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https://novaescola.org.br/conteudo/7892/participacao-ja-a-escola-aberta-ao-dialogo
Compare a escola em que você trabalha com a que você estudou quando criança. Qual delas você
consideraria mais democrática? Provavelmente, a de hoje, certo? Isso porque o contexto político está
diretamente ligado à história da Educação no país. Há exatos 50 anos, o Brasil sofreu um golpe militar,
que suprimiu o Estado de Direito - o que refletiu em um modelo de escola autoritário. Vinte anos
depois, o movimento das Diretas Já foi fundamental para a retomada da democracia - e foi durante
esse processo que a bandeira do ensino democrático ganhou força.
Durante a ditadura, a repressão e a censura, explícitas nas universidades, aconteciam de forma velada
na Educação Básica: "Pairavam dúvidas sobre quais assuntos poderiam ou não ser tratados em sala de
aula. Muitos conteúdos considerados subversivos não eram abordados. Havia uma autocensura",
explica Carlos Roberto Jamil Cury, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Às escolas foi imposta uma concepção pedagógica tecnicista, voltada apenas para o mercado de
trabalho. A relação entre alunos e educadores era pautada pelo temor, pela obediência e pelo dever. O
papel do diretor era basicamente o de fiscalizar e controlar as atividades. Segundo Cury, embora os
militares tenham passado a levar em conta critérios técnicos para o provimento do cargo, não houve
avanço na forma de escolha, que continuou baseada em indicações políticas. Até hoje carregamos essa
herança: um em cada cinco diretores que respondeu ao questionário da Prova Brasil de 2011 afirmou
ter sido indicado ao cargo.
No final da década de 1970, em meio à pressão social pela redemocratização no Brasil, o Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública - formado por organizações ligadas à Educação - contribuiu para
que a Constituição Federal dedicasse um capítulo inteiro ao direito à Educação. A Carta de Goiânia é
um dos exemplos da mobilização exercida na época. Apresentada pelo Fórum durante a IV Conferência
Brasileira de Educação (CBE) de 1986, ela defendia a criação de colegiados democraticamente
constituídos e a ampliação da participação na elaboração e no controle social das políticas públicas
educacionais em todas as esferas: federal, estadual e municipal.
O princípio de gestão democrática defendida pelo Fórum norteou ainda a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) de 1996, cujo artigo 14 prevê a participação dos profissionais da Educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola e das comunidades escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes.
A mobilização dos últimos 30 anos trouxe avanços. Segundo o relatório O Perfil dos Municípios de
2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 76% das cidades brasileiras possuem
conselhos escolares, 98% têm conselhos de controle e acompanhamento social do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb) e 95% constituíram conselhos de alimentação escolar. Contudo, falta percorrer um longo
caminho para que os princípios da Carta de Goiânia se tornem realidade e os fóruns de participação
sejam fortalecidos. O recente cancelamento da Conferência Nacional de Educação (Conae), a menos de
um mês da sua realização em Brasília, a indicação política dos conselheiros nos colegiados estaduais e
municipais, assim como o fato de as decisões do Conselho Nacional de Educação (CNE) necessitarem
de homologação do ministro da Educação são exemplos de que ainda há muito a ser feito.
Ouça a entrevista com Ivany Rodrigues Pino, professora aposentada da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e integrante do antigo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública:
Vídeo: https://w.soundcloud.com/player/?
url=https%3A//api.soundcloud.com/tracks/163033980&color=ff5500&show_artwork=false
Mas, afinal, quais as características de uma gestão democrática? Engana-se quem pensa que bastam
eleições diretas para o cargo de diretor. As decisões precisam ser de fato compartilhadas por todos:
gestores, professores, alunos, funcionários e pais visando o pleno desenvolvimento da criança, o
preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho - como prevê o artigo 205 da
Constituição Federal de 1988, que busca superar a visão tecnicista do ensino vigente durante a
ditadura.
A construção de uma gestão democrática na escola, portanto, passa pelo fortalecimento das instâncias
coletivas de discussão como o conselho escolar, o conselho de classe, a Associação de Pais e Mestres
(APM), a avaliação institucional e participativa, as assembleias, os grêmios e outras formas de
representação estudantil. Ao diretor cabe construir um espaço de diálogo e adotar uma postura
transparente diante de todos os setores da comuniade. Infelizmente, essa não é a realidade de muitas
escolas. "Há gestores que não ouvem o que a equipe tem a dizer, sonegam informações e atropelam o
processo de discussão", critica Helena Singer, coordenadora da ONG Cidade Escola Aprendiz, em São
Paulo.
Vale lembrar que a gestão democrática não é apenas uma forma de organização administrativa mas
também parte de um projeto que garanta uma Educação de qualidade como prevê a Constituição. "A
escola deve reconhecer a afirmação política do ser humano, pois a democracia pressupõe a
convivência entre sujeitos. Se o objetivo é formar pessoas autônomas, qualquer ação de dominação é
antipedagógica", defende Vitor Paro, professor e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Administração Escolar (Gepae), da Universidade de São Paulo (USP).
À medida que as instâncias de debate se fortalecem, a comunidade escolar ganha poder e pode
contribuir para que a escola siga no rumo da ampliação da participação, ainda que haja mudanças no
quadro de gestores. A seguir, confira como seis escolas têm consolidado os espaços de discussão para
construir uma Educação democrática.
Veja o vídeo com Vitor Paro:
Vídeo: https://www.youtube.com/embed/pGG3Or2WhQ8
Eleição direta: Os estudantes fazem reuniões semanais em sala e aí decidem o que vai para a
assembleia. Foto: Raoni Madalena
A iniciativa enfrentou resistência dos professores, até então os únicos interlocutores dos estudantes.
Para favorecer o diálogo na escola, foram realizadas rodas de conversa com três educadores: José
Pacheco, da Escola da Ponte, Vitor Paro, da USP, e o deputado estadual Carlos Giannazi. Os alunos
ainda visitaram a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e instituições conhecidas pela gestão
democrática.
O que é Organização formada por alunos eleitos diretamente pelas turmas. É um importante espaço
de aprendizagem política, convivência, responsabilidade e luta por direitos.
Atribuição Representar os interesses desse segmento na escola.
Atenção Há escolas que inviabilizam a criação do grêmio sob a justificativa de que os estudantes não
têm maturidade política para participar das discussões. Contudo, um dos papéis dessa agremiação é
criar condições para a aprendizagem da atuação política.
O CE Yvone Pimentel, em Curitiba, está sendo totalmente reconstruído. Desde 2009, a diretora, Adriana
Kamp, buscava uma solução para as goteiras, o mofo, os problemas de iluminação e de ventilação e a
ausência de acessibilidade para os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Apesar das
solicitações feitas por e-mails e ofícios, a promessa de reforma feita pela Secretaria Estadual de
Educação não se concretizava. Em 2012, a comunidade foi às ruas exigir o início das obras e o conselho
escolar (veja quadro abaixo) acionou o Ministério Público e a imprensa local.
A pressão social resultou na realização de uma reunião com representantes da secretaria. "O encontro
contou com mais de 500 pessoas", lembra Adriana. Ao final das discussões, foi aprovada a realização
da obra e o conselho escolar ficou responsável por criar uma comissão específica para participar da
elaboração do projeto, formada por representantes da sociedade civil, como ONGs, igrejas,
professores, funcionários, familiares dos alunos e membros do grêmio estudantil.
Conselho escolar
Dinheiro aplicado: O recurso para as aulas oferecidas no contraturno foi obtido com a locação de
outdoors nos muros. Foto: Selva Bizarria.
A EM Ismael Junqueira de Souza, em São Lourenço, a 387 quilômetros de Belo Horizonte, tem apostado
na oferta de outras atividades no contraturno, como aulas de teatro, música, coral e fanfarra. A compra
de materiais e o pagamento dos docentes necessários para que essas aulas ocorram vem de recursos
obtidos com a locação de outdoors instalados nos muros da escola - localizada em um ponto
privilegiado, próximo à entrada principal da cidade - e com a realização das festas junina e da
primavera. A decisão sobre como usar o dinheiro arrecadado é tomada pelo conselho escolar e pela
Associação de Pais e Mestres (APM) (veja quadro abaixo). Ambos têm caráter consultivo, mobilizador e
deliberativo.
"O fortalecimento dos colegiados na nossa escola têm contribuído para que haja continuidade no
processo de democratização da gestão", avalia Arthemisa Freitas Guimarães Costa, pedagoga do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IF Sul de Minas), que
trabalhou na escola entre 1996 e 2012 como professora, supervisora e diretora eleita por dois
mandatos. Atualmente, ela é uma das integrantes da APM por ser mãe de um estudante da instituição.
Os membros desse conselho são eleitos diretamente por cada um dos segmentos representados.
O que é Também chamada de caixa escolar, conselho fiscal e outras nomenclaturas, dependendo da
rede de ensino, é uma entidade jurídica de direito privado da qual participam os educadores e os
responsáveis pelos alunos.
Atribuição Discutir com a comunidade escolar como os recursos da escola são usados e prestar
contas, explicando como os gastos foram realizados.
Atenção A APM não deve ser um colegiado meramente burocrático para validar a decisão tomada pelo
gestor. É preciso envolver o conselho escolar e demais colegiados nas decisões sobre a utilização e a
transparência da utilização do dinheiro.
A alteração foi acatada pela Secretaria Estadual de Educação após a decisão ser aprovada em uma
assembleia (veja quadro abaixo) que envolveu os moradores do bairro, alunos, funcionários e
educadores, no fim do ano letivo de 2013. "Nosso objetivo foi lançar um olhar crítico sobre o valor
simbólico de ter como patrono um presidente cuja atuação política é considerada uma das mais
repressivas do período da ditadura", comenta Aldair Almeida Dantas, diretora da escola desde
setembro.
Os ex-alunos foram convocados a participar das discussões. Muitos tinham receio de que, por causa da
mudança, o histórico escolar perdesse a validade. Os funcionários explicaram que um carimbo seria
suficiente para atualizar os documentos. Esclareceu-se também à comunidade que os custos dos novos
uniformes e da nova placa ficariam a cargo da secretaria.
Assembleia
O que é Encontro que reúne todos os segmentos da comunidade escolar: pais, alunos, professores,
funcionários, gestores e instituições locais parceiras.
Atribuição Deliberar sobre um assunto de interesse geral.
Atenção Nem tudo precisa ser levado à assembleia. Assuntos que digam respeito a uma turma, por
exemplo, devem ser prioritariamente resolvidos em sala de aula.
O Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) da Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC) realiza a
avaliação institucional participativa há alguns anos. Em 2013, a equipe gestora passou a usar parte da
metodologia dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, do Ministério da Educação (MEC).
A avaliação instituicional participativa (veja quadro abaixo) apontou importantes ações para melhorar
ainda mais o trabalho realizado com as crianças. Em cada turma, os pais foram convidados a analisar a
qualidade da infraestrutura, das condições de ensino e aprendizagem, assim como a atenção e o
profissionalismo dos profissionais da escola. Em outro momento, todos os funcionários da escola
fizeram a sua avaliação.
Tudo foi documentado. Em um dos espaços da escola, foi feita uma exposição com fotos e registros do
quadro de indicadores, para que toda a comunidade pudesse acompanhar. Além disso, os resultados
foram comunicados em reuniões internas e de pais.
Um dos pontos que mereceu atenção foi a atualização e a disponibilização da proposta pedagógica da
instituição. Ela foi novamente discutida com a comunidade escolar e editada numa publicação que será
entregue aos pais, aos educadores e aos funcionários.
O que é Encontro que reúne toda a comunidade escolar: pais, alunos, professores, gestores e
funcionários.
Atribuição Analisar os indicadores de qualidade da escola avaliados pela comunidade escolar e propor
ações para aperfeiçoar as condições de ensino e aprendizagem.
Atenção O gestor deve criar as condições para que a comunidade escolar se sinta à vontade e segura
para fazer elogios e críticas.
"Mais do que responsabilizar o aluno, buscamos encontrar as melhores estratégias de ensino para que
ele possa progredir. Não esperamos até o fim do ano para tomar uma providência", enfatiza Andréia
Lucente, coordenadora pedagógica dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
Acompanhar e propor ações concretas sempre que surge uma dificuldade é o melhor caminho. Um
aluno do 7º ano apresentou em 2013 resultados abaixo do esperado em quase todas as disciplinas.
Para reverter o quadro, a equipe gestora conversou várias vezes com o rapaz e com a família e, juntos,
organizaram uma rotina de estudos em casa e de reforço na escola. A primeira demonstração de que o
quadro estava se revertendo foi uma boa nota em Inglês, que rendeu elogios e palavras de incentivo.
No fim do ano letivo, o estudante estava abaixo da média em apenas uma disciplina.
Conselho de Classe