busca uma
estética da existência. Um modo de vida que dê lugar a uma cultura e a uma ética por ele concebida enquanto
obra de arte. Constitui-se, então, um grupo de corpos dançantes entre treze e setenta anos de idade, meninos,
meninas, homens e mulheres, em sua maioria negras, das mais variadas origens, religiões, formas, formações
e engenhos, dançando juntos. Entre convidados especiais e outros proporcionados pelo próprio espaço e
acaso, estudantes do ensino fundamental e médio, universitários, pós-graduandos, artistas, professores de
dança, músicos, profissionais distintos, cientista social, educadora física, doceira, cabeleireira, vendedora,

1 Psicóloga e Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Mestra Interdisciplinar em
Artes, Urbanidades e Sustentabilidade pela Universidade Federal de São João del-Rei. E-mail:
taiscarvalhosoares@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 101


modelo, economista. Categorias que não os definem, mas que constituem aspectos diferenciadores de suas
multiplicidades. A análise-poética proposta possui um aspecto crítico, que corresponde ao dispositivo
analítico, de ruptura com as formas instituídas, e um aspecto criativo, que corresponde ao dispositivo poético,
promotor da potência instituinte entre os corpos nas suas práticas e produções de sentidos. A sua
processualidade produziu constantemente o conhecimento que se mantém vivo e dinâmico. Enquanto a
dança acontece, o movimento aparece e o corpo se atualiza. Um pensamento se torna real. Analisar, conhecer
e criar sentidos no acontecimento, permitindo o desencadeamento das ações de forma crítica, atenta e sensível
constituiu o rigor de comprometimento com o presente. A partir da escuta do corpo, dos filósofos e suas
implicações teórico-práticas, foram se permeando os fluxos de uma produção de realidade nos processos de
subjetivação estilizados. Improvisações entre conceitos filosóficos e passos de dança para uma coreografia da
vida. Durante as improvisações, os corpos, em devir ativo, se mostraram como seres de potencial capacidade
para produzir a si mesmos, no tempo e no espaço, sentindo e percebendo o máximo de estímulos de acordo
com a sua capacidade de afetar e se deixar ser afetado. O que corresponde também à variação do seu grau de
potência pela sua intensidade de diferenciação de si e dos outros. A dança, com afecções ativas, através do
movimento e do ritmo, potencializou a geração de uma marca, um registro ou um estilo na incessante
produção maquínica dos desejos e atualização das virtualidades corporais singulares nos encontros com os
outros corpos em movimento.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1ª ed. 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, vol. 1.
1995.
FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. Colégio da França (1981-1982). Paris: Gallimard. 2ª ed. São
Paulo: Martins Fontes. 2006.
GUATTARI, Félix. Caosmose. São Paulo: Editora 34, 1992.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 102


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

Entre as engrenagens da resistência: por um devir travesti

Lucas Duarte Kelly1

Resumo:
Na proposta deste artigo, que constitui em um desdobramento de um trabalho de conclusão de curso que
está em andamento, buscamos comunicar percursos de experimentação que têm como ponto de partida a
Casa Florescer, um espaço de acolhimento e residência para mulheres trans em São Paulo, que está localizada
nas proximidades do bairro do Bom Retiro.
A Casa Florescer é pioneira como um centro de acolhimento exclusivo, destinado a travestis e mulheres
transexuais em situação de vulnerabilidade no Brasil. Através da metodologia da cartografia buscamos por
meio de cartas registrar os acontecimentos de um diário entre-corpos. Segundo Regina de Barros e Eduardo
3DVVRV ´D UHVWLWXLomR GH XP SURFHVVR GH SHVTXLVD-intervenção através do diário cria um plano em que
SHVTXLVDGRUHV H SHVTXLVDGRV VH GLVVROYHP FRPR HQWLGDGHV GHILQLWLYDV H SUHFRQVWLWXtGDVµ  S) A
dissolução entre sujeito e objeto nesta pesquisa está marcada por um processo de experimentação mútuo no
qual o limiar entre as fronteiras instaura processos contínuos de reinvenção.
A busca que propomos percorrer a partir desses trajetos desviantes consiste em investigar quais são os espaços
de agenciamento imbricados nos corpos subalternizados pela lógica cisheteronormativa. Muitas das mulheres
que chegam na Casa Florescer percorrem um longo trajeto antes de chegar à casa. Várias delas deslocam-se
de suas terras natais em busca de novas possibilidades de existência. No entanto, quando chegam em São
Paulo, acabam morando nas ruas e vivenciando a poesia concreta da paulicéia desvairada. Nesse momento,
os serviços socioassistenciais constituem um política social imprescindível na condução dessas mulheres às
casas de acolhimento.
Como pudemos observar através da experiência de campo na Casa Florescer, o fluxo de chegada e saída é
constante. São diversos os atravessamentos que elas carregam em seu corpos-rua que são habitados por um
constante estado de atropelamento. Muitas mulheres acabam não conseguindo brotar devido aos resquícios
dos terrenos áridos que carregam em suas bagagens.
Nesse constante estado de afecção, algumas mulheres como Sabrina, 2 acabam não conseguindo digerir o
incômodo somático e relatam utilizar da automutilação como forma de expurgar certa culpa que carregam
sobre seus corpos. Os cortes que acompanham a rotina dessas mulheres vão desde o desmanche de vínculos

1 Estudante do curso de graduação em Ciências Sociais e do Consumo da ESPM-SP. Pesquisador da Fundação do


Memorial da América Latina (FMAL) sobre os espaços de agenciamento de mulheres negras na tecnologia. E-mail:
lucasduarteee@gmail.com
2 Sabrina é um nome fictício que decidimos usar para preservar a imagem de uma das meninas da casa.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 103


familiares por uma não aceitação em relação a sua identidade de gênero até a mudança do nome que lhes fora
imposto em seu nascimento. Os cortes não apresentam em si um mal ou um bem a priori, mas são partes de
um contínuo processo de morte e vida que possibilitam rasuras na busca por uma assinatura inteligível para
suas vidas.
Como Damásio salienta, o estado somático ocorre quando certos corpos carregam uma sensação de
estranheza (2018). Para Greiner (2023) o marcador somático revela que o estranhamento funciona como um
sinal de alerta para o organismo. Nesse sentido, Greiner reVVDOWDTXHKiSRVVLELOLGDGHGHDJrQFLDTXDQGR´DR
invés de rejeitar ou esforçar-se para normalizar a situação, parte-se do desconforto e da dor para se reinventar
µ S eFRPRXPJUmRGHDUHLDHPXPDFRQFKDJHUDXPGHVFRQIRUWRFRPSRWrQFLDGHSroduzir
uma pérola.
A relevância desse artigo está em acompanhar os processos de reinvenção e resistência improvisados em uma
estrutura, mesmo que rígida, capaz de inúmeras formas de germinação. Esse estado de eclosão nós
denominamos de espaços de agenciamento. Segundo Butler mesmo µque minha agência seja violentamente
atravessada por paradoxos não significa que seja impossível. Significa apenas que o paradoxo é condição de
VXDSRVVLELOLGDGHµ S-15). Nesse sentido, a possibilidade de tornar-se executa-se dentro de uma
lógica reativa, onde a execução do ser é a primeira condição da sua própria constituição.
6HFRPR3UHFLDGRUHVVDOWD´DDUTXLWHWXUDpXPDWHFQRORJLDSROtWLFDSDUDIDEULFDUR HVSDoRVRFLDOHQWmRRV
FRUSRV WDPEpP SRGHP VHU HQWHQGLGRV HP WHUPRV DUTXLWHW{QLFRVµ  S   &RP HIHLWR TXDQWDV
demolições serão necessárias para edificar essas vidas?
A proposta deste artigo consiste em acompanhar as zonas de obra, tendo as cartas como um meio para narrar
os resquícios da construção que espalham-VHHPXP´WHUULWyULRH[LVWHQFLDOTXHVXMHLWRHREMHWRGDSHVTXLVDVH
UHODFLRQDP H VH FRGHWHUPLQDPµ $OYDUH] Passos, 2020, p. 131). A relevância desta propositura está em
FRPSUHHQGHUDVIUHVWDVTXHSRVVLELOLWDPQRYDVPDQHLUDVGH´ILFDUFRPRSUREOHPDµ +DUDZD\ 

Referências bibliográficas preliminares:


ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. Pistas do método da
cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2020.
BUTLER, Judith. Desfazendo gênero. São Paulo: Editora Unesp, 2022.
DAMÁSIO, António. A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. Editora
Companhia das Letras, 2018.
GREINER, Christine. Corpos crip: Instaurar estranhezas para existir. Editora N-1, 2023.
HARAWAY, Donna. Ficar com o Problema: fazer parentes no Chthuluceno. N-1 Edições, 2023.
PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides de. Diário de bordo de uma viagem-intervenção. Pistas do método
da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade Porto Alegre: Sulina, 2020.
PRECIADO, Paul B. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Editora Schwarcz-
Companhia das Letras, 2022.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 104


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

Fios telegráficos em eriçamento: uma experiência de estágio a


partir da construção de vínculos com pessoas em condição de
extrema vulnerabilidade social

Agnes Cristine Mendes1


Suely Aires Pontes2

Resumo:
O presente relato de experiência parte do acompanhamento de dois casos, realizado durante o período de
cumprimento de estágio curricular do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em uma
das equipes do Programa Corra pro Abraço, especificamente, a que atua na Vara de Audiência de Custódia (VAC)
da cidade de Salvador, Bahia. O Programa Corra pro Abraço é uma iniciativa criada no ano de 2013 voltada para
população em situação de rua (PSR) e/ou em contextos de extrema vulnerabilidade social atravessados pela
criminalização das drogas. No que lhe concerne, no ano de 2015, a equipe Corra VAC inicia atendimentos e
acompanhamentos de pessoas que passam por audiências de custódia e de seus familiares, principalmente
daquelas que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, associada ou não ao uso abusivo
de drogas, e que se amplia para o acompanhamento de jovens vulnerados e pessoas em sofrimento psíquico
grave que passam pelo espaço. A presença do Corra pro Abraço não somente se torna uma inibidora de
possíveis violações de direitos e abusos de poder no cenário judiciário, como produz outros furos, fissuras,
linhas de fuga frente à máquina capitalista de moer gente, sobretudo gente preta e pobre, ao possibilitar a
produção de processos de singularização em um contexto repressivo. Em 2023, a equipe passa a realizar

1 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bacharelado Interdisciplinar em Saúde
Incompleto pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Integrou o Grupo de Pesquisa Cognições Sociais e
Representações no Laboratório de Estudo dos Processos Psicológicos e Sociais (LEPPS) como bolsista no Projeto
Representações Sociais sobre Usuários e Traficantes de Drogas (UFBA). Participou do Grupo de Estudos sobre
Reforma Psiquiátrica Marcus Vinícius O. e Silva (UFBA) e foi extensionista no Programa Intensificação de Cuidados
(PIC) em Saúde Mental do IPS/UFBA. Atuou no Projeto de Extensão Joga Texas Encontro de RPG e Jogos (UFSB)
e foi Professora Voluntária de Inglês no Projeto de Extensão Pré-Vestibular Social UFBA. Foi Estagiária do Programa
Nacional de Capacitação do Sistema Único de Assistência Social (CapacitaSUAS - UFBA) e Estagiária da Defensoria
Pública do Estado da Bahia na Equipe de Saúde Mental da Especializada de Defesa de Direitos Humanos (DPE/BA).
Atualmente é Estagiária no Programa Corra pro Abraço na equipe Corra Vara de Audiência de Custódia (Corra VAC).
E-mail: agnescristine@live.com / agnes.cristine@ufba.br
2 Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, mestrado e doutorado em Filosofia (bolsista
CNPq) pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutorado em Estudos Psicanalíticos pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Foi docente de teoria e clínica psicanalítica na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia no
período de 2007 a 2018. Atualmente é professora adjunta no Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia
e compõe o quadro docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (IPS-UFBA). É professora-
tutora na Residência Multiprofissional em Saúde HUPES/UFBA. Atua nos grupos de pesquisa "Filosofia e
Psicanálise" e "Psicanálise: clínica, política e cultura" (líder). É membro do Colégio de Psicanálise da Bahia e membro
fundador do Centro de Pesquisa Outrarte: psicanálise entre ciência e arte (Unicamp). Faz parte do grupo de sustentação
do GT de Filosofia e Psicanálise (ANPOF). E-mail: suely.aires@ufba.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 105


saídas de campo quinzenais e a atender pessoas em situação de rua que se encontram nos arredores da VAC.
Dentre os desdobramentos dos acompanhamentos já realizados pela equipe e dos que se surgem com esse
deslocamento, iniciamos o acompanhamento de dois assistidos, os quais descrevemos a partir de uma
articulação teórico-clínica com os princípios estratégicos advindos do paradigma psicossocial e adotados pelo
Programa (acolhimento, escuta qualificada e construção de vínculos), a artesania da clínica peripatética e a
adoção de um referencial esquizoanalítico. É visto que o cuidado em liberdade, em serviços de base territorial
e comunitária, se efetiva em movimento, por meio de um exercício incessante de inventividade, do estímulo
à função de autonomia/desejo, e se torna arma da máquina de guerra produzida por meio do contato com as
pessoas com as quais construímos vinculação.

Referências bibliográficas preliminares:


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prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 106


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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 107


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

O cinema como presença próxima: uma clínica entre Deligny e


Deleuze

Eder Amaral1

Resumo:
Se o mundo hoje se tornasse infrutífero para novas obras de arte, passaríamos ainda milênios bem
acompanhados por tudo o que fizemos pela beleza, pela expressão, pela vitalidade, pela existência, alegre ou
triste, sempre intensa. Neste domínio jamais teremos feito tudo ou esgotado os possíveis, mas ainda que isto
ocorresse, estaríamos bem com o que trazemos em (entre) nós até aqui. Entretanto, poderíamos dizer o
mesmo dos modos de viver e estar juntos? ´Nós vemos um filme um pouco como vemos uma montanha ou
o marµ$VVLP)HUQDQG'HOLJQ\UHYHODXPWUDoR~QLFRGRVHXcinema infinitivo, que faz da câmera em uso um
agir que vale em si, inacabável, exercício imediato do presente. Desde o começo do seu trabalho com cinema,
numa aliança delinquente com François Truffaut, sua atração pela câmera como um objeto-circunstância
perturba as convenções de uma relação predatória com a imagem, fazendo da câmera uma ferramenta de
ocasião que abria novas possibilidades de coexistência, tornando-a um verdadeiro artefato antifílmico: em
recusa ao imperativo utilitário da filmagem (na medida em que filmar já implica um objeto final, que é o
filme), Deligny está mais interessado pelo processo que envolve manusear, operar, se acoplar a uma câmera
e, com isso, agir, se deslocar no espaço e no tempo, camerar, transformando o equipamento técnico
entrelaçado aos trajetos de crianças autistas num dispositivo clínico do cinema. De outro lado, Gilles Deleuze,
professor de cinema, dedica quatro dos seus últimos anos de ensino a estudar sistematicamente o pensamento
imanente ao cinema. Se o cinema enquanto fazer é imediatamente pensamento ² um pensamento imagético,
uma imagética do movimento e do tempo ² é sem dúvida como força que o cinema, em seu conjunto, exigirá
do filósofo Deleuze um dos seus movimentos mais originais em Cinema 1 e 2. Entretanto, e apesar do inegável
reconhecimento destas obras no campo dos estudos cinematográficos contemporâneos, causa espécie a
indiferença à voz do Deleuze professor, na medida em que estes livros (como aliás, quase tudo o que ele
escreveu a partir de 1979) foram preparados em condições que merecem, por si só, um estudo mais atento,
revelando a vitalidade clínica do seu ensino. Este trabalho consiste num estudo destas duas circunstâncias de

1 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH) da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB), Campus Vitória da Conquista-BA, vinculado aos cursos de Cinema e Audiovisual e Psicologia;
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Campus Vitória da Conquista-BA;
Psicólogo Clínico; Tradutor nas áreas de artes e humanidades. Mestre em Psicologia Social e Política pela Universidade
Federal de Sergipe (UFS); Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua
principalmente nos seguintes temas: cinema, infância, clínica e experiência urbana, sempre articulados pelo horizonte
do pensamento da imanência, dos estudos contemporâneos da imagem e da clínica psicanalítica de orientação pós-
estruturalista. E-mail: ederamaral@uesb.edu.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 108


um clinicar estrangeiro e errante, que nos convida a pensar variações de uma ecologia da coexistência entre a
câmera e a tela, o silêncio e a voz, a imagem e o pensamento.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. Cours sur le cinéma: cinéma et pensée (1984-1985). La voix de Gilles Deleuze en ligne, Université
de Paris 8 [online]. Disponível em: <http://www2.univ-paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=17>. Acesso
em 13 nov. 2017.
DELEUZE, Gilles. Cours sur le cinéma: cinéma et pensée (1985). La voix de Gilles Deleuze en ligne, Université de
Paris 8. Disponível em: <http://www2.univ-paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=19>. Acesso em 13 nov.
2017.
DELEUZE, Gilles. Cours sur le cinéma: image et mouvement (1981-1982). La voix de Gilles Deleuze, Université de
Paris 8 [online]. Disponível em: <http://www2.univ-paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=8>. Acesso em 13
nov. 2017.
DELEUZE, Gilles. Cours sur le cinéma: une classification des signes et du temps (1982-1983). La voix de Gilles
Deleuze, Université de Paris 8 [online]. Disponível em: <http://www2.univ-
paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=10>. Acesso em 13 nov. 2017.
DELEUZE, Gilles. Cours sur le cinéma: vérité et temps. La puissance du faux (1983-1984). La voix de Gilles Deleuze
en ligne, Université de Paris 8 [online]. Disponível em: <http://www2.univ-
paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=11>. Acesso em 13 nov. 2017.
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2007.
LOURAU, René. A crítica do simbólico em Fernand Deligny. Mnemosine, [S. l.], v. 13, n. 1, 2017. Disponível em:
<https://www.e-publicacoes.uerj.br/mnemosine/article/view/41725>. Acesso em: 30 set. 2023.
PERRET, Catherine. /HWDFLWHO·KXPDLQ: anthropologie politique de Fernand Deligny. Paris: Seuil, 2021.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 109


GT 5 - Experimentações: relatos e práticas de intervenção

O Teia Acolhida: um dispositivo de acolhimento e formação clínica

Bruna Gaudio de Santana1


Cris Lima2
Júlia Paim3
Juliana Gonçalves Ferreira Gomes4
Natasha Iane Magalhães5

Resumo:
O Teia Acolhida surge em 2020, no contexto da Pandemia de COVID-19 e seu agravamento no país por
conta do governo de ultra-direita que nos assolava à época. Pensamos em adentrar esse contexto, mas é difícil
encontrar palavras para descrever nossa vivência, ou melhor, nossa sobrevivência. Ainda assim, foi nesse
contexto que juntamos um grupo de supervisão - que era organizado por uma de nós - e alguns participantes
da Formação Livre em Esquizoanálise para oferecer escuta e acolhimento à população em geral de forma
gratuita, frente aos mais diversos adoecimentos provocados pelo distanciamento social e precarização do
acesso a trabalho, renda, educação e saúde.
O grupo começou com cerca de 20 psicólogos, que recebiam as demandas de atendimento que nos chegavam
por um contato de whatsapp. Havia 2 encontros clínico-institucionais por mês para acompanhar esse processo.
Não apenas o processo de acolhimento de cada pessoa que chegava, individualmente, mas também o nosso
processo coletivo enquanto um projeto social-político. Por isso, além do Acolhida operar como acolhimento
e enfrentamento do isolamento social da população, também foi para nós possibilidade de rede afetiva nesse
mesmo enfrentamento e com isso, foi se tornando cada vez mais um local de coletivização do trabalho clínico.

1 Psicóloga e musicoterapeuta e atua em consultório com uma perspectiva esquizoanalista brincante. É supervisora do
Teia Acolhida, compõe a cogestão do coletivo e é criadora do Devir. Tem acompanhado as discussões em torno dos
diagnósticos e autodiagnósticos e se dedicado a estudar e acompanhar crianças no espectro autista. E-mail:
brunagaudio@gmail.com
2 Mulher periférica, cis, branca, psicóloga clínica, educadora popular e uma das fundadoras da Biblioteca Comunitária

Djeanne Firmino e da Coletiva Brincantes Urbanas. Pesquisa o papel da leitura e do brincar no desenvolvimento
humano. Constrói sua clínica na perspectiva da esquizoanálise, compõe o Coletivo Teia Acolhida e é aluna do curso
"Orientação à queixa escolar" pelo IP-USP. E-mail: cristiane.lima.0707@gmail.com
3 Psicóloga esquizoanalista, acompanhante terapêutica e mãe. Trabalha em consultório clínico. Está formanda pela

Formação Livre em Esquizoanálise e produz textos e imagens para a página da FLEA. Está co-gestora e supervisora
clínico-institucional do Teia Acolhida. Olha para a maternidade como importante intercessor para a clínica e afirma o
Acompanhamento Terapêutico como modalidade clínica em quaisquer espaços onde haja mais de uma pessoa. E-mail:
juliapaim.psi@gmail.com
4 Psicóloga clínica e Institucional, formada pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Saúde Mental pela

Prefeitura do Rio de Janeiro e esquizoanalista pela FLEA. Atende grupos terapêuticos e pacientes individuais, de forma
remota e presencial. Co-gere o coletivo Teia Acolhida, grupo de estudos, acompanhamento e supervisão de psicólogos
clínicos. E-mail: jugfgomes@gmail.com
5 Graduada em Psicologia (UFRJ), Mestra em Psicologia, Subjetividades e Exclusão Social (UFF), Psicóloga Clínica,

Colaboradora da Comissão de Relações Étnico Raciais do CRP-RJ e integrante do KITEMBO - Laboratório de


Estudos de Subjetividade e Cultura Afro- Brasileira. E-mail: natashaianepsi@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 110


Alguns anos se passaram e o Teia Acolhida - assim como o país - se movimentou e hoje funcionamos de
maneira cogestiva a partir de três dispositivos: um de acolhimento e acompanhamento clínico; um grupo de
estudos (Devir); e três supervisões clínico-institucionais. Além disso, nos reunimos em assembleias e reuniões
clínicas periódicas para discutir nossos caminhos.
Muitos acolhimentos acabavam por se transformar em demandas de acompanhamento terapêutico e assim
fomos construindo a transformação do acolhimento gratuito para uma combinação de pagamento que
partisse daquilo que fosse possível para a pessoa pagar, o que IRPRVFRQYHQFLRQDQGRFKDPDUGH´FOtQLFD
VRFLDOµ 0DQWLYHPRV RV DFROKLPHQWRV JUDWXLWRV E, para as/os que desejam seguir em psicoterapia, a
negociação sobre valores acontece com cada terapeuta.
Através do Devir e dos grupos de supervisão, recebemos profissionais que desejam se juntar ao coletivo e
muitos estão iniciando a prática clínica. Juntos, temos sempre nos surpreendido com como o coletivo
possibilita, acompanha e fortalece nossa prática profissional como um todo. O acolhimento e atendimento
clínico aos que nos procuram é sempre opcional, mas percebemos que a possibilidade de um certo
revezamento nesse acolhimento, e o continuum no grupo de estudo e na supervisão tem caráter formativo.
E temos cada vez mais nos encontrado e nos afirmado nesse lugar (ROSSI, 2021).
A oportunidade dessa apresentação nos convoca algumas questões que têm nos atravessado nesse percurso.
Quanto à clínica social e os usos desse termo, muitas nuances nos afetam: quando é emancipatório e quando
é produtor de precarizações para o terapeuta? O quanto acabamos ocupando o lugar do Estado? O quão
imprescindível é falar do dinheiro e do lugar que ele ocupa no nosso trabalho e quais papéis tem exercido
tanto no acesso quanto no embarreiramento entre a clínica e a população? Numa profissão como a psicologia,
historicamente comprometida com as elites, como forjar uma clínica acessível, que não esteja engajada na
manutenção desse compromisso com as elites brancas brasileiras sem que, por outro lado, sejamos capturadas
pelo salvacionismo? (SOUZA, 1989)
Quanto ao caráter coletivo-formativo: o grupo se faz vital para a construção insistente de novas perspectivas
e questões, que incluam intercessores relevantes para a clínica. Estamos juntos podendo acolher as
vulnerabilidades, inclusive as nossas. E, nisso, um importante intercessor é a política, e mais especificamente
o entendimento de que cada um fala de um lugar racial, de classe e de gênero. Trazer a Teia para o I Encontro
de Esquizoanálise é também poder afirmar que isso que a gente inventa a partir da experiência de/em grupo
tem aporte teórico e epistemológico e que a partir do trauma (pandêmico e político) o coletivo foi e é, a saída,
e o meio.
Por fim, desejamos nessa apresentação refletir e coletivizar sobre como se deu nosso processo de
grupalização, a partir do fazer cartográfico das nossas reuniões e encontros clínicos (PASSOS et al, 2015). E
como, podendo afirmar nossas posições diferentes dentro do grupo, fomos nos tornando um coletivo
cogerido e formativo para todos nós. Uma teia que nos conecta e acolhe.

Referências bibliográficas preliminares:


PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (org.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e
produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 111


ROSSI, André. Formação em Esquizoanálise: pistas para uma formação transinstitucional. Curitiba: Appris, 2021
SOUZA, Neusa Santos. A questão do dinheiro na psicanálise. In: Souza, N. S. Agenda de Psicanálise. pp. 242-45. Rio de
Janeiro: Xanon. 1989.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 112


GT 6
Educação para potência

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 113


GT 6 - Educação para potência

A educação proposta por Paulo Freire e a territorialização do


método cartográfico no Brasil

Júlia Dutra de Carvalho1

Resumo:
A cartografia como método tem um lugar de importância e de produção de conhecimento para a psicologia
social e clínica no Brasil. O objetivo nesse trabalho é considerar se a teoria Paulo Freiriana contribuiu para
expansão do Método Cartográfico no Brasil. Que diagrama estava disposto em solo brasileiro que possibilitou
essa expansão seria nosso orientador para percorrer textos-pistas? Para tanto faremos um trajeto cartográfico
que passa pelas produções de Foucault, Deleuze, Guattari e Deligny, bem como depois tecer a hipótese
através de aproximações entre essas produções e o trabalho de Paulo Freire. A metodologia, portanto, é a
leitura cartográfica das obras e exposição das suas aproximações. Essa aproximação é muito mais
diagramática, no sentido do que a teoria dos autores europeus encontrou aqui no Brasil, e como talvez esses
conhecimentos em certa medida podem estar em uma mapa que gera agenciamento coletivo no Brasil. A
cartografia tem sua origem remonta as produções do encontro de Gilles Deleuze e de Michel Foucault, como
SRGHPRV DFRPSDQKDU HP XPD GDV SLVWDV QR FDStWXOR ´8P QRYR FDUWyJUDIRµ GR OLYUR FKDPDGR )RXFDXOW
(1986) de autoria de Gilles Deleuze. Outras pistas significativas foram deixadas pelo autor Foucault como,
por exemplo, na entrevista concedida a Alain Grosrichard em 1977 (2013) sobre a cartografia ser uma
metodologia que levaria em conta a arqueologia, a genealogia e o saber-poder, bem como e principalmente a
desmontagem dos dispositivos subjetivantes e normalizantes. Mais pistas sobre a metodologia cartográfica
vieram na obra Mil Plâtos Volume 1(1987) de Félix Guattari e Gilles Deleuze. De acordo com o capítulo
´5L]RPDµHQFRQWUDPRVDVUHIHUrQFLDVSDUDSHQVDURPpWRGRFRPRVHQGRHVWUDWpJLFR-rizomático. Modos de
construir o conhecimento que pensam criticamente as produções coletivas e suas normalizações
subjetivantes, mas também produzem linhas de fuga e agenciamentos coletivos heterotópicos. Com o
pedagogo Ferdinand Deligny na publicação brasileira de 2015 do livro O Aracniano e outros textos (reunião
de textos produzidos entre 1976- 'HOLJQ\HVFUHYHVREUHRVWUDMHWRVTXHIH]FRP´FULDQoDVjSDUWHµ2
desenho-mapa dos trajetos das crianças ditas autistas ofertaram uma outra forma de pensar subjetividade, um
método clínico de muita importância que desmonta a linha do normal e do patológico. Entretanto, não é só
na Europa que um modo de fazer implicado com os trajetos e os territórios existenciais se deu. Inclusive

1 Graduada em Psicologia (UFRGS) e Ciência Jurídicas e Sociais (PUCRS), Mestre e Doutora pelo Pós-Graduação em
Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi professora convidada da
Residência Multiprofissional e Integrada de Saúde Mental Coletiva da UFRGS. Hoje é psicóloga clínica. E-mail:
juliadcarvalho@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 114


podemos dizer, pelo menos desejamos construir a possibilidade de pensarmos que Paulo Freire com a sua
proposição para educação deixou uma memória metodológica de pesquisa (de prática e de teoria) importante
para a pesquisa brasileira. Nosso objetivo é tecer essa aproximação com a cartografia. Mas essa aproximação
tem como objetivo dar a ver que talvez a cartografia tenha tido solo fértil no Brasil, por conta da existência
da produção Paulo Freiriana, considerando que seus passos, não são necessariamente formas de fazer, mas
princípios que regem a construção de sua forma de ensinar e de respeitar a existência do outro que fizeram
muita memória na subjetividade brasileira. Uma práxis implicada com o diálogo, aonde a palavra e seus
elementos constitutivos trazem a dimensão da reflexão e da ação. Onde a subjetividade se mostra e pode virar
uma busca pela palavra verdadeira que pressupõe a práxis, tendo o diálogo como uma exigência existencial.
Um método que mostrava a indivisibilidade entre sujeito e objeto. Um diálogo que pressupõe o afetar-se por
um amor profundo pelo mundo e pelos homens e mulheres, a humildade, a fé nos homens e mulheres que
tem vocação para Ser Mais (que só existe com a confiança e relações horizontais) e o pensar crítico que não
aceita a dicotomia mundo-homens/mulheres e que percebe a realidade como processo. Portanto, a
autossuficiência não é possível nesse caso e a heterogeneidade, a complexidade, a multiplicidade estão
presentes. Devemos considerar seu percurso e os efeitos da sua produção considerando que ela emerge do
mergulho em um Brasil profundo, em uma América Latina explorada e de uma vivência em países da África
colonizados e que sofriam de forma evidente as opressões. Concluímos que o trajeto cartográfico nas
produções desses autores permite concluir que a sua produção desse encontro de autores pode ser disparador
de linhas de força contracoloniais, pois tem com horizonte a possibilidade da liberdade no viver, no pensar e
no aprender dos homens e mulheres com quem Paulo Freire se encontrava e de uma semeadura que permitiu
o brotamento da cartografia no Brasil, e o efeito que os autores europeus tiveram nas muitas lutas e produção
de conhecimento em torno da saúde no Brasil embalados por um diagrama que tinha o Paulo Freire.

Referências bibliográficas preliminares:


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Cruz do Sul, n.38, p.45-59, jan./jun. 2013.
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DELEUZE, G. Foucault. Lisboa: edições 70, 2005.
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DELIGNY, F. O Aracniano e outros textos. São Paulo: n-1 edições, 2015.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 115


GT 6 - Educação para potência

Esboço geral para uma antropologia pós-científica e anti-


humanista

Luís Filipe Viveiros e Silva1

´$FHLWDPRVSRLVRTXDOLILFDWLYRGHHVWHWDSRUDFUHGLWDUTXHRREMHWLYR~OWLPRGDV
ciências humanas não é constituir o homem mas dissolvê-ORµ
² Claude Lévi-6WUDXVV´23HQVDPHQWR6HOYDJHPµ

´$HVSLULWXDOLGDGHGRHWQRFtGLRpDpWLFDGRKXPDQLVPRµ
² 3LHUUH&ODVWUHV´$UTXHRORJLDGD9LROrQFLDµ

Resumo:
Este trabalho é um convite ético para a continuidade deste longo esforço de retirada da antropologia
contemporânea de duas das manifestações científico-filosóficas de sua época que mantém um corpo teórico
iluminista preterindo a diversidade. Seu fio argumentativo passa por declarar que tanto a Ciência Ocidental
quanto a fundamentação humanista de princípio comum do gênero humano esmagam a multiplicidade em
favor de imagens coisificadas de essências que não satisfazem ao pensamento antropológico. Para tanto,
expõe-se a problemática da Ciência na era que convencionou-VHDFKDPDU´&DSLWDORFHQRµ$VVLPREUDGH
Isabelle Stengers em convergência com os conceitos de Gilles Deleuze e Félix Guattari são valiosas para
mapear e diagnosticar o paradigma científico, bem como suas implicações semióticas, políticas e ontológicas
que tendem a suprimir a multiplicidade. Depois, compara as noções substantivistas modernas com a
pronominal Metafísica Ameríndia ² transcrita ao modo de Eduardo Viveiros de Castro ² que assume sua
posição antimoderna. Como resposta teórica, propõe o projeto anarquista ontológico enunciado por Mauro
Almeida contra o problema positivista dos saberes através da comparação com a noção de comunismo
humanista de David Graeber. Finaliza, portanto, apontando a crítica de Viveiros de Castro e Bruno Latour
ao marxismo, destacando seus acertos e limites, assim como convergências e saídas para o marxismo através
da tradição iniciada por Louis Althusser e propagada por Étienne Balibar.
Palavras-chave: ciência; humanismo; anti-humanismo; marxismo; anarquismo.

1 Luís Filipe Viveiros e Silva é aluno do 5º semestre da graduação do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Iniciou a graduação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e realizou a
transferência para Belo Horizonte em 2023. Interessado desde sempre por filosofia e antropologia, tem se dedicado ²
por incentivo de um professor de Introdução à Filosofia (disciplina cursada no 2º semestre) ² ao estudo das obras
convencionadas como pós-estruturalistas e de contexto contemporâneo. Adora ler Deleuze, Guattari, Marx,
Nietzsche, Preciado, Foucault, Freud, Lélia Gonzalez e tantos outros pela filosofia, bem como Virginia Woolf, Clarice
Lispector, Franz Kafka, Sade e outros pela literatura. E-mail: viveiros.luis002@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 116


Referências bibliográficas preliminares:
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Paulo: Cosac & Naify. 2002
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Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 117


GT 6 - Educação para potência

Os abalos da branquitude na universidades: emergindo silêncios


estrondosos

Rosa da Costa Gato Neta1


Maria Mônica Gomes Divino2

Resumo:
Por muito tempo no Brasil, as ciências sociais e humanas, onde se inseriu a psicologia e outras ciências, alocou
os estudos raciais no campo do desconhecido, distanciando e apagando saberes e sujeitos (Santos e Oliveira,
2021). Nesse caminho, as universidades enquanto espaços de produção de conhecimento, de discursos e
práticas, de difusão de representações sociais, em seu processo de institucionalização, contemplou as elites
brancas burguesas. Com seus mecanismos de exclusão dos não-brancos e pobres, além da produção e
reprodução de discursos eugenistas, também pactuou com a produção do racismo científico e de perspectivas
que difundem a suposta neutralidade na produção científica (Fernandes, 2001).
Ao longo da história dos estudos do pensamento psicológico no Brasil a respeito das relações étnico-raciais,
Santos, Schucman e Martins (2012), compreendem que seus fundamentos se firmaram em perspectivas
médico-psicológicas, naturalistas e deterministas, que criminalizaram sujeitos negros e produziram as
justificativas para sua exclusão social. Ainda que outros estudos tenham surgido para tentar desconstruir tais
pilares, a escuta das produções que problematizam a branquitude e seus efeitos psicológicos é recente nos
corredores das universidades, no debate das questões étnico-raciais, principalmente no que diz respeito à
formação dos profissionais em psicologia.
Coadunamos com os estudos de Bento (2022), que compreende que falar do silêncio da branquitude no
debate das relações étnico-raciais é urgente. Para a autora, trata-se de uma herança marcada por violências,
por expropriações, e que se inscreve na subjetividade do coletivo, ainda que não seja publicamente
UHFRQKHFLGDHQTXDQWRWDO'HVVDIRUPDGHQRPLQDGH´SDFWRQDUFtVLFRµRDFRUGRWiFLWRHQWUHEUDQFRVTXH
constrói uma aliança que busca esconder, reprimir e expulsar o que é intolerável enquanto memória coletiva
de fatos que podem trazer sofrimento e vergonha para o grupo (autoproclamado) hegemônico branco que
os produziu.
A partir dos processos de subjetivação aterrados em nosso território, das complexas tramas de violências que
fundaram o que hoje denominamos Brasil, compreendemos que as pessoas brancas constituem uma

1 Psicóloga Clínica e Social, amazônida e ativista gorda. Pesquisadora dos estudos das Corporalidades Gordas latino-
americanas e Feminista decolonial. E-mail: psicorosaneta@gmail.com
2 Artista-musicista-educadora, mestranda em Psicologia Social pela UFMG, psicóloga pela PUC Minas. Educadora no

Origem Instituto. Investiga os processos de subjetivação em contextos periféricos, traçando pontes entre a
Esquizoanálise e teorias decoloniais/contracoloniais. E-mail: mariamoonica@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 118


racialidade não marcada, uma identidade racial não nomeada, que se atualiza em dinâmicas de exclusão
daqueles que não pertencem ao mesmo grupo. Dessa maneira, compreendemos que os modos de subjetivação
se ancoram na dinâmica da colonialidade, reproduzindo na estrutura molar os funcionamentos da branquitude
QDPDQXWHQomRGHVHXVSULYLOpJLRV &XVLFDQTXL1~xH] 2TXH%HQWR  QRPHLDFRPR´SDFWR
QDUFtVLFRµWDPEpPSHUPHLDRVPRGRVGHSURGXomRGHFRQKHFLPHQWRTXHGLDQWHGRVFRPSURPLVVRVpWLFR-
políticos da profissão, convocam, com urgência, deslocamentos às posturas de silenciamento e omissão diante
do desconforto que é apontado e/ou, por vezes, desponta, quando tratamos da temática racial.
Os estudos sobre relações raciais alcançam cada vez mais nas universidades, essas entradas tem causado
abalos, questionando processos e composições que outrora não foi discutido, seguindo as regras construídas
pelo pacto da brancura, apoiados em eixos maiores. Esses movimentos, resultantes das ações afirmativas e
dos movimentos de resistência dos estudantes negros e negras dentro das universidades, têm incomodado
SULQFLSDOPHQWH DTXHOHV TXH YHVWHP D URXSD GD ´GHPRFUDFLDµ TXH HVWXGDP WXGR H WRGRV PHQRV VHXV
privilégios (Santos e Oliveira, 2021).
3DUDDLQWHOHFWXDO6XHOL&DUQHLUR S ´DOtQJXDGHQXQFLDRIDODQWHµHVVDOtQJXDTXHHVWiFRORFDGDQD
universidade como a digna da compreensão científica, que em suas entrelinhas, permanece utilizando dos
dispositivos de poder dessa hierarquização acadêmica, para controlar os corpos que ali se movimentam,
WHQVLRQDPXPDPiTXLQDPDLRU´(VVDpDOtQJXDGRRSUHVVRUPDVSUHFLVRGHODSDUDIDODUFRPYRFrµHVVD
IUDVHpSDUWHGRSRHPD$GULDQH5LFK´4XHLPDUSDSHOHPYH]GHFULDQoDVµPHQFLRQDGDSRUEHOOKooks (2013)
QRFDStWXOR´/tQJXDVµSUHVHQWHQROLYUR´(QVLQDQGRDWUDQVJUHGLUµID]HQGRFRPTXHFRQVLJDPRVDSURIXQGDU
a compreensão de como a branquitude dentro das universidades ainda permanecer violentando e perseguindo
aqueles que ousam, utilizar dessa língua para subverter.
Direcionando essas reflexões a um caminho contrário, percebemos as dificuldades e limites que esbarram em
QRVVRV FRUSRV (QWUHWDQWR *XDWWDUL  S  QRV OHPEUD TXH´TXDQGR D IDOD HVYD]LD p SRUTXH HOD Mi
passou pelo crivo das semiologias escriturais ancoradas na ordem da lei, do controle dos fatos, gestos e
VHQWLPHQWRVµ $VVLP HVVH YD]LR TXH VXVWHQWD R 3DFWR 1DUFtVLFR GD %UDQTXLWXGH QD XQLYHUVLGDGH WHQWD
incessantemente fazer de nossos gritos, palavras coesas em frases coerentes, tentando ainda nos fazer
´HVWXGDUµDTXHOHVYD]LRV7HPRVXPFRPSURPLVVRpWLFR-polítco em nosso percurso, utilizaremos da língua
do opressor na contra-mão, subvertendo e libertando-nos a partir da escrita.

Referências bibliográficas preliminares:


BENTO, Maria Aparecida Souza. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. (2021). Ch'ixinakax utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. n-1 edições.
São Paulo.
FERNANDES, Daniela C. Raça, Origem Socioeconômica e Desigualdade Educacional no Brasil: Uma Análise Longitudinal. In:
Encontro Anual da Anpocs, 25. 2001. Anais [...]. Caxambu.
HOOKS, bell et al. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, v. 2013.
NÚÑEZ, Geni. Monoculturas do pensamento e a importância do reflorestamento do imaginário. ClimaCom,
Campinas, v. n.8(21), 2021. Recuperado a partir de: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/monoculturas-do-
pensamento/.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 119


SANTOS, Abrahão Oliveira; OLIVEIRA, Luiza Rodrigues. O bloqueio epistemológico no Brasil e a psicologia. Revista
Espaço Acadêmico, Maringá, v. 20, n. 227, p. 250-260, 2021.
SANTOS, Abrahão Oliveira; Schucman, L.V.; Martins, H.V. Breve histórico do pensamento psicológico brasileiro
sobre relações étnico-raciais. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 32, n. spe, p. 166-175, 2012.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 120


GT 6 - Educação para potência

Ritornelo e educação

André L. G. S. Dantas1
Claudia Lefebvre R. Bastos2
Luísa de Almeida Rocha Alves3
Madhu Itaborahy4
Nathali Arruda5
Taoã Albuquerque6
Thiago Colmenero Cunha7

Resumo:
O retorno diferenciado traz uma variação rítmica entre o aterrado e o suspenso, contorno e caos, esfera que
cria espaço em profundidade, potência criadora que irrompe vias de possibilidades, experiência de sermos
arremessados em meio a um espiral hora com fronteiras, hora sem fronteiras. Escrito a sete mãos, em uma
costura de estilos heterogêneos, pretende-se como objetivo neste trabalho investigar a repetição como
princípio coibitivo ou organizador de agenciamentos territoriais e sua relação com a aprendizagem, expostos
a essa inevitabilidade compreendida pelo conceito de ritornelo proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Ousa-se sentir a repetição como o curso de um rio caudaloso. O rio traz materialidade para o conceito de
território enquanto lugar de passagem, podemos pensar represas e trombas d'água enquanto componentes
dimensionais de agenciamento desses rizomas aquáticos, e vislumbrar a força da água que busca fluir por
entre essas demarcações repetidas vezes provocando sulcos profundos na terra, compondo e alargando suas
margens, modificando-as no percurso. Há um centro repetitivo no rio, atravessado a todo instante por um
campo de pura diferença. Repete-se para construir um corpo, seja ele qual for; muscular, intelectual,
relacional. Entretanto, como justificativa de pesquisa, socialmente é percebida uma dinâmica neoliberal de
coação à produtividade, ao consumo, como traz Byung-Chul Han - uma espécie de compulsão ao novo que
tira a possibilidade do sentimento de pertencimento do fazer, do que se repete - esvazia o repetido em nome
de uma produção acelerada, muito cara ao sistema neoliberal educacional contemporâneo, em tempo de
tantas provas padronizadas, turmas separadas por rankings de notas e ensino através de apostilamento. Para
sentir e pensar as correlações desse campo vivencial, filosófico e educacional que territorializa efeitos, a
presente pesquisa é desenvolvida a partir de uma revisão bibliográfica crítica e contextual sobre os temas

1 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: agsdantas@gmail.com


2 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: lefebvreclaudia@hotmail.com
3 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: luisalogun@gmail.com
4 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: madhu.itaborahy@gmail.com
5 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: arrudanathali@gmail.com
6 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: taoabicalho@gmail.com
7 Universidade Santa Úrsula/Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: colmenerocunha@gmail.com

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 121


supracitados, trazendo referenciais de Baruch Spinoza, na perspectiva de Juliana Merçon, bell hooks, Lev
Vygotsky, Byung-Chul Han, Deleuze e Guattari. Ao levar os estudos sobre o ritornelo em direção ao campo
da educação, reconhece-se aqui na repetição seu papel de destaque em tornar o ritmo tátil fabricando conforto
palpável. Aposta-se como hipótese de pesquisa que a repetição ritmada organiza, e a cadência, uma vez
estabelecida, aperfeiçoa o aprendizado, a ponto de nos produzir segurança para que seja possível se lançar às
margens, como a água, em busca de novos agenciamentos.

Referências bibliográficas preliminares:


DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo: Paz & Terra, 2018.
DELEUZE, Gilles. Espinoza: Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia 2, vol. 4. São Paulo: Editora 34,
2012.
FINO, Carlos Nogueira. Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógicas.
Revista Portuguesa de Educação, vol 14, nº 2, pp. 273-291, 2001.
HAN, Byung-Chul. O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Petrópolis: Editora Vozes. 2021
hooks, bell. Ensinando pensamento crítico: Sabedoria prática. São Paulo: Editora Elefante, 2020.
MERÇON, Juliana. ² artigo - História e liberdade: A esperança de Freire e de Spinoza. Educação e Filosofia, v. 26
n.52 jul./dez. 2012.
MERÇON, Juliana. Aprendizado Ético-Afetivo: Uma Leitura Spinozana da Educação. São Paulo: Átomo &
Alínea, 2009.
MERÇON, Juliana. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, volume 5, número 1, abril-
setembro, 2013.
MIRANDA, Karina Vieira. Spinoza e o conhecimento: Como a educação pode ser transformadora e libertadora.
Polymatheia - Revista de Filosofia, v. 6, n. 9, 2021.
PARAISO, Marlucy Alves Paraiso. Diferença no currículo. Cadernos de Pesquisa, v.40, n.140, p. 587-604,
maio/ago. 2010.
RABELLO, Elaine; PASSOS, José Silveira. Vygotsky e o desenvolvimento humano. s/d.
RIBEIRO, Cintya. Uma abordagem deleuzo-guattariana sobre a escola e o vitalismo de seus problemas, Educação
em Revista, 36, 2020.
SPINOZA, Baruch de. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 122


GT 6 - Educação para potência

Vivências pedagógicas esquizoanalíticas em sala de aula de um


Curso de Psicologia em uma Universidade Pública: uma
abordagem dos processos grupais e institucionais

Ana Rita Castro Trajano1

Em homenagem à bell hooks e ao Gregorio Baremblitt,


que nos deixaram em 2021. Presentes!

Resumo:
Como professora, militante da Luta Antimanicomial e em Defesa da Democracia, psicóloga, esquizoanalista,
institucionalista, grupalista, apresento esta proposta de Comunicação Oral. Leciono, atualmente, Psicologia
Social 1 e Processos Grupais e Institucionais, para 3º período e 4º período, respectivamente. Desta vez vou
falar de sala de aula, vivências pedagógicas, que caracterizo como esquizoanalíticas - procuro inventar e
convido estudantes a inventarem, romper com a atmosfera de tédio, como diria bell hooks (2013), gerar
entusiasmo, favorecer o desejo de saber. E nesta perspectiva da educação como prática da liberdade, busca-se
construir posturas de diálogo entre diferentes referenciais ² a educação como prática da liberdade de Freire
   D HUJRORJLD GH 6FKZDUW] H R GLiORJR HQWUH VDEHUHV DFDGrPLFRV H VDEHUHV ¶GD
H[SHULrQFLD· 6FKZDUW]  7UDMDQR 3); do grupo operativo de Pichon-Rivière e a intervenção
grupal como estratégia pedagógica (Pichon-Rivière, 1986; Bleger, 1980; Trajano, 2002); a esquizoanálise e o
esquizodrama (Guattari, 1981; Baremblitt, 2003,1992; Passos et al., 2009; Rossi, 2021) como possibilidades de
inventar e buscar romper fronteiras de saberes e poderes em sala de aula, tomada como grupo, este entendido
como processo grupal articulado a processos institucionais ² instituintes que produzem o Novo Radical, e
lembramos Gregorio Baremblitt (op. cit., 1992), que nos traduz Felix Guattari e a revolução molecular (op. cit.,

1 Possui graduação em Bacharel e Formação de Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1978),
mestrado em Psicologia Social / UFMG (2002) e doutorado em Conhecimento e Inclusão Social em Educação /
UFMG (2012); especialização em Psicologia Comunitária pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1981);
Formação em Análise Institucional pelo Instituto Félix Guattari / BH (1998). Professora efetiva da Universidade do
Estado de Minas Gerais - UEMG, desde agosto/2021, onde coordena o Núcleo de Projetos de Apoio Psicossocial a
Estudantes (NUPAPE), cadastrado no Diretório de Pesquisas do CNPq (09/2020). Atualmente, coordena Projeto de
Extensão com equipe de estudantes negras e o Grupo de Trocas de Vivências Negras (GTVN), com apoio do
PAEx/UEMG/2023. Associada à ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social; ABRASCO - Associação
Brasileira de Saúde Coletiva; ABPP- Associação Brasileira de Psicologia Política. Experiências como pesquisadora -
UFMG/ FAFICH / Núcleo de Estudos Sobre Trabalho Humano, UFMG/ FaE/ Núcleo de Estudos sobre Trabalho
e Educação, UFMG/ FM/ Núcleo Promoção de Saúde e Paz; como professora em cursos de graduação e pós-
graduação em diferentes Instituições de Ensino Superior; como consultora / assessora junto ao SUS / Política
Nacional de Humanização e ao movimento sindical; atuando principalmente nos seguintes temas: grupos e instituições;
saúde coletiva; trabalho e ergologia, humanização do SUS, saúde mental antimanicomial e direitos humanos; psicologia
antirracista; psicologia e gênero; violências contemporâneas. E-mail: ana.trajano@uemg.br

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 123


1981). O ECRO ² Esquema Conceitual Referencial Operativo ² de Pichon-Rivière e sua epistemologia convergente, em
que dialogam Psicanálise de Freud, Materialismo Histórico Dialético de Marx, Dinâmica de Grupo de Lewin,
Moreno e o Psicodrama, dentre outras ² é o que nos inspira e nos deixa mais à vontade para pensar livremente
e buscar interlocuções possíveis entre diferentes campos de saberes e múltiplas epistemologias (Baremblitt,
1986). Aprendemos muito com os autores citados, e precisamos encontrar autoras, mulheres negras e brancas,
que ficam na invisibilidade em meio à hegemonia masculina, que ainda prevalece em salas de aulas. E
começamos por Silvia Lane (1984) e a criação da ABRAPSO ² Associação Brasileira de Psicologia Social ²
que inaugura a Psicologia Social Crítica no Brasil; em Minas, duas professoras que marcaram presenças em nossa
formação na graduação em Psicologia na UFMG, Marília Mata Machado (1904) e Lúcia Afonso (2000). Mais
à frente nos encontramos com Regina Benevides de Barros (2007, 2004), quando trabalhamos, como
consultora da Política Nacional de Humanização, a PNH, do Ministério da Saúde, de 2006 a 2016. E hoje, na
UEMG, a partir de práticas de extensão e pesquisa, por meio do NUPAPE ² Núcleo de Projetos de Apoio
Psicossocial a Estudantes ² acolhemos estudantes negras e negros e criamos o Grupo de Trocas de Vivências
Negras ² o GTVN ² que se inspirou em experiências anteriores dos Grupos de Trocas de Vivências ² GTVs
- com estudantes universitárias/os (Trajano et al., 2021, 2022). E foi no encontro com estudantes negras e
egresso da UEMG, hoje psicólogo, que nos aproximamos de bell hooks (2013) - ela gostava de escrever seu
nome em minúsculas como forma de enfatizar, segundo ela, "substância de seus livros, não quem eu sou" ²
´KRRNVTXHULDTXHSUHVWiVVHPRVDWHQomRHPVXDVREUDVHPVXDVSDODYUDVHQmRHPVXDSHVVRDµFRQIRUPH
breve pesquisa sobre sua biografia. E nos encantamos com sua escrita e experiência como professora ² estou
lendo ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, em que dialoga com Paulo Freire; descubro a
cada página seu gosto pela educação e pela sala de aula como espaço de diálogo e entusiasmo no processo de
aprendizagem. Uma mulher negra que conta sua história e suas experiências como estudante e professora, na
busca pela educação que ensina a transgredir e acontece na prática da liberdade; muito temos ainda que aprender
com bell hooks, transgressora, feminista negra, que se contagia pela pedagogia radical feminista. E assim, vamos
cartografando nossas experiências em sala de aula, buscando criar um ambiente acolhedor, inclusivo, alegre,
inventivo, dialógico, e algumas vezes, dramático, quando propomos à turma experimentar um pouco do
esquizodrama (Baremblitt, 2003), procurando entender este para além do psicodrama, quando se propõe a
vivência dramática a partir de temas emergentes que surgem no decorrer dos encontros em sala de aula.
Nestas andanças e aprendizagens institucionalistas, vamos construindo uma abordagem clínico-político-
revolucionária em estudos sobre processos grupais e institucionais, tomando como referências as produções no
campo do Institucionalismo e do Grupalismo.

Referências bibliográficas preliminares:


AFONSO, L. Oficinas em dinâmica de grupos: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições do
Campo Social, 2000.
BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes. RJ: Rosa dos Tempos, 1992.
BAREMBLITT, Gregorio. (org.). Grupos: teoria e técnica. 2. ed. RJ: Graal, 1986.
BAREMBLITT, Gregorio. Introdução à Esquizoanálise. Belo Horizonte: Instituto Felix Guattari / Fundação
Gregorio Baremblitt, 2003.

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 124


BARROS, Regina Benevides de. Grupo: a afirmação de um simulacro. Porto Alegre: Sulina; UFRGS, 2007.
BARROS, Regina Benevides de. Institucionalismo e dispositivo grupal. In: ALTOÉ, S.; CONDE, H. de B. (orgs).
Análise institucional. São Paulo: Hucitec, 2004. (Coleção Saúdeloucura, n. 8).
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. SP: Martins Fontes, 2013.
BLEGER, José. Grupos operativos no ensino. In: Temas de Psicologia: entrevista e grupos. SP: Martins Fontes, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 9. ed. RJ: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. 14. ed. RJ: Paz e Terra, 1983.
GUATTARI, Felix. Revolução Molecular: Pulsações políticas do desejo. SP: Brasiliense, 1981.
LANE, Silvia et al. (Org). Psicologia social: o homem em movimento. SP: Brasiliense, 1984.
MATA MACHADO, Marília et al. (Orgs). PSICOSSOCIOLOGIA. RJ: Vozes, 1994.
PASSOS, Eduardo et al. Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-Intervenção e produção de subjetividade. Porto
Alegre: Sulinas, 2009.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. Trad. de Marco Aurélio Fernandes Velosso. 2. ed. S P: Martins Fontes,
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ROSSI, André. Formação em Esquizoanálise: pistas para uma formação transinstitucional. Curitiba: Appris, 2021.
SCHWARTZ, Yves. Trabalho e Saber. Revista Trabalho e Educação, UFMG, v. 12, n. 1, jan./jun. 2003.
SCHWARTZ, Yves. A Comunidade Científica Ampliada e o Regime de Produção de Saberes. Revista Trabalho e
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TRAJANO, Ana Rita Castro; FREITAS, Maria Carolina de Andrade et al. Conversações cartográficas: fragmentos e
devires insistentes numa universidade pública. Divinópolis: UEMG / Assessoria de Comunicação, 2022. [e-book]
TRAJANO, Ana Rita Castro; BRAZ, Matheus Viana; VIANNA, Carolina Dal-col; VILELA, Fernanda de Souza;
BATISTA, Larissa Moreira; SILVA, Thiago Oliveira da. Grupo de trocas de vivências e apoio psicossocial a
estudantes universitários em tempos de pandemia. Revista de Extensão da UPE, v. 6, n. 1, 2021.
TRAJANO, Ana Rita Castro. O trabalho no Samu e a Humanização do SUS: saberes-atividade-valores. Saarbrücken,
Alemanha: Novas Edições Acadêmicas, 2013. [Tese de Doutorado, UFMG, 2012]
TRAJANO, Ana Rita Castro. Trabalho e Identidade em novas configurações socioprodutivas: autogestão, autonomia
e solidariedade em construção. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrado em Psicologia, 2002.
[Dissertação].

Caderno de resumos: I Encontro de Esquizoanálise na UFMG 125

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