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ALÉM DE FRALDAS E MAMADEIRAS: CONTRIBUIÇÕES DA

ABORDAGEM DE EMMI PIKLER À EDUCAÇÃO INFANTIL*

Cintia Vailatti Soares**


Adriana Dickel***

RESUMO

O presente trabalho tem como tema as contribuições de Emmi Pikler para a compreensão do desenvolvimento de
crianças bem pequenas. Tem-se como objetivo depreender dessas contribuições o papel do educador frente a
esse desenvolvimento. Para tanto, foram consultadas obras da própria autora e de seus intérpretes e
colaboradores. O trabalho está dividido em três seções: a primeira está destinada à compreensão da história de
vida de Emmi Pikler; a segunda ao entender a abordagem da pesquisadora; e, a terceira à pensar na função do
educador na primeira infância nos momentos de cuidados, na valorização do vínculo e no tempo de qualidade
dedicado aos bebês. A abordagem baseada em Pikler destaca a relação entre o adulto e a criança pequena como
importante no campo da pedagogia; diz respeito a uma educação infantil de qualidade, humanizada e dedicada
aos cuidados essenciais e destaca, ainda, o papel das observações e da reflexão constante do educador para o
reconhecimento das crianças de zero a três anos como indivíduos, para que possam descobrir todas as formas
possíveis de se movimentar e se desenvolver.
Palavras-chave: Autonomia. Criança 0 a 3 anos. Cuidados. Educador. Vínculo.

Introdução

O presente artigo trata das contribuições da abordagem de Emmi Pikler para o


desenvolvimento dos bebês de zero a três anos, tendo como foco a atuação do educador, junto
aos primeiros anos de vida da criança. Esse tema se originou pelo interesse de compreender o
desenvolvimento das crianças nessa faixa etária, uma vez que isso fazia parte da minha rotina
de trabalho e foi fortalecido com o nascimento da minha filha. Esse fato aumentou ainda mais,
em mim, o desejo de entender qual seria o meu papel junto a tudo o que ocorrre com uma
criança na primeira infância, no âmbito escolar e familiar.
A pesquisa realizada é de natureza bibliográfica, pois procuramos explicitar e discutir
o tema com base em referências teóricas publicadas em livros, revistas e periódicos. Tratamos
de reconstruir, mesmo que parcialmente, o contributo teórico de Emmi Pikler e os princípios
que reconhecem as capacidades e respeitam a criança bem pequena.
O artigo está estruturado em três seções, sendo que a primeira delas é destinada à
conhecermos melhor a pesquisadora Emmi Pikler; a segunda à compreendermos, em linhas
gerais, a sua abordagem sobre a infância; e, a terceira nos faz pensar na contribuição do
*
Artigo elaborado para a conclusão do Curso de Pedagogia (L), da Universidade de Passo Fundo, em
maio de 2020.
**
Acadêmica do Curso de Pedagogia (L), da Universidade de Passo Fundo. E-mail: 111772@upf.br
***
Professora Doutora da Faculdade de Educação, da Universidade de Passo Fundo, orientadora deste
trabalho.
2

educador e na importância da construção do vínculo, no momento dos cuidados cotidianos das


crianças pequenas.

1 Quem foi Emmi Pikler?

Em Soares (2017), é possível conhecemos melhor Emmi Pikler (1902–1984), uma


pediatra de família, que concluiu seus estudos em Viena, que se interessou pela área da
prevenção e fisiologia. Com base em suas experiências, como médica e diretora de uma
instituição de acolhimento, em Budapeste, Hungria, fundamentou toda a sua produção teórica
com observações das crianças pequenas.
Quando trabalhava em um hospital universitário, Pikler observou que as crianças do
bairro operário sofriam poucos traumas e fraturas, apesar de brincarem nas ruas, subindo e
descendo árvores. Assim, percebeu que o pronto socorro do hospital atendia, em maior
quantidade, as crianças de famílias com valor aquisitivo superior, embora saíssem pouco de
casa e fossem exageradamente protegidas. Esse fato fez com que a médica constatasse que as
crianças que podiam se mover com liberdade e sem restrição eram mais prudentes, por
conhecerem melhor suas próprias capacidades e limites.
Segundo Soares (2017), Pikler possuía ideias inovadoras e foi influenciada,
principalmente, pela saúde preventiva, pelo movimento da educação nova – em especial, pelo
método Montessori1 – e pela psicanálise. Ela estava tão convencida de suas pesquisas que
resolveu aplicá-las em sua primeira filha, Anna Tardos, cuidando-a com presença e afeto,
conversando muito, respeitando seu ritmo individual, sem apressar suas aquisições motoras;
assegurando as condições necessárias para a movimentação livre e o brincar independente.
Dessa forma, ter observado o desenvolvimento sadio de Anna fortaleceu as convicções da
pesquisadora.
No final da segunda guerra mundial, Pikler foi convidada pelo governo húngaro para
coordenar o Instituto Lóczy, no qual funcionava um abrigo para crianças órfãs, de 0 a três
anos; local em que permaneceu trabalhando durante quarenta anos. Após o falecimento da
pesquisadora, em 1984, o instituto passou a se chamar Instituto Pikler, conduzido por Judith
Falk, uma de suas principais colaboradoras.
No período em que Emmi Pikler ficou no comando do instituto, ela pode acompanhar

1
Maria Montessori (1870-1952) foi uma psiquiatra italiana que, a partir de observações do comportamento das
crianças em liberdade, desenvolvou sua abordagem de educação caracterizada pela autonomia, liberdade com
limites e respeito pelo desenvolvimento natural das habilidades físicas, sociais e psicológicas das crianças, em
ambientes e com materiais que proporcionem condições para esse desenvolvimento.
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o dia a dia das crianças. Assim, a respeito disso, Soares (2017, p. 18) destaca que

depois de alguns meses no instituto Emmi Pikler percebeu que as crianças estavam
sendo cuidadas de forma mecanizada e apressadas contrariando suas convicções já
que os momentos de cuidados representam a melhor oportunidade para a construção
do vínculo afetivo entre a criança e o adulto de referência.

Essa constatação enriqueceu bastante sua pesquisa e, com o passar dos anos, Pikler
comprovou a eficácia da abordagem baseada na relação afetiva, na liberdade de movimento e
na importância da convivência com adultos delicados e afetivos. Isso, inclusive, durante os
cuidados como alimentação, banho e troca de fraldas, de modo a considerar as necessidades
individuais e reagir a cada manifestação da criança, dando a oportunidade para o bebê
interagir.
Em 2006, a União Europeia determinou que o atendimento às crianças em situação de
risco fosse realizado por famílias acolhedoras, iniciando, dessa forma, o processo de
fechamento dos abrigos. Em Soares (2017, p. 20) vemos que

o Instituto foi desativado aos poucos, não recebendo novas crianças a partir desta
data e, em 2011, foram transferidos os últimos abrigados que lá viviam. Desde
então, o prédio da rua Lóczy funciona como centro de educação infantil, que atende
a crianças de 0 a 3 anos e 11 meses, segundo a abordagem Pikler. Neste mesmo
prédio, encontra-se a associação Pikler-Lóczy, um centro de estudos e divulgação,
que promove cursos de formação em diversas línguas, atraindo profissionais de
várias partes do mundo.

O Instituto Pikler-Lóczy é coordenado por Anna Tardos, filha de Emmi Pikler,


também responsável pelo legado das ideias de Pikler e pela formação de profissionais nessa
abordagem em todo o mundo.
Essa perspectiva está presente em muitos países da Europa, em especial na França,
Alemanha, Holanda, Austrália, Suíça, Espanha e nos países da América do Norte. Na
América do Sul, seguidores dessa abordagem estão organizados na Red Pikler Nuestra
América, que envolve Argentina, Equador, Peru, Chile, Colômbia e Brasil.
Em São Paulo, desde 1992, os princípios de Emmi Pikler são aplicados no centro de
Educação Infantil localizado na Favela Monte Azul, coordenado por Renate Keller.
Entretanto, a difusão oficial dessa abordagem, no Brasil, ocorreu, no IV Encontro Nacional
sobre o Bebê, na Universidade de Brasília, em 2002.
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2 A Abordagem Pikler

A dedicação de Emmi Pikler às crianças pequenas, apesar das graves dificuldades em


consequência da guerra, trouxe um novo olhar sobre as crianças órfãs e desacreditadas pela
sociedade. O sentido de inclusão e a crença do poder transformador da educação de sua teoria
contrariaram o senso comum, que desacreditava no bom desenvolvimento das crianças
pobres, em situação de ausência parental e/ou com fragilidade de saúde. Essa perspectiva de
resistência considerava inevitável o fracasso, quando adultos, desses pequenos em situação de
vulnerabilidade.
Com a sua colaboradora direta, Judith Falk – quem sucedeu na direção do Instituto
Lóczy entre 1979 e 1991 –, Pikler, em estudos longitudinais, tendo como base o cuidar e o
educar, em uma relação humanizada e um cotidiano constituído nos princípios do respeito e
da afetividade, comprovou que as crianças pequenas, em condição de fragilidade, eram
capazes de se tornar adultos de sucesso.
Os principais conceitos que apoiam a abordagem da médica-pesquisadora dizem
respeito ao vínculo e à liberdade. De acordo com Soares (2017, p. 16-17), para ela,

[...] o bebê é um ser capaz ativo se o adulto de referência espera e recebe os sinais de
reciprocidade. O vínculo afetivo com o adulto é fundamental para o
desenvolvimento pleno e o momento dos cuidados é o mais propício para que ele
aconteça. Com segurança afetiva, o bebê e a criança pequena podem se movimentar
livremente por longos períodos, sempre assistidos de um adulto. O brincar livre em
ambiente seguro desenvolve iniciativa e autonomia e provoca flexibilidade,
equilíbrio e alegria.

Dessa forma, a Abordagem Pikler se fundamenta na relação afetiva e na liberdade de


movimentos, para promover bem-estar físico, afetivo e psíquico nas crianças pequenas; é
baseada na autonomia e no vínculo entre crianças e adultos, com a atenção dedicada à
observação dos detalhes do seu desenvolvimento, respeitando o ritmo individual e criando
situações de tranquilidade e equilíbrio.
Segundo Falk (2011), na concepção de Pikler, o bebê já é uma pessoa. Além disso,
essa autora ressalta que

evitaríamos muitos problemas se desde o começo, considerássemos o cuidar como


um momento íntimo, pleno de comunicação. O bebê não deveria ser considerado
como um simples objeto de cuidado, mas como uma pessoa que tem influência sobre
os acontecimentos e que estabelece relações, um verdadeiro companheiro que sente
melhor o amor de seus pais se eles, tendo em conta suas necessidades, dedicando-
lhes uma atenção de qualidade (FALK, 2011, p. 34).
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Na abordagem da médica pediatra, a relação harmoniosa entre o adulto e a criança,


sustentada no movimento livre, é fator essencial ao crescimento saudável e às aprendizagens
na infância. A atenção para os detalhes dessa interação implica nos registros contínuos desse
processo e na sua análise.
No que se refere à aproximação de sua abordagem com as orientações curriculares em
curso no Brasil, podemos dizer que essa vai ao encontro do que se encontra na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), ao considerar o vínculo entre o cuidar e o educar, na Educação
Infantil, como elementos intrínsecos do processo educativo. Nesse documento encontramos
que,

nas últimas décadas, vem se consolidando, na Educação Infantil, a concepção que


vincula educar e cuidar, entendendo o cuidado como algo indissociável do processo
educativo. Nesse contexto, as creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os
conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de
sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de
ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças,
diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira
complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos
bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos
dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a
comunicação (BRASIL, 2017, p. 36).

O cuidar de forma afetiva e de qualidade oferecido pelo adulto, portanto, contribui


diretamente para o desenvolvimento físico, psicomotor, psicossocial e cognitivo da criança
pequena. Em relação a isso, os três primeiros anos de vida são centrais, isso porque, nessa
fase,

as sinapses neurais produzidas nos três primeiros anos de vida modelam o cérebro
em relação à motricidade, à psique, à aprendizagem e a experiências afetivas e
amorosas, que são resultantes das interações. Dessa forma, as experiências
vivenciadas pela criança pequena, sejam positivas ou negativas, e as condições
afetivas, materiais, sociais e culturais são determinantes para a maturação, a saúde
mental e a expressão de suas potencialidades e competências. (SOARES, 2017, p.
30)

Compreendendo melhor como acontece o desenvolvimento e a aprendizagem com


experiências e vivências baseadas na autonomia em idade tão delicada, cabe ao educador
proporcionar um ambiente facilitador diversificado e enriquecedor, no qual o cuidar, o educar,
o brincar estejam presentes e, ainda, onde essas práticas de cuidado e educação aconteçam em
uma perspectiva humanizada, visto que os bebês são pessoas que influenciam o ambiente.
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3 A função do educador: vínculo e cuidados

O sentido da presença do adulto, na abordagem de Emmi Pikler, transcende o da


presença física. Trata-se de estabelecer uma interação afetiva, emocional e cognitiva desde os
momentos de cuidados essenciais, como a troca de fraldas e de roupas, o banho, o sono e a
alimentação. Esse período serve como um tempo de aproximação; fortalecimento do vínculo
olho no olho, pele com pele e das diversas possibilidades de oralização entre o adulto e a
crianças bem pequenas. Segundo Soares (2017, p. 22), na Abordagem Pikler, “o tempo
dedicado aos cuidados representa o melhor momento para um encontro privilegiado, quando o
vínculo afetivo pode ser construído e aprofundado”.
O olhar observador, a delicadeza no toque, e o adulto de referência chamar para
participar dos momentos de cuidados, com regularidade, olhando nos olhos, conversando com
o bebê em tom de voz agradável e com gestos delicados, tornam-se a base para uma relação
saudável e tranquila, sustentada na confiança e na aceitação. Os momentos mais importantes
da interação adulto-criança são referentes aos cuidados corporais. Essa conexão influencia
diretamente no comportamento do sujeito e constrói o vínculo com o educador.
As palavras transferem os sentimentos dele para a criança; o toque gera o vínculo e a
segurança afetiva. É preciso permitir os gestos da criança e estar atento a eles, ou seja, auxiliar
para que o bebê se torne um companheiro ativo. Nesse sentido,

consideramos fundamental que a criança participe dos cuidados de seu corpo e que,
ainda que não possa se vestir sozinha nessa idade, observe os detalhes, acompanhe o
processo de fala da educadora mesmo que não esteja em condições de participar
concretamente. A cadeia de interação se interromperá de quando em quando, mas as
educadoras devem procurar atrair intencionalmente o olhar da criança e se esforçar
por fazer ressurgir a interação (FALK, 2011, p. 88).

Ademais, de acordo com Falk (2011, p. 20), a partir das observações, regulares e
permanentes, sobre o desenvolvimento de sua primeira filha, Anna Tardos, Pikler destacou
que

as refeições as trocas de fraldas, banho momento de vestir a criança eram as


melhores ocasiões de estarem juntos de maneira regular. Durante essa atividade os
pais nunca tinham pressa, levavam em conta as necessidades e as reações da criança
e toda sua participação.

Assim, percebemos que a alimentação também faz parte da rotina de cuidados, da


mesma forma que o sono, a troca de fraldas e roupas, e o banho. Esse é um momento especial
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para a formação de vínculos e construção da autonomia; requer atenção específica e


individualizada, sendo uma necessidade, um instante de encontro e socialização. Soares
(2017, p. 25) atenta para o fato de que “ao invés de distrair a criança para colocar comida em
sua boca, é mais interessante chamar sua atenção para o que está acontecendo naquele
momento, para que o ato de comer seja um encontro prazeroso”.
O prazer do bebê em se alimentar deve estar ligado à vontade e à quantidade que a
criança deseja comer. Quando o educador ignora esse aviso, está dizendo, ao bebê, “eu sei que
você não quer mais, mas mesmo assim estou ignorando a sua vontade insistindo para que
coma mais uma colherada. [...]”. Assim, em consonância a isso, Gonzalez-Mena e Widmeyer-
Eyer (2014, p. 53) dizem que “nunca se obriga uma criança a comer mais do que ela quer,
nem uma colherada”.
Soares (2017, p.24) destaca, também, que “a abordagem Pikler sugere que o bebê que
ainda não senta por conta própria seja alimentado no colo, com o corpo na diagonal, posição
que favorece um contato mais íntimo e possibilidade dos olhares se encontrarem”. Quando a
criança já sentar sozinha, pode ser utilizada uma cadeira com apoio dos pés no chão. Deve ser
manuseada a sua própria colher, com auxílio do educador, até que consiga se alimentar
sozinha. Este deve narrar, com suavidade, o que está acontecendo, com interação e
autonomia, de forma cuidadosa, fortificando os laços afetivos. Assim, todos esses aspectos
dão, ao bebê, o tempo necessário para aproveitar a experiência.
De acordo com a autora,

se o adulto nomeia o que está sendo feito e antecipa o que vai acontecer em seguida
facilita o início da construção de imagem em sua mente- as primeiras representações
mentais-, base do pensamento. As codificações e decodificações de sinais e gestos
antecipados que se transformarão, mais tarde, na linguagem verbal (SOARES, 2017,
p. 22).

Além disso, como mencionado, a troca de fraldas também é um momento de cuidado.


Nela, o educador exerce papel importante na vida do bebê em relação ao contato corporal.
Segundo Falk (2017, p. 66), “desde muito pequeno, o bebê expressa com o seu
comportamento o que sente quando o adulto que cuida dele, que toca em algumas partes ou
mesmo em seu corpo todo, quando o pega e o carrega em seus braços”.
Essa é uma etapa em que se deve respeitar a autonomia dos movimentos corporais do
bebê e seus interesses, para que ele se sinta seguro. A atenção precisa ser exclusiva e
individualizada; a troca deve acontecer de forma que a criança se sinta parceira e não coagida
e apressada pelo adulto. Soares (2017, p. 25) recomenda que, “durante a troca de fralda, o
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educador deve ser delicado com a criança e explicar o que está acontecendo”.
Desse modo, para que a autonomia do bebê seja respeitada e a troca aconteça com
segurança, Soares (2017, p. 26) complementa que “para que isso seja possível, sem riscos, os
trocadores são cercados por uma grade de segurança e projetados na altura do adulto”.
Ademais, o momento da retirada das fraldas é muito importante na vida da criança
pequena e não deve ser escolhido pelo adulto, mas, sim, definido pela necessidade de cada
criança, sendo esse um passo imprescindível em direção à autonomia e ao autocontrole.
Conforme apresentado por Papalia e Feldman Duskin (2013, p. 228), “o treinamento do
controle das necessidades fisiológicas é um passo importante em direção à autonomia e ao
autocontrole; o mesmo acontece com a linguagem”.
As referidas autoras ainda acrescetam que

à medida que a criança amadurece- fisicamente, cognitivamente e emocionalmente-


ela é levada a buscar sua independência em relação aos vários adultos que está
apegada. ‘Eu fazer’ é a frase típica da criança quando começa a usar seus músculos e
sua mente para tentar fazer tudo sozinha- não somente andar, mas vestir-se e
explorar o mundo (PAPALIA; FELDMAN DUSKIN, 2013, p. 228).

Sobretudo, o desfralde ocorre quando o corpo, o cérebro e as emoções do bebê


estiverem preparados para isso. Esse fato não quer dizer que a observação do educador, em
relação ao desenvolvimento individual da criança, não seja importante, entretanto, não será
ele que escolherá o dia para esse acontecimento, mas, sim, as crianças quando estiverem em
condições de fazê-lo.
Para Soares (2017, p. 26), “as crianças estão em maturidade psíquica para esse
processo quando expressam o desejo de fazer xixi e/ou cocô; compreendem o que o adulto
diz; demostram interesse pelo uso do vaso sanitário ou mesmo pedem pra retirar as fraldas”.
Diante disso, o educador precisa dar apoio, observando os gestos e respeitando a vontade da
criança para que isso aconteça; não deve forçar nem impor nada que ela ainda não esteja
preparada para fazer.
Outrossim, a hora do banho e da troca de roupas é especial, pois, nesse momento de
cuidado, o educador pode pedir para que a criança colabore, investindo, assim, na autonomia.
Segundo Soares (2017, p. 27), “de acordo com as necessidades da ação que está sendo
realizada, o adulto pode pedir, por exemplo, que a criança estique ou dobre o braço, ou
levante a perna. É importante esperar a ação da criança para que exista realmente uma relação
colaborativa”.
Ações como narrar, com suavidade, o que está acontecendo, esperar a resposta, seja
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ela em palavras ou gestos; falar sobre as parte do corpo que estão sendo tocadas; apresentar os
objetos que estão sendo utilizados durante o banho e a troca de roupa e deixar a criança
manipula-los, ajudam o bebê a construir seu esquema corporal. Conforme reiteirado por
Soares (2017, p. 23),

quando o educador fala sobre a parte do corpo que está sendo tocada, ajuda o bebê a
construir seu esquema corporal, que é a experiência imediata da unidade dos
segmentos do corpo e a posição que ele ocupa no espaço. O esquema corporal
resulta da organização cognitiva e afetiva de cada um, sendo construído e
reconstruído pelas continuas alterações da posição do corpo no espaço. Ele favorece
a aquisição das habilidades motoras.

Outro fator importante para o desenvolvimento do bebê é a hora de dormir; o que não
não deixa de ser, também, um momento de cuidado. Essa não deve se tornar tortura, o que
normalmente ocorre ao colocar a criança deitada até que durma.
A Abordagem Pikler nos mostra que, se o bebê tem regularidade, a ação do educador
mostrará a ele que chegou o momento de descansar um pouco. Assim, conforme Soares
(2017, p. 27), “a educadora não deve forçar a criança a dormir, mas acalmá-la durante o
processo de troca, por meio de um diálogo suave, explicando que está chegando a hora de
dormir e descansar, e que logo mais poderá retornar à brincadeira”.
A partir das observações de Emmi Pikler, portanto, podemos compreender a maneira
que o bebê percebe a si mesmo e o seu entorno, por meio das funções do seu próprio corpo e
de toda a manipulação feita nele, quando carregado, alimentado, na hora do banho, da troca de
fraldas e roupas, e nas atividades relacionadas aos cuidados.
Como apresentado por Falk (2017, p. 66),

as experiências prazerosas obtidas durante o tempo que passaram juntos enriquecem


e diversificam a relação entre adulto e criança e fazem com que elas sejam cada vez
mais estreitas, enquanto as experiências desagradáveis perturbam a criança,
provocam ansiedade e desconfiança em relação ao adulto. Um gesto brusco, ou
inesperado, por exemplo, desagradável para o bebê. O recém-nascido estremece ao
ser tocado de forma inesperada.

Quando os cuidados são indelicados e feitos de maneira automática, esses momentos


passados com o adulto, que se repetem várias vezes por dia, não serão fonte de alegria, mas,
sim, de tristeza e irritabilidade que a criança terá de suportar.
Pikler ressalta que a criança se sente segura ao perceber a dedicação do adulto, nos
momentos de cuidados; ao sentir que o educador valoriza sua motricidade livre, ou seja, sua
liberdade para explorar os espaços de forma autônoma; e a segurança afetiva, compreendida
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como relação de afeto, a partir da qual se sente querida e importante.


Fazer pela criança aquilo que ela é capaz de fazer sozinha, ou mesmo forçá-la a
realizar aquilo que não está em condições de fazer, fere um princípio fundamental para a
educação dos pequenos. Em termos práticos, “[...] não se deve ensinar a criança a sentar,
andar ou a brincar, pois é melhor para o seu desenvolvimento que ela descubra, por si mesma,
como fazer isso” (SOARES, 2017, p. 17).
O movimento autônomo da criança pequena deve ser respeitado, sem a interferênciado
adulto. Sobre isso, Soares (2017, p. 53) destaca que

se o adulto interfere nas conquistas das aquisições motoras apressando ou


estimulando diretamente, acaba atrapalhando o desenvolvimento psicomotor. Esse é
o caso, quando se coloca o bebê sentado, ancorado em várias almofadas em volta ou
se segura na mão de uma criança para que ela ande, sem que tenha condições
próprias para isso. Partindo do princípio de que as crianças se desenvolvem com
mais equilíbrio e harmonia de movimentos quando podem se deslocar livremente,
comprovado pelas pesquisas de Emmi Pikler, é preciso cofiar na capacidade e
autonomia do bebê, aceitando cada etapa e oferecendo condições para que, por meio
de seus atos independentes, a criança possa vivenciar sua competência.

Logo, compete ao educador observar as descobertas sem interferência, o que não


significa abandoná-las ou forçar a autonomia. Uma troca de olhares, uma fala ou uma
mediação, se necessário, também fazem parte do cotidiano do bebê e da criança pequena.
Gonzalez-Mena e Widmeyer-Eyer (2014, p. 145) afirmam que cabe ao adulto que “acima de
tudo facilite o desenvolvimento em todas as áreas de habilidades motoras, mas não há
motivos para forçá-lo”.
Em relação às crianças, Soares (2017, p. 54) complementa que “o educador precisa
observar atentamente o corpo e, especialmente, a expressão facial, para saber como ela está se
sentindo e evitar que permaneça em desconforto diante de uma tarefa que não esteja
preparada para realizar”.
Assim, o adulto precisa manter as crianças em uma posição o mais livre possível. De
acordo com Gonzalez-Mena e Widmeyer-Eyer (2014, p. 143), a “Emmi Pikler em sua
pesquisa demostra que os bebês mudam de posição numa média de uma vez por minuto”.
Dessa forma, se estiverem presos em uma cadeirinha de bebê ou em um balanço, por
exemplo, não conseguirão fazer o que fariam se estivessem em um lugar livre, planejado para
auxiliar em seu desenvolvimento.
Os bebês ficam preparados para o próximo estágio, fazendo o que já sabem fazer no
estágio atual. “Tentar ensiná-los a rolar ou caminhar não permite que eles explorem e
aperfeiçoem as habilidades que já possuem. Eles alcançam cada meta apenas quando estão
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prontos, e o cronograma interno de cada bebê é que dirá quando isso acontecerá”
(GONZALEZ-MENA; WIDMEYER-EYER, 2014, p. 145). Por esse motivo, os bebês e as
crianças pequenas precisam de liberdade para se moverem e experimentarem uma variedade
de formas; para utilizarem as habilidades que já possuem e desenvolverem-se de maneira
saudável.
Portanto, é imprescindível permitir que o bebê mude de posição sozinho, sem
intervenção. Conforme reiterado por Gonzalez-Mena e Widmeyer-eyer (2014, p. 145), “o
processo de posicionar-se é mais importante do que estar na posição - esse processo incentiva
o desenvolvimento. Os bebês ficam prontos para levantar depois de conseguirem sentar e
engatinhar, e não porque alguém os coloca em pé”.
O adulto não precisa ensinar aos bebês suas habilidades motoras básicas, como
agarrar, sentar, engatinhar ou andar; eles precisam de espaço e autonomia para se movimentar
em liberdade. Papalia e Fedman (2013, p. 159) afirmam que o desenvolvimento motor
acontece quando o “sistema nervoso central, músculos e ossos estão preparados e o ambiente
oferece as devidas oportunidades para a exploração e a prática, os bebês continuam
surpreendendo os adultos ao seu redor com novas habilidades”. Isto é, não é preciso forçar as
habilidades do bebê, uma vez que o ser humano é perfeito, com seu corpo, e sabe a hora certa
de realizar suas capacidades, basta estar seguro e preparado.
Logo, as funções do educador, na perspectiva da Abordagem Pikler, passam a ser de
preparar bem o ambiente, permitindo, assim, que a criança possa vivenciar experiências ricas;
garantir a segurança e manter o foco nela.
Além disso, outras condições para assegurar a liberdade de movimento são roupas que
não atrapalhem e calçados flexíveis, quando necessário. Sempre que for possível, é importante
deixar a criança descalça, pois os dedos dos pés fazem o equilíbrio e são os reguladores da
postura.
De acordo com Falk (2011, p. 48),

para a criança, a liberdade de movimentos significa a possibilidade, nas condições


materiais adequadas, de descobrir, de experimentar, de aperfeiçoar e de viver, a cada
fase de seu desenvolvimento, suas posturas e movimentos. Por isso, tem necessidade
de um espaço adaptado aos seus movimentos, de roupa que não atrapalhe, de um
chão sólido e de brinquedos que motivem.

Diante à carência de profissionais preparados, com o olhar inovador, delicado e


respeitador das necessidades dos bebês e das crianças pequenas; à precariedade dos espaços e
dos materiais, frente à multiplicidade das tarefas cotidianas, o educador tende a um fazer
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mecanizado, como rapidamente alimentar e higienizar as crianças. Entretanto, processos não


participativos, ou uma intervenção invasiva sobre a criança, não são justificáveis.
Em consonância a isso, Martins Filho (2016, p. 20) apresenta que

também trazemos em formas de questionamento outras situações de participação das


crianças bem pequenas, em que as professoras desconsideram seus sentimentos ou
experiências. Quando limpamos o nariz de uma criança a avisamos antes da ação ou
a convidamos carinhosamente para fazê-lo sozinha? Convidá-la a participar,
explicando como se faz, não é um movimento fácil, pois marca a diferença de fazer
tal ato de maneira mecanizada.

Dessa forma, destacamos que rotinas mecanizadas e apressadas interferem na


confiança básica, na comunicação, na afetividade, na individualidade e na compreensão de
mundo do bebê e da criança pequena. Assim, é preciso pensar: eu gostaria que fizessem isso
comigo?.
Em momentos como o alimentar, o trocar, o vestir, o despir, a aproximação e a
despedida cabe ao educador oferecer situações prazerosas e alegres. Boas sensações desde
muito pequenas são experiências positivas às crianças, como sujeitos ativos no processo de
aprender, pois, desse modo, tornam-se capazes de reconhecerem seu próprio eu.

Considerações finais

A chegada de um bebê na família ou na escola traz diversos desafios, sensações e


novas emoções tanto para o adulto quanto, principalmente, para o bebê ou a criança pequena.
Tudo o que acontece em torno dela desperta sua curiosidade e constrói novas aprendizagens.
Quando o adulto, sejam os pais ou educadores, destina a atenção devida aos bebês, estabelece
o vínculo que será fundamental para o desenvolvimento deles.
Pikler nos ajuda a entender melhor esse desafio, trazendo um suporte valioso para pais
e educadores de bebês e crianças pequenas, destacando a autonomia e a relação afetiva
privilegiada, e respeitando o ritmo individual através da criação de situações de equilíbrio e
tranquilidade. Falk (2010, p. 17-18) destaca entre os princípios dessa abordagem:

valor da atividade autônoma; Valor de uma relação afetiva privilegiada e a


importância da mesma; Necessidade de ajudar a criança a tomar consciência dela
mesma e do seu entorno; Importância de um bom estado de saúde física, que serve
de base para a boa aplicação dos princípios precedentes, mas que é também seu
resultado.

Por tudo que sua abordagem representa, Emmi Pikler nunca foi tão atual. A adoção de
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suas contribuições representa a transformação da escola de Educação Infantil, no caso das


creches; a confirmação da cidadania do bebê e da criança pequena, em um ambiente sensível
às suas especificidades, seguro e protegido, com vista ao melhor desenvolvimento das suas
capacidades humanas.
A Abordagem Pikler destaca a relação entre o adulto e a criança como algo que se
trata de uma interação afetiva, emocional e cognitiva que começa nos cuidados essenciais
destacados neste trabalho. A troca de fraldas e de roupas, o banho, o sono e a alimentação
formam a possibilidade de aproximação e fortalecimento do vínculo.
A observação, a delicadeza do toque e a fala são indispensáveis na vida do bebê ou das
crianças bem pequenas. Fazer com que se sintam protegidos, respeitando sua autonomia, sem
ser imposto o que se pode, ou não, fazer; oferecer um ambiente organizado, com diversas
possiblidade de experiências, com movimentos livres, tornam a primeira infância uma fase de
conexões fundamentais para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional.
A abordagem de Emmi Pikler é um contributo importante no campo da pedagogia,
pois diz respeito a uma educação infantil qualificada, humanizada e dedicada, com os
cuidados essenciais às observações promotoras da cidadania. Assim, requer a reflexão
constante do educador, em relação aos conceitos e sua aplicação. Nesse sentido, essa
observação permite qualificar o planejamento e a prática pedagógica.
A abordagem na área pedagógica, para crianças de 0 a 3 anos, reconhece a criança
bem pequena como um indivíduo; a construção do eu através dos cuidados, da brincadeira,
iniciada pela própria criança, do espaço e da liberdade de movimentos.
Ao finalizar a pesquisa que deu origem a este artigo, sentimo-nos diferentes em
relação a quando fizemos a escolha pela temática. As leituras feitas não tiveram caráter de
obrigação; logo, consideramos ter avançado para um conhecimento suficiente que nos levará a
novas práticas como educadoras e mães.
Acreditamos, portanto, na pedagogia que pratica gestos delicados, sem mecanização;
na fala tranquila e narrativa; na observação e no tempo dedicado com qualidade a cada
criança, ao ser alimentada, higienizada, vestida, retirada e/ou colocada na cama; ou seja, em
todos os momentos de cuidados.
Por fim, reconhecemos na abordagem de Emmi Pikler um contributo formativo
transformador da nossa prática, sendo o trabalho de conclusão do curso um momento de
aprendizado e de um novo olhar sobre os bebês e crianças pequenas.
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Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
Acesso em: 20 mar. 2020.

FALK, Judit. Abordagem Pikler educação infantil. 1ª ed. São Paulo: Omnisciência, 2010.

FALK, Judit. Abordagem Pikler educação infantil. 2ª ed. São Paulo: Omnisciência, 2017.

FALK, Judit. Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. Araraquara, São
Paulo: Junqueira&Marin, 2011.

GONZALEZ-MENA, Janet; WIDMEYER-EYER, Dianne. O cuidado com bebês e crianças


pequenas na creche. 9.ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

MARTINS FILHO, Altino José (coord.). Educar na creche: uma prática construída com os
bebês para os bebês. Porto Alegre: Mediação, 2016.

PAPALIA, Diane. FELDMAN DUSKIN, Ruth. Desenvolvimento humano. 12.ed. Porto


Alegre: AMGH, 2013.

SOARES, Suzana Macedo. Vínculo movimento e autonomia educação até três anos. São
Paulo: Omnisciência, 2017.
Visando contribuir para tomada de decisões de um retorno seguro e de qualidade para as crianças,
os profissionais da educação e as famílias, nos pautamos nos quatro princípios fundamentais da
Abordagem Pikler que formam uma unidade indissociável e coerente:
Esses princípios, que não tem um grau de importância vertical e que são combinados para que
haja um ambiente sócioemocional equilibrado, subsidiam os Direitos preconizados pela Aborda-
gem Pikler, que norteiam as ações de quem cuida e educa bebês e crianças pequenas. São eles:

O valor da atividade autônoma e da liberdade total de movimento fundadas na iniciativa da pró-


pria criança: Mover-se em liberdade.

O valor da atividade livre iniciada pela própria iniciativa, que a criança realiza livremente de manei-
ra autônoma tem um valor fundamental para o desenvolvimento infantil. Com isso, ela aprende a
observar, a agir, a utilizar seu corpo, sentir os limites as possibilidades, a modificar o movimento,
seus atos; aprende a aprender, ou seja, desenvolve sua competência.
Realizar ações competentes, utilizando o repertório de comportamentos que dispõe em determina-
da fase de seu desenvolvimento é importante para desenvolver a valoração positiva e conhecimento
de si mesma.
*O movimento livre é um princípio transversal. Ele está presente nos momentos de atenção pessoal -
alimentação, trocas, banho e sono - assim como no brincar ou em qualquer ação no cotidiano.

O valor das relações afetivas estáveis em contexto institucional: Relação afetiva e qualidade do
cuidado.

O valor das relações pessoais estáveis da criança – e dentre estas, o valor da relação com uma
pessoa em especial - o educador de referência. O adulto a quem a criança busca e se reporta e
oferta à criança atenção individualizada e contínua, em diferentes situações, inclusive naquelas de
cuidado individualizado, durante os momentos de atenção pessoal.
Toda equipe realiza um esforço constante para conhecer a forma e a qualidade na atenção que se
oferece à criança, a fim de lhe garantir segurança e bem-estar.
A criação de um clima afetivo positivo para as crianças permitirá que participem do ambiente se-
gundo seu grau de interesse, - determinado pela maturidade funcional e pela riqueza dos experi-
mentos e experiências anteriores, compreendendo que a atividade autônoma guia a ação de quem
cuida da criança, ao estabelecer as condições para esta atividade.

O valor de oportunizar à criança a tomada de consciência de si e de seu ambiente de maneira


positiva: Consciência de si e de seu entorno.

Valor na regularidade, estabilidade e atenção individualizada nos acontecimentos cotidianos, favorece


a tomada de consciência, tanto para saber quem és, o que se passa, quem é que se ocupa dele, qual
é o seu entorno qual a situação tanto futura quanto do presente imediato, principalmente nas crian-
ças maiores.
Solicitar a participação da criança durante os cuidados pessoais contribui não só para que ela se per-
ceba, mas também possa conhecer-se, expressar-se, tomar decisões e afirmar-se como pessoa.
Uma aspiração constante ao fato de que, cada criança, tendo uma imagem positiva de si mesma, e
segundo seu grau de desenvolvimento, aprenda a conhecer sua situação, sua história pessoal, seu
entorno social e material, os acontecimentos que a afetam, que constituem sua identidade pessoal.

Valor ao estado de saúde da criança: Bem-estar e vida saudável.


O valor na qualidade da saúde física da criança, fato que não é só base dos princípios precedentes,
como também é um resultado de todos os princípios da abordagem.
Reconhecimento de que a criança é considerada e tratada, desde o começo da vida, como pessoa em
desenvolvimento constante e, ao mesmo tempo, como uma pessoa completa em cada momento da vida
cujas necessidades essenciais para uma vida saudável mudam em função do seu desenvolvimento.
A boa qualidade dos cuidados fornece a garantia de que as necessidades essenciais da criança se-
jam satisfeitas, e de que ela conheça o sentimento de segurança e confiança ligados às experiên-
cias positivas nos momentos da sua vida cotidiana.
É importante ressaltar que o equilíbrio afetivo e o desenvolvimento da criança são considerados na
Abordagem Pikler como fatores de saúde. A vida ao ar livre é um fator essencial e um traço domi-
nante nas condutas da instituição. E as práticas de precaução das epidemias e controle das infec-
ções não devem ameaçar a segurança afetiva das crianças.
Além dos princípios, também destacamos a Declaração dos Direitos das Crianças, postulados pela
Associação Pikler-Lóczy que coadunam com a Legislação Brasileira vigente:

Toda criança em uma escola de Educação Infantil tem os seguintes direitos:

1 – Direito de ser aceita em sua singularidade, a ser tratada com compreensão, cuidado e respeito
e a ser protegida de toda manifestação de violência, implícita ou explícita, seja física ou verbal;

2 – Direito de desfrutar de uma relação atenta, amistosa e de apoio por parte dos adultos cuidado-
res, que a conhecem e levam em conta suas necessidades físicas e psíquicas;

3 – Direito a uma vida saudável, com zelo pelo seu bem-estar físico, cuidado com sua alimentação,
vestuário e momentos de descanso, assim como de suas atividades e brincadeiras livres, sempre
segundo suas necessidades individuais;
4 – Direito de receber cuidados pessoais sem pressa, e de experimentar um tratamento individuali-
zado, pessoal e delicado durante a satisfação de suas necessidades físicas;

5 – Direito à continuidade e estabilidade de suas relações pessoais, condições de vida e ambiente ma-
terial, e que os eventos de sua vida diária sejam previsíveis e transparentes para ela. A criança tem o
direito de influenciar seu ambiente e, através disso, desenvolver uma imagem positiva de si mesma;

6 – Direito à observação e promoção de seu desenvolvimento, respeitando seu ritmo individual, sem
confrontá-la com expectativas além de seu estado de desenvolvimento;

7 – Direito de ter oportunidades para sua atividade autônoma, que sejam apropriadas e suficientes
para desenvolver-se a partir do movimento e do brincar livres, descobrindo seu entorno por sua pró-
pria iniciativa e com o acompanhamento de um adulto interessado em seus desejos e descobertas;

8 – Direito de receber o apoio para que possa se sentir bem e segura dentro de um grupo pequeno
de crianças em seu processo de socialização, levando em conta suas possibilidades de convivência
e de interação com seus pares;
9 – Direito de expressar suas emoções, compartilhando sua alegria e sua dor em um ambiente
empático, que a console quando necessário e a ajude a dominar seus impulsos;

10 – Direito de receber dos adultos que cuidam dela um apoio que constitua uma ponte entre a
escola e a casa, por meio do qual seus pais possam acompanhar os acontecimentos do seu dia a
dia e poder sentir que, durante o tempo em que permanece na escola, o mais importante para ela
é sua família.

Orientações para cuidados humanizados

Na mudança histórica que afeta a todos nós, decorrente da pandemia do COVID-19, o acesso à
informação de modo horizontal e um olhar atento e agregador para os profissionais cuidadores
determinará o percurso de cada instituição com a implementação de novos protocolos de retorno
às atividades. Cada profissional necessitará de um espaço de escuta qualificada, para que possa ir
se assegurando sobre seus limites e possibilidades. Entendemos ser fundamental, antes de tudo,
cuidar de quem cuida.
Neste momento de transformação social com impacto em todas as políticas públicas, pensar a se-
gurança e a qualidade dos espaços escolares, prevê uma apropriação adequada das orientações de
higiene e limpeza, mas requer também, e sobretudo, uma postura e um envolvimento profissional
que assegure o Afeto como ferramenta de qualificação do cuidado.
A partir dos princípios norteadores da Abordagem Pikler, e em consonância com as legislações de
proteção à criança, entendemos que, num momento de retomada da rotina institucional, devemos
pensar e atuar os cuidados através de mãos gentis, de corpos repletos de inteireza afetiva, refle-
xo de um adulto cuidador atento às necessidades de saúde física e emocional das crianças.
A Rede Pikler Brasil convoca todos os profissionais que estão em contato com as crianças nesse pro-
cesso de retorno às atividades presenciais voltadas à atenção à Primeira Infância, a afirmarem o com-
promisso do respeito ao bebê e à criança, reconhecidos como pessoa em desenvolvimento, que requer
uma atenção personalizada, estabelecida através de uma relação afetiva com seu adulto cuidador.
Esta relação de boas práticas de prevenção, preconizadas pelos órgãos sanitários, são aqui apre-
sentadas e incentivadas com o desafio e o compromisso de garantir o direito da criança e a atenção
às famílias, à luz da Abordagem Pikler.

• Dos cuidados de biossegurança contra Covid-19

São objetivos essenciais das ações preventivas propostas neste protocolo de cuidados, a constru-
ção de um senso coletivo de prevenção e a redução de riscos de transmissão por contato direto
pessoa-pessoa, e indireto, pessoa-ambiente-pessoa.
Entende-se por senso coletivo de prevenção o efeito positivo gerado por um novo comportamento
frente às boas práticas de prevenção. Quando praticadas de forma mútua, cultivam o respeito à
vida do outro no mesmo momento que nos respeitam e cuidam. A partir do controle diário de tem-
peratura, do distanciamento social, da individualização de pertences e objetos e da prática correta
da etiqueta respiratória, poderemos promover um ambiente seguro, tanto sob o aspecto do acolhi-
mento quanto do aspecto sanitário, de grande importância para este momento.
A ampla e transparente informação sobre a doença Covid-19, a organização de pequenos encontros
para dar voz à equipe e a clareza sobre a transmissão predominantemente por contato respirató-
rio, também se constituem como importante forma de acolhimento e segurança; gradativamente o
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A ABORDAGEM PIKLER E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO PARA BEBÊS NA EDUCAÇÃO


INFANTIL

Renata Pavesi Cocito

Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Presidente Prudente, SP. E-mail: renatapavesi@hotmail.com

RESUMO
O artigo é proveniente dos estudos realizados sobre a abordagem Pikler para promover a formação
de professores e aprimoramento do trabalho desenvolvido em uma creche universitária, tendo como
enfoque a organização dos espaços para bebês. O objetivo é apresentar contribuições piklerianas
para a organização do espaço institucional para bebês (crianças com até 1 ano e 6 meses de idade).
Como metodologia adotamos a pesquisa bibliográfica. A abordagem Pikler tem origem em Budapeste
com a médica húngara Emmi Pikler que conduziu os trabalhos de educação e cuidados de crianças
órfãs a partir de 1946. Ao estudar a abordagem Pikler entendemos o espaço como suporte para
apoiar os bebês em suas aquisições motoras e na sua inserção no mundo. O espaço amplo, com
pouco, mas adequado mobiliário e com materiais pensados e selecionados para as especificidades da
faixa etária, possibilita que o bebê vivencie o espaço com o seu corpo e, desta maneira, consiga
gradualmente perceber e se inserir no mundo que o rodeia. As ações de organização do espaço, à luz
da abordagem Pikler, coloca o bebê no centro do processo pedagógico e suprimi a evidência e
protagonismo do adulto, ainda tão presente nesta etapa da Educação Básica. O bebê, potente, capaz
e atuante, precisa de um contexto que o apóie e o permita vivenciar a sua infância com liberdade e
cuidados.
Palavras Chave: Educação Infantil – abordagem Pikler – bebês – espaço – organização espacial

THE PIKLER APPROACH AND THE ORGANIZATION OF BABY SPACE IN CHILD EDUCATION

ABSTRACT
The article comes from the studies carried out on the Pikler approach to promote teacher training and
improvement of the work developed in a university day care center, focusing on the organization of
spaces for babies. The objective is to present piklerian contributions for the organization of the
institutional space for infants (children up to 1 year and 6 months of age). As methodology, we
adopted bibliographic research. The Pikler approach originated in Budapest with the Hungarian
physician Emmi Pikler who conducted the education and care of orphaned children from 1946. In
studying the Pikler approach we understand space as a support to support babies in their motor
acquisitions and their insertion in the world. The ample space, with little but adequate furniture and
materials thought and selected for the specifics of the age range, allows the baby to experience the
space with his body and, in this way, can gradually perceive and insert himself in the world that
surrounds him . The actions of space organization, in the light of the Pikler approach, place the baby
at the center of the pedagogical process and suppress the evidence and protagonism of the adult, still
so present in this stage of Basic Education. The baby, powerful, capable and active, needs a context
that supports him and allows him to experience his childhood with freedom and care.
Keywords: Child education – approach Pikler – babies – space – space organization

Colloquium Humanarum, vol. 15, n. Especial 2, Jul–Dez, 2018, p. 1-7. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2018.v15.nesp2.001067
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INTRODUÇÃO
O artigo é proveniente dos estudos realizados sobre a abordagem Pikler para promover a
formação de professores e aprimoramento do trabalho desenvolvido em uma creche universitária,
tendo como enfoque a organização dos espaços para bebês.
A abordagem Pikler foi escolhida para subsidiar o trabalho na instituição por oferecer
elementos teóricos e práticos acerca da educação e cuidados dos bebês, com ênfase no
desenvolvimento motor autônomo, possibilitando que a ação docente, no que tange a organização do
espaço, possa ser estruturada respeitando as características de crianças de até 18 meses de idade.
Esta abordagem tem origem em Budapeste com a médica húngara Emmi Pikler que conduziu
os trabalhos de educação e cuidados de crianças órfãs a partir de 1946 (FALK, 2010), no Instituto
Lóczy, hoje chamado Instituto Emmi Pikler.
Acreditamos que as práticas relacionadas à Educação Infantil no Brasil, mesmo tendo leis que
amparam, ainda se edificam em ações e práticas de senso comum. Evidenciamos também que os
espaços institucionais muitas vezes são adaptados e/ou não são adequados para o uso dos bebês.
Considerando ainda que muitas crianças ficam até 10 horas por dia nas instituições, o espaço que
ocupam se torna algo que precisa ser pensado criticamente, com cuidado e atenção aos detalhes.
Nesta perspectiva consideramos que pesquisas voltadas para o trabalho institucional com bebês são
necessárias e a estruturação do trabalho pedagógico com fundamentação científica é essencial na
Educação Infantil.
Este trabalho tem como objetivo apresentar contribuições piklerianas para a organização do
espaço institucional para bebês (crianças com até 1 ano e 6 meses de idade).

METODOLOGIA
A pesquisa caracteriza-se como qualitativa do tipo bibliográfica. Buscamos contribuições para
compreendermos a abordagem Pikler e nos fundamentamos em: Kálló e Balog (2017), Soares (2017),
Falk (2016), Fochi (2015), Gonzalez-Mena (2015), Gonzalez-Mena e Eyer (2014), Falk (2011). E para os
estudos sobre organização do espaço nos embasamos em: Cocito (2017), Ceppi e Zini (2013), Tuan
(2013), Barbieri (2012), Carvalho e Rubiano (2008), Horn (2004) e Forneiro (1998).

RESULTADOS
Na década de 30 a Drª. Emmi Pikler dedicou-se a estudar o desenvolvimento de bebês e
crianças pequenas: “formada em medicina e licenciada em pediatria, em Viena, na década de 20,
Pikler postulou conceitos importantes sobre o desenvolvimento motor de bebês, associando-se a
aspectos sociais, afetivos e cognitivos *...+” (FOCHI, 2015, p.51). Observando atentamente o
desenvolvimento de bebês e crianças pequenas Emmi Pikler, “não acreditava que o ser passivo se
tornasse uma pessoa ativa pelo impulso do adulto *...+” (FALK, 2011, p. 19), considerava qualquer tipo
de intervenção e instrução do adulto desnecessária.
Com base em suas convicções, ao nascer seu primeiro filho, Emmi Pikler e seu marido
decidem adotar alguns princípios: não acelerar etapas do desenvolvimento, respeito ao ritmo da
criança, incentivo a autonomia, movimento e brincar livre. Sobre a educação e cuidados do bebê de
Emmi Pikler, a primogênita Anna Tardos, Falk (2011, p.19) evidencia que:
Os pais nunca colocavam o filho numa posição que ele não pudesse adotar e abandonar
sozinho; nunca lhe propunham nem impunham diferentes classes de movimentos e se
abstinham de exercer uma influência direta sobre o seu desenvolvimento motor. Em troca,
criavam condições para que o filho pudesse passar dias com tranqüilidade e equilíbrio, que
tivesse sempre possibilidade de espaços e lugares necessários para a liberdade de

Colloquium Humanarum, vol. 15, n. Especial 2, Jul–Dez, 2018, p. 1-7. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2018.v15.nesp2.001067
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movimentos – inclusive mais possibilidades do que aquelas que a criança pudesse aproveitar
naquele momento.

Emmi Pikler passou a trabalhar com pediatria familiar e desenvolveu este trabalho, orientando
famílias por mais de 10 anos. Em 1940 ela publica seu primeiro livro: O que sabe fazer o seu recém-
nascido? E logo após o fim da 2ª Guerra Mundial (1945), Emmi Pikler passa a coordenar um orfanato,
localizado na Rua Lóczy em Budapeste na Hungria. É neste local que todos os ideais da Drª. Emmi
Pikler se consolidam, se tornando uma referência para a educação e cuidados de crianças em diversas
partes do Mundo (FALK, 2011).
Suas pesquisas permitiram que o desenvolvimento motor autônomo da criança, um dos eixos
estruturantes de sua abordagem, fosse descrito de maneira minuciosa através de 10 fases: partindo
do decúbito dorsal (fase 1) e chegando ao caminhar (fase 10): a criança passa da postura dorsal para a
elaboração do rolar a partir de movimentos laterais repetitivos até atingir a postura ventral (de
bruços), posteriormente desloca-se arrastando, engatinhando e exercita a escalada,
concomitantemente permite-se ficar na postura de lado acotovelada, semisentada com apoio da
mão, e com as pernas flexionadas para trás e pernas flexionadas (a base de apoio vai diminuindo a
medida que ganha equilíbrio e segurança). A partir da conquista desses movimentos posturais e,
consegue manter-se de quatro apoios, de joelho e gradativamente em pé com apoio e, por fim,
ergue-se sem apoio e consegue consolidar a marcha.
A conquista postural e motriz, que passa da horizontalidade/deitada para a
verticalidade/caminhar, é desenvolvida numa suceção de movimentos entrelaçados, onde um
depende do outro para se consolidar. Soares (2017, p. 51) destaca que:
Emmi Pikler observou, em suas pesquisas, que as crianças que se movem em liberdade
seguem a mesma seqüência de posições baseadas na maturidade biológica e raramente pulam
etapas, embora existam diferenças individuais importantes no ritmo desse desenvolvimento.

Por isso, Pikler evidenciava que não há necessidade de estímulos e intervenção do adulto, pois
o bebê é capaz de assumir posturas corporais de forma autônoma, condizente com o seu ritmo e
desenvolvimento físico e cognitivo. Colocar o bebê em uma superfície firme e na posição deitada, com
as costas sobre o chão, é a postura ideal para o bebê. Desta forma ele se movimentará de acordo
com as suas possibilidades. A abordagem Pikler evidencia que nenhum bebê deve ser colocado em
uma posição corporal que ainda não tenha a capacidade de assumir sozinho, ou seja, se a criança
ainda não consegue assumir a posição sentado se movimentando sozinha elas não deve ser colocada
sentada, se ela não se apóia e fica em pé sozinha, não devemos segurá-la pelas mãos e forçá-la a
caminhar (Gonzalez-Mena e Eyer, 2014). As posturas corporais são conquistas de cada criança. A
modificação da maneira da criança posicionar-se no espaço, permite que ela amplie o seu campo de
visão e a sua capacidade de atuação no entorno.
A criança “aprende” o mundo pelo movimento, o seu corpo é a porta de entrada para o
mundo que ela encontra “pronto” ao nascer. As oportunidades, oferecidas pelo adulto, é que farão a
diferença na sua relação com o mundo e no seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, quando
estudamos a abordagem Pikler entendemos o espaço como suporte para apoiar os bebês em suas
aquisições motoras e na sua inserção no mundo.

DISCUSSÃO
Quando falamos de organização de espaço estamos nos referindo ao posicionamento,
disponibilidade e acessibilidade do mobiliário, materiais e ambientação que compõe determinado
local. Esses elementos devem estar relacionados às necessidades dos bebês de maneira que o espaço

Colloquium Humanarum, vol. 15, n. Especial 2, Jul–Dez, 2018, p. 1-7. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2018.v15.nesp2.001067
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físico possa ser base para um ambiente aconchegante e acolhedor e, assim, ter potencial para ser
apropriado e interiorizado, adquirindo o “status” de lugar (lugar = laço afetivo do sujeito com o
espaço/ambiente) (TUAN, 2013). Baseada na abordagem Pikler, Gonzalez-Mena (2015, p.185) ressalta
que “*...+ o ambiente é um professor, indicando que não basta simplesmente ter um espaço amplo
para as crianças brincarem e jogas brinquedos de plástico no meio”.
Considerando os apontamentos acerca do espaço/ambiente e a necessidade da criança de se
movimentar, a primeira inferência que fazemos é que o espaço, necessariamente, precisa permitir a
movimentação ampla e a exploração do espaço e dos materiais pelos bebês. Precisamos organizar um
espaço de oportunidades de experiências para o bebê.
O espaço amplo, com pouco mobiliário e com materiais pensados e selecionados para as
especificidades da faixa etária, possibilita que o bebê vivencie o espaço com o seu corpo e, desta
maneira, consiga gradualmente perceber e se inserir no mundo que o rodeia.
Nesta configuração de espaço físico para bebês o chão emerge como um protagonista na
organização espacial, um material essencial que merece acuidade pedagógic. Cocito (2017, p.125)
evidencia que “quando o espaço for utilizado por bebês, o tipo do piso necessita de mais atenção
ainda, haja vista que os pequenos utilizam o chão como um espaço de apoio e exploração para suas
vivências na instituição”. Kálló e Balog (2017, p.37) evidenciam que “a resistência de um chão duro
impulsiona a verticalidade, apoia seus esforços repetidos para manter-se na posição correta e a
tonicidade necessária. Do nosso ponto de vista, um chão de espuma é inadequado *...+”. Por sua vez,
Ceppi e Zini (2013, p.140) consideram o chão “*...+ como um dos elementos mais flexíveis e
transformáveis para todas as crianças de todas as idades. Essa ampla área de superfície oferece
possibilidades intermináveis”.
Com relação ao tipo de brinquedos que podemos disponibilizar para os bebês, consideramos
pertinente, primeiramente, nos apoiar nas palavras Sommerhalder e Alves (2011, p.15): “o corpo é o
nosso primeiro e mais versátil brinquedo”. Partindo desta premissa consideramos que os materiais a
serem disponibilizados precisam “conversar com o corpo do bebê”, portanto para cada faixa etária
um tipo de brinquedo ou objeto de brincar (material não estruturado) deve ser oferecido, alinhado as
possibilidades e necessidade do bebê. Gonzalez-Mena evidencia que “os brinquedos no Instituto
Pikler são simples – criados para explorar e aprender, em vez de simplesmente entreter” (p.185,
2015).
Soares (2017, p.36-38) evidencia que dos 3 a 6 meses o primeiro brinquedo para o bebê é um
tecido de 35x35cm de cor intensa e estampa clara (preferencialmente bolinha brancas), pois permite
que o bebê agarre e explore com autonomia o objeto de brincar; além disso a autora indica objetos
leves e fácies de pegar e que permitam a exploração dos sentidos (variando formas, texturas,
temperaturas, cores, por exemplo). A partir dos 6 meses materiais mais pesados podem ser
oferecidos e as bolas são oferecidas quando já conseguem se deslocar e se direcionar ao objeto
desejado. A partir de 1 ano brinquedos e objetos que contribuam com as aquisições motoras de subir,
descer e andar são os mais indicados. Esta indicação tem como base o crescimento cefalocaudal e
proximodistal:
O desenvolvimento dos bebês se dá da cabeça aos pés e é chamado de desenvolvimento
cefalocaudal; isso significa que os bebês começam a controlar primeiro os músculos
localizados ao redor da cabeça e, depois, dos músculos localizados mais abaixo. O
desenvolvimento também é proximodistal, o que significa do meio às extremidades. Você
pode observar essas duas progressões facilmente: os bebês levantam a cabeça antes do peito,
controlam os braços antes das mãos, e as mãos antes dos pés. No início seus movimentos são
reflexivos: os braços balançam e as mãos seguram sem intenção consciente (Gonzalez-Mena,
p.266, 2015).

Colloquium Humanarum, vol. 15, n. Especial 2, Jul–Dez, 2018, p. 1-7. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2018.v15.nesp2.001067
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Outra proposta que pode ser inserida ao organizarmos um espaço para bebês é o “Cesto dos
tesouros”. Originalmente criado por Elinor Goldshimied (Goldshimied e Jackson, 2006), esta proposta
consiste em fazer uma seleção de objetos de uso cotidiano (exceto os feitos de plástico) e os reunir
em um cesto de aproximadamente 35cm de diâmetro feito, preferencialmente de material natural.
Esses materiais não estruturados tem como finalidade ser uma fonte de aprendizagem e de
exploração para o bebê, onde ele possa criar e descobrir diferentes possibilidades e propriedades a
partir da manipulação. A utilização do “Cesto dos Tesouros” em um espaço para bebês exige certos
critérios e cuidados, um deles diz respeito a observação atenta do professor e ao brincar livre da
criança, ou seja, com a supervisão do adulto mas sem a intervenção excessiva.
O mobiliário para o espaço de uso dos bebês pode assumir dupla função: acomodar objetos e
ser suporte/apoio seguro para os bebês. Como explicitado anteriormente, o mobiliário pode servir de
apoio para o bebê se posicionar verticalmente. Os bebês vão testar as propriedades e possibilidades
também da mobília – vão tocar, tentar puxar, empurrar, escalar e se apoiar na mobília, por exemplo –
por toda estas possibilidades de envolvimento do bebê precisamos de critérios ao dispor o mobiliário,
pensar em sua funcionalidade e utilidade para o espaço com bebês. Consideramos que estantes
baixas e/ou com base larga (para evitar tombamento) é um mobiliário básico para o espaço de uso
dos bebês, se tiver rodízios que os mesmos possam ser travados, que não tenham arestas
pontiagudas e/ou farpas.
A exploração da posição vertical pode ser favorecida pelo espaço, Gonzalez-Mena (p.269,
2015) sugere que o ambiente seja planejado “*...+ de modo a incluir corrimãos, sofás e mesas baixas –
o que proporcionar um apoio seguro para as crianças que estiverem ansiosas por ficar em pé mas
ainda não conseguem por conta própria”.
Destacamos que a abordagem Pikler possui uma série de equipamentos em madeira que
podem compor o espaço para bebês, são túneis/labirintos, módulos e rampas em diferentes
tamanhos e altura, propícios para o desenvolvimento motor autônomo. Constituem-se em um
mobiliário específico que possibilitam a exploração de diferentes capacidades motoras como subir,
descer, engatinhar, arrastar-se e ainda permite a construção de alguns conceitos como alto/baixo,
dentro/fora, subir/descer. Soares (2017, p. 51) aponta que estes implementos em madeira tem “*...+ a
finalidade de estimular indiretamente a criança”.
No âmbito institucional, a organização do espaço passa pela percepção e ação do professor
que precisa edificar um espaço/ambiente “*...+ calmo e luminoso que a criança possa explorá-lo
livremente, respondendo a suas necessidades de desenvolvimento, afirmação, de confiança em si
mesma e de autonomia” (SOARES, 2017, p.31).
O espaço precisa ser seguro o suficiente para que o bebê possa brincar e explorar o entorno,
sem a necessidade de ter intervenção constante do professor. O espaço/ambiente edificado pela ação
do adulto e pela relação criança-crinça/criança-adulto é uma das condições necessárias para que a
criança se desenvolva de maneira equilibrada nos aspectos emocional, afetivo, psicomotor e cognitivo
(FALK, 2010).

CONCLUSÕES
Com base nas aproximações com a abordagem Pikler e na experiência formativa junto com a
equipe de trabalho da creche universitária, ficou evidente que os ideais piklerianos contribuem para
que a organização do espaço esteja alinhada com o que de fato os bebês precisam. A organização
espacial tendo como plano de fundo a abordagem Pikler possibilita um direcionamento assertivo com
relação a organização dos espaços para bebês, pois esta fundamentada e alinhada ao seu
desenvolvimento integral da criança. A abordagem Pikler nos apresenta possibilidades e caminhos

Colloquium Humanarum, vol. 15, n. Especial 2, Jul–Dez, 2018, p. 1-7. ISSN: 1809-8207. DOI: 10.5747/ch.2018.v15.nesp2.001067
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possíveis de serem trilhados nas instituições de Educação Infantil que buscam a qualificação de seus
espaços e de sua ação docente.
As ações de organização do espaço, à luz da abordagem Pikler, coloca o bebê no centro do
processo pedagógico e suprimi a evidência e protagonismo do adulto, ainda tão presente nesta etapa
da Educação Básica.
Ressaltamos que um trabalho institucional inspirado na experiência da Drª. Emmi Pikler
precisa estar associado e “ancorado” na formação e orientação pedagógica, visto que, interpretações
de cunho espontaneísta podem ser tecidas neste contexto, decorrentes do olhar simplista (pouco
aprofundado teoricamente). Nesta perspectiva, considerando o âmbito da Educação Infantil,
observamos que a prática do professor e sua atenção ao desenvolvimento do bebê é primordial, pois
mesmo a criança desenvolvendo os movimentos por iniciativa própria o professor precisa edificar um
espaço/ambiente afetivamente favorável para a construção de vínculos afetivos e onde a liberdade
seja uma constante.
Neste artigo evidenciamos a organização do espaço físico, no entanto cabe ressaltar que a
formação continuada dos profissionais precisa ir além e englobar o modo de acolher o bebê no
espaço da instituição, como o adulto deve se posicionar com relação a movimentação do bebê, o
quanto deve interferir e o quanto deve “se recolher”, enfim, é preciso que o olhar do professor seja
humanizado e sensível.
A análise feita por Emmi Pikler acerca do desenvolvimento motor da criança, de sua
autonomia postural e motriz comprovam que temos muito para aprender com as crianças e que
precisamos confiar na capacidade delas. O bebê, potente, capaz e atuante, precisa de um contexto
que o apóie e o permita vivenciar a sua infância com liberdade e cuidados.

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A abordagem de Emmi Pikler:
olhares sobre contextos educativos para
bebês e crianças pequenas

Resumo: É objeto de estudo e investigação do Grupo de Estudos e Pesquisa Ana Paula Gaspar Melim
em Educação da Infância - (GREEI – MS), os fundamentos teórico-práticos, Universidade Católica Dom Bosco
que carregam em si concepções de infância, e subsidiam o desenvolvimen- (UCDB)
to de práticas educativas junto às crianças de 0 até 6 anos, especialmente, anamelim@terra.com.br
aqueles que se voltam à compreensão dos processos de constituição dessas
Ordália Alves Almeida
práticas. No decorrer de nossos estudos e pesquisas, nos certificamos do
Universidade Federal de Mato
reconhecimento das crianças como atores sociais, que assumem papel im- Grosso do Sul (UFMS)
portante na consolidação de contextos educativos que lhe são oferecidos. Tal ordalia.almeida@ufms.br
certificação levou-nos a reconhecer a importância de se realizar estudos de
aprofundamento e incursões prático-reflexivas em instituições educativas que
têm a abordagem de Emmi Pikler como referência para o desenvolvimento
dos processos de cuidar e educar dos bebês e crianças pequenas. O desen-
cadeamento dos estudos levou-nos, no ano de 2013, a realizar um processo
de a realizar visitas de conhecimento em institutos e escolas infantis na
Europa, Paris/França e Barcelona/Espanha, para conhecermos experiências
que favorecem a criação de circunstâncias formativas, por meio de reflexões
importantes à consolidação das bases teórico-práticas e propiciem a criação
de novos olhares sobre os contextos educativos da infância, promovendo
mudanças na qualidade de vida das crianças. A perspectiva que se apresenta
para nós é de partilhar as experiências vividas, de tal modo que as mesmas
possam suscitar desdobramentos de estudos que contribuam para o delinea-
mento de olhares críticos sobre referenciais teóricos importantes à formação
de professores e a efetivação de práticas educativas que valorizem as crianças
como sujeitos sociais.
Palavras-Chave: Abordagem de Emmi Pikler. Bebês. Educação Infantil.

Introdução
A constituição de um grupo de estudos voltado à infância
pressupõe a abertura de possibilidades para a realização de estudos
e pesquisas que abarquem as vidas dos bebês e das crianças
pequenas em diversos contextos sociais, históricos e culturais, e,
na medida em que conhecimentos produzidos sobre a infância
propagam-se, novos desafios surgem, favorecendo a criação de
circunstâncias investigativas que provoquem estudos e reflexões à
consolidação das bases teóricas que trazem mudanças na qualidade
de vida das crianças, sustentam práticas docentes e de formação
de professores e propicie a criação de novos olhares investigativos
sobre os contextos educativos da infância.

revista entreideias, Salvador, v. 8, n. 2, p. 95-110, maio/ago. 2019 95


Pretendemos, portanto, dialogar com as contribuições da
experiência da pediatra Emmi Pikler, tendo em vista o direcionamento
de seu trabalho e investigação no Instituto Pikler voltado à atenção
educativa e cuidados com crianças de 0 a 3 anos. Emmi Pikler, a
convite do governo húngaro, assumiu em 1946, após a Segunda
Guerra Mundial, o orfanato criado para abrigar as crianças órfãs. O
então orfanato, foi nomeado Instituto Lóczy, em 1986, em função do
reconhecimento ao trabalho realizado, se transformou em Instituto
Nacional de Metodologia para Educação de Crianças de 0 a 3 anos,
na Hungria, em 1970. Atualmente, é uma referência mundial e “[...]
suas concepções pedagógicas, sua organização e seu funcionamento
são citados cada vez mais e frequentemente na literatura como o
‘modelo Lóczy’.” (FALK, 2010, p. 15)
Desse modo, este artigo busca evidenciar a importância do
trabalho dessa pediatra como uma experiência contemporânea,
que muito tem contribuído para se pensar a educação da infância.
Se consideramos as instituições de Educação Infantil como
espaços de ampla troca de experiências entre adultos e crianças e
entre as crianças, todas as ações que pretendem inserir a criança
num mundo social são práticas educativas, assim, os momentos
de cuidado com bebês são práticas sociais e culturais para que
conheçam o mundo e construam sua subjetividade.
O educar e o cuidar nos primeiros anos de vida estão
profundamente ligados, dessa forma os cuidados com os bebês
devem ser entendidos como práticas educacionais, pois por
meio do cuidado realizam muitas vivências, que resultam em
aprendizagens e, consequentemente, em desenvolvimento. Por
isso, os cuidados devem ser pensados como um conjunto de
aprendizagens possíveis realizadas no contexto das relações sociais.
Na organização das rotinas para a infância torna-se necessário que,
além da preocupação com a segurança, alie-se a preocupação em
suprir a necessidade da criança de movimentar-se, de explorar, e
de interagir com os pares, com o espaço e os objetos de maneira
mais independente, como acontece na Escola Infantil Emmi Pikler.
Atentar-se para essa concepção sobre as crianças e ousar
mudar, reconhecendo as capacidades em cada momento, bem
como as atividades que guiam o desenvolvimento, realizando uma
escuta sensível e atenta em relação a criança é o que concretiza
as práticas em instituições que têm desenvolvido um trabalho
com crianças, subsidiando-se nos ensinamentos de Emmi Pikler.

96
Nesse sentido, apontamos que a abordagem de Pikler possibilita
entender como o adulto pode atuar para contribuir no processo de
desenvolvimento infantil.

Estudos e investigações que


sustentam as concepções de Infâncias e crianças
Tem sido objeto de estudo e investigação do Grupo de Estudos
e Pesquisa em Educação da Infância (GREEI – MS) os fundamentos
teórico-práticos, que carregam em si concepções de infância,
e subsidiam o desenvolvimento de práticas educativas junto às
crianças de 0 até 6 anos, especialmente, aqueles que se voltam à
compreensão dos processos de constituição dessas práticas. Em
nossos estudos e pesquisas, vimos que historicamente, ao logo
dos últimos cinco séculos, vários pensadores foram responsáveis
pelo delineamento de teorias que expressaram concepções de
infância, ao mesmo tempo em que contribuíram para a construção
de propostas educativas para as crianças. Dentre esses pensadores,
destacamos Comenios (1592-1670), Rousseau (1712-1770), Pestalozzi
(1746-1827), Froebel (1782-1852), Decroly (1871 – 1932), Dewey
(1859-1952), Montessori (1870-1952), Wallon (1879-1962), Freinet
(1896 – 1966), Vygotsky (1986-1934) e Piaget (1896 – 1980). Suas
teorias têm contribuído significativamente para se pensar em
uma pedagogia da Infância, que vá ao encontro dos interesses e
necessidades das crianças.
Mais recentemente, temos realizado estudos sobre a sociologia
da infância, e certificamo-nos de que os novos estudos sociais
da infância vêm contribuindo para que sejam delineadas novas
concepções de infância/infâncias (CORSARO, 2003), que rompam
com uma concepção durkheimiana, em que a criança é concebida
na perspectiva de devir, algo inacabado, incompleto, cabendo ao
adulto, portanto, o papel de lhe ensinar, de moldá-la para viver
em sociedade. Historicamente, as crianças sempre foram vistas
como seres naturais, isto é, como seres de capacidade limitada. A
ausência de uma condição política voltada às crianças é crucial para
entendermos o tipo de história a qual foram submetidas até agora;
essa ausência afeta tanto em como vemos as crianças quanto no
que diz respeito a escutá-las, normalmente não as ouvimos quando
falam conosco. Conforme Sirota (2001, p. 11),“[...] trata-se de romper
a cegueira das ciências sociais para acabar com o paradoxo da

revista entreideias, Salvador, v. 8, n. 2, p. 95-110, maio/ago. 2019 97


ausência das crianças na análise científica da dinâmica social com
relação a seu ressurgimento nas práticas e no imaginário social”,
e para que possamos criar novas circunstâncias de vida para as
crianças nos diversos espaços sociais.
Especialmente, temos nos preocupado, sustentadas pelo
referencial da sociologia da infância,com os espaços das instituições
de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
por compreendermos que a infância perdura do nascimento até
por volta dos 12 anos de idade, ou ainda que as crianças são atores
sociais capazes, reconhecendo-as como seres que possuem uma visão
e experiência próprias e particulares a respeito das circunstâncias
sociais e estruturais das suas vidas, elas criam e modificam as
culturas, embora estejam inseridas na cultura adulta. Cabe-nos a
tarefa de defender que as políticas públicas e as práticas pedagógicas
estejam centradas nos interesses e necessidades das crianças.
Os pressupostos teóricos dos novos estudos sociais da infância
defendem a construção de referenciais político-sociais sensíveis
ao melhor interesse das crianças, que seus espaços de vida lhe
permitam agir concretamente como sujeitos sociais, partícipes de
decisões que lhes digam respeito, reconhecendo-as como pessoas
socialmente envolvidas no processo histórico. No decorrer de
nossos estudos e pesquisas, certificamo-nos do reconhecimento
das crianças como atores sociais, que tem um papel importante
na consolidação de contextos educativos que lhe são oferecidos.
Diante desse panorama, vimos a pertinência de incluir a abordagem
de Emmi Pikler nos estudos e investigações para sustentar
as concepções de Infâncias e crianças e orientar os processos
formativos de professores, assim como as práticas educativas.

Abordagem de Emmi Pikler e a educação dos bebês


Emmi Pikler, austríaca, pediatra de família, atuou na ala de
cirurgia do Hospital Markhof, verificando à época que as estatísticas
de acidentes infantis envolviam as crianças de famílias ricas, criadas
dentro de suas casas, com ambientes superprotetores, com brincadeiras
delimitadas e vigiadas, ao contrário das crianças que brincavam
livremente pelas ruas do bairro próximo ao hospital, convencendo-se
de que crianças que se movimentam livre e sem restrições são mais
cuidadosas e confiantes. Constatou ainda as diversas potencialidades
da criança desde seu nascimento e, dessa forma, buscou evidenciar

98
em seus estudos a importância de se promover o desenvolvimento
dos bebês aliado à sua integração com o meio.
Concomitante a sua atividade profissional, Emmi Pikler
e seu esposo, um pedagogo progressista, decidiram observar
seu primeiro filho respeitando seu ritmo de desenvolvimento,
preparando espaços para auxiliar sua desenvoltura e autonomia.
Além disso, passaram a atentar para a maneira de cuidá-lo, falando
previamente o que iriam fazer na hora do seu banho, alimentação,
higiene, sempre com um toque amável, olhando em seus olhos. As
experiências iniciais de Emmi Pikler, resultaram na escrita do livro,
publicado na Hungria em 1940 –O que o seu bebê já consegue fazer?
Ao assumir a responsabilidade de organizar e dirigir uma
instituição de acolhida a crianças órfãs e abandonadas, em Budapeste
na Hungria, buscou criar as condições para que os bebês e as crianças
pequenas se desenvolvessem do ponto de vista físico e psíquico.
Realizou também estudos e observações longitudinais dos bebês e
das crianças pequenas em seus contextos cotidianos, objetivando
acompanhar o processo de regularidade do desenvolvimento
psicológico, de maneira a reconhecer a singularidade e especificidade
das crianças.
Muitas foram as contribuições deixadas por essa pediatra e
seus colaboradores, que hoje têm servido de referência para se
pensar em propostas educativas que reconheçam a vivência de
processos interativos e possibilitem aos bebês desenvolver em todo
seu potencial, favorecendo a construção da autoestima, autonomia
e segurança afetiva em uma relação de respeito e confiança.
Dessa experiência exitosa e inovadora, Emmi Pikler
compartilhou outro olhar sobre a educação de bebês, estabelecendo
quatro princípios que devem ser observados: valorizar a atividade
autônoma das crianças; valorizar as relações pessoais estáveis; a
construção de uma imagem positiva da criança para desenvolver-
se; e a manutenção da saúde física e mental da criança com ênfase
no brincar e no cuidar. Por exemplo, ao não intervir diretamente
nas suas brincadeiras e nos seus movimentos, cria-se condições
favoráveis para que a criança inicie suas atividades, e criando seus
próprios desafios. O respeito aos horários de dormir e acordar;
o oferecimento de uma alimentação equilibrada que respeite a
vontade da criança e a oportunidade de usufruir o máximo de
horas ao ar livre, são condições necessárias ao desenvolvimento
autônomo dos bebês.

revista entreideias, Salvador, v. 8, n. 2, p. 95-110, maio/ago. 2019 99


O horário do cuidado pessoal dos bebês na alimentação, banho,
troca, higiene, são momentos em que se deve interagir, priorizando
as necessidades e as respostas dos bebês, verbalizando previamente
todas as atividades pretendidas, possibilitando que a criança se prepare
para o que vai lhe acontecer, de modo que também possa participar.
Segundo PIKLER (1940):

Enquanto aprende a contorcer o abdômen, rolar, rastejar, ficar


de pé e andar, o bebê não apenas está aprendendo aqueles
movimentos como também seu modo de aprendizado. Ele
aprende a fazer algo por si próprio, aprende a ser interessado,
a tentar, a experimentar. Ele aprende a superar as dificuldades.
Ele passa a conhecer a alegria e a satisfação derivadas desse
sucesso, o resultado de sua paciência e persistência.

Dessa forma, reiteramos que os cuidados com os bebês se


constituem em práticas educativas, por meio das quais vivenciam
situações de experiências diversas, que lhes proporcionam
aprendizagens e desenvolvimento, assim, os cuidados devem ser
pensados como um conjunto ações que criam oportunidades para
o desencadeamento de relações sociais significativas.
Na organização das rotinas para as crianças nas Instituições
de Educação Infantil, torna necessário que os adultos, criem um
ambiente desafiador para que possam observar atentamente
a necessidade da criança de movimentar-se, de explorar, e de
interagir com o espaço e os objetos de maneira mais independente,
como acontece na Escola Infantil Emmi Pikler.
Nas últimas décadas, no exercício profissional e do campo
investigativo trilhado por nós, observamos um crescimento de
estudos no campo da educação das infâncias, destacando o processo
educativo das crianças de quatro e cinco anos. Por outro lado, temos
verificado que é muito recente as pesquisas envolvendo crianças de
zero a três anos, apontando enfoques, correspondentes a diferentes
contextos históricos e culturais,que evidenciam a importância do valor
formativo nos três primeiros anos da infância para o desenvolvimento
da consciência, da socialização e da aprendizagem das crianças.
As reflexões sobre a educação de crianças feitas a partir
dos estudos e do trabalho realizado pelo Instituto Emmi Pikler,
possibilitou um conhecimento mais aprofundado da experiência e
das práticas de cuidados com bebês. Diante da discussão tão presente
entre os educadores brasileiros, sobre o respeito pela criança para

100
pensar os espaços, os tempos, as relações e interações entre crianças
e adultos nas instituições de educação infantil, se reconhece o
crescente interesse de educadores e pesquisadores na produção de
conhecimento sobre a criança seu desenvolvimento, rompendo com
as representações e concepções tradicionais de criança.
Pesquisas e estudos realizados apontam para a necessidade
de um diálogo aproximativo em relação às práticas com crianças
e o conhecimento produzido no Instituto Pikler sobre a forma
do bebê ser e estar no mundo. Suas contribuições permitem-nos
compreender a importância das interações e do papel do adulto na
relação com a criança, constituindo-se em referências importantes
para pensar a infância e a formação dos profissionais que trabalham
com a criança pequena.
Emmi Pikler, ao considerar a realização do trabalho com
crianças, ressalta o valor da autonomia, da motricidade livre e do
respeito pelo ritmo individual da criança, de modo a possibilitá-las a
aprenderem no próprio ritmo natural, tornando-as mais confiantes,
alegres e ativas.
As contribuições de Emmi Pikler e Judit Falk ressaltam ainda a
importância da observação para garantir as melhores condições de
bem-estar físico e psíquico, defendendo que a “atividade autônoma,
escolhida e realizada pela criança – atividade originada de seu
próprio desejo – é uma necessidade fundamental do ser humano
desde seu nascimento”. (FALK, 2004, p. 46)
Tal constatação é importante para se pensar em como as
instituições de Educação Infantil no Brasil, estão concebendo os
espaços educativos para às crianças de zero a três anos. Isto porque
é imprescindível compreender que crianças, nessa faixa etária,
necessitam que sejam criadas pelos adultos as condições para seu
desenvolvimento. Pois, é importante garantir:

[...] uma relação afetiva de qualidade entre adulto e criança;


o valor da atividade autônoma da criança como motor do seu
próprio conhecimento; a regularidade nos fatos, nos espaços
e no tempo como base do conhecimento de si próprio e do
entorno; a dimensão extraordinária da linguagem como meio
de comunicação pessoal; a compreensão inteligente das
necessidades da criança e muito mais. (FALK, 2004, p. 7)

Esses aspectos são basilares para se dimensionar quais


experiências devem ser proporcionadas aos bebês nas instituições

revista entreideias, Salvador, v. 8, n. 2, p. 95-110, maio/ago. 2019 101


educativas, cabendo aos adultos a responsabilidade por criar
ambientes que lhes proporcionem situações de experiências
em que possam vivenciar condições adequadas de vida e de
desenvolvimento. Tal perspectiva, pode ser reiterada por Falk
(2004, p. 31) quando afirma que:

O bebê, pelo que faz na direção de seus movimentos e na


aquisição de experiências sobre ele mesmo e sobre o seu entorno
– sempre a partir do que consegue fazer – é capaz de agir
adequadamente e de aprender de maneira independente. Para o
desenvolvimento da independência e da autonomia da criança,
é necessário – além da relação de segurança – que ela tenha
a experiência de competência pelos seus atos independentes.

Nessa medida, pretendemos enfatizar que as contribuições


da abordagem de Emmi Pikler e seus colaboradores trazem
princípios a serem observados na educação das crianças pequena.
Evidenciamos, ainda, a notoriedade de seu trabalho como uma
experiência contemporânea que muito tem contribuído no mundo
todo para se pensar a educação da infância.

Uma viagem de trabalho, uma viagem de descobertas


e aprendizados: os estudos de Emmi Pikler
Nossa atividade profissional como professoras, estudiosas e
pesquisadoras da área da infância, desafia-nos constantemente a
reconhecer a importância de se realizar estudos de aprofundamento
e incursões prático-reflexivas voltadas à dinamização do processo
educativo, tanto na formação inicial quanto na continuada.
O conhecimento de experiências exitosas, que resultam da
sistematização de propostas alicerçadas em princípios que buscam
valorizar a infância tem sido objeto de nosso interesse. Em
decorrência, tomamos conhecimento das instituições educativas
que têm a abordagem de Emmi Pikler como referência para o
desenvolvimento dos processos de cuidar e educar dos bebês e
crianças pequenas.
O envolvimento com a abordagem de Emmi Pikler resultou,
no ano de 2013, em visitas e estudos para conhecermos instituições
educativas em dois países da Europa, especialmente, experiências
em Paris/França e Barcelona/Espanha. A perspectiva que se
apresenta para nós é a de socializar conhecimentos e resultados das

102
experiências vividas, de tal modo que as mesmas possam suscitar
novos desdobramentos de investigação, que contribuam para o
delineamento de novos olhares críticos sobre referencias teóricos
importantes à formação de professores e à efetivação de práticas
educativas que valorizem as crianças como sujeitos sociais.
O intercâmbio que realizamos com nossos pares, em Instituições
de Educação Superior espalhadas pelo Brasil, tem nos permitido
ampliar conhecimentos e, consequentemente, resultam na
qualificação de nossas práticas. Ao buscarmos localizar no tempo e
no espaço nossos primeiros contatos com as contribuições de Emmi
Pikler, resgatamos a participação em uma banca de doutorado na
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) de
Marília no ano de 2005, ocasião em que tivemos acesso à tradução do
livro Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy,de Judit Falk,
realizada por Suely Amaral Mello. Ao mesmo tempo em que tomamos
conhecimento do livro, e por entender que o mesmo traria grandes
contribuições aos estudos e formação de professores de Educação
Infantil, especialmente de 0 a 3 anos, assumimos a responsabilidade
junto a Suely de levar alguns exemplares para Campo Grande/
MS para que mais pessoas pudessem tomar conhecimento desses
estudos. Desde então, estamos criando as circunstâncias teórico-
metodológicas para que os acadêmicos do curso de Pedagogia e
alunos do curso de especialização em Educação Infantil possam se
apropriar desse conhecimento. Conforme expressa o prefácio do
livro à edição brasileira:

Apesar das contradições que o cercam, o século XX pode ser lido


desde as perspectivas de inúmeras iniciativas pela consolidação
de um conjunto direitos sociais – enunciados e anunciados pela
Revolução francesa. O direito à infância, hoje negado pela escola
infantil que escolariza e precocemente transforma a criança
em escolar, é ativamente cultivado nesta experiência iniciada
nos anos 40, nas práticas e ensinamentos decorrentes desta
singular experiência liderada por Emmi Pikler em Budapeste
(Hungria). (FALK, 2004, p. 5)

A busca pela garantia efetiva dos direitos sociais das crianças


é o que tem nos mobilizado, desde a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que em seu art. 208, inc. IV, garante às crianças
o direito à educação. Nosso investimento profissional tem sido o
de realizar estudos e pesquisas que criem circunstâncias teórico-

revista entreideias, Salvador, v. 8, n. 2, p. 95-110, maio/ago. 2019 103


práticas para que elas possam viver plenamente a infância também
nos contextos educativos.
Por isso, ao tomarmos conhecimento do VI Trocando em
Miúdos Internacional – Abordagem Pikler-Lóczy, organizamo-nos
para participar dessa “aventura intelectual”. A viagem de estudo
foi organizada pela Avante Educação e Mobilização Social, uma
organização não governamental, que desde de 1996, realiza um
trabalho voltado à formação de professores e tem pautado suas
ações no compromisso com a qualidade da educação. O Programa
de viagem foi realizado no período 10 a 20 de outubro de 2013 em
Paris, na Association Pikler-Lóczy, e em Barcelona na Associació de
Mestres Rosa Sensat. Foram convidados a participar dessa viagem
profissionais ligados à primeira infância, e aos poucos, profissionais de
diversas partes do país foram aderindo ao programa. Iniciamos nossa
aventura no aeroporto de Guarulhos - São Paulo no dia 10 de outubro
de 2013, o grupo foi se formando com profissionais do Rio de Janeiro,
Bahia, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Santa Catarina.
Em Paris, realizamos nossa primeira atividade no dia 12 de
outubro de 2013, fomos recebidas por Catherine Durand, secretária
Geral da Associação Pikler Internacional, momento em que nos
apresentou o programa das atividades a serem realizadas por nós.
Na organização dos grupos e orientações gerais, chamou nossa
atenção para a importância de respeitarmos o espaço de ação das
crianças e adultos das instituições que seriam observadas por nós,
destacando que deveríamos tentar “ser o mais invisível possível”,
evitando chamar a atenção das crianças e conversar com os
adultos, sua orientação foi para que olhássemos, observássemos,
anotássemos e, depois, quando retornássemos à associação,
poderíamos discutir, problematizar sobre as observações realizadas.
Ao finalizar destacou que o grande propósito tem sido o de criar
uma rede internacional referenciada na abordagem de Emmi Pikler.
Em um grupo de quatro pessoas, fomos no dia seguinte para
os arredores de Paris, realizar a primeira observação, em creches,
assim denominadas, que realizam um trabalho educativo em
consonância com a abordagem de Emmi Pikler. Fomos recebidos
pela diretora, que prontamente nos atendeu, ressaltando que
aquela instituição atendia crianças, filhas de mães trabalhadoras
da região. Na entrada da creche, chamou-nos atenção um sistema
de ponto em que os familiares registram os horários de entrada
e saída, muitos ficam nos primeiros dias, para participarem do
processo de adaptação das crianças na instituição.

104
O propósito do ponto, segundo a diretora, é criar entre a
instituição e os familiares uma atitude compromissada com a
frequência e a constituição do vínculo da criança, visto que se torna
visível o registro e, portanto, a participação efetiva das crianças
na instituição. Uma vez que o tempo de permanência pressupõe o
envolvimento familiar no processo educativo vivido pelas crianças.
Outro aspecto importante, e que nos causou surpresa, foi
que, ao entrarmos na primeira sala, as crianças ouviam a música
“Tocando em Frente” interpretada por Almir Sater e Renato
Teixeira, essa música tomava conta do ambiente e as crianças
se movimentavam ao seu ritmo. No diálogo com a diretora, foi
enfatizado o quão importante é para as crianças terem contato com
outros universos culturais e que a música muito contribui para isso.
Na ocasião, observamos que prevalecia um clima de
tranquilidade na instituição e os adultos que trabalham com as
crianças, agiam calmamente e se comunicavam em um tom bem
baixo, solicitando que as crianças participassem das atividades e da
organização dos ambientes. Esses se intercomunicam, favorecendo
que as crianças transitem de um lugar para outro. Nas salas, existem
brinquedos que são manuseados pelas crianças, sem interferência
direta dos adultos, nas paredes estão expostos alguns quadros
e relatórios que oportunizam aos pais acompanharem aspectos
importantes, sobre alimentação, saúde e participação em atividades
diariamente.
Na área externa, algumas crianças brincavam com motocas
e outros brinquedos, observamos que os adultos acompanhavam
as atividades das crianças sem interferir, e mesmo aquelas que
se mantinham fora do grupo eram respeitadas em suas decisões.
Como já havíamos sidos informados que não deveríamos questionar
as profissionais sobre as situações observadas, registramos essa
situação para que em ocasião oportuna, na reunião na Associação
Pikler-Lóczy que aconteceria mais tarde, pudéssemos ter maior
conhecimento sobre suas atitudes e, portanto, entender a dinâmica
empreendida.
Na sala dos bebês, assim denominada porque é um espaço
em que não há predominância de berços e sim de bebês, vimos
que eles ficavam em grandes colchonetes espalhados pelo chão
e constatamos que, conforme expressa a abordagem de Pikler, os
bebês tinham perto de si objetos que os estimulavam a olhar para
os lados, movimentarem-se, a agirem autonomamente sem, no

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entanto, ter um adulto que os virassem de bruços ou os colocassem
sentados. As profissionais que ali se encontravam davam atenção
individual aos bebês, alimentando-os, trocando-os, conversando
durante a troca para que a criança soubesse exatamente o que estava
sendo realizado com ela e participasse. Enquanto algumas estavam
sendo cuidadas, as outras estavam brincando e movimentando-se
nos colchonetes.
Chamou-nos a atenção um bebê que chorava em uma das salas,
enquanto isso, uma das profissionais que estava por perto, continuou
a alimentar outra criança. Só mais tarde viemos saber que as
crianças são levadas a viverem situações em que precisam aprender
a esperar. Tal episódio, nos remeteu a uma questão importante da
abordagem de Emmi Pikler, em que a observação do adulto, mesmo
estando com outra criança, em relação aos gestos, direção do olhar,
expressões faciais e sons de satisfação ou insatisfação de um bebê,
torna possível a compreensão de quando atendê-las e responder às
suas necessidades, estabelecendo um clima de confiança.
Em síntese, podemos destacar aspectos que marcaram essa visita:
ambiente organizado para as crianças, respeito à individualidade das
crianças, pouca interferência dos adultos nas atividades das crianças,
brinquedos diversos e coloridos ao alcance delas, poucas atividades
dirigidas, grande movimentação das crianças.
No período da tarde, desse mesmo dia, todo o grupo foi
participar de um encontro com Catherine Durand, e outras
profissionais na Associação Pikler Internacional em Paris. Ficamos
sabendo que a associação foi fundada em 1984 para se constituir em
um centro de reflexão, pesquisas, documentação e formação sobre
a criança pequena, especialmente soubemos que a abordagem
Emmi Pikler tem a preocupação de vincular os diversos campos de
estudos que abordam a experiência da Primeira Infância e articula
conhecimentos sobre Educação Infantil, Psicologia, Psicanálise,
Psicomotricidade e Formação do Profissional da Primeira Infância,
de modo a mobilizar olhares sensíveis e pormenorizados ao bebê,
nos diferentes espaços acolhimento (creches, pré-escolas, espaços
de acolhimentos, maternidade entre outros). Foi enfatizada a
importância do desenvolvimento de estudos e aprofundamentos
sobre as experiências relativas ao cuidado, a qualidade das
interações, bem como a necessidade de se construir contextos
que promovam a reflexão sobre os espaços e atitudes profissionais
constituintes da identidade da criança e o valor do jogo e das
atividades livres no desenvolvimento autônomo do bebê.

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A experiência vivida em Barcelona, na Associació de Mestres
Rosa Sensat, permitiu-nos observar que os grupos de trabalho
reúnem professores e profissionais da educação com interesses
comuns. A tarefa de reflexão e produção de materiais é uma das
atividades mais significativas da Associação, e permite articular o
debate e as propostas pedagógicas. Seu trabalho é conhecido por
meio das formações que realiza, revistas e outras publicações. Nosso
grupo de estudo pode se reunir e discutir as práticas formativas
com crianças de zero a três anos, oportunizando-nos reflexões sobre
os diversos contextos formativos.
Muitos outros aspectos da experiência vivida poderiam ser
destacados, contudo, privilegiamos aspectos que podem suscitar
outras discussões, aprofundamentos e diálogos construtivos para o
delineamento de propostas que reconheçam os bebês e as crianças
como sujeitos competentes.

Considerações Finais
A escrita deste artigo resultou do nosso encontro com a
abordagem de Emmi Pikler e sua apropriação em contextos sociais
diferentes da realidade brasileira,no entanto, oportunizou-nos a
aquisição de conhecimentos e reflexões imprescindíveis à ação
de professores de bebês e crianças pequenas. A interlocução
estabelecida provoca-nos a reiterar o quão urgente é a reestruturação
de contextos formativos para que os professores possam se
apropriar dessa abordagem e ressignificar suas práticas educativas.
Estamos vivendo circunstâncias complexas em relação aos
princípios que devem nortear a educação das crianças, em seus
primeiros anos de vida. Posicionamo-nos a favor do direito de a
criança viver plenamente a infância, explorando o seu contexto
de vida e tendo a oportunidade de conhecer outros espaços
fundamentais ao seu desenvolvimento humano.
Reiteramos que, conforme expressa a abordagem de Emmi
Pikler, o princípio que orienta ação do profissional que atua junto
às crianças é de reconhecimento e valorização do desenvolvimento
autônomo. Desse modo, é fundamental criar as circunstâncias
propícias para que as crianças possam viver em espaços formais
plenamente a infância. Nosso compromisso profissional nos
direciona para a busca de criação de contextos formativos que
permitam aos interessados pela educação da infância a realização

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de reflexões e de desenvolvimento de práticas que respeitem as
crianças como sujeitos de direitos.

The Emmi Pikler approach:


looks at educational contexts for infants and children
Abstract: The object of study and research of the Group of Studies and
Research in Childhood Educationare based on the theoretical-practical foun-
dations that carry within themselves conceptions of childhood, and subsidize
the development of educational practices among children from 0 to 6 years,
especially those who return to the understanding of the processes of consti-
tution of these practices. In the course of our studies and research, we make
sure that children are recognized as social actors, who play na important
role in consolidating the educational contexts that are offered to them. Such
certification has led us to recognize the importance of undertaking deepe-
ning studies and practical-reflexive incursions in educational institutions
that have Emmi Pikler’s approach as a reference for the development of the
care and education processes of infants and young children. The initiation
of the studies led us, in 2013, to carry out knowledge visits in institutes and
schools for children in Europe, Paris/France and Barcelona/Spain, to learn
about experiences that favor the creation of formative circumstances, through
reflections important to the consolidation of the theoretical-practical bases
and allow the creation of new perspectives on the educational contexts of
childhood, promoting changes in the children’s quality of life. The perspec-
tive that is presented for us is to share the lived experiences, in such a way
that they can provoke unfolding of studies that contribute to the delineation
of critical views on important theoretical references to the formation of
teachers and therealization of educational practices that value the children
as social subjects.
Keywords: Emmi Pikler’s approach.Babies.Child education.

El enfoque de Emmi Pikler: mirada de los contextos


educativos para bebés y niños.
Resumen: Es objeto de estudio e investigación del Grupo de Estudios e Inves-
tigación em Educación de la Infancia los fundamentos teórico-prácticos, que
cargan em sí concepciones de infancia, y subsidian el desarrollo de prácticas
educativas junto a los niños de 0 a 6 años, especialmente, aquellos que se
vuelven a la comprensión de los procesos de constitución de esas prácticas.
Em el curso de nuestros estudios e investigaciones, nos cercioramos del
reconocimiento de los niños como actores sociales, que asumen un papel
importante en la consolidación de contextos educativos que se le ofrecen.
Tal certificación nos ha llevado a reconocer la importancia de realizar es-
tudios de profundización e incursiones práctico-reflexivas em instituciones
educativas que tienen el enfoque de Emmi Pikler como referencia para el
desarrollo de los procesos de cuidar y educar de los bebés y niños pequeños.
El desencadenamiento de los estudios nos llevó em el año 2013 a realizar un
proceso de inmersión en institutos y escuelas infantiles en Europa, París/
Francia y Barcelona/España, para conocer experiencias que favorecen la
creación de circunstancias formativas, a través de reflexiones importantes
a la consolidación de las bases teórico-prácticas y propicien la creación de

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nuevas miradas sobre los contextos educativos de la infancia, promoviendo
cambios em la calidad de vida de los niños. La perspectiva que se presenta
para nosotros es de compartir las experiencias vividas de tal modo que las
mismas puedan suscitar desdoblamientos de estudios que contribuyan al
delineamiento de miradas críticas sobre referenciales teóricos importantes a
la formación de profesores y la efectividad de prácticas educativas que valor
en los niños como sujetos sociales.
Palabras clave: Enfoque de Emmi Pikler. Bebés. Educación Infantil.

Referências
CORSARO, W. A. Reprodução interpretativa e cultura de pares. In:
MÜLLER, F.; CARVALHO, A. M. A. Teoria e prática na pesquisa com
crianças: diálogos com William Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009.
CORSARO, W. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.
CORSARO, W. A. We’re friends, right? Inside kids culture. Washington:
Joseph Henry Press, 2003.
FALK, Judit. Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy.
Tradução de Suely Amaral Mello. Araraquara, SP: JM Editora, 2004.
PIKLER, E. What Can Your Baby Do Already? Hungary. English
translation, Sensory Awareness Foundations - Winter 1994 Bulletin.
1940.
SIROTA, Regine. Emergência de uma sociologia da infância: evolução
do objeto e do olhar. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 112. mar. 2001.

Submetido em: 20/12/2018


Aceito em: 08/07/2019

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