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As estratégias do discurso político

condição humana da realidade social a um invisível ideal social, pois ele


deve retribuir ao povo esseporquê que o Éezconferir-lhe um mandato: o
beneficio de uma "felicidade de ser"

SOBREA PERSUASÃO
NO DISCURSOPOLÍTICO

Sendo a política um domínio de prática social em que se enfrentam


As estratégiasdo discurso político relaçõesde corça simbólicas para a conquista e a gestão de um poder, ela só
pode ser exercida na condição mínima de ser fundada sobre uma legitimi-
dade adquirida e atribuída. Mas isso não é suâciente, pois o sujeito político
deve também sc mostrar crível e persuadir o maior número de indivíduos
de que ele partilha certos valores.É o que coloca a instância política na
perspectivade ter quc articular opiniões a âm de estabelecerum consenso.
Ela deve, portanto, fzer prova da persuasão para desempenhar esseduplo
papel de representantee de dador do bem-estarsocial.
Temos dificuldade em aceitar que em uma democracia o povo vote em
um político mais em razão de sua imagem e de algumas frases de efeito que
As estratégias do parecer
ele ou ela profira do que em razão de seuprograma político. Entretanto, o
comportamento das massasdependedaquilo que as reúnem sob grandes O político encontra-seem uma dupla posição,pois, por um lado,
denominadores comuns: discursos simples portadores de mitos, de símbo-
deve convencer todos da pertinência de seu projeto político e, por ou-
los ou de imaginários que encontram eco em suascrenças; imagens fortes tro, deve fazer o maior número de cidadãos aderirem a essesvalores. Ele
suscetíveisde provocar uma adesãopulsional. Na democracia, o poder do
deve inscrever seu projeto na "longevidade de uma ordem social",9' que
político advém de uma delegação e esta tem um caráter sagrado. De fato, depende dos valores transcendentais fundados historicamente. Ao mes-
ela é, mcta6oricamente EHando, e de maneira inversa, um ato de / z,eKód#xn:
mo tempo, ele deve se inscrever na volátil regulação das relações entre o
no lugar do príncipe que arma um jovem nobre e o transforma em cavalei-
povo e seus representantes. O político deve, portanto, construir para si
ro, Emendo-oseu servidor sob um código de honra, como acontecia na uma dupla identidade discursiva; uma que corresponda ao conceito
Idade Média, é o povo que sagrao político e o Eazservidor do bem comum.
político, enquanto lugar de constituição de um pensamento sobre a vida
Este passa,então, como diria La Boétie, para a "servidãovoluntária" de um
dos homens em sociedade;outra que correspondaà prática política,
Estado, de uma Nação, de uma República, isto é, ele deve esposara repre-
lugar das estratégiasda gestãodo poder: o primeiro constitui o que
sentaçãosimbólica dessaentidade abstrataque constitui a parte fundadora
anteriormente chamamos de posicionamento ideológico do sujeito do
da identidade coletiva de um povo. Nessascondições, o político desempe-
discurso; a segundaconstrói a posição do sujeito no processocomuni-
nha um papel de mediação entre o "social divino" de que Eda Durkheim e
o povo que Ihe conferiu o mandato. Não é de se admirar que eleprocure
91
construir para si a imagem de um antecessorbenfeitor, capaz de unir a Auge (1994, pp. 95, 97, 103)
Discurso politico As estratégias do discurso políticc

cativo. Nessascondições, compreende-se que o que caracteriza essaiden- nário coletivo dos sentimentos e das emoções.Muitos pensadoreso afirma-
tidade discursiva seja um .F#-#(ír,uma identidade do singular-coletivo. ram e alguns grandes homens o colocaram em prática: a gestão das paixõe!
O político, em sua singularidade, Edapara todos como portador de valo- é a arte da boa política. À condição de que o exercício desseparecer, levadc
restranscendentais: ele é a voz de todos na suavoz, ao mesmo tempo em que ao extremo e mascarandoum desejo de poder pessoal,não conduza ao!
se dirige a todos como se fosse apenas o porta-voz de um Berre/ro, enunciador piores desvios emcistas ou populistas. E6etivamente, quando essagestão da:
de um ideal social. Ele estabeleceuma espéciede pacto de aliança entre estes paixõesconduz à submissãototal e cegado povo (ou de uma maioria), istc
três tipos de voz -- a voz do Berre/ra,a voz do E#, a voz do Zu-zozüs-- que é, quando este último confunde um, intercessor, com o outro, soberano:
terminam por se fundir em um corpo social abstrato, freqüentemente expres- ele não dispõe mais de nenhum julgamento livre, não exercemais nenhum
so por um JVZfque desempenhao papel de guia ("Nós não podemos aceitar controle e segueo chefe cegamenteem uma fusão (às vezes,uma fúrias
que sejam ultr4ados os direitos legítimos do indivíduo"). coletiva e irracional. Derivados ou não, sustentamos a hipótese, seguindc
Nesse aspecto, as instâncias dos discursos político e religioso têm qual- filósofos da retórica política, de que a influência política é praticada tantc
quer coisa em comum: o representantede uma instituição de poder c o no terreno da paixão quanto no do pensamento.
representantede uma instituição religiosasupostamenteocupam unia posi-
ção intermediária entre uma voz-terceira da ordem do sagrado(voz de um
A persuasão entre emoção e razão
deussocial ou de um deus divino) e o povo (povo da Terra ou povo de
Deus).': Em contrapartida,vêem-seno que diferem, apesardo que dizem A questão de saber se a persuasão está relacionada à razão ou aos senti-
alguns,93as instâncias política e publicitária. As duas são provedores de um
mentos é antiga. A idéia de que não sepode contentar-se apenasem racio-
sonho (coletivo ou individual), mas a primeira está associadaao destinatá- cinar e que é preciso "tocar" os juízes, os jurados e o auditório se impôs ao:
rio-cidadão e constrói o sonho (um ideal social) com ele, em uma espécie antigos desdeAristóteles.9s Toca-los quer dizer coloca-los em uma "disposi-
de pacto de aliança ("Nós, juntos, construiremos uma sociedademais jus- ção dc espírito" tal que seu julgamento possa ser mais facilmente orientadc
ta"), enquanto a segundapermaneceexterior ao destinatário-consumidor
nesta ou naquela direção. Desde então, passando por Cícero,9õ Pascal,P;
ao qual ela oferece um sonho supostamente desejado por ele (singularidade
Rousseau,9;e, chegando à Nova Retórica,99admite-se que não se pode des-
do desejo): o destinatário-consumidor é o agente de uma busca pessoal (ser
cartar ossentimentos em nenhum processolinguageiro que tenda a influen-
belo, sedutor, diferente ou estar na moda) e de forma alguma coletiva.P4
ciar o interlocutor, mas, ao mesmo tempo, que convém distinguir "convic-
E preciso, portanto, que o político saibainspirar conGlança,admiração,
ção" de "persuasão".A primeira pertenceria ao puro raciocínio, fiindar-se-
isto é, que saiba .zder/rà imagem ideal do chc6eque se encontra no imagi- la sobre as faculdades intelectuais e estaria voltada para o estabelecimento
da verdade.A segunda pertenceria aossentimentos (hoje em dia, diríamos
ao abeto"), fundar-se-ia sobre os deslocamentos emocionais e estaria volta-
Muitos autores6lzeramesseparalelo:Castoriadis,inspirando-seno "socialdivino" de Durkheim; Augé,
descrevendo o ritual político da para o auditório. O Zqgoi,de um lado, o.pazÁoi,de outro, a que é preciso
p3 Não só o discurso corrente, mas também o dos especialistas em maréefznK e o de outros conselheiros em
comunicação sustentam que se lance um homem na política como selança um sabonete no mercado. O discurso
político seria,pois, apenasuma variante do discurso publicitária. Entretanto, neste não há quaisquer características
)5 Aristóteles(1991), RfMHca.
da identidade discursiva daquele.
9ó Cícero (1966), Da axneür.
94 Trata-se das características gerais do contrato publicitário, o que não impede que seja sempre possível, dados os
Rinsestratégicos, o desempenho dos termos do contrato e mesmo sua transgressão, como nas campanhas da " Pascal(1954), Z)a arfa üjoer3zía'ár.
marca italiana Benetton. Ver o n' da rwista i14scope, CRDPde Versalhes, setembro de 1994, voltada ao estudo do p8 Rousseau (196ó), EhZZi'a.
discurso publicitário
p9 Perelman & Olbrechts-TWeca(1970)
ASestratégias ao discurso puiiucu
r L./iSCUibU l:)UiitiCU

acrescentaro rEgoS,que diz respeitoà imagem daquele que eda e que é Ele pode perceber a opinião pública como sendo-lhe favorável (e, no
igualmente suscetívelde tocar o auditório pela possívelidentificação deste à limite, reduzida ao grupo dos militantes ou dos simpatizantes), desfavorá-
pessoa do orador.'" vel (nas pesquisasou nas manifestações de rua) ou incerta (aquela que cons-
O que permanece em discussão é a questão de saber se essascategorias titui a grande massa dos Zés-Ninguéns, reunidos aleatoriamente como lei-
convicção/persuasão existem e agefn independentemente umas das outras tores de jornais, ouvintes de rádio ou telespectadores). Seusdiscursos deve-
ou se elas estão ligadas por uma relação, de tal forma estreita, que seria rão a)ustar-se a essestipos de público, e o político deve ainda saber que eles
difícil fmcr a separaçãoentre o que pertenceria a uma e o que pertenceria à podem se sobrepor uns aos outros, gerando efeitos perversos. Por exemplo,
outra; correlativamente,pode-seperguntar qual é a parte que cada uma algumas declaraçõesdos sociais-democratas alemães -- portanto, de indiví-
assume na encenação do discurso. Alguns, ao estudar, de Fato, a argumenta- duos que não pertencem à extrema direita -- foram consideradas extremis-
çãocomo processointeracional em uma perspectiva"pragma-dialética",:': tas:t04"não deveríamosser tão timoratos em relação aoscriminosos estran-
defendem a idéia de que existe uma lógica argumentativa, de que a argu- geiros capturados. Para aquele que viola o direito à hospitalidade, não há
mentação é assim uma atividade da razão, e que nessascondições a expres- outra solução a não ser ir embora e rápido" (o chefe do governo), "a capaci-
são da paixão só pode ser uma conte de deturpação dessa atividade. Assim, dade de a Alemanha acolher a imigração esgotou-se" (o ministro do Interior) ,
seria possível esquematizar uma lista de "paralogismos":': a serem conside- "os tempos de amizade com os imigrantes se aproximam do fim" (o minis-
rados como os perigos que espreitam a pureza da atividade argumentativa. tro cristão-democrata do Interior) .
Para outros,''s em contrapartida, convêm tentar categorizar as paixões e Os outros amores,destinatários do discurso dos políticos, serão, sobretu-
integra-las ao processoargumentativo, pois estasparticipam da construção do, seus adversários, que podem ser seus oponentes em uma campanha
dosjulgamentos.Na elaboraçãodo discursointerviriam com igual impor- eleitoral, cujo programa busca-sedesqualificar; seu antecessorno mesmo
tância categorias de razão e categorias de paixão. É o que, de todo modo, se cargo e de quem eles procuram se distanciar, os oponentes oficiais à sua
passa no discurso político. política a cujas críticas eles devem responder. Sem contar que essetrabalho
de regulação das opiniões varia conforme o alvo visado: as elites ou as mas-

Estratégias para orientações diversas sas.O político procura reunir aselitesem torno de um projeto de governo
comum, para o qual convém estabeleceraliançascom diferentes partidos e
Efetivamente, as estratégias discursivas empregadas pelo político para com os diferentes setores dessaselites, e isso com a ajuda de promessas ou
ameaças. Em relação às massas, ele busca obter a "dominação legítima" de
atrair a simpatia do público dependemde vários Êatores:de sua própria
identidadesocial,da maneiracomo elepercebea opinião pública e do ca- que eda Max beber, com a ajuda de discursosque tentam suscitaruma
minho que ele Empara chegar até ela, da posição dos outros amorespolíticos, paixão comum voltada para um homem ou um projeto. Quanto ao que o
quer sejam parceiros ou adversários, enfim, do que ele julgar necessário político julga necessáriodefender ou atacar, ele pode apoiar seu discurso
defender ou atacar: as pessoas, as idéias ou as ações. sobre: o valor das idéias, ao defender a legitimidade de uma causa moral (a
solidariedade); o valor do programa e dos meios usadospara atingi-lo
(pragmatismo, realismo, eficácia); o valor dos homens e das mulheres que
ooVer também Mathieu-Castellani (2000), que revisita ascaregariasaristotélicas.
atuam na política, sua competência, sua experiência e seu saber-Emer.Dito
OIVan Eemeren(1996) e Copi(1986).
02Ea/bríe em inglês, ver Van Eemeren e Grootendorst(1996)

eyer, Plantin, Parret, Boudon, Charaudeau, ver também o resumo que Amossy elaborou(2000, parte m. iol "Les Déparages verbaux de quelques politiciens", Zf A4a#.&, I' de setembro de 2000
capítulo 6)
Discurso político AS estrateglas cio discurso politico

de outra forma, o político deve Emeruso de todas as estratégias disponíveis conheceu uma queda de vários pontos." Os jornais, as rádios e as emissoras
paraemercom que o maior número de cidadãosadira a suasidéias,a seu de televisão são ávidos por essetipo de notícia; não se passanem uma semana
programa, à sua política e à sua pessoa. sem que, ao sabor dos acontecimentos, sejamos submetidos a informações
A instância política, repetimos, encontra-se entre o conceito e a prática sobre o nível de popularidade dos políticos: 'A pesquisasindicam resulta-
de política, entre um enfoque idealizante, que cria sistemas de valores e um dos catastróficos para [...]"; ' pesquisasatingiram o ponto mais alto para
enfoque pragmático, que se apóia na experiência da relação com o outro [...]." Se as médias fazem permanentemente o jogo da pesquisa, é porque a
para influencia-lo. Estamos em plena "subjetivação" do conceito de políti- opinião pública dele tem necessidade.Sem isso, como poderia circular o
ca, uma subjetivaçãoque, conforme afirmam vários pensadoresda política, discurso político cora dos grandesacontecimentos e dos momentos de cri-
de Tocqueville a Foucault e Deleuze, faz entremear inextricavelmente dito se?As mídias compreenderam bem que o mundo político tem necessidade
e racionalidade, histórias pessoaise coletivas, espaço público e privado, re- de dramaturgia, e que essadramaturgia consiste,para uma grande parte,
ligião e política, sexo e poder. E isso, ainda mais na medida em que, con- em uma guerra de imagens para conquistar imaginários sociais.
sideradado ponto de vista do indivíduo-cidadão,o que funda uma opinião O ideal para o político seriaconseguir se constituir como í;#glr que, se
política é de início uma pulmãoque brota do fundo da história pessoalde possível, remeteria a mitos universais. .Nguns o conseguiram (De Gaulle,
cada um. É apenas em seguida que emerge uma racionalização que tende a como estátua de grandeza ou mesmo de "comandante"; Mitterrand, a está-
justificar essapu]são e a ]he dar uma razão social segundo uma moral da tua de "çsGinge"),outros não conseguiram (Giscard d'Estaing, em seu tem-
vida em sociedadeque navegaentre pragmatismo e utopia. po, tentou a estátuade "grande economista").E6etivamente,as condições
Assim, a encenaçãodo discurso político oscila entre a ordem da razão e para transformar-se em efígie não são simples. É preciso uma conjunção de
a da paixão, misturando Zagoi, ezÁoi epa/óoi para tentar responder à questão Estores:um zrzmpexamr /o marcadoque entre em correspondênciacom a
que supostamente se coloca o cidadão: "0 que me leva a aderir a este ou eda e com o comportamento, c/rfz//ziz2 rüs ãMr/c'zi c um saber crer a
àquele valor?" Para o político, é uma questão da estratégia a ser adotada na zzcon/er;memlo.A efígie não é possívela não ser na medida em que deixa
construção de sua imagem (ezÁoi)para Ginsde credibilidade e de sedução, traços na história, de maneira indelével. Nem a simpatia que o político
da dramatizaçãodo ato de tomar a palavra @.ZEÁoi) para fins de persuasão, pode suscitar nem mesmo seu êxito são suficientes. Excelentes homens de
da escolhae da apresentaçãodos valores para Ginsde fundamento do proje- Estado que obtiveram sucessoem seu mandato político não conseguiram,
to político. nem por isso, ser erigidos em efígie. Há nessefenómeno algo que lembra a
tradição popular do teatro clássico (o melodrama épico), que reencontra-
mos agora na maneira como asmídias colocam em cenaas estrelasdo cine-
A construção da imagem de si
ma ou da música. É talvez, por outro lado, a razão pela qual essas estrelas

O presidenteJacquesChirac quer restaurar,no corpo a corpo, uma são freqüentemente instrumentalizadas pelos políticos, :'5 em particular
imagem degradada";'IA opinião julga severamenteo chefe de Estado"; "Em durante as campanhaseleitorais. Mas mesmo sem atingir o topo do suces-
poucas semanas,o primeiro-ministro francês Lionel Jospin perdeu o apoio so, o político encontra-scsempretomado por uma dramaturgia que o obri-
dos franceses. Ele os havia deixado no início do verão, serenos e otimistas, ga a construir para si um personagem,certa figura que vale como imagem
confiantes na volta do crescimento económico e no governo, e os reencon- de si, e que fm com que a construção do rzÉoitenha característicaspróprias.
trou, dois mesesdepois, inquietos e perturbados,desconfiadose severos";
"0 nível de popularidade do chefe de Estado e do primeiro-ministro franceses las É ainda mais comum nos Estados Unidos
As estratégias do discurso pollttco
Discurso político

Mas essasimagens, apesarde seu caráter geral, até mesmo universal, não
O ermoscomo espelho da cidadania
sãointercambiáveis, pois correspondem, cadaqual, a um momento da his-
Não existe um ato de linguagem que não passepela construção de uma tória de um país, de uma personalidadee de um povo
É que a imagem dos governantes supostamente corresponde às expecta'
imagem de si. Quer queiramos ou não, calculemos ou neguemos,a parliir
uvas dos governados. Entre estes, existiria uma demanda implícita; entre
do momento em que Edamos, aparece(transparece)uma imagem daquilo
aqueles,um desejo de aderir a essademanda ou de Emê-lasurgir, uma vez
que somos por meio daquilo que dizemos. Não se trata tanto de nosso
que é implícita. É preciso que seproduza o reencontro entre o olhar que a
posicionamento ideológico, do conteúdo de nosso pensamento, de nossa
instância cidadã lança sobre a instância política e o que a instância política
opinião, quanto daquilo que sobressaida relação.que mantemos conosco e
lança sobre a instância cidadã. Mas para que este encontro se realize, é
que oferecemosà percepçãodos outros. O sujeito que fda não escapaà
preciso algo em comum, existente nos valores que, ao se configurarem de
questãodo eíÃoJ,.z#orrior/o sujeito político. . .. ..
determinada maneira, adquirem uma força simbólica e fazem a fusão das
A imagem de si no domínio político não é facilmente ap'eendida, pelo
duas instâncias. Isso se realiza em um jogo de ajuste de olhares, um jogo de
menos, não se a considerarmos do ponto de vista de sua eficácia. De fato,
reflexos entre as duas instâncias e uma instância-terceira que desempenha o
constata-seque a mesmaestratégiade construçãode imagem de si pode
conhecer algum sucessoem certas circunstâncias, em certa época, com cer- papel de figura ideal de referência.
No domínio político, a construçãodasimagenssó tem razãode ser se
to público, e não ter nenhum impacto em outras circunstâncias,com outro
for voltada para o público, pois elas devem funcionar como suporte de
público. O mesmose passacom o carismade um indivíduo, que não atua
identificação, via valores comuns desejados.:" O e&ÉoJ
político deve, por'
em qualquer um nem em qualquer situação.A eficácia dessasimagens qua-
se nula é previsível. Além disso, constata-se, ao observar os grandes perso' tanto, mergulhar nos imaginários populares mais amplamente partilhados,
tanto uma vez que deveatingir o maior número, em nome de uma espéciede
nagens políticos, que o processode construção de uma#lgwxn se fm
contrato de reconhecimento implícito. O elóoi é como um espelhono qual
no surgimento dos grandes acontecimentos (guerras, crises nacionais ou
internacionais) quanto no curso de uma sedimentaçãoprogressivade certos se refletem os desejosuns dos outros.

traços de personalidade que emergem e se repetem em vários pequenos


Imagens contraditórias e frágeis
ligadas a uma temporalidade breve: a.po#nr/a com Napoleão, a resifrênrzúe
a ia/uaf.Zocom De Gaulle, a co r/ê c;a mora/com Mitterrand na abolição O e&&ospolítico nos remete a imagens difíceis de apreender, uma vez
da pena de morte na França. O segundo processo constrói imagens que que elas tanto se contradizem entre si quanto derivam para efeitos não
implicam elasmesmasuma temporalidadelonga e que.se ligam mais aos desejados.Existe, por exemplo, contradição entre o valor positivo (algumas
indivíduos: a imagem de ie#ufar atribuída a Chaban-Delmas,' a de conag?m vezesnão confesso) acordado à imagem de "poder" do político que provém
atribuída a George Pompidou; a de./}/em atribuída a Giscard d'Estaing.''ó de uma situação económica confortável (se fossepobre, isso faria com que
perdesse sua credibilidade) e a negativa acordada à imagem do "bem-nasci-
do", incapazde partilhar os sofrimentos dos pobres.Contradição entre a

ii7 A escolha do terno "desejado é justificada porque o poder de atração das imagens apenas pode ser explicado
pela corça do z&sdo.
lr aos lares dos francesesda "povo" para preparar avos mexidos
Discurso político . As estratégias do discurso político

imagem positiva de "inteligência", até mesmo de "astúcia", necessária a todo verdade, entretanto, que o valor dessasimagens depende das culturas, isto é,
político, e a imagem negativa de "hipocrisia" que pode acompanha-lo. Con- dos imaginários sociaisque circulam em dado momento na história dos gru-
tradição ainda entre a imagem positiva de um "pai protetor", que se encar- pos.::' Infelizmente, esseeEóoide "corça", de "potência", de "virilidade", do
regado âituro de seus concidadãos e, em contrapartida, a imagem negativa qual se revestem alguns soberanos, imperadores e ditadores(César, Calígula,
de "paternalismo" ineantilizado. Pode haver também contradição entre duas Franco, Pinochet, Milosevic etc.), com freqüência permitiu que se exerces-
imagens positivas opostas, como pode ser a de um efÁoíde "controle de si", sem impunemente aros cruéis e injustiças, mas, apesar dessasexações,consta-
na verdadede "moderação", necessárioà construção da simbologia do chefe ta-se que os povos veneram ou temem -- essasimagens de poder.:::
(essee/Áospode, ainda, ser percebido negativamentecomo denotando um Qualquer que seja a construção dessasimagens e de seus efeitos sobre os
espírito "frio e calculista", que se refugia nas razõesde Estado), e um eixos povos, um bato se revelou para a história: elas são frágeis. Adoradas um dia,
de "paixão" que faz apareceruma humanidade sob a máscarade político, podem ser queimadasno dia seguinte.:::Tony Blair, primeiro-ministro da
igualmente necessáriaà construção do chefe humano. A via é estreita Grã-Bretanha, após ter gozado no início de seu mandato de uma imagem
para o político, que não sabendo quais são, em dado momento, os imagi- muito positiva e muito midiatizada("o ás da entrevista, o campeão das cele-
nários mais sensíveis,deve saber conjugar os contrários: mostrar-se, ao brações políticas televisionadas, o senhor incontestável da pregação para as
mesmotempo, diplomata e enganado,protetor e dinâmico, distante (a massase dos vãos retóricos, enfim, a quintessência personiâcada do político
grandezao obriga) e próximo (a cidadania o compele), astuto, mas ho- moderno [...]",::' a ponto de as mídias falarem da "magia B]air"), Éoidenun-
nesto, rico, mas não corrompido etc., uma vez que uma mesmaatitude ciado três anos mais tarde como "um obcecado pela imagem, o mascatehipó-
pode ser construída como imagem positiva por seuspartidários e negativa crita totalmente absorvido por seu ego [...], pronto a recorrer a uma série de
por seusadversários.Um chefe de Estado, ao adorar uma atitude silencio- 'Eactóides'políticos para se manter no poder". ':4 O pêndulo, entretanto, pode
sa diante de uma situação de crise, será taxado, por alguns, de homem voltar à sua posição inicial, que não é jamais exatamente a mesma.
"ponderado", que escuta antes de agir e, por outros, de homem "autoritá-
rio", que prepara seu golpe em silêncio, ou ainda de homem "impotente",
A questão da dramatização do discurso
que mostra sua incapacidadede reagir.'';
No entanto, para quem tem um sensoelevadoda política, o maior risco É à medida que as emoções correspondem a representaçõessociais, cons-
presentenessejogo de espelhosé o da deriva populista. EGetivamente,não sc tituídas por uma mistura de julgamentos, de opiniões e de apreciações,que
pode negar que as massaspodem ser seduzidaspor imagens que não estão elas podem desencadear sensações ou comportamentos, que elas podem ser
diretamente ligadas ao político: imagem exacerbadade "virilidade", que se utilizadas para tentar seduzir, ameaçar,aterrorizar, enfim, atrair um
manieuta pela figura daquele que "não tem papas na língua", que sabe"fe-
char o bico" de seusadversários,que sabemostrar que não tem medo de
nada, de nenhuma situação, de nenhum adversário;:'9 âgura de sedutor que
lo Na França, por exemplo, essegênero de "escândalo"é valorizado (Giscard d'Estaing, Mitterrand), massem
não escondesuasaventurassexuais,pois isso seriauma prova de vigor. E nadade mais. Em alguns paísesJricanos, ele é supervalorizado,como seo poder exercidona vida privada
estivesseligado ao da vida pública (ver Bayart, 1996, p. 159). Nos paísesanglo-protestantes,ao contrário, ele é
desvalorizado(ver as aventurasextraconjugaisda Eamrija real britânica e a caso Clinton-Lewinsky)
Bayart(1996, p. 172)
OBVer o casodo presidente da República mexicana,Vicenre Fox, no início de seu mandato, quando enfrentou a
[ 12 Esse "dia" e esse "dia seguinte" serão variáveis em duração segundo as circunstâncias políticas.
situação de crise criada pelos zapatistas de Chispas: alguns reprovaram sua Eira de firmeza; outros, sua timidez
nasnegociaçoes. ti3 Citado no .[e .A4onú,21 de julho de 2000.
09 (l:omo Le Pen. l ii /ór2. Mas isso Eoi antes da guerra dos Estados Unidos contra os talibãs e corirra o Iraque.
Discurso político
As estratégias do discurso político

interlocutor ou um auditório. IssoEmparte do processode persuasão,mas, tanto, "sentimentos de abeto" que circulam nesse universo; e como esses
dessavez, com recurso a universos de discurso impregnados de feto. En- são tomados na dimensão emocional dos indivíduos, aparecem em uma
tretanto, para que o interlocutor seja tocado, é preciso haver certas con- encenação dramatizada, segundo um cenário suscetível de tocar o pú-
dições comunicacionais, pois o recurso a um discurso de feto não produz blico de maneira positiva ou negativa. O discurso político mas ele não
obrigatoriamente emoção no interlocutor. Possofalar do acidente que me é o único -- realiza a encenaçãoseguindo o cenário clássicodos contos
aconteceue cuja lembrança me é dolorosa, mas nada garante que minha populares c das narrativas de aventura: uma situação inicial que descre-
narrativa produzirá o mesmo efeito de dor em meu interlocutor, seestenão ve o mal, a determinação de sua causa, a reparação desse mal pela inter-
encontrar algum eco em sua própria experiência. Pode acontecer também venção do herói natural ou sobrenatural.
de ela não tocar um interlocutor, mas tocar outro. Ao contrário, pode ocor-
O discursopolítico, que procura obter a adesãodo público a um pro-
rer de uma mesma narrativa de acidente, contada de maneira humorística,
jeto ou a uma ação,ou a dissuadi-lo de seguir o projeto adverso,insiste
produzir um efeito de angústiasobre o interlocutor em razãodo que isso mais particularmente na zZnozz&m iac;a/ da qual o cidadão é vítima, na
evoca em sua memoria.
ar emZo m / quc seencarnaem um adversárioou um inimigo, e na
Um discursopode produzir um efeito emocionalem um auditório con- fo/uf.7o i /# zZoznencarnada pelo político que sustenta o discurso. A de-
forme a maneira como secombinarem três favores:(i) a naturezado universo sordemsocial é apresentadacomo um estadode fato ou como um estado
de crença ao qual o discurso remete (vida/morte, acidente, catástrofe, mas- potencial: no primeiro caso,trata-se de persuadiro público de que o mal
sacre, amor, paixão etc.); (ii) a encenaçãodiscursiva que pode, ela própria, e as vítimas existem e que não há lugar para a especulação;no segundo,
parecer dramática, trágica, humorística ou neutra; (iii) o posicionamento em contrapartida, trata-se de criar um estado de expectativa que obriga a
do interlocutor (ou do público) em relaçãoaosuniversosde crençaconvo- vislumbrar a possibilidade da existência de um mal e o desencadearde
cados e o estado de espírito no qual ele sc encontra. Desse modo, o sujeito um temor geradorde angústia.A fonte do mal pode serapresentadade
que Eda deve saber escolher universos de crença específicos, tematizá-los dc maneira precisa, quando ela é designadapelo nome de um.indivíduo
determinada maneira e proceder à determinada encenação, tudo em função ("Saddam Hussein, esse sequaz de Satã") ou de um grupo ("o RPR,' esse
do modo como ele imagina seuinterlocutor ou seupúblico e em função do partido mafioso, que pratica a exclusão":'ó), ou de maneira fluida, quan-
efeito que esperaproduzir nele. O discurso político dirige-se a um auditório do ela é designadade maneira global, como em sua essência("a imigra-
que é tomado tanto como ser universal quanto como ser particular, ou ção, essemal que dissemina o terror"). A solução salvadora consiste em
ainda como os dois, simultaneamente.
propor medidas que deveriam reparar o mal existente. De repente, o de-
fensor dessasmedidas aparece crível, persuasivo e tenderá a construir para
O triângulo da dramaturgia política si uma imagem mais ou menos forte de salvador da pátria, dado que o
objetivo é fazer o público encontrar o libertador de seusmales e voltar-se
O universo dos abetosé, ele próprio, regulado em razão da raciona- totalmente para ele. Isso mostra a quc ponto a construção da imagem de
lização que é feita a poster;or/ c que o converte em universo socializado: si(o ezÉoi) é importante no discurso político.
"o /afãs está presente em qualquer experiência de emoção."':S Há, por-

N.T.: RmfrmÓ&mf rPa//r ü R/pzíó#g#f,partida fundado por JacquesChirac a partir da UOR(Union des
Démocrates pour la République) e que seapresentacomo herdeira do gaullismo. '
' Egos (2000). F Pen
6 T,e
Discurso político As estratégias do discurso político

A desqualificaçãodo adversário O sujeito político que combate um adversário deve rejeitar os valores opos-
tos aos preconizados por este, mostrando por uma boa a'gumentação a Raque-
É na estigmatizaçãoda origem do ma] que é preciso inscrever também za e o perigo dessasidéim. Mas uma argumentaçãomuito pesada,complexa ou
as estratégiasde desqualiâcação do adversário, sendo este um dos pólos sutil corre o risco de não ser compreendida pela massados cidadãos. É por isso
constitutivos do discurso político.: '7 que, Reqüentemente, em política, a argumentação se reduz a esseprocedimen-
As estratégiasde desqualificaçãosão utilizadas com a ajuda de to de ataques.zZóom/nem, que questiona a probidade do adversário,sum con-
diferentes procedimentos discursivos, como sc vê nessadeclaração feita tradições, sua incapacidade de manter promessas,suasalianças neEmtase sua
na televisão por um presidente da República francês que convida os dependência diante da ideologia de seu partido, que Ihe retira toda liberdade de
francesesa votar "sim" no primeiro referendo sobre a Europa: "Nguns Êdae de ação.No entanto, como o ataqueverbal do adversário,deitoem um
incitam vocês a votar 'não', prisioneiros que são de sua doutrina, de sua espaço aberto, é recebido por um público(âsicamente presente ou não), esse
vontade obstinada de estabelecer na França um sistema totalitário. Inú- ataque pode produzir em seu autor efeitos de rebote que serão tanto favoráveis
til insistir."''' São desqualificadas aqui, ao mesmo tempo, as /z#/ai do quanto dcsEavoráveis
à sua imagem. A mesma imagem combativa poderá ser
adversário ("prisioneiros de sua doutrina"), as ro iegüê f/'zi negar/z'ai apreciada positivamente por aqueles que têm necessidadede identiâcar-se com
para o povo ("estabelecer um sistema totalitário"), a /nií2mr//z .zdz,efta / um ezÁoi de "poder"("ele sabe lutar"), mas será rejeitada("é um personagem
por uma imagem negativa ("vontade obstinada"). Trata-se, nessadecla- grosseiro") por aqueles que preferem um rEóoi de "inteligência"("aqui está um
ração, de rejeitar as idéias e a ação do adversário, lembrando a ameaça debatedor sutil e elegante").
que ele representa.Mas há igualmente outros procedimentos: manipu-
lar a /ro/z/a: "Existem outros que não hesitam em aconselhara absten-
ção. Seráque eles não teriam opinião sobre a Europa?";::9revelar as Um discurso subjetivo que mistura paixão e razão
co fzad/frei do adversário: "Ou será que eles têm medo de reconhecer
Vê-se que a persuasão usada pelo discurso político relaciona-se com a
que um governo do qual eles não fazem parte conseguerealizaro que
paixão, com a razão e com a imagem. Com a paixão, pois o campo político
sempre desejaram fazer?";::' projetar sombras da m.zn@z/Zafãoda parte
é por excelênciao lugar em que as relaçõesde poder e de submissãosão
do adversário: "A honestidade desejaria que eles recomcndassem unica-
governadas por princípios passionais. Espinosa via nas paixões "as causase
mente o voto em branco"':' (portanto, elesnão sãohonestos e os enga-
os fundamentos"da sociedadepolítica, de suasinstituições e de seu
nam); ou ir à denúncia dasconseqüênciasnefastaspara o cidadão: "Tão
desrcgramento,':3 e Voltaire decretava em sua época que "as paixões são as
hábil seja a apresentação, pressionar pela abstenção é uma má ação, é
rodas que fazem avançar todas as máquinas"':4 (ele pensava na máquina
convida-los a não cumprir seu dever de cidadão, é impedi-los de exercer
humana), pois, dizia ele, "a vontade de comandar, que é uma dasramiâca-
seu dever de homem livre, de decidir sobre seu destino."'::
çõesdo orgulho, é tão visível em um professorzinho.medíocree em um
óa//Zz'* quanto em um papa e em um imperador, e excita ainda mais forte-
7 Ver nestelivro ':As restriçõesdo discurso político: dispositivos, identidade, legitimidade"
18Declaração feita na televisão pelo então presidente Georges Pompidou, em 1 2 de abril de 1 972, reproduzida na
Z,e.Adonde,13 de abril de 1972. 12}Ver Maüeron (1992)
9 ibid. 24 7Ü/zÜo & mf/a@lzca (1961)
lü ibid. N.T.: Criados por Philippe Auguste, no séculoxn, os óal#Zferam magistradosdo rei, responsáveis
por funções
ll Ibid. administrativas e judiciárias junto a uma circunscrição(óaiZãülg?). Inicialmente encarregados (ie missões temporárias.
por volta de 1260 puseram a ser sedentários.A partir do séculoxiv, tornaram-sefiincionários semimportância.
Discurso político As estratégias do discurso político

mente a indústria humana a levar os homens a obedecerem uns aos ou- aElrmar:"(quer sejaa linguagemdo consensoou a linguagem do terror, a
»ll«A ,- l ' .,- 1/ a

aros".i25A persuasão relaciona-se com a paixão, mas também com a razão, linguagempolítica é uma linguagemde identidade."::'
pois os quc procuram comandar devem se tornar legítimos e fidedignos, e
os que aceitam submeter-sepor delegaçãointerposta procuram controlar o
A questão da escolha dos valores
poder outorgado e mesmo reivindicar o direito de questionar suaaquisição.
Daí "uma 'co-ação'polêmica de luta entre tomar o lugar do Outro ou sub- Poder-se-ia pensar que a escolha dos valores não apresenta maiores
meter-se ao Outro".i2Ó O discurso político relaciona-se com a paixão e com
problemas para o político. Bastaria que ele escolhesseos quc correspondem
a razão, mas também com a imagem, pois, em última análise, não há adesão às suas próprias convicções e às de seu grupo de eleitores. Entretanto, as
a idéias que não passepelos homens. coisasnão são tão simples,pois essasescolhasvão de encontro a certo
Assim, faz-se apelo a procedimentos de discursivização que são orien- número de obstáculos.
tados ora para o auditório, na esperançade despertar-lhe interesse pelas
idéias e paixão por deÊendê-las,ora para a construção da imagem de um
A opinião contra os valores
líder capazde conduzir seurebanho até a terra prometida. Pode-seconse-
guir tocar o auditório implicando-o diretamentc ou por meio de uma
Inicialmente, o obstáculo da pluralidade dos valores. Sabe-se que o
adesãoà pessoado orador, cuja imagem encenadaservede suporte a um
político que quer chegar ao poder ou nele manter-senecessitade um
processode identificação. Com freqüência, no fluxo do discurso político,
consensomajoritário junto à opinião pública. Ora, é raro que essecon-
tudo se mistura, e é bem difícil fazer a distinção entre os diferentes com-
senso, salvo em alguns casos particulares,i28 seja homogêneo. A opinião
ponentes dessemecanismo de persuasão.Para retomar a fórmula da "fu-
majontána quc o constitui é na maior parte do tempo o resultadode um
tura social", lançada por JacquesChirac em 1995, vê-se que estafaz apelo
compromisso entre opiniões diversas em torno de valores circunstancial-
a valores éticos de igualdadee de solidariedade,na esperançade tocar a
mente dominantes. Viu-se, mais de uma vez, políticos seremeleitos gra-
parte mais desfavorecidada população (efeito de/a/Éoi), sempreconstruin-
ças a votos de partidos adversários.Isso quer dizer que nem todos os
do uma imagem de líder conscienteda misériahumana, decidido a eliminá- valores que se encontram inclusos nesseconsenso necessariamentecoin-
la em um elã de generosidade (efeito de ríÉoi) -- o que confere, então, ao
cidem com os do político, e quc estedeve, além de suaspróprias convic-
autor dessesZaga# certa legitimidade --, o todo fundado em uma fantasia
ções, agregar outros valores, os que melhor Ihc parecem corresponder a
de mundo melhor. O político coloca sua própria pessoapara alimentar o
uma grande parte da opinião pública. No entanto, ele não deve, por isso,
desejode identificação do cidadão, que assim participa por procuração da
abandonarou destruir seuspróprios valores, na falta dos quais ele se iso-
realizaçãode um projcto político.
lada de seus eleitores. Isso aconteceu nas eleições presidenciais de 2002
O discurso político tende mais a incitar a opinião do que a argumentar.
na França, na campanha do socialista Lionel Jospin. O fato de a campa-
Trata-se menos de estabeleceruma verdade racional do que de procurar
transformar (ou reforçar) opiniões impregnadas de emoção, mediante a nha focar-se mais nos valores do centro do que nos da esquerdaÉezJospin
perder grande parte dos votos de seuseleitores. Isso obriga o político a
construçãoidentitária dos amores
do mundo político. É o que eazAugé

] Por uma antropaloga üs mundos contempo aRCos.op. cit.


!5 Ibid.
i20 É o caso de uma grave crise social que Éazcom que o povo se reagrupa em torno de um grande líder ou de um
:6 Ma#esoli (1992) p'incípio de liberdadeque apagueprovisoriamente qualquer outra opinião.
Discurso político As estratégiasdo discursopolítico

adequar-seaosvalores da maioria ao menos, aos que ele imagina que sucessivamenteou simultaneamente, por uns e por outros, segundose apli-
sejam -- sem se contradizer por causa disso. que ao domínio do direito de dispor de seucorpo e dar ou suprimir a vida
Outro obstáculo reside no Eito de as opiniões poderem mudar ao longo (pílula, aborto, eutanásia);'" ao domínio da economia (livre mercado); ao
da história de um país,juntamente com os valores a ela relacionados. Estes do trabalho(regras flexíveis para contratação e demissãode trabalhadores)
podem ser redefinidos e, conseqüentemente,partilhados de modo diferen- ou ao da cultura (liberdade de criação contra hegemonia mercantil) etc.
te entre os grupos de opinião. Assim é com os valores que pertencem aos E, portanto, cada vez mais diHcil descrever os valores Emendo-os depen-
imaginários de 7}n2Zfãoe de .AZoderm/zZzz&.i2P O recurso à história e ao der de opiniões, grupos ou partidos de direita ou de esquerdade um modo
passadode um povo serárcverenciadoquandose tratar de defenderprincí- rígido, mesmo se certas oposições permanecem. Convém observar, analisar
pios de soberania, cuja identidade se veja ameaçada pela promoção de valo- e descrever essesvalores apenas caso a caso.i34
res relativos à globalização ou a uma excessivaautonomia regional realizada
em nome da Modernidade, tanto em um posicionamento de esquerdaquanto
A questão da apresentação dos valores
em um de direita.'" Mas esteapelo à tradição e ao passadoserájulgado
reacionário quando servir para justificar práticas de exclusãoou de purifi- A boa escolha dos valores não é suficiente. A instância política -- ou a
caçãoétnica ou, no meio conservador, quando servir para preservar práti- instância cidadã em seusmovimentos de reivindicação ou de revolta -- deve
casfeudais. Houve um tempo em que a soberanianacional cra valor parti- saber apresenta-los; pode-se mesmo dizer que é na maneira de apresentar os
lhado por grande número de povoseuropeus,masagora elajá não tem mais
valores que estesadquirem sentido no espaçopolítico. Para isso, é preciso que
o mesmo alcance; ela se vê substituída por valores mais regionalistas (as a apresentação satisfaça a certas condições de i;zmp#cz2Zzz&e de .zrKwmrmzaç#o.
autonomias ou movimentos de independência no interior dos Estados-Na-
ções:s:).Em um passadonão distante, opor-se-iam, de maneira radical,
valores de progresso social e económico, os primeiros pregando a igualdade Condições de simplicidade
social (defendidos mais por partidos de esquerda) e os últimos pregando o
Dirigir-se às massas,isto é, a um conjunto de indivíduos heterogêne-
lucro como conte de enriquecimento das sociedades (defendidos mais pelos
os e díspares do ponto de vista de seu nível de instrução, de sua possibili-
partidos de direita). Ora, agora os adeptos dos primeiros aceitaram a neces-
dade de informar-se, de sua capacidade de raciocinar e de sua experiência
sidadede integrar os valoresque participam da economia de mercado,con-
de vida coletiva, implica a colocação em evidência dos valores que podem
dição da produção de riqueza, sem a qual não haveria nada a repartir, e os
ser partilhados e, sobretudo, compreendidos pela maioria, sem os quais se
adeptosdos últimos conscientizaram-se da necessidade de integrar valores
estaria isolado do público: "Seu programa é bom, mas é muito inteligen-
que participam de um princípio de eqüidade,'3: condição para obter a paz
te, muito longo. Foi feito para3% ou 4% dos franceses.
Seriaprecisoquc
social. Quanto ao princípio de liberdade, ele será defendido ou combatido,
alguém o resumisseem uma folha", diz um membro do partido socialista
à equipe encarregadada campanha eleitoral de Lionel Jospin. :s50 políti-
:PVer neste livro "Os imaginários de verdade do discurso político", Alguns imaginários de verdade do conceito
de política

ISO
O socialistaJean-Pierre Chevànement de um lado; Charles Pasqua(gaullista) e Philippe De Villiers(de direita),
do outro
IIJ Lembremos o que Le Pen disse a esserespeito:"A afirmação de que seu corpo Ihe pertenceé completamente
:3iValores,por vezes,defendidosou reivindicadosde maneiraviolenta, como na Córsega,na França,e na País derrisória. Ele pertence à vida e, desse modo, pertence à nação:
Basco, na Espanha. i34 "Caso a caso", ou sqa, segundo parâmetros de épocas históricas, de contexto cultural e de situações política.
32Donde advém a expressão"futura social", lançada por Chirac em 1995. i35 George Frêche, ver ZeJ4omú, 5 de junho de 2002.
Discurso politico .As estratégias do discurso político

co deve,portanto, procurar qual pode ser o maior denominador comum nessescontextos, ela se torna portadora de algo que existe em si, de maneira
das idéias do grupo ao qual ele se dirige, sempre se interrogando sobre a absoluta, impondo-se inevitavelmente. O indivíduo não teria mais que se
maneira de apresenta-las.
interrogar sobre a complexidade desse 6enâmeno.
Simplificar não é Hcil e comporta um risco. O mundo é complexo, o O duplo procedimento de singularização e de essencializaçãodá lugar à
universo do pensamento é complexo, o processo de construção das opiniões existência de #ãrmz/án cujo sucesso e impacto são variáveis. (quanto mais
é complexo; simplificar é, portanto, tentar reduzir essacomplexidade à sua uma fórmula é concisae, ao mesmo tempo, carregadascmanticamente--
expressãomais simples. E aqui surge o risco, pois simpliâcar pode levar a apresentando, assim, de maneira global, uma ou mais idéias, essencializando-
uma falsa verdade; a uma verdade não provada ou mesmo a uma as e tornando-as fluidas --, mais ela terá poder de atração. Essa é, ao menos,
contraverdade: "0 tratado de Maastricht dá direito de voto aos estrangeiros a hipótese psicossociológicaque diz que quanto mais uma idéia é
e, desse modo, a todos os que conseguirem atravessar,legal ou ilegalmente, indeterminada, mais somos atraídos por ela.'39Esse tipo de 66rmula é des-
nossasfronteiras", diz Jean-Made Le Pen.:3úA condição de simplicidade tinado a produzir um efeito de evidência.:"
acarreta sempre a perda de um pouco de verdade. Ela Em uso de um duplo O discurso político muniu-se de procedimentos dessegênero na esperan-
procedimento: singularização e essencialização.
ça de causar impacto no público. Empregam-se .paázz,zm
que, desligadasde
A í/ng#ázr/zózçúoconsiste em evitar a multiplicação das idéias, pois essa seu contexto original, passam a ser empregadas de maneira absoluta, sem que
multiplicação pode confundir os espíritos não habituados à especulação
se saiba quem as utilizou inicialmente, a quais amoresestão relacionadas, ncm
intelectual. Exprimir uma idéia de cadavez garantiria:s' a clarezae permi- a propósito do que coram empregadas: "imigração", "solidariedade", "precarie-
tiria que a atençãodo auditório fossetotalmente focalizadae concentrada dade", "raça", "seguranças' (e seu contrário, "insegurança"), "globalização" (e
nessaidéia isolada e única. Sem isso, o auditório não saberiamais para qual scu contrário, "antiglobalização"), assim como todos os termos terminados
santo rezar, pois, paradoxo: "quem tem muitas idéias não tem nenhuma". É em --ámo. Empregam-se s/nzalgm.ziczüzaZllmdai, compostos de um nome e de
em nome desseadágio que outro comentaristada campanhaeleitoral de um adjetivo: "corça tranqüila",' 'IArgélia francesa"," "purificação étnica", "aju-
Lionel Jospin disse,a propósito do programa eleitoral da esquerda,"nesse da humanitária", ou formados por dois nomes em relação de dependência:
projeto há tantas proposições que não há mais idéias".:38
'geração Mitterrand"; "desigualdade de raças", "soberania dos povos". Em-
A rfienr;aZimçúoconsiste em fazer com que uma idéia sejainteiramente pregam-se#mel eZz@ücm, cuja concretude produz efeito de absoluto: "Isso
contida, reunida e condensadaem uma noção que existiria em si, de manei- nunca maisl", "Socorro, a direita voltou", 'IA França para os francesesl"Em-
ra natural, como uma essência,independentemente de outra coisa que não pregam-se#mex z($nlr/omzzà que, como as máximas, adágios ou provérbios,
ela mesma. Para tanto, ela é apresentada sob forma nominalizada. Por exem-
apresentam-se com valor de verdade geral, umas com ar de veredicto("0
plo, para Jean-Made Le Pen, empregar o termo "imigração" é condensa,
nesseúnico nome, a idéia de que os imigrantes invadem o território francês
e representam uma ameaça: "A imigração é a ruína de nosso país", "A imi- is9(quanto mais uma idéia é precisa, mais ela exclui o indivíduo que a recebe;quanta mais é de6tnidade maneira
fluida, mais permite um campo abertoàqueleque a recebepara que estepossanelese projerar.Hipótese lançada
gração é a causado desemprego". De tanto empregar essaforma nominalizada por Baudrillard em Z)a sf2afúa(Campinas, Papirus, p. 1992)
40 Hlá inúmeros estudos sobre as "66rmulas" em política, cf Bonnaâous, Face, Fiada, Krieg.

* N.T.: S&)Xanutilizado pela primeira vez pelo / anf /lpzrü/rf. coalizão formada pelo Partido Socialista(sno),
13õ"Discours du serment de Reims", /+árn/, 11, 12 e 14 de setembro de 1992. Partido Comunista e Partido Radical(de centro-esquerda)que ganhou as eleiçõesde 1934 na França e
implementou uma política de esquerda.
Emprega-se aqui, e na seqüência, o filturo do pretérito, porque essaexigência de clareza Eu parte, ela própria, de
um imaginário, o imaginário da simplicidade. ** N.T.: Em 13 de maio de 1958, durante a guerra de independência da Argélia, uma multidão formada por
argelinosFranceses
reuniu-seem Argel paradefendera permanênciadaArgélia na União Francesae paraprotestar
38 .[e .A4onz&, 5 de junho de 2002.
centra o movimento de independência.A palavrade ordem na ocasiãoera ':ArgéliaFrancesa'
Discurso político
.As estratégias do discurso político

comandante não abandona seussoldados no campo da batalha", 'IA esbórnia Condições de argumentação
acabou",pronunciada por De Gaulle a propósito dos eventosde maio de 68
As rozzZz'fõe5
zú''zrgamemzaç#apodem serconsideradas,como dito anterior-
na França);outra, Éocalizando
a causa('lA insegurançaé a maior praga de
mente, em sua perspectiva persuasiva, isto é, não sc trata tanto de desenvol-
nossasociedade",':A imigração é o desemprego"); outras, ainda, jogando com
paradoxos ("somos todos judeus alemães",de Daniel Cohn-Bendit em maio ver um raciocínio lógico com abordagemexplicativa ou demonstrativa, que
de 68) ou com a Essa alternativa ("De Gaulle ou o caos"); outras, enfim, tende a elucidar ou a emer existir uma verdade, mas de mostrar a corça da
tautológicas, cuja aparente redundância é destinada a produzir efeitos de de- razão.O desato aqui não é o da verdade,mas o da veracidade:não o que é
6lniçãoindiscutível('IA trança é a trança e serásemprea França",'IA França verdade, mas o que eu creio ser verdadeiro e que você deve crer verdadeiro.

nunca é tão França quanto quando ela é ela mesma", "Na guerra, como na Também as condições de argumentação que acompanham a encenaçãodos
guerra", "0 inimigo é o inimigo", "Um judeu é um judeu"). Empregam-se valores são, por sua vez, simpliâcadas ao extremo. Trata-se, para o político
»mrJ exrZzm.zãz/m,
implicitamente descritivasou narrativas,que sugeremuma que argumenta, de propor um raciocínio causal simples, apoiando-se em
condenação ("OAS,' ss!"), uma ação a realizar ("OASvencerál«, «Giscard na crençascortes supostamente partilhadas por todos, e de reÉorçá-las,apre-
barra do tribunal!", "0 Émcismonão passarás",TA imaginação no poder!", sentandoargumentosdestinadosa produzir um efeito de prova.:4'
Faça amor, não Eag guerras"),ao menos que, em um ato per6ormativo,o
Um raciocínio causam
simples
Êmer se realize no próprio dizer: "Eu, presidente da República, dissolvo o
Congresso Nacional. No discurso político encontram-se essencialmentedois tipos de racio-
cínio causal. Um é chamado .pr/mr@üzaporque apresenta a Realidade
Todos essesprocedimentos concorrem para a produção de um efeito dc
como um princípio de ação: "Porque querem uma França forte, vocês
i'ã)gzz#
como o encontradono discursopublicitário, com a diferençade que
votarão por um prometoliberal";'': isso não é expor um ato ("votar") com
um iZagam, como "l;Oréal, a eternajuventude", não engananinguém do
a finalidade de obter qualquer coisa ("Uma França corte"), mas firmar
ponto de vista de sua corça de verdade: reconhecemosnele apenas uma
inicialmente um princípio ("uma Fiança corte") que deve acarretarobri-
corçade sonho e de sedução.Em contrapartida, "imigração, a praga de
gatoriamente (obrigação moral) um ato ("votar"). O modo de raciocínio
nosso século" é um iZagancap': de adquirir uma corça de verdade para
visa a fazer os indivíduos aderirem a uma idéia simples que deveria cons-
quem quer crer em sua essencialização.É verdade,porém, que, tanto em
tituir o princípio de sua adesãoao projeto político que lhes é proposto; é
um caso quanto em outro, o iZagam visa a produzir junto àquelesque o
por isso que essetipo de raciocínio é igualmente chamado de Zf/ra. Outro
recebem um efeito de adesãopassional mascarada por uma ilusão racional,
tipo é chamado znc;orzí;o.pnczlgmár/co
porque apresenta uma premissa que
pois o sentido veiculado estáimpregnado de uma razão emocional que ex-
cede largamente o que é dito explicitamente.
implica uma conseqüênciamais ou menoscerta ou que visa a um objeti-
vo: "Se baixarmos os impostos, aumcntaremos o poder de compra", "Do-
mingo vote para salvar a República". '43Essetipo visa a fazer os indivíduos

N.T.: OAS:OrgaH/jaüandf /;4r7z& Serrar(Organização do Exército Secreto).Tratava-sede urn grupo armada 141No esquema de Toujnllu d19rese ess's crenças supostamente partilhadas correspondem à "lei de passagem'
constituído por 6r?nceses
argelianosque lutavam contra a independência daArgélia. O nome é uma 'rovocação
uma vez que Emalusão àHzm& Serz2'&?. grupo armado que Emiaparte da resistênciafrancesaà ocupaçãoa emã i42A formulação é sempre do tipo "É porque p que q'
duranteaSegundaGuerra. ' ' ' ' '''''''''''''''''""---'-r"v
143A formulação aqui é do tipo "Se p, enchoq'
Discurso político As estratégias do discurso político

crerem que não há outra conseqüênciaalém da enunciada, ou que não há quecimento diante do poder dos EstadosUnidos, mas também o de nosso
outro fim a perseguir que o anunciado. Opera-se,portanto, um deslize país",:47ou de um dilema: 'IA esquerdaou a insegurança",TAdireita ou a
lógico, de uma causalidadepossível para uma casualidade fatal. O discur- exclusão", "De Gaulle ou o caos". Os argumentos relativos à /zz//orizúzz&
de
so político de raciocínio ético visa a colocar o indivíduo diante de uma í/, que se ainda em sua legitimidade ou credibilidade: "Uma vez eleito
esco[hamoral ("em nome do que é preciso agir"), enquanto o raciocínio representante do povo, pedirei a prestação de contas do presidente da Re-
pragmático visa a coloca-lo diante de uma responsabilidade ("quais meios pública", "Vocês me conhecem, e todos que me conhecem sabem que ja-
utilizar para chegar a seus fins"). maisprocurei me enriquecer",ou à autoridadede um outro: "Ném do
mais, nessaempreitada,tenho o total apoio do presidenteda República."
,4 corça dos argumentos Os argumentos pela 2esgz/zzZ@cafáa
do adversário, mediante o ataque direto
Os argumentos de prova são de diversas espécies.Evocaremos apenasos ou indireto a ele: "VossaExcelêncianão tem nenhuma moral", "Há aqueles
mais recorrentes,uma vez que alguns não podem ser empregadosno qua- que recomendam a abstenção. Será que eles têm alguma idéia do que seja a
dro do discurso político.'« Os argumentos pela#oz zzzZa frrmfm .pardZZa- Europa?", ou pela demonstração de que caíram em contradição: "Há pou-
zZn:"Não se pode não querersalvar a República" (a República tem valor co, VossaExcelênciaera contra a Europa de Maastricht e, agora,Vossa
universal), 'A intervenção humanitária justifica-se pelas exaçõesempreen- Excelência celebra os benefícios"; "Há pouco, VossaExcelência era contra a
didas pelo governo sérvio visando à purificação étnica" (não sepode deixar redução do mandato do presidente da República; agora, VossaExcelência
que aumentem as vítimas de genocídio). Os argumentos pelo .pesozZn c;r- defende esse projeto.
czzniZ2nr/me de sua contrapartida:'4S "Não podemos esconder quc o mun- Há, enfim, os argumentospor zz/zózZog/
, numerososno discursopolí-
do moderno estáenganadoem um processode globalizaçãoeconómica.A tico, cujo efeito comparativopode produzir um impacto forte: analogia
questão é controla-la." Os argumentos pela z,o jade 2e zl@r do sujeito que com os fatos que aconteceram(como se se tratassede uma jurisprudên-
argumenta: "Eu os compreendi e me enganoem mudar os dados da políti- cia): "Lembrem-se das greves de 1995, que paralisaram a França e que
ca", "Eu colocarei toda minha energia e toda minha vontade na realização coram resultado de uma política autoritária", "Cada vez que uma medida
dessanova política", "Diante do povo francês, comprometo-me a, quando política é tomada em qualquer sctor profissional ou social, sem que os
a rN [/>amf Nadam.z/] estiver no poder, fazer todos essesmdeeitores, todos interessadossejam consultados,há fortes movimentos reivindicatórios e
essesbandidos, não apenas prestarem contas de seus atos, mas também duras greves"; analogia com acontecimentos do passado e que desempe-
pagarem por elesl".'4õOs argumentos pelo 2üco de não fazer a escolha certa, nham um papel de referência absoluta: "Não se pode admitir que existam
o que pode assumir a forma de uma ameaça:"Se deixarmos passara opor- campos de concentração na Bósnia" (alusão aos campos nazistas), "Os
tunidade de uma Europa unida, isso representaránão somenteseuenfra- EstadosUnidos não conhecerãoum novo Vietnã", ou com outros gran-
des homens da história: "De Gaulle deve estar se revirando no túmulo"
(Mendês-France,político francêsque presidiu o Conselho de Ministros
44 Faremos menção à obra de Plancin (1996), quE repertoria os tipos de argumentos: o "caso a caso" (55) não pode em 1954e ficou famosopor defendera independência
da Indochina).
ser emp'egado no discurso político porque infringe a regra da simplicidade por n6s mencionada; o "ponto de
vista relativo", porque supõe aceitar a possível veracidade de um ponto de vista outro, diferente do defendido, a Sem contar as numerosas comparações e metáforas destinadas a sacudir o
que é praticamente proscrito no discurso político; a "cornrapartida", que supõe que secaçauma concessãoem
troca de outra (o que seEm continuamerl te nas negociações, mas não é dito ;xplicitamente) (50) etc.
45 De bato,o discursopolítico não pode ser fatalista;é preciso, pois, que à evocaçãode coerçõesnegativasresponda
um meio ou uma intenção de contraria-las i4z É também o argumento do "lindinho na engrenagem" (Plantin, íózd« p.45) e do "pé na porta" (Beauvois
46Le Pen 1987,capítulo 4)
Discurso político
As estratégias do discurso político

ouvinte: "Seráque continuaremos a.p.zdmar,como fizemosdurante o ano A mentira na cenapública


passado,na ei/xuzúzdo declínio e da decadência, ou seráque iremos reagir
para zz772#c#fa Fiança de sua má sorte [...]?"i48 A mentira é, de maneira geral, um ato de linguagem que obedecea três
O político pode igualmente recorrer ao ówmor, mas a enunciação hu- condições: (i) o sujeito falante diz, enquanto enunciador (identidade
morística é difícil de ser controlada em um contexto político, uma vez discursiva), o contrário daquilo que sabeou julga como indivíduo pensante
que os cidadãos esperam, apr;or/, que este mantenha um discurso sério. (identidade social); (ii) ele devesaberque aquilo que diz é contrário ao que
O excessode humor, de réplicas de ironia ou de derrisão trazem o risco de pensa (não há, nessa perspectiva, mentira que não seja voluntária's'); (iii)
Emir o orador passar por frívolo ou cínico, o que não é aceitável nesse ele deve dar a seu interlocutor signos que o façam crer que aquilo que ele
caso. Entretanto, quando consegueacertar na mosca, a enunciaçãohu- enuncia é idêntico ao que ele pensa.:S'
morística diverte-seà custado adversário,obtém a cumplicidade do audi- A mentira inscreve-se,portanto, em uma relaçãoentre locutor e
tório, constrói em favor de si um efóai de "inteligência", e pode ser fatal interlocutor: o primeiro deveconsideraro saberdo segundo(ou represen-
para o oponente. Aqui está a armadi]ha da conivência inte]ectua] com a tar para si o universo de pensamento deste) para proteger seu próprio saber.
qual joga perfeitamente Jean-Made Le Pen, que reivindica, ainda, em Não há mentira em si, na mesma medida em que não há mentiroso em si.
nome de uma tradição de insolência francesa,o direito de jogar com as Em uma relaçãonão há mentira senãoem função da apostaque recobre
palavras,com o trocadilho, com a ironia agressivaparasublinhar o ridí- essarelação e do olhar daquele quc pode detectar a mentira.
culo de seus adversários políticos.'49 Essa armadilha é tão mais subversiva Além do mais, é preciso considerar que a significação e o alcance da
na medida em que pode fascinar mesmo os que não partilham as opiniões mentira variam conforme o interlocutor sejasingu]arou p]ura] ou o locu-
daqueles que a utilizam. tor EHeem particular ou em público. Quando esteEda em uma cenapúbli-
Todos essesprocedimentos concorrem para dar ao discurso político uma ca, tomando por alvo um auditório, e estandoinvestido de determinado
aurade racionalidade,produzindo um efeito dramatizante. cargo, a mentira tem efeito de voltar-se contra ele, imputando-lhe certa
responsabilidade.Lembremos, dessemodo, que há diversasformas de men-

A PERSUASÃOPOLÍTICA ENTRE A PERVERSIDADEE O tira: pode-se mentir pelo silêncio, pela omissão, pela dissimulação, pela
MENTIR VERDADEIRO Eabulaçãoou pelo ble6e,como no jogo. Não nos interroguemos sobre os
motivos psicológicos da mentira, mas somente sobre os efeitos sociais em
Há mentiras e mentiras. O pensamento filosóâco o a6lrma há muito. uma situação particular, a do discurso político.
Seria uma atitude ingênua pensar que a mentira é ou não é o que se opõe a Todo político sabeque Ihe é impossíveldizer tudo a todo momento e
uma verdade única. A questão da mentira, aí compreendida a mentira po- dizer todas as coisas exatamente como ele as pensa ou as percebe, pois não
é preciso que suaspalavras entravam sua ação. A ação política desenvolve-se
lítica, deveria ser, sozinha, objeto de um livro. Gostaríamos apenas de suge-
rir como essaquestãose colocano campo do discursopolítico. no tempo e no momento em que o político pronuncia suaspromessasou
seus compromissos; ele não sabe dc quais meios disporá nem quais serão os
obstáculos que se oporão à sua ação. Não é necessário,portanto, que suas

i50 Senão, seria preciso lidar com outra problemática da mentira, a de "denegação inconsciente'
140Declarações de Jean-Made Le Pen durante aseleições presidenciais de 1 988.
14pVer o estudo que Bonna6ous consagra ao discurso de Le Pen(2001). "' É o que, por exemplo, distingue a "mentira da ironia': nesta,o locutor dá a seu interlocutor signos que Ihe
permitem compreender que por trás daquilo que ele diz há um julgamento contrário.
Discurso político As estratégias do discurso político

[ declaraçõesobliterem o futuro. É precisojogar com estratégiasdiscursivas declaraçõesde um governo que se enganaem não privatizar determinada
empresa pública, mas somente a realizar uma abertura do capital, na verda-
que não sejam muito explícitas e que pareçam vagas, mas não vagas a ponto
de emer com que ele perca sua credibilidade. Sabemos que o político não de, uma porta aberta para a privatização completa.
pode Edhar nesseponto: em todas as circunstâncias,tem de permanecer Es/xn/IÜlú Zo i/& r/o, da ausência de declarações: entregam-se armas a
6ldedigno. Poder-se-ia mesmo dizer com algum cinismo que o político não um paísestrangeiro,colocam-segramposem um ministério, Em-seo barco
tem de dizer a verdade,mas/.zr?crr zdlkfr'z z,enázzú',
como pregavatanto de uma associaçãoecológicair a pique, mas nada é dito nem anunciado. A
Maquiavel -- para quem o Príncipe deve ser um grande "simulador e ação é mantida em segredo. Trabalha-se aqui com uma estratégia que avalia
dissimulador"'s: -- quanto Tocqueville, para quem certasquestõesdevem que anunciar o que é eeetivamenterealizado provocaria reaçõesviolentas e
sersubtraídas do conhecimento do povo que "sente mais do que raciocina". :53 impediria a implantação do que é julgado necessáriopara o bem da co-
O discurso político se interpõe entre a instância política e a instância cidadã, munidade. É essemesmo tipo de estratégiaque, por vezes,é empregado
criando entre ambas um jogo de espelhos. Isso não obriga a colocar todas as nos meios militares, cadavez que se trata de não deixar os cidadãosperde-
Gases
dessejogo em um mesmo plano no olhar de uma ética política. rem a esperança,tal como o célebre "Não desesperarBillancourt",'s4 du-
rante a greve dos trabalhadoresda fábrica da Renault na periferia de Paras,
em maio de 68. Isso não impede a existência de mentiras, que os cidadãos
Alguns casosde mentira política
sejam enganados em função da discrepância entre os compromissos firma-

O político pode encontrar-scem campanha eleitoral ou dirigir-se a elei- dos e os atou realizados,mas, dirão alguns, mentira necessária,pois não é
tores a quem propõe um projeto, sem sabersepoderá realiza-lo; pode igual- destinada a proteger pessoasem suas condutas delituosas, mas teria por
finalidade servir ao bem comum.
mente estar eleito e dirigir-sc a seusconcidadãospara anunciar as medidas
Eí/mail/g/acZzxaa2aiapx?ma. Isso acontece cada vez que o político recor-
que pretende tomar para resolver uma crise, porém, sem saber se poderá
honrar seuscompromissos. Tanto em um casoquanto em outro, será leva- re ao que se convencionou chamar "razão de Estado". A mentira pública é
do a empregar diversas estratégias para evitar enfraquecer-se.
então justificada por se tratar de salvar o que constitui a identidade de um
Es/xn//@a zúz;/nprecísáo consiste em Emir declarações suficientemente
povo, indo de encontro à opinião pública ou mesmo à vontade dos própri-
gerais, sutis e, às vezes, ambíguas, para que seja difícil surpreendê-lo em os cidadãos. Platão já defendia essa razão "para o bem da Repúblicas':sse
alguns políticos recorreram a ela ainda que de maneira implícita em
erro ou recriminá-lo por ter mentido conscientemente.Por exemplo, um
dirigente político da direita, cujas opiniões liberais são conhecidas, declara: momentos de corte crise social. Na França, por exemplo, 6oi em nome dessa
razão que De Gaulle deixou que acreditassem, por suas declarações, que
"não se tocará na previdência social, mas as despesas serão controladas"; ou
o dirigente da esquerda,que declara a respeito da aposentadoria: "não se Gerao conjunto do povo francês que havia resistido à ocupação na Segunda
Guerra e que coletivamente havia salvado o país da invasão alemã. É tam-
tocará nas aposentadorias, mas será preciso complementa-las por um siste-
ma de capitalização." Quem pode dizer que a decisãonão foi inteiramente bém o que motivou seu "Eu os compreendi" pronunciado em Agel, em 4
tomada para mudar o sistema da previdência social ou das aposentadorias?
de junho de 1958, em uma manifestaçãopromovida por francesescontrá-
Ainda mais porque a coisa já se revelou assim em outras circunstâncias: rios à independência da Argélia. Em tais casos,pode-seperguntar sesetrata

5: Maquiavel (1469-1527). t54 Fraseatribuída a Sartreem 1968, que alegajamais tê-la pronunciado
53 Alexis de Tacqueville (1981). 155Platão, .4 Re?üó#c .

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