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PENSAMENTO OPERATÓRIO E ALEXITIMIA: ASPECTO


FENOMENOLÓGICO
Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros
http://www.carlosbarros.com.br/

Publicado no livro do autor


"Alcoolismo, Obesidade, Consultoria Psiquiátrica",
Porto Alegre: Editora Movimento, 1994, p.142-147.

Para compreendermos a estrutura mental do paciente com transtorno psicossomático,


conforme a visão psicanalítica, podemos utilizar três níveis de conhecimento: o
metapsicológico, o epigenético e o fenomenológico.
No nível metapsicológico, encontramos um “déficit” do processamento psíquico com
alterações da atividade representacional da quantidade de impulsos com falhas na
simbolização. Trata-se de uma dificuldade em mentalizar a excitação.
O nível epigenético mostra as alterações ocorridas no aparelho psíquico em
organização, devido a frustrações graves, restrições severas, inibições auto-eróticas e outras
que impeçam o curso evolutivo harmônico da simbiose primária com os transtornos da
separação e individuação posterior. Neste nível, podemos encontrar também uma alteração
primária na constituição da imagem corporal, a qual não está adequadamente investida,
produzindo uma lacuna entre a mente e o corpo.
Estas falhas no processo de mentalização produzem como resposta uma manifestação
corporal. Estabelecesse a dissociação radical entre o psiquismo e o somático.
O presente trabalho propõe a visão do paciente psicossomático em nível
fenomenológico, buscando compreender o que ocorre com esses indivíduos em relação ao
modo com que se relacionam consigo mesmo e com a realidade externa. Tais pacientes
demonstram uma excessiva adaptação às demandas do meio, com uma hiperatividade
artificial em detrimento de outros interesses. Esta hiperatividade, com um modo pragmático
no pensar, com bloqueios na capacidade de simbolizar a representação é o que a Escola
psicossomática Francesa denomina de “Pensamento Operatório”, e a Argentina, de
“Planificação” ou "Sobreadaptação” (Liberman e col., 1982). Também temos como
expressão, em nível fenomenológico, a “Alexitimia”, descrita pelos Psicossomatistas de
Boston como uma incapacidade de associar os afetos às representações mentais, havendo
um “déficit” na verbalização das emoções.
Vamos comentar um pouco mais sobre o “Pensamento Operatório”, que é um modo de
pensar pragmático, com carência na capacidade de representar e fantasiar e com uma
pobreza nos investimentos libidinais. Estas pessoas, na maioria das vezes, não apresentam
sintomas neurológicos. Ao contrário, demonstram boa capacidade de adaptação social e são
aditos ao trabalho. Chegam a ser denominados de Normopatas por Joyce McDougall.
Marty e M’Uzan, em 1963, ao definirem o pensamento operatório, descrevem como
características essenciais que ele se trata de uma pensamento consciente, que não parece
possuir uma conexão orgânica com uma atividade fantasiosa de certo nível e que duplica e
exemplifica a ação, tanto a que precede quanto a seguinte; porém, sempre em um espaço
temporal limitado. A relação terapêutica, estabelecida pelos pacientes com pensamento
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operatório, é chamada de relação branca, devido à ausência de associação entre os fatos,


uma vez que estes são relatos como isolados, desvitalizados. A palavra expressa o relato da
ação sem ideação fantasiosa, limitando-se aos gestos, assim como o vincular-se à
materialidade dos fatos relatados, não se conectando aos do passado, nem aos que possam
ocorrer futuramente. O relato é feito como uma sucessão de fatos privados de vitalidade,
chegando ao intento de forma pragmática e concreta, sem associações. Conforme dizem
Marty e M'uzan, (1983, p.715) “a palavra não faz outra coisa que repetir o que a mão fez
trabalhando”
Mc Dougall (1989), desde o trabalho psicanalítico de pacientes de difícil
complexidade, como os psicossomáticos, tem levado a reconhecer que a gênese deste tipo
do funcionamento operatório dá-se de acordo com as situações traumáticas na relação da
criança. O pensamento operatório, assim como a Alexitimia, são defesas intensas contra os
estados emocionais primários, provocados por traumas psíquicos precoces”.
A mesma autora, no que se refere à precocidade do trauma psíquico, diz que “o bebê,
psicologicamente, não pode elaborar situações de tensão, de dor mental ou de uma
estimulação excessiva; as manifestações patológicas são, invariavelmente, de natureza
psicossomática, como a insônia infantil, o contínuo regurgitar, o merecismo, o vômito
cíclico e as reações espasmódicas de índoles diversas”. (Mc Dougall, 1989. p. 110).
São valorizados os fatos traumáticos que, freqüentemente, antecedem a eclosão de
graves afecções psicossomáticas, tais como: a perda de segurança, abandono por parte dos
objetos amados e perda repentina de autoestima. Mc Dougall amplia esta visão dizendo que
o modo de relação do tipo operatório e a expulsão do afeto (forclusão para Lacan e
Werwerfung para Freud) podem ser defesas mentais extremamente primárias. A
somatização é uma mensagem sem palavras onde a “criação dos sintomas são tentativas de
autocura, esforços criativos para desenvolver técnicas de sobrevivência”. (Mc Dougall,
1989).
Fica criada e/ou provocada na pessoa essa anacronia com uma desafetação aparente,
“este diálogo de surdos entre soma e psique é o que define o corpo psicossomático” (Mc
Dougall, 1983, p. 155).
Finalizando sobre o pensamento operatório, podemos dizer que o modo de pensar
concreto e pragmático é uma defesa contra os afetos: a dificuldade em fazer abstração leva
a não admitir o mal localizado no corpo como de gênese psíquica; e a dificuldade de fazer
representação psíquica ocasiona a carência na capacidade de simbolização.

Agora, passamos para outro aspecto fenomenológico, a Alexitimia. A Escola


Psicossomática de Boston, liderada por Peter Sifneos (1973) e John Nemiah (1977),
desenvolveu pesquisas sobre a Alexitimia, inspirada nas publicações da Escola Parisiense.
Afirma que a Alexitimia é uma incapacidade de se associar os afetos às representações
mentais, não havendo palavras para as emoções. Para a Escola de Boston, a gênese é
neurobiológica, sendo deficiente o funcionamento dos sistemas dopaminérgicos.
Etimologicamente, Alexitimia, palavra de origem grega, significa para os Bostonianos
a = sem, lexi = palavra e thumus = ânimo. Mc Dougall prefere e considera mais adequado
utilizar o prefixo grego – Alexi -, que significa contra ou vencedor de, resultando em
“contrafeto” ou “desafetos”. Henry Kristal (1981/1982), apud Mc Dougall (1989), diz que
estes pacientes têm também uma profunda incapacidade para experimentar satisfação e
prazer, são “afetos de bem-estar”, denominado o fenômeno de anedonia.
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Mc Dougall (1989) amplia a noção de Alexitimia dizendo que não se trata somente de
ter palavras para as emoções, mas também de uma incapacidade para distinguir um afeto do
outro, seja doloroso ou prazeroso. Esta incapacidade é para si próprio e também para o
outro, sendo sentida na relação analítica através dos sentimentos contratransferenciais.
Esses fenômenos de Alexitimia e pensamento operatório devem ser considerados como
sintomas isolados e que não ocorrem somente nos pacientes psicossomáticos. Podemos
encontrar nos estados de regressão neurótica, depressão mascarada, com o aumento da
idade, na dor psicogênica e também relacionado com a classe sócio-econômica inferior.
Quanto à gênese destes fenômenos operatórios e alexitímicos, o campo requer
investigação. Alguns dizem que não se trata de uma forma de defesa da estrutura psíquica,
mas sim de uma carência vital. Através da investigação da patologia do afeto em vítimas do
holocausto, toxicômanos e pacientes psicossomáticos, Henry Kristal (1977, 1978a, 1978b),
apud Mc Dougall (1989, p. 154), refere-se à limitada capacidade destes pacientes de
desempenhar um papel parental protetor para consigo próprio; eles ficam como que
esperando que outra pessoa faça por eles. Isso corresponde à deterioração da capacidade de
autocuidar-se. O autor propõe uma regressão na expressão dos afetos devido a fatos
traumáticos na idade adulta. Constitui-se em uma defesa para impedir o retorno ao estado
traumático. O conceito psicanalítico da Alexitimia pode ser como complemento do conceito
neurobiológico. Mc Dougall (1987) diz que “a criança nos seus conflitos primitivos e
iniciais na sua relação com a mãe inicia o destino de doenças psicossomáticas”. As pessoas
que sofrem de reações psicossomáticas severas tiveram um relacionamento muito
complicado no início do seu desenvolvimento.
Rocha (1988,p. 40), comentando as idéias de Joyce Mc Dougall, afirma que a hipótese
da autora é que “os fenômenos psicossomáticos, em resposta a conflitos psíquicos, estão
relacionados a processos psicobiológicos de natureza primitiva, pré-verbal, que não
chegaram a transformar-se em processos autenticamente simbólicos, aptos a serem
representados psiquicamente”.
Mc Dougall (1989) enfatiza que, em alguns casos, os sintomas psicossomáticos e
alexitímicos desaparecem em resultado do tratamento analítico e, com isto, afasta a teoria
do defeito neurobiológico.
Rosa (1990, p.27), comentando sobre Medicina Psicossomática, assinala que o
indivíduo, frente aos conflitos de angústia existencial, pode apelar a somatização: “o soma
adoece quando as defesas neuróticas ou psicóticas, ou as organizações perversas falham ou
se mostram incapazes de gerir o conflito". É a energia psíquica lesionando o corpo, já que
não é fantasiada.
Sendo assim, enfatizamos que esses sintomas, o pensamento operatório e a Alexitimia,
são expressões da patologia dos sentimentos, com conseqüente dificuldade no
estabelecimento do contato afetivo real e na expressão da capacidade de criação e/ou
ciência.
Finalizando, podemos recapitular que os pacientes somatizados, além de representarem
pensamento operatório e Alexitimia, são pessoas que não sonham ou se mostram incapazes
de transmitir seus sonhos. Quando os relatam, estes aparecem como uma forma pragmática
do pensamento operatório, sendo detalhados atos sucessivos que haja associação. Também
podem sofrer de insônia e serem aditos ao trabalho.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 LIBERMAN, D. et al. Sobreadaptación, Transtornos Psicosomáticos y Estadios Tempranos


Del Desarrollo. Revista Psicoanalisis., Buenos Aires, v. 34, n.5, p.845-853,1982.

2 MARTY, P. & M’UZAN, M. El Pensamiento Operatório. Revista Psicoanalisis, Buenos


Aires, v. 40, n. 4, p.711-721, 1983.

3 MC DOUGALL, J. Em Defesa de uma certa Anormalidade: Teoria e Clínica


Psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

4 ______________. Teatros de La Mente. Ilusión y Verdad en el Escenario


Psicoanalitico. Madrid: Tecnipublicaciones, 1989.

5 ______________. Entrevista. Revista Psicossomática, Recife, v.2, n.3, p.51-54, jul./set.,


1987.

6 NEMIAH, J; C. Alexithymia-Theoretical: Considerations. Psychotherapy Psychosomatic,


v.26, p.199-206, 1977.

7 SIFNEOS, P. E. The Prevalence of Alexithymic Characteristics in Psychosomatic Symptom


Formation. Psychotherapy Psychosomatic, v.22, p.255-262,1973.

8 ____________. Psychotherapies for Psychosomatic and Alexythymic Patients.


Psychotherapy Psychosomatic, v. 40, p.66-73,1983.

9 ROCHA, F. J. B. A Psicanálise e os Pacientes Somatizantes – Introdução à Idéias de Joyce


Mc Dougall. Revista Brasileira de Psicanálise. São Paulo, v.22, n. 1, p.27-41,1988.

10 ROSA, M. A. Comentários sobre Medicina Psicossomática. Revista de Psiquiatria do Rio


Grande do Sul, Porto Alegre: v.12, n.1, p.22-27, jan./abril, 1990.

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