Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ano: 2000
:.V
i
.. u ([
Daniel Aarão Reis Filho
Jorge Ferreira
Celeste Zenha
(organizadores)
O século XX
Volume III
O tempo das dúvidas
Do declínio das utopias às globalizações
4- edição
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Rio de janeiro
2008
1968: rebeliões e utopias
Marcelo Ridenti
Professor livre-docente do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da Unicamp
INTRODUÇÃO
135
O SÉCULO XX
136
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
137
O SÉCULO XX
lação de cada país. Por exemplo, na América Latina, inclusive no Brasil, re
percutia sobretudo em setores da juventude o chamamento de Che Guevara
para que se constituíssem no continente novos Vietnãs contra o domínio im
perialista dos EUA. A idéia de seguir o exemplo revolucionário vietnamita
teve muitos adeptos na Europa e até mesmo nos Estados Unidos; contudo,
nesses países, entre os cidadãos que se opunham à guerra, predominavam os
argumentos pacifistas e liberais, de respeito aos direitos humanos e de auto
determinação dos povos.
Seria preciso fazer estudos específicos sobre a repercussão particular da
Guerra do Vietnã nas lutas de 1968 em cada país. Mas é um fato que em pra
ticamente todos os cantos da Terra levantaram-se ondas de indignação con
tra a guerra.
Evidentemente, a guerra marcou o ano de 1968 com mais intensidade no
país em que ela se deu, o Vietnã, onde cada momento da vida de seus habi
tantes tinha ligação com as conseqüências e horrores das batalhas. Já para a
população do outro contendor, os EUA, a guerra estava fisicamente distante,
mas não deixava de impor sua presença ao longo de 1968: nas televisões, nos
jornais, nas famílias que enviavam seus filhos para a guerra e por vezes os
perdiam, nas vidas dos veteranos que retornavam com traumas e dificulda
des de reintegração social, nas canções e outras obras de arte, nos protestos
de rua, nos movimentos pacifistas, nos jovens que desertavam ou se recusa
vam a servir o exército etc.
Se, em movimentos contestadores de outros países, a Guerra do Vietnã
foi um dos aspectos presentes, nos EUA ela se constituiu no aspecto central.
A ela estiveram ligados eventos marcantes de 1968, como os distúrbios e
protestos radicais dos negros e de outras minorias, a campanha política para
a Presidência, a revolta dos estudantes e a emergência da contracultura. Nos
Estados Unidos, 1968 representou os estertores de movimentos sociais ante
riores, como o dos direitos civis, e o esgotamento da visão liberal-social-de-
mocrática, herdeira do New Deal de Roosevelt. Por outro lado, 1968 anun
ciou movimentos que se desenvolveriam nos anos seguintes, como os das
mulheres, dos homossexuais, do meio ambiente etc.
A partir de meados dos anos 50, florescera nos EUA um importante mo
vimento pelos direitos civis dos negros, que sofriam forte segregação. A lide
rança negra mais importante nesse período foi a do pastor Martin Luther
King, grande orador, pacifista, que teve seu auge político nas grandes mani
festações negras de Birmingham, no Alabama, em 1963. Ganhador do Prê-
138
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
mio Nobel da Paz em 1964, ele foi um dos responsáveis pelas conquistas his
tóricas das leis de 1964-65, que garantem formalmente aos negros os mes
mos direitos civis de qualquer cidadão americano. Por exemplo, a nova legis
lação proibia que escolas não admitissem negros, incentivando a educação
pública inter-racial.
Em 1968, contudo, as circunstâncias haviam mudado. Com o surgimen
to de vários grupos radicais negros — a afirmar o black power, o poder
negro, contra a sociedade excludente dos brancos — passavam a ser contes
tadas as propostas de King, de integração racial e de não-violência. No prin
cípio de 1968, King já havia perdido muito de sua influência sobre as novas
gerações. Não obstante, em abril, ele foi vítima de um atentado racista que o
matou, em Memphis, transformando-o em mártir da causa negra. A reação
dos negros diante do assassinato foi variada: da prostração até explosões es
pontâneas de violência revanchista. Grupos radicais — como os Panteras
Negras —, procuraram conter os ânimos populares, temendo que revoltas
desorganizadas pudessem dar ao governo o pretexto que esperava para liqui
dá-los. De fato, conseguiram manter a calma em metrópoles como Nova
York, Los Angeles, Cleveland e Detroit. Mas os distúrbios raciais espalha
ram-se por mais de 150 cidades, como Washington, Seattle e São Francisco,
gerando inúmeras mortes, ferimentos e prisões.
Apesar das divergências, tanto os adeptos de King como os do black
power posicionavam-se contra a Guerra do Vietnã, até porque os negros es
tavam na linha de frente nos campos de batalha e o belicismo era identifica
do com os setores brancos mais retrógrados. As posições dos movimentos
negros variavam da moderação de King — que em 1965 já se declarara con
trário a “uma das guerras mais sem sentido da História” — até o terceiro-
mundismo radical (e minoritário) de líderes como Stokely Carmichael, que
em 1967 fizera um discurso em Havana pela revolução total, inserindo as
reivindicações afro-americanas como parte das lutas para “mudar as estrutu
ras imperialistas, capitalistas e racistas dos Estados Unidos”.
Em 1968 também se desenvolveu nos EUA um capítulo importante da
busca das mulheres pela igualdade entre os sexos. Elas participaram ativa
mente da luta contra a Guerra do Vietnã, imposta pela sociedade “fálica e
imperialista”. O mesmo ocorrería em seguida com movimentos de homosse
xuais, gays e lésbicas.
No campo da política institucional, os eventos libertários de 1968 — no-
tadamente o combate à Guerra do Vietnã — também tiveram força significa-
139
O SÉCULO XX
140
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
141
O SÉCULO XX
1 42
L.
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
143
O SÉCULO XX
144
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
145
O SÉCULO XX
<46
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
147
O SÉCULO XX
148
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
1968 NO BRASIL
149
O SÉCULO XX
1 50
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
151
O SÉCULO XX
152
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
OUTROS 1968s
153
O SÉCULO XX
i 54
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
ra, novas relações entre política e cultura, entre os cidadãos e o Estado. A in
satisfação nos meios intelectualizados foi-se avolumando, inclusive na dire
ção do PC, que afastou o até então todo-poderoso Novotny. A luta contra as
velhas estruturas ganhou a adesão sobretudo dos jovens, afinados com a
onda juvenil libertária internacional.
Sentindo-se ameaçadas pelos ventos liberalizantes, as burocracias no
poder nos demais países do Leste europeu trataram de reprimir o mau exem
plo: em 20 de agosto de 1968, tropas do Pacto de Varsóvia — lideradas pelas
forças armadas da União Soviética — invadiram a Tchecoslováquia para re
colocar no poder gente de sua confiança. Houve protestos e escaramuças que
deixaram cerca de 30 mortos e centenas de feridos ao longo da ocupação de
um mês. Contudo, predominou a resistência passiva, estampada, por exem
plo, em frases criativas pichadas nos muros de Praga, com espírito irônico
próximo daquele de maio de 68 em Paris: “circo russo na cidade: não ali
mentem os animais”; “Ivan, pense na tensão sexual de Lena”; “grande expo
sição de armas soviéticas na praça Venceslau: entrada franca, saída difícil”.
O exército tchecoslovaco-‘ficou nos quartéis, devidamente instruído por
generais locais, inimigos das reformas. A população saiu às ruas para protes
tar, houve uma greve geral, o PC realizou um congresso clandestino, mas os in
vasores mantiveram o controle da situação. Após instalar no comando do PC
homens de sua confiança, os invasores deixaram o país; então, caberia à polí
cia política da própria Tchecoslováquia fazer o trabalho sujo da repressão.
Talvez tenha sido a última oportunidade perdida para reformar o socialismo
real: os documentos da época atestam que a ideologia do movimento tchecos-
lovaco era de avanço socialista, não de retorno ao capitalismo. O socialismo
real no Leste europeu, apodrecido em suas estruturas internas, viria a ruir
como um castelo de cartas, mais de vinte anos depois, em outra conjuntura in
ternacional, dando lugar ao retorno do capitalismo, cujos novos capitães de
empresa seriam os mafiosos que operavam no câmbio negro durante o socia
lismo e os próprios burocratas que tanto haviam defendido o comunismo...
CONCLUSÃO
155
O SÉCULO XX
diata em todo o mundo. A rápida difusão das notícias pela aldeia global po
de ser considerada um dos aspectos para compreender a generalização inter
nacional de eventos como os protestos estudantis de Paris ou a Guerra do
Vietnã. A influência da televisão na França, no Brasil e em outros países,
seria maior nos anos 70, mas já era considerável no fim da década de 1960.
Nos EUA, ela já era enorme em 1968.
Contudo, se os meios de comunicação de massa tiveram um papel consi
derável para informar os agentes sociais das agitações que se iam sucedendo
em todas as partes do mundo, isso não significa que os protestos se espalha
ram como reflexo do fenômeno da televisão, ou como mera imitação, mas
porque estavam dadas as condições para que as notícias recebidas tivessem
repercussão e as informações incorporadas colaborassem na construção de
novas ações criativas, política e culturalmente.
Algumas condições materiais eram compartilhadas pelas diversas socie
dades em que houve o florescimento cultural e político de 1968 — além das
especificidades locais. Essas condições eram.tuais significativas nos países
centrais, mas importantes também em países em desenvolvimento, como o
México e o Brasil: crescente urbanização, consolidação de modos de vida e
cultura das metrópoles, aumento quantitativo das classes médias, acesso cres
cente ao ensino superior, peso dos jovens na composição etária da população,
incapacidade do poder constituído para representar sociedades que se reno
vavam, avanço tecnológico (por vezes ao alcance das pessoas comuns, que
passaram a ter cada vez mais acesso, por exemplo, a eletrodomésticos, nota-
damente aparelhos de televisão, além de outros bens, como a pílula anticon
cepcional — o que possibilitaria mudanças consideráveis de comportamento)
etc. Essas condições materiais não explicam por si sós as ondas de rebeldia e
revolução, apenas abriram possibilidades para que frutificassem ações políti
cas e culturais inovadoras, buscando colocar a imaginação no poder.
Foram características dos movimentos libertários de 1968 no mundo
todo: inserção numa conjuntura internacional de prosperidade econômica;
crise no sistema escolar; ascensão da ética da revolta e da revolução; busca
do alargamento dos sistemas de participação política, cada vez mais desacre
ditados; simpatia pelas propostas revolucionárias alternativas ao marxismo
soviético; recusa de guerras coloniais ou imperialistas; negação da sociedade
de consumo; aproximação entre arte e política; uso de recursos de desobe-
diencia civil; ansia de libertação pessoal das estruturas do sistema (capitalis
ta ou comunista); mudanças comportamentais; vinculação estreita entre
1 56
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
BIBLIOGRAFIA
i Anderson, Perry. 1985. A crise da crise do marxismo. T. ed. São Paulo, Brasiliense.
Ains, Paulo E. (pref.). 1985. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes.
Callado, Carlos. 199 . Tropicália. São Paulo, ed. 34.
Cardoso, Irene. 1988. “Os acontecimentos de 1968 — notas para uma interpretação”, in
Santos, M.C.L. dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo, Nobel.
Debord, Guy. 1997. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto.
Favaretto, Celso. 1996. Tropicália alegoria alegria. 21 ed. revista. São Paulo, Ateliê Ed.
Perry, Luc e Repaut, Alain. 1985. Pensamento 68. São Paulo,-Ensaio.
Garcia, M arceiAurélio e Vieira, Maria Alice (org.). 1998. Rebeldes e contestadores —
1968, Brasil, França, Alemanha. São Paulo, ed. Fundação Perseu Abramo.
Goldfelder, Soma. 1981. A Primavera de Praga. São Paulo, Brasiliense. Coleção Tudo É
História.
Gc.ender, Jacob. 1987. Combate nas trevas — a esquerda brasileira: das ilusões perdidas
à luta armada. São Paulo, Ática.
Maciel, Luiz Carlos. 1987. Anos 60. Porto Alegre, LP&cM.
Martins Filho, João Roberto. 1987. Movimento estudantil e ditadura militar, 1964-1968.
Campinas, Papirus.
-------------- 1996. Rebelião estudantil: 1968 — México, França e Brasil. Campinas,
Mercado das Letras.
-------- — ■<orS-)- 1998- /áz 30 anos. Campinas, Mercado das Letras; São Carlos
ed. da UFSCar.
i
Matos, Olgárta. 1981. Paris 1968 — as barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense.
Coleção Tudo É História.
i Perrone, Fernando. 1988. ’68 relatos de guerra: Praga, São Paulo, Paris. São Paulo, Busca
Vida.
Reis Filho, Daniel Aarão e Moraes, Pedro de (org.). 1988 — reeditado em 1998. 1968, a
paixão de uma utopia. Rio de Janeiro, Espaçe e Tempo.
Ridenti, Marcelo S. 1993. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo, ed. Unesp/FA-
158
I
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
0 mundo socialista:
expansão e apogeu
Daniel Aarão Reis Filho
Professor titular de História Contemporânea
da Universidade Federal Fluminense
13
O SÉCULO XX
p a r e c e r c e r t a s e s c o lh a s e s tr a t é g ic a s e c e r t o s p a d r õ e s d a c u l t u r a p o lí tic a a t é
e n t ã o p r e v a le c e n te n o â m b i t o d o c o m u n is m o in t e r n a c i o n a l.
O s e g u n d o p e r ío d o a s s in a l a o a p o g e u d o s o c ia lis m o e , a o m e s m o te m p o ,
o a p a r e c i m e n t o d e v á r ia s c ris e s q u e p a s s a m a s o l a p a r o s is te m a . E le p r o lo n g a *
se d e 1 9 5 3 a 1 9 7 5 , q u a n d o t r i u n f a a lo n g a g u e r r a d o V ie tn ã c o n t r a o s E s ta d o s
U n id o s . O m u n d o s o c ia lis ta c o n h e c e u n e s s e p e r ío d o u m p r o c e s s o d e e x t r e m a
d iv e rs ific a ç ã o , e s te n d e n d o - s e s u a á r e a d e in f lu ê n c ia à A m é ric a L a tin a ( C u b a ) ,
à Á f r ic a , à Á sia e a o m u n d o is lâ m ic o . A o m e s m o te m p o , a c e n t u a r a m - s e a s
c o n t r a d iç õ e s in t e r n a s , q u e d e s e m b o c a r a m , e m a lg u n s m o m e n to s , e m in v a s õ e s
m ilita r e s e g u e r r a s e n tr e o s E s ta d o s s o c ia lis ta s . A p e s a r d a s f r a t u r a s e x p o s ta s ,
0 s o c ia lis m o c o n s ti tu ía - s e n u m a r e a l id a d e in c o n to r n á v e l d o p o n t o d e v is ta d a
d i n â m i c a d a s r e la ç õ e s i n t e r n a c i o n a i s . M u i t o s n ã o a v a l i a v a m d e t i d a m e n t e
s u a s c o n t r a d iç õ e s in t e r n a s , s e u s im p a s s e s , p r e f e r i n d o d e s t a c a r o s d e n o m i n a
d o r e s c o m u n s q u e u n ia m a q u e le s E s ta d o s , m o v im e n to s e p a r t i d o s q u e r e iv in
d ic a v a m r e f e r ê n c ia s p o lític a s , e c o n ô m ic a s e id e o ló g ic a s q u e a H i s t ó r i a c o n s a
g r a r a c o m o s o c ia lis ta s . O u t r o s a i n d a in s is tia m n o f a to d e q u e o s is te m a s o c i a
lis ta a v a n ç a v a le n ta m a s s is te m a tic a m e n te , q u a s e s e m i n t e r r u p ç õ e s , a p a r t i r d a
S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l , e n q u a n t o e n c o lh ia m a s á r e a s f ir m e m e n te c o n t r o l a
d a s p e l o s e u riv a l m a i o r — o c a p ita lis m o i n t e r n a c i o n a l e o s E U A , e m p a r t i c u
lar. N ã o r a r o s a n a lis a v a m o s o c ia lis m o , e s p e c ia lm e n te o s o c ia lis m o s o v ié tic o ,
c o m o u m s is te m a e m a s c e n s ã o , e n q u a n t o o s E U A lid e r a v a m u m b lo c o d e p a í
se s c a p i ta l is ta s c o n d e n a d o a o d e c lín io e à d e c a d ê n c ia ...
N o t e r c e ir o p e r í o d o , a ú ltim a d é c a d a q u e p r e c e d e u o d e s e n c a d e a m e n t o
da perestroika ( 1 9 7 5 - 1 9 8 5 ) , e s tu d a - s e o c h a m a d o s o c ia lis m o d e s e n v o lv id o .
D e u m la d o , o s o c ia lis m o n u n c a p a r e c e r a t ã o f o r te . M a s já h a v i a e n t ã o s in a is
d e u m p r o c e s s o c r ít ic o , q u e im p u n h a r e f o r m a s d r á s ti c a s . A q u e le s is te m a , q u e
p re te n d ia e n c a r n a r o fu tu ro , p a s s o u a se r o b rig a d o a e x a m in a r s u a s c o n tr a
d iç õ e s e im p a s s e s , a a v a l i a r s e u p a s s a d o , o s p r o b le m a s a c u m u l a d o s , e a d e f i
n ir n o v o s ru m o s .
O s p e r í o d o s a q u i d e f in id o s s ã o a p e n a s b a liz a s p a r a o r i e n t a r a r e f l e x ã o , e
n ã o m a r c o s r í g i d o s q u e a p e n a s c o n f u n d i r í a m , já q u e a H i s t ó r i a , c o m o se
s a b e , n ã o s e c o n s ti tu i e m b lo c o s s e p a r a d o s , m a s t r a n s c o r r e n u m f lu x o c o n t í
n u o , s e m p r e r e m o d e l a d o e r e o r i e n t a d o p e la v o n t a d e e p e la i m a g i n a ç ã o d o s
s e re s h u m a n o s , a g i n d o s e g u n d o s u a s c i r c u n s t â n c i a s .
14
A U R S S e m e r g iu d a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l , d o p o n t o d e v i s t a d a e c o n o
m i a e d a d e m o g r a f i a , s e m i - a r r a s a d a , d e v a s t a d a p e lo s e x é r c ito s n a z i s t a s , s o
b r e t u d o e m s u a p a r t e o c i d e n ta l , o c u p a d a d u r a n t e a n o s . M a s s e u p r e s tí g io p o
lític o e r a im e n s o e s u a fo rç a m ilita r, in c o n tr a s r á v e l, p a r ti c u la r m e n te n a
E u r o p a . O m o d e lo s o v ié tic o ir r a d i a v a f o r ç a , r e c o n h e c id a p o r a m ig o s e i n i m i
g o s . A f in a l, f o r a c a p a z d e s e r o f a t o r d e c is iv o n a d e r r o c a d a d o n a z is m o . O s
p o v o s d a U R S S , s o b r e t u d o o p o v o r u s s o , e m b o r a t r a u m a t i z a d o s p e l o s s a c r i
fíc io s im p o s t o s , e s ta v a m a l iv ia d o s e o r g u lh o s o s , c o e s o s e m t o r n o d e s u a s in s
ti t u i ç õ e s e d e s e u s d i r i g e n t e s , e n t r e o s q u a i s e m e r g ia a f i g u r a d e J . S ta l in ,
e n t ã o in c e n s a d o c o m o g u ia p o lític o g e n ia l.
D e m o d o g e ra l, em to d o o m u n d o , e ta m b é m n a tu r a lm e n te n a U R S S ,
h a v ia u m a g r a n d e e s p e r a n ç a d e q u e s e ria p o s s ív e l a g o r a r e c o n s tr u ir u m
m u n d o m a is ju s to , f r a t e r n o , s o lid á r io , liv re e d e m o c r á t i c o . N ã o t i n h a m s id o
e s te s o s v a l o r e s e m t o r n o d o s q u a i s se f o r m a r a a G r a n d e A lia n ç a q u e d e r r o
t a r a o n a z is m o ?
E n t r e t a n t o , a s e x ig ê n c ia s d o p r o c e s s o d e r e c o n s t r u ç ã o d o p a í s , o u a m a
n e i r a c o m o o p o d e r s o v ié tic o e n t e n d e u o r i e n t a r e s te p r o c e s s o , e , p r i n c i p a l
m e n te , a s c i r c u n s t â n c i a s d a G u e r r a F r ia , a b e r t a m e n t e i r r o m p i d a d e s d e 1 9 4 6 ,
m o d e la ra m o f u tu r o d e o u tr a fo rm a , fa z e n d o r e to r n a r a a tm o s fe ra d o s r it
m o s f e b r is , d a te n s ã o e d o m e d o , tí p i c a d o s p la n o s q u i n q u e n a i s e x p e r i m e n
t a d o s a o lo n g o d o s a n o s 3 0 ,
I n s t a u r o u - s e o m u n d o f e c h a d o d a b ip o l a r iz a ç ã o , a s e r v iç o d o s in te r e s s e s
e d a d i n â m i c a d o s com plexos industriais e m ilitares d e c a d a c a m p o , o u s e ja ,
d o s s e to r e s c o m p r o m e t i d o s c o m a c o r r i d a a r m a m e n t i s t a e c o m t o d a a s o r te
d e b e n s e s e r v iç o s q u e a p o i a v a m a p r o d u ç ã o p a r a a g u e r r a . N e s t e q u a d r o ,
c o n t i n u a r a m a m e re c e r a m a io r p r i o r i d a d e , e m t e r m o s d e in v e s tim e n to s , e o s
m a io r e s c u i d a d o s , e m p e s s o a l e d e m a is r e c u r s o s , os dinossauros comedores
de ferro e de aç o : i n d ú s tr i a s d e a r m a s e m u n iç õ e s , d e m á q u i n a s e d e b e n s i n
t e r m e d i á r i o s , a p r o d u ç ã o d e e n e r g ia e a c o n s t r u ç ã o d e v ia s d e t r a n s p o r t e s .
A economia d e comando, m obilizada (S a p ir, 1 9 9 0 ) c o m s u a s c a r a c t e r í s
tic a s típ ic a s : e s ta tiz a ç ã o g e ra l d a s a tiv id a d e s , p la n e ja m e n to c e n tr a liz a d o ,
p r o l i f e r a ç ã o d e a g ê n c ia s c e n t r a i s d e c o n t r o l e , d i t a d u r a p o l í t i c a , r e le g a ç ã o , a
u m p l a n o s e c u n d á r i o , d o s in te re s s e s i m e d ia t o s e d a s d e m a n d a s d a s p e s s o a s
c o m u n s p o r c o n d iç õ e s m e lh o r e s d e v i d a , d e t r a b a l h o , d e t r a n s p o r t e e tc .
E m 1 9 5 0 , o a n ú n c i o d o s r e s u lt a d o s d o IV P la n o Q ü i n q ü e n a l evidenciou
15
O SÉCULO XX
a f o r ç a e a f r a q u e z a d e s t a s e s c o lh a s e s tr a t é g ic a s . E n q u a n t o a p r o d u ç ã o d e
c a r v ã o , d e p e t r ó l e o , d e a ç o e d e e n e r g ia e l é tr ic a , e n t r e o u t r a s d o m e s m o t i p o ,
r e g is t r a v a m n o v o s r e c o r d e s im p r e s s i o n a n te s , a p r o d u ç ã o d e b e n s d e c o n s u
m o , e s o b r e tu d o a a g ric u ltu ra d e g rã o s , a p o n ta v a m p a r a u m a s itu a ç ã o d e e s
t a g n a ç ã o o u , e m a l g u m a s á r e a s , p a r a o d e c l ín io . O V P l a n o , f o r m a l m e n t e
a p r o v a d o e m f in s d e 1 9 5 2 , p o r o c a s i ã o d o X I X C o n g r e s s o d o P a r t i d o
C o m u n i s t a d a U n iã o S o v ié tic a (P C U S ), m a s já s e n d o i m p l e m e n t a d o d e s d e o
a n o a n t e r io r , m a n te v e e a p r o f u n d o u e s ta s o p ç õ e s . E r a p r e c i s o s e d e f e n d e r d a
G u e r r a F r ia , c u jo s p e r ig o s r o n d a v a m . M a i s u m a v e z , o s c i n to s d e v e r i a m s e r
a p e r t a d o s .. . e a s c o n s c iê n c ia s e v o n t a d e s , m o b i liz a d a s .
O r e la n ç a m e n to d o s m é to d o s h a b i t u a i s . D e u m l a d o , c a m p a n h a s p o s i t i
v a s , p a r a a u m e n t a r a p r o d u ç ã o e a p r o d u t i v i d a d e , e m u la ç ã o e n t r e u n id a d e s
d e p r o d u ç ã o , i n d u s tr i a is e a g r íc o la s , c id a d e s , r e g iõ e s , d i s t r i b u i ç ã o d e p r ê m io s ,
in c e n tiv o s m o r a is e m a te r ia is , p r o c e s s o s d e p r o m o ç ã o s o c ia l. D e o u t r o la d o , o
e m p r e g o d o T e r r o r , c o m s u a s d u a s fa c e s , c o a g i n d o e i n i b in d o , m a s t a m b é m
m o b i l i z a n d o e m c a m p a n h a s d e id e n tif ic a ç ã o , d e l a ç ã o e d e r r u b a d a d o s c h a m a
dos inimigos do povo.
E m s u a d i m e n s ã o p u n i t i v a , o T e r r o r , m a is u m a v e z , t r a u m a t i z o u a s o c ie
d a d e e o p r ó p r i o p a r t i d o . E n t r e o s s o l d a d o s e c iv is p r e s o s p e lo s n a z i s t a s , e r e
c a m b i a d o s p a r a a U R S S lo g o d e p o i s d a g u e r r a , u m p o u c o m a is d e 4 0 %
f o r a m p a r a o s c a m p o s d e t r a b a l h o s f o r ç a d o s , s o b s u s p e ita d e colaboraáonis-
mo. P e q u e n a s n a ç õ e s n ã o -ru s s a s , n a re g iã o d o C á u c a s o , fo ra m d e p o r ta d a s
e m b lo c o , t a m b é m a c u s a d a s d e s e r v ilis m o d i a n t e d o in v a s o r . N a s f ile ir a s d o
p a r t i d o , d o m a is a l t o e s c a l ã o { q u e d a b r u s c a d e N .A . V o z n e s s e n s k i, m i n i s t r o
d o P la n o ) à b a s e (a d e p u r a ç ã o a l c a n ç o u 3 0 % d e d ir i g e n te s lo c a is n o c o n j u n
t o d a U R S S ), a i n s t a l a ç ã o d e u m a a t m o s f e r a d e areias movediças.
P a r a c o m p e n s a r , a s m o b iliz a ç õ e s e m t o r n o d e m i to s u n i f i c a d o r e s , c o m -
p r o v a d a m e n t e e fic a z e s a o l o n g o d a H i s t ó r i a : a d e f e s a d a P á t r i a a m e a ç a d a , a
f o r ta l e z a s o c ia l is ta s i t i a d a p o r u m m u n d o c a p i t a l i s t a h o s til e o c u l t o à p e r s o
n a l i d a d e d o g u ia g e n ia l, o P a i d o M u n d o d o T r a b a l h o , o c a m a r a d a J . S ta lin .
E m 1 9 4 9 , p o r o c a s iã o d o se u s e p tu a g é s im o a n iv e rs á rio , h o u v e u m d e lírio
in é d i t o d e h o m e n a g e n s e f e s tiv id a d e s . O h o m e m a d q u i r i u d im e n s õ e s s e m id i-
v in a s . E p a r e c ia t a n t o m a is f o r te q u a n t o m a is se f o r t a l e c i a o s i s t e m a q u e o r e
c o n h e c ia c o m o c h e f e s u p r e m o e in q u e s t io n á v e l .
C o m e f e i to , o s is te m a s o c ia l is ta e s te n d í a - s e p a r a a E u r o p a e p a r a a Á s ia ,
s u p e r a n d o a s i t u a ç ã o d e is o la m e n t o q u e m a r c a r a a t r a j e t ó r i a d a r e v o lu ç ã o
ru ssa d e sd e 1 9 1 7 .
16
A o e s te , g r a ç a s a o a v a n ç o d a s t r o p a s s o v ié tic a s a t é B e rlim , fo i p o s s ív e l,
e m p r i m e i r o lu g a r, a n e x a r à U R S S im p o r t a n t e s t e r r i t ó r i o s : o s c h a m a d o s E s ta
d o s b á ltic o s { L e tô n ia , E s tô n ia e L i tu â n i a ) , a p a r t e o r i e n t a l d a P o lô n ia e u m a
p o r ç ã o d a R o m ê n ia —- t r a n s f o r m a d a e m R e p u b lic a S o v ié tic a d a M o l d á v i a .
C o m e s te m o v i m e n t o , M o s c o u r e c u p e r o u a s f r o n t e i r a s d o v e l h o I m p é r i o
T z a r i s t a , p e r d i d a s e m 1 9 1 7 . I r o n ia d a h is tó r i a : o t r a ç a d o d e s t a g e o g r a f i a fiz e
r a p a r t e d o a c o r d o g e r m a n o - s o vi é tic o a s s in a d o e m a g o s t o d e 1 9 3 9 ...
N a á r e a d a E u r o p a C e n t r a l ( P o lô n ia , T c h e c o s lo v á q u i a , A le m a n h a O r i e n
t a l e , d e p o i s , R e p ú b l i c a D e m o c r á t i c a A le m ã ( R D A ) , H u n g r i a , R o m ê n i a ,
A lb â n i a , B u lg á r ia e Iu g o s lá v ia ) , q u a s e t o d a o c u p a d a p e lo s e x é r c ito s s o v ié ti
c o s , a e x p e c ta t iv a d e M o s c o u e r a f o r m a r u m c i n t u r ã o d e E s ta d o s n o m ín im o
n ã o - h o s r is . C o m e f e ito , n a fa s e f in a l d a g u e r r a , h a v ia u m a c o r d o e n t r e a s p o
tê n c ia s d a G r a n d e A lia n ç a d e q u e o s p a ís e s d a á r e a n ã o p o d e r í a m s e r in im ig o s
d a U R S S , c o m o t i n h a s id o o c a s o d e p o is d o t r i u n f o d a r e v o lu ç ã o r u s s a , e m
1 9 1 7 , M a s n e m p o r is s o s e r i a m t a n g i d o s a o s o c i a l i s m o . O c o n s e n s o , q u e
a b r a n g i a i g u a l m e n t e m u i t a s r e g iõ e s d o m u n d o ( E u r o p a O c i d e n t a l , Á s ia e
A m é r ic a d o S u l), e r a o d e o r g a n iz a r , e m t o d a p a r t e , g o v e r n o s d e u n i ã o n a c i o
n a l , c o m a m p l a p a r t i c i p a ç ã o , in c lu s iv e d e c o m u n i s t a s e s o c i a l i s t a s . M a i s
t a r d e , e le iç õ e s liv re s t e r i a m lu g a r, c a d a p o v o d e f in i n d o s e u f u t u r o c o m o b e m
lh e a p r o u v e s s e . A c o n s t r u ç ã o e r a c o e r e n te c o m o s v a lo r e s q u e h a v i a m m o b i li
z a d o o s p o v o s c o n t r a o n a z is m o e in s p i r a d a , n a m e d id a e m q u e e r a s e n s ív e l à s
p a r t i c u l a r i d a d e s d e c a d a r e g iã o e d e c a d a p a ís . M a s n ã o r e s is ti u à p r o v a d 3
G u e r r a F r ia e d e s u a s e x ig ê n c ia s .
A s s im , n o c a s o d a E u r o p a C e n t r a l , s o c ie d a d e s e x r r e m a m e n t e d iv e r s if ic a
d a s , h i s t o r i c a m e n t e c o n s t i t u í d a s e m s u a s e s p e c if ic id a d e s p o lí tic a s , lin g ü ís ti-
c a s , r e lig io s a s e c u l t u r a i s , ti v e r a m q u e e n t r a r n u m m o l d e ú n ic o , r íg i d o e c e n
t r a l i z a d o , o m o d e lo s o v ié tic o . F o r a m r e v o g a d o s c o m m a i o r o u m e n o r r a p i
d e z o s g o v e r n o s d e u n i ã o n a c i o n a l , e se u n if i c a r a m e m r i t m o m a r c ia l o s p a r
t i d o s s o c ia lis ta s e c o m u n i s t a s lo c a is . A r e p r e s s ã o c u i d o u d a s o p o s iç õ e s à m a -
ríè ira s o v ié t ic a , c o m d i r e i t o a g r a n d e s p r o c e s s o s p ú b li c o s , t o r t u r a s e c o n f i s
s õ e s. N a s c ia m a s d e m o c ra c ia s p o p u la re s , q u e n u n c a fo ra m d e m o c r á tic a s ,
t a m p o u c o p o p u l a r e s ... c o n d i c i o n a d a s , d e s d e o in íc io , p o r u m a a l i a n ç a s u b
m is s a c o m o p o d e r o s o v iz in h o ( C la u d in , 1 9 8 3 ) .
N o o u t r o e x t r e m o d o m u n d o , n a Á s ia O r i e n t a l , o s o c ia lis m o f a r t a o u t r o s
a v a n ç o s , a í s e m p r a t i c a m e n t e a j u d a n e n h u m a d o s s o v ié tic o s .
O p r o c e s s o s o c ia l, m a is u m a v e z , s u r p r e e n d e r í a a t o d o s , i m p o n d o s i t u a
ç õ e s im p r e v is ta s , d ifíc e is d e a n a lis a r. R e v o lu ç õ e s n a c io n a lis ta s r a d ic a is ,
t e n d o o s c a m p o n e s e s c o m o p r in c i p a l f o r ç a s o c ia l, b a s e a d a s e m o r g a n i z a ç õ e s
17
O SÉCULO XX
a r m a d a s d e m a s s a s , o s e x é r c ito s g u e r r il h e ir o s p o p u l a r e s , e s ta v a m s e c a n d i d a
t a n d o a o p o d e r n u m c e r t o n ú m e r o d e p a ís e s q u e h a v ia m s id o p a r c i a l o u t o
ta lm e n te o c u p a d o s p e lo s ja p o n e s e s d u r a n te a S e g u n d a G u e r r a M u n d ia l
( C h in a , C o r é i a , V ie t n ã , I n d o n é s ia , B ir m â n ia , M a l á s i a , F ilip in a s e tc .) . O p r o
b le m a , p a r a a s p o tê n c ia s c a p i t a l i s t a s , s o b r e t u d o p a r a a s e u r o p é i a s , c q u e o s
c o m u n is ta s a s iá tic o s e s e u s a lia d o s t i n h a m a h e g e m o n ia , o u g r a n d e i n f l u ê n
c i a , e m q u a s e t o d o s e s te s e x é r c ito s g u e r r il h e ir o s ...
E n t r e a s p o tê n c ia s d a G r a n d e A lia n ç a , c o m o já fo i r e f e r i d o , h a v i a o a c o r
d o d e q u e , n e s te s p a ís e s , t a m b é m d e v e r ía m se o r g a n i z a r g o v e r n o s d e u n i ã o
n a c i o n a l , e le iç õ e s liv re s e t c ., e m s u m a , a m e s m a m e t o d o l o g i a p r e v is ta p a r a
o u t r a s p a r te s d o m u n d o . M a s n in g u é m i m a g in o u , n e m m e s m o o s s o v ié tic o s ,
q u e o s c o m u n is ta s p u d e s s e m v e n c e r e le iç õ e s e s e a s s e n h o r e a r d o p o d e r.
E m 1 9 4 5 , o s c o m u n is ta s v i e t n a m i t a s , l i d e r a d o s p o r H o C h i M i n h , a p r o -
v e ita n d o - s c d a d e r r o c a d a d o J a p ã o , e a n t e s q u e o s e u r o p e u s , n o c a s o , o s f r a n
c e s e s , c h e g a s s e m p a r a t e n t a r r e o c u p a r o lu g a r d e p o tê n c ia c o l o n i a l p e r d i d a
d u r a n t e a g u e r r a , p r o c l a m a r a m a in d e p e n d ê n c ia n a c i o n a l. T i v e r a m o c u i d a
d o d e a f i r m a r b a s t a n t e b e m s u a a u t o n o m i a e s e u s v ín c u lo s à n a ç ã o a q u e p e r
te n c ia m . N ã o e r a m p e õ e s , n e m m u i t o m e n o s a g e n te s d e M o s c o u . O m e s m o
f a r ia m o s c o m u n is ta s c h in e s e s , a o lo n g o d a s d ifíc e is n e g o c ia ç õ e s q u e se e s t a
b e le c e r a m lo g o d e p o i s d a r e n d iç ã o d o s ja p o n e s e s c o m v is ta s à c o n s t i t u i ç ã o
d e u m g o v e r n o d e u n i ã o n a c i o n a l d a C h in a . M a n t i v e r a m c o n v e r s a ç õ e s c o m
r e p r e s e n t a n t e s c iv is e m i l i t a r e s d o g o v e r n o a m e r i c a n o , e m i t i r a m o s s in a i s
p o s s ív e is n o s e n ti d o d e m o s t r a r s u a s e s p e c if ic id a d e s n a c i o n a is e s u a s p e r s p e c
tiv a s d e a u t o n o m i a .
O c o r r e r a , d e f a t o , a o lo n g o d a g u e r r a , n a Á s ia O r i e n t a l , u m f e n ô m e n o
n o v o : c o m e p i c e n tr o n a b a s e v e r m e lh a d e Y a n a n , n o n o r o e s te d a C h i n a , c o n
t r o l a d a p e lo s c o m u n is ta s c h in e s e s , c o n s ti tu iu - s e u m a e s p é c ie d e internacional
comunista asiática, b a s t a n t e f r o u x a e m t e r m o s o r g â n i c o s , m a s r a z o a v e lm e n
te a f i n a d a e m te r m o s s o c ia is , e s tr a t é g ic o s e p r o g r a m á t i c o s . S e u s d e n o m i n a
d o r e s c o m u n s , d e u m a f o r m a m u i to e s q u e m á tic a , p o d e m s e r a s s im s i n t e t i z a
d o s : d e s e n v o lv e r a l u t a n a c i o n a l d e f o r m a r a d ic a l, l i b e r t a n d o a s n a ç õ e s d a
Á s ia d e q u a l q u e r t i p o d e c o l o n i a l i s m o ; b a s e a r - s e f u n d a m e n t a l m e n t e n o s
c a m p o n e s e s , m o b i liz a d o s e m t o r n o d e p r o g r a m a s d e r e f o r m a a g r á r i a ; f o r m a r
a lia n ç a s a s m a is a m p la s , i n c lu in d o a b u r g u e s ia e p e q u e n a b u r g u e s ia u r b a n a s ,
d e s d e q u e e s tiv e s s e m d is p o s ta s a l u t a r c o m o s c a m p o n e s e s p e l a in d e p e n d ê n
c ia n a c i o n a l ; c o n d u z i r a lu t a d e f o r m a a r m a d a , a p o i a d a e m e x é r c ito s g u e r r i
lh e ir o s p o p u l a r e s , c e r c a n d o a s c i d a d e s a p a r t i r d o s c a m p o s e m g u e r r a s p o p u
18
la r e s d e lo n g a d u r a ç ã o . A p ó s a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l , c o m e ç o u a s u r g i r
u m t e r m o , a i n d a a l g o im p r e c is o , o maoísmo (d e M a o T s é - tu n g , p r e s id e n t e d o
P a r t i d o C o m u n i s t a C h in ê s e p r in c i p a l e s t r a t e g i s t a d o E x é r c i t o P o p u l a r d e
L i b e r t a ç ã o (E L P )), p a r a d e s ig n a r t o d a s e s ta s n o v id a d e s q u e p o u c o s a n a l i s t a s
e s ta v a m d is p o s to s a le v a r a s é r io (R e is F ilh o , 1 9 8 1 ) .
A r e s p e it o d o s m é r i to s e d o s d e m é r ito s d o m a o ís m o , m u i t o j á s e e s c r e
v e u . O f a t o q u e n o s b a s t a a q u i é q u e s u a s r e f e r e n c ia s e s ta v a m s e n d o c a p a z e s
d e m o b i l i z a r v o n ta d e s e c o n s t i t u i r f o r ç a s c a p a z e s d e a s p i r a r a o p o d e r p o l í t i
c o . O r e c u o d a H i s t ó r i a , h o je a l c a n ç a d o , já n ã o p e r m i t e d ú v i d a s q u a n t o à
r e a l a u t o n o m i a d e s te s m o v im e n to s g u e r r il h e ir o s e d e s te s c o m u n i s t a s e m r e l a
ç ã o a M o s c o u . N e m o g r a n d e S ta lin c o n f ia v a n e le s , n e m e le s ti n h a m p o r q u e
c o n f i a r e m S ta lin .
C o n t u d o , n a d a d is to fo i c o n s id e r a d o . U m a v e z m a is , a i r r u p ç ã o d a G u e r
r a F r i a te v e , a q u i t a m b é m , e f e ito s u n i f o r m i z a d o r e s i g n o r a n d o p a r t i c u l a r i
d a d e s e a u t o n o m i a s , e e s c o lh e n d o a l ia d o s m e s m o q u e e s te s , m u i ta s v e z e s, n ã o
tiv e s s e m n e n h u m c o m p r o m is s o c o m a d e m o c r a c ia n e m tiv e s s e m se d e s t a c a d o
n a lu t a c o n t r a o s ja p o n e s e s . Q u a n t o à s lu ta s d e li b e r ta ç ã o n a c i o n a l n a r e g iã o
d a Á sia O r i e n t a l , e la s s e r ia m , d e m o d o g e r a l, d e r r o t a d a s ( B ir m â n ia , F ilip in a s ,
M a lá s i a ) , o u s e v e r ia m , p r o g r e s s iv a m e n te , e n c u r r a l a d a s , e m p u r r a d a s , lite r a l
m e n te , a t é c a i r n a ó r b i t a d o s o c ia lis m o s o v ié tic o ( C h in a , V ie tn ã e C o r é ia ) .
A s s u c e s s iv a s c r is e s q u e e n t ã o s o b r e v i e r a m , c o m o a d e B e rlim , c u jo b l o
q u e i o e s te n d e u - s e d e n o v e m b r o d e 1 9 4 8 a m a i o d e 1 9 4 9 , e , m a is g r a v e , a d a
C o r é i a , q u e v ir o u g u e r r a c iv il, e n t r e 1 9 5 0 e 1 9 5 3 , d a n d o a s a s à in t e r v e n ç ã o
d i r e t a d o s E U A ( s o b o m a n t o d a s N a ç õ e s U n id a s ) , p a r a d e f e n d e r o g o v e r n o
a l i a d o d a C o r é i a d o S u l, e d a C h in a , p a r a s u s t e n t a r o s n o r t e - c o r e a n o s , s ó fi
z e r a m a p e r t a r o s n ó s d a a l ia n ç a e n t r e U R S S e c o m u n i s t a s a s iá tic o s .
D o p o n t o d e v is ta d o s E U A , e s ta v a s e n d o c r i a d a e m t o r n o d a Á s ia e d a
C h i n a , e m p a r ti c u la r , u m a cortina de bambu, e q u i v a le n t e à cortina de feno
( e x p r e s s ã o c u n h a d a p o r W . C h u r c h i ll) , q u e s e p a r a v a a E u r o p a e m d u a s p a r
te s in c o n c iliá v e is . N e s t a l e itu r a , t o d o s o s c o m u n is ta s a s iá tic o s n ã o p a s s a v a m
d e p e õ e s d e M o s c o u . E s ta s c i r c u n s t â n c i a s d i m i n u í r a m d r a s t i c a m e n t e a s m a r
g e n s d e m a n o b r a n o s e n t i d o d a c o n s t r u ç ã o d e u m s o c ia l is m o p r ó p r i o , o r ig i
n a l . D e f a t o , a a l i a n ç a c o m a U R S S , n a f o r m a c o m o se r e a l iz o u , e c o n s i d e r a n
d o a s c i r c u n s t â n c i a s d a é p o c a , im p lic a v a e m p r é s t im o s , a s s e s s o r e s , m a s , p r i n
c ip a lm e n te , i m p o r t a ç ã o d e m o d e lo s d e o r g a n i z a ç ã o p o lí tic a e e c o n ô m ic a in
c o m p a tív e is c o m a d iv e r s i d a d e e c o m a e s p e c if ic id a d e . U m a a l ia n ç a granítb
ca, c o m o e n t ã o se d iz ia .
19
O SÉCULO XX
D e la e s c a p o u a p e n a s a I u g o s lá v ia , à c u s t a d e m u i ta o u s a d i a e d e t e r m i n a
ç ã o . O s c o m u n is ta s iu g o s la v o s , e o s v á r io s p o v o s q u e c o n s t i t u í a m a f e d e r a
ç ã o iu g o s la v a , s o b l i d e r a n ç a d e J . T i to , r e c u s a r a m a s a m b iç õ e s s o v ié tic a s e
e n f r e n t a r a m a s c a m p a n h a s d e t o d o o t i p o fe ita s p a r a d e s e s ta b i liz a r s e u g o
v e rn o . E m to r n o d e u m p ro je to p r ó p r io — o e n tã o c h a m a d o socialismo au-
togestionário — , c o n q u i s t a r a m s u a a u t o n o m i a , e s a ír a m v i t o r i o s o s , m a s fo i
a e x c e ç ã o q u e c o n firm o u a re g ra .
A r e g r a e r a o b lo c o s e m f a lh a s e s e m f is s u r a s , u m m o n o l i t o c o e s o e m
t o r n o d a U R S S e d e J . S ta lin , N u m m u n d o d e c o m b a t e a c i r r a d o , d iz ia - s e , n ã o
h a v i a a l t e r n a t i v a , n e m q u a l q u e r r ip o d e d e s v io p o d i a s e r t o l e r a d o . E r a a m e
l h o r m a n e ir a d e v e n c e r, e o s o c ia lis m o v e n c e r ía . P e lo m e n o s , u m a c o i s a e r a
c e r t a : o s is te m a s o c ia l is ta e s ta v a se e x p a n d i n d o .
A m o r t e d e J . S ta lin , e m 1 9 5 3 , fo i d iv e r s a m e n te a p r e c ia d a . N o s c a m p o s d e
t r a b a l h o s f o r ç a d o s n a U R S S h o u v e i m e n s o jú b i lo , e a l g u m a s t e n t a t i v a s d e
m o t i m , lo g o e s m a g a d a s a f e r r o e f o g o . U m p o u c o p o r t o d a a p a r t e , a n a l i s t a s
a p re s s a d o s a n u n c ia v a m q u e a m o rte d o Grande Chefe d e s e n c a d e a r ia o caos
n a U R S S . C o n tu d o , n ã o fo i is to q u e a c o n te c e u . H o u v e , c e r ta m e n te , u m a
g r a n d e d o r e u m p r o f u n d o s e n t i m e n t o d e d e s a m p a r o n o p a ís . E n t r e o s c o m u
n is ta s e s e u s a l i a d o s , e m t o d o o m u n d o , c o n s t e r n a ç ã o . M a s a p e r d a s e r ia a s
s im i la d a e m t e m p o r e l a t i v a m e n t e r á p i d o , o p e r a n d o - s e a s u c e s s ã o s e m c o n
v u ls õ e s m a io r e s . O s is te m a p a r e c ia t e r r e s e r v a s , e s o b r e v iv e u s e m g r a n d e s s o
b r e s s a lto s à m o r t e d o guia genial. E n t r e t a n t o , a lg u n s a s p e c t o s e s s e n c ia is d a s
o r ie n t a ç õ e s e d a c u l t u r a p o lític a lig a d a s a o n o m e d e S ta lin — o stalinismo —
p a s s a ra m a se r q u e s tio n a d o s e su p e ra d o s .
O e m b a te se m q u a r te l à s fo rç a s d o c a p ita lis m o in te rn a c io n a l, n u m a a t
m o s f e r a d e e n f r e n t a m e n t o s d e v id a o u m o r t e , fo i d a n d o l u g a r a p r o p o s t a s
m a is c o n c i l i a t ó r i a s , b a s e a d a s n u m a o u t r a p o l í t i c a , a d a c o e x i s t ê n c i a p a c í f ic a
e n t r e s is te m a s d if e r e n te s . A U R S S n ã o a b d i c a v a d o t r i u n f o d o s o c i a l i s m o ,
c o n s i d e r a d o in e v itá v e l h i s t o r i c a m e n t e . M a s o s c a m i n h o s n e s t a d i r e ç ã o s e
r i a m m e n o s li n e a r e s . O s o c ia l is m o , s e g u n d o a s n o v a s o r i e n t a ç õ e s , ir i a d e
m o n s t r a r s u a s u p e r i o r i d a d e e m t o d o s o s n ív e is . C o m o t e m p o , s o m e n t e u m a
m i n o r i a d e e m p e d e r n id o s se m a n t e r i a n a d e f e s a d o c a p i t a l i s m o . E le s s e r ia m
20
v e n c id o s , m a s e s t a r i a m t ã o e n f r a q u e c i d o s q u e n ã o s e r ia d ifíc il s u a n e u t r a l i z a
ç ã o . D e p r e f e r ê n c ia c o m u m m ín im o d e d e r r a m a m e n t o d e s a n g u e . E r a f u n d a
m e n t a l , n e s t a p e r s p e c t iv a , e v i ta r o a p o c a lip s e n u c le a r , d e n u n c i a r a c o r r i d a a r -
m a m e n t i s t a , e n c u r r a l a r e is o la r o s c ír c u lo s m a is a g r e s s iv o s d o imperialismo.
D o p o n t o d e v is ta d o c a m p o s o c ia l is ta , a U R S S p a s s o u a a d m i t i r a b e r t u
r a s a n t e s c o n s i d e r a d a s in c o n c e b ív e is , c o m o , p o r e x e m p lo , a d e q u e p o d e r í a
h a v e r, e m te s e , v á r io s c a m i n h o s p a r a a l c a n ç a r o s o c ia lis m o . E m lu g a r d o tno-
nolito, c e n t r a d o em M o sco u , u m esb o ço de policentrismo s o c ia l is ta .
E m s ín te s e , g r a n d e s m u d a n ç a s , r e o r ie n ta ç õ e s c a p i ta i s e m t e r m o s d e p o lí
t i c a in t e r n a c i o n a L E la s c r i a r i a m a s c o n d iç õ e s p a r a o fim d a G u e r r a d a C o r é i a
( c o n v e r s a ç õ e s d e P a n m u n j o m / 1 9 5 3 ) , p a r a o s a c o r d o s q u e p u s e r a m f im à
g u e r r a n a c i o n a l d o V ie tn ã c o n t r a o c o l o n i a l i s m o f r a n c ê s , r e c o n h e c e n d o , n o
n o r te d o p a ís , a in d e p e n d ê n c ia d a R e p ú b lic a D e m o c r á tic a d o V ie tn ã
( C o n f e r ê n c i a d e G e n e b r a / 1 9 5 4 ) , p a r a a r e c o n c ilia ç ã o c o m a I u g o s lá v i a (v isi
t a d e d ir ig e n te s s o v ié tic o s a B e l g r a d o /1 9 5 5 ) e, f in a l m e n t e , m a s n ã o m e n o s
i m p o r t a n t e , p a r a u m a d is te n s ã o s ig n if ic a tiv a n a s r e la ç õ e s c o m o s E U A (v isi
ta d e N . K ru c h e v a o s E U A 719 5 9 ).
N o p l a n o i n t e r n o , m u d a n ç a s n ã o m e n o s c a p i ta i s e s ta v a m e m c u r s o .
E m p r im e ir o lu g a r, u m p ro c e s s o g e r a l d e institucionalização d a r e v o lu ç ã o
n a s o c ie d a d e s o v ié tic a , c o m p r e e n d e n d o u m a s é rie d e m e d id a s o u p o lític a s : a
a f ir m a ç ã o d a s u p r e m a c ia d o P a r t i d o C o m u n i s t a (a rig o r, e s ra r e f e r ê n c ia n u n c a
f o r a a b a n d o n a d a n a t e o r i a , m a s , n a p r á t i c a , n o s te m p o s á u r e o s d a d i t a d u r a d e
J . S ta lin , o p a r t i d o p e r d e r a q u a s e q u e c o m p le ta m e n t e s u a f o r ç a p o lític a ) ; a ê n
fa s e n o c a r á t e r c o le tiv o d a d ir e ç ã o p o lític a , e m to d o s o s n ív e is; a d e f e s a d o r e s
p e i to a o q u e se p a s s o u e n t ã o a c h a m a r a legalidade socialista; a e l im i n a ç ã o o u
s u b o r d in a ç ã o d e o rg a n iz a ç õ e s q u e h a v ia m g a n h o c o n s id e rá v e l a u to n o m ia
d e n t r o d o E s t a d o e q u e f u n c io n a v a m c o m o v e r d a d e i r o s e s t a d o s d e n t r o d o
E s ta d o ( p o líc ia p o lític a , a s s e s s o r ia p a r t i c u l a r d o d i t a d o r e tc .).
A o m e s m o t e m p o , d e u -s e in íc io a u m p r o c e s s o d e li b e r a li z a ç ã o d o s c o n
tr o l e s e d a r e p r e s s ã o — c o m o se fo s se u m degelo, t í t u l o d a n o v e la d o e s c r i t o r
r u s s o , I, E h r e n b u r g : a n i s t i a p a r a o s p r e s o s p o lític o s e c o m u n s , a f r o u x a m e n
t o d o s c o n t r o l e s s o b r e o s m e io s d e c o m u n i c a ç ã o , in c e n tiv o à c r í t i c a e r e v i t a
liz a ç ã o d a s i n s tâ n c ia s c o le tiv a s d e d e c i s ã o , a n ú n c i o d e p o lí tic a s d e s c e n t r a li -
z a n te s e d e m o c ra tiz a n te s .
N o p l a n o d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o , a g ita v a m - s e n o v a s r e f e r ê n c ia s
e p r i o r i d a d e s : e r a p r e c is o a g o r a c o n f e r i r m a io r a t e n ç ã o à s n e c e s s id a d e s d a s
p e s s o a s c o m u n s : h a b i ta ç õ e s p o p u la r e s , t r a n s p o r t e s c o le tiv o s , s a ú d e e e d u c a
21
O SÉCULO XX
ç ã o , a g r ic u ltu r a e tc . N . K ru c h e v , o d ir ig e n te e n t ã o e m a s c e n s ã o , g o s ta v a d e
d iz e r q u e o socialism o era bom , m as seria melhor com m anteiga... o u s e ja ,
c h e g a r a o m o m e n t o d e p r e s t a r a t e n ç ã o à s d e m a n d a s im e d ia t a s d a p o p u l a ç ã o ,
e le v a r s e u s n ív e is d e v id a , m e l h o r a r s u a s c o n d iç õ e s d e t r a b a l h o . T o d a u m a ê n
fa s e fo i a t r i b u í d a à a g r i c u l t u r a , c o n h e c id o p o n t o f r a c o d a e c o n o m i a s o v ié tic a ,
d e s d e o s a n o s 3 0 , q u a n d o o c o r r e r a a te rr ív e l e d e s a s tr o s a c o le tiv iz a ç ã o f o r ç a
d a d o s c a m p o n e s e s . H o u v e r e a ju s te s d e p r e ç o s , d e f in iç ã o d e u m a p o lític a d e
in c e n tiv o s , a t r i b u i ç ã o d e c r é d i to s p a r a a e x p a n s ã o d a i n d ú s t r i a q u ím ic a ( a d u
b o s , p e s tic id a s e tc .) e , s o b r e t u d o , u m a a g r e s s iv a p o lític a d e d e s b r a v a m e n t o d e
t e r r a s v ir g e n s — a m e t a e r a m e l h o r a r s u b s t a n c i a lm e n te o a b a s t e c i m e n t o d o
p o v o , i g u a l a n d o , e s u p e r a n d o , o s n ív e is d e p r o d u t i v i d a d e r e g is t r a d o s p e lo s
p a ís e s c a p i ta l is ta s a v a n ç a d o s .
O X X C o n g r e s s o d o P a r t i d o C o m u n i s t a , r e a liz a d o e m f e v e re iro d e 1 9 5 6 ,
c o n s a g r o u t o d a s e s ta s m u d a n ç a s d e r u m o , c o n s o l i d a n d o o c lim a d e degelo .
E n t r e t a n t o , n o fim d o s tr a b a l h o s , N . K r u c h e v r e s e r v a r a p a r a o s d e le g a d o s u m a
s u r p r e s a : le u p a r a e le s u m in f o r m e , r e s e r v a d o (d ito secreto ), e m q u e se f o r m u
la v a m g r a v ís s im a s d e n ú n c ia s a J . S ta lin . O g u ia g e n ia l e r a a p r e s e n t a d o c o m o
u m re le s c r im in o s o , o d ir ig e n te s e m id iv in o fo i d e s c id o a o s in f e r n o s , v ir o u d e
m ô n i o . A U R S S t o m a r a - s e u m a g r a n d e p o tê n c ia , n ã o g r a ç a s a S ta lin , c o m o
t o d o s a t é e n t ã o im a g in a v a m , m a s a p e s a r d e le , d e s e u s e r r o s e d e s e u s c rim e s .
F o i u m a c o m o ç ã o . O s d e l e g a d o s f ic a r a m a t u r d i d o s , m a s c o n s a g r a r a m a
li d e r a n ç a d e N . K ru c h e v , a q u e l e a u d a c i o s o d i r i g e n t e q u e o u s a r a d e r r u b a r d o
p e d e s ta l o M a q u i n i s t a d a L o c o m o ti v a d a H i s t ó r i a , J . S ta lin . O m o v i m e n t o
c o m u n is ta n o m u n d o c a m b a le o u , a to r d o a d o . M u ito s s im p le s m e n te n ã o
a g ü e n ta ra m o im p a c to d a q u e la s re v e la ç õ e s e a b a n d o n a r a m a s file ira s .
O u tr o s c o m e ç a ra m a se p e r g u n ta r a o n d e q u e ria ir N . K ru ch ev . O f a to é q u e
o m o n o l i t o e s t r e m e c e u , a p a r e c e n d o a s p r i m e i r a s f is s u r a s . N u n c a m a i s e le
s e r ia o m e s m o .
N a U n iã o S o v ié tic a c r io u - s e u m a a t m o s f e r a a m b íg u a : i n s e g u r a n ç a e d ú
v id a s a o l a d o d e s e n ti m e n t o s d e c o n f i a n ç a e d e e u f o r i a , in é d ita s d e s d e o s t e m
p o s lo n g í n q u o s d a r e v o l u ç ã o d e 1 9 1 7 . N ã o a p e n a s a v id a c o r r e n t e i r i a m e
l h o r a r ( o socialism o com m anteiga ), m a s t a m b é m o s is te m a p a r e c ia m o s t r a r
c o n d i ç õ e s d e se a u t o - r e f o r m a r , c o m m a io r e s m a r g e n s d e l i b e r d a d e , d e d e b a
t e e d e c r í t i c a . A lé m d is s o , a U R S S s u r p r e e n d i a e f a s c in a v a o m u n d o c o m s e u s
a v a n ç o s te c n o ló g ic o s , m a te r ia liz a d o s n o c o n t r o l e d a s m a is m o d e r n a s e d e s
t r u t i v a s b o m b a s ( a t ô m i c a e d e h id r o g ê n i o ) , e , s o b r e t u d o , c o m a l i d e r a n ç a
q u e t o m a v a n a c o r r i d a e s p a c i a l, l a n ç a n d o o p r i m e i r o s a té l it e d e c o m u n i c a
22
23
O SÉCULO XX
ç ã o d e P a lm ir o T o g l ía t ti, p a s s a r a m a d e f e n d e r u m p e r f il e u m r u m o p r ó p r i o s
p a r a o s o c ia l is m o n o s p a ís e s c a p i t a l i s t a s a v a n ç a d o s : a e v o l u ç ã o h a v e r í a d e
s e r g r a d u a l , p a c í f ic a e b a s e a d a n a s i n s ti tu iç õ e s d e m o c r á t i c a s . A p o i a n d o - s e
n o le g a d o te ó r i c o d e A n t o n i o G r a m s c i, d e f e n d i a m u m a a l t e r n a t i v a p r ó p r i a
q u e , m a is t a r d e , t o m o u o n o m e d e eurocomunismo. N a Á s ia , a C h in a d e
M a o T s é - tu n g , d e s c o n f i a d a d a s d e c is õ e s d e s e u p o d e r o s o v iz in h o , c o m e ç o u a
d e n u n c ia r o revisiottismo d e N . K r u c h e v . A s c r ít ic a s , n o in íc io , e r a m d e c a r á
t e r t e ó r i c o , t e x t o s q u e s ó o s in ic ia d o s c o n s e g u ia m d e c ifra r. C e d o , n o e n t a n
t o , a s c o n t r a d iç õ e s r a d ic a li z a r a m - s e , d a n d o lu g a r a d e s t e m p e r o s v e r b a i s , e x
p r i m i n d o a n t a g o n i s m o s in c o n c iliá v e is , E s f u m a r a - s e a a l ia n ç a granítica e boa
p a r t e d a r e s p o n s a b ili d a d e d o p r o c e s s o e r a i m p u t a d a a o e s ti lo d e N . K r u c h e v ,
sem o q u a l, a rg u m e n ta v a m o s a d v e rs á rio s , a s c o n tra d iç õ e s p o d e r ía m te r s id o
m a is b e m a d m i n i s t r a d a s .
N a E u r o p a C e n t r a l , a p a r e n t e m e n t e im o b i l i z a d a e s o b c o n t r o l e , h o u v e
u m s u r t o d e r e b e ld ia s . A in d a e m 1 9 5 3 , p o u c o s m e s e s d e p o i s d a m o r t e d e J .
S ta lin , u m p r im e ir o s in a l: u m a v i o l e n ta in s u r r e iç ã o p o p u l a r n a p a r t e o r i e n t a l
d e B e rlim , c o n t r o l a d a p e lo s s o v ié tic o s , p r e c is o u s e r e s m a g a d a d e f o r m a v i o
le n ta . A n o s m a is t a r d e , a A lb â n i a p a s s o u a a c o m p a n h a r , à s v e z e s a a n t e c ip a r ,
a s c r ít ic a s c h i n e s a s a o s desvios s o v ié tic o s . A o m e s m o t e m p o , e m 1 9 5 6 , m a is
d u a s r e b e liõ e s . N a P o lô n ia , fo i p o s s ív e l c o n t r o l á - l a c o m c o n c e s s õ e s p a r c i a i s ,
c o m b i n a d a s c o m e x p u r g o s n o p a r t i d o e n o E s ta d o . M a s n a H u n g r i a , o d e s
c o n t e n t a m e n t o p o p u l a r fo i lo n g e d e m a is , m e s m o p a r a o s n o v o s p a d r õ e s q u e
se d e s e ja v a i n s t a u r a r . U m a e s p é c ie d e r e v o l u ç ã o p o p u l a r t o m o u a s r u a s d e
B u d a p e s te c o m u m p r o g r a m a e x t r e m a m e n t e s u b v e r s iv o : r e iv i n d ic a v a a n e u
t r a l i d a d e d o p a í s , a r e t i r a d a d a s t r o p a s s o v ié tic a s , a d e m o c r a t i z a ç ã o r e a l d a s
in s ti tu iç õ e s , O m o v i m e n t o fo i c o n s i d e r a d o a n t i c o m u n i s t a e a n t i- s o v ié ti c o —
u m a s e n h a p a r a q u e o s t a n q u e s in te r v ie s s e m , o q u e f iz e r a m c o m a e f ic á c ia e
a b r u t a l i d a d e h a b i tu a is . A r e v o lu ç ã o h ú n g a r a f o i s u f o c a d a e m s a n g u e e e m
e x ílio s — e d e i x o u c l a r o s o s lim ite s d o p o li c e n tr i s m o s o c i a l i s t a , p e l o m e n o s
n a á r e a d a E u r o p a C e n t r a l.
M a s n e m tu d o e r a m c o n tra d iç õ e s , h a v ia ta m b é m c irc u n s tâ n c ia s fa v o rá
v e is , e o s o c ia l is m o s o v ié tic o d e la s e x t r a í a f o r ç a s e a l e n t o . E n t r e o s p a ís e s d o
c h a m a d o T e r c e ir o M u n d o , a U R S S a p r e s e n t a v a - s e c o m o , e e r a d e f a t o , a
g r a n d e r e t a g u a r d a d o s in te r e s s e s d o s p o v o s o p r i m i d o s e m l u t a p e l a l i b e r t a
ç ã o n a c i o n a l . V o ta v a s e m p r e e m f a v o r d e s u a s c a u s a s n a s in s tâ n c ia s i n t e r n a
c i o n a is , o f e r e c e n d o c o n t r a p e s o à s p o tê n c ia s c a p i t a l i s t a s , c a p i t a n e a d a s p e l o s
E U A . A ju d a v a e m a r m a s e a s s e s s o r ia m u i t a s l u t a s e m c u r s o . C r i a r a a t é u m a
24
25
O SÉCULO XX
A fa se q u e se a b r iu e n t ã o , a té o in íc io d a perestroika, e m 1 9 8 5 , m a is d e v in te
a n o s , fo i, e m s u a é p o c a , c o n s id e r a d a a d e e x p a n s ã o m á x im a d o s o c ia lis m o —
o te m p o d o socialismo desenvolvido. U m a n o v a C o n s titu iç ã o , a p ro v a d a em
1 9 7 7 , e x a l ta v a o s a v a n ç o s o b tid o s , c o n s a g r a n d o ju r id ic a m e n te a U R S S c o m o
p o tê n c ia s o c ia lis ta . D e u m o u t r o â n g u lo , c r ític o , a p a r e c e u u m a o u t r a f o r m u l a
ção: 0 socialismo realmente existente. A q u e la s s o c ie d a d e s , s o b r e t u d o a s o v ié ti
c a , n ã o t i n h a m s id o id e a liz a d a s n e m p r e v i s t a s , m a s e x i s t i a m n a r e a l i d a d e .
C o n t r a a te im o s ia d o s f a to s , a le g a v a m o s p a r ti d á r io s d a e x p r e s s ã o , n ã o h a v ia
a r g u m e n to s .
A p e s a r d o s p r o b le m a s e d a s c o n t r a d i ç õ e s , a U R S S e o s o c ia lis m o p a r e
c ia m im b a tív e is , d o ta d o s d e u m a d in â m ic a in v e n c ív e l. O s d ir ig e n te s s o v ié ti
c o s , a g r u p a d o s e m t o r n o d a fig u r a d e u m n o v o s e c r e t á r io - g e r a l , L. B re jn e v , a s
s u m ia m o d is c u r s o d a e s ta b ilid a d e e d a e fic á c ia .
E m p r o l d a e s t a b i l i d a d e , e s v a z i a r a m o u s im p le s m e n te r e v o g a r a m a s p o
lític a s r e f o r m i s t a s d e m o c r a t i z a n t e s e d e s c e n t r a li z a n te s p r o p u g n a d a s p o r N .
K ru c h e v , O P a r t i d o C o m u n ista , n a n o v a C o n stitu iç ã o , fo i s o le n e m e n te r e a
f i r m a d o c o m o v a n g u a r d a d a s o c ie d a d e e d o r e g im e . D o p o n t o d e v is ta d a
e c o n o m i a , h o u v e t o d o u m e s f o r ç o p a r a d e f in i r p o lí tic a s n o s e n ti d o d e s u p e
r a r o s p ro b le m a s d ia g n o s tic a d o s d e sd e o s a n o s 5 0 : d e s la n c h a r a a g ric u ltu ra ,
a b a s te c e r m e lh o r as c id a d e s , e s tim u la r o s a v a n ç o s q u a lita tiv o s , in tr o d u z ir
n o v o s m é t o d o s d e g e s t ã o e d e o r g a n i z a ç ã o d o t r a b a l h o . A s s im , o p r o g r a m a
d e r e f o r m a r o s o c ia lis m o , e n u n c i a d o p o r N . K ru c h e v , p e r m a n e c i a d e p é .
N a e s f e r a d a s r e la ç õ e s i n t e r n a c i o n a i s a U R S S c o n s o li d a v a - s e c o m o s u
p e r p o tê n c ia . E o s o c ia lis m o r e g is t r a v a ê x ito s e s p e t a c u l a r e s , h i s tó r i c o s .
N o S u d e s te A s i á t i c o , a G u e r r a d o V ie t n ã , m a is u m a , a g o r a c o n t r a o s
E U A , e n c e r r a r a - s e , e m 1 9 7 5 , c o m u m a c o m p l e t a v it ó r ia d o s n a c i o n a l i s t a s ,
h e g e m o n i z a d o s p e l o s c o m u n i s t a s , a p o i a d o s p e la U R S S . L o g o e m s e g u i d a ,
c a i r i a m t a m b é m o L a o s e o C a m b o j a . O s a m e r ic a n o s , e m b o r a t e n d o d e i x a
d o a r e g iã o a r r a s a d a , f o r a m o b r i g a d o s a c o n t a b i l i z a r u m a d e r r o t a h u m i l h a n
te . P a r e c ia r e a liz a r - s e a m e t á f o r a d a queda dos dominós, fo rm u la d a d esd e
1 9 4 6 , s e g u n d o a q u a l e r a p r e c is o d e te r, a q u a l q u e r c u s t o , e v e n t u a is v it ó r ia s
d o s c o m u n i s t a s , p o is e la s te n d e r í a m a se e n c a d e a r d e f o r m a in c o n t o r n á v e l .
N o m u n d o á r a b e e m u ç u lm a n o , h o u v e z ig u e z a g u e s ( r e c u o d a U R S S n o
E g ito ) e a l g u m a s d e r r o t a s h i s t ó r i c a s ( q u e d a d e A , S u k a r n o n a I n d o n é s i a ) ,
26
m a s n a lu t a c o n t r a o E s t a d o d e I s r a e l, q u e p o l a r i z a v a a m p l a m e n t e a s f o r ç a s
p o lí tic a s i d e n tif i c a d a s c o m o Eslã, a U R S S a p a r e c i a c o m o a l i a d a c o n t r a o s
E U A e o s E s ta d o s e u r o p e u s .
N a Á f r ic a , a o s u l d o S a a r a , a d e s a g r e g a ç ã o d o v e lh o I m p é r i o P o r t u g u ê s ,
a c e le r a d a c o m a R e v o l u ç ã o d o s C r a v o s e m P o r t u g a l , e m 1 9 7 4 , e s t a v a le v a n
d o a o p o d e r n a s d u a s p r in c ip a is c o l ô n ia s , A n g o la e M o ç a m b i q u e , m o v i m e n
t o s d e li b e r t a ç ã o n a c i o n a l (F r e lim o e M P L A ) a l i a d o s d a U R S S . O s p r in c i p a is
d ir i g e n te s id e n tif ic a v a m - s e c o m o m a r x i s m o - le n i n is m o e se p r o p u n h a m a a s
s o c ia r e x p lic ita m e n te se u s p r o je to s p o lític o s a o s o c ia lis m o in te r n a c io n a l.
A lé m d is s o , e m v á r io s o u t r o s E s ta d o s , c o n s ti tu ía m - s e e lite s p o lí tic a s , à s v e z e s
a t r a v é s d e g o lp e s m ilita r e s , q u e p r o c u r a v a m a l i a n ç a e a p o i o ( a r m a s e a s s e s -
s o r a m e n t o ) e m t r o c a d e c o n c e s s õ e s e s tr a té g ic a s . U m c a s o q u e se t o r n o u e m
b le m á ti c o , e n t r e o u t r o s , fo i o d a E t ió p ia , o n d e e s ti v e r a m , in c lu s iv e , t r o p a s
c u b a n a s , a p o i a n d o m i lit a r e s n a c i o n a l i s t a s q u e se d iz ia m s o c ia lis ta s , o u a l i a
d o s d o s o c ia lis m o . S e m c o n t a r a e x i s t ê n c ia d e o u t r o s e x p e r i m e n t o s , f u n d a
m e n t a l m e n t e n a c i o n a l i s t a s , q u e n a d a t i n h a m a v e r c o m o m a r x i s m o - le n i n is
m o , m a s q u e se i n s p ir a v a m n o s m o d e l o s s o v ié tic o s d e o r g a n i z a ç ã o p o lí tic a e
e c o n ô m ic a ( p a r t i d o ú n ic o , p la n o c e n t r a l i z a d o , e s t a t i z a ç ã o d e s e t o r e s e c o n ô
m ic o s e s tr a t é g ic o s e tc .) e /o u q u e se a p r o x i m a v a m e m b u s c a d e a p o i o .
N a A m é r ic a L a t i n a , a r e v o lu ç ã o c u b a n a — v i t o r i o s a c o m u m p r o g r a m a
n a c io n a lis ta e d e m o c rá tic o — tra n s fo rm a ra -s e e m re v o lu ç ã o s o c ia lis ta , em
la r g a m e d i d a , e m v i r t u d e d a s p r e s s õ e s a m e r ic a n a s . A li t a m b é m o s s o v ié tic o s
s ó c o l h e r a m o s f r u t o s a m a d u r e c i d o s , p o is e s ti v e r a m p r a t i c a m e n t e a u s e n te s
d a l u t a r e v o lu c io n á r i a c o n t r a o re g im e d e B a t is ta — d e r r u b a d o e m ja n e i r o d e
1 9 S 9 — e d o s m o m e n to s im e d ia t a m e n te s u b s e q u e n te s , q u a n d o a r e v o lu ç ã o
r a d ic a li z o u - s e n u m a e s p ir a l d e a ç õ e s e d e r e a ç õ e s o n d e a in t r a n s ig ê n c i a d o
E s ta d o a m e r i c a n o fe z le m b r a r a s a t i t u d e s t o m a d a s n a Á s ia O r i e n t a l e m fin s
d o s a n o s 4 0 , c o m o s m e s m o s e f e ito s .
A re v o lu ç ã o c u b a n a a f ir m a r a s u a a u to n o m ia a o lo n g o d o s a n o s 6 0 ,
q u a n d o s u a e x t e n s ã o p a r a a A m é r ic a L a t i n a fo i c o n s i d e r a d a u m a h ip ó t e s e
possível (F ern an d es, 1 9 7 9 ) . C o n tu d o , a p ó s a m o r r e d o C h e G u e v a ra , c m o u
tu b r o d e 1 9 6 7 , e d o fra c a s s o d o p ro je to d a grande zafra, em 1 9 7 0 , q u a n d o
s e p r e t e n d e u , e m v ã o , c o l h e r o r e c o r d e h is t ó r i c o d e 1 0 m i lh õ e s d e t o n e l a d a s
d e a ç ú c a r , o a l i n h a m e n t o p o lí tic o e d i p l o m á t i c o c o m a U R S S te n d e u a se e s
ta b ili z a r , c o m a p r e v a lê n c ia d e a s p e c t o s c e n t r a is d o m o d e lo s o v ié tic o ( p a r t i
d o ú n ic o , p l a n o c e n t r a l i z a d o , e s t a t i z a ç ã o g e r a l d a e c o n o m i a , f o r ç a s a r m a d a s
p r o f is s io n a i s c a l c a d a s n o m o d e lo s o v ié tic o e tc .) . C u b a r e v o l u c i o n á r i a , e m b o
27
O S É C U 1 0 XX
r a m a n t e n d o m a r g e n s d e a u t o n o m i a , a l in h a v a - s e , a f in a l, n a ó r b i t a s o v ié tic a
e e m s u a s o r g a n iz a ç õ e s p o lí tic a s e m i lit a r e s ( C o m e c o n , P a c t o d e V a r s ó v ia
etc.)* N o r e s t a n t e d a A m é r ic a L a t i n a , a d e r r o t a d a e x p e r i ê n c ia d a U n id a d e
P o p u la r , c h e f i a d a p o r S a lv a d o r A lie n d e , e m 1 9 7 3 , f o r a u m r e tr o c e s s o , a s s im
c o m o u m a c o n s t e l a ç ã o d e d i t a d u r a s m ilita r e s n o s u b c o n t i n e n t e l a t i n o - a m e r i
c a n o ( A r g e n tin a e B ra s il, e n t r e o u tr a s ) . C o n t u d o , a i n d a a o l o n g o d o s a n o s
7 0 , a U R S S t e n t a r i a , à s v e z e s c o m ê x i t o , e s ta b e le c e r r e la ç õ e s c o m re g im e s m i
lita r e s n a c ío n a l- e s ta tis ta s q u e r e s s u r g ir a m n a re g iã o — n o P a n a m á , n a
B o lív ia e n o P e r u . N o fim d a d é c a d a , e m 1 9 7 9 , o t r i u n f o d o s s a n d i n i s t a s n a
N i c a r á g u a e o f o r ta l e c i m e n to d e u m m o v i m e n t o n a c i o n a l i s t a r a d ic a l e m E l
S a lv a d o r, a lé m d e o u t r a s e v o lu ç õ e s n a á r e a , p r e n u n c i a v a m u m n o v o s u r t o d e
v i t ó r i a s d e m o v i m e n t o s g u e r r il h e ir o s — u m a n o v a q u e d a d e d o m i n ó s ?
T o d o e s te a v a n ç o , p a r a d o x a l m e n te , n ã o u n i f i c a r a o m u n d o s o c i a l i s t a ,
c u ja s d iv is õ e s a c e n tu a v a m - s e . N a E u r o p a C e n t r a l , p e r m a n e c ia u m a s i t u a ç ã o
i n s t á v e l — c r i s e s s u c e s s iv a s n a P o l ô n i a , m o v i m e n t o s d i v e r s o s — , p o r é m
te n d o u m d e n o m in a d o r c o m u m — a lu ta p o r a u to n o m ia n a A lb â n ia , n a
H u n g r i a e n a R o m ê n i a , s o m a n d o - s e à já h is tó r i c a d is s id ê n c ia d a I u g o s lá v i a ,
e , f in a l m e n t e , a P r im a v e r a d e P r a g a , e m 1 9 6 8 , q u a n d o se t o r n o u n e c e s s á r i o
f a z e r in t e r v ir m a is u m a v e z o s t a n q u e s p a r a e s m a g a r u m a t e n t a t i v a d e c o n s
tr u i r u m s o c ia lis m o d e m o c r á tic o , p lu r a l (B ro u é , 1 9 7 9 ). N a E u r o p a O c i
d e n t a l , m u ltip lic a v a m - s e o s a d e p t o s d o e u r o c o m u n i s m o , p r in c i p a lm e n te n a
I tá l ia , d i f i c u l t a n d o o e x e r c íc io d a li d e r a n ç a d e M o s c o u n o q u a d r o d o q u e r e s
ta v a d o m o v i m e n t o c o m u n i s t a in t e r n a c i o n a l.
N a C h i n a , a p a r e c e u u m a a m e a ç a m a io r . C h e f i a d o s p o r M a o T s é - tu n g , o s
c o m u n i s t a s c h in e s e s t r a t a r a m , v á r ia s v e z e s , a o lo n g o d o s a n o s 5 0 e 6 0 , d e
c o n s t r u i r a l t e r n a t i v a s a o s s o v ié tic o s . A s p o lí tic a s d a s C e m F lo r e s ( 1 9 5 6 ) , d o
G r a n d e S a lt o p a r a a F r e n t e ( 1 9 5 8 ) e d a G r a n d e R e v o l u ç ã o C u l t u r a l P r o
le t á r i a ( 1 9 6 5 - 1 9 6 9 ) c o n s t i t u í r a m , a s s o c ia d a s a u m a a g r e s s iv a p o lí tic a e x t e r
n a d e a p o i o a o s m o v i m e n t o s d e li b e r t a ç ã o n a c i o n a l e m t o d a a p a r t e , o c e r n e
d o m a o ís m o , j á n ã o a p e n a s u m m o d e lo d e g u e r r a c a m p o n e s a d e l i b e r t a ç ã o
n a c io n a l, m a s u m a te n ta tiv a d e s u rg ir c o m o u m n o v o farol p a r a a r e v o lu ç ã o
m u n d i a l . A p r o p o s t a d e c e r c a r a s c i d a d e s p e lo s c a m p o s a s s u m ia a g o r a u m a l
c a n c e m a io r : o d e c e r c a r a s cidades d o p l a n e t a (o m u n d o r ic o ) p e lo s campos
— os p a ís e s p o b r e s e o p r im id o s . O p r o b le m a é q u e o s c h in e s e s c o l o c a v a m a
U R S S n o c o n t e x t o d o m u n d o ric o . E m a is : s i t u a v a m - n a c o m o m a is p e r ig o s a
a i n d a d o q u e o s E U A , p o is , e n q u a n t o e s te s ú ltim o s e s ta v a m e m decadêticia>
a q u e l a e n c o n t r a v a - s e n u m a t r a j e t ó r i a a s c e n d e n te . O s c h o q u e s a r m a d o s f r o n -
28
c e iriç o s e n t r e a U R S S e a C h i n a ( 1 9 6 9 ) , o q u e s t i o n a m e n t o e x p l í c i t o q u e e s ta
ú l t i m a c o m e ç o u a f a z e r d o t r a ç a d o d a s f r o n te i r a s e n t r e o s d o is p a ís e s , c h e g a
r a m a a l i m e n t a r a h ip ó t e s e d e u m a g u e r r a d e g r a n d e s p r o p o r ç õ e s e n t r e o s
d o i s e x - a lia d o s .
E n tr e ta n to , a a lte rn a tiv a m a o ís ta , e m b o ra te n h a s e d u z id o d u r a n te u m
c e r t o te m p o m u i t a s c o r r e n t e s r a d ic a is e m t o d o o m u n d o , t e n d e u a d e c l i n a r
e m v i r t u d e d o f r a c a s s o d e s u a s p r in c i p a is p r o p o s t a s . A s C e m F lo r e s , q u e v i
s a v a m p r o m o v e r u m a m p l o d e b a t e n a s o c ie d a d e s o b r e o s o c ia lis m o , n ã o f lo
r i r a m c o m o se e s p e r a v a , e fe n e c e r a m m u i to r a p i d a m e n t e , p o d a d a s p e lo a p a
r e l h o r e p r e s s iv o . O G r a n d e S a lto p a r a a F r e n te fo i u m g r a n d e s a l t o p a r a t r á s ,
g e r a n d o f o m e e d e s e s p e r o , o q u e foi a s s u m id o p e lo p r ó p r i o M a o a u t o c r i t i c a -
m e n te . F in a l m e n t e , a G r a n d e R e v o lu ç ã o C u l t u r a l P r o l e t á r i a , a p e s a r d e , i n i
c ia lm e n te , te r re g is tra d o c e rto s a v a n ç o s n o s e n tid o d a d e m o c r a tiz a ç ã o d o
p o d e r e d o a p a r e l h o e d u c a c i o n a l , c e d o te v e s u a d in â m i c a li m it a d a a lu t a s in
c o n c iliá v e is e n t r e c o r r e n t e s p a r t i d á r i a s p e la s i n s tâ n c ia s c e n t r a i s d o E s t a d o .
E m v e z d e g r a n d e r e v o lu ç ã o , p a s s o u a s e r u m a p e q u e n a lu t a p o lí tic a ( n o s e n
t i d o h is tó r i c o ) p e l a a f i r m a ç ã o d o p r ó p r i o M a o T s é - tu n g n a li d e r a n ç a d o p a r
t i d o e d o E s ta d o c h in e s e s .
N o in íc io d o s a n o s 7 0 , a a p r o x i m a ç ã o e n t r e o s E U A e a C h i n a fo i a e v i
d ê n c i a m a is s e g u r a d a s e r ie d a d e c o m q u e s e c o g i ta v a d a ameaça soviética. Ao
m e s m o t e m p o , p o r é m , in t e g r a n d o o s c h in e s e s n a s in s titu iç õ e s i n t e r n a c i o n a i s
( in g r e s s o n a O N U ) , c o n t r i b u i u p a r a a t e n u a r o r a d i c a l i s m o q u e se t o r n a r a
m a r c a r e g i s t r a d a d o m a o ís m o . Q u a n d o M a o d e s a p a r e c e u , e m 1 9 7 6 , a C h i n a
j á se e n c o n t r a v a e n v o lv id a n o p r o c e s s o d a s Q u a t r o M o d e r n iz a ç õ e s ( d a in
d ú s t r i a , d a a g r i c u l t u r a , d a c iê n c ia e d a s f o r ç a s a r m a d a s ) — q u e a l e v a r i a
lo n g e n o c a m i n h o d a p r o s p e r i d a d e e d a a l ia n ç a c o m o s c a p i t a i s i n t e r n a c i o
n a i s (V. P o m a r , 1 9 8 7 ) .
D e s o r te q u e , a p e s a r d a s c o n tra d iç õ e s n o p r ó p r io c a m p o s o c ia lis ta , a
U R S S n ã o d e ix a v a d e a p a re c e r c o m o s u p e rp o tê n c ia e d e s e r re s p e ita d a c o m o
ta l. O s e n c o n t r o s r e g u la r e s d o s p r e s id e n te s a m e r ic a n o s c o m o s e m p i t e r n o s e
c r e t á r i o g e r a l s o v ié tic o — L. B re jn e v — , q u e p e r m a n e c ia f ir m e n o c a r g o , a u
t o r i z a v a m a h ip ó t e s e d a f o r m a ç ã o d e u m a e s p é c ie d e c o n d o m í n i o m u n d i a l —
o m u n d o r e g id o p e l o s in te r e s s e s d o s E U A e d a U R S S .
A c o r d o s c o m e r c ia i s in t e r l i g a v a m c o m c a d a v e z m a i o r f o r ç a a m b o s o s
la d o s , N o s a n o s 7 0 , o c o m é r c io e n t r e a m e r ic a n o s e s o v ié tic o s m u ltip lic o u - $ e
p o r o i t o , a s i m p o r t a ç õ e s s o v ié tic a s d e c e r e a is a t i n g i n d o a m é d ia a n u a l d e 4 0
m ilh õ e s d e t o n e l a d a s n o in ic io d o s a n o s 8 0 ( N o v e , 1 9 9 0 ) . E m c o n t r a p a r t i d a ,
29
O SÉCULO XX
a U R SS a p a re c ia c o m o g ra n d e fo rn e c e d o ra de p e tró le o p a ra a E u ro p a
O c i d e n t a l , in ic ía n d o - s e a c o n s t r u ç ã o d e u m g a s o d u t o l i g a n d o e s ta r e g iã o à
S ib é ria . C o m a F r a n ç a e a R e p ú b lic a F e d e r a l A le m ã (R F A ), p r in c i p a l m e n te ,
a U R S S te c ia a c o r d o s p o lí tic o s e e c o n ô m ic o s d e g r a n d e a lc a n c e . A Ostpolitik
( a b e r t u r a p a r a o L e s t e ) , e n c a b e ç a d a p e l o s o c i a l - d e m o c r a t a W illy B r a n d t ,
d e s d e 1 9 6 9 , c o n t r i b u i r a p a r a d i m in u ir n o ta v e lm e n te a$ te n s õ e s n a á r e a , le
v a n d o , in c lu s iv e , a o r e c o n h e c im e n to d a s f r o n t e i r a s e d a p e r s o n a l i d a d e d i p l o
m á tic a d a R e p ú b l ic a D e m o c r á tic a A le m ã (R D A ) , s e m q u e tiv e s s e s id o n e c e s
s á r i o t i r a r u m a p e d r a d o M u r o d e B e rlim , e r g u i d o d e s d e 1 9 6 1 .
E m 1 9 7 5 , o a c o r d o f in a l d a C o n f e r ê n c ia s o b r e a S e g u r a n ç a e a C o o p e
r a ç ã o n a E u r o p a (C S C E ), a s s i n a d o e m H e l s i n q u e , c o n s a g r o u a s f r o n t e i r a s
n e g o c i a d a s e m Y a lta , u m a n t i g o p r o g r a m a d a d i p l o m a c i a s o v i é t i c a ( M a i-
d a n ik , 1 9 9 8 ).
C o m o se n ã o b a s ta s s e , a U R S S c o m e ç o u a s u r g ir c o m o p o t ê n c i a n a v a l
m u n d i a l . S e u s n a v io s d e g u e r r a e s u b m a r i n o s a t ô m ic o s a p a r e c ia m e m á g u a s
e p o r t o s d o S u d e s te A s iá tic o ( V ie tn ã ) , d o Í n d ic o , d o M a r V e r m e lh o ( I ê m e n
d o S u l), d o A t l â n t i c o ( A n g o la ) , d o C a r i b e e a t é m e s m o d o M e d i t e r r â n e o
O r ie n ta l. $ u c e d ia m -s e a d v e rtê n c ia s s o m b ria s e a p o c a líp tic a s : a o n d e iria
p a r a r o e x p a n s i o n i s m o s o v ié tic o ?
A U R SS p a s s a ra p o r p ro fu n d a s tra n s fo rm a ç õ e s , v e rd a d e ira s m u ta ç õ e s
s o c ia is , p e r c e b id a s , e n t r e o u t r o s , p o r M . L e w in ( 1 9 8 8 ) . E m m e io s é c u lo , o
p ro c e s s o d e u r b a n iz a ç ã o re g is tra r a u m im p re s s io n a n te c re s c im e n to : d e 5 9
m ilh õ e s p a r a 1 8 0 m i lh õ e s d e p e s s o a s . N o in íc io d o s a n o s 8 0 , c e r c a d e 6 6 %
d a p o p u l a ç ã o v iv ia m e m c i d a d e s , m a i s 1 7 p o n t o s p e r c e n tu a is e m v in te a n o s .
N o m e s m o p e r í o d o , o s c e n t r o s u r b a n o s d e m a is d e 1 m i l h ã o d e h a b i t a n t e s
s a l t a r a m d e 3 p a r a 2 3 , c o n c e n t r a n d o m a is d e 2 5 % d a p o p u l a ç ã o t o t a l , a b
s o r v e n d o u m a f l u x o d e 3 5 m ilh õ e s d e m ig r a n te s .
O u t r a m u d a n ç a q u a l i t a t i v a — a q u a l if ic a ç ã o d a m ã o - d e - o b r a . N o s a n o s
8 0 , 4 0 % d a p o p u l a ç ã o u r b a n a e c o n o m ic a m e n te a t iv a e r a m f o r m a d o s p o r d i
p l o m a d o s e m s e g u n d o g r a u (c e rc a d e 1 8 m ilh õ e s ) o u u n i v e r s i t á r i o s ( 1 3 ,5 m i
lh õ e s ). E s ta v a e m c u r s o u m a p r o g r e s s iv a s o f is tic a ç ã o d a f o r ç a d e t r a b a l h o .
C a d a v e z m e n o s t r a b a l h a d o r e s m a n u a i s , c a d a v e z m a is q u a l if ic a ç ã o . D e s d e
m e a d o s d o s a n o s 7 0 , u m o u t r o ín d ic e e c o n ô m ic o r e v e l a d o r : u m a le v e s u p r e
m a c ia d o s e t o r d e s e r v iç o s e m r e la ç ã o a o s e to r i n d u s tr i a l.
N e s t a s o c ie d a d e c r e s c e n t e m e n te u r b a n i z a d a e i n s t r u í d a , e x t r a o r d i n a r i a
m e n te c o m p le x a , t o r n a v a - s e c a d a m a is d ifíc il — e m e s m o in v iá v e l — m a n t e r
o s p a d r õ e s c e n t r a l i s t a s d o s a n o s 3 0 ( W e r th , 1 9 9 2 ) . N o p r ó p r i o c o r a ç ã o d o
30
E s t a d o , c o n s t i t u í a m - s e g r u p o s c o m d in â m i c a p r ó p r i a , i n d e v id a m e n te c h a m a
dos de feudos ( H o u g h , 1969), s e m fa la r n a s máfias, d a s q u a is se o u v ira m as
p rim e ira s d e n ú n c ia s em m e a d o s d o s a n o s 7 0 .
A u to n o m ia s d e s a fia n d o a a m b iç ã o d o p o d e r c e n tra l d e tu d o c o n tro la r,
e s c o r r e n d o p o r e n t r e a s m a lh a s d e u m E s ta d o c u ja o n i p o t ê n c i a s ó e x i s t ia n a s
te o ria s d o to ta lita r is m o , re d e fin in d o , r e a ju s ta n d o e a té in v e rte n d o a s o r ie n
t a ç õ e s p r o v e n ie n te s d a s in s tâ n c ia s c e n t r a is .
A s f r e q ü e n t e s c a m p a n h a s e m p r o l d a d is c i p lin a e c o n t r a o d e s p e r d í c i o n o
t r a b a l h o , c o n t r a o a l c o o lis m o e o a b s e n t e í s m o , e v id e n c ia v a m a s d i f i c u l d a d e s
e m c o n t r o l a r e m o b i l i z a r u m a s o c ie d a d e q u e p a r e c ia a p á t i c a e d e s i n t e r e s s a d a
(eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos).
A s o c ie d a d e e m iti a o u t r o s s in a is in q u i e t a n t e s .
A s r e s is tê n c ia s n a c i o n a i s , r e c u s a n d o - s e a se d e i x a r m o l d a r n o s p a r â m e
tro s d o homo sovieticus. O p r o c e s s o d e in t e g r a ç ã o d o s p o v o s s o v ié t ic o s , c a n
t a d o e m p r o s a e v e r s o , p a r e c ia n ã o e s t a r f u n c i o n a n d o n a p r á t i c a . D e s d e o s
a n o s 7 0 , d e n u n c i a v a - s e a e x i s t ê n c i a d e i m p o r t a n t e s t e n s õ e s ( D ’E n c a u s s e ,
1 9 7 8 ) . E o q u e f a z e r c o m u m a j u v e n t u d e q u e n ã o s e r e c o n h e c i a m a is n o s
m i t o s e n o s líd e r e s f u n d a d o r e s d a r e v o l u ç ã o , p a r e c e n d o s e d u z i d a p o r p a
d r õ e s d o s p a ís e s c a p i t a l i s t a s ? O s p r ó p r i o s t r a b a l h a d o r e s e x p r i m i a m d e s c o n
t e n t a m e n t o , r e g is t r a n d o - s e g re v e s e t e n t a t i v a s d e f o r m a ç ã o d e s i n d ic a to s li
v r e s ( W e r th , 1 9 9 2 ) , S em f a la r n o f e n ô m e n o d a c h a m a d a dissidência, d e s g a s
t a n d o c o m s u a s d e n ú n c i a s e s e u s e s c â n d a lo s u m a o r d e m q u e se q u e r i a p e r f e i
t a ( S o lje n its in , 1 9 7 5 ) .
S in to m a s , d if i c u ld a d e s , la d o s o c u l t a d o s p o r u m a p r o p a g a n d a m a c iç a , d e
g r a n d e p o t ê n c i a , m a s n e m p o r is s o m e r o s r e a is .
J á n ã o se f a l a v a m a i s , c o m o n o s t e m p o s d e N . K r u c h e v , e m a l c a n ç a r ,
m u ito m e n o s s u p e ra r, o s E U A . O s in d ic a d o re s e c o n ô m ic o s d e s p e n c a v a m .
E n t r e 1 9 6 5 e 1 9 7 0 , a i n d a f o r a p o s s ív e l r e g i s t r a r e x c e le n t e s m é d ia s a n u a i s d e
c r e s c i m e n t o i n d u s tr i a l: e m t o r n o d e 8 , 5 % . C o n t u d o , e n t r e 1 9 8 1 e 1 9 8 5 , e s
ta s m e s m a s m é d ia s c a í r a m p a r a 3 , 5 % . A c o m p a r a ç ã o d o s p l a n o s q u i n q u e
n a is a p l ic a d o s n o s a n o s 6 0 e 8 0 m o s t r a d e f a s a g e n s e m a t é 10 p o n t o s e n t r e
m e ta s d e f in i d a s e r e s u l t a d o s d e f a t o a l c a n ç a d o s . N o X P l a n o , e n t r e 1 9 8 1 e
1 9 8 5 , s o m e n te a p r o d u ç ã o d e g á s c o n s e g u iu s u p e r a r a s p re v is õ e s (N o v e ,
3 9 9 0 ) . N a a g r i c u l t u r a , a m é d ia a n u a l n o s a n o s 8 0 d e c r e s c e r a , a p e s a r d o s m a
c iç o s in v e s t im e n to s , p a r a 1 , 4 % , a b a i x o d o c r e s c i m e n t o d e m o g r á f i c o , s o b r e
tu d o d a s n açõ e s n ã o -ru ssa s.
E m v in t e a n o s a p r o d u t i v i d a d e d e c l i n a r a d e 6 , 3 % p a r a m e n o s d e 3 % e
31
O SÉCULO XX
o s in v e s tim e n to s , d e 7 , 8 % p a r a 1 ,8 % ( W e r th , 1 9 9 2 ) . D e u m l a d o , a u m e n t a
v a m o s e s t o q u e s d e a r ti g o s in v e n d á v e is . D e o u t r o , d e m a n d a s in s a t is f e it a s .
D c f in it iv a m e n te , o p a ís n ã o e s t a v a c o n s e g u in d o a l c a n ç a r o s r it m o s q u e t i
n h a m f e ito a g l ó r i a d o s p la n o s n o s a n o s 3 0 .
O n d e e s ta r i a o n ó b á s ic o ? N a a g r i c u l t u r a , q u e , d e s d e o s a n o s 5 0 , r e c e b ia
r e c u r s o s e x t r a o r d i n á r i o s , a p a r e n t e m e n t e a f u n d o p e r d id o ? N a m ã o - d e - o b r a ,
c o m s u a i n a p e tê n c ia p a r a o t r a b a l h o , e s u a i n s u b m i s s ã o d ia n te d a s o r d e n s e
p r e s c r iç õ e s ? N o s c r it é r io s d o s p la n o s , e n f a t i z a n d o s e m p r e o s a s p e c t o s q u a n
t i t a t i v o s e d e s c u r a n d o o s q u a l i t a t i v o s ? N a c o r r u p ç ã o , q u e se a l a s t r a v a e m
t o d o s o s n ív e is ? N o a b i s m o c o l o s s a l v e r if ic a d o e n t r e o d i s c u r s o o f ic ia l e a
p r á t i c a d a s e lite s ?
N o in íc io d o s a n o s 8 0 , o q u a d r o d a s r e la ç õ e s in t e r n a c i o n a is já n ã o p a r e
c i a t ã o p r o m is s o r . U m a o n d a n e o lib e r a l a g r e s s iv a , a n t i- s o v ié ti c a , c o m e ç a v a a
v a r r e r o m u n d o c a p i t a l i s t a , a n u n c i a n d o n o v a s c o n c e p ç õ e s d e E s ta d o e d e s o
c i e d a d e e u m a n o v a e s p ir a l n a c o r r i d a a r m a m e n t is ta .
A d e c is ã o d e in v a d ir o A f e g a n is tã o , e m 1 9 7 9 , n ã o e s t a v a d a n d o o s r e s u l
t a d o s p o s i t i v o s e s p e r a d o s . H o u v e r a a li u m e r r o d e c á l c u l o . O s s o v ié t ic o s
i m a g in a v a m e s t a r p a r t i c i p a n d o d e u m a o p e r a ç ã o d e p o l í c i a i n t e r n a c i o n a l ,
n o s m o l d e s d a q u e h a v ia m p r o t a g o n i z a d o n a T c h e c o s l o v á q u i a e m 1 9 6 8 , m a s
ti n h a m m e r g u l h a d o n u m a g u e r r a d e g u e r r il h a s lo n g a e d e s g a s ta n t e . M u i t o s
já f a la v a m d o A f e g a n is tã o c o m o o V ie t n ã s o v ié tic o ...
N o m u n d o s o c ia lis ta o d i n a m i s m o v in h a a p e n a s d a C h in a , m a s e le n ã o
r e f o r ç a v a a U R S S , p o is , a lé m d a s r e s e r v a s q u e o s c h in e s e s c u l tiv a v a m e m r e
la ç ã o a o s s o v ié t ic o s , e le s p a r e c i a m o p t a r , j u s t a m e n t e , p o r u m a p o l í t i c a d e
descoletivização d o c a m p o , q u e n a d a t i n h a a v e r c o m o m o d e lo a p r e s e n t a d o
p o r M o s c o u . N o s d e m a is p a ís e s s o c ia lis ta s r e in a v a u m a a t m o s f e r a m o r o s a ,
a p e n a s in te r r o m p id a p e lo s p r o te s to s e p e lo in c o n f o r m is m o n a á r e a d a
E u r o p a C e n t r a l , n a P o lô n ia e m p a r t i c u l a r , c o m o s m o v i m e n t o s s o c ia i s d e
s e m p r e , q u e a g o r a d e s e m b o c a v a m , p o r é m , n u m f e n ô m e n o e s t r a n h o e i n é d i
to : a f o r m a ç ã o d e u m s i n d ic a to a u t ô n o m o e m r e la ç ã o a o s c o m u n i s t a s — o
S o lid a r ie d a d e .
A U R S S p a r e c ia n e c e s s ita r d e r e f o r m a s . N ã o e r a u m g ig a n te im ó v e l, n e m
e s t a g n a d o . I n t e r n a m e n t e , e v i d e n c ia v a u m g r a n d e d i n a m i s m o s o c i a l e u m
c e r t o d e s e n v o lv i m e n t o e c o n ô m ic o , e m b o r a d e c l in a n t e . E x t e r n a m e n t e , a i n d a
p r o v o c a v a r e s p e it o e m e d o .
M a s s e r ia n e c e s s á r io e le g e r p r i o r i d a d e s , fa z e r o p ç õ e s . O r a , n a p r im e ir a
m e ta d e d o s a n o s 8 0 , a lo n g a a g o n i a d e L . B re jn e v e o s c u r t o s m a n d a t o s d o s
32
v e t u s t o s s e n h o r e s q u e o s u c e d e r a m , I. A n d r o p o v e K . T c h e m e n k o , a m b o s
c e d o c e if a d o s p e la m o r t e , p a r e c e r a m u m a p e r d a d e t e m p o . D e c e r t o m o d o ,
e r a s i n t o m á t i c o q u e a s e lite s r e a g is s e m a s s im à s u r g ê n c ia s d o s d e s a f io s : p e r*
d i a m t e m p o q u a n d o n ã o e s ta v a m e m c o n d iç õ e s d e e s p e ra r.
M a s q u e m p o d e r ia p r e v e r a im in ê n c ia d e u m c o l a p s o h is tó r i c o ?
BIBLIOGRAFIA
33
“Não faz muito tempo, a terra contava com 2 bilhões de habitantes, ou seja,
5 0 0 milhões de homens e 1,5 bilhão de indígenas. Os primeiros dispunham do
Verbo, os outros o pediam emprestado. Entre uns e outros, reis de fancaria,
feudais, uma burguesia inteiramente falsa, serviam de intermediários. Perante
as colônias, a verdade se mostrava nua: as ‘metrópoles’ queriam que ela se
apresentasse vestida; era preciso que o indígena as amasse. Como se, de algum
modo, fossem mães. A elite européia procurou fabricar um indigenato de elite;
selecionavam-se adolescentes que tinham sobre a testa, marcados a ferro, os
princípios da cultura ocidental e a boca recheada de mordaças sonoras, belas
palavras pastosas que se colavam aos dentes; após uma breve estada na metró
pole, eram enviados de volta, truncados. Mentiras ambulantes, nada mais ti
nham a dizer a seus irmãos; estes faziam eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã,
lançávamos as palavras ‘Partenon! Fraternidade!’ e, em alguma parte da África,
da Ásia, lábios se entreabriam: ‘...tenon! ...nidade!’. Era a idade de ouro.”
37
L
O SÉCULO XX
N a q u e le m o m e n to , esta v a n o a u g e o c o n fr o n to en tre d o m in a d o r e s e d o
m in a d o s, o u seja, en tre c o lô n ia s e m e tr ó p o le s. P o v o s e re g iõ e s da Terra q u e
tin h a m s o fr id o , n o p a ssa d o , a ocupação d ireta p or p a íses estr a n g e ir o s, c o m e
ç a v a m a m an ifestar, p o r m e io s d iv e r so s, a su a in sa tisfa ç ã o . A Á sia , p o r e x e m
p lo , fo r a b erço d e c iv iliz a ç õ e s m a g n ífic a s q u e m a rcaram c o n q u is ta s fu n d a
m e n ta is d a H u m a n id a d e , n o to c a n te a o d o m ín io so b r e a n a tu r e z a e o a v a n
ç o té c n ic o , ta is c o m o a d o m e s tic a ç ã o d e a n im a is, a agricu ltu ra para a o b te n
ç ã o d e a lim e n to s , a cerâ m ica para a fa b rica çã o d e u te n s ílio s, a m e ta lu r g ia , o
p a p e l, a p ó lv o r a , b em c o m o in stitu iç õ e s q u e to r n a r a m p o ss ív e l a v id a so c ia l
(c id a d e s, o r g a n iz a ç õ e s p o lític a s q u e lev a ra m à c o n s t itu iç ã o d e E s ta d o s , a
m o e d a , a escrita ). A Á sia o ste n ta v a , d e fa to , u m a v iv ên cia h istó r ic a d e 5 m il
a n o s. N o e n ta n to , a partir d o sé c u lo X V I, c o m as p rim eiras n a v e g a ç õ e s e u
r o p é ia s q u e a tin g ira m o Ín d ic o e o o c e a n o P a c ífic o , o is o la m e n to d e ssa s v e
lh a s c iv iliz a ç õ e s c o m e ç a v a a ser in terro m p id o .
F oi, p o r é m , a partir d o sé c u lo X V III e, s o b r e tu d o , c o m a su p e r io r id a d e
té c n ic a o ste n ta d a p e lo s p a íses d a r e v o lu ç ã o in d u strial e c a p ita lista (p rin cip a l
m e n te a Inglaterra e a F ran ça, lo g o seg u id a s p e la H o la n d a ) q u e o s p o v o s a l
ta m e n te c iv iliz a d o s da Á sia , d o ta d o s d e p a d rõ es é tic o s bem d iv e r so s d o s v a
lo res fu n d a d o s na p reem in ên cia d o s b en s m a teria is, v a lo r e s e sses q u e se in
tr o d u z ia m in c o r p o r a d o s à o c u p a ç ã o o c id e n t a l, v ir a m -se a m e a ç a d o s p e la
perd a d e su a id en tid a d e cu ltu ra l. T ra ta v a -se d e m ais a in d a , o u seja, a perda
d e riq u ezas, d e a u to n o m ia , c o m o u m a te n ta tiv a d e ser-lh es a r ra n ca d o o p a s
sa d o p ela s raízes.
Q u a n to à Á fr ic a , a e sp o lia ç ã o d e q u e fo i v ítim a tivera in íc io n o sé c u lo
X V I c o m o s d e se m b a r q u e s n o lito r a l o c id e n ta l a tlâ n tic o , in ic ia lm e n te em
b u sca d e o u r o e , lo g o a seguir, c o m o fo n te su p rid o ra d e e sc r a v o s n e g r o s, o
in u s ita d o trab alh ad or, tr a n sfo r m a d o em m erca d o ria a lta m e n te lu c r a tiv a , q u e
iria en riq u ecer o s c o m e r c ia n te s e ser a m ã o -d e -o b r a d a s n o v a s c o lô n ia s da
A m érica. O s in v a so r e s m u d aram o s v e lh o s e s ó lid o s p a d r õ e s d a s so c ie d a d e s
trib a is, im p o n d o o r a cism o e o u tr a s form as d e c o r r u p ç ã o em d eco rrên cia d o
tr á fic o d e h o m e n s , m u lh eres e jo v e n s m a l sa íd o s d a in fâ n cia .
A o lo n g o d o sé c u lo X IX , a p r o fu n d o u -se a o c u p a ç ã o d o c o n tin e n te afri
c a n o ; seu s p o v o s e se u s territó rio s foram p a r tilh a d o s en tre a s p o tê n c ia s da
E u ro p a , já e n tã o m o n o p o liz a d o r a s d o n o v o sa b er c ie n tífic o e te c n o ló g ic o da
R e v o lu ç ã o In d u strial e d a s té c n ic a s da o r g a n iz a ç ã o e c o n ô m ic a d o c a p ita lis
m o . A E u ro p a en tra v a , a partir d o s a n o s 7 0 d o sé c u lo X I X , n u m a n o v a era
d e e x p a n s ã o e c o n q u is ta d o m u n d o . A essa era o s p r ó p r io s c o n te m p o r â n e o s
d en o m in a r a m d e im p eria lism o .
38
DESCOLONIZAÇÃO E LUTAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
“O inglês nasce com certo poder milagroso que o torna senhor do mundo.
Quando deseja uma coisa ele nunca diz a si mesmo que a deseja. Espera pa
cientemente até que lhe venha à cabeça, ninguém sabe como, a insopitável con
vicção de que é seu dever moral e religioso conquistar aqueles que têm a coisa
que ele deseja possuir. Torna-se, então, irresistível [...] Como grande campeão
da liberdade e da independência, conquista a metade do mundo e chama a isso
de colonização. Quando deseja um novo mercado para seus produtos adultera
dos de Manchester, envia um missionário para ensinar aos nativos o evangelho
da paz. Os nativos matam o missionário; ele recorre às armas em defesa da
cristandade; luta por ela, conquista por ela; e toma o mercado como uma re
compensa do céu [...]”
39
O SÉCULO XX
1. A DESCOLONIZAÇÃO NO PÓS-GUERRA
A gu erra a in d a n ã o ter m in a r a d e to d o na E u ro p a e n o E x tr e m o O r ie n te ,
q u a n d o se reu n iu , em ab ril-ju n h o d e 1 9 4 5 , a C o n fe r ê n c ia d e S ã o F ra n cisco ,
E sta d o s U n id o s , c o m o o b je tiv o d e discutir, en tre o s a lia d o s m ilita res v ito r io
so s so b r e o n a z i-fa sc ism o , a feitu ra d e u m a C arta o u d e u m a C o n s titu iç ã o in
te r n a c io n a l c a p a z d e a ssegu rar a p a z en tre o s p o v o s . D a í r e su lto u a C arta da
O r g a n iz a ç ã o d a s N a ç õ e s U n id a s (O N U ), q u e receb eu a a ssin a tu ra d e cerca
d e 5 0 E sta d o s fu n d a d o r e s. D e c o r r id o u m q u a rto d e s é c u lo , e sse n ú m e r o c h e
g o u a 1 2 0 , o q u e serve c o m o in d ic a d o r d a r a p id ez c o m q u e se d eu o p r o c e s
s o d e c o n stitu iç ã o d o s n o v o s E sta d o s a fr o -a siá tic o s.
N e s te fim d e s é c u lo , o n ú m e r o de p a íses m e m b r o s d a O N U já é su p erio r
a 1 9 0 . N o v o s p a íse s em ergiram d a s lu tas c o n tr a o c o lo n ia lis m o , a c r e sc e n ta n
d o -s e , a in d a , n o s a n o s m a is re c e n te s, a q u eles q u e resu lta ra m d o d e sm o r o n a
m e n to d o s E sta d o s so c ia lista s n a E u ro p a , b em c o m o d e d e sm e m b r a m e n to s
na Á sia , n o s u b c o n tin e n te in d ia n o , n o O rien te M é d io e na p ró p ria Á frica , re
su lta n te s d e v elh a s h era n ça s trib a is e re iv in d ic a ç õ e s in tern a s, r e iv in d ic a ç õ e s
e ssa s, em p arte, a lim e n ta d a s p e lo s in teresses e x te r n o s , q u er da a n tig a m e tr ó
p o le q u er d a s riv a lid a d es in te r n a c io n a is e n tã o em jo g o .
T ra ta v a -se d e um p r o c e ss o d e m u d a n ça q u e te v e in íc io lo g o a p ó s o té r
m in o da guerra na E u ro p a , e se in te n sific o u na d é c a d a d e 1 9 5 0 . N a s c o lô n ia s
a frica n a s, o m o v im e n to d e p a r tic ip a ç ã o n o c o n flito m u n d ia l fo i a c e n tu a d o ,
d esd e o p rim eiro c h a m a d o d a m e tr ó p o le à so lid a r ie d a d e d e s ú d ito s e c o lo
n o s , c o m c o n se q u ê n c ia p o sitiv a n o p ó s-g u erra , n o to c a n te a o m o v im e n to de
in d ep en d ên cia .
40
I
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
A fin a l, d e s c o lo n iz a ç ã o p o r q u ê?
41
O SÉCULO XX
q u e e stã o n o b o jo d a a sp ir a ç ã o d o s p o v o s c o lo n iz a d o s s ã o b a sta n te c o m p le
x o s n a s su a s d iv ersa s p o ss ib ilid a d e s , r e a liza çõ es e fru stra çõ es. N a r ea lid a d e,
c o m o p r o c e ss o h is tó r ic o d e g ra n d e en v e r g a d u r a , a d e s c o lo n iz a ç ã o n ã o fo i
a in d a c o n c lu íd a n o q u e ela p o d eria sig n ifica r em te r m o s d e b em -esta r e a u to
d e te r m in a ç ã o d o s p o v o s q u e v iv era m na ó rb ita d o c o lo n ia lis m o .
A gu erra q u e se en c e r r a v a em 1 9 4 5 , c o m a d e r r o ta d a A le m a n h a , da
Itália e d o J a p ã o , d e ix a v a atrás d e si u m s a ld o n e g a tiv o para v e n c id o s e v e n
ced o res: u m p a ss iv o em v id a s h u m a n a s d e 1 0 0 m ilh õ e s, en tre c iv is e m ilita
res, e o g e n o c íd io d e 5 m ilh õ e s d e ju d eu s, além d e a str o n ô m ic a s p erd a s m a
teria is d e sig u a lm e n te d istr ib u íd a s e c a lc u la d a s em te r m o s d a d e str u iç ã o de
e q u ip a m e n to s u r b a n o s, in s ta la ç õ e s d e in fra-estru tu ra, c a m p o s a g r íc o la s, fa
to r e s e sses q u e tr o u x e r a m o c a o s p ara o terren o d e batalh a em q u e se tra n s
form ara a E u rop a. N o e n ta n to , o p r o g r e sso té c n ic o foi a c e le r a d o n esses a n o s
d e c o n flito , através d a s n o v a s d e sc o b e r ta s para o c o m b a te à s d o e n ç a s (D D T ,
p en icilin a ) e para o d e se n v o lv im e n to d e m e io s m a is r á p id o s d e c o m u n ic a ç ã o
(radar, a v ia ç ã o su p e r sô n ic a ), e le m e n to s q u e iriam ap ressar a re c o n str u ç ã o d o
siste m a e c o n ô m ic o . M a is ra p id a m en te d o q u e n o p ó s-g u erra d e 1 9 1 8 , o c a
p ita lism o se eq u ip a v a para a su a r e c o n str u ç ã o .
O e c lip s e d a E u r o p a
42
DESCOLONIZAÇÃO E LUTAS DE L I B E R T A Ç Ã O NACIONAL
A fo r m a ç ã o d o s b lo c o s in te r n a c io n a is e a d iv is ã o d o m u n d o
43
O SÉCULO XX
A to m a d a d e c o n s c iê n c ia d o s p o v o s c o lo n iz a d o s
A S egu n d a G uerra M u n d ia l d e se m p e n h o u u m p a p el fu n d a m en ta l n o m o v i
m e n to d e rev o lta d a s c o lô n ia s co n tra as m e tr ó p o le s. A F ran ça, a B élg ica , a
H o la n d a , a Inglaterra e sta v a m en v o lv id a s num c o n flito d e vid a e d e m o rte q ue
c o m p r o m e tia a su a p ró p ria so b r e v iv ê n c ia c o m o p a íse s e c o m o n a ç õ e s . N o
c a so d o s três p rim eiro s, so b o c u p a ç ã o m ilitar a lem ã , d esd e 1 9 4 0 , c o u b e aos
m o v im e n to s d e resistên cia a n tifa scista , lid erad os o u in sp ira d o s p ela estratégia
britân ica d e luta d esesp erad a co n tra a A lem a n h a e, a p artir d e 1 9 4 2 , p elas or
g a n iz a ç õ e s c o m u n ista s n o s p a íses o c u p a d o s, buscar o a p o io d a s c o lô n ia s.
N o c a s o d o N o r te da Á fr ic a , s o b r e tu d o a p ó s a c a m p a n h a d a s tr o p a s
b lin d a d a s d o g en eral a le m ã o E rw in R o m m e l (1 8 9 1 - 1 9 9 4 ) — o A frik a K o rp s
( 1 9 4 1 - 1 9 4 3 ) — n o Saara, te n d o c o m o a lv o o E g ito e o C a n a l d e S u ez, p ô d e
44
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
45
O SÉCULO XX
46
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
47
O SÉCULO XX
O a p o g e u d a d o m in a ç ã o
48
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
49
O SÉCULO XX
50
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
O c o m e ç o d o fim d o s im p é r io s
51
O SÉCULO XX
52
I
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
Pacífico, a In d och in a (A n am , L a o s, C a m b o ja , C o c h in c h in a e T o n q u im ); na
Oceania, N o v a C a le d ô n ia , além d e p eq u en a s ilh as esp arsas (T aiti, p or e x e m
plo); n o O rien te P r ó x im o , o s m a n d a to s da L iga d as N a ç õ e s , resu lta n tes da
partilha d o Im p ério O to m a n o , a Síria e o L íb a n o .
A H o la n d a , em 1 9 3 9 , co n serv a v a a heran ça d o v e lh o im p ério m erca n ti
lista; as ín d ia s N e e r la n d e sa s (A rq u ip éla g o d e S o n d a ), J a v a , fa m o s o p or seu s
vulcões, C eleb es e S u m atra, a lém d e B ornéu e N o v a G u in é , c o n c e n tr a v a m
tod a a en ergia c o lo n iz a d o r a da m e tr ó p o le h o la n d e sa . C o m 2 m ilh õ e s d e q u i
lôm etros q u a d ra d o s e 7 0 m ilh õ es de h a b ita n tes, tin h a u m a g r a n d e im p o r tâ n
cia para a m e tr ó p o le c o lo n iz a d o r a , u m a H o la n d a d e a p e n a s 3 5 m il q u ilô m e
tros q u a d ra d o s e u m a p o p u la ç ã o d e 8 m ilh õ e s, q u e se o r g u lh a v a de su a o bra
colonial. G e n e r a liz a r a -se , e n tã o , a id éia d e q u e se tra ta v a d e um m o d e lo
exem p lar d e e m p r e e n d im e n to , p rosp erid ad e e o r g a n iz a ç ã o . J a v a , p or e x e m
p lo , era a p o n ta d a c o m o a prim eira u sin a d o g lo b o em a lim e n to s (H u b ert
D esch am p s, 1 9 5 2 ), graças a o b a ix o c u sto da p r o d u ç ã o em virtu d e d o s b a i
x o s sa lá rio s, resu lta n te de a b u n d â n cia da m ã o -d e -o b r a e da a u sê n c ia d e m e
lhores p ersp ectiv a s d e vid a para a p o p u la ç ã o lo c a l.
A guerra co n tra a p o tên cia c o lo n iz a d o r a iria revelar a n a tu reza d o fa lso
p araíso c o lo n ia l n e e r la n d ê s. E ste é u m d o s e x e m p lo s em q u e a o c u p a ç ã o
pelas trop as ja p o n esa s d e m o n str o u q u e o c o lo n iz a d o r b ra n co n ã o era in to c á
vel e, m u ito m e n o s , in v e n c ív e l. A gu erra c o n tr a o s o c u p a n te s e ste n d e u -se
con tra a p o tê n c ia c o lo n iz a d o r a , r e su lta n d o n o s u r g im e n to d e u m p a ís , a
Ind on ésia, em d ezem b ro d e 1 9 4 9 . N o in ício d e 1 9 4 2 , as tr o p a s h o la n d e sa s
capitularam p eran te a in v a sã o ja p o n e sa , p r o v o c a n d o a o r g a n iz a ç ã o d e um
m o v im e n to n a c io n a lis t a (P o d e r p a ra o s F ilh o s d o P o v o ) lid e r a d o p o r
Sukarno e H a tta . A p ó s a ren d içã o d o J ap ão (a g o s to d e 1 9 4 5 ), tem in íc io a
guerra d e lib e r ta ç ã o n a c io n a l c o n tr a as fo r ç a s n e e r la n d e sa s. O r e c o n h e c i
m en to da so b era n ia d o n o v o E stad o Federal da In d o n ésia se d ará c in c o a n o s
m ais tarde, a p ó s lo n g a s e p e n o sa s n e g o c ia ç õ e s (1 5 d e a g o s to d e 1 9 5 0 ).
A B élgica, país p e q u e n o e sem tra d içõ es c o lo n ia lista s , e n tr o u na co rrid a
•m perialista c o m o parte da in iciativa p esso a l d e seu rei L e o p o ld o II (1 8 3 5 -
1 9 0 9 ), q u e a lia v a su a fa m a d in á s tic a (S a x e -C o b u r g o ) a o s se u s in te r e sse s
a
P elos n e g ó c io s . Subiu a o tr o n o em 1 8 6 5 e , em 1 8 7 6 , c r io u e m B ru x ela s
Associação In tern acion al para a E x p lo r a ç ã o e a C iv iliz a ç ã o d a Á frica , e sti
m u lad o p elas v iagen s e d esco b erta s d e D a v id L iv in g sto n e, J. H . S p ek e, H . M .
Stanley. Em p o u c o te m p o , a A sso c ia ç ã o p assava para a d ir e ç ã o p e sso a l d o rei
e in iciava seu s tr a b a lh o s de e x p lo r a ç ã o e c o m e r c ia liz a ç ã o d o s p r o d u to s
53
O SÉCULO XX
54
I
DESCOLONIZAÇÃO E LUTAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
\
3 OS CAMINHOS PARA A INDEPENDÊNCIA
55
O SÉCULO XX
56
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
A in d e p e n d ê n c ia ta r d ia
57
O SÉCULO XX
58
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
59
O SÉCULO XX
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
60
61
O SÉCULO XX
M u it o s fo r a m o s im p é r io s m o d e r n o s , d o s é c u lo X V I a té o s E sta d o s
U n id o s d e n o ss o s d ia s. N o s s a a te n ç ã o , n o e n ta n to , recaiu so b r e a q u e le s q u e
d esa p a recera m c o m o p o tê n c ia s im p eriais na seg u n d a m e ta d e d e ste n o s s o sé
c u lo e, a ssim m e sm o , em a lg u n s a sp e c to s a p en a s. Essa d erro ca d a se c o n stitu i
c o m o o fa to m a is im p o r ta n te d o m u n d o c o n te m p o r â n e o , a H istó r ia d e n o s
so s d ia s m a rcad a p e la v io lê n c ia e p e lo g e n o c íd io . C o n fo r m e d iz u m h isto r ia
d o r d o im p eria lism o : se e ste (o im p eria lism o ) “ a v a n ç o u im p la c a v e lm e n te n o s
sé c u lo s X IX e X X , o m e sm o se d eu c o m a resistên cia a e le ” (S aid , 1 9 9 5 , p.
2 5 ) . S eria u m e r r o p e n sa r q u e o s d ir ig e n te s , c o m o A ttle e , D e G a u lle ou
M á r io S o a res, p o r m ais e sc la r e c id o s q u e te n h a m s id o , co n ced era m a in d e
p en d ên cia à ín d ia , o u a G a n a , à A rgélia, a o S en egal o u à C o sta d o M arfim ,
a A n g o la o u a M o ç a m b iq u e .
D a m esm a fo r m a , seria n o m ín im o in g ên u o atrib u ir o fim da seg reg a çã o
racial na Á frica d o Sul a D e K lerk o u m e sm o a M a n d e la , em b o r a te n d o sid o
im p o rta n tes, ju sto s e ilu m in a d o s na su a c o n d u ta c o m o c h e fe s d e E sta d o . A
d e s c o lo n iz a ç ã o fo i u m a c o n q u is ta d o s p o v o s d o m in a d o s , r e su lta d o de um a
resistên cia lo n g a e n em sem p re d e a p arên cia esp etacu lar, p o r v ezes sile n c io
sa. F oi o q u e a c o n te c e u na Á sia , n o N o r te d a Á frica, n o Sul da Á frica , em
q u a lq u er p arte p or o n d e a E u ro p a e , m ais tard e, o s E sta d o s U n id o s p assa
ra m , e x ib in d o a su a s u p e r io r id a d e d e c iv iliz a d o s e as s u a s c o n v in c e n t e s
arm as d e fo g o . Se, p or um la d o , o im p eria lism o a m p lio u seu raio d e in flu ên
c ia , p or o u tr o , cresceu a c a p a c id a d e d o ser h u m a n o d e resistir à d o m in a ç ã o .
N a ín d ia , n o E g ito , na A rg élia , em G a n a , e assim p or d ia n te , a in sta la çã o
d o d o m in a d o r se fe z c o m v io lê n c ia e ig u a lm e n te v io le n ta foi a resistên cia
lo c a l. O a to final d e in d e p e n d ê n c ia foi sem p re p re c e d id o d e p r o lo n g a d o s d is
t ú r b io s , q u a n d o n ã o d e lo n g a s e c r u e n ta s g u e r r a s d e lib e r t a ç ã o (na
I n d o c h in a -V ie tn ã , a g u e r r a c o n tr a a F ra n ça d u r o u d e 1 9 4 6 a 1 9 5 4 ; na
A rg élia , a lém d a g ra n d e resistên cia arm ad a a o e sta b e le c im e n to d a F ran ça, no
sé c u lo X IX , a gu erra final de lib erta çã o d u ro u seis a n o s, d e 1 9 5 4 a 1 9 6 2 ).
Q u e b u sca v a m o s c o n q u is ta d o r e s d e im p érios? L u cro, pod er, g ló r ia . Q u e p o
d eríam e les levar à s p o p u la ç õ e s c o n q u is ta d a s o u a b o rd a d a s? O p rim eiro c o n
ta to fo i sem p re d estru id or, já d e sd e o s p rim eiro s ib érico s q u e a p o rta ra m na
A m érica , n o sé c u lo X V /X V I, a té o ú ltim o m arine a m e r ic a n o d esem b a rca d o
em a lg u m a ilha d o P a cífico .
Q u e c a m in h o s o O c id e n te p o d e r ia m o str a r a o s p o v o s c o n q u is ta d o s ?
N e c e ssa r ia m e n te aq u ele por ele m esm o trilh ad o: o lib era lism o p o lític o e e c o
n ô m ic o , o c ó d ig o c iv il, o c a p ita lism o e su as leis d e m e r c a d o , a g a n â n c ia e o
62
d e s c o l o n i z a ç ã o e l u t a s d e l i b e r t a ç ã o n a c i o n a l
bibliografia
Anderson, Perry. 1966. P o rtu g a l e o fim d o u ltr a c o lo n ia lis m o . Rio de Janeiro, Editora
Civilização Brasileira.
^*rdoso, Ciro Flamarion S. 1973. “La Descolonización.” In Jornal: U n iv e r s id a d (San
José de Costa Rica), pp. 12-14.
■®*sneaux, Jean. 1976. A Á s ia O r ie n ta l n o s sé c u lo s X I X e X X , Série Nova Clio. São
Livraria Pioneira Editora.
í*t»champs. 1952. E v e il p o litic A fric a n . Paris, Press Universitaires, 1952.
63
O SÉCULO XX
64
América Latina: dependência,
ditaduras e guerrilhas
Ana Maria dos Santos
Professora adjunta aposentada de História da América
da Universidade Federal Fluminense
O SÉCULO XX
64
América Latina: dependência,
ditaduras e guerrilhas
Ana Maria dos Santos
Professora adjunta aposentada de História da América
da Universidade Federal Fluminense
1 AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX: DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
E CONFLITO SOCIAL
Depois da in d e p e n d ê n c ia , n o sé c u lo X IX , o s p a íses h is p a n o -a m e r ic a n o s p r o
curaram esta b elecer u m a n o v a o rd em e c o n ô m ic a , p o lític a e s o c ia l e restau rar
os seus vín cu lo s c o m o m e r c a d o m u n d ia l. Isto fo i c o n s e g u id o a p ó s um p e r ío
d o de an arq u ia, d e gu erras c iv is, d e r e b e liõ e s, d e c o n flito s r e g io n a is e in ter
nacionais, d e q u a rtela d a s, d e g o lp e s e d ita d u ra s. D e p o is d e lu ta s p e lo p o d e r
de durações va ria d a s, o rg a n iza ra m -se rep ú b licas lib era is, c o m c o n s titu iç õ e s
que segu iam o m o d e lo a m e r ic a n o . Em a lg u m a s d e la s, o p r o c e s s o fo i lo g o c o
m andado p or o lig a r q u ia s r e g io n a is, q u e já c o n tr o la v a m a p r o d u ç ã o p ara e x
p ortação d esd e a c o lô n ia . E sta s o lig a r q u ia s m a n tiv e r a m fo r te c o n tr o le d o
E stado, de ta l m an eira q u e a n u la v a m o real fu n c io n a m e n to d a s in stitu iç õ e s
liberais. A d e m o c r a c ia e a c id a d a n ia eram m a is d e fa to q u e d e d ir e ito e se li
m itavam às elites.
Em algu n s p a íses o c a p ita l e x te r n o d o m in o u a p r o d u ç ã o e o p r e d o m ín io
político fo i d isp u ta d o p o r seto res a fin a d o s c o m o s in teresses in te r n a c io n a is.
N en h u m g ru p o o lig á r q u ic o n a c io n a l c o n se g u iu c o m a n d a r e s s e p r o c e ss o e a
p rod u ção fo i o r g a n iz a d a p e lo c a p ita l e str a n g e ir o . A s fo n t e s d e p r o d u ç ã o
para o m ercad o in te r n a c io n a l eram c o m a n d a d a s d e fo ra e n ã o se a rticu la v a m
com o restan te d a e c o n o m ia n a c io n a l. O s lu cro s era m r e m e tid o s p ara as m a
trizes e as rendas g era d a s p e lo se to r e x p o r ta d o r n ã o eram r ein v estid a s em b e
neficio d o d e se n v o lv im e n to geral d o p a ís. O s o u tr o s se to r e s e c o n ô m ic o s n a-
°n a is m a n tin h a m o c o n tr o le da m ã o -d e -o b r a e a e sta b ilid a d e p o lític a n e
cessários a o e n cla v e a g ríco la e o m in eiro. D e ssa m a n eira , o c a p ita l estran gei-
° P articip ava d a s m e s m a s fo r m a s d e e x p lo r a ç ã o d o tr a b a lh a d o r u sa d a s
Pc os setores o lig á r q u ic o s.
U m a série d e refo rm a s p ro cu ro u c o n stitu ir u m m e r c a d o d e terras e d e
®o d e-ob ra, n e c e ssá r io à p r o d u ç ã o p ara e x p o r ta ç ã o . H o u v e a ex p r o p r ia -
67
O SÉCULO XX
68 69
O SÉCULO XX
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA. DITADURAS E GUERRILHAS
H o n d u r a s e , d e 1 9 7 3 a 1 9 7 6 , n o C h ile , U ru g u a i e A rg en tin a . Em m u ito s p aí
se s , o s m ilita res q u e to m a r a m o p o d er n essa é p o c a b a se a v a m -se n a su a assu O m o v im e n to o p e r á r io a r g e n tin o atin gira n ív e is m a is c o m p le x o s d e or-
m id a c o m p e tê n c ia para en ca m in h a r o d e se n v o lv im e n tc u ie se u s p a íse s. A s po- nização e m ilitâ n c ia já n o in íc io d o sé c u lo X X . S ofrerá a in flu ê n c ia d o s
lítica s e c o n ô m ic a s a serem im p le m e n ta d a s d e v ia m esta r a sa lv o d a s co n se- ® oVim en tos o p e r á r io s e r e v o lu c io n á r io s da F ran ça, A le m a n h a , E sp a n h a e
q ü ê n c ia s d o p lu r a lism o p o lític o . A in sta b ilid a d e d o s r e g im e s c iv is, a s lutas Itália q u e, na A rg en tin a , resp o n d ia m a um a rea lid a d e d e m á s c o n d iç õ e s d e
p artid árias e as te n s õ e s q u e o p r ó p r io d e se n v o lv im e n to p o d e r ia criar eram ida e de o p o siç ã o da U n iã o Indu strial q u e c o n te sta v a o d ir e ito à a ss o c ia ç ã o .
v ista s c o m o in c o m p a tív e is c o m a o rd em e a seg u ra n ça n e c e ssá r ia s às n o v a s O Partido S o cia lista fo i fu n d a d o em 1 8 9 6 , m as o a n a r q u ism o m a n te v e a su a
p o lític a s d e m o d e r n iz a ç ã o c a p ita lista . influência até 1 9 2 0 . D e sd e o fim d o sé c u lo X IX , h o u v e te n ta tiv a s d e cria ç ã o
N o fin a l d a d é c a d a d e 1 9 7 0 e n o in íc io da d e 1 9 8 0 , a A m érica L atin a ex de um a central ob reira e d e fed e r a ç õ e s reg io n a is. R e iv in d ic a v a -se a r eg u la
p erim en ta ria u m p r o c e ss o d e tr a n siç ã o para a d e m o c r a c ia , q u er p e la via re mentação da jo rn a d a d e tr a b a lh o , d e sc a n s o d o m in ic a l, leis so b r e a c id e n te s e
v o lu c io n á r ia , q u er d e m an eira p a c ífic a , c o n d u z id a e p a ctu a d a p e lo s p róp rios h igien e, trib u n a is a rb itra is, d ir e ito a p e n sõ e s . G rev e s e r e p r e ss ã o eram d e
m ilita res q u e tin h a m d o m in a d o p o r ta n to te m p o o c e n á r io p o lític o . grande m a g n itu d e, seg u id a s d e v io lê n c ia e d e c a m p a n h a s e leis c o n tr a o s c h a
mados agitad ores e stra n g eiro s.
Em 1 9 2 0 , foi fu n d a d o o P artid o C o m u n ista , q u e p reten d eu a u n ific a ç ã o
do m o vim en to sin d ica l. A Liga P atriótica A rgen tin a te n to u criar sin d ic a to s li
2. ARGENTINA: TRABALHADORES URBANOS E PERONISMO vres e a A çã o C a tó lic a c o m e ç o u a o rien ta r o m o v im e n to sin d ic a l. L o g o , o s in
dicalism o a r g en tin o se fr a cio n o u em três cen trais e em s in d ic a to s a u tô n o m o s.
A in d e p e n d ê n c ia d o d o m ín io e sp a n h o l c o n s o lid o u o d o m ín io da r e g iã o por- Em 1 9 2 9 , c o m a d ete r io r a ç ã o da e c o n o m ia d o p aís, c o m cr ise , d e se m p r e g o e
te n h a , in term ed iá r ia en tre a s o u tr a s p r o v ín c ia s e o m e r c a d o in tern a cio n a l. greves, fo rm o u -se o C o m itê d e U n id a d e S in d ical C la ssista . A s lid eran ças sin
N o s sé c u lo s X IX e X X , a e c o n o m ia se d e se n v o lv e u em to r n o d a agricultura dicalistas e so c ia lista s fu n d a ra m a C o n fe d e r a ç ã o G eral d o s T r a b a lh a d o r e s
c erea lífera e da p ecu á ria b o v in a , esp e c ia lm e n te p ara o m e r c a d o eu ro p eu . O (C G T), q u e, em 1 9 3 5 -3 6 esta v a so b a d ireçã o d o s m ilita n te s c o m u n ista s . Sua
z a ç ã o d a a g ricu ltu ra , e x te n s ã o d a rede ferro v iá ria , c r e sc im e n to d o s frigorífi ção das em p resas d e ca p ita l estran geiro; lu ta p elas lib e r d a d e s sin d ic a is e cu m -,
c o s e m o in h o s , en tra d a m a c iç a d e im ig ra n tes e u r o p e u s. U m g r a n d e flu x o im i prim ento da leg isla çã o trab alh ista; c o n s o lid a ç ã o d o regim e d e m o c r á tic o sem
g r a tó r io se d irigia para a c id a d e , a u m e n ta n d o o m e r c a d o u r b a n o , m a s a in abdicar d o s seu s p rin cíp io s d e reestru tu ração da so c ie d a d e .
d ú stria lev e so m e n te to m a r ia im p u lso d e p o is d e 1 9 3 0 . A crise d e 1 9 2 9 e a d e p r e ssã o m u n d ial tiveram r e fle x o s e c o n ô m ic o s e p o
A p ó s d éca d a s d e lu tas in tern as e e x te r n a s, d e c a u d ilh ism o s e ditaduras, líticos na A rgen tin a. A o lig a r q u ia c o n sp ir a v a c o m o s d is sid e n te s r a d ica is, q u e
c o n s o lid o u -s e o d o m ín io d e u m a o lig a rq u ia c o n se r v a d o r a (1 8 8 0 - 1 9 1 6 ) que denunciavam a in c lin a ç ã o d a U C R para a esq u erd a . S eto res lib e r a l-n a c io n a -
a fa sto u as m a ssa s da p o lític a , m a n te n d o -se n o p o d er graças a a c o r d o s p o líti listas d o ex é r c ito restau raram , em 1 9 3 0 , via g o lp e m ilitar, a p se u d o d e m o c r a -
c o s en tre o s p resid en tes e o s g r u p o s d o m in a n te s em c a d a p ro v ín cia . A d o m i Cla da aristocracia c o m ercia l e d o s p ro p rietá rio s d e terra, e sp e c ia lm e n te o s li
n a ç ã o o lig á rq u ica foi c o n te sta d a p e lo ra d ica lism o , m o v im e n to q u e exp ressa gados a o cap ital estra n g eiro . T eve in íc io a “ d é c a d a in fa m e ” ( 1 9 3 2 - 4 2 ) . Em
va a p resen ça d e seto res m é d io s e d e tra b a lh a d o res u r b a n o s, d e d escen d en tes face da p ersp ectiv a d e v itó r ia d o s ra d ic a is, o s c o n s e r v a d o r e s s ó se m a n ti-
d e im ig ra n tes, d e seto res m argin ais d o s p rop rietários de terra. A U n iã o C ívica nham n o p o d er p ela frau d e e le ito r a l, p ela c o r r u p ç ã o g o v e r n a m e n ta l e d e i
R a d ica l (U C R ) p erm an eceu n o p o d er d e 1 9 1 7 a 1 9 3 0 , c o m reform as peque xan d o o c a m p o livre para o ca p ita l estra n g eiro . O s rad icais reto m a ra m a ten -
n a s q u e d e ix a v a m in ta cta s a s b ases e c o n ô m ic a s d o p o d e r d o s co n serv a d o res. eneia in su rrecion al e a a b ste n ç ã o e leito ra l. P ersegu iu -se o s sin d ic a to s c o m u -
A U C R serviu c o m o freio a o s im p u lso s a scen d en tes d as m a ssa s, à m o b iliza çã o ? |stas e o m o v im e n to sin d ica l v o lto u a se cin d ir c o m a recria çã o da U n iã o
rural e à a tiv id a d e sin d ica l, c o m rep ressão v io le n ta e m a ssa cres (1 9 1 9 - 2 1 ). d*cal A rg en tin a , c o m a b an d eira da luta co n tra o fa sc ism o .
O s m ilitares se d iv id ira m . C rescia um a fa c ç ã o p r ó -fa sc ista n o e x é r c ito
O SÉCULO XX
72
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
73
O SÉCULO XX
m o a rg en tin o . M a s, a p ó s 1 9 4 9 , as m u d a n ça s n a s c o n d iç õ e s e c o n ô m ic a s co-
m eça ra m a afetar o reg im e e a estim u la r as te n s õ e s so c ia is. A s im p o rta çõ es
cresceram m u ito . A agricu ltu ra so fria d e c lín io e e sta g n a ç ã o , c o m as secas,
c o m a c o n c o r r ê n c ia a m erica n a , c o m a tra n sfo r m a ç ã o d a s terras em p astos e
c o m a e x p u ls ã o d o s arren d a tá rio s. Ela n ã o p o d ia m a is fin an ciar su p rim en to
d e b en s d e c o n s u m o in term ed iá r io e d e m a térias-p rim as. H o u v e a u m e n to da
d ív id a e da in fla ç ã o . A s reservas c a m b ia is se e sg o ta v a m e o d é fic it au m en ta
v a . O n o v o p la n o q ü in q ü e n a l p ro cu ra v a o s in v e stim e n to s estra n g eiro s e a as
s o c ia ç ã o c o m as m u ltin a c io n a is.
A o r ie n ta ç ã o e c o n ô m ic a m u d a ria para estim u la r a agricu ltu ra e as ex p o r
ta ç õ e s , e para d im in u ir o d é fic it p ú b lic o e a in fla ç ã o . D im in u iu -se a ên fa se na
in d ú str ia , n o c o n s u m o in te r n o , n o s e to r u r b a n o e n o s tr a b a lh a d o r e s. T o
m a ra m -se m ed id a s p ara reduzir o c o n s u m o , c o m c o n g e la m e n to d o s salários
e c o n tr o le so b re a o ferta d e a lim e n to s. C o m o r e su lta d o , a u m en taram o custo
d e v id a , o e m p o b r e c im e n to geral e sp ecia lm e n te n o c a m p o , a in sta b ilid a d e po
lítica . M a s a p o lític a e c o n ô m ic a fa lh o u . A o p o s iç ã o a o g o v e r n o v in h a d e se
to r e s a lto s e m é d io s, c o m te n ta tiv a d e g o lp e p o r p arte d e o fic ia is d a reserva.
O g o v e r n o en tro u em c o n flito c o m a Igreja. Em 1 9 5 2 m orria E vita, para se
tr a n sfo r m a r na sa n ta d o s d e sc a m isa d o s . O c o n tr o le d o s sin d ic a to s através
d o s m e c a n ism o s trab alh istas e a ssiste n c ia lista s d o p e r o n ism o c o m e ç a r ia a fa
lhar: em 1 9 5 4 , u m a greve e sp o n tâ n e a m o b iliz o u o s m eta lú rg ic o s.
O g o v e r n o se to r n o u m ais d e m a g ó g ic o e rep ressivo: rep rim iu as greves,
su b m e te n d o o s g r e v ista s à lei m ilitar, e x p u r g o u a C G T e a s fo r ç a s arm adas.
P rocu rou silen cia r as crítica s a u m e n ta n d o a a b ra n g ên cia d o s crim es co n tra o
E sta d o . E x p r o p r io u o jorn al La Prensa. A o m e sm o te m p o a u m e n ta v a a pro
p a g a n d a d o regim e. E m ju lh o d e 1 9 5 5 , o líder rad ical A rtu ro F ron d izi criti
c o u a v io lê n c ia , a c o r r u p ç ã o e a p o lític a d o g o v e r n o , se n d o a p r isio n a d o . O
a p e lo d e P erón às m a ssa s, a p o ssib ilid a d e d e arm ar o s tr a b a lh a d o r e s e a im
p la n ta ç ã o d e m a is um e sta d o d e sítio m o b iliz o u o e x é r c ito . V á ria s g u a rn içõ es
re g io n a is se re v o lta r a m e P erón r e n u n c io u , r e fu g ia n d o -se em u m n a v io de
gu erra p a r a g u a io . O g en eral E d u ard o L on ard i to m o u p o ss e c o m o p resid en te
da ju n ta m ilitar.
D e p o is d e P eró n , a A rg en tin a n ã o c o n se g u iu en co n tra r a e sta b ilid a d e , al-
te m a n d o -s e p e r ío d o s d e g o lp e s e d ita d u ra s m ilita res. O s g o v e r n o s q u e se se
gu ira m fizera m e sfo r ç o s para d estru ir o p e r o n is m o e a a tr a ç ã o q u e exercia
so b re as m a ssa s. E m e le iç õ e s liv res, o s p e r o n ista s p o d e r ía m o b te r v itó ria s. O
m o v im e n to sin d ic a l p e r o n is ta p er m a n e c e u c o m o e x p r e s s ã o o r g a n iz a d a d o
74
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
75
O SÉCULO XX
76
í „ l C A LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
A M
B t ia g o d e C u h a ’ Para c o n t r o lá - lo e c o n s e g u ir a r m a s . D e r r o ta d o s
r i n n r p n á i r ã n * m n i t n ç fn r a r r
enl 1 a ssa ssin a d o s 6 5 d e le s d u ra n te a ca p tu ra o u r e n d iç ã o ; m u ito s foram
R f ^ t e to rtu ra d o s. A a u to d e fe sa d e Fidel c ir c u lo u m a is tard e c o m o
h
« a n fleto “ A H istó r ia m e A b so lv e r á ” . Por ele, re v e lo u -se um lib eral c o n stitu -
^ a l i s t a , c la m a n d o p or um g o v e r n o d e m o c r á tic o . L ib erta d o em 1 9 5 5 , e x i
c
lou-se
1(
n o M é x ic o .
f j o M é x ic o , la n ç o u o M o v im e n to 2 6 d e Ju lh o . U m g r u p o tr e in o u -se e m
errilha para d esem b arcar em C u b a. N e le esta v a m o jovem m é d ic o a rg en ti
v
no Ernesto G u e v a r a , C a m ilo C ie n fu e g o s e J o s é A n t o n io E c h e v e r r ía , d a
Federação d e E stu d an tes U n iversitários. A situ a ç ã o em C u b a já p arecia m a d u
ra para a revolu ção: a g ita ç ã o en tre o s trab alh ad ores u rb a n o s e raiva en tre o s
camponeses. Em 1 9 5 6 , o b arco G ranm a os le v o u , e m a is 81 p a tr io ta s, q u e fo
ram d escob ertos e a ta c a d o s. P rocuraram r efú g io em Sierra M a e str a . A li resis
tiram e segu iram a estra tég ia d e abertura de c o lu n a s gu errilh eiras c e r c a n d o a
área.^ u a estratégia era m inar o m oral d as trop as d e B atista, c o m a ta q u es de
surpresa. L o g o d escob riram q u e n ecessita v a m d o a p o io d o s c a m p o n e s e s para
continuar a luta. O s reb eld es se to m a r a m em ca m p o n e se s e to m a r a m m ed id as
mais radicais, c o m o d istrib u içã o d as terras d o s p artid ários d o regim e.
O m o v im e n to n ã o se is o lo u na serra. O s g u errilh eiro s m a n tin h a m c o n ta
to co m b ases d e a p o io na c id a d e , para o b te r arm as, d in h e ir o e v o lu n tá r io s.
G rupos u rb a n o s rad icais se o r g a n iz a v a m e m a n tin h a m o g o v e r n o s o b p res
sã o , co m a ta q u es e m a n ife sta ç õ e s se g u id o s d e v io le n ta re p r e ssã o . Em 1 9 5 8 ,
Batista la n ço u u m a g r a n d e o fe n s iv a e m Sierra M a e str a . S u a s tr o p a s foram
derrotad as, e seu c o m a n d a n te M a r io Q u e v e d o se ju n to u a o s g u errilh eiro s.
D u as c o lu n a s d e g u errilh eiro s lid era d a s p or G u evara e C ie n fu e g o s fo ra m e n
viadas à c a p ita l. C a stro seg u iu para S a n tia g o . T ro p a s d o e x é r c ito se recu sa
vam a lutar. B a tista fu g iu p ara a R e p ú b lic a D o m in ic a n a , le v a n d o c o n s ig o
avultada so m a em d ó la res.
O a p o io d o s c a m p o n e s e s in flu e n c io u nas a ç õ e s d o g o v e r n o r e v o lu c io n á
rio. O n o v o reg im e p r o m u lg o u d e im e d ia to u m a lei d e refo rm a agrária em
m aio d e 1 9 5 9 , q u e tr a n sfo r m o u o ag ro c u b a n o . C o m o m a io r e s p ro p rietá rio s
d ó s o lo c u b a n o , a lei a fe to u tr e m e n d a m e n te o s in te r e sse s a m e r ic a n o s. A s
p la n ta çõ es, as g ra n d es fa zen d a s e as p ro p ried a d es m a io r e s fo r a m e x p ro p ria -
das: lim ito u -se o ta m a n h o da p rop ried a d e e o s c a m p o n e s e s receb eram terras.
A s p la n ta ç õ e s d e açú ca r fo r a m , d e in íc io , tr a b a lh a d a s c o m o c o o p e r a tiv a s,
co m seu s m em b ro s r e c e b e n d o sa lá rio s e p a rticip a n d o d o s lu cro s. C o m o isso
d ivid ia o c a m p e s in a to , m ais tard e se tra n sfo rm a ra m em fa z e n d a s e sta ta is o u
77
O SÉCULO XX
p r o p r ie d a d e s d o p o v o . R a d ic a liz a n d o a in d a m a is , to d a s a s p r o p r ie d a d e s
a c im a d e 6 7 h ecta res foram ta m b é m n a c io n a liz a d a s e o s p e q u e n o s a g r ic u lto
res fo r a m o r g a n iz a d o s n a A s s o c ia ç ã o N a c io n a l d e P eq u en o s A g ricu lto res.
D e 1 9 5 9 a 1 9 6 3 , a e c o n o m ia fo i ca d a v ez m a is c o le tiv iz a d a e c o n tr o la d a
p e lo E s ta d o . E m 1 9 6 0 , a s e m p r e s a s e s tr a n g e ir a s fo r a m n a c io n a liz a d a s .
P r o stíb u lo s e c a ss in o s fo ra m fe c h a d o s , c o m g ra n d e c a m p a n h a p ara reab ilitar
a s p r o stitu ta s. P raias, h o té is e c lu b e s foram a b erto s a to d a a p o p u la ç ã o . A re
fo r m a u r b a n a d im in u iu o s a lu g u é is e p r o ib iu a e s p e c u la ç ã o im o b iliá r ia .
P ro cu ro u -se lim itar a d e p e n d ê n c ia d o açú car e d o s E sta d o s U n id o s, d iv ersifi
car a p r o d u ç ã o a g r íc o la e d e se n v o lv e r a in d ú stria . C e n tr a liz o u -se o p lan eja
m e n to e c o n ô m ic o na Ju n ta C en tral d e P la n ific a ç ã o . H o u v e d ific u ld a d e s na
p r o d u ç ã o a g ríco la e in d u stria l, e o sistem a e c o n ô m ic o fo i r e o r g a n iz a d o em
1 9 7 0 , a fr o u x a n d o u m p o u c o o c o n tr o le d o E sta d o so b r e a e c o n o m ia a té ch e
gar a u m a certa e x p a n s ã o n o s a n o s 8 0 .
U m a d a s b elas in ic ia tiv a s da r e v o lu ç ã o fo i a c a m p a n h a d e a lfa b e tiz a ç ã o ,
o n d e jo v e n s fo rm a ra m b rigad as e se e sp a lh a ra m p e lo p a ís , v iv e n d o c o m o
p o v o e e n sin a n d o -o a ler. J u n to c o m as letras se p ro cu ra v a d esp ertar a c o n s
c iê n c ia p o lític a e criar n o v o s c id a d ã o s d e u m a n o v a so c ie d a d e . U m d o s pri
m eiro s a to s d a r e v o lu ç ã o fo i e x p a n d ir e m elh o ra r as e sc o la s p ú b lica s. A s e s
c o la s p a rticu la res fo r a m p riv a tiza d a s. A s u n iv ersid a d es fo ra m reo rg a n iz a d a s,
p ara um e n sin o m a is té c n ic o e p r o fissio n a l. N o c a m p o d a sa ú d e , tev e-se de
p r a tic a m e n te c o m e ç a r d o zero: m e ta d e d o s m é d ic o s tin h a d e ix a d o o p a ís.
M a s e sta b e le c e u -se u m siste m a d e sa ú d e esta ta l d is p o n ív e l p ara to d o s o s c i
d a d ã o s , d e q u a lid a d e e e fic iê n c ia r e c o n h e c id a s in te r n a c io n a lm e n te . C u b a
to r n o u -se u m c e n tr o m é d ic o d e referên cia m u n d ia l.
A o entrar em H a v a n a , F idel C a stro d escrev ia se u p ro g ra m a c o m o d e m o
cracia h u m a n ista so b r e a b ase d e lib erd ad e p ara to d o s . E stava d ete r m in a d o
a d ivid ir o p o d e r c o m o u tr o s g r u p o s. A re v o lu ç ã o n a c io n a lis ta , p o r é m , se in
c lin a v a para o m a r x ism o -le n in ism o . A d ireçã o c o u b e a C a stro e se u s c o m a n
d a n te s d e Sierra M a e str a , F id el c o m o p rim eiro -m in istro em 1 9 5 9 . A lia d o s de
B atista e c o n tr a -r e v o lu c io n á r io s fo r a m p reso s e e x e c u ta d o s . E lem en to s m o
d e r a d o s fo ra m a fa sta d o s d o g o v e r n o . Em 1 9 6 3 , fo i c r ia d o o P a rtid o U n id o
d a R e v o lu ç ã o S o c ia lista , su b s titu íd o em 1 9 6 5 p e lo n o v o P artid o C o m u n ista
C u b a n o , c u jo C o m itê C en tral era d e com an dan tes fid e lista s. O r g a n iz a ç õ e s
d e m a ssa m o b iliz a v a m v á r io s se to r e s d a p o p u la ç ã o : em 1 9 6 0 fo i cr ia d a a
F ed era çã o d a s M u lh e r e s C u b a n a s, para aju d á-las a p a rticip a r p le n a m e n te da
v id a e c o n ô m ic a , p o lític a e so c ia l d o país.
78
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
79
O SÉCULO XX
p o lid eraria a c id a d e . E ssas d iretrizes estiv era m p resen tes n a s lu ta s gu errilh ei
ras d a B o lív ia , Peru e N ic a r á g u a .
C o m o C u b a , a N ic a r á g u a ta m b é m era u m a z o n a d e n tr o d a g e o p o lític a
d o s E sta d o s U n id o s. A p rim eira in te r v e n ç ã o a rm ad a d ireta a m erica n a veio
em 1 8 5 5 e a o c u p a ç ã o m ilita r d u ro u d e 1 9 1 2 a 1 9 2 5 e d e 1 9 2 6 a 1 9 3 3 , pri
m eiro se in c lin a n d o para o se to r q u e ju lgava m ais c o n fiá v e l, o s c o n se r v a d o
res e , n o fin a l, p r o m o v e n d o u m a c o r d o c o m o s lib erais. D e ssa m a n eira , as
lu tas p o lític a s e a s reb e liõ e s p o p u la r e s in tern as eram m a rca d a s p e lo n a c io n a
lis m o , c o n tr a o d o m ín io e o c o n tr o le a m e r ic a n o e p ela lib e r a ç ã o n a c io n a l.
O c a fé fo i in tr o d u z id o em 1 8 5 0 e já em 1 8 9 0 era o p rin cip a l ra m o d e e x
p o r ta ç ã o . O c u ltiv o d o c a fé fo i e stim u la d o a tra v és d e p r ê m io s, su b s íd io s , pu
b lic a ç õ e s té c n ic a s, c o n c e s s õ e s d e terras, c o n str u ç ã o d e te lé g r a fo s e ferrovias,
e n c o r a ja m e n to d o siste m a d e c r é d ito para fin a n cia r a p r o d u ç ã o . C o n stru iu -
se to d o u m sistem a para ga ra n tir o fo r n e c im e n to d e m ã o -d e -o b r a : recruta
m e n to fo r ç a d o d o s in d íg e n a s e m e stiç o s através d e leis so b r e v a g a b u n d a g e m ,
ta x a s d e tr a b a lh o , e n d iv id a m e n to d o p e ã o n o s a rm a zén s d o p ro p rietá rio e
p r o ib iç ã o d e cu ltiv a r p r o d u to s b á sic o s d e su b sistê n c ia . T u d o era p ara forçar
o tr a b a lh o n o la tifú n d io .
A s c o n se q u ê n c ia s d a e x p a n s ã o d o c a fé fo i a p erd a d a s terras p e la s c o m u
n id a d e s in d íg e n a s e p e lo s c u ltiv a d o r e s d e p r o d u to s d e su b s istê n c ia . H a v ia
m iséria en tre o s p e r ío d o s d e c o lh e ita , r e b e liõ e s, fu g a para a s c id a d e s , m o n ta
n h a s d o n o r te e p ara a flo r e sta a tlâ n tic a . A d iv e r s ific a ç ã o a p ó s a S egu n d a
G u erra M u n d ia l in clu iu a lg o d ã o , açúcar, b a n a n a , m a d eira , ca r n e e o u r o , mas
a p r o fu n d o u o d e sp o ja m e n to d o s c a m p o n e s e s. O c o n tr o le d a s e x p o r ta ç õ e s e
d o c r é d ito p e r m a n e c ia em m ã o s d e in v e s tid o r e s e str a n g e ir o s a s s o c ia d o s à
elite local.
A d ita d u ra d a fa m ília S o m o z a c o m e ç o u a se g esta r q u a n d o o s E stad os
U n id o s p a tro cin a ra m a cr ia ç ã o d a G u ard a N a c io n a l d a N ic a r á g u a . Q u a n d o
sa íra m , o c o m a n d o da G u ard a p a sso u para A n a sta sio S o m o z a G a rcia , filho
d e u m ca feicu lto r, e d u c a d o n o s E sta d o s U n id o s. D e p o is d e p r o m o v e r o a ssa s
sin a to d e A u g u sto C ésa r S a n d in o , líder lib eral d a gu errilh a c o n tr a a o c u p a
ç ã o a m e r ic a n a , S o m o z a c o n s o lid o u seu c o n tr o le : e x p u ls o u o fic ia is c o n c o r - _
ren tes, p erm itiu a m a ta n ç a d e c e n te n a s d e h o m e n s , m u lh eres e cria n ç a s na
área d e stin a d a a o s a n tig o s g u errilh eiro s; p erm itiu a o s m ilita res to d a so r te de
c o r r u p ç ã o , e x to r s ã o e e x p lo r a ç ã o d o jo g o , p r o stitu iç ã o e c o n tr a b a n d o . Isto
is o lo u as fo rça s a rm ad as d o p o v o , to r n a n d o -a s u m a m áfia d e u n ifo r m e , de
p en d e n te s d o líder.
80
A M É R I C A LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
Em 1 9 3 6 , S o m o z a d e p ô s o p resid en te e p r o m o v e u n o v a s e le iç õ e s em q u e
f0 i o venced or. O regim e c u ltiv a v a o a p o io d o s E sta d o s U n id o s , p e r m itin d o
q estabelecimento~dê b a ses m ilitares e o u so d o p aís c o m o c a m p o d e tr e in a
m ento d o s o p o sito r e s d o p resid en te da G u a tem a la p e la C IA , e n v ia n d o s o ld a
dos para a G uerra da C oréia. A ssa ssin a d o em 1 9 5 6 , fo i su b s titu íd o p o r seu s
filh os e d u c a d o s e m W est P oin t: L u is, na P r e sid ê n c ia , e A n a s ta s io S o m o z a
Debayle, no c o m a n d o d a G u ard a N a c io n a l, q u e a ssu m iría ta m b é m a P resi
dência em 1 9 7 2 .
A fam ília S o m o z a c o n tr o lo u b oa p arte da riq u eza da n a ç ã o , e x p lo r o u o
govern o para seu g a n h o p e sso a l, receb eu c o m issõ e s p o r c o n c e s s õ e s d e terras
e m in as e a u m e n to u o s la ço s c o m b a n c o s e in v estid o res a m e r ic a n o s. N o ter
rem oto d e 1 9 7 2 , q u e arrasou M a n á g u a , p erm itiu q u e a G u a rd a N a c io n a l se
a p o ssa sse d o m a teria l v in d o d a a ju d a in te r n a c io n a l e o v e n d e s s e , q u e s a
queasse o se to r c o m ercia l da cid a d e e ain d a c a n a liz o u o s recu rso s d o s fu n d o s
intern acion ais d e ajuda para seu s p ró p rio s b o ls o s. O s recu rsos para a r e c o n s
tr u ç ã o d e M a n á g u a fin a n c ia r a m m a n s õ e s p a r a o s o f i c ia i s d a G u a r d a
N a cio n a l.
A in sa tisfa ç ã o p o p u la r c o m e ç o u a se m a n ifesta r m ais a b e r ta m e n te c o n
tra o g o v e r n o a o m e sm o te m p o q u e p arte da elite e c o n ô m ic a p rin cip ia v a a
negar a p o io à d ita d u ra . A e c o n o m ia d a N ic a r á g u a era d o m in a d a p o r três
grupos: o Ba n c o N ic a r a g ü e n s e , d e p r o p a e tá r io s lib e r a is e d o a lg o d ã o ; o
Çanco d e A m érica, da olig a rq u ia c o n se r v a d o r a , d e em p resa s c o m e r c ia is , da
esp ecu lação im ob iliária e d a c o n str u ç ã o ; e a fa m ília S o m o z a e se u s c o la b o r a
dores m a is p r ó x im o s, q u e u ltra p a ssa v a e c o n c o r r ia c o m o s d o is p rim eiro s e
am eaçava a su a e sta b ilid a d e . D e p o is d e 1 9 7 2 , a lém d a s g rev es e d e m o n s tr a
ções, joven s da elite co m e ç a r a m a se juntar à Frente S a n d in ista d e L ib erta çã o
N a cio n a l (F SL N ) e se to r e s em p resariais c o m e ç a r a m a aju d ar fin a n c e ir a m e n
te o m o v im e n to . A r e p r e s s ã o , o s m a s s a c r e s e m p r e e n d id o s p e la G u a r d a
N a cio n a l co n tra o s c a m p o n e s e s e su a s v io la ç õ e s d o s d ir e ito s h u m a n o s foram
d en u n ciad os p ela Igreja C a tó lic a e in v e stig a d o s p ela A n istia In tern a cio n a l. O
tegim e e n c o n tr o u a in d a a p r e ss ã o d e J im m y C arter, e le ito p r e sid e n te d o s
Estados U n id o s em 1 9 7 7 .
Em 1 9 6 1 , fo i c ria d a n o ex te r io r , p o r C a r lo s F o n se c a A m a d o r, C a r lo s
Borge e S ilvio M a y o r g a , a F S L N , q u e se e n g a jo u n u m a lu ta d e d e z o ito a n o s
c°n tra o s S o m o z a e sua G u ard a N a c io n a l. T eve o rig em n o s m o v im e n to s e s
tudantis d e 1 9 4 4 - 1 9 4 8 e 1 9 5 9 - 1 9 6 1 . O s n o v o s g u e r r ilh e ir o s rou b aram al-
8uns b a n c o s e fu giram para H o n d u r a s, d e o n d e co m e ç a r a m a lu ta . D e p o is d o
81
a s s a s s in a to d e S a n d in o , o s sa n d in ista s o r ig in a is tin h a m c o n tin u a d o a ]uta
c o n tr a S o m o z a e fo ra m e lim in a d o s, m a s um d e le s , o v e lh o S a n to s L o p ez, en . I
s in o u a o s g u errilh eiro s da F SL N a arte d e so b rev iv er n as selv a s e as táticas e 1
e str a té g ia s d a gu erra d e g u errilh a s. D e 1 9 6 1 a 1 9 6 3 , a s fo rça s san d in istas
p erm a n ecera m p e q u e n a s e so frera m várias d erro ta s. D e p o is so lid ific a r a m o
a p o io rural e u r b a n o , c o m o s c a m p o n e s e s d o n o rte e o s e stu d a n te s da Frente
R e v o lu c io n á r ia E stu d a n til. A o fe n siv a de 1 9 6 6 -6 7 in c lu iu a ss a lto s a b ancos
e o ju s tiç a m e n to d e um to r tu r a d o r da G u ard a N a c io n a l.
A estra tég ia era criar fo c o s r e v o lu c io n á r io s p o r to d o o p a ís, para atrair o
p o v o à lu ta , e p rocu rar a lia n ç a c o m c a m p o n e se s e o p e r á r io s p ara estab elecer
c o n d iç õ e s d e u m a G uerra P o p u la r P ro lo n g a d a . A b ru ta lid a d e d a repressão
a u m e n ta v a o a p o io c a m p o n ê s a o s sa n d in ista s. Em 1 9 7 4 , c o n se g u ir a m uma
g r a n d e v itó ria a o in vad ir a festa em h o m e n a g e m a o e m b a ix a d o r a m erican o
T urner B. S h e lto n e to m a r o s im p o rta n tes c o n v id a d o s c o m o refén s. Em troca
e x ig ir a m , e c o n se g u ir a m , a lib e r ta ç ã o d e p r isio n e ir o s sa n d in ista s, u m a gran
d e q u a n tia em d in h e ir o e a tr a n s m is s ã o p e lo s m e io s d e c o m u n ic a ç ã o das
m e n sa g e n s d o s g u errilh eiro s a o p o v o da N ic a r á g u a .
A o p o s iç ã o p o p u la r a o regim e a u m en to u ra p id a m en te, em 1 9 7 8 , a p ó s o
a ssa ssin a to d e P ed ro J o a q u ín C h a m o rro , líder da U n iã o D em o crá tica d e Li
b ertação e p rop rietário d o jorn al La Prensa. A o p o siç ã o in clu ía co n servad ores
e liberais d issid en tes; a ss o c ia ç õ e s d e em p resários p rogressistas; org a n iza çõ e s
e stu d a n tis e d e tr a b a lh a d o r e s; p a r tid o s c r istã o s e m o v im e n to s e v a n g é lic o s.
A lg u n s d eles se a p ro x im a ra m da F SL N , m as o u tr o s procu raram ajuda am eri
ca n a para u m a altern ativa n ã o -a rm a d a a S om oza: p reten d iam tirar S o m o za e
m an ter a G uarda N a c io n a l c o m o garan tid ora de um regim e e c o n ô m ic o , p o lí
tic o e so c ia l m ais d e m o c r á tic o , ab erto para o restan te da elite. O te m o r d e que
a N ic a r á g u a se to rn a sse um a n o v a C u b a fez c o m q u e a O E A p rocu rasse um
a c o r d o en tre S o m o z a e g ru p o s d e p o lític o s tra d ic io n a is, sem su c e sso .
A F S L N d iv id iu -se em três fa c ç õ e s. O s p r o le tá r io s, s a íd o s da fren te urba
na em 1 9 7 5 , p r o c u r a v a m a m p lia r o m o v im e n to d e m a ssa o r g a n iz a n d o o s
o p e r á r io s n a s f á b r ic a s , n a s p e r ife r ia s d a s c id a d e s . A fa c ç ã o d a G u e r r a
P o p u la r P ro lo n g a d a v in h a d a F S L N o rig in a l e p referia c o n tin u a r c o m a a n ti
g a fo r m a d e lu ta , d e g u errilh a rural e s p e c ia lm e n te n o N o r te , a c u m u la n d o
fo rça s. O s terceirista s o u in su rg en tes se a fa sta ra m d a o r to d o x ia m a rx ista -le-
n in ista , p r o p u n h a m a u n iã o d e to d a s as o p o s iç õ e s em u m a fren te a m p la e
c o n c la m a v a m o p o v o p ara a in su rreiçã o rural e u rb a n a . N e le s se in clu íam
D a n ie l e H u m b e r to O rtega Saaved ra e V icto r T ira d o L o p ez. O r á p id o cresci-
82
A N I Ê R |CA L A T I N A : DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
83
k
O SÉCULO XX
84
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
são mundial.
Fm 1 9 8 5 , foram rea liza d a s a s p rim eiras e le iç õ e s lim p a s d a h istó r ia da
Nicarágua, c o m o b se r v a d o r e s in tern a cio n a is. A F S L N o b te v e 6 7 % d o s v o to s
e a Presidência. C o m eça ria o p r o c e sso d e c o n so lid a r a r e v o lu ç ã o , q u e conti
nuaria a ser im p e d id o p e la a ç ã o d o s con tras e d o s E sta d o s U n id o s.
85
O SÉCULO XX
86
A M É R ' CA LATINA: DEPENDÊNCIA. DITADURAS E GUERRILHAS
87
O SÉCULO XX AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
88 89
A
O SÉCULO XX
5. CONCLUSÃO
90
AMÉRICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
91
O SÉCULO XX
BIBLIOGRAFIA
1. G eral
92
A M É R | CA L A T I N A : DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
2. A rgen tin a
93
a M é RICA LATINA: DEPENDÊNCIA, DITADURAS E GUERRILHAS
O SÉCULO XX
Luna, Felix. 1974. A r g e n tin a d e P e r ó n a L a n u s s e ( 1 9 4 3 - 1 9 7 3 ) . Rio de Janeir0 Tribunál permanente i »< * * f r *y « . * U r M U U J rtU
Mills, C. Wright. 1961. A v e r d a d e s o b r e C u b a . Rio de Janeiro, Zahar. Mariátegui, José Carlos. 1975. S e te e n sa io s d e in te r p r e ta ç ã o d a r e a lid a d e p e r u a n a . São
Sader, Eder. 1985. A r e v o lu ç ã o cu b a n a . São Paulo, Ed. Moderna. Paulo, Alfa-Ômega.
Sartre, Jean-Paul. 1960. F u racão s o b r e C u b a . Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 3* ed. Moreira, José Neiva. 1975. O m o d e lo p e r u a n o . Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Sweezy, Paul e Huberman, Leo. 1960. C u b a : a n a to m ia d e u m a re v o lu ç ã o . Rio de Janeiro, Stepan, Alfred. 1980. E s ta d o , c o r p o r a tiv is m o e a u to r ita r is m o . Rio de Janeiro, Paz e
Terra.
Zahar.
Thomas, Hugh. 1970. “A política da classe média e a revolução cubana”. In Veliz, Cláudio Villanueva, Victor. 1969. O g o lp e d e 6 8 n o P eru : d o c a u d ilh is m o a o n a c io n a lis m o . Rio
(coord.). A m é ric a L a tin a : estru tu ra s e m crise. São Paulo, IBRASA, pp. 260-289. de Janeiro, Civilização Brasileira.
4. N ic a r á g u a
95
94
O mundo árabe e as guerras
árabe-israelenses
Keila G rinberg
Doutoranda em História Social
da Universidade Federal Fluminense
“Mesmo quando há duas partes que têm razão, a justiça é um jogo ilusório,
porque é sempre julgada pelo lado de quem vê.”
YORAM KANIUK, escritor israelense
introdução
99
O SÉCULO XX o MUNDO ÁRABE E AS GUERRAS A RABE- 1SRAELENSES
100
k
1
101
0 SÉCULO XX o MUNDO Á r a b e E AS GUERRAS A R A B E -I S R A E L E N S E S
102 103
O S ÉC UL O XX
104
■
o MUNDO ARABE E AS GUERRAS ARABE - 1SRAELENSES
10S
O SÉCULO XX
106
Em 1 9 3 7 , um rela tó rio fe ito p ela C o m is sã o P eel, g r u p o in g lê s r e sp o n s á
vel por in vestigar o s c o n flito s na P a lestin a , p r o p õ e , p ela p rim eira v e z , a p ar
tilha da reg iã o , v e e m e n te m e n te recu sad a p e lo s á rab es r e u n id o s n a Síria n o
C ongresso P an -Á rab e, em 1 9 3 8 (“ A P alestin a é á rab e, e p reserv á -la c o m o tal
é dever de to d o s o s á r a b e s” ), m a s a ceita c o m reservas p ela c o m is s ã o e x e c u ti
va sionista. A situ a ç ã o é co m p r e e n sív e l — para q u e m n ã o tin h a n a d a , q u a l
quer p rop osta é u m a v itó r ia , m as para q u em o c u p a v a o te r r itó r io in te ir o , a
mínima c e ssã o já sig n ifica ria u m a d errota — , m as e la s ó p r o v o c o u o a u m e n
to da revolta p a lestin a . A ssim , rev en d o su a p o siç ã o , o s b r itâ n ic o s o p ta r a m
por restringir r a d ica lm en te a en tra d a d e ju d eu s n a P a lestin a e m 1 9 3 9 , ju sta
mente o a n o em q u e H itler d á in íc io à guerra q u e a ca b a ria p o r ex te r m in a r 6
milhões d e judeus.
O s in gleses e n tã o a d o ta m a p o lítica d o L ivro B ranco, lim ita n d o a im ig ra
ção de judeus a 5 0 m il p or c in c o a n os; d e p o is d is to , a r e to m a d a d o p r o c e sso
imigratório fic a r ia c o n d ic io n a d a à c o n c o r d â n c ia d o s á r a b e s . D e s ta v e z ,
foram os ju d eu s q u e o p ta r a m p ela via d a v io lê n c ia p ara rech a ça r a d e c is ã o
britânica: em 1 9 4 5 , m e sm o c o n tr a a p o siç ã o d a A g ê n c ia J u d a ic a , se g m e n to s
extremistas m in o r itá r io s d a c o m u n id a d e ju d a ica d ã o in íc io à lu ta a rm ad a
que vai resultar, en tre o u tr a s a ç õ e s , n a e x p lo s ã o d o H o te l K in g D a v id em
Jerusalém, sed e d o g o v e r n o in g lê s, p e lo Irgun. D e fa to , a p o s iç ã o d o s ju d eu s
P alestina era d ifíc il e d ú b ia , p o r c o n ta d a n e c e ss id a d e d e c o n tin u a r a o
ado d o s in g leses na d isp u ta e u ro p éia c o n tr a o s n azistas: “ C o m b a te r e m o s a o
a o da Inglaterra c o m o se o L ivro B ran co n ã o e x is tis se , e c o m b a te r e m o s o
Jvro B ranco c o m o se a gu erra n ã o e x is tis s e ” , d izia o líd er B en -G u rio n , d a
" 8encia Ju d aica.
M as tal se p a r a ç ã o d e p ersp ectiv a s já n ã o seria p o ssív el: a n te o d e sfe c h o
107
O MUNDO ÁRABE E AS GUERRAS A R A B E - 1S R A E L E N S E S
O SÉCULO XX
■
d a gu erra e as n o tíc ia s so b r e o g e n o c íd io d e ju d eu s, a u m e n ta v a a p ressão pú_ pari e j o s te rritó rio s d e stin a d o s a o s p a le s tin o s , o E g ito p r e o c u p a v a -s e em n ã o
deixar q u e a T ran sjord ân ia tiv e sse ê x ito , e o L íb a n o p reten d ia a p en a s reafir-
b lica p ela a c e ita ç ã o d a en trad a d a q u e le s 10 0 m il q u e a in d a a g u ard avam , na 1
0iar sua recen te in d ep en d ên cia .
E u r o p a o u em n a v io s c la n d e s tin o s , u m a s o lu ç ã o p ara o seu d e s tin o . Em
A recém-criada Liga Á rab e e sc o n d ia em seu n o m e as p r o fu n d a s d iver-
1 9 4 7 , e ste e sta d o d e c o is a s c h e g a a o c lím a x : o n a v io E x o d u s, q u e aportou
ências d e o b je tiv o s q u e a ca racterizariam a p artir d e e n tã o , e o r e su lta d o
em H a ifa c o m 4 ,5 m il ju d eu s so b r e v iv e n te s d e c a m p o s d e e x te r m ín io , é ex
disto p o d e ser p er c e b id o através da d iv isã o territorial o c o r r id a c o m o a r m is
p u lso p e la s a u to r id a d e s b r itâ n ic a s, e é o b r ig a d o a v o lta r para a A lem an h a. A
tício de 1 9 4 9 : além d e Israel p assar a o cu p a r um te r r itó r io 2 1 % m a io r d o
partir d a í, te n d o p e r d id o o c o n tr o le da situ a ç ã o — ta m b é m p r o v o c a d a pelo
que a q u e le d e s ig n a d o p e la O N U , o rei A b d a lla h c o n s e g u e a n e x a r a
a u m e n t o d a b e lig e r â n c ia d e p a le s t in o s e ju d e u s c o n tr a b r it â n ic o s — a Cisjordânia a seu territó rio (q u e, a partir d e e n tã o , p a ssa a ser o R e in o d a
Inglaterra leva o p r o b le m a à s N a ç õ e s U n id a s, q u e , na co n tu r b a d a sessã o de Jordânia), o E g ito to m a c o n ta d a fa ix a d e G a za e Jeru sa lém é d iv id id a . O E s
2 9 d e n o v e m b r o d e 1 9 4 7 , d e c id e p e lo fim d o M a n d a to B ritâ n ico e p ela par tado P alestin o n ã o ch e g a a sair d o p a p el, e o lem a “ O c a m in h o d e Jeru salém
tilh a d a P a lestin a e m d o is E sta d o s a u tô n o m o s e in d ep en d en tes: u m árabe pa passa pela u n id a d e á r a b e ” é b a sta n te r ev ela d o r d o se g u n d o p la n o o c u p a d o
le stin o e u m ju d eu . E ste teria 1 4 m il q u ilô m e tr o s q u a d r a d o s, e n g lo b a n d o as pela q u estã o p a le stin a en tre a s p r io rid a d es árabes: p r im e ir o a u n id a d e , d e
áreas en tre o d e se r to d o N e g u e v e o g o lf o d e Á c a b a , o la d o e sq u e r d o d o lago pois o E stad o P a lestin o .
T ib ería d es e a z o n a c o m p r e e n d id a en tre T el-A viv e H a ifa , e n q u a n to o pales O s principais p erd ed ores desta guerra, p o rta n to , n ã o sã o o s países árabes,
tin o , c o m 11 m il q u ilô m e tr o s q u a d r a d o s, esta ria situ a d o n a C isjord ân ia e na que vêem a c r ia ç ã o d o E sta d o d e Israel c o m o u m “ e n c la v e o c id e n t a l” n o
fa ix a d e G aza; a c id a d e d e J eru sa lém , c o b iç a d a p or a m b o s o s la d o s, seria in Oriente M é d io , e sim o s p a lestin o s, fo rça d o s a se ex ila r fora d o n o v o território
te r n a c io n a liz a d a . N o v a m e n te , o s sio n ista s a c e ita m a p artilh a e o s palestinos israelense. A q u estã o é con troversa: a h istória oficial israelen se d efen d e q u e o s
a recu sa m , se g u in d o o m e s m o r a c io c ín io d e q u e seria u m a d errota permitir cerca de 7 5 0 m il p a lestin o s q u e d eixaram su as terras — m eta d e d a p o p u la ç ã o
q u e o s ju d eu s le g itim a sse m su a p resen ça n a P a le stin a .7 palestina local — o fizeram in stigad os p elo s seu s v iz in h o s árab es, q u e p reten
L o g o q u e o p la n o d a p artilh a foi to r n a d o p ú b lic o e a d ata para o fim do diam usá-los na luta co n tra Israel, en q u a n to q u e a e x p lic a ç ã o á rab e d efe n d e a
M a n d a to B ritâ n ico m a rca d a , o s c h o q u e s en tre p a le stin o s e ju d eu s intensifica tese da ex p u lsã o p elas forças arm ad as israelenses. A té h o je o b je to d e p o lê m ic a ,
ram -se. M a ssa cres de la d o a la d o , c o m o o da p o p u la ç ã o árabe da aldeia de principalm ente entre o s representantes da m ais recen te h isto rio g ra fia israelen
D e ir Y assin e o d o s h a b ita n tes d o k ib u tz Kfar E tz io n , se su ced ia m . A o mesmo se, que en fatiza a gran d e resp o n sa b ilid a d e d e Israel n o ê x o d o d o s refu g ia d o s
te m p o , a s fo r ç a s a r m a d a s ju d a ic a s o r g a n iz a v a m -se p ara um p ro v á v el con palestinos, o fa to é q u e, em 1 9 5 0 , 9 5 7 m il p esso a s — cerca d e m eta d e d a p o
fr o n to d e m a io res p r o p o r ç õ e s, e n q u a n to tr o p a s d o s p a íses árab es vizin h o s ini pulação palestina — viviam n o s c a m p o s criad os p ela U N R W A (agên cia criada
cia v a m m o v im e n ta ç õ e s. O s b ritâ n ico s a p en a s o b serv a v a m d e lo n g e e, n o dia pela O N U em 1 9 4 9 para tratar d o s p rob lem as d o s p a le stin o s refu g ia d o s da
1 4 d e m a io d e 1 9 4 8 , retiraram -se d e Jeru salém . N ã o h a v ia q u alq u er represen guerra), sem o d ireito d e re to m a r às su as ca sa s, n em d e , à e x c e ç ã o da Jord ân ia,
ta n te da O N U para su b stitu í-lo s. E stava d a d o o sin al para o in ício da guerra. estabelecer residência n o s p aíses árabes v izin h o s. A o m e sm o te m p o , a Lei d o
À p r o c la m a ç ã o o fic ia l d a c r ia ç ã o d o E sta d o d e Israel, feita p or D avid R etom o, ap rovad a em 1 9 5 0 p e lo P arlam ento d e Israel, c o n c e d e cid ad an ia is
B en -G u rion em T el-A viv, c o r r e sp o n d e u o a ta q u e d o s p a íses árab es a o redor. raelense a to d o s o s judeus q u e desejarem im igrar para o n o v o p aís, assim c o m o
C o m u m e x é r c ito m a is b em a r m a d o , o su p o r te d o a r m a m e n to tc h e c o e o au aos 160 m il árabes p a lestin o s q u e perm an eceram em seu s lo c a is d e origem . É
un que o m o m e n to de fu n d a çã o d o E stado d e Israel, so lu ç ã o d o s p rob lem as
m e n to c o n tín u o n o c o n tin g e n te d e p e ss o a l, p or c o n ta da c h eg a d a d e imigran
refugiados judeus da S egunda G uerra M u n d ia l, está in d elev elm en te ligad o
tes e u r o p e u s, Israel le v o u a m elhor. A su p e r io r id a d e d o s isra elen ses também
5 riaÇão d o p ro b lem a d o s refu giad os p a le stin o s q u e, p a ssa d o s m ais d e cin -
era p o lític a , já q u e se u s in im ig o s c o m p u n h a m um b lo c o n ad a c o e so : o muR*
<*benta a n o s, ain d a p ersiste .8
d e Jeru sa lém p reten d ia “ jo g a r o s ju d eu s a o m a r ” , a Síria p en sa v a na funda
ç ã o d a “ G r a n d e S ír ia ” (q u e in c o r p o r a r ia a T r a n sjo r d â n ia , o L íb a n o e
P a lestin a ), a T ran sjord ân ia a c e ita v a a c r ia ç ã o d e Israel d esd e q u e a n e x a s #
109
108
n* o mundo Arabe e as guerras Ar a b e -i s r a e l e n s e s
O SÉCULO XX
110
111
O SÉCULO XX
112
o MUNDO ÁRABE E AS G U E R R A S A R A B E - 1S R A E L E N S E S
11 3
O SÉCULOXX
114
O MUNDO ÁRABE E AS GUERRAS Á R A B E -1S R A E L E N S E S
115
O SÉCULO XX
116
O MUNDO ÁRABE E AS GUERRAS A R A B E - 1S R A E L E N S E S
117
O S É C U L O XX
ú n ic o a a p o ia r H u s s e in é Ia sser A ra fa t. C om is s o , a s fo r ç a s m ilita r e s d o
Iraq u e s ã o ra p id a m e n te d estru íd a s. O poder a m e r ic a n o , n o e n ta n to , n ã o é
su fic ie n te para d erru b ar o regim e d e Saddam H u s se in , q u e , m e sm o so fr e n d o
o em b a r g o e c o n ô m ic o im p o s to p ela s grandes p o tê n c ia s, c o n tin u a se su ste n
ta n d o n o Iraque.
A o fim da g u erra , a r e sp o n sa b ilid a d e m a io r so b re a a d m in istr a ç ã o d o
c o n flito recai so b r e o s E sta d o s U n id o s; por c o n ta da crise d a U R S S , d e s p o n
ta m fin a lm e n te c o m o o ú n ic o m e d ia d o r p ossível p ara garan tir a esta b ilid a d e
n o O rien te M é d io , e ela d e p e n d e , n esse m o m e n to , b a sica m en te d a b u sca de
u m a so lu ç ã o para a q u e stã o p alestin a.
A QUESTÃO PALESTINA
118
0 MUNDO ÁRABE E AS GUE R RA S Á R A B E - I S R A E L E N S E S
11 9
O SÉCULO XX o M U N D O Á R A B E E A S G U E R R A S Á R A B E - 1S R A E L E N S E S
120 121
O SÉCULO XX
CONCLUSÃO
122
O MUNDO ÁRABE E AS G UE RRA S Á R A B E - 1S R A E L E N S E S
que m arcam o g o v e r n o d e A ra fa t sã o u m a so m b ra n o a n d a m e n to d o p r o c e s
so de Pa z’ Que a ‘nc^a esta lo n g e d e acabar. M e sm o a ssim , a e sta b iliz a ç ã o da
Autoridade N a c io n a l P alestin a fa z c o m q u e, h o je, p o u c o s se rec u se m a a d m i
tir q ue a fu n d a ç ã o o ficia l d o E sta d o P a lestin o é ap en a s u m a q u e stã o d e te m p o .
S im u lta n e a m e n te , o s a n o s 9 0 fo ra m te s te m u n h a d o a g r a v a m e n to d a s
condições só c io -e c o n ô m ic a s da m a io ria da p o p u la ç ã o á ra b e. O c r e sc im e n to
econômico p r o p ic ia d o p e la p r o d u ç ã o p etro lífe ra n ã o c o r r e sp o n d e u a u m a
elevação n o p a d rã o d e vid a g e r a l, a in d a m ais p o r q u e a p o p u la ç ã o árab e c o n
tin u a c r e s c e n d o m u ito e o s s is te m a s p o lít ic o s d a m a io r ia d o s p a ís e s d o
Oriente M é d io n ã o têm c o m o o b je tiv o u m a d istr ib u iç ã o m a is ju sta d a r iq u e
za. Com is s o , v e m a u m e n ta n d o o fo s s o en tre o s p o u c o s r ic o s e o s m u ito s p o
bres da r e g iã o , o q u e c o n tr ib u i para a m a io r d escren ça n a s fo r m a s tr a d ic io
nais dese fazer p o lític a e, c o n se q u e n te m e n te , n o fo r ta le c im e n to d o s m o v i
mentos fu n d a m e n ta lista s.
D e fa to , e m b o r a n ã o se p reten d a reduzir um fe n ô m e n o r e lig io s o a su a s
causas só c io -e c o n ô m ic a s , é d e a ssu sta r o n ú m ero d e p a r tid o s q u e v ê m se fo r
talecen d o e g a n h a n d o a p o io p o p u la r em d iv erso s p a íse s m u ç u lm a n o s , u sa n
do m u ita s v e z e s a v io lê n c ia p a ra a lc a n ç a r s e u s o b j e t iv o s . A A r g é lia e o
A fegan istão s ã o a p e n a s o s e x e m p lo s m a is ev id e n te s d esta s itu a ç ã o , e a c o n tí
nua e x is tê n c ia d e g r u p o s fu n d a m e n ta lis ta s e n tr e a p o p u la ç ã o p a le s tin a é
prova d a v ita lid a d e d e su a s id é ia s .14
D a m esm a fo rm a , Israel, h o je, vive as co n se q ü ê n c ia s d o p r o fu n d o d issen -
so id eo ló g ico e cu ltu ral en tre ju d eu s secu lares e fu n d a m e n ta lista s. A cirra n d o
um c o n flito q u e te v e o rig em n o p r ó p r io m o m e n to d e fu n d a ç ã o d o E sta d o ,
op ostos à p a z c o m o s árab es e à p lu ralid ad e p o lític a e r e lig io s a , o s ju d eu s fu n -
dam entalistas s ã o a m a io r a m ea ça à c o n so lid a ç ã o d a d e m o c r a c ia e m Israel.
É um q u a d r o de p e r p le x id a d e , e ste p in ta d o n o lim ia r d o s é c u lo X X I: n a s
cidos so b o sig n o d a m o d e r n iz a ç ã o o c id e n ta liz a n te , o s E sta d o s n a c io n a is d o
Oriente M é d io se d ep a ra m , ca d a v ez m a is, c o m m o v im e n to s q u e u n em p o lí-
^ca à relig iã o , c r ia n d o fu n d a m e n to s h is tó r ic o s em a c o n te c im e n to s o c o r r id o s
a sécu lo s e sé c u lo s para as o p ç õ e s q u e d e fe n d e m , q u a se n u n c a p e la via d a
neg o c ia ç ã o e d o d ireito . Isto m u d a c o m p le ta m e n te a s itu a ç ã o c o m a q u a l is-
faelenses e á rab es e sta v a m a c o stu m a d o s a lid ar há q u a se u m s é c u lo , q u a n d o
0 U iim igo era o v iz in h o . A g o r a , o p e r ig o está n o la d o d e d e n tr o .
123
O SÉCULO XX
QUADRO 1
A s principais on d as de im igração judaica para a Palestina
QUADRO 2
A d ispersão d e refugiados p alestin os (1 9 9 6 )
PAÍS NÚMERO
Jordânia 1.358.706
Cisjordânia 532.438
Gaza 716.930
Líbano 352.668
Síria 347.391
Total 3.308.133
Fonte: Rosemary Sayigh. “L’avenir brouillé des réfugiés”, in L e M o n d e D ip lo m a tiq u e ;
m a n iè re d e v o ir 3 4 ,
maio 1997, p. 24.
124
o MUNDO ÁRABE E AS G UE R RA S Á R A B E - 1S R A E L E N S E S
NOTAS
125
O SÉCULO XX
risco de se perder com a assimilação existente nos países ocidentais da Europa. Há ainda
os sionistas práticos, como David Ben-Gurion, que, depois da derrota da via diplomáti
ca, optam pela infiltração na Palestina, mesmo ilegalmente, e os “revisionistas”, que ^
derados por Zeev Jabotinski, pretendem conquistar toda a Palestina e a Transjordânia
mesmo que à força. Unidos pelo objetivo comum da criação do Estado até 1948 (à exce
ção dos “revisionistas”, os únicos a não aceitarem o plano de partilha da ONU), estas
correntes demonstraram suas profundas divergências após a fundação do Estado de
Israel, quando tornaram explícitos os seus distintos projetos para o país.
r. Cf
o MUNDO ÁRABE E AS GUERRAS A R A B E - 1S R A E L E N S E S
árabe. Em 1959, sem qualquer crédito entre os líderes árabes, Amin al-Husseini retirou-
se da vida pública, indo residir no Líbano, onde faleceu quinze anos depois.
7 O Holocausto e a cria ç ã o d o E s ta d o d e Isra e l — Ainda hoje, é difícil determinar a in
fluência tida pelo Holocausto na decisão da ONU. Não fosse a comoção pública gera
da pel° extermínio em massa de milhões de judeus, talvez os países não se decidissem
em favor da criação de Israel; por outro lado, com ou sem massacre, a situação na
Palestina já havia se tornado insustentável, e a decadência do Império Britânico era uma
realidade nos quatro cantos do mundo. O fato é que, com aqueles que pereceram no
4 Os J o v e n s T u r c o s — Em fins do século XIX, desenvolveram-se no Império Otomano
Holocausto, morreram também as outras correntes políticas judaicas existentes antes
vários grupos de oposição ao sultão e seu governo. O mais importante deles foi o do
da guerra. Boa parte daqueles que haviam optado por ficar na Europa o fizeram na es
conjunto de oficiais chamados “Jovens Turcos”, organizado no Comitê para a União e
perança da integração ou, principalmente, da erradicação do anti-semitismo através da
o Progresso. Em uma grande revolta em 1908, forçaram o sultão a instituir um gover
instauração da sociedade socialista, onde as diferenças — fossem quais fossem — não
no parlamentar constitucional. Prometendo igualdade étnica e religiosa, os Jovens
Turcos levaram adiante o programa de reforma e modernização do império, abrindo es
teriam razão de ser. Ao fim da guerra, estavam quase todos mortos, e com eles os vá
colas femininas e discutindo a extensão dos direitos de cidadania às mulheres. Esse pro rios e populares partidos socialistas judaicos. Embora alguns tenham sido recriados
jeto, no entanto, durou pouco: assolado pelas dívidas e pela Primeira Guerra Mundial, posteriormente, nenhum logrou obter a pujança de antes; ao mesmo tempo, aqueles ho
o ministro da Guerra, Enver Pasha, adotou uma política austera, justificando-a pela mens que sobreviveram — e talvez justamente por isto — ficaram mais e mais simpáti
manutenção da ordem e da segurança nacional, que resultou inclusive na repressão a cos ao sionismo, o que, sem dúvida, contribuiu para o fortalecimento da causa.
várias minorias nacionais, como os armênios e os curdos. 8 A D e c la ra ç ã o d e In d e p e n d ê n c ia d o E s ta d o d e Isra e l — País até hoje sem Constituição,
5 L a w re n c e d a A r á b ia — Thomas Edward Lawrence, coronel britânico, era o encarrega por conta das divergências entre seus fundadores, Israel tem na sua Declaração de Inde
do de representar o Foreign Office (Assuntos Exteriores) junto a Hussein, negociando pendência, lida por Ben-Gurion em Tel-Aviv no dia 14 de maio de 1948, seu documen
com ele a implementação do “Reino Árabe”, tão logo a guerra acabasse. Confidente de to fundador. Ele explicita os diferentes projetos concomitantes naquele momento,
Faissal, filho de Hussein, Lawrence participou da revolta árabe contra o Império quando, para alguns, Israel devia ser um Estado nacional moderno e laico, aberto às di
Otomano em 1916, o que lhe valeu glória, a fama de “rei não-coroado dos árabes” e a ferenças étnicas e religiosas e, para outros, devia ser regido pela Halachá, as leis religio
alcunha “Lawrence da Arábia”. Como o grande “Reino Árabe” prometido nunca sas escritas e aplicadas para judeus. Seguem trechos: “A Terra de Israel foi o lugar de
tivesse saído do papel, apesar de seu envolvimento, Lawrence resolveu desaparecer da nascimento do povo judeu. Aqui se formou sua identidade nacional, espiritual e religio
cena política. Com um pseudônimo, tornou-se soldado raso da força aérea britânica e sa. Aqui os judeus conquistaram independência e criaram uma cultura de importância
acabou morrendo em 1935, num acidente de moto. nacional e universal. Aqui escreveram a Bíblia e ofereceram-na ao mundo. Exilado da
6 O m u fti d e J eru sa lé m — Amin al-Husseini (1893-1974) foi a maior autoridade árabe sob Terra de Israel, o povo judeu conservou-se fiel a ela durante os séculos de sua dispersão,
mandato inglês. Descendente de uma importante família de Jerusalém, Husseini comple nunca deixando de rezar e esperar por sua volta e pela restauração da liberdade nacio
tou seus estudos na Faculdade de Teologia egípcia de Al Azhar. Após ter servido no exér nal. [...] O Estado de Israel será aberto à imigração de judeus de todos os países onde
cito otomano durante a Primeira Guerra, Husseini tornou-se presidente do Clube estão dispersos; ele desenvolverá o país, para benefício de todos os seus habitantes; será
Nacionalista Árabe, onde começou a desenvolver suas atividades anti-sionistas. Desde a fundado sobre os princípios de Überdade, justiça e paz ensinados pelos profetas de
década de 1920, participou de violentos ataques contra judeus; condenado à prisão pelos Israel; assegurará uma completa igualdade dos direitos sociais e políticos a todos os
ingleses, recebeu anistia e foi escolhido o Grande Mufti de Jerusalém pelas autoridades seus cidadãos, sem distinção de credo, raça ou sexo; garantirá a plena liberdade de
mandatárias, além de presidente do Conselho Supremo Muçulmano, passando a ser, si consciência, culto, educação e cultura; assegurará a salvaguarda e a inviolabilidade dos
multaneamente, o representante oficial e religioso da população árabe. Durante a revol lugares santos e dos credos de todas as religiões e respeitará os princípios da Carta das
ta de 1936, foi obrigado a fugir para o Iraque; de lá, apoiado pela Alemanha nazista, Nações Unidas. [...] Nós lançamos um apelo ao povo judeu de todo o mundo para se
participou de um golpe de Estado contra os ingleses. Aliado dos alemães, apoiou o recru ligar a nós na tarefa da imigração [...], e a nos assistir no grande combate a que nos en
tamento de voluntários muçulmanos para lutar no exército nazista nos Bálcãs. Depois do tregamos, para realizar o sonho perseguido de geração em geração: a redenção de
fim da guerra, Husseini participou da criação da Liga Árabe no Egito e, a partir de então, Israel. Confiantes no Eterno Todo-Poderoso, assinamos esta declaração sobre o solo da
tentou criar governos árabes na Palestina, sem ter obtido sucesso nem apoio do mundo pátria, na cidade de Tel-Aviv, nesta sessão da assembléia provisória do Estado, realiza
da na véspera do shabat, 5 Iyar, 5708, 14 de maio de 1948.”
L
O SÉCULO XX
128
O MUNDO ÁRABE E AS G U E R R A S A R A B E - 1S R A E L E N S E S
129
m
O SÉCULO XX
que fazem tudo o que elas nunca sonharam. [...] [Lá], as mulheres que mostram ■
mais o corpo podem ser castigadas pela polícia religiosa, e vídeos, livros e publicaçgj, I
são censurados. Como no Afeganistão, cinema, música, álcool, pornografia e jogo são 1
expressamente proibidos. Apesar disso, com um número cada vez maior de mulheres 1
chegando às universidades e viajando para estudar no exterior, as reivindicações co- 1
meçam a crescer. Sabe-se que muitas delas usam roupas ocidentais e até jeans por I
baixo das túnicas. As jovens recém-formadas queixam-se da falta de oportunidades de
trabalho.”
Sonia de Souza Costa, “Mulher invisível: a revolução no Afeganistão reabre o de
bate sobre a condição feminina no islam ism o” , Revista M anchete, 12/10/1995
pp. 14-19.
BIBLIOGRAFIA
Akcelrud, Isaac. 1986. O Oriente Médio. São Paulo, Atual; Cam pinas, Editora da
Universidade Estadual de Campinas.
Brener, Jayme e Camargo, Cláudio. 1995. Guerra e paz no Oriente Médio. São Paulo,
Contexto.
Brener, Jayme. 1993. Ferida aberta: o Oriente Médio e a nova ordem mundial. São Paulo,
Atual.
Chouraqui, André. 1971. O Estado de Israel. Lisboa, Arcádia.
Habibi, Emil e Kaniuk, Yoram. 1997. A terra das duas promessas. Rio de Janeiro, Imago.
H ourani, Albert. 1994. Uma história dos povos árabes. São Paulo, Companhia das
Letras.
Johnson, Paul. 1989. História dos judeus. Rio de Janeiro, Imago.
Lewis, Bernard. 1996. O Oriente Médio: do advento do cristianismo aos dias de hoje. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor.
Linhares, M aria Yedda. 1982. O riente M édio e o m undo dos árabes. São Paulo,
Brasiliense.
Lobianco, Luís Eduardo. 1996. A política britânica para o Oriente Próximo durante a ^
Primeira Guerra Mundial: as origens do conflito árabe-israelense na Palestina.
Monografia apresentada ao Departam ento de História da Universidade Federal
Fluminense, Niterói.
Massoulié, François. 1994. Os conflitos do Oriente Médio. São Paulo, Ática.
Pinsky, Jaime. 1978. Origens do nacionalismo judaico. São Paulo, Hucitec.
Salem, Helena. 1990. O que é a questão palestina. São Paulo, Brasiliense.
Scliar, Moacyr. 1994. Judaísmo: dispersão e unidade. São Paulo, Ática.
130
o MUNDO ÁRABE E AS G U E R R A S Á R A B E - 1S R A E L E N S E S
131
1968: rebeliões e utopias
Marcelo Ridenti
P rofessor livre-d ocen te d o In stitu to de F ilosofia
e C iências H u m a n a s da U n icam p
IN T RO D U Ç Ã O
A s n o v id a d e s d o s m o v im e n to s so c ia is e cu ltu r a is d e 1 9 6 8 le v a r a m o jo r n a lis
ta Z u e n ir V en tu ra a c h a m á -lo “ o a n o q u e n ã o te r m in o u ” , p o is as b a ses em
q u e se a p o ia m as s o c ie d a d e s d o p r esen te te r ia m u m fo r te la ç o d e c o n tin u id a
d e c o m a q u e le a n o d e ru p tu ra c o m o p a s s a d o . C o n tu d o , a ss im c o m o n e n h u m
ra io c a i c o m céu a z u l, o s e v e n to s m a r c a n te s de 1 9 6 8 fo r a m g e sta d o s n a s c o n
d iç õ e s h is tó r ic a s p r e c e d e n te s . E m o u tr a s p a la v r a s , o s a c o n te c im e n to s e x
tr a o r d in á r io s d e 1 9 6 8 d e v e m ser p‘e n sa d o s c o m o u m a c o n d e n s a ç ã o d a e x p e
r iên cia h is tó r ic a p a ssa d a e p r e n u n c io da H istó r ia fu tu ra.
N o s a n o s im e d ia ta m e n te a n te r io r e s a 1 9 6 8 , fo r a m v ito r io sa s o u e sta v a m
o c o r r e n d o in ú m era s r e v o lu ç õ e s d e lib e r ta ç ã o n a c io n a l: a r e v o lu ç ã o c u b a n a
d e 1 9 5 9 , a in d e p e n d ê n c ia d a A rg é lia e m 1 9 6 2 , e a G u erra d o V ie tn ã . O su
c e s s o d e s s a s r e v o lu ç õ e s é fu n d a m e n ta l p a ra a c o m p r e e n s ã o d a s lu ta s e d o
id e á r io c o n te s ta d o r de 1 9 6 8 : h a v ia p o v o s s u b d e s e n v o lv id o s q u e se r e b e la
v a m c o n tr a as g ra n d es p o tê n c ia s, p ara criar u m s o n h a d o m u n d o n o v o .
P o r o u tr o la d o , o s r e v o lto s o s d e 1 9 6 8 c r itic a v a m o m o d e lo s o v ié tic o d e
s o c ia lis m o , tid o c o m o b u r o c r á tic o e a c o m o d a d o à o r d e m in te r n a c io n a l e s ta
b e le c id a p e la G u erra Fria, se m in teresse em in c e n tiv a r as tr a n s fo r m a ç õ e s s o
c ia is , p o lític a s e e c o n ô m ic a s n e c e ss á r ia s p ara c h e g a r a o c o m u n is m o . E sse
m o d e lo s ó ruiria d e v e z c o m a d e sa g r e g a ç ã o d a U n iã o S o v ié tic a , e m 1 9 9 1 ,
m a s já e r a c o n t e s t a d o e m 1 9 6 8 , p o r e x e m p l o , n o in t e r io r d o P a r t id o
C o m u n is ta n a T c h e c o s lo v á q u ia , cu ja P rim avera d e P raga fo i d e str u íd a p e la
in te r v e n ç ã o m ilita r s o v ié tic a . A revo lu ç ã o cu ltu ra l p ro le tá ria , e m c u r s o na
C h in a a p artir d e 1 9 6 5 — q u e m a is ta rd e v iria a rev e la r se u la d o tr á g ic o — ,
ta m b é m p a r e c ia a seto res jo v e n s d o m u n d o t o d o u m a r e sp o s ta a o b u r o c r a tis-
m o d e in s p ir a ç ã o so v ié tic a .
M o v im e n to s d e p r o te s to e m o b iliz a ç ã o p o lític a su r g ir a m p o r to d a p a r te
em 1 9 6 8 : d as m a n ife sta ç õ e s n o s E sta d o s U n id o s co n trá*a G u erra d o V ie tn ã
135
O SÉCULO XX
à P r im a v e r a d e P raga; d o m a io lib e r tá r io d o s e s tu d a n te s e tr a b a lh a d o r e s
fr a n c e se s a o m a ssa c r e d e e s tu d a n te s n o M é x ic o ; d a a lte r n a tiv a p a c ifis ta d o s
h ip p ies, p a s s a n d o p e lo d e sa fio e x is te n c ia l d a c o n tr a c u ltu r a , a té o s g r u p o s d e
lu ta a r m a d a , e sp a lh a d o s m u n d o a fo ra .
O c o m p o r ta m e n to d as p e ss o a s ta m b é m m u d a v a , p o r e x e m p lo , n a s r e la
ç õ e s e n tr e o s s e x o s (e m a n c ip a ç ã o fe m in in a c r e sc e n te ), n o u so d e a n tic o n c e p
c io n a is e d e d r o g a s, n a c o n s o lid a ç ã o d a te le v is ã o c o m o p r in c ip a l m e io d e c o
m u n ic a ç ã o d e m a ssa s, o c u p a n d o lugar ca d a v e z m a io r n o c o tid ia n o d a s p o
p u la ç õ e s e tc . T r a v a v a m -se lu ta s r a d ica is d e n e g r o s, m u lh e r e s e o u tr a s m in o
rias p e lo r e c o n h e c im e n to de se u s d ir e ito s. G r u p o s da c h a m a d a n o v a e sq u e r
da s o n h a v a m c o m a c o n s tr u ç ã o d e u m a so c ie d a d e a lte r n a tiv a , d e u m h o m e m
n o v o , n o s te r m o s d e C h e G u e v a r a , r e c u p e r a n d o o jo v e m M a r x . E n fim , o s
s e n tim e n to s e a s p rá tica s d e reb e ld ia c o n tr a a o r d e m e d e r e v o lu ç ã o p o r u m a
n o v a o r d e m fu n d ia m -se c r ia tiv a m e n te .
O a n o d e 1 9 6 8 in ic io u - s e c o m u m a v ir a d a n o a n d a m e n t o d a G u e r r a d o
V ie tn ã , c o n h e c id a c o m o o fen siva d o Tet: a p artir d e 3 0 d e ja n e ir o , p o r o c a
s iã o d o s fe r ia d o s d o A n o N o v o lu n a r (T e t), o s c o m u n is ta s d o V ie tn ã d o
N o r t e a ta c a r a m m a c iç a m e n te o V ie tn ã d o Sul e as fo r ç a s a m e r ic a n a s a li s e
d ia d a s . O s c o m u n is ta s p e r d e r a m d e 3 0 a 4 0 m i! h o m e n s , se m c o n s e g u ir m a n
ter as p o s iç õ e s in ic ia lm e n te c o n q u is ta d a s , o q u e fe z o s a n a lis ta s e m g e r a l
a b o r d a r e m a o fe n s iv a c o m o u m a d erro ta m ilitar. C o n tu d o , p o d e -s e c o n s id e
rá-la c o m o u m a v itó r ia p o lític a , p o is a o u s a d ia d a o fe n s iv a e as b a ix a s a m e
r ic a n a s p r o v o c a r a m im p a c to n o g o v e r n o e n a o p in iã o p ú b lic a d o s E sta d o s
U n id o s , q u e a té e n tã o p a r e c ia m esta r v e n c e n d o a gu erra se m m a io r e s d ific u l
d a d e s, d e p o is d e três a n o s d e p r e se n ç a a tiv a n a r e g iã o . E les e sta v a m lá p ara
im p e d ir a q u e d a d o g o v e r n o c a p ita lis ta d o V ie tn ã d o S u l, a c o s s a d o p e lo s
g u e r r ilh e ir o s c o m u n is ta s d a F ren te N a c io n a l p ara a L ib e r a ç ã o d o V ie tn ã d o
Sul — c h a m a d a p e jo r a tiv a m e n te p e lo s a m e r ic a n o s d e V ietcon g.
O V ie tn ã era p a lc o d e u m a d a s r e v o lu ç õ e s d e lib e r ta ç ã o n a c io n a l d a
é p o c a , q u e ta n to e m p o lg a r a m m ilita n te s d o m u n d o t o d o , c o n ta g ia d o s ta m
b ém p e lo ê x i t o d a r e v o lu ç ã o c u b a n a d e 1 9 5 9 e p ela in d e p e n d ê n c ia d a A r g é lia
d e 1 9 6 2 , d e n tr e o u tr o s e x e m p lo s d e c o m b a te s d e p o v o s p a ra su p e r a r o su b -
136
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
137
O SÉCULO XX
138
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
m io N o b e l d a P az e m 1 9 6 4 , ele fo i u m d o s r e sp o n s á v e is p e la s c o n q u is ta s h is
tó r ic a s d a s leis d e 1 9 6 4 - 6 5 , q u e g a r a n te m fo r m a lm e n te a o s n e g r o s o s m e s
m o s d ir e ito s c iv is d e q u a lq u e r c id a d ã o a m e r ic a n o . P o r e x e m p lo , a n o v a le g is
la ç ã o p r o ib ia q u e e s c o la s n ã o a d m itis se m n e g r o s, in c e n tiv a n d o a e d u c a ç ã o
p ú b lic a in ter-racial.
E m 1 9 6 8 , c o n tu d o , as c ir c u n s tâ n c ia s h a v ia m m u d a d o . C o m o s u r g im e n
to d e v á r io s g r u p o s r a d ic a is n e g r o s — a a fir m a r o b la ck p o w e r , o p o d e r
n e g r o , c o n tr a a s o c ie d a d e e x c lu d e n te d o s b r a n c o s — p a ss a v a m a ser c o n t e s
ta d a s as p r o p o s ta s d e K in g , d e in te g r a ç ã o ra cia l e d e n ã o -v io lê n c ia . N o p r in
c íp io d e 1 9 6 8 , K in g já h a v ia p e r d id o m u ito d e su a in flu ê n c ia so b r e as n o v a s
g e r a ç õ e s. N ã o o b sta n te , e m ab ril, ele fo i v ítim a d e u m a te n ta d o r a c ista q u e o
m a to u , em M e m p h is , tr a n s fo r m a n d o -o e m m á rtir d a c a u sa n eg ra . A r e a ç ã o
d o s n e g r o s d ia n te d o a s s a ssin a to fo i variad a: da p r o str a ç ã o a té e x p lo s õ e s e s
p o n tâ n e a s d e v io lê n c ia r e v a n c h is ta . G r u p o s r a d ic a is — c o m o o s P a n te r a s
N e g r a s — , p r o c u r a r a m c o n te r o s â n im o s p o p u la r e s , te m e n d o q u e r e v o lta s
d e so r g a n iz a d a s p u d e sse m d ar a o g o v e r n o o p r e te x to q u e e sp e r a v a p a r a liq u i
d á -lo s . D e fa t o , c o n s e g u ir a m m a n te r a c a lm a e m m e t r ó p o le s c o m o N o v a
Y o r k , L o s A n g e le s, C le v e la n d e D e tr o it. M a s o s d istú r b io s r a c ia is e s p a lh a
r a m -se p o r m a is d e 1 5 0 c id a d e s , c o m o W a sh in g to n , S ea ttle e S ã o F r a n c isc o ,
g e r a n d o in ú m era s m o r te s, fe r im e n to s e p r is õ e s.
A p e sa r d a s d iv e r g ê n c ia s , t a n t o o s a d e p to s d e K in g c o m o o s d o b la ck
p o w e r p o s ic io n a v a m -s e c o n tr a a G u erra d o V ie tn ã , a té p o r q u e o s n e g r o s e s
ta v a m n a lin h a d e fren te n o s c a m p o s d e b a ta lh a e o b e lic is m o era id e n tific a
d o c o m o s se to r e s b r a n c o s m a is r e tr ó g r a d o s. A s p o s iç õ e s d o s m o v im e n to s
n e g r o s v a r ia v a m d a m o d e r a ç ã o d e K in g — q u e em 1 9 6 5 já se d e c la r a r a c o n
tr á r io a “ u m a d a s gu erras m a is se m s e n tid o d a H is tó r ia ” — a té o te r c e ir o -
m u n d is m o ra d ic a l (e m in o r itá r io ) d e líd eres c o m o S to k e ly C a r m ic h a e l, q u e
e m 1 9 6 7 fizera u m d isc u r so e m H a v a n a p e la r e v o lu ç ã o to ta l, in s e r in d o as
r e iv in d ic a ç õ e s a fro -a m erica n a s c o m o p a rte d a s lu ta s p ara “ m u d a r a s e str u tu
ras im p e r ia lista s, c a p ita lista s e r a c ista s d o s E sta d o s U n id o s ” .
E m 1 9 6 8 ta m b é m se d e se n v o lv e u n o s E U A u m c a p ítu lo im p o r ta n te d a
b u sc a d a s m u lh e r e s p e la ig u a ld a d e en tr e o s s e x o s . Elas p a r tic ip a r a m a tiv a
m e n te d a lu ta c o n tr a a G u erra d o V ie tn ã , im p o s ta p e la s o c ie d a d e “ fá lic a e
im p e r ia lis ta ” . O m e s m o o co r r e r ía e m se g u id a c o m m o v im e n to s d e h o m o s s e
x u a is , g a y s e lé sb ic a s.
N o c a m p o da p o lític a in s titu c io n a l, o s e v e n to s lib ertá rio s d e 1 9 6 8 — n o -
ta d a m e n te o c o m b a te à G u erra d o V ie tn ã — ta m b é m tiv e r a m fo r ç a sig n ific a -
139
O SÉCULO XX
tiv a . 1 9 6 8 fo i u m a n o d e e le iç õ e s p r e sid e n c ia is n o s E U A . A s e n g r e n a g e n s d o
siste m a p o lític o tr a d ic io n a l c o n tin u a v a m a fu n cio n a r. A té p o r q u e , c o m o b em
já se o b s e r v o u , o 1 9 6 8 a m e r ic a n o fo i m a is a c a p ita lista d o q u e a n tic a p ita lis -
ta . O P a r tid o R e p u b lic a n o , m a is c o n se r v a d o r , in d ic o u R ic h a r d N i x o n p a ra
c o n c o r r e r à P re sid ê n c ia . Era o h o m e m fo r te , q u e p r o m e tia d e fe n d e r o so n h o
a m erica n o p a ra ag ra d a r à m a io r ia sile n c io s a , c h o c a d a c o m as o n d a s d e r e b e l
d ia q u e in v a d ia m as ru as e c o m as m u d a n ç a s d e c o m p o r ta m e n to d a ju v e n tu
d e e d a s m in o r ia s , e s p e c ia lm e n te d o s n e g r o s. A p e sa r d e c o n se r v a d o r , N i x o n
d e te c ta v a o m a l-e sta r c o m a G u erra d o V ie tn ã e p r o m e tia e n c o n tr a r u m a s o
lu ç ã o p a r a retirar o s E U A d o c o n flito — p r o m e s sa q u e , d e p o is d e e le ito , n ã o
c u m p r ir ía n e ss e m a n d a to .
N o P a r tid o D e m o c r a ta , a lu ta in tern a p e la c a n d id a tu r a à P r e sid ê n c ia fo i
d u ra , e s p e c ia lm e n te d e p o is q u e o d e s g a s ta d o c a n d id a to n a tu ra l d o p a r tid o , o
p r e sid e n te L y n d o n J o h n s o n , d e sistiu d e p le ite a r a r e e le iç ã o . C o n c o r r ia m : o
v ic e -p r e s id e n te H u b e r t H u m p h r e y — h o m e m d a m á q u in a p a r tid á r ia — , o
h e r d e ir o p o lític o d o p r e sid e n te J o h n K en n ed y , seu ir m ã o R o b e r t K e n n e d y , na
é p o c a d e f e n s o r d e u m a p la ta fo r m a d e a b e r tu r a p a r a o s d ir e ito s s o c i a is e
E u g e n e M c C a r th y , c o m u m p r o g r a m a p r ó x im o d o d e K en n ed y , p o r é m m a is
e x p lic ita m e n te c o m p r o m e tid o c o m a r etira d a d o s a m e r ic a n o s d o V ie tn ã , o
q u e lh e v a lia m a io r a p o io d a s b a se s u n iv e r sitá r ia s. A d is p u ta p e la in d ic a ç ã o
d e m o c r a ta era a cirr a d a , c o m lig e ir a v a n ta g e m p ara K en n ed y , q u a n d o e le fo i
a s s a s s in a d o n u m a te n ta d o , e m L o s A n g e le s, n o d ia 5 d e ju n h o .
O a te n t a d o fo i u m r e fle x o d a p o lític a d o s E U A , p r ó -Isr a e l, n o s c o n flito s
q u e a g it a v a m o O r ie n te M é d io , e sp e c ia lm e n te d e sd e a G u erra d o s S eis D ia s ,
q u e e s ta v a c o m p le ta n d o u m a n o n a d a ta d o a te n ta d o a K en n ed y . E le fo i b a
le a d o p o r u m p a le s tin o q u e m o r a v a n a C a lifó r n ia . R o b e r t K e n n e d y — tã o
p r ó -I s r a e l q u a n to o s d e m a is c a n d id a t o s — era a lv o p r e fe r e n c ia l p e lo se u
p r e s tíg io p e s s o a l e d e su a fa m ília .
A C o n v e n ç ã o d o P a r tid o D e m o c r a ta , r e a liz a d a e m C h ic a g o , n o fim d e
a g o s t o , a c a b o u in d ic a n d o H u m p h r e y c a n d id a to , tid o c o m o c o n tin u a d o r d a
p o lític a já d e s g a s ta d a d o p r e s id e n te J o h n s o n , e s p e c ia lm e n t e e m r e la ç ã o à
G u erra d o V ie tn ã . O p a r tid o saiu d iv id id o d a c o n v e n ç ã o , e s tr e ita n d o d e m a is
su a s p o s s ib ilid a d e s d e v itó r ia n a s e le iç õ e s , v e n c id a s p o r N ix o n e m n o v e m b r o .
P a r a a g r a v a r a s itu a ç ã o d o s d e m o c r a t a s , n o s d ia s d e su a c o n v e n ç ã o ,
C h ic a g o fo i p a lc o d e v e r d a d e ir a b a ta lh a c a m p a l en tr e a p o líc ia e o s m a n ife s
ta n te s c o n tr a a G u erra d o V ietn ã — c o m p o s to s p o r p a c ifis ta s d o m o v im e n to
h ip p y e p o r jo v e n s o r g a n iz a d o s e m a g r u p a m e n to s d e e sq u e r d a . T r a n sm itid o s
140
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
141
O SÉCULO XX
Se é le g ítim o d izer q u e h o u v e u m m o v im e n to s o c ia l m a is d e s ta c a d o n o a n o
d e 1 9 6 8 , se m d ú v id a fo i o d o s e stu d a n te s, q u e se m o b iliz a r a m e m t o d o s o s
c a n to s d o g lo b o , n o s p a íse s a v a n ç a d o s e n o s s u b d e s e n v o lv id o s , n o s c a p ita lis
ta s e n o s c o m u n is ta s . O s m o v im e n to s e stu d a n tis tiv e r a m su a s e s p e c ific id a
d e s, p o is o c o r r e r a m em p a ís e s d ife r e n te s, c a d a u m d o s q u a is c o m su a p r ó p r ia
o r g a n iz a ç ã o s o c ia l e e d u c a c io n a l, p a s s a n d o p o r d iv e r sa s c o n ju n tu r a s p o lít i
c a s. T o d a v ia , eles ta m b é m a p r e se n ta r a m s ig n ific a tiv o s p o n to s d e id e n tid a d e ,
n a m e d id a e m q u e h a v ia v á r io s a sp e c to s h is tó r ic o s su p r a n a c io n a is , is to é , c o
m u n s a o s v á r io s E sta d o s o n d e h o u v e a g ita ç ã o e s tu d a n til. P o r is s o , a lg u n s
c h e g a m a fa la r n u m a In tern a cio n a l E stu d a n til e s p o n tâ n e a , m o v im e n to n ã o
o r g a n iz a d o p o litic a m e n te e m te r m o s in te r n a c io n a is, m a s c o m in ú m e r a s a fi
n id a d e s e n tr e se u s c o m p o n e n te s .
C a d a u m d o s m o v im e n to s e s tu d a n tis d e 1 9 6 8 m e r e c e r ía d e s ta q u e . N a
im p o s s ib ilid a d e d e tra ta r d e t o d o s e le s , v a le a p e n a d e te r -se u m p o u c o n o
m a is c o n h e c id o de 1 9 6 8 : o d e m a io , n a F ra n ça , q u e c o s tu m a ser t o m a d o c o
m o r e fe r e n c ia l para o e s tu d o d a é p o c a . Is so n ã o sig n ific a q u e o s m o v im e n to s
1 42
L.
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
143
O SÉCULO XX
144
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
145
O SÉCULO XX
<46
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
147
O SÉCULO XX
ju n h o : o c e n tr o e a d ireita c o n se g u ir a m 3 5 8 c a d e ir a s n o P a r la m e n to , d e u m
to ta l d e 4 8 5 .
D e r r o ta d o o m o v im e n to d e m a io , in te le c tu a is e m ilita n te s fr a n c e s e s b u s
c a r a m e x p lic á -lo . A té h o je n ã o h á c o n s e n s o n a s in te r p r e ta ç õ e s, m u ita s v e z e s
c o n tr a d itó r ia s en tre si. P or e x e m p lo , a lg u n s p e n s a m q u e o s e v e n to s d e m a io
n a F ra n ça fo ra m u m fe n ô m e n o e ss e n c ia lm e n te e s tu d a n til e d e ju v e n tu d e , a
c o m p r o v a r q u e a lu ta d e c la sse s já n ã o seria a d e q u a d a p ara c o m p r e e n d e r o s
m o v im e n to s so c ia is c o n te m p o r â n e o s ; a o p a s s o q u e o u tr o s e n te n d e m q u e o
ca r á te r d is tin tiv o d o m o v im e n to fo i a g rev e g e r a l d o s tr a b a lh a d o r e s , q u e lh e
d eu o c o n te ú d o fu n d a m e n ta l d e c la s se . A lg u n s v ê e m o s m o v im e n to s e s t u d a n
tis d e 6 8 c o m o u m p a ss o im p o r ta n te para a d a p ta r a U n iv e r sid a d e à v id a m o
d e r n a , p o is até e n tã o ela e sta r ia u ltr a p a ssa d a , e m d e s c o m p a s s o c o m a s n o v a s
n e c e s s id a d e s d o m e r c a d o d e tr a b a lh o . O u tr o s c o n te s ta m essa in te r p r e ta ç ã o :
o s e s t u d a n t e s d e 6 8 n ã o e s t a r ia m à p r o c u r a d e u m a c a r r e ir a d e n t r o d a
o r d e m , m a s b u sc a v a m c o n te s tá -la r a d ic a lm e n te , p r o m o v e n d o u m a g r a n d e
r e c u sa d e to d o s o s a sp e c to s d a o r d e m e s ta b e le c id a . S e g u n d o c e r to s a u to r e s ,
1 9 6 8 é u m m ito e m g r a n d e p a rte c r ia d o p e la m íd ia ; p a r a o u tr o s , é o a n o fu n
d a d o r d e u m a fo r m a in o v a d o r a d e fa zer p o lític a , q u e te r ia a b e r to u m n o v o
p e r ío d o na H istó r ia . Para u n s, m a io fo i u m a r e v o lta in d iv id u a lis ta , o a d v e n
to a tr a s a d o n a F ran ça d e u m c o n s u m is m o p e r m is s iv o , q u e a n u n c ia r ia o f l o
r e s c im e n to s u b s e q ü e n te d a id e o lo g ia c a p ita lis ta , a o c o m b a te r as n o ç õ e s d e
p r o le ta r ia d o e d e n a ç ã o c o m o s u je ito s c o le t iv o s . P ara o u tr o s , s ig n ific o u a
a b e r tu r a d e u m a b rech a n o siste m a , u m v islu m b r e d e q u e a r e v o lu ç ã o s o c ia
lista e lib ertá ria seria p o s s ív e l n a E u ro p a .
P h ilip p e B é n é to n e J ea n T o u c h a r d c h e g a r a m a té a c o n str u ir u m a c la s s if i
c a ç ã o d e o it o tip o s d ife r e n te s de in te r p r e ta ç õ e s so b r e m a io d e 6 8 n a F ra n ça
tip o s q u e ta lv e z ta m b é m p o s s a m ser v á lid o s p a ra p e n sa r o u tr o s m o v im e n
to s d a q u e le a n o . M a io d e 6 8 seria v is to c o m o : 1. c o m p lô a n tic a p ita lis ta p ara
su b v e r te r a o rd em ; 2 . cr ise d a U n iv e r sid a d e , lig a d a e ss e n c ia lm e n te à m a r g i-
n a liz a ç ã o s o c ia l d o s e stu d a n te s; 3 . r e v o lta d a ju v e n tu d e ; 4 . crise d a c iv iliz a
ç ã o , g e r a d o r a de c o n s u m is m o n u m a s o c ie d a d e te c n ific a d a ; 5 . c o n f l it o d e
c la s s e d e um n o v o tip o , m a is c u ltu r a l e p o lític o d o q u e e c o n ô m ic o ; 6 . c o n f l i
to d e c la s s e d e tip o tr a d ic io n a l; 7. crise p o lític a , d a d a a a u sê n c ia d e a lte r n a
tiv a s v iá v e is; 8 . e n c a d e a m e n to d e c ir c u n s tâ n c ia s . K e ith R e a d e r a u m e n t o u
e ssa tip o lo g ia : 9. e x e r c íc io d e m o d e r n iz a ç ã o s o c ia l, p r e fig u r a n d o o r e ss u r g i
m e n to d o in d iv id u a lis m o n o s a n o s 7 0 e 80; 1 0 . o p o r tu n id a d e r e v o lu c io n á r ia
p e r d id a o u traíd a; 1 1 . in te r p r e ta ç õ e s cu ltu r a is.
A d e s p e ito d e to d a s e ss a s in te r p r e ta ç õ e s, e stá lo n g e d e fech a r-se o le q u e
148
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
1968 NO BRASIL
1
a o s er r o s d o s d ir ig e n te s d o s p a r tid o s d e e sq u e r d a , q u e n ã o se p rep a ra ra m
para resistir, n o ta d a m e n te o P a rtid o C o m u n is ta B ra sileiro (P C B ). F o rm a ra -se
u m a c o r r e n te d e o p in iã o fa v o r á v e l à c r ia ç ã o d e u m a v a n g u a r d a r e a lm e n te re
IP 1
v o lu c io n á r ia , para o p o r u m a resistên cia a rm a d a à d ita d u r a e a v a n ç a r e m d i
m * .
r e ç ã o à su p e r a ç ã o d o c a p ita lism o .
E m o u tu b r o d e 1 9 6 5 , o reg im e e x tin g u iu o s p a r tid o s c o n s titu íd o s . Im p ô s
n o r m a s q u e lev a ria m à e x is tê n c ia legal d e a p e n a s d o is p a rtid o s: a s itu a c io n is
ta A lia n ç a R e n o v a d o r a N a c io n a l (A r e n a ) e a o p o s i ç ã o m o d e r a d a d o
M o v im e n to D e m o c r á tic o B ra sileiro (M 1 )B ), q u e viria a ser c a la d a c o m c a s-
sa ç õ e s de p o lític o s e o u tr o s m e c a n is m o s , sem p re q u e se e x c e d e s s e a o s o lh o s
d o s g o v e r n a n te s .
F o ra d o c a m p o in s titu c io n a l, v á r io s g r u p o s p r o c u r a v a m c o m b a te r a d it a
d u ra c o r g a n iz a r o s m o v im e n to s p o p u la res: a lém d o P C B , a A ç ã o P o p u la r
(A P ), o P a r tid o C o m u n is ta d o Brasil (PC d o B), a P o lític a O p e r á r ia (P o lo p ) e
d e z e n a s d e p e q u e n o s g r u p o s q u e c o m p o r ia m a “ n o v a e sq u e r d a r e v o lu c io n á
r ia ” — c a s o da A ç ã o L ib erta d o ra N a c io n a l (A L N ) e d a V a n g u a rd a P o p u la r
R e v o lu c io n á r ia (V P R ). D a d a a r ep ressã o q u e p r a tic a m e n te d iz im o u o s s e t o
res c o m b a tiv o s d o s in d ic a lis m o e d e o u tr o s m o v im e n to s p o p u la r e s , a p r in c i
149
O SÉCULO XX
1 50
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
151
O SÉCULO XX
152
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
OUTROS 1968s
153
O SÉCULO XX
i 54
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
ra, novas relações entre política e cultura, entre os cidadãos e o Estado. A in
satisfação nos meios intelectualizados foi-se avolumando, inclusive na dire
ção do PC, que afastou o até então todo-poderoso Novotny. A luta contra as
velhas estruturas ganhou a adesão sobretudo dos jovens, afinados com a
onda juvenil libertária internacional.
Sentindo-se ameaçadas pelos ventos liberalizantes, as burocracias no
poder nos demais países do Leste europeu trataram de reprimir o mau exem
plo: em 20 de agosto de 1968, tropas do Pacto de Varsóvia — lideradas pelas
forças armadas da União Soviética — invadiram a Tchecoslováquia para re
colocar no poder gente de sua confiança. Houve protestos e escaramuças que
deixaram cerca de 30 mortos e centenas de feridos ao longo da ocupação de
um mês. Contudo, predominou a resistência passiva, estampada, por exem
plo, em frases criativas pichadas nos muros de Praga, com espírito irônico
próximo daquele de maio de 68 em Paris: “circo russo na cidade: não ali
mentem os animais”; “Ivan, pense na tensão sexual de Lena”; “grande expo
sição de armas soviéticas na praça Venceslau: entrada franca, saída difícil”.
O exército tchecoslovaco-‘ficou nos quartéis, devidamente instruído por
generais locais, inimigos das reformas. A população saiu às ruas para protes
tar, houve uma greve geral, o PC realizou um congresso clandestino, mas os in
vasores mantiveram o controle da situação. Após instalar no comando do PC
homens de sua confiança, os invasores deixaram o país; então, caberia à polí
cia política da própria Tchecoslováquia fazer o trabalho sujo da repressão.
Talvez tenha sido a última oportunidade perdida para reformar o socialismo
real: os documentos da época atestam que a ideologia do movimento tchecos-
lovaco era de avanço socialista, não de retorno ao capitalismo. O socialismo
real no Leste europeu, apodrecido em suas estruturas internas, viria a ruir
como um castelo de cartas, mais de vinte anos depois, em outra conjuntura in
ternacional, dando lugar ao retorno do capitalismo, cujos novos capitães de
empresa seriam os mafiosos que operavam no câmbio negro durante o socia
lismo e os próprios burocratas que tanto haviam defendido o comunismo...
CONCLUSÃO
155
O SÉCULO XX
diata em todo o mundo. A rápida difusão das notícias pela aldeia global po
de ser considerada um dos aspectos para compreender a generalização inter
nacional de eventos como os protestos estudantis de Paris ou a Guerra do
Vietnã. A influência da televisão na França, no Brasil e em outros países,
seria maior nos anos 70, mas já era considerável no fim da década de 1960.
Nos EUA, ela já era enorme em 1968.
Contudo, se os meios de comunicação de massa tiveram um papel consi
derável para informar os agentes sociais das agitações que se iam sucedendo
em todas as partes do mundo, isso não significa que os protestos se espalha
ram como reflexo do fenômeno da televisão, ou como mera imitação, mas
porque estavam dadas as condições para que as notícias recebidas tivessem
repercussão e as informações incorporadas colaborassem na construção de
novas ações criativas, política e culturalmente.
Algumas condições materiais eram compartilhadas pelas diversas socie
dades em que houve o florescimento cultural e político de 1968 — além das
especificidades locais. Essas condições eram.tuais significativas nos países
centrais, mas importantes também em países em desenvolvimento, como o
México e o Brasil: crescente urbanização, consolidação de modos de vida e
cultura das metrópoles, aumento quantitativo das classes médias, acesso cres
cente ao ensino superior, peso dos jovens na composição etária da população,
incapacidade do poder constituído para representar sociedades que se reno
vavam, avanço tecnológico (por vezes ao alcance das pessoas comuns, que
passaram a ter cada vez mais acesso, por exemplo, a eletrodomésticos, nota-
damente aparelhos de televisão, além de outros bens, como a pílula anticon
cepcional — o que possibilitaria mudanças consideráveis de comportamento)
etc. Essas condições materiais não explicam por si sós as ondas de rebeldia e
revolução, apenas abriram possibilidades para que frutificassem ações políti
cas e culturais inovadoras, buscando colocar a imaginação no poder.
Foram características dos movimentos libertários de 1968 no mundo
todo: inserção numa conjuntura internacional de prosperidade econômica;
crise no sistema escolar; ascensão da ética da revolta e da revolução; busca
do alargamento dos sistemas de participação política, cada vez mais desacre
ditados; simpatia pelas propostas revolucionárias alternativas ao marxismo
soviético; recusa de guerras coloniais ou imperialistas; negação da sociedade
de consumo; aproximação entre arte e política; uso de recursos de desobe-
diencia civil; ansia de libertação pessoal das estruturas do sistema (capitalis
ta ou comunista); mudanças comportamentais; vinculação estreita entre
1 56
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
BIBLIOGRAFIA
i Anderson, Perry. 1985. A crise da crise do marxismo. T. ed. São Paulo, Brasiliense.
Ains, Paulo E. (pref.). 1985. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes.
Callado, Carlos. 199 . Tropicália. São Paulo, ed. 34.
Cardoso, Irene. 1988. “Os acontecimentos de 1968 — notas para uma interpretação”, in
Santos, M.C.L. dos (org.). Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo, Nobel.
Debord, Guy. 1997. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto.
Favaretto, Celso. 1996. Tropicália alegoria alegria. 21 ed. revista. São Paulo, Ateliê Ed.
Perry, Luc e Repaut, Alain. 1985. Pensamento 68. São Paulo,-Ensaio.
Garcia, M arceiAurélio e Vieira, Maria Alice (org.). 1998. Rebeldes e contestadores —
1968, Brasil, França, Alemanha. São Paulo, ed. Fundação Perseu Abramo.
Goldfelder, Soma. 1981. A Primavera de Praga. São Paulo, Brasiliense. Coleção Tudo É
História.
Gc.ender, Jacob. 1987. Combate nas trevas — a esquerda brasileira: das ilusões perdidas
à luta armada. São Paulo, Ática.
Maciel, Luiz Carlos. 1987. Anos 60. Porto Alegre, LP&cM.
Martins Filho, João Roberto. 1987. Movimento estudantil e ditadura militar, 1964-1968.
Campinas, Papirus.
-------------- 1996. Rebelião estudantil: 1968 — México, França e Brasil. Campinas,
Mercado das Letras.
-------- — ■<orS-)- 1998- /áz 30 anos. Campinas, Mercado das Letras; São Carlos
ed. da UFSCar.
i
Matos, Olgárta. 1981. Paris 1968 — as barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense.
Coleção Tudo É História.
i
Perrone, Fernando. 1988. ’68 relatos de guerra: Praga, São Paulo, Paris. São Paulo, Busca
Vida.
Reis Filho, Daniel Aarão e Moraes, Pedro de (org.). 1988 — reeditado em 1998. 1968, a
paixão de uma utopia. Rio de Janeiro, Espaçe e Tempo.
Ridenti, Marcelo S. 1993. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo, ed. Unesp/FA-
158
I
1968: REBELIÕES E UTOPIAS
163
J
0 SÉCULO XX
;
muitos percalços, de sucessos imprevistos e de interpretações inusitadas do
pensamento dos teóricos fundadores, parecia dar foros de verdade a estas
propostas. Vozes mais críticas, certamente, poderíam argumentar que era
cada vez mais difícil conseguir um consenso, entre os próprios m a r x is ta s , a
respeito do verdadeiro sentido das palavras e das previsões de M arx. Elas ha
viam passado por tantas adaptações, releituras e redefinições, na longa via
gem da Europa Ocidental à Ásia Oriental, passando pelas Rússias e pelo
Caribe, que se tornara praticamente impossível almejar uma ortodoxia reco
nhecida por todos os adeptos do socialismo marxista. A partir de certo mo
mento, houve, inclusive, enfrentamentos armados, de alguma envergadura,
entre Estados socialistas (URSS X China; China X Vietnã; Vietnã X Cam
boja), sem contar experimentos socialistas esmagados a ferro e fogo... por
outros socialistas... em nome do socialismo, naturalmente (Hungria/1956 e
TchecosIováquia/1968, entre outros). Diante de tal diversidade de pontos de
vista, alguns chegaram a propor uma expressão algo tautológica que ga
nhou, contudo, muita notoriedade: o s o c ia lis m o r e a lm e n te e x is te n te não fora
previsto, nem talvez desejado, m uito menos correspondia- às elaboradas
construções teóricas do século XIX, mas estava lá, teimoso como os fatos,
como gostava de dizer um grande revolucionário, V. Lenin. ■
p - I
164
■
i
r
CRI S E E D E S A G R E G A Ç Ã O DO S O C I A L I S M O
I
V 1
J
O SÉCULO XX CRISE E DESA
ulitar, que era de seu mteiesse concentrar recursos no atendimento das de
bandas de sua população cada vez mais urbanizada e sofisticada. Mas não
■e esperava tan ta ousadia. Alguns críticos, inclusive, denunciariam
Gorbachev como um perigoso farsante, prometendo o que não tinha condi-
: ções de cumprir. As comparações com N. Kruchev eram inevitáveis. Também
ste último pretendera inovar, mas acabara preso nas malhas do sistema e li
quidado por ele.
Entretanto, e rapidamente, o líder soviético afirmou-se na cena interna
cional, ganhando simpatias, quebrando resistências e preconceitos, conquis-
: tando, com suas propostas e seu charme, a atenção dos líderes e das popula-
. çÕes dos principais países capitalistas, assim como do resto do mundo.
No plano interno, porém, prevaleciam os apelos tradicionais à discipli-
na, ao trabalho e à necessidade de se conseguir um novo equilíbrio entre o
omundo. Fazia uma análise sem concessões dos males mais evidentes da eco
---— -
167
0 SÉCULO XX <“ b i
168
Entretanto, como pretender que as empresas pudessem se tornar autôno- 1
mas sem haver um sistema bancário definido para apoiá-las, sem uma refor
ma de preços, até então fixados arbitrária e administrativamente, sem uma le- ; /'
gislação prevendo — e regulando — a demissão dos trabalhadores, sem lei de 4, ,
falências? Ora, nada disso fora debatido ou votado, de sorte que a autonomia
das empresas ficava suspensa no ar, expressão mais de um desejo, do que d e / 1'' . ,
uma política, sem condições de fixar-se na realidade. E assim a economia não
se reestruturava. ^ A ;U'
Mas a g la s n o s t fazia progressos. Aproveitando-se das brechas abertas, e j
das margens de liberdade garantidas, começou um processo impiedoso de
críticas ao sistema. N ada parecia escapar àquela sociedade subitamente des- ..
perta. O arco das denúncias não podia ser mais amplo. O meio ambiente de- , | q '
predado, comprometendo a atual e as futuras gerações; o alcoolismo e o con
sumo de drogas em geral; a má qualidade dos produtos oferecidos aos con
sumidores, evidenciando a subestimação dos interesses dos cidadãos; os mé
todos burocráticos e autoritários de gestão e administração; as penosas con- .
dições das mulheres, obrigadas a cumprir estafantes jornadas de trabalhar!'
fora do lar, e ainda a desincumbir-se do trabalho doméstico (sem o auxílio
dos eletrodomésticos, caros e de baixa qualidade), e aturar as intermináveis
filas e o machismo renitente do homem soviético. Como se não bastasse,
ainda eram carentes de educação sexual e/ou de suficiente disponibilidade de
;métodos anticoncepcionais. Entre outras estatísticas alarmantes, citava-se o
fato de que a URSS, com o equivalente a 5 ou 6% da população mundial, re
gistrava 25% dos abortos no mundo, segundo a Organização M undial da
Saúde, duas a quatro vezes mais do que nos demais países socialistas, seis a
dez vezes mais do que nos países capitalistas. Nem a educação e a saúde, con
sideradas até então setores modelares do socialismo soviético, eram poupa
das, acusadas de equipamento obsoleto e pessoal mal treinado. Sem falar nas
desigualdades irritantes que privilegiavam os comunistas, sobretudo os diri
gentes, estes seres m a is ig u a is e?itre o s ig u a is (Orwell, 1984).
Finalmente, mas não menos importante, a corrupção, invadindo e trans
bordando por todos os poros da sociedade.
O escândalo do tráfico do algodão no Usbequistão, entre outros, chocou
a sociedade: 4 milhões de toneladas em cerca de dez anos haviam sido desvia
dos. A fraude envolvia altas autoridades, inclusive em Moscou, mas implica
va milhares de pessoas. Não havia como colocar toda aquela gente na cadeia.
Na verdade, tratava-se de uma prática largamente disseminada, Para escapar
169
O SÉCULO XX
170
CRISE E D ESAGREG AÇÃO DO 50 C IA L ISM 0
cotidiano, como as questões do aborto, das drogas, dos hospitais, dos salá
. .............
1 71
I *=•
"
freqüência, pelas pessoas comuns. Corria a anedota de que as pessoas, ao;
abrirem a geladeira, não encontravam a p e r e s tr o ik a . As filas aumentavam de;
tamanho. Reapareceu o racionamento de alguns produtos, como a gasolina,
a manteiga, a carne e o açúcar. A colheita de cereais, em 198S, fora um fra-í
casso, quase 20% a menos do que o patamar alcançado dez anos antes. Gor-
bachev responsabilizava o passado, naturalmente. Mas aquele passado esta-;
va custando a passar Afinal, a p e r e s tr o ik a viera para melhorar ou para pio
rar a vida das pessoas?
Uma outra catástrofe, um terremoto na Armênia, em dezembro de 1.9SS,
uma espécie de novo Chernobyl, contribuiu para estimular as incertezas, evi
denciando as carências técnicas, a precariedade do socorro, a falta de medí-;
camentos, os erros grosseiros no planejamento da construção dos prédios. A:
URSS, superpotência, mostrava, mais uma vez, suas chagas e elas pareciam,
estranhamente, com as dos países subdesenvolvidos.
Apesar de tudo, a participação nas eleições foi maciça. Contudo, os re-
psultados geraram apreciações diversas. De um lado, os partidários da acele-
fração das reformas foram vitoriosos nos grandes centros urbanos. B. Yeltsin,
por exemplo, embora tendo sido expurgado do Bureau Político em fins de
1987, teve quase 90% dos votos em Moscou. De outro lado, na URSS pro-
f u n d a , em 25% das circunscrições, houve candidaturas únicas, embora a lei
facultasse múltiplos candidatos. Nas 17 regiões do Casaquistão, república
soviética da Ásia Central, os primeiros-secretários do partido foram candidâ?
tos únicos e, naturalmente, vencedores.
Um outro aspecto que se evidenciou no processo eleitoral: o reforço das
identidades nacionais, sobretudo nos chamados p a ís e s b á ltic o s (Lituânia,
Letônia e Estônia), onde se constituíram, e foram vitoriosas, as autodenonii-
' nadas fr e n te s p o p u la r e s , que já começavam a advogar a separação da URSS,1
”, , q A q u e s tã o n a c io n a l, largamente subestimada pelas elites dirigentes sovié
ticas, tendería, desde então, a se afirmar no centro da cena política. %
O primeiro alarme soara em dezembro de 1986, no Casaquistão. A ten
tativa, contrariando as tradições, de impor um russo como primeiro-secretá*
^•rio do partido desencadeara a cólera popular na capital do país, Alma-Ata,
obrigando Moscou a recuar. No ano seguinte, no centro do sistema, na praj
pria Rússia, surgira uma organização ultranacionalista, P a m ia t (Memora),
Poucos meses depois, ainda em 1987, uma grande manifestação nacionalista
em Riga, capital da Letônia, reivindicou autonomia e respeito pela identid|
de do país. Ainda naquele ano, em Kiev, na Ucrânia, houve uma verdadeij
CRISE E DESAGREG AÇÃO DO SOCIALISM O
173
0 SÉCULO XX
selo internacional suas promessas e ousadias, pesava cada vez menos em face fa g ir
do descalabro que passara a dominar a sociedade e a economia soviéticas. De pectii
que adiantava todo o prestígio do líder da p e r e s tr o ik a , se os capitais interna entrai
cionais teimavam em não afluir? Quanto aos empréstimos e aos financia cesso
mentos das agências internacionais, aportavam a conta-gotas, não conse dênci
guindo alterar o quadro crítico. tes a j
Sucediam-se as equipes econômicas e as propostas mais originais e inte D
ressantes. Contudo, nada, ou quase nada, funcionava. As reformas, os decre das aj
tos e as leis eram anunciados, mas não passavam à realidade, como se traga vam f
dos por mal definidas resistências. teB .I
Em 1989, o socialismo desapareceu na Europa Central. Um prenuncio? ■seguir
N a Polônia, o Solidariedade assumira o poder. N a República Democrática maior
Alemã, apresentada como o mais próspero país socialista do mundo, grandes .... JM
manifestações tinham levado à queda do todo-poderoso E. Honecher e, um troles
pouco mais tarde, à do M uro de Berlim, erguido em 1961, e que parecia eter nista,
no. N a Hungria, eleições livres eram convocadas e nenhum analista previa a ano, c
vitória dos comunistas locais. Pouco depois, uma revolução pacífica, dita de imple;
v e lu d o , na Tchecoslováquia e uma outra, violenta, na Romênia, apearam os lhe se
comunistas do poder. Indagado sobre como a URSS reagiría a esta debanda Não c
da, o porta-voz de Gorbachev cantarolou os versos de M y w a y , ou seja, como re fo ru
na canção, cada um seria livre para traçar o próprio destino. Desta vez os tan
§ § N!
ques permaneceríam tranqüilos nos quartéis. mais d
Como não poderia deixar de ser, o processo fulminante de desmantela sagreg
mento das mal chamadas d e m o c r a c ia s p o p u la r e s reforçou as correntes que que nii
estavam apostando na desagregação da URSS. Os parlamentos dos países Kriucl
bálticos, eleitos em 1989, aprovavam leis que apontavam para a secessão. De laçõey
um lado, criavam símbolos típicos de estados-nações, como bandeiras e URSS!
hinos próprios. De outro lado, estabeleciam legislações que garantiam auto p e r e s t,
nomia em assuntos fiscais e culturais, enfatizando sempre que as leis das re Cheval
públicas deveríam primar sobre as da União, num desafio claro às tradições sável p
centralistas soviéticas. N a Lituânia, num gesto ousado, em março de 1990, o tro do
Parlamento local proclamou a independência do país. M. Gorbachev reagiu da dita
com dureza ao ato e até mesmo líderes políticos ocidentais, como F. ; A i
M itterrand e H. Khol, aconselharam prudência aos lituanos. derativ
N o Cáucaso, assim como na Ásia Central, generalizava-se uma situação referen
de guerra civil. As tentativas conciliatórias eram recusadas num contexto de As
massacres de caráter étnico. As contradições radicalizavam-se e pareciam recusai
174
CRISE E D ESA G R EG AÇ Ã O DO SOCIALISM O
enos era face fugir do controle. Em toda a parte, os parlamentos locais proclamavam a res-
ovíéticas. De pectiva soberania, ou seja, somente admitiam as leis da União quando não
itais interná- í entrassem em desacordo com a própria legislação. N a prática, era um pro-
los financia- j cesso de secessão que ainda não dizia o seu nome. Contudo, e apesar das evi-
, não conse- í dências, quase ninguém ainda ousava dizer o indizível: a URSS estava pres-
'■| . tes a desaparecer.
;inais e inte- j Das próprias nações eslavas (Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia), considera-
as, os decre- : das até então como os mais sólidos baluartes da União Soviética, desponta
mo se traga- vamforças desagregadoras. Em junho de 1990, depois de eleger triunfalmen-
| teB. Yeltsin seu presidente, o Parlamento russo aprovou a soberania. N o mês
prenúncio? seguinte, os parlamentos da Ucrânia e da Bielo-Rússia tomaram, por ampla
)emocrática ,.á maioria, a mesma decisão política.
do, grandes M. Gorbachev, apoiando-se na tradição, aparentava ainda estar nos con-
echer e, um ■i troles. Em julho de 1990, quando do XVIII Congresso do Partido Comu-
larecia eter- nista, conseguiu aprovar todas as suas propostas. Em setembro do mesmo
sta previa a í ano, o Soviete Supremo voltou a lhe conferir poderes extraordinários para
íica, dita de implementar as reformas consideradas necessárias por decreto. Mas de que
apearam os lhe servia concentrar poderes, se, visivelmente, não sabia como exercê-los?
a debanda- ^ Não definia um programa claro de enfrentamento das crises. Oscilava entre
seja, como reformistas e c o n s e r v a d o r e s .
vez os tan- ■. No segundo semestre de 1990, passou a chamar para o governo homens
;-.j mais decididos a preservar, a qualquer custo, a URSS de um processo de de-
esmantela- ■: sagregação, do que conduzi-la no rumo das reformas tão anunciadas mas
:rentes que '] que não se concretizavam. N o Ministério do Interior (B. Pugo), no KGB (V.
dos países 1 Kriuchkov), no cargo de primeiro-ministro (V. Pavlov), no comando das re-
cessão. De ; tações externas (A. Bessmertnykh), no novo posto de vice-presidente da
andeiras e URSS (G. Ianaev), instalavam-se personagens estranhos às perspectivas da
tiam auto- í p e re stro ik a /g la sn o st. Ao mesmo tempo, seus aliados mais fiéis, como E,
leis das re- \ Chevarnadze, ex-ministro de Relações Exteriores, e A. lakovlev, ex-respon-
i tradições | sável pelas questões ideológicas no Partido Comunista, afastavam-se do cen-
ie 1990, o á tro do palco, denunciando conspirações golpistas, favoráveis à restauração
hev reagiu :! da ditadura do Partido Comunista.
, com o F. i A muito custo, conseguiu-se formular a proposta para um novo pacto fe-
í derativo. Teria o nome de União das Repúblicas Soberanas e seria levado a
a situação 3 referendo em todas as repúblicas soviéticas.
intexto de ] As correntes mais radicais, porém, sobretudo entre as nações não-russas,
pareciam :ii recusavam-se sequer a participar do referendo, preferindo a solução do des-
175
m
h
O S É C U L O XX
176
HMi
Wkp
!
CRISE E DESAGREG AÇÃO DO SOCIALISMO
177
O SÉCULO XX
A CRISE D O SO C IA L ISM O C O N T E M P O R Â N E O
178
CRISE E D E5A G R EG A Ç A 0 DO SOCIALISMO
nos lotes, válidos por quinze anos, prorrogáveis (segundo dados oficiais, 220
milhões de contratos, num universo de 900 milhões de pessoas). Um novo
processo de reforma agrária d e s c o le tiv iz o u o campo chinês, apostando na
ambição de lucro e de realização pessoal e familiar dos pequenos campone
ses, ainda viva, apesar, ou por causa, dos experimentos (na maior parte, de
sastrados) de coletivização empreendidos (Pomar, 1987).
Como resultado, houve um gigantesco crescimento da produção agríco
la, de 240 milhões de toneladas de cereais, em 1979, para quase 500 milhões
de toneladas (dados de 1997), dinamizando o conjunto da economia. Por
outro lado, e de forma controlada pelo Estado, abriram-se z o n a s e c o n ô m ic a s
especiais para o ingresso seletivo de capitais internacionais, promovendo-se
o crescimento industrial e as exportações, além de importação de tecnologia.
Um ritmo febril de negócios tom ou conta do país, acentuado recente
mente pela incorporação de Hong Kong, onde se mantiveram intactas as
bases do desenvolvimento econômico anterior, do qual, aliás, já fazia parte,
em larga medida, o Estado chinês.
No plano político, o Partido Comunista manteve firme o comando do
Estado e da sociedade. Os sucessivos movimentos que pretenderam questio
nar esta Ordem foram reprimidos com violência, notadamente o processo
que levou, em 1989, ao massacre da Praça da Paz Celestial, quando, em
nome do socialismo, mais uma vez, lutas pela liberdade e pela democracia
foram silenciadas com tiros e tanques (Andrade e Favre, 1989).
A repressão, passado um momento de constrangimento, quando se fize
ram ouvir os protestos de praxe, não inibiu os negócios; ao contrário, eles
fenderam a crescer e seguem em ritmo ascendente, constituindo a China uma
fronteira econômica e geográfica crucial para a atual prosperidade do capi
talismo internacional.
O interessante é que o marxismo e o socialismo continuam sendo ritual
mente invocados por um partido comunista que, na prática, rege o mais fre
nético desenvolvimento capitalista. A isto as autoridades chamam o s o c ia lis
mo c o m c a r a c te r ís tic a s c h in e sa s.
As duas outras experiências socialistas da Ásia Oriental — a Coréia e o
Vietnã — também não conseguiram afirmar-se como focos de irradiação de
propostas inovadoras. Na Coréia, a longa ditadura pessoal de ICim Il-Sung,
transmitida a seu filho, apresenta como saldo um país faminto e com reduzi
díssima capacidade de sedução política. Já o Vietnã, que galvanizou imensas
esperanças, mobilizando em seu favor a opinião pública internacional duran-
179
ro Rageau
_ ,_
0 SÉCULO XX
180
>
1
CRISE E D ESA G R EG AÇ Ã O DO SOCIALISM O
181
O SÉCULO XX
182
CRISE E DESAGREG AÇÃO DO SOCIALISM O
B IB L IO G R A F IA
183