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Boletim Behaviorista

O que rola nas revistas de análise do comportamento

“Afaste-se” dos pensamentos


indesejáveis e acabe com
a ansiedade.
APRIL 21, 2016 / REVISTADASREVISTAS

Hoje nosso post tratará de um assunto muito sério: os


transtornos de ansiedade. Os transtornos de ansiedade estão
entre os transtornos mais prevalentes nas sociedades ocidentais.
Os tipos mais comuns são síndrome do pânico, as fobias e o
transtorno obsessivo compulsivo. Esses transtornos têm seu
início, muitas vezes, com uma experiência “desagradável”, que
desse momento em diante passa a ser evitada. Por configurar
uma situação de esquiva, os comportamentos que
proporcionam alívio ou evitação dessa experiência aversiva são
negativamente reforçados. Esse comportamento é chamado de
esquiva experiencial. Algumas vezes, após a aprendizagem
dessa resposta, esse comportamento pode se estender para
contextos em que o condicionamento não ocorreu de forma
direta.

A Teoria das Molduras Relacionais (RFT ou Relational Frame


Theory, em inglês), uma interpretação comportamental moderna
da cognição e linguagem humana, permite compreender como
esse tipo de responder é eliciado ou mesmo como essas
respostas de esquiva são aprendidas – ainda que na ausência de
um condicionamento direto. A transformação de função é a
chave desta explicação. Uma vez que os estímulos sejam
relacionados, é possível que estímulos anteriormente
“inofensivos” possam vir a eliciar respondentes
“desagradáveis”, ou mesmo evocar estas respostas de esquiva,
ainda que não haja uma contingência aversiva de fato em vigor
no momento em que essa resposta é emitida. Neste caso, esta
resposta de esquiva, muitas vezes, é emitida diante de
estímulos que não a evocavam. Isso acontece porque a partir
do estabelecimento de relações arbitrárias derivadas, esses
estímulos adquiriram a mesma função que os eventos que as
evocavam originalmente.

É muito importante compreender, e explicar de maneira precisa,


como esses comportamentos indesejáveis são aprendidos.
Contudo, mais importante do que compreendê-los, é
importante descobrir maneiras de como tratá-los! Como a
Análise do Comportamento pode auxiliar as pessoas que
desenvolvem esses tipos de transtornos? Esse é exatamente o
foco deste texto, descrever um experimento realizado para
avaliar a eficácia de uma intervenção muito utilizada
atualmente em terapia.

Carmen Luciano e colaboradores (2014), replicaram um


procedimento, que pode ser considerado um modelo
experimental para transtornos de ansiedade. A vantagem desse
tipo de modelo é que ele permite investigar a ansiedade mesmo
em pessoas que não desenvolveram esse transtorno.

Nesse estudo foram ensinadas duas redes relacionais, ou seja,


os participantes aprenderam a relacionar dois grupos diferentes
de estímulos (figuras sem sentido) como funcionalmente
similares aos outros membros do grupo. Em um dos grupos,
duas dessas figuras eram pareadas a um choque (incômodo,
mas não doloroso). Os participantes aprenderam que, ao
pressionar uma tecla no computador quando estes estímulos
estivessem presentes, eles evitariam o choque. Logo observou-
se que eles passaram a emitir essa resposta não somente frente
aos estímulos que anteriormente antecediam o choque, como
também a todo o grupo de estímulos considerados similares a
esses.

Aí vocês podem me perguntar, e qual a relação disso com a


ansiedade? Nesse modelo experimental, os participantes
produziam essa resposta (pressionar a letra Q, por exemplo) e
evitavam o choque, o que provavelmente produzia alívio (Ufa,
não vou tomar esse choquinho chato!). Por reforço negativo
essas respostas foram mantidas. Contudo, nas etapas seguintes
do experimento nem todos os estímulos (mesmo os que
antecederam choque anteriormente) sinalizariam novamente
um choque, e, mesmo assim, os participantes respondiam a
todos os estímulos evitando algo que poderia nem ocorrer. Esse
tipo de responder imita as respostas de um paciente ansioso,
que se comporta para evitar eventos que, muitas vezes, não tem
uma relação de contingência com este comportamento de
esquiva. E justamente estas respostas que tornam a vida das
pessoas ansiosas muito difícil.

O que fazer agora que os participantes estavam se comportando


ansiosamente? Neste estudo, foi investigada a eficácia de uma
técnica muito utilizada na Terapia de Aceitação e Compromisso
(ACT): a Desfusão Cognitiva. A desfusão consiste em alterar o
controle de estímulos (funções) exercido por um determinado
evento encoberto e assim alterar a relação dos clientes com eles.
Em uma explicação grosseira, essa técnica permite que o cliente
aprenda a se afastar não ficando absorvido nessas experiências
privadas. Por exemplo, um pai pode pensar “sou um fracasso”,
e se identificar com isso (como se ele estivesse fundido a esse
pensamento) e isso pode afetar seu comportamento. A prática
da desfusão serve justamente para afastar esse pensamento,
sendo possível observá-los de uma perspectiva diferente. Um
exemplo dessa tarefa seria imaginar esse tipo de ideia como
sendo um objeto, como algo que visivelmente é separado de
nós, e assim tentar então, “desfundir” esses estímulos
encobertos. Assim passariam a ser vistos a partir desse
momento como algo extra, e não uma característica intrínseca,
possibilitando uma mudança de suas funções.

O protocolo empregado para diminuir esse responder ansioso


criado em laboratório consistia em um exercício breve. De
forma resumida, inicialmente foi pedido que o participante
imaginasse um dos estímulos que antecediam o choque. Em
seguida, que imaginasse esses estímulos desenhados em um
papel. Por fim, que ele se imaginasse colocando esse papel em
seu bolso. Além do grupo que realizou essa tarefa, haviam dois
grupos controle, que faziam tarefas diferentes nessa fase e
permitiram uma comparação com esse protocolo de
Aceitação/Desfusão.

O que aconteceu foi surpreendente!!! Enquanto nos grupos


controle de 10 indivíduos, somente 4 pararam de emitir as
respostas ansiosas, no grupo com o protocolo de Desfusão
NENHUM participante emitiu sequer nenhuma resposta de
esquiva. Um grande sucesso considerando uma atividade tão
pontual! A técnica de Desfusão representou uma ferramenta
muito promissora para o tratamento de pacientes,
principalmente para os casos em que procedimentos mais
tradicionais de exposição tendam a falhar. Maiores
investigações, certamente, são necessárias. A possibilidade de
empregar modelos experimentais para essas questões tão
delicadas, como transtornos psicológicos, é um campo ainda
pouco explorado. É imprescindível que desenvolvamos novas
técnicas para lidar com esses tipos de transtornos verbalmente
estabelecidos, que permitam ao indivíduo uma interação mais
adequada com o ambiente.

Para saber mais:

Luciano, C. Valdivia-Salas, S. Ruiz, F., Rodriguez-Valverde, M.,


Barnes-Holmes, D., Dougher, M. J., López-Lopez, J., Barnes-
Holmes, Y. & Gutierrez-Martinez, O. (2014) Effects of an
acceptance/defusion intervention on experimentally induced
generalized avoidance: a laboratory demonstration. Journal of
the Experimental Analysis of Behavior. 101,94-111.

Texto escrito por João Henrique de Almeida, doutor em


Psicologia, professor voluntário e pesquisador associado no
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São
Carlos. Bolsista de pós-doutorado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo no LECH- Laboratório de
Estudos do Comportamento Humano-UFSCar
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