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CAPÍTULO 5

UMA BREVE INCURSÃO EM ASPECTOS REGIONAIS


DA NOVA GEOGRAFIA ECONÔMICA∗2

Bruno de Oliveira Cruz

1 INTRODUÇÃO
No final da década de 1980, com avanços na modelagem incorporando pressupostos
de concorrência imperfeita e sua extensão para estudos realizados no campo da
economia internacional, começa a surgir uma literatura que passa a analisar
a distribuição no espaço das atividades econômicas. Este ramo da economia,
denominado Nova Geografia Econômica (NGE), entrou, nas últimas duas décadas,
por um período bastante profícuo e produtivo, com diversos resultados e pesquisas
de fôlego. Vários livros e artigos-síntese são lançados, e esta linha de pesquisa
obtém reconhecimento externo, culminando com o prêmio Nobel concedido a
Paul Krugman por sua contribuição à teoria da localização e a publicação pelo
Banco Mundial do Relatório Mundial de Desenvolvimento intitulado A Geografia
Econômica em Transformação, fortemente embasado em conclusões dos modelos
da Nova Geografia Econômica.1 A importância da pesquisa realizada e a crescente
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influência sobre os decisores de política aumentou interesse tanto de economistas


de outras áreas como formuladores de política sobre esta Nova Geografia
Econômica. Mas, de fato, quais as principais contribuições e inovações desta linha
de pesquisa? Quais os principais pressupostos que a fundamentam e quais seriam as

* Agradeço o auxílio de Pedro Henrique Albuquerque na elaboraçã o de mapas, Franklin Gamboa nas discussõ es dos
modelos da NGE e do Teorema da Impossibilidade Espacial, em especial no modelo de Starrett e aos demais colegas
da diretoria de estudos regionais, urbanos e ambientais, que participaram de debates e discussõ es ao longo do ano de
2009 e 2010. Obviamente que todos os erros e as omissõ es sã o de responsabilidade do autor.
1. Em dezembro de 2008, em seminá rio organizado pelo Ipea, Ministé rio da Integraçã o Nacional e Uniã o Europeia,
denominado Congresso Internacional de Gestã o de Políticas Regionais no Mercosul e na Uniã o Europeia, houve o
lançamento desse relató rio. Está no prelo o lançamento dos resultados desse congresso.
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críticas a esta abordagem? Ainda que existam diversas revisões de literatura sobre
o tema,2 este capítulo faz uma breve apresentação de algumas contribuições
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existentes na literatura –, com um enfoque para a escala regional –, e também


levanta pistas sobre o eventual impacto desta produção internacional sobre a
pesquisa regional no Brasil.
Para se compreender os pilares da NGE, Brakman, Garretsen e Marrewijk
(2003, p. 37) destacam que:
Na nossa visão, a economia geográfica pode ser entendida como uma nova geografia
econômica na medida em que combina “insights” espaciais bem estabelecidos da
economia regional e urbana com uma abordagem de equilíbrio geral da corrente
principal da teoria econômica. Ela tenta portanto colocar mais teoria econômica
na geografia, mas, sobretudo mais geografia na economia. (p. 37, tradução nossa)
Nesse extrato do livro de Brakman, Garretsen e Marrewijk (2003), é dada
ênfase ao fato que a Nova Geografia Econômica herda os conceitos da teoria
de localização,3 incorporando-os numa estrutura de equilíbrio geral. Outro
ponto importante colocado pelos autores seria o objetivo explícito de reinserir
na corrente principal da economia a dimensão espacial.4 Numa revisão bastante
completa da literatura, Ottaviano e Thisse (2004, p. 2565) destacam que, entre
os objetivos da NGE, estão:
O objetivo da geografia econômica é precisamente o de entender quais são as forças
econômicas, depois de controlados para as características de primeira natureza, (...)
que explicam a distribuição no espaço da atividade humana. (p. 2565, tradução nossa)
Ottaviano e Thisse (2004) incluem outra característica importante desta
“nova geografia econômica”, a de buscar entender as forças que moldam as
atividades no território a partir de fenômenos estritamente econômicos. Parte-
se de um espaço homogêneo para compreender se a dinâmica econômica seria
suficiente para explicar a concentração ou dispersão de atividades no espaço.

2. O texto de Ottaviano e Thisse (2004) é uma excelente apresentaçã o desta literatura, algumas boas revisõ es sã o
Krugman (1998; 1996), Fujita e Thisse (1996); para discussõ es recentes e uma avaliaçã o da situaçã o atual da NGE:
Thisse (2010), Krugman (2010), Behrens e Robert-Nicoud (2009), Fujita e Thisse (2009); Behrens e Thisse (2007).
Para uma visã o crítica, Neary (2001) e Martin (1999). Algumas revisõ es críticas da literatura em portuguê s estã o dispo-
níveis em Ruiz (2003) e Vieira (2008). Veja també m a seçã o deste capítulo com um apanhado de tais críticas. Existem
ainda bons livros didá ticos como Brakman, Garretsen e Marrewijk (2003; 2009) e Combes, Mayer e Thisse (2008).
Indica-se també m v. 50, n.1, em comemoraçã o aos 50 anos da revista e da associaçã o.
3. Para maiores detalhes sobre as teorias de localizaçã o, ver o capítulo 2 deste livro.
4. Para alguns autores, como Krugman (1996), a ausê ncia da aná lise espacial no da teoria econô mica
deve-se à dificuldade de se modelar retornos crescentes à escala e concorrê ncia imperfeita em um contexto de
equilíbrio geral. Krugman (1996) chega a fazer uma analogia entre o conhecimento sobre a economia regional e a
cartografia na Á frica no início das navegaçõ es naquele continente. Num primeiro momento, uma sé rie de desbravadores
fizeram diversas descriçõ es, ainda que imprecisas sobre o interior do continente. Durante anos, contudo, a cartografia
concentrou-se no litoral da Á frica, e o conhecimento sobre o interior do continente continuou praticamente estagnado.
A analogia do autor com a economia regional seria o pequeno avanço no campo da economia regional na corrente
principal da economia.
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Busca-se explicar grandes desigualdades na distribuição espacial e sua persistência


no tempo, a partir de modelos de equilíbrio geral. Deve-se, para os autores da
NGE, ir além de diferenças físicas como fonte de desigualdades, ainda que a
“natureza seja cruel” na distribuição territorial de vantagens comparativas como
clima, acessibilidade, recursos naturais, entre outros. O principal para esta
corrente seria entender a persistência das desigualdades como um resultado de
forças de mercado.
O caso brasileiro ilustra de maneira clara tais desigualdades e sua persistência
no tempo. Os mapas de 1 a 5 mostram o indicador denominado “mercado
potencial” no Brasil para os anos 1939 a 2006.5 O mercado potencial é soma do
Produto Interno Bruto (PIB) da região descontado pela distância entre as regiões.
Este indicador apontaria o potencial de acesso a mercados de uma dada região, uma
vez que considera o PIB da própria região e do entorno. Os mapas mostram
uma forte concentração para o Brasil em torno da microrregião de São Paulo,
a grande estabilidade do indicador ao longo do tempo.6 Essa desigualdade ou
concentração espacial de produção, ainda que de forma marcante no Brasil,
também pode ser observada em várias outras regiões do globo. A própria União
Europeia, ou mesmo o Japão, apresenta forte concentração das atividades.7
A grande questão para os teóricos da Nova Geografia Econômica seria a de
fornecer argumentos econômicos para esta ocorrência tão frequente.
Um importante resultado, já destacado no primeiro capítulo deste livro,
é o chamado Teorema da Impossibilidade Espacial (STARRETT, 1977). Ele
determina que, a partir de algumas hipóteses bastantes utilizadas em economia
(como espaço homogêneo, concorrência perfeita e custo de transporte não nulo),
não seria possível a existência de comércio entre as regiões. Assim, para evitar este
desconfortável resultado do teorema da impossibilidade espacial, é necessário
relaxar ao menos um dos seus pressupostos. Caso se deseje modelar a existência de
comércio entre regiões com territórios homogêneos, deve-se escolher um caminho
alternativo, abandonando a hipótese de concorrência perfeita ou, pelo menos, supor
a existência de algum tipo de rendimentos crescentes externos às firmas. A escolha
da Nova Geografia Econômica é exatamente a de incluir concorrência imperfeita
num arcabouço de equilíbrio geral, mantendo-se a hipótese de espaço homogêneo.

5. Para maiores detalhes do conceito e aplicaçã o deste indicador de mercado potencial, ver capítulo 10 deste livro.
6. A distribuiçã o das classes foi realizada pelo mé todo de quebras naturais, pelo mecanismo de otimizaçã o Jenks, que
assegura grupos homogê neos internamente e heterogê neos entre as classes. Observa-se uma notá vel estabilidade
deste indicador ao longo tempo, ou seja, em termos relativos, há pouca alteraçã o da distribuiçã o das atividades eco-
nô micas no Brasil. Algumas pequenas alteraçõ es sã o a consolidaçã o de Brasília, a partir de 1975.
7. A esse respeito, veja, por exemplo, Relató rio de Desenvolvimento do Banco Mundial (2009).
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MAPA 1
Mercado Potencial PIB 1939

MAPA 2
Mercado Potencial PIB 1959
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MAPA 3
Mercado Potencial PIB 1975

MAPA 4
Mercado Potencial PIB 1996
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MAPA 5
Mercado Potencial PIB 2006

A literatura da Nova Geografia Econômica é bastante vasta, por isso, este


capítulo se concentra na questão das desigualdades regionais numa escala geográfica
mais ampla, ainda que o arcabouço metodológico tenha sido aplicado até mesmo para
problemas intraurbanos.8 Como forma de classificar a produção na NGE, Ottaviano
e Thisse (2004)9 destacam as três linhas de pesquisas desenvolvidas a partir de três
artigos seminais: Fujita (1988), Krugman (1991a) e Venables (1996), gerando então
três blocos de trabalhos: efeito de mercado interno (Home Market Effect); modelos de
centro-periferia, pela mobilidade de mão de obra e pelas ligações setoriais encadeadas;
e, finalmente, modelos de desigualdade em forma de sino. A figura 1 apresenta de
forma esquemática a divisão proposta por Ottaviano e Thisse (2004).
O primeiro ramo da literatura enfatiza como os efeitos de mercado interno,
ou seja, o tamanho do mercado de uma região, podem levar à concentração das
atividades no espaço. A localização das empresas passa a ser uma decisão explícita
das firmas. Assim, vantagens econômicas, derivadas de um maior mercado
interno, são as forças que explicam a concentração da atividade no espaço.
Os modelos de centro-perifiria herdam da literatura de desenvolvimento
dos anos 1950, à la Hirschman e Myrdal, os chamados processos de concentração

8. No capítulo 7, sobre economia urbana, destacam-se alguns modelos como o de Ogawa e Fujita (1980), que tentam
explicar como a concorrê ncia imperfeita e retornos crescentes podem afetar a distribuiçã o das atividades em torno do
centro de negó cios (CBD)
9. Para maiores detalhes, ver figura 1.
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cumulativos, muitas vezes comparados a efeitos de bola de neve. Em uma primeira


linha de pesquisa, este efeito concentrador viria da mobilidade da mão de obra
ou de firmas, que acabaria por reforçar o efeito de mercado interno, resultando
numa concentração das atividades no “centro” (que concentraria todas atividades
manufatureiras), e a periferia teria apenas atividades primárias ou de pouco
valor agregado.
Finalmente, os modelos de desigualdade em forma de sino enfatizam que a
concentração das atividades seguiria uma forma de U invertido quando se aumenta a
integração entre as regiões. Haveria um pico da concentração em níveis intermediários
de integração comercial, a partir do qual, os custos de congestionamento ou as
externalidades negativas desta concentração passariam a dominar os eventuais efeitos
positivos do centro, levando a uma desconcentração das atividades.
Este capítulo apresenta de maneira bastante resumida alguns desses resultados
a partir da divisão proposta por Ottaviano e Thisse (2004). Após a descrição
destes modelos e suas principais conclusões, são revisados alguns trabalhos e testes
empíricos dos modelos da NGE, bem como são apresentadas as críticas a esta
abordagem; finalmente, tenta-se destacar alguns estudos que tenham como foco a
economia brasileira e, por último, as implicações de políticas.10

FIGURA 1
Divisão esquemática proposta por Otaviano e Thisse (2004)

Fonte: Ottaviano e Thisse (2004).

10. Existem modelos da chamada segunda geraçã o que tentam integrar crescimento econô mico agregado e distri-
buiçã o das atividades econô micas no espaço. Por uma opçã o metodoló gica e por limitaçã o de espaço, estes modelos
serã o mencionados ao longo texto, mas o foco será dado aos modelos canô nicos da NGE. Para o leitor interessado,
sugere-se a leitura de Baldwin e Martin (2004) e o livro Baldwin (2005). Outro ramo bastante interessante é o
que enfatiza a interaçã o estraté gica seguindo a tradiçã o de Hotelling.

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