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FONTES DAS OBRIGAÇÕES – CONTRATO DE FIANÇA

CATARINA ROMANO

1. CONCEITO DA ESPÉCIE CONTRATUAL:

A fiança é a promessa, feita por uma ou mais pessoas, de garantir ou satisfazer a obrigaçã o de um devedor, se este nã o a cumprir, assegurando ao credor o seu
efetivo cumprimento (artigo 818º CC). Deste modo, podemos dizer que haverá contrato de fiança sempre que algué m assumir, perante o credor, a obrigaçã o de
pagar a dívida se o devedor nã o o fizer.

O contrato de fiança é celebrado entre credor e fiador prescindindo a presença do devedor, podendo ser levado a cabo sem o seu consentimento ou contra a sua
vontade (artigo 820º CC). Assim sendo, o devedor nã o é parte na relaçã o jurídica fidejussó ria. O contrato de fiança é celebrado intuitu personae relativamente ao
fiador, isto é , trata-se de uma garantia pessoal realizada na base da confiança tã o somente entre fiador e afiançado e nã o pode ter interpretaçã o extensiva, isto é ,
nã o passa de pessoa para pessoa. Posto isto, o contrato de fiança tem natureza absolutamente unilateral, já que o fiador se obriga perante o credor, mas o credor
nã o assume nenhum compromisso.

MODALIDADES DE CONTRATO DE FIANÇA:

1º) Em relação ao seu objeto a fiança pode ser:

- Civil. Se o devedor afiançado nã o for empresá rio ou se a obrigaçã o garantida nã o tiver natureza mercantil. Neste caso exclui-se a solidariedade, exceto se
acordado o contrá rio.

- Comercial. Se o devedor afiançado for empresá rio ou a obrigaçã o afiançada tiver uma causa ou natureza mercantil. A fiança mercantil rege-se pelas normas do
Có digo, alusivas à fiança civil.

2º) Quanto à sua forma a fiança pode ser:

- Convencional ou contratual. Se decorrer espontaneamente da vontade do devedor ou do credor, mesmo sem o consentimento do devedor afiançado.

- Legal. Se oriunda da lei, como ocorre nos artigos 1.745º, pará grafo ú nico; 1.280º; 1.305º, pará grafo ú nico, 260, II, e 495º do Có digo Civil.

- Judicial. Se proveniente de exigê ncia do processo ou de imposiçã o judicial, tanto na seara cível como na criminal.

2. CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE FIANÇA:

- Acessoriedade. Por ser contrato acessó rio, visto que nã o poderá existir sem um contrato principal, cujo adimplemento objetiva assegurar. Posto isto, o contrato
acessó rio segue o principal, logo a fiança seguirá o destino do principal, se este for nulo, nula ela será . Por outro lado, a nulidade da fiança nã o atingirá o contrato
principal. Se a obrigaçã o principal se extinguir a fiança estará extinguida.

- Unilateralidade. Apenas gera obrigaçõ es para o fiador, em relaçã o ao credor, que só terá vantagem, nã o assumindo nenhum compromisso em relaçã o ao fiador.

- Gratuidade. Incidirá sobre o cré dito concedido ao devedor, pois o fiador nã o recebe uma remuneraçã o, apenas ajuda o afiançado, pessoa em quem confia e que,
espera, o cumprimento da obrigaçã o.

- Subsidiariedade. Devido ao seu cará ter acessó rio, o fiador só se obrigará se o devedor principal ou afiançado nã o cumprir a prestaçã o devida, a menos que se
tenha estipulado a solidariedade. Neste caso, assumirá a posiçã o de codevedor, sem que isso desfigure a fiança.

REQUISITOS DO CONTRATO DE FIANÇA:

Para que o contrato de fiança tenha validade jurídica é necessá ria observar os seguintes requisitos:

- Subjetivos.

Para afiançar será imprescindível nã o só a capacidade gené rica para praticar os atos da vida civil, isto é , a capacidade de administrar bens e aliená -los, mas
també m legitimaçã o para afiançar (por exemplo pessoa casada, exceto no regime de separaçã o absoluta, nã o poderá prestar fiança). No caso de o fiador se tornar
insolvente ou incapaz, o credor poderá exigir que este seja substituído. Se o contrato de fiança tem por objetivo a satisfaçã o da obrigaçã o assumida pelo afiançado,
este, em caso de insolvê ncia ou incapacidade superveniente do fiador, deverá pedir a sua substituiçã o, restabelecendo assim a garantia.

- Objetivos.

A) A fiança poderá ser dada a qualquer tipo de obrigaçã o, seja ela de dar, de fazer ou de nã o fazer, pois por ser contrato acessó rio dependerá da existê ncia de um
contrato principal, ao qual deverá vincular-se como elemento de garantia;

B) A fiança dependerá da validade e da exigibilidade da obrigaçã o principal;

C) A fiança poderá assegurar obrigaçã o atual ou futura, mas, quanto a esta ú ltima, a fiança somente vigorará como acessó ria no instante em que ela se firmar. A
fiança, portanto, só entrará em vigor depois da existê ncia da obrigaçã o principal. Desta forma se a obrigaçã o futura nã o chegar a existir, a fiança resolver-se-á ;
D) A fiança nã o poderá ultrapassar o valor do dé bito principal, nem ser mais onerosa do que ele, sob pena de ser reduzida ao nível da dívida afiançada.

- Formais.

No Có digo Civil, artigo 819º, exige-se que a fiança se dê por escrito. Impõ e-se-lhe a forma escrita solene, podendo constar de instrumento pú blico ou particular. O
contrato de fiança pode ser realizado em documento à parte ou no instrumento do contrato principal, como frequentemente ocorre no contrato de loca çã o. O fiador
só responderá pelo que estiver expresso no instrumento de fiança (Sú mula 214 do STJ).

EFEITOS:

De um modo geral, dada a acessoriedade e a gratuidade da fiança, os seus efeitos sã o restritos quanto ao tempo, ao objeto e à s pessoas, nã o podendo ir alé m do
valor da dívida garantida, nem lhe exceder em onerosidade.

- Nas relações entre credor e fiador.

A) O credor nã o poderá escolher entre o devedor e o fiador, exigindo o pagamento de qualquer um deles, porque a fiança só produz feitos a partir do momento em
que o devedor afiançado deixa de realizar a prestaçã o. Logo, o credor deve dirigir-se contra o devedor principal, e somente se este nã o puder cumprir a obrigaçã o
é que poderá procurar o fiador;

B) O credor só poderá exigir a fiança no termo fixado para a obrigaçã o principal;

C) O fiador poderá oferecer exceçõ es à açã o do credor;

D) A pluralidade de fiadores dará origem a trê s situaçõ es: responsabilidade solidá ria dos cofiadores entre si (artigo 829º CC), benefício de divisã o (artigo 829º
CC) e limitaçã o da responsabilidade de cada um dos fiadores (artigo 830º CC);

E) A insolvê ncia de um dos cofiadores, na solidariedade entre cofiadores ou no benefício de divisã o, fará com que parte da sua responsabilidade na dívida seja
distribuída entre os demais (artigo 831º, pará grafo ú nico CC).

- Nas relações entre devedor afiançado e fiador.

A) O fiador, em caso de solidariedade entre cofiadores que pagar integralmente a dívida, ficará sub-rogado nos direitos do credor, mas só poderá demandar a cada
um dos outros fiadores pela respetiva quota;

B) O fiador poderá , quando o credor, sem justa causa, demorar a execuçã o iniciada contra o devedor, promover-lhe o andamento evitando assim o prolongamento
de sua responsabilidade pelas consequê ncias da demora no resultado da demanda (artigo 834º CC);

C) A obrigaçã o do fiador falecido passará aos seus herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limitará ao tempo decorrido até a sua morte, e nã o poderá
ultrapassar as forças da herança. Logo o herdeiro só responderá pela dívida do falecido afiançado anteriormente assumida;

D) O fiador poderá exonerar-se da obrigaçã o a todo tempo, se a fiança tiver duraçã o ilimitada, mas ficará obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta
dias apó s a notificaçã o judicial ou extrajudicial do credor de sua intençã o de nã o mais garantir o dé bito do afiançado (artigo 835º);

E) O fiador tem o direito de ser comunicado por escrito em caso de sub-rogaçã o da locaçã o residencial pelo ex-cô njuge ou ex convivente do locador, havendo
separaçã o de fato, separaçã o judicial, divó rcio ou dissoluçã o de uniã o está vel. O fiador poderá exonerar-se de suas responsabilidades no prazo de trinta dias
contados do recebimento da comunicaçã o feita pelo sub-rogado, ficando responsá vel pelos efeitos da fiança durante cento e vinte dias apó s a notificaçã o ao
locador (Lei n. 8.245/91, art. 12, §§ 1º e 2º, com a redaçã o da Lei n. 12.112/2009); f) A interrupçã o de prescriçã o produzida contra o devedor prejudicará o fiador
(artigo 204º, § 3º CC).

EXTINÇÃO DO CONTRATO DE FIANÇA:

A extinçã o da fiança dar-se-á nas seguintes situaçõ es:

1. Por causas terminativas comuns à s obrigaçõ es em geral, tais como:

A) pela extinçã o da dívida principal por ela assegurada;

B) pelo pagamento direto ou pelo pagamento indireto; pela compensaçã o;

C) pela transaçã o entre credor e devedor, que exonerará o fiador;

D) pela novaçã o, sem a anuê ncia do fiador com o devedor principal.

2. Por modos extintivos pró prios à natureza da fiança, tais como:

A) pela expiraçã o do prazo determinado para a sua vigê ncia;

B) pela existê ncia de exceçõ es pessoais ou extintivas da obrigaçã o (como por exemplo pagamento, prescriçã o e nulidade da obrigaçã o principal, excludentes de
responsabilidade e suscetíveis de serem arguidas pelo fiador;
C) pela ocorrê ncia das situaçõ es previstas no artigo 838º, I a III, do Có digo Civil;

D) pelo retardamento do credor na execuçã o, resultando na insolvê ncia do devedor (artigo 839º CC).

3. PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS:

- Empresá rio precisa de autorizaçã o do cô njuge para ser fiador da empresa - REsp 1.525.638.

- Seguro-garantia traz mais eficiê ncia e tranquilidade ao processo de execuçã o - REsp 1691748; REsp 1838837; EREsp 1381254; REsp 1854357; REsp 1841110.

- Sú mula 655 estabelece que se aplica à uniã o está vel contraída por septuagená rio o regime da separaçã o obrigató ria de bens, comunicando-se os adquiridos na
constâ ncia, quando comprovado o esforço comum vs. Sú mula 656, no assunto contrato de fiança, prevê que é vá lida a clá usula de prorrogaçã o automá tica de
fiança na renovaçã o do contrato principal e que a exoneraçã o do fiador depende da notificaçã o prevista no artigo 835º do Có digo Civil.

- É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locaçã o, seja residencial, seja comercial - RE 1307334

- Pelo art. 82 da Lei n. 8.245/91, que acrescentou o inc. VII ao art. 3 º da Lei n. 8.009/90, o fiador, na locaçã o, nã o mais poderá alegar impenhorabilidade do ú nico
imó vel destinado à sua moradia. Todavia, com a EC n. 26/2000, que modificou o art. 6º da CF/88, hoje com a redaçã o da EC n. 64/2010, ao incluir a moradia no
rol dos direitos sociais, parte da jurisprud ê ncia passou a entender inconstitucional a exceçã o legal prevista na Lei n. 8.009/90, art. 3 º, VII (REsp 352.940-SP, STF,
rel. Min. Carlos Veloso, publicado no DJU, em 13-5-2005), acatando-se ante a lacuna de conflito (norma superior geral – CF e norma inferior especial – Lei n.
8.009/90), aplicando-se, para evitar injustiça, em busca do crité rio do justum, os arts. 4º e 5º da Lei de Introduçã o à s Normas do Direito Brasileiro, tutelando
assim o princípio do respeito à dignidade humana (CF, art. 1º, III). Mas, no dia 8 de fevereiro de 2006, em sessã o plená ria, o Tribunal acabou consagrando a tese
que permite penhora do ú nico imó vel residencial do fiador, para a garantia da execu çã o, de dé bito locatício, acatando o voto do relator – Min. Cé zar Peluso (RE n.
407.688) –, segundo o qual o cidadã o tem liberdade de escolher se deve ou n ã o afiançar um contrato de aluguel, assumindo, por sua vontade, os riscos da í
decorrentes, e, alé m disso, o direito à moradia nã o se exerce apenas em im ó vel pró prio, mas també m sobre imó vel alugado cujo contrato teria suas garantias
enfraquecidas, caso prevalecesse a tese contrá ria. Nesse sentido a Sú mula 8 do TJSP: “É penhorável o único imóvel do fiador em contrato locatício, nos
termos do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009, de 29-3-1990, mesmo após o advento da EC n. 26/2000” (hoje EC n. 64/2010).

Por outro lado, há entendimento de que o art. 3 º, VII, da Lei n. 8.009/90 afronta o direito à moradia (CF, art. 6º, com a redaçã o da EC n. 64/2010), hipó tese em
que se terá uma antinomia real de segundo grau (conflito entre o crité rio da especialidade – art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90 – e o hierá rquico – art. 6º da CF)
gerando uma lacuna de colisã o, conducente a uma interpretaçã o corretiva pelo Poder Judiciá rio que deverá , com base nos arts. 4º e 5º da LINDB, aplicar o crité rio
do justum em cada caso concreto. Poderá oferecer todas as exceçõ es que lhe forem pessoais, como a nulidade absoluta ou relativa da fian ça, em razã o de sua
incapacidade ou de vício de consentimento. Haverá possibilidade de opor as exceçõ es pró prias ao devedor principal, desde que ligadas ao cré dito afiançado,
exceto em contrato de mú tuo em que a incapacidade pessoal do devedor é devida à sua menoridade (CC, arts. 824, pará grafo ú nico, e 588), tais como: nulidade da
dívida principal, compensaçã o havida entre credor e devedor etc. O fiador nã o poderá opor ao credor as exceçõ es resultantes de suas relaçõ es com o devedor
afiançado ou do que com ele convencionou, mas poderá invocar as decorrentes da pró pria relaçã o acessó ria da fiança, como o benefício de excussã o ou o de
ordem, que só será afastado: se houver pactuado fiança com clá usula de solidariedade, gerando responsabilidade comum pelo dé bito (RT, 204:497); se o fiador o
renunciou expressamente, mas tal renú ncia será nula se a clá usula de renú ncia antecipada ao benefício de ordem estiver inserida em contrato por adesã o
(Enunciado n. 364 do CJF, aprovado na IV Jornada de Direito Civil); se o devedor for insolvente ou falido (RT, 760:300), visto que instaurado o concurso de
credores ou decretada a falê ncia, nã o terá ele bens livres para solver a dívida (CC, art. 828, I a III), ou se o fiador se tornou herdeiro do devedor principal, hipó tese
em que se terá confusã o de duas posiçõ es: a de herdeiro e devedor principal e a de fiador.

O benefício de ordem é o direito assegurado ao fiador de exigir do credor que acione, em primeiro lugar, o devedor principal, isto é , que os bens do devedor
principal sejam excutidos antes dos seus (RT, 457:202, 538:232, 760:300, 765:274; RJ, 184:79). Realmente, o Có digo Civil, art. 827, estatui que: “O fiador
demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, at é a contestaçã o da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor”, acrescentando, no
pará grafo ú nico, que: “O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo munic ípio, livres e
desembargados, quantos bastem para solver o d é bito” (RF, 94:63). Infere-se daí que a invocaçã o desse benefício (exceçã o dilató ria) deverá ser manifestada
expressamente pelo fiador, pois nã o opera pleno iure; a arguiçã o desse benefício deverá ser oferecida tempestivamente, até a contestaçã o da lide (RF, 66:316),
exceto se se arguir nulidade ou inexistê ncia da fiança; o fiador deverá nomear bens do devedor, situados no mesmo município, livres e desembargados, quantos
bastem para solver a dívida;

4. BIBLIOGRAFIA:

- www.stj.jus.br

- Diniz, Maria H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Das Obrigaçõ es Contratuais e Extracontratuais. v.3. Disponível em: Minha Biblioteca, (39th ediçã o).
Editora Saraiva, 2023 (fls. 230 a 235).

- Pereira, Caio Má rio da S. Instituiçõ es de Direito Civil: Contratos - Vol. III. Disponível em: Minha Biblioteca, (25th ediçã o). Grupo GEN, 2022 (fls. 458 a 467).

- Gomes, Orlando. Contratos. Disponível em: Minha Biblioteca, (28th ediçã o). Grupo GEN, 2022 (fls. 481 a 486).

- Venosa, Sílvio de S. Direito Civil: Contratos. v.3. Disponível em: Minha Biblioteca, (22nd ediçã o). Grupo GEN, 2022 fls. 644 a 885).

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