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FACULDADE BAIANA DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

LOURDES TYCIARA DE OLVEIRA SILVA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À LUZ DA VITIMOLOGIA: A


PROTEÇÃO DA MULHER E A ADI 4424

Salvador
2014
LOURDES TYCIARA DE OLIVEIRA SILVA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À LUZ DA VITIMOLOGIA: A


PROTEÇÃO DA MULHER E A ADI 4424

Monografia apresentada ao curso de


graduação em Direito, Faculdade Baiana de
Direito e Gestão, como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª Daniela Carvalho


Portugal

Salvador
2014
TERMO DE APROVAÇÃO

LOURDES TYCIARA DE OLIVEIRA SILVA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À LUZ DA VITIMOLOGIA: A


PROTEÇÃO DA MULHER E A ADI 4424

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em


Direito, Faculdade Baiana de Direito, pela seguinte banca examinadora:

Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição:____________________________________________________

Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição: ___________________________________________________

Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição:___________________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2014


A Silvinha, Nalva, Camilla, Gleiza e
Letícia, mulheres de força.
AGRADECIMENTOS

É com grande emoção e estima que agradeço a todos que me ajudaram a concluir
mais este objetivo.

A Deus, por demonstrar todos os dias seu amor incondicional a mim.

A minha família, por tudo.

A minha querida orientadora, Prof.ª Dr.ª Daniela Carvalho Portugal, por compartilhar
comigo seu conhecimento sempre de maneira sábia, atenciosa e doce.

A Aline Leite, Laís Neves, Luciana Simões, Mylla Carneiro e Saulo Guimarães, por
injetarem em mim ao longo deste período doses de animo e perseverança.

A Dr.ª Rosita Falcão, Dr.ª Manuele Mendes e Dr.ª Luciana Carvalho por todos os
ensinamentos, compreensões e incentivos.

Aos funcionários da biblioteca da Faculdade Baiana de Direito e Gestão, por serem


sempre gentis e prestativos nesta busca pelo sucesso.

Agradeço ainda aos professores presentes na minha banca examinadora por


participarem e contribuírem com este momento tão importante.
“Moça olha só o que te escrevi: que é
preciso força pra sonhar e perceber que a
estrada vai além do que se vê.”

Marcelo Camelo
RESUMO

Ainda são identificadas na sociedade posturas patriarcais e de sobreposição entre


os sexos. Por conseguinte, as mulheres por estarem sujeitas aos três graus de
vitimização, fazem parte do rol dos membros vulneráveis e carecem de proteção
efetiva. O presente estudo, desenvolvido através pesquisa bibliográfica e dados
estatísticos no ramo da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, da
Vitimologia e do Direito Penal, a partir do exame da legislação vigente, aponta a
evolução legislativa decorrente do fenômeno social da desigualdade de gênero e da
promulgação da Lei 11.340/06, identificando nesta orientações vitimológicas. Expõe
o movimento vitimológico, conceitua vitimologia, relata o seu objeto de estudo,
objetivos, as razões da vitimização da mulher e aplicação no contexto da violência
doméstica e familiar. Analisa o controle de constitucionalidade no Brasil e as razões
porque a Lei Maria da Penha se submeteu a este. Concentra a atenção quanto a
Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4424 que buscou dar interpretação
constitucional aos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, analisando a
natureza da ação penal nos casos de violência doméstica a familiar contra a mulher.
O presente estudo tem o escopo de apresentar e discutir se o julgamento da ADI n.º
4424 se legitima à luz da vitimologia.

Palavras-chave: Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; Lei nº 11.340/06;


Vitimologia; ADI n.º 4424.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC Ação Direta de Constitucionalidade

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art. Artigo

CPB Código Brasileiro Penal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

PGR Procurador-Geral da República

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

JECrim Juizados Especiais Criminais

LMP Lei Maria da Penha

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI N. 11.340,

DE 07-08-2006) 12

2.1 FENÔMENO SOCIAL DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO 12


2.2 ADVENTO DA LEI MARIA DA PENHA 17
2.3 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
22
2.4 SUJEIRO ATIVO E SUJEITO PASSIVO 25
2.5 OBJETIVOS DA LEI 26
2.6 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER 27

3 O MOVIMENTO VITIMOLÓGICO E A VITIMOLOGIA 29

3.1 CRIMINOLOGIA 29
3.1.1 Da criminologia crítica e da inclusão do estudo da vítima no fenômeno
criminal 32
3.2 VÍTIMA 35
3.3 VITIMOLOGIA 38
3.3.1 Vitimologia versus vitimodogmática 41
3.4 VITIMIZAÇÃO 44
3.5 VITIMIZAÇÃO TERCIÁRIA E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER 48

4 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA DIANTE À

VITIMOLOGIA 52

4.1BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE 52
4.2 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 19 56
4.3 O JULGAMENTO DA ADI N. 4424 58
4.3.1 Objeto de debate 58
4.3.2 Argumentos favoráveis 61
4.3.3 Argumentos contrários 62
4.3.4 Decisão do Julgamento 63
4.4 ADI N. 4424 À LUZ DA VITIMOLOGIA 64

5 CONCLUSÃO 70

REFERÊNCIAS 73

ANEXO 1 76
10

1 INTRODUÇÃO

A mulher sempre foi enquadrada como membro vulnerável da sociedade e sofreu


ao longo da história diversas formas de violência. Atualmente, apesar do leque de
direitos e prerrogativas terem aumentado, ainda é acentuada a sua vulnerabilidade,
principalmente no ambiente familiar e doméstico. Desta forma, ainda carece maior
proteção.

Neste contexto, a Lei 11.340/06 cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher. O presente estudo tem como intuito percorrer e analisar a
violência doméstica e familiar contra a mulher, instrumento este que trata os
desiguais na medida de sua desigualdade e atribui à mulher maior proteção física e
psíquica, à luz da vitimologia.

Tendo em vista tais análises este trabalho monográfico busca enfrentar se a


decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4424 se legitima à luz
da vitimologia.

O presente estudo se desenvolve a partir de pesquisas bibliográficas, bem como em


periódicos e artigos científicos. Coletando, ainda, informações estatísticas no ramo
da Violência doméstica e familiar contra a mulher, acerca da vitimologia e
apreciação do controle de constitucionalidade, especificamente da ADI 4424,
examinados a partir da legislação vigente.

A monografia está dividida em cinco capítulos, incluindo a introdução e a conclusão.


Para a análise do objeto é necessário que o ponto de partida seja a análise do
fenômeno social da violência de gênero, presente do segundo capítulo, que decorre
no advento da Lei 11.40/06. Neste capítulo ainda são enfrentados conceitos
importantes trazidos pela Lei em questão.

O terceiro capítulo parte da análise da criminologia, que é o estudo da origem do


delito. Observa-se que dentre os elementos da origem do delito está a vítima.
Identifica-se que a vitimologia surge, a partir de um enfoque crítico, como a ciência
que estuda a vítima em seus diversos planos: social, psicológico, econômico, os
meios de proteções jurídicas e sociais, o processo de vitimização, bem como a
relação da vítima com o vitimizador.
11

Constata-se que a vitimologia resgata o estudo da vítima para lhe dar amparo,
frisando sua importância como sujeito que faz jus a uma maior atenção e proteção
estatal. Posteriormente, enfrenta-se se a Lei 11.340/06 em seu todo se mostra
como um instrumento da vitimologia.

No quarto capítulo, é pontuado que a Procuradoria Geral da República (PGR)


ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) quanto aos artigos 12, inciso
I, 16, e 41 da Lei Maria da Penha para que fossem dadas a estes interpretações
conforme o bloco constitucional, implicando no entendimento de que a ação penal
cabível nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é de natureza
pública incondicionada e, para que os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95
não fossem aplicados aos referidos casos.

Assim, o presente trabalho monográfico busca, após perpassar sobre a análise da


violência de gênero, advento da Lei 11.340/2006 e sobre a vitimologia e o
movimento vitimológico analisar se o julgamento e decisão da ADI nº. 4424 se
legitima a luz da vitimologia, proporcionando maior eficácia quanto a proteção da
mulher a que a Lei Maria da Penha se alvitra.
12

2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI N. 11.340,


DE 7-8-2006)

2.1 FENÔMENO SOCIAL DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Desde os primórdios das relações sociais é possível identificar que a violência


sempre esteve inserida nos contextos grupais. Violência segundo o Dicionário
Aurélio (MICHAELIS, 2008, p.912) é “qualquer força empregada contra a vontade,
liberdade ou resistência de pessoa ou coisa”. Valer-se da violência é constranger,
obrigar, forçar algo ou alguém a um comportamento ou ação.

Assim sendo, a utilização da coerção, da força, da supremacia de um sobre o outro


é elemento comum nas relações interpessoais, sofrendo variações quanto às
modalidades, intensidades e justificativas para tal.

Por essa razão, a violência é um fenômeno social complexo, que se propaga por
diferentes dimensões, podendo ser tanto localizada quanto globalizada, carecendo,
portanto, de conceitos e explicações para tamanha amplitude.

Pontua Thomas Hobbes (2008) que “o homem é o lobo do homem” expondo que é
inerente à natureza deste a necessidade de sobreposição para proporcionar a
sobrevivência, e, ao ser necessário esta sobreposição, a violência é empregada
como instrumento para alcançar os ideais. Neste cenário, propõe o referido autor um
pacto, um contrato social para a convivência pacífica entre os homens.

Os homens (lato sensu), portanto, passam do estado primitivo para o convívio em


sociedade, sendo este convívio possível diante da coordenação e domínio de
determinado grupo. É importante salientar que, esta subordinação esteve presente
em todos os momentos das relações sociais e que dentre os grupos sobre os quais
eram exercidas formas de dominação podem-se destacar as mulheres.

O sexo feminino, desde o início da civilização, é contraposto ao sexo masculino por


suas características peculiares como se estas fossem sinônimas de fragilidade. Por
séculos a mulher viveu sob o mito da superioridade biológica, psicológica e jurídica
do homem, por decorrência “da imagem padrão do pai/protetor, herói/guerreiro, raça
superior e por este estabelecer como contraponto a imagem da
13

submissão/abnegação feminina, dando ensejo ao contramito da virilidade” (BRITO,


1998, p. 29).

Diante a submissão perante o homem e a conduta regrada para responder às


necessidades, satisfação e anseios do sexo masculino, as mulheres sofriam
inúmeras formas de violência. É, portanto, a configuração da violência de gênero,
por ser entendida como aquela exercida por um sexo sobre o outro.

Nágila Maria Sales Brito (1998, p.28), em Revista do Ministério Público do Estado da
Bahia, sugere uma análise da história observando atentamente a posição da mulher
na sociedade, através da visão pelo gênero masculino, expondo primeiramente que
a desigualdade de gênero está presente nas relações sociais deste muito tempo,
sendo constatado através da análise da narração na Bíblia Sagrada 1:

O livro Gênese informa que a mulher foi formada da costela do homem, o


que se presta a muitas interpretações. Depois no Paraíso, cometeu um
pecado, de todos conhecido, que foi repassado à humanidade. A mulher, é
apresentada como provocadora e sedutora de Adão ao Criador: “A mulher
que me deste por companheira, me deu o fruto da árvore, e comi”. “E o
Senhor Deus disse à mulher: multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua
conceição (concepção), com dor terás filho; e no teu desejo será para o teu
marido, e ele te dominará”.
Observando ainda a posição das mulheres na sociedade, Marly A. Cardone (2011,
p.456), ao tecer relatos e estudos sobre a mulher nas Constituições brasileiras,
pontua que a situação da mulher em torno do ano de 1824 era absurdamente a
mesma do Brasil-colônia, pois, a mulher constituía mero enfeite do salão quando
não se confinava entre quatro paredes de seu lar para exercer funções
eminentemente domésticas e para cuidar exclusivamente dos filhos e do marido.
Discorre ainda que, em verdade, a posição da mulher era análoga de um escravo.

A violência contra a mulher, portanto, é produto de uma construção histórica,


decorrente da constância social de desigualdade de gênero, entre homens e
mulheres. Como exposto alhures, por anos as mulheres foram rotuladas como
frágeis e inferiores, e, somando-se a isso, eram ignoradas como sujeitos de direito
sendo tratadas como coisas, propriedades ou objetos, sempre à margem dos seus
pais, irmãos e maridos.

Com expertise, Ana Lúcia Galinkin (2007, p.14) explica a violência de gênero contra
a mulher pode ser entendida como qualquer ato que não cause apenas dano físico,

1Texto Religioso de valor sagrado para o Cristianismo, escrito entre 1445 e 450 a.C. e 45 a 90 d.C..
14

mas também que cause dano psicológico, moral em seus bens e no direito de
participação simbólica ou cultural. Com fervor, aponta que esta modalidade de
violência decorre de atitudes e comportamentos justificados pelas normas culturais
que se dizem regulares e organizadoras das relações entre os gêneros, inscritas nas
relações sociais, proporcionando a hierarquização das relações entre os sexos e
colocando a mulher em uma posição social de inferioridade e submissão.

Insustentável, este ambiente de tamanha desigualdade iniciou-se, segundo Nágila


Maria Sales Brito (1998, p.29), o processo de transformação da estrutura social com
a participação ativa das mulheres na primeira fase da industrialização,
impulsionando, é bem verdade, o desenvolvimento econômico capitalista.

Marly A. Cardone (2011, p. 451) afirma que “a evolução social da mulher é, pois, um
fenômeno constante”. Segue a referida autora discorrendo que foi a partir da
revolução industrial que a mulher passou a ser encarada pelos homens e muito
além, por si mesma, uma vez que diante a remodelação dos métodos de produção
as mulheres foram exportadas das atividades tipicamente domésticas.

Analisando o fenômeno social da desigualdade de gênero no contexto brasileiro é


possível perceber o caminhar lento da igualdade entre os sexos, uma vez que o
ordenamento pátrio estimulava esta desigualdade e tratava de forma diferenciada a
mulher, atribuindo-lhe menor proteção.

Por exemplo, apenas em 1932 foi concedido às mulheres o direito ao voto,


instrumento necessário no contexto nacional para o exercício da cidadania e
participação política, com o Código Eleitoral 2 aprovado pelo decreto n.21.076 de 24
de fevereiro (CARDONE, 2011, p.463).

É importante observar ainda, exemplificando características gritantes da


desigualdade de gênero e proteção rarefeita às mulheres, o que diz Paulo José da
Costa Jr. (1996, p.712) ao tratar do crime de estupro em seu Manual de Direito
Penal3:

Discute-se sobre se o marido possa ser sujeito ativo do estupro. Quer-nos


parecer que não, pois o estupro pressupõe a cópula ilícita e a prestação

2 Dispôs o seu art. 2º: é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo,
alistado na forma deste Código.
3 É importante pontuar que o referido Manual é anterior a vigência da lei 12.015 de 2009.
15

sexual é dever recíproco dos cônjuges. Estará, pois, o marido exercitando


um seu direito, desde que o faça regularmente.
Mister pontuar que segundo Nélson Hungria (1959, p.167) “o estupro, que é, sem
dúvida, o mais grave entre os atentados a liberdade sexual”. E, mesmo à luz da
perspicaz contribuição do citado mestre, o contexto jurídico e social era de tamanha
insegurança e falta de proteção que a cópula forçada, em verdade, era relativizada
quando se tratava de cumprimento de deveres e direitos do marido e da relação
conjugal.

Afirma Nágila Maria Sales Brito (1998, p.33) que “o Código Penal traz em seu bojo
inúmeros artigos anacrônicos e humilhantes à mulher”.

Constata-se que a desigualdade e falta de proteção se expandia para além dos lares
e reciprocamente a forma de tratamento díspar atribuído ao gênero feminino aos
lares adentrava.

Se neste contexto as mulheres casadas4, com famílias constituídas e organizadas


eram tidas como dessemelhantes diante aos direitos e respeito, as prostitutas, por
sua vez, gozavam de proteção ainda menor e os crimes por elas sofridos eram tidos
como consequência lógica da atividade. E, por serem prostitutas, por exercerem o
livre-arbítrio sobre seu corpo, a lesão causada por crime sexual era de ínfima
relevância bem como a invasão pessoal, já que o corpo desta não pertencia apenas
a um único homem.

O pensamento da época a respeito do exposto anteriormente está inserido nas


seguintes palavras do Nélson Hungria (1959, p.125):

Nem mesmo a autêntica prostituta, isto é, a mulher que acede ou premier


passant, despejada mercadora do amor, francamente entregue ao
exercitium vulvivage veneris, perde o direito ou liberdade de escolha sexual.
A desvergonha de uma mulher, por mais extrema, não a priva do direito de
livre disposição do próprio corpo. Reduza-se a pena, quando a vítima do
estupro é mulher da multidão, mas não se pode deixar de aplicá-la.
O Código Civil Brasileiro de 1916, insculpido através do contexto de base patriarcal
fortíssima, pontuava que o casamento gerava a incapacidade civil da mulher,
passando o seu marido, substituindo o pai, agir em seu nome, não podendo a
mulher ir a juízo, comerciar e nem mesmo exercer uma profissão sem a autorização
marital (BRITO, 1998, p.29).

4 O Código Penal ainda impulsionava o tratamento diferenciado entre as mulheres. Previa o artigo 42:
“se a paciente é virgem, tal circunstância deve influir, em desfavor do agente, na medida da pena”.
16

Percebe-se, portanto, que no âmbito da desigualdade citada alhures, onde as


mulheres não tinham seus direitos resguardados, as violências por elas sofridas,
principalmente, no domínio da relação familiar eram acentuadas e não punidas. Para
Nágila Maria Sales Brito (1998, p.28), após aprofundar-se nos estudos sobre a
violência de gênero, “o local mais inseguro para a mulher, relativamente à sua
integridade física e até a sua vida é a sua própria casa”.

Importante pontuar que o ambiente familiar é o local onde deveriam ser


proporcionados respeito e afeto mútuo. O rompimento desta instituição gerava
quebra de paradigmas, medo e desilusões.

A violência de gênero é a mais preocupante forma de violência, já que a vítima, na


maioria dos casos, tem que dormir com o agressor, diante da falta de alternativas.

Porém, com a progressão social e mental, uma inquietude se instalou nas mulheres
e estas começaram a pleitear respeito e igualdade, por serem sujeitos de direito da
mesma forma que o sexo oposto.

Com a evolução social clamou-se a desconstrução desses pensamentos e


comportamentos devastadores das mulheres.

Assegura Ana Lúcia Galinkin (2007, p.12) que violência tem que ser pensada como
um fenômeno social, e assim, como as manifestações desse fenômeno têm
mudado, o que tem sido compreendido tanto pela sociedade quanto para os
estudiosos como violência também sofreram mudanças.

A violência de gênero, de forma paulatina, mas gradual, passou a ser intolerável,


sobretudo com o advento dos princípios fundamentais, tais como da dignidade da
pessoa humana e igualdade. Esta nova ordem social impulsionou as mulheres
exigirem respeito, tratamento igualitário e afastamento das algemas da submissão
perante o sexo masculino.

Podemos destacar, primeiramente, como assegurador da proteção da mulher contra


a violência doméstica, a criação da Comissão de Status da Mulher a partir de 1950,
pela Organização das Nações unidas (ONU), que iniciou, assim, sua dedicação e
esforços para erradicar a violência contra a mulher buscando consolidar, a priori,
“que todos os direitos e liberdades humanas devem ser aplicados igualmente a
homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza”.
17

Assim, “são considerados como violentos comportamentos que já foram aceitos


como normais do ponto de vista da cultura, e legais, do ponto de vista das
instituições” (GALINKIN, 2007, p.12).

Em que pese o grau acentuado de avanços, principalmente pelo fato da Constituição


Federal da República Federativa do Brasil de 1988 ter enquadrado como direito
fundamental a igualdade entre homens e mulheres, e estas terem galgado posições
que em outrora não lhes eram permitidas, a hostilidade inerente aos seres humanos
(é bem verdade que mais robusta nos tempos primitivos) assume hoje uma nova
face: a de continuar existindo como consequência da desigualdade entre homens e
mulheres enraizada nas personalidades, onde a maior parte da violência contra as
mulheres estão dentro de seus próprios lares.

Desta forma, a situação descrita merecia maior atenção e prevenção.

2.2 ADVENTO DA LEI MARIA DA PENHA

O contexto de proteção da mulher no Brasil foi inspirado e decorrente, segundo


Flávio Augusto Monteiro de Barros (2009, p.118), pelo artigo 226, parágrafo 8º da
Constituição Federal de 88; bem como pela Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Violência contra a mulher 5, pela Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher6, dentre outros tratados
que o Brasil foi signatário.

A Convenção de Belém do Pará (1994) afirma que a violência contra a mulher


constitui grave violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, além
de limitar total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e

5 Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 4.377/2002, a convenção sobre a Eliminação de Todas as


Formas de Violência contra a Mulher, adotada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela
Resolução n. 34/180, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1979, foi
baseada na constatação de que, a pensar da existência de diversos instrumentos internacionais
visando a garantia dos direitos humanos e recriminando qualquer forma de discriminação, as
mulheres continuavam sendo objeto de grandes discriminações (ANDREUCCI, 2010, p. 617).
6Promulgada pelo Decreto n. 1.973/96, a Convenção Interamericana para prevenir, Punir e Erradicar

a Violência Contra a Mulher, datada em 1994, e denominada “Convenção de Belém do Pará”,


também preveniu que se deve entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta,
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto no âmbito público como no privado (ANDREUCCI, 2010, p. 618).
18

liberdades. Por estas razões, o objetivo de eliminar a violência contra a mulher


trouxe consigo urgência e imprescindibilidade, já que o bem-estar é condição
indispensável tanto para o desenvolvimento da mulher de forma individual quanto de
forma social, bem como, para a sua igualitária e plena participação em todas as
esferas da vida.

É possível sintetizar que o intuito primordial dos referidos compromissos firmados


pelo Brasil é a prevenção e a erradicação da violência doméstica e familiar contra a
mulher. Destaque, mais uma vez, para a Convenção de Belém do Pará, que
impulsionou e consolidou que é responsabilidade do país resguardar e efetivar tais
direitos fundamentais.

Em que pese o Brasil tenha participado e se comprometido a efetivar medidas de


maior proteção para as mulheres, divergência ocorreu com a publicação da lei 9.099
em 1995 que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

De logo é interessante esclarecer que a criação dos Juizados Especiais se deu de


forma legítima, pois atendeu o determinado pelo artigo 98, inciso I da Constituição
da República 7 . A simplicidade, a informalidade, a economia processual e (por
decorrência) a celeridade processual foram os princípios regentes, visando,
sobretudo, desafogar a justiça e solucionar a lentidão no julgamento de ilícitos de
menor gravidade. Aplicando os referidos princípios e a vertente minimalista, a
referida lei propõe, inclusive, a aplicação de penas alternativas ou substitutivas
(transação penal, restritiva de direito, multa). Infere-se que o objetivo da lei 9.099/95
é promissor e legítimo.

Porém, com a criação do JECrim se configurou uma divergência com o ambiente


protetivo nacional em amplitude, pois, não havia no Código Penal um tipo penal
específico para violência doméstica contra as mulheres. O Código Penal apenas
pontuava como situação agravante o agente ter cometido o crime “com abuso de
autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou

7 Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


I- Juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais
de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro
grau;
19

hospitalidade8”. Destaca-se que, os crimes de lesão corporal dolosos de natureza


leve têm pena abstrata estabelecida em detenção, de três meses a um ano.
Independentemente das circunstâncias pessoais do agente, da vítima ou mesmo do
contexto do crime (NUCCI, 2013, p. 686).

Por ser uma lei direcionada aos crimes de menor gravidade, a lei dos Juizados
Especiais em seu artigo 619 delimitou como crimes de menor potencial ofensivo as
contravenções penais e os crimes com pena máxima não superiores a um ano. Por
essa razão, os delitos de lesão corporal dolosa de natureza leve cometidos no
ambiente familiar foram tipificados como infrações de menor potencial ofensivo,
submetidos assim, ao rito sumaríssimo e a aplicação dos institutos
despenalizadores, como por exemplo: possibilidade de transação penal, suspensão
condicional do processo, lavratura de termo circunstanciado e a não instauração de
inquérito policial (PINTO, 2008).

Bem pontua Alberto Wunderlich (2012, p.18) que o crime tipificado no artigo 129,
caput do CPB se processava através ação pública incondicionada (já que não havia
qualquer ressalva no Código penal) até a criação da L. nº 9.099/95. Com o advento
da lei nº 9.099/95, a natureza da ação passou a ser de pública condicionada à
representação da vítima.

Pontua Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (2008, p.115), a partir de uma perspectiva


crítica aos resultados obtidos pela criação dos JECrim no contexto da violência
doméstica que:

Os problemas normativos e as dificuldades de implementação de um novo


modelo para lidar com conflitos sociais levaram diversos setores do campo
jurídico e do movimento de mulheres a adotar um discurso de confrontação
e crítica aos Juizados, especialmente direcionando contra a chamada
banalização de violência que por via deles estaria ocorrendo, explicitada na
prática corriqueira da aplicação de uma medida alternativa correspondente
ao pagamento de uma cesta básica pelo acusado, ao invés de investir na
mediação e na aplicação de medida mais adequada para o equacionamento
do problema sem o recurso à punição.

No mesmo sentido, instrui Ronaldo Batista Pinto e Rogério Sanches Cunha (2008, p.
479) que a mansidão da resposta penal proposta pela Lei nº 9.099/95 ensejou na

8 Artigo 61, II, f, Código Penal. REVOGADO pela lei 11.340/2006, que acrescentou nova redação a
alínea “f”, qual seja: com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica.
9 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano,
excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. (Vide Lei nº 10.259, de 2001)
20

banalização do crime praticado contra a mulher. Concordam os referidos autores


que os mecanismos propostos pelo JECrim não foram suficientes para conter a onda
de violência contra a mulher.

Em 2001 surgiu a Lei 10.259, lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais na
Justiça Federal, e com ela um novo conceito para crime de menor potencial
ofensivo. No âmbito federal, passou a considerar-se menor potencial ofensivo, e
para os efeitos daquela lei, os delitos a que a lei comine pena máxima não superior
a dois anos ou multa. Desta maneira, passaram a viger dois conceitos distintos para
crimes de menor potencial ofensivo10.

Nesse diapasão, grande volume de críticas foram feitas à aplicação dos institutos do
JECrim aos delitos ocorridos no âmbito da relação doméstica e familiar. Por
decorrência, foi promulgada a Lei 10.866/2004 que acrescentou o parágrafo 9º ao
artigo 12911 e criou uma nova hipótese típica para os casos de violência doméstica.

Assim, caracteriza-se violência doméstica quando o agente da lesão corporal


mantém alguma relação de parentesco e convivência com a vítima e se prevalece
das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade para cometer as
agressões (BITENCOURT, 2014, p.504).

Vale ressaltar que a criação deste novo tipo penal não solucionou o problema visto
que os crimes relacionados a violência doméstica não tinham pena máxima superior
ao permitido para a compatibilidade com o conceito de menor potencial ofensivo.

Leciona Guilherme de Souza Nucci (2013, p.686) que a criação desta nova figura
típica é, na verdade, uma forma de lesão qualificada com o escopo de atingir os
casos de lesão corporais praticadas no recanto do lar, entre os integrantes do
mesmo núcleo familiar. Complementa que por atingir de fato as situações de
violência doméstica, não poderia partir de uma cominação de pena simbólica.

10 Apenas em 2006, com o advento da Lei 11.313, o artigo 61 da Lei 9.099/95 foi alterado e passou a
entender como crimes de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes que a lei
comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa.
11 “§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou

com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas,
de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.”
21

Somou-se a esse processo de ora amplitude legislativa, ora retrocesso legislativo, o


caso polêmico de Maria da Penha 12 , mulher vítima de constantes e graves
agressões do marido, que mesmo levando o caso para apreciação do judiciário,
esperou mais de 19 anos da prática do crime para o autor do delito ser finalmente
preso.

O caso de Maria da Penha chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana


de Direitos Humanos13, tendo como consequência o relatório 54/2001 que inferiu:

A comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria,


imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do
delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para
determinar se há outros fatos ou ações de agente estatais que tenha
impedido o processamento rápido e efetivo do responsável. Também
recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas,
no âmbito nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência
doméstica contra as mulheres.
Exemplo interessante do contexto social à época está a exibição no ano de 2003,
pela emissora de televisão Rede Globo da novela Mulheres Apaixonadas, onde a
personagem Raquel era constantemente agredida por seu ex-marido, Marcos.

Levando em consideração que se trata de um tema polêmico e que desperta gama


de sentimentos, o drama vivido pela personagem, somado ao grande número de
telespectadores, gerou discussão e atenção sobre o tema, bem como a mobilização
do público. No decorrer da trama Raquel relata a ocorrência à polícia e após o
referido episódio o contingente de vítimas reportando agressões sofridas nas
delegacias de atendimento à mulher cresceu de forma significativa, segundo
reportagem da jornalista Nathália Perdomo (2007).

Por conseguinte, a violência contra a mulher que em outrora foi tratada como
assunto de família e resolvida exclusivamente no âmbito privado, passou a ser
intolerável. As discussões públicas, a conscientização da população e a pressão

12 Maria da Penha Fernandes, biofamacêutica residente em Fortaleza, Ceará, no ano de 1983, foi
vítima de tentativa de homicídio provocada pelo marido, à época, professor da Faculdade de
Economia, Marco Antonio H. Ponto Viveiros, tendo recebido um tiro nas costas, que a deixou
paraplégica. Condenado em duas ocasiões, o réu não chegou a ser preso, o que gerou indignação na
vítima, que procurou auxílio de organismos internacionais, culminado com a condenação do Estado
Brasileiro, em 2001, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligência e omissão em
relação à violência doméstica, recomendando a tomada de providências a respeito do caso
(ANDREUCCI, 2010, p. 616).
13 “A principal tarefa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos consiste em analisar as

petições apresentadas denunciando violações aos direitos humanos, assim considerados aqueles
relacionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem” (PINTO, 2008, p. 23).
22

sobre governos propulsionaram a obtenção de ações e leis contra a violência e


discriminação contra as mulheres (GALINKIN, 2007, p.13).

É possível afirmar, portanto, dada a repercussão da violência doméstica contra a


mulher na sociedade brasileira, que as discussões sobre o tema impulsionaram o
advento da Lei 11.340/06 – Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher – batizada
de “Lei Maria da Penha”. Destaca-se que até 2006 o Brasil não tinha legislação
específica sobre a violência contra a mulher no ambiente doméstico.

A Lei Maria da Penha instituiu um aumento da pena máxima em abstrato, no


parágrafo 9º do artigo 129, se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou,
ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade. A punição passou a ser de três meses a três anos de detenção. Essa
medida, por consequência, retirou do JECrim a competência para o processamento
deste delito e previu a criação de Juizados de Violência doméstica e Familiar contra
mulher em seu artigo 1º.

Destarte, o legislador foi sensível aos fatos, aos anseios e necessidade das
mulheres. Estando atento para a proteção constitucional que goza os vulneráveis e
encaixando as mulheres vítimas de violência doméstica no rol dos que carecem de
maior efetividade protetiva.

2.3 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Em verdade, a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das


formas de violação dos direitos humanos. Por esta razão é necessária a
conceituação de violência doméstica e familiar contra a mulher para a análise da
pertinência da subsunção da conduta à norma. O referido conceito é encontrado no
artigo 5º da Lei 11.340/200614.

14Art.5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de
pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
23

Acerca do conceito do artigo 5º da LMP (Lei Maria da Penha) são necessários


alguns comentários.

De logo, é necessário para melhor compreensão do citado conceito a remissão ao


artigo 2º da Convenção de Belém do Pará (1994) que pontua:

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física,


sexual e psicológica:
a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer
relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou
não sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-
tratos e abuso sexual;
b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre
outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro
local: e
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que
ocorra.
Ao tratar da definição de violência doméstica e familiar contra a mulher, pontua o
artigo 5º da LMP, que a referida violência se configura por “qualquer ação ou
omissão baseada no gênero”.

Guilherme de Souza Nucci (2010, p.1263) tece críticas ao conceito legal afirmando
que “lamentavelmente é uma norma mal redigida e extremamente aberta". Porém,
não é possível afirmar que a interpretação literal da lei enseja o entendimento de
que qualquer crime contra a mulher, por causar-lhe, no mínimo, sofrimento
psicológico, seja violência doméstica. Essa possibilidade não pode ser cogitada
tendo em vista a agravante inserida no art. 61, II, f do CPB limita o campo de
abrangência ao restringir a violência contra a mulher à forma da lei específica (DIAS,
2007, p. 40).

O campo de abrangência é delimitado ao considerar como sendo doméstica a


violência quando praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou
em qualquer relação intima de afeto, independentemente da orientação sexual. É
importante pontuar que a LMP define de modo expresso que não há necessidade de
a vítima e o agressor viverem sob o mesmo teto para a configuração de violência
doméstica, basta que ambos mantenham ou já tenha mantido um vínculo de
natureza familiar.

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
24

Sendo assim, imprescindível para o entendimento a análise o artigo 7º15 da mesma


lei, pois este artigo expõe de forma clara e esquematizada quais as formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher possíveis e passíveis de tutela pela
lei.

A LMP, desta maneira, fixa proteção especial para as mulheres vítimas de violência
doméstica. Incorrendo em qualquer omissão ou lesão baseada no gênero que cause
algumas das possibilidades previstas em lei, será aplicada ao infrator essa
legislação especial, onde, se prima pela maior efetividade na repressão, e por
decorrência, desestimulo à prática delituosa, tal como a proteção da vítima e
instrumentos específicos para, ao mínimo, minorar os danos causados.

À vista disso, o enfoque da citada legislação é na proteção da vítima e sendo a


punição do agente secundária. Bem como a desnecessidade do agente do delito ser
o marido ou companheiro da vítima, sendo englobados como potenciais agressores
tanto o pai quanto o irmão da vítima.

Posto isto, consagra a LMP uma estrutura específica e pertinente para atender a
complexidade do fenômeno violência doméstica e familiar contra a mulher,
sobretudo, ao prever mecanismos de prevenção, de assistencialismo para as
vítimas, de políticas públicas e de punição mais severa para os agressores. Além de
ser uma lei que traz em seu bojo o cunho educacional e de promoção de políticas
públicas.

15Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio
que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou
a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força;
que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de
usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
25

2.4 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO

A Lei 11.340/2006 apenas se refere ao sujeito ativo da violência doméstica com o


termo “agressor”. Enquanto ao se referir à vítima restringe o gênero. Ou seja, o
legislador indica que o sujeito passivo da violência doméstica é a ofendida.

Por esta razão, tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos da
violência doméstica e familiar, tendo em vista o acréscimo de termo “agressor”
genericamente no texto da lei, abrangendo tanto o sexo masculino quanto o sexo
feminino.

Corroborando com esse entendimento, Marcelo Lessa Bastos (2007, p.62) aponta
que em uma relação doméstica que unam mulheres homossexuais, “qualquer uma
delas está sujeita à proteção legal”, como estabelece o parágrafo único do artigo 5º
da Lei 11.340/06, “independentemente do papel que desempenham na relação”.

Para ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar e para ser tutelado pela
norma basta “que a pessoa se enquadre no conceito biológico de mulher”. Qualquer
mulher está tutelada pela Lei Maria da Penha, independente da idade. Porém, é
importante atenção nos casos que envolvem crianças e idosas, pois há
superposição de normas protetivas, pela incidência simultânea dos Estatutos do
Idoso e da Criança e Adolescentes, complementando a abrangência de tutela
(BASTOS, 2007, p.61-62).

Então, pode-se concluir que somente a mulher pode ser sujeito passivo da violência
doméstica e familiar. Importante observar que “até o transexual que fizer cirurgia de
sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil poderá ter efetiva proteção
da lei” (ANDREUCCI, 2010, p.622).

É importante destacar que para a configuração da violência doméstica não é


necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido
casados. Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação
familiar ou de afetividade. Desta maneira, estão protegidas pela LMP as esposas,
companheiras, filhas, netas, mãe, sogra do agressor, bem como demais parentes
que mantém vínculo familiar com ele.
26

2.5 OBJETIVOS DA LEI

Com a análise das disposições preliminares da LMP e do seu artigo 1º16 constata-se
que seu escopo é constituir um aparato legal específico para a proteção das
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, tendo em vista o alarmante e
reiterado número de casos concernente a esta forma de delito onde as mulheres são
as maiores vítimas.

Ao criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a


mulher propõe uma reforma das instituições penais a favor das mulheres, afastando
o uso meramente simbólico do direito penal por ser realmente ineficaz na
perspectiva de obter resultados pragmáticos relevantes e produzindo a composição
de interesses legislativos através do desenvolvimento da comunicação entre o
sistema social e o sistema jurídico (AZEVEDO, 2008, p.125).

Assim, ao dar tratamento diferenciado às mulheres, na medida da sua desigualdade,


a LMP busca atender aos princípios protecionistas e, por decorrência efetivar ações
direcionadas ao desfazimento dos segmentos sociais historicamente discriminados,
almejando corrigir as desigualdades e promover a inclusão social por meio de
políticas públicas atentas e específicas.

Por estas razões, o referido diploma legal constitui um grande avanço para a
proteção da mulher e para a sociedade brasileira. Entretanto, para sua melhor
aplicação é necessário atenção quanto à melhor técnica e as mais recentes
orientações criminológicas e de política criminal para analisá-la e aplicá-la, tendo em
vista sempre a perspectiva da vítima.

16Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República
Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar.
27

2.6 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR


CONTRA A MULHER

Tendo em vista os princípios da taxatividade e da legalidade, princípios regentes do


Direito Penal pátrio, o legislador além de definir a violência doméstica e familiar
contra a mulher especificou as suas formas de manifestação, evitando, assim, a
existência de conceitos vagos, normas abertas e o emprego de analogias.
As formas de manifestação de violência doméstica e familiar contra a mulher estão
elencadas no artigo 7º da LMP, porém, contrariando os princípios citados alhures, o
rol não é exaustivo, uma vez que, expõe cinco formas de violência e complementa
com o termo “dentre outras”.
Por esta razão, outras formas de violência doméstica que vierem a ser constatadas,
para além daquelas elencadas legalmente, jamais podem vir a gerar a adoção de
medidas protetivas no âmbito do Direito penal, diante ausência de tipicidade para tal,
podendo apenas gerar adoção de medidas protetivas no âmbito cível. (DIAS, 2007,
p. 46).
A primeira forma de violência elencada no artigo 7º da LMP é a violência física,
sendo esta qualquer conduta que ofenda a integridade e a saúde corporal. A
agressão que não deixa marcas visíveis já é suficiente para corresponder ao
conceito, uma vez que o emprego da força já foi suficiente para a ofensa ao corpo
ou a saúde da mulher, constituindo a vis corporalis. Inclusive, o emprego da força
que não resulta em marcas aparentes, pode ensejar a configuração da segunda
forma de manifestação de violência doméstica, qual seja, a violência psicológica, por
causar danos emocionais, perturbações psicológicas, degradação ou controle nas
ações, por exemplo, uma vez que consiste agressão emocional.
Ao arrolar a violência psicológica como uma das formas de violência, o escopo da
norma é proteger a autoestima e saúde psicológica das mulheres. Porém, esta
modalidade deve ser analisada com cautela, uma vez que qualquer crime pode
causar sofrimento psicológico à vítima, sendo ela mulher ou homem. Ou seja, não é
porque o delito gerou violência psicológica para a mulher que será aplicada a
agravante de crime cometido com violência contra a mulher na forma da lei
específica (NUCCI, 2010, p.1267). Não se pode perder de vista que o campo de
abrangência da LMP é quando a violência é praticada contra a mulher no âmbito da
28

unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação intima de afeto,


independentemente da orientação sexual.
A violência sexual é entendida pela norma como um leque de condutas que
afrontem a liberdade sexual. É a ofensa preponderantemente à liberdade sexual,
pois ao ser imposta a presença ou participação em relação sexual não desejada, por
exemplo, configura-se também violência psicológica e há grande potencial para a
configuração de violência física.
Pontuam os incisos IV e V do art. 7º a violência patrimonial e a violência moral. A
primeira consiste em qualquer conduta que configure cerceamento do uso e gozo de
objetos, valores, recursos econômicos e direitos destinados a satisfazer as
necessidades da ofendida. Esta modalidade de violência é rechaçada visto que
também configura submissão da ofendida ao agressor ao impossibilitar a
dependência econômica e patrimonial. A violência moral, por sua vez, é decorrente
dos crimes contra a honra elencados no capítulo V do CPB, mas em razão do
vínculo de natureza familiar ou afetiva.
Ao enumerar estas formas de manifestação de violência, ao LMP busca efetivar p
princípio da proteção integral, uma vez que a mulher está no plano legal protegida
sob o aspecto patrimonial, sexual e por ter os direitos da personalidade
resguardados.
29

3 O MOVIMENTO VITIMOLÓGICO E A VITIMOLOGIA

A partir de então, será analisado o movimento vitimológico que ensejou o estudo da


vitimologia. Esclarece-se que quando a intenção é analisar as intersecções entre a
criminologia, a vitimologia e o direito penal, é interessante pontuar como um
movimento vitimológico, pois o escopo é verificar como os conhecimentos advindos
dos variados campos de conhecimento causam e recebem impactos na área das
ciências penais.

3.1 CRIMINOLOGIA

É de fácil constatação ao observar as relações sociais que, desde a sua gênese, há


divergência de comportamento social entre os indivíduos. A própria ideia de
consciência social traz consigo o somatório de consciências individuais que fluem no
mesmo sentido, mas buscam objetivos e ideais diferentes.

É imprescindível para a ocorrência do equilíbrio de interesses e da harmonia social


que os indivíduos tenham sempre acesas dentro de si a consciência e o respeito às
leis que regem a sociedade.

Porém, por estarem entregues a um complexo sistema neurológico, os indivíduos


trazem consigo todos os seus temores, suas reticências e suas fraquezas
(FERNANDES, 2002 p.24). Estes elementos influenciam constantemente os
pensamentos e comportamentos, uma vez que durante a perpetuação da vida os
indivíduos necessitam decidir entre a dicotomia do “bem” e do “mal”, de acordo com
os conceitos sociais e jurídicos, em meio às tentações de ambição, de poder, do
“ter” e do “ser” que podem proporcionar a sua inclusão na criminalidade quando não
observadas as normas jurídicas.

É possível afirmar que a criminalidade é decorrente da vida em sociedade, já que


esta, por sua vez, não impossibilita que cada indivíduo conduza a sua vida de
acordo com suas próprias percepções e desígnios, mesmo diante a força do
exercício comunitário. Por conseguinte acentuam-se divergências e choques
interpessoais, desembocando, muitas vezes, no campo do crime. Para Newton
30

Fernandes (2002, p.53) é incontestável que o crime emana, primordialmente, de


fatores sociais e como tal, adquire a imagem de uma fenomenologia individual e
coletiva.

É importante destacar que a premissa do crime é o fato social, em que pese haja
seguimentos de que para determinar a noção de crime é imprescindível a noção de
Direito.

Sociologicamente, crime é a infração de um costume ou de uma lei que rege a


sociedade culminando em uma pena ao infrator. Do ponto de vista antropológico,
crime é qualquer afronta a uma crença dominante, seja crença religiosa, política ou
social. Estas são as ideias primárias do termo, primitivas aos conceitos esboçados
pelo Direito.

Para a Ciência Jurídica, atualmente o conceito de crime é meramente doutrinário e


por anos vários estudiosos tentaram elaborar e comprimí-lo em uma síntese, o que
resultou em três conceitos: formal, material e analítico. Tendo em vista o conceito
formal, crime é toda conduta que infringe a lei penal editada pelo Estado. À luz do
conceito material, crime é aquela conduta que viola os bens jurídicos mais
importantes. Porém, estes conceitos são insuficientes e para sanar essa lacuna, há
ainda o conceito analítico que aponta como crime a ação típica, ilícita ou antijurídica
(ilicitude) e culpável (culpabilidade), ou seja, este conceito analisa as características
ou elementos que compõem a infração penal (GRECO, 2014, p. 147-150).

Percebe-se, portanto, que não basta afirmar que crime é um conceito legal visto que
isso não traz uma explicação completa e contribui muito pouco na percepção da
origem do crime. O crime é um evento de grande complexidade e pode ter diversas
origens como, por exemplo, o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos
hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas,
fobias e transtornos de toda ordem emocional, como bem pontua Cristiano Menezes
(p. 3).

Para que haja a ocorrência do crime é necessária uma intenção ou ato humano,
ainda que ausente de dolo e a partir da perpetração do crime surge o fenômeno da
criminalidade que torna possível a identificação de que o crime é uma ação corrosiva
que atua sobre a organização social.
31

Assim, para que haja melhor aplicação do direito de punir do Estado e das
consequências decorrentes é imprescindível a análise deste fenômeno, sobretudo,
partindo da perspectiva do agente do ato delituoso, não apenas sob o ponto de vista
da solução do conflito posto, mas também das causas que concorreram para o
cometimento do delito.

A ciência que se propõe a estudar a conduta humana perigosa é a Criminologia.


Porém, como bem pontua Eugênio Raúl Zaffaroni (1988, p. 1 e p. 174), a explicação
e o conceito preciso da Criminologia são de difícil aproximação para os latino-
americanos, devido as controvérsias sobre o tema serem decorrentes dos
doutrinadores americanos, europeus e até mesmo de alguns latino-americanos, que
tecem questionamentos, inclusive, em torno da sua cientificidade.

Academicamente a criminologia começa com a publicação da obra de Cesare


Lombroso chamada de L’uomo Delinquente, em 1876, onde se desenvolve a
Antropologia Criminal e onde é narrado que o estudo antropológico sobre o homem
criminoso deve necessariamente basear-se nas suas características anatômicas
uma vez que o verdadeiro criminoso é nato, ou seja, aquele indivíduo que pratica
crimes por decorrência de taras ancestrais inerentes a sua genética e traços
personalíssimos (NEWTON, 2002, p.80-81).

O Positivismo Criminológico desenvolvido por Lombroso entendia que tanto a origem


quanto as causas do crime eram explicadas meramente com base em dados
ontológicos, analisando o crime como uma realidade pré-constituída, buscando
incessantemente uma causa biológica que explicasse o fenômeno criminal e sobre
ela convergindo suas atenções.

Esta doutrina sofreu uma série de críticas tendo em vista o seu método de estudo e
suas conclusões. A crítica é pertinente ao perceber que ao tecer seus estudos
Lombroso anotou detalhadamente apenas dados antropológicos dos indivíduos que
estavam vivos nos cárceres e dos mortos que foram submetidos aos cárceres,
através de necropsias, que, em verdade, eram marginais, entendidos como aqueles
sujeitos que literalmente viviam à margem da sociedade burguesa, aqueles que
eram excluídos socialmente. Desta maneira, o método de estudo implicou em uma
amostragem totalmente viciada, já que limitou o estudo somente sobre aquele grupo
que estava à margem da sociedade, que, obviamente possuía características
32

comuns, tendo à história de grupos que foram marginalizados da sociedade


burguesa.

É possível refletir, inclusive, quanto àqueles cidadãos que não estavam à margem
da sociedade, que ocupavam posições de destaque social, que estavam revestidos
de recursos e que mesmo possuindo traços antropológicos deferentes dos
determinados por Lombroso para a inclinação criminal, cometiam atos delituosos
igualmente reprováveis. Fragilizando, desta maneira, a Antropologia Criminal e o
Positivismo Criminológico.

A Criminologia, ainda em sua aurora, tratava de explicar a origem da delinquência


valendo-se do o método das ciências, do esquema causal e explicativo, ou seja,
buscava a causa do efeito produzido, por acreditar que a partir do momento que a
causa do crime fosse erradicada, por inferência o efeito também seria eliminado.

Neste momento faz-se mister destacar que a análise em torno da Criminologia deve
ser cautelosa com o escopo de evitar confusão entre o seu conceito e o do Direito
Penal. Deve ser criteriosamente observado que a Criminologia, em sua feição
puramente naturalística, pretende desagregar da ciência do Direito o estudo do
criminoso e do crime, da imputabilidade e da reação social que se traduz em
penalidade, enquanto resta ao Direito Penal, somente o ponto de vista prático da
aplicação e interpretação da lei, por se tratar de uma ciência normativa.

Diante à falha de uma abordagem determinista, o foco do estudo criminológico é


alterado, passando a observar não apenas e exclusivamente autor do fato delituoso,
mas sim todo o fenômeno criminal, todo o processo de criminalização, já que o crime
não é mais uma realidade ontológica. A superação do paradigma etiológico
impulsionou o surgimento de uma análise crítica acerca das causas delitivas, dando
um novo enfoque para a Criminologia.

3.1.1 Da criminologia crítica e da inclusão do estudo da vítima no fenômeno


criminal

Surge, então, a Criminologia Crítica que altera a análise acerca da origem do crime
e busca antecipar-se aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal de delito,
33

procura entender a dinâmica do crime e intervém nesse processo com o intuito de


dissuadir o agente de praticar o crime.

Luciano Santos Lopes (p. 3) ao tecer considerações sobre as contribuições de


Alessandro Baratta para a Criminologia Crítica pontua que o grande mestre relata
que, com o advento desta nova forma de pensar, ocorre o deslocamento do enfoque
teórico do criminoso para as condições objetivas, estruturais e funcionais presentes
na origem do desvio. Bem como, ocorre o deslocamento dos estudos das causas do
desvio criminal para os mecanismos sociais e institucionais pelos quais é construída
a realidade social do desvio e, também, para os mecanismos criadores das
definições do desvio e da criminalidade.

Destarte, são superadas as teorias patológicas da criminalidade, por não trazerem


resultados práticos e coerentes ao sugerir diferenciação de criminosos daquelas que
não são criminosos levando em consideração características biológicas.

Newton Fernandes (2002, p.27) apresenta conceito pertinente e proporcionador para


um bom entendimento acerca da Criminologia. Pontua que epistemologicamente o
vocábulo “Criminologia” é “tratado do crime” e que se apresenta como a ciência que
estuda o fenômeno criminal em sua complexidade, estuda a vítima, as
determinantes endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre
a pessoa e a conduta do delinquente, já que sobre seus ombros atuam múltiplas
causas, muitas delas desconhecidas até a ocorrência do crime, mas com acentuado
peso na caracterização da origem do fato e do caráter ou da verdadeira natureza da
vontade de agente, bem como com os meios terapêuticos, pedagógicos e
sociológicos de reintegração do agente do delito ao grupamento social.

O objeto da Criminologia, portanto, é o crime e ela exerce atividade de verificação


deste objeto em sua amplitude, de análise da conduta antissocial, de pesquisa das
causas geradores do delito, ou seja, a motivação que leva o agressor à prática do
crime, do efetivo estudo e tratamento do criminoso na expectativa de que ele não se
torne reincidente, além de orientar a Política Social na prevenção geral e indireta das
ações e omissões que, embora não previstas como crimes, merecem significativa
reprovação.

Sinteticamente, a criminologia transita pelas teorias que buscam analisar o crime, a


criminalidade, o criminoso e a vítima. Perpassando para tal pela sociologia, pela
34

psicopatologia, psicologia, religião, antropologia, política, enfim, por todas as


ciências que habitam o universo da ação humana (MENEZES, p.4).

Em que pese a criminologia exerça estudos de grande valor para o entendimento do


ato delituoso e tenha uma grande atenção ao aplicar os estudos visando o alcance
de um objetivo maior é importante esclarecer que isso não significa que as
informações ministradas pela criminologia são exatas, concludentes ou definitivas.
Esta interpretação não pode ser possível, pois a criminologia é uma ciência
empírica, é uma ciência do ser e não uma ciência matemática, exata (GARCÍA-
PABLOS DE MOLINA, 2002, p.41).

Uma vez que interessam ao Criminólogo as causas e os motivos para o fato


delituoso e com a mudança acerca da análise da origem do crime, passou-se a
estudar e analisar todos os elementos que possuam força suficiente para causar, de
forma direta ou indireta, interferência no ato delituoso, dado que a criminologia
crítica estuda de forma ampla e social, a origem do crime levando em consideração
concomitantemente e reciprocamente todos os elementos do fenômeno criminal.

Neste diapasão, o resgate do estudo da vítima enquanto elemento do fenômeno


criminal é de grande valia, pois, o seu comportamento aparece como um dos fatores
principais que pode estar relacionado à origem do crime. A vítima, aquele ofendido
de forma individual, que em outrora foi a razão para exercício do poder punitivo,
retorna ao posto de uma das personagens protagonistas do ato delituoso, todavia
não somente para justificar o exercício do poder de punir, e sim contribuindo para o
entendimento da origem do delito e, de acordo as nuances de sua postura e atos,
podendo concorrer para a culminação do crime.

Inclusive, a doutrina atribui efeitos diversos ao comportamento da vítima e analisa


como ele se insere na solução do conflito posto. Sendo assim, o ofendido ao adquirir
espaço no emaranhado de elementos do estudo criminológico que envolve a relação
entre o crime, o criminoso e a vítima, de forma ampla e reflexiva, mostra-se como
sujeito merecedor da atenção e da proteção estatal.

Ora, se não há crime sem vítima, já que esta é a receptora do ato delituoso, é,
verdadeiramente, um contrassenso tentar entender o crime, o fenômeno criminal,
sem inserir a vítima ao tecer tal análise.
35

Neste contexto de progressiva ampliação e problematização do objeto, a


criminologia crítica proporcionou um espaço favorável à vítima desdobrando-se na
Vitimologia e desencadeando, portanto, na base dos movimentos vitimológicos como
será exposto neste trabalho monográfico.

3.2 VÍTIMA

Ester Kosovski (1997, p.177) aponta que o termo vitimologia etimologicamente


deriva da palavra latina vítima e da raiz grega logos, e que, epistemologicamente a
vitimologia tem por enfoque tanto uma abordagem analítica quanto crítica.

Sendo assim, antes de entender a vitimologia é imprescindível entender a vítima.


Primeiramente a análise deve ser sobre o sentido denotativo de termo. Vítima, de
acordo com o dicionário Michaelis (2008, p. 916) seria a pessoa ou animal que se
sanificava a uma divindade. Deve-se, ainda, focar a atenção na conceituação penal
da vítima, que, ainda como pondera Ester Kosovski (1997, p. 177) é aquele que
sofre a ação ou omissão do autor do delito podendo ainda ser conceituada por
termos sinônimos como ofendido, lesado ou sujeito passivo.

Em que pese a possibilidade do termo vítima ser sinônimo de ofendido e lesado, até
porque o CPB não faz distinção entre os termos, alguns doutrinadores visando a
tecnicidade entendem que o termo vítima é para designar o sujeito passivo dos
crimes contra a pessoa, “lesado” para crimes contra o patrimônio e “ofendido” para
crimes contra a honra. Mas essa distinção não traz nenhum prejuízo prático ou
doutrinário.

Para melhor compreensão é necessário pontuar que a vítima do ato delituoso, assim
como o estudo criminológico, sofreu alterações e ocupou posições diversas ao longo
do tempo. O status da vítima na história do Direito Penal pode ser dividia em três
momentos: protagonismo, neutralização e redescobrimento (GARCÍA-PABLOS DE
MOLINA, 2002, p.78).

A vítima, nos primórdios da história do exercício do poder punitivo ocupava posição


de destaque, não apenas como sendo aquele que sofria a ação ou omissão do autor
do ato delitivo. Na antiguidade, o ofendido do ato delituoso possuía a prerrogativa de
36

exercitar o poder punitivo, sendo este eminentemente descentralizado uma vez que
cabia às vítimas aplicarem a retribuição, de acordo com seu livre-arbítrio, ao infrator.
Neutralizou-se, portanto, a visão da vítima como sendo o “coitadinho” ou “perdedor”.

Nesta fase de protagonismo da vítima, a prática do crime atentava contra a pessoa


da vítima e, por consequência, atentava contra a coesão social. O poder de punir era
descentralizado e fora o Código de Hamurabi não existam textos escritos que
regulamentassem ou disciplinassem qual e como deveria se proceder com a
retribuição ao infrator. Assim, o direito penal antigo traz em seu bojo características
como a crueldade de penas, vingança privada e íntima relação com a religiosidade.

Leciona a Mestre Ana Sofia Schimidt de Oliveira (2007, p.57) que ao tratar da fase
de protagonismo da vítima deve ser evitado utilizar a expressão “idade de ouro” para
se referir a este período. Isso porque, não há nesta fase da história uma absoluta
separação entre a reação individual e o interesse social. Ou seja, a partir do
momento que ocorre a infração perante o ofendido, ela se dá em escala micro e ao
levar em consideração a escala macro, a infração atinge toda a sociedade.

Assim, ao atribuir à vítima a prerrogativa de exercitar a punição,


preponderantemente o objetivo era de vingança privada, porém era respeitada por
todos tendo em vista que seria um exemplo e um ato intimidador para evitar que a
conduta delituosa se propagasse e atingisse toda a sociedade.

Os tempos de destaque da vítima foram diminuindo com o passar dos anos,


chegando ao tempo de sua total neutralização.

Enquanto são necessárias algumas ressalvas quanto à utilização da expressão


“idade de ouro” para se referir ao status de protagonismo da vítima, o mesmo não é
necessário ao se referir ao segundo status como período de quase ou nenhuma
participação da vítima na história do Direito Penal.

Chegou-se a este momento porque se percebeu que deixar nas mãos das vítimas
ou dos seus parentes a função de dar uma resposta ao agressor não trazia consigo
nenhum ideal verdadeiramente de justiça e que a resposta ao crime deveria ser
distante, imparcial, pública e sem sentimentos fervorosos.

A partir do século XII ocorreu o real afastamento da vítima da cena penal, pois as
antigas práticas privadas começaram a ser superadas e passaram a ceder lugar a
uma nova concepção de justiça, onde as partes envolvidas perdem o direito de
37

buscar, por si, a solução do litígio e se submetem a um poder exterior que se reveste
como poder judiciário e/ou poder político. O Estado, então, com a promessa de
organização e promoção da paz social, surge e passa a assumir o controle e o
exercício do jus puniendi, da persecução penal e exerce controle sobre a imposição
das sanções, já que estas passaram a não depender da iniciativa da vítima por não
ter mais o escopo de atender seus interesses. A vítima passa de uma posição de
destaque para a atuação como mero informante pavimentando, assim, o caminho do
seu exílio ao protagonismo do conflito penal (OLIVEIRA, 2007, p.57-59).

Nesta fase a atenção convergiu exclusivamente sobre o agente do delito, sendo dele
o papel principal dentro o fenômeno criminal, sendo a vítima tão neutralizada que
esta se transformou em um mero conceito. Porém, com a superação do paradigma
etiológico exposto, de acordo com o exposto no tópico anterior, a criminologia teve
seu objeto ampliado e a vítima revelou-se como uma personagem de grande
importância para o estudo criminológico.

Desta maneira, a vítima atingiu o terceiro e atual status, qual seja, o do


redescobrimento. E, nas últimas décadas a temática relacionada a vítima tem
ocupado grande espaço no meio acadêmico. Isso se deu porque se identificou que a
vítima, como elemento o fenômeno delituoso, podia ter participação no crime,
carecendo de estudo para analisar de que forma essa concorrência entre os agentes
se dava, bem como, por dela ser excluída da função de aplicar a pena ao infrator,
não havendo mais vingança privada, deveria o Estado, em contra partida, encontrar
um mecanismo de ressarcimento, qual seja atribuir-lhe atenção e proteção.

Com o advento do Estado de Direito, por ser uma situação jurídica onde as
atividades do cidadão e do Estado estão subordinados à lei, chama para si não
apenas o poder de punir, mas também a efetivação da justiça de forma, ao menos,
satisfatória. E nada mais justo para tal do que entender a vítima em toda sua
amplitude, para buscar sempre a sua real proteção. Sendo assim, a vítima deixa de
ser mero objeto, neutra, passiva e fungível passando a contribuir para a explicação
do delito e ensejando, não só a retribuição ao infrator quando aplicada pena, mas
também ensejando fatores que analisem a sua natureza e que sejam protetivos.

Do mesmo modo, a ideia primordial é punir o culpado, mas preservando o ofendido.


E neste seguimento, entender a vítima é de grande valia para entender o contexto
criminoso, principalmente, o contexto criminoso acerca da violência doméstica e
38

familiar contra a mulher, tendo em vista que a Lei Maria da Penha é um instrumento
normativo que a partir da análise acerca da vítima do gênero feminino, busca
proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar.

3.3 VITIMOLOGIA

São duas as vertentes doutrinárias que buscam resgatar a importância da vítima no


estudo do crime: a vitimologia e a vitimodogmática. Neste primeiro momento, a
atenção e esforços serão convergidos para pontuar noções acerca da vitimologia,
objeto de estudo deste trabalho monográfico.

As origens do movimento vitimológico estão relacionadas ao nascimento do


movimento internacional de direitos humanos no período pós-guerra, tendo em vista
que a amplitude do objeto de estudo da criminologia em sua vertente crítica, tornou
fértil e redescobriu a importância da vítima no fato delituoso, uma vez que o Direito
Penal e a própria criminologia necessitaram de auxílio para análise aprofundada do
crime, do criminoso e da pena.

A partir do momento em que as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial


se tornaram públicas, uma comoção mundial se instalou e a consciência da
comunidade internacional foi despertada para o drama das vítimas. Porém, a análise
quanto a esta informação deve ser cautelosa com o escopo de evitar confusões
entre a conceituação e objeto dos direitos humanos e dos movimentos vitimológico.
Segundo Ana Sofia de Oliveira (2007, p.61) os direitos humanos consideravam a
macrovitimização como objeto, enquanto o movimento vitimológico observava os
processos de microvitimização.

Sem embargos de opiniões entre os estudiosos e doutrinadores, os primeiros


estudos sistematizados sobre a vítima surgiram ao final da década de 1940 onde
dois nomes são apontados quanto ao nascimento da vitimologia: Hans Von Hentig e
Benjamin Mendelsohn.

Hans Von Hentig, em seu livro The Criminal and Victim, editado em 1948, aponta
que são três as noções fundamentais para o entendimento da participação da vítima
e consequências decorrentes. Primeiramente, analisa a possibilidade de que uma
39

mesma pessoa convirja em si as posturas de delinquente e vítima. Traz, ainda, a


noção de “vítima latente”, que seriam aquelas pessoas que têm uma espécie de
predisposição a serem vítimas e analisa a relação do delinquente com a vítima,
examinando, inclusive, o problema da reparação do dano causada à vítima pelo
delito, independente de responsabilidade civil do autor (BERISTAIN, 2000, p.83-84).

Mendelsohn em 1956, por sua vez, dando forma definitiva às suas ideias
impulsionou e contribuiu para que a Vitimologia aflorasse com essa denominação e
com o contexto de disciplina criminológica (NEWTON, 2002, p.544).

Antonio Beristain (2000, p.86) informa que com a perpetuação dos movimentos
vitimológicos percebeu-se a necessidade de se institucionalizar o estudo. Assim,
aponta o referido autor que o nascimento oficial da vitimologia, no âmbito científico e
mundial, ocorreu ano de 1979 com a fundação da Sociedade Mundial de Vitimologia
durante a realização do Terceiro Simpósio internacional de Vitimologia.

De logo é interessante observar que os primeiros estudos vitimológicos buscaram


responder questões até então não levantadas pelos estudiosos da criminologia.
Percebeu-se que os questionamentos feitos, em sua estrutura basal, apresentavam
similaridades com aqueles sobre os quais os primeiros estudos criminológicos se
fundavam. Isso porque no início do estudo da criminologia, como já pontuado neste
trabalho monográfico, eram analisados os elementos antropológico-criminais. Tendo
em vista que Lombroso e seus seguidores ao medir os crânios dos criminosos,
acreditavam que a inclinação criminal decorria de elementos antropológicos pré-
constituídos, buscando o motivo antropológico que levava uma pessoa a cometer
crimes.

Esse questionamento, conhecido como paradigma etiológico da criminologia, estava


presente nos primeiros estudos da vitimologia, porém revestido e analisado sob
outra perspectiva. O estudo que se fazia era em relação ao motivo pelo qual tal
pessoa foi vítima de um crime, tendo como núcleo de estudo a vítima e,
consequentemente, a análise do fenômeno criminal passou a ser sob seu prisma.

Da mesma forma como a criminologia, o entendimento acerca da vitimologia sofreu


amplitude e aperfeiçoamento, não se resumindo atualmente ao estudo das
tipologias. A partir dos anos 80, a vitimologia esboçou fundamentalmente uma
preocupação com as necessidades e direitos das vítimas.
40

Posto isto, necessário entender a vitimologia e tentar identificar uma esclarecedora


conceituação, pois estabelecer um conceito para esta ciência é tarefa de grande
complexidade já que inúmeros enfoques são possíveis e a expressão vítima, que
delimita seu alcance, é também sujeita a diversas interpretações (OLIVEIRA, 2007,
p. 63).

Elias Neuman citado por Daniela Portugal (2012, p.130) conceitua vitimologia como
o estudo científico das vítimas do delito, concordando, então, com seu caráter
científico.

Para Antonio Beristain (2000, p.89) não há dúvidas que a vitimologia é filha da
criminologia e que esta busca, em verdade, reparar e dar assistência às vítimas.
Discorre o citado autor que tendo em vista a natureza da vitimologia, não há espaço
para engessamento e limitações políticas ou sociais, uma vez que esta deve
proclamar-se uma ciência para a liberdade e para a liberação moral e material de
todas as vítimas, sejam elas delinquentes, marginalizados ou submergidos sociais.

Assim, esta ciência tem por objeto o estudo da vítima considerando a sua análise
em diversos planos, sob um prisma amplo e integral: social, psicológico, econômico,
os meios de proteção jurídico e sociais, o processo de vitimização, bem como a
relação da vítima com o vitimizador. A análise é feita sobre aquela pessoa que
sofreu um dano, uma lesão, uma deturpação, seja por culpa de terceiro ou própria.

De acordo com Sergio J. Cuarezma Terán (p.8) o traço mais importante que a
vitimologia traz é que não se deve proceder com a prevenção criminal excluindo
considerações acerca a prevenção vitimal. Pois, não basta evitar que somente
alguns sujeitos sejam criminosos. É importante que, concomitantemente, evite que
muitas pessoas cheguem a ser vítimas de algum delito. Neste sentido pontua que
“es importante enseñar a la gente a no ser víctimas”.

A vitimologia, em verdade, resgata o estudo da vítima para lhe dar amparo a partir
de sua observação psicológica, sociológica e jurídica. Neste sentido, é possível
afirmar que é sobre esta ciência que se assentam os pilares de um novo sistema de
justiça capaz de recordar e equilibrar a ordem social.

Acresça-se a isto o fato de que a relação delinquente-vítima tem servido como


importante adjutório à explicação criminológica, auxiliando o magistrado penal na
41

compreensão humana e justa da problemática da culpabilidade lato sensu


(FERNANDES, 2002, p.546).

Atualmente, a busca é por um tratamento coerente para a vítima no direito


processual penal, mas para isso não é necessário se contrapor os direitos do autor
do delito com os direitos das vítimas. Naturalmente, deve ser uma resposta para
aquelas pessoas que são prejudicadas pelo delito do sistema penal, que uma vez
não havendo vingança privada é o Estado o encarregado de, ao mínimo, diminuir as
consequências desagradáveis decorrentes do ato delituoso.

A lesão decorrente do ato delituoso não fere apenas a esfera jurídica, moral e
psicológica da vítima direta, lesa também toda a coletividade concretizada na figura
do Estado. Porém, ao se conceber o crime como uma ofensa à sociedade, não se
pode esquecer-se do real ofendido.

Neste diapasão, a vitimologia muito interessa, devido ao fato de estudar a vítima


exatamente em todas as suas feições e por proporcionar ao Direito Penal e ao
Estado informações imprescindíveis para uma melhor aplicação de medidas que
visam o combate aos delitos que culminam em consequências desestruturantes para
as vítimas e, obviamente, a melhor forma de proteção e reparação da vítima.

3.3.1 Vitimologia versus Vitimodogmática

Neste momento, pra melhor entendimento sobre a matéria é necessário trazer à


tona e esclarecer que o estudo da vítima tem sido desenvolvido sob pontos de vista
antagônicos, uma vez que seu estudo foi resgatando de forma divergente através da
vitimologia e da vitimodogmática.

O esclarecimento e distinção entre ambas as ciências é de grande importância para


evitar a confusão entre elas, visto que são constantemente confundidas.

De logo, frisa-se que o estudo da vitimologia não se limita apenas à vítima, à sua
personalidade e características. É importante estudar também suas condutas e sua
relação com a conduta criminal, analisando, sobretudo, a análise do fenômeno
criminal em geral.
42

A partir da necessidade de se abandonar a visão simplista do fenômeno criminal e


de ir além, a vitimodogmática surgiu como a ciência que agrupa uma série de
considerações dogmáticas referentes à intervenção da vítima na origem do crime,
uma vez que é a vítima interage com o agente e com o ambiente, podendo
concorrer, de alguma forma, para o evento criminoso.

Essa reflexão mais específica dos juristas quanto à participação da vítima no delito
decorreu da análise do crime de estelionato. Tendo em vista as características
peculiares deste crime, os estudiosos constataram que havia uma atuação
consciente da vítima, que muitas vezes visava uma vantagem, promovia a
culminação desse delito (GRECO, 2007, p.6).

Algumas publicações de vitimologia podem, talvez por excesso de zelo, confundir a


participação da vítima no iter do Direito com sua co-culpabilidade, se se limitarem a
descrever os fatos, sem se deterem em sua análise científica e metodológica
(BERISTAIN, p.92).

Essa perspectiva é trazida pela vitimodogmática, por ser uma ciência que formula
consequências jurídicas a partir do comportamento da vítima e da sua contribuição
para a ocorrência do evento delituoso, tendo como objetivo destacar todos os
aspectos de Direito Penal em que se leva em consideração a vítima, a fim de mitigar
o quantum de aplicação de sanções penais ou, por vezes, para isentar o criminoso,
excluindo sua responsabilidade. O objeto de estudo, por sua vez, é a análise da
vítima vinculada à consideração sistemática de delito.

Alessandra Greco (2007, p.8) pontua de forma particular que a vitimodgmática ao


computar o eventual comportamento da vítima visa apenas atribuir punição para
autor de forma mais justa, pois, o ordenamento jurídico não se preocupa e não deve
se preocupar com um bem jurídico exclusivamente pessoal, que na visão da referida
Doutora, a própria vítima não tratou de proteger, renunciado tacitamente o exercício
desta preservação de seu bem, não se justificando a atuação do Direito Penal.

Porém, este não parece ser o melhor entendimento sobre o tema, pois parece
ensejar entendimento equivocado acerca da perspectiva da vitimodgmática. A
análise sobre o tema deve ser feita de forma cautelosa e a correlação entre o
comportamento da vítima e o dano causado deve ser bem analisado, a fim de que
se evite chavões ao estilo de “mulher de malandro gosta de apanhar”, “foi estuprada
43

por estar vestida com roupas curtas”, dentro outros pensamentos hostis que
subvertem a vítima em algoz.

Interessa a vitimodogmática, portanto, a contribuição da vítima no delito e a


repercussão que ela tem na pena do autor, desde sua total isenção de
responsabilidade ou sobre a base do princípio de auto-responsabilidade da vítima
(TERÁM, p.16). Posto isto, não se pode dizer que a vitimologia e a vitimodogmática
andam juntas, frente gama de distinções entre elas.

Pontuando as diferenciações entre as duas vertentes, inicialmente é possível afirmar


que a vitimodogmática contrapõe os direitos do delinquente com os direitos da
vítima, se falando em “culpar a vítima” e isso não é propagado pela nova vitimologia.
Outra característica da vitimodogmática que se contrapõe a vitimologia, consoante
leciona Sergio J. Cuarezma Terán (p.16-17) “es el sentimiento implícito de lamento
cuando se da un excesivo protagonismo a la víctima, amparándose en el temor de
que ello dé lugar a una demanda de penas excesivas”.

A posição da vitimodogmática que considera o comportamento da vítima para fins de


fixação de pena está inserida no ordenamento penal brasileiro. Tal ideia é percebida
com a análise do caput do artigo 59 do Código Penal 17 que traz dentre as
circunstâncias judiciais que o Juiz obrigatoriamente deve levar em consideração
para a fixação da pena base ao agressor o comportamento da vítima e
proporcionalidade deste no fato delituoso. No mesmo sentindo o § 1º do Art. 121
18do CPB aponta como caso de diminuição de pena do homicídio simples se o delito
tiver sido praticado após injusta provocação da vítima.

17 Art. 59 CPB - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
18 Art. 121 CPB - Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.
44

Em verdade, as hipóteses trazidas pelo Código Penal Pátrio se limitam às


contribuições efetivas das vítimas para a realização do crime mediante provocação,
estímulo, negligência, facilitação, etc. reduzindo ou excluindo o tipo de injusto ou a
reprovação do autor. É importante observar que a vítima não é posta como partícipe
ou coautora, apenas ocorre a aferição do seu comportamento no caso concreto, que
pode ter tido grande influência, em seu próprio malefício, para a prática da infração
penal.

Em síntese, a vitimodogmática aproxima a vítima para atribuir-lhe responsabilidade


pela ocorrência do ato delituoso enquanto vitimologia exige a participação da vítima
no Direito Penal para lhe dar amparo e para acentuar os direitos à informação,
participação e proteção para evitar o fenômeno da vitimização.

Desta maneira, é importante destacar que este trabalho monográfico tem como
objetivo dar enfoque apenas para o resgate do estudo da vítima na perspectiva da
vitimologia, analisando as formas do processo de vitimização da mulher e a grande
contribuição que a Lei Maria da Penha trouxe neste particular.

3.4 VITIMIZAÇÃO

A reflexão vitimológica atual é mais ampla do que a reflexão de outrora já que leva
em consideração não apenas os questionamentos etiológicos da vitimização, mas
também, e fundamentalmente, a análise das principais contribuições da vítima para
a ocorrência do delito e seu processo de vitimização.

A análise dos processos de vitimização e suas consequências são de grande valor


para a compreensão do tema de uma forma ampla, porquanto, a partir de tais
estudos é possível a construção de um moderno campo de direitos das vítimas e
análise de mecanismos pertinentes e eficazes para sua proteção.

Vitimização é um processo complexo, recheado de particularidades e possibilidades


quanto às sua conceituação e formas.

Inicialmente é possível afirmar que vitimização é o processo decorrente de uma


ação ou omissão que pode ser oriundo de um único indivíduo, de uma coletividade
45

ou até mesmo de um meio, em que, ao final, tem o condão de tornar vítima um


indivíduo ou um grupo (HAMADA, 2009, p.3-4).

Em outras palavras, Ester Kosovski (1997, p.180) pontua que vitimização é a ação
ou efeito de alguém (indivíduo ou grupo) se auto vitimar ou vitimar outrem
(indivíduos ou grupos). A vitimização de grupos é mais séria que as individuais,
tendo em vista a amplitude dos resultados, como por exemplo, a vitimização da
mulher – explorada ao perceber salário menor, implicações constantes quanto ao
desrespeito ao princípio da isonomia constitucional e constrangida de inúmeras
formas na vida em comunidade – um processo que traz grandes prejuízos para toda
a sociedade e carece de atenção e mecanismos protetivos.

A vitimização, ainda, é vista como um processo em que o indivíduo torna-se vítima


apenas por decorrência de sua predisposição para tal.

Assim como há criminosos reincidentes, é possível que haja vítimas reincidentes.


Nesse sentindo, Newton Fernandes (2002, p.548-549) aponta que é indubitável a
existência de vítimas-latentes, isto é, pessoas que padecem de um impulso
fatalístico para serem vítimas dos mesmos crimes, para reincidirem e se vitimarem
em idênticos eventos lesivos.

Em verdade, a vítima pode contribuir para sua própria vitimização de maneiras


distintas a partir dos tipos de personalidades e das circunstâncias em que se
encontra. A vitimização, por sua vez, pode decorrer do comportamento da vítima que
anima e excita o vitimizador, a partir da negligência ou por excessiva audácia que
facilita o comportamento do vitimizador, isto é, a vítima expõe-se voluntaria e
inconsciente ao perigo e pode ainda não ser nenhuma dessas possibilidades, onde o
processo de vitimização pode ser decorrente e constituído a partir da vulnerabilidade
daquele indivíduo, apontada na situação social ou em suas qualidades pessoais
(BERISTAIN, 2000, p.99).

Assim, cumpre consignar que a doutrina tem organizado o tema mediante estudos
de profundezas diferentes, mas que se completam. Antonio Beristain (2000, p.103)
discorre que se vitimização possui alguns graus e que os estudos matizam os
diferentes fatores etiológicos e as diversas consequências e soluções a respeito do
primeiro, segundo e terceiro danos. Porém, a terminologia mais utilizada fala em
vitimização primária, secundária e terciária.
46

A vitimização primária é normalmente entendida como aquela causada pelo


cometimento do crime, pela conduta que infringe os direitos da vítima que acarreta
danos múltiplos como danos materiais, físicos e/ou psicológicos, de acordo com a
natureza da infração, personalidade da vítima, relação com o agente violador,
extensão do dano, etc.

Esta é a vitimização decorrente da delinquência comum em suas formas mais


frequentes e, por esta razão é notavelmente destacada e carece de erradicação
tendo em vista que atinge grande número de pessoas e pode ocasionar mudanças
de hábitos e de condutas.

Por vitimização secundária entende-se aquela causada pelas instâncias formais de


controle social, no decorrer do processo de registro e apuração do crime. Estas
instâncias formais de controle social têm atuação voltada para o infrator e para a
investigação, não trazendo consigo orientação vitimológica.

A vitimização secundária é causada e provocada por uma série de “atores


institucionais”, que estruturam o poder repressivo e que trazem uma ideologia que
promove cada vez mais a vitimização. São eles: a polícia e o aparato jurídico-penal
(Ministério Público, Defensoria Pública, Juízes e Servidores Sociais, por exemplo)
(NUÑEZ, 2000, p.136).

Destaca-se que a mulher vítima de violência doméstica e familiar sofre o processo


de vitimização secundária a partir do momento que recorre aos agentes
institucionais e depara-se com total despreparo destes quanto à postura vitimológica
coerente.

Ora, se durante a fase persecutória e durante o processo penal, a vítima se portou


ou se portar como mero convidado ou como figurante na cena delituosa, essa tão
injusta postergação do sujeito passivo do delito produz nele a vitimização secundária
e implica, verdadeiramente, em vitimá-lo mais.

Discorrendo sobre ineficiência do procedimento penal, Antonio Beristain (2000,


p.105-107) expõe que os órgãos do referido sistema que têm atribuições e funções
de promover a justiça, porém, policiais, juízes, peritos e funcionários do sistema
penal em geral não têm a devida atenção e cuidados ao tratar da vítima ou muitas
vezes a abandonam ou a desconhece. Esse panorama ainda é agravado quando se
trata de vítima do sexo feminino, pois, os agentes do sistema penal ferem
47

corriqueiramente o princípio da equidade e não observam a Declaração das Nações


Unidas sobre a eliminação da discriminação contra a mulher e ignoram, da mesma
forma, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher, não dando a atenção e a proteção necessária para
aquela que já teve algum direito violado.

A não observância das orientações vitimológicas por parte dos agentes das
instancias formais de controle social (que têm como foco a repressão e apuração do
crime e que estão escassas de estrutura humana e material) ensejam na
transformação da vítima do ato delituoso em também vítima do sistema legal, face
ao labirinto legal que está submetida, implicando, do mesmo modo, em sentimentos
de impotência e frustração. Esses sentimentos são intensificados nos casos de
violência doméstica contra a mulher onde se somam fatores como vergonha,
humilhação, constrangimento e sensação de culpa.

Já vitimização terciária insurge como resultado das vivências e dos processos de


atribuição e rotulação das vitimizações primárias e secundárias, da falta de amparo
social dos órgãos públicos e da ausência de receptividade social em relação à
vítima. É levada a cabo no âmbito dos controles sociais, mediante o contato da
vítima com o grupo familiar ou em seu meio ambiente social, como no trabalho, na
escola, nas associações comunitárias, na igreja ou no convívio social.

Posto isto, percebe-se que o processo da vitimização é multifacetário e de


estimulante estudo, pois é a partir das descobertas de novos traços que revelam as
várias faces vitimizadoras não só apenas no sistema social, mas também no sistema
penal, que, se apresenta com logicamente compreensível, o que era imaturo em
outrora, com o estudo do fenômeno criminológico.

Desta maneira, a vitimização terciária, como a terceira etapa do processo de


vitimização resultante do desamparo de assistência dos órgãos públicos e da
ausência de receptividade social, necessita de um estudo específico, pois só a partir
de sua abrangência e compreensão poderão surgir alternativas para a erradicação
do processo vitimológico e melhores soluções para a proteção da mulher vítima de
violência doméstica e familiar.
48

3.5 VITIMIZAÇÃO TERCIÁRIA E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR


CONTRA A MULHER

Relacionando a vitimimologia, que resgata o estudo da vítima, com as mulheres


vítimas de violência doméstica e familiar percebe-se, social e historicamente, que a
tendência para serem vítimas desta modalidade de violência decorre da
característica ainda patriarcal e machista da sociedade.

Pode-se destacar que as mulheres se submetem às mazelas de seus companheiros


e resistem sem confrontar a violência sofrida principalmente por dependência
econômica, visando a manutenção do lar e da família, pela inexistência de
mecanismos legislativos e políticos capaz de coibir tal violência, pelo
desconhecimento das medidas protetivas ou por não terem a sua efetividade
palpável. Neste sentido, acrescenta Julita Lemgruber (2001, p.376) que as mulheres
agredidas frequentemente têm vergonha de relatar a ocorrência da agressão à
autoridade policial e são ameaçadas pelo ofensor para não fazê-la.

É inquestionável, portanto, que a mulher na sociedade brasileira sofre inúmeras


formas de vitimização. Em relação àquela mulher que está inserida em uma relação
doméstica e familiar é possível perceber que ela se torna vítima a partir dos três
graus de vitimização, seja pela vitimização decorrente do próprio cometimento do
delito, seja pela vitimização causada pela ineficiência da prestação dos órgãos
repressivos e pela má observação e aplicação das orientações vitimológicas, seja
pela falta de instrumentos protetivos adequados e capazes de erradicar esta
violência.

A vitimologia, sobretudo a vitimização terciária, traz uma série de instrumentos para


abordagem dos problemas relacionados à vitimização da mulher, tanto do ponto de
vista teórico quanto do ponto de vista prático.

A história da vítima no contexto penal mostra que a ela passou por muitos séculos
por uma fase de neutralização, desamparada, o que implicou, de fato, na sua
vitimização através do próprio Direito Penal. Assim, a partir do seu redescobrimento
e da identificação de que o Estado, ao tomar para si o poder punitivo e não
aplicando mecanismos protetivos e de reparação à vítima, incorre em
49

enquadramento de um dos agentes vitimizadores, surge, então, a necessidade


imprescindível de dar alguma resposta à vítima.

Com fervor defende Newton Fernandes (2002, p.552) que enquanto estavam
batalhando por uma ampla humanização da pena, não eram buscados elementos
para proporcionar a reparação dos danos sofridos pela vítima. Mas o que deve ser
observado é que mesmo se for o caso, não são todas as modalidades de lesão que
têm como serem reparadas, como por exemplo, na lesão psicológica, em que não é
de fácil compreensão a sua possibilidade de reparação e impor reparação em
pecúnia para o agressor não necessariamente irá reparar a lesão psicológica.

É atribuindo à Vitimologia o resgate da importância de uma análise efetiva dos


prejuízos sofridos pelas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em
virtude deste delito (vitimização primária), da investigação do processo através dos
agentes institucionais (vitimização secundária) e da imprescindibilidade de medidas
de reinserção social, proteção e assistência.

Nesse ínterim, inúmeras iniciativas, em vários campos, surgiram para pôr fim ao
ostracismo histórico da vítima por parte do Direito Penal, estimulando o advento de
projetos e mediação penal, clamando uma maior atenção ao reconhecimento dos
seus direitos.

Principalmente quanto à violência contra a mulher, as organizações sociais se


atentaram e perceberam a necessidade de erradicar, e ao mínimo, neutralizar os
efeitos da vitimização que as mulheres sofriam em inúmeros países. Decorreu-se,
portanto, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a
mulher e a Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência
contra a mulher, tratadas no capítulo anterior.

Na sociedade brasileira, por sua vez, a análise vitimológica partiu da constatação


que a mulher vítima de violência doméstica e familiar estava sujeita aos três graus
de vitimização. Sobretudo sujeita à vitimização terciária, visto que esta insurge
como resultado das vivências e dos processos de atribuição e rotulação das vítimas
primárias e secundárias, decorrente do meio social e jurídico, da falta de amparo
social dos órgãos públicos que não exercitam medidas protetivas e favorecem a
vitimização da mulher.
50

A vitimização terciária é decorrente dos meios sociais que, como já tratado, é uma
postura frequente na sociedade brasileira, onde o histórico da mulher é repleto de
submissão, cerceamento de direitos e constantes desigualdades entre estas e os
homens. Assim, a violência doméstica e familiar contra a mulher vista e aceita pela
sociedade como algo normal e de caráter eminentemente pessoal, vista como uma
violência deveria ser resolvida apenas pelo envolvidos, implica nesta forma de
vitimização, juntamente com o poder público que, corroborando com tal fato, não
aplica medidas protetivas e de erradicação desta tão grave violência.

Somando-se ainda com a vitimização secundária proporcionada, o cenário implica


em um real afastamento da ofendida dos órgãos públicos por perceberem a sua total
insuficiência para resolver o problema em questão.

Para que a real proteção às mulheres fosse de fato alcançada era imprescindível a
criação de documentos específicos.

Cumprindo o seu papel de controlador social e efetivando as Convenções que se


tornou signatário, a partir da análise da mulher vítima de violência doméstica e
familiar, o Brasil proporcionou o advento da Lei 11.340/2006. Assim, é pertinente a
afirmação de que o estudo vitimológico adequou o entendimento do caso concreto e
culminou em uma tutela protetiva específica para as mulheres.

Com a entrada em vigor da LMP, foi data maior atenção e importância às agressões
sofridas pelas mulheres no âmbito familiar, tornando imprescindível a sua
erradicação, a partir da mudança de paradigmas sociais e da assistência do Estado.

Diante destas constatações, verifica-se que a Vitimologia exerceu papel fundamental


na edição da Lei Maria da Penha, pois, primeiramente, concebeu o resgate do
estudo da vítima e proporcionou a análise específica das mulheres vítimas de
violência doméstica e familiar, partindo seu estudo da análise do processo de
vitimização que tal grupo sofreu ao longo da história.

Assim, analisando estes processos de vitimização tornou-se possível a formulação


de medidas mais rigorosas voltadas para a repressão do agressor, mas,
especialmente, proporcionou a elaboração de medidas voltadas à assistência,
reparação, compensação e tratamento das mulheres vítimas de violência doméstica
e familiar.
51

Portanto, é possível pontuar que a Lei Maria da Penha se legitima a luz da


Vitimologia.
52

4 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA DIANTE À


VITIMOLOGIA

Este tópico busca enfrentar os questionamentos acerca da constitucionalidade da


Lei Maria da Penha. A referida lei, após a sua promulgação, foi objeto de uma Ação
Declaratória de Constitucionalidade e de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade,
sendo esta última, o principal enfoque deste trabalho monográfico.

4.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE

Para que haja a possibilidade de controle de constitucionalidade são necessários


dois pressupostos mínimos: rigidez e supremacia da Constituição. A rigidez diz
respeito à categoria da classificação das constituições quanto ao processo de
mudanças. Da rigidez, decorre a supremacia constitucional, pois se entende que a
Constituição Federal está no topo e nos níveis abaixo estão normas interligadas. Na
verdade, é uma construção escalonada onde uma normatividade serve de
fundamento de validade da outra já que a obediência à Constituição se deve à
Norma Hipotética Fundamental, que situada fora da pirâmide, diz basicamente
“deve-se obedecer a Constituição Federal”.

Existindo, portanto, rigidez e supremacia da Constituição é possível que haja


inconstitucionalidade no ordenamento. A inconstitucionalidade reflete um juízo
relacional, ou seja, ela retrata uma incompatibilidade normativa: de um lado têm-se
leis e atos normativos e do outro a Constituição. Representa um juízo de
incompatibilidade normativa de leis e atos normativos decorrentes do Poder Público
com a Constituição.

Para melhor entendimento, é necessário se ter em vista, que a Constituição deve ser
entendida como Bloco de Constitucionalidade, isto é, quando o texto Constitucional
vai além da própria Constituição aonde outras disposições vão aderindo e resultando
em um ideal Constitucional único.

A inconstitucionalidade pode ser formal, material, por ação ou omissão, total ou


parcial. Há inconstitucionalidade formal quando há um vício no procedimento, isto é,
53

um vício no processo legislativo de criação da lei ou ato normativo. A


inconstitucionalidade material ocorre quando o conteúdo, o assunto tratado na lei ou
ato é contrário ao disposto no texto Constitucional. A inconstitucionalidade por ação
é marcada pela prática de uma conduta comissiva no sentido de criar uma lei ou ato
que viola a CRFB ou outras disposições que integram o bloco de
constitucionalidade. Já a inconstitucionalidade por omissão decorre da inércia do
poder público em relação a uma passagem do tempo, tendo em vista as normas de
eficácia limitada, que projetam expectativas para o futuro e carecem de
complementação. A inconstitucionalidade pode ainda ser parcial ou total e dizem
respeito à classificação do vício quanto à extensão.

O reconhecimento da supremacia da Constituição e da sua força vinculante em


relação aos Poderes Públicos enseja discussão sobre formas e modos de defesa da
Constituição e sobre a necessidade de controle de constitucionalidade de atos do
Poder Público, especialmente das leis e atos normativos (MENDES, 2011, p.1059).

Posto isto, o controle de constitucionalidade é uma atividade de fiscalização da


validade e conformidade das leis e atos do poder público à vista de uma
Constituição rígida, desenvolvida por um ou vários órgãos constitucionais
designados (CUNHA JÚNIOR, 2010, p.262-263).

São várias as formas de manifestação do controle de constitucionalidade dos atos


ou omissões do poder público, assim, é possível identificar no ordenamento jurídico
brasileiro vários modelos de controle de constitucionalidade. É necessário destacar
neste momento, que o escopo deste tópico é tão-somente fazer algumas
observações sobre o assunto a fim de dar subsídios para melhor entendimento do
tema.

Sendo assim, o modelo de controle constitucional brasileiro é decorrente de outros


modelos tidos como matrizes do controle de constitucionalidade, quais sejam, o
austríaco, americano e o francês. O controle pode ser preventivo ou repressivo.

O controle preventivo caracteriza-se por ser um controle a priori, ou seja, realizado


anteriormente à vigência do projeto de lei que afronta a Constituição, seja
formalmente ou materialmente, que examina projetos ou proposta de emendas, todo
associado à tramitação do processo legislativo. E pode ser realizado pelo poder
executivo, pelo poder legislativo ou de forma jurisdicional. O controle repressivo é o
54

controle feito a posteriori, ou seja, realizado quando a lei já está validade e em


vigência. Também pode ser realizado pelos poderes executivo e legislativo, mas
esta é a exceção. A regra é que seja realizado pelo poder judiciário através do
controle difuso ou concentrado.

Á vista do modelo difuso de constitucionalidade dos atos ou omissões do poder


público o controle é efetivado no curso de uma demanda judicial e como incidente
dela, por qualquer juiz ou tribunal. A decisão que é feita sobre questão prévia e não
propriamente sobre o objeto principal da lide, de forma incidental, com o escopo de
afastar apenas a incidência da norma viciada (MENDES, 2011, p.1132).

Ou seja, as partes que pretendem resolver judicialmente uma relação jurídica


resistida dependem de exame prévio da questão constitucional. Assim, a questão da
constitucionalidade apenas é arguida incidentalmente na demanda judicial específica
como prejudicial de mérito da pretensão deduzida, de modo que esta só pode ser
desatada após a resolução daquela conditio (CUNHA JÚNIOR, 2010, p.306).

Distinguindo-se do controle difuso, no controle concentrado a questão constitucional


assume natureza de questão principal porque se relaciona com o próprio objeto da
demanda. À vista desse modelo, instaura-se no Supremo Tribunal Federal 19 uma
fiscalização abstrata das leis ou atos normativos do poder público em confronto com
a Constituição. Tal se dá em face do ajuizamento de uma ação direta, cujo pedido
principal é a própria declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade
(CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 327).

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é o típico instrumento do controle


concentrado e tem por finalidade declarar que uma lei ou parte dela é
inconstitucional. A legitimidade para propor a ADI e a capacidade postulatória estão
taxativamente estabelecidas no artigo 103 da CRFB20.

19 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal;
20 Art. 103 CRFB: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da


Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII -
o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no
Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
55

Insurge destacar que a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei tem
eficácia obrigatória, genérica e erga omnes implicando também em efeitos
retroativos, ou seja, quando a lei é declarada inconstitucional perde o efeito desde o
início de sua vigência. Porém, é possível que os efeitos da decisão sejam
modulados, isto é, que seja escolhido pelo STF quando se produzirá os efeitos da
decisão, de acordo com o artigo 27 da Lei nº 9.868/9921. Isso acaba por dizer que a
inconstitucionalidade torna o vício anulável e não nulo (BARROSO, 2012, p.133 e
segs.).

Por fim, é possível que o controle de constitucionalidade seja realizado para expor
que uma lei ou ato é constitucional. Esse controle é feito através da Ação
Declaratória de Constitucionalidade (ADC). Havendo controvérsias judicial ou
jurídica sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, esta ação se
torna necessária em que pese todas as leis tenham a presunção de
constitucionalidade. Todavia, esta presunção é relativa, juris tantum, a ADC torna a
presunção em absoluta, jure et de jure. Esta ação é direta do controle concentrado
e, por esta razão, é de competência reservada a um só órgão do Poder Judiciário
(MENDES, 2011, p.1217-1221).

Postos estes conceitos básicos, a análise feita a seguir será em relação aos
controles de constitucionalidades que a Lei Maria da Penha sofreu desde o seu
advento. De logo, pode-se pontuar que a LMP foi objeto de ADC e, alguns dos seus
artigos foram objeto de ADI.

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de


inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias
e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal
ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.
21 Art. 27 da Lei 9.868/99: ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em

vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado.
56

4.2 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 19

Apenas em caráter informativo e esclarecedor para análise dos tópicos seguintes é


necessário pontuar que a Lei Maria da Penha foi objeto da ADC nº 19.

Como já exposto neste trabalho monográfico, a Lei Maria da Penha foi decorrente de
uma ampliação do cenário protetivo das mulheres vítimas de violência doméstica e,
com seu advento, passou-se a questionar a sua constitucionalidade, isto é, se seus
preceitos exclusivos para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
estariam em consonância com o bloco constitucional.

Mesmo com o advento da Lei Maria da Penha, os juízes enfrentaram resistência


para aplicá-la justificando que este instrumento normativo padecia de vícios, por
suposta afronta ao princípio da igualdade, em relação à competência atribuída aos
Estados para fixar organização judiciária local e quanto à competência dos juizados
especiais.
O entendimento dominante à época é que a referida lei já nasceu merecedora de
uma ADI, por estabelecer diferenças entre homem e mulher, e, em suas
fundamentações, pontuavam que a LMP propagava a discriminação e contrariava
dispositivos fundamentais e basilares da CRFB, como por exemplo, a igualdade
entre ambos perante a lei22.
O que não observavam é que a igualdade trazida no texto constitucional prima por
tratar os desiguais na medida da sua desigualdade, desigualdade esta facilmente
identificada e de grandes consequências paras as mulheres.

22 Exemplo de jurisprudência: E M E N T A – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/06 – RECURSO MINISTERIAL – PEDIDO DE
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI N. 11.340/06 – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA
IGUALDADE E PROPORCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA – COMPETÊNCIA DO JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL – IMPROVIDO. A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está contaminada por
vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos objetivos da República Federativa do
Brasil (art. 3º, IV, da CRFB), bem como por infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade
(art. 5º, II e XLVI, 2ª parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a
decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006, determinando-se a competência
do Juizado Especial Criminal para processar e julgar o feito (Segunda Turma Criminal do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul. http://roberto-cavalcanti.blogspot.com.br/2008/03/acrdo-do-tj-ms-
declarando.html, acessado em 25/05/2014, às 12h36min).
57

Nesse ínterim, em face da não efetivação da LMP após um ano da sua vigência por
muitos juízes e Tribunais que insistiam em afirmar que a referida lei trazia um
protecionismo eminentemente discriminatório, e ainda em face de controvérsia
judicial sobre a aplicação da norma, foi proposta pelo Presidente da República,
representado pelo Advogado-Geral da União a Ação Direta de Constitucionalidade
de nº 19 em dezembro de 2007.
A referida ação tinha por objetivo a declaração de constitucionalidade dos artigos 1º,
33 e 41 da Lei 11.340/2006 visando resguardar a ordem jurídica constitucional, de
modo a afastar o estado de incerteza ou insegurança jurídica sobre a
constitucionalidade da lei. Já que a LMP foi editada para dar cumprimento à
Convenção Belém do Pará e a Convenção sobre a eliminação de todas as formas
de discriminação contra a mulher, pois o Brasil se comprometeu a incorporar em sua
legislação instrumentos normativos capazes de prevenir, punir e erradicar a violência
contra a mulher. Desta maneira, a LMP estava/está em conformidade com a diretriz
internacional adotada por diversos países, não padecendo de quaisquer
inconstitucionalidades neste particular.
A ADC expõe como sabedoria que quanto ao questionamento da
inconstitucionalidade da igualdade, a LMP confere efetividade ao princípio da
igualdade material determinado pela Carta Magna. Em relação à competência dos
juizados especiais e à não aplicação dos institutos despenalizadores da LMP, não
há inconstitucionalidade pois o Poder Constituinte não pré-selecionou o critério que
seria valorado para estabelecer os crimes de menor potencial ofensivo, de
competência dos Juizados Especiais, sendo do legislador infraconstitucional a tarefa
de concretizar o comando normativo. Ademais, a consideração da violência
doméstica ou familiar contra a mulher como crime de menor potencial ofensivo
ignora o absurdo efeito nocivo à toda sociedade. Neste sentido, aplicar os institutos
despenalizantes da Lei nº 9.099/95 traz consigo a ineficácia das medidas para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher. Por estas razões, aponta a ADC nº
19 que não há inconstitucionalidades na LMP.
A decisão do Superior Tribunal Federal prolatada em fevereiro de 2012, reconheceu
que o artigo 1º da LMP surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado dos gêneros,
harmônico com a CRFB, pois é necessária a proteção ante as peculiaridades moral
e física da mulher e da cultura brasileira. Reconheceu também que o artigo 33 da
58

LMP não implica usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria
organização judiciária. E, ainda, que o artigo 41 da referida é constitucional pois
mostra-se em consonância com o estabelecido no § 8º do artigo 226 da CRFB, a
prever a obrigatoriedade de o Estado criar mecanismos que coíbam eficazmente a
violência no âmbito das relações familiares.
Por votação unânime os citados artigos da LMP foram declarados constitucionais,
propiciando uma interpretação judicial uniforme quanto a estes dispositivos, mas não
em relação a todos contidos nesta lei.

4.3 O JULGAMENTO DA ADI Nº 4424

4.3.1 Objeto de debate

Adentrando precisamente no objeto de análise, é de grande importância dissertar


que mesmo após da ADC nº 19 foram feitos alguns questionamentos sobre artigos
da LMP.

Ora, se a Lei nº 11.340 cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher em consonância com o § 8º do art. 226 da CRFB, com a Convenção
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e com a
Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher, a seara de instrumentos protetivos à ofendida positivados na Lei Maria da
Penha devem caminhar todos no mesmo sentido.

Porém, o inciso I do art. 12, o art. 16 e o art. 41 apresentam possibilidades de


entendimentos díspares que podem implicar na não aplicação da maior efetividade
da proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Os referidos dispositivos estão assim redigidos:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a


mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de
imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no
Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação
a termo, se apresentada.
(...)
59

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da


ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação
perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
(...)
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099,
de 26 de setembro de 1995.
A LMP, portanto, aponta no seu artigo 12, inciso I, e no artigo16 a necessidade de
se ouvir a ofendida e tomar a representação a termo para o registro da ocorrência e
para o início das diligências investigatórias, da mesma forma que torna a ação penal
e a persecução Estatal condicionada à representação da ofendida.

Diante o referido conjunto de dispositivos, duas posições se formaram entre os


juízes e Tribunais a respeito da ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
de natureza leve praticados contra a mulher no ambiente doméstico e familiar: se
seria pública condicionada à representação da vítima ou se a ação seria pública
incondicionada.

Marcellus Polastri Lima (2009, p.153 e segs.) pondera que o direito de ação penal é
aquele direito subjetivo público de se invocar o Estado para prestar tutela
jurisdicional sobre um litígio de natureza penal. E esta ação penal pode ser de
natureza pública ou privada. Sendo pública, pode ainda ser condicionada ou não a
algum requisito. Desta maneira, a ação penal pública incondicionada não exige para
sua propositura o preenchimento de algum requisito ou requisição e nem mesmo se
indaga a vontade do ofendido, pois, nestes casos, o que se prevalece é o interesse
do Estado.

A ação penal pública condicionada se contrapõe à ação penal pública


incondicionada, pois, como o próprio nome diz, é aquela que exige para sua
propositura e atuação do Ministério Público a representação da vítima ou a
requisição do Ministro da Justiça, como expõe o artigo 24 do Código de Processo
Penal23.

A dúvida que girava em torno da análise dos referidos artigos é se eles


determinavam que nos crimes de lesão corporal de natureza leve contra as

23
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas
dependerá, quando e lei exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido
ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
60

mulheres no âmbito doméstico e familiar seria necessário que as vítimas


oferecessem representação para a propositura da ação pelo Ministério Público e, por
consequência, a repreensão da violência sofrida.

Desde a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, doutrina e jurisprudência 24


questionavam-se da imprescindibilidade da representação criminal para os crimes
de lesão corporal de natureza leve praticada contra a mulher no âmbito doméstico e
familiar. Porém, essa exigência aparentava estar revestida de inconstitucionalidade
e contrariedade ao sistema de proteção da vítima.

Condicionar à ação penal a representação da ofendida gerava desestímulo para a


efetividade das medidas protetivas, principalmente quanto à coerção do ofensor, já
que muitas mulheres não procuravam o Estado por visualizarem grande
possibilidade de insucesso na repressão, causada sobretudo, pelo artigo 41 da Lei
11.340, que traz que os crimes de natureza leve causados no âmbito doméstico
seriam regidos pela lei de 9.099/55. Como já exposto anteriormente, esta lei traz rito
mais célere, simplificado, que acarreta ainda na possibilidade de conciliação, o que
de fato, acontecia corriqueiramente.

Transportando as indagações para o plano fático, é importante ilustrar o contexto


social com as palavras de Ana Lúcia Galinkin (2007, p. 25):

Denunciar, que na linguagem popular é “dedar” e “entregar” tem um sentido


de traição, e este é o primeiro passo a ser tomado pela pessoa agredida
contra uma pessoa de suas relações íntimas. Ao fazê-lo, ela se coloca em
um lugar social depreciado. É também o início de um logo processo que
exigirá outras difíceis tomadas de decisão.

24 “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL LEVE PRATICADA COM


VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/95 E, COM ISSO,
DE SEU ART. 88, QUE DISPÕE SER CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO O REFERIDO CRIME.
AUSÊNCIA DE NULIDADE NA NÃO-DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI
MARIA DA PENHA, CUJO ÚNICO PROPÓSITO É A RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO.
PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Esta Corte,
interpretando o art. 41 da Lei 11.340/06, que dispõe não serem aplicáveis aos crimes nela previstos a
Lei dos Juizados Especiais, já resolveu que a averiguação da lesão corporal de natureza leve
praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher independe de representação. Para esse
delito, a Ação Penal é incondicionada (REsp. 1.050.276/DF, Rel. Min. JANE SILVA, DJU 24.11.08). 2.
Se está na Lei 9.099/90, que regula os Juizados Especiais, a previsão de que dependerá de
representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais e lesões culposas (art. 88) e a Lei
Maria da Penha afasta a incidência desse diploma despenalizante, inviável a pretensão de aplicação
daquela regra aos crimes cometidos sob a égide desta Lei. 3. Ante a inexistência da representação
como condição de procedibilidade da ação penal em que se apura lesão corporal de natureza leve,
não há como cogitar qualquer nulidade decorrente da não realização da audiência prevista no art. 16
da Lei 11.340/06, cujo único propósito é a retratação. 4. Ordem denegada, em que pese o parecer
ministerial em contrário.” (STJ , Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de
Julgamento: 19/02/2009, T5 - QUINTA TURMA)
61

Tendo em vista todos esses elementos percebeu-se que os referidos artigos não
efetivam a proteção plena que a LMP propôs concretizar, esvaziando-se, assim, a
sua função.

Neste ínterim, o Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos


propôs Ação Direita de Inconstitucionalidade de número 4424 para que fosse
conferida interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I, 16 e 41 da lei nº
11.340/2006.

4.3.2 Argumentos favoráveis

A tese da ADI 4424, primeiramente, expõe que a única interpretação possível e


compatível com a Constituição Federal é a de que é de natureza incondicionada a
ação penal pública nos casos de violência doméstica contra a mulher, pois
condicionar a ação penal à representação da vítima implica em afronta ao artigo
226, parágrafo 8º da Constituição Federal e restringe o dever do Estado de prevenir
e coibir a violência no âmbito familiar, violando ainda os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e o artigo 5º, XLI da Constituição Federal, já que este
assinala que a lei deve punir qualquer discriminação que atente em violação dos
direitos e garantias fundamentais.

ADI ainda tinha por escopo efetivar a análise do artigo 41 da LMP com o bloco
constitucional que, mesmo após ADC nº 19 julgar o referido artigo constitucional, a
sua aplicação não estava sendo efetiva, no sentido de que em nenhuma hipótese a
lei nº 9.099/95 se aplicaria aos crimes cometidos no âmbito da mencionada
legislação.

Em relação ao artigo 41 da Lei Maria da Penha, Marcelo Lessa Bastos (2007, p. 59)
afirma que não há problema algum em sua redação para que seja analisado de
forma diferente do que está exposto, e, nesse sentido aponta que:

Não se aplicam os institutos despenalizantes da lei n. 9.099/95 em caso de


violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se
configurando violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que
seja o crime e sua pena, não cabe transação penal, nem suspenção
condicional do processo, nem composição civil dos danos extintiva de
punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em
flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso,
arbitrada a fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida
62

paralela prevista no art. 12, III e parágrafos 1º e 2º da Lei n. 11.340/06), a


denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será previsto no Código de
Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de
iniciativa pública incondicionada.
Como o artigo 41 já foi trabalhado no tópico anterior, as atenções neste momento
serão convergidas sobre a questão da representação para a ação penal pública nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A ADI proposta pelo PGR traz fundamento pertinente para convencer os Ministros
do STF sobre a necessidade de ser dada interpretação conforme a CRFB aos
artigos em questão. Pontua que, os crimes dependentes de representação, em
regra, são aqueles em que o interesse privado à intimidade das vítimas se sobrepõe
ao interesse público em sua punição. No caso de violência doméstica contra a
mulher, tem-se, nas palavras do PGR, a um só tempo, “grave violação a direitos
humanos e expressa previsão constitucional da obrigação estatal de coibir e prevenir
sua ocorrência”, além da opção constitucional ter sido clara ao estabelecer de que
não se trata de questão meramente privada.

Por estas razões, a violência doméstica contra a mulher não pode ser tolerada pelo
estado em nenhum grau. Não há em que se falar em um caso privado, pois, a
consequência desse tipo de delito não se restringe apenas àquela relação familiar,
vai além, ataca toda a sociedade. No caso de violência doméstica e familiar contra a
mulher o mal que ataca uma mulher implica em uma ameaça a todas.

4.3.3 Argumentos contrários

As teses que se contrapõem à trazida pela ADI 4424, atribuindo interpretação


diferente aos referidos artigos, afirmam a constitucionalidade da necessidade da
representação da mulher no caso de violência doméstica, pois, acreditam que
condicionar a ação penal à representação da ofendida visa preservação da entidade
familiar, visto que, muitos casais se reconciliam após o momento de crise que
culminou na agressão de natureza leve, bem como, a representação respeita o
desejo da mulher, já que grande parte das ofendidas temem a condenação do
ofensor.
63

Na opinião de Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (2008, p.114) retirar a escolha da


mulher representa um sintoma de aumento do controle social e das formas de
dominação, regulação e racionalização da vida coletiva, as quais se sofisticam e se
tornam crescentemente invasivas. Aponta que a sociedade estaria se tornando
amplamente regulatória e opressiva, já que nem a família, nem as relações íntimas
estariam a salvo do controle externo e das investidas da lei.

Durante o julgamento da ADI 4424 o voto do Ministro Cezar Peluso foi ao sentido de
que a decisão da ADI 4424 deve ser cautelosa, pois poderia ensejar em retrocesso
da proteção da mulher, visto que o rito da lei de juizados especiais é mais célere e,
em sua opinião, a celeridade é um dos ingredientes importantes no combate à
violência, proporcionador de maior eficácia, além de se ter a oralidade, fator
importante porque a violência se manifesta no seio da entidade familiar, além disso,
durante o contato com o magistrado, a discussão sobre o assunto seria mais eficaz.
Quanto à ação penal advertiu o Ministro que se o caráter condicionado da ação foi
inserido na lei, houve motivos relevantes para isso, como por exemplo, dados
sociológicos. Defendeu o Ministro que o direito das mulheres que optam por não
apresentarem queixas contra os companheiros quando sofrem algum tipo de
agressão deveria ser respeitado.

Porém, estes não foram os entendimentos que vigoraram.

4.3.4 Decisão do julgamento

Após a ponderação e análise dos argumentos, a ADI 4424, por maioria dos votos,
vencido o presidente Cézar Peluso, foi julgada procedente, concedendo, portanto,
ao Ministério Público a prerrogativa de iniciar a ação penal nos crimes de violência
doméstica e familiar contra a mulher de natureza leve, sem a representação da
ofendida.

Esta postura foi decorrente da constatação pelos Ministros de que a ação penal
pública condicionada a representação, verdadeiramente, esvazia a proteção
constitucional certificada as mulheres, já que na maioria os casos, estas estão
inibidas por seu agressor e acabam por não dar continuidade ao procedimento, não
havendo punição ao infrator.
64

Da mesma maneira a decisão da ADI nº 4424, corroborando com a ADC nº 19 que


afirma a constitucionalidade de não se aplicar aos casos de violência doméstica a
familiar contra a mulher os institutos despenalizantes da Lei nº 9.099/95, põe fim aos
questionamentos e confere interpretação constitucional no sentindo de que não
compete aos Juizados Especiais julgar os crimes elencados na Lei Maria da Penha,
nos termos do artigo 41 da LMP em face da sua total ineficiência na punição do
agente e de medidas protetivas à ofendida.

4.4 ADI 4424 À LUZ DA VITIMOLOGIA

Como tratado neste trabalho monográfico a Lei Maria da Penha concebe


mecanismos capazes de prevenir e também de reprimir a violência doméstica e
familiar contra a mulher que tanto assola a sociedade.

A LMP não afronta o princípio da igualdade entre homens e mulheres e sim,


estabelece mecanismos capazes de minimizar as diferenças e capazes de equiparar
ambos os sexos, através de uma legítima discriminação positiva, porquanto, o que
deve ser atentamente observado como escopo deste instrumento normativo, é que
se busca incansavelmente corrigir um grave problema social enraizado desde os
primórdios das relações sociais onde a desigualdade negativa de gênero já era
alarmante.

Mesmo com a evolução social, crescentes movimentos feministas, um leque de


instrumentos normativos implantados em todo o mundo requerendo que os Estados
efetivem mecanismos de proteção às mulheres, estas ainda são subjugadas pelas
mais variadas formas.

Como bem pontua o Ministro Luiz Fux no seu voto no julgamento da ADI 4424, salta
aos olhos a apavorante cultura de subjugação da mulher na realidade da sociedade
brasileira e a impunidade dos agressores acaba por deixar ao desalento os mais
básicos direitos das mulheres, submetendo-as a todo tipo de sevícias, em clara
afronta ao princípio da proteção deficiente.

Por esta razão a proteção não deve e não decorre apenas o próprio texto da Lei
Maria da Penha. A LMP é um instrumento capaz de ensejar a proteção da mulher
65

concomitantemente aos demais instrumentos normativos que discutem o tema e


atribuem maior efetividade a ela. Os variados instrumentos normativos protetivos se
apresentam como ferramentas pertinentes e fundamentais para a efetivação dos
preceitos trazidos pela referida lei.

Característica acentuada na vida cotidiana que não pode passar despercebido no


estudo do Direito Penal principalmente ao que se refere a delitos de natureza
familiar e doméstica é que as mulheres vítimas de violência doméstica não procuram
o Estado por medo. Medo das agressões aumentarem devido o conhecimento do
agressor acerca da queixa, medo da insegurança a respeito da efetividade da
inibição do agressor, medo que o agressor seja condenado a pena privativa de
liberdade e assim, o sustento da família seja prejudicado, dentre outros elementos
de subordinação e não meramente de opção da mulher em preservar os laços
afetivos.

Neste sentindo, o julgamento da ADI 4424 ao questionar a interpretação que fora


dada a alguns artigos da LMP implica em decisão sábia que percebe que o
condicionamento à representação da vítima para a ação penal enseja esvaziamento
da proteção constitucional, inclusive, porque que esse condicionamento ainda
perpetua, por ausência de resposta penalmente adequada, o quadro de violência
física contra a mulher, é uma forma efetiva de proteção.

Sendo assim, condicionar o curso da ação penal à representação da ofendida é


desconsiderar os elementos citados alhures e ignorar o ideal do sistema específico
de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Pertinente é a exposição da ADI 4424 ainda que os casos de violência doméstica


são de interesse público, uma vez que viola os direitos humanos e expressas
previsões constitucionais, da mesma forma que jamais pode esta modalidade de
violência ser tolerada como em outrora, sendo interesse e prorrogativa do Estado
coibí-la e, em existindo, oferecer tutela protecional específica para as ofendidas.

Neste diapasão, o resultado do julgamento da ADI de nº 4424 legitima-se à luz da


vitimologia, pois, se apresenta como mais um elemento de proteção para a mulher
vítima de violência doméstica, uma vez que entrega ao Ministério Público, órgão do
Poder Judiciário que visa a defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade,
o direito de iniciar a ação penal contra o agressor. Para que posteriormente, com o
66

fim do curso da ação, seja efetivada a punição e ensejar erradicação/diminuição do


sentimento e realidade de impunidade que pairava/paira sobre a sociedade.

A vitimologia é a ciência que resgata o estudo da vítima para lhe dar amparo. E esta
ciência traz consigo estudos e elementos capazes de proporcionar amparo às
vítimas, a partir de uma análise a priori do processo que culminou em sua
vitimização. No caso em questão, é pertinente afirmar que a ADI 4424 ao aumentar
a proteção da vítima o fez a partir de uma orientação vitimológica. Em verdade, a
decisão efetiva a vitimologia, pois elegeu a melhor política para combater a
endêmica situação de maus tratos sofrida pela mulher no âmbito familiar.

Ora, uma vez que é identificado que a LMP é um importante instrumento vitimológico
a ADI 4424, por atribuir-lhe constitucionalidade aos seus dispositivos legais que
implicam em maior proteção da mulher, por inferência também é um instrumento
vitimológico.

A vitimlogia, como já tratado neste trabalho, traz que a vítima deve ser analisada em
seus diversos planos, como por exemplo, no plano sociológico, psicológico e jurídico
para que assim se possa chegar a sua análise plena e a posteriori, serem
identificadas melhores formas para sua proteção.

Tendo em vista que a ADI traz interpretação constitucional aos artigos da LMP que
expõem que a ação nos casos de violência doméstica e familiar é de natureza
pública incondicionada, significa, em verdade, que foi identificado na vítima
carências mesmo após a edição da LMP.

A mulher, vítima nestes casos, mesmo possuindo conhecimento sobre a LMP e


todos os seus instrumentos protetivos, não tinha forças para representar face ao
agressor e assim, as ações penais não eram propostas.

Inclusive, a sociedade brasileira ainda apresenta postura absurda quanto aos casos
de violência doméstica contra a mulher como expõe pesquisa recente divulgada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA que colheu dados sociais quanto a
tolerância social à violência contra as mulheres. A pesquisa aponta que 47,2% dos
entrevistados (entre 3.810 pessoas) concordam com a assertiva “mulher que é
agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”.

Inadmissível são as alegações de que a mulher não representava diante seu livre-
arbítrio, na verdade, essa manifestação (ou não manifestação) de vontade é eivada
67

de vícios de consentimento. É possível até afirmar que não havia consentimento.


Apenas não havia possibilidades de escolha para aquela inserida em uma complexa
relação doméstica e familiar.

A ofendida, por exemplo, vê-se, em regra desvalorizada (desprestigiada) no seu


(árduo) trabalho doméstico, agredida nesse mesmo espaço sem ter a quem recorrer,
pois, muitas vezes, depende do agressor, seja afetiva, familiar ou financeiramente
(PINTO, 2007, p. 28).

Ana Lúcia Galinkin (2007, p.25) de forma sensata alerta que para um observador
externo a tomada desta decisão parece simples. Todavia, para os envolvidos afetiva
e emocionalmente com a situação é uma decisão abstrusa, que poderá implicar em
grandes mudanças na vida pessoal e familiar e em rompimentos com seu agressor.
Se a isto forem somadas políticas públicas inexistentes e/ou ineficazes no sentido de
apoiar, proteger, reconduzir e prover até um recomeço de uma nova vida, a
orientação vitimológica que proporcionou a LMP não está sendo plenamente
efetivada.

Ainda com base nos dados colhidos da pesquisa divulgada pelo IPEA em 27 de
março de 2014, percebe-se que estão instaladas na sociedade brasileira opiniões
paradoxais. 78% dos 3.810 entrevistados concordam totalmente com a prisão para
os companheiros que batem em suas esposas. Porém, 63% concordam total ou
parcialmente que os casos de violência doméstica devem ser discutidos somente
entre os membros da família. Esta situação mostra que há confusão entre os
pensamentos e posicionamentos, o que ocorre inclusive com os protagonistas da
infração tratada, assim, apresenta-se coerente a interferência do Estado buscando
equilibrar os interesses e buscando oferecer maior efetividade ao cumprimento das
normas protecionistas e preceitos constitucionais.

Impor que a ação seja incondicionada à representação, significa que foi identificada
ainda grande fragilidade na vítima, através dos estudos acerca do processo de
vitimização, e para a sua melhor proteção, e proteção de toda a sociedade que em
algum momento pode vir a sofrer as consequências desta modalidade de infração,
acentuando, assim, a relevância social da erradicação de tal infração, tornou-se
necessário a decretação da constitucionalidade dos dispositivos para que os juízes e
Tribunais efetivem-nos.
68

Inadmissível ainda concordar com as alegações de que impor que a ação penal nos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher seja de natureza pública
incondicionada não respeita o direito de escolha da mesma. A natureza pública
incondicionada da ação penal nas infrações penais de lesão corporal e vias de fato
regidas pela Lei Maria da Penha, em verdade, atribui proteção efetiva a ofendida.
Pois, dar proteção à alguém vulnerável é agir do interesse dela e não com sua
anuência.

Não há o que se falar, tendo em vista as orientações trazidas pela vitimologia, que a
vida privada se institucionaliza, que o afeto e o amor estão sendo invadidos pela lei.
Não há afeto e amor quando correm agressões, agredir uma mulher causa danos
psicológicos que não são passíveis de mensura e não punir o agressor abre a
possibilidade de esta conduta ser tida como normal e ser repetida por outros
agressores, se tornando um ciclo vicioso em todos os lares da sociedade brasileira.

Considerando o julgamento da ADI 4424, que ocorreu em boa hora, e suas análises,
este se legitima à luz da vitimologia por ser um instrumento que atribui à vítima maior
proteção. A ADI 4424 efetiva a vitimologia e as orientações vitimológicas também
são efetivadas no ordenamento jurídico brasileiro através da ADI 4424. A decisão
respalda-se no fato de serem as normas da LMP exclusivamente a favor das
mulheres, levando apenas a vítima em consideração e seu bem-estar.

É importante destacar, como bem pontua o promotor de Justiça Antônio Sérgio


Tonet (p.2), que a eficácia normativa da ADI 4424 é erga omnes, pois, as decisões
proferidas pelo Pretório Excelso em sede de ADC ou ADI surte efeito erga omnes
com a simples publicação do extrato da ata do respectivo julgamento, nos termos do
parágrafo 2º do art. 102 da CRFB25. Não há que se falar, portanto, em proibição de
retroatividade da decisão do STF em questão, pois a natureza desta é declaratória.
Ou seja, não constitui, não altera nem extingui qualquer direito, apenas declarou o
direito que a ela preexiste.

25 Art.102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,


cabendo-lhe:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas
de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra
todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
69

Assim, por a decisão da ADI ter natureza declaratória no mesmo ano do seu
julgamento, os resultados já puderam ser notados. Em pesquisa realizada na
Primeira vara de Violência Doméstica e Familiar em Salvador26, constatou-se que o
número de inquéritos distribuídos no ano de 2012 foi de 1.556.

Observando os demais números colhidos na esclarecedora pesquisa de 2012


acerca da violência doméstica na Primeira Vara de Violência Doméstica e Familiar
em Salvador, em dados fornecidos pelo cartório, existiam naquele ano 14.983
processos em tramitação na Vara, sendo que no ano de 2012 foram iniciados 2.950
destes, demonstrando o grande número de inquéritos que se transformam em ações
penais após o julgamento da ADI nº 4424. O tipo penal descrito na maioria dos
inquéritos recebidos trata-se de lesão corporal (art.129 §9º, do CPB) e ameaça
(art.147 do CPB).
Percebe-se, portanto, que os dados corroboram com a constatação que o resultado
da ADI 4424 foi/é importante na proteção da mulher vítima de violência doméstica a
familiar.

26DANTAS, Rohana Rocha Pires. Violência doméstica e familiar contra a mulher: análise da lei
11.340/06 e da 1a vara de violência doméstica e familiar do município de Salvador- BA em 2012.
70

5 CONCLUSÃO

A construção deste trabalho monográfico teve por escopo problematizar a analisar a


ADI 4424 à luz da vitimologia, para constatar se esta encontrar-se em consonância
com as orientações vitimológicas e se se apresenta como um relevante instrumento
para a proteção efetiva das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Diante do exposto, algumas conclusões são extraídas:

a) A mulher sofreu constates diferenciações e violências em diversos seguimentos


sociais, mas sofreu tais violências principalmente no âmbito doméstico e familiar,
local este em que deveriam ser resguardados sentimentos afetuosos e respeito
recíproco.

b) O ambiente desagregador passou a ser insustentável e as mulheres através de


processos transformadores da estrutura social apontaram os equívocos sociais,
passaram a questionar a organização estrutural e a pleitear direitos que em outrora
não lhes eram concedidos. O conceito de violência sofreu ampliações, isto é,
atitudes tidas como normais foram englobadas na conceituação deste termo e, por
ser identificado o caráter violento de tais atitudes, passaram a ser repudiadas. Nota-
se na história da evolução social o progresso das tentativas de erradicação da
violência de gênero e da violência doméstica e familiar, mesmo que este tenha
ocorrido em passos lentos.

c) Em 1988 a Constituição Federal da República Federativa do Brasil enquadrou


como direito fundamental a igualdade entre homens e mulheres. Posteriormente o
Brasil promulgou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência Contra a Mulher (Decreto n. 4.377/2002) e a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Decreto n. 1.973/96).
Todavia, tais instrumentos não foram suficientes para a erradicação das
discriminações negativas.

d) O Estado brasileiro não possuía legislação específica sobre violência doméstica


contra a mulher. O caso de constantes agressões de Maria da Penha Fernandes
chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e esta
Comissão condenou e determinou que o Estado brasileiro procedesse com adoção
de medidas para eliminar a tolerância do Estado ante a violência doméstica contra
71

as mulheres. Neste diapasão, destaca-se o advento da Lei 11.340/06 oriunda da


sensibilidade do legislador e dos anseios e necessidades das mulheres em uma
tutela protetiva eficaz.

e) A Lei Maria da Penha institui um aumento de pena máxima em abstrato, nos


termos do §9º do artigo 129 do Código Penal, retirou do JECrim a competência para
processamento dos delitos, conceituou violência doméstica e familiar contra a
mulher, previu a criação de Juizados de Violência doméstica e familiar contra a
mulher e, em verdade, se apresenta com um importante instrumento protetivo
especial para as mulheres vítimas deste delito absurdamente existente na sociedade
brasileira.

f) Para melhor entendimento do fenômeno e identificação de formas eficazes de


proteção, imperioso analisar as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar à
luz da vitimologia.

g) O estudo vitimológico analisa a necessidade, tendo em vista que certas pessoas


ou certos grupos estão propícios aos maiores efeitos da vitimização, a
imprescindibilidade em não apenas punir o agressor, mas principalmente, resgatar a
vítima para lhe dar amparo e identificar melhores formas para diminuir a vitimização
e erradicar a sua postura de vítima. As pesquisas de vitimização compõem
importantes instrumentos não apenas para o conhecimento estatístico do problema
da vitimização da mulher, mas, fundamentalmente, para acarretar dados
necessários à construção de políticas públicas que atendam suas necessidades e
expectativas.

h) O advento da Lei Maria da Penha foi decorrente de um estudo vitimológico eficaz


e proporcionador da inclusão de orientações vitimológicas no sistema penal
brasileiro, já que os referidos estudos são fundamentais para a criação de
estratégias de educação e prevenção porquanto a LMP tem exatamente esta
função.

i) A ADI de número 4424 buscou atribuir interpretação constitucional aos artigos 12


inciso I, 16 e 41 da LMP. Buscando, sobretudo, o entendimento de que a ação penal
nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é de natureza pública
incondicionada.
72

j) O posicionamento do STF caminhou acertadamente no sentido de que a única


interpretação possível, de acordo com o bloco constitucional, é de que a ação penal
é pública incondicionada. Isto porque o sistema mostrou-se falido ao condicionar a
ação à representação da vítima. Os registros de casos andam no sentido de que
aqueles que não foram avaliados pela Justiça foram os casos que as agredidas
desistiram de levar adiante o processo contra os agressores. Importante salientar
que desde seu advento a LMP proibia a possibilidade de se retirar a queixa, porém,
não há eficácia na prestação jurídica e tutela protetiva quando há relato da
ocorrência sem representação. Assim como a ADC nº 19, a ADI 4424 aponta que a
Lei 9.099/95 não se aplica aos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher.

l) A decisão do STF referente a ADI 4424 comprova que a evolução social da mulher
é fenômeno constante e efetiva a orientação vitimológica, pois, ao impor verdadeira
correção de rumos à lei logrou revelar uma realidade que todos insistiam em não
ver, qual seja que a violência doméstica e familiar contra a mulher é um crime
recorrente e que o Estado não pode ser cúmplice da impunidade.

m) A ação penal pública não é mais e não deve ser condicionada à representação
da vítima, desta maneira o Ministério Público pode apresentar denúncia contra o
algoz mesmo sem a anuência da ofendida que, tendo em vista o fenômeno da
vitimização, não possui forças e esclarecimentos adequados para prosseguir com o
repúdio a violência sofrida e punição do agressor. Esta evolução legislativa ainda
esvazia as alegações do ofensor em relação à culpa pela sua punição ser exclusiva
da mulher que o representou e não da sua prática agressiva contra ela implicando,
desta maneira, em conforto para a vítima, pois retira desta o peso psicológico da
condenação do ofensor.

n) Dar proteção à alguém vulnerável é agir do interesse dela e não com sua
anuência.

o) Ao longo deste estudo, restou evidenciado que a ADI de n. 4424 é um


instrumento que se legitima à luz da vitimologia.
73

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ANEXO 1

Violência doméstica e familiar contra a mulher: análise da lei 11.340/06 e da 1a


vara de violência doméstica e familiar do município de Salvador- BA em 201227.

De acordo com os dados coletados do sistema de informação do Ministério Público


do Estado da Bahia (SIMP), o número de inquéritos distribuídos no ano de 2012
foram de 1556, sendo que estes são distribuídos por sorteio para as duas
promotoras que trabalham na Vara Especializada, sendo elas Drª Sara Gama
Sampaio e Drª Luciana André de Meirelles.

Observa-se que na maioria dos inquéritos recebidos o tipo penal descrito trata-se de
lesão corporal (art.129 §9º, do Código Penal) e ameaça (art.147 do Código Penal)

Sobre as medidas protetivas de urgência, segundo dados fornecidos pelo cartório,


em 2012 foram pedidos por vitimas de violência doméstica 2545 medidas protetivas,
que em sua grande maioria são deferidas, pois como possui caráter de proteção
para se evitar futuras agressões, esta acaba sendo deferida e com a chegada do
inquérito, possuindo lastro probatório para denuncia se mantém muitas vezes a
medida, ou constatando falta de autoria e/ou materialidade se faz o arquivamento e
revoga-se a protetiva.

No ano de 2012, foram contabilizadas o total de 583 prisões em flagrante e por


descumprimento de medida protetiva, de acordo com os dados coletados no
cartório.

Em dados fornecidos pelo cartório, atualmente existem 14. 983 processos que estão
em tramitação na Vara, sendo que no ano de 2012 foram iniciados 2.950 destes,
demonstrando o grande número de inquéritos que se transformam em ações penais.

De acordo com os dados coletados do sistema de informação do Ministério Público


do Estado da Bahia (SIMP), destes 1556 inquéritos distribuídos, 399 foram
devolvidos por se encontrarem incompletos ou necessitarem de diligências
complementares, para assim serem analisados, e verificado os indícios suficientes
para o oferecimento da denuncia.

27 Pesquisa Realizada por Rohana Rocha Pires Dantas no segundo semestre de 2013.
79

Destes 399 inquéritos devolvidos as delegacias no ano de 2012, ainda não foram
devolvidos 207, devido ser indeterminado a média para a realização de cada
diligência.

De acordo com os dados coletados do sistema de informação do Ministério Público


do Estado da Bahia (SIMP), foram realizados 542 arquivamentos, sendo a maioria
por prescrição e falta de provas para embasar a materialidade do fato.

Quanto às desistências, foram registradas 60, de acordo com o livro de


atendimentos do Ministério Público.

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