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AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO

DA IDEOLOGIA
* PALAVRAS-CHAVE:
• Fernando C. Prestes Motta
Professor Titular do Departamento de Administração
Empresas, organizações, ideologia,
espetáculo, hegemonia.
Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV.

* ABSTRACT: Organizations are practical sets oriented to


production and reproduction of some social relations wich
* RESUMO: As organizações são conjuntos práticos volta- are necessaries to maintenance and expansion of the more
general economic system. The social relations wich are re-
dos para a produção e para a reprodução de determinadas
relações sociais necessárias à manutenção e à expansão do producted in organizations are economic, social and ideol-
sistema econômico vigente. As relações sociais que se repro- ogycal. Ideologycal transmission is generally neglected in
duzem nas organizações são econômicas, sociais e ideológi- organizational analysis in business.
cas. A transmissão da ideologia é um fator geralmente ne-
gligenciado nas análises organizacionais que tem a empresa * KEY WORDS: Entreprises, organizations, ideology, show,
por objeto. hegemony.

38 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 32(5):38-47 Nov./Dez.1992


AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

INTRODUÇÃO ções ideológicas da escola. Evidentemen-


te, porém, pouco esclarecem sobre as
As diversas definições de organização funções ideológicas da empresa.
têm um conteúdo descritivo. Mesmo a Este artigo procurará relatar os resul-
afirmação de que a organização é um sis- tados de um pequeno número de pesqui-
tema social racional não parece esclarecer sas sobre a função ideológica da empre-
o seu caráter funcional. E, no entanto, a sa. Parece-nos que tais pesquisas indicam
funcionalidade da organização é funda- alguns caminhos interessantes para a
mental para o seu entendimento. De análise do tema. Antes, porém, procura-
modo muito amplo, pode-se afirmar que remos situar a questão da ideologia do
um sistema econômico produz e se re- ponto de vista da sociedade global.
produz através das organizações. Estas
são, portanto, conjuntos práticos volta- A IDEOLOGIA COMO ESPETÁCUL02
dos para a produção e para a reprodução
de determinadas relações sociais necessá- As sociedades onde dominam as mo-
rias à manutenção e expansão do sistema dernas condições de produção caracteri-
econômico vigente. zam-se pela existência de uma camada
As relações sociais que se reproduzem ideológica que se concretiza a cada mo-
nas organizações confirmam e reforçam a mento vivido e assume o aspecto de um
estrutura social. Essas relações são econô- espetáculo. Esse espetáculo implica a re-
micas, políticas e ideológicas, da mesma construção material de uma ilusão reli-
forma que os conflitos sociais podem ser giosa. Ele tem os seus deuses, mas estes
sempre analisados a partir dessas três di- estão em um espaço terrestre, ligados a
mensões. A ideologia é uma verdade uma base terrestre. O espaço em que se
apenas se a entendermos como verdade realiza o espetáculo está sempre contido
conflitual. Isto quer dizer que a ideologia em um futuro, que anuncia a posse de
é um conjunto de valores e crenças que um produto apresentado como indissolu-
visa à manutenção de uma determinada velmente ligado à satisfação e ao gozo
ordem social, ocultando os elementos instantâneo.
que a ameaçam e lhe são inerentes. A ideologia dominante nessas socieda-
Todo ordenamento social, de resto des tem um sentido e uma coerência que
toda ação social, pressupõe uma estrutu- são ilusórios. São ilusórios na medida em
ra de sentido que designa os lugares e os que a satisfação que anunciam nunca po-
papéis dos diversos atores, conferindo- derá ser realmente atingida. Essa impos-
lhes identidade e submetendo-os a uma sibilidade permanente submete as pes-
determinada forma de dominação. Os soas a uma sucessão de saltos no vazio.
atores não são passivos, entretanto, po- Elas procuram uma coerência e um senti-
dendo também responder ideologica- do que na realidade não existem.
mente à dominação. Ocorre, porém, que É próprio do espetáculo estimular a
em qualquer sociedade existe uma ideo- procura do impossível, distanciando
logia dominante, e esta é sempre a ideo- cada vez mais as pessoas de si mesmas.
logia da classe dominante. Cada momento vivido da ideologia é a
A maior parte dos estudos sobre a re- afirmação da aparência. Toda a vida hu-
lação entre a ideologia e as instituições mana é afirmada apenas como aparência.
tem privilegiado o aparelho escolar. A es- O espetáculo, que é a ideologia dominan-
cola é vista como a organização que re- te se concretizando, reflete a acumulação
produz por excelência as crenças e os va- de capital em grau tão elevado que sua
lores da classe dominante. A escola é, as- tradução material e sensata é impossível
sim, vista como mecanismo disciplinar, a nível individual. Essa acumulação só
que forma submetendo. Há mesmo estu- existe para o indivíduo como imagem ou
dos interessantes que mostram a existên- como conjunto mais ou menos organiza- 1. ESTABLET, R. & BAUDELOT,
C. La Escuela Capitalista. Méxi-
cia nas sociedades capitalistas de duas re- do de imagens. co, Siglo Veintiuno, 1975.
des escolares, uma para os filhos da clas- A ideologia dominante pressupõe a
se dominante, outra para os filhos da aceitação majoritária de que seus fins são 2. Esse tipo de análise é feito
por DEBORD, Guy. A Sociedade
classe dominada'. Sem dúvida, esses es- legítimos. Para tanto, ela se concretiza de do Espetáculo. Lisboa, Afrodite,
tudos parecem esclarecer muito as fun- modo a ser contínua. Todavia, as pessoas 1979.

© 1992, 1984, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. Publicado na RAE, 24(3): 19-24, jul./set. 1984. 39
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só a aceitam sob forma de contemplação A ideologia dominante sob a forma de


de um projeto sem objetivos. É por essa espetáculo pode ser difusa ou concentra-
razão que os meios, que correspondem à da. No capitalismo burocrático, a ideolo-
posse dos objetos, aparecem como fins. gia é concentrada. Forma-se uma grande
A mercadoria funciona como instru- burocracia, que detém o trabalho social
mento através do qual o espetáculo se total. Ela revende esse trabalho à socie-
impõe. O fetichismo da mercadoria está dade sob a forma de sobrevivência em
na promessa de vida e de prazer que ela bloco. Fica garantida a perpetuação do
traz consigo. Ela não a traz apenas em si irracional, a submissão a pseudonecessi-
mesma, mas também em sua embalagem dades. Fica garantida a universalidade
atraente. Ela se anuncia como conteúdo das pseudonecessidades e ocultada a di-
de vida, como promessa de uma vida visão da sociedade em classes.
que se alimenta de promessas. A merca- Na verdade, a burguesia foi uma
doria se apresenta em grande quantida- classe revolucionária que nunca venceu
de. O mundo se apresenta como um totalmente. Isto porque ela precisa de
grande mercado regido pela sociedade um proletariado que também tenha tra-
dividida em classes. ços burgueses. A burguesia usa o Esta-
O próprio trabalho humano se traduz do, que tem um papel importante na
em trabalho-mercadoria. É algo que administração calculada do processo
pode e deve ser trocado. O trabalho hu- econômico.
mano vendido pode produzir a abun- É sempre possível a organização do
dância, mas só permite a sobrevivência proletariado, mas nem sempre ela é efici-
ampliada. Essa sobrevivência ampliada ente. É possível que sua ineficiência deri-
se refere às necessidades criadas pela ve da retomada de métodos centraliza-
comunicação de massa e pela vida so- dores e hierárquicos tirados de emprésti-
cial. Essa sobrevivência não pára de se mo do Estado e das empresas. Se o prole-
ampliar. tariado contém em si o não-poder, ele
A ampliação da sobrevivência depen- tem condições de realizar um projeto po-
de da privação, que é o motor do consu- lítico autêntico. Isto depende, porém, da
mo. Nesse sentido, ela apenas torna a negação do espetáculo. Depende das for-
privação mais rica. É dessa forma que a mas históricas assumidas pelo seu proje-
existência se transforma na sobrevivên- to, formas essas que não precisam ter
cia sob o poder imposto pela mercadoria. sido formuladas pela teoria. São, ao con-
Atingido em grau elevado de abundân- trário, essas formas que enriquecem e
cia, o trabalhador pode e deve colaborar dão vida às teorias. .
com o excedente como consumidor. O As antigas sociedades governadas
valor de troca da mercadoria domina pelo mito tinham uma noção de tempo
quase completamente o seu valor de uso. imutável, de tempo cíclico,como atestam
As contradições de ideologia domi- os ritos ligados às estações do ano. As
nante unem-se na base ao sistema uni- classes detentoras da "propriedade pri-
versal que as contém: o capitalismo. O vada" da história criaram a noção do
poder burocrático faz parte do espetácu- tempo irreversível. Na sociedade feudal,
lo e aparece na divisão mundial das tare- o tempo irreversível era o tempo vivido
fas ideológicas. Nos países capitalistas pela burguesia. O tempo do trabalho, li-
avançados, a raiz da ideologia burguesa berto do tempo cíclico,é o tempo ao qual
está na economia tomada abundante. Ela está ligada a burguesia.
se apresenta como imagem nas celebri- É com a burguesia que o trabalho
dades criadas pelo sistema, em milioná- transforma as condições históricas. A
rios, reis e rainhas, atores e atrizes etc. burguesia implanta consigo um tempo
As pessoas em que o sistema se perso- profundamente histórico. A dominação
nifica são bem conhecidas por parecerem burguesa coloca toda a sociedade em um
aquilo que não são. Elas são aquilo que mesmo movimento geral. Essa mesma
Chico Buarque chama de "a vida mais vi- burguesia, que trouxe ao mundo a possi-
vida que vem lá da televisão". É por essa bilidade de tempo irreversível, não per-
razão que o espetáculo se constrói sobre mite, porém, nenhuma outra forma de
a miséria do não-vivido. emprego deste tempo irreversível.

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AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

A burguesia deseja ta, isto é, em uma


uma espécie de liber-
dade: a liberdade ge-
o espaço em que se dada
dado
sociedade, num
tempo.
neralizada de comér- realiza o espetáculo esta Admite-se que a
cio. De resto, ela quer sempre contido em um futuro, base real sobre a qual
se constrói o jurídico
a passividade da clas- que anuncia a posse de um
se dominada, e a con- e o político é a esfera
segue parcialmente produto apresentado como
~. :
econômica ou da pro-
por meio das institui- indissnluvelmenteligadoà dução e distribuição.
Daí o nome de supe-
ções que transmitem
e inculcam sua ideo-
e
satisfação ao gozo restrutura. A essa su-
logia. O mundo cons- . instantâneo. perestrutura corres-
truído pela burguesia pondem determina-
é um mundo passivo das formas de consci-
e ordenado e essa é a ência social, ou seja, a
imagem que é transmitida à sociedade. ideologia. Em última instância, portanto,
O tempo colocado pela ideologia do- são os homens que produzem as suas re-
minante é o tempo do consumo das ima- presentações, as suas idéias, a partir de
gens. Essas imagens são apresentadas uma dada base material. Em toda ideolo-
como a vida real. Assim, o tempo, sendo gia, porém, os homens e suas relações
ideologicamente inculcado, traduz-se em surgem alterados. Por essa razão, não
abandono da história. A consciência do basta partir do que os homens pensam
tempo, ao contrário, é a consciência de para explicá-los. Deve-se, ao contrário,
que o tempo histórico pode ser realmente partir de sua atividade real para explicar
vivido. É dessa consciência que depende seu pensamento.
a superação da ideologia dominante. Nessa perspectiva, torna-se necessário
A sociedade espetacular também apre- entender o processo de formação da
senta um determinado tipo de ação cul- consciência. Marx e Engels entendiam
tural. A cultura opera em dois sentidos que após a consciência puramente animal
formalmente opostos. Esses dois senti- do meio sensível imediato, surge para o
dos, todavia, estão unidos enquanto pen- homem a consciência da necessidade de
samento submisso. O primeiro sentido é entabular relações com os que o cercam,
a crítica do espetáculo feita pelo próprio marcando para si a consciência de que
espetáculo. A critica interna da cultura é vive, efetivamente, em sociedade. A
unificada, mas procura negar a prática consciência vincula-se, portanto, à divi-
social unificada. Assim, procura-se negar são social do trabalho.
culturalmente a cultura do tempo históri- A correspondência da consciência so-
co, isto é, a cultura onde se formulam cialou ideologia à base material é essen-
projetos políticos. cial à estabilidade de um modo de pro-
dução. O desenvolvimento de uma sem o
IDEOLOGIA E HEGEMONIA3 da outra pode ser o prenúncio de um
novo modo de produção.
A análise marxista, que influenciou a De tudo o que foi dito até o momento,
maior parte dos estudos sobre ideologia, pode-se depreender que a função básica
ou com a qual outras análises se confron- da ideologia é a manutenção da coesão
tam, parte da percepção da estrutura so- social. Preenche essa função, porém,
cial enquanto totalidade. Essa totalidade ocultando o antagonismo básico de um
se manifesta em três esferas: a da produ- modo de produção, ou seja, sujeitando
ção e distribuição, a jurídica - onde se dominados e justificando dominadores.
dão a articulação e a ação política - e Como tais relações são transitórias, as
aquela propriamente ideológica. Essa °
ideologias também são, como atestam
percepção impede a visão de cada esfera teorias sociais que são dominantes em
como autônoma ou não dotada de signi- certas épocas, mas não em outras.
ficado. O objetivo, ao contrário, é analisar As ideologias surgem, modificam-se e 3. MODA, Fernando C. P. Em-
as formas pelas quais elas se inter-rela- eventualmente desaparecem, face ao mo- presuios e Hegemonia Política.
cionam em uma formação social concre- vimento das relações sociais concretas. São Paulo, Brasiliense, 1979.

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i1~t:JREVISITADA
Para o marxismo, as rupturas não se dão cional e a herança de uma cultura. Isto
apenas no interior da esfera ideológica. quer dizer que para entender a ideologia
As rupturas mais importantes a nível é preciso fazê-la historicamente e a partir
ideológico decorrem de mudanças na de seu núcleo, que é a divisão social do
base material. De outro lado, entende-se trabalho.
que em toda sociedade fundada no anta- Assim, não se pode simplificar o con-
gonismo de classe, a emancipação da ceito de ideologia, identificando-a com o
classe oprimida surge como uma condi- simples discurso da classe dominante. A
ção vital. É, porém, apenas dotada de ideologia deve ser encontrada na ação
uma consciência de classe que ela desen- das classes sobre o Estado, a empresa, a
volve uma ação historicamente significa- escola e todas as instituições modernas. É
tiva, em termos de seus interesses. preciso notar que a ideologia está sempre
O surgimento da consciência de classe a serviço de um projeto, que se traduz
acompanha a trajetória de uma classe so- em uma prática política. No caso da clas-
cial. Uma classe que não percebe como se dominante, esta prática pode ser anali-
atua a totalidade social não pode modifi- sada do ponto de vista de uma trajetória.
cá-la. É uma classe inerte. É, porém, dota- Tendo os aparelhos repressivos do Esta-
da de consciência que uma classe procura do a seu serviço, ela procura controlar os
impor sua ideologia ao resto da socieda- aparelhos ideológicos.
de. Há, portanto, um processo de imposi- Os elementos organizacional e autori-
ção ideológica dotado de uma determina- tários têm nesse processo uma função
da anatomia. É nesse particular que se muito grande, tão logo se tenha verifica-
entende a importância das instituições e do a orientação da trajetória. A adesão ou
especialmente dos aparelhos ideológicos não das massas a uma ideologia é o
de Estado. modo pelo qual se verifica o caráter his-
Os aparelhos ideológicos contribuem tórico dos modos de pensar. Modos de
na reprodução das condições de produ- pensar secundários são mais ou menos
ção. Entre essas condições, situa-se a re- rapidamente eliminados pela competição
produção de sua força de trabalho, de histórica, ainda que consigam gozar de
sua qualificação e de sua sujeição à ideo- certa popularidade. Ao contrário, cons-
logia dominante. Tal ideologia consubs- truções mentais que correspondem às
tancia-se em práticas e tais práticas estão exigências de um período histórico com-
presentes nas escolas, na igreja, na indús- plexo terminam sempre por prevalecer.
tria da comunicação etc. É nosso ponto Em qualquer lugar do mundo, a escola
de vista que tais práticas também estão e a Igreja são organizações culturais im-
presentes em aparelhos econômicos, portantíssimas na transmissão da ideolo-
como a empresa. gia. Deve-se ainda lembrar os jornais, a
O que parece importante frisar é que televisão, as revistas, os partidos políticos
na forma e sob a forma de sujeição ideo- e todas as instituições. Há ainda a ideolo-
lógica é assegurada a reprodução da qua- gia inculcada através das profissões, que
lificação da força de trabalho. Para que correspondem a frações não desprezíveis
possam agir eficazmente, os aparelhos da cultura. É o caso dos médicos, dos ofi-
ideológicos precisam ser controlados pela ciais do exército e da magistratura.
classe dominante. Esta controla mais fa- Apesar de tudo o que foi dito, não é
cilmente os aparelhos repressivos, dada a difícil perceber uma cisão entre os grupos
própria natureza básica do Estado de ser- de intelectuais e as massas populares.
vir à classe dominante para a apropriação Isto ocorre porque o Estado, ainda que os
do excedente. A luta pelo domínio dos governantes digam o contrário, não tem
aparelhos ideológicos é portanto vital na uma concepção unitária, coerente e ho-
trajetória de uma classe em ascensão. mogênea. Ainda assim, é evidente que o
Todavia, a ideologia não nasce nos que se procura é a obtenção coletiva de
aparelhos ideológicos, mas nas relações um mesmo clima cultural. A realização
entre as classes. Para tornar mais claro o desse clima se dá através do homem cole-
problema da ideologia é preciso conside- tivo, que reúne uma multiplicidade de
rar que por trás dela está o conflito de vontades desagregadas e de fins hetero-
classes, o regime político, a tradição na- gêneos, que se solidificam na busca de

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AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

um mesmo fim sobre Estado e na empresa


a base de uma con- a sua razão de ser.
cepção comum do As contradições Eles são geralmente
mundo. responsáveis pelo
Quando uma clas- de ideologia dominante planejamento em sen-
se consegue a realiza- tido amplo. Os em-
unem-se na base ao
ção desse clima na so- presários precisam
ciedade, ela é uma sistema universal pelo menos de uma
classe hegemônica. É elite própria, dotada
por essa razão que que as contém: da capacidade de or-
toda relação de hege- ganizar a sociedade.
o capitalismo.
monia é necessaria- Podem funcionar, as-
mente uma relação sim, como prepostos
pedagógica. Pode-se dos empresários. O
entender assim a ne- projeto hegemônico
cessidade da liberdade de pensamento e burguês precisa, dessa forma, da criação
de expressão, já que só onde existe essa de uma nova culturas.
condição política se realiza a relação pe-
dagógica no sentido mais geral. o ESPAÇO DA EMPRESA
Uma classe social que não consegue
afirmar-se ideologicamente não é uma Muito pouco se tem escrito sobre a
classe hegemônica. Por sua vez, a reali- transmissão da ideologia na empresa. As-
zação da hegemonia determina uma re- sim, é nosso objetivo aqui apresentar um
forma das consciências e dos métodos de sumário de algumas pesquisas importan-
conhecimento. Assim, toda concepção tes no campo. O primeiro deles é um es-
dominante tem por tarefa a conservação tudo sobre uma grande empresa multina-
da unidade ideológica de todo o bloco cional, realizado por Pagés, Bonetti, Gau-
social, que por natureza não é hegemôni- lejac e Descendre.s
co. É óbvio que a heterogeneidade do As conclusões da referida pesquisa le-
bloco social está fundamentada em con- vam à visão da organização como um
tradições de classe que a ideologia pro- conjunto de produtos de contradições en-
cura negar. tre empresas, entre estas e o Estado, bem
De modo mais geral, podemos afirmar como entre empresa e trabalhadores e en-
que uma classe é hegemônica, dirigente e tre sistemas sociais de desenvolvimento
dominante à medida que, por meio das desigual. A particularidade da organiza-
ações cultural e ideológica, traduzidas ção estaria na oferta de soluções media-
em ação política, consegue manter as for- doras para contradições de ordem econô-
ças conflitantes e heterogêneas de tal for- mica, política, ideológica e psicológica.
ma articuladas que os antagonismos não A mediação da organização se faria,
levam à recusa da ideologia por essas segundo os pesquisadores, em quatro ní-
forças. veis. O primeiro nível, o econômico, refe- 4. Tais idéias acham-se desen-
volvidas em diversos autores
A hegemonia pode ser assim entendi- rir-se-ia à questão dos lucros e dos salá- marxistas. Ver principalmente,
da como o controle ideológico da socie- rios. O segundo nível diria respeito à MARX, Karl & ENGELS, Frie-
dade por uma classe, uma fração de clas- questão da autonomia e do controle, sen- drich. A Ideologia alemã; Lis-
boa/SP, Editorial Presença/li-
se ou uma aliança de classes. A ideologia do um nível propriamente político. O ter- vraria Martins Fontes, s/d; AL-
da classe dominante corresponde à sua ceiro nível estaria relacionado à questão THUSSER, Louis. "Ideology and
função histórica e aos seus interesses. do humanismo e da eficiência, constituin- ideological state apparatuses."
In Lenin and Filosophy and
Trata-se de descer até as classes subalter- do um nível ideológico. O último e quar- other essays. Monthly Review
nas. Um grupo social que é dirigente de to nível diria respeito ao prazer e à an- Press, EUA, 1971; GRAMSCI,
seus grupos afins e aliados tem uma das gústia, apresentando-se como especifica- Antonio. Concepção Dialética da
História. Rio de Janeiro, Ed. Ci-
condições básicas para a conquista do mente psicológico. vilização Brasileira, 1978.
poder. O mecanismo básico da operação da
Dessas considerações se depreende a empresa seria a transformação das con- 5. PAGÉS, Max; BONETTI, Mi-
chel; GAULEJAC, Vincent de &
posição orgânica do intelectual na socie- tradições coletivas em contradições indi-
DESCENDRE,DanieL L 'Emprise
dade. Não é difícil constatar que na socie- viduais. Todas as contradições econômi- de /'Organisation. Paris, PUF,
dade capitalista esses intelectuais têm no cas, políticas e ideológicas seriam trans- 1979.

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i1!JlJ REVISITADA

formadas em contradições meramente em uma massa de fiéis comungando na


psicológicas. Esse mecanismo de conver- mesma fé e na existência de um deus en-
são caracterizaria um processo pelo qual carnado pela organização.
a organização apoderar-se-ia de seus As crenças partilhadas pelos membros
membros. da empresa incidiriam em cinco aspectos
Dito de outra forma, a organização centrais. Em primeiro lugar, o consenso
realizaria políticas mediadoras em quatro quanto à busca do progresso técnico; em
níveis de atuação: econômico, político, segundo, o ideal de realização pessoal no
ideológico e psicológico. Em relação a trabalho; em terceiro, a crença na igual-
seus membros, ela ofereceria em cada um dade de oportunidades de promoção; em
desses níveis, respectivamente: salários e quarto, a crença nas recompensas pelos
carreira, autonomia, humanismo e sedu- esforços por parte da organização e, fi-
ção e prazer. Em contrapartida, ela exigi- nalmente, a busca do sucesso individual.
ria a submissão ao lucro e à expansão, ao Tudo isso estaria de certa forma enqua-
controle à eficiência, e acenaria com a drado em um ordenamento básico que
ameaça e a angústia. As contradições so- consiste em servir aos clientes, aos em-
ciais seriam pouco a pouco convertidas pregados, aos acionistas e ao mundo.
em contradições psicológicas, isto é, em Nesse conjunto de crenças, os indivíduos
confronto de ameaças e angústia com se- encontram princípios em que podem
dução e prazer. acreditar, que lhes permitem atribuir sen-
A constatação fundamental dos pes- tido a suas existências. A força desse sis-
quisadores é a de que os indivíduos iso- tema provém da coerência interna das
lados apresentam-se como impotentes crenças e de sua correspondência com a
para lutar contra suas próprias contradi- realidade vivida cotidianamente.
ções, não lhes sendo possível o estabele- Pagés e seus colaboradores acreditam
cimento de uma cooperação verdadeira. que a organização é armada pelos seus
Assim sendo, esses indivíduos aceitam as membros pelas perfeições que estes indi-
soluções prontas oferecidas pela organi- vidualmente desejam para o seu próprio
zação, introjetando seus princípios, seus egos, O objetivo introjetado toma o lugar
tipos de prazer e ameaça. A empresa do ideal do ego. Dessa forma, a organiza-
apresenta-se, portanto, como uma solu- ção é o lugar da formação do inconscien-
ção global aos problemas da existência te, que passa a ser uma realidade coleti-
humana, obtendo uma enorme parcela va. Aqui, toma-se importante a distinção
de seu poder do fato de oferecer uma res- entre superego e ideal do ego. O primeiro
posta às contradições psicológicas indivi- representa, no inconsciente individual, a
duais e interindividuais. repressão social ligada à transgressão de
A conquista ideológica dos emprega- proibições. O superego contém uma
dos pela empresa parece basear-se no ameaça da castração pela figura paterna.
fato de que esta oferece uma interpreta- O segundo, o ideal do ego, contém uma
ção do real relativamente coerente com ameaça de perda do amor matemo.
as práticas sociais dos indivíduos, fome- Os pesquisadores entendem que a eco-
cendo-lhes uma visão de mundo coerente nomia feudal representa um modelo do-
com as suas aspirações. Os pesquisadores minado pelo superego e a economia capi-
vêem a ideologia da empresa como uma talista nascente representa um modelo hí-
religião secularizada, considerando que a brido de dominação do superego e do
falência das religiões tradicionais no ideal do ego. Já a economia capitalista de
cumprimento das mesmas funções é pro- organizações hipermodernas (grandes
vocada pela sua incapacidade de traduzir empresas multinacionais) apresentaria
no plano espiritual a: vivência cotidiana uma dominação do ideal do ego. Nesta
da sociedade industrial. Dessa forma, a situação, dá-se a passagem da obediên-
empresa criaria uma religião melhor acei- cia a um chefe à adesão a uma lógica, as
ta pelos seus membros. Para tanto, a em- regras são concebidas de forma a estrutu-
presa se basearia em um conjunto de rar o espaço no qual são tomadas as deci-
crenças formando um dogma, em escritu- sões e, ao nível da aplicação, são inculca-
ras sagradas e ritos práticos, em uma or- dos hábitos de obediência.
6. Idem, ibidem. ganização hierarquizada dos sacerdotes, Nesse sentido, o sentimento de culpa

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AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

não surge mais do internalização pelos


fa to de cometer um membros da empresa
ato contrário à cons- As ideoloqlaa,». de determinados
ciência, às exigências comportamentos ne-
do superego, mas do
. surgem, modificam-se cessários. Esses com-
fato de não estar à al- e eventualmente desaparecem, portamentos contri-
tura das exigências buem para a mudan-
da organização e do face ao movimento ça da imagem que os
ideal que o trabalha- indivíduos têm de si
dor procura atingir. das relações sociais próprios.
O treinamento,
A expressão "você concretas .: com o objetivo de
deve" é substituída
por "é preciso". A ní- mudança de imagem,
vel propriamente fica bem caracteriza-
ideológico, a empresa do no texto, que trata
hipermoderna produz uma religião inter- de seminários voltados para a interioriza-
na própria, criando e disseminando senti- ção das censuras institucionais contra
dos e valores. Ao nível mais propriamen- comportamentos espontâneos, inadequa-
te psicológico, a empresa conquista os dos à situação empresarial, bem como
trabalhadores fazendo com que os confli- para o ensinamento do desempenho de
tos por ela sentidos sejam reconhecidos um novo papel. O caso estudado por Vil-
como de origem estritamente psicológica, lette se refere a um seminário destinado a
impossibilitando qualquer ação de mu- elementos de nível intermediário, geral-
dança. A pesquisa relatada mostra bem mente detentores de posições de coman-
as funções da ideologia: fazer crer, fazer do ou com características potenciais para
amar e fazer agir. A organização passa a ocupar futuras posições de chefias.
ser para seus membros o objeto de um A inscriçâo de seus membros, por par-
grande amor e um grande temor, que ga- te da empresa, em seminários desse tipo,
rantem o comportamento adequado aos parece estar ligada à necessidade de mu-
interesses da cúpula administrativa. dança nas formas de exercício do poder
Outros trabalhos interessantes são os no âmbito da empresa. Há, aparentemen-
de Michel Villete, Luc Boltanski e ].c. te, um desejo das empresas de harmoni-
Poitout.Apresentando-os em linhas ge- zar os comportamentos dos ocupantes de
rais, iniciamos pelo texto "Psicossociolo- chefias intermediárias. Tais comporta-
mentos se apresentam muito diferentes 7. VILLETIE, Michel. "Psicosso-
gia da empresa e reeducação moral", pas-
ciologia da Empresa e Reeduca-
sando por "Os executivos autodidatas", de acordo com características indivi- ção Morai'. São Paulo,
por "O acesso às posições dominantes na duais. Assim, origem sócio-econômica, EAESP/FGV. (Mimeo.) Traduzi-
empresa" e chegando, finalmente, ao tex- cultural ou formação educacional rígida do por Denice Barbara Catani de
Actes de la Rechercl7e en Scien-
to "A imprensa patronal na grande em- podem resultar em inadaptações nos há- ces Sociales. Paris. (4):47-65,
presa". São estudos independentes, mui- bitos. Deste modo, origem social muito ago. 1976, de acordo com sele-
tas vezes ainda em fase preliminar, mas baixa perante os superiores e famíliarida- ção e indicação do Prof. José
.Carlos Garcia Durand. BOL-
que podem dar uma primeira visão do de excessiva em face dos subordinados TANSKI, Lee. 'Os executivos
tema. configuram uma situação que deve ser Autodidatas'. São Paulo,
O texto "Psicossociologia da empresa e corrigida. Os seminários visam a corrigir EAESP/FGV. (Mimeo.). Traduzi-
do por Denice Barbara Catani,
reeducação moral", de Michel Villette, essas disparidades, promovendo a socia- por indicação do Prol. José Car-
trata do desenvolvimento da socialização lização desejadaie. los Garcia Durand, de Actes de
através do treinamentos, De início, vale a O texto de Boltanski diz respeito às la Recherche en Sciences Soci-
ales, Paris, (22), [un. 1978, e
constatação de que o treinamento é utili- oportunidades de carreiran, A tônica do publicado na Revista de Admi-
zado pelas empresas no desenvolvimento trabalho é sobre o papel do capital social nistração de Empresas. FGV,
das qualificações necessárias ao desem- e cultural dos indivíduos nessas oportu- 24(1 ):5-25, jan-mar 1984.
penho das diversas funções. O treina- nidades. Por capital social e cultural en- 8, VILLETE. Michel. Op. cit.
mento opera em dois níveis, sendo que tende-se tanto as origens econômicas e
apenas o primeiro diz respeito mais dire- sociais quanto a formação adquirida em 9. Idem, ibidem.
tamente às habilidades técnicas ligadas escolas de elite. As posições dominantes 10. Idem, ibidem.
ao exercício da função. O segundo nível, da empresa, ou seja, os cargos de alta ad-
mais propriamente ideológico, refere-se à ministração parecem ser de difícil acesso, 11_ BOLTANSKI, Lee. Op. cit.

45
11m REVISITADA
restringindo-se o seu recrutamento a um dos casos aqueles que efetivamente che-
grupo relativamente pequeno e fechado. gam às posições mais altas em menos
Como conseqüência, os administradores tempo. Villette constata que a questão
de nível médio não sabem até onde po- passa por uma estratégia de inovação,
dem chegar, nem mesmo conhecendo baseada em um deslocamento permanen-
bem a amplitude de sua autoridade e de te do prestígio e do peso relativo das di-
sua autonomia. A possibilidade de co- versas funçõesn. Dito de outra forma, é
nhecerem seus limites é dada pelo pro- preciso que o capital sócio-cultural se
cesso de socialização, especialmente pe- transforme em competência rara, legiti-
los seus contatos com detentores de capi- mando as promoções. O movimento, por-
tal social e cultural mais elevado. tanto, implica que uma nova competên-
Os administradores de nível médio cia se valorize porque é rara, porque foi
são, principalmente, treinados no traba- escolhida pelos filhos-família e porque é
lho, o que significa aprender muito mais útil em um determinado momento, bem
do que um ofício ou um conjunto de fun- como no fato de os filhos-família terem
ções. Na realidade, seu treinamento con- adquirido um monopólio de tal compe-
siste, em larga escala, na interiorização tência, tornando-se os únicos a terem ex-
dos valores dominantes no mundo em- periência prática e global dos novos mé-
presarial. Esse processo pode ser razoa- todos.
velmente doloroso, na medida em que in- Há, pois, uma aliança família-empre-
corpora visões estereotipadas da vida co- sa-escola de elite que se articula para o
tidiana e conflitos entre posição de classe acesso de pessoas dotadas de capital so-
e pertencimento de classe, na medida em cial e cultural aos postos dominantes.
que a identidade desejada não correspon- Também alguns cursos ou graus de pós-
de à identidade original. graduação no exterior, principalmente
A investigação de Boltanski indica a nos EUA, podem participar desse tripé.
criação de um tipo particular de indiví- A estratégia não é, de qualquer forma,
duo, no universo empresaríalu. O ho- conduzida de um só golpe. As especiali-
mem organizacional é na verdade o ho- zações constituem-se em simples "tram-
mem unidimensional de Marcuse, o indi- polins" para as posições dominantes. Os
víduo que não distingue realidade e apa- detentores de capital sócio-cultural per-
rência, fenômeno e essência. Essa "consci- dem tempo absoluto para ganhar tempo
ência feliz" seria portanto um estado de relativo. Tudo se passa de forma natural,
alienação, no qual o divórcio entre com- como se fosse resultado de imposições do
portamento dramatúrgico e personalida- meio, isto é, apenas como resultado do
de não seria algo consciente, mas o resul- progresso técnico que impõe às empresas
tado de um esforço quase compulsivo em as inovações necessárias à concorrência
ser o que não se é. inter-capitalista.is
O trabalho "O acesso às posições do- Uma outra linha interessante de análi-
minantes na empresa", de Michel Villette, se de transmissão ideológica da empresa
trata da forma pela qual os filhos de fa- refere-se a seu sistema de comunicações e
mílias já privilegiadas garantem para si em especial aos jornais de empresa. Na
os cargos mais importantes na hierarquia Europa, o jornal da empresa está relacio-
das empresas francesas». A questão se nado com o crescimento e o desenvolvi-
coloca uma vez que a ideologia dominan- mento das empresas industriais a partir
12. Idem, ibidem. te apregoa que indivíduos com habilida- do início deste século, bem como à orga-
des técnicas semelhantes, independente- nização crescente da classe operária no
13. VILLETIE, Michel. "O aces- mente de sua origem social e cultural, mesmo período.
so às posições dominantes na
empresa". São Paulo, possuem oportunidades iguais de acesso Segundo Jean-Claude Poitou, autor de
EAESP/FGV (Mimeo.) Traduzi- às posições dominantes. Esse tipo de ra- um trabalho intitulado "A imprensa pa-
do, por José Carlos Garcia Du- ciocínio amplia-se pela idéia de que o tronal na grande empresa", o jornal pa-
rand, de Actes de la Recherche
em Sciences Sociales. Paris, acesso às escolas melhores, onde se trans- tronal significa uma tentativa de neutrali-
(4), jul. 1975. mite essas qualificações técnicas, também zação dos conflitos entre objetivos de em-
é igual para todos. pregadores e empregados em uma época
14. Idem, ibidem
Permanece porém o fato de que os de aumento quantitativo de bens produ-
15. Idem, ibidem. chamados filhos-família são na maioria zidos, de concentração de capital e de

46
AS EMPRESAS E A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

parcelamento das ta- de consumo, o elogio


refas, com a conse- sistemático dos "ope-
qüente desqualifica- Há uma aliança rários-padrão", como
ção da mão-de-obra.v modelo para todo o
Em um primeiro
tarnüía-ernpresa-escola operariado da empre-
momento, o jornal sa, a divulgação de
de elite Que se articuJa para o .
patronal teve por possibilidades de cur-
função explorar três acesso de pessoas dotadas de sos oferecidos pela
temas básicos: o que própria empresa ou
deve e como deve fa- capital social e cultural aos outros órgãos, úteis
zer o "bom operário", na carreira do operá-
postos dominantes.'
a valorização de rea- rio, bem como infor-
lizações paternalistas mações sócio-cultu-
da direção das em- rais gerais.
presas, e a justifica- Em síntese, o obje-
ção do taylorismo como a melhor forma tivo desse artigo foi mostrar uma área
de produção. Após a II Guerra Mundial, ainda pouco explorada na teoria das or-
com o advento da escola de relações hu- ganizações, mas indiscutivelmente im-
manas, as empresas mudam sua linha portante na prática administrativa e no
editorial, incluindo reportagens para as comportamento humano na empresa.
famílias dos trabalhadores, divulgação Tudo leva a crer que o estudo sistemático
de obras sociais, bem como artigos sobre das funções ideológicas da empresa ex-
legislação e notas do departamento de plique bastante decisões e aspectos que à
pessoal. primeira vista padecem de sentido, bem
No caso francês, 1968 parece ser um como a forma pela qual os indivíduos
novo marco. A partir dessa data, os em- vêm-se relacionando com as organiza-
presários viram-se obrigados a repensar ções, desenvolvendo um tipo de persona-
os métodos de integração entre capital e lidade, e experimentando e lidando com
trabalho. O jornal da empresa é chama- novas formas de angústia e de satisfação.
do, então, a desempenhar seu papel e al- A análise de qualquer instituição que não
gumas orientações gerais passam a ditar passe pelo nível ideológico é sempre in-
sua linha editorial. Sublinha-se a difusão completa, puryue se lirnlta ao imediata-
do sentimento de afiliação do empregado mente visível, quando geralmente o im-
à empresa fazendo transparecer que os portante está naquilo que permanece
objetivos individuais são iguais ou seme- oculto. :J
lhantes aos objetivos da empresa, procu-
rando o consenso e a coesão dos esforços.
Paralelamente, procura-se desenvolver a
criatividade, mediante um esclarecimen-
to mais intensivo da oportunidades de BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR
carreira. Entende-se, ainda, que é função
da informação na empresa garantir a me- • ALVESSON, Mats. Organizatíon
lhor qualidade da decisão em cada esca- Theory and Technocratic Conscious-
lão da hierarquia. É dessa época a divul- ness, Berlim, De gruyter, 1987.
gação aos empregados de seu posiciona-
mento no mercado, de dados sobre a • ENRIQUEZ, Eugene. L 'Organisa-
qualidade dos produtos da empresa, de tion en Analyse. Paris, PUF, 1992.
demonstrações financeiras, bem como a
publicação de artigos dos empregados • ENRIQUEZ, Eugene. Les Figures
em gerat ou por área funcional, e de arti- du Maftre. Paris, Arcantere, 1991.
gos diversos sobre esporte, etiqueta, saú-
de, previdência etc. No plano gerencial, é • MORGAN, Gareth. Images oj Orga-
a época da administração por objetivos. nization. Londres, Sage Publica-
16. POITOU, Jean-Claude. 'La
Uma constante nos jornais de empresa tion, 1989.
presse patronale dans la grande
parece ser, ainda, a divulgação de preços entreprise". Economie Politique.
e vantagens oferecidos pela cooperativa Paris, (206), set. 1971.

Artigo publicado originariamente na RAE de jul./set. 1984, Rio de Janeiro, 24(3):19-24. 47

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