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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP

CIÊNCIAS E LETRAS – CÂMPUS DE ASSIS

Curso de Letras – 2º ano – 1º semestre - Diurno


Teoria da Narrativa ll
Prof. Cleomar Pinheiro Sotta

Conto: O SOLITÁRIO -
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Tarsilia Francisca Penheiro de Goes

ASSIS
2024
O presente trabalho tem caráter analítico e interpretativo, o qual objetiva levar o
leitor a refletir, conhecer, identificar os temas contidos na obra escrita por Horácio
Quiroga – o conto O Solitário, tal que estabeleça intertexto, compreendendo tanto as
críticas e elementos fundamentadores de sentido, quanto de assuntos abordados
pela vivência do autor e sua compreensão do mundo e da sociedade.
Ao ler, pode-se fazer um grande apanhado de tópicos que muito se tem
discutido, mensagens subliminares e releituras atemporais com inter-relações com
obras clássicas, as quais jamais deixam suas significações no passado. Antes,
acompanham a história da humanidade, dando voz à sociedade marginalizada e
continuando na firme construção literária que transcende o tempo.
A obra do uruguaio Quiroga, descreve eventos fantásticos e fúnebres,
influenciada por Edgar Alan Poe, como por exemplo, o poema narrativo O Corvo,
através do qual o escritor idealiza o amor de uma companheira e se conscientiza da
solidão onde permeia a presença sombria da morte.
Vale dizer que Poe, quando tinha apenas um ano, o pai foi embora de casa e a
mãe falecera no ano seguinte, Fora adotado aos dois anos de idade e estudou em
um internato em Londres. Em 1826, foi para a Universidade de Virgínia e nessa
época, teve início seu envolvimento com o jogo e o álcool, o que causara inúmeros
conflitos com o seu tutor. Foi expulso, em 1830, da Academia Militar em que
ingressara, puramente por indisciplina. O agravo dos vícios o levou a escândalos e
seu prestígio de escritor, minara, sendo incompreendido e esquecido. Fora
encontrado bêbado, perdido pelas ruas e levado a um hospital onde passou seus
últimos dias. A tragédia, portanto, era uma constante em sua vida.
A vida de Horácio Quiroga, também fora intensamente marcada pelo sentimento
depressivo, ao saber da existência de um câncer incurável. Por consequência,
cometera suicídio pela ingestão de poderoso veneno. Haja visto que a morte estava
presente em sua vida, pois quando tinha apenas alguns meses de vida, o pai sofrera
um acidente. Mais tarde, o padrasto atentara à própria vida após sofrer um derrame.
Nessa linha de pensamento, percebe-se que Quiroga apropria-se de situações
de terror, identificando-se à soma de sentimentos e sofrimentos por quais passaram
e ainda passam as sociedades mais desfavorecidas.
Por todos esses episódios comentados, estaria contido em tal conto, uma
denúncia de violência contra as mulheres?
Curioso se pensar uma inter-relação entre Poe e Quiroga, no contexto de suas
experiências e por meio desta, reconhecer tal complementação que categorize
profunda relevância nos tempos atuais.
A sugestão é de que se mergulhe pela história em um adentramento dos
sentimentos e emoções dos personagens de Kassim e Maria e se descubra as
nuances que surgirão aos montes numa evolução bordada de sentido e crítica.
Analisando o texto com mais profundidade, constata-se, desde o título até seu
desfecho, que há traços gritantes quanto a visões de cunho reflexivo dentro de uma
literatura produtora de realidades várias, de qualquer um e de todos. Seja contexto
histórico humano ou literário, na concepção de Aristóteles.
O título O Solitário tem uma relação estreita com a pedra preciosa, cujo nome é
o mesmo do conto – uma vez que, o personagem tem o ofício de joalheiro, o qual
também se sente sozinho.
O narrador é onisciente, narrando em 3ª pessoa, que se pode perceber que este
toma partido de Kassim, sugerindo com certas afirmações uma certa defesa de suas
atitudes.
Há uma apresentação de personagens complexos, que não controlam
sobressaltos interiores, os quais sofrem transformações, como a calma de Maria se
modificando em exaltação, como se lê na passagem:

Pouco a pouco a convivência com as pedras deixou-a apaixonada


pelas tarefas do artífice (...). Mas, quando a joia estava terminada –
devia partir, não era para ela – Maria caía mais profundamente na
decepção com seu casamento.

Kassim, demonstra sarcasmo ao afirmar que tudo faz pela esposa, para que
estatenha melhores condições de vida, quando o que faz é trata-la como um troféu,
não lhe dá atenção, sempre fazendo-a sentir-se subordinada, que se pode ler no
trecho:

(...) os soluços aumentavam, e o joalheiro reinstalava-se,


lentamente em seu banco. (...) Kassim já nem se levantava para
consolá-la.

O texto oferece como um dos elementos essenciais - a tensão, aproximando


gradativamente a sua mudança interior e Kassim, em vários episódios deixa isso
bem claro:

(...) o joalheiro reinstalava-se, lentamente (...) os olhares de sua mulher


(...) sobre aquela muda tranquilidade. Kassim a olhava com descolorida
ternura.

No decorrer da narrativa, segundo Ferreira e Matias, observa-se que Kassim


nunca presenteia a esposa com uma das joias que ele fabrica, apenas deixando que
ela as provasse. No evento em que ele não encontra o broche, este insiste em
submetê-la a uma violência psicológica, torturando-a moralmente com a
desconfiança de que ela pudesse roubá-lo, demostrando assim um certo desrespeito
ao personagem de Maria e ao seu gênero feminino, o que era muito comum na
sociedade e ainda o é, hoje. Isto é nítido no texto, onde Kassim diz:
Uma noite, ao guardar as suas joias, Kassim notou a falta de um
broche, com dois solitários que valiam cinco mil pesos. – Você não viu
o broche, Maria? (...). Dói em você pensar que ele poderia ser meu. (...)
– Melhor não. As pessoas podem vê-la com o broche e perder a
confiança em mim. (Ferreira e Matias, 2020. p. 36).

Kassim diz, afirma Ferreira e Matias - estrategicamente à esposa, numa conduta


adotada de artimanha patriarcal, sob o método de fazê-la calar-se diante a
desqualificação de estar doente, assim silenciando a liberdade de expressão do
discurso feminino, revelando uma violência emblemática contra a mulher. Diz ele:

- Você é um ladrão, seu miserável! Roubou a minha vida! (...) –


Você está doente, Maria. Depois conversamos. Agora deite-se. (...) De
novo a sensação de sufocamento. (Ferreira e Matias, 2020, p. 37).

A intensidade, outro elemento fundamental, encontra-se presente, pois o conto é


constituído e estruturado por argumentações que não fogem às cenas necessárias à
profundidade do curso da história. Há conexão entre o início e o desfecho, apoiada
por figuras que se complementam em todo o texto. Revela-se, claramente, uma
unidade de efeito, ocasionado por uma surpresa impactante do desfecho. De
extensão adequada, não se perde a expectativa durante toda sua leitura.
Decorrência curta, com personagens suficientes para prender o leitor. O tempo em
que ocorre é predominantemente psicológico, não há uma cronologia certa; em
espaço fechado, finaliza o conto de maneira acentuadamente forte o bastante para
desencadear no receptor um grande impacto que consiste numa inusitada surpresa.

O narrador, enfim, - comenta Ferreira e Matias - descreve a violência física,


crueldade e frieza ao cometer um crime hediondo, covardemente no momento em
que a esposa se encontra frágil e indefesa, no ato de dormir. Antes, Maria fizera ser
ouvida, dando voz ao seu descontentamento pelo casamento submisso,
desrespeitoso que vivia (ou morria) com Kassim. Mostra, o seguinte fragmento, a
vingança baseada no machismo da cultura patriarcal, em que o homem era tratado
como soberano:

Às duas da manhã, Kassim concluiu o trabalho, o brilhante


resplandecia, firme, varonil em seu engaste. Com passos silenciosos,
dirigiu-se até o quarto e acendeu o abajur da cabeceira. Maria dormia
de costas, no branco gelado de sua camisola e do lençol. Kassim foi
até sua mesa de trabalho e regressou ao quarto. Contemplou por um
momento o seio quase descoberto e, com um sorriso esmaecido,
afastou um pouco mais a camisola. Sua mulher não sentiu. (...)
suspendendo por um instante a joia sobre a flor do peito desnudo,
cravou firme e perpendicularmente, como um prego, o alfinete inteiro
no coração de sua mulher. (Ferreira e Matias, 2020, p. 38).
A tragédia descrita no final, portanto, tem um grande poder no comportamento
de quem recebe a carga emocional dos acontecimentos, visto que existe um apelo
nas entrelinhas, que consegue fazer-se compreender a incapacidade das Leis
Constitucionais, de instituir proteção e amparo às vítimas de violência -
discriminadas por serem do gênero feminino - que perdura até hoje.

Contudo, a crítica de Quiroga, revela ser uma grande contribuição literária, a


qual visa construir mais e mais obras humanizadoras, capazes de tocar almas e
revirar as mentes com temas que transcendem o tempo e abordam todo tipo de
aflição que necessite ser sanada.
REFERÊNCIAS

ORTIZ, Juan.Actualidad Literatura. Artigo: Biografia e Obras de Horácio


Quiroga. Acesso em 27 de Mar. 2024. Disponível em:

https://www.actualidadliteratura.com/biografia-y-obras-de-horacio-quiroga/

FRAZÃO, Dilva. Biografia de Edgar Alan Poe. Publicado em 5 de Mai. 2023.


Acesso em 27 de Mar. 2024. Disponível em:

https://www.ebiografia.com/edgar_allan_poe/

LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Editora Rocco, 1988. Disponível em:

https://portaldetonando.forumeiros.com/forum

FERREIRA, M. F.; Matias, F. S. Sumários de Revistas Brasileiras. Artigo A


Representação da Violência Contra a Mulher no Conto El Solitário, de
Horácio Quiroga. 2020. Disponível em:

https://www.sumarios.org/artigo/representa%C3%A7%C3%A3o-da-viol
%C3%AAncia-contra-mulher-no-conto-el-solitario-de-horacio-quiroga

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