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PROEMUS

Programa de Mestrado Profissional


em Ensino das Práticas Musicais

APOS (Arranjos para Orquestras Sociais):


Site gratuito para regentes de orquestras iniciantes

Vinícius do Nascimento Louzada

Artigo realizado como requisito parcial para a


aquisição do título de Mestre em Ensino das
práticas musicais da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) 2023
Orientador: Dr. Guilherme Bernstein

Resumo: Este artigo visa mostrar a importância dos arranjos e adaptações voltados
para grupos de formação, tendo em vista que os grupos iniciantes precisam de
cuidado especial na escolha e execução de repertório. Através de pesquisa na área e
entrevista com professores e regentes de alguns grupos de formação, é possível
constatar a escassez de material voltado para o público iniciante, e é muito difícil
encontrar um site, um canal ou um portal nacional que possa disponibilizar esse
material de forma gratuita, logo, percebemos a necessidade da produção de arranjos
e a criação de um site para essa finalidade. Com isso, este trabalho se propõe a
construir um site que vai ajudar a suprir a demanda do mercado editorial nacional,
deixando disponível um pequeno acervo com arranjos e composições de vários
arranjadores e compositores voltados para as orquestras e grupos sociais. O site
chama-se APOS e todos os arranjos fornecidos nele seguem os parâmetros técnicos
de nivelamento estabelecidos pelo SINOS (Sistema Nacional de Orquestras Sociais)
através da parceria com a FUNARTE (Fundação Nacional de Artes) e a UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Palavras-chave: Arranjo. Orquestra Iniciante. Regente. Educação Musical.


-2-

1 Introdução

Iniciei minhas atividades relacionadas à formação de orquestras aos dezoito


anos, primeiro no ambiente cristão protestante e pouco depois, paralelamente, nos
projetos sociais, quando tive contato com o ambiente da música erudita e da música
popular. E justamente nos projetos sociais encontrei um campo fértil para o
desenvolvimento de ações que estimulam e potencializam o ensino de música através da
formação orquestral. Com isso, meu relacionamento profissional se expandiu nessas
organizações do terceiro setor na mesma proporção que meus interesses pedagógicos e
didáticos avançaram no sentido de conhecer e aplicar metodologias que pudessem
agregar conhecimento ao trabalho realizado nesses projetos.

Atualmente, atuo como professor do Instituto Brasileiro de Música e Educação


(IBME), na regência de dois grupos de formação: uma orquestra sinfônica
iniciante/intermediária e uma banda sinfônica intermediária; no Projeto PROVER, na
regência da Orquestra Juvenil da Prover e Camerata Prover; na regência da Orquestra da
Primeira Igreja Batista no Bairro das Graças em Belford Roxo. E, por tudo o que
percebi que poderia contribuir, me tornei arranjador, com foco na preparação de
material que seja direcionado aos grupos por seus níveis de desenvolvimento musical.

Dentre as atribuições de um regente, uma das principais é a escolha e preparação


de um repertório adequado à formação instrumental e ao nível técnico do grupo com o
qual trabalha. Apesar da grande oferta de obras e arranjos publicados, com grande
variedade de estilos musicais, percebe-se ainda no Brasil uma imensa dificuldade em
encontrar material, de compositores brasileiros, adequado aos grupos iniciantes. O
resultado da escolha equivocada de um determinado tipo de arranjo ou obra original
acaba sendo a não efetividade do material musical, que passa a não cumprir seu objetivo
pedagógico pelo fato de não estar ao alcance técnico musical do grupo ao qual se
destina. E foi essa escassez de um repertório preparado com base nos diversos níveis de
dificuldade que percebi nos grupos em que atuo como regente.

Com isso em mente, passei a desenvolver arranjos que pudessem suprir essa
demanda, o que me despertou o interesse em contribuir para que essa lacuna,
gradativamente, seja preenchida com material devidamente preparado em observância
às recomendações quanto aos níveis técnicos de dificuldade. Através de entrevista com
professores e regentes de grupos de formação localizados na cidade e no Estado do Rio
-3-

de Janeiro, percebi a necessidade de criação de um ambiente virtual que pudesse atender


a essa finalidade. Com esse objetivo, desenvolvi a proposta de disponibilização de
arranjos e adaptações voltados para orquestras sociais iniciantes e intermediárias, com
base na Tabela de Parâmetros Técnicos para Cordas (CAMPOS, RINCÓN, SANTOS,
2021), publicado pelo Sistema Nacional de Orquestras Sociais (SINOS), projeto
realizado através da parceria entre a Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A construção do site APOS - Arranjos para Orquestras Sociais1 foi um grande


desafio, mas levado a cabo com vistas a um contínuo desenvolvimento de novas
ferramentas, constante atualização e comunicação nas mídias sociais. O propósito é que
o arranjador que tenha interesse em contribuir, encaminhe seus arranjos para que sejam
publicados e disponibilizados gratuitamente, com o intuito de colaborarem diretamente
com grupos iniciantes e intermediários. Inicialmente, os arranjos a serem
disponibilizados atenderão aos níveis técnicos de 1 a 4 (iniciante básico a
intermediário). A proposta de fornecer arranjos para orquestras irá também se expandir
para atender as bandas iniciantes e intermediárias, desenvolvidas no contexto dos
projetos sociais e instituições educacionais.

No processo colaborativo, contei com o apoio de algumas das orquestras com as


quais trabalho, para a testagem dos arranjos. Percebi que seria importante também fazer
a testagem com grupos que não estivessem sob minha direção, para que eu pudesse
receber um "feedback" além de minhas observações e agregar no desenvolvimento dos
arranjos e de minha pesquisa. Optei por convidar grupos oriundos de projetos sociais
com trabalho focado na educação musical através da formação orquestral.

Quadro 1: grupos musicais envolvidos na pesquisa.

Instituição Grupos musicais


Orquestra Sinfônica Juvenil Chiquinha Gonzaga
Instituto Brasileiro de Música e Orquestra Sinfônica Juvenil do Som+Eu
Educação (IBME) Banda Sinfônica Juvenil de Campos Elíseos
Orquestra Sinfônica Juvenil de Santa Cruz
Prefeitura Municipal de Paraty Orquestra Sinfônica de Paraty
PROVER Orquestra Juvenil da Prover
Projeto Educart (Guapimirim) Orquestra Adorasom
Fundação Educacional de Duque Orquestra de Sopros da FUNDEC
de Caxias, RJ (FUNDEC)

1
https://aporquestrassociais.wixsite.com/apos
-4-

2 A educação musical através dos projetos sociais

A escola é um espaço que todo cidadão tem para acessar a educação de forma
democrática; entretanto, existem instituições que atuam como entidades “não formais”
ou “não escolares” que, de forma direta ou indireta, oferecem acesso à educação: são os
Projetos Sociais. Todo projeto social, com seus princípios, possui papel fundamental na
sociedade, ao funcionarem como suporte extraclasse para a educação. Para Santos,

O conceito de Projeto na definição da ONU de 1984 é de um


empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-
relacionadas e coordenadas para alcançar objetivos específicos dentro dos
limites de orçamento e de um período de tempo dados. O projeto social pode
ser denominado como um “empreendimento social”, ou seja, uma estratégia
de ação com objetivos, metas, prazos, recursos e avaliação bem estabelecidos
no intuito de organizar ações para transformação de uma determinada
realidade. (SANTOS, 2014, p.10)

Em todo o mundo, são vários os motivos e as causas para o surgimento dos


projetos sociais, mas sempre é possível observar que a finalidade é suprir alguma
defasagem nos direitos básicos do cidadão, nas mais diferentes áreas, tais como saúde,
segurança, assistência social, educação, cultura, geração de renda entre outras. Atuam
desde a proteção básica da vida, no desenvolvimento de ferramentas humanas para a
erradicação de doenças e melhores condições de moradia, até no suporte familiar e nas
várias áreas de formação do cidadão. A compreensão de que todo e qualquer apoio para
a estrutura familiar, como um dos principais pilares na formação de uma criança,
favorece seu crescimento como ser humano e a abastece com os necessários recursos
para driblar as adversidades que surgirem.

Ações de projetos que se determinam ensinar música em todo o território


brasileiro fazem parte de um bojo de movimentos que vêm a cada dia
tomando corpo frente ao desenvolvimento humano, agregando aos
determinados processos de aprendizagem aspectos políticos, éticos,
socioculturais e educacionais, visando o autoconhecimento, emancipação
e/ou transformação da atual realidade vivida pelos seus indivíduos
participantes. (BATISTA, 2015, p.29)

O surgimento de projetos sociais com o objetivo de criar um espaço de


desenvolvimento humano, com foco na cidadania, identidade cultural e solidariedade,
fomenta o interesse dos jovens por determinadas áreas ofertadas, ao mostrar um
caminho de oportunidades. Nesse sentido, observamos que a educação musical tem tido
prioridade nas ações de cunho social, pela grande quantidade de projetos sociais que
oferecem aulas de música e diversas outras oficinas ligadas ao desenvolvimento
educacional e humano.
-5-

Desse modo, podemos destacar que a concepção de Educação Musical que é


levada para as comunidades e o objetivo dos projetos sociais é de suma
importância para entendermos o modo como às práticas musicais têm sido
desenvolvidas nestes espaços e como podem contribuir para as trocas
culturais, desenvolvimento artístico e humano de professores, alunos e da
comunidade. (SANTOS, 2014, p.15)

Vale ressaltar que a intenção principal da maioria dos projetos sociais não é,
prioritariamente, formar músicos, mas para além disso, atuar como ferramenta de
socialização e educação geral.

A sociedade se beneficia ricamente com os projetos socioculturais, os quais


garantem a promoção de cidadãos melhores social e culturalmente, podem
gerar empregabilidade e renda, oferecendo oportunidade para o indivíduo
desviar-se de práticas ilícitas, criam espaço para o desenvolvimento de
habilidades e competências adormecidas, vínculo afetivo e de representação
da comunidade diante da sociedade em geral, por meio de seus integrantes,
promovem a cadeia produtiva mediante ações socioculturais e geram orgulho,
autoestima, felicidade e perspectiva de um mundo melhor para todos.
(BUENO, 2016, p.35 e 36).

2.1 As Orquestras Sociais como um caminho para a educação musical

Ao longo da história, é possível perceber que a educação musical, através da


orquestra e da prática orquestral, tem avançado como uma importante ferramenta de
aprendizagem para o ensino da música, para alunos de diversos níveis sociais e de
diferentes culturas, com um bom resultado. Segundo Cruvinel (2005, p.70), “a primeira
grande iniciativa de sistematização de um método de ensino coletivo em música no
Brasil veio com o Canto Orfeônico, na era Vargas. O projeto pedagógico foi idealizado
pelo compositor Heitor Villa-Lobos”. No ano 1932, o canto orfeônico passou a ser
adotado pelo ensino público como disciplina obrigatória. Neste período, o ensino
musical basicamente funcionava em escolas privadas ou professores particulares. E, de
forma enfraquecida, nas bandas de música do interior.

Na Venezuela, em meados de 1970, surge uma das mais importantes iniciativas


para a massificação do ensino musical. José Antônio Abreu2 cria o que seio a ser
conhecido como “El Sistema”, um modelo de educação musical com atuação social
através das formações de orquestras infanto-juvenil nas comunidades mais carentes das

2
José Antônio Abreu foi maestro, pianista, economista, educador, ativista e político venezuelano, mais
conhecido por criar o modelo de educação musical El Sistema.
-6-

grandes cidades venezuelanas. Segundo Katarina Grubisic, este projeto tinha como
premissa

O ensino da música para um grande número de crianças e jovens; o ensino


gratuito e em geral como projetos do governo; funcionam com aulas, ensaios
e concertos; utilizam métodos coletivos e de aprendizagem rápida; recebem
apoio de associações de pais ou entidades filantrópicas; têm como principal
objetivo inclusão social e formação humana. (GRUBISIC, 2012, p.46).

A autora afirma que, com o passar do tempo, começaram a perceber grande


demanda para a criação de novos grupos, e como consequência disso, a necessidade de
profissionais mais qualificados para este trabalho, pois com o tempo o trabalho evolui e
os alunos precisam de conteúdos mais técnicos.

Muitas outras iniciativas tiveram início na mesma década de 1970, apesar de não
estarem relacionadas ou muito menos trocarem experiências pedagógicas. Na época não
se utilizava a nomenclatura de projetos sociais para as ações com tais objetivos, mas em
suma era exatamente como os atuais projetos, tendo o ensino de música com ênfase na
formação de orquestras. O que foi possível observar foi o surgimento de muitas
iniciativas na América do Sul em se promover a educação musical através do ensino
coletivo, com objetivo de desenvolver aspectos educativos e sociais em jovens e
contribuir para a formação das orquestras sociais. O modelo pedagógico copiado foi em
boa parte o utilizado nos Estados Unidos, país que já tinha vivenciado décadas de
desenvolvimento do ensino coletivo em salas de aulas, e inclusive com a produção de
metodologias específicas e funcionais.

No Brasil, uma iniciativa exitosa ocorreu em 1975, pelas mãos de Alberto Jaffé 3,
e que posteriormente foi a base para o desenvolvimento do Projeto Espiral, um dos
principais projetos com ênfase no ensino coletivo e na formação de orquestras.

O Projeto Espiral, iniciado em 1976, de âmbito nacional através da


FUNARTE – Fundação Nacional da Arte tinha como principal objetivo a
criação de núcleos de formação de instrumentistas de cordas e desenvolveu-
se em seis núcleos no Brasil: Fortaleza, Brasília, Recife, Belém, Natal e
Florianópolis. O projeto funcionava em parceria do Governo Federal –
Funarte e entidades ligadas a instituições regionais que davam o espaço físico
e contratação de professores. Com o lema: “o Brasil pode ser uma orquestra”
esse projeto atuou em algumas regiões até o ano de 1992. A ideia principal
era “em lugar de mostrarmos às crianças uma orquestra, sugerimos então que
déssemos um violino a cada criança talentosa” (NOBRE, 1976, p. 7).

3
Alberto Jaffé foi violinista, professor e incentivador da implementação do ensino coletivo de cordas no
Brasil. Inicialmente o modelo criado pelo professor Jaffé foi implementado no Centro de Formação de
Instrumentistas do SESI, logo depois o mesmo modelo foi adotado pelo Projeto Espiral.
-7-

A organização metodológica dos processos de ensino, a inserção de conceitos


que pudessem ser trabalhados ao mesmo tempo e com a vivência do fazer musical e a
seleção de repertório dividido por princípios técnicos e musicais fez com que os
projetos que se estruturaram corretamente tivessem grande desenvolvimento. A
separação dos grupos por níveis técnicos se mostrou de suma importância, pois
sistematizou o processo de ensino-aprendizagem e permitiu que o aluno que entrasse no
primeiro nível, cumprir as metas exigidas e subir de nível, absorvendo novos conteúdos
musicais de forma lúdica e prazerosa.

Em 2012, a então publicação VivaMúsica4 lançou seu anuário com uma matéria
especial, denominada “Cidadania Sinfônica”, dedicada aos projetos sociais. Foi
realizada uma “detalhada amostragem com doze projetos sociais do Brasil, e um
mapeamento nacional que reuniu dados de noventa e dois projetos sociais, que tinha no
ensino de instrumentos musicais sinfônicos sua base de desenvolvimento musical”
(VIVAMÚSICA, 2012). Atualmente no Brasil, o ensino coletivo da música através da
formação orquestral é cada vez mais presente nos projetos sociais e, consequentemente,
a formação de orquestras está em amplo crescimento. Inúmeros projetos sociais utilizam
e valorizam a educação musical através da formação orquestral, o que mostra o quão
importante é a música como ferramenta de inserção social.

3 O regente-educador, a escolha do repertório e a motivação dos


jovens músicos

Postura, gestual, clareza, carisma, boa comunicação, compromisso e seriedade


com o trabalho desenvolvido, didática, dinâmica de ensaio, relação interpessoal,
equilíbrio emocional, conhecimento e domínio da partitura no que diz respeito à estética
e, principalmente, bom senso, são algumas das características de que se espera de um
regente de orquestra social, vulgo regente-educador.

Segundo FIGUEIREDO (1989, p. 73), “a competência musical por si só não é


garantia de êxito em atividades que envolvam o aprendizado, visto que tais situações
tem a sua ênfase na relação professor-aluno”. O regente tem nas mãos o poder de tornar

4
VivaMúsica! foi uma empresa de comunicação com a missão de despertar e nutrir o interesse por
música clássica no Brasil. Desenvolveu projetos editoriais nas mídias impressa, eletrônica, digital e
social, utilizando canais próprios ou em parcerias. Foi fundada pela jornalista Heloisa Fischer em 1994 e
funcionou até o ano de 2015.
-8-

o ambiente leve e fluido e, em contrapartida, tem também o poder de tornar o ambiente


pesado através da maneira com que conduz o ensaio. Cada decisão, cada palavra dita,
podem mudar o ambiente do trabalho, o que vai influenciar diretamente o resultado
sonoro do grupo, especialmente em se tratando de orquestras sociais.

[...] é forte a influência que o regente exerce sobre a motivação dos músicos.
Além disso, mostra que a didática do regente, sua dinâmica de ensaio, as
ideias que transmite, a relação que mantém com os músicos, as opiniões, o
estilo de conduta e seu conhecimento técnico e musical interferem muito
sobre o desenvolvimento técnico e musical dos estudantes e sobre a
motivação dos músicos profissionais. (PORFIRIO; FIORINI, 2016, p. 6).

Devido ao elevado número de grupos musicais que vêm sendo formados pelos
projetos sociais, o regente cada vez mais se depara com muitos desafios do ponto de
vista pedagógico. Talvez um dos maiores desafios encontrados pelos regentes-
educadores seja a escolha de repertório. No cenário editorial internacional é possível
adquirir obras e arranjos com nivelamento, porém quando se trata de repertório nacional
é difícil encontrar, o que torna inviável a inclusão de material nacional para esse
público.

Fator fundamental, do ponto de vista socioeducacional, é a inclusão. O aluno


quando entra numa aula de música quer participar de ensaios e apresentações, quer se
sentir ativo naquele contexto. A ideia central de uma orquestra social deve ser a
inclusão e, portanto, devemos começar a lançar sementes de motivação e esperança para
germinar num futuro a curto e médio prazo.

A música está em diferentes momentos nas relações sociais. As pessoas se


envolvem em atividades sociais onde a música sempre está presente, ora
apenas como parte do ambiente vivido, ora como a motivação para a
formação de um grupo. (GRUBISIC, 2012, p.127).

A motivação é uma das engrenagens fundamentais para o funcionamento das


orquestras sociais, agindo como combustível para fomentar e alavancar o interesse dos
jovens pelos estudos musicais. Essa motivação se dá a partir de muitos fatores, seja no
repertório, nos ensaios, nas apresentações, e também pelo despertar dos músicos para
futuros campos de trabalho, pois, muitos projetos sociais possuem uma preocupação em
gerar novos profissionais que poderão atuar em orquestras, bandas, escolas de música e
principalmente nos próprios projetos de origem, fazendo com que o ciclo tenha
rotatividade.
-9-

4 Parâmetros técnicos para nivelamento

Em uma pesquisa sobre o panorama dos programas de prática orquestral nos


projetos culturais e socioculturais do Brasil, o professor e maestro Ivan Bueno apontou
a grande carência de repertórios adequados tecnicamente e preparados de forma
progressivas em alguns dos projetos sociais de maior relevância no cenário brasileiro,
dentre eles o Projeto NEOJIBÁ, Instituto Baccarelli e o Projeto Guri. Ele indica que a
maioria dos projetos, apesar de valorizarem as questões educacionais, afetivas, musicais
e de transformação social, não leva em consideração a relação de continuidade
progressiva em suas atividades, neste caso, o repertório dividido em níveis contribuindo
assim para o crescimento técnico dos integrantes.

Eles trabalham com arranjos e adaptações que facilitam a execução, mas sem
ter procedimentos pedagógicos e metodológicos graduais para os naipes, o
que faz com que a técnica e o repertório fiquem limitados, provocando
ausência de perspectivas de novos desafios nos participantes. Essas ações
estão coerentes com a proposta dos programas desses projetos, que não é
formar músicos, e sim criar oportunidades de evolução pessoal, inclusão
social e cultural, mas se organizassem as ações técnicas e de repertório de
forma progressiva, os resultados poderiam ser melhores e mais completos.
(BUENO, 2016, p.36 e 37).

BUENO (2016) ainda afirma que as orquestras de formação desses e outros


projetos sociais têm ausência de repertório que seja progressivo tecnicamente para a
sistematização e construção de elos entre os diferentes níveis orquestrais. Em geral os
regentes elaboram seu próprio repertório com arranjos e adaptações que muitas vezes
não possuem critérios pedagógicos graduais.

Em 2021, foi preparada a Tabela de Parâmetros Técnicos para Cordas, pelos


professores Marcelo Jardim, Carla Rincón e Simone dos Santos, através do Projeto
SINOS, parceria entre a FUNARTE e a UFRJ, sendo um dos primeiros estudos, em
língua portuguesa, sobre o tópico relacionado a escrita coletiva para cordas e que
pudesse nortear compositores e arranjadores. Em 2008, entretanto, a FUNARTE já
disponibilizara, em formato físico e online, o Pequeno Guia Prático para o Regente de
Banda5, com um artigo inteiro dedicado ao estudo dos parâmetros técnicos para a escrita
para banda de música.

5
O Guia, lançado em 2008, reuniu informações específicas para o melhor trabalho do regente de banda.
Em quatro artigos, abordou a questão histórica, o processo de análise de uma obra, a tabela de parâmetros
técnicos para banda de música e a como se construir um arranjo musical para banda.
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A proposta de sistematizar e dividir o repertório em níveis tem como premissa


oportunizar uma prática em conjunto apropriada à realidade técnica dos grupos
iniciantes, intermediários ou avançados. Baseado nos parâmetros observados na tabela
para cada nível de dificuldade, o material musical produzido apoia o crescimento do
grupo de maneira contínua e consistente. O repertório preparado com base na Tabela de
Parâmetros Técnicos direciona o trabalho desenvolvido com os grupos musicais, além
de valorizar as capacidades de acordo com o nível técnico de seus componentes. Isto se
dá pelo fato de que a observação do repertório, por seu nível de dificuldade técnico-
musical, estabelece um referencial aproximado entre obras com o mesmo nível de
dificuldade, o que possibilita um melhor tratamento do conteúdo musical. De acordo
com LAGE (2012), o sistema de nivelamento existe para orientar e direcionar o trabalho
dos grupos de formação, porém ainda há escassez de repertório brasileiro que atenda
essa proposta.

Embora a adoção de uma sistematização de parâmetros técnicos para seleção


e criação de repertório seja uma proposta difundida mundialmente e uma
grande ferramenta para regentes, arranjadores e compositores, no Brasil, essa
proposta ainda é pouco utilizada. Existem trabalhos acadêmicos que abordam
a prática musical em orquestras e bandas jovens, como instrumentos de
formação musical. No entanto, é comum entre os trabalhos apontar a carência
de uma fonte de repertório destinado a grupos de estudantes. (LAGE, 2012,
p.53).

Nos grupos de formação, com suas particularidades em relação ao nível de cada


aluno e o, quase sempre, desequilíbrio da quantidade de instrumentos musicais, é
fundamental que o regente-educador tenha um olhar clínico ao selecionar o repertório, o
que leva à necessidade de se fazer adaptações que, na maioria dos casos, só os próprios
profissionais saberão fazer. E justamente nesses casos o arranjo, preparado
adequadamente tomando por base o nivelamento técnico, serve como suporte aos
regentes e professores. O objetivo da Tabela de Parâmetros Técnicos não é “engessar” o
trabalho desenvolvido pelos compositores ou arranjadores, para os grupos de formação,
mas sim fornecer uma ferramenta de auxílio para que o repertório preparado por estes
possa ser utilizado de forma mais efetiva para aperfeiçoamento dos próprios grupos
musicais.

No Brasil não há uma definição clara dos parâmetros avaliativos para a


definição de nível de dificuldade de obras musicais, ou uma quantidade
suficiente de estudos, por parte de acadêmicos, que possam resultar em
aplicação de propostas que direcionem para essa avaliação. Há também uma
lacuna na produção editorial, o que conduz muitos para a reprodução não
autorizada de material sem a devida classificação como domínio público. A
expectativa é que esse estudo e essa tabela possam juntos contribuir para que
professores de instrumentos, educadores musicais, arranjadores,
- 11 -

compositores, regentes e, principalmente, os alunos possam se comunicar


pedagogicamente de forma mais efetiva, com a música brasileira totalmente
inserida no processo didático de formação e desenvolvimento musical da
orquestra jovem e na vida de todos. (JARDIM; RINCÓN; SANTOS, 2021,
p.2).

Exemplo 1: Tabela com a distribuição dos níveis.

NÍVEL ½ (0,5) NÍVEL 1 NÍVEL 1,5 NÍVEL 2


Elementar Muito fácil Fácil Fácil
NÍVEL 2,5 NÍVEL 3 NÍVEL 3,5
Intermediário Intermediário Intermediário
NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6
Intermediário-avançado Avançado Avançado-profissional
Fonte: Sistema Nacional de Orquestras Sociais.

A Tabela de Parâmetros Técnicos para Cordas é direcionada para a observação


na composição e arranjo para obras destinadas às orquestras de cordas, e foi
desenvolvida com base em uma avaliação de outras metodologias empregadas em
outras partes do mundo, tais como o Sistema K12, nos Estados Unidos e o Sistema
Syllabus, na Inglaterra, ambos com desdobramento nas áreas da organização e métodos
para atividades musicais. Também métodos de ensino coletivo, a exemplo do Método
Suzuki, bem como análise de repertório brasileiro foi amplamente utilizado como
metodologia para a preparação da tabela, de autoria das professoras Simone dos Santos,
Carla Rincón e Marcelo Jardim.

A TPTC6 ainda está em desenvolvimento, segundo seus autores, mas sua


contribuição para o cenário da composição e arranjo no Brasil já é percebido
amplamente, pois foi base para a encomenda de mais de 60 obras escritas por
compositores brasileiros, para os quais foram direcionados níveis específicos. Todo o
repertório composto com base na TPTC pode ser encontrado no site do SINOS7. Dentre
os compositores, destacamos obras de Ernani Aguiar, João Guilherme Ripper,
Guilherme Bernstein, Liduino Pitombeira, Dimitri Cervo, Ivan Paparguerius, Clarice
Assad, Denise Garcia, entre outros.

A inclusão dos sopros e percussão, para a escrita para orquestra de câmara ou


sinfônica, requer maior atenção, mas essa junção pode ocorrer com os arranjos que
sejam destinados a grupos que tenham cordas e sopros/percussão. Nesse caso o que

6
TPTC: Tabela de Parâmetros Técnicos para Cordas
7
https://sinos.art.br/repertorio-sinos/
- 12 -

precisa ser observado é o ponto de convergência desde a iniciação dos alunos em seus
instrumentos. O início do aprendizado com cordas se dá a partir das tonalidades de lá
maior e ré maior, sendo que com os sopros ocorre a partir dos tons com bemóis, mi
bemol e si bemol. Sendo assim, o que é bem simples e orgânico no início para cordas,
pode ser extremamente difícil para sopros.

Lógico que o arranjador que escreve um arranjo pode observar o nível de cada
aluno e escrever o que cada um pode tocar e o arranjo servir como um material
pedagógico valiosíssimo. É possível incluir os sopros em alguns trechos do arranjo, com
suporte para as linhas melódicas ou apoio nas marcações rítmicas ou condução
harmônica. E isto pode ser mesmo a partir do nível 1, desde que o arranjador
personalize seu trabalho para o grupo a que se destina. Entretanto, o que discuto aqui é a
preparação de um material pedagógico genérico, que pode atender a grupos de forma
precisa e eficaz, com possibilidade que se ajustam melhor às realidades de cada projeto
social. De forma geral, a junção dos instrumentos de sopros com as cordas se torna mais
fluida e funcional a partir dos níveis 2 ou 2,5.

A TPTC estabelece 10 níveis de graduação, inseridos em na pontuação de 1 a 6,


pois leva em consideração os níveis intermediários entre as graduações inteiras, e
objetiva fornecer informações substanciais a respeito dos parâmetros técnicos para os
arranjadores e compositores. A pesquisa que aqui desenvolve está focada na preparação
de arranjos para os níveis iniciais e intermediários, indo do nível 1 ao nível 4, pois
compreendo que os arranjos destinados aos níveis 5 e 6 já fogem da perspectiva dos
grupos de formação, mas que em um projeto social tenha uma orquestra com condições
técnicas mais avançadas.

Já que nosso intuito é a produção e disponibilização de arranjos para orquestras


iniciantes, vale ressaltar também a existência da Tabela de Parâmetros Técnicos para
Sopros, o que nos ajuda a sistematizar e nortear a construção destes arranjos. Além dos
arranjos para orquestras, serão disponibilizados também arranjos para banda com
objetivo de contribuir para essas formações musicais, que são muitas, em todo o país.

As tabelas aqui mencionadas têm como principal objetivo oferecer ao regente


um melhor caminho na escolha do repertório, com direcionamento técnico e musical,
sobretudo observando as necessidades e possibilidades do grupo, tendo em vista que o
trabalho segmentado, dividido em etapas de forma gradual, viabiliza resultados mais
- 13 -

satisfatórios. O professor Dario Sotelo (2008, p. 36), em seu artigo disponibilizado no


Pequeno Guia Prático para o Regente de Banda, diz que “compete ao regente e
educador ter o cuidado de observar a melhor forma pedagógica de desenvolver o
trabalho musical com a banda, de modo a estimular e apoiar o aluno músico em cada
etapa de seu aprendizado”.

Fonte: Pequeno Guia Prático para o Regente de Banda

A questão se dá não só nos trabalhos com as bandas; no contexto das orquestras


iniciantes a ideia é a mesma, porém com mais cautela, pois as cordas possuem
limitações de execução nos níveis iniciais.

O arranjador e professor Hudson Nogueira (2008, p. 51), em seu artigo também


disponibilizado no Pequeno Guia Prático para o Regente de Banda, diz que antes de
começar a escrever um arranjo é preciso saber a razão social do arranjo, se será utilizado
em ambientes fechados ou abertos, importante atentar-se para o equilíbrio entre as
seções, no caso de bandas e orquestras de formação, os dobramentos são muito
importantes para a fluidez do arranjo. A utilização da orquestração flexível é muito
funcional neste contexto.
- 14 -

5 O site APOS: Arranjos para Orquestras Sociais

O site "APOS - Arranjos para Orquestras Sociais” tem por objetivo contribuir
diretamente para o surgimento de novos repertórios direcionados para orquestras e
grupos iniciantes, de forma a ajudar no desenvolvimento do trabalho das orquestras de
formação e oferecer um canal de distribuição para que arranjadores e compositores que
tenham os mesmos interesses sociais, possam fornecer seus arranjos e composições
gratuitamente. Está hospedado na plataforma do WIX, no plano gratuito, através do
endereço https://aporquestrassociais.wixsite.com/apos e já conta com arranjos
disponíveis, os quais podem ser baixados sem custo algum para o usuário. É solicitado,
no entanto, que seja feito o cadastro e login, para controle de acesso e mailing.

Figura 1: Logomarca do site APOS. Criação própria.

Como esta pesquisa direciona a uma atividade sem fins lucrativos, e com
objetivo tão somente de somar forças para potencializar e democratizar o acesso ao
repertório preparado com base no nível técnico de dificuldade, foi criado um fluxo
simples para os arranjadores e compositores que tenham interesse em contribuir com
arranjos e composições para a pesquisa e disponibilização no site. O interessado precisa
se cadastrar e preencher o formulário online, e anexar o termo de autorização de uso da
obra, e do registro sonoro e audiovisual, igualmente disponível. Foi também criado o e-
mail apos.repertorio@gmail.com para de igual forma ser um canal de comunicação com
os arranjadores e compositores.
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O site possui o seguinte mapa:

Boas vindas, objetivo geral, origem do produto e alguns


INÍCIO exemplos dos arranjos em formato de vídeo partitura.
Relata um pouco sobre o idealizador do produto, Vinícius
IDEALIZADOR
Louzada.
ORQUESTRAS SOCIAIS Resumo do artigo e objetivos específicos; mostra o sistema de
• SISTEMA DE NIVELAMENTO

nivelamento empregado nos arranjos.


ARRANJOS PARA
DOWNLOAD
Expõe todos os arranjos disponíveis para download.
Aba direcionada para contatos.
CONTATO

Os arranjos disponibilizados contemplam vários gêneros da música brasileira e


mundial, tais como aberturas, suítes, marchas, dobrados, peças de concerto, música pop
e música de concerto nacional e internacional, música sacra, música popular brasileira,
como samba, maxixe, valsa, modinha, bossa-nova, entre inúmeros outros estilos.

Todas as informações desse artigo são tratadas no site, sendo que o próprio texto
pode ser lido diretamente, sem a necessidade de se baixar o PDF. A TPTC também pode
ser baixada, bem como outros artigos e material correlatos, para melhor informação ao
usuário e apoio ao arranjador e compositor.

6 A produção dos arranjos

As definições de arranjo são bem amplas, porém destaco aqui a reflexão do


professor Silas Ribeiro (2008) que diz:
Arranjo, em música, é a preparação de uma composição musical para a
execução por um grupo específico de vozes ou instrumentos musicais. Isso
consiste basicamente em reescrever o material pré-existente para que fique
em forma diferente das execuções anteriores ou para tornar a música mais
atraente para o público e usar técnicas de rítmica, harmonia e contraponto
para reorganizar a estrutura da peça de acordo com os recursos disponíveis,
tais como a instrumentação e a habilidade dos músicos. O arranjo pode ser
uma expansão, quando uma música para poucos instrumentos será executada
por um grupo musical maior como uma orquestra ou grupo coral. Pode
também ser uma redução, como quando uma música para orquestra é
reduzida para ser tocada por um conjunto menor ou mesmo por um
instrumento solista. (RIBEIRO, 2008).
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O arranjo de obra musical é, em verdade, uma releitura dessa obra e muitas


vezes revela novas cores, novas dimensões sonoras, novos timbres, e aponta
eventualmente outras direções, quase a ponto de recriar a própria obra, como
homenagem e reverência ao compositor. É muito comum também observarmos arranjos
que modificam tanto o sentido de uma obra que, praticamente, se afastam da
originalidade inicial. O propósito dessa pesquisa não é desenvolver qualquer tipo de
crítica ou análise de arranjos, mas sim apresentar mecanismos para que um grupo de
formação possa ter acesso a uma obra musical, preparada especificamente para seu nível
técnico, respeitando o objetivo para qual o arranjo foi construído. Se o objetivo for que
o arranjo se afaste da identidade da obra, ele será bem aplicado e aproveitado.
O professor Ian Guest traz uma reflexão muito importante sobre as
características e referências da construção de um arranjo.
Essencialmente, um processo criativo, com todas as características da própria
Composição musical. O arranjo bem-feito não é correto, é bonito: soa natural
e espontâneo como se fosse improvisado na hora, não obstante seu preparo é
refletido e trabalhado de acordo com a quantidade de músicos que
participam. Requer imaginação criativa e linguagens desenvolvidas pela
experiência, além de saber anotá-las (GUEST, 1996, p. 10).

Quando se prepara um arranjo com o pensamento de direcioná-lo para um grupo


de formação, é importante primeiro compreender para qual tipo de formação
instrumental o arranjo será preparado e qual o nível de dificuldade que terá. E é esse
ponto em que o pensamento pedagógico precisa estar presente, pois não basta escrever
algo que seja funcional, precisa ser efetivo para um determinado nível técnico, de forma
a possibilitar uma experiência artística real para quem usufrui desse material. Desta
forma, podemos entender o arranjo como pedagogicamente direcionado, pois sua
proposta vai ao encontro da técnica musical para uma melhor prática musical. Assim, o
arranjo cumpre um papel didático além de artístico, favorecendo ao grupo de formação
a experiência estética em se tocar bem algo escrito no âmbito da capacidade técnica
musical do conjunto, resguardando a boa execução possível.

O estudo de orquestração e instrumentação é primordial aqui, pois entre os


objetivos pretendidos podemos assegurar o reforço às questões técnicas relacionadas à
execução musical e a busca por uma escrita equilibrada entre as seções instrumentais, o
resultado sonoro condizente com o que imagina somente virá com o conhecimento das
possibilidades técnica-musicais dos instrumentos e de sua pedagogia de ensino,
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separadamente. A pedagogia do ensino dos instrumentos de cordas difere tecnicamente


da pedagogia do ensino dos instrumentos de sopros, e da mesma forma dos
instrumentos de percussão. Por isso, conhecer os princípios de execução e ainda os
princípios pedagógicos para o aprendizado do instrumento é tarefa fundamental para o
arranjador. Na construção do arranjo é possível utilizar as ideias originais fazendo a
adaptação ao nível específico, de acordo com a TPTC, bem como é válido construir
novos elementos que possam enriquecer e agregar valor pedagógico e artístico ao
arranjo. O mais importante é que o arranjo esteja definido por um nível de dificuldade,
mesmo que a TPTC não seja a referência, e tão somente seja fácil, intermediário e
avançado, mas que os integrantes do grupo de formação a que se destina o arranjo se
sintam confiantes e encorajados na preparação e apresentação das obras musicais,
escritas dentro dos parâmetros de suas possibilidades técnicas.

Ao levarmos em consideração que a maioria dos grupos de formação não


possuem determinados instrumentos em sua estrutura, tais como oboé, corne-inglês,
fagote, clarineta-baixo (clarone), trompa, tímpano, vibrafone e marimba, se faz
necessário que os arranjadores e compositores, ao escreverem seus arranjos ou obras
originais até o nível 4, e caso os utilizem na estrutura da partitura, os tratem como
instrumentos opcionais. Caso ainda tenha sido pensado em um trecho de solo para
algum desses instrumentos, a melodia precisa constar como guia em outro instrumento,
para que não se comprometa a utilização da obra.

Outro ponto que precisa ser observado com cuidado diz respeito às adaptações
dos arranjos para a realidade brasileira, a exemplo do uso das sincopas, encontradas na
estrutura básica de boa parte dos gêneros de nossa popular como o choro, o samba, o
baião e o maracatu. Na estrutura definida como parâmetros técnicos, se considerar essa
figuração rítmica dentro dos parâmetros norte-americanos, um determinado arranjo que
tenha sincopa e sua escrita estaria classificado entre os níveis 3 e 4. No Brasil, o mesmo
arranjo poderia ser considerado com a classificação 2 ou 3, levando-se em consideração
a indissociável presença desta figuração rítmica em nossa cultura, nas danças e nos
cantos. A percussão ainda pode apresentar função de auxílio na construção rítmica das
obras e ser incluída desde os primeiros níveis, mas importante que seja escrita
corretamente na grafia tradicional, de maneira a inserir e relacionar o instrumento de
percussão ao estilo e apresentar toda a ideia musical, mesmo que os alunos ainda não
tenham domínio de leitura. A seguir, vamos acompanhar como pode se dar a construção
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de um arranjo pedagogicamente direcionado, a partir de uma das mais conhecidas obras


do repertório sinfônico brasileiro, a protofonia da ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes.
A adaptação será do nível original da obra, que pode ser considerado nível 6 (escrita
profissional), para o nível 4, de acordo com a TPTC, para que seja apresentada por uma
orquestra social.

Figura 2: Protofonia da ópera “O Guarany”, comp. 1 a 4. Editoração: André Schwartz. Fonte:


www.musicabrasilis.org.br.

Para ajustar a obra original à realidade de uma orquestra de nível 4, foram


necessárias algumas mudanças. Primeiramente em sua tonalidade, pois a tonalidade
original faz com que a peça se torne ainda mais complexa para grupos de formação.
Outra importante adaptação foi o tamanho da obra, cujo original compreende cerca de 9
minutos e na adaptação ficou com 5 minutos, desse modo, somente alguns trechos da
obra original foram priorizados.
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Protofonia da ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes.


Obra original Arranjo
Tonalidade Lá maior Fá maior
Duração da obra 9’00” 5’00”
Inclusão dos saxofones, por ser muito
Acréscimo de
Orquestra sinfônica padrão comum grupos iniciantes utilizarem
instrumentos
saxofones em suas formações
Afinação dos
trompas em Mi Transposição na partitura e partes para
instrumentos:
(instrumento não mais utilizado) trompa em F
Trompas
Afinação dos
trompete Mi bemol Transposição na partitura e partes para
instrumentos:
(instrumento não mais utilizado) trompetes em Si bemol
Trompetes
Clave de Dó (quarta linha) para Utilização da clave de Fá para o
Claves
trombone 1 trombone 1, para facilitar a leitura.

Figura 3: Protofonia da ópera “O Guarany”, comp. 1 a 4, já com a mudança de tonalidade e transposição


dos instrumentos. Fonte: Editoração própria.

A proposta de preparação deste arranjo foi manter a originalidade da obra, com


poucas interferências nas ideias principais, mas torná-la viável, a partir de uma escrita
simplificada, para a melhor execução por parte dos músicos mais iniciantes, com
alterações pontuais para atender a esse objetivo. A decisão de mudança da tonalidade
original não se deu pela tonalidade da introdução, Lá maior, pois uma orquestra de nível
intermediário poderia executar a escrita inicial e original, mas pela modulação seguinte,
que leva a obra para Ré bemol maior e, consequentemente, aumenta significativamente
o nível de dificuldade da obra. O propósito então foi o de deixar o arranjo dentro dos
parâmetros de dificuldade do nível 4, baseado na TPTC. Outro aspecto diz respeito a
afinação dos instrumentos originalmente escritos na partitura. Alguns instrumentos
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utilizados na versão original entraram em desuso e, apesar das partes serem transpostas
no cotidiano das orquestras profissionais, o procedimento não é viável para as
iniciantes. A seguir, podemos observar no original, a letra H de ensaio, até o quinto
compasso, na tonalidade de mi maior e com os detalhes do tema cantabile e o
acompanhamento em pizzicato com os violinos e viola. A dificuldade para um grupo de
formação é grande aqui e as decisões precisam estar embasadas na análise técnica do
trecho (fig. 4).

Figura 4: “O Guarany”, comp. x a y. Editoração: André Schwartz. Portal www.musicabrasilis.org.br.


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Podemos observar a inclusão dos saxofones, no arranjo (fig. 4) dobrando com os


fagotes e trompa, tendo em vista que nem todas as orquestras de formação possuem
instrumentos como oboé, fagote e trompa. A tonalidade continua modificada uma terça
maior inferior, o tema principal foi mantido com as madeiras, o violoncelo também
continua com o tema acrescido das violas para reforçar e apoia o naipe. Apesar da obra
original não ter xilofone em sua instrumentação, achei importante adicionar para que os
alunos de percussão possam atuar nos instrumentos de altura definida tanto quanto não
definida. O contrabaixo se mantém como no original. O último ponto que devo destacar
sobre este trecho é a linha dos violinos: na obra original os violinos e as violas
trabalham com arpejos em colcheias na técnica de pizzicato, já na versão adaptada a
ideia dos trechos arpejados com técnica de pizzicato continua, porém com figuração
rítmica mais simples na primeira oitava, valorizando a harmonia que acontece em cada
compasso.

Obra original Arranjo


Tonalidade Mi maior Dó maior
Dobramentos Flauta, oboé, clarineta e violoncelo. Flauta, oboé, clarineta, viola e
violoncelo com melodia e
saxofone dobrando com trompa.
Figuração ritmica Violinos e violas com arpejos em Violinos e violas com arpejos e
colcheias. graus conjuntos mais simples
(semínimas e colcheias).
Extensão/tessitura Violoncelo na 4ª posição. Violoncelo na 1ª posição.

Comparativamente, buscou-se facilidades para o grupo de formação, com


dobramentos mais efetivos e simplificação nos arpejos para violinos e viola. A tessitura
do violoncelo também teve mudança, o que facilitou para que todo o trecho seja tocado
em primeira posição.
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Figura 5: Mesmo trecho da obra “O Guarany”. Fonte: Editoração própria.

No trecho final podemos observar a importância das adaptações para o processo


de construção das orquestras de formação. Na obra original temos um motivo em
semicolcheias que, aliado à tonalidade de Mi maior se torna de difícil execução. Na
versão adaptada, além da tonalidade ser uma grande ajuda, também foi mudada a
figuração rítmica para colcheias, como um tipo de abreviação do trecho original. Com
essas alterações, a execução se torna mais fluida e satisfatória.
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Figura 6: Trecho original da seção das cordas, final da obra “O Guarany”, editoração: André Schwartz.
Fonte: www.musicabrasilis.org.br

Obra original Arranjo


Tonalidade Mi maior Dó maior
Figuração rítmica Semicolcheias para os violinos. Colcheias para os violinos.
Extensão/tessitura Violino na 8ª posição com a nota si. Violino na 6ª posição com a nota
sol.

Exemplo 7: Mesmo trecho final da obra “O Guarany”, seção das cordas. Fonte: Editoração própria.

Considerações finais

A educação musical tem grande importância no contexto dos projetos sociais e


precisamos compreender isso em toda a sua dimensão, principalmente como ferramenta
tão necessária de inclusão social através da música. E, a partir de todas as informações
levantadas neste artigo, é possível entender a necessidade de se inserir a preparação de
um bom material pedagógico como tópico a ser levado em consideração justamente nos
projetos. Utilizar a estrutura da TPTC, e mesmo desenvolver outras, é uma tarefa
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continuada, para que possamos refinar os parâmetros técnicos que temos por referência
para a definição de dificuldade de um determinado arranjo ou obra original.

De igual forma, devemos compreender que o repertório sinfônico, construído ao


longo de séculos, é uma das mais ricas fontes de informação e conhecimento. Sua
utilização de forma orientada faz com que a obra de um grande mestre contribua para a
formação de excelentes músicos, desde o primeiro momento de aprendizado por parte
do jovem aluno. A necessidade de adaptarmos o repertório para as diferentes realidades
de cada grupo de formação, oriundos de projetos sociais, é em verdade a necessidade de
compreendermos como utilizar os parâmetros técnicos para produzirmos mais arranjos
de uma mesma obra, tornando-a possível de execução para diferentes grupos, com
diferentes níveis de habilidades.

A escolha de um bom repertório diz respeito a escolher obras que possam


dialogar diretamente com o nível técnico do grupo para o qual se destina, tornando o
fazer musical um prazer e um aprendizado. As orquestras sociais precisam de repertório
que possam cumprir esse papel, de forma a atender didática e pedagogicamente cada
momento na estrutura de aprendizado do aluno. A utilização das tabelas de parâmetros
técnicos de nivelamento ajuda a nortear e sistematizar a construção de repertório,
enriquecendo a literatura pedagógica através dos arranjadores e compositores que, com
sua produção, podem apoiar diretamente os grupos de formação. Tal recurso, longe de
“engessar” a mente criativa, fundamenta o processo de escrita a partir do nivelamento
técnico do repertório para que sua utilização se torne realmente efetiva.

Link de acesso: https://aporquestrassociais.wixsite.com/apos


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Referências

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analisando múltiplos contextos. In: 22º CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO
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técnicas e de repertório para a formação progressiva de orquestras. 2016. 102 f.
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experiência com ensino coletivo de cordas. Goiânia, Instituto Centro Brasileiro de
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GOHN, M. G. M. Movimentos sociais e educação. Livro. 4ª ed. São Paulo: Cortez,


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