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Tá na mira

Posted originally on the Archive of Our Own at http://archiveofourown.org/works/48916360.

Rating: Teen And Up Audiences


Archive Warning: Graphic Depictions Of Violence
Category: M/M
Fandom: All For The Game - Nora Sakavic
Relationship: Neil Josten/Andrew Minyard
Characters: Neil Josten, Andrew Minyard, Kevin Day, Renee Walker (All For The
Game), David Wymack, Abby Winfield, Jeremy Knox, Riko Moriyama,
Tetsuji Moriyama, Nicky Hemmick, Aaron Minyard, Allison Reynolds
(All For The Game), Matt Boyd, Danielle "Dan" Wilds, Roland (All For
The Game)
Additional Tags: Soft Neil Josten/Andrew Minyard, POV Neil Josten, POV Andrew
Minyard, Neil atirando, Andrew ensinando o Neil a atirar, Neil
humilhando o Riko, Neil sem paciência, Wymack é um pai cansado, Neil
e Kevin irmãos adotivos, Neil e Kevin Ravens
Language: Português brasileiro
Stats: Published: 2023-07-28 Completed: 2023-09-11 Words: 20,729 Chapters:
7/7
Tá na mira
by parkemmoya

Summary

Neil tem uma pedra em seu sapato e ela tem nome e sobrenome: Riko Moriyama. Estando
preso por um contrato no mesmo time que Riko por pelo menos mais dois anos, Neil se via
sem opções para evitar de explodir e acaber com sua carreira antes de ter a chance de
construi-la fora dos Ravens.

Depois de um dia e um jogo particularmente ruim, Wymack leva Neil e Kevin para um
estande de tiro para aliviar o estresse e Neil, contra todas as expectativas, se encanta por seu
instrutor de tiro e um clima surge imediatamente entre os dois.

Notes

Essa fanfic é, inicialmente, uma au no twitter, mas como eu sempre fui uma escritora de
narração (fanfics e originais), as narrações se sustentam por conta própria e chegou o
momento em que eu pensei "Por que não postar como uma fanfic?". E cá estou. No twitter
tem algumas coisas bônus (tweets, conversas em apps de mensagens entre os personagens),
mas o enredo não depende delas, então fica a seu critério se quiser ler como au ou fanfic
corrida aqui no ao3. Meu user no twitter é parkemmoyya, caso tenha curiosidade.

As atualizações vão ser inicialmente às sextas junto com a au, mas pode mudar para segunda
depois que eu começar o semestre da faculdade porque sexta feira eu vou ter aulas o dia
inteiro e não vou ter tempo de atualizar.

Fiquem à vontade para comentar ao longo da fanfic ou vir falar comigo via dm.

Se quiser ver meus projetos em primeira mão me acompanhe no twitter porque eu sempre
aviso (e às vezes posto) primeiro lá, além de algumas histórias que só estão postadas lá.

Espero que gostem! 💞


I. Neil

Neil sentia a adrenalina do jogo correndo por seu sangue, sentia seus pulmões queimando
com o esforço de cruzar a quadra várias vezes durante seus ataques, sentia a alegria de estar
fazendo o que mais amava. Kevin estava com a bola em sua posse, mas estava sendo
marcado por dois jogadores do time adversário. Riko estava um pouco à frente dele, marcado
por um jogador, Neil estava sozinho e à frente dos dois. Kevin sabia o que fazer, sabia para
quem devia jogar, e o fez. Em um piscar de olhos Neil estava com a bola em sua raquete e
corria como se não houvesse amanhã, como se suas pernas fossem feitas de aço e ele não
sentisse o peso de uma partida inteira em seu corpo. Neil corria porque isso era o que ele
sabia fazer de melhor. O juiz apitou o gol e logo em seguida apitou o fim do jogo. Neil e
Kevin venceram mais uma.

"E são eles: os filhos de David Wymack, técnico muito bem sucedido na liga universitária,
estão ganhando tudo mais uma vez. E que Deus abençoe quem acabe no caminho deles
porque eles não pedem licença antes passar por cima de qualquer equipe que acha que pode
detê-los", disse o narrador pelas caixas de som espalhadas no estádio.

Neil se virou para comemorar com Kevin e o movimento possibilitou que ele visse quando
Riko deliberadamente esbarrou em Kevin e o fez cair de joelhos, usando sua mão direita para
se apoiar no chão. Neil foi em direção aos dois e viu de perto o momento em que Riko quase
pisou na mão de Kevin. Raiva pura aquece suas veias e ele acelerou seus passos, se
preparando para começar a briga que Riko vinha procurando há tanto tempo — um sorriso
quase despontou de seus lábios só com o pensamento. Neil passou por Kevin com um único
olhar, um que Kevin conhecia bem o suficiente para saber que se não o parasse agora, depois
seria tarde demais para consertar o resultado, então se levantou e segurou Neil pela raquete
que passava por ele.

— Neil, não.

Neil parou por alguns segundos e o encarou, a pergunta explícita em seu olhar exasperado:
você vai deixar ele se safar de novo? E Kevin se sentiu mal porque, sim, ele ia, ele sempre
deixava. Ele temia Riko muito mais do que admitiria em voz alta. E as pessoas estavam
vendo, ele tinha certeza de que Riko tinha se certificado de fazer parecer um acidente e Neil
começando uma briga na frente de todo mundo com alguém que persegue com tanta força a
imagem de bom moço, como Riko, não iria acabar bem para nenhum dos dois. A culpa iria
pesar nas costas de Neil e Kevin, era assim que Tetsuji Moriyama sempre fazia acontecer: a
culpa era de qualquer um, desde que não fosse de Riko.

— Não.

— Por que não, Kevin? Ele começou. Ele tá há meses me provocando querendo uma briga.
Ele. Não eu, não você. Ele. E a gente não vai fazer nada? De novo? A gente vai deixar esse
babaca pisar na gente como se a gente tivesse sangue de barata?
A voz de Neil estava áspera com a raiva, a vontade de acertar um golpe em Riko correndo
fervente em seu corpo. A necessidade de descontar o que ele estava fazendo com Kevin há
tanto tempo por inveja.

— Não é deixar ele pisar em nós, Neil, é autocuidado, é saber que se a gente bater de frente
com ele a gente tá fora. É isso que você quer? Ser expulso do time e ter os Moriyama
garantindo que você não consiga uma carreira em lugar nenhum? Você quer arriscar perder
tudo por uma coisa besta dessas?

— Não é uma coisa besta, Kevin. É um idiota achando que pode fazer o que quer e ninguém
faz nada para corrigir. Ninguém nessa porra de time se importa que ele é um filho da puta se
ele continuar marcando e qualquer um marca mais que ele é tratado como errado e todo
mundo finge que isso não acontece. Alguém tem que mostrar pra ele que o mundo gira, mas
não por causa dele.

— Mas essa pessoa não tem que ser você, Neil! Você não tem que arriscar tudo por mim. Eu
aguento e eu posso me virar.

Neil o encarou, os olhos azuis percorrendo o rosto de Kevin como se cada palavra fosse fruto
de um pesadelo ou de uma alucinação. Como se ele não pudesse acreditar no que estava
ouvindo. Neil estava frustrado, apesar de amar exy com cada pedaço da sua alma, momentos
como aquele o faziam se questionar seriamente se ele realmente queria continuar como
estava.

— Isso tá errado, Kevin — Neil falou, quase resignado.

— Eu sei, mas não somos nós que vamos consertar — respondeu Kevin.

Neil queria argumentar, queria fazer alguma coisa para melhorar a situação de seu amigo, seu
irmão, mas ele não permitia. E isso era tão frustrante quanto ter a bola roubada de você por
um passe errado.

🐾
Quando Neil e Kevin encontraram com Wymack no estacionamento do estádio, o clima ruim
era quase palpável. Neil vinha na frente com mandíbula trincada e olhar distante — sinal
claro de que ele era uma bomba relógio para arrumar confusão com qualquer um que fizesse
o mínimo de esforço para arrumar uma —, Kevin o seguia com alguns passos de distância
entre eles, evitando completamente o olhar de Neil. Wymack suspirou, alguma coisa tinha
acontecido, eles não iriam contar e aquela tensão ficaria assim até Deus-sabe-quando. Não
disposto a aguentar esse tipo de coisa no pouco tempo que tinha para passar com os filhos,
Wymack decidiu que faria alguma coisa.

— Eu não sei o que aconteceu e eu sei que vocês não vão me contar, mas eu não vou passar o
meu tempo com os meus filhos de cara emburrada como se eu estivesse buscando vocês em
um enterro e não em um jogo que, por um acaso, vocês venceram. Kevin?

— A situação não é das melhores — Kevin confessou, entrando no banco do passageiro.


— Neil?

— Eu tô bem — respondeu Neil, entrando no banco de trás e jogando sua bolsa para o lado.

— Ah, pelo amor de Deus! Achei que a gente já tinha passado dessa fase — Wymack
reclamou, entrando no banco do motorista e revirando os olhos. — Certo, se os dois
bonitinhos não vão explicar eu vou ter que dar um jeito de vocês aliviarem a tensão.

Wymack, então, puxou o celular do bolso e ficou alguns minutos pesquisando até que
finalmente pareceu encontrar o que estava procurando e dar partida no carro com um sorriso
quase satisfeito no rosto.

🐾
Quando Wymack começou a dirigir sem dizer para onde estavam indo, Neil pensou que ele
os estava levando para casa, imagine você a surpresa quando ele estacionou na frente de uma
academia que, se você não soubesse o que estava procurando, ninguém daria a menor
atenção.

A fachada do prédio, em tons neutros com alguns detalhes em vermelho, não revelava muito
sobre o seu interior e a construção parecia mais alta do que larga, dando a impressão de estar
comprimida entre os outros dois prédios, uma padaria e uma loja de conveniência. O nome
MinyGym brilhava no outdoor em vermelho e Neil se deixou ser guiado para a entrada pela
mão de Wymack em seu ombro.

— Venham, cavalheiros, vamos tirar essa tensão de vocês na marra — disse ele, conforme
eles passavam pela porta até a recepção, onde um garoto de cabelos pretos e levemente
arrepiados, com uma tatuagem no formato de uma rosa despontando de sua camiseta preta em
seu pescoço, parecia distraído por algo no balcão e não percebeu os três se aproximando.
Wymack pigarreou levemente, atraindo a atenção dele para os três. — Boa tarde.

— Boa tarde — um sorriso pequeno se espalhou por seus lábios ao responder — como posso
ajudá-los?

— Os dois bonitões aqui precisam desestressar. O que vocês podem oferecer? — Wymack
perguntou, apontando com o polegar para Neil e Kevin que agora estavam atrás dele, como
costumavam fazer quando ainda eram adolescentes e dependiam dele para tomar à frente das
situações.

— Hm, temos toda a estrutura de uma academia normal, temos aulas e práticas de combate
corpo-a-corpo e autodefesa, e temos um clube de tiro no subsolo. Todos podem ser acessados
com o pagamento mensal, semestral ou anual, mas o clube de tiroterapia tem algumas regras
específicas que eu posso explicar em detalhes se um dos dois estiverem interessados.

— Certo. O que vocês acham? — Wymack olhou para os filhos.

— Eu quero tentar o clube de tiro — Neil respondeu sem precisar pensar muito. Kevin o
olhou como se uma segunda cabeça tivesse crescido no pescoço dele. — O que foi?
— Você já não sabe atirar?

— Eu sei segurar uma arma, atirar é outra coisa e eu não tive tempo para chegar nessa parte
— Neil respondeu, sem dar mais detalhes. — Acho que vai me ajudar mais do que combate
corpo-a-corpo que eu já sei.

— Acho que eu vou para autodefesa. Eu tenho a sensação de que se as coisas continuarem do
jeito que estão eu posso precisar dessas habilidades em breve — Kevin admitiu, fazendo Neil
sorrir levemente orgulhoso. — Desfaz esse sorrisinho, eu não vou sair no soco com o Riko.

— Eu sairia se você não ficasse no caminho toda vez — Neil retrucou, dando de ombros.

— Eu não vou tirar vocês da cadeia se vocês forem presos por agressão — Wymack falou.

Neil e Kevin se entreolharam com um sorriso quase zombeteiro no rosto de cada um. Ele
tiraria sim. O rapaz da recepção também deve ter percebido porque ele riu.

— Aqui, preencham essa ficha enquanto eu explico os detalhes do clube de tiro e o que é
necessário para confirmar sua inscrição. As aulas de autodefesa não tem tanta burocracia,
então acho que já posso chamar a Renee aqui assim que vocês me entregarem as fichas
preenchidas.

Com isso explicado, Wymack se afastou do balcão e deixou os filhos lidarem com o resto das
coisas. Alguns minutos depois as duas fichas já estavam preenchidas.

— Tudo bem então, Neil e Kevin, — o rapaz falou depois de conferir o nome deles nas
fichas. — Eu sou o Roland, sejam bem vindos à MinyGym! — Roland sorriu para os dois. —
Kevin, eu vou chamar a Renee para você, sua inscrição tá basicamente concluída. Neil, eu
ainda preciso confirmar algumas coisas antes de te passar adiante.

— Tudo bem — Neil respondeu, assentindo.

Roland, então, pegou o telefone no canto do balcão e ligou para alguém, levando-o até o
ouvido.

— Ei, Renee, eu tenho um aluno para você — escutou por alguns segundos — não, é novo,
eu literalmente acabei de concluir a ficha dele. Você pode descer aqui? Eu tenho mais uma
inscrição pra concluir — mais uma pausa, — tá certo. — Roland desligou e olhou para
Kevin. — Ela já tá descendo.

— Obrigado.

— Neil, eu vou precisar da sua documentação e checar os seus antecedentes criminais, se


estiver tudo tranquilo, nós podemos concluir a sua inscrição.

— Certo, obrigado.

Uma pessoa apareceu de um corredor que Neil sequer tinha percebido que existia até ver
alguém saindo por ele. A garota, que Neil imaginou que fosse Renee, tinha cabelos
platinados com mechas coloridas nas pontas que iam até a altura de seus ombros. Renee se
aproximou deles com um sorriso simpático.

— Obrigado, Roland. Olá, meninos. Qual dos dois vai sofrer na minha mão?

— Sou eu, acredito — Kevin respondeu levantando uma das mãos com um pequeno sorriso.

— Prazer, então. Eu sou Renee Walker, instrutora aqui da MinyGym de combate corpo-a-
corpo e autodefesa.

— O prazer é meu. Eu sou Kevin Day, esse aqui é Neil Josten. — Neil acenou com um
sorriso pequeno. — E aquele é David Wymack, meu pai — apontou para Wymack, encostado
na parede mais próxima da porta por onde eles entraram.

Wymack respondeu com um aceno.

— Tá bom, então, deixo minhas dores de cabeça aos cuidados de vocês — disse se afastando
da parede e se aproximando dos filhos. — Vocês se comportem e se acalmem. O que quer
tenha acontecido hoje vocês vão dar um jeito, vocês sempre dão.

— Obrigado, pai — Kevin agradeceu, sorrindo.

— Valeu, Wymack. — Neil também sorri.

— Eu vou estar na padaria aqui do lado, me procurem lá quando quiserem ir embora. A Abby
tá esperando a gente lá em casa.

Wymack deixou um afago no ombro de cada um dos filhos e acenou para Roland e Renee em
despedida, que retribuíram.

— Kevin, vamos para a outra parte da academia pra conversar melhor sobre as suas aulas? —
Kevin assentiu. — Foi um prazer te conhecer, Neil.

— O prazer foi meu — Neil respondeu, acenando conforme os dois se afastam pelo mesmo
corredor que Renee veio.

— Bom, Neil, devo me preocupar de estar conversando com um fugitivo? Vou ser
considerado cúmplice? — Roland brincou, fazendo Neil sorrir um pouco mais aberto, ainda
que Roland não tivesse noção do quão próximo do passado de Neil isso estava. — Olhando
aqui no sistema, você não tem antecedentes e é de maior, então eu posso concluir a sua
inscrição sem maiores problemas. Vou chamar o Andrew, ele é o nosso instrutor de tiros.

— Tá bom, Roland. Obrigado — Neil agradeceu enquanto Roland pegava o telefone


novamente.

— Andrew, tenho um aluno pra você aqui. — Esperou por alguns segundos. — É, tudo certo,
eu já olhei. Ele tá aqui na recepção, passa aqui pra levar ele pro estande. — Roland fica em
silêncio por mais um tempo. — Precisa Andrew. — Roland revirou os olhos. — Tá bom.

Roland desligou o telefone e olhou para Neil.


— Ele tá descendo, Neil.

— Obrigado.

Poucos minutos depois um garoto surgiu do mesmo corredor de onde Renee havia saído e
Neil piscou algumas vezes para se recuperar do impacto. O garoto era um pouco menor que
ele, tinha cabelos loiros bagunçados, um piercing preto adornava sua sobrancelha direita e
estava todo vestido de preto. Sua expressão despreocupada se acendeu com interesse quando
olhou para Neil e o analisou de cima a baixo, exibindo um sorriso ladino quando se
aproximou mais dos dois.

— Andrew, esse é o Neil, seu próximo aluno. Neil, esse é o Andrew.

— Só Neil? — Andrew perguntou uma leve faísca de interesse na voz.

— Neil Josten.

— Interessante. Deveras interessante. Eu sou Andrew Minyard. Venha comigo, o estande fica
no subsolo.

Andrew não esperou por uma resposta, apenas voltou pelo mesmo corredor de onde veio e
Neil o seguiu depois de agradecer Roland pelo atendimento. Andrew o guiou pelo corredor
pequeno e eles desceram dois lances de escada até uma sala bem maior do que se imagina
quando se vê a fachada da academia.

O estande era dividido em 3 cabines, cada uma com um alvo na frente e uma madeira
atravessada entre elas, provavelmente um apoio para os braços ou a arma, e um armário se
encontrava na parede oposta à escada e Andrew seguiu até ele, tirando uma chave do bolso e
abrindo uma das quatro portas.

— Você já atirou antes? Tem alguma preferência por alguma arma em específico?

— Eu sei segurar uma arma, mas não sei nada muito além disso. Não tenho preferência por
armas também.

— Certo. Vamos testar algumas delas então e ver qual você acha que te serve melhor. Depois
a gente testa a sua postura. Para uma aula introdutória, isso deve ser o suficiente.

— Não tem como eu atirar em alguma coisa hoje? Eu realmente preciso muito colocar a
tensão pra fora.

— Dia difícil, hein, campeão? — Andrew provocou, arqueando a sobrancelha direita. —


Tudo bem, vamos mudar então a ordem das coisas. Primeiro a gente testa a sua postura e
depois você pode experimentar algumas armas atirando em alguns alvos.

Neil acenou e Andrew pegou uma das armas do armário, sem escolher com muito cuidado,
optando por uma pistola e a entregando para Neil.

— Sabe destravar? — Neil assentiu. — Me mostra o que sabe fazer, então.


Neil tentou evitar, mas uma frase dessas dita por um homem bonito mexeu com suas emoções
de uma forma que não era o que ele estava esperando quando se imaginou em um estande de
tiros. Andrew se encostou com o ombro apoiado no armário e o pé cruzado com seu
calcanhar, observando enquanto, sem ter noção do que se passava na cabeça de Neil, ele
destravou a pistola em sua mão sem grandes dificuldades e se colocou na posição que seu
tutor, um dos homens sob as asas de seu pai, o ensinou quando ainda era jovem demais para
se lembrar de maiores detalhes.

Ignorando a distração que sua atração representava, Andrew passou o olhar cuidadoso pelo
corpo de Neil enquanto analisava a posição que ele se colocou em frente ao apoio enquanto
apontava a arma para um dos alvos do outro lado do estande.

— Você realmente parece saber segurar uma arma, mas a sua postura é uma postura de merda
— Andrew disse quando acaba sua análise e se aproxima de Neil. — Seus pés têm que estar
mais separados, paralelos, e com uma abertura um pouco além da direção dos ombros.
Posso? — Neil levou um tempo para entender que Andrew estava pedindo permissão para
tocá-lo. Neil assentiu e Andrew prosseguiu, usando o próprio corpo para consertar a postura
de Neil. — Você precisa flexionar um pouco os joelhos pra dar firmeza. Isso. Agora estique
os braços e os dois precisam estar segurando a arma, ou você vai sofrer com o tranco do tiro.
— Andrew passou uma das mãos por sua cintura e Neil tentou não deixar a mente viajar
muito longe enquanto as mãos de Andrew passavam por seu corpo, consertando as falhas de
seu posicionamento. Andrew sorriu de lado ao perceber que Neil estava levemente afetado
por sua proximidade, percebendo que ele não era o único interessado.

Com isso, Andrew se afastou e analisou a postura novamente, sorrindo satisfeito com a
postura de Neil depois de suas correções.

— Seus braços têm que formar um triângulo, por isso o nome dessa posição é isósceles.
Vamos testar essa primeiro e se, mesmo com o posicionamento correto, você acabar sofrendo
com o tranco, nós podemos tentar uma outra posição que serve melhor para esse tipo de caso.

— Certo.

Andrew voltou até o armário e pegou um óculos e um tapa-ouvido e os entregou a Neil.

— Aqui o equipamento de segurança. Tenta atirar, não se preocupe com a mira, não tem
problema se errar, é só pra ver se essa posição serve pra você ou se precisamos testar uma
outra.

— Okay — Neil concordou rapidamente enquanto colocou os óculos de proteção e o tapa-


ouvido.

Andrew se afastou e observou enquanto Neil atirava pela primeira vez, acertando o canto do
alvo circular e impressionando Andrew, a maioria de seus alunos errava, e por muito, o alvo
em sua primeira aula — até depois de algumas aulas ainda é difícil para alguns acertar sequer
o canto como Neil fez. Andrew se aproximou novamente.

— Como foi o tranco? — Neil não pareceu sofrer com isso, mas não custava perguntar para
ter certeza.
— Tranquilo, nada que eu não conseguisse lidar.

— Ótimo, acho que podemos continuar assim, então. Você tem interesse em armas longas?
— Andrew perguntou.

— Não, pra mim essa tá ótima.

— Por algum motivo eu imaginei que você preferiria armas leves. Certo, então podemos
testar modelos de pistolas e revólveres e ver se você tem alguma preferência.

— Tá bom.

Assim, os dois passam os próximos 30 minutos experimentando modelos e posturas para


deixar Neil confortável atirando e, aos poucos, Neil foi sentindo a tensão deixar seu corpo.
Ele também percebeu, no entanto, que a voz levemente rouca de Andrew e sua proximidade
talvez tivessem mais efeito em seu alívio da tensão do que os barulhos de tiro que soavam
pelo estande.

🐾
Depois de algum tempo passado com Andrew e Neil concentrados em descobrir o que
funcionaria melhor para Neil, os dois mal conseguiam disfarçar as faíscas de interesse e os
pequenos flertes que pairavam no ar. Andrew observava Neil atirar cada vez com mais
confiança, a postura já infinitamente melhor do que quando eles começaram e sentia seu
interior se revirar com a atração. Pessoas competentes sempre atraíam seu interesse. Já Neil
tentava impedir sua mente de viajar toda vez que Andrew o tocava para corrigir alguma coisa
ou só para buscar apoio enquanto o direcionava — uma mão em seu ombro, um toque
acidental por sua cintura, pequenas coisas que normalmente não significavam nada na
maioria dos contextos, mas deixava os dois cientes da constante proximidade entre eles.

— Você me interessa Neil Josten, mais do que eu admitiria para a maioria das pessoas —
Andrew confessou enquanto assistia Neil tirar todo o equipamento de segurança, passando a
mão pelos cabelos ruivos para ajeitar os fios.

— É 100% recíproco.

Andrew então deu um sorriso pequeno e foi até a mesa no canto contrário ao armário e pegou
um dos cartões com o número da academia, adicionando seu número pessoal aos números ali
presentes.

— Me mande uma mensagem então e vamos ver se você é capaz de segurar o meu interesse
por tempo o suficiente pra fazer isso chegar a algum lugar.

Dessa vez quem sorriu foi Neil enquanto guardava o cartão em seu bolso.

— Os rumores são de que eu sou muito interessante.

— Vamos ver se esses rumores têm fundamento. — Andrew arqueou a sobrancelha com o
piercing e guiou Neil até a porta que levava à escada. — Acredito que você seja capaz de
encontrar o caminho de volta sozinho. Nos vemos de novo em breve, Josten.
E Neil faria questão de garantir que se veriam mesmo.
II. Neil

Quando Neil e Kevin decidiram ir embora, a noite já estava mais escura do que ambos
esperavam enquanto estavam distraídos em seus respectivos novos hobbies. Neil se sentiu um
pouco mal por fazer Wymack esperar tanto tempo, mas David não reclamou, apenas se
levantou da padaria e encontrou os dois na entrada.

— Mais calmos? — Neil assentiu e Kevin sorriu levemente. — Ótimo, então vamos porque a
Abby deve estar a poucos passos de vir nos buscar pelos cabelos.

— Ela sabe onde você trouxe a gente? — Kevin perguntou desconfiado enquanto os três se
dirigiam até o carro.

— Não, ela não sabe e vocês não vão contar porque ela me mata se descobrir que eu
encorajei o Neil a aprender a atirar. — Wymack lançou um olhar ameaçador na direção dos
dois antes de entrar no lugar do motorista, com Kevin no banco do carona e Neil no banco de
trás com uma conversa leve soando entre eles, quase como se o clima ruim de mais cedo que
os levou até a MinyGym nunca tivesse existido.

Quando os três chegaram na casa que Wymack e Abby moravam, Abby os esperava na sala
com um livro em seu colo e Wymack conduziu Kevin e Neil para dentro.

— Até que enfim chegaram, achei que tinham se perdido — Abby comentou, deixando o
livro sobre o sofá, se aproximando dos três com um sorriso e deixando um beijo na bochecha
de cada um. — Bom ver vocês, meninos.

— Bom te ver também Abby — Kevin disse, largando a bolsa ao lado da porta e Neil fez o
mesmo.

— Eu vi que vocês venceram o jogo. Parabéns! Vocês estavam incríveis.

— Obrigado, Abby — Neil agradeceu, retribuindo o sorriso enorme de Abby com um menor,
mas sincero. Neil nunca seria capaz de descrever em palavras quanto o apoio e os conselhos
de Abby significavam para ele.

— Não por isso, querido. Vão tomar banho e ficar confortáveis enquanto eu e o David vamos
terminar o jantar.

Os dois obedeceram sem que Abby precisasse falar duas vezes. Depois de um jogo e o
estresse que veio depois e as novas experiências, ambos estavam cansados e necessitados de
um banho,um momento livre de pressão com a família também seria muito bem-vindo.

Neil saiu do banho, vestindo uma blusa com o dobro de seu tamanho e uma calça moletom,
ambas cinza e sem detalhes, e desceu as escadas secando os fios ruivos com a toalha e se
sentindo muito mais relaxado e tranquilo enquanto ia encontrar com Abby e Wymack na
cozinha para ajudar no jantar depois de pendurar a toalha para secar. Poucos minutos depois
Kevin também aparece por lá, provavelmente tendo a mesma ideia, e a cozinha se enche de
conversas casuais, risadas e sorrisos ladinos da parte de Neil.

Depois do jantar, Neil e Kevin se juntaram na sala para assistir um filme, decidindo ir dormir
depois que acabou e se recolhendo cada um em seu quarto que Abby e Wymack mantiveram
mesmo depois que os dois se mudaram para morar mais próximo do centro de treinamento.

Ao chegar em seu quarto, Neil percebeu uma mensagem esperando por ele em seu celular,
que ficou carregando enquanto ele aproveitava seu tempo com sua família e sorriu ao
perceber que, apesar do número desconhecido, ele conseguia reconhecer quem enviou apenas
pela saudação.

🐾
Neil acordou sem precisar de despertador, acostumado demais aos horários dos treinos para
continuar dormindo, e encontra Abby na cozinha sentada à mesa com uma xícara de café em
uma mão e o celular na outra.

— Bom dia, Abby.

— Bom dia, querido — Abby respondeu com um sorriso carinhoso enquanto Neil servia uma
caneca de café para ele mesmo. — Dormiu bem?

— Dormi. Como estão as coisas no hospital?

— Estão indo, na medida do possível, hospitais nunca param — Abby respondeu com uma
risadinha. — Tá mais calmo? David comentou comigo ontem que você e o Kevin estavam
meio estressados e que foi por isso que vocês se atrasaram.

— Ontem foi... complicado.

— As coisas estão ruins no time?

— Não "coisas" no plural, uma coisa só não tá funcionando, mas é uma coisa que eu e o Kev
não podemos mudar sem nos comprometermos — Neil explicou a situação sem dar muitos
detalhes.

— Hm, posso dar minha opinião?

Neil olhou para Abby, reparando como os fios loiros presos em um coque desajeitado caíam
sobre a lente do óculos não parecia incomodá-la. Com os olhos cheios de carinho e
preocupação estavam focados nele e como Neil sentia que nunca conseguiria deixar claro o
suficiente como ele grato por aquilo.

— Não vai doer ouvir.

Neil se sentou na cadeira do lado oposto da mesa.

— Aguenta firme por agora, mas veja onde estão os seus limites. Não vale a pena continuar
se estiver te fazendo mal. Só peço para você evitar a cadeia, algo me diz que a fiança seria
cara.

Neil riu levemente, deixando a caneca sobre a mesa entre eles com um sorriso ainda se
demorando em seu rosto..

— Tudo bem. Obrigado Abby. — Neil sorriu pequeno.

— Não por isso, querido. Eu tô aqui pra ajudar, se vocês precisarem. Meu número no celular
de vocês não é só enfeite.

— Obrigado por isso também.

Abby apenas sorriu enquanto toma um gole de café. Poucos minutos depois Kevin e Wymack
aparecem saindo das escadas.

— Bom dia! — Wymack cumprimentou, se sentando na cadeira depois de deixar um beijo na


bochecha de Abby e um afago nos cabelos ruivos de Neil.

— Dia — Kevin resmungou quase contra vontade. Os fios negros bagunçados pela noite de
sono, as roupas amassadas e o rosto amassado por ter acabado de acordar. Neil melhor do que
ninguém sabia que Kevin só funcionava de manhã se estivesse motivado por Exy, em
qualquer outro cenário, ele era uma péssima companhia matutina.

— Bom ver que você continua uma pessoa que ama acordar cedo Kevin — Abby
comentoucom uma risada.

— É incrível como mesmo depois de anos acordando cedo por causa dos treinos certas coisas
nunca mudam — Wymack concordou com um sorriso pequeno no rosto enquanto se servia
de café. Neil se permitiu analisar o pai adotivo. A barba por fazer, as tatuagens espalhadas
pelo antebraço, a aparência intimidadora que se perdia depois que se conhecia o homem
prestativo e preocupado que ela encobria. Totalmente diferente de seu pai biológico. O que
David Wymack tinha de bom, Nathan tinha de ruim e Neil carregava cada diferença em seu
psicológico que levou anos para desconectar um homem de outro.

— Vocês só estão rindo porque não moram mais com ele. Agora eu aturo o mal humor dele
sozinho. Qualquer dia desses vocês vão encontrar meu corpo naquele apartamento porque eu
disse a coisa errada antes que ele estivesse acordado o suficiente pra lembrar que homicídio é
crime.

— Há, há, há, como o Neil acordou piadista — Kevin ironizou enquanto se encostava na pia
com uma caneca de café em mãos. Os fios negros e bagunçados caindo sobre os olhos. —
Espero que já esteja pronto pra ir, hoje nós não temos treino, mas vamos dar uma faxina.

— Eu sei o que a gente combinou, Kev, não precisa ficar me lembrando. — Neil revirou os
olhos.

— Olha só pra eles Abby, falando de coisas de adulto como se até ontem eu não estivesse
descascando abacaxi deles na escola porque o Neil tem a língua maior que a boca e o Kevin
não sabe controlar o ego maior que ele — Wymack provocou enquanto olhava de um filho
para o outro.

— Eu não duvido que vá acontecer novamente, mas o que eu posso fazer? A linguagem do
amor deles é ofensa.

Neil e Kevin nunca poderiam discordar disso.

— Pode nos levar em casa, pai? Estamos sem carro.

— Eu sei. Oficina, né? — Wymack perguntou para confirmar e Neil assentiu. — Eu levo
vocês.

Assim, os três terminam de tomar café da manhã e saem depois de se despedirem de Abby.

🐾
Quando Wymack deixou Kevin e Neil no prédio em que eles moravam e se despediu com um
aceno, Neil suspirou pensando na faxina que os esperava no dia de folga. Ele e Kevin
estavam há algumas semanas tentando encontrar um dia para arrumar o apartamento. A
situação não estava insustentável, já que Neil e Kevin nem passavam tanto tempo em casa
para que o espaço se tornasse inabitável, mas isso também significava que, para além das
tarefas básicas como lavar louça e varrer o chão, eles não tinham tempo para fazer o resto. Ou
seja, o dia de folga seria dia de tirar pó, organizar e desapegar de coisas que não eram mais
usadas. Os dois guardaram as bolsas em seus respectivos quartos e começaram a separar
quem faria o que e os produtos que iriam usar. Enquanto isso, Neil pensou que seria um bom
momento para perguntar.

— Você conheceu ou jogou contra algum Andrew Minyard na época da faculdade?

Kevin parou para pensar um pouco e levou alguns segundos para lembrar

— Ah, o goleiro?

— Isso.

Kevin remexia os produtos de um lado para o outro, procurando, Neil sabia, por aquele que
mais gostava.

— A gente era de estados diferentes, então nunca nos enfrentamos, mas eu ouvi falar. Acho
que eu vi ele jogar uma ou duas vezes. Ele era bom, mas parecia que não tinha motivação.
Por quê?

— Ele é o meu instrutor de tiro.

— Ele só jogou na liga universitária, né? Bem na época que você tava na Inglaterra.

— Pois é, não tinha muito como a gente se esbarrar estando em continentes diferentes —
concordou, dando de ombros. Mas Kevin o conhecia melhor do que quase qualquer pessoa no
mundo, ele sabia ler as entrelinhas.
— Você parece interessado.

Kevin arqueou uma das sobrancelha.

— Ele é interessante.

— Boa sorte com isso, então. Pelo que eu ouvi ele não é exatamente fácil de lidar.

— Eu também não sou o que as pessoas definiriam como "fácil de lidar", mas a gente se
virou bem até agora.

— Você tem um ponto — disse Kevin, acenando com a cabeça e pegando um desinfetante e
indo para a sala com um rodo em mãos. — Vou começar a passar pano, vê se não enrola
porque eu quero terminar cedo.

— Amo como você é otimista — Neil ironizou, pegando um pano e o lustra móveis, já que
estava responsável pelas prateleiras de madeira.

🐾
III. Neil

Quando Neil acordou no dia seguinte, ele percebeu que dormiu mais e melhor do que
esperava, apertando seus olhos em uma tentativa de evitar a luz do sol que entrava pelas
cortinas entreabertas que ele esqueceu de fechar quando se jogou na cama, exausto com a
faxina que ele e Kevin fizeram no apartamento. Passou algum tempo brigando com a luz até
aceitar que perdeu e finalmente sair da cama, já que queria tentar aproveitar o domingo com
seus amigos antes de começar mais uma semana estressante aguentando Riko e seu tio puxa-
saco. Concluindo sua higiene pessoal, Neil foi para a cozinha, que ainda se encontrava vazia
porque Kevin se recusava a acordar cedo se não fosse para os treinos, e preparou o café que
seu corpo pedia desde que abriu os olhos, observando como tudo estava mais bem organizado
na cozinha de cores neutras.

Neil, então, pegou o celular e deu uma olhada nas coisas que estavam acontecendo em suas
redes sociais e revisitou a conversa com Andrew, sorrindo de canto ao lembrar que os dois
marcaram algumas aulas para as próximas semanas, se arranjando para que os horários
batessem. Encostado no balcão, Neil respondia algumas mensagens quando Kevin entrou na
cozinha.

— Bom dia — Neil falou quando Kevin se sentou no balcão ao lado de onde ele está
encostado.

— Bom dia — Kevin respondeu sem nenhuma animação enquanto Neil colocava um pouco
de café em uma caneca e passou para ele. — Eu vou marcar mais aulas com a Renee pra
semana que vem e a próxima.

— Eu já marquei alguns dias com o Andrew.

— Eu nem vi ele da última vez. Como ele é?

Neil não sabia como descrever Andrew, eles não se conheciam além dos pequenos flertes que
acompanharam aquela primeira aula e as mensagens.

— Normal, ué. Pretende marcar pra que horas? Depois do treino?

— Provavelmente. É quando a gente mais precisa aliviar a tensão — Kevin respondeu,


pegando o próprio celular. — Tá confirmado com o pessoal?

— Sim, Matt me mandou mensagem pra confirmar. Eu já confirmei que a gente ia.

— Eu não acho que eles esperavam que a gente ia concordar quando eles marcaram de sair
— Kevin comentou com um uma risada curta.

— Você, talvez. Eles não esperavam que eu dissesse sim.

— Pra ser sincero, nem eu esperava. O que te fez concordar?


Não era segredo para ninguém que Neil evitava sair se fosse possível. Talvez fosse um dos
resquícios da convivência com Nathan, quando sair sequer era uma opção. Neil apenas se
acostumou a ficar em casa.

— Primeiro, que é uma saída mais íntima, só com a gente. E segundo que depois de sexta eu
preciso estar na presença de pessoas que eu confio. Eu preciso lavar a energia do Riko de
mim antes de voltar a treinar com ele, ou eu vou usar minhas aulas de tiro pra garantir um
tempo na cadeia.

— Você sabe que não precisa comprar minhas brigas por mim, não sabe?

— Sim, Kev, eu preciso porque, se não, você deixa um babaca como o Riko te fazer de gato e
sapato e eu nunca conseguiria assistir isso sem fazer nada.

Kevin o olhou em silêncio por alguns segundos antes de se levantar e lavar a caneca que
usou. Neil sabia que estava disposto a fazer qualquer coisa por Kevin e seu irmão também
sabia disso.

— Nós vamos sair depois de almoçar.

Neil apenas assentiu enquanto Kevin saía da cozinha e ia para o próprio quarto.

🐾
Dias se passaram desde o dia em que Neil esteve na academia de Andrew e desde então os
treinos têm piorado seu estresse em muitos níveis. Riko estava fazendo o que podia para que
Neil estourasse e causasse sua expulsão do time e Kevin já precisou segurá-lo mais de uma
vez para que ele não fizesse algo que poderia se arrepender, não que ele achasse que ia. Mas
tudo tinha limite e a paciência de Neil costumava durar bem pouco e ele já havia forçado bem
além dos limites.

— Chega, Kevin! Eu não vou mais deixar esse filho da puta te tratar desse jeito. Quem ele
acha que é?

Neil e Kevin estavam no vestiário sozinhos como os últimos a sair do treino em uma tentiva
de ter um pouco de paz e se livrar de Riko o quanto antes. Neil trocava seu uniforme por suas
roupas casuais para ir embora.

— Ele é a porra do sobrinho do treinador e filho de um dos maiores patrocinadores do time e


você vai ficar na sua porque você não quer ser expulso do time.

Neil sentiu a raiva ascendendo de seu interior.

— Não Kevin, eu não quero ser expulso de time, mas que caralho de time é esse que deixa
um porrinha mimado mandar e desmandar como se ele fosse o time?

— A gente não pode arriscar, Neil! Eu não posso arriscar que você seja expulso.

Neil bufou impaciente, terminando de se vestir enquanto Kevin secava o cabelo.


— Vamos fazer assim: hoje a gente vai na academia, a gente desconta a raiva e no treino de
amanhã você vai estar menos propenso a planejar o assassinato do Riko. Que tal?

Neil olhou para Kevin se perguntando internamente se Kevin realmente achava que a melhor
forma de evitar a morte de Riko era levando Neil para um lugar onde ele aprendia a mirar
com uma arma, mas não seria ele a lembrá-lo desse detalhe.

— Tudo bem, mas eu acho que é bom você saber que a minha paciência com o Riko tá bem
curta e que dá pra contar nos dedos quantas vezes eu vou conseguir controlar meu
temperamento antes de mandar o Riko tomar em mais buracos do que ele é capaz de contar.

Kevin não respondeu nada quando Neil foi até os armários terminar de se arrumar para
saírem.

🐾
A academia estava exatamente da mesma forma que Neil se lembrava quando os dois saíram
do carro que pediram e se dirigiram para a recepção, onde Rolland parecia ocupado com
alguma papelada e não notou a chegada dos dois.

— Roland? — Kevin chamou, se aproximando do balcão e atraindo a atenção dele.

— E aí? Achei que tinham desistido já que não voltaram mais — Roland cumprimentou os
dois com um sorriso.

— Os treinos estão um pouco mais pesados por causa do meio da temporada, mas a gente
sempre vai acabar voltando.

— Renee e o Andrew sabem que vocês viriam hoje?

— Eu avisei a Renee, mas o Neil não avisou o Andrew. Isso é um problema?

— Acredito que não, mas eu vou precisar pedir pra ele descer. Ele tá no apartamento.

Roland parecia estar sentindo dor quase física por ter que acordar Andrew.

— Eu peço — Neil falou, rindo um pouco de como Roland o olhou como se ele fosse um
santo descendo do céu. Neil tirou o celular do bolso e ligou para Andrew.

— Andrew?

— O que é? — A voz de Andrew transparecia que ele tinha acabado de acordar.

— Pode me ajudar com as instruções hoje, tipo agora?

Roland olhava para Neil como se estivesse esperando que Andrew fosse sair de dentro do
celular e garantir sua morte pelo pedido fora de hora. O silêncio se alongou por alguns
segundos.

— Já desço.
— Ele tá descendo — Neil avisou e Roland olhou para ele como se ele fosse um quebra-
cabeça muito difícil de decifrar. — O que foi?

— Ele não mandou você se foder e avisar da próxima vez? Não te xingou? Não ameaçou
enfiar uma faca na sua garganta, nem nada?

— Não?

— Era pra alguma dessas coisas ter acontecido? — Kevin perguntou confuso.

— Dependendo do dia, era pra ter acontecido todas elas — Roland respondeu com um ar de
quem já tinha passado pelas ameaças de Andrew mais de uma vez.

Quando Andrew apareceu, Neil precisou se segurar para não suspirar com a fofura de um
Andrew com um conjunto de moletom preto, os fios loiros saindo pelo capuz, o piercing
visível entre os fios, e um coturno, também preto, enquanto escondia as mãos nos bolsos da
calça. Os olhos ainda parecendo pesados de sono.

— Renee já tá descendo também — Roland avisou Kevin.

— Desculpa vir sem avisar — Neil falou para Andrew quando ele acabou de se aproximar. —
É só que... semana ruim.

Neil finalizou com um suspiro e Andrew o olhou de cima a baixo antes de falar.

— Vamos.

E saiu, mais uma vez, sem esperar que Neil o seguisse, sabendo que ele o faria. Neil acenou
para Kevin e Roland, que parecia um pouco chocado com algo que Neil não soube definir o
que era, e seguiu Andrew até o estande.

Andrew foi até o mesmo armário da última vez e pegou a mesma arma que Neil usou da vez
anterior.

— Desembucha — Andrew falou enquanto os dois colocavam os equipamentos de


segurança.

— Não é nada demais, eu tô bem — Neil respondeu, fazendo Andrew revirar os olhos.

— Não quer falar, não fala, mas eu vou estar aqui pra ouvir se você mudar de ideia — disse
Andrew quando se encosta no armário, observando enquanto Neil, sem responder nada,
começa a mirar e faz alguns disparos com a arma em sua mão.

Neil errou o alvo por pouco na maioria das vezes e Andrew tinha certeza de que isso era por
causa do estresse acumulado que o impedia de focar na tarefa atual. A postura que Andrew
havia corrigido na semana anterior já estava toda errada novamente. Andrew suspirou e se
aproximou de Neil.

— Espera. Você não consegue acertar porque sua postura tá uma merda de novo. Posso?
Andrew gesticulou, apontando para Neil com a mão, e Neil demorou um pouco para entender
que Andrew estava pedindo permissão para tocá-lo mais uma vez. Neil permitiu com um
"sim" quase sussurrado. Andrew, então, ficou atrás de Neil e levou a mão até os braços mais
esticados do que deviam.

— Flexiona mais o braço esquerdo, ou você vai receber o tranco do tiro mais do que precisa.
— Andrew colocou o braço esquerdo de Neil onde deveria estar desde o começo. — A
coluna também, você tá muito reto. — Levou a mão para as costas de Neil, onde pressionou
um pouco para ajudá-lo a se curvar no ângulo certo. — Seus pés estão bons — disse Andrew
depois de se afastar para dar uma olhada mais geral. — Tenta atirar agora.

Neil tentou mais três disparos e sorriu levemente quando dois deles acertaram o canto do
alvo, se virando e olhando para Andrew como se eles tivesse acabado de vencer seu jogo de
exy divisor de águas, Andrew não conseguiu evitar uma quase risada que deixou seus lábios
sem sua permissão. Neil passou mais algum tempo atirando até que a maioria de seus
disparos passaram a acertar o alvo e Andrew o obrigou a dar uma pausa.

— Mais relaxado? — perguntou quando os dois se sentaram lado a lado no chão do estande,
encostados na parede com pouco espaço entre eles. Neil tentou não pensar muito na
proximidade que o agradava mais do ele estava acostumado.

— Sim, obrigado por ter descido mesmo que eu não tenha marcado nem nada.

— O que te estressou? Você não parece ser o tipo de pessoa que esquece o que foi ensinado
depois de ser corrigido e eu corrigi a sua postura semana passada, então isso quer dizer que
você provavelmente não estava focado o suficiente hoje pra se lembrar de manter a postura
certa.

Neil olhou para Andrew por alguns segundos, ponderando se valeria a pena contar o que o
estava atormentando.

— O quanto você sabe sobre o meu time de exy atual? — perguntou, por fim.

— Pouca coisa. Que você e o Kevin são atacantes, que é um dos times favoritos pra levar o
torneio e que cada jogador ali faz parecer como se jogar nos Ravens fosse uma oportunidade
que eles precisassem agradecer de joelhos todos os dias.

— Você já ouviu falar de Riko Moriyama? — Andrew assentiu. — Pois bem, por muito
tempo ele foi considerado o melhor jogador do país sem muita concorrência, só que aí os
Ravens contrataram e o Kevin. Juntos. Eu jogo com o Kevin desde sempre, nenhuma dupla
se dá melhor que a gente em quadra, então em alguns jogos a gente começou a chamar mais
atenção da mídia que o Riko e ele não gosta disso. Ele começou a pegar muito nosso pé,
procurando por uma briga pra fazer um de nós ser expulso do time. O problema é que ele é
filho do maior patrocinador dos Ravens e sobrinho do treinador e isso faz com que o que ele
quer seja muito mais fácil de conseguir do que se fosse só um jogador qualquer.

— O que exatamente ele faz?


— Ele provoca o Kev porque sabe que ele é o meu ponto fraco, que eu não reagiria se ele só
mexesse comigo. Então treino após treino e jogo após jogo, ele vem encher a cabeça do Kev
de minhoca e às vezes parte pra agressão física e eu não consigo evitar de reagir porque o
Kevin é o caralho da pessoa mais importante da minha vida e eu não consigo ficar só olhando
um idiota filho da puta usando os privilégios de ser filho de quem é pra intimidar o meu
irmão.

Andrew não falou nada por um tempo, apenas retribuiu o olhar que Neil lhe deu quando
acabou de falar, aliviado por finalmente colocar para fora.

— Eu vou assistir seu próximo jogo. — Foi o que Andrew falou depois de pensar por um
tempo. — Me avisa quando começar a vender os ingressos, eu vou estar lá.

— Você quer ir?

— Eu preciso ir — Andrew respondeu. — Eu tenho que ter uma conversa com alguém —
concluiu com um sorriso debochado que Neil não conseguiu deixar de admirar.

— Você não precisa comprar ingresso, eu posso te colocar no camarote como meu
convidado. O próximo jogo é aqui, nós vamos jogar no nosso estádio.

— Ótimo, faça isso — Andrew concordou com um sorriso quase maldoso.

— Obrigado.

Andrew apenas o encarou antes de soltar uma risada sem humor. O cabelo estava bagunçado
depois de tirar o capuz e a aparência relaxada era uma visão muito bem-vinda para Neil, que
gostava da sensação de saber que Andrew estava confortável o suficiente perto dele para não
se importar em se arrumar ou impressionar.

— Você é interessante, Josten, então seja sempre sincero comigo e não me entedie como
outros já fizeram. Boa sorte em manter minha atenção.

Foi tudo que Andrew disse antes de fazê-los voltar a atirar.


IV. Neil/Andrew

NEIL

Quando Andrew disse que iria ver o próximo jogo, Neil não parou para pensar no que isso
implicava. Andrew Minyard, o único que fez com que ele sentisse alguma coisa que não
estivesse ligado à sua família ou exy nos últimos tempos, estava indo vê-lo jogar e, talvez,
perder as estribeiras com um alecrim dourado que nunca teve a palavra "limite" ensinada por
ninguém à sua volta. Mas Neil sentia que Andrew não iria achar de todo ruim se Neil usasse
a raquete para acertar algo além da bola se o algo fosse a cabeça de Riko Moriyama.

Depois de horas no estande de tiro e conversas curtas com Andrew, Neil podia dizer que o
plano de Kevin saiu muito melhor do que a encomenda, já que Neil estava se saindo melhor
em adiar o crime de ódio que ele com certeza cometeria contra Riko em algum momento.
Desde aquele dia, Andrew e Neil estavam conversando cada vez mais por mensagens e Neil
estava marcando presença no estande sempre que possível, sozinho na maioria das vezes, e se
aproximando bastante do trio que administrava a academia, às vezes fazendo companhia para
Roland na recepção quando Andrew estava com outros alunos, às vezes aliviando o estresse
em lutas corpo a corpo com Renee quando ela estava livre, mas o método mais efetivo
sempre era estar no estande de tiro e Neil suspeitava que não era por causa da tiroterapia,
ainda que atirar nas coisas fosse de muita ajuda.

— Ouvi dizer que você pediu para colocar alguém no camarote, quem é? — perguntou
Kevin, sabendo que Neil nunca colocou ninguém além de Abby e Wymack no camarote do
time. Os dois estavam em um carro pedido por aplicativo e a caminho do estádio.

— O Andrew.

Kevin olhou para Neil sentado ao seu lado no banco de trás do carro, encarando ele por
alguns segundos antes de formular uma frase coerente. Neil estava batendo o dedo no vidro
da janela, parecendo distraído, mas Kevin sabia que tinha toda a atenção dele.

— Você tá levando o seu instrutor de tiro pra assistir um jogo seu? — Kevin arqueou uma
sobrancelha.

— Sim. O Wymack também vai assistir o jogo hoje, não vai?

Kevin percebeu que Neil não queria se aprofundar no assunto quando ele nem se deu ao
trabalho de tirar os olhos da janela e permitiu a mudança de tópico.

— Vai, mas a Abby pegou outro plantão e não vai conseguir.

— Eu sei, ela me mandou uma mensagem de manhã avisando e desejando boa sorte.

Kevin olhou para ele por alguns segundos.

— É bom você não deixar esse loiro atrapalhar a sua concentração.


Neil revira os olhos.

— Eu não vou.

Pelo menos ele achava que não iria.

ANDREW

"O Wymack vai estar no camarote também e te convidou pra jantar com a gente depois do
jogo. Você topa?"

Andrew olhou para a mensagem por alguns minutos antes de responder que sim, mesmo
pensando seriamente em negar o convite. Eventos sociais não eram exatamente o que
Andrew escolheria como seu paraíso pessoal, mas Neil tinha potencial de ser, então Andrew
decidiu dar a ele o benefício da dúvida.

Ao chegar no estádio, porém, e ver o tanto de gente junta Andrew já começou a questionar
mentalmente o que seu eu do passado tinha na cabeça quando se ofereceu para ir assistir ao
jogo de Neil. Talvez fosse o peso nos olhos azuis, talvez fosse a forma como os fios ruivos
caíam sobre o rosto com algumas sardas espalhadas por ele, talvez fosse porque ele não
gostava de como Neil estava pilhado quando o encontrou na recepção. Independente do
motivo exato, Neil Josten era a razão pela qual Andrew voltava a um estádio depois de anos.

Ao entrar no estádio, Andrew seguiu as instruções que Neil enviou na noite anterior e
encontrou o camarote, onde um homem confirmou sua identidade e permitiu sua entrada em
um espaço com poucas pessoas. Era um espaço amplo, as paredes brancas tinha diversos
quadros e detalhes nas cores dos Ravens, preto e vermelho para todos os lados menos no
vidro que dava acesso para a quadra. Torcedores gritavam a plenos pulmões enquanto o jogo
não começava, se aquecendo para manter a atmosfera em todo seu potencial.

— Você deve ser o Andrew — disse uma voz grossa atrás dele, que faz Andrew se virar para
olhar o homem que se aproximava dele. — Eu sou David Wymack, pai do Kevin e do Neil,
eles me falaram que você viria hoje.

Wymack ofereceu a mão e Andrew o cumprimentou olhando para as tatuagens de chamas em


seus antebraços, expostas pelas mangas da blusa erguida até pouco abaixo do cotovelo. Elas
com certeza tinham seu charme.

— Andrew Minyard — se apresentou, mesmo sabendo que Neil provavelmente havia feito
isso por ele.

Wymack se direcionou para onde as cadeiras estavam, na frente do vidro, e Andrew seguiu
sem tentar puxar assunto.

Poucas palavras foram trocadas antes do jogo começar. O estádio estava cheio e os gritos
preenchiam a atmosfera quando o locutor começou a anunciar os times, deixando o time da
casa por último e elevando a energia em 10 vezes quando o primeiro jogador dos Ravens foi
anunciado. Neil e Kevin entraram juntos e a torcida gritou ainda mais, deixando claro quem
eram os favoritos no momento quando Riko entrou por último e a torcida diminuiu. Andrew
quase riu ao perceber a cara de desgosto de Riko.

— Alguém não tá muito feliz. — O deboche na voz de Wymack era quase palpável e isso fez
Andrew sorrir ladino enquanto observava Neil e Kevin entrarem em posição, um de cada lado
e Riko entre eles.

Andrew não conseguia ver o rosto de Neil coberto pelo capacete, mas a tensão em sua
linguagem corporal enquanto ele estava perto de Riko dizia o suficiente sobre quanto de
paciência Neil tinha reservado para ele.

Quando o jogo finalmente começou, Andrew pode dizer logo de cara que Neil era muito bom
no que fazia, cruzando a quadra em segundos quando um ataque estava em andamento.
Andrew percebeu também como Neil e Kevin tinham uma sinergia incrível jogando juntos,
fazendo Riko, que deveria ser o atacante principal e o maior pontuador do time, ficar apagado
durante o jogo enquanto os irmãos marcavam um ponto atrás do outro, animando a torcida
em um novo nível. O sorriso orgulhoso estampado no rosto de Wymack só ficava maior e
maior conforme o jogo ia passando. A raiva e a impaciência de Riko também ficava cada vez
mais evidente conforme as jogadas iam avançando e ele pontuava cada vez menos. Andrew
viu claramente quando Riko foi para cima de Kevin, fazendo parecer que o empurrão foi um
acidente, mas, considerando o contexto que ele já tinha recebido de Neil e a raiva brilhando
nos olhos azuis pouco visíveis pelo capacete, era fácil perceber as verdadeiras intenções de
Riko. Era incrível até onde chegava um homem inseguro.

Ao longo do restante do jogo, Andrew percebeu várias tentativas de Riko de fazer Neil sair
da linha: empurrões e esbarrões, frases sussurradas para ele e Kevin que faziam Neil cerrar os
punhos para evitar agir pela emoção, tentativas de acertá-los com a raquete. Vários e vários
sinais visíveis para quem estivesse procurando, mas que todo mundo parecia concordar em
ignorar enquanto Andrew sentia sua indignação queimar de dentro para fora. Ainda assim,
Neil e Kevin eram os destaques da partida, dando poucas chances para a defesa adversária.
Contra sua vontade, um sorriso malvado misturado com orgulho brilhava no canto de seus
lábios enquanto Andrew observava Neil jogando impiedosamente. O apito que anunciava o
fim do jogo nunca pareceu chegar tão cedo, tamanha era a satisfação de Andrew em ver como
Neil pressionava o time rival sem maiores problemas fora seu próprio time. Andrew sempre
sentiu atração por pessoas competentes.

Observando Neil enquanto ele tirava o capacete, Andrew viu todo o momento em que ele se
aproximou de Kevin com um sorriso vitorioso e os dois batem as mãos em comemoração,
sendo interrompidos por Riko que sussurrou algo que apenas os dois ouviram, fazendo Neil
fechar a cara enquanto Kevin colocava a mão em sua frente, impedindo-o de ir atrás de Riko.
Neil e Kevin discutem por alguns segundos e o olhar exasperado de Neil faz parecer que
aquela era uma discussão que eles já tiveram muitas vezes. Andrew parou de acompanhar
quando os dois sumiram no corredor que dava acesso para os vestiários. Sem perceber, planos
para Riko começam a surgir na cabeça de Andrew.

NEIL
Depois de ter tomado banho e se trocado, Kevin e Neil finalmente foram encontrar Wymack
e Andrew no camarote, recebendo parabenizações pela vitória e elogios por todo o caminho,
Kevin agradecendo com um sorriso educado e Neil ignorando, como sempre.

Ao chegar no camarote, Neil e Kevin foram recebidos por apertos no ombro, por parte de
Wymack, e um sorriso pequeno de Andrew. Os fios loiros bagunçados, as roupas pretas como
de costume, o rosto familiar.

— E aí? Fizemos valer a pena seu retorno a um estádio? — Neil provocou ao se aproximar de
Andrew com as mãos nos bolsos de sua calça jeans.

— Podemos dizer que você não é horrível — Andrew respondeu. — Mas ver você
apanhando da Renee ainda é mais satisfatório.

— Quem vê pensa que eu realmente sou tão fácil assim de bater. Eu dou uma boa briga —
Neil retrucou, revirando os olhos.

— Você tem lutado com a Renee? — Kevin perguntou curioso.

— Às vezes, quando o Andrew tem outros alunos, ela e o Roland me fazem companhia até
ele acabar. — Neil deu de ombros.

— Você deveria lutar comigo e me ajudar a treinar — Kevin ofereceu enquanto os quatro
começaram a sair do camarote.

— Me fale sobre isso quando você tiver me estressado, qualquer desculpa pra te dar um soco
vai ser válida — Neil respondeu, fazendo Wymack rir um pouco enquanto Andrew sorria de
lado e Kevin revirava os olhos.

— Onde vocês querem comer? Por hoje eu pago —Wymack perguntou conforme eles vão
saindo do estádio em direção ao estacionamento.

— Comida italiana? — Kevin sugeriu, olhando para os demais para confirmar.

O estacionamento ainda estava cheio e algumas pessoas reparavam que as estrelas da partida
estavam no mesmo estacionamento que elas e pediam fotos, parabenizaram pela vitória ou
pediam por um aperto de mãos. Levou cerca de 30 minutos para eles chegarem de fato nos
carros.

— Certo, tem aquele restaurante perto do apartamento de vocês.

— Pode ser — Neil concordou.

— Eu preciso do endereço — Andrew falou, atraindo a atenção. — Eu vim com o meu carro.

— Neil vai com você e te mostra o caminho — Wymack sugeriu.

— Beleza. Encontro vocês lá — Neil concordou mais uma vez, acenando para os dois
enquanto seguia Andrew até onde o carro dele estava estacionado, uma Maserati preta do
modelo mais recente,, e os dois entraram. — Seu carro é bonito.
— Corre o boato de que eu tenho bom gosto — Andrew retrucou, dando um sorriso ladino
para Neil enquanto colocava o cinto e dava partida no carro, começando a deixar o estádio
para trás.

— Gostou do jogo?

— Eu não gosto de nada.

Neil revirou os olhos, mas não questionou.

— Sabe que eu posso dar um jeito nele, não sabe? — Andrew perguntou tranquilamente ao
seu lado depois de algum tempo em silêncio. — E eu não deixaria rastros.

Neil levou alguns segundos para entender sobre o que Andrew estava falando. Sobre quem.

— Não se preocupa com isso, se ele passar de algum limite muito sério eu mesmo dou cabo
dele — Neil garantiu, fazendo Andrew sorrir. — Não seria a primeira vez.

— Eu sabia que você tinha chamado minha atenção por algum motivo — falou, acenando
com a cabeça em aprovação, mesmo que não soubesse a história toda. — Então me mostre o
caminho para o tal do restaurante.

ANDREW

Quando Neil o convidou para sair com Kevin e Wymack, Andrew não sabia exatamente o
que esperar. Sequer viu Wymack no dia que Neil e Kevin foram fazer a inscrição na academia
e não passava tempo o suficiente com Kevin para saber o que esperar dele. Surpreendeu-se,
no entanto, ao perceber que Neil era o mais quieto entre eles, ficando mais calado apenas do
que o próprio Andrew que falava pouco por natureza, já que durante os treinos Neil
costumava ser aquele a falar sem hora para acabar, talvez a única pessoa que Andrew podia
escutar falando por horas e não parecia incomodá-lo. Wymack e Kevin também o incluíam
nas conversas e Andrew percebeu que estava confortável e gostando de passar tempo com
aquelas pessoas.

— Todos satisfeitos? — Wymack perguntou depois que todos acabaram de comer, todos
assentiram. — Então eu vou pagar.

Depois de tudo pago, o grupo foi até onde os carros estavam estacionados para poder ir
embora. Andrew acenou enquanto os demais iam embora juntos, já que Wymack deixaria os
filhos em casa antes de seguir para a própria.

— Eu vou treinar com você algum dia dessa semana, me espere — Neil avisou, antes de
Andrew entrar no carro.

Contra todas suas expectativas, Andrew estava sorrindo quando deu partida no carro.

🐾
Algum tempo depois

Depois de ter assistido o jogo de Neil, Andrew passou a ir com mais frequência nos jogos
locais, às vezes com a companhia de Renee, acompanhando os Ravens. Neil ainda ia atirar
com ele sempre que podia, mas, com o avanço da temporada, o tempo de treino foi ficando
cada vez maior. Em uma das sessões, Andrew ajudava Neil a melhorar sua mira quando Neil
disse que estaria fora da cidade por alguns dias, já que o próximo jogo seria fora de casa e,
por algum motivo que Andrew não sabia explicar — ou melhor, não queria —, aquilo o
chateou infinitamente mais do que deveria.

— Por que você tá com essa cara emburrada? — Neil questionou, tirando o olho do alvo em
sua frente e arqueando uma sobrancelha para Andrew.

Para a maioria das pessoas Andrew era inexpressivo, ninguém conseguia dizer o que ele
estava pensando, mas Neil sempre conseguiu. Neil sabia dizer quando algo o agradava,
quando algo o incomodava e quando ele estava confortável. E naquele momento a linguagem
corporal de Andrew estava praticamente gritando que algo não estava certo.

— Nada. Você tá vendo coisas onde não tem — Andrew respondeu, revirando os olhos. —
Olhos no alvo.

Neil sorriu ladino, mas obedeceu e voltou a disparar no alvo enquanto Andrew estava
encostado na parede, observando, com o celular em mãos.

— Eu tô tentando convencer o Kevin a dar um fim no nosso contrato com os Ravens.

— Oh-ho, algo me diz que ele não aceitou.

— Ele não quer correr o risco de não conseguir mais jogar exy porque o Ichirou mexeu os
pauzinhos dele. Bobagem. A gente poderia conseguir um lugar em outro time antes de
anunciar a saída, mas ele não quer arriscar.

— Você tem a opção de ir sem ele — Andrew sugeriu, cruzando os braços.

— Nós dois sabemos que não.

— Minha proposta ainda tá de pé, caso queira.

Neil apenas sorriu, mas não respondeu conforme voltava a atirar. Andrew não cobrou uma
resposta enquanto Neil mudava o tópico da conversa.

Com o cancelamento do treino do dia seguinte por conta da viagem, Neil se deu ao luxo de
ficar no estande com Andrew até um pouco mais tarde do que costumava, mas acabou indo
embora quando percebeu Andrew bocejando com o sono, sem querer atrapalhar ainda mais.
Andrew, então, se higienizou e se preparou para ir deitar quando sentiu seu celular vibrar na
escrivaninha ao lado da cama. Seu primo, Nicky, havia lhe enviado uma mensagem.

"Estaremos aí semana que vem."


Era tudo que dizia e Andrew apenas fechou os olhos e ignorou a mensagem como era de
costume quando o remetente não era um ruivo jogador de exy.
V. Neil/Andrew

NEIL

Jogos fora de casa sempre eram sinônimo de dor de cabeça para Neil, considerando que eles
estariam expostos à radiação de Riko sem descanso. O clima sempre ficava pesado e o
autocontrole de Neil tendia a falhar nessas situações, deixando tanto Neil quanto Kevin em
um constante estado de alerta.

Quando Neil e Kevin encontraram Riko antes de entrar no ônibus do time que os deixaria no
aeroporto, ambos tiveram a certeza de que ele estava planejando alguma coisa. A falta de
provocações e do sorriso ladino, presente em seu rosto toda vez que um dos dois olhava para
ele, deixavam mais do que claro que algo os esperava ao clarear do dia. Neil sabia que até o
final daquela viagem alguma coisa aconteceria.

O voo não foi demorado, cerca de uma hora, e Neil aproveitou o tempo que tinha para
descansar da aula que teve com Andrew na noite anterior. Quando chegaram, Neil tinha os
olhos levemente inchados por ter acordado recentemente e o time foi para o hotel em uma
van alugada para eles durante o tempo em que estivessem na cidade.

— Vou tomar banho — Kevin avisou depois que os dois se instalaram no quarto.

Neil aproveitou o tempo que Kevin estava no banheiro para avisar a Andrew e Wymack que
haviam chegado em segurança, assim como separar a roupa que usaria, escolhendo um
conjunto moletom cinza, considerando que os dois passariam o resto do dia no quarto.

Neil foi tomar banho depois que Kevin saiu. Quando acabou, o encontrou estudando
esquemas táticos do time que enfrentariam no dia seguinte e se juntou a ele, os dois
discutindo alguns pontos e algumas estratégias que eles achavam funcionariam melhor.

Após horas estudando, Neil tinha a sensação de que sabia os esquemas táticos dos Dragons
de trás para frente sem grande dificuldade e seus olhos já pesavam pelo sono depois de horas
a fio investidas em concentração sem perder o foco. Neil nunca entenderia como, quando se
tratava de exy, a estamina de Kevin parecia que não ter fim, ele havia desistido de tentar
acompanhá-lo há muito tempo.

— Pra mim já deu. Vê se não vai dormir muito tarde, você não vai valer de nada em quadra
se não conseguir manter seus olhos abertos — Neil falou enquanto se espreguiçava, se
levantando logo em seguida.

— Tá. Boa noite.

— Boa noite, Kev.

🐾
Ao acordar no dia seguinte, Neil saiu para correr, um hábito que ele adquiriu desde que se
encontrou livre das correntes de seu pai. Correr o ajudava a clarear a mente e pelo menos
tentar planejar para onde sua vida estava indo. Seu contrato com o Ravens estava perto de
acabar e, se Neil tinha uma certeza, era de que não renovaria nem que tivesse uma arma
apontada para sua cabeça e Neil teria certeza de convencer Kevin a sair com ele. Eles já
tinham se tornado grandes demais para a mentalidade pequena daquele time.

Ao retornar, Kevin já tinha pedido o café dos dois e já tinha instruções do treinador para uma
reunião e um reconhecimento de quadra marcados para dali a trinta minutos e Neil achou que
seria melhor comer depois que já tivesse trocado de roupa.

Nenhuma das duas ações demorou mais que 10 minutos cada uma e alguns minutos depois,
Neil e Kevin já estavam descendo para encontrar o treinador e seus colegas de time no hall do
hotel.

— Ótimo, já que estão todos aqui, então podemos ir — disse Tetsuji, com Riko ao seu lado, o
rosto refletindo puro tédio. Neil segurou o impulso de revirar os olhos, considerando que a
perturbação provavelmente começaria em breve.

Com o técnico liderando o caminho, todo o time se dirigiu à mesma van que usaram no dia
anterior e foram levados para o estádio local, começando a reunião depois que todos trocaram
suas roupas casuais por uniformes. Neil estava prestando atenção no que o técnico dizia
quando, quase como um sexto sentido, ele sentiu Kevin ficar tenso ao seu lado e respirou
fundo, sabendo que a tentação de cometer um assassinato bateria em sua porta mais uma vez.

— Espero que saiba seu lugar no jogo de hoje, Day, não quero ter que brigar pelos holofotes
com você mais uma vez. Temo que dessa vez não acabaria bem — Riko disse, parado ao lado
de Kevin com os braços cruzados sobre o peito. Neil não disfarçou a encarada e o escárnio
quando olhou para Riko. — Oh-oh, Josten, não faça isso. Não gosto desse olhar no seu rosto,
faz parecer que eu não tenho pulso firme como capitão. Você não quer que eu precise te usar
de exemplo, quer?

Riko sorria quase como se estivesse preocupado com Neil, mas tanto ele quanto Kevin
sabiam que ele usaria qualquer desculpa que lhe fosse oferecida para acabar com a carreira de
Neil no primeiro golpe e Neil tentou manter o temperamento sob controle, mesmo quando
Riko se aproximou de Kevin e o analisou da cabeça aos pés. Neil sentiu seu sangue fervendo
em suas veias, ardendo para que ele fizesse alguma coisa.

— Eu espero que esse seu rostinho bonito aguente firme no jogo de hoje, ninguém gostaria
de vê-lo deformado — Riko se aproxima dos dois para sussurrar como se fosse um segredo
compartilhado entre os três, segurando Neil pelo queixo. Neil o afastou, balançando a cabeça
com violência.

— Não me toque, Riko. Eu não sou adestrado e eu sei morder — Neil falou com a voz
ríspida, causando uma risada em Riko.

— Que bonitinho, ele acha que consegue me enfrentar — Riko devolveu a provocação com
um falso olhar carinhoso. — Eu quero ver você tentar.
Neil sentiu o impulso antes que pudesse processá-lo, seu punho a poucos segundos de acertar
o rosto de Riko, mas foi impedido por Kevin que segurou seu antebraço tão rápido que
parecia que sua reação estava engatilhada. Riko se afastou com um sorriso debochado no
rosto enquanto caminhava na direção de seu tio, que ainda falava, alheio à confusão que seu
sobrinho criava, ou simplesmente a ignorando como sempre fez.

— Minha paciência tá por um fio, Kevin. E eu estou te avisando porque quando esse fio
arrebentar a coisa vai ficar muito, muito feia — Neil falou entredentes para Kevin, as
palavras contidas para que ninguém por perto escutasse, mas tão embebidas de raiva que
Kevin sentiu-se arrepiar, pensando que talvez dessa vez seu irmão realmente acabasse preso.

O assunto morreu enquanto Tetsuji falava sobre a possível escalação de seus adversários e,
pelo menos por um tempo, Neil deixou sua mente ser tomada por passes, defesas e ataques.

🐾
O jogo estava na metade e a adrenalina enchia o estádio com os gritos da torcida, Neil e
Kevin estavam em sua melhor forma, pontuando quase sem parar enquanto Riko mal usava a
raquete em suas mãos. Neil podia jurar que sentia o olhar dele queimando em sua nuca quase
como se os olhos dele tivessem lasers. Sob o capacete, os lábios de Neil se torceram em um
sorriso satisfeito. O sorriso durou pouco porque alguns minutos depois, Kevin estava jogado
no chão por causa de uma colisão violenta. Neil sabia que o fio tinha estourado quando o
sorriso vitorioso ficou visível para Neil pelas grades do capacete de Riko Moriyama.

ANDREW

Apesar de ter ignorado a mensagem que recebeu, Andrew sabia que não tinha como ignorar a
chegada de Nicky e Aaron no apartamento que dividia com Renee. Tudo que restava era
torcer para que a visita fosse curta o suficiente para evitar que Andrew fosse a causa da morte
de outro membro da família. Os dois iriam dividir o quarto de Renee enquanto Renee estaria
fora da cidade visitando sua mãe.

Neil, que era sem concorrência o aluno mais frequente de Andrew, estava fora da cidade, ou
seja, Andrew não tinha onde passar mais tempo fora do apartamento. Nicky e Aaron
chegariam na manhã do dia seguinte, eram oito horas da Alemanha para os Estados Unidos e
os dois haviam embarcado há alguns minutos.

Andrew, Aaron e Nicky viveram juntos desde que os gêmeos tinham 12 anos e Andrew dera
um jeito na mãe abusiva que não sabia ouvir avisos amigáveis. Andrew e Aaron foram
levados para lares adotivos, juntos e separados, durante quatro anos até Luther decidir que
queria pagar algum pecado e levar os dois para morar com ele. Andrew e Aaron viveram com
os Hemmick até entrarem para a universidade e Andrew odiou cada minuto que passou sob o
mesmo teto que os tios. Luther só saiu vivo dessa situação porque Andrew havia prometido a
Nicky que a vida de seu pai não estava na ponta da faca. Se em algum momento Andrew se
arrependeu de uma promessa mais do que se arrependeu dessa, ele não se lembrava porque
Luther ganhou o desafeto de Andrew sem maiores esforços.
Aaron nunca o perdoou por ter dado um ponto final na vida de Tilda e, desde que Aaron e
Nicky se mudaram para a Alemanha no intuito de fazer faculdade, Andrew mantinha apenas
o contato necessário para saber que seu irmão e seu primo estão vivos e algumas visitas
pontuais dos dois aos Estados Unidos. A presença de sua família por perto costumava deixar
Andrew no limite de sua paciência que, sejamos realistas, já não é abundante.

Andrew, então, ligou a televisão e aproveitou o pouco tempo que teria sozinho, deixou em
um canal que passava "De repente 30" e deixou que sua mente se afastasse de um certo ruivo
e de sua família problemática.

🐾
Andrew tinha seus cabelos bagunçados e os olhos inchados quando abriu a porta para Aaron
e Nicky, cada um segurando uma mala de mão. Nicky com um sorriso no rosto e Aaron
parecendo ter sido arrastado para fora do avião na base da força. Nicky conhecia o primo o
suficiente para saber que não teria um abraço retribuído, mas parecia animado de vê-lo depois
de um ano e meio.

— Bom dia? — Nicky falou, com um sorriso quase zombeteiro. Andrew não respondeu,
apenas deu passagem para que os dois entrassem no apartamento, não confiando em si
mesmo para não cometer um assassinato antes de uma xícara generosa de café.

Andrew ligou a cafeteira e a deixou trabalhar enquanto Nicky e Aaron deixavam as malas na
sala, seguindo até a cozinha depois. Nicky não tinha mudado desde a última vez que eles se
viram, os mesmos cabelos levemente ondulados, os mesmo olhos vívidos e cheios de energia,
e as mesmas tentativas de reconstruir uma relação que estava quebrada além de reparos.

— Renee viajou, né? Quando ela volta? — Nicky perguntou, curioso.

— Dois dias depois que vocês voltarem para a Alemanha — Andrew respondeu inexpressivo,
enquanto observava as primeiras gotas de café caírem.

— Ah, que pena! Eu queria ver ela antes de voltar.

— Acho incrível que ela consiga morar com você, na minha vez não deu muito certo —
Aaron provocou e Nicky lançou um olhar reprovador na direção dele. Aaron não ligou.
Andrew olhou para o irmão por algum tempo, decidindo se valia a pena começar essa
discussão quando eles não tinham passado nem 15 minutos no mesmo espaço. Andrew o
encarou, olhos para os olhos da mesma cor âmbar que os dele, o cabelo loiro, o rosto. Tudo
tão parecido com ele, mas tão diferente ao mesmo tempo.

— Renee sabe onde os limites estão e não ignora quando eu aviso a linha que não pode ser
cruzada — Andrew retruca, finalmente se servindo com a primeira caneca de café do dia. —
Eu não me arrependo do que eu fiz Aaron, e eu faria de novo. Com ou sem a sua aprovação.
— A vontade de Nicky de bater a testa na mesa para ver se assim o clima pesado na cozinha
se dissiparia estava estampada em toda a sua expressão. — Vocês sabem onde é o quarto. Se
instalem.
Foi a última coisa que Andrew disse antes de retornar para o próprio quarto, esquecendo o
breve desentendimento ao ver uma mensagem de Neil em seu celular largado na escrivaninha
ao lado de sua cama.

"O jogo é amanhã de manhã. Assista se quiser e me veja chutar a bunda de alguns inúteis."

O sorriso ladino de Andrew estava em seu rosto antes que pudesse se policiar para fingir que
não se importava.

ANDREW

Andrew tentou dizer para si mesmo que só iria assistir ao jogo porque não tinha nada melhor
passando aquele horário, mas ele sabia que só estava mentindo para si mesmo com o objetivo
de se fazer de cego sobre os sentimentos que ele sabia que existiam, mas que
deliberadamente não faria nada a respeito.

Aaron e Nicky saíram do quarto de Renee pouco tempo depois, ambos se surpreenderam ao
encontrar Andrew assistindo o pré-jogo de uma partida de Exy mais concentrado do que
quando estava dando uma de suas aulas de tiros. Os dois se entreolharam, mas preferiram não
tocar no assunto enquanto tomavam café da manhã. Depois que acabaram de comer, foram se
sentar com Andrew no sofá e assistir com ele, considerando que tinham o dia livre e Andrew
não parecia disposto a sair durante o tempo que durasse a partida. Nicky e Aaron não tinham
planos muito melhores.

— O que te fez voltar a acompanhar Exy? — Nicky arriscou a pergunta mesmo achando que
Andrew não iria responder.

— Eu não voltei a acompanhar Exy, esse jogo que vai ser interessante — Andrew respondeu,
para a surpresa de Nicky, mas sem elaborar.

— Estranho, nem quando você jogava você parecia tão interessado — Aaron apontou,
erguendo uma sobrancelha, curioso.

— Não sei como isso é da conta de vocês — Andrew retrucou, quase cantarolando, sem de
fato olhar para nenhum deles.

— Já faz um tempo que você mostrou interesse por alguma coisa, você não pode nos culpar
por estar curiosos — Nicky respondeu, dando de ombros.

— Curiosidade pode sair caro, você tem certeza que quer se arriscar a pagar o preço?

Nicky não teve tempo de responder antes dos times serem introduzidos e os jogadores
começarem a ser anunciados. Andrew o calou com um olhar e passou a prestar ainda mais
atenção à tela, quase sem perceber que a expectativa estava óbvia em sua linguagem corporal.
Nicky e Aaron se entreolharam, mas nenhum deles ousou comentar alguma coisa.

"Vejam bem, Kevin Day e Neil Josten, a dupla de ouro da temporada atual. Poucos passaram
por eles e menos ainda conseguiram parar seus ataques em conjunto. Parece que o reinado de
Riko Moryama como principal jogador dos Ravens tem dias contados, se é que já não estão
acabados."

O locutor soava pelos auto-falantes da televisão e Andrew não impediu a satisfação se


espalhar por seu corpo ao ver Riko tentar disfarçar uma expressão de desgosto com a
narração com um aceno para os torcedores. A mudança rápida de expressão talvez enganasse
a maioria das pessoas, mas Andrew viu pessoalmente a forma que Riko olhava para Neil e
Kevin, o ódio mal encoberto em seus olhos para quem soubesse procurar direito. Andrew,
como uma pessoa que passou boa parte de sua vida convivendo com pessoas que o odiavam,
sabia reconhecer esse tipo de sentimento melhor que a maioria das pessoas.

Andrew reconheceu também a expressão determinada de Neil e a concentração de Kevin


quando ambos estavam em quadra lado a lado e conversando, sem parecer dar muita atenção
para o que acontecia ao redor deles, mas Andrew sabia mais do que isso. Pelo o que conhecia
de Neil ele já tinha percebido cada uma das olhadas que Riko lançava na direção deles e
estava fingindo não se importar, provavelmente porque Kevin estava mantendo a guia curta,
sabendo que Neil estava no limite de sua paciência.

— Alguma coisa tá muito estranha nesses Ravens. O clima parece tenso e não é por causa do
jogo. — Nicky comentou enquanto observava, franzindo a testa com estranheza para a
situação.

Andrew não confirmou nem negou, mas continuou assistindo conforme a câmera ia de um
time e de um jogador para o outro, preparando a atmosfera para o jogo que teria início nos
próximos minutos. Os times foram para suas posições e, apesar de sua apatia pela maioria das
coisas que envolviam seu gêmeo, até Aaron ficou mais confortável em seu lugar no sofá para
assistir ao jogo.

Pouco tempo depois, a bola estava sendo passada de uma raquete para a outra e a adrenalina
comandava a quadra

ANDREW

Metade do jogo já tinha passado e apesar de estar jogando contra um de seus maiores rivais,
os Ravens não mostravam sinais de cansaço ou de que desacelerariam o ritmo. Neil e Kevin
estavam a todo vapor, atacando constantemente enquanto Riko parecia estar na quadra para
assistir ao jogo de uma posição mais privilegiada. Ele recebia poucos passes e os poucos que
recebia eram defendidos pelo goleiro, eventualmente, o time parou de passar e Riko parecia
estar em quadra apenas para completar a quantidade de jogadores obrigatórios enquanto os
demais massacravam o adversário. Andrew sentia a satisfação sob sua pele em cada grunhido
frustrado seguido por uma comemoração fingida de Riko quando Neil, Kevin ou algum dos
outros pontuava.

E então tudo aconteceu.

Foi tudo muito rápido, Andrew só percebeu porque ele estava constantemente acompanhando
Neil, Kevin e Riko correndo pela quadra. Para qualquer pessoa pareceria um acidente, algo
não intencional, mas não para Andrew. A fúria de Neil dizia o suficiente sobre o que tinha
acontecido para ele acreditar que Kevin estar jogado no chão desacordado não era algo que
Riko Moriyama tinha planejado.

Andrew sentiu um sorriso maldoso se espalhar para o seu rosto conforme ele assistia Neil
finalmente chegar ao seu limite e ignorar toda e qualquer consequência quando avançou
sobre Riko com um olhar de puro ódio em seu rosto.

NEIL

Neil não era uma pessoa violenta, mas ao ver Riko acertar Kevin com a raquete, Neil soube
que tinha chegado ao seu limite quase como se suas motivações para fazer vista grossa e se
manter sob controle evaporasse fisicamente de seu corpo. A última coisa que ele se lembrava
foi de ver Kevin jogado no chão com sangue escorrendo de sua cabeça. Depois disso, sua
raquete acertou a quadra quando ele a largou e atravessou a distância entre ele e Riko como
se não fosse nada. Poucos sentimentos seriam tão satisfatórios quanto a sensação da
mandíbula de Riko cedendo sob seu punho.

Isso foi tudo que Neil conseguiu fazer antes de sentir uma mão tremulante agarrando seu
pulso. Kevin, depois de poucos segundos apagado, se esforçou o máximo que conseguiu para
evitar que Neil cometesse um crime em rede nacional. O toque de Kevin foi tudo que Neil
sentiu antes do inferno estourar ao redor dele.

Em poucos segundos, boa parte do time correu para impedir Neil de acertar Riko de novo,
mas a única preocupação de Neil era tirar Kevin daquela bagunça. Kevin tinha um pouco de
sangue escorrendo por seu rosto e o pandemônio dos jogadores, treinadores e a torcida
tentando entender o que aconteceu não ajudava em nada a levar Kevin para a enfermaria mais
próxima.

Neil estava a ponto de liberar espaço aos gritos quando os jogadores do Trojans perceberam o
estado de Kevin e os rodearam, criando um espaço aberto no meio deles e escoltando Neil e
Kevin até a saída pelo vestiário. O capitão do time, Jeremy Knox, deu as direções até a
enfermaria e disse para Neil não se preocupar, ele cuidaria das coisas enquanto Kevin recebia
tratamento. Pela primeira vez, Neil não se importava com como um jogo ia acabar, ele tinha
preocupações maiores. Neil levou Kevin até a enfermaria com pressa, deixando tudo para trás
sem pensar nas consequências. Tetsuji estaria furioso e ele tinha certeza que ali acabava sua
carreira no Exy, Riko se certificaria de que isso acontecesse. Naquele momento, no entanto,
Neil não podia se importar menos.

A enfermeira estava distraída, mas teve sua atenção atraída para a porta quando Neil e Kevin
entraram sem tentar ser discretos. A mulher reagiu rápido ao ver as manchas de sangue no
uniforme de Kevin.

— O que houve? — perguntou, sinalizando para que Neil deixasse Kevin sentado sobre a
maca. Neil o fez com o máximo de delicadeza que conseguiu reunir.

— Ele foi acertado na cabeça por uma raquete.


— Que tipo de raquete? — a enfermeira indagou enquanto colocava luvas descartáveis e
separar algumas gazes e frascos que Neil não sabia com detalhes para que serviam. Imaginou
que seria para limpar qualquer que fosse a ferida que pudesse estar escondida pelo cabelo.

— Do tipo mais pesado.

— Certo. Acho que eu não preciso dizer isso, mas pancadas na cabeça são perigosas e
imprevisíveis. Eu vou fazer o que eu posso, mas recomendo que procurem um hospital e que
ele fique em observação por um tempo.

— Tudo bem. Obrigado.

— Só fazendo o meu trabalho. Por favor, espere lá fora.

— Me chame se precisar de alguma coisa. Eu vou entrar em contato com Wymack e Abby e
deixar claro que você ainda tá vivo. — Neil falou com seu irmão, deixando um aperto na mão
de Kevin.

Kevin apenas acenou em concordância e Neil saiu da pequena enfermaria para o corredor,
onde, surpreendentemente, Jeremy Knox estava esperando por ele encostado na parede.

— Podemos conversar enquanto você espera?

Neil ficou tentado a responder não, mas ele sabia que estava em débito com ele por ter
ajudado ele e Kevin a chegar até ali, então decidiu fazer um esforço.

— Podemos.

— Kevin?

— Um ferimento na cabeça, nós vamos pra um hospital depois daqui pra manter ele em
observação — Neil respondeu sem precisar pensar. — O jogo?

— Foi suspenso. O treinador Moriyama se recusou a jogar enquanto essa situação não fosse
resolvida, então as datas serão rearranjadas. — Neil quase riu de quão ridículo aquilo era.
Porque Tetsuji Moriyama queria, o jogo seria remarcado. — Aquilo não foi um acidente, foi?
— Jeremy perguntou em voz baixa. Neil estava surpreso que alguém em quadra tenha
percebido.

— Não. Riko está procurando uma forma de me chutar do time sem dar muito na cara já tem
um tempo, ele sabe que é mais fácil me acertar pelo Kevin, então foi isso que ele fez — Neil
respondeu, dando de ombros sem realmente se importar se Jeremy soubesse ou não a
verdade. Não ia fazer diferença.

Jeremy o encarou em silêncio por alguns segundos antes de reagir.

— Vocês tem carona para levar vocês ao hospital?

A pergunta pegou Neil de surpresa, ele esperava que Jeremy fosse conduzir um interrogatório
no corredor.
— Não, nós viemos com o time.

— Eu levo vocês. As roupas estão no vestiário, certo?

— Sim.

— Eu vou pegar, você se concentra em tirar o Kevin daqui o quanto antes para evitar que os
repórteres cheguem aqui primeiro.

— Riko ou o Mestre vão vir atrás de nós. Nenhum deles vai ficar feliz de saber que você nos
ajudou — Neil avisou, não para ser ingrato, mas porque ele conhecia aquele time melhor do
que ninguém.

— Não se preocupe com isso, eu tenho carta branca.

Neil não sabia o que Jeremy quis dizer com isso, mas não teve tempo de questionar, quando
menos percebeu, Jeremy estava andando apressado pelos corredores.

🐾
Horas mais tarde

Kevin passaria a noite no hospital por precaução e Neil seria seu acompanhante. Neil estava
sem seu celular, estava desligado depois de descarregar e seu carregador estava em sua bolsa
no hotel, Jeremy havia arrumado um para ele usar e não precisar voltar ao hotel e enfrentar
Riko, mas levaria um tempo até acumular um pouco de bateria. Ambos já haviam tomado
banho e trocado de roupa e agora procuravam algo para assistir na tv disponível no quarto.
Neil, sentado na poltrona ao lado da cama de Kevin, estava com o controle em mãos
enquanto passava pelos canais.

— Ei, volta — Kevin pediu, parecendo ter encontrado algo que prendeu sua atenção. —
Acho que estão falando sobre nós.

Neil obedeceu e aumentou um pouco o volume.

— Aparentemente, Neil Josten terá o contrato com os Ravens revogado depois de atacar seu
colega de time, Riko Moriyama — disse o apresentador enquanto a imagem de Neil
acertando Riko passava em loop no telão ao fundo. — A informação veio de dentro da
própria equipe, uma fonte confiável me garantiu que...

— Engraçado, ninguém me avisou — Neil caçoou enquanto Kevin olhava para ele indignado.
— O quê?

— O quê? "O quê?", você me pergunta. Neil, você não tem mais um contrato. Você não tem
mais um time. — Neil não precisava ser um gênio para saber que Kevin está bravo. Muito
bravo. — Riko finalmente conseguiu o que queria, ele te colocou pra fora.

— Quem disse?

— Quem disse o quê?


— Que eu não tenho um time, quem disse isso? — Neil perguntou, um sorriso presunçoso
despontando de seus lábios. — Não se preocupe com isso, Kev, se preocupe com você
porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não vou estar lá pra segurar o rojão por você.
Ou você aprende a se impor até conseguir sair daquele inferno, ou o Riko vai montar em você
e te usar de mula. E não se preocupe, depois de anular o contrato com os Ravens, eu já tenho
uma proposta me esperando. Eu quero te tirar de lá, mas eu não posso te obrigar. Faça com
que eles rescindam o seu contrato também, ou quebre por conta própria, faça o que for
necessário. Eu tenho um time que vai te aceitar.

Kevin deixou que a informação chegasse até ele, mas não reagiu. A raiva que estava sentindo
e a necessidade de brigar com Neil por não ter pensado direito sumiram quando ele entendeu
o que Neil estava dizendo: que ele tinha um futuro, que ele não tinha que ficar naquele lugar
para sempre, que Riko não era mais a única opção, e sentiu-se sufocar com a intensidade de
coisas que o inundaram ao mesmo tempo.

— Eu não posso sair, Neil. Riko vai me caçar até no inferno se eu tentar — Kevin confessou
em um sussurro.

— Eu sei que ele acha que tem algum direito sobre você por ter sido ele a sugerir nossa
contratação, mas ele não tem. Você não depende dele, Kevin, você já é um jogador melhor
que ele e ele sabe disso. Até quando você vai deixar que ele manipule decisões que deveriam
ser só suas? Riko não deveria ser empecilho nenhum para você sair, a gente já deveria ter
saído daquele time há muito tempo e não deixar chegar às últimas consequências para tomar
uma atitude — Neil falou com calma, sentado na poltrona ao lado da cama de Kevin. — Faça
eles rescindirem o seu contrato, o Exy tá longe de acabar para nós dois.

Kevin não respondeu e Neil não pressionou, apenas se arrumou na poltrona até estar
confortável o suficiente para dormir. Kevin dormiu poucos minutos depois, sobrecarregado
demais para se manter acordado por mais tempo. Neil iria fazer o mesmo, mas seu sono
evaporou com a chegada de duas mensagens em seu celular.

ANDREW

Andrew percebeu que estava para lá de ferrado quando se percebeu sorrindo depois de ver o
soco que Neil acertou em Riko em 4K na televisão. Não que ele já não suspeitasse antes, se é
que os flertes durante as aulas eram de algum indicativo, o jogo só confirmou que ele não
tinha escapatória. Aaron e Nicky observavam enquanto ele enviava a mensagem para Neil,
sem se atrever a perguntar sobre o que se tratava e Andrew ignorou os olhares curiosos que
Nicky jogava em sua direção enquanto assistia o caos se instalar na quadra. Na tela, Neil se
aproximou de Kevin e passou o braço dele por seus ombros, apoiando-o até que os dois
desaparecessem nos vestiários com a ajuda dos jogadores do time adversário. Riko foi
ajudado por um de seus colegas de time enquanto segurava a mandíbula, como se o soco de
Neil fosse o suficiente para fazê-la desgrudar de seus ossos. E Andrew sorriu ainda mais
satisfeito.

Quando desligou a TV, depois de ver os desdobramentos de toda a situação, Aaron e Nicky já
haviam se retirado há algum tempo e Andrew também se recolheu depois de tomar um banho
e vestir seu pijama. Nicky e Aaron ficariam nos EUA pela próxima semana e voltariam para a
Alemanha, já que, segundo Nicky, eles ainda iriam visitar a família de seus respectivos
parceiros.

O clima entre os três não era exatamente convidativo, haviam problemas demais entre eles
para serem resolvidos em uma viagem curta e nenhum deles estava disposto a dar o primeiro
passo, então eles apenas ignoravam o elefante na sala e deixavam tudo como estava quando
Aaron e Nicky decidiram se mudar.

🐾
A despedida dos primos não foi calorosa, Nicky foi embora com um sorriso triste, talvez
ainda lamentando a relação aparentemente irreparável entre eles, e Aaron saiu com nada mais
que um aceno, como se ele estivesse indo para um apartamento no andar de baixo e não para
outro continente. Andrew não se importou, havia passado há muito tempo da fase em que
tentou se conectar com sua família, agora apenas Renee era o suficiente. Ele não precisava de
uma família numerosa se a que ele tinha era para toda e qualquer situação. O pensamento de
que Neil talvez estivesse se tornando um membro do seleto grupo que conquistou a confiança
de Andrew foi prontamente ignorado por ele.
VI. Neil/Andrew

NEIL

Neil havia passado 15 dias na Inglaterra com Stuart quando recebeu uma mensagem de
Wymack confirmando que seu contrato tinha sido rescindido e ele estava oficialmente sendo
contratado pelo Trojans, ou seja, ele precisava estar nos Estados Unidos em breve. E em
breve também ele estaria perto de Andrew. Neil não sabia dizer o que o deixava mais ansioso:
recomeçar toda a sua carreira sem Riko por perto, ou resolver com Andrew os desejos que ele
vinha tentando esquecer desde que o viu segurando uma arma pela primeira vez. Sim, ele
ainda se preocupava com Kevin, mas ele não podia fazer nada por ele enquanto ele ainda
estivesse sob as asas de corvos, essa era uma briga que Neil não podia comprar.

Com a passagem de volta comprada para a tarde seguinte, Neil arrumava a mochila que
trouxe enquanto alguns dos subordinados de seu tio ficavam por perto, deixando claro com
quem estariam se metendo caso alguém resolvesse importunar Neil por qualquer motivo. Neil
achava um cuidado desnecessário, mas parou de reclamar para seu tio quando Stuart
confessou que a última pessoa que ele deixara desprotegida fora sua mãe, Mary, e seu
descuido custou a liberdade de sua irmã mais nova quando ela foi sequestrada por Nathan
para se tornar sua esposa. Stuart não daria o benefício da dúvida e não cometeria o mesmo
erro duas vezes, mesmo que Neil nunca estivesse de fato sob sua proteção fora da Inglaterra.
Neil parou de questionar depois disso.

Quando terminou de arrumar sua bolsa, percebeu que Stuart estava encostado no batente da
porta, esperando que ele terminasse.

— Tá tudo organizado? Precisa de alguma coisa? — perguntou, entrando no quarto e


dispensando os dois homens que acompanharam Neil pelos dias que passou ali.

— Tudo certo, tio. Mas talvez alguém possa me levar no aeroporto amanhã? — Neil sugeriu,
incerto.

— Já cuidei disso, não se preocupe — Stuart garantiu, desfazendo o nó na gravata que usava
assim como alguns botões de sua camisa, se permitindo ficar mais confortável na presença do
sobrinho.

— Obrigado, tio.

— Não por isso, garoto. Me agradeça vindo mais vezes — Stuart respondeu, passando a mão
pelos fios castanhos salpicados por alguns fios brancos e desfazendo a arrumação. Neil não
sabia exatamente porque Stuart estava solteiro, se a aparência dele contasse para alguma
coisa, talvez a vida de mafioso não fosse tão atraente quanto a ficção fazia parecer.

— Eu vou tentar — Neil respondeu.

— Isso vai ter que servir. Vai se arrumar que eu vou te levar pra jantar — Stuart avisou,
começando a sair do quarto. — Essa é sua última noite comigo por sei-lá-quanto-tempo, o
mínimo que posso fazer é uma despedida digna.

Um sorriso pequeno estava nos lábios de Stuart e Neil o retribuiu com um parecido enquanto
assentia. Eles não eram tão parecidos, os olhos azuis e os cabelos ruivos infelizmente não
vieram de Mary Hatford, mas pensavam parecido e se davam muito bem. Neil foi adotado
por Wymack, mas se ele não tivesse chegado lá, era com Stuart que Neil estaria morando.

Neil podia não admitir em voz alta, mas tinha um carinho imenso pelo tio que fazia tudo que
podia para manter Neil seguro e bem desde que sua mãe partiu. Devia muito de sua liberdade
atual a Stuart. Se podia jogar Exy profissionalmente, viver como irmão de Kevin e filho
adotivo de Wymack, era porque as proteções de Stuart ainda estavam em dia e Neil era
extremamente grato por ter a chance de recomeçar uma família quando aquela que o colocou
no mundo tinha dado tão espetacularmente errado.

Stuart tinha um papel na vida de Neil maior do que ele imaginava.

🐾
Neil mal mantinha os olhos abertos no carro a caminho do aeroporto enquanto Stuart dirigia.
Os dois ficaram acordados até tarde conversando depois do jantar do dia anterior, mas Neil já
estava dormindo mal enquanto se acostumava com o fuso horário de novo e o sono
acumulado estava cobrando seu preço.

— Dorme, criatura, você mal tá se aguentando acordado — Stuart provocou sem tirar os
olhos da estrada, fazendo Neil rir sem força. — Eu te acordo quando chegarmos lá.

— Quando você disse que já tinha cuidado de tudo, eu não achei que você que ia me trazer
— Neil comentou, bocejando levemente, mas ainda tentando lutar contra o sono em uma
tentativa de usá-lo no avião.

— Hoje já seria um dia mais parado, foi só jogar os poucos compromissos que eu tinha para
outro dia. Eu sei que você não fica confortável com o meu pessoal te seguindo pra cima e pra
baixo — Stuart respondeu, fazendo Neil tirar os olhos da janela e olhar para ele. — Sim, eu
percebi, mas eu não vou arriscar.

— Eu sei, tio — Neil assegurou calmamente. — Mas eu consigo me defender.

— Eu sei, aulas de tiro e não-sei-mais-o-quê e eu prometo que da próxima vez eu te arrumo


uma arma pra você andar mais tranquilamente por aí.

— Eu agradeceria — Neil respondeu com um sorriso pequeno nos lábios.

Neil e Stuart foram conversando sobre casualidades durante o restante do caminho e até o
momento de Neil precisar embarcar, quando Stuart se despediu de seu sobrinho com afago
carinhoso em seus cabelos e um abraço rápido. 40 minutos depois, Neil estava decolando e
retornando aos Estados Unidos e para perto da outra parte de sua família fragmentada.

Neil passou os primeiros 30 minutos tentando dormir, mas desistiu depois da quinta vez que o
menino no assento de trás chutou como se isso fosse o suficiente para provar que ele tinha
superforça, e começou a assistir ao jogo mais recente de Kevin que perdeu por conta do fuso
horário. Neil aproveitou para analisar a situação, quão pesado Riko estava pegando agora que
Neil não estava por perto. E Neil não estava preparado para o que viu.

🐾
Oito horas dentro de um avião não são exatamente prazerosas, mas quando a ansiedade e a
inquietação estão procurando qualquer forma de sair elas se tornam ainda mais insuportáveis
e Neil estava uma pilha de estresse quando saiu do avião e do aeroporto, pedindo um Uber
que pudesse levá-lo até seu apartamento o mais rápido possível. Neil sabia que Kevin estaria
em casa e ele sabia que deveria evitar falar com ele até que estivesse calmo, mas Neil não era
conhecido por fazer as coisas depois de estar mais calmo.

Quando Neil entrou em seu apartamento, se esquivando dos móveis enquanto seus passos o
levavam até onde ele sabia que encontraria Kevin. Sua mochila, antes em suas costas, ficou
jogada no chão da sala.

— Você deve ter deixado seu cérebro na quadra quando Riko te acertou com a raquete porque
nada explica uma atitude tão idiota vindo de você — Neil falou quando encontrou Kevin e a
visão só fez seus músculos tencionarem.

Kevin estava com os cabelos úmidos, provavelmente de um banho recém-tomado, e roupas


confortáveis como Neil sempre viu quando estavam em casa, mas não era nada disso que fez
Neil perder o pouco controle que restava. Não. O braço esquerdo engessado e sustentado por
uma tipóia era o motivo pelo qual Neil estava a milímetros de cometer um crime de ódio.

— Você disse para eu fazer o que fosse necessário para sair — Kevin respondeu quietamente,
sem olhar para Neil de seu lugar encostado no balcão.

— Eu nunca dei a entender que você devia quebrar sua mão de propósito — Neil explodiu,
começando a andar de um lado para o outro. — De onde caralhos você tirou essa ideia,
Kevin? Você ficou louco?

— Não, Neil, eu não fiquei louco. Eu fiquei desesperado. Riko estava querendo o meu
sangue e eu estava lá, sozinho, ninguém ia levantar um dedo pra me ajudar, então eu fiz o que
você disse e obriguei eles a me mandar embora. Eu não tenho mais um contrato e eu não
tenho mais um time. Não era isso que você queria?

— O dano pode ser irreparável, Kevin! Como você pretende continuar jogando sem uma das
mãos funcionando direito?

— Foi por isso que eu quebrei a esquerda. E o dano é reparável.

— Como você pode ter tanta certeza?

— Porque eu estudei cada osso, cada pedaço que poderia ser acertado quando eu decidi que
faria isso. Você queria que eu abrisse um caminho para fora dos Ravens, eu escolhi o mais
certeiro. Eles nunca ficariam com um jogador sem garantias de recuperação.
— Para de tratar isso como se fosse normal. Você se enfiou na frente de uma raquete pra
quebrar a sua própria mão em um lugar que podia te custar toda a sua movimentação! Você
pode precisar de fisioterapia e mesmo assim não voltar a ser o que era. Você podia ter
destruído toda a porra da carreira que você disse que queria proteger!

— E foi por isso que eu quebrei a esquerda — Kevin retrucou entredentes enquanto Neil
lançava um olhar exasperado na direção dele.

— Eu não vou discutir isso com você, Kevin. Não agora. E eu não vou ficar nesse
apartamento com você — Neil falou saindo da cozinha, escutando sem ver enquanto Kevin o
seguia, pronto para continuar discutindo. — Ou eu mesmo quebro o resto do braço.

Sem mais nenhuma palavra, Neil pegou a bolsa com suas roupas jogadas na sala e saiu do
apartamento do mesmo jeito que entrou enquanto pegava o celular e ligava para alguém que
ele sabia que lhe oferecia abrigo e poucas perguntas.

ANDREW

Receber uma ligação de Neil não estava realmente nos planos de Andrew, mas ainda mais
inesperado foi o pedido por abrigo que veio junto com a ligação. A concordância veio tão
facilmente que Andrew se surpreendeu consigo mesmo. Faziam poucos dias que ele
conseguiu algum tempo sozinho desde Nicky e Aaron foram embora e Renee ainda não havia
voltado. Andrew ficou ainda mais surpreso com o fato de que estava levemente empolgado
com a chegada iminente de Neil.

Quando a campainha tocou e Andrew desceu para encontrar Neil, ele não precisou olhar duas
vezes para saber que Neil só não estava soltando fogo pelas ventas porque não era
fisicamente possível.

— Uou, alguém conseguiu te deixar muito puto — comentou, enquanto dava espaço para
Neil entrar na recepção vazia da academia. O conjunto de moletom cinza abraçando seu
corpo e a mochila sobre um de seus ombros. — Quem?

— Kevin.

— Ainda mais inesperado do que você me ligando pra pedir um lugar pra ficar — Andrew
falou, incrédulo ao perceber que ele nunca tinha visto Neil e Kevin brigando. — Vem.

Andrew, então, guiou Neil até o estande de tiro, onde eles já estavam tão acostumados a
descontar as frustrações. Foi até o armário que guardava as armas e o destrancou com a chave
que sempre carregava no pescoço enquanto Neil deixava sua mochila no chão, perto da porta.
Andrew foi até ele e o entregou a arma que ele notou ser sua preferida: uma Jericho 941.

— Vai, descarrega.

— Descarregar o quê?
— A arma ou sua raiva, entenda como quiser — Andrew respondeu, dando de ombros
enquanto se encostava em seu lugar costumeiro na parede, observando o que Neil ia fazer e
sorrindo satisfeito quando, sem falar mais nada, Neil se aproximou da madeira feita para
apoiar os braços e assumiu a postura que Andrew passou dias o pressionando para
aperfeiçoar.

Depois de 40 minutos e muitos tiros, Neil parecia calmo o suficiente para Andrew fazer seu
movimento.

— Interessante, Josten. Você está indo bem. O que acha de aproveitar a sua onda de sorte e
fazer uma aposta?

— O que você tem em mente, Minyard? — Neil perguntou, abaixando a arma e olhando para
Andrew com uma sobrancelha arqueada.

— Tá vendo os três círculos centrais? — Neil acenou com a cabeça. — Se você acertar um
deles, ganha um beijo. Se errar, dorme no chão.

— Quantas tentativas eu tenho?

— Três.

— Você e eu sabemos que eu vou acertar — Neil retrucou com um sorriso de canto, se
posicionando para atirar enquanto Andrew assistia com um olhar desafiador. Neil puxou o
gatilho. O tiro acertou o segundo círculo e Neil sorriu vitorioso. — Como eu disse, nós dois
sabemos que eu ia acertar.

Andrew sorriu de canto e se desencostou da parede enquanto Neil deixava a arma sobre a
base de madeira, se aproximando de Neil e o encurralando entre a madeira e seu corpo.
Andrew esticou o braço direito para tocar a cintura de Neil.

— Sim ou não, Josten?

Os dois estavam tão próximos que nem sabiam distinguir o que era espaço pessoal de cada
um, mas não se tocavam.

— Sim, Andrew — Neil respondeu, sussurrando enquanto pegava a mão de Andrew e


terminava o trajeto até sua cintura por conta própria.

Andrew sorriu e tomou controle da situação, puxando Neil pela cintura e aproximando os
corpos ao máximo enquanto erguia um pouco o pescoço para deixar as bocas em alturas
equivalentes antes de levar a mão esquerda até o pescoço de Neil e iniciar um beijo cheio de
vontade. Apesar de toda a ansiedade acumulada para chegar àquele momento, Andrew não
permitiu que Neil acelerasse as coisas e comandou o beijo em um ritmo calmo e proveitoso,
se dando tempo para conhecer a boca de Neil o máximo que conseguiu antes de precisar
parar para respirar. Neil sorriu enquanto os lábios se afastavam.

— Tá mais que aprovado Minyard.


— Idiota — Andrew falou, revirando os olhos enquanto se aproximava mais para alcançar a
arma atrás de Neil, se afastando apenas quando estava com a arma em mãos para guardá-la de
volta no armário. — Vamos.

— Pra onde? — Neil perguntou, saindo do lugar onde Andrew o deixou para pegar a mochila
que ainda estava jogada no chão do estande.

— Aqui não é lugar de jantar. — Foi tudo que Andrew respondeu antes de trancar o armário e
colocar a corrente com a chave de volta no pescoço.

Com tudo organizado, Andrew apagou as luzes do estande e os dois subiram até o
apartamento, passando pelo andar da recepção e do ringue onde Renee dava suas aulas,
Andrew confirmou se estava tudo em ordem antes de seguir para o apartamento no último
andar com Neil em seu encalço. Abriu a porta e permitiu que Neil entrasse enquanto tirava os
sapatos e os deixava no canto da sala, ficando descalço e se espreguiçando. Neil olhava cada
canto da sala com curiosidade, desde a televisão presa na parede branca, o piso de granito e o
sofá de três lugares cinza que se encontrava encostado na parede e de frente para a TV, até o
corredor que dava para os quartos e o balcão que separava a sala e a cozinha.

— Seu apartamento é bonito — comentou, adentrando o espaço aos poucos.

Andrew foi até o próprio quarto, deixando Neil na sala sozinho por alguns segundos, e
retornou com uma toalha em mãos.

— Aqui. O banheiro é a terceira porta do corredor, caso você queira tomar banho enquanto eu
faço uma janta rápida — disse, estendendo a toalha para Neil que a pegou com um sorriso. —
Tem roupas limpas?

— Tenho, as coisas que eu levei pra viagem vieram comigo — Neil respondeu, apontando
com a cabeça para a mochila em um de seus ombros. — Obrigado.

— Me agradeça ficando limpo, não quero ninguém catingando minha casa — Andrew
retrucou, fazendo um gesto com a mão para Neil se apressar. Neil riu levemente, mas
obedeceu e desapareceu no corredor, deixando Andrew sozinho com seus pensamentos
enquanto tirava do armário os ingredientes para fazer dois sanduíches leves.

Neil não demorou no banheiro, logo saindo com uma camiseta preta alguns números maior
do que deveria ser ideal para seu tamanho e um short que ia até pouco acima dos joelhos
enquanto secava os fios ruivos molhados superficialmente. Andrew sentiu o momento que a
imagem que via foi processada por seu cérebro, com o direito a delay e tudo para absorver a
visão do paraíso que era Neil Josten recém-saído de um banho.

— O que você fez?

— Sanduíche e se contente com o que tem — Andrew respondeu, empurrando um dos pratos
para Neil, que se sentava no banco do balcão. — E, então, qual é a história?

— Que história? — Neil perguntou, pegando o sanduíche e começando a comer enquanto


Andrew se apoiava no lado oposto do balcão.
— Você estar desabrigado?

— Ah, isso? Não é nada de mais. Eu e o Kevin brigamos — Neil respondeu, dando de
ombros. — Quanto você tem acompanhado de Exy desde que eu viajei?

— Nada.

— Bom saber que o seu objetivo assistindo tava bem claro — Neil provocou com um sorriso
zombeteiro no canto dos lábios. Andrew apenas revirou os olhos, sem dar atenção para a
provocação. — Depois que eu saí dos Ravens, o Kevin ficou por conta própria, mas eu já
tinha conseguido um time para nós dois depois que o contrato com os Ravens fosse desfeito.
Eu consegui rescindir o meu contrato, mas o Kevin não, e eu falei pra ele fazer o que fosse
necessário pra sair. — Andrew ainda não tinha entendido como isso ia parar em uma briga.
— Ele quebrou a própria mão pra garantir que sairia.

— Idiota.

— Eu sei, ele faz isso quando fica encurralado — Neil concordou, revirando os olhos. — Eu
não posso ficar perto dele por um tempo ou vou acabar falando alguma coisa que eu não vou
conseguir pegar de volta depois.

Andrew apenas o encarou por alguns segundos, olhando para Neil e o analisando como se ele
fosse um quebra-cabeça que ele perdeu a última peça. Neil não falou nada enquanto comia,
deixando que Andrew entendesse a tensão entre ele e Kevin.

— Você não parece ser o tipo de irmão que larga de lado quando ele precisa dos seus
cuidados — Andrew comentou.

— E eu não sou, mas a Abby, esposa do Wymack, tá por perto e vai cuidar dele. Nesse caso
ele não precisa de mim.

— Por que o Kevin você chama de irmão, mas não consegue chamar o Wymack e a Abby de
pais? — Andrew perguntou com curiosidade, percebendo o momento em que Neil hesitou em
responder e pensou que não receberia uma resposta.

— Eu nunca tive um irmão antes de ser adotado pelo Wymack, era uma palavra que não tinha
significado nenhum pra mim antes do Kevin — Neil respondeu depois de alguns segundos.
— A pessoa que eu chamei de pai antes foi ruim o suficiente para eu não querer que essa
palavra representasse mais ninguém.

Ao contrário do que estava acostumado, Andrew queria saber mais, mas não disse nada,
apenas se levantou e deixou os pratos sobre a pia antes de retornar para o balcão e levar a
mão até a cintura de Neil, que o olhou, esperando por sua próxima ação.

— Dormir comigo, sim ou não?

— No mesmo quarto? Na mesma cama? — Neil perguntou, arregalando os olhos em


surpresa.
— Normalmente é isso o que "dormir comigo" significa — Andrew respondeu, revirando os
olhos para disfarçar que achou a cara de surpresa de Neil mais fofa do que deveria. — Sim ou
não?

— Sim — Neil concordou, sorrindo quando se virou no banco sem encosto e descansa a
cabeça no encaixe entre o pescoço e o ombro de Andrew. — Claro que sim.

Andrew não disse mais nada quando levou uma das mãos para brincar com os fios ruivos
ainda úmidos que caíam sobre seu ombro. Não disse como aquele era o tipo de situação que
ele podia facilmente ver acontecendo mais vezes.

RENEE

Quando Renee retornou da casa da mãe, ela esperava encontrar Andrew sozinho em casa, já
que sabia que Aaron e Nicky já teriam ido embora quando ela chegasse. Imagine, então, a
surpresa dela quando ela chegou no apartamento e encontrou Andrew Minyard abraçado em
Neil Josten enquanto os dois tomavam café da manhã juntos e, pasmem, Andrew estava
conversando e de fato prestando atenção nas coisas que Neil dizia. Renee não tentou evitar o
sorriso que despontou de seus lábios com a cena.

— Bom ver que a solidão não foi um problema enquanto eu fiquei fora — provocou,
deixando a mala pequena na sala enquanto ia até os dois com um sorriso.

Andrew acenou com a cabeça, colocando um café em uma xícara e entregando para ela, que
sorriu em agradecimento, enquanto Neil a cumprimentava com um abraço de lado dentro das
possibilidades que o braço de Andrew em sua cintura permitia. Renee se sentou em um dos
bancos do outro lado do balcão.

— Kevin me avisou que vai ficar um tempo sem treinar, tá tudo bem? — Renee perguntou,
segurando a caneca com as duas mãos. Os olhos de Neil caíram para a mesa.

— Ele tá com a mão quebrada, não pode treinar e, pelo o que Wymack me contou quando nós
conversamos ontem, ele vai ficar assim por um bom tempo.

— Neil vai ficar aqui por um tempo — Andrew se manifestou verbalmente pela primeira vez.

— Tudo bem, mas onde ele vai dormir agora que eu vou voltar a dormir no meu quarto?

Neil olhou para ela confuso enquanto Andrew respondia.

— Ele dorme comigo.

Renee engasgou com o café no mesmo minuto, não esperando que Andrew fosse permitir que
Neil dividisse nem o mesmo quarto, quem dirá a cama.

— Okay, agora você me pegou de surpresa — confessou, tossindo enquanto tentava recuperar
o fôlego. — O que você fez? — perguntou, olhando para Neil com uma admiração silenciosa.
— Como assim? — Neil retornou o olhar com um confuso.

— Você vai explicar ou explico eu? — Renee indagou, arqueando uma sobrancelha enquanto
encarava Andrew que apenas revirou os olhos.

— Eu não gosto de contato físico com outras pessoas.

— E por outras pessoas, entenda qualquer coisa próxima de um ser humano — Renee
complementou, fazendo Neil olhar questionador para o braço de Andrew em sua cintura.

— Se você quer uma explicação, eu não tenho uma pra te dar — Andrew respondeu sem tirar
o braço de onde estava. Renee tinha a sensação de que Neil estava satisfeito com as coisas da
forma que estavam, já que largou a caneca vazia sobre o balcão para esconder o rosto no
pescoço de Andrew de novo. Renee ainda estava surpresa que apenas a expressão neutra de
sempre permanecia em seu rosto, sem se incomodar com o contato físico que Neil oferecia.
Reparando bem, era possível até ver leves sinais de contentamento se soubesse onde
procurar.

— Eu que não vou reclamar, vou deixar os pombinhos à vontade — Renee disse quando se
levantou e foi até a pia lavar a caneca que usou. — Aproveitem porque eu tenho um aluno
vindo hoje.

Com uma piscadela, Renee saiu da cozinha, pegou a bolsa que deixou na sala e deixou Neil e
Andrew sozinhos novamente, indo para seu quarto.

— Então eu sou a exceção à regra? — Neil perguntou com um sorriso provocativo no rosto
enquanto se afastava do pescoço de Andrew.

— Não — Andrew respondeu, mesmo sabendo que, sim, Neil era mais do que a exceção, ele
era a pessoa a quem a regra nunca se aplicou em primeiro lugar.
VII. Neil

NEIL

Dias se passaram e Neil já estava mais do que acostumado a passar os dias com Andrew e
Renee, quase se adequando à nova rotina. Ele perguntava a Wymack sobre Kevin e se
mantinha atualizado da situação quando visitava ele e Abby enquanto trabalhava os detalhes
de seu contrato com os Trojans. Ele e Kevin ainda não tinham cruzado caminhos desde o dia
em que brigaram e Neil tinha que confessar que sentia falta do irmão, mas não o procuraria
ainda. Ele não sabia se já tinha superado sua raiva o suficiente para que controlasse suas
palavras.

Ao acordar ao lado de Andrew mais uma vez, com uma mão em sua cintura e o rosto
escondido no pescoço dele, Neil se sentia bem. O que era estranho porque o toque físico
nunca foi algo que ele entendia porque era tão importante para algumas pessoas, isso, porém,
foi antes ele se aproximar de Andrew Minyard e sentir a necessidade constante de ter uma
conexão com ele. Uma mão na cintura, cabeça no ombro, até a ponta dos dedos se tocando
servia se fosse para manter Andrew próximo. Ele gostava disso, da intimidade de poder tocar
em alguém sabendo que era bem-vindo.

— Muito cedo, coelho, muito cedo — Andrew reclamou com a voz rouca, como se tivesse
sentido que Neil tinha acordado. Neil sorriu com o apelido que Andrew arrumou durante esse
tempo que eles estavam se acostumando a viver juntos.

— Tá fora do meu controle, o meu primeiro treino com os Trojans começa agora cedo —
Neil respondeu, deixando um beijo no pescoço dele como pedido de desculpas antes de se
desvencilhar e sair da cama.

— Como você vai chegar lá?

— Hm? — Neil o olhou com curiosidade. — De Uber, ué.

— Eu te levo — Andrew se ofereceu, fazendo Neil arquear uma sobrancelha. — Caso tenha
se esquecido, eu tenho um carro e ele não é de enfeite.

— Tudo bem, eu vou me arrumar — Neil falou com um sorriso.

Andrew não respondeu, mas Neil já estava acostumado com as respostas não verbais a essa
altura do campeonato.

🐾
Andrew o levou até o centro de treinamento dos Trojans, chegando 20 minutos adiantados.
Jeremy o esperava no estacionamento com um sorriso enorme, como sempre, porque
aparentemente Jeremy Know não sabia o que era um dia ruim.
— Neil — Jeremy se aproximou do carro enquanto Neil saía. — Bom te ver na sua nova
casa.

Jeremy parecia verdadeiramente feliz de ver Neil no centro de treinamento dos Trojans e Neil
sorriu de canto enquanto Andrew também saía e dava a volta no carro, se apoiando na porta
ao lado de Neil.

— Andrew, esse é o Jeremy, meu novo colega de time. Jeremy esse é o Andrew meu... —
Neil não sabia exatamente como apresentá-lo. Professor de tiro não parecia exatamente
adequado para situações sociais e amigo não parecia o suficiente. Neil olhou para Andrew,
esperando que ele mesmo concluísse, mas Andrew não se deu ao trabalho, então Neil decidiu
concluir como achasse melhor — meu.

— Seu? — Jeremy questionou com uma sobrancelha arqueada em divertimento. Neil


assentiu. — Okay, então. E o seu Andrew vai ficar pra assistir ao treino?

Neil olhou para Andrew novamente e dessa vez ele considerou que essa era uma pergunta
digna de uma resposta .

— Não, eu tenho um aluno marcado pra hoje de manhã, mas eu venho te buscar. — Neil
sorriu e se prepara para seguir Jeremy até a quadra quando sente Andrew o segurando pelo
pulso e puxando com pouca força, deixando um selinho em seus lábios e surpreendendo Neil
com a atitude casual. — Se comporte Josten e me ligue se alguém aqui se tornar um
problema.

Andrew lançou um olhar de aviso para Jeremy, que apenas ergueu as mãos em sinal de
rendição, antes de entrar em seu carro e dar partida enquanto Jeremy conduzia Neil até a
quadra. Neil sorriu, depois de tanto tempo, ele finalmente estava voltando para seu ambiente
natural.

🐾
Neil e Kevin já estavam brigados há algumas semanas e por brigados entenda sem se verem e
sem se falarem por todo esse tempo. Não era a primeira briga, longe disso, mas eles nunca
ficaram tanto tempo afastados e Neil podia confessar para si mesmo que sentia falta do
irmão, assim como sentia falta de ter toda a família junta. Neil sabia que a imagem de Kevin
agonizando na quadra e a dor se mostrando em cada parte de seu rosto quando o dano foi
feito ficaria em sua mente por muito, muito tempo, mas não tinha motivo para se manter
longe do irmão, principalmente quando ele sabia que Kevin iria precisar dele.

Neil estava com o carro de Andrew emprestado e não tinha palavras para definir o que ele
sentiu quando Andrew segurou seu pulso, virou sua mão de palma para cima e com um "traz
de volta inteiro" colocou a chave da Maserati sobre ela, fazendo Neil olhar para ele e piscar
sem reação por alguns minutos. A reação que seguiu o choque foi puxar Andrew para um dos
beijos mais entusiasmados que os dois já trocaram e sair de casa antes que a coisa escalasse e
Neil deixasse Kevin à própria sorte.

Quando Neil estacionou na frente de seu prédio, Kevin já esperava por alguém na calçada,
mas esse alguém com certeza não era ele se a expressão de surpresa pudesse ser levada em
consideração. Neil abaixou o vidro.

— Entra.

Neil esperava uma discussão, mas ela não veio, Kevin apenas entrou no carro
silenciosamente e assim o caminho continuou até a clínica. Nenhum dos dois tentou fingir
que as coisas estavam bem entre eles, não era assim que a relação deles funcionava. Kevin
precisava dele e Neil ali estava. Era assim que a relação deles funcionava.

A recepção estava vazia quando os dois entraram e a recepcionista os cumprimentou com um


sorriso antes de direcioná-los ao consultório onde o doutor já esperava por eles.

— Kevin. Neil — cumprimentou quando os dois entraram, fazendo uma careta de leve ao
reparar no gesso e na tipóia que Kevin usava. — Bom, parece que vocês decidiram me dar
algum trabalho depois de tanto tempo sem precisar de maiores cuidados médicos. Vamos ver
no que eu estou me metendo.

Com isso, Neil e Kevin se sentaram e uma longa lista de perguntas e testes foram feitos.

🐾
A consulta demorou menos do que o esperado. O doutor examinou a mão de Kevin e pediu
vários exames para chegar a um plano de ação que pudesse garantir a ele um boa recuperação
e um retorno para as quadras o mais rápido possível. Neil e Kevin aproveitaram para já deixar
todos os exames marcados.

Com tudo isso resolvido na medida do possível, os dois se encontravam no carro, Neil
dirigindo e Kevin no banco do carona.

— Então, os Trojans? — Kevin perguntou em uma tentativa de quebrar o silêncio. — Como


isso aconteceu?

— Depois do jogo que o Riko te acertou com a raquete e eu lavei a minha alma com um
soco, o Jeremy veio me procurar.

— Foi por isso que ele levou a gente para o hospital?

— Foi. Enquanto você estava sendo atendido ele me fez a proposta. Disse que os
patrocinadores já tinham concordado e que o treinador deles deu carta branca pra ele nos
convencer a ir.

— Calma. Nós?

— Sim. Eu disse que a gente tinha um time.

— Por isso você bateu tanto na tecla pra eu quebrar o contrato — Kevin entendeu.

— Não, eu queria que você quebrasse o contrato porque o Riko ia acabar causando um dano
irreversível se você continuasse naquele time sem apoio. Ter uma proposta pra você foi só a
minha forma de garantir que nenhum de nós ficaria desamparado depois.
— Eu estraguei tudo, não foi? Os Trojans não vão manter uma proposta pra um atacante que
acabou de se lesionar — Kevin lamentou, olhando impotente para a mão engessada.

— Não, eles vão sim. — Kevin desviou o olhar para o rosto de Neil tão rápido que Neil se
perguntou como ele não deslocou o pescoço no processo. — Eu conversei com Jeremy sobre
isso. Ele me levou pra conversar com a diretoria do time e eu expliquei a situação. Eles
disseram que se sua mão não fosse um fim definitivo na sua carreira eles estavam dispostos a
te puxar pra linha quando você se recuperasse.

Neil não podia tirar os olhos da estrada, mas ele tinha certeza que o olhar de Kevin devia
estar brilhando com a notícia. Eles tinham acabado de sair da consulta que bateu o martelo
que a carreira dele não estava nem perto de acabar. Kevin Day ainda seria,
independentemente dos resultados dos exames, um atleta de alto rendimento, o doutor só
precisava descobrir qual seria o método mais rápido de conduzir o tratamento.

Neil foi se aproximando do prédio em que eles moravam com o carro.

— Obrigado por ter vindo comigo — Kevin agradeceu, mordendo o canto do lábio inferior
apreensivamente. — Então... você quer subir pra ver alguns dos jogos recentes?

Era um hábito deles assistir jogos juntos, pegar dicas, entender adversários que eles poderiam
vir a enfrentar em algum momento. Era uma oferta de recomeçar depois de uma briga e Neil
sabia que os dois queriam se entender depois de semanas separados.

— Quero, mas eu preciso ver com o Andrew se ele vai precisar do carro primeiro.

— Você pode fazer isso lá em cima.

Sem argumentar, Neil o seguiu até o apartamento e entrou, estranhando um pouco estar de
volta ali depois de semanas vivendo com Andrew e Renee. Neil ficou tão confortável com
eles que nem se sentiu invadindo o espaço de outra pessoa, não que algum deles desse a
entender isso de qualquer forma.

🐾
Já passava de 23:00 da noite quando Neil chegou no apartamento de Andrew e o encontrou
dormindo no sofá, encolhido contra o encosto com as pernas contra a barriga. Adorável era a
melhor forma de descrevê-lo. Neil se agachou ao lado do sofá.

— Drew? — chamou, se aproximando e colocando a mão sobre o ombro dele. — Drew, vai
pra cama. — Andrew se remexeu levemente, mas parecia estar se recusando a desistir de seu
sono. — Andrew.

— Hm? Junkie? — Andrew murmurou com a voz ríspida pelo sono.

— Eu mesmo. — Reconhecendo a presença de Neil, ele simplesmente virou para o lado


novamente para voltar a dormir. — Não, Drew. Você tem que ir pra cama.

Andrew então abriu um dos olhos apenas o suficiente para Neil ver um pouco da íris âmbar,
mas não fez qualquer movimento para sair do sofá. Neil foi pego de surpresa quando Andrew
apenas ergueu os braços e Neil levou alguns segundos para entender que ele queria ser
carregado. Neil abriu um sorriso pequeno enquanto fazia o que Andrew pedia, passando um
dos braços pelas pernas dele e o outro pela cintura, o erguendo e o levando até o quarto. Neil
o deixou na cama e se preparou para sair do quarto e tomar banho, mas foi impedido pela
mão de Andrew em seu pulso.

— Não. — A voz estava baixa, mas Andrew não precisava falar alto, a atenção de Neil estava
tão focada nele que mesmo se ele sussurrasse ainda seria completamente audível.

— Eu preciso tomar banho — Neil respondeu, deixando um afago nos fios loiros com a mão
que Andrew não segurava.

— Mas volta.

— Eu volto, Drew — concordou Neil, deixando um beijo na bochecha de Andrew, que soltou
seu pulso, os olhos voltando a fechar os olhos.

Neil nunca tomou um banho tão rápido em sua vida, apressado para voltar para o homem que
o esperava sonolento na cama.
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