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Boletim Behaviorista

O que rola nas revistas de análise do comportamento

Uma relação interessante: Os


meios de comunicação de
massa e os consumidores
de notícias
NOVEMBER 23, 2016 / REVISTADASREVISTAS

Em tempos de questionamentos quanto à influência dos


grandes e poucos conglomerados de produção e propagação de
notícias (grande mídia) sobre os comportamentos das pessoas
em relação à atual conjuntura social e política brasileira,
deparei-me com o artigo de Wilhite e Houmanfar (2015), no
qual realizam uma análise dos meios de comunicação de massa
e seus efeitos sobre a cultura norte-americana, trazendo
elementos que poderiam subsidiar a compreensão, por
analogia, da realidade brasileira.

Utilizou-se um referencial interdisciplinar para


compreender aspectos importantes sobre como a mídia, através
dos comportamentos das pessoas que elaboram e divulgam os
produtos jornalísticos (com destaque para notícias em
telejornais, no rádio e na imprensa), pode influenciar o
comportamento dos consumidores destes produtos
jornalísticos, tanto no sentido dos comportamentos verbais nos
quais os consumidores se engajam (por exemplo, o que se fala
sobre um tema) quanto determinando práticas culturais[i] (por
exemplo, várias pessoas assistindo, recorrentemente, a um
telejornal que veicula notícias tendenciosas). O produto
acumulado de certa prática cultural pode resultar num
problema social se produzir prejuízos ao meio-ambiente, à
cultura, ou aos indivíduos.

Objetivista ou advocatório são duas categorias gerais de


classificação do modo como o conteúdo das notícias e de artigos
jornalísticos pode ser apresentado, de acordo com a literatura
sobre comunicação e jornalismo de massa. Em linhas gerais,
numa notícia apresentada de acordo com um quadro de
referência objetivista, os dois lados de uma questão são
apresentados produzindo equilíbrio no relato, prevalece a
apresentação de evidências ou informações baseadas em
evidências e o leitor é encorajado a elaborar suas próprias
conclusões. Por outro lado, no modo advocatório, apresenta-se
um único lado de uma questão, há inclusão de opiniões e
informação anedótica em vez de evidências, e de conclusões em
vez de argumentos.

Tanto a literatura dos meios de comunicação de massa quanto a


analítico-comportamental apontam para o efeito do modo como
uma notícia é apresentada sobre o comportamento dos
consumidores das notícias. A propagação de notícias com
informações baseadas em evidências, ligadas a um enquadre
objetivista, é considerada mínima nos produtos jornalísticos
produzidos pela grande mídia, sendo as notícias enviesadas as
mais comuns. Como há indícios de que o consumidor médio
dos meios de comunicação de massa, nos EUA, não esteja
qualificado para realizar análises sofisticadas das notícias,
considerando, por exemplo, o contexto ou as questões de fundo
envolvidas, a propagação de notícias enviesadas torna-se
particularmente preocupante.

Análises em diferentes níveis foram realizadas. No nível de


análise da metacontingência[ii], caracterizada por um todo
coeso de relações entre eventos ambientais e comportamentais,
em que práticas culturais podem ser selecionadas (Wilhite &
Houmanfar, 2015), encontramos intrincadas relações entre três
processos seletivos: um de produção do produto agregado,
realizado no contexto organizacional; outro de entrada em
contato e de ação em relação ao produto agregado, realizado
pelos consumidores; e o terceiro em que os comportamentos
dos consumidores retroagem sobre o nível organizacional (ver
Wilhite & Houmanfar, 2015, pp. 95-96).

Assim, por exemplo, diante de uma pauta com as histórias


disponíveis para serem noticiadas (evento antecedente), um
diretor de jornalismo de uma organização da mídia convoca os
editores de jornalismo e arte/fotografia, por exemplo, e
comunica a pauta (comportamento). Os editores,
conjuntamente, decidem sobre as histórias que serão noticiadas
(comportamentos sociais entrelaçados[iii]); a decisão é o evento
consequente para o comportamento do diretor e, também, o
evento antecedente para os comportamentos dos chefes de
reportagem, jornalistas e revisores atuarem (indicando o
entrelaçamento de vários comportamentos). Chefes de
reportagem, jornalistas e revisores são comunicados da pauta
definida e realizam uma série de ações (pesquisas, entrevistas,
leituras, escritas) que, depois de alguns outros desdobramentos,
produzirão a notícia pronta para ser veiculada (o produto
agregado resultante). Os consumidores, ao escolherem que
noticiário televisivo assistir, ou que jornal comprar, produzem
dados de consumo que são computados e analisados pelos
líderes das organizações de mídia. Esse feedback torna-se
elemento capaz de influenciar a tomada de decisões dos líderes
das organizações de mídia, assim como afetar a produção de
regras organizacionais, que podem levar a um produto
agregado modificado.

Num outro nível de análise, em que se busca mostrar possíveis


efeitos dos comportamentos dos consumidores sobre a tomada
de decisões pelo pessoal da mídia, há a interação entre
metacontingência e macrocontingência[iv]. Por um lado, temos
a organização de mídia, com suas regras, tendências,
comportamentos sociais entrelaçados; o produto agregado (a
notícia) e os comportamentos dos consumidores; e o feedback
dos consumidores retroagindo sobre a organização
(metacontingência). Por outro, temos os comportamentos não
entrelaçados dos consumidores de notícias produzindo um
resultado acumulado comum, os índices de audiência
(macrocontingência), que afetam as decisões do pessoal da
mídia e podem levar a um produto agregado modificado (por
exemplo, um outro enquadre na apresentação das notícias).
Assim, num dos casos analisados, uma organização que
adotava, inicialmente, um enquadre mais objetivista,
modificou-o, rapidamente, para advocatório com viés
republicano. Em outro caso, uma organização que adotava,
inicialmente, um enquadre mais objetivista, modificou-o, em
poucos anos, para advocatório democrata. Neste segundo caso,
eventos ocasionais de difusão de notícias de caráter
advocatório-democrata foram selecionados pelos consumidores
com sua audiência e o resultado acumulado da ação dos
consumidores (aumento na audiência), funcionou como um
feedback para os líderes da empresa, além de fatores correlatos
(aumento nas receitas), podem ter produzido mudanças nas
regras organizacionais (orientações dos líderes quanto ao que
valorizar na produção da notícia) e nos comportamentos sociais
entrelaçados (tomada de decisão coletiva) do pessoal daquela
organização, que culminaram na apresentação de um produto
agregado final modificado (o novo enquadre, com viés
democrata, das notícias). Segundo Wilhite e Haumanfar (2015),

existe uma relação entre o aumento de crenças


político-partidárias entre o público americano e
o aumento no estilo de jornalismo advocatório,
em particular nas redes de notícias a cabo, e as
pessoas que consomem esses produtos de
notícias tendenciosas são também aquelas que
votam para eleger os representantes políticos
(p. 105),

o que ilustra parte dos efeitos danosos do tipo de jornalismo


advocatório (potencial problema social), principalmente
quando concentrado nas mãos de poucas organizações
produtoras e difusoras de notícias, como mencionamos
anteriormente. Entendo que seja de interesse geral que o
enquadre objetivista prevaleça, pois permite aos consumidores
de notícias engajarem-se em comportamentos verbais e não
verbais de forma mais autônoma (os próprios consumidores
analisam os argumentos e chegam a conclusões) e sob controle
de variáveis relevantes (fatos, evidências, argumentos baseados
em evidências) para os temas em questão.

Visando reduzir o tipo de influência tendenciosa descrito pelo


jornalismo advocatório e seus efeitos perniciosos, e indo além
das pesquisas mais tradicionais no campo da relação entre os
produtos jornalísticos e os comportamentos dos consumidores,
as autoras consideraram o contexto da metacontingência para
indicar pontos de intervenção capazes de produzir mudanças
no modo como o pessoal que trabalha na grande mídia
seleciona e apresenta os conteúdos noticiados.

Como as práticas dos consumidores retroagem sobre o meio


organizacional e suas regras afetam as decisões do pessoal da
mídia e os produtos agregados decorrentes, produzir mudanças
nestas práticas é um caminho possível de ser tentado, ainda que
difícil de ser executado. Outra possiblidade de intervenção é
atuar sobre os comportamentos dos líderes organizacionais,
oferecendo, por exemplo, reconhecimento social para a adoção
do enquadre objetivista ou mesmo incentivos fiscais para o
fomento de práticas organizacionais ligadas à produção de
notícias baseadas em evidências. É possível também intervir no
meio cultural, mais amplamente, através da elaboração e
implantação de leis de fomento à adoção do enquadre
objetivista, ou de prescrição de multas por adoção do enquadre
advocatório.

A produção de notícias compostas por informações unilaterais e


carentes de evidências ou fatos pode trazer prejuízos sociais. O
estudo de Wilhite e Haumanfar (2015) aponta para o potencial
das análises comportamentais para compreender e enfrentar
tais problemas a partir da análise da realidade norte-americana.
E aqui no Brasil, será que encontraríamos a mesma relação entre
a defesa de certas crenças e o enquadre jornalístico advocatório?
Que papel as variáveis histórico-culturais desempenham neste
contexto? Tendo feito uma apresentação rudimentar do modelo
proposto por Wilhite e Haumanfar (2015), deixo para o leitor a
tarefa de realizar a analogia proposta na introdução deste texto
e a de elaborar suas conclusões.

Quer saber mais? Leia:

Wilhite, C.J., & Houmanfar, R. (2015). Mass News Media and


American Culture: An Interdisciplinary Approach. Behavior and
Social Issues, 24, 88-110.

Postado por: Djenane Brasil da Conceição, Professora da


Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

[i] Práticas culturais envolvem a realização repetida de


comportamentos semelhantes, na forma ou nos resultados
produzidos por sua prática, por um grande número de pessoas
(Malott & Glenn, 2006, parafraseadas por Wilhite & Houmanfar,
2015, p. 95). Exemplos seriam: o altear as sobrancelhas quando
se cruza o olhar com o de outra pessoa, ou andar de bicicleta no
trajeto casa-trabalho, que reduz a emissão de gases poluentes.

[ii] Wilhite e Houmanfar (2015) adotam uma conceituação de


metacontigência bastante recente, que incorpora reformulações
anteriormente realizadas sobre o conceito original proposto por
Gleen na década de 1980, e propõem alguns ajustes.
[iii] Comportamentos sociais entrelaçados, sócio-IBs, e
comportamentos entrelaçados, IBs, são os termos utilizado por
Houmanfar, Rodrigues e Ward, em 2010, para substituir o termo
contingências sociais entrelaçadas, IBCs, da definição de
metacontingência de Glenn e Mallot, de 2004, argumentando
que comportamentos são selecionados e não contingências.
Segundo Glenn e Mallot (2004, citados por Wilhite &
Houmanfar, 2015), define-se metacontigência como
“contingências comportamentais entrelaçadas (IBCs), seu
produto agregado e seu sistema receptor” (p. 95).

[iv]Macrocontingência descreve a relação entre


comportamentos recorrentes e semelhantes de várias pessoas,
que não constituem um todo coeso, e o produto acumulado
destes comportamentos (Wilhite & Houmanfar, 2015, p. 96).

Fonte da imagem:
http://www.theverge.com/2015/10/25/9457247/the-
simpsons-al-jean-interview
(http://www.theverge.com/2015/10/25/9457247/the-
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