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2
TU
PÍ
CA
OS IMPÉRIOS COLONIAIS
Competências
A gravura mostra a cidade de Lisboa no
• C1 e C4 século XVI, com destaque para as
caravelas. A tecnologia naval foi decisiva
para o início do período colonial.
Habilidades
28 A formação do Brasil
A REVOLUÇÃO COMERCIAL
Somente esse olhar em direção aos eventos passados nos permite conhecer os elementos que
estão na base dos processos de produção, circulação e consumo das riquezas nacionais atuais. De fato,
o ideal econômico inaugurado pela revolução comercial contém, ainda que em germe, muitos dos
pilares que servem de sustentação para as dinâmicas da vida social contemporânea. A historiografia
tende a fazer da chegada dos espanhóis ao continente americano, em 1492, e da descoberta do cami-
nho marítimo para as Índias pelos portugueses, em 1498, os marcos maiores da Expansão Ultramarina,
expansão que, de diferentes maneiras, conduziu o mundo a uma tremenda revolução na maneira
de encarar e gerir o comércio. Em primeiro lugar, precisamos ter em mente que, com a Expansão
Ultramarina, as sociedades européias, que estiveram em um regime de isolamento por quase toda
a Idade Média, restringindo seu comércio ao contato com os povos do Mediterrâneo, subitamente
ampliaram seus horizontes até o além-mar. Dos mares interiores da Europa (Mediterrâneo, Báltico e
Negro), os europeus passaram transitar constantemente pelos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico.
PARA AMPLIAR
O Mar Mediterrâneo não é um dado atemporal que sempre existiu tal como o conhecemos. Há 5,33
milhões de anos, o Mar Mediterrâneo, em um período de menos de dois anos, se encheu com um
volume de água enorme vindo do oceano Atlântico, volume que se calcula ser mais de mil vezes
superior ao atual Amazonas. Ou seja, a cheia do Mediterrâneo deu-se de forma abrupta, algo que
certamente instiga a imaginação e o saber dos pesquisadores da atualidade.
Se o comércio foi o motor da expansão territorial, a troca de ideias, ainda que colateral, não deve
ser menosprezada, haja visto que o fortalecimento do intercâmbio acelerou o avanço tecnológico
em diversos âmbitos da vida, contribuindo não só para a ampliação do conhecimento da navegação,
da cartografia, da medicina e da construção naval, mas também da astronomia, da geografia, da
zoologia e da mineralogia.
MCAPDEVILA/WIKIMEDIA COMMONS
Antigo planisfério português, precursor dos mapas modernos. Nele, vemos que a superfície terrestre é representada sob a forma de um plano retangular.
Vale dizer que os primeiros mapas de que temos conhecimento foram desenhados em argila, madeira ou pele de animais. Ao contrário dos mapas atuais, os
primeiros mapas não tinham qualquer pretensão de descrever o mundo real. Antes, eram mapas simbólicos, geralmente montados para situar o povo que o
confeccionou no centro do mundo. Ou seja, mesmo quando os mapas não servem como meio de orientação para rotas comerciais, deve ficar claro que os
mapas sempre serviram a certos objetivos políticos.
A formação do Brasil 29
O comércio não cessava de crescer. As especiarias, convertidas em artigos extremamente cobi-
çados, exerciam um enorme poder de atração sobre as diferentes regiões do planeta, uma vez que,
além do sabor, ajudavam na conservação dos alimentos. Além delas, demais produtos originários
das Américas como a batata, o tomate, o fumo, o mamão, o abacaxi e outros passaram a integrar
as dietas e os costumes dos povos ao redor do mundo. Vale destacar que os alimentos não foram
apenas plantados nas colônias e comercializados pelo mundo, mas também foram “transferidos” para
outras regiões que desconheciam a plantação deste ou daquele gênero alimentício. Foi assim que o
cacau e o milho, dois produtos típicos dos continentes americanos, adaptaram-se muito bem aos
territórios africanos. Do mesmo modo, a cana-de-açucar, originária da Ásia, espalhou-se pelas regiões
do Caribe e da América do Sul. Por fim, não podemos deixar de lado o café, oriundo da Etiópia e
cultivado tanto no continente europeu quanto nas Américas.
Além de ideias e hábitos alimentares, os europeus espalharam pelo mundo uma série de animais
e objetos. No Japão e na América, onde só existiam equinos de pequeno porte, foram introduzidos
os cavalos. O relógio e as armas de fogo, desconhecidos pelos japoneses até então, também passaram
a circular pelo território nipônico. Portanto, o mundo conheceu, graças ao estabelecimento dessas
rotas comerciais, um conjunto bastante heteróclito de transformações culturais e sociais que foram
denominadas de Revolução Comercial.
CASANISA/SHUTTERSTOCK
30 A formação do Brasil
INTERIOR OF A PHARMACY (FRESCO), ITALIAN SCHOOL, (15TH CENTURY) / CASTELLO DI ISSOGNE, VAL D'AOSTA, ITALY / BRIDGEMAN IMAGES
Afresco datado do século XV, representando o interior de uma farmácia na península Itálica, na qual se vendiam, também, algumas das especiarias provenientes
da Ásia. Estas eram compradas dos mercadores árabes por comerciantes de cidades da península Itálica, como
Gênova e Veneza.
A formação do Brasil 31
As viagens de Marco Polo durante o século XIII, apesar de serem consideradas fantasiosas por
muitos, contribuíram para o conhecimento dos locais onde as especiarias eram produzidas e
também das rotas que as conduziam até os principais entrepostos comerciais, como Constan-
tinopla.
LAB212
BROWN, Robin. Marco Polo, a incrível jornada. São Paulo: Madras, 2007. p. 6-7.
O gosto pelas comidas temperadas com especiarias não é exclusivo da Idade Média. Importadas
da Índia e do Extremo Oriente desde a Antiguidade, as especiarias já entram na composição de
quase todos os pratos atribuídos a Apicius por um compilador do século IV. Mas já não são essas
as substâncias que os contemporâneos de São Luís ou de Joana d´Arc apreciam. A partir do fim
do Baixo Império, uma progressiva transformação substitui o costus, o laser ou o silphium – de
que os gulosos romanos tanto gostavam – por novos produtos: o cravo-da-índia, a noz-mosca-
da e o macis, o galanga, a malagueta. O mundo muçulmano influi bem menos do que se supu-
nha para essa mudança de gosto. Essa influência se deve, mais do que aos costumes trazidos das
cruzadas, à introdução no Ocidente dos textos médicos traduzidos do árabe, e com eles todo
um arsenal farmacêutico do qual faziam parte as especiarias.
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Org.). História da alimentação. Trad. Luciano Vieira Machado e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo: estação
Liberdade, 1998. p. 452.
Um fato curioso ocorre no presente no que diz respeito à conservação de alimentos. Ainda
que os métodos de conservação tenham crescido exponencialmente desde o advento do uso de
geladeiras e freezers, da adição de produtos químicos que retardam seu apodrecimento, ou do uso
da salga de peixes e de carnes, é fato inconteste que vivemos no interior de uma cultura generalizada
de desperdício de alimentos.
De acordo com alguns estudos recentes, no Brasil cerca de 64% do que estava destinado à
mesa da população é perdido na colheita, no transporte, na produção, na industrialização e na casa
do consumidor final. Isso significa que cerca de 70 mil toneladas de alimentos são jogadas no lixo
diariamente. Frutas de casca manchada, iogurtes perto da data de vencimento, pães amanhecidos,
comidas esquecidas dentro da geladeira. Alimentos ainda em boa condição são descartados.
32 A formação do Brasil
Para piorar o cenário, a produção mundial não cessa de se ampliar. É fácil ver os números disso.
Hoje a humanidade já consome 30% a mais de recursos naturais do que a capacidade de renovação
da Terra. Se o nível de produção e de consumo seguir no mesmo ritmo, em menos de cinquenta
anos precisaremos ter o equivalente a dois planetas Terra para atender nossas demandas por água,
energia e alimentos. Ao proceder dessa forma, estamos colocando em risco a própria sobrevivência
do planeta. Em resposta a esse cenário catastrófico, temos acompanhado o crescimento mundial
de movimentos em favor de um consumo consciente de alimentos, consumo que irá priorizar não
apenas as qualidades do produto, mas também, e principalmente, seu modo de produção.
O mercantilismo
Ao longo da história, é bastante comum encontrar práticas econômicas que, mesmo não
sendo constituídas na forma de uma doutrina, possuíam certa homogeneidade prática. É precisa-
mente o caso do mercantilismo, o nome dado a um conjunto de princípios que, sem terem sido
refletidos e elaborados por uma escola de economistas, foram adotados pelos governantes como
base para a expansão do comércio no decorrer do século XVI. Esses princípios, devido à falta de
sistematicidade, variavam de uma nação para a outra. No entanto, também é possível identificar
princípios mercantilistas comuns a todos:
• Metalismo: quanto maior o montante de moedas de ouro e prata acumulado, mais próspera
seria a nação.
• Balança comercial favorável: os governos apostavam na ideia de que o dinheiro ganho com as
exportações deveria superar os gastos com as importações. Sabendo que as transações eram fei-
tas com moedas de ouro e prata, é fácil perceber que, quanto mais favorável a balança comercial,
mais rico o Estado.
• Política protecionista: a fim de tornar a balança comercial favorável, os governantes cobravam
altas taxas alfandegárias sobre as mercadorias estrangeiras, com a intenção de encarecê-las, obri-
gando o consumidor a comprar os artigos fabricados no próprio país.
CCI/REX/SHUTTERSTOCK
COMPREENDENDO
CONCEITOS
Alguns pensadores da atualida-
de, tal como o americano Nikolas
Rose, vão tentar insistir na ideia
de que o liberalismo não é ape-
nas uma atividade econômica,
mas também, e principalmente,
A formação do Brasil 33
América: colônias
LAB212
Golfo do Capitania Geral
México da Cuba
Vice-Reino da
Nova Espanha
Belize
Vice-Reino
do Peru
América
Portuguesa
Vice-Reino
do Rio
OCEANO da Prata
PACÍFICO
Capitania
Geral do Chile
Rio de
Janeiro
OCEANO
ATLÂNTICO
®
N
Colônias inglesas
Colônias holandesas O L
Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel M. de. Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: Fename, 1977. p. 51. Adaptação.
O pacto colonial
Resta pouca dúvida sobre o fato de que o mercantilismo não teria funcionado a contento sem
as políticas coloniais em voga, isto é, sem o chamado pacto colonial. Para dizer de forma incisiva: é
porque as potências europeias tinham conquistado, desde o início do século XVI, diversos territórios
na África, na Ásia e na América, que se tornou possível a prática mercantil. A ideia de pacto escon-
de o fato de que não se tratava propriamente de um pacto, na medida em que jamais existiu uma
negociação entre as partes, mas sim um conjunto de imposições das metrópoles sobre as colônias.
Atentemos um pouco mais sobre esse aspecto. Por meio desse pacto não assinado, as metró-
poles faziam com que as colônias funcionassem como polos econômicos subordinados aos seus
interesses, maximizando suas balanças comerciais à custa dos territórios dominados. Nesse sentido,
o pacto colonial proibia as colônias de produzir artigos manufaturados. Além disso, o que era produ-
zido nos territórios coloniais visava atender as demandas da metrópole. Portanto, ao lado da extração
de metais preciosos, o cultivo de plantas (cana-de-açúcar, tabaco e algodão) não apenas era ditado
pelas metrópoles, como somente elas tinham o direito de comprar tais produtos, garantindo, assim,
o monopólio do comércio em suas mãos.
34 A formação do Brasil
As estratégias de acumulação de ouro e prata nunca saíam do horizonte das potências. Como
consequência, para impedir que as moedas preciosas deixassem suas fronteiras, algumas das gran-
des potências pagavam pelos produtos das colônias com africanos escravizados, pessoas que eram
capturadas em território africano em troca de produtos manufaturados, como pólvora, ferro e rum.
Essa forma de conduzir as relações econômicas estava assentada no chamado comércio triangular
entre África, Europa e América, certamente uma das mais importantes bases do florescimento do
poder econômico dos Estados europeus.
Pacto colonial
Metrópole Colônia
Monopólio
Produtos
manufaturados
COMPREENDENDO
CONCEITOS
MAILSONPIGNATA/SHUTTERSTOCK
Mesmo sem nenhum
pacto colonial vigente,
ainda hoje os países ditos
subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento ten-
dem a vender commodi-
ties para os países ricos
(commodities: plural de
commodity, termo de ori-
gem inglesa que significa
“mercadoria”, mais preci-
samente produtos agríco-
las ou minerais de origem
primária que são produzi-
A formação do Brasil 35
PARA CONSTRUIR
1 Analise as afirmativas sobre o Descobrimento do Brasil, b) Com medo dos contrabandistas franceses e ingleses
preenchendo os parênteses com V (verdadeiro) ou F (falso). que rumavam até a costa brasileira em busca do pau-
-brasil, a Coroa portuguesa, desde os primórdios do
( ) Fez parte do processo de expansão comercial dos descobrimento, proibiu o estanco do pau-brasil.
países europeu, que buscavam encontrar novas fontes de
metais preciosos e de mercadorias para abastecer o merca- c) As expedições de Cristovão Jackes, em 1516 e 1526,
do consumidor europeu. não foram expedições de natureza militar, já que foram
pensadas apenas como meio de levar a cabo o reco-
( ) Representou um dos momentos mais importantes nhecimento dos territórios onde seriam implantadas as
da construção do império ultramarino português, na me- chamadas feitorias.
dida em que os metais preciosos que foram encontrados
logo na chegada dos Portugueses levou a Coroa portugue- d) Com autorização da Coroa portuguesa, a extração de
sa a promover a colonização do atual território brasileiro. pau-brasil, uma atividade nômade e predatória, foi a pri-
meira atividade econômica da colônia, uma atividade
( ) É considerado estrategicamente fundamental para que não visou qualquer forma de promover o povoa-
o enriquecimento da Coroa portuguesa, já que a rota mento do novo Continente.
descoberta por Vasco da Gama para o comércio com as
Índias, em 1498, exigia que Portugal criasse novos portos e) Raramente, a mão de obra indígena foi usada para a ex-
no Atlântico Sul, de modo a poder reparar e reabastecer tração de pau-brasil. Além disso, os portugueses, quando
os navios. os indígenas trabalhavam nessa atividade, presenteava-
-os com objetos de grande valor no mercado europeu.
( ) É visto como um momento trágico para os indíge-
nas, uma vez que a exploração do pau-brasil, certamente
a primeira riqueza explorada pelos portugueses no novo
3 Em relação ao problema da colonização, assinale a respos-
território, conduziu à escravização dos indígenas.
ta correta.
O correto preenchimento dos parênteses, de cima para
a) colonizador é tão somente aquele que invade o terri-
baixo, é:
tório de outro país, desrespeitando sua soberania ter-
a) V – V – F – F ritorial.
36 A formação do Brasil
FAÇA VOCÊ MESMO
1 Em linhas gerais, explique o que foi a Revolução comercial, buscando descrever as novidades que ela introduziu nas relações
globais.
2 Identifique o motivo pelo qual o comércio de especiarias constituía um produto que atraia o interesse de tantas potências eu-
ropeias.
3 Demonstre as diferenças entre a organização institucional do pensamento e a prática do mercantilismo ao longo do período colonial.
A formação do Brasil 37
O IMPÉRIO PORTUGUÊS
Para entender as razões que catapultaram o poder da Coroa portuguesa precisamos levar em
conta que, depois da descoberta das terras que ficariam conhecidas como Brasil, Portugal se punha
no cenário mundial como o primeiro reino europeu moderno a possuir um império ultramarino.
É evidente que nenhum território conquistado estava imune a ser cobiçado por outras potên-
cias. Com isso em mente, os portugueses adotaram uma série de medidas para assegurar suas con-
quistas, construindo fortalezas e feitorias em diversos pontos da América do Sul, da África e da Ásia.
Construções que tinham o objetivo de proteger as colônias, mas também que serviam de ponto de
apoio para suas embarcações e de local de armazenagem para produtos que seriam posteriormente
vendidos em toda a Europa.
Para termos uma ideia da centralidade dessas construções para a organização das colônias, é
mister registrar que, em meados do século XVI, os portugueses já haviam levantado mais de cinquen-
ta fortes e feitorias na rota entre a África e o Japão (veja o mapa a seguir).
E por falar em rotas, é oportuno mencionar que as embarcações portuguesas partiam do rio
Tejo, transportando não apenas tripulantes ligados à navegação e ao comércio, mas também padres
jesuítas que embarcam rumo às colônias com o objetivo de converter os povos do chamado novo
mundo. Invariavelmente, as viagens eram árduas e longas. É de salientar que o número de mortes era
alto, fossem elas causadas por doenças ou por naufrágios.
MCAPDEVILA/WIKIMEDIA COMMONS
COMPREENDENDO
CONCEITOS
HOUGHTON LIBRARY/
WIKIMEDIA COMONS
38 A formação do Brasil
O funcionamento do mercantilismo também permite esclarecer o porquê do enorme
poder da Coroa portuguesa. Impulsionados pelos procedimentos econômicos que temos ana-
lisado, os portugueses dominaram, por aproximadamente um século, o comércio no Índico,
levando para a Europa africanos escravizados e especiarias (chás, sedas, pedras preciosas, etc.).
É digno de nota que os africanos escravizados eram também transportados para as colônias
portuguesas na América e nos Açores.
No entanto, pouco a pouco, o poder português começa a esmorecer, a começar pela perda do
controle do comércio com as Índias. Esse declínio explica-se pelo alto custo das viagens transoceâni-
cas, pela resistência dos muçulmanos diante da presença dos portugueses, mas também, e sobretudo,
pelo conturbado processo de sucessão ao trono português, que, em 1580, fez com que Portugal fosse
submetido ao domínio da Espanha.
PARA AMPLIAR
Doenças em alto-mar
Levamos quase três meses nesta travessia, enfrentando muitas calmarias e ventos contrários. Nesse tempo, todos adoeceram
das gengivas, que cresciam sobre os dentes de tal maneira que não podiam comer. As pernas inchavam e havia outros grandes
inchaços pelo corpo, que castigavam tanto a pessoa que ela acabava morrendo sem ter nenhuma doença. Nesses dois meses e
27 dias, trinta homens morreram, sem contar os que já estavam mortos a essa altura. [...] Por isso, garanto que se a viagem
durasse mais uns 15 dias, logo não haveria quem conduzisse os navios.
VELHO, Álvaro. O descobrimento das Índias: diário da viagem de Vasco da Gama.
Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 108.
PARA AMPLIAR
O rio Tejo é mundialmente famoso não apenas pela sua extensão, mas também por ter sido imortalizado em um poema escrito por Alberto
Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, em seu livro O guardador de rebanhos:
XX - O Tejo é mais Belo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, E para onde ele vai
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha E donde ele vem.
aldeia E por isso porque pertence a menos gente,
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
A formação do Brasil 39
Para o júbilo dos espanhóis, o início da colonização da América parecia indicar que eles haviam
encontrado o El Dorado, sobretudo depois do ano de 1545, quando Potosí foi descoberta, uma
montanha de aproximadamente 600 metros de altura na Bolívia atual, no interior da qual se achava
a maior jazida de prata conhecida até então. O acontecimento foi de tal modo decisivo que, após a
descoberta de Potosí, a Espanha se tornou a nação mais rica da Europa.
Vejamos os números. Entre 1500 e 1520, o período imediatamente anterior à descoberta de
Potosí, o teto da produção da casa da moeda espanhola era de 45 toneladas de prata. Entre 1580 e
1600, essa cifra subiu para 340 toneladas. Contudo, para utilizar um jargão que nos é conhecido, a
Espanha foi com muita sede ao pote. Já por volta de 1600, o sonho de uma suposta inesgotabilidade
das jazidas de outro e prata de Potosí começou a ruir. Era cada dia mais claro que as minas estavam
em um processo de esgotamento dos seus recursos naturais, recursos que iam diminuindo a olhos
vistos. Para piorar a situação espanhola, o inacreditável montante de riqueza extraído das minas desse
“El Dorado” foi rapidamente gasto com as despesas das guerras nas quais a Espanha se envolveu.
REBELLOP/WIKIMEDIA COMMONS
A gravura de 1596, de Theodore de Bry, representa os trabalhadores nas minas de Potosí.
COMPREENDENDO
CONCEITOS
WEB GALLERY OF ART/WIKIMEDIA COMMONS
A noção de utopia ficou consagrada pela publicação, em 1516, do livro Utopia, de Thomas More. No
entanto, antes desse conceito, os indivíduos e as nações já projetavam lugares ou tempos que seriam
idílicos. Reais ou imaginários, tais projeções possuíam um efeito prático na vida das pessoas. Ora, não
resta dúvida de que a imagem do El Dorado faz parte dessa lista de utopias. Aliás, vale mencionar que
distopia, isto é, a descrição de um mundo ao avesso do ideal, é também uma utopia. Talvez a utopia
predominante da atualidade. Nesse sentido, basta acompanhar o sucesso de filmes futuristas como
Mad Max.
Ilustração de Ambrosius Holbein presente em uma edição de 1518 de Utopia de Thomas More.
40 A formação do Brasil
A DERROCADA DO TRATADO DE TORDESILHAS
Com o fortalecimento de outras potências (França, Inglaterra e Holanda), o Tratado de Tordesi-
lhas, assinado em 1499, tinha seus dias contados, uma vez que, os países acima indicados se engajavam
com cada vez mais intensidade na corrida pelo domínio das riquezas da África, da Ásia e da América.
Nenhuma surpresa se dissermos que, em 1533, os ingleses conseguiram estabelecer postos comerciais
em vários pontos da costa ocidental africana e que, em 1593, os holandeses seguiram seus passos.
Como vimos, os portugueses e espanhóis povoaram a costa das suas colônias com feitorias e
fortes. No entanto, nenhum dos dois era forte o suficiente para conter o avanço do fluxo de navios
concorrentes que se aproximavam do continente americano. Assim, o rei da França, Francisco I (1515-
1547), rechaçou o Tratado de Tordesilhas sob a alegação de que desconhecia por completo a “cláusula
do testamento de Adão”, responsável por afastar a França da divisão do mundo entre Espanha e Por-
tugal. Por isso, em meados do século XVI, eram frequentes as expedições francesas desembarcando
no atual litoral brasileiro em busca de pau-brasil, um recurso natural largamente utilizado para tingir
tecido nas manufaturas têxteis europeias.
À extração de pau-brasil, vinha somar-se o lucro que os franceses obtinham levando peles e penas
de animais, artigos que alcançavam preços elevadíssimos em toda a Europa. Por essas e outras razões, PARA AMPLIAR
em 1555, alguns expedicionários franceses decidiram fundar uma colônia na baía de Guanabara, no
atual Rio de Janeiro, na época conhecida pelo nome de França Antártica, assim chamada porque Vermelho Brasil. Direção de
Sylvain Archambault. Brasil,
a expedição francesa acreditava que essa região estava próxima do polo antártico. Ali, os franceses Canadá, França, Portugal, 2014.
permaneceram até 1567, momento em que, finalmente, foram derrotados e expulsos pelas forças (104 min.)
militares portuguesas. Esse interessante filme basea-
Na verdade, trata-se de uma história mais complexa, que merece ser rapidamente destacada. do em um romance de mesmo
Em 1555, o governo francês, sob o reinado de Henrique II (1547-1559), investiu na criação de uma nome conta a história da tenta-
colônia na América, que deveria ser conquistada pelo almirante Nicolas Durand de Villegaignon tiva de implantação da França
(1514-1571). Inicialmente, os 130 colonos francês liderados pelo sobredito almirante se instalaram em Antártica, abordando os conflitos
uma pequena ilha, chamada de Serijipe pelos nativos (atual ilha de Villegaignon, no Rio de Janeiro), com Portugal, com os indígenas
que pertenciam ao povo Tamoio e que se mostravam favoráveis ao comércio com os francesas e e dando uma ideia de como fo-
ram os primeiros anos de coloni-
refratários ao contato com os portugueses. Na localização hoje conhecida como praia do Flamengo,
zação no Brasil.
Villegaignon construiu o povoado de Henriville.
Depois de reunir uma armada de 26 navios e 2 mil militares, Mem de Sá garante a vitória dos
portugueses, com a destruição de Henriville em 1560. Nesse processo, os indígenas favoráveis à ocu-
pação dos franceses formaram o que ficou conhecido como Confederação dos Tamoios. Apesar da
derrota na França Antártica, os franceses não perderiam seu interesse pelo litoral brasileiro, sobretudo
pelas regiões que hoje pertencem à Paraíba e ao Rio Grande do Norte.
Prova disso é o fato de que, em julho de 1612, o fidalgo francês Daniel de la Touche, acompa-
nhado de uma tripulação de mais de 500 homens, fundou uma colônia na região do Maranhão. Em
homenagem ao rei Luís XIII (1610-1643), o forte e o povoado receberam o nome de São Luís, muito
embora a colônia tenha sido chamada de França Equinocial. Ali, os franceses permaneceram até 1615,
quando foram expulsos pelas tropas reunidas em torno de Jerônimo de Albuquerque, enviado da
capitania de Pernambuco para executar tal missão.
A formação do Brasil 41
Piratas e corsários
Certamente, a disputa pelo domínio dos mares do Caribe e do Atlântico Sul dava-se entre as
grandes potências da época. Mas não só por elas. Tão ávidos pela obtenção de prata e ouro como
as Coroas, piratas e corsários assaltavam toda e qualquer embarcação que transportasse metais
preciosos. No entanto, os piratas e os corsários não eram exatamente a mesma coisa. Os piratas
atuavam de maneira autônoma e eram perseguidos, ao passo que a ação dos corsários tinha o aval
do rei, concretizada na carta de corso que estes recebiam do rei. Além da autorização da realeza, o
corsário transferia para o rei parte do butim, quando o ataque a outros navios terminava vitorioso.
Só para termos uma ideia do quanto os corsários eram essenciais, um país como a Holanda, no início
do século XVII, contava com cerca de 130 corsários.
Paralelamente à Holanda, também o governo da Inglaterra se acumpliciava com os corsários no
Atlântico e no Caribe, sobretudo entre 1558 e 1603, quando o país foi governado pela rainha Eliza-
beth I. Do mesmo modo que Jesse James (1847-1882) e Wyatt Earp (1848-1929) se tornariam lendas
imortais da Marcha para o Oeste, nos Estados Unidos, alguns piratas ingleses (Thomas Cavendish,
Francis Drake e Richard Hawkins) ganhariam as páginas da literatura e a boca do povo.
Ingleses e franceses
Apesar dos reveses que levaram ao enfraquecimento do poder imperialista da Coroa portuguesa
e espanhola sobre os mares, ambos os países ainda mantinham o controle marítimo sobre o Atlântico
e as rotas de acesso para as Índias, o que fez com que outras potências se empenhassem em encon-
trar rotas alternativas para o Oriente. Ingleses e franceses deram início a expedições de exploração do
Atlântico Norte. No entanto, o fracasso foi a marca dessas viagens, em razão da enorme quantidade
de gelo que perfazia os mares próximos ao polo Norte, obrigando o pronto retorno das embarcações.
Porém, nem todas as expedições em busca de rotas alternativas redundaram em fracasso. Em
1535, Jacques Cartier, um navegador francês, alcançou a embocadura do rio São Lourenço, no atual
Canadá, tomando posse dessas terras a mando do rei Francisco I. O sucesso marítimo não foi acom-
panhado pelo sucesso econômico, já que, ali, não foram encontrados metais preciosos. Por isso, a
região mais setentrional da América do Norte permaneceu inexplorada durante o século XVI.
Além das expedições rumo à América, à Inglaterra dava um passo à frente. Assim, em 1548,
Walter Raleigh fundou a colônia inglesa chamada de Virgínia, o atual estado norte-americano da
Carolina do Norte, muito embora a colonização propriamente dita tenha começado anos mais tarde.
COLLECTIONS DU CHÂTEAU DE VERSAILLES / WIKIMEDIA COMMONS
42 A formação do Brasil
PARA CONSTRUIR
1 Se a Coroa portuguesa ordenou a construção de feitorias c) dizia respeito a uma prática religiosa que consistia em
pelo litoral brasileiro, isso se deve ao fato de que Portugal: incentivar os fiéis da Igreja Católica a fornecer certas
mercadorias para os pobres e desvalidos.
a) Imediatamente percebeu que o Brasil era um território
com enormes quantidades de ouro e prata e que, por d) representava a estratégia da aristocracia portuguesa
isso, precisava ser protegido. para manter a burguesia longe do rei.
b) Tinha interesse em utilizar a costa brasileira como uma e) acabaria com a ética do povo português, já que se tra-
espécie de base de onde pudesse lançar ofensivas ma- tava de transformar todas as relações e vínculos sociais
rítimas contra as demais potências europeias. em mercadoria.
c) Mesmo sem nenhuma intenção de ocupar o território
brasileiro, já que não havia vestígios de metais precio- 4 (PUC-PR) Leia o texto a seguir.
sos, os portugueses usaram as feitorias como meio de
evitar a invasão de outras potências.
d) Pretendia usar as feitorias como prisões para prender
os indígenas que se mostrassem hostis à chegada dos
portugueses.
e) Ambicionava dar um lugar de destaque para a burgue-
sia nacional portuguesa, financiando projetos no litoral
brasileiro que não tinham outro sentido a não ser o de
gerar emprego para os portugueses.
uma vez construídas, eram levadas para o rio Douro, de A primeira missa no Brasil é um momento emblemático do
onde partiam rumo ao Brasil. início da colonização portuguesa na América, celebrada
b) Apesar da sua importância, o rio Tejo estava interditado poucos dias após a chegada e desembarque dos portu-
aos navegantes por um decreto religioso que temia que gueses na costa brasileira, imortalizada pela narrativa na
a prata e o ouro trazido de outras regiões do planeta Carta de Pero Vaz de Caminha e no óleo sobre tela de Victor
terminasse por corromper os costumes portugueses. Meirelles. A ocupação de fato demorou um pouco mais a
c) Por diversas vezes, os jesuítas tentaram embarcar rumo acontecer, dentre as razões para seu início, temos:
ao Brasil, mas sem sucesso, já que o rei de Portugal te- a) o aumento do comércio de especiarias com o Oriente, le-
A formação do Brasil 43
5 (EsPCEx-SP) As relações entre a metrópole e a colônia foram ( ) A pauta das exportações brasileiras nos últimos anos
regidas pelo chamado pacto colonial, sendo este aspecto mostra a predominância de produtos primários (as
uma das principais características do estabelecimento de commodities), cujos preços são fixados no exterior. O
um sistema de exploração mercantil implementado pelas quadro tem semelhanças com o que ocorria durante o
nações europeias com relação à América. pacto colonial, com o país importando bens industria-
lizados e de grande valor agregado.
Com relação ao Brasil, do que constava este pacto?
( ) Os governos brasileiros da última década optaram por
a) As colônias só poderiam produzir artigos manufaturados.
uma política econômica de viés liberal, afastando-se das
b) A produção agrícola seria destinada, exclusivamente, à práticas mercantilistas de tendências intervencionistas.
subsistência da colônia.
c) A produção da colônia seria restrita ao que a metrópole
7 (Enem)
não tivesse condições de produzir. H4 TEXTO I
d) A colônia poderia comercializar a produção que exce-
H5 Documentos do século XVI algumas vezes se referem
desse às necessidades da metrópole.
aos habitantes indígenas como “os brasis”, ou “gente bra-
e) Portugal permitiria a produção de artigos manufatura- sília” e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasilei-
dos pela colônia, desde que a matéria-prima fosse ad- ro” era a eles aplicado, mas as referências ao status econô-
quirida da metrópole. mico e jurídico desses eram muito mais populares. Assim,
6 (Fepar-pr) Observe a figura abaixo e avalie as afirmativas a se- os termos “negro da terra” e “índios” eram utilizados com
guir. mais frequência do que qualquer outro.
SCHWARTZ, S. B. Gente da terra braziliense da nação. Pensando o Brasil:
Proprietários: a construção de um povo. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a
Organizam o empreendimento Coroa: Configura o Estado, experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000 (adaptado).
(estrutura, produção e venda) cobra tributos
TEXTO II
rigidamente definidos
Aliança de interesses
exportação de manufaturados
Colônia conquista da América pelos europeus. Desinteressados
pela diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito
Metrópole
Exportação de produtos agrícolas para com o outro, o indivíduo de outras culturas, espa-
e metais preciosos nhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram
por denominar da mesma forma povos tão díspares
Mão de obra escrava Burguesia mercantil: quanto os tupinambás e os astecas.
(livre ou escrava) Detém grande parte do capital, o
controle logístico e comercial SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005.
( ) O esquema mostra o funcionamento do pacto colo-
nial, envolvendo Estados europeus que participaram Ao comparar os textos, as formas de designação dos grupos
dos descobrimentos marítimos e formaram colônias. nativos pelos europeus, durante o período analisado, são re-
Contudo, o sistema mercantilista foi também aplicado veladoras da
por países que não dispunham de colônias. a) concepção idealizada do território, entendido como
geograficamente indiferenciado.
( ) Nas colônias, os proprietários exerciam poderosa in-
fluência no pacto colonial e provocavam, nas metró- b) percepção corrente de uma ancestralidade comum às
poles, a formação dos preços dos produtos agrope- populações ameríndias.
cuários e dos metais preciosos. c) compreensão etnocêntrica acerca das populações dos
territórios conquistados.
( ) O mercantilismo foi um conjunto de medidas econô-
micas colocadas em prática por Estados absolutistas, d) transposição direta das categorias originadas no imagi-
mas não formou uma escola econômica, a exemplo nário medieval.
do liberalismo. e) visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza.
44 A formação do Brasil
FAÇA VOCÊ MESMO
1 Sabendo que os portugueses não se interessaram em colonizar o Brasil imediatamente após seu descobrimento, descreva a
importância das feitorias.
2 Além de querer aumentar seu poder econômico, quais outras ideias impulsionavam os indivíduos para a descoberta de
novos territórios?
4 Descreva o que foi a Confederação dos Tamoios e por que ela é um importante indício de que os portugueses não gozavam da
simpatia dos habitantes da colônia.
A formação do Brasil 45
AS COMPANHIAS DE COMÉRCIO
Surfando na onda do declínio do poder de Portugal e da Espanha, a Holanda e a Inglaterra,
desde o início do século XVII, investiram em viagens que chegavam às Índias contornando o sul da
África. Para tanto, forjaram uma organização conhecida pelo nome de Companhia de Mercadores.
Em que consistiam essas companhias? Eram empresas comerciais compostas em regime de
sociedades anônimas, que chegavam a reunir mais de 300 associados, também denominados de
acionistas. O funcionamento da Companhia de Mercadores se dava da seguinte maneira: os recur-
sos reunidos entre os acionistas eram alocados no financiamento de expedições rumo ao Oriente, à
América e à África. Os lucros ali obtidos, por sua vez, eram partilhados entre os acionistas.
Os poderes que o governo inglês e o governo holandês delegavam às suas respectivas companhias
de comércio impressionavam. Elas eram responsáveis por comercializar, conquistar, colonizar, administrar
e defender territórios, todas essas ações faziam parte das atribuições que pertenciam à alçada desses co-
merciantes. Ora, devido ao grande fluxo de dinheiro no caixa desse núcleo de empresários, as companhias
estavam à altura da tarefa, dispondo dos meios necessários para construir navios, cais e armazéns próprios.
Essas companhias exerceram um papel absolutamente central na definição da distribuição do
poder sobre os mares durante a expansão das potências europeias. Merecem destaque a Companhia
Inglesa das Índias Orientais (1600), a Companhia Holandesa das Índias Orientais (1602) e a Compa-
nhia Holandesa das Índias Ocidentais (1621). Graças a elas, a Holanda passou a protagonizar, a partir
do século XVII, o comércio transoceânico. O resultado da ação dessas companhias de mercadores
holandeses foi a criação de entrepostos e colônias em muitos continentes, como, por exemplo, a
Nova Amsterdã (atualmente Nova York) e a Guiana Holandesa (atualmente Suriname), além de
terem tomado posse do Nordeste brasileiro por certo período de tempo.
O antagonismo entre os países que rivalizavam pelo predomínio sobre os mares nem sempre se re-
solvia por vias pacíficas. De modo que, em inúmeras ocasiões, Inglaterra e Holanda partiram para o conflito
armado no decorrer do século XVIII. Incontroversamente, ambos os países tinham em mira os exorbitan-
tes lucros advindos do comércio marítimo, fossem os lucros do tráfico de africanos escravizados, fossem
os lucros da exploração dos territórios descobertos. Não é à toa que muitos banqueiros e mercadores
amealharam suas fortunas nesse momento, especialmente nas ocasiões bastante frequentes nas quais os
príncipes e os reis recorriam a eles quando necessitavam de recursos para levar a efeito seus empreendi-
mentos de grande porte, à semelhança dos custos envolvidos nas guerras e nas navegações transoceânicas.
Por fim, não podemos passar adiante sem chamar a atenção para o fato de que todo esse acú-
mulo de riqueza, território, tecnologia, entre outros efeitos produzidos pela expansão colonial, foi
condição indispensável para a emergência de uma série de transformações econômicas e sociais que,
entre o século XVIII e XIX, marcarão o período da chamada Revolução Industrial.
WIKIMEDIA COMMONS
46 A formação do Brasil
PRIMEIRAS COLÔNIAS NA AMÉRICA DO NORTE COMPREENDENDO
CONCEITOS
THE WHITE HOUSE HISTORICAL ASSOCIATION/WIKIMEDIA COMMONS
PARA AMPLIAR
Veja o filme Hábito negro, de
Bruce Beres-Ford. Austrália e Ca-
nadá, 1991. (101 min). O filme
conta a jornada de um padre je-
Na pintura acima, pilgrims, puritanos ingleses, desembarcam do navio Mayflower na colônia de Playmouth, suíta pelo Canadá, em 1634.
Massachusetts, em novembro de 1620.
A colonização inglesa na América do Norte data de 1607, momento em que foi fundada
a cidade de Jamestown, atual Virgínia. Do ponto de vista econômico, a colônia se desenvolveu
A formação do Brasil 47
Treze Colônias Inglesas na América
LAB212
Lago
Huron NOVA
HAMPSHIRE
Lago Ontário
NOVA
IORQUE
MASSACHUSETS
Erie
Lago
PENSILVÂNIA
RHODE
ISLAND
NOVA CONNECTICUT
MARYLAND
JÉRSEI
DELAWARE
VIRGÍNIA
CAROLINA
DO NORTE
OCEANO
ATLÂNTICO
CAROLINA
DO SUL
Colônias do Sul
®
N
1: 20 000 000
Golfo do 0 200 400 km O L
México
Projeção Cilíndrica
S
Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p. 96. Adaptação.
COMPREENDENDO CONCEITOS
[...] devemos dizer que um Estado é uma comunidade humana que se atribui (com
êxito) o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido. Ob-
servem que o território constitui uma das características do Estado. No período contem-
porâneo, o direito ao emprego da coação física é assumido por outras instituições à
medida que o Estado o permita. Considera-se o Estado como fonte única do direito de
recorrer à força. Consequentemente, para nós, política constitui o conjunto de esforços
tendentes a participar da divisão do poder, influenciando sua divisão, seja entre Estados,
seja entre grupos num Estado.
WEBER, Max. A política como vocação. Trad. Maurício Tragtenberg. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.
p. 9.
48 A formação do Brasil
ENQUANTO ISSO...
A Austrália entra no mapa
Tal como os espanhóis tinham descoberto um novo continente no século XV, também os mer-
cadores holandeses descobririam, no século XVII, regiões ainda desconhecidas dos europeus.
Assim, em 1606, Willem Jansz alcançou a atual Austrália, situada entre o oceano Índico e Pacífico.
Como o contato com os habitantes nativos não se deu de maneira amistosa, a exploração do
território não foi bem-sucedida.
Intitulada O primeiro mapa da Austrália, a ilustração acima foi feita por Nicholas Vallard, em
1547. A aparente inexistência de metais preciosos fez com que o território australiano fosse ini-
cialmente desconsiderado como fonte de riqueza pelos europeus.
Isso não significa que os holandeses tenham desistido de tal empreitada. Basta lembrar que,
entre 1642 e 1644, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, liderada então pelo mercador Abel
A formação do Brasil 49
WIKIMEDIA COMMONS
Diante dessa situação, inú-
BIOGRAFIA meros pensadores, à moda de
Autor do livro Leviatã, publica- Thomas Hobbes (1588-1679)
do em 1651, Thomas Hobbes é e Jacques Bossuet (1627-1704),
um dos pensadores mais impor- tentaram demonstrar que a de-
tantes e influentes na constitui- sordem na Europa só seria com-
ção das disciplinas modernas e
batida e superada se um poder
contemporâneas que se dedi-
caram ou se dedicam a refletir soberano fortemente centraliza-
sobre questões de ordem políti- do fosse alocado nas mãos dos
ca, sobretudo quando a política reis, que contariam com o apoio
envolve o funcionamento e os de um aparato burocrático capaz
processos de legitimação do de operacionalizar tal movimen-
tipo de exercício de poder le- to de concentração dos poderes.
vado a cabo pelos Estados mo- Sob a perspectiva atual, a reunião
dernos. Certamente, o professor
Renato Janine Ribeiro segue
de todos os poderes em torno
sendo um dos principais estu- de um homem que, apoiado
diosos de Hobbes no Brasil. pela teoria do direito divino, se
apresentava como representante
de Deus pode soar ultrapassado
e sem qualquer legitimidade. No
entanto, o que justificava o poder
absoluto era justamente o argu-
mento de que a barbárie reinaria
na ausência de um Estado forte.
PARA AMPLIAR
Compreendendo conceitos
A filosofia sempre se preocupou com a definição e a caracterização de liberdade. Observe alguns
dos registros a seguir.
LIBERDADE – esse termo tem três significados fundamentais, correspondentes a
três concepções que se sobrepuseram ao longo de sua história e que podem ser caracte-
rizadas da seguinte maneira: 1ª. L. [liberdade] como autodeterminação ou autocausali-
dade, segundo a qual a L. [liberdade] é ausência de condições e de limites; 2ª L. [liber-
dade] como necessidade, que se baseia no mesmo conceito da precedente, a
autodeterminação, mas atribuindo-a à totalidade a que o homem pertence (Mundo,
Substância, Estado); 3ª L. [liberdade] como possibilidade ou escolha, segundo a qual a
L. é limitada e condicionada, isto é, finita. Não constituem conceitos diferentes as formas
que a L. [liberdade] assume nos vários campos, como p. ex. L. [liberdade] metafísica, L.
[liberdade] moral, L. [liberdade] política, L. [liberdade] econômica, etc. As disputas
metafísicas, morais, políticas, econômicas, etc, em torno da L. [liberdade] são dominadas
pelos três conceitos em questão, aos quais, portanto, podem ser remetidas as formas
específicas de L. [liberdade] sobre as quais essas disputas versam.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 605
e 606.
50 A formação do Brasil
PARA CONSTRUIR
1 Companhia dos Mercadores foi o nome dado: c) franceses que fundaram um entreposto comercial às
margens do Rio São Lourenço.
a) aos piratas do Atlântico que roubavam as mercadorias
que as caravelas portuguesas transportavam do conti- d) jesuítas portugueses que pretendiam converter os nati-
nente americano. vos para a religião católica.
b) aos colonos que viviam no Brasil e que se tornaram co- 4 (Enem)
merciantes como meio de driblar a pobreza que assola-
H3 A natureza fez os homens tão iguais, quanto às fa-
va o novo continente.
culdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes
c) aos jesuítas que se especializaram na extração e comer- H21 se encontre um homem manifestamente mais forte de
cialização do pau-brasil, contando especialmente com corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo
a mobilização da mão de obra escrava trazida da África.
assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a
d) aos aristocratas portugueses que partiam em direção diferença entre um e outro homem não é suficientemen-
à Índia em busca de metais preciosos, especialmente te considerável para que um deles possa com base nela
ouro e prata. reclamar algum benefício a que outro não possa igual-
e) às empresas comerciais que reuniam recursos para o mente aspirar.
financiamento de expedições rumo ao Oriente, à Amé- HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
rica ou à África.
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil,
2 A chamada Revolução Industrial foi um movimento político quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles
e econômico que nasceu como consequência: a) entravam em conflito.
a) da volta aos princípios religiosos, sobretudo aos princí- b) recorriam aos clérigos.
pios protestantes, que viam nas navegações uma amea-
c) consultavam os anciãos.
ça ao seu poder econômico.
d) apelavam aos governantes.
b) do acúmulo de riqueza e da expansão tecnológica im-
pulsionados pelas navegações. e) exerciam a solidariedade.
c) do contato com os indígenas, já que a hostilidade entre 5 (Enem)
indígenas e colonizadores obrigou as potências euro- O processo formativo do Estado desenrolou-se se-
peias a buscar meios de combater um povo cujas armas H3
gundo a dinâmica de dois movimentos contraditórios e
eram claramente superiores. H5 simultâneos: fragmentação e centralização. De um lado,
d) do medo da Igreja de perder sua hegemonia para os fragmentação na medida em que os príncipes europeus
Estados nacionais nascentes, pois somente partici- tiveram de lutar contra o poder universalista do papa; e
pando de atividades industrias a igreja poderia man- centralizador na medida em que os príncipes tiveram
ter-se forte para combater os hereges que circulavam
A formação do Brasil 51
FAÇA VOCÊ MESMO
1 Descreva a importância das Companhias de Comércio para o que ficou conhecido como Revolução industrial.
4 Explique o papel das teorias absolutistas para a consolidação dos Estados modernos.
52 A formação do Brasil
VOCÊ É O AUTOR
Em grupo, aprofunde a pesquisa em torno do tema das feitorias. Em seguida, tente identificar um local ou
uma pessoa que exerça, nos dias de hoje, uma função semelhante à das antigas feitorias. Por exemplo, pais que
entendem o mundo ao redor do seu filho como eventuais invasores não se comportam como uma feitoria?
O grupo, então, deve construir uma narrativa ficcional sobre esses pais feitores.
Ainda que essas comparações não sejam óbvias, é importante perceber que a história não se repete de
forma idêntica. Não vamos encontrar no presente uma feitoria tal e qual existiu no passado. No entanto, aquilo
que chamamos de feitoria pode ser encontrado em diversos âmbitos da realidade.
O objetivo desta atividade não é só aprofundar a investigação acerca do tema, mas também demonstrar
a importância da construção de ficções. Podemos compreender com mais facilidade a ideia em torno das fei-
torias se a utilizarmos para elaborar uma outra narrativa, ainda que o fato histórico seja apenas um elemento
de inspiração.
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A formação do Brasil 53