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CAMPINAS
2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
CAMPINAS
2014
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................... vii
ABSTRACT ............................................................................................................... viii
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 01
CAPÍTULO I – O RODOVIARISMO NO BRASIL ...................................................... 04
1.1 Breve histórico da infraestrutura de transportes terrestres ....................... 04
1.2 O rodoviarismo brasileiro .......................................................................... 09
1.3 Rodoviarismo: a representação da luta de interesses .............................. 14
1.4 Necessidade histórica de infraestrutura no trecho RJ-SP ........................ 17
CAPÍTULO II – O PROJETO DO TAV BRASILEIRO ................................................ 21
2.1 O projeto do TAV ...................................................................................... 23
2.2 O desenvolvimento histórico de SP trazido pelas ferrovias ...................... 32
2.3 SP em 2014: A dinâmica Macrometrópole Paulista .................................. 37
CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ............................................... 44
3.1 Japão – Shinkansen, o pioneiro ............................................................... 47
3.2 Itália – Treno Alta Velocità ........................................................................ 49
3.3 França – Train à Grande Vitesse (TGV) ................................................... 50
3.4 Alemanha – InterCity Express (ICE) ......................................................... 51
3.5 Espanha – Alta Velocidad Española ......................................................... 52
3.6 China ........................................................................................................ 52
3.7 Coréia do Sul – Korea Train eXpress (KTX) ............................................. 53
3.8 Taiwan ...................................................................................................... 54
CONCLUSÃO............................................................................................................ 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 60
VII
RESUMO
ABSTRACT
This paper seeks to give a broad understanding about the interaction between the
Brazilian Highway-oriented historical and the investment in projects to expand the
national rail network, particularly the construction of the High Speed Train (HST),
focused on São Paulo state. Thus, it enables an evaluation in the historical, political,
economic and technological context to other economies, besides having distinct
characteristics of Brazilian rail network, settled HSTs in the past and, in some cases,
which have aggressive goals for expansion of the existing lines and creation of new
routes. The development of the text, with its completion, aims to demonstrate the
Brazilian present moment in what relates to the railway plans and how mass rail
transport (cargo and people) projects might impact the life quality for people who lives
in the surroundings of the train stations.
1
INTRODUÇÃO
Como resposta às transformações sociais que exigem cada vez mais agilidade “no
retorno ao ciclo de produção e consumo, resultado dos constantes investimentos em
tecnologias de transportes mais rápidos (trens mais velozes, aviões maiores e mais
rápidos, que transportem mais passageiros, garantam mais segurança e pontualidade
e reduzam o impacto ambiental dos meios de transporte convencionais), surgem os
trens de alta velocidade (TAVs). Para atender a esta demanda, vários países do
mundo implementaram TAVs em seus territórios e, entre eles, há o projeto brasileiro
para o TAV entre o Rio de Janeiro e Campinas como parte do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) lançado pelo então presidente Lula em 2009 e que teve sua
continuidade garantida pela presidenta atual e eleita para 2015, Dilma Rousseff.
O projeto do TAV brasileiro, conforme descrito por Nakamoto e Silveira (2012), deve
ser elaborado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, financiado pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em Parceria Público-
Privada, com 518km e 9 estações obrigatórias. As tarifas seriam subdividas em 2
categorias, com outras duas subdivisões cada: dentro ou fora do horário de pico e
padão econômico ou executivo. Com velocidades acima de 250km/h, espera-se que
o TAV realize seu trajeto mais longo (São Paulo-Rio de Janeiro) em apenas 1 hora e
33 minutos.
A hipótese a ser provada é que a principal razão do atraso se deve ao fato de que o
planejamento e a gestão dos projetos, ainda em fase inicial, são os principais gargalos
do TAV brasileiro, principalmente no que tange às consequências das transformações
que trará consigo para o entorno das estações, aumentando a concentração de renda
e a concentração urbana (conurbação), acentuando a desigualdade nestas regiões.
Desta forma, será possível verificar a importância do TAV para a realidade brasileira
não somente por descongestionar um corredor movimentado, mas também pela
possibilidade de produção, inserção e absorção de uma tecnologia até então inédita
em terrenos tupiniquins. No longo prazo, é possível que esta nova tecnologia faça com
que o Brasil seja inserido num novo mercado global.
Apesar dos altos custos dos bilhetes (em torno dos R$200), é possível que os trens
atendam uma grande demanda no corredor Rio de Janeiro – São Paulo, porém fazer
com que o projeto vire realidade é uma grande oportunidade para que o país permita
a entrada de um novo modal tecnológico e o surgimento de um novo ramo industrial
no país, que fomentaria centros de ensino, pesquisa e desenvolvimento.
CAPÍTULO 1
O RODOVIARISMO NO BRASIL
O Brasil entrou na era do caminhão sem antes haver completado o seu equipamento
ferroviário. A rodovia antecipa-se ao trilho nas faixas pioneiras. Toma-lhe triunfalmente
a dianteira para as ligações com os grandes portos. Diz-se que o condutor de caminhões
é o bandeirante moderno (MONBEIG, 1971, p.117-18).
O dionísico caminhão brasileiro, que já foi elemento civilizador, assume agora papel
diferente, mas sem perder esse tipo de identidade, pois falar de Brasil é falar de Brasis.
Dá gosto confrontar e sentir tanta mudança, ao longo desses anos em que o transporte
rodoviário de cargas (...) seguiu a inexorabilidade do tempo. Mudou. Mais do que
mudou, transformou-se (Depoimento de Marcos Vinicios Vilaça, autor de Em torno da
sociologia do caminhão [1961], in HELVÉCIA; GRESPAN, 2006, p.8).
Automóveis
3.000 20.000.000
Trens
2.000 15.000.000
10.000.000
1.000
5.000.000
0 0
1974
1994
1904
1909
1914
1919
1924
1929
1934
1939
1944
1949
1954
1959
1964
1969
1979
1984
1989
1999
2004
Trens Automóveis
Fonte: IPEADATA
Comparando-se os três gráficos (1, 2 e 3), infere-se também que, apesar do número
de trens de carga manter-se praticamente constante durante todo o período com um
pico nos anos 2000 e voltando a cair em 2004, o número de trens de passageiros cai
drasticamente a partir da década de 1960, tem uma leve recuperação durante a
década de 1990 e cai novamente após 1994. Apesar de o número de trens de
passageros diminuir sensivelmente na década de 1960, é necessário salientar que
sua sobrevida foi bastante extensa, sendo ultrapassada pelos ônibus apenas ao redor
de 1994.
6
500000
4.000
Ônibus
400000
3.000
300000
2.000
200000
1.000 100000
0 0
1924
1949
1974
1904
1909
1914
1919
1929
1934
1939
1944
1954
1959
1964
1969
1979
1984
1989
1994
1999
2004
Trem - passageiros Ônibus
Fonte: IPEADATA
Caminhões
5000000
80.000
4000000
60.000
3000000
40.000 2000000
20.000 1000000
0 0
1974
1904
1909
1914
1919
1924
1929
1934
1939
1944
1949
1954
1959
1964
1969
1979
1984
1989
1994
1999
2004
Trem - Carga Caminhões
Fonte: IPEADATA
O investimento rodoviário foi uma estratégia iniciada ainda no governo Vargas, que
incentivou imensas construções de rodovias com iniciativas públicas, atingindo seu
auge no Plano de Metas (50 anos em 5 de JK), com construções faraônicas, focadas
na interiorização do país. Exemplo típico é a construção da cidade de Brasília, que
precisava de vias que cortassem o país centro-oeste adentro e chegassem até ela,
como a Rodovia Régis Bittencourt (ligando o Sudeste ao Sul), a Rodovia Fernão Dias
(ligando São Paulo a Belo Horizonte), BR-364 (ligando Cuiabá a Porto Velho e Rio
Branco) e a Rodovia Belém-Brasília (ligando o Pará ao Distrito Federal).
A construção das rodovias a partir dos anos 1940 permitiu que veículos automotores
chegassem até onde as ferrovias ainda não conseguiam chegar, não só às cidades
em si, mas a locais específicos dentro das mesmas para carregar ou descarregar,
evitando o transbordo necessário nos vagões de trens, aumentando a eficiência do
transporte necessário quando se realizava o transporte por mais de um meio. O
transbordo era especialmente comum quando se levavam produtos do interior do
Brasil que eram escoados nos portos litorâneos, quando seriam necessários
transportes hidroviários, ferroviários e rodoviários em conjunto, ocasionando em
perdas a cada troca de meio.
8
40.000 400.000
35.000 350.000
30.000 300.000
Carga (Kg)
25.000 250.000
20.000 200.000
15.000 150.000
10.000 100.000
5.000 50.000
0 0
1931
1854
1861
1868
1875
1882
1889
1896
1903
1910
1917
1924
1938
1945
1952
1959
1966
1973
1980
1987
1994
2001
2008
O Gráfico 4 mostra a extensão das linhas férreas vs. a carga (Kg) transportada pelos
trens. Pode-se notar que mesmo acompanhando a queda da extensão das linhas
férreas na década de 50 devido a desativação de vários trechos, a carga transportada
continua aumentando. Isso significa que o modal ferroviário estava sendo substituído
rapidamente por outros meios de transporte – isso significou um aumento brutal na
extensão das estradas de rodagem brasileiras.
Por último, mas não menos importante, o número de trens basicamente cai junto com
a extensão das linhas férreas, por volta da década de 50. Conforme as locomotivas
iam sendo ultrapassadas, não eram repostas, mesmo algumas delas que ainda
estavam em condições de ser utilizadas, eram desativadas por falta de transporte e/
ou investimento em melhorias, tornando sua utilização inviável do ponto de vista dos
agentes econômicos. Transportar pessoas sempre foi menos lucrativo que transportar
9
carga e não havia carga suficiente para cobrir os gastos com a manutenção das linhas
– o que acelerou a troca dos produtores para o transporte terrestre. O Gráfico 5
mostra, enfim, a extensão das linhas férreas vs. o número de trens que circulavam
ano a ano, mostrando o decaimento do número de trens e da extensão das linhas. Em
conjunto, os Gráficos 3 e 6, apontam a substituição do modal ferroviário pelas carretas
de carga e ônibus para o transporte de pessoas como tendência histórica e como
característica atual.
40.000
35.000 4000
30.000
Nº de Trens
3000
25.000
20.000
2000
15.000
10.000 1000
5.000
0 0
1966
1854
1861
1868
1875
1882
1889
1896
1903
1910
1917
1924
1931
1938
1945
1952
1959
1973
1980
1987
1994
2001
2008
Extensão (Km) Nº de Trens
Fonte: IPEADATA
10000
8000
6000
4000
2000
0
O rodoviarismo brasileiro
10
Já no pós Guerra, criou-se o Plano Rodoviário Nacional, com o intuito de prover fluidez
no território do país e alavancar a interiorização através das vias pioneiras, como um
11
Já no início do governo JK, nos anos 50, Juscelino costumava repetir que o Brasil
estava em uma fase de transição de um país agrário para um país urbano-industrial,
seu Plano de Metas acontecia no mesmo momento em que o crescimento do Brasil
alcançava seu auge devido ao movimento de substituição de importações e toda a
mercadoria produzida no país tinha de ser escoada, seja para o interior ou para o
litoral, para posterior exportação. O Plano de Metas continha, portanto, metas
relacionadas à quantidade de quilômetros de estradas que deveriam ser criadas nos
próximos anos, a fim de suportar a produção que se observava nas novas indústrias
que surgiam (BIELSCHOWSKY, 1988).
Durante o Plano de Metas, o Brasil entrou numa bolha inflacionária com crescimento
incontrolável da dívida externa, resultado dos grandes financiamentos das obras.
13
O Plano de Metas de JK foi, de um modo geral, bem sucedido por diversas razões. O
então presidente levou para o DNER um grande grupo de trabalho que incluía grandes
empreiteiras que já haviam trabalhado no programa rodoviário mineiro e trouxe o
engenheiro Lafayette Salviano do Prado para liderar o grupo de trabalho, que havia
sido responsável pelo programa mineiro citado na era de JK.
Ainda em seu primeiro governo, Vargas havia criado o DNER para pôr ordem nos planos
rodoviários. Todo o programa de expansão rodoviária foi feito naquela época, quando
passou a haver maior disponibilidade de recursos em função do Fundo Rodoviário. Ao
assumir o governo, JK viu com clareza que era o momento de fazer a integração do
estado através do sistema rodoviário. Não tinha possibilidade de fazê-lo através do
sistema ferroviário pois todas as estradas de ferro estavam decadentes, já que não
haviam recomposto seu material rodante nem reconstruído suas linhas desde a guerra.
A verdade é que a mentalidade era rodoviária, já naquela época como hoje. Estamos
hoje com uma economia completamente distorcida em termos da relação entre
transporte rodoviário e ferroviário. Estão sendo transportados em rodovias massas que
normalmente deveriam ser transportadas em ferrovias, apenas porque a mentalidade é
rodoviária. Portanto, desde seu governo em MG, JK havia preferido as rodovias porque
não tinha o que fazer em matéria de ferrovia (LOPES, 1991, p.193).
14
O Plano de Metas para o setor automobilístico foi, portanto, muito importante para a
consolidação das alianças de JK. O PSD tinha uma grande base rural, contando com
grandes empreiteiros e também grande base burguesa, que continha setores
progressistas que visavam a implementação de um parque industrial mais moderno.
O PTB, por sua vez, tinha em mente a ampliação da base do partido incorporando
novos operários qualificados e suas associações, mas fazia campanha contra a
invasão do capital estrangeiro ao erguer a bandeira da Fábrica Nacional de Motores.
Segundo Maria Victoria M. Benevides (1976):
Conforme Faro e Silva (1991), o que se atingiu das metas no fim do governo JK para
o setor ferroviário foram pífias, enquanto que as metas rodoviárias extrapolaram todas
as faixas:
Ainda segundo Costa (2006), as políticas de recolhimento dos trilhos por critérios
econômicos e contábeis, retirando os trilhos de regiões mais pobres e menos capazes
de gerar riquezas, foram seguidas de forma agressiva pelos militares durante a
ditadura, que definiu os limites do desenvolvimentismo majoritariamente excludente
no país. Esta ação, apesar de seu resultado parcialmente nefasto, era parte de um
projeto a nível federal de Segurança Nacional, fundamental na teorização militar para
16
De acordo com Paula (2010) a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL
publicou em 1969 um documento sugerindo a construção de rodovias que
atravessassem o continente americano do Atlântico ao Pacífico e criticava o modelo
ferroviário da época, que por falta de investimentos passava por uma situação precária
de atraso nas formas de práticas de operação e péssimo modelo de atualização de
equipamentos, contribuindo favoravelmente para as rodovias como forma de
redefinição do modal de transportes na América Latina.
Segundo Barat (1973), em 1970, passaram pelas rodovias 73% da carga transportada
e 96% do total de pessoas transportadas; comparado a isso, temos que entre 1950 e
1970, o transporte de passageiros por estradas de rodagem cresceu
aproximadamente 12,3%, o transporte por ferrovias caiu em 0,1% e o aéreo havia
caído 3,8%. Conforme avaliação do autor, as ferrovias eram ineficientes no sentido de
terem sido construídas numa lógica interior-litoral e não apresentaram
desenvolvimento adequado para comportar o crescimento acelerado de um setor
industrial em plena ascensão, o que levou ao seu abandono. Barat destaca que:
17
Os sistemas ferroviários regionais, por conseguinte, devido à origem dos seus traçados,
contribuíram pouco para a unificação dos mercados e a integração da fronteira agrícola
em expansão. As diferenças de bitolas e as deficiências de traçado nos sistemas
ferroviários existentes, de um lado, e os altos custos de construção e os períodos mais
longos de maturação dos investimentos ferroviários, de outro, transferiram para as
rodovias o papel de destaque na consolidação de um mercado nacional. (Barat, 1973,
p. 117-121)
Conforme Saes (1981), São Paulo saiu na frente por se tornar um grande pólo
exportador, sobrepujando até mesmo a produção cafeeira fluminense, que entrou em
decadência a partir de 1880. Este movimento rumo ao interior tornou possível uma
grande expansão dos centros urbanos, principalmente nos focos exportadores do
Brasil. O crescimento da produção de café do Oeste Paulista e o aumento da demanda
do produto no mundo, assim como a inundação de capital que fluía dos principais
compradores, favoreceu a instalação de meios de transporte mais eficientes – linhas
férreas – para escoar o café até Santos e, de lá, enviar para o Rio, onde a exportação
era feita.
além de, obrigatoriamente, utilizar seus trilhos para descer de São Paulo a Santos,
somado aos tributos Imperiais e Provinciais. A construção pioneira destas linhas no
interior paulista deixou um legado inestimável à cidade de Santos além de, no futuro,
ligá-la à então capital, Rio de Janeiro, através da Estrada de Ferro do Norte chegando
à Central do Brasil. A rede de ferrovias dentro do estado ganhou porte e vivenciou
uma pesada urbanização rumo ao interior, permitindo a formação de indústrias
rudimentares, internalização e diversificação da produção. Os trilhos tiveram marca
dos traçados originais do país, datados do século XVI, nas bandeiradas para o interior
do Brasil. Seguindo os caminhos originalmente aberto nas trilhas, pelas bandeiras e
pelas estradas carroçáveis, as ferrovias ligavam todo o interior e o litoral através da
estrategicamente localizada cidade de São Paulo, sendo duas vias principais, de
maior circulação: a que ligava o interior à Campinas e dali para São Paulo e, em
seguida, a que partia de São Paulo em direção ao Rio de Janeiro, tornando o circuito
altamente tributável e passagem obrigatória para todos que quisessem ultrapassar os
limites da Serra do Mar.
Não resta dúvida que as áreas industriais acompanharam as vias férreas: Brás,
Belenzinho, Tatuapé, Comendador Ermelino Matarazzo e São Miguel, ao longo dos
trilhos da ‘Central do Brasil’; ainda o Brás, Pari, Mooca, Ipiranga, São Caetano do Sul e
Santo André, acompanhando a ‘Santos-Jundiaí’; Barra Funda, Água Branca, Lapa e
Osasco, servidas tanto por esta via férrea, como pela ‘Sorocabana’. Mas,
inegavelmente, foi a função industrial mais do que outro qualquer fator, que ocasionou
seu crescimento e sua expansão em área. O fato de terem as estradas de ferro
aproveitado os vales, onde os terrenos podem ser obtidos a baixos preços por não
serem apreciados como locais de residências, atraiu a instalação de estabelecimentos
fabris. Cresceu, deste modo, a área urbanizada, e as várzeas do Tamanduateí e do
Tietê, naqueles trechos, deixaram de ficar ao abandono. (Petroni, 1958, p.104)
20
CAPÍTULO 2
O velho trenzinho, seu companheiro, ia ser vendido pro ferro velho (...)
Texto publicado por Ruth Rocha em 7 de outubro de 1984, na “Folhinha”.
O projeto do TAV foi, sem dúvida, baseado em interesses seculares do Brasil (ao
verificar a construção de diversas ferrovias na Europa, o governo Imperial brasileiro
autorizou, sem demora, o financiamento público [com participação privada] da
construção de ferrovias – em 1835 –, mas somente na década de 1850 que os
primeiros 14 km da Estrada de Ferro Dom Pedro II foram inaugurados, saindo do Rio
de Janeiro e depois expandida até Cachoeira Paulista, no estado de São Paulo) que
não representam necessariamente a real necessidade de expansão da infraestrutura
de transportes brasileira. No capítulo anterior, mostra-se o investimento em cada
modal a partir da instauração do Plano Real no país1; nota-se realmente um grande
aumento no investimento em infraestrutura de transportes e a rodoviária, além de já
privilegiada, é o alvo do investimento grosso feito no período.
1
Ver Gráfico 6, página 9.
23
O Projeto do TAV
Conforme explica MENDES (2012), o projeto federal do TAV (Trem de Alta Velocidade
brasileiro) é a instalação de um trem de alta velocidade, com a máxima de 350km/h,
interligando as capitais dos dois principais estados do país: São Paulo e Rio de
Janeiro. Adicionalmente a este projeto, o governo estadual de São Paulo também
previa a instalação de uma ramificação entre São Paulo e Campinas, conhecido por
Expresso Bandeirantes. O percurso total teria 518 km e transitaria por um caminho
conhecido dos projetos ferroviários desde o início do século XX. O trem seguirá uma
antiga rota do café, já estabelecida pelos cafeicultores e empreiteiros do estado de
24
São Paulo ainda quando o café era responsável por quase 50% do valor exportado
pelo Brasil, sendo uma commodity altamente valorizada, inelástica e considerada
como bem de luxo na época.
Segundo a ANP Trilhos (2011), em 2010, logo após sua implementação o TAV
absorveria aproximadamente 50% da demanda por transporte em sua região de
influência, ele representaria assim uma consolidação do planejamento de longo prazo
para o transporte de passageiros na região. Ainda de acordo com o seminário da ANP,
o movimento de diluição da demanda de passageiros por modais de transporte
através do trem bala tem, de acordo com o BNDES, a capacidade de direcionar a
Macrometrópole Paulista para o reordenamento de sua matriz de transporte urbano e
interestadual (levando à melhoria da qualidade de vida e da mobilidade da população),
movimento absolutamente necessário tendo em vista a superutilização das rodovias
e aeroportos que conectam as cidades da macrorregião. Itens específicos como
redução do impacto ambiental dos modais de transporte, aumento da arrecadação
fiscal, aumento da concorrência entre os modais, efeito multiplicador no crescimento
do PIB também poderiam ser mitigados através do projeto do TAV.
25
165 Resende
135 Barra Mansa
5 Aeroporto do Galeão
0 Rio de Janeiro - Barão de Mauá
26
Conforme o projeto do Consórcio Halcrow – Sinergia (2009), o trem tem como principal
objetivo o transporte de pessoas e cujo processo de construção apresenta os mais
diversos obstáculos a serem superados. Desde 2010 tenta-se encontrar uma empresa
que consiga e queira atender às exigências do plano da ANTT e da Empresa de
Planejamento Logístico (criada estrategicamente para administrar a parte pública do
TAV). Entre elas, estão o tipo de bitola a ser utilizada (padrão) e a tarifa máxima do
quilômetro rodado (R$0,49). Os custos elevados de construção e manutenção e a
longo processo de retorno pela margem de lucro tornam o projeto pouco atrativo. O
investimento em TAVs ao redor do mundo pode ser explicado pela melhor localização
das estações do trem em cidades cujos aeroportos fiquem muito distantes de centros
urbanos, o que torna mais demorados os processos de check-in e checkout por
exemplo, tecnologias como check-in eletrônico torna ainda mais rápido o embarque
em aeronaves, reduzindo o tempo de chegada e de espera em aeroportos. O caso do
TAV Rio de Janeiro-Campinas tem previstas estações em São Paulo menos
privilegiadas em relação à localização de Congonhas e Cumbica, fato explorado pelo
estudo de viabilidade do TAV.
poderão ter origem em outras fontes – onde o BNDES teria parte, através de fundos
de pensão.
TAV
A tabela acima indica que o modal tem preços mais elevados se comparado
com a maior parte das opções de transporte, mas os índices não consideram o
fator conforto, tempo de trajeto, facilidade de acesso ou disponibilidade, entre
outros. Considerados estes outros fatores, é bem plausível que o índice dos
outros modais sejam, minimante, comparáveis ou mais elevados que os do
TAV (ou seja, maiores que os 100 iniciais).
O projeto do TAV correria o risco, caso o projeto fosse iniciado, de ser parado como
ocorreu com a transposição do Rio São Francisco: as obras encontraram um solo tão
rígido que a necessidade de recursos para perfuração ultrapassava quaisquer
previsões – mesmo as mais mirabolantes – de valores para a obra, portanto a
transposição foi adiada sine die. Nas palavras da presidenta no debate de 26 de
setembro “O trem-bala é para resolver uma questão urbana. Há imensa concentração
de população entre São Paulo e o Rio de Janeiro”, afirmando a necessidade do
desenvolvimento do modal ferroviário como forma de reduzir a pressão sobre as
2
Debate de Dilma Rousseff com blogueiros, disponível no Estadão online,
http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,dilma-diz-que-trem-bala-tem-condicoes-de-ser-
desenvolvido,1566793, acessado dia 02/11/2014
30
grandes cidades e promover a redução dos preços dos terrenos, permitindo que a
população mais humilde tenha acesso a terrenos e a casa própria com maior
facilidade. Devido a esta nova paralização, o estado de São Paulo passou a acelerar
o desenvolvimento do trem regional para a região, que circularia 431km (ligando
Americana a Santos e Taubaté a Sorocaba, cruzando-se na cidade de São Paulo) a
velocidades entre 120 e 160km/h.
está cada vez mais em evidência. O TAV deveria ser introduzido não (apenas) como
uma alternativa aos modais tradicionais de mobilidade brasileiros, mas como símbolo
da reinserção do modal ferroviário de passageiros no território brasileiro, provendo
aos usuários uma nova opção segura, confortável, rápida e moderna.
O governo determinou um custo total mínimo para a obra, de R$34,6 milhões, que foi
reduzido para R$33,1 milhões, mas especialistas da área preveem algo próximo a
R$55 milhões devido aos obstáculos que poderá ter de sobrepor. Não foi calculado
ainda o número total de túneis e pontes que precisariam ser construídos e, na proposta
inicial, o trecho Campinas – São Paulo ainda não era previsto e o trem andaria a 280
km/h.
32
Assim como nos processos dos dois últimos séculos, empresários do setor deixaram
bem claro que o investimento é impossível sem o apoio do setor público, como uma
Parceria Público-Privada (PPP). A proposta que ficou por anos em discussão
acalorada no Congresso e no Senado, hoje foi amornada, sendo que o ex-ministro
dos Transportes, Alfredo Nascimento, defendia que "a implantação do TAV se faria
integralmente com recursos da iniciativa privada, mas que hoje diversas autoridades
já falam abertamente que o projeto não será viável sem substancial aporte de recursos
públicos. Com as restrições orçamentárias atuais precisa-se analisar com maior
cuidado a proposta” afirmou, mas já se sabe que o BNDES participará massivamente
do financiamento e a EPL da administração do projeto, assim como da manutenção
de tecnologias e patentes provindas do projeto.
Figura 2: A divisão estado de São Paulo, feita por zoneamento climático da cultura
de café
Conforme previsto por SAES (1981), MATTOON Jr. (1971), SILVA (1976) e defendido
por NATERA (2010), a construção das ferrovias representava uma necessidade
básica para o desenvolvimento capitalista e a inclusão do Brasil na divisão
internacional do trabalho. O debate era, entretanto, acirrado. Com o passar dos anos,
as discussões no senado mudaram de figura e das estradas de ferro, passaram para
as rodovias e investimento em montadoras de automóveis e de produção de
autopeças, trazendo à tona novas discussões sobre o transporte mas se atendo a
uma visão da lógica capitalista focada em um mercado consumidor muito maior com
retornos atrativos. Segundo NATERA (2010), os interesses em voga no senado à
época das discussões das concessões das ferrovias ganhavam sempre um tom
regional e as definições de trajetos das estradas sempre privilegiavam – sejam
estradas públicas ou privadas – as classes senhoriais que se representavam no
36
senado –, as disputas nunca eram imparciais, pelo bem único da nação. A principal
diretriz que liderava as discussões, segundo Natera (2010) era que a classe senhorial
mantivesse seus privilégios e monopólio do trabalho e a ordem social do Império. O
autor destaca ainda a característica do trem como meio de transporte de passageiros,
que precisava comportar uma nova classe de trabalhadores, que não poderia ter
relação direta com o modo de produção escravista.
proximidade com a Região Metropolitana de São Paulo, que historicamente gera mais
empregos, o Aglomerado Urbano de Jundiaí é a região do país que apresenta o maior
índice de mobilidade pendular do país: em 2013, diariamente, cerca de 84 mil pessoas
deixavam a região para trabalhar. O mapa a seguir mostra, em 2010, os movimentos
pendulares dentro da Macrometrópole Paulista, identificando as principais rotas.
A região é densamente conectada por diversas vias de transporte, seja terreste, aéreo
e hidroviário. Apesar disso, o aumento da demanda por mobilidade regional deixa
constantemente aberta a pauta do desenvolvimento de rotas alternativas para o
deslocamento entre as regiões, principalmente devido à matriz fortemente apoiada no
modal rodoviário e concentrado na região central da macrometrópole.
Aproximadamente 50% de todos os fluxos de carga do estado de SP têm origem ou
destino na Macrometrópole Paulista, sendo que, segundo Asquino (2009), seu
principal gargalo é a “transposição rodoviária e ferroviária da Região Metropolitana de
40
É importante reiterar, portanto, que o TAV brasileiro tem como meta interligar, com
518km de linhas férreas de trens a altas velocidades, duas das regiões mais dinâmicas
do Brasil.
43
CAPÍTULO 3
A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
sendo que este último apresenta os mais novos integrantes do time (Coréia do Sul,
Taiwan e a China, que é dona de aproximadamente 80% dessa extensão).
Gráfico 7: metros de ferrovia por quilômetro quadrado de área (2013) e PIB per
capita (em 1.000 USD, 2011) por país (elaboração própria)
0,140 49 60
41,1 0,118 50
0,120 40,8
35,6
40
0,100
38,4 30
17 17,7
0,080 11,9 20
8,5 0,054
3,7 10
0,060
0
0,040 0,024
0,013 0,019 -10
0,020 0,005 0,005 0,009 -20
0,003 0,005
0,000 -30
Gráfico 8: metros de rodovia por quilômetro quadrado de área (2013) e PIB per
capita (em 1.000 USD, 2011) por país (elaboração própria)
3500,0 3246,2 60
49
41,1 40,8 50
3000,0
35,6 35,2 40
31
2500,0
30
2000,0 17
11,9 20
8,5 3,7
1500,0 1349,7 10
1010,0 0
1000,0 694,3
402,3 -10
500,0
104,4 106,4 205,7 -20
0,1 17,2
0,0 -30
Rússia França Canadá Austrália Brasil China Estados Índia Espanha Japão
Unidos
O ano de 2014 é o aniversário de 50 anos dos trens de alta velcidade, uma história
que teve início no Japão em 1964, ano em que o Shinkansen foi inaugurado,
atravessando o país de Osaka a Tóquio, que segundo Lacerda (2008) é até hoje o
principal trajeto de transporte de passageiros do Shinkansen. No ano de inauguração,
a velocidade média dos trens era de 200km/h, mas hoje já alcançam uma média de
350km/h. Uma nova expansão em 1975 de Fukuoka até Osaka marcou a continuidade
dos projetos de expansão, manutenção e de renovação dos carros do Shinkansen.
Além dos 2.000km de trilhos já existentes, estão aprovados mais 1.300km de ferrovias
para serem construídas, o que faz do Japão o país com a maior participação (27%)
das ferrovias no transporte de passageiros (LACERDA, 2008). O terreno acidentado
da ilha, com grandes montanhas e aglomerações populacionais urbanas em encostas
faz com que a mobilidade regional tenha se tornado um grande desafio para a nação
japonesa e o transporte de carga ferroviário é bem pequeno, representando apenas
4% do total transportado.
Os custos dos projetos são altíssimos e a dívida adquirida pela então Ferrovia
Nacional Japonesa (FNJ), foi dividida em 1987, dando origem a outras sete empresas
(JRs) e a dívida foi assumida integralmente pelo Estado japonês. As JRs passaram a
buscar o lucro e, apesar de serem estatais, possuem completa autonomia em relação
ao Estado, que abriu lentamente o capital das empresas para investidores privados
49
(LACERDA, 2008). As linhas mais novas (Kyushu, Hokkaido e Hokuriku) são projetos
da Japan Railway Construction, Transport and Technology Agency (JRCTTA),
operadas pelas JRs, que devem pagar pela utilização da infraestrutura construída pela
JRCTTA.
A Diretissima, linha que liga a cidade italiana de Florença e Roma, faz o caminho de
254km em uma hora e meia. O também conhecido como Pendolino por inclinar-se
devido à grande quantidade de curvas no trajeto, oferece desta forma mais conforto
aos usuários ao compensar a força centrífuga. A Itália está inserida num contexto
espacial intrinsecamente interligado por ferrovias, a Europa, e possui projetos para
interligar com um TAV as cidades de Veneza, Verona, Milão e Turim e entre Nápoles,
Roma, Florença, Bolonha e Milão, sendo que o share do mercado ferroviário na Itália
é de 5%.
O país também criou uma empresa estatal para cuidar dos assuntos relacionados ao
trem existente e aos projetos de instalações futuras, a Ferrovie dello Stato, que possui
também três subsidiárias. A primeira, Treno Alta Velocità SpA planeja e constrói novas
linhas de alta velocidade; a Trenitalia é responsável pelos serviços de transporte de
pessoas e de carga, tanto das linhas normais quando das de alta velocidade e; a Rete
Ferroviaria fica incumbida de toda a infraestrutura oferecida para o conjunto.
O caso italiano aproxima-se muito do aparente caso brasileiro: uma vez iniciado de
forma privada, o projeto não era suficientemente rentável e necessitou de enormes
aportes de capital público, com alta carga fiscal. O economista Mansueto Almeida
(2014) cita o caso:
O Treni Alta Velocitá (TAV) é o maior investimento público já feito na Itália. (...) No seu
início, em 1991, os Treni Alta Velocitá (TAV) italianos eram projetos privados. O governo
participava do projeto com 43% do capital e um consórcio de bancos de investimento
privado bancava 57% do projeto. Em 1994, o governo Italiano estabeleceu uma garantia
ao funcionamento do projeto e, em 1998, devido a crescente incerteza quanto aos
custos do projeto, incerteza da demanda futura e atrasos na conclusão das obras, a
Rede Ferroviária Italiana (RFI), uma companhia 100% estatal, comprou a participação
privada e os TAV passaram a ser, integralmente, investimentos públicos.(...) desde
2003, o artigo 75 do orçamento do governo Italiano estabelece que o governo assumirá
o custo do serviço da dívida não pago pelo TAV com sua receita própria. A estimativa é
que metade do serviço da dívida seja arcado pelo setor público. (...)Em 2007, o governo
50
Italiano resolveu absorver parte da dívida do projeto do TAV para não contaminar o fluxo
de receita futura do projeto com o serviço da dívida. O resultado foi que o déficit público
da Itália aumentou 0,9% do PIB. O problema é que, mesmo com esse aumento do déficit
público em 2007, existe ainda a possibilidade de ele crescer ainda mais, pois o governo
reconheceu neste primeiro momento apenas metade do custo de €32 bilhões da linha
Turin-Milão-Nápoles.
integrar cada vez mais seu território a outros países vizinhos, ligando-o a cidades
como Londres e Bruxelas (LACERDA, 2008).
O ICE foi inaugurado em 1991 e suas primeiras linhas ligavam Stuttgart a Mannheim,
a 100km, e Würzburg a Hamburgo, a 327km. Haviam duas diretrizes principais para a
implantação das linhas de alta velocidade na Alemanha, linhas o eixo Leste – Oeste
e o eixo Norte – Sul, sendo que o primeiro tinha como objetivo aproximar as fronteiras
do país e o segundo, atender ao gargalo de fluxos de pessoas e carga entre o norte e
sul alemães. O país conta ainda com a linha de Hamburgo a Berlin, Leipzig a
Nuremberg e Frankfurt a Colônia. A empresa Deutsch Bahn (DB) administra todo o
sistema, cujos trens transportam cerca de 90% de toda a carga e passageiros
ferroviários do país, percorrendo os trilhos de 250 a 300km/h. Durante a noite, trens
de carga (leve e pesada) percorrem os trilhos de alta velocidade, mas a velocidades
menores, entre 120 e 160 km/h. Há ainda duas subsidiárias da DB, responsáveis pela
infraestrutura (DB Netz) e pelos serviços de passageiros de longa distância (DB Reise
& Touristik), o que inclui as viagens nos trens de alta velocidade (GLEAVE, 2004).
Para minimizar a competição entre ônibus e trens, a DB também opera todos os
serviços de ônibus de longa distância que percorrem a Alemanha.
No território alemão, apenas duas linhas estão aptas a circular em altas velocidades.
O trem que percorre o caminho entre Frankfurt e Colônia custou 6 bilhões de dólares
(entre 1995 e 2002) e cruza 177km em uma hora e dez minutos e foram necessários
vários túneis e pontes para se atravessar o terreno nesse tempo. Já em 2006, ao custo
de 3,6 bilhões de dólares, a linha entre Ingolstadt e Nuremberg possui 90km e foi
construída paralelamente a uma linha já existente, “a fim de minimizar os impactos
ambientais da linha” (LACERDA, 2008).
52
A distância entre Madrid e Sevilha, de 471km, foi a primeira a ser vencida por um trem
de alta velocidade na Espanha, em 1992, indo de uma cidade a outra em duas horas
e 20 minutos com paradas em Puertollano, Córdoba e Ciudad Real. Com o intuito de
atender a um déficit de rodovias no acesso a Andaluzia através de Despeñaperros,
transferindo, segundo Puebla (2004) mais de seis milhões de passageiros das ruas
para os trilhos. Uma segunda linha, inaugurada em duas fases (Lérida-Zaragoza-
Madri em 2003 e sua extensão até Barcelona em 2008), faz uma viagem de duas
horas e 40 minutos de Madri até Barcelona.
Os serviços são também controlados por estatais, a Red Nacional de los Ferrocarrilles
Españoles (Renfe, responsável pelo oferecimento dos serviços de transporte) e pela
Administrador de Infraestructuras Ferroviarias (ADIF, que coordena a manutenção e
a operação das estações e das ferrovias). A Espanha possui uma participação bem
baixa das ferrovias nos mercados dos transportes, chegando à ordem dos 4,8%.
China
53
O dragão chinês foi ainda além dos países europeus, sendo o único que possui trens
com tecnologia MagLev (Magnetic Levitation ou seja, levitação através de magnetismo
sobre trilhos) operando em escala comercial pela empresa Transrapid. O país, além
de possuir a linha de alta velocidade mais longa do mundo, possui ainda mais 30km
de trilhos de levitação magnética, indo do aeroporto de Pudong até a cidade de
Xangai, na Yang Road Station, a impressionantes 430km/h, consumindo uma elevada
quantia de energia. O MagLev ainda possui planos de expansão, indo de Xangai até
Hangzhou (200km), com paradas em Jiaxing e no Aeroporto de Hong Qiao (34km).
Além de todo o investimento no setor ferroviário feito pelo governo chinês, o setor de
transporte aéreo também recebeu massivos aportes de capital para que se
modernizassem os aeroportos e aeronaves que sobrevoavam o espaço aéreo chinês.
Como exemplo de planejamento, os 1.318km que ligariam Pequin a Xangai,
inaugurados em 2012 ficaram prontos antes do prazo e bem abaixo do orçamento
inicial, fazendo o percurso a 380km/h em 240 minutos.
O KCX atua no país desde abril de 2004, indo de Seul a Pusan e de Seoul a Mokpo,
percorrendo 412km de território coreano no primeiro trecho e 407km no segundo.
Segundo Shin (2005) o trecho Seul – Pusan possui um sistema com 9 estações e
aproximadamente 58,9km entra cada uma delas (Seoul, Yongsan, Gwangmyung,
Choanasan, Daejon, Dongdaegu, Milyang, Gupo e Busan) e o trecho Seoul – Mokpo
contém 10 estações, sendo que até Daejon são utilizadas concomitantemente com o
primeiro trecho, seguindo em outra direção a partir daí, com aproximadamente 50,8km
entre cada uma aproximadamente (Daejon, Seodaejon, Iksan, Songjongri, Gwangju e
Mokpo). Segundo Shin (2005), o custo estimado era de 18,2 bilhões de dólares para
a conclusão das obras, porém após os atrasos e as dificuldades de se vencer a
topografia, apenas após a primeira fase (Seul – Pusan, de apenas 224km), já haviam
sido gastos mais de 16 bilhões de dólares.
A ilha coreana é muito acidentada, com diversas barreitas naturais a serem vencidas.
Por esta razão, os projetos de construção e expansão dos trilhos foram atrasados por
54
diversas vezes (após 10 anos do início das obras, apenas a primeira parte estava
finalizada), devido a quantidade de viadutos e túneis que precisariam ser construídos.
Um exemplo a ser seguido, o projeto contava com 18 bilhões de dólares no orçamento
inicial porém durante as construções e todos os percalços do terreno, 90% desse valor
foi consumido para construir apenas metade do planejado (SHIN, 2005). Somado a
isso, a demanda do serviço mante-se por longo período em aproximadamente 40%
da capacidade planejada do trem, quantidade que não cobria os custos totais iniciais
do projeto.
Taiwan
Assim como na Coréia do Sul e Japão, Taiwan possui um terreno muito acidentado e
apresentou a necessidade de construção de muitas pontes e viadutos para que se
transpassassem a topografia desfavorável e o serviço ficou marcado por uma
baixíssima utilização dos recursos no início das atividades. Utilizando-se da bitola
padrão, a linha do trem-bala possui 345km de extensão entre Taipei e Kaohsiung, com
12 estações entre os destinos. Do total, cerca de 90% dos trechos passa por túneis
ou viadutos.
CONCLUSÃO
Segundo verificado por este trabalho, a maior parte dos TAVs acabam se tornando
grandes sumidouros de capital, os dados rapidamente verificados da Europa e da Ásia
mostram que instalações de TAVs no Brasil devem requerer enormes aportes de
capital. Este sumidouro é um fator importante se levado em consideração apenas o
lado do investidor, mas pode ser mais tolerável ao considerar a necessidade de
modernização e revitalização da malha ferroviária brasileira. Considerando as
condições de importação de máquinas e materiais, custos de engenharia de projetos
e da transposição de barreiras físicas e que o Brasil não possui estrutura férrea
preparada para receber os carros, o valor do projeto pode extrapolar em três ou quatro
vezes o valor por quilômetro de outras experiências internacionais. Apesar disso, ao
contrário dos EUA que possui uma população mais distribuída e baixa densidade
populacional, o trecho escolhido para a instalação do TAV brasileiro é bastante denso,
localizado num trajeto por onde passam muitos passageiros e muita carga diariamente
– via aérea e terrestre, por rodovias.
Uma possibilidade apresentada por Nakamoto (2012) para que o projeto seja mais
eficiente é que o TAV possua carros que percorram os trilhos em um sistema
combinado de velocidades. Isso tornaria os percursos financeiramente mais atraentes
para os passageiros e para os investidores privados: baixa em curtos trajetos
(120km/h), média para paradas em todas as estações (120 a 160km/h) e alta
velocidade nos circuitos São Paulo – Rio de Janeiro e Campinas – Rio de Janeiro
(acima de 250km/h), garantindo a melhor utilização de recursos em cada trajeto.
Apesar do trecho ser altamente congestionado, o local das estações não seria
necessariamente dentro dos grandes centros urbanos, sendo que locomover-se até
uma estação para pegar um trem, possivelmente mais caro que uma passagem aérea,
torne a experiência pouco plausível e improvável. Além disso, caso o passageiro
possua um carro ou prefira utilizar ônibus, o transporte por rodovias seria
consideravelmente mais barato e mais prático, tendo em vista a quantidade de
rodovias construídas no trecho em que se planejava o trem-bala e sua qualidade
excepcional – quando comparadas com rodovias de outros estados brasileiros. Um
ponto negativo para quem viajaria neste trecho de carro seria a grande quantidade de
pedágios, mas em comparação com os preços que podem vir a ser cobrados no
56
Indo na contramão das experiências europeias, a China construiu suas linhas de alta
velocidade com o intuito de fomentar o desenvolvimento de regiões mais remotas e
interligar seu imenso território e dessa forma, ampliar sua infraestrutura de transporte
muito limitada. Contudo a instalação dos TAVs e do MagLev chineses é bem recente,
então ainda não é possível determinar se sua operação será tão lucrativa quanto
outros serviços chineses. O país também apresenta um grande investimento na
construção de rodovias e, como o Brasil já fez um dia no passado, passa por uma fase
em que é importante conectar todas as suas fronteiras. Por suas características
bastante peculiares, o caso chinês não é um bom comparativo para o brasileiro, já que
o país passa por um processo de desenvolvimento de infraestrutura distinto do que se
passa no Brasil.
57
Foi observado que a construção de trens de alta velocidade tende a ser muito custosa
e a realidade brasileira não seria diferente, tanto para os viajantes quanto para a carga
tributária que sustentaria o projeto. Com exceção de uma experiência que apresenta
lucro real, o Shinkansen, os bilhetes de trens de alta velocidade tendem a ser mais
caros que ônibus e aviões, tornado o meio menos atrativo e não lucrativo. A maior
parte dos TAVs pelo mundo sangram dinheiro, o exemplo japonês talvez seja um
sucesso pois foi construído quando apenas 12% da população japonesa possuía um
carro, mas o projeto poderia não ser tão bem sucedido se construído hoje.
É aparentemente improvável que muitas das pessoas que viajam entre o Rio de
Janeiro e São Paulo deixariam de utilizar ônibus ou seus carros para fazer a viagem,
reduzindo significativamente o congestionamento do caminho entre as cidades.
Mesmo que o fluxo de pessoas na ponte aérea diminua e seja transferido para os
trens de alta velocidade, o grande impacto de um trem assim poderia ser em países
com aeroportos regionais, cuja curta distância pode influenciar os passageiros que
costumam utilizar a ponte aérea a trocá-la pelo trajeto de trem, criando uma real
evasão de passageiros. Essa redução do fluxo (que não se aplicaria ao Brasil, por não
possuir inúmeros aeroportos regionais) não deve reduzir o atraso entre os voos. No
tocante ao atraso em estações ferroviárias, o TAV tem potencial para criar ou ampliar
atrasos nos trens de cargas e de passageiros, já que os TAVs utilizariam os mesmos
trilhos dos trens convencionais.
Tudo isso significa que o Brasil ainda precisa trilhar um caminho longo até que a
instalação de um TAV demonstre um futuro promissor.
Além da revisão dos três pontos supracitados, é de suma importância ter em mente
que o Estado tem vital importância em todas as experiências internacionais
analisadas, articulando o setor privado e criando novos horizontes para os
investidores. O Estado deve trabalhar para tornar investimentos de maturação de
longo prazo, como o TAV, mais atrativos e trabalhar para que transformem
positivamente o espaço público utilizado. Tendo em vista todos os pontos avaliados
por este trabalho, os trens de alta velocidade são uma alternativa para o futuro do
país, mas o Brasil deveria manter seu foco em transporte ferroviário regular, inter-
regional, tanto de passageiros quanto de cargas. Assim como ampliar sua capacidade
de comunicação entre os modais e ter o TAV apenas como o próximo passo a ser
dado uma vez que a nação tenha maturado seus meios de transporte já instalados.
60
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