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DIREITO CIVIL III:

TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS

Patricia Fernandes Fraga


Fiança
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir fiança e as suas disposições gerais.


 Analisar os efeitos da fiança.
 Interpretar a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da fiança.

Introdução
No contexto das trocas, em razão de as partes contratantes nem sem-
pre conseguirem, apenas pelo uso do contrato principal, a garantia do
cumprimento da obrigação, é necessário utilizar outros instrumentos
que servirão de salvaguarda a eventual inadimplemento. Esse resguardo
ao cumprimento do negócio jurídico pode ser alcançado por meio de
contratos de caução ou de garantia.
Neste capítulo, você vai ler sobre a fiança, examinando as suas no-
ções gerais e os seus efeitos, bem como a jurisprudência dos tribunais
superiores sobre esse contrato.

Aspectos gerais da fiança


Os negócios jurídicos de caução ou garantia têm como objetivo oferecer ao
credor uma maior segurança de pagamento, somada à garantia genérica situada
no patrimônio do devedor. Essa segurança pode recair sobre determinado
bem (móvel ou imóvel), de modo a estabelecer um ônus sobre a própria coisa
(garantia real), que responderá pela solução da obrigação, bem como pode
recair sobre uma pessoa (garantia fidejussória ou pessoal), que assegurará,
por seus meios, o pagamento da dívida de outrem (PEREIRA, 2017). A fiança,
objeto deste capítulo, é uma garantia fidejussória ou pessoal.
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Conceito
O art. 818 do Código Civil dispõe sobre o contrato de fiança: “Art. 818 Pelo con-
trato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida
pelo devedor, caso este não a cumpra” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Embora o foco deste capítulo seja a fiança convencional, tratada pelo art.
818 do Código Civil, a fiança poderá estar expressa em lei, a chamada fiança
legal, assim como poderá ser imposta judicialmente a chamada fiança judicial
(PEREIRA, 2018).
Segundo Gonçalves (2010, p. 554), a fiança é “[...] o contrato pelo qual uma
pessoa se obriga a pagar ao credor o que a este deve um terceiro. Alguém
estranho à relação obrigacional originária, chamado de fiador, obriga-se
perante o credor, garantindo com o seu patrimônio a satisfação do crédito
deste, caso não o solva o credor”.

Partes
Pode parecer, em um primeiro momento, que o contrato de fiança se opera entre
o devedor da obrigação principal e o fiador, garantidor dessa obrigação, mas o
contrato de fiança ocorre, verdadeiramente, entre o credor da obrigação principal
e o fiador dessa obrigação. Corrobora essa afirmação o art. 820 do Código Civil,
que determina que a fiança, sendo contrato firmado entre credor e fiador, pode
ser prestada, inclusive, sem o consentimento ou, mesmo, contra a vontade do
devedor: “Art. 820 Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do
devedor ou contra a sua vontade” (BRASIL, 2002, documento on-line).

A fiança tem natureza jurídica de negócio jurídico bilateral, pois é contrato, com a
peculiaridade de ser um negócio jurídico acessório e subsidiário.

Características
Segundo Gonçalves (2010) e Pereira (2017), as características da fiança são:

É unilateral — a fiança é contrato unilateral, pois gera obrigações apenas para


o fiador, enquanto o credor nada terá de dar em contrapartida. Importante não
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confundir a noção de contrato unilateral com a de negócio jurídico unilateral.


O negócio jurídico como manifestação de vontade destinada à produção dos
efeitos desejados pela parte pode ser unilateral, quando houver apenas uma
manifestação de vontade (testamento, por exemplo), ou bilateral, quando
necessitar de mais de uma manifestação de vontade para a sua conclusão e
produção de efeitos (como os contratos em geral). Como visto, o contrato,
diferentemente, será unilateral, quando existirem obrigações apenas para uma
das partes, tendo a outra apenas o proveito do negócio (como doação pura,
fiança, comodato, entre outros), e será bilateral, quando existirem obrigações e
direitos para ambos os contratantes (como compra e venda, locação, prestação
de serviços, entre outros).

É gratuita — geralmente, apenas o fiador suporta a perda patrimonial, mas


pode haver contrato de fiança, como alguns contratos bancários, em que o
afiançado terá de dar contrapartida ao fiador como forma de compensar o risco
assumido, caracterizando o contrato como oneroso (atentar que, aqui, surge,
excepcionalmente, um vínculo entre o devedor e o fiador). Quando gratuita
a fiança, não se admitirá interpretação extensiva do conteúdo do contrato,
salvaguardando o fiador de assumir obrigação além do que efetivamente se
comprometeu, consoante versa a segunda parte do art. 819 do Código Civil:
“Art. 819 A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”
(BRASIL, 2002, documento on-line). Também nesse sentido, segue a Súmula
nº. 214 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “O fiador na locação não responde
por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu” (BRASIL, 1998,
documento on-line).

É personalíssima ou intuitu personae — ajustado especificamente com pessoa


de confiança do credor, qual seja, o fiador.

É acessória — a fiança é contrato acessório porque só existe como garantia


da obrigação de outrem, ou seja, pressupõe a existência de uma obrigação
principal. A fiança não poderá ser superior ou mais onerosa do que a obriga-
ção principal, mas poderá ser inferior, menos onerosa ou, ainda, sua eficácia
poderá ser limitada por condição ou termo. Embora não exceda os limites do
contrato, caso não seja expressamente delimitado que a fiança dirá respeito,
tão somente, à dívida principal, “[...] entende-se que ela compreende os seus
acessórios, incluindo as despesas judiciais” (GONÇALVES, 2010, p. 557).
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É subsidiária — o contrato de fiança, em regra, tem caráter subsidiário, pois


apenas será executado nas situações de descumprimento da obrigação pelo
devedor principal — benefício de ordem. Impende apontar que, em alguns
contratos por adesão, pode existir cláusula de renúncia ao benefício de ordem,
o que deverá ser objeto de grande atenção aos garantidores da obrigação
(TARTUCE, 2017).

É formal e consensual — a fiança não se presume, assim, necessita ser expressa


por escrito, mesmo que em documento apartado, no qual constem elementos
claros que caracterizem as partes, a responsabilidade e as referências do
contrato principal. Contudo, não necessita escritura pública, nem é exigida
qualquer outra solenidade.

É paritário ou por adesão — o contrato de fiança poderá ter seu conteúdo


negociado pelas partes, sendo paritário, e poderá ser realizado por instrumento
no qual o fiador apenas adere, consentido com a fiança, sendo por (ou de) adesão.

A estrutura comum das obrigações consiste no vínculo obrigacional, na prestação a


ser cumprida, que é o débito, debitum, dívida ou schuld e, caso não haja adimplemento,
na responsabilização, obligatio, garantia ou haftung. Já, nas obrigações de garantia, a
estrutura é um pouco diferente. Há o vínculo obrigacional, mas recai ao garantidor
apenas a responsabilidade de satisfazer o credor na ausência de cumprimento da
obrigação pelo devedor. Assim, nas obrigações de garantia, há uma haftung sem
schuld, ou responsabilização sem débito (TARTUCE, 2017).

Requisitos da fiança
Partindo da ideia de que o contrato de fiança é realizado entre o fiador e o credor,
cumpre apresentar os requisitos subjetivos, objetivos e formais necessários à
realização do contrato.

Subjetivos
Quanto aos sujeitos ou às partes, há alguns requisitos a serem observados.
Inicialmente, a capacidade civil. A capacidade para prestar fiança é a mesma
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exigida para contratar. O sujeito tem de ser capaz e poder dispor, livremente,
dos seus bens. Exceto nos casamentos cujo regime seja o da separação absoluta
de bens, nenhum dos cônjuges poderá prestar fiança sem o consentimento do
outro (art. 1.647, III, do Código Civil) (BRASIL, 2002). Vale ainda mencionar
o art. 820 do Código Civil: “Art. 820 Pode-se estipular a fiança, ainda que
sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Embora não seja normal a contratação de fiança sem o consentimento ou
contra a vontade do devedor, pois, em regra, é o próprio devedor que apre-
senta o fiador ao credor, nada impede que o contrato seja realizado sem o seu
conhecimento. Assim, o contrato de fiança entabulado entre credor e fiador
resulta em uma garantia baseada na confiança do cumprimento da obrigação
— que ao fim e ao cabo é a razão de existir a fiança e, além disso, em nada
prejudica o devedor principal.
No intuito de proteger o credor, assiste-lhe o direito de recusar fiadores que
não apresentem idoneidade ou patrimônio compatível com a obrigação a ser
garantida. Ademais, o art. 826 do Código Civil determina: “Art. 826 O fiador
se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído”.
Essa exigência, por lógico, será cabível nos casos em que a fiança tenha
sido estipulada com a ciência e concordância do devedor (BRASIL, 2002). Há
a possibilidade de se estipular mais de um fiador para a mesma dívida, que
serão todos cofiadores, ou ainda de se estipular um fiador do fiador, chamado
de abonador no direito português. Nessa situação, o fiador do fiador garantirá
o cumprimento da obrigação quando nem o devedor principal, nem o primeiro
fiador designado conseguirem cumprir a obrigação (GONÇALVES, 2010).

Objetivos
A fiança pode ser prestada em qualquer espécie de obrigação (dar, fazer ou
não fazer), contudo, sua eficácia ficará condicionada à validade da obrigação
principal. Assim, se nula a obrigação principal, nula será a fiança; se inexigível
a obrigação principal, inexigível será a fiança. A fiança poderá ter como objeto,
inclusive, assegurar dívida futura, mas sua exigibilidade ficará na dependência
de a dívida tornar-se certa e líquida (PEREIRA, 2017).
Como mencionado, não tendo sido a garantia prestada especificamente até
determinado valor e data, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida
principal, incluindo despesas judiciais, desde a citação do fiador, consoante
art. 822 do Código Civil (BRASIL, 2002).
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Formais
Em virtude de se tratar de contrato unilateral e gratuito, a fiança não admitirá
interpretações extensivas quanto à sua prestação e sua extensão, quão menos
poderá ser verbal. O art. 819 do Código Civil corrobora com o afirmado
quando diz: “Art. 819 A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação
extensiva” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Por outro lado, não exige solenidade para sua realização, podendo originar-
-se de contrato paritário ou, mesmo, de contrato firmado por adesão.

Não devemos confundir fiança com aval. A fiança é contrato cabível nas mais variadas
obrigações. O aval é garantia típica dos títulos de crédito. O aval também configura
garantia pessoal, mas não é contrato, é declaração unilateral, instituto do direito cam-
biário. A responsabilidade do avalista é sempre solidária.
A fiança é contrato, é garantia pessoal ampla compatível com qualquer espécie
de obrigação (convencional, legal e judicial). A responsabilidade do fiador pode, ou
não, ser solidária, mas, em regra, respeita o benefício de ordem (primeiro, busca-se
o cumprimento pelo devedor principal, somente depois, pelo fiador) (GONÇALVES,
2010; PEREIRA, 2017).

Efeitos da fiança
Quando aceita prestar fiança, o fiador assume o compromisso de cumprir a
obrigação, caso o devedor não o faça. Embora a relação contratual se concretize
entre fiador e credor, os efeitos da fiança vão além da relação entre essas partes
e atingem também o devedor. Inicialmente, cumpre apresentar os efeitos da
fiança nas relações entre fiador e credor, para depois apresentar os efeitos da
fiança entre fiador e devedor, como segue.

Relações entre fiador e credor


A fiança tem como efeito permitir ao credor exigir do fiador o pagamento da
dívida. Em contrapartida, o fiador, quando demandado para o pagamento da
dívida, tem como invocar o benefício de ordem, que se trata de prerrogativa,
meio de defesa patrimonial, pela qual o fiador aponta bens livres e desembarga-
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dos do devedor, situados no município, para que sejam objeto do cumprimento


da obrigação. Nessa linha, vale citar:

Art. 827 O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir,
até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere
este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres
e desembargados, quantos bastem para solver o débito (BRASIL, 2002, do-
cumento on-line).

O benefício de ordem corrobora a noção de que a obrigação de garantia


é uma obrigação subsidiária, isto é, o fiador não se vinculou à obrigação
originária (schuld) — contraída pelo devedor principal —, mas apenas as-
sume a responsabilidade (haftung) pelo inadimplemento do devedor, de modo
que, em regra, só deverá ter seu patrimônio comprometido para a solução da
obrigação, na ausência, ou insuficiência, dos bens do devedor (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008).
O benefício de ordem será recusado, consoante o art. 828 do Código Civil,
ao fiador:

Art. 828 [...]


I — se ele o renunciou expressamente;
II — se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III — se o devedor for insolvente, ou falido (BRASIL, 2002, documento
on-line).

Os incisos I e II dizem respeito a situações em que o fiador abre mão do


benefício de ordem, ou pela renúncia expressa, ou por obrigar-se, de modo a
poder ser diretamente demandado pela solução da obrigação. Já o inciso III
configura a responsabilidade básica do fiador, que é, justamente, assumir o
cumprimento da obrigação quando o devedor não possuir patrimônio para
fazê-lo. Cabe mencionar que o fiador também não terá o benefício de ordem se
não apontar bens do devedor livres e desembargados, localizados no município,
suficientes para o cumprimento da obrigação.
Em situações de pluralidade de fiadores (confiança), o art. 829 do Código
Civil dispõe que a obrigação entre os garantidores será solidária. Mas tal
efeito pode ser alterado contratualmente, pelo benefício da divisão, que nada
mais é do que o fracionamento da responsabilidade entre os cofiadores, de
modo que o credor apenas poderá exigir de cada fiador a sua cota da dívida.
Segue o dispositivo legal:
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Art. 829 A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma


pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente
não se reservarem o benefício de divisão.
Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente
pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento (BRASIL, 2002,
documento on-line).

O fiador, lançando mão de todos os mecanismos de defesa ao seu alcance,


poderá opor ao credor não apenas as exceções que lhe disserem respeito, mas
também aquelas que se refiram à obrigação principal e ao devedor, sejam exce-
ções pessoais ou não (vícios de consentimento, compensação, confusão, remissão,
prescrição, entre outros), conforme art. 837 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Relações entre fiador e devedor


Considerando que o fiador, possuidor de vínculo jurídico obrigacional, é terceiro
interessado, ao realizar o cumprimento integral da obrigação, sub-rogar-se-á
nos direitos do credor, como todas ações, privilégios e garantias do credor
originário (ora sub-rogado), nos termos do art. 831 do Código Civil:

Art. 831 O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos di-
reitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela
respectiva quota.
Parágrafo único. A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros
(BRASIL, 2002, documento on-line).

O fiador tem direito, também, de exigir do devedor, além do reembolso do


que despendeu, os juros pela taxa estipulada na obrigação ou pela taxa legal,
quando nada for estipulado (art. 833 do Código Civil), bem como a restituição
de perdas, danos e prejuízos que sofreu em razão da fiança (art. 832 do Código
Civil). Ainda, poderá promover o andamento da execução, quando paralisada
imotivadamente pelo credor, como diz o art. 834 do Código Civil (BRASIL,
2002). Quando o credor, sem justa causa, demorar a executar o devedor, poderá
o fiador promover o seu andamento.
A morte do fiador transmite a obrigação assumida pelo fiador, até a data
do óbito, aos herdeiros, mas estes apenas responderão nos limites da herança
(art. 836 do Código Civil). Ademais, caso a fiança tenha sido prestada sem
prazo determinado, poderá o fiador exonerar-se de sua obrigação, a qualquer
tempo, mas permanecerá responsável pelos efeitos produzidos pela fiança por
até 60 dias da notificação do credor (art. 835 do Código Civil) (BRASIL, 2002).
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Extinção da fiança
A fiança se extingue como o cumprimento da obrigação principal (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008, p. 620-621):

 pelo decurso do termo fixado para a garantia (termo final);


 pela exoneração do fiador;
 pela novação da obrigação principal;
 por qualquer outra causa que promova, em geral, a extinção dos contratos.

Entre as causas de exoneração do fiador, estão:

Art. 838 O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:


I — se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II — se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos
e preferências;
III — se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor
objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a
perdê-lo por evicção (BRASIL, 2002, documento on-line).

Outra hipótese de exoneração do fiador é quando, apontados os bens do


devedor, pelo benefício de ordem, retardar-se a execução da dívida, de modo a
permitir que o devedor venha a ser tornar insolvente. Destarte, comprovando
que os bens indicados eram bastantes para o cumprimento da obrigação, ao
tempo da penhora, ficará exonerado o fiador, como se depreende do dispo-
sitivo legal:

Art. 839 Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se


a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se
provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes
para a solução da dívida afiançada (BRASIL, 2002, documento on-line).

Fiança na jurisprudência
Para enriquecer o conhecimento sobre o tema, é apropriado colacionar a forma
como os tribunais superiores tratam dos temas tangentes ao contrato de fiança.
Como esse intuito, apresentaremos alguns julgados que fazem relação com
as noções apresentadas neste capítulo.
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CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CONTRATO POR PRAZO INDE-
TERMINADO. FIANÇA.
RESPONSABILIDADE DOS FIADORES. ENTREGA DAS CHAVES.
CLÁUSULA EXPRESSA. SÚMULA N. 83/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, tratando-se de
locação predial urbana contratada à luz da redação primitiva do art. 39 da
Lei do Inquilinato, subsiste a fiança prestada na hipótese de prorrogação do
contrato — inclusive até a entrega das chaves —, desde que haja cláusula
expressa nesse sentido.
Precedentes.
2. No caso dos autos, o contrato foi firmado em 1º/7/1995 e o Tribunal de origem
consignou a existência de cláusula expressa referente à fiança, concluindo
que a responsabilidade do fiador persiste. Aplicação da Súmula n. 83/STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(BRASIL, 2018a, documento on-line)

Nesse acórdão, está em questão a interpretação restritiva dos negócios


benéficos e o tratamento diferenciado do contrato de fiança expresso na Lei
nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991 (Lei de Locações de Imóveis Urbanos).
Mediante uma análise conjunta dos arts. 114 e 819, todos do Código Civil,
bem como da Súmula nº. 214 do STJ, podemos concluir que a prorrogação
do contrato principal de locação implicaria a ciência e anuência expressa do
fiador acerca do seu comprometimento por prazo superior ao incialmente
pactuado (BRASIL, 2002). Em tese, o fiador não poderia estar vinculado a
uma alteração contratual na qual não anuiu expressamente, conforme a Súmula
nº 214 do STJ: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes
de aditamento ao qual não anuiu” (BRASIL, 1998, documento on-line).
Entretanto, a Lei de Locações de Imóveis Urbanos, Lei nº. 8.245/1991, como
lei especial, criou o que chamamos de um microssistema que, em busca de
fomentar um determinado setor de negócios, alterou o tratamento da fiança,
especificamente, nos contratos de loção (BRASIL, 1991). Destarte, há de se
compreender a decisão apresentada de acordo com o que dispõe o art. 39 da Lei
nº. 8.245/1991: “Art. 39 Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das
garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que
prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei” (BRASIL,
1991, documento on-line).
Por outro lado, poderão as partes dispor de modo diverso no contrato,
estipulando prazo em que vigorará a fiança, desde que expressamente, assim
como há a possibilidade de o fiador desvincular-se da fiança, nas situações
em que não há limitação de tempo no contrato, nos termos do art. 835 do
Código Civil (BRASIL, 2002).
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Proveitoso referir que, nesse caso concreto, havia cláusula expressa na


qual a fiança persistiria, mesmo com a prorrogação contratual, corroborando
o compromisso do fiador, como consignado na decisão: “[...] subsiste a fiança
prestada na hipótese de prorrogação do contrato — inclusive até a entrega das
chaves —, desde que haja cláusula expressa nesse sentido” (BRASIL, 2018a,
documento on-line).

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO


DE IMÓVEL.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
FIANÇA.
GARANTIA PRESTADA SEM A OUTORGA UXÓRIA. INEFICÁCIA
TOTAL. SÚMULA N.
332/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 1022 do
Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos
de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal
de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que
em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. “A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia
total da garantia” (Súmula n. 332/STJ).
3. Agravo interno não provido.
(BRASIL, 2018b, documento on-line)

O julgamento desse agravo diz respeito a um contrato de fiança no qual


não houve a autorização do cônjuge do fiador. O Código Civil prevê no art.
1.647, III, que:

Art. 1.647 Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
[...]
III — prestar fiança ou aval (BRASIL, 2002, documento on-line);

Assim, afora nos regimes de separação absoluta de bens, é anulável (por


invalidade) a garantia prestada na sua totalidade, ou seja, não apenas quanto
à parte que toca ao cônjuge meeiro. O cônjuge que não autorizou a fiança terá
dois anos (prazo decadencial), a contar da dissolução da sociedade conjugal,
para pleitear a nulidade da fiança dada sem o seu consentimento.
Cumpre, sobre esse tema, tecer breve observação no que tange à fiança e
à união estável.
12 Fiança

Há, ainda, na doutrina alguma divergência quanto à necessidade de auto-


rização dos conviventes para que a fiança tenha validade. Contudo, conforme
o art. 73, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 73 O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens.
[...]
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos
(BRASIL, 2002, documento on-line).

Cabe também ressaltar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)


sobre a equiparação entre união estável e casamento (Recursos Extraordinários
[REs] 646.721 e 878.694): “No sistema constitucional vigente é inconstitu-
cional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829
do Código Civil” (BRASIL, 2015, documento on-line). Assim, fortalece-se o
argumento de que a outorga, ou anuência, do outro convivente é necessária.
Nesse sentido, ver Tartuce (2017, p. 469-470).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLA-


RAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA
COM COBRANÇA. ART. 62, I, DA LEI N. 8.245/1991. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO ENTRE FIADORES.
FACULTATIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. OPÇÃO DO LOCADOR.
FIANÇA. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE ORDEM. POSSIBILIDADE.
FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IMPUGNAÇÃO. AUSÊN-
CIA. SÚMULA N. 182/STJ.
1. Inexiste afronta aos arts. 458 e 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de
origem pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões sus-
citadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese,
poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Na ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis, o litisconsórcio
passivo entre fiadores é facultativo, competindo ao locador eleger qualquer
um dos garantes para responder pela dívida.
3. A renúncia do fiador ao benefício de ordem é válida nos contratos de locação,
nos termos do art. 828, I, do CC/2002. Precedentes.
4. É inviável o agravo previsto no art. 1.021 do CPC/2015 que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula n. 182/STJ).
5. Agravo interno não provido.
(BRASIL, 2018c, documento on-line)
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Nessa decisão, em resumo, são dois os motivos de insurgência do fiador.


O primeiro dizia respeito à necessidade de formação de litisconsórcio entre
todos os fiadores (eram dois), sob pena de inépcia da inicial (fundamento no
art. 295, caput, I, e parágrafo único, II, do Código de Processo Civil de 1973);
o segundo referia-se à nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem,
pois abusiva e geradora de desigualdade na relação contratual.
Como verificado na decisão, nenhum dos pleitos do recorrente foi atendido.
O litisconsórcio foi julgado facultativo, ou seja, ficando a cargo do locador
eleger aquele que mais lhe convier. Do mesmo modo, o pedido de nulidade
da cláusula de renúncia ao benefício de ordem não foi admitido pelo tribunal.
A justificativa, como visto, fundamentou-se no art. 828, I, do Código Civil,
considerando, outrossim, plenamente válida a cláusula de renúncia: “Art. 828
Não aproveita este benefício ao fiador: I — se ele o renunciou expressamente
[...]” (BRASIL, 2002, documento on-line)
Cabe ressaltar a necessidade de grande cautela na conclusão dos contratos
de garantia, principalmente, em contratos de locação por adesão, tendo em
vista que o entendimento, nem sempre, conforme apresentado, será interpretar
o contrato em favor do aderente, já que se trata de microssistema com regras
específicas.

BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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14 Fiança

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Leitura recomendada
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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