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Autismo, Receita de Bolo e a Acessibilidade: Um olhar para o professor do ensino regular.

Adriana Godoy/ Autismo Projeto Integrar, 30/05/2018.

Como, não?

Quem nunca ouviu dos especialistas em autismo ou daqueles que orientam a educação especializada a fala sobre e
aos professores da escola regular, “o que eles querem é uma receita de bolo” ou ainda “não há uma receita de bolo,
cada criança com autismo é única”.

Eu em minhas indagações, como ativista do ensino inclusivo, contesto essas afirmações citadas e digo: - sim, os
professores querem receitas de bolo! Porque a eles também cabe observar qual receita pronta poderão utilizar, se
criarão sua própria receita e qual bolo servirão ao criterioso e amplo paladar do cérebro autista.

E como familiar de pessoa com autismo digo: - sim, duro aceitar, pois nosso trabalho é incessante é elevado a
décima potência, ficamos com a responsabilidade do educador porque “eles querem uma receita de bolo”.

Custa-me a reflexão, pois venho de uma família de educadores, mas “eles querem uma receita de bolo”, por que
também não revisitam seus saberes e porque têm medo de assumir sua ação expectante, para não dizer omissa,
frente ao desafio que o aluno com autismo impõe em suas classes regulares de ensino.

Possivelmente minhas colocações ao leitor não sejam palatáveis, entretanto assim como o boldo é amargo, mas
beneficia nossa “má digestão”, as situações que aponto não tem intenção acusatória e sim de expor, abrir, uma
problemática recorrente.

Esse tipo de “provocação” é habitual nas falas dos profissionais em educação especializada, seja dentro das escolas,
diretamente aos professores ou em capacitações de grandes grupos e, a meu ver, essa certa “provocação” preocupa,
pois essa atitude me revela uma ação de pouco coleguismo e de pouco compartilhar entre os saberes. Amedronta-
me o afastamento do professor regente do ensino regular, do seu maior potencial em acreditar que TODOS são
educáveis.

As máximas também são citadas por nós familiares que a utilizamos como uma forma de pressionar o professor a
fazer a parte dele.

E aí penso que damos um tiro no pé. Criamos um conflito. E vou explicar porquê.

Devemos refletir sobre o que defendemos e sobre o que falamos quando tratamos de educação inclusiva. Entre a
quantidade do que é dissertado a respeito, tem um direito importantíssimo pouco fortalecido, inseguro em nossas
defesas e em nossos diálogos sobre inclusão: O que é e o quê significa a prática da acessibilidade.

Acessibilidade em seu conceito mais amplo significa permitir, dar acesso a, mediar, transpor barreiras quaisquer que
sejam elas: atitudinais, comunicativas, tecnológicas, linguísticas, arquitetônicas e etc. Dar condições para que àquele
que necessita que possua o direito, que lhe seja garantido, que lhe seja permitido acessar o que requer ou deseja.
Então quando usamos da expressão “o que eles querem é uma receita de bolo” deveríamos nos perguntar se não
estamos nos colocando com certa animosidade frente à necessidade e o direito à informação do professor para que
ele garanta a acessibilidade do aluno com autismo. Questiono-nos “a receita de bolo” não seriam as ferramentas e
recursos de acessibilidade do qual lutamos tanto para ter?

Ao mesmo tempo, num contraponto a reflexão, “dar pitaco” na receita de outro cozinheiro pode representar um
grande impasse e em consequência as equipes das escolas regulares tem dificuldade em aceitar, implantar e
estabelecer um bom relacionamento com os procedimentos de acessibilidade que conhecemos para o autismo e
que lhe são orientados.

Tocarei numa outra ferida, mais “boldo” para nós.

Acredito que essa certa antipatia frente aos recursos de acessibilidade, venham por dois motivos: o primeiro por que
a gestão escolar oferece pouca ou nenhuma informação e em consequência disso à sociedade escolar possui um
conhecimento insípido sobre o autismo e sua perspectiva na neuroaprendizagem, pois infelizmente a escola ainda é
cercada de achismos e especulações sobre o que pode e o que não pode uma criança e jovem com autismo,
baseando-se, mesmo que sem plena consciência, no defasado histórico de vitimização desse indivíduo e da
deficiência psíquica que ele “sofre” e assim o professor e a equipe escolar, culminam na dificuldade em reconhecer e
aplicar o conceito de neurodiversidade a qual trabalhamos a compreensão do autismo no século XXI.

Seria mais fácil acreditar numa delimitação do sujeito, pois assim estabeleceríamos um caminho mais simples, um
cenário mais fácil para compormos a construção da aprendizagem e participação desse aluno e da acessibilidade
oferecida pela escola regular. Mas o autismo hoje, não nos permite ter uma visão tão reduzida sobre seu espectro,
dada a amplitude de suas demandas e como essas demandas impactam mais ou menos cada indivíduo com autismo.
Talvez por isso a Escola Especial seja atualmente tão criticada, pois em sua maioria caminham no paradigma da
delimitação, porém esse é outro assunto...

O segundo motivo que vejo é que até agora ainda pouco dialogamos, pouco conceituamos e pouco sedimentamos
acessibilidade. Por resultado, educadores, comumente creem que mecanismos e ferramentas de prática de
acessibilidade e suas mediações, representam “bengalas” a esses educandos. E logo comento: a bengala não é
necessária para quem dela precisa?

Isso não é especificamente uma crítica ao professor e aos especialistas, mas uma elucidação de minha parte, do que
tem acontecido na realidade da escola regular e dos caminhos que as orientações das Secretarias de Educação e das
Gestões Escolares têm praticado com seus professores e suas comunidades.

Essa situação traz um impacto gritante e lento no desenvolvimento escolar desses estudantes e no crescimento
desses professores.

Agora quando avançamos nessa problemática e “trocamos receitas de bolo” e “escolhemos os mais adequados e
variados ingredientes a partir de nossas observações”, temos um professor munido para construção de estratégias
pedagógicas, seguro de convocar seus saberes e assim encontrar os caminhos para o fortalecimento da
aprendizagem desse aluno e o vencer dos seus desafios.

Por isso meu alerta vem para que todos da comunidade escolar saibam o que é o autismo e suas particularidades.
Conversem sobre autismo sem medo, sem pudor e assim passaremos a entender que quando falamos de estratégias
pedagógicas, valorização de potenciais, conhecimento sobre as necessidades e dificuldade do outro, estabelecemos
e praticamos o direito civil e legal do qual chamamos ACESSIBILIDADE.

Chamo-me Adriana Godoy, sou musicista, cantora profissional, sou mãe de dois adolescentes e meu segundo filho,
hoje com 15 anos, tem autismo. Desde os quatro anos quando entrou na escola regular enfrentou e superou
dificuldades para se beneficiar do ensino inclusivo e suas diretrizes básicas.

Finalizo, agradecendo a oportunidade da exposição e perguntando: o que estamos fazendo para garantir
acessibilidade do aluno com autismo na escola regular?

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