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ENCONTRO MARCADO

Better than Dreams


Anne Laurence

Sabrina n° 1401

O caminho do amor

Cassandra tentava se concentrar na estrada, porém seus olhos teimavam


em se desviar para o espelho retrovisor, atraídos pelo passageiro da limusine.
Benjamin era o típico empresário poderoso: rico, atraente, dono de um charme e
de um carisma irresistíveis. E, no entanto, estava ali escondido, fugindo da jovem
com quem rompera o noivado por chegar à conclusão de que ela era mimada e
egoísta demais para passar a vida a seu lado.

De certa forma, Cassandra também estava fugindo. O trabalho na locadora


de limusines de sua tia era uma boa maneira de manter os pensamentos no eixo.
Sua vida em Los Angeles ficara para trás. Ela estava pronta para recomeçar, mas
ainda não encontrara o rumo certo. E então Benjamin entrara em seu carro e lhe
apontara o caminho. Embora viessem de mundos totalmente diferentes,
Cassandra e Ben seguiam na mesma direção e com destino certo: o amor!
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Digitalização e Revisão: Nelma
Copyright © 1997 by Anne Laurence
Originalmente publicado em 1997 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY - USA Todos os direitos
reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou moitas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: Better than Dreams

EDITORA Leonice Pomponio


ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução; Luís Fernando Esteves
Copidesque: Maysa Bemardello
Revisão: Giacomo Leone Neto

ARTE Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO Getty Images

MARKETING/COMERCIAL Daniella Tucci

PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi

PAGINAÇÃO Dany Editora Lida.

© 2005 Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Paes Leme, 524 - 10° andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley Moore Tel.: (55 11)2148-3500

Querida leitora,
O amor desde os tempos mais remotos vem sendo contado em verso e prosa. Todos sempre
tentando decifrá-lo a seu modo. Ao ler algumas frases de amor, deparei-me com uma muito
interessante e gostaria de compartilhá-la com você. '

"Ser profundamente amado por alguém nos dá força. Amar alguém profundamente nos dá
coragem."
Lao-Tsé

Leonice Pomponio
Editora

Sobre a autora
Anne Laurence é um dos pseudônimos da autora Sally Pfisterer. Para ela, tornar-se
escritora de romances foi a realização de um sonho, já que sempre foi apaixonada por leitura.
Ela mora na cidade de St. Louis, nos E.U.A, e participa ativamente de campanhas de incentivo
à leitura, principalmente para crianças e jovens.
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Capítulo I

Frustrada, porém mantendo o telefone do carro junto ao ouvido, Cassandra Morrow saiu
pelo lado do motorista e observou seu charmoso cliente através das janelas e portas
envidraçadas da loja de conveniência. Durante algum tempo, admirou-o enquanto ele andava
entre as gôndolas, dando a impressão de estar à procura de algum item específico.
O mais engraçado era que Benjamin Wyden parecia completamente deslocado ali,
trajando um dinner jacket e portando-se como um verdadeiro lorde inglês, enquanto os demais
freqüentadores do local riam e falavam alto.
Recostando-se na limusine preta, Cassandra o acompanhou com o olhar.
Por sorte, apesar de o carro e o homem elegante serem figuras estranhas no ambiente
descontraído, não estavam chamando muita atenção. Afinal, encontravam-se a poucos minutos
dos melhores hotéis de Miami, e era normal que turistas abastados circulassem pela loja de vez
em quando.
Com um longo suspiro, Cassandra tentou prestar mais atenção no que precisava dizer
quando a tia voltasse ao telefone, do que no charmoso cliente que conduzia naquela noite.
Afinal, além de ser sua superior imediata, verdade fosse dita, tia Mavis administrava a
Goldcoast Limousine com tanta eficiência quanto seu avô o fizera antes dela, e Cassandra
sabia que, apesar de parecer dura, Mavis Morrow no fundo tinha um coração de ouro e a
amava.
— Desculpe-me, querida, tive de atender a outra linha — a voz forte e rouca de Mavis
se fez ouvir no instante seguinte.
— Não tem problema, tia. Estamos bem agora, pelo menos por enquanto. Paramos em
uma loja de conveniência à beira da estrada, por isso estou tendo tempo de falar com você e...
— Ele desistiu mesmo do casamento?
— Desistiu. Meia hora atrás.
— E, se entendi bem, nosso adorável cliente quer que você dirija até St. Louis, porque
deseja ir para casa o mais rápido possível. É isso?
— É.
— Assim, sem mais nem menos, Benjamin Wyden quer que você dirija de Miami até St.
Louis?!
— Exatamente, o Sr. Wyden diz que, se formos direto, sem paradas, não devemos levar
mais de vinte e quatro horas para chegar. Então sugeriu que eu poderia despachar o carro por
uma transportadora e voltar de avião para Miami. Claro que seremos totalmente reembolsados
pelos gastos extras.
— Espero que ele entenda que isso vai custar uma fortuna.
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Cassandra riu, imaginando a expressão de prazer no rosto da tia. Com certeza, apesar de
reclamar ela deveria estar empolgada, pois embora operasse em uma escala menor, Mavis
Morrow gostava tanto de fazer negócios quanto Benjamin Wyden.
— Depois de passar a semana toda levando-o para todos os lugares, acho que posso
dizer duas coisas sobre o Sr. Wyden, ele não é só rico, mas também é objetivo e direto como
uma flecha certeira — avaliou Cassandra, fazendo uma pequena careta. — Este homem sabe o
que quer e quando quer. Ele não perde tempo com bobagens, vai direto ao ponto.
— Ora, ora, cuidado, Cassie. O Sr. Wyden não parece muito estável para mim. Como
posso confiar em alguém que a menos de uma semana de seu casamento manda tudo para os
ares e diz que quer que você o leve até St. Louis num estalar de dedos? Quanto ao casamento é
problema dele, mas há de convir que voltar para casa de avião seria mais barato, rápido e
prático.
— Também acho, mas o Sr. Wyden diz que precisa de um tempo para pensar, ainda que
sejam apenas vinte e quatro horas. A meu ver o que deseja mesmo é ficar sozinho. Ele é um
homem importante, tia Mavis, é difícil conseguir ficar longe dos outros quando se tem dinheiro
e...
— Espere, espere um pouco.
Por alguma estranha razão, Cassandra ficou feliz quando a tia a deixou esperando para
atender a outra linha. De repente, dava-se conta de que a viagem inesperada também poderia
lhe fazer bem. Afinal, voltara para sua cidade natal, Miami, a fim de descobrir um novo rumo
para sua vida. Talvez uma viagem tranqüila até St. Louis fosse exatamente o que precisava: um
tempo para refletir e decidir o que realmente importava.
E Benjamin Wyden deveria desejar a mesma coisa. Afinal, os ricos também amavam e
sofriam, não era? "Só que com muito mais estilo e glamour, é lógico!", concluiu ela, rindo do
rumo que seus pensamentos haviam tomado.
Meneando a cabeça, voltou a encará-lo. Além das roupas de gala e da maneira confiante
e felina como se movia, Benjamin Wyden era muito atraente. Alto, moreno, físico invejável e
tez bronzeada pelo sol da Flórida. Fisicamente, era o homem mais perfeito que Cassandra já
conhecera; se o tivesse encontrado em outras circunstâncias, por certo teria ficado bastante
impressionada com seu charme e masculinidade.
"Deixe de ser boba, Cassandra Morrow!", ralhou consigo mesma e mudou o telefone de
orelha, ao mesmo tempo em que dava as costas à loja de conveniência.
Um calafrio a percorreu de alto a baixo, e ela retesou-se um pouco. Nem por um minuto
sequer cogitou que tal reação se devesse a outra coisa que não fosse a repentina queda de
temperatura. Sim, porque embora estivessem na Flórida, em janeiro as noites se tornavam
surpreendentemente frias depois das tardes ensolaradas. Desta forma, com uma das mãos, ela
fechou o casaco preto que vestia.
Não havia como negar que, apesar de elegante, o uniforme de motorista da limusine não
era confortável ou quente o bastante para enfrentar a mudança de temperatura. Agora, por
exemplo, ela vestia um terninho preto sobre uma camisa branca, calças italianas bem cortadas
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e um belo prendedor de gravatas em prata pura. Mas de que adiantava estar elegante se estava
toda arrepiada?
— Que droga de noite mais agitada! — reclamou Mavis Morrow voltando à linha e
tirando-a de seus devaneios. — Bem, acho que você deve ir e fazer o que o cliente deseja, mas
não esqueça de ligar para me dar notícias, certo?
— Certo, tia. O Sr. Wyden não pretende nem mesmo buscar a bagagem que ficou na
casa do pai da ex-noiva. Quer partir o quanto antes.
— Entendi, mas e você, o que tem no carro?
— Não muito — admitiu Cassandra, agora ansiosa para desligar. — Mas o Sr. Wyden
disse que posso comprar qualquer coisa que precisar, que ele nos reembolsará. Por sorte, tenho
meus cartões de crédito comigo.
— Certo. Só não esqueça de pegar os recibos. Sei que acha que pode confiar nele, mas...
— Por que não confiar? O casamento suntuoso, a ex-noiva e mesmo o próprio
Benjamin Wyden têm estado nos jornais por semanas. São pessoas muito ricas e conhecidas da
imprensa, não se arriscariam por tão pouco. Eu o acompanhei até Fort Lauderdale quando foi
buscar os pais que estavam no iate da família. Não existem muitas pessoas com tanto dinheiro
quanto os Wyden, tia Mavis. Tudo vai dar certo, não se preocupe.
— Claro que vai, mas, de qualquer forma, não esqueça de pegar os recibos. E, cuidado,
menina. Você dirigiu o dia inteiro hoje, portanto, vá devagar.
Cassandra sentiu a afeição permeando a voz da tia, a despeito do estilo curto e seco de
sempre.
— Obrigada, tia Mavis. Vou ficar bem. Lembre-se de que ele quer sossego. Sem
chamadas telefônicas. Ligarei assim que tiver uma chance de fazê-lo, certo?
— Sim. A única coisa que me tranqüiliza é saber que você tem dirigido limusines desde
que tinha idade suficiente para alcançar o acelerador. Ligue-me quando puder.
— Farei isso.
Um tanto surpresa com a sensação de alívio ao desligar, Cassandra entrou na limusine e
colocou o telefone no gancho. No entanto, sua tranqüilidade durou só até o momento em que
se voltou para a loja de conveniência e avistou a figura alta e imponente que circulava por
entre as gôndolas. O que realmente sabia sobre Benjamin Wyden, o homem com o qual
passaria as próximas vinte e quatro horas?
Não muito mais do que dissera ao telefone, respondeu à própria pergunta com um longo
suspiro. Três dias antes, quando Benjamin lhe pedira para encontrar um local onde pudesse
jogar handebol, ela descobrira uma quadra pública num dos parques da cidade e o levara até lá.
Desde então, o charmoso Sr. Wyden jogava uma vez por dia.
Nessas ocasiões, Cassandra pudera descobrir algumas coisas a respeito dele, como o
fato de parecer outra pessoa quando relaxava e deixava de lado aquela postura autoritária de
dono do mundo. Sim, para alguém que tinha mais dinheiro do que se poderia gastar durante
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toda uma vida, Benjamin Wyden era surpreendentemente humano e gentil, em especial com as
crianças e adolescentes que encontrava na quadra, e com os quais interagia como se fossem
velhos conhecidos.
No entanto, Cassandra não queria, nem podia, pensar naquele lado dele agora, ou
melhor, nem agora nem nunca. Apesar de atraente, Benjamin Wyden era parte de um mundo
com o qual ela só podia sonhar, nada mais. Rico e importante, jamais olharia para uma simples
motorista de limusine. O melhor mesmo era vê-lo como um cliente que deveria ser tratado com
profissionalismo, concluiu observando-o com atenção.
Decidida, saiu do carro e virou-se para a porta de vidro. Ah, o charmoso Sr. Wyden
estava tão absorto que nem se dava conta das pessoas que circulavam a seu redor! Com a
cabeça ligeiramente inclinada para o lado, segurava um jornal aberto em suas mãos e parecia
compenetrado na leitura.
Pelo canto dos olhos, Cassandra viu que ele também tinha outros jornais dobrados
embaixo do braço e uma pequena sacola de plástico em uma das mãos. No balcão de madeira
escura havia ainda um copo grande de café que, com certeza, também pertencia a ele.
Ao observá-lo, ninguém diria que ali estava um homem que acabara de desistir de um
casamento milionário, abandonando uma noiva rica e tão atraente quanto uma estrela de
Hollywood.
— Sr. Wyden — chamou-o, usando um tom baixo e formal.
— Tudo pronto? — inquiriu ele, erguendo imediatamente os olhos do jornal.
— Sim, senhor. Mais alguma coisa antes de partirmos?
— Não.
— Neste caso, como costumava dizer meu avô, vamos porque já se faz tarde.
Sem proferir qualquer comentário, Benjamin seguiu até a porta traseira da limusine,
esperando que ela a abrisse. Aquele era um serviço habitual quando se trabalhava com aluguel
de carros de luxo, e Cassandra o executava com gestos graciosos. Além disso, segurou o copo
de café, enquanto Benjamim entrava com os pacotes e jornais, acomodando-se no banco
traseiro.
No entanto, por alguma razão, que Cassandra não sabia ao certo como explicar,
ressentia-se pela maneira como os olhos acinzentados passavam por ela sem fixar-se, quase
como se fosse invisível. Mas o pior era quando o belo Sr. Wyden ignorava suas tentativas de
ser amigável, como fizera há pouco quando ela citara a frase preferida do avô.
As duas únicas coisas que a consolavam era saber que ele acabara de desistir de um
casamento milionário do qual toda mídia falava há meses, o que certamente justificava a
atitude distante. Além de quê, devia considerar que o relacionamento deles era meramente
profissional, portanto, nada de sorrisos e comentários mais intimistas.
"Seja mais profissional, Cassandra!", ralhou consigo mesma, lembrando-se de que as
coisas em sua vida começavam a entrar no eixo e que não deveria fazer nada para prejudicar o
equilíbrio recém-conquistado. Afinal, já estava com vinte e oito anos e ainda não conseguira se
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estabilizar nem profissional e muito menos afetivamente. Às vezes tinha impressão que estava
sempre se envolvendo com as pessoas erradas e na hora errada. Como será que Benjamin
Wyden, que, segundo os jornais, tinha trinta e dois anos, lidava com seus altos e baixos?
Suspirando, Cassandra sentou-se ao volante do carro luxuoso, deu partida e saiu do
pequeno espaço no estacionamento sem a menor dificuldade.
Ora, não havia porque se ressentir, concluiu após alguns instantes. Afinal, só teria de
acompanhá-lo durante as próximas vinte e quatro horas e depois nunca mais voltaria a vê-lo.
Tudo o que precisava fazer, então, era ignorar o homem moreno e charmoso que lia o jornal no
banco de trás do carro e dirigir com cuidado até chegarem a seu destino. E isso ela estava
acostumada a fazer, não estava?
Cassandra esforçou-se para manter os olhos e a mente fixos na estrada. Quando se
aproximaram da auto-estrada que os levaria para o norte do Estado da Flórida, ainda havia
muito trânsito, e ela estava intrigada com algo que acabava de lhe chamar a atenção. Sim, em
meio a todo o tumulto de carros havia um que estava sempre atrás deles. Durante os últimos
dias também tivera a mesma sensação de estar sendo seguida de perto.
Será que estava assistindo a muitos seriados policiais? Seria possível que estivesse
devaneando a ponto de enxergar perigo onde não havia? Sim, porque gostava de CSI, Without
a Trace, Cold Case e outros filmes do gênero e tinha medo de estar mesclando ficção e
realidade.
— Será que estou ficando maluca? — resmungou consigo mesma e olhou pelo
retrovisor.
— Algum problema? — soou a voz profunda e sonora de Benjamin Wyden.
Ah, quase esquecera de seu passageiro VIP. Quase. Mas, afinal, não era sua culpa, era?
Desde que haviam deixado a loja de conveniência, Benjamin se entrincheirara atrás dos jornais
e não proferira uma só palavra. O que não era incomum, porque ele sempre lia os jornais
inteiros quando estava no carro.
"Dane-se! Quanto menos ele falar comigo, melhor", pensou Cassandra na defensiva.
Porém, contrariando o desejo dela, naquele instante Benjamin largara o jornal e a
encarava pelo retrovisor.
— Disse alguma coisa que não entendi — insistiu ele.
— Não foi nada, Sr. Wyden — respondeu Cassandra, desejando encerrar o assunto por
ali mesmo.
— Muito trânsito?
— Um pouco, mas até que não está tão ruim assim. Quero dizer, pelo menos estamos
andando, não?
Ele a fitou com curiosidade, depois sacudiu o jornal como se fosse voltar a ler.
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— Bem... — começou Cassandra, mudando de idéia. Talvez fosse melhor colocá-lo a
par de seus temores. E se não fosse apenas ilusão de uma fã de seriados policiais? Suspirou,
então explicou: — Na verdade tem algo me preocupando sim. Acha possível que alguém esteja
nos seguindo?
— Sim, é possível — respondeu Benjamin, dando de ombros como se o assunto nem ao
menos o interessasse.
— Como assim? Por quê? — ela indagou, arqueando as sobrancelhas, incrédula.
O jornal já fora erguido novamente, escondendo o rosto anguloso, mas ele respondeu
assim mesmo:
— Relaxe, senhorita. Não há nada com que se preocupar. Provavelmente nossos
perseguidores vão desistir assim que pegarmos a estrada para o norte.
Cassandra estava... Bem, nem ela sabia dizer o que sentia naquele momento. Nunca
antes alguém a seguira. Quando faziam isso é porque havia motivos, não? Seria algo
assustador?
— É aquele carro branco que...
— Isso mesmo. Aquele Ford sedã branco.
— Seria algo relacionado a seu casamento, senhor? — arriscou-se a perguntar.
— Não, não tem nada a ver com o casamento. — O tom seco deixou claro que o assunto
deveria ser encerrado, porém, Benjamin Wyden pareceu notar-lhe a tensão, pois acrescentou:
— Escute, Srta... ãh...
— Morrow, Cassandra Morrow.
— Certo, srta. Morrow. Pode acreditar em mim quando digo que não há motivo algum
para se preocupar.
Cassandra esperava ouvir uma explicação plausível, mas não foi o que ocorreu.
Evidentemente seu charmoso passageiro tinha dado o assunto por encerrado, e ela não ousou
confrontá-lo.
Foi apenas quando algum tempo depois o sedã branco passou por eles no tráfego que
voltou a mencionar o ocorrido.
— Sr. Wyden — chamou-o, sinalizando em direção ao veículo ao lado de sua janela. —
Por favor, Sr. Wyden.
— Está bem, está bem — respondeu Benjamin, largando o jornal. — Certo, abaixe o
vidro para ver o que eles estão dizendo, sim?
— O quê? Abaixar o vidro? Falar com... com estas pessoas? No meio do trânsito?
— Tem razão. Espere até o próximo semáforo, e eles vão se aproximar.
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Cassandra mal podia acreditar no que estava acontecendo. Tinha a sensação de estar
participando de um daqueles episódios de CSI que tanto gostava de assistir. De qualquer
forma, foi obrigada a fazer o que Benjamin dizia.
Então, assim que parou no semáforo, um sujeito grandalhão desceu do sedã branco e
caminhou até a limusine.
O estranho ocupante do veículo usava um paletó azul de poliéster, com gravata e camisa
também azuis. Dava para notar que o assunto que desejava tratar com eles deveria ser
importante, pois a gravata esvoaçava ao redor do rosto avermelhado sem que ele se importasse
em afastá-la. Aliás, ele mal parecia reparar na chuva que começava a cair lá fora.
Os pingos grossos chocavam-se contra o capô da limusine fazendo um forte barulho, e
Benjamin Wyden finalmente dobrou o jornal, deixando-o de lado.
Relutante, Cassandra pressionou o controle que baixava totalmente o vidro.
— Com licença, senhorita. Desculpe-me por abordá-los assim, mas tenho certeza de que
o Sr. Wyden sabe o que queremos. Na verdade, Sr. Wyden, se puder nos dar um minuto de sua
atenção.
— Está bem, está bem. E só dizer o que quer que a gente faça. Mas, por Deus, homem,
não complique as coisas! — Benjamin gemeu exasperado.
— Não senhor — garantiu o homem. — Não queremos complicar nada. Logo depois
deste semáforo tem um motel do lado esquerdo da pista. Vocês podem entrar no
estacionamento com facilidade, e ali a gente conversa. Aceite minhas desculpas, senhorita, não
queríamos assustar ninguém — acrescentou, antes de dar meia-volta e correr para o próprio
carro.
Cassandra observou-o entrar no Ford sedan branco ao mesmo tempo em que o semáforo
abria e se via forçada a acelerar para acompanhar o tráfego.
— O que foi isso? — quis saber ela, voltando-se para Benjamin.
— Nada com que precise se preocupar. Faça o que ele disse. Entre no estacionamento
do motel... Sim, este mesmo. Vou sair e resolver o assunto com ele. Espere-me aqui.
Menos receosa, porém muito mais curiosa, Cassandra fez o que lhe fora dito. Assim que
parou numa vaga do estacionamento, entretanto, percebeu que poderia jamais saber o que
estava acontecendo de fato.
Saindo com rapidez da limusine e batendo a porta atrás de si, Benjamin Wyden
caminhou diretamente para o carro branco.
Dois homens desceram do Ford; um era o que falara com eles, e o outro parecia
hispânico. Sob a chuva leve, iluminados apenas pelos faróis do sedã, os três apertaram as mãos
e falaram sem parar.
Cassandra observou o que pôde. As luzes projetavam sombras das figuras masculinas,
que pareciam bastante agitadas enquanto conversavam como se discutissem.
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Dava a impressão de que Benjamin recusava-se a fazer o que os estranhos queriam. De
qualquer forma, tudo não passava de suposição, pois o teor daquela conversa Cassandra só
poderia tentar adivinhar, já que com a chuva e a distância era impossível discernir o que
diziam.
Finalmente os três pareceram chegar a um acordo, e o primeiro homem entrou no carro,
de onde voltou com uma caixa de tamanho médio.
Sob a orientação de Benjamin, o estranho carregou a caixa até a limusine, sendo
prontamente ajudado por seu companheiro hispânico, e a colocou com cuidado no assoalho da
parte traseira da limusine.
Pelo canto dos olhos, Cassandra viu que a caixa trazia a palavra "FRÁGIL" em letras
garrafais.
Os dois homens desculparam-se com certa formalidade, mencionando que não tiveram a
intenção de assustá-la e de interromper a viagem. Também a agradeceram e só então correram
de volta para o carro branco.
Pouco depois, Benjamin entrou na limusine. Passando a mão pelas roupas molhadas
com ar de desagrado, tirou o dinner jacket e o pendurou no cabide apropriado atrás do banco.
Cassandra não pôde deixar de reparar no contraste entre a pele bronzeada e a camisa
branca, cujo colarinho estava aberto. Apesar da expressão pouco amigável, Benjamin Wyden
tinha uma aura de poder e força que a atraíam como se fosse um ímã gigantesco.
— Podemos ir — disse ele, trazendo-a de volta de seu instante de contemplação.
— Podemos ir? — Cassandra repetiu franzindo o cenho. — Como assim? Quero dizer,
vamos embora como se nada tivesse acontecido?
— Exatamente, Srta... Morrow. Vamos embora como se nada de importante tivesse
acontecido, porque, de fato, nada aconteceu.
Apesar de achar que a situação era, no mínimo, muito, muito estranha, uma vez que a
caixa fora entregue a eles de forma bastante melodramática, Cassandra não ousou questioná-lo.
Afinal, era uma profissional, e seu cliente estava pagando pelo melhor serviço possível, o que
implicava em discrição.
Uma das primeiras lições que os motoristas da Goldcoast Limousine recebiam era que
enquanto dirigiam deveriam manter-se alheios às particularidades de seus clientes. O único
problema é que ela estava tendo dificuldade para manter-se fiel a esse código de ética, pois
Benjamin Wyden exercia um efeito devastador sobre seus cinco sentidos.
Ben Wyden sabia que Cassandra ficara intrigada com a caixa que agora se encontrava
no assoalho da limusine, a poucos centímetros de seus pés. Cada olhar da bela motorista que o
conduzia denotava-lhe a curiosidade contida. Apesar disso, comportava-se como uma
profissional, e ele a admirava por isso. Em pouco tempo, já deslizavam em total segurança pela
estrada, apesar da chuva torrencial que caía lá fora.
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Suspirando, Ben afundou no confortável banco de couro, apreciando o silêncio e a paz
que imperavam no interior do veículo luxuoso. Era tudo o que ele precisava naquele instante.
Além, do quê, pagara regiamente por aquela comodidade e pretendia aproveitá-la ao máximo.
Retirando um dos sapatos com a ponta do outro, Ben secou as roupas como pôde e
removeu a gravata, enquanto pensava em tudo o que lhe acontecera na última semana. Embora
aliviado, também se sentia um tanto espantado por haver terminado com Tamara da forma
como fizera. Felizmente, sua ex-noiva também parecera mais aliviada do que chocada, e esse
pequeno detalhe tirava-lhe um enorme peso da consciência.
Sim, ambos haviam concluído que a separação era o melhor que poderia lhes acontecer,
a despeito de estarem quase às vésperas do casamento. Para poupá-la de dar explicações, Ben
concordara em assumir toda a culpa pelo rompimento, e isso também os ajudara. De qualquer
forma, um ciclo de sua vida havia chegado ao fim, e ele sabia que era hora de recomeçar.
Apesar das diferenças óbvias, tinha um grande carinho por Tamara e jamais desejara
magoá-la, porém acreditava que ela se recuperaria logo, talvez melhor do que ele próprio.
Aliás, nunca entendera o jogo que estiveram jogando. Tinham ficado juntos por tanto tempo, a
ponto de se acostumarem um com o outro, e quase haviam chegado ao verdadeiro desastre sem
enxergá-lo.
Ainda bem que tomara uma decisão antes de ser tarde demais!, concluiu, suspirando.
Agora estava no ambiente ideal para repensar sua vida; uma luxuosa limusine rodando pela
estrada deserta, enquanto a chuva batia impiedosa contra os vidros do carro.
Por um instante, considerou a possibilidade de acender a luz de leitura, mas resolveu
não fazê-lo. Queria relaxar, ainda que soubesse que não conseguiria dormir. Lera vários
cadernos dos jornais e resolvera fazer as duas ligações que precisava. Dissera à srta. Morrow
que não haveria telefonemas, mas essas ligações seriam cruciais, considerando o que fizera.
Sua irmã e seu padrinho... Bem, eles precisavam saber antes dos outros.
Com uma olhada rápida para o retrovisor, Ben apanhou o telefone e discou o número da
irmã. Faith não estava em casa, portanto, deixou uma mensagem concisa e objetiva na
secretária, pedindo a ela que retornasse assim que pudesse. O segundo telefonema foi para seu
melhor amigo em Nova York e também resultou em uma mensagem na secretária eletrônica.
Apesar de não haver falado pessoalmente com nenhum dos dois, Ben sentiu-se melhor,
satisfeito com o que fizera até ali. Logo a tempestade provocada pelo rompimento do noivado
passaria e sua vida voltaria ao normal. Pelo menos era o que esperava. De qualquer forma tudo
valera a pena, concluiu ele. Afinal, antes tarde do que nunca.
Olhando pelo retrovisor, observou a bela mulher que o acompanhava naquela fuga louca
em uma noite de tempestade. Sim, ela ouvira tudo o que dissera ao telefone e talvez merecesse
uma explicação, por mais breve que fosse.
— É difícil saber por onde recomeçar — admitiu ele, sem compreender por que estava
abrindo seu coração para uma quase desconhecida.
Embora Cassandra continuasse a dirigir impassível, alguma coisa nela denunciava que
entendia perfeitamente o que ele queria dizer.
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— Lamento muito pelo que houve, Sr. Wyden — comentou num tom modulado.
— Não há nada para lamentar — respondeu Ben, dando de ombros. — Foi melhor
assim... Quero dizer, tanto para minha ex-noiva quanto para mim.
Assentindo com um leve menear de cabeça, Cassandra voltou sua atenção para a
estrada, concentrando-se na pista molhada iluminada apenas pelos faróis.
Por algum motivo que fugia a sua compreensão, Benjamin não conseguia tirar os olhos
dela.
Cassandra Morrow era exatamente o oposto de Tamara Towsend, concluiu ele com um
meio sorriso. Enquanto Tamara era morena, com unhas e cabelos impecavelmente tratados,
roupas de grife e tudo o mais que o dinheiro pode comprar; Cassandra era simples e natural,
mas atraente até o último fio de cabelo. Loira, com grandes olhos azuis e um tipo de beleza
saudável; sem a magreza anoréxica de sua ex-noiva, a bela srta. Morrow era capaz de atrair um
homem com um simples olhar.
Além disso, Ben gostava de outras coisas nela, detalhes que iam além do primeiro
impacto que tivera quando a conhecera no aeroporto de Miami. Sim, Cassandra era cordial,
esperta, discreta e muito boa no que fazia. A forma como usava suas roupas era absolutamente
adorável e criativa.
Agora, por exemplo, o prendedor de prata estava preso à lapela do casaco preto,
fazendo as vezes de um broche e demonstrando que embora o uniforme de motorista da
limusine a obrigasse a ser convencional, ela também sabia ser criativa. Sim, Cassandra tinha
sempre uma carta na manga para provar que poderia ser diferente sem, é claro, chocar.
"Pare com isso, Benjamin Wyden!", ralhou consigo mesmo, meneando a cabeça em
desalento. Sim, precisava parar de pensar nela. Só porque vinha comparando Tamara a
Cassandra nos últimos dias não significava que a conhecia tão bem a ponto de poder explicar
seu comportamento e escolhas. Talvez ela até tivesse sido a força secreta que ajudara a trazer à
tona suas insatisfações com o relacionamento que mantinha com Tamara, mas não passava
disso. Afinal, eram completos estranhos, viviam em mundos totalmente diferentes e não
tinham nada a ver um com o outro, tinham?
Benjamin respirou fundo, tentando ignorar a maneira como seu coração batia
descompassado quando os olhos azuis de Cassandra se encontravam com os seus, como
acontecia quando ela o fitava pelo retrovisor.
Naquele instante, o som de trovões tirou Benjamin de seus devaneios e o fez olhar em
torno de si com mais atenção.
Relâmpagos iluminaram a estrada e o interior da enorme limusine, deixando-os
apreensivos. A tempestade era impiedosa e assustadora; a jornada ainda mais difícil e
imprevisível do que os dois haviam imaginado, quando concordaram em iniciar a longa
viagem que tinham pela frente.
"Existem mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia",
Benjamin recitou mentalmente a famosa frase de Shakespeare, sabendo que naquele momento
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ela era perfeita para explicar o que acontecia em sua vida. Ou será que deveria dizer para não
explicar o que acontecia em sua vida?
Só o tempo poderia dizer...
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Capítulo II

Cassandra olhou de soslaio para Benjamin Wyden e decidiu que o que mais gostava
nele eram as mãos. Não que não tivesse outras opções igualmente interessantes ou mesmo que
não gostasse dele como pessoa. Afinal, não o conhecia o suficiente para formular uma opinião.
O problema é que, pelo menos fisicamente, o belo Sr. Wyden era seu ideal e, dentre todos os
seus atributos, as mãos eram o que mais a atraía em Ben.
Ben?! que estava fazendo?, perguntou-se aturdida com a naturalidade e intimidade
como pensara nele. Não podia ficar devaneando daquela maneira, era responsável por dirigir, e
a chuva torrencial exigia toda a atenção do mundo.
Eram cinco horas da manhã, e Cassandra achou que, em se considerando as condições
do tempo e da estrada, até que estava se saindo bem.
A luz de leitura da limusine estava acesa, revelando uma imagem bastante peculiar do
charmoso passageiro que ocupava o banco de trás. De camisa, calças e meias, Benjamin
continuava com os jornais espalhados ao seu redor, mas tinha os olhos fechados dando a
impressão de estar cochilando.
Ele parecia confortável, e finalmente Cassandra entendeu o que o levara a contratar os
serviços da Goldcoast Limousine. Uma forte onda de prazer a invadiu quando concluiu que
Benjamin deveria confiar nela o suficiente para relaxar daquela maneira.
— O que acha de pararmos para um café? — soou a voz rouca e máscula, tomando-a de
surpresa.
— Pensei que estivesse dormindo — respondeu ela, um tanto desconcertada.
— Não. Dormir jamais — gracejou Benjamin, endireitando o corpo. — Mas pode ser
que eu cochile, se não tomar um pouco de café logo.
— Não há problema. Você pode perfeitamente cochilar se quiser.
— Prefiro tomar café.
Cassandra deu de ombros e apanhou o mapa que estava no banco a seu lado.
— Onde estamos exatamente? — quis saber Benjamin.
— Acabamos de passar por Lake City, bem ao norte da Flórida, quase entrando na
Geórgia. Estamos rodando há pouco mais de oito horas e meia. Até agora, tudo bem.
— Ainda está escuro.
— Sim. — Ela vira poucas luzes ao longo do trajeto, além dos carros que viajavam na
mesma direção e da sinalização na estrada. Era como se estivessem deslizando por um túnel
escuro e interminável. — Acho que tem um lugar chamado Gas & Gifts, que não deve ficar
muito longe daqui — falou pensativa. — Pelo jeito é um daqueles lugares para atrair turistas,
mas devem ter café por lá.
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Ben Wyden ajeitou-se no banco e começou a colocar os sapatos e o paletó.
— Está ótimo para mim, desde que sirvam café para me acordar — respondeu ele.
Cassandra assentiu. Então, logo depois da curva seguinte, avistaram um luminoso de
néon indicando que acabavam de chegar ao Gas & Gifts. Rapidamente, ela manobrou a
limusine e se aproximou do estacionamento, parando distante dos demais carros e um pouco
afastado da porta de entrada. Afinal, não podia correr o risco de alguém encostar na limusine,
pois tia Mavis a mataria se isso acontecesse.
— Não pode parar mais perto? — quis saber Ben Wyden, franzindo o cenho.
— Não, não posso. Este carro está em perfeitas condições e vai permanecer assim —
disse, desligando o motor. Não sabia por que estava sendo tão rude, talvez fosse por causa do
cansaço, mas agora era tarde para voltar atrás.
Naturalmente não era uma idéia que Benjamin acatasse com prazer, e Cassandra
compreendia isso. Ela mesma estava sacrificando um par de mocassins italianos, pois as poças
d'água no estacionamento deveriam ter vários centímetros de profundidade, mas antes os
sapatos que a limusine. Afinal, calçados podia comprar sempre, mas um carro como aquele...
Melhor nem pensar!
— Não creio que exista outro lugar no mundo onde chova tanto quanto na Flórida.
Parece que as chuvas duram uma eternidade por aqui — comentou ela, olhando para fora com
pesar.
— Na verdade é só uma ilusão — explicou Ben. — Como a Flórida é um Estado muito
plano, podemos ver as tempestades se aproximando antes de chegarem de fato. Por isso
parecem durar mais tempo do que nas outras partes do país. Mas é apenas ilusão.
Sem alternativa, os dois tomaram coragem e correram para o edifício pintado de branco
e verde.
Cassandra acionou o controle para fechar as portas do carro enquanto andava na ponta
dos pés, tentando evitar as poças maiores.
— Posso garantir que estas poças não são ilusão, meu caro — resmungou ela. — E que
o que vemos se aproximando é uma grande tempestade, não uma simples chuva passageira. —
Estava frustrada e ficou ainda mais aborrecida quando entrou no prédio quente e abafado, onde
funcionava uma lojinha de suvenires e um pequeno restaurante. Sem se importar em parecer
educada, deu as costas a Ben e foi diretamente ao toalete feminino. Uma vez ali, lavou o rosto
para espantar o sono e tentou secar os sapatos e roupas encharcados por causa da chuva.
Quando saiu, percebeu que Benjamin conversava com a mulher mais velha que
aparentemente dirigia a loja de presentes. Cassie concluiu que nunca tinha visto alguém
parecer mais deslocado do que Ben Wyden, parado ali, com aquele traje caro e elegante,
embora a esta altura já estivesse amassado, mas mesmo assim contrastando com a simplicidade
do local.
De onde estava podia vê-lo cercado por uma série de suvenires. Ao que tudo indicava,
Ben acumulara uma pequena coleção de lembranças da Flórida, como camisetas, jacarés de
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plástico, bonés do Miami Dolphins. Aliás, no instante em que se aproximou, viu que ele tinha
um coco verde nas mãos.
— Acha que meus sobrinhos vão gostar disso? — perguntou-lhe com um leve sorriso
brincando nos lábios carnudos.
— Crianças adoram cocos, ou pelo menos adoram tentar abri-los — observou ela.
— Neste caso, vou levar também — falou Ben para a mulher que anotava as compras
sorrindo para ele.
Não era apenas a pequena fortuna que ele gastara que a fazia rir, mas também sua
presença charmosa e imponente. Na última semana Cassandra tivera a chance de ver Benjamin
Wyden em ação. Céus, ele atraía olhares femininos onde quer que fosse, principalmente
quando era simpático como agora.
— Acho que vou ter de pegar três copos na máquina de café. O restaurante está fechado
até às seis e meia — Ben explicou com uma pequena careta.
— Neste caso, por que não compra uma garrafa térmica? — sugeriu Cassandra,
tentando ser prática. Afinal, não havia nada pior do que café velho e frio. Quer dizer, até
poderia haver, mas não era o que vinha ao caso naquele instante.
— A senhorita tem razão — concordou a mulher atrás do balcão, apressando-se em
pegar uma garrafa da prateleira, que, claro, também tinha um mapa da Flórida estampado na
parte frontal.
Cassandra aguardou enquanto a vendedora enxaguava a garrafa e depois a enchia com
três copos de café tirados da máquina. Porém, foi o sorriso estonteante que Ben lhe dirigiu que
a deixou ainda mais aborrecida. Tinha a sensação de que ele estava brincando com suas
emoções. Pior, estava se sentindo alienada desde que ele se recusara a falar sobre conteúdo da
caixa que transportavam.
Afinal, pelo menos durante as próximas dezesseis horas estariam juntos e deveria saber
tudo o que acontecia para não ser pega de surpresa por nada.
Alheio ao mal-estar que provocava, ele terminou de fazer as compras tranqüilamente e
sinalizou que estava pronto para ir.
Cassandra dirigiu-se à porta da frente. Fizera o que podia pelos sapatos com as toalhas
de papel do banheiro, mas não se sentia preparada para enfrentar chuva outra vez.
— Está pronta, Srta... ãh... Morrow?
— Por favor, não finja que esqueceu meu nome — disse ela, no auge de sua irritação.
— Sei que sabe não só meu nome e sobrenome, mas também muitas outras coisas a meu
respeito, caso contrário não teria contratado meus serviços — completou, consciente de que
muitos clientes, antes de alugarem um carro na Goldcoast, costumavam investigar não só a
empresa, mas aqueles que trabalhavam para ela. — Sou Cassandra Morrow, Cassie para meus
amigos e também para minha família.
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Um brilho de surpresa apareceu no fundo dos olhos acinzentados de Benjamin Wyden,
porém, em lugar de contestá-la como Cassandra esperava que fizesse, ele simplesmente deixou
as compras sobre uma cadeira e, abrindo a porta de vidro, puxou-a pela mão.
Já do lado de fora do prédio, pegou-a no colo e começou a seguir em direção ao local
em que a limusine fora estacionada.
A chuva caía impiedosamente sobre eles. Estavam encharcados até os ossos, com os
corpos colados um ao outro por força das circunstâncias.
No início, Cassie não sabia onde colocar as mãos, mas logo agarrou-se aos ombros
largos e fortes, sentindo os músculos bem definidos pulsaram de encontro à ponta de seus
dedos.
— Sr. Wyden, por favor! — pediu debatendo-se assustada. Sentir os dedos longos
segurando-a pela cintura estava exercendo um efeito devastador sobre suas emoções. O sangue
corria-lhe rápido pelas veias, o coração batia descompassado, e a boca estava seca. Que mais
poderia ihe acontecer a esta altura dos acontecimentos?
— Nada de Sr. Wyden. Se você é Cassandra, ou Cassie para os íntimos, eu sou Ben —
interrompeu-a ele. — Afinal, como disse, nós dois sabemos os nomes um do outro e não faz
sentido nos tratarmos formalmente quando vamos ficar vinte e quatro horas juntos.
A princípio ela ficou chocada com o comentário, mas logo que se deu conta do absurdo
da situação começou a rir.
— Certo, Ben, por favor, solte-me. Ficaria constrangida se alguém nos visse agora —
confessou num fio de voz.
— Por quê? Qual o problema em um cavalheiro tentar ser gentil e carregar uma dama
para que ela não molhe os pés? Além do mais, relaxe, não tem ninguém olhando.
— Claro que tem! A mulher da loja deve estar à janela, provavelmente tomando conta
das suas coisas... Olhe lá! Ela está sorrindo e acenando.
— Pois então acene de volta, ora.
Sem saber ao certo o que estava acontecendo com ela, Cassandra sorriu e acenou de
volta para a dona da loja. A essa altura, já estavam ao lado da limusine, e Ben teve de esperar
um instante, enquanto ela procurava o controle no bolso para destravar as portas do veículo.
Lentamente, então, colocou-a no chão e antes que pudesse agradecê-lo, ele já dera meia-
volta e retornara ao Gas & Gifts.
Ao vê-lo rir de algo que a dona da loja estava dizendo, Cassandra compreendeu
imediatamente o que estava acontecendo. Praguejando baixinho, entrou no carro e ligou o
motor.
Droga! Mesmo às cinco e meia da manhã, sob uma chuva torrencial como aquela, as
pessoas tentavam ver romance em tudo. Que absurdo!
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Ainda estava aborrecida quando a porta se abriu e Ben entrou no carro, ofegante e
encharcado. Porém, já tinha recuperado parte do bom senso habitual.
— Desculpe-me se tenho sido inconveniente — disse ela, referindo-se não só à história
do nome como também ao fato de ter insistido em estacionar tão longe da porta principal. —
Sei que está sofrendo pelo rompimento de seu noivado e que não precisa de mais problemas.
Mas essa chuva também mexe com o humor das pessoas. Quando o sol aparecer, tenho certeza
de que...
— Não estou sofrendo, Cassandra. Estou é me sentindo culpado pela sensação de alívio
que experimentei depois que terminei o noivado com Tamara — confessou Ben com a maior
naturalidade do mundo.
"Ah, por essa não esperava!", pensou ela, engolindo a seco. E agora o que deveria
dizer? De repente, seus olhares se encontraram, e o sangue passou a correr mais rápido em suas
veias. Na verdade, sentiu um desejo enorme de se atirar nos braços fortes e másculos outra vez.
"Pare com isso, Cassandra! Ele é só um cliente bonito. Nada mais. Tente usar a cabeça, não o
coração, sua boba!", ralhou consigo mesma, virando o rosto e fingindo se concentrar em
manobrar o carro.
No entanto, bem lá no fundo sabia que ainda que a limusine deslizasse para o outro lado
do mundo, não havia como fugir das estranhas emoções que Benjamin Wyden despertava em
seu corpo e alma.
Ao pensar que ainda estariam confinados àquela atmosfera de pura intimidade pelas
próximas dezesseis horas! Que Deus a ajudasse ou nunca conseguiria chegar inteira ao final da
longa jornada que tinham pela frente! O maior de seus medos era que o charmoso passageiro
roubasse seu coração para sempre...
Ben não se lembrava de já ter sentido uma frustração tão grande em sua vida. Fazia uma
hora que tinham deixado o Gas & Gifts e já estavam próximos a Valdosta, na Geórgia, mas, de
repente, tinham ficado presos num enorme congestionamento para o qual não havia a menor
explicação. Estava tudo parado, sem uma causa aparente.
A única coisa boa era que, embora continuasse chovendo, o dia já tinha nascido no
horizonte azul, dando a ambos uma sensação mais palpável de realidade.
— Terça-feira, seis e meia da manhã — anunciou Cassandra, parecendo falar consigo
mesma.
"Como se eu também não estivesse sempre olhando o relógio!", pensou Ben
desalentado. Sim, desejava chegar a St. Louis o mais rápido possível. Precisava parar de sentir
o que estivera sentindo na última hora ou então enlouqueceria. Verdade que cedera ao impulso
de pegar Cassandra no colo sem uma razão aparente, sim, porque fora mais um impulso do que
qualquer outra coisa. Porém, jamais lhe ocorrera que a proximidade com o corpo quente e
macio pudesse deixá-lo tão perturbado e... excitado.
Ainda podia se lembrar de como fora maravilhoso senti-la junto a seu peito e do
delicioso aroma floral que emanava dos cabelos dourados.
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Deixara que o corpo dela deslizasse junto ao seu quando chegaram ao carro e, por
pouco, muito pouco, não a beijara ali mesmo.
Por mais estranho que pudesse parecer, sentia uma forte atração pela jovem que
conhecera há pouco menos de uma semana. O que estava acontecendo com ele? Nunca se
sentira assim antes! Será que estava carente por causa do rompimento do noivado?
Não, não podia ser. Ben não sabia mais o que pensar ou fazer, por isso, ficou contente
quando Cassandra o distraiu, apontando um policial rodoviário que vinha na direção deles.
— Espero que o policial possa nos dizer o que está havendo — ela comentou, abrindo o
vidro do carro.
— Bom dia, senhorita... senhor — cumprimentou o jovem policial, tentando proteger os
olhos da chuva. — Desculpem-nos por atrasar a viagem de vocês, mas tivemos um acidente
com dois tratores na estrada. Estamos trazendo equipamentos para liberar a pista, mas acho que
ainda vai demorar bastante. Se não quiserem esperar, sugiro que peguem um desvio.
Benjamin tentou se ater a uma única palavra: desvio. Mesmo que aquilo significasse
que teriam de sair da rodovia interestadual, também queria dizer que estariam se movendo
outra vez. O que para ele já bastava, pois só assim conseguiria por um fim a suas fantasias
românticas com a bela srta. Morrow
— Que desvio é esse? — quis saber, subitamente interessado.
— Devem pegar a rodovia 84, senhor — respondeu o policial, que parecia
impressionado com a limusine. — É uma boa estrada, e se quiser pode voltar pela 75 e passar
ao redor de Tifton. Pelo outro lado, se forem para o norte...
— Vamos para St. Louis — Cassandra explicou.
— Nesse caso, podem seguir pela 84 até Dothan, Alabama, e depois ir diretamente para
o nordeste, por Montgomery.
— Mas só tenho mapas para Atlanta, Chattanooga e Nashville.
— Daremos um jeito. Vamos pela 84 — decidiu Ben, optando pela partida imediata.
— Então é só saírem da pista quando tiverem chance e seguirem os cones amarelos até
o desvio. Desculpem-nos pelo transtorno. Boa viagem.
Quando Cassandra agradeceu ao policial e fechou o vidro, Ben sentiu um pouco da
tensão anterior diminuir.
— Imagino que tenha reparado que mesmo com o desvio podemos fazer o trajeto mais
ou menos no mesmo tempo — comentou, fitando-a atentamente.
— Espero que tenha razão, porque as duas estradas são novas para mim.
— Tudo bem, posso ser seu guia neste caminho de volta para casa, Cassandra Morrow
— declarou ele num tom que mais parecia uma profecia do que apenas um comentário
espirituoso.
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Definitivamente haviam deixado a Flórida para trás. Logo as fileiras de pinheiros da
Geórgia também deram lugar às terras cultivadas do Alabama, com muitas fazendas se
espalhando ao longo da estrada. Porém, os campos quase desprovidos de vegetação fizeram
Ben lembrar-se de que estavam em pleno janeiro e que a vegetação costumava ficar toda
queimada por causa das baixas temperaturas.
Ainda assim, ele e Cassandra estavam bem confortáveis, pois o sistema de aquecimento
da limusine era perfeito. Então, à medida que progrediam na direção de Dothan, a chuva
também começou a diminuir, até que finalmente parou.
Sem mais jornais para ler, Ben tentou relaxar observando o cenário rural. Sentiu que
havia café demais em seu estômago vazio e lembrou que não comia decentemente desde o
almoço do dia anterior. Rompera com Tamara pouco antes de se sentarem para jantar. Assim,
não era de espantar que seu estômago o estivesse incomodando agora.
— Está se sentindo bem? — a voz suave e feminina o assustou.
— Estou bem, obrigado — respondeu, dando-se conta de que estivera fazendo caretas,
enquanto passava a mão sobre a barriga que roncava discretamente.
Em busca de algo que pudesse distraí-lo e também minimizar a fome, resolveu
entabular uma conversa com sua bela companheira de viagem. Lembrou-se, de repente, que
por alguma estranha razão a voz levemente rouca e muito feminina lhe soava familiar.
— Engraçado, tenho a impressão de conhecer sua voz de algum lugar — Benjamin deu
voz a seus pensamentos ao mesmo tempo em que franzia o cenho.
Para seu espanto, um riso divertido escapou dos lábios rosados de Cassandra.
— Ora, ora. Não imaginava que pudesse reconhecer minha voz. Na verdade, fui eu
quem fez a voz do comercial da colônia X-ander.
— Ah, claro! Como não me lembrei antes? — Ben bateu levemente na testa
recriminando-se pela suposta falha.
— Fico muito surpresa que tenha reconhecido minha voz. Não o vi ligar a televisão nem
uma vez desde que alugou a limusine — Cassandra retrucou, perscrutando-o com o olhar.
— De fato, não costumo assistir à tevê, mas conheço Alexander Dawe, o criador da
linha de perfumes X-ander.
— Conhece?
— Sim, fomos amigos de escola — explicou Benjamin. — Estive com Alex na noite do
lançamento da campanha e vimos muitas vezes o comercial. Daí a lembrança. Então a voz era
sua?
— Sim. Chegaram a me chamar de a "garota com aquela voz". — Riu de si mesma,
antes de prosseguir: — Durante uma temporada, continuei fazendo a dublagem dos comerciais.
Depois eles resolveram procurar alguém cujo corpo combinasse com a voz e cancelaram meu
contrato.
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— E por que não usaram você para isso?
— Bem, muito obrigada pelo elogio, pois a mera sugestão de que eu poderia fazer as
imagens da campanha já é o suficiente para fazer meu ego inflar durante um mês inteiro. —
Riu divertida. — Mas a verdade é que eles queriam uma pessoa com rosto exótico, diferente.
Disseram que eu era norte-americana demais. Foi por isso que voltei à Flórida. Faz alguns
meses que cheguei, e tenho ajudado minha tia na Goldcoast Limousine. Praticamente cresci
dirigindo limusines, pois a empresa era do meu avô. Gosto de carros, mas ainda não resolvi o
que vou fazer da vida. Estou perseguindo meu sonho, como todo o mundo.
"Não como eu", pensou Ben, lembrando-se de que teria de assumir o negócio da família
de qualquer jeito. Jamais perseguira sonhos, eles lhe tinham sido impostos pelas necessidades
do conglomerado de empresas Wyden.
Compreendeu, então, como ele e Cassandra Morrow eram diferentes. Ele estava fadado
a tomar conta das empresas da família, sem nunca ter nem ao menos levado em consideração
que poderia fazer outra coisa da vida.
Ela, no entanto, era livre o suficiente para desistir de uma carreira, voltar para casa e
ajudar a tia nos negócios, enquanto decidia o que pretendia fazer da vida. Em que ponto
daquela longa estrada seus caminhos se cruzavam?, perguntou-se Ben, sem entender direito
para onde iam.
— Acho que o tempo que passei em Los Angeles me mostrou o que eu não queria para
mim — contou Cassandra, parecendo perdida nas próprias lembranças. — Ainda que no início
tenha sido duro, fiquei contente em deixar tudo para trás. Agora só preciso encontrar um novo
rumo e tentar ser feliz. Pode ser um longo caminho, mas chego lá.
Ben imaginou que provavelmente o toque de sofisticação que detectava nela estava
relacionado à temporada que passara em Los Angeles. Mas, de qualquer forma, não tinha a
menor dúvida de que o que quer que Cassandra decidisse fazer da vida, acabaria se dando bem.
— Ei! Espere um pouco... não acredito numa coisa dessas! — exclamou Cassandra, de
repente.
— O que foi? — indagou Ben, aturdido com o tom alterado da voz que até então
estivera tão baixa e modulada.
— Ah, não! Que droga! Tem alguém nos seguindo outra vez.
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Capítulo III

— Ninguém está nos seguindo! — Benjamin a contradisse, observando-a pelo


retrovisor. — Já peguei a caixa, portanto não há motivo para que nos sigam.
Cassandra mordeu o lábio inferior, tentando se controlar. Gostaria muito de acreditar
nele, mas não conseguia, não diante de tantas evidências. Por isso, continuou a fitá-lo com o
cenho franzido.
— Muito bem, por que acredita que alguém está nos seguindo? — Ben finalmente
indagou, notando-lhe a expressão incrédula.
— Ora, não estou dizendo isso para me divertir, sabia?
— Jamais pensei que estivesse — revidou ele. — De qualquer forma, agradeceria se me
dissesse por que pensa assim. Não consigo ver muita coisa daqui.
Segurando o volante com mais firmeza, Cassandra olhou outra vez para o retrovisor. A
rodovia 84 se dividia na entrada de Dothan, o que lhe dava uma boa visibilidade dos carros que
continuavam a segui-los.
— Tem um sedã branco lá atrás. Reparei nele antes de pegarmos o desvio, e depois
quando saímos de Valdosta. E quer saber? Continua atrás de nós, em vez de tomar o caminho
para Atlanta como a maioria. O que estou tentando dizer é: avistei esse carro bem cedo e agora
estou vendo outra vez. Fica escondido no tráfego e diminui a velocidade quando percebe que
estamos muito próximos.
— Você está impressionada porque é um sedã branco, como o de ontem à noite.
— Não. Isso não tem nada a ver com ontem à noite, e não estou impressionada com
nada. Veja você mesmo! Lá está ele outra vez, dois carros atrás de nós — falou Cassandra,
olhando pelo retrovisor. — É um sedã de quatro portas. Acho que é um Chevy Caprice. Tem
dois grandalhões com paletó de poliéster sentados na frente.
— Poliéster? Como sabe que o paletó deles é de poliéster? — repetiu Ben, num tom
entre divertido e curioso. — Ah, não precisa me dizer. Mulheres!
— Se não acredita, abra sua janela e veja você mesmo. Eles estão se aproximando.
— Estão o quê? — Ben indagou, arqueando as sobrancelhas escuras.
Cassandra apertou o botão e abriu o vidro para facilitar-lhes a visão.
Benjamin olhou para o lado bem a tempo de ver o carro branco de quatro portas
emparelhar-se à limusine, exatamente como o Ford fizera na noite anterior.
E, para sua surpresa, Cassandra estava certa. Havia mesmo dois grandalhões com paletó
de poliéster no banco da frente do carro, mas não eram os mesmos de antes. O que estava mais
próximo abriu a janela, cumprimentando-os com um leve menear de cabeça.
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Aquele foi um gesto cordial e logo depois o carro branco ganhou velocidade, deixando-
os para trás.
— O que foi isso? Se queria fazer uma entrega, por que não usou os serviços dos
correios? — resmungou Cassandra, mal-humorada.
Ben riu.
— Isso é muito assustador para mim — admitiu ela.
— Relaxe! Estou dizendo que não há nada com que se preocupar.
— Pode ser, mas você não está dirigindo a melhor limusine de sua tia, está? Se algo
acontecer ao carro tia Mavis me matará. — Deu um longo suspiro. — Agora, não entendo: se
estes brutamontes estão mesmo nos seguindo, por que nos passaram?
— Provavelmente vão comer alguma coisa em Dothan. Talvez a gente encontre com
eles por lá.
— Perseguidores que cumprimentam suas vítimas e ainda tiram uma folga para comer?
Acho que não estou entendendo nada — confessou ela com um muxoxo.
— Tem razão, Cassandra. Também não entenderia se estivesse em seu lugar. Escute,
vamos combinar uma coisa, deve haver uma parada logo à frente, então faremos uma pausa
para comer alguma coisa. Faz tempo que não como, e acho justo que eu explique o que está
havendo para você.
— Mas se pararmos para comer podemos encontrar com eles e...
— Não se preocupe com isso, Cassie — disse Benjamin, tratando-a pelo diminutivo,
como seus amigos e família faziam. — Eles vão comer e nós também. Depois podem continuar
seguindo a gente. De qualquer forma, não existe outra estrada mesmo — completou, dando de
ombros.
— Deve haver alguma coisa que possamos fazer para acabar com isso. Se não podemos
fugir, podemos chamar a polícia e...
— Ah, não há razão para chamarmos a polícia, minha cara. Felizmente, não há nada de
ilegal envolvido nesta suposta perseguição.
Cassandra não acreditou muito no que ele dizia, mas, outra vez, achou melhor guardar
aquela opinião para si mesma.
— Essas pessoas só querem uma chance de conversar para me fazer desistir da caixa.
— Desistir da caixa? Como assim? Não foram eles que insistiram para que ficasse com
ela?
— Calma... Veja a placa. Parece que chegamos a um lugar chamado Huckabee. Vamos
encontrar um restaurante sossegado onde possamos comer e conversar um pouco.
— Tem um luminoso logo à frente, parece que é um restaurante. Veja quantos carros e
caminhonetes estão parados lá. Já é uma boa referência, não? — comentou Cassie, suspirando.
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— Muito bem. Se quiser, pode parar. Encontre um lugar para a limusine.
Cassandra assentiu. Logo estacionou o veículo luxuoso.
— Está frio por aqui — comentou ela, apanhando o casaco preto e colocando-o sobre os
ombros, antes de sair para o ar frio da manhã.
— Ora, ora, você está criando um estilo, moça — Benjamin comentou, rindo. — Por
outro lado, quem sabe o que seria moda e estilo por aqui?
— Diria que nós dois estamos criando um estilo, meu caro — riu Cassandra. —
Quantas pessoas você acha que vêm tomar café da manhã em traje a rigor?
— Bem, talvez não muitas que estejam precisando fazer a barba e passar a roupa.
Ainda estavam rindo quando entraram no pequeno restaurante e se acomodaram à mesa
do canto.
Suspirando, ela abriu o cardápio ao mesmo tempo em que Benjamin. Naturalmente
estavam atraindo atenção, porém apenas uma das mesas estava ocupada por seis homens
vestindo macacões coloridos, os quais pareciam tão interessados nos recém-chegados quanto
os dois estavam neles.
Rindo, Cassandra desviou os olhos e tentou examinar o cardápio com mais atenção. Só
então, compreendeu porque Ben parecia estar tendo dificuldades para se decidir. Ali, todos os
pratos tinham nomes estranhos e exóticos como Buraco Quente, Vaca Atolada e molho Olho
Vermelho. Ela mesma, que estava habituada a locais simples e sem sofisticação, não conseguia
entender o que era a metade dos itens listados.
Cassie ainda estava tentando adivinhar o que poderia pedir sem ter uma surpresa
desagradável quando a garçonete se aproximou, saudando-os com a típica hospitalidade
sulista.
— Olá. Gostariam de tomar um café, enquanto escolhem o que desejam?
Na outra mesa, cada vez mais atento, um dos homens, com um palito na boca, fitou-os e
comentou rindo:
— Não se assustem com os nomes. Podem parecer estranhos e assustadores, mas a
comida aqui é muita boa, amigos. Então, por que não fecham os olhos, apontam para o
cardápio e brincam de minha-mãe-mandou-escolher-este-aqui? O que sair, com certeza, vai ser
bom.
Sorrindo, Ben e Cassie acataram a sugestão do desconhecido. A garçonete também riu
ao abaixar-se para ver qual tinha sido o prato que fora sorteado pelo método nada ortodoxo.
— Quem diria... crepe com molho Olho Vermelho! — exclamou a moça, naquele típico
sotaque sulista.
— Nunca ouvi falar de molho Olho Vermelho, mas gosto de crepe. Vou experimentar —
disse Ben.
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Aquilo pareceu deixar todos os presentes felizes e satisfeitos, pois eles riram e ergueram
os copos num brinde amistoso.
Em menos de cinco minutos a garçonete voltou trazendo os pedidos, e Ben não se fez
de rogado. Sem hesitar, ele levou uma generosa garfada aos lábios e fez um sinal de positivo
para os fregueses da mesa ao lado que, só então, levantaram-se e saíram, deixando o casal
sozinho.
— Você gostou mesmo? — quis saber Cassandra, sorvendo um longo gole do suco que
pedira.
— Mais do que imaginei ser possível — Ben confessou, rindo e recostando-se na
cadeira como alguém que está plenamente satisfeito.
Cassandra sentiu um aperto no peito ao dar-se conta de que Benjamin Wyden era tão
carismático que poderia encantar qualquer um que quisesse.
Ele tinha um charme natural que transpunha todas as barreiras que porventura pudessem
ser criadas em tomo de alguém tão rico e bem-sucedido. Além do quê, não era esnobe como
muitos clientes que ela conhecera, aceitava as diferenças com tranqüilidade e até mesmo
parecia se divertir quando estava em ambientes simples como aquele.
Talvez fosse por isso que agora Cassie tinha dificuldades para desviar os olhos do rosto
anguloso e da boca carnuda. Sentia-se atraída por Benjamin, mas precisava lembrar-se de que
seus mundos eram tão distantes quanto dois continentes separados por um verdadeiro oceano
de diferenças...
— Agora que estamos sozinho — começou a dizer ela, banindo os pensamentos
traiçoeiros para longe e decidindo que estava na hora de resolver pelo menos um dos mistérios
que se abatiam sobre aquela viagem surreal. — Já pode me contar qual o segredo da caixa que
transportamos.
— Tem razão, Cassandra. É melhor fazê-lo logo. Mas, como disse, não há nada com
que se preocupar. Na verdade, tudo isso é coisa de minha avó, Irene Wyden.
Cassandra estreitou os olhos entre curiosa e surpresa. O que uma pobre velhinha poderia
ter em comum com quatro brutamontes que pareciam ter saído direto de um filme policial?
— Bem, para começar preciso dizer que minha avó coleciona os chamados cristais de
Murano há muitos anos — Benjamin explicou num tom pausado. — Ganhou a primeira peça
da coleção no dia em que se casou com meu avô. Esses cristais são objetos de arte muito caros
e disputados a tapas pelos colecionadores como minha avó.
Por mais que tentasse, Cassandra ainda não estava entendendo muito bem aonde
Benjamin pretendia chegar, por isso, esperou que ele prosseguisse.
— A verdade é que a caixa que transportamos contém um dos vasos mais valiosos da
coleção — contou ele, notando-lhe o interesse crescente.
— Um vaso? — Cassie repetiu, obviamente desapontada.
— Viu só? Disse que não era nada demais.
27
— Espere um pouco. Quatro homens estranhos nos perseguem em dois carros diferentes
por mais de quinhentos quilômetros só por causa de um vaso? Não faz sentido! O que há por
trás dessa história?
— Muito bem. Vou contar toda a verdade, mas, por favor, precisa manter segredo e ser
discreta sobre o que está preste a ouvir.
— Claro. Seria incapaz de contar isso a alguém! Aliás, seria até antiético de minha parte
se o fizesse.
— Tenho certeza de que não o faria intencionalmente, porém, às vezes as coisas fogem
de nosso controle sem que percebamos. Mas o fato é que esta história não diz respeito a mim, e
sim à minha avó, por isso tenho de ser discreto e cauteloso.
Cassandra sentiu um ligeiro tremor a percorrer de alto a baixo, pois notou que pela
primeira vez Ben estava realmente olhando para ela. As íris acinzentadas passeavam por seu
rosto como se tentassem captar cada detalhe dos traços angelicais.
Felizmente, após alguns instantes, Ben pareceu desistir de observá-la e voltou ao
assunto.
— Como estava dizendo, os cristais são muito importantes para os colecionadores. Meu
avô era perito em cristais venezianos. E não estou falando de peças funcionais, como conjuntos
de taças e esse tipo de coisa, mas de objetos de decoração, candelabros, jarros...
— E, naturalmente, vasos — completou Cassie num impulso.
Ben assentiu e depois de dar mais um gole no café que a garçonete trouxera, continuou:
— Sim. O vaso de que falamos é chamado de Trombeta de Napoleão, e, pelo que sei, é
uma peça rara. Alguns anos atrás, num leilão da Sotheby's, minha avó e uma de suas rivais
mais tradicionais, a condessa de Hawksmore, travaram uma verdadeira batalha disputando a
peça. Por fim, minha avó venceu, oferecendo um lance exorbitante que me recuso a mencionar.
Quando fui informado sobre o que tinha acontecido não havia mais nada a fazer. Foi aí que
começou tudo.
— Como assim?
— A coleção de minha avó é guardada em casa, na residência da família em St. Louis.
Portanto, o Trombeta foi levado para lá também. Mas, de alguma forma, a condessa conseguiu
que seus homens entrassem e roubassem o vaso, depois enviou para minha avó uma quantia
equivalente ao preço pago por ela no leilão.
Cassandra o encarou boquiaberta.
— Espere um pouco, essa história ainda não está fazendo sentido — disse ela outra vez.
— Como alguém pode pagar pelo que roubou?
— Na verdade, a condessa e minha avó são amigas, ou melhor, velhas conhecidas. E
pelas histórias que tenho escutado sobre o que fizeram uma para a outra nos últimos anos... Ah,
vamos dizer que minha avó não é do tipo que fica quieta em casa tricotando e muito menos a
condessa.
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— Dá para notar.
Ben riu e continuou;
— As duas adoram uma boa disputa. Acho que foi por isso que vovó não pensou duas
vezes, antes de rasgar o cheque da amiga em pedacinhos e mandá-lo de volta. Embora tudo
isso seja surreal, as duas nunca envolvem a polícia na história. É uma questão de honra. O
único que se envolve de vez em quando sou eu. Minha avó confia em mim e tem um prazer
enorme em me contar todos os detalhes desta competição maluca para ver quem fica com o
vaso.
— Como foi que sua avó o roubou de volta? — quis saber Cassandra, começando a se
interessar por aquela brincadeira de gato e rato praticada por duas damas da sociedade.
— Pelo que entendi, como meu casamento era em Miami, minha avó viu a chance de
recuperar o vaso, já que a condessa mantém sua coleção nessa cidade. Deve ter contratado
aqueles homens para pegá-lo. Depois, ao saber que eu iria voltar de carro para St. Louis em
vez de avião, achou que era uma boa oportunidade para despistar sua rival.
— Espere um pouco — pediu Cassie mais uma vez. — Então sua avó, que mora em St.
Louis...
— Na verdade, em São Francisco.
— Certo. Então, sua avó conseguiu que alguém roubasse o vaso?
— Isso mesmo. Muitos homens recebem um bom dinheiro para fazer este tipo de
trabalho. São detetives ou seguranças particulares de minha avó. Ninguém corre muitos riscos,
porque nenhuma das duas pede ajuda à polícia.
— Então esses brutamontes são...
— Provavelmente seguranças. Pessoas que saberiam arrombar a casa da condessa e
levar o vaso sem serem notados.
— E foram os mesmos que entregaram a caixa a você — concluiu ela.
— Quer dizer, os que me forçaram a ficar com ela, não?
— E os outros dois, os que pararam para almoçar?
— Eram o pessoal da condessa tentando recuperar o vaso antes que cheguemos em St.
Louis, pois lá as coisas seriam mais difíceis.
— E ninguém parece se importar que isso tudo seja ilegal?
— Até hoje, pelo menos, não. As duas nem mesmo chegam a admitir que algo está
faltando. Parece que seria uma desonra no código delas. Acho também que não falam com
mais ninguém sobre o assunto, nem com outros colecionadores. Existe um ponto de honra em
torno do Trombeta, uma espécie de duelo que minha avó e a condessa travam secretamente.
— Ah, deve ser coisa de gente rica, porque não entendo nada disso — comentou
Cassandra, falando mais consigo mesma do que com Benjamin.
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— Talvez seja, mas a verdade é que a maior parte das pessoas não entende uma
rivalidade como essa. Especialmente vinda de duas senhoras tão respeitáveis, verdadeiros
símbolos da sociedade norte-americana — explicou Ben, rindo.
— E tudo por causa de um vaso.
— Sim, mas lembre-se de que estamos falando de uma peça que tem história própria. O
Trombeta de Napoleão foi emprestado a Richard Burton e Elisabeth Taylor, enquanto eles
filmavam Cleópatra na Itália. Muitas vezes a história dos possuidores também valoriza a peça.
Além de quê, minha avó é fã de Elisabeth Taylor.
— Ah, claro! Então está tudo explicado — atalhou Cassandra com ironia. — Está
dizendo que os grandalhões que estão no carro branco podem tentar recuperar o vaso, mas que
está tudo bem?
— Sim, eles podem tentar. Só que jamais nos fariam mal — concordou Ben. —
Provavelmente vão tentar nos convencer a entregá-lo, oferecer propina e coisas do gênero,
antes de tomarem uma atitude mais drástica. E até aqui têm sido bastante educados, não acha?
— Ora, não chamaria o fato de dirigirem a toda velocidade ao meu lado de educado.
Mas, pelo menos, ninguém me apontou uma arma... ainda.
— Está certo. Se tivermos outra chance, eu falo com eles. Vou avisá-los para ficarem
bem longe de nós ou então tomarei uma atitude. Para você está bom assim?
— Bom não está, mas melhora muito — respondeu Cassie com uma pequena careta.
— ótimo. Vou apanhar a garrafa térmica e pedir à garçonete que a encha com um pouco
de café fresco para o resto de nossa viagem.
— Enquanto isso vou ao toalete — Cassandra anunciou levantando-se e vendo-o fazer o
mesmo.
No momento em que entrou no toalete simples, mas imaculadamente limpo, Cassie foi
obrigada a admitir que apesar de possuir uma avó excêntrica, Benjamin era uma boa pessoa.
Simpático com os outros. Apreciava o fato de que confiava nela o suficiente para contar-lhe
aquele pequeno segredo de família. Ao contrário do que pensara ao conhecê-lo, Ben parecia
também ser acessível, além de firme e capaz, e ela gostava disso. Gostava especialmente do
encanto natural que ele possuía, sem talvez, se dar conta disso.
"Ah, caia na real, Cassandra!", ralhou consigo mesma, olhando-se no espelho. "Nem
pense em se apaixonar por Benjamin Wyden. Ele é absolutamente maravilhoso, mas vocês são
de mundos muito diferentes... Mundos não, galáxias! Se não parar com isso vai acabar se
machucando muito, garota!"
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Capítulo IV

Irritado porque sabia que Cassandra não escutara uma única palavra do que conversara
com sua irmã, Ben desligou o telefone da limusine.
Mas, claro, precisava entender que Cassandra era discreta. Depois da parada no
pequeno restaurante, ela insistira em parar em Dothan para comprar um walkman e alguns
CDs. Queria escutar alguma coisa enquanto dirigia, "sem perturbá-lo", segundo suas próprias
palavras.
O que ela desejava de verdade, era evitar ouvi-lo explicar o motivo de seu rompimento
com Tamara. E por algum motivo inexplicável, era exatamente o que Benjamin queria que ela
ouvisse. Porém, nenhum dos dois deu sorte.
Cassie continuou a se mostrar a motorista eficiente e discreta e Ben sentiu-se frustrado
por não ter sido ouvido.
— Era minha irmã ao telefone, Faith — explicou ele, quando não pôde mais se conter.
Durante alguns segundos, Ben chegou a pensar que tentaria ignorá-lo. Mas não foi o
que ela fez.
Erguendo o fone do ouvido direito, Cassie fitou-o pelo retrovisor.
— Como disse?
— Disse que era minha irmã ao telefone. O nome dela é Faith.
Após um leve menear de cabeça, Cassie voltou a colocar o fone no ouvido.
Ben reagiu ao gesto, falando ainda mais alto.
— Achei estranho porque Faith não pareceu muito surpresa com meu rompimento com
Tamara. Aliás, até deu a impressão de estar aliviada. Isso foi um bom sinal, porque é minha
única irmã, só catorze meses mais nova, e confio nela mais do que em qualquer outra pessoa.
Cassandra sinalizou ter ouvido, pois novamente meneou a cabeça.
— Não é que Faith não gostasse de Tamara, elas nem se conheciam muito bem.
Compreendo que isso seja estranho, no mínimo, porque Tamara morou comigo três anos... Não
sei se já te falei que Faith mora em Summer Hill, a poucos minutos de St. Louis. — Ao vê-la
estreitar levemente os olhos, explicou: — Na virada do século dezenove para o vinte, meu
bisavô construiu uma enorme vila para a família, a qual chamou Summer Hill porque a
propriedade fica no alto de uma colina e no verão é totalmente iluminada pelo sol. Na verdade,
existem três casas ali: a minha, que era do meu avô; a de Faith, que foi feita para a irmã dele, e
a de meus pais. Conheceu meus pais em Fort Lauderdale, não?
Cassandra assentiu outra vez, sem fazer qualquer comentário.
Benjamin suspirou frustrado. Na verdade, queria muito que Cassie conhecesse os
detalhes íntimos de sua vida. Passada aquela loucura toda do cancelamento do casamento,
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gostaria de poder telefonar para ela, e... Bem. queria conhecê-la melhor. Afinal, sentia-se
atraído por ela e sabia que por mais que tentasse demonstrar o contrário, ela não lhe era
totalmente indiferente.
— Então — continuou ele, insistindo em se fazer ouvir. — Foi por isso que Tamara e
Faith não se conheceram melhor. Claro, e mais o fato de que Tamara passa boa parte do tempo
viajando com a mãe. — Até mesmo Ben sentia-se desconfortável, agora.
Achou, porém, que era tarde demais para mudar de tática. — De qualquer forma, isso já
não fará a menor diferença porque não vamos mais nos casar e as duas não serão mais
cunhadas — finalizou, sentindo-se tão inadequado quanto um adolescente diante da primeira
namoradinha.
— Como conheceu Tamara? — perguntou Cassandra, surpreendendo-o.
— Não me lembro exatamente. Nossas famílias sempre se relacionaram, e tínhamos
vários amigos em comum em Nova York, mas não me lembro direito de como ou quando foi a
primeira vez que nos vimos.
— Eu a vi muito pouco, mas dá para notar que é uma mulher muito atraente. Aliás, me
faz lembrar a modelo que assumiu a campanha do perfume para o qual eu fazia a voz de fundo.
Sinto muito, Ben.
— Como já disse, não sinta. Terminou, e cada vez mais me convenço de que foi melhor
assim — afirmou ele.
De repente, Ben deu-se conta de que estava falando demais. Não era de espantar que
Cassandra estivesse ressabiada. Qualquer uma ficaria naquelas circunstâncias. Céus, o que dera
nele? Será que tinha perdido o bom senso em algum ponto no meio da estrada?
— Vai ligar para sua avó? — quis saber Cassandra, surpreendendo-o mais uma vez.
— Não — respondeu, encarando-a pelo retrovisor. — Estou chateado demais para
telefonar.
— E ela não vai ficar desapontada? Quero dizer, não só por você não ligar, mas também
por saber que desistiu do casamento? Afinal, se as duas famílias são amigas pode se criar um
certo constrangimento.
— Talvez fique por eu não ligar, mas jamais por eu ter desistido de me casar —
comentou com um leve sorriso. — Para ser franco, acho que nem minha família nem meus
amigos mais próximos vão ficar muito tristes por isso. Tamara e eu não éramos um daqueles
casais que todos acham que foram feitos um para o outro. Os únicos pelos quais sinto, e que
também sentiram muito, são os pais dela. Mas, a despeito de tudo, não tenho dúvida de que
tomei a melhor decisão que poderia ter tomado diante das circunstâncias. Como diz o ditado,
"antes tarde do que nunca".
Um silêncio confortável se instalou no interior da limusine depois disso, e,
inexplicavelmente, Cassandra não voltou a usar os fones de ouvido.
Depois de algum tempo, Ben deu uma sonora gargalhada, e ela o fitou pelo retrovisor,
tentando descobrir a razão do comportamento inesperado.
32
— Estava pensando... Vovó Wyden provavelmente está muito brava comigo, sim —
explicou Ben.
— Por quê?
— Ora, ela perdeu a oportunidade de estar com a condessa, e você não imagina como as
duas adoram falar sobre tudo o que se relaciona ao Trombeta de Napoleão.
— Quer dizer que a condessa foi convidada para o casamento?
— Naturalmente. E agora que estou pensando melhor, fica claro que minha doce e
querida vovozinha mandou roubar o Trombeta alguns dias antes, para que pudesse tripudiar da
rival no dia em que se encontrassem. Que cérebro maquiavélico tem aquela velhinha!
— Teria sido engraçado observar as duas, sabendo o que sabemos agora — Cassandra
observou, também rindo. — Sua avó parece uma pessoa muito interessante.
— Sim, é. E de alguma forma você é muito parecida com ela. Mal posso esperar para
que se conheçam.
— Eu? — espantou-se, observando-o pelo retrovisor. — Ah, não! — exclamou de
súbito. — Estão atrás da gente outra vez!
Ben virou-se e observou o mesmo veículo branco que haviam encontrado pela manhã.
Começou a sentir raiva pela intromissão.
Olhou mais uma vez para trás e percebeu que agora eles ultrapassavam a limusine.
— Alcance-os, Cassie. Quero falar com o sujeito da janela.
— O quê? Não estamos num carro de corrida, sabia? Esse tipo de jogo não estava
previsto no manual do motorista.
— Ora, vamos, por acaso acha que não consegue? — provocou-a, propositadamente.
E logo a provocação surtiu o efeito desejado, pois, pouco depois, ela já estava lado a
lado com o carro branco. Ben abriu a janela e sentiu o vento cortante no rosto.
— Ei — gritou, chamando a atenção dos ocupantes do veículo misterioso. — Vocês não
têm juízo? Não sabem que o que estão fazendo é uma coisa perigosa? Se não recuarem, vou
chamar a polícia. Já avisei antes e agora falo sério.
Por uma fração de segundo, ninguém falou. Então, os dois desconhecidos do Chevy
branco se entreolharem e, em pouco tempo, reduziram a velocidade antes de parar no
acostamento, num claro início de que estavam desistindo da perseguição.
— Puxa, que frio. Está tudo bem? — perguntou Ben, voltando a se acomodar no banco,
antes de avistar os olhos de Cassandra no retrovisor.
— Estou ótima. Só não consigo acreditar que eles tenham ido embora assim tão fácil.
— Nem eu. Estou certo de que ainda vamos vê-los por aí.
— Como pude fazer uma coisa dessas? Até agora fiz tudo com tanto cuidado e...
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Cassandra estava tentando ler o mapa e ao mesmo tempo manter os olhos na pista
estreita à sua frente.
— Espere um pouco...
Ben aproximou-se por trás, observando o mapa sobre o ombro dela.
— Veja, esta é a rodovia 39 — apontou, irritada. — Eu sabia!
— Muito bem, você cometeu um erro — disse Benjamin. — Não é o fim do mundo.
Estava quase escuro quando saímos da rodovia 24.
— Mas eu tive tanto cuidado... Pensei que depois de passarmos por Nashville
tivéssemos conseguido. Só estávamos a seis horas de St. Louis e...
— E quase vinte horas dirigindo sem parar — lembrou-a Ben. — Cassie, você está
cansada, só isso. Qualquer pessoa estaria depois de dirigir um dia e uma noite sem dormir.
Mantendo os olhos na estrada, para não chorar nem tampouco demonstrar a raiva que
sentia de si mesma por ter errado, Cassandra admitiu que ele tinha razão. Acima de tudo,
queria muito tomar um banho e renovar suas forças para completar as últimas seis horas do
longo trajeto.
No entanto, se Ben continuasse inclinado sobre ela daquela maneira era bem provável
que não conseguira nem mesmo chegar até a próxima parada, que dirá a St. Louis! Será que ele
não percebia que aquela proximidade a perturbava sobremaneira?
Parecendo ter o dom de ler seus pensamentos, Ben moveu-se de volta ao banco de trás,
levando o mapa com ele e estudando-o à luz da lâmpada de leitura.
— Na verdade, não deve haver problema, porque a 39 corre paralela à interestadual 24.
Acho que podemos entrar outra vez na 24 em Clarksville. Estamos numa parte chamada Terra
Entre os Lagos. É uma área de lazer entre o Tennessee e o Kentucky, e não vai haver problema
se seguirmos em frente. Não vale a pena voltar, isso eu garanto.
Cassandra olhou em torno de si com certa desconfiança. O sol começava a baixar no
horizonte, tingindo o céu de incríveis matizes de laranja e vermelho e, ao mesmo tempo,
indicando que a noite se aproximava. Para piorar a sensação de isolamento que ela
experimentava, havia árvores gigantescas dos dois lados da estrada, cobertas de musgos e
liquens, e colinas estendendo-se a perder de vista pouco a frente.
— É uma área de lazer? — indagou ela com certa incredulidade.
— É. O mapa diz que tem um local para recreação um pouco mais adiante, onde
poderemos parar em segurança. Chama-se Parkland — Ben explicou.
— A que distância fica daqui?
— Uns cinqüenta quilômetros, mais ou menos.
— Bem, logo saberemos se estamos no caminho certo — disse ela com um suspiro.
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— Sabe, Cassie, acho que deveríamos parar nesse lugar chamado Hal’s Western e
comprar dois casacos para nós — disse Ben, apontando para um outdoor de beira de estrada.
— Segundo as placas não deve ficar muito longe.
— Tenho meu casaco — retrucou ela, muito embora soubesse que o casaco fino de seu
uniforme não era capaz de protegê-la do frio que fazia nos Estados do norte e nordeste dos
Estados Unidos. — Além disso, são apenas seis horas até St. Louis. Não vale a pena comprar
um casaco para usar seis horas.
— Pode ser, mas garanto que vai estar frio em St. Louis também. Você vai passar pelo
menos uma noite lá antes de pegar o avião de volta a Miami e neste tempo uma pessoa pode
morrer congelada ou no mínimo pegar uma pneumonia.
— Está dizendo que não estamos suficientemente aquecidos? Se quiser posso ajustar o
ar-quente até que se sinta confortável — ofereceu, tentando manter o profissionalismo. Afinal,
nas últimas horas, a forte atração que sentiam um pelo outro, e que mal podia ser disfarçada,
tinha feito Cassie esquecer que, antes de tudo, estava ali a trabalho.
— Não é quando estamos no carro. É quando saímos.
— Bem, não precisamos sair do carro. Podemos seguir direto se acharmos o caminho.
— Por que está sendo tão teimosa?
— Não estou sendo teimosa. Só quero chegar logo a St. Louis.
— Eu também, mas uma parada rápida vai nos ajudar a recuperar as energias.
Cassie não se dignou a fazer qualquer comentário, então, cerca de meia hora depois o
enorme luminoso da Hal’s Western surgiu à frente deles.
— Veja só, aí está a loja! — Ben comentou, obviamente querendo parar.
Sim, os dois estavam cansados. Frustrados também e por certo precisavam parar e se
refrescar um pouco. Cassie acabou tendo de admitir o que tão desesperadamente tentara negar.
— Certo — cedeu, surpreendendo-o ao dirigir a limusine para o estacionamento da loja.
Ben sorriu consigo mesmo.
— Só espero que possamos encontrar algo nessa loja — Cassie completou, franzindo o
cenho e olhando para o prédio de dois andares que exibia uma típica fachada de armazém do
Velho Oeste, cujo amplo estacionamento estava quase lotado. — De onde vem toda esta gente
em pleno dia de semana? E, que diabos, faz uma loja no mais clássico estilo do Velho Oeste
em pleno Estado do Tennessee?
— Bem, um grande número de norte-americanos, que vivem na área rural, usam roupas
de caubói, minha querida — ponderou Ben com o pragmatismo de sempre. — Eu, por
exemplo, mesmo morando em St. Louis, costumo usar jeans e botas de caubói quando estou
em casa.
— Você? De botas e jeans? — Por alguma estranha razão, Cassandra não conseguia
imaginá-lo usando nada tão casual.
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— Sim, por que não? Temos quadra de tênis e piscina em Summer Hill, mas também
temos um estábulo e quando eu e minha irmã éramos pequenos vovô nos fazia ajudar a limpar
as cocheiras de nossos animais. Ele sempre dizia que quem deseja ter um cavalo precisa saber
cuidar do animal como de um filho, o que, certamente, implicava em limpar a sujeira.
— Embora eu concorde com seu avô em gênero, número e grau, ainda não consigo
imaginar você usando roupas de caubói.
Ben riu outra vez.
— Faz muito tempo, e eu quase tinha esquecido desta época — confessou ele, abrindo a
porta da limusine e saindo para o ar frio do entardecer. — De qualquer forma, gosto de usar
jeans e botas porque são confortáveis.
Cassie meneou a cabeça, sinalizando que entendia bem o que ele queria dizer.
Usufruindo de um breve momento de descontração, caminharam rapidamente até a porta da
loja.
Chegaram um tanto ofegantes, mas logo foram avisados que a Hal’s Western estava
fechando.
— Fechando? Mas são só cinco e quinze! — Ben protestou.
— Isso mesmo, senhor. Às terças-feiras fechamos às cinco e meia — informou o jovem
segurança que estava de plantão à porta de entrada.
— Mas ainda faltam quinze minutos — Cassandra falou, olhando para o relógio de
pulso que usava. — Só precisamos de dois casacos...
Interrompeu-se, pois o queixo começou a bater involuntariamente, fato que nunca havia
lhe acontecido antes. Só agora entendia como tinha sido abençoada por sempre ter morado na
Califórnia e na Flórida, onde o inverno era muito mais ameno.
Ao vê-la tremer, o jovem segurança da loja a fitou com condescendência.
Ben notou-lhe a reação e tentou tirar proveito da situação. Afinal, sempre fora um bom
estrategista e muitas das atitudes que adotava no mundo dos negócios poderiam perfeitamente
ser usadas na vida real.
— Escute, está na cara que nós dois estamos precisando muito de casacos, não está?
Sabemos exatamente o que queremos, e não vamos demorar, porque só precisamos dos dois
casacos. Não o incomodaríamos se não estivéssemos precisando de verdade, meu jovem. Veja
como minha amiga está tremendo! — argumentou, usando seu tom mais persuasivo.
Após um instante de hesitação, o segurança acabou permitindo que entrassem.
Ainda sem acreditar no que tinha acontecido, Cassandra parou no interior da loja, que
parecia um antigo armazém, com vários itens diferentes expostos nas prateleiras altas e
procurou localizar o que queria.
— Por ali — disse Ben, indicando um local no canto oposto.
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Cassandra notou que atraíam a atenção dos freqüentadores, ela com o uniforme da
Goldcoast Limousine, e Ben com o traje a rigor. Não que ele já não atraísse atenção
naturalmente, mas desta vez era diferente, era quase como se fossem uma dupla de atores
prontos para uma grande performance.
Rindo de si mesma por pensar tal coisa, Cassandra tentou ser prática. Se ao menos
conseguissem chegar logo a St. Louis, então poderia dormir um pouco antes de pegar seu vôo
para Miami. Até lá, porém, tinha plena consciência de que precisava ficar o mais distante
possível de Ben Wyden e de seu forte magnetismo.
Ainda estava se debatendo com aqueles pensamentos torturantes quando finalmente
encontraram os casacos ideais para protegê-los até que chegassem a St. Louis. Satisfeita,
Cassie pegou um dos casacos revestidos de pele de carneiro e se preparou para dar sua compra
por concluída.
No entanto, infelizmente, Ben, que nunca tinha feito compras na vida, estava se
transformando num consumista de mão cheia, ou melhor, de bolso cheio, e não demorou a fitar
algumas camisas azuis de sarja e outras nos mais variados tons de xadrez.
Um pedido de uma dúzia de camisas para serem entregues em St. Louis e mais algumas
peças que Ben decidiu levar na hora atraíram a atenção do proprietário da loja que veio
cumprimentá-los pessoalmente, o que fez Cassie pensar mais uma vez na grande diferença que
havia entre seus mundos.
— Cassie, acho que devia escolher alguma coisa para você também — aconselhou Ben,
enquanto Hal se afastava. — Não acho certo precisar colocar as mesmas roupas para tomar o
avião para a Flórida.
Cassandra não tinha a menor intenção de perder muito tempo escolhendo roupas.
Porém, Ben insistiu tanto que ela acabou separando algumas peças que pudesse usar no dia
seguinte e também outras para o vôo que faria de St. Louis até Miami.
— Quer mais alguma coisa, Cassie? É só dizer — ofereceu Ben, experimentando botas
em duas cores.
Acabaram sendo os últimos a sair, e, ao contrário do que acontecera ao chegarem, agora
o estacionamento estava vazio, e a limusine era o único carro parado ali.
— Pode entrar no carro, enquanto coloco estas coisas no porta-malas — Ben falou,
notando que ela ainda tremia.
Cada um fez conforme o combinado. Ainda assim, antes de dar a partida, Cassandra
saiu e observou o carro por um instante. O chuvisco cessara há algumas horas, porém a
temperatura dava a impressão de baixar cada vez mais. Antes de entrar pela última vez na
limusine, teve a impressão de ter escutado alguma coisa.
— Algum problema Cassie? — Ben indagou ao vê-la hesitar ligeiramente.
Ela se voltou na direção dele, mas permaneceu calada.
— O que foi? É o frio? — insistiu Ben.
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— Não sei. Tive a impressão de ter ouvido alguma coisa.
— O quê?
— Não tenho certeza. De qualquer forma, é bom ficarmos atentos — disse ela.
— Não sei por que não sugeri isso antes, mas não acha que devíamos fazer uma parada
esta noite?
— Parar agora? Não — respondeu ela.
— Só um descanso por algumas horas, Cassie. E a gente podia tomar um banho bem
quente! Pense só!
— Não... Você escutou isso?
— Escutou o quê?
Sem responder, Cassandra abriu a porta e caminhou até a parte traseira da limusine.
Parou ali, e, prestando atenção, chegou até o que parecia ser a fonte do barulho. Havia um saco
de juta junto à guia do estacionamento, pouco abaixo dos faróis traseiros do carro. Escutou o
ruído outra vez e abaixou-se.
Ben a seguiu de perto.
— O que é? — quis saber ele, arqueando as sobrancelhas escuras.
— É um saco de cachorrinhos, e acho que quase todos estão mortos — Cassandra disse,
dando um longo suspiro.
Aquela viagem estava ficando cada vez mais surreal para seu gosto. Sim, afinal, quem
acreditaria quando ela contasse que estava cruzando a Costa Leste dos Estados Unidos com um
homem que mal conhecia, mas que mexia com suas emoções como nunca nenhum outro
jamais fizera, e que, como se não bastasse, ainda estavam sendo perseguidos por dois estranhos
que tentavam recuperar um cristal veneziano que fora roubado pela segunda vez. Que mais
faltava acontecer?!
Era tudo surreal demais para uma garota cuja maior aventura até então tinha sido deixar
seu emprego em Los Angeles para descobrir que caminhos poderiam levá-la à felicidade.
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Capítulo V

— Não podem estar todos mortos. Se você escutou alguma coisa, pelo menos um deve
estar vivo — observou Bem, agachado ao lado do saco de cachorrinhos que Cassandra
encontrara.
Observando-o com relutância, ela estremeceu. Uma olhada para a loja revelou que,
apesar de as luzes continuarem acesas, não havia mais ninguém à vista por lá. Tudo parecia
estranho, pensou, vestindo o casaco e apertando-o contra o corpo.
— Pelo menos um está vivo — anunciou Ben, debruçado sobre os animaizinhos. —
Mas está muito fraco. Foi ele quem você ouviu.
Mais uma vez Cassandra estremeceu, ao pensar no filhote solitário entre os outros e no
frio impiedoso que fazia lá fora.
Ben ergueu-se e se aproximou dela, colocando uma pequena bola de pêlos negros,
tremendo de frio, na palma de sua mão.
— Um filhote! — exclamou, enternecida.
— E o que fazemos agora? — perguntou Ben, olhando ao redor. — Eles ainda não
apagaram as luzes. Vamos entrar no carro e chegar o mais perto possível da porta, Cassie. Isso
ajudará a nos manter quentes e poderemos ver se alguém se dispõe a ajudar o pobrezinho.
Sem dizer mais nada, os dois entraram na limusine. Cassandra jamais tivera um cão em
toda a sua vida, e não sabia o que fazer com ele. Depois de pensar um pouco, colocou-o, com
cuidado, no banco a seu lado. Então, ligando o motor da limusine, conduziu-a até a porta da
loja.
Assim que desligou Ben desceu e parou junto à janela do carro.
— Deve ter alguém aí, que possa ficar com o filhote. Mas o que... — começou a dizer,
interrompendo-se com a surpresa. Acabara de ver o sedã branco que se aproximava. Um dos
vidros começou a abrir-se, e o carro parou ao lado deles. — O que vocês... Pensei que tinha
dito para não se aproximarem! — explodiu ele.
— Sr. Wyden, não pretendemos causar mal algum — respondeu o homem à janela. Em
seguida voltou-se para Cassie: — Boa noite, senhorita. Pedimos desculpas por assustar vocês e
prometemos não segui-los mais às escondidas.
Cassandra não sabia o que dizer, portanto ficou calada. O homem continuou:
— Ficamos preocupados quando percebemos que tomaram a rodovia 39 em Nashville.
Foi um erro comum.
Ben apanhou o filhote. Depois começou a caminhar em direção à porta da Hal’s
Western, sem, no entanto, tirar os olhos dos ocupantes do sedã branco.
— Mas o que acontece? Agora estão querendo conversar, é? Vão embora antes que eu
chame a polícia.
39
— Estão precisando de alguma coisa? — perguntou o homem a Cassie.
— Só precisamos que vá embora — insistiu Ben.
— Queremos só conversar com o senhor, Sr. Wyden.
Ben bateu no vidro da porta, examinando o interior deserto com olhares rápidos. Depois
tomou a olhar para o homem no carro branco.
— Sei muito bem sobre o que pretendem falar. O caso é que eu não quero conversar,
portanto, podem ir.
Surpreendendo-os mais uma vez, o homem voltou-se para o companheiro e disse
alguma coisa, depois acenou para eles. Logo em seguida o carro branco afastou-se.
Ben suspirou, mas não teve tempo de dizer qualquer coisa, pois logo uma senhora
surgiu à porta da loja, e ele começou a falar apontando para o filhote que tinha nas mãos.
De onde estava, Cassie podia ver que a argumentação não estava funcionando, pois a
mulher meneava a cabeça seguidamente, parecendo não aceitar o que Ben dizia.
Não demorou muito para Cassandra confirmar que tinha razão
— Ninguém quer ficar com ele — anunciou Benjamin, quando voltou e se acomodou
no banco traseiro.
— O que fazemos agora?
— Fui informado que existe um veterinário, na rua Weaver. Um tal Dr. Murphy.
Acreditam que ficará com o filhote. A moça da loja disse que iria ligar e avisar que a gente está
a caminho.
— Onde fica a rua Weaver? — indagou Cassie, pegando rapidamente o mapa.
— Parece que acabamos de passar por ela. É próximo de um motel chamado Pink
qualquer coisa.
— Pink Pleasure Dome — Cassandra falou, lembrando-se da placa que vira na estrada.
Que nome mais estranho para um motel! Deveria ser uma daquelas espeluncas de beira de
estrada.
— Que seja. Depois de sair da rodovia principal, andamos quinhentos metros e viramos
à esquerda, aí chegamos à clínica do Dr. Murphy. Que outra opção temos?
Dando de ombros, Cassandra girou a chave na ignição e colocou a limusine em
movimento.
Pouco tempo depois, Cassandra diminuiu a velocidade e parou diante de uma casa
branca, com um enorme terreno repleto de árvores sem folhas. A neblina parecia conferir um ar
misterioso à cena, fazendo com que o homem em pé ali, lembrasse um capitão no convés do
próprio navio, numa espécie de ilha iluminada em meio à escuridão.
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O estranho capitão, como ela secretamente o chamara, tinha cabelos longos e brancos, o
que só aumentava a sensação de irrealidade que a vinha assolando ao longo da última hora.
Quando se aproximaram o suficiente para ter certeza de que não se tratava de uma visão,
Cassandra abriu a janela.
— Aqui é a clínica do Dr. Murphy?
— Sim. Está no lugar certo, mocinha. Eu sou John Murphy. Sigam até os fundos da casa
que já os atenderei. A clínica fica lá.
Cassandra fez o que ele sugerira, escutando a distância o som de uma verdadeira
matilha latindo à aproximação deles. Ao deixarem a estrada principal, foi como se tivessem
entrado em um novo mundo, com outro sentido de tempo. Tudo ali parecia muito diferente das
clínicas veterinárias que já vira em Miami e Los Angeles.
Então, de repente, ela deu um leve sorriso ao pensar que não era nenhuma especialista
no assunto para ficar emitindo julgamentos técnicos sobre o veterinário.
— Deve ser aqui — disse Ben, quando se aproximaram de uma construção nos fundos
do terreno.
Cassandra assentiu, e eles logo desceram para o ar frio daquele princípio de noite. Pelo
canto dos olhos, viu Ben proteger o filhote sob a gola de pêlo do casaco que acabara de
comprar.
O aposento com ladrilhos e paredes brancas os fez lembrar uma clínica dos anos trinta,
cheirando a éter e, claro, a cachorro. Sob a luz forte que havia sobre uma bancada, o
veterinário colocava um papel descartável para atender o cliente recém-chegado.
Usando um jaleco branco, o Dr. Murphy olhou para eles e para o filhote enquanto
colocava luvas de borracha.
— Então, vocês encontraram um filhote que perdeu a mãe, é isso? — comentou, após
ouvi-los explicar brevemente a história do cãozinho preto.
Assentindo. Ben colocou o filhote peludo sobre a bancada.
— Sim, descemos para comprar casacos e quando voltamos nos deparamos com um
saco repleto de cachorrinhos, o único que sobreviveu ao frio foi este. Alguém os deixou ali
para morrer — contou ele.
— O engraçado é que quem quer que tenha feito isso, achou que estava fazendo o
melhor possível pelos cachorrinhos. — falou o veterinário. — Aqui no interior quase todo o
mundo tem cães, e é difícil encontrar pessoas para doá-los. Por isso muitos donos deixam
filhotes num lugar bastante freqüentado, como um estacionamento, onde as pessoas possam
encontrá-los e ficar com eles. Pessoas que se importam, como vocês. Pelo menos salvaram um
deles.
— Na verdade não pretendemos ficar com ele — Ben apressou-se em dizer —
Pensamos que...
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—Tenho certeza de que sei o que pensou, Sr. Wyden. — Rindo, o veterinário saiu da
sala e voltou com uma caixa de papelão e um pouco de jornal velho, que começou a rasgar em
pequenas tiras, enquanto conversava. — Sou veterinário há cinqüenta anos. Naturalmente,
tento convencer minha esposa de que já me aposentei. Vou pescar, brinco com meus netos e
tudo o mais. Mas sempre tive um fraco por cães, e faço o que posso por eles. Só que... não é o
suficiente. Um pouco de comida, exercício e um lugar para dormir não é o mesmo que ter um
lar de verdade. Este bichinho precisa de alguém que o adote.
O Dr. Murphy estava enchendo a caixa menor com pequenos pacotes: comida e
vitaminas para filhotes e um prato pequeno.
— Sim, doutor. Tem razão — começou a dizer Ben —, mas não podemos ficar com ele.
Só estamos de passagem por aqui. Viemos de Miami e vamos para St. Louis. Entendemos seu
trabalho e damos muito valor a ele. Na verdade, eu até ficaria contente em fazer uma doação
significativa e...
O Dr. Murphy riu alto, os olhos azuis brilhando intensamente.
— Não me entenda mal, filho. Ficarei muito contente em aceitar sua doação, até mesmo
uma oferta generosa. Mas, naturalmente, se um sujeito consciente e simpático como você se
deu ao trabalho de salvar esse cãozinho, é porque pode lhe dar um lar decente. Isso mesmo —
acrescentou ele, abrindo um armário e apanhando mais uma vacina. — Ele está saudável, mas
um pouco fraco. Poderão levá-lo até St. Louis sem o menor problema.
Ben olhou para Cassie, que o fitava preocupada.
— Eu...
— Não tenho nada contra dinheiro e doações, mas não é a mesma coisa que dar um lar a
este pobre filhote. Assim como as pessoas, os cães precisam de um lugar que seja só deles. E
quanto à senhorita?
O olhar astuto do veterinário pousou em Cassie, que não conseguiu desviar o rosto.
— Eu não... — balbuciou, certa de que havia uma mensagem cifrada naquele
comentário aparentemente inofensivo.
— Deve morar em algum lugar, não? O que acha de dividir esse espaço com um cão
que a senhorita salvou da morte? — perguntou ele, apanhando uma tesoura e caminhando na
direção de Cassie. — Posso? — Apontou as etiquetas que ainda pendiam do casaco dela.
— Obrigada.
— Tenho certeza de que está entendendo o que estou dizendo. Para os cães ter um lar é
a mesma coisa que para nós, humanos, que perseguimos nossos sonhos e percorremos longas
jornadas para conseguir um lugar para chamar de nosso, não acha?
Na falta de uma resposta adequada, ela continuou quieta. O veterinário afastou-se e
deixou as etiquetas na lata de lixo. Em seguida, voltou-se para Ben.
— E você, filho? Sei que deve ter uma casa só sua.
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— Sim, mas não é um bom lugar para um cachorro. Quer dizer, passo mais tempo nos
apartamentos que tenho em Nova York e Los Angeles, e raramente vou para casa em St. Louis.
— Mas é um lar, não é, filho? Esse é o ponto importante.
— Um lar? — perguntou Ben, como se nunca tivesse pensado nisso. — Não, acho que
não. Só moro lá.
— É uma pena. Pessoas que não têm um lar de verdade são como esses cães que vivem
lá no meu celeiro, comem, bebem e dormem, mas não são realmente felizes. Hoje em dia
existe muita gente que se sente tão abandonada e solitária quanto esses animais e seguem a
vida sem saber para onde ir.
Ben olhou para Cassie e adiantou-se até a bancada, onde acariciou o filhote. Por que
será que tinha a nítida impressão de que o veterinário estava lhes falando através de charadas?
— Escute, doutor, acho que posso arrumar um lar para ele. Tenho uma irmã e dois
sobrinhos, e se por acaso ela não quiser, arrumo outra pessoa.
O veterinário olhou para ele e sorriu.
— No minuto em que entrou por aquela porta, eu soube que era alguém capaz de se
importar e fazer alguma coisa. Não costumo ficar convencendo ninguém, não é do meu feitio,
mas gosto de pensar que conheço as pessoas — afirmou o Dr. Murphy, ainda mais enigmático
do que antes. — Vou apanhar um pouco de jornal. Vão precisar de bastante até chegarem a St.
Louis.
— Não, não precisamos de jornal! — Cassie e Ben disseram em uníssono. Depois riram
um para o outro.
— Temos muitos no carro — Cassie apressou-se em explicar. Depois de uma discussão
envolvendo a situação do cãozinho e como iriam cuidar dele, ela foi buscar a limusine
enquanto Ben carregava as duas caixas, uma com o animal, outra com todos os itens que o Dr.
Murphy julgara necessário levarem consigo.
— Eu me sinto como alguém que acaba de encontrar seu guru — afirmou Ben, dando
um longo suspiro depois de colocar as caixas na parte de trás do carro.
— Talvez ele seja o Mágico de Oz — gracejou Cassie.
— Ou Yoda disfarçado — Ben sugeriu.
— Ou quem sabe um anjo, que veio ao mundo para conseguir um lar para os cães sem
dono.
Era bom brincarem juntos outra vez. Embora a situação não parecesse muito melhor do
que era quando chegaram à casa do veterinário. De qualquer forma, o cão estava basicamente
sadio e, naquele instante, era isso que importava.
— O que está fazendo? — perguntou ela, quando percebeu que Ben entrava no carro e
se acomodava no banco a seu lado.
— Estou me mudando para cá. Pelo menos por enquanto.
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— Ben, não estou com vontade de conversar. São quase sete e meia, e temos pelo
menos mais seis horas de viagem pela frente.
— Cassandra Morrow, com todo o respeito, não acho que você esteja em condições de
dirigir mais seis horas sem fazer uma parada — argumentou ele, com voz carinhosa. — Não
pretendia tocar no assunto outra vez, mas acho que devíamos parar para descansar. Pode ser no
Pink Pleasure, mesmo.
— Nem pensar!
Por mais que estivesse louca para tomar um banho e dormir, Cassandra não tinha
intenção de parar. Desejava chegar a St. Louis o mais rápido possível e depois se afastar de
Benjamin Wyden, antes que fosse tarde demais para esquecê-lo. Além disso, simplesmente não
era capaz de enfrentar a intimidade que compartilhavam. Comportavam-se como se tivessem
um certo envolvimento, só que não tinham e, pior ainda, nunca poderiam ter.
— Ora vamos, Cassie... Você está dirigindo há quase vinte horas. Estamos duas horas
atrasados por conta de termos nos perdido. Se pararmos agora, podemos dormir às oito horas e
pedir para nos acordarem às quatro. Ainda assim chegaríamos às dez horas em St. Louis e
teríamos três horas até seu vôo de volta. Vai chegar em Miami no mesmo horário, só que mais
descansada.
Suspirando, Cassandra engatou a marcha à ré.
— Acho melhor ir para a frente — aconselhou Ben. — O Dr. Murphy disse que há
espaço suficiente para passar em volta da casa.
Ela o encarou como se fosse ignorá-lo, depois moveu o câmbio, engatando a primeira
marcha e olhando para a frente. De fato, seria mais fácil. Habilidosamente, conduziu o veículo
até os fundos do imenso terreno, onde conseguiu fazer a volta ao redor de uma árvore.
Nesse instante, percebeu o erro que havia cometido ao tentar dar marcha à ré num
corredor estreito como aquele, sem alguém para ajudá-la na manobra. Começava a fazer coisas
arriscadas sem se dar conta. Talvez fosse mesmo hora de parar um pouco.
Retornaram à estrada, e, em poucos minutos, já avistavam ao longe o luminoso cor-de-
rosa do Pink Pleasure.
— Sei que esse motel deve ser ainda pior do que parece — insistiu Ben. — Mas
podemos, pelo menos, tomar um banho. De manhã, colocamos roupas limpas e partimos mais
descansados.
O tom da voz dele era irresistível, sem mencionar o apelo do chuveiro e de uma boa
noite de sono. Mas ainda assim, Cassie resistiu bravamente. Endireitando os ombros, entrou na
estrada principal.
Naquele exato momento, um carro surgiu na direção contrária, e ela teve de frear
bruscamente.
— Mas o quê... — começou a dizer Benjamin, mas calou-se ao perceber que eram os
grandalhões no sedã branco. — Essa foi a gota d'água! Pare o carro.
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— Como assim? — quis saber Cassie, obedecendo à ordem.
Ben não respondeu. Com movimentos ágeis, inclinou-se, pegou a caixa com a inscrição
"FRÁGIL" e saiu da limusine pisando duro.
— Ben! — Cassandra ainda tentou gritar, mas antes que ela pudesse se livrar do cinto
de segurança, Ben já alcançara o carro branco e estava dizendo alguma coisa aos homens que
haviam saído para encontrá-lo. Falava muito alto, como se ainda estivessem longe:
— Seus imbecis! É isso o que querem? Pois fiquem com ele, não quero mais saber
dessa brincadeira! Não estou nem aí para o vaso! Mas se vir o rosto de qualquer um dos dois
outra vez, vou chamar a polícia na mesma hora.
Cassandra não podia acreditar no que estava ouvindo. Nem os homens do sedã branco.
Por um momento, ficaram sem ação, observando Ben voltar para a limusine. Depois entraram
no próprio carro, um deles carregando a caixa contendo o famoso Trombeta de Napoleão.
— Vamos embora — disse ele, batendo a porta atrás de si.
— Mas Ben... — começou a protestar Cassandra, sem saber ao certo o que dizer ou
fazer.
— Vamos! Estou farto desta história, e não quero mais pensar nem falar sobre o assunto.
Quando Cassandra finalmente se convenceu a fazer o que ele dizia, o sedã branco há
muito já havia partido. Certamente não queriam abusar da sorte.
Durante os minutos que se seguiram, os três ocupantes da limusine ficaram no mais
completo silêncio, porém apenas o cãozinho dormia tranqüilamente. Os outros dois debatiam-
se em meio ao turbilhão de emoções que os dominava.
Quando chegaram à rodovia onde ficava o motel, Cassandra não pôde mais se conter.
— Você tem razão. Devíamos mesmo parar e descansar um pouco.
— Não precisa se preocupar, Cassie, estou bem.
— Mas eu não. Compreendi que cometi o segundo erro grave ao manobrar na casa do
veterinário. Acho que não estou mesmo em total estado de alerta para dirigir com segurança.
— Se acha isso a decisão é sua — disse Ben, dando de ombros.
Quando chegaram ao entroncamento da rodovia, ela dirigiu a limusine para o pátio do
motel Pink Pleasure, que parecia ser exatamente o que o nome sugeria, um lugar freqüentado
por pessoas que procuravam alguns momentos de prazer.
Dando um longo suspiro, Cassandra raciocinou e concluiu que não fazia a menor
diferença que tipo de pessoas freqüentavam o motel, ou com quais propósitos elas o faziam,
desde que a cama e o chuveiro fossem bons, o resto não lhe dizia respeito.
Quando parou a limusine em frente à recepção, Ben saiu, deu dois passos e parou.
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Cassandra olhou sobre o ombro e viu o sedã branco estacionado mais além. Esperou
novo ataque de fúria por parte de Ben, o que não ocorreu.
— Não se preocupe. Não vou fazer aquilo outra vez. Obviamente esse é o único lugar
nas redondezas onde podemos parar, e desde que eu não veja nenhum dos dois, não me
importo que durmam por aí. Só quero avisar uma coisa, Cassie. Pediremos um quarto só para
nós dois.
— Mas...
— Desculpe-me, mas não pretendo deixar você dormir sozinha num quarto. Muito
menos com esses dois por aí.
— Ben, preciso de espaço, e nós dois precisamos de certa privacidade. Estamos
confinados há muito tempo no interior da limusine.
— Quer que eu acorde toda vez que escutar um barulho? Vamos, Cassie, seja razoável.
Já não somos mais crianças. Estamos bem crescidinhos para saber o que queremos.
Era precisamente esse pormenor que preocupava Cassandra. Ela sabia muito bem o que
queria, embora tivesse consciência de que a forte atração que sentia por Benjamin Wyden
jamais poderia ser totalmente saciada. Pelo menos não para seus padrões, pois jamais aceitaria
ser apenas a garota com a qual ele passara a noite num motel de beira de estrada.
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Capítulo VI

Sob o brilho avermelhado do luminoso de néon, Ben abriu a porta do último quarto à
esquerda, ao final da construção de tijolos aparentes.
— Tenho de admitir que fiquei preocupada em deixar a limusine aqui — comentou
Cassandra, olhando para o estacionamento quase lotado. — Seria ótimo conseguir estacionar
ao lado do prédio. Embora não seja possível vê-la, pelo menos seria um alívio saber que está
perto.
— Não se preocupe. Acho melhor deixar o carro estacionado num lugar que não chame
muita atenção, como chamaria aqui, no meio do estacionamento, onde, por certo, acabaria se
destacando em meio a estes carros velhos.
Ben girou a chave na fechadura e procurou o interruptor interno, tateando com a mão.
Assim que as luzes se acenderam, ele e Cassandra ficaram onde estavam, obviamente
esperando o pior.
— Decoração muito interessante — comentou ela, caindo na risada.
— Acho que a palavra certa é brega — corrigiu-a Ben.
— A essa altura, estou mais interessada em palavras como limpeza e água quente do que
em qualquer outra coisa.
Naturalmente o olhar de Ben recaiu sobre a cama. Esperava que houvesse um sofá, mas
não havia. A não ser pela enorme cama de casal, coberta por uma colcha num padrão imitando
pele de onça, e travesseiros em formato de coração, havia pouca mobília no quarto. Não faltou,
entretanto, um balde de gelo com champanhe, taças e uma tevê.
— Pelo menos é limpo — comentou Cassandra, terminando sua inspeção do que Ben
chamou de um banheiro de filme de terror, por causa dos tons avermelhados dos ladrilhos.
Retirando os mocassins, ela deixou-os de lado.
— Esperava que você fosse tomar banho primeiro — disse, tentando manter o controle
sobre a situação.
— Acho que... — Ben calou-se quando ela o encarou, parecia exausta e também
preocupada, o que o fez reavaliar o que tinha dito. — Precisamos conversar sobre esta situação
inusitada, pois assim ficará mais fácil para os dois. Não gosto disso, e você também não, mas
podemos lidar com a situação se não nos melindrarmos ao menor movimento que o outro fizer.
— Sim, mas só tem uma cama! — Cassandra frisou o que mais a preocupava.
— Prometo que não vou tocá-la ou fazer qualquer coisa que não queira. Podemos
dividir a cama ao meio e cada um ficará do seu lado. Dormirei nos pés, e você na cabeceira,
certo? Agora tome banho primeiro. Vou até a limusine buscar tudo o que precisamos.
Cassandra assentiu, e ele outra vez pensou em como ela estava parada ali, sob a parca
iluminação daquele quarto de motel, parecia-lhe totalmente vulnerável. Claro que estava
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exausta, mas era mais do que isso. Na clínica do Dr. Murphy tinha divisado um brilho de
tristeza cruzar os olhos azuis e ficara intrigado. Queria muito saber que tipo de segredos
Cassandra Morrow escondia. Aliás, queria saber não apenas seus segredos, mas tudo o mais
que pudesse descobrir sobre ela.
— Então... o que mais você precisa, lá do carro? — perguntou, num tom rouco que
chegou a surpreendê-lo. Por que estava tão tocado com uma cena que nada tinha de especial?
O sorriso que ela lhe dirigiu naquele instante o deixou momentaneamente zonzo,
fazendo-o esquecer de tudo o mais no mundo, inclusive suas dúvidas e questionamentos.
— Somente a bolsa que deixei no porta-malas — pediu Cassandra, alheia ao turbilhão
de emoções que provocava nele.
Ben assentiu e rumou apressadamente para o carro. Afinal, sabia que sair para o ar frio
daquele início de noite ajudaria a aplacar um pouco o desejo que o assolava. O que estava
acontecendo com ele?, perguntou-se aturdido. Era o tipo de pessoa que nunca perdia o controle
de suas emoções. Sua vida sempre fora muito organizada, sem sobressaltos. Aliás, esta era a
chave de seu sucesso. Todos lhe diziam o quanto o admiravam por isso. Como deixara as
coisas chegarem àquele ponto?
A verdade é que, de repente, dava-se conta de que desejava Cassandra Morrow como
nunca desejara outra mulher ao longo de toda a sua vida. Nem mesmo Tamara.
O mais engraçado era que tinha consciência de que ela nem era assim tão glamourosa
como as outras moças que já tivera oportunidade de conhecer, porém, havia algo em Cassandra
que transcendia sua mera aparência física, e era isso que o atraía para ela como se fosse um
ímã gigantesco.
Com passos lentos, Ben seguiu até o local em que a limusine estava estacionada e abriu
o porta-malas para pegar o que precisava. O som de vozes alteradas chegou até ele e o fez
olhar em torno de si até descobrir alguns casais que riam e conversavam alto junto à porta de
entrada do motel.
Por um instante, lembrou-se do que a recepcionista lhe dissera sobre estarem com sorte,
pois aquele era um dos dias mais tranqüilos da semana. Ora, ora, imagine só como não seriam
os outros dias, então!, conjecturou ele, antes de girar nos calcanhares e fazer menção de voltar
para junto de Cassie.
Foi neste momento que avistou o sedã branco parado mais à frente e lembrou-se dos
dois seguranças da condessa e de como os despachara sem parar para pensar no que sua avó
lhe diria quando soubesse que entregara o vaso de livre e espontânea vontade.
Lembrava-se bem da cara de espanto dos dois sujeitos de paletó de poliéster, como
Cassandra insistia em dizer. A verdade era que ele próprio ficara tão surpreso quanto os dois
brutamontes. Afinal, jamais expressara sua raiva com tanta veemência. Na verdade, não se
lembrava de ter ficado tão irritado com alguém antes.
Só podia justificar sua atitude em função da verdadeira gama de emoções que o havia
acometido desde que deixaram Miami. Por outro lado, ainda não podia explicar o papel que
Cassie desempenhava no complicado quebra-cabeças de emoção que vinha tentando montar,
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mas naquela noite ele não precisava pensar nisso. Queria, sim, dormir e descansar, com a
esperança de que no dia seguinte estivesse mais controlado.
Suspirando, Ben apressou o passo e voltou para o quarto.
Cassandra ainda estava no chuveiro, e ele bateu à porta para chamar-lhe a atenção.
— Tenho suas roupas aqui comigo se precisar, Cassie — falou bem alto para que
pudesse ser ouvido.
— Já vou pegar.
Logo ouviu-se o som do chuveiro sendo desligado e tentou não pensar em como ela
estaria do outro lado da porta. Provavelmente estava nua, com a água escorrendo-lhe pela
curva generosa dos seios redondos e firmes.
Agoniado, respirou fundo e tentou banir a visão torturante para longe.
— Pode me passar a camiseta, por favor—Cassie pediu, abrindo levemente a porta e
estendendo a mão para pegar o que ele trouxera do carro. — Obrigada, Ben — agradeceu,
antes de voltar a fechar a porta.
Depois de sentir o doce aroma que emanava dela, Ben foi até o canto do quarto onde
havia deixado o pequeno animal a fim de ver como ele estava e também para tentar acalmar as
batidas aceleradas de seu coração.
No entanto, a fragrância suave que se espalhava pelo quarto com o vapor vindo do
banheiro o estavam deixando inebriado. Normalmente, não gostava de mulheres
excessivamente perfumadas, mas Cassandra era diferente. Até podia imaginar como seria
delicioso beijar-lhe a curva sensual do pescoço, o colo macio, os seios redondos e firmes, os
mamilos rosados...
Sentindo o desejo tornar-se tão intenso que pensava estar prestes a explodir, Ben
ergueu-se de chofre e procurou refugiar-se no ar frio da noite. Atordoado, andou de um lado
para outro da pequena varanda, que ficava diante do quarto, tentando decidir o que fazer a
respeito da forte atração que sentia por Cassandra.
Afinal, há muito não era mais um rapazinho que ficava excitado diante da mera visão de
uma mulher bonita. Além do mais, mesmo se fosse, motéis baratos nunca tinham sido seu
estilo, nem mesmo quando mais jovens!
Na verdade, com todas as responsabilidades que tinha assumido bem cedo na vida,
sempre fora sexualmente responsável também. Aliás, ter morado vários anos com Tamara e,
apesar das longas ausências dela, ter se mantido fiel já dizia muito de sua personalidade, não?
Mas, se era assim, por que, de repente, não mais que de repente, sentia-se como se
estivesse prestes a explodir de tanto desejo?
Não era como se quisesse apenas fazer sexo com Cassandra. Queria mais, muito mais.
Em seus momentos de devaneio, imaginava-se tomando-a nos braços, acariciando-lhe os
cabelos dourados e rindo alegremente sobre algum comentário bobo que um dos dois tivesse
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feito. O que nunca julgara ser possível acontecer quando estava com Tamara, sempre tão
empertigada e preocupada com sua aparência.
De qualquer forma, embora Cassie demonstrasse ser muito mais livre, leve e solta do
que Tamara, havia algo nela que o deixava intrigado. O que seria? Que segredos guardaria?
Gostaria que se abrisse com ele de verdade, sem a capa da polidez e eficiência que
vinha teimando em usar. Mas isso, naturalmente, era uma questão de confiança. O que
significava que para conquistá-la era preciso ficar com as mãos afastadas dela.
Ben suspirou. Pelo menos agora sabia o que fazer e como agir.
Entrou no quarto de novo. Imediatamente sua resolução foi desafiada. Sentada num dos
cantos da cama, Cassie aplicava creme às pernas, usando apenas uma enorme camiseta com o
mapa da Flórida.
"Lindas pernas", pensou ele, tentando controlar-se. "Tornozelos bonitos e pés
delicados".
— Desculpe-me, mas acho que usei muita água quente. Não sabia que motéis podiam
ficar sem água quente e...
— Não tem importância.
— De verdade, Ben. Desculpe-me. Pode ser que dê para você tomar um banho rápido,
mas não para muito mais que isso.
— Não tem problema, darei um jeito. — Reunindo o que utilizaria no banheiro, ele
indagou: — Ligou para sua tia para avisar do atraso?
— Liguei, ela disse para não me preocupar. Sei que confia em mim, portanto está tudo
bem.
Ben bateu em retirada para o banheiro, antes que se rendesse ao feitiço que aquela
mulher exercia sobre ele. Ligou o chuveiro e constatou que não havia motivo para tantas
desculpas, já que a água estava quente.
Minutos depois, voltou para o quarto usando o short e a camiseta que comprara na Gas
& Gifts,
Cassie lixava as unhas, e ele apreciou o aspecto de intimidade da cena.
— Tinha razão, a água foi o suficiente para que eu tomasse banho, mas não deu para
fazer a barba. Estou parecendo um fugitivo da prisão — comentou, passando a mão sobre a
sombra azulada do rosto.
— Claro, deve ser uma prisão com um péssimo campo de golfe, não? — caçoou ela,
bem-humorada.
Ben gostou de ver o sorriso iluminar o rosto bonito outra vez.
— Desculpe-me por tê-la colocado num lugar como este, Cassie.
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— As coisas têm sido difíceis, mas vamos sobreviver — comentou ela, ainda rindo.
Erguendo-se, atirou as almofadas em forma de coração da cama para a poltrona, e puxou a
colcha. — Claro, os lençóis só podiam ser cor-de-rosa.
Os dois caíram na risada.
Obviamente mais à vontade, Cassie acomodou-se sob as cobertas.
— Espero que possamos dormir um pouco — falou, deitando-se em uma das
extremidades da cama.
— Você ajustou o despertador? — indagou Ben, tentando soar natural, apesar do
tumulto de suas emoções.
— Sim, coloquei para as quatro horas da manhã.
— Uau!
— Ainda nem são oito horas. Portanto, teremos bastante tempo para dormir —
argumentou ela.
— Isso se nosso amiguinho ali deixar — Ben olhou para a caixa do cachorrinho e
esboçou uma pequena careta.
— Nunca tomou conta de um cão antes? — Cassie indagou, notando-lhe a apreensão
por trás do comentário aparentemente espirituoso.
— Nunca de um tão pequeno — admitiu Ben.
— E quanto à Faith? Acha que vai ficar com ele?
— Não tenho idéia.
Ben olhou para a lâmpada de cabeceira, tão cor-de-rosa quanto o resto da decoração. Se
pudesse escolher, jamais teria desejado passar sua primeira noite com Cassie num lugar tão
barato quanto aquele que estavam. Ela merecia mais, muito mais, e, se tivesse opção, teria
escolhido uma suíte presidencial para acolhê-la.
"O que está havendo com você, Benjamin Wyden?!", ralhou consigo mesmo, antes de se
deitar e apagar a luz. "Está mais sentimental que um garotinho apaixonado!"
— Qual o problema? — Cassie indagou quando o viu remexer-se inquieto do outro lado
da cama.
— Preciso fechar as persianas — explicou Ben, tapando os olhos com as mãos, pois o
letreiro de néon refletia fortemente no interior do quarto. Aborrecido, levantou meio corpo, o
suficiente para alcançar o mecanismo de acionamento das lâminas.
— Maldição!
— O que foi agora?
— Não fecha mais do que isso — reclamou ele. Só então se deu conta de que Cassie
estava virada para o outro lado, e que a luz não a incomodava.
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— Talvez você possa colocar um cobertor em cima da cabeça — sugeriu ela, com voz
rouca por causa do sono.
Ah, se continuasse a sentir o doce aroma que emanava dela iria explodir!, pensou Ben
desalentado. O que poderia fazer? Não podia simplesmente deixá-la sozinha ali sem uma
explicação. Mas também não poderia ficar a seu lado.
Deitado de costas, sentia a luz penetrando em seu cérebro ao mesmo tempo em que
todos os seus hormônios ficavam em polvorosa diante da fragrância doce e sensual que
chegava até suas narinas.
— Qual seria a probabilidade de estarmos num quarto assim? Quero dizer quais são as
probabilidades de que o brilho do luminoso passe através das persianas e reflita bem em meu
rosto? — falou consigo mesmo.
— Espere um pouco que vou ligar meu computador e fazer os cálculos completos que
está pedindo — ironizou Cassandra com um muxoxo.
— E por que diabo será que tudo é cor-de-rosa?
— Cor-de-rosa? Que importância tem a esta altura?
— Não sei. Mas fico me perguntando o que tem de sexy em cor-de-rosa, afinal? —
resmungou ele.
— Estamos discutindo decoração de interiores ou o sentido da vida, afinal? — quis
saber Cassie, mal-humorada. — Porque, se a intenção é me fazer dormir, não está funcionando.
Ben perguntou-se se ela não conseguia sentir a onda de desejo que o consumia. Quase
com alívio, percebeu que o cãozinho se agitava e teve a desculpa que precisava para se
levantar e afastar-se dela.
Alguns minutos depois estava vestido, ao lado do cãozinho que gemia como um bebê.
— Tem certeza de que não é fome? — perguntou Cassie com os olhos semicerrados.
— É o que estou tentando descobrir. O Dr. Murphy disse que primeiro eu tentasse dar
rações de filhote com um pouco de água para amaciá-la e é o que estou fazendo.
— Boa sorte, então — murmurou ela, virando-se para o outro lado.
— Se ele não aceitar, vou tentar outra coisa.
— Só espero que nossos vizinhos não chamem a Sociedade Protetora dos Animais —
Cassie disse já quase adormecida.
Ben apanhou o filhote da cesta e acariciou-o. Levando-o para o banheiro, conseguiu que
ele comesse um pouco. Na verdade, procurava o que fazer, ou melhor, procurava qualquer
coisa que o tirasse do lado de Cassandra na cama.
— Aonde vai? — perguntou ela, vendo-o colocar o casaco.
— Durma outra vez. Vamos dar uma volta. Talvez ele se acalme...
52
"E eu também!"
Com o filhote na mão, Ben saiu do quarto o mais rápido que pôde. Respirou aliviado,
do lado de fora. O melhor de tudo o que estava acontecendo, entretanto, era saber que
Cassandra confiava nele o suficiente para que dormissem na mesma cama.
Pena que ele não pensasse da mesma forma! Se ficasse mais um segundo no quarto,
teria deixado que seus sentimentos viessem à tona.
Pela primeira vez na vida Benjamin Wyden estava apaixonado. Sim, apaixonado por
Cassandra Morrow, e precisava descobrir uma maneira de mostrar a ela o que sentia, sem, no
entanto, assustá-la com uma abordagem súbita.
O segredo, talvez, fosse ter paciência e esperar que as coisas acontecessem
naturalmente. Mas como dizer isso a seu insensato coração que batia descompassado todas as
vezes que estavam próximos um do outro?
— Ah, esta será uma noite muito, muito longa, companheiro! — Ben falou, acariciando
a cabeça do cãozinho.
53

Capítulo VII

Cassandra parou ao lado da cama coberta pelos lençóis cor-de-rosa e sorriu. Era
impressionante, mas tinha dividido a cama com Benjamin Wyden, o homem mais atraente que
já conhecera em toda a sua vida, e ainda assim conseguira ter uma boa noite de sono.
Claro que no começo a situação lhe parecera bastante estranha, aliás, como tudo o mais
naquela louca e inesperada viagem a St. Louis. No entanto, quando Ben a acordara às cinco da
manhã, porque o despertador não conseguira fazê-lo às quatro, estava se sentindo tão
descansada que mal podia acreditar.
Discretamente, Ben a tinha deixado sozinha no quarto outra vez para que pudesse ter
um pouco de privacidade naquelas primeiras horas da manhã, só regressando quando ela já
tinha tomado banho e vestido uma das roupas que comprara na Hal’s Western.
Agora, enquanto Ben fazia a barba e tomava um rápido banho, Cassie pegara o
cãozinho nos braços e fora até a limusine a fim de verificar se estava tudo em ordem para
partirem. Afinal, isso ajudava a afastar as lembranças da noite anterior, quando Ben vestira
apenas short e camiseta branca e ficara a poucos centímetros de seu corpo.
Um longo suspiro escapou dos lábios rosados de Cassandra.
— Temos alguma coisa em comum, meu caro — ela falou, acariciando a cabeça do
animal, enquanto voltava para o quarto para ver se Ben já havia terminado. — Nós dois
estamos nos sentindo perdidos e vulneráveis.
Não estava acostumada a lidar com cães, mas aquela bola de pêlos negros havia
conquistado sua afeição. Os olhos escuros e solenes pareciam entrar em contato direto com sua
alma. Talvez fosse porque, tal como ela, o animal estava se sentindo sozinho e sem rumo na
vida.
Pensativa, Cassandra caminhou até as persianas que haviam causado tanto transtorno na
noite anterior. O estacionamento estava quase vazio, como se todas aquelas pessoas, e mesmo
as luzes da noite anterior, houvessem simplesmente desaparecido.
Então, de repente, virou-se para o lado e avistou o sedã branco parado bem em frente à
recepção, com o motor ligado e um fio de fumaça saindo do escapamento. Ela mal pôde
acreditar em seus olhos.
Escondida atrás da persiana, observou enquanto o motorista acenava para o parceiro, o
que sempre falava com eles pela janela, e logo depois entrava na recepção, obviamente para
fazer o check-out, enquanto o outro voltava para o quarto.
Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, Cassandra viu que em poucos
segundos o desconhecido voltou do quarto para o carro carregando a caixa onde supostamente
deveria estar guardado o Trombeta de Napoleão.
Seu coração começou a bater mais rápido.
54
O sujeito estava colocando a caixa atrás do banco do motorista. Seus movimentos eram
meticulosos e, depois de fechar a porta, ele testou para ver se estava mesmo trancada. Pelo
jeito, nem lhe ocorreu fazer o mesmo com a porta da frente, que continuava apenas levemente
encostada.
— Ben — chamou Cassandra, inclinando-se na direção do banheiro. Como não houve
resposta, chamou-o novamente. — Ben! — repetiu, um pouco mais alto.
Desta vez ele abriu. Usava apenas uma toalha cor-de-rosa ao redor da cintura, e
esfregava o rosto com outra, retirando os últimos resquícios de espuma.
A visão do torso nu e o aroma almiscarado que emanavam dele a deixaram um pouco
zonza, e foi preciso um esforço hercúleo para disfarçar o quanto se sentia perturbada com a
cena.
— São eles! — falou, ofegante.
— Eles quem?
— Eles... os sujeitos do carro branco.
— Já sei. Estão indo embora?
— Venha aqui! Venha ver através da persiana.
— Cassie, não me importo com...
— Temos a chance de pegar o vaso de volta! — exclamou ela, quase eufórica.
— O quê? — Benjamin parecia não acreditar no que acabava de ouvir.
Colocando o filhote na cesta, Cassie puxou Ben até a janela. Com certeza, o sedã
continuava ali, a pouca distância de seus olhos e, claro, totalmente abandonado, com a porta ao
lado do passageiro destrancada.
— Está atrás do banco da frente. Deste lado. — Ao ver que ele ainda não entendia.
Cassie explicou: — Estou falando da caixa com o vaso.
— Não estou mais interessado neste assunto.
— Por que não? O Trombeta de Napoleão pertence a sua avó. Não pode simplesmente
entregá-lo assim. Onde está sua... sua...
— Cassie, não estou interessado no vaso. Não pretendo pegá-lo de volta.
— Neste caso, então vou pegá-lo eu mesma — declarou, decidida.
— Uma ova, que vai! — Ben vociferou, antes de arrumar a toalha em volta da cintura e,
surpreendendo-a, cobrir a distância que o separava da porta com passos largos.
À medida que ele saía, Cassie sentiu o ar frio entrar e refugiou-se atrás das persianas.
Pela janela, viu que Ben usava a toalha enrolada à cintura, a despeito do frio congelante que
fazia lá fora.
55
Chegando ao carro estacionado, ele esticou a mão pela porta da frente e destravou a
traseira, abrindo-a sem dificuldade. Depois de pegar o que queria, correu de volta ao quarto.
Cassandra foi até a porta, abrindo-a para que ele passasse e fechando-a em seguida.
Toda a operação não chegou a durar nem um minuto sequer.
Resmungando e tremendo de frio, Ben sentou-se na beirada da cama.
— Puxa, que gelo está lá fora! Quando se trata deste vaso, acho que as pessoas da
família fazem coisas estranhas. Inclusive eu. Que loucura, meu Deus!
Cassandra jogou a colcha imitando pele de onça para que Ben se enrolasse, depois
sentou-se ao lado dele.
— O importante é que conseguiu recuperar o vaso, e eles nem sabem disso!
— Cassie, essas pessoas são treinadas para saberem exatamente o que está acontecendo.
Pode apostar que viram a limusine no pátio e que não vai demorar muito até deduzirem o que
aconteceu, de fato. Por isso, fique longe das persianas.
Cassandra o encarou com um sorriso maroto.
— Como você disse, o importante é que o vaso pertence a sua avó e que vamos
devolvê-lo. Azar deles que o perderam!
A despeito do frio que sentia, uma sensação quente e morna inundou o peito de Ben. Por
alguma estranha razão, gostava de ver que ela se importava com sua família. Tamara, por
exemplo, nunca demonstrara muito interesse pelos outros, muito menos por aquela disputa
maluca entre sua avó e a condessa.
— Fico contente que pense assim — murmurou ele, exibindo um daqueles sorrisos
charmosos que podiam fazer o coração de qualquer mulher dar um salto dentro do peito.
Cassandra riu de novo. Contudo, logo se deu conta de que por baixo da toalha cor-de-
rosa com o logo do motel, Ben não estava usando mais nada. Para piorar ainda mais as coisas,
ele estava tão próximo que podia sentir o aroma almiscarado da loção de barba que usava.
Bastou tal percepção para que o sangue passasse a correr mais rápido por suas veias e o
coração batesse tão descompassado que teve medo de que Ben pudesse ouvi-lo.
Parecendo partilhar da mesma emoção de Cassandra, Benjamin impulsivamente ergueu
a mão e acariciou o rosto de pele aveludada.
— Valeu a pena ter passado tanto frio para pegar o Trombeta só para vê-la sorrindo para
mim desta maneira — falou num tom baixo e rouco.
Ao fitar os olhos acinzentados, Cassandra sentiu o sorriso morrer em seus lábios. Ele
nunca fizera aquilo antes, flertar com ela tão abertamente, ao mesmo tempo em que cobria a
pequena distância que os separava, deixando suas bocas a poucos centímetros uma da outra.
Sem se fazer de rogado, Ben inclinou levemente a cabeça, enquanto seus olhos
fixavam-se nos lábios rosados com um brilho de cobiça.
Agora não havia mais dúvida sobre suas reais intenções. Ele estava prestes a beijá-la.
56
O aposento silencioso banhado pelas primeiras luzes daquele início de manhã parecia o
cenário ideal para um encontro de corpos e bocas sedentas, e Ben não perdeu tempo,
aproximando-se dela com gestos lânguidos.
— Cass... — murmurou num tom rouco, encostando levemente os lábios nos de
Cassandra. — Desde o primeiro instante em que a vi sabia que sua boca deveria ser tão doce
quanto mel.
Beijou-a outra vez com suavidade, primeiro nos lábios, depois no rosto, antes de descer
pela curva delicada e feminina do pescoço. A forma como se aproximara dela, com carinho e
delicadeza, fez com que Cassandra se sentisse inebriada.
Notando-lhe o prazer, Ben passou os braços ao redor da cintura delgada e puxou-a para
mais junto do corpo musculoso e viril. Ah, sim, sabia muito bem o que estava fazendo. Queria
desesperadamente provar à doce Cassandra que poderiam viver momentos inesquecíveis
juntos.
Afinal, seus corpos se moldavam com perfeição, suas bocas buscavam-se com urgência,
e os corações batiam no mesmo ritmo frenético.
Ainda que a paixão e a sensualidade estivessem nitidamente presentes naquele contato,
Cassie achou que deveria estar sonhando. Ben a tratava com tanto carinho e delicadeza que a
fez suspirar. Nunca um homem a tocara com aquela deliciosa mescla de paixão e ternura. Além
disso, ela jamais reagira tão prontamente ao beijo de alguém que conhecia havia tão pouco
tempo.
Sentindo-a estremecer em seus braços, Benjamin deixou a toalha cair de seu corpo e a
fez deitar sobre a imensa cama de casal que havia no centro do quarto.
Cassandra estava completamente vestida, e ele... inteiramente nu, parecendo um deus
grego em sua perfeição física.
Sem pudores por causa de sua premeditada nudez, Ben continuou a acariciá-la
gentilmente, massageando-lhe os ombros, as costas, antes de brincar com os mamilos rosados,
a ponto de deixá-los enrijecidos.
Mais do que nunca, Cassandra gostaria que tudo aquilo fosse verdadeiro. Queria que
ambos permanecessem juntos, flutuando naquele aroma agradável que exalava do corpo dele.
Queria gemer ao contato das mãos e da língua que a provocavam com toques úmidos.
— Ah, Cassie, posso ficar aqui com você o dia todo. Estamos nos conhecendo e não
precisamos ter pressa.
"O dia todo?!", gemeu Cassandra em pensamento. A frase soou como um sonoro alarme
dentro do cérebro confuso dela. Ben falara como se estivessem juntos há muitos anos e
pertencessem um ao outro por força e direito. Mas, céus, precisava lembrar-se de que
conhecera Benjamin Wyden há menos de uma semana!, frisou seu lado mais racional. Haviam
tido uma conversa de verdade só depois de ele ter desistido do casamento com Tamara
Towsend. Como, então, podia se permitir entregar-se àquele momento de total insensatez?,
ralhou consigo mesma, mergulhando num verdadeiro redemoinho de emoções.
57
Ben notou-lhe a reação e beijou-a outra vez, provocando-a, mas não conseguiu que
correspondesse a seu toque como antes.
— Por favor, pare! — Cassandra pediu, colocando as mãos espalmadas sobre o peito
viril. — Não faço isso com pessoas que não conheço — completou num fio de voz.
— Mas você me conhece, Cassie... A questão é: vai me deixar conhecê-la também?
Ela não respondeu, limitando-se a fitá-lo com um olhar que dizia claramente que não.
Por mais torturante que fosse, Ben lentamente afastou-se dela, sem se importar em
enrolar a toalha cor-de-rosa em volta da cintura para esconder o quanto estava excitado.
Curvando os lábios no arremedo de um sorriso, ele rumou para o banheiro e fechou a porta
atrás de si.
Agora precisaria de um outro banho antes de seguirem viagem, concluiu Benjamin,
tocando os lábios com a ponta dos dedos ao lembrar-se de que o gosto da boca de Cassandra
era ainda mais maravilhoso do que havia imaginado.
Ela nunca tinha visto uma nevasca tão forte antes. Afinal, era raro nevar na Flórida e na
Califórnia onde morara grande parte de sua vida. Contemplando aquele espetáculo da natureza,
Cassandra afastou-se de Ben, que conversava com o jovem atendente do posto de gasolina, e
seguiu para a janela envidraçada.
Era uma visão e tanto, e ela se viu impelida a checar tudo de perto. Com movimentos
delicados, abriu a porta para ver a neve que já se acumulava sobre galhos e fios de telefone,
cobrindo tudo como um manto gelado e branco, exatamente como sempre vira em fotos e no
cinema.
Pelo canto dos olhos, Cassandra notou que Ben parecia entretido com o jovem
atendente do restaurante em que pararam para tomar o café da manhã, o que lhe daria um
tempo para apreciar o cenário de cartão de Natal.
Saindo silenciosamente do pequeno restaurante familiar, Cassie deu alguns passos à
frente e parou quando sentiu os flocos brancos e gélidos açoitarem-lhe as faces.
Não havia tráfego na estrada, e o pequeno posto de gasolina dava a impressão de ficar
isolado e solitário na planície cada vez mais branca. Os flocos caíam silenciosamente sobre o
solo desnudo, como se fossem continuar assim por milhares de anos, sepultando todas as
marcas deixadas pelo homem sob o imenso e mágico manto gelado. Um olhar para a limusine
mostrou que tudo continuava bem no interior aquecido, onde o filhote encontrado dormia
placidamente.
Aliás, eles haviam parado para tomar café e dar a Murphy, como Ben decidira chamar o
pequeno animal, em homenagem ao bom e velho veterinário, uma chance de não sujar a caixa.
Agora o silêncio parecia dominar toda a imensidão branca e Murphy dormia depois de
ter suas necessidades atendidas.
— Ainda bem — falou consigo mesma, lembrando-se de que depois da tórrida cena que
vivenciaram pouco antes de deixar o motel, vinha tendo dificuldades de encarar Benjamin e de
enfrentar os olhares penetrantes que ele lançava em sua direção.
58
Estava tão absorta em suas considerações que nem percebeu quando o sedã branco se
aproximou dela.
Um rosto conhecido estava à janela.
— Bom dia — cumprimentou-a o rapaz do paletó de poliéster. Cassie estremeceu. Pelo
jeito eles já tinham dado pela falta do cristal de Murano. E agora?
— Isso não vai levar mais do que alguns segundos, senhorita — falou o estranho,
estendendo um envelope branco em sua direção. — Vamos entrar em um acordo, sim? Não vou
dizer quantas notas tem aí, mas pode acreditar que meu cliente é muito generoso.
Cassie estremeceu ao dar-se conta de que estavam tentando suborná-la.
— Não estou interessada no dinheiro de seu cliente!
— Não? Ora, pense melhor, senhorita. Ninguém vai saber. É só abrir o carro e esquecê-
lo destrancado por dois minutos. Não vamos fazer barulho nem nada. O Sr. Wyden nem vai
perceber, e, quando der por si, já estaremos longe demais para nos alcançar. Assim, todos
voltamos a cuidar de nossas vidas e você conseguirá mais dinheiro do que jamais imaginou ser
possível.
Até então, Cassandra não tinha pensado muito sobre aqueles homens e o que eles
representavam. Agora, no entanto, compreendia que o trabalho deles era mais do que apenas
ilegal, era nojento também! Como ousavam tentar suborná-la?!
— Não estou interessada! — grunhiu por entre os dentes. Pelo olhar assustado que os
dois ocupantes lançaram para um ponto a suas costas, Cassie logo compreendeu que havia algo
errado.
— Se mudar de idéia estaremos por perto. Num posto de gasolina, num estacionamento,
é só escolher, senhorita.
Com um sorriso falso e a saudação habitual, os ocupantes do sedã branco colocaram o
carro em movimento e desapareceram na estrada coberta pela grossa camada de neve.
Naquele exato momento, Ben surgiu ao lado dela.
— Acho que é a primeira vez na vida que tenho vontade de socar alguém que mal
conheço — falou ele num tom que embora baixo, denunciava a extensão de sua raiva. — Sabia
que iriam tentar suborná-la. É bem típico deles.
Cassandra o fitou de soslaio. A neve já se acumulara nas abas do gorro preto que Ben
estava usando, e o nariz aristocrático estava levemente avermelhado nas pontas, dando uma
boa dimensão da intensidade do frio que os envolvia como uma imensa garra gelada.
— Pelo menos escutou quando eu disse não?
— Não, mas vi quando ele guardou o envelope e não precisei de muito mais do que isso
para saber o que aconteceu. Como disse, já esperava que tentassem suborná-la e também sabia
que sua resposta seria não.
59
Muito bem, então fora testada e aparentemente passara, pelo menos por enquanto. Por
alguma estranha razão, Cassie ficou imensamente feliz por Ben não demonstrar a menor
desconfiança quanto a seu caráter.
Alheio aos sentimentos que a dominavam, ele apanhou a mão dela e colocou um gorro
de lã azul ali.
— São feitos pela tia do dono do posto. A cor me lembrou você, e o melhor é que vai
manter sua cabeça bem aquecida.
Sem discutir, Cassandra sorriu para ele e colocou o gorro de lã sobre os cabelos
dourados, agora praticamente úmidos por causa do frio.
— Então, como está a neve nas estradas? — quis saber ela, puxando conversa pela
primeira vez desde que haviam deixado o Pink Pleasure.
— É difícil saber com detalhes. No momento estão dizendo que temos doze a treze
centímetros no trecho até St. Louis. Parece que vai diminuir pouco a pouco, tanto ao norte
quanto ao sul daqui.
— Quer dizer que nos metemos bem no meio dessa nevasca toda, é isso? — perguntou
Cassie, revirando os olhos.
— Bem, a gente podia parar, alugar um quarto e esperar a nevasca passar...
— Não, senhor! — recusou Cassandra com veemência. Ah, se preciso fosse, abriria
caminho com as próprias mãos. Não podiam parar outra vez. Seriam loucos se o fizessem. Já
tivera uma boa amostra do que acontecia quando ficava sozinha com Benjamin Wyden e não
queria repetir a cena, pois desta vez não teria forças para recuar.
Ficaram em silêncio durante mais algum tempo. Quando chegaram à porta do motorista,
Cassandra ficou surpresa por perceber que Ben continuava a segurá-la pelo braço. Girou o
corpo e ficaram frente a frente, tão perto que o vapor condensado que saia de seus lábios se
confundiam.
— Acho melhor você me deixar dirigir, Cassandra — Ben começou a dizer, capturando-
lhe os olhos e forçando-a a encará-lo.
— Você está brincando comigo? Este é meu trabalho e...
— Não, não estou brincando. Sei que é uma excelente profissional, mas você nunca
dirigiu na neve antes, dirigiu? Naturalmente a decisão é sua, mas...
Por mais que quisesse negar, Cassandra sabia que Ben tinha razão. O pior é que
confiava nele para dirigir a limusine da tia Mavis, assim como Ben confiara que recusaria um
bom dinheiro para entregar o Trombeta.
— Está certo. Você dirige — murmurou, esperando que ele a soltasse.
No entanto, não foi o que aconteceu e durante um longo momento seus olhares travaram
uma silenciosa batalha.
— Por que não paramos, Cassie? — insistiu Ben mais uma vez.
60
— Não quero parar.
— É loucura dirigir em um tempo como este, seria mais sensato parar e esperar.
— Pois eu acho uma péssima idéia.
— A gente podia conversar — argumentou Ben.
— Você sabe que não vamos conversar. Não depois do que houve.
— E se eu prometer só conversar?
— Francamente, Ben, não acho que seja uma promessa que esteja em condições de
cumprir. E sei que também não posso fazê-lo. É mais forte do que nós.
Pelo menos dessa vez Cassandra fora completamente honesta e, por alguma estranha
razão, Benjamin não insistiu. Suspirando, ele se acomodou diante do volante e disse num tom
enigmático:
— Muito bem, chefe. Daqui em diante você manda. Eu dirijo. Aponte o caminho, farei
o que disser. Vamos ver aonde esta estrada nos leva.
Naquele instante, Cassandra teve a certeza de que seu belo e charmoso cliente não
falava apenas do caminho que os levaria até St. Louis, mas sim de coisas muito mais profundas
e intimistas, como as fortes emoções que pulsavam em seus corpos e almas desde que haviam
se conhecido.
Como acontecera na noite em que haviam deixado Miami, agora a limusine seguia
silenciosa em meio à fúria da natureza e cada um de seus ocupantes estava perdido em seus
próprios pensamentos, sem saber ao certo o que o destino lhes reservava.
61

Capítulo VIII

Benjamin não se importava com a neve. Estava acostumado a dirigir naquelas


circunstâncias críticas. Ainda assim, sabia que Cassandra estava preocupada, não só por causa
da limusine que pertencia à tia, mas também pelo que acontecera entre eles no início daquela
manhã.
Não tinha premeditado as coisas, mas, quando a vira tão perto de si e parecendo mais
tentadora do que nunca, não tivera forças para resistir ao desejo que pulsava em seu peito e
alma. Ah, Cassandra tinha um gosto ainda mais maravilhoso do que imaginara!
Como poderia esquecê-la depois de ter provado a doçura de seus lábios?, perguntou a si
mesmo, enquanto tentava desesperadamente concentrar-se na estrada escorregadia, coberta por
um espesso tapete branco.
— Não acredito! Como pode ser uma coisa dessas? — soou a voz indignada de Cassie,
trazendo-o de volta à realidade. — São nove e quinze, e só andamos quarenta quilômetros
desde o posto de gasolina até aqui. É quase o dobro do tempo que deveríamos ter levado. Se
continuarmos neste ritmo não chegaremos em St. Louis hoje.
— O que é muito normal em se considerando toda esta nevasca — Benjamin ponderou,
dando de ombros.
— Será que vai continuar assim até S. Louis?
— Acho que quando chegarmos ao Missouri irá melhorar — respondeu ele, não
parecendo estar muito preocupado.
— Ah, claro, talvez alguns centímetros a menos, é isso? — Cassandra ironizou,
obviamente mal-humorada. — Puxa você daria um grande meteorologista, Benjamin Wyden.
Fala de uma forma tão imprecisa que acertaria sempre.
Não se deixando abalar, Benjamin riu, sem jamais desviar os olhos da estrada
escorregadia. Já enfrentara nevascas bem piores e aprendera que tudo o que tinha a fazer era
manter a atenção no imenso tapete branco em que a estrada se transformara.
Cassandra por sua vez examinava os mapas desalentada.
— Da forma como vejo, estamos próximos a Padukah, no Kentucky. Na verdade é
impossível ir diretamente daqui até St. Louis. Mas podemos atravessar o Mississipi via Cairo,
Illinois e depois pegar a interestadual 55.
— Isso mesmo. A 1-55 nos levará para o norte, até St. Louis.
— Mas não há nada que nos leve direto daqui para Cairo, só essa estradinha. Cerca de
cinqüenta quilômetros por ela, e daí para oeste, em direção a Cairo.
— Nesse caso, o que estamos esperando para pegá-la? — Ben perguntou.
— Não sei, não. É uma estrada pequena e parece apenas uma ligação entre rodovias.
Ainda assim, talvez seja melhor mesmo pegar a 1-24 ou a 1-157.
62
— Não. Vamos pela estradinha que mencionou — Ben decidiu. — Não podemos errar
muito em apenas cinqüenta quilômetros, não é?
No entanto, pouco tempo depois Benjamin Wyden seria obrigado a engolir suas
palavras. A tal "estradinha" parecia levar a lugar nenhum e, para piorar, não havia nenhuma
sinalização indicando onde estavam, o que não teria importância em circunstâncias normais,
porém sob a forte nevasca era bem pior.
— Já olhei o mapa, mas não estou vendo nenhuma saída. — Cassandra estava quase à
beira do desespero.
— Não é culpa sua, Cassie. Relaxe. Daremos um jeito.
Ben queria reconfortá-la, mas sabia que seria difícil fazê-lo. Enquanto isso, tentava se
ater ao fato de que qualquer tempo passado ao lado dela, mesmo sob circunstâncias tão
adversas, poderia lhe dar a oportunidade de conhecê-la melhor. Será que Cassandra queria
mesmo fugir dele tão depressa ou estava lutando contra as próprias emoções? Seu sexto
sentido o prevenia de que os expressivos olhos azuis escondiam um segredo que Cassie não
queria ou não podia revelar.
— Oh, meu Deus! Não tem nada para esse lado — queixou-se ela, tirando-o de seus
devaneios. — Absolutamente nada.
— Acho que esta é uma região de propriedades rurais. Passamos por algumas fazendas
ao longo do caminho.
— Pode ser, mas não vi nenhum outro carro desde que saímos da interestadual.
— Assim que a neve diminuir, eles vão sair com tratores e máquinas para limpar a pista
— explicou Ben.
— E até lá? O que acontece conosco?
— Não vai acontecer nada, Cassandra. Parece muito pior do que é na realidade-. Logo
estaremos bem — garantiu, fazendo um esforço enorme para acreditar naquilo, por mais
improvável que parecesse.
Um pesado silêncio imperou no interior da luxuosa limusine antes que Cassie voltasse a
falar.
— Mas Ben, mal posso enxergar além do capô.
— É verdade, também não consigo ver a estrada. O melhor seria encostar um pouco.
— Não!
O desapontamento de Cassandra foi tão evidente que Ben ficou com o coração partido.
Tinha vontade de tomá-la nos braços e reconfortá-la, começar tudo outra vez. Queria tocá-la,
beijá-la e sentir o corpo quente e macio junto ao seu, mas sabia que não poderia fazê-lo sem o
consentimento dela.
— Olhe, Ben! Tem um homem ali na frente — Cassie falou de repente. — Ao lado da
caixa de correio. Veja o trator... Ele está acenando para nós.
63
Ben olhou na direção indicada e viu uma figura coberta por uma imensa capa e usando
um chapéu Stetson. Pelo jeito, era um fazendeiro que tinha acabado de retirar a neve
acumulada na entrada de sua propriedade.
Sentindo-se aliviado, pisou no freio e conduziu o carro para o acostamento.
Cassie abaixou o vidro e sentiu o ar frio açoitar-lhe o rosto.
— Olá, vocês dois! — cumprimentou-os o desconhecido. — Estão bem? Precisam de
ajuda? É um belo carro esse o que têm aí, mas não sei se conseguirão ir muito longe com ele. A
nevasca está forte, e as estradas praticamente intransitáveis.
Ben inclinou-se na direção do desconhecido.
— Até agora estamos bem, obrigado. Sabe nos dizer quanto falta para chegarmos a
Cairo?
— Vinte e cinco quilômetros, senhor. A questão é se vão conseguir enxergar a estrada.
Será difícil, com essa neve toda.
Cassie olhou para Ben sobre o ombro.
— Sou Frank Holden. Por que não entram um pouco? — sugeriu o homem,
apresentando-se e apontando na direção da casa há poucos metros da estrada. — Estamos sem
eletricidade, mas tenho um par de geradores funcionando, de forma que nossa cozinha e o
banheiro de baixo estão quentes. Seria um prazer recebê-los. Além do quê, não é seguro
seguirem adiante nas condições atuais.
Cassie olhou para Ben, que deu de ombros e disse:
— Você é quem sabe.
— Sei que está preocupado com o fato de não poder enxergar a estrada — comentou
ela, voltando-se em seguida para Frank Holden. — Quando tempo acha que os tratores e
caminhões de sal vão levar para aparecer?
O homem deu uma sonora gargalhada.
— Ah, senhorita. Bem se vê que não é da região. Somos os últimos a ver um trator de
neve. Para ser franco, nunca vi um caminhão de sal em toda a minha vida. Estamos no interior.
Acho que a eletricidade vai voltar logo, mas nunca se sabe. Venham. Minha esposa e eu
teremos prazer em abrigá-los até que esta nevasca diminua.
Ben olhou para Cassie pelo canto dos olhos. A princípio ela pareceu incerta, mas depois
o bom senso falou mais alto e finalmente ela sorriu e fez um movimento afirmativo na direção
do fazendeiro.
— Muito obrigada por nos convidar.
— É só me seguirem. Tenho um grande celeiro, e vocês podem guardar esse carrão lá
dentro.
64
Depois de manobrar o suficiente para entrar na estrada que Frank Holden acabara de
limpar, seguiram-no até o celeiro mencionado.
Quando Ben finalmente desligou o motor da limusine, a quietude no interior do celeiro
contrastou com a nevasca que caía lá fora, e foi como se acabassem de entrar em um outro
mundo.
Cassie olhou desconfiada para Ben.
— Acho que devíamos ser gratos por estarmos aqui — observou ela.
— Sim, podia ser muito pior.
— O que precisamos levar para dentro? Além de Murphy, é claro — comentou, olhando
para a caixa em que o cãozinho dormia tranqüilamente.
Reunindo o que podiam, saíram do carro a tempo de ver Frank Holden entrar no celeiro
e fechar as grandes portas atrás dele.
Caminhando até o fazendeiro, Ben o cumprimentou e apresentou-se, assim como a
Cassie, antes de fazer um curto relato sobre como tinham vindo parar ali. Era uma explicação
estranha, sem os detalhes mais importantes, mas que Frank aceitou sem mais perguntas.
— Bem, é uma beleza de carro. E encontraram um cãozinho no caminho, foi? Vamos ter
de levar o bichinho para dentro também. Sem eletricidade, só temos a cozinha hoje para ficar.
Temos também um casal de cachorros velhos que vão ficar morrendo de ciúme deste bichinho
de vocês. Para falar a verdade, acho que vão nos dar um bom trabalho quando virem o
bichinho de vocês.
— Não queremos causar problemas — começou a dizer Cassie.
— Pensando bem. Acho que vocês podiam ficar na casa do meu filho, logo ali. Ele é
motorista de caminhão e viaja muito, quando está em casa gosta de ter seu próprio cantinho.
Isso mesmo... vão ficar melhor lá. Levarei algumas coisas para comerem. Venham comigo.
Deixando o celeiro por uma porta menor, Ben e Cassie acompanharam o anfitrião em
meio à neve que caía impiedosamente. Mesmo a entrada que Frank acabara de limpar já tinha,
pelo menos, uns dois palmos de neve acumulada.
Preocupado com os sapatos de Cassie, pois sabia que era só o que ela tinha para calçar,
Ben pediu a Frank para carregar a caixa com o cachorro e as sacolas, em seguida pegou-a no
colo.
— Não precisa... de verdade — protestou ela.
Mas não havia sentido em reclamar quando Frank estava tão contente ao lado deles.
Quando chegaram à varanda de um pequeno chalé nos fundos da casa principal, Ben percebeu
que Cassie estava zangada com ele.
As coisas não ficariam mais fáceis do que estavam. Cassie enxergava o fato de ficarem
sozinhos como ameaça. Usando de sinceridade consigo mesmo, Ben não sabia se ela tinha
razão ou não.
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Frank Holden logo abriu a porta do pequeno chalé de madeira. A sala era o maior
aposento do chalé de dois cômodos e continha um sofá e uma mesinha de café sobre um tapete
oval, uma televisão, um velho fogão preto de ferro sobre uma área de ladrilhos.
— Como não temos eletricidade, estou mantendo o fogão aceso para os canos não
quebrarem. Geralmente o aquecimento é elétrico, mas, como estamos sem energia, o fogão faz
as vezes de aquecedor, Vou mostrar como mantê-lo aceso, assim não terão maiores problemas.
— Vamos ficar bem. Como disse, só precisamos dar um tempo até o pior passar —
respondeu ela. — O único problema é que não sabemos quando vai ser isso.
— O Homem do Tempo diz que tudo vai melhorar ao longo do dia, mas claro que
estamos bem no meio da tempestade. Por aqui isso quer dizer quinze a vinte centímetros de
neve. Se diminuir nas próximas horas, meus vizinhos e eu vamos limpar a estrada com nossos
próprios tratores. Não costumamos ter tanta neve assim, portanto aproveitamos para nos
divertir. Nunca se sabe o quanto vai durar.
— Vamos esperar que passe logo — disse Ben, apertando a mão do fazendeiro. — E
muito obrigado.
— Usem o que desejarem. Deve ter vários cobertores no baú, no quarto de meu filho, e
bastante lenha para o fogão ali, naquela caixa de madeira. Na hora do almoço vou trazer um
pouco de sopa de cevada com carne, que Henriqueta está fazendo. Temos bastante... ela vai
ficar surpresa quando souber que temos companhia.
Depois de uma breve demonstração sobre como manter o fogo aceso, Frank dirigiu-se à
porta. Saiu com um sorriso nos lábios.
Mais uma vez, Ben reparou no isolamento e quietude do lugar e, depois da partida do
fazendeiro, olhou para Cassie com ar indagativo.
— Como se sente?
— Gostaria de levar isso de um jeito melhor, Ben. Frank é tão simpático e foi tão bom
conosco, mas sinto-me estranha.
"O problema sou eu", pensou ele desalentado. "Está com medo de que a tome nos
braços como fiz mais cedo".
— Relaxe. Vou deitar. Não dormi bem na noite passada e tentarei descansar enquanto
esta nevasca não para — afirmou ele, começando a seguir para o quarto conjugado à sala.
— Frank disse que tem cobertores no baú — Cassandra comentou, correndo para o
quarto, contente por ter algo para fazer. — Aqui estão.
— Não desfaça a cama. Só me dê os cobertores para eu me enrolar.
Rapidamente, Cassie desdobrou o que parecia ser uma colcha de patchwork.
— Belo trabalho. Mas será que é quente o bastante?
— Está ótimo para mim — disse ele. — Acha que pode cuidar de Murphy e do
aquecedor improvisado?
66
— Claro, não é nada muito complicado — respondeu ela, começando a afastar-se.
— Ótimo. Se alguma coisa mudar, por favor, acorde-me. E não vou querer sopa quando
Frank trouxer.
— Está bem. Vou descansar no sofá — Apanhando dois cobertores para ela mesma e
fechando a porta do quarto atrás de si, Cassandra lutou contra a estranha sensação de perda e
solidão que a dominou.
Olhou ao redor, examinando a pequena sala. Era como se tivesse sido trazida de
propósito até aquela sala pequena e separada do resto do mundo, sem o menor laço com a
realidade. Não tinha alternativa senão enfrentar os velhos e os novos fantasmas de uma só vez.
Será possível que tinha se apaixonado por Benjamin Wyden à primeira vista?
Provavelmente. Será que resistir a ele tinha alguma relação com o fato de Ben estar carente, ou
seria apenas um mecanismo de defesa para evitar sair magoada quando toda aquela história
surreal chegasse ao fim?
O problema não era Benjamin Wyden, concluiu Cassandra após alguns instantes. Era
ela mesma. Sabia que mesmo se Ben não fugisse, ela o faria. Tinha medo de se envolver
demais com alguém e voltar a sofrer como já acontecera outras vezes em sua vida.
Caminhando até a janela, Cassandra olhou para fora, apreciando a neve que batia contra
o vidro como alguém que tenta insistentemente entrar em um lugar que está trancado à sete
chaves.
Ela estremeceu e lembrou-se de Ben tentando cobrir a enorme distância que os
separava. Aliás, precisava confessar que fora um alívio vê-lo se recolher no pequeno quarto.
Mas por quanto tempo aquela trégua silenciosa duraria? E por quanto tempo ainda conseguiria
negar que se sentia terrivelmente atraída por seu charmoso passageiro?
Cassie deixou-se cair na poltrona diante da tevê e respirou fundo. Precisava muito rever
todo o seu posicionamento de vida e encarar os sentimentos que pulsavam em seu peito e alma.
Estava seguindo por uma estrada que desconhecia, em condições adversas e ainda assim de
uma beleza ímpar.
Não era só a nevasca e aquela longa viagem que parecia nunca ter fim. Na verdade, era
muito mais do que isso, quando aceitara levar Benjamin Wyden de volta a St. Louis, jamais
imaginara que aquela também seria uma longa jornada para dentro de si mesma.
O dia provou ser mais longo do que Cassandra esperava e a neve continuou a cair sem
dar um instante sequer de trégua.
Benjamin deveria estar mesmo exausto, pois dormiu mais de nove horas seguidas.
Naquele meio tempo, Cassandra não só teve oportunidade de conhecer a esposa de Frank,
como também pôde tomar um banho no chuveiro da casa principal e também passou algumas
horas conversando com o simpático casal de fazendeiros.
Por volta do anoitecer, depois de uma segunda refeição com Frank e Henriqueta, Cassie
não sabia o que fazer. Não estava certa se seria bom acordar Ben ou deixá-lo dormir até o dia
seguinte. Frank acabara de informá-la que os fazendeiros locais haviam limpado a estrada que
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agora estava transitável, embora não soubesse dizer as condições de Cairo depois de um dia tão
difícil.
Por outro lado, continuavam sem eletricidade.
Naturalmente, Ben dissera para acordá-lo se as condições mudassem. Mas ela não tinha
coragem de fazê-lo, não ainda. Não quando não decidira se daria ou não uma chance à forte
atração que sentiam um pelo outro.
Debatendo-se em meio ao turbilhão de emoções que pulsava em seu corpo e alma,
Cassandra colocou dois cobertores que apanhara na limusine no chão, cobriu-se com os outros
dois de Henriqueta e encostou-se no sofá, com o walkman nas mãos. Não dormiria, mas
poderia relaxar ali, escutando música.
Apanhando algumas velas da caixa que a dona da casa lhe dera, acendeu três delas
sobre alguns pires que pegara da cozinha, produzindo uma iluminação aconchegante. Não
tinha vontade de pensar por isso fechou os olhos. Não queria ser prática. Queria apenas
acreditar que existia ainda uma possibilidade de ela e Ben ficarem juntos num lugar chamado
Summer Hill, por mais inverossímil que fosse a concretização de uma história de amor entre
eles.
Cassandra nunca soube dizer com precisão por quanto tempo permaneceu ali. No
entanto, a certa altura, teve a forte sensação de que estava sendo observada e, ao abrir os olhos,
deparou-se com Benjamin no sofá, os cotovelos apoiados nos joelhos enquanto a fitava
embevecido.
Lentamente, ela sentou-se e removeu os fones do ouvido. Pela expressão no rosto
anguloso, esperava que ele perguntasse por que não o acordara. Mas não o fez. Continuou
olhando para ela, tão calmo e sereno como se a situação em que se encontravam fosse a mais
natural do mundo.
— Quero que me fale sobre ele, Cassie — pediu Benjamin num tom baixo e modulado.
— Sobre ele?! — repetiu aturdida. — Ele quem?
— Sabe a quem me refiro. Não se faça de desentendida. Quero que me conte tudo sobre
o infeliz que colocou toda essa tristeza em seu olhar e que agora a está impedindo de dizer sim
a mim e à oportunidade de sermos felizes juntos.
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Capítulo IX

Por um instante, Cassandra imaginou que ainda estivesse cochilando. Aturdida,


pestanejou várias vezes seguidas e olhou em torno de si à procura de algo que pudesse lhe dar
uma exata noção do que estava acontecendo.
No entanto, ao ver Benjamin se levantar e andar de um lado para outro da sala percebeu
que tudo aquilo era mesmo real. Não estava sonhando. E agora, o que fazer?
Benjamin parecia um animal enjaulado. Depois de dar alguns passos e esbarrar nos
móveis, ele acabou decidindo se sentar outra vez. O ambiente era pequeno demais para
comportar suas longas passadas. Além do quê, caminhar de um lado para outro não ajudava a
minimizar a intensidade das emoções que o assolavam.
— Ah, por favor, Cassandra. Não finja que não sabe a que me refiro! — ele gemeu,
exasperado. — Pense bem, fui completamente sincero com você. Contei-lhe quase tudo sobre
meu relacionamento com Tamara e como me sentia aliviado pelo rompimento, ainda que esse
tivesse acontecido tardiamente. Mas você... Ah, você vive se escondendo de mim e nunca sei o
que esperar. Quando penso que estou conseguindo chegar mais perto, você se fecha outra vez e
me afasta como se o que sentimos fosse algo repulsivo. Por quê? Do que tem medo?
— Ben, por favor. Eu...
— Pelo menos me ofereça alguma esperança. Não me deixe agonizando como um
animal ferido.
Por mais estranho que pudesse parecer, Cassandra sabia o que ele queria dizer. Estava
com tanto medo de deixá-lo perceber o quanto a atraía que se fechara como uma ostra, não lhe
dando a mínima chance de aproximação. Será que não estava exagerando? Será que Ben não
tinha razão e os dois, de fato, poderiam viver uma bela história de amor?
— Não existe ninguém em minha vida — respondeu ela com um suspiro. — Pelo
menos não da forma como acaba de sugerir. Claro que já tive algumas desilusões amorosas.
Quem não as teve? Mais nada que pudesse deixar marcas profundas. Sim, já fui traída, mas e
daí? Era um relacionamento novo, e passada a raiva inicial quase nem me lembro disso. O
problema agora Ben é que estou tentando descobrir meu lugar no mundo. Já estou com vinte e
oito anos e ainda não tenho uma profissão que me faça sentir plena e absoluta.
— Sim, lembro-me do que disse sobre ter voltado a Miami para descobrir o que
pretende fazer — Ben murmurou, fitando-a com carinho. — Mas, qual o problema, querida?
Muitas pessoas ficam indecisas sobre a profissão que devem escolher.
— Não é tão simples assim.
— Não, mas também não é um bicho de sete cabeças. Você parece complicar um pouco
as coisas. Aliás, é muito boa em guardar segredos também. Apesar de estarmos juntos há mais
de trinta horas, confinados a um pequeno espaço, como é o interior da limusine, não sei nada a
seu respeito.
— Isso não tem nada a ver com segredos. Aliás, nem ao menos é importante.
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— Ora, vamos, Cassandra. É importante o suficiente para evitar que você considere a
hipótese de deixar que a atração que sentimos um pelo outro flua naturalmente — argumentou
Ben, correndo os dedos entre os cabelos escuros.
— Não existe nenhuma atração fluindo entre nós! — contradisse-o, sabendo que aquela
era a maior e mais deslavada mentira que já contara. A quem estava tentando enganar?
Certamente não a Benjamin Wyden, que parecia ter o poder de ler seus pensamentos.
— E no que depender de você nunca vai existir, não é? Vou ter de engolir isso sem
explicação alguma, a despeito de como esteja me sentindo?
Ah, céus, acabavam de chegar a um grande impasse. E agora, o que fazer?, Cassandra
gemeu desalentada. Encarando-o sob as longas pestanas douradas, concluiu que não poderia
deixar as coisas como estavam. Tinha de dizer algo, sem, no entanto, comprometer-se.
Benjamin merecia que dissesse algo, mas o quê?
— Como já disse, Ben. Tenho andado muito ocupada, tentando ser um espírito livre e
descobrir o que pode me completar nesta vida. Assim, não sobrou tempo para nenhum
relacionamento sério.
— Existe uma grande diferença entre ser um espírito livre e fugir das coisas. A
diferença é a felicidade que sentimos quando fazemos o que desejamos... E não me parece que
você esteja feliz, Cassie. Muito pelo contrário...
Cassandra deu de ombros e não ousou encará-lo. Temia que ele pudesse ler seus
pensamentos.
— Então me fale sobre sua infância — pediu Benjamin, mostrando que não desistiria
tão facilmente. Estava disposto a conhecê-la melhor, custasse o que custasse. — Pelo que
disse, teve uma vida razoável. Morou em Los Angeles, teve um contrato com X-ander.
Conquistou um sucesso relativo como dubladora. Agora é uma motorista bastante competente.
Parece tudo bem em sua vida adulta. Mas como foi antes disso? O que aconteceu em sua
infância?
— Não tenho nada para contar sobre minha infância — falou com mais rispidez do que
seria considerado normal. Então, emendou: — Além do quê, minha infância já passou há muito
tempo, Ben. Estou ótima, só preciso saber que rumos tomar. Não sou mais uma menininha para
ficar trocando de empregos. Quero uma certa estabilidade.
Ele baixou os olhos para as mãos e depois voltou a encará-la.
— Por favor, não se feche para mim, Cassandra — pediu num tom baixo e rouco. —
Temos todo o tempo do mundo para conversar e acredito que ninguém vá escutar você como
eu estou disposto a fazer. Pode falar o que quiser. Conte-me o que há por trás do brilho triste
que vejo em seus olhos. Talvez possa ajudá-la a descobrir o que a fará feliz.
— Não sei explicar... — Um longo suspiro escapou dos lábios rosados. Sem entender
bem o porquê do que fazia, Cassandra, de repente, começou a revelar os segredos que escondia
no fundo de sua alma. — Não há nada de muito grave. Quero dizer, quando escuto os
problemas de outras pessoas, não consigo entender por que eu não... não consigo esquecer o
70
que aconteceu com meus pais. Às vezes imagino que finalmente superei o passado, mas logo
em seguida vejo que não é bem assim.
— Comece do início, Cassie. Estou prestando atenção.
— E uma história típica. Meus pais eram adolescentes quando minha mãe engravidou.
Casaram-se e se divorciaram antes mesmo que eu nascesse. Minha mãe e eu moramos com
minha tia e meu avô, até que ela não conseguiu mais agüentar e foi embora. Disse que
precisava viver e me deixou com meu avô e minha tia, que acabaram me criando com muito
amor e carinho. Acho que desde que me deixou, mamãe já morou em todas as cidades da Costa
Leste da Flórida; está em Palm Beach agora, acabou de se divorciar do terceiro marido e mora
sozinha. Ela é cabeleireira, e nos últimos anos temos nos dado bem. Como disse, já não faz
diferença que tenha me abandonado quando eu tinha apenas cinco anos.
— Ser abandonada pela mãe sempre é uma coisa importante — Ben comentou,
acariciando-a de leve no rosto. — Não é algo do qual você escape estalando os dedos e pronto.
E seu pai?
— Ele está em Los Angeles. Por isso fui para lá enquanto tive chance. Ele se casou
outra vez e tem duas filhas adolescentes. Ficou contente em me ver quando estive lá.
Naturalmente está vivendo outra fase de sua vida, por isso tivemos de estabelecer um
relacionamento diferente do normal entre pai e filha.
— Mas foram capazes de se entender pelo menos?
— Diria que sim, salvo algumas coisas que não podem ser recuperadas depois de tantos
anos, conseguimos nos dar bem. Mas eu não podia ser como um membro da família. De
qualquer forma, todos foram muito bons para mim. Sabe como são adolescentes que estão
começando a descobrir seu caminho e precisam do pai, não sabe?
— Para dizer a verdade, não. Mas sei que você precisou dele quando era adolescente, e
ele estava na Califórnia, e você em Miami.
— Meus pais sempre estiveram em contato por telefone — retrucou Cassie na
defensiva. Apesar de tudo, aqueles eram seus pais e não queria que ninguém os criticasse, nem
mesmo Benjamin Wyden.
— Ah, sim falar com os pais por telefone resolve mesmo as coisas! — Ele a fitou com
leve ironia. — Enquanto isso, você estava tentando saber a que lugar e a quem pertencia,
Cassie. Agora entendo por que parece estar sempre a procura de algo que está em algum ponto
além do horizonte e nunca no lugar onde está, como neste momento.
— Todos me diziam que eu era independente como minha mãe.
— Então por que a dor? Por que não teve nenhum relacionamento sério? — indagou
Bem, sorrindo-lhe com ternura.
Quando Cassandra se levantou de seu ninho de cobertores, sentiu que os olhos
acinzentados a seguiam. Abaixando-se, colocou mais um graveto no fogão à lenha e voltou a
se acomodar no refúgio improvisado. Dissera mais do que deveria. Agora seria melhor calar-
se.
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— Então, quais são seus planos para o futuro? — pressionou-a Ben, depois de alguns
instantes de silêncio.
— Pretendo voltar para a faculdade, talvez ainda neste semestre. Quero fazer mestrado.
Depois, estou pensando em lecionar em universidades. Sempre gostei de dar aulas. Dava
muitas aulas particulares quando era adolescente.
— Onde está pensando estudar?
— Estou considerando alguns lugares...
— Onde?
— Onde tiver a melhor oferta. Tenho boas notas, o que me dá um certo direito de
escolha.
— Temos uma boa faculdade em St. Louis.
— Eu sei, a Universidade Washington.
— Já pensou nela?
— Não — respondeu, sorrindo.
— Conheço algumas pessoas por lá — sugeriu Ben, enchendo-se de esperança.
— Imagino que sim. Todos parte da aristocracia e da alta sociedade local — tentou
brincar, mas sua voz soou em falsete. Será que Ben estava lhe oferecendo o que pensava?
— Na verdade, é isso mesmo. Sou bem relacionado em St. Louis. Posso fazer muita
coisa para ajudar em sua carreira. Conexões são importantes hoje em dia.
— Dólares também — argumentou ela, com certa ironia.
— Sim, mas lealdade e compromisso vêm em primeiro lugar. Por outro lado, você pode
perfeitamente conseguir sozinha, aonde quer que vá. Acontece, porém, que quero mantê-la por
perto e, como meus negócios estão em St. Louis, acho que esta seria uma boa solução para nós
dois — Um leve sorriso brincou nos lábios carnudos. — O Dr. Murphy diz que os cães e as
pessoas precisam de um lar ou coisa parecida. Mas um lar no sentido físico da palavra não
prende as pessoas, pois são elas que fazem o lar ser especial, seja este onde for.
A simples menção ao veterinário fez com que Cassie olhasse na direção da caixa, onde
Murphy dormia profundamente.
Ben tocou-a no ombro, e ela se retraiu.
Não se intimidando diante daquele gesto, ele se acomodou ao seu lado no ninho de
cobertores.
Ainda que o coração estivesse batendo descompassado em seu peito, Cassandra
continuou onde estava, recusando-se terminantemente a ceder ao misto de atração e medo que
pulsava em seu peito.
72
Precisava evitar os olhos acinzentados, mesmo naquele instante em que ele segurava-lhe
o queixo, obrigando-a a encará-lo. Não podia ceder, não queria ceder. Estava apavorada e, ao
mesmo tempo, encantada demais para esboçar qualquer reação.
— Você está com um perfume delicioso — comentou Benjamin num tom sensual. — É
aquele do motel, ainda? Qual era mesmo o nome?
Cassandra não respondeu.
— É difícil resistir ao que sinto por você Cassie. Nunca experimentei nada parecido em
toda a minha vida — Ben confessou, diminuindo ainda mais o espaço que os separava.
— Não quero fazer isso — protestou ela debilmente.
— Ah, Cassandra Morrow, é melhor você parar com esta mania de mentir — murmurou
ele, aproximando-se. — Seus olhos dizem exatamente o contrário do que seus lábios falam. Sei
que me quer... e eu também te quero muito, pois estou ficando quase alucinado de tanto desejo.
Por favor, meu bem, não diga não.
Cassie estremeceu tanto de medo quanto em antecipação ao prazer, pois sabia que só
Benjamin poderia lhe proporcionar. Ainda assim, não estava pronta para se entregar sem lutar.
— Não acho que a gente deva fazer isso, Ben.
— Por quê? Nós dois queremos, não é? Por mais que você negue, é evidente que
também me deseja, Cassie. O que nos impede de sermos felizes? Somos ambos livres e donos
de nossos narizes!
Cassandra teve vontade de gritar bem alto que o grande empecilho era o verdadeiro
oceano de diferenças que separava seus mundos, mas não teve forças para fazê-lo. Então, antes
que pudesse se dar conta do que estava acontecendo, sentiu os lábios carnudos se apossando
dos seus e mãos atrevidas abrindo os botões da camisa de flanela que ela usava.
— Ben, eu... — começou a dizer, mas calou-se quando o sentiu acariciar seus mamilos
com tanta delicadeza e sensualidade que quase a fez gritar de desejo. — Não estou preparada
para fazer isso — argumentou ela, ofegante.
— Ora, querida, nós dois estamos mais do que preparados. Veja como nossos corações
batem no mesmo ritmo. Acho que, se deixarmos, até nossos corpos procurarão um pelo outro
— Ben sussurrou, tomando-a cativa de seu olhar.
— Mas não tomo pílula. Há muito tempo não tenho um relacionamento íntimo com
alguém — contou, com uma ponta de vergonha a permear-lhe a voz.
— Não se preocupe, querida. Prometo que serei carinhoso.
— Ben, não tenho nada para evitar... Quero dizer, saímos com tanta pressa de Miami...
Ele girou de lado e apanhou dois pequenos pacotes listrados.
— Sinto muito, mas só tenho isso.
— Mas você disse que... O que o fez pensar que poderíamos usar esses preservativos?
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— Acredita se eu disser esperança? Necessidade desesperada? Comprei-os no Gas &
Gifts. Foi por isso que aquela senhora nos olhou como se fôssemos um casal.
— Oh, meu Deus! — Cassie gemeu ao recordar-se de como a dona da lojinha da beira
da estrada os tinha fitado com ar condescendente.
Antes que Cassie pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, ele a fez deitar sobre os
cobertores e com movimentos rápidos ajudou-a a se livrar da camisa de flanela e da calça jeans
que comprara na Hal’s, deixando-a apenas de calcinha e sutiã.
Ajoelhando-se, Ben abriu a própria camisa, os olhos sempre fixos nela, parecendo
apreciar cada um das curvas do corpo de pele aveludada. Quando ele curvou-se sobre ela e
passou a acariciá-la sem pudores, Cassandra se perguntou se Ben teria o dom de ler seus
pensamentos. Sim, pois só isso explicava o toque da língua quente e úmida nos pontos certos
da orelha, os dedos ousados, os movimentos lentos e deliberados que a faziam arquear ainda
mais de desejo.
Ainda sem pressa, Benjamin tirou as próprias calças e, por um longo momento, ficou
parado, nu, a fitá-la sob a luz bruxuleante das velas.
Naquele instante, Cassie soube que ele seria um amante generoso e perfeito, capaz de
brindá-la com o mais alto grau de prazer que uma mulher jamais havia experimentado.
— Fale comigo, Cassie — Ben sussurrou com voz estranhamente rouca. — Diga meu
nome e olhe para mim enquanto fazemos amor. Não vai haver desculpas nem arrependimentos
depois. Eu prometo. Não quero que esqueça este momento enquanto viver. Será especial para
sempre. Agora diga meu nome, querida. Por favor, diga meu nome.
— Benjamin...
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Capítulo X

Fazer amor com Benjamin foi a coisa mais fantástica e inebriante que poderia ter
acontecido na vida de Cassandra, e ela sabia disso. Contudo, por mais perfeito e apaixonante
que tivesse sido o encontro de seus corpos e alma, ela ainda não conseguia acreditar que um
dia poderiam superar todas as diferenças que os mantinham separados.
Afinal, ela e Benjamin Wyden eram como o Sol e a Lua, cujos mundos jamais se
encontrariam ainda que houvesse uma certa magia no ar.
Naquela noite, eles haviam ficado abraçados durante muito tempo depois de fazerem
amor, cada um imerso em suas próprias emoções. Pouco mais tarde, Frank Holden bateu à
porta do chalé para avisá-los de que a eletricidade havia retomado e que poderiam seguir
viagem quando quisessem.
Benjamin agradeceu a hospitalidade e informou ao fazendeiro que partiriam pouco
antes do amanhecer. Cassie se lembrava de ter ficado satisfeita com a notícia, mas, ao mesmo
tempo, também desapontada, pois não sabia o que o destino lhes reservava.
Eles ainda dormiram mais um pouco e, como Bem havia dito, partiram pouco depois
das quatro da manhã.
Embora as estradas continuassem cobertas de neve, agora estavam limpas e era possível
discernir-lhes o traçado em meio à escuridão da madrugada fria.
Nenhum dos dois falou muito durante todo o trajeto e quando Cassandra e Benjamin
finalmente se aproximaram de St. Louis, o sol já estava nascendo no horizonte, trazendo todo o
brilho e as promessas silenciosas que sempre acompanham o despontar de um novo dia.
Tímidos raios alaranjados se insinuavam por entre nuvens, refletindo sobre a neve
espalhada pelo chão e também sobre tudo o mais que a vista alcançava.
Cassandra mal conseguia acreditar na beleza ímpar do cenário que tinha diante de si. Os
bosques e colinas, a terra cultivada das fazendas se espalhavam ao longo da estrada parecendo
enormes retalhos que compunham uma bela colcha de patchwork, como aquela que haviam
usado no chalé do filho de Frank e Henriqueta.
Para a maior parte das pessoas aquela poderia ser uma manhã comum de quinta-feira.
Mas não para Cassandra Morrow, pois aquela era a manhã em que se despediria de Benjamin
Wyden para sempre.
Lutando contra o tumulto de emoções que a assolava, olhou mais uma vez pela janela
envidraçada. Havia pedido a Ben que lhe reservasse um quarto num hotel perto do aeroporto,
onde poderia tomar um banho e trocar de roupa antes de pegar seu vôo de volta a Miami.
Segundo Benjamin, Faith já linha falado com tia Mavis e cuidado de todos os detalhes
do pagamento e também do embarque da limusine, o que, praticamente, encerrava o assunto
entre eles.
75
Ah, se tudo desse certo, naquela tarde mesmo estaria em casa, Cassie pensou,
concluindo que embora o que tinha acontecido entre eles fora a coisa mais linda que já
vivenciara em toda a sua vida, nem ela nem Ben poderiam levar aquele relacionamento
adiante.
Sim, o bom senso a prevenia de que tudo não passava de uma doce ilusão. Afinal, como
um homem absolutamente maravilhoso como Benjamin Wyden poderia se interessar por uma
simples motorista de limusine como ela?
Ora, nem mesmo naquelas novelas mexicanas que tia Mavis tanto gostava de assistir
quando pensava que ninguém estava vendo havia um casal tão inverossímil quanto os dois. Ou,
então, só se Ben tivesse perdido o juízo de vez. E isso, tinha certeza de que não havia
acontecido, pois ele era uma das pessoas mais lúcidas e coerentes que Cassandra já conhecera
em toda a sua vida.
"Ah, mas até as pessoas mais lúcidas perdem a noção de realidade quando ficam
confinados a espaços restritos como aconteceu conosco!", concluiu Cassandra, tentando
desesperadamente encontrar uma justificativa para o que estava acontecendo.
Um longo suspiro escapou dos lábios rosados, e ela procurou se concentrar no mapa que
trazia aberto no colo, enquanto Ben continuava à direção do carro. De repente, deu-se conta de
que havia algo errado, pois ele entrara na rodovia 270 quando deveria ter passado direto.
Depois de quase quatro horas de viagem, o silêncio que se abatera sobre eles finalmente
fora quebrado.
— Ben? Por que está virando aqui? Não é o caminho do aeroporto — protestou ela.
— Estamos indo para o oeste da cidade, Cassie.
— Para o oeste? — repetiu sem entender nada. — Mas o aeroporto fica do lado oposto.
— Sei disso, mas quero que conheça um lugar muito especial antes de embarcar.
— Do que está falando?
— De Summer Hill. Quero que veja minha casa e onde vivo para que saiba o que está
perdendo se decidir me dar as costas e sair de minha vida para sempre como parece estar
decidida a fazer.
— Já chega, Ben — pediu ela, lutando contra as próprias emoções. — Tente ser
racional. Não acha que já tivemos o suficiente? Para sua informação, não estou fazendo isso
porque quero que sejamos infelizes. Muito pelo contrário. Estou tentando evitar sofrimento
para você, para mim e quem mais chegar nesta relação louca que temos.
— Está querendo dizer nossos filhos, Cassie? Os mesmo que, se depender de você,
acabarão nem nascendo? Por que insiste em fingir que o que temos não é especial?
— Não estou fingindo nada. Sabe como me sinto. Por favor, basta me deixar no
aeroporto que vou embora, e nunca mais nos veremos. Esqueça o que houve. Será melhor para
nós dois.
76
Ben a fitou demoradamente. Havia um brilho triste no fundo das íris acinzentadas e,
com a barba por fazer, ele pareceu subitamente fragilizado, muito diferente do poderoso
empresário que freqüentava e ditava as regras nas altas rodas da sociedade norte-americana.
— Você diz que somos de mundos diferentes. Pois digo que minha vida não é muito
diferente da de ninguém, Cassie. Na maior parte dos dias acordo, vou para o trabalho, faço o
melhor que posso para cumprir com minhas obrigações e respeitar os que estão a minha volta.
Sou um ser humano como outro qualquer, só que com mais dinheiro no banco. O que existe de
tão diferente nisso? Por acaso é pecado ter dinheiro?
Cassandra não respondeu. Não queria que ele soubesse o quanto estava abalada.
— Além do mais, todos os casais possuem suas diferenças e isso não os impede de se
amarem — continuou Ben, determinado a convencê-la de que poderiam ser felizes. — Veja
nós dois, por exemplo, sou muito mais aberto e objetivo, e você mais silenciosa e ponderada.
Mas quer saber? Isso, no fundo, é bom. Dá mais equilíbrio à relação. Muito bem, você é
teimosa. Eu sou mandão e estou acostumado a dar ordens. Ainda assim, Cassie, nosso senso de
humor é muito parecido. Conseguimos rir das mesmas coisas. Lembra-se da decoração do
hotel?
Cassandra olhou para ele e Ben esboçou um leve sorriso que fez o coração dela bater
ainda mais acelerado.
— Ora, sei que a gente se conhece há uma semana apenas. Mas e daí? Tempo é uma
questão bastante subjetiva — prosseguiu ele, demonstrando ter desprendimento o bastante para
rir de si mesmo. — Acredite ou não, acho que me apaixonei por você quando me levou para
aquela quadra de handebol e ficou parada ali me olhando como se não pudesse acreditar no que
via. Todo aquele sol brilhando no céu azul e se refletindo em seus cabelos... Ah, você fica linda
à luz do Sol, Cassandra! Ou talvez tenha sido a forma como suas bochechas ficam vermelhas
quando está brigando comigo e me chamando de Sr. Wyden. Não sei explicar, só sei que está
na hora de deixar a vida que eu tinha e construir uma nova a seu lado. Mas o que posso fazer?
Você parece tão assustada quanto um animalzinho ferido.
— Tem toda a razão, Ben — Cassie admitiu com um suspiro. — Estou assustada
mesmo. E se você entendesse o problema, também estaria.
Isso o silenciaria, pensou ela desalentada. Porém, se fosse honesta consigo mesma
admitiria que o problema não era Ben, mas ela mesma. Tinha medo de ceder, tinha medo de
acreditar que poderia ser feliz e depois ver seu castelo de sonhos desmoronar diante de seus
olhos.
Se dependesse dela, isso jamais aconteceria, pensou Cassie, forçando-se a olhar pela
janela do carro sem, na verdade, ver a paisagem que se descortinava diante de seus olhos. Não
pretendia magoar Ben, mas no momento não podia prometer nada.
— Veja, Cassie — ele chamou-lhe a atenção, tirando-a de seus devaneios. — Ali está o
maior orgulho de meu avô. Ele construiu Summer Hill nos dias em que não existia ar-
condicionado, e era moda ter uma casa no campo onde as mulheres e as crianças pudessem
passar o verão, longe do calor da cidade. Dias felizes aqueles em que as esposas se
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contentavam em esperar os maridos e fazê-los felizes — gracejou, fitando-a de maneira
sugestiva.
Cassie olhou para ele de relance, mas não mordeu a isca. Sabia que Ben a estava
provocando propositadamente. Será que algum dia desistiria de convencê-la de que poderiam
ser um casal normal e feliz?
— Naturalmente Summer Hill já passou por várias modificações desde a época em que
foi construída. Mas a casa original sempre foi o lar da família e como fico pouco aqui, agora
está precisando de alguém bastante original e criativo para fazê-la voltar ao esplendor de antes.
É uma casa de doze quartos, que foi projetada para abrigar muitas crianças. O que acha da
idéia?
De novo, Cassandra não respondeu. Estava aturdida demais para fazer qualquer
comentário.
— Sabe, há algum tempo venho pensando em montar um escritório em Summer Hill e
controlar toda as empresas do grupo daqui — Ben prosseguiu. — Afinal, agora existem tantos
recursos como videoconferências, internet, que não teria muita dificuldade em conciliar a vida
em família e meu trabalho. E, quando precisasse viajar, você poderia vir comigo.
O coração deu um salto dentro do peito de Cassandra. Não, Ben não podia estar falando
que pretendia se casar com ela, podia? Na certa estava usando aquelas palavras bonitas apenas
para enganá-la. Afinal, ninguém em sã consciência se casa com alguém que conhece há pouco
mais de uma semana!
— Pare, por favor. Sei muito bem o que está tentando fazer, Benjamin Wyden.
— Ah, aí está minha Cassie. Pensei que a tivesse perdido em algum ponto no meio do
caminho, mas não. Obrigado, Senhor! — ele exclamou num tom espirituoso.
— E não vai funcionar, fique sabendo —- Cassie insistiu em dizer.
— Relaxe, querida. Tudo vai dar certo no final. Pode tirar um tempo para decidir o que
pretende fazer da vida. Se não quiser voltar à faculdade no momento, pode trabalhar com Faith
na Fundação Wyden. Ela está procurando alguém com seu perfil, quero dizer alguém criativo e
persistente o bastante para não desistir diante do primeiro problema que encontra e...
— Ah, que droga! Onde está o controle para desligar você, Benjamin Wyden? — Cassie
explodiu, começando a ficar furiosa com a maneira como ele falava sem parar, parecendo um
guia turístico apontando a beleza do lugar.
Uma sonora gargalhada escapou dos lábios carnudos.
— Não mandei instalar ainda. Mas se quiser posso fazê-lo hoje mesmo. Por falar em
controle, importa-se que eu use o telefone?
Ela deu de ombros.
— Estamos quase chegando, e acho melhor ligar para Cotton, o administrador da
propriedade — disse ele, discando em seguida. — Alô, Cotton? Sim, sou eu. Estou chegando.
Tirou a neve da estrada de acesso? Ótimo... Sim, está. Mas não vai para Miami hoje. Não, eu
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também não pretendo voltar por enquanto. Daqui a pouco explico pessoalmente... Pode
destrancar as portas, por favor? Obrigado.
Depois de desligar, Ben ficou em silêncio por alguns minutos. Em seguida, grandes
portões de ferro surgiram mais à frente, e ele manobrou a limusine para que deslizasse
suavemente por entre o elegante pórtico de entrada da propriedade.
— Faith mora ali — contou Ben, apontando para uma casa mais abaixo na colina. —
Vamos encontrá-la mais tarde, agora ela deve estar acordando os meninos, e levar Murphy até
lá vai causar uma agitação desnecessária.
A despeito de todos os seus esforços para parecer impassível, Cassie estava
impressionada e fascinada ao mesmo tempo. Sim, por mais que Ben teimasse em dizer que a
vida dele era como a de qualquer outra pessoa, isso não era bem verdade. Não num lugar como
Summer Hill, onde tudo era grandioso.
Então, naquele instante, como se para confirmar que Cassie estava certa, a casa
principal da propriedade surgiu diante deles e quase a deixou sem fôlego.
— Céus! É linda! — exclamou ela, olhando embevecida para a construção de três
andares, com enormes pilares e janelas em forma de arco, parecendo uma daquelas mansões
majestosas que vira em ...E o Vento Levou.
— Confesso que este é um lugar muito especial para mim e sabia que você também ia
gostar — Ben falou, estacionando ao lado dos degraus da varanda. — Tamara não gostava
daqui, por isso, vim pouco para casa nos últimos três anos — contou, abrindo a porta e
apanhando a caixa de Murphy. — Vamos deixar esse dorminhoco na cozinha, enquanto levo
você para conhecer a casa e guardo o Trombeta em seu lugar de direito na coleção de vovó.
Cassie quase esquecera do vaso de cristal. Sim, por sorte, haviam conseguido recuperá-
lo e isso a deixava imensamente feliz. Só agora dava-se conta de que ao pararem na fazenda de
Frank e Henriqueta Holden tinham despistado os dois seguranças da condessa. Que bom! O
cristal está salvo e, por enquanto, Irene Wyden poderia dormir tranqüila e claro, Benjamin
também.
Com a caixa sob um dos braços e segurando a mão de Cassie, como se faz com uma
criança que se recusa a sair do lugar, Ben a conduziu até o imponente hall de entrada da
mansão.
A primeira impressão foi um pouco triste, pois havia lençóis sobre estofados e as
cortinas estavam fechadas, impedindo a luz de entrar nos suntuosos aposentos. No entanto, ao
deparar-se com a bela escadaria de mármore que levava aos andares superiores, Cassandra
logo mudou de idéia.
— É maravilhosa! — exclamou estupefata. Nunca vira nada tão luxuoso em toda a sua
vida. Parecia um cenário de sonhos.
— Venha conhecer a casa — convidou-a Ben, sorrindo.
O mármore do saguão valorizava os tapetes orientais ali expostos. À medida que iam
entrando, os detalhes tornavam-se ainda mais preciosos.
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— O estilo é basicamente colonial, mas o interior é bem diversificado. Vamos ver o que
você quiser, logo que a gente devolver o vaso ao lugar certo.
Atravessaram corredores cobertos por painéis de madeira e quadros famosos, até
chegarem a um grande aposento do segundo andar.
Um nicho na parede continha uma estátua de um nu atlético feminino, e, pouco além
dele, uma porta levava a uma sala menor e mais clara.
Tratava-se de um aposento todo pintado de branco, provido de amplas janelas que se
abriam para um jardim interno. O piso era de mármore, e as laterais forradas de aparadores e
cristaleiras contendo um verdadeiro tesouro em cristais.
Quando Ben acendeu as luzes, o brilho intenso quase a ofuscou, trazendo uma
exclamação involuntária aos lábios rosados.
— Meu Deus!
— A coleção de cristais da minha avó — anunciou ele, contente ao notar-lhe a reação de
encantamento.
Cassie ficou sem fôlego diante da tamanha variedade de cores e formas que se
descortinava diante de seus olhos atentos.
Ben sorriu e, apanhando um instrumento de uma das gavetas, concentrou-se em abrir a
caixa que continha o vaso que haviam recuperado no estacionamento do motel cor-de-rosa.
— Odeio mexer nessas coisas que parecem tão frágeis. Sempre fico com a impressão de
que vou quebrar ou deixar cair o cristal. Nunca me senti inteiramente à vontade nesta sala.
Tirando a tampa, ele removeu o isopor e o papel que acondicionavam a peça, expondo o
vaso transparente que exibia a exata forma de uma trombeta curvada sobre si mesma. Ben o
segurou com tanta delicadeza como se pegasse uma bomba e colocou-o num lugar vazio e
iluminado, que demonstrou ser o local mais importante da exposição.
— Ainda que esta não seja a melhor peça de minha avó, é a favorita e por isso fica num
lugar de destaque — explicou.
Cassie continuava atônita, olhando para todos os lados, ainda não totalmente recuperada
do impacto causado pela magnífica coleção.
— Por outro lado, vou ficar muito contente quando me livrar de tudo isso aqui —
continuou Ben. — Há alguns anos, minha avó fez os arranjos necessários para que a coleção
seja doada ao museu da Fundação Wyden, assim que ele ficar pronto, o que deve acontecer em
breve. Isso permitirá que outras pessoas tenham a oportunidade de apreciar estas peças raras.
Além do quê, devo confessar que vai ser um alívio me livrar dos homens de paletó de poliéster
para sempre — concluiu com uma pequena careta.
Cassie não pôde evitar sorrir diante do comentário espirituoso.
Diante de tal reação, Ben sentiu-se encorajado e passou o braço pela cintura delgada,
trazendo-a para mais junto de si.
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De repente, Cassandra percebeu que não podia mais continuar fugindo das emoções que
pulsavam em seu peito. Durante toda a sua vida, tivera medo de amar alguém e sofrer quando
esta pessoa a abandonasse, como fizera sua mãe. Mas agora não podia deixar que os fantasmas
do passado a fizessem parar no meio da estrada. Sim, porque era exatamente isso que estava
fazendo, parando no meio da estrada.
Suspirando, ela afastou-se do corpo másculo de Ben e foi até a janela. Silenciosa, olhou
para o gramado verdejante que se estendia até às margens de um pequeno lago. Céus, por que
recusar o amor de Benjamin e a chance que ele lhe oferecia de serem felizes? Qual o problema
se ele era tão infinitamente rico quanto ela era pobre? No fundo, o que importava não eram as
sensações maravilhosas que experimentavam nos braços um do outro?
A voz de Ben soou atrás dela.
— Cassie, sei que para você tudo isso parece muito recente e assustador demais. Porém,
não tenho dúvida de que poderemos ser muito felizes em Summer Hill. Você ainda pode partir,
e possivelmente ser livre como insisti em dizer. Mas antes terá de perguntar a si mesma se não
vale a pena ficar e construir uma família a meu lado.
Quando ela se voltou para encará-lo, Ben estava tão próximo que a tomou nos braços.
Surpreendentemente, Cassandra sorria.
— Você não desiste nunca, não é, Benjamin Wyden?
— Nunca. Pelo menos não das coisas que considero importantes.
— Quer saber, acho que tem razão — disse ela.
— Sobre o quê?
— Sobre não sermos muito diferentes dos outros casais, apesar de todo o dinheiro de
sua família.
Ben sorriu e tentou abraçá-la, mas Cassie o empurrou levemente.
— Você falou o quanto quis, agora é minha vez — argumentou Cassie.
— Enquanto estiver dizendo que tenho razão, não pretendo interrompê-la, querida —
caçoou Ben, mal conseguindo disfarçar o quanto estava ansioso para ouvir o que Cassie tinha a
dizer.
— Sim, mas devo avisá-lo, Benjamin Wyden, meu avô sempre dizia que sou muito
teimosa e determinada quando quero alguma coisa.
— Teimosa e determinada, ãh? Posso lidar com isso.
— Persistente, eu diria. A verdade é que admito que sou assim. Quando estou focada
num assunto, não esqueço nem desisto com facilidade. Nisso, acho que você encontrou alguém
a sua altura — disse Cassie, erguendo a mão para impedi-lo de aproximar-se. — Ainda não
acabei. Fique longe pelo menos até eu terminar.
— Está bem, então termine, porque estou louco para beijá-la.
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— Agora você sabe como me senti quando começou a falar sem parar.
— Ah, está querendo ir à desforra, é?
— Pode ser — falou Cassie rindo, antes de retomar o que dizia. — Certo, Ben, o fato é
que por mais estranho que possa parecer, pois nos conhecemos há pouco tempo, sei que estou
cada vez mais apaixonada por você. Gosto de Summer Hill, do cachorrinho resmungão que
trouxe para casa e até mesmo desta história fantástica de sua avó e da condessa. Portanto, estou
disposta a tentar. Talvez você tenha razão e possamos mesmo ser felizes juntos, apesar de
nossas diferenças.
— Será que estou sonhando acordado? — perguntou ele, sorrindo e abraçando-a com
ternura.
— Pode ser. Mas saiba que gosto tanto de você que resolvi não me importar com o fato
de que não tem um botão para desligar quando desata a falar sem parar, como fez quando
estávamos na limusine.
Uma sonora gargalhada escapou dos lábios carnudos de Benjamin.
— Ah, querida, aquilo foi só uma válvula de escape para disfarçar o quanto desejava
beijá-la e fazer amor com você ali mesmo no banco de trás do carro. O tempo todo em que
você dirigia, eu fingia que lia os jornais, quando, na verdade, a estava observando e me
perguntando como seria tomá-la nos braços e fazê-la gemer de prazer.
— Quer dizer que não ficou lendo jornais? — espantou-se Cassie.
— Não tanto quanto pareceu. Acho que nem a metade dos jornais para ser exato —
admitiu ele, rindo e aproximando os lábios carnudos da boca rosada. — O que me diz,
Cassandra Morrow, acha que apesar de todos os meus defeitos está preparada para ser minha
mulher e dividir os sonhos comigo?
— Se isso é um pedido de casamento, saiba que aceito, Sr. Wyden — ela sussurrou,
roçando os lábios nos dele, numa doce provocação. — Mas antes quero fazer uma pequena
ressalva ao que disse.
— Tudo que quiser, meu amor.
— A verdade é que você é muito melhor do que qualquer sonho, querido, você é minha
realidade e estou certa de que por mais dificuldades que possamos encontrar ao longa da
estrada que temos pela frente, nosso amor nos ajudará a superar tudo.
— Ah, Cassandra, por que você demorou tanto tempo para perceber isso? — Benjamin
falou, antes de cobrir os lábios rosados com os seus e beijá-la com ardor. Em meio ao frenesi
da paixão, puxou-a consigo para o quarto mais próximo, amando-a com toda a força dos
sentimentos que pulsavam em seu corpo e alma.
Muito mais tarde, quando descansavam nos braços um do outro, eles experimentaram a
melhor e mais completa sensação de paz e plenitude que já haviam provado ao longo de suas
existências.
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Sim, não importava que até descobrirem um ao outro tivessem seguido por caminhos
diferentes, importava, sim, que daquele momento em diante olhariam na mesma direção,
buscando um mesmo destino: o de criar uma família feliz na qual o amor sempre estaria
presente.
Afinal, a felicidade está nas coisas mais básicas e simples, são os seres humanos que
complicam tudo. Às vezes, basta apenas um olhar mais atento para encontrar o que a vida tem
de melhor, e Cassandra e Benjamin finalmente compreenderam isso.

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