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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANJÃO

LUÍS FILIPE DA CONCEIÇÃO ARAÚJO

O DESEPERO É A DOENÇA MORTAL

SÃO LUÍS – MA
2023
LUÍS FILIPE DA CONCEIÇÃO ARAÚJO

O DESESPERO É A DOENÇA MORTAL

SÃO LUÍS – MA
2023
O DESESPERO É A DOENÇA MORTAL

Luís Filipe da Conceição Araújo

Graduando em Filosofia

Universidade Federal do Maranhão

RESUMO

O presente escrito tem como objetivo pensar sobre um problema que incide contundentemente em
nossa época: o desespero. Para isso, recorremos ao filósofo dinamarquês Soren Aabye
Kierkegaard. (1813 – 1855). A escolha de Kierkegaard para falarmos sobre essa questão se dá,
como claro, no fato de sua obra se desdobrar sobre as questões da “ alma”, do “ espírito”. Ele foi,
senão o primeiro, um dos pensadores que trouxeram para o campo da reflexão filosófica assuntos
como a angústia e o desespero. O pensamento kierkegaardiano gira em torno desta problemática
humana: como ser si próprio? E a resposta a essa pergunta o filósofo elabora em sua obra O
Desespero Humano (1849). Portanto, numa tentativa de descrever a falta de sentido existencial,
passaremos também sobre o desespero, ambos interligados em uma sentença: o desespero é a
doença mortal.

Palavras – chave: Kierkegaard; Desespero; Existência, doença mortal.


INTRODUÇÃO

Este presente artigo parte da sentença “ o desespero é a doença mortal”. A partir dela percorremos
os caminhos que serão abertos para pensarmos o contemporâneo. Como bem sabemos ao
estudarmos as obras de Kierkegaard, não há uma fórmula exata para a existência, não há uma
filosofia sistemática que dê conta de todas as questões existenciais humanas, em suma, a razão não
é suficiente para tratar de questões como a angústia, a morte, o desespero. Portanto, aqui não
tentaremos esboçar uma fórmula, uma receita a priori, para a existência. Em sua obra O Desespero
Humano (1849), o filósofo deixa claro que a existência é uma tarefa de cada um e que ela tem
como pressuposto o desespero.

A MORTE FÍSICA NÃO ENCERRA O DESESPERO

Ao falarmos do desespero como a doença mortal, antes precisamos fazer uma distinção: o
desespero é uma doença do “ espírito”. Isso é de suma importância para sabermos que o homem é
mais do que apenas materialidade, mas também possui um elemento de ordem imaterial, isto é,
espiritual. E na categoria do espírito, o homem sempre está em crise, ou seja, há uma desordem,
uma falta, em nós.

A razão disso é que, a considerá-lo como espírito (e para


falar do desespero é sempre sob esta categoria que o
devemos fazer), jamais o homem deixa de estar num estado
crítico. (KIERKEGAARD, 1979, p.205).1

Quando pensamos no desespero como uma doença do espírito, somos levados a crer que o homem
é um ser que está para além da pura animalidade, em outras palavras, a uma vida regida apenas
pelos instintos mais rudimentares. E sim que somos dotados de um destino espiritual. No entanto,
nos voltarmos para a vida espiritual é uma tarefa que exige coragem, pois a todo instante somos
1
Kierkegaard, S. O desespero humano, 1979.
assediados por aquilo que o mundo nos oferece. Dito isso, precisamos deixar claro um outro ponto
para prosseguirmos: o que é o espírito? Ele é o Eu, mas o que é o Eu? E a síntese de dois termos, a
saber, do infinito e finito, essa é a antropologia de Kierkegaard, a sua determinação do homem. O
espírito, o Eu, se estabelece a partir da reflexão, ou seja, quando ele se volta para si. Isso quer
dizer que, o espírito é algo que está sempre em potência, que precisa ser realizado. E justamente o
desespero se dá quando esse Eu não é realizado, quando não conseguimos estabelecer a síntese
desses dois termos. Daí podemos entender que possuímos uma vida subjetiva, mas que muitos
correm dela, pois nos coloca em confronto com a nossa existência singular, e isso causa receio,
fazendo com que alguns indícios procurem refúgio nas massas, no número. E assim se leva uma
vida desesperada até à morte. No entanto, engana-se quem crer que a morte física, do corpo, põe
fim ao desespero. Pois este, como foi dito, é uma doença do espírito e o espírito é a síntese do
infinito e finito, do eterno e do temporal, portanto, o desespero continuará na eternidade.

A DIFERENÇA ENTRE O HOMEM COMUM E O CRISTÃO

Há uma segunda distinção fundamental para entendermos a dinâmica do desespero, a saber, a


diferença entre o que Kierkegaard chama de “ homem comum” e o cristão. Ela se dá como
necessária para o enfrentamento da condição de desesperado de cada um. O homem comum é o
não cristão. E por esse motivo há uma discrepância em relação a saber o que é o desespero para
cada um. Segundo o filósofo, o homem comum é aquele que teme e treme por aquilo que não é
para temer e tremer, pois ele não tem noção do verdadeiro mal: o desespero. Nele, o desespero se
encontra “ camuflado” sob os inúmeros temores desnecessários que o assola. Para Kierkegaard,
ele é como uma criança que ignora o que seja o horrível. Já o cristão é aquele que teme e treme
pelo que é o horrível, pois ele sabe, tem consciência desse mal.

O que faz tremer a criança nada é para o adulto. A criança


ignora o que seja o horrível, o homem sabe e treme.
(Kierkegaard, 1979, p.192).2

O filósofo de Copenhagen faz então a analogia do homem comum e do cristão com o da criança e
o do adulto. Saber pelo que temer e tremer é ter maturidade de discernimento. O homem comum
teme e treme pelas questões mundanas, o cristão pelas questões do espírito. Dito isso, podemos ter

2
Kierkegaard, S. O desespero humano, 1979.
em mente que o cristão está mais próximo de lidar com o desespero, pois ele está consciente desse
mal, “ O cristão é o único que conhece a doença mortal” (Kierkegaard, 1979, p.192), portanto,
pode enfrentá-la. O homem comum vagueia pela vida mundana, como também podemos chamar
de vida estética, e não consegue, de imediato, sair dela. Não consegue, podemos dizer, se
direcionar para a vida espiritual, e é somente assim para lidar com o desespero. No entanto, isso
não significa que uma pessoa não possa levar uma vida em desespero, é possível e é o que mais
ocorre em nosso mundo: uma vida que é fundamentalmente desespero. Porém, como já dito, as
coisas mundanas, materiais, os prazeres, como tampouco a morte, não encerram o desespero. E
quando as ilusões do sentido somem, o desespero e angústia surgem como um gêiser.

O DESESPERO É A DOENÇA MORTAL

Podemos ser levados ao erro quando entramos em contato a primeira vez com a obra O desespero
humano (1849). Esse erro se dá por sermos induzidos a crer que o desespero é a doença mortal
porque dela morremos. Todavia, não é esse o sentido. Haja vista que não se morre de desespero,
como uma doença física, como quando alguém que estava “ saudável” e cai doente e vem a
falecer. Já explicitamos: o desespero é uma doença do espírito. Mas é claro que os desdobramentos
do desespero podem levar alguém à morte, a exemplo do suicídio. Porém, a demarcação que
precisamos ressaltar é a de que o desespero não é uma doença como qualquer outra, por isso
mesmo, o seu movimento não é o da passagem de um “ estado saudável” para um “ estado
doente”. Sobretudo, afirma Kierkegaard, o desespero está sempre latente em alguém, pronto para
se manifestar e ninguém está livre dele, porque o desespero é universal, muito embora haja
gradações do mal.

Esta ideia de “ doença mortal” deve ser tomada num sentido


particular. A letra significa um mal cujo termo é a morte (...)
Mas não é nesse sentido que se pode designar assim o
desespero (...). (Kierkegaard,1979, p.199).3

Alguém pode estar mortalmente doente (do desespero), porém, não pode morrer, então se debate
em agonia, vivendo em desespero, em desordem. O desespero é a doença do espírito, e eterno,
pois é a doença do eu, eternamente morrer, sem morrer. O desespero acredita que há um motivo

3
Kierkegaard, S. O desespero humano, 1979.
para o seu desespero, um motivo externo, ilude-se disso, pensa que resolvendo um problema de
fora poderá assim resolver o seu desespero, um grande engano! Não resolve.

Segundo Kierkegaard, há duas formas do verdadeiro desespero: o desespero que não quer ser si
próprio e o desespero que quer ser aí próprio. No fim, essa segunda forma se reduz à primeira.
Quando alguém desespero querendo ser um outro alguém, no fundo, o seu desespero é em querer
se livrar de si, do seu eu, mas isso é impossível, então desespera. O eu, ou melhor dizendo, a
subjetividade, não é uma roupa que pode ser trocada a todo momento, não se pode ser um outro
alguém verdadeiramente. ,

Assim quando o ambicioso que diz Ser César ou nada não


consegue ser César, desespera. Mas isto tem outro sentido, é
por não se ter tornado César que ele já não suporta ser ele
próprio. (Kierkegaard, 1979, p.200).4

Alguém pode assumir uma outra identidade, no entanto, em sua “ essência” ele não é si nem outro,
é um vazio. Leva uma vida inautêntica, guiada pelo desespero, fantasiado ser quem não é: um
desesperado! Esse é o desespero que não quer ser si próprio. Já a segunda forma do desespero, o
de querer ser si próprio, possui uma característica particular: querer ser si próprio não é desespero.
Entretanto, a segunda forma do desespero está em que esse “ querer ser si próprio” é um eu
inventado. Sendo assim, como foi dito, a segunda forma se reduz à primeira. A pessoa vive uma
vida mortalmente doente, sem poder morrer.

OS TIPOS DE DESESPERO

Kierkegaard nos apresenta as personificações do desespero, ou seja, como ele se mostra em nossa
sociedade. Primeiro, a partir da categoria da síntese, do finito e infinito. A presença de um é a
falta. O desespero do finito é aquele que está mergulhado na finitude, na materialidade, na estética,
na vida mundana, ele carece de infinitude, portanto, carece de uma vira subjetiva, espiritual.
Podemos dizer que ele é alguém voltado para a riqueza, para a luxuria, para o luxo, assim como
para o trabalho apenas. Ele não possui uma vida interior, perde-se na finitude. O desespero do
infinito, é a carência de finitude, aqui a pessoa vive dispersa da realidade, da efetividade, da
necessidade; então eleva os seus sentimentos, pensamentos, desejos, pela imaginação até a

4
Kierkegaard, S. O desespero humano, 1979.
infinitude, perde o seu eu que também em possui finitude, portanto, ela foge de si. O espírito, o eu,
é uma relação, os dois termos que o constituem não podem se sobrepor um ao outro. Também o
desespero do possível e da necessidade. No possível, há a carência de necessidade, o desesperado
do possível anseia por possibilidades, mas a possibilidade é aquilo que ainda não é, não possui
realidade, aqui o desesperado quer fugir da sua realidade como é, não a enfrenta. Agora o
desesperado da necessidade carece de possível, este afunda-se na sua realidade, incapaz de crer
numa outra possibilidade, é como alguém que não vê mais saúde para uma situação, incapaz de
crer no possível.

O filósofo também nos apresenta o desespero visto sob a categoria da consciência: o desespero
que se ignora e o desespero consciente. O desespero que se ignora ou a ignorância desesperada de
ter um eu é o mais comum. A pessoa leva uma vida ignorando o seu lado espiritual, basta a ela,
caso consiga, se encaixar na sociedade, mas suas convenções e assim está bem. Ela segue os
ditames da sociedade, segue como um gado no rebanho, como mais um número em milhões. No
entanto, mesmo ignorando o seu desespero, ela não deixa de sê-lo, é ainda mais perigoso, porque
desespera se ter consciência disso, vindo a ficar sem direção quando os acontecimentos da vida
bagunçam a sua vida construído apenas materialmente. No desespero consciente, se tem
consciência de ter um eu, de se ter um destino espiritual, mas a pessoa não assume o seu eu, não
assume a tarefa de lidar consigo. Ter essa consciência não é suficiente para lidar com o desespero,
é um início, caso se tenha coragem de lidar com o seu eu. O desesperado consciente organiza a sua
vida sobre o desespero, sabe que está doente, sabe o que é essa doença, sabe que possui um
espírito, mas não lida com isso, ou seja, um desesperado.

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