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Capítulo 8

POTÊNCIA ELÉTRICA EM SISTEMAS


TRIFÁSICOS

Considere uma carga trifásica qualquer alimentada diretamente por uma fonte de tensão
alternada senoidal trifásica, com ou sem neutro, como mostrado na figura abaixo:

Nesse caso, um problema que imediatamente surge é: como obter a potência total, ou seja,
a potência trifásica fornecida pelo gerador ou entregue à carga (supondo que não há perdas
de transmissão)?
A solução geral do problema pode ser expressa nos seguintes termos: a potência ativa (ou
reativa) trifásica é igual à soma das potências ativas (ou reativas) associadas a cada
fase. Embora esse resultado seja bem aceito de forma intuitiva, na verdade precisa ser
provado. Uma maneira geral de fazê-lo é lançando mão do teorema de Tellegen, um
poderoso teorema de circuitos elétricos.

Aplicando o teorema de Tellegen


O teorema de Tellegen pode ser enunciado como segue: “Em um circuito elétrico formado
por b bipolos quaisquer, a soma das potências instantâneas associadas a cada bipolo k é
sempre nula”. Em termos matemáticos:

Esse teorema é extremamente geral, exigindo apenas que as leis de Kirchhoff sejam
válidas. Embora tenha sido enunciado aqui usando potência instantânea, o teorema vale
também considerando-se potência ativa, reativa ou complexa (com tensões e correntes
fasoriais). Ver demonstração no livro clássico de Desoer & Kuh. “Basic Circuit Theory”,
pag. 394.

Já foi visto anteriormente que os alternadores trifásicos são construídos com três
enrolamentos distribuídos pelo estator e geralmente conectados em estrela (Y), gerando

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Capítulo 8 – Potência Elétrica em Sistemas Trifásicos

dessa forma as correspondentes tensões em cada fase vap(t), vbp(t) e vcp(t). Admitindo
seqüência de fases abc, considere um alternador trifásico alimentando diretamente uma
carga trifásica qualquer, seja conectada em triângulo ( ) ou conectada em estrela (Y)
com neutro ou sem neutro, como ilustrado nas figuras abaixo.

Em ambos os casos, o circuito elétrico pode ser visto como formado por seis bipolos: três
geradores correspondentes a cada fase e três impedâncias da carga. Chamando de p1(t),
p2(t) e p3(t) as potências instantâneas em cada impedância da carga, a aplicação do teorema
de Tellegen nos dois casos resulta na expressão:

vap(t) ia(t) + vbp(t) ib(t) + vcp(t) ic(t) - p1(t) - p2(t) - p3(t) = 0

considerando a mesma convenção utilizada nas leis de Kirchhoff, ou seja, potência entregue
por um gerador é positiva e recebida por uma carga é negativa.
Essa expressão permite afirmar que a potência total entregue pelo alternador é igual à
potência total recebida pela carga e que essas potências correspondem à soma das potências
associadas a cada fase, qualquer que seja a forma de ligação da carga trifásica. Portanto,

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Potência instantânea trifásica em cargas equilibradas


Um fato muito interessante e importante ocorre se, no problema anterior, a carga trifásica
for equilibrada, ou seja, as três impedâncias da carga são iguais. A potência instantânea
trifásica entregue à carga torna-se constante, ou seja, não se altera com o tempo !
Essa propriedade pode ser explicada considerando-se uma carga equilibrada representada

por três impedâncias conectadas em Y, alimentadas por um alternador


trifásico, conforme mostra a figura abaixo:

O fato de a carga estar em Y não particulariza a explicação, pois se esta estiver conectada
em poderá ser transformada em uma carga equivalente em Y, utilizando-se a

transformação pela qual .


Considere que as tensões de fase sejam expressas por:

em que Vf indica módulo da tensão de fase.


Portanto, as correntes de fase serão:

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em que If indica módulo da corrente de fase e é o ângulo de defasagem introduzido pela


impedância Z.
Desse modo, as potências instantâneas em cada fase podem ser escritas como:

Adicionando-se as três parcelas, obtém-se a potência instantânea trifásica (total):

Note que a potência instantânea trifásica é constante, pois as parcelas que dependem do
tempo se cancelam mutuamente (lembre-se que a somatória de três senóides de mesma
amplitude e defasadas de é sempre nula), embora a potência instantânea associada a
cada fase seja pulsante.

Esse resultado fornece duas das razões para se utilizarem sistemas trifásicos no suprimento
de energia elétrica. A primeira se refere ao fato que o torque em motores elétricos CA
trifásicos é também constante se a potência instantânea o for, reduzindo vibrações
mecânicas e outros inconvenientes. Lembre-se que um motor é naturalmente uma carga
equilibrada. A segunda vem do fato de a potência trifásica ser três vezes maior que a
potência monofásica, permitindo gerar, transmitir e utilizar mais energia com acréscimo
de apenas um fio.

Potência complexa trifásica


No caso de circuitos lineares, invariantes no tempo e em regime permanente senoidal, o
teorema de Tellegen toma a seguinte forma: “A soma das potências complexas (V.I*)
associadas a cada bipolo é nula”. Não poderia ser de outro modo, já que se trata de apenas
outra forma de expressão do conhecido princípio de conservação da energia. Lembre-se que
potência complexa foi definida anteriormente como o produto do fasor da tensão pelo fasor

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conjugado da corrente. O mesmo raciocínio realizado anteriormente no domínio do tempo,


usando potência instantânea, pode ser realizado no domínio dos fasores, agora usando o
conceito de potência complexa. Desse modo, pode-se concluir que a potência complexa
trifásica, entregue por uma fonte ou consumida por uma carga trifásica, é igual à
soma das potência complexas associadas a cada fase.

Como a potência complexa pode ser expressa por , em que as


componentes real e imaginária representam potência ativa e reativa respectivamente, o
teorema de Tellegen permite afirmar também que:
(a) a potência ativa trifásica, entregue por uma fonte ou consumida por uma carga
trifásica, é igual à soma das potência ativas associadas a cada fase;
(b) a potência reativa trifásica, entregue por uma fonte ou consumida por uma carga
trifásica, é igual à soma das potência reativas associadas a cada fase;

Potência ativa trifásica


Como já foi definido, a potência ativa (útil ou real) é o valor médio da potência instantânea.
No caso trifásico, a potência ativa trifásica será o valor médio, em um período, da potência
instantânea trifásica, que é constante se o sistema for equilibrado. Portanto:

em que Vf e If são valores eficazes de fase. Note que no caso de sistemas desequilibrados,
deve-se obter a potência ativa associada a cada fase e depois adicioná-las. Não esquecer

que o ângulo refere-se à defasagem entre tensão e corrente em cada fase.

Potência reativa trifásica


O teorema de Tellegen garante que a potência reativa trifásica é igual à soma das potências
reativas associadas a cada fase, no caso geral desequilibrado. Se o sistema é equilibrado,
então:

Potência aparente trifásica


Em sistemas desequilibrados pode-se obter a potência aparente trifásica, a partir das
potências ativa e reativa trifásicas, usando-se o triângulo de potências:

Obviamente no caso equilibrado, tem-se:

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Expressando potências trifásicas em função de grandezas


de linha
É conveniente expressar as potências ativas, reativas ou aparentes trifásicas usando somente
tensões e correntes de linha, pois estas são disponíveis (e portanto mensuráveis)
externamente às cargas e fontes. Imagine um motor elétrico trifásico alimentado por uma
rede trifásica; somente as grandezas de linha estão disponíveis, a menos que se abra o
motor para ter acesso aos enrolamentos de fase. Outra vantagem de usar grandezas de linha
é expressar as potências independentemente do modo de ligação Y ou .
No caso de sistemas equilibrados é possível obter expressões gerais como segue.

Carga equilibrada em Y: Nesse caso tem-se e , em que o subescrito


L indica valor de linha. Substituindo-se esses valores na expressão

resulta:

Analogamente,

Carga equilibrada em : Nesse caso tem-se e , em que o


subescrito L indica valor de linha. Substituindo-se esses valores na expressão

Resulta:

Analogamente,

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Fator de potência de cargas trifásicas


No caso geral de cargas trifásicas desequilibradas, o fator de potência pode ser obtido pela
razão entre a potência ativa trifásica e a potência aparente trifásica:

Se a carga for equilibrada, o fator de potência será dado simplesmente por:

A figura abaixo mostra o triângulo de potências trifásicas.

O ajuste do fator de potência de cargas trifásicas


As instalações elétricas industriais e comerciais são geralmente trifásicas e apresentam fator

de potência naturalmente baixo e indutivo, em razão do grande número de


motores elétricos que constituem a carga. No Brasil, cerca de 60 % da carga industrial
corresponde a motores de indução que, por sua vez, respondem por cerca de 40 % da carga
total (residencial, industrial, comercial e rural).

Fator de potência baixo significa pequeno aproveitamento de potência útil em comparação


com um grande fornecimento de potência aparente. Se nada fosse feito, isso exigiria das
empresas de energia elétrica o fornecimento de elevadas correntes com reduzida realização
de trabalho útil. Entretanto, se o fator de potência for, de algum modo, ajustado para
valores elevados (próximos de 100 %), então a mesma quantidade de trabalho útil (potência
ativa) poderá ser extraída com o fornecimento de pequenas correntes. Na verdade, se o fator
de potência for exatamente 100 %, então a corrente será mínima. Esse fato foi explicado em
detalhes na Aula 6.

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Fator de potência mínimo legal


Como já anteriormente mencionado, são evidentes as vantagens de se trabalhar com fatores
de potência elevados, e conseqüentemente com correntes próximas ao mínimo: menor
capacidade em equipamentos de geração, transformação, transmissão; menores perdas de
energia por efeito Joule; condutores de menor bitola, etc. Para forçar isso, cada país
estabelece normas legais especificando o valor mínimo de fator de potência que as
instalações industriais e comerciais devem ter. No Brasil, esse valor atualmente é 92 %.
Em alguns países, como França e Japão, o fator mínimo é 98 %.
Como “incentivar” os consumidores industriais e comerciais a elevarem o fator de potência
? A legislação autoriza as empresas de energia elétrica a cobrarem um adicional na energia
ativa consumida se o fator de potência estiver menor que o mínimo legal, usando a seguinte
fórmula:

A aplicação dessa fórmula, no caso de um consumidor industrial com fator de potência de


70 %, corresponde a um acréscimo de 31 % na conta de energia; se o fator de potência for
de somente 50 %, o acréscimo na conta pode chegar a 84 %.

Como ajustar o fator de potência em instalações


comerciais e industriais
O método mais simples e econômico de elevar o fator de potência é instalar bancos de
capacitores em paralelo com a carga, como ilustra a figura abaixo, lembrando que as
instalações comerciais e industriais são geralmente trifásicas:

O efeito do banco de capacitores consiste em contrabalançar o atraso da corrente em


relação à tensão, ocasionado pelo caráter indutivo da carga, através do fornecimento de
corrente adiantada em relação à tensão. Isso pode ser compreendido considerando-se uma

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carga industrial equilibrada (o que em geral acontece), fato que permite usar o modelo por
fase do problema, como mostra a figura abaixo:

Observe que o banco trifásico tem os capacitores conectados em , o que é prática usual
por resultar em menores capacitâncias. No modelo por fase, o capacitor representado

corresponde ao capacitor equivalente obtido após uma transformação . A


impedância Z representa a carga por fase, na qual circula a corrente fasorial Im, que é a
mesma antes e depois da instalação dos capacitores. A corrente fasorial fornecida pela
fonte, após a colocação dos capacitores, será a soma fasorial de Ic e Im, como ilustrado na
figura abaixo:

Note na figura que o fasor da corrente fornecida pelo capacitor estará sempre adiantado de
em relação ao fasor da tensão, e que, portanto, a projeção do fasor da corrente
resultante (fornecida pela fonte) permanecerá sempre a mesma, qualquer que seja a corrente
do capacitor. Em outras palavras, o capacitor somente contribui com potência reativa, não
alterando a potência ativa fornecida à instalação industrial. Em conseqüência, o fator de

potência (dado por ) será tanto maior quanto maior for a corrente fornecida pelo
capacitor. Note finalmente que a corrente resultante tenderá ter amplitude cada vez menor à
medida que o fator de potência for sendo elevado, atingindo valor mínimo quando estiver
em fase com a tensão. Entretanto, deve-se ter o cuidado de não instalar capacitores demais,

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pois o fator de potência pode voltar a diminuir, como mostrado no caso de carga
monofásica.
Os bancos de capacitores necessários para corrigir o fator de potência devem ser
especificados em termos de: nível de tensão de linha, potência reativa trifásica e
capacitância por fase.
A quantidade de potência reativa a ser fornecida pelo banco pode ser facilmente calculada
usando-se o triângulo de potências trifásicas, como indicado na figura abaixo:

Assumindo que a instalação industrial consome a potência trifásica ativa P com fator de

potência indutivo, deseja-se elevar seu fator de potência para indutivo (em
geral, para 92 % que é o mínimo legal). O triângulo de potências mostra que a potência
trifásica reativa que o banco de capacitores deve fornecer é obtida por:

A capacitância por fase pode ser calculada como segue, assumindo ligação do banco em
:

lembrando que, em uma conexão equilibrada, tem-se: .

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Finalmente

A propósito, como ficaria a expressão que fornece a capacitância por fase se o banco fosse
conectado em Y aterrado?

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