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Qualidades do Brincar Simbólico em Crianças com Autismo:

Uma Perspectiva do Desenvolvimento Social


Qualities of Symbolic Play Among Children with Autism: A Social-Developmental Perspective
Journal of Autism and Developmental Disorders (2009) 39:12?22
Publicado online: 29 de Maio de 2008_ Springer Science+Business Media, LLC 2008
DOI 10.1007/s10803-008-0589-z

R. Peter Hobson
Anthony Lee
Jessica A. Hobson
Resumido por Rebeca Costa e Silva
Crianças com autismo exibem uma capacidade limitada para brincar criativamente e
simbolicamente. Hobson, Lee e Hobson descrevem em seu artigo que o quadro de
desenvolvimento é bem complexo e que essa limitação não significa que crianças com
autismo são incapazes de simbolizar. Inclusive, um estudo [entre crianças típicas e
crianças com autismo, com 20 meses de idade] demonstrou que crianças com autismo
não faziam substituições de objetos e as crianças típicas sim. Observa-se que muitas
crianças com autismo mais velhas conseguem fazer substituições e imitar ações, após
uma modelação ou uma instrução e com algumas dicas, porém não fazem isso partindo
deles mesmos, e também conservam uma forma estereotipada e ritualizada de brincar.
Várias tentativas foram feitas para explicar o porquê dessas habilidades e limitações.
Uma delas, numa visão cognitiva, é [de forma simplificada] que é necessário para o
brincar simbólico que uma criança faça uso do processo de metarrepresentação e tenha
capacidade de aplicar representações (atribuir significado simbólico, não concreto)
quando um objeto está ausente, ou a objetos que geralmente têm outro significado, ou a
objetos que não têm literalmente as propriedades que estão sendo atribuídas, e é nesse
processo que as crianças com autismo apresentam comprometimento. Outro aspecto
necessário para o brincar simbólico é a autoconsciência e o enxergar as perspectivas
alheias, e ambas as características são limitadas em crianças com autismo.
Outra perspectiva cognitiva é que uma limitação nas habilidades de se desprender do
mundo real e se deslocar entre interpretações alternativas de um material de brincar
podem estar por trás do comprometimento nas brincadeiras. Outra possibilidade seria
considerar a falta de motivação para engajar em uma brincadeira como explicação desse
comprometimento.
Na visão do desenvolvimento social, todas essas características do brincar de crianças
com autismo (dificuldade em imitar, utilizar brinquedos/objetos de forma criativa,
considerar outros pontos de vista e até mesmo seu próprio, etc.), provêm de um
comprometimento no desenvolvimento social, e as habilidades necessárias para o
brincar simbólico, flexibilidade, generalização, e motivação, surgem de instâncias
centralizadas em outra pessoa, e por isso há essa grande dificuldade no brincar
simbólico para crianças com autismo.
Hobson, Lee e Hobson confrontaram essas duas perspectivas num estudo empírico
(estudo baseado na experiência) em busca de evidência a favor e/ou contra as mesmas.
Formularam a hipótese que o brincar criativo/simbólico de crianças com autismo seria
distinguido menos por comprometimentos em mecanismos de imaginação
(metarrepresentação, flexibilidade com objetos, etc.), do que por limitações em relações
interpessoais e consciência de si e dos outros.
O experimento consistiu em testar as habilidades de brincar de 32 crianças em idade
escolar, sendo 16 delas com autismo e 16 com dificuldades de aprendizagem ou atrasos
no desenvolvimento, mas sem diagnóstico de autismo.
O procedimento consistiu em utilizar dois cenários de brincadeiras: um com muitos
objetos com os quais brincar e outro com poucos objetos. Cada cenário foi explorado
em duas fases: na primeira fase, a criança teria que brincar espontaneamente (sem
interferência do adulto) e depois na segunda fase, o adulto modelava a brincadeira e a
criança teria que brincar imitando e continuando a história. Tudo isso foi gravado em
vídeo, e depois analisado por dois julgadores: um psicólogo clínico que não sabia dos
diagnósticos das crianças e sem experiência com autismo avaliou cada parte de cada
cenário; outro psicólogo que tinha ampla experiência com o autismo avaliou cerca de
um terço dos vídeos, para fins de verificação da confiabilidade do teste.
Foram analisados/avaliados os seguintes itens:
- Atribuição de significados simbólicos para os objetos utilizados nas
brincadeiras;
- Potencial de uso flexível dos objetos;
- Autoconsciência;
- Investimento em significados simbólicos;
- Criatividade e
- Diversão.
Os resultados desse experimento demonstraram que ambos os grupos estavam
igualmente aptos (comparados entre si, porém não com relação a uma criança típica) a
utilizar os mecanismos de brincar e de metarrepresentar e, apesar dessa semelhança,
como os autores sugeriram, as crianças com autismo se distinguiram do outro grupo
pela notável ausência de autoconsciência para criar significados, investimento em
significados simbólicos, criatividade e diversão. E levando-se em consideração que o
grupo de crianças com autismo era relativamente hábil, não foi possível distingui-lo do
outro grupo por ausência de imaginação, mas isto pode ser diferente com crianças com
autismo não tão habilidosas.
Os autores admitem que esse experimento possa receber críticas por utilizar medidas
subjetivas e ser questionado quanto à comparação dos participantes dos dois grupos. E
mesmo com embasamento numa perspectiva de desenvolvimento social, os autores
NÃO afirmam que essa seja a causa subjacente ao comprometimento das crianças com
autismo no brincar simbólico e criativo. Colocam em questão, (segundo essa
perspectiva e o experimento) que o comprometimento estaria mais envolvido em uma
interiorização de transações interpessoais-afetivas através de uma base biológica, do que
a capacidade de metarrepresentação, porém frisam que a capacidade de
metarrepresentação da criança com autismo NÃO é IGUAL à de uma criança típica.
Os autores concluem que através desse experimento puderam ampliar um pequeno
aspecto envolvido, dentre muitos outros, no brincar simbólico e criativo de crianças
com autismo, para melhor entender o quadro como um todo.

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