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JOÃO EDUARDO MASCARINI DEL VECHIO

OS TRENS DE ALTA VELOCIDADE NO ESTADO DE SÃO PAULO

CAMPINAS
2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

JOÃO EDUARDO MASCARINI DEL VECHIO

OS TRENS DE ALTA VELOCIDADE NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Econômicas, sob a
orientação do Prof.º Dr. Humberto Miranda do
Nascimento.

CAMPINAS
2014
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor e orientador


Humberto Miranda do Nascimento, pelo
apoio e encorajamento contínuos na
pesquisa, aos demais Mestres da casa,
pelos conhecimentos transmitidos e à
Diretoria do curso de graduação em Ciênas
Econômicas da Universidade Estadual de
Campinas pelo apoio institucional e pelas
facilidades oferecidas. Por último, agradeço
especialmente a Arthur Resende por me
incentivar e me motivar a todo instante,
sendo um dos principais responsáveis por eu
ter chegado aqui.
V

“O maior trem do mundo


Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo


Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo


Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.”

(Publicado em 1984 – Jornal “O Cometa


Itabirano”)

Carlos Drummond de Andrade


VI

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... vii
ABSTRACT ............................................................................................................... viii
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 01
CAPÍTULO I – O RODOVIARISMO NO BRASIL ...................................................... 04
1.1 Breve histórico da infraestrutura de transportes terrestres ....................... 04
1.2 O rodoviarismo brasileiro .......................................................................... 09
1.3 Rodoviarismo: a representação da luta de interesses .............................. 14
1.4 Necessidade histórica de infraestrutura no trecho RJ-SP ........................ 17
CAPÍTULO II – O PROJETO DO TAV BRASILEIRO ................................................ 21
2.1 O projeto do TAV ...................................................................................... 23
2.2 O desenvolvimento histórico de SP trazido pelas ferrovias ...................... 32
2.3 SP em 2014: A dinâmica Macrometrópole Paulista .................................. 37
CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ............................................... 44
3.1 Japão – Shinkansen, o pioneiro ............................................................... 47
3.2 Itália – Treno Alta Velocità ........................................................................ 49
3.3 França – Train à Grande Vitesse (TGV) ................................................... 50
3.4 Alemanha – InterCity Express (ICE) ......................................................... 51
3.5 Espanha – Alta Velocidad Española ......................................................... 52
3.6 China ........................................................................................................ 52
3.7 Coréia do Sul – Korea Train eXpress (KTX) ............................................. 53
3.8 Taiwan ...................................................................................................... 54
CONCLUSÃO............................................................................................................ 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 60
VII

RESUMO

O presente trabalho busca compreender de forma ampla a interação entre o histórico


rodoviarista brasileiro e os projetos de investimento em expansão da malha ferroviária
nacional, em especial o projeto de construção do Trem de Alta Velocidade (TAV), com
foco no estado de São Paulo. Desta forma, possibilita-se uma avaliação no âmbito
histórico, político, econômico e tecnológico com outras economias que, além de
possuírem características de malha ferroviária distintas da basileira, instalaram TAVs
no passado e, em alguns casos, possuem metas agressivas para expansão das linhas
já existentes e criação de novas rotas. O desenvolvimento do texto, junto de sua
conclusão, tem como objetivo demonstrar o momento atual brasileiro em relação à
obras ferroviárias e como projetos de transporte de massa (carga e pessoas)
ferroviários podem impactar na qualidade de vida das populações residentes nos
entornos das estações.
VIII

ABSTRACT

This paper seeks to give a broad understanding about the interaction between the
Brazilian Highway-oriented historical and the investment in projects to expand the
national rail network, particularly the construction of the High Speed Train (HST),
focused on São Paulo state. Thus, it enables an evaluation in the historical, political,
economic and technological context to other economies, besides having distinct
characteristics of Brazilian rail network, settled HSTs in the past and, in some cases,
which have aggressive goals for expansion of the existing lines and creation of new
routes. The development of the text, with its completion, aims to demonstrate the
Brazilian present moment in what relates to the railway plans and how mass rail
transport (cargo and people) projects might impact the life quality for people who lives
in the surroundings of the train stations.
1

INTRODUÇÃO

Os sistemas de movimentos proporcionam dinamicidade às circulações de


mercadorias, informação, capital e pessoas e quanto mais dinâmicos os sistemas de
movimentos de um país, maior a circulação possibilitada por ele. A circulação e o
dinamismo de um país são os principais causadores das alterações permanentes do
espaço e da sociedade em que estão inseridos. O meio técnico-científico-cultural é
constantemente alterado pela lógica capitalista, que aliada às suas práticas de
produção e necessidade de constante movimentação, fomentam mudanças cada vez
mais rápidas e, como já dito anteriormente, dinâmicas, permitindo melhorias contínuas
no sistema. O entendimento da dinâmica dos transportes é, portanto, de grande
importância, uma vez que além de permitir a movimentação de carga, passageiros e
informação, esta dinâmica está intimamente ligada as transformações do modo de
produção (SILVEIRA, 2006).

Como resposta às transformações sociais que exigem cada vez mais agilidade “no
retorno ao ciclo de produção e consumo, resultado dos constantes investimentos em
tecnologias de transportes mais rápidos (trens mais velozes, aviões maiores e mais
rápidos, que transportem mais passageiros, garantam mais segurança e pontualidade
e reduzam o impacto ambiental dos meios de transporte convencionais), surgem os
trens de alta velocidade (TAVs). Para atender a esta demanda, vários países do
mundo implementaram TAVs em seus territórios e, entre eles, há o projeto brasileiro
para o TAV entre o Rio de Janeiro e Campinas como parte do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) lançado pelo então presidente Lula em 2009 e que teve sua
continuidade garantida pela presidenta atual e eleita para 2015, Dilma Rousseff.

Nas economias que possuem sistemas de alta velocidade instalados, a realidade do


transporte ferroviário é bem distinta da brasileira. O Japão, por exemplo, pioneiro dos
trens de alta velocidade, teve sua primeira linha lançada em 1964 como solução para
uma malha ferroviária saturada, um ‘passo lógico’ dado após identificada demanda
para o serviço. Neste mesmo caminho, encontram-se países europeus como
Espanha, França e Alemanha, países asiáticos como Coréia do Sul, Taiwan e China
e outros países ao redor do globo.

A lógica de transportes de carga e de passageiros, por sua vez, é rodoviária, cruzando


todo o território nacional, sendo que tal infraestrutura foi instalada em detrimento do
2

investimento na construção e na manutenção da estrutura ferroviária pré-existente.


Devido ao padrão rodoviarista, quando a ideia do TAV surgiu pela primeira vez, em
1981, foi logo engavetada e só ressuscita em 2007, mas seguiu sem efetivação até
2014. Muitos obstáculos surgiram, aliados às incertezas sobre a construção, eficiência
e atratividade do projeto do TAV brasileiro.

O projeto do TAV brasileiro, conforme descrito por Nakamoto e Silveira (2012), deve
ser elaborado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, financiado pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em Parceria Público-
Privada, com 518km e 9 estações obrigatórias. As tarifas seriam subdividas em 2
categorias, com outras duas subdivisões cada: dentro ou fora do horário de pico e
padão econômico ou executivo. Com velocidades acima de 250km/h, espera-se que
o TAV realize seu trajeto mais longo (São Paulo-Rio de Janeiro) em apenas 1 hora e
33 minutos.

A mera curiosidade sobre o projeto transformou-se no combustível propulsor da


produção deste trabalho. Afinal, por qual motivo o projeto do TAV foi postergado, não
tendo nenhum resultado concreto até a presente data?

A hipótese a ser provada é que a principal razão do atraso se deve ao fato de que o
planejamento e a gestão dos projetos, ainda em fase inicial, são os principais gargalos
do TAV brasileiro, principalmente no que tange às consequências das transformações
que trará consigo para o entorno das estações, aumentando a concentração de renda
e a concentração urbana (conurbação), acentuando a desigualdade nestas regiões.

A metodologia desta análise leva em consideração o estudo do passado rodoviarista


do Brasil, as constantes lutas de classe pelas decisões sobre os transportes, assim
como das características regionais do desenvolvimento do trecho Rio de Janeiro –
Campinas, onde se construiria a primeira linha de TAV do Brasil. Após a avaliação
histórica do trecho, foi realizada uma breve explanação do projeto do TAV, tendo como
objetivo ponderar seus principais pontos positivos (como efeito multiplicador regional)
e negativos (aumento da densidade populacional regional e concentração de renda).
O último passo é uma breve avaliação de casos internacionais, como custos, efeitos
positivos e negativos nacionais e regionais, trazendo a experiência de outros países
para a realidade brasileira.
3

Desta forma, será possível verificar a importância do TAV para a realidade brasileira
não somente por descongestionar um corredor movimentado, mas também pela
possibilidade de produção, inserção e absorção de uma tecnologia até então inédita
em terrenos tupiniquins. No longo prazo, é possível que esta nova tecnologia faça com
que o Brasil seja inserido num novo mercado global.

Apesar dos altos custos dos bilhetes (em torno dos R$200), é possível que os trens
atendam uma grande demanda no corredor Rio de Janeiro – São Paulo, porém fazer
com que o projeto vire realidade é uma grande oportunidade para que o país permita
a entrada de um novo modal tecnológico e o surgimento de um novo ramo industrial
no país, que fomentaria centros de ensino, pesquisa e desenvolvimento.

Portanto é possível que o TAV traga consigo um grande potencial de desenvolvimento


econômico e social para o país. A conclusão do planejamento das linhas de alta
velocidade incluem também discutir a necessidade de implementação de
infraestruturas e superestruturas para que o modal seja bem aproveitado e seus
benefícios absorvidos em sua plenitude por grande parte da população. Por fim,
apenas o projeto do TAV brasileiro não será suficiente para, sozinho, aliviar o
congestionamento do corredor RJ-SP. Para que o efeito multiplicador da renda gerado
por este projeto seja real, é necessário que seu planejamento, gestão e execução
tenham a excelência como valor principal, garantindo que seu efeito se espalhe tanto
em escala regional quanto em escala nacional.
4

CAPÍTULO 1

O RODOVIARISMO NO BRASIL

O Brasil entrou na era do caminhão sem antes haver completado o seu equipamento
ferroviário. A rodovia antecipa-se ao trilho nas faixas pioneiras. Toma-lhe triunfalmente
a dianteira para as ligações com os grandes portos. Diz-se que o condutor de caminhões
é o bandeirante moderno (MONBEIG, 1971, p.117-18).
O dionísico caminhão brasileiro, que já foi elemento civilizador, assume agora papel
diferente, mas sem perder esse tipo de identidade, pois falar de Brasil é falar de Brasis.
Dá gosto confrontar e sentir tanta mudança, ao longo desses anos em que o transporte
rodoviário de cargas (...) seguiu a inexorabilidade do tempo. Mudou. Mais do que
mudou, transformou-se (Depoimento de Marcos Vinicios Vilaça, autor de Em torno da
sociologia do caminhão [1961], in HELVÉCIA; GRESPAN, 2006, p.8).

O “novo bandeirante”, o caminhoneiro, estrelou durante o governo de JK, que recortou


o país com rodovias que atravessavam seu terreno e transportavam os interesses
capitalistas de um lado para o outro, acelerando o crescimento da indústria
automobilística e, ao mesmo tempo, levando à decadência o modal ferroviário. Apesar
do rumo desenvolvimentista ter sido dado pelos presidentes Getúlio Vargas e
Juscelino Kubitschek, já se pensava em melhorar e ampliar as rodovias no final do
Império e o início da República Velha – entre 1889 e 1930. Mesmo sendo o Brasil um
território em transição, de matriz majoritariamente primário-exportadora e em rota para
a crise do café, seu principal produto.

Por ser um país primário-exportador, o Brasil apresentou projetos ousados de


aceleração do modal ferroviário, vinculando os espaços de produção aos portos pré
existentes. Porém, o baixo retorno do investimento neste setor, principalmente após a
crise cafeeira e a mudança nos rumos do desenvolvimento do país a partir de 1930,
afastou os investidores privados. A degradação da malha de estradas de ferro ano
após ano permitiu o nascimento de rodovias nas quais circulavam caminhões que,
aos poucos, tomavam o lugar das locomotivas como principal meio de transporte de
carga. O transporte de pessoas vem sempre a reboque dos interesses do capital, ou
seja, pessoas eram transportadas de trem enquanto o principal modal era ferroviário
e passaram a se deslocar de carros e ônibus quando o modal principal passou a ser
rodoviário. O objetivo do capítulo é fazer um breve histórico da passagem do padrão
ferroviário para o rodoviário no Brasil.
5

Breve histórico da infraestrutura de transporte terrestre

O setor de transportes no Brasil eclodiu rápida e timidamente. A lei que permitia o


investimento em locomotivas foi homologada por D. João, permitindo o início do
investimento (privado, com incentivos públicos) em locomotivas – principalmente, para
acompanhar as economias europeias mais avançadas, como Inglaterra e França. De
acordo com o IPEADATA é possível verificar, ao analisar os Gráficos 1, 2 e 3, que o
aumento no número de trens sofre grande desaceleração após a crise mundial de
1929 e a crise do café no Brasil, após 1930 e voltou a apresentar uma tímida expansão
no início dos anos 2000. Fica muito clara a opção dos investidores, sejam públicos ou
privados, pelo transporte automotor, tanto para massas quanto para cargas.

Gráfico 1: Número de máquinas locomotivas em tráfego vs. Número de automóveis


5.000 35.000.000
30.000.000
4.000
25.000.000

Automóveis
3.000 20.000.000
Trens

2.000 15.000.000
10.000.000
1.000
5.000.000
0 0
1974

1994
1904
1909
1914
1919
1924
1929
1934
1939
1944
1949
1954
1959
1964
1969

1979
1984
1989

1999
2004

Trens Automóveis
Fonte: IPEADATA

Comparando-se os três gráficos (1, 2 e 3), infere-se também que, apesar do número
de trens de carga manter-se praticamente constante durante todo o período com um
pico nos anos 2000 e voltando a cair em 2004, o número de trens de passageiros cai
drasticamente a partir da década de 1960, tem uma leve recuperação durante a
década de 1990 e cai novamente após 1994. Apesar de o número de trens de
passageros diminuir sensivelmente na década de 1960, é necessário salientar que
sua sobrevida foi bastante extensa, sendo ultrapassada pelos ônibus apenas ao redor
de 1994.
6

Gráfico 2: Número de trens de passageiros (inclui trens metropolitanos) em tráfego


vs. Número de ônibus
6.000 700000
5.000 600000
Trens - Passageiros

500000
4.000

Ônibus
400000
3.000
300000
2.000
200000
1.000 100000
0 0
1924

1949

1974
1904
1909
1914
1919

1929
1934
1939
1944

1954
1959
1964
1969

1979
1984
1989
1994
1999
2004
Trem - passageiros Ônibus
Fonte: IPEADATA

O movimento observado anteriormente pode ser visto no Gráfico 2 também, em


conjunto com o Gráfico 1 e vislumbrar a abertura do mercado brasileiro para a
importação de automóveis (carros, ônibus e caminhões) do exterior a partir de 1994,
ano de início do governo de Fernando Henrique Cardoso. Para efeitos de
comparação, em 1994 observam-se 9.494.198 automóveis, dos quais 130.064 ônibus
e 972.961 caminhões em circulação e em 1997, estes números aumentam para
18.726.511, 317.311 e 4.609.220, aumentos de 97%, 144% e 374% respectivamente.
O fortalecimento da moeda brasileira logo após o Plano Real também influenciou de
forma significativa a quantidade de automóveis que invadiram as rodovias brasileiras
após a segunda metade da década de 1990. As políticas de cunho rodoviaristas, como
expansão monumental das rodovias (metas para ampliação e renovação rodoviária
acima da meta e abaixo da meta para ferrovias e desativação de ferrovias durante o
governo militar) e redução gradual do investimento em manutenção e construção de
linhas férreas, destacariam esta tendência, dada a ampliação da malha rodoviária em
extensão e em melhorias das vias e o suposto abandono do modal ferroviário em prol
do boom de carros populares a partir de 1994. Como contraste com o número de
automóveis visto anteriormente, em 1960 existiam 4.454 locomotivas, 5.419 trens de
passageiros e 68.500 trens de carga, já em 1997 o número reduziu-se para 1.488,
1.311 e 57.266, -67%, -76% e -16%, respectivamente. O Programa de Aceleração do
Crescimento, cuja primeira fase fora iniciada na segunda metade do governo Lula,
7

previa a ampliação do investimento em ferrovias inclusive com grandes orçamentos,


mas que não vieram a se realizar.

Gráfico 3: Número de trens de carga (vagões) em tráfego vs. Número de caminhões


140.000 8000000
120.000 7000000
100.000 6000000
Trens - Carga

Caminhões
5000000
80.000
4000000
60.000
3000000
40.000 2000000
20.000 1000000
0 0

1974
1904
1909
1914
1919
1924
1929
1934
1939
1944
1949
1954
1959
1964
1969

1979
1984
1989
1994
1999
2004
Trem - Carga Caminhões
Fonte: IPEADATA

O investimento rodoviário foi uma estratégia iniciada ainda no governo Vargas, que
incentivou imensas construções de rodovias com iniciativas públicas, atingindo seu
auge no Plano de Metas (50 anos em 5 de JK), com construções faraônicas, focadas
na interiorização do país. Exemplo típico é a construção da cidade de Brasília, que
precisava de vias que cortassem o país centro-oeste adentro e chegassem até ela,
como a Rodovia Régis Bittencourt (ligando o Sudeste ao Sul), a Rodovia Fernão Dias
(ligando São Paulo a Belo Horizonte), BR-364 (ligando Cuiabá a Porto Velho e Rio
Branco) e a Rodovia Belém-Brasília (ligando o Pará ao Distrito Federal).

A construção das rodovias a partir dos anos 1940 permitiu que veículos automotores
chegassem até onde as ferrovias ainda não conseguiam chegar, não só às cidades
em si, mas a locais específicos dentro das mesmas para carregar ou descarregar,
evitando o transbordo necessário nos vagões de trens, aumentando a eficiência do
transporte necessário quando se realizava o transporte por mais de um meio. O
transbordo era especialmente comum quando se levavam produtos do interior do
Brasil que eram escoados nos portos litorâneos, quando seriam necessários
transportes hidroviários, ferroviários e rodoviários em conjunto, ocasionando em
perdas a cada troca de meio.
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O movimento para as rodovias pode também estar relacionado com a fuga de


capitais de um setor de investimento de longo prazo com baixo retorno, como obras
de saneamento básico (tratamento de água e esgoto, coleta e armazenamento de
lixo, entre outros). Um meio de locomoção com retornos mais rápidos e, para a
época, mais eficiente, era necessário e desejado. Mesmo que a carga transportada
por trens tenha aumentado muito na década de 70, as rodovias já comportavam o
transporte da maior parte de toda a carga brasileira e já escoava mais da metade da
produção para exportação para os portos. Segundo a Geipot, em 1994, o transporte
rodoviário já representava 56,06% do total transportado no Brasil (350,8 bilhões
ton.km) e o ferroviário, 21,37% (133.7 bilhões ton.km), foi uma evolução rápida
considerando que antes de 1925 o número de caminhões nem era contabilizado no
Brasil e, em 70 anos, absorveu quase 60% de toda a carga nacional transportada.

Gráfico 4: Extensão (Km) vs. Carga (Kg)


45.000 450.000
Extensão das linhas férreas (Km)

40.000 400.000
35.000 350.000
30.000 300.000

Carga (Kg)
25.000 250.000
20.000 200.000
15.000 150.000
10.000 100.000
5.000 50.000
0 0
1931
1854
1861
1868
1875
1882
1889
1896
1903
1910
1917
1924

1938
1945
1952
1959
1966
1973
1980
1987
1994
2001
2008

Extensão (Km) Carga (Kg)


Fonte: IPEADATA

O Gráfico 4 mostra a extensão das linhas férreas vs. a carga (Kg) transportada pelos
trens. Pode-se notar que mesmo acompanhando a queda da extensão das linhas
férreas na década de 50 devido a desativação de vários trechos, a carga transportada
continua aumentando. Isso significa que o modal ferroviário estava sendo substituído
rapidamente por outros meios de transporte – isso significou um aumento brutal na
extensão das estradas de rodagem brasileiras.

Por último, mas não menos importante, o número de trens basicamente cai junto com
a extensão das linhas férreas, por volta da década de 50. Conforme as locomotivas
iam sendo ultrapassadas, não eram repostas, mesmo algumas delas que ainda
estavam em condições de ser utilizadas, eram desativadas por falta de transporte e/
ou investimento em melhorias, tornando sua utilização inviável do ponto de vista dos
agentes econômicos. Transportar pessoas sempre foi menos lucrativo que transportar
9

carga e não havia carga suficiente para cobrir os gastos com a manutenção das linhas
– o que acelerou a troca dos produtores para o transporte terrestre. O Gráfico 5
mostra, enfim, a extensão das linhas férreas vs. o número de trens que circulavam
ano a ano, mostrando o decaimento do número de trens e da extensão das linhas. Em
conjunto, os Gráficos 3 e 6, apontam a substituição do modal ferroviário pelas carretas
de carga e ônibus para o transporte de pessoas como tendência histórica e como
característica atual.

Gráfico 5: Extensão das linhas férreas vs. Número de locomotivas em tráfego


45.000 5000
Extensão das linhas férreas (Km)

40.000
35.000 4000
30.000

Nº de Trens
3000
25.000
20.000
2000
15.000
10.000 1000
5.000
0 0
1966
1854
1861
1868
1875
1882
1889
1896
1903
1910
1917
1924
1931
1938
1945
1952
1959

1973
1980
1987
1994
2001
2008
Extensão (Km) Nº de Trens
Fonte: IPEADATA

Gráfico 6: Investimento por modal viário


12000
Investimento por modal (MM R$)

10000
8000
6000
4000
2000
0

Setor Rodoviário Setor Ferroviário

Fonte: Ministério dos Transportes

O rodoviarismo brasileiro
10

Com o território brasileiro em perspectiva, durante a década de 1930 o Brasil passa


por uma grande transformação. A forma de se enxergar o país passa a ser como o
agente modernizador e a atuação do Estado passa a ser necessária não somente no
âmbito político mas também no econômico. Entendia-se que a atuação econômica do
Estado deveria se dar através de investimentos diretos para orientar a concentração
ou desconcentração econômica, reduzindo assim a grande desigualdade regional do
país. Em sua dissertação, Maria do Carmo Corrêa Galvão (1966, p.11) identifica o
crescimento inicial da malha rodoviária brasileira como constante, mas irregular e que
após 1930, revolucionou os sistemas terrestres de transporte, sendo reflexo direto do
impacto dos motores a explosão na economia, sendo que este último – sendo o
caminhão seu principal representante – substituiu os antiquados meios de transporte
da época e foram imprescindíveis para a evolução econômica nacional.

Quando Getúlio Vargas assumiu a presidência (1930 – 1945), este encontrou um


Estado com grandes deficiências nos modais ferro e hidroviários e enxergou nas
rodovias o futuro dos transportes do Brasil. Por suas características de baixo valor de
implantação e possibilidade de privatização das vias construídas (mesmo que a
princípio essa característica não tenha sido tão amplamente explorada como o é hoje).
O Plano Geral de Viação Nacional de 1934 previa que:

 Seria criado o DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, para


planejar, construir e prover manutenção para as estradas federais;
 Seria criado o CNP – Conselho Nacional do Petróleo, devido ao rápido
crescimento do setor de transportes e sua grande dependência de motores a
explosão;
 Daria a União a competência de tributar lubrificantes líquidos e combustíveis;
 Seria criado o IUCL – Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes;
 A Comissão de Estradas da Diretoria de Engenharia do Exército executaria
diversas obras rodoviárias federais: em 1940, chegou a um total de 580km de
estradas construídas, 850km de estradas reconstruídas, 300km de estradas
em construção e 1.260km de estradas em fase de planejamento.

Já no pós Guerra, criou-se o Plano Rodoviário Nacional, com o intuito de prover fluidez
no território do país e alavancar a interiorização através das vias pioneiras, como um
11

esforço de ampliação e articulação de grande prioridade para a nação. O também


criado Fundo Rodoviário Nacional (FRN) vinculava parte dos recursos do IUCL à
conservação e construção de rodovias e definia como os recursos seriam transferidos
para os estados e municípios. Desta forma, o setor rodoviário passou a contar com
uma forma de financiamento de longo prazo que garantia fundos para conservação,
construção e pavimentação de rodovias a fundo perdido. A maior parte dos órgãos
estaduais de estradas de rodagem surgiram nessa época, estimulados pelos repasses
do FRN. Ainda neste pacote, somem as tarifas interestaduais e um outro eixo se
sobrepõe ao secular litoral-interior que se desenvolvia desde a colonização
portuguesa, com as rodovias permitia-se o avanço do interior para o interior, do sul ao
sudeste e ao norte, nordeste, noroeste.

Já no início do governo JK, nos anos 50, Juscelino costumava repetir que o Brasil
estava em uma fase de transição de um país agrário para um país urbano-industrial,
seu Plano de Metas acontecia no mesmo momento em que o crescimento do Brasil
alcançava seu auge devido ao movimento de substituição de importações e toda a
mercadoria produzida no país tinha de ser escoada, seja para o interior ou para o
litoral, para posterior exportação. O Plano de Metas continha, portanto, metas
relacionadas à quantidade de quilômetros de estradas que deveriam ser criadas nos
próximos anos, a fim de suportar a produção que se observava nas novas indústrias
que surgiam (BIELSCHOWSKY, 1988).

Atravessar o país com estradas torna-se imprescindível tendo em vista a guinada do


desenvolvimento nacional após o anúncio da construção de Brasília, observa-se no
período um consenso sobre a ação que o planejamento econômico tem sobre a nova
estrutura do país, considerando os grandes investimentos em energia e transportes e
na indústria pesada. Era imperativo, portanto, que o discurso e as realizações físicas
das metas andassem sempre lado a lado, representando os interesses do Estado em
suas políticas territoriais agressivas de construção de espaço – incomum para toda a
história brasileira (MORAES, 2005, p.99). O palco do Brasil era absolutamente
favorável ao setor rodoviário: havia-se criado um aparato legal para que o Plano
Nacional de Viação tivesse como ponto central o desenvolvimento rodoviário em 25
anos, a partir de 1973, com a expansão de 81,9 mil km de rodovias contra 35,6 mil km
de ferrovias (CARNEIRO, 1970) e somado a isso, a redução e estagnação da última
e da cabotagem eram o inverso da aplicação de recursos em caminhões e ônibus,
12

atraindo massivos investimentos do setor. Prova disso é que o número total de


veículos passa de 103 mil, em 1945, para aproximadamente 264 mil em 1952, sendo
244.941 caminhões e 19.815 ônibus (FONSECA, 1955).

No período de 1956 a 1960, deveria ser executada a meta do transporte rodoviário,


com base no Plano Quinquenal de Obras Rodoviárias (PQOR), meta que continha um
‘cruzeiro rodoviário’ pensado para possibilitar o tráfego de automóveis nos arredores
da futura capital, “fato que podia significar física e simbolicamente, no plano da
tecnosfera e da psicosfera, o rompimento definitivo com a velha concepção da
vocação agrícola do Brasil” (HUERTAS, 2013).

Construída num ponto estratégico, as estradas que a servem – um verdadeiro tecido


conjuntivo de artérias e veias de intercomunicação – realizam, com perfeição, uma
verdadeira costura do Brasil por dentro, aproximando os estados que, embora
geograficamente limítrofes, viviam tão distanciados, uns dos outros, como se
pertencessem a países diferentes (KUBITSCHEK, 2000, p.13-14).

Justificando-se em supostas exigências para o crescimento do país, o governo admite


o favoritismo das metas do modal rodoviário sobre todos os outros. Neste novo
momento, o setor rodoviário já tinha todos os seus problemas descobertos, faltando
apenas mais decisão, dinheiro e tempo para resolvê-los todos (BASTOS, 1955, p.11).

Assim é que, presentemente, repousa no transporte por estradas de rodagem a parcela


preponderante do intercâmbio entre várias regiões do país. Cabe-lhe, ainda, papel de
proeminência na evolução do sistema terrestre, seja diversificando-lhe as correntes do
tráfego, seja suprimindo falhas operacionais de outros meios de transporte, seja ainda
funcionando como linha de ensaio germinativa de desenvolvimento regional (BRASIL,
1958, p. 165).
(...) no início da década de 1940 havia no país uma navegação mercante privada atuante
que passaria a ser alvo direto das ações estatais visando garantir o interesse da
economia nacional (...). Mas, no intervalo de quase 20 anos entre a criação da Comissão
da Marinha Mercante (CMM) em 1941, e a criação conjunta do Fundo da Marinha
Mercante (FMM) e da Taxa de Renovação da Marinha Mercante (TRMM) em 1958,
ocorreu uma relativa deterioração da frota mercante brasileira, além do afastamento da
Marinha Militar do setor. Houve uma conjuntura política que, apesar dos esforços
iniciados em 1939, pouco beneficiou o setor aquaviário devido o favorecimento político-
econômico ao modal rodoviário (FONSECA, 2013, p.34-5)

Durante o Plano de Metas, o Brasil entrou numa bolha inflacionária com crescimento
incontrolável da dívida externa, resultado dos grandes financiamentos das obras.
13

Apesar disso, o presidente da república manteve constante os planos rodoviários,


sendo que estes são os que ultrapassaram de longe as bandas determinadas para a
meta, atingindo 107% em pavimentação (6.202km) e 115% para construção
(14.970km) (LAFER, 1970).

No Nordeste as estradas de rodagem vêm-se multiplicando rapidamente nos últimos


anos, e sua construção tem sido muito intensificada por órgãos governamentais... [...] O
Sudeste e o Sul dispõe de uma rede rodoviária bem distribuída pelo interior, embora
ainda insuficiente para atender às necessidades de seu crescimento econômico. [...] As
demais regiões do país não dispõem, praticamente, de rede rodoviária, servidas [...] por
reduzido número de estradas, geralmente de construção precária. Para essas regiões,
abre-se agora, e somente agora, a era da rodovia, com grandes eixos Norte-Sul e Leste-
Oeste criados para promover a integração dessas áreas aos centros economicamente
mais desenvolvidos (CORRÊA GALVÃO, 1966, p.9).

As rodovias longitudinais e radiais construídas no Brasil até a década de 60


demonstrou o grande interesse nas ligações interestaduais e interregionais, voltado
para a comunicação interna do território brasileiro. O padrão de circulação no Brasil
seria fortemente alterado devido ao crescimento do sistema de movimento rodoviário
no pós Segunda Guerra.

O Plano de Metas de JK foi, de um modo geral, bem sucedido por diversas razões. O
então presidente levou para o DNER um grande grupo de trabalho que incluía grandes
empreiteiras que já haviam trabalhado no programa rodoviário mineiro e trouxe o
engenheiro Lafayette Salviano do Prado para liderar o grupo de trabalho, que havia
sido responsável pelo programa mineiro citado na era de JK.

Ainda em seu primeiro governo, Vargas havia criado o DNER para pôr ordem nos planos
rodoviários. Todo o programa de expansão rodoviária foi feito naquela época, quando
passou a haver maior disponibilidade de recursos em função do Fundo Rodoviário. Ao
assumir o governo, JK viu com clareza que era o momento de fazer a integração do
estado através do sistema rodoviário. Não tinha possibilidade de fazê-lo através do
sistema ferroviário pois todas as estradas de ferro estavam decadentes, já que não
haviam recomposto seu material rodante nem reconstruído suas linhas desde a guerra.
A verdade é que a mentalidade era rodoviária, já naquela época como hoje. Estamos
hoje com uma economia completamente distorcida em termos da relação entre
transporte rodoviário e ferroviário. Estão sendo transportados em rodovias massas que
normalmente deveriam ser transportadas em ferrovias, apenas porque a mentalidade é
rodoviária. Portanto, desde seu governo em MG, JK havia preferido as rodovias porque
não tinha o que fazer em matéria de ferrovia (LOPES, 1991, p.193).
14

Rodoviarismo: a representação da luta de interesses

O governo de JK elevou ao extremo a linha rodoviarista dos governos anteriores, mas


não sem conflitos. O Plano de Metas articulou-se politicamente, pois JK possuía uma
aliança de partidos que englobava os principais ministérios: a aliança PSD/PTB
(Partido Social Democrático e Partido Trabalhista do Brasil). É nessa aliança que pode
ser depositado o enfraquecimento dos projetos ferroviários, que perdia sua hegemonia
em ambos os partidos face ao interesse ligado à expansão das rodovias por diversas
razões. Apenas o PSD, fundado em 1945, reunia as principais lideranças dos setores
de oposição à Vargas quando do surgimento do Estado Novo, como proprietários
rurais, comerciantes, advogados entre outras personalidades de grande destaque nos
estados e municípios. A aliança tinha o poder sobre o Ministério do Trabalho (inclui os
institutos da Previdência Social), Ministério da Agricultura, Ministério da Fazenda,
Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça e sobre o Ministério da
Viação e Obras Públicas, este último tinha grande influência por ser grande gerador
de empregos, renda e investimento; o PSD ainda dominava as Comissões do
Congresso e garantiam grande estabilidade política para JK e seus projetos, assim
como suas vitórias no Congresso Nacional.

O Plano de Metas para o setor automobilístico foi, portanto, muito importante para a
consolidação das alianças de JK. O PSD tinha uma grande base rural, contando com
grandes empreiteiros e também grande base burguesa, que continha setores
progressistas que visavam a implementação de um parque industrial mais moderno.
O PTB, por sua vez, tinha em mente a ampliação da base do partido incorporando
novos operários qualificados e suas associações, mas fazia campanha contra a
invasão do capital estrangeiro ao erguer a bandeira da Fábrica Nacional de Motores.
Segundo Maria Victoria M. Benevides (1976):

Se o Programa de Metas conseguiu ser implementado sem grandes interferências dos


políticos e do Congresso, teve dificuldades devido a questões facilmente ‘politizáveis’,
como, por exemplo quanto ao papel do capital estrangeiro ou às metas rodoviárias,
diretamente vinculáveis aos interesses locais, mas também aos interesses dos grandes
empreiteiros ligados à cúpula do PSD. (...) as dificuldades criadas em torno das metas
rodoviárias foram sendo contornadas na medida em que o ‘poder’ do DNER não era
contestado; o DNER já era equipado com seus projetos viáveis e, principalmente, com
recursos próprios. Logo, o Programa de Metas apenas incorporava projetos do DNER
no seu orçamento geral, o que compatibilizava os diversos interesses e se inseria na
15

política do Executivo: implementar o novo plano sem antagonizar os organismos já


existentes.

Conforme Faro e Silva (1991), o que se atingiu das metas no fim do governo JK para
o setor ferroviário foram pífias, enquanto que as metas rodoviárias extrapolaram todas
as faixas:

 Construção de rodovias: 124,8%


 Pavimentação de rodovias: 124%
 Construção de ferrovias: 39,4%
 Reaparelhamento de ferrovias: 76%

O desenvolvimento do setor rodoviário coincidiu com a fase de maior crescimento da


economia brasileira, assim como o do recrudescimento do setor ferroviário devido à
forma como foram articuladas as políticas de transportes de massa do país ao longo
do século XX. À época, o governo lutava contra boatos de que mais de 6 mil
quilômetros de trilhos deixariam de ser atendidos para que rodovias fossem
construídas e atendessem os empresários que financiavam o governo. É fato que um
sistema de transporte não deve canibalizar outros, mas também é fato que os
empresários preferem meios de transporte mais econômicos ou que ofereçam
melhores vantagens para escoar suas mercadorias. Pela ótica do livre-mercado, as
mercadorias é que optam pelo meio em que serão transportadas. Durante os anos 60,
existiam políticas de substituição de itens transportados em estradas de ferro para que
escoassem em estradas de rodagem, o aumento da produção causado pela
construção de uma estrada de rodagem em uma região era maior que a quantidade
que a mesma estrada ‘roubaria’ de uma estrada de ferro. Segundo Costa (2006),
hipótese levantada na época é de que se a proposição anterior não se realizasse, era
porque a região era pobre, incapaz de reproduzir riquezas ou de explicar a presença
de estradas de ferro, portanto esta deveria ser eliminada, extraindo-se os trilhos.

Ainda segundo Costa (2006), as políticas de recolhimento dos trilhos por critérios
econômicos e contábeis, retirando os trilhos de regiões mais pobres e menos capazes
de gerar riquezas, foram seguidas de forma agressiva pelos militares durante a
ditadura, que definiu os limites do desenvolvimentismo majoritariamente excludente
no país. Esta ação, apesar de seu resultado parcialmente nefasto, era parte de um
projeto a nível federal de Segurança Nacional, fundamental na teorização militar para
16

o planejamento estratégico do Brasil pós-1964. No período do regime ditatorial o


Brasil observou o surgimento e manutenção de um Conceito Estratégico Nacional,
liderado pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, criado em 1934,
cuja manutenção foi garantida pelas constituições de 1946 e 1967 (em 1988, a nova
Constituição não cita o Conselho de Segurança Nacional, mas cria dois novos, o
Conselho da República e o Conselho da Defesa Nacional, órgão de consulta direta do
Presidente da República). Formado pelos ministros de Estado, o vice-Presidente e o
Presidente, o Conselho acompanhava o Presidente na condução e formulação da
Política de Segurança Nacional e também lhe era competente a manutenção das “[...]
áreas indispensáveis à segurança nacional”, dando “[...] assentimento prévio para [...]
construção de pontes e estradas internacionais e campos de pouso”. Enquanto que a
proteção das fronteiras nacionais via estradas de rodagem, que conectariam todo o
território nacional de forma rápida e eficiente, era de primeira importância para os
militares, a manutenção das caras rodovias foi deixada em segundo plano. Como
grande exemplo, a rodovia Transamazônica (4.223km) foi projetada, executada e
inaugurada durante e o governo Médici (1969-1974), ligando a cidade de Cabedelo
(PB) à cidade de Lábrea (AM), passando por sete estados brasileiros (PB, CE, PI, MA,
TO, PA e AM).

De acordo com Paula (2010) a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL
publicou em 1969 um documento sugerindo a construção de rodovias que
atravessassem o continente americano do Atlântico ao Pacífico e criticava o modelo
ferroviário da época, que por falta de investimentos passava por uma situação precária
de atraso nas formas de práticas de operação e péssimo modelo de atualização de
equipamentos, contribuindo favoravelmente para as rodovias como forma de
redefinição do modal de transportes na América Latina.

Segundo Barat (1973), em 1970, passaram pelas rodovias 73% da carga transportada
e 96% do total de pessoas transportadas; comparado a isso, temos que entre 1950 e
1970, o transporte de passageiros por estradas de rodagem cresceu
aproximadamente 12,3%, o transporte por ferrovias caiu em 0,1% e o aéreo havia
caído 3,8%. Conforme avaliação do autor, as ferrovias eram ineficientes no sentido de
terem sido construídas numa lógica interior-litoral e não apresentaram
desenvolvimento adequado para comportar o crescimento acelerado de um setor
industrial em plena ascensão, o que levou ao seu abandono. Barat destaca que:
17

Os sistemas ferroviários regionais, por conseguinte, devido à origem dos seus traçados,
contribuíram pouco para a unificação dos mercados e a integração da fronteira agrícola
em expansão. As diferenças de bitolas e as deficiências de traçado nos sistemas
ferroviários existentes, de um lado, e os altos custos de construção e os períodos mais
longos de maturação dos investimentos ferroviários, de outro, transferiram para as
rodovias o papel de destaque na consolidação de um mercado nacional. (Barat, 1973,
p. 117-121)

Ainda de acordo com DE PAULA (2010), observou-se um aumento indiscriminado na


demanda por serviços rodoviários, que foi atendido pelo surgimento de inúmeras
empresas de transporte de carga (expressivo número de empresas que atendiam
fretes de porta a porta) e de pessoas, levando a uma sobrecarga – hoje evidente – do
uso das então estradas de rodagem. A autora sugere que surge aí uma grande
categoria, porém dispersa, não sindicalizada, com baixa qualificação e baixos salários
e de difícil organização, a dos rodoviários, que contribuía favoravelmente para o
desenvolvimento do, então barato, setor rodoviário. A redução da malha ferroviária,
demissões em massa, erradicação de postos de trabalho, indução a aposentadorias
e redução da massa trabalhadora ferroviária, levou a um grande enfraquecimento do
setor trabalhista mais organizado do país, dos ferroviários. Somado a isso, observa-
se o desenvolvimento das montadoras de automóveis, fábricas de autopeças,
empreiteiras e de grandes aportes de recursos restritos apenas a este setor,
solidificados pela mentalidade de superioridade do transporte individual e do
fetichismo por carros, transformando o Brasil no país das rodovias.

O domínio dos interesses econômicos sobre os culturais/ sociais/ ecológicos disfarça


um interesse de classes muito enraizado ou, como proposto por Gramsci, de acordo
com DIAS (sem data), qualquer política de cunho econômico provém de um projeto
político baseado em interesse de classes, é classista. Hoje, o país passa por novos
desafios e por novas disputas, com muitos planos para construção e revitalização de
trilhos de ferro devido ao surgimento de novos interesses no plano político-econômico
e, de alguma forma, os agentes econômicos e políticos tentam encaixar em seus
discursos e planos de governo a entrada do Brasil na era dos Trens de Alta
Velocidade, ou TAVs.

Necessidade histórica de infraestrutura no trecho RJ-SP


18

Ao se colocar o trecho de SP em que o trem bala seria instalado, a necessidade


histórica do desenvolvimento de infraestrutura de transportes no estado de São Paulo
tem raiz no intenso desenvolvimento da cultura cafeeira e no processo de escoamento
do café para o porto de Santos, onde o café era embarcado e exportado em ferrovias
que iam de oeste a leste, sentido interior-porto. Indo além do grande período em que
o país ficou tecnologicamente estagnado (até século XVIII), o período que teve início
no século XIX, com a segunda revolução industrial, trouxe para o mundo um mar de
novas tecnologias desenvolvidas graças à intensa concorrência entre os então
chamados países centrais. Ao mesmo tempo em que esta onda de inovações tomava
lugar no cenário internacional, o processo permitia o avanço do comércio
internacional entre países produtores (principalmente de matérias primas, devido a
inovações nas embarcações e trens a vapor, que aumentavam a velocidade dos
navios, evitando que os produtos perecessem no transporte), uma vez que os países
centrais já faziam parte do cenário comercial internacional.

Conforme Saes (1981), São Paulo saiu na frente por se tornar um grande pólo
exportador, sobrepujando até mesmo a produção cafeeira fluminense, que entrou em
decadência a partir de 1880. Este movimento rumo ao interior tornou possível uma
grande expansão dos centros urbanos, principalmente nos focos exportadores do
Brasil. O crescimento da produção de café do Oeste Paulista e o aumento da demanda
do produto no mundo, assim como a inundação de capital que fluía dos principais
compradores, favoreceu a instalação de meios de transporte mais eficientes – linhas
férreas – para escoar o café até Santos e, de lá, enviar para o Rio, onde a exportação
era feita.

O autor afirma que essa dinâmica propiciou a criação de várias companhias


concessionárias de linhas, como a Cia. Paulista de Estradas de Ferro, a Cia. Ituana
(em 1873), a Cia. Mogiana (1875) e a Cia. Sorocabana (1879). Como as rodovias
carroçáveis também eram precárias, o caminho de São Paulo a Santos foi reformado
e reinaugurado, como o Caminho da Maioridade, em homenagem à maioridade de
Dom Pedro II. Apesar de já haver empresas criadas para a então pujante indústria de
construção de ferrovias, a primeira ferrovia brasileira foi concluída em 1866, a São
Paulo Railway, ou Inglesa, como foi chamada. A empresa foi detentora de um
monopólio confortável e qualquer linha instalada no período deveria pagar-lhe tributos
19

além de, obrigatoriamente, utilizar seus trilhos para descer de São Paulo a Santos,
somado aos tributos Imperiais e Provinciais. A construção pioneira destas linhas no
interior paulista deixou um legado inestimável à cidade de Santos além de, no futuro,
ligá-la à então capital, Rio de Janeiro, através da Estrada de Ferro do Norte chegando
à Central do Brasil. A rede de ferrovias dentro do estado ganhou porte e vivenciou
uma pesada urbanização rumo ao interior, permitindo a formação de indústrias
rudimentares, internalização e diversificação da produção. Os trilhos tiveram marca
dos traçados originais do país, datados do século XVI, nas bandeiradas para o interior
do Brasil. Seguindo os caminhos originalmente aberto nas trilhas, pelas bandeiras e
pelas estradas carroçáveis, as ferrovias ligavam todo o interior e o litoral através da
estrategicamente localizada cidade de São Paulo, sendo duas vias principais, de
maior circulação: a que ligava o interior à Campinas e dali para São Paulo e, em
seguida, a que partia de São Paulo em direção ao Rio de Janeiro, tornando o circuito
altamente tributável e passagem obrigatória para todos que quisessem ultrapassar os
limites da Serra do Mar.

A substituição dos tipos comerciais transportados pelas ferrovias delimitou qual o


caminho a ser traçado pela cidade de São Paulo e pela região no entorno
(principalmente grãos de café para minérios): o comércio de luxo deu início a uma
transformação de uma região antiga e esquecida em uma cidade grande e moderna,
propiciando a vida social e cultural que uma metrópole deve oferecer. Após muito
tempo de sua instalação, a São Paulo Railway foi adaptada ao nível do Tamunduateí,
atraindo muitas empresas ao seu redor, alterando de uma vez por todas o cenário que
antigamente apresentava.

Não resta dúvida que as áreas industriais acompanharam as vias férreas: Brás,
Belenzinho, Tatuapé, Comendador Ermelino Matarazzo e São Miguel, ao longo dos
trilhos da ‘Central do Brasil’; ainda o Brás, Pari, Mooca, Ipiranga, São Caetano do Sul e
Santo André, acompanhando a ‘Santos-Jundiaí’; Barra Funda, Água Branca, Lapa e
Osasco, servidas tanto por esta via férrea, como pela ‘Sorocabana’. Mas,
inegavelmente, foi a função industrial mais do que outro qualquer fator, que ocasionou
seu crescimento e sua expansão em área. O fato de terem as estradas de ferro
aproveitado os vales, onde os terrenos podem ser obtidos a baixos preços por não
serem apreciados como locais de residências, atraiu a instalação de estabelecimentos
fabris. Cresceu, deste modo, a área urbanizada, e as várzeas do Tamanduateí e do
Tietê, naqueles trechos, deixaram de ficar ao abandono. (Petroni, 1958, p.104)
20

Sérgio Silva (1976) destaca a importância histórica das ferrovias no desenvolvimento


industrial do estado de São Paulo, que coloca à frente a própria indústria cafeeira que
se desenvolve após a metade do século XIX e traz consigo a construção de uma rede
de prestação de serviços mais sofisticada até que a dos centros industriais europeus
mais modernos. SILVA deixa claro o papel da construção das ferrovias e da
substituição das tropas de mulas, que eram conforme citação de SILVA, segundo d’E.
Taunay, até seis vezes mais caras e muito menos eficientes que os trens. A ferrovia
havia permitido que o interior do estado de São Paulo se conectasse cultural, social e
economicamente à cidade de São Paulo e ao litoral paulista, mas apenas isso não foi
suficiente para que sua expansão e manutenção fosse a escolha dos governos para
a interiorização do país. O transporte rodoviário foi a resposta mais rápida e lucrativa
para o modal ferroviário que entraria em declínio no Brasil junto com a redução da
exportação de café para o mundo. Mesmo que possivelmente tivesse sido a melhor
alternativa, como ocorreu em países como Estados Unidos, China, Japão e vários
europeus, que foram inteiramente conectados para que o transporte de carga e de
pessoas se tornasse mais rápido e barato, o Brasil escolheu o caminho inverso e
conectou seu território através de rodovias.
21

CAPÍTULO 2

O PROJETO DO TAV BRASILEIRO

(...) Lá no desvio ficou o trenzinho.


Enferrujado, devagarinho...
Trenzinho Valente,
Que levava tanta gente!
Carregava em seus vagões
Laranjas, bananas, limões...

Até que um dia o Nicolau


Foi espiar a velha estação.
Ai, que tristeza no coração!

O velho trenzinho, seu companheiro, ia ser vendido pro ferro velho (...)
Texto publicado por Ruth Rocha em 7 de outubro de 1984, na “Folhinha”.

A decisão da implantação de um trem de alta velocidade (TAV) no Brasil não deveria


ser surpresa para um mercado que vivencia grande desenvolvimento urbano e alto
grau de conurbação, mas deve ser tratado com cautela. O projeto do TAV como um
todo apresenta inúmeras semelhanças aos projetos apresentados na época da
instalação das primeiras linhas férreas do estado de São Paulo nos séculos XIX e XX,
principalmente a Ferrovia São Paulo-Rio de Janeiro, que liga a cidade de São Paulo
à Cachoeira, no extremo nordeste do estado, próximo à divisa com o estado do Rio
de Janeiro, já no Vale do Paraíba; de Cachoeira, parte a E.F. Dom Pedro II, indo até
a cidade do Rio de Janeiro. O caminho a ser percorrido pelas linhas de alta velocidade
é o mais adensado do país, com dinâmica econômica complexa e intrinsecamente
ligada às decisões políticas, sempre amparadas por seus patrocinadores privados.
Tema a ser desenvolvido mais adiante, o trecho ligaria duas das macrorregiões mais
dinâmicas do país: a Macrometrópole Paulista e a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, intermediadas pelo Vale do Paraíba fluminense.

O processo de desenvolvimento na macrorregião criou um sistema truncado e


ineficiente de transporte, altamente baseado na utilização das rodovias – herança dos
22

pacotes de desenvolvimento dos governos de Getúlio Vargas, JK e militares – e que


pouco utiliza de meios mais baratos e eficientes, como ferrovias e hidrovias. A escolha
da utilização das rodovias gera hoje grandes desperdícios, mas garante o retorno das
concessionárias. A herança trazida das ferrovias, entretanto, é a do abandono total,
reflexo das motivações dos agentes tomadores de decisão, seja o Estado ou o setor
privado, baseados em interesses de produção e escoamento de produtos.

O projeto do TAV foi, sem dúvida, baseado em interesses seculares do Brasil (ao
verificar a construção de diversas ferrovias na Europa, o governo Imperial brasileiro
autorizou, sem demora, o financiamento público [com participação privada] da
construção de ferrovias – em 1835 –, mas somente na década de 1850 que os
primeiros 14 km da Estrada de Ferro Dom Pedro II foram inaugurados, saindo do Rio
de Janeiro e depois expandida até Cachoeira Paulista, no estado de São Paulo) que
não representam necessariamente a real necessidade de expansão da infraestrutura
de transportes brasileira. No capítulo anterior, mostra-se o investimento em cada
modal a partir da instauração do Plano Real no país1; nota-se realmente um grande
aumento no investimento em infraestrutura de transportes e a rodoviária, além de já
privilegiada, é o alvo do investimento grosso feito no período.

A Figura 1 a seguir, mostra a área de influência da construção do TAV, que engloba


a Macrometrópole Paulista (excluindo-se a baixada Santista), o Vale do Paraíba (RJ)
e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

1
Ver Gráfico 6, página 9.
23

Figura 1: Área de Influência do Traçado Referencial (pré-licitação), 2009

O Projeto do TAV

Os trens a velocidades superiores a 250km/h são considerados de alta velocidade.


Assim como as primeiras ferrovias, eles modificam as relações entre tempo e espaço.
Cidades afastadas tornam-se bairros da capital e grandes transformações acontecem
no uso e no valor do solo nas áreas beneficiadas pela nova tecnologia (LACERDA, 2008,
p.2).

Conforme explica MENDES (2012), o projeto federal do TAV (Trem de Alta Velocidade
brasileiro) é a instalação de um trem de alta velocidade, com a máxima de 350km/h,
interligando as capitais dos dois principais estados do país: São Paulo e Rio de
Janeiro. Adicionalmente a este projeto, o governo estadual de São Paulo também
previa a instalação de uma ramificação entre São Paulo e Campinas, conhecido por
Expresso Bandeirantes. O percurso total teria 518 km e transitaria por um caminho
conhecido dos projetos ferroviários desde o início do século XX. O trem seguirá uma
antiga rota do café, já estabelecida pelos cafeicultores e empreiteiros do estado de
24

São Paulo ainda quando o café era responsável por quase 50% do valor exportado
pelo Brasil, sendo uma commodity altamente valorizada, inelástica e considerada
como bem de luxo na época.

Segundo a ANP Trilhos (2011), em 2010, logo após sua implementação o TAV
absorveria aproximadamente 50% da demanda por transporte em sua região de
influência, ele representaria assim uma consolidação do planejamento de longo prazo
para o transporte de passageiros na região. Ainda de acordo com o seminário da ANP,
o movimento de diluição da demanda de passageiros por modais de transporte
através do trem bala tem, de acordo com o BNDES, a capacidade de direcionar a
Macrometrópole Paulista para o reordenamento de sua matriz de transporte urbano e
interestadual (levando à melhoria da qualidade de vida e da mobilidade da população),
movimento absolutamente necessário tendo em vista a superutilização das rodovias
e aeroportos que conectam as cidades da macrorregião. Itens específicos como
redução do impacto ambiental dos modais de transporte, aumento da arrecadação
fiscal, aumento da concorrência entre os modais, efeito multiplicador no crescimento
do PIB também poderiam ser mitigados através do projeto do TAV.
25

Figura 2: Traçado Referencial do Trem de Alta Velocidade (TAV)

Comprimento total: 518Km Bitola: Padrão

518 Campinas - Ramos de Azevedo


510 Aeroporto de Viracopos
470 Jundiaí
430 São Paulo - Campo de Marte
? Aeroporto de Guarulhos
315 São José dos Campos
? Aparecida

165 Resende
135 Barra Mansa
5 Aeroporto do Galeão
0 Rio de Janeiro - Barão de Mauá
26

Conforme o projeto do Consórcio Halcrow – Sinergia (2009), o trem tem como principal
objetivo o transporte de pessoas e cujo processo de construção apresenta os mais
diversos obstáculos a serem superados. Desde 2010 tenta-se encontrar uma empresa
que consiga e queira atender às exigências do plano da ANTT e da Empresa de
Planejamento Logístico (criada estrategicamente para administrar a parte pública do
TAV). Entre elas, estão o tipo de bitola a ser utilizada (padrão) e a tarifa máxima do
quilômetro rodado (R$0,49). Os custos elevados de construção e manutenção e a
longo processo de retorno pela margem de lucro tornam o projeto pouco atrativo. O
investimento em TAVs ao redor do mundo pode ser explicado pela melhor localização
das estações do trem em cidades cujos aeroportos fiquem muito distantes de centros
urbanos, o que torna mais demorados os processos de check-in e checkout por
exemplo, tecnologias como check-in eletrônico torna ainda mais rápido o embarque
em aeronaves, reduzindo o tempo de chegada e de espera em aeroportos. O caso do
TAV Rio de Janeiro-Campinas tem previstas estações em São Paulo menos
privilegiadas em relação à localização de Congonhas e Cumbica, fato explorado pelo
estudo de viabilidade do TAV.

Para compensar as desvantagens deste imenso projeto, aos moldes do Plano de


Metas de JK, o governo federal permitiria o financiamento, principalmente através do
BNDES, da maior parte do custo operacional do projeto. Outra tática, seria a divisão
do leilão do projeto em duas partes: a primeira, que determinaria a empresa detentora
da tecnologia a ser utilizada. A primeira empresa também deveria ceder ao governo
federal toda propriedade intelectual gerada na construção e permitir sua utilização por
outras empresas num prazo de até dez anos, sem cobrança de tipo qualquer de
royalties. Porém, é possível suscitar uma outra questão sobre essa tecnologia, se há
a possibilidade de utilizá-la em outros setores ou se está limitada à construção de
trens de alta velocidade: ora, caso não haja outras aplicações para a tecnologia, pode
ser tolice absorver tal tecnologia sendo que não haveriam outros trechos nem aportes
de capital suficientes para utilizá-lo, em pouco tempo todas as patentes já valeriam
muito pouco devido à criação de tecnologias ainda mais avançadas (como o
MAGLEV). A segunda, determinaria a responsável pela execução do projeto do TAV
em si e financiar, com capital próprio, 30% do projeto, sendo que os outros 70%
27

poderão ter origem em outras fontes – onde o BNDES teria parte, através de fundos
de pensão.

O projeto original prevê 9 estações obrigatórias no projeto: próximo à Estação Barão


de Mauá, no Aeroporto do Galeão, na região fluminense do Vale do Paraíba (cuja
cidade seria decidida pelo consórcio vencedor do leilão), em Aparecida, na região
paulista do Vale do Paraíba, no Aeroporto de Guarulhos, (possivelmente) no Campo
de Marte (em Santana), no Aeroporto de Viracopos e na Estação Ferroviária, em
Campinas. Aparecida deverá receber uma estação pelo número de romeiros que
recebe todo ano e o consórcio determinaria outras estações para o trajeto.

Conforme descrito por Nakamoto (2012), o projeto do trem bala brasileiro:

 Foi elaborado pelo Governo Federal, em parceria com a ANTT – Agência


Nacional de Transportes Terrestres e será financiado pelo BNDES – Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, em PPP – Parceria Público
Privada;
 Pretende suavizar problemas regionais de logística, transporte, circulação e
mobilidade no corredor Rio de Janeiro – São Paulo – Campinas
 Tem planejados 518km de trilhos, sendo 9 estações obrigatórias
 Possui duas modalidades de conforto, Executivo e Econômico (o preço do
Executivo seria aproximadamente 65% maior que o Econômico)
 Possui duas modalidades de preço, no Horário de Pico e Fora do Horário de
Pico (os preços no Horário de Pico são aproximadamente 32% maiores que os
preços Fora do Horário de Pico)
 Em alta velocidade, espera-se realizar o trecho mais longo (Campinas – Rio de
Janeiro) em 1 hora e 33 minutos, bom tempo se comparado a automóveis
individuais (4 horas e 57 minutos, sem trânsito intenso), ônibus (6 horas, sem
trânsito intenso) e ao trajeto aéreo (55 minutos, mais 1 hora de chegada prévia
ao aeroporto)
 Considerando cada modalidade de preço do TAV (Horário de Pico e Fora do
Horário de Pico, Executivo e Econômico) como valor base 100, no maior trajeto
(Campinas – Rio je Janeiro), transitando em alta velocidade, obtêm-se a
seguinte comparação:
28

Tabela 1: Comparativo de preços para passageiros entre os modais aéreo, ferroviário,


rodoviário coletivo e individual

TAV

Modal Horário de Pico Fora do Horário de Pico

Executivo Econômico Executivo Econômico


100 100 100 100
Executivo 123,08 200,00 160,00 266,67
Avião
Econômico 55,38 90,00 72,00 120,00
Convencional 19,85 32,25 25,80 43,00
Ônibus Semi-Leito 27,08 44,00 35,20 58,67
Leito 33,54 54,50 43,60 72,67
Gasolina 44,40 72,15 57,72 96,20
Carro
Álcool 40,12 65,19 52,15 86,92
Fonte: Nakamoto e Silveira (2012) , p.4

 A tabela acima indica que o modal tem preços mais elevados se comparado
com a maior parte das opções de transporte, mas os índices não consideram o
fator conforto, tempo de trajeto, facilidade de acesso ou disponibilidade, entre
outros. Considerados estes outros fatores, é bem plausível que o índice dos
outros modais sejam, minimante, comparáveis ou mais elevados que os do
TAV (ou seja, maiores que os 100 iniciais).

Na primeira tentativa de leilão, nenhuma empresa demonstrou interesse nem


apresentou projeto que interessasse ambos os lados (consorciado e EPL), portanto
nada foi feito até agora. Em 2012, após a criação da EPL e de novas regras mais
atrativas para o consórcio, maior financiamento pelo BNDES e mais juros pelo capital
aplicado, ou seja maior retorno, algumas empresas do ramo demonstraram interesse
em participar dos leilões na época. Foram elas:

 China Railway Materials (CRM, China)


 Consórcio entre as brasileiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e as japonesas
Mitsui, Toshiba, Hitachi, Mitsubishi e Japan Railway
29

 Consórcio entre o Grupo Bertin, a Galvão Engenharia e as sul-coreanas


Samsung e Hyundai
 Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles (CAF, Espanha)
 Alstom (França)
 Siemens (Alemanha)
 AnsaldoBreda (Itália)
 Transrapid, com a tecnologia de levitação magnética (Maglev) (Alemanha)

O governo brasileiro exige, porém, que empresas estrangeiras associem-se a


empresas nacionais para entrar no leilão. Empresas como Andrade Gutierrez
negociaram parcerias enquanto outras, aguardaram o Edital Oficial para tomar uma
posição final. Muitas delas desistiram do consórcio ou solicitaram mais aportes por
parte do BNDES para continuar na concorrência, uma vez que o Edital de Concessão
nº 001/2012, publicado em 01/07/2013 foi adiado, sine die, em 15/08/2013, adiando
sem previsão a realização do edital em questão. Porém, de acordo com um debate da
presidenta Dilma Rousseff com blogueiros2, o momento não era adequado para o
desenvolvimento do projeto por muitas razões, dentre elas a crise da zona do Euro e
a falta de competição adequada para participar do leilão (as empresas apresentadas
acima apresentaram interesse no projeto do TAV, isso não significa que todas era
elegíveis a participar dos leilões). A presidenta afirmou que na época “preferimos adiar
o processo, deixamos as coisas ficarem mais fáceis internacionalmente” uma vez que
o projeto ainda apontava várias zonas cinzentas que fomentavam maiores
explicações.

O projeto do TAV correria o risco, caso o projeto fosse iniciado, de ser parado como
ocorreu com a transposição do Rio São Francisco: as obras encontraram um solo tão
rígido que a necessidade de recursos para perfuração ultrapassava quaisquer
previsões – mesmo as mais mirabolantes – de valores para a obra, portanto a
transposição foi adiada sine die. Nas palavras da presidenta no debate de 26 de
setembro “O trem-bala é para resolver uma questão urbana. Há imensa concentração
de população entre São Paulo e o Rio de Janeiro”, afirmando a necessidade do
desenvolvimento do modal ferroviário como forma de reduzir a pressão sobre as

2
Debate de Dilma Rousseff com blogueiros, disponível no Estadão online,
http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,dilma-diz-que-trem-bala-tem-condicoes-de-ser-
desenvolvido,1566793, acessado dia 02/11/2014
30

grandes cidades e promover a redução dos preços dos terrenos, permitindo que a
população mais humilde tenha acesso a terrenos e a casa própria com maior
facilidade. Devido a esta nova paralização, o estado de São Paulo passou a acelerar
o desenvolvimento do trem regional para a região, que circularia 431km (ligando
Americana a Santos e Taubaté a Sorocaba, cruzando-se na cidade de São Paulo) a
velocidades entre 120 e 160km/h.

Ao contrário dos aviões, automóveis e ônibus, o aumento do tráfego,


congestionamento das rodovias e sobrecarga de rodoviárias e aeroportos, altamente
poluentes, o modal ferroviário é muito mais eco-amigável – mesmo quando se utilizam
locomotivas a diesel.

Figura 3: A mancha urbana da Macrometróple Paulista em 2011, segundo a


Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo do Estado de São Paulo

A Figura 3 mostra a grande concentração urbana por praticamente todo o trajeto


projetado do TAV. Devido a esta concentração, a necessidade de mais opções de
transporte para a população da Macrometrópole Paulista para se deslocar no eixo
31

está cada vez mais em evidência. O TAV deveria ser introduzido não (apenas) como
uma alternativa aos modais tradicionais de mobilidade brasileiros, mas como símbolo
da reinserção do modal ferroviário de passageiros no território brasileiro, provendo
aos usuários uma nova opção segura, confortável, rápida e moderna.

Há grandes possibilidades de ganhos de eficiência com a instalação de um trem bala


interligando Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, pois seriam ainda mais
dinamizadas. Dadas suas importâncias econômica e geopolítica, as regiões
concentram e movimentam grande parte das riquezas brasileiras. Apenas a
Macrometrópole Paulista é responsável por aproximadamente 28% do PIB nacional,
83% do PIB de SP, possui cerca de 16% da população nacional, 16% da população
nacional e representa 21% da área do estado de SP, apenas 0,6% da área do Brasil.

A análise de LACERDA (2008) de viabilidade do caso do trem-bala brasileiro deixa a


conclusão em aberto, fato que facilita este trabalho, pois deixa a cargo do leitor que
tome uma posição – livrando-se de se enviesar. O autor se baseia principalmente em
um estudo contratado pela ANTT e em bibliografia estrangeira para delinear a
viabilidade da construção. Segundo o estudo feito pelo Consórcio Halcrow – Sinergia
(2009), a demanda brasileira para 2014 para o TAV seria de 32,6 milhões de usuários.
O trajeto São Paulo – Rio terá duração de 93 minutos (com cheque-in, embarque e
desembarque), contra 110 minutos da ponte aérea, com custo aproximado de R$200
na classe econômica, R$325 no horário de pico e R$150 e R$250 fora do horário de
pico, contra R$400 e R$180 no horário de pico e fora do horário de pico,
respectivamente, da ponte aérea. Também foram feitas previsões para outros trajetos,
como Rio de Janeiro-Barra Mansa em 34 minutos a um custo de R$ 40,20, São José
dos Campos-São Paulo em 27 minutos a um custo de R$ 28,80 e São Paulo-
Campinas em 42 minutos a um custo de R$ 31,20. O estudo estimou uma receita de
2,3 bilhões de reais para 2014, 3,5 bi para 2024, 5,7 bi para 2034 e 8,2 bi para 2044

O governo determinou um custo total mínimo para a obra, de R$34,6 milhões, que foi
reduzido para R$33,1 milhões, mas especialistas da área preveem algo próximo a
R$55 milhões devido aos obstáculos que poderá ter de sobrepor. Não foi calculado
ainda o número total de túneis e pontes que precisariam ser construídos e, na proposta
inicial, o trecho Campinas – São Paulo ainda não era previsto e o trem andaria a 280
km/h.
32

Assim como nos processos dos dois últimos séculos, empresários do setor deixaram
bem claro que o investimento é impossível sem o apoio do setor público, como uma
Parceria Público-Privada (PPP). A proposta que ficou por anos em discussão
acalorada no Congresso e no Senado, hoje foi amornada, sendo que o ex-ministro
dos Transportes, Alfredo Nascimento, defendia que "a implantação do TAV se faria
integralmente com recursos da iniciativa privada, mas que hoje diversas autoridades
já falam abertamente que o projeto não será viável sem substancial aporte de recursos
públicos. Com as restrições orçamentárias atuais precisa-se analisar com maior
cuidado a proposta” afirmou, mas já se sabe que o BNDES participará massivamente
do financiamento e a EPL da administração do projeto, assim como da manutenção
de tecnologias e patentes provindas do projeto.

O desenvolvimento histórico de SP trazido pelas ferrovias

Uma das explicações da necessidade do TAV, além da revitalização de um modal


abandonado no Brasil, é que a construção da linha férrea trará desenvolvimento
regional no trecho onde será implantado. É possível observar que historicamente os
trechos atendidos por ferrovias no estado de São Paulo e seu desenvolvimento
secular ao redor dos trilhos de ferro, conforme apontou SILVA (1981):

Com o rápido desenvolvimento da rede de estradas de ferro brasileira a partir de 1860


(...), constituiu-se uma infraestrutura necessária para o desenvolvimento do capitalismo,
em particular, na região cafeeira.

O desenvolvimento tecnológico, econômico e urbano ao redor das ferrovias no auge


de sua utilização era inegável, pelo menos até o momento em que há uma inversão
de prioridades no Brasil, na década de 1940. Durante os anos 40 o Brasil passa a
investir muito menos em ferrovias e a menina dos olhos de Getúlio Vargas brilham
para o futuro automobilístico que as novas e modernas rodovias trariam para o país.
É possível observar de acordo com SAES (1976), a seguir, a grande alteração no
cenário do estado de São Paulo, que passou a ter uma importante capital por onde se
cruzavam as principais rodovias brasileiras sentido Porto de Santos.
33

Figura 2: A divisão estado de São Paulo, feita por zoneamento climático da cultura
de café

Fonte: CAMARGO (1974)

A construção de uma rede de infraestrutura que suportasse a população que se


aglomerava ao redor das ferrovias é, na verdade, a produção social do espaço, uma
vez que esta congregava vários agentes sociais para sua concretização. Somente
seria possível trabalhar a dinâmica dos diversos agentes realizadores do processo de
construção da rede de infraestrutura do estado (dinâmica que se estende até hoje)
após ter concretada a ideia de que a construção da infraestrutura urbana e territorial
é um processo contínuo de produção social.
34

Figura 3: Densidade habitacional e malha ferroviária em 1874

Fonte: CAMARGO (1974)

Devido às decisões de expansão da rede de infraestrutura no estado, ao tipo de


financiamento utilizado (principalmente ao redor das ferrovias) e na queda gradual da
margem de lucro nos transportes, o setor entra em colapso e mantém-se deficitário
até hoje, uma vez que demanda grande investimento, grande financiamento via
massivos aportes de capital – geralmente feito junto ao BNDE/ BNDES (séculos XX e
XXI) e Tesouro Imperial (século XIX) – e representa baixo retorno de longuíssimo
prazo. O tempo de concessão de uma ferrovia era de 40 anos, ou seja, o retorno era
garantido em 40 anos, sem contar os juros que o governo Imperial prometia aos
acionistas sobre o capital aplicado (5%) somado aos juros que o governo do estado
(província) também fazia entre 2 a 3%, totalizando 7 a 8% de juros sobre o capital
aplicado mais a margem de lucro das operações das vias.
35

Figura 4: Densidade habitacional e malha ferroviária em 1940

Fonte: CAMARGO (1974)

O crescimento populacional acompanhou o crescimento da malha ferroviária e a


produção de café no estado trazendo, com ele, a necessidade de planejamento do
espaço que estava sendo ocupado. Na região de Campinas e interior de São Paulo,
o engenheiro Antônio Francisco de Paula Souza desempenhou este papel de 1870 a
1893 e lançou as bases, junto com o governo Imperial, do que se pode encontrar ainda
hoje em infraestrutura – principalmente saneamento e viária, que se perpetua.

Conforme previsto por SAES (1981), MATTOON Jr. (1971), SILVA (1976) e defendido
por NATERA (2010), a construção das ferrovias representava uma necessidade
básica para o desenvolvimento capitalista e a inclusão do Brasil na divisão
internacional do trabalho. O debate era, entretanto, acirrado. Com o passar dos anos,
as discussões no senado mudaram de figura e das estradas de ferro, passaram para
as rodovias e investimento em montadoras de automóveis e de produção de
autopeças, trazendo à tona novas discussões sobre o transporte mas se atendo a
uma visão da lógica capitalista focada em um mercado consumidor muito maior com
retornos atrativos. Segundo NATERA (2010), os interesses em voga no senado à
época das discussões das concessões das ferrovias ganhavam sempre um tom
regional e as definições de trajetos das estradas sempre privilegiavam – sejam
estradas públicas ou privadas – as classes senhoriais que se representavam no
36

senado –, as disputas nunca eram imparciais, pelo bem único da nação. A principal
diretriz que liderava as discussões, segundo Natera (2010) era que a classe senhorial
mantivesse seus privilégios e monopólio do trabalho e a ordem social do Império. O
autor destaca ainda a característica do trem como meio de transporte de passageiros,
que precisava comportar uma nova classe de trabalhadores, que não poderia ter
relação direta com o modo de produção escravista.

Tabela 2: Produção de café de São Paulo, Arrobas por Zona


Tabela 2 - Produção de café de São Paulo. Arrobas por zona
1854 1886 1905 1920 1934 1940
1ª Zona - - 8.275 1.007 1.220 465
2ª Zona 2.737.639 2.117.134 1.804.355 734.387 898.751 556.996
3ª Zona 525.296 4.795.850 4.490.684 2.271.763 3.669.253 1.937.219
4ª Zona 81.750 2.366.599 2.145.312 8.850.184 8.973.764 9.080.156
5ª Zona 223.470 2.458.134 7.417.916 3.263.620 6.146.144 6.225.798
6ª Zona - - 5.780.946 2.956.700 14.389.620 15.234.061
7ª Zona - - 93.821 580.139 13.200.365 18.521.470
8ª Zona - - 3.931.375 1.536.868 7.189.330 9.321.973
9ª Zona - - 117.403 139.420 85.388 67.437
10ª Zona - - 28.992 9.860 56.390 39.912
Outras 10.600 633.896 - - - -
Total 3.578.755 12.371.613 25.819.079 20.343.948 54.610.225 60.985.487
Fonte: Camargo, José Francisco. Op. Cit., vol.II, Tab. 62; Vol. III, Tabs. 107 e 108.

Em conjunto com as Figuras 2, 3 e 4, a Tabela 2 demonstra o crescimento exponencial


da produção cafeeira, por zona climática, durante o período de análise. É importante
ressaltar que as zonas que continham as linhas férreas maiores e mais completas
apresentavam um crescimento muito superior às outras, assim como é possível
verificar que há concentração da produção em zonas que a princípio não poderiam
escoar seu produto (leia-se o oeste paulista) e passam a ser conectadas ao centro
através das linhas férreas.

O lado obscuro desse desenvolvimento é que após a década de 40, o declínio da


demanda por café fez com que a exportação do produto diminuísse
consideravelmente. As linhas férreas, em cujos trilhos percorriam quase todo o café a
ser exportado, sofreram grandemente com o recrudescimento da economia, sendo
que alguns anos depois haveriam políticas para o arrancamento dos trilhos e
37

desmantelamento das empresas que administravam as linhas. Foi possível verificar


um tímido aumento da extensão das linhas e do número de carros, vagões e
locomotivas entre 1945 e 1960, mas após o governo JK, houve uma inversão na curva
e todas estas variáveis começam a reduzir. Várias cidades que se instalaram ao redor
das ferrovias tornaram-se cidades fantasma e a infraestrutura construída para atender
as necessidades locais tornou-se inútil e/ ou obsoleta.

SP em 2014: a dinâmica Macrometrópole Paulista

De acordo com o plano de execução do TAV, ele seria construído em um trecho


urbanamente saturado, economicamente dinâmico e dificilmente aceitaria ser
sucateado, como o que aconteceu com muitas ferrovias durante o governo FHC, caso
seja construído. Todavia, é no mínimo difícil conceber que o ‘novo trabalhador’ que
utilizaria as linhas para trabalhar ou o passageiro comum que realizaria viagens de
trem, pagariam mais caro para viajar de trem pela vantagem de alguns minutos ou da
menor complexidade para se embarcar em um trem, quando comparado a uma
viagem de avião. Regionalmente, o impacto econômico na região onde o TAV seria
instalado tem grande potencial positivo, mas a competição com outros meios de
transporte e a baixa margem do investimento podem se tornar grandes impeditivos
para a real execução do trem bala.

Do lado paulista, a cobertura do TAV estende-se por todo o Complexo Metropolitano


Expandido (ou Megalópole do Sudeste Brasileiro ou Macrometrópole Paulista), uma
megalópole, ou complexo de metrópoles, que surgiu através da conurbação de
diversos centros metropolitanos ao redor da Região Metropolitana de São Paulo. No
total, são aproximadamente 32 milhões de habitantes, divididas entre a Região
Metropolitana de São Paulo, a Região Metropolitana de Campinas, Região
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Região Metropolitana de Sorocaba,
Região Metropolitana da Baixada Santista, Aglomeração Urbana de Piracicaba e
Aglomeração Urbana de Jundiaí. A região, como citado, é altamente conurbada e
carece de intensos investimentos em mobilidade e logística (intraestadual e
interestadual, assim como intramunicipal e intermunicipal), saneamento ambiental e
38

habitação, que teriam impacto direto em melhorias da integração setorial, institucional


e espacial da macrorregião.

A intensa conurbação entre as regiões da macrometrópole fazem com que as


infraestruturas entre elas se tornem dependentes entre si e essa dependência torna-
se mais iportante que a fronteira espacial per se. A imagem abaixo detalha as áreas
de influência das regiões metropolitanas, que se sobrepõe aos limites territoriais dos
municípios.

Figura 5: Detalhamento da Macrometrópole Paulista

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional de SP (SPDRSP)

A contribuição desta macrometrópole para a nação é muito importante, pois sua


atividade econômica, área e densidade populacional é comparável a alguns países do
mundo, quando não mais elevadas.

A movimentação de pessoas na região também é muito elevada, como as barreiras


municipais não são impeditivas para a atividade econômica na região, é muito comum
pessoas que residem em uma cidade, trabalham numa segunda e passam os finais
de semana em uma terceira. Os movimentos pendulares na região (pessoas que vão
e voltam), entre municípios e entre estados é muito grande, tema de maior importância
em questão de políticas públicas de desenvolvimento regioal. Devido a sua
39

proximidade com a Região Metropolitana de São Paulo, que historicamente gera mais
empregos, o Aglomerado Urbano de Jundiaí é a região do país que apresenta o maior
índice de mobilidade pendular do país: em 2013, diariamente, cerca de 84 mil pessoas
deixavam a região para trabalhar. O mapa a seguir mostra, em 2010, os movimentos
pendulares dentro da Macrometrópole Paulista, identificando as principais rotas.

Figura 6: Mobilidade Pendular da Macrometrópole Paulista em 2010

Fonte: EMPLASA (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A)

A região é densamente conectada por diversas vias de transporte, seja terreste, aéreo
e hidroviário. Apesar disso, o aumento da demanda por mobilidade regional deixa
constantemente aberta a pauta do desenvolvimento de rotas alternativas para o
deslocamento entre as regiões, principalmente devido à matriz fortemente apoiada no
modal rodoviário e concentrado na região central da macrometrópole.
Aproximadamente 50% de todos os fluxos de carga do estado de SP têm origem ou
destino na Macrometrópole Paulista, sendo que, segundo Asquino (2009), seu
principal gargalo é a “transposição rodoviária e ferroviária da Região Metropolitana de
40

São Paulo, que se sobrepõe ao transporte metropolitano de passageiros”, gerando


altos custos logísticos para a coleta e distribuição de cargas na RMSP.

Exemplos de solução para as questões dos transportes regionais na macrometrópole


são o Corredor Metropolitano Noroeste (Região Metropolitana de Campinas), o
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o túnel Santos-Guarujá, no litoral paulista, e as
obras de ampliação do metrô e dos trens da RMSP, ligando a capital ao seu entorno.
O Trem de Alta Velocidade brasileiro surgiria, conforme dito previamente, como
resposta à demanda pela introdução de uma nova modalidade (mais cômoda, rápida,
tecnológica e segura) de transporte de passageiros, adicionalmente é logística atual
da macrorregião, conforme a Figura 7 a seguir.

Figura 7: Vantagens locacionais – Logística atual da Macrometrópole Paulista (2011)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional de SP (SPDRSP)

A Figura 8, a seguir, mostra a logística planejada para a Megalópole do Sudeste,


incluindo o trem bala, um novo aeroporto e ampliação de portos, para escoar a
produção crescente da região mais tecnológica do país. O conjunto formado por
quatro regiões do estado de SP (sendo que três estão localizadas na Macrometrópole
Paulista), são responsáveis por grande parte da produção material e intelectual do
41

país, representando polos de tecnologia de ponta, pesquisa e desenvolvimento e


montagem de produtos, sejam elas:

 Região de São Carlos


 Região de Campinas
 Região de São Paulo
 Região de São José dos Campos

Figura 8: Vantagens locacionais – Logística planejada (2011)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional de SP (SPDRSP)

A Figura 9 traz a distribuição das áreas de grande produção científica da macrorregião,


que demanda corredores de escoamento para exportáveis e de transporte de
pessoas, mais eficientes, rápidos e baratos.
42

Figura 9: Geração Tecnológica do estado de São Paulo (2011)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional de SP (SPDRSP)

É importante reiterar, portanto, que o TAV brasileiro tem como meta interligar, com
518km de linhas férreas de trens a altas velocidades, duas das regiões mais dinâmicas
do Brasil.
43

Figura 10: Áreas dinâmicas da Macrometrópole Paulista (2011), SPDRSP

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional de SP (SPDRSP)

A Figura 10 mostra o apelo para as vantagens locacionais específicas à


Macrometrópole Paulista, cuja influência se estende grandemente até o estado do Rio
de Janeiro e tem a função de mostrar de forma resumida a concentração de modais
da região. A figura apresenta, em tons de vermelho, a infraestrutura instalada
(vantagem locacional alta e muito alta) e, em amarelo, potencial significativo para a
criação de modais logísticos complementares aos já existentes, de forma a reforçar a
importância de projetos como o TAV.
44

CAPÍTULO 3

A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Trens de Alta Velocidade (TAV) supostamente possuem diversas vantagens sobre


meios de transporte automotivos ou aéreos. Seguem as vantagens apresentadas pelos
sponsors dos TAVs:
Ambiental: TAVs utilizam um terço da energia do transporte aéreo e um quinto da
energia utilizada por automóveis. Adicionalmente, TAVs auxiliarão na redução do déficit
de US$700 bilhões ao ano em compras de petróleo (nos EUA), TAVs reduzirão o
aquecimento global diminuindo o consumo de petróleo pelos EUA e reduzindo sua
emissão de poluentes. Também amenizarão as guerras por petróleo e reduzir nossa
dependência de operações militares caras.
Desenvolvimento Econômico: O planejamento, design e construção de TAVs criará
muitos empregos verdes. TAVs podem, portanto, estimular o desenvolvimento
econômico e a geração de empregos, particularmente nos entornos das estações
ferroviárias. O TAV é confiável e opera em todas as condições climáticas. O TAV pode
estimular a revitalização de cidades ao encorajar um denso desenvolvimento de
diversas atividades nas proximidades das estações ferroviárias. O TAV pode conectar
cidades em regiões mais integradas ao sistema, que operam com uma economia mais
pujante. As rotas do TAV podem aumentar o turismo e os gastos dos visitantes.
(...)
Tradução livre. Trecho do texto “High-Speed Rail in Europe and Asia: Lessons for the
United States”, publicado pelo “International Union of Railways”, 2013.

Há reclamações em algumas cidades da Espanha de que o último trem que volta de


uma cidade vizinha vem cedo demais, não permitindo que moradores visitem as
cidades para apreciar restaurantes e espetáculos, considerando uma distância de
200km feita em 56 minutos, sem complicações, saindo e chegando em grandes
centros urbanos. Os trens de alta velocidade modificaram a relação das pessoas de
países que os possuem com o espaço, transformando cidades afastadas em distritos
próximos, bairros da capital, fomentando transformações não apenas do uso, mas
também do valor das áreas que foram modificadas pela tecnologia (LACERDA, 2008).

O trem-bala é motivo de orgulho nacional e exemplo de sucesso comercial na Europa


e no Japão, mostrando-se como o futuro das ferrovias e como salvação para o
automóvel e o avião, por não sofrer, na mesma escalada, de intempéries temporais
como chuvas, nevascas entre outras adversidades. Na Europa, somam-se
aproximadamente 5.000km de ferrovias de alta velocidade e outros 10.000 na Ásia,
45

sendo que este último apresenta os mais novos integrantes do time (Coréia do Sul,
Taiwan e a China, que é dona de aproximadamente 80% dessa extensão).

Tabela 3: Países que já adotaram TAVs


Tabela 3 - Países que já adotaram TAVs
País Extensão (km) Em construção (km) Em planejamento (km)
China 6.920 3.400 -
Japão 2.387 590 ?
Espanha 2.056 1.767 1.702
França 1.872 299 ?
Alemanha 1.285 719 671
Itália 920 58 1175
Estados Unidos 720 0 58
Turquia 415 230 ?
Coreia do Sul 412 320 200
Taiwan 345 772 60
Bélgica 137 72 ?
Países Baixos 120 - ?
Reino Unido 114 - 188
Fonte: Relatório Halcrow/Sinergia (Volume 4 – Operação e Tecnologia – Parte 2) e Barrón de Angoiti,
Ignácio. High speed rail systems in Europe and across the world. 6th Training on High Speed Systems. Paris, 8 June
2009

O mundo avançou bastante no quesito de trens de alta velocidade. A China, por


exemplo, já tem quase toda a parte Leste traçada por trens e mais de 7 mil quilômetros
de trens de alta velocidade, um marco invejável. A tabela 3 compara a quantidade
quilômetros alguns países já possuem e o planejado para os próximos anos, em 2009.
A tabela não inclui, porém, Portugal, com o Alfa Pendular, os EUA com o TAV Acela
Express nem a Suécia com o X2000. Os países não saíram do zero, muito pelo
contrário, eles já possuíam uma extensa quantidade de linhas tradicionais que
cruzavam o país.

A experiência internacional mostra que os trens de alta velocidade são instalados


dentro das cidades, interligados a linhas já existentes de trens de superfícies, metrôs,
aeroportos e estações rodoviárias, conectando vários meios de transporte, além de
serem realmente mais práticos e rápidos quando comparados entre si. A maior
praticidade e rapidez do TAV da Suécia, Portugal, Japão, EUA ou os chineses,
garantiriam o movimento nas estações mesmo com os preços mais elevados das
passagens de trem.
46

Gráfico 7: metros de ferrovia por quilômetro quadrado de área (2013) e PIB per
capita (em 1.000 USD, 2011) por país (elaboração própria)

0,140 49 60
41,1 0,118 50
0,120 40,8
35,6
40
0,100
38,4 30
17 17,7
0,080 11,9 20
8,5 0,054
3,7 10
0,060
0
0,040 0,024
0,013 0,019 -10
0,020 0,005 0,005 0,009 -20
0,003 0,005
0,000 -30

Metros de Ferrovias por Km² PIB per capita (US$1000)

Fonte: IndexMundi - Mapa Comparativo entre Países

Os Gráficos 7 e 8 reúnem a informação da quantidade de metros de ferrovia/ rodovia


por km² de território e, na linha, seu PIB per capita. É uma comparação muito
relevante, pois demonstra a ligação regional entre os países ou seja, quanto maior o
índice, mais conectado é o território, o que facilitaria o escoamento de carga e o
fluxo de pessoas – os trilhos de alta velocidade podem ser compartilhados entre
trens de passageiros e de carga.
47

Gráfico 8: metros de rodovia por quilômetro quadrado de área (2013) e PIB per
capita (em 1.000 USD, 2011) por país (elaboração própria)

3500,0 3246,2 60
49
41,1 40,8 50
3000,0
35,6 35,2 40
31
2500,0
30
2000,0 17
11,9 20
8,5 3,7
1500,0 1349,7 10
1010,0 0
1000,0 694,3
402,3 -10
500,0
104,4 106,4 205,7 -20
0,1 17,2
0,0 -30
Rússia França Canadá Austrália Brasil China Estados Índia Espanha Japão
Unidos

Metros de Estradas por Km² PIB per capita (US$1000)

Fonte: IndexMundi - Mapa Comparativo entre Países

Juntamente ao índice de interligação ferroviário e rodoviário, o PIB também demonstra


que há uma tendência a países com maiores PIBs per capita possuírem os territórios
mais conectados, com algumas ressalvas: países com territórios muito grandes
podem possuir índices menores mesmo quando o PIB per capita é alto devido a
distribuição da população em seu território e a China é um ponto fora da curva por
possuir características específicas dificilmente encontradas em qualquer outro país do
mundo, com o segundo maior território do mundo, índices de ferrovias e rodovias
maiores que média e a renda per capita baixa. No quesito rodovias, a Índia também é
um ponto fora da curva, pois possui uma concentração altíssima de rodovias (terceira
maior do mundo) e o menor PIB per capita dos países analisados – isso se deve à
uma característica peculiar de possuir muitas motocicletas que cruzam o país todo,
muitos veículos pequenos e uma grande concentração de pessoas, alguns dos fatores
decisivos para a construção de rodovias.

Japão – Shinkansen, o pioneiro


48

O ano de 2014 é o aniversário de 50 anos dos trens de alta velcidade, uma história
que teve início no Japão em 1964, ano em que o Shinkansen foi inaugurado,
atravessando o país de Osaka a Tóquio, que segundo Lacerda (2008) é até hoje o
principal trajeto de transporte de passageiros do Shinkansen. No ano de inauguração,
a velocidade média dos trens era de 200km/h, mas hoje já alcançam uma média de
350km/h. Uma nova expansão em 1975 de Fukuoka até Osaka marcou a continuidade
dos projetos de expansão, manutenção e de renovação dos carros do Shinkansen.

As linhas de alta velocidade já alcançam mais de 2.000km, possuem alta demanda e


trabalham no pequeno espaço ‘útil’ do Japão, sendo considerados por muito um
exemplo de sucesso: segundo PUEBLA (2004), o Shinkansen transporta mais de 130
milhões de passageiros todos os anos, 390 mil pessoas por dia, através da complexa
topografia japonesa e fugindo dos centros urbanos, passando por terrenos de acesso
dificultoso e muitas montanhas. As operações do Shinkansen não possuem registros
de acidentes com vítimas fatais, contam com 16 estações apenas entre Tóquio e
Osaka, leva duas horas e meia entre as duas cidades, param pelo menos duas vezes
(Quioto e Nagoya) por no máximo três minutos e permite que pessoas que moram a
até 100km de Tóquio levem no máximo 30 minutos para chegar ao centro da cidade.
Além da segurança, a pontualidade é excepcional: a média de atraso no percurso
Tóquio e Osaka era de 36 segundos em 2005 e mesmo sob pesadas intempéries
temporais (nevascas, chuvas), as linhas Joetsu e Tohoku continuam funcionando
normalmente.

Além dos 2.000km de trilhos já existentes, estão aprovados mais 1.300km de ferrovias
para serem construídas, o que faz do Japão o país com a maior participação (27%)
das ferrovias no transporte de passageiros (LACERDA, 2008). O terreno acidentado
da ilha, com grandes montanhas e aglomerações populacionais urbanas em encostas
faz com que a mobilidade regional tenha se tornado um grande desafio para a nação
japonesa e o transporte de carga ferroviário é bem pequeno, representando apenas
4% do total transportado.

Os custos dos projetos são altíssimos e a dívida adquirida pela então Ferrovia
Nacional Japonesa (FNJ), foi dividida em 1987, dando origem a outras sete empresas
(JRs) e a dívida foi assumida integralmente pelo Estado japonês. As JRs passaram a
buscar o lucro e, apesar de serem estatais, possuem completa autonomia em relação
ao Estado, que abriu lentamente o capital das empresas para investidores privados
49

(LACERDA, 2008). As linhas mais novas (Kyushu, Hokkaido e Hokuriku) são projetos
da Japan Railway Construction, Transport and Technology Agency (JRCTTA),
operadas pelas JRs, que devem pagar pela utilização da infraestrutura construída pela
JRCTTA.

Itália – Treno Alta Velocità

A Diretissima, linha que liga a cidade italiana de Florença e Roma, faz o caminho de
254km em uma hora e meia. O também conhecido como Pendolino por inclinar-se
devido à grande quantidade de curvas no trajeto, oferece desta forma mais conforto
aos usuários ao compensar a força centrífuga. A Itália está inserida num contexto
espacial intrinsecamente interligado por ferrovias, a Europa, e possui projetos para
interligar com um TAV as cidades de Veneza, Verona, Milão e Turim e entre Nápoles,
Roma, Florença, Bolonha e Milão, sendo que o share do mercado ferroviário na Itália
é de 5%.

O país também criou uma empresa estatal para cuidar dos assuntos relacionados ao
trem existente e aos projetos de instalações futuras, a Ferrovie dello Stato, que possui
também três subsidiárias. A primeira, Treno Alta Velocità SpA planeja e constrói novas
linhas de alta velocidade; a Trenitalia é responsável pelos serviços de transporte de
pessoas e de carga, tanto das linhas normais quando das de alta velocidade e; a Rete
Ferroviaria fica incumbida de toda a infraestrutura oferecida para o conjunto.

O caso italiano aproxima-se muito do aparente caso brasileiro: uma vez iniciado de
forma privada, o projeto não era suficientemente rentável e necessitou de enormes
aportes de capital público, com alta carga fiscal. O economista Mansueto Almeida
(2014) cita o caso:

O Treni Alta Velocitá (TAV) é o maior investimento público já feito na Itália. (...) No seu
início, em 1991, os Treni Alta Velocitá (TAV) italianos eram projetos privados. O governo
participava do projeto com 43% do capital e um consórcio de bancos de investimento
privado bancava 57% do projeto. Em 1994, o governo Italiano estabeleceu uma garantia
ao funcionamento do projeto e, em 1998, devido a crescente incerteza quanto aos
custos do projeto, incerteza da demanda futura e atrasos na conclusão das obras, a
Rede Ferroviária Italiana (RFI), uma companhia 100% estatal, comprou a participação
privada e os TAV passaram a ser, integralmente, investimentos públicos.(...) desde
2003, o artigo 75 do orçamento do governo Italiano estabelece que o governo assumirá
o custo do serviço da dívida não pago pelo TAV com sua receita própria. A estimativa é
que metade do serviço da dívida seja arcado pelo setor público. (...)Em 2007, o governo
50

Italiano resolveu absorver parte da dívida do projeto do TAV para não contaminar o fluxo
de receita futura do projeto com o serviço da dívida. O resultado foi que o déficit público
da Itália aumentou 0,9% do PIB. O problema é que, mesmo com esse aumento do déficit
público em 2007, existe ainda a possibilidade de ele crescer ainda mais, pois o governo
reconheceu neste primeiro momento apenas metade do custo de €32 bilhões da linha
Turin-Milão-Nápoles.

França – Train à Grande Vitesse (TGV)

A França conta com aproximadamente 1.500km de trilhos de trem, sendo a principal


entre Paris e Lyon de 425km. O TGV foi planejado há muito tempo, sendo que suas
plantas foram primeiramente desenhadas em 1966 e redesenhada diversas vezes,
tendo sido efetivamente construído apenas em 1978 e sua instalação trouxe muito
desenvolvimento para as cidades com estações do trem. Segundo Puebla (2004),
muitas outras nações passaram a desejar a instalação de trens de alta velocidade ao
verificarem o sucesso das empresas concessionárias dos trens de alta velocidade
franceses e japoneses. Os custos de implantação do TGV rodaram em torno dos 7
milhões de dólares por km, sendo aproximadamente 3 bilhões de dólares no projeto
total e segundo Lacerda (2008), a participação dos trens nos transportes de
passageiros é de 9,6%. Os serviços são controlados (assim como grande parte da
infraestrutura de transporte de passageiros) pela estatal Société Nationale des
Chamins de Fer Français (SNCF), sendo que a infraesturura e a superestrutura são
administradas pela também estatal Réseau Ferré de France (RFF), criada devido a
uma legislação europeia que obriga a divisão entre infraestrutura e serviços
ferroviários.

O território francês já apresentava, à época de sua instalação, grande parte da


infraestrutura necessária para a construção do TGV e terreno razoavelmente plano.
Ambas as características favoreceram a baixa do custo de implementação das linhas
de alta velocidade. Somado a estes fatores, a grande cobertura de trens
convencionais na França criou uma nova demanda de passageiros para o TGV, que
trocavam o transporte aéreo pelo trem, devido a sua rapidez, praticidade e preços
competitivos. Devido ao sucesso do programa, das novas técnicas e do
desenvolvimento gerado pelo TGV, este passou a ser parte do plano diretor de
desenvolvimento francês (PUEBLA, 2004) e desde 1989, os franceses têm buscado
51

integrar cada vez mais seu território a outros países vizinhos, ligando-o a cidades
como Londres e Bruxelas (LACERDA, 2008).

Alemanha – InterCity Express (ICE)

O ICE foi inaugurado em 1991 e suas primeiras linhas ligavam Stuttgart a Mannheim,
a 100km, e Würzburg a Hamburgo, a 327km. Haviam duas diretrizes principais para a
implantação das linhas de alta velocidade na Alemanha, linhas o eixo Leste – Oeste
e o eixo Norte – Sul, sendo que o primeiro tinha como objetivo aproximar as fronteiras
do país e o segundo, atender ao gargalo de fluxos de pessoas e carga entre o norte e
sul alemães. O país conta ainda com a linha de Hamburgo a Berlin, Leipzig a
Nuremberg e Frankfurt a Colônia. A empresa Deutsch Bahn (DB) administra todo o
sistema, cujos trens transportam cerca de 90% de toda a carga e passageiros
ferroviários do país, percorrendo os trilhos de 250 a 300km/h. Durante a noite, trens
de carga (leve e pesada) percorrem os trilhos de alta velocidade, mas a velocidades
menores, entre 120 e 160 km/h. Há ainda duas subsidiárias da DB, responsáveis pela
infraestrutura (DB Netz) e pelos serviços de passageiros de longa distância (DB Reise
& Touristik), o que inclui as viagens nos trens de alta velocidade (GLEAVE, 2004).
Para minimizar a competição entre ônibus e trens, a DB também opera todos os
serviços de ônibus de longa distância que percorrem a Alemanha.

A participação da ferrovia no transporte de passageiros da Alemanha é de 8,4%. A


menor utilização dos trens de alta velocidade com a França é atribuída, em parte, à
dispersão da população e ao relevo mais montanhoso. (LACERDA, 2008, p.71).

No território alemão, apenas duas linhas estão aptas a circular em altas velocidades.
O trem que percorre o caminho entre Frankfurt e Colônia custou 6 bilhões de dólares
(entre 1995 e 2002) e cruza 177km em uma hora e dez minutos e foram necessários
vários túneis e pontes para se atravessar o terreno nesse tempo. Já em 2006, ao custo
de 3,6 bilhões de dólares, a linha entre Ingolstadt e Nuremberg possui 90km e foi
construída paralelamente a uma linha já existente, “a fim de minimizar os impactos
ambientais da linha” (LACERDA, 2008).
52

Espanha – Alta Velocidad Española

A distância entre Madrid e Sevilha, de 471km, foi a primeira a ser vencida por um trem
de alta velocidade na Espanha, em 1992, indo de uma cidade a outra em duas horas
e 20 minutos com paradas em Puertollano, Córdoba e Ciudad Real. Com o intuito de
atender a um déficit de rodovias no acesso a Andaluzia através de Despeñaperros,
transferindo, segundo Puebla (2004) mais de seis milhões de passageiros das ruas
para os trilhos. Uma segunda linha, inaugurada em duas fases (Lérida-Zaragoza-
Madri em 2003 e sua extensão até Barcelona em 2008), faz uma viagem de duas
horas e 40 minutos de Madri até Barcelona.

Seguindo a mesma estratégia francesa, de se conectar com os países vizinhos, a


Espanha se viu obrigada a alterar a bitola tradicionalmente utilizada por seus trens
convencionais, utilizando a bitola de 1,435m (padrão francês), pois a bitola ibérica (de
1,688m) impediria que os trens de alta velocidade cruzassem de um país a outro. A
solução foi criar um trem que se adapta aos dois tipos de bitola, criando o Talgo 200.

A despeito da impossibilidade de compartilhar as vias convencionais nos perímetros


urbanos, os custos de construção da linha entre Madri e Sevilha foram relativamente
baixos, de US$ 13,5 milhões por km (CAMPOS et al., 2006).
A conversão para a alta velocidade de segmentos de linhas tradicionais tem ajudado a
manter os custos de implantação em níveis confortáveis, o que somente é possível pela
pouca utilização dessas vias (GLEAVE, 2004).
Os recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional têm sido um importante
fator a viabilizar a construção das vias de alta velocidade na Espanha (LACERDA, 2008,
p.72).

Os serviços são também controlados por estatais, a Red Nacional de los Ferrocarrilles
Españoles (Renfe, responsável pelo oferecimento dos serviços de transporte) e pela
Administrador de Infraestructuras Ferroviarias (ADIF, que coordena a manutenção e
a operação das estações e das ferrovias). A Espanha possui uma participação bem
baixa das ferrovias nos mercados dos transportes, chegando à ordem dos 4,8%.

China
53

O dragão chinês foi ainda além dos países europeus, sendo o único que possui trens
com tecnologia MagLev (Magnetic Levitation ou seja, levitação através de magnetismo
sobre trilhos) operando em escala comercial pela empresa Transrapid. O país, além
de possuir a linha de alta velocidade mais longa do mundo, possui ainda mais 30km
de trilhos de levitação magnética, indo do aeroporto de Pudong até a cidade de
Xangai, na Yang Road Station, a impressionantes 430km/h, consumindo uma elevada
quantia de energia. O MagLev ainda possui planos de expansão, indo de Xangai até
Hangzhou (200km), com paradas em Jiaxing e no Aeroporto de Hong Qiao (34km).

Além de todo o investimento no setor ferroviário feito pelo governo chinês, o setor de
transporte aéreo também recebeu massivos aportes de capital para que se
modernizassem os aeroportos e aeronaves que sobrevoavam o espaço aéreo chinês.
Como exemplo de planejamento, os 1.318km que ligariam Pequin a Xangai,
inaugurados em 2012 ficaram prontos antes do prazo e bem abaixo do orçamento
inicial, fazendo o percurso a 380km/h em 240 minutos.

Coréia do Sul – Korea Train eXpress (KTX)

O KCX atua no país desde abril de 2004, indo de Seul a Pusan e de Seoul a Mokpo,
percorrendo 412km de território coreano no primeiro trecho e 407km no segundo.
Segundo Shin (2005) o trecho Seul – Pusan possui um sistema com 9 estações e
aproximadamente 58,9km entra cada uma delas (Seoul, Yongsan, Gwangmyung,
Choanasan, Daejon, Dongdaegu, Milyang, Gupo e Busan) e o trecho Seoul – Mokpo
contém 10 estações, sendo que até Daejon são utilizadas concomitantemente com o
primeiro trecho, seguindo em outra direção a partir daí, com aproximadamente 50,8km
entre cada uma aproximadamente (Daejon, Seodaejon, Iksan, Songjongri, Gwangju e
Mokpo). Segundo Shin (2005), o custo estimado era de 18,2 bilhões de dólares para
a conclusão das obras, porém após os atrasos e as dificuldades de se vencer a
topografia, apenas após a primeira fase (Seul – Pusan, de apenas 224km), já haviam
sido gastos mais de 16 bilhões de dólares.

A ilha coreana é muito acidentada, com diversas barreitas naturais a serem vencidas.
Por esta razão, os projetos de construção e expansão dos trilhos foram atrasados por
54

diversas vezes (após 10 anos do início das obras, apenas a primeira parte estava
finalizada), devido a quantidade de viadutos e túneis que precisariam ser construídos.
Um exemplo a ser seguido, o projeto contava com 18 bilhões de dólares no orçamento
inicial porém durante as construções e todos os percalços do terreno, 90% desse valor
foi consumido para construir apenas metade do planejado (SHIN, 2005). Somado a
isso, a demanda do serviço mante-se por longo período em aproximadamente 40%
da capacidade planejada do trem, quantidade que não cobria os custos totais iniciais
do projeto.

Os recursos para os projetos viriam diretamente do Estado (35%), empréstimos


segurados em títulos públicos (10%) e em empréstimos a serem cobertos com o
rendimento do projeto (55%), que apresentou inúmera dificuldades no início.

Taiwan

Assim como na Coréia do Sul e Japão, Taiwan possui um terreno muito acidentado e
apresentou a necessidade de construção de muitas pontes e viadutos para que se
transpassassem a topografia desfavorável e o serviço ficou marcado por uma
baixíssima utilização dos recursos no início das atividades. Utilizando-se da bitola
padrão, a linha do trem-bala possui 345km de extensão entre Taipei e Kaohsiung, com
12 estações entre os destinos. Do total, cerca de 90% dos trechos passa por túneis
ou viadutos.

Foi utilizada a mesma tecnologia da experiência japonesa, o Shinkansen, e seu custo


foi de aproximadamente 18 bilhões de dólares, sendo que do total, uma massia
quantia veio de investidores privados, o serviço foi concessionado por 35 anos e as
áreas das estações, por 50 anos (SHIN, 2007). Para se alcançar as estações, eram
necessários ainda várias intervenções no terreno, como construção de rodovias,
acessos de trânsito e realização de desapropriações, cuja responsabilidade continuou
estatal. O Estado tem ainda a maior parte das ações do investimento, tendo oferecido
mais de nove bilhões de dólares em garantias.
55

CONCLUSÃO

Segundo verificado por este trabalho, a maior parte dos TAVs acabam se tornando
grandes sumidouros de capital, os dados rapidamente verificados da Europa e da Ásia
mostram que instalações de TAVs no Brasil devem requerer enormes aportes de
capital. Este sumidouro é um fator importante se levado em consideração apenas o
lado do investidor, mas pode ser mais tolerável ao considerar a necessidade de
modernização e revitalização da malha ferroviária brasileira. Considerando as
condições de importação de máquinas e materiais, custos de engenharia de projetos
e da transposição de barreiras físicas e que o Brasil não possui estrutura férrea
preparada para receber os carros, o valor do projeto pode extrapolar em três ou quatro
vezes o valor por quilômetro de outras experiências internacionais. Apesar disso, ao
contrário dos EUA que possui uma população mais distribuída e baixa densidade
populacional, o trecho escolhido para a instalação do TAV brasileiro é bastante denso,
localizado num trajeto por onde passam muitos passageiros e muita carga diariamente
– via aérea e terrestre, por rodovias.

Uma possibilidade apresentada por Nakamoto (2012) para que o projeto seja mais
eficiente é que o TAV possua carros que percorram os trilhos em um sistema
combinado de velocidades. Isso tornaria os percursos financeiramente mais atraentes
para os passageiros e para os investidores privados: baixa em curtos trajetos
(120km/h), média para paradas em todas as estações (120 a 160km/h) e alta
velocidade nos circuitos São Paulo – Rio de Janeiro e Campinas – Rio de Janeiro
(acima de 250km/h), garantindo a melhor utilização de recursos em cada trajeto.

Apesar do trecho ser altamente congestionado, o local das estações não seria
necessariamente dentro dos grandes centros urbanos, sendo que locomover-se até
uma estação para pegar um trem, possivelmente mais caro que uma passagem aérea,
torne a experiência pouco plausível e improvável. Além disso, caso o passageiro
possua um carro ou prefira utilizar ônibus, o transporte por rodovias seria
consideravelmente mais barato e mais prático, tendo em vista a quantidade de
rodovias construídas no trecho em que se planejava o trem-bala e sua qualidade
excepcional – quando comparadas com rodovias de outros estados brasileiros. Um
ponto negativo para quem viajaria neste trecho de carro seria a grande quantidade de
pedágios, mas em comparação com os preços que podem vir a ser cobrados no
56

caríssimo TAV brasileiro pelas passagens do trajeto Rio-SP, superariam facilmente


custos com pedágio e combustível.

Em conjunto com a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Macrometrópole


Paulista forma uma região altamente densa, urbanizada e conurbada, com PIB,
população e dinâmica econômica crescentes. Por diversas razões, caso a construção
de um trem bala realmente se concretize no Brasil, esta região é a mais propícia para
absorver essa tecnologia, pois apresenta crescente demanda de novos modais
logísticos para escoar sua produção material e intelectual e transportar passageiros,
transformando-se numa grande região conectada e viva. A conexão via linhas férreas
desta região faz-se mais que necessária, por ser um meio de transporte mais limpo,
com o menor custo de transporte e a opção da maior parte dos países desenvolvidos
mais eficientemente conectados. Este claramente não é o cenário brasileiro, com suas
linhas férreas de baixíssima qualidade, quantidade irrisória de transporte de
passageiros e minimamente utilizadas para o transporte de carga, cujo serviço é
praticamente monopolizado pela ALL (América Latina Logistics).

É conveniente lembrar que economias europeias e o Japão construíram suas linhas


de alta velocidade como um próximo passo natural do grande sucesso de suas linhas
convencionais, que careciam de crescimento e investimento. Em poucos anos, a
demanda por transporte de trem na Europa, por exemplo, mais que triplicou e o
aumento repentino da demanda por transporte por trens criou um mercado para as
linhas de alta velocidade.

Indo na contramão das experiências europeias, a China construiu suas linhas de alta
velocidade com o intuito de fomentar o desenvolvimento de regiões mais remotas e
interligar seu imenso território e dessa forma, ampliar sua infraestrutura de transporte
muito limitada. Contudo a instalação dos TAVs e do MagLev chineses é bem recente,
então ainda não é possível determinar se sua operação será tão lucrativa quanto
outros serviços chineses. O país também apresenta um grande investimento na
construção de rodovias e, como o Brasil já fez um dia no passado, passa por uma fase
em que é importante conectar todas as suas fronteiras. Por suas características
bastante peculiares, o caso chinês não é um bom comparativo para o brasileiro, já que
o país passa por um processo de desenvolvimento de infraestrutura distinto do que se
passa no Brasil.
57

Uma outra peculiaridade de experiências internacionais quando comparadas com o


Brasil é que suas linhas férreas são também largamente utilizadas para fretamento de
cargas. Por exemplo, o transporte de cargas por ferrovias nos EUA é o mais barato
do mundo, sendo que a Europa é quatro vezes mais cara que os EUA e o Japão, até
10 vezes mais cara. O Brasil não possui um transporte de cargas expressivo de cargas
e não possui um transporte de passageiros relevante e por esta razão a construção
de ferrovias pode custar muito mais caro do que se imagina, tanto para convencer as
pessoas a deixarem de viajar de carros/ ônibus/ aviões e utilizarem trens, assim como
para se transpor todas as barreiras físicas (no caso do trecho Rio-SP), como serras e
rios. Este último pode se mostrar um grande ponto cego do projeto do TAV brasileiro,
cujos territórios dos Estados de SP e RJ serem justamente separados por uma grande
cadeia de serras.

Foi observado que a construção de trens de alta velocidade tende a ser muito custosa
e a realidade brasileira não seria diferente, tanto para os viajantes quanto para a carga
tributária que sustentaria o projeto. Com exceção de uma experiência que apresenta
lucro real, o Shinkansen, os bilhetes de trens de alta velocidade tendem a ser mais
caros que ônibus e aviões, tornado o meio menos atrativo e não lucrativo. A maior
parte dos TAVs pelo mundo sangram dinheiro, o exemplo japonês talvez seja um
sucesso pois foi construído quando apenas 12% da população japonesa possuía um
carro, mas o projeto poderia não ser tão bem sucedido se construído hoje.

As supostas vantagens do trem-bala sobre as alternativas automotivas e aéreas não


são exatamente convincentes, nem são planejadas para ser – o TAV deve entrar em
cena como um modal a mais, que auxiliaria a descongestionar as vias tradicionais de
transporte de passageiros. Os benefícios econômicos são questionáveis: apesar de
alavancar a economia nos arredores das estações ferroviárias, não há evidências
suficientes para afirmar que este desenvolvimento realmente soma alguma coisa para
a região que o trem o afeta. Caso o objetivo seja a criação de empregos na construção
civil, outros projetos de infraestrutura podem fazer mais sentido no país: água e
esgoto, energia elétrica, telefonia e internet são exemplos do que precisa ser
propriamente desenvolvido no país.

Somado ao desenvolvimento, outro impacto positivo da construção de um TAV é o


ambiental, já que não ele é um meio de transporte que não utilizaria combustíveis
fósseis. Porém, caso o trajeto não seja eletrificado, o trem seria tão poluente quanto
58

os outros automóveis e aviões modernos. Caso a redução do impacto ambiental seja


o objetivo do TAV brasileiro, o dinheiro poderia ser utilizado de forma mais eficiente
em outras aplicações – por exemplo, o gasto de apenas uma fração do valor a ser
investido na construção do trem-bala fosse gasto em programas de redução da
emissão de poluentes seria mais efetivo de uma perspectiva do meio ambiente.

É aparentemente improvável que muitas das pessoas que viajam entre o Rio de
Janeiro e São Paulo deixariam de utilizar ônibus ou seus carros para fazer a viagem,
reduzindo significativamente o congestionamento do caminho entre as cidades.
Mesmo que o fluxo de pessoas na ponte aérea diminua e seja transferido para os
trens de alta velocidade, o grande impacto de um trem assim poderia ser em países
com aeroportos regionais, cuja curta distância pode influenciar os passageiros que
costumam utilizar a ponte aérea a trocá-la pelo trajeto de trem, criando uma real
evasão de passageiros. Essa redução do fluxo (que não se aplicaria ao Brasil, por não
possuir inúmeros aeroportos regionais) não deve reduzir o atraso entre os voos. No
tocante ao atraso em estações ferroviárias, o TAV tem potencial para criar ou ampliar
atrasos nos trens de cargas e de passageiros, já que os TAVs utilizariam os mesmos
trilhos dos trens convencionais.

Ao comparar o TAV brasileiro com o que foi experimentado em outros países do


mundo, o custo de implementação de cada 100km de um TAV gira em torno de 1,8
bilhão de euros. Além disso, parte do valor benéfico do TAV não retorna como receita,
mas representa parte do aporte de recursos destinados ao projeto e por esta razão, o
setor público sempre acaba sendo o principal acionista dos projetos de TAV ao redor
do mundo. Apesar disso, o setor público deveria cobrir apenas externalidades
positivas, como aumento da competitividade dos entornos dos empreendimentos,
redução das emissões, redução do uso do solo para transportes, redução de
acidentes e de congestionamentos, etc. A especulação imobiliária e o aumento dos
preços dos terrenos e imóveis na região das estações também poderiam atuar como
formas de financiamentos dos projetos de alta velocidade.

Tudo isso significa que o Brasil ainda precisa trilhar um caminho longo até que a
instalação de um TAV demonstre um futuro promissor.

A fim de que o projeto do trem-bala ofereça retorno econômico positivo para a


sociedade, é necessário que sua geração de benefícios exceda os grandes custos de
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implantação. O cálculo de custos e, principalmente, de benefícios do projeto é bastante


complexo, mas fundamental para que as decisões sobre sua execução sejam pautadas
por considerações econômicas. Previsões excessivamente otimistas sobre custos e
demanda, conforme mostram exemplos de Taiwan e, principalmente, Coréia do Sul, são
politicamente convenientes para garantir a aprovação dos projetos. Mas podem resultar
em frustrações e decisões equivocadas, somente percebidas pelos contribuintes que
custearam o projeto após sua inauguração (LACERDA, 2008, p.78).

É necessário reavaliar diversos fatores antes de prosseguir com projetos de trens de


alta velocidade no Brasil. Os mais importantes podem ser elencados em:

 Ampliação e revitalização da malha ferroviária já existente, aumentando sua


eficiência e eficácia, reduzindo o preço do produto transportado e aumentando
a margem da concessionária da via
 Ampliação e modernização das rodovias atuais, com asfalto de alta qualidade,
evitando desgaste dos caminhões e vibração excessiva do transporte, que leva
a perda de parte da carga pelo caminho
 Criação de armazéns em rodovias muito longas aos moldes dos Estados
Unidos, evitando que o armazém do Brasil seja o próprio caminhão, isso
poderia evitar roubos de carga e tornar os trajetos mais dinâmicos

Além da revisão dos três pontos supracitados, é de suma importância ter em mente
que o Estado tem vital importância em todas as experiências internacionais
analisadas, articulando o setor privado e criando novos horizontes para os
investidores. O Estado deve trabalhar para tornar investimentos de maturação de
longo prazo, como o TAV, mais atrativos e trabalhar para que transformem
positivamente o espaço público utilizado. Tendo em vista todos os pontos avaliados
por este trabalho, os trens de alta velocidade são uma alternativa para o futuro do
país, mas o Brasil deveria manter seu foco em transporte ferroviário regular, inter-
regional, tanto de passageiros quanto de cargas. Assim como ampliar sua capacidade
de comunicação entre os modais e ter o TAV apenas como o próximo passo a ser
dado uma vez que a nação tenha maturado seus meios de transporte já instalados.
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