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14/06/2022 AMÉRICA DO SUL / RESENHA HISTÓRIA / LIVROS /


SOCIOLOGIA

Por que os intelectuais


brasileiros “descobriram”
Mariátegui tardiamente
POR MICHAEL LÖWY

O jornalista, sociólogo e militante socialista José


Carlos Mariátegui nasceu neste dia em 1894.
Michael Löwy conta como novo livro sobre o
marxista peruano remonta sua trajetória intelectual
e por que ele só foi "descoberto" no Brasil por causa Artemio Ocaña, José Carlos Mariátegui e F. Gulda nas
do exílio de militantes e da Revolução Cubana. proximidades da Praça de São Pedro, Roma. 1922. Foto
Wikimedia Commons.

Nossa quinta edição Mike Davis e os sertões


brasileiros
impressa "SOCIALISMO

O
livro O labirinto periférico: aventuras de
Mike Davis
NO NOSSO TEMPO" já Mariategui na América Latina, versão revista e
está disponível. Adquira a atualizada da tese apresentada há algum tempo Uma mestra indígena
sua revista em nosso plano revolucionária
por Deni Rubbo, é um marco na história dos
anual ou compre ela José Jorge de Carvalho
estudos mariateguianos no Brasil e na América Latina. O autor não
avulsa. se limita a traçar o percurso intelectual e político de José Carlos Os crimes da Guerra
Mariátegui, mas desenha, pela primeira vez, uma cartografia da Fria ainda estão
moldando nosso
recepção de seus escritos por cientistas sociais latino-americanos e
mundo
brasileiros. Trata-se, portanto, de um trabalho pioneiro: a primeira
Jacob Sugarman
tentativa de reconstituir, em seus principais momentos, a história
das múltiplas leituras e interpretações do Amauta.

Não se trata das leituras partidárias, as várias tentativas de partidos,


movimentos ou grupúsculos – sobretudo no Peru, mas não só – de
se apropriar, muitas vezes ao preço de grosseiras falsificações, da
obra do fundador do Partido Socialista Peruano (1928). O objeto
desta pesquisa impressionante, pela riqueza da documentação, pela
erudição e pelo rigor analítico, são as interpretações no campo das
ciências humanas – para usar um termo um pouco anacrônico, mas
que utilizava muito meu mestre, Lucien Goldmann – na América
Latina.

Deni propõe como definição dos escritos de Mariátegui o conceito


de ensaio. Me parece muito acertada está caracterização. Mas ele
propõe também um adjetivo: ensaios jornalísticos. Isto nada tem de
pejorativo: o jornalismo pode ser uma nobre ocupação. Sem dúvidas
vários dos artigos de Mariátegui – por exemplo, seus comentários
sobre eventos da política nacional e internacional – são jornalísticos.
Mas, francamente, não creio que isto se possa dizer do conjunto de
seus escritos: não só seus livros – os 7 Ensaios e Defesa do Marxismo
– mas também muitos de seus ensaios não podem de maneira
alguma ser definidos como “jornalísticos”. Por exemplo, artigos
como “Duas concepções da vida” (1925) ou “O homem e o mito”
(1925) ou ainda “Aniversário e Balanço” (1928) são verdadeiros
manifestos culturais e políticos. Sugiro, portanto, o conceito de
“ensaios militantes” para a maioria de seus escritos, sobretudo a
partir de 1923.

No que consiste a forma “ensaio“, no caso de Mariátegui? Segundo


Deni, metade ciência, metade literatura. Certo, mas acrescentaria
outras metades: metade filosofia, metade cultura, metade política,
metade visão do mundo – sem esquecer o jornalismo. Portanto, uma
combinação de várias formas de expressão, diferentes segundo o
escrito, mas sempre com um caráter “híbrido”, que faz a riqueza e a
singularidade da escrita mariateguista.

“Como o sugere Antônio Cândido, os


intelectuais de esquerda brasileiros vão
‘descobrir’ a América Latina a partir da
Revolução Cubana socialista (1960-61), e
do exílio, na época da ditadura.”

O objeto principal deste livro não é a releitura de


Mariátegui, mas sua recepção, em particular latino-
americana (há também um belo capítulo sobre a
descoberta de Mariátegui na Europa). O autor analisa
com lucidez e profundidade os acertos e os limites das
leituras de Aníbal Quijano, Enrique Dussel, Walter
Mignolo e outros, criticando, em particular, as
tentativas de dissociar Mariátegui do marxismo. Por
exemplo, segundo Mignolo, o anticolonialismo de
Mariátegui não era marxista, posto que “o
colonialismo não era um elemento crucial na análise
do capitalismo feita por Marx”. Ao que parece,
Mignolo nunca leu o capítulo sobre a acumulação
primitiva no primeiro volume de O Capital, uma das
denúncias mais virulentas jamais escritas do
colonialismo europeu.

A recepção de Mariátegui no Brasil é bastante tardia.


Posso testemunhar que, em meus anos de aluno em
Ciências Sociais na USP, no fim dos anos 1950, tive
ótimos professores de formação marxista (Fernando
Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Florestan
Fernandes e etc.), mas nenhum deles jamais mencionou o nome de
José Carlos Mariátegui. O mesmo vale, como constata Deni, para o
famoso Seminário do Capital desta mesma época. Na verdade, como
o sugere Antônio Cândido, os intelectuais de esquerda brasileiros
vão “descobrir” a América Latina a partir da Revolução Cubana
socialista (1960-61), e do exílio, na época da ditadura. A
“descoberta” de Mariátegui vai se dar no exílio. Se Octávio Ianni é
um dos primeiros a se interessar pelo Amauta no começo dos anos
1970, é Florestan Fernandes que vai efetivamente trazer o
pensamento de Mariátegui ao Brasil, como o mostra Deni no
brilhante capítulo que dedica ao sociólogo.

José Carlos Mariátegui ocupa sem dúvidas um lugar eminente na


história do marxismo latino-americano, como o constatam a maioria
de seus leitores tanto na América Latina como na Europa. Mas não
seria justo situá-lo na história do marxismo tout court? Como
observa com razão Deni, “marxismo latino-americano” é,
implicitamente, visto como algo inferior, marginal, “periférico”, em
comparação com o marxismo ocidental. Pessoalmente estou
convencido de que Mariátegui é um autor comparável, desde vários
pontos de vista, com alguns dos mais eminentes “marxistas
ocidentais” de sua época, com os quais tem múltiplas afinidades: os
jovens Georg Lukács, Ernst Bloch, Antonio Gramsci, Walter
Benjamin.

Aliás, como o aponta Deni, Aníbal Quijano já havia constatado


significativas analogias entre Mariátegui e Benjamin: os dois
imaginam a emancipação revolucionária sob o ângulo da redenção.
Minha hipótese e que todos eles compartem, sob formas
evidentemente distintas, uma visão do mundo romântica-
revolucionária. Mas isto é tema para outra discussão.

Sobre os autores

MICHAEL LÖWY é diretor de pesquisa emeritus do Centro Nacional


de Pesquisa Científica, em Paris.

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