Você está na página 1de 437

dLivros

{ Baixe Livros de forma Rápida e Gratuita }

Converted by convertEPub
Sebastian Smee

A arte da rivalidade

Quatro amizades que mudaram a arte moderna

Tradução:

Célia Euvaldo
Para Jo, Tom e Leila, com amor
Sumário

Introdução

Freud e Bacon

Manet e Degas

Matisse e Picasso

Pollock e De Kooning

Lista de ilustrações

Agradecimentos e fontes

Índice
Introdução

EM 2013, numa viagem ao Japão, peguei um trem-bala de Fukuoka a

Kitakyushu para ver uma pintura de Edgar Degas. Em geral, quando

empreendemos uma viagem longa para ver uma única obra de arte, o

fazemos com altíssimas expectativas. Lançamo-nos à viagem com a

devoção e o antegozo de um peregrino. Quando chegamos ao destino, e

o encontro há muito esperado ocorre, sentimo-nos obrigados a criar um

grau de excitação que justifique todo o preparo mental, o tempo, a

despesa. É isso ou um anticlímax avassalador.

Nessa viagem ao Japão, porém, lembro de não sentir nem uma coisa

nem outra. A pintura que eu tinha ido ver era um retrato duplo [ver

prancha 6] do amigo de Degas, o artista Édouard Manet, e a mulher

deste, Suzanne. O quadro mostra um Manet barbado, elegante, recostado

num sofá, com a expressão vazia, o corpo entre sentado e supino.

Suzanne está sentada na frente dele ao piano.

É uma pintura bem pequena – poderíamos segurá-la nos braços sem

precisar esticá-los muito. E tem frescor – poderia ter sido pintada ontem.

Não tem nada de retórica ou grandiloquente. Ao contrário, parece quase

distante, desinteressada; agradavelmente destituída de ilusões e falso

sentimento.

Por todas essas razões (e a despeito de minha peregrinação sincera),

a pintura não deu margem à decepção. Mas tampouco desencadeou a

necessidade de recorrer à inflação emocional. Ao contrário, diante dela,

vi-me absorvido por sua frieza peculiar.


Degas e Manet tinham sido próximos, eu sabia. Mas há na pintura

uma certa contenção emocional, que por sua vez alimenta uma

ambivalência que nunca se resolve por completo. Não se pode dizer se

Manet, no quadro, está sentindo a agonia sombria do torpor, uma

espécie de letargia, ali sentado ouvindo a mulher (que, aliás, era uma

pianista excepcional); ou se, ao contrário, está desfrutando o êxtase do

devaneio, uma indolência tão doce e completa que o isola de tudo que

poderia romper sua deriva mental luxuriante.

O casal Manet sentou-se para posar durante todo o inverno de 1868-

69. Apenas meia década havia se passado desde que Édouard pintara

Almoço na relva [Le déjeuner sur l’herbe] e Olympia, aquelas execráveis

provocações que tanto haviam chocado os críticos, gerando no público

reações de espanto e escárnio. (Agora, essas são, obviamente, as duas

pinturas mais famosas da época.) Na sequência, Manet prosseguiu com

um jorro surpreendente de criatividade que durou vários anos. Mas a

atribulada recepção a suas pinturas não cessou. Sua má fama só cresceu.

O que tudo isso lhe custou? Em 1868, será que Degas estava

pintando um homem exaurido por seu trabalho hercúleo, arruinado pela

antipatia? Ou teria ele em mente algo mais sutil e sigiloso?

NESTE PONTO, faz-se necessário dizer que o que eu tinha ido ver no

Japão não era, na realidade, o quadro como Degas o pintou, mas, antes,

o que dele havia sobrado. Pouco depois de sua criação, parte da pintura

foi arrancada com uma faca, que passou bem no meio do rosto e do

corpo de Suzanne.

Isso não foi, como sabemos, um ato desequilibrado de algum

aventureiro frequentador de museu – o tipo que de vez em quando joga

ácido em um Rembrandt ou dá uma martelada em um Michelangelo. Foi

um ato do próprio Manet. E é aqui que a consternação se estabelece.


Pois todos (todos que o conheciam) gostavam de Manet. Ele era

charmoso, sociável, modesto – o mais galante e o mais suave dos

homens. O motivo que o teria levado a fazer tal coisa, numa época em

que ele e Degas eram tidos como amigos (amigos próximos o bastante

para cooperar nesse retrato íntimo), sempre pareceu enigmático. A

explicação usualmente oferecida – que Manet desaprovou o retrato

menos que lisonjeiro de Suzanne – parece plausível, até certo ponto; mas

há algo incomensurável em torno dessa questão. Não se mete uma faca

em uma pintura assim tão facilmente. Deve ter havido, por certo, mais

do que isso.

Fui ao Japão não para tentar descobrir o mistério, mas para chegar

mais perto dele. Os mistérios são magnéticos, nesse sentido. Contudo,

está claro que eles nem sempre atraem a evidência. Eles atraem também

novos enigmas, questões mais profundas, suposições mais estranhas.

NÃO SURPREENDE QUE o incidente do golpe à tela tenha ocasionado uma

briga entre Manet e Degas. A amizade foi logo restabelecida. (“Não se

pode permanecer inimigo de Manet por muito tempo”, Degas teria dito.)

Mas as coisas nunca mais foram as mesmas entre eles. E então, apenas

uma década depois, Manet estava morto.

Trinta anos depois, quando morreu, Degas – uma figura isolada,

rabugenta – estava cercado por uma coleção que incluía não só a pintura

danificada (que ele havia resgatado do amigo e tentado consertar), mas

outros três retratos que ele desenhou de Manet, além de um tesouro de

mais de oitenta trabalhos feitos pelo próprio Manet. Tudo isso não era

uma evidência de que Degas nutria um fascínio especial e talvez

sentimental por Manet, muito tempo depois que este se fora? Em caso

afirmativo, o que isso significa?


EXISTE, acredito, uma intimidade na história da arte que os livros

ignoram. Este volume é uma tentativa de levar em consideração essa

intimidade.

Seu título é A arte da rivalidade, mas a ideia de rivalidade que

apresenta não é o clichê machista de inimigos jurados, competidores

amargos e ressentidos intransigentes em disputa pela supremacia

artística e mundana. Trata-se, na verdade, de um livro sobre

maleabilidade, intimidade e abertura a influências. É sobre

sensibilidades. O fato de esses estados de sensibilidade estarem

concentrados já no começo da carreira de um artista e de terem um

tempo de vida limitado – uma vez que nunca duram além de certo ponto

– é em vários aspectos o verdadeiro tema do livro. Pois esses tipos de

relacionamento são inerentemente voláteis. Possuem uma psicodinâmica

escorregadia e são difíceis de descrever com algum tipo de certeza

histórica. E nem sempre acabam bem. Se, em outras palavras, este é um

livro sobre a sedução, é também em certa medida sobre rompimentos e

traição.

ROMPIMENTOS SÃO SEMPRE desalentadores. Mesmo que as coisas sejam

remediadas depois, nunca é fácil encontrar uma solução para o problema

perturbador que originou a ruptura. É quase impossível alcançar a

distância necessária. Uma parte muito grande de nós pode estar em jogo,

e nossa dívida para com o outro – qualquer que seja a forma que tenha

tomado – pode ainda ser profunda demais. Como reconhecer essa

dívida, sendo fiel à verdade do que aconteceu e sem perder de vista o

dano infligido a nós? E o dano que nós mesmos nos infligimos? Essas

questões parecem não ajudar, são muito vagas. Mas revolvem-se por trás

das quatro histórias neste livro.


Quando vivi em Londres, no começo da década de 2000, conheci o

pintor Lucian Freud, cuja antiga amizade com Francis Bacon talvez seja

a mais famosa na arte britânica do século XX. Aqui também houve um

desentendimento, ocasionando muitos desalentos e amarguras pessoais –

tanto que, dez anos após a morte de Bacon, considerava-se imprudente

tocar no assunto com Freud.

No silêncio que se fez nesse meio-tempo, contudo, ao visitar a casa

de Freud, era impossível não notar a enorme pintura de Bacon

pendurada na parede. Era uma imagem assombrosa de amantes

masculinos violentos, com os dentes à mostra, entrelaçados numa cama.

Freud a comprara por cem libras esterlinas numa das primeiras

exposições de Bacon, pouco antes de sua amizade começar a se

deteriorar. Ele nunca se desfez do quadro. E (com apenas uma exceção

em meio século) nunca concordou em emprestá-lo para exposições. O

que isto significava?

E, POR FALAR NISSo, o que indicava, na atribulada amizade entre Jackson

Pollock e Willem de Kooning – os dois mais famosos artistas norte-

americanos do século XX –, o fato de, menos de um ano depois da

súbita morte de Pollock, De Kooning ter começado um relacionamento

amoroso com a namorada de Pollock, Ruth Kligman, a única

sobrevivente do acidente de carro fatal?

E, no que concerne à importância de Matisse para Picasso, o que

significava o fato de, após a morte de Matisse, em 1954, Picasso não só

ter continuado a pintar tributos confusos a ele, como também ter

conservado o retrato que Matisse fez da própria filha, Marguerite –

pintura com a qual Picasso certa vez se divertiu vendo seus amigos nela

lançarem dardos –, num lugar de honra em sua própria casa?


TODOS OS OITO artistas no centro deste livro, tenho plena consciência

disso, são homens. O período sobre o qual escrevo – aproximadamente,

de 1860 a 1950 – é tido como “moderno”, mas está claro que a cultura

moderna na época ainda era extremamente patriarcal. Há muitas

histórias de relacionamentos entre artistas homens e mulheres

modernos, mas as mais significativas – Auguste Rodin e Camille

Claudel, Georgia O’Keeffe e Alfred Stieglitz, Frida Kahlo e Diego

Rivera, por exemplo – tinham um componente romântico, que tende a

obscurecer e complicar os aspectos de rivalidade que estou tentando

expor aqui. Livres das complicações da paixão heterossexual ou da

condescendência sexista, esses aspectos apoiam-se em relações que

podem ser caracterizadas, em termos gerais, como “homossociais”.

Incluem competitividade masculina por status, amizade cautelosa,

admiração entre pares e até mesmo amor, além de uma dinâmica

hierárquica que nunca é estabelecida, mesmo quando parece ser.

As mulheres, entretanto, desempenham papéis de enorme

importância em cada capítulo. Entre elas, encontram-se artistas de

primeira linha como Berthe Morisot e Lee Krasner, colecionadoras

corajosas como Sarah Stein, Gertrude Stein e Peggy Guggenheim, e

cúmplices brilhantes, de espírito independente, como Caroline

Blackwood e Marguerite Matisse.

Como se sabe, esses oito artistas que focalizo tinham outras

amizades, outros rivais, outras influências e pessoas que os promoviam.

Mas por vezes existe uma única relação que supera em importância

todas as outras. Acredito que Picasso sabia muito bem que não teria

pintado Les demoiselles d’Avignon, sua grande e inovadora obra, nem

tampouco teria enveredado pelo cubismo, ao lado de Braque, sem a

sedutora pressão fornecida por Matisse. Da mesma forma, Freud sabia

que nunca teria parado de desenhar em seu estilo rígido e meticuloso e

se tornado o grande pintor da carne exuberante e lívida não fosse a


amizade com Bacon. De Kooning, similarmente, não teria aberto sua via

de trabalho e pintado suas primeiras obras-primas radicais na década de

1950 sem a influência de Pollock. E Degas não teria parado de pintar o

passado e saído de seu ateliê para as ruas, cafés e salões de ensaio não

fosse o impacto de sua amizade com Manet.

ESTE LIVRO, portanto, trata do papel da amizade e da rivalidade na

formação desses oito artistas, que estão todos eles entre os maiores do

período moderno. Em quatro capítulos, conta a história de quatro

famosos relacionamentos artísticos, concentrando-se na redoma peculiar

do tempo – geralmente três ou quatro anos tensos – em torno de um

incidente crucial específico: uma sessão de pose para um retrato, uma

troca de palavras, uma visita de ateliê ou uma inauguração de exposição.

Em cada caso, dois temperamentos diferentes – dois tipos de carisma

– foram magneticamente atraídos um ao outro. Ambos os artistas

estavam no limiar de importantes realizações criativas. Cada qual já

havia feito enormes avanços, mas ainda não havia um estilo pessoal

estabelecido; nenhuma ideia de verdade ou beleza prevalecia sobre

outras. Tudo era latente.

E então, no decorrer do desenvolvimento de cada relacionamento –

às vezes de maneira hesitante, às vezes com uma intensidade impetuosa

–, uma dinâmica familiar se estabelecia. Enquanto um artista tinha uma

fluência invejável (tanto social como artística), o outro estava travado.

Onde um se dispunha a correr riscos, o outro ficava para trás por excesso

de cautela, perfeccionismos variados, tenacidade e bloqueio psíquico. O

efeito causado no artista em questão ao encontrar seu par mais fluente,

mais audacioso, era revelador – e libertador. Abriam-se possibilidades.

Uma nova maneira não só de trabalhar como também de encarar o

mundo era revelada. O curso da vida era alterado.


A partir desse momento, as coisas tornavam-se complicadas.

Inicialmente de mão única, o fluxo da influência logo começava a correr

nas duas direções. Mesmo quando se destacava, o artista naturalmente

mais “fluente” tomava consciência de falhas em seu próprio repertório –

habilidades, atrevimentos e formas de obstinação que o outro artista

possuía em abundância.

Cada história aqui, portanto, traça um movimento de afastamento de

uma atração premente por outra pessoa, passando por uma fase de

ambivalência e seguindo rumo à independência – aquele processo

criativo vital que chamamos “encontrar a própria voz”. Essa busca pela

independência, por um tipo de distinção espiritual que milita contra o

anseio pela união e o coleguismo, faz parte da formação de qualquer

identidade verdadeiramente potente. Mas também se dirige, é claro, ao

próprio anseio moderno de ser único, original, inimitável; de conquistar

a solidão, a singularidade; da grandeza.

Assim, não é por acaso que os artistas sobre os quais escolhi

escrever são grandes e modernos, porque essa mesma dinâmica – entre a

solidão e o reconhecimento, entre a singularidade e o pertencimento –

está no cerne da história do modernismo.

SE EXISTE UMA DIFERENÇA fundamental entre a rivalidade na era moderna

e a rivalidade em épocas anteriores, como acredito que haja, é que na era

moderna os artistas desenvolveram um conceito totalmente diferente de

grandeza. Era uma noção baseada não nas velhas convenções

estabelecidas de maestria e continuação de uma tradição pictórica, mas

na urgência de ser radical e disruptivamente original.

De onde veio essa urgência?

No fundo, era uma resposta às novas condições da vida – a uma

sensação de que a sociedade moderna, industrializada, urbana, embora


de certa maneira representasse um pináculo da civilização ocidental,

também havia excluído certas possibilidades humanas. A modernidade,

muitos começaram a sentir, havia vedado a opção de forjarmos uma

conexão mais profunda com a natureza e com a riqueza da vida

espiritual e criativa. O mundo, como escreveu Max Weber, tornara-se

desencantado.

Daí o interesse estimulante por possibilidades alternativas. Essas

novas fascinações abriram vastas áreas de terreno artístico. Mas, ao

rejeitar os padrões herdados, os artistas modernos inevitavelmente se

encontraram num limbo. Eles tinham se afastado não só das rotas usuais

do sucesso (os Salões oficiais, os prêmios, os marchands, os

colecionadores e patrocinadores), mas da segurança psíquica de critérios

válidos.

O problema da qualidade nessa situação tornou-se urgente. Se os

artistas modernos rejeitavam padrões amplamente compartilhados em

sua própria cultura, como poderiam saber quão bons eles eram? Se viam

um valor imenso na arte das crianças, por exemplo (como fez Matisse),

como poderia alguém determinar que sua arte era excelente – melhor do

que a das crianças; melhor do que a de alguém que se exercitou por anos

precisamente para ir além da arte das crianças?

Se, como Pollock, arremessavam e derramavam tinta de um graveto

sobre uma tela estendida no chão, como é que se poderia afirmar que

esse modo de fazer arte era superior à pintura realizada por alguém que

havia se exercitado por anos com tintas e pincéis, paletas e cavaletes,

seguindo uma tradição consagrada? Havia críticos, obviamente. Mas

eles eram, em geral, tendenciosos, e não raro ainda mais convencionais

do que o público. Havia poetas e escritores simpatizantes. Mas nenhum

deles podia apreender bem a natureza da batalha do ponto de vista de

um artista.
Para isso, era preciso um colega artista. Mais do que os críticos ou

colecionadores, os artistas tinham mais a obter da exploração de um

novo potencial inventivo e da formação de novos critérios. Se outros

artistas podiam ser persuadidos a compartilhar os seus interesses, esses

novos critérios adquiririam credibilidade e poderiam acabar se tornando

normativos. Sua audiência – o círculo das pessoas que reconheciam o

seu gênio – cresceria. Tal como o romantismo de Delacroix e o realismo

de Courbet foram aceitos primeiro entre os artistas e só depois pelo

establishment, o mesmo se deu com o impressionismo; e assim,

sucessivamente, com a cor plana saturada de Matisse, as formas

facetadas de Picasso, a tinta espirrada de Pollock, os rostos manchados

de Bacon etc.

Essa, em todo caso, era a esperança. Por isso, muito esforço foi feito

com o intuito de persuadir. Nesse caldeirão de competitividade, o

carisma contava. As relações entre os artistas nesse contexto

naturalmente tornaram-se mais íntimas, e mais tensas… Pois, afinal, e se

a habilidade de um colega para impressionar e cativar os colecionadores

relevantes – os Stein em Paris, por exemplo – fosse superior à sua? E se

o interesse de seu rival pela arte africana ou por Cézanne tivesse uma

característica diferente de seu próprio interesse por essas coisas? E se

todos pudessem ver que seu colega era um desenhista muito superior, ou

tinha uma noção de cor melhor e mais intuitiva? E se, pelo

temperamento, seu amigo e rival fosse simplesmente mais bem equipado

para o sucesso?

Essas questões não eram acadêmicas; eram penosamente reais. Os

rivais na era moderna estavam competindo não só para ser os mais

avançados no campo artístico, os mais audaciosos, os mais importantes.

Estavam competindo também, como fazem as pessoas, por supremacias

mundanas, práticas. E assim, obviamente, muitas vezes competiam nos

domínios do amor e da amizade.


A arte da rivalidade é, nesse sentido, a luta da própria intimidade: a

batalha ansiosa, convulsiva, para se aproximar de alguém, e que deve de

alguma maneira ser equilibrada com a batalha para permanecer único.


Freud e Bacon

Acontece que, a não ser que olhemos para essas figuras de

Muybridge com uma lente de aumento, é muito difícil ver se estão

lutando ou fazendo sexo.

FRANCIS BACON

O RETRATO QUE LUCIAN FREUD fez em 1952 de seu amigo, o artista

Francis Bacon, tem o tamanho de um livro de bolso [ver prancha 1]. Ou

tinha: desapareceu das paredes de um museu alemão em 1988 e desde

então nunca mais foi visto.

Ele mostra Bacon de frente e de muito perto. “Todos pensavam nele

como um borrão”, Freud diria mais tarde, “mas ele tinha um rosto muito

específico. Lembro-me de querer fazer Bacon emergir por trás dessa

névoa.”

No quadro terminado, as famosas bochechas caídas de Bacon

expandem-se até os limites da moldura, e suas orelhas quase tocam as

bordas. Seus olhos estão voltados para baixo – mas não para o chão. Ele

tem um olhar pensativo, distante, passa uma ideia de recolhimento. É

uma expressão indefinida, mas inesquecível, que combina o luto de si

mesmo com um toque estranho de fúria interna.

Freud mais tarde alcançou renome mundial pela amplitude carnal de

seus quadros e por seu uso de uma tinta a óleo espessa, prodigamente

aplicada. Mas em 1952, quando pintou Bacon, seu estilo era muito

diferente. Ele era um mestre da tensão superficial. Trabalhando numa

escala pequena, mantinha a tinta o mais lisa possível – sem pinceladas

visíveis. O controle era supremo. Assim como a homogeneidade do


tratamento, meticulosamente mantido por toda a superfície de seus

quadros.

Apesar disso, o contraste entre os lados direito e esquerdo da

peculiar cabeça de Bacon, com seu formato de pera, é estranho – e

torna-se cada vez mais notável quanto mais o estudamos. O lado direito

(de Bacon), levemente na sombra, é um estudo de placidez. No

esquerdo, porém, tudo desliza e derrapa. Um tufo de cabelo em forma de

S – é possível contar os fios – projeta uma sombra ousada na testa de

Bacon. O lado esquerdo inteiro de sua boca se torce para cima,

formando uma bolsa no canto, como se o corpo reagisse a uma fisgada.

Um brilho de suor refulge daquele lado do nariz. Até a orelha esquerda

parece convulsionar e retorcer-se. O mais surpreendente é o modo como

a sobrancelha esquerda de Bacon estende seu arabesco poderoso até um

sulco no centro da testa. Isso nada tem a ver com “realismo”, se

tomarmos o termo literalmente; nenhuma sobrancelha se comporta

assim. Mas é o motor que impulsiona todo o retrato, assim como o

próprio retrato é a chave para a história do relacionamento mais

interessante e fértil – e volátil – na arte britânica do século XX.

EM 1987, 35 anos depois de ter sido pintado, e apenas meses antes de

desaparecer, esse pequeno quadro foi enviado a Washington. Se não

tivesse sido pintado sobre uma placa de cobre, poderiam ter posto um

selo e um endereço em seu verso e o enviado como um cartão-postal.

Em vez disso, ele foi cuidadosamente empacotado e encaixotado, e

enviado junto com outras 81 obras para a capital norte-americana, onde

integraria uma retrospectiva de Freud organizada por Andrea Rose, do

British Council, no Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, situado

no National Mall.
Apesar do tamanho, o retrato de Bacon era um dos objetos mais

carismáticos da mostra. Isto sem dúvida tinha a ver com o fato de o

retratado em si ser famoso. Bacon, que ainda estava vivo na época (ele

morreu em 1992), era um artista muito mais conhecido do que o próprio

Freud. Desde os anos 1960, importantes exposições de sua obra haviam

sido montadas não só em Londres, onde ele morava, mas também em

locais como o Grand Palais, em Paris, e os museus Guggenheim e

Metropolitan, em Nova York. Nenhum artista britânico do século XX

recebera tantos elogios da crítica por tanto tempo. Nenhum havia

canalizado os recessos mais sombrios da imaginação popular com um

corpo de obra tão ousado e de influência tão ampla. Bacon era uma

estrela internacional bona fide.

Freud era um tipo de artista diferente. Conforme o crítico John

Russell o descreveu, ele era “uma presença perturbadora e inquietante” –

obstinado, perverso, diligente, imune à moda. Tinha exposto

regularmente desde seus vinte anos até os sessenta (tinha agora 66

anos), e era tão bem reputado na Inglaterra que chegou a receber uma

Ordem dos Companheiros de Honra em 1985. Mas, fora das Ilhas

Britânicas, era pouco notado. E nos Estados Unidos era bastante

desconhecido.

Menos audacioso (ao menos na superfície) do que o trabalho de

Bacon, o de Freud também parecia mais convencional em sua fidelidade

às aparências. Seu tipo de pintura – figurativa, objetiva, ancorada na

observação – ficara fora de moda por quase um século. Seus mais óbvios

predecessores não eram Pollock nem De Kooning (o pintor norte-

americano nascido na Holanda com o qual Bacon era geralmente

comparado), muito menos Duchamp e Warhol, as influências

dominantes sobre os artistas nos anos 1970 e começo dos anos 1980.

Eram pintores do século XIX, como Courbet, Manet e especialmente

Degas.
Além disso, seu trabalho era feio. Sua maneira de pintar – realismo

inflexível, escrutínio prolongado, um foco malicioso sobre a pele úmida,

manchada e cheia de pelancas – era uma ducha de água fria. Era crua e

dominada pela impetuosidade. Suada. Quase dava para sentir seu cheiro.

Certamente não combinava com a noção de arte avançada do museu

norte-americano, que, desde os anos 1960, tendia a ser minimalista,

abstrata, conceitual e mais higiênica.

No entanto, apesar da peculiaridade de Freud – apesar da impressão

de que ele era uma espécie de retrocesso –, um número crescente de

pessoas na Inglaterra (críticos, marchands, outros artistas) começava a

sentir que ele estava perto do auge de sua força como artista. Ao longo

de mais de duas décadas, ele vinha produzindo pinturas de impacto tão

visceral, de intensidade e convicção tão constantes, que, embora não se

encaixassem em nenhuma categoria ou narrativa óbvia de arte

contemporânea, era impossível subestimá-las.

Empenhado, portanto, em estender sua reputação para além do

Reino Unido, o British Council organizara uma exposição das obras de

Freud que pudesse enviar ao exterior. Os organizadores do British

Council selecionaram as obras e negociaram os empréstimos (a maioria

dos trabalhos de Freud estava em coleções particulares). Produziram um

elegante catálogo, também, com um ensaio introdutório perspicaz de

Robert Hughes, o influente crítico de arte da revista Time. Já na primeira

parte do ensaio, Hughes abordou o retrato de Bacon pintado por Freud.

A luz homogênea do retrato, escreveu, tinha “algo flamengo”; seu

tamanho evocava o mundo gótico da “miniatura”; era “apertado, exato,

meticuloso e (o que é mais excêntrico, em se tratando do final da década

de 1950, uma época de gestos urgentes sobre tela de aniagem) pintado

sobre cobre”. Mas o que tornava o quadro realmente fascinante, reforçou

Hughes, era que ele era também misteriosamente moderno. Freud

“captara uma espécie de verdade visual”, escreveu, “a um só tempo


agudamente focada e evasivamente voltada para dentro, que raras vezes

se mostrou na pintura anterior ao século XX”. Ele dera de alguma

maneira, ao “rosto em formato de pera, a intensidade silenciosa de uma

granada no milésimo de segundo antes de explodir”.

O BRITISH COUNCIL GARANTIU os locais para a mostra em Paris, Londres

e Berlim. Mas teve dificuldade para encontrar um espaço nos Estados

Unidos. Freud não era tão conhecido lá, afirmavam os curadores dos

museus norte-americanos. Seu trabalho carnoso, indecoroso, seria

desconcertante para o público em geral. Ele era britânico demais, escola

antiga demais, real demais. O curador norte-americano Michael Auping

recordou mais tarde o consenso geral: confrontar o trabalho de Freud no

contexto da arte de vanguarda norte-americana do pós-guerra, escreveu,

era “como descobrir formas cáusticas sobre o branco imaculado das

paredes do museu”.

Mas o British Council não desistiria. Contactaram James Demetrion,

o diretor do Hirshhorn, que faz parte da família de museus em

Washington operada pela Smithsonian Institution. Explicaram a

situação. Demetrion ouviu. Ficou surpreso, como mais tarde lembrou,

que nenhum museu de Nova York estivesse interessado. “Ao que parece,

Freud não era muito conhecido fora da Inglaterra, o que me confundiu

um pouco”, disse ele, que concordou em receber a exposição. E sua

decisão revelou-se um golpe certeiro, não só para si mesmo e para o

Hirshhorn, mas principalmente para Freud.

A mostra foi inaugurada no Hirshhorn – o primeiro dos quatro locais

internacionais – em 15 de setembro de 1987. Freud completaria setenta

anos dentro de cinco anos. E, no entanto, essa foi a primeira grande

exposição de sua obra fora da Grã-Bretanha.


Contra todas as expectativas, foi um imenso sucesso. Resenhas

consistentes em importantes jornais, revistas semanais e revistas de arte

de norte a sul da costa leste, junto com o ensaio de Hughes (publicado

independentemente na New York Review of Books) e um perfil na New

York Times Magazine, tudo ajudou a promover a exposição como um

evento importante e eletrizante. A carreira de Freud decolou. Logo ele se

desvincularia de seu marchand inglês e passaria a vender seus trabalhos

exclusivamente através de duas galerias prestigiosas de Nova York. E,

em dez anos, estava sendo aclamado como o pintor vivo mais famoso

não só na Inglaterra, mas também, possivelmente, no mundo. Em maio

de 2008, uma de suas pinturas, A supervisora dormindo [Benefits

Supervisor Sleeping], tornou-se a obra mais cara de um artista vivo,

vendida para o bilionário russo Roman Abramovich por 33,6 milhões de

dólares. (Outra pintura com a mesma modelo, Sue Tilley, foi vendida

por 56,2 milhões de dólares em 2015.)

Depois de seu impacto no Hirshhorn, a exposição deixou os Estados

Unidos para temporadas em museus proeminentes em Paris e Londres.

Seu ponto final foi em Berlim, onde foi inaugurada no final de abril de

1988. O local, na cidade onde Freud nasceu e cresceu, era a Neue

Nationalgalerie. Outros museus na Alemanha haviam expressado

interesse pela mostra, e estavam dispostos a arcar com todos os custos,

mas Freud, segundo Andrea Rose, “não queria nem ouvir falar”. Ele

insistia para que a exposição fosse em Berlim – ou em nenhum lugar na

Alemanha. Infelizmente, a Neue Nationalgalerie estava relutante em se

envolver. Recusou-se a arcar com a maior parte dos custos da exposição,

permaneceu alheia à produção do catálogo e não enviou ninguém às

mostras em Washington, Paris ou Londres. Preocupada com a recepção

da exposição na Alemanha, Rose teve de insistir para que seu curador

viesse a Londres durante a exposição na Hayward. Foi só então, ela

lembrou, “que eles se deram conta de que a exposição era muito maior
do que haviam antecipado, e tiveram de reconfigurar as galerias para

acomodá-la”. (Eles haviam originariamente designado a galeria de

gravuras do museu para a mostra – cerca de um quarto do tamanho

necessário.)

Uma construção de vidro e aço – e o último projeto concluído pelo

legendário arquiteto modernista Mies van der Rohe –, a Neue

Nationalgalerie situa-se num vasto e arborizado distrito cultural repleto

de museus, salas de concerto, centros de ciência e bibliotecas. O

Tiergarten, grande parque de Berlim, faz fronteira ao norte, o canal

Landwehr ao sul. O Tiergarten real – o zoológico – está situado a oeste

do museu, com a Potsdamer Platz a menos de dez minutos de caminhada

a leste.

Até os oito anos de idade, quando se mudou para a Inglaterra, Freud

viveu em dois apartamentos nessa região. Ele costumava brincar no

Tiergarten, e certa vez caiu no gelo quando patinava (“Foi muito

emocionante”, lembrou ele mais tarde). Freud trocava cartões de cigarro

com comerciantes na Potsdamer Platz: “Você podia trocar três Marlene

Dietrichs por um Johnny Weissmuller, esse tipo de coisa”, disse ele.

A família de Freud tinha sido forçada a fugir da Alemanha quando

Hitler ascendeu ao poder. Freud teve a chance de ver o ditador uma

única vez, na própria praça em que a família morava, no lado oposto de

onde a Neue Nationalgalerie agora se encontra. “Havia pessoas enormes

de cada lado dele”, lembrou; “ele era baixinho”.

A exposição foi inaugurada em 29 de abril de 1988. O Muro de

Berlim ainda levaria um ano para cair, a cidade ainda era dividida. A

mostra teve boas resenhas nos jornais e revistas de arte da Alemanha

Ocidental, e o catálogo esgotou-se nas primeiras semanas. Se a resposta

não foi tão significativa quanto havia sido nos Estados Unidos, a
recepção fornecida a esse filho de Berlim há muito tempo perdido foi

sincera e apreciativa. A visitação foi maior do que se esperava.

Mas, um mês depois da abertura – era uma sexta-feira, no final da

tarde –, um visitante do museu notou algo errado. Bem no começo da

exposição de Freud, na parte que mostrava trabalhos do início de sua

carreira, havia um espaço vazio na parede onde evidentemente deveria

haver uma pintura. Era inusitado. Mas a quem notificar? A segurança do

museu naquela época era negligente, quase invisível. Não havia um

único guarda vigiando a exposição entre onze da manhã e quatro da

tarde, de acordo com um relato. O retrato era tão pequeno que teria sido

fácil pegá-lo, colocá-lo no bolso do casaco e sair sem ser notado.

O visitante encontrou um funcionário do museu e informou o

desaparecimento da pintura. As notícias subiram rapidamente a corrente

de comando. A polícia foi chamada. Fecharam o prédio e

sistematicamente questionaram e revistaram cada visitante que ainda

estava dentro do museu.

Mas foi tudo em vão. Aos poucos, todos se deram conta – tanto a

equipe do museu quanto a polícia – de que era tarde demais. O ladrão,

ou ladrões, tinham escapado por entre as malhas da rede. Ou, mais

provavelmente, tinham deixado a cena antes que a rede tivesse sido

jogada.

O diretor da Neue Nationalgalerie, Dieter Honisch, ficou bastante

constrangido, bem como sua equipe. Não obstante, eles queriam manter

a mostra aberta até o término oficial, dali ainda a três semanas. Freud e

os organizadores do British Council não concordavam. Havia pressão do

lado alemão – e também do embaixador britânico na Alemanha – para

mantê-la aberta; mas, quando Freud ameaçou pedir que todos os

colecionadores que haviam emprestado obras para a mostra retirassem

seus trabalhos, eles cederam, e a exposição foi fechada.


Ficou acordado com a polícia e os organizadores do British Council

que uma pequena recompensa deveria ser oferecida pela obra. Os portos

e aeroportos foram alertados. Algumas denúncias foram investigadas,

mas sem resultados.

Não havia nada sobre o roubo que indicasse obra de profissionais

organizados. Não houve nenhuma invasão, nem armas, nem fugas em

alta velocidade. O crime parecia essencialmente oportunista. Mas

tampouco era obra de amadores atrapalhados. A pintura não foi

arrancada de seus acessórios de fixação. O ladrão precisou usar uma

ferramenta, presumivelmente uma chave de fenda, para remover as

chapas metálicas que prendiam a moldura à parede. Isso sugeria uma

certa premeditação. Mas, se o crime fora planejado, era estranho que

nenhum pedido de resgate jamais tivesse se materializado, como

frequentemente ocorre em tais casos.

Mas também era comum que isso não acontecesse. O caso todo era

confuso.

Uma coisa foi amplamente notada. Quando o quadro foi roubado, o

museu estava cheio de estudantes. Na Alemanha, como em toda parte, o

modelo do retrato, Francis Bacon, era bastante admirado. Uma das

personalidades mais vívidas da arte moderna, ele tinha, entre os jovens

em especial, o que chegava a ser um séquito cult. Era certamente mais

popular do que Freud, que, para a maioria dos alemães – mesmo os

amantes de arte –, ainda era um estranho. Apenas seu sobrenome (ele

era neto de Sigmund Freud) era familiar. De modo que talvez tenha sido

um dos estudantes que o roubou – ou vários juntos…? Quando Robert

Hughes tentou consolar Freud com a sugestão de que o roubo era uma

espécie perversa de cumprimento – alguém, ele imaginou, tinha

evidentemente gostado de sua pintura a ponto de roubá-la –, Freud

hesitou. “Oh, acha mesmo isso?”, disse ele. “Não tenho certeza se

concordo. Acho que alguém ali gosta mesmo é do Francis.”


TREZE ANOS DEPOIS do roubo do retrato de Bacon, a Tate, que era

proprietária da obra e a havia emprestado a Berlim, estava se preparando

para uma grande retrospectiva da obra de Freud. A essa altura, o pintor

estava com 79 anos e trabalhando num retrato da rainha, maior do que o

quadro de Bacon mas ainda assim pequeno o bastante a ponto de caber

numa caixa de sapato (que era exatamente onde ele o guardava,

escondido debaixo de uma cama, entre as sessões de pintura). Freud

também corria contra o tempo para terminar um retrato da top model

Kate Moss, que estava grávida e com uma barriga maior a cada dia.

Outros temas incluíam seu filho Freddy, que ele pintou, em tamanho

natural, nu, de pé num canto de seu estúdio em Holland Park; sua

amante, a jornalista Emily Bearn; David Dawson, seu assistente no

estúdio, com seu cão dócil mas intenso, Eli. Trabalhando com afinco,

Freud tinha a sensação de que essa seria a última grande exposição que

faria ainda em vida. Naturalmente, tanto ele como a galeria queriam

apresentar a melhor amostragem possível de sua obra. O retrato de

Bacon era fundamental: Freud o pintara sentado face a face com Bacon

durante um período de três meses em 1952. Era uma de suas primeiras

pinturas – certamente a melhor até aquele momento – a transmitir não

só a impressão de extrema intimidade, mas também, ao mesmo tempo,

uma espécie de objetividade implacável – qualidades que se tornariam a

marca registrada de sua arte madura. Ela constituía um ponto de inflexão

vital. Também estabelecia uma ligação entre sua obra inicial, a maior

parte dela juvenília, e a imponente obra posterior.

E se, tantos anos depois do roubo, o retrato pudesse de alguma forma

ser recuperado?

Uma campanha publicitária foi planejada. Havia motivos para pensar

que daria certo. Isso só veio à tona depois que o planejamento para a

campanha começou – segundo a lei alemã, crimes desse tipo prescrevem

depois de doze anos. Logo, a esperança era que o ladrão – ou ladrões –


pudesse ser incentivado a devolver a pintura sem ter medo de ser

penalizado.

Andrea Rose, do British Council, e seu marido, William Feaver,

amigo de longa data de Freud e curador da retrospectiva, tramaram

juntos uma ideia: um pôster no estilo PROCURA-SE arrojado e chamativo.

Freud adorou, e imediatamente fez um projeto. O pôster acabado [ver

fig. 1] tinha a palavra WANTED [procura-se] em grandes letras vermelhas,

e STOLEN [roubado] em letras menores abaixo. No meio, no lugar do

usual retrato do suspeito, havia uma reprodução do retrato roubado de

Bacon em preto e branco. Havia também uma generosa recompensa: 300

mil marcos alemães (cerca de 150 mil dólares). A ideia, disse Freud, era

“que ficasse absolutamente simples, como aqueles cartazes de faroestes

de que sempre gostei muito”.

O projeto concluído do pôster, baseado no esboço inicial de Freud,

acrescentava um breve texto explicativo em alemão e um número de

telefone. A imagem da pintura era em preto e branco. Desde o

desaparecimento do retrato, Freud nunca permitira que fosse

reproduzida em cores – “em parte”, explicou, “porque não havia

reprodução em cores decente, em parte como uma espécie de luto … Eu

achava que era um equivalente bem-humorado de uma braçadeira preta.

Sabe – não está mais lá”. Dois mil e quinhentos pôsteres foram

impressos e espalhados por toda Berlim. Também foram extensamente

reproduzidos em jornais e revistas. Freud chegou a dar uma declaração

excepcionalmente deferente na imprensa: “Será que a pessoa que está

com a pintura consideraria emprestá-la para minha exposição em

junho?”
Fig. 1. Lucian Freud, pôster WANTED, 2001 (litografia em cores).

O pôster, a campanha na mídia, o pedido escrupulosamente polido…

nada disso surtiu efeito. A retrospectiva na Tate prosseguiu sem o

retrato. A campanha pode ter falhado, mas por um bom tempo Freud

deixou o pôster pendurado num local de destaque na entrada de seu

estúdio. Era a última coisa que ele via antes de entrar a cada dia e descer

para o trabalho.

ROUBOS DE ARTE SEMPRE causam perplexidade. Mesmo quando deixam

indícios valiosos, o que na verdade é deixado, o cerne da questão, é

sempre uma ausência. Todas as pinturas importantes têm uma aura, que
em parte deriva de sua singularidade. Só existe uma única Tempestade

no mar da Galileia de Rembrandt. Só existe um O concerto de Vermeer.

Só existe um Chez Tortoni de Manet. Todos estes foram roubados do

Isabella Stewart Gardner Museum em Boston, e sua ausência, um quarto

de século depois, ainda é indicada por molduras vazias nas paredes do

museu, como se a aura pudesse de alguma forma existir mesmo sem as

próprias pinturas.

Quando a pintura em questão é um retrato – sobretudo se for bom –,

sua aura, sua quididade especial, é acentuada. A singularidade da

imagem é acompanhada, e aprofundada, pela singularidade da pessoa

retratada. De modo que um retrato roubado pode chegar a se tornar uma

espécie confusa de dupla perda. Há um esforço para orquestrar sua

devolução, mas o que exatamente se quer que seja devolvido? A pintura?

Ou versões mais antigas das duas pessoas envolvidas – o modelo, é

claro, mas também o próprio pintor?

Em seus retratos, Lucian Freud sempre pareceu determinado a tratar

esses dois tipos de singularidade como uma coisa só. “Minha ideia do

retrato”, disse ele certa vez, “veio da insatisfação com os retratos que se

pareciam com as pessoas. Eu queria que meus retratos fossem de

pessoas, não parecidos com as pessoas. Que não tivessem a aparência

dos modelos, mas fossem eles próprios.” Era como se ele estivesse

decidido a reencenar o mito de Pigmaleão, o artista que se apaixonou

pela escultura que talhou.

Qual foi, então, a intensidade da perda do retrato de Bacon, que um

crítico, Lawrence Gowing, descreveu como exercendo “o feitiço

paralisante de uma imagem que é equivalente à própria coisa”?

Freud não tinha papas na língua. Detestava ilusões e tinha pouca

disponibilidade para sentimentalismos. Costumava dizer que não se

importava com o destino de seus quadros. Mas com este ele se importou
muito. Como qualquer coisa, era uma questão de qualidade. Esse retrato

pequeno e aparentemente convencional era arrebatador. E ele sabia

disso.

Mas sua perda significou muito para ele por outra razão, mais

pessoal (embora seja uma razão em todos os aspectos relacionada à

qualidade da pintura). Representava, muito simplesmente, o

relacionamento mais importante de sua carreira.

QUANDO JOVEM, Freud era temperamental, ardente e imprevisível, tinha

atração pelo perigo e, para a maioria das pessoas que o conheceram, era

extremamente atraente. Sua famosa família havia contado com a

intercessão de pessoas de alto escalão para fugir da Alemanha de Hitler

em 1933. Quando chegou à Inglaterra, ele tinha oito anos de idade.

Falava inglês, mas sem segurança, e ficava muito tempo sozinho.

Selvagem e reservado, tinha um lado alegre, quase popular, e uma forte

aversão às expectativas das outras pessoas. Foi enviado com seus irmãos

a um internato progressista – Dartington – em Devon. Mas o

comparecimento às aulas era facultativo, e Freud as evitava. Gostava de

dormir nos estábulos com os cavalos. De manhã, ele montava os mais

ariscos, de modo a exauri-los para quem os montaria mais tarde.

Posteriormente, disse que seus primeiros sentimentos amorosos foram

dirigidos ao cavalariço, e preencheu seus primeiros cadernos de desenho

com retratos de cavalos e de garotos montando, beijando e na maior

parte das vezes venerando os cavalos.

Para esse menino vivaz e esbelto, que só obedecia a seus próprios

impulsos e não tinha absolutamente nenhum interesse em trivialidades

sociais, os animais eram uma companhia mais íntima e receptiva do que

os humanos. Em 1938, em Bryanston, uma escola em Dorset onde,

quatro anos antes, um acampamento anglo-germânico de jovens fora


montado com o intuito de dar ensejo a ligações entre os escoteiros e a

juventude hitlerista, Freud foi expulso por baixar as calças e expor o

traseiro numa rua em Bournemouth. Ele gostava de desenhar. Quando

tinha dezesseis anos, seus pais o matricularam na Central School of Art

(foi admitido depois de apresentar uma escultura de um cavalo de três

pernas entalhado em arenito), mas ele desistiu depois de apenas dois ou

três períodos letivos, entediado pelo método rígido da escola. Seus

desenhos eram duros, fantasiosos, infantis, com linhas angulosas

cruzando a página como rachaduras no gelo. Foi só quando se

matriculou, em 1939, na East Anglian School of Painting and Drawing,

em Dedham, Essex, a informal e acolhedora escola de arte dirigida por

Cedric Morris e Arthur Lett-Haines, que encontrou um ambiente onde

se sentiu bem. A estranha e intensa maneira de pintar de Morris – tão

deliberadamente desprovida de virtuosismo que sugere uma espécie

perversa de orgulho – teve enorme influência sobre Freud.

Freud tinha dois irmãos, mas era o preferido da mãe – e sabia disso.

Quando jovem, agia sempre da mesma maneira: com talento e

impunidade, mas também com a ternura e a sensibilidade de quem se

sabe adorado pela mãe. “Gosto da ideia anárquica de vir de lugar

nenhum”, disse certa vez. “Mas acho que isso é provavelmente porque

tive uma infância bastante sólida.”

O efeito do jovem Freud sobre as pessoas à sua volta era notável. A

conexão de sua família com o fundador da psicanálise sem dúvida

aumentava seu fascínio, sobretudo durante o auge do surrealismo na

Grã-Bretanha (o surrealismo surgiu justamente das teorias de Freud

sobre o inconsciente). Mas o efeito que ele exercia sobre a maioria das

pessoas não era social, muito menos intelectual: era visceral. Lawrence

Gowing reconheceu uma “cautela controlada, uma perspicácia na qual

se poderia imaginar veneno”. John Richardson, o historiador da arte que

veio a ser o biógrafo de Picasso, divertia-se vendo Freud incomodado


com a atenção que seu exibicionismo provocava. John Russell,

entretanto, o comparava a Tadzio, o jovem objeto de paixão no romance

de Thomas Mann Morte em Veneza: “Ele era o adolescente magnífico

que parecia, por sua própria presença, não só simbolizar a criatividade,

mas afastar a peste … Dele, tudo se esperava.”

Ainda adolescente, Freud conheceu o poeta Stephen Spender por

meio de um amigo, Tony Hyndman, que era amante de Spender.

Quando, em 1936, Spender decidiu se casar com Inez Pearn, Hyndman

alistou-se nas Brigadas Internacionais e foi para a Espanha lutar na

Guerra Civil. Spender o seguiu até lá para resgatá-lo de uma acusação de

deserção. E, embora sua missão tenha sido bem-sucedida (Hyndman

poderia ter sido executado), acabou com seu casamento. No começo do

ano seguinte, 1940, Spender visitou Freud e seu colega do curso de arte

David Kentish a convite de Freud, no norte do País de Gales. Os dois

adolescentes estavam passando o inverno desenhando e pintando num

pequeno e isolado chalé em Capel Curig. Spender, que havia lecionado

para os dois rapazes em Bryanston, tinha acabado de publicar um

romance, The Backward Son, e estava em vias de criar a revista literária

Horizon com Cyril Connolly e Peter Watson. Trouxe consigo uma

boneca da publicação, que Freud, desenhando à luz de lampião,

começou a preencher com desenhos grotescos no veio “alegre, popular”

que Spender tanto admirava em W.H. Auden – e que Freud por sua vez

admirava em Spender. “Ele pinta o dia todo e eu escrevo”, Spender

contou numa carta. “Lucian é a pessoa mais inteligente que já encontrei

desde que conheci Auden em Oxford, acho. Ele parece Harpo Marx e é

muito talentoso – e também inteligente, acho.”

Os desenhos na boneca são cheios de piadas recorrentes e alusões

maliciosas, e equivalem ao tom das cartas trocadas entre Freud e

Spender mais ou menos na mesma época. Essas cartas, que vieram à luz

em 2015, trazem fortes indicações de que Freud e o poeta, que tinha o


dobro de sua idade, mantinham um relacionamento sexual (Freud assina

as cartas, por exemplo, com o provocante pseudônimo “Lucianos

Fruititas” e “Lucio Fruit”) – embora também seja possível que eles

estivessem apenas flertando.

Além dos desenhos anedóticos, Freud fez vários retratos e

autorretratos naquele inverno. Um autorretrato foi incluído num dos

primeiros números da Horizon naquela primavera. Apareceu no mesmo

número em que foi publicado o primeiro importante ensaio de Clement

Greenberg, “Vanguarda e kitsch”.

FREUD CASOU-SE APENAS duas vezes – ambas em seus vinte anos. Mas, no

curso de sua vida, concebeu algo próximo a treze crianças, e teve tantas

amantes que nem o mais determinado biógrafo conseguiria fazer um

relato completo. Ainda assim, aos 79 anos, insistia em que só tinha se

apaixonado duas ou três vezes. “Não estou falando de hábitos, nem de

histeria”, disse ele. “Estou falando de atenção real, completa, absoluta,

em que tudo a respeito da outra pessoa nos interessa, preocupa ou

agrada.”

Quem, perguntamo-nos, são essas duas ou três? Não é fácil dizer.

Mas a primeira namorada séria de Freud – “a primeira pessoa por quem

me entusiasmei”, como mais tarde ele colocou – foi Lorna Wishart, uma

jovem mãe de três crianças, rica, audaciosa e magnética, que foi descrita

por Peggy Guggenheim como “a mulher mais bonita que já vi”. Lorna

era onze anos mais velha do que Freud, que depois comentou que todos

gostavam dela: “Até”, acrescentou, “minha mãe.”

Lorna casou-se com o editor Ernest Wishart quando tinha apenas

dezesseis anos. Um de seus dois filhos com ele era o artista Michael

Wishart, nascido em 1928. Uma terceira criança, Yasmin, nasceu do

relacionamento com o poeta Laurie Lee, com quem Lorna teve um


longo caso antes de encontrar Freud, no final dos anos 1930 e na década

de 1940. Quando Lee partiu para lutar do lado republicano na Guerra

Civil espanhola, Lorna, conta-se, enviava-lhe notas de uma libra

umedecidas com Chanel nº 5. Michael, por sua vez, lembrou que a mãe

“muitas vezes se vestia com roupa de baile com adereços de paetês”

quando ia lhe dar boa-noite. Yasmin a descreveu como “amoral, de fato,

mas todos a desculpavam porque ela era muito generosa”.

Freud substituiu Lee nas afeições de Lorna em 1944. Ele tinha

apenas 21 anos; Lorna estava com pouco mais de trinta. O caso teve um

enorme efeito sobre o jovem artista. Lorna não só era mais velha e mais

experiente, mas era intensa, romântica e imprevisível – companhia

inspiradora para qualquer jovem. Yasmin escreveu que sua mãe era “um

sonho para qualquer artista criador porque ela os energizava. Ela era

uma musa natural, uma inspiração”.

Freud pintou Lorna duas vezes em 1945 – uma vez com um narciso,

a outra com uma tulipa. Ela comprou para Freud, de um taxidermista em

Piccadilly, uma cabeça de zebra empalhada, que se tornou uma espécie

de talismã para ele. Ele a chamava de seu “bem precioso” e a usou numa

pintura, que Lorna prontamente adquiriu em sua primeira exposição

numa galeria. A pintura era um quadro extravagante, surrealista,

mostrando um sofá rasgado, uma cartola, uma palmeira e a cabeça da

zebra (as listras pretas pintadas de vermelho) surgindo de um buraco na

parede.

Logo, entretanto, Lorna descobriu que Freud estava tendo um caso

com uma jovem atriz. Imediatamente o deixou, e, por mais que Freud

tenha tentado reconquistá-la – numa ocasião, ameaçando disparar uma

arma do lado de fora de sua casa se ela não saísse (e de fato o fez), em

outra, presenteando-a com um gatinho branco numa sacola de papel

pardo –, seus esforços foram em vão.


FREUD FOI APRESENTADO a Francis Bacon em 1945 por Graham

Sutherland, um pintor mais velho que eles. Na época, Freud estava

morando num prédio condenado em Paddington. “Eu costumava descer

e encontrar [Sutherland] em Kent”, disse ele em 2006. “Sendo jovem e

sem nenhum tato, perguntei: ‘Quem você acha que é o melhor pintor na

Inglaterra?’; é claro que ele achava que era ele, e estava começando a ser

visto como tal. Ele disse: ‘Oh, alguém de quem você nunca ouviu falar.

É o homem mais extraordinário. Passa o tempo jogando em Monte

Carlo, e de vez em quando volta para cá. Se faz um quadro, geralmente o

destrói’, e assim por diante. Ele me pareceu interessante. Então escrevi a

ele, ou dei um telefonema, e foi assim que o conheci.”

Sutherland não estava errado: Bacon, que tinha pouco mais de trinta

anos, estava em franca ascensão naqueles anos. Ele devia se sentir

atormentado, como mais tarde confessou, pela insegurança. Mas estava

produzindo pinturas que já o haviam destacado dos outros. Perturbadas

e perturbadoras, eram obras em que observadores perspicazes viram

algo quase réptil despertando para a vida, de modo ameaçador.

Na realidade, de acordo com o biógrafo William Feaver, eles devem

ter se visto pela primeira vez num encontro marcado na estação Victoria,

em Londres, a caminho de Kent para um fim de semana com os

Sutherland. É engraçado tentar imaginar os dois numa viagem de trem.

Criaturas exóticas, ambos. Freud com sua prontidão fora do comum, seu

ar descompromissado, sua mistura de timidez com teatralidade. Bacon

malicioso e irônico, sua franqueza brutal de algum modo a serviço de

seu charme ainda mais devastador. A guerra ainda não tinha acabado. E

a presença ambivalente de Sutherland, encorajadora mas intimidadora,

pairava edipicamente sobre o encontro.

Os dois tinham aparência impressionante: Bacon com a bochecha

proeminente, mas bem-apessoado; o rosto de Freud mais fino, pontudo,

com um nariz aquilino, lábios delicados e cabelos desgrenhados. Olhos


incríveis, os quatro – todos comentavam isso. Freud já era, nesse estágio,

objeto de interesse entre um bando de poetas, escritores e artistas gays

mais velhos, entre os quais Spender e Watson e os pintores Cedric

Morris e Arthur Lett-Haines, seus professores na East Anglian School

em Dedham. Esses homens, e outros como eles, foram os grandes

responsáveis pelo apoio de jovens artistas não convencionais na

Inglaterra durante os anos de guerra e imediatamente após. O

relacionamento de Freud com eles, e com muitos homens gays ou

bissexuais de sua geração – incluindo Wishart, John Minton, Cecil

Beaton e Richardson –, era íntimo, curioso e solidário.

Assim, talvez houvesse algo sexual no ar. Mas como era a conversa?

Era reservada, hesitante, com certa competitividade? Ou uma forma

inocente de sedução, no contexto de uma viagem que era essencialmente

uma diversão? Não sabemos as respostas a essas perguntas. Ambos

estão mortos. Foi um erro, poderíamos pensar, não ter perguntado –

perguntado mais, perguntado de novo. Mas talvez aqueles que

perguntaram tenham logo descoberto que esse, na realidade, foi o erro.

Em tantos aspectos, afinal, foi precisamente a inabilidade para saber,

para verdadeiramente definir o caráter, a motivação, o sentimento ou o

status social – todas as qualidades sobre as quais o retrato tradicional

por séculos se baseou –, que logo se tornou a premissa a partir da qual

os dois artistas começaram a trabalhar.

O que quer que tenha acontecido, cada um encontrou algo no outro,

algo muito atrativo. Três décadas depois, não estavam mais se falando.

Mas agora começavam a se ver quase diariamente.

DOIS ANOS DEPOIS da separação de Freud de Lorna Wishart, ela foi

magnânima o bastante para apresentá-lo a sua sobrinha, Kitty, filha do

escultor Jacob Epstein. Kitty tinha os mesmos grandes olhos da tia, mas
não sua segurança e vivacidade. Era tímida, o que fazia parte daquilo

que Freud, que também tinha um temperamento tímido, evasivo, gostava

nela. Tornaram-se namorados e se casaram em 1948, o mesmo ano em

que tiveram a primeira filha, Annie. Moraram juntos em St. John’s

Wood, em Londres, a oeste do Regent’s Park. A casa ficava a meia hora

de caminhada da casa anterior de Freud em Delamere Terrace, onde

agora ele instalara seu estúdio.

Esse arranjo facilitou a propensão crescente em Freud à

complexidade amorosa. Ainda casado com Kitty, ele começou um caso

intermitente, mas longo, com a pintora Anne Dunn, filha do magnata

canadense do aço Sir James Dunn. Ela posou para um retrato em 1950,

ano em que estava se preparando para casar com Michael Wishart, filho

de Lorna. Organizou-se uma festa para comemorar o casamento. Uma

festa que durou três noites, tornou-se posteriormente lendária e foi

lembrada por David Tennant como “a primeira festa de verdade desde a

guerra”. Wishart, o noivo, era então viciado em ópio. Em suas

memórias, High Diver, ele lembrou que a sala em South Kensington

onde a festa de casamento aconteceu era “cavernosa” e “quase sem

mobília”, com “tecidos estampados deselegantes e sofás e divãs de

veludo”. Tinha, como escreveu, “um ar de grandeza diminuída, uma

certa sensação desolada de esplendor eduardiano em decadência”.

John Richardson, que estava lá, lembrou-se do evento como uma

“festa de debutantes para um novo tipo de boêmia”. Entre os

convidados, escreveu, estavam “membros do Parlamento e alunos da All

Souls [a faculdade de Oxford], bem como ‘michês’, debutantes com

aspecto vulgar, travestis”. Wishart se gabou de que “compramos

duzentas garrafas de Bollinger para duzentas pessoas, e logo tivemos

que mandar comprar mais pois a quantidade de penetras aumentou feito

uma bola de neve … Aluguei cem cadeiras douradas e um piano.

Dançamos três noites e dois dias”.


Para Freud, o que tornava o casamento diabolicamente complicado

não era apenas que o noivo fosse o filho de Lorna, ou que ele agora

estivesse casado com a sobrinha de Lorna, Kitty, e ao mesmo tempo

tendo um caso com a noiva, Anne Dunn, mas o fato de que ele e Michael

Wishart, que haviam compartilhado moradia em Londres quando eram

adolescentes e depois em Paris após a guerra, tinham tido um

envolvimento amoroso. Portanto, encontrando-se na posição incomum

de ter se envolvido sexualmente não só com a noiva, mas também com o

noivo e a mãe do noivo, não surpreende que Freud tenha optado por não

participar das festividades. Segundo Anne, ele estava com ciúmes – e

não só dela. No entanto, Kitty foi para ele seus olhos e ouvidos, e

durante a festa ela foi vista por outros convidados indo ao telefone para

lhe contar as novidades.

A festa foi na casa de Bacon, que morava ali – um outro arranjo

incomum – com seu amante mais velho, Eric Hall, e Jessie Lightfoot,

uma mulher idosa que fora sua babá quando criança. O apartamento

ficava na Cromwell Place, em South Kensington, no térreo de um

edifício que outrora fora a casa do pintor John Everett Millais. Bacon

usava o amplo espaço nos fundos do apartamento – que tinha sido uma

sala de bilhar – como estúdio. O mesmo espaço também fora usado

como estúdio por outro ocupante anterior, o fotógrafo E.O. Hoppé. Uma

figura-chave na transição da fotografia pictorialista de foco suave para o

modernismo de foco nítido, Hoppé era um emigrado de Munique que se

tornou o melhor retratista fotográfico da Londres eduardiana. Ele

também fazia cenários para teatro. Diversos acessórios de estúdio, que

incluíam cortinas, um guarda-chuva fotográfico preto e um grande

estrado, todos usados por Hoppé para fazer seus retratos magníficos,

lisonjeiros, das beldades e dos grandes homens da sociedade, tinham

permanecido no local, e agora eram acessórios para os retratos em estilo

muito diferente feitos por Bacon.


Foi nesse estúdio que Freud viu o trabalho de Bacon pela primeira

vez – em específico, uma pintura, concluída pouco antes, chamada

simplesmente Pintura [Painting] [ver prancha 2]. Meio século depois,

Freud ainda se lembrava do acontecimento. Referia-se a ela como

“aquela [pintura] absolutamente maravilhosa, aquela com o guarda-

chuva”.

Era de fato a realização mais deslumbrante de Bacon até então.

Numa sala de tom rosa-carne com persianas roxas abaixadas, um

homem vestido de preto está sentado diante de uma carcaça de carne

pendurada, sob a sombra escuríssima de um guarda-chuva. O guarda-

chuva obscurece tudo, exceto seu queixo e sua boca, que está aberta para

revelar uma fileira inferior de dentes retos e um lábio superior

descarnado e ensanguentado. Embora o manejo da tinta seja amplo, a

composição é salpicada de detalhes bem particulares: a flor amarela

presa no peito do homem abaixo do colarinho branco; o tapete oriental a

seus pés, representado com uma espécie de brio pontilhista manchado; o

trilho semicircular que cria um espaço que lembra uma arena. (Bacon,

que era extremamente teatral, usaria esse recurso repetidas vezes nas

décadas seguintes.)

Freud nunca esqueceu essa pintura.

A INFÂNCIA DE BACON foi muito diferente da de Freud. Nascido em

Dublin em 1909, era o segundo de cinco filhos. Como Freud, tinha um

ancestral famoso – o chanceler e filósofo elisabetano cujo nome herdou.

Seu pai, Eddy Bacon, era um capitão aposentado do exército. Eddy

lutara com a Infantaria Leve de Durham nos estágios finais da Guerra

dos Bôeres. Participou de quatro meses de ação e foi condecorado com

uma Medalha da Rainha. Saiu do exército pouco antes de seu casamento

com Winnie Firth, cuja família, de Sheffield, havia feito fortuna com o
aço; mas continuou a se intitular “Capitão Bacon”. Era tido como

genioso, um provocador de polêmicas com temperamento puritano. O

álcool era banido da casa, mas ele se permitia apostar nas corridas de

cavalo, nas quais raramente obtinha sucesso. Dirigia o lar segundo linhas

militares.

Francis passou longos períodos da infância com sua avó materna,

Margaret Supple, em County Laois. Mas, quando estava com os pais – e

apesar de uma asma crônica e severa –, era obrigado a montar um pônei

em qualquer oportunidade. Por muitos dias depois, ele ficava acamado,

com dificuldade para respirar. Com a intenção de fazer de seu filho

doente “um homem”, o Capitão Bacon costumava pedir aos cavalariços

sob suas ordens que o chicoteassem. E ele também ficava observando –

ou era o que Bacon dizia. (Grande parte desse período de sua vida só é

conhecido por seu próprio testemunho, que tende a enfatizar a crueldade

e o drama, possivelmente em detrimento da veracidade.) Bacon gostava

de seguir os passos desses mesmos cavalariços – “Eu simplesmente

gostava de estar perto deles”, disse –, e no começo da adolescência teve

suas primeiras experiências sexuais com eles.

Pouco antes de seu aniversário de quinze anos, Bacon foi mandado a

um colégio interno em Cheltenham. Nessa época, ele parece ter

desenvolvido uma tendência a se vestir com trajes femininos. Um ano ou

dois depois, seu pai o pegou admirando-se no espelho com roupas de

baixo de sua mãe. Teve uma explosão de ódio e expulsou o filho de casa.

Humilhado, rejeitado e certamente confuso (mais tarde ele declarou que

quando era adolescente havia nutrido sentimentos eróticos por seu pai,

também), Bacon fugiu para Londres e acabou sendo mandado para

morar com um primo mais velho, que o levou a Berlim. Encarregado de

submeter o rapaz a uma disciplina rígida, esse novo guardião – um

criador de cavalos de corrida, como Eddy – revelou-se bissexual. Ele


também era, conforme disse Bacon a John Richardson, “absolutamente

depravado”.

DEPOIS DE BERLIM, Bacon, ainda adolescente, passou um ano e meio em

Paris, e foi lá que começou a encarar a arte seriamente. Viu filmes e

muitas exposições. Uma mostra que o impressionou em particular foi

uma exposição dos desenhos neoclássicos de Picasso, inspirados por

Ingres, na galeria de Paul Rosenberg. Ficou imediatamente impactado

pelo multifacetado espanhol – segundo Richardson, “o único artista

contemporâneo cuja influência ele sempre reconheceria”.

Quando voltou a Londres em 1928, Bacon lançou-se numa breve

carreira como designer de interiores, desenhando móveis e tapetes com

veia modernista. Morava com sua antiga babá, Jessie Lightfoot – uma

mulher que significava mais para ele que sua própria mãe. Nanny [babá]

Lightfoot era um suporte emocional – a única presença constante em sua

vida. Ela passava a maior parte do dia tricotando nos fundos do estúdio

de Bacon, e ao que parece dormia noites inteiras na mesa da cozinha.

Era quase cega. No entanto, no sentido mais amplo, olhava por Bacon.

Ajudava-o a cozinhar. Nenhum dos dois tinha uma fonte regular de

renda, e ela não era contra pequenos furtos se a situação o exigisse

(embora na maior parte das vezes se restringisse a providenciar

cobertura para os furtos de Bacon). Também o ajudava a organizar

sessões de roleta – que eram totalmente contra a lei. O dinheiro que

ganhavam com isso nem sempre era suficiente para bancar o

abastecimento pródigo das festas, mas ainda assim era útil. Montando

guarda à única toalete, Nanny Lightfoot extorquia generosas gorjetas dos

jogadores que chegavam com as bexigas cheias.

Também era uma guardiã para a vida amorosa de Bacon: usando

“Francis Lightfoot” como pseudônimo, Bacon espalhava anúncios


oferecendo seus serviços como “acompanhante de cavalheiros” nos

classificados do jornal The Times (que naquela época apareciam na

primeira página). As respostas “pipocavam”, segundo o biógrafo de

Bacon, Michael Peppiatt. Era Nanny Lightfoot quem fazia a seleção, e

seus critérios eram antes de tudo financeiros.

Um desses cavalheiros foi Eric Hall. “Bastante severo e de ótima

aparência”, como Freud recordou, era um homem de negócios dinâmico

e um gourmet, além de ser também juiz de paz, conselheiro municipal e

diretor de uma orquestra sinfônica de Londres. Tinha mulher e família,

mas, depois de anos de convivência com Bacon e sua babá, optou por

unir-se a eles numa base mais permanente.

Em 1933, Bacon havia pintado um quadro, Crucificação

[Crucifixion], baseado na pintura de Picasso Três dançarinas, de 1925.

Mas sua recepção foi fraca, e Bacon ficou desiludido. Assim, em quase

toda a década seguinte, pintou apenas ocasionalmente, experimentando

aspectos do surrealismo, do pós-impressionismo e do cubismo. Quando

chegou a guerra, foi considerado inapto para o serviço, mas alistou-se

como voluntário para o serviço de resgate da Air Raid Precautions. Foi

dispensado quando a poeira emitida pelo bombardeio de Londres

desencadeou nele uma severa crise de asma. Hall o levou para fora da

cidade por algum tempo, e, num chalé em Hampshire, ele trabalhou

numa pintura baseada, muito remotamente, numa fotografia de Hitler

saindo de seu carro num comício nazista. A pintura já não existe, mas,

para Bacon, a fórmula – pintar imagens portentosas inspiradas

indiretamente por fotografias – foi uma espécie de salto inovador.

Em 1943, Hall alugou o apartamento no piso térreo do edifício na

Cromwell Place. Foi lá que Freud viu Pintura pela primeira vez.
A PARTIR DE 1945, Freud ia muitas vezes à tarde ao estúdio de Bacon na

Cromwell Place. Também o visitava regularmente no Soho. Freud tinha

22 anos quando se conheceram; Bacon, 35. Agora ele pintava

furiosamente, e o que se passava em seu estúdio surpreendeu Freud.

Bacon estava tirando o modernismo britânico de seu passado

complacente, literário, neorromântico e o ajustando a um novo mundo

lacerado pela guerra, esvaziado pela futilidade.

O próprio Bacon também deve ter ficado quase igualmente surpreso.

Havia chamado certa atenção dentro dos pequenos círculos de arte

provincianos da Grã-Bretanha, mas ninguém se impressionara demais.

Foi só em 1944 – o ano anterior a seu primeiro encontro com Freud –

que ele chegou a algo estranho e perturbador com um tríptico que

intitulou Três estudos de figuras ao pé de uma crucificação [Three

Studies for Figures at the Base of a Crucifixion]. As figuras em questão

eram formas hediondas, corcundas, cabeças calvas com bocarras

abertas, olhos vendados ou inexistentes, pescoços compridos e pernas

afiladas. O quadro foi exposto no ano seguinte numa mostra coletiva na

Lefevre Gallery, em Londres – a mesma galeria em que Freud tinha feito

sua primeira exposição individual no ano anterior.

Parte do que distinguia Bacon era sua imaginação receptiva não só

aos intrépidos modernistas importados do continente como a todo um

novo banco de imagens fornecido pela fotografia e pelo cinema. Depois

de assistir ao Encouraçado Potemkin, de Eisenstein, e a Metrópolis, de

Fritz Lang, em Berlim, e de ver as fotografias stop motion de Eadweard

Muybridge de humanos e animais em movimento, ficou obcecado pela

velocidade e descontinuidade desses meios modernos, e especialmente

pelo modo como o cinema e a fotografia sugeriam perda, ruptura e

morte. Muito do que ele tentou fazer deu errado – parecia desajeitado,

forçado ou mal desenhado –, e foi destruído. Mas ao menos ele estava

confiante.
Freud estava estupefato – tanto pela atitude de Bacon com sua obra

como pelas imagens que ele trazia. “Às vezes”, disse ele, “eu passava

por lá de tarde e [Francis] dizia: ‘Fiz algo realmente extraordinário hoje.’

E ele tinha feito tudo naquele mesmo dia. Curioso … Às vezes ele

retalhava as telas. Ou dizia que estava exasperado e sentia que não eram

boas, e as destruía.”

Bacon descreveu Pintura como “uma série de acidentes amontoados

um sobre o outro”. “Se alguma coisa funciona no meu caso”, disse em

outra ocasião, “funciona a partir do momento em que, conscientemente,

não sei o que estou fazendo.”

É FÁCIL IMAGINAR o efeito arrebatador que esse tipo de conversa causou

em Freud. Seu próprio trabalho, apesar de tantos aspectos fascinantes,

ainda era da ordem da juvenília. Ele vinha pintando retratos e naturezas-

mortas, ou combinações dos dois. Estudos complexos de objetos

assimétricos – humanos e animais, vegetais e inanimados –, todos

submetidos a seu escrutínio intenso e predador. Seu desenho estava

ficando meticuloso e estilizado. A inabilidade divagante e vivaz de seus

anos de adolescência estava em processo de ser disciplinada.

Recentemente, passara a fazer uso de um cuidadoso cruzamento de

hachura e pontilhado, ambos derivados das técnicas da gravura. Uma

calma clássica, reminiscente de Jean-Auguste Dominique Ingres, pintor

do século XIX, e reforçada pela atenção minuciosa às dobras e padrões

das roupas, se apoderara de sua linha. Ele estava jogando, também, com

efeitos incomuns de luz: reproduzindo cada depressão, por exemplo, da

casca de uma tangerina verde iluminada por trás. Fazia desenhos de

meninos vestindo paletós com echarpes ou gravatas, de olhos grandes e

saltados. Representava o cabelo fio por fio. Sua pintura mais poderosa

era uma natureza-morta de um pássaro morto – uma garça estirada numa


superfície plana, cada pena de sua plumagem desgrenhada fornecendo

seu tom particular de cinza.

Como poderia não ficar fascinado pela abordagem arriscada, teatral,

de Bacon? Ou por sua completa falta de sentimentalismo em relação a

seus próprios esforços? “Percebi imediatamente”, disse Freud muito

tempo depois, “que seu trabalho tinha uma relação imediata com a

maneira como ele sentia a vida. O meu, por outro lado, parecia muito

elaborado. Isso porque, para mim, era um esforço extraordinário fazer

qualquer coisa … Francis, por outro lado, tinha ideias que concretizava e

depois destruía e depois concretizava de novo. Era sua atitude que eu

admirava. O modo como ele era completamente cruel com seu próprio

trabalho.”

Igualmente importante era o amor visceral de Bacon pela tinta a

óleo. Ele manejava a tinta com uma veemência que não tinha nada a ver

com o preenchimento cuidadoso dos espaços definidos pelas linhas no

trabalho de Freud nesse estágio. Havia algo fortuito e erótico nisso. E

havia o compromisso de Bacon. “Ele era extraordinariamente

disciplinado”, recordou Freud. Durante dias e às vezes semanas, ficava à

toa. Mas, quando chegava a hora de criar – geralmente na iminência de

uma exposição –, ele se fechava em seu estúdio e trabalhava sem

interrupção.

MAS O QUE AFETOU Freud tão fortemente quanto o trabalho de Bacon foi

sua atitude em relação à vida em geral. Ele era expansivo, generoso,

tinha uma maneira de lidar com as pessoas e situações que foi uma

revelação para Freud. “Seu trabalho me impressionou”, disse ele, “mas

sua personalidade me afetou.”

Quando lhe perguntaram o que o surpreendeu em Bacon quando se

conheceram, a resposta de Freud foi carinhosa e engraçada. “Realmente


admirável”, disse ele, enrolando os erres no fundo da garganta (uma

reminiscência de sua educação em Berlim). “Vou lhe dar um exemplo

simples: eu brigava muito. Não porque gostasse de brigar, mas porque as

pessoas me diziam coisas para as quais eu achava que a única resposta

era a violência. Se Francis estava lá, ele dizia: ‘Você não acha que

deveria tentar cativá-los?’ E eu pensava: ‘Bem…!’ Antes disso, nunca

havia de fato pensado sobre meu ‘comportamento’, como tal – só

pensava no que eu queria fazer, e o fazia. E muitas vezes eu queria bater

nas pessoas. Francis não era nem um pouco didático. Mas poderíamos

dizer que, se você é adulto, bater em alguém é um grande defeito, não é?

Quero dizer, devia haver alguma outra maneira de lidar com isso.”

Os dois agora eram próximos. Mas havia outros artistas, tão

importantes em muitos outros sentidos – entre os quais Frank Auerbach,

o amigo e confidente de longa data mais próximo de Freud. Logo após a

guerra, a atmosfera era vibrante e permissiva: “De certa maneira ela era

sexy, a Londres semidestruída”, recordou Auerbach. “Havia uma

sensação curiosa de liberdade porque todos que estavam vivendo ali

haviam escapado da morte de alguma maneira.” (Como Freud, Auerbach

nasceu em Berlim, mas não teve tanta sorte; seus pais morreram num

campo de concentração em 1942, três anos depois de o enviarem com

segurança à Inglaterra.) Eles todos se encontravam à noite no Soho,

saltando entre os refúgios favoritos, topando uns com os outros, em

geral mais por acaso do que intencionalmente. Havia o Wheeler’s, o

restaurante favorito de Bacon. Havia também o Gargoyle Club, na

esquina da Dean Street com a Meard. Ele tinha um salão de dança, um

salão de fumar, um salão para café e uma atmosfera (segundo seu

cronista David Luke) de “mistério banhado de suave erotismo”. Henri

Matisse havia desenhado alguns dos interiores; outros eram em estilo

mouro, com as paredes cobertas de fragmentos de espelho. Na frente do

Gargoyle, ainda na Dean Street, estava o Colony Room, também


conhecido como Muriel’s, por conta do nome do proprietário, Muriel

Belcher. Era uma pequena sala no alto de uma escadaria decrépita – o

tipo de lugar, como lembrou Daniel Farson, amigo de Bacon, “onde não

se podia ter muito por dez tostões, mas onde se podia ter um monte por

nada”. Esses eram os lugares onde os homens e as mulheres iam beber,

conversar e dançar entre sessões de pôquer ou roleta. A pintura não era

muito discutida ali.

Freud muitas vezes deixava esses locais no começo da noite e

voltava a seu estúdio para trabalhar com um modelo pré-agendado – ele

gostava de trabalhar à noite. Bacon permanecia, às vezes até de manhã.

Seus hábitos de trabalho compulsivos eram menos estruturados que os

de Freud.

Freud ficava encantado pela maneira como Bacon agregava pessoas

ao seu redor, derramando seu charme, que parecia ter algo de vulcânico

e indiscriminado. Qualquer que fosse a companhia em que ele estivesse,

lembrou Freud, Bacon “conseguia levar as pessoas a falar de uma

maneira extraordinária. Ele se dirigia a estranhos – um homem de

negócios vestido de terno, por exemplo – e dizia: ‘Não faz sentido ser

tão quieto e esnobe. Afinal, só vivemos uma vez e deveríamos poder

falar de tudo. Diga-me, quais são suas preferências sexuais?’ Não raro,

em tais casos o homem se juntava a nós para almoçar, e Francis o

encantava e o fazia ficar bêbado, e de algum modo mudava um pouco

sua vida. Obviamente, não é possível extrair coisas que não são parte da

pessoa – mas eu me surpreendia com o que havia nelas!”. Os modos

sociais de Freud eram diferentes. Ele tinha um dom para conversas

íntimas e para atos surpreendentes. Mas era muito menos extrovertido

do que Bacon. Tinha um quê de misterioso.

Freud se atraía, também, pela derrisão de Bacon, suas ousadas e

muitas vezes hilárias expressões de escárnio e desprezo. Mais tarde diria

que Bacon era “a pessoa mais sábia e selvagem” que já conhecera. Os


dois adjetivos foram cuidadosamente escolhidos e expressam uma

admiração extrema. Mas foram pronunciados décadas depois, muito

tempo após a morte de Bacon. Nesse período inicial da convivência

entre os dois, a admiração de Freud não tinha uma distância reverente,

mas era íntima, viva e receptiva. Era complicada.

Inevitavelmente, a amizade entre eles despertou ciúme em Eric Hall,

que passou a detestar Freud – provavelmente, contou-me Freud, “porque

ele pensou, de maneira equivocada, que Francis tivesse algum tipo de

envolvimento comigo”.

Anne Dunn diria mais tarde que Freud “tinha uma fascinação por

Bacon como por um herói, mas não acho que isso tenha sido

consumado”. O que parece inegável é que o relacionamento não só era

intenso, mas assimétrico. Bacon tinha atração por Freud, que tinha um

modo de falar sobre arte que Bacon achava irresistível e tentava imitar.

Inseguro com sua inabilidade como desenhista, Bacon também estava

ávido por aprender o que pudesse de seu jovem amigo. Freud era “mais

engraçado e mais inteligente do que a média dos acólitos de Bacon”,

segundo William Feaver. Mas Bacon era indiferente (ou Freud assim

acreditava) a seu trabalho. (Quando lhe perguntaram se seu interesse

pelo trabalho de Bacon tinha reciprocidade por parte do amigo, Freud

respondeu: “Eu achava que ele era completamente desinteressado. Mas

não sei.”) Freud, por outro lado, uma das poucas vezes em sua vida,

estava realmente sob o domínio de outra pessoa.

A INFLUÊNCIA É erótica. Freud era jovem e certamente suscetível – pronto

para ser seduzido. No entanto, mesmo permitindo-se seguir o exemplo

de Bacon, agora se via pego numa luta para se manter fiel a seu próprio

caminho. Estava cada vez mais ciente do que os distinguia, das

diferenças entre eles em temperamento, talento e sensibilidade, que


eram quase certamente intransponíveis. Podemos detectar a

ambivalência – a cautela e a excitação nervosa – em suas reações,

recordadas muitas décadas depois: Bacon “falava de empacotar um

monte de coisas numa única pincelada, o que me divertia e empolgava”,

disse, “e eu sabia que isso estava a quilômetros de distância de qualquer

coisa que eu podia fazer”.

Havia, além disso, outro fator complicador: por muito tempo, Freud

dependeu bastante da generosidade de Bacon. Este costumava sacar um

maço de notas de dinheiro, dizendo: “Tenho muitas destas, quem sabe

você não gostaria de algumas.”

“Isso faria uma diferença completa para mim durante três meses”,

disse Freud.

A PRESSÃO SOBRE FREUD durante esses anos é fácil de imaginar,

impossível de medir. Ele sabia que Bacon estava à sua frente,

artisticamente falando. Mas isso não quer dizer que suas realizações até

aquele momento não contassem. Em muitos sentidos foi ele, e não

Bacon, o primeiro a disparar. Ele havia exposto seus trabalhos em

Londres antes de Bacon. E, embora não fosse conhecido fora de um

pequeno círculo de simpatizantes, muitas pessoas – pessoas que

importavam – vinham acompanhando-o de perto. Peggy Guggenheim,

que em seguida desempenharia um importante papel na descoberta de

Jackson Pollock, expôs alguns de seus primeiros desenhos (a mãe de

Freud, segundo Feaver, os impôs a ela) numa mostra dedicada à arte de

crianças em sua galeria de Londres, em 1938. Mais significativo,

Kenneth Clark, historiador da arte e diretor da National Gallery em

Londres, demonstrou um interesse contínuo por sua obra.

E havia Peter Watson. Herdeiro desiludido de uma fortuna

proveniente da margarina e conhecido colecionador de artistas


modernos europeus, Watson parecia, segundo um conhecido, “um sapo

se transformando em príncipe”. E também tinha um gosto por homens

jovens e bonitos. Era um dos homens mais ricos da Grã-Bretanha,

vestia-se com belos ternos transpassados e detestava a presunção e a

ostentação. Cyril Connolly, que o adorava, descreveu Watson como “o

mais inteligente, generoso e discreto dos patronos, o mais criativo dos

connaisseurs”. Sua “cura para o tédio”, escreveu Michael Wishart, “era

despertar o interesse dos jovens. Ninguém era melhor nisso”. Ele forjou

vínculos cruciais, durante o período de isolamento da guerra, entre seu

pequeno círculo de protegidos britânicos e o que se passava na Europa e

nos Estados Unidos. E cultivou e promoveu o jovem Freud.

Quando adolescente, Freud passava horas no apartamento de Watson

em Palace Gate, onde era exposto a uma coleção que incluía quadros de

Klee, De Chirico, Gris e Poussin. Watson lhe deu livros, também, um

dos quais ele guardou pelo resto da vida: Geschichte Aegyptens [História

do Egito], um livro de fotografias de antiguidades egípcias que William

Feaver descreveu como “o livro de cabeceira de Freud, seu companheiro

na pintura – sua bíblia”. Watson ofereceu-se para pagar as mensalidades

da escola de arte de Freud e encontrou um apartamento para ele.

Contudo, apesar de todo o interesse que gerou – tanto pela força

imprevisível de sua personalidade quanto por seu trabalho –, Freud não

estava produzindo, mesmo no final dos anos 1940, nenhum trabalho

revolucionário.

Bacon, sim. Salvo as poucas vezes em que posaram um para o outro,

os dois, segundo Feaver, nunca chegaram realmente a se observar

trabalhando. Mas estava claro para Freud que o método de trabalho de

Bacon era de fato a antítese do seu. Enquanto Freud dava duro em seus

retratos semanas e meses a fio, a pintura de Bacon, quando dava certo,

valia-se de uma atuação furtiva e da surpresa. Através de uma

combinação de acaso e intensa emoção – fúria, frustração, desespero –,


ele se via abrindo “válvulas de sensação”. Mas ele também descreveu

sentimentos de impotência quando pintava, desabafando que iria

“apenas pegar a tinta e fazer quase qualquer coisa para sair da fórmula

de criar algum tipo de imagem ilustrativa – isto é, só espalho a tinta por

toda a superfície com um trapo ou uso um pincel ou a esfrego com

qualquer coisa ou jogo terebintina e tinta e tudo o mais em cima para

tentar quebrar a almejada articulação da imagem, de modo que a

imagem cresça, por assim dizer, espontaneamente e dentro de sua

própria estrutura”.

Mais de trinta anos depois, quando os dois artistas haviam se

afastado, Bacon contou a um amigo: “Sabe como é, o problema com o

trabalho de Lucian é que ele é realista sem ser real.” Se a crítica foi

injusta em 1988, deve ter sido muito mais nos anos 1940 e 1950, quando

Bacon nem sequer precisava dizê-lo em voz alta: com seus métodos de

trabalho convencionais e a fidelidade às aparências, Freud

provavelmente sentia as acusações de retrocesso, de timidez, de

ingenuidade e provincianismo que emanavam de seu amigo e mentor

como uma espécie de ruído de fundo.

EM 1946, Freud foi à Paris recém-libertada, onde Watson lhe apresentou

pessoas e arranjou dinheiro. Foi apresentado a Pablo Picasso pelo

sobrinho deste, o gravador Javier Vilató. No ano seguinte, depois de um

intervalo de cinco meses na ilha grega de Poros, ele encontrou Kitty

Garman, casaram-se e Freud começou uma série de retratos de Kitty que

agora estão entre suas obras mais famosas. Alguns foram feitos a pastel,

outros a óleo. Eles têm títulos simples, astuciosamente românticos:

Garota com folhas [Girl with Leaves], Garota com casaco escuro [Girl

in a Dark Jacket], Garota com rosas [Girl with Roses] e Garota com

gatinho [Girl with a Kitten] [ver prancha 3].


Dois anos após o primeiro encontro de Freud com Bacon, essas

obras anunciam uma nova ambição em seu trabalho e uma súbita e

surpreendente intensificação da sensibilidade. Geram e de algum modo

contêm uma pressão psicológica inteiramente nova, e prefiguram o

retrato de Bacon.

Michael Wishart disse que posar para Freud era “uma experiência

comparável a se submeter a uma delicada cirurgia dos olhos. Você é

obrigado a ficar absolutamente imóvel pelo que parece uma eternidade.

[Lucian] ficava aflito se eu piscasse enquanto ele estava pintando meu

polegar”. Imagina-se que ele esteja exagerando. Mas, nos retratos de

Kitty, os inesquecíveis olhos amendoados do modelo parecem inchados

e marejados pelo esforço de não piscar. Os olhos de Kitty parecem não

só espelhar, mas também amplificar o intenso escrutínio do artista. Não

só cada cílio, como cada fio de cabelo, cada mínimo vinco no lábio

inferior, é minuciosamente representado. O resultado é uma tensão

superficial, um equivalente psicológico de um menisco esticado por toda

a superfície do quadro, que contém uma leve força latente, estranha.

“Parece impossível”, escreveu Lawrence Gowing, “que ela não estivesse

tremendo.”

O que Freud captura nesses retratos é a consciência aguda de Kitty

de estar sendo observada. Na intensidade de seu escrutínio – perceptível

sobretudo na obra-prima da série, Garota com gatinho, que mostra Kitty

esganando o gato – detectamos uma ameaça. Não uma ameaça de

violência, mas uma ameaça ao autodomínio do modelo – que é

obviamente uma definição operacional de amor.

Os retratos de Kitty são verdadeiras trocas emocionais – imagens

não só de coisas (pássaros mortos, raminhos de tojo, tangerinas verdes e

coisas do gênero), mas de relacionamentos. E estes, obviamente, nunca

são estáveis. A despeito de sua tensão perturbadora, portanto, e a

despeito da meticulosidade laboriosa de sua representação, os retratos de


Kitty foram um avanço imenso para Freud. Talvez possamos vislumbrar

neles também um pouco da tensão do próprio Freud na época – uma

tensão decorrente não só de seu relacionamento complicado com Kitty,

que logo ficaria grávida do primeiro filho do casal, mas da pressão de

tentar não ser desviado do caminho por Bacon.

BACON SAIU PARCIALMENTE da órbita de Freud em 1946. Mudou-se para

Monte Carlo. Era um lugar que ele já conhecia bem, e seria sua

residência principal durante os quatro anos seguintes. Ele e Freud se

encontravam a intervalos em Londres e Paris. Mas boa parte desse

tempo passaram separados.

Bacon adorava a atmosfera de Monte Carlo. “Tem uma espécie de

grandeza”, disse ele certa vez, “ainda que seja uma grandeza da

futilidade.” Essa grandeza, e a atividade do jogo de modo geral, se

harmonizava com a filosofia de vida de Bacon, que nas décadas

seguintes Freud adaptou avidamente a seu modo instintivo de lidar com

as coisas. “Já que a existência é tão banal”, Bacon gostava de dizer,

“você pode também tentar fazer dela um tipo de grandeza em vez de ser

acalentado até ser esquecido.” Para Freud, instintivamente, isso parecia

certo. No entanto, a grandiosidade, no final das contas, não era bem seu

estilo.

A banalidade era ubíqua nos cafés e bares da Côte d’Azur, que

Bacon frequentava na companhia de Eric Hall. Suas descrições desses

lugares os faziam parecer cenários para peças de Beckett ou Sartre:

“Depois de certo tempo, o tédio era tão extraordinário que simplesmente

nos sentávamos lá sem acreditar naquilo.” Os cassinos e hotéis de Monte

Carlo podiam ser também debilitantes. Bacon observou como a cidade

atuava como um ímã para médicos que ofereciam rejuvenescimento;


ficava admirado com “as incríveis mulheres mais velhas que faziam fila

desde a manhã à espera da abertura do cassino”.

Mas isso tudo era o que ele apreciava em Monte Carlo também.

Havia um aspecto em seus cassinos – lúridos, coreografados, teatrais,

sufocantes – do qual ele nunca se cansava. Alguns detalhes de sua

decoração, como os trilhos de metal polido em torno das mesas de

roleta, encontraram lugar em suas pinturas. Ele gostava da sensação de

perder contemplando o pôr do sol no Mediterrâneo. Gostava ainda mais

de ganhar. “Não é possível entender a tremenda tensão que tem o jogo

até estar nessa posição em que você precisa desesperadamente de

dinheiro e consegue ganhá-lo jogando”, disse ele.

FREUD NÃO PRECISOU do exemplo de Bacon para incentivar seu hábito de

jogar. Sempre foi fascinado pelo risco. “Ele atraía o perigo e desafiava a

sorte por meios que ele próprio inventava”, escreveu um velho amigo.

Por exemplo, havia em seu estúdio uma grande mesa feita do vidro de

uma janela, e ele deliberadamente punha sobre ela um peso cada vez

maior; tinha curiosidade de encontrar o ponto em que ela quebraria. E

começou a jogar a sério muito cedo. Durante a guerra, disse ele, “eu ia a

caves onde se jogava, e elas eram frequentadas por pessoas muito rudes.

Quando perdia tudo – o que acontecia com frequência, pois sou

impaciente (exceto com o trabalho, em que a paciência não é exatamente

a questão) –, sempre pensava: Oba! Posso voltar ao trabalho. Às vezes

perdia sem parar, e estava quase indo embora, quando então ganhava de

novo, e continuava para perder mais. Costumava ficar seis, sete, oito

horas nesses subsolos – e isso eu odiava. Mas geralmente perdia e saía

rápido. E muito ocasionalmente, quando ganhava logo, escapava”.

Jogar, para Freud, era uma emoção visceral, e talvez, também, uma

expressão de seu desprezo pelas noções convencionais sobre o que


importa na vida. Porém, ainda não era um modo de vida – muito menos

uma filosofia – como havia se tornado para Bacon, cuja propensão mais

extrema e teatral pelo jogo seduzia Freud, assim como a bela retórica

que Bacon usava para explicar seu hábito. O jogo estava em total

consonância com a atitude de Bacon em relação à pintura: a ênfase no

risco, a disposição de apostar tudo numa esfregada espontânea com um

pano ou a mão, a evocação de pesadelo e desastre e a tendência a

destruir tanto quanto criava. Tudo isso exemplificava como o trabalho de

Bacon, na frase de Freud, “tinha uma relação imediata com a maneira

como ele sentia a vida”.

Mas não tinha quase nada em comum com os métodos minuciosos

de Freud. A abordagem de Bacon estava arraigada numa mentalidade de

jogador: “só quando se vai bem longe é que se pode ir longe o bastante”,

como ele dizia. Na verdade, ele exagerava muitos aspectos de seu modo

de fazer arte, e boa parte de suas pinturas, especialmente nos anos 1940

e 1950, eram fruto, na realidade, de muito trabalho. Mas seu método

ainda estava a mundos de distância do escrutínio paciente e concentrado

de Freud, sua lenta acumulação de linhas observadas e hachuras

estilizadas. Enquanto Freud passava semanas e meses em um retrato,

Bacon falava nessa época de imagens sendo-lhe oferecidas já prontas,

caindo em sua mente, uma depois da outra, como slides.

EM MEADOS DO SÉCULO, Bacon entrou em seu período mais fértil e

inovador. Para quem observava, ele parecia capaz de produzir quase

qualquer coisa. Estava desfrutando seus primeiros sucessos públicos,

atraindo a atenção de galerias, críticos e outros artistas. Tinha começado

a pintar cabeças, borradas, em tons de cinza, sobre fundos com estrias

verticais que evocavam um estranho espaço ambivalente. Essas listras

fantasmagóricas faziam pensar nos fundos hachurados dos últimos

pastéis de Degas (artista que Freud e Bacon reverenciavam) e nas fileiras


verticais de holofotes usadas por Hitler em seus comícios de Nuremberg.

A obra de Bacon era repleta dessas alusões oscilantes, discordantes.

Logo, inspirado por Diego Velázquez, estava pintando variações do

seu famoso retrato do papa Inocêncio X. Sua ambição, disse ele, era

“pintar como Velázquez, mas com a textura da pele de um hipopótamo”.

Ficou obcecado com bocas escancaradas, gritos e rugidos, tanto de

humanos como de animais (não via distinção nenhuma), e voltou a esses

motivos repetidas vezes. “Gosto, pode-se dizer, do brilho e da cor que se

projetam da boca”, disse ele posteriormente a seu amigo, o crítico de

arte David Sylvester, “e sempre desejei, até certo ponto, ser capaz de

pintar uma boca como Monet pintava um pôr do sol.”

Freud, também, estava começando a despertar mais atenção. Em

Paris, frequentava altas rodas. Ficou amigo de Diego Giacometti e

passava longas horas conversando com seu irmão, o escultor Alberto

Giacometti, que fez dois desenhos de Freud, agora perdidos. Ligou-se a

pessoas como Picasso, Balthus, Marie-Laure de Noailles (a mecenas e

amiga de Salvador Dalí, Man Ray e Jean Cocteau), Boris Kochno, o

poeta, dançarino e libretista; e o amante e colaborador de Kochno,

Christian Bérard, de quem fez um desenho – um tour de force de letargia

– seis semanas antes de Bérard sofrer um infarto durante o ensaio de

uma peça de Molière e morrer.

Por todas essas conexões, as pessoas a que tinha sido apresentado, o

jovem Freud tinha de agradecer a Peter Watson – mas também

colaboraram, sem dúvida, seu nome ilustre, sua aparência, seu jeito

eletrizante. De volta a Londres, do mesmo modo, ele provocava um

efeito hipnótico nas pessoas: John Russell lembrou-se de Freud vivendo

naqueles anos “com um mínimo absoluto de bagagem circunstancial …

Freud não é tanto sem lei”, escreveu, “quanto um volatilizador da lei:

alguém que despreza a regra geral como sendo inaplicável e reage a

qualquer situação dada como se fosse previamente desconhecida”.


NESSE PERÍODO, Freud ainda estava retratando coisas mortas. Desenhou

um macaco morto em 1950, um ano depois de pintar uma lula morta

derramando tinta preta ao lado de um ouriço-do-mar. No ano seguinte,

pintou uma cabeça de galo decapitada com uma crista multicolorida.

Mas o desafio de retratar temas vivos ao longo de períodos

indeterminados pressionava-o cada vez mais. Em 1951, numa grande

tela retangular fornecida pelo Arts Council, Freud pintou Interior em

Paddington [Interior in Paddington], seu quadro mais ambicioso até

então. Era um retrato de corpo inteiro de seu velho amigo Harry

Diamond. A pintura mostra Diamond, de óculos, em pé sobre um tapete

vermelho ordinário, vestido negligentemente com uma capa

impermeável. Ele segura um cigarro numa das mãos e tem a outra

firmemente cerrada. O punho – como os olhos inchados de Kitty –

coloca a pintura inteira em alerta máximo. Ele acumula cada detalhe

intensamente examinado (as ondulações no tapete, as folhas mortas da

palmeira, o cadarço solto no sapato de Diamond) num momento único

prenhe de ameaça. O efeito era tão próximo da tensão latente – sempre

em vias de explodir em fúria devastadora – de certos retratos de Ingres

(especialmente aqueles de Monsieur de Norvins e de Monsieur Bertin)

que Herbert Read, naquele mesmo ano, apelidou-o de “o Ingres do

existencialismo”.

Interior em Paddington foi a primeira grande tela de Freud, sua

primeira tentativa estudada de converter a intensidade de seus retratos

menores a uma escala maior.

Em 1951, o mundo de Bacon desmoronou. Sua querida Nanny

Lightfoot morreu enquanto ele jogava em Monte Carlo. Cheio de culpa e

atordoado, ele reagiu com uma radicalidade que surpreendeu a todos.

“Francis parecia querer morrer”, lembrou Wishart. Pôs um fim a seu

longo relacionamento com Eric Hall. Transferiu o aluguel remanescente

do estúdio da Cromwell Place a outro pintor. E, nos quatro anos


seguintes, ficou praticamente se mudando de um lugar a outro. Morou

durante um breve tempo numa casa compartilhada com o artista Johnny

Minton. Entre 1951 e 1955, ocupou pelo menos oito lugares diferentes.

FOI NO COMEÇO desse período – ainda 1951 – que um pequeno e

fascinante intercâmbio ocorreu entre Freud e Bacon. Cada artista fez sua

primeira tentativa de retratar o outro, procurando nesse desafio fazer

alguma coisa nova. Os resultados imediatos foram desastrosos, e mesmo

desencorajadores. No entanto, parece que a intimidade da permuta e a

competitividade latente que ela despertou abriram um novo caminho

para ambos.

É certo que nenhum pintor famoso jamais retratou um colega pintor

numa pose parecida com a que Bacon adotou nos três desenhos que

Freud fez dele em 1951. Eles mostram Bacon [ver fig. 2] com a camisa

aberta, as mãos estranhamente escondidas atrás das costas e os quadris

projetados para a frente. Sua calça está sugestivamente desabotoada e

dobrada para baixo na linha da cintura de modo a revelar um indício de

roupa de baixo e uma barriga vulnerável.

Segundo Freud, o próprio Bacon adotou a pose, dizendo: “Acho que

você devia fazer isto porque acho que aqui embaixo é mais importante.”

Como não fazia questão de dirigir as poses de seus modelos – em geral,

eles simplesmente se colocavam na posição em que se sentiam mais

naturais ou confortáveis –, Freud gostava de deixar aqueles que fossem

mais extrovertidos satisfazerem seus variados caprichos. Nos anos 1990,

por exemplo, ele pintou o artista performático australiano Leigh Bowery

numa série de posições improváveis, incluindo uma em que Bowery está

deitado no chão de madeira do estúdio de Freud, apoiado numa pilha de

trapos usados na pintura, com uma perna erguida na cama e seu grande

pênis pendente sobre a coxa. (Extrovertido, afável e infalivelmente


escandaloso em público, mais tarde Bowery foi, em certo sentido, talvez,

um substituto para Bacon na vida de Freud.)

Ao observar os três esboços que Freud fez de Bacon, próximos entre

si em espírito, podemos perceber algo atípico afetando seu estilo. O que

ressalta mais é a arremetida do desenho do braço, na tentativa de definir

os arabescos dos flancos de seu amigo. Há algo um pouco estranho nos

resultados: as linhas são sinuosas demais, e o torso de Bacon tem uma

esbelteza improvável. Seus olhos, no único dos três desenhos em que são

visíveis, parecem encobertos e dóceis de um modo não muito exato, e a

boca é achatada e sem vida. Ao tentar se descontrair, a fim de canalizar

parte da ambígua energia pictórica de Bacon e chegar de modo

espontâneo a algo mais ameaçador e íntimo, Freud se viu atrapalhado.

Esse tipo de coisa não era seu forte. Mas a própria tentativa de buscar

algo novo – tentar vestir as roupas do amigo, por assim dizer, para ver

como elas cabem em si mesmo – nos diz algo sobre a influência que

Bacon estava começando a exercer sobre ele. Juntos, além disso, os

desenhos geram um fascinante microclima de competição – sexual,

artística e interpessoal.
Fig. 2. Lucian Freud, Estudo de Francis Bacon, 1951.

NESSA ÉPOCA, segundo David Sylvester (que estava morando no

apartamento logo abaixo de Bacon e Minton), Freud “estava claramente

caído por Francis”. Sylvester era sensível a isso porque, como ele

próprio admitiu, o mesmo acontecia com ele: “Nós dois copiávamos o

uniforme de Bacon – um terno transpassado Savile Row simples de lã

cinza-escuro, camisa simples, gravata escura simples, sapatos marrons

de camurça”, disse.

Encorajado, talvez, pelos desenhos de Freud com a calça aberta,

Bacon pediu a Freud para posar para ele em seu estúdio. A pintura que

resultou disso acabou sendo o primeiro retrato na obra de Bacon. Só por


essa razão, sua importância já é enorme: o retrato viria a ser o núcleo da

arte madura de Bacon. A partir de meados da década de 1960, quando

sua reputação estava no auge, a maioria de suas pinturas eram retratos de

um grupo restrito de amigos íntimos (como as de Freud já eram, e

continuariam a ser).

Seria isso um sinal de que a abordagem de Freud à pintura estava

começando a exercer uma atração em Bacon, assim como ele estava

claramente influenciando Freud? É difícil dizer. Encontrar evidência da

influência de Freud sobre Bacon nunca foi tão simples quanto identificar

as influências no outro sentido. Isso se deve principalmente ao fato de

Bacon ter ficado famoso décadas antes de Freud. Freud falava

abertamente do efeito de Bacon sobre ele. Mas Bacon – que fazia

questão de estabelecer seu próprio pedigree e cujos modelos

reconhecidos (Velázquez, Ingres, Soutine, Van Gogh, Picasso) eram

exclusivamente da Europa continental – não tinha nenhuma razão para

reconhecer a influência de um protegido mais jovem, provinciano, com

quem ele em seguida brigou e cujo nome, de qualquer maneira,

dificilmente chamaria a atenção entre críticos internacionais e

historiadores da arte. Mas Freud causava, e sempre causaria, um impacto

sobre aqueles que o conheciam. Ele era anárquico, amoral e

fundamentalmente egoísta; mas possuía o dom cativante da intimidade.

“Estar com ele é como pôr o dedo num soquete elétrico e ficar ligado à

rede elétrica por meia hora”, disse Louisa Liddell, uma moldureira que

posou para ele anos depois. Bacon não era imune a seu efeito sobre as

pessoas.

“Quando eu era mais jovem”, disse ele posteriormente, “precisava de

temas violentos para minhas pinturas. Depois, ao ficar mais velho,

percebi que tinha todos os temas de que precisava em minha própria

vida.” É bem possível que tenha sido Freud, com seu faro para o

potencial para a anarquia dentro da intimidade, quem o auxiliou a chegar


a essa percepção. Por certo, o foco de Bacon, desse momento em diante,

em retratos de um pequeno grupo de conhecidos íntimos sugere

fortemente a influência do artista mais jovem.

O INESPERADO NO PRIMEIRO retrato de Bacon (embora tenha estabelecido

um padrão para o futuro) foi que, quando Freud chegou, encontrou sua

pintura já no cavalete – e quase terminada. Nela, vemos uma figura de

corpo inteiro num terno cinza, apoiada numa sugestão indistinta de

parede [ver fig. 3]. Uma forma preta plana, como a sombra do fotógrafo

num instantâneo amador, entrava na moldura a partir da base. Os braços

e os pés da figura (a de Freud) estavam escondidos (a articulação das

juntas nunca foi o forte de Bacon), seus olhos eram dois pontinhos e

tinha um queixo mole, carnudo, nada parecido com ele.

Acontece que, em vez do próprio Freud, Bacon tinha utilizado um

recurso visual – uma fotografia, no caso, de um jovem Franz Kafka, que

fora usada no frontispício da primeira edição da biografia do escritor

empreendida por Max Brod. O que Kafka tinha a ver com Freud é

impossível dizer, e talvez não seja mesmo o que importa: era uma

questão, isto sim, de sugestão inconsciente, quase aleatória.


Fig. 3. Francis Bacon, Retrato de Lucian Freud, 1951 (óleo sobre tela).

O retrato não tem nada de especial. Não chega nem perto das

suntuosas distorções e das ardentes agressões que Bacon mais tarde

infligiria a seus temas, tudo numa tentativa de transmitir o que ele

gostava de chamar “a brutalidade do fato”. O que importava era o que a

pintura revelava sobre a atitude de Bacon com seus modelos – uma

atitude que, por enquanto, pelo menos, era completamente oposta à de

Freud.

Bacon estava interessado em capturar o que ele chamava “as

pulsações” de uma pessoa. Essa ideia contagiou profundamente Freud,

que mais tarde falou sobre o efeito que as pessoas provocam no espaço e
sobre seu desejo de tentar pintar o ar em volta de seus modelos bem

como os próprios modelos: “A aura emitida por uma pessoa é uma parte

dela tanto quanto sua carne.” Mas Bacon também dizia abertamente que

a presença de modelos em seu estúdio o distraía. Ele preferia pintar

sozinho. “Pode ser apenas que isso se deva a meu lado neurótico”, disse

mais tarde a Sylvester, “mas acho menos inibidor fazer um retrato de

memória e a partir de fotografias do que com o modelo sentado na

minha frente.”

Com o passar dos anos, ele descobriu maneiras variadas, sempre

sedutoras, de explicar essa preferência. Quando, por exemplo, Sylvester

lhe perguntou se ele estava dizendo que o processo da pintura era “quase

como o processo de recordar”, Bacon concordou de maneira fervorosa:

“Exatamente. E acho que os métodos por meio dos quais isso é feito

são tão artificiais que, no meu caso, o modelo que está diante de mim

inibe a artificialidade pela qual essa coisa pode ser reconstituída.” A

presença do sujeito o inibia, disse ele, porque, “se eu gosto deles, não

quero praticar na frente deles a agressão que lhes faço em meu trabalho.

Prefiro praticar a agressão quando estou sozinho, para poder registrar o

fato deles com mais clareza”.

Qual era a fonte da compulsão de Bacon para infligir “agressão” em

suas pinturas? Qualquer resposta definitiva seria decerto precipitada.

Está claro, contudo, apenas olhando para elas, que as distorções da

aparência convencional, efetuadas por Bacon por intermédio do escudo

da fotografia, comunicavam uma profunda ambivalência. Essa

ambivalência – não só “sentimentos contraditórios” (a frase sugere

diluição), mas ativamente opostos – estava no âmago da visão de Bacon

sobre a amizade e o próprio amor. A amizade real, ele disse certa vez,

era “uma situação em que duas pessoas poderiam se estraçalhar”. Seu

modo de esfregar e desferir golpes violentos com a tinta equivaliam,

como afirmou David Sylvester, a “uma carícia e uma agressão ao mesmo


tempo”. Em conversa com Sylvester nos anos 1960, Bacon chegou a

desenterrar a famosa formulação de Oscar Wilde – “a gente destrói

aquilo que mais ama” – que não passava de outra versão da entrada do

diário de Degas: “As pessoas que mais amamos são as pessoas que mais

poderíamos odiar.”

No contexto desse relacionamento com Freud, a ideia do retrato

como ato de agressão tem relevância específica e permanente, uma vez

que Bacon continuou pintando imagens de Freud por várias décadas. O

notável nesses retratos, segundo Peppiatt, são a “resiliência e energia

incomuns” de Freud:

“Enquanto muitos dos modelos masculinos favoritos de Bacon …

parecem estar em vias de sucumbir a sua furiosa investida de pinceladas,

Freud geralmente parece suportar o pior, reerguendo-se no meio de

ataques de tinta – zonzo e confuso, mas indômito.”

AS FOTOGRAFIAS COM AS quais Bacon trabalhava nem sempre eram do

modelo. A fonte mais vital podia ser a fotografia de um animal, o

fotograma sugestivo de um filme, uma reprodução amassada da pintura

de um grande mestre, a imagem de uma lesão num manual médico, ou

uma sequência de fotografias de Eadweard Muybridge, o pioneiro da

fotografia stop motion. E não era só a partir de fotografias preexistentes

que Bacon trabalhava. Ele também encomendava fotos de temas

potenciais a seu amigo e companheiro de bar John Deakin. Pintor

fracassado, Deakin era extremamente eficiente atrás da câmera. Seus

retratos fotográficos de moradores do Soho nos anos 1950, que foram

resgatados de debaixo de sua cama quando ele morreu, muitos dos quais

amassados e rasgados, os negativos inidentificáveis, tornaram-se

clássicos. Eles têm o impacto, como escreveu seu amigo Daniel Farson,

“de uma fotografia de registro policial tirada por um verdadeiro artista”.


Eram imagens “repulsivas, retratos brutais – closes íntimos do rosto –

enfatizando cada mácula”.

Deakin tinha seus amigos, mas era também bastante odiado. George

Melly, o surrealista e aficionado de jazz, descreveu-o memoravelmente

como “um pequeno bêbado depravado, de uma malevolência inventiva e

uma perversidade implacável, tais que é surpreendente que ele não tenha

se asfixiado em seu próprio veneno”.

Mas Bacon era atraído pela malevolência. E durante vários anos

Deakin tirou mais de quarenta retratos por encomenda sua. Para criar o

efeito psicológico de tê-los encontrado ao acaso, Bacon gostava de

trabalhar com eles depois de terem sido amassados ou rasgados e

abandonados, como folhas mortas, na bagunça acumulada do chão

imundo e manchado de tinta de seu estúdio.

COMO MUITOS OUTROS artistas modernos, Bacon estava convencido de

que tinha percebido a “mentira do realismo” – até mesmo o tipo de

realismo urbano sofisticado inventado por Manet e Degas na segunda

metade do século XIX. A pretensão do realismo a uma factualidade

desinteressada, sua fidelidade servil às aparências eram coisas que

tinham valor duvidoso, acreditava ele, nas circunstâncias mais extremas

e fragmentadas do século XX. O retrato convencional de um rosto

dificilmente poderia transmitir movimento, quanto mais a gama de

sensações psicológicas, a percepção humana da mortalidade, a

assimilação da futilidade e do pesadelo da história recente – tudo que

Bacon via como fundamental à condição moderna, e portanto mais

“real” do que as aparências. Bacon era obcecado pela questão de como

comunicar essas coisas. Inspirado em parte por Picasso, Matisse e os

surrealistas, ele falava em distorcer a imagem num esforço para trazer

uma sensação maior da verdade. Em vez da observação meticulosa


horas, dias e meses a fio, como Freud, ele gostava da ideia da

emboscada. Ele queria, como escreveu Russell, “armar a cilada de tal

maneira que a ‘aparência’ convencional à primeira vista pareça excluída,

para só ser capturada de surpresa num estágio posterior”.

“Diga-me”, Bacon perguntou a Sylvester, “quem hoje em dia tem

sido capaz de registrar qualquer coisa que nos é apresentada como fato

sem causar dano profundo à imagem?”

Freud deve ter se influenciado por esse tipo de conversa. Mas ainda

estava amarrado às aparências. Permaneceu inflexível, em oposição a

Bacon, quanto à ideia de que as aparências estavam conectadas à

verdade; ou pelo menos que o esforço para registrá-las o mais fielmente

possível – o artista e o modelo na mesma sala, mão e olho, sentimento e

instinto, tudo funcionando em consonância – trazia sua própria carga de

verdade. Foi nesse sentido – o uso da fotografia, a presença ou não do

modelo – que estabeleceu sua mais árdua resistência à imensa e

potencialmente avassaladora influência de Bacon.

Para Freud, uma pintura bem-sucedida era sempre o registro de um

relacionamento em processo. Era uma interação, como ele mais tarde

afirmou. Podia demorar meses, até anos: a duração era o que a

enriquecia. Sim, o pintor estava, em última análise, no controle; mas o

processo demandava graus alternantes de dominação e capitulação de

ambas as partes. (“Numa cultura da fotografia”, ele diria mais tarde,

“perdemos a tensão que o poder de censura do modelo impõe ao retrato

pintado.”) O que para Freud importava na pintura feita na presença de

um modelo era “o grau em que os sentimentos podem entrar na

interação de ambos os lados. A fotografia pode fazer isso numa extensão

minúscula, a pintura, em grau ilimitado”.

Só bem mais tarde é que Freud articulou essas intuições, mas elas já

estavam no cerne de suas convicções criativas. Eram ideias a que ele se


aferrara durante anos, e que sabia não poder abandonar. Mas ele sentia,

na maneira como atuava sobre elas, uma limitação. Tinha um indício –

útil, como se revelou – de que o método de trabalho mais radical de

Bacon poderia ser a chave para superá-las.

QUANDO FREUD CONVENCEU Bacon a posar para seu famoso pequeno

retrato, a ideia (pelo menos, é como ele parece tê-la vendido) era

pendurar o trabalho terminado no Wheeler’s, o restaurante de frutos do

mar do Soho onde Bacon gostava de ser o centro das atenções. Freud

queria pintá-lo, como recordou no ano anterior à sua morte em 2011,

“não só como uma pessoa do mundo da arte, mas como… não sei…

como um amigo, suponho. Muitas vezes pintei as pessoas porque queria

conhecê-las”.

Bacon estava disposto. O processo levou cerca de três meses de

trabalho diário – não foi “especialmente demorado”, como Freud mais

tarde reconheceu; seus retratos maduros podiam levar um ano ou mais

para ficar prontos. Sua ideia de retrato tinha a ver com escrutínio lento e

paciente, acumulação progressiva de detalhes observados e a mais

escrupulosa atenção para com a atmosfera e o estado de ânimo.

Foi um suplício para Bacon, que tinha um temperamento inadequado

para posar. “Mal consigo ficar sentado por muito tempo”, contou a

Sylvester. “Nunca fui capaz de ficar sentado numa cadeira confortável …

Essa é uma das razões pelas quais sofri de pressão alta toda a minha

vida. As pessoas dizem: Relaxe! O que é que elas querem dizer? Nunca

entendo esse negócio de relaxar os músculos, e as pessoas relaxam tudo

– não sei como fazer isso.” (Comparem essa fala com a de Freud:

“Minha ideia de lazer tinha a ver com essa sensação prazerosa de ter

todo o tempo do mundo e deixá-lo passar sem usá-lo.”)


A instabilidade latente de Bacon é, sem dúvida, exatamente aquilo

que Freud tentou captar no retrato acabado. É a fonte de sua força

impressionante. Mas terminá-lo – três meses de sessões, durante muitas

horas a cada dia – não deve ter sido fácil, nem para o artista nem para o

modelo. Freud lembrou muito tempo depois que Bacon “se queixava

bastante de posar – o que ele sempre fazia com tudo –, mas não para

mim. Ouvi falar, sabe, pelas pessoas no pub”. E era de fato uma questão

de posar, de ficar sentado: Freud sentava-se tão perto de Bacon que seus

joelhos se tocavam. A placa de cobre ficava o tempo todo no colo de

Freud. É difícil imaginar uma situação mais tensa. Tanto mais quando se

considera o que Bacon significava para Freud naquele momento.

O QUADRO FOI TERMINADO, mas nunca foi para o Wheeler’s, porque, antes

do fim de 1952, foi comprado pela Tate, junto com outra obra-prima

mais antiga de Freud, um retrato de Kitty chamado Garota com

cachorro branco [Girl with a White Dog].

Uma fotografia que Deakin tirou de Bacon naquele mesmo ano

indica que ele viu o retrato de Bacon enquanto estava sendo pintado.

Como o pequeno quadro de Freud, a fotografia é um close da cabeça de

Bacon, iluminada por um dos lados da mesma forma que a pintura.

Tanto a fotografia como a pintura estão cortadas exatamente nos

mesmos lugares, exceto que o retrato de Freud inclui a cabeça inteira

com todo o cabelo, enquanto a foto de Deakin corta logo acima da linha

do cabelo.

“Gosto um bocado do meu retrato de Francis Bacon”, disse Deakin,

“talvez porque goste muito dele e admire sua pintura estranha,

atormentada. Ele é esquisito, maravilhosamente terno e generoso por

natureza, mas com acessos surpreendentes de crueldade, especialmente


com os amigos. Acho que nesse retrato consegui captar algo do medo

subjacente a essas contradições em seu caráter.”

A sintaxe não é a de Freud – ele nunca falou de maneira tão clara –,

mas os pensamentos expressos quase poderiam ser dele. O que é, afinal,

o retrato roubado de Bacon, se não uma “fotografia de registro policial

tirada por um verdadeiro artista”?

JOHNNY MINTON, que dividia apartamento com Bacon, viu o retrato de

Bacon pintado por Freud antes que ele fosse para a Tate. Impressionado,

pediu a Freud para retratá-lo também. Minton tinha um rosto comprido

com cabelos espessos desgrenhados e olhos escuros e angustiados. Seu

relacionamento com Bacon era problemático. Ele era talentoso. Tivera

um sucesso inicial como pintor e era bem considerado por suas

inconfundíveis ilustrações, que decoraram as capas dos dois primeiros

livros de Elizabeth David sobre culinária. Era também um professor

respeitado no Royal College of Art. Mas sua reputação como artista já

estava em declínio quando a de Bacon começava a decolar. Sua

autoestima degradava-se mês a mês, e ele estava tomado pelo ciúme.

“Tenho certeza de que ele assistiu à ascendência de Francis com

desespero”, escreveu Daniel Farson.

Com sua personalidade contundente e o profundo veio de ambição,

Freud estava em certa medida protegido da inveja. Ele gostava e

admirava Bacon demais para deixar que o sucesso do amigo o corroesse.

Ele era mais jovem, também – o que ajudava. Deve ter observado o

funcionamento da dinâmica entre Bacon e Minton com fascínio

considerável, tomando notas mentais sobre o que evitar em seu próprio

relacionamento com Bacon. Pintar Minton nessa conjuntura era, fora

tudo o mais, talvez uma maneira de observar a situação mais de perto.


Bacon e Minton, que tinham necessidade de estar em evidência,

viam-se competindo pelos holofotes, “chamando a atenção em

extremidades opostas [do Colony Room], disputando entre si quem

bebia mais e quem escandalizava mais”, segundo Peppiatt. Ao menos

uma dessas noites terminou com Bacon derramando champanhe na

cabeça de Minton. Minton comportava-se como se estivesse

envergonhado de seu sucesso comercial e da riqueza que tinha herdado.

“Vamos gastar o resto da minha herança!”, ele gostava de declarar ao

pagar rodadas de bebida no Soho.

Quando Freud pintou Minton, retratou-o com um rosto comprido de

cavalo e olhos vidrados de desespero. Ele tinha se saído mal em sua

competição com Bacon, e gradualmente sucumbiu ao alcoolismo e à

ruína psíquica. Cinco anos depois do retrato de Freud, foi encontrado

morto em sua própria casa. Havia ingerido uma enorme quantidade de

pílulas para dormir.

FOI ESTRANHO e sem dúvida estarrecedor para ambos o fato de,

justamente quando seu relacionamento atingia um ponto de máxima

intimidade, Freud e Bacon terem embarcado em relacionamentos

amorosos que seriam os mais importantes, os mais desestabilizadores,

os mais transformadores de suas vidas. Esses relacionamentos – Freud

com Caroline Blackwood, Bacon com Peter Lacy – começaram no início

da década de 1950 e conduziram ambos os artistas aos extremos de seu

autoconhecimento, derrubando antigas suposições e desencadeando

reações autodestrutivas, quase suicidas.

A vida amorosa, apesar dos melhores esforços dos biógrafos, é

inexoravelmente privada. Mas os casos de amor têm observadores,

acompanhantes – espectadores envolvidos. E enquanto o relacionamento

de Freud com Caroline teve em Bacon seu anjo mau, o caso de Bacon
com o ex-piloto e lutador Peter Lacy foi observado por Freud a uma

distância mais comedida, oblíqua e perplexa.

“CAROLINE FOI O GRANDE amor da vida de Lucian”, disse Anne Dunn,

que tinha um envolvimento intermitente com Freud durante esse

período. “Com Caroline ele se comportava bem demais. Muito

incomum. Ele não amava nenhuma de nós. Mas devia saber que ela o

amava”, acrescentou, “o que era uma grande coisa.” Estranhamente,

porém, e apesar de uma relação de cinco anos – incluindo quatro de

casamento –, Freud admitiu que Caroline permanecia em certa medida

impenetrável a ele. “Parece ridículo, de certo modo”, contou-me ele,

“mas nunca cheguei a conhecer bem Caroline.”

Freud apreciava o que era desconhecido e inconhecível nas pessoas,

mesmo sendo constantemente levado a extremos cada vez maiores de

intimidade. “Quando encontramos alguma coisa que nos toca muito”,

contou a Feaver, “sempre queremos saber menos dela. Como quando, ao

nos apaixonar, não queremos conhecer os pais da outra pessoa.”

A MÃE DE CAROLINE era Maureen Guinness, herdeira da cervejaria. Seu

pai, o quarto marquês de Dufferin e Ava, foi morto em ação na Birmânia

em 1945. A marquesa enviuvada tinha acabado de assumir a diretoria da

cervejaria Guinness quando o relacionamento de sua filha com Freud

começou.

Inteligente, tímida e verbalmente hábil (veio a ser uma autora

aclamada), Caroline trabalhava como secretária e escritora ocasional na

Hulton Press, que publicava a Picture Post, uma revista de fofoca e

glamour com pendores políticos. Ainda adolescente, era delicada e

temperamental, com um toque de moleca perspicaz sob o verniz

inviolado de sua boa educação. “Ela não era fácil socialmente – tudo se
passava aos solavancos e silêncios”, disse seu amigo Alan Ross, editor

da revista. “Caroline era aquela menina misteriosa, nervosa … Não era o

tipo que as pessoas cortejavam.”

Freud, apesar de seu esforço de teatralidade, era igualmente tímido,

nervoso, mas a cortejou. Eles se conheceram num baile formal dado por

Ann Rothermere. Ann, que havia posado para Freud em 1950, levava

uma vida privilegiada e provocativa. Casara-se com o segundo visconde

Rothermere – Esmond Harmsworth –, proprietário do Daily Mail,

depois que seu primeiro marido morrera no front em 1944, mas já vinha

tendo há muito tempo um caso com Ian Fleming, um corretor de títulos

que havia trabalhado na inteligência naval durante a guerra e estava em

vias de criar o personagem ficcional James Bond. A partir de 1948, mais

ou menos, Ann passava parte do ano na Jamaica, para todos os efeitos

com seu amigo Noël Coward, mas na maior parte do tempo morando

com Fleming. O caso foi descoberto por seu marido em 1951; eles se

divorciaram e no ano seguinte Ann – agora grávida de Fleming pela

segunda vez (o primeiro filho deles nasceu morto em 1948) – casou-se

com Fleming na Jamaica. Nesse ínterim, estabeleceu-se como anfitriã

social na Warwick House, perto do Green Park, no centro de Londres.

Aparentemente imune às privações do período pós-guerra, promovia

festas deslumbrantes em que aristocratas se misturavam a representantes

seletos da nova multidão boêmia, que incluía Freud e Bacon.

Ela se encantou de imediato com Freud, apesar da desconfiança de

Fleming (ele suspeitava, equivocadamente, que Freud e Ann estavam

tendo um caso). Ela “me convidou para uma daquelas festas

maravilhosas”, lembrou Freud, “festas da semirrealeza, muitos deles

estavam lá, e ela disse: ‘Espero que você encontre alguém com quem

queira dançar’, esse tipo de coisa. E então subitamente havia essa pessoa

e ela era Caroline”.


Mais de meio século depois, quando lhe perguntaram o que o atraíra

em Caroline, Freud disse: “Ela era simplesmente excitante em todos os

sentidos, e uma pessoa desleixada, parecia que não tinha tomado banho.

Mas então alguém me disse que de fato não tinha. Fui até ela e dancei,

dancei, dancei, dancei.”

Logo depois, em 1952, Freud começou a aparecer no escritório da

Hulton Press para encontrar Caroline. Nos bastidores, e apesar do

casamento de Freud com Kitty, Ann Rothermere incentivou a ligação.

Entediada, inquieta, envolvida numa aura desgastante de privilégios

e estragos da infância, Caroline foi sensível à anarquia de Freud. Ela

tinha um temperamento autocentrado que a tornava indiferente e muitas

vezes ativamente oposta às expectativas dos outros. Isso incluía sua mãe,

que fez tudo que podia para sabotar o relacionamento.

Caroline reconheceu um traço similar em Freud. Ela “nunca havia

conhecido alguém tão exótico e aparentemente perigoso como Lucian”,

escreveu Ivana Lowell, sua filha com o roteirista Ivan Moffatt. A própria

Caroline descreveu Freud como “fantástico, muito brilhante,

incrivelmente bonito, mas não como um astro de cinema. Lembro que

ele era muito afetado, usava umas suíças compridas, que ninguém na

época usava. E vestia calças engraçadas, de propósito. Queria se destacar

na multidão, e conseguia”.

O mundo que Freud agora adentrava era novo para ele. Se ele estava

inebriado por Caroline, também estava um pouco intimidado por seu

meio. Quando acompanhou Caroline e a mãe numa excursão de caça no

Ulster, entre os outros convidados estavam lorde Wakehurst, que acabara

de terminar seu mandato como (o último) governador britânico de Nova

Gales do Sul e era agora governador da Irlanda do Norte, e o visconde

Brookeborough, primeiro-ministro do mesmo país. Nessa viagem, Freud

impressionou a irmã de Caroline, Perdita, por ser “tão tímido que não
conseguia olhar ninguém nos olhos. Ele ficava com a cabeça baixa, os

olhos disparando de um lado para outro”.

Freud não era só um artista e boêmio, claro; ele era judeu. E isso –

mesmo seu nome sendo Freud – não era uma grande vantagem nos

círculos dos bem-nascidos que ele agora começava a frequentar. A certa

altura, logo no começo do relacionamento, Caroline levou-o a uma festa

na casa de sua mãe. O filho de Winston Churchill, Randolph, os viu

entrar no salão e gritou: “Que diabos Maureen está fazendo,

transformando sua casa numa droga de uma sinagoga?” O jovem casal

optou por não reagir. Mas, na vez seguinte que Freud topou com

Churchill, derrubou-o com um soco.

O CASO DE FREUD com Caroline não tardou a pegar fogo. Eles eram

atormentados pela mãe dela, que fazia de tudo para obstruir o

relacionamento. Resolveram, então, fugir para Paris. Hospedaram-se no

decrépito Hôtel La Louisiane na rue de Seine, onde Freud pintou Garota

na cama [Girl in Bed] [ver prancha 4], um dos vários belos retratos de

Caroline que fez naquele ano. Outro foi Garota lendo [Girl Reading].

Em ambos – e especialmente no último – sentimos que o artista e a

modelo não podiam estar mais próximos. A testa dela tem um tom lilás,

como se contundida pela ardente proximidade de Freud.

“Eu sentia que a única maneira de trabalhar adequadamente era usar

o máximo de observação e o máximo de concentração”, lembrou ele.

“Eu achava que, ao fitar o meu modelo e examiná-lo intensamente,

poderia obter algo dele. Eu tinha muitos problemas de vista, terríveis

dores de cabeça por causa do esforço de pintar tão perto.”

O esforço o afetaria, obrigando-o a buscar novos caminhos. Mas por

enquanto o que importava era que os maneirismos juvenis de Freud

estavam se dissolvendo numa nova poderosa solução: a intimidade


amorosa. Ele estava apaixonado – obsessivamente. Disse mais tarde que

se lembrava “da obsessão mais do que da pessoa”. Mas ele era louco por

Caroline, e ela absorvia sua vida mental e emocional de tal maneira que

era difícil para ele trabalhar. “Eu não conseguia pensar em mais nada.”

Era uma intimidade que tinha algo de jardim secreto, ou de quarto de

hotel trancado. Mas que não deixou de repercutir em outras vidas.

Caroline tinha deixado de receber dinheiro da família, e Freud também

estava duro. Vendo-se incapazes de pagar a conta do hotel, tentaram

fazer com que Cyrill Connolly e sua mulher, Barbara Skelton,

comprassem Garota lendo quando finalmente ficou pronto. Connolly,

um contemporâneo do falecido pai de Caroline, foi um dos primeiros

benfeitores de Freud. Mas ele também tinha desenvolvido uma atração

típica de homem velho por Caroline, e parecia querer a pintura como

uma espécie de talismã. Assim, contra as objeções iniciais de sua

mulher, acabou por comprá-la. E também confessou sua paixão – que,

embora persistente e inconveniente, jamais seria correspondida – à

esposa. Isso precipitou o fim de seu casamento com Barbara, que o

deixou pelo editor George Weindenfeld. Isso também contribuiu para a

pressão externa que agora começava a afetar Caroline e Freud.

ESSA PRESSÃO FEZ aumentar outra fenda após um episódio

desconcertante em Paris, que Freud, mais tarde na vida, gostava de

contar. Tendo conhecido Picasso em viagens anteriores, ele levou

Blackwood ao ateliê do mestre na rue des Grands-Augustins. “As unhas

de Caroline estavam sempre roídas, o máximo possível”, explicou.

Quando ele a apresentou a Picasso, continuou Freud, “Picasso olhou

para ela e disse: ‘Vou fazer alguns desenhos em suas unhas.’ E então fez

desenhos com tinta preta – cabeças, rostos, coisas. Em seguida, disse:

‘Gostaria de ver o apartamento?’ Havia pelo menos dois andares na rue

des Grands-Augustins. Caroline, então, saiu, voltando constrangida


quinze ou vinte minutos depois. Comentei com ela posteriormente:

‘Conte-me o que aconteceu.’ Ela disse: ‘Jamais poderei lhe contar.’

Então nunca mais perguntei a ela.”

Caroline narrou uma lembrança diferente numa entrevista em 1995

com Michael Kimmelman. Afirmou que foi Picasso que fez o contato

inicial, convidando Freud através de um intermediário para ir ver suas

pinturas. Freud aceitou o convite e levou-a com ele. Depois de certo

momento, Picasso convidou-a para ver suas pombas na cobertura, à qual

se chegava por uma escada espiral externa. Então, “fomos para lá,

subindo os degraus até o topo, e chegamos às gaiolas com as pombas, e

em volta delas havia a melhor vista de Paris, a melhor. Ao que,

imediatamente, naquele espaço apertado, acima da cidade, Picasso se

precipita inteiro em cima de mim. Tudo que senti foi medo. Eu ficava

dizendo: ‘Desça as escadas, desça.’ Ele dizia: ‘Não, não, estamos juntos

sobre os telhados de Paris.’ Foi muito absurdo, e para mim Picasso era

tão antigo quanto as montanhas, um velho devasso, gênio ou não.”

A lembrança de Caroline foi modulada por uma espécie de horror

cômico. “O que é que a gente faria se eu aceitasse?”, pensou. “Não havia

espaço para fazer amor, com todas aquelas pombas. E pensar quantas

outras pessoas ele tinha levado para lá… Será que elas foram até o fim?

E, tecnicamente, como conseguiram? E com o marido no andar de

baixo?” Mais tarde, continuou, “Lucian recebeu do nada um telefonema

de uma amante de Picasso que lhe perguntou se ele [Lucian] poderia ir

pintá-la. Ela queria provocar ciúme em Picasso. Lucian disse

educadamente que talvez pudesse pintar seu retrato em outro momento,

mas não agora, porque estava fazendo o retrato de sua mulher.” (Na

realidade, ainda não eram casados.)

O quadro em questão era Garota na cama.


FREUD TINHA QUASE trinta anos. Sua vida emocional era um turbilhão,

assim como a vida das pessoas mais próximas a ele. Kitty estava grávida

da segunda filha do casal, Annabel, que nasceu no final daquele ano.

Mas seu casamento estava desfeito. Garota com cachorro branco seria o

último quadro que fez dela.

E agora, como que querendo entender a pessoa que era o centro de

tanta agitação, tanto ardor, tanta confusão, embarcou num autorretrato.

Sobre um esboço tosco em carvão, começou a pintar com tinta a óleo,

trabalhando do interior da imagem – os olhos, o nariz e a boca – para

fora. Retratou-se com uma das mãos na altura da boca – um gesto

pensativo, o mesmo que Edgar Degas havia adotado em vários retratos,

dele mesmo e de outras pessoas, num ponto similar de sua carreira.

A fatura da tinta é mais solta, distribuída de forma mais irregular do

que em quase todos os seus quadros até então. Mas é difícil dizer se

Freud queria que ficasse assim: ele abandonou esse exercício de

autoescrutínio antes que fosse concluído.

Em dezembro de 1952, pouco antes de seu aniversário de trinta

anos, Freud aceitou um convite de Ann Rothermere – agora Ann

Fleming (ela tinha se casado com Ian em março daquele ano) – para

cruzar o Atlântico. Era a segunda travessia de Freud: a primeira fora

durante a Segunda Guerra Mundial, quando, adolescente, como

marinheiro voluntário na marinha mercante, seu comboio sofreu um

ataque dos alemães. Dessa vez, no lugar da Terra Nova, onde o comboio

da época da guerra foi parar, pegou um navio para a Jamaica e ficou

durante vários meses na villa de Fleming, “Goldeneye”. Passava o tempo

pintando bananeiras e outras plantas no lado de fora da casa enquanto,

dentro dela, Fleming trabalhava em seu primeiro romance de James

Bond, Cassino Royale.


“Percebi que me afastava das pessoas quando minha vida estava sob

determinada pressão”, explicou. “Não usar as pessoas é como respirar

fundo o ar fresco.”

Enquanto ele estava na Jamaica, Maureen Blackwood continuava

tentando impedir o namoro da filha; além disso, para tirar Caroline do

país durante a coroação da jovem rainha Elizabeth II (Caroline fora

rejeitada como dama de honra), enviou-a à Espanha. Ela começou a

trabalhar como tutora ensinando inglês em Madri, e seu endereço não

foi revelado a Freud. Mas ele não se deixaria abater. Foi até lá e

começou a procurar, sem muita chance de descobrir alguma coisa.

“Tudo que eu sabia era que ela estava na Espanha, e eu tinha o número

da porta, mas não o nome da rua. Eu sabia que a encontraria.”

Quando o divórcio de Kitty saiu, Blackwood e Freud casaram-se

oficialmente no Cartório de Registros de Chelsea, em 9 de dezembro de

1953, um dia depois de Freud completar 35 anos. NETO DE FREUD SE CASA

era a manchete nos jornais.

“Nós nos casamos porque Caroline disse que se sentiria menos

perseguida”, explicou Freud, décadas mais tarde. “E havia uma razão

técnica. Ela tinha um pouco de dinheiro do pai e não poderia usá-lo se

estivesse vivendo em pecado.”

Durante algum tempo, tudo parecia inebriante, incandescente. Os

dois estavam apaixonados. Freud estava tendo sucesso como artista,

granjeando reconhecimento e admiração de muita gente importante,

tanto em Londres como em Paris. Sob o impacto de Bacon e sua

sociabilidade turbulenta, a vida era rica, imprevisível, repleta de uma

alegria pungente. A guerra e o longo período que a ela se seguiu estavam

desaparecendo aos poucos, enquanto a sociedade era varrida com as

mudanças. Freud e Blackwood formavam o casal mais bonito, fascinante

e enigmático da cidade. Moravam em cima de um restaurante numa


decrépita casa georgiana na Dean Street, no Soho, de onde Freud partia

para seu estúdio em Paddington ao romper do dia. Caroline, que agora

tinha mais uma vez acesso ao dinheiro da família, comprou para o

marido um carro esportivo como presente de casamento. Eles também

compraram um antigo priorado perto de Shaftesbury, em Dorset – “uma

bela construção antiga ao lado de um grande lago negro”, como lembrou

Michael Wishart. Freud criava cavalos na propriedade. Comprou muitos

móveis de mármore. Começou a trabalhar num mural de cíclame e – sua

pintura mais ambiciosa até então – num duplo retrato de Caroline e sua

irmã Perdita. Ambas as pinturas – um sinal nefasto – foram

abandonadas em estágio inicial.

O dinheiro de Caroline, associado à sua independência e

imprevisibilidade, eram parte de seu atrativo. Por muito tempo, Freud

tinha dependido financeiramente de Bacon, e agora gostava da ideia de

retribuir-lhe – com a ajuda da esposa: “Sei que pedi a ela algum dinheiro

para Francis ir a Tânger”, lembrou. “Expliquei que tinha um amigo que

me dava dinheiro sempre que eu queria e que agora gostaria de fazer o

mesmo por ele, pois ele conhecera alguém especial lá.” Ela não só lhe

deu o dinheiro, como também disse: “Tem alguma outra coisa que você

realmente queira?”

O “alguém especial lá” de Bacon era Peter Lacy.

EM 1952, mesmo ano em que Freud se apaixonou por Caroline, Bacon

conheceu o ex-piloto da RAF Peter Lacy. Ele tinha participado da

Batalha da Grã-Bretanha, a bordo de um Spitfire. Em consequência,

seus nervos, disse Bacon depois, haviam ficado abalados. Ele era

“extremamente neurótico – e mesmo histérico”.

Conheceram-se no Colony Room. Elegante e tenso, com círculos

escuros sob os olhos, Lacy tocava canções de George Gershwin e Cole


Porter num piano branco num bar das redondezas, o Music Box. Bacon

ficou imediatamente apaixonado. Ele adorou a aparência de Lacy (“tinha

um físico dos mais extraordinários – até suas panturrilhas eram lindas”),

o fato de tocar piano, sua consciência inerente da futilidade (resultado,

acreditava Bacon, de ter herdado dinheiro) e seu humor: “Ele podia ser

uma companhia maravilhosa … Tinha uma espécie de perspicácia

natural, fazendo uma observação divertida após a outra, sem mais nem

menos.” Mas, acima de tudo, ele pressentia perigo em Lacy; a

possibilidade de estar com alguém que poderia no final dominá-lo, como

ninguém havia feito desde seu pai.

Bacon já tinha mais de quarenta anos, mas dizia que pela primeira

vez tinha se apaixonado. Lacy “gostava muito” de homens mais jovens,

disse ele, e não parecia se dar conta de que ele, Bacon, era na verdade

mais velho. “Era como que um engano ele sair comigo.”

Os dois bebiam juntos pesadamente, espicaçando um ao outro. Lacy

era capaz de entornar três garrafas de bebida alcoólica num só dia.

Tinha uma casa em Barbados, que Bacon pintou a partir de uma

fotografia, a pedido de Lacy, no ano em que se conheceram. O estilo da

pintura, ditado por Lacy – que não tinha paciência para as distorções

pictóricas de Bacon –, é um tanto convencional. (Bacon teve de pedir

conselhos sobre as regras de perspectiva a um amigo pintor.)

Durante quatro anos, a partir de 1952, Lacy alugou uma casa

chamada Long Cottage, num vilarejo perto de Henley-on-Thames.

Convidou Bacon para ficar com ele. Quando Bacon perguntou como

funcionaria o arranjo, ele respondeu: “Bem, você poderia morar num

canto do meu chalé sobre um monte de palha. Poderia dormir e cagar

ali.” Segundo Bacon: “Ele queria que eu ficasse acorrentado à parede.”

Lacy também tinha uma coleção de chicotes de rinoceronte – acessórios

de um teatro de sadomasoquismo frequentemente incorporados a uma

realidade caótica.
Embora Bacon passasse bastante tempo em Long Cottage, nunca se

mudou completamente para lá. O “arranjo” demonstrou-se inebriante e

destrutivo demais até mesmo para ele. Lacy, disse ele, “era tão neurótico

que nunca daria certo morarmos juntos”. Em seus acessos de fúria, ele

podia causar desde danos físicos horrendos a Bacon até destruir suas

roupas e mesmo suas pinturas. Durante períodos significativos, Bacon

ficava imobilizado. Incapaz de pintar, estava dominado pelo desespero.

AO LONGO DO RELACIONAMENTO de Caroline com Freud, Bacon

encontrava-se com eles mais do que eles se davam conta. Caroline disse

mais tarde que ela e Freud jantaram com ele “quase todas as noites

durante mais ou menos todo o tempo de nosso casamento. E também

almoçávamos”. A animação carismática de Bacon e sua aura trágica e

vulnerável afetavam as relações entre seus amigos até quando ele estava

ausente.

E, ao que parece, ele nunca estava inteiramente ausente. Uma de

suas pinturas mais brilhantes e audaciosas foi pendurada em local de

destaque no priorado em Dorset. Intitulada Duas figuras [Two Figures],

porém mais comumente descrita – com afeição irônica – como Os

sodomitas [The Buggers] [ver prancha 5], foi sua primeira pintura de um

casal, tendo sido produzida em 1953, durante o segundo ano de seu caso

com Peter Lacy. Baseava-se nas fotografias stop motion de Muybridge

retratando lutadores. A princípio, parece uma massa de corpos

mutilados. Mas o cenário não é uma arena de luta. É uma cama, com

lençóis brancos, travesseiros e uma cabeceira.

Duas figuras era um retrato de Lacy e Bacon fazendo sexo. Os rostos

das duas figuras masculinas estão borrados, evocando movimento e uma

tensão psicológica ampliada pelos dentes à mostra da figura que está

embaixo. As duas faces estão marcadas pelas linhas verticais que


também dividem o fundo escuro e evocam barras de prisão e fileiras de

holofotes apontados para o céu. Numa época em que a

homossexualidade ainda era ilegal e quase nunca retratada na arte, era

uma imagem espantosamente crua, franca e arrebatadora. Durante

muitos anos, o quadro foi considerado afrontador demais para ser

exposto em público.

“O processo criativo é mais ou menos como o ato de fazer amor”,

disse Bacon. “Pode ser tão violento quando foder, como um orgasmo ou

uma ejaculação. O resultado é muitas vezes decepcionante, mas o

processo é altamente excitante.”

Duas figuras foi exibida pela primeira vez numa sala do segundo

andar da Hanover Gallery, e vendida a Freud por cem libras. Trata-se de

uma pintura que ele conservou até morrer. Ficava pendurada no segundo

andar de sua casa em Notting Hill, junto com quadros de Frank

Auerbach e no mesmo quarto que abrigava uma escultura de Degas de

uma dançarina com as pernas afastadas. Muitos museus solicitaram seu

empréstimo para exposições. Freud concordou em emprestá-la para a

retrospectiva da Tate em 1962, mas depois disso negou todos os pedidos,

e ela nunca mais foi vista em público.

CAROLINE GOSTAVA MUITO de Bacon. Ela era fascinada pela

homossexualidade em geral, e também, é claro, pela instância bastante

particular da mesma que ele representava. Além disso, suas histórias de

vida tinham surpreendentemente muito em comum. Ambos tinham sido

fanáticos por cavalos, haviam tido uma infância anglo-irlandesa e

detestavam caçar raposas. Eram extremamente cultos. E ambos, cada

qual à sua maneira, tinham um faro para o abismo – um traço

autodestrutivo.
Caroline recordou-se de Bacon vindo a um almoço no Wheeler’s

diretamente do médico: “Ele chegou com o andar confiante de um

pirata, como se estivesse se equilibrando num deque inclinado pelo

vento”, escreveu.

“Ele disse que o médico tinha lhe comunicado que seu coração

estava em frangalhos. Nenhum ventrículo funcionava. Poucas vezes ele

vira um órgão em estado tão desesperador e pouco saudável. Francis foi

advertido de que, se bebesse mais um drinque ou mesmo se se

permitisse ficar excitado, seu coração imprestável falharia e ele morreria.

“Depois de nos contar as más notícias, ele acenou ao garçom e pediu

uma garrafa de champanhe, e, quando terminamos, continuou pedindo

uma sucessão de novas garrafas. Ele permaneceu entusiasmado durante

toda a noite, mas Lucian e eu fomos para casa muito deprimidos. Ele

parecia condenado. Estávamos convencidos de que ia morrer, aos

quarenta anos. Levamos a sério o diagnóstico do médico. Ninguém

conseguiria fazê-lo parar de beber. Ninguém conseguiria impedi-lo de

ficar excitado. Chegamos a imaginar naquela noite se o veríamos de

novo. Mas ele viveu até os 82 anos.”

EM 1954, Freud e Caroline foram novamente a Paris. Fazia menos de um

ano que estavam casados, mas alguma coisa ia mal. Freud estava

começando a sentir que a mulher, apesar de seu brilho, sua beleza e seu

jeito não convencional, talvez fosse mais do que ele era capaz de

aguentar. “Era preciso ser muito amoroso para obter o melhor dela”,

observou Alan Ross, o editor e poeta que depois se tornou amante de

Caroline. “Do contrário, você poderia se encontrar no meio de um

grande caos.”

“Foi o inverno mais frio da história”, lembrou Anne Dunn.

“Caroline estava congelando e deprimida. Ela sabia que seu casamento


estava começando a desmoronar.”

Uma pintura de Freud de 1954, Quarto de hotel [Hotel Bedroom],

sugere, acima de tudo, a gravidade da situação do jovem casal.

Blackwood aparece no primeiro plano, deitada na cama, debaixo de

lençóis brancos, só a mão esquerda emergindo para pressionar com os

compridos dedos brancos seus lábios e a face amarelada. (A pose de seu

corpo inteiro constitui um presságio assustador de uma série bem

posterior de Freud retratando a mãe, presa ao leito e recém-enviuvada.)

A figura que paira, ansiosa, no fundo, contra uma luz do sol difusa

entrando pela ampla janela, é o próprio Freud. As mãos enfiadas nos

bolsos, ele parece atormentado e atônito.

Caroline tinha tendência à depressão e era uma alcoólatra incipiente.

Começou a beber a sério, o que arruinou toda a sua vida adulta, nesses

anos com Freud, e especialmente no Soho – no Colony Room, no

Wheeler’s e no Gargoyle. “Ela era muito calada, até que a bebida a

ligava de repente”, disse Ross, “e então ficava bem dramática e excessiva

quando conversava. Mas era muito engraçada.”

O próprio Freud nunca foi um bebedor sério, autodestrutivo; para ele

era muito importante manter o controle. Foi Bacon que conduziu essa

dança – Bacon com suas bebedeiras épicas, seu carisma, sua

generosidade compulsiva, tudo que Caroline considerava extremamente

sedutor.

Nem o marido nem a mulher foram fiéis, embora as escapadas de

Freud fossem, como de costume, mais flagrantes do que as dela. O

colapso de um casamento – sobretudo um casamento entre duas

personalidades instáveis – nunca é simples. No entanto, Freud mais tarde

disse, numa construção ardilosa característica, que “se existe algo como

culpa, o mínimo que posso dizer é que a culpa foi toda minha”. A

própria Caroline disse que o motivo principal para o fim do casamento


foi o fato de Freud jogar. Era uma obsessão que durou décadas e o

dominava. Rompimentos eram algo que ele detestava.

Mesmo que a afirmação de Caroline seja só parcialmente verdadeira,

é certo que a mentalidade de Freud durante esses anos foi infectada pela

devoção de Bacon a uma vida desregrada. Quando Daniel Farson, que

fazia parte do círculo do Soho, perguntou a Blackwood por que seu

casamento com Freud terminara, ela devolveu a pergunta: “Você já

andou de carro com ele?”

“Sim”, respondeu Farson, “e fiquei tão apavorado que, quando ele

parou num sinal vermelho, saltei do carro.”

“Exatamente”, foi a resposta de Caroline. “É assim que era ser

casada com ele.”

FOI CAROLINE quem deixou Freud, e não o oposto. Ela saiu de casa uma

noite e se hospedou num hotel. Freud ficou desnorteado. Nunca antes

havia acontecido nada como isso – nada tão doloroso.

Freud reagiu nos anos seguintes jogando mais do que nunca,

envolvendo-se em brigas e dizendo coisas cruéis a Caroline. Bacon

estava preocupado. Pediu a Charlie Lumley, um jovem cockney, vizinho

em Paddington, para tomar conta dele. Temia que Freud se jogasse do

telhado. “E assim tive que ser uma espécie de babá dele por um tempo”,

disse Lumley.

Caroline casou-se mais tarde com o compositor polonês-norte-

americano Israel Citkowitz e depois com o poeta Robert Lowell, com

quem teve um turbulento e famoso relacionamento. Lowell morreu –

sempre se conta essa história – num táxi em Nova York em 1977. Ele

estava voltando para casa depois de uma tentativa final de reatar seu

relacionamento com Blackwood. Quando o motorista chegou ao seu

endereço na 67th Street, ele não pôde ser acordado. Um porteiro


mandou chamar Elizabeth Hardwick, a escritora que Lowell havia

abandonado para ficar com Blackwood muitos anos antes, mas que

morava no mesmo edifício. Ela o encontrou caído no carro, morto, ainda

segurando contra o corpo o retrato de Caroline pintado por Freud,

Garota na cama.

PARA BACON, esses anos entre 1952 e 1956 foram, segundo seu biógrafo,

“quatro anos de horror contínuo, com nada além de brigas violentas”. O

relacionamento de Bacon com Lacy, disse ele, “foi um completo desastre

desde o começo. Estar apaixonado por alguém dessa maneira tão

extrema – estar total e fisicamente obcecado por alguém – é como ter

uma doença pavorosa. Eu não desejaria isso para o meu pior inimigo”.

No entanto, boa parte da criatividade de Bacon foi estimulada pelo

desenrolar do colapso. Apesar do turbilhão e das mudanças constantes

de casa e de estúdio, foi ao longo desses anos que ele se consolidou

como artista.

Ele pintou cerca de quarenta quadros em 1952 e 1953. Muitos outros

foram destruídos, seja por Lacy ou pelo próprio Bacon. Em geral, ele

trabalhava em séries, pintando conjuntos de imagens que traziam

esfinges, máscaras do rosto de William Blake e cabeças gritando, muitas

vezes dentro de caixas transparentes – e, no fundo, as listras verticais

que se tornaram a assinatura de Bacon. O mais famoso da série, o

conjunto de oito pinturas de um papa, inspirado por Velázquez, nasceu

de quatro tentativas frustradas de pintar o crítico David Sylvester. A

própria série foi pintada em duas semanas. Em cada quadro, o rosto do

papa fica menos composto, mais contorcido de raiva e desespero. Em

certa medida, está claro, são retratos de Lacy.


BACON ESTAVA GANHANDO notoriedade. Fez suas primeiras exposições

individuais em Nova York em 1953. Escreveu seu primeiro “manifesto”,

por assim dizer – uma apreciação do pintor Matthew Smith, que

articulava muitas de suas próprias convicções sobre arte. Críticos como

John Russell e Sylvester começavam a escrever sobre seu trabalho. E

colecionadores estavam comprando suas obras.

Bacon disse, mais tarde, que Lacy odiou sua pintura desde o

começo. Seus ataques perversos, arrasadores, eram tão violentos que

Bacon nunca era capaz de prevê-los ou controlá-los. Mas era

precisamente por isso que o atraíam tanto. Qualquer que fosse o motivo

– seu pai sádico, a baixa autoestima, a necessidade simples e

desesperada de uma perda arrebatadora do eu –, ele desejava a

humilhação e uma total perda de controle. Só Lacy podia fornecer tudo

isso de forma contundente.

A relação não podia durar para sempre. Mas Bacon estava disposto a

suportar uma quantidade imensa de danos – incluindo a sua amizade

com Freud – até que ela se tornasse insustentável.

FREUD SE ESFORÇOU desde o começo para lidar com o relacionamento de

Bacon com Lacy. Quanto mais alucinado e violento Lacy ficava, tanto

mais Bacon parecia amá-lo. Era uma situação que confundia e chateava

Freud. Ele queria entender. No final, contudo, não conseguiu.

Numa ocasião em 1952, Lacy, num de seus acessos monstruosos de

fúria, atirou Bacon por uma janela. Ambos estavam bêbados, o que deve

ter salvado Bacon: ele caiu quatro metros e meio e sobreviveu, mas seu

rosto, especialmente em volta de um dos olhos, ficou bastante

machucado. O incidente precipitou uma briga entre Bacon e Freud que

este nunca esqueceu.


“Quando vi Francis”, ele me contou, ainda horrorizado pela

lembrança meio século depois, “um de seus olhos estava pendurado para

fora e ele estava coberto de cicatrizes. Realmente não entendia o

relacionamento – afinal, ninguém entende. Mas fiquei tão chateado de

vê-lo daquele jeito que peguei [Lacy] pelo colarinho e o sacudi.”

Freud queria brigar, mas Lacy não se defendeu, e a ameaça

dissolveu-se. “Ele nunca bateria em mim porque ele era um

‘cavalheiro’”, disse Freud. “Ele nunca entraria numa briga. A violência

entre eles era uma coisa sexual. Não entendi mesmo nada isso.” Mas o

resultado foi que Freud, pelo menos segundo suas lembranças, ficou sem

falar com Bacon por cerca de três ou quatro anos depois desse episódio.

“A verdade é que Francis se importava com esse homem mais do que

com qualquer outra pessoa”, disse ele.

BACON CONTINUOU a pintar Lacy logo depois do incidente que levou

Freud a intervir. Em certo sentido, todos os seus quadros do final dos

anos 1950 foram tentativas de entendê-lo. O relacionamento continuou

mesmo depois de 1956, quando Lacy mudou-se para Tânger e encontrou

trabalho como pianista no Dean’s Bar, estabelecimento aberto em 1937

por “Joseph Dean” (um garoto de programa, travesti e fornecedor de

drogas chamado Don Kimfull). Tânger era um reduto internacional onde

poetas, pintores, usuários de drogas, criminosos, espiões e romancistas

encontravam seu lugar. Quando Bacon lá esteve em 1956, e novamente

no ano seguinte, conheceu William Burroughs e Allen Ginsberg, bem

como Tennessee Williams e Paul Bowles. Costumava andar pela cidade

com o gângster Ronnie Kray, um esquizofrênico paranoico que, com o

irmão Reggie, idealizava esquemas de proteção e outras atividades

criminosas, entre as quais assassinato. Ronnie, escreveu Peppiatt, “tinha

adquirido um gosto pronunciado pela facilidade de relações

homossexuais no porto árabe”.


Bowles lembrou-se de Bacon na época como “uma pessoa prestes a

explodir por pressões internas”. Lacy, por sua vez, havia entrado num

pacto fatal com o sinistro Mr. Dean: para pagar sua conta no bar, tocava

piano todas as noites até o fechamento. Para um alcoólatra – e

especialmente alguém com a prodigiosa capacidade de Lacy para a

autodestruição –, isso era um caminho certo para o suicídio. Quanto

mais ele tocava, mais aumentava sua conta, o que afastava qualquer

esperança de pagá-la. Na época em que Bacon chegou para sua primeira

visita, em 1956, escreveu Peppiatt, “Lacy já estava comprometido com o

Dean’s”.

Em 1958, o caso de Lacy com Bacon estava essencialmente acabado.

Mas enquanto ambos faziam pleno uso da disponibilidade que havia em

Tânger de outros parceiros sexuais, ainda compartilhavam um vínculo

emocional, psicológico e sexual, e a violência entre os dois não

arrefeceu. Mais de uma vez, Bacon foi visto caminhando pelas ruas à

noite, todo surrado. A certa altura, o cônsul britânico foi chamado para

intervir, notificando o chefe de polícia de Tânger sobre suas

preocupações. Depois de investigar o caso, o chefe de polícia relatou:

“Desculpe-me, Monsieur le Consul-Général, mas não há nada que se

possa fazer. Monsieur Bacon gosta disso.”

EM 1954, Freud e Bacon foram escolhidos – junto com um terceiro

artista, o pintor abstrato Ben Nicholson – para representar a Grã-

Bretanha na Bienal de Veneza, já na época, como ainda hoje, a vitrine

internacional mais prestigiosa e mais atentamente observada da arte

contemporânea. Foi um triunfo para os dois artistas. O responsável era o

comissário do pavilhão, Herbert Read. Nicholson, que tinha quase

sessenta anos, provavelmente esperava atrair a maior fatia da estima e da

atenção, mas foi relegado a uma galeria menor, lateral. Read,

justificando a decisão, afirmou que o trabalho “imenso e sombrio” de


Bacon exigia a “luz cruel” da grande galeria. Embora seus trabalhos

fossem menores e muito menos dramáticos, Freud, estranhamente, expôs

na mesma grande galeria ao lado de Bacon – ainda que, aos 33 anos,

fosse o mascote dos três. Mas as pinturas que exibiu tinham sua força

estranha própria, e eram, em muitos aspectos, um recorte dos últimos

três anos de sua vida. Entre elas havia dois retratos de Kitty (Garota

com gatinho e Garota com cachorro branco), um de Caroline e Freud

em Paris (Quarto de hotel), uma pintura de uma bananeira na Jamaica,

Interior em Paddington e o pequeno retrato de Bacon, que depois foi

roubado.

Para a ocasião, Freud produziu um manifesto escrito, intitulado

Algumas reflexões sobre a pintura. É a única declaração desse tipo em

toda a sua carreira. Era o estratagema de um jovem (em sua maturidade,

Freud não tinha muita disposição para pronunciamentos públicos

sérios), mas também, podemos imaginar, um reforço necessário e vital.

Num momento em que sua arte estava num estado de fluxo máximo e

sofrendo mais intensamente a influência de Bacon, ele optava por

manifestar por escrito suas convicções mais profundas. Elas também

tinham o sentido de ambições, declarações de intenção.

Preparadas inicialmente para uma entrevista à rádio BBC e editadas

por David Sylvester, as palavras de Freud foram em seguida publicadas

no número de julho da revista de Stephen Spender, Encounter. O texto

começa com a afirmação de que seu objetivo como artista era produzir

uma intensificação da realidade. Em outras palavras, algo que fosse mais

do que apenas “realista”. Tudo o mais que Freud escreveu nessa

declaração cuidadosamente construída, extremamente cônscia – que não

tinha nada da perspicácia fulminante ou da bravata grotesca de Bacon –

enfatizava a sensibilidade exacerbada, a intimidade, a revelação de

segredos e a primazia da realidade sobre a estética.


Muitas das afirmações fazem eco a Bacon: a ideia, por exemplo, de

dar “rédeas completamente soltas a qualquer sentimento ou sensação”.

Ou a noção correlata de que a arte irá degenerar se não for um veículo

livre da “sensação” do artista. E assim como Bacon definia a arte como

“obsessão com a vida”, Freud escreveu: “As preferências de um pintor

devem provir daquilo que o obceca tanto na vida a ponto de ele nunca

precisar se perguntar o que é adequado para fazer em arte”.

No entanto, percebe-se também que Freud faz um grande esforço

para marcar diferenças importantes. Ele insiste, por exemplo, em manter

seus temas “sob a mais rigorosa observação: se isso for feito, dia e noite,

o tema – ele, ela ou a coisa – acabará revelando o todo sem o qual a

própria seleção não é possível”.

Também ressalta a importância de se colocar “a uma certa distância

emocional do tema para permitir que ele fale”. Como consequência de

suas longas sessões com Caroline Blackwood em Paris, Freud estava

especialmente alerta para o risco de deixar sua “paixão pelo tema

dominá-lo enquanto está no ato de pintar”.

Bacon pintava seus retratos a partir de fotografias e de memória – a

distância, o “leve afastamento” eram fundamentais para ele. Freud, ao

contrário, era e permaneceu dependente da presença de seus modelos

durante longos períodos. “O efeito que eles provocam no espaço”, disse,

“está tão associado a eles quanto sua cor ou cheiro … Portanto, o pintor

tem de levar em conta o ar em volta de seu tema tanto quanto o próprio

tema.”

Mas, como que a se defender da acusação latente de que seus

quadros eram apenas registros de seus relacionamentos íntimos e que

seu apelo, por conta disso, era largamente sentimental, Freud também

acentuou a importância da autonomia do trabalho de arte terminado –

sua habilidade para adquirir vida própria. “Um pintor deve pensar, de
tudo o que vê, como estando lá inteiramente para seu uso e prazer. O

artista que serve à natureza não passa de um artista executivo. E, uma

vez que o modelo que ele copia tão fielmente não será pendurado ao

lado do quadro, já que o quadro estará ali sozinho, não importa nem um

pouco se ele é uma cópia acurada do modelo. Se ele vai convencer ou

não, depende inteiramente do que ele é em si mesmo, do que está lá para

ser visto. O modelo deve apenas servir à função particular de fornecer

ao pintor o ponto de partida para seu estímulo.”

ANTES DE CONHECER BACON, Freud era talentoso, mas, em sua arte –

como talvez na vida –, ainda propenso ao sentimentalismo e a um tipo

de desejo adolescente de satisfação. No caldeirão de seu relacionamento

com Caroline, que terminou em decepção amarga, e de seu

relacionamento com Bacon, então envolvido numa relação amorosa tão

violenta que apagava qualquer vestígio de sentimentalismo romântico,

ele descobriu a atração do radicalismo, da obsessão e da crueldade.

Freud posteriormente afirmou que seu antigo “método era tão árduo

que não havia espaço para a influência”. Mas isso mudou quando Bacon

entrou em cena.

A influência de Bacon atingiu tudo. Se sua companhia desencadeou

muitas mudanças na vida de Freud, também provocou uma verdadeira

crise, ainda que de progresso lento, em sua arte. Ela afetou não só o

método de Freud, mas também sua atitude em relação ao tema e sua

noção fundamental do que, para ele, era possível.

Desde antes de Kitty, o objetivo de Freud no retrato era transmitir

intimidade e vínculo. Isso nunca mudou. O que mudou foi sua maneira

de transmiti-los. No começo, ele percebera que a fidelidade uniforme e

escrupulosa às aparências poderia ser suficiente para transmitir uma

absorção máxima em seus temas. Agora já não estava tão certo.


Influenciado em parte por Bacon, começou a prestar cada vez mais

atenção à presença tridimensional de seus modelos. Ele parecia

especialmente interessado nas idiossincrasias volumétricas: grupos de

músculos, bolsas de gordura, oleosidades da pele – todas as qualidades

que conferem uma vida tão incrível a seu retrato de Bacon. Agora havia

uma nova sensação de amplitude em seus quadros. A percepção que o

espectador tinha de um “estilo” arrogante, romântico e um tanto pueril

desapareceu.

Artisticamente, Freud caminhava para a vida adulta. Mas ainda

estava insatisfeito. Bastava olhar os trabalhos de Bacon para que se desse

conta de que tinha de fazer mais. “Meus olhos estavam ficando

completamente enlouquecidos, enquanto eu ficava sentado e sem

conseguir me mover”, ele contou a Feaver. “Pincéis pequenos, tela de

primeira qualidade. Ficar sentado estava me deixando cada vez mais

agitado. Eu sentia que estava querendo me libertar daquele jeito de

trabalhar.”

A mudança subsequente foi radical. Depois de Quarto de hotel,

Freud passou a pintar de pé, e, como ele mesmo disse, “nunca mais

voltei a me sentar”. Pôs de lado seus pincéis de pelo de marta e

começou a aprender a pintar com pincéis maiores, de pelo de porco, e

com tinta mais viscosa. Estava tentando tornar suas pinceladas mais

ricas e ambivalentes, fazer de cada contato entre o pincel e a tela uma

aventura arriscada.

QUANTO ÀS RELAÇÕES de Bacon com Lacy, Freud reconheceu tempos

depois que estavam além de seu entendimento. Teria sido por isso que

Bacon perdeu a paciência com ele, rebaixando Freud à categoria de

ingênuo e tolo?
Uma inferência similar – uma acusação de ingenuidade, dessa vez a

respeito da arte – estava presente na crítica posterior de Bacon ao

trabalho de Freud, segundo ele “realista sem ser real”. A ingenuidade

efetiva, deliberadamente cultivada, era fundamental à obra inicial de

Freud, e talvez fosse esse aspecto que desagradasse Bacon. A reputação

inicial de Freud fora obtida por meio de um estilo de representação

conspicuamente infantil – um estilo que imitava, nas palavras de

Lawrence Gowing, “a franqueza visionária da infância”. Alguns

observadores mencionaram muitas vezes o aspecto fantasioso, onírico,

dos trabalhos mais antigos de Freud, assim como o romantismo juvenil

transbordando sob o foco concentrado de seus primeiros retratos com

olhos arregalados.

Superficialmente, sempre havia algo anômalo nisso. Freud, afinal,

era culto e inteligente, e podia conversar de igual para igual com os

poetas, os mecenas e os artistas mais sofisticados do momento – como

Spender, Watson, Bérard, Picasso, Cocteau e os irmãos Giacometti. Seu

estilo “infantil” não era uma afetação. Havia nele algo deliberado, um

cultivo consciente de modos infantis de ver, em consonância com a

famosa insistência de Baudelaire segundo a qual “o gênio não é senão a

infância deliberadamente recuperada”. Essa ideia foi levada a sério por

muitos dos gigantes da arte do século XX, entre os quais Paul Klee, Joan

Miró, Picasso e Matisse, todos inspirados na arte das crianças. Mas era

totalmente contrária à visão elaborada por Bacon, que era

desesperadora, cruel, existencial e sexualmente incisiva em termos

muito adultos. Bacon detestava ilusões de qualquer tipo – inclusive a

ilusão da infância como uma espécie de Arcádia criativa. Enquanto

Freud era capaz de brincar que gostava da “ideia anárquica de vir de

lugar nenhum … provavelmente porque tive uma infância bastante

sólida”, Bacon estava de fato fugindo de sua infância traumática a vida

toda. E, obviamente, no contexto mais amplo da sociedade – o


Holocausto, Hiroshima, Stálin, Franco, Hitler –, era, afinal de contas,

uma época difícil para ficar brincando com devaneios infantis. O

surrealismo tinha praticamente desaparecido depois da guerra justo por

essa razão: sua indulgência com a anarquia moral do devaneio

desenfreado não parecia mais sustentável após tal catástrofe moral. O

próprio Freud foi mais rápido do que alguns para compreender isso.

Abandonou o surrealismo aos vinte e poucos anos. Mas ainda não

encontrara todos os ingredientes que fariam dele o grande pintor que

acabou se tornando. Em certo sentido, ainda precisava de Bacon para

isso.

Não está claro quanto tempo durou a ruptura entre os dois. Freud

disse que foram anos, outros dizem que foram apenas semanas. Mas o

intenso envolvimento de Bacon com Lacy durou um bom tempo ainda,

crescendo ano a ano em poder destrutivo e, sem dúvida, deixando Freud

de lado. Embora tenham permanecido estreitamente conectados, tanto

do ponto de vista social quanto artístico, a amizade de Freud com Bacon

nunca mais foi a mesma.

Eles tiveram momentos de proximidade ao longo das décadas de

1950 e 1960, frequentando os mesmos círculos do Soho. Mas, em arte,

pareciam seguir caminhos diferentes. Bacon estava entrando em seu

melhor período (grosso modo, 1962-76), produzindo pinturas de

extraordinária vitalidade e domínio – e obtendo uma considerável

aclamação crítica. Na sucessão das pinturas que realizava, ele colocava

figuras sangrando, sem osso, com rostos esmurrados e membros

torcidos, sobre fundos luminosos, limpos e geométricos em cores

saturadas, suntuosas e de uma estranha artificialidade.

Freud, por sua vez, prosseguia em seu caminho solitário, confinado

ao estúdio, pintando de observação, leal a suas mais profundas

convicções. E, ao mesmo tempo, sob a influência do exemplo de Bacon,

expandia lentamente seus limites. Já o vício no jogo ameaçava


constantemente escapar de seu controle, e sua história sexual tornou-se

assustadoramente labiríntica.

Bacon fez mais alguns retratos de Freud – catorze, entre 1964 e

1971. Todos foram baseados em fotografias de Deakin, encontradas

dobradas, rasgadas, amassadas e manchadas de tinta no estúdio de

Bacon depois que ele morreu. (O artista norte-americano Jasper Johns

fez em 2013 uma série de gravuras e pinturas, intitulada Regrets

[Arrependimentos], baseada em uma dessas fotografias – uma espécie de

homenagem refratada a seu próprio amor perdido, Robert

Rauschenberg.) Entre os retratos que Bacon fez de Freud, havia três

trípticos em escala natural. O primeiro foi pintado em 1964 (ano em

que, estranhamente, fez um autorretrato fundindo sua própria imagem

com a fotografia de Freud), o segundo em 1966. O terceiro, de 1969,

atingiu um recorde mundial para uma obra de arte num leilão, sendo

vendido em 2013 por 142,4 milhões de dólares.

Freud também fez uma segunda tentativa de pintar Bacon – um

exemplar precoce de seu novo estilo mais solto – em 1956. Mas o

trabalho ficou inacabado.

Como que para compensar o que dera errado com Lacy, Freud

acabou conhecendo o novo amante de Bacon, George Dyer, de uma

forma mais íntima quando Dyer posou para ele, duas vezes, em 1965 e

1966.

No começo da década de 1970, Bacon e Freud romperam

definitivamente. A causa nunca foi esclarecida. Quando Stephen

Spender perguntou a Bacon se eles ainda eram amigos, Bacon deixou

que George Dyer respondesse por ele: “Lucian pegou muito dinheiro

emprestado de Francis, que jogou, perdeu e nunca pagou de volta. Eu

disse a Francis: ‘Basta, Francis, chega disso.’”


O próprio Bacon disse-o abertamente nos anos 1970: “Não gosto

muito de Lucian, sabe, como gosto de Rodrigo [Moynihan] e de Bobby

[Buhler]. Só que ele me telefona o tempo todo.”

Freud disse que houve algum grau de ressentimento nisso tudo.

“Quando meu trabalho começou a fazer sucesso, Francis ficou amargo e

maldoso”, disse ele. “O problema mesmo com ele foi que meus preços

começaram a subir. Ele se virou de repente e me disse: ‘Claro, você tem

muito dinheiro.’ O que era estranho, porque antes disso, durante muito

tempo, eu dependia dele e de outros em questões de dinheiro.”

O caráter de Bacon, ele continuou, “havia mudado muito, o que

suspeito que tinha a ver com o álcool. Era impossível discordar dele

sobre qualquer coisa. Ele queria admiração, e não lhe importava de onde

ela viesse. Em certa medida, ele perdeu sua graça. Mas seus modos

ainda eram maravilhosos. Ele entrava numa loja ou num restaurante e as

pessoas ficavam absolutamente encantadas”.

A HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO da arte de Freud – seu ataque cada vez mais

agressivo ao sentimentalismo, que fez com que tanta gente considerasse

seus retratos “cruéis” e “impiedosos” – é, em vários aspectos, a história

de sua luta para manter à distância sua suscetibilidade romântica, sua

ingenuidade. É a história de uma longa batalha não para suprimir, mas

para conter seus sentimentos mais intensos – sentimentos decorrentes da

obsessão íntima e da proximidade prolongada. O exemplo de Bacon –

nada sentimental e, no entanto, para Freud, desconfortavelmente teatral

– teve um papel enorme em sua transformação. Se o modelo de Bacon

devia ser emulado, também devia ser evitado.

“Acho que a maneira livre de pintar de Francis me ajudou a ser mais

ousado”, explicou. “As pessoas pensavam, diziam e escreviam que eu

era um ótimo desenhista, mas minhas pinturas eram lineares e definidas


pelo meu desenho, e que era possível dizer que eu era um bom

desenhista a partir de minha pintura. Nunca me deixei afetar muito pelo

que era escrito, mas pensava que, se tudo aquilo fosse verdade, eu devia

parar. A ideia de fazer pinturas em que se tinha consciência do desenho

e não da tinta me irritava. De modo que parei de desenhar durante

muitos e muitos anos.”

A mudança não só foi importante, como também admiravelmente

audaciosa. Freud, mal ou bem, tinha construído sua reputação inicial

quase totalmente baseado na força de seu desenho. Os críticos, artistas e

historiadores da arte, de Herbert Read e Kenneth Clark a Graham

Sutherland, o haviam elogiado por isso.

Mas agora, sob a influência de Bacon, Freud para de desenhar por

completo e começa a soltar sua pincelada. Mantém seu modo

incrivelmente lento e árduo de trabalhar. Mas, como Bacon, incorpora o

acaso e o risco, lambuza e desloca os traços fixos do rosto, e utiliza toda

a viscosidade e energia latentes da tinta a óleo aplicada pelo pincel.

Concentra-se mais na carne do que nos olhos e nos rostos, e começa a

ver o corpo humano como uma espécie de paisagem de volumes em

transformação, quase arbitrários, que se dissolvem e reconfiguram

continuamente, dependendo não tanto da luz cambiante quanto das

condições da pele, dos movimentos do sangue, ossos e músculos, e do

tecido adiposo que está por baixo.

Tudo isso se passa muito lentamente. Seu estilo maduro – o Lucian

Freud que agora conhecemos – leva anos para se desenvolver. E muitos

dos resultados em seu período intermediário são por demais estranhos e

incômodos. Quem observa o que está acontecendo mal pode acreditar.

Aqueles que o apoiam sentem-se traídos. Kenneth Clark limita-se a

dizer: “Acho que você enlouqueceu, mas desejo-lhe boa sorte”, e nunca

mais fala com ele.


E assim, durante muitos anos, Freud mantém-se uma figura

respeitável, porém menor – mais conhecido pela força e idiossincrasia de

sua personalidade que por seu trabalho, e praticamente desconhecido

fora da Grã-Bretanha. E as coisas continuam desse modo até o final da

década de 1980, quando Freud está próximo dos seus sessenta anos e as

pessoas já não podem ignorar o que está saindo de seu estúdio, pois tudo

é muito imediato, impressionante e íntimo. (A exposição em Berlim, de

onde o retrato de Bacon nunca volta, acontece exatamente nesse

momento.)

Freud fala em tratar a cabeça como “apenas mais um membro” e não

dedica mais atenção aos traços faciais de seus modelos do que a suas

coxas, dedos ou genitais. Desafiando o clichê segundo o qual “os olhos

são a janela da alma”, pinta seus modelos dormindo ou com olhar

inexpressivo. Subverte a ideia tradicional do retrato como uma função da

psicologia e de status social. Em vez disso, ele passa a ser uma função,

um resultado, do mais íntimo escrutínio de outra pessoa.

DURANTE ESSE PERÍODO, o sucesso de Bacon não para de crescer. Graças

em parte a suas famosas e brilhantes entrevistas com David Sylvester,

ele se torna uma espécie de celebridade. Organizam-se importantes

retrospectivas de sua obra, primeiro na Tate, em Londres, e no

Guggenheim, em Nova York, em 1962; em seguida, em 1971, no Grand

Palais, em Paris. Ele é admirado e respeitado não só na Inglaterra, mas

também por toda a Europa e, por fim, nos Estados Unidos. Autores

famosos do continente europeu, como Georges Bataille, Michel Leiris e

Gilles Deleuze discorrem sobre seu trabalho. É elogiado por todos os

lados.

A retórica de Bacon – e ele era um maravilhoso apologista de seu

trabalho – insistia que sua pintura deveria evitar a todo custo o tédio da
“ilustração”. “Não quero contar uma história”, disse a Melvyn Bragg.

“Não tenho nenhuma história para contar.” Ele queria é que sua pintura

atingisse “o sistema nervoso” o mais diretamente possível sem ter que se

tornar uma “longa diatribe” no cérebro.

O percurso de Bacon para produzir uma grande obra foi, como o

próprio Freud repetia, “incrivelmente longo”. No seu melhor momento,

ele foi um dos pintores mais empolgantes do século XX. Mas em muitos

sentidos seu trabalho posterior tornou-se exatamente aquilo de que

Freud – sob a influência de Bacon – tanto se esforçara para escapar: uma

maneira, uma antologia de afetações. Amplas áreas de suas telas eram

deixadas vazias e sem vida. Ele passou a contar cada vez mais com

truques pictóricos – símbolos provocadores, como setas, seringas,

suásticas e imitação de jornal, a maioria deles desempenhando uma

função de importância irrelevante no conjunto. O trabalho não raro

parecia fazer pouco mais do que ilustrar sua própria retórica – enquanto

essa retórica se calcificava em lugar-comum.

Bacon compensava seu desenho medíocre com uma pincelada

pictórica maravilhosa, cheia de movimento, cor, textura e mudanças

inesperadas de velocidade. Mas, fora da estimulação primorosa das faces

e carne de seus modelos, suas telas – e em especial os torsos e membros

das figuras – davam muitas vezes a impressão de serem absolutamente

descritivas, exatamente como a “ilustração” que ele tanto dizia querer

evitar.

PERTO DO FINAL DA VIDA, Freud disse a William Feaver estar tão tomado

pelo trabalho que “percebi que, no grande quadro que estou fazendo,

estava usando o pincel para absolutamente tudo. Fiquei surpreso, porque

estava fazendo algo delicado, e não só usei o pincel grande como ele

estava carregado de resíduos de tinta. É como as pessoas gritando e


usando qualquer palavra antiga porque, de alguma maneira, o modo

como estão gritando vai funcionar. Se você sabe o que quer, pode usar

quase qualquer coisa. Um grito gramaticalmente incorreto não é menos

claro. Isso tem a ver com a urgência”.

Essas palavras trazem um eco estranho daquilo que conhecemos dos

métodos de Bacon – sua determinação em usar trapos velhos, golpes

intempestivos de jornal e até as mãos para forçar um ar de urgência em

seu trabalho. Era mais uma indicação da influência de Bacon sobre

Freud, que durou até sua própria morte em 2011.

O ROUBO, no sentido mais importante, foi apenas isso – um roubo:

brutal, audacioso, um ato de risco e pragmatismo calculados. E nesse

sentido Freud poderia provavelmente identificar-se com quem quer que

fosse o responsável. Tanto ele como Bacon haviam andado na

companhia de criminosos, e ambos, em certa medida, tinham empatia

por eles. Ambos, também, no começo de suas carreiras, haviam se

deixado levar por impulsos de cometer furtos quando lhes era

conveniente. Portanto, o roubo atrevido do retrato na galeria de Berlim

foi apenas uma perda – mais um fato estúpido e aleatório no mundo.

Mas acredito que era inevitável que o retrato, em sua ausência,

viesse a se tornar, para Freud, emblemático do aspecto escorregadio,

volátil e incognoscível de seu relacionamento com Bacon, e da antiga

mas ainda íntima rivalidade entre eles.

Se o pôster WANTED desenhado para recuperar o retrato roubado foi

uma espécie de brincadeira (e acho que foi: a ideia de Bacon como um

“criminoso à solta”, e uma referência, talvez, às “fotografias de registro

policial [de Deakin] tiradas por um verdadeiro artista”), foi uma

brincadeira de grande contundência. Era uma forma de admitir que não

só essa pintura fascinante, mas também esse homem, essa relação


crucial, significavam muito para ele, e que de certa maneira lhe haviam

escapado entre os dedos.


Manet e Degas

Um quadro é algo que exige tanta astúcia, malícia e perversão

quanto a perpetração de um crime.

EDGAR DEGAS

PERTO DO FINAL DE 1868, Edgar Degas pintou um retrato de seu grande

amigo Édouard Manet. Trata-se, na realidade, de um duplo retrato: a

pintura [ver prancha 6] mostra Manet recostado num sofá enquanto sua

mulher, Suzanne, está sentada ao piano, de costas para ele.

É um retrato, seria possível dizer, desse casamento.

O quadro pode ser visto hoje num pequeno museu de arte moderna

na ilha de Kyushu, no sul do Japão. O museu fica no topo de uma colina

nos arredores de Kitakyushu, um porto industrial de tamanho médio

voltado em direção à China. A colina, cercada por matas e jardins, tem

uma atmosfera suave e reservada, mas a construção em si, erguida

durante os anos de expansão do Japão, tem o aspecto triste e sem

personalidade de uma ruína modernista. Seu exterior em forma de caixa

está descascado e manchado, as galerias são vastas e quase sempre estão

vazias, e o museu como um todo, com seu ar de idealismo cívico,

outrora entusiástico, agora constrangido, dá uma sensação estranha em

contraste com o intimismo suave e letárgico da pintura de Degas.

A mulher de Manet é mostrada de perfil. Tem os cabelos castanho-

claros presos no alto, revelando uma orelha pequena e delicada e um

pescoço largo, em torno do qual ondeia a linha estreita e curva de uma

fita negra. Sua saia é de um cinza azulado claro, com listras pretas que

acompanham as dobras e as curvas do abundante material. A blusa é


feita de um tecido translúcido – difícil de reproduzir na pintura – através

do qual vê-se o rosado de sua pele, exceto nas costuras, que Degas

mantém opacas – um toque de virtuosismo. Há pouca coisa em cor viva,

salvo uma almofada vermelha perto do centro e um turquesa adorável,

devaneante, que se acumula como o clima tropical em torno da figura de

Suzanne.

A TELA QUE DEGAS escolheu para esse retrato do casal não é muito

grande. O formato é horizontal. A pintura é vistosa em sua moldura

dourada um tanto ornada. Mas há algo aí extremamente curioso.

É possível vê-lo de longe: boa parte do lado direito do quadro – algo

entre um quarto e um terço dele – está vazia, sem pintura. Quando nos

aproximamos, podemos ver imediatamente que, na realidade, uma parte

foi cortada e substituída por um novo pedaço de tela. Esse pedaço foi

coberto com uma base lavada, de tom castanho-claro, presumivelmente

como preparação para uma repintura que nunca ocorreu. Meio

centímetro antes da junção há uma linha vertical de pequenos pregos

que descem a intervalos irregulares. A assinatura de Degas aparece em

vermelho no canto direito inferior desse trecho de tela vazio.

O CENÁRIO QUE DEGAS escolheu para o retrato foi o terceiro andar de um

apartamento na rue de Saint-Pétersbourg, a uma curta caminhada da

Place de Clichy, no distrito parisiense de Batignolles. Era aqui – ao pé

da colina em que Picasso mais tarde teria um encontro tenso com

Matisse – que Manet e Suzanne moravam, com o filho adolescente,

Léon, e a mãe viúva de Manet, Eugénie-Desirée.

Suzanne era uma holandesa robusta, mas bonita, loura e com faces

coradas. Era também uma excelente pianista, de modo que fazia sentido

Degas ter escolhido retratá-la ao piano. Durante as soirées que os Manet


promoviam às quintas-feiras, das quais Degas era um habitué, Suzanne

invariavelmente tocava para os convidados.

Todos que conheciam Manet pessoalmente pareciam gostar dele e

admirá-lo. Ele era charmoso, afetuoso, corajoso; alguém que todos

desejariam ter por perto. Degas não era exceção. Na época em que

começaram as sessões para o retrato, Degas já era amigo próximo de

Manet havia sete anos. Mas devia sentir que Manet ainda não tivera a

oportunidade de conhecê-lo como ele realmente desejava. Pedir a Manet

para posar para um retrato foi talvez uma maneira não só de selar essa

amizade silenciosamente competitiva, mas, para Degas, de aproximar-se

dele, fazer algum tipo de afirmação sobre a vida íntima desse homem

que era dos mais sociáveis.

Degas, como Lucian Freud, tinha uma atração instintiva pelos

aspectos desconhecidos das pessoas, especialmente aquelas de quem era

mais próximo. Surpreendera-o que, apesar da fluência social de Manet,

de seu magnetismo lacônico, houvesse algo nele que permanecia

fugidio. E ele estava seguro de que, em certa medida, esse algo tinha a

ver com Suzanne. Quanto mais interligadas se tornavam as vidas sociais

desses dois homens, mais isso se confirmava para ele. Degas era como

um cão de caça farejando: instintivamente, impotentemente (talvez

mesmo a despeito de seus melhores interesses) envolvido na caçada.

Não sabemos quanto tempo duraram as sessões de pose. Não

sabemos se Suzanne de fato tocava piano enquanto Degas pintava, ou (se

de fato tocou) o que tocou. Mas sabemos que, quando terminou o

quadro, Degas – orgulhoso de seu trabalho –, o presenteou a Manet.

O que aconteceu em seguida tem desconcertado os historiadores da

arte e os biógrafos desde então.

Algum tempo depois (ninguém sabe quanto), Degas fez uma visita

ao ateliê de Manet. Quando espiou sua pintura acabada, viu


imediatamente que havia algo errado. Alguém a tinha agredido com uma

faca. A lâmina passara bem em cima rosto de Suzanne.

O culpado, como Degas logo descobriu, era o próprio Manet. Não

sabemos o que ele disse para explicar o feito. Degas, podemos imaginar,

ficou chocado demais para escutá-lo. Decidiu simplesmente ir embora –

“sem me despedir”, como mais tarde recordou, “levando meu quadro

comigo”.

Em casa, Degas tirou da parede a pequena natureza-morta que

Manet lhe dera depois de um jantar em que Degas quebrara uma travessa

de salada. Embrulhou-a e devolveu-a com uma nota que, segundo

Ambroise Vollard, dizia: “Monsieur, estou devolvendo as suas

Ameixas.”

ÉDOUARD MANET ERA o rebelde filho mais velho de dois respeitáveis

membros da alta burguesia francesa. Seu pai, Auguste, era um advogado

que se tornaria chefe de gabinete no Ministério da Justiça, em seguida

juiz de alto escalão e, por fim, membro do Tribunal. Sua mãe, Eugénie-

Désirée, era filha de um diplomata francês na Suécia. Era também

afilhada de Jean-Baptiste Bernadotte, marechal de Napoleão – o oficial

do exército francês que se tornou o rei Carlos XIV da Suécia. Havia a

expectativa de que seu primeiro filho, Édouard, seguisse a carreira de

advogado, como o pai. Mas ele mostrou pouca aptidão, e ainda menos

aplicação, nos estudos. “Completamente inadequado”, foi o veredicto de

um parecer do Collège Rollin, a prestigiosa escola em Paris que ele logo

em seguida abandonou. Ele gostava mesmo era de arte. Seu tio materno,

Édouard Fournier, incentivou-o a levar adiante seu intento e até lhe deu

aulas de desenho. Fournier levava Manet e seu jovem amigo Antonin

Proust ao Louvre, onde, mais de uma década depois, Manet conheceria

Degas.
Em 1848, um ano de revoluções por toda a Europa, Manet pediu

permissão ao pai para ingressar na Escola Naval. Este consentiu, mas

Manet não passou nos exames de admissão. Havia a possibilidade de

tentar novamente se, antes, ele embarcasse num navio-escola com

destino ao Rio de Janeiro. E, assim, Manet zarpou para uma viagem de

travessia do Atlântico. Padeceu terrivelmente com o enjoo (“o balanço é

tão forte que é impossível ficar embaixo do convés”, escreveu à mãe).

Ele cruzou o equador – um importante rito de passagem para qualquer

marinheiro –, praticou esgrima e fez desenhos para os outros

marinheiros. Quando o navio finalmente chegou ao Rio de Janeiro,

participou do carnaval, observou um mercado de escravos (“um

espetáculo bastante revoltante para nós”) e foi picado por uma cobra

numa excursão a uma ilha na baía de Guanabara.

Estava louco para voltar a Paris. Quando chegou, conseguiu fazer

sua segunda prova de admissão. Mas fracassou de novo. Seu pai, em

desespero, finalmente cedeu ao inevitável e concordou em deixá-lo se

preparar para ser artista. E então, no ano seguinte, 1850, Manet se viu

estudando no ateliê de Thomas Couture, um artista progressista,

formado nos moldes clássicos. Couture ainda estava ligado a temas

acadêmicos, mas pretendia romper com muitas práticas antiquadas –

acima de tudo, deixando que cores claras e a textura entrassem em suas

pinturas. Manet ficaria com ele durante seis anos.

Mas 1850 marcou o início de um relacionamento ainda mais

importante na vida de Manet. Foi o ano em que ele começou um caso

romântico secreto com Suzanne Leenhoff, a holandesa que seus pais

haviam contratado para ensinar piano aos filhos. As visitas clandestinas

ao apartamento de Suzanne na rue de la Fontaine-au-Roi culminaram na

gravidez de Suzanne na primavera de 1851. Ela tinha 22 anos. Manet,

apenas dezenove. E, no começo de 1852, Suzanne deu à luz um filho,

Léon.
ENVOLVER-SE NESSA LIGAÇÃO secreta com a professora de piano

contratada pelo pai foi apenas uma das muitas infrações que marcaram a

juventude de Manet e frustraram seus pais. Havia os medíocres

resultados escolares, o malogro em seguir o pai na advocacia, o duplo

fracasso nos exames de admissão para a academia naval e – talvez o pior

de tudo – sua insistência em se tornar pintor. Assim, seus pais tinham

total consciência de que seu filho era rebelde, obstinado. Pareciam ter

chegado à conclusão de que havia pouco a ganhar em tentar obstruí-lo.

Mas, quando Suzanne ficou grávida de Léon, o desastre foi

completo. Engravidar uma mulher estrangeira de uma classe social mais

baixa e fora do casamento era, em si mesmo, um ultraje contra a

decência burguesa. A situação foi ainda pior para a família Manet por

causa da posição social especial de seu pai. Não só Auguste era juiz do

Tribunal de Primeira Instância do Sena, tendo ido trabalhar no Palácio

de Justiça, como também fazia parte de sua rotina julgar causas de

paternidade. O potencial para constrangimento, portanto, era alto. A

ideia de que Auguste agora deveria receber uma criança bastarda na

família estava fora de questão – e Manet deve ter compreendido isso

imediatamente.

Tinha que manter o segredo.

Felizmente, podia confiar na mãe. Quando lhe contou sobre a

gravidez, ela logo se encarregou do assunto. Informou a mãe de

Suzanne, que veio rapidamente da Holanda para Paris. Léon nasceu em

19 de janeiro de 1852. Foi registrado “Koëlla, Léon-Édouard, filho de

Koëlla e Suzanne Leenhoff” (nenhuma menção a Manet), e apresentado

na sociedade como irmão de Suzanne – isto é, como o filho caçula da

mulher que era, na realidade, sua avó.

Manet, por sua vez, foi padrinho de batismo de Léon. E assim, por

muitos anos, ficou indo e vindo entre sua casa e um apartamento no


distrito de Batignolles, onde Léon morava com Suzanne, a mãe de

Suzanne e, mais tarde, seus dois irmãos, que também se mudaram da

Holanda para Paris.

Em outras palavras, Manet vivia uma vida dupla – não tanto por

opção, mas por necessidade. Havia um segredo no centro de sua vida

privada que precisava ser protegido. E foi. Na realidade, a família Manet

foi tão bem-sucedida em disfarçar seu segredo que ainda não

conhecemos ao certo os detalhes das circunstâncias em torno do

nascimento de Léon e seus primeiros anos de vida. Tudo foi muito bem

encoberto. De que forma isso afetou Manet a longo prazo, só podemos

imaginar. Mas parece certo que contribuiu para uma pressão, uma

tensão, que jaz não muito abaixo da superfície leve e tranquila de sua

arte.

MANET ERA UM republicano fervoroso. Assim, ficou chocado quando, no

final daquele mesmo ano, 1851, Luís Napoleão orquestrou o golpe que

deu origem ao Segundo Império na França. A brutalidade do golpe e a

era de censura que se seguiu foram o bastante para extinguir as

esperanças republicanas, que haviam sido tão vertiginosas depois dos

levantes de 1848. Os jovens artistas e escritores estavam agora

desiludidos com a esfera política. Desviaram-se dos grandes temas

públicos para assuntos mais privados. Manet era parte dessa tendência

geral, mas suas convicções políticas ardiam fortemente sob sua aparente

indiferença. Ele estava na rua com seu amigo Proust, em 2 de dezembro

de 1851, quando Luís Napoleão – ou “Napoleão III”, como ele se

autodesignou exatamente um ano depois – tomou o poder. Os dois

estudantes de arte viram muito caos e sangria no decorrer do dia.

Chegaram a ser detidos durante várias noites – embora mais por sua

segurança do que por representarem uma ameaça.


Logo após o golpe, Manet e seus colegas do ateliê de Couture foram

ao cemitério de Montparnasse, para onde as vítimas mortas de Napoleão

haviam sido levadas, a fim de desenhar os corpos. Uma atmosfera a um

só tempo calma e macabra – datada, talvez, dessa experiência formadora

– perpassaria boa parte do trabalho posterior de Manet, alimentando

pinturas como O toureiro morto (1864), A execução do imperador

Maximiliano (1868-69) e O suicida (1877), e afetando – como a

“sombra da vida passando e repassando sem cessar” tão admirada por

Francis Bacon nas pinturas de corte do herói de Manet, o pintor

espanhol Diego Velázquez – até mesmo suas ostensivas pinturas solares.

Havia um bocado de melancolia, mesmo morbidez, por trás do charme

lendário de Manet. Isso viria a fascinar Degas, que era um homem

introspectivo, meditativo.

MANET DEVE TER SIDO um incômodo para seus pais respeitáveis, um

primogênito irresoluto e decepcionante. Mas, por volta de seus 25 anos,

tornara-se um homem impactante e agradável. Depois de anos de

estudos com Couture, que era apenas progressista o bastante para sugerir

novas possibilidades e acadêmico o bastante para fornecer um modelo a

ser descartado, estava finalmente amadurecendo. Havia desenvolvido

uma nova maneira de pintar, rápida, vigorosa, baseada em pinceladas

sensuais, contornos fortes e transições abruptas entre claros e escuros, e

havia despertado o interesse dos críticos. Quando sua pintura O cantor

espanhol – que mostrava um violonista, sentado num banco azul, contra

um fundo escuro e vazio – foi exposta no Salão de 1861, seu efeito foi

irresistível, e Manet obteve elogios tanto dos resenhistas conservadores

quanto dos progressistas.

Durante mais de um século, o Salão fora o mais importante evento

artístico do mundo ocidental, e o principal árbitro da reputação dos

artistas. Era a exposição oficial, patrocinada pelo governo e realizada


todos os anos, em que, em vastas galerias repletas do teto ao chão, o

público acorria aos milhares para ver um amplo recorte das mais

recentes pinturas. Reinava o ecletismo. Todo estilo concebível estava à

mostra, todos disputando atenção. Os pintores ambiciosos contribuíam

heroicamente com telas imensas contendo atualizações atrativas de

temas antigos. A maior parte do que se expunha era o produto de uma

cultura oficial que determinava que a excelência estética devia se basear

na técnica tradicional. Temas que refletissem os valores burgueses e,

sempre que possível, a glória do Estado francês eram altamente

favorecidos. E, assim, quase tudo que se representava era baseado no

passado: em episódios enaltecedores da virtude, tirados da história, da

Bíblia e da mitologia greco-romana. Todas essas obras visavam

fortalecer uma tradição grandiosa, mas bastante esvaziada. A pintura

que refletia diretamente a vida parisiense não se via em lugar algum.

Tudo isso estava prestes a mudar. Mas, para um pintor nos anos

1860, o sucesso no Salão ainda parecia um trampolim necessário para

uma carreira viável. Manet, apesar de sua exuberância, não estava

disposto a romper essa premissa. Ao longo da década seguinte, ano sim,

ano não, ele diligentemente submetia seu trabalho ao Salão. Às vezes era

aceito, às vezes não. O que ele detestava era a atmosfera de clichê que

envolvia a arte de sua época, e assim determinou-se a se rebelar contra o

Salão a partir do próprio contexto. Ele não tinha nenhum interesse em

produzir mais uma representação de Hércules e seus trabalhos ou de

Napoleão em sua pompa. A beleza feminina o estimulava, mas a

tendência prevalecente do erotismo polido e glabro, esmaltado com uma

fina crosta de piedade moral, lhe causava completo desprezo. Ele

detestava, acima de tudo, a recusa a registrar qualquer coisa que tivesse o

sabor da vida real, do apetite pessoal, do tempo presente.


EM O cantor espanhol, os sapatos brancos esfarrapados do violonista e o

lenço branco preso por baixo de seu chapéu preto foram o bastante para

fazer os observadores ocasionais rotularem Manet de “realista”. Isso o

colocou imediatamente na mesma categoria de Gustave Courbet, cujos

quadros ásperos de camponeses lavrando, paisagens de floresta e nus

carnudos e eróticos vinham abalando o establishment desde 1850. O

insolente Courbet, dado à autopromoção, era alérgico à petulância e leal

a verdades concretas, não idealizadas, o que instintivamente atraiu

Manet (e mais tarde teria um grande impacto sobre Lucian Freud).

Courbet estava farto da ênfase reiterada – pelo menos na arte

oficialmente sancionada – na mitologia desgastada e nos acontecimentos

históricos remotos. Mais do que qualquer outro artista de sua geração,

ele queria encarar o que significava estar vivo agora.

Mas Courbet era provinciano; a vida rural é que lhe interessava –

não a cidade. Na cidade (e nenhuma cidade no mundo naquela época era

mais sofisticada e multiforme que Paris), o literalismo de Courbet podia

parecer tolo e rude. Manet queria encontrar um equivalente urbano, algo

refinado. E, assim, mais por instinto do que cálculo, começou a

desenvolver uma nova abordagem, que combinava a franqueza de

Courbet com uma discrição, uma leveza e um desprezo pelas regras que

expressavam perfeitamente sua personalidade.

Os toques pitorescos da “vida real” em pinturas como A cantora das

ruas estavam deliberadamente aquém da ideia de Courbet do realismo.

Ao mesmo tempo que expressavam um apetite e um frescor novos, havia

certa ironia e argúcia provocadoras no estilo entusiasticamente

remendado de Manet. Seus quadros surgiam num piscar de olhos.

Quando foi observado que o violonista em O cantor espanhol era

canhoto mas tocava um instrumento para destros, Manet não se abalou e

pôs a culpa no espelho: “O que posso dizer?”, respondeu

tranquilamente. “Pensem bem, pintei a cabeça de uma só vez. Depois de


trabalhar por duas horas, olhei para o quadro em meu espelhinho preto, e

estava bom. Nunca acrescentei nenhuma outra pincelada.”

Ou seja, o assim chamado realismo de Manet, na verdade, não era

nada disso, e sim uma espécie de falso realismo, um jogo estético casual,

porém elaborado, que ele estava começando a aperfeiçoar. O que

importava não eram tanto as regras do jogo – estas eram negociáveis –,

mas o espírito no qual era jogado. O impacto desses quadros inteligentes

e astuciosos no Salão foi profundo.

Alguns jovens pintores que visitaram juntos o Salão de 1861,

segundo o crítico Fernand Desnoyers, foram vistos olhando “uns para os

outros com admiração, tentando entender e se perguntando, como

crianças num espetáculo de mágica: de onde será que Manet surgiu?”.

Algo que tinha a ver não apenas com o tema, mas também com o modo

despretensioso com que Manet o tratava, parecia-lhes trazer a promessa

de libertação. Foi um momento denso – um ponto de inflexão. Mais

tarde, os mesmos pintores foram, em grupo, ao ateliê de Manet,

acompanhados por vários escritores, entre os quais o poeta e crítico

Charles Baudelaire e o crítico e romancista Edmond Duranty. Manet

recebeu todos os seus admiradores com efusão. E a partir daí se tornou,

sem nunca ter sido sua intenção, o líder de facto de uma geração mais

nova de pintores ávidos para mudar o curso da história da arte.

MANET ENCONTROU DEGAS pela primeira vez no mesmo ano, 1861,

percorrendo as galerias do Louvre. Não tinha ainda trinta anos. Degas

estava com 26 ou 27, um jovem de aspecto taciturno, com uma barba

desalinhada, testa alta e pálpebras caídas sobre olhos negros

insondáveis. Ele estava instalado em uma das grandes galerias do museu

com um cavalete e uma placa para gravura, tentando copiar uma pintura

de Velázquez da princesa real espanhola, a infanta Margarida.


Manet era obcecado por tudo que fosse espanhol e venerava o

cronista do século XVII da corte de Filipe IV acima de todos os outros

pintores; portanto, não foi nenhum acaso ele ter ido parar na galeria que

continha o pequeno retrato de Velázquez da infanta loura (uma pintura

desde então rebaixada a “ateliê de Velázquez”, mas não importa).

Manet, além disso, havia recentemente mergulhado em todos os arcanos

da gravura em metal, de modo que tinha algumas ideias já formadas

sobre o assunto.

Ele aproximou-se e logo viu que Degas estava todo atrapalhado.

Pigarreando, ofereceu-lhe algumas conselhos bem-humorados. Degas

era sensível e orgulhoso, e a intrusão poderia facilmente tê-lo

aborrecido. Assim, uma medida da absoluta simpatia de Manet foi que o

encontro produziu um efeito oposto. Degas mais tarde contou que nunca

esqueceria a lição que recebeu de Manet naquele dia, “junto com sua

duradoura amizade”.

DEGAS ERA O MAIS VELHO de cinco irmãos, um filho favorecido de uma

família abastada, como a de Manet. Seu avô, Hilaire, levara uma vida

extraordinária como especulador no mercado de grãos francês e

cambista. Sua noiva fora guilhotinada pelos revolucionários em 1792

por ajudar o inimigo. Ele fugiu de Paris no ano seguinte depois de

receber um alerta de que estava prestes a sofrer o mesmo destino. Mais

tarde, ingressou no exército de Napoleão no Egito, antes de acabar em

Nápoles, onde casou-se e fundou um banco bem-sucedido. Logo tornou-

se banqueiro pessoal do recém-empossado rei napolitano, Joaquim

Murat – cunhado de Napoleão. Mesmo depois da morte de Napoleão e

da segunda restauração da monarquia Bourbon, a ascensão de Hilaire

continuou. Ele acumulou uma fortuna que lhe permitiu comprar um

palazzo de cem aposentos no centro de Nápoles, e instalou seu filho,

Auguste – o pai de Degas –, como diretor da filial parisiense do banco


da família. Auguste casou-se com Célestine Musson, a filha de dezessete

anos de um bem-sucedido comerciante de algodão, crioulo nascido no

Haiti, cuja família havia acabado de se transferir de Nova Orleans para

Paris. Ela morreu quando Degas, seu primeiro filho, tinha treze anos.

Degas foi educado na Louis-le-Grand, a melhor escola de Paris

(entre seus ilustres ex-alunos estavam Molière, Voltaire, Robespierre,

Delacroix, Géricault, Victor Hugo e Baudelaire). Era brilhante e se

manteve em padrões elevados. Embora gostasse de arte e tivesse

transferido esse amor ao filho, Auguste Degas esperava que Edgar

abraçasse a advocacia, como ele fizera – e não que se tornasse artista.

Por um breve período, Degas de fato trabalhou no ramo, mas não

adiantou: ele havia sido contaminado pelo vírus da arte. Era claramente

muito talentoso e não seria demovido de seu desejo, de modo que o pai

acabou optando por apoiá-lo, na condição de que seguisse sua escolha

com rigor. Auguste empenhou-se em encontrar um pintor respeitável,

Louis Lamothe, para lecionar ao filho, e acompanhava de perto seus

progressos. Degas, por sua vez, introjetou as altas expectativas do pai.

Viveu uma vida ascética, totalmente dedicado à arte.

TENDO PERDIDO A MÃE muito cedo, Degas cresceu na companhia

esmagadora de homens. Havia, obviamente, seu pai viúvo, além de dois

avôs viúvos e não menos do que quatro tios solteiros. O celibato era

visto com considerável suspeita na França do Segundo Império.

Associado pelos médicos a distúrbios nervosos, era tido mais

comumente como um defeito moral – uma indicação de

homossexualidade, libertinagem ou, não menos mau, impotência

decorrente da sífilis. Nos anos 1870, enquanto a nova constituição da

Terceira República era debatida, fizeram-se até tentativas de privar os

solteiros do voto.
A despeito dessas restrições sociais mais amplas, não se casar era

comum tanto na família Degas como no círculo de artistas boêmios com

quem ele havia começado a conviver. Quase todos os artistas do que se

tornou o grupo impressionista, por exemplo, evitaram casar-se cedo.

Quando acontecia de se casarem, era geralmente com amantes de vários

anos, mas só muito depois de terem tido filhos.

Na Itália, durante a juventude, Degas nutriu a ideia de uma vida

monástica. Em vez disso, escolheu a arte. Mas está claro que a

mentalidade monástica ficou incutida dentro dele. “As coisas mais belas

na arte”, disse, “vêm da renúncia.”

LOGO DEPOIS DO ENCONTRO fatídico de 1861 no Louvre, Manet e Degas

passaram a se ver várias vezes por semana. Havia afinidades naturais

entre eles – especialmente fatores sociais e de classe que os destacavam

da maioria de seus pares boêmios. Mas Manet também deve ter

reconhecido em Degas algo brilhante e inimitável.

Quando estudante, Degas trabalhou intensamente o desenho. Ele

tinha uma aptidão extraordinária para essa técnica, em muito superior à

de Manet. Mas também era disciplinado. Levou a sério o conselho de

seu herói, o formidável neoclássico Jean-Auguste-Dominique Ingres,

cuja casa visitara, boquiaberto, quando estudante em 1855. Ingres disse-

lhe: “Faça linhas, meu jovem, muitas linhas, de observação e de

memória, e será um bom artista.”

Para a geração de Degas, o nome de Ingres indicava uma autoridade

altiva e inabalável. Essa autoridade tinha raízes em sua admiração pela

arte contida e linear da Grécia e Roma antigas, que se transformou em

fervor. Havia algo semimítico: “Os antigos viram tudo, entenderam tudo,

sentiram tudo, representaram tudo”, disse Ingres. A linha, na concepção

de arte de Ingres, era suprema – e não só no sentido técnico. Havia um


aspecto moral em sua convicção, refletido em ditos dele, como “o

desenho é a probidade da arte”, que ainda são rotineiramente repetidos

nas escolas de arte. Apegado a dogmas como esses, Ingres defendia

noções de decoro e perseverança. Valores duradouros.

Ingres era mais corajoso e audacioso do que sua reputação sugere.

Mas levou a cabo uma ideia de arte acadêmica: isto é, ela se baseava em

padrões estabelecidos e treino disciplinado, e na ideia de que as coisas

deveriam ser difíceis, não fáceis.

Ingres representava tudo a que Manet se opunha. Mas, para Degas,

era diferente. A visão de arte rígida, disciplinada e ideológica de Ingres

não só ia ao encontro da aprovação do pai de Degas, como também

respondia a algo profundo de seu temperamento. Enquanto Manet

parecia cada vez mais determinado a alcançar uma aparência de

espontaneidade e liberdade (ele queria que suas pinturas tivessem a

brevidade e a súbita aceleração da perspicácia), Degas – talvez como

resultado da influência do pai – parecia quase necessitar do sentimento

de que estava superando obstáculos para se sentir sério no que fazia.

“Posso lhe garantir”, disse ele anos depois, “nenhuma arte é menos

espontânea do que a minha. O que eu faço é o resultado de reflexão e

estudo dos grandes mestres.”

Ingres era um desses grandes mestres para quem as coisas eram de

fato imensamente difíceis. Seus nus e retratos da alta sociedade irradiam

calma; mas, para chegar a essa calma, ele experimentava tormentos

genuínos. Tinha problemas infindáveis para terminar as coisas. “Se eles

soubessem o trabalho que tive com seus retratos”, disse, sobre as

encomendas de que notoriamente se queixava, “teriam pena de mim.”

Estava sempre fazendo estudos preparatórios. E não raro abandonava

concepções após meses e até anos de trabalho. E então, como que


perseguido pela ideia de perfeição, voltava aos mesmos temas repetidas

vezes ao longo de sua carreira.

Tudo isso fez de Degas o verdadeiro herdeiro de Ingres. Também ele

cultivava a dificuldade. Para cada nova composição, produzia dezenas de

desenhos. Suas pinturas, concebidas com muita elaboração, eram

constantemente revistas e retrabalhadas. Ao contrário de Manet, que

parecia fazer pintura como se rabiscam ideias surgidas ao acaso, e que

desprezava com entusiasmo as noções convencionais de “acabado” (seus

quadros chocavam muitas pessoas, que os consideravam não mais que

esboços), Degas experimentava tremendas dificuldades, mesmo quando

estava perto do ponto em que poderia chamar uma pintura de acabada.

Degas nunca abandonou sua reverência a Ingres. Mas na Itália, onde

passou dois anos no final da década de 1850, deixou-se influenciar por

Gustave Moreau. E foi Moreau – um experimentalista em técnica e um

verdadeiro eclético em seus gostos (seria, posteriormente, professor de

Matisse) – que despertou Degas para Delacroix, o grande rival de Ingres.

Delacroix, agora um leão velho, era em muitos aspectos o próprio

conservador. Mas era visto – ou fora visto, nos anos 1820 e 1830 – como

um radical, o representante de uma nova força na arte, o romantismo.

Delacroix não tinha paciência para a obsessão neurótica de Ingres

com a disciplina do desenho. Ele se referia especificamente a tal

devoção quando disse que “não existem linhas na natureza”. Estava

dizendo com isso que as coisas no mundo eram tridimensionais,

destacadas por zonas de luz colorida, moduladas pela atmosfera em

torno delas e pelas condições em fluxo constante. Ele acreditava que o

neoclassicismo, ao tentar alcançar o eterno, muitas vezes acabava

impondo a estase ao mundo. Para Delacroix, a vida, o mito e a história

estavam no movimento.
Não surpreende que sua filosofia tenha feito sucesso com a geração

mais jovem, incluindo Manet, que abraçou o amor de Delacroix pela cor,

suas pinceladas visíveis (em contraste com as superfícies lisas e polidas

de Ingres) e suas tentativas de expressar o movimento dinâmico.

Delacroix havia votado pela inclusão de O bebedor de absinto, de

Manet (seu retrato sombrio de um trapeiro alcoólatra chamado

Collardet, que circulava pelas ruas em torno do Louvre), no Salão de

1859. Infelizmente, tratou-se de um voto solitário, e a pintura foi

rejeitada. Mas Delacroix parecia interessado nos progressos do jovem

Manet e disposto a oferecer seu apoio.

MUITO DO QUE Delacroix dizia – especialmente suas ideias sobre cor e

movimento – fazia sentido para Degas. Logo, diante do ceticismo de seu

pai, ele também começou a experimentar com pinceladas mais soltas,

cores mais fortes e composições mais dinâmicas. Degas estava

determinado a encontrar um meio de conjugar essas duas filosofias

opostas – o neoclassicismo de Ingres e o romantismo de Delacroix.

Seu impulso nesse sentido não era original: muitos artistas de

meados do século estavam tentando encontrar um meio caminho entre

os polos do classicismo e do romantismo. Mas Degas queria uma síntese

própria. E, assim, durante muitos anos, concebeu telas em grande escala

ilustrando episódios obscuros da história e da mitologia em um idioma

que combinava intencionalmente os dois estilos. Essas tentativas eram

de uma grande (e ainda subvalorizada) originalidade. Mas tudo era uma

luta terrível. Ele estava deprimido, indeciso e reprimido, e em todos os

seus esforços continuava a se sentir frustrado. Tinha muita dificuldade

em levar suas pinturas aonde queria que elas estivessem, e as ideias que

premiam pela supremacia em sua mente eram tão desmedidas que, do

ponto de vista estético, seu trabalho simplesmente não era nem uma
coisa nem outra. Trabalhou em pinturas como Jovens espartanos

durante dois anos, a partir de 1860, mas ainda estava insatisfeito.

(Voltou a ela, revisando-a completamente, dezoito anos depois.) Fez

dezenas de desenhos – que estão entre alguns dos mais belos desenhos

de figura do século XIX – em preparação para outra pintura, Cena de

guerra na Idade Média, mas a tela acabada, que foi apresentada ao

Salão de 1865, tinha uma atmosfera falsa, forçada, como um diorama de

museu demasiado rebuscado e um pouco absurdo. Trabalhou em outra

obra, A filha de Jefté, sua maior e mais ambiciosa pintura histórica,

durante mais de dois anos – bem no momento em que a influência de

Delacroix sobre ele estava no auge. No entanto, deixou-a abandonada,

inacabada.

O ENCONTRO DE DEGAS com Manet não podia ter ocorrido em melhor

época. Ele teve o simples efeito de provocar um abalo nos embates do

jovem artista. Manet tinha um carisma natural. Parecia combinar uma

espécie de impunidade pueril com modos adultos que se alternavam de

maneira tão rápida e fluente que a pessoa era conquistada antes mesmo

de se dar conta. Seu rosto, no qual Émile Zola detectou “um requinte e

vigor indefiníveis”, era animado e expressivo. Ele era um dos poucos

homens, disse um conhecido, que sabia como falar com as mulheres;

isto é, ele sabia como ouvir: demonstrava atenção com repetidos acenos

da cabeça, e, quando algo merecia sua admiração, sua língua estalava em

sinal de aprovação – um som suave emitido através de uma barba loura

com reflexos ruivos.

Manet tinha um modo ágil e fluente de andar e pés delgados. Falava

de um jeito arrastado que imitava a gíria das classes operárias

parisienses; no entanto, suas roupas eram de um corte elegante. Vestia

casacas cinturadas, calças de cores claras, às vezes calças de equitação

inglesas e cartolas de seda. De seu colete pendia uma corrente de ouro, e


sua mão enluvada levava uma bengala. Mas usava esse uniforme de

maneira despretensiosa, adotando, aonde quer que fosse, modos

cuidadosamente descuidados, uma espécie de displicência.

Aos olhos de seus admiradores, Manet parecia ter aperfeiçoado uma

certa ideia de vida civilizada na Paris do Segundo Império. Nas ruas,

tipificava a figura do flâneur de meados do século. Depois de almoçar

todos os dias no Café Tortoni, o centro da sociedade dos bulevares, ele e

Baudelaire caminhavam pelas Tulherias. Manet fazia esboços rápidos

durante o passeio, imbuído do romantismo que via na posição de

Velázquez como pintor da corte do rei da Espanha, Filipe IV – nobre,

distante, austero. E, assim, designou a si mesmo, com elã brincalhão, o

“Velázquez das Tulherias”. À tarde, de volta ao Café Tortoni, entre cinco

e seis horas, ficava cercado de admiradores que se desfaziam em elogios

aos esboços do dia.

Em cenários mais privados, desdenhando a formalidade, Manet

gostava de se sentar de pernas cruzadas no chão das casas de seus

anfitriões. Ele inclinava o corpo, esfregando as mãos e franzindo os

olhos, num gesto de avaliação.

Esse mesmo desdém pela formalidade embasava sua pintura. Ele

esfregava cores vivas diretamente sobre a tela em grandes blocos de

pinceladas – sem a convencional progressão meticulosa das camadas

mais escuras às mais claras. Preferia temas iluminados de frente (o que

acabava por achatá-los), fatura solta à maneira de Frans Hals ou

Delacroix, e preciosos pretos que ativavam uma paleta em sua maior

parte clara, deprezando displicentemente os tons intermediários. Sentia-

se que havia amor em tudo o que pintava, e em sua displicência havia

algo não apenas erótico, mas energicamente violento – como se uma

maneira de pensar no amor fosse como uma espécie de golpe indireto.


Manet também tinha um temperamento brincalhão – um lado meigo,

gozador. Sua conversa era entremeada com tiradas irônicas, pequenas

alfinetadas com que só os mais irritadiços ou paranoicos se indignavam.

Quando, por exemplo, anos depois, Zola lhe enviou o prefácio que havia

escrito para a segunda edição de seu controverso romance Thérèse

Raquin, Manet escreveu-lhe para congratulá-lo: “Bravo, meu querido

Zola, é um prefácio corajoso, e não é só um grupo de escritores que você

apoia, mas todo um grupo de artistas.” E então, concluindo, o

característico pequeno contragolpe: “De resto, para quem sabe contra-

atacar tão bem quanto você, só pode ser um prazer ser atacado.”

Manet nunca pareceu invejar o sucesso de seus colegas artistas. Ele

“sempre aprova”, disse seu amigo Fantin-Latour, “as pinturas das

pessoas de quem ele gosta”.

ENCORAJADO PELO SUCESSO de O cantor espanhol, Manet começou a

produzir, uma após outra, novas obras-primas. Menino com espada, de

1861 (um retrato de seu filho Léon fantasiado), foi seguida em rápida

sucessão por Jovem reclinada em traje espanhol, A cantora das ruas,

Mlle V… em traje de espada, Música nas Tulherias, Lola de Valence e

uma grande série de águas-fortes, tudo produzido em 1862. Esses

quadros eram atrevidos, chamativos, impregnados de voracidade.

Exalavam vida. Manet tinha nesse momento uma sensação de que podia

fazer quase qualquer coisa. Vestiu seu irmão de toureiro e pintou um

retrato de corpo inteiro do rapaz; depois, fez o mesmo com uma mulher

bem jovem chamada Victorine Meurent – que era seu novo modelo

favorito –, chegando até a esboçar uma tourada atrás dela. Não fazia

sentido. Não era necessário. Os instintos e paixões de Manet estavam em

perfeita harmonia com sua técnica e habilidades; ele tinha a convicção

interna de que suas ideias, por mais estranhas que fossem, de alguma

forma triunfariam – assim como O cantor espanhol triunfara em 1861.


“Manet tinha seus admiradores, bastante fanáticos”, observou o

crítico Théophile Gautier. “Já há alguns satélites girando em torno dessa

nova estrela e descrevendo órbitas das quais ele é o centro.”

Degas nunca se sujeitaria a ser satélite de ninguém. Mas, em meio a

suas próprias dificuldades, deve ter observado o início da explosão

criativa de Manet com perplexidade e mais do que uma pequena inveja.

Enquanto Manet improvisava seu caminho para a notoriedade e irrompia

com decisão e confiança, Degas copiava laboriosamente crucificações de

Andrea Mantegna, devotando anos de sua jovem vida a retrabalhar com

minúcia as cenas concebidas e esforçando-se desmesuradamente para

incorporar as mais recentes descobertas dos assiriologistas, em pinturas

como Semíramis construindo Babilônia – pinturas que vieram ao

mundo, a despeito de todo o esforço que o pintor dedicou a elas,

natimortas.

Enquanto Manet desfrutava seus primeiros sucessos com uma

atitude brincalhona e despretensiosa em relação ao passado – e mesmo

em relação a heróis e modelos a seguir, como Velázquez e Delacroix –,

Degas ainda competia seriamente com os grandes pintores de outras

épocas. “Nosso Rafael”, observou seu pai, “ainda está trabalhando, mas

não completou nada até agora. No entanto, os anos estão passando.” E,

dois anos depois, em outra carta: “O que posso dizer sobre Edgar?

Estamos aguardando impacientes pela abertura da exposição. Tenho

boas razões para acreditar que ele não terminará a tempo.”

Enquanto trabalhava em suas telas inacabadas, Degas não podia

deixar de se impressionar pela facilidade e aparente impulsividade com

que Manet, “cujo olho e cuja mão são a própria certeza” (como ele

mesmo suspirou), perpetrava suas impressões na tela. “Maldito Manet!”,

ele mais tarde se queixou ao artista inglês Walter Sickert. “Em tudo o

que ele faz, sempre se dá bem de primeira, enquanto eu me esforço tanto

e nunca acerto.”
Ele provavelmente sentia-se igualmente invejoso ao observar a

maneira de Manet agir socialmente. No entanto, havia muitas

compensações. Assim como o efeito de Francis Bacon sobre Lucian

Freud ampliaria seu mundo – intensificando o prazer com novas

pessoas, novas situações, novas formas de potencial social e estético –,

Manet ajudou a fazer Degas sair de si mesmo. Seu exemplo fez Degas

perceber o que poderia ser alcançado por meio da simples temeridade. O

aspecto talvez mais impressionante de Manet a essa altura era seu senso

inerente de convicção. Isso tornou Degas ciente da necessidade de

cultivar uma ousadia similar em si mesmo.

NOS ANOS SEGUINTES ao primeiro encontro dos dois artistas, Degas

abandonou a pintura histórica e alegórica por completo. Voltou os olhos

para a vida como era vivida na Paris do Segundo Império – a mesma

vida que tanto cativara Manet. Tendo saído de si mesmo e de suas

obsessões herméticas, entrou no inebriante mundo social de Manet e se

apaixonou pelo espetáculo da cidade. Tornou-se “um veterano de

estreias, flâneur e homem de cafés”, escreveu seu biógrafo, Roy

McMullen. O mais importante é que adquiriu uma noção mais ampla e

flexível do que queria alcançar em sua arte.

Havia, é claro, outros estímulos além de Manet – mais obviamente

Courbet, cujo estilo de pintura impetuoso e personalidade abrasiva

muito fizeram para reformular drasticamente a pintura francesa na

década anterior. Os colegas de Degas, Whistler e Tissot, também foram

influências nos anos 1860. Mas o relacionamento com Manet foi o mais

fértil, o mais frutífero, o mais importante de sua carreira.

SOLTEIRO A VIDA TODA, Degas observava os casais que conhecia –

incluindo Manet e Suzanne – com uma espécie de consternação, que


chegava às raias do rancor. Parte dele invejava aqueles que pareciam ter

encontrado a felicidade no casamento. Quando jovem, ele confiara em

seu caderno uma esperança sentimental de futura satisfação conjugal:

“Será que eu não poderia encontrar uma boa pequena esposa, simples e

tranquila, que compreenda as esquisitices de minha mente e com quem

eu possa passar uma vida modesta de trabalho? Isso não é um sonho

adorável?” Mas, aos 35 anos, ele já chocava um amigo, que se referiu a

ele como um “velho solteirão, amargurado por decepções secretas”.

As relações entre homens e mulheres, tanto dentro da instituição do

casamento quanto fora, o preocupavam como tema em sua arte. Ele

tinha um dom para detectar desarmonia e tensões entre os sexos e uma

obsessão em capturar essas tensões na tela. Em várias de suas pinturas

mais antigas – mais notadamente em Jovens espartanos exercitando-se e

Cena de guerra na Idade Média –, uma mulher ou grupo de mulheres à

esquerda é colocada numa relação antagônica com um homem ou grupo

de homens à direita. No final da década de 1860, quando estava pintando

Manet e Suzanne, uma preocupação específica não só com o conflito

entre os sexos, mas também com o próprio casamento, estava tomando

proporções cada vez maiores.

Os sentimentos de Degas pelas mulheres eram no mínimo

complicados. Profundamente tocado pela beleza feminina, encantado e

mesmo seduzido pela companhia de mulheres inteligentes, ele tinha, no

entanto, uma aversão sexista típica do século XIX à “brandura” feminina

– um medo silencioso e persistente do potencial que a mulher tem de

consolar, desarmar, debilitar. Entre os artistas e escritores, sua atitude

não era nada incomum. Em A prima Bette, Balzac descrevera a

destruição de um escultor talentoso pelo efeito corrosivo de seu

casamento. No romance de 1867 Manette Salomon, o artista fictício dos

irmãos Goncourt, Naz de Coriolis, acreditava que o celibato era o único

estado que permitia aos artistas conservar sua liberdade, sua força, seu
cérebro e sua consciência. Era por causa das mulheres, acreditava

Coriolis (em parte baseado em Degas), que tantos artistas resvalavam na

fraqueza, em modismos complacentes, em concessões ao lucro e ao

comércio e no abandono de aspirações anteriores. E o casamento, é

certo, acabava envolvendo a paternidade, o que fazia com que os artistas

se distanciassem ainda mais de sua verdadeira vocação. Os pintores

Corot e Courbet evitaram o matrimônio, lamentando o que viam como a

dissipação da energia criativa que qualquer relacionamento

comprometido com uma mulher acarretava. “Um homem casado é um

reacionário”, disse Courbet. E surpreende que até Delacroix tenha ficado

agitado quando um jovem pintor lhe falou de seus planos para se casar:

“E se você a ama e ela for bonitinha, é o pior de tudo”, disse ele. “A sua

arte está morta! Um artista não devia conhecer nenhuma outra paixão a

não ser seu trabalho, e sacrificar tudo por ele.”

Degas, como apontou McMullen, levou a sério todos esses tipos de

pensamento. Era sempre condescendente em relação à categoria das

“esposas”. Sobre sua opção de permanecer solteiro, explicou: “O meu

maior medo era que, depois de terminar um quadro, minha mulher

dissesse: ‘O que você fez aí é mesmo muito bonitinho.’”

Esses sentimentos geralmente defensivos e desdenhosos devem ter

influenciado sua atitude em relação ao casamento um tanto misterioso –

visto de fora – de Manet com Suzanne.

ALGUNS ESTUDIOSOS se perguntaram se o ceticismo de Degas em relação

ao casamento não passava de um sintoma de sua vocação e de sua época,

ou se era uma extensão de algo mais obscuro, mais perturbador. “A arte

não é um amor legítimo”, disse ele certa vez, “não nos casamos com ela,

nós a violamos.” Na literatura sobre Degas, essa metáfora incômoda

sempre foi associada com uma entrada de seu diário, bastante ambígua,
parcialmente rasurada, de 1856, quando Degas tinha 21 anos. Ele parece

ter alterado a entrada. Mas a enigmática anotação sugere algum tipo de

encontro vergonhoso:

“Acho impossível dizer o quanto amo aquela garota, pois para mim

ela era … Segunda, 7 de abril. Não posso me recusar a … como é

vergonhoso … uma garota indefesa. Mas vou fazer isso com a mínima

frequência possível.”

É impossível saber o que de fato aconteceu aqui; é fácil saltar para as

conclusões. Mas, de qualquer maneira, o que quer que tenha acontecido

deve ter desencadeado sentimentos difíceis de superar para o jovem

Degas.

O marchand Vollard, que viria a ter um papel-chave nas carreiras de

Matisse e Picasso, era uma das muitas pessoas que conheciam Degas

intimamente e rejeitavam o “lugar-comum” de que ele odiava as

mulheres. “Ninguém”, disse ele, “amava as mulheres tanto quanto ele.”

Pelo contrário, diziam seus amigos, seu problema era, no fundo, a

timidez – um medo de rejeição ou uma apreensão que o impedia de

tentar conquistar as mulheres que o atraíam. A causa desse

constrangimento pode ter sido a impotência, como alguns acreditam, ou

alguma outra coisa. Mas, o que quer que fosse, sua arte tinha uma

qualidade distanciada e por vezes voyeurística, que impregnava seus

temas com dramas secretos.

A COISA MAIS DIFÍCIL do mundo, às vezes, é ser o que você é. Manet, pelo

menos nesse aspecto, parecia não ter esse problema. Para Degas,

contudo, não era tão fácil. Sua persona social bem protegida não

conseguia esconder o fato de que nunca estava muito confortável na

própria pele. Manet deve ter percebido isso nele. E o próprio Degas, por

certo, tinha consciência disso, o que o corroía. Aos vinte anos, tinha
uma obsessão incomum por si mesmo; aos trinta, já produzira não

menos do que quarenta autorretratos. Assim, é significativo que tenha

cessado de pintar autorretratos logo depois de conhecer Manet. Também

abandonou sua tentativa de conquistar aplausos para os grandes quadros

históricos ou mitológicos. Passou a se ocupar, então, com retratos.

Retratos de outras pessoas.

Seu último autorretrato, pintado em 1865, era na verdade um duplo

retrato. Mostrava-o dividindo o espaço com outro artista. Degas não

procurou, nesse estágio, imortalizar sua amizade com Manet ou com

nenhum dos outros pintores talentosos que conhecia bem; não queria,

talvez, incitar comparações invejosas. Em vez disso, escolheu Évariste

de Valernes, um pintor esforçado, desprovido de talento, que acabou na

obscuridade.

Degas gostava de Valernes, que era ambicioso e tinha a convicção de

que estava em vias de alcançar o sucesso. Degas quase certamente sabia

que não era o caso. Mas – como admitiu em uma carta comovente a

Valernes várias décadas depois – não tinha quase nenhuma expectativa

melhor sobre si mesmo. Naquela época, escreveu, “eu me sentia tão mal

formado, tão mal equipado, tão fraco, ao passo que me parecia que meus

cálculos na arte eram tão certeiros. Eu resmungava contra o mundo todo

e contra mim mesmo”.

Degas era um “espécime estranho”, como ele próprio admitia

abertamente. Tinha poucos amigos próximos. Ninguém parecia saber o

que pensar dele, ou como era visto a seus olhos. Esses olhos, escuros e

profundos, pareciam estar constantemente retirando-se para um lugar

privado, de onde era mais fácil emitir juízos. Se, por um lado, isso o

tornava extremamente assustador para quem se relacionava com ele, por

outro, na verdade, Degas não era nem um pouco mais fácil consigo

mesmo: seus diários são repletos de autocensura. Aqueles autorretratos


antigos, entretanto, têm uma intensidade triste, autodilacerante, diferente

de tudo o mais na arte.

Ele desenvolveu estratégias compensatórias impressionantes. Sua

devastadora perspicácia, por exemplo; ninguém gostaria de ser seu alvo.

Também um faro para inseguranças similares nos outros. Anos depois,

na década de 1880, o pintor inglês Walter Sickert ficou impressionado e

intimidado por Degas, cujo rechaço de outros artistas era notório.

Sentindo-se inseguro, Sickert tendia a exibir-se em sua companhia e

falar bastante. (Essa é uma história que Lucian Freud gostava de contar.)

Degas, em compensação, permanecia muito, muito quieto – até que um

dia se virou para Sickert e disse: “Você sabe que não precisa fazer isso,

Sickert – as pessoas não vão deixar de pensar que você é um cavalheiro.”

PARA COMPREENDER O efeito que a atitude de Manet em relação à arte

teve sobre Degas no começo da década de 1860 – e para entender o que

Degas logo começaria a rejeitar –, é preciso primeiro registrar o impacto

que o poeta Charles Baudelaire exerceu sobre Manet.

Manet era um dândi. Estava apaixonado, acima de tudo, pela cidade

– os personagens, os disfarces, os segredos e o jogo de ilusões que eram

parte da vida na Paris do Segundo Império, uma cidade carregada de

tensões e desarmonia social, teatral ao extremo e em constante mutação.

Ele queria representá-la. Mas tinha pouco interesse em fazê-lo como um

realista, per se. Sua inspiração, além da própria cidade, era Baudelaire.

Durante um período no começo da década de 1860, Manet se

encontrava com o poeta quase diariamente. O impacto de Baudelaire

sobre ele foi profundo, tanto em termos de sensibilidade e temperamento

quanto de assuntos mais teóricos ou programáticos. Externamente blasé,

Baudelaire era torturado por dentro. Sonhador apolítico e sensualista,

tinha, entretanto, uma empatia humanista pelo pária e o oprimido, e era


um mágico do martírio: “Quero incitar toda a raça humana contra mim”,

escreveu certa vez. “Seria para mim uma volúpia que me compensaria

por tudo.” Era exatamente o radicalismo das contradições de Baudelaire

que tornava sua companhia tão emocionante e sua amizade tão

lisonjeira.

Nascido em 1821, ele era dez anos mais velho que Manet e um

usuário de drogas contumaz. Flagelo da burguesia, voltou-se ao

jornalismo – especificamente, à crítica de arte – em 1842. Quando

travou amizade com Manet em meados dos anos 1850, grande parte de

sua crítica – os escritos mais importantes e prescientes sobre arte do

século XIX – já tinha sido feita. Sua amante, Jeanne Duval, estava

inválida fazia doze anos, e o próprio Baudelaire não só se encontrava em

estágio avançado de sífilis, como constantemente atolado em dívidas.

Manet foi um dos muitos convocados para ajudá-lo, sem grandes

expectativas de ser pago.

No seu mais famoso ensaio, “O pintor da vida moderna”, Baudelaire

fazia uma defesa da beleza particular – transitória, parcial e improvisada

– em detrimento da beleza geral – atemporal e clássica. Para Baudelaire,

“nem tudo está em Rafael”. Ao contrário, argumentava, um vestido na

moda, um leque elegante, a última criação do modista eram, todos,

expressões verdadeiras da transitoriedade da cidade moderna, e essa

transitoriedade constituía ao menos uma metade – e talvez a metade

mais interessante – da soma de sua beleza. Ele então exortava os artistas

a pintarem o que descrevia como “o espetáculo da vida elegante e os

milhares de existências flutuantes”, o “gesto e a atitude solene ou

grotesca dos seres”, a “elegância física”, “a beleza de circunstância e a

pintura de costumes” e “fisionomias desconhecidas, apenas

vislumbradas” – em outras palavras, tudo que não era tratado nos

quadros que os artistas submetiam aos Salões anuais. Tudo isso condizia

com as convicções a que Manet já chegara por si mesmo. Em suas


pinturas dos anos 1860, também ele estava enamorado pela ideia, como

Baudelaire colocou, da “beleza particular de cada época”. E, assim, pôs-

se a retratar o desfile da vida urbana em suas múltiplas facetas e em um

estilo totalmente novo.

Nem o artista nem o crítico-poeta eram documentaristas, que olham

a cidade com olhos frios, distanciados. Ao contrário, ambos cultivavam

uma ideia de Paris como um estímulo incessante à imaginação, um

cenário de máscaras e de mistério, de sofrimento e de sensualidade, que

mudava “mais rápido, infelizmente, que o coração de um mortal”. A

compreensão de Baudelaire da cidade moderna era pessoal, transitória e

erótica. As palavras-chave no léxico do poeta eram lânguido, ocioso,

furtivo, secreto, privado, e encontraram equivalentes nos motivos

característicos de Manet: o gato preto, o buquê de flores, a fita negra, o

vestido de babados, a laranja semidescascada, o leque e o rosto

inexpressivo, enigmático.

EM 1863, apenas dois anos depois de seu sucesso no Salão com O cantor

espanhol, três pinturas e três águas-fortes de Manet foram incluídas

numa exposição de pinturas rejeitadas pelo júri oficial do Salão, o

chamado Salão dos Recusados. Napoleão III havia sancionado

pessoalmente essa exibição paralela – a primeira do tipo – depois de

receber uma petição de protesto contra o rigor do júri daquele ano para o

Salão oficial. Era uma situação desonrosa em que Manet se encontrava.

Dado seu sucesso em 1861, ele devia estar esperando mais.

Uma de suas pinturas, exposta como Le Bain [O banho], é

conhecida hoje como Almoço na relva [Le déjeuner sur l’herbe]. Um

pastiche deliberado de quadros renascentistas (incluindo o Concerto

campestre de Giorgione, no Louvre), a obra mostra uma mulher nua

num piquenique com dois homens vestidos. Os modelos foram Victorine


Meurent, uma jovem de dezenove anos que havia posado para um

quadro anterior do artista, A cantora das ruas; o irmão de Manet,

Eugène; e o irmão de Suzanne, Ferdinand.

Ainda hoje o quadro parece esquisito – embora em um sentido

atraente e agradável. É claro que não deve ser considerado uma cena da

vida real. Na época, só despertou muita perplexidade e fúria. O que

estaria uma mulher sem roupa fazendo no meio de um parque? Por que

os homens estavam vestidos? Por que ela estava olhando diretamente

para nós, enquanto eles prosseguiam com o piquenique como se fosse a

coisa mais normal do mundo? E qual era a história com a banhista ao

fundo, representada de forma tão esquemática? Ninguém sabia. Um

crítico chamou-a de “uma farsa, uma ferida aberta indigna de ser assim

exibida”.

Os outros quadros de Manet, que se destacavam no ambiente do

Salão graças à sua forte cor local, sua simplicidade e seus contrastes

brutais de tom, não se saíram muito melhor. O público afluiu aos

milhares para ridicularizar o Salão dos Recusados. A zombaria

concentrou-se em Manet, em parte porque sua obra se destacava com

tanta força e em parte porque as pessoas estavam seguindo o exemplo do

próprio imperador: em sua visita oficial à mostra, segundo consta, ele

parou diante de Almoço na relva fez um gesto de repugnância moral e

seguiu adiante em silêncio. O gosto de Manet, escreveu um crítico, está

“corrompido pela paixão pelo bizarro”. “Busco em vão o significado

desse enigma tosco”, escreveu outro.

Mas Manet era obstinado. Ele havia sentido o gosto do sucesso em

1861. Sabia que seria um erro recuar. Incentivado por seus defensores,

optou então por tornar-se mais audacioso, tanto no estilo como nos

temas.
Não obstante, a cada nova tela submetida ao júri, a intensidade dos

insultos só aumentava. Manet recebia os golpes. Mas não era imune à

crítica e sofria. Em 1864, quando Incidente em uma tourada foi

repudiado por sua perspectiva desajeitada e seu tratamento plano, ele

retalhou a pintura em partes independentes. Depois, em 1865,

apresentou Olympia, uma grande pintura para a qual Meurent posara

como uma prostituta à espera de um cliente. Ela foi enviada ao Salão

junto com um quadro religioso, Cristo morto com anjos. A combinação

– sagrado e profano – era, por si só, uma provocação. O Cristo morto foi

mal recebido. Até mesmo pessoas cujo apoio anterior havia animado

Manet proferiram comentários mordazes. O velho Courbet, incomodado

pela notoriedade crescente de Manet, perguntou com ironia se ele já

havia visto anjos para saber se tinham costas e asas grandes. Até

Baudelaire, ao mesmo tempo que se desdobrava para fazer proselitismo

nos bastidores a favor de Manet, observou que a ferida no torso de

Cristo estava do lado errado.

Mas isso não foi nada comparado à reação a Olympia – um alvoroço

sem precedentes nos anais da história da arte. Manet havia pintado

Victorine nua, exceto pela fita amarrada em volta do pescoço, dois

chinelos de cetim e um bracelete dourado no braço, recostada numa

cama e olhando implacavelmente para fora do quadro. Enquanto aludia

claramente à Vênus de Urbino, de Ticiano, a pintura também era

inspirada por “As joias”, um poema de As flores do mal, de Baudelaire,

que começa da seguinte forma: “A amada estava nua e, por ser eu o

amante,/ das joias só guardara as que o bulício inquieta.” O poema

continua para descrever a “amada” em questão como uma prostituta que

“… estava deitada e se deixava amar/ E do alto do divã, imersa em paz,

sorria/ A meu amor profundo …// O olhar cravado em mim, como um

tigre abatido,/ Com ar vago e distante …”.


A reação crítica à pintura foi brutal. “A arte que desceu a um nível

tão baixo não merece que a censuremos”, escreveu Paul de Saint-Victor.

Ernest Chesneau, um crítico que havia comprado uma pintura de Manet

no começo daquele ano, deplorou sua “ignorância quase infantil dos

primeiros elementos do desenho”, sua “abordagem de uma vulgaridade

inconcebível”. Ele escarneceu de Olympia chamando-a de “criatura

ridícula”, e afirmou que “o cômico resulta da pretensão proclamada a

altas vozes de produzir uma obra nobre … pretensão frustrada pela

absoluta impotência da execução”. Outro crítico descreveu os quadros

que Manet havia apresentado como “telas terríveis, desafios lançados à

multidão, provocações ou paródias”.

A recepção do público não foi melhor. Diante das telas de Manet,

escreveu Ernest Fillonneau, “uma epidemia de gargalhadas prevalece”.

A pintura teve de ser transferida para a parte superior da entrada da

última galeria – tão alto que não era possível dizer “se você estava

olhando para um pacote de carne nua ou uma trouxa da lavanderia” –

depois que várias pessoas ameaçaram atacá-la com mais do que

palavras. (Uma pintura anterior de Manet – Música nas Tulherias –

havia sido atacada por um homem brandindo uma bengala durante a

exposição individual do pintor na Galerie Martinet dois anos antes.)

“Como um homem que cai na neve, Manet fez um buraco na opinião

pública”, escreveu o crítico e defensor do realismo Champfleury numa

carta a Baudelaire na época do Salão. A crítica foi tão ruidosa, tão

ubíqua e com um tom tão pessoal que Manet, à beira de um colapso

nervoso, escreveu a Baudelaire para lhe fazer um pedido. “Os insultos

chovem sobre mim como granizo. Ainda não tinha me visto em tal

situação … Eu gostaria de ter sua opinião saudável sobre meus quadros,

pois toda essa gritaria me aborrece, e é evidente que alguém está

enganado.”
ALGUÉM ESTAVA ENGANADO. Mas quem?

Baudelaire, mais do que qualquer um, era qualificado para entender

o que Manet estava passando. Quando seu volume de poesia As flores do

mal fora publicado em 1857, ele, seu editor e o impressor foram

processados e multados por ofensa à moralidade pública. Seis dos

poemas foram suprimidos e o nome de Baudelaire tornou-se sinônimo

de depravação.

Mas, apesar dessa experiência direta, e apesar de sua admiração por

Manet, Baudelaire não foi capaz, ou não teve vontade, de oferecer o

apoio e o alívio tão necessários ao pintor naquele momento crítico.

Respondeu à carta de Manet com exasperação. Depois de uma

introdução trivial, na qual observava ironicamente que “parece que você

tem a honra de inspirar ódio”, ele parecia emitir um suspiro impaciente:

“Devo então lhe falar de você. Devo tentar mostrar-lhe o seu valor. O

que você exige é realmente estúpido. Eles estão escarnecendo de você;

as brincadeiras o irritam; ninguém sabe como lhe fazer justiça etc. etc.

Você acha que é o primeiro homem nessa situação? Você tem mais

gênio do que Chateaubriand ou Wagner? No entanto, eles também foram

achincalhados. E não morreram por isso. E, para não lhe dar motivo

demais para orgulho, direi que esses homens são modelos, cada qual em

seu gênero e em um mundo muito rico; e que você, você é apenas o

primeiro na decrepitude de sua arte. Espero que não fique bravo comigo

por tratá-lo tão sem cerimônia. Você sabe a amizade que lhe tenho.”

Baudelaire tinha, como ele próprio admitiu, “uma dessas felizes

naturezas que apreciam o ódio e se sentem glorificadas pelo desprezo”.

Manet se deixava abater com mais facilidade, e o poeta atormentado

sabia disso. Suas palavras duras foram a resposta de um homem que

decidiu que sua melhor contribuição a um amigo em risco de perder a

coragem é um bom tapa na cara.


No dia seguinte, numa carta a um amigo mútuo, Champfleury,

Baudelaire observou: “Manet tem um talento forte, um talento que

resistirá. Mas tem caráter fraco. Ele me parece desconsolado e atordoado

pelo choque. O que me impressiona também é a alegria de todos esses

imbecis que pensam que ele está perdido.”

A resposta de Baudelaire nos lembra, no mínimo, da precariedade da

posição de Manet nesse momento. Havia uma profunda incerteza em

torno da natureza de suas realizações. Seria ele levado a sério? Ou seria,

ao contrário, uma espécie de galhofeiro, provocador, um modismo

passageiro? Hoje, consideramos os anos 1860 como a grande década de

Manet – a década que o viu produzir a maioria de seus quadros mais

famosos e audaciosos. Mas esse foi também um período de pressão

contínua e de reveses desmoralizantes. Todos os anos Manet juntava

seus recursos, planejava sua abordagem e enviava suas melhores pinturas

ao Salão. E todos os anos era ou rejeitado – seus quadros recusados pelo

júri – ou submetido à humilhante e intensa exaltação do desdém público.

O fato é que nenhum pintor do século XIX fora maltratado pela crítica

de forma tão implacável e brutal. Para um homem que desejava

aprovação pública e ansiava por honras oficiais, foi uma recepção

arrasadora. Manet emergia das surras como um nadador exausto saindo

da arrebentação: de pé, queimado pelo sol, até sorrindo (ele pediu, não

foi?), mas a cada ano mais grogue e atordoado.

Por volta de 1867, ele caiu numa fase prolongada de melancolia e

desalento. Em geral prolífico, pintou pouco mais que uma dúzia de

quadros nos dois anos seguintes. Externamente, continuou a mesma

pessoa sociável, mas seu círculo de amigos íntimos confiáveis diminuiu.

“Os ataques de que fui alvo destruíram em mim a mola da vida”, disse

ele posteriormente. “Ninguém sabe o que significa ser insultado o tempo

todo. Isso revolta e acaba com a gente.”


A relação de Manet com Baudelaire esteve sempre fadada à

insatisfação. Baudelaire era um poeta, não um pintor, e era dez anos

mais velho. Apesar da influência que exerceu sobre a geração mais

jovem de pintores, ele estava apaixonado demais por seu velho herói

Delacroix para ver realmente o que a geração seguinte ansiava por

expressar, ou para compreender a forma com que tentavam expressá-lo.

Em vista disso, Manet voltou-se para seus colegas pintores em busca

dos estímulos e da aprovação que nunca pôde de fato obter com

Baudelaire. Ninguém, nesse sentido, foi mais útil para ele do que Edgar

Degas.

MANET SABIA QUE havia encontrado em Degas não só um amigo, mas um

brilhante acólito. Isso foi encorajador – numa época em que Manet

precisava muito de estímulo.

Manet não era tolo, e devia saber que pensar em Degas como uma

espécie de protégé, um aliado leal, seria procurar problemas. Por seu

temperamento, Degas não era nem um pouco adequado a esse papel. E,

além disso, ele sabia como Degas era ambicioso. Nesses primeiros anos

de convivência, Manet teve várias oportunidades para refletir sobre as

habilidades do colega. Com frequência, iam juntos ao hipódromo nos

anos 1860. Vários esboços rápidos de Degas mostram Manet de pé com

sua cartola, apoiado numa das pernas, uma das mãos em repouso no

bolso da casaca, observando intensamente ao longe – uma imagem de

elegância informal. Esses e outros desenhos, que Manet viu em visitas

ao seu ateliê, eram de um virtuosismo quase assustador. Degas era um

desenhista tão bom quanto Ingres, mas sua mão segura também podia,

se ele quisesse, transmitir a energia e a espontaneidade de Delacroix.

De fato, a partir do começo dos anos 1860, Degas vinha adquirindo

habilidades – tanto técnicas (desenho e composição) quanto de


temperamento (uma determinação férrea) – que em diversos aspectos

faltavam a Manet. O desenho de Manet era muitas vezes um tanto

duvidoso. Ele se debatia com as composições e as regras de perspectiva.

Mais de uma vez, teve de recorrer a uma faca em pinturas nas quais

faltava unidade – porque a perspectiva não estava funcionando ou a

imagem estava desequilibrada –, e vender as partes separadas.

As dificuldades de Degas para desenhar nas chapas para gravura no

Louvre devem ter dado a Manet uma impressão prévia de superioridade

em assuntos técnicos, mas essa dinâmica inicial logo foi desfeita. A

excelência absoluta de Degas o colocou muito à frente de Manet em

questões de técnica. Observando, a um só tempo impressionado e

desanimado, Manet sem dúvida percebia sua deficiência, ainda que

manifestasse, e secretamente apreciasse, o grande impacto que exercia

sobre seu jovem amigo.

NESSA ÉPOCA, Manet e Degas faziam parte de um círculo crescente de

artistas, escritores e músicos, a maioria deles com a idade em torno de

trinta anos. Seu ponto de encontro favorito durante a segunda metade

dos anos 1860 era o Café Guerbois. O Guerbois consistia em duas salas

compridas unidas na extremidade. A responsável pela primeira sala, de

frente para a rua, era uma mulher que ficava no caixa. Era decorada no

estilo genérico do Segundo Império, como a maioria dos cafés vizinhos

no boulevard des Italiens. Havia espelhos e as paredes eram pintadas de

branco com detalhes dourados.

Era no Café Guerbois que, duas ou três vezes por semana, vários

membros do grupo Batignolles, como era chamado (o nome do distrito

em que eles se encontravam), se reuniam em volta de duas mesas

especialmente reservadas. Outros membros do grupo incluíam os

artistas Fantin-Latour, Alphonse Legros, Alfred Stevens, Giuseppe De


Nittis, Pierre Renoir, Frédéric Bazille, James Whistler (quando não

estava em Londres) e ocasionalmente Claude Monet e Paul Cézanne.

Além dos pintores, havia outros habitués: o fotógrafo Nadar, o poeta

Théodore de Banville, o músico Edmond Maître e alguns críticos e

escritores, entre os quais Émile Zola, Théodore Duret e Duranty, amigo

e cúmplice de Degas.

Essas reuniões, regulares e com um grande número de pessoas,

tinham uma atmosfera séria e semiorganizada. Mas também havia noites

em que grupos menores de dois ou três se encontravam para um café ou

para jogar bilhar na sala do fundo. Ali, a atmosfera era mais escura, mais

intimista. A sala tinha o teto baixo, apoiado em fileiras de colunas.

Comportava cinco grandes mesas de bilhar colocadas em fila e era

geralmente esfumaçada. Na tênue luz a gás, as pessoas pareciam, à

distância, silhuetas indistintas, jogando cartas, relaxando em banquetas

vermelhas, aparecendo e desaparecendo por trás das colunas.

O proprietário, Auguste Guerbois, era solidário com esses artistas e

escritores e seus variados trabalhos. Tinha prazer em recebê-los. Trinta

anos depois, Claude Monet relembrou a atmosfera do lugar e o teor das

conversas: “Nada podia ser mais interessante do que essas conversas,

com seus perpétuos conflitos de opinião. Elas mantinham nosso espírito

afiado, encorajavam-nos com toneladas de entusiasmo que por semanas

e semanas nos mantinham acesos, até que um projeto que tínhamos em

mente tomava forma definida. Sempre saíamos do café com uma

vontade mais firme, um objetivo mais definido e os pensamentos mais

claros.”

Manet – cujo nome fora recentemente confundido com o de Monet

numa resenha – se beneficiava bastante da camaradagem dessas

ocasiões. “Toneladas de entusiasmo” era exatamente do que ele

precisava.
Todo grupo desse tipo, por mais informal que seja, tende a

estabelecer uma espécie de hierarquia, e não há dúvida de que Manet era

o líder informal do Batignolles. Apesar de seus problemas com os

críticos e o público em geral, seu status entre os artistas que partilhavam

as mesmas opiniões parecia incontestável. Ele não só era fascinante e

sociável como homem, mas também tinha credibilidade como artista.

Entre os artistas, poetas e escritores progressistas ninguém havia sido

mais audacioso, mais corajoso, mais admiravelmente obstinado do que

Manet. Com certeza, era dele que mais se falava.

DEGAS TINHA PERFEITA consciência da posição de Manet no grupo

Batignolles. Mas como sua conexão com ele era mais estreita do que a

de quase todos os outros membros do grupo, também podia desfrutar,

em certa medida, do brilho de Manet. Degas dava a impressão de uma

figura vivaz e inquieta no Guerbois. Na sala dos fundos, ao redor das

mesas de bilhar, ele raramente se sentava, preferindo lançar da periferia

suas observações mordazes e recheadas de uma ironia brilhante. Degas

era intolerante com os imbecis. Desprezava o sentimentalismo. Mas era

modesto e engraçado – as pessoas diziam que era um mímico magnífico.

A despeito de sua origem privilegiada, levava uma existência espartana,

dedicado totalmente a sua arte. Se tinha o “nariz empinado”, escreveu o

crítico de arte Armand Silvestre, era “o nariz de um examinador”.

Longe dos cafés, as famílias Manet e Degas tinham criado laços

próximos. Léon, aos quinze anos, trabalhava como mensageiro no banco

do pai de Degas, Auguste. Os dois pintores, por sua vez, frequentavam

soirées privadas várias vezes por semana. Auguste Degas gostava de

retribuir a hospitalidade dos Manet promovendo regularmente soirées

musicais em sua própria casa. E, mais recentemente, os dois artistas

haviam começado a frequentar as soirées musicais oferecidas pela mãe

das três encantadoras irmãs Morisot: Berthe, Edma e Yves.


Se o carisma de Manet tornou-o a figura dominante no Guerbois,

havia um maior equilíbrio entre ele e Degas nos cenários íntimos dessas

soirées semanais. Na esfera mais feminina desses interiores burgueses, a

perspicácia de Degas parecia particularmente brilhante e sua presença,

meditativa, magnética. Além disso, sua sensibilidade superior para a

música deve ter sido notada por Suzanne e os outros músicos. Ele podia

não ser tão naturalmente sociável como Manet, mas era muito mais

culto, e tinha opiniões sucintas e bem-informadas sobre assuntos que

muitas vezes deixavam Manet indiferente.

QUANDO FICAMOS FASCINADOS por alguém, há sempre um movimento

duplo dentro de nós: enquanto sucumbimos à influência poderosa da

outra pessoa, sentimos um impulso igual e oposto de reforçar a nossa

própria identidade, de nos fortalecer – em certo sentido, de recuar. Se a

noção que temos de nós ainda não está, em certa medida, formada,

como ocorria com Degas àquela altura, é preciso se apressar para formá-

la.

Mas é necessário que nos forcemos a isso, uma vez que a outra

pessoa está exercendo sua influência sedutora e, ao mesmo tempo,

lembrando-nos involuntariamente de como nosso eu anterior era fraco e

insuficiente. Essa dinâmica é um grande estímulo para a criatividade.

Mas contribui para relações voláteis.

Nos anos 1860, enquanto estava ficando mais próximo de Manet não

só no plano social mas também artístico, abordando alguns dos mesmos

temas e se aproximando dele em estilo, Degas sentia uma necessidade

cada vez mais premente de estabelecer diferenças estéticas entre os dois.

Uma diferença importante começou a se impor por volta de 1865, e

pouco a pouco se consolidou numa linha clara entre eles. Era visível na

tela, mas tinha menos a ver com o estilo de pintar ou com o tema e mais
com uma atitude filosófica. Resumia-se à noção muito diferente de cada

artista sobre a verdade.

Para Manet, a verdade era escorregadia e multiforme. Assim, ele

gostava do jogo superficial das interações sociais, dos flertes e da

astúcia. Costumava vestir seus modelos com trajes fantasiosos e prezava

a fluidez da identidade individual, o fato essencial de as pessoas serem

irreconhecíveis sob suas várias máscaras.

A inclinação de Degas – uma inclinação que ele começava agora a

corroborar e fortalecer, de modo que logo se tornou quase uma

assinatura pessoal, um selo – era exatamente o oposto. Ele havia

desenvolvido uma determinação para romper o véu festivo para

espicaçar a verdade. Trazia consigo uma noção persistente de verdades

ocultas que de alguma forma deviam ser expostas à luz. Se Manet

acabou se sentindo ameaçado por isso, foi sem dúvida porque havia

muita coisa em sua vida particular que ele deliberadamente mantinha

longe da luz.

EM SUAS REFLEXÕES, pensando sobre Manet, Degas parece ter notado que

nem tudo era como parecia com seu amigo talentoso. Manet tinha fama

de sedutor, mas tinha uma mulher, Suzanne, e um filho, Léon.

Aparentemente, seu envolvimento com Suzanne já vinha de muitos

anos. Eles viviam com a mãe de Manet e apresentavam Léon como o

afilhado de Manet, ou às vezes como seu meio-irmão. O arranjo era

difícil de analisar. Eles haviam se casado logo após a morte do pai de

Manet, o respeitável juiz, em 1863. Será que estavam apenas esperando

que ele se fosse? Era o que parecia.

Auguste Manet tinha parado de trabalhar como juiz relator em 1857,

tendo perdido a capacidade de falar. Sofria de paresia, uma forma

neurológica fatal de sífilis terciária, que também o deixara cego. Ele


viveu ainda cinco anos, mas nunca mais falou. “Você cairia em lágrimas

se pudesse vê-lo”, escreveu sua mulher, Madame Manet, a uma amiga

antes da morte do marido.

Manet tinha escondido seu caso com Suzanne de forma tão efetiva e

por tanto tempo que, quando mencionou que estava indo à Holanda para

se casar, até os amigos mais próximos ficaram surpresos. “Manet acaba

de me dar a notícia mais inesperada”, escreveu Baudelaire numa carta.

“Ele está partindo hoje à noite para a Holanda, de onde trará uma

esposa.” Como Baudelaire não sabia quase nada do caso, é improvável

que Degas, que nesse ponto só conhecia Manet há um ano, tivesse

qualquer suspeita.

Léon tinha onze anos quando eles se casaram. Ele disse

posteriormente que nunca soube ao certo quem era seu verdadeiro pai.

Não obstante, tornou-se o modelo favorito de Manet, e nos anos

seguintes apareceu em dezessete telas, mais do que qualquer outra

pessoa que tenha posado para o pintor. A aparência cambiante do

menino em todas essas imagens contribuiu para a aura de especulação

febril que hoje envolve sua identidade. Alguns estudiosos afirmaram que

Léon era, na realidade, filho de Auguste Manet. Mas é difícil dar crédito

a essa teoria, proposta em 1981 por Mina Curtiss e desenvolvida em

2003 por Nancy Locke. A argumentação de Curtiss era baseada em

rumores. Locke, anos depois, construiu sua hipótese em torno do

mistério de por que Léon nunca ter sido legitimado, mesmo depois de

Manet e Suzanne terem finalmente se casado. O mistério fica resolvido,

afirmou ela, se Auguste Manet fosse o pai, porque isso significava que

Léon nascera não só fora do casamento, mas como resultado de

adultério. (Sob a lei francesa da época, uma criança nascida do adultério

não poderia ser legitimada.)

Há, porém, uma explicação mais simples para o motivo de Léon

nunca ter sido legitimado. No meio social da família Manet, legitimar


uma criança nascida fora do casamento – e onze anos após o fato –

simplesmente era algo que não se fazia. Entre os colegas impressionistas

mais boêmios de Manet isso era frequente, mas suas famílias não eram

tão bem-nascidas. As implicações para o futuro de Léon, como se

admitiu, foram graves. Ele permaneceu ignorante, ou na melhor das

hipóteses confuso, sobre sua paternidade. Até no funeral da mãe ele

deixou um cartão de visitas identificando-se como seu irmão mais novo.

Ele não teve direito, ademais, à excelente educação que o nome de

Manet lhe teria proporcionado. Em vez de ir à universidade ou seguir

carreira militar, teve de arranjar um emprego como mensageiro no banco

do pai de Degas.

Ao se negar a entrar com o processo de legitimação de Léon,

Suzanne pode ter incorrido, como escreveu o antigo biógrafo de Manet,

Adolphe Tabarant, no “respeito excessivo pela moralidade hipócrita,

pelo ‘que as pessoas vão dizer’”. Mas a pressão subjacente dessas

restrições sociais – especialmente para alguém estranho ao contexto,

como era Suzanne – pode ser mais forte do que a lei.

Manet aparentemente concordou em seguir à risca o elaborado logro,

mas isso também lhe fez mal. Tabarant estava convencido de que essa

história “atormentou e envenenou sua vida”. E, sem dúvida, os diversos

retratos que Manet fez de Léon, graças aos quais passou muito tempo

em sua companhia, têm um quê de compensação.

SE ERA VERDADE que o exemplo de Manet tinha sido o fator mais

importante para Degas querer ser realmente moderno, expressar seu

próprio tempo, estar atualizado, Degas também, por sua vez, estava

desenvolvendo ideias próprias sobre o que significava ser moderno. Para

ele, acima de tudo, isso pressupunha novas condições psicológicas e

uma nova maneira de estar no mundo, de constituir e manter um eu.


Degas havia percebido uma divisão entre a vida interior e as aparências

externas, divisão que parecia difícil de superar, e até de explicar. (Suas

ideias eram em muitos sentidos uma versão precoce das condições – a

sensação de deslocamento psíquico – dramatizadas posteriormente por

Picasso e Francis Bacon.) Ele estava desenvolvendo uma noção de que

seus modelos revelariam mais sobre si mesmos quando fossem pegos,

por assim dizer, desprevenidos – quando fossem emboscados ou, de

alguma forma, surpreendidos no momento de entregar seus segredos. E,

assim, inspirado em parte pelo enquadramento arbitrário e assimétrico

das estampas japonesas, ele começou, a partir de cerca de 1865, a jogar

com composições deslocadas, congestionadas ou desequilibradas. Suas

pinturas ainda tinham como base o desenho – seu grande forte – e o

modelado tradicional que procedia gradualmente do escuro ao claro.

Mas aos poucos algo novo surgiu, algo que só ele, Degas, poderia ter

produzido.

Em 1865, ele pintou um retrato que marcou um salto em sua arte,

Mulher sentada ao lado de um vaso de flores (atualmente no

Metropolitan Museum of Art, de Nova York). A mulher em questão –

provavelmente a esposa de seu amigo Paul Valpinçon – foi representada

como se tivesse sido surpreendida num estado de ensimesmamento

indefeso. O que impressiona de pronto na composição é sua assimetria.

A figura foi empurrada para o lado da composição horizontal por um

enorme buquê de flores de fim de verão. Isso, e na realidade tudo o mais

na pintura, até a mão da mulher erguida irresoluta no canto da boca (um

gesto que Degas repetiu muitas vezes depois), contribui para uma

sensação de hesitação ou de pensamento em processo. Comparado com

as distorções e dramatizações da expressão facial que viraram rotina no

retrato do século XX, esse detalhe parece muito sutil. Mas na época foi

totalmente inovador.
É AÍ QUE O RELACIONAMENTO de Degas com Edmond Duranty torna-se

importante. Ao contrário de Manet, que tinha uma série de

relacionamentos fecundos com escritores, como Baudelaire, Émile Zola

e Stéphane Mallarmé, Degas não confiava nos escritores em geral. Mas

quando conheceu Duranty, em 1865 – mesmo ano em que pintou

Mulher sentada ao lado de um vaso de flores –, sentiu algo familiar nele,

algo com que podia se identificar. Duranty era um jornalista cujos

artigos sobre arte, escritos em prosa límpida e bem-informada, eram

publicados no jornal Le Figaro. Dizia-se que era filho bastardo de

Prosper Mérimée, autor de Carmen (romance no qual Bizet baseou sua

ópera), mas ninguém tinha muita certeza. Ele criou, com Champfleury,

um periódico em 1856 chamado Le Réalisme. A revista quebrou depois

de seis números apenas, mas Duranty continuou a escrever sobre belas-

artes e sobre as tentativas dos pintores de lidar com os temas modernos.

Para Duranty – e Degas –, ser moderno significava comprometer-se

com um ideal de veracidade desinteressada. Ao cultivar uma atmosfera

de distanciamento quase científico, eles acreditavam que podiam sufocar

o sentimentalismo e banir o clichê. Em seus escritos sobre arte, Duranty

não via nenhuma contradição entre defender a causa do realismo e, ao

mesmo tempo, admirar os mestres contra os quais os realistas se

rebelavam. Nisto, como em tudo o mais, ele e Degas eram unânimes.

Duranty compartilhava o amor de Degas, por exemplo, pelo

neoclassicismo distanciado de Ingres. Manifestando gostos

remanescentes do passado, que ele e Duranty tinham em comum, Degas

trabalhava intensamente nessa época para consolidar um estilo que fosse

mais frio e calmo, menos apaixonado e pictórico do que o modelo

exuberante apresentado por Manet.

Entre os muitos interesses que Degas compartilhava com Duranty, o

que mais os absorvia era a fisiognomonia, ou a ideia de que a expressão

facial pode ser estudada como um indício do caráter. Os dois sempre


discutiam o tema. E em 1867, dois anos depois de terem se conhecido,

Duranty publicou um panfleto, intitulado “Sobre a fisiognomonia”, que

parece ter saído diretamente de suas conversas com Degas.

A fisiognomonia era um pilar da literatura do começo do século

XIX, e há muito fora aceita como um componente necessário na

aprendizagem da arte. Tinha sido popularizada como ciência pelo poeta

suíço Johann Kaspar Lavater no final do século XVIII, e este, por sua

vez, derivara suas ideias do artista e teórico do século XVII Charles

LeBrun. O livro de LeBrun Características das emoções, de 1696, era

um guia para um extenso conjunto de expressões faciais, e usado como

base para um exercício nas escolas de arte chamado tête d’expression –

um estudo do rosto com a intenção de evocar um estado de espírito

específico: melancolia, por exemplo, obstinação, espanto ou tédio. Seu

livro era ilustrado com desenhos de vários “tipos” faciais sobre fundos

neutros. Foi publicado também em edição de bolso e era muito

procurado pelos artistas.

Em meados do século XIX, as ideias de LeBrun e mesmo as de

Lavater pareciam, em sua maioria, obsoletas e pouco sofisticadas. No

entanto, a ideia de que o caráter de uma pessoa e sua condição social

pudessem ser lidos em seu semblante era mais corriqueira do que nunca.

Havia razões sociais e políticas para tal. Desde a revolução de 1789, as

hierarquias sociais na França haviam atravessado setenta anos de

convulsão intensa e mesmo brutal. Com as cartas das classes

violentamente embaralhadas por uma série de rupturas políticas e a

indústria transformando rapidamente a face da cidade, temores de

conspiração e criminalidade eram generalizados entre a burguesia e as

classes superiores. Nem mesmo a moda e o vestuário trouxeram clareza

à situação, pois as pessoas não podiam mais depender do que vestiam

para transmitir sua posição social. Em vez disso – e cada vez mais –, as

roupas expressavam suas aspirações sociais. Aqueles cujo status já


estava relativamente consolidado queriam garantias. Precisavam sentir

que a cidade era legível, passível de ser conhecida e estava, ao menos

potencialmente, sob controle. (Não foi por acaso que o gênero do

romance de detetive, em que um herói dotado de habilidades

excepcionais para ler pistas resolve crimes misteriosos, surgiu nessa

mesma época.) Nessas circunstâncias sociais novas e instáveis (que são

boa parte do que entendemos por modernidade), a pseudociência da

fisiognomonia exercia uma atração enorme. Como afirmou Alfred

Delvau, amigo de Baudelaire, era tranquilizador sentir que, pela simples

observação atenta dos rostos de um cidadão, “era possível dividir o

público parisiense de acordo com os seus vários estratos, com tanta

facilidade quanto um geólogo distingue as camadas nas rochas”.

Degas era inteligente demais e influenciado demais pelo positivismo

do século XIX para aderir incondicionalmente à fisiognomonia. Mas era

obcecado pelos semblantes. E, assim, as expressões faciais agora

tornavam-se um pilar central na tentativa de renovar sua estética, de se

fazer moderno de uma maneira que o distinguisse de Manet.

A assinatura de Manet, afinal, era o olhar vazio, inescrutável. Sua

recusa absoluta de impor qualquer tipo de significado maior aos rostos e

às expressões faciais era parte do que tornava seus quadros –

especialmente as pinturas de Victorine Meurent e de seu filho, Léon –

tão desconcertantes. O crítico Théophile Thoré acusou-o de cultivar

“uma espécie de panteísmo que valoriza sem distinção uma cabeça e um

chinelo”. Não eram os rostos a chave para o retrato? Não era por uma

boa razão que as pessoas prestavam atenção especial a eles? Mas não

Manet. Ele provavelmente se dedicava tão amorosamente a um sapato

esfarrapado, um vestido branco, uma faixa rosa ou um leque quanto a

qualquer rosto.

Degas via aí uma oportunidade para marcar uma importante

diferença entre ele e Manet. Como muitos artistas, tinha uma relação
competitiva com a literatura. Portanto, era profundamente atraído pela

ideia de que algo puramente visual – um rosto, um certo cenário –

pudesse nos falar mais da vida interior de uma pessoa do que toda a

verborragia que entulha um romance do século XIX. Desde que havia

pintado Mulher sentada ao lado de um vaso de flores, ele se convencera

de que um retrato bom, penetrante, já não era uma questão de fazer o

rosto e a atitude do modelo expressarem traços de caráter identificáveis.

Tratava-se, antes, da própria noção de fluxo – a ideia de que a vida

interior era um fenômeno instável, mercurial, não menos revelador por

ser tão escorregadio.

O rosto ainda era essencial; o que Degas buscava transmitir é que era

diferente.

Suas convicções a esse respeito foram um fator no drama em torno

de seu retrato de Manet e Suzanne. “Fazer retratos de pessoas em

atitudes familiares e típicas”, ele anotou em seu caderno, pouco antes de

lançar-se nesse retrato do casal Manet, “e, acima de tudo, dar a seus

rostos as mesmas expressões dadas aos corpos.”

INFLUENCIADO POR BAUDELAIRE, Manet também associava a vida

moderna urbana ao fluxo e à instabilidade. Mas, para ele, a questão era a

própria encenação, o jogo de disfarces, a percepção, como coloca Edgar

Allan Poe em “Os assassinatos da rua Morgue”, de que “isso é o que

podemos chamar de ser profundo demais”. Manet gostava da ideia de

que a verdade (Poe de novo) “nem sempre está dentro de um poço. Com

efeito, no que toca aos conhecimentos mais importantes, acredito que ela

é invariavelmente superficial”. Toda a sua forma de abordar a arte estava

em total acordo com essa ideia. Seus quadros mais famosos refletem

essa parte de sua personalidade que gostava de “ser leve, enamorada de

todas as coisas mais óbvias da vida e avessa a complicações”. Para seu


papel timbrado ele escolheu um mote neutro apropriado: “Tudo

acontece.”

A insistência de Manet nos valores superficiais e na fantasia

contribuiu para a sensação de que seus quadros são intencionalmente

opacos. O significado, tanto antes como agora, nunca é claro. Raramente

um grande pintor produziu tantas anomalias bizarras: trajes

inapropriados (ou falta deles), estranhas misturas de gênero,

combinações mirabolantes de realismo contemporâneo e alusões à

história da arte. Seus mistérios são inúmeros. Mas situam-se na

superfície, na qual suas soluções deixam de importar e onde transmitem,

em vez disso – e acima de tudo –, o prazer de seu próprio fazer.

Degas deve ter admirado alguns aspectos de tudo isso. Mas não

comprou a ideia. Estava predisposto a ver a arte em termos éticos, como

uma empreitada que requeria coragem e sobriedade, e começou a sentir

que a abordagem de Manet – seu “panteísmo” – resultava numa

estreiteza moral, uma atenuação das possibilidades mais profundas da

arte. Ele tinha pouca disposição para a fantasia e uma impaciência

fundamental com as ilusões. Acreditava que a arte tem que estar a

serviço da verdade. Sua tarefa era revelar essa verdade, pegá-la de

surpresa, emboscá-la. Nesse sentido, havia algo quase predatório na

maneira como Degas pintava.

“Um quadro é algo que exige tanta astúcia, malícia e perversão

quanto a perpetração de um crime”, disse ele certa vez.

MANET TENTOU GRANJEAR o apoio dos críticos montando um pavilhão

próprio do lado de fora da Exposição Universal de 1867. Encheu-o com

cinquenta de suas pinturas. Mas o tiro saiu pela culatra. A mostra não

vendeu nada, deixando-o com uma dívida de 18 mil francos com a mãe.

No ano seguinte, caiu em séria depressão. Estava de luto por seu amigo e
confidente Baudelaire, que morrera no final de agosto de 1867. Sua

produção diminuiu até quase parar. Parecia-lhe que tudo que arriscava

como artista era devolvido a ele em pedaços, destroçado.

Retirou-se para Trouville, na costa, onde aguardava a

correspondência diária. Boa parte do que chegava só trazia notícias de

mais massacres da crítica. “Aí vem o mar de lama”, ele dizia. “A maré

está chegando.”

ERA UMA SITUAÇÃO GRAVE, mas talvez também fosse indiretamente útil,

para Degas, ver Manet nesse estado enfraquecido, necessitado. Ao longo

dos dois ou três anos anteriores, eles tinham se aproximado bastante, de

modo que, por volta de 1868, Degas percebia que algo não ia bem com o

amigo. Ele estava preocupado. Mas, ao mesmo tempo, deve ter ficado

intrigado e obscuramente animado, como às vezes acontece quando

vemos pessoas por quem temos carinho passando por dificuldades.

As coisas não tinham melhorado com a chegada do verão, que Manet

passou com a família em Boulogne-sur-Mer. Mais uma vez, ele estava

entediado e inquieto, oprimido por uma sensação de derrota. Degas não

saía de sua cabeça. O importante é que Degas era alguém em quem ele,

Manet, podia enxergar indícios de seu próprio impacto. Reconhecer

talento em um colega e ver nossa própria mão entre as forças que

moldam esse talento é sempre um tônico – especialmente para um

artista em crise de confiança. Foi o exemplo de Manet, afinal, que

persuadiu Degas a se desviar da história e da mitologia para temas

contemporâneos, que o fez se apaixonar pela vida da cidade, ver os

atrativos, tanto na arte como na vida, da leveza, da improvisação e da

brevidade, no lugar de tudo que era pesado, trabalhoso e excessivamente

planejado.
Manet podia encontrar alento nisso. Tentando se animar, teve uma

ideia. Escreveu a Degas: “Estou pretendendo fazer uma pequena viagem

a Londres. Quer ir comigo?”

Ele procurou dar um tom de improviso ao convite, explicando que

estava tentado pelo baixo custo da viagem: “É possível ir de Paris a

Londres em primeira classe, ida e volta, por 31,50 francos.” Mas havia

aí uma urgência peculiar. “Avise-me imediatamente”, disse, “porque

escreverei a Legros [um amigo artista que vivia em Londres] informando

em que dia vamos chegar para que ele possa nos servir de intérprete e

guia.”

Na verdade, Manet estava à beira do desespero. “Cansei de ser

rejeitado”, queixou-se a Fantin-Latour na mesma época. “O que eu

quero hoje é fazer algum dinheiro. E já que eu penso, assim como você,

que não há muito o que fazer em nosso estúpido país, no meio dessa

população de funcionários públicos, quero expor em Londres.”

Ele abordou o mesmo assunto, num espírito mais amigável, com

Degas: “Acho que devíamos explorar o terreno por lá, pois isso poderia

nos proporcionar um escoadouro para nossos produtos.” Enviou a Degas

uma lista dos horários do trem e sugeriu que eles tentassem partir na

tarde de 1o de agosto – um sábado. Desse modo, explicou, poderiam

tomar ainda no mesmo dia o barco da meia-noite.

“Diga-me o que acha”, assinou, “e leve o mínimo de bagagem

possível.”

AS RAZÕES DE MANET para ir a Londres iam além da perspectiva de fazer

vendas. Ele e Degas eram anglófilos. Degas havia saído da Exposição

Universal de 1867 impressionado com as pinturas inglesas que viu.

Manet, um habitué do Café de Londres em Paris, admirava as gravuras


esportivas inglesas, que aproveitou para suas representações ocasionais

do hipódromo. Ambos gostavam da tradição inglesa da caricatura.

Londres também era, obviamente, o berço do dandismo, aquela

atitude especial de se vestir e se comportar que expressava a relação de

um indivíduo com o mundo – uma relação a um só tempo independente

e displicente, elegante e original, sem apuro excessivo. Tanto Manet

quanto Degas tinham atração pelo dandismo, surgido em Londres no

começo do século XIX na figura de Beau Brummel e reencarnado, entre

outros, na persona meticulosamente cultivada de James Whistler, amigo

de Manet e Degas. Manet tinha a expectativa de que pudessem encontrar

Whistler em Londres.

Tudo isso parece pertinente apenas porque, nessa época, Degas

anotou em seus cadernos uma observação que fornecia dados para a

pintura que fez de Manet com colete e sapatos pontudos, indolentemente

largado no sofá. “Há pessoas bem malvestidas; e outras mal bem-

vestidas”, escreveu. Manet, podemos ter certeza, estava na segunda

categoria; ele tinha o tipo de atitude espontânea com o vestuário e o

comportamento que alguém como o superexigente Whistler só podia

invejar. Degas parecia estar mirando essa qualidade especial de Manet

quando acrescentou, no mesmo caderno, uma citação de um dândi de

meados do século, Barbey d’Aurevilly: “Há certa desenvoltura na falta

de jeito que, se não me engano, é mais graciosa do que a própria graça.”

Ambas as citações estavam com certeza em sua cabeça quando ele

pintou o casal Manet no final daquele ano. Manet teria ficado lisonjeado.

Mas a questão é que Degas não deixou de incluir no retrato um outro

ingrediente, o lado negativo da indolência do dândi, que dizia respeito

justamente ao relacionamento de Manet com Suzanne: ennui. Tédio.

Indiferença. Um toque, até, de desprezo.


NO FINAL, Degas declinou da proposta de Manet de fazer a viagem a

Londres. Não se sabe por quê. Pode ser simplesmente que o momento

fosse inadequado. Mais provável, contudo, é que tenha sido porque

Degas estava finalmente começando a sentir a necessidade – e a

oportunidade – de firmar sua independência artística em relação a

Manet. Deixar-se arrastar por Londres como o parceiro mais jovem de

Manet – onde este sem dúvida impressionaria a todos por ser mais

sociável, sedutor e charmoso do que ele, e onde era certamente mais

conhecido – não lhe interessava.

Assim, Manet acabou indo sozinho. Achou a capital inglesa

“encantadora”, disse a Fantin, e foi bem recebido em todos os lugares.

Apenas a ausência de Whistler – ele estava fora da cidade, no iate de

alguém – o decepcionou. Ao fim e ao cabo, Manet voltou sentindo-se

outra vez esperançoso em relação a suas perspectivas: “Acredito que há

algo a ser feito lá”, escreveu; “a sensação do lugar, a atmosfera, gostei de

tudo e vou tentar mostrar meu trabalho lá no ano que vem”.

O que ele não conseguia entender era por que Degas, que a essa

altura estava provavelmente tramando sua pintura de Manet e Suzanne,

não tinha viajado com ele. “Degas foi mesmo idiota por não ter ido

comigo”, escreveu a Fantin. Em outra carta, duas semanas depois, ele

ainda ruminava: “Diga a Degas que está na hora de ele me escrever.

Fiquei sabendo por Duranty que ele está se tornando um pintor da ‘alta

sociedade’; por que não? É uma pena que ele não tenha ido a

Londres…”

DEGAS ESTAVA CERTO em sentir que, se quisesse conquistar Londres, seria

melhor que as coisas se dessem em seus próprios termos. E foi

exatamente o que ele fez. Três anos depois, empreendeu sua própria

viagem até lá – sem Manet –, e, um ano após essa primeira visita, estava
vendendo seus quadros através de Thomas Agnew, um marchand da

Bond Street. Por volta de 1880, Degas era uma celebridade na Inglaterra.

Era conhecido como o “chefe dos impressionistas” e aclamado por seus

quadros “interessantes, brilhantes e cheios de vida”. Walter Sickert, o

principal entre os muitos protegés ingleses de Degas, descreveu-o como

“o grande pintor francês, talvez um dos maiores artistas que o mundo já

viu”. E, uma geração mais tarde, os herdeiros de Sickert, Francis Bacon

e Lucian Freud, também eram devotos de Degas. Bacon tinha

reproduções dos nus de Degas em seu estúdio, e era obcecado pela

habilidade do francês não só de refletir, mas também de “intensificar a

realidade” através do desenho – exatamente o que ele buscava em sua

própria arte. Já Freud possuía duas esculturas de Degas, que guardava

em sua casa de Notting Hill e costumava acariciar, alheio a tudo…

Enquanto seu amigo Manet estava sendo trucidado pela imprensa e

ridicularizado pelo público, Degas continuava a trabalhar discretamente

à sua sombra. Ao contrário de Manet, ele nunca almejou o

reconhecimento. Tinha certo desdém por tudo que fosse oficial.

“Você, Degas, está acima do nível do mar”, disse Manet

posteriormente, “mas, quanto a mim, se entro num ônibus e ninguém diz

‘Monsieur Manet, como vai, aonde está indo?’, fico desapontado, pois aí

então vejo que não sou famoso.”

Embora Degas, na década de 1860, tenha enviado trabalhos ao Salão

com certa frequência, o fazia com relutância, bem contrária ao

entusiasmo um tanto ingênuo de Manet. Este deve ter percebido que o

desprezo de Degas pelo Salão, pelos críticos e pela maioria de seus pares

escondia um orgulho secreto. Enquanto Manet parecia satisfeito em

receber elogios de onde quer que viessem, Degas detestava a ideia de ser

manchado pela apreciação de gente que não respeitava. Há “algo

vergonhoso em ser conhecido”, ele escreveu num caderno anos depois.


DEGAS ENVIOU UMA OBRA ao Salão pela última vez em 1867, o ano

anterior ao da pintura de Manet e Suzanne. Curiosamente, a tela que

apresentou era também o retrato de um casal. Agora considerada uma

obra-prima precoce, A família Bellelli, como é chamada, mostra sua

adorada tia Laura em pé com as duas filhas, Giulia e Giovanna. O pai,

Gennaro – marido de Laura –, está sentado numa cadeira de couro, de

costas para o espectador, mas olhando para o lado, de modo que seu

rosto barbado, com os cabelos ruivos e cílios louros, seja visto de perfil.

Executada de modo frio mas estranhamente aflitivo, A família

Bellelli revela, como escreveu Paul Jamot em 1924, o “gosto [de Degas]

pelo drama doméstico”. Também sugere sua tendência a descobrir “um

amargor oculto entre os personagens”.

Degas havia terminado a pintura quase dez anos antes. Trabalhara

nela durante vários anos, em Florença, onde morou com parentes

durante dois anos, e depois em Paris. Era um quadro ambicioso tanto no

tamanho como na concepção, e sua criação foi uma fonte de ansiedade

incessante. Ele havia sido planejado para sua estreia no Salão. Mas,

incapaz de se satisfazer com o quadro e terminá-lo, Degas deixou-o de

lado para trabalhar em diversas telas históricas e mitológicas mais de

acordo com as expectativas do júri – e de seu pai. A tela tornou-se um

símbolo de todas as dificuldades que havia tido no começo da carreira.

Degas tinha muito apreço por ela. E só agora, depois de uma lacuna

de muitos anos, sentia-se pronto para mostrá-la a um grande público. Ao

prepará-la para o Salão de 1867, fez alguns retoques de última hora e

logo foi informado de que havia sido aceito pelo júri. Mas, quando

chegou à exposição, viu que o quadro havia sido pendurado em um lugar

tão fora do caminho que pouquíssimas pessoas o viram, e ninguém –

absolutamente ninguém – fez qualquer comentário.


Degas ficou furioso. A pintura lhe custara tanto, ele havia adiado sua

exibição por tanto tempo, e agora, depois de ter finalmente feito sua

estreia, fora sabotado. Decidiu nunca mais se sujeitar à humilhação do

Salão. Rejeitou, definitivamente, a via oficial para a fama e a fortuna.

Quando o Salão terminou, ele recuperou o quadro do Palais de

l’Industrie e o levou de volta ao ateliê. Guardou-o ali, enrolado num

canto, pelo resto da vida.

É um quadro muito bonito – repleto de luxo, minuciosamente

composto, salpicado de uma cor deslumbrante. Em termos psicológicos,

contudo, é cheio de tensão. Vestidas com volumosos aventais brancos, as

duas filhas Bellelli adotam poses rígidas, mas de alguma maneira

instáveis, na frente da mãe, enquanto entre Laura e Gennaro sente-se um

alheamento próximo à aversão – que de fato havia. Na época em que

Degas pintou a tia, ela estava se sentindo irremediavelmente acuada no

que descrevia, em cartas ao sobrinho, como “um país detestável”, e com

um marido que considerava “imensamente desagradável e desonesto”.

Tratava-se de um homem, escreveu ela, “sem qualquer ocupação séria

para torná-lo menos aborrecido para si mesmo”. Ela estava à beira do

desespero. Havia perdido uma criança ainda pequena recentemente, sua

saúde era frágil e, além disso, estava de luto pelo próprio pai (cuja morte

recente explica seu vestido preto e o retrato dele na parede logo atrás).

Ela temia, genuinamente, pela própria sanidade. “Creio que você vai me

ver morrer neste canto remoto do mundo, longe de todos aqueles que

gostam de mim”, escreveu. O jovem Degas, de quem ela gostava muito,

era seu único consolo e apoio.

Morar com os Bellelli foi a única experiência “de dentro” que Degas

teve da vida conjugal, e aquela não era uma vida feliz. A experiência

somou-se a suas inclinações naturais para convencê-lo de que uma vida

séria na arte não era compatível com o casamento.


ALÉM DE SER o retrato de um casal, o quadro malfadado de Degas era

uma pintura sobre música. Sua decisão de retratar Manet ouvindo

Suzanne ao piano não foi casual. Sendo um frequentador assíduo da casa

dos Manet na rue de Saint-Pétersbourg, Degas acabou conhecendo bem

a mulher do amigo. Ele próprio um devoto amante de música, devia

apreciar o lado musical de Suzanne. Ela era considerada brilhante. Não

só tocava para os convidados como também introduziu seu círculo social

a outros músicos, incluindo as quatro irmãs Claes, que formavam seu

próprio quarteto de cordas e eram frequentemente convidadas a se

apresentar. Compositores como Chabrier e Offenbach pairavam em

torno desse círculo.

É provável que Degas também encontrasse Suzanne às quartas-

feiras, quando o pintor Alfred Stevens promovia uma soirée, e às

segundas, quando o pai de Degas organizava pequenos concertos na rue

de Mondovi. A música tinha um papel vital em todas essas reuniões. Os

franceses tinham descoberto Wagner nessa época – levando muitos,

inclusive Baudelaire, ao êxtase. Schumann era a mais recente descoberta

teutônica: muitos no círculo de Manet ouviram sua música pela primeira

vez pelas mãos de Suzanne.

O próprio Manet, diz-se, não tinha muito ouvido para música. Se a

apreciava (dizem que ele adorava Haydn), seu interesse era casual.

Degas, por outro lado, ficava genuinamente absorvido. Desde os vinte

anos, tinha uma assinatura para frequentar a ópera. Seus gostos eram

divergentes dos da maioria. Caçoava do culto a Wagner, preferindo

Verdi. Também gostava de Gluck, Cimarosa e Gounod – que, no

conjunto, o estigmatizaram como conservador. Era amigo de diversos

compositores, inclusive Bizet, e muitos músicos além de Suzanne, entre

os quais a pianista amadora Madame Camus; o fagotista Désiré Dihau; a

irmã de Dihau, Marie, uma pianista que dava aulas de canto; e o tenor e

violonista Lorenzo Pagans. Todos esses músicos foram retratados por


Degas no ato de tocar, e geralmente com outras pessoas assistindo, como

no retrato de Manet e Suzanne.

Concentradas entre os anos de 1867 e 1873, essas pinturas de

performance musical em ambientes intimistas constituíram um estágio

intermediário vital no movimento de Degas em direção à série de

pinturas que o tornaram verdadeiramente famoso, verdadeiramente

“Degas” – os fossos de orquestra cheios de músicos, as apresentações de

cafés-concerto e, acima de tudo, os ensaios de balé. Essas composições

posteriores, desequilibradas, instantâneos de uma ação secretamente

observada, que se tornaram a assinatura de Degas, vinculavam a música

ao movimento. Mas, assim como boa parte da obra de Degas de meados

dos anos 1870 em diante, referiam-se sobretudo ao movimento físico, ao

passo que as pinturas de apresentações musicais domésticas e sua

audiência particular ainda se referiam aos movimentos da mente, à

psicologia.

Degas não estava só se divertindo com o espetáculo social dessas

soirées musicais privadas, nem tentando ilustrar ou embelezar seu amor

pela música com imagens retóricas. Estava, na verdade, em busca de

algo que não lhe saía da cabeça desde que pintara Mulher sentada ao

lado de um vaso de flores. Sua ideia era que, quando as pessoas estão

ouvindo música, elas se desligam de si mesmas. A tendência que têm a

se apresentar e a reagir defensivamente à percepção de estarem sendo

observadas já não seria, então, um impedimento para a representação

verídica. Elas haviam perdido o poder de se censurarem. Algo mais

essencial, mais verdadeiro, surgiria e se manifestaria em suas

fisionomias. Era o que Degas queria capturar.

POR QUE, antes de mais nada, Manet e Suzanne concordaram em posar

para Degas? A essa altura Suzanne já tivera a chance de conhecer bem


Degas e deve ter gostado da ideia de que um dos artistas mais talentosos

do momento, um homem educado, de uma família ilustre, quisesse

retratá-los – e, portanto, de maneira indireta, legitimar seu casamento

com Manet.

Manet, por sua vez, deve ter ficado entusiasmado pelos vários

desenhos e gravuras que Degas já havia feito dele. Essas imagens leves,

bonitas e admiráveis, produzidas entre 1864 e 1868, mostram Manet

animado e invejavelmente elegante, no hipódromo ou sentado

displicentemente numa cadeira de madeira em seu ateliê. Quando as

contemplamos, sentimos que havia uma profunda afeição pelo modelo

da parte da pessoa que as criou. Manet deve ter ficado curioso sobre o

que Degas faria, num veio similar, na pintura. Mas esses trabalhos

anteriores sobre papel – comparáveis, na intenção, aos três desenhos que

Lucian Freud fez de Francis Bacon antes de pintá-lo – também tinham

uma finalidade que, considerada agora, parece clara: Degas estava se

preparando para algo maior. Um olhar mais penetrante, mais calculista.

Os outros artistas do grupo Batignolles tinham começado

recentemente a se retratar uns aos outros em ambientes informais – salas

de estar, escritórios e ateliês. O retrato que Degas fez de Manet e

Suzanne era parte dessa tradição improvisada, exuberante e levemente

competitiva. Um exemplo famoso foi pintado por Frédéric Bazille em

1870 – pouco depois do retrato de Manet e Suzanne e alguns meses

antes de Bazille ter sido morto num assalto contra os alemães na Guerra

Franco-Prussiana. Ele mostra Manet de pé com ares de instrutor diante

de uma grande tela sobre um cavalete no ateliê que Bazille

compartilhava com Renoir. No quadro, a tela no cavalete é de Bazille.

Outras telas, de Renoir e Bazille, grandes e pequenas, estão pelas

paredes – críticas silenciosas ao júri do Salão, que as rejeitara. Outras

pessoas, não identificadas – talvez Zacharie Astruc, talvez Monet e

Renoir –, estão em volta conversando. O quadro sugere a camaradagem


informal que havia entre esses jovens pintores. Mas também enfatiza a

autoridade de Manet (ele é o único dos seis homens barbados que está

de chapéu) e sua determinação em usar essa autoridade para influenciar

e até fazer ajustes nos quadros de seus amigos. Segundo Bazille, foi o

próprio Manet que pintou a figura alta mostrada de lado, segurando uma

paleta. Essa figura é Bazille, e fica claro pela postura de seus corpos que

ele está ouvindo atentamente o conselho de Manet.

Outros artistas além de Degas já haviam pintado Manet – mais

recentemente, Fantin-Latour –, e o próprio Degas havia retratado

diversos artistas, entre os quais James Tissot. Mas, o que é notável,

ninguém no grupo jamais tentara pintar Degas.

Posar para um retrato requer tempo. Paciência. Tolerância.

Disposição para se entregar. Talvez nenhum dos outros artistas do grupo

Batignolles pudesse nem mesmo imaginar seu brilhante companheiro,

Degas, aceitando passar por esse processo. Ou talvez simplesmente

desconfiassem que ele criticaria seus esforços, fazendo observações

sobre as deficiências do resultado final de maneira menos agradável que

Manet.

Pois, ao contrário do sociável Manet, Degas era antes de tudo um

solitário, que julgava os outros por seus próprios padrões de dedicação.

“Existe amor e existe trabalho”, disse ele, “e nós temos um só coração.”

Em todo caso, essa era a fachada pública de Degas. Será que seus

amigos tinham como saber que esse era o mesmo Degas que, em

particular, sentia-se “tão mal formado”, como escrevera a seu amigo

Valernes? Que, apesar de tudo, havia confessado que sentia falta da

alegria das crianças? Que se preocupava com a solidão e com o fato de o

coração ser “um instrumento que enferruja se não for usado”? Que

perguntara: “Sem coração, é possível ser artista?”


NA ÉPOCA EM QUE foi pintar Manet e Suzanne, a preocupação de Degas

com o tema do casamento tinha se tornado quase uma obsessão. No

Natal de 1867 – não muito tempo depois de sua decepção com A família

Bellelli –, ele fez o primeiro esboço de uma pintura a que mais tarde se

referiria como “minha pintura de gênero”. Datada de 1868-69 – assim

como seu retrato de Manet e Suzanne –, ela foi chamada de “uma obra-

prima”, e mesmo “a obra-prima”, da carreira de Degas.

A pintura [ver prancha 7] mostra um homem e uma mulher num

quarto iluminado por um abajur. A mulher, vestida apenas com uma

combinação branca caída em um dos ombros, está sentada na

extremidade esquerda do quadro. Ela está de costas para o homem,

numa postura de vergonha ou angústia. Algumas peças de suas roupas –

uma capa e uma echarpe – foram atiradas ao pé da cama do outro lado

do quarto; seu corpete está jogado no chão.

Conhecida hoje como Interior, ela foi por muitos anos referida como

O estupro, com base na informação de vários autores que conheciam

Degas pessoalmente e insistiam que esse era o título pretendido por ele.

(Outros amigos, contudo, afirmaram que Degas ficou “indignado” com a

adoção generalizada de O estupro e negava que fosse esse seu tema.) O

homem no quadro, alto, barbado e vestido, está de pé com as mãos nos

bolsos na extremidade direita. Encostado na porta, como que para

obstruir a saída para a mulher, ele projeta uma sombra ameaçadora que

se ergue atrás de si. O efeito induz a uma claustrofobia instantânea.

Perto do centro da pintura, em cima de uma mesinha redonda, há uma

caixa de costura aberta com um tecido vermelho-vivo que capta a luz do

abajur. A intensidade do vermelho faz com que a caixa seja, de longe, o

objeto mais chamativo da composição. Aberta e exposta, sugere

segredos violados.

Degas refletiu muito sobre a pintura. Quadros de “gênero”

tradicionalmente mostram episódios da vida cotidiana, em geral com


uma narrativa implícita e uma moral correspondente. A retórica moral

nunca foi o estilo de Degas – nem mesmo no começo da década, quando

ele estava envolvido em suas ambiciosas pinturas de Salão ilustrativas de

cenas da história e da mitologia. Mas, como essas pinturas mais antigas

deixam claro, Degas estava preocupado com as relações entre os sexos.

E, na ânsia de sintonizar o trabalho com a sua época, ele queria

encontrar um meio de lidar com a sua obsessão de uma maneira

moderna. Assim, pensou nesse quadro quase como uma cena de uma

peça de teatro.

Qual era a natureza do drama que ele tinha em mente? Embora a

pintura acabada não seja uma ilustração direta, parece ter sido inspirada

por cenas específicas de dois diferentes romances recém-publicados por

Émile Zola, Thérèse Raquin e Madeleine Férat.

Zola era amigo de Manet. Eles tinham ficado mais próximos nos

dois anos anteriores, desde que Zola escrevera uma defesa inflamada de

Manet quando um de seus quadros – O pífaro – foi rejeitado pelo júri do

Salão de 1866. Pouco depois, entrou para o círculo de Manet, onde

Degas também o conheceu. Embora tenham rompido posteriormente

(Zola acusou Degas de ser “constipado” e “fechado”; Degas descreveu

Zola como “pueril” e, melhor ainda, como “um gigante estudando uma

lista telefônica”), durante dois ou três anos se deram bem.

Em 1867, Zola escreveu um breve estudo de Manet que tentava

defender sua arte. Seu romance Thérèse Raquin foi publicado em série

no mesmo ano e instantaneamente tornou-se uma cause célèbre. Isso,

assim como sua ligação com Baudelaire, que era alvo de difamações,

não deve ter ajudado Manet. Alguns críticos, que de modo geral não

gostaram do livro, observaram seus vívidos detalhes visuais. “Há, em

Thérèse Raquin”, escreveu um deles, “pinturas que valeria a pena extrair

como amostras das coisas mais vigorosas e repulsivas que o realismo

pode produzir.”
Em Interior – porém nunca outra vez (esta seria sua última “pintura

de gênero”) –, Degas parece ter assumido o desafio implícito. Ele queria

construir um quadro que fosse tão carregado, tão atormentado, tão

psicologicamente complexo quanto uma cena de um romance realista.

O culminante 21º capítulo de Thérèse Raquin descreve a noite de

núpcias de Thérèse e seu amante Laurent. Tendo tramado juntos o

assassinato do primeiro marido de Thérèse, que estava doente,

finalmente conseguem afogá-lo. Eles esperam mais de um ano para se

casar. Mas, nesse meio-tempo, atormentados pela culpa, aos poucos se

distanciam, e, desse modo, sua noite de núpcias é extremamente tensa.

O capítulo começa da seguinte maneira:

Laurent fechou cuidadosamente a porta atrás de si e ficou ali encostado por um momento,

olhando para o quarto com ar inquieto e constrangido … Thérèse estava sentada numa

cadeira baixa à direita da lareira. Com o queixo apoiado na mão, olhava fixamente as chamas

vivas. Ela não se virou quando Laurent entrou. Vestida com uma anágua e um corpete

rendados, era de uma brancura crua sob a ardente claridade do fogo. O corpete havia

deslizado, e parte do ombro emergia, róseo.

A lareira não aparece em Interior, mas quase tudo o mais está lá.

Enquanto alguns detalhes divergem – a cama estreita da pintura, por

exemplo, não condiz com uma noite de núpcias –, parece provável que

Degas tenha extraído alguns deles (o papel de parede floral, “uma cama

singularmente estreita para duas pessoas”, “um tapete embaixo da mesa

redonda”, os ladrilhos “vermelho-sangue”) de uma cena de

dramaticidade similar em Madeleine Férat, de Zola (publicado no

outono de 1868).

Deixando de lado os detalhes pictóricos, para Degas, o ponto

fundamental psicológico era certamente o fato de que, em Thérèse

Raquin, Laurent e Thérèse se distanciaram um do outro por causa de um

segredo compartilhado que era penoso demais para carregar. Eles podem
ter conseguido o status de marido e mulher, mas estavam, como os

Bellelli, “condenados a viver juntos sem intimidade”.

Quando soube que um dos curadores de um importante museu de

Nova York estava pensando em adquirir Interior, embora preocupado

com o tema da pintura, Degas protestou, à sua maneira impassível: “Mas

eu teria fornecido uma certidão de casamento junto com o quadro.”

É fascinante pensar que Degas estava trabalhando em Interior no

mesmo momento em que fazia seu retrato de Manet e Suzanne. Há

paralelos assombrosos. Os dois quadros mostram um homem e uma

mulher dispersos em extremidades opostas de uma composição

horizontal. Nos dois casos, a mulher é vista de perfil (expondo uma

orelha graciosamente pintada) e de costas para o homem. E ambas as

pinturas têm uma forma vermelha enigmática próxima ao centro do

quadro. Além disso, Interior, como Monsieur e Madame Édouard

Manet, retrata marido e mulher aparentemente distantes um do outro.

OS VÁRIOS RETRATOS QUE Manet pintou de Suzanne indicam uma afeição

profunda e sólida. Mas ele só tinha dezenove anos quando se

apaixonaram, e, embora fosse discreto, está claro que no decorrer de seu

casamento não foi completamente fiel. Ele gostava de mulheres bonitas e

elas gostavam dele. Uma dessas mulheres, a pintora Berthe Morisot, é a

terceira pessoa – a presença invisível – na sala com Manet e Suzanne na

pintura de Degas.

Morisot tinha chegado ao círculo de Manet e Degas no final de 1867.

Foi apresentada a Manet por Fantin-Latour nas galerias do Louvre – o

mesmo lugar em que Manet e Degas se conheceram. O Louvre era um

dos únicos locais em que artistas de ambos os sexos podiam misturar-se

livremente, interpretando a arte do passado em seus próprios termos,

sem a intercessão de professores formais ou da academia. Dessa vez, no


lugar de Velázquez – como quando, oito anos antes, Manet e Degas se

conheceram –, Morisot estava copiando Veronese, e Manet, um Ticiano,

não muito longe dela.

Berthe Morisot era sensível, culta e, aos 28 anos, muito bem

preparada. Sua aparência era inquieta, atraente. Tinha cabelos escuros e

olhos fundos de extravagante intensidade. Algo inegavelmente erótico

inflamou-se entre ela e Manet quase de imediato.

Berthe tinha duas irmãs, também com ambições artísticas. Em

vários sentidos, elas eram uma imagem espelhada de Manet e seus dois

irmãos, todos filhos de um juiz de alto escalão, nenhum com atividade

remunerada. Morisot e sua irmã Edma tinham estudado pintura com

Camille Corot. (Seu tio-avô era Jean-Honoré Fragonard, o grande pintor

do século XVIII.) A pintura de Berthe lhe rendeu resenhas favoráveis e a

admiração de outros pintores. Em muitos aspectos ela estava à frente da

maioria de seus colegas homens. Mas, como outras mulheres talentosas

de sua classe e idade, via-se dividida entre uma pressão, vinda de dentro

– de progredir como artista –, e outro imperativo, mais convencional

mas não menos urgente: apaixonar-se, encontrar um marido.

Infelizmente, ser uma pintora talentosa, ambiciosa e avançada não era

uma vantagem para uma mulher dos anos 1860 que pretendesse se casar.

Berthe tinha profunda ciência de sua situação.

MANET CRISTALIZARIA seus sentimentos em relação a Berthe Morisot

numa série de pinturas que fez dela nos anos seguintes. Estas, doze ao

todo, estão entre os registros de intimidade mais eletrizantes da história

da arte. Com aparente decoro, elas se contorcem num turbilhão erótico

oculto [ver prancha 8]. No tratamento variado da pincelada pictórica de

Manet, no deleite sensual de seus negros e na linguagem privada dos

atributos que confere a Morisot (um leque, uma fita negra, um ramo de
violetas, uma carta), sentimos a descontração inimitável de Manet

complicada por uma urgência inegável. Talvez o mais surpreendente

nelas seja o olhar direto inteligente e desafiador de Berthe. Ao contrário

dos rostos nos outros retratos de Manet, as expressões de Morisot nunca

são neutras. Deixam claro que ela era alguém que Manet não queria nem

adular, nem tratar como brinquedo, mas com quem queria competir. Era

como se ele a enxergasse não como um ator ironicamente representando

um papel, como em tantos de seus outros quadros, mas como ela

realmente era. Ele a enxergava inteira.

Degas conheceu as irmãs Morisot através de Manet, e também ficou

inebriado por elas. Sem dúvida, Berthe e suas irmãs, Edma e Yves,

produziram impacto imediato em todo o círculo deles, e logo o par

Manet e Degas estava frequentando os salões das terças-feiras de

madame Morisot, enquanto as três irmãs eram hóspedes regulares de

madame Manet às quintas-feiras.

As irmãs Morisot pareciam exercer grande encanto sobre Degas. Ele

tinha atração especial por Berthe e, mesmo tendo consciência do ardor

que havia se acendido entre ela e Manet, fez esforços para cortejá-la.

Será que ele achava que podia competir com Manet? Sem dúvida,

sendo solteiro, deve ter sentido que seu direito de tentar conquistá-la se

sobrepunha ao do rival casado. As Morisot, por sua vez, estavam

encantadas com Degas. E tiveram a oportunidade de conhecê-lo bem.

Não era raro que ele passasse dias inteiros na casa delas na rue Franklin.

Ele as desarmava conversando com elas como se fossem homens. Era

malicioso. Cáustico. Dizia-lhes francamente o que pensava. Elas se

divertiam, lisonjeadas, instigadas. Ao mesmo tempo, o que as confundia,

Degas encenava farsas de cortejo cavalheiresco, que eram cheias de

provocação e simultaneamente beiravam o absurdo. Numa carta do

começo de 1869, Berthe escreveu a Edma: “M. Degas veio e sentou-se

ao meu lado, fingindo que ia flertar, mas seu flerte limitou-se a um longo
comentário sobre o provérbio de Salomão: ‘A mulher é a desolação do

justo.’”

LOGO DEPOIS DE conhecê-la, Manet pediu a Berthe para posar para O

balcão, sua tentativa mais recente e desafortunada de causar uma

impressão favorável no Salão. A proposta em si já trazia um frisson de

risco social: Berthe e suas irmãs eram filhas de um alto funcionário

público e uma respeitada anfitriã de salão. Posar para a mais recente

criação de um pintor notório por suas imagens bizarras e estilo

negligente não era desprovido de perigos para uma mulher solteira de

quase trinta anos. Mas, sendo ela mesma uma pintora, Berthe tinha

pretexto suficiente para aceitar. Tinha curiosidade de ver Manet

trabalhando; conhecia suas realizações e há muito reconhecera seu

talento. Tinha a medida de suas forças e também, talvez, de suas

fraquezas. (Em uma carta a Edma, ela comparou as pinturas de Manet a

“frutas silvestres, ou mesmo aquelas que ainda não estão completamente

maduras” – uma imagem magnífica –, acrescentando: “Elas não me

desagradam nem um pouco.”)

Berthe não posou para o quadro sozinha. Os outros modelos do

Balcão eram a violinista Fanny Claus (a melhor amiga de Suzanne; sua

presença destinava-se provavelmente a conferir o comportamento de

Manet), o pintor Antoine Guillemet e Léon, agora com dezesseis anos, e

cujo rosto impreciso só pode ser decifrado na obscuridade interior do

quadro. (A composição foi baseada numa pintura de Goya muito

admirada por Manet.) As sessões de pose, que provavelmente

aconteciam na mesma época que as sessões de Manet e Suzanne para o

quadro de Degas, levaram vários meses, que a Berthe pareceram

intermináveis. Durante todo esse tempo, a mãe de Berthe, no papel de

dama de companhia, ficava sentada com seu bordado num canto do

ateliê, observando escrupulosamente não só os sentimentos conturbados


da filha, como também a agitação óbvia de Manet. Num momento, ele

estava pleno de vitalidade e otimismo; no momento seguinte, tomado

por grandes dúvidas.

Está claro que, embora essa situação fosse tratada socialmente de

forma hábil, a atração mútua entre Manet e Morisot era uma fonte de

confusão privada para ambos. Berthe tinha as irmãs e a mãe como apoio

moral. Mas quando, no final do ano, Edma “desertou” e se casou com

um oficial naval, Berthe caiu em depressão. Agora ela estava não só

frustrada, mas também sozinha. Apesar de tentar avançar com sua

pintura, via-se forçada a evitar as tentativas intrusivas da família para lhe

encontrar um marido. Nos melhores retratos que Manet pintou dela,

aparece a um só tempo agitada, zangada e cheia de desejo secreto.

Infelizmente para Berthe, o interesse de Manet foi desviado para

uma talentosa jovem pintora espanhola chamada Eva Gonzalès. Eva

tinha vinte anos. Foi um sucesso imediato com o hispanófilo Manet. Ela

persuadiu-o a acolhê-la como aluna – algo que Morisot havia

escrupulosamente evitado – e logo em seguida ele estava pintando seu

retrato. Quando a mãe de Berthe fez uma visita ao ateliê de Manet com

o pretexto de devolver alguns livros, encontrou Eva posando e contou a

Berthe: “Nesse momento”, escreveu, “você não está em seus [de Manet]

pensamentos. Mlle G[onzalès] tem todas as virtudes, todas as graças.”

Isso não deve ter ajudado nem um pouco o humor de Berthe.

Madame Morisot podia gostar de Manet tanto quanto todo mundo, mas

sabia que a situação não era saudável. Ela estava preocupada com a filha.

Escreveu a Edma contando ter encontrado Berthe “na cama com o nariz

virado para a parede, tentando esconder o choro … Acabou-se o nosso

circuito de visitas de artistas”, ela escreveu. “Eles são uns desmiolados.

São uns volúveis que jogam com vocês.”


MAS EDMA NÃO ficou muito convencida. Ela escreveu a Berthe para lhe

contar que sua “paixão por Manet” chegara ao fim (afinal, agora estava

casada), mas que continuava interessada em Degas. Ele era diferente,

disse. Sentia atração por ele, por sua inteligência, seu modo de ver

através da pretensão e da hipocrisia. “O comentário sobre o provérbio de

Salomão deve ter sido muito astuto e picante”, disse a Berthe. “Você

pode achar que sou tola, se quiser, mas, quando penso em todos esses

pintores, digo a mim mesma que quinze minutos de conversa com eles

valem mais do que muitas coisas mais sólidas.”

Não é fácil ler tais cartas e entender suas camadas de ironia e

perspicácia, ou, no sentido inverso, saber quando coisas verdadeiras

estão sendo ditas claramente. Não podemos saber o que Degas pretendia

com esse pequeno comentário sobre o provérbio de Salomão, nem quão

sério era o galanteio a Berthe. Como muitos artistas, ele se sentia mais à

vontade comunicando-se através de imagens. Assim, é interessante

observar que nessa mesma época, no começo de 1869, ele deu um leque

de presente a Berthe. Nele, pintara uma estranha cena: o escritor

romântico Alfred de Musset (famoso por suas muitas ligações com

mulheres, entre elas George Sand) aparecia, com um violão na mão,

fazendo serenata a uma dançarina, no meio de uma trupe de dançarinas

espanholas. A cena imaginada é entremeada de homens prostrados ou de

joelhos diante das mulheres, implorando por seu amor.

Berthe conservou o presente com carinho pelo resto da vida. E, num

retrato duplo comovente que fez nessa época, logo depois do casamento

de Edma, pintou a si mesma e à irmã com vestidos brancos idênticos de

babados e poás, com fitas negras em volta do pescoço, num sofá floral

na casa delas. Em destaque, na parede atrás, está o leque decorado de

Degas.
ENQUANTO MANET ESTAVA pintando Eva Gonzalès, Degas passava mais

tempo que nunca na casa das Morisot. Ele havia persuadido a irmã mais

velha de Berthe, Yves, a posar para um retrato, o que lhe deu a desculpa

para estar lá todos os dias. Para Manet, que não conseguia ficar sozinho

com Berthe sem múltiplas damas de companhia, isso deve ter sido

motivo para ressentimento. Será que ele, de alguma forma, alertou Degas

para ficar longe de Berthe? Ele conhecia Degas muito bem para saber

qual era seu ponto fraco. Fez, então, o que podia. Conversando com

Berthe, emitiu (“de uma maneira muito cômica”, segundo Berthe) o

julgamento devastador de que Degas não tinha “naturalidade”, e, pior,

que não era “capaz de amar uma mulher, muito menos de dizer a ela que

a ama ou de fazer qualquer coisa a respeito”.

As observações eram uma clara tentativa de influenciar Morisot – e

tiveram êxito. Berthe relatou a conversa à sua irmã Edma,

evidentemente num tom de concordância: “Eu definitivamente não acho

que ele [Degas] tenha um caráter atraente”, escreveu. “Ele é espirituoso,

e nada mais.”

Tivesse Degas ouvido o julgamento, não há dúvida de que teria

ficado magoado. “Cômicos” ou o que fossem, os comentários de Manet

estavam próximos demais da verdade para que ele simplesmente os

ignorasse.

TALVEZ O MESMO fosse verdadeiro sobre o retrato de Manet e Suzanne.

Um retrato, afinal, é uma leitura de alguém. Um retrato duplo do tipo

que Degas fez em 1868-69 é a leitura não só de dois indivíduos, mas de

um casal. E Manet estava num estado demasiado exposto e vulnerável

para simplesmente ignorar o que esse retrato de casal parecia estar

dizendo.
Um casamento, está claro, nunca é apenas um relacionamento entre

duas pessoas. E o casamento de Manet, a essa altura, estava bem

movimentado. (Se fosse um baile de máscaras, tanto melhor.) Mas ele

também prezava a privacidade. Tinha seus segredos e queria preservá-

los. O que pode tê-lo irritado com o retrato de Degas de seu casamento

não era, talvez, nada tão tépido, ou tão literal, quanto o suposto fracasso

de Degas em cortejar Suzanne, a explicação tradicionalmente fornecida

para seu ataque à tela. Tratava-se, com mais probabilidade, da

culminação de uma ameaça que vinha se anunciando.

Degas, muito simplesmente, estava se aproximando demais do

casamento de Manet e dos segredos que ele encobria. Se o retrato de

Manet e Suzanne expressava os sentimentos de Degas sobre o casamento

em geral (sentimentos que ele já havia manifestado em A família Bellelli

e Interior), também exprimia um julgamento sobre o casamento de

Manet em particular. Com deliberação fria, Degas havia representado

Suzanne absorta ao piano, de costas para o marido descontente. Ele está

desligado dentro de seu próprio mundo, sonhando, pode-se inferir, com

outra pessoa. Com Berthe Morisot, talvez.

O ataque de Manet ao quadro, portanto, pode ter sido em parte

motivado pela raiva diante da intrusão indesejada de Degas na situação

delicada com Berthe. Também pode ter sido alimentado por sua suspeita

subjacente – acentuada pela proposta abortada de irem a Londres juntos

– de que Degas já não era um protégé ou um amigo, mas um rival

genuíno, uma ameaça – alguém que estava prosperando enquanto ele,

Manet, afundava num atoleiro. Ademais, Degas era alguém que viera a

conhecê-lo profundamente, um homem perceptivo demais e presente

demais em sua vida.

E então, obviamente, há também a possibilidade de que a raiva de

Manet tenha sido atiçada pela frustração conjugal. Afinal, foi a imagem

específica de Suzanne que ele eliminou. Seria porque o retrato de Degas


parecia lembrá-lo de algo penoso, algo que eles haviam feito às pressas e

que era vagamente vergonhoso a respeito de sua união? O ataque à tela

teria sido talvez provocado por uma briga terrível com Suzanne? Como

casal, deviam ser bastante compatíveis. Mas seu casamento fora eivado

de decepção e hipocrisia antes mesmo de ter começado. Em meio à sua

crise criativa e à paixão frustrada por Berthe Morisot, Manet pode muito

bem ter acalentado uma suspeita crescente de que o preconceito de

Degas contra o casamento era, de certo modo, justificado: será que ele –

Manet pode ter imaginado – teria sido mais livre para criar, inventar e

fazer como lhe aprouvesse se não tivesse de manter a fachada de seu

casamento com Suzanne?

Além disso, havia o fato de que o olho de Degas, seu modo de olhar

– embora cada vez mais irrefutável do ponto de vista artístico –, era

implacavelmente distanciado e analítico. Degas dissecava o mundo à sua

frente. Mais do que enxergar as relações intuitivamente e por inteiro,

com a colaboração do sentimento e da imaginação, como Manet

enxergava o mundo, ele as separava, para melhor ver do que eram feitas.

Mas, nesse processo, rompia os fios invisíveis que as conectavam. Ao

contemplar o retrato de seu casamento feito por Degas, Manet pode ter

visto, gravada de forma mais evidente do que nunca, a distinção entre

sua própria visão de mundo e a de Degas, e a considerado – ainda que

por um breve momento – intolerável.

MAS TUDO ISSO é a visão do incidente do ponto de vista de Manet. E a

perspectiva de Degas? Afinal, foi a sua pintura que foi vandalizada. A

questão então agora é: será que ele sabia o que estava fazendo com sua

tela? Era deliberado, calculado? Estava tentando causar dano?

Provavelmente, não. Essas coisas tendem a ser mais complicadas,

menos conscientes. O poeta James Fenton certa vez escreveu sobre o


relacionamento complexo entre Samuel Taylor Coleridge e William

Wordsworth. Ele comentou a reverência de Coleridge por Wordsworth,

sua crença sincera na primazia do poeta mais velho. É claro que ele,

Coleridge, também era brilhante – e muito ambicioso –, mas o olhar de

Wordsworth sobre si mesmo submergia todos os rivais potenciais. Nesse

sentido, ele era, como Ingres, o artista imenso e ciumento que “não

podia viver sob a hipótese de um rival”.

Por alguma razão, Coleridge não percebia muito bem esse lado de

Wordsworth e, assim, ficou desconsolado com a maldade deste em

relação às suas produções criativas – especialmente a forma como

Wordsworth zombou de “Kubla Khan”. Não obstante – e aqui está o

mais extraordinário –, quando Coleridge mais tarde escreveu sua

Biographia Literaria em dois volumes, devotou todo um capítulo a

enumerar os defeitos da poesia de Wordsworth – os defeitos! –, e o fez,

sustenta Fenton, sem sequer dar-se conta do “que ele, Coleridge, estava

fazendo”.

“Ele não conseguia deixar de amar” Wordsworth, concluiu Fenton.

“Não podia deixá-lo em paz.”

LOGO DEPOIS DE rasgar o quadro de Degas, acalmada a raiva, Manet fez o

seu próprio retrato de Suzanne, mais leve e mais simpático, sentada ao

mesmo piano. Era como se ele quisesse dizer: Veja. Era assim que devia

ter sido feito.

Mas também, talvez, como se estivesse se desculpando.

Ele havia pintado Suzanne antes, em 1865, vestida de branco,

sentada num sofá forrado de branco, contra cortinas rendadas brancas.

Seus olhos azuis, cabelos louros e traços alegres vistos de frente

conferem-lhe a aparência delicada de uma boneca de porcelana.


(Quando repintou o quadro, em 1873, acrescentou a figura de Léon,

agora já moço, atrás do sofá lendo um livro.)

Mas agora, depois de ter arrancado o rosto de Suzanne do duplo

retrato de Degas, ele se determinara a retratar a mulher outra vez em

uma nova imagem. Omitiu-se, concentrando-se exclusivamente nela. A

pintura a mostra de perfil (como no Degas original), vestida num preto

profundo, seu rosto branco pálido em completa absorção lendo a

partitura musical e os dedos movendo-se sobre as teclas. Refletido num

espelho na parede de trás aparece um relógio, que havia sido dado à mãe

de Manet pelo seu padrinho, o rei Bernadotte da Suécia, Carlos XIV,

como presente de casamento, em 1831. O retrato, com certeza, deu

trabalho a Manet. A silhueta do nariz de Suzanne é boa, mas foi

retrabalhada repetidas vezes e ainda traz os rastros dos esforços de

Manet para acertá-lo. Para ele, era importante – muito importante –

fazê-lo direito.

A AMIZADE ENTRE Manet e Degas continuou intacta – bem como sua

rivalidade. Durante os anos 1870, depois do divisor de águas da

ocupação prussiana de Paris, quando ambos lutaram juntos para

defender a cidade e, em seguida, a Comuna – que marcou o fim do

Segundo Império –, com frequência abordavam os mesmos temas no

que parecia um espírito competitivo: ateliês de modistas, moda

feminina, cafés-concerto, cortesãs, o hipódromo. Alfinetavam um ao

outro sobre quem teria sido o primeiro a tratar certos assuntos

modernos. Zombavam de suas atitudes em relação ao reconhecimento

público. E, ocasionalmente, murmuravam coisas pontuais sobre a

personalidade um do outro. Mas, de modo geral, sua rivalidade ficou

menos pesada.
Quando estavam competindo, havia cumprimentos velados, bem

como críticas: “Manet está desesperado”, disse Degas certa vez, “porque

não consegue pintar quadros atrozes como [Carolus-Duran] e ser

aclamado e condecorado.” Em outra oportunidade, no meio de uma

discussão com Manet sobre honras oficiais, Degas de súbito exclamou,

com sinceridade desarmante: “Todos nós, em nossas mentes, lhe

concedemos a medalha de honra, junto com muitas outras coisas ainda

mais lisonjeiras.”

OS DOIS PINTORES continuaram a evoluir com rapidez. Em certo sentido,

seus estilos aproximaram-se nos anos 1870, quando eles adotaram uma

aparência de espontaneidade e o estilo esboçado, inacabado, associado

aos impressionistas. Mas Degas nunca mais brincou com a narrativa,

como havia feito em Interior. Aos poucos, também, abandonou sua

preocupação com as expressões faciais. Dez anos depois, quando as

bailarinas, os cavalos e as banhistas estavam constituídos como seus

temas distintivos, os rostos só eram conspícuos por sua ausência. As

costas das mulheres lhe interessavam muito mais.

Ele não pintou novamente um casal por quase quarenta anos.

Manet, por sua vez, deixou de lado a obsessão pelo realismo falso,

criado dentro do ateliê – com fantasias, encenação e recriações

melodramáticas de pinturas passadas. Sob a influência de Monet, passou

a pintar ao ar livre, deixando entrar cada vez mais luz em seus quadros.

Não havia mais propostas de viagem a Londres, nem de posar um para o

outro. A amizade continuou, mas não a intensidade, e a sensação de

estarem de certa forma no mesmo barco arrefeceu. Ainda assim,

segundo George Moore, que conhecia ambos, Manet permaneceu “o

amigo [de Degas] por toda a vida”.


Por certo, a admiração de Degas por Manet nunca arrefeceu. Só que

ele gostava de mantê-la debaixo dos panos. Um amigo em comum

relatou uma visita que ele fez ao ateliê de Manet: “Degas olhou para os

desenhos e os pastéis. Fingiu que seus olhos estavam cansados e que não

conseguia ver bem. Não fez quase nenhum comentário. Pouco tempo

depois, Manet cruzou com o amigo, que disse: ‘Encontrei Degas outro

dia. Ele tinha acabado de sair de seu ateliê e estava entusiasmado,

encantado por tudo que você lhe mostrou.’ Manet disse: ‘Ah, o

desgraçado…’”

OS SENTIMENTOS DE Berthe Morisot por Manet nunca esmoreceram,

tampouco. Mas a situação, como estava claro desde o começo, era

impossível. Quando Manet a incentivou a se casar com seu irmão

Eugène, pareceu-lhe sensato aquiescer; era a segunda melhor coisa

depois de casar com Manet. Mas também era a pior: Eugène não era

Édouard. “Minha situação é insustentável de todos os pontos de vista”,

ela escreveu, ao avaliar suas opções. Acabou consentindo, e, quando o

fez, Degas estava lá (como sempre) para celebrar a ocasião pintando o

retrato de Eugène.

Berthe e Eugène tiveram uma filha, Julie Manet, cujo

companheirismo foi muito precioso por toda a vida de Berthe.

Manet morreu na primavera de 1883. Ele sofreu durante anos de

ataxia locomotora, consequência de uma sífilis não tratada, e passou

seus seis meses finais com dores incessantes, generalizadas. No começo

da primavera de 1883, seu pé esquerdo foi acometido de gangrena e a

perna foi amputada. A operação foi em vão. Onze dias depois, ele

morreu.

Degas foi um dos muitos que sentiram imensa falta dele.


DEPOIS DA MORTE de Manet, não se encontrou nem um único trabalho de

Degas em sua coleção particular. Quando, por outro lado, Degas morreu,

em 1917, um extraordinário achado de Manets foi revelado ao mundo:

oito pinturas, catorze desenhos e mais de sessenta gravuras.

A grande coleção de arte de Degas, que em determinado momento

ele cogitou transformar em museu, fora reunida nos anos 1890, mais de

uma década depois da morte precoce de Manet. Foi nessa época que ele

começou a ganhar dinheiro suficiente para se entregar ao que logo se

tornou uma obsessão. Além das dezenas de Manets (alguns dos quais ele

já possuía), ele adquiriu pinturas e desenhos de seus heróis Ingres,

Delacroix e Daumier. Também adquiriu obras de membros da geração

mais jovem, incluindo Cézanne e Gauguin, gravuras e pastéis de Mary

Cassatt; pinturas de Camille Corot e mais de cem estampas, livros e

desenhos de artistas japoneses.

Vinte anos depois, na época da Primeira Guerra Mundial, essa

coleção surpreendente era, quando muito, um rumor. Degas chegou ao

fim da vida praticamente cego e notoriamente recluso, de modo que por

muitos anos quase ninguém o tinha visto. Quando chegou ao mercado

após sua morte, em 1917, a coleção abalou o mundo da arte com a força

de uma revelação. “O acontecimento da temporada”, foi como a revista

Les Arts descreveu a série de três leilões em Paris em março e novembro

de 1918. (Cinco outros leilões foram organizados para arrematar as

obras não vendidas do próprio Degas.) Colecionadores norte-

americanos, como Louisine Havemeyer, e instituições do mesmo país,

como o Metropolitan Museum de Nova York, enviaram ao outro lado do

Atlântico instruções de lances para seus agentes de Paris. O Louvre,

também, era um competidor de peso – tanto mais porque a maioria

esmagadora dos artistas que Degas colecionava era composta de

franceses. Mas a parte mais substancial da coleção foi para Londres. O

renomado economista John Maynard Keynes, membro do grupo


Bloomsbury, convencido da qualidade da coleção por seu amigo, o

crítico Roger Fry, farejou uma boa oportunidade. Ele persuadiu o

Tesouro Britânico a conceder à falida National Gallery de Londres um

subsídio pontual de 20 mil libras esterlinas para os lances para as

pinturas.

A guerra estava no auge quando Keynes foi a Paris. A cidade estava

sob ataque. O baque surdo das bombas podia ser ouvido de dentro da

sala de leilão, na Galerie Roland Petit, e estava ficando

desconfortavelmente próximo. Depois de uma dessas explosões,

segundo o amigo de Keynes e companheiro de viagem Charles Holmes,

“houve uma corrida considerável à porta”, e a maioria dos presentes

fugiu para um lugar seguro. A maior parte daqueles que fugiram não

conseguiu voltar, e, como resultado, muitos dos melhores quadros do

leilão foram vendidos naquela tarde diante de uma audiência

enormemente reduzida. Keynes e Holmes permaneceram; o público

britânico colheu o benefício.

COLECIONAR – mesmo quando você próprio é um artista – é uma

atividade sublimadora, um modo de transformar o prazer em controle, o

caos em ordem. É um escape clássico para o homem de paixão

orgulhoso e solitário. Também é um método que permite reparar,

restaurar, recuperar.

Desse ponto de vista, a coleção de Degas de quadros de Manet

contava uma história pessoal incomum. Muitos dos quadros retratam

pessoas que tiveram um papel central na vida breve e cintilante de

Manet – e um papel não totalmente incidental na de Degas. Uma pintura

e uma gravura, por exemplo, retratam Berthe Morisot. Diversas outras

pinturas retratam Léon. Há também uma bela gravura da cabeça do pai

de Manet e duas gravuras retratando Baudelaire. No todo, um grande


elenco. Degas viveu no meio desses quadros, e eles o recordavam de

que, durante algum tempo, ele tivera acesso especial ao mundo

misterioso e sedutor, porém sutil, de Manet.

Mas era um mundo do qual ele sempre se sentira um pouco excluído.

Sua coleção, nesse sentido, tinha algo de compensador: era uma maneira

para Degas, com o passar dos anos, permanecer ligado a pessoas que, na

realidade, haviam de alguma forma escapado a ele, escorregado de suas

mãos. A mais importante delas era, sem dúvida, o próprio Manet.

NO QUE SE REFERIA a quadros danificados – e talvez, também, no caso

singular de sua amizade com Manet –, Degas era guiado por um instinto.

Ele não podia considerar para sempre que o ataque de Manet a sua

pintura fosse um ataque contra ele. “Como esperar que alguém ficasse

mal com Manet?”, disse a Vollard.

Lamentando sua devolução ressentida da natureza-morta de Manet

(“Que linda telinha ela era!”, recordou), ele mais tarde tentou recuperá-

la. Infelizmente, Manet já a havia vendido.

Entretanto, ele fez o que pôde para consertar sua pintura de Manet e

Suzanne. Preparou-a para um restauro e, como disse a Vollard, planejou

repintar Suzanne e devolver o quadro inteiro a Manet. Mas isso nunca

aconteceu: “Ao protelar dia após dia, ela acabou ficando daquele jeito

para sempre.”

Anos depois, porém, Degas fez o máximo para reparar uma outra

tela danificada – uma criação não dele, mas de Manet. Era uma das seis

pinturas que Manet havia realizado no final dos anos 1860 – mesma

época do retrato de Manet e Suzanne. Todas representavam a execução

do líder mexicano Maximiliano [ver prancha 9]. Essas pinturas foram o

depoimento político de Manet, seu protesto contra a política externa


grosseira e aviltante de Napoleão III e sua tentativa de levar um estilo

próprio, indiferente, ao gênero então moribundo da pintura histórica.

Uma vez que Manet era Manet – e uma vez que em muitos aspectos

seus melhores instintos eram jornalísticos, atraídos para a irresolução

palpitante do presente mais do que para a poeira assentada do passado –,

o tema dessa pintura “histórica” era, na realidade, um acontecimento

contemporâneo. Um aristocrata Habsburgo, Maximiliano havia sido,

pouco tempo antes, instalado como imperador do México pelo governo

francês de Napoleão III. Era um governo fantoche, inteiramente

dependente de apoio europeu, e especificamente francês, para sua

sobrevivência. Mas os franceses abandonaram Maximiliano quando os

rebeldes mexicanos começaram a tomar o controle. Ele foi capturado em

1867 e executado. Os jornais franceses abafaram a notícia. Mas ela foi

relatada em outro lugar e logo o público conheceu a verdade repugnante.

Por toda a Europa, as pessoas ficaram horrorizadas.

As criações de Manet em torno do tema desdobraram-se por três

anos (exatamente o período em que ele e Degas estiveram mais

próximos: 1867-69). Os detalhes do que havia de fato acontecido no

México não paravam de mudar, à medida que novas informações,

previamente abafadas, vinham à luz. Mas suas ideias de como pintar o

acontecimento também mudavam sempre. Em vários sentidos, as

questões com que ele se defrontou eram similares às que Degas

encontrou quando estava pintando Interior e o retrato de Manet e

Suzanne: como contar uma história numa pintura – ou, inversamente,

como evitar fazer isso? Até que ponto deveria ser explícito? E que exato

momento deveria ser representado? Seria aquela fração de segundo crua

do assassinato que se estava tentando capturar ou algo mais flexível e

expansivo, uma espécie de envelope do tempo que de alguma forma

abrangia o contexto e sugeria julgamento?


Havia também, obviamente, a questão da expressão facial: quanta

expressão deveria colocar nos rostos dos executores? Quanta emoção

deveria haver nos rostos de Maximiliano e de seus dois generais diante

do esquadrão de fuzilamento?

No final, Manet criou quatro grandes versões do tema. Hoje, são

consideradas obras-primas: tratamento notavelmente frio, quase

desinteressado, de um assunto muito quente. Mas, na época, todo esse

enorme esforço terminou, como muito do que Manet tentou fazer, em

decepção. Os acontecimentos no México ainda eram incipientes demais,

vergonhosos demais, e o governo francês censurou a pintura, proibindo-

o de exibi-la.

“Que desgraça Édouard ter trabalhado tão obstinadamente naquilo!”,

Suzanne lamentou mais tarde. “Quantas coisas bonitas ele poderia ter

pintado durante todo aquele tempo!”

EM ALGUM MOMENTO antes de sua morte, Manet passou a faca – e, mais

uma vez, não sabemos por quê – em uma seção da versão de A execução

do imperador Maximiliano que ele tinha no estúdio. Removeu grande

parte da figura de Maximiliano e a figura inteira de seu companheiro, o

general Mejía. Depois de sua morte, seu herdeiro, Léon, tendo deixado a

pintura deteriorar-se no depósito, retalhou-a em mais de sete pedaços.

“Achei que o sargento ficaria melhor sem aquelas pernas balançando

feito um trapo”, disse. Ele vendeu então a Vollard a parte central da tela,

a massa do esquadrão de fuzilamento.

Degas, nessa época, já havia adquirido de Léon outro fragmento

dessa mesma pintura. Era a seção da tela que mostrava um soldado

carregando seu rifle e preparando-se para disparar o golpe de

misericórdia. Por coincidência, Vollard e Degas enviaram suas

respectivas peças ao mesmo restaurador, que mostrou a Vollard o


fragmento de Degas. Quando Vollard disse a Degas que suas aquisições

separadas haviam sido cortadas da mesma pintura, Degas ficou furioso.

Ele enviou Vollard de volta a Léon para recuperar as peças

remanescentes, e fez o melhor que pôde para reuni-las numa única tela.

O resultado é a tela parcialmente reabilitada que agora se encontra

em Londres e foi comprada para a National Gallery por Keynes no leilão

de Degas em 1918.

Sempre que alguém via a pintura remendada em sua casa, Degas

resmungava: “Mais uma vez a família! Cuidado com a família!”

FAZIA APENAS dezoito meses que Manet havia morrido quando Degas

escreveu a um amigo: “No fundo, não tenho muito afeto. E o que eu

tinha não foi incrementado pelos problemas de família e outros; fui

deixado apenas com o que não poderia ser tirado de mim – não muito …

Assim fala o homem que quer terminar sua vida e morrer sozinho, sem

nenhuma felicidade.”

Ele ainda viveria 33 anos.


Matisse e Picasso

Uma pequena ousadia descoberta no trabalho de um amigo era

compartilhada por todos.

HENRI MATISSE

NO COMEÇO DE 1906, dizendo a si mesmo que não tinha nada a perder,

Henri Matisse fez sua primeira visita ao ateliê de Pablo Picasso. Foi até

lá na companhia da filha, Marguerite, e dos irmãos Gertrude e Leo

Stein, colecionadores judeus norte-americanos que, não fazia muito

tempo, haviam se instalado em Paris.

O ateliê de Picasso ficava do outro lado do Sena, no alto da colina de

Montmartre. Era primavera. O grupo partiu a pé. Leo era alto e

magricela e tinha uma barba rala. Ele e a irmã vestiam-se de maneira

peculiar. Calçavam sandálias de correias de couro, e Gertrude gostava de

usar vestidos largos de veludo cotelê marrom. Marguerite, uma menina

tímida de doze anos, estava constrangida por ser vista passando pela

elegante avenue de l’Opéra na companhia deles. Mas os Stein não se

importavam com que os outros pensavam.

Picasso tinha 24 anos, Matisse 36. Era um período crucial – em

vários sentidos, o período crucial – na carreira dos dois artistas. Suas

situações eram precárias, mas, pela primeira vez, depois de anos de luta

e dúvidas, ambos estavam começando a desfrutar algum sucesso. Entre

os de fora, Leo Stein, mais do que qualquer outra pessoa, era o

responsável por essa recente melhora de condições. Ele e Gertrude

haviam travado relações com os dois artistas, separadamente, nos meses

anteriores, de modo que parecia natural que eles quisessem agora que
Picasso e Matisse se conhecessem. Os Stein queriam ser testemunhas

dos primeiros estágios de um relacionamento que, para eles, sem dúvida

haveria de dar frutos.

EM SEU ATELIÊ, Picasso esperava por eles. Certamente estava ansioso.

Mostrar a um artista rival seu próprio trabalho é arriscar tudo. O

escultor Giambologna, do século XVI, costumava contar uma história

(relatada de forma admirável em 1995 pelo poeta James Fenton) que

mais tarde ficou famosa: em sua juventude, recém-chegado a Roma

(assim como Picasso era novo em Paris), levou ao grande Michelangelo

uma pequena escultura. Era modelada em cera com acabamento

rigoroso. Suas superfícies eram tão lisas que a peça parecia tremer com

vida incipiente. Michelangelo, então em seu apogeu, pegou o modelo nas

mãos e o inspecionou. Colocou-o sobre a mesa à sua frente, ergueu o

punho e golpeou a figurinha de cera de Giambologna. Repetiu a ação

várias vezes até que tivesse diante de si uma massa disforme.

Giambologna ficou observando. Michelangelo, então, começou ele

próprio a remodelar a cera, com Giambologna ainda assistindo. Quando

terminou, devolveu a peça, dizendo: Agora vá e aprenda a arte de

modelar antes de aprender a arte do acabamento.

Não era da natureza de Matisse agir dessa maneira. Para começar,

embora ele fosse mais velho do que Picasso, sua reputação como artista

não era nem um pouco comparável à de Michelangelo no Alto

Renascimento. A questão, mais precisamente (pois, afinal, o

comportamento de Michelangelo não era a reação de um homem que

sentia uma séria ameaça?), é que Matisse se orgulhava da ideia de que

podia não só tolerar rivais, mas se dar bem em sua presença. “Creio que

a personalidade do artista se desenvolve, se afirma através das lutas que

há de travar”, disse ele certa vez. “Aceitei influências, mas sempre soube

como dominá-las.”
BAIXO, mas de constituição sólida, Picasso tinha se mudado de

Barcelona para Paris havia menos de dois anos. Ainda não era fluente

em francês. Mas tinha o tipo de carisma que é capaz de demover até

personalidades fortes de seus eus anteriores. Ele vivia com a namorada,

Fernande Olivier, e uma grande cadela – um cruzamento de pastor-

alemão com spaniel bretão – chamada Frika. Sua casa resumia-se a um

quarto com pouca mobília num dilapidado conjunto de apartamentos

conhecido como Bateau-Lavoir. Usado também como ateliê, era

atulhado de pincéis, telas, tintas e cavaletes. Era sufocante no verão e, no

inverno, aquecido por uma enorme estufa a carvão.

Matisse, que usava cabelos curtos, barba espessa, óculos e tinha uma

ruga vertical que lhe dividia a testa em duas, morava do outro lado de

Paris. Suas condições, à primeira vista, eram bastante diferentes. Antes

de mais nada, era casado. Entretanto, ele e a mulher, Amélie, não

haviam tido uma vida fácil. Durante muitos anos, tinham vivido em

condições precárias, pois Matisse, artista tardio de temperamento

obstinado, havia tentado construir uma carreira viável como pintor. A

situação do casal algumas vezes chegara a ser extrema, a ponto de

Matisse não conseguir comprar novas telas; ele tinha de raspar a tinta de

telas mais antigas para reutilizá-las.

APENAS TRÊS ANOS ANTES, em 1903, os Matisse tinham sofrido um revés

social terrível: os pais de Amélie, Catherine e Armand Parayre, haviam

sido envolvidos, involuntariamente, numa grande fraude financeira que

arruinou incontáveis credores e investidores por toda a França. O caso

abalou o governo francês, prejudicou bancos e provocou suicídios por

todo o país. A elaborada trapaça, como explicou Hilary Spurling em La

Grande Thérèse: The Greatest Scandal of the Century, foi perpetrada

por Thérèse Humbert, esposa de um deputado para quem os Parayre não

só trabalhavam, mas do qual eram íntimos e apoiavam. O pai de Amélie


foi detido, fizeram buscas no ateliê de Matisse e toda a família de

Amélie foi ameaçada por algumas das muitas vítimas do golpe. Seus

pais ficaram numa situação de proscrição e penúria.

Esse pesadelo social somava-se aos problemas que Matisse já estava

enfrentando como pintor fracassado. Seus trabalhos aparentemente

desajeitados o haviam transformado em objeto de chacota em sua cidade

natal no norte da França, onde a ideia de um jovem decidir tornar-se

artista era um convite ao ridículo. A pressão sobre Matisse se tornou tão

penosa que ele sofreu um colapso nervoso e, durante dois anos,

praticamente parou de pintar.

Ele se recuperou. Mas uma das consequências do escândalo

Humbert foi que, na sequência, passou a ser importante para os Matisse

– ao contrário do mais jovem e mais despreocupado Picasso e sua

namorada Fernande – que mantivessem um lar organizado e respeitável.

Além disso, tinham três filhos, o que tornava ainda mais importante que

vivessem com prudência e propriedade. O mais jovem, Pierre, estava

para completar seis anos. Seu irmão, Jean, tinha sete. Marguerite era a

mais velha. Ela tinha uma covinha no queixo e o cabelo ondulado, que

deixava solto ou preso num rabo de cavalo informal ou num coque.

Usava uma fita negra em torno do pescoço, que reforçava o lustro de

seus grandes olhos escuros. Mas a fita era mais do que apenas um

ornamento. Ela cobria uma cicatriz desfigurante.

PICASSO JÁ TINHA ouvido falar muito de Matisse bem antes de se

conhecerem. É difícil que não tenha sabido que o marchand Ambroise

Vollard, depois de vários anos de hesitação, apresentara a primeira

exposição individual de Matisse em 1903, pois o mesmo Vollard dera a

ele, Picasso, sua primeira exposição individual ainda antes, em 1901.

Nessa ocasião, Picasso, aos dezenove anos, não tinha sequer se instalado
em Paris. Suas esperanças de fazer isso com algum estilo receberam um

empurrão pelo convite de Vollard para expor. Quando a mostra foi

aberta, as resenhas foram encorajadoras: um crítico, Félicien Fagus,

elogiou a “prodigiosa habilidade” do jovem espanhol.

Picasso estava acostumado a esse tipo de atenção. Criado na

Espanha numa família de classe média, fora desde sempre elogiado

como um talento artístico, uma criança prodígio. Mas a exposição com

Vollard não levou a nada. O sucesso imediato que parecia prometer foi

frustrado por uma tragédia que contaminou os três anos seguintes da

vida de Picasso.

Ele tinha ido a Paris pela primeira vez em outubro de 1900. Uma de

suas pinturas, Últimos momentos, uma tela dramática em grande escala

que explicitava sua adesão ao movimento modernista em Barcelona, fora

selecionada para ser exposta na seção espanhola da Exposição Universal

– por si só, um feito extraordinário, já que Picasso tinha apenas dezoito

anos na época. Com a intenção de tirar proveito da oportunidade, ele foi

a Paris com o espanhol Carles Casagemas, seu amigo íntimo e

confidente. Filho de um diplomata, Casagemas era um ano mais velho

que Picasso, e mais instruído, mas, psicologicamente, em todos os

sentidos, o oposto do amigo: uma alma vulnerável, insegura. Era viciado

em morfina – e também em Picasso, de cuja energia e jactância dependia

para sair de seu atoleiro mental. Ambos haviam rejeitado o ensino

formal, adotando a boêmia rebelde dos modernistas. Tendo

compartilhado um ateliê em Barcelona, os dois se mudaram para Paris e

foram incorporados por um círculo de expatriados espanhóis que

moravam em Montmartre. Iam juntos a exposições e tomaram gosto

pelos salões de baile e cafés de seu bairro na colina. Compartilhavam

moradia, modelos e namoradas.

Uma dessas namoradas era a lavadeira e modelo de 21 anos Laure

Florentin, que chamava a si mesma Germaine. Casagemas estava


apaixonado por ela, mas a jovem acabou por rejeitá-lo, e espalhou-se o

rumor de que ele era impotente. A amizade de Picasso com Casagemas

sempre fora caracterizada por zombarias e provocações, geralmente em

sentido único: Picasso gostava, por exemplo, de fazer caricaturas de

Casagemas, exagerando sua aparência taciturna, seu nariz comprido e as

pálpebras caídas. Em reação aos rumores sobre a impotência do amigo,

fez um desenho de um Casagemas nu cobrindo os genitais com a mão.

Os dois voltaram à Espanha em dezembro de 1900 e comemoraram

juntos o Ano-novo em Málaga. Picasso, então, mudou-se

temporariamente para Madri enquanto Casagemas retornava a Paris, na

esperança de reconquistar Germaine.

Em 17 de fevereiro de 1901, em estado de desespero, Casagemas

organizou um jantar num café em Montmartre. Às nove horas da noite,

ele se levantou, entregou a Germaine uma pilha de cartas e desandou

numa fala frenética, incoerente. A primeira carta da pilha era

endereçada ao chefe de polícia. Assim que Germaine a viu, suspeitou

que havia algo errado. Ela só teve tempo de escorregar para debaixo da

mesa quando Casagemas tirou uma pistola do bolso e atirou nela. Sem

perceber que havia errado, ele virou a arma para a própria têmpora,

gritou “Et voilà pour moi!” [Para mim, chega] e se matou. Morreu no

hospital antes da meia-noite.

Esse incidente chocante fez Picasso entrar em parafuso. Ele ficou

assombrado pelo que acontecera – tanto mais porque pouco depois ele e

Germaine tornaram-se amantes. Voltou a Paris, dormiu com Germaine

na cama de Casagemas e pintou no ateliê desocupado do amigo morto.

O que se seguiu foi o chamado período azul de Picasso. Mergulhado

na pobreza e numa prolongada depressão, ele pintava de um jeito

propositadamente desajeitado e melancólico que encontrou poucos

adeptos. Sua paleta, refletindo seu estado de espírito, era azul, e os


temas incluíam mendigos e cegos, atores de circo e músicos itinerantes,

todos com corpos descarnados e olhos tristes.

As pessoas à sua volta sentiam que ele estava desperdiçando seu

talento. Ele havia posto a perder todas as vantagens que obtivera com a

exposição na galeria de Vollard.

AGORA, após cinco anos de pobreza e decepção, era o nome de Matisse

– não o dele – que estava por toda parte. No outono anterior, depois de

um verão decisivo pintando com André Derain em Collioure, na costa

mediterrânea, Matisse havia exposto no Salão de Outono de 1905 uma

série de pequenas paisagens e retratos de aspecto frenético em cores

fortes, impactantes, não naturalistas. Criado em 1903 por um grupo de

artistas liderado por Auguste Rodin e Pierre Renoir, o Salão de Outono

era uma alternativa dinâmica, mais jovial, às várias exposições anuais

públicas de arte recente. A reação do público às pinturas de Matisse

tinha sido violenta e a maioria dos comentários, impiedosos. Matisse era

acusado de expor grafites, não pinturas. Segundo Marcel Sembat, o

político socialista, “o bom público viu nele a encarnação da Desordem,

a furiosa ruptura com toda tradição … uma espécie de impostor num

chapéu idiota”. O alvoroço foi tão grande que Matisse só foi uma vez à

exposição, e proibiu sua mulher, Amélie, de visitá-la, para que não fosse

reconhecida e publicamente importunada.

Tudo isso só serviu para se somar à tensão que já existia na família

de Matisse. Seus pais estavam bastante decepcionados com sua

produção. Quando ele levou um trabalho para casa em Bohain para

mostrar à mãe, Anna, ela ficou perplexa: “Isso não é pintura!”, disse.

Matisse levou uma faca à tela e a destruiu. Ele e Amélie já tinham

passado pelo caso Humbert. Mais escândalo era a última coisa que

desejavam.
De volta ao ateliê, porém, ele persistiu – não havia como voltar atrás

–, e seus colegas artistas podiam detectar a ousadia no que ele estava

fazendo, a inteligência intransigente que estava por trás daquilo. Era uma

ousadia que nenhuma pessoa interessada na direção futura da arte podia

ignorar.

Seis meses depois, algumas pessoas estratégicas no comércio de arte

estavam começando a se aproximar. Matisse foi mencionado numa

revista, Gil Blas, como o líder de uma nova escola de pintura. Sua

segunda exposição individual – com 55 pinturas, além de esculturas e

desenhos – abriria na Galerie Druet naquela primavera (logo depois da

visita de Matisse ao ateliê de Picasso). No dia seguinte ao do vernissage,

a nova e audaciosa obra de Matisse, A alegria de viver, seria exposta no

Salão dos Independentes, uma mostra pública, criada nos anos 1880,

para artistas que trabalhavam fora do pequeno círculo oficialmente

sancionado.

Assim, no caminho para Montmartre, Matisse podia sentir não só

que, depois de anos de luta e experimentos, havia chegado a algo

genuinamente revolucionário, mas também que sua situação material,

depois de anos de pobreza e humilhação esmagadoras, parecia cada vez

mais esperançosa.

Esta última era devida aos Stein. Reconhecendo algo novo e

estimulante no trabalho de Matisse, Gertrude e Leo compraram Mulher

com chapéu [ver prancha 10], a mais impressionante de suas pinturas do

Salão. Esse retrato da mulher de Matisse, Amélie, era parte de uma

coleção na casa dos Stein na rue de Fleurus – que crescia, em tamanho e

em ousadia, mês a mês.

ASSIM COMO VOLLARD havia apresentado uma exposição individual de

Picasso antes de dirigir sua atenção a Matisse, Leo Stein havia adquirido
dois Picassos antes de comprar qualquer obra de Matisse. Entretanto,

aqui, mais uma vez, a precedência do espanhol foi logo derrubada.

O primeiro Picasso comprado por Stein foi um grande guache, A

família de acrobatas. Mostrava um casal de circo debruçado ternamente

sobre sua criança com um babuíno sentado ao lado, olhando. O segundo

foi um óleo, maior e mais ambicioso. Retratava uma adolescente de

corpo inteiro, o corpo de perfil, a cabeça virada para o pintor. Ela usa

um colar no pescoço e uma fita no cabelo espesso e escuro. Fora isso,

está inteiramente nua. Numa postura constrangida, suas mãos em concha

na altura da barriga seguram uma cesta de flores de um carmesim vivo –

um toque gracioso que parece apenas acentuar a aparência estranha do

corpo ainda não bem formado da menina.

O modelo foi uma adolescente vendedora de flores do mercado local

conhecida como Linda la Bouquetière. À noite, ela trabalhava do lado de

fora do Moulin Rouge vendendo não só flores, como também sexo.

Picasso havia inicialmente planejado pintar a menina (com quem é bem

provável que tenha dormido) vestida para sua primeira comunhão. Era

uma de suas típicas brincadeiras maliciosas inspirada pela tentativa de

seu amigo Max Jacob de “reformar Linda” matriculando-a numa

organização católica para jovens chamada Filhas de Maria. Mas acabou

mudando de ideia e a pintou nua.

Quando Leo mostrou a pintura à irmã, Gertrude sentiu-se, como ele

disse posteriormente, “repelida” e “chocada” – ao que parece pela

representação dura, desajeitada, das pernas e pés, mas talvez também

pela incongruência perturbadora de sua fisionomia madura, esperta, e o

corpo de criança. No entanto, apesar de suas objeções, Leo comprou a

obra. “Naquele dia, cheguei em casa tarde para o jantar e Gertrude já

estava comendo”, ele recordou. “Quando contei que tinha comprado o

quadro, ela largou o garfo e a faca e disse: ‘Agora você acabou com o

meu apetite.’”
A reação divertida de Gertrude é ainda mais memorável pela ironia

subjacente da história: Picasso logo seria o seu preferido. Mas o que

importava na época era que Picasso agora tinha aberto um caminho com

eles. Seu trabalho tinha sido comprado por um homem que estava

rapidamente se tornando um dos formadores de opinião mais influentes

e articulados do novo século. Ainda que tivesse pouco a dizer a Leo (ele

não tinha o prazer norte-americano pelo debate intelectual), Picasso era

esperto o bastante para perceber a força pessoal do outro, sua paixão, e

para saber o quanto seu apoio podia ser importante. Assim, lisonjeou-o

fazendo um retrato dele – um esboço despretensioso, um guache sobre

cartão, que deu de presente a seu novo patrono.

LEO STEIN USAVA ÓCULOS com aros de ouro e tinha uma barba comprida

arruivada. Como Matisse, era frequentemente comparado a um

professor. Tinha 28 anos quando saiu de San Francisco rumo a Paris,

junto com a irmã, para visitar a Exposição Universal em 1900 – mesmo

ano em que Picasso fez sua primeira viagem à capital francesa.

Nessa época, Leo estava tentando encontrar um objetivo para a vida

– ele não tinha nenhum compromisso real nos Estados Unidos –, de

modo que decidiu permanecer na Europa. Foi a Florença, onde fez

amizade com o historiador da arte Bernard Berenson (ambos haviam

estudado na Universidade Harvard com William James). Por fim, tendo

decidido tornar-se artista, voltou a Paris para lá se instalar. Encontrou

um apartamento na rue de Fleurus, na margem esquerda do Sena, e

mergulhou no vasto estoque de tesouros da cidade.

Leo não pretendia se tornar colecionador, mas era ávido por

conhecimento e, depois de comprar uma obra – uma pintura de um

aluno de Gustave Moreau (Moreau também fora professor de Matisse) –,

descobriu que não podia parar. Como judeu norte-americano em Paris,


ele era uma espécie de forasteiro com uma afinidade pelo subvalorizado,

o selvagem, o incategorizável, e aquele pequeno ato pareceu impulsionar

sua ânsia pela arte desafiadora, obscura ou surpreendente. Ele não tinha

tantos recursos como os outros colecionadores norte-americanos em

Paris na época, mas era criterioso e curioso, e em pouco tempo

acrescentou obras de Bonnard, Van Gogh, Degas e Manet a sua coleção

despontante.

Sua irmã Gertrude (a mulher de Berenson, Mary, a descreveu como

“uma pessoa gorda, desajeitada, da cor do mogno … mas com uma

cabeça grandiosa, monumental, cheia de inteligência e uma imensa

genialidade – uma mulher realmente esplêndida”) foi morar com ele em

1903. Depois de fracassar nos exames para a escola de medicina, ela

viajou pela Europa e o norte da África, e agora estava disposta a se

instalar em Paris. Chegou exatamente a tempo para a abertura do

primeiro Salão de Outono. A extensa mostra teve lugar no subsolo

úmido e sufocante do Petit Palais. Ela e Leo voltaram lá várias vezes –

Leo discorrendo com paixão, ávido por descobertas, Gertrude menos

entusiástica (ela conhecia muito pouco de arte), mas reagindo

livremente a tudo que a atraía.

Era uma dupla estranha, porém impressionante. Mas não foram por

muito tempo os únicos Stein em Paris, e não seriam os únicos membros

da família a desempenhar um papel transformador nas vidas de Picasso

e Matisse. No começo de 1904, o irmão de Leo e Gertrude, Michael,

com sua mulher, Sarah, o filho pequeno, Allan, e a babá também se

mudaram de San Francisco para Paris. Moraram durante algum tempo

na mesma rua que Gertrude e Leo. Mas logo mudaram-se para o terceiro

andar de um espaçoso apartamento nas proximidades, situado na rue

Madame.

Sarah, uma mulher arguta, persuasiva, era tão ávida por conhecer

arte quanto Leo, e logo começou a competir com sua cunhada Gertrude.
QUANDO LEO APRESENTOU Picasso a Gertrude, o fato de ela não ter

gostado de sua pintura de Linda la Bouquetière pouco importou: uma

relação imediata se desenvolveu entre eles. Picasso tinha um quê de

palhaço e fez Gertrude rir. Ela era carismática, temperamental,

poderosa, perversa e tinha uma risada, segundo Mabel Weeks, amiga dos

Stein, “parecida com um bife”. Picasso detectou imediatamente uma

alma em afinidade com a dele. Ele sabia que sua tarefa era conquistá-la.

E teve sucesso: no primeiro encontro, sugeriu que ela posasse para um

retrato. Ela concordou imediatamente.

Picasso estava acostumado a produzir retratos em um dia ou dois,

numa única sessão ou – na mesma frequência – de memória. Era uma

habilidade que ele tinha desde a adolescência e nunca perderia. Mas as

sessões para as quais Gertrude posou foram – como se sabe – uma

exceção. Mais tarde ela contou que posou para Picasso noventa vezes.

Isso significava que, várias vezes por semana, Gertrude tinha de cruzar

Paris de ônibus e ainda subir a butte Montmartre. Como que para

sinalizar a seriedade de sua intenção, Picasso escolhera uma tela com as

dimensões exatas da pintura mais valiosa que os Stein possuíam na

época – um grande retrato de Cézanne de sua mulher segurando um

leque. Não está claro se era Picasso que estava mais interessado em

passar o tempo com Gertrude ou o contrário. Mas havia sem dúvida um

fascínio mútuo entre esses dois indivíduos magnéticos, e as sessões

ainda estavam em curso quando Gertrude e Leo acompanharam Matisse

e Marguerite ao ateliê do espanhol. Matisse devia estar a par do retrato

em andamento e curioso para vê-lo.

DEDICAR TANTO TEMPO ao retrato de Gertrude acabou sendo um dos

golpes de mestre de Picasso. Gertrude se tornaria uma de suas

defensoras mais ferrenhas. Em função de sua fama literária posterior,

sua versão do que se passou naqueles anos, narrada em A autobiografia


de Alice B. Toklas e em outros textos, prevaleceria sobre o que contaram

(ou não contaram) Leo e Sarah Stein. No entanto, na época, quando se

tratava de decidir sobre a aquisição de arte, não era Gertrude que exercia

influência (em questões de arte, segundo Georges Braque, Gertrude

“nunca foi além do estágio de turista”), e sim seu irmão e a cunhada.

Leo e Sarah não só eram mais conhecedores de arte, como também mais

envolvidos – e ousados – como colecionadores.

Será que Picasso, em sua devoção por Gertrude, teria de algum

modo apostado as fichas na pessoa errada? Enquanto ele se debatia com

seu retrato, agora tinha de observar todas as atenções dos Stein

desviando-se de seus esforços dedicados e voltando-se para o mais

velho, porém mais arrojado, Matisse.

A coisa foi rápida: pouco depois de apresentar Picasso a Gertrude,

Leo levou Sarah e Michael ao Salão de Outono de 1905 – aquele que

deu notoriedade a Matisse. Essa terceira encarnação da exposição anual,

que logo se estabeleceu como a mais importante vitrine da cidade para a

nova pintura, teve lugar no Grand Palais. Reunia artistas consagrados ao

lado da brigada mais jovem, e apresentava, em duas salas adjacentes,

retrospectivas póstumas dedicadas a um par de grandes pintores do

século XIX: Jean-Auguste-Dominique Ingres (falecido em 1867) e

Édouard Manet (falecido em 1883). Matisse e Picasso, assim como os

Stein, visitaram as duas exposições.

Leo estava louco para adquirir um Manet naquele ano, e examinou

com muito cuidado as obras em exposição, entre as quais um dos

retratos mais bonitos de Berthe Morisot. Morisot é vista em perfil de

três-quartos, vestida de preto, sobre um fundo marrom. Seus olhos são

escuros, o nariz delgado e atrevido, e ela traz uma fita negra larga em

volta do pescoço.
A essa altura, obviamente, cerca de três décadas depois de tê-la

pintado, o estilo arrojado de Manet já não era controverso. De qualquer

forma, a paleta marrom e preta do retrato devia parecer sóbria no

contexto das ocorrências mais recentes na vanguarda parisiense – acima

de tudo, a emancipação plena da cor inaugurada pelos pós-

impressionistas e desenvolvida, mais recentemente, por Matisse. No

entanto, as pessoas admiraram mais que nunca a brevidade confiante da

pincelada de Manet e sua modernidade palpável. Como todos, Leo

estava a par dos escândalos que a obra do pintor havia provocado nos

Salões oficiais da década 1860. Ele se identificava, também, com a

coragem que os primeiros defensores de Manet demonstraram em meio

ao alvoroço. Assim, é fácil imaginar os Stein comparando o retrato de

Morisot pintado por Manet com o retrato de Amélie pintado por

Matisse, que também estava na exposição, não muito longe, na Galeria

7.

A galeria havia sido apelidada de “galeria dos lunáticos perigosos”.

E Matisse era o lunático-chefe. A questão principal que animava aqueles

que se encontravam nela (e logo a notícia se espalhou e as pessoas

afluíram aos milhares) era se aquelas pinturas deviam ou não ser levadas

a sério. As paisagens eram extremamente selvagens. Os retratos,

desconcertantes. Matisse retratara Amélie, como Morisot, sentada e

segurando o que parece ser um leque. Ela vira o rosto para encarar o

espectador – indiferente ao frenesi desordenado de cores que compõem

seus traços, à completa falta de modelado e à ausência gritante de

acabamento. Seu olhar, instalado num rosto composto de borrões verdes,

amarelos, rosa e vermelhos sobre um pescoço de amarelos e alaranjados

fortes, é inclemente, reforçando de certa maneira o desafio que o próprio

Matisse parecia apresentar.

Os artistas que estavam expondo na Galeria 7 foram classificados de

fauves, quando o crítico Louis Vauxelles descreveu uma escultura de


estilo renascentista na mesma galeria como “um Donatello entre os

animais selvagens [fauves]”. “Um pote de tinta atirado na cara do

público”, foi como outro crítico, Camille Mauclair, descreveu esses

trabalhos. O público estava igualmente indignado. E de início Mulher

com chapéu também chocou Leo, que a considerou “a mancha de tinta

mais desagradável” que já tinha visto. Mas os Stein – Leo, Gertrude e

especialmente Sarah, que foi a primeira a ver mérito nessa pintura –

voltaram muitas vezes à galeria. E, como escreve Spurling em sua

biografia de Matisse, viam-se constantemente conduzidos à Mulher com

chapéu. “Os jovens pintores estavam simplesmente se matando de rir do

quadro”, recordou uma jovem norte-americana que estava hospedada

com Michael e Sarah na época. “E lá estavam Leo, Mike e Sally [Sarah]

Stein, muito impressionados e solenes com a pintura.”

Era um desafio que empolgava os Stein. Ante a insistência entusiasta

de Sarah, Leo comprou Mulher com chapéu por quinhentos francos e a

pendurou em lugar de destaque na rue de Fleurus. Picasso via o quadro

lá todos os sábados à noite. Ele ouvia Leo e Sarah, e mesmo Gertrude,

falarem incessantemente dele quando tentavam (nem sempre com

sucesso) persuadir seus convidados de que na realidade não eram loucos

– nem Matisse.

PARA A FAMÍLIA MATISSE, a venda chegara em um momento-chave, tanto

do ponto de vista financeiro como psicológico. A partir de então, o

caráter das duas coleções – a da rue de Fleurus e a da rue Madame –

mudou completamente. Os Stein despediram-se do século XIX e, ao se

lançarem ao século XX, foi Matisse, mais do que qualquer outro, que

procuraram como guia.

Eles conheceram o artista logo após a memorável compra. E é

evidente que foram motivados por ele – pela força de sua inteligência,
sua elegância mesmo sob pressão, sua combinação surpreendente de

decoro e ambição quase temerária. Matisse era carismático: ele sabia,

disse sua assistente Lydia Delectorskaya muito tempo depois, “como se

apoderar das pessoas e fazê-las acreditar que eram indispensáveis”. E

adorava correr riscos. Os Stein gostavam disso nele.

Gostavam também de sua família. Quando Gertrude conheceu

Amélie, teve imediata simpatia por ela. Amélie era forte. “Estou no meu

elemento”, disse ela anos depois, “quando a casa pega fogo.” Ao fazer

sua oferta inicial para Mulher com chapéu, os Stein tentaram negociar

um preço mais baixo. Matisse estava disposto a ceder – não havia o

menor sinal de outro comprador interessado –, mas Amélie resistiu,

insistindo nos quinhentos francos integrais.

Os Stein também adoravam Marguerite. Ela logo se tornou uma

companheira de brincadeiras do filho de Sarah e Michael, Allan. As

duas famílias Stein adquiriram retratos dela naquele ano: Sarah e

Michael tinham quadros de Marguerite pintados em 1901 e 1906,

enquanto Leo e Gertrude adquiriram um turbulento retrato da menina

com um chapéu. Penduraram-no logo abaixo do da prostituta-criança de

Menina com cesta de flores, que subitamente pareceu dócil.

QUANDO CRIANÇA, Marguerite contraíra difteria, uma enfermidade do

trato respiratório superior. Sua respiração ficou tão obstruída que ela

teve de receber uma traqueostomia na mesa da cozinha, enquanto

Matisse a segurava. A incisão na garganta de Marguerite permitiu que

ela respirasse, mas por algum tempo sua vida ficou por um fio. Quando

estava se recuperando no hospital, contraiu febre tifoide, e isso também

quase a matou. Ela acabou se curando, mas sua laringe e traqueia foram

danificadas, e desde então sua saúde era delicada. Frágil demais para ir à

escola, foi educada em casa.


Ao contrário de seus dois irmãos mais novos, Marguerite não era

filha de Amélie, mas de uma namorada anterior de Matisse, uma

atendente de loja e modelo do artista chamada Camille Joblaud. O

relacionamento de Matisse com Joblaud durou cinco anos, até que as

lutas aparentemente intermináveis como artista, as realidades penosas da

vida boêmia e o nascimento de Marguerite impuseram pressões

intoleráveis. O casal se separou em 1897, e, depois de alguns anos

infelizes vivendo com a mãe, Marguerite foi morar com o pai, que já

estava com Amélie. Esta acolheu a menina em sua casa, e as duas

formaram um vínculo forte. Mas era ao pai que Marguerite era mais

ligada. Ele vira sua vida quase escapar-lhe, e também como a separação

de Camille a deixara devastada e abatida. Marguerite, por sua vez,

observara a evolução tortuosa de Matisse como pintor. Ao longo dos

anos, seu ateliê se tornara para ela uma espécie de refúgio, e, quando ela

cresceu, Matisse passou a depender cada vez mais da filha. Ela ajudava a

organizar suas tintas, pincéis e telas. Posava para ele. De uma maneira

sutil e não explícita, ela garantiu sua serenidade.

AO CONTRÁRIO DE PICASSO, o menino prodígio andaluz, Matisse

começou tarde. Suas primeiras experiências com tinta foram aos 21 anos

de idade. Ele estava em sua cidade natal, Bohain-en-Vermandois,

convalescendo de uma séria enfermidade e num estado frágil e

vulnerável. De alguma forma, a simples experiência de trabalhar com

pincéis e tinta colorida proporcionou uma espécie de epifania. De modo

que, quando, aos sete anos, a própria Marguerite chegou tão perto da

morte, ele reviveu algumas dessas antigas emoções pintando-a, no verão,

durante sua convalescença. Agora, cinco anos depois, ela estava

entrando na adolescência, recuperando-se mais uma vez de uma doença

séria do ano anterior. Como havia feito em situações de pânico

anteriores, Matisse pediu-lhe para posar para ele. Pintava-a durante o


dia, com a cabeça abaixada, mergulhada em um livro. E à noite ela

posava nua – de pé, tensa, os cabelos presos num coque – para uma

escultura, Menina nua.

Marguerite era muito mais do que um modelo acessível para

Matisse. Ela e seus irmãos mais novos também eram fontes de

inspiração para o pai. Nos últimos tempos, ele vinha manifestando um

interesse especial pelos trabalhos que eles faziam com lápis, pincéis e

tintas, e começou a fazer pinturas ambiciosas inspiradas nesses

trabalhos. Uma delas, executada de forma deliberadamente simples e

infantil, mostrava Marguerite com faces rosadas, cabelo verde-escuro

para combinar com o vestido e uma fita larga preta em volta do pescoço

[ver prancha 11].

EM 1894, ano em que Marguerite nasceu, a irmã mais nova de Picasso,

Conchita, que ele adorava, também contraiu difteria. Houve um surto

em La Coruña, cidade no extremo noroeste da península Ibérica, para

onde a família de Picasso havia se transferido de Málaga, contra a

vontade, três anos antes. Conchita tinha sete anos e Picasso, treze,

estando no auge de uma turbulenta puberdade. Sua família não era

especialmente religiosa. Mas, diante do enfraquecimento de Conchita,

só lhes restava rezar e fazer a menina acreditar que tudo ficaria bem.

Mas não estava tudo bem – e Picasso sabia. Ele estava angustiado,

atormentado por sentimentos de impotência. Até aquele momento, o

único ato que tinha conseguido realizar na vida – o único poder que ele

tinha – estava vinculado à sua arte. As pessoas sempre elogiavam seus

desenhos. Seus dotes eram tão abundantes e óbvios que seu pai, ele

próprio pintor e professor, tinha começado a se sentir ultrapassado. E,

assim, havia certa lógica no que Picasso fez em seguida, como conta seu

biógrafo, John Richardson.


Ante a possibilidade da perda de sua adorada Conchita, ele prometeu

a Deus que, se a vida da menina fosse poupada, nunca mais pintaria ou

desenharia.

Dez dias depois do Ano-novo, no fim da tarde, Conchita morreu em

casa, na cama. No dia seguinte, um novo soro antidifteria, encomendado

semanas antes por seu médico, chegou tardiamente de Paris.

Durante o resto da vida, Picasso foi assombrado pela morte de

Conchita. Num momento em que seu eu adolescente vibrava com a

consciência despontante de seus poderes criativos, a morte da irmã

expôs a vergonha de sua impotência. Mas também, perversamente,

confirmou-o em sua vocação: Deus, ele dizia a si mesmo, escolhera sua

arte em detrimento da vida da irmã.

O trato que Picasso tinha feito, e que manteve em segredo de quase

todo mundo (em anos posteriores só contou a suas namoradas), deixou-o

com uma carga confusa de culpa. Era a culpa de qualquer sobrevivente

que perde um irmão; mas também, talvez, a culpa de alguém com um

talento fora do comum, uma vocação, e que, embora ainda não saiba

como se apossar desse talento, é assombrado pela tentação de renunciar

a ele. O juramento diante do leito de morte foi totalmente natural. Mas

era decerto uma barganha feita de má-fé, que ele nunca estivera de fato

preparado para cumprir.

O episódio é de importância crucial na vida de Picasso, uma vez que

ajuda a explicar o que Richardson descreveu como sua “ambivalência

em relação a tudo que amava”. Pode também explicar as várias maneiras

com que, para o resto da vida, como Richardson escreveu, “moças e

meninas tinham, de certa forma, de ser sacrificadas no altar da arte de

Picasso”.

Dois anos depois, aos quinze, como que para repassar ou exorcizar

sua culpa, Picasso se lançou a uma série de cenas de quartos de


enfermos e leitos de morte. Todas mostravam meninas ou moças

doentes. Havia títulos como Cena de leito de morte com violinista,

Mulher rezando ao lado da cama de uma criança e O beijo da morte.

Esses trabalhos culminaram numa grande pintura com o mesmo tema –

uma cena de quarto de enfermo com uma jovem – chamada Últimos

momentos. Foi essa a obra selecionada para ser exposta na seção

espanhola da Exposição Universal de 1900, e que proporcionou a

Picasso sua primeira viagem a Paris. A pintura mal foi notada e logo

depois estava de volta ao ateliê do artista. Mas, quando ele se mudou

para Paris no ano seguinte, na esperança de se fazer conhecido, levou-a

consigo.

DEPOIS DE CRUZAR Paris a pé, Matisse, Marguerite e os irmãos Stein

começaram sua caminhada morro acima até o Bateau-Lavoir. O edifício

era uma antiga fábrica de pianos convertida em ateliês de artistas.

Possuía uma fachada de um andar que dava para a rua, mas atrás

estendia-se colina abaixo.

O Bateau-Lavoir – ou “barco-lavanderia” (o nome se devia a sua

semelhança com uma antiga barca que funcionava como lavanderia no

Sena) – era um hábitat em si mesmo. Maravilhosamente anárquico, era

um labirinto de brincadeiras grotescas, farra, poesia e pequenos delitos.

Entre seus outros habitantes nos cinco anos que Picasso lá viveu

estavam o compositor Erik Satie, os artistas Amedeo Modigliani, André

Derain, Maurice de Vlaminck, Juan Gris e Georges Braque e o

matemático Maurice Princet.

Para Picasso, contudo, a moradora mais importante era Fernande

Olivier. Ela era muito mais alta do que ele. Gorducha, tinha olhos

amendoados e um ar indolente de curiosidade sensual. Fora criada por

uma tia solteira, que a forçara a se casar com o funcionário de uma loja
chamado Paul-Émile Percheron quando tinha dezoito anos. Percheron a

estuprou e a mantinha trancada em casa quando saía. Só quando sofreu

um aborto é que Fernande conseguiu escapar. Ela foi viver com um

escultor, Laurent Debienne, que usava o pseudônimo Gaston de la

Baume, e encontrou trabalho como modelo-vivo. Quando era menina,

escreveu em seu diário: “Sonhei que conhecia artistas. Eles pareciam

habitar um mundo encantado onde a vida deve ser tão maravilhosa que

seria demais esperar que um dia eu pudesse compartilhar isso.”

Ela e La Baume moravam no Bateau-Lavoir, um lugar “esquisito,

esquálido”, onde, como Fernande escreveu em seu diário, “tudo ecoa

pelo prédio e ninguém tem inibições”. La Baume também era violento,

mas ela só o deixou no verão de 1901, quando, ao voltar certo dia de

uma sessão de pose, encontrou-o na cama com uma menina nua de doze

ou treze anos, que havia posado para ele. “Que hipócrita!”, escreveu ela,

“com toda essa conversa mole sobre a beleza e a fragilidade das

crianças!”

Três anos depois, topou com Picasso, que só recentemente havia se

instalado de maneira definitiva em Paris. “Já faz algum tempo que venho

esbarrando com ele em todos os lugares”, ela escreveu na época, “e ele

me olha com aqueles olhos enormes e profundos, penetrantes mas

meditativos, cheios de fogo reprimido.” Ela não tinha como classificá-lo

na escala social, nem discernir sua idade. Tudo nele a intrigava. Mas,

compreensivelmente, receava se entregar de novo a um homem

(sobretudo alguém que mal falava francês).

Picasso, por sua vez, estava encantado. Havia uma obsessão

comovente no modo como tratava Fernande no começo. Ele estava

nitidamente enfeitiçado por ela – de uma forma que não se repetiria com

mais ninguém. “Ele larga tudo por mim”, ela escreveu. “Seus olhos

imploram por mim, e ele trata tudo que deixo de lado como uma relíquia

sagrada. Se durmo, ele está ao lado da cama quando acordo, os olhos


ansiosos fixos em mim.” No entanto, apesar dessas atenções, Fernande

relutava em ir morar com ele, como Picasso tanto queria. Detestava a

sordidez em que ele vivia e temia seu temperamento ciumento. Quando

ele lhe implorou que parasse de posar para outros artistas, decidiu pôr

um fim ao relacionamento. Foi ao ateliê dele e disse que não poderiam

ser namorados – mas que queria ficar amiga dele. Picasso ficou

“devastado”, escreveu ela, “mas preferia aquilo a nada”.

PARA PICASSO, o que se seguiu foi um período de confusão e ao mesmo

tempo de exploração ávida. Ele persistiu com Fernande (havia montado

uma espécie de altar de brincadeira para ela em seu ateliê), e ao mesmo

tempo frequentava bordéis e fez novas e intensas amizades com dois

poetas, Max Jacob e Guillaume Apollinaire. Foi Max Jacob que o

introduziu à poesia de Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé. Eles eram

como irmãos. Usavam a cama de Picasso e animavam sua amizade com

piadas particulares e intimidades improvisadas. Jacob o chamava de “a

porta da minha vida”.

Mas a influência de Apollinaire é que foi especialmente profunda.

Ainda no começo de sua carreira como poeta, Apollinaire também se

lançara numa carreira clandestina como escritor de pornografia pesada

(até para os padrões atuais). Ele ainda não tentara a mão na crítica de

arte, mas seu impacto posterior se revelaria enorme. Havia uma

radicalidade em sua visão que parecia intransigentemente moderna. Ela

afastava questões incidentais e convenções desgastadas. E causou

profunda impressão em Picasso. Sob o impacto de Apollinaire, depois

de muitos anos produzindo obras saturadas de pathos, superstição e

autopiedade, Picasso começava agora a se livrar de tendências literárias

de segunda mão e a lidar com sentimentos e formas genuinamente novos

e frescos.
FERNANDE, por sua vez, conhecera um belo artista catalão chamado

Joaquim Sunyer. Ele era de Barcelona, onde integrara o mesmo grupo de

artistas e anarquistas – Quatre Gats – de Picasso, e pintava a vida

noturna à maneira de Degas. Fernande logo se mudou para o ateliê de

Sunyer – um revés para Picasso. Mas ela não estava totalmente satisfeita.

Sunyer a estimulava fisicamente, mas ela não sentia que ele a amasse de

verdade, “e só posso ficar com um homem quando acredito que sou

amada”. Continuou, então, a ver Picasso, fazendo confidências e sem

dúvida comunicando um pouco de sua confusão. Ele queria instigar

qualquer tipo de intimidade que pudesse. Assim, certo dia, confessou-

lhe que tinha experimentado ópio recentemente com alguns amigos.

Prometeu que compraria uma lamparina, uma agulha e um cachimbo e

dividiria um pouco com ela.

“Eis aí algo novo, finalmente, e é claro que estou fascinada”,

escreveu ela em seu diário. Logo depois experimentaram a droga.

Ficaram acordados até de manhã naquela primeira noite, e Fernande

permaneceu no ateliê nos três dias seguintes.

Picasso, por fim, conseguiu o que queria. “Foi graças provavelmente

ao ópio que descobri o verdadeiro sentido da palavra ‘amor’, amor em

geral”, escreveu Fernande. Sob o efeito do ópio, ela sentiu uma simpatia

instintiva por Picasso. “Decidi quase no mesmo instante amarrar minha

vida à dele”, escreveu. “Não penso mais em me levantar no meio da

noite para encontrar Sunyer, como ainda estava fazendo recentemente

por causa do prazer que fazer amor com ele me proporcionava.”

Picasso, que nunca foi religioso, mas era extremamente

supersticioso, deve ter sentido uma força próxima à mágica nessa

reviravolta. Ele só teve que borrifar uma espécie de pó encantado no ar –

essa droga chamada ópio – e seus desejos foram realizados.


FERNANDE LOGO tornou-se parte do pequeno grupo de amigos

excêntricos, que não tinham dinheiro e levavam uma vida dissoluta,

formado em torno de Picasso – a chamada bande à Picasso. Havia Jacob

e Apollinaire, o poeta André Salmon e vários outros moradores e

visitantes do Bateau-Lavoir, um elenco variável de artistas, modelos e

gente de circo. O ópio tinha um papel fundamental nessa sociedade

nascente, que, de maneira inevitável, exibia tanto picos de depressão

quanto de euforia. Picasso ainda era propenso a ataques de ciúme, e o

relacionamento permaneceu frágil no ano seguinte, enquanto ele

continuava a descartar o sentimentalismo de seu período azul e a buscar

uma visão mais dura e despojada.

Em sua arte, estava chegando a um novo tipo de maturidade. Suas

emoções estavam sendo estiradas para além dos limites de seu próprio

eu. Ele ficou menos piegas; seus interesses pareceram ampliar-se. Suas

amizades – com Jacob e Apollinaire, acima de tudo – eram, em diversos

aspectos, tão ardentes quanto seus sentimentos por Fernande, que

finalmente foi morar com ele no final de 1905. Sob a influência do amor,

do ópio e da poesia, sua arte estava se tornando mais expansiva e ao

mesmo tempo mais autoconsciente.

QUANDO O RELACIONAMENTO com os Stein começou, Fernande, como

Picasso, sentiu imediatamente grandes possibilidades. “Tivemos

algumas visitas de supresa no ateliê”, ela anotou em seu diário. “São

dois americanos, um irmão e a irmã, chamados Leo e Gertrude Stein …

Eles realmente admiram os artistas de vanguarda e parecem ter uma

compreensão instintiva, uma espécie de faro para isso. Sabem

exatamente o que estão fazendo e compraram oitocentos francos em

quadros na primeira visita que fizeram, muito mais do que jamais

imaginamos que fosse possível.”


A essa altura, Gertrude já havia concordado em posar para seu

retrato. Os Stein convidaram Picasso e Fernande para jantar, e o casal

logo tornou-se presença regular em suas soirées de sábado.

Em vários aspectos, porém, essas noitadas nos Stein eram um

tormento para Picasso. Seu francês era pobre, e, quando ele começou a

ter de competir com o novo queridinho dos Stein, Matisse, ficaram

especialmente penosas. Com sua barba e seus óculos, Matisse falava

sem parar em seu francês nativo com charme sóbrio e autoridade

impressionante. Ele era persuasivo. Sua segurança era intimidante, e sua

conduta adulta não tinha nada a ver com o comportamento dos amigos

de Picasso em torno do Bateau-Lavoir e dos clubes noturnos de

Montmartre. Na presença de Matisse, Picasso devia ter plena

consciência de que estava atrás do colega francês em quase todos os

aspectos – no que realizava, na maturidade e, sobretudo, na audácia

criativa.

Matisse, por sua vez, certamente foi capaz de detectar a ambição de

Picasso, e teve a percepção – ou por observação direta ou a partir do

burburinho das pessoas – de seu brilho. Mas, se em algum momento se

sentiu ameaçado, não estava disposto a admiti-lo para si mesmo, muito

menos para outros. No entanto, ao que parece, ele estava inclinado a

pensar no espanhol quase como um irmão mais novo. Havia algo

especial nele, sem dúvida, e também algo atraente. Em vez de

hostilidade, revelou-se em Matisse um impulso para a magnanimidade.

Embora essas noitadas fossem penosas, Picasso sabia que era

importante frequentá-las. E, como Matisse, era estimulado pelas obras

que os Stein tinham em suas paredes. “Se a gente se aborrece com a

conversa”, escreveu Fernande, “pode sempre apreciar as obras de arte

que enchem o escritório, e eles também têm uma coleção muito boa de

estampas chinesas e japonesas, de modo que podemos desaparecer num


canto, sentar numa poltrona confortável e nos perder contemplando

essas lindas obras-primas.”

Como Picasso, Fernande não pôde deixar de notar as muitas pinturas

de Matisse que começaram a povoar as paredes, tanto na rue de Fleurus

como na casa de Sarah e Michael, na rue Madame. Ela observou Matisse

com muita atenção: “Com aqueles traços regulares e a espessa barba

dourada, ele parecia um Grande Mestre clássico”, recordou. Era

caloroso e agradável. Mas ela notou que, quando o assunto era arte,

“falava horas a fio, opinando, explicando, tentando convencer seus

ouvintes e fazer com que concordassem com ele. Ele tinha uma mente

espantosamente lúcida e argumentos claros e precisos”.

QUANDO PICASSO pintava Gertrude, Fernande quase sempre estava

presente, lendo em voz alta as fábulas de La Fontaine. Quando as duas

mulheres se encontravam sozinhas – fosse nos Stein ou em Montmartre

–, Fernande confidenciava com Gertrude, descrevendo os altos e baixos

de sua vida amorosa, queixando-se do ciúme de Picasso, admirando a

dedicação dele a seu trabalho e apreciando essa adoração. Ela também

deve ter conversado com Gertrude sobre Matisse. Fernande era

perspicaz. Percebia que, a despeito de sua conversa e de sua atitude

externa, Matisse era “muito menos simples do que pretendia parecer”.

Isso era algo que Picasso, com sua percepção quase sobrenatural

para a fraqueza nos outros, também deve ter captado. Ele deve ter

notado, logo que se conheceram, apesar de suas demonstrações

exteriores de controle social, que Matisse era um homem sob enorme

pressão. Ele sofria de ataques de pânico, sangramentos no nariz e

insônia, e era extremamente inseguro. Sua ousadia no ateliê, sua

determinação de ir aonde o sentimento o conduzisse, tinha um custo. O

que ele estava fazendo com a cor era inegavelmente sem precedentes na
história da arte ocidental. Ele estava apavorado pelo que tinha

desencadeado em si e não tinha certeza de sua validade. Sua

“insegurança galopante”, como escreveu Spurling, “o tornava

desesperado para saber o que os observadores simpatizantes pensavam

de seu trabalho”.

Uma parte de Matisse provavelmente esperava que Picasso pudesse

ser um desses observadores, e até mesmo que de alguma maneira ele

pudesse fazer do jovem espanhol uma espécie de protégé. Ele estava em

busca de acólitos, de qualquer coisa ou pessoa que pudesse reforçar sua

posição. Já tinha Derain, Braque e vários outros do seu lado. Por que

não também Picasso?

No entanto, Matisse também podia ver, como todo mundo, a que

ponto Picasso era magnético, e deve ter notado desde o começo que o

espanhol tinha o tipo de fluência e habilidade de desenhista que só lhe

cabia invejar. Assim, uma outra parte de Matisse deve ter percebido

como era improvável que Picasso – por mais jovem que fosse – viesse a

ser seguidor de alguém.

RECEBER MATISSE em seu ateliê era, para Picasso, uma maneira de

recuperar um pouco do controle que ele havia recentemente perdido,

tanto em suas relações com os Stein como na rivalidade incipiente com

Matisse. O Bateau-Lavoir podia ser selvagem e decrépito, mas também

era, para Picasso, território soberano. Era um lugar em que ele tinha

orgulho de se exibir – a todos que aparecessem. Nos verões, quando,

como escreveu Fernande, seu ateliê era “tão quente quanto uma

fornalha”, ele costumava se despir e, com displicência majestosa,

receber os visitantes seminu, ou mesmo completamente nu, “com

apenas uma echarpe amarrada na cintura”. Em uma ocasião, Gertrude

chegou sem avisar com uma jovem californiana, Annette Rosenshine.


Gertrude “girou a maçaneta e empurrou”, lembrou Rosenshine, e

encontrou uma cena estranha, semelhante ao trio de Almoço na relva de

Manet: “No chão de um aposento sem mobília, havia uma mulher

atraente entre dois homens – Picasso de um lado … Eles estavam

completamente vestidos … ali deitados para descansar de uma farra

boêmia da noite anterior … [Uma vez que] Picasso e seus companheiros

… não estavam inclinados a se levantar, ou eram incapazes disso, e nada

fizeram para nos deter, fomos embora.”

Em outras palavras, o Bateau-Lavoir era um lugar que não primava

pelas discussões caseiras e explicações infindáveis, mas pela juventude,

o ardor e a espontaneidade. Picasso sabia que, qualquer que fosse o

motivo que levava Matisse até lá, ele já não tinha acesso a esse tipo de

coisa. E se deleitava com a oportunidade de lembrá-lo disso, como

qualquer pessoa em seus vinte anos – solteira, sem filhos e sem

responsabilidade financeira, mas ainda assim dona da própria vida –

gosta de ostentar sua liberdade diante dos mais velhos. Se, na casa dos

Stein, Picasso não podia deixar de se sentir inferior, aqui, no Bateau-

Lavoir, sua potência seria inegável.

ASSIM QUE MATISSE e Marguerite, com Gertrude e Leo, aproximaram-se

da entrada do ateliê, Matisse deve ter sentido a diferença entre sua vida e

a de Picasso. Mas era também, obviamente, como Spurling apontou,

uma vida que ele reconhecia. Também ele vivera muitos anos na pobreza

com uma namorada vivaz, boêmia, na companhia de outros artistas.

Também ele precisara de dinheiro, penhorando seu relógio, fazendo

trabalhos monótonos, vestindo-se de forma negligente, indiferente às

aparências. Ele provavelmente ainda não estava pronto para romantizar

aqueles dias – ainda não tinham sido processados; tinham provocado

muito conflito, e isso ainda não estava comprovadamente superado. A

namorada – a mãe de Marguerite – não estava mais lá, e em seu lugar


havia uma esposa. Juntos, eles eram fortes. Mas ainda estavam

mergulhados na pobreza, ainda num limbo.

Quando entraram no ateliê de Picasso, Gertrude (neste ponto só

podemos especular) deve ter sido brusca e sociável, soltando sua

irresistível risada de bife no aposento subitamente cheio de gente. Leo

com certeza olhou em torno com avidez, esperando ver alguma nova

imagem, o início de alguma coisa nova que o empolgasse. Ambos

provavelmente estavam alertas para qualquer sinal de tensão entre os

pintores. (A ideia de rivalidade – que estava bem viva em suas próprias

relações fraternais – os estimulava.) Fernande deve ter cumprimentado

Matisse com afeto e respeito; mas talvez também com alguma apreensão

por conta de Picasso: “Matisse brilhava em ocasiões como essa”, ela

mais tarde observou, “e estava sempre no controle completo, enquanto

Picasso era tímido e inseguro e parecia ressabiado.” Para quebrar a

tensão, ela deve ter paparicado Marguerite – sobretudo porque um

aborto involuntário durante o período de pesadelo com Percheron a

deixara incapaz de ter filhos. (Picasso só tomara conhecimento disso

pouco tempo antes, de modo que a questão ainda não fora processada.

Ele não se furtava de provocar através de sua arte as pessoas que faziam

parte de sua vida, e a série de imagens em que havia recentemente se

lançado, de mães acalentando crianças, deve em parte ter funcionado

como uma reprovação cruel.)

É presumível que Matisse tenha falado com Picasso sobre

Marguerite no contexto de explicar seu interesse (bastante incomum na

época) pela arte de seus filhos. Picasso ficou intrigado: o interesse de

Matisse correspondia a um sentimento pela inocência e pureza que mais

tarde foi incorporado em seus próprios quadros. Mas Picasso nunca

adotava um interesse ou influência sem complicá-los. E quase sempre as

complicações eram relacionadas ao sexo. (Se Matisse ainda não tinha

percebido isso, logo perceberia.) O sexo, e um impulso análogo em


direção à posse visual, eram parte essencial do modo de ver do espanhol.

Quando ele olhava um desenho ou uma gravura, afirmou Stein, era

surpreendente “que nada sobrava no papel, tão absorvente era o seu

olhar”. Uma longa lista de mulheres e meninas – a começar por

Fernande – atestou que seu olhar tinha um efeito semelhante sobre elas.

Assim, é possível que Matisse tenha notado, com certo mal-estar, como

Picasso olhava agora para Marguerite.

NÃO SABEMOS QUE QUADROS estavam pendurados ou pregados nas

paredes naquele dia – embora Matisse, espiando com intensidade através

dos óculos, provavelmente tenha visto o retrato de Gertrude. Também

devia haver vários dos primeiros trabalhos do período rosa de Picasso,

obras despojadas, com meninos, mães e crianças e cenas de circo. Para

Matisse, deviam ser coisas admiráveis e, de certa forma, bem

interessantes. Mas não havia nada que ele pudesse achar extraordinário.

Nada nem de longe tão ousado quanto o que o próprio Matisse estava

fazendo então. Assim, para ele, não havia nada a perder tecendo alguns

comentários motivadores, talvez até fazendo algumas perguntas

pertinentes. Matisse, segundo Leo Stein, “gostava de dar sua opinião”,

mas, do mesmo modo, “gostava de ouvir a opinião dos outros”. Ele tinha

uma “grande maturidade e o temperamento do eterno aluno: ele está

sempre querendo aprender de qualquer modo, em qualquer lugar e de

qualquer pessoa”.

Mas é claro que é sempre delicado falar com alguém sobre suas

realizações criativas. É tão fácil errar no tom, deixar escapar um

comentário paternalista ou acidentalmente mordaz – alguma censura um

pouco velada, talvez, real ou imaginária… O que quer que Matisse tenha

dito, qualquer que tenha sido a maneira geral ou o comentário

específico, é lícito imaginar que essa tendência à prolixidade tenha

incomodado Picasso. “Matisse fala sem parar”, ele queixou-se a Leo


Stein. “Como eu não conseguia falar nada, só dizia oui, oui. Mas mesmo

assim é um tremendo absurdo.”

Ao fim da visita, depois que Matisse, Marguerite e os Stein saíram,

agradecendo, fazendo brincadeiras e se despedindo, e tomaram o

caminho de volta, é fácil imaginar as têmporas de Picasso palpitando.

Após um breve interlúdio, poderíamos especular, ele teria entrado no

ateliê, pedindo para ficar sozinho. Seus olhos, fitando novamente os

quadros nas paredes, teriam piscado, se desviado, olhado de volta, e

piscado de novo, como se tentando comparar o que estava ali com o que

ele tinha visto de Matisse na casa dos Stein. E a cada minuto teria ficado

mais decidido a provar que Matisse tinha, de fato, algo a perder.

DIAS DEPOIS DA primeira visita ao Bateau-Lavoir, Matisse expôs seu

último quadro, A alegria de viver, no Salão dos Independentes. Quando

o viu, Leo Stein levou um susto. A mais recente realização do artista era

uma radiante visão arcádica – nus langorosos, casais abraçando-se, um

menino tocando flauta de Pã, uma roda de dançarinas de mãos dadas,

todos divertindo-se num cenário ao ar livre emoldurado por galhos de

árvore sinuosos e um dossel irisado. O quadro evocava um paraíso, mas

tudo nele era de uma estranheza desarmônica. As figuras estavam fora

de escala e tinham proporções esquisitas. Algumas eram circundadas

com espessas sombras coloridas. Não estava claro como se relacionavam

entre si, ou se tinham qualquer relação. A cor era de uma vivacidade

enlevante – tão rica que quase cegava. Mas a visão não tinha muita

ligação com a realidade, ou com qualquer coisa próxima da realidade.

Como exercício em cores vivas, saturadas, era certamente sem

precedentes. Mas na maioria das pessoas provocou uma perplexidade

total.
Porém, como ocorrera com Mulher com chapéu, Stein logo se

recobrou do choque inicial e em pouco tempo chamava-o de “o trabalho

mais importante de nossa época”. Comprou-o para as paredes da rue de

Fleurus, onde, por conta de seu colorido impressionante, logo tornou-se

o quadro mais falado dos que estavam lá expostos.

Picasso foi pego de surpresa. A ideia de Arcádia – de uma volta

inventiva a um estado delicado, primitivo, onírico, marcado pela

tranquilidade e beatitude – estava no ar naquela época. Uma onda de

novas traduções das Éclogas de Virgílio – a fonte romana da visão –

surgira na França nos últimos cinquenta anos, e, como o país estava

convulsionado por turbulências políticas, o sonho exercia cada vez mais

atração sobre os artistas e o público. Puvis de Chavannes, o muralista,

tratou do tema repetidas vezes, dando ao sonho um matiz majestoso,

clássico. Paul Gauguin, por sua vez, absorveu a ideia – e especificamente

o poema arcádico de Baudelaire “O convite à viagem” – de forma

bastante literal e partiu em busca de uma tal sociedade nos mares do

Sul. Sua obra-prima arcádica, De onde viemos? O que somos? Para

onde vamos? foi enviada do Taiti a Paris e estava exposta na galeria de

Vollard em 1898 e 1899, onde Matisse deve tê-la visto.

Contagiado pelo mesmo sonho de um passado clássico, arcádico,

Picasso passou meses planejando uma pintura com um tema similar,

Cavalos tomando banho. Seria uma grande tela mostrando meninos nus

e cavalos à beira de um um riacho. Era para ser uma volta à essência, a

um espírito de simplicidade arcaica, a algo puro, indiferente ao

burburinho da metrópole moderna. Ele queria usar essa pintura para

divulgar um novo nível de ambição.

Mas, quando viu o quadro de Matisse, percebeu de pronto que ficara

para trás. Abandonou Cavalos tomando banho. Simplesmente não fazia

sentido exibir um trabalho que pareceria tão pouco ousado ao lado de A

alegria de viver. Matisse não estava produzindo imitações pálidas,


aguadas, da Grécia, nem de Gauguin ou de Puvis de Chavannes.

Qualquer que fosse a opinião que se pudesse ter sobre elas, eram

pinturas novas, e certamente tinham algo próprio.

O QUE ACONTECEU nos dezoito meses seguintes foi um drama sem igual

na história da arte moderna. Foi um combate entre dois gênios – em

vários aspectos igualmente dotados, mas completamente diferentes em

sensibilidade e temperamento – por uma originalidade verdadeira e

radical. Em última instância, o que estava em jogo era a eleição para a

grandeza. De modo mais imediato, contudo, era uma disputa sobre o

quanto cada um estava preparado para ver – para realmente ver e

reconhecer – o outro, e, por outro lado, o quanto cada um iria se

defender contra o outro – decidir não ver, ou ver com perversidade

deliberada.

O notável é que foi um combate em que Matisse, por um tempo

espantosamente longo, parece nem ter percebido que estava envolvido.

Levando em conta a ascendência posterior de Picasso, a tendência de

alguns relatos sobre o período foi de supor que Matisse reconheceu

Picasso como rival desde o começo. Mas seu comportamento sugere o

contrário. Sugere não só que ele admirava o mais jovem e estava

contente de ser amigo dele como também que não via muita coisa em

seu trabalho que lhe representasse uma ameaça séria.

Os dois se viam bastante. Picasso era uma presença certa nos Stein e

também um visitante regular no ateliê de Matisse. Eles caminhavam

juntos no Jardim de Luxemburgo. Ambos, cada qual a seu modo, eram

carismáticos e charmosos. A despeito do pouco domínio do francês de

Picasso e da idade mais avançada de Matisse, é fácil imaginá-los

desfrutando da companhia um do outro, alimentando-se das opiniões de

cada um sobre vários de seus contemporâneos ou predecessores (talvez


aqueles rivais arquetípicos do século anterior, Delacroix e Ingres, ou os

mais intimamente ligados Manet e Degas; decerto Gauguin e Cézanne) e

fazendo piadas a respeito de conhecidos mútuos – os Stein, talvez, ou

Vollard.

Matisse, nesse estágio delicado de sua carreira, tinha plena

consciência das opiniões dos outros. Queria muito ser visto estendendo

a mão da amizade ao jovem espanhol. Encorajando-o, cumprimentando-

o, fazendo perguntas atenciosas, solícitas, recebendo-o em seu ateliê,

apresentando-o a sua família, a Amélie e a Marguerite, que sempre

estava no ateliê, posando para o pai, ajudando-o a pôr as coisas em

ordem… Essas eram as coisas certas a fazer, e vinham com facilidade a

Matisse.

Até certo ponto, obviamente, era uma perspectiva de longo prazo:

ele, Picasso e os outros artistas em torno deles estavam envolvidos em

uma grande batalha. Eram artistas modernos em busca de público.

Tratava-se de uma busca cheia de riscos, com incerteza de recompensa,

como eles sabiam pelas histórias de seus antecessores imediatos, os

impressionistas, que por tanto tempo lutaram na pobreza: Manet, que foi

insultado de maneira tão implacável; Van Gogh, que se matou; e

Cézanne, que trabalhou a vida toda na obscuridade. Pouquíssimos

desses exemplos haviam encontrado destinos motivadores. Nada foi fácil

para eles, e não havia razão para pensar que seria mais fácil para Matisse

e seus colegas da vanguarda. Logo, fazia sentido que apoiassem um ao

outro. Estavam todos no mesmo barco, e cada um deles certamente se

beneficiaria do sucesso dos outros.

Esse era o impulso básico de Matisse. Mas, é claro, uma vez que ele

já era o precursor estabelecido, sua atitude – uma espécie de noblesse

oblige disfarçada de camaradagem – era aquela que ele tinha condições

de tomar. Para Picasso, o cálculo era diferente. Ele sempre fora cercado
de gente que reconhecia sua preeminência, e não podia tolerar a ideia de

ser um seguidor.

MUITOS ANOS DEPOIS, Matisse disse a Picasso: “Como um gato, [você

sabe] que qualquer salto que você tenta dar sempre vai cair de pé.” Ao

que Picasso replicou: “Sim, isso é verdade até demais, porque fui

imbuído desde cedo com uma maldita noção de equilíbrio e

composição. O que quer que eu faça, não preciso quebrar a cabeça como

pintor.”

Em 1906, Matisse, como pintor, estava quebrando bastante a cabeça.

Observando tudo isso, Picasso – de fato pela primeira vez na vida –

estava desequilibrado. Não foi um golpe único, desestabilizador, do qual

seria possível recuperar-se facilmente fazendo uso de seus melhores

instintos. Era uma experiência repetida a cada semana, na medida em

que novos trabalhos estranhos, vistosos – mais ousados, mais luminosos,

mais turbulentos, mais deslumbrantes do que qualquer coisa já vista –

iam aparecendo no ateliê de Matisse e nas paredes dos Stein. Ao longo

de 1906 e no começo de 1907, Picasso via-se continuamente obrigado a

recalibrar seu julgamento para adequá-lo ao que estava vendo. E, em

meio a toda essa pressão (Matisse sempre articulando suas várias

teorias, sempre impressionante; os Stein promovendo-o pesadamente ao

inundar a mente de seus visitantes cada vez mais numerosos com

tentativas de persuasão; Picasso assistindo amuado, respondendo

irritado às perguntas sobre seus trabalhos – perguntas para as quais não

tinha nenhuma resposta real), o esforço era imenso.

Era um alívio voltar a Montmartre. Aos domingos, depois daquelas

noites nos Stein, Picasso e Fernande dormiam até tarde. Por volta das

onze horas, desciam ao mercado local ao ar livre, na place Saint-Pierre,

abaixo da ainda inacabada basílica de Sacré-Cœur. Picasso vestia seu


macacão de operário. Fernande, uma mantilha espanhola. Os mercados

eram cheios de vida – exatamente do que Picasso precisava para se

reanimar após o suplício dos Stein e uma semana de inquietação em seu

ateliê. Picasso, escreveu Fernande, “adora esse burburinho de classe

operária, isso o relaxa, tira-o de suas preocupações com a vida criativa”.

PARA MATISSE, o ritmo continuava acelerado. Seu quadro A alegria de

viver chamou a atenção não só dos Stein, mas também de um magnata

têxtil russo de 56 anos chamado Sergei Shchukin. A mulher e o filho

mais novo de Shchukin haviam morrido no ano anterior, e, quando esse

homem rico mas emocionalmente destroçado viu a pintura visionária de

Matisse, ficou maravilhado. Pediu a Vollard para apresentá-lo ao artista,

e durante a década seguinte se tornou o mecenas mais corajoso, mais

importante e – depois de Sarah Stein (agora tão enfeitiçada por Matisse

que ela e o marido logo não estariam colecionando nada além dele) –

mais fidedigno de Matisse.

Com suas amplas passagens de cor chapada, saturada, sua atmosfera

de abandono luxuriante e sensualidade extravagante, A alegria de viver

levou uma enxurrada de visitantes à rue de Fleurus, 27, e dali à rue

Madame, 58. Em Paris, as duas residências Stein tinham se tornado os

lugares mais importantes para qualquer pessoa que tivesse interesse pela

arte moderna. E, evidentemente, muita gente estava interessada. Era o

sexto ano do novo século. Prevalecia uma sensação de estar-se à beira de

acontecimentos inusitados. Paris tinha sido a capital do século XIX.

Será que – com sua torre arranha-céu, seus amplos e movimentados

bulevares, suas exposições universais, sua rede de tubos pneumáticos

subterrâneos e sua constelação de grandiosas estações de trem – reinaria

também sobre o século XX? As pessoas afluíam à cidade para conferir.

Naquela época, afora a cacofonia dos Salões anuais, o único lugar para

se ver uma seleção oficial da arte recente era o Musée du Luxembourg.


Mas os progressos mais recentes – aqueles que tanto entusiasmaram os

Stein – tinham feito com que mesmo esse museu, repleto de paisagens e

retratos convencionais e de pinturas históricas, parecesse comprometido

com uma era anterior. As coisas eram muito mais empolgantes ali perto,

na rue de Fleurus. Lá, era possível ver os últimos trabalhos de Matisse e

Picasso junto a pinturas de Manet, Cézanne, Bonnard, Maurice Denis,

Eugène Delacroix, Toulouse-Lautrec e Renoir. As duas famílias Stein

haviam feito aquisições vultosas da segunda retrospectiva de Matisse na

primavera. No final do ano, o apartamento da rue Madame de Sarah e

Michael exibia todo um conjunto de suas últimas pinturas.

No início, as visitas aos Stein eram pontuais. Mas a constante

perturbação causada por tantos pedidos para ver as coleções tornou-se

excessiva, especialmente para Gertrude. Ela tinha começado a usar o

ateliê da rue de Fleurus como escritório para escrever. A fim de resolver

o problema, foram estabelecidos horários para as visitas, e os dois

apartamentos eram abertos nas noites de sábado para qualquer pessoa

que viesse munida de uma referência. Ver as pinturas adequadamente

era sempre um problema, uma vez que nenhuma das casas dos Stein

tinha instalação elétrica. Para as cores fortes dos Matisses, a luz de vela

não era ideal (Picasso, ao contrário, sempre gostou dos efeitos mágicos

da luz de vela em seu trabalho). Em consequência, muitas pessoas

pediam para voltar durante o dia, e os Stein ficavam relutantes em negar

os pedidos. Segundo Vollard, eles eram “as pessoas mais hospitaleiras

do mundo”. E assim a multidão só crescia.

Para muitos que passavam por lá, ir aos Stein era quase como ir a um

espetáculo: era uma espécie de teatro – extremamente sério para o

elenco de artistas e colecionadores, mas muito menos para a maioria

cética, que muitas vezes saía confusa e perplexa com os quadros nas

paredes e com a atmosfera de sobriedade em torno deles. Picasso,

sempre um pouco à margem, deve ter sentido muita vontade de ficar do


lado dos céticos perplexos – especialmente porque era sobretudo o

trabalho de Matisse que eles estavam se esforçando para ver. Ele,

Picasso, também se esforçava.

VOLLARD ESTAVA ENTRE os muitos que iam à casa dos Stein. No final de

abril, numa investida única, comprou 2.200 francos em quadros do ateliê

de Matisse. Para Matisse, o dinheiro (equivalente a cerca de 10 mil

dólares hoje) foi uma dádiva divina. Ele teria preferido estar em posição

de declinar – não confiava em Vollard –, mas a realidade é que o

dinheiro veio num bom momento. Apesar da atenção que seu trabalho

estava recebendo, ele ainda estava perto de falir. Os Stein tinham lhe

pedido para atrasar um pouco o pagamento por A alegria de viver,

porque o terremoto que devastara San Francisco em 18 de abril de 1906

havia afetado suas finanças.

Uma ou duas semanas depois apenas, Matisse recebeu uma notícia

surpreendente numa carta de Leo Stein: “Tenho certeza de que você vai

ficar satisfeito em saber”, ele escreveu, “que Picasso fez negócios com

Vollard. Ele não vendeu tudo, mas vendeu o suficiente para ter paz de

espírito durante o verão e talvez por mais tempo. Vollard ficou com 27

quadros, a maioria antigos, uns poucos mais recentes, mas nada

importante. Picasso ficou muito satisfeito com o preço.”

A VENDA DE PICASSO a Vollard foi sem dúvida uma grande bênção. Ele

vinha sentindo uma intensa frustração em seu ateliê. Depois de noventa

sessões, seu retrato de Gertrude estava empacado. Ele decidira retratá-la

na mesma pose volumosa e informalmente autoritária usada por Ingres

no retrato do barão da imprensa Louis-François Bertin. Mas essa

simples ideia transformou-se num suplício. Ele não conseguia levar a

pintura aonde queria. Não parava de ver novos problemas, novas


inadequações. As dificuldades só aumentavam a cada vez que ele voltava

do ateliê de Matisse ou da casa dos Stein. O retrato – toda sua

concepção – não era suficientemente ousado.

As próprias sessões tornaram-se um tormento. Já não eram apenas

ele e Gertrude e ocasionalmente Fernande no ateliê, pois Leo não raro

também passava por lá. E uma vez que todos os Stein, mas

especialmente Leo, não tiravam Matisse da cabeça e não paravam de

falar nele, isso significava que, na verdade, Matisse também estava lá,

sempre olhando por cima de seu ombro.

Por fim, a frustração de Picasso chegou a um limite. Ele raspou o

rosto de Gertrude, dizendo a ela que precisava parar. “Não a vejo mais

quando olho para você”, disse.

SEGUIU-SE UM grande hiato. O verão estava chegando, e, com os lucros

inesperados que haviam obtido de Vollard, tanto Matisse como Picasso

saíram de Paris. Picasso, em particular, precisava estar longe do Bateau-

Lavoir, longe de Gertrude, longe dos sábados nos Stein, longe, acima de

tudo, de Matisse.

Matisse foi para o norte da África. Passou duas semanas na Argélia

antes de cruzar o Mediterrâneo de volta e parar em Collioure, onde ficou

até outubro. Picasso foi para a Espanha. Levando Fernande com ele, foi

primeiro a Barcelona e depois a um povoado remoto no topo de uma

montanha nos Pirineus chamado Gósol.

Barcelona era um regresso ao lar. Lá, entre velhos amigos, Picasso

era novamente o celebrado menino prodígio, o jovem artista brilhante

que causara tal impressão em sua terra natal que ir para Paris, o centro

do mundo da arte, foi a única opção de verdade que teve. Os cinco anos

passados não tinham sido fáceis. Mas agora, graças ao interesse dos

Stein e ao renovado voto de confiança de Vollard, ele finalmente tinha


algo para mostrar a si mesmo. Ele estava feliz em reencontrar a família e

os velhos conhecidos, e orgulhoso de exibir seu novo amor, Fernande. A

visita foi reconfortante: reforçou sua percepção hesitante de si mesmo.

Mas em Gósol, para onde o casal escapou depois, algo ainda mais

invejável ocorreu. Num povoado rústico e isolado, os dois amantes

viveram uma espécie de lua de mel, que também foi, para Picasso, uma

transformação criativa. Para Picasso, os dois fenômenos – vida amorosa

e estímulo criativo – eram inseparáveis e sempre seriam; mas a conexão

nunca foi mais forte e mais emocionante do que durante essa temporada

de verão em Gósol.

Eles ficaram na hospedaria de um ex-contrabandista de noventa anos

chamado Josep Fontdevila, que posou para Picasso diversas vezes.

Envolveram-se na vida cotidiana dos habitantes. Observaram e

participaram de vários festivais, entre os quais a festa de Santa

Margarida, padroeira de Gósol. Sem precisar pensar em dinheiro ou no

alvoroço venal da cidade; longe dos poetas, dos pornógrafos, das drogas

e dos melodramas do Bateau-Lavoir; longe da pressão dos marchands e

colecionadores e dos amigos artistas, eles finalmente começaram a se

sentir bem. Picasso pôde ver Fernande não como um objeto de

veneração ou um motivo de frustração, mas simplesmente como sua

amante. “O Picasso que eu vi na Espanha”, ela recordou mais tarde, “era

completamente diferente do Picasso de Paris; ele era alegre, menos

enfurecido, mais brilhante e animado, e capaz de se interessar pelas

coisas de uma maneira mais calma, mais equilibrada; em suma, à

vontade. Ele irradiava felicidade, e seu caráter e atitude normais foram

transformados.”

Fernande, também, estava mais contente do que nunca: “Lá no alto,

num ar de uma pureza extraordinária”, escreveu, “acima das nuvens,

cercados por pessoas incrivelmente amáveis, hospitaleiras e sem malícia

… descobrimos como poderia ser a felicidade.”


Tudo isso alimentou a sensação de potencial artístico de Picasso.

Gósol atuou em sua imaginação como a aldeia de pescadores de

Collioure em Matisse. Ele era prolífico. Registrou os aldeões dançando,

assim como Matisse ficara entretido com as danças camponesas em

Collioure. Sob a atração magnética do corpo de sua namorada, suas

linhas ficaram mais firmes, mais decididas, criando volume e massa com

maior economia, mas também com mais ênfase. Os atores de circo

descarnados e os efebos frágeis em que ele se especializara nos anos

anteriores deram lugar a figuras de cinturas largas, seios grandes, com

barrigas proeminentes e braços musculosos. Olhando as imagens que

surgiam, é como se os olhos de Picasso tivessem sido enxaguados,

limpos de confusões e falso sentimento. Ele era subitamente capaz de

ver de novo, de forma clara, sem o prisma deformador da presença

constante de Matisse.

Livre do pathos e da autopiedade dos períodos azul e rosa, seu novo

trabalho tinha uma qualidade atemporal, inviolada, um distanciamento

quase imperioso. Tendo em mente modelos antigos – os kouroi gregos, a

escultura ibérica, o sonho clássico de Ingres –, Picasso estava em busca

de uma linha quintessencial, de uma nudez enfática (seus quadros não

contêm nenhum sinal de pelo corporal), do perfume distante de uma

juventude arcaica, em estado bruto. Há uma sensação, nas obras

resultantes, de uma reminiscência concertada, uma tentativa de chegar a

uma espécie de visão simplificada que precede a civilização e se coloca

incisivamente distante da vida social.

INFELIZMENTE, a vida social voltou esmagadora, levando esse idílio dos

amantes a um fim abrupto. A neta de dez anos de idade de Fontdevila,

por quem Picasso ficou bastante afeiçoado, adoeceu com febre tifoide (a

mesma enfermidade bacteriana altamente contagiosa e quase sempre

fatal que Marguerite Matisse havia contraído). Assim que Picasso, que
detestava doenças e era assombrado pela morte da irmã, Conchita, soube

disso, ele e Fernande foram embora correndo. A viagem de volta a Paris

foi longa e árdua. Eles atravessaram os Pirineus, primeiro sobre mulas

(um encontro com uma manada de cavalos selvagens nessa primeira

etapa quase terminou em desastre quando algumas mulas dispararam e

perderam sua carga, fazendo com que as telas enroladas, os desenhos e

as esculturas se espalhassem na poeira), depois de ônibus e por fim de

trem.

Quando chegaram à cidade, era fim de julho, pleno verão, e o ateliê

do Bateau-Lavoir estava uma fornalha. Camundongos haviam comido

tudo que estava à vista, e a cama e o sofá estavam infestados de

percevejos.

Picasso procurou Gertrude e pediu-lhe para retomarem as sessões

para o retrato. Tendo anteriormente apagado seus traços faciais, agora

pintou-os de novo, dessa vez de modo extremamente simplificado e

marcado por um facetamento do rosto em blocos. Ele dotou os olhos de

Gertrude de uma assimetria hipnótica, evocando uma intensidade

interna da visão, a cegueira de alguém que vê. Quando olhamos para o

retrato terminado, sentimos a memória do drama anterior – “Não a vejo

mais quando olho para você” – formidavelmente resolvida com essa

sugestão de toda uma nova maneira de ver – mais interna que externa.

Gertrude quis que Matisse também pintasse seu retrato, mas ele

declinou. Sua negativa gerou tensões entre os dois, que foram

exacerbadas pela crescente intimidade de Matisse com Sarah Stein. Mas

Gertrude agora estava contente. Ela tinha um Picasso maduro: um

retrato original, magistral, notável em muitos aspectos, entre os quais

sua recusa conspícua da cor matissiana (o quadro é uma sinfonia em

marrom). Além disso, havia outros aspectos nos quais Picasso parecia

estar tentando se posicionar como uma espécie de anti-Matisse.

Enquanto as pinturas inovadoras de Matisse e seus colegas fauvistas


eram caracterizadas não só por cores vivas, mas por uma aparência

inacabada e a ausência de uma base de desenho – qualidades que lhes

valeram acusações de anárquicos e aberrantes –, o novo trabalho de

Picasso tinha um colorido sóbrio, uma simetria clássica e uma precisão

anatômica.

Mas, para Picasso, não bastava conquistar um terreno antagônico,

porque o próprio Matisse não parava de se mover. Como mostrava A

alegria de viver, ele já estava se afastando do fauvismo. Com uma

urgência que Picasso em parte deve ter fornecido, ele estava tentando

recobrar o controle sobre o lado anárquico de sua reação sensual à cor –

não atenuando-a (ao contrário, estava constantemente intensificando a

cor), mas procurando formas alternativas de impor equilíbrio e lucidez.

O desenho, daí em diante, passou a ter um papel-chave. Criando amplas

áreas de cor chapada, não modulada, as linhas de Matisse, aumentando e

diminuindo, o ajudaram a alcançar a serenidade que ele procurava.

Nessa busca pela lucidez, Matisse não seguiu o caminho mais

convencional e acadêmico de Picasso, mas procurou respostas numa

abordagem mais primitiva ou em estado bruto. Ele fora repetidamente

acusado por seus críticos de exaltar a deformidade. Como que para

alfinetá-los, agora adotava ativamente a ideia de deformação.

QUANDO PICASSO ESTAVA próximo de sua solução para o retrato de

Gertrude, Matisse ainda se encontrava em Collioure, trabalhando em

dois retratos de um pescador local. Collioure era o seu refúgio, o seu

santuário, uma movimentada aldeia de pescadores numa pequena baía,

cercada pelos áridos contrafortes da mesma cadeia de montanhas, os

Pirineus, que Picasso havia recentemente cruzado com Fernande.

Salpicada de palmeiras, touceiras de agaves pontiagudos, figueiras,

tamareiras, bananeiras, romãzeiras e pessegueiros, a aldeia ficava perto


da fronteira com a Espanha. A cidade era especializada em anchovas e

sardinhas preservadas em salmoura, o que produzia um odor acre no

porto onde os peixes eram eviscerados e salgados – e as cabeças

deixadas para apodrecer. Geograficamente, era a parte da França mais

próxima da África, e séculos de comércio e intercâmbio deram à

localidade uma forte atmosfera mourisca. Collioure era o lugar em que

Matisse havia pintado na companhia de Derain em 1905, e onde,

fascinado pela intensa luz do porto, produzira as primeiras pinturas

fauvistas. De modo que era um lugar a que ele retornava, um ano depois,

com uma intensa sensação de potencial.

O modelo para seus retratos do pescador era um adolescente

chamado Camille Calmon. Matisse pediu ao menino, que morava na

casa ao lado, para se sentar numa cadeira numa pose displicente,

enviesada, um pouco parecida com a de Gertrude Stein no retrato de

Picasso. A primeira versão que pintou tinha um desenho esquemático

mas convencional, a pincelada ainda essencialmente fauvista – isto é,

solta e com aspecto inacabado. A segunda versão, pintada numa tela

exatamente do mesmo tamanho, começou como uma cópia livre da

primeira. Mas Matisse, que estava pensando em como consolidar e

intensificar a expressividade de seus quadros, logo começou a alterar os

contornos, achatando e simplificando o rosto do menino, exagerando as

rimas e os ritmos na silhueta da figura e nas dobras de suas roupas. Ele

transformou o fundo multicolorido da primeira versão num rosa-chiclete

uniforme e preencheu as cores da calça e da camisa de modo que

também ficassem uniformes, planas e saturadas em vez de porosas e

incompletas.

Pelos padrões convencionais, o primeiro quadro era bastante

estranho. Mas o segundo corria o risco de parecer uma paródia

completa. Não era a primeira vez que Matisse se via inseguro em relação

ao que havia feito. Antecipando as reações que viriam de fora, estava


mais ansioso que de costume. Quando voltou a Paris e mostrou a pintura

a Leo Stein (a audiência mais compreensiva com que ele podia contar),

disse inicialmente que havia sido pintada pelo carteiro local em

Collioure.

Renegar o quadro pode ter sido uma brincadeira – ele logo depois

admitiu “que era uma experiência dele” –, mas era uma brincadeira

reveladora. A ousadia e a convicção interna de Matisse estavam de novo

se adiantando ao que parecia permissível.

Com os insultos e as acusações de depravação ainda ecoando em

seus ouvidos, Matisse estava cada vez mais convencido de que a

deformação – distorcer os contornos e proporções dos objetos para

chegar a algo mais concentrado e poderoso – poderia indicar o caminho

a seguir. Era uma ideia que ele vinha aplicando em seu trabalho. Mas

também correspondia às noções articuladas por um amigo dele – um

poeta e crítico de arte chamado Mécislas Golberg. Apesar de

gravemente enfermo, Golberg estava na época ajudando Matisse a

formular um ensaio breve que ele pretendia publicar. “Na arte”, escreveu

Golberg, “a deformação é a base de toda expressão. Quanto mais intensa

se torna a personalidade, mais clara também fica a deformação.”

A afirmação atraiu Matisse, sobretudo porque a ideia da expressão

estava no cerne de suas próprias crenças sobre arte. Ele também gostou

do agradável paradoxo da deformação conduzindo a uma “clareza”

maior.

Leo descreveu anos depois essa segunda versão do Jovem

marinheiro como a “primeira coisa que [Matisse] fez com deformações

forçadas”. Não comprou o quadro. Nem Sarah e Michael Stein – embora

tenham adquirido a primeira versão. A segunda, ao que parece, era mais

difícil de digerir entre tudo o que Matisse já havia feito. E isso,


obviamente, só a tornou mais fascinante – e mais perturbadora – para

Picasso.

Para ele, a intensificação da personalidade era não só um ideal, mas

uma compulsão, de modo que ele também deve ter gostado da ideia de

Golberg. Mas, se fosse aplicar a deformação em sua obra, teria de ser

em seus próprios termos. A intensidade da cor e o achatamento que

Matisse tinha começado a enfatizar para alcançá-la não eram suas

preocupações. As deformações em que estava interessado eram

escultóricas; tinham a ver com a percepção tridimensional. As

distorções escultóricas que ele agora começava a produzir, com Matisse

no fundo do pensamento, eram inspiradas em parte pela imediaticidade

sensual do corpo de Fernande, mas também pela escultura Ibérica antiga

que ele havia recentemente descoberto. Atávicas e cheias de potencial

massudo e não refinado, eram entalhes de pedra feitos no longo intervalo

entre a Idade do Bronze e a conquista romana da península Ibérica;

traziam vestígios de influência assíria, fenícia e egípcia. Picasso tinha

visto um grupo recém-escavado dessas esculturas, feitas nos séculos VI

e V a.C., no Louvre. Seus traços impassíveis, simplificados, lhe

pareceram magnéticos. Acima de tudo, eram espanholas – e andaluzas;

ele quase podia reivindicar sua patente.

Elas logo conduziram a uma virada radical: um quadro de duas

mulheres nuas, gorduchas, de lado para o espectador e de frente uma

para a outra. Suas pernas são troncudas, os seios em bloco, e os rostos,

como no retrato recentemente concluído de Gertrude, facetados e

simplificados. O resultado foi mais estranho – e estranhamente mais

irresistível – do que qualquer coisa que ele já produzira.

QUANTO ÀS INFLUÊNCIAS, Picasso era um acumulador compulsivo. Não

havia nada que seus olhos ávidos não consumissem, digerissem e


transmutassem em algo novo. Mas ao que parece ele estava ficando

consciente a essa altura de que nada que tinha inventado até então era

suficientemente seu. Tampouco era inquestionavelmente moderno como

o trabalho de Matisse. Picasso havia passado pela fase Toulouse-

Lautrec, pela fase El Greco, pelas fases Van Gogh e Gauguin. Tinha sido

inflenciado por Puvis de Chavannes e Ingres, os gregos e ultimamente o

românico catalão e os ibéricos. Tudo isso era bastante fascinante. Mas (é

natural, talvez: ele só tinha 25 anos) seus esforços ainda não eram reais.

Ainda não se bastavam por si mesmos. Picasso estava obviamente a

caminho de algum lugar, mas era óbvio que ainda não tinha chegado lá.

A pintura Dois nus, com suas estranhas deformações, sugeria que estava

próximo. Era possível apontar as influências, identificar as etapas que o

haviam levado até lá. E, ainda assim, havia algo ali – algo com frescor e

ousadia, algo que ninguém senão ele poderia ter feito.

Foi mais ou menos nessa época – no final de 1906 – que Picasso

começou a conceber um quadro com o qual esperava estabelecer sua

superioridade imediata em relação a Matisse.

Concebido a princípio como uma alegoria sexual sobre doenças

venéreas e o preço do pecado, veio a ser um quadro de cinco prostitutas

agrupadas num bordel, exibindo seus corpos e encarando o espectador

com agressividade. Em sua forma final, as cinco mulheres ocupam um

espaço comprimido, fragmentado, descrito numa paleta de tons róseos

vaporosos, azuis frios e um marrom neutro. Mas demorou muito para

que o quadro, posteriormente intitulado Les demoiselles d’Avignon [ver

prancha 12], chegasse a essa forma final.

Sua concepção foi em parte inspirada pela novela pornográfica de

Apollinaire As onze mil varas, que o poeta dera a Picasso em forma

manuscrita. Era uma farsa radical no estilo de Sade envolvendo

necrofilia, pederastia e uma orgia num bordel. Picasso leu o texto e

adorou. Mas é claro que havia muitas outras fontes de inspiração –


inclusive sua própria experiência nos bordéis e seu sentimento

permanente, desde o suicídio de Casagemas e seu envolvimento

subsequente com Germaine, de que sexo, morte e fecundidade criativa

estavam inelutavelmente conectados.

Ele estava determinado a criar uma pintura que ninguém mais

poderia ter feito. E parece ter intuído que a única maneira de garanti-lo

seria pintando algo que explicitasse suas próprias preocupações

psicossexuais –o drama bastante profundo de seu desejo de ver e não

ver. Uma vez que se tratava de um quadro sobre o voyeurismo

ambientado num bordel, esse desejo estava mais obviamente relacionado

com seus sentimentos a respeito de meninas e mulheres. Mas também se

relacionava com o fascínio competitivo com seu contemporâneo mais

potente, Matisse. E esse fascínio havia adotado uma qualidade

voyeurística: Picasso precisava ver o que Matisse estava fazendo, e ao

mesmo tempo esconder essa necessidade de Matisse convertendo-a em

algo irreconhecível.

A criação do quadro encenaria esse drama oculto, atormentando

Picasso por nove meses e exigindo todas as suas reservas de energia. Ele

trabalhou em reclusão. O dinheiro dos Stein permitiu-lhe alugar um

segundo ateliê, menor, no andar abaixo do principal. Ali, ele pôde se

trancar e trabalhar em isolamento, geralmente à noite. Segundo escreveu

seu amigo André Salmon, ele estava “inquieto. Virava as telas para a

parede e jogava os pincéis no chão. Durante muitos longos dias e noites,

desenhava … Jamais o labor foi menos recompensado com alegria”.

NO GÉLIDO E DECRÉPITO Bateau-Lavoir, infestado de ratos, depois do

idílio em Gósol no verão anterior, o relacionamento de Picasso com

Fernande começou a se deteriorar. A intimidade que eles haviam forjado

na Espanha perdurou algum tempo. Mas a obsessão de Picasso em


superar Matisse aos poucos excluiu Fernande do cenário. Ele não parece

ter conversado muito sobre sua grande tela com a namorada – exceto

para compará-la com as prostitutas que estava pintando. O ciúme sexual,

além disso, veio à tona de novo. Picasso a pegara flertando com outro

homem; sua reação foi mantê-la trancada a chave no ateliê, proibindo-a

de sair – a não ser em sua companhia. Isso significava que ele tinha de

cuidar de todos os afazeres sozinho. No início, Fernande foi filosófica:

“O que importa se Picasso é ciumento ou me proíbe de sair?”, escreveu.

“Onde é que eu estaria melhor senão ao lado dele?” Mas,

inevitavelmente, o relacionamento foi por água abaixo. Mesmo que ela

continuasse a inspirar seu trabalho, sua presença permanente passou a

ser irritante. “No paraíso montanhoso de Gósol”, escreveu Richardson,

“Fernande fora tratada – e pintada – como uma deusa. De volta ao

Bateau-Lavoir, era tratada como uma escrava e retratada como uma

prostituta.”

Como retaliação, ou por desespero, Fernande tramou uma breve

ligação – provavelmente no começo de 1907 – com o poeta Jean

Pellerin. O resultado foi que Picasso redobrou seus esforços para puni-la

em sua tela.

A MAIOR PARTE DO TEMPO em que Picasso trabalhou em Les demoiselles,

Matisse estava em Collioure. Mas em março ele voltou a Paris com uma

pintura que, mais uma vez, ameaçou frustrar seu jovem rival.

Assim como A alegria de viver havia feito com que a última

importante composição planejada por Picasso, Cavalos tomando banho,

parecesse insípida, a mais recente pintura de Matisse – sua única

inscrição no Salão dos Independentes daquele ano – forçou o espanhol a

repensar radicalmente o que estava fazendo. Nu azul: memória de Biskra

foi inspirada pela viagem recente de Matisse ao norte da África.


Mostrava uma mulher nua, estranhamente retorcida, com um braço

dobrado por cima da cabeça, contra um fundo decorativo de folhas de

palmeira pintado de forma grosseira. Matisse, cujo bem mais valioso era

uma pequena pintura de Cézanne com três banhistas, tinha adotado a

paleta verde-azul de Cézanne, bem como suas obsessões com os ritmos

que dispersam a sensação pelo quadro, como o farfalhar das folhas ou o

movimento das ondas. Mas era chocante como, comparado com

Cézanne, o quadro de Matisse era rústico. Era um nu, sim; mas

recusava-se a oferecer a sedução da carne macia ou das curvas

familiares. Havia nele algo brutal e perturbador. Matisse levara as

deformações de Jovem marinheiro II um passo à frente. Repleta de

evidências das revisões do artista, a pintura não tentava esconder o

processo de seu fazer desajeitado e extenuante. Apesar da intensidade

colorística e da ousadia formal, ela parecia ter sido abruptamente

abandonada.

Suas origens, também, eram violentas. A pintura foi desencadeada

por um acidente no ateliê de Matisse. Uma escultura de argila com o

mesmo tema – um nu reclinado com distorções expressivas –, na qual

Matisse vinha trabalhando obsessivamente (a maioria de suas inovações

na pintura veio por meio de descobertas na escultura), caiu

acidentalmente no chão e se espatifou. Matisse explodiu. Ficou tão fora

de si que Amélie teve de levá-lo para dar uma volta e se acalmar. A

frustração e a angústia levaram à criação de Nu azul.

Quando foi pendurado no Salão, seguiu-se um alvoroço – pelo

terceiro ano consecutivo. Muitos críticos mal conseguiam creditá-lo

como obra de arte, fracassada ou não. O público considerou-o outro

embuste de um homem decidido a provar ao mundo que era louco. Até

os colegas artistas ficaram desconcertados: Derain, em especial, parece

que levou as mãos para o alto, resolvido a não tentar mais seguir

Matisse.
Mas os Stein compraram Nu azul e instalaram-no imediatamente nas

paredes da rue de Fleurus. Num dos salões de sábado, Picasso foi visto

contemplando-o – surpreendido em mais um momento angustiado de

examinação ávida e resistência autoimposta a ver – por Walter Pach, um

jovem norte-americano, recém-formado pela escola de arte de Nova

York. Picasso virou-se para ele e perguntou: “Isto o interessa?”

“De certa forma, sim”, respondeu Pach. Mas, percebendo a agitação

do espanhol, e suspeitando que tinha dado a resposta errada, mudou

imediatamente de direção: “Interessa-me como um soco na testa. Não

entendo o que ele pretende com isso.”

“Nem eu”, replicou Picasso. “Se ele quer fazer uma mulher, que faça

uma mulher. Se quer fazer uma decoração, que faça uma decoração. Mas

isto fica entre uma coisa e outra.”

FOI PROVAVELMENTE em Gósol, ou logo após, no período de idílio

amoroso, que Picasso e Fernande tiveram a ideia de adotar uma criança.

A adoção finalmente ocorreu em 6 de abril de 1907, num orfanato que

ficava a somente cinco minutos de caminhada do Bateau-Lavoir. “Se

vocês querem um órfão”, disse a madre superior, “escolham.”

Escolheram uma menina chamada Raymonde. Ela tinha doze ou

treze anos e era filha de uma prostituta francesa que trabalhava num

bordel na Tunísia. Raymonde fora resgatada e trazida à França por um

jornalista holandês e sua mulher, mas eles em seguida a abandonaram e

ela acabou no orfanato em Montmartre.

Se a decisão foi ideia de Fernande, não deve ter sido tomada sem o

consentimento de Picasso. E, dado o equilíbrio de forças em seu

relacionamento, não se pode imaginá-lo concordando com plano tão

relevante sem ao menos alguma dose de entusiasmo. Se, além disso, o

objetivo principal era oferecer a Fernande a experiência da maternidade,


também parece estranho que, em vez de adotar um bebê ou uma criança

pequena, tenham optado por uma menina mais velha, da mesma idade

de Marguerite. Talvez Picasso achasse que um filho satisfaria a

necessidade de Fernande de intimidade e afeto. Talvez achasse que isso

evitaria que ela “pulasse a cerca”, liberando-o para seguir sua obsessão

criativa sem restrições. Ou talvez ele tivesse outras razões para gostar da

ideia. Mas parece plausível que Picasso estivesse também pensando na

frágil, mas vivaz, Marguerite. Marguerite também tinha treze anos.

Desde que a conhecera no começo de 1906, Picasso a via regularmente

em suas visitas ao ateliê de Matisse. Ele deve tê-la observado

atentamente e invejado, talvez, o papel que desempenhava na vida do

ateliê de Matisse. Será que ele não poderia se beneficiar, assim como

Matisse, de uma presença desse tipo no Bateau-Lavoir − uma assistente,

uma parceira, uma musa?

TENDO SIDO ESCOLHIDA e levada ao Bateau-Lavoir, Raymonde parece ter

exercido um efeito eletrizante no local. A primavera logo chegaria (fazia

um ano da primeira visita de Matisse e Marguerite), mas Picasso estava

se recolhendo cada vez mais para dentro de si mesmo, para consternação

de seu pequeno grupo de amigos. A chegada de Raymonde animou a

todos. Fernande a mimava, tanto mais porque ela própria era filha

ilegítima e sofrera nas mãos de uma mãe adotiva cruel. Vestia a menina

com roupas graciosas, penteava seu cabelo o tempo todo e o prendia

com laços de fita para ir à escola. Os outros moradores também se

encantavam em sua companhia. Max Jacob e André Salmon traziam

presentes e doces para ela. O próprio Picasso fazia desenhos para

diverti-la. Mas, em algum nível, parecia se sentir pouco à vontade perto

dela. “As meninas”, segundo Richardson, “empolgavam Picasso.

Também o perturbavam. Lembravam-no de sua irmã morta, Conchita.”


ANTES DO ENCERRAMENTO do Salão no final de abril, Matisse voltou mais

uma vez a Collioure. Picasso, entrementes, estava ocupado a repensar e

revisar seu grande quadro. Um mês depois, ele achou que tinha feito um

bom progresso e começou a convidar algumas pessoas para ver a

pintura. A reação, depois de tanto labor secreto, foi um balde de água

fria. A perplexidade reinava. Que espécie de pintura era aquela? Não se

encaixava em nenhuma categoria preexistente. Por que os rostos de

cartum com os olhos arregalados, assimétricos? Por que a preocupação

com triângulos? Por que o desenho canhestro e os registros dissonantes,

a falta de acabamento? Era um quadro feio e, ao mesmo tempo, ridículo.

Todos viram, além disso, o estado frágil em que Picasso se

encontrava. Ansioso, abatido, obcecado, ele não parecia saber o que

tinha feito. Mesmo pelos critérios que ele próprio havia inventado, não

conseguia dizer se tinha sido bem-sucedido. Se estava bem perto de

alguma coisa, mas ainda não tinha chegado lá (como ele esperava e

suspeitava), não sabia como concluir. Não havia ninguém para lhe dizer.

Havia, porém, uma pessoa que, no outono anterior, sem querer lhe

fornecera a chave para uma possível solução.

SEIS MESES ANTES, Picasso tinha ido à rue de Fleurus num sábado à

noite. Matisse já estava lá. Mostrava a Gertrude Stein um objeto que

acabara de comprar num antiquário chamado Le Père Sauvage, na rue de

Rennes. Matisse costumava parar na loja, que ficava a apenas alguns

minutos do apartamento dos Stein. Havia lá, como mais tarde lembrou,

“um canto cheio de estatuetas de madeira de origem negra”. Matisse

ficou fascinado por essas esculturas. Elas pareciam isentas das ideias

convencionais de anatomia humana: eram feitas, disse ele depois, “em

função do material, segundo planos e proporções inventados”.


Certo dia, ele entrou na loja, pagou cinquenta francos e saiu de lá

direto para a rue de Fleurus com o objeto que agora mostrava a

Gertrude. Era uma estatueta de madeira feita pelos vilis do Congo, uma

figura sentada com uma cabeça desproporcionalmente grande que

parecia uma máscara. A figura tinha a boca e os olhos vazados.

Misteriosamente, tinha as duas mãos para cima, no queixo.

Em sua arte, Matisse lutava nesse momento para diminuir a lacuna

entre a descrição dos objetos e seu impacto emocional. Buscava formas

que fariam suas emoções e sensações perdurarem. Para ele, esses objetos

africanos indicavam uma nova liberdade: eles não tinham compromisso

com as noções herdadas de como as figuras escultóricas deveriam ser.

Sua reação a elas correspondia a suas tentativas recentes de intensificar a

expressividade de suas pinturas por meio da distorção. E tinha até

relação com seu interesse pela arte dos filhos – não porque considerasse

os objetos africanos igualmente pouco sofisticados, mas precisamente

porque admirava sua inventividade, o modo como eles revelavam uma

alternativa potente e desinibida ao clichê ocidental.

Quando Matisse estava mostrando a estatueta vili a Gertrude – e sem

dúvida tentando seriamente, ante o interesse hesitante, explicar o que ele

queria dizer por “planos e proporções inventados” –, Picasso entrou.

Virando-se para ele, Matisse mostrou-lhe a estatueta. Eles

“conversaram”, segundo Matisse. Pode-se imaginar Picasso girando a

escultura nas mãos, ouvindo e ao mesmo tempo tentando não ouvir o

que Matisse estava dizendo sobre ela.

A INFLUÊNCIA DE MATISSE a essa altura era tal que sua descoberta

desencadeou uma corrida por objetos tribais entre os pintores de

vanguarda de Paris. Seus colegas fauvistas e muitos artistas mais jovens

em busca de novos estímulos começaram a vasculhar as lojas parisienses


atrás de quaisquer máscaras africanas e figurinhas de madeira que

pudessem encontrar. Se Matisse vira alguma coisa nesses objetos, eles

pensavam, então devia haver algo em que valia a pena prestar atenção.

De início, Picasso opôs resistência, e é fácil imaginar por quê. Algo

nesses objetos deve tê-lo atraído; mas o fato de terem despertado grande

interesse em Matisse primeiro o dissuadiu. Sob nenhuma circunstância

ele queria ser tido como seguidor do francês. E, além disso, estava

tomado por sua própria descoberta – os assombrosos entalhes ibéricos

cujas estilizações vinha incorporando em seu trabalho desde que voltara

de Gósol.

Ainda assim, Picasso não podia ignorar os entalhes africanos. Ele

podia ver o impacto libertador que estavam provocando no trabalho de

Matisse – especialmente o Nu azul. E podia ver a empolgação de outros

colegas quando falavam desses objetos até então inauditos. De modo que

não deve ter sido por acaso que, seis meses depois de Matisse ter-lhe

mostrado a figura vili, na época em que seu embate com Les demoiselles

se arrastava, Picasso encontrou-se no Museu Etnográfico do Trocadéro.

Naquela época, o Trocadéro era um lugar descuidado, sujo, atulhado

de objetos. Era “nojento”, lembrou Picasso numa entrevista com André

Malraux, três décadas depois. “O cheiro”, continuou. “Eu estava

sozinho. Queria ir embora. Mas não saía. Fui ficando. Fui ficando.

Entendi que alguma coisa estava acontecendo comigo.”

Picasso havia intuído algo sobre os objetos que viu no Trocadéro, e

especificamente as máscaras. Elas não eram, disse (revelando seu eterno

talento para a dramatização),

esculturas como as outras. Não mesmo. Eram coisas mágicas … eram intercesseurs,

mediadoras; desde então aprendi a palavra em francês. Contra tudo – contra os espíritos

desconhecidos, ameaçadores … Eu entendi: eu também sou contra tudo. Eu também acredito

que tudo é desconhecido, é inimigo! Tudo! … Entendi para que os negros usavam suas
esculturas … [Os fetiches] eram armas. Para ajudar as pessoas a não ficarem mais sob a

influência dos espíritos, a se tornarem independentes.

“Les demoiselles deve ter vindo a mim naquele mesmo dia”, Picasso

concluiu, “mas não por causa das formas: porque era a minha primeira

tela de exorcismo. Sim, absolutamente!”

A literatura sobre a obra de Picasso dá enorme importância à sua

visita ao Trocadéro e ao relato que ele fez posteriormente, e é fácil ver

por quê. A acreditarmos nele, foi ali, no Trocadéro, que toda a sua

filosofia criativa cristalizou-se numa percepção que vinculava a

ansiedade de ver – a ansiedade sexual e mortal de confrontar os outros,

e particularmente as mulheres – com os poderes mágicos,

transformadores, que ele acreditava serem inerentes à arte. A partir dessa

percepção central – dramatizada, intensificada, interminavelmente

reiterada – Picasso forjaria uma carreira de variedade e brilho

pirotécnico sem precedentes.

Mas é claro que a visita também foi importante no contexto imediato

de sua rivalidade com Matisse. Para alguém tão tomado pela luta para se

tornar independente, para se livrar da influência de um rival e cumprir

sua promessa inicial, a intuição de Picasso a respeito das máscaras

tribais dificilmente teria sido mais significativa. Elas eram armas, disse

ele, para ajudar as pessoas “a se tornarem independentes”.

QUANDO PICASSO FINALMENTE adotou a arte africana, foi com uma

intensidade precipitada bem característica dele. Durante a primavera e o

verão de 1907, ele produziu uma série de nus violentamente

“africanizados”. Assim como suas cabeças em estilo ibérico, eles tinham

uma simplificação radical, mas agora possuíam corpos angulares,

narizes encurvados feito foices e as faces marcadas por estrias paralelas


e hachuras – tiradas das linhas de escarificação que ele tinha visto nas

máscaras africanas.

Ao mesmo tempo, voltou a Les demoiselles com intenções

renovadas. Numa série de estudos que fez em tinta sobre papel, as estrias

e hachuras começaram a aparecer nos fundos e nas bordas de seus

quadros, lembrando as folhagens de palmeira decorativas do Nu azul de

Matisse. Como Matisse, e ainda mais como Cézanne (que agora

começava a reverenciar, do mesmo modo que Matisse), Picasso estava se

empenhando em estabelecer rimas visuais que reforçariam a unidade de

seus quadros, unindo o primeiro plano ao fundo. Mas, em vez das linhas

fluidas, sinuosas, tão prezadas por Matisse, as rimas de Picasso eram

estabelecidas com ângulos agudos e com um idioma de fragmentação e

estilhaçamento que pode muito bem ter refletido seu estado de espírito.

PICASSO CERTAMENTE DIZIA a si mesmo que o que havia tirado da arte

africana era muito diferente do que o que Matisse via nela. Era mais

radical, mais potente. A descoberta, segundo seu relato, não só era mais

dramática do que a perambulação de Matisse pelos antiquários; era

alimentada pela superstição, pela magia.

Matisse, por sua vez, nunca teria dramatizado sua concepção de arte

dessa forma. Ele não tinha interesse em fazer isso: as pessoas já o

achavam bastante louco. Melhor enfatizar “planos e proporções” do que

a magia e o exorcismo.

De qualquer modo, uma ideia de harmonia, alcançada pela

sublimação, era o que importava a Matisse, o que não era o caso com

Picasso. Matisse estava sempre se resguardando contra o caos. Picasso,

por sua vez, se valia da dissonância. Ele atraía a colisão e o conflito.

A curto prazo, o que estava em jogo, para Picasso, era sua habilidade

para levar a cabo sua grande tela – dotá-la com o tipo de força e
capacidade de chocar que superaria a dissonância de A alegria de viver

de Matisse e as deformações de seu Nu azul. Ele queria ultrapassar a

ambos, e descartar o que percebia como a ambivalência fatal de Matisse

(uma “decoração” ou uma “mulher”?). Os rostos de suas cinco

prostitutas foram todos inicialmente pintados em blocos, com olhos

arregalados, o estilo ibérico que Picasso havia incorporado ao seu

trabalho depois do retrato de Gertrude. Mas, em junho ou julho, as

cabeças ibéricas já não pareciam satisfatórias. Assim, no meio do verão

de 1907, Matisse ainda ausente de Paris, no sul da França, Picasso

tomou uma decisão importante. Sobre os rostos das duas prostitutas à

direita do quadro – uma agachada, a outra de pé atrás dela –, pintou

máscaras em estilo africano. Deu aos dois rostos narizes longos,

recurvos, traços rústicos, alongados, e pequenas bocas abertas. A figura

do fundo tem um olho totalmente negro, como um bocal vazio, enquanto

a agachada tem olhos azuis simétricos com pequenas pupilas. Picasso

deixou intocados os rostos em estilo ibérico das outras três mulheres.

Seus olhares são mais penetrantes, mas também mais familiares. Os

rostos “africanizados” à direita, por outro lado, são como máscaras de

terror. Não parecem nos ver. Representam algo profundamente

desconhecido, estrangeiro, e de modo algum sexualmente sedutor.

Parecem nos evitar.

HOJE ESTAMOS ACOSTUMADOS com os registros dissonantes de Les

demoiselles – a pintura mais famosa de Picasso. A dissonância pictórica

já não nos surpreende, sobretudo porque acabou se tornando a marca

registrada de sua obra, inspirando um infindável número de artistas a

seguir o seu exemplo. Mas, na época, ele parece ter ficado tão inseguro a

respeito do que havia feito quanto todo mundo. Era exagerado? Ele tinha

arruinado o quadro? Estava terminado? A única coisa de que ele podia

ter certeza era que havia feito algo nunca antes visto. Se funcionava, ou
se a invenção como um todo – os rostos discordantes, os empréstimos da

escultura africana ou ibérica antiga, a figura agachada roubada da

pequena tela de Cézanne pertencente a Matisse, Três banhistas – era na

verdade um sinal de confusão nociva, ele não tinha como saber.

Nesse meio-tempo a vida doméstica de Picasso havia sido infectada

por outro tipo de confusão – igualmente nociva. Para Raymonde, a órfã

adotada, as consequências foram trágicas. Picasso, ao que parece, tinha

começado a manifestar um interesse perturbador pela menina. A certa

altura, nos quatro meses que Raymonde passou no Bateau-Lavoir,

Fernande se deu conta desse fascínio nada saudável. Em consequência,

ela não confiava mais em deixar Picasso no mesmo aposento que

Raymonde quando a menina estava tomando banho, se vestindo ou

experimentando roupas novas.

Suas preocupações devem ter sido provocadas, ou talvez

simplesmente confirmadas, por um desenho que ele fez dela, sentada

numa cadeira, examinando o pé. Uma bacia de banho pode ser vista no

chão, na frente de Raymonde. A pose em si é inócua, seu pedigree na

história da arte, impecável: derivada do Spinario, famosa escultura

romana de um menino retirando um espinho do pé, também ecoava

Extraindo um espinho, escultura impressionista que Matisse havia feito

no ano anterior (provavelmente com Marguerite como modelo). A

mesma pose reapareceria no verão como uma mulher “africanizada”, e –

combinada na imaginação de Picasso com a figura da direita de Três

banhistas, de Cézanne – seria por fim transposta para a prostituta

agachada em Les demoiselles. Mas há algo perturbadoramente

voyeurístico na representação que Picasso fez de Raymonde. Embora um

esboço rudimentar, ele faz questão de deixar expostos os genitais da

menina.

Não demorou para que Fernande sentisse que não tinha outra

escolha senão devolver Raymonde ao orfanato. Os moradores do Bateau-


Lavoir fizeram uma festa de despedida no apartamento de Apollinaire.

Raymonde, não surpreende, estava retraída e confusa. Jacob pôs suas

bonecas e uma bola numa caixa, deu-lhe a mão e, “com um sorriso

profundamente triste”, levou-a embora.

NA ÉPOCA EM QUE MATISSE voltou a Paris, no começo de setembro,

depois de seu longo verão no sul, Picasso estava exausto e abatido.

Algum tempo depois da partida de Raymonde, Fernande também tinha

se mudado. O longo caso de amor entre eles parecia ter chegado ao fim.

O trabalho de Picasso tinha progredido de forma abrupta nesse período,

mas seus avanços criativos tiveram um custo. Sua obsessão com Les

demoiselles – uma pintura que deixou Fernande confusa e até

humilhada, pois parecia representar os sentimentos dele por ela –

relegou-a a segundo plano. E agora ela tinha ido embora.

O destino da própria pintura era totalmente incerto. As reações

negativas dos amigos, colecionadores e marchands que a viram em seu

estado pré-“africano” podem ter colaborado para inspirar as revisões de

Picasso tanto quanto a visita ao Trocadéro. Mas as duas máscaras

africanizadas tinham deixado a pintura ainda mais difícil de digerir, e

Picasso parece ter permanecido numa indecisão agoniada a esse

respeito. O quadro ficou em seu ateliê por quase dez anos. E na maior

parte desse período o pintor parecia incapaz de decidir se estava

terminado.

Matisse deve ter tido relação com suas dúvidas. Na realidade, ele

devia ser um dos únicos conhecidos de Picasso em condições de dissipá-

las, apenas por solidariedade. Sua própria inabilidade para ver, para

avaliar com alguma dose de objetividade o que havia realizado, o

perseguia desde a reviravolta fauvista dois anos antes. Ela era a fonte de

sua ansiedade.
Matisse já tinha ouvido falar do estado de espírito de Picasso e de

sua estranha nova pintura antes de chegar a Paris. Ele tinha saído de

Collioure entre o final de julho e o começo de agosto para viajar à Itália.

Lá, especialmente em Florença, onde se reuniu com Gertrude e Leo

Stein, ficou impactado com os primitivos italianos, os artistas góticos

tardios e os primeiros renascentistas, como Giotto e Duccio. Esses

afrescos, suas formas arredondadas, estáveis, essenciais, forneceram-lhe

um modelo que viria a complementar e frear os impulsos violentos

desencadeados pela arte africana. Também correspondiam a seu

interesse pelas cores puras, chapadas e pelos contornos simplificados da

arte das crianças. Acima de tudo, pareciam transbordar com uma

espécie de plenitude espiritual, uma pureza e um silêncio que faziam

com que o rico colorido das tintas a óleo que, em seguida, viu em

Veneza parecesse, em comparação, decadente e contaminado.

Mas, nessa mesma viagem, surgiram tensões entre Matisse e Leo

Stein. Com a reputação de Matisse no auge (graças em grande medida

ao apoio dos Stein), as ambições artísticas frustradas de Leo devem ter

contribuído para o mal-estar. Mas foi a intimidade forçada na estufa

estética de Florença que causou o problema mais imediato. Matisse

reagia ao que via em Florença com uma premência íntima de artista, um

impulso quase estelionatário de se apossar de suas experiências e

explorá-las para seus próprios fins. A suscetibilidade de Stein era

diferente. Seu entusiasmo era inegável, mas desinteressado, intelectual,

qualidades estranhas a Matisse. Assim, esses dois homens orgulhosos –

ambos tão inteligentes, tão articulados, tão ávidos para incutir suas

ideias nos outros – fizeram um esforço para se conectar, mas ficaram

cada vez mais irritados um com o outro.

De volta a Paris, esses atritos verificaram-se difíceis de eliminar.

Getrude e Leo também passaram a competir com Sarah e Michael Stein,

cuja relação com Matisse estava ficando mais próxima. O desfecho nessa
época crucial foi que Leo e Gertrude começaram a se afastar de Matisse

e aos poucos priorizar Picasso. Nu azul acabou sendo o último Matisse

que compraram. E pouco depois eles deram todos os seus Matisses a

Sarah e Michael.

MATISSE VIU Les demoiselles pela primeira vez logo depois de sua volta

à cidade, numa visita ao Bateau-Lavoir com o crítico convertido em

marchand Félix Fénéon. Ficou surpreso, para dizer o mínimo, e deve ter

cometido mais uma vez o erro de falar demais, ou dizer a coisa errada,

ou simplesmente a coisa certa. Segundo um relato, Matisse e Fénéon

viram o quadro e caíram na gargalhada. Vinte e cinco anos depois,

Fernande disse que Matisse ficou furioso quando viu a pintura e jurou se

vingar, fazer Picasso “pedir misericórdia”. Nada disso parece verdade.

Segundo o relato mais crível, ele teria dito, mais discretamente, porém

com evidente amargura: “Uma pequena ousadia descoberta no trabalho

de um amigo era compartilhada por todos.” Isso significava que,

enquanto ele, Matisse, havia dedicado anos de experimentações e

pesquisa honesta para fazer um avanço estético de relevância, Picasso,

agora, roubava ideias que não compreendia muito bem para produzir

uma pintura deliberada e absurdamente feia – tudo para também parecer

ousado.

Na verdade, Picasso havia depositado tudo que tinha em Les

demoiselles. No entanto, seus esforços encontraram repúdio geral. As

pessoas de cujo apoio ele mais precisava tinham sumido. Daniel-Henry

Kahnweiler, o marchand que em breve passaria a administrar sua

carreira (depois de tentar e não conseguir engatar um relacionamento

com Matisse), julgou a composição um “fracasso”. “Que perda para a

pintura francesa”, disse o colecionador russo Shchukin. Colegas pintores

começaram “a evitá-lo”, segundo seu amigo André Salmon. Derain,

sabendo o quanto Picasso havia apostado no quadro, preocupou-se com


a sanidade do amigo e predisse que “uma bela manhã” ele seria

encontrado “enforcado ao lado de sua grande tela”. Até Apollinaire

estava calado.

E agora, para coroar, o artista que era o líder indiscutível da

vanguarda parisiense – cuja inteligência Picasso tinha visto de perto nas

casas dos Stein e cuja ousadia testemunhara em galerias e em múltiplas

visitas ao ateliê de Matisse, o artista que, além disso, sabia como era

estar realmente num limbo – estava desqualificando seu trabalho por

considerá-lo não só um fracasso, mas um pastiche ruim, uma paródia.

HAVIA, É CERTO, muita coisa em Les demoiselles que Matisse deve ter

considerado irritante. Muita coisa que parecia visá-lo diretamente.

Enquanto suas próprias pinturas, mesmo quando executadas de modo

grosseiro, sempre tinham a ver com a totalidade, a estabilidade e a

calma, Les demoiselles era fragmentada, agressiva, quebrada. A

construção do quadro era oposta, em todos os aspectos, à dos afrescos

que ele havia acabado de ver na Itália. Como não se sentir provocado

pela figura agachada à direita, tirada de uma figura do objeto mais

estimado de seus bens, as Três banhistas de Cézanne? E como não notar

as máscaras africanas na figura agachada e na mulher atrás dela? Fora

ele, afinal, quem apresentara a Picasso a arte africana; ele nunca

imaginou que sua descoberta seria adotada de uma forma literal tão

flagrante.

Mas havia algo mais nessa pintura, algo mais fundamental – algo que

não tinha nada a ver com empréstimos, roubos ou sabotagem. Era sua

absoluta força confrontadora. Picasso queria desestabilizar o espectador

(e ele próprio) com uma imagem de sexualidade descarada. O resultado

era parecido com o da Olympia de Manet, mas sem o olhar cúmplice;

era amplificado, condensado, ostensivamente combativo.


Qualquer que fosse o motivo, Matisse não viu Les demoiselles como

a obra-prima que era. Como muitos outros, não conseguia confrontar

aqueles nus de olhar lascivo e a intensidade do poder sexual que

exibiam. Além disso, a mensagem da pintura, no que dizia respeito a ele

– o que Picasso parecia estar lhe dizendo –, era complicada demais,

ambivalente demais para que ele a lesse com clareza. Ele deve ter

interpretado alguns aspectos do quadro como uma espécie de

homenagem irônica. Mas também suspeitava que o que Les demoiselles

estava de fato lhe dizendo era que ele não podia pretender que Picasso

fosse nem seu protégé, nem seu seguidor: Picasso era senhor de si

mesmo. Um homem com a mesma ambição – de ser um grande pintor

moderno –, mas com uma ideia muito diferente do que isso significava.

A ESSA ALTURA CRUCIAL, a influência de Matisse na arte de vanguarda

era, na realidade, mais forte do que nunca, e sua precedência,

inquestionável. No Salão de Outono de 1907, inaugurado no começo de

outubro (e que apresentou importantes retrospectivas da obra de Berthe

Morisot e de Paul Cézanne), parecia que todo jovem pintor estava

tentando pintar como “o mais fauvista dos fauvistas” (como Apollinaire

apelidara Matisse). Ver tantas imitações crassas de seu estilo causou em

Matisse uma grande angústia. Muitos daqueles que o tomaram por

inspiração não haviam entendido absolutamente nada do que ele estava

tentando fazer. Isso não teria importado, mas a questão é que os esforços

grosseiros desses artistas só deram mais munição aos detratores. (Os

“empréstimos” de Picasso em Les demoiselles, embora tivessem um

aspecto diferente, também devem tê-lo chocado, e constituíam o mesmo

risco.)

Além da preocupação com os maus imitadores, Matisse também

estava começando a enfrentar uma forte reação negativa. Os seus

seguidores mais talentosos e inteligentes, entre os quais seu colega


Derain e o mais independente Braque, começavam a se afastar. Eles

tinham trabalhado ao lado dele durante o breve período fauvista. Mas,

desde então, Matisse vinha seguindo um caminho cada vez mais pessoal.

Depois de A alegria de viver e Nu azul – por mais impressionados que

tivessem ficado –, eles foram incapazes ou não tiveram vontade de segui-

lo.

No final das contas, Matisse era solitário demais para ser líder de um

movimento. Mas, a essa altura – com seu trabalho chocando a muitos

por ser extremamente feio e bizarro (“por que esse desdém odioso pela

forma?”, perguntou um crítico de sua tela mais recente, O luxo, uma

estranha imagem onírica de três mulheres desenhadas de maneira

grosseira envolvidas em um rito misterioso numa praia) –, sua

necessidade de reconhecimento e fortalecimento era tão profunda

quanto a de Picasso.

GERTRUDE STEIN, agora muito mais para o lado de Picasso, logo

começou a dividir o mundo em “matissetes” e “picassetes”. Outros

defensores do espanhol também exacerbaram as tensões. Estavam

dispostos a explorar qualquer vantagem sobre Matisse que pudessem

encontrar. Cientes do desapontamento de Picasso com Les demoiselles,

atribuíram a essa frustração um papel secundário. Para Picasso, sem

dúvida, isso era o mais difícil de tolerar. Leo Stein lembrou uma ocasião

em que, numa fila num ponto de ônibus, Picasso ficou furioso. “As

coisas não deviam ser assim”, disse ele. “Os fortes deviam ir na frente e

pegar o que quisessem.”

Mas, apesar disso, parece que os próprios pintores em questão

mantiveram relações civilizadas e mesmo amigáveis. Amigáveis o

bastante, pelo menos, para combinar uma permuta de trabalhos no final

do outono.
A permuta foi planejada em detalhes. Deu-se no ateliê de Picasso no

Bateau-Lavoir. Um jantar especial foi organizado. Salmon, Jacob e

Apollinaire estavam presentes, assim como Braque, Maurice de

Vlaminck e Maurice Princet. Eles próprios devem ter auxiliado no

planejamento, uma vez que Picasso, segundo relatos, era um anfitrião

reticente.

Ele estava evidentemente numa maré baixa. A tela das Demoiselles

ficava encostada num canto do ateliê, coberta com um lençol. Fernande

e Raymonde tinham partido. Entre os amigos, a situação de Picasso

suscitava muita solidariedade, mas nenhuma solução direta. “Eu gostaria

de poder transmitir-lhe o heroísmo de um homem como Picasso”,

escreveu Kahnweiler meio século depois. Sua “solidão espiritual naquele

momento era realmente assustadora, pois nenhum de seus amigos

pintores o havia seguido. O quadro que ele tinha pintado parecia a todos

algo louco ou monstruoso”.

Não se sabe ao certo que protocolos regeram a permuta, mas parece

que Picasso tivera a oportunidade de escolher um trabalho durante uma

visita anterior ao ateliê de Matisse, e agora era a vez de Matisse escolher

um trabalho de Picasso.

A pintura escolhida por Picasso fora o retrato de Marguerite.

Executado num estilo naïf deliberado, tinha o nome MARGUERITE escrito

em fortes letras maiúsculas na parte de cima. Era uma pintura grande, de

modo que deve ter sido desconfortável para Matisse carregá-la debaixo

do braço a caminho de Montmartre. Dezoito meses antes, Marguerite

em pessoa o acompanhara nessa caminhada. Dessa vez era o retrato dela.

Para Picasso, foi uma escolha notável – tanto mais porque fazia

pouco tempo que ele havia devolvido sua filha adotada de treze anos.

Estaria ele deprimido? Estaria tentando – motivado por inveja, ou talvez


pela lembrança de sua falecida irmã Conchita – fazer algum tipo de

afirmação sobre Marguerite? Ou, simplesmente, gostava muito dela?

Tudo que sabemos é que ele conservou o quadro pelo resto da vida.

Matisse, por sua vez, escolheu uma natureza-morta recém-pintada

por Picasso. Tinha ângulos dentados, boas rimas e – para um Picasso

desse período – cores excepcionalmente vivas. Em seu clássico relato

sobre a permuta, Gertrude Stein afirmou que, enquanto cada artista

fingia escolher um trabalho que admirava, na realidade eles “escolheram

cada um o quadro do outro que era inegavelmente o menos interessante

que cada um deles tinha feito”.

“Mais tarde”, continuou ela, “cada um usou a pintura que havia

escolhido como exemplo das fraquezas do outro.” Essa descrição é mais

um sintoma do desejo de Stein de rotular os dois pintores como inimigos

do que qualquer outra coisa. Na realidade, ambos os quadros são plenos

de confiança e convicção. Se Picasso estava contente de ver Matisse

reagir favoravelmente a seu novo interesse pelas formas angulares e

pelas relações espaciais ambíguas, Matisse estava igualmente satisfeito

de ter a confirmação de que Picasso levava a sério seu interesse pela arte

das crianças. “Eu pensava na época que era um quadro fundamental”,

disse Picasso no final da vida, “e ainda acho isso.”

O JANTAR PROSSEGUIA em ritmo arrrastado. Picasso estava reservado,

taciturno. Havia um mal-estar entre o resto do grupo. Esse drama

estranho, afetado, não tinha nenhuma relação com a maneira como as

noites em Montmartre se desenrolavam. E os amigos de Picasso

puseram a culpa em Matisse. Para Salmon, ele era pretensioso e distante.

Não tinha sensibilidade – na opinião de Salmon – para a leveza, as

brincadeiras e as provocações – tudo que fazia parte da vida social no

Bateau-Lavoir. A ascendência recente de Matisse só aprofundou o


desdém deles. A claustrofobia naquele ateliê cheio de gente e a

obrigação de manter um grau de polidez equivalente ao de Matisse

parecem ter introduzido uma tensão quase insuportável na reunião. Eles

não aguentavam esperar pelo fim do jantar. E, assim que terminou, assim

que Matisse foi embora, as hostilidades se dissiparam.

Segundo Salmon, “fomos direto ao bazar na rue des Abbesses [a

dois minutos de lá] onde, pobres, mas sem medo de fazer sacrifícios em

prol do prazer, compramos um conjunto de flechas de brinquedo com

ponta de sucção que nos proporcionou uma maravilhosa diversão

quando voltamos ao ateliê, pois podíamos atirar na pintura sem danificá-

la. ‘Acertei! Uma no olho para Marguerite!’ ‘Acertei outra no rosto!’

Divertimo-nos a valer”.

Tudo isso foi obviamente concebido para animar Picasso. Com o

mesmo objetivo, seus amigos também percorreram Montmartre

rabiscando grafites que imitavam cartazes governamentais sobre paredes

e cercas: MATISSE PROVOCA LOUCURA! MATISSE É MAIS PERIGOSO QUE O

ABSINTO. MATISSE CAUSOU MAIS PREJUÍZO QUE A GUERRA.

As ações traem uma percepção do quanto Matisse significava para

Picasso nesse momento – o quanto sua presença era pesada e irritante, o

quanto sua pretensão de superioridade (embora sua forma de se

apresentar fosse afável) era enlouquecedora e o quanto Picasso estava

desesperado para inverter as posições.

NO FINAL DE 1907, com a lembrança ainda fresca da primeira vez que viu

Les demoiselles e da troca das pinturas, Matisse foi entrevistado para um

artigo que seria redigido por Apollinaire. O artigo foi encomendado pelo

amigo de Matisse Mécislas Golberg, que estava à beira da morte. A fama

de Matisse combinada ao fato de ele nunca ter dado uma entrevista

antes, fez da situação uma grande oportunidade para Apollinaire (na


realidade, acabou lançando sua carreira como crítico de arte). Mas o

poeta estava preocupado em não ser desleal com Picasso e relutava em

se desincumbir da tarefa. Foi atrasando, atrasando, e acabou perdendo o

prazo. Golberg estava a apenas alguns dias de falecer quando o artigo

finalmente saiu – não onde ele queria, mas numa publicação rival.

O breve texto contém apenas quatro citações de Matisse (que não

confiava em Apollinaire e logo veio a detestá-lo). É a última delas que –

dado o estado pesado de suas relações com Picasso – parece a mais

cuidadosamente refletida: “Nunca evitei a influência dos outros”, disse

Matisse:

Eu teria considerado isso uma covardia e uma falta de sinceridade comigo mesmo. Creio que

a personalidade de um artista se desenvolve, se afirma através das lutas que há de travar

quando confrontada com outras personalidades. Se o conflito for fatal e ela sucumbir, é

porque era esse o seu destino.

Matisse nunca sucumbiu. Mas, ao longo da década seguinte, o jogo

certamente virou. Ele nunca mais desfrutaria da preeminência

indiscutível que tinha em 1906 e 1907. Dali em diante, Picasso sempre

estaria presente, efetuando sua pirotecnia e arrancando os aplausos mais

fortes.

NO DECORRER DE 1908, Matisse foi honrado com mostras em Moscou,

Paris, Berlim e Nova York, e uma retrospectiva no final do ano no Salão

de Outono. No entanto, ele começou a parecer, mesmo no meio de toda

essa aclamação e reconhecimento, uma figura isolada.

Tentou evitá-lo. Num esforço para reforçar sua posição, voltou ao

papel de pedagogo. Incentivado por Sarah Stein, criou, no início de

1908, uma escola – uma tentativa, que durou pouco, de combater o que

ele considerava os crescentes mal-entendidos de sua obra. Mas gerou


crianças indisciplinadas. “O próprio Matisse”, escreveu o poeta e

jornalista norte-americano Gelett Burgess,

nega qualquer responsabilidade pelos excessos de seus discípulos indesejados. O pobre e

paciente Matisse, abrindo caminho nessa selva da arte, vê seus seguidores se desviando a

torto e a direito por caminhos vadios. Ele ouve suas próprias palavras especulativas sendo

distorcidas, mal interpretadas … Ele dirá, talvez: “Para mim, o triângulo equilátero é um

símbolo e uma manifestação do absoluto. Se alguém conseguisse infundir essa qualidade

absoluta numa pintura, seria uma obra de arte.” Ao que o pequeno aloprado Picasso, afiado

como um açoite, espirituoso como o diabo, louco varrido, corre para seu ateliê e concebe

uma enorme mulher nua composta inteiramente de triângulos, e a apresenta como um

triunfo. Que maravilha, Matisse sacode a cabeça e não sorri!

Derain e Braque, antigos parceiros fauvistas de Matisse, tinham

agora desertado para o lado de Picasso. Passavam todo o tempo no

Bateau-Lavoir e começaram a pintar numa paleta moderada, suprimindo

completamente o esplendor cromático de Matisse. Foi um golpe sério:

eram dois dos mais talentosos pintores na França.

Os amigos de Picasso, por sua vez, haviam praticamente declarado

guerra a Matisse: escarneciam de sua escola, de seus modos sociais

distanciados e sóbrios e de seu trabalho mais recente, que depreciavam

como sendo leves, decorativos e pouco sérios. Em certa ocasião, Matisse

entrou num café, viu Picasso e seus amigos e aproximou-se deles para

cumprimentá-los, mas foi enfaticamente ignorado.

Para Matisse, que havia encontrado Picasso muitas vezes nos anos

anteriores, que o havia recebido em seu ateliê e o presenteado com seu

retrato de Marguerite, essas novas circunstâncias devem ter sido

desoladoras.

O choque inicial de Les demoiselles amainou e Matisse reconciliou-

se com esse novo e ousado Picasso – o Picasso que não era apenas um

protégé potencial, mas um inovador eletrizante, alguém que Matisse

agora precisava levar em conta, de quem possivelmente tinha algo a

aprender. Nesse meio-tempo, determinado a não deixar que suas


relações se definissem pelo absurdo da hostilidade declarada, continuou

a se solidarizar com a situação do jovem, a admirar seu talento e a

cultivar sua amizade. Como que para provar que não estava irritado, no

final de 1908 levou o colecionador russo Sergei Shchukin – seu mais

importante colecionador – ao ateliê de Picasso. Impressionado pelo que

viu, Shchukin logo tornou-se um defensor e ávido colecionador da obra

do espanhol.

MAIS OU MENOS NA mesma época, 1908, o antigo protégé de Matisse,

Braque, inspirando-se em seções de Les demoiselles, e mais ainda em

seu próprio estudo intenso de Cézanne, estava em vias de cunhar uma

maneira inteiramente nova de pintar. Após um período experimentando

em L’Estaque, o antigo refúgio de Cézanne perto de Marselha, enviou

várias novas pinturas ao Salão de Outono.

Matisse (objeto de uma retrospectiva no mesmo Salão) fazia parte do

júri naquele ano. Quando viu as pinturas de Braque produzidas em

L’Estaque, parece ter suspeitado de mais má-fé. Braque não só

abandonara os princípios de Matisse (acima de tudo, sua ênfase na luz

colorida) como também adotara Cézanne – o adorado Cézanne de

Matisse, seu talismã (“se Cézanne está certo, então eu estou certo”, disse

Matisse) – de um jeito que dava a entender que o compreendera de

forma completamente equivocada.

Matisse estava convencido de que podia adivinhar o que estava por

trás do conceito da nova maneira de Braque. Ele descreveu as pinturas

de Braque ao crítico Louis Vauxcelles – o mesmo crítico que havia

cunhado o termo fauvismo – como quadros feitos de “pequenos cubos”.

Para mostrar a Vauxcelles o que estava dizendo, chegou a fazer um

rápido esboço, como um professor demonstrando o pensamento

incorreto de um aluno no quadro-negro.


As pinturas de Braque foram rejeitadas, e Matisse – com ou sem

razão – foi responsabilizado. Mas o novo estilo agora tinha um nome:

cubismo.

O CUBISMO REVOLUCIONARIA a construção do espaço pictórico e, com

isso, mudaria o curso da pintura moderna. Em conluio com Picasso,

cujas energias absorveu rapidamente, Braque avançou e aprimorou esse

novo estilo no decorrer do ano seguinte. Impessoais e desprovidas da cor

matissiana (eram feitas em tons de marrom e cinza), as pinturas cubistas

eram maravilhosamente inventivas e tinham um frescor poético. Um

quadro já não precisava ser uma janela para um mundo coerente,

estático, em profundidade, consoante às inflexíveis leis físicas; podia ser

como um anteparo em movimento, com partes facetadas em projeção ou

em retração no espaço raso. Nesse sentido, as pinturas cubistas pareciam

mais a própria consciência e estavam mais sintonizadas, alguns

afirmavam, com o modo como a ciência moderna estava começando a

descrever o mundo. Mas os quadros cubistas de Picasso e Braque

também são, é claro, bastante espirituosos. Lembram segredos

murmurados no fundo da sala de aula. Converteram a representação

num jogo divertido de “agora você vê, agora não vê”.

O novo movimento pegou rapidamente. Matisse, em destaque na

frente da sala de aula, fez o melhor que pôde para ignorar o aumento do

falatório insubordinado no fundo da classe. Ele preferia continuar a

desenvolver sua própria pauta, mergulhando cada vez mais fundo nos

encantamentos da cor saturada, expressiva, decorativa e em um novo

tipo de simplicidade monumental. Disso resultaram algumas das obras

mais importantes de sua carreira – e sem dúvida de todo o século. Mas,

por volta de 1913, já não era possível ignorar o burburinho. Jorrando

criatividade, Picasso e Braque haviam se estabelecido com


surpreendente velocidade como os novos líderes de uma vanguarda pan-

europeia.

Não o fizeram sozinhos. Picasso, em particular, foi apoiado por

Kahnweiler, que habilidosamente administrou sua carreira nos

bastidores; por Gertrude Stein, que muito fez para fomentar o início do

mito Picasso (especialmente fora da França); e por Apollinaire, que

tinha dado a ideia de rabiscar grafites anti-Matisse em cima de cartazes

sobre saúde do governo. Na década seguinte, Apollinaire seria

considerado o crítico de arte mais influente de sua geração. Quando

mais tarde descreveu Matisse como “um cubista instintivo”, a ironia

deve ter irritado o pintor, dado seu papel não intencional ao cunhar o

termo.

O cubismo dominou o discurso da arte de vanguarda por toda a

Europa, da Itália (onde o futurismo o havia adotado) à Inglaterra (onde

o vorticismo se encantou por ele). Cada vez mais, Matisse era

empurrado para a periferia. Mas, por volta de 1913, como se

implacavelmente determinado a cumprir seu compromisso de nunca

evitar a influência alheia, de fato começou – ainda que com hesitação –

a adotar métodos cubistas. Ante as provocações deliberadas (“Ele foi

capturado! Ele é nosso!”, bradavam os cubistas), Matisse reduziu o uso

de cores vivas, em prol de cinzas agitados, pretos foscos e azuis

abundantes. Durante os três ou quatro anos seguintes também deu ênfase

à geometria angular, às simplificações extremas da forma e às relações

ambíguas entre figura e fundo – indicações de seu fascínio pelo novo

estilo. Chegou a repintar uma natureza-morta holandesa que apreciava

muito – um trabalho que havia copiado no começo de sua carreira –

num ostensivo idioma cubista. E dessa maneira transformou a derrota

latente em uma combinação de capitulação inicial e potência nova e

imprevista.
DEPOIS DE SEU PRIMEIRO rompimento, em 1907, Picasso e Fernande

Olivier se reconciliaram. Mas Fernande mais tarde teve um caso com o

futurista italiano Ubaldo Oppi, e, com isso, o casal se separou

definitivamente. Como que para dar o troco, Picasso tinha começado a

sair com Eva Gouel, amiga íntima de Fernande.

Por volta de 1913, Picasso se mudou do Bateau-Lavoir. Pela

primeira vez em sua vida adulta, estava em boa situação financeira.

Kahnweiler tinha se tornado seu marchand e os dois prosperavam. Mas

1913 foi também o ano em que o pai de Picasso morreu e, logo depois, o

próprio Picasso adoeceu com uma febre persistente, não diagnosticada.

Recuperou-se lentamente.

Durante sua convalescença, Matisse foi visitá-lo, levando flores e

laranjas. Nessa época, os dois formidáveis artistas estavam dispostos a se

reconciliar. A criatividade continuava a jorrar de ambos os ateliês. Se o

bando de seguidores que tentavam acompanhar Picasso agora parecia

maior que o de Matisse, isso não era, afinal, um reflexo da inferioridade

deste. No entanto, inquestionavelmente, a dinâmica de poder havia se

deslocado, e os dois – civilizados e admiradores um do outro agora que

suas reputações pareciam mais seguramente estabelecidas – mantinham

uma distância cautelosa.

Pouco tempo depois, contudo, foram cavalgar juntos na companhia

de Eva Gouel. A reaproximação surpreendeu a muitos. “Picasso é um

montador”, escreveu Matisse a Gertrude Stein. “Saímos juntos para

cavalgar, o que deixa todo mundo surpreso.” Mas, se as pessoas se

surpreendiam, era talvez porque queriam que esses dois pintores fossem

inimigos jurados, mais do que na realidade haviam sido.

NÃO HÁ DÚVIDA de que Matisse estava perturbado com o cubismo. As

coisas não haviam evoluído como ele esperara. O indomável espanhol


nunca fora seu protégé. Ele era muito mais formidável, inventivo e

ambicioso do que Matisse havia percebido durante aqueles primeiros

encontros nos Stein, ou quando eles conversavam, olhavam e tomavam

notas mentais nos ateliês um do outro, ou durante suas caminhadas no

Jardim de Luxemburgo.

Mas o que surpreende é como ele desejava – e quase com avidez –

evitar a reação óbvia. Ele se recusava a atacar Picasso. Recusava-se a

resistir à influência ou barrar sua possibilidade. Na realidade, seguiu o

caminho oposto, buscando ativamente lições que poderia aprender dos

cubistas, assim como Picasso tinha desejado aprender com ele.

Esse padrão – que ficou famoso – de ceder, entrelaçar-se, superar e

ceder de novo, como se ambos estivessem engajados numa série de

manobras sutis de arte marcial transpostas ao reino estético, seria

repetido em intervalos regulares até a morte de Matisse em 1954.

Importantes exposições e incontáveis livros abordaram o relacionamento

entre eles. Estudiosos traçaram o padrão – de influência e desafio,

homenagem e resistência – pintura por pintura, desenho por desenho,

escultura por escultura. Às vezes, Picasso olhava mais intensamente para

Matisse; em outras ocasiões, acontecia o inverso. Nunca, porém, um

estava longe da mente do outro.

UMA DAS MAIS ESTRANHAS produções de Matisse do período de 1913-17

foi outro retrato de Marguerite. Era a culminação de uma série de

pinturas que ele havia feito da filha em 1914 e 1915, época em que

Marguerite tinha vinte anos. Ela estava ficando mais segura de si, mais

mulher, e evidentemente gostava de se vestir bem. Em cada quadro da

série, embora as poses sejam as mesmas, ela veste um chapéu diferente

(todos com flores) e uma blusa ou vestido diferente. Tinha até começado

a inovar com a fita preta do pescoço – o acessório que sempre fora um


signo pungente de sua enfermidade. Em três dos cinco retratos, há um

pendente dourado na fita.

Os primeiros quatro retratos da série são bastante diretos: Matisse

aplicou tinta a óleo bem rala, mas com cores vivas, num vocabulário

formal simplificado, reminiscente de seus antigos retratos infantilizados

de Marguerite. A certa altura, contudo, ele parece ter ficado inquieto.

Virou-se para Marguerite e disse: “Esta pintura está querendo me levar

para outro lugar. Tudo bem por você?”

Marguerite consentiu.

O que Matisse começou a pintar foi um dos retratos mais estranhos

de sua carreira. Cabeça branca e rosa, como é chamada, tem um

colorido intenso e um despojamento emocional tais que só Matisse

poderia tê-la realizado. Mas é também uma pintura manifestamente

filtrada pelo prisma do cubismo. Formas angulares escapam de seus

contornos, confundindo fundo e primeiro plano; linhas intersectam e

rimam com outras linhas; lábios e olhos são reduzidos a símbolos

destilados que poderiam facilmente ser reorganizados. Tudo isso faz o

quadro parecer um tributo, por assim dizer, a Picasso, filtrado pela

presença bastante enfática de Marguerite.

Cabeça branca e rosa era tão estranha que os marchands de Matisse

não souberam o que fazer com ela. Depois de algum tempo, pediram

polidamente a ele que a pegasse de volta. Ele o fez, e a conservou na

família pelo resto da vida – assim como Picasso fez com o retrato de

Marguerite que o francês havia lhe dado.


Pollock e De Kooning

A traição é uma forma estranha de intimidade.

ADAM PHILLIPS

DO LADO DE FORA da Cedar Tavern em Greenwich Village, certa noite no

começo dos anos 1950, alguém observou dois pintores sentados no

meio-fio, passando uma garrafa de um para o outro. Um deles, Willem

de Kooning, tinha pouco mais de cinquenta anos, e uma certa tendência

a arrumar encrenca. Um toque de ironia borbulhava por baixo de seus

modos habitualmente abertos e generosos. “A autoproteção o

entediava”, disse seu amigo Edwin Denby. E ele não gostava de ficar

entediado. De Kooning era muito inteligente. Já tinha visto de tudo – no

entanto, o mundo continuava a surpreendê-lo. “Jackson”, ele estava

dizendo, dando um tapinha nas costas de seu amigo Jackson Pollock,

“você é o maior pintor dos Estados Unidos!”

Pollock tinha um temperamento instável. Não conseguia contê-lo

quando estava embriagado, o que acontecia com bastante frequência

nessa época – e certamente na Cedar Tavern, um ponto de encontro para

os pintores e sua turma, além de palco regado a bebida para exibições de

machismo. Pollock também era inteligente a seu modo peculiar,

inarticulado, irascível. Ansiava por fazer conexões com as pessoas, mas

geralmente sabotava essas conexões. Gostava de De Kooning e o

admirava. E, embora estivessem longe de ser melhores amigos, ao longo

da maior parte dos dez anos em que se conheciam o sentimento era mais

ou menos mútuo. Ainda assim, era complicado.


Eles haviam sido rotulados como rivais. E, em certo sentido, eram.

Mas as coisas não haviam começado assim, e esse papel não lhes cabia

muito bem. Na realidade, para ambos, a pressão para agirem como rivais

diante de uma audiência que parecia inflar a cada mês tinha se tornado

desgastante e absurda.

De modo que, agora, na bebedeira, eles dramatizavam: “Não, Bill”,

respondeu Pollock, devolvendo a garrafa a De Kooning, “você é que é o

maior pintor dos Estados Unidos.” De Kooning hesitava. Pollock

insistia. A farsa prosseguiu, a garrafa passando de mão em mão, até que

Pollock finalmente desmaiou.

EM 1938, Willem de Kooning fez um belo retrato de dois meninos em pé

[ver fig. 4]. O desenho é tão delicado que sentimos ser possível apagar as

marcas do grafite apenas respirando muito perto. Quando olhamos o

trabalho, duas coisas são imediatamente evidentes. A primeira é que De

Kooning – cujo nome significa “o rei” em holandês – sabia desenhar. Ele

era um desenhista maravilhoso, virtuose no sentido convencional, mas

com uma percepção particular para idiossincrasias encantadoras – um

par de botas esquisito, um par de calças franzidas, um olhar desfocado.

A segunda coisa que notamos é uma sensação estranha de

duplicação. Embora os dois meninos no retrato vistam roupas diferentes,

tenham alturas diferentes e transmitam diferentes graus de segurança,

são também misteriosamente parecidos. Seriam eles, na realidade, a

mesma pessoa? De Kooning disse mais tarde que sim – que ele

simplesmente tinha se desenhado duas vezes. Mas seu amigo Saul

Steinberg, artista e cartunista, pensava diferente. Steinberg comprou o

desenho e depois deu-lhe o título – Autorretrato com irmão imaginário

– que ainda hoje está em vigor.


O que Steinberg não sabia, pelo menos na época, é que De Kooning

de fato tinha um meio-irmão, Koos, e que ele era, para todos os efeitos,

imaginário: De Kooning o havia eliminado de sua vida meia década

antes, agindo como se o meio-irmão e o resto da família simplesmente

não existissem. Em 1926, aos 22 anos, ele deixou sua Holanda natal

como passageiro clandestino num cargueiro inglês, o SS Shelley. Sem

contar a ninguém – nem a seus pais, nem à sua amada irmã Marie (que

tinha acabado de ter um bebê), e tampouco a Koos, o meio-irmão mais

novo que sempre o admirara.

Fig. 4. Willem de Kooning, Autorretrato com irmão imaginário, c.1938, lápis sobre papel, 33,3 ×

26 cm.
Numa vida marcada pelo temperamento para a evasão (tanto em seus

relacionamentos pessoais como na recusa a ser vinculado a qualquer

estilo específico ou programa estético), essa devastadora evasão

originária sempre assombrou De Kooning. Para ele, a ruptura havia

aberto todo um mundo de oportunidades: De Kooning acabou se

tornando uma das duas figuras principais de um movimento norte-

americano, o expressionismo abstrato, que mudou o curso da história da

arte. Mas a que preço?

WILLEM, MARIE E KOOS tiveram uma infância desfavorecida em Roterdã.

A cidade naquela época era um porto em rápida expansão na foz do

Novo Mosa, um canal artificial num delta formado pelos rios Reno e

Mosa ao desaguar no gélido mar do Norte. O pai de De Kooning,

Leendert, tinha sido vendedor de flores. Mais tarde abriu um pequeno

negócio de engarrafamento e distribuição de bebida para, entre outras, a

cervejaria Heineken. Ele conheceu Cornelia Nobel, uma moça da classe

operária com um temperamento explosivo, em 1898. Em setembro

daquele ano, Cornelia engravidou de Marie. Esta nasceu em 1899, seis

meses depois do casamento apressado dos pais. Em seguida vieram duas

meninas gêmeas, que no entanto morreram logo após o nascimento. O

quarto bebê de Cornelia morreu aos oito meses.

E depois veio Willem. Nascido em 1904, ele cresceu em extrema

pobreza. Nos seis anos desde que se casaram, Cornelia e Leendert

haviam morado em sete diferentes apartamentos, e as mudanças

continuaram depois do nascimento de Willem. Em 1906, o casamento

dos pais de De Kooning se desfez. Leendert, um homem distante,

frustrado, que mais tarde descreveu a mulher como “histérica”, deu

início ao processo de divórcio. Os biógrafos de De Kooning, Mark

Stevens e Annalyn Swan, sugerem que Cornelia era violenta em casa,

agredindo fisicamente não só os filhos, mas também Leendert. No


entanto, obteve a guarda de Willem e Marie. Na primavera de 1908, ela

estava para se casar de novo, mas seu filho Willem era um obstáculo, um

impedimento ao novo relacionamento, de modo que ela o devolveu ao

pai. Mais tarde, talvez por culpa, tentou fazer com que os outros

(inclusive De Kooning) acreditassem que Leendert o havia sequestrado,

o que levou a uma longa batalha para recuperar sua guarda. Mas Stevens

e Swan não veem evidência disso.

Logo depois, Leendert também voltou a se casar. Ele encontrou uma

segunda mulher, muito mais jovem, e quando esta engravidou, no final

de 1908, De Kooning, com quatro anos, se tornou mais uma vez um

obstáculo, e assim foi despachado de volta à casa da mãe. A fúria de

Cornelia era imprevisível. Quando o filho cresceu, teve com ele

discussões espetaculares, cheias de fúria e sarcasmo, caracterizadas de

ambos os lados por habilidade verbal e uma recusa obstinada a ceder

terreno. Ela era dominadora, espalhafatosa e teatral. É fácil imaginar que

uma lembrança refratada da mãe tenha alimentado a notória série de De

Kooning Mulher [Woman] – as pinturas amedrontadoras e histriônicas

de figuras de cartum com ombros e bustos grandes, sorrisos maliciosos

e olhos entre cômicos e dementes, que alçaram De Kooning à fama

quarenta anos depois.

De Kooning tinha oito anos quando Cornelia teve outro bebê, dessa

vez com o segundo marido, de temperamento calmo, Jacobus Lassooy,

então funcionário de uma cafeteria. O menino, conhecido como Koos,

cresceu à sombra do meio-irmão, e o reverenciava. Willem tinha se

tornado um bom aluno, competitivo, mesmo quando sua família entrou

posteriormente numa fase de insegurança financeira e foi forçada a

restringir a alimentação a batatas e nabos.

Por conta própria, ele cultivara um interesse pelo desenho, e aos

doze anos foi contratado como aprendiz numa prestigiosa firma de

decoração, Gidding & Zonen. Seus dotes foram logo reconhecidos pelo
coproprietário da firma, Jay Gidding, que o convenceu a se inscrever

num curso na Academia de Belas-Artes e Ciências Aplicadas situada

nas proximidades. A academia tinha um grande prestígio. Junto com o

ensino tradicional de belas-artes, oferecia aprendizado técnico visando a

preparação dos estudantes para a indústria moderna. De Kooning

frequentou aulas noturnas lá durante quatro anos, de 1917 a 1921. A

instrução era minuciosa e rigorosa; a atmosfera, competitiva. De

Kooning levou seiscentas horas e – trabalhando dois dias por semana – a

maior parte de um ano para fazer um único desenho: uma natureza-

morta de uma vasilha rasa de cerâmica, um cântaro e um jarro sobre

uma mesa.

A questão central da abordagem exigente da academia, De Kooning

mais tarde explicou, era “limpar os olhos dos estudantes do modo

convencional de ver e instá-los a registrar nada além de suas

experiências de primeira mão”. Posto desse modo, parece libertador e

quase moderno – mas não era. Era extremamente laborioso. Os alunos

tinham de se exercitar para manter os olhos em níveis fixos e as mesmas

distâncias entre si mesmos, o arranjo da natureza-morta e o papel. Eram

obrigados a retomar essa mesma posição semana após semana, mês após

mês. O efeito final, disse De Kooning, era “como uma fotografia, só que

mais romântica”.

Nem tudo que De Kooning fazia era tão refinado como os exercícios

que o absorviam na academia. Ele também gostava de cartuns e

caricaturas e tinha jeito para reproduzir suas linhas seguras, expressivas

e muitas vezes exageradas. Isso ficou com ele e conformou sua arte

madura pelo menos na mesma medida que seu aprendizado clássico.

Em 1920, no meio da adolescência, De Kooning encontrou trabalho

com um designer interessado no modernismo, Bernard Romein, cujo

cliente principal era uma loja de departamentos elegante de Roterdã.

Romein apresentou De Kooning à arte de Mondrian (que, décadas


depois, teria um papel breve mas fundamental na carreira de Jackson

Pollock). Também foi apresentado ao De Stijl, o movimento holandês de

design fundado em Amsterdã em 1917, ao qual Mondrian estava

intimamente ligado. Os artistas do De Stijl (o nome significa

simplesmente “o estilo”) buscavam diluir as fronteiras entre a arte, o

artesanato e o design. Seu sucesso removera um dos estigmas vinculados

à arte comercial – que era essencialmente o que De Kooning vinha até

então praticando. Mas a imaginação de De Kooning já estava se

distanciando do funcionalismo, do comércio e de seu aprendizado

disciplinado. Ele começou a viajar, passando tempo em Antuérpia e

Bruxelas. Tinha um tio que trabalhava como marinheiro na Holland

America Line. Dele, ouvia histórias sobre os Estados Unidos. De

Kooning, que adorava dançar jazz e folhear revistas norte-americanas de

pin-ups, também gostava de cinema. “Havia caubóis e índios, sabe”,

disse ele mais tarde; “era romântico”.

Candidatou-se a um emprego como ajudante de convés na Holland

America Line, sem sucesso. Tentou então muitas vezes embarcar como

clandestino em navios rumo aos Estados Unidos, mas as tentativas não

deram em nada. Por fim, uma conexão tênue com um homem que estava

planejando voltar a Nova York, mas não tinha recursos para pagar a

contribuição sindical, forneceu a De Kooning sua chance. Ele pagou o

que o sujeito devia (“pegando emprestado” o dinheiro de seu pai) e

esperou por sua oportunidade. Durante meses, nada aconteceu, e De

Kooning supôs que tivesse sido enganado. Mas, finalmente, sem

qualquer aviso prévio, o homem reapareceu e contrabandeou De

Kooning para a casa de máquinas do SS Shelley.

Era 18 de julho de 1929. De Kooning não só não contou a ninguém

como não levou nada consigo – nem mesmo o portfólio com seus

trabalhos de arte que planejava usar para procurar emprego nos Estados

Unidos. Credenciais, pelo que se demonstrou, não seriam necessárias.


A DURA INFÂNCIA de De Kooning e, depois, sua partida precipitada para

os Estados Unidos tinham tudo a ver com o que Philip Roth chamou

certa vez de “o drama que está por trás da história norte-americana, o

grande drama da partida e do abandono – e a energia e a crueldade

exigidas por esse impulso irresistível”. Esse drama provocou danos –

embora seja difícil dizer em que medida. E também deve ter feito

crescer em De Kooning um anseio por amizades, pelo duplo ato mágico

da fraternidade, pela camaradagem de compartilhar coisas não ditas e

inexplicáveis com um peregrino trilhando o mesmo difícil caminho. Se

ele encontrou essa amizade tantas vezes nos primeiros anos de sua

carreira, foi porque a estava buscando.

ANOS DEPOIS, seu cunhado, Conrad Fried, contou a Stevens e a Swan a

história de um professor na escola de De Kooning em Roterdã que muito

fizera para estimular o interesse do garoto. “Está vendo aquele menino

ali sentado?”, disse o professor a De Kooning durante uma aula, quando

os alunos estavam desenhando. “Vá ver o que ele está fazendo.”

De Kooning fez o que ele mandou e viu que o outro aluno estava

desenhando de forma livre e espontânea. Seu próprio desenho era rígido

e controlado. Os dois começaram a conversar, ao que o outro disse a De

Kooning que o professor falara exatamente a mesma coisa para ele: “Vá

ver o que aquele rapaz está fazendo.”

Uma história similar foi encenada anos depois, num palco muito

maior. O artista no papel do outro aluno era Jackson Pollock.

POLLOCK ERA O MAIS novo de cinco irmãos. Era o mais mimado – por

sua mãe dominadora e em outros sentidos emocionalmente distante – e

também o mais problemático. Seu pai, LeRoy McCoy, cresceu em

Tingley, Iowa, com pais adotivos cujo nome de família era Pollock.
LeRoy era tratado como mão de obra barata pelos Pollock, e por

qualquer um para quem estes pudessem alugar o filho adotivo. Mais

tarde, sentindo-se traído e prejudicado pela lembrança dessa infância

sombria, LeRoy tentou mudar seu nome de volta para McCoy, mas não

conseguiu arcar com os custos jurídicos.

A mãe de Jackson, Stella, também cresceu em Tingley. Juntos, ela e

LeRoy tiveram quatro filhos antes da chegada, em 28 de janeiro de 1912,

de Jackson – debilitado e coberto de manchas e feridas, o médico

precisou dar muitos tapinhas nele para mantê-lo vivo.

Na época, os Pollock viviam em Cody, Wyoming. Stella descobriu

depois que as complicações decorrentes do nascimento de Jackson

significavam que ele seria seu último filho. Em consequência, ele foi

bastante mimado. Ela o isentava dos afazeres, desculpava suas

travessuras e cedia a seus caprichos. Mas sua infância, como apontam os

biógrafos Steven Naifeh e Gregory Smith em Jackson Pollock: An

American Saga, foi – como a de De Kooning – dificultada pela pobreza e

contaminada pelo atrito doméstico que não raro a acompanha. Em 1920,

quando Jackson tinha oito anos, LeRoy abandonou a família. E assim –

novamente como De Kooning – ele passou seus anos de formação

praticamente sem pai. LeRoy mantinha contato intermitente e houve

uma tentativa de reunir a família no Arizona, para onde se mudaram

depois do fracasso de diversos empreendimentos em Cody e na

Califórnia. Mas não durou muito.

JACKSON ERA UM MENINO sensível com imaginação febril. Seu irmão mais

velho, Charles, havia decidido em idade precoce tornar-se artista. Era

óbvio para todos que ele tinha talento. Mas ambição artística era a

última coisa que se esperava de um menino no Oeste rural dos Estados

Unidos, de modo que Charles estava pouco confortável na escolha de sua


vocação e cultivou um estilo correspondente. Deixou crescer o cabelo e

se vestia com roupas boêmias. Apesar da insegurança inicial, ele

representava o papel com convicção crescente e impressionava as

pessoas, inclusive sua própria família, por seu espírito sensato e maduro.

Jackson, nove anos mais novo, ficava encantado. “Quando Jackson era

menino e lhe perguntavam o que ele queria ser quando crescesse”,

recordou sua mãe, Stella, “ele sempre dizia: ‘Quero ser artista como

meu irmão Charles.’”

Quando Charles se mudou para Los Angeles a fim de estudar arte no

Otis Institute, Jackson e Sande, o irmão mais próximo de Jackson em

idade, sonharam em seguir seus passos. Charles se comprazia nesse

papel pioneiro e na autoridade que suas aventuras em Los Angeles lhe

haviam conferido. Enviava para casa cópias de The Dial, uma revista

mensal intelectual recheada de reportagens sobre arte moderna e de

textos de autores como T.S. Eliot e Thomas Mann. Jackson e Sande

devoravam esses números, pois, além de evocarem um novo mundo

excitante, representavam uma conexão espiritual com seu irmão ausente.

As comunicações de Charles eram esporádicas, mas tinham peso. E

assim, quando, em 1928, aos dezesseis anos, Jackson abandonou a

escola em Riverside, na Califórnia, onde a mãe estava radicada, e partiu

para Los Angeles, a fim de estudar na Manual Arts High School, a

mudança foi em grande parte inspirada no exemplo do irmão.

Mas Jackson não era Charles. Era desarticulado e hipersensível, com

um temperamento violento e uma propensão autodestrutiva para o

consumo imoderado de álcool (tendo ingerido sua primeira bebida

alcoólica aos catorze anos). Portanto, foi difícil para ele.

Nesse meio-tempo, Charles havia se mudado de Los Angeles para

Nova York em 1926 para estudar com Thomas Hart Benton, o

carismático muralista e promotor do regionalismo norte-americano.


Sabendo da situação de Jackson, Charles enviou uma carta solícita: “Eu

mesmo passei por períodos de depressão e melancolia que ameaçavam

distorcer todos os esforços futuros”, escreveu. “Sinto tê-lo visto tão

pouco nos últimos anos, quando você amadureceu tão rápido. Agora

tenho uma pequena ideia de seu temperamento e seus interesses. É

evidente que você também é dotado de uma inteligência sensível e

perceptiva, e é importante que essa qualidade possa se desenvolver de

forma normal e completa até sua justificação final em alguma atividade

que valha a pena, e não que seja desperdiçada … Fico satisfeito que você

se interesse por arte.”

A carta teve um efeito eletrizante em Jackson. Embora carecesse de

qualquer aptidão óbvia, ele decidiu de uma vez por todas seguir Charles

e levar a vida como artista.

A DETERMINAÇÃO de Pollock para se tornar artista era inabalável, mas na

Manual Arts sua falta de habilidade técnica era exposta o tempo todo.

No desenho, especialmente, ele era desajeitado e tinha a mão pesada. Foi

duas vezes expulso da escola, e por volta de 1930 só podia frequentá-la

numa base de meio período, meio dia por semana. Ele parecia não estar

indo a lugar nenhum.

TODO SUCESSO REALMENTE memorável é obtido apesar de uma

desvantagem. Mas a desvantagem nem sempre é uma deficiência. Às

vezes, é uma aptidão, um talento ou uma habilidade acima do normal

que de alguma forma atrapalha ou excede aquilo que é requerido. Se a

vida de Pollock na arte foi uma luta para encontrar uma maneira de

contornar ou de ultrapassar suas limitações manifestas, a de De Kooning

foi o exato oposto: um esforço prolongado para deixar de lado, ou

destruir, sua maestria inata.


O mais incrível é que foi o exemplo do desajeitado Pollock que

ajudou De Kooning, o virtuose, a se desfazer de sua maestria e encontrar

um caminho para a verdadeira originalidade.

AO CONTRÁRIO DE POLLOCK, que lutou durante anos com seu desenho,

De Kooning tinha chegado aos Estados Unidos como um desenhista

brilhante trazendo uma bagagem de anos de ensino clássico, um

aprendizado em pintura de publicidade e o testemunho em primeira mão

de um movimento-chave do modernismo. Mas o que ele realmente

queria era se depurar dessas vantagens arduamente obtidas, para de

alguma forma se permitir errar. “Estou no meu elemento quando me

vejo um pouco diferente dos outros”, disse ele certa vez. “Quando estou

caindo, está tudo bem; quando estou escorregando, digo: ei, isso é

interessante!”

Depois de quatro anos nos Estados Unidos, De Kooning havia

trabalhado em Manhattan como pintor de publicidade, vitrinista e

carpinteiro. Estava começando a conhecer artistas modernos. E tinha

encontrado uma namorada – a equilibrista de um circo familiar chamada

Virginia “Nini” Diaz. Os dois foram morar juntos no Greenwich Village

em 1932. Virginia se recorda de De Kooning desenhando o tempo todo.

Para complementar os rendimentos do casal (ele trabalhava para uma

fábrica de design chamada Eastman Brothers), ela tentava vender esses

desenhos pela cidade. Se De Kooning não estivesse ficando cada vez

mais envolvido com a arte moderna nessa época, ela poderia ter tido

mais sorte. Sua predisposição modernista tornava seus desenhos menos

vendáveis. Em detrimento do refinamento e da elegância, o modernismo

prezava o imediatismo cru, ideias novas, originalidade pessoal e, acima

de tudo, sinceridade. E assim De Kooning passou por um período de

tensão esquizofrênica. Ao mesmo tempo que ainda mantinha alguns

aspectos de seu aprendizado acadêmico – e produzia desenhos


virtuosísticos, como Autorretrato com irmão imaginário –, rejeitava

reiteradamente esse aprendizado. Usando padrões tradicionais –

naturezas-mortas, retratos e nus – como base para sua experimentação,

ele explorava as inovações de Matisse, Picasso, Miró e De Chirico.

Uma disciplina rigorosamente incutida e tão compatível com o

talento inato não é coisa fácil de se abandonar. Nas pinturas de aspecto

deliberadamente moderno que De Kooning fez no final da década de

1930 e começo dos anos 1940, podemos vê-lo lutar sem seu arsenal

técnico em busca de um caminho instintivo e livre, mas nunca

fraudulento. As relações espaciais entre as partes do corpo, e em

especial o desafio do escorço, ficaram muito difíceis no novo idioma

modernista que enfatizava a planeza e bania os detalhes. As mãos – que

são formas tridimensionais extremamente complexas, mas é claro que

pequenas em relação ao resto do corpo – o atrapalhavam sobremaneira.

Os joelhos – que, do corpo sentado, se projetam para a frente no espaço

–, ele considerava ainda mais problemáticos. Todos esses desafios eram

tão absorventes que ele não conseguia sequer começar a encarar o

problema dos cabelos: seus retratos mostravam homens calvos com

mãos esquemáticas ou simplesmente apagadas e pernas sem ossos que

parecem não saber onde ficar. Seu amigo Edwin Denby, crítico de dança,

foi uma das primeiras pessoas que adquiriram seu trabalho nesse

período. Ele notou uma beleza nesses quadros complicados – “a beleza

que o comportamento instintivo numa situação complexa pode ter”. Mas

havia neles também um aspecto distinto de loucura, uma pressão imensa

e crescente. “Eu o ouvi muitas vezes dizer que estava quebrando a

cabeça para resolver o problema de como conectar uma figura e o

fundo”, escreveu Denby.

QUANTO AO DESENHO, Pollock sofria demais por sua falta de habilidade –

em comparação não só com Charles e com seu irmão Sande (que, como
Charles, desenhava o tempo todo e com facilidade), mas também com

seus colegas na escola de arte. A proximidade com estudantes mais

dotados só reforçava a frustração de Pollock. Seus esforços nas aulas de

modelo-vivo eram canhestros e toscos. Muitos de seus colegas eram

precocemente talentosos e haviam aperfeiçoado esses talentos com anos

de prática dedicada. Competitivo por instinto, Pollock tentava equiparar-

se à dedicação deles. Esperava por sinais de melhora.

Inspirou-se, em parte, numa estudante de música chamada Berthe

Pacifico, do terceiro ano da Manual Arts. Tinham se conhecido numa

festa. Pollock a viu tocando piano e ficou fascinado por sua serenidade.

Começou a frequentar sua casa todas as tardes depois da escola para

observá-la estudar. Ela tocava cinco horas por dia. Pollock ficava

sentado desenhando-a sem parar. “Durante todo o tempo em que eu

tocava, o maldito lápis nunca parava”, ela recordou. No entanto, Pollock

nunca mostrou o que tinha feito – presumivelmente porque, por mais que

ele tentasse, nunca achava que estava bom. “Meu desenho, vou lhe dizer

com franqueza”, escreveu a Charles de Los Angeles em 1930, “é

péssimo parece que falta liberdade e ritmem [sic] é frio e sem vida. não

vale a pena pagar o correio para enviá-lo … a verdade é que nunca fiz

nada realmente bom, acabo um trabalho geralmente fico desapontado

com ele e perco o interesse … mas sinto que vou virar algum tipo de

artista que nunca provei a mim nem a ninguém que tenho em mim.”

Em outras palavras, o problema de Pollock não era só confiança em

si mesmo – embora fosse certamente parte dele (“essa dita parte feliz da

vida de uma pessoa jovem para mim é uma droga de inferno”, escreveu a

Charles). Era talento: “Quem tivesse visto seus primeiros trabalhos”,

disse Sande, “teria dito que ele devia jogar tênis ou ser encanador.”
NO VERÃO DE 1930, uma época de convulsão econômica e instabilidade

política por todo o país (a quebra de Wall Street tinha ocorrido menos de

seis meses antes), Charles e Frank – outro irmão de Pollock, que estava

estudando literatura na Universidade Columbia – voltaram a Los

Angeles. Charles levou Jackson para ver Prometeu – uma nova obra do

muralista mexicano José Clemente Orozco – no Pomona College, em

Claremont, a leste de Los Angeles. A manifesta adoção do drama épico

nessa obra, sua figura heroica delineada contra uma fornalha de chamas

ondulantes e sua extrema ambição causaram profunda impressão em

Jackson. As conversas sobre os muralistas mexicanos, sobre política de

esquerda e sobre arte uniam os irmãos. Jackson parecia disposto a deixar

sua vida no Oeste. E assim, no outono, Charles e Frank levaram o irmão

de dezoito anos junto com eles para Nova York.

Nova York era a única cidade nos Estados Unidos naquela época

onde a arte contemporânea era vista através de lentes realmente

internacionais. A população diversificada da cidade, com seu grande

contingente de imigrantes, havia ajudado a divulgar uma consciência dos

movimentos modernistas provenientes da Europa e também do México.

Esses variados estilos e abordagens da arte – alguns com grande carga

política, outros, como o surrealismo, alinhados a diferentes visões

filosóficas de mundo – eram encarados com ceticismo e mesmo

hostilidade ostensiva pelo público em geral. Mas as questões em torno

do modernismo eram pelo menos debatidas em Nova York, o que não

ocorria na maior parte do resto do país.

No final de setembro, Jackson inscreveu-se no curso de Thomas Hart

Benton na Art Students League. Benton já havia ficado impressionado

com Charles. Ele e seus alunos tinham uma missão. Empregando uma

imagética figurativa dinâmica, mas legível – relacionada em estilo com o

realismo socialista soviético, mas modulada por fortes toques

nacionalistas e em franca oposição ao modernismo abstrato –, queriam


que a arte tivesse o papel de abrir os olhos e efetuar mudanças políticas.

Isso significava que seus quadros deviam ser vistos pelo máximo de

gente possível. Contra a ideia de que a arte estava associada à

decadência sufocante da Europa – de que era um passatempo para

diletantes e estetas –, eles estavam determinados a que fosse considerada

uma atividade máscula, algo viril e ativo que implicasse potencial de

ação para mudar o mundo. Para Jackson, que tinha um ego frágil e cujo

objetivo de vida estava sempre à beira de um abismo, a retórica de

Benton não era só estimulante, mas terapêutica. Forneceu-lhe um

objetivo de vida pronto. Ele aderiu à causa e logo adotou Benton e sua

mulher italiana, Rita, como uma família substituta – suplantando

Charles como o protégé preferido do artista.

Na Art Students League, Pollock encarava as ameaças a sua ambição

com agressividade calculada. Estava alerta para qualquer aluno que

tivesse mais talento do que ele – ou seja, a maior parte de seus colegas.

Era carismático e muito meigo e atencioso com aqueles de quem

gostava; Benton e Rita não foram os únicos seduzidos por esse seu lado.

Mas as pessoas sentiam nele uma instabilidade perigosa. De acordo com

um colega de classe, “ele dava uma olhada rápida para você, quase como

se decidindo se ia te dar um soco no nariz ou não”. O pior de seu

comportamento estava reservado para as mulheres, que representavam

outra zona de frustração. Incapaz ou sem disposição de arranjar

namoradas, sublimava sua confusão sexual em assustadores ataques de

misoginia – muitas vezes físicos.

Nesse período inicial em Nova York, Pollock morou com Charles e

sua mulher, Elizabeth. Elizabeth tinha pouca tolerância para os acessos

de Jackson. Mas era Charles – educado, talentoso, casado e ainda em

muitos sentidos seu mentor – que tinha de lidar com o pior do

comportamento do irmão. Numa festa de fim de inverno que reuniu os

irmãos Pollock no apartamento de Charles e Elizabeth na 10th Street,


em curto espaço de tempo Jackson se embebedou até ficar violento. Foi

ofensivo com uma das convidadas, uma moça solteira chamada Rose,

primeiro verbalmente, depois de um modo agressivo, físico. Quando

uma amiga de Rose, Marie, tentou intervir e o empurrou, ele explodiu.

Pegou um machado que tinha usado antes para cortar lenha para a estufa

e o ergueu por sobre a cabeça de Marie. “Você é uma boa garota, Marie,

e eu gosto de você”, zombou. “Detestaria ter que arrancar sua cabeça.”

Seguiram-se vários segundos de silêncio. E então, de repente, Pollock se

virou e baixou o machado em uma das pinturas de Charles,

arrebentando-a, e deixou o machado apoiado na parede.

DE KOONING FORMOU um dos vínculos mais estreitos de sua vida com

Arshile Gorky, um refugiado armênio que conheceu em 1929. Durante

os anos da Depressão em Nova York – época em que, segundo Denby,

“todos bebiam café e ninguém fazia exposições” –, os dois dividiam um

ateliê, conversavam, olhavam, pintavam juntos e eram de modo geral

inseparáveis. Ambos permaneceram pobres durante boa parte da década,

mas tinham um orgulho perverso disso. “Não sou pobre. Estou

quebrado”, De Kooning gostava de anunciar. Eles travavam discussões

sem fim sobre arte moderna. Enfrentavam longos invernos gelados

juntos e, como um clube inexpugnável de dois, simplesmente

desprezavam a indiferença pública a seus esforços. No final dos anos

1930, chegaram a colaborar num mural para um restaurante de Nova

Jersey. Gorky ficava calado quando outras pessoas se reuniam no ateliê

para conversar com De Kooning. Certo dia, a conversa girava em torno

da injustiça da situação dos pintores nos Estados Unidos. “As pessoas

tinham muito a dizer sobre o assunto e não o escondiam”, lembrou

Denby, “mas a conversa terminou num silêncio sombrio. Na pausa, a

voz profunda de Gorky elevou-se de sob uma mesa. ‘Dezenove anos

miseráveis vivi nos Estados Unidos.’ Todos caíram na risada. Não


restava mais lamúria. Gorky não tinha falado de justiça, mas de destino,

e todos riram às gargalhadas.”

Quanto à arte, Gorky era implacável e frio. Ele se tinha na mais alta

conta, e sabia a diferença entre o que era grande e o que era falso. (“Ah,

então você tem ideias próprias!”, disse quando viu pela primeira vez o

trabalho de De Kooning. “Em todo caso”, recordou De Kooning, “aquilo

não parecia tão bom.”)

Ao longo da década de 1930, a atitude de Gorky – extravagante,

nobre, digna – amparou De Kooning, que passou a venerá-lo como a um

irmão mais velho. Assim, não surpreende que muitos observadores

tenham encontrado uma conexão – uma conexão fraterna, gostariam de

dizer – entre o magnífico Autorretrato com irmão imaginário de De

Kooning e O artista e sua mãe, comovente pintura de Gorky. Esse

trabalho, que existe em duas versões relatadas, é baseado numa

fotografia de 1912, que mostra o artista com a mulher que o concebeu e

criou. A fotografia foi enviada ao pai de Gorky, que havia emigrado

pouco antes para os Estados Unidos, talvez um lembrete da existência

deles, um apelo para que não se esquecesse de sua família na Armênia.

(O fato é que ele encontrou outra mulher e formou uma segunda família

nos Estados Unidos.) No entanto, os acontecimentos pegaram Gorky e a

mãe de surpresa. Durante o genocídio armênio, a cidade em que viviam

foi sitiada e eles foram enviados em uma marcha da morte. A mãe de

Gorky morreu de fome nos braços do filho em 1919. Depois de emigrar

para os Estados Unidos, Gorky encontrou a fotografia numa gaveta na

casa do pai que lhe serviu de base para pintar as duas versões de O

artista e sua mãe.

Os dois quadros – o desenho de De Kooning e a pintura de Gorky –

são retratos duplos. E em ambos os retratados encontram o olhar do

espectador com olhos tristes, assombrados, profundamente cientes da

perda.
PARA DE KOONING, Gorky era a encarnação da integridade. Assim, ele

ficou decepcionado ao descobrir, depois de uma década de

companheirismo, que seu amigo e irmão de armas acalentava

secretamente ambições sociais. No começo de 1941, Gorky foi

apresentado, através de De Kooning e de sua futura mulher, Elaine

Fried, a Agnes Magruder, filha abastada de um comodoro naval. Eles se

apaixonaram e casaram naquele mesmo ano. Em consequência, Gorky

se viu subitamente em meio à gente rica de Uptown Manhattan,

enquanto De Kooning continuava a trabalhar na obscuridade e em quase

miséria. A dissonância foi demais para Gorky, que praticamente deixou

De Kooning de lado e fez amizade com os europeus surrealistas

aristocráticos que haviam se mudado em massa para Nova York durante

a Segunda Guerra Mundial.

De Kooning nada fez para impedi-lo, mas, reservadamente, passou a

nutrir uma mágoa em relação ao amigo – uma sensação de desalento que

ecoava, talvez, o desalento de seu próprio meio-irmão Koos naqueles

anos passados. “Ver Gorky afastar-se para o mundo dos privilégios”,

escreveram Stevens e Swan, “representava para De Kooning nada menos

que a perda de seu irmão norte-americano.”

SOB A INFLUÊNCIA DE BENTON, Pollock começou finalmente a adquirir

algumas habilidades. O professor estava em busca de alunos que não só

fossem bons em fazer cópias fiéis, mas que pudessem comunicar

dinamismo e movimento. Em suas tentativas embotadas e pouco

elaboradas – paisagens litorâneas, cenas noturnas com chamas

ondulantes, imagens oníricas estranhas e expressivas, com animais e

figuras humanas –, o professor enxergou promessas onde pouquíssimos

outros viram algo. “Quero lhe dizer que acho magníficos os pequenos

esboços que você deixou por aqui”, escreveu a Pollock. “Sua cor é rica e
bela. Você tem jeito, meu velho – tudo que deve fazer é continuar

assim.”

Benton passou a dedicar mais tempo a Pollock, indicando-o como

monitor da classe (para isentá-lo do pagamento da mensalidade),

enquanto ele e Rita o tratavam como membro da família. Nessa época de

intensificação da Depressão, Pollock continuava a desenhar e frequentar

as aulas. Conheceu José Clemente Orozco, o artista mexicano cujo

mural Prometeu o levara a viajar com Charles ao Pomona College, e que

agora estava trabalhando em outros murais com Benton. Mas Benton

deixou a escola no final de 1932 para trabalhar num grande mural

comissionado pelo estado de Indiana. E depois, no começo do ano

seguinte, o pai de Jackson adoeceu e morreu em Los Angeles. Os irmãos

– Charles, Frank e Jackson – não puderam ir ao enterro por falta de

recursos para a viagem.

A morte de LeRoy desencadeou um período de angústia e confusão

excruciante para Jackson. Ele parecia estar perdendo figuras paternas e

pais reais, além de seus irmãos, quase todo mês. Quando, em 1935,

Charles se mudou com a mulher, Elizabeth, para Washington, para

trabalhar na agência federal Resettlement Administration, Jackson se

atrelou a Sande. Os dois irmãos mais novos mudaram-se para um

apartamento na East 8th Street, 46, onde Jackson viveria nos dez anos

seguintes. Ele continuou ali depois que Sande se casou com a namorada,

Arloie Conaway, no começo de 1936.

Pouco antes da partida de Charles para Washington, Jackson havia se

inscrito na Works Progress Administration, ou WPA – o programa

governamental que manteve empregados milhares de artistas (entre os

quais, por algum tempo, De Kooning) durante a Depressão. Ingressar no

programa implicava um salário (começava com 103,40 dólares por mês)

em troca da produção de aproximadamente uma pintura a cada dois

meses. (A obrigação flutuava conforme o tamanho da obra e a média


normal de produção do artista.) O contrato ajudou Pollock, mas ele

raramente era capaz de cumprir sua cota. Passou a beber de modo mais

pesado e destrutivo, e então, sinistramente, no outono de 1936, bateu um

carro que Charles havia transferido para o seu nome.

POLLOCK ENCONTROU-SE pela primeira vez com Lee Krasner um ou dois

meses depois. Nascida no Brooklyn em 1908, Krasner era filha de

judeus ucranianos que haviam fugido de pogroms e massacres para

refugiar-se nos Estados Unidos na primeira década do século XX. Na

adolescência, começou a se interessar por arte, estudando na Women’s

Art School of Cooper Union, no Greenwich Village, e depois na

National Academy of Design, em uptown. Após visitar com colegas uma

exposição de pinturas modernas de Picasso, Matisse e Braque, ela

começou – como De Kooning – a rejeitar seu aprendizado conservador e

logo se envolveu com o pequeno mas expansivo grupo de modernistas

norte-americanos, parte de uma cena de Downtown Manhattan que era

sustentada e congregada pela WPA.

Krasner viria a ser namorada e depois mulher de Pollock, a figura

mais importante em sua vida adulta. Ficaram juntos de 1941 até a morte

de Pollock em 1956. O relacionamento era conturbado, e, sobretudo no

final, eles eram o tipo de casal que, apesar da confiança óbvia um no

outro, parecia inclinado à destruição mútua. No entanto, tiveram muitos

períodos de felicidade, e ninguém acredita que Pollock teria desfrutado

o breve mas estupendo sucesso que teve sem ela a seu lado (e muitas

vezes bem ali no ringue com ele). Krasner era sua maior defensora.

Mas o primeiro encontro não foi nada auspicioso. Na época, Pollock

estava bebendo muito. Passava noites inteiras perambulando de bar em

bar em downtown, gritando e urrando, urinando ostensivamente na neve

(“esguichando o jato de um lado para o outro”, segundo um amigo, “e


berrando: ‘Eu posso mijar no mundo inteiro!’”) e metendo-se em brigas

insensatas, para depois ser resgatado – como sempre acontecia – por

Sande em plena madrugada. Ele estava à beira de um colapso nervoso –

uma ameaça tanto para os outros quanto para si mesmo. E estava

embriagado quando cruzou com Krasner numa festa da Artists Union.

Interpondo-se rispidamente entre ela e o homem com quem estava

dançando, Pollock esfregou sua pelve na perna dela, murmurou em seu

ouvido um convite direto para fazer sexo e não parava de pisar em seus

pés. Krasner reagiu com um forte tapa.

Mas o engraçado com Pollock é que ele tinha um instinto – como

acontece com muitos homens dependentes – para reverter uma situação

ruim a seu favor. Taciturno, frustrado, frequentemente beligerante, ele

possuía, no entanto, a habilidade de seduzir. “Ele começava uma briga e

então tentava sair dela”, lembrou seu amigo Herman Cherry. “É como

insultar alguém e depois ir beijá-lo e dizer: ‘Oh, foi sem querer.’” Ele

esboçava um sorriso, efusivo, desculpava-se com sinceridade e até

recorria à lisonja – o que quer que fosse necessário (supondo que não

estivesse embriagado demais). Não só as mulheres, mas também os

homens, ficavam desarmados e encantados pela volubilidade por trás

dessas reviravoltas súbitas. Pollock, disse outro amigo, Reuben Kadish,

“tinha uma maneira de desarmar a situação”.

Independentemente do que ele tenha feito ou dito aquela vez,

Krasner parece ter se rendido, e sua hostilidade inicial com Pollock foi

amenizada. Não se sabe se ela foi ou não para casa com ele aquela noite;

os relatos divergem. Mas o fato é que só voltou a vê-lo cinco anos

depois. Dessa segunda vez, logo se enamorou dele. Entre os dois

encontros, porém, aconteceu de ela desenvolver uma paixão prolongada

e dolorosa por outro artista que morava em Nova York: Willem de

Kooning.
OLHANDO AGORA PARA De Kooning nos anos 1930, é evidente que ele

estava a caminho de algum tipo de grandeza. Era ambicioso,

completamente determinado e tinha um talento fora do comum. No

entanto, durante muitos anos seu caminho permaneceu obscurecido.

Lutando contra as águas revoltas da influência, ele passava bastante

tempo se debatendo sem conseguir terminar as coisas. Seu potencial

palpitava nele – todos que entravam em sua órbita o sentiam. Mas o que

ele tinha de fato realizado era muito pouco. Estava falido. Falava um

inglês macarrônico. E, ao deixar a Holanda de modo tão precipitado

anos antes, tinha se desligado da família e de seu patrimônio cultural.

Nunca se arrependeu disso, mas sua frustração geral era palpável.

Segundo Denby, os amigos diziam: “Ouça, Bill, você tem um bloqueio

psicológico para terminar as coisas; você está sendo muito

autodestrutivo, devia ir ver um analista.” De Kooning ria em resposta.

“Claro, o analista precisa de mim do mesmo jeito que eu preciso dos

meus quadros.”

Não obstante – ou, em certo sentido, precisamente em função da

natureza heroica dessa luta –, De Kooning havia adquirido uma

reputação incomum de seriedade e autenticidade entre a nascente

vanguarda de Nova York. Seus amigos artistas o veneravam e buscavam

sua companhia. Ajudava o fato de ele parecer modesto, sincero e

solidário com os outros – e de ter um senso de humor malicioso. As

mulheres, em especial, o adoravam. Com seu sotaque holandês, sua

beleza rude e seu carisma físico (era baixo, mas bem constituído), ele

provocava pequenas tempestades de ardor aonde quer que fosse.

É provável que Krasner tenha ouvido falar de De Kooning por seu

namorado na época, o retratista da alta sociedade Igor Pantuhoff. Ela e

Pantuhoff haviam estudado com Hans Hofmann, influente emigrado

alemão, defensor do modernismo, de Matisse e Picasso e da abstração.

Krasner, como muitos outros, foi sensível às ideias de Hofmann. A essa


altura, já era uma artista bem melhor do que Pantuhoff. Seu olho

perspicaz, seu senso de cor intuitivo, brilhante, e sua devoção aos

preceitos modernistas granjearam-lhe muitos admiradores nos círculos

da vanguarda dos anos 1930.

Pantuhoff, por sua vez, achou mais fácil – e mais compensador, tanto

financeira quanto sexualmente – produzir por encomenda retratos

estilizados da alta sociedade. Sua boa aparência e suas origens exóticas,

amorfas (ele dizia que era um russo branco – um oponente do exército

vermelho bolchevique durante a guerra civil pós-revolução na Rússia),

atraíram Krasner. Mas ele bebia muito, era fútil e tinha um lado

maldoso. “Gosto de estar com uma mulher feia”, disse, em referência a

Krasner, “porque ela faz com que eu me sinta mais bonito.”

Krasner era independente e boêmia. Desprezava as noções

convencionais de feminilidade. Não era propriamente bonita, mas

muitos homens a achavam sexy: ela era incisiva e galanteadora, e parecia

sequiosa de contato físico. Ela “tinha muita agressividade e se impunha

aos homens”, segundo o artista Axel Horn. No entanto, apesar de sua

independência e talento, Krasner tendia a se subordinar a seus parceiros

masculinos, e suportara comportamentos que muitas mulheres

provavelmente considerariam atrozes. Ela tolerava a crueldade de

Pantuhoff, como depois aturaria os infindáveis escândalos de Pollock.

De acordo com Fritz Bultman (que pode ou não ter razão), “o lado

masoquista de Lee adorava todos esses momentos”.

A despeito de seu sucesso com a arte mais convencional, Pantuhoff

gostava de sentir que fazia parte do pequeno mas florescente círculo

modernista, e acompanhava de perto os artistas que admirava. Um deles

era o emigrado holandês De Kooning. Pantuhoff possuía um estudo de

um dos murais de De Kooning da WPA na parede de seu estúdio, onde

Krasner deve tê-lo visto muitas vezes.


O namoro entre Pantuhoff e Krasner desintegrou-se aos poucos,

sobretudo por causa das infidelidades dele. E, assim, Krasner ficou

discretamente – e depois não tão discretamente – atraída por De

Kooning. Ela o encontrava de vez em quando na cena de downtown e

Pantuhoff sempre falava dele. Ela se impressionou com o que viu, e não

demorou muito para se apaixonar por ele. Foi ouvida descrevendo-o

como “o maior pintor do mundo”. E então, numa festa de Ano-novo,

encorajada pelo álcool, decidiu tomar a iniciativa. Com um jeito

brincalhão, afetuoso, sentou no colo de De Kooning. Parecia que ele

também estava brincando. Mas, de repente, sem avisar – e justamente

quando ela estava a ponto de beijá-lo –, ele abriu as pernas, fazendo-a

cair no chão. Humilhada, Krasner afagou seu ego ferido com uma rápida

sucessão de drinques. Assim, fortificada, começou a despejar insultos

sobre De Kooning. Seu amigo Bultman acabou intervindo; levou

Krasner ao chuveiro ainda vestida e abriu as torneiras.

Krasner nunca esqueceu aquela noite. E nunca perdoou De Kooning.

POLLOCK MANTEVE uma estreita relação com os Benton até 1937, e

passaria várias semanas todos os verões com Tom e Rita em Martha’s

Vineyard. Desde 1935, Tom lecionava e trabalhava em Kansas City. Mas

eles permaneceram em contato e os conselhos e estímulos do artista

mais velho ainda contavam bastante para Pollock.

No entanto, o que acabou ajudando Pollock a fazer progressos

significativos como artista não foi nada prescrito por Benton. Foi a

decisão de abandonar por completo os ideais convencionais de “desenho

habilidoso” e incorporar o acaso. Esse novo avanço, mais um

desdobramento gradual e instintivo que uma escolha consciente, tinha

muitas causas possíveis. O trabalho de Pollock em 1936 com o muralista

mexicano David Siqueiros, que criou um “Laboratório de Técnicas da


Arte Moderna” em seu loft em Nova York e estimulava experimentos

com materiais inusitados, foi uma delas. Assim como sua proximidade

com o emigrado de origem chilena Roberto Matta. Ao promover a ideia

surrealista do automatismo psíquico, Matta encorajava Pollock e outros

a desenhar com os olhos vendados. Suas ideias atraíram Pollock, que em

1939 começou sessões com um analista junguiano chamado Joseph

Henderson. O dr. Henderson o incentivava a levar seus desenhos para a

terapia, usando-os como ferramentas de interpretação. As ideias de Jung

e as técnicas de Siqueiros e Matta estavam em consonância com o antigo

interesse de Pollock pelo misticismo, a arte visionária e o trabalho do

inconsciente.

ENQUANTO EXPERIMENTAVA nesse novo veio, Pollock entrou no circuito

de John Graham, um artista alto, carismático, que raspava a cabeça e

vestia ternos Savile Row. Graham tinha olhos penetrantes e modos

cativantes e aristocráticos, e agitou o pequeno e impecunioso meio dos

artistas modernos de Manhattan com seus ares altivos e a paixão

contagiante pela pintura. Ele conhecera De Kooning em 1929 e em

meados da década de 1930 o descreveu como “o melhor jovem pintor

nos Estados Unidos”. Quando, alguns anos depois, conheceu Pollock e

começou a conviver com ele, ficou igualmente impressionado. Ele

reconheceu o lado anárquico e muitas vezes pueril da personalidade de

Pollock. Mas foi também o primeiro a ver, como o próprio De Kooning

mais tarde admitiria, que Pollock tinha tudo para ser “um grande

pintor”. “Quem diabos o descobriu?”, perguntou De Kooning, anos

depois. “Era difícil para os outros artistas verem o que Pollock estava

fazendo – o trabalho que eles faziam era tão diferente do dele”,

continuou, “mas Graham viu.”

Graham fez mais do que talvez qualquer outra pessoa para tirar a arte

norte-americana de seu provincianismo. Graham, vale observar, não era


seu verdadeiro nome. Ele nasceu Ivan Gratianovich Dombróvski, em

1886, no seio de uma família de pequenos nobres poloneses de Kíev.

Antes da revolução de 1917, serviu na cavalaria tsarista. Os

bolcheviques o prenderam depois da revolução, mas ele foi solto

(embora gostasse de dizer que tinha escapado) e foi para os Estados

Unidos em 1920. Muitas das declarações que deu sobre sua vida

pregressa (o fato de ter recebido uma Cruz de São Jorge, por exemplo)

soam como invenções de sua cabeça. Mas em Moscou, ao que parece,

Graham teve contato com muitos dos artistas de vanguarda mais

conhecidos do país. Também frequentou a casa do colecionador russo

Sergei Shchukin, onde viu obras de Matisse e Picasso do período inicial

e mais intenso de sua rivalidade (1906-16). Ficou impressionado

particularmente com Picasso. O espanhol tornou-se uma pedra de toque

não só para ele, mas agora para Gorky, Pollock e De Kooning.

Ao longo de toda a década de 1920, Graham cruzou regularmente o

Atlântico. Fez duas exposições individuais em Paris – feito que lhe

proporcionou enorme prestígio entre a maioria dos artistas modernos

norte-americanos. E suas viagens anuais tiveram um papel vital,

catalisador, em Nova York. “Nos anos sinistros da Depressão”,

escreveram Stevens e Swan, “John Graham foi uma aparição

maravilhosa, sobrenatural”, que “animava todas as ocasiões em que

estava presente.” Ele também tinha uma perspectiva sobre a vida – uma

sensibilidade para a grandeza – que era exatamente o que Pollock e De

Kooning almejavam.

EM NOVEMBRO DE 1941, pouco antes do ataque japonês a Pearl Harbor,

Graham começou a organizar uma exposição que, pela primeira vez,

inseria os pintores norte-americanos talentosos que ele estava

conhecendo no meio dos mais famosos modernistas da Europa,

incluindo Matisse e Picasso. Foi através dessa mostra que Pollock e De


Kooning finalmente se encontraram. Eles e Krasner estavam entre os

americanos selecionados por Graham para a exposição, que abriu na

McMillen Inc., uma loja de antiguidades e móveis elegantes na East 55th

Street, em 20 de janeiro de 1942. Krasner era a única mulher no grupo.

Ela era representada por uma pintura, perdida desde então, chamada

simplesmente Abstração [Abstraction], enquanto Pollock era

representado por Nascimento [Birth], um quadro vertical poderoso,

congestionado – e provavelmente a imagem mais admirável que ele havia

produzido até aquele momento. Suas formas dispersas e espiraladas,

construídas em preto e branco, com eclosões de vermelho, amarelo e

azul, eram inspiradas em parte pela arte nativa norte-americana.

Na lista dos outros expositores, o único nome que Krasner não

reconheceu – apesar do breve encontro anos antes – foi o de Pollock. Ao

indagar às pessoas, ninguém soube lhe dizer quem era. De Kooning

simplesmente deu de ombros. Mais tarde, porém, na abertura de uma

exposição em uma galeria, Louis Bunce, um amigo artista, disse que

reconhecia o nome. Ele contou a Krasner que Pollock morava na East

8th Street, 46, logo dobrando a esquina do apartamento-estúdio de

Krasner na East 9th, onde ela havia se instalado após se separar de

Pantuhoff. Sem avisar, ela lhe fez uma visita.

Pollock estava em seu minúsculo quarto, recobrando-se de mais uma

bebedeira. Sua arte estava ficando mais interessante a cada ano, mas sua

situação pessoal era péssima. Não fazia muito tempo que ele tinha se

recuperado de um período de bebedeira pesada e comportamento

imprevisível, a ponto de Sande ter tido de interná-lo num hospital

psiquiátrico. Para piorar, Sande e a mulher, Arloie, que tinham acabado

de ter um bebê, estavam falando em se mudar de Nova York. (Arloie

havia jurado a Sande que nunca teria uma criança enquanto Pollock

estivesse morando com eles.) No começo de maio de 1941, a psiquiatra

de Pollock, dra. De Laszlo, escreveu à junta de recrutamento para o


serviço militar descrevendo Pollock como “uma personalidade fechada e

desarticulada, de boa inteligência, mas com grande instabilidade

emocional, que tem dificuldade para constituir ou manter qualquer tipo

de relacionamento”. Apesar de não diagnosticar esquizofrenia, ela

observou “certa disposição esquizoide”. Depois de um exame

psiquiátrico no Hospital Beth Israel, Pollock foi classificado como 4F –

inapto para o serviço militar. Nada disso fez bem à sua autoestima. Ele

estava se sentindo mais isolado que nunca.

Quando abriu a porta para Krasner, ela o reconheceu do encontro

anterior. Mesmo de ressaca, seu jeito viril, direto e autenticamente

americano a impressionou de tal maneira que ela – uma garota judia do

Brooklyn desejosa de escapar de suas origens – o achou irresistível.

“Fiquei muito caída por Jackson”, ela lembrou mais tarde, “e me

apaixonei por ele – física, mentalmente – em todos os sentidos da

palavra. Tive uma convicção, quando conheci Jackson, de que ele tinha

algo importante a dizer. Quando começamos a sair, meu trabalho

tornou-se irrelevante. Era ele que importava.”

Reginald Wilson, um velho pintor amigo de Pollock, disse certa vez

que Pollock “aceitava qualquer espaço que se abrisse a ele”. Ele estava

descrevendo a maneira perigosa como Pollock dirigia, mas a ideia se

aplicava igualmente a seu estilo sobrecarregado de pintar e também a

seus relacionamentos. Pollock aceitou o espaço que Krasner agora

sacrificava a ele. Ela parou de pintar e só tentou voltar no verão de 1948.

ANTES DA INAUGURAÇÃO da exposição na McMillen, Krasner levou

Pollock para conhecer uma pessoa que ela sentia que ele devia conhecer.

Um holandês. Talentoso. Carismático. Dedicado à pintura. Uma pessoa

que ela já tinha achado tão irresistível quanto agora Pollock era para ela.

O estúdio de De Kooning ficava na West 21st Street. Ao chegar, Krasner


apresentou seu novo homem, o pintor “caubói” nascido em Cody,

Wyoming. Dois homens diferentes, duas vozes muito diferentes: De

Kooning com seu sotaque holandês arrastado, a voz rouca; Pollock com

suas cadências nasaladas do Meio-Oeste. Nenhum dos dois estava

inclinado a dizer qualquer coisa, e Krasner, que tinha deixado para trás a

humilhação de seu encontro anterior com De Kooning, foi

provavelmente quem mais se esforçou para conduzir o encontro. Ainda

em Roterdã, em meio a suas lucubrações e fantasias, De Kooning tinha

simpatizado com a ideia romântica do Oeste norte-americano. Agora,

ali, tinha à sua frente um representante em carne e osso. Ele não podia

deixar de ficar fascinado. Pollock, por sua vez, estava atento ao efeito

que a história de suas origens poderia ter sobre as pessoas que

procuravam algo “autêntico”, um antídoto contra o mal-estar urbano da

Costa Leste, e conscientemente representava esse papel. “Tenho uma

afinidade com o Oeste”, contou a um entrevistador no ano seguinte: “a

vasta horizontalidade da paisagem, por exemplo.”

No entanto, esse primeiro encontro potencialmente poderoso entre

dois artistas que mudariam a face da arte do século XX de algum modo

fracassou. A lembrança de Krasner foi franca: “Acho que nenhum deles

ficou muito impressionado.”

Mas havia outros além de De Kooning que começavam a se

impressionar com Pollock, e a avaliação de Krasner sobre ele foi logo

corroborada por essas pessoas. Nenhuma opinião, naqueles dias, era

mais importante do que a de Graham. Os três artistas – Graham,

Krasner e Pollock – vinham certa noite do apartamento do primeiro

quando encontraram o artista e arquiteto Frederick Kiesler, amigo dele.

“Este é Frederick Kiesler”, disse Graham. “E este”, disse ele, virando-se

para Pollock, “é Jackson Pollock, o maior pintor dos Estados Unidos.”


EM NOSSOS TEMPOS cautelosos e céticos, a obsessão pela “grandeza” da

cena da arte de vanguarda de meados do século XX – obsessão por

quem era grande, quem estava por cima e quem estava por baixo – pode

ser exasperadora, irritante e até cômica. Quem essas pessoas pensavam

que eram? Quem estavam tentando convencer?

No entanto, a “grandeza” era sem dúvida uma preocupação – uma

espécie de ideia fixa – entre os artistas, críticos e marchands novatos da

época. Alimentava rivalidades enquanto ao mesmo tempo estimulava a

camaradagem. No sentido cultural mais amplo, era uma função do

otimismo, de uma amplitude de visão que enxergava potencial e

grandeza por todos os lados. Conduzidos precipitadamente à guerra

global, com sua própria sobrevivência em jogo, os Estados Unidos

estavam cada vez mais absorvidos pela questão de sua grandeza latente,

seu potencial para corrigir e refazer o mundo à sua própria imagem. Os

artistas eram fundamentais nesse sentido tanto quanto o resto da nação.

Mas a preocupação com a “grandeza” também se desenvolveu a

partir de algo penurioso e negativo. A arte moderna naqueles dias era,

sem dúvida, uma preocupação minúscula. Pouco mais de um punhado

de marchands estava tentando vendê-la, e mesmo eles só tinham vagos

indícios sobre quem poderia comprá-la. E, assim, a luta pela primazia

entre os artistas de Nova York era em parte apenas um sintoma de quão

isolados e ignorados eles se sentiam. Se recompensas materiais são

escassas, valores mais abstratos entram em jogo.

A forma lisonjeira com que Graham apresentou Pollock deve ter sido

improvisada – um extravasamento espontâneo de excitação e entusiasmo

–, mas foi um combustível poderoso para o ego frágil de Pollock. E não

teve menos efeito sobre Krasner: dentro de um ano ela estava

apresentando Pollock a Clement Greenberg, o crítico que mais do que

qualquer um promoveria a reputação de Pollock, exatamente da mesma

maneira. “Esse cara”, disse ela, “é um grande pintor.”


Greenberg a levou a sério. Eles tinham passado muitas horas no final

da década de 1930 conversando e vendo arte, e esses momentos juntos

devem ter contribuído para sua decisão de se deslocar da crítica literária

para a crítica de arte. Suas ideias iniciais sobre arte foram

profundamente moduladas pelas de Krasner. E em pouco tempo

Greenberg juntou-se ao coro que havia começado com Krasner e

prosseguido com Graham. Numa resenha publicada na revista The

Nation e que alavancaria a carreira de Pollock, Greenberg o descreveu

como “o mais forte pintor de sua geração e talvez o maior a aparecer

desde Miró”.

Esses elogios significaram muito para Pollock, mas também para

Krasner. Para ela, era a ratificação, a prova de que seus instintos tinham

consistência – e, mais ainda, de que o sacrifício de suas ambições

artísticas em prol de Pollock valia a pena. Juntos, os dois formavam uma

dupla potente, extraordinária, e por vários anos Krasner conseguiu

promover reviravoltas na vida de Pollock. Diante de seu desamparo, mas

atiçada pela ambição quase astral de Pollock, ela se dedicou a cuidar

dele e a impulsionar sua carreira. Muitas pessoas ficaram

decepcionadas. “Foi um grande choque”, lembrou Bultman, “que uma

mulher tão forte pudesse se subordinar a esse ponto.”

NO FINAL DE 1942, Pollock produziu três pinturas em rápida sucessão –

Figura estenográfica [Stenographic Figure], Mulher-Lua [Moon-

Woman] e Masculino e feminino [Male and Female] –, que foram suas

primeiras grandes realizações. Formas ou figuras totêmicas fortes,

sinuosas, inspiradas em parte por Picasso, eram combinadas com

padrões repetitivos e uma sobreposição de rabiscos. Os resultados

tinham uma presença real. Sem afetação. O que mostravam era obscuro,

codificado, difícil de decifrar. Mas tinham o imediatismo e a urgência do

sentimento direto.
Até esse ponto, Pollock tinha estado envolvido numa longa batalha

para encontrar um caminho – um caminho que fosse fiel a seus instintos

e inspirações, mas que evitasse, ou de alguma forma transcendesse, seus

problemas com o desenho. Passou a se valer da garatuja. Fez imagens

exploratórias, com livre associação, para sua analista. Explorou a escrita

automática experimentando desinibidamente em diferentes meios.

Atraía-lhe a ideia de que o sucesso viria num lampejo de inspiração e

não através de suor e trabalho, pela via da intuição e não por cálculo

obstinado.

Agora, finalmente, era como se algo dentro de Pollock tivesse

estalado. Ele finalmente encontrara uma engrenagem que tinha tração, e

não estava mais pedalando no vazio.

Durante grandes períodos de sua vida, ele fora um parasita, um caso

perdido, um sorvedouro de todos à sua volta. Ele pegava dinheiro

emprestado. Batia carros. Filava cigarros e bebida. E dependia

totalmente da generosidade, da paciência quase santa de seus irmãos e

respectivas esposas. Como artista, de olho nos irmãos mais velhos – e

especialmente em Charles –, ele se vangloriava continuamente. Mas era

óbvio para quase todo mundo que ele não era tecnicamente dotado e que

essa falta de aptidão com o desenho comprometia tudo que tentava fazer

na pintura. Havia outros fracassos, também – acima de tudo, sua

dificuldade para ficar longe da bebida. Os membros de sua família

esperavam o melhor, mas, inevitavelmente, temiam o pior. A

preocupação era infindável.

Só podemos imaginar, então, como deve ter sido para Charles, Frank

e Sande Pollock, para Tom e Rita Benton, para John Graham e sem

dúvida para De Kooning (que a essa altura conhecia bem Pollock,

embora seus contatos sociais fossem apenas ocasionais), ver como

Pollock – agora aliado a Krasner – surpreendera as expectativas de

todos.
O sucesso, quando chegou, veio rápido. Havia muitos anjos bons

envolvidos, facilitando o caminho. Mas, fora Krasner, ninguém teve um

papel mais proeminente do que a extravagante e obstinada colecionadora

e socialite Peggy Guggenheim.

GUGGENHEIM TINHA IDO a Nova York com o namorado, o artista

surrealista Max Ernst, em julho de 1941. Antes disso, no começo desse

mesmo ano, enviara por navio sua coleção de arte moderna – que incluía

trabalhos de Picasso, Ernst, Miró, Magritte e Man Ray. Seu pai havia

naufragado com o Titanic em 1912, deixando uma herança bastante útil

– embora fosse apenas um trocado comparada com a de seus parentes

fabulosamente ricos. Seu tio era Solomon Guggenheim, que veio a criar,

com Hilla von Rebay, o Museum of Non-Objective Painting,

posteriormente renomeado Solomon R. Guggenheim Museum, em Nova

York. Peggy havia se apaixonado pelos artistas e a boêmia enquanto

trabalhava numa livraria em Paris no começo dos anos 1920, e desde

então ficara amiga de figuras como Duchamp, Constantin Brancusi, Man

Ray e Djuna Barnes (cujo romance No bosque da noite fora escrito sob

seu patrocínio). Em Londres, abriu sua primeira galeria, a Guggenheim

Jeune, onde exibia trabalhos de Jean Cocteau, Wassily Kandinsky e

Yves Tanguy, entre outros. Ela se via, cada vez mais, não só como uma

galerista, mas como uma espécie de empresária. Começou a planejar a

criação de um museu de arte moderna em Londres. A deflagração da

guerra atrapalhou essa ideia, e, assim, ela desviou a localização do

museu proposto para a place Vendôme, em Paris. Mas então os nazistas

invadiram a França. Poucos dias antes que entrassem na capital francesa,

Guggenheim fugiu para o sul do país, e de lá, meses depois, para os

Estados Unidos.

Em Nova York, pouco mais de um ano após sua chegada, ela abriu

uma nova galeria, a Art of This Century, com grande alarde. O


empreendimento ocupava dois espaços no sétimo andar na West 57th

Street, 30, perto do MoMA, o novo museu de arte moderna. No início,

Guggenheim exibiu apenas obras de seus amigos emigrados europeus,

sobretudo os surrealistas (ela e Ernst já estavam casados nesse

momento). Ela não se interessava muito pelos modernistas norte-

americanos. Mas tinha um assistente, Howard Putzel, que acreditava

fortemente em Pollock e agora tentava persuadi-la a fazer uma exposição

dele.

Guggenheim era cética. Quando Putzel propôs a inclusão de Figura

estenográfica em uma mostra de jovens artistas que seriam selecionados

por um júri, Guggenheim o avaliou na companhia de seus cinco colegas

jurados, entre os quais Marcel Duchamp e Piet Mondrian. A pintura era

dominada por um impressionante azul-claro, com um fundo preto que

lembrava uma janela retangular. Uma faixa larga ondulante de cor bege

atravessava a tela no sentido horizontal. Duas figuras totêmicas estão

sentadas a uma mesa. A dominante, à esquerda, é uma figura feminina

picassiana, com enormes braços esticados e um rosto construído por

fortes pinceladas curvas e angulares. Ela tem um olho grande,

assustador, e uma bocarra vermelha com dentes pretos. Uma notação

indecifrável, semelhante a estenografia ou a cogitações ligeiras feitas no

quadro-negro por um matemático, é rabiscada informalmente pela

superfície.

Guggenheim não se impressionou. Mas Mondrian parecia ter outras

ideias. Alguns momentos depois, irritada com seu exame prolongado do

trabalho, Guggenheim declarou: “Não há absolutamente nenhuma

disciplina. Esse jovem tem sérios problemas … e a pintura é um deles.

Não acho que ele deva ser incluído.” Mas o reticente Mondrian não

cederia à pressão. “Não tenho certeza”, disse ele por fim. “Estou

tentando entender o que está acontecendo aqui. Acho que este é o

trabalho mais interessante que vi até agora nos Estados Unidos … Você
precisa prestar atenção nesse homem.” Como a admiração de

Guggenheim por Mondrian era imensa, ela não precisou de mais nada

para ser convencida. Incluiu Figura estenográfica na exposição, que,

quando abriu, recebeu comentários entusiásticos. Robert Coates, crítico

de arte da New Yorker, foi um dos resenhistas e reservou elogio especial

para Pollock: “Temos uma descoberta real”, escreveu.

POLLOCK ESTAVA LANÇADO. No final daquele mesmo ano memorável –

1943 –, Guggenheim (persuadida por Duchamp, Putzel e outros)

apresentou sua primeira exposição individual. Fez também um contrato

com ele – coisa de que nenhum outro modernista norte-americano

usufruía. Garantia-lhe uma indispensável renda regular e incluía a

encomenda para pintar um mural no apartamento de Guggenheim.

Pollock trabalhava como zelador no Museum of Non-Objective Painting

de Hilla von Rebay. A fim de se preparar para a exposição, demitiu-se do

emprego, derrubou a parede que separava seu estúdio do de Krasner e

pôs-se a trabalhar.

A exposição individual produzida por esse inesperado jorro de

atividade foi um fiasco financeiro. Apenas um desenho vendido. Mas

granjeou resenhas em não menos que oito publicações, entre as quais

The New York Times, The New Yorker, The New York Sun, Partisan

Review e The Nation. Parecia que, de súbito, as pessoas estavam

prestando atenção na arte moderna. “Extremamente, para não dizer

selvagemente, românticas”, foi como Edward Alden Jewell descreveu as

pinturas de Pollock no Times. Para Coates, da New Yorker, Pollock era

“uma autêntica descoberta”, enquanto para um resenhista da Art Digest

o artista estava “explorando … ele se dirige com absoluta determinação

a cada tela … cheia de turbilhões e redemoinhos”. Outros críticos

ficaram menos convencidos: Henry McBride, no Sun, comparou os

trabalhos a “um caleidoscópio que não foi bem sacudido”. Mas isso
pouco importava. Nunca antes nos Estados Unidos um jovem artista

moderno recebera tanta atenção.

Em maio de 1944, Alfred Barr, o influente curador do MoMA,

superou suas reservas a respeito de Pollock e adquiriu a pintura A loba

[The She-Wolf] por 650 dólares. E, em março do ano seguinte,

Guggenheim apresentou uma segunda exposição de Pollock na Art of

This Century. Foi em sua resenha dessa mostra que Greenberg chamou

Pollock de “o mais forte pintor de sua geração”.

“Não posso”, concluiu o crítico, “encontrar palavras de elogio

suficientemente fortes.”

DE KOONING OBSERVAVA tudo isso com alguma inveja – mas também

com empolgação crescente. Ele já tinha quarenta anos, oito a mais que

Pollock. Até aquele momento, só vendera exatamente uma pintura. O

sucesso que agora se revolvia em torno de Pollock o fazia lembrar de sua

precariedade e isolamento. No entanto, ao contrário de seus amigos

pintores, ele não se incomodava com o inesperado triunfo do mais

jovem. Vinha encontrando Pollock com mais frequência na cena de

downtown, e eles se davam bem. De Kooning sabia que Pollock tinha

batalhado para chegar a esse ponto, e admirava sua personalidade – seus

modos independentes, seu desprezo por falastrões.

E mais, De Kooning via claramente o que estava ocorrendo. Ele

sentia que o sucesso de Pollock era do tipo que, com alguma sorte,

repercutiria nele e lhe traria benefícios. Havia um burburinho se

formando em torno da arte moderna – uma arte que, além disso, estava

sendo produzida não por algum arrogante surrealista europeu com ares

aristocráticos, mas por um jovem, selvagem e até então desconhecido

norte-americano. Isso era fundamental. As pinturas de Pollock,

observou um resenhista na ARTNews após sua primeira exposição


individual, “não têm sinais de Paris e contêm uma fúria norte-americana

disciplinada”.

“Pollock era o líder”, disse De Kooning mais tarde. “Ele era o

caubói da pintura, o primeiro a ter reconhecimento … Ele tinha ido

muito mais longe do que eu. Eu ainda estava procurando o meu

caminho.”

POLLOCK FINALMENTE CONSEGUIRA o que queria: sucesso mensurável.

Prova contra os derrotistas.

No entanto, esse primeiro êxito público – que, comparado à onda

retumbante de fama que prefigurava, foi apenas uma marola – ainda era

frustrante em sua precariedade. Toda a aclamação e todas as resenhas

encorajadoras não se traduziram em vendas. O arranjo contratual com

Guggenheim inspirou ciúme entre os colegas artistas, mas não foi nada

pródigo: ele e Krasner continuaram em situação financeira periclitante.

Por sua vez, os antigos camaradas dos dias altamente politizados da

WPA se queixavam e resmungavam pelas costas de Pollock, o que só

alimentava sua insegurança, aumentando a pressão que ele sentia para

tirar vantagem do sucesso e forçando-o a voltar a beber.

A criação do mural encomendado para a casa Guggenheim foi um

processo particularmente duro. Enquanto Pollock se preparava para o

desafio, descobriu que estava bloqueado. Ele adiava constantemente. Na

véspera do prazo, nem sequer havia começado. Krasner foi para a cama

aquela noite convencida de que o mural nunca seria concluído e que, em

consequência, eles perderiam o patrocínio de Peggy.

Mas o cenário de beira de abismo culminou num famoso triunfo:

Pollock pintou o trabalho todo – 180 metros quadrados de tela – numa

única noite. O resultado foi deslumbrante: uma configuração rítmica, de

um lado ao outro da tela, de formas pretas enroladas e enganchadas,


cobertas com linhas de diferentes cores, algumas quase fosforescentes,

cada camada conquistando decididamente o espaço, enquanto marcas

vizinhas passavam por cima. Aquilo não se parecia com nada que havia

sido pintado até então, nem na Europa nem nos Estados Unidos. Era um

triunfo da espontaneidade, da intuição e do risco – um triunfo (apesar da

angústia que levou a ele) da audácia.

No entanto, também esse sucesso teve seu preço. Na festa para

comemorar a instalação do mural, Pollock embebedou-se violentamente.

Ficava andando pela sala de estar de Guggenheim e acabou urinando na

lareira.

A turbulência psíquica que o havia atormentado por tanto tempo

persistia e em certo sentido intensificava-se sob a pressão de se misturar

ao círculo de Guggenheim, formado por colecionadores abastados de

uptown, artistas europeus e boêmios variados. Tendo conduzido Pollock

a seu mundo social inebriante, mas confuso, Guggenheim tentou depois

seduzi-lo (suas preferências amorosas eram notoriamente

indiscriminadas). O resultado foi um encontro desastrado, que não

passou de uma noite, a que Pollock deu sequência com outro episódio

frenético de bebedeira.

DURANTE ESSE PERÍODO, De Kooning estivera, se não exatamente

paralisado, pelo menos travado. Ele era como um dançarino efetuando

arabescos no interior de um labirinto exíguo e escuro. Mas era

obstinado. Imprimia quase tanto esforço ao raspar quanto ao aplicar a

tinta em suas pinturas. Sua reputação como um artista que passava

longas horas no estúdio, lutando com problemas de certa forma

autoimpostos, era uma fonte perversa de orgulho.

Howard Putzel, que tanto fizera para persuadir Guggenheim a dar

respaldo a Pollock, tentou fazer o mesmo com De Kooning, por cujo


trabalho também tinha bastante entusiasmo. Mas seus esforços falharam.

O próprio De Kooning – mais uma prova de sua perversidade – deve ter

sido em parte responsável por isso: Putzel certo dia levou Guggenheim a

seu estúdio em downtown. Vestida com roupas caras, ela parecia

entediada e, em tom extravagante, se queixava de uma ressaca. Seu ar

arrogante e distraído despertou toda a animosidade de De Kooning para

com as pessoas ricas e elegantes. Ele pouco falou enquanto Peggy

examinava seus trabalhos. Ela acabou selecionando uma única pintura,

dizendo que queria que fosse enviada à Art of This Century.

“Não está terminada”, disse De Kooning. Imperturbável,

Guggenheim replicou que ele poderia terminá-la e levá-la ele próprio em

duas semanas. E foi embora.

“Bill fez questão de que a pintura estivesse ainda menos terminada

duas semanas depois”, disse seu amigo Rudy Burckhardt.

NA ÉPOCA, De Kooning estava morando com a mulher, a artista Elaine

Fried, num apartamento na Carmine Street. Eles tinham se conhecido

em 1938, quando ela era uma estudante de arte de vinte anos. Ao vê-lo

num bar, ela ficou impressionada, como disse posteriormente, por “seus

olhos de marinheiro que pareciam contemplar vastos espaços o dia

todo”. Ele a convidou para ir ao seu estúdio e se enamorou mais ou

menos imediatamente dela. Adorava seu jeito direto, seus belos cabelos

e seu sotaque estranho e inidentificável. Admirava, também, sua franca

ambição. Fried havia estudado muitos anos na Leonardo da Vinci Art

School, no Lower East Side, e depois na American Artists School, onde

lecionava o modernista Stuart Davis. Ela era muito ligada à pintura, o

que contou bastante para De Kooning. Elaine era miúda, mas tinha uma

segurança física natural e um círculo de admiradores, muitos dos quais

passaram a contar com sua opinião e sua persona extrovertida e taxativa.


Quando conheceu De Kooning, ela ganhava dinheiro posando para

artistas e pintando cenas urbanas e retratos num veio realista socialista.

Casaram-se em dezembro de 1943. Ela contou mais tarde a uma amiga,

a artista Hedda Sterne, que havia se casado com ele “porque alguém lhe

contou que ele seria o maior pintor”.

O casal desfrutou um intenso período de felicidade no começo dos

anos 1940, mas depois disso seu relacionamento foi sempre tenso. Eles

eram, cada qual a seu modo, excessivos e insensatos. Elaine era sociável

e teatral, enquanto De Kooning preferia ficar sozinho. Ele era, a despeito

de seu carisma inerente, ansioso e ensimesmado. Eles pintavam juntos,

mas em ritmos diferentes e em diferentes estados de espírito. Elaine, que

precisava de silêncio quando pintava, no entanto, trabalhava rápido, com

uma bravura vertiginosa completamente ausente em De Kooning.

Nenhum deles gostava de cozinhar ou tinha qualquer interesse pelos

afazeres domésticos. (Segundo uma famosa história, De Kooning está

em pé no apartamento, examinando o caos e declarando a Elaine:

“Precisamos de uma esposa!”) Havia brigas intensas e numerosas

infidelidades de ambos os lados.

Por fim, no final da década de 1940, o casamento se desfez. Mas, no

meio de toda essa turbulência, o casal forjou um vínculo permanente.

Muito tempo depois da separação, Elaine promovia ativamente a

carreira de De Kooning, sobretudo quando esta parecia em risco. Era

sempre especialmente combativa na companhia de Lee Krasner.

NO FINAL DE novembro de 1946, De Kooning alugou um estúdio em

frente à Grace Church, na Quarta Avenida, entre a East 10th Street e a

East 11th. Em várias ocasiões, passava a noite lá. Tinha muito pouco

dinheiro. (Ao preencher um formulário do imposto de renda, descobriu

que não havia ganhado o suficiente e portanto não tinha imposto algum a
pagar.) Logo, começou a fazer pinturas abstratas sobretudo em esmalte

branco e preto – porque não tinha dinheiro para comprar tintas mais

caras que esses esmaltes. Elas apresentavam formas efêmeras que

entravam e saíam de foco: cabeças inspiradas em Picasso, bolhas

biomórficas, nádegas, peitos, braços estendidos, dentes em sorrisos

dementes e corpos monstruosos. Lembravam as formas abundantes e

fantásticas de Bosch e Bruegel, e tinham similaridades com o trabalho

recente do jovem Francis Bacon, que estava forjando sua nova e

admirável linguagem pictórica no outro lado do Atlântico.

Charles Egan, um amigo de De Kooning que havia aberto uma

galeria num pequeno estúdio-apartamento na 57th Street, estava louco

para fazer uma exposição dele. Por coincidência, também estava

apaixonado por Elaine, e, em algum momento em 1947, não muito

tempo depois de se casar com outra mulher, Betsy Duhrssen, começou

um caso longo mas clandestino com ela. O relacionamento de De

Kooning com Elaine nessa época já estava desgastado, e, quando ele

finalmente soube do caso, seguiu em frente como se nada tivesse

mudado. A monogamia evidentemente ocupava um ponto baixo na

escala de probabilidade em seu meio boêmio; já havia muitas mulheres

se oferecendo a De Kooning. Sua amizade com Egan, que defendia sua

obra com sinceridade e cuja companhia ele apreciava, aparentemente

resistiu.

Charles Egan e Elaine não eram os únicos que acreditavam

ardentemente em De Kooning: para muitos dos pintores que batalhavam

em downtown, a presença do holandês tinha se tornado quase

talismânica. De Kooning significava autenticidade, esforço, e estava

envolvido por todo o glamour e carisma imediatos que podem ser

associados a essas qualidades. Ele estava em vias de chegar a algo.


PARA POLLOCK, as coisas haviam se acalmado depois da confusão e da

desordem provocadas por seus sucessos com Peggy Guggenheim. E à

medida que a guerra, cujas privações e impacto tinham afetado tanto

suas vidas, chegava ao fim, ele e Krasner tomaram a decisão de se casar.

Passaram um verão idílico em Long Island, onde Pollock parecia

apaziguado e criativamente energizado pelo céu aberto e o mar extenso

(o Atlântico, disse ele, era a única coisa que podia ser comparada às

paisagens abertas do Oeste). Assim, para surpresa de muitos, eles

fizeram um empréstimo para comprar uma casa de fazenda do século

XIX, toda de madeira, na Fireplace Road em Springs. A casa não tinha

água encanada nem aquecimento, e eles tiveram que suportar um

primeiro inverno brutal sem banheiro ou automóvel. Mas se saíram bem,

trabalhando juntos para tornar o lugar habitável. Pollock, depois de

meses sem pintar, logo retomou o trabalho e embarcou no esforço mais

prolongado e frutífero de sua carreira.

O ano de 1946 acabou sendo o mais feliz da vida de Pollock. “Ele

sempre ia dormir bem tarde”, lembrou Krasner. “Bebendo ou não, nunca

se levantava cedo … Enquanto ele tomava o café da manhã, eu almoçava

… Ele ficava diante da maldita xícara de café umas duas horas. Aí,

então, já era de tarde. Ele se levantava e trabalhava até escurecer. Não

havia luzes no estúdio. Quando os dias eram curtos, ele só conseguia

trabalhar algumas horas, mas o que conseguia fazer nessas poucas horas

era incrível.” Em Long Island ele estava livre da competitividade e da

turbulência social de Nova York. Havia Krasner atendendo a todas as

suas necessidades e professando constantemente sua crença nele. E, aos

poucos, após um período de experimentação livre, ele chegou a um

modo de pintar que revolucionaria a arte ocidental.

NUMA FASE POSTERIOR de sua vida, Lucian Freud gostava de contar o

caso do autor de histórias em quadrinhos que saiu de férias, deixando


seu herói “acorrentado no fundo do mar com um enorme tubarão vindo

da esquerda e um imenso polvo se aproximando. E a pessoa que o

substitui não consegue imaginar como tirar o herói do perigo; depois de

várias noites em claro, ela finalmente manda um telegrama ao escritor,

perguntando-lhe o que fazer. E a resposta: COM UM SALTO ESPETACULAR O

HERÓI SE LIBERTA”.

As realizações mais significativas de Pollock, a partir do mural de

1943-44 e culminando com seu salto ainda maior em 1946, têm essa

característica de escape improvável, de libertação mágica de uma prisão

autoimposta, como uma espécie de Houdini. Na verdade, o processo foi

mais gradual, mas a criatividade de Pollock a essa altura tinha uma

característica vulcânica. Fora disparada por algo como uma convicção

interna que não tinha nenhuma consideração por regras e desejava, num

espírito lúdico quase ingenuamente imprudente, inventar outras.

Em seu novo estúdio na Fireplace Road, Pollock começou a usar o

lado contrário do pincel e até gravetos para fazer marcas nas superfícies

de suas pinturas. Isso tinha sido prática comum entre os pintores

durantes séculos, mas Pollock passou a usá-la com agressividade

incomum. Comprou tintas fluidas industriais para não ter de se sujeitar à

atividade cansativa de misturar tinta de tubo com solvente. Ao descobrir

que as tintas industriais tinham propriedades peculiares, começou a

explorá-las estirando as telas no chão e se movimentando em volta delas

de modo a abordá-las de todos os lados. E então começou a gotejar e

derramar tinta – ou, mais precisamente, a mergulhar os gravetos e às

vezes um pincel em latas de tinta e desenhar no ar acima da tela. Ele

deixava a tinta cair em mechas espiraladas sobre a superfície ao se

arremeter para a frente e para trás, agitando o punho e o braço como um

maestro transportado pela música em sua cabeça.


Na época desses experimentos, o crítico Clement Greenberg foi

visitar Krasner e Pollock. Ele viu no chão do estúdio uma tela inacabada

coberta com um emaranhado de linhas amarelas que ocupava toda a sua

superfície. Nas paredes havia outras. Eram pinturas acabadas porém

menos ousadas, uma vez que na maioria delas a tinta fora aplicada da

maneira mais tradicional. Mas Greenberg apontou para o trabalho no

chão e disse: “Interessante. Por que não faz oito ou dez destas?”

Pollock seguiu o conselho. Trabalhando dessa maneira, dia após dia,

ele criou pinturas que cobriam suas grandes telas de lado a lado. Os

resultados, que deslumbravam por serem físicos e diretos, também eram

notavelmente variados – em cor, textura e chave emocional. Alguns, com

suas poças de tinta alumínio entrecortadas por linhas respingadas em

meandros ou golpeadas por piparotes delgados, como rastros de cometa

ou chuva na ventania, tinham uma aparência geral de gaze ou teia de

aranha. As imagens resultantes cintilavam e pulsavam, evocando

galáxias distantes e a profundidade do espaço. Henry McBride,

escrevendo no New York Sun em 1949, descreveu os borrifos dessas

pinturas como “elegantes e organizados”, criando o efeito de uma

“cidade plana devastada pela guerra, possivelmente Hiroshima, vista de

uma grande altura ao luar”. Outras eram bastante congestionadas, com

espessas camadas de tinta reforçadas por impressões de pés e mãos,

pedregulhos ou detritos do estúdio, tudo concorrendo tumultuadamente

na superfície. Atento a essas idiossincrasias, Pollock lhes deu títulos

evocativos como Galáxia [Galaxy], Fosforescência [Phosphorescence],

Full Fathom Five, Floresta encantada [Enchanted Forest], Lúcifer

[Lucifer] e Catedral [Cathedral] [ver prancha 13].

Segundo o crítico Parker Tyler, em texto de 1950, “a tinta de Pollock

voa pelo espaço como corpos alongados de cometas, e, colidindo no

beco sem saída da tela plana, explode em visibilidades congeladas”.

Suas mechas de tinta eram como um labirinto que “não tem nenhuma
saída principal, bem como nenhuma entrada principal, pois cada

movimento é automaticamente uma libertação – a um só tempo entrada

e saída”.

PEGGY GUGGENHEIM foi uma das primeiras pessoas a ver essas pinturas e

adquiri-las. Teria sido também a primeira a mostrá-las, mas estava

cansada de Nova York, e em 1947 decidiu fechar a Art of This Century e

se mudar para Veneza. Antes de partir, deu um jeito de convencer outra

galerista, Betty Parsons, a contratar Pollock. Assim, foi na Betty Parsons

Gallery que as drip paintings [pinturas gotejadas] foram expostas em

conjunto pela primeira vez.

Mas elas não foram universalmente admiradas. Alguns críticos as

depreciaram, acusando-as de desabafos infantis e primitivos. Outros as

consideraram decorativas, complacentes, sem tensão. Mas todos podiam

ver que eram inéditas. Ninguém havia pintado assim antes. E algo nelas

capturou a imaginação das pessoas – não só de críticos como Greenberg

(que continuava a encorajar Pollock no caminho em que ele estava), mas

também dos amigos artistas do pintor. Poucos deles eram capazes de

articular o que os empolgava no trabalho de Pollock. Menos ainda

tinham qualquer coisa abertamente admiradora para dizer. Mas vários

dos melhores deles – inclusive De Kooning – sentiam que algo

extraordinário acontecera, e observavam com mais atenção.

DE VOLTA A DOWNTOWN MANHATTAN, as histórias do comportamento

anárquico de Pollock – sua tendência a se meter em brigas, a fazer

propostas indecentes às mulheres e a quebrar o decoro sempre que o

detectava – haviam se espalhado por toda a cena artística emergente da

vanguarda. Para a maioria das pessoas, o comportamento do pintor

indicava um distúrbio psicológico. Era difícil entender, mais difícil


ainda suportar. Mas De Kooning, que se encontrava com Pollock sempre

que ele vinha de Long Island (geralmente na companhia de outros

artistas, como Franz Kline), reagia com solidariedade instintiva. Ele

próprio era um homem em quem a crueldade, a perversidade e o anseio

pela liberdade eram profundos. De Kooning falava inesperadamente

sobre a alegria do mais jovem – sua “alegria desesperada” – e olhava

para Pollock – tanto a pessoa como o artista – com franca inveja:

Eu tinha ciúme dele – de seu talento. Mas ele era uma pessoa notável. Fazia coisas tão

fantásticas … Ele tinha essa maneira extremamente rápida de avaliar pessoas novas.

Estávamos sentados a uma mesa e algum amigo jovem entrava. Pollock nem sequer olhava

para ele, só acenava com a cabeça – como um caubói – como que a dizer: “cai fora”. Essa era

a sua expressão favorita – “Cai fora!”. Era muito engraçado, ele nem sequer olhava para o

cara…

De Kooning continua:

Franz Kline me contou uma história sobre um dia em que Pollock chegou todo arrumado.

Ele ia levá-lo para almoçar – estavam indo a um lugar chique. No meio da refeição, Pollock

notou que o copo de Franz estava vazio. Ele disse: “Franz, tome mais vinho.” Encheu o

copo e ficou tão absorto olhando o vinho ser derramado que esvaziou toda a garrafa. A

bebida cobriu a comida, a mesa, tudo. Ele disse: “Franz, tome mais vinho.” Como uma

criança, achava que era uma ideia fantástica – todo aquele vinho sendo derramado. Aí,

então, pegou nas quatro pontas da toalha de mesa, levantou-a e a pôs no chão. Na frente de

todas aquelas pessoas! Ele pôs a maldita toalha no chão, pagou e o deixaram ir embora. É

maravilhoso que ele tenha feito isso. Os garçons não deram a mínima e havia um cara na

porta e tudo o mais. Que emoção – essa vida.

Em outra ocasião, estávamos na casa de Franz. Fantástico. Era pequena, muito

acolhedora e estava cheia de gente bebendo. As janelas eram pequenos painéis de vidro.

Pollock olhou para um cara e disse: “Você está precisando de um pouco de ar”, e deu um

soco numa janela. No momento foi muito delicioso – tão beligerante. Como crianças,

quebramos todas as janelas. Fazer coisas assim. Fantástico.

Em outras palavras, o que De Kooning admirava em Pollock não era

tão diferente do que Freud via em Francis Bacon: era algo que tinha a

ver tanto com a perspectiva de vida de Pollock quanto com suas

realizações como artista – embora o maravilhoso, talvez, seja que as


duas coisas eram impossíveis de separar. Se a atração estava vinculada

de alguma forma à estética, não se tratava prioritariamente da beleza da

tinta na tela. Tratava-se da beleza da vida desimpedida. Do apelo de se

libertar – de expectativas, do decoro, da moralidade – e atingir um

núcleo interno de inocência.

E, assim, quando viu a exposição de Pollock na Betty Parsons em

1948 – dezoito pinturas ao todo –, De Kooning teve um estalo. Quando

começou a prestar atenção na atitude inebriante de Pollock, em seu

comportamento escandaloso e, acima de tudo, em seu modo de pintar,

pôde ver exatamente o que é que estava faltando em seu próprio

trabalho. “No chão me sinto mais à vontade”, Pollock explicou. “Sinto-

me mais próximo, mais parte da pintura, pois dessa maneira posso andar

em torno dela, trabalhar pelos quatro lados e literalmente estar dentro

dela … Quando estou na minha pintura, não sei bem o que estou

fazendo. Somente algum tempo depois é que há uma espécie de ‘tomada

de consciência’, é que vejo no que estive envolvido.”

De Kooning queria uma parcela desse mesmo sentimento – essa

sensação de estar dentro de suas pinturas, inconsciente do que estava

fazendo. A falta de autoconsciência de Pollock, a sensação de libertação

reverberante e desimpedida transmitida por suas pinturas ofereciam um

antídoto a tudo – todas as infindáveis revisões e apagamentos – que

estava retendo De Kooning. As dezoito pinturas que Pollock mostrou na

Betty Parsons produziram um sentimento de quase impudência. Elas não

estavam à espera da aprovação de ninguém.

ASSIM, De Kooning começou a se soltar em sua pintura, adotando um

grau de espontaneidade a que até então havia resistido, besuntando tinta

com um pincel carregado – e, como ele disse, “soltando as amarras”. À

diferença de Pollock, ele ainda trabalhava sobretudo com pincéis e num


cavalete na vertical. Mas pintava “molhado sobre molhado”, fazendo uso

de escorridos e diferentes níveis de viscosidade e resistência, nem tudo

sob seu controle. E, com frequência, como Pollock, girava a tela. (Isso é

perceptível, porque alguns dos escorridos mudam de direção.) Com base

na força do trabalho resultante, uma série de pinturas abstratas em

branco e preto, De Kooning finalmente consentiu – depois de anos de

resistência, dizendo que ainda não estava pronto – em fazer sua primeira

entrada real em público: uma exposição individual na galeria de Charlie

Egan.

A mostra foi inaugurada em abril de 1948. Incluía dez quadros,

todos pintados no ano anterior. Toques de cor clara apareciam entre os

pretos e os brancos sujos em vislumbres que deliciavam e mobilizavam o

olho. Aparentemente abstratos, muitos dos trabalhos tinham, na

realidade, elementos figurativos incidentais. Outros eram feitos de

grandes letras ou números em formações aleatórias. Contornos que

começam a sugerir formas tridimensionais dissolvem-se na sombra;

outros prendem o olhar a suas superfícies com passagens de

gotejamentos ou empastamento texturizado. O holandês costumava

misturar suas cores na tela, de modo que suas linhas brancas curvas e

enganchadas ficavam manchadas de cinza. A tinta branca fluida que era

aplicada por cima dos pretos mais fechados e brilhantes muitas vezes se

decompunha em marcas texturizadas, dando a impressão de velocidade e

borrão, ou de pelo animal. Formas positivas e espaço negativo

alternavam-se continuamente à medida que De Kooning tentava

comprimir o espaço e construí-lo, ora com linha, ora com tom, ora com

a fatura da tinta, com apagamentos e contornos espectrais, com

manchas, raspagens e varridas. Os resultados denotam ferocidade e

esforço. Atestam a empolgação de De Kooning. Sabemos, quando

olhamos essas pinturas, que o artista está dominado por alguma coisa –

e muito perto de encontrá-la.


EGAN FEZ O MÁXIMO que pôde para gerar interesse pela exposição. Numa

carta a Alfred Barr, curador do MoMA, alegava que De Kooning estava

“criando as pinturas mais importantes de nossa época”. Mas quando a

mostra, agendada para durar um mês, estava chegando ao fim, os

esforços de Egan pareciam ter ido por água abaixo. Nada fora vendido.

Com pouco a perder, ele decidiu prorrogar a exposição por mais um

mês. Novamente, não houve interesse. Quanto mais o tempo passava,

mais humilhado De Kooning se sentia. “Isso fazia as coisas parecerem

irremediáveis”, recordou Elaine Fried, ainda bastante envolvida com De

Kooning, apesar de estarem separados.

Mas nem tudo estava perdido. A exposição pode ter sido ignorada

pela imprensa dominante, mas críticos de várias revistas de arte se

apresentaram. Sam Hunter era incapaz de decidir se o método de De

Kooning contribuía para “uma impressão de aprisionamento … ou de

hesitação lúgubre” – uma observação curiosa e perspicaz. A

ambivalência no trabalho de De Kooning era precisamente o que

Greenberg estava começando a apreciar. Sempre alerta contra a

tendência do virtuosismo artístico de recair no kitsch, Greenberg

gostava de trabalhos que transformavam suas dificuldades em virtude.

Para ele, a inabilidade, a evidência de esforço e uma falta de acabamento

eram sinais de sinceridade, sinais de empenho genuíno, e não de

complacência espiritual. “Tendo decidido finalmente, com pouco mais

de quarenta anos, mostrar seu trabalho, [De Kooning] chega diante de

nós em sua maturidade, em posse de si mesmo, com domínio de seus

meios e conhecimento suficiente de si para excluir qualquer

irrelevância”, escreveu. Greenberg estava atento à tensão, no trabalho de

De Kooning, entre o virtuosismo e a busca de uma originalidade

verdadeira. “A emoção que exige uma expressão singular, original, tende

a ser censurada por uma destreza realmente grande, pois a destreza tem

uma obstinação própria e reluta em abandonar as satisfações fáceis.” A


“indeterminação ou ambiguidade” nas pinturas de De Kooning era o

resultado, ele propôs, do “esforço” heroico do artista “para reprimir sua

destreza”. Nesse estágio, acreditava Greenberg, De Kooning ainda não

dispunha da “força de Pollock” e da “sensualidade de Gorky”, mas

possuía a capacidade de “alcançar uma arte mais purificada e fornecer

soluções mais viáveis aos problemas da pintura”. Tudo isso era

suficiente, de acordo com Greenberg, para fazer dele “um dos quatro ou

cinco pintores mais importantes do país”.

Graças em grande medida à persistência de Egan, alguns trabalhos

da exposição acabaram sendo vendidos, um deles para o MoMA, o

museu de arte moderna. E agora, subitamente, havia um burburinho

maior em torno de De Kooning – quase comparável à excitação gerada

por Pollock três anos antes. Esse holandês expatriado, tão admirado por

seus colegas artistas, tão íntegro a ponto de ter se recusado a mostrar seu

trabalho enquanto pelejava durante anos na pobreza, estava finalmente se

revelando ao mundo. E o que ele tinha para mostrar parecia bom.

Para os outros pintores, ademais, isso abria uma perspectiva.

Enquanto a maneira não convencional de Pollock de gotejar e derramar

tinta permanecia absolutamente inaceitável para muitos artistas ainda

presos às variedades da pintura de cavalete baseada no desenho, De

Kooning surgia com uma maneira de pintar que era direta, forte e até

explosiva, mas ainda dentro dos limites da tradição.

POLLOCK, a essa altura, estava novamente adernando num estado de

desespero e de pânico crescente. Apesar das muitas resenhas favoráveis

(e do evidente entusiasmo de De Kooning), sua exposição retumbante na

Betty Parsons fora um desastre financeiro. A arte abstrata continuava

difícil de vender em Nova York. Arte abstrata feita por um homem do

Meio-Oeste que esguichava tinta sobre uma tela no chão era ainda mais
difícil. Essa era a realidade. Além do mais, a partida precipitada de

Peggy Guggenheim para Veneza deixara Pollock e Krasner sem nenhum

suporte financeiro básico. Eles haviam recebido o último cheque dela

quando a mostra na Parsons terminou. Pollock não obteria um contrato

de Parsons antes de junho. Em março, ele e Krasner estavam na pior.

Assim, quando a exposição de De Kooning começou a receber

elogios – silenciosamente no começo, mas então num crescendo, como

uma bola de neve, de modo que a excitação continuou a aumentar

mesmo depois do encerramento da mostra –, Pollock sentiu-se

ameaçado e perdeu a calma. Ciente de que todos os jovens pintores

estavam subitamente falando de De Kooning, ele chegou a uma festa

para artistas no restaurante Oysterman, na 8th Street, com fúria nos

olhos. “Ninguém escapou de seus ataques, e ninguém conseguia dizer

qualquer coisa que o agradasse”, recordou Ethel Baziotes. “Ele estava

insultando seus grandes amigos de uma maneira que eu nunca tinha

visto.” O episódio culminou num confronto não com De Kooning, mas

com seu antigo mentor e companheiro de armas, Arshile Gorky.

Gorky não estava bem naquela época, como Pollock devia saber.

Dois anos antes, seu estúdio havia pegado fogo. Depois, ele passara por

uma colostomia em razão de um câncer no cólon. E agora precisava usar

uma bolsa presa a uma abertura no abdômen para eliminar os resíduos.

Durante a festa, ele estava apontando um lápis com uma faca quando

Pollock se aproximou e começou a insultá-lo, caçoando de suas pinturas.

Houve um impasse tenso. Gorky segurou a língua e simplesmente

continuou a apontar o lápis. A diatribe só terminou quando o artista

William Baziotes interpôs-se, insistindo para que Pollock calasse a boca.

Pollock não era de agir de modo calculado. Mas é provável que, dada

a ligação anterior de De Kooning com Gorky, tenha considerado um

ataque a ele como uma forma indireta de descarregar seu ciúme sobre o
sucesso de De Kooning. Nesse caso, não seria a última vez que Pollock

reprimiria e confundiria suas emoções dessa maneira.

TANTO POLLOCK COMO De Kooning estavam bastante cientes dos papéis

que já lhes haviam sido atribuídos pelos críticos e contemporâneos:

pioneiros, líderes e, portanto – inevitavelmente –, rivais. Eles eram

naturalmente cautelosos um com o outro. No entanto, toda a tensão que

existia entre os dois logo se transformou em uma camaradagem rude e

em uma admiração mútua e sincera.

Naquela primavera, antes de aceitar um convite para lecionar durante

o verão no Black Mountain College, na Carolina do Norte, De Kooning

fez sua primeira viagem a Long Island. Visitou Pollock e Krasner na

companhia de Elaine, Franz Kline e Charlie Egan. Não há nenhum

registro do que se passou entre eles. Mas a viagem teve evidentemente

seu efeito: nos anos seguintes, De Kooning passou cada vez mais tempo

na região e acabou se mudando para East Hampton. Escolheu uma casa

que ficava a apenas alguns minutos do estúdio de Pollock e Krasner – do

outro lado do cemitério onde agora Pollock está enterrado.

POLLOCK ESTAVA PRODUTIVO naquele verão e outono, continuando a

desenvolver seu novo estilo de pintura. Mas ainda era tão errático e

perigoso quanto sempre fora. Havia comprado um Ford Modelo A usado

e amassado por noventa dólares e agora dirigia pelas ruas de Long Island

nos mais variados estados de embriaguez. Krasner estava preocupada. A

mãe de Pollock, Stella, que ouvira falar do carro, escreveu uma sinistra

advertência a seu irmão Frank: “Ele não deveria dirigir & beber [ou] ele

vai se matar ou matar alguém.”

Numa festa em Manhattan, o comportamento de Pollock oscilou do

desconcertante ao aterrador. Tendo provocado uma briga com William


Phillips, editor da Partisan Review, ele se preparava para se atirar em

cima dele antes de subitamente decidir, em vez disso, pegar o sapato

caro da namorada de Clement Greenberg, Sue Mitchell, e, na frente de

todo mundo, rasgá-lo em pedaços. Foi, então, até a janela, que ficava

num andar alto, e começou a subir nela, aparentemente disposto a pular.

Mark Rothko e Phillips o seguraram na hora H e o jogaram no chão.

Gorky também estava na festa. Como se já não bastassem suas

desgraças – o incêndio do estúdio e o câncer –, ele tinha quebrado o

pescoço recentemente num acidente de automóvel. O motorista era seu

marchand, Julien Levy. A catástrofe ocorreu logo depois de Gorky ter

descoberto que sua amada mulher, Agnes, tinha tido um caso com o

artista Roberto Matta. Ele não suportou mais. Enforcou-se em julho.

NÃO ERA POSSÍVEL que as coisas continuassem assim. Mas continuaram.

Até que, por algum tempo, cessaram: Pollock parou de beber.

O aparente catalisador foi simples: ele tinha começado a frequentar

um novo médico. Seu nome era Edwin Heller, e Pollock confiou nele de

cara. Isso foi suficiente. Morando em Springs com Krasner, envolto em

espaço e luz, cercado pelo terreno arenoso e plano de Long Island,

embalado por enseadas pantanosas e pelo mar aberto, ele estava com a

cabeça limpa pela primeira vez em anos, e criativamente a mil. As

preocupações do casal com dinheiro foram aliviadas por uma bolsa de

um ano – quatro pagamentos trimestrais de 1.500 dólares. E depois, em

meados de 1949, Pollock obteve um contrato com Parsons nos mesmos

termos de seu arranjo anterior com Guggenheim. Mais importante: ele

agora estava começando a obter o tipo de atenção que sempre desejara.

Ou seja, estava ficando espetacularmente famoso.

Pollock fez sua segunda exposição individual na Betty Parsons em

janeiro de 1949: 26 trabalhos, incluindo grandes pinturas drip e várias


obras sobre papel. Mais uma vez, as reações críticas variaram bastante.

Uma resenhista disse que as pinturas a faziam pensar em um “punhado

de cabelos embaraçados que me dão uma vontade irresistível de

pentear”. Mas Greenberg manteve-se firme: num artigo publicado em

The Nation, disse que Pollock havia feito mais do que o bastante para

justificar a afirmação de que era “um dos maiores pintores de nossa

época”. Referindo-se à pintura de Pollock Número Um (desde então

renomeada Número 1A e adquirida em 1950 pelo MoMA), declarou:

“Não conheço nenhuma outra pintura feita por um artista norte-

americano que eu possa, sem sombra de dúvida, colocar ao lado desse

imenso rabisco barroco em alumínio, branco, preto, garança e azul. Sob

a aparente monotonia da composição de sua superfície, ela revela uma

suntuosa variedade de desenho e circunstância, e como um todo é tão

bem contida quanto qualquer obra de um mestre quatrocentista.”

No outono anterior, em 1948, a revista Life havia organizado uma

mesa-redonda na qual se pedira a uma comissão de convidados que

respondesse se “a arte moderna, considerada como um todo, [era] um

acontecimento bom ou ruim”. A Life sentia que havia algo em jogo no

debate. Ligeiramente conservadora, com um público leitor semanal em

torno de 5 milhões de pessoas, era a revista mais vendida nos Estados

Unidos. A preocupação de seus editores era que a arte moderna parecia

ter se divorciado da moralidade, sem nenhuma “referência ética ou

teológica”. E assim, com a perspectiva de explorar o tema, a publicação

reuniu uma mesa de intelectuais e críticos famosos, como Aldous

Huxley e Clement Greenberg, para examinar diversas obras modernas,

entre as quais uma das mais “radicais” era a pintura drip vertical de

Pollock Catedral, de 1947.

Huxley, por exemplo, não se impressionou: “Parece-me”, disse ele,

“um painel para papel de parede que é repetido indefinidamente em

volta da parede.” Outro participante, um professor de filosofia, achou


que a pintura de Pollock daria “um agradável desenho para uma

gravata”.

Greenberg, porém, estava lá para defender Pollock e a arte moderna

em geral, e o fez com seu vigor incisivo de sempre. Ele adorava emitir

juízos. Nos anos seguintes, fez uma promoção veemente de sua visão

particular da arte e seu lugar no mundo do pós-guerra. Se os critérios

que aplicou nem sempre resistem a um exame cético, sua escrita, não

obstante, era incisiva e clara, e ele sempre impressionou pela rapidez e

segurança de suas apreciações.

Mais tarde, com o aumento de sua influência, Greenberg ficou

conhecido por ir aos estúdios dos artistas e dizer-lhes como e o que

pintar. O próprio De Kooning passou por isso: Greenberg foi visitá-lo no

estúdio e, sem ser requisitado, começou a dar conselhos. “Ele sabia tudo

a respeito de tudo”, recordou De Kooning, que logo se cansou do

encontro e “me livrei dele. Eu disse: ‘Saia da minha casa.’” No entanto,

o conselho de Greenberg muitas vezes podia ser útil. Certamente o fora

para Pollock em 1946. E agora, na discussão organizada pela Life, ele

estava defendendo não só a arte moderna, mas os artistas modernos que

mais admirava. Posicionando-se corajosamente, definiu Catedral como

“um exemplo de primeira ordem do trabalho de Pollock, e uma das

melhores pinturas produzidas recentemente neste país”.

A Life sabia que alguma coisa estava para acontecer. Contava com

um vigoroso departamento de cultura, e seu editor-chefe, Henry Luce,

tinha um prazer especial em provocar debates por meio de editoriais que

denunciavam a arte moderna como uma farsa. Assim, alguns meses

depois de sair o número com a discussão sobre arte moderna, a revista

enviou o fotógrafo Arnold Newman ao estúdio de Pollock para registrá-

lo em ação.
Os resultados das sessões de Newman no estúdio da Fireplace Road

foram tão impressionantes que os editores da Life decidiram levar

adiante um artigo que vinham cogitando desde a mesa-redonda.

Encomendaram novas fotografias de Pollock trabalhando – dessa vez

tiradas por Martha Holmes –, e, em julho, Pollock e Krasner foram ao

escritório da Life no Rockefeller Center para serem entrevistados por

uma jovem jornalista chamada Dorothy Seiberling. A conversa que se

seguiu foi abrangente. Na transcrição, as contribuições de Krasner não

são diferenciadas das de Pollock, de modo que é difícil saber ao certo

quem disse o quê. Mas Pollock deve ter se arrependido de alguma coisa

do que foi dito – como a afirmação de que fora o primeiro pintor em sua

família. Isso dava a impressão de que Charles e Sande tinham se

inspirado nele para fazer arte, e não o inverso.

Mas se essa foi uma invenção flagrante, outra afirmação de Pollock

durante a entrevista foi de uma sinceridade comovente. Ao ser indagado

sobre quais eram seus artistas preferidos, ele citou dois: Wassily

Kandinsky – um nome familiar, há muito estabelecido como figura

central na abstração modernista – e um nome que quase nenhum leitor

da Life teria reconhecido: Willem de Kooning.

NO MÊS SEGUINTE, uma matéria de duas páginas e meia foi publicada na

revista sob o título: SERÁ ELE O MAIOR PINTOR VIVO DOS ESTADOS UNIDOS?

Na página dupla da matéria havia uma fotografia de Pollock posando

diante de uma de suas longas pinturas drip horizontais. Seus braços

estavam cruzados, a cabeça arrogantemente inclinada para um lado e um

cigarro pendurado nos lábios. Com a perna direita cruzada sobre a

esquerda, que sustentava o peso do corpo, ele parecia estar encostado na

pintura como se ela fosse uma velha caminhonete. Ele olhava para todo

o mundo, disse De Kooning, “como um cara que trabalha num posto de

gasolina”.
O artigo da Life teve um papel fundamental não só na história da

vida de Pollock, mas, sem tardar, nos anais da cultura norte-americana.

Sua publicação foi além da simples controvérsia. O artigo, e todo o

interesse que gerou, funcionou como um pequeno cristalizador para as

forças que estavam em formação na cultura norte-americana, que não

podem ser facilmente resumidas. Estas incluíam tanto a celebrada

confiança dos Estados Unidos após a guerra – uma confiança que

ansiava por ver um reflexo de si mesma na arte – quanto uma sensação

pós-Holocausto, pós-Hiroshima, de se estar vivendo uma época de

extremos existenciais. Uma sensação que ansiava, acima de tudo, talvez,

pela transcendência. Pollock ficou famoso, em parte, porque suas

pinturas pareciam responder a esses anseios coletivos. Elas eram, sem

dúvida, modernas, agressivas, difíceis. No entanto, podiam também ser

consideradas bonitas, decorativas e, além disso, transcendentes. Não se

pareciam com nada que tivesse surgido antes. Mesmo desencadeando

repúdio generalizado entre muitos dos leitores da Life, o simples choque

causado pelo aspecto dessas obras – aliado à força fotogênica do próprio

Pollock – foi suficiente para superar qualquer tentativa de minimizar sua

relevância – subestimá-las como “papel de parede” ou “um punhado de

cabelos embaraçados”, ou quaisquer outros termos pejorativos.

QUANDO FOI INAUGURADA a terceira exposição individual de Pollock na

Betty Parsons em novembro de 1949, estava claro que tudo havia

mudado. A galeria ficou lotada, não só com a multidão usual de artistas

e aspirantes a artista, mas com mulheres cobertas de joias e roupas

elegantes e homens em ternos alinhados. De Kooning apareceu com seu

amigo Milton Resnick, que se lembrou de ter notado, ao entrar, que as

pessoas “se cumprimentavam apertando as mãos. Em geral, quando a

gente ia a uma inauguração, tudo que víamos eram outras pessoas que

conhecíamos, mas havia muita gente lá que eu nunca tinha visto. Eu


disse a Bill: ‘O que querem dizer todos esses apertos de mão?’ E ele:

‘Dê uma olhada. Esses são os mandachuvas. Jackson quebrou o gelo’”.

Com o triunfo de Pollock, De Kooning passou a ter uma noção

aguda de que ele, assim como todos os outros artistas norte-americanos

de vanguarda que estavam na luta, encontravam-se à sombra de Pollock.

Mas foi esperto o bastante para se dar conta de que o jogo tinha mudado.

Pollock havia alcançado o que nenhum deles até então conseguira: ele

havia forçado as pessoas a olhar para o seu trabalho, assegurando-se de

que, depois disso, elas não desviariam o olhar sem ter formado uma

resposta que não significasse uma agressão à própria arte. Ele tinha feito

mais do que apenas quebrar o gelo; tinha dado um soco na vidraça que

separava a arte moderna norte-americana de seu público potencialmente

enorme. Novas vistas se abriram.

De Kooning viu tudo isso. Mas, obviamente, o que Pollock

conseguira não significava simplesmente conectar a arte moderna com

um público. Tratava-se de gerar possibilidades para a criação da própria

arte.

A nova linguagem pictórica de Pollock era, em muitos aspectos,

assustadoramente particular – mechas de tinta velando imagens inscritas

no ar –, e sinalizava precisamente o que Pollock nunca poderia

comunicar de modo direto: sua vida interior dramática e muitas vezes

intolerável. Mas era expansiva, urgente e plena de potencial.

Agora, à medida que dava grandes saltos em seu trabalho ao menos

em parte inspirado pelas mostras de Pollock na Betty Parsons, De

Kooning parecia sentir que tudo podia acontecer. Nada mais precisava

retê-lo. Ele tinha de agarrar o momento.

NO ENTANTO, De Kooning, sempre tergiversador, ainda parecia hesitante.

Era como se ele estivesse num umbral, tentando decidir em que aposento
queria estar e se deleitando com a incerteza; um estado de ambivalência

era seu lugar criativo ideal. Em seu trabalho, ele alternava imagens

figurativas e abstratas – telas de mulheres sentadas em cores chocantes e

abstrações com predomínio de preto e branco que, como as pinturas drip

de Pollock, não tinham pontos focais, apenas linhas curvas e

enganchadas que entravam e saíam de foco, o efeito geral lembrando o

cubismo de Picasso e Braque, mas com mais voluptuosidade matissiana,

mais poder explosivo, mais caos. Suas pinturas eram excessivamente

trabalhadas, cheias de apagamentos e revisões. “Sempre que uma figura

começava a aparecer, De Kooning a cobria”, explicou a artista Ruth

Abrams. Mas os resultados finais eram mais livres, e também mais

unificados, do que as pinturas anteriores. Carregadas de dúvidas e

ambiguidades, elas, no entanto, logravam construir o que parecia uma

bolsa de espaço e tempo coerente e não um desenrolar infindável e

angustiado de registros dissonantes.

No início de 1950, De Kooning começou a trabalhar em Escavação

[Excavation] [ver prancha 14]. Com quase dois metros de altura por

quase dois e meio de largura, era a maior tela que ele já tinha pintado.

Trabalhou nela por quatro ou cinco meses. No início, tratava-se de uma

composição de múltiplas figuras – mais provavelmente três figuras num

interior –, mas aos poucos estas se dissolveram em suas imediações e o

espaço pictórico achatou-se, tornando-se um anteparo alongado de

formas fugazes torcendo, fragmentando e perfurando a superfície. A cor

dominante é um branco quebrado, impregnado de um amarelo

esverdeado e diferenciado por linhas pretas e cinza de larguras diversas,

se enganchando e curvando como se estivessem se torcendo contra os

limites horizontal e vertical da pintura. Lampejos de cores claras e fortes

– especialmente as três primárias: vermelho, amarelo e azul – irrompiam

em pontos aparentemente aleatórios, bem como vislumbres de dentes

sorrindo e olhos arregalados. No entanto, como escreveu Harold


Rosenberg em 1964, “apesar da prolongada agitação que a produziu,

Escavação era uma pintura clássica, majestosa e distante, como uma

fórmula extraída de um teste de explosivos”.

Escavação foi a obra-prima de De Kooning. Foi pintada com

pincéis, não com tinta derramada ou gotejada. Mas era, à maneira das

pinturas drip de Pollock, uma composição “all-over”. A energia e o

interesse da pintura eram regularmente distribuídos de cima a baixo e da

direita para a esquerda; e apesar das sugestões de imagens figurativas,

era essencialmente abstrata. Olhando uma reprodução dessa obra em

1983, De Kooning descreveu sua criação ao escritor Curtis Bill Pepper

para uma reportagem da New York Times Magazine:

“Acho que comecei aqui”, ele observou, apontando o canto superior esquerdo. “Eu disse:

‘Vamos fazer uma tentativa aqui.’ Eu não estava pensando em nenhum método ou maneira

que tivesse realismo. Aí você faz um pouquinho e se sente bem com isso. Aí você diz: ‘Vou

fazer uma abertura aqui e fechar ali’, e desse modo você vai indo, um pouco de cada vez.

Sempre fica bom, porque você consegue continuar com o que está conectado ao que já fez.

Porque se você pega uma seção na qual se sente confortável, pode construir a partir dela,

devagarinho.”

A maneira de De Kooning entrar na tela parecia ter relação com a

noção de Pollock de estar dentro da pintura; mas havia uma diferença

fundamental: Pollock não trabalhava “devagarinho”.

DE SÚBITO, os dois estavam fazendo sucesso. Pollock tinha se tornado

famoso de uma maneira que nunca imaginara. Seu trabalho era

comentado por todas as pessoas que importavam e aclamado em ambos

os lados do Atlântico. Ele era descrito como o melhor pintor dos Estados

Unidos, um artista que fazia até Picasso parecer datado.

A primeira grande melhora financeira de De Kooning só chegou no

ano seguinte, quando Escavação foi premiada pelo Art Institute of

Chicago (e em seguida comprada pelo museu). Mas outras recompensas


já estavam cruzando seu caminho. Em abril de 1950, Alfred Barr

escolheu Escavação e três outras pinturas de De Kooning para

representar os Estados Unidos, junto com trabalhos de Pollock e seis

outros pintores, na XXV Bienal de Veneza. (Quatro anos depois, Bacon

e Freud representaram a Inglaterra no mesmo evento.) Ambos tiveram

trabalhos comprados pelo MoMA, e por importantes colecionadores.

Apareceram em revistas populares e foram debatidos por críticos sérios.

Mas, depois de pintar Escavação, De Kooning decidiu afastar-se da

abstração. Embarcou numa série de obras enormes, agressivas, que

apresentavam mulheres de peitos grandes, com rostos monstruosos e

dentes à mostra, que pareciam ter emergido, num espírito vingativo, de

trás da camada de tinta de Escavação, e cuja presença era evocada por

uma confusão de pinceladas agitadas, repetidamente borradas, apagadas

e reaplicadas em cores indóceis. De Kooning pelejou com a primeira

delas, Mulher I [Woman I], durante quase dois anos. A influência de

Pollock pode, em certo sentido, tê-lo ajudado a se soltar. Mas ele ainda

estava torturado por dúvidas e por uma técnica que não dava margem a

nada que se assemelhasse à liberdade de Pollock. A certa altura,

desesperado por não conseguir terminar Mulher I, De Kooning a jogou

fora. Só foi persuadido a recuperá-la do lixo pelo crítico Meyer Schapiro.

A luta para produzir as pinturas da série Mulher detonou em De

Kooning uma ansiedade crescente e palpitações no coração. Para aliviar

esses sintomas, ele recorria ao álcool. Ainda assim, à primeira vista, o

sucesso era tangivelmente seu; já não se tratava de uma possibilidade

futura.

PARA POLLOCK, por outro lado, 1950 marcou o começo de um súbito

declínio – uma queda tão acentuada que, olhando em retrospecto, é

como se sua vida tivesse simplesmente implodido; como se toda a


tensão, o empenho e – por fim – o jorro fértil tivessem simplesmente

sido desativados, sua vida compelida a um colapso repentino,

ignominioso e sem rumo.

O que aconteceu? A fama de Pollock, quando finalmente chegou, era

inadministrável. Seu salto criativo tinha sido possível graças à ausência,

em sua personalidade, das mesmas ferramentas com que ele agora

precisava lidar: um senso de comedimento e proporção; aquilo que no

âmbito social é chamado perspectiva ou maturidade; o que a contista

Alice Munro chamou certa vez, de modo fulminante, de a “limitação

decente de alcance” da maioria dos homens responsáveis. A falta dessas

mesmas qualidades era o que De Kooning, por exemplo, achava tão

atraente em Pollock. Mas se a ausência desses comedimentos era o

motor da criatividade e da excitação, também era, no sentido social – e

talvez mesmo no sentido existencial –, um defeito profundo: o

alcoolismo de Pollock afetava diretamente sua capacidade de sobreviver.

A DESINTEGRAÇÃO DE POLLOCK teve início no ápice de sua aclamação,

quando, em março de 1950, seu terapeuta, dr. Edwin Heller – que muito

fizera para manter Pollock longe do álcool –, morreu em um acidente de

carro. Em julho, a família de Pollock se reuniu em sua casa na Fireplace

Road. Em vez de desfrutar a fama recente e a corroboração maciça que

ela implicava, Pollock era uma alma em turbilhão durante esses dias.

Diante da família – inclusive os irmãos que ele tanto tentara imitar, e

que o haviam resgatado da degradação tantas e tantas vezes –, ele não

sabia como agir. Seu comportamento oscilava dementemente entre uma

calorosa hospitalidade e um pavoneamento insuportável. Seus irmãos e

as esposas céticas ficaram inicialmente incomodados, em seguida

horrorizados. E, assim, o momento de maior orgulho de Pollock, de

maior triunfo, tornou-se cáustico.


Alguns meses mais tarde, depois de visitar várias vezes o estúdio

para tirar fotografias, Hans Namuth rodou um filme com Pollock

trabalhando. A filmagem, feita ao ar livre, arrastou-se por várias

semanas excruciantes, com a temperatura caindo lentamente. Namuth

não tinha nenhum escrúpulo em dirigir Pollock na frente da câmera,

dizendo-lhe o que fazer e como. Ele estava buscando imagens que

tivessem o máximo de dramaticidade e força. E sem dúvida o filme

acabado é intenso, memorável. Mostra o pintor em absorção hipnótica

no que está fazendo. Numa concentração extrema, ele parece estar

sintonizado com a natureza, a magia e o instinto, como um dos “pintores

de areia indígenas do Oeste”, por quem, numa breve narração em off, o

artista expressa uma afinidade especial. “A pintura tem vida própria”,

diz ele a certa altura – “procuro deixar que ela se manifeste.” E: “Não há

acaso, assim como não há começo nem fim.”

Ironicamente, dado o imenso estrago psicológico que acabaria

representando para Pollock, a filmagem de Namuth viria a selar a lenda

do pintor. As imagens, bem como as próprias pinturas de Pollock,

prepararam o caminho para um desdobramento cultural infindável nas

décadas seguintes. Foram entendidas e transpostas de incontáveis

maneiras. Levaram a – ou, tangencialmente, inspiraram – tudo, desde a

dança de vanguarda, a arte da performance, os “happenings”, a land art e

os grafites, até Jimi Hendrix pondo fogo em sua guitarra em Monterey

em 1967 e Andy Warhol urinando sobre cobre para produzir suas

chamadas piss paintings [pinturas de mijo] na década de 1970. Mas o

que elas comunicavam, acima de tudo, era o abandono – um anseio pela

libertação e uma instabilidade que poderiam resultar tanto em

destruição como em criação.

POLLOCK COMEÇOU A filmagem de Namuth como um participante

solícito. Mas sempre detestara a ideia de “impostura”. No decorrer das


sessões, ele se sentia cada vez mais uma fraude, de modo que no final

estava espiritualmente ausente. O clima foi ficando gelado enquanto

Pollock era filmado, ora calçando botas respingadas de tinta, ora

pintando sobre uma placa de vidro com a câmera de Namuth por baixo

registrando seus gotejamentos, arremessos e empoçamentos de tinta.

Quando as sessões finalmente terminaram, Krasner tinha um jantar de

Ação de Graças esperando por todos dentro da casa. O suplício da

filmagem numa sucessão de dias confrangedores havia levado Pollock ao

desespero. Sua fé no que estava fazendo e no que tinha feito, em todas as

suas realizações até aquele momento, parecera-lhe escoar visivelmente

enquanto a câmera rodava. Ele entrou e se serviu de uma bebida.

E esse foi o começo do fim. Por volta de 1951, depois de três anos

sem álcool – anos em que tudo parecia possível –, Pollock tinha voltado

a ser um caco humano violento, embriagado, que não conseguia

encontrar nenhuma saída convincente para avançar sua arte.

É fácil dizer que os problemas de Pollock começaram e acabaram

com a bebida. Mas o que não está claro – o que nunca é claro, uma vez

que a visão turva é a questão central da bebida – é por que ele bebia.

Naifeh e Smith escreveram que para Pollock “a embriaguez era uma

humilhação”. Mas, acrescentaram, “uma humilhação máscula”. Isso era

sem dúvida parte de seu atrativo. Havia uma estrutura, uma tolerância

estabelecida para o macho bêbado que arrumava brigas, fazia

estardalhaço e gritava insultos, como Hemingway, ou que se tornava

ameaçador como Stanley Kowalski em Um bonde chamado desejo, de

Tennessee Williams. (O interessante é que Williams escreveu essa peça

depois de passar um tempo com Pollock em Provincetown.) Ademais, as

manifestações exageradas de machismo de Pollock estavam em sincronia

com a época. Eram mais um sintoma de uma reação homofóbica da arte

norte-americana nos anos 1930 contra o que era visto como uma ameaça

de “afeminação” – de uma cultura feminizada e enfraquecida. A


polêmica regionalista de Benton, que enfatizava valores estritamente

masculinos bem como valores norte-americanos rurais, era um aspecto

dessa situação. Em vários sentidos, a retórica heroica, existencialista e

bastante machista dos expressionistas abstratos, muito proeminente no

final da década de 1940, não passava de uma continuação do mesmo

tema.

Muitos comentadores também acreditam que a confusão psíquica de

Pollock – e, portanto, também seu alcoolismo – estava entremeada em

certo grau com uma confusão sexual. Enquanto compunha uma história

oral de Pollock, Jeffrey Potter perguntou delicadamente a De Kooning

sobre os rumores de que Pollock seria gay. De Kooning considerou a

sugestão “a ideia mais bizarra que já ouvi na vida”. Pressionado, no

entanto, ele lembrou que Pollock “abraçava a gente e dava um grande

beijo e eu o beijava de volta”. Mas isso, disse, era bastante comum:

“Talvez os artistas sejam um pouco mais sentimentais ou românticos

quanto a beijar uns aos outros”, ele especulou, com um tom de voz entre

irritado e divertido. Se Pollock fosse gay, concluiu, isso “estava tão

fundo nele [que] todos os homens também são”.

Os biógrafos de Pollock, Naifeh e Smith, expuseram milhares de

evidências para solapar a certeza de De Kooning. No entanto, é possível

que Pollock fosse simplesmente tão confuso em sua identidade sexual

quanto em outros aspectos de sua identidade. Essa confusão vinha à tona

como angústia, baixa autoestima e comportamento social violento que

sistematicamente respingavam na fisicalidade. Os acessos de misoginia

se confundiam, constantemente, com propostas sexuais desajeitadas

(feitas sem nenhuma expectativa aparente de que pudessem se

concretizar), bolinações inoportunas e ataques reais a mulheres.

Provocar rixas com homens – especialmente os colegas artistas que

desencadeavam sentimentos confusos de admiração e competição –


também era rotina, e a linha divisória entre badernas amigáveis, ardor

real e agressão amedrontadora era extremamente permeável.

As histórias das brigas físicas de Pollock com outros homens são

inúmeras. Em 1945, a amizade antiga e não raro tensa de Pollock com

Philip Guston, que fora seu colega na Manual Arts na Califórnia,

chegara a um ponto crítico numa festa dada por Sande. Pollock já havia

adotado a abstração a essa altura e estava entrando em sua fase mais

fértil. Ele virou-se para Guston, que fazia pinturas alegóricas num estilo

figurativo que começava a parecer antiquado. “Que droga”, explodiu

Pollock. “Não aguento a maneira como você está pintando! Não

aguento!” Então, ele ameaçou jogar Guston pela janela. Seguiu-se uma

longa briga de socos.

Três anos depois, Pollock estava num jantar oferecido por John Little

e Ward Bennett. (Bennett, que era gay, mais tarde afirmou ter tido a

impressão de que Pollock tinha interesse sexual por ele.) Igor Pantuhoff,

ex-namorado de Krasner, também estava na festa. Pollock começou,

bêbado, a persegui-lo pela casa. Os dois, diante de uma Krasner

mortificada, acabaram do lado de fora no gramado encharcado de chuva.

Segundo Bennett, “eles começaram a rolar na lama, mas era muito

bizarro. Eles não estavam lutando de verdade, estavam como que

brigando e se beijando ao mesmo tempo” (não muito diferente dos

homens em Duas figuras, a pintura de 1953 de Francis Bacon de

lutadores, ou amantes, que Lucian Freud havia comprado).

Nos anos 1950, quando a fama de Pollock e De Kooning estava no

auge, a bebedeira, a jactância e a violência tornaram-se uma constante

nos bares que eles frequentavam – o mais famoso, a Cedar Tavern.

Empurrões e socos eram típicos. Stevens e Swan contam de uma época

em que Pollock vivia empurrando Franz Kline, o melhor amigo de De

Kooning, do banco do bar. “Ele fez isso uma, duas vezes, e então Kline,

de repente, virou-se para Pollock, o jogou contra a parede e o esmurrou


no estômago com uma esquerda e depois uma direita. ‘Jackson era

muito mais alto’, disse um observador, ‘e, assim, surpreso e alegre,

segundo Franz, riu em sua dor e se curvou, murmurando: ‘Não com

tanta força.’”

POLLOCK ALCANÇOU A FAMA em meados do século, mas, apesar da

notoriedade e da aclamação crítica, a maioria das pessoas ainda julgava

suas pinturas intoleravelmente radicais. Suas exposições quase não

vendiam, o que levou a discussões com sua marchande, Betty Parsons, a

respeito de dinheiro. Durante um período de dois anos, entre 1951 e

1953, ele praticamente baniu a cor de sua pintura, produzindo dezenas

de trabalhos com mechas superpostas de tinta esmalte preta que

enredavam umas nas outras e na própria tela. Muitos eram poderosos: a

exposição de novembro de 1951 na Betty Parsons Gallery estava repleta

dessas pinturas de esmalte preto diluído, esguichado, arremessado e

gotejado em lona bege não preparada, e o impacto acumulativo era

impressionante. A maioria tinha elementos figurativos reconhecíveis –

rostos e corpos demarcados por linhas nítidas e formados por trechos

pretos como breu. Esses elementos eram, incontestavelmente, um

retorno ao desenho figurativo, e indicavam o grande interesse de Pollock

pelas pinturas em branco e preto que De Kooning vinha fazendo havia

quatro anos e pelas figuras espectrais que surgiam em Escavação.

O relacionamento de Pollock com Krasner, enquanto isso, estava

bastante tenso. Com a volta de Pollock à bebida, Krasner estava na

posição ingrata de ser a única pessoa próxima dele o bastante para impor

ao menos uma aparência de controle sobre sua vida. Ela aceitou o papel

e o desempenhou da melhor maneira possível. Alguns conhecidos do

casal a acusaram de ser controladora demais, argumentando que isso

exacerbava os problemas de Pollock. Mas não há vencedores nessas

situações, tampouco respostas certas. O alcoolismo de Pollock era


extremo. Em suas tentativas de lidar com isso, Krasner estava tentando

proteger não só a reputação e a habilidade de Pollock como artista

criativo, mas também sua vida. Ninguém – menos ainda uma esposa –

pode desempenhar um papel desses sem sofrer recriminações.

COM SUA PERSONALIDADE descontrolada, infantil, Pollock estava muito

mal equipado para a fama. Segundo seu amigo Cile Downs: “Ele nunca

superou o fato de que, quando você é grande e faz sucesso, as pessoas

não gostam de você tanto quanto gostavam quando era pobre e um zé-

ninguém.” Como todos os valentões (e a valentia de Pollock beirava a

histeria), ele era assolado pela insegurança. Simplesmente não sabia se

conseguiria continuar a produzir obras tão imponentes quanto suas

antigas pinturas drip. E apesar de toda sua arrogância, permaneceu

vulnerável à crítica até mesmo dessas obras. Nunca chegou a aceitar sua

legitimidade.

Por volta de 1952, deu-se uma violenta reviravolta. Os críticos que

antes o haviam defendido voltaram-se contra ele. Colegas artistas,

invejando seu sucesso, mas desconfiando de sua validade, faziam

picuinhas. Caçoavam dele abertamente, ignorando suas incessantes

demandas de atenção e respeito, preferindo a companhia do mais bem-

humorado e sociável De Kooning. Formara-se um clube de artistas –

chamava-se, com execrável literalidade, “The Club”. De Kooning era o

presidente. Pollock, que raramente comparecia, era abertamente

marginalizado quando estava presente.

O impulso, talvez, é o de sacudir a cabeça e pensar: pobre e

desorientado Pollock. Ele era um gênio. Se ao menos tivesse acreditado

em si mesmo… Mas não é tão simples. Seu declínio foi analisado

bebedeira por bebedeira, mês a mês, cada ato desastroso

apropriadamente cruzado com episódios da infância e outros sinais de


alerta precoces. O que emerge com mais força é uma impressão de sua

incrível solidão durante esses anos finais. Em busca constante de

conexões, Pollock se via, ao contrário, em permanente pé de guerra. Ele

era um homem atormentado recolhendo-se passo a passo na solidão de

uma catástrofe privada. Mas, durante esse tempo, ele não lutava apenas

com seus próprios demônios. Lutava, muitas vezes literalmente, com os

outros, o tempo todo se digladiando com aqueles – inclusive De

Kooning – cuja amizade era o que ele mais desejava.

DO PONTO DE VISTA ATUAL, tem-se por vezes a impressão de que de 1950

em diante Pollock e De Kooning representavam papéis numa peça

intimista para dois atores, diante de uma multidão mergulhada na

obscuridade imediata. Eles sabiam que estavam sendo observados mais

atentamente do que qualquer um de seus colegas. “Todo mundo é uma

merda, menos De Kooning e eu”, como Pollock falou sem rodeios à

artista Grace Hartigan em 1950.

Mas, ainda que captassem o que estava em questão (triunfo,

afirmação, aclamação duradoura), ambos os artistas pareciam se dar

conta do absurdo essencial do jogo do “Quem é o maior” que no

momento se desenrolava em torno deles. É possível que se tivessem sido

deixados em paz, Pollock e De Kooning seguissem com seu

relacionamento bem-humorado, íntimo e artisticamente criativo. Mas

eles não foram deixados em paz. Ao contrário, muitos coadjuvantes

choveram no palco, em quantidade crescente, ofuscando os dois

protagonistas.

Nenhum desses figurantes era mais ruidoso, mais intimidador e

possessivo do que os dois críticos principais da época, Harold

Rosenberg e Clement Greenberg.


Presença familiar na cena artística de downtown desde antes da

guerra, Rosenberg era um homem alto de bigodes, loquaz, tomado de

ambição intelectual. Era também um habitué no estúdio de De Kooning.

Tinha um lábio inferior carnudo e sobrancelhas escuras e abundantes, e

era – apesar da arrogância intelectual – uma companhia agradável e

divertida, que gostava de farrear e fazer parte do clube.

Rosenberg conhecia Pollock desde o tempo da WPA. Sua mulher,

May, foi a única testemunha do casamento de Pollock com Krasner.

Rosenberg admirava Pollock como pintor, mas começara a achar seu

comportamento difícil de tolerar. A amizade vinha azedando havia

vários anos. Era difícil para Rosenberg perdoar a noite em que Pollock

foi com Krasner de automóvel até a casa que os Rosenberg alugavam em

Springs. Deixando uma mortificada Krasner dentro do carro, ele bateu à

porta chamando por May. (Harold estava fora, em Manhattan.) Pollock

estava embriagado e descontrolado, e disposto a provar alguma coisa a

Krasner. Parado na porta, ele começou a berrar.

“Ele disse coisas horríveis”, May contou a Naifeh e Smith,

“ameaçando o que ia fazer comigo, usando a mais suja das linguagens,

dizendo que eu nunca tinha tido nada tão bom.” A filha de sete anos dos

Rosenberg foi acordada pelos insultos e apareceu no momento oportuno,

chorando histericamente e brandindo uma enorme faca de cozinha na

direção de Pollock. May tinha ido à janela para enxotá-lo. Foi só então

que viu Krasner no carro. Ficou imediatamente claro para ela que

Pollock a estava insultando apenas para irritar Krasner. “Ele a estava

provocando, e ela simplesmente aguentando”, disse.

Ao contrário de De Kooning, que era rápido no gatilho e tinha uma

sensibilidade criminosa para o sofisma, Pollock não tinha nada de

intelectual. Se isso era uma fonte de insegurança para ele, também era

uma causa de frustração contínua e de decepção para Rosenberg, que


primava por discussões intelectuais e logo chegou à conclusão de que

Pollock simplesmente não estava à altura desse tipo de coisa.

Porém, a autoridade de Rosenberg sobre Pollock não era só

intelectual. “Harold era um homem grande”, recordou De Kooning. “Ele

não tinha medo de ninguém. Não que ele quisesse brigar, mas ele seria

capaz de enfrentar qualquer pessoa … Jackson nada podia fazer,

principalmente quando estava bêbado.” Pollock era impotente diante do

menosprezo crescente de Rosenberg. E, após tantos anos, o crítico estava

completamente farto – cansado do alcoolismo de Pollock, de sua falta de

articulação, de seus vandalismos. Numa ocasião em que Pollock foi

visitá-lo e começou mais uma vez a agir de forma desagradável.

Rosenberg ficou de pé em toda a sua altura (quase dois metros), pegou

um copo bem alto, encheu-o até a boca com uma bebida e estendeu-o a

Pollock. “Beba”, disse ele.

Pollock deu alguns goles e foi embora.

NO COMEÇO DE 1953, De Kooning foi à casa de Pollock e Krasner bastante

animado. Ele havia lido um artigo de Rosenberg publicado na ARTNews.

Pollock e Krasner já haviam lido o ensaio. Com o título “American

Action Painters” [“Os pintores de ação norte-americanos”], era a

primeira incursão séria – e realmente influente – do autor na crítica de

arte depois de mais de uma dezena de anos de convivência com os

artistas. Sem mencionar qualquer nome, Rosenberg defendia o trabalho

que vira surgir nos estúdios de Nova York em meados do século – uma

época em que, como ele escreveu, “a tela começou a se afigurar, para

toda uma sucessão de pintores norte-americanos, como uma arena na

qual se age – e não como um espaço no qual se reproduz, se redesenha,

se analisa ou se ‘expressa’ um objeto, real ou imaginado”.


Em frases ressoantes, rítmicas, que expressavam uma autoconfiança

olímpica, Rosenberg sustentava que essas novas obras constituíam uma

ruptura radical com a arte do passado. Para os novos artistas norte-

americanos, o que importava, disse ele, já não era a imagem, abstrata ou

representativa, e sim o ato de pintar. “O que devia suceder na tela não

era um quadro”, escreveu ele, “mas um acontecimento.”

O ensaio de Rosenberg era, em muitos aspectos, uma retomada

intelectualizada do velho tropo romântico do indivíduo contraposto ao

mundo. Mas sua ideia do indivíduo estava bastante sintonizada com seu

próprio momento histórico – com um mundo que tinha acabado de ver a

Europa e o Japão reduzidos a escombros, que tinha testemunhado o

Holocausto e Hiroshima e agora estava cravejado de armas nucleares de

longo alcance apontadas umas para as outras. O indivíduo – a menos

que conseguisse congregar alguns atos heroicos reais – estava pronto

para ser esmagado. Nesse mundo, insistia Rosenberg, a arte importante

só poderia ser feita por grandes indivíduos – indivíduos que aceitassem

as novas realidades existenciais e estivessem revoltados contra a falsa

consciência. Artistas que fossem completamente sinceros no momento

da criação.

À primeira vista, as prescrições de Rosenberg pareciam uma

retumbante validação de Pollock – seu novo método libertador, seu

modo de tratar a tela como uma arena física, sua disposição para arriscar

tudo, sua ruptura decisiva com o passado. Ainda hoje, mais de meio

século depois da publicação do ensaio, os termos “pintura drip”

(cunhado para descrever o método de Pollock) e “action painting”

[pintura de ação] são quase intercambiáveis.

Assim, De Kooning ficou surpreso quando, depois de mencionar o

ensaio, aprovando-o, Krasner explodiu. Ela atacou as intenções e a

integridade de Rosenberg. Acusou-o de um ataque traiçoeiro a seu

marido e de roubar a expressão “action painting” de uma conversa que


ele tinha tido com Pollock. Pego de surpresa, De Kooning tentou

defender Rosenberg. Mas Krasner estava num humor vingativo e ele,

sem demora, bateu em retirada. No dia seguinte, numa enxurrada de

telefonemas a amigos, ela acusou o próprio De Kooning de “traí-la, trair

Jackson e trair a arte”.

ROSENBERG TENTOU POSTERIORMENTE negar que o ensaio visava Pollock.

Mas Krasner estava certa. Ela tinha lido “American Action Painters” do

começo ao fim e visto como, tendo exposto suas razões no que se referia

à grandeza na pintura contemporânea, Rosenberg passara a atacar o tipo

de pintura que, embora pareça responder a todos os seus critérios, carece

de integridade e é, na realidade, fraudulenta. Ao mesmo tempo que

valorizava a ideia de De Kooning da pintura como uma luta contínua,

combinando milhares de decisões e riscos calculados, o ensaio parecia

denegrir Pollock por produzir telas que “careciam da tensão dialética de

um ato genuíno, associado ao risco e à vontade”, e eram meramente

decoradas com “a própria aniquilação cotidiana” do artista. Usando

frases que pareciam se referir especificamente a Pollock – como

“mercadoria com uma marca registrada” e “papel de parede

apocalíptico” –, ele atacava a arte que se promovia no misticismo e era

corrompida pelo comércio.

Ainda assim, no final das contas, o ensaio era talvez menos um

ataque a Pollock que um assalto intelectual ao proeminente defensor

deste, Clement Greenberg. Foi a ofensiva mais concertada na batalha até

então malsucedida de Rosenberg contra a influência dominante de

Greenberg sobre a cena artística florescente da vanguarda de Nova York.

NO ESPAÇO DE apenas alguns anos, Greenberg evoluíra de um crítico

literário marxista medíocre com pouco conhecimento de arte a um


formador de opinião de imensa influência. Seu sucesso deixou

Rosenberg irritado. Os dois críticos – ambos brilhantes e belicosos – se

detestavam e tinham de ser mantidos separados socialmente; seus

encontros não raro transformavam-se em brigas. Ironicamente, foi

Rosenberg quem apresentou Greenberg aos editores da revista

comunista Partisan Review, que publicaria seus primeiros ensaios mais

importantes sobre arte – inclusive “Vanguarda e kitsch” e “Rumo a um

mais novo Laocoonte”. Nesses textos canônicos, Greenberg, seguindo

Trótski, insistira na necessidade, para a arte de vanguarda, de manter sua

independência não só dos valores burgueses como também de hábitos de

pensamento explicitamente de esquerda: apenas pela independência

total, acreditava, a arte poderia oferecer resistência efetiva contra as

forças de padronização e controle na sociedade como um todo. Para

manter essa autonomia, sustentava Greenberg, a arte progressista tinha

de remover tudo que fosse alheio ao próprio meio. Isso significava livrar

a pintura de sua tradicional preocupação com a criação de ilusões de

tridimensionalidade e profundidade. E significava o fim de todos os

outros estratagemas que não estivessem em total acordo com as

propriedades inerentes do meio. A obra de arte, ele acreditava, deveria

ser feita para se render à “resistência do meio”.

Para reforçar esse argumento um tanto absurdo, Greenberg delineou

uma trajetória histórica de artistas modernos que haviam feito a arte

progredir por meio de quadros cada vez mais autocríticos, ou

“honestos”, para com sua própria construção e cada vez menos

implicados no jogo do ilusionismo. Sua lista de artistas aprovados ia de

Manet, que abriu mão do modelado tradicional, a Cézanne e Matisse,

cujos estilos dispensaram em graus cada vez maiores a ilusão de

profundidade. E agora, com as pinturas drip de Pollock (cuja criação o

próprio Greenberg havia encorajado), um novo capítulo tinha início.

Aqui estava todo um novo estilo de pintura – um estilo abstrato (não


tinha um tema), direto (não tinha por base um desenho), sem

profundidade (sua tinta era espirrada diretamente sobre a tela) e “all-

over” (não tinha composição; a pintura estabelecia um campo uniforme

sem centro ou bordas).

O ensaio de Rosenberg concebia desdobramentos na arte norte-

americana de vanguarda de um ponto de vista diferente e, assim,

desencadeou uma guerra entre os dois críticos – em que Pollock e De

Kooning foram essencialmente usados como joguetes. Quando

“American Action Paint­


ers” foi publicado, Greenberg evitou responder.

Mas a disputa dos críticos pela supremacia se diluiu na cena mais

ampla. A maioria dos críticos e artistas aliou-se em torno de De

Kooning e Rosenberg, voltando-se contra Pollock e seu principal

defensor, Greenberg. As esposas dos artistas e dos críticos juntaram-se à

batalha, com Elaine de Kooning e May Rosenberg contrapondo-se ao

“pomposo” Greenberg e à “abrasiva” Lee Krasner, os quais, elas

sentiam, manipulavam Pollock, promovendo-o em detrimento de outros.

A atmosfera tornou-se venenosa – bem o oposto da camaradagem que

havia reinado entre as mesmas pessoas durante os tempos difíceis da

WPA e da guerra.

O dinheiro, o sucesso e a atenção do público que eles desejavam

haviam finalmente chegado – mas foram distribuídos de forma desigual

e estragaram a festa.

A CONTENDA INTELECTUAL entre Greenberg e seus adversários era em

parte uma discussão sobre se o futuro da pintura estava nas imagens

abstratas (ou “não objetivas”), como Greenberg acreditava, ou se as

imagens figurativas ainda tinham um lugar. A obra-prima de De

Kooning, Escavação, era, para muitos observadores, completamente

abstrata e, portanto, elogiada por Greenberg. Mas o próprio De Kooning


não via uma distinção clara entre os idiomas abstrato e figurativo. E,

depois de Escavação, voltou a pintar figuras.

Greenberg ficou chocado com isso. Mas, para Pollock, que admirava

De Kooning, a coisa era mais complicada. Ele se sentia dividido. Parte

do problema é que ele estava confuso sobre os rumos futuros de sua

pintura. Alguns amigos tentavam convencê-lo a explorar coisas novas

para desenvolver seu trabalho. Ele estava fascinado com as

possibilidades das imagens figurativas, que tinham sido retomadas em

suas pinturas em branco e preto dos dois anos anteriores. Era suscetível

à crítica de que as pinturas drip eram vazias e decorativas. Sua

preocupação era que os defensores da pintura abstrata, especialmente

Greenberg, ficassem “incomodados” pelo reaparecimento de formas

reconhecíveis em seu trabalho – um rosto aqui, um corpo acolá. Mas ele

também estava sendo alvo de muita pressão por parte da imprensa e de

um público cético, devido à facilidade aparente de seu método de

pintura gotejada, e queria provar do que era capaz aos “garotos que

pensam que é fácil chapinhar tinta para fazer um Pollock”. As pinturas

resultantes impressionavam, mas foram um fracasso de vendas na Betty

Parsons, e Pollock voltou ao estado de bloqueio criativo.

APENAS ALGUNS MESES depois da publicação de “American Action Paint-­

ers”, De Kooning expôs sua série Mulher pela primeira vez, na Sidney

Janis Gallery. Pollock foi à abertura. Com certeza ficou impressionado.

As pinturas transmitiam sentimentos a respeito das mulheres – uma

aversão cheia de fascínio e um pavor extasiado, no limite da derrota

contundente – que ele por certo reconhecia. E o idioma violento e

transbordante de De Kooning, cheio de pinceladas virtuosísticas, mas

não obstante ousadamente arriscadas, resultante dos métodos

meticulosos de seu trabalho anterior, deve tê-lo lembrado de suas

próprias inovações.
Mas Pollock também ficou confuso com as pinturas. Eram

figurativas, não abstratas. Tratava-se, inegavelmente, de representações

de mulheres. Pollock ainda estava dividido a respeito do papel que a

imagem figurativa tinha, ou viria a ter, em seu trabalho hesitante. Será

que seus experimentos renovados com a figura tinham constituído um

recuo, uma falta de coragem, como ele suspeitava – e como ele sabia que

Greenberg pensava? Ou será que haviam sido um passo legítimo? Uma

coisa era certa: as pinturas da série Mulher estavam em contradição com

o impulso para a abstração que Greenberg havia teorizado de forma tão

incisiva, usando Pollock como seu exemplar heroico.

No vernissage, sentindo-se nada heroico, Pollock ficou embriagado –

mais embriagado do que ao menos um amigo, George Mercer, já tinha

visto. Então, a certa altura, vendo De Kooning do outro lado da sala,

Pollock gritou para ele: “Bill, você é um traidor. Está fazendo figuras,

ainda está fazendo a mesma droga. Você sabe que nunca deixou de ser

um pintor figurativo.”

A resposta de De Kooning, segundo alguns observadores, foi fria.

Era a sua exposição, havia defensores seus por lá. Ele disse: “E você,

Jackson, o que está fazendo?”

Nunca ficou claro o que De Kooning pretendia dizer com essa

pergunta. Estaria apenas tentando lembrar Pollock que também ele tinha

tentado incluir imagens figurativas em sua última exposição na Betty

Parsons? Ou seria uma referência zombeteira à situação em que Pollock

se encontrava agora: seu bloqueio criativo, sua batalha para conseguir

fazer algo novo, e até mesmo simplesmente pintar?

Como quer que tenha entendido a pergunta, Pollock foi silenciado

por ela. Saiu da exposição e foi até um bar. Pouco tempo depois, deu um

passo para fora do meio-fio na frente de um carro que ia passando. Teve

de desviar bruscamente para evitá-lo.


POLLOCK ERA GRATO a Greenberg. O crítico muito fizera para alavancar o

seu sucesso em momentos cruciais – não só oferecendo-lhe conselhos

no estúdio e proclamando sua “grandeza” em muitas ocasiões, como

também usando-o como o exemplar perfeito de suas teorias sobre o

desenvolvimento da arte mais avançada. Não surpreendia, portanto, que

Pollock dependesse da aprovação de Greenberg. Assim, quando outros

começaram a atacá-lo, a questionar seu triunfo ou comentar que ele

estava perdido, ele naturalmente recorreu a Greenberg em busca de

apoio.

Mas Greenberg agora tinha lutas maiores e mais cerebrais para

enfrentar. Assistindo ao declínio pessoal de Pollock, ele parece ter se

dado conta de que não tinha como amarrar sua reputação a um beberrão

autodestrutivo. De modo que, nos anos seguintes, à medida que o

trabalho de Pollock parecia declinar em qualidade e o jorro criativo do

final dos anos 1940 desacelerava até se reduzir a um gotejamento

aleatório, retirou discretamente seu apoio. Chegou a organizar uma

retrospectiva da obra de Pollock – oito pinturas no Bennington College,

em Vermont – em 1952. E escreveu dois artigos para tentar alavancar a

exposição de Pollock do final de 1952 na Betty Parsons. Mas, antes

disso, fazia três anos que não escrevia sobre o trabalho do pintor.

Quando, descontente com a inabilidade de Betty Parsons para encontrar

compradores para o seu trabalho, Pollock deixou sua galeria em 1952 e

foi para a Sidney Janis (que agora era o marchand de De Kooning),

Greenberg descreveu sua primeira exposição lá como “frouxa”.

Todos os artistas, disse Greenberg, “têm seu momento”, e o de

Pollock “já tinha passado”. Greenberg não escreveu sobre a mostra na

Sidney Janis, nem sobre a seguinte, em 1954. E então, em 1955, quando

Pollock estava em sua maré mais baixa, escreveu um ensaio na Partisan

Review anunciando abertamente que Pollock tinha perdido a mão – que


suas últimas pinturas eram “forçadas”, “rebuscadas” e “arranjadas

demais”, que criativamente ele estava exaurido.

Ao escrever sobre uma retrospectiva de Pollock na Sidney Janis

Gallery em 1955, o jovem crítico Leo Steinberg observou que, “mais do

que qualquer outro artista vivo, a obra de Pollock tornou-se uma espécie

de senha; ouvi muitas vezes a pergunta ‘o que você acha de Jackson

Pollock?’, durante debates públicos, em tom de ‘você está conosco ou

contra nós?’”. Para Steinberg, o trabalho em si mesmo “derrubava”

todas essas perguntas “sem relevância”. Para ele as pinturas de Pollock

eram “manifestações de esforço hercúleo, … evidência de uma batalha

mortal entre o homem e sua arte”. Mas, a essa altura, para a maioria das

pessoas que tinham algum contato com ele, Pollock estava parecendo

cada vez menos hercúleo e cada vez mais patético.

POLLOCK CONTINUOU A procurar brigas. Na Cedar Tavern, certa vez,

instigou De Kooning a lhe dar um soco na boca. O murro o fez sangrar, e

a multidão que se formou incitou Pollock a retaliar, mas ele recusou: “O

quê? Eu, bater num artista?”, disse.

O pior momento do relacionamento físico dos dois artistas veio no

verão de 1954. De Kooning fora com amigos ajudar Carol e Donald

Braider na mudança de casa. Os Braider eram donos da House of Books

and Music, um santuário em East Hampton frequentado por artistas e

poetas. Tinham dado ao filho o nome Jackson em homenagem a Pollock.

De Kooning esperava ficar com alguns móveis dos Braider para a Red

House, propriedade que alugava em Bridgehampton, não longe dali.

Pollock apareceu na Red House, um pouco alto, antes de De Kooning

chegar. Sua condição prometia problemas. Elaine de Kooning estava lá

e, vendo o estado de Pollock, telefonou ao marido, sugerindo que ele

voltasse logo. Quando De Kooning e Franz Kline, seu melhor amigo,


chegaram, recordou Elaine, “agarraram Jackson e começaram a brincar

de brigar”. Eles se abraçavam e se recusavam a se soltar, equilibrando-se

pelo quintal até chegarem a uma trilha do lado de fora que tinha sulcos

profundos pelos muitos anos de uso. O desnível repentino fez com que

Pollock caísse pesado, puxando De Kooning por cima dele. O tornozelo

de Pollock estalou sob o peso.

Ele ficou imobilizado por quase todo o resto do verão. A lesão

coincidiu com o seu declínio, e em certa medida o exacerbou. Ele ficou

mais dependente de Krasner, que só pouco tempo antes tinha voltado a

trabalhar em sua própria arte com verdadeira determinação (ela estava

combinando faixas recortadas de suas antigas pinturas com faixas

cortadas de trabalhos descartados de Pollock para fazer colagens

inspiradas em parte por Matisse). A dependência de Pollock – física,

agora, tanto quanto psicológica – só o tornou mais ressentido e

enciumado da volta de Krasner à arte. Sua impotência física, e o fato de

todos perceberem o que a causara, deixou ainda mais claro que ele era

impotente também em outros sentidos.

Qualquer que fosse a batalha invisível que travava, Pollock estava

agora visivelmente derrotado. Um ano depois, o tornozelo quebrou de

novo após uma outra briga desgovernada. Mas, de alguma maneira,

aquela primeira fratura íntima – De Kooning aterrissando por cima de

Pollock, Pollock levando a pior – veio a representar a nova realidade do

relacionamento entre os dois.

PERTO DO FIM da vida de Pollock, Robert Motherwell estava dando uma

festa em sua residência no Upper East Side de Manhattan. De Kooning,

Franz Kline e cerca de sessenta outras pessoas estavam lá. Pollock não

fora convidado.
“Eu sabia que havia um esforço para substituir Pollock por eles [De

Kooning, Kline e outros membros do The Club], e … não queria que ele

ficasse bêbado e violento e quebrasse tudo”, explicou Motherwell.

“Todos tinham chegado e a festa estava no auge quando a campainha

tocou. Pollock, com ar encabulado, perguntou se podia entrar … Ele

estava absolutamente sóbrio. De Kooning e Kline estavam altos, e

começaram a caçoar de Pollock dizendo que ele já não era o tal etc. Ele

tinha todo o direito de se embebedar ou de esmurrá-los, mas, na

realidade, aguentou o tranco. Obviamente, tinha tomado a decisão de

manter a cabeça fria, e pouco depois foi embora … Que maneira

estranha de ver Pollock pela última vez.”

NO ÚLTIMO ANO de sua vida, 1956, Pollock estava visivelmente

desintegrando-se diante de um mundo perplexo e fascinado. Ele era o

artista mais famoso dos Estados Unidos, mas não pintava nada fazia

dezoito meses. As pessoas apareciam na Cedar Tavern, onde ele ia beber

depois das sessões com seu terapeuta mais recente, e tentavam tocar nele

para ter sorte. Pagavam-lhe bebidas na esperança de vê-lo representar

seu teatro – o que ele certamente fazia. Se havia um casal jantando no

bar, ele se sentava à mesa deles e – ignorando o homem – se

desmanchava em atenções confusas à mulher. Quando o homem

protestava, ele, num gesto teatral, varria com o braço a superfície da

mesa, derrubando o sal, a pimenta, as louças, o pote de creme, o queijo

ralado, o pão, os jogos americanos e as bebidas no chão. Era tudo uma

performance. Pollock sabia que era isso que esperavam dele. E,

comportando-se de acordo com as expectativas, era tudo o que

conseguia fazer.

Seu rosto, como mostram as fotografias, denunciava sua condição:

era viscoso e estranhamente desprovido de caráter. Seus olhos, que antes

vibravam com violenta determinação, pareciam fracos e dóceis, como


que resignados num subjacente estado de permanente pedido de

desculpas. Seu fígado, igualmente, estava doente e inchado, devastado

por anos de alcoolismo. Mas ele não conseguia parar de beber, e, na

realidade, estava bebendo mais do que nunca. Geralmente cerveja.

Uísque, também. E, então, qualquer coisa que despejassem em seu copo.

Junto com a bebida vinham ondas de lamento piegas, arrogância e

incoerência geral. Em companhia, ele tinha se tornado o impostor que

sempre temera secretamente que fosse. Nas festas e em outras ocasiões

sociais, era tratado como uma espécie de bufão, desprezado ou

sentimentalmente amado, mas sempre com certa reserva. Para quase

todos em seu círculo – de sua mulher aos amigos, seu marchand, os

críticos que haviam elogiado sua obra inovadora e o punhado de

colecionadores ousados que a compraram –, seu comportamento tinha se

tornado constrangedor.

Ele e Krasner tinham formado uma parceria formidável. Ainda que o

relacionamento tivesse passado por crises sucessivas, havia gerado

coisas admiráveis. A determinação de Krasner de manter-se no controle

de uma situação que havia anos vinha deslizando rumo ao caos fora

heroica, mas também, para muitos que a conheciam, desconcertante. Os

amigos se perguntavam se ela não teria exercido controle demais sobre

ele. Se a devoção à carreira do marido, sua necessidade aguerrida de

protegê-lo e promovê-lo, acabara sendo boa para ele ou para ela. Se isso

não os isolara mais ainda. De todo modo, depois de anos de insultos

psicológicos e até (segundo alguns) agressões físicas, ela chegara a um

limite. O que havia entre eles fora aos poucos completamente

envenenado. Mês após mês, ano após ano, o veneno se acumulara, até

não ser mais suportável.

E ENTÃO, no verão de 1956, Pollock, como que para espicaçar Krasner –

mas também, talvez, por outros tipos de desespero –, começou um caso


com uma jovem glamorosa. Seu nome era Ruth Kligman.

Aparentemente, não havia nada sério entre eles. Kligman era artista e

estudante de arte. Além disso, estava tentando abrir uma galeria. No

círculo dos artistas de vanguarda e dos conhecidos de Pollock e Krasner

que os promoviam, ela era uma estranha, até aparecer certo dia na Cedar

Tavern. Kligman se relacionava com as pessoas em torno dela de uma

maneira atabalhoada. O escritor John Gruen disse que ela “parecia uma

Elizabeth Taylor mais cheia e mais alta”, e “se via como uma estrela de

cinema”. Usava vestidos justos e tinha um jeito sedutor, sussurrante, que

atraía os homens e desagradava às mulheres. Elaine de Kooning a

chamava de “pink mink” [vison rosa].

Mas se Ruth Kligman de alguma forma agia com cálculo no que

dizia respeito aos homens que atraía, também era tímida e ingênua.

Apegada a uma noção bastante romântica de gênio criativo, almejava

algum contato com esse tipo de gente. Quando Pollock, inchado, com o

olhar fulminante, adentrou a Cedar Tavern, a maioria das pessoas

percebeu o clima. Para Kligman, “ele era monumental e mágico”. “Um

gênio entrou, e todos sabíamos”, ela escreveu em suas memórias, Love

Affair. “Soou a trombeta, o maior dos matadores chegava…”

Kligman nunca havia tido um namorado. Ao contrário de muitas

artistas e várias esposas e namoradas de artistas que constituíam a cena

agitada e boêmia de downtown, ela se sentia indefesa sem um par. O

alvoroço e os tapinhas nas costas da Cedar Tavern (“Finalmente eu

estava num grupo de artistas de verdade”, escreveu ela) a forçavam a um

silêncio deslumbrado. Ela se sentia deslocada, e em algum nível como

uma fraude.

E talvez tenha sido isso que fez com que Pollock se atraísse por ela.

Pois também ele se sentia um impostor, inseguro e indefeso – “um

molusco sem a concha”, como ele mesmo disse. Também ele era
sexualmente inexperiente (Krasner fora sua única parceira de longa

duração). Também ele era obcecado com a ideia de gênio.

Os dois começaram a se encontrar. Pollock a exibia na frente de

Krasner. Ele teria ficado com as duas se pudesse, e na verdade se

comportava quase como se estivesse esperando ser avisado de que não

podia. Certa manhã, Krasner viu Kligman saindo do estúdio que ficava

ao lado da casa em Long Island, e imediatamente deixou clara sua

posição: o novo relacionamento não era algo que iria tolerar. Pollock

teria de escolher. Mas ele continuou a ignorar a realidade, e no final

Krasner não teve outra escolha senão agir. Resolveu viajar para a

Europa, deixando Pollock e Kligman livres e soltos.

Durante um breve período, os amantes estavam eufóricos. Pollock se

sentia livre da presença controladora, frustrada e sufocante de Krasner.

Kligman, por sua vez, estava finalmente livre para realizar seu sonho

adolescente de estar com um grande artista sem ter de pensar no fato de

que ele era casado com Krasner (e se sentia desamparado sem ela).

Mas, previsivelmente, depois de algumas semanas de felicidade, o

caos e a baixa autoestima que sempre se revolviam nas margens da

psique de Pollock transbordaram. Krasner não fora capaz de fazer

qualquer coisa a respeito disso. E agora, tampouco Kligman.

Na noite de 11 de agosto, dirigindo bêbado e em alta velocidade pela

Fireplace Road às dez e meia da noite, com duas passageiras no

automóvel, Kligman e sua amiga Edith Metzger, Pollock perdeu o

controle da direção. O carro, um Oldsmobile conversível de 1950 que ele

havia comprado recentemente num impulso, deu uma guinada para fora

da estrada e bateu em dois olmos. O impacto o matou na mesma hora.

Também matou Metzger.

Kligman foi a única sobrevivente.


NO FUNERAL DE POLLOCK, De Kooning foi um dos últimos a ir embora.

Depois, foi para a casa do artista Conrad Marca-Relli, não longe da

Fireplace Road. Incapazes de encontrar o dono, os cães de Pollock

foram até lá. “Fiquei arrepiado”, lembrou Marca-Relli. “Eu disse alguma

coisa e Bill respondeu: ‘Tudo bem. Basta. Já vi Jackson em seu túmulo.

E ele está morto. Acabou. Sou o número um.’”

Ele saiu até o jardim, onde mais tarde foi encontrado em lágrimas.

DE KOONING, agora, era sem dúvida o número um. Mas é claro que, para

a maioria das pessoas, ele já tinha se tornado o primeiro há algum

tempo. Claramente, enquanto Pollock estava vivo, De Kooning –

bastante consciente de sua dívida com o colega pintor – não tinha essa

convicção.

Agora não podia haver dúvida.

Ou será que podia? De Kooning comportava-se como se ainda

tivesse algo a provar. Um ano depois da morte de Pollock, começou um

caso com a ex-namorada de seu amigo morto, Ruth Kligman. Os

conhecidos e amigos estavam espantados. A notícia era o equivalente de

um sonho que, depois que se acorda, parece de interpretação tão

evidente que deixa o sonhador constrangido. “Sair com Ruth”, como

disse um observador, “realmente pôs uma pedra sobre o túmulo de

Jackson.”

O relacionamento entre De Kooning e Kligman durou vários anos –

muito mais tempo do que o namorico breve e predestinado ao fracasso

entre ela e Pollock. No entanto, talvez porque não tivesse o drama

romântico que a morte violenta havia imposto ao relacionamento de

Kligman com Pollock, parecia não ter a mesma relevância para ambas as

partes. Quando Kligman escreveu posteriormente Love Affair, não foi

sobre o tempo que passou com De Kooning – foi sobre seu tempo muito
mais breve com Pollock. De Kooning, do mesmo modo, quando Jeffrey

Potter lhe perguntou sobre Kligman muitos anos depois, respondeu que

ela “devia gostar muito dele [Pollock]”. E, em seguida, baixando o tom:

“Ela também gostou de mim, mais tarde. Realmente gostou, mas não

como uma grande paixão ou qualquer coisa do tipo”, prosseguiu,

falando dos sentimentos de Kligman por ele.

TRÊS ANOS DEPOIS da morte de Pollock, De Kooning e Kligman passaram

o verão e o outono na Europa. As coisas entre eles começavam a se

deteriorar. De Kooning estava lutando com o mesmo problema que havia

assolado Pollock. Cinco anos antes, quase ninguém fora de um círculo

de amantes da arte em Manhattan ouvira falar nele. Ele era um imigrante

ilegal que nem sequer tinha uma conta no banco. Agora era

internacionalmente famoso. A incessante adulação, as noitadas, o

excesso de bebida – que agora eram constantes a um grau extremo – o

estavam minando. Ele vivia irritado, e essa irritabilidade recaía com

frequência em pura beligerância.

Assim como Pollock havia feito em intervalos regulares durante sua

vida adulta, De Kooning começou a perambular pelas ruas de noite,

provocando discussões desnecessárias, que não raro se tornavam

violentas. Ele incitou uma mulher a bater em sua cabeça com uma

garrafa; arrancou os dentes de um homem com um soco, motivando um

processo judicial.

Agora, na Europa com Kligman, ele discutia e brigava. Os amantes

se separaram em Veneza e se reencontraram depois em Roma – a Roma

de Fellini. Foram fotografados por paparazzi quando foram a um hotel e

de lá a uma casa noturna. E ali, nas primeiras horas da madrugada,

começaram a brigar.
“Foi absolutamente horrível”, Gabriella Drudi, uma amiga que

estava lá, contou a Stevens e Swan. “Eles gritavam um com o outro. Por

fim, Bill disse: ‘Por que você não entra lá no túmulo do seu Jackson

Pollock e fica com ele?’ … E Ruth disse: ‘Eu fiquei dois meses com

Jackson Pollock mas ele está com ciúme.’”

OS ÚLTIMOS ANOS da década de 1950 viram De Kooning alcançar o tipo

de endosso quase universal que Pollock tinha almejado, e de modo

improvável atingido, mas desfrutado apenas muito brevemente. Thomas

Hess falou da “école De Kooning” e escreveu a primeira monografia

sobre sua obra. Publicada em 1959, fazia parte de uma série chamada

Great American Artists. O passageiro clandestino holandês tornara-se

cidadão norte-americano no mesmo momento em que suas pinturas

estavam sendo enviadas ao exterior para representar o apogeu da cultura

visual norte-americana durante a Guerra Fria. Os críticos eram loucos

por seu estilo de pintura insolente, livre. A imprensa popular, também,

seguia a onda na aclamação de De Kooning e sua persona durona,

romântica.

Uma cena – muito maior e mais dinâmica do que o grupo íntimo dos

artistas de vanguarda dos anos 1930 e 1940 – havia se aglutinado e

formado uma espécie de massa crítica. De Kooning foi coroado seu rei.

“Ele levou toda uma geração com ele, como o flautista mágico”,

Greenberg observou posteriormente.

Melhor ainda: um mercado favorável para a pintura contemporânea

havia magicamente despontado. Na inauguração de sua exposição

individual na Sidney Janis Gallery, em 1959, os colecionadores

começaram a fazer fila do lado de fora por volta das 8h15 da manhã. Ao

meio-dia, dezenove das 22 pinturas da mostra estavam vendidas. De


Kooning, observou Fairfield Potter, “estava agora rico pela primeira vez

na vida”.

Mas ele não estava nada satisfeito. Mesmo no auge da adulação,

parecia cada vez mais acossado, frustrado e petulante. Sozinho no topo,

ele se comportava como se estivesse sob ameaça constante – do mesmo

modo que Pollock. E também sentia a falta dos colegas perdidos –

“irmãos imaginários” desaparecidos. Tinha saudades de Gorky, seu

velho aliado, há muito tempo falecido. E sentia a falta, obscuramente, de

Pollock. Mais do que qualquer um, Pollock teria compreendido o que De

Kooning estava passando; como era estar no topo da escala; que forças o

fustigavam ali e o faziam querer beber para esquecer.

Pois era isso que De Kooning estava fazendo agora. E não parou –

não parou por mais de três décadas (ele morreu em 1997). De Kooning

bebia para aplacar suas ansiedades e as palpitações do coração que elas

geravam. Certa vez, acordou Marca-Relli às duas da manhã, batendo em

sua porta e dizendo: “Santo Deus, acho que vou morrer. Não consigo

parar.” Marca-Relli contou a Stevens e Swan que o médico de De

Kooning lhe dissera para se acalmar: “Você está hiperansioso. Essa ideia

de pintar uma figura e destruí-la … isso está fazendo mal a você.” Nas

décadas seguintes, De Kooning foi periodicamente hospitalizado; ele

sabotava seus relacionamentos, um depois do outro, através do álcool e

da infidelidade, e seu corpo era submetido a todo tipo de ignomínia,

desde pés inchados a ponto de não conseguir calçar os sapatos a

tremores tão violentos que não lhe permitiam assinar seu nome. “Não

esqueça”, disse Marca-Relli, De Kooning “podia desenhar como Ingres e

pintar com a qualidade delicada de qualquer mestre. E, no entanto, ele

teve de eliminar tudo isso, destruir tudo, tirar da frente, todas essas

pinceladas violentas.”
A VIDA DE De Kooning foi longa, mas sua ascendência, como a de

Pollock, foi supreendentemente breve. No começo dos anos 1960, sua

reputação estava em eclipse. Uma nova geração de artistas estava

surgindo, e tinha pouco interesse no tipo de pintura que ele fazia –

menos ainda na retórica grandiloquente que a sustentava. Cada vez mais,

a aura heroica em torno de De Kooning, o “action painter”, parecia

propensa ao ridículo. Ele era um alvo volumoso, prepotentemente

inflado, pedindo para ser espetado. A geração mais jovem – a começar

por Robert Rauschenberg (que convenceu De Kooning a lhe dar um

desenho para que ele o apagasse e apresentasse como seu com o título

Desenho de De Kooning apagado) e Jasper Johns, seguidos pelos

artistas pop, depois os minimalistas, os artistas conceituais etc. – era

mais ou menos alérgica à ideia da pintura de cavalete conduzida com

paixão e seriedade. Suas predileções eram mais frias, mais cerebrais,

mais intelectuais. Eles não tinham interesse pelas personalidades

desmedidas dos expressionistas abstratos e pela mitificação galopante de

seus promotores. Para eles, o modo magistral de De Kooning usar o

contorno e a cor, seu relacionamento ardente com a tinta a óleo, seu

amor pela paisagem, o mar e todas as coisas sensuais e viscerais

pareciam coisas do passado.

Ironicamente, a reputação póstuma de Pollock disparou. Estava

definhando – se não desabando – enquanto ele ainda vivia. Mas a morte

o purificou, tornou-o novamente elegível para a santificação. Mais

importante: sua obra começou a parecer cada vez mais relevante e até

inesperadamente presciente. Do ponto de vista conceitual, técnico e

espiritual, pulsava com possibilidades, e para gerações sucessivas de

artistas estava sempre a sugerir novos caminhos. O método de Pollock

de dançar em volta da tela estendida no chão, por exemplo, atacando-a

de todos os lados, inspirou novos modos da arte experimental da

performance. O hiato entre seu gesto e a superfície que ele marcava


conferia a suas pinturas uma qualidade objetiva curiosa: os pintores

color field, os abstracionistas hard edge, os minimalistas e mesmo os

artistas da land art o consideravam poderoso, e em vários aspectos um

antídoto à autoexpressão histriônica, desleixada, que eles percebiam no

estilo de De Kooning.

A cada novo desdobramento na arte de vanguarda e a cada ano que

passava, Pollock parecia sempre mais merecedor de sua reputação como

revolucionário, pioneiro. De Kooning, por outro lado, parecia bastante

admirável, mas, de alguma forma, levemente desgastado – alguém que

operava com valentia no fim de uma tradição, e não com ousadia,

inaugurando uma nova era.

Refletindo sobre as obras desses dois artistas, Irving Sandler chamou

De Kooning de “o pintor” e Pollock de “o gênio”.

DE KOONING TINHA consciência de tudo isso. Ele era o pintor, instintivo

e sensual, e não tentava escondê-lo – nem mesmo quando as correntes

históricas estavam contra ele. Numa era que celebrava cada vez mais a

frieza, o minimalismo e a impessoalidade na arte, ele estava mais do que

feliz em ir contra a corrente. “A arte nunca me torna pacificado ou

puro”, ele disse em 1951. “Sempre tenho a impressão de estar envolto no

melodrama da vulgaridade.”

Sua pintura sempre fora mais carnal do que a de Pollock. “A carne”,

disse ele numa famosa frase, “é a razão pela qual a tinta a óleo foi

inventada.” Era uma atitude com que Francis Bacon e Lucian Freud,

entre outros, se identificariam profundamente.

A HISTÓRIA DA VIDA de De Kooning pós-Pollock não é apenas a história

de uma longa série de avanços audaciosos como pintor, ou de um corpo

de obra tão ousado, tão expressivo e tão ambicioso que finalmente


transcendeu os modismos e a atmosfera de seu momento histórico.

Também é, tristemente, a história de uma concatenação infindável de

bebedeiras autodestrutivas.

Mas também é algo mais: é a história de uma vida que nunca foi

totalmente “pós-Pollock”, e que talvez nunca pudesse ser. De Kooning

não só tinha uma dívida com Pollock como uma forte relação de

admiração e rivalidade para se esquecer dele. Toda sua atitude para com

Pollock foi profundamente ambivalente. Ele viveu sua própria vida, que

decerto não foi restringida nem definida por Pollock. Mas, através de seu

relacionamento com Kligman, e mesmo de sua mudança em 1963 para

Springs – para uma casa exatamente em frente ao cemitério em que

Pollock está enterrado –, ele parecia inclinado a manter uma conexão

com seu amigo e rival.


PRANCHA 1

Lucian Freud, Retrato de Francis Bacon, 1952.


PRANCHA 2

Francis Bacon, Pintura, 1946.


PRANCHA 3

Lucian Freud, Garota com gatinho, 1947 (óleo sobre tela).


PRANCHA 4

Lucian Freud, Garota na cama, 1952.


PRANCHA 5

Francis Bacon, Duas figuras, 1953.


PRANCHA 6

Edgar Degas, Monsieur e Madame Édouard Manet, c.1868-69.


PRANCHA 7

Edgar Degas, Interior (O estupro), c.1868-69.


PRANCHA 8

Édouard Manet, O repouso, c.1870-71, óleo sobre tela, 150,2 × 114 cm.
PRANCHA 9

Édouard Manet, A execução do imperador Maximiliano, 1867-68.


PRANCHA 10

Henri Matisse, Mulher com chapéu, 1905.


PRANCHA 11

Henri Matisse, Retrato de Marguerite, 1907, 65 × 54 cm.


PRANCHA 12

Pablo Picasso, Les demoiselles d’Avignon, 1907.


PRANCHA 13

Jackson Pollock, Catedral, 1947.


PRANCHA 14

Willem de Kooning, Escavação, 1950.


Lista de ilustrações

Preto e branco

FIG. 1

Lucian Freud, pôster WANTED, 2001 (litografia em cores).

Coleção particular/© The Lucian Freud Archive/Bridgeman Images.

FIG. 2

Lucian Freud, Estudo de Francis Bacon, 1951.

Coleção particular. © Lucian Freud/ Lucian Freud Archive/ Bridgeman Art Library.

FIG. 3

Francis Bacon, Retrato de Lucian Freud, 1951 (óleo sobre tela).

Whitworth Art Gallery, The University of Manchester, Reino Unido/Bridgeman Images. © The

State of Francis Bacon. Todos os direitos reservados/Artists Rights Society (ARS), Nova

York/DACS, Londres.

FIG. 4

Willem de Kooning, Autorretrato com irmão imaginário, c.1938, lápis sobre papel, 33,3 × 26

cm.

Coleção Kravis. © 2016 The Willem de Kooning Foundation/Artists Rights Society (ARS), Nova

York.

Lâminas coloridas

PRANCHA 1

Lucian Freud, Retrato de Francis Bacon, 1952.

Tate, Londres/Art Resource, NY. © The Estate of Lucian Freud. Todos os direitos

reservados/Artists Rights Society (ARS), Nova York/DACS, Londres.

PRANCHA 2

Francis Bacon, Pintura, 1946.


Imagem digital © The Museum of Modern Art/Licenciado por SCALA/Art Resource, NY. ©

2016 The Estate of Francis Bacon/Artists Rights Society (ARS), Nova York/DACS, Londres.

PRANCHA 3

Lucian Freud, Garota com gatinho, 1947 (óleo sobre tela).

Coleção particular/© The Lucian Freud Archive/Bridgeman Images.

PRANCHA 4

Lucian Freud, Garota na cama, 1952.

Coleção particular/© The Lucian Freud Archive/Bridgeman Images.

PRANCHA 5

Francis Bacon, Duas figuras, 1953.

Coleção particular. © The Estate of Francis Bacon. Todos os direitos reservados, DACS 2016.

Foto: Prudence Cuming Associates Ltd.

PRANCHA 6

Edgar Degas, Monsieur e Madame Édouard Manet, c.1868-69.

Museu Municipal de Arte de Kitakyushu.

PRANCHA 7

Edgar Degas, Interior (O estupro), c.1868-69.

Philadelphia Museum of Art. Acréscimo #1986-26-10. Coleção Henry P. McIlhenny em

memória de Frances P. McIlhenny, 1986.

PRANCHA 8

Édouard Manet, O repouso, c.1870-71, óleo sobre tela, 150,2 × 114 cm.

Legado da sra. Edith Stuyvesant Vanderbilt Gerry. 59.027. Museum of Art, Providence, Rhode

Island, EUA/Bridgeman Images.

PRANCHA 9

Édouard Manet, A execução do imperador Maximiliano, 1867-68.

National Gallery, Londres. NG3294. © National Gallery, Londres/Art Resource, NY.

PRANCHA 10

Henri Matisse, Mulher com chapéu, 1905.

San Francisco Museum of Modern Art. Foto cortesia AMP. © 2015 Sucessão H. Matisse/Artists

Rights Society (ARS), Nova York.


PRANCHA 11

Henri Matisse, Retrato de Marguerite, 1907, 65 × 54 cm.

RF1973-77. Foto: René-Gabriel Ojéda. © Sucessão H. Matisse/Artists Rights Society (ARS),

Nova York.

PRANCHA 12

Pablo Picasso, Les demoiselles d’Avignon, 1907.

Museum of Modern Art, Nova York. © Sucessão Picasso/Artists Rights Society (ARS), Nova

York. Imagem digital © The Museum of Modern Art/Licenciado por SCALA/Art Resource, NY.

PRANCHA 13

Jackson Pollock, Catedral, 1947.

Dallas Museum of Art, Texas, EUA. Doação do sr. e da sra. Bernard J. Reis/Bridgeman Images.

© 2016 Pollock-Krasner Foundation/Artists Rights Society (ARS), Nova York.

PRANCHA 14

Willem de Kooning, Escavação, 1950.

Art Institute of Chicago, Illinois, EUA. De Agostini Picture Library/M. Carrieri/Bridgeman

Images. © 2016 The Willem de Kooning Foundation/Artists Rights Society (ARS), Nova York.
Agradecimentos e fontes

Várias importantes biografias e catálogos de exposição foram

fundamentais para que eu escrevesse este livro, e quero agradecer os

autores, curadores e instituições relevantes por tornarem publicamente

disponíveis as histórias e a informação neles contidas de maneira tão

fina, apaixonante e confiável. Recomendo incondicionalmente os livros

pertinentes a todos os leitores interessados nos temas que tratei.

Para o capítulo sobre Freud e Bacon: Michael Peppiatt, catálogo de

exposição, Francis Bacon in the 1950’s (New Haven e Londres: Yale

University Press, 2006); Michael Peppiatt, biografia Francis Bacon:

Anatomy of an Enigma (Nova York: Skyhorse Publishing, 2009); e

William Feaver, catálogo de exposição, Lucian Freud (Londres: Tate

Publishing, 2002).

Para o capítulo sobre Manet e Degas: Roy McMullen, Degas: His

Life, Times, and Work (Boston: Houghton Mifflin, 1984); Degas,

catálogo da exposição organizada por Jean Sutherland Boggs com

Douglas W. Druick, Henri Loyrette, Michael Pantazzi e Gary Tinterow

(Nova York e Ottawa: Metropolitan Museum of Art e National Gallery

of Canada, 1988); e Manet 1832-1883, catálogo da exposição

organizada por François Cachin e Charles S. Moffett com Michel Melot

(Nova York: Metropolitan Museum of Art, 1983).

Para o capítulo sobre Matisse e Picasso: Hilary Spurling, The

Unknown Matisse: A Life of Henri Matisse, vol.1, 1869-1908 (Londres:

Hamish Hamilton, 1998) e Matisse the Master: A Life of Henri Matisse,

vol.2, The Conquest of Color, 1909-1954 (Londres: Hamish Hamilton,


2005); John Richardson, A Life of Picasso, vol.1, 1881-1906 (Londres:

Pimlico, 1992) e A Life of Picasso, 1907-1917: The Painter of Modern

Life, vol.2 (Londres: Pimlico, 1997); e Matisse Picasso, catálogo da

exposição organizada por Elizabeth Cowling, John Golding, Anne

Baldassari, Isabelle Monod-Fontaine, John Elderfield e Kirk Varnedoe

(Londres: Tate Publishing, 2002).

Para o capítulo sobre Pollock e De Kooning: Mark Stevens e

Annalyn Swan, De Kooning: An American Master (Nova York: Alfred

A. Knopf, 2005); John Elderfield, catálogo de exposição, De Kooning: A

Retrospective (Nova York: Museum of Modern Art, 2011); Steven

Naifeh e Gregory White Smith, Jackson Pollock: An American Saga

(Aiken, SC: Woodward/White, 1989); e Kirk Varnedoe e Pepe Karmel,

catálogo de exposição, Jackson Pollock (Nova York: Museum of Modern

Art, 1998).

Além desses livros, fui inspirado e provocado por dois magníficos

ensaios. O primeiro, “A Lesson from Michelangelo”, de James Fenton,

foi publicado em The New York Review of Books em 23 de março de

1993; o segundo, “Judas’ Gift”, de Adam Phillips, apareceu na London

Review of Books 34, n.1, em 5 de janeiro de 2012.

Gostaria de expressar minha dívida com a Newport Beach Public

Library Foundation, especialmente Janet Hadley e Tracy Keys, cujo

generoso convite para uma palestra cristalizou a ideia para este livro.

Faço um agradecimento especial também a meus primeiros leitores,

David Ebershoff, Cecily Gayford, Andrew Franklin, Caitlin McKenna,

Michael Heyward, Rebecca Starford, Sam Nicholson, Thomasine Berg,

William Feaver, Andrea Rose, minha maravilhosa agente Zoe

Pagnamenta e, acima de tudo, minha esposa, Jo Sadler. Apoio moral e

estímulo foram fornecidos ao longo do processo por Daniel Crewe,

Jeremy Eichler, James Parker, Geordie Williamson, Royal Hansen,

Susan Hamilton, Adam Gopnik, Helen A. Harrison, Ben e Judy


Watkins, Anne Dunn, William Corbett, Mark Feeney, Peter Schjeldahl,

George Shackelford, Rebecca Ostriker, Veronica Roberts, Michael Smee,

Ann-Margret Smee, Stephanie Smee, Margery Sabin, Dan Chiasson e

William Cain, entre outros. Meus profundos agradecimentos a todos.

Outros livros e fontes que forneceram informações valiosas estão

listados a seguir por capítulo:

Lucian Freud e Francis Bacon

Livros

Bernard, Bruce e Derek Birdsall. Lucian Freud. Londres: Jonathan Cape, 1996.

Blackwood, Caroline, Anne Dunn, Robert Hughes, John Russell e “um velho amigo”. Lucian

Freud Early Works (catálogo de exposição). Nova York: Robert Miller Gallery, 1993.

Bowery, Leigh e Angus Cook. Lucian Freud: Recent Drawings and Etchings. Nova York:

Matthew Marks Gallery, 1993.

Connolly, Cressida. The Rare and the Beautiful: The Lives of the Garmans. Londres: Harper

Perennial, 2005.

Debray, Cecil. Lucian Freud: The Studio (catálogo de exposição). Paris: Éditions du Centre

Pompidou/Munique: Hirmer Verlag GmbH, 2010.

Farson, Daniel. The Gilded Gutter Life of Francis Bacon. Londres: Vintage, 1993.

Feaver, William. Lucian Freud (catálogo de exposição). Milão: Electa, 2005.

________ . Lucian Freud. Nova York: Rizzoli, 2007.

________ . Lucian Freud Drawings (catálogo de exposição). Londres: Blain/Southern, 2012.

Figura, Starr. Lucian Freud: The Painter’s Etchings (catálogo de exposição). Nova York:

Museum of Modern Art, 2007.

Freud, Lucian. Some Thoughts on Painting. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 2010.

Gale, Matthew e Chris Stephens. Francis Bacon (catálogo de exposição). Londres: Tate

Publishing, 2008.

Gayford, Martin. Man in a Blue Scarf: On Sitting for a Portrait by Lucian Freud. Londres:

Thames & Hudson, 2010.

Gowing, Lawrence. Lucian Freud. Londres: Thames & Hudson, 1984.

Grieg, Geordie. Breakfast with Lucian: A Portrait of the Artist. Londres: Jonathan Cape, 2013.

Hauser, Kitty. This Is Francis Bacon. Londres: Laurence King Publishing, 2014.
Hoban, Phoebe. Lucian Freud: Eyes Wide Open. Nova York: New Harvest/Houghton Mifflin

Harcourt, 2014.

Howgate, Sarah, Michael Auping e John Richardson. Lucian Freud Portraits. Londres: National

Portrait Gallery, 2012.

Howgate, Sarah, Martin Gayford e David Hockney. Lucian Freud: Painting People. Londres:

National Portrait Gallery, 2012.

Hughes, Robert. Lucian Freud Paintings. Londres: Thames & Hudson, 1989.

Kenjiro, Hosaka, Masuda Tomohiro e Suzuki Toshiharu. Francis Bacon (catálogo de exposição).

Tóquio: National Museum of Modern Art, 2013.

Kimmelman, Michael. Portraits. Nova York: Modern Library, 1999.

Lampert, Catherine. Lucian Freud: Early Works 1940-58 (catálogo de exposição). Londres:

Hazlitt Holland-Hibbert, 2008.

Lycett, Andrew. Ian Fleming: A Biography. Londres: Orion Publishing, 2009.

Muir, Robin. John Deakin/Photographs. Munique, Paris, Londres: Schirmer/Mosel, 1996.

Ordovas, Pilar. Girl: Lucian Freud (catálogo de exposição). Londres: Ordovas, 2015.

Penny, Nicholas e Robert Flynn Johnson. Lucian Freud Works on Paper. Londres: Thames &

Hudson, 1989.

Plante, David. Becoming a Londoner: A Diary. Nova York, Londres: Bloomsbury, 2013.

Poole, Francis. Everybody Comes to Dean’s. Nova York: Poporo Press, 2012.

Richardson, John. Sacred Monsters, Sacred Masters. Londres: Jonathan Cape, 2001.

Russell, John. Lucian Freud (catálogo de exposição). Londres: Arts Council of Great Britain,

1974.

________ . Francis Bacon. Londres: Thames & Hudson, 1979.

Schoenberger, Nancy. Dangerous Muse: The Life of Lady Caroline Blackwood. Cambridge, MA:

Da Capo Press, 2002.

Seipel, Wilfried, Barbara Steffen e Christoph Vitali (orgs.). Francis Bacon and the Tradition of

Art (catálogo de exposição). Milão: Skira, 2003.

Smee, Sebastian. Lucian Freud Drawings 1940. Nova York: Matthew Marks Gallery, 2003.

________ . Lucian Freud 1996-2005. Londres: Jonathan Cape, 2005.

________ . Lucian Freud. Colônia: Taschen, 2007.

________ . Lucian Freud on Paper. Londres: Jonathan Cape, 2008.

Smee, Sebastian, David Dawson e Bruce Bernard. Freud at Work. Londres: Jonathan Cape,

2006.

Sylvester, David. The Brutality of Fact: Interviews with Francis Bacon. Londres: Thames &

Hudson, 1993. [Ed. bras.: Entrevistas com Francis Bacon: a brutalidade do fato, trad. Maria
Teresa Resende Costa. São Paulo: Cosac Naify, 2007.]

________ . Looking Back at Francis Bacon. Nova York: Thames & Hudson, 2000.

Wishart, Michael. High Diver: An Autobiography. Londres: Blond & Briggs, 1977.

Artigos, filmes e websites

Blackwood, Caroline. “On Francis Bacon 1909-1992”, New York Review of Books, 24 set. 1992

Jones, Jonathan. “Bringing Home the Bacon”, Guardian, 22 jun. 2001.

Kimmelman, Michael. “Titled Bohemian; Caroline Blackwood”, New York Times Magazine, 2

ago. 1995.

Lampert, Catherine. “The Art of Conversation”, Financial Times, 30 nov. 2011.

Mundy, Jennifer. “Off the Wall”, Gallery of Lost Art, galleryoflostart.com.

Overton, Tom. “British Council Venice Biennale”, https://venicebiennale.britishcouncil.org.

Sylvester, David. “All the Pulsations of a Person”, Independent, 24 out. 1993.

Wright, Randall. Lucian Freud: Painted Life (documentário). Reino Unido, 2012.

Édouard Manet e Edgar Degas

Livros

Alsdorf, Bridget. Fellow Men: Fantin-Latour and the Problem of the Group in Nineteenth-

Century French Painting. Princeton, NJ, e Oxford: Princeton University Press, 2013.

Armstrong, Carol. Manet Manette. New Haven, CT: Yale University Press, 2002.

________ . Odd Man Out: Readings of the Work and Reputation of Edgar Degas. Los Angeles:

Getty Research Institute, 2003.

Baudelaire, Charles. The Flowers of Evil, org. Marthiel Matthews e Jackson Matthews. Nova

York: New Directions, 1989. [Ed. bras.: As flores do mal, trad. Ivan Junqueira. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 2006.]

________ . Intimate Journals. Londres: Picador, 1989.

________ . The Painter of Modern Life and Other Essays. Londres: Phaidon, 1995. [Ed. bras.:

“O pintor da vida moderna”, em A modernidade de Baudelaire, trad. Suely Cassal. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1988.]

Benjamin, Walter. The Writer of Modern Life: Essays on Charles Baudelaire. Cambridge, MA, e

Londres: Belknap Press of Harvard University Press, 2006.

Bernstein, Joseph M. Baudelaire, Rimbaud, Verlaine: Selected Verse and Prose Poems. Nova

York: Citadel Press, 1993.


Brombert, Beth Archer. Edouard Manet: Rebel in a Frock Coat. Chicago: University of Chicago

Press, 1996.

Brookner, Anita. The Genius of the Future: Essays in French Art Criticism. Nova York: Cornell

University Press, 1971.

Calasso, Roberto. La Folie Baudelaire. Londres: Allen Lane, 2012.

Clark, T.J. The Painting of Modern Life: Paris in the Art of Manet and His Followers. Princeton,

NJ: Princeton University Press, 1984. [Ed. bras.: A pintura da vida moderna: Paris na arte

de Manet e de seus seguidores, trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Companhia das Letras,

2004.]

Cogeval, Guy, Stéphane Guegan e Alice Thomine-Berrada. Birth of Impressionism:

Masterpieces from the Musée d’Orsay. San Francisco: Fine Arts Museums of San Francisco

e DelMonico Books, 2010.

Cohn, Marjorie Benedict e Jean Sutherland Boggs. Degas at Harvard. Cambridge, MA: Harvard

University Art Museums, 2005.

Coven, Jeffrey. Baudelaire’s Voyages: The Poet and His Painters. Boston: Bullfinch Press, 1993.

Cuno, James e Joachim Kaak (orgs.). Manet Face to Face (catálogo de exposição). Londres:

Courtauld Institute of Art, 2004.

DeVonyar, Jill e Richard Kendall. Degas and the Dance (catálogo de exposição). Nova York:

Harry N. Abrams/American Federation of the Arts, 2002.

Dumas, Ann, Colta Ives, Susan Alyson Stein e Gary Tinterow. The Private Collection of Edgar

Degas (catálogo de exposição). Nova York: Metropolitan Museum of Art, 1997.

Elderfield, John. Manet and the Execution of Maximilian (catálogo de exposição). Nova York:

Museum of Modern Art, 2006.

Groom, Gloria. Impressionism, Fashion, and Modernity (catálogo de exposição). Chicago: Art

Institute of Chicago, 2012.

Guegan, Stéphane. Manet: Inventeur du Moderne (catálogo de exposição). Paris: Musée

d’Orsay/Gallimard, 2011.

Hamilton, George Heard. Manet and His Critics. New Haven, CT: Yale University Press, 1954.

Havemeyer, Louisine W. Sixteen to Sixty: Memoirs of a Collector. Nova York: Ursus Press, 1993.

Higonnet, Anne. Berthe Morisot. Nova York: Harper Perennial, 1999.

Jones, Kimberly A. Degas Cassatt. Washington, DC: National Gallery of Art, 2014.

Kendall, Richard (org.). Degas by Himself. Londres: Time Warner, 2004.

Leighton, John. Edouard Manet: Impressions of the Sea (catálogo de exposição). Ams­
terdã: Van

Gogh Museum, 2004.

Locke, Nancy. Manet and the Family Romance. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2001.
McGrady, Patrick J. Manet and Friends (catálogo de exposição). University Park, PA: Palmer

Museum of Art, 2008.

Meyers, Jeffrey. Impressionist Quartet: The Intimate Genius of Manet and Morisot, Degas and

Cassatt. Orlando, FL: Harcourt, 2005.

Rabinow, Rebecca A. (org.). Cézanne to Picasso: Ambroise Vollard, Patron of the Avant-Garde

(catálogo de exposição). Nova York, Metropolitan Museum of Art, 2006.

Reff, Theodore. Degas: The Artist’s Mind (catálogo de exposição). Nova York: Metropolitan

Museum of Art, 1976.

________ . Manet and Modern Paris (catálogo de exposição). Washington, DC: National

Gallery of Art, 1982.

Rewald, John. The History of Impressionism. Nova York: Museum of Modern Art, 1973. [Ed.

bras.: História do impressionismo, trad. Jefferson Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

1991.]

Richardson, John. Edouard Manet: Paintings and Drawings. Nova York: Phaidon, 1958.

Robins, Anna Gruetzner e Richard Thomson. Degas, Sickert, and Toulouse-Lautrec, London and

Paris 1870-1910. Londres: Tate Britain, 2005.

Stevens, MaryAnne. Manet: Portraying Life (catálogo de exposição). Londres: Royal Academy

of Arts, 2012.

Tinterow, Gary e Geneviève Lacambre. Manet/ Velázquez: The French Taste for Spanish Painting

(catálogo de exposição). Nova York, Metropolitan Museum of Art, 2002.

Tinterow, Gary e Henri Loyrette. Origins of Impressionism (catálogo de exposição). Nova York:

Museum of Modern Art, 1994.

Valéry, Paul. Degas, Manet, and Morisot. Nova Jersey: Princeton University Press, 1989.

Wilson-Bareau, Juliet. Manet by Himself. Londres: Time Warner Books, 2004.

Wilson-Bareau, Juliet e David C. Degener. Manet and the American Civil War (catálogo de

exposição). Nova York: Metropolitan Museum of Art, 2003.

________ . Manet and the Sea (catálogo de exposição). Filadélfia: Philadelphia Museum of Art,

2003.

Artigos

Broude, Norma. “Degas’s ‘Misogyny’”, Art Bulletin 59, n.1 (mar. 1977), p.95-107.

________ . “Edgar Degas and French Feminism, ca. 1880: ‘The Young Spartans,’ the Brothel

Monotypes, and the Bathers Revisited”, Art Bulletin 70, n.4 (dez. 1988), p.640-59.

Shelton, Andrew Carrington. “Ingres Versus Delacroix”, Art History 23, n.5 (dez. 2000), p.726-

42.
Henri Matisse e Pablo Picasso

Livros

Aagesen, Dorthe e Rebecca Rabinow. Matisse: In Search of True Painting. Nova York:

Metropolitan Museum of Art, 2012.

Bishop, Janet, Cecile Debray e Rebecca Rabinow. The Steins Collect: Matisse, Picasso, and the

Parisian Avant-Garde. New Haven, CT, e San Francisco: Yale University Press e San

Francisco Museum of Modern Art, 2011.

Bois, Yves-Alain. Matisse and Picasso (catálogo de exposição). Paris: Flammarion, 1998.

Cowling, Elizabeth. Picasso Style and Meaning. Londres: Phaidon, 2002.

D’Alessandro, Stephanie e John Elderfield. Matisse: Radical Invention 1913-1917 (catálogo de

exposição). Chicago: Art Institute of Chicago com Museum of Modern Art, Nova York, e

Yale University Press, 2010.

Danchev, Alex. Georges Braque: A Life. Londres: Hamish Hamilton, 2005.

Elderfield, John. Henri Matisse: A Retrospective. Nova York: Museum of Modern Art, 1992.

Flam, Jack. Matisse on Art. Oxford: Phaidon, 1990.

________ . Matisse and Picasso: The Story of Their Rivalry and Friendship. Nova York: West-

view, 2003.

Gilot, Françoise. Matisse and Picasso: A Friendship in Art. Londres: Bloomsbury, 1990. [Ed.

bras.: Matisse e Picasso, trad. J.E. Smith Caldas. São Paulo: Siciliano, 1992.]

Gowing, Lawrence. Matisse. Londres: Thames & Hudson, 1996.

Klein, John. Matisse Portraits. New Haven, CT: Yale University Press, 2001.

Kosinski, Dorothy, Jay McKean Fisher e Steven Nash. Matisse: Painter as Sculptor (catálogo de

exposição). Baltimore e Dallas: Baltimore Museum of Art e Dallas Museum of Art, 2007.

Leal, Brigitte, Christine Piot e Marie-Loure Bernadac. The Ultimate Picasso. Nova York: Harry

N. Abrams, 2000.

Matisse, Henri e Pierre Courthion. Chatting with Henri Matisse: The Lost 1941 Interview. Los

Angeles: Getty Research Institute, 2013.

McBreen, Ellen. Matisse’s Sculpture: The Pinup and the Primitive. New Haven, CT: Yale

University Press, 2014.

Olivier, Fernande. Loving Picasso: The Private Journal of Fernande Olivier. Nova York: Harry

N. Abrams, 2001.

Percheron, Rene e Christian Brouder. Matisse: From Color to Architecture. Nova York: Harry N.

Abrams, 2004.
Read, Peter. Picasso and Apollinaire: The Persistence of Memory. Berkeley: University of

California Press, 2008.

Richardson, John. Picasso and the Camera. Nova York: Gagosian Gallery, 2014.

Rishel, Joseph J. (org.). Gauguin, Cézanne, Matisse: Visions of Arcadia (catálogo de exposição).

Filadélfia: Philadelphia Museum of Art, 2012.

Robinson, William H. Picasso and the Mysteries of Life: “La Vie”. Cleveland: Cleveland

Museum of Art, 2012.

Rubin, William. “Primitivism” in 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern

(catálogo de exposição). Nova York: Museum of Modern Art, 1984.

Spurling, Hilary. La Grande Thérèse: The Greatest Scandal of the Century. Berkeley:

Counterpoint Press, 2000.

Stein, Gertrude. Picasso: The Complete Writings. Boston: Beacon, 1970.

________ . The Autobiography of Alice B. Toklas. Nova York: Vintage, 1990. [Ed. bras.: A

autobiografia de Alice B. Toklas, trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Cosac Naify, 2009.]

Stein, Leo. Appreciation: Painting, Poetry, and Prose. Lincoln: University of Nebraska Press,

1996.

Wineapple, Brenda. Sister Brother: Gertrude and Leo Stein. Nova York: Putnam, 1996.

Filme

Bruce, Christopher e Waldemar Januszczak. Picasso: Magic, Sex, Death, apresentado por John

Richardson. Londres: Channel 4, 2001.

Willem De Kooning e Jackson Pollock

Livros

Agee, William C., Irving Sandler e Karen Wilkin. American Vanguards: Graham, Davis, Gorky,

de Kooning, and Their Circle, 1927-1942 (catálogo de exposição). Andover: Addison

Gallery of American Art, 2011.

Anfam, David. Abstract Expressionism. Londres: Thames & Hudson, 1990.

Emmerling, Leonhard. Jackson Pollock 1912-1956. Colônia: Taschen, 2003.

Gaugh, Harry F. De Kooning. Nova York: Abbeville, 1982.

Hess, Barbara. Willem de Kooning 1904-1997: Content as a Glimpse. Colônia: Taschen, 2004.

Hess, Thomas B. Willem de Kooning (catálogo de exposição). Nova York: Museum of Modern

Art, 1968.
Jachec, Nancy. Jackson Pollock: Works, Writings, and Interviews. Barcelona: Ediciones

Polígrafa, 2011.

Kleeblatt, Norman L. (org.). Action/Abstraction: Pollock, de Kooning and American Art, 1940-

1976 (catálogo de exposição). Nova York: Jewish Museum, 2008.

Kligman, Ruth. Love Affair: A Memoir of Jackson Pollock. Nova York: Cooper Square Press,

1999.

O’Connor, Francis V. Jackson Pollock (catálogo de exposição). Nova York: Museum of Modern

Art, 1967.

O’Hara, Frank. Art Chronicles 1954-1966. Nova York: Venture, 1975.

Perl, Jed. New Art City. Nova York: Alfred A. Knopf, 2005. [Ed. bras.: New Art City: Nova York,

capital da arte moderna, trad. Vera Pereira e Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das

Letras, 2008.]

Perl, Jed (org.). Art in America 1945-1970: Writings from the Age of Abstract Expressionism,

Pop Art, and Minimalism. Nova York: Library of America, 2014.

Pollock, Sylvia Winter e Francesca Pollock. American Letters 1927-1947: Jackson Pollock and

Family. Cambridge, Reino Unido: Polity Press, 2011.

Potter, Jeffrey. To a Violent Grave: An Oral Biography of Jackson Pollock. Wainscott, NY:

Pushcart Press, 1987.

Rosenberg, Harold. The Anxious Object: Art Today and Its Audience. Nova York: Horizon Press,

1964. [Ed. bras.: Objeto ansioso, trad. Vera Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2004.]

Solomon, Deborah. Jackson Pollock: A Biography. Nova York: Cooper Square Press, 2001.

Temkin, Ann. Abstract Expressionism at the Museum of Modern Art: Selections from the

Collection (catálogo de exposição). Nova York: Museum of Modern Art, 2010.

Toynton, Evelyn. Jackson Pollock. New Haven, CT: Yale University Press, 2012.

Artigos e websites

“Jackson Pollock: Chronology”, Museum of Modern Art, New York,

www.moma.org/interactives/exhibitions/1998/pollock/website100/chronology.html.

Schjeldahl, Peter. “Shifting Picture”, New Yorker, 26 set. 2011.

Geral

Goffen, Rona. Renaissance Rivals: Michelangelo, Leonardo, Raphael, and Titian. New Haven,

CT: Yale University Press, 2005.


Ilchman, Frederick. Titian, Tintoretto, Veronese: Rivals in Renaissance Venice. Boston: Museum

of Fine Arts, 2009.

Scholem, Gershom. Walter Benjamin: The Story of a Friendship. Nova York: New York Review

of Books, 2003. [Ed. bras.: Walter Benjamin: a história de uma amizade, trad. Geraldo

Gerson de Souza, Natan Norbert Zins e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.]

Nesta edição, utilizamos as traduções indicadas para as seguintes citações:

1: Charles Baudelaire. “Salão de 1846” in Charles Baudelaire: poesia e prosa. Org. Ivo Barroso.

Diversos tradutores. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

1-2: Charles Baudelaire. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

2006.

1: Philip Roth. A marca humana. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Com­
panhia das

Letras, 2002.

1: Clement Greenberg. Clement Greenberg e o debate crítico. Org. Glória Ferreira e Cecilia

Cotrim. Diversos tradutores. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

1: Leo Steinberg. Outros critérios. Trad. Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
Índice

As páginas em itálico correspondem às ilustrações.

Abramovich, Roman, 1

Abrams, Ruth, 1

Academia de Belas-Artes e Ciências Aplicadas, Roterdã, 1

action painting, 1-2, 3, 4; ver também pintura drip

Agnew, Thomas, 1

“American Action Painters” (Rosenberg), 1-2, 3

American Artists School, Nova York, 1

Apollinaire, Guillaume, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

Art Institute of Chicago, 1

Art of This Century, galeria, Nova York, 1-2, 3, 4, 5

Art Students League, Nova York, 1, 2

arte africana, 1, 2-3, 4, 5

arte nativa norte-americana, 1

artistas conceituais, 1

artistas pop, 1

ARTNews, 1, 2

Astruc, Zacharie, 1

Auden, W.H., 1
Auerbach, Frank, 1-2, 3

Auping, Michael, 1

Aurevilly, Barbey d’, 1

Autobiografia de Alice B. Toklas, A (Stein), 1

Backward Son, The (Spender), 1

Bacon, Eddy, 1, 2

Bacon, Francis, 1-2, 3, 4, 5

adolescência em Paris, 1

ambivalência de, 1-2

aparência, 1, 2

atitude com a vida, 1, 2-3

babá de, 1, 2-3, 4

caráter e personalidade, 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8

casa e estúdio de Londres, 1, 2, 3

comparação com De Kooning, 1

criatividade e turbilhão pessoal (1952-53), 1-2

definição de arte, 1

Degas e, 1-2, 3

deslocamento psíquico e, 1

dispositivos usados por, 1-2, 3-4, 5

e a bebida, 1, 2, 3-4, 5

elucidação de sua arte, 1-2

em Long Cottage, de Lacy, 1


em Monte Carlo (1946), 1-2, 3

em Tânger (1956), 1-2

exposições, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7

fama e aclamação crítica, 1-2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9

fotografia e, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11-12

Freud como rival e/ou amigo, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9-10, 11, 12, 13,

14-15, 16, 17-18, 19, 20

Freud compra sua pintura, 1

Freud e Caroline Blackwood, 1-2

Freud e o realismo, 1-2, 3

Freud influenciado por, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11-12, 13-14, 15,

16, 17, 18, 19

Freud retratado por, 1-2, 3, 4, 5-6

Freud vê pela primeira vez o trabalho de, 1-2, 3

hábitos de trabalho, 1, 2, 3, 4-5

homossexualidade e, 1, 2-3

ilusões detestadas por, 1-2

infância, família e educação, 1-2

influência de Freud sobre, 1

influência de Picasso sobre, 1, 2

influência na arte moderna, 1-2

influências sobre, 1-2, 3, 4-5

inovação na pintura, 1-2

jogo e, 1, 2-3

meados do século, período de inovação, 1-2


melhor período (1962-76), 1, 2

modo de trabalho na criação artística, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10

na Bienal de Veneza (1954), 1

origens do estilo característico de, 1-2

perambulações no Soho, em Londres, 1, 2, 3

período de convulsão (1951-55), 1

pinturas de Lacy, 1-2, 3

primeiro “manifesto”, 1

primeiro encontro com Freud, 1

realismo e, 1-2

relacionamento com Eric Hall, 1, 2, 3, 4, 5

relacionamento com George Dyer, 1

relacionamento com Peter Lacy, 1, 2-3, 4-5, 6, 7

retrato de Freud pintado por, vendido por valor recorde, 1

retrato e, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9

retrato famoso de Freud, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9

rompimento de Freud com, causa desconhecida, 1

rompimento de Freud com, por causa de Lacy, 1-2, 3, 4

séquito cult, 1

suporte financeiro a Freud, 1, 2

Tate, exposição retrospectiva (1962), 1, 2

Velázquez como influência, 1, 2, 3

— obras:

Crucificação, 1
Duas figuras, 1-2, 3

oito pinturas baseadas em Retrato do papa Inocêncio X, de

Velázquez, 1

Pintura, 1, 2, 3

Retrato de Lucian Freud, 1-2, 3

Três estudos de figuras ao pé de uma crucificação, 1

Bacon, Winnie Firth, 1

Balthus, 1

Banville, Théodore de, 1

Barnes, Djuna, 1

Barr, Alfred, 1, 2, 3

Bataille, Georges, 1

Batignolles, grupo, 1-2, 3-4

Baudelaire, Charles, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7-8, 9-10, 11, 12-13, 14, 15, 16, 17

Bazille, Frédéric, 1, 2-3

Baziotes, William, 1

Beaton, Cecil, 1

Belcher, Muriel, 1

Bennett, Ward, 1

Benton, Rita, 1, 2, 3, 4

Benton, Thomas Hart, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7

Bérard, Christian, 1, 2

Berenson, Bernard, 1

Berenson, Mary, 1

Berlim, Alemanha, 1, 2
Bernadotte, Jean-Baptiste (posteriormente Carlos XIV da Suécia), 1, 2

Betty Parsons Gallery, Nova York, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Bienal de Veneza (1950), 1

Bienal de Veneza (1954), 1, 2

Biographia Literaria (Coleridge), 1

Bizet, Georges, 1, 2

Blackwood, Caroline, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8, 9

bonde chamado desejo, Um (Williams), 1

Bonnard, Pierre, 1, 2

Bowery, Leigh, 1

Bowles, Paul, 1

Braider, Carol e Donald, 1

Brancusi, Constantin, 1

Braque, Georges, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8-9

British Council, 1

pôster WANTED do retrato roubado e, 1-2, 3

retrospectiva de Freud e, 1, 2, 3

roubo do retrato de Bacon pintado por Freud e, 1-2

Brookeborough, visconde, 1

Bryanston (escola), Inglaterra, 1, 2

Buhler, Bobby, 1

Bultman, Fritz, 1, 2

Bunce, Louis, 1

Burckhardt, Rudy, 1
Burgess, Gelett, 1

Burroughs, William, 1

Café de Londres, Paris, 1

Café Guerbois, Paris, 1-2, 3

Café Tortoni, Paris, 1

Calmon, Camille, 1

Camus, Madame, 1

Características das emoções (LeBrun), 1

Carmen (Mérimée), 1

Casagemas, Carles, 1-2

Cassatt, Mary, 1

Cassino Royale (Fleming), 1

Cedar Tavern, Nova York, 1, 2, 3, 4, 5

Central School of Art, 1

Cézanne, Paul, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

cubismo e, 1

Três banhistas, 1, 2

Champfleury, 1, 2, 3

Cherry, Herman, 1

Chesneau, Ernest, 1

Churchill, Randolph, 1

Citkowitz, Israel, 1

Clark, Kenneth, 1, 2-3


Claudel, Camille, 1

Claus, Fanny, 1

Coates, Robert, 1-2

Cocteau, Jean, 1, 2, 3

colecionadores de arte, 1-2, 3; ver também Guggenheim, Peggy; Stein,

Gertrude; Stein, Leo; colecionadores específicos

Coleridge, Samuel Taylor, 1

Collioure, França, 1, 2-3, 4, 5, 6-7

Colony Room (de Muriel), Londres, 1, 2, 3, 4

color field, 1

Connolly, Cyril, 1, 2, 3

“convite à viagem, O” (Baudelaire), 1

Cooper Union, Nova York, 1

Corot, Camille, 1, 2, 3

Courbet, Gustave, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7

Couture, Thomas, 1, 2, 3

Coward, Noël, 1

cubismo, 1, 2, 3-4, 5

Curtiss, Mina, 1

Daily Mail, 1

Dalí, Salvador, 1

Dartington, escola, Inglaterra, 1

Daumier, Honoré, 1

David, Elizabeth, 1
Davis, Stuart, 1

Dawson, David, 1

De Chirico, Giorgio, 1

De Kooning, Cornelia Nobel, 1-2

De Kooning, Elaine Fried, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

De Kooning, Leendert, 1-2

De Kooning, Marie, 1, 2

De Kooning, Willem:

afastamento da família, 1

ansiedade de, 1

apartamento, Carmine Street, Nova York, 1

apoiadores de, 1, 2, 3-4, 5

Bacon comparado a, 1

bebida e, 1-2, 3, 4-5, 6

caráter e personalidade, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8-9

casamento com Elaine Fried, 1, 2-3, 4

casas e estúdios em Long Island, 1-2, 3, 4

crítico Greenberg e, 1

crítico Rosenberg e, 1-2, 3

declínio da reputação, 1-2

desenvolvimento como artista, 1-2, 3-4, 5-6

elogios de, 1-2

estilo e maneira de pintar, 1-2, 3, 4-5, 6

estúdios em Nova York, 1-2, 3-4


exposição individual na Charlie Egan Gallery, 1

exposição na McMillen, 1

exposição na Sidney Janis Gallery (1959), 1

exposições, 1, 2, 3, 4

expressionismo abstrato e, 1

falta de vendas, 1, 2

fama e, 1-2, 3

Gorky e, 1-2, 3, 4

habilidade no desenho e aprendizado clássico, 1, 2-3, 4-5, 6-7

infância e educação, 1-2

influência de Picasso sobre, 1-2, 3

influência de Pollock sobre a arte de, 1, 2, 3-4

influência de, 1

influências sobre, 1

luta de, 1-2, 3

marchand Sidney Janis e, 1

morte de Pollock e, 1-2

namoro com Nini Diaz, 1

namoro com Ruth Kligman, 1-2, 3-4, 5

pobreza de, 1, 2, 3

Pollock admirado por, 1-2, 3

Pollock como rival ou amigo, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11, 12-13,

14, 15-16, 17, 18

primeiro encontro com Pollock, 1-2, 3-4

primeiros anos de luta e experimentação na arte, 1-2, 3-4, 5-6


relacionamento com Lee Krasner, 1, 2-3

resenhas críticas, 1

riqueza a partir das vendas e, 1

série Great American Artists e, 1

significado do nome, 1

sobre arte, 1

sobre Pollock, 1-2, 3, 4

sucesso de, 1, 2

tema para arte e, 1

temperamento para a evasão, 1

vai para os Estados Unidos como passageiro clandestino, 1, 2

— obras:

Autorretrato com irmão imaginário, 1-2, 3, 4, 5, 6

Escavação, 1, 2, 3, 4

série Mulher, 1-2, 3-4, 5-6

De Nittis, Giuseppe, 1

De Stijl, 1

Deakin, John, 1-2, 3-4, 5, 6

Debienne, Laurent “Gaston de la Baume”, 1

Degas, Auguste, 1, 2, 3

família Manet e, 1-2, 3

Degas, Célestine Musson, 1

Degas, Edgar, 1

arte colecionada por, 1-2


autorretratos, 1, 2-3

caráter e personalidade, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9

como anglófilo, 1

como solteiro, 1, 2-3, 4, 5

dandismo e, 1

desejo de isolamento, 1

desenvolvimento como artista, 1-2

Duranty e, 1-2

em Londres (1871), 1-2

entrada de diário, 1

esculturas de Degas na coleção de Freud, 1, 2

estilo e maneira de pintar, 1-2, 3, 4-5, 6

família Morisot e, 1-2, 3, 4-5, 6-7

golpe de Manet em Monsieur e Madame Édouard Manet, 1, 2, 3-4,

grupo Batignolles e, 1

habilidade para o desenho, 1, 2

infância e educação, 1-2

influência de Courbet e de contemporâneos, 1

influência de Delacroix, 1-2, 3

influência de Ingres, 1-2, 3

influência de Manet sobre, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8-9

inovação na pintura, 1

Manet como modelo de, 1, 2, 3


Manet como rival ou amigo, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11, 12-13,

14-15

Manet, diferenças com, 1-2

Manet, primeiro encontro, 1, 2

marchand de Londres para, 1-2

marchand Vollard e, 1

mentalidade monástica, 1, 2, 3

metáfora sobre arte e estupro, 1

método de trabalho, 1

morte de, 1-2, 3

mulheres e, 1-2

música, músicos e, 1-2

na Itália, Moreau e, 1

noção em relação à verdade, 1-2, 3, 4

o retrato e, 1, 2-3, 4

pastéis, método de trabalho em, 1

pinturas de Manet colecionadas por, 1, 2, 3-4

primeiras pinturas, 1, 2

realismo e, 1

recursos repetidos na arte de, 1

rejeição do sistema oficial, 1, 2

relacionamento com Suzanne Manet, 1, 2

relações entre homens e mulheres como tema, 1-2, 3

restauro de A execução do imperador Maximiliano, de Manet, e, 1

retratos de, pintados por outros, 1


rostos, obsessão com, 1-2, 3

sobre pintura, 1, 2

tema para, 1, 2, 3-4, 5

trabalhos comprados por Leo Stein, 1

transformação da arte e, 1

virtuosismo de, 1

— obras:

A família Bellelli, 1-2, 3, 4

A filha de Jefté, 1

Cena de guerra na Idade Média, 1, 2

Interior (O estupro), 1, 2, 3, 4, 5, 6

Jovens espartanos exercitando-se, 1

Jovens espartanos, 1

Monsieur e Madame Édouard Manet, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9-10, 11,

12, 13-14, 15, 16

Mulher sentada ao lado de um vaso de flores, 1, 2, 3, 4

Semíramis construindo Babilônia, 1

Degas, Hilaire, 1-2

Delacroix, Eugène, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11

Delectorskaya, Lydia, 1

Deleuze, Gilles, 1

Delvau, Alfred, 1

Demetrion, James, 1

Denby, Edwin, 1, 2-3, 4, 5

Denis, Maurice, 1
Derain, André, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Desnoyers, Fernand, 1

Dial, The, 1

Diamond, Harry, 1

Diaz, Virginia “Nini”, 1

Dihau, Désiré e Marie, 1

Downs, Cile, 1

Drudi, Gabriella, 1

Duccio, 1

Duchamp, Marcel, 1, 2, 3, 4

Duhrssen, Betsy, 1

Dunn, Anne, 1, 2, 3, 4

Dunn, Sir James, 1

Duranty, Edmond, 1, 2, 3-4, 5

Duret, Théodore, 1

Duval, Jeanne, 1

Dyer, George, 1

East Anglian School of Painting and Drawing, Inglaterra, 1

Egan, Charles, 1, 2-3, 4, 5

Eisenstein, Sergei, 1

Eliot, T.S., 1

Encounter, revista, 1

Encouraçado Potemkin, O (filme), 1


Epstein, Jacob, 1

Epstein, Kitty, 1-2

Ernst, Max, 1, 2

Exposição Universal (1867), 1, 2

Exposição Universal (1900), 1-2

expressionismo abstrato, 1, 2, 3

Fagus, Félicien, 1

Fantin-Latour, 1, 2, 3, 4, 5, 6

Farson, Daniel, 1, 2, 3, 4

fauvismo, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Feaver, William, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Fénéon, Félix, 1-2

Fenton, James, 1, 2

Fillonneau, Ernest, 1

fisiognomonia, 1-2

Fleming, Ian, 1, 2

Florentin, Laure “Germaine”, 1-2

flores do mal, As (Baudelaire), 1

“As joias”, 1-2

Fontdevila, Josep, 1, 2

fotografia e cinema, 1

atitude de Freud com, 1

em Paris (anos 1860), 1


utilização por Bacon de, 1-2, 3, 4-5, 6, 7-8

ver também Muybridge, Eadweard

Fournier, Édouard, 1

Fragonard, Jean-Honoré, 1

Freud, Lucian, 1, 2, 3

afastamento de Bacon, causa desconhecida, 1

afastamento de Bacon, por causa de Lacy, 1-2, 3, 4

ajuda financeira de Bacon a, 1, 2

amizade do autor com, 1

aparência, 1, 2

apoiadores e sucesso crítico, 1-2

aquisição pela Tate Gallery de sua arte, 1, 2

atitude em relação à vida, 1

aumento da popularidade, 1-2, 3, 4, 5, 6

Bacon apresentado a, 1

Bacon como modelo para, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9-10, 11-12, 13

Bacon como rival ou amigo, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9-10, 11, 12, 13,

14-15, 16, 17-18, 19, 20

cabeça de zebra usada em pintura, 1-2

caracterização de, por Sir Herbert Read, 1

caráter e personalidade, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11

casamento com Kitty Garman, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7

Degas e, 1, 2

descrição por Russell de, 1

desenvolvimento como artista, 1-2, 3, 4-5


em Paris (1946), 1, 2

em Paris (1952), 1-2

em Paris (1954), 1-2

enquanto judeu, 1

estilo pessoal de, 1-2, 3, 4

estúdio em Delamere Terrace, 1

estúdio em Holland Park, 1-2

experiência de posar para, 1-2, 3-4

exposição retrospectiva na Tate (1990), 1-2

exposição retrospectiva no British Council (1987), 1, 2-3

exposições, 1-2, 3, 4-5, 6-7

famosos retratos por, 1

filhos de, 1, 2, 3

fotografia e, 1

galerias para, 1

Geschichte Aegyptens (livro de fotografias) e, 1

hábitos e métodos de trabalho, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11

infância e educação, 1-2, 3-4, 5-6

influência de Bacon sobre, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11-12, 13-14,

15, 16, 17, 18, 19

influência de Courbet, 1

inovação na pintura, 1-2, 3-4

jogo e, 1-2, 3, 4, 5

juvenília e estilo inicial, 1, 2-3, 4

libido e sexualidade de, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8


manifesto: Algumas reflexões sobre a pintura, 1-2

modelos para, 1

moradias em Londres, 1, 2, 3, 4

morte de, 1

na Bienal de Veneza (1954), 1-2

na Jamaica (1952), 1

namoro com Anne Dunn, 1, 2, 3, 4

namoro com Lorna Wishart, 1-2, 3

namoro e casamento com Caroline Blackwood, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8

no norte do País de Gales (1940), 1

o retrato e, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14

obra de Bacon vista pela primeira vez por, 1, 2

paixão pelo risco, 1-2, 3

perambulações no Soho, em Londres, 1, 2

Picasso e, 1-2

pintura como registro de um relacionamento em processo, 1-2

pintura de Bacon de amantes masculinos e, 1, 2, 3

pintura vendida pelo mais alto valor por um artista vivo, 1

pinturas de Lorna Wishart, 1-2

predecessores de, 1

primeira exposição individual, 1

priorado em Dorset, 1, 2

realismo e, 1, 2, 3, 4

relacionamento com a mãe, 1, 2


representações de coisas mortas, 1, 2, 3-4

retratos de George Dyer, 1

retratos de Kitty, 1-2

riqueza de Blackwood e, 1, 2, 3

roubo de seu retrato de Bacon da Neue Nationalgalerie, Berlim, 1-

2, 3, 4

Stephen Spender e, 1-2, 3

tipo de artista, 1

— obras:

A supervisora dormindo, 1

Autorretrato (inacabado), 1

Estudo de Francis Bacon, 1

Garota com cachorro branco, 1, 2, 3

Garota com casaco escuro, 1

Garota com folhas, 1

Garota com gatinho, 1, 2, 3

Garota com rosas, 1

Garota lendo, 1-2

Garota na cama, 1, 2, 3

Interior em Paddington, 1, 2

pôster WANTED, 1-2, 3, 4

Quarto de hotel, 1-2, 3-4, 5

Retrato de Francis Bacon, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8, 9

Retrato de John Minton, 1-2

Freud, Sigmund, 1, 2
Fried, Conrad, 1

Fry, Roger, 1

Galerie Druet, Paris, 1

Galerie Martinet, Paris, 1

Galerie Roland Petit, Paris, 1

Gargoyle Club, Londres, 1, 2

Garman, Kitty, 1-2, 3, 4, 5

retratos pintados por Freud, 1-2

Gauguin, Paul, 1, 2, 3

De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?

Gautier, Théophile, 1

Géricault, Théodore, 1

Giacometti, Alberto, 1, 2

Giacometti, Diego, 1, 2

Giambologna, 1

Gidding, Jay, 1

Gil Blas, revista, 1

Ginsberg, Allen, 1

Giorgione, Concerto campestre, 1

Giotto, 1

Golberg, Mécislas, 1-2, 3

Gonzalès, Eva, 1, 2

Gorky, Agnes Magruder, 1, 2


Gorky, Arshile, 1-2, 3, 4, 5, 6

casamento com Agnes Magruder, 1

O artista e sua mãe, 1-2

Gósol, Espanha, 1-2

Gowing, Lawrence, 1, 2, 3, 4

Goya, Francisco, 1

Graham, John (Ivan Gratianovich Dom­


bróvski), 1-2, 3, 4

Grand Palais, Paris, 1

Grande Depressão, 1

Works Progress Administration (WPA), 1, 2, 3, 4, 5, 6

Greenberg, Clement, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10-11, 12-13, 14

Greenwich Village, Nova York, 1

Gris, Juan, 1, 2

Gruen, John, 1

Guerbois, Auguste, 1-2

Guerra Civil Espanhola, 1, 2

Guggenheim Museum, Nova York, 1, 2, 3

Guggenheim, Peggy, 1, 2, 3, 4-5

coleção de arte e, 1, 2

De Kooning e, 1

galeria de, 1-2

mudança para Veneza, 1, 2

mural de Pollock encomendado por, 1, 2

Pollock e, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
Guggenheim, Solomon, 1

Guillemet, Antoine, 1

Guinness, Maureen, 1, 2, 3

Guinness, Perdita, 1, 2

Guston, Philip, 1

Hall, Eric, 1, 2, 3, 4, 5

Hals, Frans, 1

Hanover Gallery, Londres, 1

Hardwick, Elizabeth, 1

Hartigan, Grace, 1

Havemeyer, Louisine, 1

Heller, Edwin, 1, 2

Hemingway, Ernest, 1

Henderson, dr. Joseph, 1

Hendrix, Jimi, 1

Hess, Thomas, 1

High Diver (M. Wishart), 1

Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington, 1, 2-3

Hitler, Adolf, 1

Hofmann, Hans, 1

Holmes, Charles, 1

Holmes, Martha, 1

homossexualidade:
Bacon e Duas figuras, 1-2

Bacon e, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9-10, 11, 12

Bacon em Tânger e, 1-2

Freud e, 1-2, 3, 4-5

Pollock e, 1-2

Honisch, Dieter, 1

Hoppé, E.O., 1

Horizon, revista, 1

Horn, Axel, 1

Hôtel La Louisiane, Paris, 1

House of Books and Music, East Hampton, NY, 1

Hughes, Robert, 1, 2, 3

Hugo, Victor, 1

Hulton Press, 1, 2

Hunter, Sam, 1

Huxley, Aldous, 1-2

Hyndman, Tony, 1-2

impressionismo, 1, 2, 3, 4

Ingres, Jean-Auguste-Dominique, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13-

14, 15, 16, 17

Isabella Stewart Gardner Museum, Boston, 1

Jack the Oysterman (restaurante), Nova York, 1-2

Jackson Pollock: An American Saga (Naifeh e Smith), 1


Jacob, Max, 1, 2, 3, 4, 5

James, William, 1

Jamot, Paul, 1

Japão:

coleção de Degas de arte e livros, 1

coleção de estampas dos Stein, 1

influência das estampas japonesas sobre a arte moderna, 1

Jewell, Edward Alden, 1

Joblaud, Camille, 1

Johns, Jasper, 1

Regrets, 1

Kadish, Reuben, 1

Kahlo, Frida, 1

Kahnweiler, Daniel-Henry, 1, 2, 3, 4

Kandinsky, Wassily, 1, 2

Kentish, David, 1

Keynes, John Maynard, 1, 2

Kiesler, Frederick, 1

Kimmelman, Michael, 1

Klee, Paul, 1, 2

Kligman, Ruth, 1, 2-3, 4-5, 6

Kline, Franz, 1, 2, 3, 4, 5

Kochno, Boris, 1
Krasner, Lee, 1-2, 3, 4, 5

Abstração, 1

casa-se com Pollock, 1-2, 3

De Kooning e, 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8

relacionamento com Pollock, 1, 2-3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10-11, 12, 13,

14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21-22

Kray, Ronnie, 1

“Kubla Khan” (Coleridge), 1

La Coruña, Espanha, 1

La Grande Thérèse: The Greatest Scandal of the Century (Spurling), 1

Lacy, Peter, 1, 2-3, 4-5, 6, 7

Lamothe, Louis, 1

land art, 1, 2

Lang, Fritz, 1

Lassooy, Koos, 1, 2, 3

Lavater, Johann Kaspar, 1

Le Figaro, 1

Le Père Sauvage (loja), Paris, 1

Le Réalisme, 1

LeBrun, Charles, 1

Lee, Laurie, 1

Leenhoff, Léon-Édouard Koëll, 1, 2-3, 4, 5, 6

como modelo de Manet, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

Lefevre Gallery, Londres, 1


Legros, Alphonse, 1

Leiris, Michel, 1

Leonardo da Vinci Art School, Nova York, 1

Les Arts, revista, 1

Lett-Haines, Arthur, 1, 2

Levy, Julien, 1

Liddell, Louise, 1

Life, revista:

artigo sobre arte moderna, 1-2

fotos e entrevista de Pollock na, 1-2

Lightfoot, Jessie, 1, 2-3, 4

Linda la Bouquetière, 1

Little, John, 1

Locke, Nancy, 1

Londres:

casa e estúdio de Bacon em Cromwell Place, 1, 2-3, 4

casas de Freud em, 1, 2, 3, 4

dandismo, 1

Degas em, 1-2

estúdio de Freud em Delamere Terrace, 1

estúdio de Freud em Paddington, 1

Manet em (1868), 1-2

multidão boêmia em, 1

perambulações de Bacon e Freud no Soho, 1, 2, 3, 4, 5


pós-guerra, 1

Warwick House de Ann Rothermere, 1

Louis-le-Grand (escola), Paris, 1

Louvre, Paris, 1, 2, 3, 4, 5, 6

Love Affair (Kligman), 1, 2

Lowell, Ivana, 1

Lowell, Robert, 1

Luce, Henry, 1

Luke, David, 1

Lumley, Charlie, 1

Madeleine Férat (Zola), 1-2

Magritte, René, 1

Maître, Edmond, 1

Mallarmé, Stéphane, 1, 2

Malraux, André, 1

Man Ray, 1, 2

Manet, Auguste, 1, 2, 3, 4, 5

Manet, Édouard, 1

admiradores de, 1-2

aparência, 1-2, 3

ataque ao retrato de Degas, 1, 2, 3-4, 5-6

ativismo político e arte de, 1-2

Baudelaire e, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8


Berthe Morisot como modelo, 1-2, 3-4, 5, 6

caráter e personalidade, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11, 12, 13, 14

como anglófilo, 1

controvérsia e críticas, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8

dandismo e, 1

Degas como rival ou amigo, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11, 12-13, 14-

15

Degas influenciado por, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7

desenhos feitos por Degas de, 1

em Boulogne-sur-Mer, 1

em Trouville, 1

envolvimento com Berthe Morisot, 1, 2, 3-4, 5, 6

envolvimento com Eva Gonzalès, 1, 2

envolvimento e casamento com Suzanne Leenhoff, 1, 2-3, 4, 5, 6,

7, 8, 9, 10, 11

escritores como amigos de, 1, 2; ver também Baudelaire, Charles

estilo e maneira de pintar, 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10

expondo no Salão dos Recusados, 1, 2

expondo no Salão, 1, 2, 3, 4, 5

exposições, 1, 2, 3

filho Léon, e, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7-8, 9, 10, 11, 12, 13

grupo Batignolles e, 1, 2, 3

habilidade no desenho, 1

infância e educação, 1-2, 3

influência de Courbet, 1-2


influência de Delacroix sobre, 1

influência sobre Monet, 1

método de trabalho, 1-2

morte de, 1, 2, 3

motivos característicos de, 1

noção em relação à verdade, 1-2, 3-4

obras colecionadas pelos Stein, 1, 2

“panteísmo” de, 1

perambulações por Paris, 1, 2-3, 4

pintado por Bazille, 1-2

pintado por Fantin-Latour, 1

pintura ao ar livre, 1

pinturas de Berthe Morisot, 1-2

primeiro encontro com Degas, 1, 2

produtividade de, 1-2, 3, 4

realismo e, 1-2, 3

recorte de A execução do imperador Maximiliano, 1

residência no distrito de Batignolles em Paris, 1

retrato pintado por Degas dele e de sua mulher, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8,

9-10, 11, 12, 13-14

retratos de Suzanne, 1, 2-3

rostos, tratamento dos, 1-2

soirées de quintas-feiras, 1, 2

tema para arte e, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8, 9

trabalhos de Degas não guardados por, 1


Velázquez como influência, 1, 2

viagem a Londres (1868), 1-2

vida secreta e tensão na arte de, 1

Zola e, 1

— obras:

A cantora das ruas, 1, 2, 3

A execução do imperador Maximiliano, 1, 2-3, 4

Almoço na relva, 1, 2-3

Chez Tortoni, 1

Cristo morto com anjos, 1

Incidente em uma tourada, 1

Jovem reclinada em traje espanhol, 1

Lola de Valence, 1

Menino com espada, 1

Mlle V… em traje de espada, 1

Música nas Tulherias, 1, 2

O balcão, 1

O bebedor de absinto, 1

O cantor espanhol, 1, 2-3, 4-5, 6

O suicida, 1

O pífaro, 1

O toureiro morto, 1

Olympia, 1, 2-3, 4

Manet, Eugène, 1-2


Manet, Eugénie-Desirée, 1, 2, 3-4, 5, 6

Manet, Léon ver Leenhoff, Léon-Édouard Koëlla

Manet, Suzanne, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7, 8-9, 10

retrato pintado por Degas de, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8, 9

retratos pintados por Manet de, 1, 2-3

Mann, Thomas, 1, 2

Mantegna, Andrea, 1

Manual Arts High School, Los Angeles, 1, 2, 3, 4

Marca-Relli, Conrad, 1, 2

Matisse, Amélie Parayre, 1, 2, 3, 4, 5, 6

Matisse, Henri, 1, 2, 3

aparência, 1, 2-3

arte africana e, 1-2

arte das crianças e, 1, 2, 3

arte de Picasso influenciada por, 1-2, 3-4, 5, 6-7, 8

ateliê de, 1, 2-3

aumento da popularidade, 1-2

caráter e personalidade, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7-8

casamento com Amélie, 1, 2

caso com Camille Joblaud, 1-2, 3-4

como professor de arte, 1-2, 3

cubismo e, 1, 2, 3-4

desenvolvimento como artista, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11

integração escolar, 1-2


dúvidas de, 1-2

elogios de, 1

em Collioure, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7-8

entrevista de Apollinaire, 1

escultura e, 1-2

esposa Amélie como modelo, 1-2

estilo e maneira de pintar, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9, 10-11, 12

estresse decorrente do fracasso, efeito sobre, 1-2, 3

exposições individuais, 1, 2

exposições, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7

fama e aclamação crítica, 1-2

família Stein (Leo, Gertrude, Michael e Sarah) e, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7-

8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15-16, 17, 18

fauvismo e, 1, 2, 3, 4, 5

filha Marguerite como modelo para, 1, 2, 3, 4-5

filha Marguerite, relacionamento com, 1-2

filhos de, 1

ideia de deformação, 1, 2-3, 4

ideia de harmonia, 1

importância de evitar escândalos e, 1

influência sobre a arte de vanguarda, 1-2

Les demoiselles de Picasso e, 1-2, 3, 4, 5

marchand Vollard e, 1, 2, 3-4, 5

Moreau e o aprendizado formal, 1, 2

morte de, 1
na Argélia (1906), 1, 2

na Itália, com os Stein, 1-2

Norte da África e, 1, 2

permuta de trabalhos com Picasso, 1-2

Picasso como rival ou amigo, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8, 9, 10, 11, 12-13,

14-15, 16-17

Picasso e apoiadores tornam-se hostis a, 1-2, 3-4

Picasso ultrapassa em proeminência, 1-2

pobreza de, 1, 2

primeira visita ao ateliê de Picasso, 1-2, 3, 4, 5, 6-7

residência em Paris, 1

Salão de Outono e, 1, 2, 3-4

Sarah Stein e, 1-2, 3

Shchukin e, 1-2

sobre pintura, 1

sobre rivais, 1

tema para, 1, 2, 3

— obras:

A alegria de viver, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10

Cabeça branca e rosa, 1-2

Jovem marinheiro II, 1, 2

Menina nua, 1

Mulher com chapéu, 1, 2-3, 4, 5

Nu azul, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7

O luxo, 1
Matisse, Jean, 1

Matisse, Marguerite, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11, 12

ano de nascimento, 1

como modelo de Matisse, 1, 2, 3, 4-5

família Stein e, 1

Picasso e, 1

retrato por Picasso de, 1

Matisse, Pierre, 1

Matta, Roberto, 1, 2

Mauclair, Camille, 1

Maximiliano, imperador do México, 1-2

McBride, Henry, 1, 2

McMillen Inc., Nova York, 1

McMullen, Roy, 1

Melly, George, 1-2

Mercer, George, 1

Mérimée, Prosper, 1

Metrópolis (filme), 1

Metropolitan Museum of Art, Nova York, 1, 2, 3

Metzger, Edith, 1

Meurent, Victorine, 1, 2, 3, 4

Michelangelo, 1

Millais, John Everett, 1

minimalistas, 1, 2
Minton, John, 1, 2, 3, 4-5

retrato pintado por Freud de, 1-2

Miró, Joan, 1, 2

Mitchell, Sue, 1

modernismo/arte moderna, 1, 2, 3, 4-5

arte abstrata versus imagens figurativas e, 1-2, 3

arte africana e, 1

arte das crianças e, 1, 2

busca de um público e, 1

colegas artistas como fonte de avaliação, 1, 2-3, 4

concepção de grandeza, era moderna, 1, 2-3, 4

declaração de Baudelaire sobre gênio e, 1

encontrando credibilidade na, 1, 2, 3

fotografia e, 1

ideias de Degas e, 1-2

influência das estampas japonesas, 1

influências dominantes sobre artistas nas décadas de 1970 e 1980,

intimidade versus singularidade na, 1, 2

Manet como líder da, na França, 1

mulheres na, 1

na Espanha, 1-2

na Grã-Bretanha, Bacon e, 1, 2-3, 4-5

nos Estados Unidos, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9

nos Estados Unidos, vanguarda pós-guerra, 1


perda dos critérios tradicionais de julgamento de valor, 1-2

pintura ao ar livre, 1

rivalidade na, 1, 2; ver também artistas específicos

sociedade industrializada e, 1

WPA e, 1-2

ver também artistas específicos; movimentos específicos

Modigliani, Amedeo, 1

Moffatt, Ivan, 1

Molière, 1

Mondrian, Piet, 1, 2

Monet, Claude, 1, 2, 3, 4

Monte Carlo, 1-2

Moore, George, 1

Moreau, Gustave, 1, 2

Morisot, Berthe:

casamento com Eugène Manet, 1-2

como modelo de Manet, 1-2, 3-4, 5, 6

envolvimento com Manet, 1, 2, 3-4, 5, 6

leque pintado por Degas para, 1

Morisot, Edma, 1, 2, 3, 4, 5, 6-7

Morisot, Yves, 1, 2

retrato pintado por Degas de, 1

Morris, Cedric, 1, 2

Morte em Veneza (Mann), 1


Moss, Kate, 1

Motherwell, Robert, 1

movimento modernista, Espanha, 1

Moynihan, Rodrigo, 1

Munro, Alice, 1

Musée du Luxembourg, Paris, 1

MoMA (Museu de Arte Moderna), Nova York, 1, 2, 3

obra de De Kooning comprada para, 1-2, 3

obra de Pollock comprada para, 1, 2

Museu Etnográfico do Trocadéro, 1, 2

Museu Municipal de Arte Kitakyushu, Japão, 1, 2

Museum of Non-Objective Painting, Nova York, 1, 2

Music Box, bar, Londres, 1

Musset, Alfred de, 1

Muybridge, Eadweard, 1, 2, 3, 4

Nadar, 1

Naifeh, Steven, 1, 2, 3, 4

Namuth, Hans, 1-2

Napoleão Bonaparte, 1

Napoleão III, 1, 2, 3-4

Nation, The, 1, 2, 3

National Academy of Design, Nova York, 1

National Gallery, Londres, 1, 2, 3


neoclassicismo, 1-2, 3-4

Neue Nationalgalerie, Berlim, 1-2, 3, 4

New York Review of Books, The, 1

New York Times Magazine, The, 1, 2-3

New York Times, The, 1

New Yorker, 1, 2

Newman, Arnold, 1

Nicholson, Ben, 1

No bosque da noite (Barnes), 1

Noailles, Marie-Laure de, 1

Nova York:

apartamento de De Kooning, Carmine Street, 1

apartamento de Pollock, East 8th Street, 1, 2

arte internacional em, 1

artistas em (décadas de 1930 e 1940), 1

bares frequentados por Pollock e De Kooning, 1, 2, 3-4, 5

cena de arte da vanguarda, 1-2, 3

estúdio de De Kooning, East 10th Street, 1

estúdio de De Kooning, West 21st Street, 1-2

exposição na McMillen, 1

Grande Depressão em, 1

modernismo em, 1, 2

surrealistas europeus em, 1

“The Club”, 1
O’Keeffe, Georgia, 1

Olivier, Fernande, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8-9, 10, 11, 12-13, 14, 15-16

adoção de Raymonde, 1-2, 3-4

onze mil varas, As (Apollinaire), 1

Oppi, Ubaldo, 1

Orozco, José Clemente, 1, 2

Prometeu, 1

Otis Institute, Los Angeles, 1

Pach, Walter, 1

Pagans, Lorenzo, 1

Pantuhoff, Igor, 1-2, 3, 4

Parayre, Catherine e Armand, 1

Paris, 1

artistas e escritores em (1946), 1

artistas e escritores em (anos 1860), 1-2

ateliê de Picasso no Bateau-Lavoir, 1, 2-3, 4-5, 6

ateliê de Picasso no Grands-Augustins, 1-2

Bacon em, 1

Bateau-Lavoir, 1, 2, 3, 4, 5, 6

cemitério de Montparnasse, 1-2

como capital do mundo, 1

de Manet, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7-8

expatriados em Montmartre, 1
Freud em, 1, 2, 3-4

multidão boêmia em, 1-2

música e o círculo de Manet, 1-2

ocupação prussiana de, 1

Picasso em (1946), 1

primeira viagem de Picasso a, 1

pseudociência da fisiognomonia em, 1-2

residência de Leo Stein em, 1

residência de Manet na rue de Saint-Pétersbourg, 1, 2

residência/ateliê de Matisse, 1, 2-3

residências da família Stein na rue de Fleurus e rue Madame, 1, 2,

3, 4, 5, 6, 7, 8

Parsons, Betty, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

Partisan Review, 1, 2

Pearn, Inez, 1

Pellerin, Jean, 1

Pepper, Curtis Bill, 1

Peppiatt, Michael, 1, 2, 3, 4-5

Percheron, Paul-Emile, 1, 2

Phillips, Adam, 1

Phillips, William, 1

Picasso, Conchita, 1-2, 3, 4

Picasso, Pablo, 1, 2

adoção de Raymonde, 1-2, 3-4, 5

aparência, 1, 2
arte africana e, 1, 2-3, 4, 5, 6

ateliê em Montmartre, 1, 2-3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10, 11, 12, 13-14, 15

ateliê no Grands-Augustins, 1-2

bande à Picasso, 1

caráter e personalidade, 1, 2, 3, 4

como líder da vanguarda, 1, 2

como prodígio, 1, 2, 3-4

cubismo e, 1-2

desenvolvimento como artista, 1, 2, 3, 4-5, 6-7

deslocamento psíquico e, 1

distorções escultóricas de, 1

dúvidas de, 1

em Paris (1946), 1

envolvimento com Eva Gouel, 1

envolvimento com Fernande Olivier, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8-9, 10, 11,

12-13, 14, 15-16

envolvimento com Germaine, 1-2

escultura ibérica e, 1, 2-3

estilo e maneira de pintar, 1, 2, 3

fases de, 1

filosofia criativa, 1-2

formas facetadas e, 1

Gertrude Stein e, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9, 10, 11

incidente com Freud e Caroline Blackwood, 1-2

infância na Espanha, 1
influência de Cézanne sobre, 1

influência de Matisse sobre a arte de, 1-2, 3-4, 5, 6-7

influência de poetas sobre, 1, 2-3, 4

influência de, 1, 2, 3, 4-5

influência sobre Bacon, 1, 2, 3, 4

Linda la Bouquetière (modelo), 1

marchand Kahnweiler e, 1, 2, 3

marchand Vollard e, 1, 2, 3, 4, 5, 6

Matisse como rival ou amigo, 1, 2, 3-4, 5, 6-7, 8, 9, 10, 11, 12-13,

14-15, 16-17

Matisse ultrapassado em proeminência por, 1-2

morte da irmã, 1-2, 3, 4

mudança para Paris de Barcelona, 1, 2-3

Nu azul de Matisse, reação a, 1

ópio e, 1, 2

período azul, 1, 2

período rosa, 1

permuta de trabalhos com Matisse, 1-2

pobreza de, 1

preocupações psicossexuais, 1

primeira exposição individual, 1-2, 3

primeira visita de Matisse a seu ateliê, 1-2, 3, 4, 5-6

reação de Matisse a Les demoiselles, 1-2

relacionamento com Marguerite Matisse, 1, 2


relacionamento com os Stein (Leo, Gertrude, Michael e Sarah), 1-

2, 3-4, 5, 6, 7, 8, 9, 10

retrato de Marguerite pintado por Matisse e, 1, 2, 3-4

retrato e, 1-2

sucesso financeiro, 1

talento de, 1, 2-3

tema para, 1, 2-3, 4, 5

tragédia de Casagemas e, 1-2

tributos a Matisse pintados por, 1

verão em Gósol e ímpeto criativo (1906), 1-2, 3

vida cotidiana, 1

— obras:

A família de acrobatas, 1

Cavalos tomando banho (inacabada), 1-2, 3

Cena de leito de morte com violinista, 1

Dois nus, 1, 2

Gertrude Stein, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Les demoiselles d’Avignon, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8, 9-10, 11, 12, 13, 14

Menina com cesta de flores, 1

Mulher rezando ao lado da cama de uma criança, 1

O beijo da morte, 1

Picture Post, 1

Três dançarinas, 1

Últimos momentos, 1, 2

“pintor da vida moderna, O” (Baudelaire), 1


pintura drip, 1, 2-3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10, 11-12

pinturas de gênero, 1, 2-3

Pollock, Arloie Conaway, 1, 2

Pollock, Charles, 1-2, 3, 4-5, 6-7, 8-9, 10

Pollock, Elizabeth, 1, 2

Pollock, Frank, 1, 2, 3, 4

Pollock, Jackson, 1-2, 3, 4

apartamento em Nova York, 1, 2

atitude em relação à vida, 1

bares frequentados em Nova York por, 1, 2

bebida, 1-2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9-10, 11, 12, 13-14, 15, 16, 17, 18, 19,

20-21

bloqueio criativo, 1, 2

caráter e personalidade, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9-10, 11, 12

crítico Greenberg e, 1, 2-3, 4-5

crítico Rosenberg e, 1-2, 3, 4

De Kooning como rival ou amigo, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9-10, 11, 12-

13, 14, 15-16, 17, 18

De Kooning e ciúme, 1-2

De Kooning influenciado por, 1, 2, 3-4

desenvolvimento como artista, 1-2, 3-4, 5, 6-7, 8, 9

desintegração (anos 1950), 1-2, 3, 4-5, 6-7

elogios para, 1, 2, 3

envolvimento com Ruth Kligman, 1, 2-3

estilo e maneira de pintar, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9-10, 11-12


exposição na McMillen, 1

exposição retrospectiva (1952), 1

exposições individuais na Betty Parsons, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

falta de aptidão para o desenho, 1, 2

falta de vendas, 1, 2

fama e, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7

filmagem de Namuth com, 1-2

fotografias e entrevista da revista Life, 1-2

homossexualidade e, 1-2

importância na arte moderna, 1-2

infância e educação, 1-2, 3

influência de Picasso sobre, 1, 2, 3

influência de, 1, 2-3, 4

influências sobre, 1

inovação na pintura, Long Island (1946), 1-2

marchand Betty Parsons e, 1, 2, 3, 4, 5

marchand Sidney Janis e, 1

Mondrian e, 1

morte de, 1, 2

mudança para Nova York (1930), 1

mulheres como alvos de, 1

na WPA, 1

opinião de De Kooning sobre, 1-2, 3-4, 5

pinturas da série Mulher de De Kooning e, 1-2


pinturas drip, 1, 2-3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10-11

pobreza de, 1, 2, 3

primeira exposição individual, 1

primeiro encontro com De Kooning, 1-2, 3-4

relacionamento com Peggy Guggen­


heim, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

relacionamento com Thomas Hart Benton, 1-2, 3, 4

relacionamento/casamento com Lee Krasner, 1, 2-3, 4-5, 6, 7-8, 9,

10-11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21-22

reputação póstuma, 1-2

resenhas críticas, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8, 9

saúde mental de, 1-2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9-10

sobre Long Island, 1-2, 3, 4-5, 6

sucesso de, 1, 2, 3, 4, 5, 6

temperamento e comportamento agressivo, 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8

túmulo de, 1, 2

— obras:

A loba, 1

Catedral, 1, 2

Figura estenográfica, 1, 2

Floresta encantada, 1

Fosforescência, 1

Full Fathom Five, 1

Galáxia, 1

Lúcifer, 1

Masculino e feminino, 1
Mulher-Lua, 1

Mural, 1, 2, 3

Nascimento, 1

Número Um (Número 1A), 1

Pollock, LeRoy McCoy, 1-2, 3

Pollock, Sande, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Pollock, Stella, 1, 2

pós-impressionismo, 1, 2

positivismo, 1

Potter, Fairfield, 1

Potter, Jeffrey, 1, 2, 3

Poussin, Nicholas, 1

Princet, Maurice, 1, 2

Proust, Antonin, 1, 2

Putzel, Howard, 1, 2, 3

Puvis de Chavannes, Pierre, 1, 2, 3

Rafael, 1

Rauschenberg, Robert, 1

Desenho de De Kooning apagado, 1

Read, Herbert, 1, 2, 3

realismo socialista, 1

realismo, 1, 2, 3

de Courbet, 1
de Freud, 1, 2, 3, 4, 5

de Manet, 1, 2, 3

Degas e o, 1

Duranty e o, 1

regionalismo norte-americano, 1

relacionamentos homossociais, 1

Rembrandt von Rijn, Tempestade no mar da Galileia, 1

Renoir, Pierre-Auguste, 1, 2-3, 4, 5

Resnick, Milton, 1

restaurante Wheeler’s, Londres, 1, 2

Richardson, John, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7

Rimbaud, Arthur, 1

Rivera, Diego, 1

Robespierre, Maximilien Marie Isadore de, 1

Rodin, Auguste, 1, 2

romantismo, 1, 2-3

Romein, Bernard, 1

Rose, Andrea, 1, 2-3, 4

Rosenberg, Harold, 1, 2-3, 4

Rosenberg, May, 1, 2

Rosenberg, Paul, 1

Rosenshine, Annette, 1

Ross, Alan, 1, 2

Roth, Philip, 1
Rothermere, Ann, 1-2, 3

Rothermere, Esmond Harmsworth,segundo visconde, 1

Rothko, Mark, 1

roubo de arte, 1-2, 3

Royal College of Art, 1

“Rumo a um mais novo Laocoonte” (Greenberg), 1

Russell, John, 1, 2, 3, 4, 5

Saint-Victor, Paul de, 1

Salão de Outono, 1, 2, 3, 4

rejeição de Braque, 1

retrospectiva de Matisse (1908), 1

Salão de Paris (exposição de arte na Academia de Belas-Artes), 1-2, 3,

4, 5, 6, 7, 8, 9

Degas e, 1-2, 3

reação à pintura de Manet (1861), 1

rejeição do grupo Batignolles, 1

Salão dos Independentes, 1, 2, 3

Salão dos Recusados, 1

Salmon, André, 1, 2, 3, 4, 5, 6

Sand, George, 1

Sandler, Irving, 1

Satie, Erik, 1

Schapiro, Meyer, 1

Schumann, Robert Alexander, 1


Seiberling, Dorothy, 1

Sembat, Marcel, 1

Shchukin, Sergei, 1, 2, 3, 4

Sickert, Walter, 1, 2, 3

Sidney Janis Gallery, Nova York, 1, 2, 3

Silvestre, Armand, 1

Siqueiros, David, 1

Skelton, Barbara, 1

Smith, Gregory, 1, 2, 3, 4

Smith, Matthew, 1

Sobre a fisiognomonia (Duranty), 1

Soutine, 1

Spender, Stephen, 1-2, 3, 4, 5, 6

Spurling, Hilary, 1, 2, 3, 4

Stein, Allan, 1, 2

Stein, Gertrude, 1, 2, 3, 4

aparência, 1, 2

como colecionadora de arte, 1-2, 3

Matisse e, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

Picasso e, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8, 9, 10, 11

retrato pintado por Picasso de, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7, 8

visita de Matisse ao ateliê de Picasso e, 1-2, 3, 4-5

visitantes à rue de Fleurus e, 1-2

Stein, Leo, 1-2, 3-4


aparência, 1, 2

coleção de arte de (com a família), 1-2, 3-4, 5, 6, 7

esboço feito por Picasso de, 1

Matisse e, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8, 9, 10, 11-12

obras de Matisse da coleção de, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8-9

obras de Picasso da coleção de, 1, 2

Picasso e, 1, 2, 3, 4-5

pinturas de Manet e, 1

residência na rue de Fleurus, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

sobre Matisse, 1-2

sobre Picasso, 1

visita de Matisse ao ateliê de Picasso e, 1-2, 3, 4-5

Stein, Sarah e Michael, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

Matisse e, 1-2, 3, 4-5, 6, 7

Steinberg, Leo, 1

Steinberg, Saul, 1

Sterne, Hedda, 1

Stevens, Alfred, 1, 2

Stevens, Mark, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

Stieglitz, Alfred, 1

Sunyer, Joaquim, 1-2

Supple, Margaret, 1

surrealismo, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7, 8, 9

automatismo psíquico, 1
Sigmund Freud e, 1

Sutherland, Graham, 1-2, 3

Swan, Annalyn, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

Sylvester, David, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

Tabarant, Adolphe, 1-2

Tanguy, Yves, 1

Tate Gallery, Londres, 1, 2, 3

restrospectiva de Bacon (1962), 1, 2

Tennant, David, 1

tête d’expression, 1

Thérèse Raquin (Zola), 1, 2-3

Thoré, Théophile, 1

Ticiano, 1

Vênus de Urbino, 1

Tilley, Sue, 1

Time, revista, 1

Tissot, James Joseph Jacques, 1, 2

Toulouse-Lautrec, Henri, 1

Tyler, Parker, 1

Valernes, Évariste de, 1, 2

Valpinçon, Paul, 1

van der Rohe, Mies, 1

Van Gogh, Vincent, 1, 2, 3


“Vanguarda e kitsch” (Greenberg), 1, 2

Vauxcelles, Louis, 1

Velázquez, Diego, 1, 2, 3, 4, 5

Vermeer, Jan, O concerto, 1

Veronese, Paolo, 1

Virgílio, 1

Vlaminck, Maurice de, 1, 2

Vollard, Ambroise, 1

Degas e, 1, 2, 3

Gauguin e, 1

Matisse e, 1, 2, 3-4, 5

Picasso e, 1, 2, 3, 4, 5-6

sobre os Stein, 1

Voltaire, 1

von Rebay, Hilla, 1, 2

Wagner, Richard, 1, 2

Wakehurst, lorde, 1

Warhol, Andy, 1

piss paintings, 1

Watson, Peter, 1, 2, 3-4, 5

coleção de arte de, 1

promoção de Freud, 1-2, 3

Weber, Max, 1
Weeks, Mabel, 1

Weindenfeld, George, 1

Whistler, James, 1, 2, 3, 4

Wilde, Oscar, 1

Williams, Tennessee, 1, 2

Wilson, Reginald, 1

Wishart, Ernest, 1

Wishart, Lorna, 1-2, 3, 4

Wishart, Michael, 1, 2, 3, 4, 5

experiência de posar para Freud, 1

Wishart, Yasmin, 1

Wordsworth, William, 1

Zola, Émile, 1, 2, 3, 4, 5-6


Título original:

The Art of Rivalry

(Four Friendships, Betrayals and Breakthroughs in Modern Art)

Tradução autorizada da primeira edição americana, publicada em 2016

por Random House, um selo e uma divisão de Penguin Random House LLC,

de Nova York, Estados Unidos

Copyright © 2016, Sebastian Smee

Copyright da edição brasileira © 2017:

Jorge Zahar Editor Ltda.

rua Marquês de S. Vicente 99 − 1º | 22451-041 Rio de Janeiro, RJ

tel (21) 2529-4750 | fax (21) 2529-4787

editora@zahar.com.br | www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.

A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de

direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Willem de Kooning: excertos da entrevista com James Valliere

na Partisan Review (outono, 1967). © 2016 The Willem de Kooning

Foundation/Artists Rights Society (ARS), New York.

Fernande Olivier: excertos de Loving Picasso: The Private Journal

of Fernande Olivier. Copyright © 2001 by Gilbert Krill.

Capa: Tereza Bettinardi

Imagem da capa: © Bangkokhappiness/Shutterstock.com

Produção do arquivo ePub: Booknando Livros

Edição digital: maio de 2017

ISBN: 978-85-378-1678-3

Você também pode gostar