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Feh Bellyne
Todos os direitos reservados
2.ª edição – 2023

Capa: Bárbara Dometo


Revisão: Carina Barreira
Leitura Crítica: Ana Paula Ferreira
Imagem: Adobe Stock
Diagramação: Carina Barreira

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem
o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98
e punido pelo artigo 184 do código penal.
Sumário
Notas da autora
Dedicatória
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Notícia
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Epílogo
Bônus
01| Raica Vásquez
Agradecimentos
Enfim, o ato II chegou!!!
E desde já quero agradecer a vocês por embarcar no romance de
Ricky e Júlia, esses personagens são muito importantes para mim e foi com
eles que dei o primeiro passo para o meu sonho. A história deles é
finalizada nesse ato, isso não significa que o universo da série “atração
irresistível”, acaba por aqui. Vem muita coisa por aí. Para aguçar a
expectativa de vocês nesse livro, eu sempre digo que meus personagens não
são perfeitos, essa série ultrapassa um simples romance clichê, ela é intensa,
envolvente e apaixonante. É IMPORTANTE se atentar aos gatilhos, o
enredo aborda assuntos sérios, se consideram temas como: luto, abandono
paternal, violência verbal e física, ataques de pânico e cenas explicitas de
sexo; sensíveis à sua leitura, interrompa imediatamente.
Boa leitura.
Um beijo.
Quem dera, Deus me permitisse o poder da ficção na vida real,
vocês estariam aqui, obrigada por esse encontro nessa vida.
Para sempre; tia Denise e tia Eliene.
“Não me convença a viver sem você, porque não consigo.”
— Ricky, qual o seu problema?
Perdi o ar quando através dos vidros escuros avistei o jatinho — que
para mim não passava de um aterrorizante convite para o desespero —,
olhei aflita antecipando sua entrada, um longo tapete vermelho indicava o
caminho.
— Amor, como seria possível ir a Nova Iorque… — Quê? Nova
Iorque? Juro, o choque me calou. — De trem?
— Deus, você é maluco.
Um dos seguranças abriu a porta e me pus para fora. Admito, senti-
me parte da família real com toda aquela proteção, estávamos cercados por
seguranças, armados e alertas como se protegessem o presidente.
Provavelmente os dias de cativeiro o fizeram diferente, acredito que toda
essa cautela refletia no quanto aqueles momentos agonizantes
transformaram sua rotina (sua vida). O estado grave em que Ricky deu
entrada no hospital foi o relato físico da tortura, da desumanidade daqueles
bandidos, da monstruosidade sem limites do diabo (meu pai). Não podia
esperar menos, essa escolta era um escudo para ele, esse olhar atento e
desconfiado ao qual passou a trocar com o mundo era o fruto de uma mente
afetada, tal como um corpo açoitado, os traumas eram as cicatrizes do
martírio, e nada mudaria facilmente.
Minha visão não capturou todos os hectares do terreno, nem mesmo
o vento forte que elevou meu cabelo foi capaz de aliviar a pressão no meu
estômago, tremi mais uma vez, mirando o monstro de sete cabeças, voador.
Porra... por que é tão angustiante entrar num troço desse?
— Fica calma…
— “Julia vamos dar um passeio, não será necessário levar mala”.
Okey, é Nova Iorque, Ricky! Qual o problema de eu ser informada do
itinerário?
— Problema nenhum, só me divirto surpreendendo você.
Cretino, aquele risinho debochado e irritante de canto de boca,
afrontando meu semblante perplexo e apavorado. Laçou minha cintura,
colando meu corpo ao seu.
— Não podemos esquecer que a culpa é sua, esse era meu destino
antes de seguir para o encontro com meu coração.
Tá, ele me desarmou.
Suspirei.
— Encontrou seu coração, homem de lata?
— Encontrei, não estava suportando viver sem ele.
— Eu te amo.
— Sabe o que isso significa?
— O quê?
— Que está condenada aos meus beijos eternamente, nunca mais a
distância será uma opção, até porque sem você não há ar, meu oxigênio
gostoso pra caralho.
Soltei uma risada.
— Me tornei seu oxigênio gostoso pra caralho, é isso?
— Sim, entende o quanto necessito de você para sobreviver? —
Seus olhos deslizaram para os meus lábios e fixaram ali, saboreando minha
língua deslizar os umedecendo. — Sou louco por essa boca.
— É sua.
Amarrei-me aos seus ombros e devorei seus lábios que imploravam
por um beijo, uma brisa fresca transpassava nossos corpos grudados, a
acústica do balançar das folhagens rodeava o ambiente amplo, sabíamos
que estávamos sendo observados, sendo aguardados a entrar no jato
preparado para a pequena viagem, mas nada daquilo interrompeu a nossa
troca de desejo.
Encontro de almas.
Era possível que estivesse num mundo reverso criado por meus
sentimentos? A felicidade era pulsante a ponto de eu duvidar da realidade
que me engolia, dias a fio chorando por aquele homem, almejando seu
calor, almejando sua respiração próxima ao pé do ouvido, era impossível
não desconfiar desse presente do universo.
Embora o tempo quase sentenciou o nosso amor, e não podíamos
negar que palavras faltaram no instante para a conclusão de um futuro
juntos. Mesmo assim, impulsivos, aceitei o passeio após nosso encontro
ofegante no apartamento. Melissa surgiu duas horas depois, flagrou um
casal respirando o mesmo ar quente, agarrados e satisfeitos no sofá da sala,
por sorte, recobramos a consciência e nos vestimos, não oferecendo à ruiva
a visão obscena que nos consumiu minutos antes.
Sim, tinha medo.
Um mundo recusava esse relacionamento, era desesperador pensar
nas milhões de rejeições que teríamos como punhais, logo que Ricky
assumisse como namorada a filha do seu sequestrador, pior ainda seria
enfrentar os olhos de decepção de mamãe quando a mesma notícia a
golpeasse. Eram tantos nãos em formato de tornado arrastando nossa
relação para o abismo que não tinha como não se deixar abalar com um
medo doloroso.
— EU TE AMO, GAROTA!
Num rompante fui jogado sobre seus ombros e seus passos
ganharam velocidade rumo ao…
Dios mio, o jato chique e aterrorizante.
Ricky garantiu que não houvesse uma fuga — minha, óbvio —,
encaixando-me como uma criança de cinco anos no assento em frente ao
seu, travou o cinto, para segundos depois a comissária de bordo nos saudar
gentilmente, anotou o pedido de praxe de Ricky, uma dose de uísque e se
espantou quando pedi uma dose pura de vodca. Eles pensaram o quê? Eu
precisava relaxar até pisar sã e salva em Nova Iorque.
— Tudo bem? — ele perguntou e massageou meu joelho.
— Depende.
— Depende do quê?
— Em qual momento vou poder saltar para o seu colo.
Riu.
— Assim que o piloto decolar podemos ocupar aquele quarto —
apontou para o fim do corredor.
Hum, curvei os lábios e segui a mira.
— Estou enciumada com a frequência em que o sr. Walker usufruiu
daquele pequeno cômodo.
Ele se curvou lentamente confrontando meu corpo e deslizou as
mãos grandes nas minhas coxas, arfei.
— Antes de você muitas vezes…
Coloquei-me pensativa, seria possível que Ricky não transou com
ninguém depois do escritório ou até mesmo durante todo esse tempo em
que estivemos separados? Tinha um defeito, pensava e logo meu semblante
dedo-duro entregava tudo, ele sacou a desconfiança e tratou de responder a
cada dúvida que rondava minha insegurança.
— Depois que provei seu gosto no escritório, não estive com outra
mulher, Júlia. A verdade é que você consumiu todas as minhas vontades e
mesmo inconsciente do que acontecia comigo, da paixão que crescia dentro
do meu peito, não procurei mais ninguém a não ser você. Consegue
entender agora a mudança brusca que fez na minha vida, o quanto
modificou meu mundo?
Então… meu coração deu um loop e muita coisa explodiu dentro de
mim como fogos de artifícios.
Ele era meu.
Só meu.
Inteiramente, meu.
Mesmo que o mundo inteiro repudiasse esse feito.
— Você também modificou meu mundo, senhor executivo. —
Lancei-lhe uma piscadela. E por alguns segundos a troca de olhar consumiu
o momento, mais um que eternizaríamos.
— Desejo ao sr. Walker e srta. Sales um excelente voo…
Nos atentamos às palavras do piloto que ressoavam no alto-falante.
Nos assentos atrás de nós, quatro seguranças respiravam quase inaudíveis
na missão de se manterem invisíveis. Impossível, os homens eram armários
enormes.
— Pronto, liberado!
O ímpeto de soltar o cinto e me sentar em seu colo o surpreendeu,
ele gargalhou quando lhe agarrei no desespero.
Odeio voar!
Fato.
Conciso.
Por que o Ricky não entendia isso, afinal?
— Melhor ficarmos sozinhos — ele sussurrou beijando meu
pescoço, beijos morosos, inocentes, o oposto de suas intenções. — Não sou
um homem equilibrado com essa bocetinha cálida rodeando meu pau.
— Ah, que decepção — sussurrei de volta —, pensei que faríamos
amor aqui, seus seguranças estão invisíveis, não?
Ele segurou meu queixo.
— Nunca permitiria que outro homem apreciasse um palmo da
nudez da minha mulher.
— Como? Repete! — Esfreguei meu sexo um pouquinho mais no
seu colo, ele arfou ansiando. — Eu sou o quê?
Olhos queimando.
Respiração pesada.
— Minha mulher, porra! — Sua boca quente lambeu meu pescoço,
provocando-o com os lábios e língua. — Toda minha, cada pedacinho dessa
carne pertence a mim.
Soltei um gritinho, quando ele se ergueu me levando junto.
A viagem até Nova Iorque podia até ser curta, porém, cada minuto
que passássemos dentro da nossa bolha, era a evidência do quanto éramos
perfeitos juntos, era ainda mais certo de como nosso amor se tornou o ponto
central da nossa história. A julgar por todos os percalços que nos separou
em um certo momento, a julgar por tudo que nos esperava quando
estourássemos a bolha e caíssemos de paraquedas no mundo real. Era ciente
da quantidade de sentenças e não esperem que eu estivesse segura diante do
tribunal, francamente, o mundo de Ricky emitia temores ao meu, sentia-me
uma peça fora do xadrez. Por tudo que passei no Brasil, por todas as
acusações injustas e maldosas, as perseguições e por fim, a perca da bolsa.
Meu mundo emitia ao dele dores profundas, marcas que dificilmente o
tempo apagaria, os gatilhos de um sequestro cruel.
Desembarcamos em Nova Iorque, logo a temperatura arrepiou a
minha pele, Ricky não permitiu que trouxesse uma mala, mas providenciou
roupas que vestiriam um país inteiro assim que nos acomodássemos no
hotel mil e uma estrelas. O período na cidade dos sonhos seria curto, porém
o suficiente para um tempo só nosso, como eu disse, uma pausa do mundo
real. Fora isso, ele teria duas reuniões que não fez questão de priorizar,
ordenou que sua assistente desmarcasse, gerando muita dor de cabeça para
a coitada da Valéria.
Entre as peças escolhida a dedo por ele, uma em especial, a que
vestia naquele instante paralisou-me diante do espelho — o tom escarlate
coloria o tecido de seda, num caimento justo que marcou cada curva da
minha silhueta. O comprimento tocava o chão com elegância, o vestido era
o sonho de princesa, algo surreal.
— Você está linda! — A rouquidão na voz moveu meus ombros. —
Muito linda!
Ricky segurou minha cintura e nosso reflexo se formou ali. Ele
vestia um terno azul com colete e camisa branca, atraente, elegante,
poderoso como o homem que se impunha. Seus cabelos escuros brilhavam
alinhados para trás e um sorriso de canto insinuava o rosto sexy.
Puta que pariu, tinha que ser um crime ser tão bonito.
Fixei na imagem, um punhado de recordações deslizando na minha
mente, recordações que enchiam meus pulmões e os esvaziavam logo
depois com saudade e angústia.
— Nunca mais ninguém vai evitar que nós dois aconteça, prometo.
Outra promessa, por mais sincera e verdadeira que soasse o
juramento, não apreciei tal comprometimento, como podemos jurar sem
falhar, sem errar, sem decepcionar, sem sequer se perder no meio do
caminho? É muito o que entregamos ao outro, é a certeza de que sempre o
mar irá permanecer sereno, quando sabemos que não é assim que acontece.
Não temos o poder de controlar o futuro, tampouco as ondas inesperadas
que devastam tudo num golpe do destino.
— Sem promessas, tá legal? Elas nunca são reais, não aprecio
promessas.
— Não acredita em mim?
Enrugou o cenho.
— Não é isso. — Encarei-o de frente. — Tem noção do que nos
espera quando simplesmente estourarmos nossa bolha, quando todos
souberem, sua família, minha mãe…, o mundo? — O ar saiu com
dificuldade, passado e presente batendo forte. — Estamos fadados a
explicações e aprovações, e isso me assusta.
Medo. Medo. Medo.
Ele sustentou meu rosto nas mãos e invadiu minha alma, seguro,
convicto, e por mais segurança que tentasse transmitir, havia dentro de mim
um receio capaz de balançar tudo.
— Eu vou proteger você, meu amor, sou capaz de dar a vida se for
preciso, jamais permitirei que a magoem novamente. — Apertou-me contra
seu peito e pude ouvir como seu coração gritava. O quanto o meu temia. —
Eu adoro você! Não precisamos de aprovações e muito menos dar
explicações a ninguém, que o mundo se prepare e aceite, porque tão certo
que as estrelas brilharam no céu essa noite é a certeza de que a partir de
agora nada será capaz de nos separar.
Buscou meus lábios e um beijo doce não brandou minhas
inseguranças, tampouco acalmou o meu coração. Apertei-o como se
quisesse me fundir a ele, desejei eternizar a serenidade do momento. Havia
uma vozinha fria, sussurrada próxima ao meu ouvido, agredindo meus
tímpanos com avisos ácidos, cortantes. Evitava não ouvir, mas ouvia, e por
isso o medo não me abandonava.
— É que… — Como podia expressar? — Esse sonho, nós dois
juntos, veio após tantos pesadelos que… eu… mal consigo acreditar.
Ricky colou sua testa na minha, as pálpebras desceram, senti seu
gosto por meio da respiração entrecortada, senti seu cheiro por meio dos
poros exalados, senti seu amor um calor que aqueceu minha carne.
— Eu te amo, acredita nesse sentimento?
Foi quase um apelo.
— Sim, porque o sinto com a mesma intensidade.
Ele raspou seus lábios nos meus, prendeu entre os dentes o inferior o
levando para frente e depois o soltou para possuir toda minha boca. Era o
convite a queda livre, ao frenesi. Ricky não beijava, Ricky fodia com os
lábios, consumia-me inteira entre suas passadas de língua e sugadas
intensas. Não havia garantias, só tínhamos um ao outro, e sinceramente,
esperava ser o bastante para o temor sussurrado próximo ao meu ouvido.

Quem diria que um dia eu percorria as ruas da Times Square de


limusine e motorista? Sim, e lá estava eu, vivendo um sonho, era muito…
JESUS! Caralho, quer dizer..., desculpa Jesus, pelo caralho, mas…, PUTA
QUE PARIU é a Broadway???
Eu ia enfartar.
— Sério? — exclamei assim que John abriu a porta do carro como
um cavalheiro e me ofereceu sua mão como apoio por conta do salto que
escolhi para ocasião. — É real? — Pisquei tentando acordar, talvez tudo
não passasse de uma alucinação da minha cabeça.
Ricky segurou minha mão, levando-a até seus lábios, depositou um
beijo doce no dorso fazendo meus joelhos perderem o controle.
— Claro que é real. Uma sessão extra, só para você de Grease —
disse simplesmente com sorriso na voz.
E meu coração bateu na garganta.
Grease era meu musical favorito da vida, Sandy e Danny eram os
meus favs[1] amados, não sei como Ricky descobriu essa informação, mas
desconfio que Melissa teve algo a ver com isso. E… se entendi direito, digo
por estar abobalhada com o impacto da surpresa, teríamos uma
apresentação particular...
— Teremos uma apresentação particular? — consegui perguntar um
segundo antes dele me guiar para dentro? — Só nós dois?
— Ahaaa…
— Caramba!
Ele riu e nossos pés massagearam o carpete vermelho do Gran
Teathe. Deslumbrada, observei cada pedacinho do lugar, me lembrava um
pouco o Teatro Municipal de São Paulo, alguns detalhes delicados, as
escadarias que se desuniam no topo formando duas pontas, esculturas
enormes, quadros valiosos, sem discussão um cenário digno da magia
Broadway.
Uma funcionária nos recepcionou gentilmente quando alcançamos o
primeiro andar e nos acompanhou até o camarote, a ala privilegiada
oferecia uma visão magnífica. Era estranho, mas somente Ricky e eu
respirávamos por ali e logo que o espetáculo iniciasse — os atores. Deus,
era mágico e inacreditável, euzinha estar num camarote da Broadway. Tudo
dentro de mim gritava com a emoção do que estava prestes a acontecer.
Brenda era o nome da funcionária destinada a nos servir naquela
noite, muito simpática indicou os assentos, nos serviu champanhe e
entregou o programa do espetáculo divido em dois atos. Enquanto Ricky se
afastou para atender seu celular, fechei os braços no parapeito dourado e
escorei o queixo neles, suspirando na direção da imensa cortina aveludada
que camuflava o palco.
— Ansiosa? — Sem que percebesse sua voz indicou o quanto estava
próximo. — Já vão iniciar.
Virei para ele.
— Como providenciou tudo isso tão rápido?
Entendia que Ricky é bilionário, mas às vezes me confundia a
agilidade em que tudo se formava diante dele. Seria possível ele ser dono
daquele teatro? Não duvidava.
— A WUC destina uma verba especial para a cultura e o esporte,
por sorte, Grease é uns dos que investimos esse ano. Melissa só me deu a
dica quando você foi tomar banho e Valéria fez o resto.
Voltei a fitar o centro abaixo de nós.
— Amo elas por isso. — Suspirei. — Como é lindo tudo aqui, não
acha?
Ricky beijou o topo da minha cabeça e ocupou seu assento.
— Vou te apresentar o mundo: Paris, Itália, Grécia, os maiores e
mais luxuosos teatros do mundo.
Meu coração deu um loop, imaginem eu explorando diversas
culturas ao lado de Ricky.... Acompanhando-o em suas viagens e… Como
seria dali para frente? No Brasil, Ricky se comprometeu em diminuir sua
agenda e aos poucos nos encaixamos na vida um do outro, só que naquela
época, ninguém me conhecia como a filha do sequestrador, não era o caso,
então…? Toda aquela exposição filha da puta e maldosa nos rotularia, me
rotularia toda vez que fôssemos a um restaurante, a um coquetel. Talvez, o
motivo de estarmos sozinhos ali, em uma sessão “especial” no Gran Teathe
fosse a desculpa ou o refúgio de Ricky para o mundo externo. Deus, não
tinha o direto de estragar o momento com minhas inseguranças, mas não
controlava mais meus pensamentos, minhas aflições, meus medos, sofria
por antecipação à espera do mundo real.
— Amor, por que ficou triste? — Seu anelar e o indicador prendeu
meu queixo.
Mal conseguia esconder os motivos do meu coração apertar tanto no
meu peito.
— Ricky, como vai ser?
Ele leu cada linha frágil do meu rosto.
— Tem dúvidas?
— Não, só que no Brasil…
— Eu vou ficar em Los Angeles com você, refaço minha agenda,
compro um apartamento, não me importo, desde que durma sentindo seu
corpo e acorde todos os dias com seu sorriso. Quero preparar seu café da
manhã, te buscar na universidade, dividir alegrias, consolá-la nos momentos
difíceis, eu quero construir uma vida contigo, e não é algo que decidi agora,
minhas intenções estavam claras desde o Brasil, nada mudou, mesmo com
as circunstâncias, nada mudou. Quero você. Sou um homem completo
com você ao meu lado e espero que se sinta assim também. Confie em mim
e no meu amor…
— Eu confio. — Foi o que consegui dizer.
Ele abriu um meio sorriso a espera de muito mais e tinha, uma
declaração doce e uma confissão medrosa.
— Sr, Walker e srta. Sales, é um prazer recebê-los ao Rydell High
School. — A voz potente do apresentador girou nossas cabeças para o
centro do palco, enquanto a luz apagava gradativamente.
— Júlia, — voltei para o ponto castanho — depois certo? — Com
delicadeza ele tocou o lado do meu coração. — Não vou permitir que essas
angústias a deixem triste.
Não disse nada, beijei de leve seus lábios e voltei para o palco.
— Apresento-lhes nossa orquestra…
A orquestra se posicionou ao comando do maestro e meus olhos já
brilhavam, Ricky segurou minha mão durante a prévia esplêndida do
repertório em instrumental. Repentinamente, as cortinas deslizaram
revelando ao seu centro um cenário que…, caramba! Tapei a boca, era
demais para mim. Arquibancadas laterais, um mini refeitório colegial,
muitas cores, muita magia, muito Broadway. Mal conseguia respirar,
tampouco desviar os olhos para qualquer outra direção, de soslaio vi que
Ricky se encantava com minhas nuances aos detalhes, mas também atento
ao que não conseguia esconder.
— Obrigada! — falei baixinho.
— Me agradeça depois, ainda tenho mais uma surpresa.
Apertei meus lábios, Ricky era o mestre das surpresas.
Não demorou nada e um blecaute inebriou tudo, para que canhões
colorissem a entrada dos atores e bailarinos, a primeira canção foi Grease e
depois de algumas cenas de atuação Summer Night. Olhei para Ricky com
um sorriso enorme no rosto, fiz uma careta engraçada e voltei para o
espetáculo regado por champanhe. Por mais que tentasse descrever, não
seria possível, era magnífico — a sincronia dos atores, as coreografias e o
romance entre Danny Zuko e Sandy Olsson, soando em notas musicais e
acordes, era lindo testemunhar o colegial dos anos 70, a gangue dos garotos
T-Birds com suas jaquetas de couro liderados por Zuko e a turma das
garotas Pink Ladies, nem piscava com medo de perder algum detalhe,
cantava baixinho cada canção, eu conhecia todas. Durante a apresentação os
atores fizeram algumas referências a nós dois, eu suspirava como uma boba,
sorrindo para eles. Houve um intervalo para o início do segundo ato e nesse
momento Ricky sumiu, alegando ter que atender outra ligação urgente.
Obviamente que aproveitei e registrei tudo, mandando fotos para Raica e
Mel, que em resposta enviavam inúmeras figurinhas engraçadas.
Num certo momento as cortinas voltaram a se abrir, mas, Ricky não
estava ao meu lado, fiz uma busca me inclinando para baixo, mas não o
encontrava em nenhum lugar, liguei então para ele e seu celular estava
ocupado.
— Inferno! — resmunguei sozinha.
Brenda me assustou em seguida quando entrou de súbito.
— Srta. Sales, o sr. Walker pediu para avisar que já retorna, acredito
que esteja em uma ligação importante — ela falou serena e educada.
— Obrigada.
— O segundo ato vai começar... — anunciou ao mesmo tempo em
que o palco explodiu em cores e vozes.
Fiquei chateada por Ricky não estar comigo, sua posição de
executivo sempre atrapalhava alguns momentos, entretanto, o que eu podia
fazer? Ele era o CMO da WUC, não é mesmo? Voltei para o espetáculo que
se desenvolvia lindamente na parte inferior, me mantendo cada vez mais
hipnotizada, já haviam se passados alguns minutos e Ricky não retornara,
comecei a ficar preocupada, todavia, o show me distraia.
Os acordes indicavam o início da canção Sandy, o Mercury
conversível começou a deslizar no palco, com o ator que interpretava o
Danny ocupando a banco do motorista, ao seu lado outro ator, mas com as
tonalidades nublada do palco que oferecia a sensação de uma noite
nebulosa, não consegui identificar o rosto do cara. Danny por sua vez,
cantava na sofrência cada nota da canção que clamava magoado por sua
amada, até um holofote me cegar ao se acender contra meu rosto, protegi
meus olhos com a mão e fiz um esforço sobrenatural para voltar a enxergar
o palco. MEU DEUS! Quando por fim consegui, quase enfartei com que vi.
Ricky iluminado por um foco de luz, sentado sobre o capô do carro, uma
das pernas apoiando seu cotovelo, minha boca ficou seca. No instante
somente o instrumental da canção embalava, meu coração, coitado, errou a
batida. Levantei-me rápido demais e sem entender acenei confusa, ele
apenas me chamou com um dedo, e aquele sorriso perfeito que preenchia
seu rosto sedutor.
Quê? Por acaso ele queria que eu descesse? Questionei apavorada.
Mas a resposta veio a calhar, Brenda entrou no camarote e me
indicou por onde devia seguir...
Jesus, o que o Ricky estava aprontando?
Não havia firmeza nenhuma nas minhas pernas à medida que
percorria o corredor, esse foi uns dos motivos para eu tirar as sandálias altas
e prossegui descalça. Dois homens que me aguardavam na coxia
perguntaram se eu estava bem, como se tudo aquilo fosse normal ou
corriqueiro na minha vida, quando visivelmente tudo gritava dentro de mim
ao querer entender o que significava: Ricky interromper o espetáculo e me
chamar para participar da interrupção.
Os dois homens me posicionaram na entrada do palco e um foco de
luz se acendeu para mim, pisei trêmula na mancha reluzente e a voz do ator
entoava suave a letra da canção, meus olhos encontraram os de Ricky.
Nossa... estabelecemos uma conexão intensa e o homem responsável por
meu mundo virar ao avesso, estendeu a mão. Caminhei com a emoção
exalando meus poros, o foco de luz acompanhando cada passo, cada
tentativa de chegar mais perto até finalmente estar diante dele. O irresistível
sorriu charmoso, então soprei um: o que está acontecendo? Mas não obtive
resposta, não naquele instante. Primeiro todo o elenco entrou com velas
acessas nas mãos num coro singelo de vozes, girei ao redor buscando uma
visão completa e meus olhos lacrimejaram, assim retornei e deixei caí-los
para um homem ajoelhado com um anel oferecido a mim.
Meu coração parou.
Estática, sequer conhecia respirar.
Ele...? Não!
Ricky parecia nervoso, pois sua voz soou trêmula ao gesticular o
pedido.
— Casa comigo, meu amor?
As lágrimas despencaram fácil, tapei a boca, completamente sem
ação.
Ele estava me pedindo em casamento? Era isso?
— Júlia...? — Ricky perdeu o brilho por não obter de imediato
minha decisão.
Toquei-me também que todos aguardavam ansiosos por uma
resposta, mas eu estava em choque e... as palavras quase não saíram.
Dúvidas? Não! Meu amor por Ricky era um sentimento forte a ponto de se
tornar líquido em toda minha corrente sanguínea, ocupar cada ponto do meu
ser, não havia dúvidas, e sim, um turbilhão de memórias se formando na
minha mente como um grande mural de fotos, um álbum de melhores
momentos, um giro maluco de tudo que vivemos em pouco tempo.
Uma atração irresistível que se transfigurou em um amor pulsante,
irredutível. Ao mesmo tempo que nosso conto de fadas brilhava em
memorias, meu racional tomava espaço, eu só tinha vinte anos, estava no
primeiro ano de faculdade, e… a dois anos atrás eu escrevi uma carta de
metros com todos os meus sonhos, minhas ambições e não descrevi em
nenhuma das linhas um casamento.
— Júlia…
E eu não o deixaria ajoelhado, tampouco sairia em fuga pedindo um
tempo para pensar, ele merecia um voto e eu um amadurecimento rápido
demais para minha idade.
— Eu aceito.
Ele soltou o ar com força, olhos beirando uma gota de emoção, a
orquestra ecoou forte acompanhada das vozes afinadas do elenco. Ricky
pegou minha mão, senti as suas suadas, geladas, oscilantes, depois deslizou
o anel no meu anelar, ergui a mão na altura dos olhos; uma pedra grande e
delicada.
Perfeito!
— É lindo! — declarei num suspiro, nos encontramos no caminho
para um beijo diferente de todos os outros, era apaixonado, decisivo.
Tudo parou, inclusive o ar faltou, um beijo longo, ora desesperado,
ora moroso, uma troca absurda de sentimento.
— Jura que aceita? — sussurrou contra meus lábios, buscando com
seus pontos intensos a verdade dos meus olhos. Admito, estava assustada,
meu raciocínio talvez estivesse abalado com o impacto. Mas... sim, eu
aceitei. E não voltaria atrás nessa decisão mesmo com o meu racional
perturbando o juízo. — Não se...
— Eu aceito, Ricky!
Todo o seu rosto iluminou, cada músculo, cada linha se moveu para
aquele sorriso. Ricky me puxou para seu corpo num ato suplicante,
impossível mensurar o tempo exato que ficamos abraçados, corações
chocando em batidas potentes, calor, amor, paixão. De repente, dois atores
no direcionaram para o Mercury, Ricky no volante e eu no assento oposto,
suspirei com um sorriso frouxo permeando minha boca.
— Não acredito que foi capaz de bolar tudo isso...
Ele acariciou minha face com ternura.
— Disse que te daria o mundo, linda, só estou começando. —
Beijou meus lábios e tudo ao nosso redor explodiu, luzes, vozes, corpos
compondo uma coreografia.
Era tudo mágico demais para que eu pudesse assimilar, tampouco
acreditar facilmente que o universo deu uma trégua para que nossa
felicidade acontecesse. Seria muita confiante da minha parte acreditar que
tudo se encaixaria, nosso amor, nosso sim curaria toda a ferida do passado?
Seria muito inocente da minha parte deixar de lado o racional e seguir
somente o coração?
Ele estava me provocando.
Se dependesse de mim, aquela limusine tinha pegado fogo, era
penoso manter as mãos longe do Ricky, desejava tocá-lo, montar nele e
cavalgar até o suor cobrir nossa pele, porém, não eram seus planos por ora,
sei lá o que a criatura planejava ainda para aquela noite, que só permitiu
carícias safadas, quando meu corpo queimava pelas piores sacanagens
indecentes do mundo. Entendo que devia estar em suspiros românticos após
o pedido de casamento mais incrível do universo, só que estava excitada,
nervosa, precisava liberar aquela tensão, aquele conflito interno, ou em todo
caso iria explodir.
— Vamos para o hotel? — indaguei como uma criança teimosa pela
décima quinta vez desde que entramos no carro, guiado por John.
O desgraçado me olhou teatralmente pensando no caso.
Argh!
— Talvez...
— Não trate sua noiva assim, sr. Walker, ela carece de atenção
especial. — Cruzei as pernas, imitando a Sharon Stone em Instinto
Selvagem, ele colocou a língua para fora e umedeceu os lábios, mas não
cedeu, ajustou os punhos da camisa se movendo no assento. — Ricky... —
choraminguei. — Me conta para onde estamos indo pelo menos?
— Planejei um jantar romântico.
Que fofo!
Droga, confesso que se pudesse optar naquele momento, preferiria
um homem selvagem, o Ricky de sempre se é que me entendem?
— Hum... que lindo! — Mirei pela milésima vez o anel e suspirei
por ele.
Acho que nunca vi algo tão lindo e perfeito como aquele anel, a joia
era de ouro branco com um diamante capaz de hipnotizar facilmente por
sua beleza.
Desviei para Ricky, que como um ímã atraia todos os meus sentidos,
sedutor, jogou os lábios para o lado e se moveu no assento, se inclinando
para frente.
— Ficou perfeito em você. — Timbre rouco, carregado de luxúria.
— Por mais que eu deseje te comer e fazer você gemer desde que saímos
daquele teatro, preciso que essa noite seja perfeita.
Me inclinei também.
— Já é perfeita!
Ele riu sacana e logo a fachada iluminada do hotel se refletiu pelos
vidros da limusine. John, muito ágil no volante, contornou a avenida e
estacionou o carro na vaga indicada. Em três tempos estávamos no
restaurante do hotel, para minha surpresa praticamente vazio. Um dos
seguranças de Ricky solicitou sua presença, então me escorei no bar para
aguardá-lo. O ambiente estava iluminado por velas em pontos estratégicos,
ao fundo um pianista deslizava algumas notas no piano de cauda, deixando
no ar uma sensação sexy.
— Júlia... — Virei quando meu nome bateu nas minhas costas. —
Uau...
Jake Bates?
— Oi, Jake, tudo bem? — perguntei confusa para o quarterback da
WIS, o conheci quando a UCT jogou com a universidade de Berkeley. — O
que faz aqui?
— Que gata, bem diferente do jeans e converse que a vi da última
vez, não que naquela ocasião não estivesse linda — ele se aproximou —,
muito linda.
Recuei um passo, Jake era um galanteador que cheirava muito bem.
— Era um jogo que infelizmente a WIS ganhou — teatralmente me
senti ofendida.
— Foi fácil! — Gabou-se. — Por que nunca te vi na RIVALS?
— O esquema das corridas clandestinas?
Ele riu de canto, mostrando sua covinha.
— Isso é segredo, garota, é adrenalina pura, devia ir, vai ser
divertido.
— Quem sabe um dia. O que faz em Nova Iorque? — indaguei ao
mesmo tempo que senti falta de algo.
— Negócios, meu pai é dono desse hotel e parece que temos um
hóspede ilustre por aqui, tem muitos repórteres querendo invadir o hotel.
Hóspede ilustre?
— Quem é você? — A voz bateu arrogante, o semblante não fugia
disso. — Como entrou aqui?
Jake franziu o cenho devolvendo a Ricky a mesma cordialidade.
— Por que não devia entrar?
— Ricky, esse é Jake um colega, estudante da WIS. Jake, esse é
Ricky Walker, meu noivo.
— Ricky Walker, seu noivo... — Só então ele analisou minha mão,
provocando no homem ao meu lado uma certa instabilidade — e hóspede
ilustre — completou. — Sr. Walker, sou Jake Bates, dono do hotel, sei que
reservou esse restaurante, não tinha a intenção...
— Jake, tudo bem. — Soltei o ar e virei para Ricky. Puta merda, seu
rosto não estava nada amigável. — Ricky, Jake disse que a entrada do hotel
está cheia de repórteres.
— Sim, estava tratando do assunto. — Bruscamente perdi sua
atenção. — Gostaria de privacidade, Bates. — Marcando território ele
segurou minha cintura me levando para perto. — Quero jantar com minha
noiva, pode nos dar licença?
Bates engoliu aquilo, mas não saiu sem dizer nada.
— Claro, sr. Walker. — Inclinou-se e beijou meu rosto — Até mais,
Júlia, foi um prazer revê-la. Aproveitem a noite.
Que porra era aquela?
— Ricky? — chamei o homem que sequer desviou o olhar antes que
o outro cruzasse a porta. — Ricky?
Virou furioso.
— O que vocês conversavam?
Foi uma pergunta ou um ultimato?
— Ricky, conheci Bates no jogo na UCT, ele é...
— Abusado — rebateu.
— Ele não fez nada demais, só estávamos conversando. — Tentei
explicar inutilmente.
— Com ele comendo seu decote, próximo demais?
Segurei meu quadril.
— Não tem necessidade desse ciúme todo, o garoto..., você está
estragando tudo.
Ricky desesperado me abraçou contra seu peito, coração batendo
forte, respiração oscilante, o que estava acontecendo com ele?
— Não sou alguém controlado com outro homem assim tão perto,
desculpa, meu amor, não quis ser grosseiro.
— Só estávamos conversando, eu juro.
Ele afundou meu cabelo com um beijo.
— Eu sei, eu sei, eu confio em você.
Ele me soltou por um segundo e olhou ao redor, haviam poucos
corpos ali, o pianista que ainda executava brilhantemente sua função, John e
mais uns três seguranças.
— Senhores, vocês podem nos deixar a sós — ordenou e
prontamente houve movimentação na direção da porta. — John, ninguém
entra — incisivo instruiu seu guarda-costas.
— Todos costumam obedecer às suas ordens — comentei, chocada
como tudo se modificava depressa aos comandos de Ricky.
— Em sua maioria sim — pousou suas mãos nos meus ombros e as
foi deslizando no comprimento dos meus braços —, somente a senhorita
que é bem teimosa às vezes.
Curvei os lábios.
— Não faço parte dessa massa submissa.
Ele valorizou meu rosto e enredou seus dedos nos meus.
— Vem cá. — Levou-me com ele na direção do piano. — Acho que
ainda sei tocar alguma coisa.
Ricky tocava piano?
Caramba!
O homem elegante se posicionou com sua postura impecável à
frente do piano, sentou-se no banco, estralou os dedos, o que me obrigou a
rir. Ricky era uma caixinha de surpresas, uma caixa que não conseguia
vasculhar totalmente, mas ia aos poucos. E então um DO-RÉ-MI-FA saiu
todo desafinado.
— É só isso que sabe fazer, sr. Walker? — desafiei.
Ele exibiu seus lindos dentes brancos, expressão certa de que
escondia muito talento naqueles dedos compridos. Escorei os cotovelos na
cauda do instrumento e suspirei. Assim que uma nota ressoou, seus dedos
dedilharam o teclado devagar, como se lembrasse o caminho, reconhecesse
os acordes que sua mente reproduzia, suave, à medida que suas mãos
ganhavam habilidades uma melodia se espalhou no ambiente. Identifiquei a
música, Ben, dona Ana ouviu muito Michael Jackson na minha
adolescência, então conhecia quase todo o repertório do cantor, só não
compreendi o motivo de Ricky tocar como se sentisse dor, como se
recordasse algo muito triste com a canção. Não intervi, o deixei viver o
estado melancólico, mesmo estando incomodada com sua respiração, seus
olhos caídos e um semblante nada típico do que costumava apresentar.
— É isso — ele murmurou derrotado e seus ombros afundaram ao
finalizar.
— Ricky, o que foi isso? — sussurrei, supliquei, precisava entender
sua dor.
Ele não respondeu, pesou a cabeça na direção do peito e se manteve
na posição até meus dedos erguerem seu rosto e ler além do que devia nas
íris avelãs, elas não estavam quentes ou furiosas, estavam tristes e meu
coração apertou.
— Fala comigo, amor.
Não respondeu.
Num ímpeto segurou minha cintura arrastando meu traseiro para o
centro do seu corpo, no caminho as teclas desgrenharam notas desconexas.
Ricky, porém, me encarou com uma intensidade que me assustou, depois
sua testa caiu na minha barriga, fiquei perdida, preocupada com a mudança
brusca de humor. Sem saber como agir, toquei seus cabelos, fios grossos e
negros com carícias suaves, enquanto o tempo cumpria melancólico cada
segundo.
— Tem algo que preciso saber? — indaguei cautelosa, aquele
silêncio estava me angustiando. Ele meneou a cabeça como se negasse. —
Olha para mim, pelo amor de Deus!
Foi um feito doloroso para ele.
— Porque algo dentro de mim diz que é sobre você e seu irmão —
insinuei e ele não escondeu a surpresa com minha percepção. — Conheço a
letra dessa música, amigos-irmãos, perda. Estamos juntos agora, fale
comigo, o que aconteceu? Por que esse ódio entre vocês dois?
A respiração saiu pesada, ao contrário do meu pedido, seu corpo se
posicionou ereto e pude encará-lo de igual, suas mãos fecharam na minha
bunda, erguendo-me até que me sentasse sobre o piano, um contato visual
insano se formando, uma respiração quente envolvendo meu pescoço,
definitivamente, era difícil acompanhar as nuances daquele homem.
— Não vou permitir que meu irmão fique entre nós — sussurrou
próximo à minha boca.
— O que há entre vocês? — insisti.
Ele intensificou o olhar.
— Um bolor irremediável, não quero que faça parte disso. —
Prendeu meu queixo entre os dedos, comandando o movimento da minha
cabeça. — Assunto encerrado, não vamos estragar nossa noite.
Algo no meu interior insinuava a preocupação de que cedo ou tarde,
esse bolor mancharia muita coisa. Portanto, por mais que não quisesse
finalizar o assunto, não houve outra alternativa. Ricky espalmou o centro do
meu peito, levando minhas costas ao encontro da cauda do piano, umedeceu
um dedo na minha boca e o deslizou no meu decote, a sensação inflamou
minha carne, tanto que curvei a espinha. Senti meus joelhos se abrirem e
meus pés empurrar as teclas em cada lado. Ok, tínhamos um jantar
romântico à vista, mas Ricky estava disposto a experimentar primeiro meu
sexo pronto para o seu deleite.
Em porções de mordidas e chupadas, sua boca peregrinava minhas
pernas, subiu a ceda do vestido até embrulhá-lo na minha cintura. Fechei os
olhos, inebriada pela sua boca, muitos arrepios perpassando meu corpo, era
delicioso, absurdamente excitante. De repente arrancou a calcinha, soltou
um ruído rouco e o senti pincelar minha boceta com sua língua aguçada.
Cacete, eu estava no restaurante do hotel, deitada em cima do piano
com Ricky entre minhas pernas, era no mínimo surreal.
Já mencionei o quão essa boca era a introdução oral da loucura?
Sim. Mas a cada chupada daquele homem nas minhas fendas meladas, eu só
constatava que Ricky era capaz de me proporcionar orgasmos múltiplos
com sua língua e dedos. Sua atenção no meu clitóris quase acordou o hotel
com um gemido alto. Caralho! Ele circulava o ponto durinho numa escala
obscena sem pausas, era bom a ponto de desorientar meu corpo. Ricky
fodia minha boceta com sua língua de forma bruta, gemia como uma
cadela, implorava por mais a cada arremetida, a perdição conhecia meu
corpo, sabia perfeitamente onde tocar e como tocar, sabia como desgraçar
cada partícula minha em prazer.
Gozei, senti um líquido escorrer e Ricky o sugar com apetite.
— Deliciosa... — ele rosnou e por alguns segundos meus sentidos se
perderam naquele orgasmo. Puta que pariu, precisava controlar minha
respiração. — Esse tesão que sinto por você sempre atrapalha meus planos.
Curvei a cabeça e o encontrei com seu sorriso safado.
Adoro mudanças de planos.
— Não sabia que eu era o prato principal do seu jantar romântico?
— Você sempre é meu prato principal.
Mordi meus lábios e ansiei em ser comida, precisava
desesperadamente liberar o cortisol.
Perdi o momento que Ricky tirou o terno, porque quando fui erguida
por ele e consegui sustentar meu corpo no salto, a camisa justa era o que
cobria seu tórax musculoso, músculos esses que conhecia muito bem,
minha língua lambeu cada contorno daquele peitoral. Dei uma avaliada
demorada no material sexy, travando os olhos no cós da calça, ele riu
sacana, depois destravou o cinto, pôs para fora a camisa e abriu o único
botão da calça. Hum, ia cavalgar ali, inevitavelmente eu ia. Um passo curto
nos uniu, portanto, despreguei o primeiro botão da sua camisa, liberando os
demais em tempo recorde. A respiração quente de Ricky vadiava meu
pescoço e seus olhos febris me condenando lascivos ao pecado.
— O que quer fazer, amor?
— Cavalgar no seu pau, amor.
Respiramos juntos o tesão que exalou. Obviamente que podíamos
subir para o quarto, porém, sempre há um porém, o clima de luxúria que se
instalou dentro daquelas paredes que nos separava de hóspedes comuns, era
muito mais incitante. Ricky curvou os lábios e liberou seu membro pulsante
para fora, molhei os meus, salivando pela glande rosada, por todo o cacete
duro apontado para mim. Seu próximo movimento foi sentar-se e, com um
dedo ordenar minha aproximação, feito, me posicionei no meio das suas
pernas, já queimando inteira.
— Sou um miserável devoto a esse corpo — sussurrou rouco,
enquanto suas mãos roçavam minhas curvas, levando com elas no trajeto o
tecido do vestido, do mesmo modo ele as subiu até meus seios, prendeu
entre os dedos o tecido que sobrava no decote; o puxando severo. Porra, ele
partiu ao meio o vestido de grife.
— Ricky... — resmunguei vendo o vestido transformado em trapo,
desvendar meu corpo para ele. — Eu tirava, era só pedir, porra!
— Não teria graça, gostosa. — As tentadoras mãos incitavam minha
carne. — Vem quicar no cacete do seu homem, vem... — A visão deliciosa
daquele pau moveu meu corpo institivamente, mas..., também sabia ser
malvada, antes de sentar ali, ia chupar, ansiava em preencher minha boca
com seu pau.
Desci, sustentando seu olhar ardido, ajoelhei diante dele, segurei o
pau sustentado por veias grossas, coloquei a língua para fora e lambi a
cabeça com uma gota de pré-gozo. Ricky arfou, embrenhando os dedos nos
meus cabelos, massageando meu couro cabeludo, conforme minha boca
engolia o comprimento viril. Quando senti o ar faltar, comecei o vai e vem,
uma mão deslizando em auxílio, nosso olhar não se perdeu no processo,
estava lá — indecente, exigente. Ricky, como o desgraçado dominador que
era, havia prendido meu cabelo na sua mão e aos poucos ditando o ritmo,
seus gemidos saíam sôfregos e a cada investida dos meus lábios o pau
inflava castigando meu ar. No comando ele manipulou minha cabeça,
inclinando meu rosto para cima.
— Se continuar eu me perco nessa boca.
Só fui.
E ele veio selvagem ao encontro dos meus lábios, não nos beijamos,
simplesmente, ele me fodeu naquele beijo.
Meu corpo já falava por si, o ponto latejante, melado entre minhas
pernas implorava por ser preenchido, me ergui, encaixando o cacete na
minha entrada.
— Me engole, minha putinha gostosa. — Ricky ganiu, nosso ar se
misturando, seu pau me alargando, tudo louco e intenso. — Sacode, amor...
— clamou sedento.
Naquele instante me senti a mulher mais sortudo do mundo, aquele
homem, aquele pau, seriam meus para sempre, caralho! Ficava ainda mais
melada em constatar isso.
Eu quiquei no pau de Ricky, desesperada, faminta, completamente
nua, chocava sua pélvis com ânsia, o prazer era enlouquecedor, inflamava
tudo, pulsava tudo. Meu homem gemia próximo ao meu ouvido, uma mão
fechou na minha bunda estimulando o canal do ânus, a outra segurava meu
quadril ditando a velocidade. Surrei seu pau com minha boceta, socando
suas bolas, roçando o clitóris em um deslizar ou outro, meus seios sacudiam
duros, minha pele formando gotas de suor, assim como a dele. A acústica
pornográfica corrompendo cada canto do lugar, as chamas das velas ainda
nos clareavam, mas não queimavam como nós, nossa brasa ardia em
demasia.
Em todo o momento nos comíamos através do olhar, um contato
indecoroso, obsceno, íntimo, nosso. Agarrei seu cabelo. Ele judiava minha
bunda, cravando os dedos nela, punindo a carne, ao mesmo tempo usava os
lábios macios para morder queixo e pescoço, arregaçava a cada fim de
descida. Um vício, nitidamente éramos o vício um do outro, uma união
perfeita de amor e perdição.
Senti as fagulhas do clímax acirrar minha estrutura. Ricky respirava
pesado, lábios costurados pelos dentes, semblante entregando que o alívio
para ele também estava próximo, porém, ele não podia gozar dentro de
mim, estávamos sem camisinha. Num torpe absurdo e imprevisível, um
único movimento tirou seu pênis de dentro de mim, colocando-me de
quatro para ele, mal consegui me manter em pé, então apoiei as mãos nas
teclas do instrumento.
— Inclina esse rabo gostoso pra mim, amor — pediu rouco, sexy,
sujo. — Linda, precisa ir ao ginecologista, uns dos meus sonhos é foder
essa bocetinha e depois sentir minha porra explodir dentro dela — falou ao
mesmo tempo que arremetia toda seu pau na minha boceta, um de seus
dedos vadiavam no meu ânus, provocando a região, até... Ricky meter forte,
bater sua pélvis na minha bunda com estocadas violentas.
Meu corpo balançava, molhado de suor, encharcado de luxúria.
Uma, duas, três... o sentia me arregaçar contra seu pau, meus gemidos,
meus lamentos quase gritados tiravam todo meu fôlego, tal como o orgasmo
que veio a seguir, tremi inteira desmanchando em ondas cálidas de prazer.
Senti o pau do Ricky inflar, um chiado abafado chegou aos meus ouvidos,
entendi que ele ia gozar, estava certa... no segundo seguinte ele tirou seu
membro de dentro de mim, deixando-me vazia, pingando...
— Não se mexa, Júlia... — Alisou minha coluna, curvando-a um
pouco mais para ele, só então seu gozo viscoso e quente marcou minha
pele. — Que visão do inferno, amor.
Esgotada, só conseguia expulsar o ar.
Ricky me pegou no colo e deitou-me como uma boneca sobre a
calda do piano, arfava, ainda tentando controlar meu corpo da sensação
deliciosa do orgasmo. Ele, também se mostrava oscilante.
— Temos um quarto... — falei baixinho.
Nua, melada, suada, ofegante, minha pele recebia suas carícias.
— Ainda temos um quarto, linda — ele mordeu a ponta do meu
nariz —, acha mesmo que paramos por aqui?
— Nem em sonhos cogitei essa ideia, sr. Walker.
— Meus planos com a senhorita, futura sra. Walker, preveem uma
bundinha assada pela manhã. — Seus dedos subindo e descendo na minha
barriga.
Mordi os lábios, tentada em aceitar...
— Eu quero.
Ele franziu, mas sorriu como o canalha que era.
— Conquistei pontos suficientes?
— Quem sabe... — Dei de ombros.
— Se soubesse tinha a levado antes à Broadway.
Desgraçado gozador.
Abri a boca ofendida.
— Não foi por isso... — retruquei, mas me calei com um beijo. —
Talvez o anel o tenha dado vários pontos.
— O anel? — Agora foi sua vez de se sentir ofendido. — O pedido
de casamento não conta?
— Mais ou menos, até que foi criativo, ai... — A criatura mordeu
minha bunda.
— Criativo?
Puxei seu rosto para mim.
— Foi lindo, inesquecível, assim como nós.
Seus lábios esticaram para o canto num sorriso sexy.
— Tem certeza, linda?
— Nunca pensei no assunto, até sentir um prazer absurdo com suas
pequenas investidas, então... eu quero.
— Vamos ensaiar, devagar, no seu limite, tudo bem?
— Certo, e depois...?
Ricky correu dois dedos na curva da minha bunda, massageou uma
popa com sua palma, movimentos suaves, morosos. Seus olhos começaram
a queimar conforme sua mente reproduzia as sacanagens. Um tapa, dois...
me fizeram gritar.
— Ai...
— É só para avisar que depois que comer esse cuzinho, o prazer que
vou te proporcionar metendo aqui, garota.... Não tenho certeza se vou
devolver você para o mundo.
Por mensagem solicitei que John providenciasse um roupão, Júlia
estava praticamente revestida com minha porra, uma visão diabólica, a não
ser de puro pecado. Sendo franco, não pretendia comê-la no restaurante,
meus planos ali eram de fato um jantar romântico para curtir as sensações
do pedido. Entretanto, a fúria cresceu de forma sufocante, um ciúme por ver
aquele bostinha tão próximo dela, um misto fodido, precisava liberar tudo
aquilo, desentupir meus poros das malditas recordações do passado que
agrediram minha mente assim que sentei diante daquele piano.
Por que não abri o jogo?
Por que não desenterrei o meu passado com meu irmão, abrindo-me
para quem desejo dividir o resto da vida? Por quê?
Por que fui um completo covarde?
Sim! É isso! Acovardei-me, sei que havia a possibilidade de perder
o brilho dos olhos da minha garota, e isso me feria de tantas formas que me
calei. Mesmo ciente do cretino que estava sendo, mesmo ciente de que o
universo talvez não fosse tão fiel assim aos meus segredos, eu me calei. E
não havia nada que fizesse com que mudasse de ideia, não após seu SIM,
não após peregrinar no inferno em busca dessa mulher e por fim sentir seu
gosto novamente. Não..., não faria o certo. O amor que sentia pela Júlia não
me tornara um homem equilibrado, meus instintos e impulsos eram
aflorados, inconsequentes, e isso fodia tudo.
Só de imaginar alguém tocando a pele da minha mulher, meu peito
doía, meus punhos fechavam e nada coerente passada pela minha cabeça.
Esse era o efeito de Júlia sobre mim — irredutível.
— Sinceramente, Ricky, me senti uma fugitiva — disse ao
entrarmos na suíte. — Ainda não te perdoei por ter acabado com meu
vestido.
— Compro quantos vestidos quiser, pode escolher.
— E você vai acabar com todos? — perguntou indignada.
— Depende — provoquei.
— Depende do quê?
— Se um desses trajes estiver atrapalhando minha foda..., simples.
— Fui até o banheiro e liguei a hidro. — Um banho? — perguntei assim
que a garota enraivecida encostou meio corpo batente.
— Como pode descartar assim algo tão caro? Aliás, não preciso de
roupas que podem facilmente sustentar uma família da classe média.
Passei os braços pela sua cintura e a trouxe para mim.
— Você será minha esposa, sem esforço coloco o mundo aos seus
pés.
— Não quero o mundo, Ricky, você e uma carreira bastam para
mim.
Desde que chegamos em Nova Iorque, tentei tocar naquele assunto,
não era justo Júlia perder sua bolsa na WUC, não sabia exatamente como
era a situação financeira de Ana naquele momento, mas pelo pouco
conhecimento que tinha, a vida não havia sido nada fácil. A bolsa de estudo
era o sonho de ambas, acreditava então no esforço que a mãe estava
fazendo para mantê-la nos Estados Unidos, era um problema que cuidaria
depois, algo muito mais urgente devia ser tratado e o meu pau latejava
ansioso. Comer essa bundinha era algo que desejava mais que a minha
própria vida.
Desfiz o bico beijando a boca deliciosa, sem perder tempo peguei-a
no colo, mergulhando aquele corpinho perfeito na água quente, tratei cada
curva delicada com uma prévia massagem, relaxando sua carne. Júlia estava
nervosa, compreensível, seria uma primeira vez e eu um sortudo.
Após o banho regado a muitas carícias estimulantes, a coloquei
sobre a cama — nua, seca, macia. Júlia era uma visão divina, tentadora,
uma perdição jovial gostosa pra caralho. Era um admirador bobo e rendido
por ela, faria qualquer coisa que aquela garota pedisse, sem questionar. Seu
feitiço exalava meus poros e sua vitalidade, energia, me tiravam sorrisos
fáceis, aquecia o meu coração. Era obcecado por ela e não havia mais receio
algum em assumir aquilo.
Obviamente que estava meramente preparado para a ocasião,
despejei sobre os lençóis; lubrificantes, dois vibradores, um plug diferente
do que experimentamos na última vez e camisinhas.
— Como disse, vamos brincar, tem que ser prazeroso pra você.
— E pra você.
— Amor, para o homem é sempre prazeroso, não se preocupe. —
Afundei os lençóis com os joelhos e, murmurei fascinado: — Francamente,
Júlia, não entendo como consegui viver sem seu corpo todos esses anos. —
Ela umedeceu os lábios, então explorei sua flexibilidade abrindo seus
joelhos e me colocando entre eles. — Essa bocetinha rosada, molhada,
apertada, não me faz dono da minha sanidade.
Ela chiou arqueando a espinha, quando minha língua pincelou a
linha depilada, apesar do anseio em chupar suas fendas pingando de tesão
quase me reter ali, segui, queria seus peitos, seus bicos duros e vermelhos.
Dediquei-me como um sedento àqueles mamilos, mordisquei, chupei,
suguei, tirando lamentos de prazer da minha garota, no processo roçava a
cabeça do meu pau na sua entrada, era absurdamente excitante sentir seu
corpo vibrar, sua pele ouriçar ao meu domínio, marquei cada palmo da
carne com a boca. Júlia tinha um sabor de morango apetitoso.
— Me beija, Ricky — implorou buscando meus lábios que lambiam
seu pescoço.
Era sempre delirante perder o fôlego fodendo sua boca com a
minha.
— Amor, preciso comer você. — Girei-a num único movimento,
mantendo seu traseiro empinado para mim. — Relaxa... — Introduzi dois
dedos na sua boceta alargando seu sexo, então cuspi no seu cu. — Porra...
Empinei-a um pouco mais, deitando-me embaixo dela.
— Senta aqui, amor.
Júlia me fitou com as maçãs rosadas e se sentou na minha cara,
afundando sua bocetinha babada na minha boca. Segurei seu quadril, a
deliciosa rebolava e gemia, não nessa ordem, mas a sentia enlouquecida no
tempo que chupava o seu clitóris e estimulava com um dedo seu cuzinho.
— Caralho, Ricky...
Resvalei a língua na linha até seu anel, o umedecendo, serpeando
meu desejo. Voltei para sua boceta, fodi com dois dedos seu sexo apertado e
quente, enquanto minha língua frenética trabalhava no seu grelo inchado.
Júlia delirava e rebolava na minha cara até seu mel escorrer na minha boca
e seu corpo estremecer inteiro em frenesi. Lambi cada gota de fluído que
ela me ofereceu, mas não lhe dei tempo hábil para se recuperar, me
posicionei à frente do seu traseiro, encapei meu pau, um plug e na mão uma
porção farta de lubrificante.
— Relaxa, amor, vou penetrar seu cu com um plug um pouco maior,
o que vai possibilitar te alargar para mim. — Espalhei o gel viscoso na
região e depois lentamente fui introduzindo o plug, ela prolongou um
gemido dolorido, me preocupei em saber se estava tudo bem. Júlia afirmou
que sim e sua excitação facilitou que o objeto encaixasse perfeitamente. —
Linda, gostosa, perfeita... — sussurrei, fascinado com a imagem.
— Ricky... — ela chiou —, eu quero você.
Apalpei sua bunda, macia, redonda.
— Quer? Então se segura, amor...
Meti fundo na sua boceta, sem prévia ou misericórdia. Júlia gritou
ao ser preenchida duplamente, gritou com os tapas que ardiam seu traseiro e
gemeu igual a uma putinha gostosa. Estocava forte, segurando com uma
mão seu quadril enquanto a outra fodia seu cu com o plug. A suíte exalava
lascívia, as paredes ocultavam os mais intensos gemidos, nossos corpos já
embasados de suor, ardiam, queimavam ao se chocarem.
— Caralho, amor... — Delirei ao sentir seu gozo escorrer e retirei o
plug cuspindo no anel alargado para mim. — Vou entrar um pouquinho...,
relaxa....
Dei um tapa, marcando de escarlate a bunda apetitosa.
— Outro. — Ela suplicou entre os gemidos. Dei outro e coloquei
minha glande no anel, seu corpo retraiu um pouco, então peguei ao meu
lado o estimulador de clitóris e o joguei à sua frente.
— Quando eu ordenar, você estimula seu clitóris com ele, ok?
— Ok! — A resposta veio num suspiro
Dei outro tapa, e antes mesmo que ela pensasse em reagir, deslizei
um pouco mais, meus lábios se prenderam aos meus dentes, ruídos ternos
escorriam inconscientes da minha boca... Que cu apertado! Deslizei mais, a
camisinha banhada com seu gozo facilitou, os ruídos da minha mulher me
mantinham equilibrado em meter devagar. Meu pau inchando de excitação,
meu corpo escorrendo em brasa conforme eu comia...
— Meu Deus, Ricky, você é muito grande...
— Que bom que sabe disso, então não entendo por que seu vibrador
tem meu nome no diminutivo.
Era idiota tocar naquele assunto com a metade do pau no cu dela?
Sim, era! Mas ainda me sentia ofendido.
— Não foi minha intenção ofender seu pau...
— Não. — Meti mais, ela retraiu e gritou. — Temos que negociar
esse nome.
— Quem disso que está em pauta o nome do meu vibrador? Jesus....
— ciciou, contraindo meu pau. — Você é grande!
— Doí? — Corri minha palma na sua espinha, acariciando a coluna
curvada
— Um pouco, mas é suportável e ao mesmo tempo gostoso.
— Pega o vibrador agora. — Dei o comando e assim que ela ligou o
pequeno aparelho e começou a gemer com seu efeito, penetrei um pouco
mais. — Estimula essa bocetinha, amor, porque agora vou meter
continuamente nesse cuzinho...
Cravei os dedos na sua bunda e iniciei estocadas lentas, morosas,
cautelosas, ainda não a tinha penetrado totalmente, talvez não seria daquela
vez, mais o pouco que entrei nos daria prazer. Fui socando devagar, indo e
vindo no buraco estreito, fodendo com constância. Júlia delirava e eu me
controlava sabendo que não podia atingir a velocidade que desejava, não
naquele momento, mas faria quando comesse aquela bunda novamente.
O ritmo estava gostoso, sei que para ela bastava, exigi demais do
seu corpo naquela noite, mas garanti que da próxima vez entraria inteiro,
penetrando aquele anel completo. Sai de dentro dela mais inchado, ela ainda
estimulava o grelo com o pequeno vibrador, esmiuçando ruídos indecorosos
que vagavam no ambiente, uma canção erótica, divina. Devolvi o plug para
o meu ponto conquistado, troquei de camisinha e mudei de posição.
— Amor, senta aqui. — Escorei na cabeceira, à frente tínhamos um
espelho largo que beirava uma parede. — De frente para o espelho...
Júlia obedeceu, rodeando meu quadril com suas pernas, mas de
costas para mim, a imagem perversa, ordinária, tirou meu ar. Caralho, que
mulher gostosa! Meu sistema se agravou um pouco mais assim que ela
encaixou o sexo no meu pau dolorido de tão duro.
— Sacode, linda... — Ela sorriu safada, cabelos colados ao seu
rosto, uma bagunça deliciosa de se ver.
Começou a descer e subir, estipulando um ritmo, peitos fartos
balançando com seu corpo, traseiro batendo nas minhas bolas, era bom,
absurdamente bom. Mantive quanto pude seu pescoço próximo à minha
boca, minha respiração vadiava ofegante ouriçando a sua nuca, um contato
visual intenso nos conectava ao reflexo do espelho, tudo ao nosso redor
abrasava, era fodidamente uma imagem que registrei, uma versão lasciva de
nós dois.
Escorreguei uma das mãos da curva da sua cintura até o meu dedo
do meio encontrar seu grelo, esfreguei o diamante durinho, babado e, Júlia
pesou a nuca no meu ombro, agitando ainda mais suas descidas, o centro do
seu traseiro preenchido com o plug a apertava ao redor da minha ereção, me
deixando mais louco a cada estocada. Fora de mim.
— Afunda meu pau nessa bocetinha gostosa... — ordenei rouco, ela
acatou, seus olhos semicerrados àquela altura demonstrava o estado de
excitação, éramos tão completos naquela posição, era tanto amor e
devassidão retratado numa só imagem.
Júlia gemia alto massacrando minha ereção, quicando forte, voraz.
O vaivém incessante moía meu pau, afoito meus lábios roçavam seu
pescoço, meu dedo esfregando seu grelo, a tirava de órbita, tudo ali nos
tirava de órbita. Sem tirar meu pau de dentro dela, suspendi seu corpo para
frente transpassando as pernas para fora da cama, a garota pagou de quatro
novamente e, daquela vez a deixaria assada. Não tardou e remeti tão fundo
que ela precisou cravar as unhas nos lençóis, enquanto metia, violento,
desejoso, fodia seu rabo com o plug.
— Caralho, Ricky... — gritou sem fôlego.
— Triplo, amor...
Socava, socava e socava sua boceta. Fodia, fodia e fodia seu rabo.
— Porra, eu... Jesus, Ricky!
— Outro, putinha... — O corpo que eu comandava estremeceu em
brasa, mas o mantive ali, ao meu domínio, obstinado a esgotá-lo de prazer,
obstinado a fodê-lo até o talo. — Mela ainda mais meu pau com seu mel,
safada... — Ela gritou com o segundo orgasmo intenso que a atingiu. —
Quero outro...
Comia a Julia com tanta intensidade que fiquei com medo de rasgá-
la, ela por sua vez, aguentava e vibrava a cada socada brutal. Não estava
blefando quando disse que a deixaria assada no dia seguinte.
— Mais forte, mais... — ela exigia, arfando, quase sem conseguir
emitir uma palavra. — Eu, puta que pariu...
E quando ela atingiu o terceiro orgasmo, meti uma última vez bem
fundo, a levando um pouco à frente, tirei o plug do seu traseiro, o pau da
sua boceta, desejava marcar sua bunda com meu gozo, descartei a
camisinha, abrindo suas popas, respirei cansado, peito recebendo batidas
constantes do meu coração. Caralho, era um princípio de enfarto? Minha
ereção pulsava, saciada, dolorida, cuspindo espasmos de porra no cu da
minha garota. Corpo trêmulo, músculos relaxando à medida que o clímax ia
me consumindo.
Julia se desmanchou lânguida, exausta de um lado, e eu
compartilhei do seu estado caindo do outro. De olhos vedados, ficamos
jogados na cama, minha mão buscou a dela e meus dedos fecharam nos
seus. Nossas caixas torácicas expulsando o ar em sincronia, a valia dos
minutos que se dispensavam. Eu soube no momento em que descobri essa
paixão por Júlia, que não faria mais sexo com ela, era amor, dos mais
intensos e profundos, do tipo que queimava a carne e desgovernava o
coração. Exalei fundo, preso aos meus pensamentos, como me arrependo de
não ter me mantido ali, sozinho com minha gata, estava disposto a lutar
com todas as armas possíveis para não a perder, para não permitir que as
artimanhas do mundo real desfizessem tudo que construí com ela, era
desesperador essa insegurança, nunca a senti, sequer o medo me abateu em
situações difíceis da vida. Júlia era o meu calcanhar de Aquiles, meu ponto
fraco diante de tudo e todos.
E como disse, o universo não é um cúmplice fiel.
“O bilionário Ricky Walker foi laçado, acreditem se quiser.
Nessa terça-feira flagramos o CMO e herdeiro da WUC saindo de
mãos dadas com sua noiva do Theatre da Broadway, onde o apaixonado fez
uma surpresa e o pedido à sua amada. O mais impressionante nessa nova
relação é a garota brasileira estudante da UCT ser filha do seu
sequestrador, pasmem!!! Acompanhamos o ocorrido no Brasil e sabemos o
quanto o executivo sofreu no cativeiro, o seu resgaste sigiloso feito pela
polícia federal brasileira resultou na morte do mandante e então, pai de
sua atual noiva, Júlia Sales (supostamente envolvida). Será que estamos
diante de uma Síndrome de Estocolmo?
Seguimos com mais informações desse mais novo casal.”
— Oi… — exclamei e apareci na porta.
— Júliaaaaaaaaaa… — A ruiva saltou do sofá e esmagou meu corpo
exausto com um abraço apertado. — Meu Deus… vem me conta
tudooooooooooo, estou quase enfartando de curiosidade.
— Calma, Mel, preciso de um banho e um chá de camomila para
acalmar meu sistema ainda chocado.
Percorri o caminho até meu quarto e despenquei como um entulho
pesado sobre a cama. Um dia com Ricky equivalia a uma semana de
exaustão, que homem fogoso, estava assada e inchada, horas e horas de
sexo resultou numa Júlia acabada por alguns dias. Mas quem disse que teria
esse descanso, dona Melissa já estava acampada na ponta da cama com a
expressão de quem havia levado um choque elétrico.
— Então é verdade? — Apanhou minha mão, impossível não notar
o diamante refletindo no azul dos seus olhos. — Anel perfeito.
Quê?
Descartei a segunda observação, atentando-me à primeira. O que ela
quis dizer com: então é verdade? Apesar de saber que Mel era inteligente o
suficiente para assimilar o significado daquele diamante no meu dedo, eu
não gostei do tom que sugeria algo.
— Como é?
Ela abriu um breve sorriso, deixou o quarto e voltou segundos
depois com seu IPAD na mão.
— Vocês já são notícia internacional — explicou simplesmente.
Peguei aflita o aparelho de suas mãos e por pouco não desmaiei,
quando minha retina reproduziu a notícia para o meu cérebro.
Minha garganta fechou.
Gelei e fiquei sem pulsação.
— Júlia, você está bem? — Sua voz temia por meu estado.
Que porra!
Não… não estava preparada para confrontar aquele tormento de
novo, tampouco ter meu rosto estampado de forma cruel em revistas
sensacionalistas. Mesmo diante de toda a segurança que Ricky me passou,
mesmo que juntos juramos enfrentar o mundo.
Outra vez, eu não me preparei para o baque.
— Não! Muito cedo. — Tentei respirar.
— Foi o que pensei quando li. — Ela me acompanhou até o
banheiro, parei em frente ao espelho que refletia também minha prima. —
Júlia, você não está sozinha, nunca esteve na verdade, porém, agora você
tem o Ricky.
Desviei para o anel de brilhante no meu anelar direito, acarinhei a
pedra com o coração tamborilando meu peito.
Eu estava noiva.
Aos vinte anos.
No primeiro ano de faculdade.
E era notícia internacional.
Pior e ainda mais relevante — guerra mundial —, minha mãe não
sabia de nada.
A ficha caiu e nada ali se refletia a um arco-íris colorido e feliz. Nos
últimos tempos as mudanças de cenário me assustaram, tudo acontecendo
num piscar de olhos, num momento estava fixando os pés em solo
desconhecido, me acostumando com sua cultura e no outro um terremoto
desordenava tudo. Os impactos constantes não me concebiam uma
recuperação, um fôlego, um descanso, sempre me chocando contra algo.
Virei e escorei na pia de frente para Mel.
— Estou assustada.
Ela avançou dois passos e massageou meu ombro.
— Eu sei, seus olhos não escondem isso.
— Estou noiva de Ricky Walker, sabe o que isso significa, sabe o
que a nossa união significa? Uma guerra!
— Você possui o armamento necessário para enfrentar essa porra
toda…, o amor — falou exalando confiança. Puta que pariu! Meu corpo
tremia. Como ela conseguia ser assim, tão forte? — Quando liguei para o
Ruben, disse que se ele não ligasse para o primo eu mesmo faria. Mesmo
sem saber como, sabe por quê? Pelo simples fato de não suportar tamanha
crueldade que fizeram com vocês, se Ricky não estivesse na sua ele não
entraria em contato, mas minha intuição não falhou e como imaginei ele te
ligou, te levou para Nova Iorque e a pediu em casamento.
Sim, na Broadway.
Com todos os holofotes do imenso Theatre nos iluminando. Shhh,
ergui o diamante na altura dos olhos.
Lindo!
Perfeito!
Nem sei descrever o que senti no momento, era um misto de
desespero e felicidade, que mal conseguia controlar meus joelhos.
O pedido de casamento mais perfeito da história dos pedidos de
casamentos de todo o mundo.
Por que sentia que a qualquer momento tudo podia ruir?
— Eu sei, eu amo o Ricky, ele me ama, não há dúvidas sobre isso,
só que tem dois fatores com o mesmo peso e medida diante do nosso
amor…
— Sua mãe e sua carreira.
Tiro certeiro.
— Exatamente! Dona Ana fez tudo que podia para me deletar do
cenário caótico após o sequestro, não posso decepcioná-la e muito menos
perder tudo de novo, eu… — Deixei a cabeça pesar e Mel se encaixou no
meu corpo me apertando contra o seu. — São tantos nãos, Melissa, por que
tem que ser assim ?

— Jú, calma — ela sussurrou no meu ouvido —, uma coisa de cada


vez, pense que você não está sozinha.
— Obrigada! — chiei, tentando não chorar.
— O onde está Ricky?
Soltei o ar pesadamente.
— Foi até a casa dos seus pais, a grande mansão dos Walkers. — A
criatura riu. — Do que está rindo, Melissa? — perguntei abandonando o
lugar estreito que era o meu banheiro, precisava de um copo com água. Ela
veio de encalço e se sentou no banco do outro lado da bancada da cozinha.
— Que isso?
Quis saber o que um envelope dourado fazia em sua mão.
Em que momento ela pegou esse troço?
— Um convite para o grande baile de aniversário de casamento do
sr. e sra. Walker, recebi pela manhã.
— Não! — Peguei de suas mãos e quase rasguei o papel nobre, só
para constatar a data do evento, dali a dez dias.
— Sou obrigada a comparecer — ela disse e deu de ombros. Pousei
o envelope na bancada e virei de uma única vez a água fresca pela goela. —
Ruben desembarca em Los Angeles na sexta, minha libido está gritando
pela sua chegada, tudo bem ele ficar aqui, né?
Enchi mais um copo antes de responder:
— Melissa, o apartamento é seu, só me diga se vou precisar de fones
antirruídos.
Ela riu sacana e eu mandei água para dentro.
Por que estava com tanta sede?
— Provavelmente, querida, estou na seca há meses, agora a
senhora… Jú, sei que está abalada e tal, mas me promete que vai contar
tudinho da viagem, e… — Ela girou a banqueta avaliando a entrada.
— Cadê sua mala? — Voltou-se para mim. — Não levou mala?
Ficaram só pelados? Safadinha.
Ri.
— Então… Não levei mesmo, Ricky comprou tudo lá e
provavelmente a bagagem chegue a qualquer momento, seus seguranças
vão trazer.
— Hum, muito chique isso.
Desviei para o envelope e voltei para ela.
— Ricky vai comparecer com certeza.
— Quer saber, seria entrada triunfal se você comparecesse ao lado
dele.
NÃO!
NÃO!
Absolutamente NÃO!
— Nem pensar, eles me odeiam e…
A porta abriu violentamente, Mel e eu paralisamos ao ver um Ricky
um tanto apavorado percorrer o espaço curto da entrada até a cozinha.
— Você está bem? — Ele tocou o meu rosto como se checasse uma
febre de 40°. Travei confusa. — Por que não atende o telefone? Pensei
que… — Por fim, ele soltou o ar aliviado.
— Meu celular… bem... — Nem lembro onde o coloquei quando
entrei e depois me entretive com Mel e me desliguei do aparelho. — Ricky,
eu estou bem, você que parece em pânico, o que houve?
— Eu vi as notícias e tentei te ligar, como você não atendeu,
imaginei que pudesse sei lá… No Brasil, algumas emoções a fizeram…
Abracei-o, aquele homem ainda ia me matar com tanto amor.
— Estou bem — assegurei.
Ele me prendeu consigo, coração chocando forte, respiração
anelando.
— Desculpe — sussurrou na minha orelha. — Não imaginei que
falariam tanta merda, essas mídias são uns sanguessugas por notícias.
— Ricky, a culpa não foi sua — Mel interveio ao descer da
banqueta. — Acho melhor vocês conversarem sobre o próximo passo… —
Ela indicou a tela do celular. — Ruben está me ligando e sei que é sobre
vocês, provavelmente a notícia já atingiu os soldados da base oposta.
— Minha mãe — choraminguei.
— Não tenho certeza se as notícias internacionais chegam tão rápido
assim aos ouvidos da tia Ana — ela balançou a cabeça em reprovação —,
mas na casa branca já chegou… — Saiu falando no celular rumo ao seu
quarto — Oi, amor, calma…
Ricky segurou meu rosto e com autorização encarou minha alma.
— Estamos juntos, Júlia.
— Eu sei, mas…
— Mas…?
— Estou com medo.
Desvencilhei-me do contato sempre intenso e fui em busca de água.
— Não tenha medo, vou proteger você e se quiser desmarco meus
compromissos e embarcamos amanhã para o Brasil, peço sua mão para sua
mãe e está tudo resolvido.
Por pouco não cuspi todo o líquido que acabei de solver.
Tudo resolvido? Ele enlouqueceu!
— Enlouqueceu? Acha mesmo que será fácil assim? Você não
conhece minha mãe — falei exasperada. — Primeiro ela vai afiar as facas e
depois nos cortar em mil pedaços.
— Não consigo enxergar sua mãe como uma mafiosa sem
misericórdia.
— Isso porque você não conviveu com ela vinte anos como eu. —
Abandonei o espaço apertado da cozinha e afundei no sofá apoiando os
cotovelos no joelho.
Ricky pisou firme ao meu encontro e sei o quanto tudo isso o
angustiava, o semblante tenso não escondeu seus anseios, tampouco suas
aflições. Eu aceitei ser sua noiva e quando disse SIM, sabia o peso da
resposta, sabia o peso da posição, o peso que nosso relacionamento teria.
Sabia, sem dúvidas que podia magoar minha mãe. Eu aceitei por amor, o
sentimento que comanda meu todo, não amadureci a ideia, não consultei
nenhuma lógica, só aceitei, dando ouvidos ao órgão mais frágil do meu
corpo — meu coração. E naquele momento estava perdida com aquela
decisão.
— Você vai na festa dos seus pais. — Ele franziu o cenho em
questionamento. — Melissa me mostrou o convite.
— Só se você for comigo — disse, provavelmente padecendo de
alguma demência.
Como? Ah? Fora de qualquer cogitação eu comparecer àquele
evento onde a nata dos bilionários estariam prontos para me esmagar.
— Você ao meu lado como minha noiva, darei as entrevistas
necessárias e comunicarei ao mundo o quanto te amo.
O riso soou gelado.
Não entrava na minha cabeça uma só palavra.
— Meus pais vão ter que aceitar e tratá-la como merece, com
respeito.
Saltei dali caminhando sem controle pela sala.
Meu Deus! Eu estava variando, ou Ricky havia batido com a cabeça
em algum momento que não captei. Só de pensar naquela entrada, naquela
mansão, meu estômago queria expelir o café da manhã.
— Ricky, você é louco, sua família vai me esmagar!
— Não vou permitir.
— Não vai permitir, é isso que tem a dizer?
Veio dando um basta na inquietude do meu corpo.
— O que quer de mim? Diga e eu farei.
Olhos faiscando tanto coisa, seria mesmo a ocasião ideal para
assumir esse SIM, e...
— Eu não quero mais nada, você é o bastante para mim.
Ele não sorriu, apenas pesou as pálpebras como se algo lhe
assombrasse.
— Posso te devolver a bolsa...
Não quero, WIS morreu quando desembarquei na Califórnia.
— Não!
— Por quê? Você merece, o que fizeram foi... — Ele crispou os
lábios, o horror e a culpa transformando as linhas do seu rosto. — Não
aceito, pode se matricular na WIS de Berkeley, compro um apartamento
para você próximo do campus e tudo resolvido, depois do casamento
decidimos o que fazer.
Não, não era simples assim!
— E todo o esforço que minha mãe fez, jogo no lixo? Ricky, ainda
sonho com uma carreira executiva, mas a WUC não faz mais parte desse
sonho, não depois de tudo.
— Júlia, eu posso...
Tentou argumentar, mas não permiti que continuasse.
— Para isso dar certo — mostrei meu anelar, seus olhos foram e
voltaram para mim —, temos que colocar limitações, minha carreira e o
nosso relacionamento não se misturam.
Ele parecia não acreditar no que eu dizia.
— Tem noção o quanto posso te ajudar, eu sou...
— Sei quem você é... — inspirei antes de continuar —, o dono da
maior universidade do mundo, um CMO premiado, um puta de um
profissional invejado em todo o mundo, mas entenda, foda-se tudo isso,
para mim você é meu amor, a pessoa para quem pretendo entregar os
melhores anos da minha vida e espero não me arrepender dessa escolha.
Não vou ser sua sombra, Ricky, vou ser sua mulher...
Esperei que falasse alguma coisa, retrucasse, insistisse, no entanto,
seu rosto se iluminou e um sorriso nasceu nos lábios que depositei meus
melhores beijos.
— Por isso escolhi você, li nos seus olhos na casa do seu tio o
quanto sua ambição e inteligência a levaria longe, sem precisar passar por
cima de ninguém, somente com puro esforço admirei sua integridade, na
verdade, admirei bem mais que isso — ele riu sacana e suspirei apaixonada
— acho que me apaixonei naquele jantar pela garota-mulher guerreira e
suficiente.
— Sério? Quer que eu chore?
— Você seduziu todos os meus sentidos, domou as minhas vontades.
Sei o quanto é importante essa independência, no começo da minha carreira
também quis mostrar quem eu era e onde podia chegar sem a sombra do
meu pai abrindo meus caminhos, respeito isso.
— Preciso que confie em mim?
— Eu confio, meu amor, e você, confia em mim?
— Claro que sim!
— Então, entre comigo de mãos dadas naquela festa e tome posse da
posição de minha noiva?
Esmoreci! Onde foi parar toda minha coragem?
— Não sei...
— Por favor, primeiro a minha família, depois escolheremos a
melhor forma de lidar com Ana — propôs e nada fazia muito sentido na
minha cabeça. — A Júlia que tenho diante de mim agora, não se
acovardaria, não quando sabe que tem meu coração nas mãos e pode fazer o
que quiser com ele.
Meus olhos umedeceram e meu coração, porra, não batia, ele
gritava, encarar a família Walker era como abrir um curativo de uma ferida
que ainda sangrava, mas não os encarar era assumir a culpa, engolir o
amargo do delito que não pertencia a mim.
— Tudo bem, eu vou.
Melissa não exagerou em nada quando afirmou que ao pousarmos,
estaríamos diante de um palácio. A propriedade dos Walkers eram hectares
e mais hectares de terra que matematicamente era impossível rastrear a olho
nu. A ruiva e o namorado pegaram carona no helicóptero que Ricky alugou,
e digamos que o trajeto foi tranquilo — tolice a minha —, controlei minha
respiração, mantive a compostura, era preciso, em poucos minutos encararia
aqueles que desprezaram qualquer verdade e só enxergaram trevas ao meu
redor.
Meu vestido perfeitamente fabricado em tempo recorde por um
estilista amigo de Ricky exigia uma dama a altura do cavalheiro importante
trajado por um smoking. Um corte delicado e sexy permitia que minhas
costas respirassem num V que acabava acima do meu traseiro, um decote
comportado que valorizava meu colo e seguia em tule cobrindo meus
braços, preto e elegante.
Quase enfartei quando uma caixa de camurça se abriu e um colar em
conjunto a brincos de diamante completariam o look de milhões. Faltou-me
modéstia, queria tudo que o dinheiro comprasse, queria pisar no chão de
ouro, banhada do mesmo material, mesmo sabendo que estava vestindo
uma capa.
Do dia em que aceitei aquela loucura até por fim estar pisando na
propriedade, minha vida pacata de estudante estrangeira deu um loop
irreversível, fui perseguida algumas vezes na universidade por repórteres,
os olhares na minha direção eram constantes e minha vida exposta para o
mundo me tornou uma celebridade noiva de um bilionário; filha de um
bandido; vadia interesseira. Não sei como consegui suportar tanto, só sei
que o lado mais difícil era conversar com mamãe todos os dias e fingir que
nada acontecia, que tudo seguia seu curso normal.
Um carro nos aguardava no estacionamento do heliporto da mansão,
o veículo circulou as alamedas nos presenteando com a visão de um jardim
impecável. Ricky comentou que atrás da mansão havia quadras, piscina, até
mesmo um lago, senti que ao comentar sobre a propriedade um semblante
nostálgico vadiava seu rosto, de fato, o lugar era surreal.
— Tudo bem? — indaguei ao senti-lo respirar pesadamente.
— Sim, e você?
Inalei coragem.
— Estou ótima! — menti e Mel tossiu debochada.
— Pronta?
— Sempre!
O carro estacionou ao meio-fio, os homens desceram primeiro e nos
receberam depois. Uma longa escadaria elevou meu rosto ao topo.
Caramba, fiquei boquiaberta.
— Não disse — a criatura ruiva cochichou ao passar por mim, de
mãos dadas com o namorado e seguir na frente.
— Puta que pariu, que lugar... — Soltei inconsciente.
Ricky ofereceu seu braço ao meu lado e sorriu transmitindo uma
energia que naquele momento alimentou minha autoestima.
— Jura que não vai sair do meu lado por nada desse mundo? — O
fiz jurar, conforme subíamos os degraus. — Mesmo se a Madonna
aparecer?
Ele soltou uma risada e acenou para algumas pessoas cordialmente.
— Não seria difícil se a Madonna estivesse aqui, ela é amiga íntima
do meu pai.
Ele estava brincando, né?
— Ha-ha-ha, muito engraçado!
— Não estou brincando — falou sério.
Deus, a Madonna?
Chegamos ao topo e um rapaz pediu para que aguardássemos,
entendi depois o porquê, havia uma barreira de repórteres registrando em
flashes cada ser humano que pisava naquele tapete vermelho. Melissa e
Ruben já haviam passado por ali.
— Não solto sua mão por nada, até porque corro o risco de algum
gavião se aproximar, tem ciência de como está gostosa com esse vestido?
Meu sangue coloriu meu rosto.
— Jura?
— Sim. — Garantiu. Mataria ele se fizesse o contrário. — Erika
James provavelmente estará entre os convidados — comentou
naturalmente.
Uma crise de tosse me atingiu segundos antes de Ricky me guiar
para sermos fotografados.
Eu ia conhecer a Erika, a Madonna, quem sabe não esbarrasse no
banheiro com a Mariah Carey.
— Tudo bem? — o desgraçado perguntou, engoli o deslumbramento
e me posicionei elegante pousando ao seu lado.
Sorriso congelado.
Olhos piscando a cada flash.
O instante durou longos segundos, fiquei vesga com tanta luz, e
sendo franca, me senti desconfortável em meio à exibição. Ao final, Ricky
fez questão de responder algumas perguntas e não hesitou em confirmar o
nosso noivado. Deixamos para trás a prévia da festa, que mais parecia um
evento similar ao Oscar e seguimos para dentro. Largos corredores nos
receberam, reparei a decoração sofisticada com obras de artes e esculturas,
paredes claras e os detalhes dourados ostentando o quão rico era tudo
aquilo. Alcançamos o grande salão, um falatório contido ressaltava a
orquestra magnífica à frente. Minha mão começou a suar, meu corpo a
gritar, quando o casal da noite notou nossa chegada e nada e nem ninguém
os impediu de alcançar o nosso espaço.
— O que ela faz aqui? — Sara esbravejou com elegância,
esboçando um sorriso falso no rosto perfeitamente maquiado, aliás, a dama
da noite estava belíssima num longo vestido de renda rosé.
O casal não direcionou o olhar para mim, somente o filho era o foco
naquele primeiro momento.
— Júlia é a minha noiva, mãe.
Sara rolou os olhos, desdenhando.
— Filho, estamos acompanhando as notícias, só não imaginávamos
que você seria capaz de nos afrontar dessa forma — Robert se pronunciou,
voz dura. — Sabe o quanto esse evento é importante, o quanto reunimos
pessoas influentes, ilustres. O que será notificado amanhã?
— Não me interessa, pai. — Ricky me olhou rápido e voltou para os
pais. — Minha presença aqui tem um único motivo, afirmar que Júlia é
inocente, não teve nada com aquele incidente e vai ser minha esposa.
— Isso é um absurdo! — Robert balançou a cabeça alinhando seu
smoking.
Ricky apertou minha mão e muita coisa transpassou meus olhos.
— Não admito que a tratem assim, não admito que a desprezem
dessa forma, não admito que a condenem por algo que não tem culpa.
Sara engoliu as palavras do filho como se descesse vidro pela
garganta, já Robert, com muito esforço lançou seu olhar sangrando na
minha direção.
— Aqui não é lugar para tratarmos desse assunto.
— Não, pai, realmente não é, inclusive minha vida não será pauta de
uma reunião, preciso que entendam, caso não aconteça, desculpe, não posso
fazer mais nada.
Eles olharam ao redor, procurando vestígios de entendimento dos
convidados, mas não havia ninguém diretamente prestando atenção na
conversa.
— Sara, Robert, entendo vocês. — Minha voz escapou segura, bem
diferente do que sentia, apesar disso resolvi falar.
— Duvido muito, garota — Sara rebateu ríspida.
Ricky me advertiu com o olhar que não precisava continuar, mas
sim, eu precisava.
— Lamento por tudo que o desgraçado fez, minha alma é marcada
por uma infância medrosa por causa dele, não lamentei sua morte se querem
saber, só agradeci a Deus por nos libertar daquele demônio. Já pedi perdão
para vocês inúmeras vezes, infelizmente não há mais nada a ser feito para
provar minha inocência, algo que a justiça esclareceu meses atrás.
Desculpem... — Minha voz embargou, disfarcei assim que alguns
convidados nos cumprimentaram tomando alguns minutos do nosso tempo,
impedindo que a tensão nos engolisse.
— Fiquem à vontade, com licença — Robert disse seco e saiu na
frente, sem sequer permitir que eu continuasse.
Sara por outro lado tomou fôlego, exalou sua elegância e falou
serenamente falsa:
— Se é essa a sua vontade, filho, não vou intervir. — Desviou para
mim. — Julia, você está linda, curtam a festa. Com licença.
Enruguei a testa desconexo, todavia, a felicitei antes que se
afastasse:
— Sara, felicidades na renovação de votos.
Ela sorriu amarga e desapareceu entre os convidados.
— O que foi isso? — Virei para Ricky e ele me abraçou, me
guardando em seus braços.
— Um início, meu amor...
Por sorte, um garçom ofereceu champanhe, peguei uma taça, Ricky
a outra, brindamos, mas não fui fina, sorvi o líquido como se fosse um
antídoto capaz de curar meu coração.
— Se quiser ir embora, providencio num instante nossa partida.
— Não, vamos ficar.
Melissa e Ruben brotaram do nada.
— Ricky, que casa linda, parabéns.
— Obrigado, Mel!
— Jú, banheiro, o que acha? — A ruiva deu um sorriso sugestivo.
— Agora, Julinha...
— Certo. — Ricky me fitou desconfiado. — Já volto, amor...
— Júlia, melhor...
— Ricky, relaxa, ela está comigo.
— Esse é o problema — Ruben brincou com a namorada.
— Ruben, de que lado você está afinal? — Mel o encarou brava, eu
ri, eles eram sensacionais juntos e barulhentos também, praticamente
responsáveis por algumas reclamações dos vizinhos. — Júlia esquece eles...
— A maluca me puxou, segura do caminho. Assim que entramos no
banheiro e garantiu que não tinha nenhum convidado perdido nas cabines,
ela falou: — Eu vi de longe a interação com os pais do Ricky...
Avaliei-me no espelho, nada mal, ainda conseguia manter o disfarce
de que estava tudo bem, que era forte igual a uma rocha, íamos ver até
quando.
— Eles não aceitam, ficou claro.
— Mas vão aceitar, Ricky é o diamante deles, não vão arriscar
perdê-lo, tente a partir de agora ficar calma.
Lembrei de alguém e meu peito reagiu.
— Nicholas, você o viu?
— Não vem — disse convicta. — Ruben garantiu.
— A festa até ganhou um ar melhor por isso, inclusive — falei
empolgada, deixando de lado toda a sufocante sensação que foi rever os
pais do Ricky. — Viu a Madonna ou a Mariah Carey? — perguntei e Mel
expressou confusão. — Talvez a Erika James?
A ruiva arregalou os olhos.
— Elas por acaso foram convidadas?
— Ricky disse que sim, só a Mariah que não tenho certeza.
Melissa se olhou no espelho, ajeitando os cachos ruivos perfeitos.
— Fica feio se tietar, bem sei que tem muito famoso na festa. A WIS
é uma patrocinadora do cinema, do esporte, e... — A porta se abriu e o ar
trepidou.
Pelo visto a noite estava só começando.
— Júlia — Ellen Castiel esboçou surpresa quando me viu ali —,
como vai?
Lógico que ela estaria entre os convidados.
Que porra!
— Bem e você? — Joguei de volta.
— Tem um minuto?
— Não temos não! — Melissa se apressou em dizer. — Ricky e
Ruben estão à nossa espera.
— É só um minuto — insistiu e por algum motivo achei certo lhe
ceder esse tempo.
— Mel, um instante, por favor.
— Ora, ora, que assim seja. — Melissa saiu com seu semblante
desconfiado.
Antes de iniciar, Ellen Castiel me avaliou dos pés à cabeça, não fiz o
mesmo, mantive meus olhos cravados no rosto sempre perfeito.
— Lindo vestido, Lucca Loyer?
A criatura sabia o nome do estilista.
— Sim.
— Bom gosto.
— Ellen, o que quer? — Fui direta. — O que teríamos para
conversar?
— Nada na verdade.
— Era o que pensei, não temos nada.
Seus olhos desceram para o meu anelar, ela apertou as pálpebras
como se engolisse muita coisa.
— Noivaram?
— Tenho certeza de que não foi esse anel que te trouxe essa notícia.
— Sim, não foi. — Ela soltou ar como se o estivesse travado na
garganta desde que entrou nesse banheiro. — A Califórnia respira essa
notícia, parabéns.
— Parabéns mesmo? Sabemos que não.
Ela completou dois passos e parou ao meu lado escorando na pia.
— Acho que sim, já estive nessa posição — riu nervosa —, a da
noiva, mas só tinha a posição porque o coração de Ricky nunca foi meu.
Não é o seu caso, você conquistou o coração e depois a posição.
— Acho que isso é um problema, não?
Ela me encarou sem entender, fiz o mesmo.
— Não sou uma mulher de me colocar em posição desse tipo.
Quando a vi no meu primeiro dia de estágio, invejei a sua posição, aquela
da executiva fodona, coloquei seu nome no topo da lista das mulheres que
me inspiravam, das mulheres que um a dia queria ser.
— Fiz o mesmo, Júlia, a coloquei no topo da minha lista das
mulheres que um dia eu queria ser, porque você foi a única que tirou o
Ricky de mim e, porra, devo te agradecer por isso. O amor que eu sentia por
aquele homem me condenava, me limitava e sufocava tudo dentro de mim.
Ainda o amo, não vou negar, mas hoje eu quero mais, eu quero ser amada
e..., Ricky nunca me daria algo assim. Não com você na vida dele, entende?
Eu entendia, sabia o quanto o amor que sentia por Ricky
desordenava muita coisa, porém, não seria capaz de fazer algo tão baixo
como Ellen fez, não teria coragem de prejudicar alguém, mesmo que esse
feito concebesse como recompensa o amor de Ricky.
— Entendo, mas não aceito, você compactuou com a destruição do
meu sonho, foi baixo, desumano, covarde.
— Sim foi, quer saber, não me arrependo, infelizmente, não me
arrependo — disse sem culpa.
— Sei que não, mas hoje não importa mais... — Dei de ombros.
— Mas não faria novamente se houvesse a chance, como disse,
quero me libertar desse amor, e... — Ela tremeluziu os olhos e proferiu
como se o ar lhe faltasse. — Quero que Ricky seja feliz, de verdade, nem
que para isso se case com você.
Dei dois passos na direção da porta, girei a maçaneta e deixei um
suspiro antes de partir.
— Ele vai ser, nos amamos o suficiente para fazer dar certo.
Interrompi o contato e escorei as costas na madeira do lado de fora,
esvaziei o pulmão com uma lufada de ar forte, a sensação era muito similar
a alívio, sei lá por quê. Travei no corredor para organizar os pensamentos
antes de me juntar ao trio. O que foi aquilo? Esperei o momento em que
podia cuspir umas verdades na cara de Ellen, no entanto, o que ocorreu
naquele banheiro contradisse o tipo de mulher que odiei. Obviamente que a
executiva não ia me pedir desculpa, ela não feriria a ponto seu ego. Creio
que mesmo não justificando, Ellen fez o que estava ao seu alcance para não
perder o seu amor, agiu de forma suja, de forma vil e pagou por isso. Se a
perdoei? Talvez sim, talvez não. É difícil dizer, havia um emaranhado de
sentimentos batucando meu peito, descompensando minha respiração.
Sentia que a qualquer momento uma bomba destruiria meu Castelo de
Grayskull. Irônico? Sim, muito irônico!
— Tudo bem? — Meu noivo tocou meu rosto com ternura quando
completei a turma. Mel não mencionou nada, pisquei para ela em
agradecimento, o que foi irrelevante logo depois, a executiva saiu
exatamente de onde havia vindo, lançou seu olhar revelador na nossa
direção. Ricky não era bobo para não somar dois mais dois. — Ela estava te
importunando? — Avançou, mas o impedi.
— Não, era um assunto nosso e está resolvido.
— Como assim, um assunto nosso?
— Ricky, como eu disse, está resolvido — falei firme, quebrando ao
meio sua tentativa de seguir.
Melissa deu um curto sorriso e não permaneceu no próximo minuto
na nossa companhia, Ruben fez questão de a exibir como um troféu aos
amigos das famílias mais ricas dos Estados Unidos. Ao contrário de Ricky,
que mesmo em posse da importância do cargo que exercia, não deu trela aos
bajuladores ou potenciais contratos que surgiria, simplesmente não largou
um segundo sequer da minha mão e ignorou muitos que sutilmente nos
agrediu, seja com insinuações ou mesmo comparações.
A festa perdeu o brilho num certo momento, não havia conhecido a
Madonna e muito menos a Erika, somente diretores, governantes,
deputados, pessoas que para mim não tinha o brio da Mariah Carey, por
exemplo.
O casal homenageado da noite não perdeu tempo para nenhum outro
contato conosco, somente nos monitoravam de longe, como águias
calculistas. Era um olhar intimidador e depois de um tempo passou a
incomodar, toleraria um pouco mais para agradar a Ricky, se meus pés não
estivessem pedindo por socorro dentro daquele salto.
— Ricky..., estou cansada.
— Quer ir?
— Sim, se não se importar...
Ricky fez uma pequena busca ao redor do salão, segui aquele olhar
misterioso estagnar nos seus pais, e se transformar em pontos castanhos
desafiadores. Como um pedido a orquestra começou a dedilhar em notas
sexy, Say You Love Me de Jessie Ware.
Diga que me ama na minha cara
Eu preciso disso, mais do que do seu abraço
Só diga que me quer, isso é o bastante
Meu coração está se despedaçando pelos seus erros…

Ricky voltou para mim com um sorriso de canto que sugeria…


duvidei, ele não estava pensado em…?
— Uma última dança?
Ele se afastou um passo e ofereceu sua mão.
— Não lembro de ter dançado uma primeira.
— Tem razão, guardei todo o charme para essa.
Por um segundo, desviei para o olhar que nos queimava — Sara. A
dama da noite ergueu uma sobrancelha depreciando o gesto do filho, isso
não impediu que minha mão colasse na dele e embalasse meu corpo num
giro elegante até o meio do salão. O espaço amplo se abriu quando
chegamos, Ricky cercou minha cintura com uma mão, elevando a outra, eu
cobri seu ombro com um braço e espalmei sua mão à espera da minha. Sua
barba raspou a lateral do meu rosto num encaixe tentador, o pinicar na pele
sensível atiçou todos os pelos do meu corpo. Seu perfume amadeirado
ondulando meus sentidos. Inspirei, precisava de ar, não vou mentir e logo
depois afinei a coluna. O meu salto permitia um contato mais direto com
seus olhos, e assim capturei o sorriso galante seguro do que faria. A
orquestra cresceu no ritmo de Jessie Ware.
Ó diga que me ama, apenas por hoje
E não me dê seu tempo, pois não é a mesma coisa
Quero sentir as chamas queimando quando diz meu nome
Quero sentir a paixão percorrendo meus ossos
Como sangue em minhas veias

Nossos corpos começaram a deslocar melódicos, passo após passo,


nutria um giro curto e meus olhos voltavam para o dele, todos pararam para
consumir aquele momento. Envolvida, me deixei guiar, a insegurança
dissipando à medida que nossos pés deslizavam circulando os convidados
que nos cercavam. Era mágico, igual aos contos de fadas, mas com alguns
celulares registrando enquanto passávamos por eles, cruzei por instante os
olhos brilhantes e orgulhosos de Melissa com um sorriso que não cabia no
rosto.
— Futura senhora Walker, não imaginei que dançasse assim. — O
timbre rouco pinicando meu pescoço.
— Tenho um excelente condutor.
Ele soprou um “eu te amo”, e o violino entoou notas graves que
incentivaram Ricky a rodopiar meu corpo algumas vezes, não desequilibrei,
sua mão apoiou cada volta. Traçamos mais alguns passos primorosos por
todo o salão até a orquestra parar de repente e, no mesmo instante, palmas
invadiram o som até então harmônico, não eram aplausos,
lamentavelmente, eram somente duas mãos se chocando vis, fúnebres,
duras.
Girei na direção da entrada ao mesmo tempo em que apertei a mão
fria de Ricky, um arrepio correu minha espinha logo que cruzei com os
olhos do diabo. Ele sorria de canto, enquanto saudava os convidados,
desfilando entre os corpos como o astro que sentia ser. Seus passos
cravavam em linha reta, sem desvio, nós éramos seu destino.
Impossível não se alterar, meu todo gritava por socorro e, mesmo se
houvesse uma saída estratégica a qual pudesse escapar, Ricky não
permitiria, seus dedos esmagavam os meus, fundindo-se, álgidos. Houve
três oportunidades para eu evitar tal confronto e como golpes no estômago
elas feriam meu abdômen.
Puta merda, queria vomitar.
A ânsia torturou…
Ele cada vez mais próximo...
Minha garganta fechou.
O ar trepidou purgante.
Senti os olhares queimarem ao meu redor.
Senti o homem ao meu lado respirar pesadamente, assim como uma
sombra pousar sobre as cabeças.
— O que faz aqui?
— Como assim, maninho, é aniversário de casamento dos meus
velhos, por que não viria? — proferiu intrépido, dono de tudo, como o
desgraçado que era. — Me surpreende você, depois de tudo… — Seus
olhos tentaram esmagar minha existência ao lado de Ricky, mas não
conseguiram, não ia deixá-lo me enterrar na cova que estava cavando, não
naquele momento, quando tantos insultos já haviam me agredido desde que
pisei naquele lugar. — Tenho um título excelente para a relação de vocês,
amor bandido, o que acha?
Ricky inspirou furioso.
— Não vale a pena — eu disse. — Acho que a festa acabou… —
propus desesperada, as faíscas, os lufares de ar corroendo tudo, nada ali
estava certo, nós três no mesmo ambiente passou a ser alerta de perigo
mortal.
— Sim, a festa acabou — Ricky, por fim, concordou comigo. —
Vamos, Júlia, vou me despedir do meu pai.
— Ah, que pena, achei que a festa tinha acabado de começar…
— Nicholas, filho. — Sara pousou sua mão vestida por luvas de
cetim branco sobre o ombro do mais novo. — Estão todos olhando, vocês
querem expor minha festa para todos os tabloides sensacionalistas do
mundo como a tragédia do ano? — Seu olhar ríspido estava em mim. —
Disfarcem e me acompanhem até o escritório.
— Não há nada que precise fazer no escritório, mãe…
— Ricky, não seja teimoso, tenho certeza de que precisamos
conversar em família, não é mesmo, Júlia?
Engoli em seco.
— Sim — acatei. Havia outra alternativa? Sim, ignorar tudo aquilo e
sair correndo, mas não era covarde e Nicholas não me colocava mais medo.
— Melhor, Ricky, estão todos olhando e…
— Foda-se cada olhar nessa merda, espero que a senhora controle
seu filho.
Nicholas resmungou algo revidando, mas Sara lançou um olhar um
tanto intimidador, e restou a todos somente acompanhá-la. No percurso,
Sara acenou para o maestro, que assumiu os acordes de sua orquestra.
Marchamos ao som suave do violinista, totalmente desconexos, o ar que
pulsava rasgava nossa pele de tão tenso. O caminho, longo demais,
terminou em frente a uma porta dourada enorme, o mais novo fez a honra e
todos adentramos. O espaço rodeado por largas estantes preenchidas por
livros era impecável, seu centro, uma semi-sala de estar, e à frente uma
mesa amadeirada com pernas esculpidas de flores, claro que a cadeira por
detrás dela estava ocupada por Robert Walker, o patrono da família. Seu
semblante deixava claro tudo que viria a seguir.
— Sentem-se. — Dispôs para mim e Ricky, Sara já estava
posicionada ao seu lado e Nicholas, assim que entrou, se jogou em uma
poltrona.
— Não tem necessidade, pai, já vamos embora.
— Negativo, muita desfeita da sua parte, quando vim somente para
vê-los…
— Vai se foder, Nicholas!
— Basta! — Roberto interveio. — Não admito esse comportamento
na minha casa, tenho dois adultos como filhos, não dois adolescentes.
— Na verdade — o diabo se levantou —, não tenho irmão há mais
ou menos sete anos. Hum, é esse o tempo, Ricky?
Ricky estreitou os olhos, senti como se avisasse para Nicholas não
prosseguir. Totalmente divergente da minha feição que praticamente
implorou para que ele desvendasse aquela rivalidade.
— Nicholas, não seja covarde — o mais velho avisou.
— Não é o momento, filho — Sara também advertiu.
— Por que não? A filha do bandido tem que saber.
Cerrei o maxilar fixada nele, o maldito era ciente dos insultos que
me levaria ao descontrole, sendo assim, abusava da sorte.
— Sabe, Julinha, talvez devesse te alertar que o príncipe encantado
que você jurou amar, não passa do vilão traidor…
— Seu merda! — Ricky avançou, se não pensasse rápido, segurando
sua cintura, seu punho, sem misericórdia, acertaria o rosto irônico do irmão.
— Não traga essa história infeliz para o nosso meio, Nicholas — o
patriarca ordenou. — Logo hoje, no dia em que Sara e eu comemoramos
nossa união.
Nicholas gargalhou maléfico.
— Por vocês essa história teria sido enterrada com meu coração, não
é mesmo?
— Não, Nicholas, só não é o momento — murmurou Sara com a
fisionomia repleta de sombras.
Que porra de história era aquela, afinal?
Sete anos era o tempo da rivalidade entre eles e, apesar de sentir que
o assunto era cortante igual a uma navalha afiada, não deixaria aquela
mansão sem entender os motivos de tanto ódio, até porque o sentimento
hediondo respingou em mim, era explícito que Nicholas me usou para
atingir o irmão, mesmo que seus sentimentos no ato da tragédia fosse o
contrário.
— Ricky… — Meus olhos temendo incertezas implorou por uma
explicação. — O que há entre vocês?
— Júlia, você não faz parte disso.
— Ah, faz sim — o ardiloso murmurou dando dois passos em nossa
vertente. — Bolsista e estagiária da WIS, posições até então abominadas
para as namoradas dos herdeiros, isso a julgar de qual herdeiro estamos
falando.
— Não vou admitir que traga essa maldição para esse ambiente,
Nicholas — esbravejou o pai.
— Não? Por quê? — Havia um tom amargo no seu questionamento.
— Talvez o filho prodígio não mereça ser condenado por seus atos pérfidos,
é isso?
Ergui o rosto e encarei Ricky, silencioso, fisionomia nebulosa,
estrutura afetada. Sim, esse conjunto delatava, ocorreu uma traição entre
eles, e em consequência disso senti meu coração apertar por uma certeza;
assim que soubesse esse lado sombrio da família Walter, tudo afundaria
drasticamente.
— Eu prometi para Sara que nunca mais marcaria seu rosto nessa
casa, mas se continuar com essas insinuações, não honro essa promessa.
— Jura, maninho, acha mesmo que é só você que deixa marcas?
— Paramos por aqui. Vamos, Júlia. — Ele apertou minha mão e me
arrastou para frente.
— O CMO é um covarde, sempre fugindo dos delitos.
Estagnei o passo.
— Calma, Ricky. — Ele soltou minha mão e voltou-se com os olhos
vermelhos, furiosos. Não, nem em sonhos partiria do escritório sem ter
conhecimento daquele fato. — O que houve, Ricky? Eu quero saber.
Ele inspirou fundo.
— Júlia, isso não é problema seu — Sara afirmou.
— Talvez não fosse mesmo — rondei cada olhar pávido do
ambiente —, mas agora é, sei que tem um segredo, desculpe… Ricky, quero
saber por você.
— Fale, Ricky… — Nicholas afrontou. — Fale, seu traidor…
— Seu desgraçado! — O avanço fatal aturdiu o movimento, vi Sara
cobrir a boca e Robert perpassar na direção. — Maldito…
Um soco, outro e outro… golpes trocados.
Retirei as sandálias e corri na tentativa de deter o massacre, mútuo.
— Pare, Ricky, pelo amor de Deus, vocês vão se matar… —
Supliquei puxando onde conseguia alcançar do seu corpo — Por favor, olhe
o estado da sua mãe.
— Basta os dois! — Robert gritou rouco, mas estremeceu cada
parede do cômodo. — Não admito mais essa merda entre vocês.
— Não admite porque sempre defendeu esse traidor, não é, pai? —
Nicholas cambaleou para trás, Ricky para o lado. — Preferiu abafar o ato
fodido a perder o filho querido. — Limpou o canto da boca ferida com o
dorso da mão. — Sabe, Júlia, vê se você consegue entender… meu irmão,
meu herói, tudo de melhor e mais sincero eu enxergava nesse cara. — Fitei
Ricky rapidamente que pesou a cabeça para frente e não me encarou, voltei
para o Nicholas. — Havia um confiança, uma dedicação invejável entre a
gente, até ela aparecer e ganhar meu coração, eu estava apaixonado e cego,
porque jamais desconfiei que… — Ele cuspiu uma gosma de sangue e
apoiou os punhos na mesa ao lado de um estofado. — Jamais imaginei
pegar meu irmão com a minha noiva na cama.
Perdi o equilíbrio e o ar faltou, pois sabia exatamente o bolor
dolorido daquele impacto. Ter que enfrentar Melissa nua em cima do Caio
agrediu cada partícula minha, doeu tanto que sequer houve força para um
grito, qualquer ato de revolta me abandonou, restou somente a dor que
esmagou meu coração a cada batida.
Ergui o rosto de Ricky.
— Ricky…
— Não foi bem assim, Júlia.
— Não? — Nicholas esbravejou na outra extensão, contudo, não
findou o nosso contato, ferido, duvidoso. Juro, implorei que não passasse de
uma mentira, aquele homem por quem me apaixonei não seria capaz de
prestar-se a algo tão cruel, como Mel fez comigo, ou seria? — Como assim,
e sou eu o covarde, seu desgraçado? Peguei você trepando com a Eduarda
no nosso apartamento, meses depois que coloquei uma aliança no dedo
dela.
Volvi o anel de ouro branco no meu anelar da mão esquerda e gelei
em seguida.
Espera… Eduarda?
Assombrado, Ricky não disse nada.
Talvez porque minha expressão o agrediu… EDUARDA?
Assimilei o nome à pessoa.
Não era a mesma, não… não era. Como seria?
Eu conhecia uma única Eduarda e era a garçonete do Retrô-Chill,
mas a noiva de Nicholas poderia ser qualquer outra Eduarda, não é mesmo?
— Júlia, eu posso explicar — disse finalmente, esboçando
dificuldade em cada palavra.
— Sim, pode, explique-se, irmão.
O mais velho não rebateu, apenas permaneceu no contato dolorido,
sua pele perdeu toda a coloração, não havia um homem equilibrado diante
de mim.
— Júlia, isso não tem nada a ver com você, entenda…
— Entender o quê? — Olhei rapidamente ao redor, Robert e Sara
próximos à janela, calados e inertes naquilo. — Eduarda? Eu conheço uma
que não sou tão próxima, mas compartilhei de sua triste história. — Engoli
a saliva com dificuldade. — Estamos na mesma página ou estou viajando?
— Sim, é a Eduarda do Retrô-Chill — ele afirmou.
E o meu coração condenou meu ar.
— Não posso envolver você nessa merda, não posso.
— Que merda exatamente? — Um fiapo de voz lhe deu a última
oportunidade. — A Eduarda era noiva do seu irmão e você teve um caso
com ela há sete anos, é isso? — E como um dilúvio a passagem de tempo
trouxe algo ainda mais grave à tona, a criança. — Ela… não, espera…
ela… tem um filho…
— Sim, Júlia, ela tem um filho… — Nicholas inqueriu. — A
vagabunda ainda foi mais ousada.
Ricky não me olhou, não para aquela resposta, procurou dentro de si
a forma mais coerente de me explicar, o laço ou a merda como ele mesmo
expressou nos segundos anteriores, não houve piedade, as palavras saíram
complexas.
— Ricky, por acaso essa criança é seu filho.
Ele expulsou o ar.
— Eu…
Ah? Não, não pode ser…
— Ricky, Nicholas! — Sara gritou e olhamos para a janela. — Seu
pai… — Corremos ao encontro de um Robert estirado no chão, apertando o
peito como se a região o massacrasse em dor, os irmãos cercaram o pai
buscando resgatá-lo daquele pranto, era desesperador.
— Temos que chamar a emergência — falei com muitos tons
estremecendo minha garganta.
— Não será necessário, Nicholas, o Doutor Griffer está no salão, vá
em busca dele — Sara ordenou e o filho obedeceu, olhos vermelhos, rosto
marcado, ele não me olhou ao sair. Ricky sim, mas de relance, só para
constatar que eu ainda permanecia ali, no ambiente caótico, fodido, ferido.
— Ricky, melhor colocá-lo no sofá.
— Pai, o que está sentindo? — O mais velho uniu a pergunta com a
ação carregando o homem até um estofado no centro da sala.
— Falta de ar… — murmurou enquanto se acomodava. Sara ao seu
lado. — Não tenho saúde para suporta vocês dois brigando.
— Eles ainda vão nos matar de tanto desgosto, Robert.
Abracei meu corpo.
Pensamentos confusos.
Um murmúrio engasgado na garganta.
Um querer desesperado de sumir, desaparecer.
Ao mesmo tempo que a distância — era negada —, uma vez que me
afastaria da verdade. Havia uma verdade e uma mentira.
Claro que sim!
Havia uma explicação lógica para que todo o dito desaparecesse
como pó…, não?
— Ele está ali. — A voz de Nicholas bateu nas minhas costas, assim
como alguns passaram por mim à procura de quem importava. — O que
você ainda faz aqui…? — o sussurro entoou severo ao pé do ouvido,
violando o pouco de estrutura que ainda restava. Vi seguindo o rumo aos
demais, o patrono era o foco de todos.
Respirar… preciso de ar.
Recuei a passos curtos, incertos, observando Ricky em seu
desespero culposo em salvar o pai. Meu tronco chocou o batente, então me
guiei para longe, esbarrando em pessoas, evitando olhares, quando os meus
sangravam em lágrimas. Nem sei como senti a brisa, nem sei como
encontrei uma fuga.
Melissa, onde ela estava? Ela tinha que querer foder com o
namorado em meio ao caos?
Corri os olhos no gramado a perder de vista, a maior parte
iluminado, eu somente fui, descalça, sem rumo, como uma marionete
manipulada por receios.
Ricky traiu o irmão transando com a noiva…, Eduarda?
Eduarda, simplesmente Eduarda.
O encontro no Chill, a troca estranha entre os dois, a… criança!
Filho de Ricky?
Deus, desperta-me desse pesadelo, não é justo!
Depois de tudo que passamos para enfim ficarmos juntos, um
passado familiar, doído, desleal, surgiu só para provar que não controlamos
o futuro, que nada estava nos trilhos, que a confiança sempre se sobrepõe a
qualquer outro sentimento. Não fazia parte daquilo — do passado —, não…
aquela herança de amargura que latejava meu peito não me pertencia, não
merecia sentir aquilo novamente.
Não, é indigno.
Virei aquela página fugaz quando perdoei Melissa, então, não
merecia sofrer. Mas estava, desesperadamente eu estava sofrendo. Ricky, o
meu homem, o meu amor, desmoronou diante de mim, não conseguia
sequer lembrar como ele era, a única imagem que me abordava, cruel,
venenosa, era ele traindo o irmão.
Não... não...
O som da orquestra se perdia, meus pés nem sentiam mais a maciez
da grama, eles apenas me conduziam para longe ou para perto do distante.
Lágrimas, muitas, sem controle.
Medo.
Ódio.
Senti a escuridão me abraçar, quando precisava de braços
acolhedores ou quem sabe da certeza de que tudo não passava de um
pesadelo.
Eduarda!
A última vez que conversei com a Raica sobre o menino, seu estado
era muito grave, e pelo que conseguia lembrar, ele havia entrado na fila do
transplante e…, Ricky podia ser pai dele…? Assim como o Nicholas.
Apoiei meu corpo intrépido no gramado, não havia estrutura para
permanecer erguida, a exaustão maltratava minha consciência e pensar doía,
massacrava.
Procurava incessantemente uma resposta.
E não tinha.
Teria?
Talvez, eu não a quisesse.
— JÚLIA. — A voz chegou junto ao desesperado. — Meu Deus, o
que faz aqui?
Melissa não estava sozinha, haviam dois homens com ela, um deles
nitidamente abalado e assombrado, caçava meus olhos a procura de algo,
um sinal, uma chance.
— Eu precisava de ar.
— Quase me matou de susto. — As mãos frias do homem que
julgava um estranho tocou meu ombro. — Você está bem?
Olhei no fundo dos pontos castanhos ladeados de escarlate, de
súplica. Ricky leu cada cunho dolorido que deixe transparecer, meus olhos
era a porta da minha alma, não conseguia ocultar meus sentimentos quando
oferecia um olhar tão intenso, estava tudo ali, especialmente minha
decepção pingando como gotas de sangre.
— Precisamos conversar. — O pedido soou baixo, enrouquecido,
consternado.
— Sim, precisamos. — Senti o amargo agredir meu estômago. —
Seu pai?
Sua respiração vazou pesada.
— Ele vai ficar bem, foi só um mal-estar. — Buscou minha mão,
mas neguei o contato, bruta, magoada. Ele retraiu. — Certo, vou te levar
para casa.
— Melhor.
— Impossível, Ricky. — Agora foi Ruben quem falou. — Muito
vento em Los Angeles, mesmo a viagem sendo curta, não é seguro voar
com o helicóptero.
— Não vou ficar aqui. — O pavor me dominou com aquela
possibilidade. — Eu quero ir embora, Ricky.
— Mas Júlia… — Melissa iniciou.
— Mas nada, vamos de carro, vamos de submarino, só me tire
daqui. — Encarei-o dura, impenetrável.
Ele concordou, era nítido que nada entre nós estava ameno, o casal
que o acompanhava entendeu o recado e não se impôs ao tratamento gélido
vindo da minha parte. A ocasião e os ânimos exigiam agilidade, não
prolongamos aquilo, o caminho custou pouco minutos e deixamos a mansão
discretos, numa despedida rápida, sem muitos enfeites.
Quase um braço separava nossos corpos no interior do carro,
engraçado pensar que aquela distância era algo desconsiderado horas antes,
onde carícias e beijos conduziram nossos instintos, não era o caso,
dividíamos um curto espaço trépido, inconstante, fodido. Eu queria gritar
com ele, berrar, esvaziar meu peito daquela angústia que bloqueava minha
garganta. Não suportava o duelo constante do meu coração com minha
mente, da razão e do amor, não suportava mais aquele cabo de guerra que
sempre me partia ao meio.
Nada de mentiras.
Aquele passado ia ser desvendado, sem pontas soltas.
Que Ricky não ousasse omitir nenhum detalhe.
Eu precisava saber.
— Pare o carro! — gritei assim que avistei o mar, arrombando o
botão que nos comunicava com o motorista. — Estacione agora, porra!
— Calma, Júlia, estamos quase chegando. — Ele segurou meu
braço.
— Me solta! — exigi, tom ríspido. — Aqui, Ricky, pare aqui, eu
quero o mar como testemunha.
— Certo. — Desviou para o botão ao seu lado, emitindo o comando
para o motorista. — Estacione, John.
— Um instante, senhor. — A resposta rouca atraiu nossos olhos,
meu coração apertou, senti como se um “fim” estivesse invadindo como
ondas turbulentas o que acreditei ser irredutível, o nosso amor.
Desci do carro sentindo o gelado do asfalto trapejar meus pés,
caminhamos na direção do mar, a brisa fresca elevando meu vestido, tal
como alguns fios soltos do meu cabelo que desprenderam do coque. Ricky
com as mãos nos bolsos frontais, temeroso. Calado. Aturdido. Implorei para
o grande oceano que levasse consigo meus receios conforme nos
aproximávamos, não estava preparada para a conversa, não a queria. Mas
teríamos. Paramos de frente para o mar, lado a lado, olhos seguindo longe,
então resolvi falar:
— Há quatro anos, um cara chamado Caio, o popular, astro da banda
da escola, lindo, sexy, galante, me pediu em namoro. Eu, uma menina
iludida com aquele fascínio, com a declaração no meio de um show, com a
devoção que ele demonstrava em cada palavra… — Encarei os olhos
nebulosos, escuros, dilatados. — Melissa, minha irmã, meu porto seguro
depois da minha mãe, eu a amava até mais que meu namorado. Os três
mosqueteiros é assim que éramos chamados, sempre juntos. Ela nunca
namorou, não ligava para isso, apesar de ter garotos com juras de amor aos
seus pés.
— Júlia…
— Deixa eu terminar, por favor — pedi baixinho, não havia sequer
força na voz. — Ela estava na cama do Caio naquela noite, trepando com o
desgraçado. Entende? Ela era minha irmã, não uma outra qualquer… era
ela, a mesma que confidenciava segredos que minha mãe nunca ousou
saber… ela, Ricky. Podia ser qualquer outra, mas era ela ferindo tudo que
acreditava, porque confiava incondicionalmente em cada expressão de
carinho que recebia… dela. — Neguei com a cabeça recordar aquele
passado infeliz. — Eles estavam tendo um caso embaixo do meu nariz há
meses, tem noção o quanto me senti traída diante da cena suja, diante do ato
cruel, infame? — As lágrimas rolaram descrentes, meu corpo enfraquecido
apelou.
Ricky se prontificou a colher com as pontas dos dedos algumas das
muitas gotas que escorriam e, depois me puxou para si. Um abraço, permiti,
uma colisão necessária. Nunca como naquele átimo nossos corações
tomaram a frente das palavras, eles se tocaram com os empates. Eles
sangraram impacientes, eles choraram entristecidos. Mesmo incerta me
distanciei.
Ele deixou a cabeça pesar por um instante longo demais, para depois
me condenar com seu olhar pávido.
— Sinto como se não conhecesse você, como se tudo que idealizei
desmoronasse quando seu irmão revelou… — Ele me calou, um toque
áspero na boca.
— Sou o mesmo, Júlia, o mesmo homem que te ama
incondicionalmente — murmurou. — Só não vou permitir que o meu
passado se confunda com o seu, porque não é justo para nós, não depois de
tudo.
— Você traiu seu irmão?
Sem rodeios, seu rosto endureceu.
— Traí. — Uma fisgada latejou meu peito. — Não vou fugir dessa
responsabilidade.
— Você transou com a noiva…, ou melhor com a Eduarda?
— Transei.
Engoli aquela verdade como um veneno, um amargo veneno fatal.
— Meu Deus, como pode…?
— Não foi bem assim, as coisas não aconteceram simples assim.
Joguei os braços no ar, confusa, não era uma tola demente, um ato
de traição era um ato de traição ou estava errada?
— Ricky, não sou uma idiota!
— Sei que não, e antes de prosseguir quero que saiba — ele
amparou meu rosto —, eu sinto muito pela decepção que teve com a
Melissa, realmente sinto.
— Como pode sentir compaixão, se causou a mesma dor no seu
irmão?
Ele tencionou o rosto e não havia ali tamanha segurança.
— Eduarda participou da primeira turma de Profissões, um projeto
que eu criei especialmente no Brasil, sempre achei esse país carente de uma
educação digna para um povo que sempre batalhou duro pelo pão de cada
dia. — Ele colocou as mãos nos bolsos e buscou o mar. — Assim como
você, ela era uma garota talentosa e batalhadora, mas como um gozador
sacana, o universo a colocou diante do meu irmão, não que isso fosse um
problema, não era, se Nicholas não gostasse das sacanagens que eu cometia
com o Athos.
— Sacanagens?
— Athos, Anthony e eu sempre compartilhamos mulheres…
Não gostei daquela expressão. Compartilhar mulheres, como um
objeto, era isso?
— Muito machista essa colocação compartilhar mulheres, o que
isso significa?
Ele voltou para mim.
— Não, desculpe me expressei mal, gostávamos de ménage?
— Tipo suruba?
— Sim, tipo isso. Nunca nos apegamos, se havia uma permissão
para uma participação, topávamos, era só sexo, prazer, luxúria…
— A Ellen, ela concordava?
— Bem, a Ellen participava, Júlia. — Quê? Sacudi a cabeça
realmente impressionada. — Mas essa não é a questão. Nicholas se
encantou por Eduarda, a estagiária da WUC, assim como eu me fascinei por
você, só que com uma diferença.
— Qual?
— Ele quis que eu participasse. — Ele estreitou os olhos, passou as
mãos pelos cabelos e lançou um olhar de censura. — Algo que eu jamais
permitiria com você se houvesse a possibilidade.
— Os dois transavam com ela?
Perplexa era meu estado, não que repudiasse esse tipo de opção,
pelo contrário, era muito excitante cogitar uma boa suruba. O que me
intrigava naquela história era como as coisas funcionavam entre eles.
— Sim — ele disse com dificuldade. — Era sexo, Júlia, e até então,
Nicholas não tinha um relacionamento com ela.
— E quando passou a ter, ele…?
— Ele se tornou ciumento e obsessivo, colocou uma aliança no dedo
da Eduarda e eu respeitei isso, só que…
Se envolveu com ela, era isso?
— Diga — implorei.
— O lance que rolava entre nós três era forte, sexo quente, fogo sem
igual, nunca escondi de você minha atração sem medidas por uma boa foda,
mas assim que meu irmão negou uma participação, eu respeitei, Eduarda
não. — Ele soltou o ar e pesou a cabeça. — Ela continuou insistindo.
— Por que não revelou para o seu irmão?
— Ele estava tão feliz, apaixonado, radiante, não tive coragem, e
quando falei foi tarde, dei motivos para que ele não acreditasse em mim.
— A Eduarda…
— Juro que pensei que ela estava equivocada, emocionada, ela era
muito jovem, talvez nós tivéssemos mexido com a cabeça dela, mesmo
assim, exigi que rompesse com o Nicholas, mas ela jurava amá-lo, amar a
nós dois, uma situação fodida. Em meios legais, na minha posição e na do
Nicholas, que na época também era um executivo na WUC, se ela fizesse
um escândalo acabaria com a minha carreira, mancharia a imagem da
empresa.
— Era nisso que pensava?
— Era, infelizmente era. — Ele acariciou uma linha triste do meu
rosto. — Antes de você a praticidade me dominava, nunca me apeguei a
mulher nenhuma, talvez a Ellen possa ter em algum momento mudado o
rumo das coisas, mas não o suficiente, não como você.
O carinho se tornou moroso, quente, não permitiria que ele
desviasse o rumo da conversa.
— Então Eduarda ficou obcecada, é isso?
Ele anuiu desolado.
— Ela era uma garota linda, atraente, eu seria um hipócrita se
dissesse que não me esbaldei nas festinhas permitidas pelo Nicholas. —
Bem, ouvir ele se referir assim de outra mulher causava um certo asco no
meu peito. — Mas quando ele cegou por ela, eu recuei. Nessa época
dividíamos um apartamento no Brasil, onde permaneci um pouco mais por
conta desse programa recém-implantado, meu irmão estava decidindo se
comprava uma casa ou um apartamento, então moramos juntos um tempo, e
Eduarda sempre presente, como uma tentação entre nós e…
— Ricky, ainda sentia atração por ela, mesmo sendo noiva do seu
irmão?
Ele desviou os olhos e eu senti meu coração disparar.
(...)
7 anos exatos do passado.
— O Nicholas não está — mencionei ao abrir a porta e me deparar
com a Eduarda —, e eu estou de saída, isso significa que é melhor você ir
embora.
Ela colocou o pé na porta impedindo que eu a fechasse.
— Nossa, que grosseria!
— Eduarda, sem drama. — Desviou as íris azuis para o meu tórax
descoberto. — Cadê a Maria? Você abrindo a porta é bem estranho!
— Foi ao mercado.
— Certo — disse e ergueu na altura dos olhos os livros que
carregava. — Nick pediu para esperá-lo aqui, vamos estudar, preciso de
ajuda em economia. Posso entrar?
— Tudo bem, o espere na sala. — Abri passagem.
— Pode continuar o que estava fazendo, não quero atrapalhar.
— Espero que não. — Fui incisivo.
— Por que está me tratando assim, Ricky? — O questionamento
evitou minha ausência por um segundo. — O que eu fiz?
— Nada, espero que não continue fazendo.
A mesa de centro ganhou seu foco um tanto abusado.
— Vinho, posso me servir de uma taça?
Soltei uma lufada impaciente.
— Espere meu irmão e se sirva com ele. — Cravei os passos ao
retornar próximo a ela e apanhei a garrafa. — Esta garrafa é minha!
Ela rolou os olhos com desdém e queimou minhas costas com seus
olhos graúdos enquanto me dirigia para o meu quarto. No caminho,
amaldiçoei meus pensamentos, Eduarda era uma tentação — noiva de
Nicholas — que provei, a garota possuía dotes sedutores que capturam o
sentido de qualquer homem. Além de seu sotaque do interior e detalhes
delicados beirando à inocência, quem presenciava a ninfeta na cama,
disposta a saciar dois homens, nunca lhe daria um título de “garota
inocente”. Se soubesse que Nicholas ia se apaixonar, jamais teria topado a
loucura.
Empurrei a porta da suíte, irritado, sentia-me o pior dos seres com
pensamentos tão desleais, pensamentos que deviam desaparecer
imediatamente, pensamentos que seriam trancados a sete chaves.
Na mesa de cabeceira destaquei meu relógio e o abracei ao pulso,
fechei alguns cordões de ouro branco no pescoço e saquei meu celular para
enviar uma mensagem ao Athos. Logo em seguida deixei o apartamento
sem encontrar Eduarda no caminho até a porta.
— Ricky, seu filho da puta. — Garbo me recebeu com um abraço e
tapas nas costas, mas logo que encontrou meus olhos, inqueriu. — Qual o
problema?
Era impossível esconder algo daquele cara, no entanto, não ia
dividir com ele meus problemas, a única coisa que dividiríamos ali era uma
boceta.
— Cara, quero uísque e uma boa foda, só isso.
Ele riu.
— Então vamos entrar, irmão, tem uma garota nova chamada
Diana. Porra, Ricky, nosso número.
Al’Cub estava quente igual ao inferno naquela noite, compartilhar
com Garbo uma noitada de putaria era no mínimo o alívio para uma
semana carregada de trabalho, reunião e babação gratuita.
Em torno de quatro da manhã, empurrei a porta com o corpo,
visivelmente exausto e com o perfume da luxúria embriagado na pele, olhei
para o sofá tentado a ficar por ali mesmo, mas no segundo seguinte mirei a
escada e foram seus degraus que receberam meus pés.
Uma ducha rápida eliminou um pouco do álcool que alienavam meu
sistema, deite-me e chequei o celular e, como de costume havia uma
mensagem da Ellen — ignorei por ora —, apaguei a luminária e pesei o
rosto no travesseiro macio.
O silêncio sereno se misturou com a respiração pesada que eu
expulsava, lembrei de algo aleatório, Sara sempre dizia de modo que
pudesse amedrontar dois adolescentes excitados como era Nick e eu, que o
inferno sempre estava disposto a nos engolir, caso colocássemos os pés à
beira da perdição. Caralho, alcancei a sabedoria de suas palavras naquela
noite, no instante exato que unhas pontudas arranharam minhas costas e
ondularam meu pescoço, por um instante sóbrio imaginei estar revivendo
sensações com Diana, no entanto, meu faro de caçador reconheceu o
perfume, reconheceu a pele sedosa e o gosto caliente que tomou minha
boca.
Eduarda!
Que diabos ela fazia em cima de mim, instigando o meu corpo ao
pecado que… porra! Não me subestime, eu sou um puto louco por sexo e
quando uma boceta encaixa no meu pau, é a ruína da sanidade.
Girei impulsivo, levando-a sob o meu corpo desnudo, acendi a
luminária oposta e concentrei-me em entender o que ela pretendia com tal
atrevimento. Cacete, aquela ninfeta era noiva do meu irmão e se por um
segundo julguei-a emocionada em meio a dois homens experientes,
cancelei qualquer pensamento, sua feição libertina respondeu prontamente
qualquer que fosse minhas dúvidas.
— Que porra você quer, Eduarda?
— Você!
— Enlouqueceu? Por que aceitou um anel do meu irmão se sente
vontade de transar comigo?
Num ímpeto suas pernas abriram-se e abraçaram minha cintura, aí
entendi por que minha pele queimava, porque a lascívia já consumia minha
corrente sanguínea. A desgraçada estava nua, meu pau duro perpassando
sua entrada molhada e a porra de um tesão abrasando nosso contato.
— Amo seu irmão e amo transar com você, Ricky. — Ela lambeu
meus lábios — Amo transar com os dois, é mais forte que eu.
— Nicholas te ama, ele quer se casar com você, caralho…
Gemi, suas unhas escorreram pelo meu dorso, por baixo da minha
pélvis e encaixou meu pau no sexo escorregadio e quente.
— Não faz isso…
— Eu sei que quer, posso me casar com o Nick e nossas festinhas
não têm que terminar.
Eu era o miserável de um fraco seduzido por uma ninfeta de vinte
anos, e isso fodeu tudo.
(...)
— Não vou colocar a culpa no álcool, Júlia, não mais. — Esforcei-
me em continuar, os olhos decepcionados brilhando com lágrimas prestes a
despencar. — Era prazer, sexo, carne, não sentimento de amor, o que rolou
foi tesão, e logo em seguida um arrependimento mortal. Eduarda estava
ciente que Nicholas não voltaria naquela noite e mesmo assim permaneceu
no apartamento, esperando que eu chegasse.
— E então vocês transaram? — murmurou fraca.
— Sim.
As lágrimas desceram e busquei colher cada partícula de sua
tristeza, apetecia arrancar cada feição de desilusão que apontou no
semblante delicado, mas não havia em mãos tanto poder, meu passado
fodido colidiu com o dela e soube com o coração sangrando que estava
diante de um abismo.
— Ricky, eu… — Ela recuou dois passos.
— Júlia, espera, por mais que tenha vivido algo parecido, esse bolor
não é nosso, não é justo, meu amor…
— Você não entende que por mais que não seja nosso, é sobre você,
sobre o homem que amo sendo um mau-caráter, tendo uma atitude filha da
puta com o próprio irmão… Caralho, como pôde deixar o tesão sobressair à
lealdade, como pôde?
Engoli o amargo de suas palavras e tentei conter seus passos.
— Me solta, Ricky!
— Não se afasta, precisamos conversar.
— Me solta, porra! — ela gritou, então findei o contato e mantive a
distância imposta, respeitei. — Você prometeu me proteger de qualquer um
que tentasse me magoar, só esqueceu de me proteger de si mesmo.
— Júlia, não faça isso, eu preciso de você.
— Precisa de mim? — Condenou aquilo. — Eu sou a última pessoa
que precisa nesse momento — disse dura, amarga. — Seu motorista vai me
deixar em casa, sozinha, acredito que o mar possa ser sua companhia até
seu retorno. Eu preciso pensar sobre… tudo, sobre nós. Por favor, não
insista, fique longe de mim.
Concordei, sentindo meu corpo inteiro doer com sua decisão,
desviei para o meu motorista dando a ordem com um menear de cabeça.
— Quando saberei que é a hora certa? — indaguei antes que fosse
tarde demais para uma tentativa. — Quando saberei que posso dar um passo
na sua direção?
— Não saberá!
E assim ela se foi.
Meu mundo parou no exato momento em que não tinha mais os
olhos da Júlia na direção dos meus, se era ciente do tamanho do amor que
sentia por ela, no segundo que a vi partir tudo ficou sagaz demais,
excruciante demais, insuportável demais. Eu amava tanto aquela mulher
que pela primeira vez perdi os sentidos, o rumo, a coerência do significado
da vida.
Magoá-la;
Decepcioná-la;
Presenciar lágrimas tristes escorrer dos seus olhos por minha causa,
tal como seu coração sangrar com as merdas que fiz, era o mesmo que
fincar um punhal no meu peito, mesmo assim, a dor do corte profundo não
se comparava ao que sentia. Perder minha garota não era uma opção, caso
acontecesse, optaria pela morte.
— Jú…, acordaaa… — Senti um toque suave nas minhas costas,
praticamente amaciando a minha pele sob a camiseta. Despertei do
pesadelo, pálpebras pesadas, cabeça latejando. — Você está bem?
A visão turva montou como fragmentos uma Melissa preocupada.
— Não. — Limitei-me a falar qualquer outra coisa e girei fugindo
do seu contato visual.
— Quer conversar?
— Não, Mel, quero dormir…
— Acho que não será possível — advertiu.
Voltei para ela.
— Que merda aconteceu? Não suporto mais nada, Melissa!
— Calma, nada de grave. — Tratou de explicar o alarde, meu
semblante colocou à prova meus batimentos cardíacos. — O gerente da
Pop’s Drive ligou, parece que querem você como garçonete. — Soltei o ar e
a infeliz abriu um sorriso amarelo, tanto ela, quanto eu, sabíamos que não
era um bom momento para má notícia.
Afundei o rosto no travesseiro e gritei ali.
Duas sensações, digamos que as mais leves das que transcorriam
meu corpo vazaram com o grito.
Alívio e aflição.
— Jú, se não se sente bem, melhor descansar, sei o que rolou na
mansão, pelo menos uma parte.
Sim, ela sabia, todos talvez soubessem de toda a insídia despejada
naquele escritório, ao que parece Melissa não mascarou o quanto o
acontecido abalava nossa respiração, perdoá-la não apagou o ato, o instante
infeliz. As cicatrizes não somem do tecido — da pele — elas cicatrizam, no
entanto, sua permanência mesmo curada, marcam como um estigma
indesejado. Não havia intenção da minha parte trazer à tona algo que
tentava a cada dia esquecer… e que num golpe só, Ricky trouxe como um
furacão desgovernado.
Meu caminho até o quarto após o motorista do Ricky me entregar
como um embrulho quebrável à frente do prédio, foi árduo. O trajeto
tortuoso martirizando tudo que ele confessou, toda a nojenta traição com o
irmão, toda a situação fodida com a Eduarda. Não houve voz para a
pergunta que ainda estava entalada na minha garganta, o menino,
supostamente podia ser o filho dele. Não ia ser hipócrita a ponto de negar,
roguei aos céus para que não fosse, não tinha dimensão das consequências
no meu coração caso aquele laço paterno de fato existisse.
Embora presenciasse a tortura em seu semblante conforme
expressava com arrependimento toda situação filha da puta, meu peito
espremeu com a devoção que o levou a cometer tamanha deslealdade.
Uma atração vil, impura, lascívia.
Uma atração por outra mulher.
Inferno!
Eram tantos sentimentos que pulsavam quando cada possibilidade
de que meu mundo que acabara de reconstruir, podia ruir a qualquer
momento.
— Jú… — Melissa me trouxe de volta.
— Eu vou — respirei fundo —, eu preciso trabalhar, há semanas
que espero essa vaga, e… sobre ontem… — Sacudi a cabeça amaldiçoando
a véspera. — Conversamos quando eu voltar.
Melissa anuiu com seu semblante doce.
— Eu sinto muito…
Sei que sim.
Mel voltou a ter o fardo que é ser minha amiga, bastava olhar as
nuances dos meus dias para concluir que não era nada fácil estar ao meu
lado, me ouvir e se possível atender aos meus anseios. Tudo mudava
depressa e, apesar da ruiva compartilhar de alguns segredos, não me sentia
confortável em confidenciar esse em particular, pois confrontaria tudo que
tentávamos esquecer — nosso passado —, ela não era a pessoa com quem
precisava urgentemente conversar. Raica sim, teria a sabedoria tempestiva
para aliviar um pouquinho daquele aperto.
Abri os braços implorando por carinho, ela veio e se encaixou ali.
Eu não chorei, apesar das malditas lágrimas beirarem meus olhos.
Melissa por sua vez denunciou por meio de um coração que
chacoalhou meu peito o quanto tudo a tingiu também. Aproveitei alguns
minutos no calor dos seus braços para logo em seguida correr para um
banho que não durou muito como precisava, não havia tempo sobrando para
encontrar o gerente da Pop’s, um homem de poucas palavras, sério e
prático.
Uma hora mais tarde entrei na lanchonete mais badalada de Los
Angeles, Pop’s Drive, lotada como de costume, lembrou-me o Retrô-Chill
em uma versão nostálgica. O cheiro de carne e milkshake de morango
movimentou meu estômago e abriu meu apetite, dei um giro rápido
reconhecendo alguns rostos da UCT até tombar com o gerente.
Talvez demorasse um tempo para me acostumar com seu olhar
avaliativo e intimidador, no entanto, para ganhar um dinheiro extra e
eliminar da bagagem pesada que dona Ana carregava desde o meu
desembarque nos Estados Unidos, eu suportaria.
— Pegue. — Ele lançou o avental amarelo com vermelho que por
pouco não chocou no meu rosto. Ok! Tinha um emprego. — Amanhã te
entrego o uniforme. — Espiei a vestimenta da outra garçonete, meu pai
amado, esperava que o meu traje cobrisse ao menos as coxas, detalhe esse
dispensável na bainha do vestido de Megan, a garçonete mais antiga da
Pop’s Drive.
Curto, muitoooooooooo curto, notei com um certo espanto.
— Obrigada — agradeci e amarrei as faixas ao redor da cintura. —
Já começo hoje?
Tentei entender a contratação rápida e confusa.
— Sim, pensei que fui claro em relação a isso.
Não, nem pensar.
— Sim, claro que foi — menti descaradamente. — Preciso de um
minuto para fazer uma ligação.
Ele curvou os lábios, mas consentiu a contragosto.
Pisei a passos largos até a saída dos fundos, sendo monitorado com
os olhos de águia do meu novo chefe. Os fundos era um espaço pequeno,
com cestas de lixo enormes e um cheiro de gordura um pouco enjoativo, me
afastei da porta para não levar uma portada caso uns dos funcionários
resolvessem fumar no local, ou dispensar o lixo. Bem essa era uma das
minhas funções naquele início. Por fim, saquei o celular e liguei para o
Brasil.
Três toques e uma voz que amo atendeu:
— Gringa?
— Eu… — Quase desmanchei toda a minha angústia nesse primeiro
contato. — Tudo bem, preta?
Ela praticamente ensurdeceu meus tímpanos ao responder:
— Ah, Jú, que saudade, eu estava pensando em você ontem,
comentei até com o Renan e o Théo, aliás, eles estão mortos de saudade, o
quanto a senhora faz falta por aqui, nossas conversas, nossas fofocas, a
WUC não tem a menor graça sem você. — Sua voz embargou e eu não
contive as gotas que rolaram quentes. — Mas chega! — Ela crepitou. —
Ok, sou uma matraca falante, diga o que manda a gringa?
Limpei meus olhos removendo um pouquinho da tristeza.
— Saudade de você…
— Hum… — Minha voz não escondeu o quanto precisava da minha
amiga. — Aconteceu alguma coisa, Júlia, meu peito apertou com sua voz?
— Raica, aconteceu tudo e mais um pouco — falei. — Ricky me
encontrou há dois dias. — Afastei o celular para não ficar surda com o grito
que ultrapassou os continentes. — Calma, Raica!
— Gente, que isso, como a senhora me pede calma diante de uma
fofoca dessa?
— Preta, minha vida não é fofoca, segura a onda. — Ri e ela
também.
— Girl, ele conseguiu então? — disse com um certo orgulho na voz.
Curiosa, perguntei por que, me sentando na mureta para ouvir sua resposta.
— Esse homem estava desesperado à sua procura aqui no Brasil, no
entanto, seus amigos fizeram a besteira de jurar para a sua mãe, que
vendeu muito bem a ideia de que essa oportunidade salvaria a sua vida,
que uma aproximação com os Walkers a enterraria novamente no buraco
doloroso que vimos você afundar. Tanto eu, quanto os meninos não
informamos seu paradeiro a ele, meu coração sempre dizia que se tivesse
que ser, que o universo providenciasse isso…
— Muito obrigada, dona Raica — informei decepcionada. Todos
contra nós, esse era o título do filme da minha vida. — Custava me informa
que Ricky estava me procurando?
— E acabar com sua vida na Califórnia? — Ela pareceu se
movimentar. — Nem pensar, depois de tudo, juro que não confiava em mais
ninguém daquela família. — Foi sincera. — Esqueceu o quanto a vi sofrer?
— Eu sei, entendo você…
— Enfim, estão juntos? — Não tinha resposta para aquela pergunta,
ou melhor dizendo, havia uma resposta. — Jú…?
— Estamos noivos… — O grito agudo sem sombra de dúvidas
agrediu violentamente meus tímpanos. — Raica, você vai enfartar!
— Tudo bem, estou no hospital mesmo — disse, ao fundo um
anúncio de um alto-falante se misturou com a respiração dela. Como assim?
O que ela fazia no hospital?
— Você está bem? — indaguei impaciente.
— Eu sim, agora o filho da Eduarda não está nada bem, vim
acompanhá-la, tadinha.
Engoli o amargo da notícia, em meio a tudo aquilo havia uma
criança com câncer, doente, muito doente. Meu Deus, como era possível um
peso tão grande envolver brutalmente um ser tão pequeno?
— Qual é o nome dele?
— Enzo, Jú. — Ela respirou forte. — Bem, segundo os médicos, não
há mais nada a se fazer, as quimios não deram o resultado esperado, e
agora ele precisa de um transplante, Eduarda não é compatível, eu e os
meninos fizemos na semana passada o teste e não somos, o único agora que
poderia ser é o pai, mas ela se recusa a falar sobre essa possibilidade.
Apertei o celular no peito, deixando Raica à mercê de uma
continuidade, minha cabeça numa confusão angustiante. Puta que pariu,
meu coração gritava, caso o Ricky fosse de fato pai daquela criança, havia
uma possibilidade de salvá-la. O que esmagava tudo dentro de mim, não era
a possibilidade, e sim a simples constatação de que trazer à tona aquela
história traria consigo muito mais do que podia suportar.
Um passado confrontante com o meu.
Um ódio inflamável entre os irmãos.
Embora houvesse aquele ponto a ser esclarecido — a dúvida ainda
permeava —, Nicholas não transpareceu empatia alguma logo que se referiu
ao menino, sua voz respingou o quanto repudiava a ideia de que a
infidelidade herdou um fruto indesejado, então, entendi que todos os sinais
eram que Ricky fosse o pai.
Entendi e sofri ainda mais com aquilo.
Voltei para o celular e para Raica.
— Jú, a senhora ainda está aí…? Júlia…, acho que a ligação caiu…
— Sim… — Limpei a garganta. — Sim, estou aqui.
— Que bom, amiga, achei que a ligação tivesse caído.
— Raica, quanto tempo ele tem? — perguntei de uma vez.
Ela soltou um longo suspiro.
— Olha, Jú, pelo andar da carruagem, depois que me acabei de
chorar vendo o rostinho de anjo tão debilitado, acho que pouco tempo.
Meu corpo inteiro doeu.
Ele era só uma criança.
— Jú, está tudo bem? Essa notícia parece que mexeu um pouco com
você, sua voz mudou, girl.
Amiga, você nem imagina o estado do meu mundo, um caos, um
desesperado rumor de indecisões. Só havia uma coisa a ser feita e mesmo
tremendo diante da decisão, não perderia um segundo sequer do tempo
curto demais para tomá-la, jamais me perdoaria se algo acontecesse e eu me
calasse como uma egoísta egocêntrica.
— Eu realmente lamento por ela e pelo Enzo, poxa vida, que
sofrimento, preta. — Pretendia despejar tudo para a minha amiga, contudo,
aquele não era o momento, fora que um certo chefe estava a me encarar de
braços cruzados e expressão de que minha estadia na Pop’s não passaria
daquela tarde, caso eu não encerrasse a ligação. — Amiga, preciso desligar,
prometo que ligo mais tarde.
— Jura? Promessa de dedinho?
— Sim, sua chata. — Ela soltou uma risada gostosa. — Deixa um
abraço para a Eduarda, diga que tudo vai ficar bem.
— Amo essa sua positividade, nos faz ter esperança na vida.
— Raica, se não houver esperança nem vale a pena viver.
— Te amo, gringa.
— Impossível, eu te amo mais.
Finalizei a ligação e fitei meu chefe, o sisudo cruzou os braços à
frente do peito e como se marcasse o tempo batia a ponta do pé direito no
asfalto.
— Bora trabalhar, não é mesmo. — Dei um sorriso amarelo e voltei
para o interior da lanchonete.
A conversa com Raica praticamente alimentou a minha mente, mal
consegui me concentrar nas explicações que Megan se esforçou em passar
no primeiro dia, remoí cada palavra da situação trágica durante a tarde mais
longa da minha vida, a voz da minha amiga vadiou por todos os meus
neurônios, minha mente e o meu coração disputavam uma decisão. Deus,
ainda não era a hora, não estava preparada para esse encontro, meu corpo
tremia inteiro por aquele homem, sabia o efeito que Ricky tinha sobre mim
e temia em fraquejar. Tempo. Tempo. Tempo. Era o que precisava para
assimilar todo o passado sujo e sei lá… mas e o menino, ele não tinha culpa
de nada… Sem pensar, no impulso, peguei meu celular segundos depois do
fim do meu turno e disquei.
— Pare, senhor, pelo amor de Deus, pare! — gritou de longe um dos
empregados ao ouvir o estilhaço de mais um copo ao se chocar na parede.
A fúria que queimava meu corpo trouxe consigo um desejo
inacabado de quebrar tudo à minha volta, talvez fizesse isso se estivesse em
outro lugar, mas como estava na mansão e meu pai, embora distante estava
meramente debilitado, adiei por ora a decisão de destruir o mundo, caso
Deus me desse aquela chance.
Não era justo.
Nunca me entreguei para o amor, nunca me entreguei a uma mulher,
a Júlia é… não suportaria novamente a dor de perdê-la. Não suportaria o
castigo de nunca mais tocá-la. De não gozar das sensações que aquela
garota provocava no meu corpo.
Que porra de golpe.
Que caralho de covarde eu fui.
Houve inúmeras chances de abrir o jogo, de contar a origem daquele
ódio ou de simplesmente ser honesto com ela, não o fiz, subestimei meu
irmão, subestimei o acaso, jamais pensei que ele teria coragem de
ressuscitar aquele peso podre.
Que confiança a minha.
Que porra de confiança me dominou.
Evidente, que na primeira oportunidade que tivesse, ele amargurado,
traria toda a situação fodida com uma espécie de avalanche destruindo tudo
que construí com a Júlia.
Desgraçado!
Lancei com toda a minha força a garrafa em posse na mesma mira
dos copos.
— Ricky, pare com isso. — Sara se aproximou e nem sua presença
evitou de que outra garrafa tivesse o mesmo destino. — Chega dessa merda,
é uma ordem! — A ideia de destruir outra garrafa, findou assim que sua
pequena mão se fechou no meu punho. — Basta, filho. — Ela pegou o
vidro e eu desabei no estofado que beirava minhas pernas. — Pode ir, Kim
— avisou ao empregado — Ricky…, filho.
Cobri meu rosto com as mãos, o álcool exalando dos meus poros, a
respiração queimando minha garganta e um coração sangrando a cada
batida. Era óbvio que não havia perdão. Júlia não escondeu através do olhar
ferido que lançou a cada palavra que destacava o quanto meu ato sórdido
confrontava a dor que ela lutou para curar.
Por fim, o castigo estava completo.
— Filho, vamos conversar.
— Não há nada a ser dito, Sara. — Encarei minha mãe e de
imediato seu semblante crispou. — Fiz merda e estou pagando por isso.
— Seu irmão…
— Mãe, sou um fodido, só tive consciência da dor que causei ao
Nicholas, quando a mesma infeliz perfurou meu coração como uma faca
afiada… Amor, que porra de sentimento doloroso é esse? Por que me sinto
sem ar só de pensar que perdi minha garota? Me sinto sem chão de cogitar
que nunca mais terei um sorriso dos seus lábios, não… eu não suporto esse
ardor…
— Ricky, olhe para mim — ele exigiu inutilmente, eu nem sequer
conseguia manter a cabeça suspensa.
— Na época as desculpas e os diálogos de arrependimento que
pensei na minha cabeça egoísta ser o bastante, ser o necessário para aliviar
o que fiz, hoje compreendo… Diabos, eu compreendo que a porra do meu
ato desleal, cruel, imbecil, que trai meu irmão por conta de um tesão, foi
cruel. Eu… nem consigo mensurar a dor, só de imaginar ver a Júlia na cama
com outro homem gera um… eu… tudo dentro de mim projeta as piores
coisas, eu…
Sara segurou meu rosto, obrigando-me a encará-la.
— Você ama tanto assim essa garota?
As lágrimas escorreram lúcidas do tamanho do meu sentimento.
— Mãe, Júlia é minha mulher, a senhora ainda não compreendeu?
Sara negou.
— Não aceito, essa garota nunca vai deixar de ser a filha do maldito
que quase te matou, assim como não a aceito, não aceito essa dor que vejo
na sua alma, meu filho não é um fraco, nunca foi e não vai ser agora que
vou presenciar lágrimas escorrem no seu rosto por causa de uma ninfeta
desse tipo.
— Como não entende?
— Não há o que entender, sete anos se passaram e meus filhos
novamente revivem uma merda causada por… mulher? Meus herdeiros se
ajoelhando aos pés de duas garotas tolas.
Estreitei os olhos e por mais difícil que fosse manter-me sóbrio com
a quantidade absurda de álcool que ingeri desde a véspera, ainda sim
calculei cada milímetro daquele semblante amargurado.
— Meu pai te amou, mãe? — A surpresa na pergunta movimentou
alguns traços do seu rosto delicado. — Todos esses anos enxerguei um casal
feliz ou essa amargura no seu tom revela que Nicholas e eu vivemos uma
mentira?
— Não me use como exemplo diante do meu desprezo a esse
relacionamento.
— Me responde, mãe! — Encurralei e dona Sara, a mulher que
sempre demonstrou ser a mais feliz das mulheres, mas ela recuou.
— Não sou feliz com os meus dois filhos duelando como loucos por
conta de duas ninfetas, isso acaba aqui…
Ergui-me com dificuldade, de fato o uísque bateu, caminhei em
direção ao banheiro, uma ducha aplacaria uma parcela de toda essa porra.
Sara suspirou, acreditando que meu silêncio seria o alento à sua ordem.
Abri a porta e antes de dar o passo que me colocaria para dentro do
banheiro, inqueri, e apesar da sua expressão desprezar as palavras, garanti
que soubesse meus planos e se preparasse para cada um deles.
— Mãe, primeiro, a Júlia não é uma ninfeta — me apoiei no batente
—, eu vou reconquistá-la e ela será minha esposa, então para não ficar de
última hora prepare os trajes de gala porque quero você e Robert no altar ao
meu lado. Agora se por infelicidade vocês não aceitarem compartilhar da
minha felicidade, desculpe, não vou poder fazer nada. Segundo ponto:
Nicholas, farei o possível para obter o seu perdão, é a única forma de acabar
com essa guerra.

— Valéria, estou ficando bem confuso se sou eu o chefe ou o


contrário — questionei, ocupando o banco traseiro do carro. John acenou
com a cabeça garantindo que estava tudo certo para seguirmos. —
Desmarque todos os meus compromissos nos próximos quinze dias. Qual é
a dificuldade?
No que conhecia minha assistente era provável que estivesse a ponto
de um enfarto. Talvez devesse informar os paramédicos do Brasil, apesar de
teimosa, Valéria era a melhor mais capacitada, além de uma velha amiga
que me conhecia como a palma da mão.
— Ricky, como assim? Meu Deus, são muitos compromissos, alguns
inadiáveis, outros que custaram alguns milhões. O que eu faço?
— Resolva, pago você para isso. — Meu tom não soou tão áspero
quanto as palavras. — Moleza… você consegue.
— Peço demissão, pronto, não sou obrigada a suportar isso, vou ao
RH agora mesmo, adeus chefe — desligou.
Claro que ela não faria isso, Valeria sempre surtava quando de
repente eu modificava seus planos.
Soltei o celular no assento vazio, encarando a tela que esperava
brilhar com um nome em especial, minha linda garota. Mesmo
considerando o tempo, esperava como um miserável sonhador ouvir sua
voz. Certo, concordei com a porra da distância, no entanto, se a Júlia
estivesse pensando que eu ia desistir do nosso amor, ela estava muito
enganada. Nem por mil anos cogitaria essa ideia.
Pesei o pescoço no assento e idealizei a chegada num certo
apartamento, precisava ter calma, pois sabia o quanto meu irmão me odiava
e o tipo de clima que minha presença causaria, não preparei uma só palavra,
nada, absolutamente esvaziei o estoque de desculpas inúteis que nunca
serviram para aplacar a merda que deixei acontecer.
A alma manchada pesava culpada.
O trajeto até Los Angeles foi mais longo do que gostaria, nunca que
aquele passado de erros embrulhou tanto meu estômago como naquele
instante, parecia por fim que a chave girou, a maldita noite latejava o meu
subconsciente e toda merda que Eduarda jogou sobre meus ombros fardara
forte, amaldiçoei a desgraçada a cada segundo que o carro percorria a
estrada. Recordando como um disco riscado o olhar de Nicholas ao
presenciar a cena, ao presenciar o ato torpe:
(...)
— Seu filho da puta!
Um estrondo me despertou e não houve tempo para mover a cabeça,
ou identificar de onde algo muito pesado acertou com força minha cabeça,
já não era possível raciocinar, uma confusão dolorida desnorteou tudo e só
senti algo quente escorrer na lateral do meu rosto.
Ela gritava lamentações.
Ele berrava toda a sua fúria.
Eu tentei abrir os olhos e juro que preferi a morte, ao invés do
cenário caótico que enxerguei.
— Sua vagabunda dos infernos...
Os gritos desesperados de Eduarda ressoaram trêmulos no
ambiente, minhas pálpebras abriram-se com muita dificuldade, visão turva
e completamente desorientado, uma dor atingiu meu estômago e uma ânsia
feriu minha garganta. Forcei os olhos para recuperar a visão.
Que porra me acertou?
Com muito custo localizei Eduarda que permanecia implorando aos
prantos para um Nicholas fora de si. Além de me culpar, lamuriando que eu
havia a seduzido.
Desgraçada!
— Porra, Ricky. Como você pôde fazer isso? — A voz amarga,
ferida, olhos vermelhos, sangrando, e uma estrutura em completa
combustão, se posicionou diante de mim, não havia o que dizer, pensei
naquele momento que caralho eu havia feito. Ainda me dispus do tempo,
mesmo sem merecê-lo. — Vocês estavam transando nas minhas costas? É
isso! Mesmo depois de eu colocar uma aliança no dedo dessa vagabunda?
— Cuspiu cada palavra como se eu prensasse as feridas da sua alma. —
Como pôde? — E então as malditas lágrimas escorreram de seus olhos e
respirar pareceu penoso. — Eu te disse que a amava e…
— Nicholas, foi um momento idiota e…
— Momento idiota? Então foi a porra de um momento idiota? Devo
acreditar nessa merda e fingir que não vi o seu pau na boceta encardida
daquela piranha?
(...)
Aproximei-me da porta, mas não bati, primeiro pesei a cabeça na
madeira movendo-a de um lado para o outro, confrontando o quanto estava
perdido no âmbito que por vezes evitei, talvez me achasse certo o bastante
para aquele avanço, embora soubesse o estrago que havia causado.
Finalmente, soquei a madeira, nem sei exatamente quantos murros
foram precisos para que ele atendesse e não escondesse assim que me
encarou com semblante irônico o valor da visita.
— O que faz aqui, maninho?
— Precisamos conversar.
— Desde quando?
— Nicholas, por favor, só me escuta.
— Por que devia, fazem sete anos, já escutei o bastante.
Soltei o ar como se expulsasse tudo que latejava dentro de mim,
quem dera a dor cessasse com aquele sopro.
— Temos que resolver isso de uma vez.
— Estou ocupado. — Deu as costas voltando para o interior do
apartamento, fui ao seu encalço. — Estou um pouco ocupado como pode
ver.
Compreendi ao alcançar a sala de estar o quão atarefado meu irmão
estava, haviam ali, completamente nuas, duas mulheres, além de garrafas
intermináveis por toda a mesa de centro, o ambiente cheirava a sexo.
— Como pode ver, as garotas não podem esperar, apenas
começamos, irmão. — Ele girou uma delas com muita agilidade, deixando-
a de quatro para ele, a garota gemeu e rebolou o quadril de encontro à sua
pélvis, a outra iniciou lambidas nas curvas dos seus músculos. — Quer
relembrar o passado, Ricky, quando ainda fodíamos juntos as putinhas que
escolhíamos a dedo?
Bem, esse era o jogo, fúria e injúrias.
Respirei fundo.
— Vira aqui, amor, vou foder sua boca e depois seu cu — disse para
a garota que até então oferecia de bandeja a bunda farta. — Olha, Ricky, eu
estava pensando nas coisas que devia ter feito, mas não fiz, mesmo você
merecendo um troco a altura.
Júlia, meu ponto fraco.
Desgraçado!
Porra, meus instintos afloraram, não era o mesmo de quando entrei.
— Nicholas, não é assim…
A garota que engolia com fome seu pau, gemeu se fartando. Ele por
sua vez, como um filho da puta que não entregaria rapidamente os pontos,
prendendo os dentes nos lábios, gemendo de prazer.
— Podia ter seduzido a ninfeta, fácil, fácil... — sussurrou ordinário.
— Como você fez com a vagabunda da Eduarda e fodido sua boca assim
como estou fazendo com essa puta gostosa.
Travei os punhos sentindo cada músculo se contrair, meu sangue
ferveu com a hipótese, mesmo ciente da real intenção, meu sangue ferveu.
— Seria incrível, maninho… — Ele empurrou a garota e girou ao
encontro da outra, posicionando-a como uma boneca, arrebitando-a para
ele, vestiu rápido uma camisinha e meteu sem pudor seu cacete na bunda da
mulher —, bem, tenho de admitir, temos gostos parecidos por mulheres,
não acha?
Fez a maldita questão de mirar meus olhos, só para que eu lesse o
masoquismo transmitido em suas íris azuis, um misto de desejo, ódio, dor…
muita dor, nunca entregue totalmente. Por mais consciente que estivéssemos
do latejo no peito um do outro, essa dor desgraçada era esmiuçada,
condenando-nos a permanecer naquela roleta russa de emoções.
Numa porra de encontro que nunca terminava como devia, éramos a
dose de veneno fatal um do outro.
— Então… — Aumentou o ritmo do quadril, a cadela gritava em
deleite ao ser fodida. — Pensei muito em colocar sua Julinha de quatro e
foder seu rabinho.
Basta!
— NUNCA MAIS REPITA ISSO, SEU DESGRAÇADO.
Acertei-o com tanta força que sequer lhe dei a chance de revidar, ele
declinou sob a parede e tocou o nariz ensanguentado. Não era o intuito
socar a cara dele como se quisesse matá-lo, não com duas mulheres nuas,
recém fodidas como testemunha. Imprescindivelmente meu ato imundo ao
qual guiou-me novamente na tentativa de curar de vez a ferida e tentar
qualquer coisa menos as agressões, as quais sempre nos quebrava, as quais
sempre seriam gatilhos enormes — foi inútil. E a Júlia…, porra, por ela eu
virava um demônio sem me importar com qualquer consequência.
— ELA NÃO FAZ PARTE DESSA MERDA, ISSO AQUI, ESSE
CARALHO, ESSE POÇO IMUNDO QUE ESTAMOS CONDENADOS
HÁ ANOS É MEU, SEU E DA EDUARDA. NÃO TENTE NADA
CONTRA ELA, NÃO SE APROXIME DELA OU ENTÃO, O POUCO
QUE SINTO POR VOCÊ NÃO SERÁ O SUFICIENTE PARA SALVÁ-
LO DO MEU INFERNO, NICHOLAS.
Olho no olho queimando numa brasa suicida.
Um contato destrutivo.
Uma queda de braço que estava longe de ter fim.
— Tenho planos, irmão, é bom que saiba. — Lambeu como um
sádico os dedos regados com o próprio sangue. — Era perdão que o trouxe
de volta ou o medo de perder seu coração? Porque sim, a Julinha é o seu
coração. — Gargalhou frio. — Eu nunca quis tanto algo como quero agora.
Dei um passo, todos os músculos tensionados, mas contive, os gritos
assustados das mulheres encolhidas nas paredes me venceram, e no mesmo
momento meu celular tocou, interrompendo o início da tragédia que seria se
atendesse aos meus instintos.
“Júlia”, seu nome piscado na tela era de fato, por ora, o cessar fogo.
Voltei para Nicholas.
— É ela? Atende — ele indagou como um lunático.
— Não se atreva, basta dessa merda, eu…
— Por fim me toquei que fodi com meu irmão depois de sentir o
amor pela primeira vez? — expressou teatralmente. — Era esse o discurso
imundo que veio ensaiando, o que o fez engolir o orgulho e bater na minha
porta? — Seu rosto pulsou em sangue puro, seus punhos travaram
dominados por uma fúria. — TARDE DEMAIS, SEU DESGRAÇADO, É
TARDE DEMAIS!
— Sim, talvez seja.
— Que lugar é esse, e por que está de avental? — Ricky perguntou
assim que me aproximei do seu carro. Semblante enrugado e braços
cruzados. — Está trabalhando aí?
Coloquei o avental dentro da mochila, antes de lançar a ele um olhar
bem insatisfeito com o interrogatório.
— Boa noite, Ricky — saudei irritada e pisei firme entrando no
carro, onde seu motorista estava de prontidão como um soldado da rainha.
— Vamos!?
Ele moveu o maxilar e contornou entrando no outro extremo.
— Por que escondeu que trabalhava na Pop’p? — indagou enquanto
se acomodava.
— Quer medir agora o nível de sinceridade entre nós? — Trocamos
um olhar magoado até os pontos castanhos caírem para minhas mãos que
ainda brilhavam com o diamante. Ele jogou os lábios de canto e voltou para
mim. — Precisamos conversar, tem algum lugar tranquilo que possamos ir?
— Sim, claro! John o hotel de sempre — disse ao seu motorista que
colocou de imediato o carro em movimento. Havia uma distância razoável
entre os corpos que por um instante Ricky quis findar, no entanto, preferi
manter. — Júlia, não…
— Eu disse que precisamos conversar — impus, dura, inflexível.
Ele assentiu com uma expressão apagada, respiração afetada. Notei
seus punhos levemente avermelhados, como se tivesse acertado algo com
muita força. Quis me inteirar preocupada se houve porventura um confronto
com o irmão. Esse sempre era o motivo de um Ricky fora de si, machucado,
abalado, mas contive esse impulso e desviei para a janela, meu porto seguro
seria me concentrar no que ia dizer enquanto a paisagem refletia tranquila
do lado de fora.
O hotel, como sempre de luxo, suíte presidencial e a vista de encher
os olhos. Joguei sobre a sofá da espaçosa sala a minha mochila e percorri
lentamente o carpete, meu coração quebrando aos pouquinhos e minha
mente uma bagunça só. Parei diante da larga janela, senti o corpo grande
cobrir-me com a aproximação, suas digitais ondularem meus ombros, seu
hálito quente arrepiar meu pescoço, mantemos esse mero contato por alguns
segundos.
— Não me convença a viver sem você, porque eu não consigo.
Virei e encontrei seus olhos febris, mas também pedintes de perdão,
ele acariciou meu rosto prolongando o gesto, fazendo-me sentir seu toque
calculado em cada linha triste.
— Toda vez que eu olho pra você, sinto o meu corpo estremecer,
acordar, queimar, meu olhar se perde no seu de tão fascinado que sou nessas
íris de cores diferentes, se há algo acima do amor, porra, Júlia, eu alcancei
esse sentimento por você.
— Ricky…
— Fica comigo?
Minhas pálpebras fecharam e algumas lágrimas quebraram ali, senti
seus lábios rasparem os meus a procura de espaço, permiti o encaixe,
saboreando sua língua enquanto invadia minha boca, menta e pimenta era o
sabor. Depois conforme eu cedia, sua língua serpenteava a minha numa
dança intensa, gostosa, gulosa.
Ricky ergueu-me, abracei sua cintura com as pernas, o beijo cada
vez mais profundo, senti o vidro gelado esmagar minhas costas por alguns
segundos até ser carregada e posta sentada sobre a bancada que dividia o
bar da sala. Minha bunda se chocou no mármore frio com impacto,
cessamos o beijo para que ambos se desfizesses das roupas e voltasse a se
pegar como se o amanhã não existisse.
Talvez, para nós não existisse mesmo.
Sem preliminares, até porque eu estava pronta para ele e ele duro
para mim, Ricky me penetrou, nunca o senti tão exigente, tão necessitado.
Ele metia e eu chacoalhava, um sexo intenso, indomável. Meu coração
gritava magoado e meu corpo queimava excitado, um caos angustiante.
— Você é minha! — bramiu metendo forte. Apoiei as mãos no
mármore e pesei a cabeça na nuca, meu quadril beirando a borda da
bancada, seus dedos moendo minhas popas prendendo-me para o vai e vem
da sua pélvis. — Olhe para mim. — Reivindicou meus olhos. — Quero que
leia a minha alma enquanto te fodo.
Eu o fiz e selamos ali, uma busca infinita de almas.
Lágrimas brotaram nos meus olhos, certa do que faria.
Lágrimas brotaram em seus olhos, incerto do que permiti
transparecer.
Nossos corpos se chocando, se comendo, se fodendo enlouquecidos.
O suor trilhando caminhos na carne abrasada, e o calor fatídico do
clímax beirando todos os elos de satisfação. Gemi, gritei, querendo rasgar o
mármore com as unhas, sentindo meus grandes lábios pingando enquanto o
pau de Ricky socava meu ventre, nossos olhos em constante contato
lagrimejavam nossas angústias.
Dolorosos.
Prazerosos.
Doentes.
Não sabia predominar o que acontecia, só acontecia.
— Eu… — sussurrei e pressionei os olhos, as gotas de tristeza
despencaram tristes por minhas bochechas, apertei Ricky que costurou os
lábios com os dentes, seu limite estava próximo, soube quando ele se
afastou e despejou espasmos de sêmen no carpete.
Meu peito subindo e descendo, a sensação maluca daquela transa
consumindo meu corpo de forma que as lágrimas voltaram fortes.
Cobri meu rosto.
— Júlia, meu amor, não chore.
Senti seus braços me envolver, fortes, seguros. Eu amava aquele
homem, jamais nessa vida seria capaz de amar alguém como o amava.
Só que amor não bastava, não para Júlia e Ricky, não para nós.
Éramos muito mais que isso, éramos além do que podíamos
imaginar sentir e, se a decepção perfez o brilho dos meus olhos, não havia
nada que a ser feito, que não fosse…
— Ricky — sussurrei aos soluços. — Olhe para mim.
Sua cabeça se moveu devagar, até unirmos nossos olhos.
— Qual a chance de o Enzo ser seu filho?
Ele soltou a ar e deixou o rosto cair.
— Não sei... — disse amargurado.
— Pode ser do Nicholas?
— Não sei. Julia, essa criança pode não ter nada a ver a gente.
— Como não?
Ele massacrou os cabelos com os dedos.
— Puta que pariu, ela podia transar com outros caras, sei que isso
não justifica, sou o desgraçado que era atraído pela noiva do meu irmão,
mas… porra, nós três antes transamos juntos e…
Um silêncio excruciante se instalou.
— Bem, após o momento que praticamente sepultou muita coisa, ela
desapareceu, a princípio não lamentei por isso, se seu retorno não fosse o
golpe de mestre. — Não fingi como se aquilo não me perturbasse. Perguntei
por quê. — Ela confessou a gravidez, naquela altura três meses, claro que
não acreditei, uma única transa sem camisinha não resultaria num filho, foi
então que ela me ameaçou jogar toda a merda no ventilador se eu não
assumisse… — Ele riu fastigioso. — Ela ia me denunciar, acabar com a
WUC, com a minha carreira e com a minha família.
— Ela não cogitou momento algum que o filho fosse do Nicholas?
— Não, “esse filho é seu” foram suas palavras.
— Não há notícia sobre isso, Ricky, jornais, revistas, nada relata
uma denúncia, eu pesquisei, vasculhei a internet em busca de pista para
entender melhor e não encontrei nada — questionei sentindo meu coração
apertar. — Como calou a Eduarda?
Ele balançou a cabeça, como se negasse a recordação clara no seu
semblante furioso.
— A Ellen…
— Ellen?
— Sim, ela acionou os advogados, amedrontou a garota com todas
as artimanhas possíveis, a desvinculou da WUC e resolveu o problema.
— Problema? Que merda, Ricky, que porra você fez com a garota?
Acabou com a vida dela!
— O que queria que eu fizesse, assumir como esposa a noiva do
meu irmão?
— Isso não te impediu de transar com ela — acusei.
— Estou pagando por esse ato imbecil.
— ELA ESTAVA GRÁVIDA!
— ESSE FILHO NÃO É MEU, PORRA!
Precisei de um tempo, ele também, nunca gritamos um com o outro
e não podíamos apagar o dito, palavras ferem da mesma forma que as
atitudes.
— Desculpe, meu amor, não quis…
— O garoto está com câncer, ele está morrendo.
Ricky cambaleou chocando a parede atrás de si.
— Quê? — Timbre fraco.
— Ele está entre a vida e a morte no hospital, à procura de um
doador, se você for o pai…
— Eu não sou — negou, ajustando a calça e avançando para a sala.
— Não com uma única noite sem preservativo.
Desci da bancada.
— Mas se você for, pode ser compatível e salvar a vida dele, ele é só
um garotinho, não tem culpa de nada.
— Não, não acredito em nada… — Ele travou quando coloquei ao
alcance dos seus olhos o anel de noivado. — Não faça isso, Júlia.
— Não consigo, não consigo continuar assim… — Pousei a joia na
mesa ao meu lado. Ricky desesperado invadiu meu espaço, segurou meu
rosto.
— O que quer que eu faça? Que vá atrás daquela mulher e assuma a
criança? Isso será o bastante para devolver o anel para o seu dedo?
— Não. — Engoli com dificuldade, meu coração sentia tudo que eu
abria mão com aquela tomada de decisão. — Eu quero que você arrume a
merda que fez, começando pela criança, DNA é um exame eficaz e, se caso
for o pai, faça o certo.
Dei as costas para ele, em busca das minhas roupas e comecei a me
vestir. Ricky permaneceu estático, respiração carregada, a mente flutuava
num mar turbulento.
— Eu tentei falar com o Nicholas hoje — iniciou. — Impossível, ele
me odeia!
Peguei minha mochila e joguei nos ombros.
— Qual sentimento você esperava dele?
— Você perdoou a Melissa.
— Sim, perdoei, só que independente de qualquer coisa ela tinha 17
anos e você… Porra, Ricky, não se justifique assim, não quebra o pouco
que resta entre nós.
— Não há pouco entre nós, basta você lembrar os segundos
anteriores. Eu te amo, e nada vai ser capaz de mudar isso.
— Eu também te amo, mas não basta, quero voltar a enxergar o
Ricky Walker por quem me apaixonei, não esse…
Ele veio e eu recuei dois passos, quebrada, destruída, sem apoio
para sustentar minhas emoções.
Desistir do nosso amor não era nem em sonho uma decisão segura,
pelo contrário, sangrava meu coração, rasgava minha alma, mas não havia
outra escolha, não naquele momento.
— Você está me deixando? — Voz embargada, lágrimas expondo o
quanto minha partida o feria. — É um fim, Júlia?
— Enzo, ele está morrendo, Ricky, faça o certo.
Abandonei o quarto de hotel certa de que Ricky não impediria.
Não com o fardo que deixei em seu ombro, esperava com o coração
apertado, mesmo ciente de que ele ia ao encontro de Eduarda, esperava que
ela salvasse o menino. Não entendia o motivo real de acreditar naquilo, até
porque ele podia não ser o pai, havia essa possibilidade. Meu conto de fadas
acabou na mansão Walker, ali eu soube que nada seria fácil, viver aquele
romance não seria fácil. Desejei fechar os olhos e acordar daquele pesadelo.
Encarei o mar, distante, sereno. Afundar nas águas negras e sumir,
emergir todo o peso que puxava minha existência para baixo, sonhei com a
chance. Senti como um déjà vu, o mesmo sentimento infeliz, lancinante de
perder o Ricky, a mesma sensação dolorida que destruiu minha alma nos
instantes em que sua família recusou minha presença, tudo veio forte, então
a areia me puxou e caí a chorar. O que gritava no meu peito podia ser
ouvido de longe, sufocava, esmagava.
— Júlia… — Uma mão macia tocou meu ombro, demorou para eu
reconhecer a voz, mas o perfume doce e forte respondeu logo à questão. —
Aconteceu alguma coisa?
Limpei rapidamente os vestígios das lágrimas que bagunçavam meu
rosto e acenei envergonhada para as outras duas garotas que acompanhavam
Megan, minha companheira de trabalho na Pop’s Drive, a do vestido
curtíssimo, lembram?
— Não, está tudo bem, eu só...
— Homem! Acertei?
Elas riram solidárias.
— Quase isso. — Segurei sua mão que apoiou minha subida. —
Muita merda, talvez um amor proibido.
— Tenho uma boa cura para isso. — Ergui uma sobrancelha
enquanto ela fuçava a bolsa a procura de sei lá o quê. — Tenho um convite
sobrando para a FIRE.
— FIRE? — perguntei desconexa.
— A boate mais badalada de Los Angeles, garota! — Ela
praticamente me chamou de burra. — O que faz aqui? Só estuda pelo visto.
— Sim, estudo e sofro.
Minhas habituais sinas.
— Bem, podemos te tirar dessa fossa, estamos indo pra lá, chapar,
dançar e esquecer os boys que nos magoam. Quer vir?
Hesitei por um instante avaliando discretamente as outras garotas,
elas eram um misto de líder de torcida com uma pitada rebelde ao
demonstrar nas tatuagens que envolviam seus braços. Uma, olhos azuis e
cabelos preso a um rabo de cavalo rosa, a outra, uma ruiva com peitos
expostos num decote perfeito. Megan era a garçonete gostosa, razão dos
caras do futebol encher o caixa pagando sempre mais uma rodada de
cerveja para olhar suas curvas marcadas pelo uniforme.
— Sou Ranah — a ruiva se apresentou, sorriso largo —, e essa é
Hoover.
— Oi, tudo bem? — Hoover disse docemente.
— Prazer, sou Júlia, a chorona.
Elas riram.
— Bem, senhora chorona, vamos beber?
— Sem condições, olha o meu estado ainda estou com a roupa que
saí da Pop’s e vocês estão um espetáculo de lindas, nem pensar vou passar
essa vergonha.
Elas se entreolharam confidentes, me excluindo dos planos que
bolavam.
— Quê?
— Somos mágicas, não se preocupe. Quer vir? Acho que você
precisa de uma dose de vodca, só acho. — Ergueu as mãos em rendição.
Não era uma boa ideia despejar no álcool as minhas frustações, só
que eu precisava estourar aquela bolha destrutiva.
Vodca e balada com desconhecidas, talvez resgatasse uma jovem
universitária, uma Júlia que quase nunca vivia seus vinte anos. Uma Júlia
farta de sofrer por amor.
— Ok, bora pra night.
— Vem garota, vamos melhorar esse rosto.
Acreditem se quiser, mas o ar quente que recebi quando entrei na
boate FIRE queimou meu rosto e me transportou para um universo que,
porra, nunca tinha experimentado. A UP era fichinha perto do incêndio
daquela boate. Todo o tipo de gente, de raça e de estilo cruzou meu caminho
durante o percurso dançante que fizemos até uma pequena mesa embaixo da
área vip. Bem, meu rosto estava um pouco melhor, recebeu das meninas um
retoque leve de maquiagem, permaneci com o meu jeans, mas recebi um
corpete rendado e uma sandália alta. Passei creme na pele, o que não
eliminou o cheiro de sexo e do Ricky impregnado na carne.
Meu coração quebrado.
Minha mente destroçada.
Ainda me indicavam que se embriagar não era nada sábio para um
emocional abalado como o meu. No entanto, quais eram as coerências dos
últimos tempos? Nada. Simplesmente nada era sólido na minha vida. Então,
sim, por um minuto ia ser inconsequente e foda-se.
As recém-amigas conquistadas eram divertidíssimas, cada uma com
sua identidade, carisma e loucura. Hoover e Hannah eram estudantes da
WIS em Berkeley, Megan minha companheira da Pop’s, naquele ano ia
prestar para medicina na UCT. Num certo momento, para o meu desespero,
quando estávamos a caminho, as garotas confessaram me reconhecer das
notícias que explodiram na Califórnia, obviamente, meu rosto estampou as
manchetes nas últimas semanas, implorei por discrição e até então elas
pareceram entender meus motivos.
— Tequila? — Megan propôs.
— Três rodadas e pista — Hannah disse já ensaiando alguns passos.
— Se não se importarem, prefiro ficar aqui e vê-las arrasar.
— Ah, Júlia, não senhora… — Megan fez biquinho.
— Vamos beber primeiro, ok?
Elas assentiram e o garçom praticamente nos sentiu, logo um rapaz
bem bonito colou na nossa mesa e muito rápido uma rodada de tequila se
pôs diante dos nossos olhos.
— Um, dois, três… — Viramos em sintonia.
— Boaaaaaaaaaaaaaa…
E assim, viramos mais duas vezes, o álcool relaxando meus
músculos.
— Fodaaaaaaaaa...
Dei um giro rápido avaliando o ambiente que pulsava frenético, e
parei em Megan, seus olhos brilhavam para a parte de cima.
— Já encontrou o boy da noite?
Ela riu antes de responder.
— Não, seria legal se subíssemos pra lá, né.
— Tá, louca? Área vip, uma fortuna, amiga — Hoover desdenhou,
ao mesmo tempo que uma garrafa de tequila pousou na nossa mesa.
Perplexas, miramos o garçom. — Gatinho, não pedimos isso não.
— Fique sabendo que não vou transar com você para pagar essa
garrafa — Hannah falou safada.
Megan avaliou a garrafa.
— Puta que pariu, é da boa. Quem enviou? — perguntou para o
garçom.
— Uma cortesia do dono da boate e, se as senhoritas aceitarem estão
convidadas a se juntarem a ele no andar de cima.
O grito das meninas sobressaiu à música do DJ.
— Por quê? — Quis entender a cortesia e o convite.
— TOPAMOS! — Megan já estava de pé com suas fiéis escudeiras
ao seu lado, enquanto permaneci grudada no banco. — Vamos, Júlia, vai ser
divertido.
— Sei não, quem é esse cara?
— O dono da porra da boate, não viu quando esse garoto simpático
falou? — Megan rebateu um pouco irritada.
— Vamos nos divertir com os bilionários, garota. — Hoover tentou
me convencer.
Revirei os olhos.
Caralho, a ideia era só beber com as garotas.
— Ok, só vamos lá, conhecemos os magnatas e depois voltamos
para a nossa realidade, o que acha? — Hannah pediu com jeitinho, de fato
me encurralando. — Hein?
— Certo, só um pouquinho.
Elas me abraçaram comemorando.
— Meninas, me acompanhem.
Em fila indiana escoltamos o rapaz até a área vip, dois halls de
escadas e alguns corredores estreitos, nos apresentou o outro universo da
FIRE, ali tudo parecia brilhar como ouro. Não estava nada confortável com
o ambiente, sendo muito sincera, a rodada de tequila não seria capaz de me
fazer perder a cabeça, precisava de uma garrafa inteira. A cada passo que
dava meus músculos tencionavam até chegarmos num espaço protegido por
alguns seguranças, e uma voz sarcástica, fria, explodir como uma música
dark.
— Garotas, acomodem-se…
— Você é o Nicholas Walker, certo? — Hoover reconheceu o
desgraçado, e me olhou como se desvendasse algum mistério. — Ainda
mais lindo que nas capas de revista. — A voz mansa e ofegante tirou de
Nicholas um sorriso convencido.
Desgraçado!
— Por favor, Deby, encham os copos dessas mulheres lindas. — As
garotas deram palminhas empolgadas, enquanto eu só queria vomitar ao
senti-lo tão perto, ao sentir sua respiração de menta vadiar meu rosto. —
Como vai, Julinha?
— Então essa boate é sua?
— Sim. — Avaliou meu rosto com uma proximidade perturbadora.
— Que coincidência a encontrar aqui, quase não acreditei quando a
reconheci. Espera, meu irmão sabe que você está curtindo a night com as
amigas?
— Vai se foder, Nicholas! — Cuspi e sai desnorteada em busca de
um banheiro, ouvi Megan me chamar, mas nada seria o suficiente para me
parar.
Que porra era aquela, como sair para esquecer tudo e encontrar
aquele demônio dos infernos? Tirei as sandálias altas demais para sustentar
as passadas de pernas, à frente identifiquei uma porta e entrei. Porra, que
lugar é esse?
Puta que pariu, não era o banheiro.
Talvez uma pequena sala pouco iluminada.
— Quê?
A porta fechou atrás de mim, o que remeteu a um grito de susto.
— Abre a porta, Nicholas.
— Sabe, Julinha, estou curioso — disse, minucioso, como se tivesse
o controle do tempo na palma da mão.
— Abre a porra da porta, agora!
— Por que está brava?
Cínico.
Cretino.
— Simples, estou no mesmo ambiente que você, é o suficiente, não
acha?
Ele riu e se aproximou levando-me a dois passos para trás.
— Geralmente, estar no mesmo ambiente que eu é no mínimo
excitante.
— Excitante para quem?
Aqueles pontos azuis turbulentos caíram sem disfarce para o meu
decote e passou a valorizar cada curva que proporcionei a ele.
— Ah, Julinha…
— Se afasta, Nicholas, o que quer, que porra é essa?
Num rompante meu corpo estava prensado na parede e com seu
nariz fugando meu pescoço, arrepiando minha pele.
— Que perfume delicioso de sexo, trepou com meu irmão antes de
vir pra cá?
O empurrei e ele gargalhou como um sádico.
— Não me toque, seu idiota!
— Não toquei você, mas tenho certeza de uma coisa, se ficasse mais
um segundo pertinho dessa pele suculenta de pecado, você imploraria para
que eu o fizesse.
— Não caio nesse seu jogo, sei qual é a sua.
— Ok, qual é a minha, Julinha? — Cruzou os braços esperando. —
Diga, não me entedie.
— Quer provocar seu irmão e vai me usar para isso.
— Resposta errada. — O desgraçado passou os dedos nos cabelos
claros, alguns fios cobriram suas têmporas. Puta que pariu, Lúcifer, um anjo
tentador e maléfico. — Eu vou trepar com suas amigas, as três, então sugiro
que peça um táxi e vá para casa. Mas se preferir pode se juntar a nós, o que
acha? Juro que não conto nada para o meu irmão, será um segredo nosso,
gostamos de guardar esse tipo de segredo, entende? — Piscou malicioso.
— Desgraçado! — brami entre os dentes.
— Você não tem consciência do quanto a faria gemer.
Ergueu o queixo e inspirou o ar luxurioso.
— Conta pra mim a sua versão. — Quer jogar, Nicholas? Beleza!
Corajosa, audaciosa, perguntei. Não que duvidasse da versão que o Ricky
me contou, mas por algum motivo desconhecido, eu precisava ouvi-lo. —
Você a amava muito?
Seus lábios se moveram e a pouco luz só exibiu sua versão obscura.
Nebuloso.
Enevoado.
— Seu noivo não contou a você? — perguntou, desprovido do tom
malicioso. — Não acreditou na versão do homem do ano?
— Quero ouvir a sua, ou falar sobre isso para você é somente em
grande estilo, como fez no escritório? Precisa de plateia?
Ele esboçou um sorriso apagado, meneou a cabeça e mirou meus
olhos com intensidade.
— Se apresse, Julinha, porque vai chover. — Deu meia volta e abriu
a porta. — Não quero que fique gripada.
Dito isso, o infeliz desapareceu.
Soltei o ar e quis socar a parede.
Toda vez que encontrava o Nicholas meu corpo agitava, era como se
ele impulsionasse um gatilho vulcânico dentro de mim, algo forte. Só que
ao mesmo tempo, havia nele… não sei se é pelo fato de compartilharmos o
mesmo latejo, traição, fizesse com que sentisse empatia. Em todo caso, o
irmão do Ricky estava longe de se tornar alguém com quem me importasse,
ele cruelmente acabou com a minha vida.
Que merda, qual era o problema em ter um minuto de rebeldia? Eu
só queria ficar bêbada. Soltei o ar, olhando ao redor, precisava sair dali.
Resgatei minhas sandálias que em algum momento deixei cair no piso
escuro, e voltei para o espaço vip, obviamente desocupado.
Que vadias!!!
O que restava para mim?
Amaldiçoei o mundo tentando entender o porquê aceitei ir para a
FIRE. Poxa, devia ter ido para casa, me acabado de chorar depois de um
banho quente. Mas não, quis aceitar o convite de um porre que nem
aconteceu. Tentei pegar um táxi, sem sucesso, os carros não paravam e meu
celular sem bateria, um completo desastre. Sem alternativas, resolvi
caminhar, meu prédio não ficava tão distante, apenas alguns quilômetros
eternos, quem sabe, a brisa não me acalmasse.
Por sorte, as ruas planas de Los Angeles não estavam desertas,
alguns poucos ainda andavam, namoravam, curtiam o clima tropical.
Abracei o corpo, assim que uma brisa fresca o atravessou, o impacto do dia
pesou e uma sensação triste me devastou pelo caminho.
Ah?
Nicholas era o que, o cara do tempo?
Gotas de chuvas começaram a salpicar o asfalto, umedecer minha
carne e minar meu cabelo que grudou no meu rosto. Sorri, mesmo nervosa e
apressei os passos, calculei, restava um quarteirão para chegar em casa. Um
caminho longo demais para a chuva forte e nublosa que estava prestes a
despencar.
Inferno!
Encharcada e tremendo, minutos depois pisei na portaria. O porteiro
correu ao meu socorro e uma voz estrondou como os raios que rabiscavam
o céu negro.
— JÚLIA…
— Ricky! — gritei, tinindo os lábios quando girei e vi um homem
correndo em meio ao temporal. — O que faz aqui?
— Meu Deus, onde você estava? Você vai pegar uma pneumonia. —
Sua cara de pânico ao considerar meu estado deplorável só se agravou
quando espirrei. — Vem! — Um casaco resguardou meus ombros, ouvi seu
motorista John citar algumas palavras, enquanto ele me conduzia para cima.
— Melissa me ligou, onde você estava até a essa hora?
Provavelmente cem ligações perdidas congestionavam minha caixa
postal, mas sem bateria era impossível atender a Mel, e sem dúvidas a ele.
— Estou bem, Ricky, pode ir agora — falei e me desfiz de sua
proteção, antecipando-me.
— Júlia, eu quase morri de preocupação. — Acariciou meu rosto. —
Não me afaste, por favor....
— Já disse, estou bem…
Quem dera minha negativa fosse o suficiente para o fazer desistir.
Uma mão grande interrompeu que o elevador subisse sem ele dentro,
ignorei-o e percorri o pequeno caminho até meu apartamento. Melissa
quase enfartou quando pôs os olhos em cima de mim.
— Meu Deus, o que aconteceu?
— Nada demais, Mel. — Tentei conter seu surto. — Meu celular
descarregou e a chuva me pegou no meio do caminho.
Ricky bateu a porta.
— Que caminho, dona Júlia? — Eram mais de um par de olhos
cobrando a explicação. — Jú...?
Entreolhei os dois, Ricky cruzou os braços, o que me irritou um
pouco.
— Estava com umas amigas — na verdade, as vadias estavam nesse
instante chupando o Nicholas —, com licença!
Abandonei a sala rumo ao meu quarto, deixando-os meramente
irritados com minha atitude, soube… o som insosso que fizeram quando
bati a porta levou a essa conclusão. Rapidamente me despi da roupa
molhada e ganhei o box numa velocidade recorde, a água quente cobriu
meu corpo trêmulo, quase virei picolé naquela tempestade.
— Como se sente? — Melissa já estava de pernas cruzadas à minha
espera.
— Seca — disse e peguei na cômoda meu pijama de flanela, o vesti
antes de prosseguir com ela. — Não me olhe assim, precisava espairecer e
saí com umas amigas que conheci.
— Amigas? Da UCT? — sondou.
— Não! Da Pop’s. — Massageie o cabelo na toalha. — Não foi uma
boa ideia, mas também não quero falar sobre isso. Ricky, foi embora?
— Tá na sala.
Expulsei o ar.
— Tem certeza de que não vai dividir comigo todo esse sofrimento
que está guardando aí? — Apontou para o centro do meu peito.
— Melissa, é tudo tão incerto, familiar, talvez esse não seja um
assunto que caiba a nós nesse momento.
O semblante sempre alegre, entristeceu.
— Entendo. — Sei que não. — Mas estou sempre aqui. Outra coisa,
não custa avisar, fiquei preocupada quando olhei pela janela e vi Los
Angeles se desfazendo em chuva.
— Desculpe, como disse, meu celular descarregou. — Observei
minha cama. — Estou cansada.
— Você terminou o noivado? — indagou reparando a ausência do
anel.
A pedra radiava minha mão e, apesar de ainda não me arrepender da
decisão, senti falta dele no meu anelar, senti falta da felicidade que me
consumiu ao vê-lo deslizar no meu dedo.
— Ele tem que corrigir algumas coisas, Mel. — Minha cama e eu,
união perfeita. — Não vou falar com ele, não agora, amo o Ricky demais e
sua presença me desarma. Se não se importar, peça para ele ir.
A ruiva curvou os lábios, insatisfeita com a missão que lhe destinei.
— Ok, lá vamos nós. — Voltou antes de fechar a porta. — Suas
aulas amanhã são na parte da tarde, né?
— Sim… — murmurei com os olhos pesados. — Depois trabalho
na Pop’s…
Ouvi quando Mel saiu e fechou a porta, não demorou muito e
novamente a mesma foi aberta, ele, passos lentos, calculados. Meu colchão
se movimentou ao mesmo tempo senti seus dedos acariciarem o meu
cabelo. Um carinho sereno, prolongado. Permiti, sem energia para exigir
seu afastamento. Meu corpo pesava uma tonelada, o esgotamento
emocional venceu todas as minhas forças.
— Eu estou bem, Ricky, devia ir embora — sussurrei de olhos
fechados.
— Deixa eu ficar?
O corpo quente procurou espaço, abriu caminhos, tocou com leveza
a carne sob o tecido do meu pijama, uma respiração contida planava
próxima ao meu ouvido, respirei fundo e um frio na barriga movimentou
meu corpo o encaixando ainda mais no dele. Eu o amava tanto.
— Deus, só quero dormir abraçado com você, não me recuse isso?
Nunca neguei que a presença desse homem me desarmava.
Estávamos diante de um abismo, nosso amor estava à beira do abismo,
rejeições, mentiras, decepções, eram barreiras de concreto cravadas numa
relação considerada proibida. Só que, ali demos uma trégua, nos
aninhamos, destruindo por ora aquelas barreiras. Seria demais considerar
que recarregamos a bateria do nosso sentimento, violado por tantas dores.
— Sim, pode.
— Ricky!
Despertei no susto, o esforço em despregar as pálpebras doeu na
alma, movi a cabeça para o lado pesada demais para raciocinar e não o vi.
Nossa, não havia o maior sentido, meu corpo doer, minha cabeça latejar de
forma que abandonar a cama se tornou um ato doloroso. Se não me fugia a
memória eu bebi apenas três doses de tequila, logo, esse estado lastimável
não se encaixava com a véspera. Um frio dos diabos encolheu meu corpo.
Esquisito, Los Angeles não estava em época de inverno. Sede, muita sede.
Esse, foi o principal motivo de eu me aventurar em ir até a cozinha como se
um prédio de trinta andares estivesse guinchado a minhas costas.
— Bom dia! — Ricky me saudou quando o encarei sem ânimo
algum. Mas admito, meu coração saltitou, ele ficou. O cheirinho de café
planou no ar, o que não foi suficiente para ressuscitar meu corpo. —
Melissa já saiu para a faculdade — falou ao escorar na bancada.
— Acordou há muito tempo? — Passei por ele e peguei a garrafa de
água, virando-a na garganta. Minha nossa, uma vida dependia daquele
líquido.
— Sim, precisava fazer algumas ligações. Você está bem? — Ele
pousou sua xícara na bancada e tocou minha testa, assim como fazemos
com uma criança de dois anos para verificar a temperatura. Devia estar
péssima, pois seu olhar também se assimilou a uma mãe preocupada. —
Júlia, você está queimando de febre.
— Não… — Titubei para trás, sendo resgatada pelos seus braços
grandes. Caramba, perdi o equilíbrio por alguns segundos. — Ricky, se
afasta, por favor…
— Nem com um mandato, você está queimando de febre, precisa de
um banho e um analgésico.
— Por que ficou?
— Porque eu te amo, e mesmo que recuse eu sempre estarei por
perto… Vem…
Escorei a cabeça no seu ombro assim que me suspendeu sobre seus
braços, realmente senti um peso quase insustentável no corpo. Aquilo era
uma gripe, sem dúvidas. Nem lembro a última vez que havia ficado doente,
mas certamente quem cuidou de mim, não possuía braços fortes e um
perfume tão bom.
Inferno, Ricky enlouquecia meus instintos mesmo quando estava a
ponto de enforcá-lo.
— Resultado da chuva, senhorita teimosa.
Ele me repreendeu igual a um pai que diz: eu avisei para levar um
guarda-chuva.
Arquejei.
— Aham…
— Aliás, onde foi depois que saiu do quarto de hotel? Sua roupa,
pelo menos a parte de cima não era a mesma?
Óbvio que ele reparou a troca de roupa.
Óbvio que o tom não era carinhoso igual às suas ações.
Óbvio que não ia dizer nada sobre a boate e quem encontrei por lá.
Assunto encerrado.
— Precisava pensar.
— E colocou um corpete sexy para isso?
— Sim, gosto de me sentir sexy quando estou a ponto de matar
alguém.
— Certo. — Ele deixou escapar um ruído irritado. — Vamos ver o
quão sexy a senhorita vai ficar doente em cima de uma cama.
— Pare de me tratar assim.
— Assim como?
— Odeio isso. Me solta, agora! — Esperneei em seus braços,
inutilmente, ele jamais me soltaria, fora que competir com sua força era
tolice. — Eu me viro, tá legal, não vou morrer por causa de um resfriado.
— Não pelo resfriado, mas se a soltar é bem provável que bata a
cabeça no vaso.
Grunhi, irritada.
E preferi me calar ao continuar com a discussão estupida.
— No que está pensando? — indagou, enquanto sentava-me no vaso
e tirava com facilidade minha camiseta do pijama.
— Em coisas.
— No que exatamente?
— Em Nova Iorque — falei molenga.
— Podemos repetir quando quiser.
— Seu tarado, como pode propor algo assim comigo queimando em
febre?
— Eu sou o tarado agora? A questão é: como a senhorita pensa em
safadeza queimando em febre? Porque não foi sobre isso que me referi.
— Não?
— Não! Mas posso te levar em Nova Iorque quando quiser.
— Não fale como se as últimas 24 horas não tivesse existido — falei
atropelando algumas sílabas.
— Se tivesse o poder, eu as eliminaria de nossas vidas.
Caí sobre os seus ombros, quando minha calça foi puxada para
baixo. Inconsciente, funguei seu pescoço. Humm...
— Ainda bem que não tem esse poder, se o tivesse jamais o
conheceria de verdade, não é mesmo? — Respirou exasperado. — Seu
perfume é tão bom.
— Só o perfume?
— Ah, você sabe que é todo bom…
— Informação importante, pena que não posso fazer nada a respeito
nesse momento, só baixar sua febre...
— Já disse como amo seus olhos castanhos, a intensidade da qual
eles me invadem, toca a minha alma? Como pude me enganar tanto com
você, pensar que jamais mentiria pra mim? — sussurrei gotas de mágoas no
seu ouvido e senti seu corpo reagir aquilo, assim que seus pontos castanhos
voltaram a encarar os meus.
— Não se enganou, vou provar que não.
Meu corpo amoleceu, como se derretesse em lava.
— Só que agora, preciso baixar sua temperatura, antes que
convulsione.
E como ele pretendia fazer isso?
Ele me guiou com cuidado para dentro do box, me posicionou
abaixo do chuveiro e liberou a água gelada pra caralho por sob meu corpo.
— Porraaaaaaa…
— Shsssssss…, fica quietinha, deixa eu cuidar de você.
Ricky me manteve no condenado chuveiro até que meu raciocínio
voltasse ao normal, isso significava que delirei em alguns momentos, quis
esquecer a distância em outros e o agarrar, por fim, uma tragédia total. Logo
em seguida, como uma boneca de pano fui conduzia ao quarto, vestida e
acomodada na cama. Tá legal… não recusei seus cuidados, mesmo com o
ciclone de desilusão me rondando.
— Estou bem melhor…
— Sem febre — inqueriu, acariciando meu cabelo que ele também
secou. — Fome?
— Não, só quero dormir, à tarde tenho faculdade e depois turno na
Pop’s.
Ao mesmo tempo, um semblante aborrecido se formou e a
campainha soou.
— Nada de faculdade ou trabalho hoje — avisou e deixou o quarto a
passos largos para atender a porta.
Quê? Não podia faltar ao trabalho no segundo dia e…,
— Essa é a minha paciente?
Arregalei os olhos assim que um homem muito alto entrou na
companhia de Ricky, sorriu e falou… ou, falou e sorriu? Fiquei perdida!
— Júlia, esse é Danny, um médico e amigo.
Espera, Ricky chamou um médico a domicílio?
— Tudo bem, Júlia?
— Eu… — Ah? Que… tipo. Estava chocada a ponto de perder a
voz. — Então…
— Ricky, acho que é caso de internação — o homem inqueriu sério.
— Se diz — o outro concordou —, que entre a maca.
— Nãoooooo… — gritei — É só um resfriado por conta da chuva
que tomei.
Eles se entreolharam e como dois babacas, gargalharam às minhas
custas.
— Muito engraçado — bufei sem achar graça.
— Preciso te avaliar, Ricky comentou que sua febre, embora ele não
mediu, estava muito alta — disse ao posicionar sua maleta na mesa de
cabeceira.
— Ricky, é apenas um resfriado, não precisava incomodar seu
amigo.
— Não é incômodo, Júlia. — Sentou-se na beirada — Nem sempre
é só um resfriado.
— Amor… — Cerrei os olhos. — Pare de ser teimosa e permita que
o Danny a examine.
— Tá certo.
Eles sorriram e a campainha voltou a tocar.
— A casa está bem movimentada hoje. Quem será?
— Seu almoço. — Ricky me inteirou que estava no comando. — Só
um instante.
À medida que o médico bonitão me examinava, da visão que tinha
do meu quarto, o senhor dono da porra toda se movimentava da sala para a
cozinha e vice e versa. O fato era que eu não estava nada bem, e uma
possível febre aqueceu meu corpo novamente, mas, fui medicada. O Doutor
Danny, muito atencioso por sinal, colocou ao centro da mesinha uma receita
que Ricky logo entregou a John, sim, seu segurança também estava no meu
apartamento.
— Precisa comer e beber muita água. — Danny deixou um último
aviso antes de se despedir. — É um resfriado, mas temos que cuidar.
Qualquer coisa é só ligar, Júlia.
— Obrigada, nem sei como agradecer.
— Vê-la bem basta para mim. — Sorriu e abraçou o amigo. — Não
esqueça, me deve uns dez minutos dessa agenda maluca e uma dose de
uísque, amigo.
— Combinado.
— Até mais, Júlia.
— Só se for para uma dose de uísque, doente nem pensar.
— Garota esperta. — Ele riu e ganhou a saída na companhia de
Ricky.
Acomodei o corpo e mirei o teto, não demorou nada e senti a
presença forte próxima na porta.
— Descanse — disse arrastando minha atenção para ele. — Nada de
trabalho ou faculdade.
Ri sem ânimo.
— Vou ser demitida, hoje é meu segundo dia.
— Não precisa desse trabalho. — O tom autoritário deslocou meu
corpo e acreditem, não tinha energia para essa conversa.
— Preciso sim, eu não sou bilionária, você é!
— O anel… — Afundou os lençóis com os joelhos, nessa
proximidade senti sua respiração exigente. — Vai voltar a brilhar nesse
dedo — murmurou pegando delicadamente minha mão e a colando por
cima da sua.
— O que fará a respeito? — Mergulhei nos olhos castanho repletos
de dúvidas, apreensões.
— Caminho sobre o fogo se for possível, Júlia. — Amparou meu
rosto. — Você é minha, eu sou seu, e por mais que o mundo queira sabotar
esse feito, não vou permitir. Nunca!
— Entende que há um além de nós nesse momento?
Ele pressionou as pálpebras, feição tensa. Havia uma imensidão de
negação ocupando sua cabeça, eu sei que sim.
— Assim que estiver melhor, desembarco no Brasil, se é o que quer,
farei. — Arqueei uma sobrancelha e não sorri, apesar de constatar que Enzo
teria uma chance caso o Ricky fosse seu pai, não era hipócrita para não
sentir meu coração esmagar, doer, lógico que para isso acontecer precisava
de uma aproximação com Eduarda. Senti ciúmes, muito ciúmes, não vou
negar. — Se puder ajudar o garoto, se… ele for…, farei tudo que estiver ao
meu alcance.
Assenti e meus olhos umedeceram.
Sim, ele desembarcaria no Brasil, era o certo.
A sensação ensossa ocupou meu peito, afastei meu rosto quando
deixei as costas passarem na cabeceira.
— Só me prometa uma coisa? — pediu.
Sem promessas.
— Não me peça nada, Ricky, não tem esse direito.
— Preciso saber antes de ir.
Ele não podia exigir algo assim, não com esse mar de mentiras nos
submergindo.
— Prometa que vai me esperar, que vamos depois de tudo, voltar ao
ponto que paramos.
— Que ponto? — sussurrei a pergunta, senti o quentinho das
lágrimas percorrerem traçando um caminho até meus lábios abertos, permiti
que os umedecessem, o gosto triste alimentou meu paladar.
— O ponto do seu sim … — suas mãos abraçaram minha nuca, sua
testa colou na minha e, lentamente sua boca beirou os lábios molhados de
tudo aquilo —, no ponto que você aceitou ser minha para sempre.
Para mim, aquele ponto, aquele momento mágico, que mesmo
regado por dúvidas e inseguranças, era o começo, a devoção a algo que se
quebrou, a confiança absoluta que existia em Ricky partiu ao meio, e não
sei o que seria preciso para que voltasse a existir. Perdida, ferida, em meio a
tantos sentimentos dolorosos, não disse nada, como podia, diante de um
futuro incerto para nós?
Brasil, São Paulo.
Alguns dias depois…
— Ricky, querido — Maria me saudou quando pisei exausto no meu
apartamento. — Feliz em vê-lo, não imaginei que seria tão cedo.
— Sinceramente, nem eu, Maria.
— Onde desembarco as malas, sr. Walker? — John inqueriu em
inglês, assim que cruzou a porta.
— No andar de cima, por favor, John.
— Quem é esse? — Maria quis saber com uma expressão duvidosa.
— Meu motorista e segurança da Califórnia, ele desembarcou
comigo e fará somente minha segurança aqui, pois não conhece muito São
Paulo. Prepare um quarto para ele.
Ela me olhou chocada.
— Perto do meu?
Crispei os lábios.
— Qual o problema, Maria?
— Nenhum. — Deu de ombros, mas permaneceu esquisita. —
Como me comunico com ele se não falo inglês?
— Ele fala língua de sinais, não se preocupe — gozei e ganhei os
degraus da escada, abandonei Maria e seus pensamentos sobre o John, indo
do meu quarto para a ducha.
Um banho.
Um suspiro.
Duas ligações.
— Chefe, que alegria, já está em território brasileiro?
— Sim, Valéria, como está? E o garotão?
— Estamos bem, graças a Deus. Você acredita que ele usa aquele
celular só para gravar essas dancinhas do TikTok, um absurdo!
— Sério?
— Mas deixa pra lá. Como se sente, Ricky? Estava aqui avaliando
todas as suas solicitações e senti um aperto no peito.
— Confesso que não sei dizer muito bem, mas falamos sobre esse
ponto depois, agora tenho outra solicitação. Verifique qual é a situação da
Júlia na UCT em Los Angeles, se houver pendências de pagamentos, pode
quitar e deixar fundos extras que a ajudem no curso.
— Ok, chefe.
— É só isso por enquanto, até mais. — Finalizei a ligação.
Não era justo a perca da bolsa, faria o possível para reparar meu
amor de alguma forma, mesmo que essa intromissão custasse alguns gritos
depois, sabia o quando Júlia era orgulhosa, valorizava sua conquista, mas
precisava recompensá-la por toda a merda que minha família causou.
Voltei para o celular e condenei a próximo passo. Ainda não havia
assimilado toda aquela mudança, tal qual as decisões que tomei ou que
tomaria. Eu acreditava fielmente que aquele menino não fosse meu filho.
Sem lógica, uma única noite resultar em…. Entrei na ducha com toda a
situação fodia ferindo minha mente, Nicholas e eu numa inacabada troca de
ódio e a desgraçada da Eduarda de volta na minha vida.
Como fui capaz de permiti tanta coisa?
Finalizei o banho e vesti rapidamente as roupas que separei.
Nunca em todos aqueles anos, uma viagem me feriu, fez meu
coração sangrar. Embarcar no meu jato sabendo que a partir daquele salto
estaria a léguas de distância da Júlia, não permitiu sequer um cochilo na
viagem turbulenta, repletas de nãos, de repulsas, de talvez. Júlia ocupou
cada canto do meu coração e cogitar um término quebrava minha alma em
mil pedaços. Amava demais aquela garota para não lutar por ela. Isso era o
motivo de considerar um contato com a Eduarda.
E claro, independentemente de qualquer resultado, faria o possível
para auxiliar o garoto. Câncer! Puta que pariu, senti um peso no coração
quando Júlia revelou. Não sou um monstro, um ser sem coração que não
pensou momento algum na situação delicada do menino. O que mais fazia
era ajudar diversas instituições em vários países, jamais daria as costas para
algo tão grave, mesmo sendo filho daquela mulher, não meu, disso eu tinha
certeza.
Obviamente que com a presença de Nicholas na Califórnia redobrei
a segurança de Júlia, conhecia a dinâmica do meu irmão, ele ia se
aproximar, e como um lobo farejar orquestrar oportunidades para me
enlouquecer, destruir o meu juízo a ponto de eu pegar o jato de volta até a
Califórnia só para garantir a segurança dela. Pelo que a conheço, minha
linda garota não aceitaria seus guarda-costas, não pouparia os gritos assim
que os descobrisse. Não me importava, desde que garantissem sua
segurança, trazendo um certo alívio para resolver o quanto antes o
emaranhado de erros que se tornou minha vida.
O Retrô-Chill era o único lugar que encontraria Eduarda, então
segui para lá após um delicioso almoço que Maria fez questão que eu
saboreasse.
Vasculhei a lanchonete à procura da loira e para o meu desgosto ou
felicidade, não a vi em canto algum. Mas Chill estava ali, como sempre
sorridente, no bar, servindo seus clientes e os encantando girando sua
bandeja por sobre o dedo.
— Será que você ainda sabe fazer aquele drink de limão e vodca,
seu chinês picareta — gozei ao escorar no balcão.
— Aqui no Brasil é chamada de caipirinha, seu brasileiro meia boca.
— Deu meia-volta para me encontrar por fora do balcão. — Menino, você
cresceu. — Puxou-me para um abraço. — Quanto tempo, Ricky.
— Não muito, estive aqui com minha noiva há poucos meses atrás,
só não houve tempo para cumprimentá-lo.
— Noiva? Ricky Walker noivo? — Ele pareceu impressionado. Para
mim não era mais uma novidade, era um feito que ia recuperar em breve.
— Sim, Chill, fui laçado.
— Então tenho um motivo sublime para preparar a melhor
caipirinha de São Paulo — disse contornando a bancada de onde veio. —
Onde está sua noiva? — perguntou, pegando os limões.
— Ficou na Califórnia, tenho uma pendência que preciso resolver
aqui no Brasil. Inclusive, cadê a Eduarda? — Não tinha nada a ver uma
coisa com a outra, mas emendei o assunto. — Ela ainda é garçonete aqui,
não?
— Sim, mas hoje precisou se ausentar por conta do filho.
O chinês me mirou desconfiado, enquanto chocalhava a
coqueteleira.
— O filho dela está doente?
— Sim — afirmou ao mesmo tempo que dois copos pousaram
diante dos meus olhos, ele os encheu, dispensou enfeites por ainda
considerar meu gosto. — Está internado na Santa Casa, estou com muita dó,
mas não há mais nada a ser feito, só um milagre. Faço o que posso para
ajudá-la, a coitadinha não tem apoio da família, paga aluguel, sabe como
é...
— Uma pena. — Beberiquei a caipirinha.
— Um brinde à sua visita? — Ofereceu com um meio sorriso. —
Não é sempre que recebo o dono da maior universidade mundial no meu
humilde estabelecimento.
Sorri para ele e brindamos.
Não demorei muito com o Chill, embora suas histórias
divertidíssimas me alegrassem, logo inventei um compromisso deixando a
lanchonete em vinte minutos. Confesso que estacionar em frente àquele
hospital não despertou bons sentimentos, talvez pela aparência triste e
impactante do lugar, das pessoas, das dores que os levavam até ali. Por fim,
conflitei minha existência, encontraria Eduarda para tratarmos de algo que
evitei pensar todos aqueles anos.
John me aguardou no carro, enquanto iniciei uma busca no imenso
lugar, a recepcionista me direcionou ao setor de oncologia pediátrica, uma
outra fez com que percorresse vários corredores, até que os céus ouviram
minhas preces e Raica brotou ao meu caminho.
— RICKY? — exclamou tão surpresa quanto eu ao se deparar com
um fantasma. — O que faz aqui?
Respirei, preparando-me para o que viria a seguir.
— Estou procurando a Eduarda — joguei, intuitivo, pois se ela
frequentava o Retrô-Chill conhecia a garçonete e se fui assertivo, a garota
poderia estar acompanhando a amiga, caso elas fossem amigas. — Por
acaso sabe onde ela está?
Raica meneou a cabeça indecisa com a resposta que me daria. Sem
disfarce, a amiga de Júlia estava se corroendo em querer um por que
daquilo. De fato, ela tinha razão ao se questionar o que eu fazia ali, no
hospital, à procura da Eduarda, quando meses atrás a procurei exigindo
desesperado o paradeiro da Júlia, senti no rosto ângulo um certo desdém,
antes que permitisse responder.
— Ela foi tomar um café no refeitório.
Ergui a cabeça lendo as placas que indicava diversos sentidos.
Refeitório - siga a faixa azul.
— Ok! Obrigado, vou até ela — disse, distraindo-me à procura da
bendita faixa azul.
— Ricky, conversei com a Júlia, sei que estão noivos e… você não
devia estar na Califórnia? O que faz aqui, ainda por cima procurando a
Eduarda? — indagou, ela não autorizaria minha partida sem ter suas
respostas. Embora entendesse a amizade leal entre ela e a Júlia, não aprecei
tal invasão.
— Raica, desculpe, preciso falar com a Eduarda, é urgente! — Ela
me olhou com certo espanto, antes de eu abandonar sua companhia em
meio ao corredor e marchar como um escoteiro sobre a faixa azul.
Certo de que não estava preparado para aquele encontro, ou melhor,
e muito mais adequado — confronto. Persisti no caminho e entrei no
refeitório, vasculhei o ambiente repleto de pessoas, cada qual no seu
mundinho. Ela. Não teve como, meu corpo todo reagiu assim que a
reconheci, estava finalizando sua refeição, rosto baixo, ombros caídos,
roupas surradas provando o quanto as noites eram difíceis para quem vive
momentos como aqueles.
Meus passos nada firmes percorreram e pararam diante da mesa
estreita.
— Eduarda!
O rosto ergueu-se fraco, como se fizesse muito esforço para encarar
um outro tenso, fechado, incisivo demais. Não pude evitar, Eduarda causou
na minha vida um bolor irreversível, sua negativa assim que Nicholas nos
flagrou no ato torpe, foi no mínimo filha da puta. A desgraçada se esquivou
de qualquer responsabilidade e jogou aos meus pés toda a culpa. Não que
não fosse, podia ter evitado, ele era o meu irmão.
— Ricky — a voz quase não saiu —, o que faz aqui?
— Precisamos conversar, tem um minuto?
— Quê? — Rondou o local, procurando algo ou alguém. — Sem
segurança ou advogados? Perdeu o medo da garota perigosa do interior?
Inspirei com o pouco de paciência que ainda me restava.
— Sem ironias…
— Eu, irônica? — Seu corpo subiu num rompante. — A penúltima
vez que nos vimos você estava com seus advogados, seguranças, aquela
puta da Ellen Castiel entrando na minha mente, me ameaçando com o seu
dinheiro, acabando com o meu psicológico, esqueceu?
Sustentei as palmas na mesa e inclinei mirando a feição apreensiva.
— O que queria que eu fizesse? Aceitasse que sua inocência acabou
com a minha vida? Já não bastou a maldição que rogou, acabando com que
eu tinha com meu irmão?
— Sou uma bruxa agora? — Riu apática.
— Não descarto essa hipótese.
Seus próximos movimentos se igualaram aos meus.
— O que faz aqui, sr. Walker? Veio certificar que a golpista está
sobre controle e não vai abrir a boca para a sua noivinha?
Trinquei o maxilar.
Ela sabia de tudo.
— O garoto?
Recuou num susto e seu semblante endureceu.
— O que tem o Enzo?
— Precisamos falar sobre ele.
— Por quê? — Contornou a mesa e respirou próxima. — Não vou
falar sobre meu filho com você.
Ela até tentou ir, mas a impedi.
— Uma vez você disse que ele era meu filho.
— Uma vez eu acreditei nisso, até compreender que eu bastava para
ele.
— Será que basta mesmo? — brami possesso sem vírgulas, seu
cenho enrugou. — Sei que ele está em estado grave, na fila do transplante,
sei também das dificuldades que está passando com as despesas, que não
tem plano de saúde e com isso depende do governo…. Porra, olha o que o
governo está te oferecendo!
— Por que está aqui? Você não acreditou quando falei da gravidez, e
agora aparece do nada, com esse diálogo hipócrita? Vai se foder, Ricky! —
Ela se afastou rápido demais e muitas cabeças giraram na nossa direção,
tentei alcançá-la antes que ultrapasse a soleira. — Me solta, Ricky!
— Pela última vez, precisamos conversar e embora não acredite,
estou aqui para ajudar.
— Ajudar? — Ela balançou a cabeça e vi seus olhos lacrimejarem.
— Tarde demais, estou perdendo meu menininho, meu coração, a única
razão que me manteve em pé todos esses anos. Porque sim, vocês
destruíram minha vida, aquela merda toda destruiu minha vida, e só houve
uma esperança, e seu coração batia como um motor dentro de mim. Sabe o
que é estar com um ser que depende exclusivamente de você para respirar e
você não tem nada, só amor para oferecer? Podia ter abortado, sim podia,
mas eu escolhi segurá-lo em meus braços, mesmo sabendo que não tinha
nada para oferecer no dia seguinte, porque de fato não tinha mesmo, minha
família me abandou quando soube que eu estava de barriga, Nicholas me
quis morta e você tirou tudo de mim, até a dignidade. E agora quer ajudar?
Não precisa, se Enzo se for eu vou também, assim nada abala seu noivado,
a Júlia não vai descobrir o cafajeste que foi comigo.
— Ela sabe.
Eduarda riu em meio ao seu pranto.
— Mistério resolvido, então é por isso que está aqui.
— Por um lado sim, não vou negar. — Guiei-a para fora do
refeitório, atentei-me ao nosso redor se alguém não bisbilhotava nossa
conversa antes de prosseguir. — Não compreende como é difícil pra mim,
aceitar ser pai de um filho da ex-noiva do meu irmão?
— Jura, Walker? Quer medir dificuldades comigo?
— Porra, se ele for meu filho foi gerado por meio de uma traição.
— Ele é seu filho e não tem nada a ver com aquela merda. Ele é
inocente, sabe disso.
— Como pode ter tanta certeza de que é meu?
— Vamos partir para esse caminho?
— Não tive a intenção de ofender você, só que… o Nicholas?
Ela umedeceu os lábios e falou entre os dentes.
— Não há dúvida sobre isso, Ricky.
Certo! Respirei aquilo. Precisava de controle ou aquela conversa
tomaria novos rumos, uns que dificilmente poderia controlar.
— Se eu for…, sei que há uma possibilidade do transplante de
medula óssea, li a respeito durante a viagem, ainda não sei o tipo de câncer
e…
— Faria isso? — Seu rosto se transformou num misto de espanto e
esperança. — De verdade?
Soltei o ar.
— Sim.
— Deus amado!!! — Suas costas deslizaram sob a parede,
deixando-a encolhida rente aos joelhos, num segundo ela soltou um choro
abafado, sofrido, doloroso de se ver.
Sem saber o que fazer, paralisei.
Nunca seriamos capazes de dissipar o passado, as marcas ficariam
evidentes para nos lembrar do que fizemos, só que assistir todo o seu
desespero naquele momento tornou tudo tão pequeno, tão miserável. Não ia
mentir ou fingir que estava satisfeito com aquele laço paterno — claro, caso
fosse confirmado. Meu peito purgava tanta coisa por estar ali, uma situação
fodida, confusa e contraditória.
— Eduarda, posso falar com o médico dele?
Ela secou os olhos com o dorso da mão, antes de ergue-se
novamente.
— Olha, Ricky, não sei bem o que está acontecendo, mas se é pelo
Enzo, passo por cima de qualquer coisa — olhos cravados nos meus —,
inclusive o ódio que tenho da sua família, do seu dinheiro e de você.
— Ódio um pelo outro, esse é o ponto.
— Vou afirmar antes do DNA, porque sei que exigirá um antes de
qualquer coisa. Enzo é seu filho, ele é o fruto inocente de uma desgraça, só
que de alguma forma está pagando o preço, essa doença acabou com meu
menino e segundo os médicos a única esperança é o transplante. Então não
vou recusar sua presença, nem sua ajuda.
Senti como se segurasse sua mão e a puxasse de um poço fundo e
escuro. Não compreendi no momento, mas senti uma sensação boa em fazer
aquilo.
— Eu…
— DUDA… — Ouvimos Raica gritar na entrada do corredor. — O
Enzo!
— O que aconteceu?
— CORRE!
O próximo segundo foi um salto desesperado, num primeiro
momento permaneci intacto sem saber se devia acompanhá-la na corrida
incessante pelos corredores confusos do hospital, ou se faria das minhas
promessas uma atitude real. Acatei o pedido do meu coração —
ultimamente aquele órgão estava dando um trabalho enorme para o meu
sistema — e alcancei seus passos. Raica me avaliou, mas não questionou a
minha presença, só fingiu aceitar a estadia do seu chefe e noivo da sua
melhor amiga no ambiente descontrolado.
Diante de um enorme vidro, o cenário cedido através da barreira
transparente era assustador, haviam outros três pacientes assistidos no lugar,
no entanto, um entre eles recebiam uma atenção um tanto angustiante,
alguns médicos, enfermeiros e aparelhos se conectavam como se um
segundo perdido fosse o fim para ele.
Sem ação.
Sem ar.
Travei ali.
A cena de tão torturante, machucava, pois presenciar tamanha busca
em reanimá-lo estando de mãos atadas como um expectador inútil, não
permitiu que meu peito expulsasse o ar como devia, a situação corroía e
pior, presenciar o pranto da mãe, doloroso, excruciante, era impactante.
Nunca havia passado por uma situação assim e o máximo que me
mantive em um hospital foram poucas horas num outro mal-estar que
Robert nos assustou.
A condição do hospital apesar de boa, não era excelente para que se
pedia perante a gravidade assistida, mas era visivelmente possível
compreender e aceitar, os médicos por um segundo se comunicaram e os
aparelhos até então barulhentos, amenizaram, e o cenário caótico, tornou-se
festivo.
Graças a Deus! Agradeci inconsciente e andei de um lado para
outro respirando aliviado.
Não me preparei para algo tão chocante, nem sequer imaginei
aquele contato mais intenso, o plano era encarar a Eduarda e tentar ajudá-la
sem me envolver com nada, só que, o que eu fazia ao seu lado, quase sem
chão com tudo que presenciei?
— O que aconteceu doutor? Ele estava melhor hoje. — Eduarda
abordou o médico, ele, porém, não respondeu de imediato, primeiro retirou
a toca cirúrgica, visivelmente abalado.
— Ele teve uma convulsão preocupante, a febre infelizmente não
cessa há dois dias, teremos que fazer outros exames e…
— Doutor, com licença — não me contive — ele suporta uma
transferência?
Os pescoços giraram rápidos, Eduarda e Raica pareciam não
acreditar no meu questionamento.
— Não tenho certeza, preciso avaliar, por quê?
— Minha assistente entrou em contato com o Dr. Lucas Almeida e
se for possível, gostaria muito que o senhor lhe passasse o caso do Enzo,
acredito que no hospital Sírio Libanês tenhamos mais recursos. Não me
interprete mal, tenho absoluta certeza de que estão fazendo o melhor por
ele, no entanto, se me permite, quero ajudar...
O semblante do médico iluminou, não somente o dele, as mulheres
praticamente voltaram a respirar.
No percurso até o Brasil quis agilizar as questões que me traziam ao
país, então sem delongas acionei Valéria — sempre muito competente —
para encontrar o melhor Oncologista Pediátrico a nível nacional, o nome
mais cotado foi Doutor Lucas Almeida, o médico sem agenda para uma
primeira avaliação se mostrou interessado logo que meu sobrenome foi
citado pela assistente. Meu intuito naquele momento era agilizar o quanto
antes minha estadia em solo brasileiro e não me envolver em situações
como a anterior. Porém, inconsciente, senti que dei um passo firme para
dentro daquela situação, imprudente talvez, mas firme.
— Doutor Lucas almeida muito respeito pelo trabalho dele, olha,
não deveria dizer isso, mas aqui não temos mais nada para oferecer ao
Enzo, se conseguiu algo desse tipo, vou prepará-lo para uma transferência.
— Grato por isso — agradeci. — Sou Ricky Walker, doutor…?
— Douglas Tessa!
Eduarda analisou o firmar das mãos e respirou fundo, como se
aquele gesto lhe trouxesse a vida.
— Posso entrar para ver meu pacotinho, doutor? — Referiu-se ao
filho.
— Sim, claro! — O senhor me fitou. — Vou providenciar tudo,
confesso estar feliz por conhecê-lo, não queremos perder o pequeno Enzo.
Assenti agradecido, enquanto ele guiava a mãe para dentro do
ambiente tenso, porém, mais calmo.
— A Júlia? Ela comentou sobre o Enzo, esse é o motivo de estar
aqui, Ricky? — Raica se posicionou ao meu lado, nos comunicamos sem
contato visual, até porque a cena à frente de mãe e filho ganhou a atenção
de todos.
— Por um lado sim, mas tem coisas aqui que remete a um passado
nada agradável.
Senti seu ar sair pesado.
— Então a Júlia sabe que está aqui?
— Sim sabe!
— Ela concorda?
— Sim concorda!
— Certo, porque eu ia contar, Ricky, não por ser uma futriquei, e
sim por ser amiga dela.
Inspirei e senti no centro do peito algo incomum, novo,
momentaneamente difícil de decifrar.
— Eu sei.
Num estado frágil, inconsciente, pálido, o pequeno garoto alimentou
meus olhos, compreendi o desespero dos que o cercavam, mesmo sem
querer partilhei da dor. De onde eu estava não era possível detalhar seu
rosto, mas reparei fios escuro, poucos, mas o suficiente para manter sua
cabeça preenchida, os acessos em seu braço fino demais para tantos furos
— também destacavam a gravidade.
Eduarda acariciava seu rosto tão lentamente, quase com receio de
quebrá-lo, porque era assim que seu estado clínico nos remetia. Medo de
trincar seus ossos de tão fragilizado que estava por conta da doença.
— Que bom que está aqui. — Raica voltou a falar.
— Espero que não seja tarde demais.
— Melhorou?
Enquanto colocava os bofes para fora, debruçada sobre o vaso
sanitário, Melissa segurava o meu cabelo como uma boa companheira de
vômito. Puta merda, trabalhar em meio a gordura não estava me fazendo
nada bem, o cheiro de hambúrguer, batata-frita e bacon, não eram bem-
vindos como antes. Fora que a cara de bicho-papão do meu chefe
evidenciando o quanto me odiava e só estava esperando eu cometer um
deslize qualquer para um: rua srta. Sales, soar de sua boca recoberta de um
bigodinho irritante.
Sim, eu sou teimosa e não repousei como o doutor Danny receitou,
fui à luta e trabalhei como uma escrava universitária. Megan detalhou com
empolgação a noite de swing com o Nicholas, o que agravou um pouco
mais meu estômago. Obviamente que não cobrei nada dela, nem podia, a
intenção era curtir a noite e o diabinho ofereceu a brasa do inferno a elas.
— Será que são os remédios?
Esforcei-me em levantar e encarei o espelho.
— Não. — Umedeci-a nuca com água. — Toda aquela gordura,
certeza.
— Liga para o tal médico bonitão, quem sabe ele não volta para
outra consulta. — Ela riu e claro que não deixei passar o quanto o médico
era gato.
Passei por ela empurrando seu ombro.
— Hahaha, muito engraçado.
Ela veio atrás e nos sentamos na bancada da cozinha.
— Os dois ainda estão lá fora. — Referi-me aos malditos
seguranças que passaram a vigiar meus passos. — Hoje eu ligo para o
Ricky, e se ele não se desfazer desses caras, não sei o que eu faço, talvez
cometa um crime. Quem ele pensa que é?
— Seu dono, ora. — Deu de ombros.
Encarei-a furiosa.
De fato, essa atitude de Ricky esclarecia algumas coisas.
— Ele não tinha esse direito, o Nicholas não faria nada comigo,
apesar de tudo… — Que ele é um desgraçado, ele é, mas atentar contra a
minha vida, não acredito que chegasse a tanto. — Ou essa é uma desculpa
para me vigiar?
— Jú, ele te ama e se sente ameaçado. Homens poderosos como o
Ricky e o Nicholas não sabem lidar com situações como essas, para eles é
proteção.
— Está defendendo ele?
— Longe de mim — ergueu as mãos em rendição —, só
encontrando uma forma lógica de explicar o ponto de vista deles.
— O Ruben faria algo assim?
— O meu namorado tem vinte e dois anos, é estudante, ainda não
tem o poder dos irmãos Walkers — concluiu sua tese.
Inferno!
Nem em mil anos permitiria que Ricky me monitorasse daquela
forma.
— Não admito, assim que melhorar vou encarar a chamada
internacional.
Desci da bancada e enchi um copo com água.
— Tem que ligar para tia Ana, Jú.
O lembrete me secou a garganta, então o líquido desceu com louvor.
— Eu sei.
Só não me preparei.
Talvez a covardia tenha me dominado naqueles últimos dias,
conhecia minha mãe o suficiente para deduzir sua intuição contra minha
vida. Ela não aceitava o Ricky, não depois de tudo que fez para me dar um
novo coração — palavras de Raica. Oportunidade não me faltou, nos
falávamos todos os dias, era um ritual confidenciar nossa rotina, era a
maneira que encontramos de amenizar a distância sem tanto sofrimento.
Resumindo, me tornei uma mentirosa, uma vez que meus últimos dias
haviam sido consumidos por Ricky. Por ele e seu passado, sendo mais
franca.
— Ela tem que saber que ele te encontrou.
— Nem sei como começar, e depois teremos milhas e milhas de
distância separando um abraço, um carinho, não… e fora que eu e o…
— Jú?
— Sabe, Melissa, ainda não tenho certeza de nada, estou confusa e
com o coração sangrando… — Olha aí, eu triste novamente. — Não
suporto mais tanta incerteza.
— Júlia, sei que não quer meu envolvimento, entendo, mas e se
você separar as coisas, o joio do trigo?
— Quer que eu finja que o homem que conheci e me apaixonei não
é o mesmo que traiu o irmão descaradamente? — falei. — Não consigo
enxergar o Ricky com os mesmos olhos.
— Talvez devesse não se envolver.
— Não consigo separar as coisas.
— Você me perdoou.
— Isso não significa que esqueci. — Duras foram as palavras que
proferi, autorizando que um abismo desatasse tudo que construímos, apesar
da rispidez, não menti. Perdoar Melissa não eliminou seu feito. Esse era o
débil motivo de ainda não ter partilhado com ela aquele assunto. Soltei o ar,
cansada. Ela não sabia onde colocar as mãos. — Vou para a UTC e depois
para a gorducity — brinquei na tentativa de eliminar o clima que
transformou seu rosto.
— O enjoo melhorou? — Quis saber.
— Um pouco, mas não tenho tempo para esticar as pernas, hoje
minhas aulas estão puxadas — comentei, assistindo a ruiva pegar a bolsa e
encaixar nos ombros. — Vai sair?
— Sim, vou ao shopping, na próxima semana é aniversario do
Ruben. — Alcançou a porta e, lembrou-me antes de trancá-la. — Em
quinze dias o seu.
Sorri, amo aniversários. Dona Ana muitas vezes transformou esse
dia — mesmo com o bolor podre que o Hélio fazia questão de nutrir — no
dia mais feliz do ano. Nunca precisou de muito, na verdade, nunca tivemos
muito, o pouco embriagado de muito amor bastava. Bastava um piquenique
no terraço contando estrelas para que um sorriso se estalasse nos meus
lábios por dias.
— Não esqueça, por favor, será o acontecimento da Califórnia.
Ela sorriu.
Acho que estávamos de volta.
— Pode deixar, não vou esquecer. — Deu uma piscadela e fechou a
porta.
Meus vinte e um anos estavam próximos.
Voltei a sorrir e uma sensação gostosa exalou meus poros. Meu
aniversário estava próximo e seria o primeiro longe de mamãe. O sorriso se
desfez, não foi algo legal de recordar. Encaixei meu material na mochila e
peguei uma maçã, dirigindo-me à porta. Porra, lembrei do muro sólido
composto por músculos que me aguardava no corredor. Naquele instante
despenquei a mochila no chão e disquei. Tá legal, meu coração errou uma
batida, alguns longos dias sem que sua voz rondasse minha orelha, em que
seu corpo másculo prensasse o meu contra a parede, senti meu corpo
enfraquecer com a possibilidade de que talvez isso não voltasse a acontecer.
Brasil era uma rachadura enorme na nossa…
Suspirei!
— Júlia, meu amor. — Ele atendeu. Voz rouca, exigente, aquele
timbre capaz de aquecer minha pele. Meu desejo era gritar: eu te amo, volta
e fica comigo, mas não era simples esse salto.
— Oi.
Por que eu estava nervosa? A ideia da ligação era para brigar com
ele, sou boa nisso.
— Tudo bem?
— Não.
— Não? — A respiração não era mais a mesma. — O que houve?
— Tem um segurança na minha porta.
Ele soltou uma lufada de ar, pareceu relaxar, ao contrário dos meus
músculos que se enrijeceram.
— É para a sua segurança.
— Ou seu controle?
Seu ar saiu descompassado.
— Para o mundo você é minha noiva, isso significa que tem muito
maluco por aí. Além de o Ni…
— Nicholas? Esse sim é um perigo?
A distância não eliminou o quanto seu irmão alterava seu sistema.
— Sim — respondeu quando o silêncio passou a incomodar. — Ele
não me perdoa, infelizmente não confio nele.
Nem eu. Mas ainda assim, não o considerava um psicopata.
— Exagero seu. Seu irmão atentaria contra minha vida? Diga, assim
peço proteção policial.
— Não é isso…
— Então o perigo é outro, tem certeza de que não faltou nem um
detalhe do passado esquecido na nossa conversa? Uma aproximação do
Nicholas revelaria outros pontos?
Não tive a intenção de ser rude, porém, Ricky quebrou a confiança
que depositei nele.
— Eu fui sincero com você, não escondi nada.
— Então não há motivos para os seguranças me seguirem como
pragas em todo o lugar. Outra coisa, te devolvi a aliança, lembra?
Toquei o centro do peito provando um latejo, não era nem em sonho
firme como as minhas palavras.
— É. — Um ruído exasperado atravessou a linha, era capaz de ouvir
sua rejeição. — Mas ainda assim é minha, minha mulher, preciso proteger
você. Sou um homem público, Júlia…
— Ricky, não sou sua propriedade, respeite meu espaço, eu mesma,
diante dessa… eu… estou respeitando o seu… — gaguejei, ridícula. Por
mais que tentasse tocar naquele assunto de forma racional, não conseguia
fingir que meu todo não alterava completamente, não era forte o bastante
para imaginar o que ele fazia no Brasil sem sofrer com isso.
— Meu amor, eu não queria…
— Ricky, não! — Cortei. Não era o momento oportuno para aquele
veneno penetrar na nossa corrente sanguínea. A distância, o tempo, o
passado, era o suficiente para esmagar meu coração. — Dê a ordem para
que o cara enorme saia da minha porta, agora.
A conexão que nos envolvia era intensa o bastante para considerar
um homem irado do outro lado da linha. Foda-se! Ele não tinha esse direito.
— Certo — disse num choque de ar. — Como você está? — Tratou
de mudar de assunto. O clima, porém, não mudou, permaneceu faiscando.
— Bem.
E você no Brasil? A pergunta estava travada na garganta, mas não
faria, a verdade, é que nem precisei.
— Podemos conversar sobre o que está acontecendo aqui no
Brasil?
Um arrepio movimentou meu corpo. Óbvio que a ligação beirava
em torno daquela interrogação.
Talvez ele já tivesse a resposta.
E eu não tinha estrutura para recebê-la.
— Sim. — Não!
— Encontrei Eduarda — ele inspirou e eu travei. — E você tinha
razão, o garoto está muito doente, consegui hoje cedo sua transferência
para um hospital particular, um dos melhores oncologistas pediátricos do
país pegou o caso dele, e…
Sim! É essa a resposta?
— Uau! — Foi o que consegui dizer.
— Também colhemos o exame de DNA para saber… — Seu corpo
se movimentou, era evidente, a mudança de voz. — Você sabe o que tem
que ser provado.
— Sim, eu sei. — As palavras saíram embargadas, e por um
momento sentenciaram muita dor.
Calados, um esperando o outro, respiração longe de um estágio
plácido.
— Júlia, é desconfortável ter essa conversa, ainda por cima por
telefone.
— O desconforto é mútuo, Ricky. — Fui sincera. — Conheceu o
Enzo?
— Não me aproximei dele, eu…
— Não teve coragem?
— Não, não tive. — Ele não hesitou.
— Mas devia.
— Você realmente acredita que ele possa ser meu filho, não é?
— Verdadeiramente, não sei no que acreditar.
— No meu amor, acredite o quanto te amo e me perdoe, volta pra
mim.
Escorei onde pude, a parede ao lado da porta me sustentou, permiti
àquela altura que uma lágrima solitária rolasse.
— Não, pare com isso.
— Tudo bem, Júlia, não vou forçar nada, apesar de estar morrendo
a cada segundo longe de você, sei que precisa desse tempo. Só não
esqueça, não vou desistir do nosso amor, mesmo que seja necessário virar o
mundo de ponta cabeça, conquistarei minha garota novamente.
Outras gotas rolaram, só para certificar o quanto eu amava aquele
homem. Mas do outro lado do cabo de guerra havia cada vez mais o amargo
gosto da decepção.
— Ricky, tenho aula agora.
— Certo. — Ele ofegou. — Posso te ligar amanhã?
O resultado do exame estaria em suas mãos, não é? Teríamos
realmente uma resposta.
— Não tenho certeza. — Um longo suspiro abafou o telefone.
— Ok, entendo.
— Preciso ir, mas antes um minuto — resgatei minha mochila e me
dirigi à porta, o grandalhão estava no corredor, quase fazendo parte da
decoração sutil do pequeno hall. — Então, moço, seu patrão quer falar com
você.
Ele franziu o cenho, expressão duvidosa.
Estiquei o braço lhe oferecendo o aparelho, pegou meio que a
contragosto, o posicionou em seguida rente ao ouvido. Um minuto ou
menos, transformou sua feição desdenhada em uma expressão
desacreditada. Provavelmente a demissão não era a notícia esperada,
lamentei, talvez o sustento da sua família dependesse daquele emprego.
Senti por ele. E se eu me desculpar, as coisas ficariam menos tristes?
— Desculpe, moço. — Peguei o celular de suas mãos. — Mas ser
meu segurança não vai lhe proporcionar nenhuma aventura, foi um prazer.
Foi quase um pedido de desculpas.
Ele meneou a cabeça, praticamente me chamando de louca
mentalmente, para só então andar na direção do elevador e desaparecer das
minhas vistas.
Aleluia!!!
Encarei o aparelho que há poucos minutos me conectava com Ricky.
Suspirei. Tranquei a porta e segui os passos do segurança.
Tudo doía.
Meu coração doía, no entanto, o coração que ganhei quando
desembarquei nos Estados Unidos precisava pulsar, mesmo magoado, triste,
decepcionado, precisava continuar batendo.
— Desculpa Júlia, mas seu cunhado é gostoso pra caralho, como ia
resistir? — Megan se justificou pela milésima vez.
Revirei os olhos e alcancei a mesa destinada ao pedido da bandeja.
Depositei ali os hambúrgueres, fritas e copos com refrigerante.
Hum, meu estômago embrulhou, voltei para o balcão.
— Meg, vamos esquecer aquele dia — sugeri.
— Não consigo. — Suspirou, debruçando desapontada sobre a
bancada. — O safado nem me ligou. Será que ainda tenho chances?
Não, gata, ele só te usou.
— Não sei. — Encerrei o assunto, não suportava mais ela mencionar
de cinco em cinco minutos o nome daquele cara. Larguei a bandeja ao lado,
ar, era o meu desejo. — Me cobre, preciso de dez minutos.
— Só se você conseguir o número dele? — Quê? Nunca! — É pegar
ou largar?
— Não, querida, Nicholas e eu não compartilhamos do mesmo
espaço, desculpe.
— Poxa, Júlia, ele é irmão do seu namorado ricão.
Tentava esquecer aquele laço familiar todo o tempo, mas estava
difícil.
— Dez minutos. — Corri rumo a saída de emergência, mais um
minuto o chão do lugar receberia o líquido amarelo jorrado pela minha
boca.
Inferno! O que estava acontecendo comigo? Seriam os remédios
que me fizeram mal?
Olhei meio aturdida à minha volta, por sorte, nenhuma alma
transitando por ali. Massageei a têmpora, ainda muito enjoada para
enfrentar o turno que acabou de iniciar, cinco horas eram o tempo que
obrigavam minha permanência.
— Oi, Julinha.
Girei rápido demais para me manter equilibrada.
— O que faz aqui?
Ele arregalou os olhos como se eu fosse um fantasma.
— Você está bem?
Não!
Abracei meu corpo, sentindo-me esquisita.
— Sim, por quê?
Três passos e sua silhueta me obrigaram a erguer a cabeça.
— Não parece, está muito pálida.
Recuei.
— Megan está lá dentro, se foi isso que o trouxe aqui.
Ele riu brevemente.
— Qual das três era a Megan?
Revirei os olhos e fui na direção da porta.
— Podemos conversar?
Brequei e voltei a ter seus olhos turbulentos.
— Quê?
— Quero responder a sua pergunta.
Conta pra mim a sua versão? Lembrei quando o questionei na
boate.
— Talvez não esteja mais interessada — desdenhei e por algum
motivo perdi a estabilidade. — Eu…
— Júlia?
Meu Deus, eu não estava bem.
Visão um tanto embaçada.
O que estava acontecendo comigo?
— Eu…
Busquei Nicholas, mas suas palavras eram confusas e tudo girava.
Uma confusão puxando-me para baixo, uma ânsia, um calor… uma
escuridão...
Um movimento bastou para eu entender onde estava, apertei os
olhos antes de desatar as pálpebras doloridas. Boca seca, garganta ardendo,
estrutura latejando... Puta que pariu! Tremeluzi com a claridade. Ambiente
silencioso, opaco, vazio. Soltei o ar, fazia tempo que não tinha uma crise de
ansiedade, desde o Brasil aquele desespero não me atingia, mas com todo
os acontecimentos dos últimos dias, meu sistema transitou por diversas
emoções, então… sim, tive uma crise.
— A bela adormecida acordo…
Crispei os lábios reconhecendo a voz sarcástica do irmão mais novo,
nem me dei o trabalho de olhar para ele.
As gotas de chuva que chocavam na janela consolidavam um clima
cinza do lado de fora, por ora me mantiveram serena, um mantra particular
para não mandar o Nicholas ir se foder.
— Onde estou? — indaguei, ainda com a atenção voltada para as
gotas que escorreriam no vidro.
— Não vai olhar para o seu salvador? — Rolei os olhos na sua
direção. Nossa, aquele sorriso me enfurecia. — Melhor, Julinha? Sério,
fiquei preocupado.
Ele espalmou o peito e arregalou os olhos, encenando, como o
grande ator que era.
— Pare de me chamar assim.
— Eu acho fofo.
— Você não é fofo, Nicholas.
— Quem disse?
Argh, que porra era aquela, ele por acaso era bipolar?
— Suas atitudes falam por você. — Ele se movimentou lentamente,
provocativo, insinuante. Foi então que reparei o quanto seu estilo rústico e
as centenas de tatuagens que fechavam seu braço atraiam as mulheres. —
Faço questão de pagar cada centavo dessa internação, cadê o médico?
— Garota… — Completou o caminho, com um meio sorriso
estampado. — Não sou um monstro como imagina.
— Não imagino, eu tenho certeza — declarei, esforçando-me ao
erguer o corpo. Porra, doía tudo! Senti cada osso trincar na tentativa vil de
escorar-me na cabeceira. — Não entendo, o que te faz pensar que de
alguma forma podemos conversar como se nada tivesse acontecido?
Cumpri a missão, com muitas caretas por causa da dor gerada pela
locomoção. Não sei se era impressão minha, mas Nicholas se manteve
apreensivo a cada movimento, pronto para me pegar caso eu caísse.
— Acontecimentos marcam uma vida — expressou-se amargo.
— A traição feriu uma geração, não é mesmo?
Permitiu que dois passos o posicionassem à frente da janela, mãos
guardadas nos bolsos frontais da calça escura, maxilar coberto por uma
barba rala, trincando em meneios contidos.
— Perdoou Melissa? — A pergunta me surpreendeu, no hiato sem
sentido.
— Perdoei.
— O tempo apagou tudo?
— Não.
— Então por que perdoou, para se sentir melhor?
— O tempo amansou, talvez a ame a ponto de deixar a ferida
cicatrizar.
Sua cabeça virou e aquele azul infinito me invadiu.
— Não amava seu namorado?
— Não o suficiente para ser destruída por ele. Melissa sim, quebrou
tudo dentro de mim. No seu caso, o Ricky fez esse papel, não é mesmo?
Ele riu ácido.
— Amava aquela vagabunda na mesma medida que amava meu
irmão. Entende como tudo se intensifica? Traição é uns dos venenos
mortais da humanidade, uma vez infectado, as sequelas causam danos
irreversíveis. Estou infectado, Júlia.
Era árduo admitir que enxergava um outro Nicholas diante de mim,
um sem máscara, desarmado, um que podia entender.
— Já fui infectada, Nicholas, o perdão foi minha cura — arrisquei,
mesmo ciente de que as coisas não eram tão fáceis assim.
As dores não ocupavam o mesmo pódio.
— Sabe que não pode comparar, não é?
Assenti, ele tinha razão.
Desviei novamente para a janela, a chuva caia pesada, o céu
nebuloso riscado por raios, um cenário que se enquadrava ao semblante do
Nicholas.
Num ímpeto voltei para os pontos azuis.
— O Enzo tem chances de ser seu filho?
Curioso que a pergunta não causou nenhuma reação nele. Questionei
por um segundo, se ele tinha conhecimento da doença do garoto?
— Talvez, transei com a vadia sem preservativo algumas vezes. —
Ele apoiou na cama. — Coloquei um anel no dedo da vadia, assim como
Ricky fez contigo.
— Não sou a Eduarda.
Ele desenhou meu rosto como se quisesse memorizar cada linha e
depois voltou a sorrir.
— Sim, não é, talvez se sua índole se igualasse a dela eu estaria
longe, porque estaria seguro de que fui vingado.
Ele cruzou os braços, seguro demais, enquanto eu engoli em seco
aquela ameaça sútil, ou entendi errado?
— Quer se vingar do seu irmão e vai me usar para isso?
Ele gargalhou sinistro guardando o peso dos sentimentos a sete
chaves, ao mesmo tempo a porta escancarou.
— Minha paciente acordou? — Doutor Danny? — Nick Walker,
quanto tempo.
Um aperto de mão íntimo selou o momento dos homens.
— Precisa ir na Fire, se divertir um pouco.
— Sim, mas como posso, se tem pacientes desmaiando em
estacionamentos?
Tá legal, eles me olharam como se eu fosse uma criança de cinco
anos.
Puta merda!
— Júlia Sales, é bom revê-la. — Seu sorriso marcava sua presença.
— Não posso dizer o mesmo, doutor. — Ri sem graça, incomodada
com a situação. Ele, porém, gargalhou como se tivesse diante de uma
comediante. — Estou de alta?
— Sim…
Expulsei o ar aliviada.
Repouso e tranquilidade, recomendações certas para não ter uma
nova crise. Fora que provavelmente havia entrado para a lista de
desempregados. Nunca que o bigodinho ia deixar passar, enfim — demitida.
— Como se sente? — perguntou.
— Bem.
— Hum…
— O que significa: hum?
Ele sorriu, só que daquela vez seu riso perfeito não foi bem-vindo.
— Fizermos alguns exames, só para entender a palidez. Fiquei
preocupado, podia ser anemia ou algo mais grave.
Gelei inteira.

— Eu tenho TAG[2], estava controlada, mas… — Fitei Nicholas por


um instante, semblante fechado, robusto, concentrado no que eu dizia. —
Algumas notícias ou situações podem ser gatilhos e…
— Entendo. Na minha consulta em sua casa disse que não tomava
nenhuma medicação.
— Sim, não tomo.
Ele fez algumas anotações, algumas caretas enquanto escrevia, isso
me deixou bem irritada.
— Ok, esse seu mal-estar não foi por conta da ansiedade, tem algo
muito importante…
Não havia sorriso naquele semblante que sempre demonstrava
alegria. A tensão paralisou meu coração.
Eu estava doente? Tipo algo grave?
Não controlei nada, minhas mãos estavam geladas e um enfarto
muito próximo, caso ele não abrisse logo a boca.
— Vou morrer? — perguntei apavorada.
Um sorriso enorme encheu seu rosto, destinando um segundo de
alívio, verdadeiramente falando, um único segundo antes da bomba.
— Não, querida, a senhorita está grávida!
Era a quinta dose da noite.
A conversa com a Júlia alterou o meu sistema, eu precisava
desesperadamente dela. Constatei o quanto estava fodido no momento em
que provei do seu beijo, do seu gosto, do seu corpo. A voz magoada que
soou em meus ouvidos transmitiu sua decepção, e isso me quebrava em
tantos pedaços, que não desejava a sobriedade, não naquela noite.
Certo de que permitir seu espaço a faria refletir em nós, afastei a
segurança por dois dias. Como poderia confiar no universo diante de tanta
merda despejada sobre a minha cabeça nos últimos tempos? Iam voltar,
discretos e distantes. Ok, era um filho da puta controlador, porém, essa falta
de controle sob minhas ações vinha dessa paixão desenfreada que nutria por
ela.
A Júlia modificou meu mundo, deixando-me refém do seu amor.
Virei outra dose ao reconhecer o tamanho do sentimento que movia
minha vida. Caralho, movia minha vida. Embora possuísse tudo que um
homem podia desejar — dinheiro e poder —, sem ela nada fazia sentido.
Outra dose, e mais uma e outra.
Peguei a garrafa e o bartender me olhou solidário.
O líquido âmbar ondulou a metade do copo, a cabeça batucava tudo
e o pequeno garoto brotou como um alerta.
Enzo.
Inocente e debilitado.
Em breve teria o resultado e… apesar da resposta ser clara: ele não
era meu filho, não era… negativo… sshsss… não… não…
Eduarda estava blefando e seu desespero não lhe fez assumir o erro
de anos atrás, não cofiava em sua índole, mesmo fragilizada com toda a
situação, não depositava uma ficha de confiança. Não depois de toda a
merda de uma noite fodida. Não depois daquela desgraça envenenar a única
coisa que julgava precioso — Júlia.
Outra dose de uma vez.
Senti meus olhos arderem e pegar o celular não traria nada de volta,
mas ansiava como um miserável faminto ouvir sua voz.
Um toque, outro e no quinto, entendi que minha vida ruiu.
Ela não voltaria a sorrir quando me declarasse como antes, fodi com
tudo, devia ter desatado esse passado quando houve oportunidade —
honestidade — juramos isso um ao outro e meu ego filho da puta quebrou
ao meio…
— Ricky? — Girei a banqueta. Como era bom rever aquele cara. —
Porra! De todos os lugares do mundo que jurei te encontrar, nunca imaginei
ser num pub do centro de São Paulo.
— Anthony, seu filho da puta… — Deixei a banqueta meio sem
estrutura e o abracei, desde o último favor que ele havia me prestado,
levando-me a Angra com a Júlia, nunca mais tinha cruzado com aquele
puto. — Faz tempo, cara. — Indiquei a garrafa. — Toma uma dose comigo?
— Estou esperando uma gata, mas esse encontro é um evento, cara.
Nos acomodamos, o garçom pousou outro copo, ondulou o de
Anthony. Brindamos.
— Só faltou o Athos — ele comentou, provando da bebida. — Cara,
precisamos de uma noitada como as de antes no Al’CUB. Aquelas trepadas
fora o ápice na minha vida.
— Sim, foram… — Não recordei com o mesmo ânimo que o dele.
— Estou noivo.
Ele não se surpreendeu.
— Quase não acreditei quando li as notícias. — Riu sacaneando. —
Ricky Walker noivo, porra, inacreditável!
— Pode acreditar, noivo e apaixonado.
— Combinação perigosa, muitas vezes suicida para um homem
como você. — Indicou a garrafa em minha posse.
Obviamente meu estado deplorável sugeriu problemas.
— Estava nos Estados Unidos na semana passada, então por mais
que não quisesse foi impossível não reconhecer sua cara de babaca nas
revistas. É a Júlia, não é? A mesma garota de Angra?
— Sim.
Por um segundo ele observou seu copo, expressão duvidosa, como
se pensasse bem antes de intuir as próximas palavras.
— Cara, fiquei sabendo do sequestro e se não estivesse em missão,
tinha voltado para o Brasil, mas o Athos me acalmou.
— Ele salvou minha vida.
Anthony maneou a cabeça, incomodado.
— Quê? Por que ficou estranho? — perguntei e virei o copo
garganta abaixo.
— Está noivo da filha do seu sequestrador?
Trinquei o maxilar, nitidamente zangado com o rumo da conversa.
Isso não lhe negaria uma resposta, ríspida talvez.
— A Júlia não tem nada a ver com o bandido morto do pai.
Mais uma dose escorreu para o copo.
— Athos explicou essa parte, confesso que num primeiro momento
considerei que estava louco.
— A loucura me abateu quando desembarquei no Brasil.
Ele analisou os traços aflitos que expus.
— Cara, vejo que tem algo muito grave te corroendo.
Apoiei os cotovelos na bancada, pesando a têmpora nos gomos dos
dedos. Movi de um lado para o outro a cabeça, exausto da realidade em que
me coloquei. Não entendia, só sentia um embolado diferente desde que saí
do hospital, algo que sufocava a garganta, latejava o peito, uma angústia
foda. O estado do garoto me afetou, não cogitei um envolvimento tão… não
sei explicar, só sei que aconteceu. Não deixei o hospital como a mesma
segurança que entrei. Algo mudou.
— Ricky, o que há irmão? Se abre — ele insistiu.
Encarei-o completamente desolado.
— Eduarda e Nicholas te levam a alguma conclusão?
Ele balançou a cabeça compreendendo o tamanho do problema que
tensionava todos os meus músculos. Anthony era um amigo de longa data,
consciente do passado infame.
— Agora tem um garoto — completei.
— Porra! Ela engravidou? — inqueriu espantado. Assenti
inconformado. — Seu?
— Diz que sim.
Anthony franziu o cenho e bebeu de uma vez seu uísque.
— Ela não era sua e do seu irmão, e depois só dele até…?
…eu foder com tudo por conta de uma atração maldita?
— Sim. — Acenei a mão para que não prosseguisse, era do caralho
repetir aquele passado. — Ela alega ter engravidado naquela noite.
— Caralho, irmão! — Ele encheu seu copo, chocado.
Ri amargo.
Bebemos, só o álcool para aliviar a tensão da conversa.
— O garoto está internado, com câncer.
Anthony arregalou os olhos e engoliu com dificuldade.
— Porra! Que barra! — Suavizou o olhar. — Por isso está aqui?
— Por tudo estou aqui, cara. Na pior das hipóteses, tem noção que
esse garoto pode ser meu filho, que Eduarda pode estar falando a verdade
e…
— …e também pode não ser.
— Sim — afastei o copo — e se for…? O que farei? Ele tem câncer,
tem seis anos, o que posso oferecer para alguém num estado tão grave?
Como posso ser um pai para uma criança no leito de…, talvez ele não tenha
tempo. Talvez eu não tenha tempo com ele. Se quero esse tempo? Não sei.
Cara, eu estou confuso pra caralho…
— Ricky, calma irmão, não há uma certeza ainda certo?
Neguei com a cabeça.
— Provável que amanhã anularemos essa dúvida — peguei
novamente meu copo e bebi o líquido amargo — senti algo estranho
naquele hospital, algo que não sei explicar, mas me manteve ali, conectado
com a desgraça em torno da Eduarda, não pretendia me envolver, mesmo
com um sim ou um não impresso no exame de DNA. Como podia cogitar
ser o pai de uma criança concebida num ato desleal, soa até como um
palavrão ter um filho com a ex-noiva do meu irmão. Entende? Só que
mesmo sem qualquer resposta e com esse bolor grudado em nós, pior, sem
sequer chegar a um metro do garoto, me sinto como um ímã… Porra, cara,
sei lá…
— Ricky, você é humano, um cara do bem jamais ia presenciar o
sofrimento de uma criança sem sentir compaixão.
— Sim — pensei no que disse por alguns segundos — talvez seja
isso, compaixão, tem razão.
— Certo, agora seu noivado no meio disso tudo?
Pesei a cabeça na nuca, erguendo um dedo para o bartender.
Precisava de outra garrafa, pois a última dose ondulou o copo, assim que
comecei a despejar para o meu amigo os últimos acontecimentos, o que
rendeu no meu caso, um estado lastimável de um homem embriagado.
Ótimo, era esse o intuito quando entrei no Pub.
Desejei como maluco um anestésico, que aliviasse a ânsia que
carreguei no âmago quando deixei aquele hospital e, especialmente
estancasse a carência dela. Caralho, como sentia saudade do meu amor!
Anthony era um amigo leal, não julgou nada, só permaneceu ali
como um ouvinte paciente, por um longo momento. Logo, nada mais que
saia da minha boca era compreensível, ele lhe rogou a responsabilidade de
me colocar dentro de um táxi e prosseguir com sua noite. Se porventura fiz
algo entre o hiato de descer do táxi e me jogar no sofá, não lembro. A única
coisa que me remete foi atender Valéria ao celular.
— Chefe, está bêbado?
— Um... pouco…
— Ricky, sei que Maria vai cuidar de você, isso me deixa tranquila.
— Vocês duas não são babás, fiquem sabendo.
— Só às vezes — ela desdenhou, rindo debochada. Me irritei,
levantei e cambaleei a passos tortos até a escadaria. — Chefe, recebi mais
cedo o resultado do exame de DNA, estou enviando para o seu e-mail.
Tudo passava por Valéria antes de chegar a mim, era uma maneira
de filtrar meus interesses.
— Ficou pronto?
— Sim.
Um degrau, outro e mais um.
— Obrigado, vou tomar um banho e acessar.
— Precisa de alguma coisa, Ricky?
Respirei fundo.
— Não, boa noite.
Desliguei e alcancei o topo.
Arrastei perna por perna numa dificuldade vergonhosa, nem me
lembrava da última vez que o álcool havia me dominado daquela forma.
Completei o caminho e sentei-me na cama, banho era o próximo passo, no
entanto, meu celular estava em mãos e uma resposta previsível,
ligeiramente pronta para ser acessada.
Não pensei duas vezes.
Um toque, outro e mais um.
Vibrava o celular junto ao meu peito. Não pretendia falar com
ninguém, muito menos com ele, era insuportável respirar. As lágrimas
rolavam sem intervalo, esse era o motivo dos soluços ecoarem como
trovões no apartamento, gritei algumas vezes enquanto lia pela milésima
vez o exame, aquele que tinha um positivo, incompreensível, rabiscado
como um… sei lá.
O dom de raciocinar, não mais me pertencia.
MEU. DEUS!
Estava grávida.
GRÁVIDA!
Quando isso aconteceu?
Quando permiti que isso acontecesse no meio de um caos?
Descartei o celular no mármore da pia e liguei chuveiro.
— Nãooooooooooooooooooooooooo — gritei, chocando a voz
contra o vapor que nublava o espaço, enquanto a água quente jorrava acima
da minha cabeça. Depois com falta de estabilidade, sentei-me no piso e
abracei os joelhos.
Tremia.
Chorava.
Sentia meu coração açoitar meu peito.
Sentia meu mundo ao avesso.
Sentia sensações ruins, a notícia não despertou nada de bom.
Um terremoto, era essa a previsão que batucava minha cabeça. E aí,
chorava mais.
O Doutor Danny repetiu a notícia pela décima vez, ainda assim
soava incompreensível. Não! Não! Não! Recusei o diagnóstico, não digeri
1% por cento daquilo. Meu sangue desapareceu, como se fosse sugado por
um aspirador, pálida como uma folha de papel paralisei por longos
segundos. Não acreditava, não aceitava, flutuei em negação.
Doutor Danny — um querido — até propôs que a internação se
prolongasse devido ao meu estado repreensivo. Neguei, o que mais
desejava era ir embora daquele lugar.
Tentei ao menos manter-me equilibrada na presença de Nicholas,
que sem motivo inconcebível permaneceu ali, dividindo comigo o impacto
da notícia. Ele demonstrou com um ruído incompreensível e rude o quanto
tudo o chocou. Bem, não esperava que ele me abraçasse ou felicitasse
soltando fogos de artifício, sendo sincera, não esperava nada de alguém
consumido pela mágoa. Mesmo assim, o mais novo só sumiu depois de se
certificar de que eu sobreviveria, oferecendo um táxi como cortesia para me
deixar em casa.
Desalmado e sensível, combinação perturbadora chamada Nicholas
Walker.
Melissa correu ao meu encontro assim que liguei, se não fosse a
ruiva não teria chegado inteira em casa, provavelmente perderia pelo
caminho os pedaços de uma Júlia destroçada.
Lágrimas brotando, gota após gota.
Perdida.
Confusa.
Insuficiente.
Era o meu todo.
— Jú… — Sua voz se confundiu com as gotas que batiam forte. —
Vem, você vai se desintegrar nessa água quente.
— Seria o melhor.
— Não fale merda. — Ela desligou o chuveiro. Gemi, recusando
aquilo, desintegrar resolveria meus problemas. — Jú, se levanta, por favor,
não consigo sozinha.
— Me deixa, Mel…
— Nunca! — Ela abraçou uma toalha ao meu corpo e mesmo
relutante forçou-me a abandonar o lugar seguro até então.
Em dez minutos estava vestida e encolhida no colo de Melissa.
Olhos lacrimejando, tudo se desmanchando.
— Não posso, Mel… — esbravejei, sentindo seus dedos
massagearem os fios do meu cabelo com uma delicadeza reconfortante. —
Não consigo.
— Calma, precisamos pensar direito.
— Pensar no quê? — Chiei.
— Júlia, olha pra mim — ela reivindicou meus olhos, ergui-me sem
ânimo. — Você e o Ricky vacilaram…
— Não entendo, nunca transamos sem camisinha… — Escondi o
rosto entre as mãos. Buscando um furo. Porra! Não? — Exceto… uma ou
duas vezes que ele gozou fora.
Melissa franziu o cenho.
— Coito interrompido?
— É esse o nome de gozar fora?
— É sim. — A ruiva crispou os lábios. Pensando no assunto. —
Nunca é garantido.
— Tô vendo... — choraminguei e choquei meu rosto furioso no
travesseiro, despejando nas penas de ganso um estrondo de fúria.
— O que pensa em fazer agora? — ela perguntou e meu coração
gritou.
— Não tenho estrutura para ter um filho, Melissa — explodi. —
Estou no primeiro semestre da faculdade paga com muito suor pela minha
mãe, que provavelmente quando souber vai me cancelar da sua vida. Tenho
vinte anos, até a semana que vem, e quando completar vinte e um não vai
mudar nada. Mal consigo cuidar de mim, como vou ser responsável por
uma bebê? Você consegue assimilar que tem uma bebê, tipo… uma
sementinha na minha barriga, que vai crescer em alguns meses e, o que eu
vou falar pra ele ou ela? Prazer, sou sua mãe, desculpe, não entendo nada
sobre bebês e…
— Júlia, essa criança tem pai.
Gargalhei áspera, andando a passos doloridos de um lado para o
outro no quarto.
— Pai? Aliás o pai dessa criança nesse momento deve estar
reconhecendo outra criança, que certamente é seu filho.
Ela me parou.
— É normal o surto, mas…
— Não tem mais, Melissa. — Meu peito espremeu. — Estou no
meio de um caos, Ricky e eu… sei lá. Devolvi a aliança para ele, não
reconheço mais o cara para quem entreguei meu coração, a família dele me
odeia, entende?
Deixei as lágrimas aflitas rolarem novamente.
— Calma, vamos encontrar uma saída.
— Só tem uma, Mel.
A ruiva arregalou os olhos.
— Não. Você não está pensando em…?
Massageie as têmporas e voltei para a cama.
— Eu quero ficar sozinha — pedi baixinho. — Por favor.
Melissa meneou a cabeça, meramente aborrecida, sei, a conhecia
tempo suficiente para entender o semblante enrugado. Com sua saída o que
restou foi um silêncio desolador, era possível escutar as batidas sufocantes
do meu coração, era possível conflitar tudo que sempre prezei diante do
imenso imprevisto (ser mãe).
Não que repudiasse aquela benção, uma vez que ser mãe é um
presente divino, porém, para tudo na vida se tem o momento certo e aquele
definitivamente não era o meu. Não quando tudo parecia desabar sobre a
minha cabeça.
Como suportaria tal responsabilidade?
Meu Deus!
O choro voltou ainda mais melancólico.
Como contaria para a minha mãe? Como contaria para o Ricky?
Eram tantas questões que respirar tornou-se um martírio.
Abracei o travesseiro e desejei apagar para sempre. Quem dera
conseguisse tal proeza, tudo continuou pulsando, vivo, latejante.
— Jú… — Melissa retornou e pela expressão temi um terremoto a
caminho. — Sara Walker está sentada no sofá.
— Quê? — O impacto modificou minha posição. — O que ela faz
aqui?
— Quer falar com você, parece bem sério.
Joguei os braços sobre a cabeça.
— Será que ela sabe? — Esmurrei o travesseiro. — Nicholas, com
certeza contou. Inferno!
— Ele não perderia essa oportunidade. — Dois passos e ela segurou
meus ombros. — Acho que chegou a hora de você enfrentar essa família,
Júlia.
Esmoreci.
Ela é louca?
— Logo hoje? Não podia ser no ano que vem? Estou destruída,
Melissa.
— As consequências não marcam hora. — Ela abriu passagem.
Fitei abismada o turbilhão azul que eram os olhos de Mel, não era
tão fácil assim encará-los quando se precisava manter a compostura. Eram
os pais de Ricky, fatalmente a mãe dele, tinha que ter controle, embora
quisesse mandá-la à merda, toda vez que seu olhar avaliativo me examinava
na tentativa de me esmagar. Foi assim na festa e, na minha sala não seria
diferente.
— Não tenho certeza se consigo.
— Não fala nada, espere que ela abra o jogo…
— E acabe com a minha existência?
— Quase isso. — Ela riu, eu choraminguei. — Só mantenha a
calma, Sara não é um monstro.
— Não?
Respirei fundo.
Não tinha por onde correr, seja o que for que Sara Walker quisesse
comigo, descobriria no exato momento que ultrapassasse a porta.
A postura sisuda de uma mulher elegante abrilhantou e tencionou o
ambiente simples que era nossa sala. Alonguei a lombar antes de guiar
meus pés ao encontro da mulher de olhar serenamente incomum, estranhei
o meio sorriso que ela lançou ao me perceber, e não retribui o gesto, pois
lembrei que havia em meu ventre seu neto, talvez fosse a razão da sua
visita.
Se aquilo significava uma visita.
— Olá, Sara. — Saudei. — Café, água ou…
— Obrigada. — Cortou bruscamente. — Melissa foi gentil antes de
você resolver aparecer.
Ok. A serenidade evaporou.
— Com licença… — Miramos a ruiva que sorria simpática a quase
dois metros de distância. — Vou encontrar o Ruben, pela manhã ele volta
para o Brasil então vou sufocá-lo com minha saudade antecipada.
Arregalei os olhos implorando pela sua permanecia.
Esqueça o Ruben e fique comigo!
No entanto, sem enrolação a filha da mãe bateu a porta e me
abandonou ali, diante dos olhos julgadores de Sara.
Inspirei coragem.
— Certo, o que a traz aqui, Sara?
Ela movimentou as linhas delicadas do seu rosto, maquiagem leve e
um tom nude nos lábios.
— Meu filho!
— Ricky está no Brasil.
— Eu sei, aliás sei as motivações que o levaram a essa viagem tola
— informou com o tom amargurado.
— Talvez não seja tola, Sara, estamos falando de pessoas e um
passado ferido.
Ela riu sarcástica.
Inevitável, aquela expressão me lembrou um certo alguém.
— Aquela mulher acabou com a harmonia da minha família e agora
vem dizer que o menino é filho do Ricky, quem garante isso?
— O exame vai comprovar. — Dei de ombros.
— Não faz diferença.
— O garoto está com câncer, será que nem esse detalhe a faça
pensar que…
— Que o quê, garota? — Um tom ácido recuou minha estrutura. —
O que pretende? Você quer que Ricky assuma um filho de uma vagabunda e
depois planeja se casar com ele?
Senti minha garganta fechar. De fato não havia uma resposta para
aquilo, meus problemas haviam se multiplicado naquela manhã.
Eu gerava um filho e certamente era de Ricky.
Um enjoo fez com que meu corpo se apoiasse no sofá, desci
lentamente sentando-me para não desabar diante de Sara. De todo modo,
era evidente que Nicholas não havia mencionado nada em relação à
gravidez, se tivesse feito, essa seria a principal pauta daquela conversa.
— Como pode se infiltrar na nossa família, depois de tudo que o seu
pai fez, garota? — Acidez compôs cada palavra.
— Foi ele, eu…
— Você o colocou na rota do Ricky, é tão responsável quanto.
Massageie o peito, Deus sabe o quanto me culpei, o quanto me
massacrei carregando esse fardo nas minhas costas.
— Não, Sara, meu pai era um desgraçado que praticamente destruiu
a vida da minha mãe, você não sabe nada da minha vida, não sabe o que
passei para me tratar dessa forma. — Tentei respirei, rosto queimando.
— Não importa, Júlia. O que sei é que aquela tal de Eduarda
destruiu meu Nicholas e agora vejo você fazendo o mesmo com o Ricky.
— Quê?
Havia um limite justo para tudo, desculpe, a família de Ricky
extrapolou todos eles.
— Isso que escutou, meu filho foi educado para comandar nosso
império, não para ser um apaixonado fraco por uma garota de vinte anos. A
Ellen sim, era a noiva que desejávamos, não você…
Minha garganta ardeu e o equilíbrio desapareceu da estrutura que se
mantinha aparentemente firme.
— Sara…
Tencionei-me toda para aquela retórica, coração chocando o peito, o
paladar aguçando um gosto bravio. Só que ela não receberia o pior de mim,
não naquele instante árduo. Seu celular tocou enquanto nossos olhos se
confrontavam.
Ela deixou cair as íris ardidas para a bolsa, pegando o aparelho.
— Não… — crispou os lábios ao encarar a tela —, com licença —
disse para mim e rapidamente posicionou o celular rente a orelha. — Ricky!
— Atendeu, então saquei sua repulsa. Abracei o corpo e caminhei para a
cozinha desejando uma dose de vodca, mas logo minha condição atual
barrou o desatino, água bastava para aliviar a garganta. — Não é bem
assim…
Escorei na bancada, fitando uma mulher desconcertada ao falar com
o filho do outro lada da linha. De imediato, constatei que não valia a pena
um impasse entre nós duas, eles nunca me aceitariam e eu… tenho um filho
do Ricky na minha barriga, outras batalhas que careciam da minha energia,
bem mais que Sara.
Puta que pariu!
Enchi o copo com água e virei de uma única vez.
Sara mirou meus olhos, sustentei o contato mesmo em colapso
interno, depois desligou o celular e veio na minha direção.
— Júlia… — Sacudiu a cabeça aborrecida.
— Como ele sabia que estava aqui?
— Não está ciente dos seus seguranças?
Meu semblante se quebrou, Ricky mais uma vez não cumpriu uma
promessa.
— Talvez, não — menti.
Ela riu indiferente.
— Você realmente enfeitiçou meu filho, não posso desconsiderar
sua competência.
Apesar de estar a ponto de explodir, contive a tonalidade de falsa
calma na voz.
— Sara, não é feitiço, é amor. — Contornei a bancada, olhos nos
olhos. — Eu continuei amando seu filho, mesmo depois de saber todo o
passado. Consegue entender?
— Talvez não entenda nunca.
— Então desculpe… — Passei por ela e abri a porta. — Sobre isso
eu não posso fazer mais nada, se me der licença, preciso descansar.
Muita coisa inflamou antes do ímpeto de sua saída.
Expulsei o ar com força e colei a coluna na madeira.
Que porra aconteceu?
Sara viera com a finalidade de me desestabilizar, humilhar, destruir
qualquer mínima chance que tivesse de ser aceita por eles. Isso nunca
aconteceria. Independentemente do meu sentimento por ele, passar por cima
da sua conduta vergonhosa, desleal, independente da minha inocência
comprovada, jamais seria aceita.
E meu filho? Um ser que nasceria rodeado de rejeição.
Novamente as lágrimas rolaram.
Medo, muito medo do futuro. Mantive meu corpo encolhido,
espremido na madeira.
Uma desordem de pensamentos, um sentimento de que nada era
sólido e que um tsunami estava arrastando de vez todos os meus sonhos.
Um filho.
Um bebê.
Quando eu tinha estrutura para ser mãe?
Implorei desesperada que ele estivesse ao meu lado, sua mão
segurando a minha, pois não suportava mais tanta instabilidade.
O choro se tornou mais forte, mais penoso, mais doloroso. O desejo
de me esconder no meu quarto e não enfrentar o que viria pela frente fez
com que eu ignorasse as chamadas do meu celular, ele já tocava há um
tempo, mas sequer havia força para que eu atendesse. O barulho irritante
ganhou os quatros cantos do apartamento. Mirei a bancada onde o aparelho
chacoalhava e fui até lá.
Marcos?!
Por algum motivo o nome do cabeleireiro piscando na tela não
trouxe uma sensação agradável.
— Alô, Marcos? — O chiado atrapalhou um pouco as palavras que
fizeram meu coração parar. — QUÊ!?
Conferi o horário no relógio de pulso com a visão um pouco zonza,
eram uma três da madrugada, respirei fundo pesando o corpo no colchão
macio. Um foco atrapalhou minha respiração, meu celular, meramente
estirado sobre a mesa de cabeceira, após encerrar a ligação com Sara.
Que diabos minha mãe estava pensando ao invadir o apartamento
de Júlia assim?
Mirei o teto ao sentir um peso empurrar o meu peito como se
quisesse me enterrar vivo numa cova. Talvez o álcool tivesse se misturando
à minha corrente sanguínea a ponto de comprometer meu juízo.
Mirei o closet: um banho, roupas limpas e um café. Eram o que eu
necessitava como um miserável a ponto de explodir, provavelmente meus
sentidos nunca mais voltariam ao normal e não era por conta do álcool.
Júlia, Eduarda, Nicholas, e até o pequeno garoto giravam na minha cabeça
como uma roleta russa engatilhada, podia também os igualar a disparos que
acertavam minha estrutura de maneiras distintas. Por ora, precisava ao
menos sustentar meu corpo, equilibrar meu psicológico e tentar raciocinar.
Foda.
Maria serviu o café, mesmo eu afirmando que não destruiria a
cafeteira na madrugada, minha funcionária — muitas vezes mais que isso
—, se dispôs a acordar e me fazer companhia.
— Ricky, há algo que eu possa fazer? Sinto que está meio
perturbado...
Não direcionei meu olhar confuso a ela, o mantive na xícara.
— Não se preocupe, você já fez o bastante, pode ir dormir, estou de
saída.
— Acordo o John? — ela perguntou, senti que temia em me deixar
sozinho.
Talvez o horário não fosse oportuno. Talvez ligar o carro e conduzi-
lo não fosse um ato fácil. Como podia considerar uma visita no hospital
àquela hora? Como podia considerar viver as próximas horas sem antes
encarar a Eduarda?
— Não. — Abandonei o assento e segui até a porta. — Não farei
nenhuma refeição em casa hoje, pode tirar o dia de folga.
Corredores vazios, silenciosos, penosos, era a primeira vez que
aquele cenário hospitalar me assustava, por um segundo renunciei a ideia
fixa que me arrastou até ali, por um segundo hesitei diante do pesadelo.
Precisava acordar, despertar antes de despencar no abismo.
Inevitavelmente…
Sentia uma necessidade dolorida de falar com ela, como se sua voz
doce tivesse o poder de curar um pouco da angústia lancinante do meu
peito. Mas… sim…, diante das circunstâncias seria impossível sentir como
antes o declarar de seu bom dia numa linda manhã de domingo.
Estraguei tudo.
Fodi com tudo.
Como louco, diante do corredor pouco iluminado, implorei que a
mão de Júlia estivesse amparando a minha, não…, ela não estava lá, e
talvez nunca mais estivesse. Sentia-me um fraco, um infeliz de um fraco.
Irresponsável.
Imprudente.
Imperdoável.
— Ricky? — Esse chamado bateu nas minhas costas. Não girei
imediatamente, primeiro soltei o ar dolorido esvaziando a caixa torácica,
depois tolerei cada passo que lhe aproximava de um homem destruído. —
Olha pra mim.
— Pra quê? — Pesei a cabeça, negando o contato.
— O resultado? Esse é o motivo da sua presença a essa hora?
Já não havia exata certeza, talvez a perturbação na resposta era o
principal motivo.
— Você planejou isso? — acusei, encarando-a, nada de novo nasceu
em seu semblante exausto. — Era o que queria, um filho meu?
Ela ergueu o queixo, empoderando-se dos motivos, porque na minha
cabeça era nitidamente incompreensível — uma foda gerar uma criança.
— Meus planos eram de me formar e ser uma grande executiva —
rebateu e seus olhos brilharam tristes. — Não planejei ser expulsa da
faculdade, engravidar, perder tudo, ser considerada uma vadia pela minha
família e acabar trabalhando como garçonete.
— Não se vitimize, sabe que me provocou naquela noite, você foi
até meu quarto…
— Eu sei, isso me faz ser a pior pessoa do mundo? Uma cortesã a
ser julgada? — A tristeza escorregou pela pele avermelhada. — Eu era uma
garota excitada que descobriu o sexo, o prazer incondicional por dois
homens, e olha só, fui condenada ao fracasso, porque veja a mãe que me
tornei. Deus está tirando meu filho de mim como um castigo.
As acusações acabaram, não suportei sua imagem se destruindo em
culpa. Embora a irresponsabilidade duelasse com a deslealdade, e aquilo era
mútuo. Eduarda não era culpada pela doença do garoto, não era a única
culpada pelo ato desleal a qual fodeu com tudo naqueles anos todos.
Diabos, eu sabia, sempre soube; tanto ela, quanto eu, tinha a mesma parcela
de culpa, a mesma parcela de responsabilidade naquilo tudo. Só que foi
muito mais fácil para mim, dar as costas, me esquivar e odiá-la. Odiar a
situação e fingir ter sido a vítima de uma golpista. Fingir. Fui um filho da
puta e não admitia por ter descoberto naquele momento ou por estar
destruído com a doença do garoto. Eu admito ter sido um canalha, porque
jamais pensei que o universo tivesse coragem de me enfrentar e estacionar
no mesmo lugar, no qual tempos atrás ignorei impiedosamente.
Enzo era meu filho.
Enzo era o filho que recusei quando soube que existia, porque
Eduarda afirmou olhando nos meus olhos.
Enzo era o tapa na minha cara, uma criança concebida numa noite
de puro pecado carnal.
Uma criança concebida numa noite em que dei as costas para a
lealdade que tinha pelo meu irmão e deixe-me guiar pelo prazer.
Por pouco não cambaleei para trás, envolto aos punhais da minha
consciência.
— Eduarda, não podemos controlar nada, soube disso quando li o
resultado.
Ela enxugou o choro silencioso com o dorso da mão, em seguida
invadiu meus olhos.
— Não precisa falar com ele, ou assumir o lance da paternidade —
murmurou. — Só doe a medula e salve-o dessa doença que já o castigou
tanto, consegue entender que há uma possibilidade de salvá-lo da morte?
Por que não posso ter contato com o garoto?
Eu queria esse tipo de aproximação?
Enzo teria tempo para isso?
Eram inúmeros riscos que senti uma pressão no peito ao questionar,
devia ter acatado, pois nada que fizesse, mesmo doando medula, remediaria
todo o passado.
Eduarda fechou as pálpebras, findando o nosso contato, outra
lágrima desceu marcando seu rosto.
— Licença — disse ao esbarrar em seu ombro tomando o caminho
contrário do que ela pensava que tomaria.
— Onde você pensa que vai? — A pergunta me acompanhou,
Eduarda não, permaneceu estagnada, pelo menos não considerei tal posição
enquanto virava o corredor.
Exatamente dois dias atrás, o que faria a seguir estava longe de
qualquer possibilidade, independentemente do resultado, não considerei em
momento alguma tamanha aproximação e havia diversos motivos para isso.
Motivos que foram capazes de ferir o sensato, não naquele instante,
então…, girei a maçaneta e as principais penalidades que me mantiveram
relutante desapareceram. Pisei em falso na soleira, respirei descompassado,
frio, receoso. Dei um passo e outro, mirei a pequena cama, acima os
equipamentos e recursos que o novo hospital oferecia.
O hospital Sírio-libanês oferecia ao garoto um aposento confortável
e alta tecnologia, a transferência feita no dia anterior moveu uma equipe
preparada para qualquer imprevisto que ocorresse no percurso, mesmo
inconsciente o garoto sobrevoou São Paulo ao lado da mãe para os cuidados
do Dr. Lucas Almeida, um senhor de sessenta e cinco anos, feição séria e
muito centrado a cada explicação. Ele sem tardar iniciou novos exames para
um possível tratamento, apesar que sem enrolação revelou que a única
esperança de cura para o estágio da leucemia mielomonocítica
diagnosticada há alguns meses, era o transplante de medula óssea com 99%
de compatibilidade.
Avancei mais dois passos e senti Eduarda tomar fôlego ao alcançar a
porta, como se para impedir a invasão tivesse percorrido o trajeto de uma
incessante maratona. Calculei a distância entre mim e ele, recebendo
daquele ângulo uma visão que rejeitei…
Frágil.
Miúdo.
Pálido.
Uma criança que deveria estar saudável, brincando no parque,
tomando sorvete, jogando vídeo game, assim como Nicholas e eu fazíamos
na sua idade, mas sem explicação se encontrava preso a uma cama.
Doente.
Deus, por quê?
— Ricky, melhor não… — A mãe rodeou a cama se posicionando
no lado oposto, o protegendo, sendo realista, protegendo-o de mim, como se
eu fosse uma ameaça. — Não quero dar esperança a ele.
Ignorei-a ao completar outros dois passos, e… meu ar travou na
garganta, meus olhos arderam com a visão dilacerante.
— Não faça isso…
O pi… do aparelho ligado a ele penetrou no meu cérebro
provocando náuseas no meu estômago, apertei os gomos da mão sob os
lábios, engolindo as palavras sem sentido que se formaram. Perambulei o
olhar deprimido por todo o corpo coberto por um lençol claro, braços finos
enraizados por veias lívidas grosas, presos à lateral do corpo. Voltei rápido
ao rosto e aí…, apoiei na grade que cercava a cama, as linhas que
formavam a face miúda e sem coloração alguma, eram de esmagar a
existência de tão frágeis, enfermas. Eu sabia que ele não sentia dor, mas
cada traço na feição delicada, cada sugada que seu pulmão fazia para se
sustentar de ar, parecia doer, pois doeu em mim presenciar tamanho esforço.
— Por favor, vá embora! — Ouvi Eduarda clamar, timbre
sussurrado, tensionado.
A virada de chave provocou pancadas pulsantes no meu coração.
— Por favor, vá embora…
— Ele só fica… assim…? — perguntei num fio de voz,
consumindo sua imagem, acompanhando os picos da sua respiração, sem
piscar, com receio de respirar e perder um minuto, com receio de não ter
mais um minuto com ele. — Ele só fica assim dormindo, inconsciente?
As mãos com unhas claras deslizaram no contorno do rosto e
pincelaram o nariz pontudo.
— Hoje ele acordou, falou um pouquinho e adormeceu.
Concordei, só concordei.
Era um CMO com discurso para qualquer situação, de modo que
nenhum cenário me calava ou impressionava a ponto de me chocar. Não era
o caso, eu estava sem chão, sem palavras, com muita coisa batendo forte e
confundindo tudo.
— Posso me sentar aqui? — Indiquei a poltrona ao lado da cama.
Mas não me sentei de imediato. — Estou um pouco zonzo.
— Ricky Walker, zonzo? Inédito! — O tom irônico condiz com a
descrença.
— Certo, confesso, tudo isso é…
— Doloroso ou incomum?
— Um pouco dos dois, eu acho... — Expressei mais do que devia.
Ela tentou sorrir, mas não conteve a tristeza.
— Há alguns meses ele era um garoto comum, cheio de saúde,
teimoso, alegre, uma criança que contagiava todos com seu sorriso. Olhos
brilhantes, piadas sem nexo até os primeiros sintomas aparecerem e
transformar nossa realidade em um pesadelo.
— Como aconteceu? — Quis entender um pouco mais.
— Ele estava em casa, assistindo ao jogo de futebol na televisão e
desmaiou. Foi então que descobrimos essa… — Ela engoliu as próximas
palavras.
Devia dizer algo, mas… nada estancaria tanto sofrimento, por mais
que recitasse o mais belo poema.
— Posso? — Novamente a poltrona era o foco.
— Claro!
— Obrigado. — Sentei-me daquela vez incomodado, como se não
coubesse no lugar. Bem, teoricamente, não pertencia mesmo.
Escorei a nuca no encosto e um silêncio engoliu tudo.
Por um bom tempo só era possível ouvir os aparelhos acima e nossa
respiração delatando o estado caótico das estruturas destruídas ao redor da
pequena criança. Apesar da posição, meus músculos tensionavam a cada
tentativa ineficaz de respirar. Não sabia ao certo o que fazia ali, mas
permaneci sentado, intacto.
Certa hora minha mente apagou, um sono pesado pregou meu corpo
naquela poltrona, vaguei em pesadelos terríveis: Enzo morto num caixão,
Nicholas ao seu lado em outro caixão, todos me acusando de assassino, uma
lamúria infinita, um choro doido ao pé do ouvido, despertei no desespero
para me libertar da sensação pavorosa, fadigosa e deparei-me com dois
brotos castanhos, cautelosos, examinando meu rosto.
Não consegui desviar do contato, tentei, precisava me certificar da
presença da Eduarda. Precisava como um covarde desvencilhar-me da
busca incessante por informação dos pequenos olhos, mas não conseguia, a
sensação penetrante e inocente que vinham deles me manteve paralisado.
Desfrutando, inconsciente de outra sensação, uma que não sabia explicar
com precisão, era como se... como se..., tivesse encontrado algo perdido.
— Quem é você? — Um tom fraco, porém incisivo demais para
uma criança de seis anos. — O que faz no lugar da minha mãe?
Perambulei o olhar no cômodo pálido não encontrando em canto
algum a bendita mulher.
— Por acaso você sequestrou minha mãe?
— Não! — Defendi-me.
— Então onde ela está? — Esse garoto não estava sonolento? Do
nada virou uma máquina investigativa. — Você parece bem suspeito.
— Eu? Suspeito? — Quase sorri.
— Ahaaa… — Ele estreitou os olhos, eu também, duelamos alguns
segundos, sendo interrompidos com o sacudir de seu tórax devido a uma
tosse violenta e incessante.
Perdido, atônito, sem saber exatamente o que fazer, inutilmente
fiquei ao seu lado buscando com gestos curtos uma maneira de acudi-lo,
visto que a cada segundo a tosse piorava, quando não soube mais como
ajudá-lo corri até a porta e pelos anjos, Eduarda entrou com o Dr. Almeida.
— Meu Deus, o que houve? — perguntou, enquanto o doutor com o
reforço de duas enfermeiras socorria o garoto.
— Não sei, ele estava falando e depois começou a tossir —
expliquei ainda horrorizado.
— Ele o quê? — ela questionou, surpresa. — Ele conversou com
você?
Assenti e encarei o doutor que sorria, controlando o estado alterado
do seu paciente.
— Isso… então, ele não falava? — questionei confuso.
— Mais ou menos, cinco dias que não trocamos uma palavra. —
Eduarda respirou e juntou as mãos em prece. — Meu Deus, Enzo, como se
sente?
O garoto seguiu os olhos por todo o cômodo e os fixou na minha
direção.
— Filho, esse é o Ricky. — Ela alternou o olhar, receosa como
devia me apresentar. As enfermeiras deixaram o quarto e o Dr. Almeida
observou a interação.
— Ele é meu pai, mamãe?
Eduarda desmontou ali.
Eu… não soube onde colocar as mãos, me senti deslocado e
bombardeado por um garoto de seis anos. Como ele chegou àquela
conclusão? Provavelmente, Eduarda revelou em algum momento.
— Acho que o nosso tratamento o trouxe de volta em menos de 24
horas, isso é ótimo. Como se sente, Enzo?
O médico, disposto a nos salvar daquela situação inusitada, colocou
a mão na cintura com a expressão engraçada.
— Bem, eu acho. — Voltou para mim. — Ele é meu pai, não é,
mamãe?
— Filho…
O médico flexionou os joelhos para ficar na altura do garoto e
perguntou:
— Por que você acha que Ricky é o seu pai?
O pequeno crispou os lábios, corpo colado à cama, expressão de que
sabia muito mais do que imaginávamos.
— Minha mãe disse uma vez, que eu saberia quem é meu pai
quando lesse seus olhos — ele inspirou com dificuldade sentindo o peso da
respiração —, porque eles seriam iguais aos meus. — A mulher tapou a
boca, visivelmente emocionada com a lembrança do filho, enquanto eu, me
senti o pior dos seres.
— Ninguém vai me dizer nada? — perguntou zangado.
— Filho, então… — Eduarda iniciou, mas o olhar de reprovação do
médico a calou.
— Enzo, uma enfermeira vai medicá-lo, já está na hora. Depois
disso conversamos, ou melhor, respondemos suas perguntas, está bem?
Ele soltou uma lufada de ar irritado, virando contrariado a cabeça
para a janela. Em seguida, uma enfermeira entrou e acatou as ordens do
médico, seguimos para fora do quarto.
— O que foi aquilo, doutor? — Os olhos da mãe brilharam de
expectativa.
O médico meneou a cabeça seguro da explicação.
— Ele está reagindo, surpreendentemente reagindo. — Dr. Almeida
também compadecia surpreendido com as reações do garoto, suas rugas não
esconderam o quanto estava animado. — O estado emocional do paciente é
muito importante para a recuperação, ele sentia a falta do pai? — Ela fitou
meus olhos agredindo meu subconsciente, a resposta era óbvia. — Preciso
saber, Eduarda, porque esse impasse vai afetá-lo.
— Sim… — afirmou como se as palavras amargassem sua boca.
— Desculpem, não quero me intrometer, mas preciso entender essa
relação de vocês dois, é importante para que compreenda melhor as reações
de Enzo.
Sacudi a cabeça desconfortável com aquilo.
— Eu não sabia que ele era meu filho.
— Como não? Eu te afirmei quando mencionei a gravidez, mas
você não acreditou.
Ela jamais perderia a oportunidade de me agredir, colocar a prova
esse passado de merda.
— Como podia, tinha muitos motivos para isso, não? — Soltei o ar
cansado. Não tinha energia para uma discussão com ele, honestamente, não
havia energia para nada, as últimas horas no Brasil havia sugado tudo de
mim. — Mas estou aqui e vou fazer o exame e se for compatível, doo a
medula e salvo a vida dele.
Eduarda soltou o ar exasperada.
— Você deve isso a ele. — Apontou um dedo na minha cara,
cobrando a dívida que ela julgou ter comigo.
— Devo? — Retirei-o com um meneio de mão e a encarei, farto de
acusações.
Meu subconsciente já fez aquele papel, todo o passado voltou forte,
toda a recusa de anos surrou meu psicológico. Não precisava que ninguém
apontasse o dedo na minha cara e cobrasse minhas atitudes fodidas.
— Se acalmem! — O médico repreendeu, apoiei no extremo
contrário ao dela, Dr. Almeida entre nós. — Essa discussão não é válida
quando temos uma criança em perigo. Enzo tem um quadro grave e
oscilante. Ricky, você pode ser compatível ou não, o que importa é o
mantermos bem até o seu resultado confirmar, ou caso precisemos de outro
doador, outros recursos. Olha, seria uma decepção e talvez a perda da
batalha caso ele saiba sobre o pai e não o tenha por perto. Espero que tome
a decisão certa, vou examiná-lo, terão um tempo para resolver. — E assim
ele liberou o ringue batendo a porta.
Joguei os braços acima da cabeça e vasculhei o corredor na mira
enfurecida de Eduarda. Só precisava de uma coisa naquele instante, um
fôlego, um sopro para aplacar todas as fisgadas no peito.
— Com quatro anos ele quis entender por que os amiguinhos da
escola tinham um pai e ele não. — Secou os olhos com os punhos da blusa
antes de prosseguir. — Eu nunca tive a intenção de revelar, meu medo era
de que quando ele crescesse fosse atrás do pai bilionário e sei lá… Só que
num dia de chuva, quando estávamos abraçados perto da janela, ele
perguntou como se sua vida dependesse do que ia confessar. Tentei ao
máximo fugir de uma resposta, desconversei, o que resultou em uma
criança doente nos dias posteriores. — Ela soltou os ombros sem ânimo. —
A única coisa que cessou a febre do Enzo três dias depois, foi eu prometer
que seu pai um dia estaria ao seu lado no momento em que ele mais
precisasse, e como mágica ele o reconheceria assim que lesse seus olhos,
por que eram idênticos aos dele.
Pesei a cabeça para frente, aturdido, faltou-me palavras para
expressar a confusão do meu íntimo, porque no fundo, não seria sincero se
negasse, no fundo o reconheci naquele olhar, um fiapo de sentimento
reacendeu meus olhos para uma realidade que não quis enxergar, pois a
considerava um contexto sujo, responsável por gerar um fruto que não
aceitei ser meu. Mas, sim, ele era.
— Ricky, se não tem intenção, não entre mais naquele quarto, vá
embora e cumpra o combinado. Ele não vai suportar uma decepção como
essa.
Encarei-a e muita coisa bombeou meu sangue. Eu precisava
desesperadamente me afastar daquele cenário, liberar de alguma forma o
bolo preso à minha garganta.
— Eduarda, Ricky… — o médico surgiu — espero que tenham
tomado a decisão certa. Preciso ir, quero chegar em casa antes da minha
mulher sair para o trabalho, preciso de sua companhia para o café da
manhã. Minha equipe vai monitorá-lo e a qualquer emergência eu retorno.
Bom dia para vocês! — Assistimos o médico cruzar o corredor, para só
então direcionarmos a atenção para a porta.
— Só faça o que combinamos. — Ela se aproximou do batente,
respirou sua decisão por alguns segundos e depois girou a maçaneta.
Ponto final.
— Ela está internada, Melissa.
— Meu Deus, Júlia!
Não conseguia sequer parar de tremer no tempo em que fazia a
mala, não havia um plano ou uma escolha quando fechasse o zíper, mas de
algum jeito retornaria ao Brasil. Peguei um conjunto de cabides e os joguei
no pouco espaço, peguei alguns objetos na mesa de cabeceira que caíram no
chão de tanto que eu tremia.
— Caralho! — xinguei e Melissa veio ao meu socorro, só que as
lágrimas já haviam me paralisado. — Um princípio de enfarto, Mel. A
fortaleza Ana teve um princípio de enfarto e eu não estava lá! Quase perco
a minha mãe. — Deixei-me cair sobre seus braços, o choro abafado no seu
peito. — Mel, será que ela ficou sabendo de tudo e por isso…
— Não, Jú! — Ela me calou e senti a ausência de Ruben. Ele era um
cavalheiro nos dando privacidade. — Por favor, não se culpe, olha o seu
estado.
O bebê!
— Você me empresta dinheiro, eu preciso voltar, eu…
— Calma, faremos o que for possível, mas e a faculdade?
— Foda-se a UTC, Melissa, eu quero ver minha mãe.
Ela me apertou um pouco mais, tentando ao menos aquecer meu
corpo gélido.
Quem enfartaria seria eu se não tocasse em mamãe e realmente
comprovasse com meus próprios olhos que ela estava viva. Marcos era
capaz de omitir detalhes do seu estado clínico para me proteger.
— Talvez Ruben possa te dar uma carona.
Encarei-a, não compreendendo muito bem.
— Ele vai para o Brasil amanhã de manhã, parece que irá assumir
um cargo na WUC. É uma possibilidade, esqueceu que a Família Walker
não pega ponte área?
Uma saída rápida, porém...
— Sara me odeia, ela esteve aqui só para despejar seu ódio.
Esquece, eles não vão autorizar — falei sem esperança, voltando à estaca
zero.
Melissa arfou e me ajudou a levantar, taquei os objetos recolhidos
dentro da mala e fui ao banheiro.
— Ele não ia negar isso, venha, vamos falar com ele, do contrário,
use meu cartão, tenho milhas. — Ela escorou no batente enquanto eu
recolhia os itens de higiene.
— Será?
Respirei coragem e segui seus passos até a sala.
— Ruben, por acaso você vai viajar sozinho amanhã? — Mel
perguntou para o namorado sentado no sofá, escorei na banqueta com o
coração na mão.
— Sim, talvez uma ou duas comissárias de bordo peitudas... — A
namorada lançou a almofada que colheu na poltrona na cara do
engraçadinho. — Brincadeira. Por quê?
— Preciso voltar para casa, Ruben, ir de jato seria bem mais rápido
do que todo o transtorno do voo convencional.
Ele oscilou indeciso, o peso da família afundou seus ombros.
— Sabe que Ricky resolveria isso em dois tempos, e...
— Não quero seu primo metido nesse problema.
— Por quê?
— É uma emergência, amor, Júlia tem seus motivos — Mel
interveio ao meu favor.
Ele pensou um pouco.
— Tudo bem, acho que não será um problema, você é noiva do
Ricky, não é mesmo?
Indo por esse ponto de vista, poderia ter acesso ao jato da família
sem problema, só que sabíamos em que pé estava minha relação com o
CMO. Fora que não pretendia encarar o Ricky, tampouco pretendia contar
sobre o bebê, havia um montante doloroso que me impedia uma
aproximação. Mamãe era o único objetivo daquela viagem. Único!
— Ruben… — Desloquei seu corpo me acomodando à sua direita
no sofá. — Por hipótese alguma Ricky pode saber do meu destino.
— Não entendo, ele…
Melissa ocupou sua esquerda.
— Entende sim, estava lá, na casa branca e sabemos muito bem o
motivo do seu primo estar no Brasil.
Ruben negou, e sim, a família Walker era unida o suficiente para
não guardar segredo uns dos outros, o desfalque nessa parada eram os
protagonistas — os irmãos.
— Tudo bem! — Finalmente concordou.
Brasil…
Mamãe…
E um toque de tragédia grega, por assim dizer, me aguardavam no
desembarque.
Combinei com Ruben os detalhes da viagem e passei os próximos
minutos tramando um jeito de me livrar do segurança, embora não visse o
desgraçado, sabia que a criatura estava em vigilância. De alguma forma
precisava escapar.
O casal, muito carinhoso me fez companhia até que um sono frágil
governasse meus pensamentos turbulentos. Sonhei com mamãe, sonhei
perdendo mamãe, sonhei com Ricky e as infinitos motivos que nos
separava, uma noite longa demais.
Pela manhã, ainda sem ideia de como ia me livrar do brutamonte,
empurrei minha mala até a porta, minha prima beijava o namorado como se
abastecesse de afago o coração com a despedida. Encostei no batente,
exausta da noite mal dormida, com uma preocupação roendo tudo. Não
informei a viagem para Marcos, ele não permitiria tal salto, chegaria de
surpresa no Brasil, embora estivesse temendo as surpresas que por lá me
aguardavam.
Muitos beijos embalados por um choro saciaram o casal. Ruben se
dirigiu para o hall levando com ele as malas, eu tornei-me o enfoque de
Melissa tempo depois.
— Lamento não estar ao se lado, sei bem o que a aguarda no outro
continente — murmurou se encaixando nos meus braços, pousei o rosto no
seu ombro e inspirei seu perfume de lavanda, a fragrância me acalmava de
certa forma. — Sei que nos últimos dias não conseguimos nos conectar,
sabemos o porquê.
— Difícil, Mel, as lembranças me lançaram num cenário lastimável,
desculpe — sussurrei próximo ao seu ouvido. — Só preciso garantir que
minha mãe esteja bem, aí sim eu respiro e volto.
— Tia Ana é forte, ela vai sair dessa.
— Falei com o Marcos antes do banho, mamãe permanece
internada. — Olhei para ela antes de prosseguir. — Eu sinto que não estou
sendo informada de todo o quadro, por mais que ele quis me colocar a par
da situação, no fundo esconde algo.
— Tenta ficar calma, sei que é difícil, mas se lembre da TAG, ficar
doente não vai facilitar em nada — avisou receosa, respirei fundo, sem
contestar. Ela tinha razão, uma crise de ansiedade só traria transtornos. Mas
quase fui abatida com seu próximo comentário. — E o Ricky… o bebê? —
cochichou a pergunta, pois, seu namorado não sabia sobre minha gravidez.
Nicholas manteve em segredo, e sinceramente não enxergava sua atitude
com bons olhos.
— A bagagem que me espera ao lado de Ricky não é a minha
motivação, a saúde da minha mãe sim.
Melissa fingiu acreditar.
— Vou ficar perdida aqui sem você.
— Oh, Mel! — Nos abraçamos, choramos, soluçamos, até Ruben
avisar que era hora de partir. — Lembre-se que trocaremos de chapéu antes
da esquina.
Tínhamos um plano, idiota, débil e com todas as probabilidades de
ser um fracasso.
— Se ele cair, vocês têm um tempo para chegar ao heliponto — ela
disse e ajustou o chapéu na cabeça.
Inesperadamente, durante todo o trajeto o segurança se manteve
invisível, faltando uma quadra para o heliponto, Mel desceu escondendo o
cabelo vermelho no meu chapéu, vibramos por acreditar no sucesso da
missão e seguimos rumo ao monstro de sete cabeças. Encarei a máquina
com dor no estômago, não me sentia, por mais que tentasse, segura
sobrevoando o mundo naquele troço.
— Pronta? — Ruben sorriu me passando confiança.
— Não, nunca estou.
— Tente descansar, quando você der conta, ualá, chegamos.
Parecia simples vindo dele. Mas senti a falta do corpo quente e
protetor do meu... Shhhhhhh..., não o tinha mais.
— Ahaaa… — Forcei um sorrio e o acompanhei. — Umas oito
horas de viagem? — perguntei ao mesmo tempo que a resposta agravaria a
dor constante no meu estômago. Sempre sentia esse asco ao viajar, por isso,
não assimilei à gravidez.
Gravidez.
Um bebê, meu e do Ricky.
A ficha caia aos poucos apertando meu peito.
— Quase isso.
Apaguei o sorriso forçado e o segui puxando minha mala. Ruben
cumprimentou a comissária quando finalizamos a escada, a moça linda de
morrer nos indicou os assentos, colocando-se à disposição para pedidos.
Tanto Ruben quanto eu optamos por água, ele com gás e eu natural. Logo
que as garrafas pousaram à nossa frente, Ruben dispensou a moça.
— Se não houver nenhum imprevisto, peça para que o piloto siga.
— Estamos aguardando mais um passageiro, senhor.
Enruguei a testa, não era somente Ruben e eu?
— Não, somos somente Julia e eu, garanto.
A mulher hesitou, mas manteve o semblante convicto.
— Nicholas Walker avisou que embarcaria nessa viagem —
declarou ela, um segundo antes do ar trepidar.
— Demorei mais cheguei. — E assim o diabo anunciou sua chegada
em alto e bom tom, destilando seu veneno guiado por seus pés. — Como
vai, Júlinha?
Elevei a cabeça encarando um sorriso largo e gozador.
Puta que pariu!
Nada na minha vida era simplesmente sereno, tudo, até mesmo as
pequenas coisas se tornavam um vendaval num piscar de olhos.
Inferno!
Cobri o rosto com as palmas e quis chorar, meus últimos dias
remavam numa maré frenética. Esgotada, era o meu estado, não havia força
para travar nenhuma batalha.
— Eu não sabia que nos acompanharia, Nick. — Ruben procurou
uma explicação para aquela coincidência infeliz. — Tia Sara não
mencionou sua presença.
— E você não mencionou a ela que teria uma convidada, acredito?
— indagou curvando os lábios.
— Júlia tem uma urgência no Brasil, precisava de uma carona —
explicou o outro envergonhado com a situação. — Espero que entenda.
Nicholas hesitou se divertido, nos torturando com o poder em mãos
de me escorraçar dali. Meu semblante por outro lado o confrontava não
escondendo o puro ódio que exalava de cada poro, tudo pulsava e se Ruben
não se apresentasse como um cavalheiro, segurando minha mão, pedindo
controle da minha parte, não calcularia as consequências da viagem. Tá
legal que no hospital o Don Juan do avesso se portou menos cretino, até
perdoei uma parcela do seu histórico de canalhices, ainda assim, não era o
suficiente para conviver como se fossemos amigos de infância.
— Sim, a Julinha tem urgência para desembarcar no Basil, muita
urgência, não é mesmo?
Ruben logo me olhou surpreso com a insinuação do primo,
acreditando se tratar do assunto delicado de mamãe, só que não era esse
tipo de urgência que o bad boy se referia, e sim, seu sobrinho que eu gerava
na minha barriga.
— Então podemos seguir sem qualquer impasse? — Era visível o
respeito do mais novo com os primos mais velhos. Ruben foi fiel aos
desmandos de Nicholas até Melissa pressioná-lo na parede e o fazer ceder.
— Talvez?
— Não pense que essa ladainha vai me tirar do sério, querido, tenho
uma mãe internada decorrente de um princípio de enfarto no hospital, então
vou chegar no Brasil mesmo que para isso eu tenha que suportar você.
Seu ar saiu lentamente e se não estava equivocada um sinto muito
cresceu nos seus traços rudes. Meu cérebro bugava com aquele homem, a
capacidade que ele tinha de me deixar tonta era a mesma que emputecia
meu ódio.
— Podemos seguir viagem, senhores? — A comissária se
aproximou solicitando a autorização e quebrando ao meio o contato visual
que limitava minha respiração.
— Sim, podemos. — O mais velho autorizou e sentou-se na
poltrona a um braço de distância da minha.
— Desejam alguma coisa, senhor? — perguntou a Nicholas, no
entanto, me intrometi trocando meu pedido.
— Pode trocar minha água por dose de vodca pura, por favor —
falei e Ruben arregalou os olhos.
— Ok, senhorita. Senhor, o que deseja?
— Uma dose de uísque pra mim e para a senhorita ali, cancela a
vodca e traga um suco de laranja, ela está um pouco pálida, não acha? —
perguntou para a comissária, ignorando totalmente o asco que sentia por
ele. Desgraçado! A mulher assentiu meio sem ação. — Vitamina C é ótimo
para o seu estado, Julinha, e traga também algum caldo de legumes bem
forte, ela precisa se alimentar.
— Que estado? — Ruben logo indagou.
Eu ia enforcá-lo, argh, o desejo movimentou meus punhos.
— Preocupação! — Ele mesmo se deu ao trabalho de responder. —
Relaxa, Julinha, a viagem com a minha presença tende a ser muito
divertida.
Rolei os olhos, contendo os absurdos que minha mente reproduzia.
Um assassinato, lento e doloroso.
— Para o senhor? — a moça perguntou para o Ruben.
— Mantenho minha água com gás.
Ruben muito atento, transpareceu sereno com um olhar que
precisava receber. Voar sempre me tirava do controle e voar com o Nicholas
por perto era ainda mais aterrorizante.
Espalmei a barriga, inconsciente do toque, sei que me portava como
uma rebelde em relação à maternidade, não esperava receber a notícia
faltando poucos dias para completar vinte e um anos. Sinceramente, ser mãe
não estava num futuro próximo, havia um bilhão de sonhos que pretendia
realizar antes de transferir uma parte da minha vida a uma criança. Porque
era esse tipo de mãe que pretendia ser, assim como a minha — dedicada e
presente. Não uma mãe desorientada, cheias de conflitos internos e
externos, sem um ceio familiar digno para receber um bebê. Pensando bem,
muitas vezes aquele quadro perfeito era dispensável. Quantas mulheres e
donas Anas eram o exemplo perfeito; seguram a barra de uma família sem
precisar se sujeitar às migalhas de um homem. Acredito não ser o meu caso,
não por se tratar de Ricky, ele me pediu em casamento, selou ali a
construção de uma família. Isso, acreditava eu, significava em algum
momento ter filhos, não?
Só que Júlia e Ricky não eram os mesmos daquele momento, algo
entre a gente quebrou e abalou a base que nos sustentava (a confiança).
Ainda não tinha um plano de contar ou como contar e sobretudo o que viria
depois de contar. Precisava receber as notícias que naquela altura deram a
Ricky novos rumos e, decidir se meu amor suportaria qualquer que fosse o
nosso destino.
Bem, com uma mente a mil e um Nicholas por perto, a turbulência
da viagem ficaram em segundo plano, cheguei a cochilar, um sono leve,
mas que relaxou meus ombros por ora. Acordei e Ruben dorminhoco
ganhou meus olhos, soltei um pouco mais as costas sentindo minha bexiga
apertada e desviei para o banco lateral. Nicholas não estava lá. Achei
estranho, mas ignorei, precisava usar o banheiro, do contrário, uma tragédia
vergonhosa aconteceria.
Guiei-me até a pequena cabine, me avaliando em poucos minutos,
encarei o rosto pálido constatando o comentário do arrogante. Não me
alimentava legal há dias, principalmente depois que comecei a trabalhar na
Pop’s, esse era o principal motivo de estar abatida.
Não entendia por que meu instinto curioso sempre me colocava nas
mais perigosas enrascadas, era o caso, meu caminho devia ter sido retornar
ao banco e cochilar um pouco até chegarmos ao Brasil, quem dera, o que
fiz? Persegui como uma bisbilhoteira os gemidos agudos que atraíram
minha atenção assim que deixei o banheiro.
O espaço onde estava era divido por uma cortina vermelha e a cada
passo de pluma que cravava, o som devasso embalava meus tímpanos e
invadia meus instintos, provocando assim certos arrepios na pele.
— Delícia…
— Isso, senhor… isso…
Houve um segundo de apelo do meu subconsciente, um único. Dei
ouvidos? Não! Delicadamente desvencilhei o tecido com as pontas dos
dedos e a imagem me paralisou. A comissária pagando de quatro, a saia
embolada em sua cintura enquanto Nicholas metia sem misericórdia na sua
bunda com a calça na altura dos joelhos. Puta merda! A mulher gemia se
arrebitando cada vez mais. Inconsciente, meus olhos desfrutaram sem
autorização do momento obsceno, tal como minha carne aqueceu. Reprovei
aquilo, eu estava excitada? Que porra!
Tentei abandonar o sex hot gratuito, mas não, o corpo másculo de
Nicholas me hipnotizou e seu pau... Puta que pariu! Xinguei mentalmente
quando vi o comprimento, viril, grosso, metendo fundo na mulher. Engoli
em seco e circulei os ombros com o arrepio que correu minha espinha.
— Se ajoelha, gostosa — ele ordenou para a comissária que tremia
com o orgasmo recém-alcançado. — Abre a boca — disse com ronquidão
na voz após retirar a camisinha.
— Eu quero... — A mulher se pôs à mercê de receber em sua boca
jorradas de sêmen.
Caralho!
Não!
Soltei o tecido quando ele direcionou seus olhos na direção na qual
estava.
— Inferno! — chiei, perdida, envergonhada, atrapalhada em qual
caminho seguir. — O que estava pensando, sua louca?
Corri igual a uma fugitiva. As maçãs queimando, corpo formigando,
por sorte, Ruben ainda dormia, então pude sentar e voltar a respirar
evitando ruídos. Joguei a cabeça no encosto e apertei os olhos, precisava
resfriar minha pele antes que o desgraçado retornasse, saciado e
convencido.
Puta que pariu!
Minha mente tem poderes.
Primeiro ele se sentou tranquilo e alinhado, se sentindo rei do
universo para só depois direcionar o mar turbulento para mim, nem após
foder aquele cara conseguia amenizar a intensidade daquele olhar.
Movimentei meu corpo, incomodada, agitada. Quebrei o contato.
— Devia ter entrado, Julinha, teria sido excitante a sua participação.
— Timbre rouco, ondulando indecência.
Encarei-o rápido demais, deparando-me com seus lábios crescendo
gradativamente para um sorriso irritante.
— Devia ter vergonha.
— Por quê? Ela queria, eu também, resolvemos o problema. Tenho
uma queda por subordinadas, Ricky também.
— Você é um cretino!
— Acha mesmo, Julinha?
— Meus sentimentos por você não são claros?
— Diria confusos.
Ri nervosa.
— Você é louco, então por que não usou o quarto?
— Não deu tempo, a gatinha estava muito excitada..., assim como
você.
— Quem disse que estou excitada?
— Garota, sinto o cheiro de longe, é como um faro delicioso que
flutua na minha direção...
— Chega, Nicholas!
— Certo, não vou irritar você.
— Sua presença já me irrita.
Ele riu sacana.
Averiguei se Ruben ainda dormia, antes de tocar no assunto
proibido, pelo visto, a noite com Melissa tirou toda a energia do garoto.
— Não mencionou para ninguém sobre a gravidez, por quê?
— Nunca daria motivos para Ricky sorrir — disse e vestiu sua
jaqueta de couro. — Não pretende contar a ele? — indagou com certo
espanto, tomando suas próprias conclusões. — Julinha, não pretende levar a
gravidez adiante? Nossa… — Ele gargalhou. — Acho que comecei a ter um
apreço por você.
— Idiota!
Ele analisou o relógio de pulso.
— Meu irmão ainda não te ligou?
Enruguei o cenho, confusa com a insinuação.
— Por que ele ligaria? — Talvez porque o segurança imbecil que ele
contratou alertou sobre minha fuga. Ou… espera, a questão era outra? Sim!
A feição ordinária do mais novo revelou e o meu celular tocou como um
alarme de incêndio. — Por acaso você disse que estávamos aqui?
O desgraçado se divertia.
— Fiz melhor, enviei uma foto para meu maninho, ele precisava
saber que sua gata rebelde está comigo.
— Ricky, precisa de alguma coisa? — Jonh indagou assim que me
viu entrar na cobertura, ele me conhecia a ponta de captar algo errado.
E havia muita coisa errada, não pisava com tanta firmeza como
devia, um mundo de dúvidas cercava a minha cabeça, afrontando o certo a
se fazer.
— Preciso ficar sozinho. — Joguei as chaves e o celular sobre o
sofá e andei até o bar. — Me deixe sozinho, John — exigi novamente
quando relutou em atender.
— Certo, senhor.
Esperei que deixasse a sala para só então encher o copo com o
líquido âmbar. Mesmo ciente de que o álcool não eliminaria nada, a luta que
acontecia internamente não cessaria nem se ingerisse uma garrafa inteira do
uísque mais forte.
— PORRA! — Lancei o copo na parede, espalmei as têmporas,
sentindo meus pés afundarem em culpa.
Eu era um poço de renúncias, egoísmo, soberba, existia a
possibilidade de eu retornar ao hospital a qualquer momento e o garoto não
estar mais lá. Sua alma fatalmente ter sido engolida por aquela doença
maldita, seu ar evaporado e fim. Fim para um garoto de seis anos que tinha
muita coisa para viver e um mundo para conhecer. Não! Não! Não! É cruel
e inaceitável.
— Chefe? — Respirei a voz assustada de Valéria, mas não
direcionei o olhar a ela. — Ricky, o que houve?
Fui até a larga janela e abri uma parte. São Paulo, terra da garoa,
fazia jus à sua fama, tempo nublado, fechado, apagado, assim como eu,
recoberto por um extenso nevoeiro.
— O que faz aqui? — Meus olhos seguiram longe na paisagem da
grande metrópole. Enquanto os saltos da minha assistente pontilhavam o
assoalho me alcançando.
— Não sei, só senti que precisava vir, senti que precisava de ajuda.
— A voz era doce, macia, tranquila.
— Perdeu seu tempo, você não pode me ajudar, aliás ninguém pode.
— Ricky, olhe para mim.
— Vá embora, preciso ficar sozinho.
— Ricky. — Ela tocou meu ombro, minha cabeça pesou na direção
da sua mão. — Não estou aqui como sua assistente e sim como uma amiga.
Você me deu esse direito, então vou usá-lo. Olhe para mim, agora.
Custou muito direcionar aquele olhar a ela. O Ricky Walker que
Valéria conhecia não estava ali. Quem a encarou se igualava a um soldado
abatido de guerra, uma guerra interna, bruta, vil.
— Quer conversar?
— Você leu o resultado?
Valéria desviou o olhar para a mancha marrom próxima à porta e os
deixou cair até os cacos espalhados no assoalho.
— Quer que eu limpe aquilo?
— Você leu o resultado?
— Eu li, desculpe, não tive a intensão de invadir sua privacidade,
mas sabia que precisava me preparar para o que vinha a seguir.
Neguei com a cabeça, Valéria tinha conhecimento de tudo, inclusive
desse passado de merda. Na época ela até tentou me aconselhar a não dar
ouvidos ao que a Ellen propôs, não que agi como um fantoche nas mãos
dela, aceitando sem protestar seus conselhos interesseiros. Eu fui o
responsável por eliminar Eduarda de nossas vidas e não medi esforços para
isso, Ellen só endossou as minhas decisões e as executou. Valéria a
contragosto ficou a par dos documentos, em contato com a assessoria de
imprensa, caso a estagiária resolvesse mudar de ideia e colocar a boca no
mundo.
— Você sempre soube o porquê do exame, conheceu a mãe da
criança quando ainda era noiva do Nicholas, sabe de tudo que aconteceu,
então não há o que se desculpar.
Voltei para o bar. Valéria se acomodou no sofá. Preparei com
agilidade duas doses e me juntei a ela.
— Sei o quanto está perturbado com o resultado — falou ao pegar
seu copo.
— Há algo muito mais grave me perturbando — anelei e bebi um
gole.
— A doença do garoto?
— Sim, esse foi uns dos principais motivos de eu ressuscitar esse
passado. — Senti o amargo descer por minha garganta e pesar no meu
peito.
— Sinto muito. — A bebida não fez mais sentido, pois ela
dispensou o copo na mesa de centro. — E a Júlia, sabe?
— Sim, no baile, Nicholas despejou o veneno do passado e infectou
meu relacionamento com ela.
— Ele tem certeza?
Como podia depositar no meu irmão tamanha responsabilidade,
quando tive diversas chances de ser franco com minha noiva.
— Eu… — bebi outro gole —, não fui honesto quando a pedi em
casamento, agi como um adolescente fraco e sem responsabilidade.
— Você está apaixonado, vulnerável, é normal atitudes impensáveis,
precipitadas ou até mesmo falhas.
— Ela me devolveu a aliança. — Fucei o bolso frontal da minha
calça e peguei a joia. Era um amuleto para mim, como se me aproximasse
da Júlia.
— Rompeu o noivado?
— Júlia tem um passado sofrido com traição, então ficou difícil
aceitar o que fiz, exigiu que eu voltasse, principalmente quando soube da
doença do garoto por ter amigos em comum com a Eduarda. — Finalizei a
bebida e coloquei meu copo ao lado do dela. — Estou a ponto de perder
minha garota e o…
— …seu filho?
Apoiei os cotovelos nos joelhos e camuflei meu rosto com as mãos.
Enzo era meu filho, independente das circunstâncias as quais foi gerado, ele
era o meu filho.
Encarei-a com olhos ardidos.
— Como o destino pode ser tão filho da puta, Eduarda é ex-noiva do
meu irmão, Valéria. Tem consciência de como isso fere ainda mais tudo?
— Ele não tem culpa, é o único inocente nessa história.
— É, mas… ele precisava adoecer e estar à beira da morte para eu
entender isso? Que tipo de ser humano eu fui quando ignorei o pedido de
socorro de uma garota de vinte anos, quando ignorei a hipótese de que o
filho podia ser meu e simplesmente segui?
Valéria esboçou um ruído triste.
— Um igual a muitos por aí — falou amarga. — O pai do Léo me
abandou quando soube que eu estava grávida, eu não era uma garota, já era
formada, tinha trabalho, só que estava apaixonada e imaginei que o infeliz
sentisse o mesmo. Até hoje eu sou o pai e mãe daquele garoto, e não foi
nada fácil essa trajetória, acredito que para Eduarda não tenha sido
diferente.
— Lamento.
— Não lamente, não por mim. Eu sou uma guerreira como muitas
desse país. Ricky, Deus está dando a você a chance de escrever novos
capítulos dessa história que infelizmente teve um contexto ruim.
Uma das maiores qualidades de Valéria, era seu lado perspicaz de
entender os dois lados sem julgar nenhum deles.
— Acha mesmo?
— Sim. O que sentiu quando foi ao hospital, quando olhou para o
seu filho pela primeira vez?
Desviei o olhar e pesei a cabeça na nuca.
Era indescritível a sensação, Enzo me desnorteou num primeiro
momento, senti um frio no estômago, um desconforto e descontrole
emocional, era o sentimento de uma primeira vez, algo novo, chocante. E
ao mesmo tempo leve, revigorante, terno. Um misto perturbador de algo
que não me preparei para receber. Segundo as informações da Eduarda,
Enzo era uma criança alegre, inteligente, querida, que da noite para o dia se
viu diante de um precipício. Isso, era exatamente assim que me sentia com
os meus sentimentos — diante de um precipício.
— Estranho!
— Estranho? — perguntou ela.
— Eu fiquei perdido. — Valéria soltou uma risada divertida e
perguntou o motivo. — Ele é inteligente e esperto demais para uma criança
de seis anos, apesar da estrutura física debilitada, tem um olhar forte, sólido
e cativante, capaz de te fascinar, te prender. Ele perguntou se eu era o pai
dele, como se tivesse me reconhecido e eu…
— Você?
— Não disse nada, porque não sou pai dele, o recusei. Não consigo
separar as coisas, por mais que eu tente. Essa traição destruiu a relação que
tinha com o meu irmão. Aceitar o Enzo soa como algo errado, uma facada
ainda mais funda no peito do Nicholas. Apesar de desejar matá-lo por conta
das merdas que anda fazendo para se vingar, ele faz parte de mim, e a Júlia
não sei se suportaria toda essa minha bagagem. — Inspirei, tomando fôlego
— E… se não o aceitar, é como se ignorasse o meu coração. O garoto está
doente, não vou mentir que essa doença mexeu comigo, talvez não tenha
chances com ele, talvez não exista um amanhã com a gravidade dessa
desgraça que o abateu.
— Ricky, o que aconteceu não pode mudar, nada vai apagar o erro
cometido por você e Eduarda, nada vai remediar aquilo. O tempo pode
amansar a dor, amenizar o sentimento de revolta, não apagar. Posso estar
enganada, mas o pai da Júlia é o exemplo claro do tipo de homem que ela
detesta e quer ver longe. Se você ignorar seu filho, ela não o verá com bons
olhos. Entende ao que me refiro? Pagar o tratamento no melhor hospital,
com o melhor médico, no caso até doar a medula, você pode fazer tudo isso,
ainda assim, não vai suprir o que o Enzo precisa.
— Ele é um garoto especial.
— E seu filho, pense nisso.
As palavras de Valéria transitaram na minha mente por alguns
minutos, de alguma forma a presença dela naquela tarde reduziu a fadiga no
meu peito. Como eu disse, havia uma guerra interna bagunçando os meus
sentimentos, e ao mesmo tempo eu sabia que não possuía tempo hábil para
tal indecisão. Meus sentimentos não eram prioridade, eu não era prioridade,
assim como Eduarda e Nicholas — o passado. Enzo precisava de total
atenção.
Um tempo depois, após decidir recolher os cacos espalhados no
chão e tomar uma ducha, meu celular vibrou em cima da cama. Peguei o
aparelho e… meu punho livre fechou no mesmo instante em que minha
retina reproduziu para o meu cérebro a imagem. Só entendi as reações do
meu corpo, quando esmurrei pela segunda vez a parede.
Que diabos Júlia fazia no jatinho com Nicholas?
— Atende filho da puta…
— Senhor… — Ele no segundo toque.
— Que porra você está fazendo? — A fúria que exalava na minha
voz estremeceu o homem do outro lado da linha. — Contratei você para
cuidar da segurança dela, onde você estava, caralho? Acabei de receber uma
foto da Júlia dentro do jato da minha família na presença do meu irmão,
consegue me explicar algo assim?
— Não sei o que houve, Ricky, ela saiu de carro com a prima e o
namorado e num certo momento segui a garota errada.
— QUE PORRA! — Desliguei o celular, discando novamente, a
cada toque meu coração socava o peito, a cada toque a mente formulava
tanta merda que ardia a garganta, a cada toque ansiava pela morte do meu
irmão caso suas digitais marcassem um palmo da pele da minha mulher. —
Atende, Júlia, ou então, eu vou enlouquecer… ATENDE PORRA!
Mas, ela não o fez e isso me transtornou, como um raio percorri os
corredores do apartamento chegando na copa num piscar de olhos.
— Ricky, o que houve? — Maria se assustou, quase cometendo uma
tragédia com os pratos em suas mãos.
— ONDE ESTÁ JOHN? — berrei, assombrando a pequena mulher
com meu timbre nada atípico. Nunca compareci com tamanha fúria diante
dela, em consequência seu corpo tremia tanto, assim como seus olhos se
abriam à medida que me seguia. — Estou indo para o meu escritório,
encontre-o... AGORA!
Júlia estava com o Nicholas…
O peito penalizou meu ar.
Júlia estava com o Nicholas…
A mente castigou minha alma.
— Senhor… — John apareceu na porta, encarei a conduta firme. —
Sr. Walker…, o que houve?
— Descubra o destino do jato da minha família… descubra onde o
desgraçado vai pousar como se custasse sua vida, entendeu? — ordenei,
tensionando cada músculo.
Ele apenas assentiu, deixando-me sozinho com meus demônios.
Um voo turbulento literalmente classifica as horas que passei
respirando o mesmo ar que o arrogante do Nicholas. Bem, não sacava qual
era a dele, se era um ódio a ponto de me destruir ou um ódio a ponto de me
desestabilizar. Embora houvesse essa incógnita, havia uma certeza, ele
desejava a destruição do irmão e por mais que eu amasse Ricky com todas
as forças, sei o quanto apetecemos o pior ao sermos apunhalado pelas
costas.
A traição não é um erro, é uma escolha.
Não pretendia passar no meu apartamento, Ruben ofereceu uma
carona até o hospital e depois deixaria minha bagagem no meu prédio.
Durante a viagem conversei com Marcos por mensagem, sua voz entoava
preocupação e por mais que tentasse ser positiva, um lado meu sinalizava
que algo muito errado me receberia no hospital. Todos os meus sentidos
pulsavam na direção do meu coração — minha mãe. Nada e nem ninguém
seria capaz de desviar meu caminho. Tracei um plano e, independentemente
das mil e uma ligações do Ricky que a cada segundo atualizava a caixa
postal do meu celular, dona Ana era prioridade. Sabia o tipo de homem que
discava e não estava disposta a responder qualquer questionamento.
Desembarcamos e um terremoto nos aguardava logo abaixo do
último degrau, detive o passo e ouvi Ruben soltar o ar com força o
suficiente para atingir minha nuca. Ele mirou meus olhos e muita coisa me
desordenou com aquele contato, em seguida as íris fugazes subiram para o
outro homem acima de Ruben e, sim, o cataclismo estalou-se naquele
heliporto como uma bomba.
Completei um passo e outro… mais um.
— Ricky, o que faz aqui?
Ele não me deu o direito da resposta, apenas farejou o rastro que ao
meu encalço o provocava.
— Olha que recepção ilustre…
— Desgraçado, eu disse para não se aproximar dela! — Suas palmas
chocaram o tórax do irmão o fazendo cambalear. — Eu vou matar você! —
Seu punho o acertou com violência.
— O desejo é mútuo...
Tapei meus ruídos cobrindo a boca com as mãos, atônita, gelada.
Assisti de mãos atadas o massacre dos homens.
Meu Deus, eles iam se matar.
Ruben que comparado ao porte dos primos era uma formiga, tentou
com o reforço de dois homens separar os corpos sedentos por sangue,
reconheci um deles, era John, guarda-costas de Ricky. Como não imaginei
que algo assim pudesse acontecer? Como ainda não mesurava o poder de
Ricky, o quanto ele conseguia controlar o mundo num piscar de olhos?
— Não se aproxime de novo, eu avisei que não teria misericórdia —
Ricky bramiu limpando com os punhos o sangue que pingava de sua boca.
— Sua gatinha que invadiu meu espaço. — O outro cuspiu uma bola
escarlate e mirou meus olhos. — Conte para ele, Julinha, como gosta de
invadir o meu espaço.
Desgraçado!
Ricky me fitou furioso.
— Vão pro inferno! — Colocando-me entre eles. — Não tenho
tempo para presenciar a destruição de vocês…
Abandonei o ambiente caótico e procurei em meio a tudo aquilo um
automóvel, mas haviam dois estacionados. Qual era o do Ruben? Era
praticamente impossível decifrar em qual entrar. Olhei para trás com meu
cabelo atrapalhando minha visão por causa do vento, mas identifiquei ele
vindo na minha cola, assim como Ruben.
— Júlia, espera! — Sua ordem bateu nas minhas costas.
— Não vou falar com você agora, Ricky, não insista. — Brequei a
alguns passos de distância dos carros.
— Que diabos estava pensando quando entrou naquele jatinho?
Como pode fazer o segurança de idiota?
Quê?
— Eu fui feita de idiota!
— Precisava proteger você do meu irmão, porra! Precisava garantir
sua segurança. — Ele esmurrou o capô do carro, então soube em qual devia
entrar. — Mas parece que gosta de estar com ele.
Gargalhei sentindo meu peito latejar.
— Você mentiu pra mim! — berrei. — De novo, mentiu pra mim!
— Só quis te proteger.
— Mentiras não protegem, Ricky, elas ferem — penalizei cada
palavra —, assim como a traição.
Vi a estrutura irada se castigar em culpa.
— Não… não merecemos herdar essa merda, Júlia. Não merecemos,
porra!
Um e outro soco, e mais um e outro.
Encolhi-me, enquanto o assistia acabar com a lataria do carro e
ninguém interromper aquele acesso de fúria.
— Por que voltou para o Brasil com ele? — indagou impetuoso.
Ricky não merecia nenhuma explicação.
Então, dei as costas.
— Vou pegar um táxi. — A passos largos busquei a saída, mas fui
cercada por uma moto, o som veloz circulou meu corpo em manobras
ousadas. Nicholas não nos deixaria para trás sem antes ofertar um pequeno
espetáculo.
— Viagem excitante, Julinha, adorei. — Ouvi murmurar, segundos
antes de empinar a moto e guiá-la, equilibrando-a, apenas com a roda
traseira até a entrada principal. Soltei o ar impressionada com aquilo, no
mesmo instante uma mão fechou meu braço.
— Você só sairá desse heliporto comigo.
— Pô, primo, me deixa explicar, a Júlia veio...
— Não se gaste em explicações, seu primo prefere socos. —
Desvencilhei-me do contato manchado de sangue. — Obrigada, Ruben,
preciso ver minha mãe.
— Por que não pediu minha ajuda, moveria o mundo por você, sabe
disso.
Cerrai os olhos.
— Tem certeza?
— Nunca duvide, daria minha vida para vê-la feliz.
— Não precisa de tanto, basta não me tirar o direito de escolha.
Ele segurou meu rosto.
— Desculpe, eu…
— Você…?
Suas pálpebras acobertaram seus olhos, eles sempre respondiam
meus questionamentos, sempre. Nunca precisávamos de palavras, só que,
naquele instante, Ricky camuflou sua alma, deixando-me no escuro.
— Cansei, minha mãe está doente, não há tempo para nós agora.
— Ana?
— Sim, ela quase enfartou e está em estado grave,
— Entre no carro — o pedido soou manso, destoando da respiração
descompassada, destoando do caos que nos cercava —, por favor, só entre
no carro.
Ele abriu passagem e meus olhos percorreram a trilha, entendi de
uma vez por todas que por mais que traçasse meu caminho, o destino
sempre interferia. Por fim concordei, meu coração estava apertado de
preocupação e meu corpo exausto com a viagem. As quatro horas de
diferença entre os continentes fraquejaram minhas pernas e transpareceram
na estrutura que se lançou no assento traseiro.
— Estava com saudades. — Ricky tocou minha mão perdida no
assento e levou até sua boca. — O desgraçado me acertou de verdade — ele
gemeu e beijou de leve o dorso.
— Vocês parecem dois adolescentes. — Inclinei-me e dedilhei o
corte com cuidado, ele comprimiu o rosto com dor, não contendo o impulso
de me puxar para perto. Respirei seu hálito de hortelã. — Ricky…
— Fica comigo!
Ele me aninhou em seus braços, doando seu calor ao meu corpo frio,
não podia, mas queria. Um abraço uniu nossas angústias, entregues,
cansados, necessitados um do outro nos rendemos. Havia tanto a ser dito,
tanta saudade, tantas explicações que preferi esquecer só por um instante.
Tantos e…, tantos por quês que nos afastavam, mas que não foram o
suficiente. Não naquele momento…, não para aquele abraço, estava fraca,
perdida e precisava dele, nós precisávamos dele...

Em torno de trinta minutos depois o carro estacionou em frente ao


hospital local, nem sei como consegui me situar pelos corredores, só sei que
desesperada percorri ao lado de Ricky cada canto até encontrar a enfermaria
indicada pela recepção. Obviamente que minha entrada foi barrada, precisei
ligar para Marcos que rapidamente correu ao meu resgaste.
— Jú, minha linda... — O amigo leal me abraçou. — O que faz
aqui, garota?
— Não consegui permanecer na Califórnia, nada tem importância
sem minha mãe.
O cabeleireiro percebeu Ricky e fechou a cara.
— O que ele faz aqui? — O olhar doce já não era mais o mesmo. —
Júlia…
— Marcos, preciso ver minha mãe, somente isso importa agora.
Ele analisou o homem nada alinhado ao meu lado. Apesar de tentar
eliminar no caminho os vestígios de sangue do rosto de Ricky com a caixa
de primeiros socorros que dispunha dentro do carro, era notório que ele
havia se envolvido numa briga, tanto ele, quanto Nicholas saíram perdendo
naquele confronto. Antes de acompanhar o Marquito, optei por não
autorizar que Ricky se juntasse a nós, implorei na verdade para que ele
fosse embora, sua figura era de alguém que não dormia há dias. Mas,
adivinhem? Ele não aceitou, e lá no corredor a poucos metros do quarto de
mamãe e sob o olhar vigilante de Marcos, ele se apoiou, enquanto eu girava
a maçaneta.
Ela estava dormindo, tranquila e serena.
Passos curtos, um e outro me posicionaram ao seu lado. Busquei sua
mão entre os lençóis e a pele quente aqueceu meu coração.
Suspirei e as lágrimas rolaram singelas.
— Estou aqui, mãe — sussurrei e lentamente decaí a cabeça em
sentido ao seu peito, ansiava em ouvir seu coração. — Eu te amo, minha
rainha!
Acomodei a lateral do rosto no centro, batidas fortes abriram meus
lábios. Ela estava viva, meu mundo permanecia completo.
— Filha... — Um chiado cansado, um toque no meu cabelo, um céu
estrelado. — O que faz aqui? — Sorri como uma criança de cinco anos,
mamãe não mudava.
— Mãe… — Ergui-me, tendo seus olhos como centro. Pálpebras
cansadas e escuras. Mamãe parecia ter envelhecido um pouco ou era a
saudade que estava fazendo eu ver rugas a mais no seu semblante abatido?
— Como se sente?
— Brava. — Simples assim. — Quem autorizou essa viagem? Você
está perdendo aula, garota. — A voz era fraca, mas, mesmo assim, soava
como uma bronca. Uma bronca que amei receber.
— Mãe, não adianta, precisava te ver. — Olhei para a porta e sorri
para o Marcos que entrava com semblante de poucos amigos. — Ela já
brigou comigo, acredita, Marquito?
— Com razão, né? — Sorriu amarelo e eu sabia bem os motivos
mencionados por ele, um tal executivo à minha espera do lado de fora.
— O que essa desmiolada aprontou?
— Nada demais, só pegou um avião para te visitar.
— É isso — avaliei o quarto simples com mais um leito vazio.
Público? — Mãe, porque está no público, o que aconteceu com seu plano de
saúde?
Ela desviou para Marcos que se prontificou em explicar.
— Na hora da urgência, viemos no primeiro hospital.
Talvez tenha repercutido como uma desculpa? Eu acho!
— Entendi o lance do hospital, mas mãe, o que houve? O que
aconteceu foi bem grave.
Ela inspirou e piscou os olhos.
— Muito trabalho, sentia dores no peito há alguns dias, mas deixei
achando que era dores musculares e…
— Peguei ela caída no banheiro, Júlia, ela desmaiou — Marcos
completou com os olhos brilhando. Arregalei os meus e tapei a boca.
— Deus, mãe, podia ter sido muito pior.
— Mas não foi e a senhorita vai voltar para a Califórnia e fazer jus
ao meu esforço.
— Para passar mal de tanto trabalhar? Nem pensar! — Analisei a
figura pequena e desejei apertar cada pedacinho da teimosa. — Sente dor?
— Não, filha, estou bem. — Curvou os lábios. — Abandonar a
faculdade, onde estava com a cabeça?
Marcos lançou um olhar estranho e sentou-se na poltrona próximo à
janela.
— Mãe, não me concentraria nos estudos com a senhora assim.
— Estou bem, o médico disse que me daria alta hoje. Como veio? A
Mel te emprestou dinheiro?
— Quase isso — omiti. — Eu arrumei um emprego de garçonete,
banquei a metade, não se preocupe. — Respirei a possibilidade da alta. —
Alta hoje? — perguntei para o Marcos.
— Sim, ia te falar.
— Que maravilha, mãe.
Por um instante estudou cada traço do meu rosto, como se algo a
incomodasse.
— Júlia, você está diferente…
Que toda a técnica de atriz que adquiri assistindo os seriados
derrame sobre mim, Jesus. Clamei aos céus. Dona Ana não podia suspeitar
da gravidez.
— Mãe, estou só o pó, não vim de metrô dos Estados Unidos, deve
ser isso.
— Não é isso, tem alguma coisa, eu…
— Como se sente minha paciente preferida?
Glória a Deus, o doutor… Ah? Paciente preferida, como assim?
Íntimo demais para o meu gosto.
— Estou pensando em não te dar alta, mas me pergunto, o que será
desse hospital sem você, Ana?
Hein? Que porra é essa?
A dona encrenca estava flertando com o médico? Velha safada!
— Ah, doutor, gentileza sua...
Até corou, olhem só!
— Ahaaaa! — interrompi a melação. Que isso! Que pouca vergonha
num leito de hospital. — Prazer, sou Júlia, filha da SENHORA Ana. —
Estendi a mão para um cumprimento formal, ele sorriu e retribuiu o gesto.
— Linda como a mãe.
Puta merda, que senhorzinho assanhado.
— Obrigada, mas doutor, foco na saúde da paciente. Quero saber
tudo que aconteceu com minha mãe.

— Um café bem forte, por favor — fiz o pedido e a garçonete


anotou no bloquinho.
— Senhorita, temos uma torta de frango deliciosa, deseja
experimentar? — A mulher sugeriu educada, mas Júlia negou com uma
careta enojada.
— Está enjoada por conta da viagem? — perguntei, ela porém, virou
o copo com água à sua frente. Pelo visto estava com muita sede. — Tudo
bem?
— Sim — respondeu para mim, dispensando a moça em seguida. —
Estou sem fome, só isso. — Pigarreou.
Júlia estava nervosa, reconheci os sinais. Mãos inquietas, olhos
fugindo dos meus toda vez que tentava invadi-los e dentes pressionados
movendo ambos os lados do seu maxilar.
— Sua mãe, como está?
— Ela vai ficar bem, conversei com o médico, apesar do princípio
de enfarto ter sido muito preocupante, se ela seguir tudo direitinho vai ficar
bem — contou aliviada, como se um peso lhe fosse tirado das costas.
Resgatei sua mão, muito gelada por sinal.
— Se preferir podemos transferi-la para outro hospital, um com
mais recursos e…
— Não precisa — rebateu inflexível. — Ela vai receber alta, não se
preocupe.
A garçonete posou meu café e um silêncio perigoso se penetrou ali.
Ao mesmo tempo que contar as mudanças das últimas horas eram
essenciais, temia estragar o momento. Meu coração implorava a cada
segundo por aquela garota, desesperado, ofegante, ansiava em acariciar sua
pele e deleitar-me do seu corpo como uma morada eterna. Não podia, não
antes de jogar limpo com ela, conhecia os riscos, talvez me custaria perdê-
la. Amava a Júlia sem limites, um amor intenso, perigoso, que muitas vezes
me amedrontava.
Desejei matar o meu irmão, irado, cego, atormentado por vários
demônios. Porra, que diabos ela tinha na cabeça para embarcar no mesmo
voo com Nicholas?
Ruben empenhou-se em explicar as razões, no entanto, Júlia era
ciente do que Nicholas era capaz e se arriscou mesmo assim. Perdi a linha
só de cogitar que algo pudesse acontecer naquele voo, não ponderei nada.
— Faz tempo que não dorme? — Ela rompeu o silêncio.
Imaginei o estado lamentável da minha aparência, não havia
descansado um segundo sequer desde que desembarquei no Brasil.
— Dormi poucas horas desde que cheguei, mas não se preocupe
comigo, estou bem. — Sorvi a bebida quente e embora já tivesse reparado,
a pele do seu rosto não estava nada saudável. — Anda se alimentando
direito, Júlia?
E novamente o copo com água a refugiou e uma resposta decente.
— Estou sem apetite, só isso.
— Por quê?
— Como assim, por quê? Só estou sem apetite, qual é o problema?
Tem que ter um motivo para isso? — Disparou.
Ergui os braços em rendição.
— Tudo bem, não precisa ficar brava, eu…
— Não estou brava, Ricky. — Ela jogou as costas para trás e cruzou
os braços, olhar colhendo tudo à sua volta. Sim, ela estava brava! — Para
de me olhar assim, como se eu fosse uma criança.
Foi então que ela me fitou, esvaziei a caixa torácica, apoiei os
cotovelos na mesa e soltei de súbito.
— O resultado do DNA saiu ontem — murmurei e ela mordeu os
lábios inferiores. — Podemos entrar nesse assunto agora?
— Estamos nele, Ricky… — Ela negou, como se já soubesse o
resultado. — Você é o pai, certo?
Aquele olhar sangrou meu coração.
— Sim.
Ela não disse nada, nem eu, os corações falaram por si.
Havia uma enorme lacuna entre nós, e mesmo não querendo que
acontecesse, não pude impedir. A única coisa que desejava como um
viciado dependente, era entender o que Júlia esperava de mim e se estaria
ao meu lado, caso resolvesse libertar o Ricky que descobri existir, quando
pus os pés naquele hospital. Considero-me os piores dos fracos, e sei que
não dispunha do direto de indecisão. Enzo não tinha tempo para o meu
dilema, só que não podia voltar naquele leito hospitalar sem a convicção do
que de fato ofereceria a ele, quais eram as reais motivações em estar ali, e
se estaria disposto a recuperar o tempo que perdi.
— Então ele tem uma chance? — Ela quebrou o silêncio.
Permiti que meus olhos caíssem para a xícara, circulei a borda
algumas vezes, incomodado, a conversa com a Valéria rondando o meu
subconsciente.
— Ricky, o que houve? — Apesar do tom suave, havia uma
urgência na voz que não passou despercebido.
— Ele é meu filho — senti minha garganta arranhar — e não sei
lidar com isso. Com tudo que envolve isso, com você, com o Nicholas e
muito menos com Eduarda.
Júlia enrugou a testa e abraçou o próprio corpo, não escondeu o
quanto o que disse provocou rachaduras nos seus pensamentos.
— Conheceu ele?
— Conheci. — Sem autorização recordei o primeiro contato no
hospital. — É uma criança incrível, Júlia. Esperta, autoritária, olhar vivo,
intenso, e muito inteligente. Ele está bem fragilizado por conta dos
medicamentos e todo o tratamento, mas imaginei o quão alegre devia ser
em outras situações, antes de ficar doente. Pena que talvez não…
— Espera! Desistiu dele?
— Não, farei o que estiver ao meu alcance e… pode não ser o
suficiente.
— Ricky, posso te fazer uma pergunta?
— Claro!
— Como se sente depois que descobriu que era pai do Enzo e
considere todo o contexto dessa paternidade nessa pergunta?
Posicionei os cotovelos na mesa e fechei os dedos apoiando a boca
neles. Júlia avaliava o meu semblante aflito, tensionado, afetado.
— Como disse, me sinto insuficiente para aquele garoto — deixei a
coluna ir de encontro ao encosto —, sinto que nunca vou poder ser um pai
para ele, porque não consigo separar como ele foi gerado e o que isso
causou logo depois. Enzo não tem culpa de nada, é inocente no meio de
toda essa sujeira, precisa de urgência, dedicação e… amor. Não sei se
consigo oferecer algo além de recursos, não sei se sou capaz, entende?
— Você não sabe se consegue esquecer tudo e simplesmente ser um
pai para esse menino? — Senti sua voz embargar, suas mãos procurarem
apoio, então as tomei junto às minhas.
— Não me odeie por isso.
— Eu não odeio você — um filete rouco de voz contida e um olhar
lagrimejado expressou tudo — não por querer ser um pai para o Enzo e não
só oferecer ajuda, dinheiro e recurso. Eu não odeio você por querer colocar
de um lado o passado e do outro o fruto gerado, mesmo que no final o
contexto magoe um certo alguém. Eu não odeio você por sentir e se deixar
invadir por amor. Agora, talvez te odiasse caso você ignorasse o que sente e
somente agisse como um robô querendo resolver o problema, usando o
dinheiro e o poder como fuga, sem se importar com o coração das pessoas e
seus sentimentos. Entende?
Apertei as pálpebras e uni minha testa às nossas mãos.
Amava aquela mulher com todas as minhas forças, e um mundo sem
ela não era o ideal para mim. Júlia foi a única capaz de quebrar minha
resistência e invadir meu coração. Tão linda, tão perfeita, que meu coração
sangra ao cogitar perder a posse do seu.
— E eu preciso de você. — Levantei e rodeei a mesa que
atrapalhava nossos corpos de se tocarem, ofereci uma mão que apoiou sua
subida. Puxei-a para perto, era um viciado no seu calor, abracei sua cintura
e ela só espalmou me tórax, não se entregando por completo. — Por favor,
fica comigo?
— Ricky, não faz assim…
— Só me diga se há chances de eu voltar a ser o homem da sua
vida? — Apertou os lábios e colou nossas testas. Os hálitos se misturando,
alimentando a vontade aguçada nas bocas entreabertas.
— Um tempo… — Meu coração preso a garganta. — Eu preciso de
tempo e você precisa agir antes que seja tarde demais.
Suas palmas lentamente afastaram nossos corpos, impondo uma
distância que mastigava a alma.
— Agora eu tenho que ir.
— Eu sabia que você ia voltar, Ricky.
Enzo esticou os pequenos lábios num sorriso que ia além da minha
compreensão. Engoli ainda na entrada tudo que num certo momento me
impediu de ultrapassar aquela soleira e fui em linha reta ao encontro dele.
— Voltei porque precisamos conversar — disse e desviei para
Eduarda que fitava meus olhos com ar de reprovação.
— Eu sei, papo de homem, né?
Deixei escapar uma risada, impressionado, ele não tinha só seis
anos. E eu estava nervoso pra caralho.
— Ricky, o que está fazendo? — A mãe tomou a frente, feição
avermelhada como se todo o seu sangue tivesse parado na sua cabeça.
— Mamãe, ele voltou, eu não disse.
— Filho, preciso de minuto com o Ricky. — Ela lançou um olhar
que provavelmente me mataria se pudesse. — Ricky, por favor, você pode
me acompanhar?
Concordei com ela, que inclusive já estava na porta.
— Enzo, é só um instante e já voltamos, tudo bem?
Ele balançou a cabeça dizendo sim e a recostou no travesseiro, olhos
castanhos em expectativa seguindo cada movimento meu. Respirei aquilo,
uma pequena reação tão inocente, tão ingênua, mas que magnetizou meus
olhos.
— Ricky…? — Eduarda me alertou muito irritada que estava com a
porta aberta e um punhal de advertência à minha espera.
Óbvio que ela tinha razão, eu devia ter ligado antes de aparecer do
nada.
— Está louco? — O tom era alto demais até para um corredor de
hospital. — O que pretende?
— Eduarda, se controla — pedi e encaixei as mãos nos bolsos.
— O que pretende com essa visita?
— Eu quero o Enzo na minha vida.
Ela praticamente paralisou e se não houvesse a parede para apoiá-la,
tinha ido ao chão.
— Como? Tem consciência do que disse? Tem consciência da
gravidade do que disse?
— Tenho. — Escorei também, precisava de apoio. — Pensei muito a
respeito e… não me perdoaria se não tentasse ser o pai dos sonhos do Enzo.
Mesmo sabendo que jamais conseguiria atingir o patamar de perfeito,
porque sou falho e fui um filho da puta em toda essa situação. Não devia ter
transado com você naquela noite, mesmo que você usasse todas as
artimanhas possíveis para me seduzir, eu sabia que o Nicholas te amava.
Você sabia o quanto ele te amava. — Ela colocou as mãos sobre a boca e
permitiu que as lágrimas que se formaram descessem silenciosas. —
Quando você apareceu diante de mim, com um teste de gravidez, eu devia
ter enxergado aquilo como um ponto a aceitar, a se averiguar, a entender,
não como um atestado de traição, algo a me afrontar e com o poder que
tinha em mãos só quis destruir você. E agora estamos aqui, e o que
adiantou? — Pesei a cabeça na nuca e respirei fundo antes de prosseguir. —
Não sei qual o intuito do universo e que tipo de lição vou levar de tudo isso,
só sei, no que depender de mim, eu juro, vou me esforçar em fazer os
próximos dias daquele garotinho os mais felizes. Não me impeça, por favor!
Eduarda se manteve de um lado e eu do outro do corredor, entre nós
um abismo enorme de erros, de falhas, de circunstâncias. Eu sabia que para
seguir adiante precisávamos autorizar que tudo desabasse ali, precisávamos
lacrar aquele vão e priorizar o Enzo. Ia ser fácil? Não! Mas precisávamos
tentar.
— Como isso vai funcionar?
— Preciso da sua ajuda.
— Não quebre o coraçãozinho dele, não suportaria vê-lo sofrer, e é
bem provável que você não volte a respirar caso o magoe. — Ela tentou rir
em meio as lágrimas.
— Isso é um ameaça? — Ergui os braços em rendição.
— Sim, é!
— Tá certo, eu mereço.
— Vá lá, fale com ele.
Meu coração sacudiu no peito.
— Certo.
— Vou tomar um café.
Esperei que ela cruzasse o corredor para voltar para o quarto. Como
iniciar uma conversa com uma criança? Senti-me um banana, nervoso pra
caralho. Era uma situação complicada, complexa e… eu nunca lidei com
uma criança antes, nem fui tio ou algo que facilitasse. Mal acompanhei o
crescimento do Ruben, então estava perdido.
— Como se sente, Enzo?
Andei na direção da cama.
— Bem.
Optei em deixar o assunto fluir.
— Feliz por isso, esse novo tratamento está dando resultados.
Ele cerrou os olhos e desenhou todo o meu rosto por alguns
segundos.
— Você é meu pai, Ricky?
Fluiu bem rápido como podem ver.
— Por que acha que sou seu pai?
— Um dia desses eu sonhei que acordava e meu pai estava ao meu
lado, assim como mamãe disse. Ele era parecido com você, acredita? Minha
nossa, eu fiquei tão feliz! Aí, quando acordei e te vi, fiz tudo direitinho
igual no sonho... primeiro li seus olhos, e sim, eram parecidos com os meus,
mas… — Pensou um pouco, crispando os lábios. — Não entendo, deve ser
porque eu não sei ler direito, talvez seja isso. — Uma gota brilhou solitária
e triste, enquanto ondulava a pele pálida.
Meu coração apertou e tudo mudou depressa demais para que meu
raciocínio acompanhasse.
— Você não leu errado.
Um sorriso cresceu gradativamente no rosto pequeno, e naquele
momento o singelo gesto me lembrou o Ruben, me lembrou o Nicholas.
Enzo era muito parecido com os homens da família Walker. Sorriso largo,
olhos expressivos e sedutores, mas não claros como os dos demais,
castanhos avelãs, assim como os meus.
— Não? Então…?
— Sim, eu sou seu pai.
— Minha nossa!
Ele arregalou os olhos e fez um O com a boca.
— E estou muito feliz por ter descoberto.
— Eu sou um garoto legal fora dessa cama, vai ver.
— Quem disse a você que não é legal mesmo estando aí por pouco
tempo?
Toquei o acesso no seu braço, veias aparentes roxeavam sua pele
pálida demais. Procurei esconder o quanto aquelas marcas avermelhadas
espalhas por todo braço agitaram meu peito.
— Você jura que vou sair daqui?
Era uma promessa que não podia fazer, mesmo com seus olhinhos
esperançosos a espera de um sim.
— Olha, se for necessário alcançar a lua para pegar a cura, eu vou.
— Minha nossa, até a lua? — Ele estralou a língua. —Para chegar
até a lua precisa de um jato, eu duvido que tenha um.
Cruzei os braços à frente do peito.
— Eu tenho um jato, mas talvez prefira ir de Ferrari, é bem mais
rápida.
Ele arregalou os olhos de novo, chocado. Eu ri, Enzo era uma
figurinha.
— Minha nossa, você tem uma Ferrari?
— Duas, na verdade, gosta de carros?
— De carros e de futebol. Gosta de futebol, Ricky?
— Um pouco, curto mais outro tipo de futebol, o americano,
conhece? — Dei um passo e outro, circulando a cama, aproveitando para
avaliá-lo enquanto conversávamos.
— Não, você me mostra um dia? — perguntou empolgado.
— Talvez possamos trocar, você me mostra o futebol do Brasil e eu
o americano, o que acha?
— Combinado! — Ele levou os lábios para o canto, pensando no
que ia dizer. — O Neymar é o melhor, um dia vou pedir para ele autografar
minha camisa do Brasil.
— Sei quem é, tem o sonho de conhecê-lo?
— Sim, depois de conhecer meu pai, conhecer o Neymar é meu
próximo passo na vida.
Gargalhei, ele realmente não tinha seis anos.
— Já temos um sonho realizado, certo?
Com um sorriso de orelha a orelha ele fez sim com a cabeça.
— Tudo bem por aqui? — Eduarda apontou na porta se colocando
para dentro. — O que conversavam?
— Mamãe, se liga, eu sou muito sortudo, tenho um pai com duas
Fe.rra.ris, acredita?
— Nem pensar, a senhora vai repousar. — Acomodei a dona
encrenca nos travesseiros. — Marcos dá conta do salão, nada de trabalho
nos próximos dias, ouviu que o médico assanhado disse, né?
Minha piada não superou sua percepção.
— Andou chorando, Júlia?
Segurei seu pulso e ela soltou meu maxilar.
— Claro que não! — Fui até seu banheiro. — É o fuso horário,
meus olhos estão cansados.
— Me engana que eu gosto — resmungou, mas não prosseguiu,
estava cansada demais para iniciar um interrogatório.
— Mãe, durma, vou preparar um caldo e depois dormir de
conchinha com a senhora, preciso matar a saudade. — Liguei o abajur e
escorei a porta. Marcos logo apareceu no meu campo de visão, semblante
abatido ao revisar algumas folhas. — O cheiro desse apartamento me faz
feliz. Está com fome?
— Estou preocupado, ele te encontrou. Estão juntos? — Foi direto
ao ponto que o angustiava desde o hospital.
Abri o armário e a despensa estava quase vazia.
Que estranho!
— Marcos, não quero falar sobre isso.
— Não? — Ele soltou o ar com força. — Sua mãe passou o inferno
para te mandar para os Estados Unidos e você voltou para os braços do
Ricky Walker?
A única coisa que sinalizei em tudo que disse foi: “sua mãe passou
o inferno por você.” O que ele quis dizer com aquilo? Sempre soube o
esforço com que mamãe levantou o dinheiro para me tirar do país, valorizei
cada centavo, porém, a amargura das suas palavras trouxe uma sensação
estranha.
— Como assim?
— Ela cancelou o plano de saúde, Júlia, acha o quê? Que bancar
uma filha nos Estados Unidos seria fácil? — disse com um certo rancor. —
Esse é o motivo da internação no público.
— Meu tio, ele…?
Não vi aprovação na sua feição.
— Ah, querida, seu tio não ajudou em nada, sua mãe a fez pensar
assim. Acorda!
Espera! Ele estava me acusando!?
— Eu não queria ir, não queria mais uma vez sobrecarregar a
mamãe, mas ela…
— … ela é capaz de qualquer coisa por você, só que parece não ter a
mesma importância na sua vida. Depois de tudo que aquela família fez,
depois do inferno que passou, não acredito que traiu sua mãe.
Traí minha mãe?
— Não é bem assim, Marcos…
Deu as costas em direção à porta, calando-me, culpando-me,
depositando sobre mim um peso pesado demais.
— Estou cansado, vou para minha casa enquanto ainda posso pagar
o aluguel — murmurou e simplesmente cruzou a porta.
Fiquei ali, imóvel, tentando engolir as palavras rancorosas de
Marcos. Entendia o seu ar de decepção, ele esteve ao lado de Mamãe e eu,
nos piores e nos melhores momentos, era um amigo leal. Só que se a minha
intuição estivesse certa, havia outras origens para ele falar comigo daquela
forma. Toquei o centro do peito, pensaria nesse assunto amanhã, o caldo de
mamãe era algo que precisava resolver, com a dispensa vazia era impossível
preparar uma refeição decente. Peguei na geladeira o ímã com o telefone do
restaurante preferido dela, ia discar, porém uma mensagem de Raica guiou
meu foco.

Suspirei, Raica era um porto seguro e não foram raros os momentos


que seus conselhos ou simplesmente seus carinhos, me salvaram de uma
síncope. Deus, sabe o quanto precisava da minha amiga, principalmente
depois da conversa que tive com Ricky na lanchonete do hospital.
A abobalhada estava testando a frase, porque alguns segundos
eternos se arrastaram até que uma mensagem carregasse no celular.
Finalizei, dispensando o aparelho na bancada.
Liberei o ar morosamente, meu corpo situando-se no ambiente,
havia desembarcado no Brasil há poucas horas e tudo explodiu depressa
demais para que não me sentisse tonta. Namorei um pouco o cantinho onde
passei boa parte da vida. — Tudo estava intacto, mamãe não mudou nada,
nem sequer uma almofada nova. Logo depois fui conferir dona encrenca
que graças, dormia igual a um anjo.
Meu quarto também estava intacto, sem um fiapo de pó folheando
os móveis. Ri boba, ela cuidou de tudo, como se esperasse minha chegada a
qualquer minuto. Desfiz-me da roupa pesada e fui na direção da água
quente, a pretensão era abrigar-me ali e relaxar os pontos tensos que
latejavam meu corpo, porém, o reflexo no meio do caminho paralisou cada
ação. O espelho era grande o suficiente para proporcionar a visão de um
corpo diferente, a barriga que sempre estivera nivelada, tinha uma leve
curva, imperceptível para alguns, mas não para mim. Acariciei o contorno,
dando-me conta de que em alguns meses a gravidez seria visível.
Fugi daquela realidade nas últimas 72 horas, tentei evitar me
penalizar a cada segundo, mas no meu íntimo, ou melhor, aquela
sementinha que crescia dentro de mim, implorava para que o aceitasse. Não
sabia como fazer, sequer me sentia abençoada. Tolice e puro egoísmo meu,
o medo me acorrentou, me acovardou, tudo que via diante dos meus olhos
era uma grande tragédia.
Eu precisava decidir.
E havia alguma dúvida? Muitas!
Mas nenhuma capaz de me levar à decisão de um aborto, não teria
coragem, eu estava com medo e perdida. Ser mãe não é uma missão fácil e
não dispunha de nada que me preparasse para assumir tanta
responsabilidade. Eu não abortaria, nada convincente me levou a cogitar
aquela hipótese. O medo bagunçou meus pensamentos, ainda bagunçava, na
verdade, e até o bebê nascer, não confiava no meu equilíbrio emocional,
nem um pouco. Passei a mão no abdômen e me curvei, apoiando com uma
mão a lombar, inflei o diafragma alongando três vezes mais a barriga.
— Bebê, farei o possível para ser uma boa mãe, sabe, eu sou
destrambelhada, esquecida, como posso cuidar de uma criaturinha tão
pequena e delicada? — confidenciei encarando meu reflexo. — Menino ou
menina? — gargalhei. — Se você for um menininho e se parecer com seu
pai, hahaha, teremos alguns problemas. Seu pai é muito bonito, sabia?
Safadooooooooo que dói, um ordinário de um metro e oitenta. Eu o amo
tanto, mas nesse momento estou puta da vida com ele, então se considere
órfão de pai. Hoje conversamos e senti uma vontade de abraçá-lo, sabia o
quanto ele precisava, sabia o quanto descobrir que tem um filho o
desequilibra, por um minuto cogitei falar sobre você para ele, mas como
podia, seu papai estava tão confuso, buscando razões para aceitar o já
aceitado, assim como eu. — Suspirei, olhos ardendo. — Perdão, eu estava
muito assustada, com medo e sem apoio quando soube de você, pensei tanta
merda que... — Uma lágrima escorreu, logo a sequei com o dorso. — Não
teria coragem tá, você, apesar de uma pequena semente é fruto de muito
amor, porque eu amo seu pai e sei que ele me ama, só que nós, adultos, não
somos muito certos da cabeça, sabe? Cometemos erros, somos
inconsequentes, pedimos perdão e caímos no erro de novo, magoamos
pessoas, destruímos pessoas ao mesmo tempo que a amamos, um desastre
chamado ser humano. Mas eu te prometo, apesar de não curtir promessas,
que vou fazer uma a você, serei a minha melhor versão, quando te pegar no
colo pela primeira vez, farei o meu melhor, o impossível, assim como dona
encrenca fez por mim... — Sorri radiante por entender o meu destino, sorri
e chorei silenciosa por aquele sorriso, até que um reflexo se juntou ao meu e
o sorriso se desfazer. — MÃE!?
Gelei inteira.
— O que disse? — Tom baixo, ferido, esmiuçado.
— Mãe, eu… — Procurei o roupão para cobrir-me, enquanto ela se
apoiava na cama. — Eu posso explicar, dobrei os joelhos à sua frente e
mirei os olhos lacrimejados.
— Explicar o quê? Você falou em um bebê? — Se contorceu inteira.
— Você está grávida? É isso?
Não era o momento, não com sua saúde por um fio. Mas não havia
outra alternativa, uma mentira àquela altura a machucaria ainda mais
quando a verdade viesse à tona.
— Sim — confessei e muitas lágrimas despencaram em suas
bochechas. — Mãe, perdão, mas Ricky e eu…
— O desgraçado te encontrou então?
— Ficamos noivos e muita coisa aconteceu…
Ela sentiu o centro do peito, sei porque tocou aquele ponto.
— Ficaram o quê? Meu Deus, como fui tola…
— Mãe, perdão, mas não podemos falar sobre isso, a senhora
acabou de receber alta, por favor!
Ela ergueu-se, dispensando bruscamente meu toque.
— Sim, tem razão, não podemos falar sobre isso agora e nunca.
Perdi minha filha…
— Mãe, você não me perdeu, estou aqui.
— Não tenho mais filha.
Deixei-me cair sobre os joelhos, sem força para reagir às suas
palavras.
“Não tenho mais filha…”, ela disse isso mesmo?
Ela cruzou a soleira, e eu fiquei ali, tentando absorver a sentença, o
desprezo, o cruel abandono. Apesar de imaginar a não aceitação de mamãe,
nunca acreditei que a perderia por aquela escolha. Eu sabia o quanto a
magoaria, o quanto ela se sentiria traída, mas não que ela renunciasse assim
a tudo que vivemos.
O impacto a cegou, preferi pensar assim, respirei aquela chance
antes de seguir para o banheiro e, por fim, mergulhar na água quente. Com
calma, em outro momento, conversaríamos e sei que ela não me
abandonaria.
Garanti que mamãe estivesse dormindo e mesmo ela me ignorando
coloquei na mesinha de cabeceira uma tigela de caldo de cenoura que pedi
após o banho. Troquei algumas mensagens com Melissa, atualizando-a de
alguns detalhes da viagem, a maior parte Ruben relatou.
Pouco tempo depois Raica bateu à porta, o abraço que a recebeu
trincou cada costela do corpão de mulher fatal da preta, a bicha estava uma
perdição de tão linda. Ao contrário do previsto, café desceu pelas nossas
goelas, ela resmungou, no entanto, entendeu assim que soube de mamãe e
iniciarmos o “assunto”. Sem misericórdia contou cada passo de Ricky no
hospital, seus empasses com Eduarda e me surpreendeu quando pintou um
novo homem para mim.
— Jú, o garoto parece que acordou de um coma, os médicos estão
estudando a fundo as emoções dele, e agora, se Ricky for compatível…
— Ele vai ser.
— Como se sente com isso? Vai, joga limpo.
— Enzo não tem culpa, Raica — falei.
— Eduarda comentou que você é a responsável por Ricky estar
aqui. Provavelmente ele deixou transparecer isso em algum momento.
Como se sente, digo, agora em relação a eles?
Servi-me de mais café, o tempo curto me fez pensar o quanto eles
sangravam meu coração.
— Traída — me abri para ela —, eu merecia saber. Ricky mentiu
sobre seu passado quando houve oportunidade de contar a verdade.
— Júlia, eu entendo você, mas também sei que era muita coisa para
ele arriscar, não?
— Raica…
— Escuta, essa história toda é uma merda só. Quando você
embarcou para os Estados Unidos, senti a obrigação de apoiar a Duda, ela
trabalhava igual a um zumbi por conta das noites em claro no hospital,
enfim, fiquei com dó e dobrava com ela para cuidar do pequeno Enzo. Por
mais que perguntasse, ela jamais mencionou o pai, mas quando Ricky
apareceu no hospital a coloquei contra parede e aí me choquei. Ela contou
tudo. Pensa bem, você não deve herdar nada, esse fardo é dos três, somente
deles, entendeu?
— Estou grávida, Raica!
Ela tapou a boca e de preta ficou branca.
— Engravidei e estou desesperada. — O café perdeu o sabor. —
Minha mãe soube agora a pouco num vacilo que dei e me cancelou da sua
vida. Tem mais, a dispensa está vazia, a geladeira está vazia, ela está sem
plano de saúde, desconfio que o salão não esteja em um bom momento, pois
o rancor que Marcos despejou sobre mim quando viu Ricky, fez com que eu
concluísse a ingrata que fui. Ela fez de tudo para me dar um novo coração,
Raica, e qual foi a resposta? Engravidei de um homem que mentiu para
mim.
Não controlei mais nada.
— Calma, Jú, não chore. — Seus braços já me cobriam. — Que
barra, amiga, por que não me ligou? Devia ter dividido isso comigo.
— Eu mal consegui dividir comigo mesma, só tenho vinte anos e
vou ter um filho, eu… não sei o que fazer.
— Ricky sabe?
Procurei seus olhos.
— Não, nem quero. — Peguei as xícaras levando-as para a pia.
— Enlouqueceu? Ele precisa saber, ele é o pai. Como assim, nem
quero?
— Não!
— Você não pode esconder dele, não tem esse direito — rebateu.
— Tenho sim, preciso de um tempo.
— Pare de carregar toda a bagagem sozinha, estamos aqui. — Ela
colheu minhas mãos. — Eu estou aqui e jamais deixaria a senhorita
sozinha. Eu tenho certeza de que Ricky te ama, mesmo com todo esse...
passado, essas mudanças, entende?
Odiava admitir, mas a criatura tinha razão.
— Tem mais, vou ser uma excelente tia, prometo. — A filha da mãe
cruzou os dedinhos sobre a boca. — Mas Ricky precisa saber.
— Eu sei.
Inevitavelmente eu teria que contar, só não sabia como fazer.
Dias depois...
— Ricky, precisamos organizar uma coletiva de imprensa, os
sensacionalistas estão destruindo a sua imagem e, com isso a WUC está
perdendo investimento, nossas ações estão em queda e sua mãe me liga de
dois em dois minutos me ameaçando de morte, simplesmente porque você
não a atende. — Ela riu nervosa. — Então, a sra. Walker se sente no direito
de me atormentar, na verdade, ela pensa que sou paga para ouvir seus
desaforos, eu vou enlouquecer.
Respirei fundo tentando manter a calma, enquanto analisava as
notícias no IPAD.
— Malditos jornalistas — esbravejei trincando o maxilar.
Quase lancei o aparelho na parede, ao invés disso optei por preparar
mais uma dose de uísque — a sexta dose desde então —, de qualquer forma
não seria o suficiente para relaxar meus músculos.
— Não posso expor a Eduarda e o Enzo, não com a saúde do garoto
em risco. Bem, faz o seguinte, marca uma reunião com a assessoria de
imprensa, vou autorizá-los a se pronunciar.
— Uma boa solução por ora, vou agendar. E sua mãe, o que faço?
Mando veneno para ela, dizendo que é calmante, com todo o respeito.
Ri, porque foi engraçado e sei que para Valéria falar algo assim é
porque está a ponto de explodir.
— Não consigo lidar com Sara agora, Valéria, faça isso, seu trabalho
é excelente.
Evitei Sara nos últimos dias, obviamente que as notícias
atravessariam o oceano, suponhamos que Nicholas tenha aberto a boca para
a imprensa e desse modo desenterrado duas tragédias sutis, meu sequestro e
a garota seduzida pelos herdeiros da WIS. Resultando: um terremoto capaz
de destruir o pouco de estabilidade que ainda mantinha o meu mundo
erguido.
Desgraçado!
Ele não aceitaria minha relação com a Júlia e tampouco um filho
com a Eduarda, mesmo ciente do contexto.
— Veneno liberado?
— Não, talvez um paralisante bocal, assim ela para de falar.
— Anotado. — Ela inspirou, puta da vida, lidar com Sara não era
um trabalho prazeroso.
— Conseguiu o que pedi? — Pousei o copo na mesa ao lado.
— Sim, mas acho difícil John convencer Júlia a entrar no carro
dele, os dois últimos seguranças você viu no que deu.
Júlia recusava proteção, rebelde, ríspida, cumpria cruelmente sua
promessa de manter-me distante. Por dois momentos tentei quebrar sua
resistência, no entanto, com a saúde de Ana fragilizada preferi acatar. Isso
não significava que não havia controle da minha parte, total por assim dizer,
até porque os sanguessugas estavam prontos para destruí-las com perguntas
imbecis que distorcessem qualquer que fosse seu discurso.
Não desistiria da minha garota — nunca.
— A vida de John depende desse feito, sei que ele não vai falhar.
Ela riu.
— Em duas semanas o resultado…? — Lembrou um detalhe que
tirou minha paz durante a noite. E se não for compatível? — Como se
sente?
— Nervoso — confessei.
Ela suspirou.
— Estou orgulhosa de você.
— Cada dia que passo ao lado daquele garoto, eu aprendo um
pouco. E pode acreditar, ele é inteligente o suficiente para isso. Conheci
seus gostos, seus desenhos favoritos, suas comidas favoritas, o primeiro
tombo, o primeiro machucado, rio das suas piadas e sinto que meu mundo
ganhou cores diferentes, é surreal.
— Ele é seu filho, Ricky, são laços inexplicáveis da paternidade.
Laços inexplicáveis da paternidade.
— Ainda tenho receios, medo de falhar em algum momento, medo
de não ser compatível.
— Ricky, calma, não se desespere, as coisas estão seguindo seu
rumo, não é? — proferiu mansa e experiente. Tomando posse da intimidade
que concedia a ela.
Acompanhar a rotina de uma criança com seu estado clínico era no
mínimo um teste de sobrevivência, seus altos e baixos — uma imunidade
sempre a fio. Era montanha russa de sentimentos conviver com o pequeno
Enzo.
Em contrapartida, eu não medi esforços nos últimos dias, apesar do
dr. Almeida desempenhar seu papel com louvor, fui em buscar de novas
possibilidades e tratamentos, acionei alguns médicos amigos do exterior à
procura de algo novo. Não podia só esperar meu exame, precisávamos de
mais possibilidades, mais recurso. Pagaria o que fosse preciso por uma
esperança, por uma medula — mesmo sendo ilegalmente possível — eu
pagaria.
— Você gosta de quadrinhos? — perguntei para o Enzo horas mais
tarde quando compareci ao hospital. — Valéria, minha assistente, lhe
mandou como presente.
Entreguei a ele o embrulho.
— Pra mim?
— Sim, abra.
Ele desfez o embrulho com empolgação e assim que apanhou as
revistinhas em mãos, me encarou com a sobrancelha erguida.
— Quê? Algo errado? — Quis entender o semblante aborrecido.
— Não são quadrinhos, Ricky. — Fiquei confuso. — São mangás…
Eduarda gargalhou na poltrona do outro lado do quarto. A infeliz riu
tanto que até perdeu o fôlego.
— Mangás?
— Sim, são desenhos japoneses.
Cruzei os braços à frente do peito.
— Hum, entendi, só que para mim não passam de quadrinhos. Qual
a diferença?
— Tem muita diferença. — Ele folheou uma delas. — Depois você
lê para mim, aí explico a diferença.
Como assim, ele não sabia ler?
Demonstrei para a mãe um certo descontentamento com a questão.
— Você não sabe ler, pequeno gênio?
Ele crispou os lábios, descontente.
— Não houve tempo. — Deixou os olhos caírem tristes.
— Esse ano Enzo iria para o primeiro ano escolar, mas não
conseguimos… por conta do tratamento — Eduarda esclareceu.
Acarinhei sua cabeça, fios finos, rasos, era a primeira vez que
ousava um toque assim. Ele parecia apreciar, pois me olhou com brilho nos
olhos.
— No próximo ano eu vou para a escola. Ricky, você me leva no
primeiro dia?
Surpreendi-me com o pedido. Seria uma experiência incrível
acompanhá-lo no seu primeiro dia de aula.
— E eu? — a mãe questionou simulando estar magoada com a
preferência. — Estou excluída?
— Mãe, será um momento de homens — argumentou.
Não contive a gargalhada.
— Momento de homens, entendo.
— Ricky, você vai?
— Pode contar comigo.
Nasceu naquele rosto bem mais saudável do que os dias anteriores,
um sorriso de orelha a orelha.
— Olha quem chegou... — A cabeça grisalha do doutor Almeida
pontou entre a abertura da porta.
— Doutor, olha o que eu ganhei…, mangás. — Cerrou os olhos para
mim. — O senhor acredita que Ricky não sabia o que é um mangá?
Doutor Almeida arregalou os olhos, incrédulo.
— Não?
— Não.
— O que é um mangá?
Gargalhamos todos.
É claro que o pequeno gênio explicou para seu médico o significado
dos tais desenhos japoneses, aproveitei e me integrei do assunto, vai que um
dia precise daquelas informações para fechar um contrato com os japoneses.
Nunca se sabe.
— Ricky, podemos falar um instante?
Assenti para o médico e não perdi o momento que o garoto se
encolheu, triste. Eduarda percebeu e trocou de lugar comigo.
— Filho, vou ler os mangás, tudo bem?
— Sim, mamãe — avisou antes que eu saísse. — Ricky, até depois?
— Eu tenho um compromisso, mas prometo que amanhã estou aqui,
fechado?
— Fechado.
Sorri para ele e acompanhei o médico até seu escritório.
— Ricky, os exames estão ótimos, Enzo está reagindo
milagrosamente — doutor Almeida disse empolgado, avaliando os exames
quando me sentei diante dele. — Já estive com Eduarda pela manhã, ela
praticamente voltou a viver. — Ele me fitou atento. — Sabe que muito
disso é resultado do emocional, não é?
— O médico é o senhor.
Ele deu um meio sorriso.
— Quem sabe ele não possa ir um pouco para casa, hã? Acho que
respirar novos ares o fará bem, em duas semanas ou menos, teremos o
resultado do seu exame, estou esperançoso.
Soltei as costas no encosto e massageei as têmporas.
— Eu também.
O matuto me avaliou por alguns segundos.
— Qual o problema, Ricky?
— Não tenho certeza se é uma boa ideia tirá-lo daqui, a mídia está
em cima, vão perseguir Eduarda e…
— Leve-o a algum lugar tranquilo, sei que tem posses para isso, vou
cuidar da alta. — Antes de atravessar o batente, ele pontuou. — Amanhã,
sr. Walker.
Assisti o médico deixar a sala, ficando somente com a indecisão,
talvez se…?
Disquei rápido.
— Alô, sr. Walker.
Não era a voz que eu esperava ouvir.
— Esperava falar com a minha assistente, cadê a Valéria?
— Pois não, senhor, sou assistente dela.
Era só o que me faltava.
— Quê?
A gargalhada explodiu ao fundo.
— Fale, Ricky, está no viva voz. — Ela parecia se movimentar de
um lado para outro.
— Valéria, desde quando você tem uma assistente? — indaguei
guiando meus pés ao estacionamento.
— Uma não, duas.
— Como?
Quase tropecei num degrau antes de abrir a porta de emergência.
— Sr. Walker, a demanda estava muito puxada para mim, além de
cuidar das cinco assistentes que o senhor tem pelo mundo, ainda preciso
cuidar integralmente da sua família, sendo assim, contratei a Ana e a Léa,
são minhas assistentes agora.
— Deixa eu ver se entendi, se eu quiser falar com a minha
assistente, terei que falar com as assistentes dela, é isso?
— Depende.
— Depende do quê exatamente?
— Do assunto designado, senhor. — A criatura riu.
— Valéria, eu aprovo a contratação porque sei que precisava, nos
últimos tempos demandei muito a você, porém, não quero ser atendido por
ninguém a não ser a senhorita, que fique claro.
Ela soltou o ar, pois sabia que eu estava falando sério daquela vez.
— Claro, Ricky, o que precisa?
— Inclui nos serviços do Anthony mais uma pequena viagem para
amanhã e avise aos empregados que organizem o quarto-duplo de hóspedes
da casa de Angra, teremos dois novos convidados, Eduarda e o Enzo.
— Certo… o que mais?
Liguei o carro.
— Hoje tudo certo?
— Sim, te desejo sorte.
— Obrigado, sei que vou precisar.
Em cativeiro, presa, sufocada, foi dessa forma que sobrevivi no
cubículo do meu apartamento, os repórteres poluíam a entrada do meu
prédio, tal como as mentiras alimentavam os canais de fofocas.
Eu era notícia novamente.
Mamãe, ciente de tudo, não por mim e sim pela mídia, cumpriu seu
mandato e passou a ignorar minha presença, a cada passo que eu dava em
sua direção, ela recuava dez, sofri tanto com seu desprezo, sua indiferença,
sua condenação, que respirei constante aquela tristeza. Por diversos
momentos implorei seu perdão, implorei seu carinho, mas não obtive nada
que não fosse um olhar rígido e magoado, olhar de decepção. E isso feriu
minha alma.
Recordei noites a fio a promessa de Ricky:
“Enfrentaremos o mundo, juntos.”
E aquele era o momento em que precisávamos um do outro, era o
momento em que nosso amor sustentariam qualquer impacto contrário, no
entanto, estávamos quebrados por conta do seu passado e eu sequer
conseguia perdoá-lo, mesmo gerando no meu ventre um filho seu.
Tudo soava confuso e desordenado.
Ficar com Ricky era trair ainda mais a minha mãe.
Aceitar que amava Ricky, era praticamente cometer um crime.
Doía tanto, porque tudo tinha que ser assim, extremo e dificultoso?
Mas e o bebê?
Meu Deus, a exaustão colocava-me deprimida a maior parte do
tempo e respirar estava sendo dolorido demais.
Numa tarde qualquer, nem tanto assim, aproveitei a ausência de
mamãe e por sorte a fachada estava limpa da sujeira televisiva. Resolvi ir
até o salão, fazia alguns dias que Marcos evitava uma conversa franca
comigo, mesmo indo frequentemente em casa, talvez dona encrenca
estivesse por lá, isso evitaria o que pretendia, mas algo incompreensível me
guiou para aquele shopping, eu precisava ver de perto como andava as
coisas por lá.
Chocada foi o meu estado assim que pisei no salão.
— Marcos, onde estão os clientes? — perguntei consternada com o
estado lastimável do lugar. Vazio, às moscas, muito diferente dos dias
abundantes que presenciei. — O que houve?
O cabeleireiro rodeou o balcão, apoiando os cotovelos no móvel.
— Não consegue imaginar? — rebateu rude.
Entendi ali que Marcos tinha algo entalado na garganta.
— Minha mãe está aqui?
— Não!
— Estou sentindo sua diferença desde que cheguei — me aproximei
—, fale, seja franco comigo.
Sua mente formulou muita coisa, de acordo com o que sua feição
passou a exibir.
— Após o sequestro, a investigação, tudo foi ladeira abaixo. Logo
os clientes associaram a dona do salão com a filha do sequestrador, e o
movimento foi diminuindo gradualmente, disse pra Ana… — Ele se calou
como se cometesse um crime.
— Disse o quê?
— Nada, esquece, falei demais. — Balançou a cabeça fugindo com
o próprio corpo para o lado oposto do salão.
Fui atrás dele.
— Marcos, seja honesto comigo.
Ele hesitou, fadigado com que ia dizer.
— Avisei para sua mãe que era arriscado investir tudo nos Estados
Unidos, na sua faculdade, o faturamento não estava bom. — Ele piscou
descontente. — Era previsível que os maus tempos bateriam na porta,
porém, ela queria salvar você, nem que para isso perdesse tudo que
conquistou. — Precisei me apoiar. — E o que você fez? Voltou para aquele
homem e engravidou dele. — Riu nervoso. — Sem contar com todas essas
notícias que estão em todos os sites na internet, a namorada do irmão, filho
com câncer, um absurdo só.
— Estou sofrendo, Marcos, eu…
— Jura, Júlia? Agora que está com o bucho cheio está sofrendo? O
que pretende fazer?
Pesei a cabeça na nuca, essas acusações apertavam o centro do meu
peito.
— Não imagina o quanto estou confusa, o quanto tudo dentro de
mim grita por socorro, eu não queria…
— Não queria mesmo? — desdenhou, cruel e cheio de razão.
Até tentei sustentar o contato visual que me esmagava, mas perdi a
batalha.
Estava muito fraca para revidar e partir foi o sensato a se fazer,
peguei um ônibus e desci no Ibirapuera, precisava caminhar, organizar
meus pensamentos, chorar contra o vento e decidir… Engraçado, constatei
que não estava sozinha, talvez nunca mais estivesse, não é, bebê?
Toquei meu ventre e tudo despencou.
O dia estava ensolarado, céu azulzinho, brisa fresca transpassando
minha pele, uma tarde comum, mas que marcavam os meus vinte e um
anos.
Meu aniversário!
Em outros tempos a data traria uma felicidade, não era o caso, tudo
que desejava era um anestésico. Toquei a bolsa, quando senti meu celular
vibrar. Raica já tinha me acordado pela manhã, a primeira ligação do dia
que pensei ser dele, no entanto, não era. Fazia exatos sete dias que seu
nome não piscava na tela, embora eu não pretendesse atender, não ignorava,
senti o toque, era como senti-lo em silêncio.
— Oi, Mel.
— Happy birthday to you, happy birthday to you, happy birthday to
you, dear Júlia… happy birthday to you…
Estava sensível a ponto de me emocionar.
— Obrigada, sua chata que amo.
— Jú, que saudade, meus dias aqui não tem o mesmo brilho. — Sua
voz embargou. — Como se sente?
— Na mesma. — Levantei-me. — Acho que sei o que devo fazer.
— Ricky já sabe?
— Não.
— Tia Ana já cedeu?
— Não, ela me deletou da sua vida, descobri agora há pouco que
está à beira da falência por ter me mandado para a Califórnia, mas em
relação à sua saúde está melhor.
— Quê? Falência?
— Sim.
— Meu Deus! Será que meu pai pode ajudar, ele…
— … Mel, não vamos falar disso agora. — Bufei. — Estou exausta!
— Certo. — Ela inspirou fundo. — Quais são seus planos para
hoje?
— Nada em especial.
— Jú, sua barriga cresceu? — Sua voz sorria. — O bebê já se
mexe?
Eu ri com sua empolgação.
— Não, Mel, estou com poucas semanas e nunca mais fui ao
médico.
— Meu Deus, Júlia, precisa fazer aquele negócio de grávida, como
é…?
— Pré-natal, Melissa!
— Isso.
— Sim, preciso. — Não havia ânimo em assumir.
— Pretende ficar no Brasil? — Sua voz mudou. — Sabe que sua
licença na UCT vence em uma semana, né?
Sim, caso não retornasse perderia o semestre.
— Sei disso, mas ainda não resolvi nada.
— Jú, imagino o quanto deve estar sendo difícil para você…
Talvez ninguém soubesse de fato o que eu sentia.
— Mel, só preciso de tempo — algo que não tinha — e espaço.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Mel, eu…
— Jú, me escuta, conheceu o Enzo? Falou com a Eduarda?
— Por que faria isso? — questionei. — Não faço parte daquele
quadro.
— Se por algum momento você considerou perdoar o Ricky, você faz
sim. Quem sabe as respostas estão naquele hospital, hein?
Aquilo martirizou meu sistema, pressionar Ricky a assumir seus
erros não incluía fazer parte deles. Desejava do fundo do coração que ele
salvasse o garoto, esse desejo duelava com vários outros, um deles era que
tudo não passasse de um sonho e que meu mundo encantado voltasse a
existir. Tarde demais, não? Ele era o pai, não o Nicholas.
Raica me informou que em poucos dias o exame de medula estaria
pronto, e com isso Enzo teria uma chance. Ela comentou também em
relação à proximidade dos dois, como Ricky cedia a cada dia aos encantos
do garotinho que voltou a viver depois que conheceu o pai.
Como me encaixaria no meio daquilo, como?
Como podia considerar perdoar o Ricky, ter um filho com ele, sem
incluir Enzo no pacote? Quando impus a Ricky que regressasse e encara-se
o passado, eu era ciente dos riscos, era ciente que tudo mudaria entre nós,
era ciente que talvez não o perdoaria, que talvez o perderia. A atração por
Eduarda o fez cometer uma insídia e meu coração sentia isso, meu corpo e
mente sentia isso e o ciúmes corroía em muitos momentos. Não era forte o
bastante para não sofrer sabendo que ele passava algumas noites ao lado da
Eduarda, o pivô entre ele e o irmão. Inspirei forte e senti o sol aquecer
minha pele. Quem sabe Melissa tenha razão, pisar meio que em falso no
universo atual de Ricky, possa trazer mais esclarecimento para as atitudes
que temia em tomar.
Um tempo depois, pisei a um metro da entrada do hospital, avaliei a
fachada e dei meia volta, que diabos eu estava fazendo?
— Júlia? — Reconheci a voz e, juro, me amaldiçoei por atender aos
meus impulsos. Porra, por que fui dar ouvidos a Melissa? — Júlia!
Virei por fim e encontrei um meio sorriso.
— Como vai, Eduarda?
Ela completou o espaço que nos separava.
— Estou bem e você?
Ah, garota, meu mundo está ao avesso.
— Bem. — Engoli com dificuldade, ela sacou meu semblante
mentiroso.
— Pretendia procurar você — iniciou. Puta merda, ela iniciou o
caralho dos motivos de eu estar ali.
— Por quê?
— Pelo mesmo motivo que está aqui, ou estou enganada?
Vacilei, avaliando o rosto fino, os olhos claros, cabelos loiros,
presos a um rabo de cavalo, ela já não era uma simples garçonete como da
última vez.
— Não está. Podemos conversar, Eduarda?
— Já era hora Júlia.
O caminho curto nos colocou frente a frente, numa pequena
lanchonete do outro lado da rua, tanto ela quanto eu estávamos
incomodadas uma com a outra, não porque existisse uma rivalidade, longe
disso, o assunto a ser tratado era o que nos contaminava. Reparei seus olhos
marcados por olheiras profundas, acreditava não ser fácil sustentar tanto
peso. Ela pediu um suco e um lanche natural, a mim restou uma xícara de
café, fazia um tempo que comer e vomitar era uma sina, não daria a ela a
chance da desconfiança.
— Raica comentou que você estava de volta — falou e depois deu
um gole no seu suco. — Sua mãe, como está?
— Bem, foi um susto que me fez atravessar o continente.
— Linda atitude.
Apoiei os cotovelos na mesa e mirei seus olhos.
— Como está o Enzo?
Ela limpou com o guardanapo os cantos da boca, antes de
responder:
— Eu sempre soube que ele era o pai.
Cerrei os olhos, não imaginei que ela fosse tão direta ao assunto.
— Não duvido, mulher sempre sabe.
Riu apática.
— No começo repudiei a presença do Ricky, não quis que ele o
visse e muito menos assumisse o Enzo, mas suas chances de ser compatível
por ser o pai trouxe uma esperança, então o que me restou era engolir o
orgulho e aceitá-lo.
— Estou por dentro de tudo.
— Eu sei — disse por sobre a sanduíche e deu uma pausa para
saborear o alimento.
Foi então que recordei que indiretamente fomos atingidas pelo
mesmo ódio.
— Pode acreditar, o ódio do Nicholas também tirou tudo de mim.
— Os poderosos, não é mesmo?
Dei um meio sorriso.
Era uma afirmação filha da puta de se assumir.
— Sim, mas não podemos esquecer que houve uma traição, e me
coloquei no lugar dele, passei por isso.
Ela inspirou profundo, enquanto movia o canudo em círculos dentro
do copo.
— Olha, eu amava o Nicholas, mas era apaixonada ainda mais pelas
loucuras que fazíamos a três, e desculpe… Ricky estava entre nós, e eu…
era viciada nos dois.
Engoli em seco aquela informação, numa guerra covarde com meu
ciúme.
— Por que ficou noiva do Nicholas, então?
— Não sei, me deixei levar, ele era sedutor e eu uma garota do
interior, ambiciosa, fogosa, apaixonada, mas Ricky… — Ela hesitou e meu
coração acelerou, sem dúvida, não havia filtro naquela conversa.
— Ele também a seduzia?
— Sim… — Ela não fugiu, mas ouvi-la não traria ao centro do meu
peito alívio. — Naquela noite eu sabia que Nicholas não voltaria, eu quis o
Ricky, não tenho vergonha de admitir, eu o provoquei e ele não resistiu.
— E assim deu início a saga?
Ela soltou as costas na cadeira, afastando seu prato. Sem dúvida a
recordação a fez perder a fome.
— Sim, o resto você deve ter conhecimento?
— Sim, tenho. — Olhei ainda mais fundo nos seus olhos. — E
agora?
— Olha, Júlia, sei bem como estão as notícias, minha vida exposta,
minha intimidade exposta, mas só quero que meu filho, o único elo entre
Ricky e eu, saia de tudo isso com saúde, curado. Sei que para Ricky ter
vindo você foi a responsável.
— Não, não tenho nada a ver com isso — neguei.
Ela abriu um sorriso largo.
— Ele ama você, acredite. — Foi sua vez de infiltrar meus olhos
com intensidade. — Quem o conheceu, Ricky Walker, nunca o viu assim,
tão devoto a uma mulher. Ele é outro homem, um que você fez nascer. O
homem que eu era fascinada e depois passei a odiar por tudo que me fez
perder, por querer me penalizar quando sabemos o quanto o erro foi nosso,
esse homem não existe mais... — Ela apontou para mim. — E sabemos que
você é a responsável. — Resgatou minha mão e a apertou. — Hoje ele faz
parte da vida do meu menino, desculpe, espero não ser algo que magoe
você.
Pisquei duas vezes e tentei sorrir.
— Não magoa. — Afastei minha mão. — Eduarda, tudo ainda é
confuso, não estou confortável com nada, com você, com o Ricky, com a
história torta de vocês. Só que o Enzo é inocente, eu separei as coisas,
espero que faça o mesmo.
Ela deixou cair os olhos e reparei suas mãos inquietas.
— Também não estou confortável com nada, Júlia, jurei para mim
mesmo que nunca voltaria a ter contato com um Walker. Mas olha só o
destino me pregando uma peça, uma peça cruel e dolorosa, ainda assim uma
peça.
Concordei com uma menear de cabeça e sorrimos brevemente uma
para outra.
— Tenho quer ir — disse e afastei a cadeira.
— Espera! Quer conhecer meu pacotinho?
— Acho melhor em outro momento.
— Esse é o momento, Júlia.
Ela ofereceu uma das mãos e meu olhar alternou entre seus olhos e
seu gesto. Fui naquele hospital disposta a encarar os motivos que me
afastavam de Ricky e não sairia dali sem antes conhecer todos eles.
— Tá certo.
Seguimos para dentro num trajeto rápido. Se dizer que estava calma
era mentira.
— Entre.
Fitei a porta, garganta fechada, me sentia uma covarde.
— Oi. — Acenei para um rostinho cheio de expectativa.
Ele desviou para a mãe, que se prontificou em apresentar a estranha.
— Filho, essa é a Júlia, uma amiga da mamãe.
— Tudo bem, Enzo?
Ele perdeu a oportunidade de responder, meu nome explodiu na
porta.
— Júlia!
Ricky!
Girei surpreendida.
— Ricky, sentiu saudade de mim? — O garotinho tirou um sorriso
do homem e quebrou a tensão momentânea entre nós. — Conhece a Júlia,
amiga da mamãe?
— Claro que conheço! — Ele cumpriu o caminho e disfarçou um
beijo na bochecha ao sussurrar no meu ouvido. — O que faz aqui?
— Vim conhecer o Enzo. — Forcei um sorriso amarelo, soltando-
me de seu braço que prendeu minha cintura.
Ricky suspirou incomodado.
— Gostei do seu nome, Júlia é bem bonito, sabia?
Gargalhei, vinte e um anos chamando assim e nunca ninguém falou
algo tão bonito sobre meu nome.
— Enzo também é bem elegante, fique sabendo.
Já estava ao seu lado.
A figura pequena inevitavelmente tinha traços idênticos aos dos
homens Walkers, mas o que era hipnotizante, chocante, perfeito — seus
olhos —, um tom castanho puro, inocente e muito familiar.
— Minha nossa, você é bem bonita, não é Ricky?
Crispei os lábios, um legítimo Walker não podia negar.
— Obrigada — agradeci.
— O garoto tem bom gosto. — Ricky piscou para ele.
Enfim ele resolveu se posicionar caminhando a esquerda de Enzo,
Eduarda à direita e eu ao pé da cama. O instante aconteceu e nos
entreolhamos sem compreender o que fazíamos ali, estranho era eu não me
sentir deslocada. Incompreensível constatar, eu não me sentia deslocada e
tampouco fora do quadro.
Percebi algumas revistinhas na mesinha ao seu lado.
— Que legal, você curte mangás, eu adorava quando criança.
Ganhei o menino, pois o sorriso que irradiou em seu rostinho um
tanto pálido brilhou mais que o sol.
E isso, me emocionou, pois senti vontade de chorar, com certeza era
os hormônios me tornado uma manteiga derretida. Não era isso que
grávidas fazem, choram o tempo todo?
— Tá vendo, até a Júlia sabe que é um mangá, senhor adulto.
Desviei para Ricky que deu de ombro.
— Não posso saber de tudo, não é mesmo, uma parte da minha
inteligência eu depositei aqui, oh. — Com os gomos dos dedos ele
esmurrou de leve a cabeça do garoto, foi então que saquei em qual nível
estava sua relação com o pequeno.
— Quando eu levantar dessa cama, vou te ensinar uns golpes de
karatê. — Ele até tentou simular alguns golpes, mas Ricky o segurou.
— Amanhã, seu médico vai dar alta para você passear um pouco e
pensei em levá-lo para um lugar especial que chamo de paraíso particular.
— Ricky me fitou e logo Angra piscou na minha mente. Vivemos
momentos especiais naquele lugar.
— Vou sair daqui? — perguntou empolgado.
— Sim.
— Minha mãe, vai?
— Claro!
Olhei de um lado para o outro, e como um golpe não soube lidar
com aquilo.
— Enzo, eu tenho que ir, foi um prazer conhecê-lo — disse rápido
demais, atropelando algumas sílabas no caminho.
— Mas já? — Ele fez beicinho. — Fica mais um pouco, assim o
Ricky fica também.
Minha garganta estava seca.
Puta que pariu, tudo mudou de um instante para o outro.
— Eu preciso ir, desculpe... — Lancei um olhar que entregou muito
para Eduarda e a passos largos deixei o quarto antes que minhas emoções
despregassem da minha alma.
Percorri o corredor longo e interminável.
Obviamente ele estava tentando me alcançar, pisadas pesadas
rastreavam meus passos atrapalhados calçados por uma rasteirinha. Não…
não era o momento, nem fodendo o confrontaria, não com tudo dentro de
mim explodindo em dúvidas. Seu toque, seu olhar, seu cheiro eram capazes
de desmoronar as barreiras que ainda tinha que existir entre nós. Não podia
me render aos seus quereres, aos meus quereres, o mais sábio era evitar
ficarmos a sós. Só que… puta merda, que lugar era aquele? Droga!
Desgovernada me deparei com um estacionamento lotado de carros e pouco
iluminado.
Zero pessoas.
Zero ar.
— Não… — Tarde demais, ele já estava diante de mim, ofegante,
exigente. Cobrindo-me com seu corpo grande, engolindo-me com seu olhar
faminto. — Não quero conversar agora, Ricky.
Recuei um passo impondo distância, mas o desgraçado num ímpeto
me puxou para ele.
Bocas próximas, hálitos se misturando, se ferventando a cada
tentativa vil de expulsar o ar. Corpos colados, se materializando conforme o
calor se tornara único.
— Quem disse que quero conversar? — sussurrou pecaminoso e
depois girou-me sem gentileza, prensando meu peito na lateral de um carro
qualquer, esfregou seu corpo atrás do meu, aspirando o cheiro do meu
pescoço como um felino faminto, estremeci. Caralho, gemia igual a uma
cadela, sentido seu cacete crescer contra minha bunda.
— Ricky, estamos num estacionamento, pelo amor de Deus —
murmurei com dificuldade, suas mãos salientes apalpavam minha cintura,
movendo o tecido leve do meu vestido para acima da minha cintura. —
Pare com isso...
Malditos hormônios.
Excitada e vulnerável, não era uma boa combinação para encontrar
aquele homem.
Que porra!
— Você é minha, eu te amo e vou chupar sua bocetinha que deve
estar pingando, depois disso respeito a porra do seu tempo. — Minhas
nádegas já estavam descobertas, com sua grossura tomando-a por cima do
jeans.
— Não podemos.
— Sim, podemos.
Ele me girou para frente, olhar intenso, lascivo, indomável.
Semicerrei as pálpebras sentindo-me queimar. Depois como um caçador
farejou minha pele, lambendo meu colo, marcando cada palmo de carne que
sua língua percorria, aos poucos foi se curvando até seus joelhos tocarem o
piso, suas mãos correram minhas coxas ardendo a pele de tanto que a
apertava, perdi seus olhos, minha intimidade melada os ganhou.
Ricky era um desgraçado cheio de artimanhas que me levavam à
loucura.
— Hum, esse cheiro apetitoso... — O maldito timbre rouco,
cafajeste, aquele que me rendia aos seus desejos. — Encaixa sua perna no
meu ombro, amor.
Puta que pariu, sem contrariar, eu o obedeci.
— Caralhooooo! — xinguei com o beijo que deu na minha boceta
por cima da calcinha. Procurei apoiar as minhas mãos que se perderam ali,
uma segurou o retrovisor e a outra se entranhou nos fios grossos e macios
do seu cabelo.
— Que saudade dessa boceta doce — gemeu, enquanto eu tremia,
sentindo-o beijar meu centro, selvagem, imoral, como se estivesse em posse
da minha boca. — Encaixa a outra perna…
Quê?!
Despertei por um minuto da lascívia e vasculhei ao redor, estávamos
num estacionamento privado pelo tamanho, estranhamente vazio por conta
do lugar. Resumo da ópera indecente: alguém podia aparecer a qualquer
minuto.
— Você é louco?
— Já disse, por você eu sou... — O ar de luxúria me corrompia
sempre. Cedi e montei nele, o safado me arrastou por sobre a lateral do
carro, deitando-me no teto. Gemeu enquanto retirava a minha calcinha. —
Olha só esse banquete... Porra, Júlia, assim você fode com tudo…
Jesus, que loucura, estava exposta em cima de um carro, no
estacionamento do hospital. E pior, excitada pra caralho!
Bastou um minuto e sua boca gulosa sugou meu clitóris, por pouco
um grito não bateu violento no espaço, reprimi os ruídos, mesmo
explodindo em deleite com que a língua diabólica fazia entre minhas
pernas. Ondulei a coluna, mordi os pequenos lábios quase os ferindo de
tanto tesão, me arreganhei toda para a sua posse, para suas pinceladas
lascivas nas fendas lubrificadas de tesão. Ele, por sua vez, devorava cada
fissura da minha boceta com o auxílio frenético dos seus dedos, metendo-os
sem misericórdia.
Havia um domínio surreal.
Um desejo sem limites, capaz de me condenar às suas vontades.
Uns dos motivos de manter-me longe era a capacidade irritante que
Ricky tinha ao me transportar com maestria àquela situação, uma situação
regada a gemidos, regada de luxúria e uma pitada de perigo.
Cacete, ele estava me chupando num estacionamento.
Minhas pernas tremiam, o fastígio correu minha espinha e um
clímax arrebatador explodiu.
— Deliciosa… — ele ganiu, enquanto tragava meus fluídos sem
pressa. — Seu mel é o meu sabor preferido.
— Isso foi sem dúvidas surreal.
Ele me puxou para baixo, me olhou intensamente, acariciei seu
rosto, sua barba por fazer, e raspei meus lábios no sorriso lindo que
começou a se formar.
— Feliz aniversário! — sussurrou contra minha boca.
— Você lembrou.
— Não seria capaz de esquecer, amor.
Ele colou a testa na minha e brincou com meus lábios, meu gosto,
meu cheiro, umedecido ali. Como viver sem ele? Pois mesmo que lutasse
contra o sentimento era forte demais, dominava meu sistema, aguçava tudo
em mim. Entreguei-me e ele tomou minha boca num beijo descontrolado,
num beijo que sonhei nos últimos dias em receber.
— Estava com saudade da minha gata.
Gata, é legal!
Joguei meus lábios para o canto vaidosa e caí na real, precisava com
urgência me vestir, alguém podia aparecer. Afastei-o e fitei minha calcinha
em sua mão.
— Posso?
Ele riu sacana e me entregou a peça.
Vesti e ajustei o meu vestido ao corpo o observando no processo.
— Só não vou te comer agora para completar uma parte do meu
presente, porque temos convidados.
Arregalei os olhos e acompanhei seu olhar no outro extremo,
imediatamente, corei morta de vergonha.
— Boa tarde — ele saudou educado o casal que passava,
disfarçando muito bem os delitos anteriores protagonizados por nós. Eu me
engasguei só de idealizar sendo flagrada como uma libertina. — Foi bom?
— o safado sussurrou no meu ouvido, fisgando com seus dedos fios de
cabelos perdidos no meu rosto.
— É, deu pro gasto. E agora, vai voltar a respeitar meu espaço? —
provoquei.
Ele enrugou a testa.
— Foi um blefe, não sacou.
— Saquei, só que queria ver até onde você ia chegar. Sou um tanto
curiosa, sabe?
— Em que nível está essa curiosidade?
— Nível máximo.
Ele cerrou os pontos castanhos antes de pegar em seu bolso um
objeto, pressionou o polegar em seu centro, logo um som de bip alarmou
nas nossas costas, giramos, era de um Porsche vermelho.
Quê?!
Cruzei os braços, puta da vida.
— Eu prefiro a emoção — justificou e sorriu como um cretino. —
Esse perigo excitou ainda mais você, confessa?
Rolei os olhos com um sorriso travado nos lábios. Mas, porra,
recuperei a sanidade, e se… Caramba, e se fomos filmados?
Logo busquei irritada por câmeras em todas as direções.
— Não tem câmeras nessa direção, me certifiquei antes, fica
tranquila. — Abriu a porta do passageiro como um cavalheiro. — Agora
que está mais relaxada... — curvou os lábios comprovando o quão tinha
domínio em manipular aquela boca —, vamos conversar, entre, por favor.
Inspirei profundamente.
Sim, tínhamos que conversar.
— Tudo bem — concordei, e ele assentiu satisfeito.
Ocupei o assento e sem demora ele ocupou o outro, antes de acionar
o carro com a digital, digitou rapidamente no celular, de esguelha reconheci
a foto, era de Valéria, sua assistente.
— Estou liberando Valeria de uma missão. — Ah? Expressei
curiosidade. — Ela e o John iam te sequestrar hoje, mas a tranquilizei,
avisei que estava comigo.
Certo, eles iam o quê?
— Tá falando sério? — Copiei-o encaixando o cinto. — Não teria
coragem! — Desafiei-o inutilmente, sabia que sim.
Gargalhou, colocando o carro em movimento, manobrando o
automóvel no espaço rumo à saída.
— Já te disse uma vez, não meço minhas atitudes quando o assunto
é você.
Desviei para a janela, recebendo a claridade do dia ensolarado.
— Talvez devesse repensar muitas dessas atitudes.
— O que foi aquilo no hospital? — Alternou entre o trânsito e eu.
— Como soube que eu estava lá?
Ele fez um movimento com a cabeça, deduzi que era uma idiota por
perguntar.
— Sei de tudo, protejo o que é meu — disse seguro de si, como a
porra de um controlador.
Bufei, de alguma forma odiava aquele tom de posse.
— Odeio esse controle, você sabe disso.
— Não é controle, é cuidado.
Ri ironizando, puta da vida.
— Contratar dois brutamontes para seguir meus passos não é
cuidado.
— Júlia, estamos nas manchetes, visibilidade gera preocupação, se
algum lunático entende que sequestrar você o fará milionário, temos um
problema.
— Hélio foi inteligente a ponto. — Coloquei entre nós a fatalidade e
a sensação amarga agrediu tudo. — Desculpe, não queria levantar esse
assunto — justifiquei-me culpada.
Ele apenas se concentrou na avenida.
Silencioso.
Áspero.
Coração batendo forte e mãos inquietas preencheram o tempo, até
eu sentir a necessidade de cessar a sensação insossa e ligar o som do carro,
ele rebateu de imediato desligando.
— O que foi aquilo no hospital? — Mirou-me rápido e voltou para o
trânsito. — Por que estava no quarto do Enzo? O que aquilo significa?
Um breve interrogatório.
— Muitas perguntas, não tenho como respondê-las.
— Respeitei seu espaço, não me aproximei, mas basta, precisamos
conversar. — Ele não suavizou o rosto.
— Aonde vamos?
— Surpresa! — Argh, essa combinação de perguntas e respostas me
irritava. — Sua mãe, como está?
Mamãe sequer havia olhado nos meus olhos, fingiu minha
existência como havia feito toda a semana, partia o meu coração a situação,
sangrava a alma a rejeição, mas não podia ignorar… a decepcionei.
Naqueles dias pensei em tudo, refleti o quanto ela priorizou minha vida
colocando de lado seu sonho, não era justo, não era certo. Sabia o que
precisava ser feito para amenizar um pouco do estrago.
— Bem, recuperada.
— Ela por acaso me mataria caso eu roubasse as próximas horas do
dia de hoje com a filha dela, mataria?
— Provavelmente, uma morte lenta e calculada.
Ele sorriu e depois declarou docemente.
— Se minhas últimas horas de vida forem ao seu lado, aceito a
sentença de morte.
Júlia me flagrou por diversas vezes a avaliando com intensidade,
havia algo diferente, um toque inusitado nos seus traços que estava me
intrigando. Não era o fastígio do orgasmo recente, era algo além… um
brilho…, ou um… Por fim, descobriria em breve. Após muita relutância ela
topou entrar no helicóptero e desembarcamos em Angra, almejava ao seu
lado uma vida inteira, só nossa, nosso mundinho, uma bolha infiltrável, mas
o que teria em vista era apenas algumas horas, dali por diante fugia do meu
controle.
Caralho, fugia do meu controle.
Nos despedimos do canalha do Anthony e passamos a amaciar a
areia fina da praia, um sol que radiava, uma brisa tropical nos levou a
mergulhar os pés descalços nas pequenas ondas que se quebravam na costa.
Ficamos em silêncio a maior parte do tempo, lado a lado, juntos — porém
—, separados por um mundo de feitos infelizes. Confidencio que estava
num patamar de controle digno de um Emmy, era um viciado no sabor do
pecado daquela mulher, se o casal filho da puta não tivesse aparecido no
estacionamento, talvez faria sem pensar o que meu pau implorava.
Não havia controle quando o assunto era Júlia, sequer pensava uma
segunda vez, simplesmente agia consumido de um amor muitas vezes
perigoso, ciumento, obsessivo. E isso fodia tudo.
Embora soubesse que a ilha podia testemunhar uma recusa, um não,
uma facada no meu coração, jamais perderia a oportunidade de raptá-la por
algumas horas e tentar incessantemente explicar o inexplicável.
Quando o segurança informou que ela estava em frente ao hospital
com a Eduarda, pensei que o meu coração sairia pela boca, não por receio
do encontro das duas, e sim, por acreditar no seu perdão. Não seria um
acaso sua visita no hospital e tampouco uma aproximação tão audaciosa, se
Júlia deu um passo na minha direção, algo mudou, podia considerar que
íamos superar as rachaduras do meu passado.
— Um passeio de iate? — Contive o próximo passo e segurei sua
mão, dedos finos, unhas pontudas, pele macia. — Já providenciei tudo que
precisa.
Ela sorriu graciosa.
— Como sempre você está à frente.
— Teria entregado um milhão de flores no seu prédio logo pela
manhã, mas imaginei que sua mãe jogaria água quente em cada entregador.
— Seus olhos caíram entristecidos, senti aquilo, então segurei o seu queixo
os trazendo de volta. — O que houve?
Ela apertou os olhos e havia uma turbulência passando por seus
olhos de cores diferentes, isso massacrava o meu peito.
— Ela não fala mais comigo, disse que não sou mais sua filha —
murmurou derramando seu coração para que eu o pegasse.
— Acredito que seja por conta de nós, certo? — indaguei
inutilmente, era óbvio que Ana se sentia traída, assim como minha família,
eles fizeram o possível para nos manter em mundos opostos, quando
fazíamos parte de um hemisfério irredutível. — Ou tem alguma outra coisa?
— Procurei entender a expressão que me matava a cada segundo.
Ela negou e se afastou, mirou o imenso mar e mergulhou sua alma
nas águas cristalinas.
— Júlia, estou aqui com você, fale…
— Ela não aceitou tudo que contei, sobre nós e… — Travou, como
se engasgasse com o que ia proferir a seguir. — Acho que um passeio de
lancha vai cair bem. — Mudou de assunto e por mais que quisesse aquele
detalhe, priorizei seu pedido.
— Certo, vamos. — Segurei sua mão a levando comigo.

— Esse lugar é além da realidade — ela exclamou à beira da proa


com os braços abertos, meus olhos escorregaram abusados por seu corpo
ainda mais gostoso, quadril com uma curva mais farta de carne, não muito,
porém o suficiente para despertar a minha percepção, despertar meu pau,
bombear com velocidade meu sangue. Escorreguei mais um pouco e cobicei
sua bunda, prendi o fôlego, a parte de baixo do biquíni, enfiada entre as
popas empinadas, formando um V diabólico, porra, provocava
dolorosamente meus instintos de foder seu rabinho. — Esse iate também é
da sua família, certo? — Ela me fitou ciente do quanto me atiçava.
— Não, esse é meu, o da família Walker está em manutenção.
Ela acenou divertida.
— O que eu podia esperar, não é mesmo?
— Gostou dele?
— Claro, um barquinho bem confortável — zombou e eu gargalhei.
Barquinho?
— Então é seu, um presente.
— Quê??? — Ela soltou as mãos das bordas e se desequilibrou, fui
rápido o suficiente para mantê-la a bordo. — Tá brincando, né? —
perguntou enquanto a equilibrava sobre os pés.
— Não — falei tranquilo —, é sério, amanhã vou ordenar que
escrevam seu nome na lateral.
Ela gargalhou nervosa, se preparando para um surto.
— Você é louco, o que vou fazer com um iate que é maior que o
meu apartamento? Levá-lo para navegar no Rio Tietê? — Balançou a
cabeça sem acreditar, só que falava sério. Muito sério. — Bateu com a
cabeça, Ricky?
— Quem sabe? — Segurei sua cintura, colei a pele apetitosa na
minha. — Vinho ou champanhe? — sugeri. — Precisamos comemorar seu
presente?
Ela ainda se mantinha em estado de choque.
— Escolha, linda.
Soltei seu corpo e fui para dentro na direção do bar.
— Suco de laranja — disse resignada, entrando comigo. — Talvez
devesse parar de beber, álcool está desequilibrando seus neurônios.
— Júlia, o iate é seu, não aceito devolução. — Retirei a garrafa de
champanhe mergulhada no balde com gelo acima do bar. — Tem certeza de
que não vai brindar comigo? — perguntei um tanto magoado.
— Melhor não… — Ela parecia apreensiva, me preocupei com
aquilo, mas não insisti. — Suco, se não se importar.
Ergui a garrafa em rendição.
— Você quem manda, estamos no seu iate. — Lancei-lhe uma
piscadela, acionando um botão na lateral do bar, um minuto ou dois, George
meu cozinheiro e bartender se apresentou próximo à porta. — Júlia, esse é
George.
De certo ela se perguntou de onde saiu aquele cara, pela sua feição
divertida.
— Tudo bem, George?
Ele assentiu e sorriu para ela.
— GG faz drinks deliciosos, que tal ele preparar algo de frutas sem
álcool, como prefere?
— Acho ótimo — falou animada. — Pode ser de morango?
— É pra já, senhorita. — O homem saiu apressado.
— Boa escolha, morangos. — Enchi minha taça e um momento
especial invadiu minha memória. — Lembrei quando fui alimentado por
você na delicatéssen do seu Zé, devorei suas mangas, mas o que queria
devorar era você...
Ela gargalhou jogando a cabeça para trás.
— Pervertido, é uma padaria de bairro, com tradição, tá? — Seu
corpo delicioso beirou o meu. — Não um restaurante com uma mesa
cobrindo safadeza, ou um terraço… — Ela abanou o rosto.
Não podíamos evitar, a brasa estava acesa.
— Amo fazer absurdos com você onde me dá vontade… como no
estacionamento — apoiei seu queixo nos dedos e respirei sua boca —,
chupar essa bocetinha doce trouxe um novo fôlego pra mim. Ah, Júlia...
estou com tanta saudade de preencher você, meter fundo…
Ela vedou as pálpebras e engoliu em seco.
Meu amor.
Meu desequilíbrio.
O motivo das batidas do meu coração.
Acariciei seus lábios com os meus, deixando a taça pousar na
bancada, não a beijei, primeiro vaguei meu nariz na carne suculenta,
perfume excitante, corri a língua na curva do ombro até o pescoço, seu
corpo se moveu com um tremor, excitado. Então voltei e encarei seus olhos
febris.
— Tem algum pedido especial antes que eu inicie os meus planos?
— sussurrei, moldando seu rosto, maravilhado ao perceber que se rendia ao
meu toque, olhos semiabertos, corpo fagulhando, desejoso. — Peça-me o
que quiser[3] e, eu farei, meu amor?
Uma aproximação morosa, sexy, colocou sua boca à margem da
minha orelha, primeiro: ela mordeu e babou a borda com sua língua
molhada, sussurros incitantes flanaram arrepiando minha pele, para só
então, a feiticeira transtornar meu sistema.
— Me come, me fode bem fundo, como só você sabe fazer. Vamos
adiar nossa conversa por enquanto.
Voltou para mim, sorriso indecente, rosto ordinário, carne exalando
as piores volúpias, era uma mistura perturbadora chamada Júlia Sales.
— Minha putinha safada.
Ela gargalhou e sem perder um milésimo de tempo joguei aquele
corpinho que em minutos marcaria cada milímetro com a boca. Sobre os
ombros, desloquei-me com dificuldade por alguns degraus estreitos, no
caminho encontramos GG em posse do drink, Júlia pegou o copo na
dinâmica maluca e seguimos para a cabine. Entrei e fechei a porta com um
empurrão do pé.
— Sua suíte, madame — falei ao colocá-la no chão.
Júlia observou cada canto, maravilhada.
— Lindo aqui.
— É seu, já disse.
— Para com isso, se eu acreditar, o que fará a respeito?
— Colocarei no seu nome.
Posicionei-me atrás dela, pousei as mãos nos seus ombros e
massageio o local com delicadeza. Aspirei seu perfume delicioso e subi as
digitais para seu pescoço desfazendo o laço desnecessário do seu biquíni, a
peça se abriu revelando os seios fartos, deslizei as mãos sedentas para tocá-
los, ora apertando, ora pressionando os bicos. Ela ofegava, gemia, se
esfregava, entregue.
— Preciso ter cuidado — sussurrei ali, bem próximo à orelha —
estou com medo de parti-la ao meio de tanto que preciso te foder.
Girei seu corpo, a queria de frente, inteira.
Queimando.
Peguei o drink de sua mão e a empurrei sobre a cama, ela caiu
deitada, exposta, gostosa pra caralho aos meus olhos cheios de desejo.
Inclinei-me para pousar a taça no assoalho e puxar entre suas pernas a parte
de baixo do biquíni. Mal a descartei no chão e Júlia já se arreganhava,
exibindo sua boceta apetitosa, lisinha, rosada, brilhando. Porra. A visão
sugou meus sentidos, abrasou meu corpo, ardeu, enrijecei, eu era todo dela.
Puxei-a para a ponta da cama e caí de joelhos como um miserável
viciado, dependente do cheiro, do sabor da sua bocetinha picante. Flexionei
ainda mais suas pernas abusando da flexibilidade, Júlia gemia, se
desmanchava enquanto pincelava dois dedos nas fendas meladas. Fitei
voraz seus olhos febris demonstrando ali o quanto a venerava, o quanto
latejava, o quanto era faminto por ela. Linda demais.
Abocanhei seu centro num golpe súbito, desesperado. Ela agarrou os
lençóis e travou os pés no colchão quando suguei o ponto que mais
palpitava, açoitei seu grelo durinho, latejante, o suguei, torturando-a em
ondas lascivas. Júlia ondulava no martírio ansioso do prazer, sem parar, fodi
com a boca sua boceta que não demorou a explodir nos meus lábios o
delírio do gozo doce e quente.
Meu sabor favorito.
— Delícia... — declarei todo melado. — Meu amor, meu banquete.
Ela me fitou de canto, ainda tomada, bêbada, tremendo inteira com
o orgasmo recente.
— Não se mexe — exigi enquanto me despia da bermuda e cueca.
Meu pau de tão duro doía, clamando em meter na entrada melada e
quente. Foi preciso eu me alisar um pouco, ostentar, subindo e descendo a
mão fechada na grossura, vendo-a salivar pelo comprimento.
— Vá um pouco mais para trás, amor.
Ela obedeceu e arrastou seu corpo para a cabeceira, fui na busca da
camisinha na mesinha ao lado, peguei três e as joguei próximo dela, outra
eu deslizei no membro, ela riu safada e constatou que meus planos eram
longos, tão próximos a saudade desse tempo em que nos separamos, tempo
em que meu coração apertou constantemente, doente com a distância.
Antes de afundar o colchão com os joelhos, peguei o drink de
morango abaixo.
— O que pretende fazer com isso? — Quis saber curiosa.
Olhei para a taça enfeitada com morangos.
— Com essa bebida de adolescente?
Ela crispou os lábios.
— Vou misturá-la a algo mais forte, uma droga perigosa e fatal que
estou viciado.
Pincelei seu nariz com um dedo, lubrificando-o em seguida na boca
entreaberta, o deixando cair em curvas por seu colo, seios, barriga. Júlia
arqueou a espinha sentido o roçar raspar por sua carne. Eu só tive que
inspirar, absorver aquele corpo nu pronto para os meus quereres.
— Ricky, você não está pensando em...
Não permiti que terminasse, escaldei-a com o drink, despejando o
líquido gelado por etapas, o espalhando na pele sedosa e quente, nos belos
seios e mamilos pontudos, provocantes, querendo atenção.
— Esse drink era meu — resmungou em ruídos de tesão.
— Agora é meu, ele e cada palmo desse corpo.
Lambi ferozmente cada gota do sabor de morango espalhado sobre a
carne que me rendia. Mastiguei, suguei e o devorei alucinado, condenado a
forma esbelta e perfeita da mulher da minha vida. Júlia emitia gemidos
roucos e baixos, se contorcendo em puro deleite, aranhando as minhas
costas, arrepiando a minha pele. Sua boca macia buscou com ânsia a minha
num beijo selvagem e arrebatador. Suas pernas se abriram acomodando meu
pau no centro fervoroso, eu a devoraria inteira, a queria inteira, éramos
lava, saudade e paixão. Sem me permitir um pouco mais, girei seu corpo,
deixando o rabo à minha valia, ela se empinou oferecendo tudo, mas, com a
fome que estava se metesse no anel apertado, a machucaria. Então, cuspi no
centro que piscava e resvalei a língua morosa pelo canal, circulando o
cuzinho delicioso.
— Me fode, Ricky! Me fode...
Ela praticamente implorou, se empinando um pouco mais, se dando
em suplícios muito semelhantes aos que condenavam-me a ela. Segurei seu
quadril e encaixei no seu sexo, metendo fundo, minha garota gritou quando
a penetrei por completo, minha garota gemeu alto quando golpeei forte o
sexo escorregadio e cálido.
Meti, meti, sedento, alucinado.
Prendendo o lábio inferior entre os dentes, inflamado de tesão.
— Sou louco por essa bocetinha… — rosnei como um animal,
chocando a pélvis na bunda gostosa.
Júlia sacudia e vinha de encontro, deixando tudo intenso e violento.
— Puta que pariu…, Ricky…
Vi sua mão segurar a cabeceira e a outra descer entre suas pernas.
— Se toca, linda, isso…
Seu corpo trepidava ao meu comando, chacoalhava no ritmo animal
que passei a orquestrar. Socava-a sem pudor, fodia-a sem misericórdia, era
obsceno e delicioso a forma como nos completávamos. Estapeei sua popa
num tapa ardido, ela gritou e pediu mais, então o fiz, marcando com
escarlate aquele traseiro farto de carne. Júlia tinha o dom de arremessar
meus sentidos, me deixar bobo e submetido ao seu corpo, ela era a minha
perdição. Saí de dentro dela e a ouvi reclamar num ruído, virei-a de novo,
queria apreciar seus traços quando gozasse, desejava seus olhos quando
nosso limite batesse forte e me derrubasse saciado.
Puxei suas pernas querendo socar de novo, ela abraçou meu quadril
e se afundou no meu pau, o êxtase de estar apertado entre as fissuras
escaldadas pulsava minhas veias em adrenalina, o sangue corria acelerado e
meu instinto era meter fundo, comer gostoso, saciar-me da mulher que me
fez sentir o amor, e com ele inundou meu mundo com algo além das
palavras, algo que não conseguiria viver sem, algo nosso.
— Júlia, eu estou… — ciciei sem conseguir controlar nada.
— Eu também…
Fechei sua nuca e a trouxe para mim, a junção dos corpos a permitiu
cavalgar uma ou duas vezes, até nossas bocas se beirarem, respirando em
combustão sentindo o sabor delirante do clímax, a apertei tanto, desejando
fundi-la ao meu corpo, desejando nunca mais sair de dentro dela.
— Que delícia, esse cara é bom — declarei tomando outro gole da
segunda rodada do drink de morango.
— Ele é o melhor — Ricky respondeu de dentro.
Empinei-me de bruços, deitada na popa do “meu barquinho de
milhões”, já pensou? Ricky estava tirando uma com a minha cara, só podia.
Isso não era o tipo de presente que alguém normal dá para uma pessoa, se
bem que, não se dava no meu mundo humilde, né? Possivelmente no dele
era natural presentear alguém com um… UM IATE!
Admito que estava anestesiada, meramente feliz, saciada de um fogo
no rabo absurdo e, movida por um coração magoado e apaixonado. Topei ir
porque fantasiei na minha cabeça maluca que, quem sabe, surgiria em
algum momento uma oportunidade de contar sobre a gravidez e…, porra,
não existe um “e”, não havia outra opção a não ser contar a verdade. Só não
sabia como, então permaneci fingindo para mim mesma que estava no
mundo fantástico de Bob, quando muita coisa estremecia aquela realidade.
Esperei que Ricky se sentasse ao meu lado, e então iniciei:
— O Enzo é uma criança adorável. — Ele engoliu com dificuldade
sua bebida. — Raica não me deixou de fora do seu quadro clínico, estou
ciente da mudança depois que você assumiu ser o pai dele.
— Eu sei, ela nunca escondeu que a deixaria de fora. Júlia, tem
certeza de que agora é um bom momento?
— Não consigo definir outro, você consegue?
Ele puxou o ar com força e eu não me encontrava firme como devia,
não depois de provar do seu amor, da sua fome por mim.
— É. — Descartou sua taça, acho que não havia mais sabor ali.
— Você o assumiu.
Ricky sorriu de canto.
— Não tinha como ser diferente. Enzo entrou na minha vida, assim
como você, inteiro, fascinante, irresistível. A cada dia que passa ganho um
ponto na caderneta daquele garoto. Não há uma explicação lógica que eu
possa dar, ele quebrou todas as minhas resistências.
— É bonito o ouvir você falar assim.
— Eu penei para entender, não parecia certo depois de tudo que
passamos, não parecia justo, afinal, ele é fruto de prazer e dor, uma marca
cruel para uma criança, ele não merece, é inocente, não acha?
— Sim, eu acho.
Meus olhos lacrimejaram, Eduarda estava certa, um novo homem,
um novo Ricky Walker. Mas até que ponto eu estaria disposta a ser uma
nova mulher ao seu lado?
— Fico feliz, não tenho à minha frente o mesmo homem duro e
inflexível que deixou a Califórnia, ou o indeciso com seus sentimentos da
lanchonete do hospital.
Ricky desviou o ponto castanho para um ponto vago do iate, se
perdeu ali por alguns minutos até flutuar de volta nos meus olhos.
— Como posso considerar sua visita no hospital?
Como uma chance para o nosso amor, meu coração gritou.
— Ainda não sei.
— Não posso acreditar que não me ama mais, não depois de fazer
amor comigo daquele jeito. O que você precisa? Que tipo de prova preciso
te dar?
— Ricky…
— Não exija tempo, não aceito um segundo de vida se não puder
tocar sua pele. Só me diga, o que preciso fazer? O que você precisa ouvir do
meu coração para eu ser perdoado pelo seu?
— Eu… então… — estou grávida de um filho teu.
Por que as palavras não saiam? Por que era tão difícil contar a
ele?
Ricky segurou minhas mãos, não era somente um contato, pude
sentir uma energia diferente correr meu corpo.
— Se é sobre a relação que mantenho com o Nicholas, não tem
solução, por mais arrependido que eu esteja, ele colocou você como moeda
de troca, então não temos um cessar fogo e sim uma guerra.
Não era como se me preocupasse com o bem-estar da bomba-
relógio chamada Nicholas, mas havia uma certeza, um Nicholas magoado
era uma arma engatilhada.
— Uma hora tudo tem que amansar, não?
— Talvez um dia, quem sabe.
O movimento do iate se aproximando da costa atraiu nossa atenção.
— Um banho e um jantar? — sugeriu.
Concordei, ainda tínhamos muito o que conversar.
— Meu Deus… — ela exclamou inebriada, contendo o grito quando
chegamos no nosso destino. — Que lindo…
— Feliz aniversário, meu amor!
A pequena gruta que abrigou muitos delitos da minha adolescência,
na data especial estava recoberta de flores do campo, velas acesas com
chamas sombreando as paredes de pedra e no centro uma mesa posta para
um jantar romântico. Guiei a linda garota até seu assento, tomando o meu
em seguida, fitei aquele rosto atraente, um sorriso radiante movia cada
linha, não contive, admirei seus olhos de cores diferentes percorrerem todo
o espaço, colhendo cada detalhe, era empolgante apreciar tamanha
facilidade transparecendo na feição que nos últimos tempos só demonstrou
mágoa.
— Estou sem palavras…
— Uma das minhas missões na terra é surpreender você, além de
deixar sua boca sempre cheia e sem palavras.
Ela fez uma careta e lançou o guardanapo ao lado do prato na minha
cara.
— Safado!
— Meu segundo adjetivo preferido.
Olhou-me curiosa.
— E qual é o primeiro?
— Apaixonado — declarei, enquanto deslizava sobre a mesa uma
caixa média, atraindo sua atenção para o objeto.
— Espero que goste.
Ela mordeu os lábios, antes de alcançar com os dedos delicados a
pequena caixa. Desfez o laço e, por fim abriu, seus olhos reluziram ao
brilho. Havia um bom tempo que encomendei aqueles overloques, prometi
para Júlia que íamos completar sua pulseira com momentos felizes,
vivemos juntos detalhes importantes na Califórnia, então estou cumprindo
parte da promessa.
— É a roda gigante do Pacific Park de Los Angeles? — inquiriu
com o pequeno overloque de ouro branco na altura dos olhos.
— Sim, achei que seria uma ótima recordação de Los Angeles, até
porque lá foi o nosso reencontro, não é?
Ela assentiu encantada, deixou aquele de lado e pegou o próximo.
— Um miniteatro? Broadway?
— Conquistei vários pontos por lá e ainda um sim que pretendo
reconquistar em breve…
Avaliou por alguns segundos a pequena peça com alguns brilhantes
cravados, sorriu breve, depois a uniu à primeira para pegar a última. O rosto
aturdiu enquanto avaliava o overloque e sabia o porquê:
— Uma porta?
— Sim, uma porta.
Franziu a testa, ainda sem entender.
— Lembro-me de ficar minutos angustiantes na frente da porta do
seu apartamento criando coragem para te ligar, quando o fiz, te dei duas
opções, lembra quais foram?
Ela fez que sim, seus olhos brilhavam demais.
— Naquele momento você escolheu abrir a porta e deixou que eu
entrasse novamente na sua vida, mas sei que fiz merda, sei que errei, sei que
perdi sua confiança, sei que fechei essa porta de forma vergonhosa. — Ela
rapidamente colheu uma lágrima que escorregou dos seus olhos. — Estou
aqui de novo, diante dessa porta, implorando para entrar. A verdade é que
ficaria uma vida inteira esperando seu perdão, esperando uma nova
oportunidade, porque Júlia, por mais que eu tente, não consigo viver sem
você...
Uma lágrima e outra traçou caminhos angustiante até sua boca.
Curvei para frente, queria seu rosto mais perto, queria amparar
aquelas lágrimas.
— O que precisa ser feito para eu entrar outra vez?
— Tudo mudou, Ricky, tudo mudou…
Senti um gosto amargo descer pela garganta.
— Sim, e você previa isso quando me convenceu a voltar para o
Brasil?
— Enzo estava doente e podia ser o seu filho, acho que não estava
errada no final das contas.
— Sem hipocrisia, hoje tenho certeza que não, mas e o resto, e nós?
Já era um fim pra você? — indaguei sentindo o centro do peito apertar. —
Era esse o plano? Acabou? Por Deus, não suporto mais, te amo com todas
as forças, você é o centro da minha vida, mas não suporto mais essa
angústia.
Ela deixou o rosto cair e o cobriu com as mãos, tinha algo a mais,
podia sentir. Deixei meu assento e dobrei os joelhos ao seu lado.
— Eu também não suporto mais, eu não…
— Júlia, olha pra mim. — Ela não obedeceu, um choro sofrido
tomou todo o seu corpo, me amaldiçoei por ser o responsável por tanta dor.
— Olha pra mim, pelo amor de Deus... olha pra mim!
O rosto aflito moveu-se lentamente até se centralizar nos meus
olhos.
— Tem alguma coisa acontecendo que não esteja sabendo? O
Nicholas, ele…? Fale, amor, por favor…!
As lágrimas eram abundantes, um desespero que me destruiu. Júlia
estava muito frágil e as gotas que caiam dos seus olhos eram tristes demais
para não me apavorar.
— Ricky... — Meu nome saiu esmiuçado, quase sussurrado. —
Preciso de ar…
Num ímpeto ela se levantou e correu para fora, sua reação e meu
celular dispararam ao mesmo tempo, peguei o aparelho do bolso, pois podia
ser notícias do Enzo. Entretanto, o nome que piscava na tela me intrigou a
ponto de me fazer atender:
— Alô, Danny? — Atendi com um certo espanto.
O doutor Danny era um amigo próximo, nos conhecíamos desde a
infância, mas ele nunca me ligava, principalmente a julgar pelo horário,
bem provável que na Califórnia fosse de madrugada.
— Oi, amigo como vai? Desculpa incomodar, tem um minuto?
— Talvez um. — Fui prático.
— Acredito que sim, não tenho noção se o acordei, pois não tenho a
menor ideia de onde esteja, estou de plantão no hospital central então pra
mim tudo normal. Desculpe se o acordei, mas precisava tentar, é
importante.
— Estou no Brasil, aqui está anoitecendo. — Aliviei-o. — Mas o
que de importante o fez me ligar? Diga, não estava dormindo, mas estou no
meio de algo delicado.
— Ok, devia ter ligado antes para te dar os parabéns, mas
infelizmente meu tempo…
Espera...
— Parabéns pelo quê exatamente?
— A Júlia… ela não… ela não te contou ainda… eu… porra...
Meu coração parou.
Do que ele falava? E o que a Júlia me escondia? Seria essa a razão
das lágrimas sofridas em seu rosto? Peguei a taça com água sobre a mesa e
virei de uma vez, o líquido desceu abrindo passagem para que um ar aflito
alimentasse meu pulmão. Sentei-me por um minuto para prosseguir com
Danny.
— Ricky, ainda está aí…?
Respirava tão rápido que o ar que me cercava não era o suficiente
para suprir as necessidades dos meus pulmões, estava sufocada com uma
verdade que sem motivo algum eu não conseguia pôr para fora. Na minha
cabeça, no meu coração existia uma recusa, no entanto, não tinha menor
sentido, se ele me amava como dizia, como eu sentia, ficaria ao meu lado,
não?
Eu era uma mentirosa, eu sabia que assim que contasse, o bebê seria
real, meu Deus, desculpe... tinha medo de não ser capaz, de não ser o
suficiente para ele. O medo me asfixiou, fazia com que eu às vezes
esquecesse que gerava uma criança no meu ventre, que tudo mudaria
definitivamente quando ele viesse ao mundo, que a Júlia não seria mais uma
garota com sonhos de se tornar uma executiva. O medo me punia a cada
pensamento, o medo... o medo de ser mãe.
Sentei-me na areia macia, manter-me de pé não era seguro para a
quantidade de giros que minha cabeça ordenava. Sequei as lágrimas com o
dorso das mãos e passei a confidenciar para oceano as angústias, não
demoraria muito e Ricky viria ao meu encontro, cheio de perguntas e
dúvidas, não teria outra alternativa a não ser…
— Júlia… — Senti o tom macio massagear minhas costas, pés
firmes afundar na areia, respiração mansa se misturar com a brisa, uma
presença forte marcar atrás de mim, tal como um sussurrar próximo ao meu
ouvido. — Melhor?
Não desviei o olhar do imenso mar, buscava como uma pescadora
medrosa fisgar coragem.
Por que me sentia tão covarde?
— Precisava respirar, tudo estava lindo lá dentro da gruta, mas aqui
fora…
— Por que não me contou?
Meu rosto virou rápido demais para não sentir uma leve tontura.
— Quê???
Ricky subiu, estendeu a mão sugerindo que eu me apoiasse e
erguesse à sua altura. Gelei inteira, seu rosto estava diferente,
indiscutivelmente outro. Fiz por fim. Intenso, pulsante, quase palpável de
tão sólido foi o minuto em que nos conectamos.
Meu Deus!!!
Perdi seus olhos quando seu joelho tocou a areia, sua testa colou na
minha barriga, e seus braços abraçaram meu quadril, fundindo-se a mim.
Não contive mais nada, ele sabia… ele finalmente sabia. Como aconteceu?
Não sei! Mas um peso abandonou minha alma.
Ele sabia!
Foram alguns minutos emocionantes que nos embalou, nós três,
dispensando palavras, era somente sentimento, uma coisa forte, implacável.
— Eu ia contar, Ricky, mas estava com medo, assustada, sem chão,
sempre fomos cuidadosos e um vacilo, eu… não me preparei para ser mãe,
não sabia qual seria sua reação, minha mãe, sua família, é muita coisa, eu...
Ele me soltou, contudo, permaneceu ajoelhado, no segundo seguinte
enfiou uma das mãos no bolso da calça de linho claro, camisa aberta se
movendo com a brisa que ia e vinha do mar, olhar conectado e o anel
imposto apareceu.
— Vamos construir uma família, Júlia? Serei seu, assim como cada
minuto de vida que Deus me conceder, destinarei a te fazer feliz e a amar
essa criança. Casa comigo?
Imaginem fogos de artifícios explodindo num céu negro e imenso
anunciando o Ano Novo, um novo ciclo, uma nova etapa? Sim. Mas quais
eram as garantias que tínhamos da vida a não ser o agora? Nenhuma. Era
isso ou ceder a outra ponta do cabo de guerra, a que relutava ao perdão, a
que não aceitava a bagagem que viria com ele, a que se mantinha dura e
inflexível a todos os seus erros no passado.
Em que lado eu devia estar?
Ricky leu muito bem o duelo doloroso que transparecia no meu
semblante, então se levantou e amparou meu rosto.
— Infelizmente não posso mudar o passado, muito menos aquela
noite, aquela atitude suja, não sou perfeito, talvez nunca consiga atingir tal
patamar, mas confesso que se tivesse em posse o poder não faria, sabe por
quê? — Apertei as pálpebras deixando cair muitas lágrimas, sei sim, Enzo
era a resposta. — Enzo hoje se tornou importante, é inexplicável a conexão
que tenho com aquele garoto, como ele quebra a minha resistência a cada
dia, como ele me faz ter esperança em dias felizes, então se houvesse a
oportunidade jamais optaria em perdê-lo. Talvez nem a mereça, essa é a
verdade. Não posso interferir no que aconteceu, não posso arrancar do peito
do meu irmão o ódio que o consome, o que me resta é implorar que me
perdoe e confie em mim de agora em diante.
Minha testa uniu-se a dele, meu coração gritando no peito um SIM!
Eu pertencia aquele homem, todos os meus dias pertenciam aquele homem,
e por mais que em algum momento tentei relutar contra aquele sentimento,
magoada, decepcionada com seu passado. Ele fazia parte de mim como um
órgão. Eu era consumida por aquele amor.
— Eu aceito!
Ele espremeu os olhos, vi suas emoções escorrerem até atingir a
barba por fazer.
— Eu te amo!
E sem um intervalo de minuto nos beijamos, um beijo que selava
uma chance, nada ali eliminava a guerra travada; a recusa das famílias; as
constantes difamações noticiadas de cada dia. Não podíamos mudar nada,
mas podíamos enfrentar o mundo.
Juntos.
— Posso? — pediu quando nos permitimos respirar. Assenti
nervosa, então ele capturou minha mão e devolveu o anel para o anelar. —
Voltando de onde nunca devia ter saído.
Tá legal, senti muita falta daquele anel.
— Como soube da gravidez?
— Danny me ligou assim que você saiu correndo.
Chocada.
— Doutor Danny é um fofoqueiro — resmunguei, mas precisava
agradecer a ele o empurrãozinho.
— Na verdade, ele achou que eu sabia e estava preocupado com
seus exames.
— Como assim, algo errado?
Deus, não havia um minuto de paz.
— Um início de anemia, receitou que eu a leve com urgência ao
médico para que faça novos exames, que tenha um acompanhamento
obstétrico e tome vitaminas.
Cacete, doutor Danny criou um monstro.
— Tô ferrada!
— Sim, a senhorita está bem encrencada. — Ele não riu e me senti
uma criança de cinco anos. Rolei os olhos. — Você precisa se alimentar. —
Minhas costas já eram guiadas pela sua mão para a gruta.
— Não estou com fome, e sim enjoada.
— Pedi para o chef uma refeição especial, lembra do nosso primeiro
jantar?
Recordei o cardápio, sr. Grey.
— Purê de mandioquinha e filé mignon ao molho madeira? — Hum,
meu estômago se movimentou ou foi o bebê? Atônita. Nãooooooooo, muito
cedo para ser o bebê, sem dúvida era minha barriga que não segurava um
alimento há dias. — Ok, supostamente estou com fome.
— É bom que esteja, porque agora você come por dois — ele falava
sério e eu só imaginei o que seria da minha vida dali para frente.
Por qual razão, meu pai amado, eu inventei um grupo e adicionei
uma turma maluca? Na minha cabeça era a solução perfeita, conectar meus
amigos, assim podíamos compartilhar coisas, entendem? Não a minha vida!
Bem-vindos ao grupo de fofoca, Julia News.
Em pânico sendo mais explícita.
Eu ia me casar? Puta que pariu!!!
Alguns fios molhados apareceram na porta, depois um dorso
musculoso um tanto atrapalhando com uma bandeja de café da manhã nas
mãos, que certamente alimentaria um país inteiro.

Abandonei o celular, pois o bate papo ia longe, dei atenção total a


ele que com delicadeza pousou a bandeja sobre os lençóis e sorriu como se
o mundo fosse cor de rosa, melhor dizendo, vermelho intenso.
— Pra que tanta comida? — disse chocada.
— Não é só para você…
— Claro que não, é para um exército inteiro — devolvi.
Ele fez uma careta divertida e me entregou o pote com salada de
frutas.
Meus olhos se encheram com a quantidade de morangos.
— Colhidos aqui mesmo, na ilha.
A cara estava ótima, garfei um morango e levei à boca.
— Hum... — Caramba! Nunca comi um morango com tanto sabor.
— Que delícia! — Garfei vários outros pedaços que não couberam na
minha boca. — Nunca… comi…
— Júlia, vai se engasgar — avisou, rolei os olhos, odiava quando
Ricky me olhava como se eu fosse uma criança, preferia ser comparada a
um prato principal, aquele olhar faminto de molhar calcinha. Cacete, estava
excitada além do normal. — Temos uma garota faminta aqui.
— Você não sabe o quanto. — Lancei meu melhor olhar de sedução.
— Com muita fome, abandonei os morangos, o corpinho de Ricky me
parecia muito mais apetitoso. — Praticamente desnutrida… desfalecendo.
Ele gargalhou, cobri seu corpo com o meu e peregrinei diversos
beijinhos no seu pescoço.
— Meu Deus, temos uma gata selvagem logo pela manhã?
— Gata não, meu bem — rugi —, onça.
Ele rolou os lençóis e parou por cima, mas não pesou meu corpo
com o seu, protegeu minha barriga.
— Teremos que consultar o médico, não tenho certeza, mas li que
sexo durante a gravidez pode prejudicar o bebê.
— Quê? — Meus olhos quase saltaram para fora. — Onde leu isso?
Ótimo, o desgraçado riu muito da cara de palhaça que fiz, tanto que
até lacrimejou os cantinhos dos olhos.
— Idiota!
— Que garota faminta. — Ele mordeu meu lábio inferior. — Acho
que para saciar essa fome vou precisar do meu aliado, ainda temos.
— O Rickyzinho me distraiu enquanto o senhor se mantinha
ocupado com assuntos particulares. — Fiz charminho. — Agora é a hora do
Rickyzão apagar esse incêndio.
— Temos que batizar o meu aliado com um nome à altura — falou
insatisfeito com a minha criatividade. Inferno…, uma batida, outra e outra
na porta, por fim, nada de rapidinha matinal. — Só um instante, linda...
— Não... — resmunguei, impedindo como podia que ele
abandonasse meu corpo. — Não vai, estou excitada.
— Júlia, volto logo…
Poxa, ele ia mesmo.
Coloquei a bunda para cima, encarei brava à porta, voltando para
meus morangos doces, afinal, era o que me restava.
— Olá, senhor, desculpa interromper — um empregado da casa
disse sem jeito.
— Tudo bem, o que houve?
— Eles chegaram.
— Ah, sim. — Ele me olhou e sorriu. — Pode acomodá-los na sala
e levar as bagagens para o quarto que sinalizei, já vou descer. Obrigado.
Fechou a porta e me avaliou com expectativa.
— Eduarda e Enzo chegaram… — declarou como se esperasse uma
aprovação, ou sei lá o quê. Se eu estava bem com aquilo? Ainda era cedo
para dizer. — Tudo bem?
Devolvi o pote com morangos para a bandeja e fui até ele, não havia
um homem tranquilo diante de mim, angústia transparecia dos seus olhos.
Estendi a mão e retribui aos vários sorrisos que recebi aquela manhã.
— Vamos tomar café todos juntos, o que acha?
Ele me puxou para seus braços e beijou o topo da minha cabeça.
— Obrigado, amor.
— Estamos juntos, sem mentiras, sem mágoas, um começo, Ricky.
A lateral do meu rosto se encaixou perfeitamente no centro do seu
tórax, a canção que soava do seu coração era aguda e rítmica, suavizou
meus medos, meus anseios. Sentia-me protegida, sentia esperança de que
tudo ficaria bem. O instante tranquilo durou pouco, logo nos juntamos a
mãe e filho, logo o que parecia certo, tornou-se o pior dos erros.
Uma mesa de café da manhã muito bem-posta ocupou o centro de
uma sacada no fundo da casa, à frente tínhamos o tapete de areia fina,
branquinha da praia e um tropeço a mais — o mar. O sol presente como um
rei irradiava dois corpos os iluminando, mesmo de longe quase
participávamos do papo frenético entre eles, era gostoso de se ver o quanto
estavam conectados.
A imagem era impressionante, tocou o meu coração, impossível
conter a lágrima singela, plácida, que escorregou na curva da minha
bochecha, colhi logo que a senti. Não havia intimidade o suficiente com a
Eduarda para expor minhas emoções, mas, assim como as estrelas
brilhariam naquele céu quando o sol resolvesse descansar ao sul, era certo
que seus olhos estavam brilhando tanto ou mais que os meus.
— Não parece que se conhecem uma vida inteira? — ela
confidenciou um dos seus pensamentos, muito similar às minhas
impressões. Concordei com um menear de cabeça, porque era a pura
verdade. — Lutei muito para que isso não acontecesse e por fim,
aconteceu…
Pensei um minuto no que disse, mas não correspondi de imediato,
estava hipnotizada com a intimidade de pai e filho, era como se eles se
completassem um no outro, algo lindo de se apreciar.
Enzo era um milagre, a estrutura física relatada semanas atrás por
Raica, não o castigava naquela manhã. Pele corada, cabecinha miúda
recebendo novos fios de cabelos pretos, um ganho de peso considerável,
consegui esquecer naquele minuto o fardo de sua doença.
— Tudo bem estarmos aqui, Júlia? — ela perguntou e senti seus
olhos buscarem os meus em resposta.
Expulsei o ar lentamente e virei para encará-la.
— Estou grávida… — falei abertamente pela primeira vez, Eduarda
não escondeu o susto. — Vou me casar com Ricky, quero muito que Enzo
faça parte disse, se não se importa?
Seu sorriso foi nascendo conforme o estado de choque ia se
dissipando.
— Nossa, parabéns! Eu…
— Está chocada?
— Sim…
— Relaxa, estou em choque até agora.
— Vocês não plan…
— Não planejamos — respondi logo —, simplesmente aconteceu.
Surtei quando soube.
Ela deixou as costas caírem, muita íntima ao meu relato.
— Sei como é… — lamentou — parece que o mundo desaba sobre
nossa cabeça.
— É sobre isso…
— Nos sentimos fraca e com uma bagagem infinita que julgamos
ser incapazes de carregar.
Era exatamente assim que me sentia há semanas. Caí para trás,
cabeça apoiada no encosto e olhos mirando o céu azul. Um suspiro ou dois,
era tudo.
— Eu não tive ninguém, perdi tudo e todos. — O tom melancólico
tragou meu rosto que tombou de lado a tempo de capturar uma lágrima
triste descer no cantinho dos seus olhos. — Mas não me arrependo da
escolha que fiz, hoje Enzo é meu universo, ninguém mais importa.
Ninguém mais...
A sensibilidade de suas palavras incentivou minhas mãos a tocarem
minha barriga, quente, macia, era loucura imaginar que havia um serzinho
crescendo ali dentro.
— Ricky parece feliz — ela disse.
— Sim…
— Ele será um bom pai.
— Teremos que aprender juntos. — Tentei sorrir, minha ansiedade
devorava meu cérebro sempre que constatava o quanto podia ser
insuficiente para o bebê. — Ser mãe, é…
— Um presente e um tormento. — Respirei com dificuldade. — A
maternidade não é um conto de fadas como descrevem as propagandas de
fraldas, é única, cansativa, estressante, mas também fascinante,
extraordinária, algo sem igual, entende?
— Não!
Ela riu.
— Ela é inexplicável também.
— Percebi.
Ri também.
— Do que estão rindo?
Dois pares de olhos idênticos nos encaravam com curiosidade. Com
a distração da conversa, nem percebemos Ricky e Enzo se aproximarem.
— Coisas — respondi para o mais velho da dupla.
— Que tipo de coisa? — insistiu.
— Pare de ser curioso, sr. Walker.
Ele desviou de mim para a Eduarda.
— O que achou da Rosi?
Eduarda ajeitou sua postura no assento antes de responder:
— Ela é ótima, obrigada por isso.
Eles se referiam à enfermeira contratada por Valéria que
acompanharia o Enzo enquanto estivesse de alta do hospital.
— Mãe, Ricky disse que preciso entrar e me refrescar longe do sol,
mas eu queria mesmo é andar de barco. — Ele cruzou os braços e fez um
bico enorme de reprovação.
— Não é uma boa ideia, o sol está muito quente e o senhorzinho já
abusou um pouco.
— Ah, mãe! — resmungou.
— Enzo… — Ricky dobrou um dos joelhos ficando na altura do
garoto — combinamos que o passeio teria algumas restrições por conta da
sua saúde, lembra?
Ele concordou a contragosto.
— Nada de muito sol, um pouco de descanso e, depois se obedecer
terá uma surpresa.
— Surpresa? Sério? — Explodiu em expectativa. — Tipo
chocolate? — Rimos do quão humilde eram seus sonhos.
— Digamos que… um pouco mais.
— MUITO CHOCOLATEEEEEEEE… — gritou desesperado em
obter uma pista. Ricky negou. Que dó, conhecia a criatura, seu prazer era
torturar pessoas com suas surpresas. — Fala, Ricky…
— Se eu falar não será surpresa.
— Enzo, desiste, ele adora esse jogo e sempre ganha porque a
surpresa nunca é revelada, porém, vale a pena esperar. — Lancei-lhe uma
piscadela.
O garoto sorriu lindamente.
— Tá bom, eu espero…
— Então, vamos para dentro se alimentar. — A mãe segurou sua
pequena palma e o arrastou na direção da enfermeira que os aguardavam
próxima à porta, sem intervalo, Ricky se sentou ao meu lado.
— Como se sente? — Buscou com as pontas dos dedos uma mecha
de cabelo solto no meu rosto.
— Bem, e você?
Ele subiu o canto da boca charmoso como sempre, puta que pariu,
por que já estava excitada? Transformei-me em uma grávida tarada, era
isso?
— Feliz… — Ele levou a mecha para trás da minha orelha. — Está
quase na hora, vamos descer?
Ah?
— Na hora do quê exatamente? — questionei já prevendo a
resposta.
— Surpresa!!!
Falei, eu literalmente não era equilibrada para surpresas. O safado
esquecia o quanto eu era ansiosa para aquele tipo de dinâmica. Sem sequer
esperar meus resmungos, ele levantou e ofereceu sua mão para que eu
levantasse também, aceitei e no segundo seguinte fui jogada sobre suas
costas e carregada até a outra extremidade da praia, onde o monstro de sete
cabeças fazia um pouso lento.
Sustentei meu corpo nos pés e tapei a boca.
— Meu Deus, você…?
— JÚ!!! — Melissa foi a primeira a descer e a gritar como uma
louca.
Uma louca que eu amava.
Enquanto a ruiva vinha às pressas ao meu encontro, um cabelo
cacheado apontou, assim como Renan, Théo e Ruben, meus amigos, todos
eles.
— Eu te amo ainda mais por isso — declarei para Ricky um pouco
antes de Mel puxar meu corpo para si. — Mel, que saudade!
Ela não conseguiu gesticular uma palavra, um choro abafado
umedecia meu pescoço. Procurei seu rosto molhado, olhos declarando
muita saudade e o coração se chocando com o meu.
— Ah, Jú, que saudade!
— Ruiva, larga minha amiga. — Dona preta logo atrás marcando
território. — Garota chata!
— Como você aguenta essa aí? — Melissa apontou o polegar para
trás.
— Amo as duas e vocês me enganaram, nos falamos hoje e ninguém
comentou nada. — Larguei Mel e quase fui esmagada por Raica.
— Se falássemos éramos despedidos. — Raica jogou e Ricky riu
enquanto cumprimentava os rapazes. — Saudade, branquela.
— Nem acredito que estão aqui — declarei para todos.
— Se você não acredita, imagine a gente. Tô ricaaaaa! — Renan
brincou e me abraçou.
— Saudade, seu lindo… Théo… — Beijei seu namorado no rosto e
esmurrei o ombro do Ruben. — Oi, cabeção, tudo bem?
— Estou ótimo, até que enfim vou mostrar a ilha para Mel. —
Beijou o cabelo da namorada, a qual fez questão de segurar pela cintura.
— Pelo que percebi, vou ser vela, só tem casal aqui — Raica
resmungou formando no rosto fino uma careta.
— Irmã, relaxa, vai que você encontra um Aquaman… — Renan
zombou.
— Ha-ha-ha, muito engraçado!
Ele mostrou a língua para a irmã que retribuiu com o mesmo gesto.
— Não me façam passar vergonha na frente de Ricky Walker. —
Théo corou com a interação espontânea dos irmãos.
— Aqui Ricky não é nosso chefe e sim noivo da Júlia. — A preta
pegou minha mão e arregalou os olhos tirando uma gargalhada de todos. —
Meu. Senhor. Olha esse anel, meu povo…. Absurdo! Olha o tamanho da
pedra! Jesus… chefe, mandou bem.
— Não sou seu chefe aqui, Raica.
— É, eu disse isso, né?
— Sim, disse.
Enlacei os braços das garotas.
— Eu acomodo vocês e Ricky os homens. — Dei uma piscadela
para meu noivo.
— Hummmmm, já se sentido dona da porra toda, amei... — a
criatura sussurrou no meu ouvido enquanto eu arrastava ela e Melissa para
o andar de cima.
De todas as surpresas que Ricky fez, essa ganhava em disparada. Eu
precisava das minhas amigas, uma vez que só recebia desprezo da mamãe,
não julgava seu comportamento comigo, sei o quanto estava decepcionada,
mas faria tudo para consertar o estrago que fiz.
Raica — assim como eu na primeira vez que pisei naquela mansão
— expressou todo seu deslumbramento, Mel estava mais caladinha e
manhosa agarrada ao meu corpo, a senti um pouco deslocada, portanto,
tentei ao máximo dar atenção para as minhas duas melhores amigas.
— Muito lindo aqui, Jú. — A preta se jogou na poltrona onde estava
Mel e eu. — Como se sente, mamãe do ano?
— Apavorada! — Fui sincera. — Como eu disse, a ficha tá caindo
aos poucos.
— Esse negócio de gozar fora nunca é confiável — falou Raica
— É, agora eu sei. — Dei de ombros. — Mas...
— Vem um bebezinho por aí. — Acariciou minha barriga.
Suspirei.
— Não vou lamentar mais, agora é vida que segue.
Raica apertou minha mão e a vibração positiva correu minha
corrente sanguínea.
— Estamos com você, Jú. — Mel acolheu meu corpo.
— Eu sei, meninas — agradeci com um meio sorriso.
Raica mudou a feição e perguntou:
— E a Duda?
— Está cuidando do Enzo. — Apoiei o rosto nas mãos. — Todo
mundo já sabe que Ricky é pai do garoto, nossos rostos estão em todos os
sites, vou ter que aprender a lidar com isso. Admito... estou assustada por
ter que aprender a lidar com essa situação, o perdoei, estou digerindo seu
passado, e…
— E…? — Mel questionou.
— Não tenho minha mãe por isso. — Meu rosto caiu, impossível
sustentar aquela tristeza.
— Não é uma escolha, não coloque como se fosse, sua mãe ou o
Ricky. Com o tempo tia Ana vai aceitar e entender, duvido que se mantenha
distante por muito tempo.
Raica se levantou de súbito.
— Chega desse baixo-astral, amiga, estamos em Angra e nossa
missão aqui é alegrar dona Júlia Sales, futura sra. Walker,
Fiz uma careta.
— Senhora? Credo! Nem pensar vão me chamar de senhora.
A preta abanou as mãos, divertida.
— Gata, a senhora vai ser uma mulher casada e constantemente
fodida. Pobre que se lasca e só se fode de trabalhar. Rico, isso sim, tem
babá que cuida da criança, enquanto a mãe se diverte com o pai, fodendo é
claro!
Caí em cima de Melissa de tanto que ri.
— Inclusive estou com um apetite sexual daqueles.
— Gata, veja seu homem. — A criatura simulou limpar a baba nos
cantos da boca.
Lembrei de alguém.
— Lucca, por que ele não está aqui?
— Ele foi selecionado para ir para Berkeley, vai estagiar na WUC do
Estados Unidos.
Nossa que incrível! Fiquei feliz por ele.
— O safado nem me contou, mas e vocês, já era?
— Ele abusou do meu corpinho, eu do dele e acabou, simples assim.
— Raica a desapegada.
— Se você diz, tudo bem. — Dei de ombros.
— No momento estou num lance mais quente, estou
experimentando coisas novas, sexo bom... tipo... — Uma batida na porta a
interrompeu e nos viramos assim que a maçaneta girou. — Depois te conto
— confidenciou a tempo de Ricky aparecer na abertura.
— Prontas? — ele indagou e ergui uma sobrancelha. Prontas para
que exatamente? — Está quase na hora, garotas, dois minutos, estamos
aguardando no saguão. — Ele deu o fora.
— Do que ele está falando? — perguntei alternando entre as
cúmplices, óbvio que não obtive resposta.
— Surpresa! — disseram juntas.
Inferno!
Em todos aqueles anos nunca havia me sentido tão completo, tão
inteiro. Era muito mais do que eu merecia, com certeza aquela era a
felicidade, contentamento infinito e prazeroso que envolvia cada célula do
meu corpo.
Avaliei mais uma vez minha garota, linda, radiante, sorridente e
inspirei bobo, era um desgraçado egoísta, Júlia era minha, cada palmo da
carne macia era minha. Cada beijo, cada gemido seriam meus para sempre.
Isso sim era ser o homem mais poderoso do mundo, isso sim era ter tudo,
por que sentia que não precisava de mais nada, ela me bastava, seu amor me
bastava. Apaixonado, intensamente rendido à estagiária que me fascinou no
primeiro olhar e, em breve seria minha esposa e mãe de um filho meu.
Teríamos um filho, um filho!
Se dizer que não desnorteei quando soube, é mentira. Demorei
alguns minutos para controlar a respiração, ir até ela e a trazê-la de volta
para minha vida. Com exceção a eventualidade com Eduarda, sempre
transei com camisinha, até mesmo com a Ellen presava essa proteção,
confesso que penetrar minha garota sem o preservativo me alucinou,
tornando-me um irresponsável, experimentar Júlia tornou-me um
irresponsável.
Bebi um gole do líquido âmbar, capturei um lance de olhar, um
curto sorriso carinhoso que ela direcionou na minha direção, depois o perdi
voltando aos seus amigos. Júlia estava feliz e senti que depois de tantos dias
regados de problemas, finalmente teríamos um começo, um fôlego, uma
oportunidade de reescrever nossa história, arfei, cúmplice dos meus
anseios, com centro do meu peito abafado de algo bom, de algo sublime.
Uma aposta certeira foi organizar aquela pequena reunião com todos
os seus amigos, nunca que permitiria que seu aniversário passasse em
branco sem torná-lo especial, ainda tinha um detalhe, mas esse estava em
São Paulo. Falando nisso, Ana era algo a se tratar com extrema urgência,
sabia o quanto a não aceitação da mãe feria Júlia, logo, resolver aquele
problema era prioridade assim que retornássemos.
— Ela me contou. — A voz de Eduarda tocou a lateral do meu
rosto, então virei. — Parabéns, Ricky!
— Obrigado! — Não prolonguei o contato, voltei para a Júlia que
não sorriu ao me fitar. — Vou contar para o Enzo.
— Ele vai ficar feliz.
Girei o rosto e passei a analisar o pequeno Enzo, sentado no colo de
Melissa, protegido por um guarda sol não tão próximo da praia, ele sorria
com algo engraçado que Ruben contava, um sorriso divertido, contagiante.
— Doutor Almeida tinha razão, fez muito bem para ele essa saída
do hospital.
— Tenho que admitir que você está fazendo muito bem para ele —
ela revelou e suspirou em seguida. — Não posso esquecer de te agradecer
por isso.
Assenti sem muito o que dizer, Enzo também era responsável por
múltiplas mudanças no meu interior. Olhei adiante e identifiquei um iate se
aproximando da costa, a surpresa de Enzo havia chegado.
— Um convidado especial chegou — anunciei para Eduarda que
franziu o cenho. — Com licença.
Retirei-me de sua companhia seguindo em direção à margem, num
lance de olhar John me acompanhou, senti que Júlia também me seguia de
longe. Atravessei a praia vendo uma pequena tática se formar na saída do
iate, sem demora Neymar surgiu entre eles.
— E aí, como vai, Ricky? — o jogador veio falando. — É um prazer
conhecê-lo.
— O prazer é meu, acompanho sua carreira, sensacional — mentira,
não acompanhava. Apertei sua mão. — Não sei como posso agradecer sua
vinda até aqui, acredite, tem coisas que o dinheiro não paga, realizar o
sonho do meu garoto é uma delas.
— Estou muito ansioso para conhecê-lo, fiquei sabendo que é um
guerreiro.
— Sim, ele é. — Segui e ele me acompanhou. — Enzo teve seu
mundinho revirado com o diagnóstico, o tratamento o maltrata muito,
momentos felizes como esse alivia um pouco a dor.
— Fico feliz em poder causar esse alívio para ele, Ricky.
Dei dois tapas em seu ombro, muito agradecido por sua disposição,
porém, sei que meu sobrenome e o patrocínio da seleção destinado pela
WUC contribuiu muito para que estivesse ali. Óbvio, o jogador causou um
surto em Raica que não conteve o seu estado de choque ao perceber sua
chegada. Mas foi Enzo que emocionou a todos logo que entendeu o que
estava acontecendo e quem caminhava ao meu lado, ele correu para os
braços do Neymar, como se seus bracinhos pudessem abraçar o mundo,
todos os olhos brilharam com o momento.
Enzo aproveitou cada segundo ao lado do seu ídolo, perguntas, fotos
e muitos autógrafos...
— Minha nossa, eu tenho uma camiseta da seleção autografada pelo
Neymar, acredita? — gritou empolgado e com lágrimas nos olhos. —
Neymar, você pode por favor autografar minha escova de dente?
Eduarda arregalou os olhos e todos rimos.
— Enzo, pelo amor de Deus, para que você quer a escova de dente
autografada?
— Ora, eu gosto da minha escova de dentes, mamãe. — Bem
coerente.
Puxei minha garota para perto, senti falta de alisar sua carne.
— Sabe que não consigo ficar muito tempo sem tocar sua pele. —
Acariciei seu ombro e fiz uma proposta indecente. — Podíamos dar uma
fugidinha na gruta, o que acha?
Ela me mirou abismada, como se eu tivesse cometido um crime.
— Nem pensar, eu ainda não autografei minha camiseta da seleção e
preciso tirar uma foto com o Neymar, desculpa, amor. — Fui abandonado,
Neymar era o astro ali.
Assim que o sol se pôs, nos despedimos do astro do futebol
brasileiro. Enzo demorou um pouco para entender a dinâmica da despedida,
meu coração apertou em vê-lo triste com a partida do seu ídolo.
— Uma hora ele teria que ir, em breve seu ídolo irá arrasar nos
jogos da seleção, então precisa treinar, certo? — expliquei durante o tempo
que o colocava para dormir.
Ele jogou a cabeça de um lado para o outro e analisou a questão.
— Sim. — Arrastou o seu rostinho na minha barba ao me abraçar.
— Dois sonhos realizados, obrigado, Ricky.
— Tem uma coisa que preciso contar para você. — Ganhei seus
olhos e sua curiosidade o deixou alerta. — Eu vou me casar com a Júlia.
Ele arregalou os olhos e fez um O com a boca, ri daquilo, ele era
uma figurinha divertida. Enchi o pulmão esperando uma próxima reação,
até porque, nunca esclarecemos o tipo de relação que teria com Eduarda,
não era ciente de como as coisas funcionavam na cabecinha dele. Tampouco
se ele entendia algo a respeito, porém, Enzo sempre surpreendia, o garoto
estava um passo a diante.
— Ela será minha madrasta?
— Sim — afirmei, assustado com a compreensão rápida.
— Legal, ter madrasta é legal.
— E ela te dará uma irmãzinha ou um irmãozinho, o que acha?
Ele arregalou ainda mais os olhos e abriu um sorriso enorme.
— Terei uma irmã? — Confirmei. — ISSO É MAIS QUE LEGAL!
O pequeno se lançou nos meus abraços, esse abraço fiz questão de
prolongar, precisava sentir a inocência e serenidade que vinha dele, era uma
sensação tão pura que curava a alma. Se Eduarda não tivesse entrado no
quarto, ficaria horas a fio, ali, aproveitando aqueles minutos preciosos. De
todo modo, ela não evitou que o colocasse para dormir, Deus, foi uma
experiência maravilhosa.
Um pouco antes de voltar para a praia e me juntar a Júlia e sua
turma ao redor da fogueira, recebi uma mensagem da Valéria, como pensei,
Ana deixou pendente vinte e quatro meses para completar o pagamento da
UCT, minha assistente eliminou a dívida e anexou fundos extras, caso a
Júlia precisasse. Só que até o momento que lhe dei essa permissão não era
ciente da gravidez e..., resolveria com ela quais seriam seus planos e a
apoiaria no que decidisse. Vi em seus olhos como a gravidez a assustou e
lamentei profundamente não estar ao seu lado para dividir o impacto da
notícia, amparar suas inseguranças e garantir que tudo ficaria bem, que eu
cuidaria dela e do bebê.
Os risos frenéticos me receberam assim que pisei na areia, devia ser
um assunto engraçado, pois nunca vi Júlia rir tanto.
— Ricky, Raica escolheu o nome do nosso bebê. — Júlia quase não
conteve o riso.
— Vindo da Raica estou curioso.
Sentei-me, trazendo minha noiva para perto.
Raica era uma garota espontânea e de uma beleza exótica, além de
uma criatura engraçada, eram raras as vezes em que sua presença não
enchia o ambiente de alegria.
— Ricky, não leve para o coração, mas Cleydson é um nome
promissor, caso seja menino, não acha? — contou Raica, encenado uma
postura executiva.
— Cleydson? — Era horrível, nada contra os Cleydson já existentes.
— Nem pensar...
Júlia chacoalhou o corpo de tanto que riu, era gostoso de se ver.
— Um nome brasileiríssimo, Ricky — Ruben falou e beijou sua
namorada. — Estou até vendo a cara do tio Robert, pronunciando C r a y d
s o n. — Pensando por esse lado irritaria muito dona Sara, talvez devesse
pensar no caso.
— Júlia, o que acha? — joguei para ela.
— Eu gostei... mas se for menina, tem que ser Themailda.
Houve uma comoção hilária.
— Meu Deus, coitada da garota, Júlia. — Théo balançou a cabeça.
— Gente e se for gêmeos? — Melissa pontuou, levando
teatralmente as mãos ao centro do peito, nos calamos. Júlia de imediato
tapou a boca horrorizada, no minuto seguinte, nos desmanchamos de rir da
cara de espanto que ela fez.
— Vou adorar se for gêmeos.
Ela virou espantada.
— Enlouqueceu, sr. Walker?
— Um pouquinho... — Beijei de leve seus lábios, e um
“AHHHHH” explodiu em coro.
— O amor é lindo... — Raica suspirou e deu um gole no seu vinho.
Senti a garganta seca e pretendia fazer o mesmo, encher uma taça
com vinho e brindar por meus gêmeos hilários, se uma voz amarga não
batesse no ar travando qualquer movimento.
— Trouxe o bolo de aniversário para minha grávida preferida.
O quê?
Não o encarei, Júlia recebeu o pior de mim antes, como assim,
Nicholas sabia sobre meu filho?
Nicholas, bolo rosa, sorriso sarcástico.
Formem a frase, porque meu estado físico e mental não me
possibilitava ao menos respirar. O que aquele cara tinha? Uma bola de
cristal capaz de mostrar todos os nossos passos ou se tratava de uma
perseguição?
Contive a respiração na mira de Ricky, seus olhos expressavam sua
ira, digamos que não mencionei quem me levou ao hospital quando
descobri a gravidez, não houve tempo para aquela explicação e sendo
sincera, não pretendia contar. Na minha cabeça Nicholas não faria mais
nenhum inferninho em torno daquele assunto, fui inocente? Magina!
— Ricky, calma...
Nem consegui terminar, seu corpo já confrontava o do irmão. Olhei
para Raica e Mel, ambas se levantaram vindo ao meu socorro, os rapazes —
com exceção de Ruben que correu na tentativa de apagar o incêndio que
eram seus primos —, estagnaram sem reação.
— O que ele faz aqui? — Um fio de voz.
— Ele é uns dos donos, amiga — Raica esclareceu.
— Jú — Mel virou meu rosto e tomou meus olhos com preocupação
—, fica calma e tenta não cair na pilha do Nicholas, é óbvio que ele veio
para estragar a festa.
— Como ele sempre sabe onde estamos?
— Boa pergunta, vamos descobrir...
Raica disparou na frente, olhei para Melissa confusa e segui seus
passos não tão firme como deveria.
— Oi, Júlinha, estava explicando para o meu irmão o nosso lance no
hospital. — O desgraçado destilou seu veneno assim que me juntei a eles.
Mel ao meu lado e Raica um braço à frente. — Juro que pensei que Ricky
sabia, por que não contou que fui seu salvador?
Minha garganta fechou.
Senti meu corpo afundar.
Ricky penteou os cabelos com os dedos, e sim, não custaria uma
troca de diálogo para tudo sair do controle. Quem dera tivéssemos algum
controle na presença de Nicholas?
— Nicholas, é melhor ir embora. — Ricky controlou o tom, isso não
significava que a ordem não vazou áspera.
— Sim, é melhor ir embora — a preta exigiu no mesmo tom de
Ricky.
Que porra!
O que aconteceu com a Raica?
— Quem é você? — Nicholas se virou para ela e a encarou
intensamente.
— Raica Vásquez, amiga da Júlia. Prazer, Nicholas Walker.
Nicholas estralou o pescoço num gesto brusco e voltou para ela.
— Por acaso você está me pedindo para sair da minha própria casa?
— Quase isso...
— Raica..., por...
— Jú, um minuto, eu…
Puxei sua mão, o que ela pretendia, afinal?
Sem paciência arrastei minha amiga para um canto ao mesmo tempo
que notei os irmãos caminharem para dentro da casa. Nicholas destinou a
ela um ou dois lances do seu olhar ácido antes de sumir com o irmão.
— Tá louca, Raica? — repreendi seu comportamento.
Puta merda, o que foi aquilo?
— Júlia, eu sempre quis dizer umas verdades na cara desse mimado.
— E escolheu esse momento? — falei com o pouco de paciência
que me restava. — Nicholas não é um lorde, ele é o capeta, veio com o
intuito de acabar com a festa e a senhora vai e acende a pólvora. Amiga, por
favor distraia os meninos, esqueceu que a Eduarda está aqui?
Ela inspirou forte e tapou a boca, esbugalhou os pontos verdes
expressivos.
— Entende agora meu desespero?
— Ahaaa!
Deixei a preta ali como uma estátua e fui para dentro. Mel e o
namorado até fizeram menção de me acompanhar, no entanto, neguei, era a
hora de toda aquela merda acabar.
Faltavam alguns passos para que eu atingisse a porta, porém as
vozes rasgadas ultrapassavam o concreto, entrei e me deparei com um
Nicholas acomodado no sofá, o maldito bolo rosa à sua direita e um ar
ácido corroendo tudo. Ricky em pé, olhou-me como se o tivesse traído,
semblante duro, lábios retos, não permitiu que eu avançasse, me encontrou
no meio do caminho.
— Eu converso com ele, vá e curta seus amigos, depois nos falamos.
— Deu as cartas.
— E permitir que se fuzilem? — Descartei todas, ele apenas traçou
mais uma linha rígida na testa. — Nem pensar! — Movi a cabeça e mirei o
outro homem, era irritante o ar confiante e provocativo dele. — Nicholas,
qual a sua?
— Sua amiga é bem intrometida. — Fugiu um pouco.
— Raica não teve a intenção.
— Raica Vásquez..., bonito nome. — Filosofou, para então, num
súbito movimento se levantar. — Como se sente, está enjoando muito?
Fiquei preocupado.
Oscar de melhor ator para...?
— Não me diga.
Ricky apertou o rosto, amarrando a sete chaves seus instintos
mortais.
— Porra, o que quer? Se sabia que eu estava aqui em Angra, por que
veio? Se deu ao trabalho de vir jogar na minha cara que soube do meu filho
primeiro que eu?
Seu foco não condenava o irmão, o contato enfurecido em meio as
palavras, era inteiramente meu.
— Ricky... — Tentei explicar, porém Nicholas decidiu dizer por que
veio.
— Deixa que eu explico, Julinha. — Quase trinquei meu maxilar de
tanto que o apertei. — Fui até o trabalho da sua noiva somente para
agradecer as amigas gostosas que me fizeram companhia naquela noite. —
Ricky semicerrou os olhos. Putz, ele também não sabia sobre a noite da
boate. — Ela também não te contou que esteve na minha boate? — O diabo
num ato teatral espalmou o peito.
Ouvi cada músculo do pescoço do Ricky trincar, olhos manifestando
o que sentia.
— Chega dessa merda, veio aqui somente para isso? Como um
adolescente que quer jogar intrigas? Esperava mais de você — esbravejei
exausta com aquele jogo.
— Esse é um ponto importante, espere sempre muito de mim, o pior
de preferência, sem máscaras, sem disfarces, sou isso aqui. Agora nos diga,
Ricky, o que podemos esperar de você, irmão?
— Vai se foder, Nicholas, estou...
Um impasse, dois passos e, os corpos se chocavam.
— Cadê ela? Sei que está aqui, só vim completar o quadro infame.
Ele sabia, indiscutivelmente sabia da presença de Eduarda.
— Quer me ver, Nicholas? — A própria apareceu no topo da escada.
Caralho, que merda ela pensava que estava fazendo? — Não sabia que
tinha saudade.
Os pelos dos meus braços se arrepiaram só de presenciar o olhar
trocado entre os dois, uma sensação odiosa, ferida, amarga, invadiu o
espaço nos esmagando.
— Eduarda, não é o momento, todos sabemos que Julia está gravida,
o...
— O garoto está aqui também? — Nicholas indagou com
dificuldade como se sua garganta recebesse cortes a cada palavra
pronunciada. — Seu filho... com essa vagabunda?
O cenário que em segundos corroía-se com os ânimos exprimidos de
cada um, num estalo sangrou. As feridas sangraram, os olhos sangraram, os
corações sangraram.
— Não me chame assim, seu desgraçado.
Àquela altura Eduarda já tinha completado sua descida e bastou a
agressão verbal de Nicholas para que ela partisse com tudo para cima dele,
nem Ricky e muito menos eu conseguimos impedi-la de esbofetear a cara
do mais novo. O tapa foi bem forte, marcou os cinco dedos na pele clara,
ela até fez menção de um segundo golpe, porém Ricky afastou seu corpo
que relutava em ser contido.
— A vaca me acertou. — Nicholas tocou o local e a encarou como
se quisesse quebrar o seu pescoço. — Caralho...
— Eduarda, se acalme, estou com convidados, tem o Enzo, a Júlia
está gravida, precisa controlar os nervos — Ricky ordenou, arrastando um
corpo furioso para o outro extremo, o travando ali.
— Ele não vai me ofender...
— Nunca mais toque em mim, sua puta... — Um passo, dois.
Senti que se Nicholas a alcançasse, Ricky não teria forças para
evitar um assassinato. Então coloquei-me como um escudo à sua frente.
— Isso tem que parar...
— Por quê? Por que você, a boa samaritana quer? — Suas narinas
se moviam durante sua respiração jorrada, olhar mórbido, punhos prontos
como facas afiadas, uma estrutura sombria e letal.
— Se afasta dela agora, porra! — Ricky numa ação bruta empurrou
o peito do irmão, os dois pararam distantes. — Não se atreva, sabe que...
— Que o quê? — Nicholas abriu os braços e tomou um espaço. —
Vai se foder, seu traidor de merda! E você — apontou para a Eduarda —,
deu um filho para ele?
— Nunca menti, eu disse para você que o filho era do seu irmão.
— Sim, você disse, e não tem noção do quanto me modificou
naquele momento. — Jesus, Nicholas mal conseguia esconder o tamanho
da sua dor. — Por que não confessam para a Júlia que eram apaixonados,
que não foi somente uma atração à trois, confessem...
Meu rosto deslocou lento entre uma direção e outra.
— Esse é o caminho da sua vingança?
— Vingança? — rebateu Nicholas para o irmão.
— Sim, não é isso que quer, se vingar? Nicholas, a Júlia não faz
parte dessa merda, quantas vezes vou ter que repetir? Nós já viramos essa
página, resolvemos esse problema.
Meu raciocínio ou intuição não estavam tão certos, por quê? Eu dei
um voto de confiança para Ricky, não dei?
— Nesse ponto eu concordo. — Seus olhos me caçaram e, mesmo
sem intenção, li cada gota azul. Droga... a sensação, ... preferiria não ter
feito, eu entendia suas dores. — A alma dela não está manchada como a
nossa: suja, imunda, rancorosa. — Voltou-se para o irmão. — Não entendo
como o universo consegue te recompensar, Ricky, você sabe que não
merece essa mulher, esse filho que ela espera, sabe que não... — Seus
passos o guiaram de costas até faltar somente um para que cruzasse a
soleira. — Eu vou esperar o dia da sua queda, da sua destruição, ah... ele vai
chegar, sei que vai. E quando esse momento acontecer, vou ligar para você
só para sentir na sua voz a dor, a dor... e lhe dar as boas-vindas ao inferno.
Pisquei e uma lágrima desceu.
Nicholas partiu da casa de Angra e muitas rachaduras trincaram
aquele solo.
— Desgraçado... — Eduarda chiou e procurou apoio na parede atrás
de si.
Ricky soltou os ombros e por um singelo movimento pensei que
fosse atrás do irmão, para quê exatamente, não sei. Ainda assim, desejei ter
visto essa cena, talvez inconsciente, Nicholas também desejou por esses
passos o seguindo, o impedindo de ir, só que não aconteceu.
— Júlia...
Senti meu corpo pesar, precisava de apoio, então me sentei rápido
em uma poltrona próxima, meus olhos caíram para minhas mãos, por algum
motivo não conseguia encarar o homem ajoelhado diante de mim.
— Tudo bem?
— Sim. — Ergui o rosto, olhos castanhos em busca dos meus. —
Aliás, tem algo errado — intonei forte — era amor, Ricky, vocês se
apaixonaram um pelo outro?
Ricky apertou os lábios e liberou uma respiração pesada.
— Não. — Suas mãos correram a lateral do meu rosto, amparando-
o. — Não posso, não quero voltar a esse assunto, não é justo.
— Injustiça, que tal essa palavra?
— Júlia, Nicholas desejava exatamente isso, desestabilizar vocês
dois e pelo visto conseguiu — Eduarda veio falando. — Desculpe, não
devia ter descido, mas... algo forte me dominou.
Ricky curvou-se na direção dela.
— Melhor ir cuidar do Enzo, se não se importa.
Ela assentiu e subiu as escadas.
— Júlia... — Ele colou nossas testas, nos respiramos, nos exalamos
por um tempo. — Não há mais nada que eu fale ou faça que modifique o
que aconteceu, infelizmente são marcas, são cicatrizes.
Outra lágrima escorreu.
— Eu sei...
— Nicholas nunca vai esquecer, mas um dia ele pode voltar a se
apaixonar, quem sabe essa não seja a cura para ele...
— Sei que se arrepende do que fez, mas se pudesse voltar atrás
apagaria tudo, apagaria aquela noite para ter seu irmão de volta?
Ele não respondeu de imediato, raciocinou transparecendo em seu
rosto a desordem dos seus pensamentos, mal escondeu a desordem do seu
coração.
— Não depois que conheci o Enzo, não depois dele... já disso isso.
— Tocou meu queixo e o levantou um pouquinho, nossos narizes roçaram.
— Isso magoa você?
Não magoava, pelo contrário, me mostrava o tipo de pai que meu
filho teria.
— Não magoa.
Ele me beijou paciente, cauteloso, preguiçoso. Retribui sentindo a
maciez da sua boca, muita coisa ainda inundava meu peito.
— Vamos voltar, seus amigos estão esperando você, não é justo essa
noite acabar assim.
— Sim, não é. — Apoiei-me nele para seguirmos, só que daquela
vez exigiria uma promessa, uma única. — Ricky, antes me prometa que não
vai me quebrar de novo, sem mentiras, ok?
— Sem mentiras, meu amor.
Eu precisava acreditar na sua promessa, meu coração não suportava
mais tanta incerteza, li através de seus olhos o quão sincero eram suas
palavras, só que, minha mente recuava, os alarmes de que Ricky omitiria
qualquer fato para não me afastar, para não me perder novamente, fisgou
meu subconsciente, por ora, decidi guarda aquela sensação ruim, aquela
desconfiança, e optei em confiar nele, confiar na segunda chance.
— QUE ISSO? — A pergunta era idiota, visto que não havia
dúvidas de que se tratava de um carro com um enorme laço vermelho no
capô, o bendito automóvel ocupava uma boa parte da entrada do meu
prédio. MEU. PAI. AMADO. — Ricky, é um carro... ou melhor, um jipe?
— Sim, você gostou? — disse empolgado e eu mal conseguia
respirar, quanto menos retribuir sua empolgação. — Júlia, você tá passando
mal?
— Um enfarto talvez...
Ele riu, o desgraçado riu do meu enfarto.
— Seu presente, linda.
Em dois dias, ganhei um iate, um carro...?
— O lance do Iate era brincadeira então?
Ele amarrou o sorriso e fez sua cara de mau.
— Claro que não!
— Tá maluco, como posso aceitar um iate e um carro? — Meu
coração chacoalhou meu peito, meu noivo pirou de vez. — Não tem lógica,
nem espaço para estacionar os dois, já viu o tamanho do estacionamento do
prédio? — Ele semicerrou os olhos ao focar meu rosto. — Brincadeira!
— Você precisa de um carro — afirmou.
Não de um iate, ele precisava entender aquela parte.
— Não posso aceitar, é demais.
Ele segurou meus braços e me manipulou igual a uma boneca de
pano, emiti um suspiro acirrado.
— Júlia, consegue entender que quando nos casarmos, tudo que é
meu será seu também?
Quê?!
Hahaha, ele enlouqueceu!
Não parei para pensar no peso de ser esposa de Ricky, não
conseguia mensurar o que impactaria na minha vida, não que fosse inocente
ao ponto de não imaginar como seria um futuro ao lado dele. A vida de luxo
e glamour, o mundo bilionário a qual ele é inserido desde criança, me
assustava ao invés de me fascinar. Sabia o quanto custava pertencer a uma
classe tão alta, e isso me incomodava de certa forma.
— Não. Não. Nem pensar!
— Sim, meu amor, será a sra. Walker, e...
— Calma, Ricky! — Pedi tempo, igual a um juiz de futebol. — São
muitas mudanças e tem alguém que preciso falar primeiro.
Ele suavizou seus olhos e concordou comigo.
— Sim, entendo.
De todo o mal, desprezar um presente como esse, UM CARRO,
nem sequer passou pela minha cabeça.
— Mas eu... acabei de ganhar um carro?
— Todo seu. — Pôs a chave no meu campo de visão.
CARALHO!!! UM CARROOOOOOO...
Corri saltitante igual uma gazela, tocando cada parte do meu carro.
Meu... meu... Quem assistiu de longe imaginou que eu nunca tinha visto um
automóvel na vida. Não um para chamar de meu, certo? A filha do seu Zé
da padaria escorou no balcão enquanto aplaudia, eu liguei e rodeei o
quarteirão trinta vezes, deixei a menina tonta e Ricky maluco, mas foi
divertido.
— Meu sol nasce toda vez que consigo colocar um sorriso nesse
rosto lindo.
Beijei a mão que acariciava meu rosto.
— Obrigada, foram muitas as surpresas em dois dias, estou
flutuando. — Relaxei no assento. — Mas precisamos esclarecer algumas
coisas. — Ricky se ajeitou no assento. — Estou feliz com o carro, sempre
quis um, lembro que quando entrei na WUC, ia juntar dinheiro para
comprar um bem mais simples que esse, era um sonho. Só que iate, não… é
demais para mim e para o que temos.
— Dar um iate para minha futura esposa é demais?
— Sim, é!
— Que tal uma lancha?
Rolei os olhos e soquei de leve seu ombro.
Ele riu.
— Me assusta esse mundo bilionário que você tira de letra, foi
criado nele, eu não, preciso de tempo e limites. Respeite isso, por favor, não
quero que me sufoque, quero que cuide de mim e do nosso bebê.
Ele abriu um sorriso de canto e deixou as íris avelãs caírem para
minha barriga.
— Não somos só nos dois, agora somo três.
— Sim.
— Você conseguiu colorir ainda mais meu mundo, obrigado! Eu te
amo!
Ricky levou suas mãos até minha barriga e acolheu meu ventre, num
feito delicado como se o abraçasse. Pensei o vendo ali, o quanto tudo podia
ter sido mais leve, se ele estivesse ao meu lado assim que descobri.
— Eu também te amo.
— Quer que eu entre contigo?
Fui puxado à terra bruscamente.
— Dona Ana é difícil, melhor não.
— Certo — semblante preocupado —, te ligo mais tarde.
Plantei um beijo nos lábios saltados e quase não o permiti que
partisse, pelo meu retrovisor assisti seu porsche tomar velocidade. Sozinha
no meu carro perdi o sorriso, não me preparei para aquela conversa, para
mais uma recusa, para o olhar decepcionado de mamãe.
Se eu pudesse e mandasse no meu coração, a protegeria das minhas
escolhas e erros.
Girei a maçaneta de mansinho, sem ruído, corpo retraído e coração
travado na garganta, pé em pé, pisei na sala e a encontrei escorada na
bancada da cozinha enchendo sua xícara com café. Ela sentiu minha
presença, sentiu meu cheiro, sem ao menos me destinar seu olhar.
Habilidosa, prendi meus cabelos num coque bagunçado, o suor da minha
nuca começou a incomodar. Analisei suas roupas, simples, nada demais,
pelo visto ela não pretendia sair, respirei fundo, era a hora.
— Boa tarde, mãe! — Coloquei as chaves na mesinha e fui a passos
calculados até a bancada. — Como se sente?
Seus olhos subiram lentos, capazes de estremecer cada osso do meu
corpo no percurso ao encontro meus.
— Estou bem, Júlia. — Um tom sereno.
— Podemos conversar?
— Sim, podemos.
Enruguei a testa com a facilidade.
Ela passou por mim, inspirei o quanto pude ainda de costas para ela,
o medo me acovardando a cada subida e descida do peito.
— Mãe — girei e olhei bem no fundo dos seus olhos —, eu amo
você, só que também amo o Ricky, é uma escolha que quer? — perguntei
numa tacada só.
Ela tomou um gole do café e descartou a xícara na mesinha ao lado,
antes de ocupar um lugar no sofá.
— Não.
— Então, o que quer que eu faça?
— Que seja feliz. — Um sorriso capaz de iluminar um dia nublado
cresceu em seus lábios, espremi os olhos e liberei meu coração. — Que seja
feliz, filha.
— Mãe! — Mergulhei em seus braços, chorei, apertei, solucei como
uma criança de cinco anos desprotegida, carente daquele carinho. — Senti
saudades.
— Eu também, meu amor...
O tempo parou, era ela e eu e nada mais fazia sentido. Como podia
seguir, construir uma vida, construir qualquer coisa sem que ela fizesse
parte daquele feito. Minha mãe é um dos meus maiores tesouros, jamais
desistiria do seu perdão, jamais a descartaria da minha vida.
— Vamos conversar? — perguntei e sequei as lágrimas ao sentar-me
de frente para ela.
— Sei que estava com Ricky.
Nem tentei especular a fonte daquela informação, o mundo sabe
cada passo que dou, como dona Ana ficaria de fora?
— Sim, estávamos em Angra.
Ela colheu minha mão e avaliou o anel, expressão suave.
— Ele te pediu em casamento?
— Sim, e eu aceitei, mãe — falei temerosa.
— Sei que sim...
— Mãe, entendo sua mágoa... — Ela me calou tocando meus lábios
com as pontas dos dedos.
— Aceitei porque te amo, não podia simplesmente deletar a
senhorita da minha vida, fiquei magoada, mas acima de tudo com medo de
vê-la sofrer de novo, sabemos o quanto chegou ao fundo do poço e como
foi difícil te resgatar de lá. Faria tudo de novo, sem arrependimentos, nunca
vou me arrepender de nada que fiz para salvar a sua vida e lhe oferecer um
futuro melhor. — Seus olhos caíram para minha barriga. — Um neto?
Fiz que sim, sorrindo, chorando, uma bagunça só.
— Ou uma neta. — Dei de ombros.
— Meu Deus, imagino o quanto ficou assustada.
— Ainda estou, mãe, assustada, perdida, sem instabilidade, um loop
que deixou vários efeitos colaterais.
Uma de suas mãos pegou a minha e a outra espalmou minha barriga.
— Passa, demora um pouquinho mais passa. Tem noção que nada
daqui para frente será fácil, não que antes fosse, mas agora você gera uma
criança, vai se casar, são mudanças bruscas para a sua idade.
— Não vou desistir da faculdade e nem abandonar meus sonhos,
talvez nada aconteça como eu esperava, no tempo que planejava...
— O tempo é um enigma indecifrável. — Ela subiu a mão da minha
barriga e apertou meu queixo. — Eu soube das notícias internacionais, li na
internet...
Ela respirou fundo.
Flagrou-me apertando os joelhos.
— Por isso passou mal, mãe, desculpe, eu...
Ela negou várias vezes.
— Não foi por isso, as coisas por aqui saíram do meu controle,
também tive medo, assim como você, fiquei perdida e sem chão, com o
emocional muito abalado.
Precisávamos tanto uma da outra.
Segurei sua mão forte o suficiente para garantir que estávamos
juntas naquele momento.
— Sei que o salão passou por maus bocados, fui até lá e é triste
como tudo mudou, cadeiras vazias, sem clientes, sei que por minha causa,
meu recomeço, a senhora partiu ao meio seu sonho. Olha, mãe, vamos
recomeçar, eu te ajudo, juntas, mais uma vez.
Seus lábios esticaram na tentativa de um sorriso, olhos marejados
transparecendo suas fraquezas, dona Ana estava debilitada, cansada de
tantos recomeços, sua estrutura nunca se apresentou tão quebrada como
naquele instante.
— Eu vou dar um jeito, sempre dou, não se preocupe.
Puxei-a para os meus braços.
— Não dessa vez, estou aqui e só vou seguir depois que te devolver
tudo que a senhora perdeu — garanti a ela e a mim.
Minha fortaleza teria tudo de volta, não voltaria para a Califórnia,
não me casaria com o Ricky antes de encaixar cada peça no tabuleiro. Ela
merecia tudo de mais lindo da vida, pela mulher corajosa que é, pela mãe
que me protegeu todos aqueles anos de um monstro, me ensinando a ser
íntegra e honesta. Eu não era só grata por tudo que me tornei, por sua causa,
eu era grata a Deus por ter aquele anjo da guarda como mãe.

— Bom dia, mãe — saudei e sentei-me na bancada, o cheirinho


delicioso de café invadiu minhas narinas e depois de meses, sentia fome,
muita por sinal. — Que fome! Será que os enjoos acabaram?
— Quantas semanas, Júlia? — perguntou prática.
Arregalei os olhos, eu era a pior mãe do mundo, nem sequer sabia
exatamente quantas semanas ia completar.
— Não sei, tenho que ir ao médico.
Mamãe me mirou atenta e me serviu de café.
— Claro, garota, para que tenha uma gravidez saudável tem que
fazer o pré-natal.
Sorvi um gole da bebida quente e me lembrei de um detalhe.
— Se bem conheço o Ricky, Valéria já providenciou tudo, não se
preocupe — disse convencida, conheço meu noivo.
Olhamos em sincronia para o interfone e mamãe pegou o aparelho
antes que soasse o segundo toque.
— Quem será, Marcos? — indaguei, pegando torradas com geleia e
ovos mexidos, um pouco de queijo, por que não, tudo parecia uma delícia.
Enchi meu prato.
— Pode liberar. Obrigada, Beto. — Mamãe desligou o aparelho.
— Nossa, acho que nunca senti tanta fome — falei sem conseguir
colocar mais nada na boca. Tornei-me uma esganada faminta, excitada.
Dois toques suaves na porta.
Um sorriso involuntário de dona encrenca a caminho da entrada
anunciava problemas. Raciocinei: Marcos não costumava bater à porta, ele
era de casa, então... quem...
— RICKY! — Engasguei-me, tossindo descontroladamente.
— Júlia, levanta os braços, ajuda muito — ela sugeriu, gozando com
a minha cara. O que me restou era tentar não morrer engasgada.
— Tá melhor, amor? — Ricky avaliou o rosto vermelho, enquanto
eu me esforçava em respirar.
— Sim. — Encarei-o confusa. — O que faz aqui?
— Eu o convidei. — Ela não só respondeu como o serviu de café.
Hey, alguém me atualiza? — Sente-se e coma alguma coisa, Ricky, antes
que a esganada da Júlia acabe com tudo.
Meu noivo depositou um beijo casto na minha testa e se acomodou
na banqueta ao lado.
Sorri boba.
— Obrigado pelo convite, Ana.
— Fizeram isso nas minhas costas? — Apontei de um para o outro.
— Igual da última vez?
Trocaram sorrisos cúmplices.
Meu coração errou a batida, as peças estavam se encaixando no
tabuleiro.
— Quase isso. — Mamãe se juntou a nós com sua xícara na mão. —
Não aceitar vocês dois não é o caminho, até porque Ricky te encontrou.
— Sabe que jamais desistiria, Ana. — Ele apertou minha coxa por
baixo da bancada. — Amo a Júlia, a quero para sempre na minha vida.
— Sua família? — ela questionou ao sondar o rosto do meu noivo.
— Aceitou?
Perdi a fome.
— Não preciso da autorização de ninguém, Ana, desculpe, sei o que
quero, assim como sei que acompanhou as notícias atuais, certo?
— Sim, acompanhei e confesso, não estou feliz em ver minha filha
no meio desse enrosco, mas também o admiro por assumir o menino.
— Enzo — Ricky pontuou. — Gostaria muito que o conhecesse.
— Seria um prazer.
— Linda — ele virou para mim como se lembrasse de algo —, a
senhorita tem uma consulta agora.
Gargalhei, gesticulando sem voz para mamãe um eu disse.
— Por que está rindo? — Franziu o cenho.
— Nada não, preciso de um minuto.
Deixei meus dois amores na sala e corri até meu quarto, meu
coração não cabia no peito, os dois juntos, os dois unidos na minha vida era
no mínimo uma pitada de felicidade. Nem em mil anos esperava aquele tipo
de receptividade da mamãe, tampouco que ela convidasse o Ricky para o
café da manhã, me surpreendi com a leveza que tratamos todo aquele
tormento que nos rodeava, precisava de paz, havia uma necessidade
universal de paz, meu corpo não suportava mais tantos golpes.
Vesti um vestidinho floral leve e rasteirinha, o dia ensolarado pedia
tecidos frescos, acrescentei uma bolsa de lado, óculos escuros e um coque
bagunçado no topo da cabeça. Em cinco minutos nos despedimos de dona
Ana e seguimos para o hospital Sírio Libanês, o mesmo hospital que Enzo
esteve internado. Falando nele e na mãe, Eduarda se negou, mas o pequeno
fez questão de nos apresentar sua casa, o lugar era simples, pequeno e com
o necessário para se viver com dignidade. Ricky tentou disfarçar na
presença dos dois, porém, logo que ficamos sozinhos ele repudiou o local.
Valéria, que segurou sua indignação, obviamente, ele providenciaria um
apartamento, não me impus ou opinei. Nem tudo era assunto meu, certo?
— Senti sua mãe um pouco abatida, como está a saúde dela? —
indagou, girando o volante para contornar o estacionamento do hospital.
Tirei o cinto e fiquei de frente para ele.
— As coisas não estão legais.
Ele desligou o carro antes de fazer o mesmo.
— Do que está falando? — Seus olhos oscilaram para o retrovisor,
John estacionou na vaga ao lado, acenou e verificou a segurança do local.
— Algo grave?
— A saúde dela está ok, mas as dívidas estão se multiplicando a
cada dia.
— Dívidas?
— Sim, mamãe se arriscou muito quando me mandou para a
Califórnia, o salão com todo o escândalo sofreu danos com a falta de
clientes... e... — Tapei a boca.
Inferno! Não tive a intensão de insinuar... Merda, ele ia pensar
exatamente isso, que estava pedindo dinheiro.
— O que foi isso? — perguntou ele. Desviei os olhos para a janela,
assistindo o John caminhar distante. Aonde ele ia? — Júlia, estou sendo
ignorado, é isso?
— Não, só não quero seu envolvimento, não é um problema seu.
Seus dedos movimentaram minha cabeça, eu sempre derretia inteira
com aquele olhar exigente, sedutor, protetor.
— Claro que é problema meu, esqueceu que é minha mulher? Meu
amor, suas dores, suas fraquezas, são minhas também, se Deus me
permitisse carregar cada uma delas só para que você não as sinta, eu
carregaria.
Sua mão fechou minha nuca e levou meus lábios para os deles, um
beijo devoto reafirmou o quanto éramos loucos um pelo outro. Entretanto,
relutava em colocar as dívidas de mamãe naquele pacote.
— Ricky, não é certo...
— Como não, se sua mãe está passando por dificuldades, isso afeta
você, meu filho, como posso permitir se tenho condições de ajudar?
Neguei, era demais.
Combinamos limites.
— Se preferir podemos considerar como uma indenização por todos
os danos morais que minha família causou, todo o escândalo acabou com a
credibilidade e imagem de vocês, do estabelecimento, é justo. Por favor,
aceite!
Crispei os lábios, dona encrenca não concordaria, eita, mulher
teimosa, orgulhosa. Só que pensando bem, era uma saída rápida, mamãe
não merecia passar por aquela dificuldade, o salão era um sonho realizado,
não era justo para ela.
— Tudo bem — aceitei e afundei nos seus ombros, aspirando o
perfume amadeirado —, vou convencê-la.
— Faça isso, providencio o resto.
Seus dedos subiam e desciam na minha coluna, até que o safado
desceu um pouco mais, apalpou minhas coxas e depois as descobriu.
— Esse vestido é um pecado. — Timbre rouco, tentador, suas
pálpebras pesaram ao descerem lentas, devorando meu corpo sem tocar.
Meus mamilos enrijeceram, o frisson arrepiando tudo. Eu era toda dele,
cada pedacinho. Quando voltou a me encarar de novo, as íris castanhas
ardiam de puro pecado. — É uma pena, srta. Sales, não pode se sentar no
meu colo agora. — Deixei meus olhos caírem, constatei um pau duro por
baixo do jeans. — Não antes do exame. — Seus dedos salientes resvalaram
morosos e provocantes na minha calcinha, exatamente no centro dela, arfei
e prendi o lábio inferior. — Pesquisei bastante sobre o assunto.
Quê?
Um suspiro longo e demorado escapou...
— Pesquisou sobre isso? — perguntei lânguida e ronronei ao sentir
seus dedos brincarem devassos com meu sexo.
— Digamos que sim. — O canalha riu, um riso gostoso. —
Pesquisei muita coisa, inclusive sobre o que posso e não posso fazer com
esse corpinho durante a gestação.
— Sério? — Esbocei preocupação em delírio, ele serpentava
despreocupado meu clitóris. — Temos restrições?
— Sim. — Sua boca veio provocar minha orelha com lambidas
incitantes. Abri a minha e meu coração quase deu fuga, o cheiro de Ricky
era gostoso pra caralho. — Não posso foder seu cuzinho nesse período, mas
nada me impede de meter infinitas vezes nessa bocetinha doce.
Os benditos dedos ora esfregavam meu clitóris pulsante por cima da
calcinha, ora deslizavam entre os grandes lábios roçando a renda fina nas
fissuras lubrificadas, sua boca melava meu pescoço com beijos provocantes.
— Não posso penetrar essa boceta gostosa, minha linda, mas posso
fazê-la gozar, é o que quer? — propôs, indecente e cafajeste com os
benditos dedos alucinando-me lá embaixo.
Porra, a mistura plausível do meu homem.
— Simmm... — ciciei, a excitação possuindo-me inteira. — Meu
Deus... ah...
Beijou-me feroz, obsessivo, consumiu de mim tudo que podia com
sua boca faminta. Foi meu fim, Ricky me proporcionou um orgasmo
intenso sem me penetrar, o safado conhecia meu corpo, cada terminação
nervosa do meu íntimo, sabia me tocar e me desmanchar em seus dedos.
— Delícia! — Retirou seus dedos e os levou a boca, saboreando o
gozo que melou minha calcinha. — Sou viciado nesse mel.
Fechei minha mão na sua nuca e o trouxe para mim, beijei, lambi e
suguei sua boca, tão necessitada dele, tão gulosa por ele.
— Não podemos, amor — sussurrou contra meus lábios, eu me
entregando, querendo mais. — Sua consulta.
Arquejei decepcionada.
— Certo, atiça e cai fora? — Puxei o meu vestido e ajeitei minha
calcinha, encenado uma irritação. — Você me paga, Ricky.
— Não vejo a hora.
Deslizei a língua nos meus lábios e meus olhos caíram para o seu
colo. Podia identificar o quanto seu cacete estava apertado dentro do jeans,
e eu louca para encher a minha boca com sua grossura.
— Hum…
— Júlia, não faz isso.
— Se eu fizer, vai me impedir?
O fiz gemer só por tocar sua coxa, o instinto moveu seu quadril um
pouco para frente, relaxou as suas coxas, autorizando, desejando que eu
caísse de boca ali.
— Não sou tão forte. — Sua mão tocou o console, num estralo o
banco escorregou poucos milímetros à frente do assento traseiro. Mordi o
canto do lábio inferior num lance de olhar que dei para o espaço que vagou,
encaixei meu corpo entre suas pernas, minhas nádegas cobriram meu
calcanhar, minhas unhas iniciaram a tortura.
Ricky me olhou cheio de desejo, arfando, gemendo baixinho.
Peregrinei as pontas dos dedos nas pernas malhadas moldadas por músculos
rígidos que o jeans não conseguia acobertar, provocando-o. Quando os
dedos salientes encontraram o cós, perdi seus olhos e me concentrei em
liberar meu desejo.
Abri o botão e desci o zíper.
Ele rosnou, movendo um pouco mais o quadril, oferecendo-o. Com
sua ajuda puxei um pouco a calça para baixo, a boxer veio junto e fácil
assim…, puta que pariu, babei por cima e por baixo, salivei por cada
centímetro vendo o caralho de Ricky saltar para fora. Engoli o gosto lascivo
do tesão, ele observava de cima, olhos quentes, abrasados, capazes de me
queimar inteira se me colocasse nua para ele. Descobri um pouco seu
abdômen e usei minhas unhas para arranhar aquele tanquinho, enquanto
descia minha boca próxima àa glande, minhas narinas sugando seu cheiro,
minha língua aguçando vontade. O pau de Ricky era lindo, inchado,
rodeado por veias grossas, cabeça avermelhada, grande o bastante para
quase me engasgar. Subi meus olhos e fixei nos dele, dilatados,
desesperados pela minha boca.
— Você fica ainda mais linda nessa posição, amor.
— Acha mesmo? E quando faço isso. — Coloquei a língua para fora
e lambi toda a glande num circuito incitante, depois desci e subi a mão
fechada, batendo uma para ele, forte e rápido. As bolas também recebiam a
minha atenção.
Ricky mordeu os lábios e fechou as mãos na nuca, cada vez mais
duro, louco.
Umedeci a boca e desci saboreando o comprimento até a cabecinha
bater na garganta, ele soltou um gemido alto e entranhou os dedos entre os
fios do meu cabelo preso ao coque, os laçou forte, ardendo a raiz. Seu
cacete pulsava na minha boca enquanto o sugava, o devorava, o fodia
inteiro raspando os lábios em toda base, melando de baba o pau gostoso.
Acelerei. Mas ele queria mais, sempre mais, ditou o ritmo, minha cabeça já
se movia ao seu comando, seu corpo vibrava enquanto o engolia veloz,
profundo, seu olhar para mim era de puro prazer, ardido, enlouquecido.
Socava forte. Seus gemidos excitados, os meus escapando abafados, então
precisei me apoiar, cravei as mãos nas suas coxas, o sobe e desce invadiu
tudo. Minha boceta gotejava querendo o mesmo tratamento.
— Caralho…, amor…
Rendido.
Acabado.
Ele jogou a cabeça para trás, senti o primeiro esporro no céu da
boca, a textura pegajosa do sémen escorreu para minha língua, o segundo o
desmanchou no assento, retirei seu pau da boca e o chamei.
— Amor, quero que me olhe enquanto tomo cada gota do seu gozo.
— Sr. Walker, srta. Sales, é um prazer recebê-los. Sou Ângela,
obstetra. Entrem por gentileza. — Seguimos a médica de expressão
simpática e traços asiáticos para dentro do consultório. — Sentem-se, por
favor.
Doutora Ângela se esforçou bastante para nos deixar à vontade, a
culpa por minhas mãos suarem e um calor incomum irritar minha pele, era
porque teria o primeiro contato com meu bebê, ouviria seu coração..., seu
pequeno coração.
— Júlia, você descobriu a gravidez na Califórnia há algumas
semanas, certo?
— Sim.
— Não fez nenhum exame ou tomou vitaminas?
— Não.
Movi meus ombros, uma tensão travava meu pescoço, então sim e
não seriam as únicas respostas que daria a ela.
— Tudo bem? — Ricky perguntou baixinho, óbvio que ele sacou
meu desconforto, estava quase esmagando a sua mão de tanto que a
apertava.
— Sim, tudo bem — menti.
— Fique calma, querida, hoje vamos fazer um ultrassom para
descobrir de quantas semanas você está, colher alguns exames, e é provável
que receite algumas vitaminas, seu rostinho está um pouco pálido, anda
enjoando muito?
— Acho que os enjoos passaram, hoje acordei faminta e não enjoei.
Ela apontou para o meu pescoço e estudou a região com semblante
preocupado.
— Seu pescoço está com uma vermelhidão estranha, tem alguma
alergia?
— Pernilongo — improvisei, tocando a pele, morta de vergonha. —,
tenho alergia a esses insetos, não é Ricky? — convoquei o safado para
passar vergonha comigo.
— Sim, terrível. — O descarado nem ficou vermelho, ao contrário
de mim que mais parecia uma pimenta. — Uma pomada seria ótimo.
A médica ergueu uma sobrancelha e anotou no bloco de papel que
sustentava na sua mão.
Sem delongas ela nos encaminhou para uma outra sala, gelada e
com meia luz, troquei de roupa, coloquei uma camisola que deu acesso fácil
à minha barriga. Ricky apesar de tranquilo não largou minha mão, se
manteve atento e cuidadoso a qualquer movimento. Haviam outras duas
mulheres, enfermeiras na verdade, auxiliando a doutora Ângela, uma delas
passou um gel frio na minha barriga e entregou à médica um aparelho
conectado ao monitor.
— Com licença, Júlia — ela pediu antes de deslizar o aparelho na
minha barriga. — Vamos conhecer seu bebê.
Certo!
Meu Deus.
Meu bebê.
Ela sentiu meu corpo tremer, porque por mais que tentasse moderar
meu estado nervoso, não conseguia. Nunca imaginei que estaria naquela
situação, nunca imaginei sequer que pudesse gerar um bebê, sempre fui
focada nos meus sonhos e aquele momento inusitado era surpreendente
demais para meu equilíbrio emocional. Puxei uma quantidade absurda de ar,
acho que todo o oxigênio da sala e fitei a tela.
— Olhem aqui — ela indicou um borrão, sem forma alguma com o
dedo.
Alternei entre Ricky e a tela, a tempo de capturar seus olhos
brilhantes. Ele hipnotizado e tomado pela imagem, soltou um sorriso
nervoso.
— Aqui. — Ela deu um zoom, aumentando a imagem e sorriu para
mim. — Vejam, bem pequeno o bebê de vocês.
A imagem não era nítida para revelar um bebê completo com
cabeça, pernas e braços, mas era ele, ali, pequenino igual a uma semente.
Meu bebê, nosso bebê. Um pequeno ponto vivo capaz de me desestabilizar
nas últimas semanas, capaz de me desmontar para que assim novas formas
composse meu corpo. Formas que estruturou — mesmo que inconsciente —
outra mulher. Não era mais a Júlia de meses atrás, cresci rápido demais para
acompanhar, algo doce que crescia dentro de mim.
Um amor diferente.
Um amor intensamente diferente.
— Ele está bem — ela disse, pisquei e conectei meu olhar ao do
Ricky. — É lindo a emoção do primeiro filho.
Foi então que senti a umidade no meu rosto.
Foi então que percebi o caminho choroso no rosto dele.
— Júlia, você está com 7 semanas...
— Sete semanas? — repeti boba, envolvida no sorriso que começou
a crescer nos lábios do meu noivo, envolvida com a conexão penetrante que
tínhamos um com o outro.
— Ouçam...
Rimos.
Choramos.
Tudo junto.
Quando o som de um trator explodiu na sala.
Um coraçãozinho, pequeno, miúdo, mas que batia forte. Forte o
suficiente para dizer por que veio, para dizer: estou aqui, viu.
— Que pena, só não conseguimos ver o sexo, não com sete
semanas...
Ricky colou sua testa na minha e fechamos os olhos, não
gesticulamos uma só palavra, não as que pudessem ser ouvidas. Quem
falava ali, eram os nossos corações, o meu, o dele e o da nossa sementinha.
O tempo pausou por longos segundos, esquecemos tudo, esquecemos todos,
éramos três, apesar do novo me assustar num primeiro momento, ele fazia
sentido, isso..., ele se tornara o principal sentido da minha vida.

— Eu te amo.
Segurei minha garota e a girei no corredor, não conseguia mensurar,
tampouco explicar o que havia acontecido naquela sala. Mesmo depois que
soube da gravidez, o impacto que a notícia trouxe para o meu peito, nada se
comparava com que senti quando vi e ouvi meu filho, era louco e ao mesmo
tempo surreal.
Como um homem de negócios, eu agia prático e incisivo, sem
demonstrar emoções ou fraquezas, não era nem de longe o modo como me
portava ultimamente. Do momento em que me rendi aos encantos da Júlia,
nada se reprimia em segredo. Tudo vazava forte, sem permissão, era
confuso a sensação de nascer aos trinta e três anos.
— Ricky, meu vestido, quer que todos vejam minha bunda?
Coloquei-a no chão e beijei sua testa.
Nem pensar, essa bunda é patrimônio R.W.
— Melhor não, esse rabinho gostoso é meu. — Dei um tapa no
traseiro empinado que até o nascimento do meu filho ou filha, seria um
campo minado para mim. — Temos dois compromissos, almoço e uma
passada no meu escritório.
— Na WUC?
— Sim, preciso conversar pessoalmente com Valéria. Você acredita
que ela contratou duas assistentes para ela?
— Ela até demorou para fazer isso, sua demanda é pesada, lembro
de como a coitada corria naquele andar.
— Ela dá conta. — Abracei seus ombros e a levei comigo.
— Devíamos ter vindo com meu carro, estou louca para dirigir.
— Mais tarde, quem sabe.
Beijei seu cabelo.
— Ricky... — Ela retirou meu braço dos ombros e passou na frente
me barrando. — Não vai ficar me monitorando, nem me encher de
seguranças!
Júlia não tinha o mínimo de senso de perigo, então esse era o meu
papel, protegê-la até dela mesmo.
— Somente um, é preciso.
Ela rolou os olhos e bufou brava.
— Estou brava, fique sabendo.
Abracei seu corpo tentando amenizar sua vontade de me enforcar.
— Eu sei. — Escorei o maxilar na sua cabeça e ri em silêncio, com
ou sem protesto, o segurança não era uma opção. Ponto final. — Mas posso
te recompensar no carro, o que acha?
Senti seus lábios se abrirem no meu tórax, a safada estava rindo, e
meu pau querendo ser liberado da cueca.
— Ricky... — A voz rouca bateu, girei com Júlia nos meus braços.
— Que bom que encontrei você.
Enruguei a testa, Doutor Almeida não exibiu seus belos dentes como
de costume.
— Doutor, essa é minha noiva, Júlia.
Júlia sorriu para o velhote que lhe estendeu a mão.
— Prazer, que bela mulher.
— Obrigada.
— Doutor Lucas Almeida é o médico do Enzo, amor — o apresentei
melhor.
— Ah, sim.
— O que faziam, consulta de rotina? — ele indagou.
Nossos rostos viraram em sincronia, cúmplices, felizes.
— Júlia está grávida — anunciei e o médico pareceu se chocar com
a notícia. — Doutor, algum problema? — perguntei logo, não muito
satisfeito com a expressão.
Ele se perdeu com as palavras, procurando uma forma de explicar...?
Não compreendi e meu sangue bombeou aflito por isso.
— Me acompanhem, por favor — ele simplesmente marchou na
frente, não havia outra opção a não ser segui-lo por dois longos corredores.
— Entrem... — disse e apontou para as cadeiras opostas à sua, notei acima
da mesa um enorme envelope, mas não foi aquele documento que ele
passou a avaliar e sim a tela do seu notebook. — O resultado ficou pronto.
Os olhos que desviaram da tela e encontraram os meus não eram os
que esperava quando por fim tivéssemos uma resposta.
— Não? — Minha voz vazou pesada, uma mão apertou a de Júlia
enquanto a outra apetecia em segurar meu coração.
— 40%, porcentagem arriscada para um transplante delicado como
esse — lamentou.
— PORRA! — Soquei sua mesa e percorri cada canto daquele
consultório com as mãos sobre a cabeça, garganta fechada e um nó
sufocando meu peito. Um sentimento de incapacidade dominou tudo. — O
que direi para ele, o que direi?
— Calma, amor, daremos um jeito. — A voz doce soou próxima,
seus braços alisaram minha cintura abraçando minhas costas.
— Que jeito? — disse fracassado. — Enzo não vai me perdoar.
— Ricky, agora você precisa manter a calma, precisamos de novas
opções.
Controlei a respiração.
Não esperava uma notícia daquela, algo dentro de mim dizia que
daria esse presente para o Enzo.
— Desculpe, eu…
— Não esperava. Eu sei Ricky, entendo você, mas precisamos
manter a calma e explorar novas possibilidades, ok?
— Certo, quais são as opções?
Ele voltou para a tela do computador enquanto expunha outras
direções.
— Ele já está na fila do transplante
— Essa fila não se move!
— Infelizmente há conscientização a doação, Ricky. Mas, repare,
até o final do dia tenho uma atualização da posição do Enzo, acreditem, a
fila andou de ontem para hoje.
— Certo, fora o transplante e o tratamento atual, o que mais
podemos fazer?
— Boa pergunta, já enviei um e-mail para os meus parceiros do
Estados Unidos, estamos a meses trabalhando em novos medicamentos
experimentais, talvez possa de acordo com os exames de Enzo…
— E se ele for para os Estados Unidos? — sugeri.
— Não aconselho uma viagem assim para ele, é arriscado. A
imunidade do Enzo oscila muito, apesar do tratamento está tendo resultados
significativos. Não se preocupe, se houver qualquer outra possibilidade no
planeta, Enzo fará parte, acredite.
— Eu me sinto…
— É normal se sentir de mãos atadas, mas não estamos, faremos
tudo que estiver ao nosso alcance.

“— Você jura que vou sair daqui?


— Olha, se for necessário alcançar a lua para pegar a cura, eu vou.
— Minha nossa, até a lua?”
Deus.
Apoiei os cotovelos na mesa e pesei a cabeça entre as mãos, era
agonizante recordar tamanho compromisso, era agonizante constatar que
nem com todo o dinheiro do mundo, naquele momento eu era capaz de
alcançar a lua como prometi.
— Júlia, de quantas semanas você está? — Dr. Almeida perguntou.
— Sete semanas, soubemos agora a pouco.
O doutor soltou um ruído que intrigou, então ergui o rosto atento no
que ia dizer.
— Geralmente quando o filho não é do mesmo pai e mamãe, as
chances são de 25%.
— O que disse, doutor? — Foi Júlia quem questionou, pois não
pisquei a espera de sua conclusão.
— Repare, eticamente falando não posso garantir nada sem o
exame, mas o bebê que você espera tem chances de ser compatível com o
Enzo.
— Então é mais uma opção?
— Não temos garantias e a Júlia ainda está no início da gravidez,
isso dificulta um pouco, geralmente colhemos as células-tronco do cordão
umbilical no dia do seu parto, essas células hematopoiéticas produzem
elementos essenciais para o transplante de medula óssea, quando
compatíveis.
Voltei a respirar e olhei para minha garota, ela tentou sorrir,
transparecendo no singelo gesto o quanto tudo também mexia com ela.
Voltei para o médico.
— O senhor acha que Enzo suporta tanto tempo?
Sabíamos que era mais uma opção, uma esperança, um respiro,
assim como todas as outras chances que correríamos atrás, o que eu temia,
era a incerteza do amanhã. Doutor Almeida, nunca escondeu a real situação
do pequeno gênio.
— Admito que temos um problema quanto a isso, e nenhuma
garantia. Ricky, filho, não vou mentir, apesar do Enzo estar muito bem,
houve um aumento de peso, os exames estão cada vez melhores, não
significa que o que conversamos no início seja descartado, pelo contrário, a
partir de agora corremos contra o relógio.
Adiei minha ida a WUC, ligaria para Valéria lhe passando os
trâmites em relação às dívidas da Ana, optei em ir ao meu apartamento.
Júlia preparou um banho na hidro com ervas relaxantes, acendeu algumas
velas, deitei-me entre suas pernas e me calei por longos minutos, ela
escorregava as unhas vagarosa entre meus músculos, subindo e descendo
num carinho gostoso. Infelizmente não relaxei, a sensação agonizante não
me abandou.
Refleti por horas sobre as palavras do doutor Almeida e de como
não dominamos nada, pensamos que controlamos o universo, tolice a nossa,
o que eu podia controlar? Ou comprar? Ao mesmo tempo que ouvir o
coração do meu bebê me levou ao céu, ter novas notícias sobre Enzo e não
ser compatível, me arrastou-me para o inferno.
— Chill, mais uma rodada — Raica gritou e o Chinês acenou um
“ok”. — A senhora fica só no suco, por favor...
— Sinto falta de uma cerveja gelada — confessei, tomando um gole
generoso do meu suco de laranja.
— Não queria ir... — Mel choramingou no meu ombro. — O que
vai ser de mim sem você, Jú?
— Assim que as coisas se resolverem por aqui, é possível que volte
para Los Angeles, Mel.
— Aí, eu que serei abandonada? — Raica reivindicou o outro
ombro. — Não é certo!
— Meninas, calma, quem precisa de dengo aqui sou eu.
Raica se levantou de repente, tomei um susto.
— Precisamos organizar o chá de bebê.
Melissa copiou sua ação.
— Primeiro é o chá revelação, Raica.
As duas começaram a debater e minha bexiga cheia de suco de
laranja a incomodar.
— Decidam, eu vou ao banheiro.
Abandonei minhas amigas no debate de chás, coisa que ainda nem
havia passado pela minha cabeça, não com o turbilhão de coisa que estava
acontecendo. Corri para o banheiro, ultimamente fazia muito xixi, bastava
beber algo que logo corria para esvaziar a bexiga. Usei rápido a cabine,
lavei as mãos e molhei a nuca, um sol quente nasceu naquela manhã,
precisava voltar e cessar o impasse de Melissa e Raica garantindo assim aos
meus tímpanos a paz. Só que antes de fechar a porta, o final do corredor
capturou meus olhos: um jardim? Será? Retro-chill era uma caixinha de
surpresa.
Percorri o caminho estreito e me deparei com uma jardinagem
impecável, era um tipo de sacada ampla.
Que lindo! Suspirei ao perceber várias espécies de orquídeas,
algumas espécies de rosa e o melhor e mais sublime, ar puro bem diferente
da poluição paulistana.
Sustentei o corpo no parapeito e respirei o verde por longos
segundos, vedei os olhos e senti uma paz...
— Não conhecia aqui.
Nicholas?!
Fui sugada do torpor rápido demais para não me sentir zonza, se ele
não me segurasse com seus braços cobertos de tatuagem, meu corpo
desorientado iria ao chão.
— Você planejou isso?
— O quê? — Se fez de confuso.
— Isso! — Eu ainda estava sobre seus braços, ele riu quando
entendeu e me colocou de pé. — Como entrou aqui?
Sua testa franziu e sua expressão me chamou de idiota.
— Pelo que sei, Chill é um hamburgueria ou estou enganado?
— Não isso, tem um segurança enorme na entrada, as ordens de
Ricky é que seu irmão bad boy fique a metros de distância de sua noiva
inocente.
Nicholas gargalhou, tirou os óculos escuros e depois os enfiou entre
os botões abertos da sua camiseta.
— Sei entrar e sair de um lugar, se é que me entende. — A
rouquidão da voz embalou o duplo sentido da frase.
Cretino!
— Como conseguia ser cretino o tempo todo?
— Sou Nicholas Walker, simples, querida. — Ele olhou ao seu redor
e completou os passos até o parapeito, escorei ao seu lado. — Bonito aqui.
— O que quer?
— Conversar...
Era impressão minha ou tínhamos alguém tranquilo e sereno?
Provavelmente medicado.
— Sobre o quê? — Olhei para ele que permaneceu conectado com a
paisagem à frente, por um instante explorei o rosto bonito com linhas
parecidas com as do irmão, porém, na sua versão eram traços bruscos
formando um rosto anguloso e sexy.
— Eu errei quando descontei em você o ódio pelo meu irmão, por
algum motivo me sinto outro quando estou com você, e...
— Júlia... — Raica apareceu na entrada, assim que reconheceu o
Nicholas fechou a cara e trocou um gesto nada simpático com ele. — O que
faz aqui, cara?
Ele riu e balançou a cabeça, ignorando a preta.
— Não é da sua conta, garota.
— Seu grosseiro. — Ela desviou para mim revoltada. — Júlia, seu
segurança está vasculhando a lanchonete à sua procura.
Dei um passo, dois...
— Amiga, preciso terminar uma coisa, pode me dar uma força com
o brutamonte? — Ela cruzou os braços e se recusou. — Por favor? — Fiz
biquinho, juntei as mãos em clemência, quase ajoelhei.
— Certo, não demore.
Raica mediu o bad boy da cabeça aos pés, deu meia volta e nos
deixou a sós.
— Essa garota é insuportável — ele rugiu.
— Ela é um doce, você que é insuportável.
Seus lábios esticaram e uma covinha nasceu entre sua barba rasa.
De alguma forma, despejar meus sentimentos por ele, se tornou uma
terapia.
— Então se arrependeu? — Apoiei um único braço no parapeito
para ficar de frente para ele, resgatando o fio da conversa. — Nunca
imaginei que seria capaz de algo tão nobre.
— Mas fui — falou sisudo.
— E agora?
— Meus planos era separar você do meu irmão e juro, não media as
consequências para isso, queria que ele me visse fodendo você, queria
esmagar com as próprias mãos o coração dele até sangrar...
Minha saliva desceu amarga ao constatar seus planos. Não respirava
tranquila sabendo os desejos de Nicholas em relação ao seu irmão, se Ricky
se ferisse eu me feria também, o amava demais para ouvir de alguém coisas
cruéis e não tocar o peito com um pesar. Só que por mais aborrecida que
estivesse, não iria mudar o clima daquela conversa.
— Por que você mudou de ideia? — Entrei no jogo.
Então ele virou e me encarou, a intensidade dos seus olhos
desorientava, um azul turbulento e atraente, uma viagem delirante.
— Tem algo que me trava toda vez que tento foder com sua vida
para atingir o Ricky, da primeira vez foi até fácil. Mas agora... não consigo,
e nem é por tesão ou algo sórdido. Só não consigo, entende?
— Não. — Fui sincera, não preparei uma versão minha que
soubesse dialogar com aquela versão inusitada de Nicholas Walker.
— Te acho gostosa pra caralho, que fique claro, não negaria caso
você quisesse...
Soquei seu ombro, porra, estava quase convencida da redenção do
diabo.
— Dá uma folga para sua versão cretina, ok?
— Certo. — Ele inspirou, tomou fôlego e eu fiz o mesmo. — Então
decidiu ter o bebê?
— Nunca pensei o contrário.
— Eu sei, você é legal.
— Não espera que eu retribua o elogio, não é?
— Não, se dissesse soaria como ofensa, estou longe de ser um cara
legal.
— Talvez esteja no caminho.
Crispou os lábios pensativo.
— Obrigado por avisar, melhor então seguir a direção oposta, não é
este tipo de caminho que pretendo seguir. — Ele se afastou, camuflou seus
olhos com os óculos escuros e deu um sorriso de canto: — A gente se vê,
Julinha.
— A gente se vê!
Acenou em continência e desapareceu.
Nicholas era uma incógnita, uma enorme incógnita engatilhada
para nós. Sabíamos suas dores e o que as motivava. Não entendo o exato
momento em que deixei de odiá-lo, evidente que a vontade de o esganar
não abandonou meus dedinhos, principalmente quando seus comentários
grosseiros feriam alguém que amava. Bem, aquele encontro seria uma
despedida ou um tempo que decidiu dar daquele círculo odioso? Difícil
saber, não houve uma resposta, sequer um adeus, porém, houve uma pausa
e talvez aquele tempo fosse o necessário para curar algumas dores.
— Ana, aceite por favor?
— Nem pensar, esqueçam, eu me viro. — Ela tomou os documentos
em mãos e os jogou na bancada, bateu o pé como uma verdadeira
malcriada.
— Mãe... — Júlia se aproximou cautelosa, uma vez que convencer
sua mãe em sanar as dívidas e recomeçar era o caminho mais viável. — O
Ricky quer ajudar, senão aceitarmos perdemos o nosso apartamento, eu não
vou permitir que isso aconteça e não posso formar uma quadrilha e roubar
um banco grávida.
Ela arqueou uma sobrancelha e se manteve em recusa.
— Hahaha, engraçadinha...
— Ana, agora somos família, como posso me casar com Júlia e
ignorar suas dificuldades? Sei que é orgulhosa, mas também sei que lutou
por esse salão, que não foi fácil conquistar aquele espaço, não sabe o quanto
a admiro por isso, então, por favor, não permita que tudo acabe, é uma fase
e passaremos por ela juntos.
Ela deixou os olhos caírem para os documentos e uma lágrima
despencou triste, manchando a folha branca. Entendo que para uma mulher
como a Ana, aceitar tal oferta soa de maneira ofensiva. Quem passou as
barbaridades com o desgraçado do Hélio e conseguiu se reerguer, e
construir um patrimônio, não aceitaria facilmente o que ela devia julgar de
esmola.
O que Ana não sabia era que mesmo se não aceitasse, não teria
volta, já havia quitado todas as dívidas, meus advogados liderados por
Valéria fecharam qualquer lacuna que ameaçasse uma falência drástica.
— Tudo bem — A voz saiu esmiuçada, a contragosto. — Eu vou te
devolver cada centavo assim que reerguer o salão. — Impôs suas condições.
— Não se preocupe com isso, o importante agora é seu bem-estar.
— Recolhi as folhas e as coloquei na pasta. — Tem só mais um detalhe,
incluí a senhora no plano de saúde da Júlia, sei que perdeu o seu depois de
tudo.
Ela balançou a cabeça e esboçou um sorriso.
— Obrigada, Ricky. — Pegou a pasta e caminhou até o corredor. —
Filha, vou tomar um banho e descansar, fiquem à vontade.
Fui até Júlia que assistia a tristeza da mãe escorada na bancada
acoplada à sala.
— Ela vai ficar bem — falei e puxei seu corpo para perto.
Ana era uma mulher guerreira, aquela fase ruim só alavancaria um
novo começo.
— Já está tudo pago, certo? Independente se ela aceitasse ou não?
Júlia fitou meus olhos que entregou tudo.
— Sim.
— Imaginei. — Ela se desvencilhou dos meus braços e sentou-se no
sofá.
— A situação precisava de urgência.
Minha garota jogou os lábios para o canto e deu dois tapas no
espaço vazio ao seu lado.
— Vem cá.
Sentei-me ali e a coloquei no meu colo.
— Não ficou chateada?
— Não, sei que teve as melhores das intenções.
Brinquei com a boca provocante, sugando sua língua molhada.
— Tive uma ideia hoje cedo — ela falou e seus olhos brilharam.
Fiquei entusiasmado. — Que tal a WUC fazer uma campanha sobre doação
de medula? Podemos quem sabe encontrar um doador para o Enzo e
também para milhares de outros que estão na fila, o que acha?
Era mais uma possibilidade entre os milhares que incessantemente
tirava meu sono, após a conversa com o doutor Almeida, procurei me
integrar em outros tipos de tratamentos paliativos e integrativos, além dos
avanços da medicina em casos similares ao dele, uma nova equipe liderada
pelo doutor Almeida, estavam desenvolvendo a próxima fase do tratamento
em andamento, medicamentos importados e quem sabe novas sessões de
quimioterapia, enfim, não desistiria nunca de alcançar a lua por ele.
— Eu acho ótimo, a WUC tem força para algo grande.
Ela suspirou contente e voltou a beijar meus lábios, apesar de
interromper o beijo rápido demais.
— Um pedido.
— Diga.
Ela fez sua carinha travessa e eu quase me esqueci que Júlia não
tinha limites.
— Deixa a Raica cuidar da campanha, seria um grande passo para a
carreira dela.
Raica era uma excelente profissional, apesar da pouca experiência.
— Certo, providencio isso agora... — Ergui e a peguei no colo. —
Precisamos ir, tenho que te mostrar algo.
Ela segurou meu maxilar e semicerrou os olhos, amava sempre que
despertava a curiosidade da minha garota.
— Essa tal coisinha que quer me mostrar, não vai me colocar num
helicóptero e me levar para o outro lado do país, certo?
— Quem sabe.
— Ricky... — resmungou e sacudiu o corpo a fim de que eu a
soltasse, mas era bem mais forte, então a prendi nos meus braços,
cumprindo os passos até a porta e então até o carro.
— Fique tranquila, não vamos voar — garanti.
Júlia rolou os olhos e se acomodou no assento.
— Vamos, John. — Dei o comando para meu segurança que ligou o
carro e nos introduziu no tráfego.
Júlia, conforme a paisagem passava, amansou sua curiosidade e
deitou-se nos meus ombros, seu cheirinho de morango plainando meus
sentidos, suavizando minha respiração, eu precisava daquele alívio, meu
coração batia forte e receoso, não sabia qual seria a reação da minha futura
esposa assim que chegássemos ao nosso destino.
— Que lugar é esse?
Observei os largos portões dourados se abrirem, um jardim extenso
encher minha visão e por fim, uma linda casa se mostrar diante de nós.
— Ricky...? — clamou por uma resposta, olhos brilhantes,
bochechas coradas, expressão que irradiava em expectativa.
— Nosso lar.
Logo John abriu sua porta e o que restou para Júlia foi receber a
brisa fresca de um dia nublado. Havia comprado aquela casa há alguns
anos, sendo bem sincero, não tinha pretensão alguma de morar nela,
comprei por impulso e admiração à arquitetura diferenciada, me apaixonei
assim que bati os olhos naqueles detalhes antigos com toques modernos,
nada muito extravagante, o que remetia a um aconchego familiar. Um
sentimento gostoso que embasou a minha infância — uma grande casa e
uma linda família. Inconsciente, desejei aquilo quando assinei o contrato e
comprei a casa.
Em anos, foram nulos os momentos em que meu tempo não era
cronometrado, cada passo, cada encontro, cada jantar era calculado para que
não houvesse uma perda dos minutos que podiam ser preciosos, eu me
tornei prático e automático. Só que ao avaliar aqueles últimos dias, ao
avaliar toda a bagagem que embalou cada minuto daqueles momentos, uma
sensação preciosa abraçava meu corpo. Júlia preenchia uma boa parte do
meu dia, o Enzo a outra, desejava consumir todos os minutos com aquele
garoto, sugar ao máximo do tempo precioso. Evitava pensar que o amanhã
talvez não existisse, evitava pensar…
Guiei minha mulher para dentro, um salão amplo com largas janelas
que marcava com seu quadriculado o assoalho, nos recebeu, havia muito a
ser feito, sem dúvidas, uma delicada reforma, no entanto, se Júlia
concordasse muitos detalhes eu manteria, a arquitetura do lugar era única e
belíssima.
— Perfeita — murmurou e limpou os olhos. — Quando você
comprou...?
— Há algum tempo. — Caminhei em direção as janelas e fui
abrindo-as, dando passagem para o ar do dia invadir cada canto — Me
apaixonei pela propriedade e comprei, sem pretensão de que um dia iria
morar, mas acho que o destino se antecipou, não é?
Júlia girou o corpo tomando o centro da sala.
— É enorme — ela fitou a escadaria — Lá em cima?
— São os quartos e alguns outros espaços, que... — Ela segurou
minha mão e me puxou escada acima, igual a uma garotinha sapeca prestes
a conhecer o quarto novo.
Visitamos cada cômodo, espaços que eu não me lembrava da
primeira vez em que estive ali, engraçado e até mesmo inusitado, as paredes
transmitiam uma energia capaz de mudar seu humor, algo bom de sentir,
sabe? Quem morou naquela casa foi muito feliz, em pensamento pedi a
mesma benção.
— Aqui vai ser quarto do Enzo e aqui… — Abri a porta ao lado. —
Pode ser o quarto do bebê. O que acha? — Júlia entrou primeiro. Escorei no
batente, não cansava de registrar suas reações. Júlia aprisionava meus olhos
com facilidade.
— Meu Deus, Ricky... — Ela parou diante da janela que emoldurava
o jardim, as mãos deslizando lentas até o centro da barriga, senti seus
ombros fecharem e seu olhar ao me chamar, tremeluziu. — Tem um
bebezinho bem aqui... não é mágico e assustador?
Caminhei e abracei suas costas, passei minhas mãos por cima das
suas, encaixando o rosto no seu ombro.
— Um pouco dos dois, mas, acima de tudo, um presente.
Ela suspirou morosa.
— Um presente que quase me enfartou, mas que agora não vejo a
hora de conhecer... aquilo por acaso é um balanço?
Procurei através dos vidros o que a Júlia se referia e sim, havia um
balanço simples de madeira sustentado por cordas antigas, pendurado numa
árvore enorme do lado de fora.
— Não lembro desse balanço.
— Amo balanços. — Novamente como uma garota travessa, ela me
arrastou do quarto e em poucos segundos corríamos pelo gramado à procura
do balanço. — Ali, Ricky, naquela árvore. — Indicou o caminho e correu
até lá.
— Júlia, pelo amor de Deus, o que comeu hoje? — disse quando a
alcancei.
— Pare de ser ranzinza e me balance, sr. Walker. — Sentou-se no
pedaço de madeira, deslocando os braços para trás para que ambas as mãos
segurassem a corda.
— É seguro? Parece bem antigo. — Puxei a corda, precisava
garantir a segurança da Júlia e do bebê.
— Claro que é... Pare de ser medroso!
Ela já se impulsionava para frente e para trás, recuando os pés na
descida e os esticando quando o balanço a elevava para o alto.
— Nem lembro a última vez em que estive num balanço, acho que
era bem pequenininha, mas recordo que minha mãe ficava horas comigo,
espalmando as minhas costas e me fazendo subir cada vez mais alto.
— Ana cuidou muito bem de você.
— Quero ser para o nosso bebê o tipo de mãe que ela foi para mim.
Dei um pouco mais de impulso, Júlia reclinou a cabeça sentindo o
vento tocar sua pele e bagunçar seus cabelos. Ela sorria, um sorrio largo e
angelical. Tão linda! Momentos como aqueles, abasteciam minha alma,
trazia um alívio gostoso, uma esperança de que o universo não trapacearia
mais e, que enfim, seriamos felizes.
— Ricky, seu filho da puta. — O monstro me puxou para um abraço
que quase quebrou todas as minhas costelas. — Saudade, seu puto de
merda. Quer dizer ex-puto de merda, estou abandonado — lamentou
dramático.
— Que isso, o Anthony ainda está na pista, cara — indiquei a
banqueta à frente. — Senta aí, uísque ou cerveja?
Garbo ergueu os braços em rendição.
— Cerveja, Brasil é quente pra caralho, irmão. Preciso refrescar.
— Duas cervejas — pedi para o bartender que prontamente pousou
duas garrafas geladas no balcão. — Chegou quando de viagem?
— Dois dias, mas tinha tantas pendências nessa terra abençoada que
não houve tempo para te procurar antes. — Ele ergueu sua garrafa
sugerindo um brinde, retribui. — Foda-se, o que importa é que meu melhor
amigo vai se casar e está grávido, um brinde a isso, porra. — Brindamos. —
Meu irmão Ricky Walker foi laçado, mas eu tô na pista! — o canalha gritou
girando muitos pescoços femininos em nossa direção.
— Loucura isso tudo...
— Loucura não, suicídio — sacaneou. — Brincadeira, estou muito
feliz, cara, eu saquei assim que vi a Julia, que ela era especial.
— Eu saquei que estava fodido assim que a vi pela primeira vez. —
Rimos e bebemos, de fato, São Paulo exagerou na temperatura daquela
tarde. — Minha garota roubou meu coração.
O puto fez uma careta, gargalhei.
— Porra, apaixonado eu até admito, mas meloso? Aí não, pô, vou
ser obrigado a te tirar do grupo do WhatsApp.
— Nem temos grupo, cala a boca! — pedi mais duas para ao
bartender.
— Vou fazer um para organizar a despedida de solteiro do ano.
— Al’Cub? — sugeri e peguei a garrafa cheia. — Nem pensar,
velhos tempos e perdição, divirta-se por mim.
Athos arregalou os olhos chocado.
— Caralho! Que não existam mais Júlias pelo mundo, que feitiço,
irmão. — Tomou um gole da cerveja inconformado.
Al’Cub era a luxúria na terra, e eu um novo homem.
— Tô fora, sabemos muito bem a dinâmica da casa.
— Eu amo essa dinâmica. — Ele colocou sua garrafinha no balcão e
me mirou sério. — Certo, quando vocês se casam?
— Não marcamos ainda.
— O sexo do bebê, já sabem?
— Ainda não.
— Espero que não seja menina. — Fiquei sem entender a expressão
negativa. — Se for menina, fodeu! — Completei o gole da bebida e
perguntei o porquê: — Irmão, ser pai de menina é viver com a arma
engatilhada, tormento, calvície, insônia. Lamento muito, teremos um
executivo falido quando essa menina completar quinze anos.
Dei dois tapas no balcão de tanto rir.
— Não exagera.
— Não estou exagerando, imagine só você criar uma princesinha e
vim um gavião e pá... — Ele bateu as mãos no pá e eu engasguei com a
cerveja. Puta que pariu! Perdi o ar e todo a sangue subiu para minha cabeça.
Que porra! — É irmão, entende o drama agora o, pá.
Não só entendia como fiquei emputecido só de imaginar.
— Amigo, uma dose de uísque — eu precisava de algo mais forte.
— Duas. — Garbo me acompanhou. — O garoto, a última vez que
nos falamos você disse que o exame tinha dado positivo, papai Ricky na
ativa, mas que infelizmente não era compatível para o transplante, isso a
dias atrás. E agora, como andam as coisas?
Esperei o bartender nos servir as doses.
— Apesar dos altos e baixos Enzo está bem, o tratamento até está
sendo eficaz, mas não mata o maldito câncer. Estamos à espera de um
milagre, ou melhor, um doador, tudo que estava ao meu alcance eu fiz.
— Que barra.
Meneei a bebida âmbar, tocar naquele assunto e tudo que envolvia o
tratamento tirava minha paz.
— Eduarda?
— Mantemos um relacionamento afastado, na verdade, nesses
últimos meses providenciei um apartamento decente para os dois e registrei
o garoto, só nos vemos quando Enzo está no hospital ou quando ele dorme
no meu apartamento com sua enfermeira que contratei por conta do seu
estado delicado e oscilante, fora isso não há papo. Você sabe que no fundo...
ainda...
— Isso tem que parar.
Virei meu copo de uma só vez, o amargo do passado se misturando
com o amargo da bebida.
Garbo continuou:
— E o Nicholas, sumiu?
— Acho que foi cuidar da vida dele e esqueceu a minha por ora.
— Ricky, não é bem assim...
— E como é? — Descartei o copo para o que o bartender o
preenchesse novamente. — Eu sei que fiz merda, que fodi com tudo, só que
Nicholas perdeu sua defesa quando colocou a Júlia como moeda de troca.
Garbo virou seu copo e espremeu o rosto sentindo a bebida descer
pela garganta.
— O que fode é não termos controle de nada nessa porra de vida. —
Os olhos do meu amigo escureceram, nublaram e vi nome de Gaia
transpassar nas íris verdes. — Estou cansado — lamuriou soltando os
ombros derrotados —, mas não vencido, a guerra continua.
— A guerra continua. — Acenei para o garçom. — Mais uma dose,
amigo.
Encontrar o Garbo era como repor as energias, ele compreendia um
lado meu que eu sequer aceitava e eu abraçava as suas dores de guerra, uma
colisão perfeita e ao avesso.
Permanecemos na companhia um do outro em torno de três horas,
despachamos tudo em momentos de risos e reflexões, depois o vigarista
iniciou sua noite no Al’Cub e eu me dirigi para o meu apartamento. Valéria
encheu minha mesa de documentos que pretendia revisar, antes de destinar
cada segundo do meu final de noite ao amor da minha vida — ri —,
impossível não concordar com Athos, me tornei um meloso do caralho.
O álcool me relaxou um pouco, até demais. Optei antes de
mergulhar nos contratos tomar um banho. Maria serviu um café e aquelas
folhas cheias de informações consumiram meu tempo até um toque na porta
travar a próxima assinatura.
— Entre — autorizei e completei o traço com a caneta.
— Desculpe, Ricky, atrapalho? — Eduarda colocou o rosto para
dentro, seus cabelos caíram em camadas conforme ela curvava a cabeça
para entrar.
— Estou com algumas urgências, o que houve? Enzo? — Eu já
estava de pé.
— Não, calma! Tem um minuto?
Fiz que sim.
— Talvez quinze, entre.
— Dona Ana, ficou um espetáculo, que lugar lindo! — Raica disse
enquanto admirava o novo salão de mamãe. — Vou fazer as unhas...
— Claro, querida! Júlia, leve Raica até a Marli.
— Eu trabalho e a senhora fica de graça com o médico assanhado?
— protestei e enruguei a testa. Caramba, acreditem, dona encrenca se
tornou uma velha safada.
— Garota..., não me faça passar vergonha — avisou com seu ar de
quem ia me matar assim que tivesse oportunidade.
— Certo..., velha assanhada — provoquei e puxei minha amiga que
ria em diversão.
Nos últimos dias me empenhei em transformar ao lado da mamãe e
Marcos — que aliás, ficou de boa comigo e deixou de me odiar —, um
salão praticamente vazio em outro com vida e rendimento, óbvio que foram
feitas algumas mudanças significativas, tais quais, a troca de endereço, as
locações do Shopping Iguatemi eram extremamente inviáveis para as
condições atuais, então alugamos um novo local mais acessível e
modificamos a placa (novo nome), algumas clientes inteligentes se
mantiveram fiéis e outras deram sua graça, as coisas estavam andando e
minha rainha voltou a sorrir.
— Pare de pegar no pé da sua mãe, coitada, ela precisa transar, faz
bem para o coração — a infeliz cochichou e quase morreu por conta do
comentário sem cabimento.
Onde já se viu, minha mãe namorando?
— Nem pensar, dona Ana tem que aquietar o facho. — Indiquei a
manicure. — Marli, pé e mão e se ela não parar de falar, vários bifes.
Raica gargalhou e posicionou as mãos para que a moça iniciasse o
trabalho.
— Só você pode transar? — Voltou a me irritar.
— Raica, por acaso quer que eu imagine minha mãe trepando com
aquele velho?
Ela desviou para o doutor Alberto e fez uma careta.
— Não precisa imaginar, até porque deve ser enrugado.
Segurei o riso e encarei o casal trocando algumas carícias.
— Muito enrugado.
Gargalhamos.
— Ai...
— Desculpe senhorita, mas você não fica quieta — Marli reclamou.
Raica zipou os lábios com a mão livre, porém, não se calou.
— Sua mãe está feliz, aceita isso. — Voltamos a observar o casal. —
Olha sua vida, girl, olha essa barriga crescendo, sua casa em reforma, em
breve vocês marcam a data de casamento. Sua mãe precisa de alguém,
senão você fica presa aqui no Brasil.
Meu dever era recuperar tudo para mamãe, deixá-la confortável e
feliz. Ela merecia tal proeza. Só que... merda, não conseguia aceitá-la com
outro homem, não sei, o medo de que um desgraçado qualquer a quebrasse
era forte demais no meu subconsciente.
— Não sei...
— Jú, você não tem o controle de tudo.
A filha da mãe tinha razão, como podia controlar o mundo, tolice, o
universo sempre me dava uma rasteira.
— Sim, não posso, mas queria.
Escorei na bancada e pesei a cabeça na nuca.
Ia passar, eu sei que sim..., porém, meus exames encontrou uma
anemia e repouso era o único caminho, apesar de todas as restrições, de
todos em cima de mim azucrinando meu juízo, enlouqueceria se não me
ocupasse com algo, o salão de mamãe tornou-se minha meta de vida.
Além de o convívio com o Enzo ser o motivo de muitos sorrisos,
tardes alegres, noites tranquilas, ele era um garotinho encantador,
envolvente, ganhava qualquer um com sua lábia, nisso puxou o DNA do
pai. Ricky surpreendia com sua entrega e o pequeno era apaixonado e
devoto a ele, embora não houvesse essa formalidade na relação dos dois.
Enzo nunca o chamou de pai, sempre de Ricky. Ricky nunca o chamou de
filho, sempre de garoto ou pequeno gênio, o que não anulava os olhos
brilhantes de um para o outro.
Meses antes, quando entrei em contato com a UCT para negociar
minha ausência, descobri que todo o meu curso fora quitado, bem, essa foi
uma discussão que durou dias, Ricky não podia tomar as rédeas da minha
vida, tomar decisões que cabiam somente a mim sem ao menos me
comunicar.
Afastei todos os pensamentos e sorri para minha amiga.
— Você está certa.
Ela deu de ombros.
— Sempre estou, garota.
Mostrei a língua para ela e fechei um abraço no corpo esbelto, antes
de me afastar.
— Preciso ir... estou bem exausta hoje. Tudo bem Marli cuidar de
você?
— Claro, descanse, Jú.
Soprei um beijinho e fui até o casal.
Shssssssss, soltei uma lufada de ar e comecei a recitar em
pensamento meu novo mantra:
Deixa fluir... Deixa fluir...
— Julinha, já vai? — Não lembro em qual momento lhe dei tanta
intimidade, mas era assim que o doutor Love me chamava, afê! — Que
pena, meus planos era levá-las para jantar.
— Desculpe ter que atrapalhar seus planos, não iam se cumprir...
— Júlia.... — mamãe repreendeu furiosa, cravou os olhos de quem
ia me enforcar caso eu não pegasse leve.
— Certo — cedi. — Nada demais, é que já marquei com Ricky.
— Que pena, deixamos para outro dia, então?
— Talvez no ano que vem. — Ri para dar um tom brincalhão, só
que era sério.
— Tá bem — ele devolveu o riso e abraçou minha mãe. — Então
será somente Ana e eu...
Dona encrenca se derreteu e piscou para mim.
Tá legal, se ela queria transar com o pau murcho tudo bem, o que
poderia fazer a não ser lhe desejar ótimos orgasmos...
— Aproveitem a noite... — Beijei a testa de mamãe e abracei aquele
que sim, seria meu futuro padrasto. — Vou descansar...
— Vai, filhinha, te achei meia abatida hoje. — Mamãe colocou,
preocupada.
— Estou bem, fica tranquila.
Despedi-me novamente e passei pelo meu segurança, o homem de
postura perfeita e óculos escuros seguiu meus passos por todo o caminho
até que eu entrasse no meu carro e o cidadão ocupasse o banco do
passageiro.
— Confortável, Paulo? — perguntei sarcástica.
— Sim, srta. Júlia.
— Certo, bora lá.
Manobrei no pequeno estacionamento seguindo para a avenida, não
sei se era o calor exagerado do dia, ou se minha pressão baixou, só sei que
sentia meu corpo estranho e pedindo cama. Parei no farol e abri uma garrafa
de água para refrescar a garganta.
— Srta. Júlia, prefere que eu dirija?
O homem me olhou cauteloso, como se lesse minha mente.
— Sim, faria esse favor?
— Claro!
Ele desceu contornando a parte da frente do carro e eu fiz um
esforço surreal para trocar de lugar no espaço.
— Ufa, consegui. — Ajeitei-me no assento, ele entrou, algumas
buzinas já soavam atrás de nós, irritadas com o congestionamento
momentâneo. — Calma, estamos indo! Ô povo estressado! — gritei na
janela. Travamos o cinto e seguimos para o apartamento de Ricky.
Em torno de quinze minutos meu carro estacionou na entrada do
prédio, devíamos ter descido pelo estacionamento subterrâneo, porém, por
algum motivo havia alguns homens com capacete e coletes fluorescente em
frente ao portão da garagem.
— O que houve, alguma obra? — perguntei para Paulo.
— Provavelmente senhorita.
Dei de ombros e encorajei um passo e outro ao portão principal,
teria o aberto, teria entrado se uma buzina não tivesse atraído meus olhos
como um raio.
— Oi, Julinha! — Nicholas gritou e não era o bastante, ele
estacionou seu porsche prata à frente do meu carro, desceu e abriu os
braços se rendendo ao meu segurança que obviamente evitou uma
aproximação. — Cara, não toque em mim, talvez fique sem nariz, sou faixa
preta em quebrar a cara de babacas como você.
Desci o degrau e fui até eles.
— Eu falo com ele.
— Senhorita...
— Eu disse que vou falar com ele. E você não vai enviar nenhuma
mensagem para seu chefe, se fizer eu demito você.
Nicholas ergueu uma sobrancelha e mordeu os nós dos dedos.
— Melhor obedecer, grandão — avisou para Paulo que não esboçou
um pingo de contentamento. — Olha ela, dona da porra toda e a barriga tá
crescendo. É gêmeos? — sacaneou, depois para me irritar mediu com os
dedos os quatro ângulos da minha barrida.
— Não lembro de te dar tanta intimidade. — Cruzei os braços acima
da barriga e o encarei com desdém.
— Poxa, achei que éramos amigos — falou dramático.
— Não somos amigos. — Pisquei para ele. — Talvez inimigos que
se suportam seja o termo correto.
— Não costumo ter mulheres como inimigas, geralmente fodo tanto
com a cabeça delas e com o corpo, a ponto de desnortear seus sentimentos,
mas sei que não é ódio, não com o tipo de sensações que costumo
proporcionar.
— O cretino de sempre.
— A gata de sempre.
Nicholas curvou os lábios e levantou os ombros quando encaixou as
mãos nos bolsos frontais do jeans rasgado.
— O que faz nas redondezas? — Quis entender aquele encontro
devido ao nosso último contato no Chill. — Vai morar por aqui?
— Seria meio absurdo, não?
— Sim, seria.
— Tenho negócios em um prédio comercial nessa avenida —
explicou —, não contive, precisava cumprimentar você. Aliás, sei o quanto
esmago o coração do meu irmão toda vez que me aproximo da noiva dele.
— Então é melhor não se aproximar mais, não suporto saber que o
coração do meu amor sofre com isso. — Recuei dois passos. — Se cuida,
inimigo suportável.
Ele jogou a cabeça para o lado num movimento charmoso.
— Se cuida, barriguda.
Apertei os lábios e acenei um tchau.
Quando pisei no meu andar senti uma sensação ruim correr minha
espinha, parei um pouco para entender aquilo, dispensando em seguida
aquele pensamento, o calor do dia realmente não me fazia bem.
— Srta. Júlia, tudo bem? — Paulo perguntou tentando de alguma
forma me ajudar.
— Sim, só estou com muito calor hoje.
Assim que girei a maçaneta e abri a porta um belo garotinho me
recebeu de braços abertos, achei estranho, não tinha ciência de sua visita
naquele dia.
— Paulo, pode descansar, não saio mais hoje. — Ele assentiu e
seguiu para a copa, mirei os olhinhos castanhos que brilharam na altura da
minha cintura. — E você, tudo bem?
— Tudo sim, estou esperando minha mãe e o Ricky conversarem.
— Eduarda está aqui? — Júlia, ACREDITA que Maria preparou um bolo
de chocolate para mim?
— Chocolate meio amargo, conforme o médico receitou... — A
senhora citada apareceu com uma fatia de bolo na bandeja. — Sente aqui,
travesso.
— Minha nossaaaaaaa... que delícia. — Enzo correu para a mesa de
centro onde Maria organizava a bandeja. — Júlia, vem comer comigo! —
pediu empolgado.
— Vou tomar um banho primeiro.
— Tudo bem, Júlia? — Maria enrugou a testa. — Parece pálida.
Toquei meu rosto que queimava um pouco.
— O calor, mas vou me refrescar, o ar-condicionado já está
aliviando minha pele.
— Ricky está no escritório com Eduarda, quer que avise a ele que
chegou? — Ela fez menção de ir, no entanto, travei seu passo.
— Não.
— Tudo bem, se precisar estou na copa. — E assim ela sumiu entre
os corredores.
— Já volto, Enzo.
O garotinho assentiu com as bordas da boca sujas de chocolate,
totalmente entretido com seu bolo, segui rumo a escadaria e subi um, ou
dois degraus, mas... Puta que pariu, a direção oposta, a do escritório, moveu
meus pés como imãs, não compreendia o sentido de ir, de modo que isso já
havia acontecido outras vezes. Eduarda e Ricky estiveram sozinhos dentro
daquele escritório acertando detalhes do registro, detalhes da compra do
apartamento, detalhes importantes. O que tinha de mais? Não sei, só fui.
Aproximei-me da porta e estendi a mão para tocar a maçaneta...
Quê? Paralisei, quando as vozes vazaram pela madeira:
— ...era apaixonado por você?
— Sei que sim e você sabe. Se fosse para escolher, se tivesse a
oportunidade de escolha, eu escolheria você.
Meu ar falhou ao não ouvir um ruído depois, um sopro da voz... ao
mesmo tempo, lembrei-me da promessa, Ricky jurou ajoelhado aos meus
pés que não me quebraria mais com suas mentiras. Jurou..., um pouco antes
de eu questionar seu coração, ali obtive de seus lábios uma resposta
diferente da que ouvi naquele momento.
Meu peito latejou e respirar doía muito.
Não, ele não quebraria aquela promessa, não o homem que jurou
nunca mais mentir. Não! Não! Não! Não o homem que me pediu em
casamento e prometeu cuidar de mim e do nosso bebê. Ricky não cometeria
aquele delito, não sabendo o quanto me trairia ao dar as costas à sua
promessa. Não! Devia entrar e comprovar que… estava errada?
...era apaixonado por você?
Ele quebrou a promessa?
Percorri o caminho de volta o mais rápido que minhas pernas
suportaram, impedindo que o choro explodisse, impedindo que minhas
emoções destruíssem minha estrutura. Passei pela sala e Enzo ergueu-se
rápido, acenei para ele e bati a porta antes de deixar o apartamento. Apertei
tanto o botão do elevador que quase o afundei, quando o infeliz parou no
andar, me joguei dentro da caixa como se fosse um abismo.
Doía tanto o fato de mais uma vez Ricky me esconder algo e
finalmente entender o fio encardido de tudo, entender as razões do
Nicholas, entender a porra toda daquela história de merda.
Ele se apaixonou por ela... e se...? Ele mentiu de novo?
Desci no térreo, avistei através dos vidros que cercavam o edifício
meu carro ainda estacionado em frente, espantei-me quando notei o do
Nicholas prestes a sair, esperei um tempo, o suficiente para que seu carro
sumisse. Ele era a última pessoa que desejava me ver naquele estado. Corri
para fora, e... não podia ser...
Soquei a porta e escorei as costas logo em seguida, droga, as chaves
ficaram com Paulo, ele veio dirigindo.
— Que porra! — Cobri o rosto, não ia chorar, não... não podia
chorar. — Ai... Jesus... que isso...
Uma dor muito forte no pé da barriga me fez arfar, espremi os olhos
com força e uma contração elevou minha coluna.
— Meu Deus, meu bebê... Ai...
Busquei ao redor algo que pudesse me apoiar, logo um táxi do outro
lado da rua era a melhor opção, precisava pensar... descansar... sumir...
Desorientada, abandonei o escoro do meu carro e avancei rumo ao
táxi, pedindo internamente que estivesse vazio, meu desejo de desaparecer
domou minhas ações, domou meu coração magoado. Pisei sem estabilidade
no asfalto num salto erradio e veloz, abraçada ao próprio corpo, a voz de
Ricky me martirizando, aprisionando meu racional.
Ele mentiu pra mim?
...era apaixonado por você?
Repetia e repetia tantas vezes.
Cruzei a avenida sem olhar para os lados, o táxi era o meu alvo,
num ímpeto, num fio impiedoso do destino, um som seco bateu, deslocando
meu rosto para o lado. O choque do aviso de que não dava mais tempo, de
que tudo acabava ali, paralisou meu corpo, enquanto o veículo riscou a rua
na derrapagem, na tentativa inútil de não me acertar, de brecar e não me
fazer voar, só que era tarde demais...
— Meu Deus, Júlia...! Chamem uma ambulância, meu Deus! Sua
maluca, por que atravessou a rua assim? CHAMEM UMA
AMBULÂNCIA, PORRA! JÚLIA, OLHA PRA MIM! OLHA PRA
MIM...
— Estou ocupado hoje, desculpe... só um instante... — falei assim
que sua silhueta ocupou a cadeira à frente. Eduarda se mostrava relaxada e
seu sorriso crescia a cada contrato que me via empilhar. — Pronto,
aconteceu alguma coisa?
— Vim agradecer.
— O que exatamente? — perguntei, mesmo sabendo do que se
tratava: a universidade.
— Ah, você sabe. — Ela bateu palminha, irradiando sua felicidade.
— Vou voltar a estudar? É verdade?
Dias antes havia feito um pedido pessoal à diretoria da WIS, sei o
quanto agi na crueldade na época, Eduarda ganhou sua bolsa de estudos de
forma honesta, por merecimento e esforço, eu, sem pensar parti seu futuro
ao meio, era hora de corrigir aquele erro.
— Pelo visto Valéria te ligou. — Dei um meio sorriso.
— Sim. — Ela cobriu o rosto com as mãos, emocionada. —
Obrigada, Ricky, é muito importante para mim esse recomeço.
— Eu sei que sim, inicie quando achar confortável.
— Se Enzo continuar progredindo, talvez no próximo semestre
possa pensar em volta para a universidade. Isso não é incrível?
— Sim, é, sabe que pode contar comigo.
— Eu sei. Obrigada!
Com um aceno de mão, dei a entender que precisava retomar aos
meus contratos.
— Certo, vou indo, sei que está ocupado.
— Um pouco. Enzo, onde está?
— Na sala.
Fiz menção de acompanhá-la, lógico que daria um beijo no meu
garoto.
— Ricky... — Eduarda alisou as mãos sobre o jeans, ainda havia
algo a ser dito. — Posso te fazer uma pergunta?
— Claro!
Ela pareceu engolir em seco o que ia dizer.
— Eduarda... algum problema?
— Não, na verdade, preciso saber...
Cerrei os olhos, perdendo a paciência.
— Saber o quê?
— Era amor ou só tesão entre nós três?
Parte de mim quis mandá-la à merda, qual o intuito de desenterrar
aquele passado? A outra parte sentia a necessidade de esclarecer tal dúvida.
— Por que isso agora?
— Era tudo tão intenso, que...
Cortei a balela.
— Quer saber se eu... — ergui o corpo, apoiei os punhos sobre a
mesa e olhei bem no fundo dos seus olhos — era apaixonado por você?
— Sei que sim e você sabe. Se fosse para escolher, se tivesse a
oportunidade de escolha, eu escolheria você.
— Teria escolhido errado.
Ela tremeluziu os olhos se esforçando em manter o contato que lhe
oferecia. O relacionamento que tentava construir com Eduarda era de
respeito, ela não era mais um tormento a qual eu repudiava, ela era a mãe
do meu filho, e isso por si só já tinha um peso, ao passo que o passado, a
forma como a enxergava na minha vida anos atrás, estava se tornando
outras formas. Então, por que tocar num ponto que feriu o tempo, num
ponto que tentava enterrar para que pudéssemos reconstruir uma relação?
Não ia permitir uma regressão, não depois de tudo.
— Nicholas era apaixonado por você, não se ofenda, você sempre
foi e ainda é uma mulher muito bonita e atraente. Só que eu, Eduarda, antes
de conhecer a Júlia, eu era apaixonado pelo lance lascivo, pelo sexo, pela
luxúria, e nós três tínhamos essa pegada suja, essa atração desenfreada, não
era amor, não para mim.
Peguei a percepção de que Eduarda rasgou em mil pedaços os
motivos tolos de iniciar aquela conversa, dado a sua expressão
desorientada. Um espaço de tempo silencioso castigou os quatro cantos, até
que gritos agudos chegassem e invadisse meu escritório.
— É a voz do Enzo?
— Sim.
Nem sei como me desloquei até a sala e não morri no meio do
caminho com seus gritos apavorados. O tom escarlate gritou em seu rosto,
apesar das manchas de chocolate do bolo que comia ser visíveis, o sangue...
muito sangue que escorria do seu nariz se destacava e o amedrontava.
Meu corpo gelou.
— Fica calmo, filho! — Eduarda tentou estancar o sangue com o
guardanapo que lhe entreguei. — Vou limpar você, meu amor.
— Cadê a enfermeira dele? — perguntei, já discando para o doutor
Almeida.
— Dei folga para ela essa tarde.
— Inferno, Eduarda! — Amaldiçoei ela e o aparelho que só
chamava. Porra, atende doutor! — Enzo, quando começou esse sangue?
— Assim que a Júlia saiu — explicou baixinho.
Cruzei com o olhar de Eduarda antes de descartar o celular na mesa
de centro e dobrar os joelhos diante de Enzo.
— Júlia esteve aqui?
— Sim... — O pequeno corpo enfraqueceu, seus olhos caíram para o
lado lânguidos, senti meu peito doer. — Não me sinto bem, Ricky... — Um
último fôlego e Enzo desfaleceu nos meus braços.
— ENZO... — Eduarda gritou desesperada. — O que aconteceu,
Ricky?
— Não sei. Enzo... Enzo... — Peguei-o no colo, meus pés mal
conseguiam encontrar o caminho da porta. — Vá à procura de John, estou
indo para o carro...
A ideia de perdê-lo descontrolou minha respiração, descontrolou
tudo dentro de mim, não ter controle, algo que preso e mantenho, não ter
controle da porra da vida fode comigo. Uma lentidão se apossou do relógio,
o elevador, as pessoas, cada fiapo mínimo atrapalhava a minha chegada ao
carro, ouvia no percurso vozes e passos seguindo os meus, o bip soou
destravando o automóvel e John, Eduarda e..., Paulo?! Começaram a
agilizar nossa saída.
— Paulo, devia estar com a Júlia, o que houve? — Quis entender
mesmo sem condição hábil para isso, o que o desgraçado que pagava para
proteger a minha mulher fazia ali?
— A senhorita Júlia disse que não sairia mais... — Mal consegui lhe
destinar um segundo olhar.
— Se ela não sairia, por que não está no apartamento, porra?
O fiz engolir em seco sua tentativa imbecil de explicar.
Eduarda se posicionou no banco traseiro, depositei o pequeno gênio
em seu colo, enquanto John e eu ocupávamos os bancos da frente.
— Paulo, nos siga... — ordenei e bati nos bolsos da calça à procura
do meu celular, o carro em movimento. — Que diabos, esqueci meu celular
sobre a mesa!
— Use o meu, senhor. — John sacou o aparelho e me entregou,
agradeci sem o controle parcial das emoções por assistir pelo retrovisor
Eduarda clamar em lágrimas ao céu pela vida do filho.
Meu coração clamava o mesmo.
Meu menino.
Meu filho.
Disquei o número, o segundo ponto que desorientava meus sentidos
e, nada, nada e mais nada de ela atender.
Que inferno!
Atende essa porra de celular, Júlia!
— Por que está indo para saída dos fundos, Jonh?
— Senhor a saída principal está interditada, alguma obra ou algo do
tipo.
— Inferno, por aqui o caminho é mais longo. — Voltei a discar,
dessa vez para o doutor Almeida. — Mais rápido, John — exigi com os
meus medos arranhando minha garganta, meu olhar alternado entre o
trânsito e o estado preocupante do pequeno gênio no banco de trás, minha
mente produzindo muita merda com a saída sem explicação de Júlia do
apartamento, um colapso fodido.
— Senhor, se acelerar mais causo um acidente.
— Sim, tem razão.
Fixei no estado do garoto pelo retrovisor central, ele permanecia
desmaiado e sua respiração forçava o peito ao sair.
— Eduarda, ele vai ficar bem.
Não era uma garantia, era um pedido aos céus.
Temia aquele momento, temia ao momento em que Enzo não
aguentaria mais tantas recaídas. Temia como um miserável inválido, meu
sangue não podia salvá-lo, eu era incapaz de salvá-lo...
O carro mal parou e saltei para fora, meus gritos atraíram dois
enfermeiros e uma maca, em poucos segundos meu garoto estava
percorrendo o corredor da emergência, um caminho a qual não fomos
autorizados a seguir junto com ele. Toquei a porta tentando me infiltrar ali,
Eduarda implorou que o acompanhasse em um desespero doloroso. Ainda
em posse do celular de John, voltei a ligar para o doutor Almeida, graças
ele atendeu. Expliquei o ocorrido, clamei que viesse cuidar do meu garoto,
não segurei as emoções, não segurei mais nada.
O tempo se arrastou penoso.
Excruciante.
Agoniante.
Sem saber onde me apoiar, pesei o corpo sob a parede, onde ela
estava? Como precisava do meu amor ao meu lado.
Incessantemente, sem pausas, continuava insistindo, um toque, dois
e três, mil toques e nada acontecia, ela não atendia. A porta da emergência
se abriu — uma notícia, uma esperança de que estaria tudo bem, de que foi
somente um mal-estar, como todos os outros, porém o alívio não era nosso,
não eram notícias dele.
Para não lançar o aparelho na parede e gerar um desconforto com
John, ordenei que Marcos checasse o paradeiro da Júlia e só retornasse ao
hospital com notícias dela. Sentei-me um minuto, escorei os cotovelos no
joelho e pesei a cabeça na direção do peito, ali, ao meu lado, gotas tristes de
uma mãe ferida folheava o assoalho com transparência, sua lamúria
transitava penetrante pela sala de espera, doía ouvir e não poder fazer nada,
a não ser... abraçá-la.
— Ricky, promete pra mim que ele vai voltar...
Espremi meus olhos e cobri seu corpo, frágil, trêmulo, esgotado de
tanto sofrimento.
— Ele vai voltar... — sussurrei por sobre seus cabelos dourados. —
Ele vai voltar...
Precisava acreditar naquela certeza.
Precisava acreditar que meu filho teria uma chance de ser criança.
Precisa acreditar que ele teria uma chance, uma mínima chance que
fosse...
Apertei um pouco mais o corpo de Eduarda, passando a ela toda
minha energia, e no segundo seguinte duas coisas aconteceram, não me
dando chance de recuperação. A primeira: o celular tocou, logo que peguei
o aparelho identifiquei o nome da Júlia, em seguida a porta se abriu
revelando um médico abalado à nossa procura.
Levantei-me e atendi:
— Júlia..., meu amor... — A voz saiu esmiuçada, no desejo
sufocante de ouvir sua voz.
— Ricky...
— Nicholas?
Doutor Almeida se aproximando... um peso nos pés que não
agilizavam sua chegada.
— Meu Deus, como está o meu filho? — Eduarda correu em
abordar o médico que movia a cabeça de um lado para o outro apoiando
uma das mãos na nuca. — Enzo tá bem? Diga, doutor! Meu filho...
O velho médico parou diante de nós e mirou meus olhos,
precisamente meus olhos, não o da mãe em desespero, e sim os meus.
— Ricky, aconteceu um acidente... — Ele despejou num tom
fúnebre, nebuloso, rigoroso demais ao mesmo tempo que a outra voz
sentenciou meticulosa no meu ouvido.
— Ricky, aconteceu um acidente com a Júlia...
Soltei o celular sem forças para mantê-lo, por um segundo tudo
escureceu, titubeei as pernas não sustentando o próprio peso. Sentia a
cabeça espremer, como se alguém a apertasse tentando esmagar meu
cérebro, o ar raspava minha laringe como fel e nada coerente passou por
aqueles segundos.
Ricky, aconteceu um acidente...
Ricky, aconteceu um acidente com a Júlia...
UM ACIDENTE.

De longe, a alguns passos, com todos os músculos do meu corpo


tensionado, observei seu porte, Nicholas trajava uma estrutura destruída,
rosto caído sustentado pelas suas mãos fechadas na nuca e cotovelos
beirando os joelhos, botas inquietas batendo no assoalho, uma versão
perturbadora de se ver.
Doutor Almeida não era conhecedor das causas do acidente,
Nicholas sim. Sua voz estremeceu ao me dar a notícia. Então, torcia do
fundo do meu coração que meu irmão reunisse os mais coerentes motivos
para me explicar e evitar sua morte.
Pedi para que John permanecesse na entrada, meu coração sangrava,
meus olhos mal conseguiam guiar meu corpo, apesar disso fui sozinho até
ele.
— Nicholas, fale pelo amor de Deus, fale! — Digamos que não era
um clamor era uma sentença mortal, dolorosa, agonizante.
— Foi um acidente... eu juro, um maldito acidente… Ela está bem?
Diga que ela está bem! — murmurou pedindo sem me encarar, como se
repetisse para si.
— Responde à minha pergunta! — Minha respiração vazava
depressa.
Ele subiu à minha altura, olhos aterrorizados num nublado
sangrento, confrontei de perto a tonalidade perturbada.
— ELA ESTÁ BEM, PORRA? — gritou com desespero, com dor.
Ou só encenando para que eu tivesse misericórdia.
Meneei a cabeça de um lado para o outro, estralando o pescoço,
aspirando sua angústia que não me convencia de nada, não com a faca que
tinha cravada no peito.
— Que. Porra. Fazia. Com. A. Júlia? — Dei o curto passo que
faltava e segurei em mãos seu pânico. — FALA PORRA!
— Eu manobrei para ir embora... — Ele massacrou os cabelos com
os dedos, enquanto seu corpo inquieto apresentava seu pavor. — Tive
negócios no prédio ao lado do seu…, ela apareceu do nada, eu tentei frear,
eu tentei..., juro que tentei...
Ele o quê?
Tentou frear...
O impulso de esmagar sua existência dominou meus músculos, cada
um deles, tranquei seu pescoço com uma mão, sem lhe dar chances de
sobrevivência. Desgraçado! Deus, não soltaria sua garganta até que sentisse
seu último suspiro.
Cego.
Descontrolado.
Apertei sua goela, ele era forte o suficiente para fazer o mesmo, para
tentar ao menos se defender, sobreviver, o que não aconteceria. Fui claro ao
exigir seu afastamento, não teria misericórdia se algo acontecesse com meu
amor, não teria piedade ou mediria as consequências. Júlia era meu ar, sem
ela meu coração era um órgão inútil.
— Seu ódio por mim chegou a esse ponto, seu desgraçado? Que tipo
de pessoa você se transformou, seu merda? Pensa que eu vou acreditar em
qualquer balela que diga? Não… não mais, a Júlia sofreu um acidente e eu
sei que você foi o responsável.
— Foi um acidente… eu…
Mentiroso.
Covarde.
Comprimi os dedos, ele fez o mesmo, meu ar começou a falhar, meu
braço a formigar, vozes aturdidas pedindo controle não eram suficientes, eu
o mataria. Travamos um duelo fodido, um acerto de contas..., um maldito e
destrutivo acerto de contas, esgotei minhas forças forçando seu pescoço,
assisti sedento seu rosto receber todo seu sangue, olhos saltarem dividindo
comigo seu inferno... dividindo comigo sua cólera.
— Eu nunca machucaria a Júlia... — articulou em pausas
desfalecidas.
— Senhor..., Ricky... — John fechou a mão no meu antebraço. —
Me escute.
— Eu vou matar ele, John... Saia daqui! — ordenei sem desviar os
olhos, queria registrar cada detalhe daquele fodido momento.
— Ricky, me escute — ele insistiu, voz rouca, suplicante —, Paulo
acabou de me ligar, ele vasculhou desesperado por notícias, as câmeras da
frente do prédio para identificar o horário que a srta. Sales deixou o
edifício, ele viu, foi um acidente...
— Não, não foi...
Meu corpo todo se contraia fortalecendo minhas mãos, fortalecendo
aquele aperto, aquela tortura.
— Ricky, a Júlia atravessou a rua desnorteada..., me escute...
— Não, esse desgraçado...
Estrangulei-o ainda mais, vendo-o asfixiar, sentindo suas mãos
perderem as forças ao redor do meu pescoço, sentindo-o ir…
— Ele tentou frear… — Soprou aflito no meu ouvido.
— Eu… nunca… machucaria… alguém…
O vi desfalecer…
John colou sua testa na lateral do meu rosto, sua respiração
aturdindo meu todo.
— Não foi culpa dele, Ricky. Não foi! Ele é seu irmão!
Soltei-o e caímos em extremos diferentes, como se fossemos
cuspidos do inferno, nosso inferno.
Respirei todo o ar que podia tentando recuperar o pouco de
equilíbrio mental que me restava. Não perdi um segundo da recuperação de
Nicholas que tossia disparado, retomando o ar que quase dissipei de seus
pulmões.
— Graças a Deus, chefe, teria que interferir de um jeito brusco e
violento para soltar vocês dois — falou John e depois se dirigiu aos
seguranças do hospital apaziguando a situação, em seguida, segurou meu
rosto com toda a intimidade que lhe confiei. — Ricky, vamos descobrir o
que aconteceu para que a srta. Sales atravessasse daquele jeito, colocando
em risco a própria vida e do bebê, eu prometo.
Cambaleie, tonto, aturdido.
Minha garota corria risco de vida.
Meu bebê corria risco de vida.
Enzo corria risco de vida.
Eu falhei com eles.
Eu falhei…
Eu falhei.
O desespero me tomou, grosseiro, purgante, sentencioso. Olhei ao
redor e não enxerguei ninguém, eu falhei… eu falhei… sem conseguir
controlar meus punhos, esmurrei a parede que alcancei com um passo,
soquei o concreto, esfolei a tinta branca com meu sangue, algumas mãos
tentaram me afastar, mas a fúria e o medo acorrentaram minha mente.
Um golpe e, mais um e outro…
Não posso perdê-los.
Não posso.
— Calma, Ricky… — Era a voz de John, era os braços dele me
arrastando para algum lugar, era ele evitando o pior. — Calma, chefe, não é
culpa sua.
Fui prensado contra a parede, impedido de liberar no concreto toda a
dor que entranhava minhas veias como um veneno. Talvez o quisesse se o
pior…
— Precisa ser forte.
Eu pensei ser forte até conhecer o amor, depois disso me tornei o
pior dos medrosos.
— Não consigo — o enxerguei diante de mim —, não com os
motivos que fazem meu coração bater em risco. Não consigo, John!
Deixei meu rosto pesar em seu ombro e nada ficou preso, todas as
lamúrias despencaram fortes.
— Eu nunca machucaria alguém.
A voz soou mansa ao fundo, de alguma forma a senti me abraçar.
Um abraço temeroso, ainda assim um abraço. Erguia a cabeça com latejos
doídos pressionando cada esfera do meu crânio.
— Não faria algo assim para me vingar de você.
Não disse nada, sequer respondi ao seu apelo de explicar.
Estático, meus olhos o atravessaram, o raspar das enormes portas da
emergência obstétrica ruiu, o barulho, não... o estrépito anúncio de notícias
fez com que empurrasse Jonh para o lado na tentativa de dar uma passada
de perna mesmo sem equilíbrio, fixei na doutora Ângela, uma figura
pequena, mas com expressões enormes para o seu tamanho. Seu corpo todo
se comunicou comigo, seu corpo todo anunciou... Quê? Vaguei os olhos
sem compreensão, cruzei o olhar do Nicholas que caíram, negando.
Nãooooo..., rasurei o que encontrei ali, mal consegui manter meus joelhos
erguidos, eles caíram, eu caí, não tive força para ouvir.
— Ricky... filho, precisa comer, saia um pouco desse quarto e
respire ar puro, eu cuido dela — Ana sussurrou próxima, tocou meu ombro
e tentou me tirar de perto da cama, impossível acontecer, não deixaria Júlia
antes que despertasse.
— Não, Ana, Júlia pode acordar a qualquer momento. Eu… —
Meus olhos vazaram, as palavras não se completavam, era difícil gesticular
qualquer coisa com o coração sangrando. — Vou ficar…
Ana soltou a ar conformada, sentou-se próxima à porta, abriu seu
livro e se distraiu por lá.
Ao lado da porta os ponteiros marcavam dezesseis horas, os
minutos, os segundos se arrastavam torturando o tempo, nos torturando. A
cada suspiro profundo que Júlia exalava, dando a esperança de que
acordaria, de que voltaria para os meus braços, a cada golpe de ar pesado,
meu coração acelerava.
Moldei seu rosto repetidas vezes com alguns arranhões por conta da
queda, transitei os dedos entre os fios dos cabelos caramelos, sempre em
posse da sua mão, a mesma que continha no anelar o meu pedido, a jura de
amor eterno. Colei a testa no nó das mãos entrelaçadas e desnorteie num
cochilo conturbado por alguns minutos, já havia se passado 48 horas desde
o acidente, dois dias sem pregar os olhos, sem conseguir ingerir um
alimento, me pus desperto e aflito ao celular à espera de notícias positivas
do estado de Enzo, tudo batendo forte, dolorido, excruciante.
Acordei, sei lá quantos minutos depois, estralei os olhos como se
tivesse voltado de um coma, assustado, frenético, corri o olhar nos quatro
cantos do quarto silencioso, o lugar de Ana estava vazio, provavelmente
tinha ido se alimentar. Soltei uma lufada de ar e deslizei lento pelo lençol
branco que cobria Júlia, paralisei no rosto fino e perfeito, as pálpebras
vedadas, roxeadas, boca um tanto sem coloração assim como a pele da face,
traços nulos, adormecidos. Isso me quebrava de tantas formas, se fosse
possível trocar de lugar com ela, carregaria toda a dor duplamente, desde
que meu amor não sentisse um fiapo daquele ardor. Espalmei o centro do
seu peito com a mão livre, repetia aquele ato a todo o momento, precisava
me certificar das batidas do seu coração, do pulsar do seu sangue.
De novo as lágrimas tristes beiravam minha boca, deixei a cabeça
pesar e beijei nossas mãos, clamando aos céus em pensamento para que ela
acordasse.
— Ricky… — a voz soou minuciosa, estava tão desorientado das
ideias, que achei que era uma alucinação, mas, se repetiu. — Ricky…
— Júlia… Graças a Deus…
Ergui-me sem saber onde tocar, um medo de quebrá-la com o meu
desespero, então grudei nossas testas, apreciando de perto suas pálpebras se
abrirem por completo, sua respiração fluir com o ar da vida.
Minha garota voltou para mim.
— Como se sente? — murmurei contra sua boca. — Sente dor?
Ela puxou o meu ar, como se precisasse de força para responder,
como se buscasse energia por meio da nossa conexão surreal. Mal sabia ela
que eu fazia o mesmo, necessitava sedento do seu ar para continuar a
existir.
— Não sinto dor, só um desconforto na…
Vi a sombra da sua mão se mover morosa, traçando o caminho até
sua barriga, espremi meus olhos liberando em queda as lágrimas que se
formaram naquele segundo.
— Um acidente?
— Sim. Você lembra?
— Um carro me acertou em frente ao prédio…
Fitei destruído seus olhos ao me afastar, uma distância mínima, mas
que nos oferecia um contato mais amplo, um contato mais doloroso das
reações um do outro.
— Você lembra o que aconteceu? — indaguei cuidadoso ao
contornar com delicadeza um lado do seu rosto.
— Não tenho certeza. — Sua cabeça pesou para o mesmo lado que
eu acariciava, forcei-a num movimento leve a voltar.
— Do que se lembra? — Sentei-me na beirada da cama, ela inspirou
fundo enquanto sua mão deslizava na barriga sob os lençóis.
— Eu fui ao seu apartamento e ouvi uma conversa entre você e a
Eduarda, mais uma vez você mentiu para mim.
Não fiz isso, não menti para ela!
— Eu jurei que não mentiria mais para você, meu amor, eu jurei,
lembra? — Inclinei-me um pouco mais, encaixei seu queixo entre meus
dedos e olhei no fundo da sua alma. — Eduarda e eu conversávamos aquele
dia sobre a faculdade e depois ela tocou no passado, não sei o que ouviu,
mas tenho certeza de que foi incompleto, não mentiria para você.
A lágrima que escorei pelo seu rosto tocou meu indicador, deslizei a
digital colhendo sua tristeza, castigado por uma única conclusão: Júlia
atravessou a avenida depois de ouvir Eduarda e eu no escritório, esse foi
então o que a motivou a atravessar a rua desorientada. Engoli um gosto
ruim, amargo, culposo.
— Você disse que a amou…
— Não, eu nunca amei ninguém a não ser você, eu juro.
— Ouvi ela dizendo que escolheria você, se tivesse o direto de
escolha… fiquei magoada e saí dali, fui irresponsável em colocar minha
vida e… — Meu peito apertou, quase que me sufocando. — Meu bebê?
Recuei um pouco, mão geladas a cada batida descompassada do
meu coração.
Mudo.
Meu rosto despencou sem conseguir dar a notícia.
— Ricky, fale comigo, o bebê… Ricky…
Júlia moveu o corpo para se escorar na cabeceira, seus olhos
clamando por respostas, uma cena que me destruía a cada segundo.
— Júlia, se acalme — implorei tentando conter suas ações, mas não
consegui, como podia, ela puxou o lençol e desfez o laço da camisola
hospitalar, seus traços dissipando a esperança conforme ela entendia,
lágrimas se formando nos cantos dos olhos, boca trêmula ao gesticular débil
cada palavra. — Diga o que aconteceu?
— Júlia, meu amor…
Eu tremia. Uma faca no peito doeria bem menos do que a ver se
desmanchar daquela forma. Não havia poder em mãos para evitar que
sofresse, não podia mais impedir aquela tragédia, não podia.
— Não… não… — ela negava mesmo sem ouvir, balançava a
cabeça se afastando como se enojasse meu toque, como se enojasse o que
tentava emitir. As palavras se formaram na minha boca e ameaçaram meu
coração a parar de bater. Era uma dor, um sentimento massacrante, que sei
que Júlia sentiria em dobro e eu queria evitar, desejei livrá-la de um
milésimo do que estava sentindo. Desejei ser seu anestésico… proteger seu
emocional da queda brusca da notícia, mas não tinha esse poder, não podia
apagar o que aconteceu e muito menos estancar aquela dor.
— Perdemos o nosso bebê.
Ela negou diversas vezes, movimentos conflitantes, raivosos,
descrentes, até num ímpeto doloroso cair em queda livre na dor da perda.
— NÃOOOOOOOOOOOOOO…
Desesperado, a puxei para mim, abafando seu choro que explodiu
no meu peito. Nosso bebê não resistiu ao acidente, lamentavelmente, aquele
coraçãozinho que batia potente, nossa sementinha, como Júlia a chamava,
não resistiu.
— A culpa foi minha…
— Não, meu amor… não!
Apertei-a mais contra o peito, querendo arrancar do seu coração
aquela culpa, mesmo meu peito latejando, mesmo o rigor destrutivo
entranhado de tal forma em minhas veias, se eu pudesse tomaria sua culpa e
a libertaria.
Júlia permaneceu chorando nos minutos marcados por um ponteiro
cruel, incapaz de pausar o tempo, rasgar o tempo, ele girava, ele arrastava e
nós não conseguimos sair da cavidade umbrosa, ficamos por horas
abraçados, dividindo o sentimento lastimoso… dividindo a solidão do seu
ventre… Perdi o momento que a porta se abriu, Ana entrou acompanhada
por Raica, só sei que elas requisitaram o meu lugar, tirando-a dos meus
braços contra a minha vontade.
Respirei fundo, colado à porta do lado de fora vaguei o olhar no
corredor vazio, gelado, deserto, a sensação não aliviou nada, no entanto,
naquele mísero minuto, sozinho ali eu desabei. Me senti perdido, me senti
injustiçado, me senti pó.
Queria entender o porquê.
Por quê?
Por quê?
Por quê?
Questionei em fúria, questionei com dor e revolta.
Eu era o miserável a ser castigado, então que castigassem a mim, eu
merecia a sentença, não ela ou o pequeno gênio, eu merecia a PORRA da
sentença. Mas como, se ferir quem eu amava era me ferir duplamente, e
sim, a melhor das condenações.
Sem controlar nada soquei a parede, o punho já esfolado sequer
sentiu o impacto, por isso, soquei de novo, inúmeras vezes, despejando ali
toda a cólica dos últimos dias até perder as forças e abraçar a parede com as
costas. Permaneci por longos segundos amparado ao concreto, sem forças
para encorajar um passo ou outro.
Não suportando a minha realidade.
De repente uma voz macia bateu perto, fez minha cabeça tombar
para o lado, a aparência cansada do doutor Almeida rasgou meu peito com
um corte fino, profundo, doido.
— Ricky, eu sinto muito…
Enchi a caixa torácica sentindo uma necessidade mortal de respirar.
— Eu sei doutor. O Enzo?
O velho médico coçou a nuca e o ar que estava escasso, se dissipou
de vez.
— Entubamos ele, as notícias não são boas, infelizmente…, Ricky.
Meu corpo só desceu, fraco, debilitado, escorregou sob a parede e
afundou num poço fundo. Perdi meu bebê e estava a um passo de perder o
Enzo? Caralho, não havia mais nada inteiro, me transformei em pedaços,
restos impossíveis de juntar. Precisava de força, havia duas mulheres que
me teriam como pilar, quando eu mal conseguia parar de palpitar com um
sentimento doído.

Como podemos amar alguém sem ao menos conhecer?


Essa frase ia e vinha na minha mente, repetitiva, dolorosa. Pousei o
rosto no colo de mamãe e fiquei ali, chorosa, sangrando por dentro. Um nó
na garganta, um fel se misturando à saliva, uma dor que nenhum remédio
por mais forte que fosse era capaz de curar. Mal podia aceitar a tolice que
um ato impensado causou. Como pude ser tão irresponsável? Como pude...?
Não aceitava ter perdido a minha sementinha e ser a única
responsável por aquilo.
Atrasei a rua como uma inconsequente, sem olhar para os lados,
mirando um táxi, mirando uma fuga idiota. Podia ter entrado naquele
escritório e esclarecido as palavras mal faladas, a conversa pela metade.
Devia ter quebrado ali as dúvidas, acreditado no voto de confiança que
depositei no meu relacionamento. Não correr em busca da morte, se ao
menos fosse a minha, só que…
Talvez algumas garotas na minha idade ao engravidar precocemente,
como aconteceu comigo, assimile melhor a transição, o choque, aceite no
primeiro momento. O medo de não dar conta fez com que eu recusasse a
benção, me assustasse diante de tanta responsabilidade, o medo, ele fez com
que recuasse…, digo, porque ainda ouvia como uma divina canção o
caroção do bebê no primeiro ultrassom, ali firmei no coração que nunca
estaria sozinha, independente de qualquer destino eu nunca estaria só,
minha bebê estaria sempre comigo e eu com ela, e Ricky por nós dois, era o
enlaço perfeito, o mais puro amor.
Eu… queria ser forte, não era. Tentar não mutilar a mente com
acusações ímpares e cruéis a todo o tempo, só que a culpa, o amargo peso
da culpa não desgrudava, seria o meu veneno pelos próximos anos.
Na poltrona da frente Raica me olhava como se quisesse me pegar
no colo, meus amigos como: Renan e Théo deixaram o quarto horas antes.
Carlos também apareceu, mas por conta de um calmante que fui obrigada a
ingerir, não consegui lhe destinar ao menos um olhar. Haviam muitas rosas
enfeitando o quarto e o cheiro embrulhou meu estômago. Hélio era o
responsável por eu odiar um ato que todos julgam especial, porém, na
minha cabeça era uma recordação tenebrosa. O perfume que aspirava das
rosas não trazia conforto, trazia tormento e trazia luto.
— Raica, tire essas flores daqui, por favor — pedi sentindo o ar sair
falhado, o peito latejando por tantos soluços.
A preta rolou os olhos por todos os vasos e deu de ombros.
— Jú, mais são tão lindas, e…
— Só tire-as daqui — rebati seca.
Minha amiga acenou sem jeito e passou a colher em cantos distintos
o máximo de arranjos que seu braço conseguiu segurar e saiu em seguida
pela mesma porta que Eduarda entrou. Não compreendi os motivos ou o
porquê, uma vez que meus olhos não seguiam na direção da porta, senti
com tanta força sua presença que o meu corpo praticamente ergue-se
sozinho.
— Oi — ela disse abraçada ao próprio corpo.
— Oi — retribui e só.
— Tudo bem eu… — Se perdeu em explicar se sua presença
incomodava. Entendi assim.
— Claro, Eduarda, entre direito. — Dona Ana desloucou-se até ela
com gentileza. — Sou Ana, mãe da Júlia.
Ela forçou um sorriso em comprimento e deu mais um passo.
— Prazer, Ana.
— Filha — ficou entre nós — vou tomar um café, volto em dez
minutos.
— Será o suficiente. — Não disse para mamãe e sim para a mulher
com intensas marcas escuras embaixo dos olhos.
Mamãe bateu a porta enquanto Eduarda pensou por longos segundos
em que caminho tomar quando só havia um.
— Como se sente? — indagou contando os passos.
Não respondi, o meu todo bastava como conclusão.
— Desculpe, eu sinto muito. — Seus dedos tocaram o lençol, leves,
instáveis. Vi o quanto estava trêmula, veias saltadas no dorso das mãos.
— Eu também sinto.
Perdi seus olhos, suas mãos cobriram seu rosto e o ruído choroso
vazou entre os dedos.
Doutora Ângela e o doutor Almeida vieram e despejaram uma
bagagem pesada demais. Explicaram cada procedimento que me
submeteram durante o meu estado inconsciente, inclusive detalhes sobre o
Enzo que recusaria saber, caso tivesse o direito de escolha. O estado clínico
do pequeno gênio atingiu um estágio gravíssimo, a doença o acurralou
cruelmente.
— Desculpa, eu não devia estar aqui… — limpou os olhos com o
punho da blusa —, sei o quanto a dor da perda é… Desculpe, eu vou…
fique bem… — se perdeu em andar ou se desculpar — melhor ir embora.
— Eduarda, tudo bem, eu sinto tanto pelo Enzo.
Ela esticou os lábios, vacilando com tantos pesares.
— Eu sei que sim, desculpe, desculpe, o que ouviu naquele
escritório era o desejo de uma menina que deixou de existir há muitos anos,
não sei por que toquei nesse assunto, trouxe à tona algo que nos condenou
todos esses anos, fui uma tola. Perdão, nada que eu justifique será o
bastante, eu sei… desculpe.
Sua saída estremeceu meu quarto, já rachado com minhas dores.
Deixei o corpo pesar sobre a cama, cabeça afundar no travesseiro,
tudo girava fadigado pelo silêncio. Poucas foram as palavras que troquei
com Ricky, não tivemos a oportunidade de sofrermos sozinhos, ele saiu e
não voltou. Talvez não volte mais, não me perdoe pelo que fiz, porque
apesar de tudo, eu era a maior culpada. Meu Deus, como doía a cicatriz na
alma.
Precisava liberar o Ricky daquele martírio, ele não merecia sentir
aquele peso, não… era tudo meu, só meu. Fechei os olhos com tanta força
na tentativa de me afundar no escuro, na tentativa vil de desaparecer. Quem
dera eu conseguisse, tudo espancava o meu cérebro, espremendo, as batidas
do coraçãozinho do meu bebê se misturando com o raspar das rodas
freando… as alucinações controlando minha mente, extraindo meu
subconsciente para um coma intenso. De súbito, o carro… a voz masculina
que gritava próxima ao me socorrer era familiar… NICHOLAS!
O impacto abriu meus olhos.
— Júlia, tudo bem? — Ricky estava ali, o meu estado não evitou de
que o avaliasse: olhos aflitos, aparência desgastada. — O que houve, meu
amor?
— O carro que me atropelou era do Nicholas?
Ricky reagiu surpreso, travando o maxilar.
— Como soube, Eduarda que contou? — interpelou seco.
Mas, respondeu indiretamente.
— Não. Não conversamos sobre isso.
— E o que vocês conversaram então?
Mudança de assunto, era isso?
— Responde. Era o Nicholas? — Encurralei ao levantar com
dificuldade a lombar, a posição em que eu estava prejudicava o que
iniciaríamos.
— Sim. — Deu meia volta e parou próximo à janela.
— Ricky — chamei rouca.
Ele não virou, apoiou suas mãos na cintura e penetrou na paisagem
do lado de fora. Fugindo de mim.
Por quê?
— Há alguma coisa que preciso saber? Do pouco que me lembro eu
que atravessei sem olhar e… — Minha garganta fechou. — Nicholas não
faria…
— Não tenho certeza, estou investigando.
Meu Deus, não… ele não faria algo assim, e…
— RICKY, OLHA PRA MIM!
Ele virou bem devagar, fitando meus olhos perturbados com os seus
lacrimejando. A visão perturbada de um homem destruído.
— Fale pra mim. — As lágrimas traçaram tristes a lateral do seu
rosto, seus ombros afundaram seu corpo sempre bem posturado. Busquei
resposta na expressão melancólica. — Ricky!
Num salto ele veio…
Forte.
Necessitado.
Desabamos juntos, numa queda dolorosa.
Ricky me apertava e eu fazia o mesmo, queria me fundir a ele,
amenizar a dor que latejava tudo, sugar dele dissipando do seu coração a
ferida da perda, a angústia conhecida por Enzo, desejava carregar tudo
como um castigo. Sim, perdemos nossa sementinha que regeríamos todos
os dias com carícias de amor, sonhando com seu rostinho, com seu
chorinho, sonhando nervosos com os pais que queríamos ser.
— Desculpe, meu amor — ele clamou com a voz abafada no meu
ouvido, seu rosto úmido amaciando minha pele por sob o tecido fino. —
Perdão, eu falhei, eu…
Ele se culpava, sangrando o meu coração ainda mais.
— Não, Ricky, não…
— Eu devia ter protegido você — lamuriou afundando meu
pescoço, se desmanchado em lágrimas.
Era muito para mim.
Amparei seu rosto com as mãos e mergulhei na sua alma.
— Não foi culpa sua, eu sou a culpada.
Ele negou com um balançar de cabeça.
— Eu devia ter acreditado no voto de confiança, na sua promessa,
não ter tirado conclusões precipitadas de uma conversa que ouvi.
— Se houve essa desconfiança da sua parte, foi porque eu a quebrei
primeiro, eu falhei contigo. Você me perdoa?
Pressionei os olhos, rejeitando o sentimento ruim.
— Você me perdoa?
Ele cobriu minha nuca com uma das mãos, moldou minha cabeça ao
caminho da sua boca, olhos nos olhos, lábios com lábios, leve, delicado, nos
sentimos no suspiro quente da respiração.
— Vamos superar, meu amor. Talvez demore, mas, vamos. Amanhã
teremos um novo pôr do sol, isso significa que teremos outras chances.
Ricky sofria duplamente, sei o quanto seu peito latejava, os traços
no seu rosto, as marcas escuras que afundavam seus olhos, não camuflavam
o que sua alma sentia, apesar disso, ele cedia toda a sua força para abrandar
minha dor.
Precisava saber.
— Seu irmão faria algo assim? — Senti a pele arder.
— Como disse, estou investigando, até então, segundo o meu
pessoal foi um acidente, em que por maldição o Nicholas está envolvido e
perdemos nosso bebê.
Ouvir dele quebrou o resto de mim, deixei meu olhar cair e se
despedaçar em gotas.
— Oh, meu amor...
Ricky guardou meu rosto nas mãos e secou com o indicador as
lágrimas álgidas.
— Desculpe, eu não queria…
Calou-me beijando tão leve meus lábios frágeis.
— Júlia, sabe toda aquela jura que fazemos no altar diante das
testemunhas no dia do casamento? — interpelou atento à minha resposta.
Afirmei chorosa demais para reproduzir uma palavra — Eu fiz para você no
dia que descobri que te amava. — Pegou minha mão, a mesma que o anel
de noivado brilhava e a colocou sobre a dele. — Júlia Sales, recebo-te e
prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e
na doença, todos os dias da minha vida.
Essas eram as juras calorosas do seu coração, eu precisava desbravar
minha insegurança, acreditar o quando nosso amor estava enraizado,
acreditar que teríamos um amanhã, mesmo que doloroso, latejante. Não
seria fácil sufocar aquela dor. Mas… teríamos um amanhã juntos.
— Rick Walker, recebo-te e prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te,
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida.
Num movimento colamos nossas testas, lábios próximos
umedecidos por nossas lágrimas, corpos fracos, cansados de tanto declínio,
mente em pensamentos infiéis constantes e, corações partidos ao meio.
Suspiramos juntos pedindo força, porque sabíamos que havia uma luta
grande pela frente.
Alguns dias depois…
— Acabou — falei aliviada ao lacrar a última caixa. — Não
imaginei que nesse cubículo coubesse tanta coisa.
— Júlia do céu, são sete caixas só de livros. — Mamãe apontou para
as caixas mais próximas à porta. — Agora entendo as antigas faturas do
cartão de crédito.
— Não exagera.
— Tô só o pó. Água?
— Quero. — Ela encheu dois copos e ofereceu um. — Não sei onde
vou colocar a maior parte dessa tralha.
Sorvi um gole da água gelada.
— Sua casa nova tem espaço de sobra, fica tranquila.
— A ficha ainda não caiu, sabia?
Dona encrenca se sentou na beirada da cama e cruzou as pernas.
— Imagino que não. Como se sente?
Evitei aquele olhar nos últimos dias. Poxa, íamos entrar naquele
assunto...
— Bem.
Dei de ombros e ela prosseguiu:
— Sei que não gosta dessa pergunta, evita tocar num certo assunto,
mas você é meu coração, estou preocupada e com medo do que aconteceu
traumatizar você a ponto de…
— Não esqueci nada, mãe, nunca vou esquecer o que aconteceu, as
noites são difíceis quando o som do freio sopra no meu ouvido me
aterrorizando, sabotando minha mente, trazendo o sentimento de culpa e
revolta forte.
— As sessões de terapia estão de pé?
— Eu marquei, vou passar.
Mamãe esticou os braços e me chamou para o seu colo, deitei-me
em seu ninho carinhoso, recebendo de suas mãos delicadas um carinho
gostoso. Por um segundo relaxei, evitei depois da alta tocar no assunto que
me manteve internada durante cinco dias. Ricky insistiu para que eu
mudasse para a nossa casa, faltava alguns detalhes para o término das obras,
pois optei em não mexer na estrutura antiga da casa, porém, preferi ficar
com mamãe no período que o hospital ainda fazia parte da rotina,
principalmente de Ricky.
Enzo, o visitei duas vezes, seu estado apertava tanto o meu peito a
ponto de sufocar, olhar para ele era estar em constante contato com Deus,
clamando em orações infinitas. Ricky se mostrava forte em alguns
momentos e em outros desabava em lágrimas. O nome do Enzo estava em
vários bancos de doadores do mundo, Ricky cobriria qualquer despesa coso
alguém compatível aparecesse, até mesmo em Tristão da Cunha. Fora isso
ele buscou várias outras alternativas medicinais, a equipe médica em
constante estudo, mantendo o pequeno gênio mesmo debilitado entre nós a
espera de um doador.
O acidente foi investigado e Nicholas inocentado, no meu íntimo
não havia dúvidas, não depois de olhar no fundo dos olhos dele e entender
suas dores. Partilhei do mesmo mofo lancinante, mas devo admitir, as
feridas em seu coração foram muito mais profundas. O que me magoava de
fato era o sumiço, merecia ao menos uma palavra de carinho, uma vez que
o acidente resultou…
Algumas vezes sozinha, no meu íntimo, tentava encaixar cada
acontecimento, como se quisesse uma resposta da que já tinha no meu
coração. Eu demorei a aceitar, quando aceitei passei a amar e o perdi num
sopro condenável e doloroso. Não houve um dia após o acidente que não
chorei pela minha sementinha, às vezes no braço de Ricky, outras vezes no
banho abafada pela água do chuveiro para que ninguém ouvisse, era uma
dor constante, mas, que um dia se tornaria lembrança. Preferi pensar assim
para não mergulhar no mar da tristeza.
— Terminaram? — Ricky, apareceu na porta. — Nossa! —
Surpreendeu-se com a quantidade de caixas. — Tem certeza de que não se
esforçou demais?
Sorri para mamãe, aquele cuidado transbordava o meu coração.
— Não se preocupe, Ricky, eu fiz a maior parte do trabalho pesado.
— Mamãe foi logo explicando, desarmando o semblante enrugado. — E
agora eu preciso ir, tenho um compromisso bem chatinho essa tarde, e sei o
quanto seu noivo presa pelo seu bem-estar, posso me ausentar
despreocupada.
Depositei um beijo apertado na bochecha da mulher da minha vida.
— Como anda o salão, Ana?
— Estamos crescendo, graças a Deus.
— Fico feliz por isso.
Ela sorriu satisfeita e falou:
— Obrigada, Ricky. Estou começando a perdoar seu sobrenome.
— Que bom, as ameaças de morte ficaram de lado?
— Por enquanto. — Ela piscou para mim e deu dois tapas leves no
seu ombro ao atravessar a porta.
Ricky fez uma careta divertida e sorriu.
— Acho que comecei a conquistar sua mãe.
— Está no caminho.
Bati na cama o chamando para perto, e claro, babei por ele no curto
trajeto, aquele estilo casual de jeans com a camiseta branca colada aos seus
músculos era a visão tentadora do meu homem.
— Como foi seu dia? — indagou agarrando minha cintura, me
acomodando de conchinha.
— Nada demais, organizei as coisas com dona encrenca. E o seu?
Ele respirou fundo próximo ao meu pescoço, o ruído pesado
esclarecia tudo.
— Ele ainda está com a gente, lutando pela vida, então não posso
reclamar.
O pequeno gênio era um guerreiro.
— Podemos dormir aqui hoje, uma despedida?
Encolhi nos seus braços, Ricky riu contra o meu cabelo, ontem fiz o
mesmo pedido.
— Tudo bem, faremos quantas despedidas quiser, meu amor.
Durante a noite o sono não aconteceu, uma angústia adoeceu meu
peito, fiquei alerta e dolorida. Cogitei um leite quente, desfazendo-me de
mansinho dos braços de Ricky e deixando o quarto a passos de pena. Meu
amor estava cansado, um sono pesado logo o consumiu assim que nos
deitamos. Peguei o copo e o enchi com leite, aqueci no micro-ondas e mirei
a sacada, quem sabe a brisa fresca da noite acalentasse meu coração. Joguei
a manta que cobria o sofá sobre os ombros e deslizei a porta balcão.
O efeito no meu sistema do céu estrelado e a lua cheia realçando o
negrume infinito do céu foi imediato. A brisa soprava fina e delicada sob os
fios dos meus cabelos, transpassando quase que imperceptível meu torso
coberto, o leite aquecia e relaxava dissipando alguns nós que travavam meu
ombro. Sustentei o corpo no parapeito e escorreguei o olhar do céu para a
rua deserta, a não ser por…, uma pessoa. Inclinei-me desacreditada no que
via, Nicholas andava inquieto de um lado para o outro, como se tomasse
coragem para um salto. Não aguentei assistir sua angústia por muito tempo,
fui até ele.
— O que faz aqui?
Impactei-o quando apareci do nada, ele mal conseguia soltar o ar de
tão chocado que aparentou, repeti a pergunta já que não obtive uma
resposta.
— Fale, o que faz aqui? — Fui mais dura daquela vez.
— Estou há dias criando coragem para falar com seu porteiro.
Ergui uma sobrancelha.
— Não sabia que conhecia seu Beto.
Ele mordeu os lábios e puxou muito ar.
— É Beto o nome dele, achei que fosse João, ele tem cara de João,
não acha?
— Não acho, tem cara de Beto mesmo.
— É.
Nicholas espalmou a nuca, totalmente sem jeito, perdido no seu
inferno particular. Que estranho! Aquele tipo de comportamento era
desconexo à personalidade forte do homem à frente.
— Nicholas…?
— Júlia, eu… — Ele apertou os olhos e juntou as mãos em oração
próximo à boca. — Precisava me desculpar, pedir perdão, eu… não quis, foi
tudo tão rápido que eu não consegui frear. Eu sinto muito… juro que sinto!
Não seria capaz de machucar alguém dessa forma, ser tão cruel e
desalmado, não… não faria algo assim. Acredita em mim?
Mantive-me quieta, estática, assistindo o conjunto desesperado e
nebuloso se quebrar em mil pedaços diante de mim. Suas íris azuis ardiam
rodeadas por um vermelho vivo. Perdi a ação no caminho em que tentava
reconhecer aquele que sempre golpeava suas emoções para longe. Nicholas
mostrou ali que seu coração era frágil e pulsava sangue quente.
— Quando a peguei no colo, sem tempo para esperar o resgaste, os
momentos em que esteve no meu carro, desacordada e sangrando foram os
piores da minha vida, juro que pensei ser a armadilha mais cruel do destino,
eu ali, com você e toda a tragédia. — Ele jogou os braços sobre a cabeça.
— Sabe, Júlia, nunca fui um cara religioso, mas naquele instante eu clamei
tanto pela sua vida, pela vida do seu bebê, mas infelizmente só consegui
uma benção, eu lamento tanto…
Meus lábios ficaram bobos e lágrimas começaram a se formar.
— Eu acredito em você.
— Jura? — Completou dois passos que nos aproximou. — Como se
sente?
— Não me recuperei de nada ainda. Talvez nunca me recupere
totalmente.
— As malditas cicatrizes?
— Sim, as malditas cicatrizes.
Respiramos juntos e perdemos o contato por alguns segundos, até
nos encararmos de novo.
— Você é jovem, terá outros filhos. — Não cogitava aquela
possibilidade, não nos próximos anos. — Mesmo que seja com o meu
irmão, algo muito fora de contexto para mim.
Abri um sorriso singelo.
— Fora de contexto?
— Sabe o quanto tudo escurece ao se tratar dele, isso não escondo
de ninguém. É uma pena você amar aquele idiota.
— Talvez o amor seja a chave para você também — joguei sem
pensar. Sei o quanto o amor deve se mostrar doloroso para ele.
— Amor? Nunca mais vou amar, Julinha — disse com tanta
convicção que o meu coração esfriou em tristeza.
Nicholas merecia uma segunda chance.
— É uma pena.
— Não, não é. Nunca mais abrirei meu coração para mulher
nenhuma, vocês são uma espécie perigosa e poderosa quando querem, mas
comigo, amor não terão. Nunca mais.
— Tá certo, homem de lata.
Ele deixou um sorriso de canto esticar seus lábios.
Abracei o corpo, precisava subir antes que Ricky sentisse minha
ausência. O engraçado é que ao me virar, o outdoor com o logo da
campanha de doação de medula óssea prendeu meu olhar e senti Nicholas
preso a ele também.
— É a campanha para o garoto, certo? — perguntou com um certo
desconforto na voz.
— Sim, ainda temos esperança de encontrar um doador, mesmo
que…
Ele virou para ter meu rosto como centro.
— Quê?
— Meu bebê chegou a ser uma esperança para ele, diante de um
parto saudável havia a possibilidade das células tronco retirada do cordão
umbilical, ser um meio, mas… você sabe, não é? Era uma chance que não
se concretizou.
Nicholas ajeitou sua jaqueta num movimento confuso, desordenado.
— Ele está tão mal assim? — perguntou seco.
— Sim, a qualquer momento podemos perdê-lo.
Ele pareceu se espantar com a gravidade, ao ponto de pisar firme até
o carro.
— Preciso ir, não quero que Ricky venha atrás de você, não quero
encontrá-lo. — Recuou um pouco e beliscou o meu queixo. — Desculpe de
novo e fique bem.
Sem motivo, estanquei ali ao meio fio, aguardando seu carro tomar
velocidade, antes de subir precisava assimilar aquele encontro, as sensações
que transbordavam meu corpo, a presença forte e intensa de Nicholas, ao
mesmo tempo instável e vulnerável. Foi pancada, cambaleou um pouco,
mudou o rumo de tudo.
Quando voltei para o meu quarto, Ricky dormia debruçado no
colchão, costas nuas, cabelos jogados mascarando uma parte do rosto numa
bagunça linda e sexy. Como o amava, como era louca por ele. Fiquei
alguns minutos babando, apreciando o homem que roubou meu coração,
revivi ali como um flashback os nossos altos e baixos, tudo que passamos
desde o dia em que um elevador fundiu nosso mundo.

— Nem chegamos a decorar esse quarto.


Ela deixou a cabeça pesar, fechando os braços em si.
— Você pode decidir o que fazer com o cômodo, ou só trancá-lo
para quando estivermos prontos novamente.
Conhecia a Júlia o suficiente para entender cada expressão de
desconforto. Ela mencionou em uma das suas crises de choro, dias após a
alta, que não pretendia engravidar, não tão cedo. No momento eu entendi,
como a dor do luto, medo, trauma, sentimento que também partilhava. Tudo
aconteceu rápido demais, ganhamos um presente, nos afeiçoamos ao belo
embrulho e antes de desembrulhá-lo, mãos súbitas o retirou do nosso
convívio. Foda. Cheguei mais perto e a abracei, meu maxilar encostou nos
fios macios do seu cabelo, aspirei a fragrância de morango, corações se
tocando, respiração perdendo o prumo. Doía, e sei que nada passaria
facilmente.
— Depois decido isso — Voz amarga demais para não me
preocupar.
Contornei seu corpo e amparei seu rosto e aqueles traços pesarosos
me quebravam tanto que faria qualquer coisa para arrancar aquela culpa do
seu coração.
— Não posso. — Deu as costas parando em frente à larga janela
com visão para o velho balanço. — Não posso mais, não é justo para você.
— Justo pra mim? Meu Deus, Júlia, o quão cruel está sendo consigo
mesma?
— Eu mereço, Ricky.
— Não, não merece!
— Essa dor é nossa, nunca foi só sua, por favor, eu imploro, volta
pra mim. Eu não consigo sem você. Tá foda. Tá pesado. Sem você não dá.
Um esgotamento físico e mental pesou meu corpo, não suportava
mais nada, meus dias eram regados por medo, precisava dela, necessitava
do seu amor, ela era meu refúgio porque temia todos os dias em chorar por
outra perda, temia todos os dias em sofrer por outro luto.
— Eu tô aqui, meu amor, perdão.
Jogou-se nos meus braços e mesmo diante de um abismo, uma
sensação de alívio suavizou meu corpo. Eu a amava, amava tanto que não
cabia no meu peito. Júlia era o ponto central do meu universo, minha
âncora, meu último pouso.
Beijei-a moroso, preguiçoso, aproveitando ao máximo seu sabor, a
maciez dos seus lábios, a umidade da sua língua que alimentava o meu
paladar. Nosso contato recarregava minha bateria, esvaziava minha mente
sempre a mil, acalentava o meu coração.
— Vamos trancá-lo.
Circulei com o polegar o sorriso que iluminou seu rosto.
— Certo.
Se não fosse meu celular que começou a tocar, teria aproveitado
ainda mais aquela boca macia.
— Desculpe, pode ser do hospital, tenho que atender. — E era,
comprovei assim que destravei a tela com a digital e atendi ao dr. Almeida,
meu corpo antes mesmo do alô já retraía inteiro, temendo suas palavras. —
Diga, doutor, algum problema?
— Preciso que venha ao hospital…
Engoli aquilo, quase soltando o celular.
— Ricky, o que houve? — Júlia interpelou atenta aos meus
movimentos.
— Não sei, talvez não queira saber — falei pra ela, sendo esmagado
pelos piores sentimentos. Certo, voltei a ligação. — Fale logo, o Enzo
piorou?
— Não, Ricky.
Dei ar aos meus pulmões.
— Não?
— Temos uma chance.
Meu coração acelerou e precisei me recostar na parede.
— Temos?
— Sim, temos, apareceu uma doadora com 99% de compatibilidade,
Ricky.
Mal consegui pronunciar uma palavra, atônito, o choro veio e me
paralisou ali. Júlia pegou o celular da minha mão buscando o motivo do
meu todo se desmanchar em lágrimas. Meu cérebro só repetia que ele teria
uma chance, e aí eu agradecia numa oração íntima, abafada. Enzo teria uma
chance e eu o veria crescer. Daria a ele um presente de aniversário, o
levaria para um jogo de futebol, assim como meu pai fez algumas vezes
comigo e o Nicholas, aproveitaria dias de sol com ele correndo pelas praias
de Angra, comtemplaria seu sorriso sem o fardo daquela doença. Não sei
quem era aquela pessoa, mas se ela daria o ar da vida ao pequeno gênio, me
tinha em suas mãos.
Cinco meses depois…
— Um momento, por favor. — Athos tintilou o talher na taça, no
mesmo instante todos os convidados viraram o pescoço para ele, o padrinho
sorriu de canto na direção da nossa mesa e piscou para Ricky e eu. —
Como considero esse cara como um irmão, senti obrigação de fazer o
brinde. Antes preciso dizer: Júlia, você roubou o meu parceiro.
Gargalhei e uma levada de risos explodiu comigo.
— Perdeu, Athos! Aceita que dói menos. — Pisquei para ele que
gargalhou se divertindo.
— Senhoras e senhores, apesar de ter superado esse abandono,
ouviu, querida Júlia, não esqueci as longas noites que passei sem meu
amigo. Mas olhem a cara de babaca de Ricky Walker, valeu a pena. — Mais
risos e muitas palmas. — Ricky, Júlia, sabemos o quanto essa união
quebrou algumas barreiras, como o amor de vocês inutilizou algumas
palavras, uma delas é proibido. Sabemos o quanto o amor de vocês é
irredutível, invejo isso, mas… não pretendo fazer o mesmo, que fique claro.
— Muito risos. — Meu casal favorito, vocês merecem toda a felicidade do
mundo, então… transem muito e se amem por toda a vida. — Soprei um
beijinho para ele e de esguelha vi os olhos de Ricky brilhar com o discurso
do amigo. — Ergam suas taças, amigos — pediu Garbo ao oferecer a sua
primeiro. — A Ricky e Júlia!
— A Ricky e Júlia!
O coral de vozes soou e logo depois o DJ tocou uma música lenta, o
céu da ilha estava perfeitamente estrelado aquela noite, muito similar a uma
bela pintura. Não havia um canto naquele lugar que não estivesse
iluminado, a propriedade Walker podia ser vista a metros de distância.
Optamos por casar em Angra, uma cerimônia pequena só para os amigos
mais próximos, isso causou um certo incômodo com os pais de Ricky,
apesar de não aceitarem nossa união, o casamento do filho prodígio merecia
um evento em grande estilo, com direito a mídia, cinco mil convidados,
guardanapo bordado de ouro e uma grande orquestra, não… nada disso era
o que queríamos.
Eu sonhei com um arco de flores à beira mar, pés descalços na areia
fina da praia, meu amor com camisa de linho e calça caqui, eu com um
vestido leve rendado de rosas e ao nosso redor aqueles que nos amava de
verdade.
Tudo aconteceu exatamente assim, simples e com muito amor.
— Eu não vejo a hora de raptar você, sra. Walker — o safado do
meu marido sussurrou próximo ao meu ouvido, segundos antes de seus pais
aparecerem diante de nós.
Sara Walker, embora destoasse dos trajes leves e simples dos demais
convidados, estava extremamente elegante num tubinho preto, acreditem,
minha sogra vestia preto no casamento do filho como se estivesse
participando de um funeral — bem, era exatamente isso sua opinião sobre o
nosso casamento —, um enorme chapéu da mesma cor completou o look
macabro e também a protegeu do sol escaldante de Angra. Já Robert Walker
esbanjava arrogância em seu terno também preto e de grife. Devo admitir
que o impacto da rejeição tirou algumas lágrimas que fiz questão de
esconder de todos, ao mesmo tempo, era o esperado. Eles não me
aceitariam, nunca, eu teria que aprender a conviver com isso cedo ou tarde.
— Foi uma cerimônia, bem… bonitinha, Júlia — ela disse
obviamente com sua cara nada simpática.
— Obrigada por vir, Sara, Robert, realmente era importante para nós
— falei educada.
Ela apertou os lábios demonstrado o quanto nada ali era do seu
agradado, tentei não me afetar com aquilo, só que meu coração trapaceava.
— Filho, já vamos, até porque a Califórnia não é do outro lado da
rua.
— Sabe que tem aposentos para que fiquem e aproveitem a ilha,
mãe, não há necessidade de embarcarem assim tão rápido.
— Voltaremos à nossa ilha em outro momento. — Roberto se
apressou, tom rouco, expressão dura, típico dele. — Tenho muito trabalho
pela manhã, não é mesmo? Um mês na Europa em lua de mel é um tempo
bem longo para o futuro CEO da WUC.
Soltei o ar pausadamente, precisava me manter firme. Ricky
assumiria a WIS UNIVERTY CONECT como CEO, assim que
retornássemos da nossa lua de mel e eu retomaria meus estudos na UTC,
moraríamos na Califórnia pelo menos até minha formatura. Depois, quem
sabe, Brasil seria minha casa novamente, próxima de mamãe, próxima dos
meus amigos.
— Preciso desse descanso, pai.
— Tudo bem, filho, espero vocês na volta para um almoço em
família. — O olhar exigente penetrou o meu, não fugi, me mantive firme.
— Foi lindo, Júlia, cuide do meu filho — pediu como se estivesse
transferindo para os meus braços um bebê.
— Pode deixar, obrigada por vir.
Uma última troca de olhar estranho perpassou entre nós até que o
casal se afastasse. Voltei a respirar e apertei a mão de Ricky.
— Eles me odeiam — falei em desabafo.
— Tempo e paz cura tudo, amor.
Sim, talvez ele tivesse razão, o tempo cura tudo.
— Hum… — Joguei os braços por sobre seus ombros e o beijei
apoiada nas pontas dos pés. — Quero ser raptada, quem sabe adiantar a lua
de mel...
Ele estreitou os olhos e umedeceu os lábios, ações suficientes para
atiçar lá embaixo.
— Estou louco para cometer esse delito.
Ricky brincou com meu nariz e depois chupou minha língua, íamos
esquecer os convidados e mergulhar num beijo gostoso. Mas…
— Ricky, preciso da noiva
Pesei a cabeça na nuca e ri.
— Sei muito bem que pretendiam fugir, seus safadinhos.
Viramos para Raica e seus olhos desconfiados.
— Não neguem, tenho poderes especiais por ser madrinha.
Ricky curvou os lábios.
— Poderes especiais? Vindo de você eu acredito. — Beijou minha
bochecha. — Tudo bem, amor, preciso falar a sós com o Athos, curta a sua
amiga.
Assisti meu maridinho se distanciar e fitei Raica com olhos
estreitos.
— O que a senhorita está aprontando?
— Aqui não, tá muito barulho, tem muita gente, vem.
Ela me arrastou pelos convidados, como a maluca que era e nos
trancou no banheiro.
— Raica, temos muitos quartos por aqui — questionei o lugar.
— Aqui é perfeito.
Dei de ombros e avancei no espaço, parei na frente do largo espelho
para apreciar o coque perfeito com alguns cachos soltos feito por Marcos.
Desviei para o reflexo da minha amiga, em suas mãos uma linda caixa
vermelha.
— Que isso?
Ela deixou um sorriso lindo crescer e abrilhantar seu rosto, antes de
responder:
— Tenho que entregar seu presente — ofereceu a caixa para que eu
pegasse —, meu presente de madrinha.
Virei para ela.
— Sabe que não precisava, preta, eu…
— Abre, Jú.
Peguei a pequena caixa de camurça, intercalando um olhar curioso
entre o presente e os olhos esverdeados da preta.
— Abre, pare de me torturar caramba!
Sorri e desvendei o laço.
— Meu Deus, Raica!
Minha visão embaçou, chocada, apaixonada, com a delicadeza da
joia.
— Gostou? — Seus olhos lacrimejavam iguais aos meus.
— É lindo!
Retirei as duas gargantilhas do suporte e as suspendi na altura dos
olhos. Em uma havia um cadeado, escrito best e na outra uma chave, escrito
friends.
— É uma forma de nunca nos sentirmos longe uma da outra, você
agora é sra. Walker, está a caminho da Califórnia e são longos quatro anos
de universidade pela frente e…
— Venho te visitar nas férias, sabe disso.
Meu polegar limpou as gotas tristes do seu rosto, Raica era uma
conquista preciosa, uma amiga que amava e considerava como uma irmã
mais velha. Esteve comigo nos momentos mais difíceis da minha vida, me
apoiando, jogando limpo, faria o dobro por ela se tivesse oportunidade.
— Eu sei, a senhora é bilionária agora.
— Eu não sou bilionária, o Ricky que é.
Ela rolou os olhos, eu particularmente me incomodava quando o
assunto partia para a fortuna Walker.
— Certo. — Ergueu os braços em rendição. — Obrigada pelos
últimos dias, seu apoio foi muito importante para mim, achei que não
sobreviveria…
— Doí, eu sei — completei.
— Mas quero falar, não hoje.
Abri os braços, apetecendo por seu calor.
— Te amo, preta.
— Eu te amo mais, branquela.
Respirei seu perfume, senti seu carinho, e dei a ela todo o amor que
uma irmã podia oferecer, porque é isso que éramos, irmãs.
Acabamos ficando mais que o esperado naquele banheiro,
aproveitando o carinho uma da outra, não teríamos tão cedo outra
oportunidade, dado a viagem, da Europa já me instalaria na casa nova em
Los Angeles, então todo minuto importava. Ela encaixou a gargantilha com
o pingente de chave em mim e eu fechei em seu pescoço a de pingente de
coração.
Logo que retornamos para a festa, senti uma vibração diferente,
entendi do que se tratava assim que segui os olhares curiosos.
— Merda, o que ele faz aqui? — Raica arquejou e saiu na direção.
Julguei tão inusitada sua reação, que demorei a reagir, a seguir seus
passos. Quando finalmente completei a roda, formada por Athos, Ricky,
Raica e… Nicholas implorei por calma, porra, era o meu casamento.
— Ricky, sem briga por favor, é nosso casamento.
— Claro que não — Ricky garantiu transformando as linhas leves
de seu rosto em linhas tensas e pulsantes. — Ele está de saída, não é
mesmo?
— Sim, já disse que vou embora — falou calmo e provocativo.
Olhei bem no fundo dos olhos do mais novo, procurando no mar turbulento
os motivos da sua presença. — Só vim buscar minha noiva.
— Quê?
Raica começou a tossir institivamente, Nicholas cruzou os braços e
ergueu uma sobrancelha totalmente alheio ao estado estranho da preta, eu e
os demais nos perdemos na incógnita.
HÁ-HÁ-HÁ!
Ele estava gozando com a nossa cara.
Nicholas, noivo?
Impossível!
— Raica, tudo bem? — Toquei o ombro dela que se esforçava em
respirar.
— Sim — disse com dificuldade.
— Acredito que não convidei a sua noiva para o meu casamento,
Nicholas — Ricky declarou intercalando o olhar entre o irmão e Athos. —
O que quer, além de acabar com a festa?
Nicholas esboçou um riso sarcástico e mirou intensamente Raica.
Ao que me lembrava eu bebi somente três taças de champanhe, uma
quantidade relativa de álcool, de forma alguma ficaria bêbada ou com
alucinações, certo? Com três taças, não, nem pensar. Digo isso porque de
acordo com o olhar que Nicholas direcionou para Raica, ele insinuou…
— Convidou sim.
A criatura estendeu a mão para minha amiga, fiquei tonta, besta e
por um minuto o julguei maluco, só que quebrei a cara. Raica não só
aceitou sua mão, como passou para o lado dele como uma peça movida no
xadrez.
Espera!
Quanto tempo eu dormi?
— Raica, o que está acontecendo? — Meu tom era um misto de
surpresa e raiva, me sentia traída, sobretudo depois do presente, depois do
que vivemos como amigas. Só tinha uma pergunta gritando na minha
mente: QUANDO ISSO ACONTECEU? — Não vai me dizer nada?
Ela fugia, mal conseguia manter a cabeça erguida.
— Júlia tinha ciência disso? — Ricky interpelou como se eu fosse a
culpada. — Como não me disse nada?
— Simplesmente porque não sabia de nada.
Athos soltou um ruído e coçou a nuca.
— Bem, amigos da rede globo… — A imitação de Athos do Galvão
Bueno, não funcionou. Chocados. Abismados. Paralisados. — Certo,
então… estão todos prestando muita atenção em nós, não seria melhor
irmos para um local privado? — O investigador propôs com humor e todos
recusaram.
— Jú — minha amiga, ou melhor, a estranha, deu um passo que a
afastou do suposto noivo e a aproximou de mim —, despois conversamos,
não é o que parece e não posso explicar nada agora…, é o seu casamento
não se aborreça com a minha vida. Eu preciso ir, juro que te explico depois.
Soltei o ar preso pela indignação e não pude ao menos lhe direcionar
uma palavra.
— Ricky — ela desviou para meu marido —, desculpe eu não sabia
que ele viria até aqui, e…
— Querida, aqui é minha casa, uma delas pelo menos, entro e saio
dessa ilha quando tiver vontade, apesar que estou pensando em comprar
uma ilha só para nós, assim evito esses tipos de encontros.
Ricky pisou firme e Nicholas sustentou o duelo.
— Seria ótimo, aliás, esse noivado é bem estranho, não pense que eu
vou deixar passar.
— Um conselho: vai cuidar da sua vida, maninho.
Dito isso ele acenou para Athos, ignorou completamente Ricky e eu
desfilando como um rei até a saída na companhia de Raica. Meu Deus, ela
estava noiva de Nicholas e mesmo tendo firmado uma trégua com ele, meu
coração não aceitava aquela história sem cabimento.
— O que foi isso? — Ricky disse pasmo.
— Nicholas noivo é algo bem intrigante — Garbo comentou.
— Com a Raica é duplamente intrigante. — Avancei na mesma
direção, como se seguisse rastros marcados por todo o caminho.
Lógico que meu marido tentou me impedir, ele era ciente do fim
daquele rastro, pedi espaço e confiança, já que tínhamos guarda-costas por
toda parte. Atravessei a ilha da praia até a saída principal, de longe notei
Raica entrado num Porsche amarelo sozinha, ia resgatar minha amiga
daquela maluquice sem sentido, só que uma cena me paralisou. Nicholas se
apoiou em um joelho de frente para o pequeno Enzo, corri os olhos à
procura da mãe ou da enfermeira, ninguém por perto, o que era estranho,
ele nunca ficava sozinho.
Então, dei um passo, outro e mais um.
Infelizmente, não ouvi a conversa sussurrada, mas Enzo se despediu
sorridente e correu para o outro lado onde sua enfermeira vermelha como
uma pimenta, apareceu estabanada à sua procura. Desviei para o olhar
manso de Nicholas para o garoto, por incrível que pareça não era o mar
turbulento que fixava no fruto do seu ódio, não era… surpreendentemente
havia algo novo ali. Não sei explicar, mas… ele estava feliz? Ele estava
feliz em ver o Enzo recuperado? Por quê? Meu Deus, seria possível?
O destino não seria traiçoeiro a ponto de orquestrar um desfecho
daquele.
— Nicholas — chamei ao mesmo tempo que o alcancei.
— Melhor não falar comigo, Julinha, não quero provocar uma
situação ruim no dia do seu casamento.
— Como se não tivesse feito isso minutos atrás.
— Fique tranquila, não vou magoar sua amiga, nós…
Cortei. Ansiando por outra resposta.
— Seria possível, Nicholas? — pressionei os olhos como se
quisesse invadir sua alma. — O que vi deixou-me confusa a ponto de
pensar em coisas...
Ele ergueu o queixo e estufou o abdômen malhado.
— Que tipo de coisas? — Voz rouca, quase falhando.
— Seria capaz de ter feito algo tão nobre?
Meu coração errou a batida com o turbilhão de pensamentos se
formando, o médico afirmou que o doador era uma mulher, e caso sua
identidade não fosse mantida em absoluto sigilo, não aconteceria a doação.
— Não sei do que está falando.
Seus punhos se fecharam e o ar antes tranquilo, passou a vazar
rápido demais dos seus pulmões. As vezes em que presenciei o homem
despido do seu manto de bad boy vingativo foram o bastante para conhecer
um Nicholas diferente, um que talvez desse trégua do seu ódio e praticasse
o amor.
— Eu consigo sentir, Nicholas, eu vi o seu olhar para ele, não diga
que estou enganada. — Supliquei por sua sinceridade. — Não diga que
estou louca.
Ele meneou a cabeça, numa confusão externa que respondia muita
coisa, depois sorriu de canto e ocultou seu olhar com os óculos escuros
antes preso na camiseta.
— Não está louca, Julinha.
Tapei a boca buscando entender os significados, as nuances descritas
com a caligrafia indecifrável do universo. Nunca entenderia, afinal, quem
somos nós diante do grande mistério da vida?
As lágrimas desciam inconscientes, plácidas, senti uma vontade de
abraçá-lo, deixar ali minha gratidão por passar por cima de suas feridas
ainda não cicatrizadas.
— Obrigada — agradeci num fio de voz.
— Um segredo nosso, por seu bebê.
— Um segredo. — Um fio de voz.
Nicholas era um labirinto perigoso, discrepante, enigmático, a
mulher que desvendasse seus mistérios enxergariam sua alma. Intuitiva fitei
Raica dentro do carro, segurei em punho a chave pendurada à gargantilha,
não sei o que aquilo significava, conhecia bem demais minha amiga para
não confiar que estava em segurança.
Esperei o carro sumir para retornar à festa, recuperei-me do baque
rápido, Ricky me esperava próximo à porta, agoniado, vermelho a ponto de
explodir, não podia transparecer as emoções que ofegavam o meu peito, não
naquele átimo. Inventei várias desculpas e o enchi de beijos para aliviar a
tensão que o mais novo causou na ilha.
Como iriamos ficar um mês na Europa e depois Los Angeles seria
nosso lar, aproveitei todo o tempo possível com mamãe e seu parceiro, afê,
ainda não havia cedido totalmente aos encantos do velhote. Mas se alguém
era capaz de provocar tantos sorrisos no rostinho que já chorou prantos
horríveis, esse merecia uma chance.
Passei alguns minutos com Mel e Ruben, aliás, conheci os pais dele,
Neil e Esther, um casal alto-astral e com muita história para contar. Quem
aproveitou e lambeu o quanto pode o casal magnata, adivinhem? Tio Jorge
e tia Paula presentes com sua hipocrisia e repugnância.
— Júlia, por que eu não posso ir? — Uma voz dengosa soou na
altura da minha cintura, deixei cair meu olhar e encontrei aqueles olhos
castanhos e pidões brilhando para mim. — Eu fico bonzinho, quase
invisível, prometo.
Ah, lá estava ele, lindo, saudável e voltando a ser criança.
Enzo superou qualquer expectativa, antes mesmo da cura surgir
como um milagre, o pequeno lutava pela vida, as quedas que sempre o
levava a experimentar das piores circunstâncias, também serviram para
firmar nossa fé. Acreditar em algo maior e nunca perder as esperanças.
— Enzo, já falamos sobre isso, pare de encher a Júlia — Eduarda
repreendeu, um pouco antes de Ricky aparecer.
— Qual o problema?
— Quero ir com vocês — repetiu ainda mais manhoso para o pai.
— Não tem cabimento, é a lua de mel do seu pai e… — Eduarda
parou assim que se tocou o que disse. — Desculpe, o Ricky.
— Ricky, eu posso te chamar de pai?
Olhei para o homem da minha vida que se perdeu em meio ao
pedido. Já era hora dessa palavrinha mágica explodir entre eles.
— Só se puder te chamar de filho.
Cresceu no rostinho com traços idênticos um sorriso que
emocionava. Como podia ser diferente? Apesar dos caminhos de
pedregulhos ferir os nossos pés na longa jornada, não havia
arrependimento, não da minha parte, não em relação a eles. Sei que um dia
lembraria do meu bebê com saudade, clamava por esse momento, porque
ainda doía muito, então, enquanto a cura não amansava meu coração,
aproveitava a sensação celebre do milagre — o pequeno Walker.
— Pai.
— Filho.
Ricky o rodopiou pelo corredor até caírem no sofá da sala de estar, o
encheu de cosquinha fazendo o garoto chorar de tanto rir. Era bonito de se
ver.
— Olha, já combinei com a sua mãe, nas suas férias da escola venho
te buscar para ficar comigo e Júlia em Los Angeles, não se preocupe, não
vou largar do seu pé, infelizmente não podemos te levar conosco hoje, é um
momento que preciso curtir com a minha gata.
— Um dia vou ter uma gata também.
— Quê? Já pensando em namorada, menino? — falou a mãe.
Deixei os dois curtirem o momento fofo antes do embarque e
caminhei na direção do quarto para checar as malas, não demorou muito
Ricky apareceu, meio corpo no batente. Mãos escondidas na calça caqui,
olhos castanhos quentes dançando pelo meu corpo, arrepiando, abrasando
toda a carne. Eu toda dele. No segundo seguinte o irresistível cravou passos
sedutores ao meu encontro e me puxou para si.
— Tudo começou com uma atração irresistível?
Ele desenhou meu rosto e fixou minha boca.
— Talvez, com um eterno momento.

Anthony sorriu ao nos receber no helicóptero, eu sempre era o


motivo de gozação por conta do medo em voar, apesar de que sobrevoei os
céus bastante nos últimos tempos, estava quase dominado o pânico do
monstro de sete cabeças.
— Júlia, com emoção ou sem? — o piloto charmoso zombou.
— Há-há-há… virou comediante, Anthony?
Rolei os olhos querendo enterrá-lo no painel de controle.
— Thony, minha gata gosta de emoção, então capricha — o outro
aproveitou para eliminar meu sossego, depois me abraçou ciente do que
viria a seguir.
Soltei um gritinho histérico assim que o troço voador deu uma
queda brusca planando o mar, não nasci para aquilo, odeio voar. Pressionei
os olhos e iniciei um rosário para todas as Aves Marias existentes, durante
as manobras extravagantes que o maluco mais conhecido como piloto fazia.
Não ia abrir os olhos até pousarmos, provável que colocaria os bofes para
fora, Jesus, eu ia matar o Ricky — viúva —, era o meu destino com um dia
de casada.
— Abre os olhos, amor. — Ricky soprou próximo ao meu ouvido.
— Não, nem pensar.
Neguei e os apertei ainda mais, temendo a movimentação.
— Por favor, veja a vista — pediu manso e eu só abri quando senti o
troço sobrevoar suave. — Olhe ali embaixo.
Apontou para o mar negro iluminado por…
— Ah, o que é aquilo?
Inclinei-me um pouco mais, piscando diversas vezes sem acreditar
no que via.
Ele voltou a soprar, quente, apaixonado, sedutor cada palavra
próxima ao meu ouvido:
— A última promessa que faço a você, sei que não gosta de juras,
mas, acredite, dedicarei cada dia da minha vida para cumpri-la.
Meu coração coitado socava o peito, enquanto eu lia:
“Júlia, te amarei por toda a vida até o último sopro do meu
coração.”
A jura de amor estava escrita por tochas que boiavam no mar, algo
lindo e surpreendente, li tantas vezes que sufoquei com nosso amor. Logo
depois virei e encontrei seus olhos abrasados, rosto próximo, boca beirando
à minha, o contato sempre intenso fervia meu sangue e inflamava tudo em
segundos.
— É lindo!
— É real — rebateu provocando meus lábios com os dele. — Eu te
amo, minha garota — declarou e juntou nossas testas, fechei os olhos, ele
também.
E a partir dali respiramos suplicantes, famintos, apaixonados, até
meu coração ter voz:
— Eu também te amo.
Cinco anos depois.
Deixei o corpo cair de encontro ao assento do carro e abracei o
envelope contra o peito como um bem precioso, infelizmente meu tempo
estava curto para curtir a sensação, chequei a hora no relógio de pulso ao
mesmo tempo que guardei o envelope na bolsa, tinha uma reunião agendada
em quinze minutos com o novo sócio da Art Work, não podia passar uma
impressão ruim para o homem. Pelo retrovisor reconheci o carro que
estacionou logo atrás, sorri boba para o condutor, mordi os lábios tentada
por uma ideia ousada, ergui o corpo e retirei a calcinha, colocando-a na
bolsa. Então, corri estabanada com um salto fino do carro até o elevador.
Entrei e logo o espelho ganhou meu corpo, alisei o vestido justo e soltei
com os dedos alguns cachos, só esqueci de apertar o andar.
Ótimo!
Pressionei o oitavo, as portas bateram e abriram segundos depois.
Encarei o porte sexy composto por um terno cinza, camisa branca
intencionalmente aberta até o terceiro botão, revelando ali um palmo de
pele colada na musculatura gostosa pra caralho. Umedeci os lábios,
babando entre as pernas.
— Boa tarde.
— Boa tarde.
Ele se posicionou ao meu lado, ombros em contato, brasa exalando
dos poros, a tortura queimava.
— O que faz aqui, sr. Walker?
— Compromissos profissionais, sra. Walker.
Ricky levantou a cabeça e começou a vasculhar o teto.
— A câmera está à sua direita, sr. Walker.
Ele confirmou a informação e soltou o ar frustrado.
— Inferno, sra. Walker. Meu plano de comer você nesse elevador
falhou.
— É uma pena, estou sem calcinha, sr. Walker.
Nunca que ele permitiria uma provocação dessas passar sem fazer
nada a respeito, o ímpeto de travar o elevador, mover a câmera e prensar
meu corpo no espelho, deixou-me tonta.
— Lembro de vê-la pela manhã com lingerie ao deslizar nesse corpo
suculento esse vestido preto — sussurrou, enquanto aspirava a pele do meu
pescoço igual a um felino farejando sua presa.
— Ah, é, boa percepção a sua.
O safado ergueu meu corpo para que minhas pernas fechassem ao
redor da sua cintura. Segurei seu rosto e devorei sua boca, suas mãos não
pararam, decididas, subiram meu vestido o embolando acima do meu
quadril. Resumindo: fiquei com a bunda prensada no espelho e a boceta
roçando seu pau.
— Temos quantos minutos? — perguntou quando o permiti respirar.
— Talvez cinco.
Mordi seus lábios os colando aos meus, faminta, pedinte do seu
beijo. Estremeci inteira, queimando quando seus benditos dedos
perpassaram do canal do meu ânus e escorregaram até o meu sexo melado,
pulsante, vivo.
— Porra, Júlia. O que faço com você? — Ofegou ao mergulhar dois
de seus dedos na carne quente que gotejava por ele. — Qualquer dia me
mata de tanto tesão, mulher.
— Que morte excitante, sr. Walker — provoquei e lambi seus lábios.
— Amor…, enche a minha boceta com seu pau, agora.
Ele riu cafajeste.
Acho que a minha boca ficou tão suja quanto a dele.
— Minha garota.
Ricky prensou um pouco mais meu corpo, fechei as mãos nas barras
em torno da caixa metálica no tempo em que ele liberava seu pau duro para
mim. Erguendo-me, refém da sua fome, arregaçando-me, pois sua ereção
me abriu toda ao deslizar no meu prazer, tentei gritar, mas Ricky engoliu
cada gemido, cada lamúria excitante. Nos procuramos como loucos,
intensos, excitados, corpos sacudindo, se chocando, se fodendo, suas mãos
cheias das minhas popas, golpeando seu pau com estocadas violentas,
vitais. O fetiche do elevador se consumando, nos consumindo na brasa
proibida, era uma rapidinha, mais uma que embriagava nossa relação,
incendiava o nosso amor e saciava por ora o nosso fogo.
— Porra… — ele ganiu. — Vem, amor…
— Sim.
Declinei forte contra seu cacete, como se despencasse no paraíso.
Ricky me apertou firme afundando o rosto no meu cabelo, soltando
espasmos de porra quente na minha boceta, me preenchendo, gozando
comigo. Não podíamos cair ali no chão do elevador, mas se pudéssemos,
provavelmente nos desmancharíamos lânguido e saciados.
— Eu te amo — declarou sem controlar nada.
— Eu também te amo — meu peito subia e descia frenético —, mas
precisamos ir antes que perca meu emprego.
— Certo, sra. Walker.
Nos alinhamos rápidos e só esquecemos de liberar nossa expressão
de safados que trepam no elevador, pois minha secretária me fitou
interessada assim que descemos no andar e riu, tipo: eu sei o que vocês
fizeram no elevador passado, sabe?
— Grace, Joseph já chegou?
— Sim, sra. Walker, está à sua espera na sala de reuniões.
— Como vai, Grace? — Ricky a cumprimentou com sua simpatia
que tirava suspiros por onde passava.
— Vou bem, sr. Walker — falou sem jeito.
— Grace, avisa que em dois minutos sigo para a reunião.
— Ok, já posicionei o que precisa, sra. Walker.
— Te amo, por isso. — Virei para Ricky. — Amor, preciso ir, nosso
jantar está de pé?
Ele triscou no meu queixo o levantando um pouquinho para que sua
boca beijasse suave a minha, por pouco não me desmanchei ali.
— Confirmado, mas vou te acompanhar, só para cumprimentar o
Joseph, faz tempo que não nos falamos.
Dei de ombros e sem tempo percorri às pressas os corredores,
respirei fundo, antes de girar a maçaneta com os olhos atentos de Ricky
sobre mim.
— Calma, amor, vai dar tudo certo. — Seu sorriso era o que eu
precisava para me sentir segura. — Pronta?
— Sempre.
Abri a porta e logo Joseph Nichols veio ao nosso encontro.
— Olha a minha diretora de criação, aí. — Sempre muito gentil,
meu chefe beijou a minha mão num comprimento sedutor, deixando claro
sua provocação ao amigo.
— Devia tomar mais cuidado Joseph, sou um integrante da Bratva,
não esqueça onde pode tocar minha mulher — avisou rouco e superior.
Eles simularam dois cowboys de faroeste com os dedos em formato
de armas, Ricky atirou e Joseph tocou o peito atingido pelo disparo.
— Certo, a garota é sua. — Ergueu os braços em rendição.
Art Work apostou em mim no segundo ano de faculdade, iniciei
estagiando no setor de Marketing, ralando, pegando cafezinho para o chefe,
até as promoções me recompensarem ao passo que mostrava o meu valor.
Aquele ano, aos exatos três meses atrás, fui promovida como diretora de
criação. Tudo novo, escritório, assistente, liderança de uma equipe, muita
coisa, então me sentia insegura, e um novo sócio mudaria muita coisa na
minha equipe.
— Sr. Nichols, onde está o novo sócio? — precisei perguntar, uma
vez que continha somente os diretores na sala e Anne, a assistente de
Joseph, o nosso CEO.
— Então, ele está bem aqui.
Olhou diretamente para quem?
— Quê! Ricky?
— Sim.
Mirei o meu marido com um olhar mortal que o estremeceu.
Então fui feita de idiota aquele tempo todo?
— Desculpe, não podíamos revelar por conta das ações, querida —
meu chefe explicou, o que não amenizou em nada meu estado assassino.
O que o Ricky pretendia, se tornar meu chefe?
— Ok. — Engoli aquilo e partimos para a reunião.
Exatamente uma hora e meia mais tarde, bati a porta do meu
escritório na cara do meu marido mentiroso e… mentiroso, mil vezes
mentiroso.
— Júlia, qual o problema de eu investir na Art Work? — perguntou
com um cinismo enlouquecedor.
— O problema, Ricky, que aqui é meu espaço, lembra que
combinamos, meu espaço profissional, minha carreira e nosso casamento
não se misturam? Agora da noite para o dia você se tornou meu chefe.
— Não acha excitante?
— Sério que está achando graça? — Cerrei os olhos e ele entendeu
que estava muito encrencado.
— Ok, tudo tem um lado positivo, certo? — Enruguei a testa curiosa
com seus motivos, o desgraçado sentou-se à frente, relaxou cruzando as
pernas, elegante, rei do mundo, para só então esgotar minha paciência: —
Olha, agora sou seu chefe, mas é você que tem um escritório, pode
aproveitar e pagar na mesma moeda quando usei o seu corpinho na WUC.
Fechei os punhos e apoiei na mesa.
— Então, você me usou naquela noite? — inqueri com uma das
sobrancelhas arqueadas.
— Não posso negar, amor.
Arremessei no cara de pau vários blocos de papel.
— Caramba, Ricky. — Esmoreci, chateada. — Devia ter me
contado, eu merecia saber.
Ele contornou a mesa e segurou minhas mãos tendo-me como
centro.
— A transação tinha que ficar em sigilo, eu sei, nunca vai me
perdoar por isso, mas prometo não me intrometer em nada.
Confrontei o olhar duvidando um pouco da promessa.
— Promete?
— Nunca mais quebrei nenhuma promessa, certo? — Puxou-me
para seus braços, encaixei meu corpo no dele e senti as batidas do seu
coração. — Eu preciso ir, tenho duas outras reuniões e depois jantamos
juntos.
Um beijo, um carinho e ele se foi.
Antes de ocupar a cadeira principal da sala, peguei dentro da bolsa o
envelope, a ansiedade movimentou meu corpo, então disquei.
— No que posso ser útil, Júlia?
— Tudo certo para o meu jantar? — perguntei receosa com os
detalhes. — Tem que dar tudo certo, Grace.
— Não se preocupe, tudo está projetado conforme a senhora
solicitou, fique tranquila — minha assistente garantiu e ainda assim meu ar
vazou falhado.
O dia correu como sempre, agitado.
Reuniões.
Propostas da nova campanha e mais reuniões.
Vivia meu sonho.
Às dezoito horas estacionei em frente de casa, John logo se atentou
ao meu carro, solicitando num aceno as chaves, joguei para ele que
prontamente levou o automóvel para a garagem. Dei um giro na
propriedade, no vasto jardim que aos domingos recebia uma toalha xadrez,
muitas frutas e o casal apaixonado. Ricky e eu nos esforçávamos ao
máximo para passar o maior tempo possível juntos, curtir nosso amor,
apesar da agenda lotada, viagens sempre constantes e a busca de se manter
presente na vida do filho. Não nos perdemos, valorizamos cada dia precioso
que o universo nos permitiu para ser feliz.
Tomei um banho rápido, precisava estar pronta antes de ele chegar,
planejei o jantar ao lado da piscina, com muitas velas, pouca luz e música
romântica. Esse era o tipo de surpresa que ele sempre fazia, espontâneo sem
data ou comemorações, por isso me sentia nervosa, porque não era um
jantar qualquer, era um dia especial, um novo início para nós, um que me
preparei todos aqueles anos, temi medrosa, desejei esperançosa. Era de fato
um nascimento na nossa vida.
Sempre pontual seus passos marcaram sua chegada, seu sorriso de
canto exalou seu charme e seus olhos invadiram minha alma.
— Sente-se, sr. Walker.
Ele puxou sua cadeira e se sentou, o olhar iluminado colhia cada
detalhe, cada singelo detalhe ao seu redor.
— Uau, não é somente um jantar, talvez uma comemoração?
— Talvez — provoquei despertando ainda mais sua curiosidade. —
Fome?
— Sempre.
Apoiou os cotovelos na mesa e reclinou na minha direção. Copiei
sua ação.
— O elevador foi um aperitivo que desnorteou meu dia, então estou
muito faminto.
— Tenho planos, não tente sabotá-los.
Ele riu divertido, eu estava no comando.
— Certo, quem sou eu para atrapalhar os seus planos. —
Desvencilhou o anel que prendia o guardanapo de tecido e o colocou no
colo. — Qual cardápio?
— Um especial. — Pisquei para ele e acenei para Lucy servir os
pratos.
A cozinheira que trabalhava conosco há três anos, fez questão de
servir uma combinação culinária que se tornou um marco na nossa relação.
— Agora estou mais que ansioso, purê de mandioquinha com filé ao
molho madeira é a antecipação de uma comemoração — falou empolgado.
Sorri para ele com o coração acelerado.
— Estou faminta, você não?
O incentivei e cortei o meu filé levando o garfo à boca, apesar das
mãos geladas e pouco controlada, tentei manter-me calma, do contrário
estragaria a surpresa. Ele cortou um pedaço do filé e saboreou, observei
atenta cada garfada.
— Vinho, amor? — sugeriu ao pegar a garrafa.
— Sim, claro.
Ele encheu as taças e sugeriu um brinde.
— Ao que devemos brindar?
Pausei pensativa, considerando no coração o real motivo do brinde.
— À vida!
Ele crispou os lábios, se mordendo de curiosidade por dentro.
— À vida, então.
Brindamos. Ele entornou um gole generoso, eu somente saboreei
uma gota.
— Aprendeu direitinho manter segredo.
— Tive um bom professor.
— Opa, que isso?
— O quê?
— Tem algo estranho no filé, Lucy… — Ele chamou a cozinheira
que óbvio não viria esclarecer nada, perdi o ar, provavelmente minha
pulsação parou. — É um papel…
— É…?
Não consegui esconder mais nada, meu corpo inteiro explodiu em
antecipação.
— Que isso, Júlia? — Ele prensou os olhos, confuso.
— Leia, amor.
As lágrimas já formadas, coração a mil por ora.
— Ah? — Ele leu e cada linha do seu rosto se transformou em coisa
rara. — Estamos grávidos? — Releu em voz alta e depois fitou-me
emocionado, afetado. — É sério?
— Sim, chegou o momento, estou pronta.
O salto veio de ambos os lados, nos encontramos no meio do
caminho para um enlaço perfeito, um beijo louco e apaixonado. Durante
cinco anos busquei a cura emocional e física, era doloroso olhar para o
passado e não chorar, não imaginar como seria se o acidente não
interrompesse a gravidez. Não me culpar. Foram cinco longos anos em que
aprendemos muito um com o outro, nossos limites, nossas ambições como
casal e individual. Ricky nunca cobrou um filho, apesar de transparecer em
algumas ocasiões o quanto desejava um bebê nosso, esperei até sentir meu
coração leve, sem medos, sem traumas. Até sentir que era o momento e
então o universo deu resposta.
Enfim, podíamos tentar de novo.
— Estava aqui pensando, o que você acha de duas argolas, Renan?
Uma em cada mamilo. — Aperto os seios um no outro, como se quisesse
beijar os bicos e os coitados por pouco não saltam para fora do corpete,
ousada, é o meu codinome esta noite.
Meu irmão pisca duas vezes, expressão de quem mentalmente
analisa meus peitos e as tais argolas presas aos bicos.
— Acho sexy.
— Só isso?
— Deve doer, não acha?
— Será? — Pego o drink e bebo, não curto muito o lance da dor,
apesar de ter um piercing no umbigo que não doeu nada quando furei.
Mamilos devem ser mais sensíveis, então deve doer. — Vou pensar no caso.
— Minha irmã colocaria.
— Eu sou sua irmã.
— Por isso, digo que uma dor por maior que seja não vai te impedir
de fazer o que quer.
Eu amo esse garoto.
Pisco para ele.
— Cadê o Théo? — pergunto me dando conta que meu cunhado
sumiu há um tempão.
— Trabalhando, mana.
Renan afundou o ombro, desanimado.
Théo é o promoter da boate e braço direto dos chefes, meu cunhado
é um cara foda, esforçado, ambicioso, sabe aonde quer chegar e luta com
todas as armas possíveis por suas conquistas. Renan sempre esteve certo
por apostar no seu relacionamento mesmo que essa aposta tenha se tornado
um martírio em nossas vidas. Meu pai, ex-militar, bronco, ignorante,
irracional, preconceituoso, se houver mais algum adjetivo ruim pode incluir,
pois o desgraçado merece por nos obrigar num ato covarde a viver sob sua
ditadura cruel e machista.
Eu tenho tantas lembranças, tantas… que inevitavelmente estragaria
minha maquiagem se citasse agora. Foi uma infância difícil, dentro de casa
e fora dela, não vou mencionar a cor da pele, porque se tem uma coisa que
me irrita é falar sobre racismo sem ter sofrido na carne essa diferença. Eu
sofri. Você sofreu? Racismo, preconceito, homofobia, ou qualquer outra
praga que te faça acreditar que você não merece um lugar ao sol. Aprendi a
me defender, porque não tinha outra escolha. Temos?
Renan saiu do armário aos dezesseis anos, sempre soube que ele era
gay, não sei dizer, eu sentia e temia. Já se tinha uma não aceitação dentro de
casa, uma repressão do meu pai que sufocava piadinhas maldosas,
perversas, cruéis, pensava de como seria fora dali, no mundão, na vida real.
Bem, aqui estamos nós, na vida real, no mundo dos adultos e, nesse
momento na boate UP, era para ter sido uma noite de balada e boa conversa,
só que o acaso e a tragédia se misturaram, assim como minhas premonições
e medos.
— Raica, acorda! — Meu irmão me sacode querendo minha
atenção. Sai do transe.
— Quê?
— Estava falando do Théo. — Autorizo que continue com um
abano de mão. — Hoje, além da casa estar lotada, o capeta tá aí. Segundo o
Théo ele é bem exigente.
Ele se refere ao filho mais novo da família do terror, Nicholas
Walker, alguém que evitamos esbarrar por dois motivos simples, o
primeiro: ele fodeu com a vida da minha melhor amiga, Júlia. Segundo:
porque o cara se acha o rei do universo, mas é um tremendo arrogante.
Théo que suporta a peça, trabalha para ele. Eu, meus caros, não preciso
pagar simpatia, não topo com ele desde o esbarro na ilha e não escondo o
quanto o acho insuportável.
— Ah, é.
— Você tá bem? Senti um baixo astral de repente?
Remexo os ombros expulsando o espírito de cadela frágil e resolvo
dançar.
— Quer saber, vou dançar, você vem?
Ele checa a hora no relógio preso ao seu pulso e nega:
— Não, vou esperar meu love.

— Eu vou dançar, adiós...[4]

— Bailar mucho.[5]
Corro para a pista, não tenho intenção de ficar a noite toda presa
naquele camarote com meu irmão esperando o namorado preso aos seus
afazeres do trabalho, preciso suar, requebrar, beijar na boca e se valer a
pena, otras cositas más[6]. Hoje é a noite mais caliente da UP, dia da salsa,
ritmo que eu adoro e domino muito bem. Dou um pequeno giro na pista
analisando quem esquenta o lugar, muitos latinos e dançarinos natos do
ritmo, os reconheço. Ciente que tenho um minuto ou menos para me
preparar, chacoalho meus cachos e uma mão pousa na minha cintura.

— Me concede essa dança, bella dama? [7]


Olho com charme para o cavaleiro ao meu lado, cabelos presos num
coque no topo da cabeça, olhos negros penetrantes, camisa estampada com
alguns botões abertos exibindo o contorno do peitoral malhado, um pecado
de homem.

— Sí. [8]
Ele segura minha mão e gira meu corpo fazendo minha saia elevar.
Salsa é um ritmo sensual e se bem bailado é puro sexo traduzido por
passadas de pernas, giros rápidos, encaixes de quadris, além da troca de
olhar que te leva ao inferno de tão quente. Geralmente, às quintas, depois da
facul participo de uma batalha de salsa num clube no centro chamado
Fuergo. Renan às vezes é meu parceiro, mas quem domina meu ritmo
mesmo é Pietro, um preto que parece ter o diabo no corpo quando dança.
Dançar me relaxa, alivia minha mente sempre a mil. Não me entendam mal,
mas se entro na pista não saio dali sem antes fisgar cada olhar para o centro,
sendo assim, o cara que me conduz entende logo que damos os primeiros
passos que terá trabalho comigo.
Um, “uhuuuuu” explode, assim que o cara me solta como se
puxasse a corda de um pião e o deixasse rodopiar, livre e solto, governado
por voltas e voltas. O cavalheiro novamente cola meu corpo ao dele, e só
não me põe de ponta cabeça porque o espaço não permite. O suor escorre
entre meus seios, minha nuca, o balanço sexy provando nossa carne, a pista
ferve, o DJ mostrou seu talento.
— Uau! — digo quando a música acaba. — Você é bom!
— E você é incrível, já a vi dançar na Fuego, sou um grande
admirador do seu swing. — As palavras saem fervendo dos lábios carnudos.
Uh… deu calor. — Posso te pagar um drink, bella dama?
— Pode claro, me espera no bar, vou no banheiro, gatinho. Você me
fez suar. — Pisco para ele e saio movimentando o quadril ciente de que seus
olhos acompanham cada requebrado intencional.
Toco-me que esqueci de perguntar o nome do boy quando entro no
banheiro, ele tem cara de Luís, Roberto, talvez Alex. Faço o que tenho que
fazer, checo o visual e volto, só tem um detalhe, não volto pelo mesmo
caminho, sei lá, deixo os pés guiarem meu corpo, resultado? Tentador por
sinal. À frente há um canto curioso da UP, um que só entra pessoas livres de
qualquer pudor. O breu da entrada magnetiza meus olhos de tal forma,
quando vejo minha pele já sente o frisson emanado das paredes, das
pessoas, dos ruídos.
Théo comentou uma vez desse lugar, rola de tudo se permitido, eu
particularmente gosto de olhar nos olhos de quem me toca ou me beija, por
isso, nunca entrei, até o atual momento, quando a curiosidade vence meu
racional.
— Caralho… — O palavrão vaza como uma onda cálida de sexo da
garganta de alguém. Minha pele arrepia com o que ouço logo depois. —
Vocês dois me comendo assim gozo fácil…
Arregalo os olhos, mas ninguém nota, não há luz.
Alguém esbarra em mim, levando o meu corpo para frente, ouço um
“desculpa”, misturado com muitos gemidos, sacanagens, e não preciso de
esforço para entender o que está rolando, muito sexo explícito. Não hoje.
Isso não significa que em algum momento do passado não tenha
experimentado uma transa a três, depois de muito vinho e amigos
tentadores. Dou um passo para trás e outro, me sinto de olhos vendados,
mas não piso em ninguém pelo menos, nem sei se estão no chão, deve ter
camas ou sofás por aqui, não? Dou outro passo procurando apoio, uma
parede por exemplo, mas nada. Pretendia gritar e perguntar como sair, antes
que cometa um crime se algum pau desgovernado tentar furar a minha
bunda, só que rápido demais para uma reação, um corpo arrasta o meu,
sinto a parede chocar minha coluna, a respiração quente massagear a pele
do meu pescoço, um gosto de hortelã atiçar a ponta da minha língua e um
perfume cítrico desnortear as direções do meu cérebro.
— Cara, melhor se afastar, não estou na vibe e não me pergunte
como sei que é um homem, porque eu sei… e…
— É perigoso entrar aqui, garota… — O efeito da rouquidão da voz
move meus ombros e tenho certeza de que todos os pelos do meu corpo
arrepiaram.
Eu fiz curso de defesa pessoal, nesse momento minha posição é a
seguinte: estou encostada numa parede de certo, o estranho barrando minha
passagem — como se soubesse para onde seguir na escuridão, ok —, ele
não me segura, mas prensa seu corpo ao meu, se eu trouxer a perna um
pouco à direta, acerto seu pau num golpe súbito. Embora esse tom não me é
estranho…
— Para entrar aqui tem que ser uma garota corajosa.
— Sei quem é.
— Tenho certeza que sim.
Nicholas Walker.
Dou um empurrão nele, mas o desgraçado volta como um ímã ao
meu corpo e em dois tempos, rápidos demais para o meu raciocínio
acompanhar, estamos fora e novamente colados a outra parede.
— Você sabe muito bem como entrar e sair, não — falo zonza
tentando assimilar o que acabou de acontecer.
— Minha especialidade. — Tem a porra do duplo sentido nessa
frase. — Por que entrou ali?
— Curiosidade.
— Não vejo em você tamanha inocência.
— E nem em você alguma gentileza.
— Isso eu tenho que concordar, o tipo de aproximação que permito
a uma mulher não pede gentileza, não quando o sentido é arrancar gemidos
muito mais agudos do que ouviu lá dentro. — Esse olhar é… tão azul e
cretino, intenso e arrogante, cheio de sou o fodão que me tira do sério. —
Não acredito que não sabia o que rola lá dentro, seu cunhado trabalha pra
mim, sei que comentou… — Os fios macios do seu cabelo raspam minha
orelha quando sua cabeça se move entrando na linha do meu pescoço. —
Queria participar, confessa!
— Lá dentro é bem escuro, não costumo transar sem olhar nos
olhos, mesmo que seja só sexo casual, preso esse tipo de contato íntimo
com quem me fode.
Ele inspira forte, ou se não me engano suga boa parte do calor da
minha carne numa aspirada felina, eu não entendo por que gotas começam a
se formar e trilhar a linha da minha barriga.
Não tem ar-condicionado nessa boate?
— Devia experimentar, às vezes o corpo expressa muito mais que
um olhar — rebate.
— Duvido muito.
Vasculho no imenso mar azul, algo que possa usar contra ele, uma
fagulha do que chamo de além das máscaras, só que Nicholas bloqueia meu
acesso, não é através dos seus olhos que conseguiria enxergar sua essência.
Se há alguma, depois de ter seu coração partido. Conheço as origens das
suas dores, apesar de não aceitar suas atitudes imbecis, o achar
inconsequente e soberbo — talvez tenha herdado tais sinônimos depois do
que passou —, o considero um sobrevivente, e isso, meus caros, não
garante boa conduta a ninguém no final das contas. Por que estou
filosofando por causa desse cara?
— É, talvez tenha razão — concluo meio sem jeito. Ele, porém,
mantém um contato no mínimo curioso, olhos semicerrados permitindo
somente uma faixa azul entre as pálpebras, se não estou louca tem tom
desafiador em toda a composição do seu rosto. Maxilar trancado coberto
por uma barba por fazer, lábios retos com uma pequena curva em um dos
lados, rosto anguloso, atraente, incapaz de não provocar os sentidos de uma
mulher. Nicholas Walker é sem dúvida a combinação presunçosa do pecado.
Mas, não o quero próximo de mim, sei demais sobre o moinho
destrutivo do seu passado e, principalmente do valor das suas apostas.
— Preciso perguntar por que ainda continua impedindo minha
passagem? — Meu filho, tem um gostoso à minha espera no bar.
Ele massageia os lábios um no outro, depois deixa a língua sair
como uma serpente umedecendo cada esfera de sua boca, fixo ali. Meu
peito sobe e desce, minha imaginação nada inocente aperta o meio das
minhas pernas. Fora esse perfume que…
— Preciso confessar que meus olhos não desviaram da pista
enquanto você dançava, estou fascinado…
— Quer me levar para sua cama, Nicholas? — Sem joguinhos,
meu querido.
— Se não gostar de cama, tenho uma piscina aquecida maravilhosa
lá em cima, champanhe no gelo e o que mais desejar.
— Já te disseram que é um cretino?
— Julinha sempre diz, e ela tem razão. — Seus olhos caem para os
meus lábios, cobiçando, os seduzindo. — Tenho certeza absoluta de que vai
se divertir bem mais comigo do que com o cara que te espera no bar.
Mordo o canto da boca e o meço da cabeça aos pés.
— Eu acho que não, ele tem swing, dá licença. — Espalmo seu
tórax abrindo passagem. Porra é duro pra caralho. — O Luís está à minha
espera.
Tenho certeza de que o nome dele é Luís.
Nicholas arqueia uma sobrancelha e concorda com a porra de um
sorriso sarcástico estampado no rosto, logo se atenta ao bolso da calça com
o toque do celular. Encorajo um passo e outro sustentado no salto nada
baixo e sou abrigada a brecar.
— Como assim, uma briga no estacionamento vip? — Não que
fosse da minha conta ouvir sua ligação, mas perdi o prumo segundos
depois: — Com o Théo e o namorado? Que porra, estou indo.
— Vem, seu irmão se meteu em uma briga.
— Ele o quê?
Renan não é de briga.
— Numa briga não ouviu? Tira o salto, vamos correr.
Faço o que pede e começo a segui-lo por caminhos desconhecidos
na boate, as portas se abrem para ele com facilidade conforme avançamos,
o caminho é curto, mas meu desespero em chegar elimina a paciência. Sinto
a brisa da noite transpassar meu corpo e sons doloridos vindo do outro lado
do estacionamento. Corremos até lá e…
— Meu Deus, Renan…
Meus saltos caem das minhas mãos, meus joelhos seguem a mesma
rota. Meu coração perde a força ao ver meu irmão todo ensanguentado,
cuspindo sangue, estirado no chão como o resto mortal de suas escolhas.
Não sei em qual parte tocar, pois tudo nele parece quebrado. Théo jogado
um pouco à frente sacode o corpo numa tosse dolorida. Nicholas corre para
socorrê-lo.
— Já chamaram uma ambulância? — O ouço gritar e alguém
responder.
— Renan, pelo amor de Deus, consegue me ouvir? Renan…
Cortes e muito sangue deformam o rosto que sempre expressou
alegria, a respiração contida, fina, por um fio… Como em uma interrupção
súbita seus olhos travam semiabertos, o desespero me toma, não posso
perder meu irmão, ele é meu universo.
— Renan, olha pra mim…, meu amor… Renan…
A sirene soa perto, a movimentação rápida me deixa tonta, meu
corpo reluta em ser arrastado para longe, preciso ficar perto do meu
menino. Nicholas segura meu corpo e impede que eu avance, os
paramédicos fazem os procedimentos dos primeiros socorros, pressiona o
desfibrilador no centro do peito o puxando para cima com brutalidade, uma,
duas, três vezes… Renan não reage. As lágrimas caem como gotas de dor e
novamente pulsam seu peito com o aparelho o chamando para a vida,
implorando que volte. Mas para onde ele pensa que está indo? Como ele
ousa em me deixar sozinha? Como ele ousa não lutar? Seu lugar é aqui
comigo, sempre foi, meu maninho, meu menino, aquele que coloquei no
meu ninho e o vi crescer, não… para onde você está indo…? Renan, volta!
Se puder, avalie.
Sua avalição é muito importante para mim, compartilhe sua
experiência com o livro.
Para falar comigo, podem entrar em contato nas minhas redes
sociais, vou amar interagir contigo.

@fehbellyneautora

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Feh Belline
Como posso expressar esse processo sem que algumas lágrimas não
caiam? Momentos em que acreditei fielmente que não seria capaz,
momentos em que acreditei que não conseguiria escrever, que nada fazia
sentido. Vocês não têm noção do quanto os apoios em mensagens e áudios
que recebi, me reergueram, e a rotina pesada, a ansiedade que corroía foi se
dissipando. Esse agradecimento é a todos vocês que de alguma forma
acreditou na minha escrita, acreditou nessa história e hoje fazem parte da
minha trajetória.
Em especial: Ana Ferreira, sempre diva em suas leituras críticas e
uma amiga inigualável que ganhei para a vida.
Carina Reis, minha revisora querida me pegou no colo, teve
paciência, sou muito grata por tudo.
Penelope, minha assessora, poxa eu chorei em áudios que falei “não
consigo, minha mente não funciona”, ela… só me deu a mão e falou
“vamos gata, você consegue”. Isto sem nunca nos vermos pessoalmente.
Dani Medina, olha mulher, como agradecer, se você soubesse o
quanto cada palavra fez sentido, cada palavra de apoio me tirou do chão, te
amo Dani.
Thalia Batista, Aracelli Cavalheiro, Vanessa Ruschi, Nathália Melo,
vocês são maravilhosas, muito obrigada por acreditar em mim e no meu
casal.
Léa, te amo amiga, obrigada, obrigada, obrigada.
Minhas parceiras da vida: Beta de @divasdabeta e Thais @thabujo,
ao infinito e além…, amo vocês.
Meus filhos, minha vida, a razão de eu existir.
Minha família.
Deus, tu es o centro de tudo.
Obrigada!!!

[1]
Abreviação de favoritos.
[2]
Transtorno de Ansiedade Generalizada.
[3]
Referência ao livro que me rendeu a literatura hot. “Peca-me o que quiser”, Megan Maxwell.
[4] Adeus.

[5] Dança muito.

[6]
Outras pequenas coisas

[7] Bela dama.

[8] Sim.

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